Em defesa da Imagem Pobre
Short Description
Hito Steyerl...
Description
EM DEFESA DA IMAGEM POBRE A imagem imagem pobre é uma cópia em trânsito. Sua qualidade é tosca, sua resolução é abaixo do padrão. À medida que acelera, se deteriora. É o fantasma de uma imagem, pré-visualização, um thumbnail , uma ideia errante, uma imagem itinerante de distribuição gratuita, forçada através de lentas conexões de internet , comprimida, reproduzida, despedaçada, remixada, bem como copiada e colada para outros canais de distribuição. A imagem pobre é um trapo ou um frangalho; um AVI ou uma jpeg é um lumpemproletário na sociedade de classes das aparências cujo valor é atribuído de acordo com a sua resolução. A imagem pobre já foi carregada, baixada, compartilhada, reformatada e reeditada. Ela transforma qualidade em acessibilidade, valor de exposição em valor de culto, filmes inteiros em trechos, contemplação em distração. A imagem é liberada dos arquivos de cinemas e acervos e é arremessada em direção à incerteza digital, sobrevivendo às custas de sua própria pele. pe le. A imagem pobre tende ao abstrato: é uma ideia visual em seu próprio devir. devir. A imagem imagem pobre é um bastardo ilícito de quinta categoria de uma imagem original. Sua origem é duvidosa. Nomes de arquivo de imagens pobres são deliberadamente mal escritos. Por vezes, sua existência desafia ideias de patrimônio, cultura nacional, e, naturalmente, de direito autoral. Ela é transmitida como um atrativo, uma isca, um índice ou uma lembrança do seu velho “eu". Ela zomba da promissora tecnologia digital. Sendo frequentemente degradada a ponto de parecer um borrão indistinguível, há quem duvide se tratar de uma “imagem” em alguma instância. Até mesmo porque apenas a tecnologia digital poderia produzir uma imagem degenerada a este ponto. Imagens pobres são a versão contemporânea dos “Condenados da tela” (“Wretched on the screen”, coletânea de ensaios de Hito Steyerl publicada pela E-flux journal 2012), os escombros da produção audiovisual, lixo que aporta às praias da economia digital. Testemunham Testemunham violentos deslocamentos, transferências e despejos de imagens - sua aceleração e circulação se encontram e ncontram nos viciosos ciclos do capitalismo audiovisual. Imagens pobres são arrastadas ao redor do globo como commodities ou as efígies destes, como presentes ou recompensas. Sua chegada desperta prazeres e ameaças de morte, teorias de conspiração e pirataria, resistência e entorpecimento. Imagens pobres exibem o raro, o óbvio e o inacreditável - isto é, se ainda for possível decifrá-las. 1- Baixas Resoluções Um filme de Woody Woody Allen retrata um personagem principal fora de foco. Não se trata de um problema técnico, mas de uma espécie de moléstia que recai sobre ele: sua
imagem está constantemente embaçada. Como o personagem do filme de Allen é um ator, esse transtorno implica num problema maior: ele é incapaz de encontrar um emprego. A falta de definição do personagem se torna um problema material. Estar em foco é identificado como uma posição social, posição essa de privilégio e facilidades, enquanto estar fora de foco rebaixa o valor de alguém enquanto imagem. Embora a hierarquia contemporânea das imagens também seja baseada em nitidez, ela é predominantemente organizada em termos de resolução. É só observar qualquer loja de eletrônicos que este sistema, descrito por Harun Farocki em uma notável entrevista em 2007, se torna imediatamente aparente. Na sociedade de classes das imagens, o cinema representa uma flagship store. Em lojas do tipo “flagship", produtos de luxo são divulgados em um patamar diferente, num contexto de sofisticação. Imagens mais acessíveis derivadas das cinematográficas circulam em dvds, circuitos televisivos ou na internet como imagens pobres. É óbvio que uma imagem de alta resolução pareça mais brilhante e impressionante, mais mimética e mágica, mais assustadora e sedutora do que uma de baixa resolução. É mais rica, por assim dizer. Hoje, mesmo os formatos destinados ao consumidor são adaptados ao gosto de cineastas e estetas, que aferraram-se à bitola de 35mm como garantia de uma visualidade imaculada. A insistência na defesa da película analógica como o único médium de importância visual ressoa continuamente através dos discursos do cinema, à despeito da inflexão ideológica. Nunca importou que estas economias cinematográficas de alto padrão fossem (e ainda sejam) firmemente ancoradas em sistemas de cultura nacionalista, produções de “grandes” estúdios capitalistas, culto da versão original e de gênios predominantemente masculinos e que, desta maneira, sejam conservadoras estruturalmente. A resolução alta foi fetichizada a ponto de sua falta corresponder à castração do autor. O culto ao formato da película dominou até mesmo a produção de filmes independentes. A imagem rica estabeleceu seu próprio cenário hierárquico, lidando com novas tecnologias que oferecem cada vez mais possibilidades de degradá-la criativamente. 2. Ressuscitar (como Imagem Pobre) No entanto, a fixação por imagens ricas teve consequências mais sérias. Um palestrante em uma conferência recente sobre filme-ensaio se recusou a mostrar trechos de um obra de Humphrey Jennings por não haver nenhuma boa projeção em película analógica disponível. Apesar de um projetor e uma cópia em DVD em perfeito estado estarem à disposição do palestrante, foi deixado ao público imaginar por conta própria como seriam aquelas imagens. Neste caso, a invisibilidade das imagens foi um tanto voluntária e baseada em premissas estéticas. Existe, porém, um equivalente à situação muito mais comum que ocorre como consequência de políticas neoliberais. Há vinte ou trinta anos, a reestruturação da produção midiática começou lentamente a empurrar imagens não comerciais para a obscuridade ao ponto do cinema experimental e ensaístico terem se tornado praticamente invisíveis. Como se fizeram extremamente dispendiosas para
continuarem circulando nos cinemas, estas produções foram consideradas também muito marginais para o circuito televisivo. Assim, foram desaparecendo devagar não apenas dos cinemas, como também da esfera pública. Filmes-ensaio e experimentais persistem em sua maioria não vistos a não ser por poucas exibições em cinematecas metropolitanas ou cineclubes, projetados em suas resoluções originais antes de serem entocados novamente na escuridão de arquivos. É claro que esta sucessão de acontecimentos está ligada à radicalização do conceito de cultura como commodity no neoliberalismo, à comercialização do cinema, sua dispersão em salas de multiplex, e a marginalização do cinema independente. Bem como à reestruturação da indústria de mídias globais e o estabelecimento de monopólios sobre o audiovisual de certos países e territórios. Desta forma, materiais visuais não conformistas ou resistentes se deslocaram da superfície para um underground de arquivos e coleções, apenas mantidos vivos pelo comprometimento de organizações em rede e indivíduos, transitando entre eles na forma de cópias piratas em VHS. Fontes para encontrar estes materiais eram extremamente raras fitas passavam por diferentes mãos dependendo apenas do boca a boca em círculos de amigos e afins. Com o surgimento da transmissão de vídeos online, esta situação começou a se modificar dramaticamente. Um número crescente de produções raras reapareceu na esfera pública através de plataformas acessíveis, algumas cuidadosamente curadas (Ubuweb), outros apenas um empilhamento de coisas (Youtube). Atualmente, existem pelo menos vinte torrents disponíveis na internet dos filmesensaio de Chris Marker. Se você quiser uma retrospectiva, eis a sua oportunidade. Contudo, a economia das imagens pobres vai além do simples download: você pode guardar arquivos, revê-los, até mesmo reeditá-los e aprimorá-los se julgar necessário. E os resultados circulam. Vídeos AVI em baixa definição de obras primas não muito lembradas são trocados em plataformas P2P semi-secretas. Filmagens de celular clandestinas saem de museus diretamente para o Youtube no intuito de serem difundidas. Dvds de divulgação do trabalho de artistas são negociados à surdina. A grande parte da produção ensaística, avant-guard e de cinema não comercial ressuscitou na forma de imagens pobres. Quer elas gostem ou não. 3, Privatização e Pirataria Que películas raras de produções de resistência, experimentais e clássicas, tanto do cinema quanto da videoarte, reapareçam como imagens pobres é significativo a outro nível. As situações nas quais se encontram revelam mais do que seu conteúdo ou da aparência mesma destas imagens: é revelado seu estado de marginalização, a constelação de forças sociais que as conduz à circulação como imagens pobres. Imagens pobres são pobres pois não lhes foi concedido qualquer valor dentro da sociedade de classes das imagens - o status de ilegalidade e degradação concede a elas isenção dessa categorização. Sua falta de resolução é o atestado do seu desalojamento e apropriação.
Obviamente, esta condição não é conectada apenas à reestruturação da produção midiática e à tecnologia digital; ela também se relaciona com a reestruturação pós colonial e pós-socialismo de estados nações, bem como de suas culturas e seus arquivos. Ao passo que alguns estados foram desmantelados ou ruíram, novas culturas e tradições foram inventadas e novas histórias criadas. Isso naturalmente afetou arquivos cinematográficos - em muitos casos, todo um legado de cópias em película é destituído de seu posto de cultura nacional juntamente com a estrutura de apoio que o mantinha. Como pude observar no caso de um museu de cinema em Sarajevo, um arquivo nacional pode reencarnar na forma de uma locadora de filmes. Cópias piratas são contrabandeadas de arquivos como esse durante processos desorganizados de privatização. Ainda assim, até mesmo a Biblioteca Britânica vende conteúdo na internet a preços astronômicos. Kodwo Eshun constatou uma vez que a circulação de imagens pobres advém em parte do vazio deixado por organizações governamentais de cinema que consideraram muito complicado trabalhar como arquivos de películas de 16-35mm ou manter uma infraestrutura de distribuição na era contemporânea. Por essa perspectiva, a imagem pobre revela o declínio e degradação do filme-ensaio, ou de qualquer outro cinema experimental e não comercial, que em muitos lugares só foi possível em virtude da produção de cultura ser considerada uma questão do governo. A privatização da produção midiática se tornou gradualmente mais importante em relação à produção midiática controlada ou patrocinada pelo governo. Por outro lado, o aumento galopante da privatização de conteúdo intelectual associado ao crescimento de um mercado online e à comoditização possibilitaram a pirataria e a apropriação; esta conjuntura foi responsável por colocar a circulação de imagens pobres no horizonte. 4. Cinema imperfeito A emergência das imagens pobres faz recordar um manifesto clássico do Terceiro Cinema, “Por un cine imperfecto", de Juan García Espinosa, escrito em Cuba no final dos anos sessenta. Espinosa defende um cinema imperfeito, pois, em suas palavras, “um cinema perfeito - técnica e artisticamente bem sucedido - é quase sempre um cinema reacionário”. O cinema imperfeito é aquele que se empenha em superar as divisões de trabalho na sociedade de classes. Ele funde arte, vida e ciência, borrando as fronteiras entre consumidor e produtor, público e autor. Este cinema insiste em sua própria imperfeição, é popular sem ser adepto dos valores consumistas, dedicado sem se tornar burocrático. Em seu manifesto, Espinosa também reflete sobre as promessas da nova mídia. Ele visivelmente prevê que o desenvolvimento da tecnologia de filmagem colocará em cheque a posição elitista dos cineastas tradicionais e permitirá certa produção de cinema de massa: uma arte do povo. Como na economia das imagens pobres, o cinema imperfeito diminui as distinções entre autor e público e funde arte e vida. Acima de tudo, sua visualidade é decididamente comprometida: desfocada, amadora e cheia de anomalias visuais.
De algum modo, a economia das imagens pobres corresponde à descrição do cinema imperfeito, enquanto a descrição do cinema perfeito representa melhor o conceito de cinema como uma flagship store. Entretanto, o verdadeiro cinema imperfeito contemporâneo é ainda mais ambivalente e afetivo do que Espinosa pôde antecipar. É possível afirmar que a economia das imagens pobres, com sua viabilidade imediata de distribuição em escala global e sua ética do remix e da apropriação, possibilita uma gama muito maior de criadores do que jamais foi visto antes. Isso não significa, porém, que essas aberturas são apenas usadas para fins progressistas. Discurso de ódio, spam e outros disparates também encontram espaços através das conexões digitais. A comunicação digital se transformou em um dos mercados mais disputados que existem - espaço este que há muito é submetido a uma acumulação inicial contínua e bombardeado de tentativas (até certo ponto, bem sucedidas) de privatização. Assim, redes pelas quais imagens pobres circulam constituem tanto uma plataforma para um frágil e novo interesse comum, como um campo de guerra para os interesses comerciais e nacionais. Nelas não há apenas conteúdo experimental e artístico, como também incríveis quantidades de pornografia e paranóia. Na mesma proporção em que permite acesso às imagens renegadas, o território das imagens pobres também dá espaço às mais avançadas estratégias de comoditização. Ao mesmo tempo em que torna possível a participação ativa dos usuários, também os maneja num modo de produção. Usuários se tornam editores, críticos, tradutores e (co-)autores de imagens pobres. Imagens pobres são, desta forma, imagens populares - imagens que podem ser criadas e vistas pela maioria. Elas expressam contradições da multidão contemporânea: o seu oportunismo, narcisismo, desejo pela autonomia e criação, incapacidade de focar ou de tomar decisões, sua constante disponibilidade para transgredir e simultânea submissão. Ao todo, imagens pobres expõem um snapshot da condição afetiva do coletivo, as neuroses, paranóias e medos sentidos, assim como a sede por intensidade, diversão e distração. A condição das imagens fala não só das inúmeras transferências e reformatações, mas também das inúmeras pessoas que se importaram com elas a ponto de convertê-las repetidamente, para adicionar legendas, reeditá-las ou baixá-las. Sob esta luz, talvez seja necessário redefinir o valor da imagem, ou, mais precisamente, criar uma nova perspectiva para ela. Além da resolução e do valor de troca, pode-se imaginar outra forma de valoração determinada pela velocidade, intensidade e disseminação. Imagens pobres são pobres porque são severamente compactadas e se deslocam rapidamente. Perdem matéria e ganham rapidez. Mas expressam também uma condição de desmaterialização, partilhada não apenas com o legado da arte conceitual, mas acima de tudo com os modos contemporâneos da produção semiótica. A virada semiótica do capital, como descrita por Felix Guattari, vem em prol da criação e disseminação de pacotes de dados compactados e flexíveis que possam ser integrados em combinações e sequências mais novas a cada vez.
Este achatamento do conteúdo visual - o conceito em devir das imagens - as posiciona no âmbito da virada informacional geral, entre economias do conhecimento que arrancam imagens e suas legendas de seus contextos para um redemoinho de desterritorialização capitalista. A história da Arte Conceitual descreve a desmaterialização do objeto artístico no princípio como um gesto de resistência ao valor fetichista da visibilidade. Todavia, o objeto artístico desmaterializado se mostra enfim perfeitamente adaptável à semiotização do capital, e, portanto, à virada conceitual do capitalismo. De certo modo, a imagem pobre é sujeito para uma tensão semelhante. Por um lado, ela opera em contraponto com o valor fetichista da alta resolução. Por outro, é precisamente por este motivo que ela acaba perfeitamente integrada a um capitalismo informacional próspero em défices de atenção, impressões ao invés de imersões, intensidade ao invés de contemplação, previews ao invés de exibições completas. 5. Qual é o seu vínculo visual hoje, companheiro? Contudo, simultaneamente a isso ocorre uma reviravolta paradoxal. A circulação de imagens pobres cria um circuito, o qual realiza as aspirações originais do cinema militante e de parte do cinema ensaístico e experimental: criar uma economia de imagens alternativa, um cinema imperfeito que exista tanto incorporado quanto para além e abaixo do fluxo midiático comercial. Na era do compartilhamento de arquivos, até o conteúdo marginalizado circula novamente, reconectando públicos espalhados ao redor do mundo. A imagem pobre constrói, desta forma, redes anônimas mundiais, assim como formula uma história comum, partilhada. Ela estabelece alianças por onde passa, acarreta traduções e equívocos, e gera novos públicos e debates. Ao perder substância visual, ela recupera parte de sua veia política e reinventa uma aura ao redor de si. Esta aura não é mais aquela baseada na permanência de um original, mas na transitoriedade da cópia. Não mais se ancora numa esfera pública clássica, mediada e apoiada pelo cenário corporativo ou pela estrutura de um estado nacional, mas flutua numa superfície de bolsões de dados incertos e temporários. Ao se afastar dos depósitos cinematográficos, ela é impelida às telas novas e efêmeras suturadas umas às outras pelas vontades dos expectadores esparsos. A circulação de imagens pobres cria, assim, o que Dziga Vertov denominou “vínculos visuais”. Este “vínculo visual”, de acordo com Vertov, deveria se tornar um elo entre os trabalhadores ao redor do mundo. Ele imaginou uma espécie de linguagem visual comunista adâmica, que não só informaria ou serviria de entretenimento, como também organizaria seus espectadores. De certo modo, seu sonho foi realizado, sobretudo se considerarmos ainda que isso ocorreu sob o jugo de um capitalismo informacional globalizado, cujas audiências são conectadas de uma forma quase material por excitação mútua, sintonia afetiva e ansiedade generalizada. Mas existe, também, toda uma circulação e produção de imagens pobres fundamentada por câmeras de celular, computadores pessoais e formas de distribuição não convencional. As conexões óticas de tais formas de distribuição edição colaborativa, compartilhamento de arquivos e círculos de distribuição em
comunidade -revelam links erráticos e coincidentes entre produtores de todos os cantos, que simultaneamente constituem audiências esparsas. A circulação de imagens pobres serve de subsídio tanto para a linha de produção da mídia capitalista quanto para as economias alternativas do audiovisual. Junto a toda confusão e entorpecimento, eventualmente ela também gera movimentos disruptivos de pensamento e afetos. A circulação da imagem pobre inicia assim um novo capítulo na genealogia histórica dos circuitos não conformistas de informação: os “vínculos visuais” de Vertov, a pedagogia internacionalista dos trabalhadores descrita por Peter Weiss em “Estética da Resistência”, os circuitos do Terceiro Cinema e o Tricontinentalismo, de cinema e pensamento contestador. A imagem pobre - por mais ambivalente que seu status possa ser - tem seu lugar, então, na mesma genealogia dos panfletos mimeografados, dos cine-trens (comboios com sala de projeção de filmes da propaganda soviética), revistas de cinema underground e outras produções de cunho não-conformista, que com frequência estavam carregados da estética de materiais baratos. Inclusive, ela reatualiza muitas ideias históricas associadas a esses circuitos, entre elas os “vínculos visuais” concebidos por Vertov. Imagine que uma pessoa vinda do passado, vestindo uma boina soviética, pergunta a você: Qual é o seu vínculo visual hoje, companheiro? Você poderia responder: é este link para o presente. 6. Agora A imagem pobre incorpora a sobrevida de muitas obras primas do passado da videoarte e do cinema. Ela foi expulsa do refúgio paradisíaco que dizem ter sido o cinema um dia. Depois de serem chutadas desta área protegida, e por vezes protecionista, da cultura nacional, e recusadas pela circulação comercial, estas obras se tornaram viajantes numa terra-de-ninguém digital, constantemente transmutando sua resolução e formato, velocidade e mídia, às vezes até perdendo nomes e créditos no caminho. Agora, muitos destes trabalhos estão de volta - como imagens pobres, é verdade. Alguém poderia argumentar que não se trata de algo autêntico e real, mas, se for assim - por favor, quem quer seja - mostre-me esse “algo autêntico e real”. Com a imagem pobre, não há mais uma questão de autenticidade - o real original dos originais. Ao invés disso, há a questão das condições reais de existência desta imagem: de circulação viral, dispersão digital, temporalidades fraturadas e flexíveis. É uma questão tanto de insubordinação e apropriação quanto de conformismo e exploração. Resumindo: é uma questão de realidade. x
Hito Steyerl é uma cineasta e escritora. Leciona New Media Arte na Universidade de Artes de Berlim e algumas mostras e exposição de que participou recentemente incluem Documenta 12, Bienal de Xangai e o Festival Internacional de Cinema de Rotterdam. Texto publicado originalmente na plataforma e-flux - 2009 Tradução por Mariana Paraizo, revisão de Clara Rosan (2018)
View more...
Comments