Eneagrama

December 8, 2016 | Author: Lucious Hominis | Category: N/A
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Estudo sobre os diferentes tipos psicologicos....

Description

5ª edição

Copyright © 2011, by Khristian Paterhan C. Revisão: Denis ???? Capa e diagramação: Alexandre Brum Nova edição revisada

Quartet Editora Rua São Francisco Xavier, 524 – Térreo 20550-900 – Rio de Janeiro/RJ Tel./Fax: (21) 2516-5353 [email protected] www.quartet.com.br 2011 Impresso no Brasil

A Eleanor Coelho, pelo seu apoio e estímulo.

Este livro é uma homenagem a Georges Ivanovich Gurdjieff, o homem que iniciou o resgate do Eneagrama para nosso tempo e dedicou sua vida ao desenvolvimento harmonioso do ser humano.

“Lembrem-se desses encontros e das observações que fizeram, porque é impossível estudar a ciência dos tipos a não ser encontrando tipos. Não há outro método. Tudo mais é imaginário.” G. I. Gurdjieff

Agradecimentos Agradeço a todos aqueles que colaboraram na construção deste livro com seus depoimentos e vivências. Eles são a base desta obra e sem essa participação não valeria a pena tê-lo escrito.

Como ler, aplicar e tirar maior proveito deste livro .....................27 Introdução ao Eneagrama O legado de Georges Ivanovich Gurdjieff ...................................31 Algo sobre o valor objetivo de certos símbolos e as origens do Eneagrama segundo Gurdjieff; Aplicação psicológica do Eneagrama nos ensinamentos de Gurdjieff; Os Três Grupos de Seres Humanos Básicos e os Quatro Grupos Superiores de Seres Humanos segundo Gurdjieff; A importância do estudo prático do Eneagrama para o autoconhecimento; O Eneagrama dos nove Traços Principais; Definições de Gurdjieff para o estudo dos Traços Principais. Para além dos Nove Traços Principais. A questão dos “Eus”. O Eneagrama interior.

Parte I Centro Físico ou Motor (Tipos 8, 9 e 1) ........................................75

O Tipo 8: O eu que confronta .........................................................77 Então, vamos nos conhecer melhor ou não? O poder: a grande fascinação dos “guerreiros” do Eneagrama; Como e por que os Tipos 8 brigam desde cedo com “o mundo todo”; Para estar protegido do mundo, é necessário controlar tudo; Lealdade e proteção: algo valioso que se pode cobrar; Conquistando novos territórios... sem limites; O Traço Principal: o excesso e a luxúria aumentam a agressividade; Raiva e ação instintiva; A influência “negativa” dos parceiros eneagramáticos 7 e 9: gula e indolência; Insensibilidade e poder; Insensibilidade e violência: uma reflexão necessária; O Tipo 8 e o Tipo Intuitivo Extrovertido de Jung; Iniciando o processo de mudanças positivas; Desenvolvendo o positivo das influências 7 e 9; Observando os movimentos a favor e contra a seta (do 8 ao 5 e do 8 ao 2); Redescobrindo a simplicidade e a leveza da inocência: a virtude que conduz ao poder verdadeiro.

O Tipo 9: O eu que espera .............................................................99 Um nome maravilhoso; A “doença do amanhã”. Os Tipos 9 são preguiçosos? Esquecimento de Si Mesmo: eis causa do Traço Principal! Deixando de lado o mais importante; A dificuldade de estar presente; A questão do “território aberto” e “sem limites”; Iniciando o processo de mudanças positivas; Observando a raiva: a influência negativa dos parceiros 8 e 1; O negativo dos movimentos ao 6 e ao 3: reconhecendo o medo e a mentira; O Tipo 9 e o Tipo de Sensação introvertida de Jung; O positivo do movimento 9–6–3; A influência positiva dos parceiros 8 e 1; Lembrança de si mesmo: cultivando as virtudes do amor e da reta ação.

O Tipo 1: O eu que ordena ...........................................................125 Ah, esses perfeitíssimos Tipos 1; O tipo1 e seu Traço Principal; Como surgiu sua máscara; O próprio “território”; O melhor modo de evitar as cobranças de perfeição; O surgimento da raiva e do ressentimento; Movimento em direção à angústia; rigidez interna/externa; A face oculta aparece; A divisão interna; Iniciando o processo de mudanças positivas; movimentos do 1 ao 4 e do 1 ao 7; 9 e 2: uma influência positiva ou negativa; O Tipo 1 eo Tipo de Pensamento Extrovertido de Jung; O cultivo da virtude e da serenidade.

Parte II Centro Emocional (Tipos 2, 3 e 4) ..............................................153

O Tipo 2: O eu que ama ...............................................................155 Existem seres mais amorosos que os Tipos 2? A sutileza do orgulho; A “Identificação” e o Traço Principal: “Ser para os outros” como manifestação do orgulho; “Ser para os outros” como consideração interna; Ah, esses importantes “outros”! A necessidade de atrair a

atenção dos outros; O Tipo 2 e o Tipo de Sentimento Extrovertido de Jung; A sensação de perder a liberdade; Duas razões para a mesma conduta; Iniciando o processo de mudanças positivas; Aprimorando a observação de si mesmo; Centrando-se na equanimidade do Ponto 4; 1 e 3: influências positivas e negativas; A humildade nos lembra nossa real importância.

O Tipo 3: O eu que compete ........................................................179 Aparentemente tudo está sempre bem com você, não? Como o aparente sucesso externo produz a falta da felicidade interna; Esquecendo as necessidades emocionais e sentindo-se superficial; A “Identificação” e o Traço Principal – A vaidade é mentirosa; Aprendendo a mentir e a mentir-se; À procura da admiração e do reconhecimento alheios; Quanto mais vaidade mais narcisismo; As aparências enganam por isso o Tipo 3 gosta delas!; O Tipo 3 e o caráter mercantil de Fromm; O 3 como falso “exemplo” de vida certa; Procurando um “bode expiatório” para os fracassos; Para não ter a mesma sorte de Narciso; Iniciando o processo de mudanças positivas; Os movimentos no triângulo equilátero: verdadeiro sentir, verdadeira ação, verdadeira esperança; O que evitar e o que aprender com os parceiros 4 e 2; “A verdade os fará livres”: o desafio final.

O Tipo 4: O eu que idealiza ..........................................................209 A dificuldade de ser feliz; Lembrando outros exemplos; A inveja que parece tristeza; O maravilhoso Krajcberg; A perda do paraíso; A insatisfação com o presente; Felicidade... só de longe, só desejada; A tristeza de não ser feliz no presente; O Tipo 4 e o Tipo Intuitivo Introvertido de Jung; Quando sofrer se transforma na arte de acabar com você; Iniciando o processo de mudanças positivas; A observação dos companheiros eneagramáticos 3 e 5; O negativo e o positivo dos movimentos aos Pontos 2 e 1; Trabalhando para conseguir ser equânime; Superando “o vício do sofrimento”; Aplique o conselho de Gurdjieff.

Parte III Centro Intelectual (Tipos 5, 6 e 7) ..............................................239

O Tipo 5: O eu que pensa ............................................................241 Não quero invadir sua privacidade; A tendência ao isolamento ou a sutileza da avareza; Como surge o Traço Principal? O medo e as racionalizações (percebendo a dificuldade dos relacionamentos); Desconfiança demais! Somatizando o medo; Talvez “sumir do mapa” seja o mais correto! A tristeza de não poder sentir para não sofrer a tristeza de sentir; Uma boa desculpa: “antes só do que malacompanhado”; As armadilhas que separam os Tipos 5 da realidade; O Tipo 5 e o Tipo de Pensamento Introvertido de Jung;A perigosa invasão; Escrever é melhor que falar o que sinto; Iniciando o processo de mudanças positivas; Observando o negativo dos Pontos 4 e 6; As influências positivas dos pontos 4 e 6; Os movimentos 5 - 7 e 5 - 8; Enxergando a realidade tal qual ela é; O desapego: a virtude de ficar entregue; A diferença entre conhecimento vivo e conhecimento morto; A lição do geógrafo no Pequeno príncipe.

O Tipo 6: O eu que imagina .........................................................273 Medo: o Traço Principal, ou como uma espada pode virar uma bengala branca, segundo Woody Allen. Ambivalência: extrema covardia ou extrema ousadia; Os filhos do casal ambivalência-medo;O Tipo 6 e o Tipo de Sentimento Introvertido de Jung; Como surgiu o Traço Principal; Errar por medo do erro ou “Por que estão me castigando?”; O mundo oculto: motivo de rejeição e de atração; Iniciando o processo de mudanças positivas; Observando seus parceiros 5 e 7; Imaginação consciente: percebendo as “78 faces” da realidade; Conquistando a virtude da coragem e desenvolvendo uma “fé consciente”; O valor da fé consciente.

O Tipo 7: O eu que projeta ...........................................................293 A alegre, maravilhosa e original turma dos 7! Negando o medo como uma maneira de sentir liberdade; A decisão de ser um puer aeternus (eterna criança); Hedonismo ou como os Tipos 7 decidem não sofrer nunca; O Traço Principal – gula – e suas consequências;O Tipo 7 e o Tipo de Sensação Extrovertida de Jung; Uma mistura perigosa: gula e intemperança; A projeção para o futuro: os riscos do “sonhar acordado”; Iniciando o processo de mudanças positivas; Quando o movimento ao Ponto 1 aumenta seu narcisismo e excesso de autoconfiança; A necessidade de sentir-se “livre” e seus aspectos positivos e negativos; Seus parceiros 6 e 8 (tente pegar só o melhor deles!); Controlando o sentimento de “inferioridade”; Problemas com hierarquias e autoridades; Controlando a agressividade e a luxúria; Conquistando a virtude do equilíbrio; Relacionando liberdade e responsabilidade com o autoconhecimento.

Palavras Finais O Eneagrama positivo e a possível evolução humana ...............321

Referências Bibliográficas .........................................................331

Prefácio Por Alaor Passos* Confesso-me honrado por receber do autor o pedido para escrever “um texto” para a reedição deste livro, o que faço com prazer. Ao mesmo tempo ainda me sinto surpreendidamente intrigado ao dar-me conta da sincronicidade da chegada do convite. Foi justamente quando eu acabava de reler a edição anterior, cujo exemplar ele me havia presenteado, com simpática dedicatória, quando nos conhecemos pessoalmente por ocasião do Io Congresso Brasileiro de Eneagrama, SãoPaulo/2006, promovido pela IEA/Brasil – Associação Internacional de Eneagrama – da qual Khristian viria a ser presidente na gestão posterior. Daí para frente nos encontramos várias vezes e transformamos a empatia mútua inicial em consistentes laços de proximidade amiga, confiança, admiração e intercâmbio de ideais transformadores, visando melhorar a qualidade e o sentido da vida humana no planeta. Para melhorar a qualidade de vida, faz-se necessária a elevação da consciência humana planetária cuja aceleração, já perceptível, se faz cada vez mais urgente e possível neste período de transição de milênios. Transição esta que coincide com o fechamento/abertura de ciclos de dimensões cósmicas, cujo alcance e consequências parecem estar muito além da possibilidade de compreensão da consciência ordinária que ainda prevalece entre os humanos. Daí a notória defasagem existente entre o vertiginoso avanço tecnológico da civilização atual globalizante e o baixíssimo nível de consciência coletiva e pessoal que permanece estagnada na dormência do esquecimento de quem somos, como somos, onde estamos, de onde viemos e para onde vamos. A correria estressante do moderno jeito de “mal viver” trouxe em seu bojo o aumento da angústia, da violência, dos conflitos inter e intrapessoais, da competição, do egoísmo, da perda de valores éticos e a consequente sensação incômoda de vazio existencial. Poucos indivíduos, em qualquer das camadas sociais, desde os mais ricos e sofisticados até o extremo oposto das camadas mais pobres, conseguem escapar da armadilha dos efeitos do “autoesquecimento” gerado pela engrenagem enlouquecedora que criou o estranho jeito de viver da civilização moderna

que se sustenta no tripé do assim chamado “complexo industrial/militar/ tecnológico” que tem se expandido desde o fim da Grande Guerra. Cada vez mais acentua-se o paradoxo que nos impede de gozar plenamente e com felicidade das conquistas crescentes da tecnologia altamente desenvolvida que, ao invés de bem-estar e melhor qualidade de vida, tem nos roubado de nós mesmos, sem nos deixar tempo nem motivação para nos dedicar ao desenvolvimento de nosso potencial humano e às inquietudes do espírito, ou da essência transcendente da vida que habita em nosso corpo. Cabe aqui uma paráfrase do que Geraldo Vandré denunciava em sua bela canção que continua tão viva hoje como quando foi criada nos idos anos sessenta. Refiro-me aos “indecisos cordões”, propensos a morrer sem ter vivido, ou “morrer pela pátria e viver sem razão”. Substitua-se a palavra “pátria” por civilização, trabalho, profissão, posse, dinheiro, consumo ou o que quer que seja, e mude-se o “viver sem razão” por vazio existencial, ausência de Ser, etc. e talvez sejamos capazes de escutar o chamado do refrão: “vem, vamos embora ...” que só labutar não é viver! “Quem sabe faz a hora” para se autoconhecer e cultivar seu próprio Ser. A releitura da edição anterior me deu muito prazer, além de ampliar minha facilidade de compreensão do que já havia lido. Atribuo isto ao fato de ter conhecido o autor e interagido com ele, podendo perceber a profundidade de suas qualidades humanas, a solidez de seus conhecimentos e seu estilo de falar e comunicar-se. A leitura tornou-se então uma espécie de “conversa escrita” na qual Khristian permaneceu presente e inteiro, por seu estilo coloquial de escrever, ao mesmo tempo erudito e consistente, muito semelhante a seu jeito natural de falar. Entendi em seguida que na convergência de nossos pensamentos, pontos de vista, sonhos e esperanças, embora muitas razões pudessem ser comentadas, salientava-se uma que é suficiente em si mesma. É que, por muitos anos, ambos estivemos usando o Eneagrama como instrumento catalisador no caminho do autoconhecimento, e observado o efeito transformador que esta quase desconhecida e milenar sabedoria operava para melhorar a qualidade de vida dos iniciados. Por certo que ambos sabíamos da existência um do outro, mas não nos conhecíamos, e nem estávamos conscientes da afinidade que permeava nosso jeito de trabalhar.

Chegamos ao Eneagrama por caminhos diferentes, é certo, mas no encontro pessoal ficou evidente que tínhamos o mesmo zelo e a mesma esperança que nos fez preservar a pureza dos ensinamentos tal como haviam sido originados nos elos primordiais de sua origem secreta e de sua transmissão sutil através de milênios. De minha parte, tive a sorte de receber ensinamentos diretamente de Claudio Naranjo, acompanhando-o muito de perto nos últimos trinta anos e reconhecendo-o como o legítimo elo atual da corrente de transmissão milenar desta sabedoria hermética que chegou ao Ocidente primeiro através do trabalho de Gurdjieff na Europa e em seguida vetorizada por Oscar Ichazo, com grande impacto nas Américas. O bastão da maestria foi logo passado a Claudio Naranjo, um psiquiatra gestaltista, buscador e pesquisador incansável que desenvolveu e ampliou pioneiramente e com brilhantismo ímpar aquilo que Ichazo havia introduzido em Arica, Chile apenas elementarmente no que se refere à aplicação do Eneagrama ao estudo da personalidade. Naranjo criou o que veio a ficar conhecido como Psicologia dos Eneatipos para a qual proveu ampla e completa descrição de toda a tipologia à qual Ichazo fez menção apenas dos seus fundamentos básicos nos tempos de Arica. Do massivo e ainda crescente interesse despertado pelo tema, que já dura quatro décadas, muitos nomes gabaritados foram se destacando em muitos lugares. Foge a meus propósitos contar aqui essa história, por isso não desenvolvo mais que este pequeno trecho. Sem deixar de dizer que embora Naranjo tenha feito reconhecimento público de que Oscar Ichazo foi sua “parteira espiritual” ele também afirma que no concernente ao Eneagrama como instrumento de estudo aplicável ao ser humano, foi pouquíssimo o que Ichazo lhe ensinou em comparação com tantas outras coisas que aprendeu dele. Desta forma, fica evidenciado que toda a descrição tipológica que viria circular em abundante número de livros, deve créditos a Naranjo, mesmo aqueles que não explicitam o devido reconhecimento. Da parte de Khristian Paterhan C., por outro lado, o leitor verá neste livro a história contada por ele mesmo de como chegou ao Eneagrama. E reconheço-lhe o mérito da difícil tarefa que empreendeu com sucesso para extrair diretamente dos herméticos ensinamentos de Gurdjieff a base

de seus conhecimentos tão consistentes. Ouvi-o reconhecer, na presença de Naranjo, que as descrições explícitas derivadas da Psicologia dos Eneatipos foi de considerável ajuda para permitir-lhe entender as passagens habilmente disfarçadas e não sistemáticas de onde ele conseguiu extrair a mesma tipologia por meios tão originais. Tal reconhecimento apenas faz crescer minha admiração e respeito por sua integridade humilde e sincera, uma de suas notáveis qualidades humanas. Imagino que o dito até aqui seja suficiente para justificar meu empenho para atender o pedido honroso que recebi do autor, e me dá oportunidade para acrescentar algo mais substancial sobre a convergência do trabalho que ambos viemos fazendo paralelamente ao longo de anos. Só recentemente me dei conta que Khristian e eu fomos pioneiros da introdução do Eneagrama no Brasil, sem saber um do outro. Talvez tenhamos sido os dois primeiros, numa considerável sincronicidade e quase perfeita simultaneidade. Ambos começamos no início da década de oitenta. Ele desenvolvendo o que veio a ser seu prestigioso Instituto IDHI conforme menciona no livro, tornando-se uma referência nacional confiável que tem ajudado a muita gente, com ênfase especial em sua atuação no meio empresarial por onde transita com desenvoltura profissional fluida e marcante. Apenas um pouquinho antes (1984) eu tive a grata oportunidade de trazer Claudio Naranjo ao Brasil para um primeiro seminário longo. Daí para frente suas vindas anuais consecutivas, até hoje têm propiciado a um grande número de pessoas estudar o Eneagrama em profundidade e eu me tornei seu braço direito brasileiro na qualidade de discípulo e representante nacional. É disto que falarei em seguida. Aprendi diretamente dele tudo que pude absorver de nossa convivência estreita e colaboração longa e profícua. Dei alcance nacional a seu trabalho criando grupos de estudo de Eneagrama em muitas das principais cidades brasileiras. Criei o Instituto Eneasat do Brasil, um veículo administrativo para organizar e promover os ensinamentos da Escola SAT, sob a maestria de Naranjo, da qual passarei a falar na sequência. A Escola SAT internacional não é uma instituição física/administrativa. Ela é a guardiã de um corpo de conhecimentos inserida nos moldes de uma Escola do Quarto Caminho que funciona à luz do

Eneagrama, enriquecido de inúmeras atividades multidisciplinares de cunho especificamente terapêutico que ajuda a “passar a vida a limpo” para que a sabedoria do Eneagrama opere com mais inteireza e velocidade, maximizando seu potencial condutor do autoconhecimento levado a níveis ilimitados, pois ilimitado é o potencial de evolução possível ao ser humano que consiga alcançar a iluminação. Os eventos através dos quais a Escola transmite seus ensinamentos consistem de módulos vivenciais periódicos e intensivos de imersão total. Em tal formato as obrigações mundanas do entorno sócio/ familiar/profissional, que todos temos que executar por razões de sobrevivência visando adequado grau de sucesso em nossas atividades regulares, podem ser realizadas sem interferir com a dedicação à busca das qualidades superiores de vida que são intrínsecas ao autoconhecimento. Faz parte do aprendizado a necessidade de “aprender a aprender”, expressão derivada de um aforismo da tradição eneagramática de linhagem Sufi que afirma que no caminho da evolução é preciso “aprender a estar no mundo sem ser do mundo”. Ou seja, estar totalmente inserido e ter êxito nas responsabilidades mundanas, porém desapegadamente delas, conduzindo conscientemente o próprio destino independentemente das circunstâncias externas do entorno em que se vive. Portanto sem necessidade de renúncia ao mundo ou refúgio isolado com pretensos propósitos “espiritualizantes”. Talvez Gurdjieff estivesse inspirado nesta sintonia quando proferia algumas de suas afirmações chocantes, como por exemplo, “mosteiro não é refúgio de proteção para fracassados” ou ainda, a ênfase dada à necessidade de que o buscador da transcendência espiritual deveria ser primeiro um vencedor no mundo, capacitando-se para prover suas próprias necessidades mundanas com sobra suficiente para atender as necessidades básicas de pelo menos vinte pessoas mais. A Escola SAT, moldada nos figurinos do Quarto Caminho intenciona propiciar o desenvolvimento harmônico do Ser integral, onde torna-se possível manter o equilíbrio da saúde corporal/emocional e simultaneamente cultivar-se e desenvolver a inteligência espiritual que é a meta principal que pode ser atingida no trabalho sobre si mesmo direcionado ao autoconhecimento.

A sigla “SAT”, que dá nome à Escola, necessita alguns comentários para ser corretamente entendida. Quando escrito por extenso o nome completo seria: Escola de Buscadores da Verdade – Teekers After Truth, no original inglês – cujas primeiras letras das três palavras formam a sigla que veio a ficar conhecida. Além da referência explícita a uma conhecida Ordem de linhagem Sufi ela contém outros significados relevantes. O primeiro deles tem a ver com o prefixo sânscrito que antecede a trindade conhecida no hinduísmo como SaT – Chiti-Ananda, onde SAT tem o significado de existência absoluta, ou Ser Essencial Absoluto. Traduzindo-se para o contexto aportuguesado do autoconhecimento podemos então entender o significado da Escola como sendo uma escola do Ser, e/ou para o Ser, que contém uma proposta e uma oportunidade para o resgate do próprio Ser essencial que habita em todos nós. Portanto, está em consonância com mais uma das quatro recomendações da Unesco para orientar o conteúdo da educação moderna. Anteriormente já fizemos referência a “aprender a aprender”, que é outra das quatro recomendações atuais para serem ensinadas pela educação do século XXi. Talvez seja oportuno aqui mencionarmos as duas faltantes que são respectivamente “ensinar/aprender a fazer” e “ensinar/aprender a conviver”. Uma delas (ensinar a fazer) é a única que em seu sentido convencional mais superficial é atendida, embora precariamente, pelo modelo educacional oficial da educação profissionalizante vigente entre nós. Ou seja, é certo que nosso sistema educacional se propõe ensinar a fazer, mas na prática está mais dedicado a transmitir informações para ensinar a passar em exames, até que o aluno consiga aprovar-se num certo número de provas suficientes para obter um diploma ou certificado profissional. Depois que consegue, podemos observar generalizadamente falando, que dificilmente alcança um estado de plenitude profissional onde sente que exerce sua vocação como expressão do seu Ser. É provável que viva enorme frustração ao dar-se conta que apenas venceu etapas necessárias à sobrevivência mundana e a intensidade do esforço continuado logo vai lhe custar a saúde e o sentido de viver. Mas ampliar a discussão disto foge ao escopo dos propósitos deste texto. O fazer prático, via de regra, tem que ser aprendido fora do contexto escolar e quase sempre

a posteriori, quando se consegue o primeiro emprego. Este é um fato amplamente conhecido pelas gerações que saem dos bancos escolares, com ou sem o respectivo diploma. Entretanto, à luz das demais recomendações, parece óbvio que a Unesco pretende recomendar mais do que o significado profissionalizante do termo “fazer”. Basta lembrar certas afirmações de Gurdjieff – também um Buscador da Verdade da Ordem Naquishbandi do Sufismo – para que se percebam os significados mais profundos desta recomendação. Ele afirma que o Homem, em seu estado ordinário de consciência não sabe fazer. Aliás, suas afirmações são mais radicais e pioram a situação, pois o que ele diz é que o Homem, em sua condição humana ordinária, é incapaz de realmente fazer qualquer coisa. Não sabe o que fazer pois foi condicionado apenas para reagir, tornando-se uma máquina automática e adormecida, e não ativa mas apenas reativa aos estímulos externos que não vem do núcleo do Eu superior. Uma pluralidade de pequenos “eus”, desconhecidos entre si, se alternam em sucessivos plantões que perpetuam o estado de sono da máquina humana ordinária, impedindo-a da habilidade de realmente fazer, o que só acontece quando os centros superiores do Eu estejam deliberadamente ativados. Ou seja, apenas quando o indivíduo se educa verdadeiramente até atingir um grau mínimo de consciência ativa ele se torna verdadeiramente capaz de fazer por si próprio, cujo significado vai muito além da reatividade automática da dormência que caracteriza nossa condição humana “normal”. Estou aproveitando o livro de Khristian, tão solidamente embasado nos ensinamentos de Gurdjieff, para atrever-me a mencionar este sentido mais profundo de “fazer”, pois em nossos bancos escolares seriam pouquíssimos os que talvez pudessem vislumbrar algum sentido no que acabei de escrever resumidamente. Declaro apenas, para completar, que esta conclusão vem da minha experiência como professor universitário. Penso, inclusive, que só uma pequena minoria de meus colegas professores estaria apta a compreender adequadamente o sentido deste parágrafo. A maioria, infelizmente, além da incapacidade de compreensão sequer teria interesse no tema e na forma que estou expondo. Não é à toa que Idris Shah, quando desistiu de seus grupos latino-americanos para os quais pretendia ensinar o Sufismo, afirmou

que o povo daqui não tinha ainda a capacidade para compreender a sabedoria que seus ensinamentos poderiam atingir. A restante das quatro recomendações da Unesco refere-se a ensinar/ aprender a conviver de forma sadia. Mas como, dado que nosso sistema educacional incentiva a competição em graus altíssimos? Que dizer então do “bullying” e da violência que lastra nas escolas ocidentais em crescente e vertiginosa velocidade? Como alcançar um relacionamento pacífico e solidário entre os povos e nações, quando o próprio modelo educacional predominante prepara os jovens para o contrário disto? Nem as famílias, em larga extensão, são capazes de criar e incentivar valores de genuíno relacionamento pacífico e harmônico. Que fazer, então? Certamente que esta pergunta não tem o mesmo significado da pergunta de Lenin na Rússia nos anos vinte do século passado. Nem sua resposta pode ser semelhante à que ele tentou. Mas, será que conseguiremos coletivamente sair deste labirinto abismal? Confesso que estou entre os que ainda não perderam a esperança, mas não vislumbro soluções fáceis. Por isso peço desculpas ao leitor por não me alongar mais na explicação dos outros significados aplicáveis à palavra SAT que dá nome a nossa Escola. Os que tiverem interesse podem encontrar mais referências em outros livros meus, ou principalmente em vários dos muitos livros de Claudio Naranjo. Mais informações podem também ser encontradas no site da Fundação Cláudio Naranjo (www. fundacionclaudionaranjo.com) ou mesmo no site do Instituto EneaSat (www.eneasat.com.br). Prefiro dedicar as linhas seguintes para tratar de aspectos mais substanciais das atividades da Escola. Ao reconhecer que pertenço ao grupo dos que ainda não perderam a esperança, devo acrescentar que atribuo isso ao SAT. Os mais de trinta anos de exposição aos ensinamentos de Naranjo e as décadas de dedicação à Escola são os pilares onde minha esperança se afirma. Também não perdi o entusiasmo, entendido em seu significado etimológico mais remoto = “estar com Deus dentro”. Ao longo dos setenta anos de minha vida o mundo deu muitas voltas e me fez passar por muitas curvas. Mas ambos, esperança e entusiasmo, permaneceram quase juvenis. Como nos tempos de estudante quando enfrentamos a ditadura militar mergulhados nos filões do marxismo.

Fui parar no exílio, primeiro no Chile sem deixar de querer mudar o mundo pela força das balas. Por curto tempo, quando posteriormente fui estudar na Inglaterra, ajudei a engrossar os cordões que sonhavam com os nobres ideais da frustrada Revolução Universitária, começada na França em maio de 1968 e rapidamente espalhada pelo mundo. Vejo hoje que a alternativa de ir estudar na Europa foi um presente que a vida me deu para não ter morrido ao lado de Che Guevara na aventura da Bolívia. Quase fui, se não tivesse “amarelado” na hora “H” decisiva de comprometer-me com a viagem acabaria sem volta. Que os três parágrafos anteriores sirvam para a compreensão de um aspecto da Escola que introduzirei agora. Tem a ver com minhas inquietudes a respeito da educação atual e com a vontade de contribuir para mudar o mundo. São duas das sementinhas que ainda permanecem hibernadas bem no âmago de meu Ser. A Escola SAT tem múltiplas vertentes, todas permeadas por um fio condutor invisível que os une. Por isso afirmo que nossos eventos acontecem sob a Luz da sabedoria guardada no Eneagrama. Mencionarei apenas uma das vertentes. É a que vem ganhando corpo ao longo da última década. Ao público foi apresentada primeiramente por sucessivas conferências de Naranjo em muitos lugares, inclusive na UnB, acho que em 1998/99 com o título: “Uma Nova Educação Verdadeira para o Século Vinte e Um”. Em seguida viria seu livro, Mudar a Educação para Mudar o Mundo, traduzido e publicado em português pela editora Esfera, de São Paulo. Nasceu de uma experiência piloto que fizemos no Chile, em três módulos, durante o primeiro governo democrático que sucedeu a longa ditadura militar que derrubou o governo democrático e socialista do Presidente Allende. Reunimos professores universitários representantes de todas as universidades públicas chilenas selecionados e auspiciados pelo Ministério da Educação local. A semente germinou em alguns países dos quais não falarei aqui. Atenho-me apenas ao Brasil. Coube a mim, em 2007/2008 implantar na capital de Rondônia um Projeto Piloto, também de três módulos, para cerca de 80 professores de educação primária e média selecionados e financiados pela prefeitura de Porto Velho, através de sua Secretaria Municipal de Educação (SEMED). Dirigi, como representante de

Naranjo, uma equipe grande e multidisciplinar, porém especializada na Escola, cujos membros se alternaram conforme o conteúdo vivencial de cada módulo. O relatório da experiência completa transformou-se num pequeno livro publicado pelo Instituto Eneasat com o título: SAT na Educação – a experiência pioneira dos professores de Porto Velho e a humanização da educação. Foi uma experiência muito exitosa, embalada no sonho de humanizar os educadores para que humanizem a educação, pelo menos no entorno individual onde cada um atua. Fomos movidos pela certeza de que podemos (e devemos) ajudar a formar os formadores das novas gerações. Aliás, esta é uma das afirmações sempre presente nos projetos nascidos na vertente que tem ficado conhecida como SAT-Educação, ou SAT-educ, em vários países e lugares. Uma experiência puxa outras e assim o SAT tem avançado na educação, embora em ritmo mais lento que o desejável e necessário. A situação calamitosa da educação oficial tem crescido em ondas gigantes que prenunciam tissunames globais iminentes. Temos que sair fora dos modelos oficiais da “deseducação” acumuladora de informações, se nosso propósito é salvar os contingentes juvenis cujos sonhos foram reduzidos ao pesadelo de ter que ser aprovado no exame vestibular para poder conquistar um título profissional que lhe dê a ilusão de haver conquistado um lugar ao sol. Sol escaldante, inóspito e desértico de conteúdos humanizadores. Este é o resumo da situação prevalecente, embora os arautos das políticas e reformas “educacionais” sigam batendo na mesma tecla falida. Parecem ter uma obsessão quantitativa apoiada apenas em números estatísticos. De qualidade nada entendem, nem parecem interessados. Por isso insistem em dar mais do mesmo, sem sequer perceber a infecção epidêmica intrínseca ao modelo que continuam defendendo, aplicando e fingindo que querem reformar apenas retocando curriculum e aumentando a informação. Nem se dão conta que hoje esta já está amplamente disponível na internet. O que realmente estão aumentando é a quantidade de analfabetos funcionais, que saem alfabetizados das escolas mas não sabem ler. Todos intoxicados pelo acúmulo da ingestão forçada de “mais do mesmo” indigerível e inabsorvível. O que a educação realmente precisa, além da quantidade numérica não é de reformas, mas sim de uma radical mudança de parâmetros.

Humanização? Valores humanos? Cultivo das emoções superiores e repúdio à “virtudização” moralista? Sentido de vida, alegria de viver, harmonia pacífica nos relacionamentos, afetividade, intimidade confiante? Nada disso importa, pensam os políticos e os burocratas educacionais. Pensam que seria um luxo afrontante num país que sequer tem escolas em quantidade suficiente. Portanto, há que investir recursos no básico e assim poder exibir números e estatísticas só de melhoras quantitativas. Como não sabem (ou não se interessam?) medir a qualidade, então tratam de vender a ilusão de que estão empenhados em melhorar o ruim. Não percebem (ou não querem perceber?) que o ruim já ultrapassou o péssimo, sem volta atrás. Tentar melhorar o ruim receitando mais do mesmo que está produzindo o mal só pode empurrar o que está mal para o péssimo. Qual será o nível seguinte? Será que alguém que tenha poder de decisão se interessaria em mudar os parâmetros educacionais para propor, por exemplo, a mudança na ênfase dada à medição do PIB (Produto Interno Bruto) por, digamos, FIT (felicidade interna total)? Ou IRC (índice de renda per capita) por IFP (índice de felicidade pessoal)? Parece que estamos longe de tais inquietudes, que são ausentes na cabeça dos poderosos e dos burocratas. O conteúdo intrínseco da escola SAT, em qualquer de suas vertentes, é a Reeducação Permanente integral e humanizadora. Há umas quatro décadas a Unesco já sinalizava nesta direção. Só mais recentemente, entretanto, com as quatro recomendações, que comentamos, os caminhos foram alargados e pavimentados. Fora do sistema oficial dominante, sobretudo nas chamadas vias alternativas ou nas Escolas do Quarto caminho é que multidões crescentes buscam direcionamentos para encontrar e percorrer as trilhas rumo ao novo e ao desconhecido. A maioria, entretanto, ainda se ilude e pensa que está percorrendo os trilhos solidamente construídos de uma ferrovia imaginária. Embora estressados, famintos e sedentos, marcham com determinação e esforço admiráveis, conduzidos por miragens alucinantes que aparecem sempre um pouquinho à frente. Que acontecerá quando perceberem, massivamente, que a estrada solidamente construída que estão tentando percorrer os está levando do nada a lugar nenhum?

Prezado leitor, para terminar, falta dizer-lhe uma coisa muito importante. A importância dela é proporcional ao gosto/desgosto que você tenha tido ao ler tudo que escrevi nas páginas anteriores. Esperando que você tenha gostado, então vou lhe dar uma dica secreta, pois sei que todo mundo gosta de segredos, principalmente quando os tornam públicos, fingindo guardá-los. Meu segredo é o seguinte. No livro que você tem em mãos, você encontrará tudo o que escrevi aqui e muito mais. Melhor ainda, o livro está bem escrito e é sumamente consistente. Espero que além de divertir com o estilo peculiar e cativante de Khristian Paterhan C., você se abra aos grandes segredos embutidos no tema desenvolvido tão magistralmente por ele. Mais ainda, que você se motive o suficiente para participar vivencialmente dos eventos periodicamente disponíveis que lhe conduzirão da simples compreensão teórica a níveis inimagináveis de compreensão interna transformadora. Compartilho com Khristian principalmente desta intenção de usar o Eneagrama como poderoso instrumento de verdadeira transformação, individual e coletiva. Que você faça bom proveito do que este livro lhe dirá, são meus genuínos desejos.

Sociólogo e professor adjunto da Universidade de Brasília – UnB. Foi funcionário internacional das Nações Unidas, lotado na CEPAL, em Santiago, Chile, e no ILPES, no México. Assessor da OECD, em Paris. “Visiting Scholar” no Peace Research Institute, Oslo, Noruega, 1968, com publicações em revistas locais especializadas.

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Introduziu o estudo da Psicologia dos Eneatipos no Brasil no princípio dos anos 80. Discípulo de Claudio Naranjo desde então. Ensina à luz do Eneagrama nas principais capitais brasileiras desde 1992. Já ministrou cursos na Austrália, Chile, México, Colômbia e Itália e participou de Congressos Internacionais na Espanha, França e Estados Unidos. Membro da equipe internacional de terapeutas da Escola SAT, organiza e coordena suas atividades no Brasil como representante de Claudio Naranjo. Fundador e diretor do Instituto EneaSAT do Brasil é membro fundador e Presidente da IEA Brasil - International Enneagram Association.

Como ler, aplicar e tirar maior proveito deste livro

Antes de ensinar como utilizar melhor este livro devo advertir que, para compreender realmente o Eneagrama, não basta ler um ou vários livros sobre o assunto. É fundamental participar de um ou vários workshops vivenciais, compartilhar e trocar experiências com pessoas que possuam o mesmo Traço Principal (Tipo), ouvir o que pessoas com outros Tipos/Traços Principais dizem a respeito de si mesmas. Sem vivência é impossível sentir e compreender toda a força e sabedoria que esta ferramenta possui. Se você está lendo sobre o assunto pela primeira vez, aconselho ler este livro da seguinte maneira: 1. Faça o Teste Simplificado disponível no site da Escola de Eneagrama, ou copie este link no seu browser: http://www.escolaeneagrama.com.br/ view/teste-de-eneagrama/ O resultado do Teste permitirá que você tenha uma visão inicial e básica do seu Tipo de Personalidade Eneagramático Principal que será aquele com maior número de respostas afirmativas. Quanto mais você for sincero(a) e honesto (a) nas suas respostas, mais serão as probabilidades de identificar rapidamente seu Traço ou Tipo de Personalidade Principal. Lembre-se de que dessa atitude depende que o Eneagrama se transforme em um “aliado” da sua evolução e crescimento pessoal e profissional. 2. Leia neste livro as descrições, depoimentos e orientações relaciona das ao Tipo de Personalidade Eneagramático identificado. Caso tenha dúvidas entre dois Tipos, leia as descrições de ambos. É muito provável que após a leitura desses Tipos escolhidos, você terá mais certeza sobre qual é o seu Traço ou Tipo Principal. Reflita sobre seu Tipo e decida o que, em seu caso, você deveria começar a trabalhar e observar para aprimorar sua personalidade.

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Os Tipos de Personalidade Eneagramáticos estão agrupados de acordo com o Centro ao qual pertencem, ou seja: os Tipos 8, 9 e 1 (Grupo de Seres Humanos cuja vida psíquica está relacionada com o Centro do Movimento ou Centro Físico); os Tipos 2, 3 e 4 (Grupo de Seres Humanos cuja vida psíquica esta relacionada com o Centro Emo­cional) e os Tipos 5, 6 e 7 (Grupo de Seres Humanos cuja vida psíquica está relacionada com o Centro Intelectual). 3. Leia os Tipos que acompanham seu Tipo Principal-chamados de “asas”, “braços” ou “companheiros eneagramáticos”. Por exemplo, se você é um Tipo 3, leia as características dos Tipos 2 e 4 e veja como elas o influenciam. Se você é um Tipo 5, leia os Tipos 4 e 6 e assim por diante. 4. Leia as características dos Tipos relacionados com seus movimentos imediatos no Eneagrama. Por exemplo, se você é Tipo 5, o “movi mento a favor da seta” é para Ponto 7 e o movimento contra a seta é para Ponto 8 do Eneagrama. Leia e reflita nestes Tipos Eneagramáti cos e tente observar como se dá em você a influência deles, tanto positiva como negativamente. 5. Estude todos os Tipos. Lembre-se que no seu mundo interior estão todos os Nove “eus” eneagramáticos e que você deve conhecer cada um deles profundamente para torna-lhos seus aliados. Verifique que aspectos negativos dos outros Tipos se dão em você e quais aspectos positivos você deveria imitar e /ou fortalecer. 6. Inicie a Observação e Lembrança de si mesmo. Lembre-se de que você não é a máscara (personalidade) e que pode aprimorar-se, aperfeiçoar-se e ser cada dia melhor como ser humano. 7. Comece a pôr em prática o Eneagrama. Participe de nossos treina mentos, seminários e workshops vivenciais sobre este assunto. Pouco

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a pouco, com a prática você poderá identificar os Tipos Eneagramáticos de seus clientes, colegas de trabalho, amigos e parentes. Sua capacidade de comunicação interpessoal vai melhorar porque você será capaz de compreender como os “outros” interpretam a realidade. Aprenda a tratar cada Tipo segundo suas características tipológicas, despertando e estimulando o melhor de cada um e de cada situação.

8. Aprenda em nossos workshops e treinamentos como aplicar o Enea grama nos seus negócios e/ou relacionamentos profissionais, pratican do o melhor modo de se relacionar e negociar com cada tipo, anali sando quais os aspectos positivos e negativos de cada um e geran do uma comunicação mais produtiva. Lembre-se de que cada Tipo Eneagramático observa o mundo de um ângulo diferente. Aprenda a perceber quais as motivações de cada Tipo. Argumente de acordo com essas motivações e melhore seus relacionamentos pessoais, profissio nais e comerciais.

Se você é empresário e deseja fazer um treinamento específico com os seus colaboradores, leia o Portfólio e depoimentos de clientes disponível no site: http://www.escolaeneagrama.com.br/view/home/

Introdução ao Eneagrama O legado de Georges Ivanovich Gurdjieff (o homem que trouxe o Eneagrama para o Ocidente) Esta introdução foi escrita para aqueles que desejam aprofundar nas origens filosóficas do Eneagrama. Caso você deseje, leia após ter feito o Teste Simplificado e/ou terminado a leitura do seu Tipo de Personalidade. Hoje em dia podemos afirmar que Georges Ivanovich Gurdjieff (1872-1949), criador do sistema de desenvolvimento humano conhecido internacionalmente como Quarto Caminho, foi um dos mais notáveis transpessoalistas modernos. Sua obra que, como alguém acertadamente escreveu, somente por ignorância é colocada nas prateleiras das chamadas “obras esotéricas” (as quais ele sempre desprezou, advertindo sobre seus perigos e extravagâncias), se mostra, a cada ano que passa, mais atual e exata. Os livros que ele escreveu guardam, para quem os estuda, reflete e pratica, preciosos tesouros, frutos de uma das sínteses mais valiosas do conhecimento psicofilosófico do Oriente e do Ocidente. Não vou fazer aqui um resumo da sua biografia, nem escrever sobre o que já está escrito em centenas de livros e comentários, alguns dos quais traduzidos para o português e que cito na bibliografia. O legado de G. I. Gurdjieff é hoje um dos mais importantes, especialmente neste momento em que a humanidade precisa dar um “salto quântico” no seu desenvolvimento como espécie. Foi ele quem trouxe ao conhecimento do Ocidente, há mais de 80 anos, a existência do Eneagrama, milenar símbolo-síntese criado por sábios de uma época esquecida na qual as ciências exatas e a “psicologia da possível evolução humana”, como a chamava Piotr Demianovich Ouspensky, um de seus mais notáveis discípulos, estavam ligadas. Quem deseje conhecer e praticar a filosofia de vida ensinada por Gurdjieff e contida no Eneagrama, pode estabelecer contato com a Escola de Eneagrama “Khristian Paterhan C.”, e/ou pesquisar sobre outros grupos de trabalho de Quarto Caminho no Brasil e no mundo.

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Gurdjieff foi um profundo conhecedor das psicofilosofias e tradições antigas, e teve acesso, por meio de uma misteriosa ordem secreta chamada Sarmung, aos “fragmentos de um ensinamento desconhecido” (P.D.Ouspensky), cujas origens se perdem na noite dos tempos e se ligam com a extraordinária cultura sumério-babilônica, hoje reconhecida pelos historiadores como uma das mais avançadas da Antiguidade em termos culturais e científicos. Atualmente seus ensinamentos deveriam ser tratados com “espírito científico”, já que estamos em condições culturais de completar e compreender – para benefício da nossa espécie e graças aos níveis que temos atingido nos campos das ciências humanas e exatas – esse “quebra-cabeça” do conhecimento humano, do qual ele nos deixou tantos e valiosos “fragmentos”. Com efeito, Gurdjieff afirmava que existiu, num remoto passado, um “Grande Conhecimento”, do qual faziam parte todas as ciências, artes e filosofias e de cuja existência pouco ficou registrado na história escrita da humanidade. O Eneagrama, segundo ele, fazia parte desse “Grande Conhecimento” que unificava todas as coisas. Com o intuito de promover maiores níveis de consciência entre os seres humanos e tendo como objetivo incentivar “a unidade de todas as coisas”, Gurdjieff fundou na França, em 1922, o Instituto para o Desenvolvimento Harmonioso do Ser Humano, mediante o qual atualizou parte desses antigos ensinamentos. Sua obra atraiu importantes personagens de todas as áreas do conhecimento humano, muitos dos quais inspirados pelos ensinamentos que revelou de uma forma incomum, os incorporaram às suas áreas de atuação profissional com excelentes e notáveis resultados. Seu trabalho foi pioneiro no sentido de demonstrar objetivamente que existem níveis de consciência passíveis de serem desenvolvidos mediante práticas exatas. Muitos anos antes que se falasse sobre temas como “ecologia”, “psicossomática”, “relatividade”, “inteligência emocional”, “holismo”, “psicologia transpessoal” e outros assuntos que hoje se abordam cada vez com mais facilidade e objetividade, graças aos avanços das ciências, Gurdjieff já os tratava com uma profundidade que se mostra cada vez mais exata e completa.

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Tive o privilégio de conhecer sua proposta e o Eneagrama na década de 80, no meu país, Chile, por meio de pessoas muito especiais que desejam permanecer no anonimato. Desde então, nunca parei de pesquisar, trabalhar e difundir o legado deste homem notável e faço isso como ele ensinou, para pagar parte da minha “divida com a existência”. Foi justamente com o objetivo de divulgar e dar um enfoque mais abrangente das ideias de Gurdjieff e da sua relação com outras linhas filosóficas do Oriente Antigo,1 que fundei em 1986 o Instituto para el Desarrollo Humano Integral, IDHI®, no Chile. Seis anos depois (1992) refundei-o aqui no Brasil, com o apoio de amigos muito especiais, alunos e discípulos. As atividades do IDHI® foram encerradas no ano 2005, para dar inicio a uma nova fase de trabalhos a través da atual Escola de Eneagrama “Khristian Paterhan” www.escolaeneagrama.com.br e da minha empresa a “Upgrade Nine-Consultoria e Treinamento de Pessoal Ltda.”, “instrumentos” através dos quais possibilito o trabalho de desenvolvimento humano, tanto pessoal quanto profissional, de todos aqueles que almejam o autoconhecimento e a realização integral como seres humanos. Devo advertir que o Eneagrama não está atrelado a qualquer “tradição mística” nem é “propriedade” de qualquer escola ou instituição conhecida na atualidade. Sua natureza em termos de exatidão e objetividade é única, e já se tem realizado estudos, teses e pesquisas empíricas, algumas das quais disponíveis na internet. Nas últimas décadas, o trabalho de Gurdjieff sofreu ataques de setores interessados em provocar o “esquecimento” da sua obra, assim

As quais tive a oportunidade de aprender vivencialmente desde os 15 anos de idade Entre elas a Filosofia Vedanta Advaita, uma das principais linhas filosóficas da India, o Budismo, sistema psicofilosófico pelo qual Gurdjieff tinha uma especial simpatia, e o Hermetismo, filosofia milenar de origem egípcia, especialmente difundida na Europa durante a Idade Média e cujas origens estão relacionadas com as lendas ancestrais de Thot-Hermes.

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como em diminuir sua importância especialmente no que se refere aos seus conhecimentos sobre o Eneagrama. Não me parece estranho que se tenha combatido tanto o “sistema” de Gurdjieff nem que se tenham feito tantos esforços para desacreditá-lo, porque estas são as maneiras mais comuns de se tratar os grandes mestres e gênios. Esses mesmos setores não podem evitar que os ensinamentos de Gurdjieff se tornem cada vez mais conhecidos e aplicados em diversos campos da atividade humana e no mundo todo. Um desses setores tentou – e ainda tenta – provar que Gurdjieff não teria ensinado as aplicações psicológicas do Eneagrama. Porém, uma análise fria e serena da sua obra pode demonstrar que ele não somente conhecia suas aplicações psicológicas profundamente, como também as utilizava para explicar outros fenômenos universais com total mestria, como o demonstra nos seu livro Relatos de Belzebu a seu neto, obra já traduzida para o português. Demonstrarei isto nesta introdução ao tema. É importante advertir também que ninguém pode se atribuir a “invenção” do Eneagrama como ferramenta de desenvolvimento humano. Do mesmo modo que dizemos que Pitágoras “criou” “seu” famoso teorema e ficamos muito tranquilos sem perceber que estamos demonstrando uma tremenda ignorância, já que ele não criou esse teorema, apenas o “herdou” de pessoas que sabiam e o tinham conservado (dados sobre esse teorema existem na China muito antes de Pitágoras existir), assim também acontece com o Eneagrama cujos verdadeiros criadores são desconhecidos, calculando-se que exista, segundo o pesquisador J. G. Bennet,2 há uns 4. 500 anos ou mais. Pela mesma razão, é importante cuidar para que este “patrimônio” científico-cultural da humanidade não seja “propriedade intelectual” de ninguém e sim um meio de desenvolvimento e unificação das ciências, artes e filosofias.

J.G.Bennet foi um notável discípulo de Gurdjieff nos Estados Unidos. Escreveu várias obras sobre o sistema filosófico conhecido como “Quarto Caminho” e uma sobre o Eneagrama, publicada no Brasil pela Editora Pensamento sob o título: O Eneagrama: um estudo pormenorizado do Eneagrama usado por Gurdjieff.

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Sobre a importante contribuição e atualização do Eneagrama, realizadas por Oscar Ichazo e Claudio Naranjo Não posso deixar de mencionar aqui a importância da atualização e sistematização do Eneagrama feita pelo sábio boliviano, Dr. Oscar Ichazo, e, especialmente as realizadas pelo internacionalmente prestigiado psiquiatra e escritor chileno, Dr. Claudio Naranjo, cuja contribuição e descrições dos Nove Eneatipos foi fundamental para que eu pudesse reconhecer os mesmos nos textos de Gurdjieff. No Congresso de Eneagrama realizado em 2010 em Fortaleza e organizado pela International Enneagram Association - IEA do Brasil, no qual Naranjo recebeu uma merecida homenagem e reconhecimento público pela sua contribuição e obra com relação ao Eneagrama, tive a oportunidade de conversar com ele sobre minha defesa e argumentos de que Gurdjieff conhecia sim a “tipologia eneagramática”, fato que demonstrarei na continuação desta introdução. Aceitando meus argumentos, Claudio me disse: “Porém, você não haveria descoberto isso sem a ajuda das minhas definições (dos Nove Tipos)”. É isto é verdade! Foi a partir do seu notável trabalho e das descobertas de Ichazo, no inicio dos anos 70, no meu país, Chile, que muitos outros pesquisadores e estudiosos do comportamento humano, eu incluído, iniciaríamos importantes e valiosos estudos sobre o tema Eneagrama, um tema que está longe de ser esgotado quando se compreende que este símbolo milenar supera os limites de uma simples tipologia psicológica. Alguns desses estudos, trabalhos e obras já estão traduzidos para o português e são citados na bibliografia complementar.

Algo sobre o valor objetivo de certos símbolos e as origens do Eneagrama, segundo G. I. Gurdjieff Gostaria, antes de começar, transcrever aqui algumas palavras de P. D. Ouspensky com as quais me identifico plenamente e que foram ditas por ele no início de uma série de palestras sobre o sistema do Quarto

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Caminho, as quais ficaram reunidas num volume que leva o mesmo título. Ele declarou: “Antes de começar a explicar-lhes de um modo geral sobre o que trata este sistema, e de falar sobre nossos métodos, quero gravar particularmente nas suas mentes que as ideias e princípios mais importantes do sistema não me pertencem. Isto é o que os faz valiosos, porque, se me pertencessem, seriam como todas as outras teorias inventadas pelas mentes correntes: somente dariam uma visão subjetiva das coisas.” Espero que o leitor, a partir de agora, lembre constantemente este importante esclarecimento. No Capítulo XIV do livro Fragmentos de um ensinamento desconhecido, Ouspensky nos revela, baseado em sua notável memória e em notas tomadas durante encontros com Gurdjieff, as milenares origens do Eneagrama. Vou tentar sintetizar ao máximo o texto, citando apenas o necessário para o objetivo desta obra. Primeiramente, Ouspensky nos lembra que Gurdjieff costumava falar de uma antiga “Ciência Objetiva” que não se baseava nos dados e experiências produtos de “estados subjetivos de consciência” e que teria existido na terra há milhares de anos, fruto da experiência de seres altamente evoluídos.3 Esta “Ciência Objetiva” teria como uma de suas idéias centrais “a unidade de todas as coisas, a unidade na diversidade”. Os sábios que compreenderam a importância e profundidade destas ideias perceberam que a transmissão e conservação das descobertas feitas graças a esta “Ciência Objetiva” implicavam um grande esforço

Inspirado nesses e outros dados e nos Relatos de Belzebu a seu neto de Gurdjieff, escrevi uma obra de ficção que trata, dentre outras coisas, da provável origem extra-terrestre do Eneagrama, que foi publicada sob o título “Apocalipse 21: Uma Visão do Bem Que Está Por Vir” (Quartet Editora).

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de síntese para conseguir preservá-las e transmiti-las às gerações futuras. Pensaram, então, num meio exato para atingir este importante objetivo. Descobrir esse meio deu, com certeza, muito trabalho a estes sábios, porque na “ciência objetiva, inclusive a ideia de unidade, só pertence à consciência objetiva”, nível no qual a realidade é observada tal qual ela é e que, obviamente, não é um estado habitual entre nós. Com efeito, Gurdjieff ensinava que esta nossa incapacidade de observar a realidade tal qual ela é se devia ao fato de que grande parte da nossa existência, ou quase toda ela, vivemos num estado de “sono e sonho” ou “estado de consciência subjetiva” no qual é impossível “observar” e muito menos “sentir” a realidade tal qual ela é. Por esta razão, é extremamente difícil perceber essa “unidade de todas as coisas”, quando se está habituado a acreditar num “mundo fragmentado” e dividido em “milhões de fenômenos separados e sem ligação”, ainda que intelectualmente até “entendamos” que “algo” unifica tudo. Sabemos que, com efeito, o fato de não compreendermos esta unidade intrínseca de todas as coisas, é uma das principais causas da perigosa situação que temos provocado no equilíbrio ecológico do planeta, a razão dos ódios raciais, das injustiças sociais, dos conflitos e separatismos religiosos e políticos e de tantos outros nefastos efeitos produtos do que Buda chamou, “sentimento de separatividade” que afeta a psique humana. Cientes destas nossas limitações, estes sábios decidiram que o único meio de transmitir seus conhecimentos objetivos era utilizando, entre outros recursos, símbolos especiais, os quais conteriam, graças a uma síntese matemático-psicológica exata, os principais dados dessa “Ciência Objetiva”. Ou seja, eles poderiam ser resgatados no futuro por aqueles que trabalhassem profunda e seriamente para conhecerem a si mesmos além das suas subjetivas e limitadas personalidades. Esta previsão foi acertada e, por esta razão, novamente o Eneagrama foi atualizado conservando sua extraordinária exatidão matemática, cuja origem exata continua sendo ainda um mistério. Os símbolos aos quais se referia Gurdjieff, “continham os diagramas das leis fundamentais do universo e transmitiam não só a própria ciência, mas mostravam igualmente o caminho para chegar a ela. O estudo dos

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símbolos, da sua estrutura e significação, era parte muito importante dessa necessária preparação sem a qual não é possível receber a ciência objetiva, e era uma prova do porque uma compreensão literal ou formal dos símbolos se opõe à aquisição de qualquer conhecimento ulterior. Os símbolos eram divididos em fundamentais e secundários; os primeiros compreendiam os princípios dos diferentes ramos da ciência; os segundos exprimiam a natureza essencial dos fenômenos em sua relação com a unidade.” Entre as leis fundamentais sintetizadas nesses símbolos que “exprimiam a natureza essencial dos fenômenos em sua relação com a unidade”, duas são de fundamental importância para compreender os ensinamentos de Gurdjieff: a “Lei de Três” e a “Lei de Sete”, conhecida também como “Lei de Oitava” por sua relação com a escala musical e sua sequência dó, ré, mí, fá, sol, lá, si, dó que guarda dentro de si as relações matemáticas, associadas ao som correspondente a cada nota musical. “As leis fundamentais das tríades e das oitavas penetram todas as coisas e devem ser estudadas simultaneamente no homem e no universo”, ensina Gurdjieff. Porém, devido ao fato de existir num nível de consciência subjetiva, o homem precisa primeiro iniciar o estudo dessas duas leis em si mesmo, para depois compreender suas manifestações universais: “Mas o homem é, para si mesmo, um objeto de estudo e de ciência mais próximo e mais acessível que o mundo dos fenômenos que lhe são exteriores. Por conseguinte, esforçando-se por atingir o conhecimento do universo, o homem deverá começar por estudar em si mesmo as leis fundamentais do universo.” Por outro lado, o conhecimento dos símbolos e das leis fundamentais que eles guardam não pode ser apenas “teórico”, já que, nesse nível, os símbolos ainda estão sujeitos a interpretações errôneas devido à nossa forte subjetividade e ao nosso ainda baixo nível de consciência. Daí que, para compreendê-los profundamente, deve-se atingir um nível no qual as

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considerações subjetivas que provocam discussões e contradições sejam superadas completamente, o que exige um profundo conhecimento de si mesmo, único modo de compreender as leis fundamentais do universo, ou seja: “(...) a verdadeira compreensão dos símbolos não pode prestarse a discussões”. Para quem pretende atingir esse nível de compreensão, Gurdjieff adverte: “(...) se alguém imagina poder seguir o caminho do conhecimento de si, guiado por uma ciência exata de todos os detalhes, ou se espera adquirir tal ciência antes de se ter dado o trabalho de assimilar as diretrizes que recebeu, no que concerne a seu próprio trabalho, engana-se; deve compreender, antes de tudo, que nunca chegará à ciência (objetiva) antes de ter feito os esforços necessários e que somente seu trabalho sobre si mesmo permitirá atingir o que busca. Ninguém lhe poderá dar o que ele ainda não possui; nunca ninguém poderá fazer por ele o trabalho que ele deveria fazer por si mesmo. Tudo o que outro pode fazer por ele é estimulá-lo a trabalhar e, desse ponto de vista, o símbolo compreendido como deve ser, desempenha o papel de um estimulante em relação à nossa ciência (objetiva)”. A advertência de Gurdjieff mostra-se claramente necessária, já que, nos nossos dias e apesar de todos os nossos avanços e conhecimentos “teóricos”, ainda não compreendemos a importância de “leis básicas” como a de “causa e efeito”, por exemplo, pois, se as compreendêssemos, primeiro em relação a nós mesmos e, em seguida, em relação à natureza da qual somos parte, concluiríamos, sem ter que discutir e sem “subjetividades” de nenhuma espécie, que uma série de erros simplesmente não poderia ser cometida sob nenhum aspecto, se as aplicássemos “objetivamente”. Porém, a maioria não tem consciência de que muitos “efeitos” indesejáveis e negativos só existem porque não somos conscientes dos nossos atos, ou seja, não “compreendemos” o que essa lei de “causa e efeito” implica, ainda que sejamos capazes de “decorála” quando passamos pelo colégio. Também vemos que essa falta de

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“compreensão” acontece inclusive em relação a signos simples, que são meios de expressar certos dados menos profundos que os contidos nos símbolos, porém, não menos importantes na prática. Assim, por exemplo, um sujeito pode “aprender”, por meio do Regulamento do Trânsito, que um cartaz ou painel de fundo amarelo com a figura em cor preta de uma criança que carrega livros significa: “atenção-diminua-a-velocidade-do-seucarro-porque-você-está-passando-por-um-local-próximo-a-uma-escola-ecrianças-menos-responsáveis-que-você-que-é-adulto-estão-por-perto, etc., etc.” Porém, o fato de este sujeito “aprender” a “interpretar” esse “sinal de trânsito”, internacionalmente aceito, não implica necessariamente que compreendeu a necessidade de obedecê-lo, e pode vir a atropelar uma ou várias crianças que, “acidentalmente”, estejam perto da dita escola no dia em que ele não respeite esse “signo”. O “estímulo” para a compreensão foi dado, porém não foi “vivenciado” pelo sujeito que o recebeu. Voltemos ao assunto dos símbolos e das chamadas “leis fundamentais”. Gurdjieff afirma, em outra parte do Capítulo XIV da citada obra de Ouspensky, que: “a lei de oitava conecta todos os processos do universo e, para aquele que conhece as oitavas de transição e as leis de sua estrutura (ou seja, a Lei de Três e a Lei de Sete), surge a possibilidade de um conhecimento exato de cada coisa ou de cada fenômeno em sua natureza essencial, bem como de todas as suas relações com as outras coisas e com os outros fenômenos”. Então nos revela que, “para unir, para integrar todos os conhecimentos relativos à lei da estrutura da oitava, existe um símbolo que toma a forma de um círculo cuja circunferência se divide em nove partes iguais, mediante pontos ligados entre si, numa certa ordem, por nove linhas”. Ou seja, o Eneagrama. Os sábios que deram origem a este símbolo-síntese não pertenciam, ensina Gurdjieff, a nenhuma das linhas de conhecimento “tradicional” conhecidas na atualidade: nem hebraica, nem egípcia, nem iraniana, nem hindu, nem qualquer outra conhecida. A despeito de respeitáveis tradições desejarem ser os “pais da criança”, como se diz aqui no Brasil, este símbolo “não poderia ser encontrado em nenhum de seus livros”, e, embora se atribua o Eneagrama aos respeitáveis místicos sufis e suas

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tradições orais, por exemplo, Gurdjieff sustenta que este símbolo “não é objeto de uma tradição oral”. Quando discute as origens do Eneagrama Gurdjieff ensina: “O ensinamento, cuja teoria expomos aqui, é completamente autônomo, independente de todos os outros caminhos e, até hoje [ou seja, até a data em que Gurdjieff o revelou aos seus discípulos], tinha permanecido inteiramente desconhecido. Como outros ensinamentos, utiliza o método simbólico e um de seus símbolos principais é a figura que mencionamos, isto é, o círculo dividido em nove partes.” Observe que Gurdjieff está se referindo a um sistema de conhecimento a que ele teve acesso e no qual o Eneagrama é um, somente um, dos símbolos principais, o que significa que nesse sistema existem, ou existiam, mais símbolos, alguns dos quais Gurdjieff revelou indiretamente por meio das suas exatas “Danças Conscientes”, que você pode apreciar no filme baseado em sua obra autobiográfica “Encontros com homens notáveis” dirigido por Peter Brook . A descrição que Gurdjieff faz do Eneagrama nesse mesmo capítulo é a seguinte: “Este símbolo toma a seguinte forma: Figura 1

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O Círculo está dividido em nove partes iguais. A figura construída sobre seis desses pontos tem por eixo de simetria o diâmetro que desce do ponto superior. Esse ponto é o vértice de um triângulo equilátero construído sobre aqueles pontos, dentre os nove, que estão situados fora da primeira figura.” Ampliando suas explicações matemáticas sobre este símbolo, Gurdjieff diz: “As leis da unidade refletem-se em todos os fenômenos. O sistema decimal foi construído sobre as mesmas leis. Se tomarmos uma unidade como uma nota que contém em si mesma uma oitava inteira, devemos dividir essa unidade em sete partes desiguais correspondentes às sete notas dessa oitava. Mas, na representação gráfica, a desigualdade de partes não é levada em consideração e, para a construção do diagrama, toma-se primeiro um sétimo, depois dois sétimos, depois três, quatro, cinco, seis e sete sétimos. Se calcularmos as partes decimais, obteremos: 1/7 = 0, 142857...  2/7 = 0, 285714...  3/7 = 0, 428571...  4/7 = 0, 571428... 5/7 = 0, 714285...  6/7 = 0, 857142...  7/7 = 0, 999999... = 1 Você pode observar que, com exceção da última dízima periódica, em todas as restantes “encontram-se presentes os mesmos seis algarismos, que trocam de lugar segundo uma sequência definida; de tal modo que, quando se conhece o primeiro algarismo do período, torna-se possível reconstruir o período inteiro”. Você também observou que nesses períodos “os números 3, 6 e 9 não estão incluídos (...) [porque eles] formam o triângulo separado – a trindade livre do símbolo”.

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Se você leitor prestou atenção à sequência definida segundo a qual os algarismos trocam seus lugares, está em condições de compreender o “movimento” que este símbolo representa, e que se conhece como “movimento eneagramático externo” e se expressa por “setas” que indicam a direção desse “movimento” contínuo: 1 g 4 g 2 g 8 g 5 g 7 g 1 , e assim por diante: Figura 2 8

1

7

2

5

4

Aqui o triângulo equilátero é considerado como uma “unidade” e os 6 “pontos” (1, 4, 2, 8, 5 e 7) lembram a “Lei de Sete” ou “Lei de Oitava” (6 + 1 = 7).

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Os números 3, 6 e 9 ficam nos vértices do triângulo e seu “movimento”, conhecido como “interno”, é: 9 - 6 - 3 - 9 - 6 - 3, etc. e são indicados com as “setas” correspondentes: Figura 3

Estas indicações preliminares serão importantes quando considerarmos os Tipos Eneagramáticos e seus movimentos psicológicos contra e/ ou a favor da seta de acordo com seu “Traço ou Defeito Principal”. Ouspensky deixou registrado também que “Gurdjieff voltou ao Eneagrama em múltiplas ocasiões”. Numa dessas ocasiões revelou que: “(...) é necessário compreender que o Eneagrama é um símbolo universal. Qualquer ciência tem seu lugar no Eneagrama e pode ser interpretada graças a ele. E, sob este aspecto, é possível dizer que um homem só conhece realmente, isto é, só compreende aquilo que é capaz de situar no Eneagrama. O que não é capaz de situar no Eneagrama, não compreende. (....) Se um homem isolado no deserto traçasse o Eneagrama na areia, nele poderia ler as leis eternas do universo. E cada vez aprenderia alguma coisa nova, alguma coisa que ignorava até então.” E mais: “(...) O Eneagrama é o movimento perpétuo, é esse perpetuum mobile que os homens buscaram desde a mais remota antiguidade, sempre em vão. E não é difícil compreender por que não podiam encontrá-

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lo. Buscavam fora de si o que estava dentro deles (...) A compreensão desse símbolo e a capacidade de utilizá-lo dão ao homem um poder muito grande (...).” Gurdjieff também diz: “(...) A ciência do Eneagrama foi mantida secreta durante muito tempo e, se agora, de certo modo, está sendo tornada acessível a todos, é apenas sob uma forma incompleta e teórica, praticamente inutilizável para quem não tenha sido instruído nessa ciência por um homem que a possua. Para ser compreendido, o Eneagrama deve ser pensado como em movimento, como se movendo. Um Eneagrama fixo é um símbolo morto; o símbolo vivo está em movimento.” Um dos “movimentos” do Eneagrama tem relação com os aspectos dinâmico-psicológicos que diferenciam os seres humanos uns dos outros como já foi mostrado. É sobre esse “movimento” que tratamos neste livro à luz dos ensinamentos de Gurdjieff.

A aplicação psicológica do Eneagrama nos ensinamentos de Gurdjieff OS TRÊS CENTROS BÁSICOS: Como profundo conhecedor do Eneagrama, G. I. Gurdjieff baseou todo o seu método de desenvolvimento humano na aplicação deste símbolo milenar e nas leis das quais ele é a síntese: a “Lei de Sete” e a “Lei de Três”. Baseado na “Lei de Três” presente no Eneagrama, ele dividia o ser humano, para facilitar o estudo e a compreensão de si mesmo, em três níveis ou “centros” básicos: Centro Intelectual, Centro Emocional e Centro Motor. Como lembra Ouspensky, “tentava inicialmente ensinar-nos a distinguir essas funções, a encontrar exemplos e assim por diante”.

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No Eneagrama esses “centros” têm a seguinte localização: Figura 4 Centro Motor ou Centro do Movimento 9 8

1

7

2

Centro Intelectual 6

Centro 3 Emocional

5

4

Você pode observar como, para cada Centro, existe uma manifestação eneagramática “tripla” e um correspondente vértice do triângulo central. Os números associados ao Centro Motor são: 8, 9 e 1; os associados ao Centro Emocional são 2, 3 e 4; e, finalmente, os associados ao Centro Intelectual são 5, 6 e 7. A localização dos Centros como se vê no gráfico não é aleatória. Obedece a uma ordem exata, revelada por Gurdjieff a seus alunos e que foi preservada por Ouspensky no Capítulo IX da obra citada. Não tratarei deste tema aqui por sua complexidade e porque só costumo falar sobre ele com quem já tem um certo tempo de prática com o Eneagrama.

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Figura 5 Centro do Movimento Pé esquerdo

Mão esquerda

HCI (Centro Intelectual)

Pé direito

Mão direita

HCD (Centro Emocional)

Relação dos Três Centros com nossa Bilateralidade Cerebral e os Três Cérebros Antes de continuar, vou apresentar aqui uma nova visão do Eneagrama, que chamo de “O Eneagrama Invertido”. Ao contrário do que geralmente se divulga, descobri que no Eneagrama devemos observar o ser humano ao contrário (Figura 5): ou seja, no Centro Físico ou do Movimento (Pontos 8,9,1), localizamos o sistema digestivo, o reprodutor e pernas; no Centro Intelectual o lado esquerdo do corpo até o umbigo, abarcando os órgãos desse lado do corpo e o braço e mão esquerda (Pontos 6 e 7); e no Centro Emocional o lado direito do corpo até o umbigo, os órgãos desse lado do corpo e braço e mão direita (2,3). Por último, nos Pontos 4 e 5 devemos imaginar a cabeça, o cérebro, suas partes e hemisférios cerebrais: no Ponto 5 o Hemisfério Cerebral Esquerdo (HCI) e no Ponto 4 o Hemisfério Cerebral Direito (HCD).

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De acordo com o princípio de bilateralidade cerebral o Hemisfério Cerebral Esquerdo rege o lado direito do ser humano (Centro Emocional) e o Hemisfério Cerebral Direito rege o lado esquerdo do ser humano (Centro Intelectual). Daí a importância do desenvolvimento harmonioso dos três Centros, já que, uma das questões mais descuidadas na educação é a do desenvolvimento das faculdades do Hemisfério Cerebral Direito, relacionado com o Centro Emocional no Eneagrama, e, uma supervalorização do desenvolvimento das faculdades relacionadas ao Hemisfério Cerebral Esquerdo, ligado ao Centro Intelectual no Eneagrama, e, um descuido quase total com o desenvolvimento do Centro Físico ou do Movimento relacionado, em parte, aos nossos instintos. Gurdjieff dava extrema importância ao desenvolvimento equilibrado de todos os Centros como única maneira de formar um ser humano mais harmonioso, já que, segundo ele somos seres TRICEREBRAIS ou de Três Cérebros. Estes são: 1. O Reptiliano: relacionado com o Centro Físico da AÇÃO e ATIVI DADE e com os Pontos 8, 9 e 1 do Eneagrama Invertido. Este Centro está conectado principalmente com o Cerebelo, camada do nosso cérebro que temos em comum com os répteis e mamíferos e que é responsável por nossas manifestações instintivas tais como a sobrevivência (Ponto 9 do Eneagrama) , com a reprodução, a luta e com nossa necessidade de poder e de hierarquias (Ponto 8 do Eneagrama) e com hábitos, condicionamentos e rotinas (Ponto1). 2. O Límbico: relacionado com o Centro Emocional e com os nossos sentimentos e aos Pontos 2, 3 e 4 do Eneagrama Invertido. Esta camada do cérebro presente também nos mamíferos, inclui o Tálamo e Hipotálamo e se relaciona ao controle do comportamento e do sistema nervoso autônomo. 3. O Neocórtex: relacionado ao Centro Intelectual e aos Pontos 5, 6, 7 do Eneagrama Invertido. Esta camada do cérebro que compartilhamos com os mamíferos superiores é considerada subjetivamente a

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mais “evoluída” e esta relacionada com nossa capacidade de raciocinar (Ponto 5 do Eneagrama Invertido), com a chamada “linguagem simbólica” (Ponto 6 do Eneagrama Invertido) e com a linguagem conceitual e verbal. Como possui neurônios altamente especializados que possibilitam ao ser humano a realização de múltiplas tarefas simultâneas (Ponto 7 do Eneagrama), este terceiro cérebro é chamado de “centro da inteligência” ou “cérebro inteligente”. Todos possuímos estes Três Cérebros ou Centros, porém, um deles é predominante em nossas vidas e atividades. Por esta razão, a divisão básica do ser humano em Três Centros é muito importante no estudo do Eneagrama. Compreendendo-a, é possível apreender uma segunda divisão de Gurdjieff, maior, mas pouco conhecida, cujo profundo valor sequer se suspeita, tendo a maioria se limitado a repetir o que Ouspensky escreveu a respeito. Refiro-me aos Três Grupos de Seres Humanos Básicos e aos Quatro Grupos de Seres Humanos que correspondem a níveis superiores de evolução consciente. Note-se que novamente estão presentes aqui as Leis de Três e de Sete. Vejamos.

Os Três Grupos de Seres Humanos Básicos e os Quatro Grupos Superiores de Seres Humanos, segundo G. I. Gurdjieff Gurdjieff ensinava que existem Três Grupos de Seres Humanos Básicos, os dos “Homens número Um”; “Homens número Dois” e “Homens número Três”, que não devemos confundir com os números dos Tipos 1,2, 3 Eneagramáticos e seus Traços Principais. Para ele os Grupos de Seres Humanos “Um, Dois e Três constituem a humanidade mecânica; na qual os seres humanos permanecem no nível em que nasceram”. Só poderiam ascender a um nível superior de consciência mediante um trabalho perseverante de autoconhecimento que objetivasse a evolução individual, por meio das escolas conectadas com o que Gurdjieff chamava “Círculo Consciente da Humanidade”.

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Os seres humanos do Grupo número Um correspondem no “Eneagrama dos Traços Principais” aos Tipos 8, 9 e 1 e, segundo Gurdjieff, teriam o “centro de gravidade de sua vida psíquica no Centro Motor”. Seriam os homens “do corpo físico, em quem as funções do instinto e do movimento predominam sobre as do sentimento e do pensar”. Estes aprendem por imitação, por memorização e por repetição. (Reptiliano) Os seres humanos do Grupo número Dois correspondem no “Eneagrama dos Traços Principais” aos Tipos 2, 3 e 4 e, segundo Gurdjieff, seriam aqueles nos quais o “centro de gravidade de sua vida psíquica está no Centro Emocional, e, [o ser humano] em quem as funções emocionais predominam sobre as outras é [o ser humano] do sentimento, [o ser humano] emocional”. Aprendem somente o que lhes “agrada”, o que “gostam”. Quando sadios procuram tudo o que lhes “agrada”; quando “doentios” são atraídos para o que os “desagrada”. (Límbico) Os seres humanos do Grupo número Três correspondem no “Eneagrama dos Traços Principais” aos Tipos 5, 6 e 7 e, segundo Gurdjieff, é o tipo de ser humano “cujo centro de gravidade da sua vida psíquica está no Centro Intelectual, noutros termos, é [o ser humano] em quem as funções intelectuais predominam sobre as funções emocionais, instintivas e motoras; é o [ser humano] racional, que tem uma teoria para tudo o que faz, que parte sempre de considerações mentais [...] O saber [dos seres humanos Três] é um saber fundado num pensar subjetivamente lógico, em palavras, numa compreensão literal [...]”. (Neocortex) Naturalmente, para cada aspecto predominante, existem outros dois, só que com menor poder de influência e desenvolvimento. Para “visualizar” esta divisão da humanidade, fiz o seguinte gráfico:

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Figura 6 Centro Motor Seres Humanos do Grupo número Um de Gurdjieff Tipos Eneagramáticos 8, 9 e 1 9 8

1

7

2

Centro 6 Intelectual

3

5 Centro Intelectual / Seres Humanos do Grupo número Três de Gurdjieff / Tipos Eneagramáticos 5, 6 e 7

Centro Emocional

4 Centro Emocional / Seres Humanos do Grupo número Dois de Gurdjieff / Tipos Eneagramáticos 2, 3 e 4

Além destes Três Grupos de Seres Humanos Básicos, Gurdjieff definia um grupo de Seres Humanos Intermediários (ou seja, que estão iniciando um processo de evolução consciente) e três Grupos de Seres Humanos Superiores, produtos de uma evolução deliberada, consciente e gradual, fruto de um conhecimento exato relacionado com o desenvolvimento objetivo de novos níveis de consciência e nos quais os Três Centros estão em equilíbrio, permitindo, a partir do quinto nível evolutivo, a manifestação plena do que ele chamava de “Centros Superiores”, que existem só potencialmente nas primeiras três categorias “mecânicas”, e com alguns sinais básicos de manifestação na quarta categoria. Ao ser humano do Grupo número Quatro Gurdjieff o definia como aquele que, tendo nascido nos Grupos Psicológicos Um, Dois ou Três, conhece um sistema de trabalho interno, que lhe permite desenvolver

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nele “um centro de gravidade permanente feito de suas ideias, de sua apreciação do trabalho (interno) e de sua relação com a escola (na qual aprende a realizar esse trabalho de autoconhecimento). Além disso, seus centros psíquicos já começaram a se equilibrar; nele, um centro não pode mais ter preponderância sobre os outros, como é o caso das três primeiras categorias”. Gurdjieff completa dizendo que este tipo de ser humano, diferentemente dos que pertencem aos três primeiros Grupos, “já começa a se conhecer, começa a saber para onde vai”. Sobre os seres humanos das categorias Cinco, Seis e Sete (repito, não confundir com os Tipos 5, 6 e 7 do Eneagrama), Gurdjieff se refere apenas ao tipo de saber que desenvolvem com as seguintes palavras citadas por Ouspensky: “O saber do homem [do Grupo] número Cinco é um saber total e indivisível [...]. Possui um Eu indivisível e todo o seu conhecimento pertence a esse Eu. Não pode mais ter um ‘eu’ que saiba alguma coisa sem que outro ‘eu’ esteja informado disso. O que ele sabe, sabe com a totalidade de seu ser. Seu saber está mais próximo do saber objetivo [lembra o que já revelamos sobre o conhecimento objetivo anteriormente?] do que pode estar o do homem número Quatro.O saber do homem [do Grupo] número Seis representa a integralidade do saber acessível ao homem; mais ainda pode ser perdido. O saber do homem [do Grupo] número Sete é bem dele e não lhe pode mais ser tirado; é o saber objetivo e totalmente prático (ou seja, vivencial, não teórico) de Tudo.” Em seguida e para reflexão dos conhecedores do Quarto Caminho e interessados no autoconhecimento e na evolução “espiritual” da humanidade, deixo um insight que tive em relação a estes ensinamentos e que resumi no seguinte “Eneagrama da evolução possível do homem” da minha autoria, para cuja confecção apliquei o Princípio Hermético de Correspondência, a Lei de Três e a Lei de Sete.4

Sobre o “7 Princípios Herméticos” consultar minha obra Iniciação e Autoconhecimento: Um Guia para o seu Despertar Espiritual.

4

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Figura 7 Nível da possível evolução humana (Consciência de si e Consciência objetiva)

Nível da consciência subjetiva (Humanidade “mecânica”)

9. Círculo Interno da Humanidade 8. Seres humanos do Grupo Quatro (em desenvolvimento da consciência de si). Os três centros inferiores iniciam o processo de equlíbrio. Necessidade de superesforços para manter o processo em andamento.

7. Seres humanos do Grupo Seis (plena consciência de si, centros superiores atualizados e completando o nível de consciência objetiva).

1. Seres humanos dos Grupos Um, Dois e Três. – Níveis físico, emocional e intelectual em desequilíbrio. Visão parcial e subjetiva da realidade e do mundo. Tipos Eneagramáticos não trabalhados. Traços Principais são desconhecidos e dominam suas manifestações egóicas (Humanidade mecânica de Gurdjieff).

Triângulo interno. Nível dos ‘’Três em Um’’ ou da Tri-Unidade. Seres humanos do Grupo 7. (Possuidores de consciência objetiva. Realizados).

6. Mestres visíveis. Segundo Ponto de choque consciente.

5. Seres humanos do Grupo Cinco. Maior desenvolvimento da consciência de si e iniciando o desenvolvimento da consciência objetiva. Três Centros em equilíbrio. Iniciam Atualização dos Centros Superiores.

2. Seres humanos cujos processos de autoconhecimento começam a ter resultados objetivos e demonstram maior controle de seus Traços Principais. Geralmente já estão em contato com Escolas preparatórias corretas, mas ainda podem sofrer “desvios”. 3. Escolas Iniciáticas (ou Preparatórias) de 1º, 2º, 3º e 4º Caminhos. Primeiro Ponto de choque consciente para a evolução.

4. Seres humanos que desejam conhecer a si mesmos e iniciam processos de autoconhecimento e de elevação de seus níveis de consciência subjetiva, através de leituras, métodos de auto-ajuda, terapias, análises de diversas linhas, métodos e sistemas diversos; por meio de instituições e/ou grupos místicos, fraternais, religiosos, esotéricos, sectários etc, de acordo com o Grupo humano a que pertencem e a seus Traços Principais. Grandes riscos de erros e desvios no processo.

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A importância do estudo prático e vivencial do Eneagrama para o autoconhecimento É fácil observar no gráfico anterior (Figura 7) como são importantes o estudo e o conhecimento de si mesmo por meio do Eneagrama, já que, teoricamente, nos podem conduzir a níveis de desenvolvimento muito elevados. Iniciar um processo de autoconhecimento implica, primeiramente, perceber e aceitar que vivemos sujeitos a um nível de consciência subjetivo e “mecânico” e que fazemos parte de um desses três grupos psicológicos básicos de seres humanos ensinados por Gurdjieff. Em segundo lugar devemos compreender que o único meio para nos livrarmos dessa “mecanicidade” passa necessariamente por um processo de aprimoramento que não pode ser improvisado e que deverá incluir o desenvolvimento harmonioso dos Três Centros (Físico, Emocional e Intelectual). Enquanto não soubermos o que implica tudo isso, não será possível compreender por que é fundamental o Eneagrama para iniciar este processo objetivamente. Muitas pessoas iniciam seus primeiros esforços em busca do autodomínio e do autoconhecimento estimuladas pela expectativa dos sonhados benefícios espirituais, materiais e individuais que isso lhes poderá proporcionar. Porém, as diversas razões pelas quais uma pessoa deseja ter maior domínio e conhecimento de si mesma podem claramente ser diferenciadas e definidas quando sabemos a qual dos grupos principais ela pertence como ser humano. É fácil comprovar que existem motivações básicas bem diferentes. Pessoas do Grupo Um (Centro Motor) talvez desejem obter maior poder pessoal, maior controle das situações e dos demais, maior domínio de si mesmas, objetivando “resultados materiais”. Pessoas do Grupo Dois (Centro Emocional) querem lidar e interagir melhor com as pessoas em termos emocionais, querem aprender a controlar suas emoções e as das outras pessoas, querem ampliar suas possibilidades de servir aos outros com sucesso já que isto as satisfaz e realiza. Por último, pessoas do Grupo Três (Centro Intelectual) querem saber quais são as causas e as leis que governam seus mundos internos, querem conhecer

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as causas pelas quais os fenômenos acontecem, querem ter os conhecimentos que lhes permitam compreender a vida e a si mesmas, ou seja, talvez queiram apenas “saber”. Naturalmente, em todas elas, algo das motivações que influenciam com maior força os outros dois grupos aos quais não pertencem, está presente, ainda que em menor grau. A razão é que em todos os três Grupos é possível perceber um desenvolvimento psicológico unilateral, pelo qual um dos Centros se tornou mais “sensível” que os outros aos “estímulos externos” e “interpreta” a realidade a partir de “necessidades” e “motivações” diferentes. O que dificulta o estudo prático de si mesmo é o fato de as pessoas não se darem conta do que implica ser parte de uma humanidade mecânica ou que vive num baixo nível de consciência. Em primeiro lugar, no nível de consciência habitual ou subjetivo, o ser humano não é realmente “livre”. Gurdjieff ensina que nesse nível o ser humano não faz, tudo simplesmente lhe acontece. É muito difícil compreender e aceitar esta afirmação porque todos achamos que “fazemos” e que somos “livres”. Só que, falando em termos estritos, nenhum ser humano nos três Grupos (Físico, Emocional e/ou Mental) poderia considerar que suas condutas, modos de agir e/ou reagir perante a existência são “conscientemente” escolhidos ou mesmo originais, já que todos os que integram esses grupos agem e reagem pelas mesmas causas básicas. Esta é uma das verdades mais provocantes que o Eneagrama nos permite “descobrir”. O único meio de que dispomos para nos livrarmos dessa “mecanicidade” é conhecer como ela se manifesta em cada um de nós, ou seja, quais são essas características mecânicas e previsíveis que acompanham essa nossa determinada e “mecânica” manifestação pessoal. É aqui que o Eneagrama dos Traços ou Tipos Principais se torna valioso, porque por meio dele conseguiremos saber: 1. Qual é o Grupo (Um, Dois ou Três) ao qual pertenço como ser humano no nível “mecânico”. 2. Qual é o Traço ou Defeito Principal (são três para cada grupo), no qual devo concentrar meus esforços de observação, lembrança e

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autocontrole para superá-lo e conseguir efetivamente o real conhecimento de mim mesmo. 3. Qual o trabalho específico, relacionado com meu grupo e Traço Principal, que me ajudará a aprimorar meu autoconhecimento e autodomínio, e, a partir daí, ter a possibilidade de passar para o 4to Tipo de seres humanos. Vamos, então, conhecer o Eneagrama dos Traços ou Tipos e suas três causas principais.

O Eneagrama dos Nove Traços (Tipos) principais segundo Gurdjieff Gurdjieff costumava usar uma linguagem muito exata para transmitir seus conhecimentos, de tal maneira que seus conceitos podem ser muito bem identificados e diferenciados por alguém que estude e reflita sobre sua obra com atenção. Isso me permitiu realizar a análise eneagramática dos mesmos e definir explicitamente o Eneagrama dos Traços Principais implícitos nas obras de Gurdjieff e Ouspensky. Baseado nesta experiência e comparando essas observações com os estudos e descobertas eneagramáticos feitas por Ichazo e Naranjo, segundo foram revelados, pesquisados e comentados nas obras do próprio Naranjo, e de autores como Don Richard Risso, Helen Palmer, David Daniels e outros pesquisadores do tema, pude, ao longo do tempo, concluir que, eneagramaticamente falando, os Três Problemas Fundamentais e Nucleares que segundo Gurdjieff impedem o autoconhecimento e a realização humana são: 1. O Esquecimento de Si Mesmo 2. A Consideração Interna 3. A Identificação

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Destes três problemas principais, que podemos e devemos associar aos Três Grupos Humanos Básicos, surgem os seguintes Traços Principais: Do Primeiro Grupo: associado ao Esquecimento de Si Mesmo, questão nuclear que afeta os seres humanos Tipos 8, 9 e 1, cujo centro de gravidade psicológico está localizado no Centro Motor ou do Movimento, surgem: a) Os seres humanos que se caracterizam por um constante estado de luta e defesa contra tudo o que parece estar contra eles, revoltados, sempre acham que alguma “injustiça” está sendo cometida contra eles, ou seja, os Tipos 8. b) Os seres humanos proteladores e esquecidos de si mesmos que se caracterizam por sofrer do que Gurdjieff chamava de a “doença do amanhã”, ou seja, os Tipos 9. c) Os seres humanos que se caracterizam por uma forte inclinação a separar as coisas em “boas” e “más”, “corretas” e “incorretas”, “certas” e “erradas”, ao que Gurdjieff denominava a “Moral Externa” ou “moral subjetiva”, ou seja, os Tipos 1. 9

Figura 8 Grupo Um dos seres humanos / Centro Motor ou do Movimento / Tipos 8, 9 e 1.

Questão Nuclear: Esquecimento de Si Mesmo / Traços ou Defeitos Principais: A “revolta” (8) A “Doença do amanhã” (9) e a “Moral Externa ou subjetiva” (1).

8

1

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Do Segundo Grupo: Da Identificação, questão nuclear que afeta os seres humanos Tipos 2, 3 e 4 e cujo centro de gravidade psicológico está localizado no Centro Emocional, surgem: a) Os seres humanos que se caracterizam por acreditar que não consideram os outros o suficiente, que não dão o suficiente de si e que se tornam escravos dos outros quando amam, ou seja, os Tipos 2. Identificados com as emoções alheias. b) Os seres humanos que se caracterizam por suas “exigências”, ou seja, que exigem admiração, estima e consideração constante dos outros para que se sintam agradados e felizes, ou seja, os Tipos 3. Identificados com a “imagem” necessária para obter a consideração alheia. c) Os seres humanos que sofrem “tolamente”, aqueles para os quais o “sofrimento inconsciente” se tornou uma escravidão, ou seja, os Tipos 4. Identificados com seus próprios “sofrimentos”.

Figura 9 Grupo Dois dos seres humanos / Centro Emocional / Tipos 2, 3 e 4.

2

Questão Nuclear: Identificação / Traços ou Defeitos Principais: “Amor escravo” (2). 3

A “Exigência” de atenção (3) e o “Sofrimento tolo” (4). 4

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Do Terceiro Grupo: Da Consideração Interna, questão nuclear que afeta os seres humanos Tipos 5, 6 e 7 e cujo centro de gravidade psicológico está localizado no Centro Intelectual, surgem: a) Os seres humanos que só vivem “pelo mental”, que aprendem sem compreender, ou seja, os Tipos 5. b) Os seres humanos que estão sob o controle do “medo” e/ ou que “deixam de ver e ouvir o que realmente acontece”, ou seja, os Tipos 6. c) Os seres humanos que têm a ilusão de serem “livres”, que acham que possuem “vontade própria” para “escolher, dirigir e organizar livremente suas vidas”, que se acham “notáveis”, “originais”, ou seja, os Tipos 7.

Figura 10 Grupo Três dos seres humanos / Centro Intelectual / Tipos 5, 6 e 7.

Questão Nuclear: Consideração Interna / Traços ou Defeitos Principais: “Viver no mental (5).

7

6

O “Medo” (6) e a “Falsa liberdade” (7). 5

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Definições de Gurdjieff consideradas para o estudo dos Traços (defeitos) Principais Definição dos três problemas nucleares: Esquecimento de Si Mesmo, Identificação e Consideração Interna e sua relação com os Tipos Eneagramáticos: Gurdjieff permanentemente chamava a atenção dos seus alunos para os três problemas nucleares. Para ele, era fundamental que todos conseguissem observá-los em si mesmos, como um meio para alcançar a consciência de si. Sendo “nucleares”, afetam todos os Tipos Eneagramáticos, porém aquele relacionado com o grupo ao qual você pertence, deve ser considerado com maior atenção. Sendo meu interesse principal destacar a obra e os ensinamentos deste mestre, cito as principais definições que ele deixou destes três problemas nucleares:

Sobre o Esquecimento de Si Mesmo: Gurdjieff dizia: “... o homem se esquece de si mesmo sem cessar. Sua impotência em lembrar-se de si é um dos traços mais característicos de seu ser e a verdadeira causa de todo o seu comportamento...” Também podemos ler: “Vocês se esquecem sempre de si mesmos, vocês nunca se lembram de si mesmos. Vocês não sentem a si mesmos; vocês não são conscientes de si mesmos. Em vocês, isso observa, ou então isso fala, isso pensa, isso ri; vocês não sentem: sou eu quem observa, eu observo, eu noto, eu vejo. Tudo se observa sozinho, se vê sozinho... Para chegar a observar verdadeiramente, é necessário, antes de tudo, lembrar-se de si mesmo.” Embora sirva para todos, por se tratar de um ponto nuclear que afeta todos os Tipos e se manifesta em todos os Defeitos ou Traços Principais, esta recomendação se reveste de especial importância para os Tipos 8, 9 e 1, os quais deverão considerá-la especialmente. Por quê? Porque, por exemplo, quando Tipos 8 se fixam demais na conquista do externo,

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“esquecem” do valor de seus mundos internos; quando Tipos 9 deixam de se importar com suas necessidades e protelam aquelas ações que os beneficiam pessoalmente, estão demonstrando o “esquecimento” de si mesmos, e quando Tipos 1 se preocupam demais com as “formalidades” e com a “ordem”, “esquecem” de considerar as coisas sob outros ângulos e, também, “esquecem” que existem várias maneiras de realizar os mesmos objetivos. P. D. Ouspensky escreve a respeito o seguinte: “Dizia que um fato de prodigiosa importância escapara à psicologia ocidental, ou seja: que não nos lembramos de nós mesmos, que vivemos, agimos e raciocinamos dentro de um sono profundo, dentro de um sono que nada tem de metafórico, mas é absolutamente real; e, no entanto, que podemos nos lembrar de nós mesmos, se fizermos esforços suficientes; que podemos despertar.” A lembrança de si mesmo é a chave que nos permite compreender que não somos nossas “máscaras” (personalidades), que elas não são o ser real e que é possível observar nosso “traço ou defeito principal” compreendendo que podemos chegar a transmutá-lo em seu oposto “virtuoso”.

Sobre a Identificação: Gurdjieff dizia que “... uma das características fundamentais da atitude do homem para consigo mesmo e para com os que o rodeiam [é] sua constante identificação com tudo o que prende sua atenção, seus pensamentos ou seus desejos e sua imaginação. A Identificação é um traço tão comum que, na tarefa da observação de si, é difícil separá-la do resto. O homem está sempre em estado de identificação; apenas muda o objeto de sua identificação”. Assim como acontece com o Esquecimento de Si Mesmo, a Identificação, como aspecto “nuclear” (Ponto 3 do Eneagrama), afeta todos nós e, como diz Gurdjieff, quando iniciamos a observação de nós mesmos, é difícil separá-la do resto, porém ela afeta com maior força os Tipos 2,

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3 e 4, os quais deverão trabalhar sobre este aspecto com mais atenção. Exemplos: a) a “Identificação” leva Tipos 2 a ficarem “escravos” daquilo e/ou daqueles que amam transformando-os em “seres para”, o que, num momento determinado, pode angustiá-los; b) leva Tipos 3 a ficarem “escravos” dos “bons desempenhos”, dos “triunfos”, da “imagem de sucesso”, o que lhes provoca a perda do “contato” com seus sentimentos e necessidades mais profundos; finalmente, a “Identificação” com vivências passadas ou com desejos ou esperanças futuras leva Tipos 4 a serem “escravos” das lembranças ou dos desejos e, portanto, a não estarem emocionalmente felizes no momento “presente”, nem perceber o que esse “presente” tem de bom. Gurdjieff sustenta que o único modo de superar a identificação é aprendendo a desidentificar-se, já que somente desta maneira se poderá conseguir a “lembrança de si”: “... para aprender a não se identificar, o homem deve, antes de tudo, não se identificar consigo mesmo, não chamar a si mesmo de ‘eu’, sempre e em todas as coisas. Deve lembrar-se de que existem dois nele, que há ele mesmo, isto é, um ‘eu’ (o verdadeiro ser, o observador) e o outro (a máscara, o falso eu), com quem deve lutar e a quem deve vencer se quiser alcançar alguma coisa. Enquanto um homem se identifica ou é suscetível de identificar-se, é escravo de tudo o que lhe pode acontecer. A liberdade significa antes de tudo: libertar-se da identificação”.

Sobre a Consideração Interna: Considerar tem sua origem no latim considerare e, segundo os dicionários, significa entre outras coisas: atender a, atentar para; pensar em; meditar, ponderar, examinar, imaginar, conceber, julgar, refletir em alguma coisa. Todos estes sentidos “intelectuais” devem ser relacionados na definição que Gurdjieff faz da “consideração interna”, ou seja, um pensar, refletir, examinar, imaginar, somente voltado ao sujeito que considera e relaciona tudo apenas com suas “necessidades”. Não existe um pensar “considerando o que está fora” do sujeito, ou seja,

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considerando as pessoas, as situações, as necessidades, os sentimentos e estados de ânimo dessas pessoas, desses outros. A consideração interior é como um muro que nos separa da realidade tal qual ela é. A consideração interna não nos permite agir de acordo com as mudanças, as nuances, apenas podemos enxergar nossas “ideias”, nossas “opiniões”, nossos “medos”. Na consideração interior também existe uma “projeção” ao exterior daquilo que eu sinto, penso ou acho de uma situação dada. Na filosofia Vedanta Advaita, se diz que um dos poderes de “Maia” é fazer as coisas aparecerem como elas não são e se conta, como exemplo, a história de um sujeito que vem caminhando à noite por uma estrada escura. Está ventando muito, então, de repente, ele vê uma serpente se movendo alguns metros adiante e se arma com um pau para se defender do provável ataque. Fica tenso, perde muita energia pelo seu grande temor de ser mordido pela serpente. Avança com cuidado. A serpente parece estar muito agitada. Porém quando chega perto da serpente e está totalmente esgotado de tanto temor, tremendo e suando, percebe que ela não existe, que era um galho que, movido pelo vento e devido à noite escura, parecia uma serpente. Isto é a consideração interna: uma incapacidade de ver, sentir e pensar nas coisas apenas tal qual elas são. Gurdjieff ensina a respeito que: “Temos duas vidas, uma interior e outra exterior; por conseguinte, temos duas espécies de consideração. Nós ‘consideramos’ constantemente.” Então, ele dá um exemplo: “Uma pessoa me olha. Interiormente, sinto antipatia por ela (...) exteriormente sou cortês. Sou forçado a ser cortês, pois preciso dela. Isso é consideração exterior. Agora ela diz que sou um imbecil. Isso me enfurece. O fato de estar enfurecido é um resultado, mas o que isso provoca em mim é proveniente da consideração interior.” A consideração interior, por ser um dos pontos nucleares (Ponto 6), também é algo que devemos aprender a controlar, porque afeta todos os Tipos Eneagramáticos. Porém os Tipos 5, 6 e 7 deverão prestar maior atenção a esta questão. Por exemplo, Tipos 5 tendem a se isolar porque lhes é difícil “comunicar-se”, “interagir” e “inter-relacionar-se” com os demais, por estarem sempre “considerando internamente”, ou seja,

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pensando que algumas pessoas são “muito superficiais”, que outras “podem comprometê-lo”, outras podem ter “intenções ocultas” e assim por diante, o que os leva a criar barreiras entre eles e os outros. Os Tipos 6 “consideram internamente” a partir de seus temores, de seus medos, imaginam situações perigosas ou difíceis de resolver e vivem essas suposições como se fossem reais. Já os Tipos 7 vivem “planejando” coisas no “plano mental”, às vezes totalmente “fora da realidade”, o que os pode levar a cometer certas irresponsabilidades que acabam afetando outros. Tudo isto porque apenas “consideram internamente” e não percebem que seus atos, que julgam “importantes”, podem afetar negativamente os outros. Gurdjieff afirma que esta “consideração interna” é produto de uma educação que só se preocupa com o desenvolvimento do Centro Intelectual. Ele diz que “não educamos nada além de nosso intelecto” e que o caminho para a consideração externa é o desenvolvimento correto do Centro Emocional, o qual compara com um “cavalo” que só aprendeu duas palavras “direita” e “esquerda”, ou seja, “simpático/odioso, agradável/desagradável”, etc. Um de seus conselhos era: “Devemos parar de reagir interiormente. Se alguém for grosseiro conosco (por exemplo), não devemos reagir internamente.” E acrescenta algo que, com certeza, Tipos 5, 6 e 7 apreciam demais: “Aquele que conseguir isso será mais livre.” Porém nos adverte que “isso é muito difícil.” Para Gurdjieff conseguir considerar tudo “externamente sempre e internamente nunca” era tão importante que um dos aforismos inscritos no toldo do Study House, no Prieuré (França), dizia assim: “O melhor meio de ser feliz nessa vida é poder considerar externamente sempre – internamente nunca.”

Para além dos Nove Traços ou Tipos Principais. A questão dos “eus”. O Eneagrama e o nosso mundo interno Após transcrever os exatos “retratos” psicológicos que Gurdjieff fazia dos tipos humanos, gostaria de compartilhar com você uma outra questão. Muitos me perguntam: Por que é que Gurdjieff não definiu

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um Eneagrama dos Traços Principais explicitamente? Porque falava deles de um modo geral, de maneira que todos tinham que observar em si mesmos o modo pelo qual esses Traços/Tipos Principais se manifestavam, tendo que hierarquizá-los com respeito ao que, em cada caso particular, era o “principal”. Preferia, em algumas ocasiões, ele mesmo mostrar (e às vezes de forma bastante rude) qual era o Traço Principal de alguns de seus discípulos para que eles aprimorassem a observação e lembrança de si. Gurdjieff gostava de “pisar nos calos favoritos das pessoas”, ou seja, “provocar” a identificação do Traço/Tipo Principal de uma maneira que as pessoas se sentissem “chocadas” ao se aperceber de suas condutas mecânicas. Como observa muito corretamente Claudio Naranjo “(...) Gurdjieff explorou sua injunção ao insight e sua magistral confrontação (enquanto que) Ichazo trabalhou com o diagnóstico (...)”. Logicamente, como Tipo 8 que Gurdjieff era, seu jeito “agressivo” de confrontar as pessoas com seus Traços (Tipos) Principais era para ele o mais adequado e, com certeza, conseguia “despertar” a atenção de seus alunos para a necessidade de enxergá-los sem “nenhuma piedade”. Penso também que quando ele ensina sobre os diversos “eus” que podem atuar na vida psíquica de um sujeito, ele se referia, de algum modo, ao fato de que todos temos, em maior ou menor grau, algo de todos os “Traços” e suas combinações, sendo que, um deles, é o mais “forte” e característico. Seus ensinamentos sobre os diversos “eus” presentes no mundo interno são um alerta para nossa falta de “unidade” interior. Citado por Ouspensky, Gurdjieff diz a respeito: “O homem não tem ‘Eu’ individual. Em seu lugar há centenas e milhares de pequenos ‘eus’ separados, que, na maior parte das vezes, se ignoram, não mantêm nenhuma relação entre si ou, ao contrário, são hostis uns aos outros, exclusivos e incompatíveis. A cada minuto, a cada momento, o homem diz ou pensa ‘Eu’. E a cada vez seu ‘eu’ é diferente [...] O homem é uma pluralidade. O seu nome é legião”.5

5

Do livro Fragmentos de um ensinamento desconhecido, de Ouspensky.

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Visto deste ângulo, o Traço ou Tipo Principal seria, entre todos os “eus” que habitam nosso mundo interior, o “eu falso” mais forte, aquele que comanda a “máscara” /personne. Assim, por exemplo, um sujeito Tipo 8, que tem como Traço Principal seu caráter agressivo/ luxurioso, ou melhor, que se excede em tudo o que faz, também teria os outros 8 “eus” eneagramáticos e todos os “eus” resultantes das “triplas” combinações. Isso significa que, no mesmo sujeito agressivo, podemos achar todas as restantes características eneagramáticas “negativas” e “positivas”. Algumas serão relativamente fortes, outras se manifestarão de maneira mais “fraca”, algumas fortalecerão o Traço Principal, outras o tornarão mais equilibrado. Algumas serão aliadas desse sujeito, outras agirão como “inimigos” internos. O que quero dizer é que, analisando o modo como Gurdjieff falava dos três problemas nucleares e o modo como descrevia os aspectos negativos das pessoas em relação aos seus diversos “eus”, cheguei à conclusão de que para ele o mais importante é que a gente perceba que todos os “traços negativos” estão presentes em nós sempre e que não devemos considerar apenas o “principal” como o alvo do nosso trabalho de observação e lembrança interior. No meu entendimento, este é o ponto mais valioso da técnica de Gurdjieff, porque nos lembra que o Eneagrama também está completo e em movimento constante nos nossos mundos internos; que o esquecimento de si mesmo e os três traços decorrentes de sua manifestação afetam todos nós; que a identificação está sempre presente em nossos atos e relacionamentos, que vivemos considerando internamente sempre e que todos os “traços” ligados a estes “núcleos” expressam a perda de contato com o Ser, com o “Eu real”, com aquilo que poderíamos chamar, de acordo com as antigas tradições, o “observador silencioso”, a “testemunha”, a única capaz de ser verdadeiramente consciente porque é a consciência. Ao mesmo tempo, considerando o assunto deste modo, cada um de nós tem mais um elemento para a análise de si mesmo: quais os aspectos que além do Traço Principal devemos conquistar em nós mesmos, que Tipos Eneagramáticos podem servir como exemplo do que devemos ou não fazer, o que é que podemos aprender com esses

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“outros eus” que fazem parte dos nossos mapas eneagramáticos? Por acaso temos um “eu” que sofre “tolamente”? Temos um “eu” que não sabe amar? Temos um “eu” protelador? Um “eu” vaidoso? Um “eu” moralista? Um “eu” medroso? Ao mesmo tempo, e sabendo que para cada Traço ou Defeito Principal existe uma Virtude, um Poder em potencial que podemos desenvolver e atualizar, devemos concluir necessariamente que a conquista da Virtude por trás dos nossos Traços Principais nos permitirá desenvolver positivamente o potencial de todos os demais “eus” dos nossos mapas eneagramáticos. Ainda mais, talvez, atualmente alguns desses “eus” sejam já os nossos “aliados” psicológicos e só devemos nos tornar conscientes de suas “presenças”. A questão dos “eus” na psicofilosofia de Gurdjieff é fundamental, já que, a grande conquista interior passa necessariamente pelo controle, transmutação (ou até a “morte” de alguns deles) e governo de todos os pequenos “eus” por um único “Eu”, permanente, reflexivo e consciente. Isto é o que torna “indivíduo” (sem divisões interiores) aquele que conquista a “máscara” ou personalidade. Enquanto o Traço Principal não for conquistado, o comando da “personalidade” ficará a cargo de um “falso eu” e de todos os que a ele estão atrelados. Só o profundo conhecimento de si mesmo poderá devolver o comando da personalidade ao “verdadeiro Eu”. Não vou me estender mais aqui sobre este assunto, que trato com mais profundidade na minha obra Iniciação e autoconhecimento. Enfim, o modo gurdjieffiano de mostrar o Eneagrama dos Traços Principais apontava, na minha opinião, na direção da descoberta de todos os nossos “problemas internos”, de todos os 9 “eus” e seus “subtipos”, com o objetivo de que o conhecimento de si mesmo fosse “completo”, ou seja, que nossos Eneagramas internos se tornassem conhecidos para nós mesmos. Então, conhecer o Traço Principal é importante, não apenas como uma classificação, não apenas para repetir como “papagaio” “sou 4”, “sou 7” ou “sou 3 com asa 2”, como ouço por aí de pessoas para as quais o Eneagrama se tornou mais uma “armadilha” que só aumenta seu grau de “sono”. Quando nos tornamos conscientes de nosso Traço Principal e conscientes dos demais “eus” que habitam nosso complexo

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e labiríntico mundo interior, quando podemos ser conscientes dos “eus” que, sem ser os principais, também influenciam no “esquecimento de si mesmo”, na “identificação” e na “consideração interna”, aí então é que o Eneagrama se torna verdadeiramente valioso e supera os limites de uma mera “tipologia psicológica”. Desta forma se torna também uma ferramenta para que possamos lidar melhor com nossas “realidades” pessoais e individuais. Torna-se útil como instrumento de apoio no profissional e em nossos necessários e cotidianos relacionamentos. Graças à minha experiência no estudo e prática destes conhecimentos, a cada dia, torna-se cada vez mais fácil para mim perceber o Traço Principal nas pessoas e observo o quanto isso é valioso para, usando a “consideração externa”, compreendê-las melhor e obter delas o que realmente quero. Pessoas que não conhecem o seu próprio Traço Principal e que não o reconhecem em outras pessoas, só conseguem resultados em seus relacionamentos e trabalhos por mero “acidente”, ou porque com o tempo ficam mais sensíveis às diferenças humanas devido às suas experiências e vivências. Gurdjieff reconhece que ele próprio se tornou com o tempo um especialista em descobrir o Traço Principal nas pessoas com as quais se relacionava, não somente com objetivos “espirituais” mas também com objetivos muito “concretos”. Em sua última obra, A vida é real somente quando “Eu Sou” cujo título já é uma grande lição a ser compreendida, Gurdjieff revela como isso se tornou para ele uma tarefa constante: “(...) qualquer um que eu conhecesse, por negócios, comércio ou qualquer outro motivo, fosse velho ou novo conhecido, e qualquer que fosse sua posição social, eu teria que descobrir imediatamente seu ‘calo mais sensível’ e ‘pressioná-lo’, preferivelmente com dureza.” Este deve ser o seu “espírito” ao se preparar para conhecer seu Traço Principal por meio desta obra, ou para, já conhecendo seu Traço Principal, aprimorar sua experiência por razões pessoais ou profissionais. Reconheça seu Traço Principal com sinceridade e descubra o seu próprio Eneagrama interior, no qual, todos os “traços” estão presentes. Conhecendo dessa forma seu “microcosmo”, você poderá conhecer todos os “microcosmos” que o rodeiam e, finalmente, quando alcançar a total consciência de si mesmo, o “macrocosmo” poderá ser conhecido tal qual

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ele é, uma expressão maravilhosa dos milhares de “rostos” daquilo que chamamos “DEUS”. Agora sim vamos ver como Gurdjieff “retrata” cada um dos nove Traços ou Defeitos Principais:

Definições dos Nove Traços ou Defeitos Principais segundo Gurdjieff Após analisar detidamente os Traços ou Defeitos Principais definidos por Gurdjieff e confrontá-los com os que outros pesquisadores do Eneagrama destacam, baseados nas descobertas de Ichazo, consegui isolar todas as definições com as quais ele os “retratava” tão magistralmente. Novamente os livros Fragmentos de um ensinamento desconhecido e Gurdjieff fala a seus alunos foram fundamentais para realizar essa pesquisa. Vejamos por Grupos.

Traços Principais dos Tipos 8, 9 e 1 (Centro do Movimento Questão Nuclear: Esquecimento de Si Mesmos) Tipos 8: “Existem diversas espécies de consideração. Na maior parte dos casos, o homem se identifica com o que os outros pensam dele, com a maneira com a qual o tratam, com sua atitude para com ele [...] pensa sempre que as pessoas não o apreciam o suficiente [...] Tudo isso o aborrece, o preocupa, o torna desconfiado; desperdiça em conjecturas ou em suposições enorme quantidade de energia; desenvolve nele, assim, uma atitude desconfiada e hostil para com os outros. Como olharam para ele, o que pensam dele, o que disseram dele, tudo isso assume a seus olhos enorme importância. E considera não só as pessoas, mas a sociedade e as condições históricas. Tudo o que desagrada a tal homem lhe parece injusto, ilegítimo, falso e ilógico. E o ponto de partida de seu julgamento é sempre que as coisas podem e devem ser modificadas. A ‘injustiça’ é uma dessas palavras que servem frequentemente de máscara a [este tipo de] ‘consideração’ [interna].”

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Tipos 9: “[...] Sem auxílio exterior, um homem nunca pode se ver. Por que é assim? Lembrem-se. Dissemos que a observação de si conduz à constatação de que o homem se esquece de si mesmo sem cessar. Sua impotência em lembrar-se de si é um dos traços mais característicos de seu ser e a verdadeira causa de todo o seu comportamento. Essa impotência manifesta-se de mil maneiras. Não se lembra de suas decisões, não se lembra da palavra que deu a si mesmo, não se lembra do que disse ou sentiu há um mês, uma semana ou um dia ou apenas uma hora. Começa um trabalho e logo esquece por que o empreendeu, e é no trabalho sobre si que esse fenômeno se produz com especial frequência.” Tipos 1: “Outro exemplo, talvez pior ainda, é o do homem que considera que na sua opinião, ‘deveria’ fazer algo, quando na realidade, não tem que fazer absolutamente nada. ‘Dever’ e ‘Não dever’ é um problema difícil; em outras palavras, é difícil compreender quando um homem realmente ‘deve’ e quando ‘não deve’ (fazer algo).”

Traços Principais dos Tipos 2, 3 e 4 (Centro Emocional Questão Nuclear: Identificação) Tipos 2: “Há duas espécies de amor. Um é o amor escravo. O outro deve ser adquirido pelo trabalho sobre si. O primeiro não tem valor algum; só o segundo, o amor que é fruto de um trabalho interno, tem valor. É o amor de que todas as religiões falam. Se você amar, quando ‘isso’ [a máscara] ama, esse amor não depende de você e não haverá nenhum mérito nisso. É o que chamamos ‘amor de escravo’. Você ama até mesmo quando não deveria amar. As circunstâncias fazem-no amar mecanicamente [...]” Tipos 3: “Sugiro que cada um faça a si mesmo a pergunta ‘Quem sou eu?’ Estou certo de que 95% de vocês ficarão perturbados... Isso prova que um homem viveu toda a sua vida sem se fazer essa pergunta e considera perfeitamente normal que ele seja ‘algo’, e até mesmo algo

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muito precioso, algo que jamais pôs em dúvida. Ao mesmo tempo, é incapaz de explicar a outra pessoa o que esse algo é, incapaz de dar a menor ideia desse algo, porque ele próprio não o sabe. E se não sabe, não será simplesmente porque esse algo não existe, mas apenas se supõe existir? Não é estranho que fechem os olhos, com tão tola complacência, ao que realmente são, e passem a vida na agradável convicção de que representam algo precioso? Esquecem de ver o vazio insuportável por trás da soberba fachada criada por seu autoengano e não se dão conta de que essa fachada só tem um valor puramente convencional.” Ouspensky lembra que alguém perguntou: “O que é que não compreendemos?” E Gurdjieff respondeu: “Estão de tal modo habituados a mentir, tanto a si mesmos como aos outros, que não encontram nem palavras nem pensamentos, quando querem dizer a verdade. Dizer a verdade sobre si mesmo é muito difícil. Antes de dizê-la, deve-se conhecêla. Ora, não sabem nem mesmo em que ela consiste [...].” Tipos 4: “Qual o papel do sofrimento no desenvolvimento de si?” Ele respondeu: “Existem duas classes de sofrimento: consciente e inconsciente. Somente um tolo sofre inconscientemente. Na vida existem dois rios, duas direções. No primeiro rio, a lei é somente para o rio, não para as gotas d’água. Nós somos as gotas. Num momento uma gota está na superfície, num outro momento está no fundo. O sofrimento depende da sua posição. No primeiro rio, o sofrimento é completamente inútil, porque é acidental e inconsciente. Paralelo a esse rio tem um outro. Neste outro rio existe outra classe de sofrimento. A gota do primeiro rio tem a possibilidade de passar ao segundo. ‘Hoje’ a gota sofre porque ‘ontem’ não sofreu o suficiente. Aqui opera a Lei de Retribuição. A gota também pode sofrer por antecipação, tarde ou cedo tudo se paga. Para o Cosmo o tempo não existe. O sofrimento pode ser voluntário e somente o sofrimento voluntário tem valor. A gente pode sofrer simplesmente porque se sente infeliz. Ou pode sofrer por ‘ontem’ para preparar-se para o ‘amanhã’. Repito: somente o sofrimento voluntário tem valor.”

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Traços Principais dos Tipos 5, 6 e 7 (Centro Intelectual Questão Nuclear: Consideração Interna) Tipos 5: “É impossível lembrar-se de si mesmo. E não podemos nos lembrar, porque queremos viver unicamente pelo mental... Talvez vocês se lembrem do que dissemos do homem: nós o comparamos a uma atrelagem com um amo [o Ser], um cocheiro [Centro Intelectual], um cavalo [Centro Emocional] e uma carruagem [Centro do Movimento]. Não podemos nem falar do amo pois ele não está presente; de modo que só podemos falar do cocheiro. Nosso mental é o cocheiro... Todos os interesses que temos em relação à mudança, à transformação de nós mesmos pertencem apenas ao cocheiro, quer dizer, são unicamente de ordem mental... A transformação não se obtém pelo mental; se for pelo mental, não tem nenhuma utilidade. Por essa razão devemos ensinar, e aprender, não por meio do mental, mas do sentimento e do corpo... Naqueles que estão aqui se levantou acidentalmente um desejo de chegar a algo, de mudar alguma coisa. Mas apenas no mental. E nada mudou ainda neles. Não passa de uma ideia que têm na cabeça e cada um permanece o que era. Mesmo aquele que trabalhasse mentalmente durante dez anos, que estudasse dia e noite, que se lembrasse mentalmente e lutasse, mesmo esse não realizaria nada útil ou real, porque mentalmente nada há para mudar. O que deve mudar é a disposição do cavalo. O desejo deve estar no cavalo e a capacidade na carruagem. Mas como já dissemos, a dificuldade é que, devido à má educação moderna, a falta de relação entre nosso corpo (carruagem), nosso sentimento (cavalo) e nosso mental (cocheiro) não foi reconhecida desde a infância, e a maioria das pessoas está tão deformada que não há mais linguagem comum entre uma parte e outra...” Tipos 6: “O homem, às vezes, se perde em pensamentos obsessivos, que voltam e tornam a voltar em relação ao mesmo objeto, às mesmas coisas desagradáveis que imagina, e que não apenas não ocorrerão, mas, de fato, não podem ocorrer. Esses pressentimentos de aborrecimentos, doença, perdas, situações embaraçosas se apoderam muitas vezes de

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um homem a tal ponto, que assumem a forma de sonhos despertos. As pessoas deixam de ver e ouvir o que realmente acontece, e, se alguém conseguir provar a elas, num caso preciso, que seus pressentimentos e medos são infundados, elas chegam a sentir certa decepção, como se tivessem sido frustradas de uma perspectiva agradável... O medo inconsciente é um aspecto muito característico do sono... As pessoas não suspeitam até que ponto estão em poder do medo. Esse medo não é fácil de definir. Na maioria dos casos, é o medo de situações embaraçosas, o medo do que o outro pode pensar. Às vezes o medo se torna quase uma obsessão maníaca. Tipos 7: “O homem, bem no seu íntimo, ‘exige’ que todo mundo o tome por alguém notável, a quem todos deveriam constantemente testemunhar respeito, estima e admiração por sua inteligência, por sua beleza, sua habilidade, seu humor, sua presença de espírito, sua originalidade e todas as suas outras qualidades. Essas ‘exigências’, por sua vez, baseiam-se na noção completamente fantasiosa que as pessoas têm de si mesmas, o que acontece com muita frequência, mesmo com pessoas de aparência muito modesta [...].”

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Eneagrama dos Traços ou Defeitos Principais de acordo  com os Nove “Retratos Psicológicos” de Gurdjieff Figura 11 Núcleo do “esquecimento de si mesmo”

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Os que não se acham suficientemente apreciados. Os aborrecidos, desconfiados, hostis (O hostil “justiceiro” desconfiado).

Os esquecidos de si mesmos. Os que sofrem da “doença do amanhã”. Os proteladores. (O pacífico protelador “boa gente)

8

Os que se acham “livres”. Os inconstantes, não persistentes. Os que “exigem” respeito, admiração, estima e se acham “notáveis” (O narcisista gozador). Os que se perdem em pensamentos obsessivos. Os que sonham acordados negatividades. Os que estão em poder do medo (O medroso ambivalente).

1

Os “moralistas” (O metódico direitinho irado). Aqueles que acham que “deveriam” fazer algo. Os que julgam pela “moral subjetiva ou externa” do “bem/mal”; “certo/errado”.

7

2

6

Núcleo da “consideração interna”

3

5

Os que vivem só pelo mental. Isolados da realidade. Os que apreendem mas não compreendem (O avarento e solitário pensador).

4

Os “amorosos” escravos. (O amoroso generoso orgulhoso). Aqueles que amam até quando não deveriam amar.

Os que acham que “representam algo precioso”. (O performático mascarado). Aqueles que se “auto-enganam”.

Núcleo da “identificação”

Os que sofrem “totalmente” (O sofredor original invejoso) Os sofredores “inconscientes”.

Parte I 9 8

1

Centro Físico ou Motor Tipos 8, 9 e 1

O Tipo 8 O eu que confronta

“Existem diversas espécies de consideração. Na maioria dos casos, o homem se identifica com o que os outros pensam dele, com a maneira como o tratam, com sua atitude para com ele [...] pensa sempre que as pessoas não o apreciam o suficiente [...] Tudo isso o aborrece, o preocupa, o torna desconfiado; desperdiça em conjecturas ou em suposições enorme quantidade de energia; desenvolve nele, assim, uma atitude desconfiada e hostil para com os outros. Como olharam para ele, o que pensam dele, o que disseram dele, tudo isso assume, a seus olhos, enorme importância.” “E considera não só as pessoas, mas a sociedade e as condições históricas. Tudo o que desagrada a tal homem lhe parece injusto, ilegítimo, falso e ilógico. E o ponto de partida de seu julgamento é sempre que as coisas podem e devem ser modificadas. A ‘injustiça’ é uma dessas palavras que servem frequentemente de máscara a [este tipo de] consideração [interna].” Os dois parágrafos acima, citados por P. D. Ouspensky em Fragmentos de um Ensinamento Desconhecido, são de G. I. Gurdjieff

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Então? Vamos nos conhecer melhor ou não? Como diria G. I. Gurdjieff (um Tipo 8 “acordado” que foi, segundo o polêmico mestre Osho, “um dos Budas da nossa época”): “Lembre-se de que você veio aqui, porque compreendeu a necessidade de lutar contra si mesmo e unicamente contra si mesmo. Agradeça, portanto, a quem lhe proporcione a ocasião para isso.” Na verdade, este aforismo – um dos vários que estavam inscritos no toldo do “Study House”, no Prieuré (França), local onde Gurdjieff trabalhou com seus discípulos – abriga o grande mistério a ser conhecido por todos os seres humanos, mais especialmente pelos Tipos 8 “assumidos”. Espero que, tendo chegado até aqui, agradeçam a oportunidade que eu lhes ofereço de “lutar unicamente contra si mesmos” a partir de agora, já que há tanto tempo se dedicam a lutar contra o mundo, contra seus “inimigos” e até contra o “tempo” e o “clima”!

O Poder: a grande fascinação dos “Guerreiros” do Eneagrama Quando realizamos nosso workshop sobre o Eneagrama para o Projeto Simplesmente Copacabana, no Rio de Janeiro, contamos com a participação de uma jornalista que editava um jornal de bairro. Escrevendo sobre seu Tipo, sob o título Por que 8, ela destacou: “O poder me fascina. Vim a descobri-lo na caminhada da vida. A vida me empurrou para o resgate. No resgate descobri a força, o poder. Na medida em que avançava vim percebendo a minha verdadeira vocação: a liderança. As causas consideradas por mim justas e verdadeiras, as abraço com muita determinação. É por demais sedutor para mim tocar um projeto em que possa ter o controle da situação. Dar oportunidade a outras pessoas me entusiasma e gosto da troca, desde que tenha o rumo das coisas. Guerreio sabendo o que quero, mas também quando não quero, simplesmente não faço. Entretanto, sinto uma enorme falta da inocência, da poesia, do frágil. Camuflo isso tudo em ações concretas.”

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Este breve depoimento revela o que todo Tipo 8 sente – “O poder me fascina”, e finaliza com o que para todos eles é uma tremenda verdade: a necessidade da simplicidade e da inocência, às quais vou me referir no final deste capítulo. No Brasil, temos um excelente exemplo histórico de um Tipo 8 para quem este depoimento também foi verdadeiro. Ele foi um dos mais conhecidos e polêmicos políticos deste pais, considerado aguerrido e destemido, dedicou sua vida, a seu modo, a lutar pelas causas que considerou justas. Refiro-me ao falecido Senador Antônio Carlos Magalhães ou “ACM”. Lembro quando o Senador ACM, contrariado com a famosa intervenção no Banco Econômico, deu uma das tantas amostras do seu Tipo Eneagramático. A revista Veja do dia 23 de agosto de 1995 registrou uma das frases mais fortes ouvidas por um Presidente do Banco Central deste país: “Você é um moleque, f. da p! Vou passar por cima de você! Quem é você para fechar um banco na Bahia? Lá as coisas não são assim.” Por ser o senador amante declarado da Bahia, essa terra maravilhosa, e devoto fiel do Senhor do Bonfim, sua voz irada naquela ocasião, era a voz irada de todos os baianos que, há mais de 40 anos viam neste homem um grande líder. Essas atitudes públicas do senador refletiam seu tipo. Diante delas, qualquer Tipo 8 pode-se ver como em um espelho. O jornalista Marcos Sá Corrêa, no livro Política e Paixão, Editora Revan, define exatamente a tipologia deste polêmico e carismático homem público: “ACM (era) conhecido pela agressividade que, sendo nele aparentemente natural, (era) também um estilo cuidadosamente treinado. Como diz neste livro, está convencido de dever a ela – mais do que a outros atributos, seu grande trunfo político – o fato de ser reconhecido como um assunto jornalisticamente interessante.” Todo Tipo 8 pode ser definido a partir dessa “agressividade” e de muitos Tipos 8 que detêm algum poder se pode dizer exatamente o que aparece numa das orelhas do citado livro: “Ninguém fica indiferente a

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Antônio Carlos Magalhães, [ele] é um dos que mais acumularam inimigos. Afeto ou desafeto, admiração ou hostilidade, variadas são as atitudes que as pessoas assumem diante dele, mas ninguém o ignora.”

Como e porque Tipos 8 brigam desde cedo com “o mundo todo” Numa das suas brilhantes tiras publicadas no Jornal do Brasil sob o título de “As Cobras”, o genial Luís Fernando Veríssimo (criador de muitos personagens, entre eles o Analista de Bagé, um analista muito 8, diga-se de passagem) nos resume esse estado de desconfiança e agressividade pronto a se manifestar em todos os “representantes” deste Tipo Eneagramático. Duas cobras falam com uma terceira: “Todo mundo não está contra você desde que você nasceu, Pepe.” Ao que esta responde: “Ah, é? Então por que o obstetra já me recebeu com um tapa?” Citei o texto desta tira porque ele combina com o depoimento em que Augusta, uma de nossas alunas, lembra o “momento provável” em que surgiu sua “máscara”: “(...) É como se eu já tivesse nascido 8, e não me formado com o passar do tempo (...) Meu nascimento foi muito difícil e como todo 8 acha que deve brigar por tudo, eu briguei para nascer. A hora do meu nascimento já havia passado e não nasci de parto normal; pela demora eu ‘não devia ter nascido’, pois além da demora eu estava com o pescoço enrolado no cordão umbilical, nasci talvez de teimosa ou por ser um 8 que nunca se dá por derrotado (...)” Magno, outro participante dos nossos workshops revelou: “Muito cedo, se me lembro bem aos cinco anos de idade, essa ‘máscara’ já se manifestava em mim, em como eu ‘mandava’ nas minhas irmãs ou como eu não aceitava ordens de meus pais (...) A minha sensação é que eu sempre fui assim, já nasci com essas características.” Em primeiro lugar, os Tipos 8 em sua maioria lembram-se de uma infância em que tinham que se impor (ou se impunham) ao meio por alguma razão. Tinham que lutar para serem respeitados. Tinham que

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“proteger-se” dos outros. Às vezes, enfrentaram ambientes agressivos, que os obrigaram a assumir responsabilidades muito cedo porque seus pais, por razões financeiras ou porque achavam correto, lhes exigiam de um modo ditatorial e imperativo que “aprendessem” a ser “fortes” desde crianças. Outros perceberam a fraqueza de um ou de ambos os pais, e decidiram não ser tão fracos quanto eles. O mesmo aluno lembra: “Meu pai sempre foi um intelectual e tentou, por todos os caminhos, me mostrar as coisas certas por intermédio da palavra, pois as poucas vezes que ele quis me obrigar a fazer qualquer coisa eu, como uma ‘boa mula’, me neguei. Achava que aquele ‘papo’ era uma fraqueza de meu pai, que ele deveria ser mais duro comigo, acredito que foi aí que minha máscara se consolidou. Minha mãe já não tinha tanta paciência assim e com ela não se brincava, mas eu sempre achava um jeito de deixá-la bem brava (...)” Existem Tipos 8 que falam de uma infância difícil, em que foram vítimas de “injustiças”, de que se vingavam de um ou outro modo. Ainda em relação a isto, outra aluna Tipo 8 nos contou: “Na infância, lembro de uma injustiça entre tantas outras. Esta ocorreu na escola por volta dos 7/8 anos. Uma colega, vizinha da mesma mesa circular (...) pegou seu lápis e tentou furar o meu braço (...) quando reclamei com a professora, esta me castigou. Eu não entendi nada! (...) Na família, antes dos sete anos, lembro-me de ter sido acusada de ter feito o que não fiz, acabando por me conformar (...) e ia pro castigo, é claro!” Seu modo de se vingar era simples: “Lembro que pegava dinheiro escondido de minha mãe pra comprar balas, sem pensar em culpa de fazer algo errado (...)” Outros pertencem a famílias poderosas em que se sentiram sozinhos e/ ou obrigados a “tomar iniciativas” para não serem considerados inferiores aos demais e onde ouviam constantemente frases como estas: “nunca se deve confiar nas pessoas”, “temos que proteger o que conseguimos e você deve preparar-se para isso”, ou “você apenas cumpre com os seus deveres, não está fazendo nada demais”. A necessidade de se mostrarem fortes e capazes os faz desenvolver o que comumente chama-se “força

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de vontade”. A necessidade de perceber os riscos e possíveis perigos que aparentemente devem enfrentar sozinhos, desde cedo, os leva a desconfiar dos outros e a confiar demais nas suas próprias “forças”. Isto provoca neles uma constante atitude de alerta, um constante estado interior que se poderia traduzir como “estar pronto para a luta”. Por isso decidem ser fortes, autoconfiantes, sem medo de nada, inclusive os que consideram ter tido infâncias felizes. A este respeito, vale a pena refletir sobre este depoimento: “Tive uma infância feliz, mas muito competitiva, os jogos eram para ser ganhos (...) Cada jogo novo ou pessoa nova era uma ‘nova barreira para se conquistar’. Briguei muito desde cedo, ao ponto de que quando começava eu não conseguia mais parar. Mas, apesar do ‘gênio’, brinquei muito e na rua, com muitos amigos que logicamente eu conquistei, o que não significa que os tenha cativado.”

Para estar protegido do mundo, é necessário controlar tudo Os Tipos 8 sentem que devem criar e conquistar um extenso território pessoal, do qual sejam os Controladores e donos absolutos. Precisam saber tudo com antecedência, conhecer de que maneira podem ter certeza de estar no comando de toda e qualquer situação, seja esta pessoal e/ou profissional. Neste depoimento, no qual a palavra controle é repetida sete vezes (as itálicas são minhas), uma de nossas alunas reconhece o quanto essa necessidade a esgota: “(...) preciso exercer o controle em tudo o que me cerca. Seja nas questões do trabalho, seja nas questões pessoais. A falta do meu controle em qualquer situação me deixa muito enraivecida. Preciso controlar tudo e apesar de já ter percebido, mesmo antes de estudar o Eneagrama, o quanto isso me faz mal, no sentido de gastar muita energia nessa incumbência de ter tudo sob o meu controle, ainda me é muito difícil suportar a falta de controle (...) No trabalho, posso perceber com clareza quando as coisas estão fora do meu controle e como isso me

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incomoda, principalmente quando não estou bem informada. A falta de informação me deixa fora das coisas. É assim que me sinto. Na vida pessoal eu percebo isso quando me é difícil suportar as frustrações, ou seja, quando as coisas não acontecem do jeito que eu determino de forma que eu possa controlar.” Os outros devem reconhecer e respeitar o “controle” e o “poder” dos Tipos 8, garantindo-lhes “obediência”, porque, de outro modo, poderão ser “punidos”. Um aluno escreve a respeito: “[O Tipo 8] se impõe com muita facilidade se as coisas não estão indo como deveriam ser, ele não pode perder o controle da situação e, se necessário, usa o ‘chicote’, mas não com a intenção de ferir e sim de ensinar uma lição.” Esse território está protegido sempre por uma espécie de cerca protetora contra os perigos, injustiças e inimigos que vêm e/ou que poderiam vir do mundo. Eles aperfeiçoam esse controle aprendendo, estudando, sabendo como, precavendo-se de todo e qualquer ataque exterior, num claro movimento ao Ponto 5 do Eneagrama. Os mais inteligentes e capazes se aperfeiçoam constantemente, e possuem uma tremenda capacidade de manipular dados e informações que, tanto confirmem suas ideias e posições, quanto colaborem para aumentar o seu senso de poder, controle e segurança. Paula, uma aluna, que é médica, escreve a respeito que: “O controle das situações é o que o 8 tanto quer ter (...) e tanto assim que desde criança me vi às voltas com os livros e nunca porque alguém me mandasse, mas porque sentia necessidade de conhecer tudo, para que nada me pegasse desprevenida. Até os idiomas que aprendi eram uma forma de controle da situação, de não permitir que alguém falasse algo de mim, que eu não compreendesse, não dominasse...”

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Lealdade e proteção: algo valioso que se pode cobrar Os Tipos 8 decidem quais pessoas serão da sua confiança, quais as pessoas que poderiam estar sob sua tutela e quais pessoas terão “direito” à sua permanente “proteção”, numa clara influência do Ponto 9 Eneagramático e do movimento contra seta ao Ponto 2. Fazem isto apenas para aumentar o “controle”. É como se, desse modo, fossem criando e assegurando uma “rede” de poder e influência ao estilo dos chefões mafiosos dos anos 30. Em outro trecho de seu depoimento, uma das alunas citadas revela: “(...) até me lembro de minha mãe dizendo, em tom jocoso, que eu era ‘a protetora dos fracos e oprimidos’ (...) Esta mania de proteger as pessoas da família e os amigos também é algo muito presente em mim, desde a infância. Uma necessidade de fazer tudo ao meu alcance, para deixá-los tranquilos e de bem com a vida.” Porém, quando se sentem traídos, quando sentem que essa “lealdade e proteção” não são recíprocas, os Tipos 8 reagem com fúria, e quem falhou pode estar certo que haverá uma punição. A mesma aluna acrescenta: “Adoro meus amigos e sou amiga até o fim, mas se por acaso alguém fizer algo que me magoe, provavelmente não terá chances de fazê-lo outra vez. Pois a partir deste dia esta pessoa morreu para mim e ainda que viva ao meu lado não me diz mais nada. E ela saberá disto não só por palavras, mas por atitudes (...)” Com outro aluno 8, a coisa não muda muito: “Procuro ser leal às pessoas, quem não corresponder está em maus lençóis.”

Conquistando novos territórios... Sem limites O que Tipos 8 desejam é conseguir o mais e o maior possível de tudo...sem limites. Precisam assegurar o poder e garanti-lo no tempo. Os Tipos 8 decidem que esse imenso território desejado nunca poderá

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ter limites e sabem que não vão parar de conquistar novos territórios e ainda que nunca nenhuma dessas conquistas será tida como a última. Ao invés do “castelo mental” no qual Tipos 5 desejam refugiar-se, e ao invés do “território limitado da sua própria ordem” que Tipos 1 tentam preservar, os Tipos 8 decidem que o único modo de enfrentar o mundo é criando uma ilimitada zona de poder pessoal, na qual eles se sintam com o controle absoluto e permanente. Sentem, instintivamente, que nunca deverão parar de estender-se e crescer. Descrevendo esse estado de permanente ambição num momento de total entusiasmo com respeito ao fato de sentir-se “maior que o mundo”, um dos nossos alunos escreveu: “Minha máscara não me dá limites, posso ocupar qualquer espaço que eu quiser.” Qualquer Tipo 8 poderia dizer o mesmo, e nesta frase o Traço Principal manifesta toda a sua potência.

O traço principal: o excesso e a luxúria aumentam a agressividade Para uma síntese do exposto até aqui, diríamos que em tudo o que Tipos 8 fazem, querem e dizem, existe excesso ou se procura o excesso: excesso de brigas, excesso de controle, necessidade excessiva de informação e dados, excesso de cobrança, ambição excessiva de um “espaço” ilimitado a se conquistar. O excesso é o “grande calo” dos Tipos 8. Eles querem tudo em demasia. O Dicionário Aurélio define o excesso como “aquilo que excede ou ultrapassa o permitido, o legal, o normal” e atrela a palavra à violência: cometer excessos é uma forma de violência, de agressão, contra si mesmo e contra os outros. O excesso implica um descontentamento permanente para este Tipo Eneagramático, existe uma possibilidade muito grande (tinha que ser muito grande, não é ?) de nunca sentir-se satisfeito. Portanto, possui uma capacidade para frustrar-se com mais facilidade que os outros Tipos Eneagramáticos, excetuando-se os Tipos 4. Assim como Tipos 4 acham que a felicidade parece fugir deles a cada instante e sofrem pelo que falta no presente, os Tipos 8 jamais

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se sentem satisfeitos com o que possuem no “presente” efetivamente. Sempre querem algo mais. Os Tipos 4 sofrem pelo que falta. Os Tipos 8 ficam com raiva pelo que querem a mais. Os Tipos 4 sentem que o que se perdeu no passado é melhor do que o que se tem no presente. Os Tipos 8 não se importam com o que obtiveram no passado, mas com o que obterão no futuro. Quando essas ânsias de ter mais são frustradas por uma ou outra razão, eles sofrem e novamente acham que “a vida” está sendo injusta com eles. Não conseguem ficar agradecidos pelo que possuem e desfrutam agora. Eles sempre querem mais, mais e mais. Esse querer mais tem a ver com coisas sensoriais, tangíveis, concretas, não do tipo de coisas que os 4 procuram. Assim como o “espaço” deve ser ilimitado, as coisas que ocupam esse espaço devem ser muitas e devem trazer o máximo de prazer e bem-estar. Portanto, sempre pode haver coisas melhores, carros melhores, comidas melhores, ganhos maiores, festas grandiosas, equipamentos de som mais possantes, computadores mais completos, técnicas mais modernas, informações mais completas, prazeres mais interessantes, gozos mais extravagantes. De tudo deve haver algo mais, algo que supere o atual! Quando procurei o significado da palavra luxúria no Dicionário Aurélio, achei o brasileirismo “cheio de luxo”. É muito interessante e com certeza G. I. Gurdjieff teria gostado de citá-lo em alguma de suas obras quando fala sobre a psique humana. Como este é o capítulo que retrata os eneagramáticos “8” ou “80”, e deve ser bem incrementado e impiedoso (afinal, excesso é excesso!), vale a pena conferir o que significa: “Cheio de luxo: Bras. Fam. e pop. Diz-se do indivíduo implicante,(...) exigente, luxento (...prepare-se agora!) cheio de merda” (...!?) tudo isso entre outras coisas não menos “cheias”. Não fique zangado comigo. É o prestigiado Aurélio “o culpado e injusto”, tá? Por outra parte, o excesso sempre foi e sempre será atrelado ao “pecado capital” da luxúria, que significa, segundo o mesmo Aurélio, “incontinência, lascívia, sensualidade e dissolução”. Porém, o maior excesso dos Tipos 8 é o excesso de consideração interna, de achar que “todos estão contra ele”, que todos conspiram ou poderiam conspirar contra ele. Que devem enfrentar grandes desafios,

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graaandes problemas, graaaandes injustiças. É para enfrentar todos esses graaandes perigos, que Tipos 8 decidem ter de tudo o máaaximo! Aqui começa a luxúria: como tudo o ameaça, eles devem ter sempre muito de tudo: muito dinheiro, muito poder, muita segurança, muitos amigos, muito, muito de tudo. Logicamente, esta atitude os fixa na sua agressividade, os cristaliza nos seus excessos e então nada parece contentá-los. Este é um dos aspectos da “máscara” que os Tipos 8 deverão observar em si mesmos para não se tornarem seus escravos.

Raiva e ação instintiva Sendo esta “máscara” parte do trio 8/9/1, no qual a influência maior provém do Centro do Movimento, temos que concordar em que as reações instintivas, viscerais e/ou “centradas na barriga”, são mais poderosas que as relacionadas aos Centros Emocional e Intelectual. O movimento até o Ponto 5 (intelecto) se realiza ora como uma reação de “segurança”, ora como um apoio para obter o que se deseja. O movimento ao Ponto 2 (emocional) tem a ver com uma “relação de conveniência”, com o que se pode “cobrar dos outros” pelo que se lhes dá. Então, temos que tanto os atos luxuriosos como os excessos revelam uma grande falta de raciocínio e reflexão. Lembra o depoimento no qual um dos alunos escreveu que “achava que aquele ‘papo’ (do seu pai ‘muito intelectual’) era uma fraqueza...”? Quando se quer mais, quando se procura mais, quando se ultrapassam os limites, é quase impossível parar para “emocionar-se” ou para “pensar no que é realmente necessário”. Muitos 8 admitem que atuam “por instinto”, que não querem “parar para pensar”, que “pensar” não é importante, “o que importa é fazer, já, depressa, agora”! Isto, os Tipos 8 percebem quando ficam com raiva, por exemplo, e “explodem” sem pensar nas consequências. A respeito, vejamos este depoimento: “Percebo que tinha receio de me tornar uma pessoa racional e por isso não usava muito a razão. Hoje percebo que dá para ser mais mental

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sem perder as emoções, isso tem me ajudado muito. Mas ainda tenho algumas situações, que se repetem muito, (nas quais) a raiva visceral toma conta totalmente. Eu sinto isso fisicamente, parece que um furacão toma conta de mim. Se eu não deixar sair, a sensação é que vou explodir e aí eu explodo.” Uma aluna, Clara, se refere a este mesmo aspecto da seguinte maneira: “A vida é uma luta constante, só me aparecem desafios, só me meto em coisas complicadas, mas no fundo, até que gosto. Tenho dificuldades de aceitar opiniões contrárias às minhas. Estou sempre numa posição de autodefesa, dificilmente me sinto culpada. Numa discussão, gosto que a minha opinião prevaleça (...) Esta ‘coisa’ é tão forte e incontrolável que se eu não puder dizer o que sinto, parece que vou explodir por dentro (...) Às vezes eu estou tranquila, o monstro adormecido, e logo vem alguém atiçar este monstro e lá vou eu explodindo, dizendo desaforos e às vezes até humilhando, ou tocando com o dedo na ferida dos outros.” O problema é que, após estas explosões, os Tipos 8 percebem os desastres provocados; então, a maioria deles concordará que o seguinte depoimento é totalmente verdadeiro: “(...) Se por acaso a raiva que sinto é injusta por não haver culpa na pessoa de quem estou sentindo a raiva, eu vou a ela e peço desculpas.” Só que a raiva já se expressou. A energia gasta nessas explosões pode ser desastrosa para o equilíbrio psicofísico dos Tipos 8 e eles deveriam prestar mais atenção aos momentos nos quais esse processo “explosivo” se manifesta, até conseguirem compreender como é destrutivo. Vale a pena registrar aqui um dos conselhos que Gurdjieff deu, certa feita, a alguns de seus discípulos, citado no livro Gurdjieff fala a seus alunos:

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“Gastamos sempre mais energia do que a necessária, utilizando músculos que não precisamos, deixando os nossos pensamentos darem voltas e reagindo demais com os nossos sentimentos. Relaxem os músculos; só utilizem os que são necessários, mantenham os seus pensamentos em reserva e só expressem os seus sentimentos quando quiserem. Não se deixem afetar pelas aparências; elas são por si mesmas inofensivas. Nós é que aceitamos ser feridos.”

A influência negativa dos parceiros eneagramáticos 7 e 9: gula e indolência. O problema da “insensibilidade” Devemos lembrar que os companheiros eneagramáticos desta oitava máscara são a gula e a indolência. Já vimos que a gula não permite o gozo verdadeiro. A gula leva o Tipo 8 a uma busca frenética, contínua e sem descanso, de poder e autosatisfação; e a indolência o leva a não saber e nem querer saber, nem perceber e nem poder perceber, quando é o momento de parar e descansar. A palavra “indolência”, uma das que se usam para caracterizar os Tipos 9, além de significar “apatia” e “negligência”, significa também Insensibilidade. E este é um dos aspectos mais negativos que não podem deixar de ser vigiados por aqueles que desejam obter autocontrole. Esta insensibilidade provoca, entre outras coisas, a incapacidade de aceitar, confiar e respeitar as pessoas. A luxúria e o excesso estão diretamente ligados a ela. No caso dos Tipos 8 com forte influência do Ponto 7 eneagramático, há um “hedonismo” egoísta que acaba por não se importar com os demais nem com suas necessidades. O “movimento” da seta ao Ponto 5 desta manifestação negativa produz uma mistura muito ruim de “hedonismo insensível e egoísta”, ou, como se diz vulgarmente: “primeiro eu, segundo eu, terceiro eu e o resto que se f.!” Devo lembrar aqui que uma das características “negativas” dos Tipos 8 mais desequilibrados destacadas por Naranjo, Riso e Palmer é a forte tendência à “sociopatia” e ao “sadomasoquismo”. Para alguns Tipos 8 menos equilibrados, as pessoas são apenas meios, espécies de instrumentos para obter o que desejam. Quando obtêm o que desejam as abandonam sem nenhuma consideração.

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Insensibilidade e poder Na medida em que alguns Tipos 8 conseguem obter mais poder e conseguem consolidar suas conquistas e territórios, passam a correr um maior risco de ficarem insensíveis às necessidades das pessoas que os rodeiam e ainda a não se importarem com os meios usados para aumentar e/ou consolidar esse poder. Então, pode acontecer (e acontece com frequência), que, a partir desse instante, o fim justificará os meios. É notável observar esta relação entre insensibilidade e poder, especialmente em tempos de guerra ou ditadura (nada mais 8 que uma guerra ou uma ditadura, certo?), quando os excessos e insensibilidades são lugar-comum. Sobre isso, transcrevo, para reflexão, um trecho da obra The Psychoanalytic Theory of Neurosis (Teoria Psicanalítica da neurose) de Otto Fenichel: “O poder como um meio para combater os sentimentos de culpa é facilmente compreensível; quanto mais poder possui uma pessoa, menos necessidade tem de justificar seus atos. O aumento da autoestima implica uma diminuição nos sentimentos de culpabilidade. Assim como a ‘identificação com o agressor’ é de uma grande ajuda para combater a angústia, os sentimentos de culpa também podem ser refutados mediante a ‘identificação com o perseguidor’ enfatizando o ponto: ‘Somente eu decido o que é bom e o que é mau.’ Entretanto, talvez este processo fracasse pelo fato de que o superego é, efetivamente, parte da nossa própria personalidade. Portanto, a luta contra os sentimentos de culpa por meio do poder pode iniciar um círculo vicioso, precisando a aquisição de mais e mais poder e ainda a execução de mais e mais crimes pelos sentimentos de culpabilidade para afirmar o poder. Então, os crimes podem ser cometidos num intento de demonstrar a si mesmo que a gente os pode cometer sem ser castigado, ou seja, num intento de reprimir os sentimentos.” O mesmo acontece nesta outra situação, que acho que atualmente os governantes devem observar com a maior atenção.

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Insensibilidade e violência: uma reflexão necessária A sociedade está promovendo, na atualidade, o surgimento de muitos Tipos 8 entre aqueles seres humanos que nascem e vivem na extrema pobreza. Não devemos estranhar que cada vez mais crianças e adolescentes pobres neste país, e em outros lugares do mundo, decidam colaborar com o tráfico de drogas e usar armas pesadas, desenvolvendo desde cedo uma tremenda agressividade. Suas carências os tornam antissociais e, se as autoridades não realizam as modificações desse quadro social, muito logo teremos que lamentar os atos desses Tipos 8, nos quais se desenvolvem as piores características deste Traço Principal, como a frieza e falta de piedade, a desconsideração das necessidades alheias, a procura violenta e luxuriosa por prazeres de que se sentem merecedores e que lhes são negados pela “sociedade injusta” em que vivem, a total ausência de princípios e a incapacidade de relacionar-se positivamente com os demais, pois veem e sentem ao seu redor todos os dias que a violência, a agressão e a luta parecem ser “normais” e “necessárias” para a “sobrevivência”. Algo que não se está considerando com profundidade devida é o fato de esses jovens miseráveis e marginalizados serem levados a derrotar todos os limites, normas e regulamentos, impostos por uma sociedade moderna para a manutenção da sua ordem e equilíbrio. Os seres humanos que vivem em condições miseráveis passam a não sentir o que crianças e jovens que vivem de maneiras mais apropriadas conhecem e percebem sobre existência. O mundo que elas observam acaba desta maneira “distorcido”. Como exemplo, posso citar o resultado de uma pesquisa que revelou que nenhuma das crianças e adolescentes recluídos na FEBEM jamais ouviu falar da palavra “solidariedade”. Desconheciamna seu valioso significado. As consequências dessa visão “distorcida” da vida, logicamente, são perigosas. Está na hora de agir para evitar aquilo que alguns antigos livros sagrados anunciaram: uma época (com certeza a nossa) em que os adultos teriam medo das crianças. Esta reflexão se aplica também aos países em permanente estado de guerra, sustentando ódios milenares; aos que ainda preconizam e promovem os ódios raciais, e, finalmente, aos responsáveis pela violência permanente exibida e

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comentada a toda hora em diversos programas de televisão, tanto infantis quanto para adultos, nos quais a agressividade não só é denunciada ou “noticiada”, como também é, paradoxalmente, erguida e louvada como a única maneira de “sobreviver” e “enfrentar” este mundo, criando e promovendo personagens que só sabem usar a violência e a força bruta para alcançar seus objetivos, quaisquer que sejam eles.

Iniciando o processo de mudanças positivas Os Tipos 7, 3 e 8 são, quando equilibrados, são os mais ativos e os mais empreendedores dos Tipos Eneagramáticos. Por razões diferentes, é claro. Os Tipos 7 desejam aventurar-se, criar, experimentar e descobrir novas alternativas para alcançar a felicidade e sentir que o sofrimento pode ser banido tanto por eles, quanto pelos demais. Os Tipos 3 desejam realizar obras que possam trazer bem-estar aos outros e gerar atividades e progressos em troca de admiração e prestígio. Já os Tipos 8 são grandes realizadores, capazes de iniciar processos de mudanças muito positivos, pelo fato de serem sensíveis a tudo o que apresenta “falhas” e/ou que está “ultrapassado”. Sabem liderar e provocar positivamente as pessoas, direcionando-as com confiança até os objetivos que desejam atingir. São pessoas com um senso de justiça muito apurado e querem que todos se beneficiem com os sucessos que eles venham a obter.

O Tipo 8 e o tipo “intuitivo extrovertido” de Jung Quando Jung descreve as características negativas e positivas do tipo “intuitivo extrovertido” consegue realizar o que acho um dos melhores retratos psicológicos dos Tipos 8. Ele escreve entre outras coisas que: “O intuitivo (extrovertido)... possui um apurado olfato para tudo que é novo e em desenvolvimento. Já que está sempre procurando novas possibilidades, as condições estáveis o sufocam... Nem a razão nem o sentimento podem restringi-lo ou atemorizá-lo para que se afaste de uma

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nova possibilidade (...) O respeito pelo bem-estar dos outros é fraco. O bem-estar psíquico deles conta tão pouco como o próprio. Também, tem pouca consideração pelas convicções e estilo de vida alheios (...). Já que se ocupa de coisas externas e de indagar suas possibilidades, facilmente se dedica a profissões em que possa explorar ao máximo estas capacidades. Muitos magnatas dos negócios, empresários, especuladores, corretores da Bolsa, políticos, etc, correspondem a este tipo. (...) este tipo é extraordinariamente importante tanto econômica como culturalmente. (...) quando sua atitude não é demasiado egocêntrica, ele pode brindar um serviço excepcional como iniciador e promotor de novas empresas. (...) Já que é capaz, quando se orienta mais às pessoas que a coisas, de fazer um diagnóstico intuitivo de suas capacidades e potencialidades, ele também pode “fabricar” homens. (...) Quanto mais forte sua intuição mais se funde seu ego com todas as possibilidades que visualiza. (...) da vida, a sua visão a apresenta em forma convincente e com um fogo dramático, a personifica (...)” Concordo. Quando os Tipos 8 dirigem suas capacidades empreendedoras não visando apenas seus interesses pessoais e materiais, podem beneficiar a todos que os rodeiam. Por isso é muito importante que os processos de observação de si se iniciem a partir destas reflexões: como estou usando meu poder?; de que maneira meus atos serão benéficos para os demais?; quais destas metas ultrapassam minhas ambições pessoais e poderiam ser meios de realização coletiva/grupal/familiar? Outros Tipos 8 deveriam perceber quando transformam uma concorrência sadia numa luta desapiedada e destrutiva para conseguir seus objetivos. Deveriam aprender a distinguir a diferença entre possessividade e confiança nos seus relacionamentos pessoais. Deveriam aprender a observar os momentos nos quais polarizam as situações, as pessoas, os acontecimentos, dividindo o mundo em dois bandos inimigos e irreconciliáveis. Este é um dos aspectos que deveriam aprender a superar. A observação da maneira em que a palavra “agressividade” é atrelada ao ato. Distinguir entre “força” e “agressividade”, e perceber que uma não implica, necessariamente, a outra. Refletir sobre o valioso que se “possui” neste momento

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presente, sensibilizar-se a outras necessidades, como afeto e obrigação, tão valiosas para quem quer viver em harmonia e equilíbrio. Aprender a observar quando se está com dificuldades de aceitar os próprios erros, quando discute por discutir, quando bota a culpa de seus problemas, erros e/ou fracassos em pessoas, situações e/ou questões externas sem perceber sua própria culpa. Para os Tipos 8, aprender a “controlar a si mesmo” é o mais importante. Essa será, sem dúvida, sua principal luta, da qual ele pode sair vencedor se quiser realmente atingir o “autodomínio”. Tenho escrito sobre este Tipo com certa dureza, até porque, acostumados e programados a sentir tudo intensa e excessivamente, nos é difícil iniciar os processos de transformação positiva sem uma grande “pro­vocação”.

Desenvolvimento positivo das influências 7 e 9 Tipos 8 podem aprender muito de seus parceiros eneagramáticos mais imediatos. Do Ponto 7, podem obter uma maior força para realizar planos benéficos para todos e não apenas para si mesmos. Já do Ponto 9, o positivo a ser desenvolvido é a capacidade de “estar relaxado”, que os tipos 9 mais sadios possuem sem que por isso esqueçam suas necessidades. Valorizar a liberdade que os 7 sadios tanto apreciam e reservar momentos apenas para curti-la, sem compromissos nem controles. Dos Tipos 9 mais equilibrados aprender a capacidade de conciliação, de fazer acordos pacíficos, de não provocar os outros para ver quais serão suas reações. Destes Tipos devem aprender também a tremenda capacidade de aceitar a todos igualmente, sem censuras, sem críticas e sem provocação de qualquer espécie. A análise destes parceiros eneagramáticos pode ser de grande proveito no seu processo de observação e crescimento pessoal e profissional.

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Observando os movimentos a favor e contra a seta (do 8 ao 5 e do 8 ao 2) – (ver figura na página 334) Os Tipos 8 devem observar quando o movimento ao Ponto 5 é negativo, por exemplo: para isolar-se dos outros, para preparar uma vingança, para interpretar “negativamente” os dados e informações recebidos do mundo exterior, quando fica imaginando prováveis conspirações contra ele, quando acha que estão sendo mobilizadas “forças ocultas” para destruí-lo, tirar seu “poder” e/ou evitar ou diminuir o seu controle das situações, quando acha que conhece as intenções dos outros, quando discorre o modo de fugir das regras e das normas, inclusive criando as próprias de acordo com a conveniência. De positivo, Tipos 8 deveriam alcançar um equilíbrio entre reflexão e instinto, ou seja, treinar-se para planejar antes de executar, pensar antes de agir, sem perder nem acabar com suas capacidades “instintivas”. Dar-se tempo para ficar positivamente em contato com seus mundos internos, meditando, em silêncio e sem nenhuma apreensão, nem expectativas, apenas sentindo o vasto espaço interior. Refletir sobre as prováveis consequências de seus atos e de como podem afetar aos demais. Aprender a não desconfiar e a ficar mais aberto ao desconhecido, sem preconceitos nem julgamentos antecipados. Não supor nada de ninguém. Dar sem visar um retorno. Perceber quando está sendo utilitarista e egoísta demais. O movimento contra a seta até o Ponto 2, quando negativo, reforça a ideia de que os outros devem dar algo em troca de sua amizade e/ou proteção. Torna os Tipos 8 mais exigentes e controladores. Provoca a impressão de que “os outros” não estão fazendo tudo o que deveriam por ele e por seus interesses. Quando positivo, o movimento até o Ponto 2 ajuda os Tipos 8 a se tornarem mais receptivos, ficando menos agressivos e muito mais meigos e amorosos. Ao mesmo tempo, podem aprender a ser menos orgulhosos e menos egoístas, realizando coisas pelos outros sem esperar retorno, sem cobranças, sem exigências. A compreensão de que o poder não está apenas nas posses, e nas conquistas, levará os Tipos 8 a conhecer o valor da humildade e lhes inspirará para serem mais

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agradecidos pelo que conquistaram até esse instante. Muitas vezes, os Tipos 8 se negam a deixar fluir seus sentimentos e ficam indiferentes às pessoas mais próximas e queridas, quase esquecendo-as. O movimento ao Ponto 2, quando positivo e deliberadamente vivenciado, rompe esse gelo emocional e permite a manifestação de carinho, amor e amizade. Graças a esse movimento deliberado, os Tipos 8 voltam a valorizar vivências simples, desprovidas dos excessos e luxúrias nos quais às vezes mergulham, não desejando apenas obter prazer sensual e/ou sexual e sim considerando e percebendo as necessidades “emocionais” de seus parceiros (as) e/ou amigos (as). A virtude da humildade, relacionada com o Ponto 2, fará com que consigam apreciar mais o que conseguem diminuindo os excessos e substituindo a luxúria pelo que os antigos cristãos e budistas chamaram de “contentamento”, ou seja, a capacidade de ficar satisfeitos e felizes apenas porque existir já é uma grande dádiva.

Redescobrindo a simplicidade e a leveza da inocência: a virtude que conduz ao poder verdadeiro Nossa aluna Heida tentou explicar porque achava necessária sua “Máscara 8”: “Às vezes penso que é necessária para a sobrevivência do animal que mora em mim. (...) Reconheço sua utilidade para conseguir me colocar em qualquer situação. Ano passado, senti alegria e tristeza de saber que ‘8’ era a minha ‘máscara’ (...) fiquei realçando qualidades e defeitos por meio do comportamento, como se a conscientização do fato fosse uma afirmação para a máscara e daí veio o comportamento questionando: ‘Vai querer me destruir?’ (...) Parece infantil a questão, porém passei à fase de sentir tristeza devido às (minhas) sombras (...) Fiquei mais atenta e passei a trabalhar o controle dos defeitos com mais vontade (...)” No final do seu depoimento ela escreveu o mais importante para os possuidores desta máscara compreenderem: “Bom, espero ter conhecido o caminho que me leve a viver mais leve!”

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Eureca! Tipos 8 devem conseguir “viver mais leve”. O primeiro passo é deixarem de ser agressivos. Mas como? Simples! Voltando a confiar nas pessoas e no poderoso fluir da existência. Isso lhes permitirá abandonar suas armaduras e perceber que nem sempre devem ir “armados” para realizar e/ou relacionar-se com pessoas e/ou projetos. Tudo bem, o mundo é hostil, é uma selva na qual cada um deve lutar pelos seus próprios interesses e essas são as regras do jogo que garantem a sobrevivência e a conquista do poder. Mas será que é assim mesmo? Sempre? Não existirão outras formas de alcançar esse poder tão desejado? E será que é isso mesmo o que dá contentamento? Observe o seguinte: O “programa” que formou a máscara diz que você está sozinho (a) contra o mundo, que ninguém vai se preocupar com você, que ninguém vai mover um só alfinete para colaborar nos seus projetos e objetivos e que, se isso chega a acontecer, não é por amor, não é gratuito, mas implicará necessariamente uma espécie de “contrato”, um “compromisso” que terá que aceitar se deseja atingi-los. Ou seu “programa” diz que você pode fazer e obter o que quiser sozinho (a), por que você é autossuficiente, forte e capaz de lutar contra tudo e todos e que nada se interporá entre você e suas metas? Em qualquer dos casos, perceba quanta falta de “inocência” e reflita uns instantes em como isso o esgota. Para Tipos 8, parece não existirem outros caminhos, senão aqueles tortuosos, difíceis e cheios de perigos e inimigos a serem enfrentados. Eis sua falta de inocência. Porque entre os significados que esta palavra esconde, existe um que tem a ver com essa nova atitude interior na qual Tipos 8 se tornam Simples. “Simplicidade” é um dos significados da “Inocência”. Na simplicidade, os Tipos 8 podem descobrir que também existem caminhos suaves, em que se encontram pessoas amigas, em que não se precisa lutar o tempo todo, em que se pode ficar aberto, em que não se precisa “pressionar” nem provocar. Na simplicidade existe a falta de preconceito, tudo fica mais leve e se descobrem “jeitos” de se fazer mais sutis, porém não menos efetivos. A simplicidade no gesto e na palavra diminui e esgota a agressividade. A inocência permite que a vida se mostre mais leve. Não se precisa “controlar” tudo e todos sempre, porque “a inocência confia”. Pode-se confiar, não existem riscos sem-

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pre, e nem sempre existem “armadilhas”. A simplicidade da inocência implica estar “contente”: é sentir-se satisfeito. Na satisfação não existe excesso, nem pode haver luxúria porque “contentar-se” também significa “tranquilizar-se” e “limitar-se”. Tudo bem, acho que está bom por enquanto, não? Finalizo, então, com uma passagem do Tao Te King, de Lao Tse: “Podes abarcar a Unidade sem abandonar o Tao? Podes dominar tua força vital e chegar a ser como uma criança? Podes purificar tua contemplação oculta e chegar à perfeição? Podes amar aos homens e governar o Reino sem perder tua paz interior? Podes, enquanto se abrem e fecham as Portas do Céu, manter-te em calma? Podes penetrar tudo com tua clareza e potência interior, renunciando ao conhecimento? Gerar e não possuir. Produzir e não conservar. Dirigir e não dominar. Nisto consiste o Mistério da Vida. Quem assim o entende compreende o Caminho oculto.”

O Tipo 9 O eu que espera

“(...) Sem auxílio exterior um homem nunca pode se ver. Por que é assim? Lembrem-se. Dissemos que a observação de si conduz à constatação de que o homem se esquece de si mesmo sem cessar. Sua impotência em lembrar-se de si é um dos traços mais característicos de seu ser e a verdadeira causa de todo o seu comportamento. Essa impotência manifesta-se de mil maneiras. Não se lembra de suas decisões, não se lembra da palavra que deu a si mesmo, não se lembra do que disse ou sentiu há um mês, uma semana ou um dia ou apenas uma hora. Começa um trabalho e logo esquece porque o empreendeu, e é no trabalho sobre si que esse fenômeno se produz com especial frequência (...)” G. I. Gurdjieff “Aquele que tiver se libertado da ‘doença do amanhã’ terá uma chance de obter o que veio procurar aqui.” Aforismo de G. I. Gurdjieff “A outro (Gurdjieff) disse que seu traço (principal) era que ele não existia de modo algum. – Compreenda – disse Gurdjieff – eu não o vejo. Isto não quer dizer que você seja sempre assim. Mas, quando é como agora, não existe de modo algum.” Gurdjieff citado por Ouspensky em Fragmentos de um Ensinamento Desconhecido

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Antes de iniciar esta análise, permita-me lembrar um Tipo 9 maravilhoso, obrigado! Acho que todos vocês, meus queridos 9, vão concordar comigo: Tom Jobim foi o melhor dos Tipos 9 que nasceu neste belo país! Quando vim viver neste paraíso terreno e comecei a ver Tom Jobim na TV, “ao vivo”, cantando desse jeito tão amigo, tão íntimo, simplesmente, me tornei mais um dos seus milhões de fãs! Gravei uma de suas últimas entrevistas-reportagens-ecológicas, realizadas pela TV Bandeirantes, em que ele falava da Mata Atlântica, dos pássaros, da natureza que tanto amava. Ouvir seus papos descontraídos na TV era muito agradável. Quando soube da sua morte, foi como se perdesse um amigo muito querido. Com certeza, esse foi o sentimento de milhões de brasileiros e estrangeiros que o amavam por sua simplicidade e bonomia. Atrevo-me a dizer que Tom Jobim se enquadra, perfeitamente, na descrição do Tipo 9 “sadio” que Riso faz em seu Tipos de Personalidad - El Eneagrama para descubrirse a si mismo: “(...) indivíduo dono de si mesmo (...) autônomo e realizado: equânime e satisfeito. Profundamente receptivo e pouco coibido, emocionalmente estável e pacífico. Otimista, apaziguador, apoiador dos demais, paciente, bonachão, modesto, uma pessoa genuinamente agradável.” Pode-se perceber facilmente todas essas características em Tom Jobim na longa entrevista que deu ao jornalista Walter da Silva, numa manhã ensolarada de novembro de 1994 na sua casa do Jardim Botânico no Rio. A longa entrevista (“48 laudas, 67.258 caracteres”, segundo o repórter) foi publicada numa “edição histórica” da revista Qualis e dela pincei algumas respostas que confirmam o Tipo Eneagramático “sadio” mencionado. Vejamos o que o excelente jornalista escreveu sobre este popular brasileiro: “Ele não era uma pessoa que se entrevistasse, mas sim alguém com quem se poderia ficar ali conversando ao sabor de seus pensamentos de multidirecionalidade (...)”; “(...) pude notar seus gestos largos e vagarosamente generosos (...) as mãos eloquentes mantendo os braços sempre abertos reforçavam o calor da hospitalidade dos agradáveis momentos

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que passei em sua companhia. Um anfitrião nobre. Um gentleman absoluto (...) Nos momentos de análise rigorosa e aguda, ele nos surpreende com seu humor sutil, certeiro e maroto”. O repórter ainda lembra que “ao nos despedirmos, Tom (...) gritou pra mim da copa onde almoçava com a família (...): ‘Walter, não se esqueça de colocar na tua matéria que tudo isso é trabalho! Não se esqueça!’” Na entrevista, publicada ipsis litteris pela revista, Tom revela uma das características do Tipo 9 descrita por Helen Palmer como “entrar e sair de conversas pensando em várias coisas de uma só vez” . Numa parte ele lembra: “Eu recebi muita carta do exterior de gente que ia se suicidar e que disse ‘olha, eu não vou me suicidar porque escutei essa música sua e acho que a vida vale a pena’”(...). numa outra diz: “A minha música é pra levar o cidadão a Deus.” Num trecho longo, reclama da imprensa e dos críticos: “Você vê esse troço aqui, veja o peso deste troço, não tem nada. (...) Primeiro, sabe o que acontece? Música é um negócio que já é difícil de você falar (...) E depois o cara acaba falando mal do próprio compositor, diz que ele é isso, que ele é aquilo, aponta defeitos físicos (...) E dizer que isso é crítica musical (...) inclusive não conhecem música, né?” E por aí vai! Depois fala com carinho da sua irmã e revela que foi por ela que seu nome virou Tom: “A minha irmã não sabia dizer Antonio Carlos, então ela me chamava de ‘tom, tom’.” Depois das criticas à imprensa, reclama das construções no Rio: “O que se fez com uma cidade linda como o Rio (...) uma cidade feita por Deus (...) aí nós vamos encher isso de espigões (...) cobrem ainda mais o perfil tão bonito, né?, do Rio de Janeiro.” Quando o jornalista pergunta sobre o tema ecologia ele diz: “Olha, quando eu comecei as minhas atitudes ecológicas, eu não sabia que elas eram ecológicas.” Depois fala dos animais, dos pássaros e das suas experiências no estrangeiro. Aí o jornalista lhe pergunta: “E quanto às suas atividades no exterior?” E ele responde como um bom 9: “Eu não estou muito preocupado com isso. Não.” Após falar numa série de nomes internacionais famosos que estavam interessados em gravar músicas dele e junto com ele, diz: “Em suma, o mundo tá cheio de coisas. Agora, por exemplo, sair do Brasil pra fazer a América e tal, como... Ah, isso não dá.” Será que um Tipo 3 ou 7 teria perdido essas oportunidades de

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ir “pra fazer a América e tal”? Claro que não! Mas um 9 pode, mais ainda quando está realizado. Outro aspecto do seu Tipo aparece quando fala sobre as perdas das suas composições. O jornalista lhe pergunta: “Você, que compôs mais de 400 músicas...” Ele não o deixa terminar e responde: “Dizem, dizem... Pelo menos umas cem se perderam. Que eu saiba, aí no arquivo talvez só tenham umas trezentas. Você vai perdendo no avião, vai perdendo...” Outra de 9 no Tom é esta. Quando responde à pergunta: “Falando sobre a bossa nova, um assunto inevitável, o que é que você guarda desse período?”, responde: “Ah, sei lá. É tanta coisa. Eu acho que é tudo isso aí que você disse (rindo). Mas de porre a gente não se lembra de quase nada, né, tá tudo meio apagado (...)” Após falar da bossa nova, volta a falar da imprensa, do seu amigo João Gilberto a quem acha “bastante” introvertido. Então, o jornalista aproveita o “gancho” e lhe pergunta: “Você é uma pessoa extrovertida, né?” e ele responde: “Talvez, por força das circunstâncias. Porque quando era garoto, eu gostava de subir numa árvore e ficar quieto lá em cima. Gostava de subir no telhado... Tinha um pouco um caráter meditativo. E hoje em dia, naturalmente, tudo isso foi bagunçado (...) hoje em dia inclusive tá difícil trabalhar porque é entrevista o tempo todo, né?” Quando o jornalista comenta que “você já produziu muita coisa e escreveu a história da música popular brasileira...”, Tom o interrompe novamente e diz: “Exato, eu acho que já posso parar, né?” Logo a pergunta inevitável: “O que você espera da tua vida e qual o teu plano para o futuro?” Sua resposta é: “Descansar, comprar uma bengala, uns óculos novos (rindo) pra poder ver as moças de uma distância oficial.” Falando sobre sua absoluta falta de ambição e demonstrando seu desinteresse pela fama e o sucesso que já possuía diz: “(...) o que move é que tem essas músicas bonitas, né, que foram feitas e foram movidas pelo amor. Ninguém pensou em dinheiro e nada disso (...) eu achei que isso não ia sair de Ipanema, achei que isso ia chegar em Copacabana.” O jornalista, então, lhe pergunta: “Vocês não tinham pretensão de ‘vamos atingir São Paulo e as outras capitais?’” E ele responde como todo Tipo 9 faria: “Não, nada disso. ‘Vamos atingir São Paulo’, essa conversa já me dá uma preguiça. ‘Vamos fazer os Estados

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Unidos’, ‘made in America’, ‘to make America’, isso me dá um cansaço invencível. Eu nunca teria ido aos Estados Unidos se o Itamaraty não tivesse me obrigado (...). E eu nunca teria tentado ir à América, uma coisa dificílima. Sair daqui depois de grande, sem falar inglês, tentar a vida, tentar o quê? Ser o quê? Sapateiro, pianista... As profissões são poucas, ditador, carteiro, soldado... O sábio declarou ao jornal que ainda falta muito para o mundo adquirir um nível razoável de cultura. Até lá felizmente estarei morto. Aí vai ter muita fumaça e tudo, né? De que adianta você pagar milhões de imposto e morar numa cidade que você não pode respirar?” Assim era o saudoso Tom Jobim, e, quando ele declara que “nunca teria ido aos Estados Unidos se o Itamaraty não tivesse me obrigado”, ele demonstra uma das características do Tipo 9 que, quando não superada pode provocar graves problemas aos que se identificam com este Traço Eneagramático. Quer saber por quê? Então, vamos começar a análise deste Tipo 9 antes que a gente esqueça :

A “Doença do Amanhã” ou “Preguiça” Relembremos uma das três citações de Gurdjieff com as quais iniciei este capítulo: “Aquele que tiver se libertado da ‘doença do amanhã’ terá uma chance de obter o que veio procurar aqui.” Quando Gurdjieff fala de uma “doença do amanhã” e de nossa incapacidade de “ir até o fim” em tudo o que queremos fazer, está se referindo, com certeza, aos “efeitos negativos” da nona máscara eneagramática e a destaca veementemente como algo a ser vencido, porque, esta “doença do amanhã” é considerada “falta grave”, tanto que ganhou o status de um dos “Sete Pecados Capitais”. Seu nome mais comum: preguiça. Devemos lembrar que a Preguiça está localizada no vértice superior do triângulo equilátero do Eneagrama, e como a Mentira e o Medo, é uma das principais causas de todos os demais Tipos já analisados.

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Quando alguém nos diz que alguma coisa foi adiada, postergada, protelada, esquecida, etc. sabemos que provavelmente esta coisa não estava pronta, não foi concluída porque alguém “esqueceu” de terminá-la, não foi considerada como algo “importante a realizar”. Todos nós sofremos desta “doença do amanhã”, só que os Tipos 9 a sofrem “principalmente”. Repetidas vezes e sobre diversas ações, projetos, tarefas e necessidades, em qualquer nível, ouvimos dizer “amanhã vou continuar”, “amanhã farei”, “amanhã sim, começarei a...” O problema é que essa “protelação” pode voltar a ocorrer “amanhã”. Por isso a “observação” deste “efeito” do Traço Principal é muito valiosa não só para os Tipos 9, mas para todos nós. Mas no caso dos Tipos 9, o problema não é somente esse e sim um mais profundo que completa e motiva este “Traço Principal.”

Tipos 9 são preguiçosos? Não. Pelo menos não como se entende esta palavra habitualmente Como veremos no decorrer desta análise, o problema não é que os Tipos 9 sejam “preguiçosos”, no sentido de “não fazer nada”. Eles até fazem muitas coisas e, às vezes, ao mesmo tempo. Então, por que em todos os textos sobre Eneagrama se faz tanta questão de destacar este fato? Vejamos. Para Helen Palmer o “pecado mortal da preguiça é atribuído a Noves, porque seus hábitos se destinam a drenar energia e atenção para fora daquilo que lhes é essencial na vida”. Já para Don Richard Riso, a passividade dos Tipos 9 é uma “ironia” já que “devem fazer algo para não fazer nada”. Coincidindo com Gurdjieff, Riso conclui que os possuidores desta máscara “se tornam passivos, a vida começa a acontecer-lhes”. Claudio Naranjo tem uma visão ainda mais profunda sobre o assunto, quando diz que a intenção original da palavra preguiça está no termo latino anterior “accidia” o qual apontava para um problema muito mais “complexo”: “Psicologicamente, accidia se manifesta como uma perda de interioridade, uma recusa em ver e uma resistência à mudança.”

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Na minha visão, os Tipos 9 não são preguiçosos no sentido de não fazerem nada, são Preguiçosos em relação a si mesmos. O que significa isto? Simples: que tudo o que tem a ver com eles, com suas necessidades, com seus reais problemas, com seus “negócios”, com seus projetos, enfim, eles esquecem, adiam, protelam, “deixam pra lá”. O que é essencial nas suas vidas, o que deveriam realmente fazer, o que lhes impede de ver qual a sua “realidade” e o que lhes impede de ver e sentir que coisas, atitudes, práticas e hábitos deveriam mudar em suas vidas, eles “não lembram” graças a um truque com que se autoenganam: eles estão “ocupados”. Sim. Eles fazem muitas coisas ao mesmo tempo, falam muito, resolvem os problemas dos outros, dedicam-se a questões “simples”, enfim se evadem de si mesmos e até se esgotam nessas ações para poder dizer aos outros: “Trabalhei muito hoje e é por isso que não tive tempo para me preocupar com estes outros assuntos que sei são importantes para mim, mas...” Ao refletir sobre como “atuou” num determinado momento de sua vida apenas “levado” pelas circunstâncias, ou seja, ele não “fez”, apenas “aconteceu” que teve que “fazer algo para não fazer nada”, um dos nossos alunos nos mostra esta manifestação do Traço Principal: “O Tipo 9 pertence ao triângulo mais próximo da essência e, olhando retrospectivamente, posso perceber o movimento automático pelos vértices, tanto na minha vida profissional como no meu casamento. A preguiça, talvez o pior dos vícios capitais, é socialmente estigmatizada, em especial, nos estratos sociais mais favorecidos, no qual me incluo, ao receber uma educação preciosa. Existe uma pressão social para a pessoa ir à luta e fazer a vida. No meu caso, essa pressão coincidiu com uma paixão que me levou ao casamento e portanto à necessidade de trabalhar, ganhar dinheiro, etc. e tal. Esses dois fatores talvez sejam universais para levar o Tipo 9 a sair da inércia e ‘pegar o carro’. Como o Tipo 9 não tem um querer próprio (ou custa a descobri-lo), o que fiz foi tornar-me um executivo de empresa onde eu podia seguir a reboque de um empresário que, ao menos externamente, sabia o que queria. Assim, comecei a desempenhar o papel de executivo, vestindo a máscara número 3 do autoengano. Adaptei-me muito bem a esse papel na medida em que ele

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me dava uma ‘identidade’ que não possuía. No papel era ‘mais realista que o rei’ e embora nunca chegasse cedo ao escritório – certamente um sinal da ‘Preguiça’ a me dizer que aquele papel nada tinha a ver comigo – era capaz de passar dois ou três dias diretos sem dormir, trabalhando, se as circunstâncias assim o exigiam, não tirar férias, tudo em prol da chamada ‘honra da firma’ (...) Na medida em que minha identidade estava inteiramente amalgamada com um papel, eu não podia me relacionar com tranquilidade, de igual para igual com as pessoas que ocupavam outros papéis. As pessoas eram superiores ou inferiores (...) Isto me fazia falhar sempre que tinha uma negociação a fazer com um ‘superior’ (...) se não contasse com o apoio de algum companheiro, me acovardava e era malsucedido ou simplesmente postergava ou depreciava a entrevista (...) Em seguida, a pressão social e do cônjuge me faziam retornar ao desempenho do papel (...)” Simplesmente, ele não existia para si mesmo, para suas necessidades, enfim, tudo era porque tinha se casado, porque tinha que trabalhar e ganhar dinheiro, porque deve ser um executivo bom, porque, tudo era apenas um “papel” que demonstrava um forte “movimento negativo contra a seta ao Ponto 3 do Eneagrama. É disto que se trata o “Traço Principal”.

Esquecimento de si mesmo: eis a causa do traço principal! Os Tipos 9, simplesmente, sofrem do Esquecimento de Si Mesmos, ou seja, esquecimento de que somos seres capazes de atuar conscientemente, no presente, no aqui e agora. Sabemos que a própria definição clássica de “consciência”, segundo Pradines, é cum-scire, ou “possessão de si mesmo”. Para compreender o tremendo valor psicofilosófico que isto encerra, observe que só quando uma pessoa “lembra de si mesma” atinge o nível de “possessão de si” que Gurdjieff definia como “consciência de si”. Esta “consciência de si” é atividade consciente, ato consciente, ação consciente, e portanto um verdadeiro fazer, já que,

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como ele ensinava, no estado de “consciência habitual” nenhum ser humano “faz” realmente. Nesse nível, tudo apenas nos acontece. Para o Tipo 9, estas questões sintetizadas aqui são de grande importância, tendo em vista que seu Traço Principal, a preguiça, implica um contínuo estado de “Esquecimento de Si Mesmo”. Gurdjieff dizia que “para fazer é preciso ser”. Logo, o “Esquecido de Si Mesmo” é como se não existisse. Então, objetivamente, ele não faz, apenas tudo lhe acontece. Por isso Gurdjieff revela a seu aluno que, naquele momento, “ele não existia de modo algum”.

Dispersão: deixando de lado o mais importante (o que é mais importante mesmo?) A maioria dos Tipos 9 percebe com facilidade esse Esquecimento de Si Mesmo, e o sente como algo a ser trabalhado. Descrevem-no com expressões do tipo: “fico como uma barata tonta”, “atuação dispersa”, “acabo me perdendo”, “dificuldade de me ver”. A dispersão, no fundo, é um modo de fugir do principal, do que realmente deve ser feito, do que tem a ver com eles mesmos, e provoca muita tensão quando se tem consciência dela. Alice, uma de nossas alunas Tipo 9, escreve: “Fujo muito dos meus propósitos, me disperso com a maior facilidade, faço uma porção de coisas ao mesmo tempo e acabo me perdendo.” Outra de nossas alunas assim expôs a questão: “O que mais dificulta a caminhada de um 9, pelo menos no meu caso, é a atuação dispersa, a incapacidade de se concentrar por muito tempo numa direção, distraindo-se com mil interesses, sem concluir a maior parte deles. Por conta desta dispersão posso fazer muitas leituras, ver filmes interessantes, peças de teatro fantásticas, fazer cursos de diferentes coisas, vibrar com tudo isto e, tão logo os deixo de lado, já os esqueci por completo, sendo incapaz de lembrar mesmo o tema central de um filme interessante (...) Com esta mesma facilidade esqueço meu trabalho de auto-observação e lembrança (...) Esse desligamento, essa

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dispersão da atenção e esquecimento criam-me situações embaraçosas (...) e não raro esqueço a razão principal de uma ação para fazer algo diferente (...)” Um aluno Tipo 9 declara: “Me identifico com o número 9 por contrariar o dito popular: ‘não deixe para amanhã o que pode fazer hoje’. Na maior parte das vezes, vejo-me protelando os meus afazeres ou dispersando-me neles, deixando de lado o mais importante e partindo para aqueles de menos valor ou mais fáceis de executar (...)” Neste outro depoimento, a percepção de que “O Esquecimento de Si” equivale ao esquecimento do que é importante para o Tipo 9 fica bastante clara: “(...) A questão da procrastinação é uma questão séria, uma dificuldade imensa de realizar coisas, projetos. Dificuldade de priorizar o que seria mais importante fazer primeiro. Dificuldade de discernir se tal coisa é importante ou não para mim (...) Tendência a absorver muito as responsabilidades, responsabilidades que poderiam, às vezes, ser divididas com outras pessoas para as quais certos assuntos ou projetos também são importantes (...) Dificuldade de me ver, de ter um contorno de mim (...) muita dificuldade de saber o que é importante pra mim!” A dificuldade de priorizar o que seria mais importante pode ser traduzida mais objetivamente como: “o que seria mais importante fazer primeiro para mim”. Os Tipos 9 devem compreender profundamente que esta é a chave para a conquista do Traço Principal.

A dificuldade de estar presente (ou como Cronos, o tempo, devora seus filhos) Os Tipos 9 tanto admitem ter grandes dificuldades para enxergar suas próprias necessidades e valorizar seus projetos de vida pessoais como, em consequência do “Esquecimento de Si Mesmos”, sofrem ao perceber que o “tempo passa voando” e não conseguem ou têm muitas dificuldades para concretizar qualquer coisa. É como se não conseguissem perceber a

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passagem do tempo. Os dias passam e as coisas vão sendo adiadas e/ou esquecidas. Os meses passam. Os anos passam. Muitos Tipos 9 admitem que esse passar do tempo parece algo muito difícil de perceber. Por esta razão, eles vivem situações muito “engraçadas” nas quais fica muito clara essa tremenda dificuldade de considerar e estar no presente. Em um engraçado e incrível depoimento, um aluno nos revela esta difi­culdade: “Certa manhã, por volta das 9 horas, me dirigi à padaria com o objetivo de comprar pão e leite. Entretanto, antes de lá chegar, encontreime com um amigo que (...) disse: ‘Vamos dar um pulinho rapidinho ali na casa de um colega e daqui a, no máximo 30 minutos, estaremos de volta (...)’ O cara entrou por algumas ruas de Niterói nas quais tinha passado e, de repente, depois de uns 10 minutos, entramos numa residência onde se encontravam várias pessoas comendo e bebendo e me serviram, imediatamente, uma cachacinha. Papo vai, papo vem, quando dei por mim, já estava na casa do sogro desse amigo, participando de uma caranguejada... Conclusão: Só consegui telefonar para casa por volta das 2 horas da manhã do dia seguinte!”. A impossibilidade de ter contato com o momento presente é outra consequência do Esquecimento de Si Mesmo. O mais grave desta perda de contato com o presente é que, de alguma maneira, Tipos 9 começam, literalmente, a serem devorados pelo tempo. Neste sentido, sempre lembro aos participantes de nossos workshops que vale a pena lembrar o mito de Cronos, que costumava “devorar seus filhos”. Neste mito existe uma clara advertência sobre a necessidade de estarmos “conscientes e alertas” no “presente” para evitar que Cronos (o tempo) nos devore, ou seja, de nos conscientizarmos de que precisamos agir agora e não amanhã. Em função desta perda da noção de presente, os Tipos 9 deixam de fazer muitas coisas importantes e chegam até a “esquecer” as razões pelas quais realizam determinadas ações. Às vezes precisam inclusive que alguém lhes lembre o objetivo desses esforços. Por isso se sentem

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mais seguros agindo sob o comando de alguém, já que desta maneira não correm o risco de perder o rumo de suas ações. Nos depoimentos abaixo fica claro como essa incapacidade de estar no presente leva os Tipos 9 a deixarem de “lembrar” quais os objetivos relacionados às suas ações e decisões: Uma aluna lembra: “(...) quando fui ter minha terceira filha, fiquei na casa de uma prima (ela foi para a casa de praia e eu fiquei na sua residência com meus dois filhos e a empregada). O neném nasceu. Tudo bem (...) Já ia regressar à minha casa, malas prontas, tudo em ordem (...) quando chegamos no elevador o meu filho (o segundo) perguntou: ‘Mamãe, e o neném, vai ficar?’ Eu tinha esquecido, ia embora, e ela lá no berço!” Outra aluna conta: “Certa vez fui à cidade resolver um assunto e encontrei o local fechado para almoço indicando no aviso que reabriria às 14:00. Decidi ‘fazer hora’ para esperar e entrei numa livraria, folheei livros, li, saí, tomei sorvete, voltei, olhei novos livros e por fim olhei o relógio – 14:00. Pensei: ‘Está na hora’ e, ato contínuo, tomei o ônibus para casa. Só então me dei conta de que eu ‘fizera hora’ para esperar abrir o lugar onde deveria resolver um assunto.” Muitos Tipos 9, quando compreendem o que significa ser “devorado por Cronos”, começam a valorizar mais o que chamamos o “momento presente”.

A questão do “território aberto” e “sem limites” e suas consequências Temos dito que os integrantes da tríade superior do Eneagrama (Centro Físico e/ou do Movimento), ou seja, os Tipos 8, 9 e 1 se relacionam de modos diferentes com o que chamamos o “território”. Vimos que

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os Tipos 1 os delimitam e ordenam e que os Tipos 8 desejam sempre ampliá-los num inevitável desejo de expansão à procura do poder. Os Tipos 9, pelo contrário, não conseguem delimitar seus territórios e não possuem muito interesse em ampliá-los. Lembra Tom Jobim? Ele não escreveu suas músicas para ganhar mercados e muito menos tinha planos para conquistá-los. Isso lhe provocava um “cansaço invencível”. Os Tipos 9 não são “ambiciosos” e não possuem nada do jeito que outros Tipos desejam possuir. Carecem de apego a coisas materiais. Isto seria uma virtude, se não exagerassem. Questões importantes não são protegidas, coisas são perdidas, esquecidas, abandonadas. Muitas vezes, abrem mão demais de suas próprias necessidades e perdem facilmente o controle das coisas. Ou seja, se os Tipos 8 exageram ao controlar e fixar limites, os 9 quase não o fazem. Se os Tipos 1 exageram na ordem, os 9 às vezes são largados demais. A dificuldade de delimitar sua própria ordem e de definir qual será o território pessoal a ser conquistado e protegido, leva os Tipos 9 a viverem situações muitas vezes complicadas. Em parte, por não saberem dizer “não” quando necessário. Um dos nossos alunos Tipo 9 escreveu: “Minha atitude básica de vida é me sentir bem na medida em que vejo os outros bem. Nisto não meço esforços para ajudá-los, mesmo que às vezes prejudique a mim mesmo...” Querendo evitar atritos, muitas vezes aceitam qualquer coisa e concordam com situações que lhes são totalmente prejudiciais. Reconhecendo a falta de limites na sua relação com as outras pessoas, uma aluna escreveu, em terceira pessoa, que se achava: “...disponível demais. Às vezes não sabe o que é seu desejo, vai nas águas do outro. Difícil definir o que é seu desejo e quando esse desejo é do parceiro ou do filho, etc. (...) assediada por pessoas com problemas (...) nossas qualidades [se refere a seus pares eneagramáticos] acabam virando defeito por excesso (...)” A ideia de “evitar problemas” tem a ver com uma redução das próprias necessidades e um abandono do que teria que ser cobrado e/ou priorizado nos seus relacionamentos pessoais e profissionais.

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Psicologicamente, não ter “território” definido e ficar “aberto” a todas as coisas, pessoas e situações, é um modo de estar sempre em paz, de viver tranquilo. Quando se determinam a realizar algo “bem-feito”, não existe o desejo de obter benefícios e com isso fazem o que tem que ser feito, para ficarem livres novamente e evitarem atritos. Os Tipos 9 com maior influência do Ponto 8 procuram atingir um estado de “não atrito”, não gostam de problemas e ficam irados quando não os resolvem, razão pela qual se esforçam ao máximo na procura dos meios que lhe tragam as ansiadas “paz e tranquilidade”. Aqueles com maior influência do Ponto 1 querem ter a certeza de que conseguiram uma ordem, um espaço próprio, no qual estará garantida a “tranquilidade” que procuram constantemente. Em ambos os casos, não se quer ter um território exclusivo e sim um território livre de problemas, razão pela qual sempre estará “aberto a todos”. Uma aluna para a qual o território tem a ver com esse espaço pessoal no qual não existem possibilidades de “atritos” e com forte influência do Ponto 6 escreveu: “Talvez pelo medo de ser mal interpretada me isolo muito, com certeza, para não me aborrecer. O que mais me fascina é a paz! Troco tudo, faço tudo para estar em paz (...)” A falta de “território” produz naturalmente a falta de “limites”. Então, percebem que perdem de vista e abrem mão de suas próprias necessidades. Quando os Tipos 9 começam a perceber o quanto esta falta de “território” e de “limites” lhes faz falta, ficam irritados ao descobrirem como é difícil para eles introduzi-los. Este depoimento de Julia deixa clara esta questão: “Foi muito claro e terrível observar (este) comportamento. Sentirme dominada por ele e só depois perceber que aquilo me incomodava, que não era justo e que em muitas outras ocasiões eu vivi fazendo exatamente o mesmo, porque sou eu que não defendo meu espaço, permito que os outros o invadam e abusem do que é meu de direito e de fato (...)”

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Apesar de perceberem a necessidade de “botar limites” e garantir seus “espaços”, os Tipos 9 protelam o mais que podem essas iniciativas que os beneficiam grandemente. Talvez precisem compreender que não significa ficar fechado demais, que não significa ter que parar de ajudar os outros, nem que devem renunciar a esse jeito amistoso e amoroso de ser. Apenas significa estabelecer e ser responsável pelo “território” individual, enxergando a necessidade e a importância dele como um meio de superar o Esquecimento de Si Mesmos. Isto porque, quando cientes de seus limites e da responsabilidade por seu “espaço” individual, os Tipos 9 aprendem que dizer não, às vezes, é necessário e que atender às suas próprias necessidades é tão importante como satisfazer as alheias.

Iniciando o processo de mudanças positivas. Observando a raiva: a influência dos parceiros Eneagramáticos 8 e 1 É interessante para os Tipos 9 perceber que existe algo em comum entre seus parceiros eneagramáticos 8 e 1: a raiva, a ira. Enquanto os Tipos 8 explicitam sua ira com rapidez e instintivamente com todos os exageros que lhe são “normais”, e Tipos 1 evitam manifestar sua raiva o quanto podem pelo fato de considerá-la uma imperfeição e/ou a disfarçam por meio de seus “regulamentos” e suas “exigências”, os Tipos 9 “acumulam” a raiva. Apesar de evitarem a raiva e preferirem superála, em determinadas circunstâncias, eles vão ficando com raiva “aos poucos”, na medida em que percebem os resultados negativos de suas condutas “proteladoras”. Vão ficando irritados porque percebem como o Esquecimento de Si Mesmos os atrapalha. Percebem como perdem oportunidades, como a preguiça os afeta negativamente. Desta forma, reagem iradamente quando atingem certos limites, ou melhor, como já assinalei anteriormente, quando percebem a necessidade desses “limites” e não suportam mais os resultados de suas protelações, atrasos e assuntos pendentes. Como não desejam ter conflitos com a realidade, como não desejam perder a paz e a tranquilidade, a raiva dos 9 se acumula, se retém, até que se manifesta como uma necessidade imperiosa

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de estabelecer esses limites, de concluir processos, de atingir objetivos. É uma raiva desesperada e, no fundo, autodirigida. Essa agressividade, no seu aspecto negativo, os leva aos exageros próprios do Ponto 8, correndo o risco de perder o controle e de agir desesperadamente, sem considerar os resultados dessas reações “explosivas”. É uma raiva desencadeada após ter suportado “todas as injustiças” cometidas contra eles, especialmente pelas pessoas que “deveriam” comportar-se como eles. Já a influência negativa do Ponto 1 os leva a isolar-se, a afastar-se do que provoca a ira, negando-se a admitir que as causas de determinadas situações foram provocadas por eles mesmos. É a raiva que acusa os que abusam de sua boa vontade e não se preocupam com suas necessidades como eles se preocupam com as deles. Continuemos com o depoimento de Julia, nossa aluna Tipo 9. Ela nos descreve como e por que a raiva pode ser manifestada: “Eu havia combinado com um trabalhador para que ele fosse à minha casa concluir uma tarefa para a qual já fora pago, fazendo isto parte de um trabalho maior que havíamos acertado, sendo que enquanto trabalhava para mim eu o cedera a uma amiga para que realizasse para ela uma tarefa. Satisfeita com o trabalho dele, ela queria que ele voltasse para fazer novo trabalho e assim quando ele ligou para combinar o dia e a hora de ir à minha casa e eu atendi ao telefone, minha amiga entrou na linha pela extensão (pois eu estava na sua casa) e forçando a conversa onde eu marcava o horário cedo de manhã para que ele chegasse, ela interferia e quase impôs que ele fosse primeiro à sua casa e depois à minha. Eu, como de costume, enquanto falava pensava que não tinha mesmo outro compromisso e acabei concordando que ele atendesse a ela antes, para logo em seguida morrer de raiva porque percebia o velho jogo de ceder aos outros achando que os interesses e prioridades deles são mais importantes que os meus e que eu posso ficar para depois. Estava louca de raiva dela porque sei que aquele é seu comportamento habitual (...) sempre defendendo seu espaço (...) enquanto sentia mais raiva ainda de mim porque, enquanto fazia a concessão, percebia um movimento mais interno avisando que eu estava agindo errado. Era uma raiva enorme

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por sentir-me invadida, enquanto me vinham à mente muitas outras ocasiões em que, diante de um direito líquido e certo meu, eu permitira que alguém me roubasse algo. Parti para ela com grande agressividade verbal dizendo-lhe que ela não tinha direito de julgar o tempo dela mais precioso do que o meu (pois o que ela queria era ter certeza de ser atendida cedo para ficar livre depois) principalmente quando ela sabia que eu tinha urgência de terminar os trabalhos de minha casa. Contive-me depois o quanto pude e analisando o fato à luz dos meus direitos e de como minha amiga costuma dirigir seus interesses sem levar ninguém em consideração ou dar satisfações do que faz, resolvi fazer o que ela certamente faria. Liguei de volta para o trabalhador, desfiz o combinado informando-o que fosse à minha casa primeiro. Esforcei-me ao mesmo tempo para ver a situação do ângulo de minha amiga, ou melhor, da maneira como ela atua (...) preparei-me para não informar nada a ela, não dar satisfação e fazer valer meus interesses. No dia combinado, o homem foi à minha casa e ela, esperando e vendo a demora, telefonou para mim para saber dele. Eu disse que ele estava comigo, e embora tendo jurado que não daria satisfações, não pude evitar o tom de raiva na voz enquanto de alguma forma lhe dava uma satisfação dizendo-lhe que ele estava a meu serviço, que eu o chamara e que depois falaríamos sobre os motivos do meu e do seu comportamento (...) embora eu soubesse que isto seria uma conversa difícil e inútil (...) Senti-me novamente com raiva porque dar explicações é também um comportamento mecânico meu, mas desta vez fui capaz de ter um pouco de compaixão de mim mesma porque, pelo menos, uma coisa eu já havia feito: defendera meu espaço mesmo que tardiamente.” Achei muito importante transcrever este depoimento quase na íntegra, porque descreve muito bem o modo como a raiva retida faz com que os Tipos 9 “explodam” de vez quando percebem o quanto suas atitudes os prejudicam. A energia gasta em todo o processo descrito pela nossa aluna foi exagerada. De fato, demonstra apenas o fruto de sua própria máscara. Uma parte da sua raiva é contra si mesma, já que percebe como o fato de ficar “aberta” demais lhe dá a impressão

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de ser “invadida” pela sua amiga, na qual reconhece a capacidade de cuidar de seus interesses pessoais como ela não consegue fazer. Os Tipos 9 não podem botar a culpa no mundo (influência negativa do Ponto 8) por essas situações nem achar que são “vítimas” de uma situação que eles mesmos provocam. O modo negativo com que vemos a influência do Ponto 1 neste depoimento, se dá no momento em que nossa aluna decide “julgar” sua amiga e propor-lhe uma conversa sobre o quanto era errado seu comportamento. Ela chega a afirmar-se satisfeita pelo fato de ter conseguido “defender” seu “espaço” mesmo que “tardiamente”. Mas é justamente nesta frase que a influência negativa de ambas as “asas” (8 e 1) se tornam mais presentes nas palavras “defender” (8) “meu espaço” (1), revelando que todo esse problema faz parte de seu Traço Principal resumido na palavra “tardiamente”. Em todo caso, nossa aluna demonstra que está fazendo os primeiros esforços para atingir um melhor conhecimento de si mesma e sabemos que da época do depoimento até hoje, seus esforços são cada vez mais bem-sucedidos. Em resumo, os Tipos 9 deveriam aprimorar a Observação de Si Mesmos, evitando culpar os outros pelos seus esquecimentos e erros, aprendendo a respeitar mais a si mesmos e percebendo as suas necessidades e prioridades.

O negativo dos movimentos aos Pontos 3 e 6: reconhecendo o medo e a mentira A mentira (movimento negativo ao 3): Os Tipos 9 costumam mentir a si mesmos em relação aos esforços que dizem estar dispostos a realizar para atingir seus objetivos. Este movimento contra a seta ao Ponto 3 do triângulo eneagramático serve negativamente para que justifiquem de todas as maneiras o fato de “não terem tempo para” ou de “estarem muito ocupados com muitas outras coisas”, o que, aparentemente, lhes impediria de fazer ou realizar o que seria mais necessário e importante. Uma aluna reconhece:

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“Detesto mentira, faço o possível para falar a verdade, sou muito atenta quanto a isso. Mas para mim minto com frequência, arrumando pretextos e assim adiando mudanças no meu modo de agir.” O movimento negativo ao Ponto 3 se dá, então, de duas maneiras: mentindo a si mesmo e mentindo aos outros que acham, ou podem achar, que realmente o sujeito está muito ocupado e não tem tempo de fazer qualquer outra coisa. Vimos também, num dos depoimentos iniciais, que também mentem assumindo “papéis” que não lhes interessam com o objetivo de serem aceitos pelos demais e/ou de satisfazer suas necessidades imediatas de ordem financeira ou material. No desempenho desses “papéis” realizados sem verdadeiro interesse e apenas pela pressão exterior, os Tipos 9 parecem dar-se muito bem, pois ninguém percebe sua “falta de interesse”, porque, paradoxalmente, se mostram receptivos e atentos. Geralmente, quando os outros o conhecem “externamente”, eles parecem pessoas serenas, tranquilas e autocontroladas. Porém, por trás dessas “virtudes” aparentes, ocultam uma grande falta de interesse pelo que executam. A ideia é livrar-se logo dessa tarefa para voltar a ficar em paz.

O Tipo 9 e o tipo de sensação introvertida de Jung Acho que este é o momento oportuno para refletir no tipo junguiano que se assemelha ao Tipo 9: o chamado “tipo de sensação introvertida”. Na descrição que Jung faz deste tipo em seu Psychological types lemos o seguinte: “Talvez (o sujeito) se destaque por sua calma e passividade, ou pelo seu autocontrole (...) Esta peculiaridade (...) na realidade se deve à sua falta de relação com os objetos (...) Visto de fora, parece como se o efeito do objeto não penetrasse em absoluto dentro do sujeito (...) quando a influência do objeto não irrompe completamente, é recebida com uma

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neutralidade bem-intencionada, mostrando pouca simpatia, porém, constantemente tratando de acalmar-se e ajustar-se (...)” Neste caso, a “mentira” do Ponto 3 está relacionada com a necessidade dos Tipos 9 de parecer externamente ativos. Muitas vezes conseguem “enganar” os outros com essa aparente disposição, a ponto de receberem elogios pelo seu “espírito cooperativo”. A verdade se mostra quando de repente não cumprem prazos, se ausentam sem necessidade, deixam questões “feitas pela metade” e declaram “esquecer” determinados compromissos, o que resulta muito adequado já que todos estão mais do que convencidos de que é isso mesmo que acontece com eles. Quando se comportam desta maneira, muitas vezes arriscam o trabalho de suas equipes e/ou dos grupos dos quais participam. Daí que o que Jung acrescenta na sua descrição dos tipos de sensação introvertida também seja aplicável ao Tipos 9 quando se movem até o Ponto 3 negativamente: “(...) Assim, o tipo se transforma numa ameaça para o seu ambiente, porque sua inocuidade total não está como conjunto sob suspeita.” Ou seja, ninguém suspeitaria que seu “espírito cooperativo” poderia ser apenas uma “mentira” e o abandono e esquecimento de seu papel ou do seu trabalho, algo deliberado. Às vezes acontece que eles assumem responsabilidades demais e não conseguem honrá-las senão sob muita pressão. Os Tipos 9 correm o risco, por este mesmo motivo, de serem exigidos ao extremo e cobrados constantemente, já que, quando descobertos por pessoas mais fortes ou controladoras sob cujo comando venham a se encontrar, podem chegar a converter-se em suas vítimas. Pelo fato de sentirem-se culpados, eles podem aceitar essas pressões exageradas e injustas, até porque consideram que esse será o único modo de “aprender a fazer”. Daí que esta última parte da descrição de Jung acerca do tipo de sensação introvertida seja tão aplicável a alguns Tipos 9: “Neste caso, (o tipo) se converte facilmente numa vítima da agressividade e do domínio dos outros. (...) permite ser objeto de abusos e logo se vinga nas ocasiões mais impróprias com estupidez e obstinação redobradas.” Vale a pena refletir no depoimento em que uma das nossas alunas já citadas explica os riscos de relacionar-se de uma maneira “não

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verdadeira”: “É difícil atuar no plano concreto quando entro em relação com o mundo, com as pessoas (...) estabeleço relacionamentos com base na ‘vontade’ de estar bem, em harmonia com as pessoas e parto fazendo-lhes concessões, abraçando suas ideias, reconhecendo seus valores pessoais, disposta a agradar-lhes, abrindo mão dos meus interesses, até porque, na maior parte das vezes, não os identifico e, de súbito, me vejo desconsiderada por elas ou seguindo suas ‘vontades’, sufocando minhas opiniões apenas para não perder os contatos e me sentir aceita.” Quando isto acontece, os Tipos 9 se movem negativamente ao Ponto 6: fazem por temor às críticas, às cobranças. Realizam esforços desmedidos e extenuantes, “trabalham sem parar”, apresentando o típico movimento contra fóbico, característico dos Tipos 6, e cujo núcleo negativo é o medo. É típico que “trabalhem contra o tempo”, pressionados pela “urgência” de terminar as coisas proteladas, o que nem sempre garante um bom resultado. Naturalmente, o ciclo se fecha quando extenuados após o esforço de última hora, voltam como se pode apreciar no gráfico, ao ponto de origem, ou seja, o 9. Também se pode apreciar o aspecto negativo, quando os Tipos 9 se dão conta de que devem fazer algo há muito protelado e começam a imaginar as conse­quências que isso pode acarretar (Ponto 6). Então, fazem apenas pelo medo das consequências, o que acarreta que suas ações não sejam autênticas (Ponto 3) e sim um meio de escapar às reações não desejadas que poderiam advir de seus “esquecimentos”. O medo (movimento ao 6): O medo dos Tipos 9 está relacionado com a constante preocupação de manter-se fora de atritos e conflitos, conservando a paz e a tranquilidade que tanto amam. No seguinte depoimento, uma aluna Tipo 9 descreve seus medos da seguinte maneira: “Há muito repito ‘não gosto de varrer contra o vento’. Nada melhor para caracterizar o Tipo 9. É muito difícil, para mim, tomar decisões que podem ser o estopim de um conflito. Se pressentir a possibilidade de um conflito, trato logo de conciliar. Antes do estudo do Eneagrama me vangloriava de não sentir medo.

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Achava-me corajosa por enfrentar situações difíceis (...) Observando-me com atenção, descobri esse movimento constante para o 6, todo esse meu retraimento é medo! Medo de desagradar, medo de não ser aceita, medo de me expor e, por que não, o medo de me tirarem a tranquilidade! Adoro ficar comigo mesma, onde vivo um mundo de paz! Só agora entendo por que tenho tanta preocupação em não incomodar ninguém, é o reflexo de que também vou perturbar a paz de outrem (...)” O “medo” do Ponto 6 se manifesta também quando os Tipos 9 sentem que não podem seguir adiando trabalhos, decisões, atos e projetos. Então, iniciam uma desesperada tentativa de realizar e, sabendo que estão “contra o tempo”, se esgotam demais. Os Tipos 9 devem aprender a fixar datas e prazos concretos para a realização de seus trabalhos e projetos, discriminando quais são os mais importantes e requerem uma maior atenção e prioridade.

O positivo do movimento 9-6-3 – (ver figura na página 334) Quando os Tipos 9 começam a compreender a necessidade de atuar, quando param de protelar e aprendem a se importar com suas necessidades, passam a viver seus “movimentos dentro do triângulo” positivamente. Lembremos que as virtudes relacionadas com os Pontos 9-6-3 são respectivamente: Amor (9), Fé (6) e Esperança (3) ou Reta Ação, Coragem e Verdade. Na prática, isto significa o seguinte: quando relacionado às próprias necessidades, se reconhece a necessidade de agir porque se compreendeu profundamente que protelar é uma maneira de não amar-se a si mesmo. Logo, surge a Fé que é “a certeza do que se espera e a convicção do que não se vê”, como escreveu o apóstolo Paulo. Esta “Fé” é consciente e se manifesta em um trabalho deliberado em direção ao objetivo, o que garante (Esperança) a realização do mesmo, porque agora a ação é Correta e Verdadeira.

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A influência positiva dos parceiros 8 e 1 Os Tipos 9 devem aprender do Ponto 8 do Eneagrama a valorizar seus territórios e lutar por seus objetivos e metas sem abandoná-los com falsos argumentos. Já do Ponto 1, deveriam aprender a “programar suas ações”, ordenar e priorizar suas necessidades, criando hábitos que lhes permitam discernir entre o que é mais necessário realizar “agora” e o que pode ser “eliminado” ou “postergado”, porque se decidiram a não mais protelar o que realmente devem fazer. Sempre recomendo aos Tipos 9 iniciar processos de observação de si mesmos, por meio dos quais consigam dar-se conta quando estão adormecidos com respeito às suas necessidades reais e aos seus objetivos. É importante criar rotinas que garantam a realização de tudo o que foi postergado ou “esquecido” durante meses ou anos. Um dos alunos estrangeiros viveu durante mais de 15 anos no Brasil, sem o documento exigido pelo conselho de sua profissão. Ele adiava constantemente a realização desse trâmite, até porque, em determinados momentos, não parecia necessário tê-lo. Porém, a partir de certo momento, essa carteira profissional começou a ser necessária. Sua primeira tarefa pessoal foi tirar esse documento. Era difícil porque requeria legalização de diploma, reconhecimento de estudos, trâmites diversos e prolongados. Tudo para um 9 desistir. Mas essa tarefa não tinha como objetivo apenas obter essa carteira, mas também que ele “lembrasse de si mesmo” e não protelasse mais suas próprias necessidades. Era uma maneira de “amarse a si mesmo” e de iniciar um processo no qual o “Esquecimento de Si” começasse a ser superado. Finalmente conseguiu, e, graças a esse “trabalho” deliberado e consciente, ele já superou muitos dos aspectos negativos da sua “máscara” e hoje se destaca na sua área. Muitos Tipos 9 têm dificuldade para lidar com dinheiro, para fechar negócios, para obter benefícios por intermédio das suas ações. Aqui é quando o aspecto positivo da ambição dos Tipos 8 pode servir como exemplo, assim como a capacidade de estabelecer prioridades e organizar suas próprias vidas do modo como o faria um equilibrado Tipo 1.

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Lembrança de si mesmo: aprendendo a amar a si mesmo Se tivéssemos que resumir em poucas palavras o que os Tipos 9 devem procurar, diríamos que é amar a si mesmos tanto quanto são capazes de amar aos seus próximos. Os Tipos 9 sabem dar amor às pessoas, sabem cuidar dos problemas alheios, sabem solucionar conflitos, estabelecer pontes entre as pessoas e conciliar. Eles apenas devem realizar tudo isto também por si mesmos. Devem considerar suas necessidades reais priorizando ações que lhes sejam produtivas. Quando isso acontece, começam a atuar corretamente. A virtude da Reta Ação pode levar todo Tipo 9 à realização pessoal e espiritual. Atuar é um imperativo natural, atuar corretamente é um ato de consciência. O discernimento é essencial para compreender o que é a Reta Ação e o Amor. Quando você começa a se amar não poderá abandonar-se, nem será mais capaz de protelar ou de esquecer o que é importante e necessário para sua realização integral. Amar implica lembrança. Ao amar a si mesmo, positivamente falando, o “Esquecimento de Si Mesmo diminui”. Você não poderá sentir “preguiça” de fazer o que é necessário para seu bem-estar e realização. Então, evitará as questões insignificantes e secundárias, estabelecerá rotinas adequadas de trabalho e aprenderá a trabalhar em função de metas verdadeiras. Evitará trabalhar sob pressão e será persistente na tarefa de atingir seus objetivos reais. Naturalmente, isso é Reta Ação. Aprenda a amar a si mesmo e com certeza essa bonomia, essa capacidade de ser amigo de todos será ainda maior e mais positiva. A Reta Ação é o remédio contra a “doença do amanhã”. O “remédio” que Gurdjieff recomendava contra esta “doença”, em palestras a seus alunos, era o seguinte: “Lembre-se de si mesmo, sempre e em toda parte.” Os Tipos 9 deveriam começar a observar de quantas maneiras “esquecem de si mesmos” e iniciar um processo de “lembrança de si” que lhes permitirá existir plenamente, em paz e tranquilidade reais e não

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nesse estado de “narcotização” que muitos deles vivem como “normal”, e no qual se perdem de si mesmos, vivendo estados de falsa paz e tranquilidade “fora da realidade”. Logicamente, a Lembrança de si só é possível mediante a Observação de si. Estes dois processos descritos no início deste livro como os mais importantes para a realização de si mesmo, são difíceis de compreender num começo. Nos treinamentos de Eneagrama que realizo as pessoas são incentivadas a conseguir, pouco a pouco, a plena vivência destes dois conceitos básicos, justamente porque é difícil “lembrar de lembrar” sempre e em toda parte. Volto a repetir que, para os Tipos 9, é essencial refletir sobre o tema da “lembrança de si”, em relação a si mesmo, já que, então, compreenderá o que deve ser “observado” no dia-a-dia e descobrirá como escapar de sua inércia negativa. Finalmente, e com o intuito de reforçar ainda mais a necessidade desta “lem­bran­ça de si”, convido você a refletir nas palavras de G. I. Gurdjieff citadas por Ouspensky: “Da mesma maneira, um homem pode orar: ‘Eu quero lembrar de mim mesmo’. ‘Lembrar-me’ – o que significa ‘lembrar-se’? O homem deve pensar na memória – quão pouco se lembra! Como esquece com frequência o que decidiu, o que viu, o que sabe! Toda a sua vida mudaria, se pudesse lembrar-se. Todo o mal vem de seus esquecimentos. ‘MimMesmo’ – novamente volta-se para si. De qual ‘eu’ quer lembrar? Vale a pena lembrar-se de si mesmo por inteiro? Como pode discernir aquilo de que quer se lembrar?” Espero que, a cada dia, a sua lembrança e a nossa lembrança aumentem!

O Tipo 1 O eu que ordena

“A moral pode ser objetiva ou subjetiva. A moral objetiva é a mesma em toda a Terra; a moral subjetiva é diferente em toda parte, e cada qual a define a seu modo: o que é ‘bem’ para um é ‘mal’ para outro e vice-versa. A moralidade é pau de dois bicos, podemos apontá-lo como quisermos...” G. I. Gurdjieff

Gurdjieff diz: “Outro exemplo, talvez pior ainda, é o do homem que considera que, em sua opinião, ‘deveria’ fazer algo, quando na realidade não tem que fazer absolutamente nada. ‘Dever’ e ‘Não dever’ é um problema difícil; em outras palavras, é difícil compreender quando um homem realmente ‘deve’ e quando ‘não deve’ (fazer algo) (...)” Gurdjieff citado em Fragmentos de um ensinamento desconhecido por P. D. Ouspensky

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Ah, esses perfeitíssimos Tipos 1! Lilian Witte Fibe, a impecável, séria e corretíssima ex-apresentadora do Jornal da Globo, foi, provavelmente, um dos melhores exemplos de Tipos 1 que identifiquei aqui no Brasil. Certa vez, li na seção “Ponto de Vista”, da Revista Veja de 19/4 de 96 ou foi 97? (quando retirei esse artigo da revista cortei acidentalmente o ângulo onde estava impresso o ano, desculpem! Ninguém é perfeito!), um artigo de sua autoria sob o título: “Profissionais da autopromoção”, no qual ela denunciava a “falta de ética” de alguns profissionais liberais e jornalistas que pretendiam usar seu prestígio para aparecer nas revistas e jornais promovendo seus nomes. A frase destacada do seu ensaio foi: “Não estou aqui para promover médicos ou cabeleireiros, não sou garota-propaganda.” Em qualquer caso, espero que o fato de citar somente a Lilian como exemplo de Tipo 1, não venha a provocar ciúmes em outras “figuras públicas” tão merecedoras como ela do título de o mais bem-comportado e disciplinado brasileiro vivo. Por esta razão, as seguintes análises desta máscara serão feitas a partir de exemplares humanos, tão disciplinados e isentos como Lilian, e que, como bons Tipos 1, não têm nenhuma necessidade de autopromover-se, reclamam o direito de preservar suas privacidades e podem dizer como ela que: “Se não quero, não vou mesmo falar sobre assuntos só meus.” Ficou claro? Muito bem. Então, talvez o modo mais perfeitamente simpático para iniciar esta análise do Tipo 1, seja compartilhar com você o seguinte caso. Costumamos solicitar aos alunos e participantes dos nossos workshops do Eneagrama, que escrevam suas impressões sobre seus Tipos. Um deles, Tiago, nos entregou seu trabalho per­feitamente ordenado e impresso. Depois de admitir na introdução que ele era um Tipo 1 e que sua fixação principal era o perfeccionismo, ele escreveu o seguinte: “O primeiro detalhe (perfeccionismo) já o estou executando visto que toda boa redação tem uma introdução, um meio e uma conclusão. Desta forma vemos portanto que, para mim, todas as coisas devem seguir normas e leis que as compartimentalizem e definam em assuntos ou áreas estanques.”

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Todos rimos muito quando foi lida esta parte. Rir é importante. Quero que neste trabalho de observação que você fará de si mesmo, tenha sempre em mente a necessidade de realizá-lo com alegria. Os antigos sábios vedantinos costumavam exigir, como uma das mais importantes virtudes do discípulo que deseja conhecer a si mesmo, a alegria. Eles baseavam este pedido no fato de que se alguém procura atingir níveis superiores de consciência e está disposto a caminhar em direção à iluminação, não pode realizar esse maravilhoso trabalho com sinais de seriedade e rigidez. No caminho à união com o Ser, só se pode estar contente. Portanto, tente não levar-se muito a sério nesta busca maravilhosa. Aprendendo a rir de si mesmo, talvez você possa compreender que o trabalho de conquistar a si mesmo se tornará tão mais cheio de satisfações quanto maior for o prazer com que o consiga realizar. Não pense que para unir-se ao Espírito você precisa ser tão sério e tão severo consigo mesmo, que a alegria não tenha lugar no seu Sendero. Espero que tenha compreendido a mensagem Número 1! Agora, vamos começar a “pisar nos seus calos”, como diria Gurdjieff. Prepare-se!

O Tipo 1 e seu traço principal Iniciaremos esta observação da Primeira Máscara com um depoimento de outro aluno: “Sinto a minha vida como uma busca incessante daquilo que julgo perfeito. O meu modelo perfeito sempre pode ser mais perfeito e isso me conduz a uma busca permanente de mais e mais perfeição.” Existem Tipos 1 que dizem que desde crianças foram “perfeccionistas” e que esta maneira de manifestar-se foi reafirmada pelo meio em que se desenvolveram. Se este é o seu caso, o importante é observar como esta tendência foi afirmada no tempo e de que modo ela se tornou sua “máscara”. Por outro lado, existem os Tipos 1 que declaram ter sido “programados” para serem “perfeitos”. Neste caso, o que deveria mudar nessa programação? Defina-se você como um Tipo 1 essencial (ou seja, as características do seu tipo, resumidas na palavra “perfeccionismo”, são sentidas como “naturais” e não provocadas) ou como

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um Tipo 1 “fabricado pela programação” que lhe foi imposta quando criança, é necessário que você tente observar essa máscara diariamente a partir de agora. Para isto ser realizado, você não precisa se criticar nem continuar dando energia a esse seu “juiz interno” intransigente e severo consigo mesmo e com os outros, porque desta forma você não conseguirá compreender aquilo que está além dos fechados muros de seu aparentemente “correto-modo-certo de ver as coisas”. Apenas lhe ajudaremos nesta observação de si mesmo... Nossa ajuda não será perfeita, claro! Porém será importante para suas próprias descobertas futuras. Muito bem, vamos às primeiras observações...

Como surgiu sua máscara? Um jovem aluno descreveu o surgimento de sua máscara desta forma: “Desde muito cedo me foi incutido um senso de responsabilidade, no sentido de que sempre deveria dar o exemplo para as minhas irmãs por ser o mais velho. Venho de uma família judaica e o fato de ter nascido homem e ser o primogênito preencheu uma série de expectativas familiares, que foram devidamente transferidas para mim...” Outro, após iniciar seu trabalho de observação da sua Máscara 1 escreveu: “Curiosamente ao me deparar com fotos da minha infância, notei que sempre estava vestido de forma arrumada e bem-comportada...” Lembranças como estas são parte das experiências da maioria dos Tipos 1. Talvez, no seu caso, tenham sido as cobranças de ordem e bom comportamento que começaram a dar forma a ela. Talvez seus pais (ou um deles) tenham sido muito controladores. Revisavam suas coisas, checavam se tudo estava sendo feito adequadamente. Ser a boa menina ou o bom menino bem-comportado era um imperativo. Aparentemente, isso tinha certas compensações: ficar em paz?, evitar atritos com o pai que, muitas vezes, Tipos 1 lembram como severo ou autoritário demais? Talvez. O certo é que este constante atrito e cobrança externa provoca uma reação especial. Muitos 1 se declaram Inseguros. “Qual será o melhor modo de comportar-se?” Tipos 1 se referem a este fato como sendo

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de vital importância em algum momento de suas vidas. Por diferentes caminhos, Tipos 1 precisam encontrar respostas que lhes permitam saber sua posição no mundo. Muitos deles revelam uma grande necessidade de obter um “modelo adequado” para viver no mundo ou como saber fazer a coisa certa. “Procurei sempre um espelho para saber como agir, dificilmente agia de uma forma espontânea e livre, sempre precisei de um modelo externo”, escreveu um aluno. Uma mulher Tipo 1 me confessou que sua maior preocupação era perceber certa inabilidade para enfrentar o mundo: “O que fazer? Será que está certo?” O fato de serem cobrados e exigidos faz com que Tipos 1 sintam uma forte insegurança na infância e juventude: “Por me sentir inseguro, não me expunha publicamente... Acho que a busca da perfeição da minha máscara se originou com uma obsessão por atingir o melhor de mim nas relações humanas...” De alguma forma, as cobranças contínuas geram nos Tipos 1 a necessidade urgente de encontrar um “modelo” que lhes permita ter certeza de que não serão mais cobrados... Assim surge a própria ordem, ou melhor, “o próprio território”, no qual Tipos 1 tentaram criar o melhor e mais perfeito modo de lidar com a existência. Um território reservado, “perfeito”, um modelo de ordem do qual ele se transforma em zeloso protetor. Um território próprio que lhe oferecerá a segurança e a certeza de que tudo esta OK.

O próprio “território” Sim, “território”. Escolhi esta palavra para fazê-lo compreender alguns aspectos relacionados com os Tipos 1, 9 e 8. Para cada um destes tipos que formam a parte superior do Eneagrama, a palavra “Território” tem um significado diferente e específico. No caso dos Tipos 1, o “território” implica tudo o que tem a ver com sua Ordem Particular. Tipos 1 cuidam dessa Ordem Privativa com verdadeira paixão. Nessa ordem, tudo está sempre sob controle, tudo está bem-feito e ordenado. Essa ordem pode ser a casa para a mulher 1 ou o escritório do homem 1. Em ambos os casos, as coisas serão encontradas nas gavetas certas,

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outras estarão claramente classificadas com etiquetas específicas e assim por diante. Tudo terá seu lugar e deverá estar sempre nas melhores e mais perfeitas condições. Desta forma, Tipos 1 sentirão certa sensação de bem-estar e tranquilidade. Mulheres e homens deste Tipo realizam e tentam impor certos rituais nessa ordem privativa. O escritório será regido por normas estritas, enquanto no lar a limpeza e ordem rigorosa de todas as coisas estarão garantidas graças às rígidas regras e rotinas que todos deverão respeitar. Certo Tipo 1 confessou: “... sou organizado, mas crio rituais precisos e também rígidos. Se escrevo, por exemplo, num determinado caderno sempre com uma caneta, fico confuso se não a encontro ao escrever. Os rituais que crio viram minha própria prisão...” Tipos 1 não pretendem ampliar seus “territórios” como os Tipos 8, nem o abrem a todos sem qualquer regra, como no caso dos bonachões e simpáticos 9. Pelo contrário, o “território” dos 1 será limitado, cercado, nas dimensões certas, regulamentado, porque ele é o Mundo ordenado e criado para ter certeza de que nele tudo será perfeito ou pelo menos se tentará que sempre seja o mais perfeito possível. Uma de nossas alunas Tipo 1 expressa esta questão de um modo muito exato: “Gosto de tudo bonito e perfeito e gostaria de moldar o mundo com minhas mãos. Ele seria lindo e perfeito. O fato de achar que todos deveriam ter amor, correção e bondade é uma mania de perfeição...” Outro aluno declara: “Lembro-me que era sempre importante para mim ter uma concepção do mundo pronta, formada, que só era abandonada, com alguma dificuldade, quando subestimada e por uma outra que fosse mais perfeita e que incluísse as novas percepções adquiridas. Lembro-me de uma especialmente, na qual considerava o mundo e todas as pessoas boazinhas, eu então, era uma pessoa ótima, e as pessoas que não eram boazinhas não eram porque não podiam ver a verdadeira realidade dos fatos... Quando compreendi, lá pelos 10 anos, que a realidade que minha mãe me passava não era a única, fiquei bastante perdido. Procurei... uma forma de me comportar adequadamente ou um outro modelo de visão do mundo...” Quando o modelo é achado, ele é transformado na ordem exemplar do Tipo 1. Fundamentalmente, a criação da própria ordem baseada no

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“modelo” adequado será o modo de demonstrar ao mundo exterior que nessa ordem ninguém mais pode intervir, nem mexer. Os outros são suspeitos de não compreender essa ordem conseguida, dia a dia, com o apoio de um implacável senso de autocrítica que os números 1 possuem em dose ilimitada. Porém, bem-aventurados os que forem considerados aptos e preparados para compreender essa ordem fechada. Eles, sim, terão o direito de serem recebidos pelos números 1. Amigos serão aqueles que podem ser parte dessa Ordem, dessa elite capaz de ver “a verdadeira realidade” desse “território” exclusivo, criado não apenas no plano físico, mas também no psicológico. Sim, o “território” dos números 1 não é apenas físico. Ele se estende aos seus relacionamentos, aos seus trabalhos, às suas escolhas. Tudo deve estar de acordo com as regras e normas que regem essa preciosa ordem particular.

Como Tipos 1 descobriram que o melhor modo de evitar as cobranças de perfeição era criar as próprias lembranças (só que mais perfeitas, claro!) Quando os Tipos 1 sentiam que a sua ordem entrava em conflito com a ordem externa (a família, a sociedade, os outros em resumo) ou que as cobranças vindas de fora eram invasivas demais, eles decidiram mostrar que essa ordem particular, criada dentro do seu “território”, não podia ser criticada... Esse seria seu modo de lidar com a realidade... Pelo menos é o que pareceu mais correto fazer, certo? A criação de seu mundo foi iniciada desse modo... se toda ordem é cobrada, controlada e sujeita a regras e deveres a ser observados corretamente, o lógico é criar a própria ordem... Uma ordem que será observada e julgada de fora como uma “perfeita e ordenada vida”, com “tudo no lugar certo”, uma ordem que jamais se mostrará desordenada... uma ordem perfeita da qual você conhece as regras, as leis... Quem poderá cobrar perfeição e ordem a você, agora? Ninguém, nunca mais... Você será um constante e perseverante criador e mantenedor de sua ordem exclusiva... Quando tudo está em ordem, é necessário mantê-lo em ordem... A ordem deve

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ser preservada, não existe tempo para coisas desnecessárias... Constantemente se perguntará se está tudo perfeito... sofrerá com seus erros e pensará como não voltar a cometê-los. Então, nesse momento o seu maior “inimigo interno” virá à tona.

O surgimento da raiva e do ressentimento “O meu dia-a-dia é tenso, cheio de cobranças e exigências”, declara uma aluna Tipo 1, e acrescenta: “Para mim e para os outros. Acho que mais para mim, porque sinto que não faço as coisas do jeito que deveria ser. Me pego corrigindo ‘defeitos’ e ‘erros’ o tempo todo... sinto que tudo que faço não está suficientemente bom e poderia ser melhor... Quando bato os olhos nas coisas, o que sobressai são os erros. Eu acho estranho e não entendo como estas coisas me aborrecem tanto, mas não incomodam nada às outras pessoas. Este sentimento me frustra e me sinto insatisfeita, sempre buscando algo melhor, que nunca acontece...” Quando o “território” é criado física e psicologicamente, e a ordem pessoal está consolidada, Tipos 1 não podem evitar sentir que os limites que foram criados têm uma face negativa. Torna-se evidente que esta ordem e este “território” não podem ser deixados nem abandonados, porque eles sentem que, se isso acontecer, esse mundo corre o risco de desabar. Então, aparece a sensação de perigo. Quando os Tipos 1 sentem esta ameaça latente de destruição da ordem, a raiva se manifesta. No caso dos Tipos 1 com influência 9, essa raiva estará internalizada e no caso dos Tipos 1 com influência 2, a raiva poderá ser manifesta de maneira muito explícita em algumas ocasiões. O limite e a ameaça a esse limite se tornam evidentes como aquilo que não os deixa abandonarem sua máscara de perfeição em nenhum momento. Já não precisa ser controlado de fora, agora ele se transformou no seu próprio controlador. Um controlador ameaçador que diz: “Você criou estes limites, então vigie-os, você não pode abandonar essa ordem por nenhum motivo, é a sua responsabilidade!” Tudo o que ameace seus esquemas, as maneiras de realizar suas ações, os modos de realizar seus trabalhos, tudo o que

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contrarie seus planos, propostas, objetivos (ainda que tais ameaças sejam apenas modos diferentes e positivos de ver as coisas), será enfrentado com raiva. Essa raiva se manifestará como crítica, como severidade, como teimosia, como rigidez. “A Máscara 1 demonstra com muita nitidez a forma rígida, esquematizada de me relacionar com a vida. Quando me deparo com os percalços do caminho, tão naturais e possíveis, fico irado!”, reconhece um aluno. Tudo o que se oponha à ordem deverá ser destruído com argumentos irônicos, com demonstrações de suficiência que, logicamente, deverão ser as mais perfeitas possíveis, porque não é bom que as outras pessoas enxerguem a precariedade de suas “perfeições”. O ressentimento estará pronto para aparecer junto à raiva quando não se atinge o esperado. Veja, em seguida, como um dos nossos alunos descobre esta questão em si mesmo: “Me identifiquei com o Tipo 1 por meio das frases chaves ‘tenho que’ e ‘você deveria’... Por dentro estou sempre dizendo ‘Eu tenho que...’ e ‘Você deveria’. Isso gera uma raiva contra mim mesmo por não corresponder às exigências que me autoimponho e contra os outros por não agirem conforme o meu ‘código interno’. Essa raiva se tornou um complicador maior já que sinto que tentei desde pequeno ser perfeito...” O severo acusador interno o sagaz cobrador e vigilante dos limites, o astuto e impiedoso crítico interno, estará sempre presente e será sempre protegido pela Raiva. Essa raiva terá sempre justificativa. Então será fácil criticar ou menosprezar os outros, será fácil apontar os erros alheios, sim, você sabe como fazer isso de um modo... perfeito, porque você sabe como fazer isto com você! Por outro lado, a raiva e o ressentimento são cúmplices quando se julga os outros segundo os rígidos padrões internos. Vejamos isto no depoimento de um pai Número 1 que decide dar “uma lição” a uma de suas filhas: “Entrei no quarto de minhas filhas e encontrei muita desordem (brinquedos espalhados por todos os cantos do quarto)... Exacerbou-se a raiva que nutria há muito tempo em relação à filha mais nova pelo seu desleixo e descaso com os estudos. Fui tomado de grande ira. Juntei todos os seus ‘ídolos’ (brinquedos) e atirei-os ao lixo (não é admissível que alguém que já possua certa compreensão possa gastar seu tempo e

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seu amor com objetos inanimados). A meu ver, a dedicação e o carinho que minha filha menor dedicava àquelas ‘bugigangas’ eram altamente perniciosos, e eu não podia, em nenhuma hipótese, permitir que aquilo continuasse. Deveria ‘cortar’ essa tendência o mais breve possível, e este era o momento ideal, já que estava com raiva suficiente...” Pois é: Tipos 1 estão sempre preocupados com a “questão moral”, com o “modo certo” que tudo deve ser feito. Eles se tornam muito críticos em relação ao que hoje chama-se “politicamente correto.” Lembro que, numa passagem de Gurdjieff fala a seus alunos, um autêntico Tipo 1 perguntou ao Sr. Gurdjieff: “Não haverá um código absoluto de moralidade que deveria se impor de igual modo a todos os homens?” Ele respondeu: “Sim. Quando pudermos usar todas as forças que controlam os centros, poderemos então ser ‘morais’. Mas, por ora, enquanto usarmos uma só parte das nossas funções, não poderemos ser ‘morais’. Atuamos mecanicamente em tudo o que fazemos e as máquinas não podem ser morais.”

O movimento em direção à angústia Quando a procura da perfeição é considerada inútil porque não se consegue fazer com que a realidade seja o que você quer que ela seja, quando não se pode atingir o perfeito, quando os outros não compreendem sua ordem e a atrapalham ou a negam, quando os outros não consideram os seus esforços em direção ao “perfeito”, quando não se recebe a compensação esperada, a raiva determina um movimento para a angústia (Movimento a 4). A angústia do Tipo 1 o deixa sem forças no começo. Tudo parece sem sentido, porque o suposto “único sentido” foi atropelado. Sobre este assunto, uma aluna declara: “Se falho em alguma coisa, sofro e me culpo, ou tento encontrar as razões disso fora de mim...” Outra confirma o movimento a 4 com estas palavras: “... Poucas vezes meu mundo foi mexido (atenção para as palavras ‘meu mundo foi mexido’) e meus ideais abalados. Quando isso acontece... é uma tragédia: sofro,

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choro e penso no passado ou me fixo no futuro...”. O movimento a 4 se confirma definitivamente nestas últimas palavras (pensar no passado e fixar-se no futuro), que lembram uma das razões principais do sofrimento dos Tipos 4, como se verá na análise desta “máscara” no momento oportuno. A “saída” do Presente no qual existia essa ordem, esse “território” não abalado que agora sofre uma espécie de “ameaça” exterior, tira o Tipo 1 de seu plano de segurança, tira dele a certeza de que esse mundo foi melhor antes de acontecer tal ou qual coisa e voltará a ser melhor quando se volte a tê-lo firme, seguro e sem possibilidades de ser mexido ou abalado novamente... ou quando tudo mude novamente. A angústia e a tristeza são o resultado dessa sensação de perda da firmeza e solidez do “território”. Perde-se o sentido que se pretende obter com essa ordem tão “trabalhada”. Angústia e depressão estão ligadas por laços fortíssimos. São, como todos sabem, as causas básicas da “perda do sentido da própria vida”. A questão crucial aqui é que esta angústia atua como um stop, uma “parada no caminho”, do qual os Tipos 1 sabem sair na maior parte das vezes vitoriosos, graças às influências 9 e 2 que lhe acompanham. Porém, é uma angústia fortíssima provocada principalmente pelo fato de não poder tornar realidade essa “perfeita ordem” ou aquele “perfeito plano”, que parece ser o único possível de ser aplicado ou vivido, ou de não conseguir mantê-los. Certa aluna com forte influência 2 “aprendeu” a evitar essa angústia realizando algumas de suas “boas ações” fora do “território” e da ordem criada. De esta maneira evita angustiar-se porquanto não poderá testemunhar os resultados ingratos daquilo que considera uma de suas melhores virtudes: “ajudar os outros” (influência do Ponto 2 Eneagramático). Então ela diz: “Prefiro ajudar pessoas desconhecidas, porque assim não haverá a menor condição de receber uma ‘patada’, o que costuma acontecer comigo.” O fator que provocaria a angústia de não receber uma reação positiva das pessoas ajudadas é simplesmente eliminado para que não perturbe a ordem pessoal. A “boa ação” beneficiará desconhecidos, que nunca terão a oportunidade de se mostrar ingratos, simplesmente porque nunca mais serão vistos. Mais adiante veremos como esta atitude de agir “fora do território” não é tomada somente quando se trata de “boas ações”.

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Rigidez interna/externa O guardião da ordem interna sabe cercar os Tipos 1. Um dos resultados dessa mistura “raiva/ressentimento/insegurança” será naturalmente a Rigidez. Alguns dos nossos alunos se referem a esta rigidez dizendo que são incapazes de Relaxar. “Vi que o Tipo 1 sofre muito porque não consegue relaxar...” escreveu uma aluna. Coincidentemente uma outra mulher Tipo 1 afirma ser este seu problema principal: “A personalidade Tipo 1 não relaxa nunca... Eu tenho tentado sair desta forma cristalizada e rígida, que tanto já me fez sofrer...” Outra afirmou que “... em vez de ir deixando o fluxo natural da vida acontecer, quero dar uma direção própria que acredito ser a verdadeira. O contato com a realidade fica então rígido... manter toda essa estrutura rígida dá um desgaste danado de energia...” Não somente a rigidez psicológica provocada pela constante autocrítica surgida da raiva. Essa rigidez será somatizada: o corpo rígido... a sensação de estar sendo observado por severos críticos a cada momento não deixa os Tipos 1 à vontade com seus corpos e com as sensações naturais associadas à existência sensível. Através da minha experiência nos treinamentos e workshops de Eneagrama, tenho descoberto o quanto é difícil para um Tipo 1 o ato de abraçar, dançar ou “soltar-se” fisicamente durante dinâmicas de grupo e das práticas ao ar livre... Os limites da ordem autoimposta tornam rígido o Centro Físico. Um aluno reflete: “Ao receber cumprimentos, abraços e elogios, sinto que fico sem jeito...” Raiva e Rigidez são grandes meios de perda de energia que os Tipos 1 deverão superar mediante o autocontrole positivo e não por meio da repressão. Leia mais a respeito no Capítulo 5 do meu livro Iniciação e Autoconhecimento.

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A face oculta aparece (logicamente, você tinha que dar um jeito para sair dos limites autoimpostos da maneira mais perfeita possível, certo?) Temos até o momento uma visão (sabemos que ainda não é muito perfeita) de certos fatores nucleares que se ligam entre si e que vão definindo com mais precisão a Máscara 1: A criação da própria ordem e do próprio “território” cujos limites protegem o mundo quase perfeito que se pretende manter em constante aperfeiçoamento (expressão disfarçada da insegurança adquirida) provocam o surgimento dos estados de “raiva/ressentimento/rigidez”, como consequência da percepção de que essa “perfeição” deve ser mantida “porque deve ser mantida” e do fato de que não pode ser abandonada sob o risco de ficar sem “chão”. Então, como escapar dessa prisão? Quantas necessidades começam a ser abafadas nela? Como sair dessas regras e normas sem que ninguém perceba? Como escapar das próprias limitações sem que outros saibam que você não é tão perfeito (a) assim? Como deixar de cobrar dos outros sem raiva, sem ressentimento e sem angústia? Como permitir-se determinadas vivências “proibidas”, “fora da ordem”? É comum constatar nos nossos workshops o fato de que muitos Tipos 1 têm que comportar-se em relação a certas questões como se fossem os protagonistas desses famosos romances que mostram seres humanos de dupla personalidade. Você sabe: Belle de Jour, De Bar em Bar, Dr. Jekill e Mr. Hyde. Sim, sabemos que não é bem assim com todos eles, porém o que não pode ser aceito como parte da “ordem e do território” será vivido disfarçadamente, será vivido por um outro “eu”, que terá certas licenças, certas vantagens que Tipos 1 acham inconfessáveis. De fato, algumas são o claro exemplo da pesada carga de repressão que algumas dessas licenças carregam. Certa senhora, que participou de um dos nossos workshops, confessou o seguinte: “Fui com um grupo fazer um trabalho terapêutico por uma semana. Fiquei muito excitada com os preparativos, principalmente porque o grupo era novo e ninguém se conhecia. Lembro-me perfeitamente da felicidade e da sensação de liberdade que tive logo que o avião levantou

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voo. Eu tinha ido me conhecer mais um pouco e poderia ser qualquer pessoa, poderia ser eu mesma enfim, pois ninguém faria comparações com situações passadas... me sentia mais leve, bem curiosa e com a crítica interna mais relaxada... Adoro conhecer pessoas que vivam de forma bem diferente da minha. Pesquiso como conseguem sobreviver de forma tão fora dos meus padrões...” Outra revelou algo que achava inconfessável: “Depois de meu divórcio, não tive relacionamentos com outros homens. Sentia, sim, falta... Porém, minha insegurança não me deixava procurar um novo parceiro. Admirava uma de minhas amigas que era capaz de tomar a iniciativa com os homens... Então, quando ela me acompanhava, eu me sentia com vontade de querer ser como ela... era uma espécie de representação, uma espécie de faz-de-conta.” Esta é uma situação típica. Muitos Tipos 1 se “arriscam” a viver certas experiências em lugares onde ninguém os conheça ou de uma forma tão secreta que ninguém possa inteirar-se. Às vezes é aquele impecável doutor, muito sério e comportado, que curtirá um tórrido romance bem longe de sua cidade; outras, é aquela dedicada executiva respeitável que quando viaja a outros países gosta de sair de noite e imaginar que é uma mulher “liberada”. Vejamos o depoimento de uma outra aluna: “Durante três anos tive uma vida dupla: vivi com um homem mais velho, descasado, aposentado, sem que minha família tivesse conhecimento do fato. Ao apresentá-lo à minha família, sofri pressões: ‘é um caça-dotes’... ‘não é um homem para você’... ‘como pode deixar este homem tocar em você’. O meu senso perfeccionista dizia que eles tinham razão, entretanto eu o amava. Continuei o relacionamento aparentemente às escondidas...ficamos nos vendo apenas em feriados, férias e ausências forçadas... Estávamos felizes porque tínhamos encontrado um ponto onde podíamos ser cúmplices..” A “duplicidade” de alguns Tipos 1 os leva a viver a “repressão” como uma espécie de cerca que às vezes precisam pular. Quando se negam estes movimentos contra seta ao Ponto 7 do Eneagrama, amores são perdidos, desejos sexuais são reprimidos, anseios são abafados. As regras e normas autoimpostas não podem ser negadas. Existe o compromisso e a responsabilidade de manifestar-se de acordo com o padrão escolhido. Então, o único caminho

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é viver outros papéis, alguns dos quais “secretos” e/ou “inconfessáveis” e “proibidos” (segundo eles), que poderão ser abandonados quando se retorne ao modelo de vida adequado e se viva dentro da ordem pessoal. Não se percebe que, talvez, exista um “termo médio” no qual apenas seja necessário ser menos rígido consigo mesmo, tornando-se flexível e procurando aceitar as próprias necessidades não como fraquezas e sim como naturais e humanas. O que leva a esta espécie de dicotomia nas experiências relativas ao mundo externo tem sua origem em uma outra existente no mundo interno dos Tipos 1.

A divisão interna Do mesmo modo que se produz a necessidade de experienciar “outras vivências” às escondidas, os Tipos 1 passam a viver contradições nos seus mundos internos. Certa vez uma de nossas alunas escreveu o seguinte: “Qualquer falha, para mim, tomava grandes proporções, sendo difícil de ser perdoada, tanto as minhas falhas como as dos outros, conduzindo à intolerância e à autopunição. Esse comportamento, que indicava uma menina comportada e eficiente, cordata, na realidade encobria agressividade e espírito de competição. Mas eu não podia brigar nem mostrar raiva...” A divisão interna leva a exagerar a realidade e suas manifestações. Esta atitude leva à autopunição e ao sentimento de culpa por ter “um lado tão ruim e imperfeito”. Assim, o mundo interno é dividido em duas partes: o lado bom e o lado ruim. Muitas vezes ambos os lados são regidos pela mesma tendência perfeccionista. Cada papel deve ser sempre bem “interpretado”. Sobre esta questão um jovem aluno revelou o seguinte: “Minha raiva se tornou um complicador a mais na minha vida, pois sinto que tentei desde pequeno ser perfeito em dois mundos opostos: o da sociedade estabelecida e o mundo marginal. Por exemplo: ser um bom aluno na escola e um hippie total fazendo experiências com drogas... Essa divisão me levou ao processo de narcotização, como uma tentativa de fugir da realidade...”

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O perfeito e o imperfeito são de tal maneira separados que Tipos 1 não conseguem conciliá-los nem dentro nem fora de si mesmos, o que lhes provoca grandes lutas internas. Como resultado destas lutas, o terrível juiz interno se torna mais implacável, não apenas em relação a eles mesmos, como também, lamentavelmente, com os outros. Um de nossos alunos descreve com muita precisão (só podia ser Tipo 1!) esta luta interna: “Minha ira se dá no sentido de estar sempre criticando negativamente e desqualificando qualquer um que ameace o meu status quo, apesar de externamente poder estar elogiando quem tomou tal atitude. Então eu penso: ‘Esta pessoa está falando a verdade mas daqui a pouco eu vou achar nela um defeito maior do que o meu para desmoralizá-la perante mim e os outros, o que a fará entender que ela não deveria ter me criticado e isso a fará pedir desculpas ou a ressaltar em mim um lado positivo que para mim e para os demais terá o mesmo efeito...’” Os extremos aparecem cada vez mais definidos, distantes e aparentemente irreconciliáveis. O bem e o mal, o bem-feito e o malfeito, o certo e o errado, o justo e o injusto, sem meios-termos, sem nuances. A raiva se apodera com maior autoridade. Se expressa nas frases com as quais os Tipos 1 disfarçam suas rejeições. Se a vida está tão polarizada é preciso manipulá-la adequadamente. Assim surgem os argumentos para conseguir que os outros reconheçam a “visão da perfeição” que o 1 sente possuir. Surgem as frases típicas, como “Você deveria...”, por meio das quais muitas vezes a raiva sentida (que porém não pode ser mostrada) é disfarçada. O discurso se torna irônico, a capacidade de manipular as pessoas “aperfeiçoa-se”. A “dualidade” é ocultada atrás da “seriedade”, do “bom comportamento” e “da moralidade”. Números 1 se autodefinem como “pessoas sérias” e “bem-comportadas”. Desta forma, como poderia você suspeitar que esta pessoa séria às vezes “pula a cerca” ou esteja pensando em como “dar o troco” pelo que você fez a ela? Lembro-me de certa telenovela onde aparecia um personagem cheio de regras e normas na sua casa, autoritário com sua esposa e filhos, extremamente preocupado com a ordem e com sua imagem de gentleman. Fora de casa, em segredo, aceitava como amante uma mulher de baixo nível que o tinha sob total controle e da

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qual aceitava tudo o que na sua vida familiar era intolerável. Quando esse outro lado é descoberto... tudo acaba para ele...(Não deixe isso acontecer com você, no caso de se parecer com este personagem!) É hora de mudar! Analise o conceito de Conciliação no capítulo correspondente ao Tipo 9 e determine-se a construir uma ponte entre seus aparentemente irreconciliáveis extremos.

Iniciando o processo de mudanças positivas Uma aluna Tipo 1 escreveu: “Fiquei chocada quando descobri que ser perfeccionista podia ser um terrível defeito e não uma virtude... Desde então, passei a observar a minha máscara e constatar que isto muito atrapalhou e ainda atrapalha minha vida em todos os sentidos.” Tudo bem. Sei que pode estar sendo difícil esta observação da máscara. Nunca é agradável observá-la, porém é necessário. Lembre-se de que o propósito desta análise geral era “pisar nos seus calos”. Espero que tenhamos atingido nosso objetivo. Sim, eu sei que você não precisa que outros mostrem seus problemas. Tipos 1 sabem que podem fazer isso de um modo “mais perfeito” e sem ajuda. Porém, nosso propósito é provocar a descoberta de si mesmo. Desta maneira você poderá descobrir-se (literalmente quando você tira a máscara você se descobre). Só assim poderá perceber que esta máscara, na realidade, o está limitando, porque você limitou a realidade a um espaço tão reduzido que corre o risco de não poder conhecer outros aspectos dessa Única Realidade de milhares de faces e nuances e de milhares de paradoxos. A “raiva/rigidez/ressentimento” se encarregará de dar poder a essa visão limitada. O mundo dos Tipos 1 é tão reduzido e compartimentado que termina deixando muitas coisas importantes de fora. Você pode ampliar esse mundo. Nessa ordem autoimposta em que nada parece ter alternativas ou nuances, falta a compreensão de uma velha e sábia Lei Hermética que você poderá lembrar cada vez que seus caminhos, meios e esquemas de vida pareçam ser os Únicos Possíveis. Essa Lei diz:

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“Todas as verdades são semiverdades; todos os paradoxos são reconciliáveis.” Uma de nossas alunas definiu esta procura de uma visão mais ampla, serena, tolerante e abrangente da realidade como um de seus principais esforços na busca da conciliação interior: “O Tipo 1 deve cultivar a tolerância, a esperança... não colocar todas as coisas dentro de um formato. Deixar as coisas e as pessoas serem como são, sem querer mudar nada e ninguém. Tentar ver o outro lado da questão – em todas as questões – e ter a certeza que ‘o frio pode ser quente’ num outro nível...”

Os principais movimentos a serem observados: de 1 a 4 e de 1 a 7 – (ver figura na página 334) O Movimento do mundo interno dos Tipos 1 no Eneagrama é o resultado da divisão 1  :  7  =  0,1428571... Observe que nesta dízima periódica, os números 1 e 4 estão juntos, assim como os números 7 e 1. Vamos analisar o primeiro movimento. De 1 a 4... Raiva e Inveja são vícios intimamente ligados entre si. A raiva do Tipo 1 é gerada pelo fato de ele não atingir a perfeição procurada. O Tipo 1 intui essa perfeição e deseja alcançá-la. A inveja não significa aqui apenas o anseio de possuir o que outro possui porque o consideramos valioso. Devemos analisar a inveja de uma forma mais profunda, como um anseio de atingir o que se considera “aparentemente melhor” e que ainda não temos, apesar de sentir que o merecemos e pela certeza que temos de que o desejado é realmente o melhor, o mais perfeito e mais adequado para fazer parte da nossa ordem particular. Quando não o conseguimos, surge a Raiva. O trabalho de auto-observação de si permite ao Tipo 1 descobrir que a razão de sua raiva está oculta por trás da sua busca de uma falsa “perfeição”, um falso ideal que não lhe permite relaxar. Isto leva o Tipo 1 a vivenciar os resultados de seu movimento ao Ponto 4 do Eneagrama. A perfeição não foi conseguida e a raiva se mistura à tristeza e à angústia de não possuir o que se quer, de não se viver de acordo com o

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ideal de perfeição fixado, a uma espécie de desapontamento de não se conseguir o que se quer obsessivamente e, portanto, a uma sensação de infelicidade. Com respeito ao que se chama “movimento contra seta a 7”, existe nele algo da maior importância para Tipos 1. Iniciamos este capítulo pedindo para você realizar este trabalho de auto-observação com alegria e o terminamos do mesmo modo. O Tipo 7 do Eneagrama (quando equilibrado) é considerado possuidor de uma personalidade livre, espontânea, que gosta de aventura, que sabe rir da vida e que está disposto a mudar. Esses são seus aspectos positivos. Quando o Tipo 1 se move contra a seta negativamente (1 a 7), ele não somente pode viver situações “proibidas” como já vimos anteriormente. Também se comporta de maneira irônica com os outros, ou seja, ele manifesta um dos piores aspectos do Tipo 7. A ironia é um modo sorrateiro de criticar e “rir dos coitados” que “não fazem as coisas do modo certo”. É uma burlesca atitude que esconde a raiva que não se pode ou não se quer explicitar. Para o Tipo 1 a ironia funciona, então, como uma arma sutil, como um modo disfarçado de mostrar aos demais que só ele conhece o modo perfeito, o plano perfeito, o jeito adequado. Quando você “vai” negativamente de 1 a 7 no Eneagrama, você sabe como tornar-se extremamente chato para os outros, exatamente igual ao Tipo 7 quando deseja “sacanear” seus semelhantes com suas sutis brincadeiras. Você fará bem em ler as características do Tipo 7 no momento oportuno. Porém “tudo tem seu par de opostos”, embora você às vezes negue esse fato. Por esta razão, você “deveria” (gostou da palavra ?) aprender do 7 o modo de ser menos limitado, mais solto, menos rígido, mais aberto ao novo e diferente, mais espontâneo e mais livre... Aprenda com o Tipo 7 a mudar de planos e de astral... Seja mais brincalhão... Se solta, poxa! Certo aluno Tipo 1 fez a seguinte avaliação de si mesmo, quando percebeu que estava se livrando de sua rigidez: “Se fosse falar da minha mudança desde que iniciei meus treinamentos de Eneagrama com Khristian, diria que foi total, mas com os conhecimentos ‘já retidos’ sei que foi apenas uma tremenda suavizada, com ganhos

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enormes para o ‘bem viver’. Com maior aceitação e consideração externa, harmonia (percepção de fazer parte do Todo), fraternidade, etc.” Esperamos que você também consiga essa “tremenda suavizada, com ganhos enormes para o ‘bem viver’.”

9 e 2: uma influência positiva ou negativa Seus companheiros no Eneagrama são os Tipos 9 e 2. Estes influenciam você de diversos modos. Será importante analisar as características destes Tipos para você aperfeiçoar a observação de si mesmo e do seu Traço Principal. Do Tipo 2, o 1 possui o orgulho de sentir-se capaz de fazer as coisas corretas e certas e que os demais saibam isso e o reconheçam o deixa feliz e satisfeito. Do 9, uma certa tendência à inércia, que muitos deles qualificam como “necessidade de sentirem-se seguros e tranquilos” ou de ter maior capacidade para aceitar as “imperfeições alheias” e de ser mais tolerantes. A maior ou menor influência destes companheiros provoca essas nuances psicológicas, essas diferenças que possibilitam a manifestação de três Subtipos 1 básicos. Para certos Tipos 1, o fato de sentir-se seguros os leva a resistir às mudanças ou novas experiências. Aqui, os aspectos “tranquilidade” e “segurança” se relacionam com a tendência dos Tipos 9 de rejeitar, evitar e fugir de tudo quanto implique “esforços desnecessários” que tirem sua “paz” ou que provoquem “aborrecimentos inúteis”. Já a influência das características do Tipo 2 provoca certas manifestações que fazem de alguns Tipos 1 atraentes, sedutores e com capacidade de liderança proveniente da certeza de que somente eles podem dar a solução certa para determinados problemas. Diferentes dos Tipos 8, eles não querem liderar para demonstrar poder, mas apenas porque se sentem capazes de “estabelecer a ordem correta”, porque sua participação se faz necessária, porque eles sabem “botar ordem na casa”. Tais características os tornam mais manipuladores e assertivos que os Tipos 1 com maior influência 9.

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Desta forma, convencer aos outros da “perfeição” se torna mais fácil, dando um “toque” mais suave à figura do Tipo 1 raivoso e intolerante. Isso não significa que a raiva desaparece, apenas se dissimula um pouco mais, caracterizando esse processo psicológico que outros estudiosos do Eneagrama denominam de “internalização da raiva”. Para os Tipos 1 com forte influência do Ponto 2 Eneagramático, essa internalização da raiva poderá ser mais ou menos bem-sucedida, segundo sua capacidade pessoal de retenção e/ou repressão da mesma. Segundo alguns dos mais conhecidos estudiosos do Eneagrama (Naranjo/Riso), a questão da “retenção” e/ou internalização da raiva está muito relacionada com os processos que determinam os chamados tipos “anais” e/ou “anais retentivos” da psicanálise freudiana. Menciono este fato para o caso de alguns psicanalistas virem a ler esta obra. Estas são apenas algumas pistas para você aprimorar a observação de si mesmo. Sua tarefa é descobrir como estas influências são vividas pessoalmente, tanto positiva como negativamente.

O Tipo 1 e o tipo de pensamento extrovertido de Jung Parece interessante a esta altura citar o livro Psychological Types, de Carl Jung, para que você possa refletir sobre a descrição junguiana do tipo mais coincidente com a Máscara 1, o Tipo de pensamento extrovertido: “Este tipo de homem eleva a realidade objetiva, ou uma fórmula intelectual objetivamente orientada, ao (nível de) princípio governante não somente para si mesmo, mas também para todo o seu ambiente. Por meio desta fórmula mede-se o bem e o mal, e se determina a beleza e a feiúra. Tudo o que concordar com esta fórmula é correto, tudo o que a contrarie é incorreto. (...) Assim como o tipo de pensamento extrovertido se subordina à sua fórmula, para seu próprio bem, todos os que o cercam devem obedecê-la, pois qualquer um que se negar a obedecê-la está equivocado – está se opondo à lei universal, portanto, é irracional, imoral e sem consciência. Seu código moral lhe proíbe tolerar

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exceções; seu ideal deve realizar-se em toda circunstância (...) Os ‘deveria’ e os ‘tenho que’ cobram importância neste programa. Se a fórmula for suficientemente ampla, este tipo pode ter um papel muito útil na vida social (...) Porém, quanto mais rígida for a fórmula, mais (...) gostaria de introduzir a si mesmo e aos outros num (mesmo) molde. Temos aqui os dois extremos nos quais a maioria deste tipo se move...” Então, como é que Tipos 1 podem iniciar um processo de crescimento interior que os eleve acima de seus rígidos padrões de conduta até um nível de maior “plasticidade” psicológica? Vejamos.

O poder essencial por trás da máscara número 1 surge do cultivo da virtude da serenidade (ou do ser na unidade) Na versão para o Ocidente que Blavatsky fez do milenar Livro dos Preceitos de Ouro tibetano, sob o título de A Voz do Silêncio (traduzido para o português primorosamente pelo poeta Fernando Pessoa), lemos o que pode ser a “chave-mestra” que conduzirá os Tipos 1 até esse nível de maior “plasticidade” e ao conhecimento profundo de si mesmos: “Sê como o Oceano, que recebe todos os rios e torrentes. A poderosa serenidade do mar permanece inalterável, sem senti-los...” Sim, será necessário cultivar a Serenidade... A Serenidade poderia ser compreendida como “ser na unidade”. Qual Unidade? Aquela Unidade que foi a Primeira Manifestação do Todo. Uma Unidade que Une Todas as Coisas, porque Todas as coisas tiveram nela sua origem: “No Princípio era o Verbo... por Ele foram feitas Todas as Coisas.” Tipos 1 “sentem” instintivamente essa Unidade original, e sentem que quanto mais Ela se expresse mais perfeito será tudo. Quanto menos manifestação da Unidade, menos perfeição. O erro, ou melhor, o “desvio” (uso a palavra desvio no seu significado radical, ou seja, sair caminho) psicológico principal é não enxergar as múltiplas manifestações possíveis dessa “intuída”

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Unidade arquetípica que subjaz potencialmente por trás de todas as coisas e que é dinâmica em sua essência. Nada é perfeito quando sujeito à manifestação existencial, porém nada é absolutamente imperfeito e tudo pode ser aperfeiçoado. O modelo pode ser perfeito porém suas expressões podem não ser perfeitas. Quanto mais “semelhante” ao modelo, mais perfeita a obra. Somente não se pode esquecer que, talvez, esse modelo seja também passível de perfeição e, paradoxalmente, imperfeito no seu nível. Quando não se consegue “descobrir” esta perfeição eidética e dinâmica subjacente em todas as coisas, quando não se pode sentir o potencial de aperfeiçoamento e não se pode imaginar de quantas maneiras esse potencial pode vir a se manifestar, o Tipo 1 manifesta sua Raiva/Ressentimento/Rigidez. O imperfeito é rejeitado. Acusa-se de “imperfeito” àquilo que oculta essa Unidade/Perfeição que instintivamente se deseja atingir. Não se percebe o perfectível do imperfeito, nem se consegue perceber sua relativa perfeição em certo nível. Por isso, a raiva/ressentimento/rigidez se transforma em “ideia fixa” de como fazer o certo, de que é o certo e em inconformismo. Desta maneira, Tipos 1 se defendem contra tudo o que ameaça suas “perfeições definitivas e absolutas”. Este estado interno o castiga com a rigidez e a cristalização psicológicas. Não percebe que essa cristalização interna aprisiona suas extraordinárias energias. Tipos 1 declaram, com falsa certeza, que só existe um caminho certo e nenhum mais, e quando não conseguem impor este “único caminho certo”, quando não conseguem realizá-lo, interna ou externamente, a raiva, às vezes impedida de se manifestar, se disfarça numa espécie de raiva justa, ou como a descreve Claudio Naranjo numa “virtude irada”, rótulo que segundo ele “tem a vantagem de incluir tanto o aspecto emocional (raiva) quanto o cognitivo (perfeccionista)”, ou seja, uma raiva racionalizada, por não ter conseguido realizar da única maneira que se acredita possível o supostamente “perfeito”. Quando esta visão unilateral da realidade se consolida, poderá provocar o surgimento, em alguns deles, da compulsão e obsessão que podem levá-los a consequências psicopatológicas mais sérias.

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O que poderia ser a virtude de pressentir a Unidade por trás da diversidade aparente, vira o vício de achar que só existe uma única possibilidade de perfeição para cada manifestação daquele 1 primordial. O Perfeito não será enxergado como um processo dinâmico em constante movimento e capaz de superar o que num determinado instante parecia ser sua máxima expressão. O Tipo 1 transforma o Perfeito num estado rígido, cristalizado, terminal, que não pode ser diferente daquilo que ele determinou como perfeito, daquilo que ele prejulga como certo. Então, nesse estado de fixação e obsessão interna, nessa incapacidade de perceber a ilimitada Unidade e a dinâmica dessa perfeição-que-semprese-aperfeiçoa, o Tipo 1 não pode ver além de seu limitado “território”. Tudo o que seja perfeito terá que estar sujeito às suas medidas, às suas normas, às suas percepções do “certo” e do “errado”. A ameaça permanente de ver o “território” alterado pelo “imperfeito” que vem de fora é exorcizada com a diária conservação de tudo o que pode consolidar a segurança e ordem do “seu” território. Pode existir Serenidade no Tipo 1 que vive nesse mundo de falsas perfeições e de parciais visões da Unidade? Pode estar em Unidade com o Ser que está presente em Todas as Coisas? Logicamente, não. E por isso ele se torna seu próprio grande acusador, que reprime, que julga, que ironiza, que manipula, que limita a si mesmo e aos outros. Parece que deste modo sua visão parcial da realidade, a minimização da Unidade à sua aparentemente única maneira de enxergá-la presente nas coisas, pode permanecer segura e inabalável, porque foi “cercada”. Quando o Tipo 1 se dá conta de que essa Unidade da qual sua máscara é um fraco e limitado reflexo está presente Em Todas as Coisas e não somente em algumas, quando percebe que essa Unidade pode assumir muitos rostos, quando o Perfeito se compreende como uma dinâmica sem os limites de seu “território”, quando o Perfeito pode ser enxergado nos outros modos de expressão da realidade, em outros modos e maneiras de ver, fazer, sentir e viver, então a Serenidade, o “Ser na Unidade” surge e começa a substituir a Raiva da sua rígida máscara. O mundo se amplia, as possibilidades se multiplicam. Agora, tudo se torna possível. Tudo se torna dinâmico, cheio de nuances e possibilidades insuspeitáveis, para as

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quais o Tipo 1 está aberto, com a serena atitude do observador imparcial que não precisa julgar, que não precisa rejeitar ou acusar. Pouco a pouco, o Tipo 1 pode ser capaz de descobrir o Único Perfeito em todas as múltiplas questões que se apresentam ante ele na existência. Torna-se aberto, porque a serenidade o transforma num ser receptivo. O conflito entre as polaridades que pareciam irreconciliáveis diminui, porque a serenidade produz o equilíbrio (7), a equanimidade (4) e a humildade (2) necessários para a grande reconciliação dos opostos. Esta reconciliação é própria daqueles seres humanos que aperfeiçoam a si mesmos por meio de um equilibrado discernimento. Alexandra David-Néel, no seu livro Initiations Lamaïques (Des Theories, des pratiques, des homens), publicado em português com o título de Iniciações Tibetanas, diz sobre as chamadas doutrinas da Senda Mística: “... a moralidade (do homem esclarecido) consiste na escolha sagaz que (ele) é capaz de fazer entre o que é bom e o que não é, segundo as circunstâncias. As doutrinas da Senda Mística não admitem o Bem nem o Mal em si mesmos. O grau de utilidade de um ato marca seu lugar na escala de valores morais...” O Juiz unilateral, injusto e intransigente, se transforma no Juiz de visão ampla, sábio e justo que vê além das aparências e que conhece o justo meio de todas as coisas, quando sabe discernir entre os opostos e aprende a reconciliá-los. Esta reconciliação interior é fundamental para a harmonia interna dos Tipos 1. A Serenidade permite aos Tipos 1 ampliar suas possibilidades de perfeição real. Torna-os capazes de descobrir o “perfeito” nos planos e esquemas alheios, nos modos com que as pessoas procuram fazer as coisas de maneira certa. A sensação de estar divididos internamente acaba. A raiva que não era expressa pode agora manifestar-se adequadamente, porque se descobre que era apenas uma energia mal direcionada e que somente parecia mais terrível, porque assim como as águas estagnadas que não podem seguir o seu curso, fedem e não servem, assim essa raiva era apenas a energia a ser transmutada no rio poderoso da serenidade interior. A serenidade transforma o crítico interno num Buda sorridente. A serenidade mostra que já não é necessário viver “no mundo certo” e no “mundo errado” e que, pelo contrário, tudo pode ser vivido além

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dos subjetivos limites do “bem” e do “mal”, do “certo” e do “errado”. A serenidade conduz à vivência plena da existência, sem que pareça ser necessário agir deste ou daquele modo, ou segundo este ou aquele esquema. Um viver sem tensão, sem rigidez, sem emoções ou sentimentos retidos. A serenidade é o resultado daquele estado psicológico que G. I. Gurdjieff chamou de “moral interna” em oposição à moral subjetiva que muda de acordo com as épocas e os costumes. Um estado no qual “o lobo e o cordeiro” que carregamos conosco se reconciliam. Sobre isso, ele dizia o seguinte: “Seria melhor que você esquecesse a moralidade. Toda conversa sobre a moralidade seria, neste momento, pura conversa fiada (...) A moralidade interior, essa sim é a sua meta... Quanto à moralidade exterior, é diferente em toda parte. Devemos pautar nossa conduta pela dos outros, e como se diz: ‘Para viver com os lobos, devemos uivar com os lobos’. Isso é a moralidade exterior. Para a moralidade interior, o homem deve ser capaz de fazer, e, para isso, deve ter um Eu (...)” Para encerrar esta parte, penso que será valioso refletir nas palavras de Laura, uma de nossas alunas Tipo 1 sobre seus esforços em direção à Serenidade: “Acho que o movimento inicial que tive, na busca da serenidade, originou-se no desejo de ‘não ser perfeita como minha mãe’. Talvez porque aquilo não era perfeição, mais parecia intolerância, rigidez, angústia de viver. Não tem sido fácil, pois fui bem ‘treinada’, e qualquer desvio daquele caminho leva à sensação de fracasso ou culpa. Eu era uma equilibrista andando no arame, onde qualquer instabilidade poderia provocar a queda. Era preciso muito controle para chegar ao fim da linha. E quando isso era possível, a sensação de vitória era menor que a tensão durante o percurso. Por outro lado, gradativamente, fui percebendo que a minha constante decepção devido às falhas dos outros e a irritação

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quando meus desejos eram contrariados, colocavam-me numa posição de distanciamento das pessoas, pois eu exigia o que não poderiam me dar, ao mesmo tempo em que me afastava de mim mesma, enquanto representava um personagem que me fora imposto. A partir dessa compreensão, venho exercitando um novo tipo de vida, em que procuro ser mais flexível e espontânea e tento colocar emoção nos relacionamentos, sem medo de encarar meus limites e possibilidades, querendo chegar mais perto da verdade. Essa forma, que venho buscando cada vez mais, baseia-se na aceitação das Leis Herméticas e no caminho do autoconhecimento mediante a chamada auto-observação. A compreensão de que é possível a transformação contínua, ao mesmo tempo em que, humildemente, aprendo que o ‘que deve ser feito já está feito’, me permite mais serenidade na busca da perfeição, presente no meu ‘Eu Superior’, e menos ‘perfeccionismo’, que é a máscara que me prende e inibe a evolução.”

Parte II

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Centro Emocional Tipos 2, 3 e 4

O Tipo 2 O eu que ama

“Há duas espécies de amor. Uma é o amor escravo. O outro deve ser adquirido pelo trabalho sobre si. O primeiro não tem valor algum; só o segundo, o amor que é fruto de um trabalho interno, tem valor. É o amor de que todas as religiões falam. Se você amar, quando isso (a personalidade,o ego) ama, esse amor não depende de você e não haverá nenhum mérito nisso. É o que chamamos ‘amor de escravo’. Você ama até mesmo quando não deveria amar. As circunstâncias fazem-no amar mecanicamente...” George Ivanovich Gurdjieff

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Será que existem seres mais amorosos e dadivosos que os Tipos 2? Quando no inicio do meu trabalho com Eneagrama no Brasil fui convidado como entrevistado do programa de TV Talk Show, tive a oportunidade de conhecer uma das mais cativantes Tipo 2 deste pais: Patrícia de Sabrit. Ela, com sua natural amorosidade e simpatia, conseguiu conduzir a entrevista sobre o Eneagrama de maneira muito afável e fluida, o que permitiu transformar um tema difícil de “abreviar” numa agradável conversa. Essa sua atitude constante me lembrou a definição que Julia, uma distinta aluna Tipo 2 fez de si mesma quando disse ser possuidora da capacidade de “amaciar as pessoas”. Pode ser que os Tipos 2 “amaciantes” (também existem os menos amaciantes), identifiquem nesta palavra o que faz parte tão importante de suas personalidades: o orgulho de serem capazes de conseguir de um modo ou de outro, bem ou mal, o maior dos retornos emocionais que eles e elas procuram: o amor e o reconhecimento dos outros. Aqui no Brasil, as figuras públicas que também possuem este Tipo Eneagramático (com algumas diferenças de “asas”, claro!) são as maravilhosas Ana Maria Braga e Xuxa. Que mulheres amorosas! Que capacidade de sedução! Ana Maria Braga consegue transmitir essa amorosidade cada vez que entrevista seus convidados no seu programa da Globo e eu tive o privilegio de ser um deles (veja o link no nosso site com a entrevista completa no You Tube). Claudio Naranjo escreve que Tipos 2 são semelhantes aos gatos, e ela é realmente uma gata amorosa e comunicativa. E quem duvida do enorme e amoroso coração da “rainha dos baixinhos”? Ela, que ama a todos, e que se emo­ciona até as lágrimas perante seus fãs. Ela que faz tantas coisas para encher os outros de amor e alegria. Que na falta de possibilidades de dar-se mais aos outros, revelou numa entrevista que aproveita o tempo livre para colecionar com carinho as centenas de lembranças dos milhões de seguidores que a amam tanto!. Poderíamos dizer que Xuxa e Ana Maria Braga são na atualidade dois dos maiores “amaciantes” públicos da TV Globo no Brasil e devemos reconhecer que, de certo modo, precisamos muito dessa qualidade nestes dias tão violentos.

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Bom, estou iniciando a análise do Tipo 2 citando exemplos simpáticos que todos reconhecem. O quê? Sim, eu sei que você merecia estar citado (a) aqui, mas assim como um Tipo 1 não precisa se levar tão a sério, você, Tipo 2, não precisa exagerar sua cobrança da atenção dos outros, especialmente de mim que não o (a) conheço, poxa! Não fique triste nem zangado (a), tá? Os Tipos 2 com forte movimento para o agressivo Ponto 8 e com uma boa influência do Ponto 1 do Eneagrama até que poderão justificar essa raiva. Você é do tipo que quando está zangado “encena” uma violência histriônica que lembra os “expressivos” italianos com suas justas vendetas? Ou você é daqueles Tipos 2 mais amorosos e dispostos a “aceitar tudo por amor” devido a um forte movimento ao Ponto 4? Qualquer que seja o modo como esta segunda máscara se apresente em você, tentarei mostrar-lhe (com muito amor, claro!) como seu Tipo deve ser observado e o que nele deve ser aprimorado para que todo esse amor e anseio de se dar aos outros sejam cada vez mais verdadeiros e poderosos, sem que você se esqueça de você... A propósito, estas últimas palavras não foram escritas por acaso (até porque você sabe que o acaso não existe...). Eu as escolhi para me referir a um dos aspectos mais cruciais que todo Tipo 2 precisa compreender: entregar-se aos outros não deve significar perder-se de si mesmo (a).

Observando a máscara 2: a sutileza do orgulho Observar a si mesmo é difícil. Já para os Tipos 2, é difícil atingir um grau de auto-observação medido e equilibrado. A tendência é confundir observação com uma espécie de falsa humildade, maximizando a autocrítica como um modo de provocar a compaixão ou admiração dos outros. Nesta atitude, os Tipos 2 reforçam a influência dos Tipos 1 (autocrítica e cobrança exagerada) e do movimento contrário à seta, ou seja, ao Ponto 4 do Eneagrama (uma necessidade de apoio e de compreensão para seus sofrimentos e angústias nem sempre reais e, quando reais, exagerados teatralmente). Por isso, quero que sua autoanálise seja

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muito consciente para que não caia nestes extremos, tão frequentemente usados pelos Tipos 2 para atrair atenção e amor. Os Tipos 2 adoram que lhes falem frases tais como: “Não, você não é tão ruim assim, não se castigue tanto!” Faz parte deles a capacidade de sentir orgulho, seu “pecado capital”, até quando conseguem ser reconhecidos como “tão humildes”, o que eles certamente não são (poderia acrescentar “em absoluto” só para alegrar a certos Tipos 2 que gostam dos extremos). Com esta advertência, iniciaremos o processo de auto-observação, mediante alguns depoimentos que nos mostram como surge a Máscara 2. Uma de nossas alunas, Marta, descreveu o que pode ser um exemplo muito apropriado da infância típica de alguns Tipos 2 com estas palavras: “Eu sempre me senti uma criança muito amada, desde que eu desse a cada adulto o que ele queria receber...” André, outro aluno, afirma: “Acho que bem cedo aprendi que, agradando aos outros, eu recebia o que mais queria: o amor das pessoas.” A maioria dos Tipos 2 tem estas lembranças da infância: agradar aos outros para receber amor. Para alguns essa lembrança é positiva; para outros, nem tanto. Existe algo de semelhante nas infâncias dos Tipos 1, 2 e 3: a percepção de poder receber algo em troca de algo que parece ser o mais valioso: em troca de ordem e bom comportamento (Tipo 1), em troca de carinho e amor (Tipo 2) ou em troca de bons resultados (Tipos 3). A necessidade de amor e carinho toma nos Tipos 2 muitas formas, porém todas se resumem numa frase de tremendo conteúdo psicológico e de extraordinárias consequências: a necessidade de ser sempre para ou de agir sempre para... e nunca ser ou agir para ou por si mesma (o). Ou seja, a falta de equilíbrio entre dar e receber e a falta de discernimento para saber quando dar, sem querer bancar o onipotente doador (a). Vamos analisar esta questão do ser para com maior detenção.

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A “identificação” e o traço principal: ser para os outros como manifestação do orgulho Os Tipos 2 são definidos pelos estudiosos do Eneagrama como “os doadores ou aqueles que se dão”. O verbo dar tem alguns significados muito precisos na língua portuguesa, segundo o Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Estes significados ajudam a compreender o que se deseja expressar em relação à máscara dos Tipos 2 e o desvio (“pecado capital”) do qual são caracterizados, ou seja, o orgulho. Vejamos alguns destes significados escolhidos entre outros: dar: fazer doação de; consagrar, conceder, sacrificar, obsequiar com, mostrar, manifestar-se; entregar-se, render-se, dedicar-se, exibir-se, prestar-se. Por que estes significados batem tão fortemente para os Tipos 2 em relação ao orgulho? Com certeza, você já está se dando conta que é pela simples razão dos Tipos 2 acharem que têm tudo para doar, consagrar, conceder, sacrificar... etc., etc. Porém, por trás desta aparente capacidade ilimitada de se dar, os Tipos 2 ocultam um terrível vazio e uma angustiante carência interior. Quando eles se dão, eles se transformam em seres para os outros, perdendo-se de si mesmos, ou seja, se “identificam”. Logicamente, Tipos 2 consideram que pelo fato de eles se darem aos outros dessa maneira “tão total”, eles teriam que ser reconhecidos e amados. O orgulho nasce como resultado de uma “inflação do ego”: “somos capazes de dar, portanto merecemos ser amados!” Neste ponto, gostaríamos de exemplificar este fato de “ser para os outros”, com uma questão ainda não compreendida pelo movimento feminista. Nos nossos trabalhos com o Eneagrama, costumamos mencionar que a característica de “ser para” dos Tipos 2 pode ser claramente encontrada no modo como é formada (ou melhor, “deformada”) a psique feminina. Talvez seja esta uma das maiores causas pelas quais as mulheres têm tantas dificuldades de conquistar o respeito e a consideração adequados na chamada sociedade machista. O fato é tão corriqueiro, tão “normal” que pouquíssimas mulheres o percebem! Esse fato é o seguinte: milhões de mulheres em todo o mundo foram e estão sendo treinadas, ou melhor, programadas desde a infância, a agirem em função dos homens e sentirem-se orgulhosas

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quando conseguem fazê-lo do “modo certo”. A mulher é educada para ser para os homens. As revistas femininas exibem em suas páginas, por meio de seus artigos ou da publicidade, todos os meios e recursos para fazer das mulheres esse “ser para” o homem. Ao mesmo tempo em que as mulheres compreendem a necessidade de galgar novos espaços dentro da sociedade e lutam para obtê-los, ao mesmo tempo em que se unem para verem reconhecidos os “seus direitos”, elas continuam a receber o mesmo tipo de programação psicossocial: elas devem ser bonitas, atraentes, conquistadoras, conhecedoras de tudo o que possa atrair os machos, devem usar lingerie excitante, calcinhas sensuais, devem aprender como não envelhecer e a cozinhar bem e cuidar do lar, devem se transformar em conhecedoras profundas dos anseios masculinos, etc. Você pode comprovar o chamado feito às mulheres para “serem para”, nas manchetes dessas revistas, nos apelos publicitários, nos artigos, enfim: os chamarizes das revistas chamadas femininas são um apelo para que a mulher continue sendo um “ser para”... e ainda sentirem-se orgulhosas por isso! Estamos chamando a atenção para estes fatos que afetam o mundo feminino, porque por trás desse fato todos os Tipos 2, homens e mulheres, podem começar a intuir o que significa que eles e elas sejam de algum modo apenas para os outros. Por trás de seus atos, de seus anseios, de suas cobranças, a necessidade de “ser para” os outros se torna aos poucos uma escravidão e uma forma de esquecer o valor de si mesmos. Marlene, uma aluna Tipo 2, expressou assim esta questão crucial: “Sou do Tipo 2 porque sei que sempre fiz tudo esperando a retribuição de carinho. Preciso que as pessoas me amem e reconheçam meus esforços em fazer algo por elas. Acho que sempre foi assim...” Logicamente, “sempre foi assim”, desde o momento em que o contato com a realidade se deve à falsa percepção de que se existia apenas para agradar, para se dar aos outros, sem se importar com as próprias necessidades, anseios e sentimentos. O “ser para” leva Tipos 2 a depender emocionalmente dos outros. Bom, passemos a outro assunto que nos ajudará a perceber outras faces do orgulho.

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O ser para os outros como “consideração interna” A consideração interna dos Tipos 2 está marcada por uma série de questões que os levam a exagerar a necessidade de serem compreendidos e aceitos pelos outros. As situações mais banais serão muitas vezes a causa de fortíssimos momentos de consideração interna. Magda é uma aluna que apresenta esta exagerada necessidade de ser considerada pelos outros da maneira adequada e a revela nesse depoimento em que expressa como seu orgulho se torna presente no dia-a-dia: “Cada vez que preciso abrir ou fechar alguma porta (em público) para que alguém entre ou saia (o que acontece muitas vezes durante o dia), eu penso: ‘Eu não sou porteira!’” Logicamente, ninguém vai pensar que ela seja uma porteira. O que para os Tipos 9 seria um ato de cortesia natural, ou para outros tipos seria apenas uma gentileza própria de uma pessoa educada (abrir ou fechar a porta para alguém), para alguns Tipos 2, como a citada Magda, este ato se constitui num modo de “perder a importância” diante dos outros. Essa dependência é reforçada pelas características dos seus companheiros no Eneagrama (Tipos 1 e Tipos 3) e pelos pontos do Eneagrama para os quais se movimentará a favor ou contra as setas (Pontos 4 e 8). Achando que agem do modo certo sempre (influência do Ponto 1), os Tipos 2 exigem a consideração dos outros. Os outros deveriam avaliá-los positivamente (influência do Ponto 3). Quando Tipos 2 não sentem a “retribuição” adequada aos seus atos, então, segundo seus movimentos mais fortes em direção contra ou a favor das setas (a 4 ou 8) eles ficam zangados e agressivos (movimento negativo ao Ponto 8) ou ficam deprimidos, tristes e angustiados por não serem compreendidos (movimento negativo para o Ponto 4). Quando os Tipos 2 conseguem captar o amor e a atenção positiva dos outros recebendo a esperada “retribuição” ou “reconhecimento” (influência do Ponto 3), ficam “tão felizes” que alguns iniciam de imediato novas ações para satisfazer mais ainda aos que “valorizam” sua grande capacidade de dar e amar. Podemos perceber, assim, como o chamado Traço Principal (o orgulho) possui nuances muitas vezes sutis. Poderíamos dizer que esse

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orgulho “sabe” se disfarçar ao ponto de, muitas vezes, não ser nem percebido. Na ideia de poder dar-se aos outros, existe um sentimento de onipotência que alguns Tipos 2 definem como um “sentimento de poder” ou, nas palavras de um deles: “a gente se sente capaz de fazer qualquer coisa pelos demais”. Reflita no seguinte depoimento: “Nada para mim parecia impossível, tanto que às vezes cheguei a manipular amizades, nessa tentativa de mostrar que os outros são estreitos, incapazes e talvez um pouco covardes. Amizades pessoais, geralmente femininas, têm sido notoriamente influenciadas pelo meu Tipo 2 sem limites, a ponto de eu ajudá-las a tomar decisões difíceis, que sem mim não poderiam ter tomado, e até aqui enquanto escrevo me deparo na teia de aranha de minha personalidade que, novamente, influencia meus pensamentos sobre meu poder de manipulação...” A consideração interna, não podemos esquecer, é um outro modo de manifestar este orgulho, na medida em que, “os outros”, são os que deveriam saber como reagir, como tratá-los da maneira certa. Outra coisa que devemos observar é que este orgulho provoca uma forte necessidade emocional de evitar qualquer rejeição, até porque alguns Tipos 2 acham que sabem o que as pessoas necessitam ou esperam deles. Esta aparente certeza (um fruto sutil do orgulho e da consideração interna) tem como consequência o que está expresso nas seguintes palavras de Inês, uma aluna Tipo 2: “... o que fiz a vida inteira foi agir sempre de acordo com o que as pessoas esperavam de mim para não ser nunca rejeitada”. Muitas vezes, Tipos 2 descobrem tarde o fato de terem vivido apenas em função de outros, esquecidos totalmente de si mesmos (veja a semelhança com o Tipo 9) e com a sensação de ter perdido muito tempo. Esta questão de precisar satisfazer, agradar, e viver para os outros esconde outra face dos Tipos 2 que lhe convidamos a considerar reflexivamente.

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Ah, esses importantes “outros” O filósofo espanhol José Ortega y Gasset nos lembra numa de suas obras como nos importamos desnecessariamente com aquilo que chamamos “os outros”. Sim, esse monstro de 1001 cabeças chamado “os outros”, nos afeta demais, apesar de não possuir existência real, porque o que existe, nos lembra o filósofo espanhol, são “próximos”, pessoas com as quais nos relacionamos direta ou indiretamente, íntima ou coletivamente. Já para Tipos 2, “os outros” não apenas existem como algo real, mas muitas vezes são o referencial de suas ações e sentimentos. Este fato leva a aumentar ainda mais essa compulsão de “ser para os outros”, apesar de alguns Tipos 2 saberem que estão se enganando e enganando os outros devido a este sentimento. O “ser para” se potencializa na constante consideração interna e subjetiva em relação ao mundo externo. O sentimento de que esse “ser para os outros” é importante revela outra face do chamado “pecado do orgulho” dos Tipos 2. Ao final, o que seria dos outros sem eles? Reflita no seguinte depoimento que revela até que ponto o “ser para os outros” marca o modo de sentir a existência deste segundo Tipo do Eneagrama: “O ponto mais marcante da minha máscara é quando sofro por ter medo de morrer porque não quero fazer sofrer os meus por ser (para eles) uma ótima mãe e ótima esposa.” O “ser para” faz com que muitos Tipos 2 (e/ou Tipos 1 e 3 nos quais a influência dos Tipos 2 se torna marcante) tenham o sentimento de serem criaturas especiais, sensíveis e capazes de dar-se sem limites aos “outros”. Existe um sentimento de orgulho por serem tão amorosos e dadivosos até o ponto de acreditarem serem os únicos capazes de compreender as necessidades alheias: “Quando ajudo alguém, e gosto muito de fazê-lo, é como se estivesse fazendo um grande feito, é como se dissesse para mim mesmo: Viu?, sou capaz até de ajudar qualquer pessoa, inclusive quem é inferior socialmente. Até na pretensa humildade bate o orgulho. Considero-me uma pessoa ótima, que sofre com o sofrimento das pessoas, com muito amor

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e carinho para dar, choro quando vejo crianças na rua, mas sinto e ajo como se fosse a única pessoa no mundo a agir dessa forma... É muito difícil admitir e assumir tudo isso, principalmente quando se vive em função dos outros, para agradar, para receber atenção especial, e quando isso não ocorre é uma grande frustração, pois gosto de ser considerada importante e acho até que me amo...” Walter um dos nossos alunos escreveu algo que revela esta “sensibilidade” especial para a importância do relacionamento com os outros: “Acho que bem cedo aprendi que agradando aos outros eu recebia o que mais queria: o amor das pessoas. E assim foi que sempre evitei, de todas as formas, machucar, ferir, desagradar as outras pessoas. Parece que ao machucar alguém, eu me machucava muito mais profundamente. Às vezes, sentia que a ferida em mim tinha sido tão grande, que, de alguma maneira, eu procurava o mais imediatamente possível compensar aquele estrago.”

A necessidade de atuar/representar como um meio de atrair a atenção dos “outros” Nesta tentativa de sensibilizarem os outros, de conseguirem ser amados e queridos, os Tipos 2 passam a ter certas capacidades especiais de chamar a atenção. Eu as resumo na expressão atuar para. Este atuar para é uma forma de sedução ou de protesto, de “amolecer” ou de agredir os outros, de conseguir com jeitinho que eles reconheçam, notem, destaquem, amem, solicitem, sintam que estão presentes. Esta característica é reforçada naqueles com a forte influência “camaleônica” do Ponto 3 do Eneagrama: Tipos 2 reconhecem frequentemente que fazem de tudo para aparecer ou para “parecer como”. Uma espécie de faz-de-conta psicológico. As motivações podem ser diferentes, porém os meios são em essência iguais. Alguns com forte movimento ao Ponto 8 do Eneagrama encenam a “raiva” quando não são amados ou notados do jeito que gostariam. Alguns Tipos 2 relatam que são “calculistas” em suas ações. Outros agem para conseguir o que querem de qualquer

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jeito. Quer um exemplo? Acompanhe este depoimento: “Sabia jogar com os sentimentos e fazer várias armações para conseguir o que eu queria. Sempre trabalhei numa área que tinha tudo a ver com meu potencial de doação. Acho que sabia que o que eu queria era ver a pessoa reconhecendo o que eu tinha feito por ela e aguardava ansiosa pelo retorno de carinho e manifestação de amor. Na verdade, sempre ‘disfarcei’ o que eu realmente sentia...”

O Tipo 2 e o tipo de sentimento extrovertido de Jung Como os Tipos 2 correspondem ao “tipo de sentimento extrovertido” da tipologia junguiana, é interessante começar esta parte da análise transcrevendo uma parte da descrição que Jung faz dele em seu Psychological Types. Explicando a ambivalência dos sentimentos deste tipo, ele escreve: “Isto se manifesta (...) nas demonstrações extravagantes de sentimento, na conversa fácil, nas expressões fortes, etc., que soam ocas: ‘A senhora protesta demais.’ Imediatamente se evidencia (...) algum tipo de resistência (...) e a gente começa a se perguntar se por acaso estas demonstrações não resultarão (em algo) bastante diferente. Então, pouco depois acontece. Basta uma pequena alteração da situação para produzir, em seguida, exatamente a declaração oposta sobre o mesmo objeto.” Isto é evidente quando Tipos 2 atuam para conseguir atenção, para sentir que são percebidos. Nestas ocasiões, vivem experiências engraçadas ou tragicômicas. Mulheres Tipos 2 declaram que, em algumas ocasiões, atuando como sedutoras vivem situações difíceis. Por exemplo, provocam o interesse dos homens apenas para conseguir certos objetivos ou para se certificar se, de fato, conseguiram atrair a atenção deles, mas sem a intenção de “namorar” ou de terem um “caso”. Helena conta como descobriu esta atitude ambivalente após analisar sua Máscara 2: “Até pouco tempo eu não conseguia entender por que os homens se sentiam tão atraídos por mim. Eu sempre reclamava: ‘eu não fiz nada’!

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Hoje já consigo divisar que inconscientemente e muitas vezes conscientemente eu fiz questão de que eles se sentissem atraídos por mim. A maneira de falar, o modo de vestir, um olhar, só para provar que eu podia conquistar qualquer um.” Às vezes Tipos 2 contam que quando brigam com seus parceiros (as) falam que “não querem vê-los nunca mais”. Porém, se isso vier a acontecer vão logo dizendo que “não era isso o que queriam de verdade”. Por outro lado, a necessidade de atuar está atrelada à necessidade subjetiva de ter que parecer de um modo ou de outro para satisfazer as supostas expectativas alheias. Este sentimento subjetivo leva os Tipos 2 a se sentir constantemente observados pelos outros, avaliados e considerados nas mais diversas situações. Uma aluna admitiu: “Sinto insegurança em relação a outra pessoa, se gosta realmente de mim, e quero sempre testar isto...” Outra afirma: “...o que eu fiz a vida inteira foi agir sempre de acordo com o que as pessoas esperavam de mim para não ser nunca rejeitada.” Daí a necessidade de atuar de acordo com essa expectativa. Outros dois admitem que quando chegam a algum lugar querem saber como estão sendo recebidos, se notaram suas presenças, e tentam agir de tal modo que se obtenha essa atenção desejada. Miriam, que é do Tipo 2, reconhece: “No dia-a-dia, sinto que me preocupa muito a opinião dos outros ao meu respeito, principalmente na parte pessoal.” A observação dela não difere muito da de Enzo: “Quando chego aos lugares meu primeiro movimento é sempre tentar perceber se estou sendo olhado e avaliado. Tenho sempre que superar certo temor de que a avaliação seja negativa, o que faço me exibindo, falando alto, tentando mostrar descontração e envolvimento...” A atuação na frente dos outros deve ser impecável e nisso os Tipos 2 são especialmente sensíveis para avaliar se o estão conseguindo ou não. No depoimento de Nelson, feito em “terceira pessoa” de acordo com certas instruções, veremos como a necessidade de “atuar” deste Tipo eneagramático, tem como raiz o “ser para”: “Este sujeito sente-se importante. Acha que suas atitudes, sua conduta, seu jeito de ser podem servir de modelo (influência Ponto 1 do Eneagrama). Acha que há sempre alguém o observando, por isso tenta

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fazer o melhor que pode para não decepcionar as ‘expectativas’. Este sujeito gosta de imaginar que alguém está falando a seu respeito. Gosta de obter o consentimento, a concordância, o apoio, o aplauso. Embora pareça ser independente, autossuficiente e seguro, depende desses ‘apoios’ para prosseguir. Quando esses incentivos não vêm, ele mesmo os fabrica...” Tipos 2 percebem que estas atuações, estas maneiras de se apresentar aos outros mais adequadamente, se baseiam num profundo temor que nutrem de “perdê-los”. Para evitar essas possíveis perdas, atuar se faz extremamente necessário, ao ponto de se ter que assumir diferentes “máscaras” para os outros. Não é à toa que Ana, uma aluna Tipo 2 escreveu: “...cada amigo conhece uma parte de mim, mas ninguém me conhece por inteiro... é o medo de mostrar aos outros o inaceitável...” Essa necessidade de atrair a atenção dos outros se manifesta de diversos modos. O depoimento de Jorge, servirá para que você reflita mais profundamente sobre como essa necessidade pode influir em diferentes momentos do cotidiano de um Tipo 2: “Quando não recebo a atenção que acho que merecia receber, fico, ainda hoje, perturbado. Internamente me sinto em convulsão. No trabalho, percebo como ‘sem querer’ estou perto do meu chefe, que, como todo mundo, deve me achar muito prestativo, dadivoso, responsável, eficiente e outras coisas mais. A necessidade de impressionar positivamente o outro faz parte de um condicionamento fortíssimo... Na relação íntima a dois, isso se torna mais visível na questão sexual: Como pode: eu aqui disponível e ela ligada em outra coisa? Incapaz de verbalizar. Quero que você venha ficar comigo, fico esperando que ela se toque. Falta humildade (a virtude a ser atingida pelos Tipos 2) para demonstrar com clareza e naturalidade o que eu estou querendo. No fundo nem é o sexo, mas atenção. Me pego também, inconscientemente, numa postura sedutora, tentando atrair a atenção do outro. É a necessidade neurótica da atenção, da apreciação do outro direcionada para mim...”

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Esta constante preocupação de atrair a atenção dos outros leva os Tipos 2, muitas vezes, a deixar em segundo lugar suas próprias necessidades. Sendo que se deve conservar uma atenção positiva sobre eles, qualquer sentimento que possa provocar um término dessa atenção é abafado ou ignorado. Considere esta reflexão de mais uma de nossas alunas Tipo 2: “Com esse jeito doce de ser demorei muito tempo para botar para fora minha agressividade. Muitas vezes em grupo omitia meu desejo porque queria que os outros ficassem felizes...” Outra aluna, Mariana, que realiza um dedicado trabalho sobre si mesma, confessa como esta necessidade de atrair a atenção dos outros constitui, no seu caso particular, uma questão que determina o êxito ou o fracasso subjetivos de suas atividades profissionais: “Quando falo em coisa bem-sucedida, cabe salientar que este conceito é idêntico a ‘os outros me reconhecem’; uma atividade bem-sucedida pode ser um evento destinado à venda de obras, e mesmo que não venda nada, será bem-sucedida, porque estava lotado de gente e eu era a rainha da festa.” Vimos, assim, como a importância extrema que dão aos “outros” e a necessidade de obterem a atenção dos outros são duas questões que podem levar os Tipos 2 a deixarem num segundo plano questões objetivamente importantes. Desabafar é importante, vender as obras é importante. Ser autêntico é importante. Quanto menor seja a “quantidade” de consideração interna, maior será o sentimento de que os outros são também nossos próximos, portanto, merecedores também de tudo quanto um Tipo 2 acha ser o único merecedor. Não podemos nos apropriar da atenção dos outros, a qualquer preço. Toda esta compreensão tem a ver com a necessidade de se saber o que é a humildade e o amor, duas palavras que não se limitam a esconder o segredo da realização interna dos nossos queridos portadores da segunda máscara: são a chave de uma humanidade mais fraterna.

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A sensação de perder a liberdade Ao transformar sua existência numa forma de atuação adequada diante dos outros, Tipos 2 passam a ter a sensação de não ter liberdade. As pessoas amadas podem se transformar em uma espécie de “motivação” para “não viver livremente”. O que acontece, simplesmente, é que essas contínuas atuação e consideração internas presentes na necessidade de serem “amados” pelos outros levam os possuidores desta máscara ao cansaço. O “atuar” pode produzir, às vezes, os resultados almejados, porém ao mesmo tempo provoca o sentimento de ter ficado preso, sem liberdade. Tipos 2 declaram não suportar essas limitações, paradoxalmente provocadas por eles mesmos. Então, alguns preferem viver de um modo em que esse atuar satisfatório para as suas necessidades de reconhecimento e de sentir-se amados e queridos não implique o fato de ficar prisioneiro do “personagem” de turno. Faz-se necessário deixar abertas algumas “saídas de emergência” nesse “teatro” das experiências pessoais. Neste caso, Tipos 2 têm algo de seus companheiros eneagramáticos 1 e 3 respectivamente: vivem algumas experiências de maneira oculta para não se comprometer com o papel escolhido e mudam de atitude externa segundo a ocasião. A justificativa para esta “saída de emergência” é natural. Tipos 2 sabem que às vezes se torna impossível viver apenas para os outros como eles o fazem, sabem que isso lhes priva dessa liberdade natural de que todos precisamos. A inesgotável procura de influenciar e seduzir os outros, como se esta contínua atitude de conquista fosse um verdadeiro leitmotiv existencial, passa a ser percebida como uma perda dos “espaços individuais”. A constante ansiedade de sentir-se requeridos e amados termina provocando tédio e sensação de sufoco quando, conseguindo essa “retribuição”, sentem-se estanques, prisioneiros e “com falta de ar para respirar”. É que nesses instantes, a verdade tenta aparecer para os Tipos 2 na forma de uma solicitação emergencial de suas essências de serem apenas para eles e apenas eles mesmos. O depoimento de Zélia, outra aluna, permite uma compreensão mais direta do momento em que os Tipos 2 sentem necessidade de resgatar-se: “Na fase inicial dos relacionamentos eu mergulho no outro. É como se

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perdesse a minha identidade. No auge da paixão eu começo a sentir um sufoco horrível e fico querendo o meu espaço, para poder voltar a mim mesma. É lógico que isto nunca é entendido pelo outro, pois como aquela pessoa que se perdeu nele que viveu a vida dele pode de repente querer ter vida própria? A minha sensação é de que preciso do meu espaço para poder viver a minha própria vida, fazer as coisas de que eu gosto e não as de que ele gosta, e principalmente, fazer sozinha, em um espaço fisicamente só meu. São relações sempre muito intensas, apaixonadas e com finais difíceis. Talvez por esse motivo os relacionamentos triangulares sempre me encantaram. Teve uma fase na minha vida em que eu só me apaixonava por homem casado. Para mim era ótimo, pois não invadia o meu espaço, me permitia ter a minha vida com mais amigos, e ao mesmo tempo quando estávamos juntos tudo era maravilhoso. Dessa maneira só era mostrado meu melhor lado, nunca nada chato ou desagradável...” Para Tipos 2 com forte movimento ao Ponto 8 do Eneagrama, como é sem dúvida o caso apresentado, a agressividade, será o meio pelo qual o espaço perdido será cobrado. Muitos Tipos 2 admitem manifestar suas “raivas” até teatralmente para conseguir certos objetivos. Por outra parte, a preocupação dos Tipos 2 “menos agressivos” e “amacientes” em mostrar-se, atuar e parecer sempre “amorosos”, “agradáveis”, “carinhosos” “serviçais”, “prestativos” e “humildes”, os leva a aceitar “uma vida sofrida por amor”. Para conseguir manter essa aparência “amorosa” e seus “aconchegantes” temperamentos, muitas vezes estes “Tipos 2 amacientes” abrem mão não apenas dos seus espaços, como também das suas próprias necessidades. Exemplos muito claros deste tipo de atitude são “essas incompreendidas mães que sacrificam suas vidas por seus lares, filhos e maridos”. Como se pode notar, entre esses Tipos 2 encontram-se os que são verdadeiras vítimas de suas “grandes capacidades de dar e ser para os outros”. Alguns deles acusam um forte movimento negativo contra a seta, ou seja, manifestam as características mais fortes do Ponto 4 do Eneagrama, tornando-se angustiados e dando a impressão de estarem vivendo verdadeiras tragédias, impressão que se torna mais um modo torto de chamar a atenção dos outros e receber o carinho, o amor e o reconhecimento que essa “triste vida” lhes nega.

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Duas razões para uma mesma conduta Devemos esclarecer que assim como existem Tipos 2 que tiveram infâncias felizes e se lembram de como eram amados e “paparicados”, existem Tipos 2 para os quais esta máscara se formou em ambientes mais difíceis. Nestes existe uma grande queda ao Ponto 4 do Eneagrama ou uma forte tendência à agressividade do Ponto 8. Vejamos mais um depoimento: Quando precisou responder como surgiu sua máscara, a aluna Ingrid revelou: “Teve origem na minha infância, produto de um lar bastante desarmônico, com um pai 8 que me criou com grande rigor e impondo um estilo tirânico de governar a casa. Para agradá-lo e chamar sua atenção, fiz todas as tentativas, quase nunca conseguia grandes resultados. O triunfo maior da minha máscara (Tipo) foi na adolescência. Sempre fui magra, porém, com os desajustes dessa etapa vital, comecei a comer mais. Meu pai descobriu isto e começou a festejar tais atitudes e assim me converti num globo. Emagrecer para ficar bonita foi um duro golpe que tive que acertar na imagem do meu pai a quem parecia gostar muito da minha gordura, grande inconveniente para o mundo gostar de mim. Ao final, a ambição social do Tipo 2 me seduziu e acabei me sacrificando por meu pai – a quem, confesso, ofereci os melhores anos de minha juventude – estudando uma chata (para mim) carreira universitária e fazendo inúmeros sacrifícios para que ele pudesse colocar, como ele dizia, meu nome numa placa de bronze dizendo ‘Doutora fulana de tal...’” Existe uma grande diferença entre a experiência de Ingrid e a de uma colega sua: “Identifiquei minha máscara, porque, quando criança, vivia preocupada em deixar meus pais bem. Em época de festas ficava querendo inventar presentes, fazer festas surpresas, etc. Quando eles se desentendiam, não ficava tranquila enquanto eles não voltavam a se harmonizar. Minha mãe sempre falava que eu era doce. Adorava fazer coisas e ser elo­giada...” No primeiro caso, esse “ser para os outros” encontra um ambiente hostil ao qual trata de adaptar-se tentando sempre agradar ao pai. No

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segundo caso, este agradar e “ser para os outros” surge espontaneamente, sem que ninguém peça tal conduta, num ambiente familiar aconchegante e receptivo a esse amor e doação. Faço esta análise para poder provocar uma melhor compreensão do necessário trabalho de aprimoramento que poderá levar os Tipos 2 a conseguir o necessário equilíbrio entre “dar e receber”.

Iniciando o processo de mudanças positivas Depois de uma auto-observação objetiva e equilibrada, muitos Tipos 2 percebem que a mudança positiva de suas personalidades passa pela necessária compreensão de que não são “o centro do mundo” e, portanto, podem relaxar e ficar mais autênticos. Outra aluna Tipo 2, com forte movimento contra a seta ao Ponto 4, descreve esta “descida do trono” da seguinte forma: “Descobrir nossas máscaras e sentir que as transformamos no centro de nossas atenções e que dedicamos grande parte de nossa vida a cultivar aquilo que ‘não somos’, criou uma sensação de ‘vazio’, pois, para um ‘2’, ‘ser original e maior que o mundo’ é natural. Só que com esta descoberta percebo que não sou original, pois muitos Tipos 2 se declararam tão ‘originais’ quanto eu. A sensação de ser a ‘maior do que o mundo’ caiu pela mesma razão numa classificação de Tipos. No fim não sobra nada, todos esses anos cultivei mato e pensava que estava criando rosas...” Lembro aos Tipos 2 que neste depoimento mostra-se algo dos sentimentos extremos dos possuidores desta máscara. Portanto, existe algo de veemente nele que precisa ser suavizado. O positivo nele é que nossa aluna chega a sentir aquilo que G. I. Gurdjieff chamava “o sentimento do próprio nada”, um sentimento valioso que pode levar um Tipo 2 à redenção e a um novo renascer no qual se compreendam o amor e a humildade.

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Movimentos de 2 a 8 e de 2 a 4: aprimorando a observação de si mesmo – (ver figura na página 334) O Movimento do mundo interno dos Tipos 2 é o resultado da divisão 2 : 7 = 0,2857142... Vamos analisar o primeiro movimento. De 2 a 8, um movimento “na direção da seta”... Orgulho e Luxúria (excesso) quando negativo, Humildade e Inocência quando positivo. Quando o movimento de 2 a 8 aparece como negativo, Tipos 2 se tornam “eternos insatisfeitos” porque eles “merecem muito mais” como retribuição por tudo o que eles fazem pelos outros. Outro sinal de negatividade é o fato de querer transformar todos os que estão à sua volta em dependentes, a “centralização de poder” típica do Ponto 8 é justificada pelo “orgulho” de achar que só eles podem fazer a coisa certa para e pelos outros. Na sua descrição deste movimento no seu aspecto negativo, muitos 2 parecem ser Tipos 8. Uma discípula, muito querida por todos, porque como uma boa representante deste Tipo dava amor a todos e se doava com total entrega, merece ser evocada pelo depoimento no qual descreve seu movimento a 8: “Sou Tipo 2, com movimento forte para o 8; às vezes penso que sou 8, por ser empreendedora, otimista, a grande guerreira, mas tenho um orgulho muito forte, vivo falando para mim mesma que ninguém faz como eu, que posso resolver tudo, que as pessoas dependem de mim...” Alguns Tipos 2 reconhecem o negativo do movimento a 8, porque percebem que se tornam agressivos e controladores ou dizem que são capazes de viver situações extremas a nível sexual ou emocional. O movimento positivo a 8, que implica a união das virtudes da humildade e da inocência se revela num estado interno e externo de harmonia. Quando Tipos 2 alcançam esse “bom movimento” se tornam menos controladores, não manipulam nem agridem, sentem necessidade de trocas afetivas autênticas. Inocência aqui deve ser entendida como o estado infantil em que tudo apenas acontece, sem ser provocado, ou seja, tudo é natural e flui espontaneamente. Não existem “outras intenções” por trás dos atos.

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O segundo movimento (contrário à seta) de 2 a 4, quando negativo implica a união de dois estados internos que se reforçam: “Eu mereço tal ou qual coisa, mas não consigo alcançá-la e fico triste com pena de mim mesmo.” Todo Tipo 2 conhece como se misturam “orgulho ferido e autocompaixão”. Estes estados internos são sutis manifestações do falso amor-próprio (orgulho como vício) e da ideia de merecimento, de ter o direito a determinado bem, ou seja, uma típica manifestação do Ponto 4 do Eneagrama que esconde sorrateiramente uma forma de inveja, porque quem mais merece tal ou qual coisa do que eu? A autocompaixão, que para Tipos 2 se torna um modo indireto de exigir atenção dos outros, é reforçada pelo orgulho que determina o direito que se acredita ter em relação a quem se fez a cobrança. O movimento negativo contra a seta pode ainda levar alguns Tipos 2 a estados de profundo pessimismo e de abandono deliberado. Esse total sofrimento pode ter outro objetivo singelo: que todos possam dar-se conta do fato de seu sofrimento ser “único” e o desejo de serem socorridos e levantados, mesmo que às vezes seu orgulho “dificulte” esse “resgate do fundo do poço”. Uma espécie de “teatralização” da dor. Afinal, quem poderia sofrer tanto quanto eles? Note como é revelador este depoimento: “Relaciono meu orgulho diretamente com minhas decepções. Ao me decepcionar, me fechava e cortava relações. Dificilmente falava sobre o assunto, achava sempre que a pessoa tinha que perceber e me procurar, pedir desculpas, etc...”

Centrando-se na equanimidade do Ponto 4 Quando o movimento ao Ponto 4 é positivo, Tipos 2 conseguem alicerçar a verdadeira humildade graças à virtude da Equanimidade, ou seja, a capacidade de se manterem centrados, satisfeitos, sem cobranças. Não se espera tanto de fora. Ocorre a sensação de que existe algo que não depende de ninguém porque lhe pertence. Meu Mestre falava da importância de possuir uma “âncora” interna, uma espécie de poder por

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meio do qual sentimos nosso real valor. Não precisamos que alguém de fora nos dê valor; precisamos, sim, apenas compartilhá-lo sem cobranças. A equanimidade é esse estado no qual posso ser para os outros sem deixar de estar e ser para mim mesmo, sem necessitar me perder de mim mesmo. O estado no qual já não se precisa pedir amor. Ele chega, porque apenas se deixa de cobrá-lo. O inesquecível Mestre Osho em Meditação: A arte do êxtase diz a respeito: “Se alguém pede amor, não obterá amor, porque o simples fato de pedir torna-o pouco amorável, torna-o antipático. No simples fato de pedir, faz-se uma barreira. Ninguém pode amar-te se estiveres pedindo amor. Ninguém pode amar-te! Só podes ser amado quando não pedes amor. O simples fato de ‘não pedir’ torna-te belo, torna-te relaxado...”

1 e 3: influências positivas e negativas Seus companheiros no Eneagrama são os Tipos 1 e 3. Suas influências reforçarão negativa ou positivamente suas características de Tipo. Assim, os Tipos 2 com maior influência do Ponto 1 poderão observar uma tendência ao “perfeccionismo” na exibição de si mesmos. Ninguém pode inteirar-se de algo que rebaixe sua autoestima. Mostrar-se sempre “arrumados”, “elegantes”, com tudo no lugar, aparecer como os mais bonitos, os mais procurados, os mais “chiques”, são alguns dos “sinais” da influência do Ponto 1. Positivamente, o Ponto Um pode fornecer aos Tipos 2 essa “serenidade” que os torna menos “raivosos”, menos “cobradores”, mais seguros de si mesmos e menos “orgulhosos”. Do Ponto 3, os Tipos 2 deverão evitar a Vaidade e a Mentira, características desse Ponto e que reforçam o amor-próprio negativo. Quando a influência negativa do Ponto 3 é mais forte, Tipos 2 tornam-se “falsos”, sabem como “seduzir” e “iludir” os outros, sabem “provocar” e “manipular” os sentimentos alheios para conseguir o que querem. Tornam-se artistas que sabem desempenhar papéis quando lhes convém. Confundem

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amor com aceitação ou aprovação. O positivo do Ponto 3 influencia os Tipos 2 da Veracidade e Honestidade. Quando isso acontece Tipos 2 são mais autênticos e confiam mais em si mesmos, dispensam bajulação para estar bem emocionalmente. Torna-se mais valioso ser autênticos. A autoconfiança evita a dependência negativa.

A humildade como a virtude que nos lembra nossa real importância Quando se fala em humildade, os Tipos 2 acham que a compreendem. “Eles são tão humildes!” é justamente o que esperam ouvir dos outros, ironicamente para sentirem-se orgulhosos pelo fato de terem provocado esses “amor” e “reconhecimento” tão apreciados. Tipos 2 que reparam na sua falsa humildade ou que percebem como seu orgulho e amor-próprio sabem ocultar-se para “os outros”, acabam por achar até engraçado esse fato psicológico, o que é um bom sinal de que a verdadeira humildade está por surgir: “O trabalho de auto-observação, que já vinha fazendo há alguns anos, se aprofundou e, agora, de uma maneira mais divertida, muito menos dolorosa, pois já me havia desenvolvido mais na arte de rir de mim mesmo. Posso me desmascarar, agora, ainda com mais facilidade, diante dos mais próximos. Inclusive neste momento, pois sei que há dentro de mim a suposição de que alguém, cuja atenção de alguma maneira me interesse, venha a descobrir que este relato é meu. E, logicamente, eu me orgulho até de minha capacidade de me desmascarar. Rá, rá, rá...” O que fundamentalmente não deixa os Tipos 2 serem realmente humildes se relaciona à palavra “exagerar”. Sempre são “demais”. Humildes demais ou orgulhosos demais. Entregues demais, egoístas demais, doadores demais. Humildade é simplesmente o contrário de ser exagerado! Humildade é uma palavra que tem sua origem no termo latino humus, que significa “terra”. Somos humanos da terra! Nada mais. Simplesmente isso! Não precisamos ser os melhores entre os humanos,

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apenas sermos humanos, reconhecendo nossos limites, nossas necessidades e fraquezas como questões que nos fazem iguais uns aos outros. Sentir-se parte da terra, produto do mesmo pó, leva à compreensão da mensagem do mais importante Tipo 2 da nossa história, Jesus Cristo: “Ama teu próximo como a ti mesmo.” Este mandamento só pode ser compreendido quando somos humildes. Quando admitimos que não gostamos ser manipulados, quando admitimos que não gostamos de ser usados, quando admitimos que não devemos ser dependentes demais, quando admitimos que não nos agrada ser reféns de sentimentos abafados, quando admitimos que não nos agradam as pessoas falsas, quando admitimos que não gostamos de alguém que nos usa, quando admitimos que não queremos saber que alguém está de nosso lado apenas porque deseja um resultado ou visa um interesse que ignoramos, quando admitimos que não gostaríamos de saber que alguém nos mente ou engana, quando admitimos que não gostaríamos de saber que alguém nos ajudou ou nos deu algo esperando ter uma boa razão para nos cobrar algo em troca, e assim por diante! “Ama teu próximo Como a Ti Mesmo.” Você se ama? Se a resposta é não, então é difícil compreender a humildade. Quando um Tipo 2 começa a amar a si mesmo realmente, algo muda. Surge a humildade. Descobre-se que não é preciso atuar ou fazer de conta, que é bom ser autêntico, que se podem ter amigos verdadeiros e amores que não sufocam, que não é preciso parecer desamparado ou “carente” para merecer a atenção dos outros. Descobre-se o que Gurdjieff chamou de o verdadeiro amor-próprio. Incrível, não? Do mesmo modo que o falso amorpróprio precisa da constante “inflação do ego” proveniente dos “outros”, ou seja, da constante consideração interna para existir, o verdadeiro amorpróprio precisa da constante certeza de poder ser autêntico e de considerar os “outros” como “próximos” com os quais se participa de uma mesma existência. Jogando com as palavras: somos Humanidade-Humus. Sinto que a transcrição das palavras de Gurdjieff, registradas em “Gurdjieff fala a seus alunos”, servirá como um meio para iniciar a descoberta desse amor-próprio que conduz à verdadeira humildade e

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liberdade. Reflita sobre estas palavras, pois escondem um grande tesouro para os Tipos 2 e para todos os que procuram conhecer-se, além das máscaras e tipos: “Na realidade, a causa secreta de todas essas reações reside no fato de que não somos donos de nós mesmos e tampouco possuímos um verdadeiro amor-próprio. O amor-próprio é uma grande coisa. Se o amor-próprio, tal qual o consideramos habitualmente, é uma coisa repreensível, o verdadeiro amor-próprio, que infelizmente não possuímos, é desejável e necessário. O amor-próprio é o indício de uma alta opinião de si mesmo. O fato de um homem ter esse amor-próprio mostra o que ele é. Como já dissemos, o amor-próprio é ‘um representante do diabo’; é nosso pior inimigo, o freio principal às nossas aspirações e realizações. O amor-próprio é a principal arma do ‘representante do inferno’. Mas o amor-próprio é um atributo da alma. Mediante o amor-próprio pode-se entrever o espírito. O amor-próprio indica e prova que o homem é uma parcela do ‘paraíso’. O amor-próprio é Eu, e Eu é Deus. Por conseguinte, é desejável ter um amor-próprio. O amor-próprio é inferno, e o amor-próprio é paraíso. Ambos têm o mesmo nome; exteriormente são semelhantes, e no entanto, totalmente diferentes e opostos em sua essência. Mas se olharmos superficialmente, poderemos olhá-los durante toda a nossa vida, sem nunca distingui-los um do outro. De acordo com uma sentença muito antiga, ‘aquele que tem amor-próprio está a meio caminho da liberdade’. Entretanto, se tomamos aqueles que estão aqui, cada um está com inflado amor-próprio. E, apesar do fato de transbordarmos de amor-próprio, não obtivemos ainda a menor nesga de liberdade. Nossa meta deve ser ter amor-próprio. Se tivermos amor-próprio, só por isso estaremos livres de uma porção de inimigos. Poderemos até nos tornar livres daqueles inimigos principais – o Senhor Amor-Próprio e a Senhora Vaidade.” É preciso mais algum comentário? Acho que não, certo?

O Tipo 3 O eu que compete “Sugiro que cada um faça a si mesmo a pergunta ‘Quem sou eu?’ Estou certo de que 95% de vocês ficarão perturbados... Isso prova que um homem viveu toda a sua vida sem se fazer essa pergunta e considera perfeitamente normal que ele seja ‘algo’, e até mesmo algo muito precioso, algo que jamais pôs em dúvida. Ao mesmo tempo, é incapaz de explicar a outra pessoa o que esse algo é, incapaz de dar a menor ideia desse algo, porque ele próprio não o sabe. E se não sabe, não será simplesmente porque esse algo não existe, mas apenas se supõe existir? Não é estranho que fechem os olhos, com tão tola complacência, ao que realmente são, e passem a vida na agradável convicção de que representam algo precioso? Esquecem de ver o vazio insuportável por trás da soberba fachada criada por seu autoengano e não se dão conta de que essa fachada só tem um valor puramente convencional.” G. I. Gurdjieff. Em Fragmentos de um ensinamento desconhecido, P. D. Ouspensky lembra que alguém perguntou: “O que é que não compreendemos?” E Gurdjieff respondeu: “Estão de tal modo habituados a mentir, tanto a si mesmos como aos outros, que não encontram nem palavras nem pensamentos, quando querem dizer a verdade. Dizer a verdade sobre si mesmo é muito difícil. Antes de dizê-la, deve-se conhecê-la. Ora, Não sabem nem mesmo em que ela consiste (...).” “Para compreender a interdependência da verdade e da mentira em sua vida, um homem deve chegar a compreender sua mentira interior, as incessantes mentiras que conta a si mesmo.” G. I. Gurdjieff.

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Aparentemente tudo está sempre bem com você, não? Na sua obra Relatos de Belzebu a seu neto, Gurdjieff faz uma descrição muito engraçada dos Estados Unidos (o país mais Tipo 3 do mundo), destacando como, desde a infância, as crianças norte-americanas são programadas para entrar nos dollar business e que quando cada uma delas chega à idade adulta, “o impulso dominante de sua febril existência é a fúria de fazer dólares e o amor a esses mesmos dólares”, e por isso “cada um deles se ocupa sempre de ‘negócios de dólares’, e de vários ao mesmo tempo”. Ele também nos lembra o arraigado hábito dos norte-americanos de utilizar a publicidade “com o fim de oferecer da parte deles, em todo o planeta, uma imagem que em nada corresponde à realidade”, razão pela qual se transformaram, ao longo dos anos, “em seres tão virtuosos na arte da publicidade”, que possuem o poder de convencer-nos de que “uma mosca é um elefante, e fazem isto tão frequentemente, que, nos dias de hoje, se a gente encontra um verdadeiro elefante americano, tem que ‘lembrar-se de si mesmo com todo seu ser’ para não ter a impressão de que é uma simples mosca”. Quem puder refletir sobre as agudas observações que Gurdjieff faz da idiossincrasia, dos hábitos e das condutas aos norte-americanos, terá uma ideia do que constitui o Traço Principal dos Tipos 3. No Brasil, temos exemplos muito admirados desta “máscara”. Uma delas é a “performática” atriz Cláudia Raia. No seu primeiro número, a revista Mais Vida publicou uma entrevista desta notável artista cuja abertura destacava: Ela faz 500 abdominais por dia, não fuma, não bebe, está amando, é budista e consumista. Por isso Cláudia Arrasa! (Eu imagino que o Iluminado Buda deve ter pulado de alegria no seu nirvânico estado, após tomar conhecimento desta inédita combinação budista-consumista da sua doutrina de renúncia!) Após descrever todos os “sinais externos” do sucesso da atriz e sua tremenda capacidade de trabalho, o jornalista Marcos de Moura e Souza escreve: Pode impressionar a nós, humanos

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comuns, mas o que ela gosta mesmo é disso: agitação, muito trabalho e várias atividades ao mesmo tempo. Workaholic encarnada. Quase no final do artigo outras “amostras” do Tipo 3 da grande Cláudia: “...os olhos da atriz não deixam de espiar as possibilidades de levar seu trabalho para além das fronteiras... ‘Estamos tentando ir a Portugal... os americanos (de novo os americanos!) também já ficaram muito aguçados com a proposta do show. Estamos estudando...’, despista. Os business de Cláudia Raia na época eram administrados pelo pessoal de sua empresa, a Raia Produções Artísticas, que empregava cerca de vinte pessoas sob o comando, é claro, dela própria. ‘Tenho uma veia empresarial muito forte’...” Possuidora de uma forte influência do Ponto 2 do Eneagrama ela atrai naturalmente as pessoas e também o sucesso. Todos os brasileiros, com certeza, esperam que essa sua performática vida de artista nos brinde sempre com ótimos espetáculos. Outro expoente feminino deste Tipo é Marília Gabriela, jornalista e entrevistadora extraordinária. Entre os homens Tipos 3 mais populares no Brasil, temos o sempre bem-sucedido Sílvio Santos, dono do SBT. Ele é o típico Tipo 3, empreendedor, alegre e seguro de si mesmo, que dirige (quase) todos os programas ao vivo do seu canal! Essa é que é vontade de ser admirado! O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (equilibrado e com uma forte influência do Ponto 4 Eneagramático, aspecto que na sua juventude se refletia no seu interesse pela poesia, como pude constatar numa reportagem da revista Isto É) é outro Tipo 3 que vale a pena analisar. João Dória, do programa Business do qual participei como entrevistado, é outro bem-sucedido Tipo 3 igual ao talk show que dirige. Por último, as conhecidas Exame e VIP são as revistas mais Tipo 3 do Brasil. Todos os Tipos 3 possuem uma mistura das características observáveis nestes exemplos citados: grande capacidade de trabalho, forte procura do sucesso e de resultados, necessidades muito fortes de comunicação

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e extroversão (característica que os torna semelhantes aos Tipos 7 e 8), assim como um notável espírito empreendedor. Então, qual é o problema desta máscara? Por acaso não está tudo bem? Qual é o “calo” no qual se faz necessário “pisar” para que eles se deem conta da importância de seus mundos internos e de seus próprios sentimentos? Sentimentos? O quê?!... Está sentindo algo? Acho que já pisei no seu calo, certo? Sim, o grande problema dos Tipos 3 está muito dentro do coração...

Observando a máscara 3: ou como o aparente sucesso externo produz a falta da felicidade interna Sim, pode parecer muito forte, porém por trás destas palavras se esconde a chave que permitirá a qualquer Tipo 3 iniciar a observação de si mesmo. Quando os possuidores desta máscara participam dos nossos workshops sobre o Eneagrama, a gente percebe quão ansiosos estão para conhecer-se, quão ansiosos estão para ter uma experiência interior. A falta de atenção aos seus mundos internos os leva a procurar com ansiedade e paixão a resposta a todas as suas “inquietudes espirituais”. Realmente, querem saber mais sobre si, porque sentem que dentro deles mesmos está o que suas atividades externas nunca lhes proporcionarão. Durante o transcurso dos workshops, percebem que gostariam de ter mais tempo para si mesmos, que não são capazes de se abrir emocionalmente com os entes queridos, que não conseguem desfazer-se de seus papéis de grandes desempenhadores nem quando fazem o amor, e que compulsivamente cobram de seus filhos o sucesso, por que: a) eles o conseguiram e porque inconscientemente não desejam que seus filhos provoquem comentários do tipo: “os filhos de fulana (o) não são bem-sucedidos”; b) ou porque acham que além do “sucesso” não existe outra razão válida pela qual lutar nesta nossa breve existência. Este temor não apenas tem a ver com o anseio normal que todo pai e mãe têm, mas também esconde uma egoísta necessidade de passar para os outros a imagem de um outro sucesso: “os filhos devem ter sucesso porque eu tive sucesso, devem ser trabalhadores performáticos, estudantes destacados, porque assim conseguirei fazer com que a imagem

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que eu criei de mim mesmo tenha continuidade neles”. Sempre lembro aos meus alunos o exemplo do pai Tipo 3, que quando dá um presente ao seu filho, o faz para “compensá-lo” por algum bom desempenho ou sempre aproveita para cobrar-lhe uma atitude ou lembrar-lhe o que dele se espera. Existe o caso do pai que quando dá um carro de presente para seu filho aproveita para dizer que “um carro é uma ferramenta de trabalho indispensável nos nossos dias” e que ele espera que o filho compreenda “o valor desse presente”, “o difícil que é obter as coisas”, etc., etc. Porém, em nenhum momento conseguiu dizer para seu filho o que estava sentindo, emocionalmente, e que a razão do presente se resumiria apenas nesta simples mas verdadeira frase: “Meu filho, eu te amo.” A vaidade, o grande “pecado” desta máscara, provoca nos Tipos 3 uma incapacidade para perceber o que está por trás das aparências de suas vidas. Algo deve ser alcançado sempre, algo deve ser conquistado, não se pode parar por nenhum motivo, até porque os outros se acostumaram a vê-los sempre ativos e dispostos. Só que, às vezes, se dão conta de que esse “algo” parece não estar “lá fora” e parece “fugir” deles...

Esquecendo as necessidades emocionais e sentindo-se superficial Tudo o que se possa fazer “para fora”, para ser admirado, implica o esquecimento de si mesmo, de suas necessidades emocionais, de suas necessidades de contato mais íntimo e autêntico com os outros e até consigo mesmo. Este esquecimento faz parte do movimento ao Ponto 9 do Eneagrama. Também é típica deste Tipo Eneagramático a dificuldade para meditar, para estar consigo mesmo, para entrar no mundo interno. Certo Tipo 3 me revelava um dia como havia sentido um verdadeiro desassossego e incômodo para meditar durante apenas 20 minutos. Muitos deles percebem que estão “representando um papel” que, ainda que os outros achem bom, faz com que sintam uma espécie de irrealidade ou falta de sentido, que às vezes os deixa com a estranha sensação de estar vivendo “superficialmente”. Vaidade e mentira são os principais “desvios” a serem observados pelos possuidores desta máscara. Apenas

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um lembrete para você antes de continuar: a questão de voltar a “ser e sentir verdadeiramente” não deverá ser encarada do mesmo modo com que você encara seus trabalhos, projetos ou negócios. Não precisa ter sucesso imediato, tá? Mais ainda: não precisa fazer esta observação de si para apontar mais um triunfo em suas capacidades de realizar coisas. Para voltar a ser e sentir você precisa ser verdadeiro apenas consigo mesmo e para si mesmo... Isto é muito importante. Pare de enganar-se: esse algo pelo qual você tem feito tantos esforços, está mais perto do que você imagina e supera o valor de todos esses sinais externos de sucesso que você procurou com tantos esforços, tanta competência... e tanto esquecimento de si mesmo e dos que você ama.

A “identificação” e o traço principal: “vaidade das vaidades, tudo é vaidade” (e a vaidade é mentirosa!) Com certeza muitos Tipos 3 notarão que nos seguintes depoimentos existe algo de comum com suas próprias lembranças de infância. Um dos nossos discípulos, Sérgio, lembra que: “eu era uma criança que se destacava nos estudos. A família cobrava meu desempenho e me elogiava pelos meus resultados... buscava sempre as melhores notas, porque queria ser reconhecido como o melhor aluno. Era desinibido e por isso era comum ser um dos escolhidos para participar das festas do colégio, nas apresentações de atividades artísticas, etc.” Coincidentemente, Stela, outra aluna, escreveu: “A recordação que tenho de minha infância é, de um modo geral, de uma época de grande felicidade. Em que se fundamentava esta felicidade? A vida corria muito harmoniosa, todas as minhas necessidades básicas estavam atendidas, e eu tinha uma enorme expectativa de que tudo seria sempre assim. O que era necessário para que fosse sempre assim? Eu deveria fazer tudo direito, como esperavam de mim, estudando, sendo organizada, procurando ser a melhor em tudo que fazia, visto que desde cedo percebi que vivíamos num mundo em que pessoas estão competindo o tempo todo e que, aquelas que alcançavam sucesso, tinham o afeto, respeito e admiração de todos.”

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Após escrever sobre detalhes felizes da sua infância, outra aluna revelou: “Meus pais nunca sentaram comigo para estudar e mesmo assim sempre fui uma boa aluna. Isso dava grande satisfação ao meu pai, que sempre me presenteava, me colocava no seu colo e me dava muito amor...” Outros autores, baseados nas suas observações, também concordam em destacar que a maior parte dos Tipos 3 teve infâncias nas quais o bom desempenho e os bons resultados obtidos eram o meio pelo qual se conquistava o amor e/ou a atenção positiva das pessoas. Por terem todos influência do Ponto 2 do Eneagrama, essa percepção de receber admiração e atenção “em troca de”, os leva a estar sempre “fora de si mesmos”. A questão de ser para os outros que destaca os Tipos 2 se torna necessária também para este Tipo, só que com uma grande diferença. Ser querido é sentir-se admirado, transformando os relacionamentos em uma troca quase comercial, “eu dou isto, então eu recebo isto”. Quanto mais ações adequadas melhores resultados, quanto melhor desempenho, mais satisfação narcisista. Por outro lado, já que acham que deveriam procurar sempre esses resultados, essas reações positivas dos outros, eles decidem que não podem parar. Será necessário continuar fazendo essas coisas certas que produzem resultados bons e admiráveis. A máscara começa a ser formada e justificada pelo resto da vida.

Aprendendo a mentir e a mentir-se: afinal, “é muito fácil enganar os adultos” É indubitável que a gente cansa, ninguém é de ferro, certo? Porém os Tipos 3 ficam tão identificados com a necessidade de se mostrarem sempre como os melhores exemplos de bom desempenho que surge a necessidade de “se ocultar” dos outros. Como fazer isto? Muito simples: eles criam uma imagem, uma espécie de ilusão por intermédio da qual parecerão sempre performáticos, bem-sucedidos, prontos e dispostos, cheios de trabalho e dinâmicos. Enfim, aprendem que podem iludir os outros. Só que o preço dessa descoberta é paradoxalmente mentir também

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para si mesmo e mentir para si mesmo, como cantava Renato Russo “é sempre a pior mentira”. O grave é que Tipos 3 terminam acreditando na imagem criada. Quando surge essa percepção de que se pode enganar os outros? Todos os Tipos 3 possuem uma versão diferente, porém, escolhi uma muito profunda e verdadeira. Amanda, revela-nos: “Havia em mim uma enorme curiosidade sobre o mundo dos adultos, ao mesmo tempo em que eu intuía que não era muito difícil agir dentro deste mundo, pois os adultos, diferentemente das crianças, eram muito fáceis de serem enganados.” Que grande descoberta! Nos custa muito aprender esta lição... Talvez por isso continuamos sendo enganados por produtos que oferecem vantagens inexistentes, bancos que ficam com o dinheiro de seus clientes, médicos que são comerciantes, advogados que são criminosos, professores que não querem educar, políticos que não ligam para o bem comum, companhias de telefones que não funcionam, etc. Sim, é muito fácil enganar os adultos. Quando Tipos 3 se cansam de parecer performáticos, quando necessitam encontrar-se com eles mesmos, quando seus mundos internos reclamam atenção, quando é preciso parar eles se perguntam: como é que eu posso parar, se todos acham que nunca vou parar? Como vou fazer para fugir desta absorvente atividade, se todos acham que eu sou o super-homem ou a super-mulher? Simples, pregando “pequenas mentiras que não farão mal a ninguém”. Um exemplo simpático: Um dos meus alunos, Tipo 3, Mário, contou que durante muito tempo ele trabalhara “quase 24 horas por dia” na clínica médica da qual era sócio-fundador. Muitas vezes, saía de casa cedo e não voltava até tarde da noite... Certa vez decidiu que era necessário mudar esse ritmo... mas, como mudar? Tinha passado sempre uma imagem de superdesempenho... O que pensariam os outros se ele começasse a sair antes do trabalho? Que fazer? Simplesmente, decidiu “enganar” (no bom sentido) os outros. Ele esperava que todo o mundo fosse embora, enquanto isso, mostrava-se muito atarefado porque ele tinha muito trabalho por realizar. Logo, quando os demais já tinham terminado, ele ia embora... Todos pensariam que ele continuava com o mesmo ritmo, só que era mentira. Uma mentira que visava conservar a imagem

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de homem eficiente, trabalhador e incansável que ele tinha criado com tanta paixão e da qual se envaidecia. Como muitos Tipos 3 que acabam compreendendo essas armadilhas psicológicas que não lhes permitem fugir dessa atividade desenfreada, ele reconhece que hoje se importa com seus sentimentos e necessidades, sem culpar-se. Está trabalhando em si mesmo e dá-se conta de que deixar espaço e tempo apenas para meditar, viajar e curtir seus filhos e esposa é muito valioso. Ele descobriu que pode usar 10% de seu tempo para seu lazer e para estar com a família, segundo ele, após ler alguns autores de livros de autoajuda, dos quais Tipos 3 gostam muito! Quando Tipos 3 começam a parar de mentir a si mesmos, descobrem que as mudanças de vida só implicam uma maior autenticidade a nível emocional e que essa autenticidade pode fazer bem aos outros, especialmente aos filhos. Eva, nossa aluna, descreve assim esta descoberta: “O sucesso profissional não se reflete no meu lado emocional. Como mãe não sou pegajosa, sou rigorosa e ditatorial. Com o trabalho que venho realizando com Khristian Paterhan estou mudando. Começo a tratá-los com mais amor, isto é, consigo verbalizar frases como “mamãe te ama”. Mesmo não falando, eu sempre adorei e adoro meus filhos.” Porém ela mesma percebe hoje que o modo de expressar essa “adoração” pelos filhos era incompleta. Como ela, muitos pais Tipo 3 tentam justificar suas ausências por falta de tempo e trabalho excessivo, mediante o fornecimento de tudo o que parece valioso, materialmente. Transformam amor em produtos valiosos que são dados para que os filhos façam tudo direito e para expressar deste modo o que não podem dizer verbalmente. A mesma aluna nos relatou que: “Para agradá-los compro roupas, brinquedos, etc. Hoje percebo que estava condicionando meus filhos a um jogo do tipo ‘se você fizer isso, você recebe isso’. Hoje tento conversar e não mais fazer essas trocas. Meu filho mais velho ficou carente de amor e atenção. Pois sempre cobrei isso ou aquilo, dentro dos padrões que eu achava corretos. Falando para ele ‘estude para amanhã ter seu carro, seu apartamento, etc. Aproveite as oportunidades que mamãe lhe dá, olhe quantos meninos gostariam de estudar, ter uma cama quente, ter roupas, etc’.”

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Concordamos que muitas coisas valiosas podem ser compradas com o fruto dos nossos trabalhos e esforços, porém as mais valiosas para o desenvolvimento de uma psique equilibrada e sadia não são encontradas nos grandes shoppings centers de nossas cidades e sim nos nossos próprios corações.

À procura da admiração e do reconhecimento alheio: “comprando” o amor dos outros Os Tipos 3 mostram que uma das razões para serem workaholic é a procura de admiração e reconhecimento. Miguel, um aluno Tipo 3, reconheceu: “A vaidade é manifestada em relação ao trabalho. Busco sempre reconhecimento por aquilo que faço. Tenho compulsão pelo trabalho. Tenho que estar em atividade o tempo todo. Não tenho moderação. Minha dedicação é excessiva, procurando sempre a superação.” Esta procura de reconhecimento e admiração é provocada na infância, porque os Tipos 3 percebem que alcançar resultados é garantir a atenção dos outros. Assim como os Tipos 2 precisam sentir-se amados dando amor aos outros, os Tipos 3 aprendem a comprar o amor dos outros, fazendo tudo o que os outros consideram valioso e importante. Outra aluna Tipo 3, Letícia, descreve esta questão numa profunda reflexão sobre sua infância: “De um modo geral as crianças são carentes do amor dos adultos, dos pais em particular. Quando eu tinha três anos de idade minha mãe decidiu que eu ia para o colégio. É importante observar que naquela ocasião, em 1941, as crianças só iam ao colégio por volta dos sete ou oito anos. Depois de três semanas de grandes protestos de minha parte – chorava e gritava todos os dias – minha mãe se deu por vencida e me comunicou que eu não iria mais ao colégio, antes dos sete anos, como todas as outras crianças. Nesse exato momento, não sei por que tipo de inspiração, afirmei que agora quem quer ir ao colégio sou eu... Fui objeto da admiração de todos, deram-me um tambor para tocar em frente a todas as demais crianças reunidas num pátio e, em todos os lugares, eu ouvia grandes elogios à minha forte personalidade.”

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Sem dúvida a razão dessa “inspiração” repentina foi o temor de perder o amor maternal. Enquanto ser enviada ao colégio numa idade na qual se faz tão importante o contato parental pode parecer uma perda do amor materno, esta criança intui que essa temida perda pode manifestar-se do mesmo modo ou pior se ela não aceita o desafio de ir todos os dias a esse mundo estranho fora do lar. Assim, garante o amor que deseja receber da mãe e, de repente, descobre que, por sua idade, todos a admiram no colégio. Então tudo fica resolvido! Agradar os outros fazendo o que eles acham valioso não só garante o amor, como também produz admiração e elogios. Essa atitude em relação ao mundo adquire importância e se torna o leitmotiv dos Tipos 3. Conquistar a admiração e os elogios por bom desempenho será o modo de procurar esse amor e carinho tão desejados. Só que essa procura passa a ser cada vez mais dependente de questões externas e assim os verdadeiros sentimentos terminam abafados. Quando os Tipos 3 participantes dos nossos workshops descobrem estas coisas, se emocionam e alguns até choram (ou tentam!). O modo de vida moderno tem criado muitos Tipos 3. Muitas pessoas vivem para demonstrar que são melhores que as outras como um meio de conseguir indiretamente esse amor e atenção que termina sendo confundido com as manifestações de admiração e reconhecimento. Concorrer, disputar, ser o melhor, ganhar o prêmio, vencer, parecem ser os únicos motivos válidos para existir. É muito difícil fugir dessa competição constante, e como parece ser o mais importante, tudo o mais termina sendo secundário e parece que tudo pode ser comprado. Num mundo em que namorar, ter amigos para bater um papo, ter prazer sexual e satisfazer outras necessidades próprias do animal-humano podem também ser “negócios lucrativos”, compradas ou adquiridas direta ou indiretamente mediante o “disk-sexo”, “disk-namoro” ou até via Internet, alguns Tipos 3 apenas nos demonstram que, quanto mais esquecemos nossas necessidades internas e quanto mais a dita “sociedade de consumo” nos “programe” para que acreditemos na felicidade proveniente do cartão de crédito “gold”, mais longe ficaremos da linguagem do abraço sincero e silencioso, da conversa amistosa, do papo familiar, enfim, de tudo aquilo que nos torna humanos.

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Lembro-me de um programa jornalístico de TV no qual se comentava sobre o aumento da solidão nas grandes cidades. Pessoas passam, atarefadas e estressadas, rapidamente perto de nós dia-a-dia. Pessoas que têm cada vez menos tempo para relacionar-se e conhecer e amar umas às outras nesses três níveis de amor que aqueles velhos filósofos gregos chamavam: Eros, Ágape e Philos. Ter amigos e pessoas queridas, ter a capacidade de dar e receber amor, ter empatia e/ou simpatia pelos próximos, são questões muito valiosas que nos permitem encontrar o termo médio entre essa nossa necessidade de ter e possuir e nossa necessidade de ser e sentir.

Quanto mais vaidade mais narcisismo: quanto mais narcisismo menos autenticidade Os Tipos 3 perdem o contato com seu Eu Superior (o ser real) na procura do sucesso e da admiração alheia. Quando isto acontece, o narcisismo leva-os a manifestar-se “camaleonicamente”, como alguns autores descrevem essa capacidade de “disfarçar-se”, de “mudar” de acordo com as circunstâncias para ser sempre admirado. Um Tipo 3, Antônio, reconhece: “Quando tive que participar de um encontro profissional em que era necessária minha presença em vários eventos e seminários no mesmo dia, eu era capaz de mudar de emoções e de expressar-me em cada um desses eventos, de acordo com o que o ambiente requeria. O importante era mostrar às pessoas que eu estava por dentro de tudo e procurava passar essa imagem de interesse e entusiasmo ainda que dois desses eventos fossem diametralmente opostos entre si...” Os Tipos 3 procuram ser vistos como pessoas legais, trabalhadoras, ativas e positivas, e podem até atuar (vemos esta necessidade de atuar para que liga Tipos 2 e 3 no Eneagrama) para provocar nos outros as reações que consideram adequadas. Esta necessidade vai se mostrar mais forte, especialmente naqueles para os quais o Ponto 2 do Eneagrama exerce sua maior influência. Para aqueles nos quais o Ponto 4 do Eneagrama é mais forte, esse narcisismo irá

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acompanhado de certa excentricidade ou de uma necessidade de mostrarse bem-sucedidos porém, muito originais e únicos, conhecedores de tudo o que está na moda, de livros a restaurantes. O executivo ou executiva padrão das grandes cidades, que veste roupas de grife, é aceito entre os de sua classe, dirige seu carro último modelo para alguma “reunião importante”, enquanto fala sobre assuntos importantes pelo telefone celular e lembra todas as reuniões nas quais sua presença é necessária e socialmente importante; ou aquele bem-sucedido dono de botequim barato que, também, possui I-phone para chamar os seus fornecedores, tem suas unhas arrumadas pela manicure da esquina, deixa seu carro novo em frente ao negócio e fala com seus amigos sobre o tema “trabalho duro tem compensações, portanto me imitem...”. O primeiro viaja pelo mundo, visita lugares importantes, faz aplicações financeiras, lê livros de temas da moda ou relativos ao sucesso na sua profissão, etc. O segundo já foi a Porto Seguro de avião e pagou em prestações, tem conta em dois bancos, matriculou seus filhos num colégio caro e está querendo inaugurar um outro botequim dentro de alguns meses. Quando Tipos 3 temem perder estes símbolos de sucesso, ficam estressados. O fato de manter uma imagem de sucesso, de quererem ser os únicos a estar “no topo”, de precisar da admiração alheia, pode conduzi-los a uma vida de exterioridades tão vazia que é muito frequente encontrar entre eles esses estressados e típicos candidatos ao “turismo espiritual”. Desenganados após anos de vida artificial, eles se tornam “seguidores” de terapeutas ou de “gurus”, aos quais não hesitam em entregar parte de seus ilusórios bens terrenais em troca da felicidade interna e eterna, claro!. Uma das mais incríveis amostras desta afirmação pode se confirmar no extraordinário sucesso que sempre tiveram no mundo certo tipo de seitas, as quais se tornam “refúgio” dos milhares de Tipos 3 cansados da “programação” do establishment. Reflita-se, nesta parte, qual a razão psicológica do movimento hippie e da forte influência do mestre indiano Rasjneesh (hoje chamado Osho por seus discípulos) na juventude americana e europeia que encontrou nas suas propostas um meio de expressar emoções e sensações reprimidas e abafadas por

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uma sociedade tida como ilusória, fútil e falsa. No Brasil, certo tipo de mercado esotérico procura preencher esse vazio interior de diversas maneiras. Certa vez, no jornal O Globo apareceu a foto de um vidente famoso, que posava do lado de uma das representantes da high society local. Embaixo, o jornalista informava que este senhor é extremamente requisitado pelas damas da sociedade brasileira. Na TV, ele anunciava um serviço telefônico, por meio do qual se prometiam conselhos dos “melhores videntes” do Brasil. Esclareço que não pretendo julgar este ou outro tipo de atividades ditas “esotéricas”, mas provocar uma reflexão: numa sociedade em que tudo pode ser comprado, em que as pessoas vivem das aparências e motivadas a esquecer o “Ser” em troca do “Ter”, corre-se o risco de gerar humanos subdesenvolvidos, fracos e pobres no que diz respeito a seus mundos internos. Vivemos num mundo em que a pobreza interior daqueles que externamente parecem ter “tudo para ser felizes” é tão assustadora quanto a pobreza objetiva dos favelados e miseráveis deste país e do mundo. Realmente, o desenvolvimento humano é urgente em nossos dias. Tomara que o Brasil seja o arauto ante as nações desse necessário equilíbrio entre o mundo interno e o mundo externo, e não apenas uma cópia desse seu Tio Patinhas bem-sucedido do Norte e que, ultimamente, não anda bem das pernas, certo? Aparências enganam...!

Sim, as aparências enganam, por isso o Tipo 3 gosta delas! Como sustenta Riso, em seu Tipos de Personalidad, apesar de não existir correlação do Tipo 3 com nenhum dos tipos junguianos, “existe certa conveniência poética no fato de o Tipo 3 (cuja personalidade é tão pouco fixa e mutável) não corresponder a nenhum dos tipos junguianos. Sendo o tipo de personalidade mais adaptável de todos, o (Tipo 3) é tratado em vários dos tipos junguianos sem ter uma categoria própria”.

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O Tipo 3 e o caráter mercantil de Fromm Neste caso, quem fez o “retrato psicológico” que se correlaciona mais exatamente com este Tipo Eneagramático na psicologia ocidental foi Erich Fromm na sua obra To Have or To Be, quando descreve o que ele chama de “caráter mercantil”. “(...) ele se baseia no fato de nos sentirmos como mercadorias, tendo não um ‘valor de uso’, mas ‘valor de troca’. O ser vivo torna-se uma mercadoria no ‘mercado de personalidades’ (...) Embora varie a proporção de perícia e qualidades humanas, de um lado, e personalidade, de outro, como requisitos para o êxito, o ‘fator personalidade’ sempre desempenha um papel decisivo. O sucesso depende, em geral, de como as pessoas se vendam bem no mercado, de como imponham sua personalidade, e da qualidade da ‘embalagem’ com que a envolvam: depende de serem ‘joviais’, ‘sadias’, ‘agressivas’, ‘honestas’, ‘ambiciosas’; além disso, contam também a tradição do nome da família, os clubes a que filiam-se e ao relacionamento com as pessoas ‘certas’ (...) cada qual deve fornecer uma espécie diferente de personalidade que, sejam quais forem as suas diferenças, devem satisfazer uma condição: ser procurada.” Para mostrar sucesso, os Tipos 3 “enfeitam” suas fachadas existenciais com todos os chamados “signos de êxito” socialmente aceitos. Eles possuem o carro do ano, a TV de plasma mais badalada, o laptop mais completo, os acessórios mais valiosos. Dependendo de suas diversas faixas sócioeconômicas, os Tipos 3 se mostram externamente bemsucedidos segundo o que sua classe social exige de alguém bem-sucedido. Um exemplo quase caricatural desta questão de “parecer bem-sucedido” apareceu num artigo que foi capa da revista Veja Rio de abril de 1996. A capa mostrava uma gravata feita de reais numa impecável camisa branca sem cabeça e a matéria de capa era: “Meu primeiro milhão”, com o subtítulo: “Angústias e recompensas dos jovens que correm atrás da fortuna no mercado financeiro”. A matéria, está recheada de citações próprias de Tipos 3 e 8 (compare as sutis diferenças entre estes dois Tipos Eneagramáticos): “Se eu não performar sempre de forma ótima,

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alguém vai fazer isso por mim”, “Quem é bom fica, quem não é dança”, “Não estou jogando para me divertir, mas para ser rico”, “Não sei se existe um valor que me bastaria. Quanto mais se tem, mais se quer”, “Poderia viajar quantas vezes quisesse para fora do Brasil, mas não dá para ficar muito tempo sem estar a par das flutuações do mercado”, “Se eu chegar aos 30 anos com 1 milhão de dólares e tiver sociedade no banco, direi que a primeira etapa foi vencida”, “Quero crescer dentro do banco” e outras pérolas do tipo. Na matéria, a repórter Mônica Weinberg descreve (consciente ou inconscientemente) esse mundo Tipo 3 em que tantos pretendem apenas “crescer dentro do banco” e ter “um milhão de dólares”. Entre os entrevistados, a jornalista destaca um sujeito que, segundo ela, é “bem-sucedido demais para quem mal faz 30 anos, embora traga o rosto riscado por rugas precoces”. Entre os sinais de sucesso dos candidatos ao chamado “exclusivo mundo dos melhores e bem-sucedidos” estão carros de 37 mil dólares, férias em Nova York (!!) todos os anos (oh, my God! como é que pode com todo esse maravilhoso Brasil tão perto!), livros “educativos” tais como O covil dos ladrões, história do megainvestidor norte-americano Michael Milken, punido por suas próprias espertezas no mercado financeiro; e Barbarian at the gates, os bastidores de uma operação entre três ex-sócios da Nabisco. O quê? Gostou?... Não, não sei; no artigo não se mencionam as editoras. Sobre gravatas, as mais badaladas no momento são as francesas Hermès ou a inglesa Tie Rack, claro! Bom, por aí vai essa reportagem dos nossos novos dollars-men made in Brazil. Alguns Tipos 3 sentem bem cedo a importância da boa imagem. Ter uma boa imagem e passar aos outros boas impressões leva-os a rejeitar aqueles que são, “cinzas” demais, “pouco espertos” ou “pouco brilhantes”, ou “humildes demais”, especialmente se essas pessoas têm algum tipo de relacionamento com eles. Falando sobre a influência de seus pais na sua existência, Elza, uma aluna Tipo 3 reconhece este fato: “De um modo geral, aceitei suas influências no que elas me pareciam boas para alcançar na vida o que eu julgava que me interessava. Assim, por exemplo, a postura social de meu pai era de uma humildade absurda. Apesar de ser um engenheiro de

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muito sucesso no seu tempo e de ter acumulado bens materiais bastante razoáveis, procedia socialmente como se fosse uma pessoa subalterna, o que me fez desenvolver uma postura completamente oposta à sua – Típica da Máscara 3: sempre acreditei em trabalhar minha própria imagem e desde a infância adotei, ludicamente é claro, um lema, em latim, Hostis Honori Invidia, que significa ‘a multidão honra a quem inveja’. Já a postura social de minha mãe me parecia perfeita, pois ela vivia como uma princesa. Identificava nela, porém, uma certa carência de raciocínio lógico que me obrigou a, desde muito cedo, pensar sempre por mim mesma, por não confiar muito... nas opções tanto de um, quanto do outro.” É fácil observar neste depoimento as preocupações de todo Tipo 3: como os outros são importantes socialmente, como se deve trabalhar a própria imagem para que os outros possam percebê-las como importantes. Não adianta apenas ter sucesso, é preciso comportar-se como uma pessoa bem-sucedida perante os outros, é necessário “parecer” exitoso, inteligente e “socialite”. Também é necessário “aparecer”, claro! Esta é a razão pela qual aqueles Tipos 3 considerados socialmente vip, lutam continuamente para manter-se no pódio dos “vencedores sociais” e aparecer, por exemplo, na revista Caras. Anseios que são compartilhados com os Tipos 2 e 7. Obter uma fotografia junto a pessoas bonitas e importantes faz parte de uma luta na qual muitos Tipos 3 se destacam por suas incríveis estratégias de autopromoção.

“Seja como eu, me imite e se dará bem”: O Tipo 3 como falso “exemplo” de vida certa Quando o narcisismo é tido como uma “virtude social”, Tipos 3 se tornam “motivadores” dos outros, encorajando-os a serem como eles. Esta necessidade de encorajar, motivar e cobrar dos outros atitudes e resultados vem acompanhada do correspondente lembrete: “aprenda de mim, me imite, esforce-se como eu”. Aqueles em que esta tendência é “suave” produzem nos outros uma acolhida calorosa e agradecida, são

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simpáticos e participativos, ajudam os outros e gostam de fazer coisas em benefício da comunidade. Assim eles alimentam a própria imagem. Porém o que neles é visto por alguns como positivamente “motivador” e “exemplar”, para outros pode acabar se transformando em cobranças difíceis de suportar. Alguns Tipos 3 são extremamente controladores e chegam a exagerar nas suas cobranças. Parecem, com suas atitudes, estar sempre lembrando aos outros: “se você não me imita, se você não é um triunfador como eu, se você não trabalha como eu, você é um fracassado, um ninguém”. Pais Tipos 3, muito apegados à imagem triunfante, podem ser extremamente controladores com seus filhos, provocando o contrário como reação. Quando Tipos 3 triunfam, se tornam extremamente “cobradores” para com aqueles que estão perto deles, sejam estes seus sócios, amigos ou parentes. Existe uma certa agressividade nesta conduta, já que nessas cobranças está implícita a ideia de que os “incapazes”, os “que se dão mal na vida”, os que “não dão certo” (segundo o que eles chamam de “capacidade”, “dar-se bem”, e “dar certo”) são seres desprezíveis. Também, esta atitude com respeito aos outros esconde um forte medo (movimento negativo ao Ponto 6) de ter que viver entre ou com pessoas que poderiam ter que depender deles em troca de nada.

Procurando um “bode expiatório” para os fracassos Caso, por razões externas ou por erros nos seus negócios, um Tipo 3 inicie um processo de fracassos e se dê mal, ou não tenha os resultados esperados, a saída é culpar os outros, ou ao “estado incompetente”, ou à “situação geral”, porque é difícil ter que aceitar que a causa do fracasso pode ser ele mesmo. Os Tipos 3 não querem ser considerados fracassados. Tentam demonstrar que não tiveram culpa ou não seriam responsáveis. A necessidade de manter suas imagens de pessoas bem-sucedidas os leva a não aceitar o fracasso, razão pela qual se esforçam e muitos até conseguem superar crises que, para outros Tipos Eneagramáticos, seriam difíceis de transpor. Assertivos

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e dinâmicos perante situações complicadas, conseguem muitas vezes convencer os outros de que eles não criaram essas situações. Entre os Tipos 3 menos evoluídos, encontraremos aqueles sujeitos que podem determinar friamente que “se eu fracasso os outros deverão fracassar também”, desse modo ninguém poderia chamá-los de fracassados já que “todos estarão na mesma situação”. Por esta rejeição ao “fracasso”, Tipos 3 se tornam às vezes extremamente críticos com quem está por perto, muitas vezes cometendo graves erros de apreciação. Lembro-me neste instante de um certo Tipo 3 que devido a algumas “quedas financeiras” chegou a pensar que ter ingressado numa determinada instituição poderia ser uma das causas possíveis dessas perdas temporais! Ele depois compreendeu que a coisa não era assim, mas naquele momento sua afirmação provocou entre seus colegas uma reação totalmente compreensível de rejeição. A razão é simples. O que num determinado momento os Tipos 3 chamam “fracasso” é apenas o fato de não estarem conseguindo tudo o que eles desejam. A razão do fracasso temporal nunca é devida ao resultado de suas ações, mais é causado pelas circunstâncias do meio, pela empresa, a terapia, a esposa, os sócios, etc. O narcisismo os impede de enxergar as verdadeiras causas do aparente “fracasso” que apenas deveria servir como “feedback” para assim conseguir a Equanimidade e a Humildade necessárias face à realidade ou Verdade que se ocultam por trás das máscaras da Inveja, do Orgulho e da Mentira, que são os três pecados capitais que formam o corpo do Minotauro que este Tipo Eneagramático deve enfrentar no labirinto de seu mundo interno.

Conclusão necessária para não ter a mesma sorte de Narciso Namorar a si próprio não é negativo quando se compreende a fundo o que já foi citado sobre o conceito de amor-próprio definido por Gurdjieff no capítulo relacionado ao Tipo 2. A dose certa de amor-próprio e de autoestima é saudável e motivadora. Porém maquiar demais o ego, produzir-se além da conta, e depender apenas desses artifícios para

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impactar os outros, pode levar os Tipos 3 a ficar mais longe da própria verdade. É bom lembrar que, de tanto namorar sua bela imagem refletida no lago, Narciso acabou se afogando – as ninfas talvez o tenham levado ao reino das águas e, não sabemos se conseguiu ser feliz por lá – ou pelo menos ninguém mais o encontrou. Assim surgiu o primeiro trágico exemplo dessa patologia psicológica chamada “narcisismo”. É interessante nesta parte lembrar que, segundo Helen Palmer, quando se relacionam os Tipos Eneagramáticos com as patologias psicológicas do DSM americano (Diagnostic and Statistical Manual III, Revised), o Tipo 3 não se encaixa em nenhuma categoria correspondente, esclarecendo-se que este é um “Tipo identificado recentemente no pensamento psicológico ocidental”. Curioso, não? Como poderia ser considerado patologia psicológica por um teste “made in USA” o fato de se possuir uma personalidade Tipo A, ou workahólica, numa sociedade que faz questão de considerar esse tipo humano a melhor amostra da cultura americana? Para Ives Leloup, um dos pioneiros da psicologia transpessoal, este seria com certeza um excelente exemplo de “normose”, ou seja, dessa doença rasteira que afeta a milhões de pessoas no mundo fazendo-as acreditar que a única opção para ser feliz neste mundo são suas agitadas, ocupadas, rotineiras e vazias vidas. Só me lembrei desta questão agora, enquanto pensava no triste destino de Narciso... olhando o seu “reflexo” nas águas da mater-matéria, esqueceu aquele que olhava através de seus olhos e que era ele... verdadeiramente. Todos temos este esquecimento e todos corremos o risco de perdermos, de nós mesmos, como Narciso...

Iniciando o processo de mudanças positivas Quando os Tipos 3 decidem trabalhar em si mesmos, geralmente o fazem com o entusiasmo e o empenho que colocam para realizar seus objetivos e metas materiais. Porém a necessidade da máscara de querer mostrar bom desempenho faz com que eles esqueçam o verdadeiro alvo desse trabalho interior, ou seja, olhar para dentro de si mesmos e sentir, simplesmente

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aprender a sentir. Não é fácil para eles, porque, acostumados a viver para o externo, acostumados a mostrar-se bem-sucedidos em tudo, os Tipos 3 fazem de qualquer trabalho interno uma espécie de prova de capacidade ou de uma nova oportunidade para mostrar-se como os melhores. É comum ouvir deles que na terapia tal ou qual, ou na análise, ou nas dinâmicas de grupo, eles manifestam-se de acordo com as expectativas do terapeuta, analista ou psicólogo ao qual estão tentando abrir seus mundos internos sem conseguir o resultado principal, ou seja, uma genuína transformação. O efeito “camaleão” toma conta do processo, como Elizabeth nos revela neste depoimento: “Quando fazia terapia eu conseguia me antecipar às expectativas do psicólogo, aprendia e lia sobre as técnicas psicológicas usadas por ele e me adiantava ao que ele tinha para me falar. Eu me sentia até mais capaz do que ele e logo abandonava essa terapia, sem ter conseguido abrir meu mundo interior. Em cada terapia eu me comportava dessa maneira e parecia que sempre conseguia mostrar-me como a melhor em cada uma delas, porém sentia que ainda não conseguia superar meus obstáculos interiores.” É importante compreender que as mudanças positivas a serem de­ senvolvidas importam e são valiosas apenas porque você precisa delas. Não haverá mudanças positivas se você não ficar entregue ao trabalho interior. Não existe nada que você deva demonstrar para os outros além de sentimentos autênticos. Você deverá aprender que também vale pelo que é, e não apenas pelo que você faz. Porém, para atingir este valioso resultado, é necessário ser verdadeiro. Sim, verdadeiro, primeiro com você mesmo e logo, como consequência natural, verdadeiro para com os outros.

Os movimentos no triângulo equilátero: verdadeiro sentir, verdadeira ação, verdadeira esperança – (ver figura na página 334) Parece um resumo do Nobre Óctuplo Sendeiro budista e, de certa maneira é. Para os Tipos 3, 9 e 6, todo o movimento eneagramático se dá em relação a esse Trino Ser que, apesar de ser “Três Pessoas”, é “Um

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só Deus, não mais”. Sim, tudo acontece para estes três Tipos no mundo interno e na sua relação com o ser. Quando a máscara da mentira está presente, os Tipos 3 agem esquecendo-se de si mesmos, deixando de sentir, adiando o que é mais importante. Esse é o “movimento” negativo ao Ponto 9 do triângulo. Quando esse estado de abandono de si mesmo se afirma no falso ouro dos “ótimos resultados”, o medo de perder essas fantasiosas fontes de segurança ilusória leva os Tipos 3 a experimentar os aspectos negativos do “movimento” ao ponto 6. Resultado: impossível parar (volta ao Ponto 3), é necessário continuar a correr atrás do sucesso, do triunfo, da carreira, do posto elevado, do alto cargo. Ainda sentindo a terrível sensação de estar esquecendo-se de si mesmos (Tipo 9) e das necessidades internas daqueles que compartilham suas vidas pessoais, os Tipos 3 decidem comportar-se como se não tivessem medo do vazio existencial, como se os desafios externos fossem uma espécie de droga que os pode manter sem sentir a dor de estar longe de si mesmos. Neste aspecto há algo do chamado contrafóbico dos Tipos 6. Observar esse movimento interno nos seus aspectos negativos é fundamental para o resgate do verdadeiro no Tipo 3. Observar como a imagem que um Tipo 3 projeta de si mesmo consegue (e isto é algo apavorante para aquele que se dá conta a tempo) substituir o seu verdadeiro Eu. Quando Tipos 3 decidem trabalhar em si mesmos e lembrar-se de si mesmos, pequenas mudanças tornam-se extremamente valiosas. Imaginemos um Tipo 3 com uma sincera capacidade de observação de si. Talvez perceba que não precisa adiar determinadas ações ou vivências relacionadas com ele ou seus seres queridos (movimento positivo ao Ponto 9) até o momento em que esteja com “menos trabalho” porque ele descobre que ter sempre algo para fazer, ter sempre “muito tempo ocupado”, faz parte de sua “mentira”, então aparece a “coragem” verdadeira (movimento ao Ponto 6) para comportar-se de um modo inédito, para atrever-se a sentir determinadas experiências sem temor. A distinção entre fazer por temor, ou seja, ir contra a seta eneagramática, fazer porque se não fizer pode perder algo, ser desconsiderado pelos outros ou perder sua qualidade de “melhor entre os melhores”, leva o Tipo 3 ao esquecimento de si mesmo, de suas verdadeiras necessidades

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(Ponto 9) e, finalmente, o melhor modo de não enxergar os perigos dessa atitude extrema é tornando-se um trabalhador compulsivo (volta ao Ponto 3). Não se trata de ter que parar de trabalhar, nem de abandonar tudo e sim conseguir um equilíbrio entre trabalho e vida interior, entre sentimentos e atividades. Este é o segredo da verdadeira ação, dessa verdadeira vida que um Tipo 3 deve objetivar. Ou seja, perceber, por exemplo, que trabalhar 8 horas de segunda a sexta pode ser tão bom e produtivo como trabalhar 17 horas diárias e, ainda, sábados e domingos, com a vantagem de que se pode curtir um bate-papo com os filhos, uma noite romântica com a pessoa amada ou simplesmente sentir e somente sentir a vida. Isto é Equanimidade, uma das virtudes vizinhas (Ponto 4), que Tipos 3 precisam viver. Aprender que não acontecerá nada se decide equilibrar seu agitado ritmo de vida e que, o máximo que pode acontecer é, talvez, evitar um ou dois infartos (lembro que Tipos 3 e 8 estão dentro do que se conhece como personalidades Tipo A (ou seja aquele grupo de pessoas com sérias tendências de sofrer doenças cardiovasculares) e ter tempo livre para dedicar ao encontro com seu ser. Falando de um outro modo, talvez mais motivador: tente ser excelente em relação ao seu mundo interno sentimentos, tanto como é excelente em termos materiais e externos! Alcançar este equilíbrio entre o mundo interno e o mundo externo passa por compreender esses estados superiores do ser que estão por trás da Verdade (3), da Ação (9) e da Coragem (6) do triângulo eneagramático: Amor (9), Fé (6) e Esperança (3). Sim. Ame honestamente a si mesmo e aos que estão perto de você, tenha fé naquela existência que é verdadeira e não aparente e que o pode levar a compreender que tem muito “Ouro de Tolos”, como cantava Raul Seixas, nessas suas “conquistas”. É necessário um novo modo de “fazer” mais consciente e equilibrado do ponto de vista do Ser. Este é o segredo.

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Como evitar o “vazio interior” e o que aprender com os companheiros eneagramáticos 4 e 2? Os Tipos 3 deverão estudar e analisar as características de seus companheiros eneagramáticos 2 e 4. Do aspecto negativo do Ponto 4 Tipos 3 recebem a influência da Inveja, entendida como a procura sofrida daquilo que ainda não conseguiram, daquilo que aparentemente falta e que, iludidos, acham que os fará felizes, no aqui e agora. Esta influência 4 produz em alguns Tipos 3 a sensação de inconformismo com qualquer resultado obtido. É como se sempre faltasse algo. Porém, essa falta de “algo mais” não produz nele a luxúria do 8, não. Ela esta ligada ao sentimento de ser merecedor de algo especial e único. Então, a possibilidade de se converter num “burro atrás da cenoura” se torna muito real e Tipos 3 deverão observar em que momento isto acontece. Por outro lado, a influência do Ponto 2 provoca a ideia de “sou merecedor do reconhecimento, porque eu faço o que outros não são capazes de fazer tão bem-feito quanto eu”. Isto é uma manifestação da ideia egoísta de “ser maior que o mundo” descrita por Claudio Naranjo quando analisa o Tipo 2 na sua obra. O positivo da influência do Ponto 4 é que Tipos 3 preocupan-se com valores espirituais, procuram dicas para viver melhor e valorizam o autoconhecimento. Ou seja, manifestam uma honesta necessidade de Equanimidade, de ficar equidistantes entre o mundo interno e o mundo externo. Esta procura tem dois tipos de expressão: alguns Tipos 3 tentam justificá-la mediante o constante aperfeiçoamento. Compram manuais de como fazer isto ou aquilo, manuais sobre como ser o melhor gerente, o melhor administrador, como ser bom pai, etc. Manuais são irresistíveis para Tipos 3, são uma forma de “narcotizar-se” (movimento a 9) ou esquecer essa sensação de “vazio” e de falta. Outros iniciam uma procura de si mesmos, por intermédio de terapias, sistemas, métodos e livros de autoconhecimento ou de autoajuda com o objetivo de serem melhores “internamente”. O perigo é quando fazem desta procura interior apenas algo “para inglês ver”, uma outra maneira de mentir a si mesmos, com o risco de continuar “vazios”.

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Os Tipos 3 devem trabalhar para serem honestos na procura do “Eu Real”, compreendendo que mentir em relação a esta procura só prejudicará a eles mesmos e nada mais que a si mesmos, ou que, no final, equivale a uma tragédia espiritual, porque o verdadeiro acaba por não ser mais sentido. Aconselho aos Tipos 3 que estejam realizando qualquer trabalho de aperfeiçoamento interior ou que estejam participando de escolas, fraternidades ou de grupos religiosos com o objetivo de “conhecer a si mesmos”, a refletir no seguinte aforismo que Gurdjieff nos deixou com um propósito exato: “Lembre-se de que você veio aqui, porque você compreendeu a necessidade de lutar contra si mesmo - unicamente contra si mesmo. Agradeça, portanto, a quem lhe proporcione a ocasião para isso.” Sim, você deve lutar “unicamente contra si mesmo”, contra sua mentira, contra sua falsa imagem, e não adianta “parecer” para os outros como “o melhor dos discípulos”. O problema é seu. Seja autêntico porque é para você mesmo que você será autêntico. Você não acha que vale a pena lutar contra si mesmo para chegar a esse estado interior no qual você se sentirá honesto e verdadeiro com você? O positivo do Ponto 2 como influência é a capacidade de demonstrar seus sentimentos e emoções, especialmente quando o que se sente é positivo e agradável. Essa atitude amorosa e receptiva dos Tipos 2, quando oportuna é positiva, valiosa e um exemplo a ser imitado pelo Tipo 3. Quando Tipos 3 estão sentindo vontade de abraçar ou de falar “bobagens” do tipo “eu te amo”, “estou feliz de estar aqui!”, etc., eles talvez possam sentir esses momentos de uma maneira mais autêntica, se apenas “consideram externamente” percebendo que para os outros essas manifestações podem ser muito valiosas e importantes, tanto como ganhar aumentos de salários ou de conseguir ganhos na bolsa. É necessária a Humildade para reconhecer o que está sentindo e para expressá-lo. Quando Tipos 3 não conseguem mostrar seus verdadeiros sentimentos, quando não se permitem parecer vulneráveis, eles não conseguem ser humildes. Humildade, Verdade e Equanimidade são poderosas virtudes. Tente descobri-las em você!

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“A VERDADE OS FARÁ LIVRES”: O DESAFIO FINAL Parece até título desses filmes em série, certo? É bom rir, para poder relaxar e quebrar ou, pelo menos, começar a quebrar algo daquilo que está cristalizado no coração. Não tente se defender agora, eu sei que você sente. Com frequência vejo os Tipos 3 quase chorando. Alguns declaram que não podem. Alguns se fazem de engraçados e tentam, em tom de brincadeira, dizer coisas que não sabem expressar emocionalmente. Às vezes são tão desajeitados no momento de mostrar sentimentos ou de querer agradar os outros que provocam o efeito contrário. Lembro aqui como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), Tipo 3, fazia esforços para mostrar-se irritado ou contrariado com relação a qualquer questão política que precisava de uma “reação enérgica” durante o seu governo. Simplesmente, ele até hoje não consegue! Arnaldo Jabor, a quem admiro, expressou bem-humorado, este aspecto da psique de FHC, escrevendo no Segundo Caderno do jornal O Globo de 30 de abril de 1996 uma espécie de chamado ao despertar das emoções do ex-presidente sob o título: “O Presidente deita no divã do psicanalista”. No subtítulo, esta frase: “Sem reformar seu mundo interior, FHC não conseguirá fazer as reformas do Estado.” Após uma entusiasmada sessão de análise que termina com uma terrível advertência profética (“Do contrário, você vai ser o Gorbatchov latino e vai dar o poder para algum bêbado louco!”), Jabor, descreve o esperado e catártico resultado: “...o presidente se ergueu do divã e gritou: – ‘Seus idiotas... seus cascas de ferida, seus sujos, mequetrefes, nefelibatas!’..., o doutor entusiasmado grita: ‘– Isso, Fernando!...’ e o presidente totalmente autêntico, emocionalmente falando, continua desabafando: ‘– Eu... eu sou o presidente desta joça... Meu povo! as reformas são as seguintes... Eu sou o que manda, eu sou o pau na mesa, o chefe desta pátria que nos pariu!’ O entusiasmo catártico é grande e incontenível e o analista grita: ‘– Dá-lhe, garoto!... isto é... presidente!’” Achei simplesmente genial porque, é o que sempre se cobrou de FHC! Realmente, ele deveria ter seguido os conselhos de Jabor para aprender a desabafar, reagir e defender seus triunfos quando necessário

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e justo, já que, como escreveu J.R.Guzzo na revista Veja do 1° de setembro de 2010, ainda não se reconhece que foi seu governo quem “finalmente encarou e venceu a inflação no Brasil”, porque, segundo Guzzo, “o que não se perdoa ao ex-presidente FHC é o seu sucesso.” Talvez para FHC defender seus triunfos como Tipo 3, aqui no Brasil, seja difícil por que como Guzzo adverte: “O Brasil, por força de teimosa tradição, não convide bem com o êxito; na celebre definição de Tom Jobim, sucesso, por aqui, é ‘insulto pessoal’” Então, Tipos 3 fiquem alertas, porque independentemente de questões políticas, escrevo sobre este caso para que vocês reflitam no fato de que muitas vezes, por querer parecer agradáveis, comunicativos e diplomáticos demais (influência da asa 2 e movimento ao Ponto 9 do Eneagrama) vocês não reagem e não demonstram suas verdadeiras emoções, nem o que realmente sentem por medo de perder a popularidade e a aceitação dos demais (Ponto 6 contra seta). Aconselho a você, Tipo 3, homem ou mulher, a expressar adequadamente seus sentimentos. Porém, até conseguir essa expressão adequada,você deve procurar a reconciliação e reencontro com o seu mundo emocional. Não se pode mudar de uma vez, apenas porque você como bom Tipo 3 acha que pode tudo! Sim, vá devagar... Platão lembra-nos no Mito da caverna que levar de repente alguém para enfrentar o Sol da Verdade pela primeira vez, pode causar grande dor e até cegueira. Então não faça deste caminhar para o sol do seu coração uma maratona performática...! Seja Humilde (Ponto 2) e Equânime (ponto 4), para seu próprio bem... Há pouco tempo, estive com um dos mais antigos alunos chilenos, um Tipo 3 muito especial. Tivemos conversas eneagramáticas muito valiosas, com ele e sua família. Sua filha conseguiu desabafar: “Eu teria gostado que você estivesse mais tempo comigo, que brincasse com a gente, que me tomasse no colo ou que batesse um papo comigo, mas você estava sempre muito ocupado, sempre com muito trabalho!” Ele compreendeu e sentiu. Aos poucos, ele percebe hoje que o que sua filha desejava não era apenas um “bom-pai-provedor-de-tudo-o-que-faz-falta”. Num trabalho familiar pedi para ele abraçar a filha, para ele falar de seu amor por ela, para ele a sentir... e foi muito bom para todos na família!

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A virtude da Verdade pode ser atingida por meio da vivência deliberada de determinadas situações nas quais Tipos 3 costumam comportar-se como camaleões. A esposa Tipo 3 de um grande amigo conversou comigo sobre certas questões, procurando orientação. Ela é uma mulher do tipo que chamamos “brilhante” e possui uma personalidade que reúne as melhores qualidades dos Tipos 3. Por isso, ela tinha ocupado durante anos um cargo de importância numa instituição mundial de grande prestígio. Numa de nossas sessões de coaching e perto de deixar o cargo, ela me revelou seu grande amor por essa instituição e como estava triste por deixar esse cargo. Ela gostava de tudo o que conseguia fazer pelos outros por meio dela e com o apoio e o trabalho solidário de seus colegas. Eu percebi que esse era um sentimento real e muito precioso e sugeri que dissesse isso no seu discurso de despedida. Ela, porem, não queria, já que, não se atrevia a mostrar esse tipo de emoção aos outros porque “não achava necessário nem importante”. Deixei isso como um desafio e uma tarefa a ser realizada. Se ela conseguisse se abrir e mostrar seus sentimentos em relação a esse cargo e a essa instituição, ela poderia dar-se conta de que as pessoas receberiam essa revelação do seu mundo interno com muito amor e alegria. Como poderia não ser importante para todos seus colegas e membros da sua comunidade saber que ela tinha todos esses sentimentos preciosos em relação ao seu trabalho?! Ela prometeu tentar... e assim o fez. Pela primeira vez, ela conseguiu expressar aquilo que Tipos 3 demoram demais para conseguir, (alguns demoraram anos), ou seja, emocionar-se verdadeiramente e expressar com autenticidade todos os sentimentos positivos que tantas vezes não foram reconhecidos. Ela foi muito aplaudida. O desenvolvimento emocional é um dos aspectos mais descuidados por nossos programas de educação e, como Gurdjieff dizia, um dos mais importantes. Ele advertia que o desenvolvimento humano não pode nem deve ser unilateral e que precisamos que todos os Centros - Intelectual, Emocional e Físico - sejam aprimorados harmoniosamente.

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Sem dúvida, a Teoria das Inteligências Múltiplas do Dr. Howard Gardner teria para Gurdjieff um grande valor prático e me atrevo a dizer que o Quarto Caminho, sistema filosófico no qual se fundamenta esta obra, tem muito a oferecer no campo de um novo tipo de educação no qual o conceito de inteligência supere os limites aos quais continua sendo restrito. Hoje, graças a Daniel Goleman, o conceito de “Inteligência Emocional” foi definitivamente incorporado a nossa linguagem e aos nossos limitados mapas mentais. Projetos como o “SAT – Educação” promovido por Claudio Naranjo, fundador da Escola SAT, estão focando esta visão de uma educação integral e humanizada. Realizá-los somente será possível com o apoio de indivíduos lúcidos que se importem com a evolução da nossa espécie. O Eneagrama, cuja divulgação realizo há mais de 20 anos, é um dos conhecimentos que podem auxiliar na educação integral das nossas crianças e jovens e espero que pessoas como você, desconhecido Tipo 3, empreendedor e bem-sucedido, apóiem minha proposta de levar este conhecimento a muitos outros seres humanos. Você pode!

O Tipo 4 O eu que idealiza

Alguém perguntou: “É preciso sofrer o tempo todo para manter a consciência aberta?” Ele respondeu: “Há muitas espécies de sofrimento. O sofrimento também é um bastão de duas pontas. Uma leva ao anjo; a outra, ao diabo. Temos que lembrar o movimento do pêndulo: após um grande sofrimento existe uma reação proporcionalmente grande. O homem é uma máquina muito complexa. Ao lado de cada ‘bom caminho’ há sempre um ‘mau caminho’ correspondente. Um caminha sempre ao lado do outro. Onde existe pouco bem, existe pouco mal; onde tem muito bem, tem também muito mal. O mesmo acontece com o sofrimento; é fácil encontrar-se no caminho equivocado. O sofrimento se transforma em algo agradável. Alguém é golpeado uma vez, e tem dor; a segunda vez tem menos dor, na quinta vez já está desejando ser golpeado. Deve-se estar em guarda, deve-se saber o que é necessário a cada momento, porque a gente pode se desviar do caminho e cair num fosso.” G. I. Gurdjieff

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Sobre a dificuldade de ser feliz A jornalista Daniela Name escreveu para o jornal O Globo o que, na minha opinião, é o melhor retrato de um Tipo 4 que todos os brasileiros cultos, sem dúvida, conhecem por meio da sua obra literária. Como é muito comum que Tipos 4 sejam muito cultos, decidi iniciar a breve análise da sua máscara mediante o retrato jornalístico deste ilustre lusitano. Você concordará comigo que o famoso escritor português Mario de Sá-Carneiro, grande amigo de Fernando Pessoa, foi um ser humano muito especial e diferente. No artigo, a jornalista nos lembra as características únicas deste poeta extraordinário: “Moderno, marginal, decadente. Ao se matar aos 26 anos, no quarto de um hotel barato de Paris... ele reafirmou os adjetivos usados para qualificá-lo. Era o dia 26 de abril de 1916 e os médicos que analisaram o cadáver – que vestia um smoking e estava deitado na cama – não tiveram dificuldades para escrever o atestado de óbito... Envenenamento... No suicídio mais anunciado da história.” Sim, foram ao todo mais de 202 cartas depressivas, que podem ser lidas nas obras completas deste escritor publicadas pela Editora Nova Aguilar. Dentre esses “anúncios da própria morte”, Daniela Name destacava na ocasião uma carta e um telegrama que retratam esse tipo de mundo interno que somente os Tipos 4 podem compreender, como já veremos ao longo deste capítulo. A carta citada, escrita em Paris, datada de 3 de abril de 1916, diz: “Adeus, meu querido Fernando Pessoa. É hoje segunda-feira 3, que morro atirando-me debaixo do Metrô (ou melhor, Nort-Sud) na estação de Pigalle. Mandei-lhe ontem meu caderno de versos mas sem selos. Peço-lhe, faça o possível por pagar a multa se ele aí chegar. Caso contrário, não faz grande diferença pois você tem todos os meus versos nas minhas cartas. Vá comunicar ao meu avô a notícia de minha morte – e vá também ter com minha Ama na Praça dos Restauradores. Digalhe que me lembro muito dela neste último momento e que lhe mando um grande, grande beijo. Diga a meu avô que também o abraço muito.

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Adeus. O seu pobre Mário de Sá-Carneiro. P. S.: Envio-lhe como última recordação a minha carta de estudante na Faculdade de Direito de Paris – o bom tempo – com o meu retrato. Um grande abraço. Adeus. O seu, seu Mário.” Você imaginou receber 202 cartas de um amigo querido anunciando que vai se suicidar?! Sim, devia ser difícil para Fernando Pessoa, com certeza. Sorte de ele ser um Tipo 5!. Talvez esse fato lhe permitisse compreender esses anúncios do seu amigo e também talvez lhe permitisse estar preparado para receber as notícias do adiamento do suicídio. Você pensa que estou brincando? Não, prezado Tipo 4, é a verdade! No caso citado pela jornalista, após receber este “último adeus”, Fernando Pessoa recebe no outro dia um telegrama em que se lê: “Paris, 4 de abril de 1916. Sem efeito as minhas cartas até nova ordem – as coisas não correm senão cada vez pior. Mas houve um compasso de espera. Até sábado. O seu Mário de Sá-Carneiro.” O organizador da obra completa deste escritor, o poeta Alexei Bueno – declara à jornalista que Sá-Carneiro era “um poeta extraordinário, mas vivia atormentado pela ideia da grande arte. Tinha uma sensibilidade extrema, era quase histérico. E bebeu estricnina porque não podia suportar a banalidade do cotidiano”. Numa outra parte do artigo se lê: “Exagerava na forma e no conteúdo de tudo o que escrevia. Sua linguagem abundante não economizava palavras nem imagens extravagantes. Levava uma vida de dândi, e não encontrou dificuldades para descrever com maestria holofotes sobre piscinas e a rotina de milionárias americanas em Paris.” Num outro parágrafo deste artigo, encontramos a declaração do professor de literatura portuguesa da Unicamp, Akira Osakabe, que revela um dos aspectos mais interessantes deste notável escritor relativo ao tema da multiplicidade do “eu”: “Ele tinha plena consciência da falta de unidade do ‘eu’. Mas, diferentemente de Fernando Pessoa, que criou seus heterônimos, não achou uma saída estética para o tema. Pessoa ameniza o conflito, Sá-Carneiro vive o drama em si mesmo.” Sim, nesta breve e preciosa descrição jornalística, se revela essa grande dificuldade de viver e de ser feliz que caracteriza todo Tipo 4.

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Uma dificuldade que às vezes é superada quando os donos desta quarta máscara conseguem alcançar a equanimidade, ou quando abafam sua angústia existencial dedicando-se a quixotescas causas, ou a colecionar preciosidades, ou quando se dedicam a ajudar aos outros, ou ainda quando influenciados pelo 3 Eneagramático, dedicam-se, como escreve Helen Palmer, a combater a depressão com hiperatividade contínua.

Lembrando outros exemplos Destaquei em itálico o que são, neste poeta, algumas das manifestações corriqueiras do Traço Principal desta máscara: “vive o drama de si mesmo”, “exagero na forma e no conteúdo”, “imagens extravagantes”, “as coisas não correm senão cada vez pior”. Sim, a questão básica neste quarto Tipo Eneagramático é a perda constante do chamado “sentido da vida”, uma das causas dessas patologias psicológicas derivadas da depressão exógena. Uma espécie de “dor de viver”, que muitas vezes chega a ser “curtida”, um constante “abandono” do presente que leva estes tipos a sentir com força especial o significado dessa palavra que eu, como estrangeiro, acho (viu? eu estou “achando” também!) semanticamente maravilhosa e rica em significados: “saudade”. Os Tipos 4 sofreram perdas às vezes muitos grandes, a “saudade” neles é um sentimento fortíssimo. Para sentir melhor esta máscara enquanto escrevo, ouço o CD do conjunto Madredeus, no seu concerto gravado ao vivo no Coliseu dos Recreios em Lisboa, em abril de 1991. Realmente um belo concerto Tipo 4! E só ler as letras das canções. Pensei também há pouco no quão fascinante deve ser para alguns Tipos 4 ler Jean-Paul Sartre e sentir que só ele podia compreender e sentir a “náusea” da vida humana ou de chegar à conclusão de que fomos todos como que “abandonados” numa existência de características trágicas e desesperadoras. Porém acho que não foi Sartre o melhor exemplo dessa representação psicofilosófica da tragédia da vida humana que conhecemos como existencialismo, até porque encontramos nela um chamado a vivê-la e a

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sermos responsáveis. Quem seria mais pessimista e cético que o filósofo romeno Emil Michel Cioran? Logicamente, muitos Tipos 4 pensarão: “Eu, só que acho que nem sequer devo falar a respeito, pois não vale a pena!!” Bem, este filósofo também decidiu, num momento determinado, parar de escrever “convencido de que seria inútil externar suas opiniões”. Em um breve artigo publicado pela revista Veja achei alguns destes dados tão interessantes do chamado arauto do pessimismo, cujo primeiro livro, publicado quando tinha 22 anos, chamou-se No Cume do Desespero (!!). Apesar de não terminar seus dias suicidando-se (morreu aos 84 anos após uma vida “dedicada a apontar a ausência de sentido na vida”), garantia que, paradoxalmente, o que o consolava era o fato de ter o poder de acabar com a própria vida quando bem entendesse. A Veja cita uma declaração do filósofo a respeito: “Sem a ideia do suicídio, já teria me matado há algum tempo.” Na minha opinião, o fato de ele ter sido simpatizante do nazismo (estupidez da qual se arrependeria publicamente anos depois), revelou apenas outras das características deste Tipo Eneagramático. É comum encontrar entre os Tipos 4 os “intelectuais rebeldes”, os “contrários ao regime”, “os esquerdistas teóricos”, os “intelectuais boêmios”, os “livre-pensadores”, os “originais”. Cada época tem os seus... Graças a Deus! Só para deleite dos prováveis masoquistas Tipos 4 (estou apenas tentando fazer com que você também ria de si mesmo, porque, se levar a sério demais isso, corro o risco de ser apontado como o causador de seu provável suicídio e eu sei que, mais de uma vez, você pensou ou imaginou o abandono antecipado deste mundo), cito aqui algumas das frases que a Veja destacou como representativas da “visão” da existência de Cioran, este incrível representante da quarta espécie eneagramática. Veja só que pérolas!: “O ceticismo derrama demasiado tarde suas bênçãos sobre nós, sobre nossos rostos deteriorados pelas convicções, sobre nossos rostos de hienas com um ideal”; “Quem se mata por uma mulherzinha vive uma experiência mais completa e profunda do que o herói que altera a ordem do mundo”; “Que auxílio pode oferecer a religião a um crente decepcionado por Deus e pelo Diabo”; “A música é o refúgio das almas feridas pela felicidade”.

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Descobrindo o traço principal através dessa inveja que não parece inveja e sim tristeza (porque talvez inveje o que apenas se perdeu!) O saudoso mitólogo, professor e escritor Junito de Souza Brandão (a quem tive a grata oportunidade de conhecer pessoalmente) escreveu no seu Dicionário mítico-etimológico sobre a Inveja: “Ftono é a inveja, o ciúme, a mágoa provocada pela felicidade merecida de outrem. Ftono é a personificação da Inveja. Como a maioria dos ‘demônios’, cuja personalidade está associada ao próprio nome, Ftono não possui um mito próprio.” Não é incrível? Ftono nem sequer possui um mito próprio!... Interessante, não é? Afinal, por que é que o pecado capital da inveja é associado aos Tipos 4? Muito simples: esse modo de “errar o alvo” que chamamos inveja, esconde sutilezas que explicam a psicologia desta máscara eneagramática. Na sua obra Dos Vícios, Artigo IV (Questão LXXXIV, ponto dois) sobre “se devemos admitir sete vícios capitais” ou não, o famoso “Dr. Angélico” (Santo Tomás de Aquino) faz um comentário que, na minha opinião, permitirá que nos aproximemos com mais sucesso do estado de espírito dos Tipos 4. Ele diz que “a tristeza está incluída na preguiça e na inveja” (o texto original completo diz: “Enumerantur autem aliqua vitia ad quae pertinet delectatio et tristitia: nam delectatio pertinet ad gulam et luxuriam; tristitia vero, ad acediam et invidiam”). Sim, a inveja dos Tipos 4 é provocada por uma profunda tristeza que os leva a sentir a falta da felicidade, a falta do que se acham merecedores e que julgam que outros possuem. Os Tipos 4 sentem uma constante falta de algo, algo que deveria ser obtido ou que já se teve e se perdeu, algo que poderia ser a causa da sua felicidade futura, algo que nunca está presente e que parece que outros atingem. Daí a tristeza e a melancolia que nestes Tipos freqüentemente se encontra à flor de pele. Uma contínua insatisfação no presente os leva a viver no e do passado, ou no e do futuro. É como se no presente não se tivesse o que poderia fazê-los felizes, como se no presente não coubesse sua utopia.

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O maravilhoso Frans Krajcberg:: um exemplo da visão do mundo através da Quarta Máscara Vejamos um novo exemplo de Tipo 4 que descobri no Brasil. Estou me referindo ao notável artista plástico polonês naturalizado brasileiro, que vive numa casa construída sobre um tronco de árvore numa reserva florestal de 960.000m2; defensor da floresta tropical brasileira, o homem que compra troncos e restos de árvores das queimadas e que contrata carretas para levá-los até Nova Viçosa, no litoral Sul da Bahia, para criar belíssimas eco-esculturas-denúncia com as quais defende a Amazônia e a Mata Atlântica. O homem que numa entrevista para um programa da TV Cultura contou a uma maravilhada e emocionada jornalista, que não fazia esculturas apenas para serem vendidas, que ele gastava muito dinheiro para trazer os restos de árvores queimados e até tinha sofrido atritos por isso, que ele o fazia porque as árvores queimadas lhe lembravam o sofrimento e os corpos dos judeus mortos nos campos de concentração nazis, de que foi testemunha ocular. Sim, este homem sensível e único é Frans Krajcberg. É fácil sentir a tristeza deste homem nas suas grandiosas obras de arte, enormes espaços ocupados com restos das queimadas transformados em esculturas maravilhosas e melancólicas. A sua tristeza pela destruição das florestas é consequência das lembranças de suas próprias perdas. Ele tenta nos acordar dizendo: “Vocês não sabem o que têm, vocês não merecem tanta beleza.” Ele valoriza o que os brasileiros têm e que absurdamente alguns destroem. A inveja aqui se apresenta como uma denúncia e um protesto: “Se eu fosse o dono desta floresta, vocês não poderiam destruí-la.” O sentimento da possível perda do 4 aparece nessa insatisfação com o presente e com o mundo que a gente descobre em Krajcberg. Como ser feliz num planeta onde a “espécie inteligente” desmata e queima essa preciosa manifestação da vida que são as florestas? Aqui, o sentimento da falta de compreensão dos outros, da falta de sensibilidade diante da vida e da natureza, se transforma em um motivador extraordinário. A inveja como sentimento que exprime a sensação maçante de falta: algo falta e deve ser obtido e, enquanto não possa obtê-lo, como poderia ser feliz? Krajcberg sintetiza com sua

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vida e sua obra essa inveja – tristeza eneagramática, que o leva a fixar como meta o anseio utópico de provocar uma reação catártica ante essa constante destruição ecológica. Ele foi testemunha de terríveis perdas e quer evitar outra grande perda. Ele sabe por dolorosa experiência e com total certeza que esse espírito destrutivo acompanha desde sempre seus semelhantes. Luta contra inimigos invencíveis, com uma força que todo Tipo 4 manifesta diante dos obstáculos que ele enfrenta quando procura aqueles objetivos nos quais fundamenta sua futura felicidade. Quanto mais incerteza do fruto, mais sofrimento, mais sensação de falta, mais mensagens do tipo: “Está vendo, eu não falei que ninguém compreende!?”

A perda do paraíso A inveja no Eneagrama é derivada de uma espécie de insatisfação dolorosa que, para cada Tipo 4, tem uma explicação diferente. No Eneagrama, perda e inveja escondem a procura angustiante que todos temos: a procura da felicidade que, para Aristóteles, é a palavra chave para nosso mais íntimo anseio, como constatamos no início da sua Metafísica. É a perda dessa felicidade que está por trás desse sentimento de falta, de carência da qual Platão nos fala no seu precioso diálogo conhecido como O Banquete. Uma falta que, quando sentida, nos leva à procura dos nossos paraísos perdidos. Essa é a motivação mais profunda do Ponto 4. Por acaso não será invejado aquele que parecer ter reencontrado um desses “paraísos”? Para Tipos 4 as perdas são multiformes. Tão multiformes quanto nossos próprios “paraísos perdidos”. Não será importante lutar por recuperá-los? Não serão invejados aqueles que aparentemente os reencontrarem? Numa preciosa reportagem da Revista Ícaro da Varig, escrita por Frederico Morais, pude verificar minhas suspeitas sobre o Tipo Eneagramático deste artista. Sob o sugestivo título de “Krajcberg Escultor de Florestas”, o autor nos permite conhecer algo do seu mundo interno mediante suas impressões pessoais quando seu primeiro encontro no

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ateliê que ele instalara, a céu aberto, em Cata Branca, Minas Gerais: “Revoltado e angustiado como um personagem de Camus, lembrando fisicamente Van Gogh, travava, naquele cenário, uma luta insólita contra as convenções da pintura.” Sim, tipos 4 sentem-se e muitas vezes atuam como seres especiais, originais, sempre revoltados pela incapacidade dos outros de enxergar o realmente valioso, o importante, que existiu no passado ou que poderia existir no futuro. Essa fixação relacionada com o sentir o que outros não percebem, leva Krajcberg a justificar, por exemplo, sua não participação no movimento neorrealista dizendo: “Eu gostava da insolência dos artistas do Novo Realismo, que lutavam contra o abstracionismo, mas, na verdade, eu pertenço à minoria que cedo percebeu a importância da natureza para o futuro dos homens.”

A insatisfação com o presente Para Tipos 4 será fácil compreender as ações de Krajcberg. Eles sabem o porquê da insatisfação com o presente, no qual nada é como deveria ser, e sabem como é que essa insatisfação promove uma sensação de falta ou de perda, que pode se tornar o argumento para abandonar um projeto ou para ir embora de uma cidade ou de um país. A felicidade para Krajcberg parece estar no Brasil longe da Europa na qual só viveu perdas e sofrimentos: “soldado no front russo, ferido de guerra, toda a família dizimada em campos de concentração alemães na Colônia, onde nasceu, miséria e fome em Paris” lembramos o autor do artigo na Ícaro. O artista encontra no Brasil um desses paraísos perdidos que Tipos 4 procuram e sonham: “No Brasil, nasci uma segunda vez, tomei consciência de ser homem e de participar da vida com minha sensibilidade, meu trabalho e meu pensamento. Os bosques da Europa não me emocionam e as intolerâncias europeias continuam a me inquietar.” Porém ele sempre sente que falta algo, até sente que carece da capacidade de expressar a beleza deste país no qual encontra uma natureza em que “tudo lhe parecia tão lindo e surpreendente que muitas vezes se viu chorando e dançando de alegria”: Como expressar na minha obra toda esta emoção e esta beleza?”.

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Inevitavelmente, o passado virá a se impor à sua alegria e à sua obra. O Traço Principal não poderá ser evitado. Num determinado momento ele inicia a defesa da natureza no Brasil. Sua defesa, como ele afirmou num programa da TV Cultura, se alicerça na lembrança do seu sofrimento na Europa. Esse sofrimento acabou, porém é necessário lembrá-lo. Como? O autor da reportagem na Ícaro responde: “Sem abandonar Nova Viçosa, decide em 1978 aprofundar seu conhecimento da Amazônia brasileira onde já esteve duas vezes. Nessa expedição, é acompanhado pelo pintor Sepp Baendereck e por Pier Restany, dela resultando, além de muitas obras, o polêmico manifesto do Rio Negro ou Manifesto do Naturalismo Integral. Nessa ocasião Restany definiu o artista como ‘o arauto de uma consciência ecológica nacional e internacional...’” Sim, nosso artista “descobre” uma nova razão para justificar sua constante tristeza, sua sensação eneagramática de faltas e perdas: “Doravante, em sua obra, a beleza está associada à indignação. Krajcberg denuncia e protesta contra as queimadas do Pantanal Mato-grossense, que ele passa a visitar com frequência...” É preciso denunciar. Como as antigas e trágicas perdas da guerra, as queimadas são um crime contra a humanidade, uma espécie de genocídio ecológico. Deve-se lutar contra a falta de sensibilidade. O futuro dos seres humanos está em risco. Como provocar a sensibilização de todos? Por meio da arte: “Suas obras são realizadas, desde então, com troncos queimados e carvão. Cria imagens candentes da destruição feita pelo homem, imagens de revolta. Ele consegue sensibilizar a opinião pública nacional e internacional: Sua obra recente transformou-se assim em um manifesto visual...” Assim este notável Tipo 4 nos leva a refletir sobre o valor da vida: lembrando o passado e advertindo-nos sobre um futuro trágico que devemos evitar. (Paradoxalmente, sem considerar esse passado e esse provável futuro, como poderíamos ser felizes no presente?) O presente dessas florestas magníficas pode ser perdido. Krajcberg nos abre o íntimo de seu Tipo Eneagramático na frase com que Frederico Morais finaliza sua matéria: “Não escrevo: não sou político. Minha mensagem é trágica. Denuncio o crime, a outra face de uma tecnologia sem controle. Não faço esculturas, procuro formas para que ouçam o

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meu grito. Sinto-me na madeira e na pedra. Esta árvore queimada sou eu.” Sim, assim é a Quarta Máscara Eneagramática e, sem dúvida, aquilo que podemos ver e aprender, através dela, é, apenas outra das extraordinárias faces da realidade. Os que queimam florestas e desmatam com certeza desconhecem o protesto artístico-ecológico deste homem, ou simplesmente não se importam. Só espíritos sensíveis e realmente sábios poderão julgar seus esforços. Para Tipos 4, lutar por causas perdidas faz parte desse jogo em que realizam grandes esforços para alcançar difíceis metas, sabendo que quando estiverem perto de alcançar seus objetivos, deixarão de sentir o que sentiam num primeiro instante. É como se quisessem manter essa sensação de impossibilidade. Ao contrário dos Tipos 2, eles não desejam sentir o agora, e, ao contrário dos Tipos 3, eles sentem até demais, que o que sentem deve sempre ser algo por acontecer, algo por vir, algo a resgatar, algo que ainda falta, algo que é a causa de uma felicidade desconhecida, longínqua, distante, e, por isso mesmo, sofridamente atraente.

Felicidade... Só de longe, só desejada Com Krajcberg é possível comprovar o afastamento dos Tipos 4 da felicidade quando próxima ou achada. O anseio de expressar a beleza da natureza, da mata, se transforma no temor de perdê-la e essa sensação de nascer de novo nesta terra abençoada também implicará a descoberta de uma nova forma de dor e de sofrimento. O paradoxo é que os Tipos 4 não se permitem sentir felicidade mas se mantêm sempre distantes dela, desejando-a desesperadamente, porém sempre se afastando quando está pronta para ser obtida. No fim, parece que têm medo da felicidade porque tiveram grandes e inexplicáveis perdas. E, se todas as coisas podem ser perdidas, se tudo é passageiro, não será a felicidade algo que apenas devemos sentir de longe? Esta consideração talvez leve os Tipos 4 a sentir a melancolia como algo atraente, algo no qual sentem o que outros não poderiam sentir porque não são capazes de sentir esses “sentimentos profundos”. Jorge Luis Borges, ilustre Tipo 4 argentino

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e mestre da literatura hispano-americana, nos transmite esse estado de espírito que revela a ameaça permanente da possível perda (lembremos que sua maior perda foi a da visão: “eu que sempre imaginei o paraíso como uma biblioteca...”, exclama, quando confessa a dor de ser nomeado diretor da Biblioteca de Buenos Aires no momento em que sua cegueira se manifesta, impedindo-o de desfrutar de todos aqueles livros) daquilo que existe no presente mas que pode sumir a qualquer momento, por meio de alguns dos seus versos, como estes: “Si para todo hay término y hay tasa, y última vez y nunca más y olvido, quién nos dirá de quien en esta casa por última vez nos hemos despedido?7 Os Tipos 4 muitas vezes abandonam trabalhos quando estão dando certo. Outros até “sabotam” seus projetos. Nossa única aluna Tipo 4, Vera, declara: “Muitas vezes sou inconstante, vacilante, nos meus planos, projetos, que muitas vezes ficam inacabados.” É como fugir antecipadamente da perda iminente convertida numa maneira de sabotar a própria felicidade. Só assim se pode confirmar frente aos outros um estado que não se deseja abandonar. Só quando admitirem a perda que os leva a achar que nada os fará felizes e a agirem como vítimas das injustiças da vida que tudo lhes nega, os Tipo 4 conseguirão perceber as possibilidades reais e concretas de alcançar a tão invejada felicidade que lhes parece acessível aos outros mas que eles não se permitem sentir. Sim, é muito complexo. Como poderia ser simples? Não, não fique pensando que “é tarde demais para mudar” ou coisas do gênero. Ainda que você não acredite, sei como você se sente. Apenas medite no seguinte: talvez seja necessário compreender que existe um tipo de “sofrimento inútil”, como ensina Gurdjieff. Qual o significado de “sofrimento inútil”?

Verso que podemos traduzir mais ou menos assim: “Se para todas as coisas existe fim e medida e última vez e esquecimento, quem nos poderá dizer de quem nesta casa pela última vez nos despedimos?”

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A tristeza de não ser feliz no presente (ou como se inicia às vezes o “sofrimento inútil”) No livro A Lei de Cristo: Teologia Moral, o redentorista B. Häring afirma que “a inveja é uma perversão do nosso instinto de emulação. As qualidades de outrem me agradam e eu gostaria de também possuí-las! Isso é normal. Mas o invejoso enche-se de tristeza pelo fato de descobrir boas qualidades nos outros. Encara-as como obstáculo à sua própria glória e ao seu próprio desejo de excelência”. Vamos examinar, no depoimento de Helio, como esta “perversão do nosso instinto de emulação” pode surgir. Quando criança, ele percebeu que seu pai tinha uma preferência por seu único irmão. A partir da ideia de falta e perda que permeia estes Tipos, ele afirma que “esta foi uma de minhas primeiras perdas emocionais” e que, apesar de ser o filho preferido da mãe, “isso não compensou a clara preferência de meu pai por meu irmão”. Lembrei o bíblico caso da inveja de Caim por Abel no Gênese, quando li o seguinte: “Meu irmão foi um problema muito sério para mim. Para começar, eu invejava sua beleza física: louro de olhos azuis, ele atraía as meninas com muito mais facilidade do que eu, que inclusive comecei a usar óculos aos nove anos, e era chamado de quatro-olhos pelas outras crianças. Sentir-me feio, em comparação a meu irmão, e também pelo fato de usar óculos, foi uma perda que trouxe inúmeros problemas à minha vida afetiva. Meu irmão sempre teve uma inteligência brilhante, e um desempenho escolar muito bom, ficando sempre em primeiro lugar ou perto disso. Além de invejar sua beleza física, eu também invejava sua inteligência... O sentimento de inferioridade que adquiri perante meu irmão agravou-se pelo fato de que ele, mais velho e mais forte, me dominava fisicamente em nossas lutas corporais. Passei a cultivar um ódio violento por ele, que fez com que eu o denunciasse a meus pais quando fazia algo errado, só para vê-lo castigado. Sentia por isso uma culpa enorme – e ele se afastou de mim, para fazer suas diabruras longe de meus olhos. Foi também uma perda afetiva... .”

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Ao refletir sobre este depoimento, podemos sentir o que significa a perversão do nosso instinto de emulação. Na inveja eneagramática constata-se uma insatisfação com o que se possui no presente, porque o que se possui é simplesmente ignorado, ou seja, não conseguimos ver o valor do que possuímos, o valor daquilo que nos diferencia do nosso próximo.

O Tipo 4 e o tipo intuitivo introvertido de Jung A descrição que Jung faz do tipo intuitivo introvertido ajuda a compreender esse “estado de espírito” que faz com que Tipos 4 se afastem do “presente”, sem perceber o que poderia fazê-los felizes “agora”: “A intuição introvertida está dirigida para o objeto interno (...) Embora sua intuição possa ser estimulada pelos objetos externos, não se ocupa das possibilidades externas, mas daquilo que o objeto externo liberar dentro dele. Desta maneira, a intuição introvertida percebe todos os processos de fundo da consciência com quase a mesma clareza que a sensação extrovertida registra os objetos externos.” O irmão do Helio parece ser mais feliz porque é o preferido do pai, porque é mais belo, porque é mais inteligente, porque é mais forte. O que produz a inveja nos Tipos 4 é uma incapacidade de ver a si mesmos e de enxergar o que possuem no presente, porque, como talvez aconteceu no caso citado, ninguém lhes mostra o quanto são valiosos ou porque ninguém explica as razões das “perdas”. Não pode existir autovalorização, autoestima ou amor-próprio sadios, sem o apoio de alguém que permita essas descobertas. A preferência do pai pelo irmão o leva a perguntar-se: “por que será que não sou como meu irmão?” Em sua mente começará a se construir uma razão que se transformará em ódio: “ele possui a preferência de meu pai porque ele é belo, é forte, é mais inteligente.” Tudo isto acontece porque ninguém lhe mostrou as vantagens da sua personalidade. Quando não conseguimos olhar para

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esses fatores que nos tornam diferentes dos outros e que são valiosos pelo fato de serem únicos e irrepetíveis, terminamos achando que não existem razões para sermos felizes sendo como somos. Então, falta algo que os outros parecem possuir. Portanto, Tipos 4 não podem ser felizes no presente. A tristeza se instala. O sentimento de falta e de perda se alicerça e a máscara começa a consolidar-se. Quando analisado, o depoimento nos mostra outras questões eneagramáticas de importância: Podemos constatar, por exemplo, um forte movimento contra a seta ao Ponto 1 Eneagramático, quando Helio nos revela: “Passei a cultivar um ódio violento por ele [seu irmão], que fez com que eu o denunciasse a meus pais quando fazia algo errado, só para vê-lo castigado.” A raiva vingativa se faz presente denunciando as imperfeições que ninguém vê no irmão, uma típica atitude da Primeira Máscara: Vejam, ele não é tão bom, não é perfeito, acusa o irmão. Diferentemente de Caim, nosso exemplo não assassinou seu irmão, nem física nem psicologicamente, tendo superado há muito esse conflito – “felizmente resgatamos nossos sentimentos fraternos anos mais tarde” –, provocado por um dos erros mais comuns cometidos pelos pais de todo o mundo: manifestar preferências exageradas por um dos filhos ou por alguns filhos, esquecendo que as necessidades de consideração e amor são iguais para todos e que quando não são levadas em conta, podem provocar profundas feridas psicológicas que às vezes nunca cicatrizam, provocando diversas reações negativas que dificultam a existência harmoniosa desses seres humanos. Vejamos qual foi a estratégia de Helio para superar sua aparente inferioridade: A percepção errada de que algo externo é a causa da felicidade do irmão (ele não usa óculos, ele tem cabelos louros e olhos azuis, ele é mais forte, etc.) faz com que ele procure uma forma externa de destacar-se perante os outros, para ser considerado e admirado. A influência do Ponto 3 do Eneagrama e o movimento ao Ponto 2 “colaboram” para essa descoberta. Se externamente não pode ser melhor que ele, deve existir algum meio pelo qual ele consiga destacar-se. Assim, Helio descobre o que o pode ajudar a ser considerado pelos outros como valioso: “Destaquei-me sobretudo pela habilidade na escrita. Os elogios que recebi por minhas redações, no

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período escolar, me tornaram escritor.” Tornar-se escritor tem sido para ele até hoje uma fonte de satisfação e, aperfeiçoado como trabalhador da palavra escrita, reconhece que: “Desloquei-me para minha asa 3 e fiz do meu trabalho uma grande fonte de felicidade pessoal.” Ao analisar comparativamente este caso com o seguinte, podemos constatar que a inveja como “perversão de nosso instinto de emulação” uma vez mais será a causa do surgimento da Quarta Máscara. Numa parte do seu depoimento, Vera nossa aluna Tipo 4 nos revelou: “Sempre fui muito saudável. Meu pediatra dizia à minha mãe que eu lhe dava prejuízo, pois dificilmente adoecia. Mas convivi muito com doenças. Meu irmão mais velho tinha uma doença de pele muito forte, além de outras alergias, o que nos obrigava a viajar frequentemente para cidades com estâncias hidrominerais, fazer tratamentos com águas termais, durante a infância. Acho que pode ter sido esta a razão de me desenvolver como Tipo 4. Devido à doença, meu irmão recebia atenção total de toda a família, tios, tias e avó inclusive. Sempre me dei muito bem com ele, mas apesar de ser a filha favorita do meu pai, eu gostaria de ter recebido o carinho, os cuidados e as atenções que ele recebia da família. No início da adolescência uma prima mais nova veio morar conosco e tive que dividir com ela minha categoria de única princesa da casa. Sentia inveja dela quando ganhava presentes e passeios maravilhosos do pai dela, enquanto eu nem saía de casa.” Neste caso, a inveja é provocada pelas atenções dadas ao irmão e à prima. Eles recebem atenções que ela acha que não recebe. No primeiro caso, os cuidados dos pais para com o irmão doente não lhe permitiram receber atenções, cuidados e carinhos. A chegada da prima, que também recebe atenções do pai, não só aprofunda o sentimento de não receber o que merece, porque terá que dividir até a “honra” de ser a única “princesa da casa”, como consolidará a ideia de carência. A falta de atenções (recebidas pelo irmão) e a perda de atenções (com a chegada da prima) fundamentam em nossa aluna sua máscara eneagramática, provocada pelos erros paternos já mencionados acima.

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Quando sofrer se transforma na arte de acabar com você Vamos lembrar aqui da resposta de Gurdjieff sobre o sofrimento citado no começo deste capítulo: Alguém perguntou: “É preciso sofrer o tempo todo para manter a consciência aberta?” Ele respondeu: “Há muitas espécies de sofrimento. O sofrimento também é um bastão de duas pontas. Uma leva ao anjo; a outra, ao diabo. Temos que lembrar o movimento do pêndulo: após um grande sofrimento existe uma reação proporcionalmente grande. O homem é uma máquina muito complexa. Ao lado de cada ‘bom caminho’ há sempre um ‘mau caminho’ correspondente. Um caminha sempre ao lado do outro. Onde existe pouco bem, existe pouco mal; onde tem muito bem, tem também muito mal. O mesmo acontece com o sofrimento; é fácil encontrar-se no caminho equivocado. O sofrimento se transforma em algo agradável. Alguém é golpeado uma vez, e tem dor; a segunda vez tem menos dor, na quinta vez já está desejando ser golpeado. Devese estar em guarda, deve-se saber o que é necessário a cada momento, porque a gente pode se desviar do caminho e cair num fosso.” Seria bom que você se detivesse um instante e meditasse nestas palavras de Gurdjieff. Especialmente se você corre o risco de “cair no fosso” quando não se é capaz de enxergar o perigo dos extremos desse bastão. Como já comentei anteriormente no capítulo sobre o Tipo 6, nos treinamentos avançados de Eneagrama, temos um exercício em que utilizamos um bastão numa roda de participantes em pé. O bastão é lançado do centro da roda, sem prévio aviso, a qualquer um deles. O exercício, que está baseado em antigas técnicas de autocontrole psicofísico, tem regras precisas: ninguém pode externar temor ao bastão, nem com gritos nem com movimentos exagerados de defesa, ninguém pode sair de seu lugar na roda. A pessoa deve receber o bastão com a mão esquerda, ou com a direita, tentando estar sereno e relaxado, porém alerta e pronto. As pessoas aprendem muitas coisas importantes com este simples exercício. Percebem que às vezes imaginam perigos inexistentes, percebem que todos os dias estão recebendo diferentes “bastões

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da vida”, percebem que podem se autocontrolar e relaxar até conseguir intuir quando é que o bastão será lançado a um deles, percebem que às vezes imaginam perigos inexistentes e... também percebem como sofrem à toa por tudo o que imaginariamente “projetam” no bastão – agressão, medo, raiva, ameaça, etc. – do que, o inocente bastão não tem nada. O bastão é percebido apenas de acordo com o que cada um deles projeta e/ou transfere a ele. Muitos descobrem como vivem projetando e transferindo diariamente a pessoas, situações e vivências, conflitos, angústias e outros estados internos negativos, que apenas estão neles próprios. Aos poucos essa compreensão os leva a realizar mudanças positivas em relação às suas vidas, permitindo-lhes um estado interno mais relaxado e harmonioso, aprendendo a controlar suas emoções negativas no diaa-dia. Eu defino essa nova atitude como o “aprender a conviver com o bastão da existência”. Enquanto o exercício se desenvolve, algumas questões são lembradas. Uma delas é: “Aprenda a não ficar muito tempo com o bastão no seu poder, aprenda a se desfazer dele. Receba e solte. O mesmo deverá ser feito com as experiências da vida. Não se apegue. Aprenda a soltar o bastão qualquer que seja a forma que ele tomar na sua existência.” Uma das formas de apego mais difíceis de compreender é o apego ao sofrimento. E os Tipos 4 são os mais vulneráveis a este apego masoquista. Algumas vezes, nem sequer se dão conta de como isso se repete em suas vidas, tomando mil formas diferentes, sendo algumas tão “razoáveis” que enganam durante anos os seus hipnotizados sofredores, aprisionando-os numa teatral “dor de existir”, sem permitir-lhes compreender o quão inúteis são esses seus amados “sofrimentos”. Vamos analisar como este “sofrimento inconsciente e tolo” como o definia Gurdjieff, consegue fazer vítimas entre nossos incompreendidos e especiais Tipos 4. (Lembro aqui que esta forma de sofrimento dito inconsciente é comum a todas as máscaras.) Uma aluna Tipo 4 que participou dos nossos workshops declarou certa vez: “Às vezes, deitada, gostava de imaginar que estava morta... Imaginava quantas pessoas amigas se reuniriam ao meu redor e observava quem estava presente e quem faltava... .”

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Não é interessante? Neste caso podemos constatar o que significa sofrimento inconsciente teatralizado. Quando os Tipos 4 têm fantasias da própria morte (de como seria seu suicídio, onde gostaria de morrer e como gostaria de morrer, se por amor, etc.) eles não conseguem perceber que estão perto do “fosso” provocado pela polarização negativa no bastão do sofrimento. Essa polarização vai se “cristalizando” com tanta sutileza ao longo dos anos, que alguns Tipos 4 até demoram a perceber que esse sofrimento “tolo”, inicialmente “teatralizado”, vai degenerar numa forma de viver e sentir erradas. Vejamos como isso acontece neste depoimento: “Como forma de chamar a atenção de meus pais, descobri o poder do teatro do sofrimento: ficava amuado num canto, silencioso, até que fossem cuidar da minha tristeza. O jogo, claro, fazia mais sucesso com minha mãe, mas funcionava. Desenvolvi um prazer masoquista nesse teatro. E a máscara do sofrimento tornou-se uma arma de controle da atenção e do comportamento dos outros.” Para cada Tipo Eneagramático existe um modo de chamar a atenção dos outros. Este é o modo dos Tipos 4: usar o poder do teatro do sofrimento. Alguns Tipos 4 demoram muito a perceber o controle que esse sofrimento passa a ter sobre suas vidas. Às vezes eles o superam após um longo processo marcado por experiências dolorosas como no caso do Helio. Outros, como no caso seguinte, perceberam essa “fixação” da máscara, graças à descoberta do Eneagrama. Refiro-me a uma senhora que, num dos nossos workshops, expressou por escrito e de uma maneira brilhante, o impacto sofrido ao descobrir sua “Máscara 4” com estas palavras: “...Desabei ao dar de cara com o Tipo 4. Foi tão forte o impacto que não consegui conter a emoção que extravasou-se em fortes lágrimas, que só com muito esforço consegui reter para que minha introspecção e a descoberta recente do porquê de tantas coisas não se tornassem soluços dignos de uma peça shakespeariana. Não, não estou jogando asas para a mordaz ironia do 7... Eu sinto estar pronta, convicta, passada e repassada por tantas provas. Portanto, fazer teatro só se for como um ator profissional ou amadorístico. No dia anterior... Escrevi o seguinte: ‘aos amados amigos... . Uma gotinha de esperança para adoçar esse cotidiano

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tão cheio de surpresas que não podemos deixar que empanem a beleza da vida’. Ora! Só o cotidiano do número 4 pode ser tão cheio de surpresas amargas, de perdas dolorosas, de traições inacreditáveis.” Basta examinar esta parte do extenso depoimento entregue por esta gentil mulher, para constatarmos o que chamamos de “sofrimento inconsciente”. Suas palavras veementes têm o objetivo inconsciente de mostrar-se direta ou indiretamente como a pessoa mais sofredora: “desabei ao dar de cara com o número 4...”; ...”foi tão forte o impacto que não consegui conter a emoção, etc.”... “passada e repassada por tantas provas”. Inconscientemente ela reconhece seu “teatro do sofrimento”, embora o rejeite: “soluços dignos de uma peça shakespeariana”, “fazer teatro só se for como ator profissional ou amadorístico (este último esclarecimento é simplesmente fantástico). O confronto com a máscara provoca nela uma necessidade de justificar seus sofrimentos inconscientes da seguinte maneira: “... Como posso evitar que o impacto com as surpresas desagradáveis tornem minha vida um mar de lágrimas?” Ela mesma pretende dar a resposta, a qual, como sempre, de modo veemente, trágico e exagerado com que alguns Tipos 4 permeiam todas as suas ações e descobertas e que, logicamente, é uma das causas dos seus sofrimentos inúteis: “Preparando meu instrumento para refletir à luz, aguçando meus sentidos para a obtenção do autocontrole e a canalização consciente de minhas forças, de minha vontade para objetivos anteriormente priorizados como mais importantes a serem realizados nesse ínfimo espaço-tempo de que dispomos nessa etapa de vida... é termos o controle sereno da vida... Em sincronia com a Magnificência da Força Criadora do Cosmos, a qual devemos nos render e aceitar os desígnios dos quais desconhecemos as causas.” Talvez você seja desses Tipos 4 que conseguem perceber a tempo quais as falhas desse “jogo” do “teatro do sofrimento”. Caso contrário, vale a pena refletir sobre quais foram as “falhas” que nosso aluno descobriu nessa atitude “masoquista” perante a existência, e que hoje parece ter superado o bastante para transformar-se num “exemplar” 4, mais equânime:

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“Na adolescência, transferi esse jogo (o teatro do sofrimento) para o campo da relação amorosa. Funcionava bem com algumas garotas (especialmente, claro, as de Tipo 2). E tudo era dinamizado com as poesias trágico-românticas que eu escrevia. O jogo tinha duas falhas graves. A primeira era esta: as garotas queriam namorados alegres, de alto astral. Meu teatro do sofrimento às vezes atingia tal carga dramática, que a relação ficava pesada, desgastada, insustentável. Então eu era abandonado ou trocado por outro, de alma mais leve, de cabeça menos complicada. Isto criou em mim o pânico de ser abandonado, e minha insegurança tornou-se visível, fragilizando ainda mais as relações e causando novos abandonos. Dos 14 aos 17 anos, passei perigosamente à borda do abismo do suicídio. Cheguei mesmo a fazer o teatro do suicídio, como ameaça, como arma de controle. A outra falha do jogo era o sofrimento maior que ele me causava. Como eu me achava pouco atraente fisicamente, criava personagens sedutores para as garotas. Fazia o tipo poeta, muito original... Fazer um personagem me punha em pânico. Eu estava convicto de que não seria, nunca, amado pelo ser que eu realmente era. Precisava, portanto, vestir uma máscara. Mas, e se fosse descoberto? Até quando o personagem seria sustentável? Não era inevitável que eu fosse abandonado mais cedo ou mais tarde, quando fosse flagrado em minha insegurança, meu sentimento de inferioridade, em minha incapacidade de ser eu mesmo? Como personagem, eu estava fora da relação, não era eu mesmo. Qualquer felicidade seria teatral, externa, não verdadeira, não alojada no fundo de meu coração.” Esta questão de “fazer um personagem” é muito interessante. A influência do Ponto 3 Eneagramático é flagrante nesta atitude de “parecer outro” que aparentemente é mais bem-sucedido ou mais aceitável pelos outros. Por outro lado, esconde uma clara manifestação da inveja. Às vezes essa tentativa de parecer uma outra pessoa, de mostrar-se diferente, é considerada como uma forma de “renegar” a si mesmo. Isto é o que podemos comprovar no depoimento da nossa brilhante aluna: “Ter renegado minhas raízes cristãs, ter reprimido de forma tão formal meu modo de ter, ser e sentir, ter tentado extirpar o crer profundo por um saber com suas bases no intelecto e na razão, mesmo que tentando

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dar voltas pela sensibilidade...”. Num outro trecho indaga: “por que essa enorme atração por máscaras pela vida afora? Em minha poesia há tantos tipos, tantas máscaras que uma pintora chegou a pintar inúmeros quadros baseados nos meus poemas...” e se descobre justamente num desses quadros em que “o Pierrô tirou a máscara e a Colombina continuou seu jogo mascarada”. Ela descreve assim sua descoberta: “Um dia, refletindo sobre a beleza do quadro, fiquei chocada ao certificar-me de que aquela Colombina era eu. Então enumerei todas as máscaras usadas no decorrer da vida e fiquei atônita ao constatar como, nos poemas, lá estavam descritos certinhos os papéis assumidos. Percorreu-me um frio pela coluna! Afinal, quem era eu?” Esse viver assumindo outros papéis, renegando a si mesma, criando um “personagem”, botando uma máscara, além de ser em si uma causa de sofrimento, vai gerar outras reações negativas. É um sofrimento que pode chegar a ser somatizado. Nossa aluna percebe que essa repressão do seu modo de ter, ser e sentir “... Levou-me a um estado emocional tal que comecei a somatizar minha dor pela pele, pelo pâncreas e depois pelo coração...” Uma reação semelhante vai acontecer com nosso aluno: “Aos 17 anos passei a sofrer de uma enxaqueca miserável, que não me abandonava e me provocava insônia e a sensação de estar enlouquecendo... Meu pai me levou ao médico e ficou evidente que eu precisava de ajuda, de um tratamento terapêutico. Precisei tomar calmantes pesados para conseguir dormir.” É necessário assinalar aqui que a somatização do sofrimento inconsciente manifesta-se em todos os Tipos Eneagramáticos, sendo que, para Tipos 4 e Tipos 6, essa somatização pode ser muito mais severa e/ou desastrosa, razão pela qual estes tipos e os tipos ligados diretamente pelo movimento da seta eneagramática (Tipos 1 e 2 para o caso do Ponto 4 e Tipos 9 e 3 para os casos ligados ao Ponto 6), devem tentar realizar um trabalho mais profundo a respeito. Espero que você, querido (a) leitor (a), Tipo 4 ou não, reflita nas suas próprias formas inúteis de sofrimento e tome as medidas necessárias para que não dominem de tal maneira sua existência a ponto de convertê-lo (a) numa vítima de si mesmo (a).

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Iniciando o processo de mudanças positivas, a observação dos companheiros eneagramáticos 3 e 5 Você descobrirá muitas “dicas” sobre seu mundo interno, observando as influências dos Pontos 3 e 5 do Eneagrama. Os aspectos positivos do Ponto 3, tais como a capacidade de trabalho, de encontrar satisfação nas suas conquistas ao mesmo tempo em que luta por atingir metas e objetivos, podem ajudá-lo a não abandonar seus projetos antes de concluí-los. Os Tipos 4 estão num ponto do Eneagrama no qual é preciso aprender a finalizar projetos, evitando os desvios, ainda que pareçam existir muitas razões para abandoná-los. Peço para que você reflita e aprenda a contrariar sua máscara quando sinta esse impulso de não chegar até o fim nos seus projetos, ou quando justifique racionalizando o porquê de determinados desvios nas ações realizadas ao longo de sua existência. Do Ponto 3 aprenda também os perigos de mentir-se em relação à aparente impossibilidade de ser feliz. Aprenda do 3 a curtir seu presente e agradeça e valorize o que possui hoje. Aprenda a viver mais presente e no presente, permitindo-se ser feliz e parando de sofrer inutilmente. Seja mais extrovertido e curta suas conquistas pessoais. Do Ponto 5, os Tipos 4 possuem a capacidade de pensar, raciocinar profundamente e o gosto de estar sozinhos. (Krajcberg gosta disso e até construiu sua casa no topo de uma árvore na Bahia. Algo que qualquer Tipo 5 adoraria, certamente). Os Tipos 4 são pessoas inteligentes, capazes de observações e pensamentos originais e interessantes. Gostam de estar sozinhos, como reconhece nossa aluna neste depoimento: “... Me sinto em paz, serena e tranquila quando me interiorizo. Quando estou só comigo mesma, estou com uma sensação interna muito boa e agradável. Quando estou estressada busco, quando posso, ficar comigo mesma, e me equilibro emocionalmente.” Do Ponto 5, procure evitar que essa capacidade de raciocinar não se transforme em capacidade de racionalizar negativamente suas perdas e faltas. Tente reconhecer como nossa aluna que “algumas vezes, quando sou tomada por um sentimento negativo, ficar só aumenta ainda mais a dor, porque procuro racionalizar o sentimento e muitas vezes isto leva-me a um estado depressivo”. Então, fique de olho...

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Do Ponto 5, Tipos 4 deveriam aprender a refletir e sentir menos emocionalmente. O problema aqui é não “saber sentir”. Sente-se com exagero. Daí a necessidade de ser equânime. Os aspectos negativos da influência do Ponto 5 que deverão ser evitados são, entre outros, a tendência a criticar ou desmerecer os outros, a tendência a afastar-se das pessoas, lembrando que “solidão” não é “isolamento”, a tendência a um pensar negativo em relação ao presente e a tendência à autocrítica destrutiva.

Percebendo o negativo e o positivo dos movimentos aos pontos 2 e 1 – (ver figura na página 334) O movimento da seta para o Ponto 2 provoca nos Tipos 4 importantes reações. Quando negativo, esse movimento os transforma numa espécie de sofredor orgulhoso. Sofrer passa a ser um destaque da personalidade. Por outro lado, Colabora na teatralização dos seus sofrimentos com objetivo de atrair a atenção dos demais. Não exagere suas possíveis carências. Não pretenda, como os Tipos 2, ajudar os outros ilimitadamente. É positiva sua sensibilidade pelos sofrimentos dos outros, mas aprenda a “desidentificar-se” quando necessário. Evite manipular os outros e tente não depender demais do “ombro amigo”. O positivo do movimento ao 2 se produz quando os Tipos 4 aprendem a estar com os pés no chão graças ao cultivo da humildade egoica. Não “inflacione” seu ego, a ponto de achar que você é único, original e tão diferente dos outros que até dá a impressão de não ser deste mundo. No movimento contra a seta ao Ponto 1, você descobrirá como seu anseio por uma felicidade futura ou por voltar a viver uma felicidade perdida evolui associado à ideia de uma “perfeição” (o trabalho perfeito, a atividade perfeita, o local perfeito, etc.) que não existe na realidade. Este movimento negativo contra a seta está presente numa parte do depoimento da nossa aluna. Reflita no que ela percebe desta “busca” idealizada do que poderia ser a situação perfeita:

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“Quando enfim estava estagiando e com a possibilidade de pósgraduação no Museu Nacional do Rio de Janeiro, resolvi abandonar tudo em troca de um sonho maior: viver no campo... Até hoje a minha indecisão me impede de promover realizações...” Lembre-se, não admita o sabotador interno. Decida parar de sofrer inutilmente a partir de agora. Aprenda a observar como a insatisfação com o presente provoca uma raiva interna que aumenta a dor de viver. Aprenda a ser menos crítico em relação à sua realidade e na sua percepção das pessoas que se relacionam com você direta ou indiretamente. Esta atitude positiva pode salvá-lo da armadilha de querer descobrir “a quinta pata do gato”, que na verdade... não existe! O positivo do movimento ao Ponto 1, é que ele permite a você poder cultivar a Serenidade. Não seja rígido com você a ponto de essa rigidez ofuscar sua visão de outros ângulos da realidade. Cultivando a Serenidade, você aprende a relaxar e sentir o que possui para ser feliz no presente, porque relaxado você fica mais ciente da existência real. Serenidade e Equanimidade se complementam. Ao referir-se ao positivo que este conhecimento trouxe à sua existência, nosso aluno 4 termina seu depoimento lembrando que precisa “trabalhar os demais planos do ser (principalmente o físico), para vivenciar o Eneagrama numa plenitude maior, mais humana, mais enriquecedora, mais próxima da nossa verdadeira essência”. Na verdade, os Tipos 4 ganham em consciência de si quando trabalham o Centro do Movimento. A razão é simples: O Centro Físico está sempre no momento presente. Manifestar-se cons­cientemente mediante ele facilita o Trabalho. Hermeticamente, isto se explica graças à Lei de Correspondência: se é assim externamente (presença por intermédio do Centro do Movimento), assim será internamente (presença do observador no momento presente).

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Trabalhando para conseguir ser equânime Já dissemos que Tipos 4 são pessoas de percepção e sensibilidade extraordinárias. Aliás, isso é fácil de constatar nos exemplos e depoimentos citados neste capítulo. O fato de serem sensíveis ao sofrimento, faz deles pessoas muito fraternas e compreensivas, capazes de ajudar a outras pessoas. Existem certos aspectos que fazem de Tipos 4 e 8 semelhantes na procura da justiça. Por meio de meios diferentes, ambos os Tipos sentem-se chamados a combater injustiças. A prática da Equanimidade, virtude a ser descoberta e praticada pelos Tipos 4, pode fazer dessa sensibilidade ao seu sofrimento e ao dos outros uma poderosa ferramenta de crescimento e progresso pessoal e coletivo. Podemos definir a Equanimidade como a capacidade de ficar no meio em relação aos extremos do sofrimento. É essa capacidade de achar o que Buda chamou “o Caminho do Meio”, que fica a igual distância dos extremos do nosso famoso bastão. Se o sofrimento inconsciente é uma tolice, o sofrimento consciente é um poder nas mãos daqueles que aprendem a usá-lo. Os meus alunos aprendem, por meio de práticas precisas, essa diferença, e chegam a utilizar o sofrimento consciente como um instrumento gerador de benefícios deliberadamente objetivados. Quando alguém que possui esta Máscara Eneagramática descobre suas formas de “masoquismo”, está perto da Equanimidade, porque esse “dar-se conta” é o primeiro passo para se tentar mudanças efetivas. Para isso se precisa considerar externamente e não achar que o “nosso sofrimento é único e inigualável”. O nosso aluno descobriu que a somatização do seu sofrimento foi um processo que lhe permitiu melhorar interna e externamente, aos poucos, como ele mesmo des­creve: “Como eu sabia que meu pai não tinha dinheiro para o tratamento, mas que se sacrificaria por mim, tomei a decisão de fingir que estava bom. Joguei o vidro de calmantes pela janela e até hoje, 29 anos depois,

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nunca mais coloquei em minha boca algo semelhante. Pela primeira vez em minha vida, decidi não mais apoiar-me em fantasias, nem em gozos teatrais masoquistas, nem em qualquer muleta externa. Resolvi caminhar pelas próprias pernas, usando minhas próprias forças, enfrentando sozinho meus próprios fantasmas. Creio que foi minha primeira grande atitude saudável perante a existência, a primeira grande conquista de autonomia. E comecei a melhorar.” Na continuação do depoimento pude constatar como ele conseguiu ultrapassar momentos que, para outros “românticos trágicos”, teriam sido difíceis ou impossíveis de superar. As influências positivas dos Pontos 3 e 2 foram fundamentais. Veja a continuação, como isso aconteceu: Após ter superado uma “séria inclinação ao suicídio” devida ao rompimento com uma garota por quem era apaixonado, ele decide “explodir com tudo”, ou seja, destruir seu passado de sofrimento e reiniciar sua vida longe de sua terra natal (está lembrando Krajcberg abandonando a Europa?... Pois é... Também Sá-Carneiro, enfim, como a felicidade parece nunca estar aqui...): “Abandonei meu curso de Psicologia no meio do segundo ano... E junto com uma amiga recente, mudei-me com a cara e a coragem para o Rio de Janeiro. Nesta cidade, fui mais feliz.... Passei a representar cada vez menos, embora não na velocidade desejável. Devo confessar que as perdas amorosas me aprisionaram muito tempo no passado, num limbo de sofrimento, não em um paraíso perdido, mas numa mescla de dor e vazio aparentemente insuperáveis, que só o tempo poderia curar – e esse tempo de cura demorava muito a chegar, pois o vício do sofrimento estava enraizado em meu coração.”

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Superando “o vício do sofrimento” A última parte do depoimento deste aluno me fez lembrar a resposta que o sábio Sileno8 deu ao poderoso Rei Midas, após um duro interrogatório com o qual o lendário rei “o obrigou a transmitir-lhe importantes ensinamentos”, revelando-lhe com desdém que o mais conveniente para ele, como parte da espécie humana, e portanto, conveniente a todos nós humanos era, simplesmente, morrer: “O melhor de tudo é para ti inteiramente inalcançável: não ter nascido, não ser, nada ser. Depois disso, porém, o melhor para ti é logo morrer.” Com certeza, para alguns Tipos 4 tão sensíveis ao sofrimento e tão trágicos quanto os gregos da época de Eurípedes, essa dura resposta teria sido um bom motivo para afundar de vez no “vício do sofrimento” e ainda seria uma boa razão até para justificar o suicídio. Porém, nosso aluno teria questionado ao velho e sábio Sátiro. A descoberta do sofrimento como um vício,9 um vício que ele reconhece ter superado após anos de grandes lutas internas, “auxiliado... pelos choques dados pela vida e pelos toques que recebi das pessoas mais próximas”, foi o que finalmente o conduziu após os 30, e já cansado de tanto sofrimento inútil, à descoberta dos primeiros frutos da equanimidade: “... Consegui finalmente contrariar minha máscara e abrir espaço para a entrada da felicidade em meu coração!” Sim, não importa quanto tempo você demore para compreender que o sofrimento inconsciente é um Vício, um vício que faz com que os Tipos 4 percebam, como nossa aluna, que essa atitude tão trágica perante a existência não é boa por que: “Sempre insatisfeita. Os ideais nunca eram atingidos! A realidade era sempre castradora e esmagadora se não cruel e ameaçadora!”

O lendário “pai dos Sátiros” e “educador de Dioniso”, segundo nos ensina o saudoso Prof. Junito Brandão no seu Dicionário mítico-etimológico (Edit. Vozes). Sugiro a leitura do livro O nascimento da tragédia no qual F. Nietzsche comenta esta lenda.

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Hoje a neurociência comprova o que Gurdjieff ensinava sobre o “sofrimento tolo”: o cérebro se “vicia” (emotional adiction) em emoções negativas ou positivas, agradáveis ou desagradáveis.

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Então, mudar de atitude é fundamental para conseguir vivenciar a virtude da equanimidade. Não se deixe influenciar demais pelo “velho Sátiro” Sileno que nos lembra o trágico da nossa existência. É verdade que o sofrimento existe, porém não é verdade que a felicidade não possa existir nas nossas vidas. Sofrimento e felicidade são apenas o natural movimento do pêndulo existencial. Ficar à mesma distância dos extremos desse movimento é o segredo oculto nesse Arcano Maior do Tarô chamado por Aleister Crownley, “A Arte”, sim, a arte de viver neste Templo da vida cujo chão está formado de quantidades iguais de quadrados pretos e brancos, conformando um harmonioso e belo Mosaico pelo qual devemos aprender a caminhar equânimes, aplicando o Princípio Hermético da Polaridade.

Aplique o conselho de Gurdjieff Assim como no início deste capítulo citei uma resposta de Gurdjieff em relação ao tema do sofrimento, acho oportuno citar outra ao final. Espero que você reflita sobre ela e se lembre dela a cada dia. Quando alguém perguntou a Gurdjieff: “qual o papel do sofrimento no autodesenvolvimento?”, ele respondeu: “Existem duas classes de sofrimento: consciente e inconsciente. Somente um tolo sofre inconscientemente. Na vida existem dois rios, duas direções. No primeiro rio, a lei é somente para o rio, não para as gotas d’água. Nós somos as gotas. Num momento uma gota está na superfície, num outro momento está no fundo. O sofrimento depende da sua posição. No primeiro rio, o sofrimento é completamente inútil, porque ele é acidental e inconsciente. Paralelo a esse rio tem um outro. Neste outro rio existe outra classe de sofrimento. A gota do primeiro rio tem a possibilidade de passar ao segundo. Hoje a gota sofre porque ontem não sofreu o suficiente. Aqui opera a Lei de Retribuição. A gota também pode sofrer por antecipação. Cedo ou tarde tudo se paga. Para o Cosmo o tempo não existe. O sofrimento pode ser voluntário e somente o sofrimento voluntário tem valor. A gente pode sofrer simplesmente, porque se sente infeliz. Ou pode sofrer por ontem para preparar-se para o amanhã. Repito, somente o sofrimento voluntário tem valor.” Boa reflexão!

Parte III

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Centro Intelectual Tipos 5, 6 e 7

O Tipo 5 O eu que pensa

Gurdjieff ensinava que “é impossível lembrar-se de si mesmo. E não podemos nos lembrar, porque queremos viver unicamente pelo mental... Talvez vocês se lembrem do que dissemos do homem: nós o comparamos a uma atrelagem com um amo (o Ser), um cocheiro (Centro Intelectual), um cavalo (Centro Emocional) e uma carruagem (Centro do Movimento). Não podemos nem falar do amo, pois ele não está presente; de modo que só podemos falar do cocheiro. Nosso mental é o cocheiro... Todos os interesses que temos em relação à mudança e à transformação de nós mesmos pertencem apenas ao cocheiro, quer dizer, são unicamente de ordem mental... A transformação não se obtém pelo mental; se for pelo mental, não tem nenhuma utilidade. Por essa razão devemos ensinar, e aprender, não por meio do mental, mas do sentimento e do corpo... Naqueles que estão aqui, aconteceu acidentalmente um desejo de chegar a algo, de mudar alguma coisa. Mas apenas no mental. E nada mudou ainda neles. Não passa de uma ideia que têm na cabeça e cada um permanece o que era. Mesmo aquele que trabalhasse mentalmente durante dez anos, que estudasse dia e noite, que se lembrasse mentalmente e lutasse, mesmo esse não realizaria nada útil ou real, porque mentalmente nada há para mudar. O que deve mudar é a disposição do cavalo. O desejo deve estar no cavalo e a capacidade na carruagem. Mas como já dissemos, a dificuldade é que, devido à má educação moderna, a falta de relação entre nosso corpo (carruagem), nosso sentimento (cavalo) e nosso mental (cocheiro) não foi reconhecida desde a infância, e a maioria das pessoas está tão deformada que não há mais linguagem comum entre uma parte e outra...”

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Certa feita, falando sobre a necessidade do desenvolvimento harmonioso dos três centros no ser humano (Físico, Emocional e Intelectual), Gurdjieff disse: “Em cada um de vocês, uma das máquinas internas que os constituem está mais desenvolvida do que as outras. Não há nenhuma conexão entre elas. Só se pode chamar homem sem aspas aquele em quem as três máquinas estão igualmente desenvolvidas. Um desenvolvimento unilateral só pode ser prejudicial. Um homem pode possuir certo saber, pode saber tudo que deve fazer... esse saber é inútil e pode até se revelar perigoso. Cada um de vocês é deformado...”

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Não, por favor, não quero invadir sua privacidade com esta análise... O quê?..., Claro! Ora bolas! Tenho certeza de que você tem que raciocinar sobre esta interessante tipologia antes de emitir qualquer opinião...! Quando visitei Petrópolis (RJ) pela primeira vez, tive a oportunidade de conhecer os “fragmentos externos” da vida e obra daquele que, na minha opinião, foi o mais importante Tipo 5 brasileiro. Conheci sua “racional” casa, na qual até os degraus da escada que permitem chegar ao ninho desta brilhante “águia” foram pensados. Como é que as pessoas não percebem que não vale a pena construir degraus completos numa escada já que pisamos em um de cada vez, ora com o pé direito, ora com o esquerdo? Pensou na economia de material? Bom, talvez em alguns casos as escadas tenham que continuar sendo do tipo que conhecemos. Porém, você concordará comigo que esta ideia bem que poderia ser considerada. Os governos e as empreiteiras poupariam recursos e a gente pouparia grana, certo? E que dizer do uso racional do espaço que você percebe nessa casa...? E o chuveiro a álcool (dizem que é muito mais econômico que o elétrico ou a gás!)? E a mesa que de noite serve como cama? Porém, o mais notável é o local que escolheu para mandar construir essa sua casa. Uma encosta íngreme, na qual ninguém pensaria em construir... (eu sei, você talvez pensasse, sim...) Com certeza, ele comprou barato esses metros quadrados de terra, justamente, pelo inadequado que deve ter parecido a qualquer um construir ali qualquer coisa! Mas ele fez. Eu nem sei se ele está gostando que turistas como eu invadam sua casa. Enfim. Ele fez por onde merecer essa nossa curiosidade, certo?... Sim, você acertou: estou me referindo ao genial inventor de fama internacional Alberto Santos Dumont. Um Tipo 5 que, como Leonardo da Vinci (outro 5 notável), encontrou no exercício da razão e da inteligência criativas um meio (para eles o mais importante) de comunicar-se com seus próximos. De outra maneira, teria sido muito difícil, com certeza. Amante das alturas, Santos Dumont tinha nessa casa até um observatório... Gostava de ficar horas olhando as estrelas... sozinho. Sua vida foi especial. Quando seu pai, um homem

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rico, o estimula a conhecer o mundo e a aperfeiçoar seus conhecimentos, deixando claro que pode fazê-lo porque sua fortuna lhe possibilitará fazer o que quiser sem preocupações materiais, Santos Dumont inicia uma vida de descobertas maravilhosas e úteis para todos, num claro e produtivo movimento ao melhor do Ponto 7 Eneagramático. Poderia ter dilapidado sua fortuna nos prazeres de um dolce far niente como um bon vivant na tentadora França da época... Porém, ele tinha um destino e seus frutos geniais nos fazem refletir sobre o que Gurdjieff chamava de nossa “dívida com a existência”. Sua vida emocional foi complicada, tinha, como todo 5, dificuldades para relacionar-se. Uma das mulheres que conheceu e com a qual manteve o que poderíamos chamar de “um romance”, foi uma chilena com a qual parece ter podido conciliar essa necessidade de solidão-liberdade com a discrição que muitos Tipos 5 procuram. Nossos vizinhos americanos “mestres”, segundo Gurdjieff, “na arte de converter moscas em elefantes”, deram um jeito para que este brasileiro ilustre perdesse os créditos como “Pai da Aviação Mundial” para os famosos irmãos Wright. (Em viagem ao Brasil, em 1997, o presidente do EUA, Bill Clinton, reconheceu a primazia de Santos Dumont.) Como latino-americano, me enche de orgulho sua existência, até porque, quando estudei história no segundo grau, ninguém me falou de Santos Dumont no Chile... Mas agora que a América Latina está se unindo mais graças ao Mercosul, é valioso que todos saibamos como nestas terras têm nascido “elefantes de verdade” e não “apenas moscas” (este é o meu 8 fazendo comentários!). Quando li em algumas enciclopédias sobre este grande homem, percebi um outro aspecto de seu traço principal: ele numerava seus balões – balão número 1, 2, 3, etc., até o 14-bis! Você não deve estranhar, claro. Porém eu, como “velho” analista de tipos humanos, vejo nesse fato outra manifestação típica dos donos desta quinta máscara. Só Tipos 5 conseguiriam botar número em inventos que outros Tipos Eneagramáticos batizariam com nomes da amada, da mitologia, ou até da mãe! Os balões não se chamam “Vento do Norte” ou “Carlota I” e sim Dumont 1, 2, 3... até 14-bis! Sim, eu sei que você concorda com essa nomenclatura científica e racional... a razão é simples: você é Cinco!

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O suicídio deste inventor extraordinário (até o relógio de pulso foi ideia dele) confirmou minha suspeita em relação à forte influência do Ponto 4 que se pode advertir na sua vida e nos textos por ele escritos. Ele nunca pensou que seu invento fosse um dia ser usado de maneiras incrivelmente destrutivas, ainda que não descartasse seu uso bélico. Também jamais pensou que alguns de seus compatriotas o esqueceriam em vida e lhe negariam até a construção de um Museu da Aeronáutica no Rio de Janeiro. Ele aos poucos se desiludiu com os homens...! O movimento ao Ponto 7 é outro dos “detalhes” eneagramáticos notáveis neste homem. Sempre planejando novas aventuras... Na França, ele se comportava como um bom 7 faria. Veremos que essa conduta é típica em Tipos 5. Compare este tipo de movimento “sem censura” ao comentado no caso de Tipos 1, “fugindo” da sua “ordem” para relaxar. Sair do seu castelo é um chamado à aventura, um chamado a ser livre de todas as censuras. Em Paris, ele será capaz de reunir-se às pessoas com o objetivo de mostrar seus inventos e máquinas, realizará demonstrações públicas, será até o dono de um carro vermelho! Um exagero, claro! Mas Tipos 5 quando têm possibilidades ou necessidades de ir até o Ponto 7 (ou contra a seta do 8), fazem cada coisa extravagante! Amava voar, amava a liberdade dos céus nos quais com certeza achava-se à vontade, observando do alto seus semelhantes... altos pensamentos... voos da águia livre que ele era... voos que lhe permitiam isolar-se nas alturas como um novo Ícaro redimido e triunfante... Por outro lado, esta maneira de manifestar-se externamente confirma que ele é o que Don Richard Riso qualifica como Tipo 5 “sadio”, um “visionário”, um “gênio”, um “inovador”. Quando a águia se refugia no seu ninho localizado num ponto íngreme da protegida e imperialmente isolada Petrópolis, talvez ele já fosse um daqueles Tipos 5 que não tinha mais fé nos seus irmãos da espécie. Suas clarividentes visões do futuro o fazem semelhante somente a um Julio Verne. Escreveu dois livros, um dos quais tem o título de O que vi e o que veremos (aliás, um título tão próprio de Tipos 5, no sentido de refletir esse constante estado de observação do mundo e dos demais que os caracteriza), em que “vê” o futuro da aviação como meio de transporte de massas e mercadorias. Enfim. Gostei muito de “descobrir” este brasileiro tão único e admirável.

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Consideração interna e o traço principal: a tendência ao isolamento (ou da sutileza da avareza) Quando ministramos o workshop do Eneagrama para mais de 70 voluntários do projeto Simplesmente Copacabana, no ano de 1996, sob o patrocínio da Prefeitura do Rio de Janeiro e do Banco Real, tivemos a oportunidade de conhecer pessoas muito especiais. Uma delas, Tipo 5, nos entregou, a pedido nosso, seu depoimento de como tinha descoberto sua máscara eneagramática. Destaco este depoimento porque esta pessoa é um homem da chamada “terceira idade” que, com o passar dos anos, conseguiu uma profunda compreensão de si mesmo. Ele é um homem ativo, inteligente, estudioso, que durante todas as ocasiões em que pudemos observá-lo, mostrava-se sempre profundamente interessado por todos os conhecimentos que nós, e outros instrutores convidados, transmitimos para esse grupo de pessoas interessadas em trabalhar por uma cidadania mais ativa e pela revitalização da maravilhosa “Princesinha do Mar”. O depoimento completo – quando digo completo, quero insinuar algo que revelarei daqui a pouco – é este: “Descobri meu enquadramento neste tipo justamente por uma tendência ao isolamento, desenvolvida a partir da incompreensão alheia ao meu projeto de vida, daí resultando o ensimesmamento que favoreceu minha apreensão de conhecimentos julgados importantes ou oportunos àquele projeto. Para estudar inglês, numa adolescência pobre, dispus-me a copiar, a mão, todo um livro, utilizando o verso de papel já servido. Como natural consequência, escolhi a via autodidática que me permitia total discrição sobre o que, e como saber. Isso me deu uma confortadora sensação de realização pessoal que, de certo modo, veio me reconciliar com o mundo e nele atuar, com relativo sucesso, à base dos conhecimentos adquiridos, compensando a falta de uma tradição perseguida e prezada pelos demais.” Sublinhei algumas partes deste depoimento por sua importância para a análise eneagramática: “tendência ao isolamento”, “incompreensão alheia”, “ensimesmamento”, ”discrição sobre o que, e como saber”, “reconciliar com o mundo e nele atuar”. Sim, nestas palavras temos as

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chaves para conhecer um pouco deste Tipo Eneagramático. Sem dúvida, qualquer Tipo 5 poderia construir uma definição quase completa sobre si mesmo usando apenas elas. Talvez, dissesse, por exemplo: “Costumo ser uma pessoa capaz de um constante ensimesmamento, em razão da incompreensão alheia ao meu modo de enxergar a realidade e as pessoas. Devido a este fato, tenho tendência ao isolamento. Porém, acho que esta capacidade de isolar-me me permite aprender e saber tudo aquilo que preciso para ser independente dos demais – objetivo pelo qual sempre luto com total discrição. Desta forma, eu mesmo decido sobre o que e como saber. Sei que devo reconciliar-me com o mundo. Penso que por meio de meus conhecimentos consigo atuar nele com certo sucesso. Ainda assim tento manter-me afastado dos demais, preservando minha privacidade.” O depoimento de nosso querido Tipo 5 – no caso, bastante “redimido” como costumam falar os especialistas cristãos desta tipologia – é breve, porém retrata quase todos os possuidores desta máscara: eles sempre são breves, precisos, mentais, alguns quase frios (outros eu diria que parecem “congelados” emocionalmente). Nesse “jeito breve de ser”, nessa “precisão” e “frieza”, no modo de falarem de si mesmos por escrito revela-se o pecado ou Traço Principal deste tipo: a avareza. Uma avareza que possui expressões internas e externas, provocadas pelo medo nuclear (Ponto 6 do Eneagrama) que afeta a este e aos outros Pontos Eneagramáticos relacionados aos chamados “Tipos do Centro Intelectual”. Foi interessante comprovar com os Tipos 5 como essa avareza é reforçada naqueles com influência do Ponto Nuclear 6. Os Subtipos 5 com essa influência se descrevem por meio de listas – numeradas ou não – com curtas frases nas quais eles resumem ou sintetizam o que consideram “a única coisa importante para comunicar” de cada um deles. Somente aqueles com maior influência do Ponto 4 conseguem escrever mais sobre si mesmos, sem recorrer a essa listagem. Os primeiros só conseguem dizer algo mais sobre si mesmos após um pedido expresso de nossa parte. Dados intelectuais considerados importantes são colocados em alguns desses trabalhos escritos, até utilizando símbolos ou abreviaturas, talvez para que somente “os que sabem” tenham acesso ao significado

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secreto que essas abreviaturas e símbolos escondem. Sim, em geral, os depoimentos dos Tipos 5 são a expressão do Traço Principal que eles deverão vencer em diferentes níveis de manifestação. Era isto o que há pouco prometia insinuar. Tipos 5 são mais discretos e mais reservados nos seus depoimentos quanto mais forte a influência nuclear do Ponto 6. Quando, pelo contrário, é o Ponto 4 o de maior influência, seus depoimentos são mais generosos, porém nunca tão veementes no emocional quanto seus românticos e trágicos vizinhos. Talvez o depoimento mais relevante a respeito dessa avareza intrínseca foi o daquele ex-membro da escola, que escreveu (mais uma vez o depoimento se transcreve com­pleto): “Um Nº 5, faria um detalhado e minucioso relatório. Eu já fiz muito isso. Agora cansei. Prefiro falar pessoalmente para o grupo e contribuir com comunicação viva, orgânica. Não é preguiça, é consciência de prioridades. É melhor trocar energias que fazê-las girar em círculos dentro de si mesmo. Prefiro falar, dançar e cantar; escrever só quando indispensável. E assim se deu o suicídio do 5.” Sei que alguns especialistas em análise eneagramática ficariam pensando o mesmo que eu, ou seja, como se confirma o Tipo de 5 deste sujeito nesse breve depoimento... e que notável a influência do Ponto 4! O tempo veio comprovar que esse aparente suicídio do 5 nunca se realizou. Só para manter meu propósito de que podemos rir de nós mesmos, vou contar-lhes como aconteceu a ressurreição da máscara deste seu semelhante. Um dia, conversava com ele sobre a possibilidade de instruir a mais pessoas (ele é terapeuta corporal), com certos movimentos conscientes que ele tinha aprendido num workshop recente. Sua resposta, lacônica, foi mais ou menos a seguinte: “Acho que não vou fazer isso... o ouro é muito pouco para compartilhar com tantos” (estas últimas palavras foram ditas por Gurdjieff referindo-se ao valor do conhecimento que ele ministrava e nosso 5 achou oportuno citá-las naquele momento). Foi incrível! O Nº 5 tinha sobrevivido ao “suicídio” e com grandes argumentos ainda por cima! Bom, estou tentando fazer com que você não se leve muito a sério nesta análise e por isso contei este caso que me pareceu tão engraçado.

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A sutileza do pecado da avareza faz com que alguns Tipos 5 fiquem surpresos quando é mencionado este pecado capital da quinta máscara. É difícil para eles admiti-lo. Outros compreendem a profundidade desse aspecto imediatamente e reagem com uma certa felicidade por terem descoberto a razão de sua incapacidade para se relacionar com os outros. Alguns decidem que devem aprimorar-se a nível emocional e admitem a dificuldade de expressar seus sentimentos. Alguns riem de si mesmos quando descobrem como a avareza se manifesta nessa incrível capacidade de escapar dos outros, de ficar invisíveis num local com muita gente como um meio de poupar-se de pessoas que falam só abobrinhas.

Como surge o traço principal? O surgimento da avareza eneagramática se dá, às vezes, por uma percepção, desde muito cedo, de falta de privacidade, ou por perdas (veja a influência do Ponto 4) inexplicáveis que geram temor e sensação de perigo. Para outros, essa característica ou Traço Principal surge como resultado de uma percepção fortíssima de “parecer diferente dos outros” em razão de certas vivências infantis marcantes. Como acontece com todas as máscaras, a infância é o ponto crucial na construção da futura persona. Este depoimento de Carla, nos ajudará a compreender esta questão. Sob o título de “Caso de uma Nº 5”, ela escreve: “...eu tinha mais ou menos quatro anos de idade e a minha irmã era mais velha do que eu um ano e pouco. Éramos companheiras de brincadeiras durante o dia todo. Meus pais trabalhavam fora, e este era mais um motivo para sermos unidas. Então a minha mãe resolve mandar a minha irmã para outra cidade, relativamente distante. Eu não tinha capacidade para entender o que havia acontecido. Eu só sentia que a mamãe havia ‘dado a minha irmã’ e a dor desta perda era muito grande. Mais tarde vim a entender que ela tinha ido para a casa de uma tia solteirona, de maior poder aquisitivo, e assim deixaria os meus pais

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mais folgados financeiramente. Lembro-me desta época sentindo muita saudade de minha irmã. Os dias eram longos. Eu não tinha mais com quem brincar. Existem cenas na minha memória de grande tristeza e solidão. Ficou um vazio com a partida dela. Então acho que daí nasce todo o comportamento do 5, em querer evitar sofrer novamente a dor de uma separação. Evito me envolver com as pessoas, para não correr o risco de sofrer novamente. Este comportamento durou a minha vida toda praticamente, até ter começado a minha busca interna, aonde venho tomando consciência desta e de outras coisas. Inclusive quando mais tarde a minha irmã voltou, eu já não queria mais me chegar até ela. Existe comigo uma forte asa 6 pois naquela época cresceu um enorme medo, já que eu não sabia o que poderia acontecer comigo, tipo assim: ‘será que a mamãe vai me deixar hoje na próxima esquina? ou será amanhã’.” Outra aluna revela como a intromissão dos adultos vai provocando essa necessidade de ocultar-se e poupar-se que vai gerando sua máscara desde muito cedo: “Filha do meio, única menina de uma família de três filhos... Morávamos numa casa vizinha ao sítio da minha avó... Vovó era uma pessoa de personalidade muito forte. Meio autoritária e dominadora. Ajudava bastante meus pais... E se sentia no direito de interferir nas suas vidas. Junto com os meus avós moravam três tias-avós solteironas. Cada uma escolheu um dos netos como predileto. Eu, por ser a menina, era a mais vigiada... Isso sempre me incomodou muito... O excesso de zelo só fez crescer quando comecei a ficar mocinha. Sempre fui uma menina tranquila e geralmente obediente. A rebeldia só surgiu depois do primeiro namorado mais sério. Houve brigas por não cumprimento de horários ou por mentirinhas para conseguir escapar nos fins de semana. E, finalmente, com ajuda dos meus irmãos, aos 16 anos consegui ganhar a liberdade. Mas meus pais nunca suportaram e sempre reprovaram meu namoro... Acho que eles tinham razão em muita coisa. Mas sou teimosa. Odeio cobranças e ser pressionada.”

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Mais adiante, nossa aluna lembra que durante a infância “e para complicar, tinha um irmão mais velho repressor. Encarregado (coitado) de proteger a irmã. E o fazia, à sua maneira”. Essa tremenda intromissão na sua vida provocou essa forma de avareza que chamamos poupar-se dos outros, afastar-se, isolar-se. Uma reação que ela explica assim: “Cedo conheci a solidão e o sentimento de abandono. E comecei a buscar o prazer que essa situação me oferecia. Lembro que no casarão existia um porão e eu gostava de me esconder e ouvir as minhas tias loucas atrás de mim. ‘Onde está a menina? Onde ela se meteu? Será que...?’ Achava graça em presenciar a minha ausência. No colégio era tímida e introvertida. Sempre me senti um peixe fora d’água. Piorou, quando aos 11 anos fui morar com os meus pais em... Fui a última a sair do sítio. Depois da mudança para a cidade, ainda fiquei quatro anos morando com meus avós.” Será graças a um forte movimento ao Ponto 7 que ela conseguirá fugir da intromissão e repressão, brincando com os meninos quando pequena (“sempre era muito mais interessante do que brincar de boneca”), jogando vôlei, namorando “o menino mais popular da escola”, vivenciando experiências radicais e mostrando-se “rebelde”. Uma maneira “pensada” de conseguir “fugir da pressão” e que, como veremos mais adiante, provoca nos Tipos 5 a necessidade de viver situações e aventuras em segredo, “confidencialmente”, como acontece com Tipos 1. O Traço Principal está baseado numa reação ao que é tirado pelos outros, uma reação ao temor de perder algo. Portanto, Tipos 5 evitarão ser cobrados, procurarão um porão onde se esconder. Essa excessiva cobrança leva a uma procura de defesa do que se possui. Compartilhar se torna difícil porque pode implicar perdas. Quando nossa aluna brinca com meninos, ela consegue não ser cobrada como menina. É um modo sutil de sumir para seus repressores, porque, brincando com os meninos, eles pensarão que não há perigo para ela, porquanto estará com seus dois irmãos, um dos quais é o “encarregado” dela. Ela não poderá brincar de boneca porque será observada, será cobrada como menina. Ela não será totalmente aceita pelos meninos. Ela, então, está sozinha.

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Sua solidão e sentimento de abandono provocam uma necessidade de pensar: “que prazer poderá existir nesta minha solidão”? O primeiro virá, ao comprovar que “achava graça em presenciar minha ausência”. A “avareza” como reação à excessiva cobrança e intromissão. O Traço Principal iniciará a consolidação da quinta máscara: “É prazeroso estar sozinho e observar os outros de longe.” Para nossa aluna aceitar essas situações, compreender seus pais, justificá-los, será um processo lento, fruto de um intenso trabalho interior. Novamente, aqui é importante que os pais que leem este livro reflitam nas seguintes palavras com as quais nossa aluna termina: “Me lembro com saudade de um tempo (acho que até os cinco anos) que sentia mais alegria e amor pela vida e pelas pessoas. Sem desconfianças, espontânea e autêntica. Como é bom amar por amar e viver sem se esconder. Anseio desesperadamente por esse resgate. Sinto ser possível. A Escola de Eneagrama e principalmente a minha grande vontade, têm me dado bastante esperança.” Quem não lembra do Sr. Scrooge do famoso “Conto de Natal”, de Charles Dickens? Ele é um Tipo 5 tão triste na sua avareza! Serão os “espíritos” dos natais do passado, presente e futuro e o amor que surge nele por uma criança que o libertarão da sua solidão e da sua avareza. Sim, para Tipos 5 serão necessários fortes choques para destruir o muro que foi construído por eles para ocultar-se do mundo. O trabalho grupal permite este processo de abertura e você está convidado a participar nele. Para alguns dos Tipos 5 que trabalham no aprimoramento e conhecimento de si mesmo, esta é uma das razões pelas quais participam de nossos treinamentos, como reconhece esta aluna no depoimento: “Existe em mim um desejo intenso de querer mudar, de me livrar desses limites e poder viver intensamente. É uma das razões pelas quais continuo na ‘Escola de Eneagrama’.” Temos certeza de que você refletirá a respeito de como a avareza vai se manifestar em você e sabemos que o Eneagrama se transformará num grande aliado na procura do autoconhecimento. Vamos analisar em seguida outras das manifestações próprias desta Quinta Máscara: as incríveis formas do apego, as manifestações do medo e os “argumentos” para justificá-los.

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O medo e as racionalizações (percebendo a dificuldade dos relacionamentos): como compartilhar meus sentimentos? Como me relacionar com os outros sem riscos? Em geral, Tipos 5 admitem ter dificuldades para se relacionar com os outros. Admitem ter desconfiança, afirmam que é difícil para eles compartilhar, emocionalmente falando. Essa desconfiança e essa dificuldade para compartilhar são expressões do Traço Principal associado à avareza e à origem dela no medo nuclear do Ponto 6 Eneagramático e, portanto, vale a pena refletir nas experiências que nossos associados descobrem graças à observação de si mesmos em relação a estes aspectos e aos que estão ligados de uma ou outra maneira. Essas observações serão importantes para você, na medida em que poderão proporcionar-lhe certos insigths que podem libertá-lo ou provocar um dar-se conta de como a mentalização da realidade e dos relacionamentos pode deixá-lo fora dela e como esse ficar de fora irá ser racionalizado como aparentemente necessário, mais conveniente, uma confirmação da necessidade de isolar-se e até um argumento para justificar para si mesmo quão agradável é ficar sozinho. Vamos acompanhar esta questão mediante alguns depoimentos.

Desconfiança demais! Um aluno, Leonardo, descreve os pontos negativos que consegue observar como expressões de seu traço principal da seguinte forma: “A desconfiança em demasia prejudica os relacionamentos. – O intelectual (refere-se ao Centro Intelectual) controla as emoções, tirando a naturalidade. – Dificuldade de dar e receber, de compartilhar. – As pessoas são constantemente testadas e após passarem por um crivo continuam sendo testadas. Se houver decepção não tem perdão. – Dificuldade de compartilhar o espaço. – Por ser extremamente responsável e intolerante com os outros e até consigo mesmo....” O medo que influencia os Tipos 5 e 7, a partir do Ponto 6, é racionalizado. Mediante uma reação mental à realidade Tipos 5 decidem isolar-se,

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Tipos 7 decidem afastar-se, enquanto os 6 decidem não confiar e esperar sempre o pior. É uma reação mental, porque não conseguem externalizar o que sentem, não sabem como fazê-lo, nem foram incentivados a isso. Durante a infância os adultos não explicaram seus atos e aparentemente não queriam saber o que é que esses atos provocavam nos seus filhos. Portanto eles deverão encontrar também sozinhos as respostas. O medo levará os Tipos 5 a refletir mais ou menos assim: Se é difícil manter a privacidade, se as pessoas parecem querer invadir o meu espaço, se não é possível confiar nos outros, essa realidade ameaçadora deverá ser compreendida, estudada, analisada, porque desta maneira vou me proteger. Só o que eu conhecer e dominar mentalmente será confiável, e, para conhecer, é necessário estar sozinho também. Então não se deve nem confiar nem depender dos outros. As razões para estas “reações”, como observamos nos depoimentos deste capítulo, podem ser várias: intromissão exagerada dos adultos durante a infância, percepção dos outros como ameaçadores ou capazes de realizar ações inexplicáveis, como no caso da aluna que lembra a dor de ver “sumir” a sua irmã e imaginar que ela também pode ser abandonada porque os pais não explicam o que aconteceu oportunamente, e finalmente o que é pior, achar que essa possibilidade de perda pode se repetir e decidir que, por essa “razão”, nunca mais deverá se envolver em demasia com alguém para não sofrer se esse alguém some. O que provoca medo será pensado até que esse estar sozinho seja racionalizado como um “raro prazer”. É o momento de pensar um pouco mais no processo de racionalização. Sabemos que, psicologicamente falando, a racionalização é uma expressão do autoengano. Vale a pena lembrar que Gurdjieff se refere ao processo de enganar ou mentir a si mesmo como um dos principais fatores do Esquecimento de Si. G. Allport define a racionalização assim: “A razão adequa os impulsos e crenças ao mundo da realidade, pelo contrário, ao invés, a racionalização adequa a concepção da realidade aos impulsos e crenças do indivíduo. O raciocínio descobre as causas reais dos nossos atos, a racionalização encontra boas razões para justificá-los.”

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Somatizando o medo: o desgaste do centro do movimento No depoimento abaixo veremos como o medo e a racionalização podem provocar reações psicossomáticas negativas. Nossa aluna Tipo 5 com forte influência dos Pontos 6 e 4 do Eneagrama, nos revela o modo como seus medos passam a expressar-se fisicamente (veremos esta tendência nos Tipos 6) e o modo como este medo é um obstáculo aos seus anseios de compartilhar (neste caso divertir-se e dançar) com os demais: “Eu me considero um (Tipo) 5 principalmente pela necessidade de isolar-me. Hoje sei que o isolamento não era uma opção desejada, mas uma necessidade surgida de um medo insuportável de me expor ou de me relacionar com o mundo. Desde criança e durante uma boa parte de minha vida sofri humilhações e injustiças (sociais). E inconscientemente comecei a me calar e a me afastar das pessoas vendo-as sempre como se repentinamente elas pudessem me agredir de algum modo. Tentava fazer tudo perfeito para não receber críticas, fui autodidata para não ter que perguntar ao professor e assim sempre caminhei para a autossuficiência, para não ter que depender de ninguém. Não tinha amigos. Sentia-me rejeitada. Descobri que as pessoas se aproximavam de mim somente porque precisavam das coisas que eu fazia bem, mas nunca me convidavam. Tornei-me uma observadora da natureza humana para aprender como me comportar em grupo e me aproximar das pessoas. A solidão começou a incomodar muito e as fugas da realidade se tornaram cada vez mais frequentes e sofridas. Embora eu desejasse ser mais extrovertida e me divertir como as outras pessoas da minha idade, eu acabava desmaiando nas festas que ia. Certa vez, fui a um baile com algumas colegas e em vez de tentar aprender a dançar como sempre quis, não suportei aquele sentimento (que até hoje não sei identificar muito bem) e me retirei do salão. Como não podia voltar só para casa, passei a noite toda no banheiro

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do clube, de onde saía de vez em quando para que as colegas me vissem. Foi um horror. Nas festas que eu não podia deixar de ir, normalmente saía sem ser notada ou então inventava uma desculpa para sair pouco depois. Fiquei perita em inventar justificativas para me ausentar das festas. Mas como se não bastassem, comecei a desmaiar em público. Aprendi a reconhecer os sintomas e a me esconder no banheiro. Uma vez fui a uma festa e depois de uns vinte minutos lá, percebi que ia desmaiar, saí disfarçadamente, e sem ser notada voltei para o carro onde desmaiei e voltei a mim várias vezes seguidas. Assim que melhorei, voltei à casa, fui ao toalete e retoquei a maquiagem. Encontrei uma sala vazia, onde uma senhora assistia à televisão e fiquei ali por um tempo e, na primeira oportunidade, inventei uma desculpa mirabolante para me retirar.” Num outro depoimento, outro de nossos alunos Tipo 5, além de reconhecer sua “tendência ao isolamento” e de sentir-se “frequentemente desligado das pessoas e sem nenhum interesse pelos seus semelhantes, mesmos os mais próximos”, relata como o fato de ter que relacionarse com os outros em razão de seu trabalho lhe provocou, em algumas ocasiões, o que define como “um profundo desgaste”: “Embora perceba, em mim, uma resistência para estabelecer relações com pessoas, quando consigo vencer esta tendência e estabelecer contato me sinto renovado. Há alguns anos atrás cada vez que eu trabalhava coordenando grupos, ministrando cursos, etc., sofria um profundo desgaste e muitas vezes adoecia após o término do trabalho.”

Talvez “sumir do mapa” seja o mais correto No seguinte depoimento, veremos como esta dificuldade de se relacionar com os outros pode ser racionalizada até o ponto de achar que, afastar-se dos demais ou evitá-los, pode ser uma “atuação correta”: “Assim que cheguei ao Rio, há uns oito anos, dividia meu apartamento com um colega de serviço, provavelmente um 7. No dia de meu

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aniversário, ele e outros colegas de serviço planejaram uma festa surpresa para mim. Logo percebi a movimentação da véspera e desconfiei de algo no ar. Fiquei desesperado ao imaginar: ‘uma festa para mim!... é muita exposição, existem pessoas que não gostaria de encontrar, além de enfrentar uma situação inesperada, não havia me preparado com antecedência para isso, como agir, o que falar!’ Então, no dia da festa, fugi para bem longe, ‘sumi do mapa’. Passei meu aniversário longe, assisti a filmes que gostaria de ver e tentei esquecer o que se passava, de alguma forma consegui me distrair, porém ainda continuava ansioso, o que iriam pensar de mim? Havia pessoas que eu gostava e não queria magoá-las, então resolvi voltar. Já era bem tarde da noite e ao chegar percebi que a festa ainda não havia terminado. Que situação!! Não sabia o que fazer, fiquei indignado por não ter sido cancelada a festa sem a presença da principal figura: eu, o aniversariante. Fui tomado de um sentimento de ridículo, vergonha, em suma, ‘a baixa autoestima’ apareceu e me levou ‘pro fundo do poço’. Após esperar que o último convidado saísse, entrei no apartamento e me tranquei no meu quarto. Analisei tudo e na época ainda ‘pintou’ um certo convencimento de que havia atuado corretamente, fazendo o que gostaria de fazer.” Temos aqui uma prova contundente da definição de racionalização enunciada por Allport.

A tristeza de não poder sentir para não sofrer a tristeza de sentir A percepção de não ser capaz de estabelecer relações e de não poder “chegar até os outros”, ou não poder “alcançar os outros”, pode se tornar uma causa de profunda tristeza: “Sinto muita solidão e sei também que é porque me isolo, e não consigo alcançar os outros. Isto me entristece, gostaria de ser diferente. Mas acho difícil chegar até os outros. Por isto tenho poucos amigos. Observo

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demais as pessoas e crio um espaço vazio para mantê-las a distância. Não me envolvo, não sinto. Tenho medo de sentir, me envolver e depois sentir a dor de uma decepção. Observo para obter confiança, pois necessito de segurança. Esta confiança cresce muito lentamente. Para que este espaço vazio diminua, é preciso que a pessoa tenha requisitos para poder passar pela portinha estreita das minhas exigências. Fico observando mais ou menos desconfiado. Estou sempre sondando para ver se descubro alguma coisa. Nesta hora me sinto capaz de desvendar estes mistérios, mas na maioria das vezes não acredito na minha capacidade, não tenho confiança em mim mesma. Se me decepciono, me afasto e não quero mais ter contato, é como se algo ficasse irreversível. Não quero sentir a dor da decepção novamente.”

Uma boa desculpa: “antes só do que mal-acompanhado” Quando alguns Tipos 5 decidem que só terão poucos amigos uma nova racionalização virá à tona: “Antes só do que mal-acompanhado.” Vamos considerar o depoimento de uma aluna 5 a respeito: “...Antes só do que mal-acompanhado. Gosto de ter meu espaço próprio, minha privacidade, onde estou bem comigo mesma e recebo os poucos amigos íntimos, aqueles com os quais posso me abrir, me mostrar, porque já ganharam minha confiança (passaram no teste). A pior coisa que pode acontecer é uma grande decepção com um amigo; como confiar novamente?” O perigo lógico desta racionalização é provocar uma limitação na visão dos relacionamentos. Não só não elimina a possibilidade de ser decepcionada (o), como também limita suas possibilidades de conhecer pessoas que, sem terem passado no teste, poderiam oferecer momentos agradáveis e descobertas preciosas, sem necessidade de terem sido catalogados como confiáveis.

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Mentalizando a existência: pensando e supondo demais; julgando-se demais; as armadilhas que separam os Tipos 5 da realidade A dificuldade de relacionar-se com os outros frequentemente se reflete na dificuldade de relacionar-se consigo mesmo. Alguns Tipos 5 declaram que precisam ter clareza de seus sentimentos, que é necessário pensar o que se passa neles quando expostos a confrontos ou escolhas. O medo de errar ou de estar se manifestando equivocadamente é um motivo de grande atrito interno. O autojulgamento é forte e se manifesta como uma espécie de questionamento que deverá ter respostas adequadas: Por que fiz aquilo?, por que realizar isto?, o que é que aconteceu exatamente hoje?, que devo dizer?, como agirei nessa festa?, qual o melhor comportamento nessa inevitável reunião? É preciso respostas. Antecipadas, certamente.

O Tipo 5 e o tipo de pensamento introvertido de Jung Logicamente, Tipos 5 se correspondem com o tipo de pensamento introvertido de Jung, e na descrição que faz deste tipo, temos que ter em conta o conceito nuclear de “consideração interna” (Ponto 6 do Eneagrama) de Gurdjieff para compreendê-la em toda a sua extensão. Jung escreve: “O pensamento introvertido está fundamentalmente orientado pelo fator subjetivo (...) Não conduz de uma experiência concreta de volta ao objeto, mas sempre ao conteúdo subjetivo. Os fatos externos não são o objetivo e a origem do pensamento, ainda que com frequência ao introvertido lhe agradaria fazer com que seu pensamento parecesse assim. (O pensamento) começa com o sujeito e conduz de volta ao sujeito (...) Os fatos são reunidos como evidência de uma teoria, jamais pelo seu próprio valor.” No seu depoimento um dos alunos já citados nos revela, em curtas frases, este estado de constante julgamento, suposição e autocrítica interna e como o fato de enfrentar uma situação imprevista lhe provoca um forte movimento contra a seta ao Ponto 8:

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“Muitas vezes, quando alguém me propõe fazer alguma coisa tenho necessidade de pensar sobre a proposta antes de decidir, em algumas situações me irrito com a indecisão... Frequentemente fico em estado de confusão e tomo as decisões erradas. Tenho a sensação de que algo atua dentro de mim e me perturba mental e emocionalmente. Gostaria de me limpar internamente, isto é, ter clareza de meus sentimentos e pensamentos, mesmo quando eles não são agradáveis.” O fato de ter que “explicar” e “mentalizar” tudo o que se passa é uma das causas deste constante autojulgamento e autocrítica. São o medo e a racionalização tomando conta do mundo interno. Uma aluna nos revela: “Desejo sempre saber de antemão o que está por acontecer, gosto da previsibilidade, gosto de me organizar para cursos, saber quem irá a tal reunião, ensaiar mentalmente qual a resposta a ser dada em caso de uma pergunta constrangedora.” Há também os que concluem que: “Às vezes, por insegurança, tenho a necessidade de saber o que pode acontecer (fazer uma elaboração mental de tudo) para planejar o que fazer ou falar. Mas as coisas nunca acontecem como a gente pensa.” Para alguns Tipos 5, o conhecimento do Eneagrama permite compreender a razão destes processos mentais negativos. Ao analisar seu tipo, Noêmia descobre como a influência do Ponto 6 gera nela dois processos indesejáveis: “...imagino com maior frequência o que de ruim poderá acontecer e dedico pouca atenção e imaginação às coisas boas que porventura pudessem ocorrer... temor de situações na qual não exista uma linha preestabelecida de comportamento; temor da hostilidade, deslealdade. Esse medo talvez me leve à hesitação na tomada de decisões e a ter grande dificuldade em fazer, tornar real alguma coisa. O pensamento substitui a ação, talvez pelo medo de errar. Junto com o medo vem a ansiedade, a angústia, a aflição do que poderá ocorrer. Por isso adoto a prudência, me previno, sondo o ambiente, estou sempre com um pé atrás.” Como muito bem o resumem duas alunas: “O intelectual controla as emoções, tirando a naturalidade”, ao mesmo tempo em que a percepção

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clara de estar se ocultando “atrás de atitudes preparadas” acusa internamente que “falta a espontaneidade”. Em parte do seu depoimento outra aluna confessa: “Quero estar sempre prevenida, preparada, e essa necessidade me faz querer descobrir o que se encontra por baixo de uma gentileza, de um sorriso ou de uma atenção especial. Enfim, estou constantemente analisando, observando e imaginando muita coisa. Quando tenho algum evento, dias antes planejo tudo, com tanto detalhe que fico cansada...” Quando a mentalização constante da realidade e a suposição nos separam da existência real, das experiências, então, a realidade, a existência, os momentos e relacionamentos correm o risco de parecer “difíceis”, “perigosos”, “medíocres”, etc. perante aquilo que foi mentalizado e suposto. Esta atitude interna reforça a ideia de que é necessário tomar cuidado com os outros e que é justo desconfiar. Deve-se observar mais que viver. Até conhecer a si mesmo pode se transformar numa nova desculpa para ficar “acima” dos outros e do “medíocre” (lembro aqui a ideia de H. Palmer de identificar o ego dos Tipos 5 como numa espécie de castelo no topo do qual e por meio de pequenas janelas observa ao redor e se esconde dos outros). Vejamos mais este depoimento (Tipo 5 com influência do Ponto 4): “Quero aprender um pouco de tudo, adquirir conhecimentos, para sentir-me aprimorada, buscar algo elevado na vida, não me limitando a um cotidiano medíocre. Além do mais, sou bastante observadora, e sei que a sabedoria maior está em conhecer a si mesmo e perceber o que está além das palavras e dos atos. Às vezes, isso me distancia das pessoas, como se eu me colocasse numa posição superior, de forma preconceituosa, sem dar chance que o outro mostre seu verdadeiro valor. Crítica, julgo saber o que é melhor para mim e para os outros. Quando permito a aproximação, percebo o quanto fui parcial no meu julgamento, de caráter puramente intelectual. É a dificuldade de mostrar os sentimentos e emoções o que, na verdade, me isola...”

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A perigosa invasão: um exemplo de mentalização negativa As racionalizações tomam variadas formas. O termo “invadir”, quando se refere ao ato de “respeitar a privacidade dos outros”, revela de maneira flagrante o estado emocional que provoca a chegada de alguém não esperado, o encontro indesejado, a conversa que não se quer. A mesma aluna diz em outra parte de seu depoimento: “Também não costumo invadir os outros, respeito seus limites assim como quero ser respeitada.” Uma outra aluna (Tipo 5 com influência do Ponto 4) lembra no seu depoimento o seguinte: “Não vejo com frequência os meus amigos e parentes, apesar de serem pessoas muito queridas. Aos 15 anos, durante uma crise existencial, no auge do sofrimento adolescente, escrevi e nunca esqueci: Os meus olhos são portas fechadas De um imenso casarão Que logo se armam Contra uma possível invasão. Mais bandeira do que isso, impossível. Sou, ou não sou um 5?” A palavra invasão é resultado da suposição de que todo encontro com os outros é comprometedor, agressivo e perigoso; pode acarretar compromisso futuro e término não desejado da segurança que a privacidade outorga. Mentalmente aquelas “invasões” vividas na infância “gatilham” a sensação da possível perda devida ao compartilhar inesperado ou da obrigatoriedade de compartilhar algo que não se deseja compartilhar. Ante esta possível invasão, Tipos 5 reclamam assim: “Não gosto de me comprometer com os outros pois isso gera uma obrigação que vai perturbar minha paz” ou “não gosto que haja problemas à minha volta”. Para um dos nossos alunos, essa possibilidade de ter que viver relacionamentos não desejados implicava uma sensação de opressão.

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Escrever é melhor que falar o que sinto: outro exemplo Quando Tipos 5 têm que enfrentar situações imprevistas, sentem-se desorientados. A razão é simples: o fato de não ter tempo para pensar no assunto, para calcular seus possíveis resultados, para responder de acordo ao que consideram necessário, ou seja, não ter tido a possibilidade de mentalizar, de se preparar, etc. lhes provoca uma reação de tremenda vulnerabilidade: o risco de ser “invadido”, de ser surpreendido, comprometido, obrigado, é maior. Um dos alunos já citados confessa que “muitas vezes, quando me propõem fazer alguma coisa, tenho necessidade de pensar sobre a proposta antes de decidir, em algumas ocasiões me irrito com a indecisão”, depois repete: “fico irritado em algumas situações em que me cobram uma decisão”, acrescentando que “procuro me prevenir para não ter problemas....” Conheci um Tipo 5 que enquanto discutia qualquer assunto comigo jamais conseguia externar o que estava sentindo. Após alguns dias, eu encontrava na minha caixa postal uma carta em que ele fazia uma extensa análise do problema, deixando claro, inclusive, que aspectos da nossa discussão ele gostara ou não. Muitas vezes, nessas cartas, ele desabafava como nunca fizera cara a cara, e eu compreendia sua atitude. No próximo encontro eu, propositadamente, não falava sobre essa carta, nem ele, logicamente. A necessidade de pensar a realidade é significativamente mais importante que resolver questões reais. Se o assunto pode ser resolvido mentalmente, é como se não existisse necessidade da experiência real. Escrever se torna, então, uma espécie de “realidade virtual” na qual até conflitos podem ser de algum modo resolvidos, como se depreende do depoimento: “De outra feita, a dona da creche onde minha filha ficava criou uma questão comigo. Fracassei em todas as tentativas de diálogo. Fui tremendamente humilhada. Levei o caso para a Justiça e ganhei a causa. Durante todo o processo não mostrei nenhuma reação emocional. Mas depois de resolvida a questão, escrevi várias cartas para ela (que

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jamais enviei). Sempre que a lembrança do caso me trazia muita raiva, eu escrevia cartas para ela e quando tudo passou eu as joguei fora. Frequentemente procedo dessa forma.” Vamos ficar por aqui com as análises dos desdobramentos do Traço Principal. Há muito mais, claro, mas acho necessário que você (epa! quase escrevo “que você pense”) se atreva a viver e sentir essa imprevisibilidade da existência... Tá legal, concordo com você: às vezes é bom planejar, mas, só às vezes.

Iniciando o processo de mudanças positivas; observando o negativo dos Pontos 4 e 6: que influências! Os Pontos 4 e 6 deverão ser observados com máxima atenção. Quando negativa, a influência do Ponto 4 leva Tipos 5 a estados de tremenda “mágoa”, que se expressam em uma espécie de denúncia constante, doentia e veemente das injustiças, erros e falta de consideração para com ele e que justificam seu distanciamento, isolamento e solidão. Não apenas os outros não parecem compreendê-lo, como também se cria uma série de pseudorrazões (racionalizações) para demonstrar a si mesmo que não é ele o culpado pelo isolamento e sim os outros. Já o Ponto 6, com sua influência, permite projeções tão perigosas que parece que nada do que existe é confiável. É como se, dentro de você, dois seres diferentes falassem constantemente: “Você nunca será compreendido pelos outros, devido à sua especial visão da realidade (4), então fique sempre com um pé atrás, você pode estar em perigo sem saber onde ele se oculta (6).” Um dos exemplos mais marcantes da influência negativa dos pontos 4 e 6 que já analisei foi: certa vez, um tipo 5, “quase paranoico”, quis atingir uma instituição da qual fora expulso por diversas e justas razões. Para isto, enviou um panfleto calunioso e muito extenso em nome de uma outra instituição internacional a membros da organização da qual fora afastado com o objetivo de desmoralizá-la perante seus líderes e diretores. Este sujeito, em cuja “presença geral”, como diria Gurdjieff, se tinham cristalizado os piores aspectos do seu Traço Principal, revelava

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nesta carta uma influência do Ponto 4 Eneagramático, por meio de frases com as quais tentava demonstrar que não fora expulso e sim que decidira retirar-se voluntariamente em razão de pretensas “contradições”, de cunho “intelectual”, claro, disfarçando com diversos argumentos sua tremenda mágoa e desejo de vingança (movimento contra a seta ao Ponto 8 do Eneagrama) por ter sido afastado. Por outro lado, sua imaginação descontrolada (veja as características do Tipo 6) o levava a denunciar supostas “razões ocultas” (ele fazia isto em forma de perguntas que se iniciavam com a frase “qual será a razão oculta de...” isto ou aquilo) para diversas situações irreais que ele achava que devia “questionar”, como um modo de fortalecer suas críticas e provocar dúvidas nos integrantes da instituição ora atacada, em relação à idoneidade dos seus trabalhos. Somando à sua tremenda paranoia uma manifestação tipicamente contrafóbica (novamente uma clara expressão do Ponto 6, núcleo do “Medo” no Eneagrama), tentou ocultar o seu tremendo temor às possíveis e justas reações, botando embaixo da sua assinatura uma frase de efeito com a qual pretendia chamar a atenção sobre sua imaginária “coragem”. Por se sentir “protegido” (aqui temos um exemplo prático dessa falsa ideia de segurança que alguns Tipos 6 sentem quando são partes de um grupo ou organização que lhes agrada) pela organização que dizia representar, além de questionar a autoridade da instituição que lhe solicitara uma “renúncia voluntária” para não prejudicá-lo publicamente em relação ao seus trabalhos, decidiu desautorizar e criticar maldosamente seus líderes e diretores. Logicamente, após ser denunciada a sua conduta à instituição por ele invocada, o desafortunado autor dessa carta foi desautorizado totalmente além de ter-lhe sido solicitado que se desculpasse publicamente com a organização atacada, o que, até hoje, claro, nunca fez. Este caso mostra com muita crueza o que pode acontecer com um Tipo 5 quando “atacado” pelos aspectos mais sombrios de seus parceiros eneagramáticos. É importante observar como eles podem acabar aumentando seu “isolamento” da realidade tal qual ela é. Tente observar quando essas influências se tornam fatores de isolamento ou afastamento dos outros

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que no final são ou deveriam ser seus próximos. Não deixe que os perigos imaginários lhe provoquem a incapaci­dade de ver claramente todo o bem que, com certeza, está a seu redor.

Aproveite as influências positivas dos Pontos 4 e 6 – (ver figura na página 334) Quando positiva, a influência do Ponto 4 (Equanimidade) permite uma aceitação da realidade como algo “presente e concreto”, ou seja, uma percepção de que entre essa “presença” da realidade e você não pode existir algo mais: o que está acontecendo é real naquele instante e você deve estar ali e não no mundo mental que você tanto defende. Esse estar presente lhe dá a oportunidade ímpar de se abrir ao que está acontecendo, de não se poupar da experiência desse instante precioso no qual o passado e o futuro começam. Não pode se fechar diante desse “contato”. Ele se torna uma tremenda oportunidade de existir. Nesse instante não tem nada por acontecer. A coragem de sentir esse momento tal qual ele é, será o aspecto positivo da influência do Ponto 6. A imaginação negativa é detida. A suposição é detida. A ousadia e a coragem de viver o inesperado implícito ou explícito nesse “presente” acontecem. Você aceita o imprevisto e simplesmente está ali, vivenciando-o fora do castelo. Sugiro a leitura dos Tipos 4 e 6 para você aprofundar sua análise pessoal.

Observando os movimentos do 5 ao 7 e do 5 ao 8 – (ver figura na página 334) O que permite uma observação mais apurada do quinto Traço Principal e suas “armadilhas” é a consideração dos movimentos do Ponto 5 para o 7 (a favor da seta) e para o 8 (contra a seta). No movimento para o 7, o desejo de ser livre e de não depender encontra seu “reforço”. Também, quando sair do isolamento se torna uma necessidade

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imperiosa, o Ponto 7 influencia com sua parcela de gula. A saída é exagerada, sem limites e nela tudo pode acontecer sem restrições, sendo que essas escapadas, às vezes, são planejadas em todos os seus detalhes. O positivo deste movimento ao 7 se dá quando, compreendido o desapego, Tipos 5 conseguem sentir “equilíbrio” entre mundo interno e externo, quando conseguem ser espontâneos, autênticos e curtem a vida relaxadamente. No movimento contra a seta ao 8, duas questões deverão ser observadas. A primeira é a hostilidade para consigo mesmo (acusar-se internamente) e a desconfiança e sensação de perigo que provocam determinadas pessoas e eventos. Essa desconfiança não é apenas “medo de”; é também um preparar-se para um possível ataque ou desapontamento vindo do exterior. A agressividade e a luxúria do 8 se apresentam aqui como a procura de todas as defesas imagináveis que possam ser colocadas entre a realidade e o “meu mundo”; é preciso estar preparado. É o estado de sentir o isolamento como proteção contra os eventuais “perigos” e “inimigos” externos. No positivo, o movimento contra a seta do 8 resulta na capacidade de sentir e vivenciar momentos e experiências de uma forma “instintiva”, ficando sem defesas mentais, sentindo o “sabor da vida” sem prejulgamentos nem preconceitos. O movimento para o 8 também é uma forma de contrariar, positivamente falando, a excessiva teorização, o que diminui esse planejamento minucioso que muitas vezes impede a ação real (Influência do movimento do 7). Peço para você ler os Tipos 7 e 8, a fim de conhecer detalhes da dinâmica do seu mundo interno em relação a este ponto.

Contatando a realidade tal qual ela é O processo de mudanças positivas inicia quando o contato com a realidade é total. Não se pede para parar de pensar, nem para se deter os processos intelectuais. O que se pede é que consiga sentir. O conhecimento real é o conhecimento fruto de sentir a vida a realidade “tal qual como ela é”, segundo dizia meu Mestre. É necessário aprender a linguagem “natural” do corpo, do sentimento, do instinto e dar-se conta que

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essa é uma linguagem que, quando intelectualizada demais, não se pode compreender. Como diz Gurdjieff, o risco é ter apenas “informação”, que se tornará inútil com o passar do tempo, porque não foi transformada em “vivência” ou nunca esteve “ligada” a uma vivência. O “saber real” incorpora todos os aspectos incluídos no ato de conhecer, aspectos que muitas vezes não poderão ser mensurados, calculados ou previstos. Existe um conhecimento que supera o conhecimento intelectual, não porque o elimine ou porque esteja acima ou “antes” do ato de conhecer, mas porque integra e conhece as outras formas e linguagens do processo de aprendizado. Nossos centros são três e não apenas um, somos criaturas tricerebrais e, sendo assim, não podemos apenas intelectualizar a vida. Osho ensinava: “A vida não é apenas racional. Pelo contrário, a maior parte da vida é irracional. A razão é apenas uma pequena ilha iluminada no vasto, escuro e misterioso mar da irracionalidade.” O grande desafio para você é iniciar um contato “sem interferências mentais” com a vida, as pessoas, os momentos e as experiências. Experimente chegar a um encontro sem se preparar e observe o que acontece. Deixe que os momentos aconteçam, sinta o sabor do imprevisto e perceba que nem sempre o imprevisto será algo ruim ou indesejado. Tente curtir situações “não pensadas”. Observe-se nelas sem julgar-se, sem querer ter controle. Vá a uma festa, internamente livre, e dance e sinta o gosto do movimento. Terapias corporais, trabalhos grupais e dinâmicas que impliquem a autodescoberta por meio de sensações, movimentos, danças e exteriorização de emoções e sentimentos poderão ajudar a resgatar esse contato real com a vida. Talvez nada demais possa acontecer ou tudo pode acontecer. Isso não importa. O que importa é que você “vive” aquele instante e não apenas o “pensa”. Não existe julgamento, nem plano, nem perigo. Atreve?... Pô! Já começou a pensar de novo! (Estou brincando.) Quando se consegue viver dessa maneira, é possível caminhar em direção ao que Gurdjieff chama de “a razão da compreensão”. Com palavras não conseguirá passar a você tudo o que isto significa para mim, até porque isso não é importante... Apenas saia um dia sem planos do seu castelo e, por exemplo, tente sentir um abraço, mergulhe nele e não se importe como o está fazendo, nem pense o que acontecerá

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depois. Reparou? Este conselho também não serve, porque foi pensado. Talvez a chave para o desenvolvimento harmonioso dos Tipos 5 esteja na virtude a ser resgatada...

O desapego: a virtude de ficar entregue A esta altura, você talvez consiga “sentir” quanto esconde esta palavra após a breve análise do Traço Principal e algumas de suas manifestações. Desapego implica, em primeiro lugar, “desprender-se” dessas defesas e preconceitos que o levam a sentir o contato com os outros como ameaçador. Desapego é parar de pensar que algo pode ser perdido, que algo pode ser tirado de você. Desapego implica abrir-se sem temores, disposto (a) a viver a realidade tal qual ela é. Desapego é perceber que você nega a você vivências e satisfações que poderiam ser uma porta para sentir a vida real. Desapego é compreender que solidão não é isolamento, que compartilhar não é deixar de ter, que abrir-se não é ficar nu ou vulnerável e sim receptivo e acolhedor. Desapego não é sofrer quando chega o momento de dar, é descobrir que não precisa dar demais, para contrariar qualquer das formas em que se manifesta sua avareza. As virtudes que acompanham o desapego são a coragem (Ponto 6) e a Equanimidade (Ponto 4). Sim, para abrir-se e desapegar-se, é preciso coragem. Não supor demais, não acautelar-se demais, não criar inimigos imaginários. Desapegarse não deve ser um exagero, a Equanimidade precisa ser compreendida. Nada de exageros. Nem muito aberto, nem muito fechado, nem muito generoso, nem muito pé-atrás, etc. No desapego não existe temor de perder, nem algo a proteger. O desapego é uma espécie de certeza de que o que se possui verdadeiramente nunca se perde, sempre está aqui e quando compartilhado aumenta, não diminui. No desapego nada se espera. Não existe qualquer coisa a ser esperada. O desapego é a compreensão de que muito da vida apenas acontece e que nem tudo pode ser controlado. Desapego é uma das virtudes principais na doutrina budista. Seu sinônimo cristão chama-se contentamento. Não vou me

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estender nisto e peço para você refletir. O importante aqui é compreender que superar a avareza em qualquer de suas expressões não implica uma violenta expressão contrária, nem num ir e vir nos extremos de dar ou reter. No seguinte depoimento, está explícita a forma errada de interpretar o desapego a nível material: “Às vezes entrego, em minutos, tudo que consegui com sacrifício durante meses. Em outras ocasiões me conduzo de uma maneira mesquinha, recusando-me a dispensar pequenas coisas, como se o fato de as dar me transformasse em um miserável paupérrimo. Esta atitude me provoca uma profunda vergonha. Acho que é para não sentir esta vergonha que entrego, em outro momento, tudo com a maior facilidade, parece que tenho pressa em me livrar da possibilidade de sentir vergonha.” Com muita frequência Tipos 5 se comportam de maneira semelhante no plano sentimental. Fechados demais, sentem-se incapazes de qualquer contato e se culpam por não conseguir se abrir com alguém, então, vão ao extremo e vivem experiências “radicais” (movimento ao Ponto 7), apenas para sentir que são capazes de viver determinadas experiências. Nada disso é desapego. No desapego não existe angústia, nem temor, nem sentimento de culpa. O desapego é a renúncia a mentalizar a existência e a decisão de vivê-la plenamente.

Uma reflexão necessária: a diferença entre conhecimento vivo e conhecimento morto Viver plenamente a existência significa obter o privilégio de conhecer um tipo de sabedoria e de conhecimento que não se esgotam jamais. Quando renunciamos ao “conhecimento morto”, à mera “intelectualização” da realidade, não renunciamos ao saber. Pelo contrário, nos transformamos em seres capazes de “revitalizar” o saber. Nos Relatos de Belzebu a seu neto, livro de Gurdjieff (ainda não traduzido ao português), o sábio personagem principal ensina a seu neto Jassin a diferença entre o “conhecimento morto” (“saber comum”, sem compreensão verdadeira ou apenas intelectual, sem vivências reais)

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e o “conhecimento vivo” (o “saber real”, fruto da compreensão e da vivência graças ao trabalho conjunto de sensação-emoção e pensamento), com as seguintes palavras: “Agora, então, meu filho, para que compreenda melhor aquilo que estou lhe falando no momento, considero necessário lhe dizer, mais uma vez, de uma forma mais precisa, a diferença (...) entre o ‘saber’ e a ‘compreensão’(...) A ‘razão da compreensão’, razão consciente própria de todos os seres tricerebrais (de três centros; como o ser humano) que povoam os demais planetas do nosso Megalocosmos, a qual possuíam os seres terrestres de épocas passadas, é algo que se funde com a presença geral (...) toda informação percebida por essa razão transforma-se para sempre em parte indivisível deles mesmos. Quaisquer que sejam as mudanças de um ser e os resultados que geram a contemplação “eseral” (do ser, com o ser e para o ser) do conjunto das informações anteriormente percebidas por essa mesma razão, sempre formarão parte da sua essência. Porém, a ‘razão do saber’, habitual na maioria dos teus favoritos (os seres humanos) contemporâneos, toda nova impressão que ela percebe, e todo resultado intencional ou simplesmente automático das impressões anteriores, não fazem parte do ser senão apenas de maneira temporal; não podem aparecer neles senão em certas circunstâncias e ainda, sob a condição daquelas informações nas quais se alicerçam, serem ‘refrescadas’ e ‘repetidas’, vez por outra, pois na falta desta condição, essas impressões anteriores se ‘evaporam’ para sempre da presença destes seres tricerebrais.” Belzebu agrega mais na frente: “... Eis aqui a razão pela qual, na presença dos seres tricerebrais que tão-somente possuem a ‘razão do saber’, tudo quanto acabam de aprender deposita-se e fica para sempre num estado de simples informação, da qual eles não tomam cons­ciência alguma com o seu ser. Por isso, todos os novos dados percebidos e fixados neles desta maneira não contêm nenhum valor com respeito ao aproveitamento que eles poderiam tirar (desses dados) para sua existência futura...”

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Finalmente não esqueça a lição que esconde a historinha do geógrafo no Pequeno Príncipe de Saint-Exupéry Quando “fechados” em nossos pensamentos, perdemos contato com a existência real e a interpretamos segundo nossas paixões, temores e defesas “mentais” (e, no pior dos casos, “paranoicas”), corremos o risco de acabar igual ao geógrafo do Pequeno Príncipe, o qual explicava que ele fazia seus mapas apenas segundo os relatos que os viajantes lhe traziam, sem nunca constatar in loco se eles eram verdadeiros ou falsos. O principezinho olhando o belo planeta do geógrafo lhe faz perguntas sobre o oceano, as montanhas, rios e cidades que existem nele, porém o teórico geógrafo responde a todas elas dizendo: “Como hei de saber?” O pequeno príncipe lhe diz, surpreso: “Mas o senhor é geógrafo!” A desculpa do geógrafo é: “É claro, (...) mas não sou explorador (...) O geógrafo é muito importante para estar passeando. Não deixa um instante a escrivaninha (...).” Compreende a mensagem? Deixe “sua escrivaninha” do Centro Intelectual e torne-se um “explorador”, até porque, como, paradoxalmente, o reconhece o próprio geógrafo dessa bela e sabia historinha: “Há uma falta absoluta de exploradores.”

O Tipo 6 O eu que imagina

O mestre Gurdjieff diz: “O homem, às vezes, se perde em pensamentos obsessivos, que voltam e tornam a voltar em relação ao mesmo objeto, às mesmas coisas desagradáveis que imagina, e que não apenas não ocorrerão, mas, de fato não podem ocorrer. Esses pressentimentos de aborrecimentos, doença, perdas, situações embaraçosas, se apoderam muitas vezes de um homem a tal ponto que assumem a forma de sonhos despertos. As pessoas deixam de ver e ouvir o que realmente acontece, e, se alguém conseguir provar a elas, num caso preciso, que seus pressentimentos e medos são infundados, elas chegam a sentir certa decepção, como se tivessem sido frustradas de uma perspectiva agradável (...) O medo inconsciente é um aspecto muito característico do sono (...) As pessoas não suspeitam até que ponto estão em poder do medo. Esse medo não é fácil de definir. Na maioria dos casos, é o medo de situações embaraçosas, o medo do que o outro pode pensar. Às vezes o medo se torna quase uma obsessão maníaca.”

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Medo: o traço principal, ou como uma espada pode virar uma bengala branca, segundo Woody Allen O consagrado diretor de cinema Woody Allen é, sem dúvida, um grande exemplo de um típico Tipo 6! Woody Allen é genial na forma de expresar seus medos! No livro Pequeno tratado das grandes virtudes, o professor de filosofia francês André Comte-Sponville, no capítulo sobre o humor, lembra algumas frases deste grande diretor do cinema americano, que revelam com clareza seu Traço Principal, o medo, confessado de modos engraçados: “Sempre trago uma espada comigo para me defender. Em caso de ataque, aperto o seu punho e ela se transforma em bengala branca. Então vêm me socorrer!!!” ou “Embora eu não tenha medo da morte, prefiro estar longe quando ela acontecer.” ou ainda: “A única coisa que lamento é não ser outra pessoa.” Esta última frase poderia resumir o depoimento de uma das minhas alunas Tipo 6, com o qual iniciaremos a análise deste Tipo Eneagramático: “Medo... um medo visceral, profundo, deprimente, covarde, babaca! Como eu gostaria de não tê-lo. Como eu admiro os corajosos! E como eu tenho, durante toda a minha vida, desprezado os covardes. Até perceber que eu também tenho sido um deles. (Esta percepção ocorreu agora, com o estudo do Eneagrama.) Isso gera um problema de autoestima – não quero me desprezar por isto, mas quero me curar. Medo de ser feliz – medo de ser infeliz; medo de me expor – medo de me isolar; medo de ir – medo de ficar; medo do sucesso – medo do fracasso; medo da convivência – medo da solidão; medo do desconhecido – medo de sentir medo. Medo... medo... medo... Chega! Não quero mais!!! Exemplo: Adoro viajar, mas viajei muito pouco na vida... por medo e preguiça (movimento ao 9). Nunca havia saído do Brasil. Eu tinha muita vontade de ir a Portugal e à França, conhecer o restante da minha família, mas dizia: ‘Só quando construírem uma ponte entre a América do Sul e a Europa para eu ir de carro’. Tinha pavor de avião. Eu dizia também que só iria entrar em um avião se me dopassem antes e, mesmo assim, não poderia acordar durante a viagem (teria que ser uma dose alta). E isto me

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impedia de concretizar um sonho lindo. Eu até evitava pensar nisso para não sofrer com meus limites enormes. E acabara negando para todos e até para mim mesma que queria ir. No ano passado, quando me decidi, fiquei muito tensa, não dormi nada na noite anterior à viagem, mas fui (com meus pais) peguei quatro aviões e... Eureca!!!: não doeu, não morri, nada de mal aconteceu. Muito pelo contrário, adorei a viagem e noto que, depois disso, melhorei em relação aos medos. Mas ainda há muito a trabalhar. Puxa... era tão simples! Por que eu não fui das outras duas vezes que meus pais haviam ido?! Quanto tempo perdido! Quanta bobagem! Quero mudar. Então, vou começar por me expor...!” Quando a aluna escreve esta frase final, está se referindo ao fato de que vai revelar seu nome (o que faz) como uma maneira de contrariar sua personalidade, mas com esse ato confirma seu Tipo, já que o trabalho de descrever como se manifestava sua Máscara tinha como requisito ser anônimo. Engraçado, não? Sim, porém profundo, como veremos agora:

Ambivalência: extrema covardia ou extrema ousadia (no fim ainda o medo... será que não é melhor jogar frescobol?!) Por meio da imaginação, o intelecto dos Tipos 6 lhes adverte sobre possíveis perigos, reais ou imaginários, que poderiam sofrer repentinamente. Então, ou eles se protegem desses perigos evitando o contato com a realidade (Influência do Ponto 5, sentimentos de insegurança e inferioridade) ou os enfrentam com a urgência cega de quem pula apavorado da janela do sétimo andar (se imaginou um outro andar mais alto, tudo bem, é só um modo de expressão) de um prédio em chamas, sem esperar que a lona esteja pronta (reações contrafóbicas, irracionais ou histéricas). Acho que o seguinte caso reflete bem essa ambivalência com que a realidade é enfrentada por um Tipo 6. Certa vez, li um desses interessantes e bem-humorados artigos do conhecido escritor e jornalista Millôr Fernandes no qual lembrava as “paradas” que topou como opositor da ditadura militar, mesmo sem pegar em armas como os mais radicais fizeram. Na parte final, ele escreve:

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“... Trinta por cento de correção monetária pelas paradas que topei. Hay gobierno? Soy contra. No hay gobierno? Soy contra también. Mas em armas eu não peguei não. Nem sei onde é que fica o gatilho de um revólver. Meu negócio é acabar com as forças armadas. Vou apoiar outra força armada? Mas na hora do pega pra capá, garotos, eu não dei no pé não. Tão lembrados? Estão nada. Ninguém lembra porra nenhuma. Eu sou daqueles que não foram embora. Bom, não estou criticando os que se mandaram. Medo é medo – quem tem orifício anal sabe disso. (Longa pausa.) Mas teve gente que se mandou muito cedo.” Com certeza, a lembrança das vezes em que este provável Tipo 6 (com forte movimento ao Ponto 9) sentiu seu “orifício anal” reagir diante do medo, deve provocar nele algumas “longas pausas”. Para Tipos 6, os atos contrafóbicos – aqueles nos quais foram obrigados a atuar com aparente coragem apesar de seus medos – quando lembrados, devem provocar as mesmas “longas pausas” que provocaram no nosso “valente” Millôr, que, para não deixar dúvidas sobre sua tendência à paz (movimento contra a seta ao 9) escreveu, consciente ou inconscientemente, naquele mesmo dia na sua página, que ele é “um dos inventores do frescobol – o único esporte com espírito esportivo. Até hoje ninguém inventou ganhadores, nesse jogo”, portanto ninguém fica com medo de perder, certo? As “longas pausas”, sentidas pelas “mensagens” do “orifício anal” do jornalista, lembram a típica ambivalência com que Tipos 6 enfrentam a realidade, ambivalência que os leva a temer tudo, como nos mostrou nossa aluna no depoimento: “Medo de ser feliz; medo de ser infeliz. Medo de me expor; medo de me isolar, medo de ir; medo de ficar, etc.” Enfim, medo do medo, que pode levar a atitudes e condutas extremas, para se expor ou para não se expor, ou, como confessa o nosso jornalista, para ser “contra”, em qualquer caso. Millôr, como todo Tipo 6 “democrático”, não gosta de autoritarismo e apesar de nunca ter pegado em arma, “ousa” advertir que “meu negócio é acabar com as forças armadas” . Ele revela que, “naqueles dias”, correu grandes riscos, e pede “correção monetária” por tudo o que topou na época. Porém esses riscos ele sabe que não foram “inteligentes”, nem foram assumidos por valentia. Ele não é “valente”, ele não quer ser nem perdedor, nem ganhador, ou seja,

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ele apenas quer jogar uma partida de frescobol contra um “time da pesada”, ao qual deverá convencer de que ele não quer ganhadores nem perdedores, apenas “acabar com as Forças Armadas” (!?). Sem dúvida, foram muitas “longas pausas”!

Os filhos do casal ambivalência-medo: indecisão, atitudes flutuantes, inconstância, rejeição ao conflito, emoções opostas, etc. (Que família!) O Tipo 6 e o tipo de sentimento introvertido de Jung Tudo bem, vamos transcrever aqui os comentários sobre a ambivalência do psicólogo norte-americano T. Millon, publicados na obra Disorders of personality (Desordens da personalidade, 244): “A ambivalência dos passivos-agressivos se intromete constantemente na sua vida cotidiana, resultando em indecisão, atitudes flutuantes, condutas e emoções opostas e um generalizado devaneio e inconstância. Não podem decidir se aderem aos desejos dos demais como um meio de obter conforto e segurança, ou se dirigirem a eles mesmos para estes ganhos, se são obedientemente dependentes dos demais ou insolentemente resistentes e independentes deles, se tomar a iniciativa de governar seu mundo ou ficar ociosamente sentados por ali, esperando passivamente a liderança de outros; vacilam, então, do mesmo modo que o asno proverbial, movimentando-se primeiro numa direção e logo numa outra, sem decidir jamais qual ‘fardo’ de palha é melhor.” Em razão do medo nuclear e desta ambivalência, Tipos 6 procuram, como nosso Millôr, não ter conflitos. (“Em volta de mim, amados amigos, ninguém ganha ou perde. Vive”.) Não ter que decidir, não ter que escolher, ou, numa atitude insolente atrever-se (custe o que custar e aceitando todas as “longas pausas”) a declarar que quer “acabar com as forças armadas”. O Tipo 6 corresponde ao tipo junguiano de sentimento introvertido. Talvez pela ambivalência que caracteriza este tipo, Jung teve dificuldades, como ele mesmo reconhece, para descrevê-lo “intelectualmente”:

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“É extremamente difícil oferecer uma relação intelectual do processo do sentimento introvertido (...) embora a peculiar natureza desta classe de sentimento seja muito perceptível quando a gente se dá conta (...)” Nos nossos workshops do Eneagrama, os Tipos 6 às vezes descrevem este “processo” como “uma dificuldade de expor” o que acontece nos seus “mundos internos”, que inclui a dificuldade de definir quais são os sentimentos relativos a esses momentos. Concordo com Jung, só quando a gente “observa” esse estado “natural” nos Tipos 6, é que é possível compreendê-lo em sua intensidade. A ambivalência, reconhecida por nossos alunos Tipo 6, produz diversas consequê­ncias. Em parte do seu depoimento, Jane, uma de nossas alunas, confessa: “Detesto brigas e desarmonia. Não quero saber de problemas. Só quero é ser feliz! Acho que busco a felicidade absoluta! Evito o atrito ao máximo, mas se não tiver jeito eu entro na briga. Tenho medo de minha agressividade. Acho que sou capaz de matar num momento de muita raiva.” Logicamente, o medo do que sua raiva pode gerar a faz acrescentar logo em seguida que tem “dificuldade de expressar raiva”. Outra aluna reconhece: “não gosto de competições e sempre me retiro de ambientes ou cursos ou qualquer atividade onde haja disputa. Não gosto de lutar”. Outra escreve: “O medo de perder as pessoas me leva a evitar qualquer tipo de conflito; a não aceitar cargos de chefia, onde haveria possibilidade de algum rompimento ou desavença.” Mais adiante repete que sua “incapacidade de conviver com o conflito” é uma “característica forte”, e acrescenta: “Às vezes a tensão é tanta, que acabo tomando decisões (que aparecem como atos corajosos). Isto me faz sair da confusão e fazer alguma coisa. Embora estes aprendizados sejam sempre muitos sofridos (pois me tiram da famosa zona de conforto onde tudo é conhecido e organizado) sinto que faço alguns progressos assim.” O fato de ter que tomar decisões se torna estressante, como confessa Sílvio, um dos nossos alunos 6: “Não gosto de decidir, o que acarreta dificuldades de iniciar e terminar qualquer coisa. Sendo que, no final, acabo realizando o que for necessário geralmente de modo bem mais satisfatório do que imaginava, mas com muito desgaste.” Ele continua confirmando esse estado de ambivalência e revelando que: “Há uma particularidade no

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meu comportamento, aquilo de que tenho medo é justamente o que procuro fazer, mas também com um enorme desgaste. Sinto-me dependente porque preciso da aprovação dos outros, para não me sentir rejeitado. Ajusto-me ao mundo (pessoas e situações) para me sentir em segurança.” No depoimento de outra aluna Tipo 6 podemos apreciar como esta luta interior entre fazer ou não fazer, decidir ou não decidir, provoca o que muitos donos desta máscara chamam a “dificuldade de concretizar” (um típico movimento ao Ponto 9): “Sempre demoro a concretizar algo, pois fico imaginando as possíveis consequên­cias, as melhores maneiras de fazer, qual deveria ser a maneira correta, etc. A partir daí surgem as dúvidas e o desânimo. Começo a protelar e invento desculpas para não fazer as coisas, adiando o máximo possível. Quando este estado de apatia começa a me incomodar, passo a me movimentar fazendo muitas coisas, preenchendo meu tempo com várias atividades. A compra de minha casa vem se desenrolando desta maneira. Quando decidi comprá-la, fiquei animada, fiz planos e comecei a procurar nos jornais. Então começaram as dúvidas: será que as pessoas são de confiança? E assim, fico somente selecionando anúncios, sem ir ver as casas, até que paro de procurar, inventando desculpas como falta de tempo ou simplesmente de ânimo para agir (movimento para o 9). Passam-se alguns dias ou semanas e começo achar que algo precisa ser feito, que estou muito parada e que devo começar a agir. Recomeço a procurar então com mais confiança, com mais empenho e disposição, vendo várias casas durante a semana, durante o mês (movimento para o 3). Voltam as dúvidas e então nada me agrada: quando a casa é boa, o local é ruim; se me agradam o local e a casa, desisto porque tem pessoas morando e poderia haver problemas para desocupá-la; me deixo levar por opiniões de outras pessoas (volta para o 6). Estas etapas se repetem várias vezes até que eu consiga realizar o que pretendo.” A esta altura, você deve estar pensando: “Incrível, achava que somente eu era assim!” A descoberta do Traço Principal é muito chocante sempre, mas conhecer sua origem levará você a profundas reflexões que facilitarão qualquer trabalho, presente ou futuro, sobre si mesmo, mediante o qual você possa obter os benefícios da fé e da coragem verdadeiras.

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Como surgiu o traço principal (Ou quando o que acontece não é o esperado) A que chamamos medo? Habitualmente o medo é a palavra que define uma série de “estados emocionais alterados” provocados por uma ameaça, real ou imaginária; pela percepção de um perigo, real ou imaginário ou pela iminente ou súbita possibilidade de enfrentar uma situação que associamos, objetiva ou subjetivamente, por aprendizado ou por termos tido uma dolorosa experiência, com situações desagradáveis, odiosas, repulsivas, perigosas, desconhecidas ou conhecidas, situações estas que nos fazem perder – temporal ou constantemente – nosso senso de segurança, bem-estar, conforto e/ou prazer, confiança e/ou tranquilidade. Nos depoimentos de Tipos 6, a lembrança dos primeiros medos e do modo como estes alterariam o relacionamento com a realidade é frequente e, às vezes, forte. Neles temos palavras-chave que ajudarão você, como Tipo 6, a ter elementos de observação que lhe permitam, aos poucos, primeiro individualmente e logo mediante terapias ou trabalhos grupais superar seus medos em virtude da constatação dos pontos comuns que lhe indicam como eles possuem origens similares. Algumas palavras-chave são: crítica(s), ameaça(s), autoritari (a-o-ismo), decepção, repreensão, in­se­gur (ança, o, a) sever (a-as-o-os-idade), castig (ar-o) Novamente peço aos pais e responsáveis pela educação das crianças e adolescentes que leiam esta obra para refletir profundamente sobre como surge esta sexta máscara e seu traço principal. Uma aluna nos revela a respeito o seguinte: “Lembro das críticas por parte de meus pais, sempre observando minhas falhas, especialmente meu pai, que não podia admitir uma filha mais forte e corajosa que ele. Meu pai é um homem muito autoritário e perde o controle facilmente. Quando criança ele me decepcionou muito. Minha insegurança partiu desta primeira grande decepção.” Crianças Tipo 6 percebem que não se pode confiar nos adultos porque acontecem situações inesperadas e decepcionantes que as fazem sofrer e temer represálias imprevistas e dolorosas. Certa aluna conta:

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“Como na minha infância eu tinha muito medo que meus pais me batessem, minha irmã soube se aproveitar bem dessa situação. Qualquer traquinagem ingênua que eu aprontasse, ela ameaçava contar para minha mãe, a não ser que eu fizesse algo para ela, como, por exemplo, servir-lhe água quando estivesse com sede, avisando-me, porém, que nem pediria, apenas emitiria um som para eu saber que ela estava com sede. Eu e minhas amigas do prédio em que morava, adorávamos ir de andar em andar apertando a campainha de apartamentos e depois esconder-nos. Um dia, estava no elevador com minha irmã, e um rapaz encarou-me e disse: ‘Se eu te pegar mais uma vez tocando a campainha da minha casa, vou te botar nua no elevador!’ Fiquei morta de medo e essa foi mais uma das chantagens da minha irmã. Mas o que me marcou foi quando um dia, na praia, um velho me bulinou (graças a Deus saí correndo). Fiquei muito chocada e com medo que meus pais soubessem, e mais uma vez minha irmã, durante um bom tempo, ameaçou-me se eu não a obedecesse. Eu tinha medo até do que não era culpada.”

Errar por medo do erro ou “por que estão me castigando?” Esta última afirmação (“eu tinha medo até do que não era culpada”) é muito importante. Tipos 6 temem o “deslize”, como afirma Claudio Naranjo, portanto, se caracterizam por suas contínuas apreensões. Em razão da ambivalência que os caracteriza, ao mesmo tempo em que rejeitam o autoritarismo, se sentem menos inseguros quando conhecem as “regras do jogo”, quando podem confiar numa autoridade ou quando se coletivizam. Desta forma as possibilidades de “deslize” diminuem, ainda que se sintam apreensivos e temerosos de não poder “cumprir” essas “normas” e/ou “regras do jogo” sempre. A razão pela qual Tipos 6 sentem-se melhor quando estão trabalhando em grupos, quando fazem parte de um “nós”, de um coletivo, está alicerçada em parte nesta procura de não cometer erros. Se os erros são cometidos “no departamento, onde nós trabalhamos”, então o risco de sofrer o castigo fica “repartido” e,

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portanto, menos doloroso, “seremos mais numerosos para nos defendermos das possíveis injustiças”. A necessidade de segurança é muito importante. Logicamente, esta atitude leva os Tipos 6 a ter medo até de “errar por medo do erro”, ou como diz um aluno: “tenho pavor de errar, principalmente com o próximo. Mostro meu erro antes que o outro perceba e fale...” Uma outra causa deste temor ao deslize está no fato de que para muitos Tipos 6 as causas dos castigos e repreensões nunca ficaram claras durante a infância. Como o castigo é um ato imprevisto, inesperado, sem razão, o medo passa a ser constante. Assim, Tipos 6 perdem a confiança nas pessoas e nas situações cotidianas. Um aluno lembra: “A partir dos 5 anos, fui criado por uma tia (irmã de meu pai). Até então, tive uma mãe muito severa e um pai muito ausente. Após os cinco anos, também com uma criação muito severa, só que aí já não era somente minha mãe, mas as tias, a avó e todos os outros me repreendendo e me castigando. Eu não sabia de onde nem quando viriam os castigos e/ ou repreensões. Tive desde cedo que me virar sozinho, inclusive para me defender de todas estas ameaças externas. Nunca sabia em quem e quando confiar.” Naturalmente, essa perda de confiança resulta numa atitude de rejeição ao controle ou obrigação real ou imaginária que um Tipo 6 possa sentir na atitude de outras pessoas. Novamente, o Traço Principal será consequência das primeiras experiências, como nos revela este depoimento: “Hoje, depois de começar a entender o significado de cada máscara, começo também a entender os meus medos. Eles vêm da minha infância e principalmente da adolescência, que foi terrível. Por isso mesmo, até hoje não aceito quando alguém determina o que vou ou não, posso ou não fazer. Não aceito ser controlada ou obrigada a fazer coisa alguma. Esses medos e rejeições ainda hoje estão muito presentes em mim.” Outra grave consequência das experiências injustas vividas na infância e na adolescência é que muitos Tipos 6 se tornam “problemáticos, rebeldes e contestadores”, numa clara reação psicológica que no fundo quer dizer: “Fui injustamente castigado, então, agora, farei algo

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realmente ruim!” Um dos alunos já citados declara que, ainda percebendo que criava um “círculo vicioso”, ele provocava propositadamente situações para ser punido: “Já que eu havia sido punido injustamente, então me rebelava criando situações piores do que as que motivaram as punições.” A sensação de abandono, de não ser tratado com justiça, de enfrentar um mundo cheio de imprevistos desagradáveis e críticas e punições injustas faz com que este Tipo Eneagramático adquira a convicção de que não se pode confiar em ninguém: “Sinto uma grande desconfiança de outras pessoas e ambientes... Sou bastante desconfiada (advogado do diabo) e sempre me toca aquela dúvida cruel: Será que posso confiar dessa vez ou será que vou quebrar a cara novamente?” Os Tipos 6 decidem que só existe uma pessoa na qual se pode confiar, ainda que com medo: eles próprios. Só que uma ajuda invisível e poderosa é sempre bem-vinda.

O mundo oculto: motivo de rejeição e de atração (uma reflexão no Brasil “afro-brasileiro”) A imaginação negativa a que Gurdjieff se refere no texto transcrito no início deste capítulo provoca nos Tipos 6 uma outra manifestação ambivalente. Desta vez, com o que vulgarmente chamamos de “mundo oculto”, “invisível”, “esotérico”, o mundo das “magias” de todas as cores. As questões ditas “esotéricas” atraem e assustam este Tipo. Por um lado, como sempre acontecem “coisas inesperadas”, alguns Tipos 6 tentam “estar preparados”, “protegidos”, gostam de “talismãs” e de “proteções” diversas. O inexplicável precisa ser explicado; o oculto, desvendado e controlado. Eles imaginam que a causa das situações e/ ou vivências inesperadas e negativas possam ser “forças desconhecidas”, “causas desconhecidas”, “razões ocultas” que devem ser exorcizadas. Esta questão é muito interessante, especialmente no Brasil, onde os cultos afrobrasileiros, inicialmente exclusivos dos negros escravos e hoje praticados por negros e brancos que procuram neles força e proteção invisíveis. Peço licença para fazer aqui uma breve reflexão sobre este assunto.

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Ninguém ignora que os escravos viviam num ambiente autoritário e controlador, em que o castigo inesperado, a humilhação e a tortura eram o “pão de cada dia”. O domínio dos brancos não podia ser contestado diretamente, mas talvez fosse neutralizável de outra forma... Os brancos possuíam as armas e o poder visíveis. E o poder invisível e mágico era a única ajuda e defesa possível, além da difícil alternativa da fuga. Os negros se protegiam, e se protegem ainda, com a ajuda poderosa de seus Orixás, do mesmo modo que há milhares de anos seres humanos de diferentes raças procuram nas suas religiões e cultos um meio de enfrentar os perigos do invisível, contando com a ajuda do além. Por trás da defesa enfática de seus cultos, tradições e cultura, os negros que vivem em países como o Brasil e os EUA contestam o “sistema estabelecido” como reação ao apartheid sorrateiro e disfarçado que sofrem há gerações. Eles têm sido agredidos, mortos e perseguidos sempre. São a expressão coletiva da psique dos Tipos 6: o medo e a ambivalência são as características de seus modos de vida. Como os Tipos 6, os negros decidiram atuar contrafobicamente em todos os planos. Por trás das manifestações atrevidamente contrafóbicas e chocantes, por trás das expressões do “orgulho de ser negro”, eles se protegem de uma sociedade que se diz culturalmente não racista, mas que ainda o nega na prática. São eles os “suspeitos” que a polícia prefere, os discriminados nos trabalhos, os que sobrevivem majoritariamente nas favelas. Exatamente como um Tipo 6, a grande maioria dos negros sente medo do inesperado, do castigo injusto, da violência sem razão que mata muitos de seus filhos inocentes. Daí a ambivalência e desconfiança que sentem dos brancos. O sucesso inicial da revista Raça foi uma prova dessa procura de segurança característica de Tipos 6, que só se encontra com e entre “aqueles que são iguais a nós”. Uma espécie de discriminação ao contrario. Enfim, aqui a gente tem “muito pano pra manga”, certo? Fiz esta reflexão a título de observador estrangeiro e com o desejo de chamar a atenção sobre uma questão ainda não resolvida totalmente para os filhos que nascem neste “berço esplêndido”. Voltando ao assunto. Num país de sincretismos como o Brasil, onde todo mundo ouve desde a infância palavras tais como “mãe-de-santo”,

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“terreiro”, “candomblé” ou “macumba”, e onde a maioria, alguma vez, procurou ajuda para “fechar o corpo” ou para “abrir seus caminhos”, Tipos 6 devem sentir que seus medos e seus modos de se proteger dos “inimigos invisíveis”, dos “olhos grandes” e das “forças negativas”, não são tão anormais assim. O medo leva Tipos 6 a não somente querer saber “o futuro” por meio do Tarô, ou de visitas a “clarividentes” como também a preocupar-se demais com “cargas negativas”, “magia negra” e questões afins. Numa parte do seu depoimento outra aluna nos revela: “Também sinto uma grande desconfiança de outras pessoas e ambientes, principalmente em relação a absorver as cargas negativas. Tive muitos problemas sérios, até físicos, por absorver cargas negativas de lugares como hospitais, etc., e acho que fiquei um tanto paranoica! Também sofri muito por causa de inveja, magia negra, etc., e fico preocupada com isso para que não me atinja mais.” Os Tipos 6 devem procurar libertar-se desta classe de dependência paranoica e temores neuróticos e irracionais, por meio do trabalho sobre si mesmos, recuperando a autoconfiança e desenvolvendo um maior controle imaginativo. Já em termos raciais, negros e brancos (além de outras cores) deveríamos fazer o mesmo, certo?

Movimento aos Pontos 3 e 9: descobrindo os modos de fugir e os modos errados de fazer. Iniciando o processo de mudanças positivas – (ver figura na página 334) O movimento eneagramático do Tipo 6 é via em direção do 6 ao 3, do 3 ao 9 e do 9 ao 6 novamente. Refletindo sobre este movimento, você poderá aprimorar a observação de si mesmo e descobrir quando é que atua sem medo e quando atua por medo, quando consegue fazer adequadamente e quando o faz motivado apenas por sua máscara. Descobrirá também quando atinge um estado de segurança autêntico e quando está apenas “fugindo” ou “ocultando-se” da aparente realidade.

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Essa observação deverá estar acompanhada da reflexão nos aspectos negativos e positivos de cada ponto. Assim, o aspecto negativo do movimento do 3 é a mentira, o fazer de conta que não tem medo, agir contrafobicamente. O aspecto negativo do movimento ao Ponto 9 é a tendência a adiar decisões e/ou ações, aquilo que G. I. Gurdjieff chamou de “a doença do amanhã” (“amanhã eu faço, amanhã me preocupo, amanhã começo de verdade, amanhã...”, você sabe). Tente observar seus movimentos contrafóbicos, os momentos de falsa coragem. O positivo desse movimento eneagramático está na possibilidade de realizar qualquer coisa sem temor e confiante em relação ao resultado. (Movimento da Coragem e da Fé, a Verdade do Ponto 3.) Quando Tipos 6 agem deste modo equilibrado, conseguem um verdadeiro descanso no Ponto 9 do Eneagrama. O aspecto positivo do movimento ao Ponto 9 (contra a seta) se relaciona com a capacidade de evitar o ato contrafóbico, que permitirá uma ação reflexiva e verdadeiramente corajosa (Do Ponto 9 ao 3), o que finalmente lhes permite sentir um estado de “segurança” real. Controle sua imaginação. Pergunte-se: por que estou imaginando esta situação desta maneira?, não poderia ser diferente? Ao se mover negativamente ao 9, procure perceber as imagens negativas que provocam a necessidade de protelar ações ou decisões, muitas delas valiosas para o seu crescimento e progresso.

Observando seus parceiros eneagramáticos 5 e 7 Os Tipos 6 aprenderão muito por meio da análise das Máscaras 5 e 7 do Eneagrama. Tanto com o que devem evitar quanto com o que devem adotar desses seus “parceiros”. A influência negativa do Ponto 5 reforça a ideia de perigo e desconfiança que situações ou pessoas podem provocar. Nestes casos, os Tipos 6 recuam ou se afastam sem querer experienciar o que, naturalmente, reforça seus medos e os afasta da realidade. A influência negativa do Ponto 7 se manifesta fundamentalmente nas atitudes ambivalentes e na incapacidade de concluir planos e/ou projetos. O mais positivo da influência do Ponto 5 é aprender a

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desenvolver a capacidade de reflexão e raciocínio como um modo de atingir o necessário controle imaginativo. Aprender a perceber o absurdo e irracional de determinadas imagens mentais e treinar a mente para modificar essas imagens, apagá-las ou refletir nas alternativas positivas. O mais positivo do Ponto 7 é a capacidade de vivenciar novas experiências, viver e planejar situações prazerosas, sem julgar e/ou temer que algo esteja errado. Desfrutar do corpo e ficar mais aberto ao momento presente, curtindo o que está acontecendo de positivo sem se “projetar” ao futuro negativamente.

Imaginação consciente: percebendo as “78 faces” da realidade Gurdjieff afirmava: “O medo pode ser o órgão de uma futura clarividência...” Fantástico, não é? Nossa maior conquista como seres humanos é desenvolver as potencialidades psicofísicas que estão adormecidas em nós. A imaginação, potencialmente, pode transformar-se num dos aliados mais poderosos do ser humano. Com certeza você ouviu falar das técnicas de “imaginação criativa”, de “visualização positiva”, “criação mental”, PNL, etc. Essas técnicas estão alicerçadas na constatação de um fato simples, porém, maravilhoso: com disciplina imaginativa, a gente pode modificar positivamente os acontecimentos existenciais. Quando o medo nos controla, acontece o inverso. Nossa imaginação fornece as imagens que afirmam nossos medos, fobias e temores. Nesse momento, não conseguimos Ver claramente. Mais ainda: não conseguimos “Ver” na “tela mental” mais que uma ou duas faces possíveis da realidade. Os antigos mestres herméticos ensinavam que a Verdade tem “78 faces” e que, quando a gente percebe apenas uma ou duas dessas faces, é necessário lembrar que ainda existem 77 ou 76 por conhecer. Esta afirmação de que a realidade ou a Verdade tem 78 faces é simbólica, claro! O que aprendemos dela é que sempre podemos imaginar mais de uma possibilidade para qualquer questão. Quando um ser humano inicia um processo de consciência imaginativa tem possibilidades de desenvolver

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uma “visão interior” mais ampla. É como se, em vez de perceber apenas 25 graus da realidade, ele começasse a perceber 40, 60, 90, 180 graus... até 360! Comece a controlar sua imaginação. Quando uma cena mental aparecer para iniciar e/ou reforçar seu medo, observe-a e mude-a por outra diferente e positiva! A imaginação é uma de suas capacidades cerebrais mais valiosas. Ela deve estar ao seu serviço. Por isso, não deixe que ela comande sua vida!

Conquistando a virtude da coragem e desenvolvendo uma “fé consciente” As Virtudes a serem conquistadas pelos Tipos 6 são muito especiais. A “Coragem” implica literalmente um “agir com o coração”, ou seja, um agir a partir de um Centro Emocional equilibrado (Ponto 3) e livre do temor (desidentificação ou desapego das imagens negativas fixadas pela ideia de uma ameaça sempre latente), o que permite essa visão clara da realidade, limpa de todas as ameaçadoras e irreais imagens internas. Naturalmente, isto conduz a uma ação relaxada no plano físico. De acordo com Helen Palmer: “A coragem depende da capacidade corporal de agir adequadamente a partir de um estado não pensante da mente.” Realizar é melhor que apenas imaginar realizar ou temer realizar. Devemos lembrar novamente que será o controle imaginativo que permitirá “agir com o coração” e não com a cabeça. Quando nos atrevemos a agir sem temor, podemos descobrir que muitos “tigres são de papel”. Os Tipos 6 podem conquistar uma tremenda capacidade de ver além das aparências, desenvolvendo sua natural intuição, se começarem a confrontar seus medos com a realidade. Quando a realidade é confrontada fisicamente, temos a possibilidade de voltar a ter segurança nas nossas capacidades e nos nossos atos. Aprenda a confiar e conhecer melhor seu Centro Físico. Como já falei na análise de outras máscaras, durante os treinamentos avançados de Eneagrama, temos uma prática ao ar livre em que as pessoas ficam

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em pé formando um círculo e seus movimentos são deliberadamente limitados assim como suas reações emocionais. Ou seja, não podem sair do seu lugar, nem gritar ou pular fora do círculo. No centro, o instrutor está com um bastão de madeira de um metro de comprimento (mais ou menos) e adverte que o bastão será lançado a qualquer um e a qualquer momento, sem prévio aviso. De início as pessoas ficam ansiosas, temerosas de serem atingidas pelo bastão, até que, aos poucos, começam a perceber que não é “tão perigoso assim” e como é fácil receber o “ameaçador” bastão, sem tensão e sem medo. Logo, numa dinâmica de grupo, é muito engraçado ouvir que as pessoas imaginaram muitas coisas em relação a essa prática milenar. Umas comentam que achavam que seriam golpeadas na cabeça, outras que o bastão poderia atingir um olho, outras que sentiam que quase não podiam moverse. Enfim, o medo os paralisa de início e lhes impede a realização de movimentos com os quais seus Centros Físicos possam pegar o bastão sem que este lhes provoque nenhum dano. Eles percebem que o que temiam era apenas “imaginário”. Logo pede-se que eles aprendam a agir cotidianamente de acordo com o que compreendem e percebem nessa prática psicofísica. Os resultados são excelentes. Entre os Quatro Verbos chamados “Mágicos” (Ousar, Querer, Saber e Calar), sobre os quais escrevi no meu primeiro livro, os que devem ser mais vivenciados pelos Tipos 6 são os verbos “Ousar e Querer”. Ambos implicam ações concretas e ambos estão relacionados com profundos sentimentos e não apenas com pensamentos. A autoconfiança só pode ser gerada a partir de “contatos” efetivos com a realidade e não apenas com atos contrafóbicos. Os atos contrafóbicos surgem do Centro Intelectual e paralisam o “sentir”, paralisam as emoções como se quisesse “ignorar” o que vai acontecer após sua irreflexiva execução. Não é ousadia, não é querer e sim seu oposto: o ato contrafóbico. Isto é fácil de comprovar quando pessoas que sofrem de fobias conseguem ser curadas mediante metódicos e pacientes processos de sensibilização e conscientização, por meio dos quais passam a perceber que aquilo que temem, simplesmente, não é real e não acontece.

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O valor da fé consciente Em relação ao desenvolvimento do que Gurdjieff chamava de “Fé consciente”, primeiro é importante ter presente quais são os dois tipos de “fé” negativa que todos nós temos que aprender a reconhecer e superar, especialmente se o Traço Principal é o 6. Gurdjieff lembra esta questão importante com o seguinte aforismo que só comentarei em parte, dada a sua profundidade e importância: “A Fé da consciência é liberdade, a fé do sentimento é fraqueza, a fé do corpo é estupidez”. Quando você “se atreve” a fazer algo ou a enfrentar uma situação contrafobicamente, poderíamos dizer que está agindo emocionalmente alterado (a). Nesses instantes, sua “fé” está fundamentada na sua fraqueza (“a fé do sentimento é fraqueza”) e sua reação corporal não vai estar guiada pela lucidez que acompanha qualquer ato consciente (“a fé do corpo é estupidez”). Você ficou preso mentalmente à “certeza” de que o ruim imaginado com respeito a esse ato ou a essa situação “x” poderia realmente acontecer, porém, como não tem outra saída,” mobiliza” inconscientemente seu “Centro do Movimento” e executa ou enfrenta a situação “sem consciência de si”. O resultado pode ser bom ou ruim, positivo ou negativo, porém você não se importa com isso naquele momento. Esta forma de reagir contrafóbica é a que é realmente perigosa e não a situação ou o ato em si mesmo. Quando você conse­gue agir com verdadeira Fé, você se liberta dos limites que seus medos lhe impõem. Sua consciência fica livre, acima da sua “máscara”. Então seus Centro Emocional e Físico se comportam de acordo com o que realmente “sabem” fazer, com plena capacidade. Helen Palmer cita na sua obra sobre o Eneagrama o seguinte depoimento de uma mulher Tipo 6, que demonstra o que estou tentando expli­car-lhe: “Frequentei a City University em Manhattan e usava o metrô para ir às aulas. Nunca me preocupava com as viagens de dia quando havia multidões, e eu podia ler meus textos todo o trajeto desde a estação da Rua Delancey. Quando eu tinha aula à noite e tinha de esperar sozinha na plataforma, eu ficava muitas vezes apreensiva, e combinei com meu

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namorado de me encontrar na Delancey e a gente andar juntos até minha casa. Uma noite, um louco entrou no vagão. Ele fazia caretas e cerrava os punhos e começou a dizer palavrões andando pelo corredor. Havia pouca gente no metrô, e ninguém tinha coragem de olhar o rosto do louco. De repente, ele descobriu alguém no assento atrás de mim, apontou, praguejou e veio em nossa direção, e então eu me vi bloqueando sua passagem. Meu corpo tinha se erguido, e eu ouvia minha voz falando com o sujeito sem saber o que eu devia dizer. Ainda não consigo me lembrar do que eu disse, mas sei que, ao ver uma arma na mão dele, não tive medo algum. Eu parecia estar repetindo os movimentos de algo que já tinha acontecido antes. Não me surpreendi quando vi dois braços pegando-o pelas costas numa chave de cabeça nem quando arranquei a arma da mão dele quando ele apontou o meu rosto. Quando encontrei meu namorado na Delancey, eu estava tão impassível que ele teve dificuldade em acreditar que minha história fosse verdadeira.” Não é incrível este depoimento? Simplesmente, “a Fé da consciência é liberdade”! Veja como de novo é importante o controle da “imaginação” para que essa Fé consciente seja conhecida por você: “A fé é a certeza do que se espera, a convicção do que não se vê.”, segundo a brilhante definição do Apóstolo Paulo na sua carta aos Hebreus. Aprenda a ter certezas positivas e compreenda que aquilo que ainda não aconteceu, que ainda “poderia acontecer” ou “acontecerá” depende, em grande parte, da sua total consciência do momento presente, porque é no presente que criamos o futuro e é nele que fazemos nossas escolhas.

O Tipo 7 O eu que projeta

“Liberdade é seriedade. Não essa seriedade de sobrancelhas franzidas, lábios fechados, gestos cuidadosamente medidos e palavras filtradas entre os dentes, mas a seriedade que significa determinação e persistência na busca, intensidade e constância, de modo que, mesmo nos momentos de repouso, o homem prossegue com sua tarefa principal. Façam a si mesmos a pergunta: São livres? Muitos serão tentados a responder que sim, se estiverem num estado de relativa segurança material, sem preocupação com o amanhã e se não dependerem de ninguém para sua subsistência ou para a escolha de suas condições de vida. Mas a liberdade está aí? É somente uma questão de condições externas?” “O homem, bem no seu íntimo, ‘exige’ que todo mundo o tome por alguém notável, a quem todos deveriam constantemente testemunhar respeito, estima e admiração pela sua inteligência, pela sua beleza, sua habilidade, seu humor, sua presença de espírito, sua originalidade e todas as suas outras qualidades. Essas ‘exigências’, por sua vez, baseiam-se na noção completamente fantasiosa que as pessoas têm de si mesmas, o que acontece com muita frequência, mesmo com pessoas de aparência muito modesta...” Os dois parágrafos acima reúnem palavras de Gurdjieff, anotadas por seus discípulos.

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A alegre, maravilhosa e original turma dos Tipos 7! (faltou dizer algo mais?) Sem dúvida é um grande problema escolher só um exemplo brasileiro do Tipo 7. O próprio Brasil é um precioso país Tipo 7 e, tirando os aspectos sociais negativos que necessitam ser mudados, deve continuar sendo esse paraíso que é, para o bem e alegria de todos os brasileiros e de toda a humanidade! É verdade que o fato de ser um País Tipo 7 provocou certa vez o desabafo atribuído ao líder francês Charles De Gaulle, que teria sentenciado que o Brasil era um país “pouco sério”, mas, pensando bem e sem querer provocar um atrito diplomático internacional, prefiro a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade à moda brasileira. Tudo bem, dizia que era um grande problema escolher exemplos de Tipos 7 brasileiros, não porque faltem e sim porque não quero que alguém não citado fique achando que não o considerei, que não sei da importância da sua figura (nossa! Quanta puxação de saco!) etc., etc. Mas como não tem jeito, tomei uma decisão e vou destacar, então, dois exemplos públicos, muito queridos nesta terra. Refiro-me a Jô Soares e Miguel Falabella ou Miguel Falabella e Jô Soares, esse nosso David Letterman em versão fat. A ordem dos fatores não altera o produto, certo? Primeiro, nosso “gordo”. Quem vai pra cama sem ele? Comandando na TV.Globo um dos programas mais populares da TV brasileira, Jô Soares, genial, comediante, poliglota, escritor de sucesso, é um clássico Tipo 7 com poderosa influência do Ponto 8 do Eneagrama. Ele possui essa capacidade de nos descontrair com suas entrevistas inteligentes, piadas e brincadeiras das quais a maior parte dos seus convidados não consegue fugir, não apenas porque ele é um humorista, mas porque esse é um dos aspectos marcantes e positivos desta Máscara Eneagramática: a vida para Tipos 7 é uma constante procura de alegria e prazer. Destaquei dele o fato da forte influência do Ponto 8 Eneagramático, porque Jô Soares não hesita quando se trata de defender causas nobres e populares, nem quando acha que deve falar algumas verdades que doem até para alguns dos seus convidados. Quanto ao ator, diretor teatral, apresentador, escritor, etc. etc. etc. Miguel Falabella, é fácil para

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qualquer conhecedor profundo do Eneagrama perceber que é o Tipo 7 que decidiu transformar sua vida numa eterna brincadeira que lhe rende bons lucros. Numa reportagem da revista Veja titulada “Rico faz rir à toa”, do jornalista Alfredo Ribeiro, Falabella declarou: “Brincando de ser estrela, de trabalhar muito, eu me transformei num fenômeno de público”; e numa outra entrevista dada para a revista Caras, ele afirma se sentir sempre como uma criança para a qual o trabalho é, em síntese, um agrado, um gosto mediante o qual consegue realizar-se e ser feliz. E que o digam seus amigos! Na reportagem de Veja, a atriz Maria Padilha declara: “Nem ele sabe quando está fazendo um número ou falando sério. (...) Ele descobriu como ganhar dinheiro com as peças que aplicava nos amigos”, lembrando o dia em que teve que invadir o apartamento do ator para salvá-lo do “suicídio”: (...)” deitado, caixas de Lexotam por todo lado, babava pelo canto da boca (...) Saí de lá à beira de um ataque de nervos, com o Miguel às gargalhadas.” Tudo não passava de uma “brincadeirinha”. Com certeza, você também deve ter muitas anedotas semelhantes para contar, certo? Sem dúvida, o mundo seria sério demais sem a participação dos falantes, inquietos, joviais, multifacetados, inteligentes e sempre criativos Tipos 7! (Gostou?) Para os que gostam de música, dois exemplos de Tipos 7 inesquecíveis: Mozart, que revolucionou sua época com seu estilo inimitável e com seu polêmico modo de se comportar numa época cheia de normas e limites, e John Lennon, que nos deixou essa maravilhosa canção Imagine, cuja letra perfeita é capaz de expressar numa bela síntese poética o anseio e a esperança que todos temos de viver num planeta melhor, sem fronteiras e sem religiões. Ambos viveram existências marcadas pelos atos extravagantes e contra a corrente de seus tempos. Como esquecer o alegre Darcy Ribeiro? Ele dizia: “Viver é muito bom, eu não quero morrer!” Sua frase mais “7” foi: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar crianças, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei uma universidade séria, não consegui. Mas meus fracassos são minhas vitórias. Detestaria estar no lugar de

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quem venceu.” Numa reportagem de Paulo Moreira Leite publicada na Veja se lê a seguinte descrição do Darcy Ribeiro: “Tinha a erudição eclética do autodidata e passou os últimos anos dando entrevistas com a frequência de uma estrela de rock, exibindo sua inteligência elétrica, chutando adoidado, dando palpite sobre todo, e, se lhe perguntassem, contando detalhes de suas preferências sexuais (...) exuberante, tropicalista, apaixonado, malandro, contraditório, sem compromisso com a razão, o método e o rigor (...) separado (...) construiu uma fulgurante coleção de namoradas (...)” Um homem incrível, não é verdade? É fácil encontrar Tipos 7 dispostos a criar e realizar projetos e negócios diferentes, não convencionais ou inovadores. Eles sempre têm algum bom programa. É fácil achá-los entre as pessoas que viajam pelo planeta à procura de aventuras, no mundo dos criativos publicitários, do cinema, dos compositores de vanguarda, da comédia, dos grandes entrevistadores, da arquitetura, nos empreendimentos que poucos se atreveriam a sonhar e muito menos realizar. Maravilhoso, simplesmente, maravilhoso! Como se sente após conhecer alguns dos membros da sua tribo? Na verdade, seriam muitos os destaques. Tipos 7 são únicos! Legal, não é? Num de nossos primeiros e mais bem-sucedidos workshops de Eneagrama realizados aqui no Brasil em 1996, no Hotel Le Meridien, no Rio de Janeiro, com a participação de quase 400 pessoas, o encontro dos Tipos 7 foi maravilhoso, fantástico! Márcio Galvão, um criativo Tipo 7 assumido, com quem participei do Projeto Simplesmente Copacabana junto a Liane Freire, da Dialog, liderou a alegria contagiante desse grupo tão especial! Literalmente, fizeram a festa! O único inconveniente é que desde que dirijo workshops são sempre poucos os Tipos 7 participantes (Tudo bem, Tipos 7, eu sei que é uma chatice encerrar-se num fim de semana para estudar e vivenciar o Eneagrama, especialmente aqui neste belo pais!) e menos ainda os que entregam seus depoimentos escritos e completos. Por isso tive que escolher somente três deles para utilizar neste capítulo. Enfim, os Tipos 7 são, simplesmente, admiráveis! Porque, para ser diferente neste mundo, é preciso não ter medo. É preciso ser ousado! Acima de todas as coisas, os Tipos 7 são ousados e corajosos!

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Está gostando do modo de iniciar a análise da sua máscara? Gostou do “banho no seu ego”? Está se sentindo à vontade? Acho que peguei você! Não percebe que já comecei a “pisar no seu calo”?

Negando o medo como uma maneira de sentir liberdade Devemos lembrar que os Tipos 7 fazem parte da tríade centrada no mental do Eneagrama (o que Gurdjieff chamou Centro Intelectual) e que no Medo nuclear que comanda essa tríade se esconde a chave para compreendê-los. Poder-se-ia dizer que os Tipos 5, 6 e 7 percebem mentalmente as ameaças da existência e “imaginam” como deverão enfrentá-la: os Tipos 5, então, as enfrentarão a partir de uma “construção mental de segurança”, uma espécie de mundo próprio, no qual o raciocínio e o conhecimento adquirido serão os grandes aliados. Para os Tipos 5, na máxima “Saber é Poder” está a resposta que exorcizará seus medos enquanto a procura do isolamento social se transformará no meio prático que consolidará a estrutura de segurança criada ao seu redor. Já os Tipos 6 decidiram que seus medos devem ser enfrentados mediante um constante estado de alerta interior, um estado de prevenção que os leva a imaginar quais são esses perigos, onde se ocultam e, consequentemente, a valorizar e procurar a união com pessoas de confiança, os amigos, os grupos, com os quais se sentirão mais seguros e confiantes. No caso dos Tipos 7, o medo simplesmente deverá ser ignorado e/ou enfrentado vivendo-se sempre de uma maneira otimista, descobrindo o “lado bom das coisas”, e “planejando” de que maneira garantir um constante “prazer em tudo o que se faz”. Um dos nossos alunos reconhece que: Pareço não ter medos, ou eles estão tão ocultos que não dá para perceber (...) Em algum momento, quando crianças, os Tipos 7 decidiram que enfrentariam o medo de perder a felicidade, que todas as causas que provocavam a perda da alegria tinham que ser destruídas e que nenhuma delas os privaria de serem felizes para sempre. Tudo se pode fazer, tudo se pode solucionar, tudo se pode viver,

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tudo é válido para atingir o ponto de segurança. Portanto, todos os limites, regras e normas são percebidos como as causas que provocam a perda do prazer, da alegria e da liberdade. Estes limites deverão ser enfrentados, porque por trás de cada um deles se escondem punições, castigos, proibições e implicam submissão, obediência, e aceitação muitas vezes do que vai contra nossos anseios de felicidade. Em algum momento, então, os Tipos 7 decidem não ter mais medos e ficar acima daquilo que os provoca ou fora do seu alcance. Não é que se livrem deles. Pelo contrário, o medo nuclear da tríade 5-6-7 será ignorado, abafado, afastado, evitado. Como conseguem fugir do medo? Como ficam acima dele ou longe do que o provoca? Simples: Nunca ser como os adultos, nunca deixar de brincar, nunca deixar de sonhar, nunca submeter-se a nada. Só se lembrarão os melhores momentos da vida, os outros serão literalmente “apagados”. Esta decisão tem suas vantagens e desvantagens, como veremos em seguida.

A decisão de ser um “puer aeternus” (ou como se livrar do medo e ser feliz sempre) Quando Tipos 7 decidem inconscientemente não ter medo (inconscientemente porque é uma “decisão” tomada em algum momento da infância, quando a personalidade estava sendo formada), percebem intuitivamente que o caminho é nunca se comportar como adultos, nem aceitar o mundo dos adultos. O mundo dos adultos é distante, talvez esteja cheio de perigos, obrigações, deveres, proibições, regulamentos e outras barreiras entre eles e o prazer. Talvez seja um mundo demasiado “sério”. O mundo das crianças é “leve”, é vida “tranquila” é “jogo e lazer” e, portanto, sendo e sentindo como criança se pode ser sempre “livre” e “feliz”. Crianças são as únicas que podem transpor as barreiras sem serem cobradas por isso, nem punidas. Poderíamos dizer que Tipos 7 são capazes de compreender, de um modo pleno, o ensinamento do Mestre Jesus Cristo, que diz que “o Reino dos Céus é das criancinhas”. Será a procura do “paraíso” na Terra o que vai motivar a existência deste Tipo. O Mestre Osho, um Tipo

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7 iluminado, com sua filosofia da contínua “celebração”, simbolizou, na nossa época, essa procura. Na sua vida e obra, concretizada após muita perseguição, na Osho Multiversity de Poona, Índia, se pode apreciar até hoje a influência desse seu “sonho” de um mundo em que o prazer, a alegria e o bem-estar podem estar sempre presentes. Para a maioria dos Tipos 7 a infância é lembrada com alegria. Essa capacidade de somente guardar as melhores lembranças da vida faz parte desta Máscara Eneagramática e acompanhará seus possuidores até o final dos seus dias, como muito bem o expressa Félix, um de nossos alunos: “Guardo as melhores lembranças de minha infância, juventude e idade madura e agora, com 62 anos, busco na vida espiritual um caminho seguro que me levará à autorrealização. Sou otimista.” Um outro aluno lembra: “Durante o período de 4 a 10 anos, a minha infância foi tranquila, feliz, ao lado dos meus pais e mais três irmãos. Meu pai seguia a filosofia de Allan Kardec, o que fazia com que agisse sempre com tranquilidade, sem agressividade física ou verbal. Não me recordo de ter sido agredido por ele, dele guardando uma imagem de um ser especial que zelou por toda a minha infância, com um amor de um nível bastante superior. (...) Minha mãe era muito exigente na nossa educação, estimulando sempre a busca pela qualidade de vida tanto material como espiritual. Ambos foram os responsáveis por uma infância, sem atropelos, sem violência, nos fornecendo a estrutura adequada ao desenvolvimento.” Por outro lado, a decisão “inconsciente” de ser internamente uma “eterna criança”, pode estar também associada, em certos casos, a privações vividas na infância e, em outros, ao fato de que, quando crianças, muitos Tipos 7 reclamam de não ter tido muito amor dos pais ou de terem sido ignorados emocio­nalmente ou tratados por eles da maneira que poderíamos chamar “aceitável”. Não que não tenham sido “bons pais” no sentido geral e subjetivo que damos a essas duas palavras, e sim que certos prazeres infantis derivados do contato com os pais não foram satisfatórios. Sobre este assunto, reflitamos no depoimento em que Hilária, uma das minhas alunas, lembra que aspectos da sua infância deram origem à sua Máscara 7:

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“Aos dois anos de idade, mais ou menos, nasceu o meu irmão. Creio que fui deixada um pouco só, devido aos afazeres de minha mãe. Nesta época morávamos afastados de outros familiares. Lembro-me que criei amigos imaginários. As lembranças que tenho da infância são agradáveis, porém eu não decidia nada, aceitava sempre. Também não pedia para meus desejos serem realizados. Embora algumas vezes brincasse em grupos, me sentia sempre só. Lembro-me de momentos felizes, estava só e brincando com argila, ou em um pomar comendo frutas. Não sei bem, mas é possível que meus pais não conversassem muito comigo. Meu lar não era dos mais tranquilos, havia algumas divergências entre meus pais. Mas sempre me senti amada, embora esse amor fosse sem aconchego, no sentido de brincadeiras, de abraços, e de beijos, etc. Lembro-me do grande prazer que sentia em contato com a natureza, nesses momentos vejo-me sempre só. Foram esses os aspectos que deram origem à minha máscara.” Destaquei as frases em que nossa aluna menciona a sensação de solidão, porque nelas está implícito o medo que deverá ser superado, no caso dela, “criando amigos imaginários” para garantir sua alegria. Este aspecto do uso positivo (em alguns casos até positivo demais) da imaginação é extremamente importante para a “vida feliz” que Tipos 7 almejam obter. A imaginação se torna o meio pelo qual eles “planejarão” o modo de obter o prazer em tudo e de qualquer jeito.

Hedonismo ou como os Tipos 7 decidem não sofrer nunca (se possível) A palavra “hedonismo”, que na Antiguidade estava relacionada apenas a um sistema filosófico que declarava que a obtenção do prazer era o objetivo mais importante da existência, se transformou, em nossa época, num sinônimo daquelas pessoas que tentam obter “prazer” a qualquer custo e sempre. Semanticamente, a palavra “hedonismo” ficou ligada a palavras como “excesso”, “permissividade” e “luxúria”. No Brasil, poderíamos dizer que a famosa e popular “Lei de Gerson”,

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ou seja, a atitude que leva um sujeito a querer tirar vantagem de tudo, está muito ligada à atitude “hedonista” típica: quanto mais vantagens eu possa tirar de todas as situações, maiores serão as garantias de obter sempre “meu” prazer. Esta atitude faz parte da Máscara 7. Como escreve Claudio Naranjo referindo-se a este aspecto: “(...) Em alguns casos, podemos nos referir a uma ‘adequação cósmica’, na qual o contentamento do indivíduo é apoiado por uma visão do mundo na qual não existe bem ou mal, culpa, imposições, deveres ou a necessidade de fazer esforço – basta aproveitar.” Existe no Tipo 7 uma rejeição ao sofrimento, que cristaliza ainda mais essa atitude hedonista. Se algo não pode ser obtido, não importa, não se deve sofrer por isso. Em outra parte do seu depoimento, Hilária nos mostra este aspecto de sua máscara: “Adoro explorar territórios novos. Gostaria de poder voar ou de colocar uma mochila nas costas e sair viajando pelo mundo. Tenho um espírito aventureiro. Concretizar esses e outros desejos é difícil. Sofrer, nunca: há sempre algo bom a se tirar das coisas difíceis. Adio o sofrimento ao máximo, porque espero o melhor.” Os Tipos 7 mostram esta tendência hedonista quando adultos, procurando preencher suas vidas com o máximo de prazeres. Numa parte do seu depoimento, nosso aluno Tipo 7 descreve assim esta tendência: “(...) Também planejo fazer programas que eliminem o tédio e intensifiquem os prazeres da vida (...).” Esta necessidade de “intensificar os prazeres da vida”, de estar sempre feliz, de ter sempre mais “brinquedos de adultos”, de preencher todos os instantes com uma hiperatividade, é uma maneira de fugir do medo (Ponto 6) e uma clara influência do Ponto 8 do Eneagrama no que se refere à luxúria, entendida aqui como a ilimitada procura de prazer. Nessa procura pelo prazer, os Tipos 7 às vezes exageram tanto que até utilizam a trapaça para conseguir o que desejam. O medo da perda do prazer e a procura do máximo de prazer provocarão a consolidação da paixão do Traço Principal: a Gula.

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Observando o traço principal: a gula e suas consequências o Tipo 7 e o tipo de sensação extrovertida de Jung Os Tipos 7 desejam obter prazer em tudo o que fazem, de todas suas experiências e vivências. É esta procura a que explica a “Gula e Intemperança”. Jung nos ajuda a compreender mais profundamente estas características dos Tipos 7 quando descreve na sua tipologia os tipos que ele chama de sensação extrovertida com estas palavras: “Como a sensação está fundamentalmente condicionada pelo objeto, aqueles objetos que estimulem as sensações mais intensas serão decisivos para a psicologia do indivíduo. O resultado é um forte vínculo sensual com o objeto... (...) O único critério de seu valor (do objeto) é a intensidade da sensação produzida pelas suas qualidades objetivas... Nenhum outro tipo humano pode se igualar em realismo ao tipo de sensação extrovertida. (...) O que experimenta serve (...) como um guia para sensações novas (...) A sensação é uma expressão concreta da vida (...) simplesmente a vida real vivida ao máximo. Todo seu objetivo é o gozo concreto e sua moralidade se orienta de acordo com isto.” A Gula é definida no Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa como “excesso na comida; glutonaria, gosto exagerado das boas iguarias; gulodice”. É interessante notar que a palavra “gulodice”, além de significar gula e guloseima, tem também o sentido figurativo de “desejo veemente”. Também acho interessante destacar a palavra “gulosar” que significa, por sua vez, “comer gulodices; comer pouco de várias coisas; de bicar na comida, escolhendo o melhor”. Quero que você tenha em conta estes significados para a análise que realizarei a continuação. A chave da atitude do Tipo 7 na vida esta resumida numa das estrofes do hino em latim da Universidade Católica de Valparaíso, Chile. Traduzida ao portu­guês essa frase disse: “Alegremo-nos (portanto) enquanto somos jovens, porque a velhice é um estorvo e a juventude é fecunda; e, no final, todos transformaremonos no pó da terra.”

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Este é o leitmotiv da eterna criança, do eterno Peter Pan que se esconde no mundo interior de cada Tipo 7: conseguir ser feliz ao máximo nesta existência, negar-se à velhice, curtir, desfrutar e alegrar-se sempre. Portanto, a procura do prazer, da liberdade e da felicidade é compulsiva e constante. A gula dos Tipos 7 é pelas experiências prazerosas, pelos projetos que lhes tragam alegria, pelos trabalhos que lhes proporcionem a oportunidade de criar, desde que não impliquem demasiado envolvimento. Nosso já citado aluno reconhece: “Sou um pouco narcisista mas muito Peter Pan. Isso herdei de meu pai. Busco a felicidade participando de muitas atividades na ânsia de obter gratificação sentimental e manter um alto astral. Às vezes me comprometo além de minha capacidade, o que leva a desistir facilmente de algumas destas atividades; outras vezes, substituo certas atividades por outras novas (que possam ser mais promissoras).” Como diz mais francamente um Tipo 7 amigo meu: “Após um tempo abandono certos trabalhos e projetos porque perdem a graça.” Aqui é onde se esconde o problema: tudo pode “perder a graça”, então é necessário viver “gulosando”, ou seja, fazer de tudo um pouco, fazer e provar “mil coisas ao mesmo tempo”, escolher entre todas as coisas as mais prazerosas, as melhores. O resto deve ser adiado, abandonado, deixado de lado, porque “perdeu a graça”, porque “cansei”, porque “ficou difícil demais”, etc. Aparece assim, quase que sutilmente, uma certa irresponsabilidade com respeito às próprias ações. Para evitar a punição, a crítica e os atritos, os Tipos 7 tentarão transformar esses abandonos, essas irresponsabilidades, esse “deixar de lado”, em situações sem importância, nada demais: Vamos celebrar que não é nada sério! Frequentemente, a gula não lhes permite finalizar, concluir, “ir fundo”, nem nos trabalhos nem nos relacionamentos. Existe uma certa superficialidade, um trato por cima, já que, se vão mais fundo, podem correr o risco de “perder a liberdade”, de ter que lidar com problemas, com “a parte chata do assunto”. Pregar peças nos outros, “passar a perna” de um jeito simpático, não levar nada a sério, parecerá até sem importância para os que rodeiam os Tipos 7 mais harmônicos. Seus atos serão até interpretados como “brincadeiras”, a forma com a qual ele se transformará muitas vezes no lendário “vendedor de gato por lebre”,

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que no final convence a seu ingênuo comprador de que gato é tão bom ou melhor que a própria lebre. Sendo assim, qual é o problema? De alguma maneira, eles nos lembram o astuto Hermes, que roubou as vacas de Apolo apenas para ser conduzido ao Olimpo e solicitar a seu pai, Zeus, que o admitisse lá como um deus. O mito conta que Zeus até gostou do jeito sem-vergonha do filho e lhe concedeu o que queria. Conta a lenda que para roubar as vacas de seu meio irmão sem deixar rastro, Hermes botou suas sandálias ao contrário para que suas pegadas confundissem ainda mais o sábio Apolo. Apolo sempre caiu em todas as peças que Hermes lhe pregou, e dessa forma Hermes sempre obteve tudo o que queria. Com certeza, vocês, Tipos 7 que estão lendo esta parte do livro vão ter um súbito desejo de conhecer um pouco mais este astuto Hermes. Até o Mestre Jesus Cristo pregou que devíamos ser “astutos como serpentes e humildes como pombas”, só que não se deve exagerar e nem sempre é bom ultrapassar certos limites. Os Tipos 7 desejam sentir-se sempre livres para realizar e conseguir o que querem de qualquer jeito. Por esta razão, frequentemente confundem liberdade com libertinagem, com não compromisso, com “direito a abandonar” sem dar explicações válidas. Há algo de semelhante entre a gula e a libertinagem. A capacidade de obter o prazer e de sentir-se livre e com direito a todo o prazer não é negativa. O negativo da situação tem a ver com a procura “desnorteada” do prazer, com o “desespero” e com a angústia de querer preencher o que Naranjo chama de “vazio ôntico” deste Tipo Eneagramático. Ele nunca consegue e, nessa busca desesperada do prazer, desconhece a possibilidade de “saborear” até o final uma única vivência porque sempre está querendo “desfrutar” uma outra. O resultado desta gula eneagramática é a intemperança.

Uma mistura perigosa: gula e intemperança Pelo fato de querer sentir, viver, fazer “de tudo um pouco”, sem limites, sem escolher, sem ficar preso a nada e com a pressa que caracteriza a gula, alguns Tipos 7 perdem a capacidade de concluir coisas

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importantes, perdem a capacidade de “amadurecer”, de viver certas situações até o final porque “perderam a graça”. Deixam de ver a profundidade de certos eventos e ignoram os limites. Todos sabemos que, muitas vezes, comer de tudo, beliscar, pode provocar graves problemas digestivos. Com nossas experiências pode acontecer o mesmo. Alguns Tipos 7 terminam “enjoados” quando não se permitem a possibilidade de controlar a “gula” e o “hedonismo”. A gula e o hedonismo oferecem apenas uma visão parcial e unilateral da existência. Isto equivale a dizer que os Tipos 7 não equilibrados se arriscam a viver num mundo ilusório. O grande risco é achar que desta forma poderão ser mais felizes. Do mesmo modo que os Tipos 4 só enxergam o sofrimento que existe nas suas vidas e ficam presos a ele, os Tipos 7 podem ficar presos à “gula”, rejeitando o sofrimento e a dor que fazem parte da existência. Do mesmo modo que os Tipos 4 precisam compreender o que é “sofrimento consciente”, os Tipos 7 devem descobrir que esse tipo de sofrimento pode também ser importante para se atingir a verdadeira felicidade. No livro Kierkegaard’s, Philosophy (A filosofia de Kierkegaard), de John Douglas Mullen, encontramos algo sobre isso. Acho que os Tipos 7 deveriam examinar com cuidado este comentário filosófico: “Não é muito difícil observar por que a vida do hedonismo diverso é insatisfatória (...) O tédio, seu inimigo final, é inevitável (...) Uma vida dedicada à coleção de experiências agradáveis ou ‘interessantes’ é uma vida vazia. Não é uma vida do espírito, mas uma na qual o espírito some na multidão de diversões. Ao pensar nisto, todos sabemos que aqueles que estão em condições de desfrutar as doces diversões da vida, não estão em melhor posição, de modo algum, com respeito àqueles que não estão nessa situação. Sabemos que aqueles que têm ficado entregues a uma vida de autoindulgência frequentemente se veem atormentados pelo vazio, pela solidão, pelo ódio a si mesmos, pela nostalgia, e, apesar disso, não estão dispostos a mudar. Mas, ainda que saibamos tudo isto, seríamos incapazes de renunciar, de deixar passar a oportunidade de viver uma vida assim. Por quê? Porque ficamos convictos de que seríamos judiciosos no uso do prazer. Praticaríamos a moderação (...) Uma vida de diversões superficiais tem grande atrativo, tal como um tabuleiro de doces para

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uma criança. Neste último caso, sabemos que é porque a criança não é séria com respeito a seus hábitos de alimentação. O mesmo ocorre conosco (...) Ficar entregue à indulgência é dizer: ‘Tudo o que eu sou é um potencial para o prazer. Quanto mais prazer exista, maior eu sou.’ Com certeza, ninguém pode levar isto a sério, e é por essa razão que uma vida assim está alicerçada no autoengano.” Poderíamos dizer que os Tipos 7 podem beber do vinho da vida sem medida e terminar tão bêbados que a alegria inicial pode se transformar numa ressaca daquelas! Deve-se beber do vinho da existência com moderação. Passar dos limites e correr muitos riscos é ficar aberto aos “acidentes” que bêbados costumam sofrer com frequência. A aluna já citada reconhece sua “gula” em relação às suas atividades e os problemas: “Procuro trabalhar muito, até mesmo me sobrecarregando. Pela ‘gula’, julgo ser capaz de realizar tarefas além das minhas forças. O ‘fazer’ excessivo leva-me muitas vezes a uma situação de conflito, fico muitas vezes sem discernir o que realmente é o mais importante no momento. Isto tem relação com uma dificuldade de priorizar os assuntos, as realizações, enfim os afazeres (...) Tenho pressa, porque necessito desempenhar muitos papéis e muitas funções (...) Tenho sempre o que fazer, devido a muitos interesses. Por isso há sempre afazeres pendentes, a nível concreto e abstrato. O tempo e o espaço são problemáticos para mim. A questão dos limites é difícil; quando me dedico a algo, esqueço assuntos também relevantes.” Alguns Tipos 7 percebem os riscos da gula e da intemperança bastante cedo, o que lhes permite transformar-se em bons gourmets, ou seja, desfrutam o melhor da vida e “bebem dos seus melhores vinhos” com a moderação e o refinamento que lhes permitem obter sucesso, prazer e alegria verdadeiras. Outros menos conscientes são literalmente destruídos pela “gula” e a intemperança que se manifestam em suas experiências profissionais e/ou pessoais. Os Tipos 7 deveriam refletir num velho ensinamento hermético que recomenda a nós, seres humanos, sermos conhecedores profundos da “Arte de Viver”. O Arcano Maior da Temperança no Tarô de Aleister Crowley esconde justamente esse antigo segredo que conseguimos conhecer quando emoções e pensamentos estão em equilibrada relação e

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descobrimos a preciosa Pedra Filosofal oculta no nosso mundo interior. Tanto a gula quanto sua companheira eneagramática, a “luxúria”, nos vencem porque, como diz o ditado popular, “os olhos são maiores que o estômago”. Então, veja como este seu Traço Principal se manifesta em você e comece a observação de si que lhe trará a possibilidade de alcançar as Virtudes da Temperança e do Equilíbrio, nas quais se fundamentam sua verdadeira liberdade e seu contentamento pleno.

A projeção para o futuro: os riscos do “sonhar acordado” Na vida dos Tipos 7, a imaginação joga um papel tão importante quanto para os Tipos 5 e 6 do Eneagrama. Porém ela se manifesta como um refúgio e/ou meio pelo qual o mundo é idealizado. É enxergado como se tudo estivesse ao seu favor sempre. Só que, como todos os mundos imaginários, eles não resistem sempre aos confrontos com a realidade. Novamente temos aqui o risco de uma imaginação não controlada, de uma imaginação que, em vez de ser uma aliada, ou seja, uma capacidade disponível, se transforma em um meio pelo qual a realidade não é enxergada como realmente é. A imaginação, para os Tipos 7, é uma maneira de fugir da realidade para mundos idealizados. Pelo menos, para este Tipo Eneagramático, a imaginação não cria pesadelos, como acontece com os Tipos 5 e 6. Peço para que você leia o que escrevi sobre este fato no final dos comentários ao Tipo 6. O aluno já citado anteriormente declara em relação a este respeito que: “Na infância, devido às imposições assustadoras da vida, me refugiava na imaginação.” E nossa aluna celebra: “A minha imaginação sempre mostra o lado melhor dos acontecimentos”, mas reconhece: “Planejar me dá grande prazer, executar nem sempre consigo.” A percepção do que nosso aluno chama de “imposições assustadoras da vida” tem vários significados e diversos níveis na vida deste Tipo

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Eneagramático. A maioria dos Tipos 7 acha que a imaginação é um refúgio e um meio para fazer planos de como atuar, de como realizar um projeto, uma viagem, uma aventura. Isto os torna reconhecidamente “sonhadores”. De alguma maneira, eles desejam ser felizes a qualquer custo e, quando seus sonhos não se realizam, a influência do Ponto 8 e o movimento ao Ponto 1 do Eneagrama colaboram para deixá-los com muita raiva. Do mesmo modo que uma criança quando não consegue os brinquedos dos seus sonhos fica zangada e cheia de considerações internas, os tipos 7 não aceitam facilmente o fato de não verem realizados seus desejos. O planejar atribuído a eles tem um certo ar de soberba. As coisas devem acontecer como eles desejam, como eles planejaram. Nossa aluna reconhece que nem sempre “imaginar o lado melhor dos acontecimentos” é certo: “Este otimismo é positivo em alguns fatos da minha vida e profundamente negativo em outros, assim como a inexistência do medo.” Nos casos de Tipos 7 mais desequilibrados, esta atitude de “sonhar acordados” sem considerar todos os aspectos de uma determinada situação, desconhecendo os riscos, os leva a uma total falta de autocontrole nos seus atos. Ficam sem limites e “fora da realidade”. Conheço um Tipo 7 que, com suas atitudes, quase acaba com o equilíbrio financeiro de toda a família. Após pedir desesperadamente que alguns seus parentes e amigos solucionassem os problemas dele, este 7 voltou a cometer os mesmos erros mais uma vez. Sua atitude é simples demais e desconsidera a “seriedade” de seus atos: “Não adianta me julgar. Eu sei que o que fiz está errado. E daí? Agora já não adianta pensar nisso.”

Iniciando o processo de mudanças positivas observando os movimentos a favor e contra a seta do 7 ao 1 e do 7 ao 5 – (ver figura na página 334) O movimento ao Ponto 1 do Eneagrama exige que os Tipos 7 alcancem o melhor de si mesmos. Quando positivo, este movimento ajuda a que alcancem o máximo de satisfação naquilo que fazem graças à certeza de estar bem-feito. Também, tem a ver com a cobrança que

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muitos deles fazem a si mesmos em relação ao que pretendem alcançar. Às vezes implica um certo sentimento de culpa pelo fato de não poder atingir esse ponto de “perfeição” que poderia trazer a sonhada felicidade plena. Para alguns Tipos 7, “ir ao 1” é desistir de projetos ou de planos por acharem que estão incompletos, que falta algo para sua execução. Isto pode ser negativo em algumas ocasiões. O estado de autocrítica é muito forte quando eles se direcionam até o Ponto 1 do Eneagrama e está explícito, e muito bem descrito, por um dos nossos mais jovens alunos Tipo 7 no depoimento que, com certeza, servirá a todos os que estão empenhados no autoconhecimento, já que mostra esse instante especial no qual se descobrem as “limitações” às quais se está sujeito e se percebe como é difícil atingir uma verdadeira liberdade. No fundo, este jovem aluno está iniciando o caminho do autoconhecimento, e ele sabe que isso é o mais importante: “Para quem estuda o Eneagrama, o fato de conhecer a personalidade pode ser uma vantagem, já que podemos indicar e perceber quando estamos agindo de forma automática, ignorando nossas verdadeiras necessidades e na maioria das vezes nos causando problemas. Mas para mim também gera outras emoções: Raiva por eu perceber minhas limitações, medo por achar que nunca poderei superá-las e desespero porque começo a perceber que nem meus pensamentos são realmente meus, e sim o fruto de minha personalidade, ‘asas’ e ‘movimentos’; me tornando um verdadeiro robô. No meu caso específico, como sou 7, o primeiro movimento que vai para o ‘1’ é muito forte e determinante no processo. Quando eu tenho um projeto ou uma meta, o que é fácil devido à minha capacidade de planejamento, eu ‘naturalmente’ me detenho, achando que ainda não estou preparado, ou que as coisas ainda não são perfeitas (...) acabo adiando ou desistindo; como isto é uma constante gera muita raiva por nunca considerar satisfatórias as circunstâncias e por me sentir incapaz ou muitas vezes julgar os outros incapazes. Este movimento ao Ponto 1 é muito forte em mim, porém, por conhecer isto, tenho conseguido ‘contrariar a máscara’, tentando desempenhar a virtude do movimento ao 1, que é a Serenidade.

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Saber que mesmo as coisas não estando perfeitas podem ser realizadas. Curiosamente, depois de cada etapa ‘vencida’ eu me sinto leve, como se tivesse vencido um demônio interno, um fantasma, eu me sinto capaz (...)” Acho desnecessário mais comentários a respeito, concorda? Observe como se dá em você o movimento ao Ponto 1 e leia o capítulo referente a essa “Máscara” Eneagramática, para maior compreensão.

Observe quando o Movimento ao Ponto 1 aumenta seu narcisismo e excesso de autoconfiança Um dos aspectos “negativos” do movimento ao Ponto 1, se dá quando você se considera “o melhor” de todos. Nessa atitude, você não somente julga os outros como inferiores, como acredita piamente que é “superior” a todos. Esta atitude pode provocar uma natural rejeição por parte dos seus amigos, colegas e parentes, os quais sentirão desagrado e/ou tristeza perante essa sua incapacidade de ficar num mesmo nível. Quando os Tipos 7 se fixam na ideia de se sentir “superiores” e “melhores”, achando que são os únicos a entender as coisas, tendem a desprezar os que estão perto deles sem conseguir apreciar as suas virtudes e capacidades, valorizando apenas seus erros e fraquezas.

A necessidade de sentir-se “livre” e seus aspectos positivos e negativos Em relação ao movimento para o Ponto 5 do Eneagrama, muitos Tipos 7 encontram nele um positivo reforço à ideia de serem “livres”. Quando negativo, implica uma espécie de afastamento das pessoas e/ou ideias que signifiquem “compromisso” ou que pareçam implicar uma perda de liberdade. Também confirma a ideia narcisística de que só eles sabem como conseguir determinadas coisas, o que lhes impede de “ficarem abertos” aos dados do mundo externo, que poderiam beneficiá-los. A aluna citada diz a respeito:

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“Gosto da solidão, ficar só para realizar as coisas das quais gosto. Enfim, creio que me é mais interessante comunicar-me do que relacionar-me.” Também fica muito claro o movimento ao 5 quando Tipos 7 declaram como Hilária: “Relação só admito com pessoas com as quais me sintonizo a nível espiritual e intelectual.” É importante notar que ela mesma admite no início do seu trabalho que: “Quando iniciei o estudo do Eneagrama, ainda bem no início, pensei ser o ego número 5”, o que muitos Tipos 7 também reconhecem como algo interessante quando iniciam a análise e observação de si mesmos. De positivo do movimento contra a seta ao Ponto 5, os Tipos 7 devem aprender a interiorizar-se. Este interiorizar-se nada tem a ver com isolar-se ou ficar sozinho ou afastado dos demais. Tem a ver só consigo mesmo. Mediante a interiorização ou da atitude reflexiva que o filósofo espanhol José Ortega y Gasset chamava de ensimismamento, os Tipos 7 podem conseguir “Desidentificar-se” das múltiplas escolhas que o atraem e não o deixam “fixar-se” no que é mais importante em determinados momentos. Desta maneira, podem conseguir ser mais seletivos, podem vencer a tendência à evasão mental, controlando os “pulos de macaco” com os quais seu Centro Intelectual vai de um a outro assunto, sem conseguir concentrar-se com firmeza naquelas questões mais importantes. Veja as características do Tipo 5 no capítulo correspondente e aprimore a observação de si mesmo.

Seus parceiros 6 e 8 (pegue só o melhor deles!) A análise detida destes seus parceiros eneagramáticos lhe será de grande proveito. Do Ponto 6, deve cultivar a virtude da Coragem, especialmente no que diz respeito a assumir compromissos até o fim e a não abandonar seus projetos pela metade. Do Ponto 8, deve aproveitar a firmeza com que esses Tipos decidem realizar seus planos, dispostos a passar por todos os obstáculos. Do Ponto 6, evite o medo que paralisa

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seus planos e do 8, a incapacidade de ficar contente querendo sempre mais e mais. Observe como as Virtudes do Equilíbrio e da Temperança estão relacionadas à descoberta do que são as virtudes dos seus parceiros eneagramáticos: Alcançar a Fé (Virtude do Ponto 6 do Eneagrama) lhe permitirá ir a fundo em seus projetos, e deixar de sentir-se inseguro em relação às suas escolhas. Por sua vez, o controle da Luxúria por meio do Contentamento que Tipos 8 atingem após compreender que a maior conquista e o maior poder só existem no fundo de nós mesmos, lhe permitirá desfrutar mais plenamente das coisas, sem essa sensação de vazio que tanto perturba a Tipos 7. No fundo, trata-se de descobrir que podemos ter tudo e perder de vista o Ser, ou que podemos ter o justo sem deixar de senti-lo presente nas nossas vidas.

Controlando o sentimento de “inferioridade” Do Ponto 6, deve-se evitar o sentimento de insegurança em relação a si mesmo. Alguns Tipos 7 tendem a sentir-se “inferiores” quando acham que não estão conseguindo o que desejam e se comparam aos que aparentemente são bem-sucedidos. A partir desse instante, passam a imaginar que suas vidas não estão certas, que são um fracasso e que talvez não consigam o que almejam. Num dos nossos workshops, um jovem Tipo 7 nos revelou que ele sempre imaginara que seria incapaz de conseguir qualquer coisa na sua vida. Com forte influência negativa do Ponto 6, que lhe provocava uma baixa autoestima, imaginava que nele o seu Traço Principal não tinha a menor chance de ser superado, o que o fazia sentir-se irresponsável e desorientado. Quando observou, nas dinâmicas de grupo, que esta “ideia” de “inferioridade” tinha sido vivida por outros Tipos 7 que agora eram pessoas bem-sucedidas e felizes, compreendeu que ele tinha as mesmas possibilidades o que o fez recuperar sua autoconfiança.

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Os problemas com hierarquias e autoridades Atente para a colocação de um dos nossos alunos do Tipo 7 já citados aqui, e observe qual seria sua atitude em relação ao mesmo assunto: “Em mais de 30 anos de serviço nunca fui chefe e, nas poucas vezes que substituí o chefe, não fugia da responsabilidade, mas ficava muito feliz quando o expe­diente se encerrava e levava meu serviço sem problemas (...)” Observe de que modo os Pontos 6 e 8 interferem, aumentam ou diminuem suas “ideias”, temores e preconceitos em relação às palavras “autoridade(s)” e “hierarquia(s)”. Veja como estes conceitos o afetam e/ou como as situações relacionadas com eles lhe provocam tensão, medo, frustração, raiva, e/ou rejeição. Por exemplo, observe quando rejeita posições de comando ou chefia nas organizações e/ou empresas nas quais trabalha. Veja como as relaciona com as ideias de “liberdade” e “responsabilidade” e procure refletir nas suas reações e preconceitos relativos a elas. Aprenda a crescer com esta observação no dia-a-dia.

Controlando a agressividade e a luxúria Tipos 7 devem perceber quando se tornam agressivos demais, ou seja, quando a influência negativa do Ponto 8 se faz presente com a força de um “rolo compressor”. Isso acontece com mais intensidade, quando os Tipos 7 sentem que as pessoas poderiam estar contra seus planos e desejos pessoais e/ou quando debocham, menosprezam e minimizam a importância e as consequências dos fatos e situações que desejam controlar ou provocar, reafirmando suas capacidades e mostrando-se “fortes” e “decididos” além da conta. Veja os riscos dessa atitude. Também observe como “gula” e “luxúria” se complementam não deixando que você se sinta satisfeito com o que tem no momento e fazendo com que perca a capacidade de “curtir” a vida como ela é.

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Conquistando a virtude do equilíbrio Já tratei desta virtude quando me referia aos riscos da “gula” e da “intempe­rança”. O Equilíbrio que Tipos 7 devem conquistar está atrelado ao conceito de “Discernimento”, ou seja: permitir-se a escolha certa, reflexiva e consciente de tudo e qualquer coisa. No Equilíbrio está implícita a ideia de “saber pesar”, de saber qual o “fiel da balança”, quais os “limites”. Aqui a palavra limite não deve ser atrelada à ideia de perda da liberdade e sim à ideia de “temperança”. No caso de Tipos 7, a virtude do Equilíbrio tem a ver com as de temperança e sobriedade. É interessante notar que a palavra “equilíbrio” tem também uma relação estreita com as palavras “harmonia” e “igualdade”. Também é interessante refletir que “equilíbrio” se define algumas vezes como “capacidade de aguentar uma situação difícil”. Portanto, não fuja das situações difíceis e dolorosas, não as ignore. Elas fazem parte da existência. Tente observar como a procura de prazer sem medida o afasta da possibilidade de ir fundo em seus relacionamentos e responsabilidades. Não exagere sua importância. Fundamentalmente, o equilíbrio se perde quando você “perde o controle” de si mesmo e das suas escolhas e decisões. Todos estes “conselhos” apontam ao mesmo ponto: nunca exceder-se. O excesso está relacionado com a tendência à luxúria do Ponto 8 e guarda relação com a atitude agressiva que caracteriza este seu “companheiro” eneagramático, que tanta influência exerce em Tipos 7. O segredo do equilíbrio está nessa frase bíblica que diz: “Tudo está permitido ao homem embaixo do sol, mas nem tudo lhe é conveniente.” O desequilíbrio dos Tipos 7 se dá quando estes exageram na “consideração interna” e em suas fantasias, quando as doses de prazer almejadas são mentalmente exageradas, gerando-se então um círculo vicioso semelhante ao que a psicologia moderna chama de Círculo da Insatisfação, Frustração e Desmoralização, ou Círculo IFD. A procura do máximo de prazer oferecido por todos os estimulantes externos (situações, vivências, projetos, opções variadas, etc.) é Idealizada, o que gera uma fuga ao reino da fantasia e dos sonhos, com o qual todo

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o provável prazer futuro que virá como produto dessas experiências, é inflacionado. As expectativas aumentam ilimitadamente junto com as possibilidades de achar insatisfatórios os resultados e/ou frutos dessas experiências. Então, quando o “contato” com a realidade demonstra que o fruto dessas experiências não era tão “maravilhoso” assim, sobrevém a Frustração. Esta provoca, às vezes, a sensação de que talvez faltou algo e gera um processo de Desmoralização, de abatimento da moral e de desapontamento/decepção, ou, o que eu acho mais adequado neste caso, gera um processo de desilusão no sentido de que a fantasia e o sonho não se realizam, porque no fundo só podiam existir fora da realidade.

Relacionando liberdade e responsabilidade com o autoconhecimento Os Tipos 7 sempre reclamam para si a liberdade e a amam. “Eu sou livre” é uma de suas frases prediletas. Quando se trata de sujeitos equilibrados, este senso de liberdade é positivo. Eles produzem ao seu redor uma atmosfera aberta, na qual tudo pode ser expresso e tudo faz parte da harmonia que atribuem a uma existência sem cercas nem obstáculos de nenhuma espécie. Para eles, a vida é um maravilhoso presente e, como expressão de agradecimento, permitem que tudo se manifeste plenamente e se surpreendem sempre com tudo o que de positivo ela oferece. Sentem que a vida é inesgotável e “dá para todos” sem achar que correm o risco de perder sua parte dessa dádiva preciosa que é a existência. Por esta razão, são entusiastas e muito falantes, cheios de ideias e soluções “criativas” para tudo. As pessoas se sentem atraídas por esse jeito “generalista” que eles passam. Sabem tudo, conhecem tudo. Praticam tudo. O conceito de liberdade para eles está atrelado tanto ao fato de ter muitas opções e muitas atividades sempre, quanto à ideia de não ter “rótulos” nem limites. Vejamos como nossa aluna nos explica isto: “Tenho muitas atividades, estudo vários assuntos, buscando sempre o novo. Não gosto de compromissos porque podem atrapalhar as minhas

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opções em algum momento. Quero ser livre. Gosto de solidão, ficar só para realizar as coisas das quais gosto. Enfim, creio que me é mais interessante comunicar-me do que realmente relacionar-me. Relação só admito com pessoas com as quais me sintonizo, a nível espiritual e intelectual. Não aceito com facilidade a rotina. (...) Tenho pressa, porque necessito desempenhar muitos papéis e muitas funções (...) A questão dos limites é difícil, quando me dedico a algo, esqueço assuntos também relevantes. Não gosto de combinar nada com antecedência, só próximo à realização decido o que fazer (...) Não admito que me rotulem, por exemplo, quanto a ser religiosa ou mística, ou racional ou emocional porque creio ser um pouco de tudo (...)” Porém quando se trata de Tipos 7 menos equilibrados, este “amor pela liberdade” pode ficar “torto” e até perigoso. Como já mencionei anteriormente, pode provocar muitos problemas e, o que é mais grave, uma séria distorção da relação existente entre responsabilidade e liberdade. Como lembra a raposa ao principezinho no conto de SaintExupéry somos responsáveis pelo que cativamos o que Tipos 7 tendem a esquecer quando centrados demais em si mesmos. O narcisismo joga um papel importante nesta distorção do significado da própria liberdade. A liberdade é válida somente para eles, não para os outros. Parece não implicar responsabilidades. Com a mesma facilidade com que as pessoas, situações, experiências e coisas são desfrutadas, podem ser deixadas ou abandonadas. O desfrutar da liberdade é um direito só deles. Existe aqui um sutil movimento negativo ao Ponto 5 do Eneagrama: a liberdade só é válida para mim e seu gozo e benefícios serão só meus; os outros apenas serão “utilizados” para eu atingir meus propósitos. Por esta razão, alguns Tipos 7 se tornam odiados pelos que cativaram porque, é claro, o fizeram apenas com o objetivo de obter o melhor para eles e só para eles. Alguns se tornam espertos na arte de fugir de qualquer situação ou relacionamento que os tenha entediado ou nos quais já não tenham mais interesse. Ao mesmo tempo e devido a ficarem objetivando apenas seu próprio benefício, os Tipos 7 passam, paradoxalmente, a serem escravos das exterioridades que procuram sem discernimento e sem limites, na

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ânsia de sentirem-se capazes de fazer tudo e viver tudo. A capacidade de discernir, ou seja, enxergar o que é mais útil ou o que é menos útil, o que é mais conveniente e o que é menos conveniente, etc. se perde. A liberdade, então, também se perde. Este é o momento mais paradoxal na vida de Tipos 7 desequilibrados. Os excessos, então, tomam conta dos Tipos 7 quando estes decidem que ninguém nem nada pode estar entre eles e os objetos de seus planos, desejos, e vontades. Quando isto acontece, relacionamentos são um estorvo, o trabalho é abandonado, o matrimônio e os filhos parecem um empecilho. No fundo, se tornam odiosamente egocêntricos e passam a não enxergar as necessidades alheias. Acontece, então, o risco de achar que as pessoas, os trabalhos, o casamento e outros relacionamentos, assim como os deveres que o viver em sociedade impõe sejam tidos como “prisões”. Burlam a autoridade, não respeitam as convenções, se tornam “rebeldes sem causa”, e anarquizam os ambientes nos quais atuam, passando por cima de normas e regulamentos. Estas atitudes não só lhes pode provocar graves problemas pessoais, como também causar grandes prejuízos à(s) pessoa(s) com eles relacionadas profissional ou familiarmente. No começo deste capítulo, citei ensinamentos de Gurdjieff sobre questões relacionadas com este Tipo Eneagramático e seu Traço Principal. Em especial sobre os conceitos de liberdade e os erros de uma autoimagem inflacionada. Gostaria que você voltasse a ler essas citações agora. Talvez seja necessário aprender que a renúncia à nossa limitada vontade (às vezes inexistente, porque chamamos de “minha vontade” apenas os nossos desejos mais fortes), seja o caminho para conhecer a verdadeira Vontade. Talvez isso signifique renunciar ao que habitualmente chamamos de nossas liberdades, para conhecer a Verdade que nos fará realmente livres. Talvez seja esse o segredo para “perdendo a vida, ganhar a Vida”, segundo alguns textos sagrados. O anseio que muitos Tipos 7 declaram sentir pelo conhecimento de si mesmos, quando acabam de discernir os “limites” e “perigos” que a pseudoliberdade e a pseudovontade escondem, só poderá ser satisfeito quando eles olhem

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além de seus espelhos narcisistas e decidam dar o “grande pulo” em direção à fonte na qual a Gula e o Desequilíbrio desaparecerão para sempre: o Ser. Isso requer um ato Corajoso (Ponto 6) e, ao mesmo tempo, implica a decisão de confiar e percorrer o mundo interior com segurança e confiança absolutas (Ponto 8) nos sinais fiéis e mapas fidedignos que nos deixaram aqueles que conheceram a Liberdade Total do Ser. Como sei que muitos Tipos 7 desejam iniciar o caminho do autoconhecimento (ou estão trilhando algum para consegui-lo), e ao mesmo tempo duvidam quando chega o momento de decidir seguir um caminho objetivo e não fantasioso que conduza até o Ser (ou estão duvidando do seu “caminho” atualmente), vou concluir esta parte solicitando a você que reflita nestes conselhos que Gurdjieff deixou não somente para Tipos 7, mas também para todos os que procuram níveis superiores de consciência: “A renúncia às suas próprias decisões, a submissão à vontade de outro, podem apresentar dificuldades insuperáveis para um homem, se não conseguiu dar-se conta previamente de que assim não sacrifica nem modifica realmente nada em sua vida, uma vez que, durante toda a sua vida, esteve sujeito a alguma vontade estranha e nunca tomou, verdadeiramente, nenhuma decisão por si mesmo. Mas o homem não é consciente disso. Considera que tem o direito de escolher livremente. E é duro para ele renunciar a essa ilusão de que ele próprio dirige e organiza sua vida. No entanto, não existe trabalho possível sobre si, enquanto as pessoas não se tiverem libertado dessa ilusão. O homem deve dar-se conta de que não existe; deve dar-se conta de que nada pode perder, porque nada tem a perder; deve dar-se conta de sua nulidade no sentido amplo do termo. Esse conhecimento de sua própria nulidade, e somente ele, pode acabar com o medo de submeter-se à vontade de outro. Por mais estranho que possa parecer, esse medo é, de fato, um dos maiores obstáculos que um homem encontra no seu caminho. O homem tem medo de que o façam fazer coisas contrárias a seus princípios, a suas concepções, a suas ideias. Além disso, esse medo produz imediatamente nele a ilusão de que

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realmente tem princípios, concepções e convicções que, na realidade, nunca teve e seria incapaz de ter (...) Frequentemente o medo de submeter-se à vontade de outro é tal, que nada pode superá-lo. O homem não compreende que a subordinação à vontade de outro ...é o único caminho que pode conduzi-lo à aquisição de uma vontade própria.”

Palavras Finais

O Eneagrama positivo e a possível evolução humana

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A importância da observação e da lembrança de si Gurdjieff ensinava que a evolução do ser humano podia ser compreendida como “o desenvolvimento nele de faculdades e poderes que nunca se desenvolvem por si mesmos”. Ensinava que essas faculdades e poderes podiam ser desenvolvidos somente por meio de um constante trabalho sobre nós mesmos, fundamentado em três processos aparentemente simples, porém, difíceis de praticar: A “Observação e Lembrança” de nós mesmos e a prática da “Desidentificação (Não identificação) e da Consideração externa”. É fácil perceber que podemos realizar um processo de auto-observação, porém não é fácil lembrar dessa necessidade sempre e deliberadamente. Você pode observar seu corpo ou Centro Físico? Claro que pode. E graças a essa observação você até fica em condições de dar-se conta, por exemplo, de que precisa perder alguns quilos, ou que está necessitando comer um pouco mais, ou que talvez seja necessário começar a praticar alguns exercícios porque está “perdendo a forma”; você pode cuidar dele esteticamente e assim por diante. Você pode observar seu Centro Físico, também, com a ajuda de especialistas, médicos e terapeutas corporais, que usarão conhecimentos, técnicas e tecnologias avançadas para detectar alguma doença, fazer um check-up geral. Tudo isto para garantir sua saúde, ou para prevenir certas doenças, ou para corrigir diversos problemas físicos, dos quais não menos de 50% afetam sua vida emocional e/ou intelectual, segundo importantes estudos e pesquisas. Enfim, você pode observar seu Centro Físico. Porém você poderia esquecer aquilo que for observado, ou esquecer a importância de uma “observação” constante. Por exemplo: você “sabe” que deve ir ao dentista, mas você pode adiar essa decisão até que a dor ou o problema ultrapassem certos limites toleráveis. Você não decide ir ao dentista, sua dor “decide” quando você esquece. Se você esquece o observado, então, não vai ao dentista, não inicia sua dieta, não se lembra de praticar seus exercícios corporais e /ou de fazer exames médicos periódicos e necessários. A lembrança é necessária. Você pode também observar seu Centro Emocional,

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certo? Às vezes você diz: “eu não gostaria de ser tão sentimental”, ou, “acho que fui muito duro com meu filho”, ou, “gostaria de ser menos agressivo”. Às vezes, você percebe que está atuando emocionalmente de um modo inadequado, acha que não consegue conter certas reações emocionais “desagradáveis”, enfim, você acha que deveria fazer algumas mudanças “emocionais” e que isso seria muito bom. Especialistas de áreas alternativas, psicólogos, analistas, orientadores, psicoterapeutas e outros profissionais, podem ajudá-lo nessas observações relativas ao seu “Centro Emocional”. Práticas de autocontrole e autoajuda também são valiosas. Porém, pelo fato de não se lembrar de si mesmo, você “esquece” de praticar o que esses especialistas e métodos lhe indicam e você volta a ter todas essas reações “emocionais” desagradáveis não conseguindo modificá-las. Emoções ruins que perturbam você ou seus seres queridos, amigos ou colegas, são difíceis de conquistar. Nós nos damos conta de que é necessário mudar, porém, não lembramos disso no momento certo. Finalmente, você pode, às vezes, observar seu Centro Intelectual, seus “estados mentais”, seus pensamentos, certo? Às vezes você diz: “eu não gostaria de pensar essas coisas”, ou, “por que imagino tantas besteiras?”, ou diz, “gostaria de ter um pensamento mais positivo”, “mudar alguns modos de pensar seria bom para mim”, “gostaria de controlar minha mente” e assim por diante. Novamente existem apoios externos que podem lhe ajudar nessa procura do domínio mental: métodos diversos de controle mental, técnicas de desenvolvimento das suas faculdades de concentração, memória, imaginação criativa, meditação, etc. Mas você volta a pensar negativamente, volta a ser controlado por sua imaginação. Você esquece que pode modificar o que tinha observado, por si mesmo, ou com a ajuda dos profissionais e técnicas adequadas. Tanto esquecer observar quanto esquecer o que essas observações feitas no Centro Físico, Emocional e Mental implicam em termos de mudanças ou cuidados, levam a um forte esquecimento de si mesmo, e sabemos que o esquecimento de si mesmo é um dos fatores eneagramáticos nucleares, correspondente ao Ponto 9 do triângulo equilátero, o qual se relaciona justamente com o Centro Físico ou Centro do Movimento, que é o único Centro capaz de estar sempre “presente” e é somente no presente que

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tudo aquilo que você quer e poderia modificar está acontecendo. Mas você não lembra de si mesmo, e lembrar-se de si mesmo tem a ver com o desenvolvimento dos seus Centros Intelectual e Emocional. Você só pode lembrar aquilo que compreende e ama. Aquilo que você não compreende, você esquece, ou se torna um conhecimento morto, sem efeitos na sua vida. Aquilo que você não ama não tem importância real para você, passa sem deixar rastro, é fácil de esquecer. A maioria das pessoas “entende” que deve realizar mudanças em si mesmas, mas poucas o “compreendem”. Vou dar um exemplo do que estou afirmando: um indivíduo fuma há muito tempo e ele começa um dia a observar que isso lhe faz mal. Porém esquece e continua fumando. Um dia lê um artigo sobre os perigos do fumo. Ele concorda com os dados que nesse artigo aparecem. Mas continua fumando. Ele é uma pessoa inteligente, mas não consegue compreender que “o cigarro é prejudicial à saúde”, apesar de essa frase aparecer em cada maço de cigarros que ele compra. Ele mente a si mesmo (Ponto Nuclear 3 do Eneagrama) e diz que nada vai acontecer, que isso são bobagens, e se “identifica” com o cigarro dizendo coisas como: “o cigarro me acalma”, “com o cigarro consigo pensar melhor”, “nada como um cigarro para eliminar a tensão”, “fumar é charmoso”, etc., ou seja, ele se autoengana, atribuindo ao cigarro “virtudes” que não possui. Ele, na verdade, entende, mas não compreende, porque esquece o valor de seu corpo e não se ama. Seu intelecto sabe, mas ele não consegue realizar o que de vez em quando lembra, ou seja, “acho que deveria parar de fumar”. Somente a “compreensão” poderá modificar esse quadro, ou um repentino “choque” na sua saúde, talvez o início de um câncer pulmonar. Então ele não conseguirá “esquecer” que deve mudar, ele valorizará seu corpo, ele se arrependerá de não ter conseguido “amar a si mesmo”. Porém, às vezes, é tarde demais para modificar os resultados de seus esquecimentos. Compreender é o processo que provoca as mudanças reais que fazem com que o observado seja lembrado. Compreender não nos permite mentir nem para nós mesmos nem para os outros. Compreender é ter atingido a lembrança de si mesmo, a consideração do que realmente acontece e não do que “achamos” ou “imaginamos” ou “supomos” (Ponto Nuclear 6 no Eneagrama).

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Só é possível mudar e evoluir, quando aprendemos e compreendemos o valor da observação e lembrança de nós mesmos e quando aumenta nossa capacidade de “considerar externamente sempre, internamente nunca”. Sem lembrança não existe observação e sem observação não existem possibilidades de lembrança. Porém, para observar “corretamente”, é necessário cultivar a “consideração externa”, ou seja, ver as coisas sem preconceitos, sem medos, sem prejulgamentos, sem acomodá-las aos nossos “modos de ver as coisas”, sem julgá-las apressadamente. Quando conseguir “isolar” seu Traço Eneagramático Principal, você terá que “observar” como ele se manifesta na sua existência. Deverá se lembrar de fazer isto todas as vezes que for possível, deverá constatar como esse Traço Principal o leva a “considerar” pessoas e eventos “internamente”, ou seja, os modos como você julga, prejulga, decide, reage, enfim, se manifestam automaticamente em função desse seu Traço Principal. Se você descobre que é um Tipo 9, você percebe que esquece suas próprias necessidades, que não é capaz de fixar prazos e datas para realizar seus planos, que você “adormece”. Se você descobre que é um Tipo 8, verá como sua “consideração interna” o leva a criar inimigos que não existem, a supor que as pessoas podem querer “atacá-lo” sempre, que sua agressividade é a forma como se “esquece de si mesmo”. Cada Tipo Eneagramático tem sua maneira de “esquecer”, “considerar” e de se “identificar” negativamente. Quando sua capacidade de “observação” e “lembrança de si” aumentem, você conseguirá alcançar a capacidade de “considerar externamente”, ou seja, poderá ver as coisas, as pessoas e as situações como elas são e não como você imagina que são. Somente deste modo as mudanças positivas vão acontecer. Este não é um processo rápido, contudo é definitivo. É necessário apenas lembrar-se sempre e em todo momento de si mesmo e da sua relação com a existência. É deste modo que conseguiremos vivenciar o Eneagrama Positivo por meio do qual é possível a evolução a níveis de consciência superiores. A Lei Hermética de Polaridade explica o positivo que existe por trás de cada Traço/ou Defeito Principal. Ela diz:

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“Tudo é duplo; tudo tem seu par de opostos; os semelhantes e os antagônicos são o mesmo; os opostos são idênticos em natureza, mas diferentes em grau; os extremos se tocam, todas as verdades são semiverdades; todos os paradoxos podem se reconciliar.” Aplicando esta Lei ao Eneagrama dos Traços Principais, descobrimos que, para cada um desses aspectos negativos que devemos “modificar” mediante a Observação, da Lembrança de Si e da Consideração Externa, existe uma virtude, um poder potencial que podemos desenvolver mediante um trabalho deliberado e permanente de autoconhecimento. Acerca destes poderes ou virtudes, o leitor pode reler no final de cada análise das “máscaras eneagramáticas” neste livro e refletir. Conservei o nome das virtudes de acordo com as pesquisas de O. Ichazo e como foram citadas na obra da Dra. Helen Palmer e outros autores, o que ajudará a entender os seguintes e valiosos ensinamentos de Gurdjieff. Todos sabemos que os Sete Pecados Capitais são: A Indolência ou Preguiça, relacionada com o Traço Principal dos Tipos 9, a Ira ou Raiva relacionada com o Traço Principal dos Tipos 1; a Soberba, Orgulho ou Vaidade, relacionada com o Traço Principal dos Tipos 2 e 3; a Inveja, relacionada com o Traço Principal dos Tipos 4, a Avareza, relacionada com o Traço Principal dos Tipos 5; a Intemperança ou Gula, relacionada com o Traço Principal dos Tipos 7; e a Luxúria, relacionada com o Traço Principal dos Tipos 8. O Medo, relacionado com o Traço Principal dos Tipos 6, seria o resultado “mental” de “culpabilidade” que produzem a manifestação e os resultados dos Sete Pecados Capitais. Cada Traço produz afastamento do Ser Verdadeiro, e portanto, a “prática” de cada um deles provoca o “medo” de perder o Ser, de ficar fora do “Superior”. Como diz o apóstolo Paulo: “Porquanto todos pecamos e estamos destituídos da glória de Deus.” Deus é o Ser Real e recuperar sua “glória” tem a ver com a necessária vivência do mandamento bíblico: “Ama a Deus acima de todas as coisas e ao teu próximo como a ti mesmo.” Somente quando amamos o Ser acima de todas as coisas, é que podemos amar o Ser em nós mesmos e o Ser presente em todos os nossos próximos e em toda a existência.

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O resultado dessa possível nova atitude consciente será o surgimento dos Poderes ou Virtudes: A Reta Ação (9); a Serenidade ou Paciência (1); a Humildade, Veracidade e Honestidade (2 e 3); a Equanimidade (4); o Desapego (5); o Equilíbrio ou Temperança (7) e o Contentamento ou Inocência (8). Logicamente, quem consegue desenvolver esses poderes ou virtudes não pode ter mais medo. O Ser pode ser sentido no coração, e, a partir desse momento, será ele quem vai atuar mediante a personalidade, promovendo a “Coragem”, virtude atrelada ao Ponto 6 do Eneagrama e que significa Agir desde e com o Coração, o qual é tido em todas as Tradições Sagradas da humanidade como o Templo do Ser. Estas virtudes estão relacionadas, então, com o Verdadeiro Amor (Reta Ação, Serenidade e Inocência); com a Verdadeira Esperança (Humildade, Veracidade e Equanimidade) e com a verdadeira Fé (Desapego, Coragem e Equilíbrio). Por acaso existem um Falso Amor, uma Falsa Esperança e uma Falsa Fé? Segundo Gurdjieff, sim. E todo o nosso trabalho interior deve estar relacionado com a capacidade de distinguir entre as expressões verdadeiras e falsas daquilo que no Cristianismo é tido como as Virtudes Principais (Amor, Fé e Esperança). Para que você reflita sobre este assunto e faça as relações correspondentes, transcrevo o que Gurdjieff diz sobre isso nos Relatos de Belzebu a seu Neto, e também num dos já citados Aforismos: “A Fé (Ponto 6) da Consciência é Liberdade. A fé do sentimento é fraqueza. A fé do corpo é estupidez. O Amor da Consciência (Ponto 9) provoca o mesmo em resposta. O amor do sentimento provoca o contrário. O amor do corpo não depende senão do tipo e da polaridade. A Esperança (Ponto 3) da Consciência é Força. A esperança do sentimento é servidão. A esperança do corpo é doença.” (Gurdjieff, em Relatos de Belzebu a seu neto)

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“O Amor Consciente (9) provoca o mesmo em resposta. O amor emocional provoca o contrário. O amor físico depende do tipo e da polaridade. A Fé Consciente (6) é liberdade. A fé emocional é escravidão. A fé mecânica é estupidez. A Esperança (3) Inquebrantável é força. A esperança mesclada de dúvida é covardia. A esperança mesclada de temor é fraqueza.” (Aforismos 34, 35 e 36 de Gurdjieff como aparecem no livro Gurdjieff fala com seus alunos). Lembrança de si mesmo Amor Reta Ação / Paz Inocência / Sensibilidade Justiça / Poder interior / Não violência

Equilíbrio / Liberdade Satisfação / Justo Meio / Plenitude / Perseverança

Consideração externa

Fé / Coragem / Controle imaginativo / Ver a realidade tal qualela é

9 8

1

7

Serenidade / Moral objetiva Perfeição verdadeira / Flexibilidade

2

6

Humildade/ Doação consciente/ Fraternidade/ Colaboração/ Amizade desinteressada

3 Desidentificação

Esperança / Verdade / Autenticidade / Realização / Honestidade

5 Desapego / Compreensão Doação verdadeira / Tolerância / Mente Holística

4 Equanimidade / Sofrimento consciente Estar e sentir no “presente” / Contentamento

Gráfico das Virtudes e Poderes, pesquisados por Ichazo e outros, que se escondem por trás de cada Traço ou Defeito Principal, destacando os três que Gurdjieff ensinava como fundamentais: o Amor Consciente, relacionado com a Lembrança de si mesmo, a Fé Consciente, relacionada com a Consideração Externa, e a Esperança Consciente, relacionada com a Desidentificação. De autoria de Khristian Paterhan-1997

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Qualquer que seja seu Traço ou Defeito Principal, você perceberá que todos os seus demais defeitos se ordenam de acordo com ele, manifestando-se com maior ou menor força em relação a ele. Ao mesmo tempo, isso significa que, quando iniciamos o processo de autoconhecimento, trabalhando acima do nosso particular Traço Principal, todos os demais começam a ser superados, devido à dinâmica e à inter-relação matemática existente no Eneagrama, presente no movimento externo relacionado com a dízima periódica 0,142857142857.... e com o movimento no triângulo equilátero 9,6,3,9,6,3, 9... Lembre que todos os Tipos e Traços estão presentes em você e que a sequência e o movimento eneagramático começam a partir da sua posição no Eneagrama, relacionada com seu Traço ou Defeito Principal.

Referências Bibliográficas

Sobre as Leis ou Princípios Herméticos PATERHAN, Khristian. Iniciação e autoconhecimento.

Sobre o Quarto Caminho e os Ensinamentos de Gurdjieff Gurdjieff, G.I. Gurdjieff fala a seus alunos. São Paulo: Pensamento, 1993. ____. Relatos de Belcebú a su nieto. Buenos Aires: Hachette, 1976. ____. La vida es real solo cuando “Yo Soy”. Málaga: Sirio, 1995. Ouspensky, P. D. Fragmentos de um ensinamento desconhecido. São Paulo: Pensamento, 1989. ____. El Cuarto Camino. Buenos Aires: Kier, 1987 Speeth, Kathleen Riordan. O trabalho de Gurdjieff. São Paulo: Cultrix, 1989.

Sobre o Eneagrama Bennett, J.G. O Eneagrama. São Paulo: Pensamento, 1993. Naranjo, Claudio. Os nove tipos de personalidade: Um estudo do caráter humano por meio do Eneagrama. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997. Palmer, Helen. O Eneagrama: compreendendo a si mesmo e aos outros em sua vida. São Paulo: Paulinas, 1993. ____. O Eneagrama no amor e no trabalho. São Paulo: Paulinas, Riso, Don Richard. Tipos de personalidad: El Eneagrama para descubrirse a sí mismo. Santiago: Cuatro Vientos, 1994. ____. Comprendiendo el Eneagrama. Santiago: Cuatro Vientos, 1994.

Sobre a Tipologia Junguiana Jung, Carl Gustav. Psychological Types. Princenton: 1971, Princenton University Press.

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