Ecologia e Comportamento de Aranhas.pdf

October 5, 2017 | Author: Alan Demarcos | Category: Biodiversity, Conservation Biology, Taxonomy (Biology), Ecology, Spider
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DIVERSIDADE DE ARANHAS: SISTEMÁTICA, ECOLOGIA E INVENTÁRIOS DE FAUNA

ADALBERTO J. SANTOS & ANTONIO D. BRESCOVIT

Este capítulo trata de tópicos ligados a áreas como taxonomia, ecologia, história natural e biogeografia, sempre voltado a um parâmetro: a riqueza em espécies. À primeira vista, a determinação do número de espécies presentes em um determinado local pode parecer trivial. Entretanto, como será discutido abaixo, determinar, ou mesmo estimar, a riqueza em espécies de um grupo pode constituir uma tarefa bastante complexa, influenciada por fatores como a escolha de métodos de coleta (Longino & Colwell 1997), medidas de esforço amostral (Gotelli & Colwell 2001) e de métodos de análise de dados (Colwell & Coddington 1994). Apesar de todas essas dificuldades, a simples contagem de espécies é de extrema importância para várias áreas da biologia. A riqueza em espécies é freqüentemente foco de importantes questões em áreas como macroecologia (Brown 1995) e biogeografia (Willig et al. 2003), assim como tem importância prática para definição de estratégias de conservação (Kress et al. 1998). No último caso, a definição de áreas prioritárias para estabelecimento de unidades de conservação, bem como a avaliação da efetividade destas, envolve em especial a determinação de uma variante da riqueza em espécies, o grau de endemismo de áreas ou ecossistemas (e.g. Gentry 1992). O esforço dedicado por cientistas ao estudo da biodiversidade nunca foi distribuído de forma proporcional entre regiões do planeta e, principalmente, entre grupos taxonômicos (France & Rigg 1998). Dentre os animais, por exemplo, grupos carismáticos como mamíferos e aves são relativamente bem conhecidos, não só por representarem uma fração pequena da diversidade total

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do planeta, mas também porque sempre atraíram mais atenção de pesquisadores. Em contrapartida, grupos não tão populares, principalmente invertebrados, recebem menos atenção dos cientistas do que deveriam, considerando que englobam mais de 99% da diversidade animal do planeta (Gaston & May 1992, Wilson 1997). Conseqüentemente, grande parte das bases teóricas do estudo da biodiversidade, bem como a imensa maioria dos projetos de conservação, baseiam-se em estudos de grupos populares (e.g. Myers et al. 2000). Seria desejável que se dedicasse maior esforço de pesquisa a invertebrados, especialmente porque as hipóteses e medidas de conservação desenvolvidas com base em alguns grupos taxonômicos não se aplicam necessariamente a todos (Lawton et al. 1998, Platnick 1992, Kotze & Samways 1999). Pretendemos aqui discorrer sobre a diversidade de um grupo megadiverso e relativamente pouco conhecido: as aranhas. Talvez por sua abundância e facilidade de amostragem, além de uma alta diversidade (mas não tão alta que impossibilite inventários rápidos), as aranhas têm sido alvo de vários estudos de biodiversidade. Alguns destes estudos foram importantes no desenvolvimento de princípios e protocolos para inventários de fauna (Coddington et al. 1991). Entretanto, antes que a riqueza mundial em espécies de aranhas seja abordada a partir da temática deste livro, a ecologia e áreas correlatas, ela será brevemente analisada do ponto de vista taxonômico. Não poderia ser diferente, já que a sistemática é a base para qualquer discussão ligada à biodiversidade (e.g. Cotterill 1995), e é essencial para que se construa uma idéia, ainda que preliminar, de quanto trabalho seria necessário para conhecer melhor este grupo.

Sistemática e diversidade de aranhas A sistemática de aranhas começou no século XVIII, quando Clerck (1757) descreveu 70 espécies para a Suécia. Em 1955 aproximadamente 28.000 espécies já eram conhecidas (Platnick 1999). Este número aumentou consideravelmente nos últimos cinqüenta anos. Até janeiro de 2005 a literatura aracnológica incluía 38.834 espécies de aranhas em 3.593 gêneros e 110 famílias (Platnick 2005), e ninguém duvida que ainda existam muitas espécies por descrever. Baseando-se no ritmo de

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descoberta de novas espécies durante a segunda metade do século XX, estima-se que existam entre 60.000 e 170.000 espécies de aranhas no mundo (Coddington & Levi 1991, Platnick 1999). Se estas estimativas estiverem corretas, significa que ainda há muito trabalho a ser feito pelos sistematas. Segundo Platnick (1999), mantendo-se o ritmo atual de descrição de espécies novas e de sinonímias de espécies já conhecidas, caso existam “apenas” 90.000 espécies de aranhas, todas estarão devidamente descritas no ano 2250. Como acontece com a maioria dos grupos animais, a riqueza em espécies de aranhas, assim como seu conhecimento taxonômico, não estão distribuídos de maneira uniforme pelo planeta. Por uma combinação de motivos biogeográficos e históricos, as regiões tropicais e temperadas austrais apresentam maior diversidade de aranhas e são menos estudadas (Platnick 1991, Alderweireldt & Jocqué 1994). Se por um lado o Japão e a Europa ocidental, especialmente a Inglaterra, têm suas araneofaunas descritas quase em sua totalidade (Coddington & Levi 1991), estima-se, por exemplo, que apenas 20% da fauna australiana tenha sido descrita (Raven 1988). Para a região neotropical o estado de conhecimento da fauna de aranhas é tão incipiente que mesmo estimar a proporção de espécies ainda desconhecidas parece extremamente difícil. Até o início do século XXI, 11.295 espécies de aranhas (29,9% das espécies descritas em todo o mundo) eram conhecidas para esta região biogeográfica (Brescovit & Francesconi, em preparação), mas certamente há muitas ainda por serem descritas. Por exemplo, em uma revisão do gênero Alpaida (Araneidae), Levi (1988) descreveu 134 espécies, sendo 94 (70,1%) desconhecidas até então. Este caso é especialmente marcante por se tratar de um grupo de aranhas de médio porte e que constróem teias orbiculares, relativamente conspícuas, em hábitats facilmente acessíveis para coletores, como a vegetação arbustiva. Seria esperado que o conhecimento de grupos de pequeno porte e que ocorrem em hábitats não tão explorados, como a serapilheira de florestas tropicais, fosse ainda mais incipiente. Isto foi observado por Forster & Platnick (1985) em uma revisão da família Orsolobidae, em que foram descritas 29 espécies novas para a América do Sul, em um grupo que

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contava originalmente com apenas 3 espécies. Mesmo com esta revisão, espécies novas foram descobertas recentemente neste grupo (Platnick & Brescovit 1994, Brescovit et al. 2004). Se alguns grupos parecem conter altas proporções de espécies não descritas, outros aparentam ser não só totalmente conhecidos, como apresentam alta freqüência de espécies descritas mais de uma vez na literatura. Por exemplo, em sua revisão de Alpaida, Levi (1988) considerou 25 nomes específicos como sinônimos. Vários fatores explicam porque um determinado autor descreve como nova uma espécie já conhecida: escassez de material para estudo, dimorfismo sexual acentuado (já que muitas espécies são conhecidas apenas por um dos sexos), dificuldades para obtenção de material-tipo e literatura especializada, discordância entre autores quanto a interpretações de variação morfológica e erros metodológicos (espécies baseadas em indivíduos imaturos, ilustrações inadequadas ou inexistentes, descrições inacuradas, etc.). Problemas como estes foram muito comuns até meados do século XX, mas têm se tornado menos acentuados nos últimos anos. Entretanto, isto não muda o fato de que, além de descrever as inúmeras espécies ainda desconhecidas pela ciência, os sistematas têm que revisar aquelas descritas nos últimos 250 anos, a fim de corrigir erros do passado (Gaston & Mound 1993). Os resultados destes estudos podem ser marcantes, considerando-se que em alguns gêneros o número de espécies válidas pode cair após revisões taxonômicas (e.g. Santos & Brescovit 2001, 2003). Por que existem tantas espécies de aranhas nos neotrópicos? Em primeiro lugar porque se trata de uma porção extensa do planeta, e sabe-se bem que a riqueza em espécies, de qualquer grupo taxonômico, é em geral correlacionada com a extensão da área amostrada (McArthur & Wilson 1967, Kuntner & Šereg 2002). Vários outros fatores poderiam explicar a alta diversidade de aranhas neotropicais, embora nenhuma análise abrangente tenha sido publicada até o momento. Por exemplo, a América do Sul apresenta alta diversidade fisionômica, com formações vegetais que variam desde desertos até extensas florestas tropicais (Olson et al. 2001). Além disto, o subcontinente apresenta grande variação altitudinal, desde o nível do mar até mais de 4.000 metros de altitude, e latitudinal, abrangendo desde os trópicos até áreas temperadas. Estes fatores influenciam

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a diversidade biológica, já que áreas próximas ao equador são muito ricas em espécies (Willig et al. 2003, Hillebrand 2004). Além disto, há evidências de que as zonas temperadas austrais são mais diversas que o seu equivalente boreal (Platnick 1991). O conjunto de todos estes fatores pode explicar porque existem tantas espécies de aranhas nos neotrópicos, assim como possíveis variações de riqueza entre diferentes partes do continente. Embora não existam estudos de larga escala com aranhas nesta região, ou outros grupos de invertebrados, a afirmativa acima foi corroborada com outros grupos taxonômicos. Por exemplo, Bini et al (2004) demonstraram através de análise multivariada que variações de riqueza em espécies de aves na América do Sul podem ser explicadas por variações climáticas, altitudinais e fitofisionômicas. A fauna de aranhas da região neotropical é pouco conhecida devido a uma perversa combinação de alta diversidade, pouca tradição em pesquisa científica e escassez de recursos. Este efeito é mais intenso para a América do Sul, já que historicamente a América Central tem recebido um pouco mais de atenção de sistematas de países do primeiro mundo (Nentwig et al. 1993). A araneofauna da América do Sul começou a ser estudada no século XIX, predominantemente por pesquisadores europeus (Levi 1964). A partir de meados do século XX, a contribuição de autores nativos aumentou significativamente, embora pesquisadores estrangeiros, em especial dos EUA, ainda sejam responsáveis por pelo menos metade dos estudos publicados (Brescovit & Francesconi, em preparação). Ocorre com as aranhas o que já foi descrito para a sistemática biológica como um todo: os países com maior biodiversidade são, em geral, pobres e menos preparados para estudá-la (Cracraft 1995, Hawksworth 1995). O melhor exemplo da situação descrita acima são as coleções aracnológicas locais. Coleções biológicas são essenciais para o estudo da biodiversidade, não apenas porque constituem a base para o trabalho em sistemática, mas também por serem importantes fontes de dados sobre distribuição geográfica das espécies (Graham et al. 2004). As mais importantes coleções de aranhas do mundo estão nos EUA, sendo que as três maiores reúnem mais de 2 milhões de espécimes, muitos dos neotrópicos (Coddington et al. 1990). As coleções da América do Sul detêm apenas uma

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pequena fração disto. Para o Brasil, Brescovit (1999) contabilizou pouco menos de 100.000 lotes em 13 coleções. Embora estes valores sugiram uma grande abundância de material, persistem ainda grandes falhas de coleta entre regiões do país, como será comentado abaixo. Apesar disto, pode-se considerar o Brasil como privilegiado neste quesito, já que outros países neotropicais apresentam significativamente menos material em coleções (e.g. Jiménez 1996). À escassez de material pode-se somar dois problemas adicionais: a maioria das coleções não apresenta catálogos informatizados de seu acervo e, certamente, grande parte do material não se encontra adequadamente identificado. Estes problemas efetivamente dificultam o uso destas coleções como fontes de dados para estudos de biodiversidade (Graham et al. 2004). Além da escassez de material, as coleções de aranhas da América do Sul sofrem de um extremo viés de amostragem, de modo que algumas partes do sub-continente são muito melhor representadas que outras, freqüentemente extensas e potencialmente mais ricas em espécies. Como exemplo, tome-se a revisão do gênero Aglaoctenus (Lycosidae), de Santos e Brescovit (2001). Este gênero ocorre em toda a América do Sul, exceto na maior parte da região temperada austral (Fig. 1.1). Para o Brasil, foram examinadas todas as grandes coleções de aranhas, de modo que é possível ter uma idéia do quanto cada região do país é bem representada. A Fig. 1.1 mostra que as regiões político-administrativas do país não são representadas nestas coleções de acordo com sua área. Regiões extensas como a Norte, que engloba a maior parte da Amazônia brasileira, são relativamente pouco amostradas considerando-se sua extensão. Por outro lado, as regiões Sul e Sudeste, justamente as mais desenvolvidas economicamente (responsáveis por 75,3% do PIB brasileiro) e onde encontram-se as coleções mais importantes (Brescovit 1999), foram intensivamente amostradas. Obviamente seria desejável que todas as partes do país fossem melhor amostradas, mas seria igualmente importante que regiões tradicionalmente pouco conhecidas recebessem mais expedições de coleta. Ampliar as coleções biológicas disponíveis no país implica necessariamente na realização de inventários de biodiversidade, envolvendo expedições com o objetivo de coletar grandes quantidades de espécimes de localidades pouco conhecidas. A

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contribuição destas expedições pode ir além da aquisição de material para coleções biológicas. Se implementados de forma adequada, inventários de biodiversidade podem gerar dados de grande interesse para o estudo de padrões de diversidade entre ecossistemas, e mesmo para aplicações práticas, como monitoramento ambiental e definição de estratégias de conservação (Kremen et al. 1993). Este é o assunto do próximo tópico.

Inventários de diversidade de aranhas Para iniciar este tópico é importante definir o que se entende como um inventário de biodiversidade. Isto porque biólogos empreendem expedições para coleta de espécimes por diferentes razões, nem sempre compatíveis com o objetivo de mensurar a diversidade de um grupo taxonômico. Da mesma forma, o termo inventário pode também ser aplicado a compilações baseadas em dados publicados, o que freqüentemente se resume a listas de espécies descritas ou conhecidas para determinada região (e.g. Jiménez 1996). Entende-se aqui como inventário de diversidade a aplicação de um ou mais métodos de coleta em um determinado local, por um determinado período de tempo, a fim de amostrar o máximo possível de espécies de um grupo taxonômico. O material resultante destas coletas é examinado, no campo ou laboratório, e separado em grupos menores que servem como unidades de medidas de diversidade. Na maioria dos estudos publicados esta unidade é a espécie, mas grupos supraespecíficos também podem ser utilizados. Tradicionalmente, inventários de biodiversidade são empreendidos por dois grupos de biólogos: sistematas e ecólogos. Especialistas em sistemática foram os primeiros a se interessar por estudos deste tipo, pela própria natureza de sua disciplina. O principal motivo que leva um sistemata a sair do laboratório e partir em expedições de coleta é a obtenção de material para estudo, já que, como exposto acima, as coleções biológicas nem sempre fornecem uma amostra completa da composição e distribuição de todos os grupos taxonômicos. Adicione-se a isto o crescimento, desde as últimas décadas do século XX, do uso de métodos de análise de dados moleculares, que demandam material fixado com técnicas específicas (Prendini et al. 2002). Em geral coletas deste

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tipo são extremamente seletivas, focadas nos grupos de interesse do coletor, e por isto não se qualificam como inventários, tal como definido aqui. Por outro lado, sempre foi comum entre sistematas um interesse pela riqueza em espécies de determinados grupos em determinados locais, o que se traduz em expedições de coleta dirigidas a produzir listas de espécies (e.g. Mello-Leitão 1923). A desvantagem destes estudos é que raramente são utilizados desenhos amostrais que permitam medidas de esforço de coleta, o que é essencial para a comparação de resultados. Em muitos casos, os métodos de coleta empregados sequer são claramente descritos. Ecólogos também mostram grande interesse por inventários de diversidade, especialmente para estudar padrões de riqueza em espécies. Entretanto, diferente de seus colegas sistematas, ecólogos em geral implementam estudos com desenhos amostrais cuidadosamente planejados a fim de permitir análises estatísticas dos resultados. O problema é que nem sempre eles conhecem seus grupos de estudo tão bem, e freqüentemente têm que recorrer a especialistas para determinação do material coletado. A experiência acumulada na literatura nos últimos anos demonstra que inventários de biodiversidade requerem a participação tanto de sistematas quanto de ecólogos, ou pelo menos de profissionais com treinamento elementar em ambas disciplinas (Longino 1994). O trabalho conjunto destes profissionais requer a superação de vários preconceitos e falhas de comunicação, e pode ser extremamente proveitoso para responder questões de interesse comum (Gotelli 2004). Com base neste princípio, foram desenvolvidos protocolos para inventários de aranhas que combinam o melhor dos dois mundos: a eficiência de inventários tradicionais com desenhos amostrais reproduzíveis e que geram resultados estatisticamente analisáveis. Exemplos de inventários apresentando tais características são apresentados na Tab. 1.1, que inclui apenas estudos que apresentam o número de indivíduos, espécies e famílias coletadas, descrições claras dos métodos de coleta empregados, e que se baseiam apenas em indivíduos adultos. Este último critério é especialmente importante, já que a separação de aranhas em espécies baseia-se em caracteres das genitálias, presentes apenas nos adultos.

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Existem muitos outros inventários de aranhas publicados, e certamente vários em execução, mas os estudos listados na Tab. 1.1 reúnem uma série de características que os tornam especialmente interessantes para análises comparativas. Estas características serão discutidas a seguir.

Esforço amostral e protocolos de coleta O principal problema com muitos inventários de biodiversidade disponíveis na literatura, não apenas com aranhas, é que raramente o esforço de coleta é apresentado claramente, e em alguns casos ele sequer é mensurado. A gravidade deste problema pode ser avaliada na Fig. 1.2, que é baseada nos inventários listados na Tab. 1.1. Esta figura mostra que o número de espécies de aranhas observado em um inventário é correlacionado com o número de indivíduos coletados. Em outras palavras, quanto mais indivíduos se coleta, mais espécies são obtidas. Uma vez que o número de indivíduos coletados é diretamente dependente do quanto se coleta (por quantas horas, por quantas pessoas ou com quantas armadilhas), fica clara a importância deste parâmetro para que diferentes estudos sejam comparáveis. Apresentar medidas de esforço amostral em inventários pode ser bastante complicado, uma vez que isto depende dos métodos de coleta empregados. Uma medida simples, e amplamente aplicável, é o número de indivíduos coletados. Esta medida é possivelmente a única diretamente comparável entre métodos diferentes e é intuitivamente rica em significados biológicos (veja “curvas de acumulação de espécies”). Por outro lado, análises mais complexas podem demandar desenhos amostrais mais detalhados, com a definição de réplicas estatisticamente analisáveis. Neste caso, é necessário que o esforço amostral seja dividido em unidades de tamanho padronizado, o que pode ser feito de várias formas, dependendo de cada método de coleta. É importante, portanto, que se entenda como funcionam os métodos de coleta, antes de organizar seu uso de modo a gerar réplicas com valor estatístico. Antes de apresentar alguns exemplos de como este problema tem sido

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abordado na literatura, será discutido porque a escolha dos métodos de coleta é tão importante no planejamento de um inventário de biodiversidade. Aranhas podem ser coletadas por muitos métodos, que variam tanto no grau de dificuldade quanto em seu custo de implementação e rendimento em quantidade de espécimes obtidos. Infelizmente ainda não foi publicado um manual abrangente destes métodos para aracnídeos, embora existam manuais gerais, como Southwood (1978), e outros específicos para determinados grupos taxonômicos (como formigas, Agosti et al. 2000); também aplicáveis para aranhas. Esta alta diversidade de métodos está ligada ao fato de aranhas ocuparem uma imensa variedade de hábitats, incluindo desde o solo e a vegetação arbustiva (Pfeiffer 1996a, 1996b, Nentwig et al. 1993, Silva 1996) até as copas das árvores (Höfer et al. 1994, Russel-Smith & Stork 1994, 1995, Sørensen 2004). Além disto, elas variam bastante quanto a seus hábitos de vida, desde espécies errantes, que caçam ativamente, até espécies sedentárias, que ocupam abrigos ou teias, onde esperam por suas presas (Foelix 1996). Logo, existem vários métodos para extrair aranhas de seus microhábitats e, como seria esperado, cada método pode ser mais ou menos eficiente para um ou mais grupo(s) ou guilda(s). Isto foi demonstrado por Churchill (1993) em um inventário na Austrália. Aranhas ativas de solo, como Lycosidae e Zoridae, foram coletadas de forma mais eficiente por armadilhas tipo pitfall. Por outro lado, aranhas que ocupavam a folhagem de arbustos, como Thomisidae e Salticidae, foram melhor amostradas por redes de varredura ou coleta manual. Além disto, mesmo quando dois métodos permitem capturar as mesmas espécies, eles podem diferir quanto à abundância relativa de cada uma, de modo que uma espécie pode ser coletada abundantemente por um método, mas aparentar ser extremamente rara por outro (Costello & Daane 1997). Resultados como estes têm duas implicações para inventários que combinam métodos: (i) a similaridade entre os métodos, ou seja, o número de espécies coletadas por mais de um método, pode ser extremamente baixa (Coddington et al. 1996), e (ii) os métodos de coleta podem variar quanto a sua eficiência para amostrar a fauna total de uma localidade.

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Não bastasse o fato de diferentes métodos amostrarem diferentes grupos de aranhas, o modo como cada um é aplicado pode também ter efeitos sobre sua eficiência, e sobre os resultados finais do inventário, o que é especialmente evidente com armadilhas tipo pitfall. Embora este seja um método amplamente usado para amostrar artrópodes de solo (Southwood 1978), vários estudos mostram que fatores como o tamanho das armadilhas, seu distanciamento ou a substância fixadora utilizada, podem afetar significativamente os resultados (Uetz & Unzicker 1976, Adis 1979, Topping & Luff 1995, Pekár 2002, Work et al. 2002, Koivula et al. 2003). Voltando à Fig. 1.2, descontando-se o efeito do número de indivíduos coletados, certamente uma porção significativa da variação de riqueza entre as áreas pode ser explicada pela variação de métodos de coleta empregados (Tab. 1.1). Embora existam várias formas de se mensurar o esforço amostral aplicado a cada método de coleta, poucas soluções foram propostas para este problema na literatura. Isto porque foram publicados poucos inventários de aranhas com desenhos amostrais adequados. Um protocolo de coleta simples, e relativamente bem conhecido, foi proposto por Coddington et al. (1991), no qual as unidades amostrais são padronizadas por tempo de coleta. Cada amostra, seja com guarda-chuva entomológico ou coleta manual noturna, tem uma hora de duração. Este protocolo tem sido usado em vários estudos em quase todos os continentes (e.g. Silva & Coddington 1996, Toti et al. 2000, Sørensen et al. 2002, Scharff et al. 2003), gerando dados comparáveis em larga escala geográfica. Independentemente da forma escolhida para mensurar o esforço amostral, a escolha dos métodos de coleta para um inventário deve ser planejada com extremo rigor. O fato de existirem muitos métodos de coleta para aranhas não significa que todos devam ser empregados em um mesmo estudo. Isto foi demonstrado por Longino & Colwell (1997) e Fisher (1999), baseando-se em inventários de formigas respectivamente na Costa Rica e em Madagascar. Estes estudos mostram que o emprego de mais de um método de coleta não significa que uma maior proporção da fauna local será amostrada. Quando dois métodos são redundantes, ou seja, amostram basicamente os mesmos grupos de espécies, pode ser melhor empregar apenas um deles, de preferência aquele

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que rende um maior número de espécimes por unidade de esforço amostral. Isto é especialmente importante quando se considera o custo em tempo, e conseqüentemente em dinheiro, associado a cada método de coleta (Longino & Colwell 1997). Concluindo, a combinação de métodos de coleta pode aumentar significativamente o número de espécies coletadas em um inventário, o que é positivo. Por outro lado, a grande diversidade de métodos de coleta disponíveis, bem como as várias formas possíveis de se mensurar o esforço amostral para cada um, pode dificultar a comparação entre resultados de diferentes estudos, bem como análises geograficamente mais abrangentes. A única solução para este problema, além do emprego de protocolos de coleta já conhecidos e testados previamente, é a descrição cuidadosa dos métodos na publicação de inventários. Esta descrição vai além de fatos óbvios, como as ferramentas empregadas, o número de pessoas envolvidas na coleta ou a forma escolhida para padronizar as unidades amostrais. É necessário também que sejam apresentados resultados (como riqueza em espécies e número de indivíduos coletados, no total e por amostra) específicos para cada método de coleta. A apresentação detalhada tanto dos métodos quanto dos resultados é o melhor recurso para tornar um inventário amplamente comparável.

Morfoespécies, planilhas e coleções de referência Uma vez coletados os espécimes, inicia-se uma das mais longas e complexas atividades de qualquer inventário de biodiversidade: o processamento e identificação do material coletado. Como mencionado anteriormente, apenas aranhas adultas são consideradas nesta fase, uma vez que o reconhecimento de espécies neste grupo é dependente de caracteres genitálicos. Apesar disto, vários inventários publicados incluem indivíduos imaturos em suas análises. Nestes casos pode-se supor que os autores se basearam em caracteres não tão confiáveis, como padrões de coloração, para separar seu material em espécies. O maior problema destes estudos não é o fato dos autores optarem por procedimentos de laboratório diferentes, mas sim que eles não apresentem os resultados de

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forma detalhada, listando quantas espécies foram obtidas apenas com indivíduos adultos. Este pequeno detalhe tornaria tais estudos comparáveis com vários outros disponíveis na literatura. Dois aspectos importantes devem ser apresentados a respeito da forma como é analisado o material resultante de inventários de biodiversidade. O primeiro se refere ao nível taxonômico escolhido e o segundo à identificação das espécies coletadas. O amplo uso da expressão “riqueza em espécies” pode dar a impressão de que qualquer estudo de biodiversidade deve necessariamente apresentar resultados em número de espécies coletadas. Entretanto, alguns estudos recentes sugerem que mesmo táxons supraespecíficos, como gêneros ou famílias, podem ser úteis como unidades de medida de biodiversidade. Balmford et al. (1996a, b) demonstraram que a riqueza em famílias, gêneros e ordens de angiospermas, aves e mamíferos pode ser fortemente correlacionada à riqueza em espécies em diferentes localidades. Com isto, dados de riqueza de táxons supraespecíficos seriam úteis para, por exemplo, definição de áreas prioritárias para conservação. Esta idéia foi recentemente testada para aranhas coletadas em várias localidades em Portugal (Cardoso et al. 2004a), com resultados semelhantes. O procedimento adotado nestes estudos pode ser ilustrado aqui com os dados da Tab. 1.1. A Fig. 1.3 mostra que o número de espécies de aranhas coletadas em cada localidade é correlacionado com o número de famílias, embora neste caso com uma variabilidade muito maior que a observada em outros estudos. Em parte, esta alta variabilidade seria esperada, uma vez que categorias taxonômicas mais inclusivas tendem a variar mais quanto ao número de espécies. Assim, a riqueza em espécies tende a apresentar maior correlação com a riqueza em gêneros, se comparada à riqueza em famílias ou ordens (Balmford et al. 1996a, Cardoso et al. 2004a). A alta variabilidade observada nos resultados da Fig. 1.3 pode também ser atribuída ao fato dos dados terem sido coletados em várias partes do planeta, englobando desde áreas temperadas até florestas tropicais (Tab. 1.1). Seria esperado que a variação geográfica afetasse uma análise como esta não só porque regiões temperadas e tropicais podem apresentar grandes diferenças de riqueza e composição em espécies por famílias (e.g. Nentwig et al. 1993), mas também por fatores históricos.

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Como mencionado acima, as faunas de aranhas das regiões tropicais foram comparativamente menos estudadas que aquelas dos países temperados, especialmente da Europa. Conseqüentemente, os dados de riqueza em famílias das áreas tropicais podem apresentar menor “qualidade”, por serem resultado de uma fauna que ainda demanda revisões taxonômicas, com vários grupos a serem transferidos para outros táxons ou mesmo novas famílias a serem descritas. Este efeito deve ser mais intenso com a riqueza em gêneros, embora neste caso seja impossível sequer obter os dados necessários para a análise. Dentre os estudos listados na Tab. 1.1, apenas os inventários realizados nos EUA e na Europa apresentam listas com material totalmente identificado. Para as regiões tropicais, incluindo a América do Sul, é impossível determinar grande parte das aranhas coletadas em inventários, mesmo que seja ao nível de gênero. As dificuldades de identificação citadas acima remetem a outro tópico central para inventários de biodiversidade. Uma crítica relativamente comum a estes estudos pode ser resumida na pergunta “porque coletar tantas aranhas se é impossível determiná-las?”. Esta pergunta evidencia a idéia tradicional de que inventários devem necessariamente gerar listas de espécies, e de que dados de diversidade local teriam importância secundária. Entretanto, esta idéia ignora os motivos principais para que se implementem inventários como aqueles listados na Tab. 1.1. Em primeiro lugar, inventários são uma excelente fonte de espécimes para coleções biológicas, que são, como enfatizado acima, essenciais para o trabalho em sistemática. Segundo, inventários geram dados de grande importância para conservação, contribuindo, por exemplo, para definição de áreas prioritárias para o estabelecimento de reservas (e.g. Kress et al. 1998) ou para o monitoramento de impactos antrópicos (Simmonds et al. 1994). Considerando-se o ritmo atual de destruição de hábitats naturais, e a conseqüente urgência com que isto deve ser enfrentado, fica claro que não é possível esperar até que a sistemática de aranhas esteja totalmente resolvida para então iniciar o estudo de seus padrões de diversidade. Embora não seja possível identificar todas as espécies de aranhas coletadas em inventários nos trópicos, é certamente possível separá-las em unidades taxonômicas para fins de análise. Estas

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unidades são em geral conhecidas na literatura por termos (nem sempre apropriados) como “morfoespécies”, “morfotipos”, “unidades taxonômicas operacionais (UTO)” ou “unidades taxonômicas reconhecíveis (UTR)” (Krell 2004). Estes termos são usados para indicar que as unidades taxonômicas analisadas não correspondem necessariamente a espécies biológicas, tal como seriam reconhecidas por especialistas em taxonomia do grupo. Entretanto, seu emprego nem sempre é coerente, já que eles são usados mesmo quando os espécimes coletados são examinados por especialistas, de modo que freqüentemente são equivalentes a espécies não-determinadas, e em alguns casos, não determináveis ou mesmo não descritas, dependendo da situação taxonômica do grupo. Por outro lado, alguns autores tentaram aplicar estes termos de forma mais rigorosa, usandoos somente quando o material é examinado por não-especialistas treinados para este fim. Este detalhe, quem afinal deve examinar os espécimes coletados em um inventário, tem gerado certa controvérsia na literatura. Um dos primeiros estudos a testar a eficácia da atuação de não-especialistas no reconhecimento de espécies em inventários de fauna foi desenvolvido com alguns grupos de invertebrados, incluindo aranhas, na Austrália (Oliver & Beattie 1996). Estes autores, com o auxílio de especialistas em sistemática, treinaram voluntários para reconhecer espécies nestes grupos. Os voluntários examinaram então uma grande quantidade de espécimes coletados em diferentes áreas de estudo. Por fim, o material foi também examinado por especialistas, a fim de quantificar a freqüência de erros cometidos pelos voluntários. Os resultados foram em geral animadores já que, para a maioria dos grupos, a discordância entre os voluntários e os especialistas não ultrapassou 10% das espécies. Vários estudos posteriores testaram este procedimento (veja Krell 2004), nem sempre com resultados tão positivos. Por exemplo, Derraik et al. (2002) repetiram basicamente o mesmo procedimento de Oliver & Beatie (1996), com algumas diferenças (por exemplo, incluindo aranhas imaturas no material coletado), e observaram taxas de discordância entre voluntários treinados e especialistas consideravelmente mais altas. Entre as aranhas, 50% das unidades

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taxonômicas reconhecidas pelos voluntários não correspondiam a espécies reconhecidas pelos especialistas. Toda a controvérsia em torno do emprego de não-especialistas (amplamente conhecidos na literatura como “parataxônomos”) em inventários de biodiversidade acabou por gerar algumas confusões, freqüentemente ligadas a preconceitos entre sistematas e ecólogos. Certamente é possível treinar não-especialistas para examinar material coletado em inventários de fauna. Este procedimento já é usado há décadas em museus de história natural, que empregam técnicos treinados como auxiliares de curadoria, o que não não significa que sistematas são dispensáveis. Ao contrário, eles são imprescindíveis, não apenas porque são os responsáveis pelo treinamento dos parataxônomos, mas também por serem os únicos profissionais habilitados a manter um “controle de qualidade” sobre seu trabalho. Existem atualmente exemplos de projetos de longa duração, envolvendo ecólogos, sistematas e parataxônomos, que têm se mostrado extremamente bem sucedidos (e.g. Gámez 1991, Basset et al. 2004). Esta cooperação entre profissionais de diferentes áreas é especialmente importante considerando-se a quantidade de material que pode ser coletado em inventários, e o esforço necessário para processá-lo em laboratório. Mas o que fazer quando não é possível contar com uma equipe completa, com laboratórios bem equipados, ou com tempo de sobra para examinar todo o material coletado no campo? A abundância de material coletado pode atuar como um empecilho para a implementação de estudos de biodiversidade, especialmente quando é necessário gerar resultados em pouco tempo, como em projetos de monitoramento ambiental. Nestes casos, a solução poderia ser justamente diminuir o escopo do trabalho, restringindo a análise a grupos taxonômicos menores. A altíssima diversidade dos trópicos, especialmente quando se considera invertebrados, pode atuar como um empecilho para a obtenção de dados úteis para conservação com a urgência que esta tarefa exige. Uma solução para este problema seria o uso de grupos indicadores, que seriam fortemente correlacionados em diversidade aos grupos não amostrados (Pearson & Cassola 1992). Por exemplo, Beccaloni & Gaston (1995) mostraram que a riqueza em espécies de borboletas da

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subfamília Ithominae é fortemente correlacionada à riqueza de borboletas como um todo na América do Sul. Assim, com inventários rápidos focados em Ithominae, seria possível descrever padrões geográficos de diversidade de borboletas, com um custo menor e em menor tempo. Este princípio foi testado recentemente em aranhas, com dados de inventários em 27 localidades em Portugal (Cardoso et al. 2004b). Neste estudo, as famílias Theridiidae e Gnaphosidae se mostraram bons indicadores da diversidade total de aranhas, tanto para riqueza em espécies como para complementaridade entre áreas. Entretanto, é importante mencionar que os resultados deste estudo se mostraram sensíveis a diferenças de esforço amostral e variações na estrutura da vegetação. O estudo de Cardoso et al. (2004b) foi aplicado em áreas relativamente próximas, e portanto com características climáticas parecidas. Seria possível identificar grupos indicadores de diversidade de aranhas que funcionem em escala geográfica, como no estudo de Beccaloni & Gaston (1995)? Talvez isto seja possível enfocando-se famílias diversas, amplamente distribuídas e fáceis de amostrar. Por exemplo, dentre os estudos listados na Tab. 1.1, a riqueza em espécies de aranhas papa-moscas (Salticidae) é fortemente correlacionada com a riqueza de aranhas como um todo (Fig. 1.4). Salticidae é a maior família de aranhas, com mais de 5.000 espécies, e ocorre em todos os continentes (Platnick 2005), o que a torna uma boa candidata a indicadora de diversidade de aranhas. Outras famílias, mesmo entre as mais diversas, não seriam tão adequadas. Por exemplo, Linyphiidae é a segunda maior família de aranhas em diversidade (4.301 espécies, Platnick 2005) e também ocorre em todo o planeta. Entretanto, vários inventários e estudos taxonômicos têm mostrado que esta família é muito mais rica nas regiões temperadas que nos trópicos (Platnick 2005, e estudos listados na Tab. 1.1), o que restringe sua aplicabilidade como indicador em escala local. Embora o uso de indicadores de diversidade possa ser futuramente útil para programas de monitoramento ambiental, somente após uma considerável ampliação do número atual de inventários de aranhas como um todo será possível testar sua confiabilidade. Dois últimos detalhes merecem ser mencionados antes do final deste tópico. Primeiro, é importante lembrar que em inventários de invertebrados a fase de exame de material de laboratório

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é sempre mais prolongada e complexa que as coletas de campo, e em alguns casos, que a análise posterior dos dados. A manipulação e armazenamento do material coletado, bem como a coleta dos dados resultantes devem ser pensados e organizados cuidadosamente, pois é justamente nesta etapa que dados podem ser perdidos por descuidos prosaicos, como rotulagem inadequada do material examinado ou inserção de dados em planilhas mal estruturadas. Sugestões de como evitar problemas como estes podem ser encontradas em Grove (2003). A organização de atividades de laboratório em inventários de diversidade é certamente mais fácil hoje do que anos atrás, graças ao desenvolvimento de programas de computador para montagem e manuseio de bancos de dados e a certos avanços tecnológicos, como o crescente aumento de capacidade de processamento de computadores e o uso cada vez mais disseminado de fotografia digital (e.g. Basset et al. 2000). Por fim, é importante que o material coletado seja adequadamente rotulado e armazenado em coleções biológicas, de preferência em instituições com tradição em pesquisa e manutenção de coleções, como museus de história natural (Huber 1998, Grove 2003). Isto é especialmente importante quando se considera que uma proporção considerável das espécies coletadas em inventários de artrópodes não pode ser determinada. Uma conseqüência disto é que estudos futuros envolvendo comparações entre inventários são possíveis apenas após o exame do material coletado em cada um. Isto é verdade mesmo quando parte do material é identificado, já que somente com acesso ao material-testemunho é possível detectar erros de identificação (Schlick-Steiner et al. 2003). Além disto, como mencionado acima, inventários de biodiversidade são importantes fontes de material para estudos taxonômicos, e podem enriquecer consideravelmente coleções biológicas.

Curvas de acumulação de espécies A análise de dados de inventários de diversidade pode envolver uma extensa lista de métodos estatísticos, desde testes de hipóteses simples até análises multivariadas descritivas. A escolha dos métodos a serem empregados depende dos objetivos do estudo, do protocolo de coleta e de características intrínsecas dos dados obtidos. Portanto, este assunto é excessivamente amplo para

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ser tratado em um capítulo como este, e o leitor interessado deve consultar a extensa literatura estatística disponível (e.g. Gauch 1982, Magurran 1988, Jongman et al. 1995, Zar 1996) ou mesmo procurar auxílio de estatísticos. Um aspecto comum a dados de qualquer inventário de diversidade merece ser abordado aqui. Como mostra a Fig. 1.1, a riqueza em espécies observada em um inventário é correlacionada ao esforço de coleta empreendido, independentemente de como este esforço seja medido. Este simples fato tem importantes implicações quando se pretende elaborar estudos comparativos envolvendo coletas em mais de uma localidade, formação vegetal ou épocas do ano. Não se pode simplesmente afirmar que uma área é mais rica em espécies que a outra sem levar em conta as diferenças de esforço amostral entre elas. As duas áreas podem ser diferentes em riqueza apenas porque uma foi melhor amostrada que a outra. A relação entre a riqueza em espécies observada para uma área e o esforço amostral pode ser claramente expressa em um gráfico como da Fig. 1.5. Conhecido como “curva de acumulação de espécies” ou simplesmente “curva do coletor”, este gráfico mostra o acúmulo de espécies observadas em relação ao aumento do esforço de coleta, neste caso medido em número de amostras. A construção da curva de acumulação de espécie é o primeiro passo na análise exploratória de dados de inventários, e constitui por si só um recurso poderoso para visualizar seus resultados. Percebe-se na Fig. 1.5, que retrata curvas para três áreas hipotéticas, que nem todas as curvas se estabilizam com o aumento do esforço amostral. Apenas a curva da área A atinge a assíntota, a partir da qual novas espécies não são acrescentadas com o aumento do esforço amostral. Para a imensa maioria dos inventários implementados em todo o mundo, principalmente de invertebrados e em regiões tropicais, a estabilização da curva é uma exceção. O mais comum é que elas continuem crescendo, mesmo com esforços amostrais absurdamente altos. Obviamente estas curvas necessariamente atingiriam a assíntota em algum momento se o esforço de coleta continuasse aumentando. O número de espécies de qualquer área amostrada não é infinito, apenas extremamente alto. Este fato, amplamente divulgado na literatura, tem um importante significado para qualquer

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estudioso interessado em análise de dados de diversidade. Pode-se supor que apenas áreas em que todas as espécies tenham sido coletadas, ou seja, que apresentem curvas do coletor estabilizadas, são passíveis de análise. Entretanto, isto nunca acontece, e será discutido abaixo porque é inútil estender infinitamente o esforço de coleta, a fim de alcançar uma longínqua assíntota. Observando-se as curvas das áreas B e C na Fig. 1.5, pode-se perceber que o número de espécies coletadas cresce rapidamente no início, seguido por uma diminuição na inclinação das curvas a partir de 5 amostras. Isto acontece porque no princípio das coletas as espécies mais comuns têm maior probabilidade de serem capturadas. Entretanto, a partir de um ponto passa-se a coletar muitos indivíduos de espécies comuns, já amostradas, e poucos indivíduos de outras espécies. São justamente as espécies raras, aquelas que são representadas em inventários por poucos indivíduos, freqüentemente não mais que um ou dois, que mantêm a curva de acumulação de espécies longe da assíntota. Com o progressivo aumento do esforço de coleta, eventualmente são capturados novos indivíduos das espécies mais raras. Por outro lado, como qualquer cientista que tenha empreendido um inventário de artrópodes nos trópicos deve ter percebido, sempre há novas espécies raras por descobrir. Existem várias explicações para a existência de espécies raras em inventários, desde deficiências de coleta (i.e. o método aplicado não é adequado para coletar a espécie em questão) até características biológicas das espécies. Algumas espécies raras ocorrem apenas em microhábitats restritos, muito dispersos no ambiente ou pouco amostrados pelos métodos empregados. Assim, estas espécies seriam representadas nas amostras apenas por alguns indivíduos acidentalmente coletados enquanto se deslocavam fora de seu hábitat preferido. Por fim, é possível que muitas espécies sejam naturalmente raras na natureza, ocorrendo em baixas densidades (veja uma discussão mais ampla em Novotný & Basset 2000). Seja qual for o motivo da raridade destas espécies, elas têm um efeito bem conhecido sobre inventários de biodiversidade: quanto mais se coleta, mais esforço é necessário para incluir uma nova espécie dentre aquelas já amostradas. Logo, não é financeiramente factível coletar infinitamente em uma área, empregando os mesmos métodos de coleta, a fim de necessariamente amostrar todas as suas espécies. A melhor saída é aceitar o fato

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de que isto não é possível, e usar os recursos analíticos disponíveis para trabalhar com os dados que se pode obter com o tempo e o dinheiro disponíveis. Antes de discutir alguns métodos empregados para análise de dados de inventários com diferenças de esforço amostral, é importante considerar quais seriam as melhores formas de medir este esforço. Uma forma óbvia, e amplamente utilizada, é medir o esforço de coleta em número de amostras. Como citado acima, a delimitação de amostras depende, entre outros fatores, do método de coleta. Assim, pode-se ter amostras padronizadas por tempo de coleta (e.g. uma hora de coleta com guarda-chuva entomológico), área (parcelas de um metro quadrado para extração de serapilheira) ou número de armadilhas. Entretanto, como comparar resultados de áreas inventariadas com diferentes métodos? Certamente uma amostra de uma hora de guarda-chuva entomológico não é equivalente a uma parcela de remoção de serapilheira. Além disto, uma vez que os métodos diferem entre si quanto ao número de espécies obtidas por amostra (Longino & Colwell 1997, Fisher 1999), a proporção de amostras de cada método certamente deve influenciar os resultados da comparação. Há duas possíveis soluções para este problema: padronizar as análises por método de coleta ou inserir os métodos como uma variável nas análises. Existe ainda uma outra forma de medir o esforço amostral em inventários, e em alguns casos ela pode ser mais interessante que o número de amostras. A Fig. 1.6A mostra os mesmos dados hipotéticos da Fig. 1.5, porém usando o número de indivíduos coletados como unidade amostral. Percebe-se que este procedimento afeta as conclusões que se poderia tirar da comparação entre as três áreas hipotéticas: se na Fig. 1.5 a área C é visivelmente mais rica em espécies que a área B, na Fig. 1.6A elas apresentam aproximadamente a mesma riqueza em espécies. A explicação para esta diferença está na Fig. 1.6B, onde se vê o número cumulativo de indivíduos em relação ao número de amostras. As áreas B e C diferem quando comparadas quanto ao número de amostras porque a primeira apresenta uma densidade menor de indivíduos que a segunda. Logo, como mais indivíduos são obtidos por amostra na área C, ela parece ser mais rica quando se usa o número de amostras na curva de coletor. Considera-se atualmente que a riqueza em espécies deve ser medida

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em relação ao número de indivíduos, que constitui uma medida de maior valor biológico. Afinal, a questão central quando se constrói uma curva de coletor é “qual é a probabilidade de um novo indivíduo coletado nesta área pertencer a uma espécie ainda não amostrada?” Recentemente, o termo “densidade de espécies” foi proposto para análises que envolvem o número de espécies por número de unidades amostrais (veja mais detalhes em Gotelli & Colwell 2001). Independentemente de qual unidade seja usada para medir esforço amostral, muitos inventários ou estudos de ecologia de comunidades envolvem comparações de riqueza em espécies de duas ou mais áreas, épocas do ano, formações vegetais, tratamentos experimentais, etc. Como implementar tal comparação, se o esforço de coleta influencia a riqueza em espécies observada? Uma opção simples é aplicar o mesmo esforço amostral em cada tratamento a ser comparado. Neste caso, se por exemplo uma determinada área apresenta 10 amostras a mais do que a outra, seria necessário descartar estas amostras adicionais para padronizar o esforço amostral entre elas. Embora esta seja uma solução simples para o problema, isto implica numa perda de informação para a área melhor amostrada. Outros recursos podem ser empregados para resolver este empecilho, preservando o máximo de informação obtida em cada área. Em muitos casos, simplesmente usar o esforço amostral como um fator adicional nas análises pode ser uma solução. Isto pode ser feito incluindo diretamente o número de amostras (ou indivíduos) de cada tratamento na análise, ou extraindo das curvas de acumulação de espécies parâmetros indicadores de esforço amostral (veja um exemplo interessante em Flather 1996). Outro recurso analítico muito explorado na literatura recente envolve a extrapolação da riqueza observada, a fim de estimar a riqueza total da área. Existe atualmente uma grande diversidade de métodos de estimativa de riqueza em espécies, em geral baseados em características de curvas de acumulação de espécies, na distribuição de abundâncias relativas ou na proporção de espécies raras dentre as amostras (Soberón & Llorente 1993, Colwell & Coddington 1994, Moreno 2001, Santos 2003). Estes métodos têm se mostrado extremamente populares, especialmente devido a sua facilidade de implementação (Santos 2003). Entretanto em muitos casos eles se mostram

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inúteis para interpretação de resultados de inventários, especialmente porque eles podem ser tão influenciados por variações de esforço amostral quanto a riqueza observada. Aparentemente, alguns destes métodos não funcionam adequadamente com amostras de áreas com alta diversidade, justamente as situações em que eles seriam mais necessários (Melo 2004). Diante disto, é importante mencionar que o simples uso de estimativas de riqueza, ou de qualquer outro índice de diversidade (veja Moreno 2001) sem um objetivo definido nada acrescenta aos resultados de um inventário. Estimativas de riqueza, como qualquer outro método de análise, são apenas ferramentas a serem empregadas no que realmente importa: responder questões cientificamente relevantes. Se empregados adequadamente, métodos de estimativa de riqueza podem ajudar a solucionar problemas de análise de dados de diversidade. Por exemplo, alguns destes métodos podem ser úteis como critérios de completude de amostragens. Uma vez que em vários métodos são conhecidas as condições em que a riqueza observada seria igual à riqueza estimada (veja Colwell & Coddington 1994), seria possível usá-los como medidas relativas de o quão próximo estaria um inventário da riqueza total da área amostrada. Isto permitiria, por exemplo, definir tamanhos mínimos de amostra para comparações entre áreas. Esta abordagem seria interessante não apenas para comparar resultados de diferentes estudos, mas teria também aplicações potenciais na definição de prioridades para conservação (e.g. Heyer et al. 1999). Outro uso para métodos de estimativa de riqueza foi sugerido por Melo et al. (2003), que testaram vários estimadores como recursos para comparação de inventários com diferenças de esforço amostral. Este procedimento seria uma solução alternativa para, como no exemplo citado acima, comparar áreas quando uma tem 10 amostras a mais que a outra. Ao invés de descartar estas amostras, pode-se estimar quantas espécies seriam obtidas na área menos amostrada se fossem aplicadas 10 amostras adicionais (veja detalhes em Melo et al. 2003).

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Conclusões Este capítulo teve como objetivo central discutir o quão pouco se sabe sobre diversidade de aranhas, especialmente na América do Sul; o porquê desta situação, e apontar possibilidades para estudos futuros. Certamente este é um assunto extenso demais para ser esgotado em um texto destas dimensões, mas espera-se que alguns aspectos especialmente importantes tenham sido expostos claramente. Em especial, dois pontos merecem ser enfatizados. Primeiro, fica claro pelo exposto acima que, apesar da necessidade de estabelecer comparações entre inventários implementados em diferentes áreas, estudos de biodiversidade não tem que seguir exatamente o mesmo protocolo de coleta e análise de dados. Como acontece em qualquer área da ciência, os métodos a serem empregados devem adequar-se aos objetivos do estudo, objetivos estes que devem ser claramente definidos antes do início das coletas. Em várias situações, a definição de protocolos de coleta pode ser absolutamente dispensável. Por exemplo, não há razão porque um sistemata interessado em obter espécimes para uma análise filogenética deva gastar tempo e dinheiro desenhando um protocolo de coleta elaborado. Se o objetivo é simplesmente coletar determinados grupos de aranhas, a opção mais prática é dedicar todo o tempo de campo coletando aranhas. Por outro lado, se este profissional tem alguma pretensão de estudar a araneofauna de uma localidade, certamente ele deve ir além de gerar uma simples lista de nomes, o que remete a um segundo ponto chave. Inventários de biodiversidade podem ser estudos relativamente complexos, que demandam a participação de especialistas de mais de uma área, especialmente sistematas e ecólogos. Para que estes estudos sejam efetivamente implementados, é necessário que profissionais de diferentes áreas aprendam a se comunicar, ajustando-se a seus interesses comuns. Esta interação entre disciplinas pode, muitas vezes, ser extremamente difícil, mas é imprescindível em vista da urgência com que dados de biodiversidade são necessários para conservação.

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2 INFLUÊNCIA DA ESTRUTURA DO HABITAT NA ABUNDÂNCIA E DIVERSIDADE DE ARANHAS

ANDRÉA LÚCIA TEIXEIRA DE SOUZA

As aranhas são um grupo extremamente diversificado e amplamente distribuído, encontrado em quase todos os tipos de ambientes terrestres. No entanto, a distribuição das espécies em macroescala está relacionada a sua sensibilidade a condições abióticas, principalmente climáticas e geológicas (Comstock 1971, Turnbull 1973, Foelix 1996, Henschell & Lubin 1997). Algumas espécies, definidas como estenécias, são mais sensíveis às variações das condições físicas do que outras. Estas aranhas estão restritas a habitats mais estáveis, que possuem menor variação de condições climáticas. Por outro lado, as espécies euriécias são capazes de sobreviver e reproduzir dentro de uma ampla faixa de condições e, portanto, possuem uma distribuição mais ampla, incluindo vários tipos de habitats e grandes extensões geográficas (Foelix 1996, Samu et al. 1999). Dentro das faixas de tolerância às condições físicas, a distribuição espacial de aranhas também é fortemente influenciada por vários fatores bióticos, como suprimento de presas, competidores, abundância de predadores ou parasitas e, principalmente, pelo tipo de vegetação característico de cada habitat. Apesar da grande maioria das espécies de aranhas utilizar plantas ou a serapilheira apenas como substrato, o tipo de vegetação determina a quantidade e o tipo de presas disponíveis, além de poder influenciar as taxas de predação e parasitismo e determinar as condições microclimáticas. Este capítulo enfoca as relações entre a estrutura do habitat e a abundância e a diversidade de aranhas. Inicialmente, são definidos os tipos de mecanismos usados para a dispersão e colonização de novas áreas pelas aranhas. Em seguida é feita uma descrição das relações entre as variações de habitats e a distribuição de aranhas na vegetação, em inflorescências e no solo. Finalmente, é apresentada uma revisão sobre a divisão do grupo em guildas e uma avaliação de

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alguns padrões descritos na literatura relacionados à distribuição de guildas em diferentes tipos de microhabitats.

Modos de dispersão de aranhas Barreiras geográficas como topos de montanhas, grandes extensões de água e dunas de areia em desertos podem diminuir as taxas de colonização de novos ambientes. A travessia de grandes áreas só é possível através da habilidade de muitas espécies de aranhas de flutuar no ar com auxílio de estruturas de seda, especialmente nos primeiros estágios do ciclo de vida. Este tipo de dispersão aérea realizada por aranhas é denominada balonismo. Quando as condições locais se tornam desfavoráveis, como por exemplo em situações de alta densidade de jovens, ocorrência de canibalismo e escassez de presas, as aranhas tecem pequenos emaranhados de seda com o abdômen voltado para cima e se lançam nas correntes de ar, podendo ocasionalmente alcançar milhares de metros de altura e centenas ou até mesmo milhares de quilômetros de distância na horizontal. Mesmo alcançando locais desfavoráveis na maioria das vezes, este modo de dispersão é rápido e garante a expansão da sua distribuição através da colonização de novas áreas e, conseqüentemente, a manutenção de suas populações (Foelix 1996, Samu et al. 1999). O movimento entre habitats ou entre regiões pode ser feito através do lançamento de fios de seda também com auxílio de correntes de ar. Este modo de dispersão intermediário entre o balonismo e o de simplesmente se locomover sobre o substrato é definido como “rigging”, termo de origem inglesa que resume o uso de um equipamento, neste caso, de fios de seda em correntes aéreas. As aranhas sobem até o topo da vegetação ou partes mais altas de pedras e soltam progressivamente um fio de seda que alcança outro ponto através do movimento do ar. Quando a ponta do fio adere a um substrato, as aranhas caminham sobre o fio. Este tipo de locomoção permite o seu deslocamento a distâncias que variam de dezenas de centímetros até poucos metros. Este modo de dispersão tem um alcance curto em relação ao balonismo, mas apresenta um risco de mortalidade menor e pode ser redirecionado em qualquer ponto (Samu et al. 1999). Os

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deslocamentos de curtas distâncias e entre microhabitats é normalmente feito caminhando entre a vegetação ou qualquer outro substrato e recebe a denominação de movimentos cursoriais.

Variações dentro do habitat na distribuição de aranhas A hipótese da diversidade de recursos prevê que plantas com uma grande variedade de estruturas ou tipos de recursos sustentam uma maior abundância e diversidade de artrópodes (Lawton 1983). Assim, numa escala espacial menor, a complexidade estrutural, expressa através do número de ramificações e tamanho e forma de folhas, tem sido considerada como uma das principais variáveis na determinação da abundância de aranhas (Robinson 1981, Gunnarsson 1990, Scheidler 1990, Evans 1997). Espécies de plantas diferem em tamanho da copa e tronco, número de bifurcações de ramos e em número, forma e área superficial de folhas. O tamanho das plantas constitui uma das principais características que influenciam positivamente as comunidades de artrópodes. Esta hipótese é baseada nas relações espécie-área proposta por MacArthur & Wilson (1967) e posteriormente modificada por Kareiva (1985), que prevê que áreas maiores apresentam maior probabilidade de serem localizadas e colonizadas pelos organismos, além de suportarem populações maiores e, conseqüentemente, menores taxas de extinção e emigração. Outro tema comumente abordado nos estudos de distribuição de artrópodes em microescala é a arquitetura de plantas, definida por Kuppers (1989) como o arranjo da biomassa vegetal no espaço. A arquitetura de plantas pode propiciar locais que são usados por aranhas como esconderijos para evitar predadores, locais de forrageamento, encontro de parceiros sexuais, acasalamento e oviposição, além de oferecerem proteção contra dessecação e condições extremas de temperatura. O efeito das características estruturais do ambiente na seleção de microhabitats tem sido demonstrado para muitas espécies de aranhas que habitam diferentes espécies de plantas e em várias regiões. Evans (1997), por exemplo, avaliou a distribuição de aranhas sociais do gênero Diaea (Thomisidae) em florestas de Eucalyptus ao longo de toda a costa sudeste da Austrália. Ele

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comparou características estruturais de 14 espécies de Eucalyptus, em que eram encontradas espécies de Diaea e 25 espécies em que não havia registros destas espécies de aranhas. O tamanho e a largura das folhas das plantas habitadas pelas aranhas foi significativamente menor do que as não habitadas, mas o tamanho dos botões florais não diferiu entre os dois grupos de espécies de plantas. Estes resultados sugerem que apenas a arquitetura dos ramos vegetativos influenciava a distribuição das aranhas do gênero Diaea. Souza & Martins (no prelo) observaram uma relação entre a arquitetura de plantas e a abundância de aranhas. Estes autores amostraram ramos de sete espécies de plantas arbustivas que variavam entre um e dois metros de altura, em uma área de campo sujo no Sudeste do Brasil. Os resultados mostraram que a abundância de aranhas em plantas foi positivamente correlacionada com a densidade de ramificações, descrita pelo número de folhas por unidade de volume do ramo (Fig. 2.1). Apenas este componente da complexidade estrutural explicou 73% da variação na abundância de aranhas presentes nas plantas. A mesma relação positiva entre a complexidade estrutural de ramos e a abundância de aranhas foi observada dentro de uma mesma espécie de planta. Gunnarsson (1988) comparou a abundância de aranhas em Picea abies, uma conífera comum em duas localidades sujeitas aos efeitos de poluição do ar no sudoeste da Suécia. Nos locais mais atingidos, as plantas sofriam grandes perdas de folhas resultando em diminuição da complexidade estrutural dos ramos. O autor mostrou que a abundância de aranhas maiores do que 2,5 mm era aproximadamente o dobro nas plantas com baixa perda de folhas em relação àquelas com grandes perdas de folhas. Além disto, ele encontrou diferenças na composição em espécies. Os Linyphiidae foram mais abundantes onde a densidade de folhas era menor, enquanto as espécies de Thomisidae eram menos abundantes nestes locais. Apesar de vários estudos mostrarem uma correlação positiva entre arquitetura de plantas e a abundância de aranhas, tanto entre quanto dentre diferentes espécies de plantas, poucos estudos avaliaram a distribuição destes artrópodes em micro e macroescala simultaneamente, com o

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objetivo de quantificar a intensidade do efeito da estrutura do microhabitat entre os diferentes tipos vegetacionais que compõem uma paisagem. Souza (em prep.) conduziu um estudo numa área de restinga do Sul do Brasil, entre os meses de abril e maio de 2000, no qual foram amostrados ramos de 40 cm de comprimento de cinco espécies de plantas com altura entre um e dois metros: Dodonaea viscosa (Sapindaceae), Baccharis dracunculifolia (Asteraceae), uma espécie não identificada de Asteraceae, Gomidesia palustris (Myrtaceae) e Pinus elliottii (Pinaceae). Como medida de um componente de estrutura do microhabitat foi usado um índice de densidade de folhas, definido como a razão entre o número de folhas e o comprimento do ramo, conforme descrito em Souza & Martins (no prelo). Um total de 5076 aranhas foi registrado nas cinco espécies de plantas, dos cinco sítios da área de estudo. O número de aranhas total registrado nos ramos foi positivamente correlacionado com a densidade de folhas (Fig. 2.1), um padrão bastante similar ao que foi descrito por Souza & Martins (no prelo) no Sudeste do Brasil. No entanto, as inclinações das retas descritas nestes dois locais diferiram entre si, o que sugere que a relação entre a abundância de aranhas e a arquitetura de plantas pode diferir fortemente. A área de restinga no Sul e a área de campo sujo amostrada no Sudeste do Brasil por Souza & Martins (no prelo) eram compostas basicamente por uma vegetação rasteira e arbustos esparsos que variavam entre um e dois metros de altura. A principal característica estrutural da vegetação que diferencia as duas áreas, numa escala espacial maior, é a fitofisionomia e a intensidade de impacto ambiental das áreas adjacentes. Enquanto a área no sul está inserida numa matriz de Floresta Umbrófila Densa de grandes extensões e composta por espécies vegetais climácicas, a área de campo sujo no sudeste era circundada por extensas áreas de atividade agropecuária e com apenas pequenos fragmentos de cerrado e de floresta secundária. Assim, estes resultados corroboram a hipótese do efeito da arquitetura de plantas na seleção de habitats por aranhas dentro de manchas de vegetação, mas sugere que a influência de áreas adjacentes deve ser o principal fator que determina a abundância de aranhas.

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Muitas das generalizações sobre a distribuição de aranhas em plantas são ainda provenientes de poucos sistemas e de um número limitado de espécies estudadas (Turnbull 1973, Wise 1993) e os mecanismos causais das relações entre a densidade e a composição em espécies de aranhas e a heterogeneidade do habitat ainda se mantêm obscuros. A disponibilidade de presas tem sido proposta como uma das principais causas dos padrões de distribuição encontrados entre as comunidades de aranhas e o tipo de microhabitat (Caraco & Gillespie 1986, Gunnarsson 1990, 1996, Nentwig 1993, Harwood et al. 2001). A disponibilidade de presas está positivamente correlacionada à sobrevivência e ao sucesso reprodutivo em aranhas (Turnbull 1973, Uetz 1992), uma vez que as taxas de aquisição de alimento podem influenciar seu crescimento e o número de ovos produzidos (Vollrath 1987a, Morse 1988, Figueira & Vasconcellos-Neto 1993, Kreiter & Wise 2001). O valor nutricional para insetos herbívoros também varia entre plantas. Algumas espécies são mais atrativas para os insetos do que outras, o que resulta na variação da disponibilidade de presas para as aranhas. Morse & Fritz (1982) observaram que Misumena vatia (Thomisidae) usualmente caça em ramos de plantas que atraem um maior número de insetos, ajustando as predições de escolha de sítio segundo a teoria de forrageamento ótimo. Segundo estes autores, M. vatia escolhe inflorescências com maior disponibilidade de presas, mesmo a longas distâncias, onde a percepção através das vibrações de presas no substrato é quase nula. Eles propuseram que estas aranhas alcançam estes locais por se movimentarem continuamente entre a vegetação até encontrar um local com maior sucesso na captura de presas (Veja capítulo 4 deste livro). A diversidade e abundância de plantas podem influenciar indiretamente a estrutura de comunidades de aranhas, uma vez que aumenta a quantidade de recursos para as presas (Strong et al. 1984, Andow & Prokym 1990). No entanto, alguns autores questionam esta hipótese, sugerindo que a disponibilidade de presas pode não ser o fator limitante para um grande número de espécies (Wise 1993, Henschel & Lubin 1997, Brandt & Lubin 1998). Halaj et al. (1998) relacionaram algumas características estruturais de ramos de plantas com a comunidade de artrópodes no oeste

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dos Estados Unidos. Eles amostraram ramos de um metro de comprimento de cinco espécies de árvores: Alnus rubra, Thuja plicata, Tsuga heterophylla, Abies procera e Pseudotsuga menziesii em duas localidades. As medidas das características estruturais das plantas foram: diâmetro do tronco à altura do peito, largura máxima horizontal e vertical e o número de bifurcações, número de folhas, biomassa da folhagem e de partes lenhosas dos ramos. Eles encontraram uma relação positiva razoável entre o número de aranhas por ramo e a biomassa das partes lenhosas e das folhagens. Com relação ao número de presas, apesar desta relação ter sido significativa, o número de graus de liberdade usado na análise era muito elevado (119) e a porcentagem de explicação foi de apenas 24%, o que sugere uma relação fraca. Assim os autores sugeriram que as características estruturais do habitat seriam mais importantes na determinação da distribuição das aranhas do que a disponibilidade de presas. Além disto, os autores mostraram que apesar da abundância de aranhas ter diferido entre os ramos de P. menziesii e A. procera, a estrutura em guildas destas comunidades foi muito similar (83-94%), enquanto que a similaridade entre as comunidades das presas potenciais para aranhas foi relativamente baixa (55-57%). Isto sugere também uma baixa relação entre as comunidades de aranhas e de suas presas potenciais, quando comparada às relações entre as comunidades de aranhas e a estrutura do substrato. Aranhas são freqüentemente predadas por aves, lagartos, insetos como louva-a-deus e vespas, outras aranhas, entre outros (veja capítulo 12 deste livro). A disponibilidade de refúgios contra predadores também tem sido proposta como um importante fator que influencia a escolha de microhabitat (Waldorf 1976, Askenmo et al. 1977, Polis et al. 1989, Ehmann & MacMahon 1996, Schoener & Spiller 1995, Gunnarsson 1996). As decisões acerca da escolha de locais de forrageamento e do abandono de locais sub-ótimos devem estar condicionadas a um balanço entre a disponibilidade de presas e o risco de predação, influenciando a dinâmica populacional destes animais (Caraco & Gillespie 1986, Provencher & Vickery 1988, Kareiva et al. 1989). A disponibilidade de locais que possam ser usados como esconderijos pode ser determinada pela arquitetura de plantas facilitando o escape de predadores, dentro do microhabitat (Gunnarsson 1996,

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Finke & Denno 2002, Fig. 2.2). Por exemplo, Moran & Hurd (1994) conduziram um experimento no qual eram adicionados 120 louva-a-deus em parcelas de 2x2 m, comparadas com parcelas controle. Eles mostraram que aranhas, especialmente as menores, emigraram com maior freqüência das parcelas com maior densidade de predadores. Os autores sugeriram que este comportamento poderia reduzir as chances de encontros com seus inimigos naturais.

Aranhas em inflorescências O estado fenológico das plantas pode alterar a arquitetura de seus ramos. A presença de flores pode disponibilizar estruturas de diferentes tamanhos e formas quando comparados a ramos estéreis, aumentando a complexidade estrutural dos ramos. Além disto, as inflorescências são consideradas como unidades de sinalização para insetos polinizadores (Dafni et al.1997). O tamanho da inflorescência ou das flores que a compõem, bem como o número de flores presentes podem influenciar a distância em que estas plantas atraem insetos (Dafni et al.1997). As unidades de sinalização usadas pelas plantas para atrair insetos poderiam também atrair alguns grupos de aranhas (Greco & Kevan 1994, Foelix 1996). Além disto, aranhas possuem um sistema de percepção para detectar insetos através da vibração do substrato (Turnbull 1973, Foelix 1996, para mais detalhes, ver capítulo 5 deste livro) e poderiam localizar as inflorescências indiretamente por estas atraírem uma maior quantidade de insetos que ramos vegetativos. Assim, é plausível supor que aranhas são mais atraídas para ramos reprodutivos, já que estes apresentam uma maior disponibilidade de presas e de refúgios contra predadores (Morse 1988, 1993a, Nentwig 1993). Souza & Martins (2004) amostraram duas espécies de plantas arbustivas, Baccharis dracunculifolia (Asteraceae) e Diplusodon virgatus (Lythraceae), e duas herbáceas, Bidens gardneri (Asteraceae) e Microlicia helvola (Melastomataceae) numa área de campo sujo no sudeste do Brasil. Ramos estéreis e inflorescências de 40 cm foram coletados no início da época de floração, quando indivíduos em estado reprodutivo e vegetativo eram encontrados nos mesmos locais. Em

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todas as espécies de plantas, os ramos reprodutivos apresentavam aproximadamente o dobro do número de aranhas encontrados nos ramos estéreis. Dentre as aranhas descritas como visitantes de inflorescências estão alguns membros das famílias Thomisidae (Fig. 2.3), Clubionidae, Araneidae, Salticidae, Anyphaenidae, Oxyopidae, Pisauridae, Theridiidae e Theridiosomatidae (Morse 1981, Kareiva et al. 1989, Nentwig 1993, Souza 1999), mas poucos estudos enfocaram a estrutura destas comunidades de aranhas e, principalmente, as características dos ramos reprodutivos que são importantes na distribuição das espécies. No Panamá, Nentwig (1993) amostrou inflorescências de Lantana camara (Verbenaceae), espécie arbustiva que produz flores que variam entre 1,5 a 2,0 cm de diâmetro, e Palicourea guianensis (Rubiaceae), cujas flores possuem de 10 a 15 cm de diâmetro. As duas espécies de plantas mostraram diferenças significativas na composição e abundância de espécies de aranhas. Em P. guianensis foram coletadas de 50 a 100 vezes mais aranhas do que em L. camara, considerando as diferenças da área superficial e o volume disponível para colonização nas duas espécies de plantas. O autor atribuiu estas diferenças ao tamanho das flores e, portanto, à sua atratividade para insetos. Souza (1999) amostrou aranhas em inflorescências de 14 espécies de plantas e encontrou uma relação positiva entre a abundância total destes predadores e algumas características da arquitetura das inflorescências, como o número total de flores, o número de flores abertas e o tamanho das flores. O tamanho da inflorescência, medido como volume, não influenciou significativamente o número total de aranhas. A abundância de presas potenciais para aranhas pode variar entre os diferentes tipos de inflorescências, visto que a forma, a cor e o tamanho das flores que as compõem podem influenciar a abundância e o tamanho dos insetos que visitam estas inflorescências (De Vita 1979, Bell 1985, Cohen & Shmida 1993, Bernays & Chapman 1994, Dafni et al. 1997). Além disto, diferenças na arquitetura das inflorescências entre as espécies de plantas podem disponibilizar diferentes tipos de recursos como locais para abrigo e deposição de ovos, área superficial disponível para forrageamento e estruturas para construção de teias.

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Aranhas de solo Entre regiões com diferentes tipos de vegetação, a abundância e a composição em espécies de plantas, combinadas com algumas condições climáticas como temperatura e precipitação, determinam a quantidade e a estrutura da vegetação rasteira e da serapilheira. Estes fatores influenciam a composição e abundância de aranhas que habitam este estrato. Assim, como descrito para aranhas que habitam as partes aéreas da vegetação, a altura e a estrutura da serapilheira potencialmente influenciam a distribuição e a abundância de aranhas nestes locais. A quantidade e o tipo de material orgânico depositado no solo está relacionado com a disponibilidade de refúgios contra predadores, estruturas para suporte de teias e locais para deposição de ootecas, e à quantidade e diversidade de presas (Rysptra et al. 1999). Além disto, a serapilheira pode amenizar condições abióticas estressantes, como variações de temperatura e umidade (Uetz 1979). Nas montanhas de Santa Cruz, na Califórnia (EUA), Willett (2001) amostrou aranhas em serapilheira em três áreas de diferentes estágios de sucessão e manejo: monoculturas de árvores usadas para exploração de madeira, áreas em estágio secundário de regeneração e áreas florestais em estágios finais de sucessão. A abundância e a diversidade de aranhas, especialmente as noturnas, foi positivamente relacionada com a cobertura herbácea das áreas. O autor sugeriu que algumas espécies são mais sensíveis às mudanças na estrutura do microhabitat do que outras.

Evidências a partir de experimentos de campo com comunidades naturais Vários estudos tentaram descrever as relações entre a estrutura das comunidades de aranhas e as características do habitat através de dados empíricos. Uetz (1991) e, posteriormente, Wise (1993) revisaram o tema e ambos concluíram que apesar de alguns padrões parecerem bem definidos e as hipóteses sugeridas serem plausíveis, estas evidências são indiretas e os resultados de muitos estudos constituem apenas um suporte para estas explicações. O que estas revisões propuseram foi que muitos outros fatores poderiam estar combinados às diferenças na estrutura das

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comunidades de aranhas registradas entre locais. Os mecanismos e as características específicas do habitat que exercem influência nas populações de aranhas são ainda obscuros e necessitam de confirmações. Situações no campo que isolem outros fatores são bastante incomuns ou até mesmo improváveis de serem encontradas. Por exemplo, áreas com condições abióticas semelhantes e que variem apenas com relação à estrutura do substrato são bastante improváveis, especialmente com um número razoável de réplicas. Assim, situações que permitam isolar os fatores de interesse podem ser possíveis apenas através de experimentos controlados. Poucos estudos usaram a manipulação de características do habitat para testar os efeitos de alguns aspectos da sua estrutura na determinação da abundância de aranhas. Hatley & Macmahon (1980) manipularam ramos do arbusto Artemisia tridentata (Asteraceae) nos EUA, variando a densidade de folhas (número de folhas por unidade de volume de ramo) para testar a hipótese de que a abundância de aranhas poderia ser influenciada pela heterogeneidade espacial do substrato de forrageamento. Em 1 ha de vegetação eles estabeleceram 25 parcelas de 20 x 20m, divididas em três grupos, marcando aleatoriamente 50 arbustos em cada uma. No primeiro grupo (oito parcelas), os arbustos foram podados em 50% de sua folhagem, no segundo (oito parcelas), os ramos dos arbustos foram amarrados para aumentar a densidade foliar e nas nove parcelas remanescentes, os arbustos não foram manipulados, sendo usados como controle. O número de espécies de aranhas nos arbustos com maior densidade de folhas foi mais alto que nos arbustos controle e com baixa densidade de folhas. Além disto, estes autores mostraram que a diversidade de aranhas foi positivamente correlacionada com o volume dos arbustos e a densidade de folhas. Gunnarsson (1990) mostrou que a densidade de aranhas em ramos de Picea abies no sudoeste da Suécia era correlacionada com a quantidade de folhas acículas. Este autor conduziu um experimento pareado usando dois ramos ao acaso de trinta plantas. Em cada planta, aproximadamente 30,1% das folhas foram removidas de um dos ramos, e o outro ramo não foi manipulado, sendo usado como controle. A densidade de aranhas, expressa através da razão entre o número de aranhas e a biomassa dos ramos, foi menor nos ramos manipulados do que em ramos

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controle. Ele sugeriu que a diminuição do número de folhas reduziria o espaço disponível nos ramos para ocupação pelas aranhas e, conseqüentemente, de locais de refúgio contra predação por aves. Portanto, alterações na estrutura da vegetação deveriam afetar as taxas de predação de aranhas. Posteriormente, ele realizou outro experimento para testar esta hipótese (Gunnarsson 1996), avaliando se a densidade de folhas acículas por ramo influenciava as taxas de predação de aranhas por aves e por outras aranhas. Quatro tratamentos foram usados neste experimento: (1) ramos com folhas esparsas, no qual 25% das folhas eram retiradas; (2) ramos ensacados com rede de malha de 10 mm para evitar o acesso de aves; (3) ramos ensacados e com folhas esparsas e (4) ramos controle, não manipulados. O autor sugeriu que, na ausência de predação por aves, as interações agonísticas entre aranhas devem ser intensas, uma vez que seus resultados mostraram que o tamanho mediano das aranhas em ramos com alta densidade de folhas foi significativamente maior do que em baixa densidade de folhas. Ainda que seus resultados não tenham sido conclusivos com relação à influência da arquitetura de plantas nas taxas de predação por aves, ele sugeriu que a estrutura da vegetação deve exercer uma forte influência nos resultados das interações negativas entre aranhas e assim determinar, pelo menos em parte, a distribuição de tamanhos das aranhas. Posteriormente, Halaj et al. (2000a) conduziram um experimento nos EUA usando Pseudotsuga menziesii (Pinaceae), árvores de 10 a 15 m de altura, nas quais aplicaram dois grupos de tratamentos em ramos de 1 m de comprimento. O primeiro grupo foi usado para testar a importância da densidade de folhas na abundância de artrópodes usando dois tratamentos: o de remoção de todas as folhas do ramo e o de remoção de apenas 50% das folhas, intercalando a retirada de folhas a cada 5 cm ao longo do ramo. O segundo grupo foi usado para testar a influência do tamanho das folhas e do número de bifurcações nos ramos na abundância de artrópodes. Neste grupo os autores aplicaram dois tratamentos, sendo que o primeiro envolveu a diminuição do comprimento de todas as folhas de ramos e o segundo tratamento consistiu da junção de dois ramos adjacentes com amarras, formando um único ramo com o dobro do número de ramos secundários e de folhas. Um conjunto de ramos não manipulados foi amostrado como controle. Este experimento

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gerou um gradiente de biomassa de ramos de mesmo comprimento e seus dados mostraram uma relação positiva entre o número total de aranhas e de outros artrópodes e a quantidade de biomassa. Höfer et al. (1996) conduziram um experimento com aumento de serapilheira em parcelas dentro de florestas tropicais da Amazônia. Os tratamentos consistiam em aumentar a quantidade de serapilheira em duas a cinco vezes. Após dois meses, a abundância das aranhas nas áreas tratadas foi de até 2,3 vezes mais alta do que nas parcelas controle. O efeito da estrutura do substrato não foi separado do possível efeito do aumento da disponibilidade de presas neste experimento. Assim, os principais fatores pelos quais as aranhas tendem a ser mais abundantes em locais de maior complexidade estrutural ainda continuam obscuros. As características do microhabitat que supostamente atraem aranhas são importantes para a atração de suas presas e assim a correlação positiva entre estas duas variáveis é freqüentemente descrita nos estudos que enfocam a distribuição deste grupo. Os experimentos descritos acima mostram claras evidências da relação entre a abundância de aranhas e a biomassa de vegetação aérea e serapilheira no solo. No entanto, nestes estudos o efeito da biomassa está combinado com a arquitetura do substrato ao longo dos tratamentos. As manipulações em ramos ou na quantidade da serapilheira, com o objetivo de alterar a arquitetura do habitat, envolvem a diminuição ou o acréscimo de substrato, o que leva a uma variação concomitante com a quantidade de matéria orgânica. A biomassa está, geralmente, positivamente relacionada com a quantidade de nutrientes disponíveis para as presas de aranhas e com a área do substrato disponível para a colonização destas presas e das aranhas. Os efeitos da arquitetura do habitat e da biomassa estariam assim confundidos entre si. O arranjo espacial da biomassa no espaço pode influenciar a quantidade de presas potenciais para aranhas mesmo não sendo utilizado diretamente por estes artrópodes como fonte de alimento. Insetos devem utilizar o substrato de plantas como local de refúgio contra predadores e oscilações microclimáticas, locais de acasalamento e oviposição (Lawton 1983, Strong et al. 1984), da mesma forma que é proposto para aranhas.

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Poucos estudos conseguiram separar o efeito da biomassa e a estrutura do habitat na distribuição de aranhas. Souza & Martins (no prelo) separam estes efeitos isolando o efeito da arquitetura de ramos na vegetação dos efeitos de variações da biomassa e da área do substrato disponível para colonização e forrageamento através de um experimento utilizando ramos artificiais. O experimento foi conduzido numa área de campo sujo no sudeste do Brasil, utilizando dois tratamentos aplicados em três espécies de plantas: B. dracunculifolia, Microlicia fasciculata e D. virgatus. Um ramo natural em cada planta foi marcado aleatoriamente e todas as folhas e ramos secundários foram retirados. Ramos artificiais, feitos de plástico e pedaços de tecido de nylon semelhante a folhas, foram atados a estes ramos naturais previamente podados. Os ramos artificiais tinham 20 cm de comprimento, e a área superficial total das folhas juntas totalizou 144 cm2, mantendo assim a biomassa e a área total de folhas disponível constante nos dois tratamentos. No primeiro tratamento os ramos tinham 96 folhas de 1,5 cm2 e no segundo 24 folhas de 6,0 cm2. Os ramos artificiais com uma maior densidade de folhas atraíram aproximadamente três vezes mais aranhas do que ramos com uma menor densidade de folhas. Este estudo sugeriu que a arquitetura por si pode influenciar o número de aranhas nos ramos vegetais, independente da quantidade de biomassa vegetal e do valor nutricional das plantas disponíveis para insetos herbívoros (presas), e da área disponível para colonização e forrageamento, uma vez que estas duas variáveis foram mantidas constantes entre os dois tratamentos. O efeito das características estruturais do ambiente na seleção de microhabitat foi demonstrado para várias espécies de aranhas (veja Uetz 1991), no entanto este padrão pode variar entre diferentes espécies. Halaj et al. (2000a) mostraram que o efeito da disponibilidade de presas na abundância de aranhas pode ser menor do que a estrutura do habitat e influenciar pouco a distribuição destes predadores em alguns sistemas. Além disto, alguns autores fracassaram em demonstrar o efeito da arquitetura do substrato na diminuição dos efeitos negativos de predadores. Por exemplo, um experimento na Amzônia central brasileira isolou áreas de predadores de aranhas (uma aranha do gênero Ctenus) e aumentou a quantidade de serapilheira em algumas parcelas,

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deixando outras sem manipulação usadas como controle. Foi detectado um efeito negativo de predadores e o mesmo efeito do aumento da serapilheira na abundância de aranhas, mas a interação entre eles não foi significativa, o que questiona também a importância da estrutura da serapilheira na proteção contra predadores (H. Höfer, dados não publicados, comunicação pessoal). Stratton (1979) comparou as espécies de aranhas presentes em três espécies de coníferas e sugeriu que as diferenças na arquitetura entre as árvores era o principal fator que determinava a presença ou a ausência de algumas espécies. É possível que diferentes famílias de aranhas possam utilizar diferentes espécies de plantas, de acordo com suas necessidades específicas. Por exemplo, grandes araneídeos e tetragnatídeos tendem a requerer grandes espaços para construção de suas teias (Uetz et al. 1978, Greenstone 1984), enquanto que aranhas não construtoras de teia devem ocorrer em folhagens mais densas (Hatley & MacMahon 1980, Robinson 1981, Scheidler 1990, Uetz 1991).

Variações na distribuição de guildas e de espécies de aranhas em microhabitats As aranhas podem ser separadas em diferentes guildas, termo definido originalmente por Root (1967) como grupo de espécies que exploram o mesmo recurso de maneira similar. Assim, a divisão de aranhas em guildas é normalmente baseada nas similaridades morfológicas e de comportamento de captura de presas, que de certa maneira devem influenciar os tipos e tamanhos de presas consumidas. O uso de guildas, ao invés de espécies, como unidade de medida de diversidade de aranhas tem a vantagem de permitir comparações entre estudos feitos em diferentes regiões. Além disto, o agrupamento de aranhas em guildas permite fazer uma avaliação a nível menos preciso de identificação e conseqüentemente a inclusão de imaturos em testes de hipóteses realizados em comunidades naturais (Turnbull 1973, Scheidler 1990, Ehmann & MacMahon 1996). Os indivíduos imaturos, que compõem a grande maioria das populações de aranhas, têm grande importância ecológica e são, normalmente, de difícil identificação ao nível de espécie ou gênero.

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Vários autores definiram as guildas de aranhas agrupando diferentes famílias com características similares em relação ao comportamento de forrageamento. Entretanto estas classificações variam muito entre os estudos, especialmente com relação ao número de níveis hierárquicos ou ao grau de refinamento empregado (Tab. 2.1). Por exemplo, Uetz (1977), Mason (1992) e Hurd & Fagan (1992) dividiram as comunidades de aranhas amostradas em seus estudos em apenas duas guildas, baseando-se na construção ou não de teias para captura de presas. Assim, na guilda “construtoras de teia” eles agruparam as famílias de aranhas construtoras de teias orbiculares como Araneidae, Tetragnatidae e Uloboridae e as construtoras de teias tridimensionais como Theridiidae. Hatley & MacMahon (1980), num estudo realizado nos Estados Unidos, dividiram a comunidade de aranhas amostrada em sete guildas diferentes. Na divisão feita por estes autores, todas as aranhas construtoras de teia foram agrupadas em três guildas, enquanto as demais foram divididas em quatro (Tab. 2.1). Gunnarsson (1988), Young & Edwards (1990) e Halaj et al. (1998) dividiram as comunidades de aranhas em quatro a seis guildas, separando as construtoras de teia em pelo menos duas guildas distintas baseando-se no tipo de teia (tridimensionais e orbiculares). Posteriormente, Uetz et al. (1999) fizeram uma revisão das classificações de guildas sugeridas por cinco diferentes autores e propuseram uma divisão feita através de uma Análise de Agrupamento. Esta análise, a partir de uma matriz binária, baseou-se na presença ou ausência de algumas características ecológicas como: construção, uso e tipo de teias; estratégias de captura de presas (tocaia, saltos e perseguição); porção do habitat predominantemente usado (solo, vegetação), tenacidade de sítios e período de atividade (noturno ou diurno). Eles propuseram oito guildas distintas para a comunidade de aranhas amostradas em agroecossistemas na América do Norte. Höfer & Brescovit (2001), usando o mesmo método de análise e características semelhantes às empregadas por Uetz e colaboradores, propuseram 12 guildas para uma comunidade de aranhas da Amazônia Central (Tab. 2.1). As divergências na separação em guildas entre diferentes autores se devem basicamente ao grau de refinamento com que a comunidade é dividida, isto é, no número de guildas propostas, ou

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na inclusão de algumas famílias numa ou em outra guilda. Por exemplo, as espécies pertencentes à família Pholcidae são categorizadas como “aranhas construtoras de teias em lençol” e como “aranhas construtoras de teias tridimensionais” por diferentes autores. Oxyopidae e Salticidae são famílias agrupadas como “Saltadoras” por alguns autores, mas consideradas “Corredoras” por outros (Tab. 2.1). Estas divergências refletem diferenças na escolha de quais características comportamentais são usadas para a classificação das famílias em guildas. O agrupamento com maior número de famílias incluídas numa única guilda é também, muitas vezes, feito para que se obtenha um volume de dados compatível com premissas de testes estatísticos (veja Muzika & Twery 1997) ou mesmo devido à falta de conhecimento do comportamento de muitas espécies, gêneros e às vezes de famílias, especialmente em regiões tropicais (veja Höfer & Brescovit 2001). Níveis superiores de agrupamento das famílias em guildas normalmente não correspondem à definição proposta por Root (1967). Período de atividade, estrato na vegetação, e tenacidade de sítios são exemplos de características importantes no uso de recursos que podem determinar a distribuição de muitas famílias (Uetz et al. 1999, Höfer & Brescovit 2001), mas são freqüentemente negligenciados por muitos autores na classificação das famílias de aranhas em guildas. Um outro fator, que colabora intensamente para esta variação, é que normalmente a divisão é feita com base nas comunidades amostradas em diferentes locais, que obviamente diferem em composição de espécies. Espécies pertencentes a uma mesma família podem possuir comportamentos de forrageamento distintos, ao ponto em que deveriam ser classificadas como pertencentes a diferentes guildas (veja exemplos em Höfer & Brescovit 2001), mas este grau de refinamento na classificação dificultaria a inclusão de imaturos e comparações entre regiões diferentes, e esbarraria na falta de conhecimento da biologia da maioria das espécies. Alguns estudos empíricos e experimentais, usando o agrupamento em guildas, foram realizados para descrever as relações entre o comportamento de forrageamento e os requerimentos espaciais de comunidades de aranhas. Estas relações levariam à suposição de que a estrutura do habitat influenciaria a estrutura das comunidades de aranhas. Se as espécies de aranhas segregam-se

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em guildas, diferentes características estruturais do habitat podem ser mais favoráveis para algumas guildas do que para outras. É possível que diferentes famílias de aranhas possam utilizar diferentes espécies de plantas, conforme suas necessidades específicas. Scheidler (1990) sugeriu que as diferenças na fauna de aranhas de diferentes espécies de plantas indicam a existência de uma relação entre a diversidade e abundância de algumas famílias e o tipo de habitat. De fato, alguns padrões semelhantes podem ser observados em estudos feitos em diferentes locais e tipos de vegetação. Por exemplo, Hatley & MacMahon (1980) correlacionaram a abundância de algumas guildas com alguns parâmetros da arquitetura da planta. As aranhas “caçadoras noturnas” (Gnaphosidae, Anyphaenidae e Clubionidae) e as de “tocaia” (Thomisidae) foram mais freqüentes em locais com plantas de maior número de folhas por ramo, enquanto que as “saltadoras” (Salticidae e Oxyopidae) e as “construtoras de teia orbicular” (Araneidae, Tetragnathidae e Uloboridae) foram mais abundantes em locais com menor densidade de folhas, isto é, em plantas com folhagens mais esparsas. As “saltadoras” e as “caçadoras noturnas”, as “construtoras de teias de lençol” (Linyphiidae) e “construtoras de teias irregulares” (Theridiidae) foram mais comuns em ramos de plantas com maior biomassa lenhosa e maior número de bifurcações, enquanto que as “corredoras” (Philodromidae) e as “construtoras de teias orbiculares” foram mais abundantes em espécies de plantas com maior biomassa de folhas. Halaj et al. (1998) também encontraram uma relação positiva apenas entre a abundância de aranhas “construtoras de teia em lençol” e “construtoras de teias irregulares” com a complexidade estrutural de ramos de cinco espécies de plantas, e nenhuma relação entre as aranhas “construtoras de teias orbiculares” e a arquitetura das plantas. Outros estudos encontraram um padrão semelhante para estas guildas de aranhas, e sustentam a hipótese de que grandes araneídeos e tetragnatídeos (aranhas “construtoras de teias orbiculares”) tendem a requerer grandes espaços para construção de suas teias, ocorrendo com mais freqüência em locais mais abertos (Uetz et al. 1978, Greenstone 1984), enquanto as aranhas “construtoras de teias tridimensionais” (Theridiidae) parecem ocorrer preferencialmente em plantas

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com maior densidade de folhas, já que a construção de suas teias normalmente requer espaços pequenos entre os suportes (veja Uetz 1991). As guildas de aranhas não construtoras de teia parecem se distribuir de maneira similar com relação à arquitetura do substrato. A abundância de indivíduos destas guildas na vegetação parece estar positivamente correlacionada com a diversidade de espécies de plantas e com a biomassa foliar ou número de bifurcações de ramos (veja Hatley & MacMahon 1980, Gunnarsson 1988, Halaj et al. 1998, 2000a). No solo estas guildas parecem estar diretamente correlacionadas à diversidade de espécies de plantas e com a altura de serapilheira (Scheidler 1990, Uetz 1991, Hurd & Fagan 1992). A partição espacial de recursos entre guildas de aranhas e principalmente as diferenças na distribuição espacial entre famílias, consideradas como pertencentes à mesma guilda, corrobora a hipótese de que além das especializações por tipos de presas, através do uso de diferentes estratégias de caça, a seleção de habitat pode reduzir as chances de interações negativas e levar a uma maior diversidade espécies num dado habitat (Uetz 1977, Nyffeler & Sterling 1994, Henschel & Lubin 1997). Como já mencionado, a distribuição de guildas de aranhas é avaliada agrupando-se diferentes famílias que possuem comportamentos de forrageamento semelhantes. Entretanto, famílias de uma mesma guilda podem possuir diferentes padrões de distribuição que podem não ser detectados pelos pesquisadores. Souza (1999), num estudo conduzido no sudeste do Brasil, comparou a distribuição das famílias Anyphaenidae e Clubionidae entre três espécies de plantas com diferentes arquiteturas de ramos, descrito como número de folhas por ramo, e mostrou que estas famílias diferiam nos padrões de distribuição. Os clubionídeos ocorreram preferencialmente em plantas com maior número de folhas por ramo, enquanto que a abundância dos anifenídeos foi similar entre as três espécies de plantas. Os Anyphaenidae e os Clubionidae são agrupados em uma mesma guilda por serem aranhas caçadoras de pequeno e médio porte. Além disto, são ativas à noite e passam o dia em abrigos achatados e tubulares feitos de fios de seda em folhas enroladas ou

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curvas. Possuem visão de curto alcance e são normalmente ineficientes na captura de insetos alados. O sistema traqueal é muito desenvolvido, o que lhes permite deslocar-se com incrível rapidez em situações de perigo e na captura de presas entre folhagens de plantas (Comstock 1971, Nyffeler & Sterling 1994, Brescovit 1996, Foelix 1996). Os membros destas famílias noturnas permanecem escondidos em abrigos de seda na folhagem durante o dia, comportamento este que pode reduzir os riscos de predação por animais visualmente orientados como aves e outras aranhas, como os Salticidae. Assim, a baixa disponibilidade de refúgios em plantas com menor densidade de folhas não deveria limitar a distribuição destas aranhas. Mas ao contrário dos Anyphaenidae, a distribuição dos Clubionidae diferiu entre as espécies de plantas. Muzika & Twery (1997) também mostraram que duas famílias pertencentes à mesma guilda (“caçadoras noturnas”) diferiram com relação à abundância na serapilheira de cinco locais com diferentes estruturas de habitat. Os membros de Gnaphosidae foram inversamente correlacionados com a cobertura da vegetação enquanto que os Clubionidae não diferiram entre os locais. Diferenças de distribuição foram detectadas até mesmo entre espécies do mesmo gênero. Uetz (1991) descreveu a distribuição espacial de duas espécies de licosídeos do gênero Schizocosa, distribuídas em locais com serapilheira com características estruturais distintas. Schizocosa rovneri foi mais abundante em áreas de planície de inundação, que têm a serapilheira composta de folhas mais comprimidas; enquanto que S. ocreata foi mais abundante em áreas mais altas, com a camada de serapilheira mais profunda e mais complexa. Na Amazônia Central, Gasnier & Höefer (2001) avaliaram a distribuição espacial de quatro espécies de Ctenus (Ctenidae) em solos arenosos e argilosos. Eles mostraram que enquanto a abundância de C. villasboasi não diferia entre os locais, C. amphora era mais abundante em solos arenosos e C. manauara e C. crulsi ocorriam preferencialmente em solos argilosos. Estas espécies, apesar de pertencerem a uma mesma guilda em classificações comuns, por pertencerem ao mesmo gênero, mostraram padrões de ocorrência entre microhabitats bastante distintos.

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Conclusões Apesar de vários progressos recentes, muitos estudos ainda serão necessários para que se compreenda como a estrutura do hábitat afeta a abundância, diversidade e distribuição de aranhas. Um dos principais obstáculos a serem superados nesta área é a escassez de dados de história natural. Como exposto acima, sem que se saiba que tipos de substratos são preferencialmente utilizados, que tipos de presas são preferidos e como estas presas são capturadas por aranhas de vários grupos, é difícil construir uma classificação em guildas que de fato reflita os padrões de uso de recursos pelas espécies na natureza. Da mesma forma, são necessários mais dados de campo para que se conheçam padrões de associações entre espécies, ou grupos de espécies, de aranhas e plantas. A relação entre complexidade estrutural e diversidade em espécies é bastante conhecida, tendo sido observada em vários grupos de artrópodes terrestres (Langelloto & Denno 2004). Entretanto, falta ainda descrever como a complexidade do habitat afeta cada grupo. Em aranhas, seria essencial determinar o papel da disponibilidade de estruturas para construção de teias, de abrigos contra predadores e da disponibilidade de presas (que é também correlacionada à complexidade estrutural) sobre a abundância e distribuição de cada grupo taxonômico ou guilda. Embora novas observações sejam úteis neste sentido, experimentos de campo, como alguns descritos neste capítulo, são a melhor forma de isolar estes fatores, assim como determinar se estes interagem entre si.

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TEIAS E FORRAGEAMENTO

CARMEN VIERA & HILTON F. JAPYASSÚ

Aranhas são animais famintos. Segundo Riechert & Harp (1987) várias evidências sugerem que as aranhas evoluíram em condições de privação alimentar. Podem, por exemplo, passar por longos períodos de jejum; consumir um grande número de presas quando estas se tornam disponíveis, expandindo consideravelmente o abdome; reduzir seu metabolismo na ausência de alimento suficiente para o crescimento e mesmo alterar sua taxa de crescimento, ajustando-a ao aporte de presas do habitat (e.g. Higgins & Rankin 1996, veja também Nakamura 1987). Características como estas sugerem que as aranhas descendem de um ancestral selecionado por ambientes de baixa disponibilidade de presas. As condições de vida para as aranhas atuais, entretanto, não são diferentes. Em uma ampla revisão da literatura, Wise (1993) demonstrou que a maioria das espécies vive sob estresse alimentar na natureza. Esta conclusão foi sustentada por evidências indiretas, como o fato de existir uma grande variabilidade no tamanho corporal dos indivíduos em populações de aranhas. Além disto, para várias espécies foi observada uma correlação positiva entre a abundância de presas no ambiente e parâmetros como taxas de crescimento, fecundidade e densidade populacional. Evidências diretas, provenientes de experimentos de campo, também sustentam esta hipótese. Por exemplo, o fornecimento de alimento adicional para indivíduos de Neriene radiata (Linyphiidae) levou a uma duplicação no número de ovos produzidos e a um aumento de 30% na taxa de crescimento dos juvenis. Outros experimentos, envolvendo duas espécies da família Araneidae, Argiope trifasciata e A. keyserlingi, detectaram um

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aumento em taxas de abandono de teias e emigração em situações de extrema redução da disponibilidade de presas (veja Wise 1993 para mais detalhes). Se para as aranhas é tão difícil obter alimento suficiente para o crescimento e reprodução, seria de se esperar que evoluíssem características morfológicas e comportamentais que aumentassem sua capacidade de captura de presas, minimizando o gasto energético necessário para isto. Uma destas características é a estratégia de caça conhecida como “senta-e-espera”, em que as aranhas permanecem estacionárias em um local à espera de presas móveis. Esta forma de forrageamento permite ao predador economizar o máximo de energia entre uma captura e outra, mantendo um metabolismo baixo (Enders 1976, Riechert & Luczak 1982). Para um predador que caça dessa forma, seriam extremamente úteis mecanismos que aumentassem sua capacidade de detecção e subjugação de presas, o que para as aranhas tornou-se possível graças ao uso de fios de seda. Todas as aranhas possuem a capacidade de produzir seda, que é utilizada para, entre outras funções, proteger os ovos (veja capítulo 10 deste livro); como modo de locomoção, através de fiosguia; como substrato para a deposição do esperma que será usado para o preenchimento dos órgãos de cópula dos machos (teias espermáticas, veja capítulo 5 deste livro) e como meio de comunicação (veja capítulos 5, 8 e 11 deste livro). Entretanto, o uso mais conhecido de seda por aranhas é, sem dúvidas, como matéria-prima para construção de armadilhas para captura de presas. A construção de teias para captura é amplamente disseminada entre diferentes grupos de aranhas e, como será descrito abaixo, as estruturas e modos de funcionamento destas armadilhas são extremamente variáveis. Embora a evolução de armadilhas de seda não tenha resolvido por completo os problemas de limitação alimentar para as aranhas, certamente teve um importante papel na diversificação do grupo. Uma alta diversidade de tipos de seda e de armadilhas permitiu que as aranhas fossem capazes de explorar uma grande variedade de hábitats e capturar vários tipos de presas (Riechert & Luczak 1982, Craig et al. 1994), assim como de capturar presas maiores, que dificilmente seriam subjugadas apenas com uso de pernas e quelíceras (Enders 1975). Neste capítulo os principais tipos

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de armadilhas de seda construídas por aranhas serão descritos e sua evolução será analisada do ponto de visa filogenético e ecológico. Será também descrito como as aranhas constróem e utilizam suas armadilhas de seda, através de seqüências estereotipadas de comportamentos.

A Seda A seda é composta por proteínas fibrosas que contêm seqüências de aminoácidos altamente repetitivas e é armazenada no corpo das aranhas em forma líquida, adquirindo a conformação de fibra apenas quando é expelida pelas fiandeiras (Craig 1997). Cada fio é composto por um emaranhado de cadeias de aminoácidos (denominado de configuração-α) onde estão inseridos, de forma ordenada, cristais de aminoácidos (configuração-β). Os cristais conferem resistência, enquanto a trama frouxa de aminoácidos confere ao fio sua elasticidade (Vollrath 1992). São essas duas características, a resistência e a elasticidade (essencial para absorver a energia cinética das presas interceptadas), que tornam tão eficientes as armadilhas contruídas com este material. Poucos grupos de aranhas tiveram a composição de suas teias detalhadamente estudada. A maior parte dos dados disponíveis refere-se às teias orbiculares construídas por membros das famílias Araneidae e Tetragnathidae. Essas teias são compostas principalmente (de 55 a 69% dependendo da espécie) pelos aminoácidos alanina e glicina (Tillinghast & Christenson 1984, Tillinghast & Towney 1987). Existe, entretanto, uma considerável variação na proporção de cada aminoácido mesmo quando analisamos fios produzidos por glândulas distintas da mesma aranha (veja Tillinghast & Towney 1987). Podemos dividir os fios produzidos por araneídeos e tetragnatídeos em dois tipos, com base em suas propriedades mecânicas: fios utilizados no arcabouço e raios das teias, e fios constituintes da espiral de captura. O primeiro tipo, produzido pelas glândulas ampoladas, é mais resistente. Já o segundo tipo, produzido pelas glândulas flageliformes e recoberto por uma substância adesiva fabricada nas glândulas agregadas, é mais fraco, porém até 10 vezes mais extensível (Blackledge et al. 2005). As gotículas de material adesivo encontradas nos fios da espiral de captura apresentam

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uma série de componentes solúveis em água (como nitrato de potássio, colina, GABamido, Nacetiltaurina, N-acetilputrescina, entre outros – veja Tillinghast & Townley 1987, Vollrath et al. 1990, Townley et al. 1991). Estes compostos solúveis incluem substâncias higroscópicas, essenciais para a manutenção das propriedades adesivas e elásticas (veja Vollrath et al. 1990, Edmonds & Vollrath 1992, Higgins & Rankin 1999), além de substâncias bactericidas (Tillinghast & Townley 1987). A adição de uma substância adesiva, entretanto, não é a única forma através da qual as aranhas prendem suas presas às teias. Existe ainda um outro tipo de fio, produzido por aranhas que apresentam um conjunto de fiandeiras modificadas (o cribelo), capaz de reter as presas sem a ajuda de nenhum componente viscoso. A superfície dos fios cribelados (veja Quadro 3.1, Fig. 3.1) é composta por milhares de fibrilas protéicas emaranhadas, sustentadas por um par de fibras axiais. Este complexo de fibrilas é responsável pela retenção das presas. Comparações entre teias orbiculares construídas por aranhas com fios cribelados e teias similares construídas por aranhas com fios contendo gotículas adesivas, entretanto, mostraram que as primeiras representam um custo muito maior para as aranhas e são menos eficientes por unidade de área (Opell 1998, 1999). No próximo tópico, a distribuição destes tipos de fios entre diferentes grupos de aranhas será discutida a partir do que se sabe atualmente sobre evolução de tipos de teias em aranhas.

Evolução de tipos de teias Aranhas apresentam uma imensa diversidade de construções baseadas em fios de seda. Alguns estudos clássicos, como os de Peters (1931), Bristowe (1941), Kullmann (1972a) e Turnbull (1960), aguçaram o fascínio despertado pela variedade de arquitetural das teias de aranhas, o que resultou em um grande número de estudos sobre tipos de teias. Uma conseqüência óbvia de todo este interesse é a geração de sistemas de classificação de tipos de teias, assim como tentativas de se descrever sua evolução. Embora nosso conhecimento atual sobre a estrutura das teias de muitos

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grupos de aranhas seja ainda incipiente, é possível desenvolver um panorama geral sobre sua evolução, com o auxílio de hipóteses filogenéticas recentes para o grupo. Uma das formas mais primitivas de uso de fios de seda por aranhas, como revestimento interno de abrigos (Shear 1994), pode ser observada nos membros das infraordens Liphistiomorphae e Mygalomorphae. A família Liphistiidae, com 87 espécies restritas ao leste e sudeste da Ásia (Platnick 2005), é o mais primitivo grupo de aranhas viventes (Coddington & Levi 1991, veja Fig. 3.2). As espécies deste grupo cavam buracos no solo que servem como abrigo contra intempéries e inimigos naturais, assim como locais de acasalamento, cuidado à prole e captura e ingestão de presas (Haupt 2003). Estas cavidades são revestidas internamente com fios de seda e mantidas fechadas por um opérculo de coloração críptica. O opérculo fixa-se à abertura do abrigo por apenas alguns fios, formando uma dobradiça. Assim, estas aranhas permanecem protegidas em seus abrigos, e podem capturar insetos que se deslocam nas proximidades, abrindo o opérculo, agarrando a presa e arrastando-a rapidamente para o interior (Coyle 1986a, Haupt 2003). Fios de teia não são usados para retenção das presas, como ocorre na maioria das famílias mais derivadas de aranhas, mas podem ter um importante papel na detecção de insetos que se aproximam da área de captura. A partir da abertura do abrigo irradiam-se fios de função sensorial: quando uma presa em potencial toca estes fios, um sinal vibratório é emitido em direção ao interior do abrigo, avisando a aranha. Estes fios são mantidos tensionados e suspensos do solo por pequenas hastes de seda (Haupt 2003). Os membros da infraordem Mygalomorphae, as aranhas caranguejeiras, apresentam modos de vida similares ao descrito acima. Em geral elas vivem em abrigos, como cavidades no solo ou sob troncos e pedras, revestidos por fios de teia. Apesar de muitas espécies deste grupo serem consideradas errantes, em geral capturam presas móveis que passam perto de seus abrigos, dos quais raramente se afastam (Coyle 1986a). Estes abrigos podem apresentar opérculos móveis e fios sinalizadores, como nas Liphistiidae, ou incluir várias modificações que facilitam a captura de presas. Dentre estas, pode-se destacar os extensos lençóis de seda construídos por várias espécies das famílias Dipluridae e Hexathelidae (Fig. 3.3A). Estas aranhas usam seus fios de seda não apenas

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como detectores de presas, mas também para retê-las por tempo suficiente para facilitar sua captura (Coyle 1986a). O grupo-irmão das caranguejeiras, a infraordem Araneomorphae (Fig. 3.2), é significativamente mais diverso, com 93% das espécies de aranhas conhecidas até o momento (Platnick 2005), e apresenta uma diversidade muito maior de tipos de teia. As araneomorfas mais primitivas (as famílias Hypochilidae, Austrochilidae e Gradungulidae) são aranhas de distribuição geográfica restrita e hábitos relativamente crípticos. Suas teias consistem em lençóis de seda construídos sob rochas ou barrancos, com fios de sustentação ou interceptação de presas em sua periferia e uma estrutura tubular junto ao substrato, que serve como abrigo (Shear 1969, Lopardo et al. 2004). Estruturas similares podem ser observadas entre as aranhas do clado Haplogynae (Fig. 3.2), embora com várias modificações e especializações em algumas famílias. As espécies de algumas famílias, como Filistatidae e Segestriidae, constróem estruturas primitivas constituídas por refúgios de seda inseridos em cavidades, com poucos fios radiais saindo da borda (Beaty 1970, Foelix 1996, Capocasale 1998). Outros grupos apresentam lençóis com várias modificações estruturais, como tramas tridimensionais irregulares (Drymusidae, Valerio 1974), emaranhados de delicados fios em forma de fita, recobrindo superfícies (Sicariidae, Fig. 3.3B, Knight & Vollrath 2002), lençóis mais elaborados, suspensos no ar (Diguetidae e Scytodidae; Cazier & Mortenson 1962, Nuessly & Goeden 1984, Bowden & Jackson 1988), ou até mesmo lençóis com fios âncora e sapatas adesivas (Pholcidae, Fig. 3.3C, Japyassú & Macagnan, dados não publicados). No clado Entelegynae ocorrem tipos de teias melhor estudados, embora existam poucas informações para a maioria das famílias. Dentre os entelegíneos basais, os Eresidae constróem teias em lençol com fios aderentes cribelados na periferia (Eberhard 1987a). Nas espécies sociais desta família, estas teias podem incluir abrigos complexos, construídos com emaranhados densos de fios (Seibt & Wickler 1988, veja capítulo 9 deste livro - Fig. 9.5B). Os Oecobiidae também constróem teias em lençol, porém estas são usadas apenas como abrigo, formando tubos abertos junto ao substrato (Fig. 3.3D). Estas aranhas capturam suas presas ativamente, girando em torno destas ao

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mesmo tempo em que as embrulham em fios adesivos (Glatz 1967). Dentre as famílias restantes, há dois clados particularmente diversos tanto em número de espécies quanto em comportamento de captura de presas: as aranhas com cribelo dividido e as Orbiculariae (Fig. 3.2). Várias famílias do primeiro clado apresentam tanto espécies errantes quanto construtoras de teias. Em geral estas teias apresentam forma de lençol, em alguns casos com interessantes variações estruturais. Por exemplo, a teia de Nurscia albomaculata (Titanoecidae) é similar à teia orbicular, com raios e espiras pouco organizados, estruturados ao redor de um refúgio (Szlep 1966). Algo parecido ocorre também nas espécies do gênero Fecenia (Psechridae), cuja teia em lençol apresenta uma organização essencialmente orbicular (Robinson & Lubin 1979). Isto não significa, entretanto, que as teias construídas por estas aranhas sejam precursores da teia orbicular, uma vez que elas não são filogeneticamente próximas às aranhas orbitelas (Fig. 3.2). Outras famílias são compostas exclusivamente por espécies construtoras de teias, como Dictynidae, que constróem lençóis emaranhados tridimensionais (Jackson 1978a) e Agelenidae, que acrescentam ao lençol um refúgio tubular, em forma de funil (Foelix 1996). Outras incluem predominantemente espécies errantes, com alguns poucos representantes construtores de teias. Dentre os Lycosidae algumas espécies de duas subfamílias constróem lençóis com abrigos em forma de funil (Fig. 3.3E), como fazem os Agelenidae (Santos & Brescovit 2001). Os Pisauridae constróem teias principalmente durante o período de cuidado maternal, quando as fêmeas protegem os filhotes em grandes teias-berçário, o que gerou o nome popular em inglês destas aranhas, nursery-web spiders (e.g. Sierwald 1988). Entretanto, algumas poucas espécies constróem lençóis emaranhados, com abrigos, quando imaturos (Lenler-Eriksen 1969, Carico 1985) ou mesmo durante todo o ciclo de vida (Nentwig 1985a, Fig. 3.3F). Outra família com poucos representantes construtores de teia é Oxyopidae, um grupo de aranhas errantes que vivem associadas à vegetação. Dentre as 408 espécies desta família (Platnick 2005), apenas uma, do gênero Tapinillus, constrói lençóis de fios emaranhados, usados para captura de presas (Griswold 1983).

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As aranhas com cribelo dividido são, segundo uma análise recente da filogenia das Entelegynae (Griswold et al. 1999), aparentadas à família Nicodamidae, um pequeno grupo restrito à Oceania (Platnick 2005), cujos membros constróem teias em lençol próximo ao solo (Forster & Forster 1999). Este clado (aranhas de cribelo dividido + Nicodamidae) é o grupo-irmão das Orbiculariae, que inclui mais de 10.000 espécies, entre elas as aranhas mais estudadas quanto ao comportamento de construção de teias. Estas aranhas constróem o tipo de teia mais conhecido por leigos e, certamente, mais estudado por especialistas, a teia orbicular. Embora possa variar significativamente em tamanho e formato, dependendo do gênero ou família e do estágio ontogénetico da aranha, assim como de características do local de fixação (Eberhard 1990); a teia orbicular segue um padrão básico em sua estrutura. Estas teias apresentam um quadro externo de fios, formando um arcabouço, fixo por alguns fios-âncora ao substrato. O arcabouço externo é conectado ao centro da teia por vários fios radiais, sobre os quais a aranha deposita uma espiral de fios adesivos (Fig. 3.4). Quando os insetos retidos nestes fios tentam se soltar, emitem sinais vibratórios que convergem pelos fios radiais ao centro da teia, de onde a aranha detecta a presença da presa e determina sua posição exata na área de captura. O fato de as aranhas orbitelas formarem um grupo monofilético, sustentado por vários caracteres morfológicos e comportamentais (Griswold et al. 1999), indica que a teia orbicular evoluiu uma única vez dentre as aranhas, tendo posteriormente sofrido modificações em várias famílias. Esta conclusão resolve uma controvérsia que se manteve na literatura até o final dos anos 1980, quando alguns autores consideravam que a teia orbicular teria surgido pelo menos duas vezes independentemente (Coddington 1986a). Esta posição baseava-se principalmente em dois pressupostos relacionados ao que se sabia (ou se acreditava) na época sobre a filogenia das aranhas e sobre evolução de características de alto valor adaptativo. Um dos mais antigos sistemas de classificação de aranhas dividia a ordem em dois grandes grupos, as Cribellatae e as Ecribellatae, de acordo com a presença ou ausência, respectivamente, do cribelo. Uma vez que teias orbiculares são construídas tanto por aranhas cribeladas (Uloboridae) quanto por aranhas sem cribelo (Araneoidea),

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obviamente se imaginava que a teia orbicular teria surgido duas vezes independentemente. A dicotomia Cribellatae-Ecribellatae foi refutada por Lehtinen (1967), que demonstrou através de análise cladística que nenhum destes grupos é monofilético, uma vez que o cribelo é uma estrutura primitiva entre as Araneomorphae, e que teria desaparecido várias vezes independentemente. Esta hipótese, posteriormente corroborada por outros autores (Coddington & Levi 1991, Griswold et al. 1999), resultou em modificações significativas sobre o modo como se delimitavam grupos taxonômicos em aranhas e, conseqüentemente, sobre como se imaginava que estas evoluíram. Havia entretanto, outra razão porque vários autores consideravam que a teia orbicular deveria ter evoluído mais de uma vez entre as aranhas. Uma vez que estas teias são consideradas armadilhas extremamente eficientes, e ao mesmo tempo relativamente baratas em termos energéticos (Janetos 1982a, Rypstra 1982, Vollrath 1992), elas sempre foram consideradas como de alto valor adaptativo. Por alguma razão, que nunca ficou clara, havia na literatura evolutiva das décadas de 1960-1980 uma noção geral de que características altamente adaptativas deveriam evoluir várias vezes. Logo, obviamente, vários grupos de aranhas deveriam ter convergido para este tipo de teia. O crescimento no uso de métodos de análise filogenética a partir de meados da década de 1990 contribuiu para derrubar preconceitos como este. Atualmente, sabe-se que o fato de uma característica ter ou não valor adaptativo não está necessariamente relacionado a quantas vezes ela teria evoluído (Coddington 1990, De Pinna & Salles 1990). A teia orbicular provavelmente surgiu no ancestral dos Orbiculariae, que seria uma aranha cribelada. O cribelo foi conservado em duas famílias deste clado, Uloboridae e Deinopidae (Deinopoidea), e desapareceu no ancestral das demais onze famílias, que compõem a superfamília Araneoidea (Fig. 3.5). Dentre os Deinopoidea, surgiram várias modificações a partir da estrutura básica de teias orbiculares. Por exemplo, um gênero de Uloboridae, Miagrammopes, constrói teias constituídas por apenas um ou dois fios, e ainda assim captura vários tipos de presas (Lubin et al. 1978). Outra modificação extrema pode ser observada entre os Deinopidae, que capturam presas usando pequenas teias formadas principalmente por fios cribelados cuidadosamente arranjados,

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formando uma rede. Os deinopídeos caçam à noite, mantendo-se pendurados de cabeça para baixo, e segurando suas teias nas pernas I e II (Fig. 3.6A). Quando uma presa passa ao alcance da aranha, ela se move rapidamente, retendo-a com a teia (Coddington & Sobrevila 1987). Embora a teia de Deinopidae se pareça apenas superficialmente com o padrão orbicular (Fig. 3.6B), o comportamento de construção destas aranhas é claramente homólogo àquele exibido por outras aranhas orbitelas (Coddington 1986b). Os Araneoidea englobam mais de 95% das espécies de aranhas orbitelas e são extremamente comuns e amplamente distribuídos em todos os continentes, exceto a Antártida. A impressionante diversidade deste grupo, especialmente se comparado a seu grupo-irmão, os Deinopoidea, provavelmente está relacionada a uma alteração na etapa final da construção da teia, ligada à perda do cribelo. Como já foi mencionado, embora os fios cribelados sejam eficientes para retenção de presas, são muito custosos em termos energéticos. Os Araneoidea usam um substituto bem mais barato em suas teias, um líquido adesivo que é depositado sobre os fios da espiral adesiva (Opell 1997a). Esta mudança, juntamente com uma alteração na orientação das teias, de horizontal para vertical, teriam aumentado significativamente a eficiência das teias destas aranhas, e possivelmente explicam sua alta diversidade (Bond & Opell 1998). A estrutura básica da teia orbicular passou por várias modificações entre os Araneoidea. Algumas destas modificações são relativamente simples, como a presença de abrigos ou ornamentações adicionadas às teias para atração de presas ou proteção contra predadores e parasitas (veja capítulo 10 deste livro). Entretanto, alguns gêneros apresentam teias tão especializadas que seria difícil à primeira vista considerá-los como aranhas orbitelas. O exemplo mais radical seria das espécies de Mastophorinae (Araneidae), que capturam presas usando apenas pequenas bolas adesivas presas a um único fio de seda (veja capítulo 12 deste livro). Todas estas modificações constituem especializações de alguns grupos dentre os Orbiculariae, e ocorrem de forma independente. Entretanto, há uma alteração geral da estrutura da teia orbicular que teve importância especial para a diversificação de algumas famílias dentro do clado. Seis famílias de Araneoidea,

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incluindo Linyphiidae e Theridiidae, que estão entre as maiores famílias de aranhas em número de espécies (Platnick 2005), descendem de um ancestral que abandonou por completo as teias orbiculares, passando a construir teias em lençol (Fig. 3.5, Griswold et al. 1998). Como seria de se esperar em um grupo tão diverso, a estrutura destas teias não é homogênea, variando desde lençóis simples com arcabouços de fios de interceptação, como nos Linyphiidae (Fig. 3.6C), até emaranhados tridimensionais de fios (Theridiidae, Fig. 3.6D-F). As razões porque ocorreu esta mudança radical na construção de teias não estão claras, embora elas possam estar mais relacionadas à proteção contra predadores e parasitas que à captura de presas (Blackledge et al. 2003, veja capítulo 10 deste livro). Teias tridimensionais estão presentes também no clado das sinfitognatóideas, o grupo-irmão das Araneoidea construtoras de lençóis (Fig. 3.5). Neste caso, entretanto, a estrutura tridimensional da teia surge através de vias comportamentais diferentes. As espécies das quatro famílias deste clado mantêm um número variável de fios radiais projetados para fora do plano de construção da teia (Eberhard 1987b, Griswold et al. 1998, Ramírez et al. 2004). Estes fios podem formar barreiras defensivas contra inimigos, ou mesmo participar nos mecanismos de captura da teia. Por exemplo, vários gêneros de Theridiosomatidae usam um fio radial fora do plano para tensionar a teia orbicular, mantendo-a como uma armadilha móvel, que é deslocada sobre insetos que se aproximam (Coddington 1986c, Shinkai & Shinkai 1985). Este tópico apresentou um panorama geral, e certamente incompleto, da evolução de tipos de teias em aranhas. Apenas algumas famílias foram apresentadas, não apenas por limitações de espaço, mas também porque existem poucos dados detalhados sobre estrutura de teias para a imensa maioria dos grupos. Embora sejam conhecidos tipos de teias para membros de todas as famílias de aranhas, a classificação destes tipos é certamente insatisfatória. Isto fica claro quando analisamos as teias referidas neste tópico como “em forma de lençol”. Esta categoria engloba estruturas tão diversas quanto os lençóis densos com abrigos construídos por Aglaoctenus (Lycosidae, Fig. 3.3E), os emaranhados em rede dos Pholcidae (Fig. 3.3C) e os lençóis com fios de interceptação de

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Linyphiidae (Fig. 3.6C). Certamente classificações mais detalhadas seriam bem vindas para uma melhor compreensão sobre a evolução das teias (veja alguns exemplos em Vollrath 1992, Shear 1986, 1994, Foelix 1996, Benjamin & Zschokke 2003). Por outro lado, simplesmente separar teias em categorias não é suficiente, uma vez que teias similares podem surgir a partir de seqüências distintas de comportamentos. Embora o comportamento de construção de teias orbiculares seja bem conhecido em várias famílias, tendo inclusive gerado caracteres de interesse para análises filogenéticas (Eberhard 1982, Griswold et al. 1999), o estudo de seqüências de construção de outros tipos de teias é ainda muito incipiente. Alguns estudos recentes, entretanto, mostram que esta pode ser uma linha de pesquisa bastante promissora (Benjamin & Zschokke 2002, 2003, 2004, Lopardo et al. 2004). O próximo tópico apresenta as seqüências de construção de teias orbiculares, o tipo de teia em que há mais dados disponíveis.

Etapas da construção e variações na arquitetura das teias orbiculares A construção de uma teia orbicular começa com a fixação dos raios e dos fios que farão parte do quadro, passando em seguida para a colocação de uma espiral auxiliar e, finalmente, da espiral adesiva utilizada para a captura de presas (Levi 1978, Foelix 1996). Inicialmente, a aranha permanece imóvel sobre um ponto elevado enquanto produz um fio, que será levado pelo vento até tocar outro ponto da vegetação (Fig 3.7A). A aranha então utiliza este fio para percorrer a distância entre os dois pontos que constituirão as bases de fixação superior da teia. Enquanto se desloca, vai produzindo um fio guia e recolhendo o fio inicialmente depositado até atingir aproximadamente a metade do comprimento entre os dois pontos (Fig. 3.7B). Neste local, o fio guia é conectado ao restante do primeiro fio e a aranha desce até um ponto de fixação localizado logo abaixo (Fig 3.7C). A remoção de parte do fio original e deposição de um novo fio com comprimento um pouco maior permite o deslocamento do ponto central para baixo, formando um Y.

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Os próximos passos são a adição novos raios e dos fios que farão parte do quadro. Para isso, a aranha move-se do ponto 3 para o ponto 1 enquanto produz um novo fio. Este fio é fixado ao ponto 1 e a aranha retorna em direção ao centro, sempre deixando um fio atrás de si. Depois de percorrer parte da distância de volta entre 1 e 3, a aranha fixa o fio que está produzindo àquele produzido anteriormente e continua seu caminho até o centro e, então, ao ponto 2. Com isso são formados simultaneamente um novo raio e o fio ponte, constituinte do quadro (Fig. 3.7D). Um padrão de movimentação semelhante é utilizado para finalizar a construção do quadro. Os raios adicionais são então construídos da seguinte forma: a aranha utiliza um raio já existente como guia enquanto desloca-se do centro para a periferia da teia; durante seu deslocamento ela tece um novo fio (raio temporário), que é momentaneamente preso a uma nova posição do quadro; este fio é então cortado e substituído pelo raio permanente, que é produzido enquanto a aranha movimenta-se novamente para o centro (Fig. 3.7E). Durante a etapa de construção dos raios, a aranha freqüentemente realiza movimentos circulares no centro da teia, possivelmente para determinar a posição ideal para fixação do próximo raio, de modo a estabilizar a tensão ao longo da teia. Após a fixação dos raios, a aranha continua realizando movimentos circulares, construindo o centro (Fig. 3.7F). Estes movimentos vão aumentando de amplitude e originam a espiral auxiliar. Essa estrutura é tecida do centro para as bordas da teia e fixada em todos os raios previamente instalados (Fig. 3.7G), sendo utilizada como guia durante a construção da espiral de captura. Esta última, composta pelos fios adesivos, é tecida da periferia para o centro da teia. A aranha segue realizando movimentos circulares, utilizando a primeira perna para certificar-se da posição do raio seguinte e a quarta perna para puxar o fio da fiandeira e fixá-lo ao raio imediatamente anterior à posição do corpo. O sentido da rotação, entretanto, é freqüentemente alterado, originando os chamados pontos de virada. Ao longo de todo esse processo, a espiral auxiliar vai sendo removida. A fixação da espiral de captura é interrompida pouco antes de atingir o centro, o que resulta em um espaço sem fios adesivos, denominado ‘zona livre’.

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Após tecer a espiral de captura a teia está finalmente pronta e aranha assume sua posição no centro, aguardando a interceptação de presas (Fig 3.7H). Este é um modelo simplificado da construção de uma teia orbicular, baseado principalmente em observações realizadas com Araneus diadematus (Araneidae, veja Zschokke 1993, 1995, 1996, Zschokke & Vollrath 1995a, b para maiores detalhes). Várias etapas da construção (especialmente os estágios iniciais), entretanto, variam muito entre espécies, podendo ser bem mais complexas que o modelo descrito acima. As variações interespecíficas não estão restritas apenas às etapas de construção, mas também ao resultado final obtido após a realização dessas seqüências comportamentais. As teias orbiculares podem apresentar grande variação de tamanho, inclinação, número de raios e espiras, simetria e distância entre espiras (veja Levi 1978). Além disso, algumas espécies constróem estruturas orbiculares incompletas, outras deixam uma abertura no centro da teia (possibilitando a passagem de um lado para o outro) e muitas incluem ainda componentes tridimendisionais às suas teias, como barreiras de fios ou abrigos construídos com folhas, detritos e/ou seda. Existem também espécies que adicionam estruturas de seda e/ou detritos, chamadas estabilimentos, às suas teias orbiculares (veja capítulo 10 deste livro). As características da arquitetura final da teia, como o número de raios e a distância entre espiras, são determinantes para o sucesso de captura de cada tipo de presa. Um número maior de raios, por exemplo, aumenta a capacidade da teia de absorver a energia cinética das presas, possibilitando a captura de insetos mais pesados e rápidos (Craig 1987, Eberhard 1990). Assim, mesmo dentro da mesma espécie, podem existir variações determinadas pelo tipo de presa disponível. Sandoval (1994) demonstrou que Parawixia bistriata (Araneidae) constrói dois tipos de teias com características distintas, dependendo do tamanho de suas presas. O primeiro tipo é uma teia de tamanho reduzido, com diâmetro de aproximadamente 7 cm e com malha muito fina (a distância entre espiras é de cerca de apenas 1,4 mm). Este tipo é construído diariamente, ao pôr-dosol, capturando principalmente pequenos dípteros do gênero Dorhniphora. O segundo tipo é muito diferente. Trata-se de uma teia muito maior (com diâmetro médio de 13,5 cm) e com maior

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distância entre espiras (4,5 mm). Estas teias são construídas durante o dia, sempre quando ocorrem revoadas de cupins (que são presas bem maiores que aquelas habitualmente capturadas). A mudança de tipo de teia permite um grande sucesso de captura de um tipo de presa que surge apenas esporadicamente e indica que os indivíduos desta espécie apresentam uma extraordinária plasticidade no desenho de suas teias de captura. Embora teias sejam armadilhas relativamente eficientes, a captura e remoção de presas retidas nos fios podem ser tarefas bastante complexas. Tal como ocorre na construção das teias, o comportamento de captura de presas é composto por várias etapas, organizadas em uma sequência. Esta seqüência é sujeita a variações dependentes de vários fatores, tanto ligados à aranha quanto a características das presas. Este é o assunto do próximo tópico.

Seqüência Predatória Trabalhos clássicos sobre o comportamento predatório de aranhas orbitelas (e.g. Peters 1931) mostram que a captura é composta por seqüências que variam na ordem e composição dos elementos comportamentais empregados. Tais trabalhos não incluíam dados descritivos e nem quantitativos sobre as unidades de comportamento. Os primeiros autores que realizaram uma descrição e análise das seqüências comportamentais de predação foram Robinson & Olazarri (1971), com Argiope argentata. Embora a ordenação das unidades comportamentais observadas durante a captura de presas nas teias possa variar entre espécies, geralmente segue as seguintes etapas: 1. Localização da presa. As presas aderidas à zona de captura se debatem, produzindo vibrações que, no caso das teias orbiculares, convergem ao centro. Nesta etapa a aranha tensiona fios da teia flexionando as pernas I e II, de modo a localizar a presa na área da captura. Nas espécies de orbitelas que vivem em refúgios fora da teia, as aranhas geralmente mantém um ou mais fios tensos conectados ao centro da teia ou à área de captura. Estes fios servem como via para transmissão de vibrações até a aranha (veja capítulo 10 deste livro – Fig. 10.8).

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2. Deslocamento rápido até a presa. Uma vez detectada a presa e determinada sua posição na área de captura, a aranha se desloca em sua direção. As orbitelas que possuem refúgios se deslocam primeiro até o centro da teia, de onde determinam a posição da presa tensionando os fios radiais (Viera 1995). Este deslocamento muitas vezes é intercalado com novos tensionamentos na teia, especialmente nas aranhas de teia em lençol (Garcia & Japyassú, no prelo; Japyassú & Jotta, no prelo). 3. Imobilização da presa. Quando a aranha estabelece contato com a presa, ela a imobiliza através de uma ou mais picadas e de enrolamentos consecutivos. No enrolamento a aranha joga fios de seda sobre a presa com o auxílio das pernas IV, enquanto as pernas III geralmente mantêm segura a presa (Fig. 3.8). Esta etapa pode ser bastante prolongada, dependendo do tamanho e agressividade da presa. Quando a presa para de se debater, a aranha corta os fios que prendem-na à teia e fixa um novo fio no pacote recém formado. 4. Transporte da presa e ingestão. Após a imobilização da presa, a aranha inicia o transporte, geralmente com a presa pendurada nas fiandeiras, segurando o fio com uma das pernas IV enquanto se desloca ao centro, refúgio ou local de ingestão. Presas pequenas podem ser transportadas diretamente nas quelíceras, muitas vezes sem nem mesmo serem previamente enroladas (Robinson & Olazarri 1971, Díaz-Fleischer 2005). Quando há abundância de presas, a primeira a ser capturada pode ser armazenada no centro da teia enquanto a segunda é imobilizada; esta segunda presa pode então ser armazenada na periferia da teia ou trazida ao centro e enrolada novamente junto com a primeira (Ades 1972). Após o transporte é freqüente a aranha realizar outras atividades não diretamente relacionadas à predação, como auto-limpeza (raspar pernas umas nas outras ou no abdome e passar os apêndices entre as quelíceras), antes de iniciar a ingestão. O enrolamento durante a imobilização da presa é provavelmente uma característica derivada em aranhas, dado sua ausência nos grupos basais, como Liphistiidae (Bristowe 1976), Hypochilidae (Shear 1969) e Dipluridae (Japyassú, observação pessoal), que simplesmente picam a presa e a transportam ao local de ingestão. Esta forma simplificada de imobilização persiste no repertório de

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algumas orbitelas, que a realizam geralmente frente a presas pequenas (Robinson 1975). Outras aranhas, geralmente espécies cursoriais, apresentam um tipo diferente de enrolamento, girando ao redor da presa imóvel enquanto depositam fios de seda. Este comportamento já foi observado em várias famílias filogeneticamente distantes, como Theraphosidae, Lycosidae, Gnaphosidae, Hersiliidae, Oecobiidae, Psechridae, Theridiidae e Ctenidae (Gilbert & Rayor 1985); e por isto deve ter evoluído independentemente várias vezes. Esta modalidade de enrolamento ocorre também em orbitelas, quando a presa capturada é muito grande em relação ao tamanho da aranha (Robinson & Olazarri 1971). Geralmente o enrolamento é precedido pela picada mas, em alguns táxons a aranha primeiro enrola a presa para depois picá-la, no que se convencionou chamar de ataque com enrolamento (wrap attack). Esta inversão na seqüência parece ser uma estratégia derivada, que surgiu para lidar com presas potencialmente perigosas e que poderiam causar injúria à aranha ou danos à teia (Robinson & Olazarri 1971). Os teridiídeos modificaram esta última estratégia, acrescentando seda viscosa aos fios utilizados neste enrolamento de captura (Coddington 1986a). Esta estratégia, denominada ataque com seda viscosa (sticky silk wrap attack), surgiu também, de forma provavelmente independente, entre os folcídeos (Japyassú & Macagnan, dados não publicados). Cabe notar que as considerações evolutivas acima são provisórias. Um sumário da evolução das estratégias de captura em aranhas, baseando-se nas descrições de captura presentes na literatura, parece a princípio inviável. As aranhas são caçadoras generalistas, que apresentam um repertório de captura amplo, variável em função do tamanho e do tipo de presa com que se deparam (Japyassú & Viera 2002, Díaz-Fleischer 2005). Dessa forma, comparar trabalhos feitos em épocas diferentes, que descrevem a captura em espécies diferentes de aranhas, frente a presas também diferentes, parece teoricamente incorreto. Ao utilizar contextos diferentes (tipo de presa, grau de saciedade da aranha, estado de conservação da armadilha), cada autor amostra porções diferentes do repertório global de caça. Para que a comparação entre espécies tenha alguma validade, seria necessário que o contexto de captura fosse experimentalmente uniformizado (Japyassú & Viera 2002).

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Um dos principais fatores responsáveis por variações em seqüências predatórias é o tipo de presa a ser capturado, já que diferentes grupos de insetos apresentam padrões variáveis de vibração quando retidos em teias. Além disto, presas com características diferentes, como tamanho ou presença de estruturas defensivas (ferrões, mandíbulas, defesas químicas) podem demandar comportamentos especificos para sua subjugação.

Discriminação de presas As aranhas aparentemente conseguem discriminar entre suas presas. Peters (1931) mostra que Araneus diadematus ataca moscas que produzem vibrações de asas quando interceptadas pela teia enrolando-as em fios de seda e, em seguida, picando-as. Quando capturam moscas que permanecem imóveis na teia a seqüência é invertida. Estudos posteriores sugerem que a capacidade de discriminar entre presas de diferentes grupos taxonômicos, e de ajustar para cada situação as seqüências de captura, é bastante generalizada entre os Araneidae (Robinson & Robinson 1976a, Viera 1983). Parece claro que o padrão de vibração das presas é informativo, e sua transmissão pelos fios da teia permite que a aranha antecipe características de sua presa, tais como sua massa ou grau de atividade (Suter 1978). Díaz-Fleischer (2005), por exemplo, realizou um experimento para avaliar preferências alimentares em Micrathena sagittata (Araneidae) que indicou que as aranhas são capazes de distinguir entre presas pequenas (moscas do gênero Drosophila) e presas grandes (moscas do gênero Anastrepha). Neste experimento, o pesquisador lançava uma presa pequena na porção superior da teia (posição em que havia sido previamente observado o maior sucesso de captura) e, depois que a aranha começava a se mover para realizar a captura, lançava uma mosca grande na porção inferior da teia. Como controle, foram lançadas moscas pequenas também na porção inferior. Após o fornecimento do segundo estímulo, era feito o registro de que presa havia sido capturada primeiro. No grupo experimental, todas as aranhas mudaram de direção, atacando preferencialmente as moscas grandes. Já no grupo controle, com presas de igual tamanho, a primeira mosca foi sempre atacada.

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Análises mais detalhadas mostram que as diferenças não se dão apenas antes do contato com a presa, mas são também bastante extensas no restante da captura. Por exemplo, Viera (1994, 1995) demonstrou que indivíduos de Metepeira gressa (Araneidae) apresentam um comportamento mais complexo para capturar moscas domésticas que para capturar formigas (Fig. 3.9). Embora as mesmas categorias de comportamento estejam presentes nos dois casos, as aranhas apresentaram vias adicionais entre estas categorias quando capturaram moscas, que são presas que produzem vibrações mais intensas e possuem maior capacidade de fugir da teia. Além disto, a estratégia de captura de formigas sempre envolvia primeiro o enrolamento da presa, intercalado por picadas curtas. Esta estratégia permite à aranha manter maior distância da presa enquanto ela ainda está ativa, reduzindo o risco de injúrias por suas mandíbulas. A capacidade de ajustar o comportamento de captura para presas diferentes é aparentemente inata entre as aranhas e, portanto, independe da experiência prévia de cada indivíduo. Robinson & Robinson (1976a), por exemplo, observaram que adultos de duas espécies de Argiope mantidos em cativeiro e alimentadas apenas com presas mortas, apresentavam diferenças no modo de captura quando apresentadas a diferentes tipos de presas vivas. Resultados similares foram obtidos por Ibarra-Núñez (1984) com juvenis inexperientes de Tegenaria (Agelenidae).

Conclusões Embora a construção de teias para captura de presas seja considerada uma das mais conspícuas características das aranhas, e tenha atraído interesse de pesquisadores desde o século XIX, o conhecimento atual sobre a estrutura, funcionamento e evolução destas armadilhas é ainda insuficiente. Parte desta ignorância pode ser atribuída à extrema diversidade de tipos de teias construídas por diferentes grupos de aranhas, como mostrado, ainda que superficialmente, neste capítulo. Além disto, muitos dos progressos obtidos recentemente nesta área estão ligados ao crescimento do conhecimento geral sobre filogenia de aranhas, assim como o aperfeiçoamento de métodos de observação e análise de dados. Para o aracnólogo interessado em evolução de

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características comportamentais, o estudo de construção de teias e de seqüências predatórias oferece várias vantagens. Esta é uma área em que muitas descobertas podem ser feitas, principalmente porque poucas espécies foram estudadas até o momento, especialmente nos trópicos. Por outro lado, há atualmente um enorme repertório de ferramentas, como métodos de análise de dados, procedimentos para análises de composição química de fios, aparelhos para registro, observação e quantificação de comportamentos; que permitirão às novas gerações de pesquisadores compreender detalhes nunca imaginados, mesmo das espécies mais estudadas.

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Quadro 3.1. Teias de aranhas ecribeladas e cribeladas

Aranhas utilizam dois tipos bem distintos de fios de captura para interceptar e reter suas presas. No primeiro, a propriedade adesiva é proporcionada pela adição de uma substância viscosa. Enquanto as aranhas segregam o conteúdo de suas glândulas flageliformes, formando os fios de seda, produzem uma cola nas glândulas agregadas que adere à teia recém formada. Logo após sua liberação esta cola forma várias gotículas que, dispostas por toda a extensão dos fios, são capazes de prender os insetos que entram em contato com a teia (Fig 3.1A). O segundo tipo de fio é tecido apenas por aranhas que possuem as estruturas morfológicas denominadas cribelo e calamistro (e.g. Uloboridae, Oecobidae, Filistatidae). O cribelo (Fig 3.1B) é uma placa situada logo em frente das fiandeiras, coberta por muitas fúsulas, cada uma conectada a uma pequena glândula. As fibras produzidas por esta estrutura são penteadas por uma série de cerdas presentes na perna IV (cujo conjunto recebe o nome de calamistro – Fig 3.1C), formando uma malha composta por muitos fios extremamente finos. As teias de aranhas cribeladas são formadas apenas por estes fios complexos (denominados autônomos) ou pela combinação de fios simples e complexos (heterônomos). Embora essas teias não apresentem a substância viscosa adicionada às teias de aranhas ecribeladas, são capazes de aderir-se mesmo às superfícies mais lisas, como vidro. Além disso, insetos interceptados em fios cribelados podem facilmente ficar presos na malha de fibrilas (para mais detalhes veja Peters 1987, Opell 1993, 1997a).

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FORRAGEAMENTO DE ARANHAS NA VEGETAÇÃO

GUSTAVO Q. ROMERO & JOÃO VASCONCELLOS-NETO

O animal mais eficiente poderia encontrar alimento a uma taxa indefinidamente alta e manipular (perseguir, subjugar, consumir e digerir) os itens alimentares em um período de tempo insignificante. Evidentemente, nenhum animal age desta forma devido a vários fatores, como limitações físicas do esqueleto e musculatura, e defesas químicas e/ou mecânicas das presas (Harvey 1994). Entretanto, sabemos que animais têm grande capacidade de obter informações sobre o ambiente e utilizá-las para tomar decisões sobre onde e quando forragear. Isto levou ao desenvolvimento de modelos de comportamento de forrageamento que usam o aprendizado como um componente essencial (McNamara & Houston 1985). A dieta ótima, em quantidade e qualidade dos itens alimentares, também deve ser considerada como um componente importante, pois atuará diretamente na aptidão do animal. Portanto, estratégias de forrageamento são rigorosamente moldadas pela seleção natural (Schoener 1971; Huey & Pianka 1981; Morse & Stephens 1996). Existem duas formas básicas de se encontrar uma presa: esperar por ela (predador senta-eespera) ou procurá-la ativamente. Huey & Pianka (1981) compararam as várias características comportamentais, fisiológicas e cognitivas entre lagartos predadores que capturam suas presas ativamente ou por emboscada. Verificaram que enquanto os que caçam por emboscada apresentam baixas capacidade de aprendizado e taxa metabólica, e capturam presas ativas e pequenas; os predadores ativos têm grande capacidade de aprendizado e memória, alta taxa metabólica e capturam presas sedentárias, imprevisíveis e geralmente grandes. Janetos (1982b) também comenta

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que a estratégia de caça ativa é favorecida quando o custo para se mover é baixo ou quando a diferença entre sítios ricos e pobres em alimento é grande. Para obter alimento, os animais devem primeiramente encontrar um habitat favorável, depois um microhabitat favorável e, por fim, escolher os tipos de presas que irão consumir (Hassell & Southwood 1978). Entretanto, os habitats são heterogêneos e podem estar constituídos de microhabitats de diferentes qualidades (disponibilidade de presas). Por isso, a habilidade em selecionar microhabitats ou sítios de forrageamento de melhor qualidade parece ser uma adaptação para obtenção de alimento, cuja distribuição no tempo e espaço é heterogênea (Stephens & Krebs 1986). Uma vez sobre sítios de forrageamento ótimos, os predadores selecionam as presas pelo seu tamanho, táxon, comportamento, toxicidade (impalatabilidade), grau de periculosidade e disponibilidade. Mas geralmente a seleção do item é complexa e dependente de várias destas características. Enquanto alguns animais respondem diretamente aos estímulos da mancha de recursos, outros podem ser atraídos pelo item alimentar per se, como parasitóides que são atraídos por substâncias voláteis provindas diretamente das vítimas, ou polinizadores que são atraídos pelas fragrâncias florais e, portanto, encontram a mancha de recursos quase acidentalmente (Hassell & Southwood 1978). A vegetação deve ser considerada como um complexo muito heterogêneo de ambientes (Morse et al. 1985; Sugihara & May 1990; Scheuring 1991) e os animais que vivem associados a ela devem apresentar características morfológicas e comportamentais que facilitem a captura das suas presas. Aranhas estão entre os artrópodes mais comuns que habitam a vegetação (e.g. Wise 1993) e, por geralmente não consumirem tecido vegetal, são consideradas elementos importantes nos estudos que investigam como a estrutura do habitat afeta a comunidade de artrópodes (Gunnarsson 1990, 1992; Romero & Vasconcellos-Neto 2005a). Neste capítulo discutiremos diferentes tipos de comportamento de captura de presas por aranhas errantes sobre a vegetação, como e porque escolhem determinados microhabitats para forragear, quais as conseqüências desta escolha para o indivíduo e sua prole, porque algumas

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espécies de aranha ocorrem especificamente sobre determinadas espécies de plantas e em que situações as aranhas se alimentam fluidos vegetais (e.g. néctar) e pólen.

Principais guildas e famílias de aranhas na vegetação As aranhas desenvolveram várias estratégias para capturar suas presas. Enquanto alguns grupos adotam a postura senta-e-espera, outros forrageiam ativamente na vegetação. Uma classificação recente dos diferentes modos de forrageamento em aranhas, baseada em análises quantitativas de características ecológicas das famílias, foi proposta por Uetz et al. (1999), que propuseram oito guildas: 1) caçadoras por espreita (ex. Salticidae e Oxyopidae), 2) caçadoras por emboscada (ex. Thomisidae e Pisauridae), 3) corredoras na vegetação (ex. Anyphaenidae e Clubionidae), 4) corredoras no solo (ex. Lycosidae e Gnaphosidae), 5) construtoras de teia em forma de funil (ex. Agelenidae e Amaurobiidae), 6) construtoras de teias em forma de lençol, composto por uma malha irregular de fios (ex. Linyphiidae), 7) construtoras de teias orbiculares (ex. Araneidae, Tetragnathidae e Uloboridae) e 8) construtoras de teias tridimensionais (ex. Theridiidae e Pholcidae). As famílias das aranhas que compõem as guildas das caçadoras por espreita, por emboscada e das corredoras na vegetação geralmente são as habitantes mais comuns de vegetação. Em um estudo extensivo, Nentwig (1993) registrou muitas espécies de aranha associadas a flores, folhas e troncos de várias espécies de planta no Panamá, e todas as aranhas observadas pertenciam a estas guildas. Até 70% das aranhas encontradas nas flores de Lantana camara (Verbenaceae) eram Thomisidae e mais de 90% das aranhas coletadas nestas flores caçavam por emboscada ou por espreita. Estas flores também foram ocupadas por aranhas das famílias Salticidae, Anyphaenidae, Oxyopidae, Pisauridae e Clubionidae. Por outro lado, 46% das aranhas sobre as flores de Palicourea guianensis (Rubiaceae) pertenciam à família Salticidae. Em flores de Rhynchospora nervosa (Cyperaceae), Nentwig (1993) observou grande quantidade de aranhas das famílias Salticidae, Thomisidae, Oxyopidae e Clubionidae. Este autor também verificou que as principais

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famílias de aranhas errantes associadas a folhas foram Salticidae, Pisauridae e Anyphaenidae, sendo que Salticidae e Pisauridae ocorreram preferencialmente em folhas lisas e xeromórficas, enquanto Anyphaenidae ocorreu preferencialmente nas folhas com tricomas. Segundo Nentwig (1993), as aranhas mais comuns sobre troncos de árvores pertenceram à família Salticidae, com aproximadamente metade de todas as aranhas amostradas. Uma vez que as aranhas das guildas das caçadoras por espreita, por emboscada e das corredoras na vegetação não constróem teias, mas vivem em constante contato com a vegetação, podem ter relações mais estreitas com este tipo de substrato que as aranhas construtoras de teias, porque além de usarem plantas diretamente para forrageamento, usam este tipo de substrato também para abrigo e reprodução. Consequentemente, as aranhas que compõem estas guildas são os principais predadores nas interações tri-tróficas e os principais agentes de controle biológico (veja capítulos 14 e 15 deste livro).

Estratégias complexas de forrageamento As estratégias de captura de presas são geralmente mais complexas em aranhas que forrageiam ativamente na vegetação. Enquanto as caçadoras por emboscada esperam imóveis pelas suas presas, geralmente em sítios mais freqüentados por elas (e.g. flores) e direcionam seus esforços apenas para capturá-las, as caçadoras ativas devem encontrar, perseguir, capturar e subjugar suas presas. Os comportamentos de captura de presas por aranhas que habitam a vegetação são indubitavelmente mais complexos nos membros da família Salticidae. Aranhas desta família são ativas e perseguem e capturam suas presas após a detecção visual (Jackson & Pollard 1996). Muitas vivem sobre ramos e folhagens, que são ambientes tridimensionais e topograficamente complexos (Jackson & Blest 1982; Jackson & Hallas 1986a). A geometria complexa destes ambientes faz com que um salticídeo freqüentemente veja uma presa que não pode ser alcançada simplesmente caminhando até ela (Tarsitano & Andrew 1999). Nestas circunstâncias, salticídeos devem tomar

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desvios para alcançar uma posição de onde possam atacar a presa. Para isso, desenvolvem comportamentos complexos, como discutido a seguir. Hill (1979) desenvolveu uma série de experimentos com várias espécies de Phidippus (Salticidae) para verificar como salticídeos mantinham o rumo correto em direção à presa. Para isso, construiu objetos em diferentes configurações para simular a vegetação, de modo que, quando as aranhas eram introduzidas neste substrato, teriam várias rotas, umas mais longas e outras mais curtas e com ângulos diferentes, para alcançar a presa (uma mosca suspensa em uma linha). Hill verificou que Phidippus geralmente utilizava as rotas mais curtas para alcançar a presa. Durante o deslocamento, estas aranhas retinham uma memória de curto prazo da posição do inseto (ângulo e distância), davam paradas para se re-orientar e memorizavam novamente o novo ângulo e distância da presa. As aranhas também utilizavam informações visuais do local da presa em relação aos objetos encontrados no trajeto. O autor sugeriu que salticídeos podem utilizar pelo menos três sistemas de referência independentes para determinar a posição da presa em um espaço tridimensional: direção da rota, gravidade e informações visuais do ambiente. Tarsitano & Andrew (1999) testaram a escolha de Portia labiata (Salticidae) por tipos de rota que proporcionavam ou não acesso à presa. Para isso, construíram um aparato contendo uma plataforma basal de 30 x 30 cm e em duas das suas extremidades encaixaram mastros verticais. Um arco sobre a plataforma ligou um mastro a outro. Uma das extremidades deste arco foi cortada de modo a produzir um intervalo que simulava uma barreira para a aranha. Uma presa (aranha artificial) foi encaixada no centro deste arco e cada aranha foi liberada no centro da plataforma, abaixo do arco. Os autores verificaram que P. labiata optou pela rota completa, sem o intervalo, para alcançar a presa após uma série de inspeções visuais prévias de ambas rotas. Os aparatos utilizados nestes estudos simularam a complexidade da vegetação e, a partir deles, foram elucidadas algumas maneiras pelas quais as aranhas da família Salticidae resolvem problemas para alcançar uma presa em ambientes topograficamente complexos. Entretanto, pouco

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se sabe sobre comportamentos de aranhas de outras famílias que forrageiam ativamente na vegetação.

Escolha do sítio de forrageamento Vários estudos demonstraram por meio de experimentos ou observações de campo como e por que as aranhas selecionam um sítio de forrageamento e quais conseqüências esta escolha pode trazer para o sucesso na captura de presas, para a aptidão individual e indiretamente para a sobrevivência da prole. Muitos destes estudos foram especialmente conduzidos utilizando-se aranhas da família Thomisidae como modelos de predador senta-e-espera (Fig. 4.1). Resultados destes estudos serão discutidos a seguir.

Conseqüências da escolha do sítio para o sucesso na captura de presas Aranhas devem maximizar seu ganho energético pela escolha dos sítios de forrageamento de melhor qualidade (maior abundância de presas), conforme previsto pela teoria do forrageamento ótimo. Nesta seção, comentaremos alguns estudos que demonstram que, em geral, as aranhas têm habilidade para selecionar os sítios mais ricos em presas. Morse & Fritz (1982) investigaram como fêmeas adultas da aranha Misumena vatia (Thomisidae) se comportam em relação à qualidade de locais de forrageamento sobre a planta Asclepias

syriaca

(Asclepiadaceae),

considerando três

escalas

diferentes

de manchas:

inflorescências, ramos e clones. Nas inflorescências há flores brancas, que são novas e ricas em néctar, e amarelas, que são velhas e pobres em néctar. Os autores verificaram que quanto maior a proporção e o número de flores brancas em cada inflorescência, maior a taxa de visitas por insetos. Experimentos foram conduzidos introduzindo-se aranhas em inflorescências e em ramos de diferentes qualidades. Como resultado, os autores verificaram que as aranhas introduzidas nas manchas com mais flores brancas permaneceram nestas por mais tempo do que as aranhas que foram introduzidas nas manchas com mais flores amarelas (veja também Robakiewicz & Daigle

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2004). Entretanto, 30% das aranhas permaneceram por bastante tempo nos sítios pobres em presas. Os autores supõem que este resultado é conseqüência de visitas ocasionais das presas nestes sítios pobres, que significou um estímulo suficiente para que as aranhas permanecessem no local. A maioria das aranhas introduzidas nos ramos de alta qualidade permaneceu e capturou presas, enquanto grande parte das que foram introduzidas em sítios pobres migraram para sítios mais ricos. Entretanto, houve grande variação no número de aranhas que permaneceu ou migrou para outros sítios. Os autores sugerem que esta variação pode ser causada pela alta variabilidade nas freqüências de visitas de polinizadores às inflorescências. As principais plantas usadas como sítios de forrageamento por Misumena vatia (Thomisidae) na área onde Morse desenvolveu seus estudos são A. syriaca, Solidago juncea (Asteraceae) e Rosa carolina (Rosaceae). Morse (1981) verificou que M. vatia permanece por mais tempo e captura maior biomassa de insetos nas duas primeiras espécies que na terceira, provavelmente porque os itens alimentares preferidos (e.g. abelhas Apis mellifera) ocorreram mais nestas plantas. Durante o dia M. vatia capturou maior biomassa de insetos quando sobre Solidago do que quando sobre Asclepias e Rosa, mas durante a noite capturou maior biomassa de presas sobre Asclepias. Esta diferença no sucesso de captura de presas entre dia e noite ocorreu porque no período noturno grande quantidade de mariposas da família Noctuidae visitavam as flores de Asclepias e foram os únicos itens alimentares capturados neste período. Morse (1981) sugere que M. vatia ocorreu mais freqüentemente sobre Solidago e sobre Asclepias porque estas plantas são as mais visitadas por insetos acessíveis durante o dia e noite, respectivamente (veja também Morse 1984, 1986). Morse (1979) estudou o comportamento de captura de presas por M. vatia sobre roseiras R. carolina, que são freqüentemente visitadas pelas abelhas grandes (e.g., Bombus spp.), por uma pequena mosca (Toxomerus marginatus, Syrphidae) e por outros dípteros e himenópteros pequenos que têm aproximadamente 1/60 da biomassa das abelhas. Apesar das abelhas Bombus terem sido os visitantes florais mais freqüentes, as aranhas tiveram maior sucesso de captura de presas menores.

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Pela teoria do forrageamento ótimo, abelhas Bombus compõem o item mais importante neste sistema, pois além de serem mais freqüentes, são as maiores presas disponíveis. Se as aranhas se especializassem em capturar esta presa, ganhariam 7% a mais de alimento em relação aos outros itens. Apesar disso, não houve tendência a uma especialização. Morse supõe que, neste caso, a especialização não é favorecida porque, apesar do ganho energético em capturar as presas grandes, estas são muito difíceis de serem capturadas e o tempo entre uma captura e outra é muito longo. Em outro estudo, Morse (1983) comparou os padrões de forrageamento entre as aranhas M. vatia e Xysticus emertoni (Thomisidae) e verificou que a primeira aranha capturou principalmente Apis mellifera, e espécies de Noctuidae e Geometridae, mas raramente capturou Bombus spp. Misumena vatia capturou todos os tipos de presas usadas por X. emertoni, mas em contraste, incluiu mais Bombus na sua dieta. Com isso, M. vatia consumiu uma biomassa de presas duas vezes maior do que X. emertoni. Com estes resultados, Morse supõe que X. emertoni falhou em optar por sítios mais ricos em presas e comenta que aranhas deste gênero são primariamente caçadoras de liteira e, por isso, devem ser mais bem adaptadas a capturar presas no solo e não na vegetação. Para testar se o tamanho das manchas de plantas com flores e as espécies das plantas exercem algum efeito no sucesso de captura de presas por Misumenoides formosipes (Thomisidae), Schmalhofer (2001) manipulou o tamanho das manchas das plantas Bidens aristosa e Solidago juncea (Asteraceae) inseridas em potes. Agrupamentos de potes (n = 5) simularam manchas grandes e potes individuais simularam manchas pequenas. O número de insetos que visitou as inflorescências de Bidens foi três vezes maior do que Solidago. Entretanto, manchas maiores de Bidens e Solidago atraíram o mesmo número de insetos, mas os insetos que freqüentaram manchas grandes de Bidens apresentaram maior tamanho (e.g. mamangavas, abelhas grandes e lepidópteros). Indivíduos de M. formosipes que foram experimentalmente introduzidos nestas plantas capturaram maior número de insetos, incluindo indivíduos maiores, quando sobre manchas grandes de Bidens em relação às manchas pequenas desta planta e a manchas grandes e pequenas de Solidago.

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Consequentemente, ganharam mais massa quando forragearam sobre Bidens. Durante o experimento, a autora observou grande taxa de migração de M. formosipes de Solidago para Bidens. Em um estudo recente desenvolvido no Brasil, Romero & Vasconcellos-Neto (2004a) verificaram que aranhas da espécie Misumenops argenteus (Thomisidae) ocorreram mais freqüentemente sobre ramos da planta Trichogoniopsis adenantha (Asteraceae) com maior número de capítulos em fase de ântese do que em ramos com maior número de capítulos em fase de botão, de pré-ântese, de pré-dispersão e de dispersão. Entretanto, esta ocorrência diferencial de M. argenteus entre os diferentes tipos de ramos se deu somente na estação chuvosa (dezembro a maio) e não na estação seca (junho a novembro). No período chuvoso, os ramos com mais capítulos em ântese atraíram maior quantidade de insetos (visitantes florais e herbívoros) do que ramos com capítulos nas demais fases de desenvolvimento. Entretanto, no período seco os insetos ocorreram de forma aleatória entre os diferentes tipos de ramos. Os machos adultos não selecionaram especificamente sítios com mais presas, o que sugere que eles estariam em busca de fêmeas para acasalamento e não de alimento. Além disso, os jovens recém emergidos das ootecas selecionaram capítulos na fase pré-dispersão, que são pobres em presas mas fornecem abrigos entre os estigmas murchos tombados sobre as brácteas. Em outro estudo sobre o mesmo sistema descrito acima, Romero & Vasconcellos-Neto (2003) demonstraram que M. argenteus se alimentou de grande diversidade de itens alimentares. Entretanto, esta aranha capturou alguns itens alimentares com maior freqüência do que o esperado pelo acaso. Estes itens foram formigas, espécies de Chironomidae (Diptera), Grillidae (Orthoptera) e Braconidae (Hymenoptera), que são insetos ápteros ou que permanecem nos ramos por bastante tempo e, por isso, foram mais facilmente capturados. Em contraste, estas aranhas nunca capturaram Melanagromyza sp. (Diptera), que é um inseto muito comum sobre a planta, porém muito ágil. Esta agilidade pode favorecer o inseto contra o ataque destes tomisídeos (Romero & Vasconcellos-Neto 2004b). Além do mais, M. argenteus rejeitou algumas cigarrinhas (Membracidae), possivelmente porque estes insetos estavam sob proteção de formigas (Camponotus sp.). Dentre os visitantes

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florais, as aranhas preferiram mariposas Ctenuchinae (Arctiidae) e rejeitaram borboletas Ithomiinae (Nymphalidae). Ambos grupos de visitantes possuem tamanhos semelhantes e seqüestram alcalóides pirrolizidínicos, compostos tóxicos freqüentemente rejeitados por vários outros artrópodes, incluindo outras aranhas. Uma possível explicação para esta preferência é que as mariposas têm as pernas muito mais curtas do que as das borboletas. Desta forma, ficam mais próximas das flores e se tornam presas mais vulneráveis às aranhas. Além das aranhas geralmente escolherem os melhores sítios para forragear, como visto acima, algumas ainda têm a habilidade de mimetizar diferentes espécies de flores, tornando-se simultaneamente crípticas para suas presas (e.g. abelhas), mas também para seus predadores (e.g. pássaros). Théry & Casas (2002) demonstraram que fêmeas de Thomisus onustus (Thomisidae) adaptam a coloração de todo seu corpo para flores sobre as quais tentam se esconder. Usando métodos de espectroradiometria, os autores verificaram que para as aranhas parecerem crípticas, igualaram-se à cor de diferentes espécies de flor (Mentha e Senecio) na amplitude de visão de cor usada por pássaros (UV-azul-verde-vermelho) e por abelhas (UV-azul-verde). Em um estudo desenvolvido no sudeste do Brasil, J. Vasconcellos-Neto e colaboradores (dados não publicados) verificaram que fêmeas de Epicadus heterogaster (Thomisidae, Fig. 4.1) apresentam fluorescência em luz UV (337.1 nm) com um pico de emissão na região azul (450-500 nm). Tanto adultas quanto jovens apresentam polimorfismo de coloração, variando entre branco, amarelo e lilás. Estas aranhas são muito semelhantes a uma flor, porque além da coloração vistosa, possuem projeções no abdômen e coloração amarela nas extremidades das suas pernas (para as brancas e lilases) que assemelham-se a anteras de flores (Fig. 4.1). Além disso, seu comportamento lento durante o deslocamento nas folhas assemelha-se a flores agitadas pelo vento. Com estes comportamentos, colorações e morfologia, as aranhas podem se passar por flores e confundir visitantes florais. De fato, os autores presenciaram em campo alguns visitantes florais (e.g. borboletas, dípteros sirfídeos, abelhas e vespas) se aproximando e sendo capturados pelas aranhas.

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Como as aranhas escolhem e/ou encontram os sítios de forrageamento? Vimos na seção anterior que as aranhas têm grande habilidade de selecionar sítios de forrageamento de melhor qualidade. Mas como encontram tais sítios? Nesta seção, mostraremos que as aranhas usam informações do ambiente, como freqüência de visita de presas entre os diferentes substratos, e memorizam e relacionam estas informações com características do substrato (coloração, textura e odor) de melhor qualidade. As aranhas encontram estes substratos por meio de informações visuais, táteis e olfativas, como veremos a seguir. Para verificar se as aranhas memorizam o caminho para alcançar o melhor sítio e se reconhecem e diferenciam à distância tais sítios, Morse (1993a) liberou fêmeas adultas de M. vatia em gramíneas e, depois de várias horas, verificou que mais de 80% das aranhas se moveram para Asclepias, em detrimento de outras espécies de plantas, com ou sem flor, igualmente abundantes na área de estudo. Uma vez sobre Asclepias, as aranhas selecionaram ramos com flores. Em um experimento subsequente, Morse (1993a) liberou aranhas em gramíneas logo abaixo de plantas Asclepias com quatro ramos floridos e quatro ramos vegetativos (sem flores). As aranhas que escolheram os ramos floridos foram recolhidas e novamente liberadas nas bifurcações entre os ramos floridos e vegetativos. Entretanto, a escolha pelos dois tipos de ramos foi aleatória, indicando que as aranhas têm habilidade para reconhecer o caule das plantas que fornecem ramos de boa qualidade, mas não memorizam informações de como chegar a tais ramos. Para que estes ramos sejam encontrados, as aranhas devem se deslocar aleatoriamente. Para testar a hipótese de que experiências adquiridas sobre a qualidade do sítio de forrageamento podem ser armazenadas na memória e transmitidas para instares subsequentes, Morse (1999) coletou fêmeas de M. vatia em penúltimo instar em duas espécies de plantas: margaridas (Chrysanthemum leucanthemum, Asteraceae) e ranúnculo (Ranunculus acris, Ranunculaceae). Em seguida, estas aranhas foram marcadas e liberadas sobre a espécie de planta em que foram coletadas ou sobre a outra espécie, gerando um desenho recíproco com quatro tratamentos (margarida para margarida, margarida para ranúnculo, ranúnculo para margarida e

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ranúnculo para ranúnculo). Morse verificou que 80% das aranhas tenderam a deixar ranúnculos mais cedo do que margaridas do experimento, especialmente se elas estavam previamente sobre margaridas. O autor sugere que as aranhas acessaram a qualidade de um sítio de forrageamento em potencial, talvez em resposta à abundância de presas (maior em margaridas). Em um experimento subsequente, Morse verificou que quando as aranhas sub-adultas estavam sobre margaridas, preferiram esta planta depois da muda (adultas) e, da mesma forma, as sub-adultas sobre ranúnculos preferiram ranúnculos quando adultas. Para organismos com vários estágios de desenvolvimento, seria muito custoso se a cada muda tivessem que aprender novamente onde forragear. Mantendo informações adquiridas em experiências anteriores, as aranhas economizariam mais tempo na procura de sítios de forrageamento de boa qualidade. Aranhas recém emergidas das ootecas são especialmente favoráveis para estudos sobre a contribuição inata ao comportamento de forrageamento. Morse (2000a) demonstrou que aranhas jovens recém-emergidas de M. vatia permaneceram por períodos diferentes sobre capítulos de Solidago de diferentes fenofases e ficaram mais tempo sobre capítulos em ântese, que são os que atraem mais presas. Os indivíduos que permaneceram em capítulos de baixa qualidade abandonaram estes sítios no primeiro ou segundo dias dos experimentos, mas os que estiveram nos sítios ricos permaneceram nestes até o final dos experimentos (cinco dias), indicando que jovens têm capacidade inata de escolher sítios de forrageamento (veja também Morse 2000b). Greco e Kevan (1994) desenvolveram experimentos em arenas, onde incluíram quatro tipos de ramos de Solidago canadensis: ramos com folhas e flores, ramos somente com folhas, ramos somente com flores e ramos sem folhas ou flores. Os autores liberaram fêmeas adultas de M. vatia e verificaram que tais aranhas escolheram somente os ramos que continham flores e folhas. Enquanto flores devem proporcionar sítios de forrageamento, folhas devem proporcionar sítios de nidificação e/ou abrigo (veja Morse 1990). Os autores sugerem que para as aranhas fazerem a escolha, devem usar informações visuais e táteis. Em outro experimento, Greco e Kevan (1994) introduziram flores artificiais de diversas cores e observaram uma preferência por flores amarelas, o que mostra a

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importância de informações visuais na escolha do substrato pelas aranhas. Kevan & Greco (2001) desenvolveram experimentos semelhantes, em arenas, mas com recém emergidos de M. vatia, e demonstraram que, diferente dos adultos, jovens moveram-se aleatoriamente para as três espécies de plantas. Além disso, os jovens escolheram aleatoriamente tanto os ramos com flores quanto aqueles sem flores, conforme previsto pelo acaso. Estes resultados não concordam com o esperado pelas teorias do forrageamento ótimo, que propõem que animais devem maximizar seu ganho energético escolhendo os melhores sítios de forrageamento. Os autores sugerem que jovens podem escolher mais sítios de abrigo do que sítios de forrageamento. Em um experimento de campo, Morse (1990) verificou que M. vatia escolhe a planta Asclepias, dentre várias outras disponíveis, para oviposição. Segundo este autor, a escolha pela planta deve ser governada pelas características da folha. Provavelmente as aranhas preferem folhas de Asclepias por apresentarem grande densidade de tricomas e por serem mais flexíveis e de maior tamanho. Evans (1997) também verificou que um tomisídeo social do gênero Diaea escolhe abrigos em ramos Eucaliptus (Myrtaceae) pelas características morfológicas das folhas. Mas, ao contrário de M. vatia, Diaea sp. prefere folhas menores, pois não consegue manipular folhas grandes devido ao seu tamanho pequeno. Como discutido acima, tomisídeos escolhem substratos para abrigo e forrageamento principalmente através de estímulos táteis e visuais. Entretanto, é possível que sinais químicos sejam utilizados em algumas situações. Um estudo desenvolvido por Krell & Krämer (1998) indica que Thomisus daradioides e T. blandus são atraídos por uma substância volátil (eugenol [(e)-2Octenal e (e)-2-Decenal]), encontrada em flores de plantas de diferentes famílias em todo o mundo. Em um estudo feito na Austrália, Heiling et al. (2004) demonstraram em arenas experimentais que Thomisus spectabilis, bem como o visitante floral Apis mellifera (Hymenoptera), preferiram flores de Chrysanthemum frutescens com odores naturais a flores cujos odores foram removidos. Os autores verificaram que características visuais das flores (tamanho e reflectância) não influenciaram a escolha das flores pelas aranhas e abelhas. É possível que as aranhas memorizem compostos

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químicos comuns em flores, como o eugenol, e utilizem-nos como pistas para encontrar os sítios de forrageamento, que provavelmente serão mais visitados pelos polinizadores.

Conseqüências da escolha do sítio para o sucesso reprodutivo da fêmea Como visto acima, a aranha M. vatia seleciona sítios de forrageamento onde a disponibilidade de presas é maior. Para verificar se a escolha pelo sítio influencia o sucesso reprodutivo desta aranha, Fritz & Morse (1985) marcaram várias fêmeas adultas com tinta nanquim, pesaram cada aranha antes da oviposição e, em seguida, liberaram-nas em ramos de Asclepias. Após a postura das ootecas, as fêmeas e os ovos foram pesados e o número de ovos foi contado. O peso da ninhada e o número de ovos apresentaram correlação positiva com o peso das fêmeas um pouco antes da oviposição. Os autores verificaram que, apesar das fêmeas terem atacado mais abelhas grandes (Bombus spp.), capturaram mais abelhas de tamanho inferior (Apis mellifera). Entretanto, as que conseguiram capturar Bombus ganharam mais peso. Conseqüentemente, as fêmeas que ganharam mais peso produziram ovos maiores e em maior quantidade. Portanto, as aranhas que selecionaram os sítios ricos em presas tiveram maior sucesso reprodutivo que as fêmeas que ocorreram em sítios sub-ótimos. A aranha Latrodectus geometricus (Theridiidae) ocorre com freqüência sobre rosetas de Paepalanthus bromelioides (Eriocaulaceae) na Serra do Cipó (MG). Figueira & Vasconcellos-Neto (1993) verificaram que as plantas maiores abrigaram maior quantidade de presas e também encontraram forte relação positiva entre tamanho das rosetas e peso das fêmeas. Consequentemente, fêmeas sobre as plantas maiores produziram maior número de ovos.

Conseqüências da escolha do sitio para a sobrevivência da prole A escolha do sítio de forrageamento pelas fêmeas adultas pode afetar a sobrevivência da prole. Morse (1988) demonstrou que ootecas em que as fêmeas de M. vatia foram removidas foram mais atacadas por parasitóides ou predadores de ovos, como Trychosis cyperia (Hymenoptera,

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Ichneumonidae), Megaselia sp. (Diptera, Phoridae) e formigas Formica sp. (Hymenoptera) em relação às ootecas protegidas pelas fêmeas. Além disso, Morse mostrou que fêmeas maiores protegeram mais a prole que fêmeas pequenas, provavelmente devido ao aumento da capacidade de guarda. Como o tamanho da fêmea é reflexo direto da escolha do sítio (veja acima), o incremento em massa em períodos pré-oviposicão, além de promover aumento do sucesso reprodutivo, também aumenta a taxa de sobrevivência da prole em períodos subseqüentes. Em outro trabalho, Morse (1990) verificou experimentalmente em caixas instaladas no campo que M. vatia escolheu mais folhas de Asclepias do que de roseira (R. Carolina), de Apocynum androsaemifolium (Apocynaceae) e de Prunus virginiana (Rosaceae) para ovipor. A sobrevivência da prole foi maior na primeira planta, devido à baixa infestação pelo icneumonídeo T. cyperia. Morse sugere que esta vespa deve evitar parasitar as ootecas nesta planta devido aos canais laticíferos presentes em suas folhas. Se por acaso perfurarem tais canais, podem ter seu ovipositor danificado pelo látex. Portanto, o sucesso na taxa de sobrevivência da prole pode ter sido conseqüência da escolha da fêmea pelo sítio de oviposição. Os filhotes recém emergidos de M. vatia também são freqüentemente atacados pela aranha Metaphidippus insignis (Salticidae) antes da dispersão. Morse (1992) testou qual seria o efeito da guarda da mãe sobre a sobrevivência destes jovens e verificou que ninhadas que receberam cuidados das fêmeas apresentaram menores taxas de mortalidade que aquelas que não receberam cuidado maternal. Mas desta vez, o tamanho da fêmea não esteve correlacionado com o seu sucesso na defesa, provavelmente porque mesmo a menor fêmea de M. vatia era várias vezes maior do que o maior indivíduo de M. insignis, de modo que todas tiveram sucesso na expulsão dos predadores. Os sítios onde as fêmeas depositam seus ovos também podem afetar a sobrevivência dos imaturos após a dispersão. Morse (1993b) verificou que o tipo de substrato onde as ootecas de M. vatia foram construídas afetou grandemente a dispersão dos jovens. Experimentos em que Morse (1993b) liberou imaturos mostraram que tais aranhas permaneceram muito mais tempo sobre Solidago do que sobre Asclepias ou outras asteráceas. O autor sugere que a primeira planta atrai

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maior quantidade de insetos pequenos, que são mais facilmente capturados pelas aranhas neste instar. Os jovens que nasceram das ootecas construídas próximas às inflorescências de Solidago freqüentemente moveram-se para estes sítios e possivelmente sua taxa de sobrevivência foi alta, mas os que nasceram das ootecas distantes das inflorescências de Solidago raramente colonizaram tais plantas. Portanto, a sobrevivência das aranhas recém emergidas pode estar intimamente relacionada com a escolha do sítio de forrageamento e de oviposição da fêmea.

Associações específicas entre aranhas e plantas Embora várias famílias de aranhas sejam reconhecidas por viverem tipicamente sobre a vegetação, exemplos de especificidade pela planta hospedeira, como é comum em insetos fitófagos (veja Schoonhoven et al. 1998), são pouco conhecidos para aranhas. Entretanto, estudos recentes têm demonstrado que algumas aranhas das famílias Thomisidae, Oxyopidae, Salticidae e Araneidae vivem estritamente associadas a determinadas espécies de plantas ou a grupos de plantas que partilham características em comum. Estes estudos serão discutidos a seguir.

Especialização por plantas com tricomas glandulares Várias plantas pertencentes a diversos grupos taxonômicos possuem tricomas glandulares na superfície de suas folhas e caules. Tais estruturas devem ter surgido como uma defesa direta contra herbívoros ou patógenos (Duffey 1986). No entanto, estudos recentes têm demonstrado que algumas aranhas das famílias Oxyopidae e Thomisidae forrageiam e se reproduzem preferencialmente sobre plantas com este tipo de tricoma. As aranhas do gênero Peucetia (Oxyopidae) não constróem teias, mas tecem fios-guia entre ramos, flores ou folhas das plantas onde vivem. As fêmeas depositam suas ootecas sob folhas e permanecem próximas a elas por vários dias, provavelmente até quando os filhotes começam a emergir. Algumas espécies de aranhas deste gênero foram observadas associadas a mais de 40 espécies (13 famílias) de plantas com tricomas glandulares em diversas localidades do Brasil (Fig.

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4.2), Colômbia, Panamá, EUA, Espanha e em alguns países do continente africano (J. Vasconcellos-Neto et al., em prep.). Os tricomas glandulares destas plantas aprisionam pequenos insetos e dificultam a locomoção de insetos maiores, facilitando a captura de presas. A aranha Misumenops argenteus (Thomisidae) também foi observada sobre plantas com tricomas glandulares. Na Serra do Japi (SP), esta aranha ocorreu muito mais freqüentemente do que o esperado pelo acaso sobre as plantas Trichogoniopsis adenantha e Hyptis suaveolens (Lamiaceae), que possuem tais tricomas, do que sobre plantas disponíveis sem estas estruturas (Fig. 4.3). Além disso, T. adenantha floresce o ano todo, podendo atrair presas durante todo o ciclo de vida desta aranha. Estes atributos podem ser importantes para a especialização de M. argenteus nestas plantas (Romero & Vasconcellos-Neto 2004a). Os tricomas glandulares podem ser benéficos para o tomisídeo, uma vez que dificultam o deslocamento e até mesmo fixam presas, como formigas e quironomídeos (Diptera, Chironomidae), que são bastante utilizados por esta aranha (até 21% de toda a dieta, Romero & Vasconcellos-Neto 2003).

Especialização por bromeliáceas ou plantas semelhantes Plantas da família Bromeliaceae são quase exclusivamente neotropicais e são freqüentemente habitadas por uma grande variedade de artrópodes aquáticos e terrestres (Benzing 2000). Algumas aranhas da família Salticidae vivem especificamente associadas a bromélias em vários tipos de vegetação, como cerrados, florestas semidecíduas, vegetação de dunas costeiras, restingas, afloramentos rochosos (inselbergs), florestas de altitude e florestas atlânticas, em várias regiões do Brasil, Bolívia, Paraguai e Argentina (G.Q. Romero, dados não publicados). Estas aranhas usam bromélias como sítios de forrageamento, bem como sítios de acasalamento, berçários e abrigos contra predação e condições climáticas adversas (Rossa-Feres et al. 2000; Romero & Vasconcellos-Neto 2004c, 2005a, b, c). Até agora, o exemplo mais conhecido de associações aranhas-plantas é o da aranha Psecas chapoda com Bromelia balansae (Bromeliaceae). Esta aranha ocorre quase exclusivamente sobre B.

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balansae em várias regiões de cerrado e floresta semidecídua no Brasil, Bolívia e Paraguai (RossaFeres et al. 2000; Romero & Vasconcellos-Neto 2005a, b, c). Todo o seu ciclo reprodutivo, incluindo a corte, acasalamento, postura das ootecas e recrutamento populacional dos jovens ocorre sobre a bromélia. As fêmeas produzem até duas ootecas que são colocadas na região mediana da folha, no lado côncavo, e cobertas por um lençol de seda, tecido de borda a borda da folha (RossaFeres et al. 2000). Romero & Vasconcellos-Neto (2005c) verificaram que P. chapoda ocorre mais freqüentemente sobre bromélias de áreas abertas (campos) do que sobre bromélias de floresta, em locais adjacentes, e sugeriram que as folhas secas que caem das árvores sobre as bromélias na área de floresta bloqueiam a base central das rosetas, que é utilizada como abrigo pela aranha. Para testar esta hipótese, Romero & Vasconcellos-Neto (2005a) introduziram folhas secas nas bromélias da área aberta e verificaram que estas foram menos colonizadas pelas aranhas do que plantas experimentais também em área aberta, mas que não receberam folhas secas. Entretanto, bromélias da floresta cujas folhas secas no seu interior foram removidas não foram ocupadas pelas aranhas. Uma vez que a abundância de insetos foi muito maior na área aberta do que na floresta, os autores sugeriram que folhas secas e disponibilidade de presas devem estar atuando conjuntamente na distribuição espacial de P. chapoda. Aranhas desta espécie chegam a ocupar até 90% das bromélias sem inflorescência, mas raramente ocorrem sobre plantas floridas (Romero & Vasconcellos-Neto 2005b, c). As bromélias que liberam inflorescência têm sua arquitetura modificada devido ao tombamento das suas folhas em direção ao solo, o que deixa as flores expostas para polinizadores. Romero & Vasconcellos-Neto (2005a) demonstraram experimentalmente que esta alteração estrutural modifica os sítios de abrigo e de nidificação disponíveis no interior da roseta, deixando os salticídeos mais expostos aos fatores externos, como predação e extremidades climáticas. A maioria dos indivíduos recém emergidos (> 70%) de P. chapoda ocorre na camada central de folhas da roseta, sugerindo que podem estar procurando abrigo contra dessecação ou canibalismo. O canibalismo é muito comum nesta espécie de aranha (G.Q. Romero, dados não

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publicados). Fêmeas sem ootecas ocorrem nas camadas mais externas, mas as fêmeas com ootecas ocorrem nas camadas internas da bromélia, que é o local onde os jovens se refugiam. Nós sugerimos que este comportamento das fêmeas deve ser uma indicação de cuidado maternal contra canibalismo: quanto mais próximo as ootecas estiverem do centro da planta, menos os filhotes terão que se deslocar para alcançar seu abrigo e maiores serão as chances de sobreviverem. Para verificar se P. chapoda habita exclusivamente B. balansae, Romero & VasconcellosNeto (2005) usaram três métodos de coleta: guarda-chuva entomológico e procura visual na vegetação, e armadilhas de queda (pitfall-traps) no solo, em uma região no interior do Estado de São Paulo. Entretanto, não encontraram esta espécie de aranha sobre outros tipos de planta (além de B. balansae) ou no solo. Estes resultados, juntamente com os dados de comportamentos e informações sobre a distribuição geográfica de P. chapoda sobre B. balansae sugerem que esta associação aranha-planta pode ser obrigatória. Três outras espécies de Salticidae foram observadas habitando bromélias em várias regiões litorâneas do Brasil (Romero & Vasconcellos-Neto 2004c). Eustiromastix nativo (Fig. 4.4) e Psecas sp. (Fig. 4.5) ocuparam bromélias em dois tipos diferentes de vegetação em Linhares (ES): campos nativos, uma formação local semelhante a restingas; e mussunungas, um tipo de floresta baixa que cresce sobre solos arenosos, típico do norte do Espírito Santo. A primeira espécie foi também observada sobre bromélias de uma restinga em Trancoso (BA). Outra espécie, Uspachus sp., também ocupou campos nativos em Linhares, mas foi muito mais freqüente sobre bromélias em dunas, em Natal (RN). Romero & Vasconcellos-Neto (2004c) sugerem que a biologia destas três espécies de Salticidae está ligada especificamente a plantas da família Bromeliaceae, uma vez que não foram encontradas sobre outras plantas além das bromélias. Também sugerem que bromélias podem ser microhabitats favoráveis para salticídeos, uma vez que suas folhas são planas e formam uma arquitetura tridimensional complexa e aberta, o que permite às aranhas forragear e caçar. Tal como observado para P. chapoda, características estruturais das bromélias e do ambiente onde ocorrem podem afetar a seleção de hábitat por estes salticídeos. E. nativo ocorreu

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mais freqüentemente sobre bromélias grandes, tanto em Linhares como em Trancoso. Romero & Vasconcellos-Neto (2004c) sugerem que bromélias maiores têm potencialmente maior disponibilidade de abrigos e uma maior probabilidade de serem visitadas por insetos devido a sua maior área superficial. Portanto, plantas maiores podem representar sítios de forrageamento de melhor qualidade. Enquanto E. nativo ocorreu mais freqüentemente sobre bromélias das áreas abertas (campos nativos), Psecas sp. ocupou mais freqüentemente bromélias do interior das florestas adjacentes (mussununga) em Linhares. Romero & Vasconcellos-Neto (2004c) sugerem que este padrão de distribuição possivelmente reflete a escolha do habitat e/ou microhabitat (espécies de bromélias), mais do que competição interespecífica (pelo menos entre Psecas e Eustiromastix), uma vez que em Trancoso, na ausência de Psecas, Eustiromastix continuou a ocorrer somente em áreas abertas (restingas). Com estes resultados, Romero & Vasconcellos-Neto (2004c) concluem que Eustiromastix nativo primeiramente seleciona seu habitat e depois seu microhabitat. Outras seis espécies de Salticidae (Psecas vellutinus, P. splendidus, Coryphasia sp.1, sp.2, sp.3 e Asaphobelis physonychus) também foram observadas associadas especificamente a bromélias em algumas regiões do Brasil e Argentina (G.Q. Romero, dados não publicados), mas sua história natural e biologia ainda estão muito pouco conhecidas. Na Serra do Cipó (MG), Alpaida quadrilorata (Araneidae) habita somente Paepalanthus bromelioides, uma planta com folhas em forma de roseta, semelhante a bromélias. Na planta, as aranhas encontram abrigo e substrato para construir suas teias (Figueira & Vasconcellos-Neto 1991). Elas armam teias logo acima do tanque no centro da planta (Fig. 4.6) e quando são perturbadas, descem por um fio e mergulham no líquido acumulado no interior da roseta, possivelmente para protegerem-se de predadores.

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Sincronismos e defasagens entre as fenologias das plantas e das aranhas Geralmente os artrópodes estão expostos direta ou indiretamente às variações sazonais do clima. Temperatura e pluviosidade podem afetar diretamente a sobrevivência de um organismo pela alteração da sua fisiologia ou indiretamente pela alteração sazonal da disponibilidade de alimento. Populações de aranhas que ocorrem associadas à vegetação freqüentemente sofrem influências diretamente dos fatores climáticos ou indiretamente da disponibilidade de sítios de forrageamento ou de presas. Entretanto, nem sempre estes predadores respondem numericamente em sincronismo com estas variáveis bióticas ou abióticas, como veremos a seguir. Arango et al. (2000) estudaram o sistema Cnidoscolus aconitifolius (Euphorbiaceae) – visitantes florais (moscas, abelhas e vespas) – aranha Peucetia viridans no México, e demonstraram uma clara defasagem de tempo entre o início das chuvas, o florescimento da planta, a chegada dos visitantes florais e o aumento do número de aranhas. As chuvas iniciaram-se em maio e neste mesmo mês as plantas liberaram flores. Os visitantes florais iniciaram suas atividades em julho e as aranhas aumentaram em número em agosto. Um padrão fenológico muito semelhante foi observado no sistema Trichogoniopsis adenantha – herbívoros e visitantes florais – Misumenops argenteus na Serra do Japi, Jundiaí (SP). Análises de defasagens temporais (com até 3 meses de atraso) detectaram atraso de um mês entre o início das chuvas e o período de floração de T. adenantha. A resposta numérica dos artrópodes (presas em potencial de M. argenteus) sobre a planta ocorreu em sincronismo com o aumento do número de ramos reprodutivos. A população de M. argenteus respondeu numericamente dois meses após a resposta numérica dos artrópodes (Romero 2001; Romero & Vasconcellos-Neto 2003). Os resultados destes dois estudos indicam que fatores climáticos, como pluviosidade, estão primariamente moldando o padrão fenológico das plantas. Com o aumento das chuvas, as plantas produzem mais ramos reprodutivos. Estes ramos, que são utilizados como sítios de forrageamento pelas aranhas, fornecem recurso alimentar para várias espécies de herbívoros e de polinizadores (Arango et al. 2000; Romero 2001; Romero & Vasconcellos-Neto 2003, 2004a). Se esses recursos

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são escassos em determinada época do ano, como na estação seca, os insetos diretamente dependentes destes também serão. Consequentemente, a disponibilidade de presas e de sítios de forrageamento para as aranhas também diminui, reduzindo os tamanhos de suas populações. Estes resultados indicam que os sistemas estudados por Arango et al. (2000) e por Romero & Vasconcellos-Neto (2003, 2004a) estão sob forte influência de efeitos bottom-up, quando mudanças nos níveis mais baixos da cadeia alimentar, como os produtores, afetam os níveis acima (veja capítulo 14 deste livro). Tais estudos revelaram a importância das interações entre as forças bióticas e abióticas na determinação da estrutura da comunidade dos artrópodes sobre as plantas.

Aranhas que se alimentam de pólen e de fluidos vegetais Aranhas alimentam-se quase exclusivamente de insetos e outros artrópodes (Wise 1993, Foelix 1996). No entanto, alguns estudos demonstraram que certos grupos de aranhas podem se alimentar de néctar e/ou pólen em determinadas condições ambientais. A seguir, comentaremos quais são os grupos de aranhas e quais vantagens seletivas as aranhas têm ao usar estes tipos de material vegetal como alimento. Um dos primeiros trabalhos extensivos sobre aranhas que se alimentam de pólen foi desenvolvido por Smith & Mommsen (1984). Estes autores verificaram em terrários que indivíduos recém emergidos de Araneus diadematus (Araneidae) dobraram sua expectativa de vida e produziram mais fios de seda quando se alimentaram de pólen em relação aos recém emergidos que se alimentaram de afídeos e esporos de fungo. Este hábito alimentar deve ser adaptativo porque nos períodos em que os jovens emergem (primavera) há muito pouco ou nenhum inseto disponível, mas há grande quantidade de pólen. Vogelei & Greissl (1989) também testaram a sobrevivência de filhotes recém emergidos de Thomisus onustus quando alimentados com quatro tipos de dieta, em cinco tratamentos: 1) nada (controle), 2) pólen de Erigeron annuus e pólen de 3) Bellis perennis (Asteraceae), 4) simulação de néctar (solução de sacarose a 30%) e 5) Drosophila melanogaster. Estes autores verificaram que as aranhas do grupo controle sobreviveram em média 21 dias. Os

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grupos de aranhas que se alimentaram de pólen sobreviveram por 35-49 dias, dependendo da espécie de planta, e os que se alimentaram de néctar artificial sobreviveram por 130 dias. Entretanto, somente os indivíduos alimentados com as moscas sofreram muda normalmente e sobreviveram até o final do experimento (> 250 dias). Com estes resultados, os autores sugerem que pólen e néctar podem ser uma fonte de energia para as aranhas, especialmente em períodos de escassez de presas. Estes resultados, entretanto, não são facilmente generalizáveis. Carrel et al. (2000) observaram que indivíduos de Frontinella pyramitela (Linyphiidae) ganharam peso quando alimentados com D. melanogaster, mas perderam peso quando alimentados com pólen de pinheiros, sugerindo que a polinivoria pode ser restrita a determinados grupos de aranhas e/ou a condições de escassez de alimento. Pollard et al. (1995) observaram machos de Misumenoides formosipes (Thomisidae) se alimentando de néctar dos nectários extra-florais (NEFs) de algumas espécies de planta. Para determinar se estes indivíduos consomem néctar como fonte de água ou energia, os autores desenvolveram experimentos de dupla escolha, introduzindo pequenas quantidades de água vs. solução de sacarose a 30% em arenas experimentais e verificaram que houve preferência pela sacarose. Além disso, mesmo indivíduos saciados com água ingeriram a solução de sacarose. Os machos que ingeriram somente água viveram por menos tempo que os que se alimentaram de néctar. Os autores sugerem que, como machos desta espécie de aranha são muito menores que as fêmeas, podem se desidratar mais e, portanto, o hábito de se alimentar de néctar dos NEFs pode ser um comportamento adaptativo. Algumas

aranhas

errantes,

como

Hibana

velox,

H.

similaris

(Anyphaenidae),

Cheiracanthium mildei (Miturgidae) e Trachelas similis (Corinnidae) foram observadas por Taylor & Foster (1996) se alimentando tanto em nectários florais como em nectários extra-florais de várias espécies de plantas, em várias localidades da Costa Rica e Flórida. Segundo estes autores, há inclusive evidências de que Myrmarachne foenisex (Salticidae), uma aranha associada a formigas, se alimenta de exudato de coccídeos (Coccidae). Para testar o papel do néctar na longevidade de

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aranhas recém emergidas de H. velox, os autores desenvolveram um experimento com os jovens em dois grupos: tratados somente com água e com solução de sacarose a 25%, e demonstraram que a longevidade dos tratados com sacarose foi duas vezes maior que a longevidade dos tratados com água. Na natureza, Jackson et al. (2001) observaram 31 espécies de aranhas Salticidae se alimentando de néctar floral. Em laboratório, testaram em arenas experimentais a preferência de 90 espécies de Salticidae por água destilada vs. solução de sacarose a 30%. Verificaram que todas escolheram e permaneceram por mais tempo sobre a solução de sacarose, indicando que a nectarivoria deve ser um hábito comum na família Salticidae. Os autores sugerem que o hábito de se alimentar de néctar pode ser vantajoso para as aranhas porque, além deste fluido ser rico em aminoácidos, lipídios, vitaminas e minerais, se alimentar em uma flor não envolve riscos de injúrias, como na captura de presas. O uso de néctar pode trazer benefícios até para as plantas. Como exemplo, Ruhren & Handel (1999) demonstraram que as aranhas Eris sp. e Metaphidippus sp. (Salticidae) aumentaram a produção de frutos e de sementes da planta Chamaecrista nictitans (Caesalpineaceae). Estas aranhas se alimentam de néctar dos nectários extra-florais da planta, bem como formigas e herbívoros.

Agradecimentos Estamos gratos a Flávia Sá e a dois revisores anônimos pela revisão crítica do manuscrito. G.Q. Romero foi bolsista de doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, bolsa no. 01/04610-0) e J. Vasconcellos-Neto recebeu auxílio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, bolsa no. 300539/94-0) durante a produção deste capítulo.

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5 CORTEJO E ISOLAMENTO REPRODUTIVO EM ARANHAS

FERNANDO G. COSTA E VERÓNICA QUIRICI

Baile de ilusões Portadoras de gametas grandes e custosos, e portanto pouco numerosos, as fêmeas de aranhas são, em geral, maiores que seus parceiros (veja capítulo 7 deste livro). Estes, portadores de inumeráveis pequenos gametas buscam o recurso limitado - as fêmeas - e competem entre si pelo acesso aos valiosos gametas femininos. Como o deslocamento de indivíduos de ambos os sexos é energeticamente dispendioso, geralmente apenas um parceiro - o macho - busca o outro para a cópula (Costa 1999). A seleção modelou então machos pequenos e ágeis, muito móveis e precavidos quando encontram um carnívoro obrigatório, maior, venenoso, que pode estar faminto e que é muito bem adaptado para caçar presas móveis (Fig. 5.1). Dificilmente poderiam aproximar-se delas imperceptivelmente; ao contrário, se anunciam de forma conspícua e inequívoca (Bristowe & Locket, 1926). Este é o tema deste capítulo: quando, como e porque se realiza o cortejo das aranhas, particularmente das famílias Lycosidae e Theraphosidae, e como isto influencia o isolamento reprodutivo com outras espécies. Uma revisão mais geral sobre o tema foi realizada por Costa (1998a).

Quantos machos e quantas fêmeas As aranhas são dióicas, apresentando machos e fêmeas. De fato, só muito recentemente se comprovou a existência de partenogênese em uma espécie de aranha, Theotima minutissima (Ochyroceratidae) (Edwards et al. 2003). Em geral, nascem cerca de 50% de fêmeas e 50% de machos, o que está de acordo com as previsões de Ronald Fisher (1930). Apesar disso, raramente

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encontramos essa proporção no campo, principalmente porque as fêmeas vivem mais que os machos, em alguns casos de 10 a 20 vezes mais, como nas grandes aranhas caranguejeiras (Theraphosidae, Costa & Pérez-Miles 2002), desviando a proporção a favor das fêmeas. Esse desvio determina algumas táticas reprodutivas nessas aranhas: os machos copulam muitas vezes, brevemente, sem apresentarem grandes conflitos entre si. Ao contrário, em espécies de Nephila, um gênero da família Tetragnathidae cujas espécies constróem grandes teias orbiculares, os machos tornam-se adultos muito antes das fêmeas, gerando uma legião de anões altamente competitivos na arena que é a teia feminina (ver revisões em Vollrath & Parker 1992, Costa et al. 1997a, e Capítulo 7 deste livro). Dependendo da época do ano, com este tipo de estratégia reprodutiva as proporções de machos e fêmeas apresentam variações drásticas. Nas aranhas sociais acontece algo muito distinto, já que a busca pelas fêmeas não é tão intensa (veja capítulo 9 deste livro). Em algumas espécies de Anelosimus (Theridiidae) a razão sexual é de cerca de 10:1 em favor das fêmeas (Vollrath 1986), o que pode estar relacionado à ocorrência de seleção de parentesco (“kin selection”) e seleção de grupo (“group selection”) (Avilés 1986). Entre as espécies deste gênero, a razão sexual permite avaliar o grau de socialidade. Por exemplo, populações de Anelosimus cf. studiosus no Uruguai apresentam um desvio moderado de razão sexual (duas fêmeas para cada macho) e combates ritualizados entre machos, e por isto esta espécie é considerada pouco social (Viera & Albo, 2002; Viera et al., 2002).

O encontro sexual A mobilidade diferencial entre os sexos e a distinta proporção de machos e fêmeas adultas se reflete nos resultados de um método de amostragem habitualmente utilizado por aracnólogos: as armadilhas de queda ou “pitfall traps” (Barber 1931). São copos ou baldes enterrados até a borda no solo, geralmente contendo um líquido conservante. Se combinarmos este método com uma coleta dinâmica (por exemplo, por procura visual), observaremos grandes diferenças na composição das amostras (Costa et al. 1991): mais fêmeas na coleta por procura visual e mais machos – muito mais

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– nas armadilhas. Obviamente este resultado reflete a maior mobilidade dos machos. Esta diferença na mobilidade de machos e fêmeas é ainda maior nas espécies com fêmeas totalmente sedentárias (por exemplo, as construtoras de teias ou de alçapões; Barrientos 1985, Costa et al. 1991). A presença de machos também delimita o período sexual, fundamental para entender a biologia reprodutiva das espécies. As implicações destes dados para conservação são óbvias, como por exemplo, para elaboração de planos de manejo de fauna. Em nosso cenário colocamos um macho adulto, uma aranha que mudou radicalmente seu comportamento: de caçador se transforma em uma máquina móvel, especializada em detectar, encontrar, cortejar e copular com fêmeas co-específicas, competindo antes e depois, com outros machos. Minimiza os riscos com sua agilidade, pequeno tamanho, deslocamento por fios de seda, atividade noturna, etc. E está em clara desvantagem: seu objetivo é alcançar um predador grande e perigoso. Apesar disso, e ao contrário da crença popular, o canibalismo sexual em aranhas – embora exista, particularmente antes da cópula – é relativamente raro na natureza (Elgar 1992, veja Capítulo 12 deste livro). Os machos podem detectar a presença de fêmeas a distância e comunicarse com elas por diversos meios, evitando confundir-se com presas. As aranhas são polígamas, o que pode incluir poliginia e poliandria (mas veja Riechert & Singer 1995). A vantagem de assediar muitas fêmeas é óbvia para os machos de todos os animais, já que aumentam diretamente sua descendência. As fêmeas, no entanto, não aumentam a quantidade de filhos produzidos ao copular muitas vezes em um mesmo período reprodutivo (Bateman 1948). Por outro lado, elas podem aumentar a diversidade de sua prole, o aporte e viabilidade do esperma, assim como evitar os custos de afastar machos ou armazenar muito esperma. Entretanto, estas vantagens são limitadas pelos custos de tempo e energia, a contaminação por parasitas e doenças venéreas, etc. (ver revisão em Austad 1984). Assim, praticamente todas as fêmeas aceitam poucas cópulas, enquanto os machos apresentam uma divisão bem mais desigual: alguns conseguem muitas cópulas e muitos nenhuma (Alcock 1989, Andersson 1994).

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Preparando a aventura Os espermatozóides são gerados nos testículos, dentro do abdome, e estes se comunicam com o exterior através de um poro genital. Os órgãos copuladores são os bulbos, localizados no extremo dos palpos. Cada bulbo possui um ducto palpar ou espermóforo (não confundir com espermatóforo) que armazena esperma e o transfere à fêmea através de uma estrutura intromitente, o êmbolo. O macho transfere o esperma do poro genital para os bulbos mediante uma manobra singular, a indução espermática. Ele constrói uma teia e deposita nela uma gota de esperma, tocando-a com o poro genital. Esta teia é pequena na maioria das espécies, mas muito grande e densa nas Mygalomorphae (Fig. 5.2). O esperma é então transferido desta gota para o espermóforo mediante o contato dos êmbolos. O macho então está pronto para fecundar, embora ele possa cortejar e inclusive copular se impedido experimentalmente de realizar a indução (Rovner 1966, 1967a, Costa 1998b). Alguns machos de pequenas espécies da família Linyphiidae cortejam e realizam manobras do tipo copulatório com os palpos vazios de esperma; antes de efetivamente realizar a indução e então a inseminação das fêmeas (Helsdingen 1965, Suter 1990).

Cortejo e isolamento reprodutivo “The grossest blunder in sexual preference, which we can conceive of an animal making, would be to mate with a species different from its own and which the hybrids are either infertile or, through the mixture of instincts and other attributes appropriate to different courses of life, at so serious a disadvantage as to leave no descendants. (O maior absurdo em relação a preferência sexual, que podemos conceber que um animal faça, seria copular com uma espécie diferente de sua própria e cujos híbridos sejam inférteis ou, devido a mistura de instintos e outros atributos apropriados a diferentes estilos de vida, apresentem uma desvantagem tão grande a ponto de não deixar descendentes.) Ronald A. Fisher (1930).” Mediante o cortejo as aranhas, como outros animais, minimizam os comportamentos não sexuais da fêmea (agressão, predação, evasão) e se comunicam mediante códigos estritos que asseguram a união intraespecífica, constituindo uma eficiente barreira reprodutiva contra a

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hibridização com espécies próximas (Tinbergen 1964, Krebs & Davies 1993). Obviamente, para que isto ocorra, macho e fêmea devem encontrar-se no espaço e no tempo. O fato de possuírem períodos sexuais distintos segrega temporalmente espécies distintas. O isolamento ocorre também quando duas espécies apresentam ritmos circadianos distintos (uma noturna e outra diurna). Assim, a maturação de ambos os sexos deve ser sincronizada e o macho deve ser capaz de encontrar a fêmea no período adequado para a cópula. Estes mecanismos de isolamento reprodutivo précopulatórios são seletivamente mais importantes (Mayr 1968), já que os copulatórios e póscopulatórios implicam em custos muito altos (Littlejohn 1981). Como em todos os grupos taxonômicos, as aranhas apresentam algumas excentricidades para aceitar a cópula. Um exemplo é a espécie européia Pisaura mirabilis (Pisauridae), único caso conhecido em aranhas em que o macho corteja a fêmea utilizando uma presa como presente nupcial (Foelix 1996). Em muitas espécies, os machos apresentam a tática de localizar e lutar pelo acesso às fêmeas imaturas, que estarão aptas à cópula imediatamente após a próxima muda (Jackson 1986a, ver Capítulo 6).

Canais de comunicação Os canais sensoriais mais utilizados na comunicação sexual das aranhas são o químico, o acústico, o visual, o vibratório e o tátil (Krafft 1980, Uetz & Stratton 1983). Platnick (1971) agrupou as famílias de aranhas em três níveis filogenéticos, baseando-se nos sinais e nos canais que desencadeiam o cortejo dos machos. No nível mais primitivo estariam aquelas famílias cujo cortejo acontece através do contato direto com a fêmea (comunicação tátil). Atualmente. vemos que esta análise refletia o escasso conhecimento que se tinha sobre a biologia de muitas famílias no final da década de 60, já que muitas mudariam de categoria desde então. Por exemplo, hoje sabemos que as grandes e primitivas Mygalomorphae (caranguejeiras), incluindo as Theraphosidae, freqüentemente se comunicam inicialmente por feromônios sexuais (comunicação química), e não apenas pelo contato físico entre os parceiros (Costa & Pérez-Miles 2002). Esta comunicação constituiria o nível

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seguinte da classificação proposta por Platnick. Por último, algumas poucas famílias iniciariam o cortejo por estimulação visual, sendo este o nível mais avançado (um exemplo típico seria o cortejo em aranhas da família Salticidae). Um canal que não desencadearia o cortejo do macho, mas que é amplamente utilizado pelas aranhas é o vibratório, que inclui sinais acústicos (aerotransportados) e sísmicos (transmitidos através do substrato). Na realidade, o canal prevalecente será aquele que gera maiores benefícios e menores custos (Redondo 1994), de acordo com as limitações filogenéticas de cada espécie (Tab. 5.1).

Comunicação química (feromônios sexuais) A emissão de feromônios sexuais, substâncias químicas produzidas pelas fêmeas para atrair os machos, é fundamental para o encontro entre os sexos e, por ser generalizado, parece muito antigo nas aranhas. Alguns feromônios já foram sintetizados em laboratório e tiveram sua eficácia na atração de machos comprovada por bioensaios (veja Schulz & Toft 1993, Papke et al. 2001). Assim como outros artrópodes, as aranhas possuem feromônios de contato e feromônios aerotransportáveis.

Um sinal em seda A maioria dos feromônios sexuais das aranhas pertencem ao primeiro grupo (Foelix 1996). São substâncias que são liberadas em associação com os fios de seda da fêmea e atuam quando o macho entra diretamente em contato com elas (feromônios sexuais de contato, Rovner 1968). Normalmente, estes feromônios de desnaturam em contato com a água e persistem pouco tempo na natureza (Hegdekar & Dondale 1969; mas veja Lizotte & Rovner 1989). Estas substâncias são detectadas na periferia da teia de fêmeas construtoras de teias, mas também em fios isolados ("draglines") produzidos por fêmeas errantes, fornecendo informações táteis e químicas (Roland 1984). Por exemplo, Costa et al. (1991) encontraram em uma armadilha de queda no interior do Uruguai uma fêmea de uma espécie pouco freqüente da família Clubionidae e dez machos co-

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específicos. Estes machos provavelmente encontraram a armadilha enquanto seguiam o rastro de feromônio deixado pela fêmea. Richter et al. (1971) observaram que fêmeas de Pardosa amentata (Lycosidae) produzem uma maior quantidade de seda durante o período de pareamento; os machos, ao entrar em contato com a seda, iniciam o cortejo e a busca pela fêmea. Fernández-Montraveta & Ruano-Bellido (2000) observaram o mesmo em Lycosa tarantula (Lycosidae): nesta espécie somente as fêmeas virgens depositam fios de seda com feromônio. Além disso, existe um componente não hidrosolúvel no feromônio, já que fios lavados com água continuam funcionando como atrativo, embora com menor eficácia. Recentemente Rypstra et al. (2003) observaram cortejos mais intensos de machos que entraram em contato com feromônios liberados por fêmeas virgens que daqueles que detectaram feromônios produzidos por fêmeas que haviam copulado previamente. A vantagem de utilizar feromônios em um contexto reprodutivo é que estas substâncias podem persistir por um tempo comparativamente maior que, por exemplo, sinais acústicos. Os Salticidae, exemplo clássico de animais com comunicação visual, também utilizam sinais químicos. Vários trabalhos (e.g. Jackson 1986b, Jackson 1987a, Jackson & Cooper 1990; Clark & Jackson 1995) têm demonstrado que os feromônios de contato são fundamentais nos ninhos, onde se encontram as fêmeas. Estes locais estão fora do alcance da luz e, assim, a comunicação através de feromônios se torna mais eficiente que a orientação visual. Por exemplo, os machos de Phidippus johnsoni (Salticidae) localizam os ninhos das fêmeas graças à presença de feromônios que elas liberam já no penúltimo estádio de desenvolvimento. Estes feromônios apresentam caráter específico e, em Salticidae, podem durar de alguns dias a até um mês (Pollard et al. 1987).

Sinais no ar Outro tipo de feromônio, os aerotransportáveis, são leves, de baixo peso molecular. Olive (1982) descreveu o caráter aerotransportável desses feromônios ao observar que machos adultos de Argiope trifasciata e A. aurantia (Araneidae), se posicionam contra o vento em relação às teias

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onde encontravam-se as fêmeas. Os machos dessas espécies reagiam tanto ao feromônio de fêmeas co-específicas quanto de outras espécies. E o isolamento reprodutivo? Na natureza, uma dessas espécies torna-se sexualmente madura antes da outra, o que evita pareamentos interespecíficos. Trata-se portanto de um exemplo de isolamento devido a um mecanismo temporal. Outro aspecto interessante dessas espécies é que a produção de feromônios é limitada no tempo, talvez como uma adaptação para evitar a localização das aranhas por uma vespa caçadora que caça seguindo gradientes de concentração de feromônios de suas presas (Olive 1982). As fêmeas agrupam-se em locais com muitos recursos, o que facilita o encontro sexual e também a competição entre machos. Em resumo, o uso de distintos feromônios sexuais está ligado, invariavelmente, com táticas de pareamento e estratégias reprodutivas também distintas.

Emissores e receptores Se conhece muito pouco sobre os órgãos emissores de feromônios sexuais em aranhas, sendo candidatos diferentes glândulas localizadas nas pernas, ventre, epígino (genitália externa) e fiandeiras das fêmeas (Kovoor 1981, Lopez 1987). Paradoxalmente, são conhecidas glândulas masculinas que liberam possíveis substâncias afrodisíacas. Em várias espécies, as fêmeas picam antes ou durante a cópula certas partes corporais dos machos, como lóbulos do prosoma em Argyrodes antipodianus (Theridiidae, Whitehouse 1987a), sulcos cefálicos de Baryphyma pretense (Linyphiidae, Blest 1987) ou as pernas anteriores de Alopecosa cuneata (Lycosidae, Kronestedt 1986, Juberthie-Jupeau et al. 1990). Sabe-se que os feromônios femininos são percebidos fundamentalmente por dois tipos de quimioreceptores: os pêlos de contato ("chemosensitive hair sensilla") e os órgãos tarsais. Os pêlos de contato se encontram sempre rodeados por uma cápsula em sua base e possuem a parede muito fina, com um lúmen interior, distinguindo-se por possuírem um poro em seu extremo apical (Fig. 5.3) (Foelix 1985, Barth 2002). No lúmen correm dendritos que terminam neste poro e estão expostos diretamente ao meio ambiente. Cada pêlo tem mais de 20

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neurônios quimiosensíveis e, em sua base, encontram-se também mecanoreceptores. Os pêlos situam-se em todas as extremidades e concentram-se, particularmente, nos tarsos. O órgão tarsal, como seu nome indica localizados nos tarsos, consiste em uma depressão ou invaginação dorsal, com uma borda ou aro espessado da cutícula. Em seu interior se encontram 6 ou 7 canais, cada um contendo 3 a 4 dendritos (Foelix 1985). Estas estruturas possuem função de olfato, sendo possivelmente homólogas aos órgãos de Haller de alguns ácaros (Foelix 1985) (Fig. 5.4).

A comunicação acústico-vibratória Logo que o macho percebe a presença da fêmea inicia-se o cortejo. Mas que sinais ele utiliza para persuadir a fêmea a aceitar cópula? Pressões seletivas freqüentemente levaram à utilização de sinais acústicos-vibratórios, normalmente característicos de cada espécie, durante o cortejo (Uetz & Stratton 1982). Uma comunicação intraespecífica efetiva é importante devido à natureza canibal da fêmea, já que enviando mensagens a uma distância considerável o macho apresenta maior probabilidade de sobrevivência (Uetz & Stratton 1982). Uma característica importante dos sinais acústico-vibratórios é que sua eficiência não depende de alguns aspectos do meio ambiente, como luminosidade, temperatura e umidade (Foelix 1996, Krafft 1982, Redondo1994). Por exemplo, Rovner (1967b) mostrou que em licosídeos a comunicação sexual acústica pode ocorrer no escuro, situação em que os sinais visuais não seriam eficientes. Machos experimentalmente impossibilitados de emitir sons somente obtém respostas receptivas das fêmeas em ambientes iluminados. Outra vantagem é a natureza temporal desses sinais, que variam instantaneamente com o estado motivacional do animal, tanto do macho quanto da fêmea, o que não ocorre com os sinais químicos. Por exemplo, o sinal químico emitido pela produção de feromônios não pode ser modificado pelo emissor. Essas características, recepção dos sinais à grande distância e natureza temporal, são importantes em um contexto reprodutivo e explicam porque os sinais acústicovibratórios estão amplamente distribuídos nesses e em outros animais.

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Em amplo sentido, o som pode ser definido como ondas de pressão produzidas por um objeto que vibra, que são transmitidas através de um meio elástico. As aranhas utilizam o ar, o substrato (solo, folhas, cascas de árvore, etc), a água ou suas próprias teias como meio de propagação do estímulo. Para evitar confusões, deste ponto em diante trataremos como comunicação acústica os sinais transportados pelo ar e comunicação vibratória como as ondas que viajam por outros meios. Os sons das aranhas não são tão espetaculares quanto os produzidos por aves, anfíbios ou insetos, já que geralmente são inaudíveis pelo homem. Apesar disso, Uhl & Schmitt (1996) observaram que os machos de Palpimanus gibbulus (Palpimanidae) cortejam emitindo sons audíveis pelo homem a curtas distâncias ao raspar as quelíceras contra os palpos. Os sons das aranhas podem ser produzidos por: a) órgãos de estridulação (observados em 22 famílias), b) percussão (6 famílias), e c) vibração de estruturas (2 famílias) (Legendre 1963, Rovner 1975). Estes números, obviamente, aguardam sua atualização.

Estridulação Muito freqüente, é produzida pela fricção de duas superfícies opostas e duras, com texturas especiais: a lima ou lira ("file") e o raspador ("scrapper") (Uetz & Stratton 1982). Segundo Ewing (1989), a grande diversidade de aparatos de estridulação dos artrópodes se baseia na existência de um exoesqueleto rígido, onde quase todos os movimentos podem produzir sons ou vibrações. A superfície cuticular é facilmente esculpida, determinando que a estridulação tenha surgido muita vezes nos artrópodes. Os órgãos de estridulação nas aranhas foram classificados em oito categorias de acordo com sua localização no corpo (Legendre 1963, Rovner 1975) (Fig. 5.5). Rovner (1975), por sua vez, os classificou em outras quatro categorias: I) o abdome roça contra o cefalotórax, II) um apêndice roça contra outro apêndice, III) um apêndice roça contra o abdome e IV) o raspador e a lima se encontram em um mesmo apêndice, cada um de um lado de uma articulação. Um exemplo desta última categoria é o tamborilar palpar dos licosídeos, associado aos órgãos estridulatórios localizados entre o tarso e a tíbia do palpo (Fig. 5.6). O contato dos palpos com o substrato tem sido

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interpretado principalmente como uma forma de transmitir via substrato - que é melhor condutor que o ar - as vibrações geradas pela estridulação (Rovner 1975), ficando o componente acústico limitado a curtas distâncias. Esta comunicação via substrato é o componente crítico do isolamento reprodutivo de duas espécies próximas de licosídeos da América do Norte, Schizocosa ocreata y S. rovneri, apesar de ambas possuírem órgãos estridulatórios semelhantes (Stratton & Uetz 1981,1983; Uetz & Stratton 1982). O cortejo de S. ocreata não apresenta um padrão temporal claro e a freqüência principal é de 800Hz. Já o cortejo de S. rovneri é muito mais regular e a freqüência principal é de 520Hz. Ou seja, diferentes músicos produzem músicas diferentes com os mesmos instrumentos.

Percussão São golpes sobre o substrato, usando as pernas, os palpos ou o abdome (Uetz & Straton 1982). O substrato pode ser uma superfície dura, mas também uma teia e até a água. Os machos de Hygrolycosa rubrofasciata (Lycosidae) possuem uma placa esclerotinizada no abdome que, ao vibrar em contato com o substrato (geralmente folhas) produz um som audível pelo homem (Kronestedt 1996). Outro licosídeo, Schizocosa rovneri, percute com os palpos, as pernas anteriores e com o corpo (Stratton & Uetz 1981). Em muitas aranhas são freqüentes os golpes de pernas e/ou palpos contra o substrato, mas, em geral, sua função comunicativa não foi demonstrada experimentalmente. Fernández-Montraveta & Schmitt (1994) mostraram que Lycosa tarentula fasciiventris se comunica sexualmente mediante vibrações (1300 Hz), raspando o substrato com os palpos, sem utilizar órgãos estridulatórios. Nesta espécie, em encontros agonísticos, os machos também realizam percussão com os palpos (800 Hz).

Vibração de estruturas Algumas aranhas são capazes de vibrar o corpo e transmitir essas vibrações para folhas, caules, ramos, cascas de árvores, fios de seda e mesmo para o solo. Rovner (1980) observou que

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Heteropoda venatoria (Sparassidae) produz sons de baixa freqüência (125 Hz) durante o cortejo, audíveis até 30 cm pelo homem e que lembram o som que produzem as asas de insetos. Esta aranha produz os sons através de oscilações bruscas dos pares posteriores de pernas, principalmente o par IV, e usam superfícies, como folhas, para aumentar o componente acústico do sinal. Cupiennius salei (Ctenidae) produz vibrações através de um mecanismo similar (Rovner & Barth 1981, Barth et al. 1988), através de oscilações do abdome e das pernas em folhas. As vibrações são de baixa freqüência, intermediárias entre o ruído de fundo e as freqüências emitidas pelas presas (75 Hz e 115 Hz). A fêmea percebe esses padrões a uma distância de cerca de 1 metro e, caso esteja receptiva, responde ao cortejo realizando também oscilações bruscas do corpo.

Percepção dos sinais acústico-vibratórios Existem evidências eletrofisiológicas e comportamentais sobre a percepção de sinais acústicos e vibratórios em aranhas. Rovner (1967b) gravou os sons produzidos quando os machos do licosídeo Rabidosa rabida tamborilam contra o substrato, e os emitiu para as fêmeas. Estas direcionaram-se e aproximaram-se da fonte de sons, tanto quando esta estava apoiada no substrato quanto quando estava suspensa no ar. Assim, foi possível concluir que as fêmeas dessa espécie são capazes de perceber sons também através do ar. Apesar disso, a resposta das fêmeas foi menor diante da fonte de sons suspensa, sugerindo a coexistência de um componente de transmissão de vibrações pelo solo. Em Cupiennius salei, as fêmeas vibram o corpo, respondendo tanto a machos (Rovner & Barth 1981) como a sinais sintetizados que simulam seu cortejo (Schüch & Barth 1990). Estes autores observaram que as propriedades espectrais (freqüência) e temporais (ritmo) das vibrações do macho influem na resposta das fêmeas. A freqüência principal, a duração dos períodos de silêncio entre duas sílabas consecutivas, a duração das sílabas e a taxa de repetição das mesmas tiveram efeitos significativos sobre as respostas das fêmeas.

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Receptores O exoesqueleto apresenta duas funções comunicativas: contém órgãos receptores (pêlos e cavidades) e transmite as vibrações das imediações através dele. As tricobótrias são pêlos receptores finos, unidos em sua base a uma cápsula (Fig. 5.7). Esta união é frouxa e permite movimentos do pêlo diante de diferentes estímulos. Ao mover-se, o pêlo provoca descargas elétricas nos dendritos de sua base. As tricobótrias estão localizadas na face dorsal das pernas (no tarso, metatarso e tíbia) e são sensíveis a correntes de ar, turbulências, alterações rítmicas das correntes de ar e a ondas acústicas com potência suficiente para mover os pêlos (sons próximos). O comprimento dos pêlos, seu número e sua distribuição espacial (tricobotaxia) variam de espécie para espécie. O comprimento do pêlo e a freqüência do som ao qual responde estão vinculados. Como exemplo, as tricobótrias de Cupiennius salei respondem a freqüências entre 40 e 600 Hz, sendo que pêlos mais longos respondem a freqüências mais baixas (Barth 2002). Outra classe de receptores são cavidades no exoesqueleto que respondem principalmente a deformações do mesmo produzidas por movimentos, peso do corpo ou pressão da hemolinfa (Barth 2002). Estas cavidades variam em corte transversal de redondas a compridas (sensila em fenda) e são cobertas por uma membrana onde são fixadas terminações nervosas que respondem a deformações da membrana (Fig. 5.8). Estes órgãos são extremamente sensíveis e se encontram principalmente nas extremidades, apresentando também propriedades proprioceptivas. Uma única sensila em fenda dos tarsos de C. salei pode ser estimulada com uma pressão de som de apenas 40 decibéis SPL (Barth 1982). Outra sensila da mesma espécie, localizada atrás das garras tarsais, apresenta respostas a freqüências entre 0,01 Hz e 1 kHz (Barth 1982, Barth 2002). Um receptor fundamental de vibrações é o órgão liriforme metatarsal, formado por um agrupamento de sensilas em fenda localizado na borda distal do metatarso. As vibrações do substrato determinam movimentos do tarso , que comprimem o órgão liriforme. Em Cupiennius salei foram medidas as curvas de entrada de estímulos e determinadas a sensibilidade absoluta e espectral de cada sensila do órgão liriforme metatarsal, usando freqüências de 0,1 Hz a 1-3 kHz (Barth 2002). Estes órgãos

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parecem ser especialmente sensíveis a altas freqüências. Quando as vibrações eram de baixa freqüência, o tarso deveria mover-se de 10-3 a 10-2 cm para provocar uma resposta no órgão; já com freqüências mais altas, a extensão do movimento necessário cai abruptamente, alcançando 10-6 a 107

cm a 1 kHz.

A visão: oito olhos mais ou menos simples Poucas aranhas se comunicam fundamentalmente por sinais visuais. Para tanto, obviamente, devem possuir ao menos uma visão aceitável. Oxyopidae, Deinopidae, Thomisidae e Lycosidae são, entre outras, famílias dotadas de boa capacidade visual (Foelix 1996), mas é entre os Salticidae que este sentido está melhor desenvolvido. Salticidae é, talvez por este motivo, a família com maior diversidade específica conhecida (5026 espécies; Platnick 2005). Os olhos das aranhas são ocelos, olhos simples com o mesmo desenho de uma câmera fotográfica. Nos Salticidae essa estrutura evoluiu até superar a acuidade visual dos olhos compostos dos insetos. Normalmente as aranhas dispõem de quatro pares de olhos, denominados medianos anteriores (OMA), laterais anteriores (OLA), medianos posteriores (OMP) e laterais posteriores (OLP). Os OMA são totalmente distintos dos demais (ver detalhes abaixo), provavelmente por serem derivados de olhos simples de ancestrais similares a xifosuros e euriptéridos, apesar dos demais derivarem dos olhos compostos encontrados nesses animais (Land 1985). Algumas aranhas com apenas três pares de olhos (e.g. Dysdera, Loxosceles), não apresentam os OMA. Qual a importância disto? Os OMA são os únicos olhos móveis, já que possuem entre 1 e 6 músculos que deslocam a retina, e não o olho como um todo como nos vertebrados. Não há o tapetum lucidum que está presente nos outros olhos, uma capa refletora que permite uma melhor captação da luz, favorecendo a visão noturna (e que nos permite localizar aranhas na escuridão através do reflexo de seus olhos quando iluminados por lanternas). Nos OMA, a luz que atravessou a córnea primeiro incide sobre os pigmentos óticos (associados à membrana celular dobrada em microvilosidades ou rabdômeros),

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enquanto que nos outros olhos a luz deve atravessar primeiro o núcleo e o corpo celular antes de chegar aos rabdômeros, com a conseqüente perda de eficiência ótica (Blest 1985). Finalmente, aparentemente somente os OMA podem obter informações de objetos imóveis, pelo menos em Salticidae. A disposição dos olhos é muito variada em aranhas, sendo um caráter muito utilizado na taxonomia. As características e disposição dos olhos podem influenciar o cortejo. Por exemplo, somente é esperado observarmos exibições visuais nas poucas famílias que apresentam boa visão. Nestas, os machos podem recorrer a exibições através de danças conspícuas, agitando apêndices providos, muitas vezes, de tufos de pêlos ou morfologia chamativa. Também é previsível o reconhecimento sexual através de cores e/ou padrões de coloração, embora somente em Salticidae. Os campos visuais dos diferentes olhos permitem cobrir grande parte da periferia, informação que permite à aranha girar em direção à fonte do estímulo móvel e enfrentá-la, sobrepondo os campos dos OMA e OLA e melhorando sensivelmente a visão do objeto (Fig. 5.9). Se observarmos o cone de boa visão formado, compreenderemos facilmente porque evoluiu nos machos um padrão de movimentação de cortejo em zig-zag até a fêmea. Rossa-Feres et al. (2000) descreveram o cortejo de um salticídeo brasileiro, Psecas chapoda (sub Psecas viridipurpureus), que utiliza o campo estreito e comprido da folha de uma bromélia para aproximar-se da fêmea em zig-zag, mantendo-se sempre em um local iluminado.

Comunicação Os licosídeos, geralmente com coloração críptica, recorrem freqüentemente a movimentos ostentosos. Realizam vibrações, elevações e sacudidas de pernas, palpos e corpo, às vezes reforçando o sinal visual com ornamentações. As vibrações de apêndices ou abdome não precisam necessariamente representar sinais visuais, podendo também corresponder à emissão de sons (estridulação). Este é um problema freqüente para o observador, determinar que canal ou canais de comunicação o animal está realmente utilizando. Rovner (1996) analisou experimentalmente a

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capacidade de percepção visual de machos e fêmeas de Rabidosa rabida, tapando seus olhos. Os olhos normais foram incapazes de ver fêmeas imóveis muito próximas, incluindo na clássica posição de ameaça, com o corpo elevado e pernas anteriores semiflexionadas. Para determinar os sinais visuais percebidos por diferentes olhos, Rovner (1993) utilizou imagens de vídeo como estímulo para aranhas com os distintos pares de olhos tapados. Os OLP, de campo muito amplo, determinam grandes rotações da aranha na direção do estímulo, enquanto que os OMP provocam rotações e a rápida aproximação da fonte do estímulo. Os OLA estão associados a rotações ajustadas e a aproximação. O macho é capaz de reconhecer a fêmea móvel com quaisquer pares de olhos, realizando sua exibição sexual. A fêmea dessa espécie responde com sua própria exibição de pernas, exceto quando somente percebe o macho através dos OLP.

Imagens de vídeo O uso de imagens de vídeo e, inclusive, de animação, é uma ferramenta poderosa para o estudo de preferências sexuais (Künzler & Bakker 1998). Este método permite até mesmo criar estímulos supranormais que possibilitam avaliar as preferências femininas sobre características inexistentes. Além disso, evita que os animais sejam submetidos a procedimentos experimentais que podem ser considerados cruéis. McClintock & Uetz (1996) utilizaram esta técnica com Schizocosa ocreata e com S. rovneri, duas espécies aparentadas e quase sinmórficas. O macho da primeira possui tufos de cerdas nas pernas anteriores, ausentes na segunda. Estes autores registraram imagens dos machos cortejando, alterando algumas de forma a obter machos de S. rovneri e de S. ocreata sem tufos, com tufos normais e com tufos supranormais. As fêmeas de S. ocreata, conforme o esperado, preferiram imagens de vídeo de co-específicos e, entre elas, daqueles com tufos grandes. As fêmeas de S. rovneri, no entanto, preferiram os três tipos de machos de S. ocreata às imagens normais de machos de sua própria espécie. Para surpreender ainda mais os autores, elas preferiram imagens de machos de sua espécie com a adição de tufos, em detrimento do padrão normal. Isto indica uma tendência preexistente nas fêmeas de S. rovneri a serem atraídas por

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machos com tufos, uma possível apomorfia para o grupo a que pertencem essas espécies. O isolamento reprodutivo, no entanto, é mantido no campo porque outros canais de comunicação, como o vibratório, também são importantes no cortejo dessas espécies. Provavelmente os sinais eficientes na comunicação que envolvem os tufos foram contra-selecionados em S. rovneri, que prefere habitats onde os tufos fariam que o macho se tornasse mais vulnerável a predadores visualmente orientados.

Comunicação tátil e combinação de sinais A comunicação tátil é provavelmente a mais antiga, sendo amplamente distribuída nas aranhas e constituindo a última barreira pré-copulatória. Pode ser muito importante para animais estritamente noturnos, cavernícolas ou de ambientes fechados. Nas aranhas, os receptores envolvidos são formados principalmente por numerosos pêlos táteis, móveis, que estimulam tipicamente três dendritos (Foelix 1985). Mas devemos lembrar que outros receptores, como os pêlos quimiosensoriais, as tricobrótrias e até os receptores de vibrações também podem cumprir funções táteis. As aranhas, então, com suas numerosas e grandes pernas repletas de sensores, são capazes de fazer uma ampla e sensível varredura em seu entorno imediato. De qualquer maneira, em um contato macho-fêmea, é difícil separarmos o tato da recepção de sinais químicos de contato, e ambos os canais de comunicação podem atuar sinergisticamente na decisão final de pareamento, quando os animais se exploram e avaliam mutuamente (Costa 1975, Costa et al. 2000, Barth 2002). Esta fase final do encontro sexual é particularmente intensa e/ou prolongada em animais com escassa comunicação prévia, servindo de mecanismo de isolamento reprodutivo interespecífico (mas veja Kronestedt 1994), e possivelmente constitui uma etapa importante na seleção sexual por escolha feminina (veja capítulo 6 deste livro). As diversas espécies de aranhas utilizam preferencialmente um ou vários canais de comunicação sexual, de acordo com suas características morfológico-funcionais e o meio que habitam. Não parece estranho, então, que uma espécie que ocorre em uma grande variedade de

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habitats, como o licosídeo Schizocosa malitiosa, utilize todos, possibilitando a comunicação nas mais diferentes situações. Os machos dessa espécie detectam e localizam as fêmeas seguindo um rastro de feromônio sexual. Também emitem, no entanto, sinais vibratórios e realizam exibições visuais. Diante da fêmea, eles intensificam sua dança e buscam o pareamento através de um intensa interação quimiotátil (Costa 1975).

Seleção pela fêmea e sinais honestos Como foi dito anteriormente, os machos do licosídeo Hygrolycosa rubrofasciata, um modelo biológico intensamente estudado por pesquisadores finlandeses, cortejam golpeando o abdome contra o substrato. As fêmeas movimentam-se pouco e são visitadas por muitos machos, escolhendo entre eles aqueles com que copularão. Kotiaho et al. (2000) coletaram em um ano de captura 206 machos e apenas 38 fêmeas em armadilhas de queda. Parri et al. (1997) observaram que as fêmeas respondem mais rápido aos golpes de maior intensidade e com altas taxas de repetição (esta última característica se relaciona com comprimento do sinal). Da mesma forma, Kotiaho et al. (1999a) e Rivero et al. (2000) observaram que os machos que produziram as maiores taxas de repetição conseguiram um número maior de pareamentos. Esta aparente seleção pela fêmea entre machos com tais características reflete um pequeno aumento de viabilidade da prole desses machos (Alatalo et al. 1998). Os sinais emitidos pelos machos, que as fêmeas utilizam para escolher com quais aceitará copular, são indicadores confiáveis da qualidade do mesmo? As fêmeas tenderão a aceitar aqueles machos cujos sinais signifiquem algum custo real para ele, de forma que sejam bons indicadores de sua qualidade (sinais honestos) (Zahavi & Zahavi 1997, Redondo 1994). O tamborilar com o abdome realizado pelo macho de H. rubrofasciata parece um sinal honesto, já que demanda muita energia e aumenta sua taxa de mortalidade no campo, segundo observaram Kotiaho et al. (1998a, b). Estes autores concluíram que o tamanho do abdome em relação ao corpo é um fator importante, já que esta relação determina o gasto energético ao movê-lo. Este tipo de sinal teria permitido a

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evolução da preferência das fêmeas por machos mais ativos, que investem mais energia na sua produção (Kotiaho 2000). Também seriam indicadores honestos de possíveis vencedores em encontros agressivos (Kotiaho et al. 1999b).

Uma espécie muito estudada O tamborilar de H. rubrofasciata é relativamente bem conhecido. Sua freqüência principal é muito variável (1-8 kHZ), devido à heterogeneidade do substrato. O ritmo de pulsos do sinal parece ser muito conservativo entre os indivíduos e, possivelmente, apresenta a função de reconhecimento específico (isolamento reprodutivo) e não deve estar envolvido na seleção sexual (Rivero et al. 2000). Ao contrário, a longitude do sinal é muito variável e estaria sujeita a seleção sexual por escolha pela fêmea. Finalmente, a existência de uma correlação negativa entre os pulsos e a longitude do sinal sugerem que existe um balanço entre essas duas características, sujeitas a pressões de seleção distintas. A existência de fatores ambientais que afetam a qualidade do sinal é um aspecto muito interessante. Kotiaho et al. (2000) observaram que a seleção de habitat pelos machos não é ao acaso. Enquanto se deslocam à procura de fêmeas, os machos periodicamente param e tamborilam o abdome, na tentativa de chamar a atenção de fêmeas próximas. Estas paradas para tamborilar ocorrem predominantemente em locais elevados, com pouca cobertura de gramíneas e ricos em folhas secas. As duas últimas características reduzem a reflexão e a absorção dos sons ao evitar interferências físicas, otimizando sua propagação. A intensidade do tamborilar também está fortemente correlacionada com a temperatura ambiente, já que são animais ectotérmicos. Os machos preferem locais ensolarados, conseguindo assim emitir sinais mais intensos. Desta forma, a seleção de características do ambiente também influi na probabilidade de pareamento nesta espécie.

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Uma história: cortejo e isolamento reprodutivo entre duas espécies sinmórficas Lycosa thorelli e L. carbonelli são dois licosídeos que ocorrem no Uruguai, com aspecto externo muito semelhante (sinmórficos). Esta semelhança inclui as genitálias masculinas e femininas (caráter sistemático muito importante para separar espécies próximas em aranhas). As duas espécies coexistem no espaço e no tempo, ou seja, são simpátricas e sincrônicas. Entretanto, não copulam entre si, muito provavelmente devido às características muito distintas de seus cortejos (Costa & Capocasale 1984). Enquanto os machos apresentam certa confusão diante do feromônio de uma fêmea da outra espécie, o feromônio da mesma espécie desencadeia comportamentos de busca e cortejo mais intensos. Curiosamente, estes comportamentos iniciais não diferem muito entre os machos das duas espécies. Entretanto, quando os indivíduos estabelecem contato visual ou quimiotátil, machos heteroespecíficos são repelidos ou mesmo atacados pelas fêmeas. Os pares coespecíficos, por outro lado, iniciam um cortejo intenso. O macho de L. carbonelli mantém e intensifica o padrão de busca, agitando as pernas anteriores alternadamente e avançando de forma mais ou menos contínua e cuidadosa até a fêmea. As fêmeas muito receptivas respondem com a agitação das pernas (cortejo feminino), acelerando a iniciativa do macho de iniciar a cópula (nos licosídeos o macho copula posicionado sobre o dorso da fêmea). Ao contrário, o macho de L. thorelli modifica drasticamente seu padrão comportamental diante da fêmea coespecífica: a procura ocorre com uma progressão cautelosa, com agitação moderada das pernas ao seguir o rastro químico, mas quando encontra a fêmea o macho passa a alternar pausas extensas com "comportamentos explosivos" (CE) (Fig. 5.10). Estes consistem em avanços rápidos e bruscos, agitando freneticamente suas pernas até se chocar com a fêmea, quando então volta a realizar a pausa. Cada CE é precedido e seguido por um intenso tamborilar dos palpos. Estas duas espécies aparentadas freqüentemente ocupam habitats distintos do mesmo ambiente e seu comportamento parece adaptado a estes sítios. Os deslocamentos bruscos de L. thorelli são compatíveis com pradarias mais abertas, enquanto o comportamento de L. carbonelli parece adaptado à vegetação mais alta e fechada, por onde avança cautelosamente, explorando com

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suas longas pernas (Costa et al. 2000). Provavelmente, a diferença comportamental em L. thorelli surgiu de uma aceleração dos movimentos de pernas, já que uma análise muito fina dos movimentos de pernas de ambas as espécies mostra que são similares, diferindo em velocidade. O padrão comportamental similar nas duas espécies na etapa de busca pela fêmea sugere que um antepassado comum possuía um padrão comportamental semelhante ao observado em L. carbonelli (Costa et al. 2000).

Cruzando a barreira etológica Como a genitália dessas duas espécies é similar (mas veja Simó et al. 2002), é possível investigar a existência de mecanismos de isolamento pós-copulatórios. Para isto, obviamente, seria necessário anular experimentalmente a eficaz barreira etológica pré-copulatória, ou seja, o cortejo muito diferenciado. Mas como superá-la? Em primeiro lugar seria necessário aumentar a estimulação que parte da fêmea (o feromônio sexual) e, fundamentalmente, evitar que estas discriminem os machos. Costa & Francescoli (1991), seguindo Bonnet (1933) e Stratton & Uetz (1981), colocaram machos sobre uma arena com feromônio coespecífico, de forma que eles realizaram uma intensa fase de busca, até encontrarem fêmeas anestesiadas com CO2, da mesma espécie no grupo controle e da outra espécie no grupo experimental. Foram formados, assim, quatro grupos: macho de L. thorelli com fêmea de L. thorelli (grupo TT), macho de L. carbonelli com fêmea de L. carbonelli (CC), macho de L. thorelli com fêmea de L. carbonelli (TC) e macho de L. carbonelli com fêmea de L. thorelli (CT). O truque foi efetivo com os machos L. thorelli, que copularam freqüentemente com as fêmeas de ambas as espécies. Os machos de L. carbonelli foram mais prudentes, particularmente no grupo CT, o que fez com que muitas vezes as fêmeas despertassem da anestesia, arruinando o experimento. Apesar disto, cópulas ocorreram nos quatro grupos. Em geral, estenderam-se mesmo depois que as fêmeas despertavam, embora as fêmeas de L. carbonelli tenham se mostrado bastante indóceis, forçando os machos a interromperem o ato. Os grupos co-específicos tiveram cópulas

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normais, realizando múltiplas ejaculações consecutivas durante escassas inserções dos palpos. Por outro lado, nos grupos heteroespecíficos o padrão foi atípico, com o palpo escapando de seu encaixe na genitália feminina sem realizar múltiplas ejaculações. Apesar disto, houve uma única exceção, no grupo TC, onde um par copulou de forma típica (Costa & Francescoli 1991). As fêmeas dos grupos coespecíficos geraram descendência viável. Já as fêmeas dos grupos heteroespecíficos não geraram descendência, com exceção da fêmea de L. carbonelli que copulou normalmente com o macho de L. thorelli, gerando híbridos. Os híbridos e seus controles TT e CC foram criados com êxito até o estágio adulto (Francescoli & Costa 1992). Os resultados evidenciaram, então, que existe um mecanismo de isolamento reprodutivo mecânico, geralmente efetivo, entre as duas espécies estudadas. Recentemente Simó et al. (2002) mostraram a existência de algumas diferenças entre as genitálias dessas espécies, o que explicaria os resultados obtidos previamente e revitalizaria a discussão a respeito da função chave-fechadura dessas estruturas esclerotinizadas (veja Eberhard 1985, Huber 1993a). Além disso, a diferença de tamanho também pode exercer a função de um componente de isolamento. Pérez-Miles (1985) mostrou que existem diferenças de tamanho estatisticamente significativas entre L. carbonelli e L. thorelli, sendo a primeira maior. O único par heteroespecífico que copulou normalmente foi composto por um macho grande de L. thorelli e por uma fêmea pequena de L. carbonelli. Seria razoável supor a existência de isolamento genital prévio ao isolamento etológico. De qualquer maneira, uma vez superada a barreira mecânica, não existiriam outros mecanismos de isolamento pós-copulatório entre essas espécies (inviabilidade de esperma, do zigoto, do embrião ou do juvenil, por exemplo), ao menos até o momento da reprodução da progênie. (Costa 1995).

Híbridos de laboratório Costa et al. (1997b, 2000) analisaram o comportamento sexual dos híbridos de L. thorelli – L. carbonelli, tanto diante de feromônios como na presença de indivíduos do outro sexo. O feromônio híbrido gerou respostas sexuais de média intensidade nos machos parentais (L. thorelli e

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L. carbonelli), intermediárias entre as respostas co-específicas e heteroespecíficas (Fig. 5.11). Os machos híbridos foram os menos ativos. Algo similar ocorreu nas interações diretas entre machos e fêmeas. Os híbridos apresentaram os comportamentos típicos de ambas as espécies. Não desapareceram categorias comportamentais (embora o "comportamento explosivo" característico de L. thorelli tenha sido pouco freqüente), nem surgiram novas categorias. Não ocorreram cópulas com os híbridos, apenas entre os indivíduos controle (TT e CC). Os machos híbridos foram repelidos de forma menos contundente que aqueles de pares heteroespecíficos do grupo controle. Estes resultados indicam que as unidades comportamentais do cortejo destas espécies são herdáveis de forma independente e são condicionadas por vários genes localizadas nos cromossomos autossômicos (Costa et al. 1997b). De fato, apenas as fêmeas fornecem cromossomos sexuais em licosídeos (Postiglioni & Brum-Zorrilla 1981), e os híbridos apresentaram também comportamentos inerentes aos machos. É claro que produzir híbridos é um péssimo negócio: apesar de seu excelente estado físico, eles não se reproduziram em laboratório, e não o fariam no campo, onde ainda sofreriam com a competição com outros machos parentais. Nestes licosídeos, os mecanismos etológicos e mecânicos de isolamento previnem totalmente a existência desses "erros".

Outra história: vibrações em caranguejeiras Duas espécies de caranguejeiras da família Theraphosidae comuns no Uruguai, Eupalaestrus weijenberghi e Acanthoscurria suina, apresentam características similares: tamanho semelhante, freqüente simpatria, mesmo período reprodutivo (de março a abril), mesmos sítios reprodutivos (os machos buscam por fêmeas em cavidades localizadas em campos abertos) e tática sexual similar: detecção química, sinalização vibratória do macho e cópula na entrada da cavidade (Mignone et al. 2001, Costa & Pérez-Miles 2002). Os feromônios se concentram principalmente ao redor da entrada das cavidades. O cortejo dos machos consiste em vibrações complexas do corpo, causadas principalmente por movimentos espasmódicos do terceiro par de pernas, com o animal firmemente apoiado no substrato. No campo, foi observada uma fêmea receptiva aparecendo na

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entrada de seu abrigo, realizando movimentos alternados do primeiro para de pernas. Essa exibição feminina fez com que o macho se orientasse até ela, aumentando a freqüência das vibrações e tamborilando suavemente com os palpos. Quando a fêmea emerge, o macho tenta enganchar suas quelíceras com as apófises tibiais do primeiro par de pernas, iniciando a cópula em seguida. Seqüências semelhantes de cortejo e cópula já foram descritas para outras famílias de migalomorfas (veja Coyle 1985, Coyle 1986b, Coyle & O´Shields 1990, Jackson & Pollard 1990, Costa & PérezMiles 1998) e também para terafosídeos (veja Lourenço 1978, Costa & Pérez-Miles 1992, PérezMiles & Costa 1992, Shillington & Verrell 1997, Yáñez et al. 1999). A exibição da fêmea é uma novidade, não tendo sido previamente mencionada na literatura. Em resumo, este comportamento serve tanto para indicar sua receptividade como para orientar o macho até ela, indicando claramente que a fêmea cumpre um papel muito mais ativo que o suposto até então. Talvez esta novidade não reflita senão a nossa ignorância - uma vez mais - sobre a biologia desses grandes animais. As vibrações corporais desses machos lembram o método de produção de sons descrito por Rovner (1980) para Heteropoda venatoria (Sparassidae). Desenhamos, então, um experimento (Quirici & Costa, no prelo) para identificar os canais por onde se transmitiriam os sinas. Seriam sinais acústicos ou vibratórios? A análise foi complicada pelo tamborilar suave dos machos com os palpos. Já mencionamos que alguns terafosídeos apresentam órgãos estridulatórios entre os palpos e o primeiro par de pernas (Legendre 1963). Acanthoscurria suina, por exemplo, apresenta pêlos especiais na base dos palpos, designados tradicionalmente como “aparato estridulatório”. O tamborilar apresenta os movimentos adequados para a raspagem desses órgãos, reforçando a hipótese de sua função comunicativa. Os machos utilizariam vários canais?

Analisando por grupos Desenhamos um experimento com quatro grupos (Fig. 5.12). Em todos eles as fêmeas estavam em terrários, dentro de cavidades visíveis ao observador, e a seda com feromônio sexual se distribuía por toda a superfície do substrato. Uma rede evitava que o macho se aproximasse da

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entrada da cavidade. Os terrários estavam apoiados em blocos grossos de espuma de poliuretano, para isolar os animais das vibrações do solo. O primeiro grupo era composto por um terrário unitário, onde os machos estavam limitados por uma rede (grupo controle). O segundo grupo era similar, mas os machos permaneciam dentro de uma cúpula de vidro (grupo cúpula), evitando a comunicação acústica. No terceiro, o terrário estava dividido em duas partes (blocos separados), isolando machos e fêmeas. As duas partes estavam separadas entre si por poucos milímetros, apoiados sobre blocos de espuma independentes e sobre duas mesas separadas, evitando a comunicação via substrato. O quarto grupo foi similar ao terceiro, mas com os dois blocos estavam em íntimo contato entre si (blocos unidos).

Comunicação sísmica O bloco único (grupo controle) permitiu uma comunicação correta do casal: tanto as fêmeas de E. weijenberghi (como supúnhamos), como as de A. suina (o que foi uma primeira surpresa), responderam com sua própria exibição dentro da cavidade. No "grupo cúpula" as fêmeas responderam de forma similar ao controle, sugerindo que o componente acústico (isolado pelo vidro), se existe, não é imprescindível a essa distância. Nos blocos separados tivemos outra surpresa: nenhuma fêmea, de nenhuma das duas espécies, respondeu ao cortejo dos machos. Mas quando os blocos foram comprimidos entre si (grupo "blocos unidos"), as fêmeas das duas espécies responderam aos machos co-específicos. Concluímos, então, que os sinais dos machos se transmitem fundamentalmente através do substrato (comunicação sísmica). As vibrações provocaram respostas até em fêmeas localizadas a uma distância de 25 cm. Mais ainda, Quirici & Costa (2003) observaram que as fêmeas dessas espécies respondem às vibrações dos machos até a distâncias de 1 a 2 metros. A comunicação acústica, apesar de existir, não se mostrou efetiva a distâncias maiores que 8 cm, provavelmente devido à dificuldade das ondas sonoras para superar interfaces e para desviar-se, penetrando na cavidade. Entretanto, esta comunicação poderia ser efetiva à curta distância (na entrada da

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cavidade), reforçando o isolamento reprodutivo entre essas duas espécies simpátricas e sincrônicas. Esta hipótese surgiu posteriormente, quando fêmeas das duas espécies foram observadas respondendo a sinais sísmicos de longa distância produzidos por machos heteroespecíficos em laboratório. Como deve acontecer, a cada passo que avançamos descobrimos novos, pequenos universos, cuja compreensão é um desafio que nos impulsiona a começar outra vez.

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ESCOLHA CRÍPTICA PELA FÊMEA E FENÔMENOS ASSOCIADOS EM ARANHAS

WILLIAM G. EBERHARD

Este capítulo tem dois objetivos: apresentar uma breve introdução às idéias gerais e dados associados à escolha críptica pelas fêmeas e sumarizar as evidências de que este fenômeno ocorre em aranhas. Além disto, serão discutidas várias vantagens especiais de aranhas para futuros estudos sobre escolha críptica pelas fêmeas (veja Quadro 6.1), quando possível utilizando dados recentemente publicados para ilustrá-las. Estas referências são incompletas, e o capítulo não visa apresentar uma revisão geral sobre o assunto. Ao contrário, visa introduzir o leitor à freqüentemente dispersa literatura sobre comportamento sexual em aranhas. O objetivo principal é estimular trabalhos futuros sobre a biologia sexual destes fascinantes e pouco estudados animais. Existem muitas excelentes teses sobre eles esperando para serem escritas.

Definição e descrição da escolha críptica pelas fêmeas A seleção sexual, que resulta da competição entre membros de um sexo (geralmente machos) pelo acesso sexual a membros do outro sexo (geralmente fêmeas), foi inicialmente descrita e ilustrada por Darwin, a mais de 100 anos atrás (Darwin 1871). Ele distinguiu dois tipos de seleção sexual: a direta, que refere-se a batalhas entre machos nas quais alguns indivíduos fisicamente impedem que outros tenham acesso às fêmeas; e a escolha pela fêmea, na qual as fêmeas têm acesso a vários machos e escolhem copular com alguns e não com outros. Uma vez que o sucesso ou fracasso evolutivo de um macho depende de sua capacidade de reproduzir-se, a seleção sexual algumas vezes é muito intensa. O sucesso ou fracasso de um macho nesta competição são

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comparativos, porque são determinados por outros machos da mesma espécie. Assim, machos com chifres de tamanhos moderados podem ganhar batalhas em uma população que apresenta apenas machos com chifres pequenos. Mas se chifres de tamanhos moderados subseqüentemente se espalharem pela população, este mesmo tamanho deixará de constituir uma vantagem, e os machos precisarão de alguma característica adicional (como chifres maiores ou novas táticas de luta) para superar seus concorrentes. Por esta razão características sob seleção sexual freqüentemente evoluem rapidamente e podem diferir mesmo entre espécies intimamente aparentadas. Darwin, em uma de suas poucas omissões no desenvolvimento das idéias associadas à seleção sexual, deixou de perceber que a competição entre machos pode ocorrer não apenas antes da cópula (quando os machos competem pelo acesso às fêmeas), mas também, se as fêmeas copulam com mais de um macho, depois do início da cópula (quando os machos competem pelo acesso aos gametas femininos). Seguindo o esquema de Darwin, existem dois tipos de seleção sexual póscópula: competição de esperma (correspondente às batalhas entre machos pelo acesso às fêmeas); e a seleção críptica pelas fêmeas (correspondente às escolhas pré-cópula feitas pelas fêmeas). O primeiro grande avanço relacionado à seleção sexual pós-cópula foi o reconhecimento da possibilidade de "competição de esperma" (Parker 1970) - que os machos podem ser capazes de reduzir fisicamente a probabilidade de que o esperma de machos rivais seja utilizado para fertilizar os óvulos, dentro da mesma fêmea. Tópicos tradicionalmente incluídos nas discussões sobre competição de esperma incluem o uso da genitália dos machos para remover o esperma depositado por machos que copularam previamente, a obstrução da entrada dos ductos reprodutivos das fêmeas para evitar o acesso subseqüente por outros machos, a deposição de uma quantidade especialmente grande de esperma para diluir o esperma depositado por competidores e possivelmente o uso de substâncias seminais para inativar o esperma de outros machos ou aumentar a probabilidade de uso do esperma pela fêmea, em detrimento daquele depositado por machos competidores (Birkhead & Møller 1998, Simmons 2001). Este tipo de competição corresponde às batalhas diretas entre machos descritas por Darwin.

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A aceitação de que a seleção de machos pelas fêmeas representa um importante aspecto da seleção sexual foi, historicamente, muito demorada (Andersson 1994). Da mesma forma, só posteriormente foi observado que um segundo tipo de competição pós-copula entre machos, correspondente à escolha de machos pelas fêmeas, também pode ocorrer (Thornhill 1983, Eberhard 1985). Este tipo de competição foi chamado de "escolha críptica pelas fêmeas" (Thornhill 1983); a palavra "críptica" referindo-se ao fato que qualquer tendência pós-copula das fêmeas em favor de um macho em relação aos outros seria ignorada (críptica) sob a perspectiva Darwiniana tradicional, em que o sucesso reprodutivo de um macho em competição com outros pode ser medido pela contagem de seus eventos copulatórios ou pelo número de fêmeas com as quais ele copula. Pode parecer à primeira vista que esta escolha pelas fêmeas não é factível uma vez que a cópula tenha ocorrido. Depois que um macho conseguiu o acesso físico ao trato reprodutivo da fêmea, parece que é tarde demais para que ela possa fazer escolhas entre parceiros. Entretanto, considerações posteriores revelam que existem vários processos reprodutivos importantes pelos quais as fêmeas são capazes de alterar a probabilidade de que uma cópula resulte em filhotes. Uma lista incompleta de possibilidades inclui 20 diferentes mecanismos, como o transporte ou não do esperma; descarte ou não do esperma do último macho a copular, ou do anterior; ovulação ou não logo após a cópula, copular ou não com outros machos; etc (veja Eberhard 1996). Trabalhos recentes têm revelado vários mecanismos adicionais associados com mudanças facultativas nos ovos, incluindo a manipulação do tamanho e inclusão de hormônios e fatores imunológicos, afetando a sobrevivência dos filhotes (Kolm 2002, Gil et al. 1999, Lipar & Ketterson 2002, Saino et al. 2002, Iyengar & Eisner 2002). Para estes dois e para muitos dos outros mecanismos de escolha críptica, existem evidências que as fêmeas de algumas espécies favorecem a paternidade para alguns machos em detrimento de outros (Eberhard 1996). O quanto a escolha críptica pelas fêmeas tem sido importante na evolução? Algumas discussões sobre este assunto têm concluído que existem poucos casos documentados, mas estas têm se concentrado quase exclusivamente na manipulação diferencial de esperma de diferentes

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machos pelas fêmeas, dentro de seus corpos (Parker1998, Birkhead & Møller 1998, Birkhead 1998). Entretanto, certamente a escolha críptica pelas fêmeas não está restrita a estes mecanismos particulares (Eberhard 1996, Simmons 2001). Um conjunto adicional de razões para questionar o quanto a escolha críptica tem constituído um fator importante na evolução emerge de recentes discussões sobre a possível importância de conflitos entre machos e fêmeas como as causas de muitos fenômenos previamente explicados por escolhas feitas pelas fêmeas (Holland & Rice 1996, Alexander et al. 1997, Chapman et al. 1995, 2003). Por motivos teóricos e empíricos, entretanto, os dados citados para dar suporte a estas idéias não são completamente convincentes (Eberhard 1997, 1998, Cordero & Eberhard 2003). Dois grandes conjuntos de dados (incluindo muitas centenas de gêneros de insetos) não oferecem suporte às predições quantitativas das idéias de conflitos entre machos em relação à evolução de genitálias (Eberhard 2004a). Enquanto parece inegável que as fêmeas freqüentemente possuem mecanismos comportamentais, fisiológicos ou morfológicos que podem direcionar a paternidade de forma críptica, não está tão bem estabelecido se este direcionamento ocorre com freqüência suficiente na natureza para constituir uma importante força seletiva. Casos esparsos nos quais a escolha críptica pelas fêmeas possivelmente ocorre, especialmente em insetos e vertebrados, são apresentados em Eberhard (1996); evidências adicionais vem de estudos com tunicados (Bishop et al.1996), libélulas (Cordero-Aguilar 1999), besouros das famílias Bruchidae (Wilson et al. 1997), Tenebrionidae (Edvardsson & Arnqvist 2000) e Chrysomelidae (Tallamy et al. 2002, 2003); hemípteros das famílias Gerridae (Arnqvist & Daniellson 1999) e Lygaeidae (Tadler 1999); codornas (Adkins Regan 1995), andorinhas (de Lope & Møller 1993) e uma espécie de ave da família Fringillidae (Gil et al. 1999). A evidência mais abrangente envolvendo a escolha críptica pelas fêmeas, entretanto, é menos direta, e vem de duas direções - morfologia reprodutiva e comportamento. Serão apresentados aqui apenas os argumentos básicos. O maior conjunto de dados morfológicos vem da extensa literatura sobre taxonomia (resumida em Eberhard 1985). Taxônomos de diferentes grupos

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de animais com fertilização interna, de platelmintos a insetos e cobras, de aranhas a lulas e macacos, têm observado que as estruturas das genitálias dos machos são especialmente sujeitas a evolução rápida e divergência mesmo entre espécies intimamente relacionadas (Fig. 6.1). Muitas linhas de evidências, incluindo observações diretas de comportamento reprodutivo (e.g. Eberhard 2001a, b, Schäfer & Uhl 2002) e tendências à paternidade associadas com diferentes formas de genitália (Rodriguez 1995, Arnqvist & Danielsson 1999, Danielsson & Askenow 1999, House & Simmons 2002) sugerem que estas estruturas de genitálias masculinas funcionam como "instrumentos de cortejo internos", que evoluem sob seleção sexual por escolha críptica pelas fêmeas. Explicações alternativas gerais para justificar porque ocorre este forte padrão evolutivo, como o isolamento reprodutivo por incompatibilidade física ("chave-fechadura") e os efeitos pleiotrópicos de alelos responsáveis por outras características, são insatisfatórias. Estas explicações são incapazes de justificar as tendências associadas com a freqüência de re-cópula das fêmeas e a ausência de efeitos biogeográficos e de outros fatores afetando a probabilidade de encontros sexuais interespecíficos (Eberhard 1985, 1997, 1998, 2002, Shapiro & Porter 1989, Arnqvist 1998). O segundo conjunto de dados, baseado no comportamento, embora menos extenso, é forte porque nenhuma outra hipótese a não ser a escolha críptica pelas fêmeas parece capaz de explicá-lo. A observação empírica de que o comportamento de cortejar as fêmeas durante e logo após a cópula (usando um conjunto conservativo de critérios para distinguir cortejo de outros tipos de comportamento) é aparentemente muito comum (Eberhard 1991, 1994). Em muitas espécies, os padrões de comportamento empregados durante são diferentes daqueles empregados antes da cópula e, em algumas espécies, o único tipo de cortejo apresentado pelos machos ocorre após o início da cópula. O cortejo após o início da cópula é aparentemente paradoxal, uma vez que o macho já alcançou o objetivo geralmente atribuído ao cortejo padrão - a cópula. A menos que os machos tenham sido selecionados para influenciar positivamente o processo reprodutivo controlado pelas fêmeas (e.g. transporte de esperma, ovulação, etc. - mecanismos de escolha críptica pelas fêmeas), aparentemente não haveria razão seletiva para este tipo de comportamento nos machos.

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Respostas das fêmeas ao cortejo copulatório foram demonstradas em muitas espécies, incluindo abelhas (Alcock & Buchmann 1985), pulgas (Humprhries 1967), besouros (Edvardsson & Arnqvist 2000, Tallamy et al. 2002, 2003) e roedores (Carlson & Defeo 1965, Carter 1973, Leckie et al. 1973). Um terceiro conjunto de dados, envolvendo os efeitos de substâncias seminais masculinas na fisiologia reprodutiva das fêmeas, também ajusta-se com as idéias de escolha críptica pelas fêmeas (Eberhard & Cordero 1995, Eberhard 1996). Mas os dados fisiológicos ainda são menos substanciais e conclusivos porque também ajustam-se à explicação alternativa de conflitos entre machos e fêmeas (Chapman et al. 2003).

Evidências de escolha críptica pelas fêmeas em aranhas A maioria dos mecanismos através dos quais pode surgir a escolha críptica pelas fêmeas (Eberhard 1996) são conhecidos em aracnídeos. De fato, alguns poucos são conhecidos apenas em aracnídeos, como recolher ou não o esperma depositado em um espermatóforo estruturalmente complexo (Peretti 1996), permitir ou não que o macho deposite um tampão genital (Knoflach 1998, Eberhard & Huber 1998a) e alterar a morfologia da genitália interna como resultado da cópula (Higgins 1989). A escolha críptica pelas fêmeas é, portanto, geralmente factível em aranhas. Apesar disto, poucos estudos testaram sua ocorrência neste grupo. Fêmeas do araneídeo Argiope keyserlingi controlam a paternidade de seus filhotes ajustando a duração da cópula (alterando o momento do canibalismo sexual) (Elgar et al. 2000). Fêmeas copulando com machos relativamente pequenos atrasam o canibalismo sexual, prolongando a cópula, e esses machos conseqüentemente fertilizam mais ovos. Os machos lutam para não serem canibalizados e as fêmeas que comem os machos não depositam um número maior de ovos. Desta forma, a cumplicidade dos machos (veja Andrade 1996) parece não ser importante neste caso (Elgar et al. 2000). O sucesso dos machos na fertilização é aumentado em Latrodectus hasselti (Theridiidae) se as fêmeas os canibalizam (Andrade 1996), mas até onde se sabe, a decisão de canibalizar ou não o macho depende do estado

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nutricional da fêmea e não de qualquer aspecto do fenótipo do macho (Andrade 1998). Assim a escolha críptica pela fêmea pode não ocorrer nesta espécie, embora seja possível também que alguma característica dos machos, não estudada por Andrade, tenha influência sobre as decisões das fêmeas. O canibalismo sexual ocorre também em outros grupos (e.g. Knoflach & van Harten 2000, Knoflach 2002, capítulo 11 deste livro), mas seus possíveis efeitos no uso do esperma são desconhecidos. Em Neriene litigiosa (Linyphiidae), o "vigor copulatório" do macho durante o cortejo préinseminação (inserção dos pedipalpos antes de estarem carregados com esperma) tem um efeito positivo na proporção de ovos fertilizados, em casos nos quais a fêmea já havia copulado previamente com outro macho (Watson 1991). O "vigor" foi quantificado através da combinação de medidas da duração da cópula pré-inseminação, da taxa de introdução dos pedipalpos e da porcentagem de tentativas de inserção que falharam. Watson (1991) especulou que as fêmeas podem controlar a entrada de esperma nas espermatecas com uma válvula nos ductos de inseminação, mas não apresentou detalhes morfológicos ou comportamentais. Já que a cópula é energeticamente dispendiosa (Watson & Lighton 1994), as fêmeas podem se beneficiar selecionando machos que confiram maior vigor à sua prole. Esta explicação da pseudocópula como um instrumento para avaliar os machos, entretanto, é improvável em outras espécies da família Linyphiidae, assim como em alguns espécies do gênero Theridion (Theridiidae), nas quais a pseudocópula é relativamente curta - veja Knoflach (1998 e referências). Uma explicação alternativa é que a função da pseudocópula seria proporcionar à fêmea estímulos "arbitrários" de cortejo, e não indicar o vigor do macho (Andersson 1994). A escolha críptica pela fêmea pode também ocorrer em Phidippus johnsoni (Salticidae). A fêmea termina a cópula (andando ou virando-se para longe do macho) e, quanto maior a duração de sua primeira cópula, menor a probabilidade de volte a copular (Jackson 1980). Quando a fêmea copula novamente ocorre uma substancial perda de paternidade para o primeiro macho. Assim, se existirem quaisquer características dos machos que façam com que as fêmeas permitam cópulas

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mais longas (não foram feitos testes para verificar esta possibilidade), eles podem ser favorecidos pela escolha críptica pela fêmea. A duração da cópula em aranhas varia muito, tanto dentro da mesma espécie quanto entre espécies (Elgar 1998) e, em muitas, é claramente superior ao tempo necessário para a transferência de esperma, sugerindo que a cópula pode ter funções adicionais como influenciar a escolha críptica pela fêmea (Jackson 1980, Eberhard 1996, Elgar 1998). Provavelmente as fêmeas de aranhas, em geral, são capazes de influenciar a duração das cópulas. Alguns casos adicionais são mencionados a seguir, mas em geral existem poucas demonstrações diretas de escolha críptica pela fêmea em aranhas. Existem, entretanto, dois tipos principais de evidências indiretas que podem ser amplamente difundidas.

Cortejo copulatório O cortejo copulatório pelos machos é geralmente associado à função de induzir a fêmea a cooperar, de uma forma ou de outra, com os interesses reprodutivos do macho. No cortejo précopulatório clássico o macho busca a cooperação da fêmea no sentido de permitir a cópula (veja capítulo 5 deste livro). No entanto, tornou-se claro que, para muitas espécies, o comportamento de cortejar a fêmea ocorre também após o início da cópula ("cortejo copulatório"). A implicação destas observações é que os machos destas espécies devem estar induzindo a cooperação das fêmeas em processos subseqüentes ao início da cópula. Em outras palavras, a existência de cortejo copulatório provavelmente indica a ocorrência de escolha críptica pelas fêmeas. Muitas amostragens de comportamento, utilizando critérios conservativos para distinguir o comportamento de cortejo, têm mostrado que machos de aranhas freqüentemente cortejam as fêmeas durante ou mesmo após a cópula. Os critérios para os comportamentos são os seguintes: A) são desempenhados repetidas vezes durante uma única cópula; B) ocorrem em diferentes cópulas de indivíduos da mesma espécie; C) não apresentam nenhuma outra função aparente (e.g. comportamentos de limpeza, e comportamentos agressivos contra outros machos não são considerados); D) são apropriados para estimular as fêmeas (e.g. mover uma perna fora do campo

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de visão da fêmea não é considerado); e E) movimentos de genitálias não são considerados. A amostragem direta mais extensiva incluiu 8 espécies de aranhas, juntamente com 123 espécies de insetos. Em cerca de 80% das espécies o macho realiza cortejo durante ou após a cópula, e em muitos casos com mais de uma categoria comportamental (Eberhard 1994). Uma amostragem similar das muitas descrições de cópulas de aranhas previamente publicadas por U. Gerhardt cerca de 90 anos atrás mostrou que em 31% das 151 espécies os machos apresentaram aparentes cortejos copulatórios (Huber 1998, veja também referências em Eberhard & Huber 1998a, Stratton et al. 1996, Knoflach 1998, Aisenberg et al. 2002). Outros aracnídeos, como escorpiões, também realizam cortejo copulatório (11% de 37 espécies estudadas- Peretti 1997). Estes dados certamente constituem uma estimativa conservadora da freqüência de escolha críptica pelas fêmeas nestes grupos, já que as fêmeas podem também utilizar outras características (e.g. forma da genitália e produtos seminais) como critérios adicionais, ou alternativos ao cortejo copulatório, para avaliar os machos. Baseando-se em duas suposições razoáveis, que estes tipos de comportamentos apresentam alguma função, e que realmente são comportamentos de cortejo; é inevitável a conclusão de que a escolha críptica pelas fêmeas deve ser muito comum em aranhas. Mas os detalhes sobre que mecanismos estão envolvidos, e a demonstração de que critérios particulares são utilizados para discriminar entre machos, apenas começaram a ser avaliados. Aisenberg et al. (2002) deram o primeiro passo ao demonstrar, impedindo a entrada de esperma nos palpos de machos de Schizocosa malitiosa, que o cortejo copulatório nesta espécie não reduz a receptividade das fêmeas às copulas subseqüentes, como foi típico após as cópulas com os machos do grupo controle. Eles não investigaram outros possíveis mecanismos de escolha críptica pelas fêmeas que podem ser promovidos pelo cortejo copulatório. O cortejo copulatório e suas conseqüências representam um grande e promissor, embora ainda quase totalmente inexplorado, campo de estudo em aranhas, assim como em outros aracnídeos.

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Um aspecto especial das cópulas em aranhas pode estar relacionado com o cortejo copulatório. Machos de aranhas freqüentemente inserem seus pedipalpos repetidas vezes nas fêmeas, em algumas espécies em padrões esteriotipados, com centenas de inserções durante um único pareamento. Algumas espécies, em contraste, inserem cada palpo apenas uma vez. Assim, inserções múltiplas não são intrinsecamente necessárias para transferir esperma. A razão para múltiplas inserções nunca foi diretamente demonstrada em nenhuma espécie. Algumas espécies apresentam padrões rítmicos de inserção altamente estilizados, que são divergentes em espécies intimamente relacionadas (Stratton et al. 1996, Knoflach 1998). A possibilidade que eles constituam cortejos copulatórios é corroborada pelo fato que em muitos gêneros de Linyphiidae e Theridiidae, longas séries de inserções precedem a inseminação ("pseudocópula") (van Helsdingen 1965, Knoflach 1998 e referências neste). Essas inserções não estão envolvidas diretamente na transferência de esperma porque precedem o carregamento do palpo com esperma. Em outros grupos sem pseudocópula, a inseminação é seguida por muitas inserções (Jackson 1980 para Phidippus, Christenson 1990 para Nephila, Eberhard & Huber 1998a para Leucage), e podem funcionar como cortejo. Stratton et al. (1996) propuseram que, dada a freqüência de tentativas de inserção fracassadas, inserções múltiplas aumentariam a probabilidade de que algumas fossem bem sucedidas. Stratton et al. (1996) discutiram a possibilidade de que inserções repetidas constituam cortejo copulatório, e observaram que o comportamento de cópula de espécies de Schizocosa do grupo ochreata podem constituir cortejo copulatório com a genitália do macho. Um processo palpal raspa ou belisca os lados do epígino da fêmea com cada expansão das hematodochas. Como mencionado anteriormente, Watson (1991) descobriu que a freqüência com a qual os machos de Neriene litigiosa (Linyphiidae) fracassam em suas tentativas de inserção dos pedipalpos durante o comportamento de cópula pré-inseminação está correlacionada com a proporção de filhotes produzidos. Inserções repetidas ocorrem também em outros grupos, incluindo mamíferos (nos quais, em algumas espécies, desencadeiam respostas reprodutivas das fêmeas, Diamond 1970) e

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diplópodes (nos quais também ocorrem repetidas intromissões com a genitália dos machos ainda sem esperma, Haacker & Fuchs 1970). Outro aspecto pouco usual de cópulas de aranhas, que possivelmente está relacionado a múltiplas inserções, é a alta freqüência de falhas em tentativas de inserção. Talvez a falta de órgãos sensoriais no bulbo copulatório (Eberhard & Huber 1998b) torne algumas falhas inevitáveis para o macho. Mas também é possível que as falhas proporcionem um estímulo copulatório de cortejo para algumas espécies (Eberhard & Huber 1998a). Um intrigante aspecto do comportamento de cópula em aranhas é que as falhas algumas vezes são muito comuns. Cerca de 75% das tentativas de inserção dos bulbos em Theridion refugum (Theridiidae) não são bem sucedidas (embora essas falhas sejam muito mais raras em algumas outras espécies co-genéricas, Knoflach 1998); assim como cerca de 20% em N. litigiosa (dados de Watson 1991, Watson & Lighton 1994) e 44% em Leucauge mariana (Tetragnathidae) (Eberhard & Huber 1998a). As fêmeas de N. litigiosa não selecionam machos que falham com freqüência maior, mas talvez em algumas outras espécies as tentativas mal sucedidas de inserção não representem falhas, mas sim esforços dos machos para estimular as fêmeas (Knoflach 1998). Em Theridion petraeum essas tentativas consistem em violentos empurrões contra o epígino das fêmeas (Knoflach 1998). Seriam o tamborilar dos palpos realizado pelos machos de Nephila (Tetragnathidae) e a raspagem dos palpos dos machos de Schizocosa (Lycosidae) no abdome das fêmeas (Robinson & Robinson 1973, Stratton et al. 1996) verdadeiras "falhas" estilizadas? Seria possível alterar experimentalmente a taxa de "falhas" modificando a morfologia dos palpos (Mendez & Eberhard, em prep.), tornando viável a obtenção de repostas a perguntas como esta. Mesmo em uma espécie na qual ocorre apenas uma única inserção de cada lado da fêmea, como em Micrathena gracilis, a inserção por si pode estar sob seleção sexual. A inserção no segundo lado a ser inseminado, quando ocorre, tem um efeito positivo na probabilidade do esperma depositado no primeiro lado ser armazenado na espermateca (Bukowski & Christenson 1997a). O pareamento nesta espécies não resulta automaticamente em cópula nas duas aberturas da genitália

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feminina, os machos devem separar-se das fêmeas e então cortejá-las novamente para realizar a inserção do palpo no outro lado do corpo. Bukowski & Christenson (2000) observaram que os machos falharam em suas tentativas de inserir o palpo no segundo lado das fêmeas em 34,4% de 32 cópulas com fêmeas virgens. As fêmeas algumas vezes demonstravam a iniciativa de predar os machos, e a interrupção da cópula após a inserção no primeiro lado parece ser uma resposta evolutiva a esta ameaça (Bukowski & Christenson 2000). Assim, fatores associados com a inseminação do segundo lado, como a predação do macho pela fêmea e o modo com aquele interrompe a cópula após a inserção em um dos lados, podem afetar a sua probabilidade de fertilizar os ovos (Bukowski & Christenson 1997b; veja também Bukowski et al. 2001 sobre canibalismo durante as tentativas de segunda inseminação no araneídeo Gasteracantha cancriformis). Seria interessante testar a possibilidade de que a decisão de interromper a cópula por parte dos machos (e, portanto, suas chances de fertilizar os ovos) seja afetada por sinais predisposição ao canibalismo, emitidos pelas fêmeas.

Evolução divergente rápida da genitália As genitálias dos machos de muitos grupos animais com fertilização interna, incluindo as aranhas, são relativamente elaboradas em estrutura, com formas espécie-específicas (Fig. 6.1). Muitas hipóteses foram propostas para explicar este padrão, incluindo a escolha críptica pelas fêmeas. Um exame extensivo das evidências (Eberhard 1985) mostra que existem fortes motivos para rejeitarmos as hipóteses anteriores (isolamento de espécies por um sistema mecânico tipo chave-fechadura ou estimulação, pleiotropia, conflito macho-fêmea sobre a remoção do esperma pelos machos), e que os dados são compatíveis com a hipótese de escolha críptica pelas fêmeas. Exames subseqüentes da hipótese chave-fechadura confirmaram que é pouco provável que ocorra como um padrão geral (Shapiro & Porter 1989, Arnqvist 1998), e muitos estudos em grupos particulares forneceram dados que corroboram a escolha críptica (Arnqvist & Danielsson 1999, Danielsson & Askenmo 1999, Eberhard 2001a, b). O fato de que as aranhas seguem a tendência

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geral, presente em outros grupos, das genitálias dos machos (e das fêmeas) serem espécieespecíficas em sua forma - como atesta a forte ênfase na forma das genitálias em estudos taxonômicos - combinado com a probabilidade desta tendência ser explicada por escolha críptica pelas fêmeas, sugere que a escolha críptica deve ser muito comum em aranhas. Existem duas outras hipóteses adicionais mais recentes, e menos testadas, para explicar a divergência rápida das genitálias. A primeira propõe que machos e fêmeas estão engajados em uma corrida armamentista relacionada a que sexo será capaz de controlar os eventos associados à cópula, à inseminação e à fertilização (Lloyd 1979, Alexander et al. 1997). Entretanto, existem vários motivos para duvidarmos do conflito entre machos e fêmeas como uma explicação geral para aranhas, incluindo a generalizada falta de pressupostas estruturas de defesa nas genitálias das fêmeas (que são bem documentadas em aranhas nas quais a morfologia das genitálias é freqüentemente incluída em descrições taxonômicas, Eberhard 2004b), e a facilidade com que fêmeas de muitas espécies de aranhas conseguem evitar cópulas indesejadas. Este último problema para a hipótese de conflito macho-fêmea é especialmente evidente em aranhas (Huber 1998), nas quais a fêmea freqüentemente é maior que o macho, além de apresentar uma natureza agressiva, o que torna praticamente impossível para os machos forçarem a cópula. Uma compilação sistemática dos dados de um grande número de espécies (em mais de 350 gêneros) de insetos e aranhas claramente falhou em mostrar evidências a favor de conflitos entre machos e fêmeas (Eberhard 2004b). A segunda hipótese (chamada "agarrar rápido") é que a genitália masculina diverge sob seleção sexual através de batalhas entre machos, nas quais um deles luta para deslocar um outro que já esteja pareado com a fêmea (Simmons 2001). Apesar destas batalhas ocorrerem durante a cópula em alguns animais (e.g. machos da mosca Scathophaga atacam casais copulando - Parker 1970b), não existem registros de observações deste tipo de comportamento em aranhas. Esta hipótese parece muito improvável para explicar a divergência de genitálias de aranhas.

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Características especiais das aranhas que facilitam o estudo de competição de esperma e escolha críptica pela fêmea Várias características especiais das aranhas para o estudo de seleção sexual associada à cópula são sumarizadas na Quadro 6.1. Muitas delas serão discutidas em detalhe a seguir.

Detalhes da morfologia da genitália As estruturas genitálicas com as quais os machos de aranhas introduzem o esperma nas fêmeas são únicas e, apesar das aranhas terem sido pouco estudadas até o presente, oferecem muitas vantagens para o estudo de competição de esperma e escolha críptica pelas fêmeas (Quadro 6.1). A porção distal dos dois pedipalpos dos machos (bulbo copulador) é modificada para formar um reservatório, no qual o esperma é depositado a partir do poro genital do abdome. Os bulbos também incluem um conjunto de escleritos mais ou menos complexo, que conecta o palpo do macho à genitália da fêmea e introduz o esperma profundamente em seu trato reprodutivo (Fig. 6.1). O bulbo é aparentemente derivado da garra tarsal do pedipalpo e, não surpreendentemente, é destituído de neurônios e músculos (Eberhard & Huber 1998b). Seus movimentos durante a cópula são produzidos por aumentos na pressão hidráulica que inflam sacos membranosos e fazem com que os escleritos movam-se em complexos padrões em relação uns aos outros e à fêmea (Gering 1953, Helsdingen 1965, 1969, Grasshoff 1968, 1973, Blest & Pomeroy 1978, Huber 1993b, 1995a,b). O esperma normalmente é encapsulado quando transferido. Esta característica representa uma outra vantagem para o estudo da transferência de esperma, porque a imobilidade dos espermatozóides significa que qualquer movimento do esperma dentro do macho ou da fêmea pode ser atribuído com segurança a ações do macho ou da fêmea, e não à mobilidade dos espermatozóides. A forma do trato reprodutivo das fêmeas também é notável em muitas espécies, possuindo ductos separados através dos quais o esperma entra na espermateca da fêmea (ductos de inseminação) e saem da espermateca em direção ao oviduto (ductos de fertilização) (Fig. 6.2). Os dois ductos de inseminação (que tendem a ser mais longos e espiralados de forma mais complexa,

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Eberhard 1996), as próprias espermatecas e os ductos de fertilização freqüentemente apresentam paredes rígidas, o que garante a vantagem de permitir facilmente o estudo de suas formas (Bukowski & Christenson 1997a, b). As aberturas externas dos ductos de inseminação geralmente são incorporadas em uma placa fortemente esclerotinizada e freqüentemente esculpida de forma complexa, o epígino. Quando um macho copula com uma fêmea, alguns de seus escleritos palpais ligam-se ao epígino (Huber 1993b, 1995a,b e referências, Knoflach 1998). Como resultado, grande parte dos movimentos das elaboradas e espécie-específicas porções da genitália masculina são observáveis, porque ocorrem fora do corpo das fêmeas, ao contrário do que acontece com muitos outros animais. Devido ao fato de que muitas aranhas permanecem em suas teias com o cefalotórax orientado para baixo, as genitálias de machos e fêmeas podem ser observadas em detalhes colocando-se o casal em uma lupa durante a cópula (Fig. 6.3, o uso de um espelho permite observações detalhadas em espécies que não constroem teias). Já que as ligações mecânicas são relativamente simples de serem estudadas congelando os casais durante a cópula e então dissecando-os (duas técnicas populares de congelamento são a imersão em nitrogênio líquido e a aspersão local com o anestésico etil-cloridro), a significância funcional de grande parte das complexas estruturas genitais masculinas pode ser deduzida (e.g Huber 1993b, 1995a,b, Uhl et al. 1995, Knoflach 1998 e referências). O resultado geral dessas pesquisas é que muitas partes das complexas e rígidas estruturas da genitália masculina tem a função de manter contato com a genitália feminina ou apoiar outros escleritos, tornando possível o contato com a genitália da fêmea (Eberhard & Huber 1998b). Parece que a genitália dos machos é freqüentemente utilizada para agarrar as fêmeas (uma função comum dos claspes genitais em muitos insetos). Elas muitas vezes se fecham dentro ou são pressionadas contra superfícies rígidas e complexas das fêmeas, ou apóiam outros escleritos dos machos para permitir que isto ocorra. Possivelmente como uma conseqüência da falta de neurônios no bulbo dos palpos, os machos de aranhas que perderam o bulbo continuam cortejando as fêmeas e realizam movimentos normais de cópula (Rovner 1967a). Com isto torna-se possível distinguir, através de experimentos,

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as respostas das fêmeas que são desencadeadas pela estimulação promovida pela genitália dos machos e seus produtos, daquelas respostas desencadeadas por todos os outros estímulos normalmente associados com a cópula (cortejo pré-copulatório e copulatório). Essa excitante possibilidade ainda não foi explorada. Outra vantagem das aranhas é que a natureza pareada das genitálias de machos e fêmeas permite que o mesmo animal seja utilizado como parte dos grupos experimental e controle. Um palpo (ou um lado do epígino) pode ser modificado enquanto o outro pode ser deixado inalterado. Isto torna estudos envolvendo a modificação experimental da genitália dos machos especialmente interessantes em aranhas quando comparados com outros grupos animais, porque muitos fatores, como o cortejo pré-copulatório e o tamanho dos machos, entre outros, podem ser padronizados. Existe apenas um estudo deste tipo. No tetragnatídeo Leucauge mariana, foram testados os efeitos na inseminação e remoção do tampão copulatório (Mendez & Eberhard, em prep.). A ponta do gancho do condutor, ou o gancho e a ponta do condutor, foram cortados de um palpo e deixados intactos no outro. Foi permitido então que o macho copulasse com uma fêmea que apresentava um tampão copulatório em seu epígino (resultante de uma cópula anterior) ou com uma fêmea virgem. Dados preliminares indicam que o gancho do condutor é importante tanto para a remoção do tampão quanto para a transferência de esperma, enquanto a ponta do condutor aumenta a inseminação. Watson (1991) mencionou que os palpos de N. litigiosa podem ser danificados durante o uso, mas não fornece detalhes. Certamente muitos trabalhos adicionais podem ser feitos nesta área, especialmente utilizando-se espécies de grande tamanho corporal. Austad (1984) observou que a morfologia interna do trato reprodutivo feminino pode ter uma grande influência nos padrões de precedência de esperma quando uma fêmea copula com mais de um macho, podendo então resultar em uma "preferência passiva" determinada pela fêmea (Wiley & Posten 1996) por machos com certas características. Austad contrastou grupos nos quais existe apenas um ducto associado a cada espermateca e nos quais o esperma do último macho a copular pode estar melhor posicionado (próximo à saída da espermateca) para fertilizar os ovos, com grupos

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com dois ductos na espermateca (CD e FD na Fig. 6.2), nos quais o esperma do primeiro macho pode estar melhor posicionado (próximo à saída para o ducto de fertilização). Em particular, a forte vantagem em paternidade para o primeiro macho nas espécies do segundo grupo pode explicar a impressionante tendência em muitas espécies dos machos procurarem fêmeas no penúltimo estágio de desenvolvimento, ainda imaturas, e não fêmeas já maduras (Jackson 1986a, Eberhard et al. 1993). Estudos subseqüentes de precedência de esperma e comportamento dos machos encontraram exceções à associação proposta por Austad, e também registraram a existência de morfologias intermediárias em algumas espécies, como a apresentada na Fig. 6.2 (Uhl & Vollrath 1998a, Elgar 1998), existindo uma variação substancial na proporção de ovos fertilizados pelo segundo macho (Uhl & Vollrath 1998a). Muitos detalhes, incluindo a mistura de esperma nas espermatecas e os efeitos das formas intermediárias destas (Elgar 1998) permanecem indeterminados. As mudanças erráticas na precedência de esperma em ninhadas sucessivas de Pholcus phalangioides (Pholcidae) (Uhl 1992) sugerem uma forte a coesão do esperma, não permitindo a mistura dentro do trato reprodutivo da fêmea. Estudos futuros contrastando o comportamento e padrões de precedência de esperma de espécies com diferentes formas de espermateca podem promover importantes progressos nessa área.

Possibilidade de isolar os efeitos do sêmen Os machos de aranhas depositam uma gota de sêmen de seu poro genital em uma pequena teia de seda e então coletam esta gota com seus pedipalpos. Isto significa que, ao contrário do que ocorre com outros animais, é possível obter contagens espermáticas precisas, roubando a gota da teia construída pelo macho, colocando-a em uma lâmina, diluindo-a e contando os espermatozóides. Se o macho remove todo o esperma de sua teia e seus palpos ficam vazios após a cópula - como ocorre em ao menos algumas espécies, como Nephila clavipes (Christenson 1990), e pode ser facilmente verificado em outras - então essas contagens representarão uma estimativa precisa da quantidade ejaculada. Esta quantidade varia com o tamanho dos machos ou das fêmeas? Ou com a

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probabilidade da fêmea copular novamente, como acontece em alguns outros grupos (e.g. Gage 1995)? Varia entre espécies aparentadas? Os dados qualitativos existentes até o momento sugerem que existem diferenças interessantes mas intrigantes no número de espermatozóides entre espécies de Theridion (Theridiidae) (Knoflach 1998). Além disso, manipulando os machos e suas gotas de esperma, é possível separar os efeitos na fêmea da cópula em si, e do sêmen. Aisenberg et al. (2002) observaram que em Schizocosa malitiosa a falta de receptividade sexual demonstrada por uma fêmea que copulou recentemente deve-se aparentemente ao sêmen, e não ao elaborado cortejo realizado pelos machos antes e durante a cópula. Inicialmente eles selaram a ponta do pedipalpo dos machos logo após a última muda (quando tornam-se sexualmente maduros), impedindo assim que os palpos fossem carregados com sêmen. Este machos desempenharam o cortejo e o comportamento copulatório normalmente, embora seja possível que pequenos detalhes não tenham ocorrido de forma idêntica. Quando as fêmeas copularam com machos que não transferiram esperma, ficaram muito mais propensas a aceitar novas cópulas que fêmeas que copularam com machos normais. A conclusão é que, assim como é comum em insetos (Chen 1984), produtos seminais, tanto o esperma em si como outras substâncias, inibem a receptividade sexual das fêmeas. Procedimentos similares, impedindo o carregamento dos palpos com esperma (através da técnica mais simples e eficiente de remover a gota de esperma da teia dos machos), mostraram que substâncias presentes na última de várias gotas que o macho coleta durante o curso da cópula em Theridion são cruciais à formação do tampão copulatório, afetando também o próprio comportamento dos machos durante a cópula (Knoflach 1998). Um outro tipo de experimento, no qual produtos seminais são injetados diretamente nas fêmeas, aparentemente nunca foram tentados com aranhas. Esses experimentos vem sendo realizados com várias espécies de insetos e ácaros, nos quais glândulas inteiras ou extratos de glândulas são injetados ou implantados dentro das fêmeas. Eles devem ser muito mais fáceis de serem implementados em aranhas, e os resultados devem ser muito mais convincentes, devido à

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falta de contaminação dos produtos seminais. A alta freqüência com que produtos seminais têm sido observados influenciando a receptividade a novas cópulas e as taxas de oviposição em insetos e ácaros (Chen 1984, Eberhard 1996) tornam experimentos deste tipo especialmente promissores em aranhas.

Alimentação da fêmea pelo macho durante a cópula A alimentação da fêmea pelo macho durante a cópula surgiu em muitas famílias, incluindo Linyphiidae, Theridiidae, Pholcidae e Pisauridae (sumários em Lopez 1987, Elgar 1998) (Fig. 6.4). Em ao menos algumas espécies a pequena quantidade de material transferido pelos machos sugere que estes obtém algum benefício influenciando a escolha críptica pela fêmea, e não devido ao ganho nutricional proporcionado (Elgar 1998). Manipulações experimentais da habilidade dos machos em transferir material para as fêmeas (por exemplo selando as aberturas dos ductos em seu cefalotórax, ou alterando a quantidade de produtos que o macho consegue transferir manipulando sua história prévia de cópulas) devem ser especialmente fáceis em aranhas que transferem pequenas quantidades de produtos para as fêmeas (e.g. Argyrodes spp. - Theridiidae - que são muito comuns nos trópicos). Estes experimentos nunca foram realizados com aranhas.

Tampões copulatórios A presença de uma massa de material próxima ou sobre a entrada dos ductos de inseminação (tampões copulatórios) (Fig. 6.5) é, provavelmente, muito comum em aranhas (Jackson 1980, Suhm et al. 1996). Em algumas espécies este material é inteiramente depositado pelos machos, como ocorre com Phidippus johnsoni (Jackson 1980), o agelenídeo Agelena limbata (Masumoto 1993), o linifiídeo Dubiaranea sp. (Eberhard 1996), e com o uloborídeo Philoponella sp. (C. Cordero, dados não publicados). Em algumas outras o tampão é uma combinação de substâncias produzidas pelos machos e pelas fêmeas, como ocorre com Theridion varians

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(Knoflach 1998) e em alguns tampões de Leucauge mariana (Mendez 2002). Em outros casos, o tampão aparentemente é produzido apenas pelas fêmeas (como observado para alguns tampões produzidos por L. mariana - Mendez 2002). Os tampões copulatórios produzidos pelos machos são provenientes de glândulas localizadas em seus abdomes (Knoflach 1998), nos palpos (Suhm et al. 1996) ou nas partes bucais (Braun 1963), sendo algumas vezes compostos por mais de um tipo de substância (Suhm et al. 1995). Alguns tampões copulatórios têm pouco ou nenhum efeito na capacidade de um segundo macho inserir sua genitália, como os tampões produzidos pelos machos de P. johnsoni (Jackson 1980) e aqueles produzidos por fêmeas de L. mariana (Mendez 2002). Em outros casos, os tampões claramente impedem novas tentativas de intromissão (Masumoto 1993, Knoflach 1998). As fêmeas podem influenciar a efetividade de um tampão em impedir novas intromissões de pelo menos três diferentes formas. Em Theridion spp. e L. mariana substâncias produzidas pelas fêmeas são necessárias para a formação de um tampão funcional (Knoflach 1998, Eberhard & Huber 1998a, Mendez 2002). Em L. mariana algumas vezes a fêmea (freqüentemente quando ela é jovem) falha em adicionar sua parte, o que impede que as tentativas do macho em formar um tampão sejam bem sucedidas. As fêmeas de L. mariana algumas vezes também impedem fisicamente as tentativas dos machos de removerem um tampão, empurrando os palpos de seus parceiros para longe do epígino com as pernas. A morfologia das fêmeas pode também influenciar a efetividade dos tampões de uma forma mais sutil, como observado em A. limbata por Masumoto (1993). O epígino desta espécie apresenta uma cavidade (o átrio) onde os dois ductos inseminatórios se abrem, e que varia em tamanho positivamente com o tamanho das fêmeas. Quando um macho copula, ele primeiro insemina a fêmea e então deposita um líquido marrom, que em pouco tempo se endurece, no átrio. Alguns tampões preenchem o átrio e cobrem completamente as aberturas dos dois ductos inseminatórios ("tampões completos"); outros cobrem apenas uma porção do átrio ("tampões incompletos"). Tampões incompletos foram comuns (38% de 50 cópulas realizadas em laboratório envolvendo

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machos e fêmeas virgens). Machos menores produziram tampões incompletos com maior freqüência, presumivelmente porque apresentavam menor quantidade de material disponível. Quando a razão entre o tamanho do macho e da fêmea era maior, tampões completos eram mais comuns. Na natureza, os machos normalmente abandonam as fêmeas cerca de um dia após depositarem o tampão, possivelmente para procurar novas oportunidades de cópula. Quando um segundo macho tenta copular com uma fêmea que já apresenta um tampão, ele primeiro utiliza seus palpos para tentar removê-lo. Tampões completos não foram removidos, mas tampões incompletos freqüentemente foram deslocados (11 de 15). Nestes casos, os machos inseminavam as fêmeas e então depositavam seus próprios tampões. Nos casais em que isso ocorria, o segundo macho fertilizou uma média de 62,9% dos ovos das fêmeas. Masumoto concluiu que a forma do epígino das fêmeas (e, em particular, do átrio) permite às fêmeas direcionar a fertilização de seus ovos em favor dos machos maiores. Fêmeas grandes podem discriminar mais fortemente em favor de machos grandes. Os efeitos evolutivos desta tendência podem ser intensificados pelo fato de que fêmeas grandes provavelmente produzem um número maior de ovos. Enquanto os tampões copulatórios em algumas espécies parecem estar relacionados à competição de esperma e escolha críptica pelas fêmeas, importantes questões ainda permanecem não respondidas. Paradoxalmente, alguns tampões em aranhas não impedem a intromissão por machos subseqüentes. Também é difícil explicar porque alguns tampões são aparentemente produzidos pelas fêmeas e não pelos machos. Fêmeas de L mariana algumas vezes respondem à remoção experimental do tampão imediatamente exudando um líquido de dentro do ducto inseminatório. Este líquido endurece rapidamente e forma uma casca fina e fraca que assemelha-se a um tampão (W.G. Eberhard, dados não publicados). Todd Bukowski (comunicação pessoal) propôs a intrigante idéia de que alguns tampões podem também funcionar para prevenir infecções genitais nas fêmeas. Esta idéia adequa-se à forma pouco usual da genitália de muitas aranhas, nas quais as aberturas dos ductos inseminatórios estão envoltas por um rígido esclerito (o epígino),

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sendo portanto (salvo quando tapados) permanentemente abertos e expostos ao meio exterior. Esta possibilidade merece estudos futuros. Progressos técnicos recentes também fazem das aranhas um grupo atrativo para estudos futuros. Problemas técnicos relativos à contagem de espermatozóides devem ser substancialmente reduzidos pelas técnicas recentemente desenvolvidas por G. Uhl (em prep.) e Bukowski & Christenson (1997b). Outro problema técnico, envolvendo a secção de genitálias fortemente esclerotinizadas, foi resolvido pelos procedimentos utilizados por Huber (1993b). Os estudos de Huber estão fazendo com que, finalmente, a equivocada idéia de que podemos entender as relações funcionais dos escleritos do pedipalpo dos machos simplesmente expandindo-os isoladamente, seja abandonada. Sem as imposições mecânicas promovidas pelo contato com a genitália das fêmeas, os escleritos do palpo dos machos assumem orientações completamente artificiais. Em resumo, as aranhas constituem claramente um grupo particularmente interessante para o desenvolvimento de estudos futuros envolvendo a escolha críptica pelas fêmeas e fenômenos associados, porque combinam vários detalhes muito especiais de história natural que facilitam sua utilização como objeto de pesquisa (Quadro 6.1). E existe um grande número de grupos que nunca foram estudados.

Outros mistérios não explorados e sugestões para o futuro A quebra da genitália masculina dentro da genitália feminina ocorre em vários grupos de aranhas (Fig. 6.6), mas é pouco comum em outros grupos animais (acontece também em alguns cefalópodes - Eberhard 1985). Em alguns araneóides, a morfologia da estrutura copulatória dos machos (parte do êmbolo) sugere que ela atua como um tampão que previne intromissões subseqüentes (Levi 1975). Observações diretas de cópulas e a determinação de paternidade em Nephila plumipes mostraram, entretanto, que a estrutura quebrada dos machos (nesta espécie é a ponta do condutor que se quebra) não evita inseminações subseqüentes (Schneider et al. 2001). O significado da quebra do palpo em N. plumipes, que acontece apenas se a fêmea desempenhar certos

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tipos de comportamentos de rejeição, não é claro (Schneider et al. 2001). Da mesma forma, a presença de múltiplas pontas de êmbolos nas espermatecas de algumas espécies do gênero Latrodectus (Theridiidae) mostra que novas intromissões não são evitadas pela quebra dessa estrutura (Fig. 6.6, Abalos & Baez 1966). Uma grande área de estudo que permanece quase completamente inexplorada, em aranhas assim como em outros animais, são os efeitos do cortejo copulatório dos machos sobre as fêmeas. Eu suponho que observações em casais nos quais o cortejo copulatório dos machos varia, combinadas com medidas das respostas reprodutivas das fêmeas, como a quantidade de esperma transferida para os locais de armazenamento, a fertilização de ovos por diferentes machos, o número de ovos produzidos, a velocidade com que os ovos são colocados e a prontidão para copular com um outro macho ou para produzir um tampão copulatório, contribuiriam em muito para a nossa compreensão das funções do cortejo copulatório. Manipulações de machos para alterar características morfológicas e comportamentais que lhes permite realizar diferentes tipos de cortejos copulatórios podem ser especialmente úteis neste contexto. A natureza aparentemente muito difundida do cortejo copulatório entre aranhas sugere que serão encontrados muitos resultados distintos nestes estudos. Um caso fascinante recentemente descoberto por Alfredo Peretti (Peretti et al., em prep.) envolve um cortejo copulatório realizado pelas fêmeas. Fêmeas de uma espécie tropical sinantrópica muito comum, Physocyclus globosus (Pholcidae), esfregam os sulcos estridulatórios de seus pedipalpos contra a lima estridulatória, presente na superfície externa de suas quelíceras, durante a cópula, produzindo rajadas de fracos sons agudos. Os machos desta espécie comprimem a fêmea ritmicamente com sua poderosa genitália (que apresentam os maiores músculos de seus corpos!), e a produção de sons tende a ocorrer quando o macho está comprimindo-a mais intensamente. A produção de sons provavelmente tem uma função comunicativa ("Ai, pare com isso!"). O macho tende a relaxar a pressão quando percebe o som, e a fêmea fica mais propensa a produzir o som novamente quando o macho não reage desta forma após uma primeira emissão.

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Curiosamente, machos "obedientes", que relaxam quando percebem os estímulos enviados pelas fêmeas, conseguem fertilizar mais ovos que aqueles menos obedientes que copularam com as mesmas fêmeas. As estruturas estridulatórias das fêmeas são amplamente difundidas em alguns gêneros de Pholcidae (B. Huber, com. pessoal) e, assim, a emissão de sinais deste tipo pode ser importante em vários grupos. Em um membro de um outro grupo, o araneídeo Micrathena gracilis, as fêmeas acariciam o ventre dos machos com suas pernas I e II, aparentemente para induzi-los a virar seus corpos e assumir uma posição de cópula ventre-ventre (Bukowski & Christenson 1997a). Movimentos das fêmeas também ocorrem durante a cópula em espécies de outros grupos, como em Leucauge mariana (W.G. Eberhard, dados não publicados), mas ainda não existem dados sobre a possibilidade de que tenham função comunicativa. Minha própria experiência em freqüentemente encontrar comportamentos que podem ser comunicativos em fêmeas que já havia observado anteriormente, sem ter prestado atenção a este aspecto, sugere que o comportamento das fêmeas, e a possibilidade de diálogos entre machos e fêmeas durante a cópula, merecem atenção no futuro. Outro fenômeno até agora misterioso nesta mesma espécie de Pholcidae, assim como em outras, como Pholcus phalangioides, é a emissão de esperma pelas fêmeas durante ou após algumas cópulas (Fig. 6.7). Em P. globosus, essas emissões nunca ocorreram quando a fêmea ainda era virgem (Peretti et al., em prep.), o que sugere que devem representar a remoção de esperma de um macho anterior. a remoção parece ocorrer como decorrência de ações das fêmeas e não dos machos, já que o esperma algumas vezes era expelido depois que a cópula já havia terminado (Huber & Eberhard 1997). Assim, parece que a emissão de esperma não ocorre porque o macho utilizou seu pedipalpo para removê-lo, como foi sugerido para P. phalangioides. Surpreendentemente, apesar do fato da quantidade de esperma expelida algumas vezes ser muito grande (Fig. 6.7), não foi observada uma correlação entre o sucesso reprodutivo do primeiro em relação ao segundo macho a copular com a fêmea e a emissão de esperma (Peretti et al., em prep.). Talvez o esperma algumas vezes pertença ao primeiro macho e algumas vezes ao segundo. A emissão de esperma não foi

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descrita para outras aranhas, mas talvez porque ninguém estivesse procurando por isso. É um outro projeto que espera para ser desenvolvido. Concluindo, a biologia sexual das aranhas é especialmente interessante para documentar fenômenos relacionados à escolha críptica pelas fêmeas. Muitas propriedades das aranhas tornam as manipulações experimentais especialmente viáveis e robustas. Existem muitos profundos mistérios já documentados e provavelmente outros a serem descobertos. E, é claro, existem literalmente milhares de espécies em diferentes grupos taxonômicos cujo comportamento sexual é quase completamente desconhecido. As oportunidades para estudos futuros são verdadeiramente espetaculares.

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Quadro 6.1. Características especiais de aranhas que podem facilitar o estudo de competição de esperma e escolha críptica pelas fêmeas, e que podem tornar as aranhas o principal grupo para estudos futuros sobre estes fenômenos.

1. Os espermatozóides estão encapsulados quando transferidos e, assim, movimentos do esperma dentro da fêmea durante a cópula podem ser atribuídos com confiança ao transporte realizado pelo macho ou pela fêmea, e não à mobilidade dos espermatozóides. 2. Os escleritos mais ou menos independentes dos palpos dos machos não apresentam conexões nervosas, permitindo assim a realização de experimentos de ablação onde possíveis efeitos sensoriais podem ser ignorados. 3. Os movimentos dos escleritos palpais, que ocorrem via expansões de sacos membranosos (hematodocas), ocorrem principalmente na superfície externa do corpo da fêmea, permitindo a observação direta da genitália dos machos e evitando movimentos dentro do trato copulatório feminino, que não poderiam ser observados. 4. Ocorre o isolamento externo de produtos seminais puros durante o processo de indução espermática, permitindo assim a separação experimental dos efeitos da cópula em si sobre a fêmea, impedindo-se o enchimento dos bulbos, e a determinação dos efeitos fisiológicos dos produtos seminais sobre a fêmea através da injeção direta desses produtos em seu corpo. 5. A rígida e complexa genitália feminina externa (epígino) que não apresenta estruturas sensoriais na sua superfície e na qual a genitália dos machos deve acoplar-se mecanicamente, permite deduções relativamente fáceis sobre a significância funcional das estruturas genitais masculinas, congelando-se e secionando-se as aranhas durante a cópula. Funções mecânicas provavelmente são importantes. 6. As genitálias pareadas de machos e fêmeas tornam possível a modificação experimental de um dos lados do animal enquanto o outro lado é deixado intacto, o que fornece um grupo

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controle excepcionalmente completo, que leva em conta o cortejo pré-copulatório e outras características de machos e fêmeas. 7. As genitálias de machos e fêmeas geralmente são fortemente esclerotinizadas, e já existe uma vasta literatura que documenta as estruturas genitálicas dos dois sexos. Desta forma, dados para amplos estudos comparativos já estão disponíveis. 8. Manipulações experimentais sobre os efeitos de substâncias produzidas em glândulas localizadas no cefalotórax dos machos (e.g. erigoníneos, Argyrodes)e transferidas às fêmeas durante a cópula não são complicadas.

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EVOLUÇÃO DO DIMORFISMO SEXUAL DE TAMANHO EM ARANHAS

ADALBERTO J. SANTOS

Entende-se como dimorfismo sexual qualquer diferença morfológica entre machos e fêmeas. Além das óbvias diferenças nos órgãos genitais, machos e fêmeas podem apresentar variações em várias características, como tamanho, coloração, plumagem e presença ou tamanho de presas, garras, chifres ou cornos. O que torna o dimorfismo sexual especialmente interessante para o estudo da biologia evolutiva é o fato de estar freqüentemente associado à ocorrência de seleção sexual (Anderson 1994). Dentre as inúmeras formas de dimorfismo sexual conhecidas, o dimorfismo sexual de tamanho, quando machos são maiores ou menores que as fêmeas, é uma das mais disseminadas (Fairbain 1997). Em vertebrados endotérmicos (mamíferos e aves) os machos são em geral maiores que as fêmeas (Nylin & Wedell 1994, Fairbain 1997). O oposto ocorre nos vertebrados ectotérmicos, principalmente anfíbios e répteis, e nos artrópodes, cujos machos podem ser significativamente menores que as fêmeas (Anderson 1994, Fairbain 1997). As hipóteses apresentadas na literatura para explicar a evolução do dimorfismo sexual de tamanho são tantas e tão diversificadas quanto os grupos onde o fenômeno foi observado (Anderson 1994, Fairbain 1997, Nylin & Wedell 1994). Aranhas são freqüentemente citadas como exemplo de grupo com acentuado dimorfismo sexual de tamanho (Darwin 1871, Ghiselin 1974). De fato, dentre as mais de 38.000 espécies de aranhas descritas, existem casos de variação extrema de tamanho entre machos e fêmeas (Figs. 7.1, 7.2), embora haja grande variação entre grupos. A Fig. 7.3 mostra as relações entre tamanho de

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fêmeas e machos em 100 gêneros de aranhas, incluindo desde espécies onde não há dimorfismo sexual até outras em que os machos apresentam pouco mais de um sexto do comprimento total das fêmeas. Em alguns grupos pode-se observar grande variação intraespecífica de tamanho corporal, de modo que em algumas populações é possível encontrar machos maiores que fêmeas. Entretanto, não existem espécies com machos com mais que 1,5 vezes o tamanho das fêmeas, embora o oposto seja bastante comum. É justamente esta variação entre grupos que faz com que as aranhas constituam modelos interessantes para o estudo da evolução do dimorfismo sexual de tamanho. Alguns casos de dimorfismo em aranhas merecem ser citados como exemplo de quão extremas podem ser as diferenças entre os sexos. Um caso particularmente interessante é o das aranhas boleadeiras do gênero Mastophora (Araneidae), um grupo de 48 espécies, melhor conhecidas por seu peculiar comportamento de captura de presas (Yeargan 1994, Levi 2003, veja capítulo 12 deste livro). Neste grupo as fêmeas podem ser de 6 a 8 vezes maiores que os machos. Observações de campo com três espécies da América do Norte (M. bisaccata, M. cornigera e M. hutchinsoni) indicam que os machos emergem das ootecas já adultos ou sub-adultos, faltando apenas uma ou duas mudas para atingirem a maturidade sexual (Gertsch 1955). Isto pode ser um indicativo de que a seleção sexual favorece o amadurecimento precoce dos machos destas espécies, às custas do desenvolvimento em tamanho. Outro exemplo de dimorfismo sexual acentuado são as espécies dos gêneros Tidarren e Echinotheridium (Theridiidae). Nestes gêneros os machos não ultrapassam 1,5 mm de comprimento de corpo, o que é de um quinto a metade do tamanho das fêmeas (Levi 1955, 1980). O que é característico nestas aranhas é que os machos adultos carregam apenas um dos palpos, porque o outro é amputado pouco antes da última muda (veja uma descrição do comportamento de amputação em Knoflach & Van Harten 2000). Uma explicação antiga para este comportamento é que os machos destes gêneros seriam tão diminutos que não poderiam carregar os dois palpos, e por isto removeriam um deles. Esta hipótese, entretanto, é refutada pelo fato de que existem espécies de aranhas com machos do mesmo tamanho, ou mesmo menores, que carregam palpos

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proporcionalmente do mesmo tamanho (ou mesmo maiores), sem a recorrer a amputações (Knoflach & Van Harten 2000: fig. 23). Por outro lado, a remoção de um dos palpos pode beneficiar os machos desses gêneros, aumentando sua capacidade locomotora. Um estudo recente (Ramos et al. 2004), baseado em experimentos com machos sub-adultos antes e após a amputação, mostrou que indivíduos com um palpo se locomovem com maior velocidade em fios de teia, conseguem percorrer maiores distâncias e apresentam maior probabilidade de sobrevivência após a exaustão. Uma vez que os machos de aranhas se locomovem muito mais que as fêmeas, a fim de localizar teias de parceiras em potencial, e freqüentemente competem para copular primeiro com determinada fêmea (veja abaixo), é plausível supor que o comportamento de amputação fixou-se nas espécies destes gêneros como uma adaptação à competição intrasexual. Estes são apenas alguns exemplos de dimorfismo sexual de tamanho em aranhas, e outros serão citados ao longo desta revisão. Por que existem diferenças tão extremas de tamanho entre machos e fêmeas de aranhas? Como se explica que em algumas espécies os machos tenham o mesmo tamanho das fêmeas, enquanto que em outras da mesma família, ou até do mesmo gênero (Piel 1996, Hormiga et al. 2000) estes são tão pequenos? Até o momento foram propostas pelo menos 13 hipóteses para explicar as variações no grau de dimorfismo sexual de tamanho em aranhas (Vollrath 1980a, Downes 1981, Jocqué 1983), e muitas delas não são mutuamente exclusivas. Nesta revisão, serão descritas e comparadas as hipóteses mais discutidas na literatura, bem como os métodos empregados na elaboração e teste destas hipóteses (Quadros 7.1 e 7.2). A evolução do dimorfismo sexual de tamanho é estudada através de duas abordagens metodológicas: análises de dados comparativos envolvendo várias espécies ou estudos detalhados de história de vida de espécies-modelo. Estas abordagens são complementares, e por isto ambas serão analisadas. A maioria dos estudos com espécies-modelo se baseia em dados de história de vida de espécies do gênero Nephila (Tetragnathidae, Fig. 7.1B). Este gênero inclui algumas das mais estudadas espécies de aranhas, tanto no que se refere a comportamento e ecologia quanto a fisiologia ou bioquímica. Até o momento foram descritas 27 espécies de Nephila, distribuídas em

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todos os continentes, sendo N. maculata (da Nova Guiné), N. edulis (Austrália) e N. clavipes (América) as mais estudadas. Algumas características fazem deste grupo um excelente organismomodelo para biologia evolutiva, como sua ampla distribuição, alta abundância local, seu tamanho avantajado e seus hábitos de construir teias em áreas abertas, o que freqüentemente facilita observações de campo. Além disto, este gênero apresenta espécies com alto dimorfismo sexual de tamanho, já que as fêmeas podem ser até 11 vezes maiores que os machos (Higgins 2002). A primeira, e também uma das mais discutidas, hipótese a ser apresentada nesta revisão usa uma espécie de Nephila como modelo. Como será mostrado a seguir, este fato teve uma importância especial para a discussão desta hipótese por autores subseqüentes.

O Modelo da Mortalidade Diferencial (MMD) Esta hipótese surgiu como uma elaboração de um modelo proposto por Ghiselin (1974), conhecido como “a síndrome do macho anão”, originalmente baseado em dados de história natural de peixes marinhos da superfamília Ceratioidea. Os ceratióides são predadores que ocorrem em regiões afóticas de alta profundidade dos oceanos, embora as larvas sejam em geral planctívoras de baixa profundidade. Na fase adulta os machos destes peixes são significativamente menores que as fêmeas, apresentam várias características morfológicas adaptadas para localizar parceiras para acasalamento e são incapazes de se alimentar. Quando encontram fêmeas, após um longo período de buscas do qual poucos sobrevivem, os machos se ligam a seus corpos, mantendo-se como ectoparasitas até o momento da desova. Segundo Ghiselin (1974) estas características estariam ligadas à baixa densidade de fêmeas adultas nos oceanos e, portanto, ao alto custo para sua localização, o que favoreceria machos pequenos, de maturação precoce e alta capacidade de deslocamento. Em teoria, este modelo se aplicaria a diversos grupos animais, como cracas, alguns moluscos marinhos, pequenos metazoários marinhos dos filos Echiura e Cycliophora (Ghiselin 1974, Vollrath 1998) e, segundo Vollrath & Parker (1992), aranhas.

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O Modelo da Mortalidade Diferencial (MMD) de Vollrath e Parker (1992) foi elaborado a partir de observações de história de vida de Nephila clavipes no Panamá. Assim como as outras espécies estudadas neste gênero, N. clavipes apresenta um ciclo de vida anual: as fêmeas nascem, atingem a maturidade reprodutiva, copulam, constróem suas ootecas e morrem em menos de um ano, sendo que os filhotes nunca encontram seus pais. No Panamá, diferente do que acontece em populações na América do Sul e América do Norte, esta espécie apresenta não uma, mas duas gerações anuais (Vollrath 1980b). Durante o período de desenvolvimento, machos e fêmeas não apresentam diferenças de comportamento, construindo suas teias nos mesmos tipos de hábitats. Por isto, durante esta fase da vida ambos apresentam taxas de mortalidade similares (Fig. 7.4). Uma mudança significativa de comportamento ocorre quando os machos ficam adultos, cerca de um mês antes das fêmeas e em média com três mudas a menos. Os machos adultos abandonam suas teias e se deslocam pela vegetação à procura de fêmeas, o que implica em altas taxas de mortalidade para estes indivíduos (Vollrath 1980b). Enquanto isto as fêmeas, já maiores que os machos, apresentam taxas de mortalidade iguais ou ainda menores do que no início do desenvolvimento (Fig. 7.4). Os machos que sobrevivem ao período de deslocamento pela vegetação e encontram fêmeas passam a viver como comensais em suas teias e se acasalam várias vezes até morrerem, o que sempre acontece antes da postura dos ovos. Segundo Vollrath & Parker (1992), a alta mortalidade dos machos no início da fase adulta desviaria a razão sexual da população para fêmeas, o que diminuiria a competição entre machos, eliminando pressões seletivas que favoreceriam indivíduos maiores. De acordo com um modelo matemático apresentado por estes autores, estas características de história de vida levariam à evolução de machos pequenos e de maturação precoce. Este modelo foi validado por dados retirados da literatura que sugerem que o dimorfismo sexual de tamanho é mais acentuado em aranhas construtoras de teias e aranhas que caçam por emboscada, se comparadas a espécies errantes (Vollrath & Parker 1992: fig. 3). Espécies em que tanto os machos quanto as

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fêmeas se deslocam freqüentemente não apresentariam diferenças de taxas de mortalidade entre os sexos, o que não favoreceria machos pequenos. O modelo de Vollrath e Parker tem sido intensamente discutido, e na maioria das vezes refutado, na literatura nos últimos anos. Embora algumas observações de história natural com outras espécies tenham apresentado suporte a esta hipótese (Main 1990, Piel 1996), várias falhas nas premissas deste modelo, e nos métodos de análise empregados por Vollrath & Parker (1992) foram apontados. Um dos problemas desta hipótese é que ela baseia-se em dados história de vida de algumas populações de uma espécie (N. clavipes) em uma área geográfica restrita (Panamá). Por isto, não se sabe o quanto suas conclusões são generalizáveis, uma vez que existem poucos estudos de campo sobre padrões de mortalidade de machos e fêmeas ao longo do desenvolvimento. Em um estudo recente com duas espécies de Lycosidae, Walker & Rypstra (2003) refutaram a conexão proposta por Vollrath & Parker (1992) entre dimorfismo sexual de tamanho e diferenças intersexuais de história de vida. À primeira vista, as espécies estudas por estes autores se encaixariam com perfeição no MMD: a espécie com maior dimorfismo, Hogna helluo, apresenta fêmeas e juvenis sedentários, caçadores por emboscada. Por outro lado, em Pardosa milvina tanto machos quanto fêmeas são caçadores errantes e não apresentam diferenças significativas de tamanho. Seria de se esperar, de acordo com o modelo de mortalidade diferencial, que machos apresentassem maiores taxas de mortalidade que fêmeas em H. helluo, mas não em P. milvina. Entretanto, Walker & Rypstra (2003) observaram o oposto. Este estudo apresenta um problema metodológico, os ensaios de campo não foram feitos simultaneamente, mas em anos diferentes para cada espécie. Infelizmente os autores não apresentam dados sobre a densidade de predadores em cada período de estudo, o que certamente poderia afetar seus resultados. Mesmo com estes problemas, o estudo de Walker & Rypstra concorda em um detalhe com outros trabalhos publicados: machos de aranhas são em geral mais ativos que fêmeas, já que cabe a eles localizar parceiras para acasalamento. Isto é

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verdade tanto em espécies com alto dimorfismo sexual de tamanho, quanto em espécies monomórficas (Schmitt et al. 1990). Mesmo que sejam obtidos mais dados mostrando uma correlação entre diferenças intersexuais de história de vida e taxas de mortalidade em várias espécies de aranhas, um problema teórico do MMD permanecerá não resolvido. As relações entre taxas de mortalidade, tamanho e idade de maturação sexual foram estudadas em vários organismos. Em geral, indivíduos que adiam a maturação sexual, e portanto atingem maior porte na idade adulta, são favorecidos por uma maior fertilidade e, muitas vezes, maior capacidade de defesa contra predadores. Entretanto, quando a probabilidade de morte antes da idade reprodutiva é alta, por exemplo devido à pressão de predação, a seleção natural favorece maturação precoce, com menor tamanho dos adultos (Stearns 1992). Isto não se aplica ao modelo da mortalidade diferencial porque os machos de N. clavipes apresentam probabilidade de sobrevivência menor que as fêmeas após a maturação sexual (Fig. 7.4). Uma vez que a mortalidade de juvenis de ambos os sexos é similar nesta espécie, não seria esperado que um deles fosse selecionado para atingir a maturidade sexual antes do outro. Ao contrário, se a pressão de predação é o principal fator de mortalidade de machos adultos, uma possível resposta evolutiva seria os machos adiarem a maturação sexual, de modo a atingir maior tamanho corporal. Existem alguns exemplos na literatura que mostram que aranhas de maior porte são menos vulneráveis a predadores (Higgins 2002, Walker & Rypstra 2003). Outra falha nas premissas do MMD é o suposto desvio da razão sexual operacional resultante da alta mortalidade dos machos, o que diminuiria a pressão de competição por fêmeas. Observações de campo com Nephila clavipes mostraram que as teias das fêmeas freqüentemente abrigam mais de um macho, podendo conter até oito indivíduos. Isto implica em intensa competição por acesso à fêmea, o que se traduz em lutas onde os machos maiores ganham com maior freqüência, e têm mais oportunidades de cópula (Christenson & Goist 1979). O mesmo foi observado para Nephila plumipes (Elgar & Fahey 1996) e N. maculata (Robinson & Robinson 1976b). Os dados de Vollrath (1980b) mostram que o desvio para fêmeas da razão sexual

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operacional de N. clavipes ocorre a partir da segunda metade da estação reprodutiva. Isto significa que por metade do período de acasalamento, os machos estão sujeitos a competição por acesso às fêmeas. Estes dados são especialmente importantes quando se considera que N. clavipes apresenta sistema de acasalamento com precedência de esperma do primeiro macho. Como será melhor explorado abaixo, nesta espécie o primeiro macho a copular com determinada fêmea fertiliza uma proporção maior de seus ovos que os machos que o sucedem (Christenson & Cohn 1988). Com isto, a estratégia adotada por estes machos é colonizar as teias das fêmeas quando estas ainda estão imaturas (a única forma segura de ser o primeiro macho a copular) e lutar para manter outros machos afastados até que elas fiquem adultas (Austad 1984). Como no início da estação reprodutiva há mais fêmeas sub-adultas (Vollrath 1980b), é justamente neste período, quando há cerca de três machos para cada fêmea, que se espera uma competição mais intensa entre os machos. Além de todos estes problemas nas premissas do MMD, Vollrath & Parker têm sido criticados na literatura por uma falha nos métodos de análise estatística empregados. Ao comparar grupos de aranhas com diferentes comportamentos de captura de presas (aranhas errantes vs. aranhas de teia e caçadores de emboscada) em relação ao dimorfismo sexual de tamanho, eles trataram cada espécie como uma informação independente. Este procedimento é atualmente considerado condenável, uma vez que ele ignora o efeito do parentesco filogenético entre as espécies (Quadro 7.2). Atualmente sabe-se que espécies filogeneticamente aparentadas não podem ser tratadas como estatisticamente independentes em estudos deste tipo, o que demanda o uso de métodos específicos de análise, conhecidos coletivamente como Métodos Filogenéticos Comparativos (Harvey & Pagel 1991, Diniz-Filho 2000). A inclusão de informações filogenéticas em estudos de ecologia evolutiva teve um profundo impacto sobre o estudo do dimorfismo sexual de tamanho em aranhas, como será mostrado no tópico a seguir.

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Padrões filogenéticos de dimorfismo sexual em aranhas – parte 1 O primeiro estudo sobre padrões de dimorfismo sexual de tamanho em aranhas a avaliar o efeito do parentesco filogenético entre as espécies foi publicado por Head (1995). Neste trabalho foram analisadas as relações entre tamanhos de machos e fêmeas de várias espécies de aranhas da América do Norte, listadas por Kaston (1981). Para descontar o efeito do parentesco filogenético entre as espécies, foram usadas famílias como unidade de análise. Além disto, os dados foram analisados em relação a uma hipótese filogenética apresentada por Kaston (1981) através regressão de contrastes filogeneticamente independentes (Quadro 7. 2). Os resultados mostraram que fêmeas tendem a ser maiores que machos, uma vez que a regressão linear entre tamanho de fêmeas e tamanho de machos apresentou inclinação maior que 1 (Head 1995). Além disto, os resíduos desta regressão se mostraram significativamente correlacionados ao número de ovos produzidos por cada espécie, sugerindo que diferenças de tamanho entre machos e fêmeas poderiam ser explicadas por diferenças de fecundidade (Head 1995). Com estes resultados, pode-se concluir que o dimorfismo sexual em aranhas seria o resultado de seleção natural para aumento da fecundidade através do aumento do tamanho das fêmeas, o que ficou conhecido na literatura como a Hipótese da Vantagem em Fecundidade (fecundity-advantage hypothesis). Em outras palavras, não são os machos de aranhas que são pequenos, as fêmeas é que são grandes. Os resultados de Head (1995) merecem ser analisados em detalhe. É importante mencionar que, ao contrário do que este autor conclui, o simples fato de se obter uma reta com inclinação acima de 1 em uma regressão entre tamanho de machos (no eixo x) e tamanho de fêmeas (no eixo y), não indica quem aumentou ou quem diminuiu de tamanho. O que este resultado mostra é que as fêmeas são em geral maiores que os machos, não permitindo determinar se são elas que crescem mais que os machos ou se são estes que param de crescer em um tamanho menor (Quadro 7.1). Por outro lado, o fato dos resíduos desta análise apresentarem uma correlação positiva significativa com a fecundidade das espécies (medida pelo número de ovos produzidos) claramente sugere que as variações de tamanho entre os sexos estão ligados ao aumento do tamanho das fêmeas, que assim

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produziriam mais ovos. A relação entre tamanho de fêmeas e fecundidade já foi demonstrada em vários grupos de artrópodes (Berringan 1991). Em aranhas, tanto comparações intraespecíficas (Myashita 1986, Higgins 2002, Legrand & Morse 2000) quanto interespecíficas (Petersen 1950) mostram claramente que fêmeas maiores produzem mais ovos. Esta relação se mantém mesmo descontando-se o efeito do parentesco filogenético entre as espécies (Marshall & Gittleman 1994, Head 1995, Prenter et al. 1999). Os resultados descritos acima vão de encontro às previsões de Vollrath & Parker (1992), uma vez que o Modelo da Mortalidade Diferencial prevê que o dimorfismo sexual em aranhas seria resultado de uma diminuição no tamanho dos machos em relação às fêmeas. O uso de métodos filogenéticos comparativos permitiu também questionar outra premissa do MMD, a relação entre dimorfismo sexual de tamanho e comportamento de caça. Prenter et al. (1997, 1998) mostraram através de regressão de contrastes filogenéticos que aranhas de teia e caçadoras de emboscada não são necessariamente mais dimórficas que aranhas errantes. Um dos aspectos mais evidentes e mais marcantes destes estudos está na relação observada entre tamanho de machos e tamanho de fêmeas (Prenter et al. 1997, 1998), resultante de análise de regressão com contrastes filogenéticos. O que estes autores obtiveram foram retas de inclinação muito próxima a 1, o que sugere que levando-se em conta uma ampla amostragem taxonômica, e descontando-se o efeito do parentesco filogenético, aranhas não são um grupo com alto dimorfismo sexual. Apesar disto, todas as observações mencionadas acima mostram que, quando há um desvio significativo de tamanho entre os sexos, as fêmeas tendem a ser maiores que os machos. Isto foi demonstrado por Prenter et al. (1999), que novamente analisaram a relação entre tamanho de machos e fêmeas e fecundidade, desta vez empregado hipóteses filogenéticas melhor corroboradas (Coddington & Levi 1991). Observou-se que aranhas não apresentam dimorfismo sexual acentuado quando se desconta o efeito do parentesco filogenético entre as espécies. Entretanto, fêmeas tendem a ser maiores que os machos, e estas diferenças de tamanho estão correlacionadas à fecundidade das espécies, como observado por Head (1995).

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Todos os dados comparativos entre grupos de aranhas analisados até o momento sugerem que a seleção para aumento de fecundidade através do aumento de tamanho das fêmeas seria a causa primordial para a presença de dimorfismo sexual. Esta hipótese pode ser testada utilizando outras fontes de dados, incluindo experimentos. Vertainen et al. (2000) observaram em Hygrolycosa rubrofasciata (Lycosidae) correlações significativas entre tamanho de adultos, tempo para maturação sexual e disponibilidade de alimento ao longo do desenvolvimento. Neste experimento, fêmeas que recebiam menos alimento apresentavam menores taxas de crescimento e maior tempo para maturação, tornando-se adultas menores que aquelas que recebiam mais alimento. No caso dos machos, uma menor disponibilidade de alimento resultou em desenvolvimento mais lento, mas não influenciou o tamanho dos adultos. Vollrath (1998) também observou um efeito da dieta alimentar dos juvenis sobre o tempo de desenvolvimento em Nephila clavipes. Neste caso, indivíduos que recebiam menores quantidades de comida demoravam mais tempo para atingir a maturidade sexual. Entretanto, a diferença entre os tratamentos foi muito mais acentuada para as fêmeas. Estes resultados sugerem que fêmeas investem mais em crescimento que machos, o que pode ser uma resposta à seleção para aumento de fecundidade (veja também Uhl et al. 2004). Todos os resultados obtidos em estudos envolvendo análises com métodos filogenéticos comparativos mostram que o grau de dimorfismo sexual em aranhas é altamente variável, mas em geral com as fêmeas maiores que os machos. Entretanto, porque alguns grupos apresentam dimorfismo sexual de tamanho tão acentuado, se no geral aranhas não são muito dimórficas? Estes grupos podem ser facilmente percebidos como “outliers” nas análises de Prenter et al. (1997, 1998, 1999). No estudo de Head (1995), o uso de valores médios de tamanho de machos e fêmeas para famílias de aranhas influenciou os resultados das análises, mostrando um padrão de dimorfismo sexual mais acentuado do que o observado em outros trabalhos. Entretanto, embora Prenter et al. (1997, 1998) não tenham observado diferenças de dimorfismo entre aranhas errantes e aranhas sedentárias, é evidente que as espécies com dimorfismo sexual mais acentuado ocorrem em famílias que constróem teias (Fig. 7.3), como Araneidae, Tetragnathidae e Theridiidae; e caçadoras de

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emboscada, como Thomisidae. Diante disto, o foco mais importante para investigação da evolução do dimorfismo sexual em aranhas seria explicar como surgem estes caso extremos, e por quê apenas em determinados grupos. Head (1995) sugere que talvez o dimorfismo sexual de tamanho seja mais acentuado nestes grupos devido a características de seu comportamento de captura de presas. Como aranhas que caçam de forma sedentária gastam menos energia na obtenção de alimento, elas poderiam direcionar mais recursos para crescimento e, conseqüentemente, produção de ovos (Enders 1976). Este efeito seria ainda mais acentuado em aranhas que constróem teias, uma vez que estas podem capturar presas maiores e em maior quantidade (Enders 1975, Nentwig & Wissel 1986). As hipóteses discutidas até este ponto claramente discordam quanto ao processo gerador do dimorfismo sexual de tamanho em aranhas. O Modelo da Mortalidade Diferencial prevê que o dimorfismo surge por diminuição no tamanho dos machos como resposta a altas taxas de mortalidade. Por outro lado, a Hipótese da Vantagem em Fecundidade aponta a seleção para aumento da fecundidade como pressão seletiva para aumento das fêmeas, levando a diferenças de tamanho entre os sexos. Nos dois casos, pode-se imaginar que uma espécie com alto grau de dimorfismo sexual teria divergido com relação a um estado ancestral em que os dois sexos teriam o mesmo tamanho. Se este estado ancestral fosse conhecido, seria possível determinar quem mudou de tamanho, o macho ou a fêmea. Esta abordagem se tornou possível com o advento de métodos de análise que permitem não apenas inferir a filogenia de um grupo, como estudar a evolução de caracteres, discretos ou contínuos, ao longo de sua história. No próximo tópico, será mostrado como o uso de métodos de análise de caracteres em árvores filogenéticas contribui para o estudo da evolução do dimorfismo sexual de tamanho em aranhas.

Padrões filogenéticos de dimorfismo sexual em aranhas – parte 2 A abordagem descrita acima teve sua primeira aplicação em aranhas com um estudo filogenético publicado por Hormiga et al. (1995). Neste trabalho, os autores apresentam uma

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hipótese filogenética para a família Tetragnathidae, a partir de caracteres morfológicos e comportamentais. Nesta hipótese, o gênero Nephila se encontra dentro de um grupo monofilético, a subfamília Nephilinae, junto com outros quatro gêneros (Fig. 7.5). Comparando-se tamanhos de machos e fêmeas nos grupos incluídos nesta análise, percebe-se um extremo dimorfismo sexual entre alguns Nephilinae, diferente dos demais representantes da família incluídos na análise. Para analisar como evoluiu este padrão de dimorfismo sexual, Coddington et al. (1997) estimaram os tamanhos de machos e fêmeas para os ancestrais hipotéticos das espécies da árvore (Fig. 7.5, para detalhes sobre os métodos de inferência empregados, ver Hormiga et al. 2000). O que se observou foi que o tamanho dos machos de Nephila não diminuiu em relação a seus ancestrais hipotéticos, ou aos parentes próximos deste gênero. Ao contrário, os machos deste gênero se mostraram ligeiramente maiores que aqueles de outros grupos próximos, enquanto as fêmeas são significativamente maiores. Ou seja, o dimorfismo sexual em aranhas do gênero Nephila não é um caso de nanismo de machos, mas de gigantismo de fêmeas. Na Fig. 7.5 pode-se perceber como o tamanho das fêmeas neste grupo aumenta progressivamente, desde o ancestral mais antigo da subfamília. Também é importante notar que, para os gêneros mais derivados, o dimorfismo sexual de tamanho acentuado constitui uma condição ancestral. Em outras palavras, as extremas diferenças de tamanho entre machos e fêmeas de Nephila já estavam presentes no ancestral deste gênero e seus parentes próximos. Examinando-se o padrão de evolução de tamanhos de machos e fêmeas na Fig. 7.5, é inevitável perguntar-se por que tais diferenças de tamanho surgiram neste grupo em particular. O que há de diferente na biologia dos Nephilinae que permite um crescimento tão acentuado para as fêmeas? Os dados de Hormiga et al. (1995) apresentam algumas evidências interessantes. Na Fig. 7.5 o nó marcado com a letra A indica o ancestral hipotético de todos os Nephilinae. Neste ponto surgiu uma inovação evolutiva que se transmitiu a todos os membros da subfamília, constituindo uma sinapomorfia comportamental para os Nephilinae. Ao construir a teia, as aranhas orbitelas depositam uma espiral de fios não adesivos, que é em seguida utilizada como guia para deposição

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de uma espiral de fios adesivos, que efetivamente retêm as presas que caem na teia (veja capítulo 3 deste livro). Em geral a espiral temporária é removida durante a deposição da espiral adesiva, mas este comportamento não está presente nos Nephilinae. Com isto, as teias destas aranhas são mais resistentes, por apresentarem um reforço de fios não adesivos na espiral. Esta inovação não teve um efeito marcante sobre o dimorfismo sexual de tamanho no grupo, como mostram os dados de tamanhos de machos e fêmeas de Phonognatha e Clitaetra, os gêneros basais da subfamília. Entretanto, no nó B, que marca o ancestral de Nephila, Nephilengys e Herennia, outra inovação evolutiva permitiu, provavelmente junto à primeira, um crescimento maior das fêmeas. A partir deste ponto da filogenia, os indivíduos fixam os fios radiais da teia em dois pontos dos fios de sustentação do quadro (Eberhard 1982). Estas duas modificações de comportamento possivelmente resultaram em teias mais resistentes, que permitiriam a captura de presas maiores (Hormiga et al. 1995). Com isto, os ancestrais de Nephila, Nephilengys e Herennia receberam o aporte de recursos necessário para aumentar suas taxas de crescimento, atingindo um tamanho corporal maior e, conseqüentemente, maior fertilidade. Obviamente esta hipótese pode ser testada comparando-se teias de Nephilinae com aquelas de outros Tetragnathidae, desde que se controle (seja em laboratório ou no campo) o tamanho dos indivíduos e das teias. A previsão neste caso é, por exemplo, que teias de Nephila reteriam presas maiores que teias de outros Tetragnathidae com o mesmo tamanho. Portanto, seria necessário usar indivíduos imaturos de Nephila, uma vez que não existem fêmeas adultas de outras espécies da família com o mesmo tamanho corporal. Os benefícios de um aumento de tamanho em fêmeas de aranhas já foram mostrados nesta revisão: o aumento no tamanho corporal das fêmeas de Nephilinae leva a um aumento na produção de ovos. Higgins (2002) apresentou dados que sugerem a defesa contra predadores como outra boa razão seletiva para o aumento de tamanho. Esta autora observou em uma população de Nephila maculata na Nova Guiné que à medida que as fêmeas crescem, diminui sua mortalidade por predação. Isto acontece porque indivíduos maiores são menos suscetíveis a ataques por vespas e pássaros.

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Para atingir um maior tamanho corporal, as fêmeas de Nephilinae apresentam mais mudas ao longo do desenvolvimento que os machos (Vollrath & Parker 1997), demorando mais para se tornarem adultas. Esta estratégia de crescimento apresenta um risco, uma vez que as fêmeas poderiam perder a melhor época (em termos climáticos) para a reprodução, por adiar excessivamente a maturação sexual. Quanto mais sazonal o hábitat ocupado por estas aranhas, mais limitado seria o período durante o qual elas poderiam crescer. Isto foi demonstrado por Higgins (2002), através de uma correlação significativa entre latitude (um indicador indireto de sazonalidade) e tamanho de fêmeas de várias espécies de Nephila. Este estudo sugere que a sazonalidade impõe um limite ao crescimento das fêmeas, que são menores conforme aumenta a latitude. Por outro lado, os machos permanecem aproximadamente do mesmo tamanho, independente da latitude em que ocorrem. Estes resultados reforçam a hipótese de que o dimorfismo sexual de tamanho em Nephila está ligado à seleção para aumento de tamanho nas fêmeas, embora Higgins (2002) não tenha descontado o efeito do parentesco filogenético entre as espécies analisadas (mesmo porque não havia uma hipótese filogenética para o grupo na época). A abordagem empregada por Coddington et al. (1997) pode ser aplicada a qualquer grupo de aranhas, desde que haja uma hipótese filogenética disponível. Ampliando os resultados já observados com os Nephilinae, Hormiga et al. (2000, ver também Hormiga & Coddington 2001) aplicaram a mesma idéia em uma amostragem filogenética mais ampla. Desta vez os padrões de variação de tamanhos de machos e fêmeas foram mapeados em uma árvore filogenética incluindo 79 gêneros de nove famílias de aranhas orbitelas. Aplicando os mesmos métodos para inferência dos tamanhos ancestrais de machos e fêmeas, foram observadas quatro linhagens com dimorfismo sexual de tamanho acentuado (um sexo com no mínimo o dobro do tamanho do outro) nos Orbicularieae (Fig. 7.6), sempre com os machos menores que as fêmeas. Os resultados de Hormiga et al. (2000) mostram um quadro bastante complexo: dentre as quatro origens independentes de dimorfismo sexual acentuado, duas ocorrem em gêneros isolados (Tidarren e Kaira), e duas em grupos maiores, com vários gêneros. Na segunda categoria estão os Nephilinae e um grande grupo

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monofilético informalmente denominado Clado Argiopóide. Este grupo é particularmente interessante por seu tamanho (27 gêneros) e por incluir sete casos independentes de reversão a um estado de monomorfismo sexual de tamanho. O mapeamento dos tamanhos de machos e fêmeas na árvore mostrou que o dimorfismo sexual de tamanho acentuado pode surgir por diferentes processos. Nos Nephilinae e no Clado Argiopóide as fêmeas aumentaram em relação ao tamanho ancestral, tornando-se muito maiores que os machos. Nos gêneros Kaira e Tidarren, os machos diminuíram ao mesmo tempo em que as fêmeas aumentaram de tamanho. A mesma diversidade de processos foi observada nos casos de reversão ao monomorfismo. Embora a árvore da Fig. 7.6 mostre cinco casos independentes de monomorfismo no clado Argiopóide, na realidade ocorreram sete reversões independentes. Em Mecynogea, no clado Archemorus + Arkys e em Micrathena, os machos aumentaram de tamanho em relação ao estado dimórfico ancestral, alcançando o tamanho das fêmeas. Em Chaetacis tanto os machos quanto as fêmeas diminuíram de tamanho, porém as fêmeas de forma mais acentuada. Nos gêneros Gea e Hypognatha as fêmeas diminuíram. O mesmo aconteceu em Austracantha, porém acompanhado por um aumento de tamanho dos machos. O que fica evidente nos resultados deste estudo é que é impossível elaborar uma hipótese universal para explicar o surgimento do dimorfismo sexual de tamanho em aranhas, já que este é extremamente complexo do ponto de vista filogenético. Além disto, esta análise apresenta várias oportunidades interessantes para estudos futuros. Certamente pode-se aprender muito comparandose dados de história de vida de espécies com dimorfismo sexual acentuado, porém gerado por processos diferentes. Os resultados de Hormiga et al. (2000) de fato instigam várias questões interessantes, mesmo quando ligadas a contradições entre dados de filogenia e história de vida. O caso do gênero Mastophora é especialmente curioso. Em Hormiga et al. (2000) este grupo aparece como parte do clado argiopóide (Fig. 7.6), o que indica que as espécies deste gênero herdaram seu alto grau de dimorfismo sexual de um ancestral no qual houve aumento do tamanho da fêmea. Entretanto, como mencionado acima, são conhecidas espécies de Mastophora cujos machos emergem já adultos, ou

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quase adultos, das ootecas. Estes indivíduos apresentam tamanhos próximos ao das fêmeas recémemergidas e, mesmo quando adultos, retêm comportamentos de captura de presas típicos de fêmeas imaturas (Yeargan 1994, veja capítulo 12 deste livro). Estas características sugerem que o dimorfismo sexual de tamanho neste gênero seria produto de uma redução de tamanho dos machos, que teriam sido selecionados para maturação precoce. Qual a explicação para este conflito? Estará a posição filogenética de Mastophora na árvore de Hormiga et al. (2000) errada? No que se refere aos casos observados por Hormiga et al. (2000) de dimorfismo sexual como produto de aumento de tamanho de fêmeas, a hipótese da Vantagem em Fecundidade parece uma explicação adequada. Nestes grupos há grande dimorfismo sexual porque as fêmeas aumentaram de tamanho, obtendo assim vantagem seletiva através de um aumento de fertilidade. Nestes casos, não há porque esperar que os machos necessariamente aumentem de tamanho também. Entretanto, em alguns grupos existem pressões seletivas para aumento de tamanho de machos através de competição intrasexual, como ilustrado para Nephila clavipes (Christenson & Goist 1979). Se há pressão seletiva para aumento de tamanho, porque os machos permanecem tão pequenos em relação às fêmeas? No próximo tópico esta revisão será encerrada com a discussão de três hipóteses alternativas, não tão discutidas na literatura quanto as anteriores. Estas hipóteses constituem possibilidades interessantes para investigação futura, embora nenhuma delas pareça resolver por completo os problemas em questão.

Ainda sobre machos pequenos Neste tópico serão discutidas três hipóteses alternativas para a evolução do dimorfismo sexual em aranhas. As três prevêem diminuição de tamanho dos machos como resposta à seleção natural ou sexual, mas constituem alternativas ao modelo da mortalidade diferencial. A primeira hipótese foi proposta por Elgar (1991) e se baseia no comportamento de corte de machos das famílias Araneidae e Tetragnathidae. Nas espécies estudadas por este autor, os machos se aproximam das teias das fêmeas para cortejá-las através de duas estratégias. Em um grupo os

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machos invadem as teias e o cortejo ocorre no centro, onde a fêmea repousa à espera de presas. No outro, os machos ligam um fio de teia, conhecido como fio de acasalamento (mating thread) à periferia da teia da fêmea, que é atraída por vibrações emitidas pelo macho. Nestas espécies a corte e a cópula ocorrem no fio de acasalamento (para mais detalhes, ver Robinson & Robinson 1980). Elgar (1991) observou que as espécies em que há corte no centro da teia tendem a apresentar dimorfismo sexual de tamanho mais acentuado que aquelas em que os machos usam fios de acasalamento (Fig. 7.7). A explicação para isto seria que machos que cortejam no centro das teias seriam pequenos para escapar à percepção das fêmeas durante a aproximação. Machos maiores seriam desfavorecidos por sofrerem maior incidência de canibalismo sexual por parte das fêmeas, o que foi originalmente sugerido por Darwin (1871). Esta hipótese apresenta um problema comum a vários estudos, já ilustrado nesta revisão: as espécies são tratadas como amostras independentes para análise, sem considerar o efeito do parentesco filogenético (Quadro 7.2). Além disto, os grupos selecionados por Elgar (1991) não representam adequadamente a diversidade das famílias estudadas. Basicamente este estudo inclui uma subfamília com cortejo no centro da teia e alto dimorfismo sexual de tamanho (Nephilinae), uma com cortejo em fios de acasalamento e baixo dimorfismo (Araneinae), e uma terceira, variável para as duas características (Argiopinae). Esta amostragem está ligada principalmente à disponibilidade de dados na literatura, mas alguns grupos já estudados na época foram excluídos sem razão aparente. O mais importante destes é o gênero Gasteracantha, cujas espécies apresentam alto dimorfismo sexual (Fig. 7.1) mas realizam cortejo em fios de acasalamento (Robinson & Robinson 1980), o que refuta a hipótese de canibalismo sexual proposta por Elgar (1991). A hipótese de canibalismo sexual como fator seletivo para dimorfismo sexual pode ser testada através de observações de comportamento. Elgar & Fahey (1996) realizaram observações de corte e cópula em Nephila plumipes em cativeiro, a fim de testar se machos maiores seriam mais atacados pelas fêmeas. Neste estudo foram observados apenas dois eventos de canibalismo sexual, ambos com machos grandes. Embora estes resultados não fossem suficientes para testar a previsão

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original, um detalhe interessante foi observado: machos pequenos tinham maior facilidade para iniciar a cópula. Os machos grandes, embora tivessem sucesso ao copular, e conseguissem afastar os machos pequenos, em geral provocavam reações agressivas das fêmeas com maior freqüência durante a corte. Posteriormente, Uhl & Vollrath (1998b) analisaram dados de comportamento de corte e cópula, bem como de sobrevivência de machos, em teias de Nephila edulis e N. clavipes. Entretanto, não foi observada qualquer relação entre tamanho de machos e freqüência de reações agressivas ou canibalismo sexual pelas fêmeas. Estas observações foram parcialmente refutadas por Schneider et al. (2000), que observaram em N. edulis que machos grandes, embora não sejam devorados com maior freqüência que os menores, tendem a receber mais respostas agressivas durante a corte, e por isto têm mais dificuldade para iniciar a cópula. Um resultado similar foi obtido por Elgar et al. (2000) para Argiope keyserlingi, porém em um experimento mais complexo. Neste estudo as fêmeas sempre copulavam com dois machos de tamanhos diferentes, e machos pequenos em geral eram mais tolerados pelas fêmeas quando copulavam logo após um macho maior. Nestas situações, machos pequenos copulavam por mais tempo que o primeiro macho, e fertilizavam uma proporção maior de ovos. O mesmo não acontecia quando os machos pequenos eram os primeiros a copular, ou quando a diferença de tamanho entre o primeiro e o segundo era pequena. Estes resultados, embora conflitantes e por vezes bastante complexos, mostram que o tamanho relativo dos machos pode ter um papel importante sobre seu sucesso na corte e cópula. No caso das espécies de Nephila, é possível que o maior sucesso dos machos pequenos em evitar respostas agressivas das fêmeas atue amenizando o efeito da seleção por competição intrasexual, que por sua vez beneficia os machos maiores. O resultado final destes processos seria a manutenção do tamanho dos machos dentro de determinados limites, atuando como uma forma de seleção estabilizadora. A segunda hipótese relaciona competição de esperma em aranhas com maturação precoce e dimorfismo sexual. Embora padrões de precedência de esperma e comportamento de vigia de

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fêmeas sejam assuntos muito discutidos na literatura, eles raramente são relacionados ao dimorfismo sexual de tamanho (e.g. Legrand & Morse 2000). Em vários grupos de aranhas, o primeiro macho a copular com a fêmea fertiliza uma proporção maior de ovos, se comparado aos machos que copulam em seguida. Este fenômeno, conhecido como precedência de esperma do primeiro macho, ocorre principalmente em espécies que apresentam espermatecas com dois ductos espermáticos, um por onde o macho injeta o sêmen (ducto de copulação) e outro (ducto de fertilização) por onde o sêmen é conduzido a um órgão conhecido como uterus externus, onde ocorre a fecundação dos ovos (Austad 1984, veja capítulo 6 deste livro). A ocorrência de precedência de esperma do primeiro macho favorece os indivíduos que copulam primeiro com as fêmeas e, na maioria dos casos, a única forma pela qual um macho pode garantir ser o primeiro é cortejar a fêmea logo após sua última muda, quando esta se torna adulta. Conseqüentemente, nestas espécies os machos se tornam adultos antes das fêmeas, o que é conhecido como protandria. Estes machos localizam fêmeas sub-adultas e vivem associados a elas, lutando para manter afastados outros machos até que esta se torne adulta (Dodson & Beck 1993, Eberhard et al. 1993a). De fato, a co-habitação entre machos adultos e fêmeas juvenis é relativamente comum em aranhas, ocorrendo tanto em espécies errantes quanto em construtoras de teias (Jackson 1986a). A protandria ligada a precedência de esperma do primeiro macho não deve ser uma explicação universal para o dimorfismo sexual de tamanho em aranhas, não apenas porque já foi demonstrado que é impossível obter tão explicação, mas também porque estes fenômenos ocorrem tanto em aranhas com alto dimorfismo sexual quanto em espécies monomórficas (Jackson 1986a). Além disto, estudos recentes têm demonstrado que os padrões de precedência de esperma nem sempre são tão simples quanto se supunha inicialmente. Embora a precedência do primeiro macho tenha sido descrita em várias espécies, dependendo da configuração interna da genitália feminina pode ocorrer mistura de esperma, o que pode beneficiar os machos que copulam após o primeiro (Elgar 1998). Um exemplo curioso disto pode ser visto no sistema de acasalamento de Nephila clavipes, no qual ocorre precedência de esperma do primeiro macho, o que resulta em competição

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por acesso a teias de fêmeas sub-adultas (Christenson & Cohn 1988). Entretanto, nesta espécie os machos continuam a vigiar as fêmeas mesmo após a cópula, tentando impedir a aproximação de outros machos (Cohn et al. 1988). É também digno de nota que os machos que defendem as fêmeas com as quais copularam sequer podem adicionar mais esperma a suas espermatecas, já que eles gastam todo o sêmen que produzem nas primeiras cópulas (Christenson 1989). Embora a protandria possa contribuir para a evolução do dimorfismo sexual de tamanho em aranhas, estes fatores não estão necessariamente correlacionados. O exemplo mais evidente disto é uma espécie européia da família Linyphiidae, Pityohyphantes phrygianus. Os machos desta espécie sempre atingem a maturação sexual antes das fêmeas, mesmo sob variações de condições climáticas em laboratório (Gunnarsson & Johnsson 1990). Apesar disto, os machos são em média 20% maiores que as fêmeas. Uma situação similar foi observada por Lång (2001) para Linyphia triangularis, da mesma família. Estes dois exemplos ilustram um fato interessante sobre os Linyphiidae: eles não se encaixam em qualquer das hipóteses propostas para evolução do dimorfismo sexual de tamanho em aranhas. Embora sejam aranhas de teia, e sejam similares em história natural a várias outras famílias que apresentam espécies dimórficas, como Tetragnathidae e Araneidae, em geral machos e fêmeas desta família não apresentam diferenças marcantes de tamanho (Hormiga et al. 2000). Os Linyphiidae formam a segunda maior família de aranhas, com quase 5.000 espécies, e sua história natural é pouco conhecida. Isto é lamentável, pois o fato das espécies desta família constituírem exceções para as hipóteses propostas para evolução do dimorfismo sexual de tamanho as torna tão interessantes para estudo quanto as espécies que se encaixam nestas hipóteses. A terceira e última hipótese a ser explorada neste tópico é também a mais recente. A “hipótese da gravidade” (gravity hypothesis), proposta por Moya-Laraño et al. (2002), baseia-se em equações que descrevem o efeito da gravidade sobre animais que se deslocam em superfícies verticais. Segundo estas equações, animais de pequeno porte teriam maior facilidade neste tipo de deslocamento e, portanto, o fariam com maior velocidade. Assim, espécies de aranhas que

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constróem teias em locais altos, como árvores, deveriam ter machos menores que as fêmeas. Isto aconteceria porque machos menores seriam favorecidos por ter maior facilidade para alcançar as teias das fêmeas antes de outros potenciais competidores (no caso de precedência de esperma do primeiro macho) e teriam maior facilidade para fugir de predadores durante sua busca por parceiras para acasalamento. Como suporte a esta hipótese, Moya-Laraño et al. (2002) apresentaram uma análise de dados retirados da literatura, referentes a 65 espécies da América do Norte e 47 de Cingapura. Estas espécies foram classificadas em quatro grupos, de acordo com seu hábitat: (1) solo ou serapilheira, (2) gramíneas baixas, (3) ervas altas e arbustos e (4) árvores ou barrancos. Foi observado um efeito significativo do hábitat sobre o dimorfismo sexual de tamanho nestas aranhas, sendo que espécies que ocupam árvores e barrancos em geral apresentavam maior dimorfismo. Como esta hipótese foi proposta há pouco tempo, ela ainda não foi testada ou discutida na literatura. Certamente é possível testar algumas de suas previsões. Por exemplo, é possível verificar em laboratório se machos menores de fato são mais ágeis ao se deslocar em superfícies verticais. Além disto, os testes de correlação apresentados neste estudo podem ser replicados com dados coletados diretamente no campo, calculando-se a altura média dos sítios de construção de teias de cada espécie. Entretanto, esta hipótese apresenta alguns problemas que merecem uma análise detalhada. Um dos problemas mais marcantes é o fato dos autores empregarem um teste estatístico inadequado para seus dados, tratando por regressão múltipla dados categóricos (hábitat e localidade de origem dos dados), como se fossem variáveis contínuas. O efeito deste procedimento sobre os resultados pode ser avaliado reanalisando-se os dados originais (para mais detalhes sobre métodos estatísticos, ver Sokal & Rohlf 1995, Zar 1996). O problema mais grave da hipótese da gravidade está ligado a suas premissas biológicas. Em geral, o hábitat ocupado por aranhas não varia entre juvenis e fêmeas adultas, que constróem suas teias nas mesmas faixas de altura na vegetação. Portanto, é plausível supor que quando os machos de aranhas de teia fazem sua última muda, e se preparam para iniciar sua busca por fêmeas, eles estão aproximadamente na mesma faixa de altura na vegetação que suas parceiras em potencial.

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A hipótese da gravidade pressupõe que estes machos desceriam até o solo, ou próximo dele, para em seguida subir em direção às teias das fêmeas. Isto é estranho, considerando-se que os machos poderiam simplesmente deslocar-se pela vegetação, através de conexões entre ramos ou usando fios de teia lançados ao ar (Eberhard 1987c). Especulações à parte, é possível testar esta premissa com dados de inventários de aranhas da literatura. Aranhas de solo são facilmente coletadas através de armadilhas do tipo pitfall-trap (Southwood 1978), que capturam aranhas que caminham sobre o solo, motivo pelo qual machos costumam ser amostrados em maior proporção, uma vez que eles são mais ativos que as fêmeas (Topping & Sunderland 1992 e referências em Moya-Laraño et al. 2002). Se a premissa de que os machos sobem na vegetação para alcançar as teias das fêmeas estiver correta, seria de se esperar que machos de aranhas de teia que habitam os estratos mais altos da vegetação fossem capturados em grande quantidade por armadilhas tipo pitfall-trap. Os dados disponíveis na literatura refutam esta previsão: machos de espécies de Araneidae, Tetragnathidae ou Theridiidae, muitas delas com acentuado dimorfismo sexual, são em geral capturados por métodos de coleta adaptados para aranhas de vegetação, como busca ativa ou guarda-chuva entomológico, mas são raramente coletados em pitfall-traps (Sørensen et al. 2002, Churchill 1993). Diante destes dados, fica evidente que a hipótese da gravidade, embora elegante em sua concepção matemática, carece de suporte biológico.

Conclusões Esta revisão explorou, ainda que de forma superficial, uma fração das hipóteses já propostas para explicar variações de dimorfismo sexual de tamanho em aranhas. Outras foram propostas, como mencionado na introdução, mas nunca testadas. Além disto, existem hipóteses elaboradas para outros grupos taxonômicos (Anderson 1994), que nunca foram consideradas para aranhas. Mesmo as hipóteses mais discutidas na literatura foram pouco exploradas, principalmente devido a escassez de dados sobre filogenia e história natural para a imensa maioria das aranhas conhecidas. Vários aspectos ligados ao dimorfismo sexual de tamanho em aranhas foram pouco investigados até

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o momento, principalmente no que se refere a padrões de mortalidade de machos e fêmeas ao longo do desenvolvimento, como sugerido acima, na análise do modelo da mortalidade diferencial. Além disto, diferenças morfológicas entre machos e fêmeas de aranhas certamente deveriam ser melhor analisadas, já que eles não diferem apenas no tamanho, mas também no formato do corpo (Prenter et al. 1995) e no comprimento relativo das pernas (Elgar et al. 1990, Gasnier et al. 2002). Entretanto, com exceção de um estudo (Elgar et al. 1990), estas diferenças têm sido pouco consideradas na literatura. Talvez a mais importante conclusão desta revisão seja a constatação de que não há uma resposta única para a questão de porque as aranhas apresentam variações de dimorfismo sexual de tamanho. Como mostrado elegantemente por Hormiga et al. (2000), o dimorfismo sexual de tamanho em aranhas pode surgir por diferentes processos, através de diminuições ou aumento de tamanho de machos e fêmeas. Além disto, muitas espécies monomórficas foram derivadas a partir de ancestrais dimórficos, o que mostra que estes processos também podem seguir uma direção contrária ao que se supõe pela maioria das hipóteses. Esta conclusão fica clara também quando se leva em conta que todas as hipóteses apresentam contradições nos dados, e que sempre há exceções nos padrões previstos por elas. Estas contradições e exceções são oportunidades de investigação, e mostram o quanto ainda há para compreender, afinal, porque os machos de aranhas são menores que as fêmeas.

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Quadro 7.1. Dimorfismo sexual de tamanho e regressão linear

O estudo do dimorfismo sexual envolve principalmente variáveis contínuas, como comprimento corporal de machos e fêmeas; e medidas de fecundidade, como número de ovos produzidos. Por isto, praticamente todos os estudos publicados sobre o assunto utilizam análises de regressão linear, independente do grupo taxonômico analisado. Neste tipo de análise, procura-se descrever matematicamente a relação entre duas variáveis contínuas através de uma equação de reta, ao mesmo tempo que se testa o ajuste dos dados ao modelo expresso por esta reta e o efeito de uma variável sobre a outra (Sokal & Rohlf 1995, Zar 1996). Dentre os vários estudos citados nesta revisão, podem ser observadas duas abordagens analíticas, que diferem quanto ao modo como expressam as diferenças de tamanho entre os sexos. Ambas envolvem tentativas de analisar variações de dimorfismo sexual de tamanho descontando-se o efeito do tamanho corporal médio das espécies, bem como procuram analisar o efeito de características biológicas destas sobre as diferenças intersexuais de tamanho. Neste quadro estas abordagens serão brevemente descritas e comparadas, procurando detectar suas vantagens e desvantagens. Como exemplo, serão usados os dados da Tab. 7.1, que mostra médias de tamanho (largura do cefalotórax) de machos e fêmeas, e de fecundidade, expressa em de ovos, em 10 gêneros de aranhas. Estes dados foram extraídos da literatura (principalmente Prenter et al. 1999). A primeira abordagem procura estudar as variações de tamanho entre os sexos diretamente, através de análise de regressão. Nos gráficos da Fig. 7.8, as retas descrevem os valores esperados para o tamanho dos machos em relação ao tamanho das fêmeas. Se a reta apresentasse uma inclinação igual a 1 (o que pode ser testado estatisticamente), significaria que machos e fêmeas apresentam tamanhos aproximadamente iguais, e que portanto o dimorfismo sexual de tamanho não é característico para o grupo amostrado. Na Fig. 7.8A, a inclinação da reta é significativamente menor que 1, o que significa que as espécies amostradas apresentam dimorfismo sexual de tamanho,

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e que as fêmeas são em geral maiores que os machos. Obviamente, se a as fêmeas estivessem representadas no eixo y, a inclinação seria maior que 1, mas a interpretação seria a mesma. Como se observa no gráfico, os pontos, que representam os tamanhos observados para machos e fêmeas de cada gênero, não coincidem exatamente com a reta. A distância paralela ao eixo y entre cada ponto (Fig. 7.8A) é conhecida em estatística como resíduo (e), e expressa a variação dos dados reais em torno dos valores estimados pelo modelo. Os resíduos são resultantes de erros de medida e da influência de outras variáveis não incluídas na análise. Eles são usados freqüentemente para testar se os dados usados na análise atendem às premissas da análise de regressão (homogeneidade e normalidade de variâncias ao longo da estimativa – para mais detalhes ver Sokal & Rohlf 1995, Zar 1996). Entretanto, muitos autores usam os resíduos de análises como esta como uma medida de dimorfismo sexual, descontado o efeito do tamanho das fêmeas (e.g. Prenter et al. 1999). Estes resíduos são usados em novas análises de regressão, como na Fig. 7.8B, onde se expressam os resíduos da primeira análise em relação ao tamanho da ninhada. Note que os resíduos variam em torno de 0, sendo negativos quando o valor observado é menor que o estimado, e vice versa. Por isto, neste caso resíduos negativos indicam espécies com dimorfismo sexual acentuado. A conclusão é que o dimorfismo sexual está significativamente correlacionado com o tamanho da ninhada, o que se sabe que é dependente do tamanho das fêmeas. Portanto, o dimorfismo sexual neste caso seria produto de seleção natural para aumento de tamanho das fêmeas, o que leva a um aumento de fecundidade. A outra abordagem expressa o dimorfismo sexual com um índice calculado a partir dos tamanhos de machos e fêmeas (e.g. Prenter et al. 1998). O índice mais usado em estudos com aranhas é o tamanho da fêmea dividido pelo tamanho do macho (F/M, ver outros índices em Ranta et al. 1994, Smith 1999). A Fig. 7.8C mostra como o dimorfismo sexual expresso por este índice varia com relação ao tamanho das fêmeas, o que indica que quanto maiores as fêmeas, maiores são suas diferenças de tamanho em relação aos machos. Em outras palavras, o dimorfismo sexual de tamanho aumenta proporcionalmente com o tamanho médio das espécies.

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Como feito acima, pode-se analisar a relação entre o tamanho da ninhada e o dimorfismo sexual através de regressão linear, como na Fig. 7.8D. A conclusão desta análise é a mesma: quanto maior o dimorfismo sexual, maior o tamanho da ninhada, o que sugere que o aumento de fertilidade seria o fator seletivo para a evolução do dimorfismo sexual de tamanho. Qual das duas abordagens seria a mais correta para a análise de dados de dimorfismo sexual? Algumas revisões publicadas sobre este assunto sugerem que ambas apresentam vantagens e desvantagens. O uso de índices de dimorfismo sexual tem sido bastante criticado, especialmente o índice M/F. O problema de usar índices como estes é que os resultados das análises podem variar de acordo com os padrões de correlação entre os tamanhos de machos e fêmeas, o que pode levar a correlações espúrias quando este índice é analisado em relação a outras variáveis (Ranta et al. 1994). Análises de regressão entre o índice M/F e o tamanho de um dos sexos, como o das fêmeas, violam uma premissa da análise de regressão, uma vez que uma das variáveis aparece nos dois eixos (Fairbain 1997). Além disto, Smith (1999) demonstrou através de reanálises de dados de 25 estudos publicados, envolvendo vários grupos taxonômicos, que regressões entre M/F e outras variáveis não são confiáveis, porque este índice não desconta adequadamente o efeito do tamanho da espécie sobre o dimorfismo sexual de tamanho. Por outro lado, Smith (1999) conclui também que este índice (mas não outros índices) não afeta significativamente os resultados de regressões entre o tamanho de um dos sexos e o dimorfismo sexual, sugerindo que algumas objeções a seu uso são exageradas. Uma vantagem clara do índice M/F sobre o uso de resíduos é que ele expressa diretamente o dimorfismo sexual de tamanho, de forma facilmente interpretável e utilizável em outros estudos. Os resíduos apresentam a grande desvantagem de não serem facilmente interpretáveis como um atributo das espécies, e de não terem qualquer significado fora da análise em questão. Análises de resíduos de regressão são freqüentemente apontadas como a alternativa mais adequado ao uso de índices de dimorfismo sexual (Ranta et al. 1994), embora também apresentem sérios problemas estatísticos (Smith 1999). Análises de regressão de resíduos com uma terceira

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variável, como mostrado acima, correspondem a análises de regressão múltipla, nas quais se estima o efeito de mais de uma variável independente sobre uma variável de interesse. Porém, os resultados entre uma análise e outra usualmente diferem para um mesmo conjunto de dados, e vários estudos indicam que são as análises de resíduos que tendem a gerar resultados errados (Smith 1999, Darlington & Smulders 2001, Freckleton 2002). O uso de regressão múltipla é preferível nestes casos porque análises de resíduos freqüentemente falham em detectar efeitos significativos (Darlington & Smulders 2001) e são fortemente afetadas quando as variáveis independentes são correlacionadas entre si (Freckleton 2002). Resíduos também apresentam problemas quando se deseja analisar o efeito de uma variável categórica (por exemplo, sistema de acasalamento monogâmico ou poligâmico) sobre o dimorfismo sexual (García-Berthou 2001). Nestes casos, e preferível utilizar análise de co-variância (ANCOVA). Duas últimas observações importantes: (1) as variáveis contínuas usadas em análises de dimorfismo sexual são freqüentemente transformadas para logaritmo. Este procedimento é usado normalmente em análises morfométricas (Fairbain 1997) para homogeneizar variâncias (Smith 1999). Por fim, (2) vários estudos sobre evolução de dimorfismo sexual de tamanho usam regressão linear simples estimada pelo método de mínimos quadrados (conhecida como regressão modelo I). Este modelo pressupõe que os valores do eixo X são medidos com exatidão, sem erro amostral. Este não é o caso das análises citadas nesta revisão, uma vez os tamanhos, tanto dos machos quanto das fêmeas, são estimativas do tamanho de espécies ou gêneros, e portanto apresentam erro amostral. Por isto, em casos como estes é recomendável utilizar métodos de regressão conhecidos como modelo II (ver Sokal & Rohlf 1995), que pressupõem que os valores dos dois eixos apresentam erro amostral.

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Quadro 7.2. Métodos filogenéticos comparativos

Muitos estudos sobre padrões de dimorfismo sexual de tamanho necessariamente envolvem comparações entre espécies ou categorias supra-específicas (gêneros, famílias, etc.). Este procedimento foi ilustrado no quadro 7.1, onde tentou-se avaliar por regressão linear relações de tamanho entre machos e fêmeas, e entre estes e a fertilidade, de 10 gêneros de aranhas. Neste exemplo, cada gênero foi usado como uma réplica nas análises, o que é considerado incorreto, uma vez que o parentesco filogenético entre os grupos analisados afeta a independência das observações. Este problema pode ser facilmente ilustrado com um exemplo simples: imagine-se duas espécies de aranhas em que as fêmeas têm 1 cm. de comprimento de corpo. Ambas espécies são extremamente dimórficas sexualmente, já que os machos não ultrapassam metade do tamanho das fêmeas. A princípio pode-se imaginar que estas espécies constituem duas evidências de dimorfismo sexual. Entretanto, caso estas espécies sejam grupos-irmãos, é mais parcimonioso considerar que a condição de dimorfismo sexual destas espécies não surgiu independentemente em cada uma delas. Ao contrário, esta configuração de tamanhos de machos e fêmeas surgiu uma vez, no ancestral das duas espécies, e lhes foi transmitida. Obviamente o fator seletivo responsável pelo surgimento desta característica atuou apenas uma vez, e não duas. Em termos estatísticos, usar espécies em análises comparativas viola uma importante premissa da maioria dos testes empregados, o de independência entre as réplicas, inflando artificialmente os graus de liberdade da análise. Nos últimos anos, vários métodos têm sido desenvolvidos para analisar dados comparativos, considerando-se o efeito do parentesco filogenético entre as espécies. No caso dos estudos citados nesta revisão, a análise de regressão por contrastes filogeneticamente independentes (doravante análise de contrastes) é um dos mais empregados. Para explicar o funcionamento deste método, serão usados novamente os dados da Tab. 7.1, cujo parentesco filogenético foi retratado na Fig. 7.9 (conforme Coddington & Levi 1991, Hormiga et al. 2000, Silva-Dávila 2003). Os

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números junto aos nomes dos gêneros indicam a largura da carapaça das fêmeas, em milímetros. O primeiro passo para a análise de contrastes é inferir os valores ancestrais das variáveis de interesse. Estes valores são expressos nos nós da árvore, onde estão os ancestrais hipotéticos de cada grupo monofilético. Em teoria, os valores de cada táxon terminal da árvore divergem deste valor ancestral proporcionalmente ao comprimento de seus ramos. Logo, o valor ancestral de uma variável em determinado nó da árvore é igual à média ponderada, pelo comprimento, dos valores de cada ramo (Diniz-Filho 2000). O comprimento de um ramo filogenético é uma medida de o quanto este ramo divergiu com relação ao seu ancestral, calculada a partir de taxas de substituição de nucleotídeos em árvores baseadas em dados moleculares (Li & Graur 1991). Em árvores construídas com caracteres morfológicos, dificilmente é possível inferir o comprimento dos ramos de forma confiável. Por isto, quando estas árvores são usadas em análises de contrastes, em geral calcula-se os valores ancestrais considerando todos os ramos como tendo o mesmo comprimento, representado com o igual a 1. Segundo Garland et al. (1992) este procedimento não afeta de forma significativa os resultados da análise. Uma vez estimados os valores ancestrais para cada nó, pode-se calcular os contrastes para cada par de ramos, para cada variável. Os contrastes são calculados pela subtração do valor de um ramo pelo valor de seu grupo-irmão. Por exemplo, o contraste entre Nephila e Tetragnatha na árvore acima é: 5,4-1,3 = 4,1. Este procedimento é repetido para todos os pares de ramos da árvore, mesmo quando isto envolve subtrair valores de dois nós. Por exemplo, o contraste entre o clado Lyssomanes+Misumenops e o clado (Ancylometes(Hogna+Peucetia) é igual a: 2,1-7,2 = -5,1. Os contrastes podem, então, ser positivos, negativos, ou iguais a zero. A ordem empregada no cálculo dos contrastes (isto é, se calculado Nephila-Tetragnatha ou vice-versa), não é relevante, desde que seja mantida para todas as variáveis analisadas. Uma vez calculados os contrastes para cada variável, estes podem ser analisados por regressão, conforme a Fig. 7.10. O princípio que rege esta análise é essencialmente simples: se

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duas variáveis x e y estão evolutivamente correlacionadas, os valores dos contrastes entre ambas devem, necessariamente, estar correlacionados. O gráfico mostra que os tamanhos das fêmeas e dos machos dos gêneros de aranhas analisados aqui estão correlacionados positivamente, mesmo descontando-se o efeito do parentesco filogenético. No exemplo mostrado neste quadro, a conclusão final é a mesma, quer se use análise de contrastes ou regressão linear direta, com os gêneros como réplicas (Quadro 7.1). Entretanto, na literatura existem exemplos nos quais análises tradicionais e análises de contrastes discordam, levando a conclusões opostas (e.g. dimorfismo sexual e comportamento de caça em aranhas: Vollrath & Parker 1992 vs. Prenter et al. 1998). Os resíduos da regressão por contrastes apresentada neste quadro podem ser usados em outras análises, como mostra a Fig. 7.10B, que relaciona o dimorfismo sexual de tamanho, descontado-se o efeito do tamanho das fêmeas, com contrastes para o tamanho de ninhada. Tal como mencionado n quadro 7.1, este procedimento é contra-indicado para análises de dimorfismo sexual, uma vez que todas as premissas de análises de regressão se aplicam a regressões de contrastes filogeneticamente independentes.

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AGRESSÃO E TERRITORIALIDADE

CYNTHIA SCHUCK-PAIM

Duas aranhas são dispostas nas extremidades de uma vara de bambu, uma em cada lado. Em volta, uma multidão observa a luta que então se sucede. Enquanto a luta não termina o ambiente é tenso: a maioria dos presentes já fizeram e pagaram suas apostas. Momentos depois, o resultado é conhecido: uma das aranhas é expulsa do bambu ou, não raramente, morta durante o combate. O evento anterior poderia ser um dentre os vários que ocorrem diariamente nas Filipinas. Neste país, a indução de lutas entre aranhas é uma prática extremamente popular, principalmente entre a população mais jovem. Quando não são compradas, as aranhas são capturadas durante o amanhecer e entardecer, ou então após as chuvas, períodos em que geralmente estão mais ativas. Mesmo uma "boa lutadora", no entanto, não sobrevive por mais do que quatro ou cinco lutas em média – período este geralmente mais curto do que o que lhe restaria em condições naturais. Embora em casos como o descrito anteriormente o comportamento territorial e a intolerância à presença de indivíduos da mesma espécie tenham tido conseqüências prejudiciais às aranhas, tais comportamentos apenas puderam evoluir em função dos benefícios que sua adoção proporcionou, e proporciona, a tais organismos. Em ambientes onde a disponibilidade de recursos essenciais à sobrevivência e reprodução é limitada, a exclusão ativa de coespecíficos através do comportamento agressivo em muitos casos é a melhor forma de garantir o acesso a tais bens. Os exemplos são inúmeros e incluem as disputas territoriais, normalmente relacionadas ao acesso a áreas exclusivas de alimentação e proteção contra predadores e intempéries ambientais, as disputas por melhores posições na hierarquia social e, freqüentemente, lutas entre machos pelo acesso a

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fêmeas. Se por um lado a maioria destas interações é ritualizada, caracterizando-se pelo emprego de sinais de ameaça e demonstrações de força e resistência, o perigo de progressão a lutas envolvendo contato físico e da ocorrência de lesões irreversíveis é real, em casos extremos podendo levar à morte de um dos oponentes. Estudos relatando interações agressivas (ou “agonísticas”, como são também denominadas) entre aranhas são amplamente difundidos na literatura. Popularmente conhecidas como eficientes predadoras, a maioria das espécies de aranhas também é intolerante à presença de coespecíficos. Mesmo entre aquelas espécies que vivem e se alimentam de forma comunal, são comuns a defesa de uma pequena área individual e conflitos por melhores posições na hierarquia social (Burgess & Uetz 1982). Entre as aranhas construtoras de teias, por exemplo, a aproximação de coespecíficos geralmente é percebida através de vibrações produzidas pelo deslocamento da suposta invasora nas proximidades da teia, sendo seguida do uso de sinais de ameaça e, em casos mais extremos, luta física. Já entre os machos adultos, geralmente menores do que as fêmeas e desprovidos de teias, as interações comumente envolvem disputas pelo acesso a fêmeas receptivas para o acasalamento. Mas tais conflitos não se restringem aos indivíduos adultos. Nas agregações de aranhas recémeclodidas a tolerância mútua geralmente é efêmera: a partir do momento em que começam a se alimentar, o canibalismo entre os jovens é freqüente, a ponto de cogitar-se que este seja um dos principais fatores na regulação da densidade das populações de aranhas (Riechert & Lockley 1984, Wagner & Wise 1996). Neste capítulo serão abordadas as duas formas mais comuns de interação intra-específica entre aranhas envolvendo agressão: as disputas entre fêmeas decorrentes da competição por espaço e as disputas entre machos pelo acesso às fêmeas. A seguir, as lutas propriamente ditas e estratégias adotadas pelas oponentes durante os encontros serão descritas, bem como os modelos ecológicos e evolutivos existentes para a explicação da ocorrência e evolução de tais comportamentos.

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Interações Agressivas em Aranhas Competição por espaço Amanhece no deserto do Novo México e a chegada dos primeiros raios de sol denuncia a presença de um ambiente árido e severo para a maioria das plantas e animais que ali habitam. A temperatura já é relativamente alta e por alguns instantes é difícil perceber qualquer sinal de atividade nas redondezas. Uma inspeção mais cuidadosa revela, no entanto, o que parece ser um árduo confronto. Sob um conjunto de pedras, uma teia de aranha vibra com a chegada de um visitante indesejado. As vibrações percorrem a teia que até então parecia desabitada e de forma súbita provocam o aparecimento de uma intolerante aranha que sai de um túnel de seda conectado à teia. Nos momentos que se seguem residente e invasora irão disputar a posse deste lugar. O sol está agora mais alto e a teia rapidamente esquenta. Sob tais condições e expostas na superfície da teia, o risco de dessecação para as aranhas é alto. Talvez maior ainda seja o risco de uma potencial lesão durante o confronto. Mas o verão é a estação reprodutiva e apenas a posse de uma teia irá garantir a estas fêmeas a possibilidade de alimentarem-se e reproduzirem-se. Dentre os mais famosos exemplos de competição por espaço entre aranhas encontram-se as disputas por teias ocorridas entre fêmeas, como é o caso da descrição anterior sobre lutas entre fêmeas da aranha Agelenopsis aperta (Agelenidae, Riechert 1978a, 1979, 1984, 1986). E não poderia ser diferente, pois as teias representam um recurso extremamente valioso, na medida em que permitem a captura de presas e atuam como locais de acasalamento e proteção contra predação e distúrbios ambientais. No caso de A. Aperta, por exemplo, enquanto aranhas em posse de uma teia ganham uma média diária de 3,3mg de massa (ca. de 1,5 – 2,0% da massa total), aranhas desprovidas de teia perdem cerca de 8,6mg de massa por dia (ca. 4,0 – 4,5% da massa total), devido principalmente à perda d’água. Os benefícios associados à posse de um território (no caso anterior representado pela teia) dependem, no entanto, da qualidade do ambiente em que este é estabelecido. De uma forma geral, e

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mantendo os outros fatores iguais, quanto mais rico um habitat em abundância de presas, maior será a probabilidade de sobrevivência e reprodução da aranha (Miyashita 1986, 1992, Spiller 1992a, Tanaka 1995). Não é surpreendente assim o fato de vários estudos descreverem uma maior concentração de aranhas em locais onde o ganho energético é mais alto. Este é o caso de Larinioides sclopetarius (Araneidae), uma espécie noturna que freqüentemente constrói suas teias em estruturas próximas a fontes artificiais de luz. Dada a grande atração de insetos em direção à luz, Astrid Heiling, uma aracnóloga austríaca, observou que aranhas desta espécie que construíam suas teias próximas à luz podiam capturar até 20 vezes mais presas do que aquelas que construíam suas teias em estruturas idênticas, porém não iluminadas (Heiling 1999). Observações similares foram também realizadas para Nephilengys cruentata (Tetragnathidae), uma espécie de aranha encontrada em ambientes urbanos em diversas cidades brasileiras, principalmente em estruturas próximas a locais iluminados (Cunha 1999, D'Ayala 2000, Neiman 1991). Assim como no caso de Larinioides e Nephilengys, em ambientes onde a distribuição de recursos é heterogênea, habitats pobres alternam-se com pequenos “oásis”, nos quais a presença de presas é abundante. No entanto, o acesso a tais recursos não é irrestrito. Face à maior abundância de presas, tais ambientes podem apresentar densidades de aranhas extremamente altas – decorrência natural da atração de imigrantes provenientes de locais mais pobres e do próprio aumento no sucesso reprodutivo de seus residentes (Spiller 1992a). Se por um lado existem evidências de que em muitas espécies a presença de aranhas não reduz de forma significativa a quantidade de presas no ambiente (Beachly et al. 1995, Riechert 1981), por outro a disponibilidade de espaço e de estruturas apropriadas para o estabelecimento de um território, refúgio ou construção da teia pode tornar-se limitante (Riechert 1981). Entre as possíveis conseqüências decorrentes desta limitação de espaço está a diminuição da área ocupada pelo território da aranha (Leborgne & Pasquet 1987a) – embora em ambientes onde a abundância no número de presas é maior tal diminuição no tamanho do território possa ser relativamente compensada pelo maior ganho energético por área de território. Mais comum, porém, é a ocorrência de interações agressivas pela aquisição, defesa e manutenção de uma área para

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seu estabelecimento, ou ainda decorrentes de tentativas de expandi-lo ou deslocá-lo para outros locais – supostamente melhores – dentro da mesma área. Entre fêmeas de Frontinella pyramitela (Linyphiidae) são comuns os conflitos pela posse de teias, as quais requerem um substrato e estruturas apropriadas – possivelmente presentes em quantidade limitada – para sua construção (Hodge 1987). Situação similar ocorre entre fêmeas do gênero Metepeira (Araneidae) (Hodge & Uetz 1995) e, como vimos, A. aperta (Riechert 1978a, 1979), ambas presentes em campos rupestres mexicanos, que normalmente disputam a posse de um território para o estabelecimento da teia. Tais conflitos são também freqüentes entre as aranhas errantes. Assim, fêmeas de Lycosa tarentula fasciiventris (Lycosidae), por exemplo, competem pelo acesso a refúgios ou locais apropriados para alimentação e reprodução (Fernandez-Montraveta & Ortega 1990). O desenvolvimento e caracterização destes conflitos, bem como as estratégias comportamentais utilizadas, serão apresentados abaixo.

Competição por parceiros sexuais Quando dois machos da aranha saltadora Plexippus paykulli (Salticidae) se encontram estes geralmente iniciam um ritual agonístico elaborado, envolvendo uma série de seqüências estereotipadas de sinalizações vibratórias e visuais (Taylor et al. 2001). Assim como outras espécies da

família

Salticidae,

P.

paykulli

possui

uma

visão

extremamente

aguçada.

Não

surpreendentemente, portanto, a maioria das lutas entre machos desta e de outras espécies do grupo (Jackson 1978b, Jackson 1986c, Wells 1988) se iniciam através do emprego de sinalizações visuais à distância (Fig. 8.1). Se um dos oponentes não desiste, estas normalmente são seguidas pela aproximação dos machos e, subseqüentemente, por movimentos mais intensos que podem envolver contato breve ou prolongado. Em casos extremos, tais atos podem levar à ocorrência de lesões permanentes. Após atingir a maturidade sexual, mudanças significativas ocorrem no comportamento dos machos de aranhas. Uma vez aptos à reprodução, estes iniciam a busca por fêmeas receptivas para o acasalamento – busca esta geralmente caracterizada por uma maior exposição à predação e

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freqüentemente privação alimentar. Assim como a competição por espaço e territórios entre as fêmeas é intensa, a competição entre os machos pelo acesso às fêmeas também o é. As lutas entre machos pelo acesso a fêmeas são comuns entre um grande número de espécies de aranhas. Tal competição é, no entanto, agravada naquelas espécies nas quais o esperma do primeiro (ou último) macho a copular com a fêmea fertiliza a maioria de seus ovos, independentemente da ocorrência de acasalamentos com outros machos (veja o Capítulo 7 deste livro). Por exemplo, nos casos em que o primeiro macho fertiliza a maioria dos ovos, é essencial para estes machos não apenas garantir o acesso às fêmeas, como também a prioridade de cópula. Para que isto ocorra, em muitas espécies os machos permanecem em teias de fêmeas prestes a atingirem a maturidade sexual, esperando o momento da última muda, após a qual a fêmea se torna sexualmente madura. Durante este período de espera a teia pode ser invadida por outros machos. Austad (1982, 1983), por exemplo, estudou as disputas entre machos de F. piramytella. Logo após encontrar uma fêmea e entrar em sua teia, os machos desta espécie tentam copular. A cópula que se segue consiste de duas fases: uma primeira fase de “pré-inseminação”, na qual o macho introduz sua genitália no aparelho genital da fêmea mas não há transferência de esperma, e uma fase de “inseminação” propriamente dita, quando o esperma é transferido para a espermateca da fêmea. É interessante notar que a introdução dos órgãos genitais na fase de pré-inseminação só é possível caso a fêmea já tenha atingido a maturidade sexual, restrição esta que permite aos machos avaliarem rapidamente sua condição reprodutiva e assim decidirem pela continuidade da cópula ou abandono da fêmea. Se a cópula é completa, o primeiro macho pode transferir esperma suficiente para fertilizar a maioria dos ovos que aquela fêmea irá produzir. Se o acasalamento é interrompido, os machos que copulam posteriormente com a fêmea podem contribuir de forma mais representativa na fertilização dos ovos. Dado o alto valor de uma fêmea virgem, muitos machos permanecem nas teias de fêmeas imaturas até que elas atinjam a maturidade para então poderem se acasalar. Se, no entanto, a teia é invadida por um segundo macho durante este período, estes irão lutar até que a disputa seja resolvida a favor de um deles.

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Desenvolvimento e caracterização das disputas Antes da década de 70, o estudo das interações agressivas entre aranhas se baseava primordialmente na descrição e classificação dos tipos de comportamento empregados em conflitos. A partir desta década, no entanto, através da utilização da teoria dos jogos para análise dos conflitos animais (Maynard-Smith & Price 1973), o estudo do comportamento agressivo entre aranhas seguiu um outro rumo (veja o Quadro 8.1). Utilizando-se do caráter unificador e preditivo desta teoria como eixo central, a análise dos encontros agonísticos entre aranhas desenvolveu-se de forma a identificar os custos e benefícios (definidos em termos da aptidão darwiniana), envolvidos nas disputas, isto permitiu prever e explicar a ocorrência de determinados padrões e estratégias comportamentais empregados pelas aranhas. Um dos trabalhos pioneiros desenvolvidos sob tal perspectiva foi o da pesquisadora Susan Riechert, da Universidade do Tenessee (EUA). Em uma série de artigos, Riechert (1978a, 1979, 1984) analisa o sistema de lutas por teias entre fêmeas de A. aperta, e a influência de fatores como o valor do recurso disputado, a qualidade do habitat em que vivem as aranhas e diferenças na habilidade de luta sobre os padrões comportamentais adotados, bem como sobre os resultados observados. Durante os anos seguintes, outras espécies e sistemas – envolvendo tanto lutas entre fêmeas por teias quanto disputas entre machos por acesso a fêmeas – foram estudados sob a mesma perspectiva. O estudo do comportamento agressivo entre aranhas seguiu assim paralelamente ao aprimoramento dos modelos teóricos, proporcionando a estes, por um lado, dados empíricos para o teste de suas previsões e, por outro, aproveitando-se dos modelos para compreender os mecanismos e aspectos funcionais envolvidos nos conflitos e a evolução do comportamento agressivo e das relações intra-específicas em aranhas. No Quadro 8.1, os conceitos básicos sobre a teoria dos jogos são apresentados, acompanhados da descrição dos sistemas de lutas entre aranhas propriamente ditos.

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Disputas assimétricas O exemplo hipotético de luta discutido no Quadro 8.1 (representativo da primeira geração de modelos baseados na teoria dos jogos) simplifica extremamente uma situação de conflito real. Por exemplo, este pressupõe que a disputa é simétrica, ou seja, que as duas aranhas a iniciam em condições absolutamente iguais: estas possuem a mesma habilidade para lutar, o valor do recurso é o mesmo para ambas, bem como a possibilidade de escolha das estratégias. Modelos mais realistas foram desenvolvidos subseqüentemente. Além de considerar uma gama maior de estratégias disponíveis, tais modelos incorporaram a influência de assimetrias entre os oponentes no desenvolvimento, duração, intensidade e resultado das disputas. Aqui os principais tipos de assimetrias presentes nas disputas entre aranhas são descritos, bem como sua influência no resultado destas lutas. De um modo geral, as assimetrias entre os indivíduos envolvidos em uma luta podem ser de dois tipos: assimetrias no valor do recurso e assimetrias na habilidade de luta entre os oponentes (também referidas como assimetrias no ‘poder de posse do recurso’, Parker 1974). As primeiras se referem a todos aqueles fatores que alteram o valor do recurso (ou seja, os custos e benefícios associados a este) de forma distinta para cada oponente. Por exemplo, um macho que acaba de atingir a maturidade sexual teria mais a perder com uma luta caso sofra lesões irreversíveis do que um macho mais velho, que já tenha copulado várias vezes. O segundo tipo de assimetria tem talvez influência mais óbvia sobre o resultado dos conflitos, pois relaciona-se à habilidade de luta dos combatentes, ou seja, à sua capacidade de vencer uma disputa envolvendo contato físico caso este ocorra. Incluem-se aqui fatores como tamanho, experiência, sexo, idade, entre outros. A Tab. 8.1 mostra os principais fatores envolvidos na determinação do resultado de lutas entre aranhas. De fato, a tabela mostra que, tanto no caso de fêmeas como de machos, o tamanho corpóreo tem influência fundamental na determinação do resultado das lutas para a maioria das espécies estudadas. De uma forma geral, aranhas que sejam pelo menos 30% maiores que suas oponentes possuem uma alta probabilidade de ganhar a luta, embora em algumas espécies diferenças de 20% e

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até 10% já sejam suficientes para garantir a vitória à maior aranha. A Fig. 8.2 exemplifica a relação entre a diferença de tamanho entre fêmeas da aranha Nephilengys cruentata lutando pela posse de teias e a probabilidade de vitória da invasora em função de tal diferença (Schuck-Paim 1999). Como ilustra a figura, quanto maior o tamanho da invasora em relação à residente, maior sua probabilidade de vitória. A figura mostra também que, no caso de residentes, mesmo pequenas diferenças de tamanho se convertem em uma alta probabilidade de vitória. Mais do que isto, para a aranha residente tal probabilidade é alta mesmo naqueles casos em que a invasora é até 10% maior. De fato, na Tab. 8.1 podemos verificar que uma outra assimetria de influência significativa na determinação do vencedor de uma luta é aquela relativa ao status de posse do recurso (cuja influência geralmente é percebida naqueles casos onde a assimetria de tamanho é pequena). Assim, em disputas entre fêmeas de tamanho similar, a aranha ‘residente’ tende a ganhar um número significativamente maior de lutas, enquanto em disputas entre machos tal vantagem está normalmente associada àqueles que encontraram as fêmeas primeiro. Uma explicação bastante comum para a vantagem resultante do status de residência dos animais se baseia na suposição da existência de uma assimetria no valor relativo do recurso disputado para cada oponente. Alguns estudos teóricos (e.g. Parker 1974) prevêem que os detentores dos recursos, tendo previamente investido tempo e energia em sua aquisição e manutenção, deveriam investir mais na luta (em termos de esforço e persistência) o que, consequentemente, resultaria em uma tendência de vitória a seu favor. No caso de aranhas construtoras de teias, por exemplo, a necessidade da aquisição de um local e construção da teia, e conseqüente gasto energético envolvido tanto na produção da seda utilizada como na atividade de construção propriamente dita, poderia fazer com que a aranha residente investisse mais em uma luta do que uma invasora, consequentemente, ganhando com uma maior freqüência. Já em lutas entre machos, a assimetria no valor do recurso, neste caso a fêmea, entre os oponentes poderia ser determinada em função do padrão de armazenamento de esperma em

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sua espermateca, aliado à história de cópulas prévias e idade distintas entre os dois machos envolvidos nos conflitos. Uma outra possibilidade discutida neste contexto é a de que a vantagem associada à residência decorre não tanto da assimetria no valor relativo do recurso entre as aranhas oponentes, mas sim de uma assimetria na informação que cada uma delas teria sobre tal valor (Enquist & Leimar 1987). Postula-se assim que, se as aranhas em posse de um recurso ‘sabem’ quando o recurso é valioso, a maior freqüência de vitórias por estas aranhas 'residentes' seria uma decorrência natural de seu maior esforço e tenacidade em lutas por recursos valiosos. Uma previsão direta de tal hipótese seria a de que as aranhas residentes, e não as invasoras, deveriam investir mais em uma luta. Essa assimetria no investimento quanto maior o valor do recurso disputado resultaria, portanto, em uma maior probabilidade de vitória a favor das residentes (Enquist & Leimar 1987). Estudando assim lutas entre fêmeas de A. aperta, Riechert (1979, 1984) verificou que as lutas mais longas e envolvendo comportamentos mais arriscados e custosos foram justamente aquelas nas quais as teias disputadas eram de melhor qualidade em termos do número de presas capturadas. Tal relação entre o custo das lutas e a qualidade da teia foi observada, entretanto, apenas naqueles conflitos envolvendo a dona original da teia e uma ‘invasora’. Quando a residente original era retirada e a luta induzida entre duas ‘invasoras’ simultaneamente introduzidas na teia, tal relação deixava de existir, indicando assim a incapacidade das ‘invasoras’ avaliarem o valor da teia que estavam disputando. Além disso, tais estudos mostraram uma correlação positiva entre a área ocupada por uma teia (normalmente correlacionada com sua taxa de captura de presas) e a intensidade do comportamento agonístico da aranha ‘residente’, mas não da ‘intrusa’. O mesmo fenômeno parece estar também presente em lutas entre machos. Nestas, é comum o fato de que apenas o primeiro macho residente, aquele em guarda da fêmea, tenha informação sobre sua condição reprodutiva e potencial valor (Austad 1982, 1983, Hack et al. 1997). Em um estudo sobre lutas entre machos de Metellina segmentata (Tetragnathidae), os machos residentes previamente na teia da fêmea lutaram significativamente mais tempo na defesa de fêmeas maiores e

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mais fecundas (Hack et al. 1997). Os invasores, no entanto, foram incapazes de ajustar o esforço na luta de acordo com o valor da fêmea, mesmo face a evidências de que algumas pistas preditoras da qualidade da fêmea podem ser avaliadas a partir de feromônios depositados na teia (Prenter et al. 1994a). Situação similar parece ocorrer também em lutas entre machos das espécies Metellina mengei (Bridge et al. 2000) e Frontinella pyramitela (Austad 1983). No caso desta última espécie, quando o macho invasor entra na teia da fêmea que está sendo ‘vigiada’, a fêmea imediatamente abandona a área de captura da teia impossibilitando, portanto, qualquer oportunidade de avaliação de seu potencial valor reprodutivo pelo invasor. Já os machos residentes podem estimar o valor da fêmea de várias formas. Em ambas espécies mencionadas, estes podem utilizar-se do tempo em que estejam guardando uma fêmea imatura como uma forma indireta de avaliar o tempo restante até que esta atinja a maturidade sexual (quanto maior o tempo de espera, mais próxima a fêmea estaria da maturidade sexual). Ou então, no caso do acasalamento já ter sido iniciado, o macho residente poderia utilizar o tempo prévio de cópula com a fêmea em questão para estimar o número de ovos restantes a serem fertilizados. É possível portanto que em muitos casos a vantagem associada à residência derive mais de uma assimetria na informação que cada oponente tem sobre o valor do recurso do que de uma assimetria no valor que este representa para cada um deles. Uma crítica a tal hipótese no entanto é a de que, mesmo face à assimetria no grau de informação sobre o recurso disputado a favor da aranha residente, as invasoras poderiam estimar o valor deste recurso através da observação do comportamento da própria aranha residente (W.J. Alonso, comunicação pessoal, ver também Riechert 1978a). Dado o nosso atual desconhecimento sobre tal possibilidade, esta poderia ser uma interessante linha de pesquisa. Cabe ressaltar finalmente que a maior probabilidade de vitória pelas aranhas em posse dos recursos disputados poderia, em algumas situações, decorrer de fatores alheios às assimetrias mencionadas anteriormente. Este poderia ser o caso, por exemplo, da vantagem associada a residentes em lutas entre fêmeas da aranha Nephilengys cruentata. Nesta espécie, as fêmeas posicionam-se em refúgios no ápice superior de sua teia (Japyassú & Ades 1998, Fig. 8.3). O posicionamento das

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residentes nestes locais poderia neste sentido facilitar os ataques a aranhas invasoras, as quais geralmente têm que mover-se contra a gravidade para atingir o refúgio. Mais do que isto, o próprio efeito da gravidade poderia conferir às residentes uma vantagem postural nos casos de ataque (Schuck-Paim 2000). Exemplo similar parece ser o de Salticus scenicus (Salticidae). Estudando interações entre fêmeas dispersas em um muro de concreto, Jacques & Dill (1980) observaram que as fêmeas que se encontravam temporariamente estacionárias no muro ganharam um número significativamente maior de interações do que aquelas em deslocamento. Embora inicialmente tenha se postulado que esta vantagem associada à residência (ou seja, à posição estacionária) não estivesse associada a nenhum tipo de assimetria entre as adversárias (Jacques & Dill 1980), tal observação foi posteriormente reinterpretada como decorrente de uma possível vantagem postural a favor das aranhas ‘residentes’ (Taylor et al. 2001). Considerando-se que na família Salticidae as aranhas baseiam-se primordialmente em órgãos sensores de mobilidade para detectar a presença de co-específicos, as fêmeas estacionárias poderiam ter rapidamente detectado a presença de suas oponentes móveis tendo, portanto, tido mais tempo para preparar-se e posicionar-se para um potencial confronto.

Avaliação durante as lutas Se pensarmos nas habilidades das aranhas como excelentes predadoras, aliadas à intolerância da maioria das espécies à presença de co-específicos, não é difícil imaginar que lutas entre aranhas possam ser extremamente arriscadas. De fato, não são raras as situações em que uma luta resulte na ocorrência de lesões graves ou até na morte – seguida de canibalismo – de uma das oponentes. Uma outra possibilidade é a de perda de um ou mais membros durante uma disputa, a qual geralmente ocorre através de sua liberação deliberada (‘autotomia’) em pontos de ruptura específicos – uma habilidade que teria supostamente evoluído como forma de evitar a predação. Tal perda não é inócua para a aranha. Para a aranha do deserto Agelenopsis aperta, por exemplo, a perda de uma perna reduz o sucesso de captura de presas em 10%, e a probabilidade de vencer lutas subsequentes em 25% (Riechert 1988). Os riscos associados a uma disputa, no entanto, não advém

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apenas dos danos que uma aranha possa infligir sobre sua oponente. Em lutas entre machos da aranha Metellina segmentata, por exemplo, a fêmea disputada pode chegar a canibalizar um dos machos que se aproxime muito durante o conflito (Rubenstein 1987). Além disso, a vulnerabilidade à predação é geralmente maior durante tais encontros, não apenas em função da maior exposição das aranhas, mas também como conseqüência da diminuição da vigilância durante as lutas. Aliando-se tais riscos ao gasto energético decorrente do envolvimento no conflito (o qual pressupõe-se que, ao invés de ser utilizado na disputa, poderia ser investido em reprodução), bem como à perda de tempo e oportunidades que este implica, o custo de um conflito pode ser relativamente alto, levando assim à evolução de estratégias comportamentais que permitam minimizá-lo. Já vimos que uma das assimetrias mais importantes na determinação do resultado de uma luta é aquela relativa à habilidade de luta das aranhas, a qual é percebida principalmente através de seu tamanho corpóreo. A observação de que a maior aranha tende a ganhar a maioria das lutas pareceria, no entanto, bastante óbvia a primeira vista se pensamos em lutas envolvendo contato físico: aranhas maiores simplesmente teriam mais força e resistência para derrotar suas adversárias. Força não parece ser, entretanto, uma constante nestas lutas, uma vez que a maioria não envolve nenhum tipo de contato físico. Pelo contrário, as disputas normalmente caracterizam-se pelo uso de sinais e demonstrações de ameaça (também denominados “comportamentos ritualizados”), que fazem com que a menor aranha desista da luta antes de que o contato físico ocorra. A constatação de que a maioria das lutas é decidida em função do tamanho corpóreo, mas envolvendo apenas o emprego de comportamentos ritualizados, levou à formulação da hipótese de que tais comportamentos permitiriam aos oponentes avaliar seus respectivos tamanhos e probabilidade de vitória no caso de uma batalha física, subseqüentemente utilizando tal informação para decidir persistir na luta ou abandoná-la. Como apontado por diversos autores (Enquist and Leimar 1983, Parker 1974), a vantagem associada à possibilidade de avaliar a habilidade de luta do adversário durante um conflito seria clara, na medida em que permitiria ao provável perdedor

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desistir da luta antes que esta progredisse a níveis arriscados. Alguns modelos teóricos foram assim formulados baseando-se no pressuposto de que as seqüências comportamentais observadas durante as interações teriam como objetivo principal permitir aos animais avaliar sua habilidade de luta e, consequentemente, probabilidade de vitória em relação à de seu adversário. Um dos modelos utilizados na análise de lutas entre aranhas e outros animais – o modelo de avaliação seqüencial (Enquist & Leimar 1983, 1987) – parte do princípio de que quanto mais próximo o tamanho de dois oponentes mais difícil seria julgar qual o provável vencedor, o que resultaria em lutas mais longas e custosas. A lógica subjacente a tal idéia é simples: se em uma determinada disputa a habilidade de luta (por exemplo, o tamanho) de um dos oponentes é muito menor do que a de seu adversário, seria relativamente fácil e rápido para o primeiro julgar que uma vitória seria improvável, levando-o assim a desistir da luta rapidamente. Por outro lado, se o tamanho dos adversários é similar, tal julgamento seria consequentemente mais difícil, envolvendo um maior tempo de luta e, possivelmente, comportamentos mais arriscados para que informações mais precisas sobre as diferenças de tamanho presentes possam ser adquiridas. Uma previsão direta de tal raciocínio é a de que deveríamos observar uma correlação negativa entre o custo total da disputa e a assimetria na habilidade competitiva dos oponentes. Quanto menor a diferença de tamanho (ou qualquer outro aspecto relacionado à habilidade de luta), mais longas e intensas teriam que ser as lutas. Utilizando os dados do estudo de Austad (1983) sobre conflitos entre machos de F. pyramitela, Leimar et al. (1991) analisaram a relação entre a duração de lutas envolvendo contato físico e a diferença relativa de tamanho entre os machos oponentes. De uma forma geral, as previsões do modelo e os dados mostraram um bom grau de concordância: as lutas mais longas e responsáveis por uma maior porcentagem de machos feridos foram justamente aquelas em que a diferença de tamanho entre as aranhas era menor. Da mesma forma, alguns estudos posteriores sobre lutas em outras espécies, tais como Euophrys parvula (Salticidae, Wells 1988), M. segmentata (Hack et al. 1997) e Zygoballus rufipes (Salticidae, Faber

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& Baylis 1993), também confirmaram tal relação: quanto menor a diferença de tamanho entre as aranhas, mais longos e intensos foram os conflitos. Tais dados, no entanto, não são inequívocos para que se possa concluir que, de uma forma geral, o emprego de determinados comportamentos em lutas entre aranhas teria como objetivo principal permitir a aquisição de informação sobre as assimetrias de tamanho presentes. Duas são as principais linhas de evidência que impedem tal generalização. A primeira, e mais óbvia, seria a constatação de que, para muitas espécies, tal relação não pôde ser detectada. Este foi o caso, por exemplo, de lutas entre machos de Misumenoides formosipes (Thomisidae, Dodson & Beck 1993) e de lutas entre fêmeas do gênero Metepeira (Hodge & Uetz 1995). Neste contexto, alguns autores sugerem que a inexistência de amplas evidências a favor da ocorrência de avaliação da forma como postulado pelo modelo decorreria de características peculiares ao sistema de comunicação das aranhas. Tal sistema permitiria que a avaliação da habilidade de luta de uma oponente ocorresse rapidamente e a um baixo custo ainda no início de uma luta (uma vez transcorrida esta fase inicial, comportamentos empregados posteriormente teriam funções distintas à avaliação). Em lutas sobre teias, por exemplo, a transmissão de vibrações poderia ser uma forma precisa através da qual uma aranha obteria informação sobre o tamanho relativo de sua adversária (Riechert 1984, Witt 1975). Dado que a amplitude das vibrações produzidas pelo deslocamento da aranha pela teia é aproximadamente proporcional ao seu peso (Barth 1982), mesmo atos comportamentais realizados a grandes distâncias poderiam fornecer informações precisas sobre o tamanho – e consequentemente probabilidade de vitória – de quem o realizou. Uma outra forma através da qual uma aranha invasora poderia obter informações sobre o tamanho de sua oponente rapidamente, e a um baixo custo, seria através da utilização da informação proporcionada pelas próprias características da teia disputada. Alguns estudos mostram que, entre as aranhas orbitelas, alguns parâmetros das teias variam com o tamanho da aranha construtora (Eberhard 1988, Miyashita 1997, Opell 1997b, Vollrath 1987b, Vollrath et al. 1997). Por exemplo, as teias com maior espaçamento entre as espiras e malha mais larga são geralmente construídas por aranhas maiores, e o diâmetro dos fios de seda

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tende a ser correlacionados ao tamanho da aranha (Craig 1987). Assim, tais caraterísticas poderiam permitir a uma invasora avaliar o tamanho da aranha construtora da teia, mesmo antes do início do conflito. Este parece ser o caso, por exemplo, de N. cruentata. Em lutas entre fêmeas desta espécie (Fig. 8.4), constatou-se que as invasoras puderam adquirir informação sobre o tamanho da construtora da teia a qual estavam invadindo mesmo antes de qualquer reação ou movimento pela residente, decidindo persistir ou abandonar a luta em função da informação obtida (Schuck-Paim 2000, veja também Clark et al.1999). A segunda linha de evidência é mais recente e contrária não apenas à hipótese de que os comportamentos empregados durante as lutas teriam como objetivo permitir a avaliação entre os oponentes (conforme postulado pelo modelo), mas também favorável à possibilidade de que avaliação da habilidade de luta de uma adversária durante um conflito não ocorra entre as aranhas. Tais evidências seriam provenientes da observação de que o tamanho absoluto das aranhas envolvidas em um conflito (e não a avaliação de sua diferença de tamanho) poderia estar exercendo uma influência maior sobre sua intensidade e duração. Por exemplo, em lutas entre machos de M. mengei e de P. paykulli (Bridge et al. 2000), a intensidade da luta e sua duração foram maiores quanto maior o tamanho absoluto do macho perdedor. Uma explicação seria a de que a persistência destes machos nas lutas dependeria de limites morfológicos ou fisiológicos correlacionados a seu tamanho. Por exemplo, um macho poderia lutar até o ponto em que suas reservas energéticas baixassem de um certo limite preestabelecido, independentemente do tamanho de seu adversário. Como tais reservas seriam menores para os indivíduos de menor tamanho, observaríamos uma correlação positiva entre seu tamanho absoluto e a duração de uma luta. Uma outra possibilidade seria a de que as aranhas optassem por estratégias mais cautelosas (tempo de luta mais curto e intensidade mais baixa) ou arriscadas em função de sua experiência em lutas passadas (Dodson & Schwaab 2001, Whitehouse 1997). Assim, por terem experimentado um maior número de vitórias, as maiores aranhas da população seriam mais propensas a empregar comportamentos arriscados e de maior duração do que suas oponentes, o que aumentaria sua probabilidade de vitória em lutas

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subsequentes (e geraria também uma correlação positiva entre seu tamanho absoluto e a duração e intensidade do conflito). Em ambos os casos a intensidade das lutas seria pré-determinada antes da ocorrência do conflito, dependendo predominantemente do tamanho absoluto das aranhas e não de uma avaliação das diferenças de tamanho presentes. Atualmente ainda é difícil generalizar quais são os mecanismos subjacentes à adoção de determinadas estratégias durante os conflitos e suas respectivas funções. Por um lado é possível que, mesmo entre aqueles estudos que sugerem a ocorrência de avaliação da forma prevista pelo modelo de avaliação seqüencial, esta de fato não tenha ocorrido (Taylor et al. 2001), uma vez que em muitos destes casos a influência potencial do tamanho absoluto da aranha perdedora não foi analisada. Por outro, exemplos como o de N. cruentanta (Schuck-Paim 2000) e de A. aperta (Riechert 1984), em que aranhas de um mesmo tamanho adotam estratégias distintas em função das condições enfrentadas, sugerem que, pelo menos em uma fase inicial dos conflitos, tais espécies seriam capazes de avaliar seus oponentes. Um maior número de estudos é necessário para que se possa definir as condições e grupos nos quais a avaliação durante as lutas evoluiu e, possivelmente, determinar as funções específicas dos comportamentos empregados durante lutas entre aranhas.

Modulação e evolução do comportamento agressivo Em geral, quanto maior a competição e limitação de recursos no ambiente, tais como presas e espaço para o estabelecimento de territórios, mais arriscados e custosos tendem a ser os conflitos por sua aquisição e defesa. Isto foi o que verificaram Hodge & Uetz (1995) comparando o comportamento agonístico de duas espécies de aranhas orbitelas coloniais do gênero Metepeira. Em lutas pela posse de teias, fêmeas provenientes de regiões de deserto do México, um ambiente supostamente mais pobre e de condições climáticas mais severas, mostraram uma maior tendência a adotar comportamentos mais agressivos e de maior duração do que fêmeas da espécie proveniente de regiões tropicais deste mesmo país. Padrão similar pôde ser observado em lutas por teias entre populações de Agelenopsis aperta provenientes de um campo rupestre na região centro-sul do Novo

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México e de uma mata ciliar em um conjunto de montanhas do sudeste do Arizona (Riechert 1979, 1986). Enquanto no primeiro habitat as temperaturas são extremas e apenas cerca de 12% do espaço disponível pode garantir às aranhas uma quantidade de presas suficiente para a sobrevivência e reprodução, no segundo as temperaturas são mais amenas e constantes e cerca de 90% do espaço disponível é adequado para a ocupação (Riechert & Tracy 1975). De fato, dadas as pressões competitivas distintas nos dois ambientes, as lutas entre as aranhas habitantes do campo rupestre caraterizaram-se por um maior gasto energético e maior probabilidade de ocorrência de lesões, enquanto na mata ciliar aqueles comportamentos potencialmente arriscados foram empregados apenas de forma ritualizada. A comparação do comportamento agonístico de animais provenientes de habitats distintos nos permitiu compreender melhor os fatores envolvidos na modulação e evolução do comportamento agressivo. Entre aranhas, estudos como os mencionados acima parecem ter confirmado a relação inversa entre a disponibilidade de recursos no ambiente e o nível de agressão exibido pelas populações estudadas. Essa observação é condizente com a expectativa de que em condições onde os recursos são abundantes os custos advindos da competição pelo acesso exclusivo a tais bens passam a ser superiores a seus potenciais benefícios (veja também Brown 1964). O mesmo padrão também parece ser observado na forma plástica através da qual as aranhas respondem a variações na quantidade de presas obtidas. De uma forma geral, quanto mais pronunciado o estado de privação alimentar de um indivíduo, mais agressivo e menos tolerante este se torna em relação a seus co-específicos. Uma observação neste sentido é a de que o número de interações agressivas e a taxa de canibalismo entre indivíduos jovens e adultos geralmente é maior naquelas populações onde a abundância de presas é menor (Rypstra 1983, 1986a). Além disso, entre as espécies que tem territórios bem definidos - como é o caso de Nuctenea sclopetaria (Araneidae) (Uetz et al. 1982) e de Nephila clavipes (Tetragnathidae) (Rypstra 1985) – as distâncias mínimas entre territórios vizinhos tendem a ser significativamente menores para as populações que habitam áreas nas quais a densidade de presas é maior. Em alguns casos, espécies de aranhas solitárias

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passam a viver de forma gregária face a uma superabundância de presas (Rypstra 1986a, 1989, Uetz et al. 1982). Este é o caso por exemplo de Achaearanea tepidariorium (Theridiidae), que em ambientes onde a disponibilidade de insetos é alta podem agregar-se a ponto de construírem teias interconectadas, as quais serão utilizadas por vários indivíduos para deslocarem-se de um lugar a outro (Rypstra 1986b). As observações descritas anteriormente levaram à formulação da hipótese de que se a alta abundância de insetos favorece um maior grau de tolerância entre aranhas, em condições estáveis e duradouras esta poderia, subseqüentemente, proporcionar a fixação de comportamentos sociais mais complexos, como é o caso do comportamento cooperativo de espécies de sociabilidade permanente. De fato, embora o comportamento social entre as aranhas seja raro (cerca de 0,1% das espécies, Hodge & Uetz 1995), as espécies de sociabilidade permanente restringem-se aos trópicos (Shear 1970), onde a abundância de insetos é maior. Assim, embora outros fatores estejam envolvidos na evolução da sociabilidade em aranhas (para uma discussão mais detalhada, veja Avilés 1997 e o Capítulo 10 deste livro), tais evidências indicam que, através da diminuição da intolerância à presença de co-específicos, a manutenção de uma alta disponibilidade de presas possivelmente figure entre as condições necessárias para a manutenção de colônias estáveis por muitas gerações.

Conclusões e perspectivas Neste capítulo vimos que as duas formas mais comuns de interação intra-específica entre aranhas envolvendo agressão são as disputas entre fêmeas decorrentes da competição por espaço e as disputas entre machos pelo acesso às fêmeas. Entre as fêmeas, as disputas geralmente envolvem a aquisição, defesa, expansão e manutenção de uma área para o estabelecimento da aranha ou construção da teia. Já no caso dos machos, os conflitos ocorrem principalmente após a maturidade sexual, período em que iniciam a busca por fêmeas receptivas para o acasalamento. Nas três últimas décadas, nossa compreensão sobre as interações intra-específicas entre aranhas e seus conflitos pelo acesso a recursos vitais progrediu de forma significativa. Com a

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utilização da teoria dos jogos na análise destes conflitos testemunhamos uma maior ênfase na compreensão dos aspectos funcionais associados às disputas através da investigação de seus custos e benefícios para o sucesso reprodutivo dos indivíduos envolvidos. Além disso, a maior atenção aos mecanismos subjacentes à adoção de determinados padrões comportamentais nos permitiu um melhor entendimento dos sistemas de comunicação e estratégias utilizadas pelas aranhas durante tais interações. Tais modelos também nos permitiram entender, por exemplo, a influência de assimetrias entre os oponentes no desenvolvimento, duração, intensidade e resultado das lutas. Na maioria das espécies de aranhas estudadas, constatou-se assim que, tanto no caso de fêmeas como de machos, o tamanho corpóreo tem influência fundamental na determinação do resultado das lutas. Já a influência das assimetrias relativas ao status de posse do recurso é geralmente percebida naquelas lutas onde a assimetria de tamanho é pequena. Sob uma perspectiva mais ampla, o estudo comparativo dos comportamentos associados às espécies e populações analisadas, em conjunto com a consideração dos fatores ambientais experimentados por estes organismos, proporcionou um grande avanço no entendimento da expressão do comportamento agressivo entre os aracnídeos. Alguns estudos parecem ter confirmado, por exemplo, a relação inversa entre a disponibilidade de recursos no ambiente e o nível de agressão exibido pelas populações de aranha estudadas. Muitas questões ainda permanecem, no entanto, abertas a investigação. Por exemplo, apesar das estratégias comportamentais utilizadas nos conflitos terem sido analisadas de forma aprofundada, nosso conhecimento sobre os mecanismos subjacentes à decisão de se invadir um território alheio ainda é incompleto – principalmente naqueles casos em que as disputas são iniciadas por indivíduos que já possuem territórios. Por motivos de praticidade, a maioria dos estudos sobre o tema utilizaram-se de disputas induzidas (nas quais duas aranhas são dispostas de forma a interagir), prevenindo assim uma compreensão mais abrangente sobre as condições responsáveis pela decisão de se iniciar um conflito. Sob este mesmo enfoque, a investigação da existência de estratégias comportamentais distintas em lutas motivadas (i) pela aquisição de um

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território e (ii) por outros fatores, tais como expansão, deslocamento ou simples manutenção dos limites do território, também poderia ser extremamente produtiva. Finalmente, uma outra linha de pesquisa promissora seria a da análise comparativa da variabilidade no comportamento agonístico de um maior número de espécies de aranhas entre suas diversas populações, juntamente com o estudo paralelo de suas respectivas variabilidades genéticas. Dada a ocorrência de várias espécies em habitats diversos, tais estudos poderiam permitir uma melhor compreensão das respostas evolutivas às diversas condições enfrentadas por estes organismos e, possivelmente, da própria evolução do comportamento territorial e agressivo em geral.

Agradecimentos Gostaria de agradecer a Wladimir J. Alonso, aos revisores e editores pelos comentários e sugestões, aos editores – M.O.Gonzaga, A.J.Santos e H.F.Japyassú – pelo convite para elaboração deste capítulo e sugestões e a Robert Jackson, Susan Riechert, John Prenter e Andrew Bridge, John Prenter e Robert Elwood, Gary Dobson e Wladimir Alonso pela concessão das fotos e desenhos.

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Quadro 8.1. Teoria dos jogos

Intrigado pela observação de que a maioria das lutas entre machos de uma mesma espécie freqüentemente envolviam apenas comportamentos ritualizados, raramente culminando na morte de um dos machos, George Price, químico e jornalista, escreveu um artigo no qual utilizava-se de uma teoria, até então aplicada apenas a problemas econômicos, para compreender a evolução dos conflitos entre os animais. Devido à sua extensão, o trabalho – submetido à revista Nature em 1968 – foi aceito com a condição de que fosse reduzido. Praticamente três anos se passaram sem que Price reenviasse o manuscrito, até que em 1971 um dos revisores – o conceituado biólogo evolutivo John Maynard-Smith – contatou-o em razão do interesse que o trabalho havia lhe despertado. O fruto deste contato foi a publicação, dois anos depois, do clássico “A lógica dos conflitos animais” por Maynard-Smith & Price (1973), que estabelece as bases da teoria dos jogos em contextos biológicos. Tendo sido inicialmente formulada para a análise do comportamento de mercados e do próprio comportamento humano em questões econômicas (von Neumann & Morgenstern 1953), o uso da teoria dos jogos permitiu a análise e compreensão dos conflitos animais em termos dos custos e benefícios envolvidos nas disputas, bem como aqueles associados ao emprego de estratégias específicas. Assim, por exemplo, se uma aranha evita o contato físico com sua oponente durante um conflito, ou se decide desistir da luta rapidamente, esta o faria porque tais decisões seriam, de acordo com a teoria, as que proporcionam o maior benefício (ou menor custo) líquido dentro do conjunto de estratégias ou ações disponíveis. Além disso, uma de suas principais características advém do pressuposto de que o sucesso de uma determinada estratégia irá depender da presença e freqüência de estratégias alternativas adotadas por outros “jogadores”. Fazendo uma analogia, bastaria pensar que um bom jogador de baralho não planejaria suas jogadas sem antes pensar nas jogadas potenciais de seus adversários. A mesma lógica é utilizada no contexto biológico e evolutivo. Neste caso, a teoria dos jogos considera a evolução de determinadas estratégias

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comportamentais ou fenótipos quando o sucesso destes depende dos fenótipos ou estratégias adotadas por outros membros da população. Imagine assim uma situação hipotética na qual existem duas estratégias a serem adotadas por aranhas durante encontros agonísticos: Gavião e Pomba (nomes hipotéticos utilizados na literatura e que em nada se relacionam aos animais gavião e pomba). Enquanto a primeira seria baseada no ataque e progressão a batalhas físicas, caracterizando-se pela permanência da aranha na disputa até que a posse do recurso seja definida, a segunda seria caracterizada pelo emprego apenas de sinalizações de ameaça e pelo abandono da luta quando confrontada com a estratégia anterior, nunca progredindo a níveis perigosos. Neste “jogo”, se a população inicial de aranhas fosse composta exclusivamente por fêmeas que adotam a estratégia Pomba, uma fêmea que empregasse a estratégia Gavião inicialmente usufruiria de grande sucesso em relação às demais (pois Gavião sempre ganha de Pomba). Como conseqüência, em poucas gerações tal estratégia difundiria-se pela população ou, como costuma-se dizer, tal população seria “invadida” pela estratégia Gavião. É fácil visualizar, entretanto, que em função de seu sucesso inicial, a partir de certo momento as fêmeas do tipo Gavião encontrariam um número progressivamente maior de oponentes também do tipo Gavião. Dados os altos custos envolvidos nas lutas decorrentes de tais encontros (alta probabilidade de ocorrência de lesões, gasto energético associado a uma luta física), a partir deste momento poderia ser mais vantajoso adotar a estratégia Pomba. Apesar de sempre perder para Gavião, a adoção de Pomba envolveria custos significativamente mais baixos para a aranha durante as lutas e, desta forma, um benefício líquido maior, o que consequentemente levaria à sua difusão na população. Portanto, a mensagem aqui é a de que, mais do que suas propriedades intrínsecas, o que definirá o sucesso ou fracasso de uma determinada estratégia a longo prazo será fundamentalmente a freqüência com que estratégias alternativas são adotadas por outros indivíduos na população. Em outras palavras, não importa qual estratégia leva à vitória (vimos por exemplo que Gavião sempre leva à vitória se confrontada com Pomba), mas sim qual estratégia é capaz de resistir à invasão por estratégias alternativas. No presente caso, Gavião não seria vantajosa (ou “evolutivamente estável”,

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segundo Maynard-Smith 1974) numa população constituída primordialmente por aranhas Gavião. Pelo mesmo motivo, Pomba também não seria evolutivamente estável em uma população constituída principalmente por aranhas do tipo Pomba. Claramente, a melhor estratégia não seria portanto nem Gavião, nem Pomba se adotadas de forma isolada, mas uma proporção estável de ambas na qual cada estratégia seria adotada de forma parcial.

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SOCIALIDADE E CUIDADO PARENTAL

MARCELO OLIVEIRA GONZAGA

A intolerância à proximidade de coespecíficos é muito mais freqüente em aranhas que a coexistência gregária (Avilés 1997, Buskirk 1981, D'Andrea 1987). Na maioria das espécies, interações intraespecíficas não agressivas estão restritas ao período de receptividade sexual (entre parceiros), aos primeiros estágios de desenvolvimento (entre indivíduos imaturos de uma mesma ninhada) (Burgess & Uetz 1982) e à fase de cuidado parental (entre fêmeas e seus filhotes) (Higashi & Rovner 1975, Wagner 1995). Em quaisquer outras situações, encontros de coespecíficos geralmente envolvem disputas por espaço, alimento, posição hierárquica ou fêmeas (Riechert 1982). Apesar disto, algumas espécies podem formar agregações, temporárias ou estáveis por longos períodos, com dezenas de teias individuais interconectadas. Em outras, ocorrem o prolongamento do período de cuidado maternal e a formação de colônias, que podem ser mantidas até que as aranhas completem a maturação sexual ou até mesmo por várias gerações. A vida nessas colônias inclui comportamentos cooperativos como a captura coletiva de presas (algumas com tamanho corporal muito superior ao tamanho máximo capturado por indivíduos solitários) e cuidados com a prole. Neste capítulo serão apresentadas e discutidas as principais características dessas agregações e de estruturas sociais mais complexas em aranhas.

Agregados de teias individuais e espécies territoriais que formam colônias Na maioria das espécies de aranhas a dispersão ocorre pouco tempo após os filhotes abandonarem a ooteca. Cada indivíduo permanece isolado de seus coespecíficos durante quase toda

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a vida juvenil e adulta, voltando a ocorrer uma aproximação apenas no período de acasalamento. A distribuição espacial desses indivíduos solitários pelo ambiente depende de uma série de fatores, como a abundância de microhabitats adequados para o forrageamento e abrigo, condições microclimáticas favoráveis, disponibilidade de alimento e interações com outros indivíduos (Riechert 1976, 1982, Morse 1990, Souza & Módena 2004, Romero & Vasconcellos-Neto 2004c, 2005a). Cada aranha geralmente defende um território que abrange sua teia de captura e, algumas vezes, uma área ainda maior (Riechert 1982). A extensão desse território individual, assim como as reações demonstradas pelas aranhas frente à aproximação de coespecíficos variam entre espécies e mesmo entre populações de uma mesma espécie. Riechert (1978b, 1982), por exemplo, demonstrou que os limites do território defendido por indivíduos de Agelenopsis aperta (Agelenidae) dependem da quantidade de alimento disponível. As aranhas de habitats relativamente mais pobres em alimento demonstraram menor tolerância à aproximação de coespecíficos que aquelas encontradas em habitats com grande abundância de presas. Hodge & Uetz (1995) compararam a intensidade de comportamentos agressivos entre espécies do mesmo gênero (Metepeira sp. e M. incrassata Araneidae) que vivem em condições distintas de disponibilidade de presas (região tropical rica em alimento e ambiente desértico). Também neste caso, foi observada uma relação positiva entre a oferta de alimento e a tolerância à aproximação. Como os recursos e microhabitats adequados freqüentemente apresentam distribuição agrupada no ambiente, conflitos por posições privilegiadas são comuns em um grande número de espécies (veja capítulo 8 deste livro). Em algumas, entretanto, ocorre a formação de agregados de teias nos locais mais favoráveis. Nestes casos as teias podem ficar muito próximas ou mesmo apresentar conexões entre os fios de sustentação. Cada aranha, entretanto, permanece defendendo um espaço individual, correspondente à área de sua teia de captura e de seu refúgio (Burgess & Uetz 1982). Agregações deste tipo já foram descritas para várias espécies que normalmente constróem teias isoladas quando os recursos não estão concentrados (veja LeBorgne & Pasquet 1987a,b, Pasquet et al. 1994, Schoener & Toft 1983a, Uetz & Hodge 1990, Tab. 9.1). É o caso, por

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exemplo, de Nephila clavipes (Tetragnathidae), espécie na qual a manifestação de comportamentos agressivos e o tamanho dos agregados também dependem da disponibilidade de alimento (Rypstra 1985). Embora exista pouca ou nenhuma interação direta entre os indivíduos nestes grupos, os agregados podem conferir vantagens em relação às taxas de interceptação de presas (Uetz & Hieber 1997), defesa contra predadores e parasitóides (Uetz & Hieber 1994), redução do investimento na construção da teia individual (Buskirk 1981, Gillespie 1987) e a possibilidade da exploração de locais inacessíveis a aranhas que constróem teias isoladas, como clareiras e grandes espaços entre árvores (Lubin 1974). Para que ocorra a formação de agregados é fundamental que exista o reconhecimento entre coespecíficos, evitando, assim, que estes sejam confundidos com presas ou com indivíduos de outras espécies (Kullmann 1972b). O reconhecimento em aranhas é baseado principalmente na emissão e recepção de sinais vibratórios e químicos (Burgess & Uetz 1982, Nentwig & Heimer 1987, veja também exemplos citados no capítulo 5 deste livro). Como a propagação dos sinais vibratórios é muito mais eficiente em teias que no solo ou na vegetação, a construção dessas estruturas de captura pode favorecer a comunicação e o estabelecimento da vida em grupo. Além de constituir um meio de transmissão de sinais, as teias mantêm a coesão do grupo e, como requerem um grande investimento energético, promovem a permanência dos indivíduos que contribuíram para sua construção (Avilés 1997, D'Andrea 1987, Riechert 1985). Estes fatores podem explicar porque a formação de agregados e outros tipos de estruturas sociais mais complexas é muito mais freqüente em espécies que constróem teias de captura. Em alguns casos, entretanto, vários indivíduos de espécies cursoriais podem ser encontrados em locais com condições estruturais e/ou microclimáticas favoráveis. Isso ocorre, por exemplo, com o salticídeo Psecas chapoda em bromélias da espécie Bromelia balansae (Romero & Vasconcellos-Neto 2005a, c). Outras exceções são as espécies australianas Delena cancerides (Sparassidae), cujas colônias são formadas sob troncos de árvores mortas (Rowell & Avilés 1995), Diaea socialis, Diaea megagyna e Diaea

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ergandros (Thomisidae), que utilizam teia na construção de um ninho coletivo, mas não para a captura de presas (Main 1988, Avilés 1997). Pouco mais de 30 das cerca de 38.800 espécies de aranhas conhecidas são encontradas predominantemente em agregações de teias individuais (veja Tab. 9.1). Embora possam constituir unidades duradouras, as colônias de espécies territoriais geralmente são abertas à entrada e saída de indivíduos (Whitehouse & Lubin 2005). São constituídas por várias teias fixadas no mesmo complexo de fios de suporte, que pode ser construído por membros do próprio grupo (como acontece com o araneídeo Parawixia bistriata) ou fazer parte da teia de outra espécie (veja AlvesCosta & Gonzaga 2001, Fig. 9.1). No caso de P. bistriata, as colônias geralmente são formadas por indivíduos imaturos provenientes da mesma ninhada. Apesar disso, indivíduos não aparentados também podem compartilhar a mesma colônia, o que acontece quando ocorrem fusões de grupos vizinhos. As aranhas permanecem unidas durante todo o dia em um ninho coletivo, saindo ao entardecer para iniciar a construção dos fios suporte e das teias individuais. Após a maturação sexual, ocorre a dispersão e o início de um período de vida solitária (Sandoval 1987, Fowler & Gobbi 1988). Já em algumas espécies do gênero Philoponella (e.g. P. vittata, P. republicana), as aranhas podem fixar suas teias nos fios de sustentação das teias de outras espécies, como Anelosimus eximius (Theridiidae), Cyrtophora sp. (Araneidae) e Aglaoctenus castaneum (Lycosidae) (veja Alves-Costa & Gonzaga 2001, Rypstra & Binford 1995). Assim como nas espécies que apenas eventualmente formam agregados, interações cooperativas não são comuns nos grupos territoriais-comunais. A maioria das espécies que forma esses grupos pertence às famílias Araneidae, Tetragnathidae e Uloboridae, construtoras de teias orbiculares (veja Tab. 9.1). A arquitetura bidimensional desse tipo de teia dificulta a construção e utilização coletivas, constituindo um obstáculo ao desenvolvimento de associações mais complexas. Por esse motivo, a participação de mais de um indivíduo em eventos de captura de presas em colônias de aranhas orbitelas é rara, tendo sido observada apenas em Parawixia bistriata (Fowler & Diehl 1978, Fowler & Gobbi 1988, Sandoval 1987) (Fig.9.2) e em algumas poucas espécies do

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gênero Philoponella (Uloboridae) (Binford & Rypstra 1992, Breitwisch 1989, Masumoto 1998). Masumoto (1998), por exemplo, observou que apenas cerca de 10% das presas interceptadas na periferia de teias orbiculares de colônias de Philoponella raffrayi são capturadas por duplas de fêmeas. Nesses casos, ocorre um significativo aumento da probabilidade de sucesso de captura de presas grandes, com tamanho corporal maior que a metade do tamanho das aranhas. O comportamento de captura coletivo é muito mais comum em espécies que não mantém territórios individuais. Esses grupos, que geralmente constróem ninhos coletivos compostos por um complexo de fios emaranhados, são formados a partir do prolongamento do período de cuidado parental e de permanência dos filhotes na teia materna.

Espécies com cuidado maternal prolongado e grupos cooperativos A formação de grupos em aranhas pode ocorrer também através do prolongamento do período de tolerância entre filhotes e de permanência na teia (ou colônia) materna. Esse período varia muito entre espécies, podendo estender-se desde o tempo correspondente a poucas mudanças de estágios de desenvolvimento até toda a vida. No amaurobiídeo Coelotes terrestris, por exemplo, os filhotes permanecem em contato com sua mãe por cerca de um a dois meses após deixarem a ooteca. Durante esse tempo, a mãe captura presas em sua teia e as transporta até tubo de seda onde os filhotes mantêm-se refugiados. Com o contínuo crescimento dos filhotes, a mãe passa a aumentar sua atividade de forrageamento e a diminuir o tempo de manipulação (e conseqüentemente de consumo) das presas que captura. Essa alteração comportamental permite às fêmeas suprir os crescentes requerimentos nutricionais de seus filhotes por um certo tempo, mas não indefinidamente. Após esse tempo, os filhotes deixam a teia materna e constróem suas próprias teias individuais de captura (Bessekon et al. 1992, Gundermann et al. 1988, Roland et al. 1996). Já em várias espécies do gênero Anelosimus (e.g. A. jabaquara – Marques et al. 1998, Gonzaga & Vasconcellos-Neto 2002a, b) os filhotes permanecem na teia materna até completarem sua maturação sexual ou mesmo por toda sua vida. Durante seu desenvolvimento, contribuem para o

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crescimento de sua teia natal e cooperam na captura de presas (Fig .9.3). Nestes casos, não existe o estabelecimento de territórios individuais durante o período gregário. Vários autores (e.g. D’Andrea 1987, Avilés 1997) dividem as espécies não-territoriais em duas categorias, definidas de acordo com o tempo de permanência na teia materna: (a) espécies nãoterritoriais sociais-periódicas e (b) não-territoriais sociais-permanentes. A diferença entre esses grupos é que, no primeiro, os indivíduos deixam suas colônias no período reprodutivo, dispersandose para depositar ootecas em teias individuais. Já nas espécies sociais-permanentes, a maioria dos indivíduos acasala-se e deposita ootecas ainda na colônia materna. Com o estudo de padrões de dispersão e variações populacionais intraespecíficas, entretanto, a inclusão de algumas espécies cooperativas em categorias que consideram a periodicidade da vida colonial torna-se muito difícil. Furey (1998), por exemplo, apresentou dados sobre Anelosimus studiosus (Theridiidae), mostrando que alguns ninhos permaneceram ativos durante mais de uma geração. Isto indica que algumas fêmeas desta espécie, considerada social-periódica por D'Andrea (1987), reproduzem-se em suas colônias natais na população estudada por Furey. O mesmo ocorre com Anelosimus jabaquara, cuja manutenção das colônias (que podem permanecer estáveis por vários anos) ocorre através da permanência de fêmeas pequenas, que provavelmente teriam menor sucesso na fundação solitária de novas teias. Quando atingem um certo tamanho corporal as fêmeas adultas e subadultas emigram, originando novas colônias com sua prole. Isso indica que a disponibilidade de presas e a distribuição de recursos entre os membros do grupo podem influenciar a duração das colônias nesta espécie (Gonzaga & Vasconcellos-Neto 2001). Grupos formados por indivíduos aparentados desenvolveram os comportamentos cooperativos mais complexos conhecidos em aranhas. Em Anelosimus eximius (Theridiidae), por exemplo, ocorre a captura coletiva de presas (que pode envolver seqüências coordenadas de comportamentos - veja Vakanas & Krafft 2001), sobreposição de gerações na mesma colônia, cuidado parental indiscriminado (regurgitação de alimento e proteção para os filhotes) e divisão de trabalho relacionada ao tamanho e status nutricional dos indivíduos (Brach 1975, Christenson 1984,

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D'Andrea 1987, Ebert 1998, Rypstra 1993, Souza 1995, Vollrath & Rodhe-Arndt 1983). As colônias desta espécie podem ser mantidas por vários anos e chegam a abrigar milhares de indivíduos. Assim como em outras espécies cooperativas em que a maioria dos indivíduos não abandona a colônia materna para reprodução, existe um forte desvio da razão sexual para fêmeas e nem todas chegam à maturidade sexual em condições nutricionais para produzir ovos (Vollrath & Rohde-Arndt 1983, Rypstra 1993). Baseado nessas características, Vollrath (1986) sugeriu que A. eximius poderia ser considerada uma espécie eussocial (assim como formigas e cupins). Avilés (1997), entretanto, defende que este termo seja utilizado apenas em casos onde a esterilidade ou subfertilidade tenha sido selecionada como um caráter adaptativo, e não resultado de competição por alimento, como acontece em A. eximius. Mas como poderia ser explicado o desvio na razão sexual nas espécies sociais?

Razão sexual desviada e seleção interdêmica em sociedades de aranhas De acordo com Fisher (1930) um desvio da razão sexual em uma população com investimento parental semelhante para os dois sexos promove maior sucesso reprodutivo ao sexo mais raro, já que este está sujeito a menor competição por parceiros. Assim, um pai ou uma mãe que produzam filhotes com maior proporção do sexo raro terão, em média, mais netos. Nesta situação, genótipos que apresentam uma tendência à produção do sexo menos abundante são favorecidos e amplamente difundidos na população, o que resulta no retorno da condição de equilíbrio na proporção de machos e fêmeas. Algumas aranhas sociais, entretanto, apresentam grande desvio na razão sexual, ocorrendo um grande predomínio de fêmeas (Avilés 1986, 1993a, 1997, Avilés & Madison 1991, Hurst & Vollrath 1992, Vollrath 1986). Essa violação do princípio de Fisher não pode ser explicada por diferenças no investimento parental entre os sexos (já que machos e fêmeas jovens apresentam tamanhos corporais similares), ou por diferenças no tempo de maturação e/ou mortalidade dos dois sexos (Avilés 1986).

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Hamilton (1967) observou o mesmo desvio da razão sexual em populações de himenópteros divididas em pequenos grupos reprodutivos isolados. Nestes casos as cópulas ocorrem entre irmãos gerados por uma ou poucas fêmeas fundadoras e, segundo Hamilton, a tendência ao predomínio de fêmeas poderia constituir uma estratégia para minimizar a competição entre os machos por cópulas com suas irmãs. Já Wilson & Cowell (1981) sugeriram que este padrão em grupos reprodutivos isolados pode ser explicado pela contribuição diferencial de grupos geneticamente distintos para o conjunto total de genes da população. Ou seja, novos grupos contendo uma maior freqüência de alelos que promovam a tendência à produção de fêmeas cresceriam mais e, conseqüentemente, contribuiriam com a maior proporção de indivíduos emigrantes para fundação de novos grupos. Avilés (1986) considerando várias particularidades da dinâmica de formação das colônias e dispersão de Anelosimus eximius, sugeriu que a seleção de grupo (demes) pode ser a chave para o desequilíbrio entre sexos em colônias de aranhas. Em A. eximius apenas grandes colônias originam novos grupos (por divisão ou emigração) e a probabilidade de sobrevivência das colônias é dependente do número de indivíduos agregados. Assim, haveria uma pressão seletiva favorecendo características herdáveis que promovessem um crescimento rápido do grupo, evitando sua extinção e assegurando a emissão de propágulos. Apenas grupos com crescimento rápido se reproduziriam, originando novos grupos com a mesma tendência. Dentro do grupo, entretanto, o princípio de Fisher continuaria direcionando a razão sexual ao equilíbrio e a razão sexual final seria um balanço entre forças nos dois níveis de seleção (Avilés 1993a).

Espécies cleptoparasitas É possível que o desenvolvimento de hábitos cleptoparasitas (veja capítulo 11 deste livro) tenha ocorrido como uma modificação de comportamentos associados ao cuidado maternal prolongado e tolerância entre irmãos (Whitehouse 1986, Whitehouse & Jackson 1998, Whitehouse et al. 2002, Agnarsson 2002, 2004). Permanecer na teia materna implica em compartilhá-la com outros indivíduos, no caso coespecíficos provenientes da mesma ninhada e/ou da ninhada de outras

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fêmeas que depositaram suas ootecas na mesma teia. Da mesma forma, espécies cleptoparasitas também compartilham as teias com outras aranhas (suas hospedeiras) e, freqüentemente, com outros coespecíficos que buscam os mesmos recursos disponíveis nessas teias. Agnarsson (2004) discute a relação entre o desenvolvimento de hábitos cleptoparasitas e o cuidado maternal prolongado, considerando a filogenia baseada em caracteres morfológicos da família Theridiidae. Nesta filogenia, a subfamília Argyrodinae (onde está a maioria das espécies cleptoparasitas conhecidas) aparece como grupo irmão de um clado que contém todas as espécies cooperativas da família. Embora a ausência de informações comportamentais sobre várias espécies incluídas na análise dificulte uma conclusão mais segura, Agnarsson sugere que o cleptoparasitismo e o cuidado maternal (que daria origem aos grupos cooperativos) teriam evoluído a partir da tolerância à presença de outros indivíduos na mesma teia, durante a fase juvenil.

O cuidado parental em aranhas Como foi mencionado anteriormente, o desenvolvimento de grupos cooperativos em aranhas está intimamente ligado a um longo período de cuidado maternal e à tolerância entre filhotes. O cuidado maternal em aranhas varia desde apenas o envolvimento dos ovos em camadas de seda até a proteção e alimentação dos filhotes durante os primeiros estágios de desenvolvimento. Geralmente as fêmeas não têm nenhum contato com seus filhotes. Em algumas espécies, entretanto, este contato ocorre e é de grande importância para a sobrevivência dos recém-nascidos. Os benefícios para os filhotes incluem: proteção contra inimigos naturais (Evans 1998a, Gundermann et al. 1997); aumento da diponibilidade de presas, uma vez que as fêmeas adultas são capazes de capturar presas com tamanho corporal superior ao máximo possível aos filhotes (Evans 1998a); oferta de nutrientes depositados em ovos tróficos (Gundermann et al. 1991, Kim & Roland 2000); obtenção de presas previamente manipuladas e/ou digeridas (Gundermann et al. 1988); e mesmo o consumo dos nutrientes armazenados no corpo da mãe (Evans et al. 1995, Kim 2000).

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O fornecimento de alimento pela mãe pode promover uma maior tolerância e reduzir o canibalismo entre irmãos, tornando possível sua permanência na teia materna durante um período mais longo. Esta relação entre a oferta de alimento e a dispersão dos filhotes já foi investigada experimentalmente em várias espécies. Ruttan (1990), por exemplo, demonstrou que o fornecimento de alimento promove um atraso na dispersão dos filhotes e reduz a taxa de canibalismo em Theridium pictum (Theridiidae). Nesta mesma espécie, grupos de filhotes órfãos apresentaram maior agressividade intraespecífica (Ruttan 1991). Kraft et al. (1986) observaram o mesmo padrão para Coelotes terrestris (Agelenidae). Com o oferecimento de presas em abundância, ninhadas de C. terrestris mantidas em laboratório podem, inclusive, ser mantidas com sucesso até a fase adulta (Gundermann et al. 1993). O adiamento da dispersão e aumento da tolerância, ao menos em parte, promovidos pelo cuidado maternal com fornecimento de alimento para os filhotes, possivelmente constituem aspectos fundamentais na evolução de estruturas sociais complexas e duradouras. Essa afirmação é sustentada pelo fato de que a freqüência de espécies com comportamentos cooperativos é maior em clados nos quais o cuidado maternal está presente (Avilés 1997). A seguir serão apresentados alguns exemplos dos principais tipos de cuidado maternal encontrados em aranhas.

Proteção Todas as aranhas envolvem seus ovos com fios de teia, formando um invólucro que ajuda a mantê-los unidos e, na maioria dos casos, é capaz de manter condições adequadas de umidade e temperatura. Além disso, camadas compactas de seda podem constituir barreiras mecânicas contra parasitas (Foelix 1996). Muitas espécies, no entanto, vão além do fornecimento de um invólucro. As ootecas podem ser transportadas até a eclosão dos filhotes e mesmo ativamente protegidas contra predadores (incluindo machos canibais - veja Schneider & Lubin 1997a) e parasitóides (veja Horel & Gundermann 1992, Li et al. 1999, Vannini et al. 1986) (Fig. 9.4). Em vários casos o cuidado é

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estendido para o período após a eclosão. Em aranhas da família Lycosidae, por exemplo, os filhotes sobem no corpo da mãe logo após deixarem a ooteca e são transportados enquanto permanecem segurando seus pêlos abdominais (Foelix 1996, Hawkeswood 2003). As fêmeas de Argyrodes flavipes (Theridiidae) defendem seus filhotes contra a aproximação de coespecíficos atacando qualquer membro da colônia que se aproxime (Whitehouse & Jackson 1998). Reações agressivas similares foram observadas por Marques et al. (1998) para Anelosimus jabaquara. Além da proteção através de comportamentos agressivos direcionados a possíveis predadores, muitas espécies fornecem também ninhos construídos com seda e, algumas vezes, folhas e detritos (veja Downes 1994, Evans 1998a, Marques et al. 1998) (Fig. 9.5). Esses ninhos podem fornecer proteção mecânica contra a aproximação de predadores e parasitóides (Seibt & Wickler 1990), embora, em alguns casos, possam também abrigar inimigos naturais (Gonzaga & Vasconcellos-Neto 2001, Henschel 1998).

Fornecimento de presas O cuidado maternal envolvendo o fornecimento de alimento para os filhotes é relativamente raro em aranhas (Kim & Roland 2000). Apesar disso, em algumas espécies as fêmeas oferecem presas capturadas e mesmo pré-digeridas à sua prole (Bessekon et al. 1992, Gundermann et al. 1988) (Fig. 9.6). A regurgitação de alimento para os filhotes pôde ser comprovada em Theridion sisyphium e T. impressum (Theridiidae), por exemplo, através do fornecimento de moscas marcadas com isótopos radioativos para as fêmeas e posterior análise da radioatividade nos filhotes (Kullmann 1972b). No caso da trofalaxia (fornecimento de alimento via regurgitação) as vantagens para os filhotes não se restringem apenas à obtenção da biomassa das presas capturas pela mãe. Como o conteúdo protéico liberado em forma de enzimas digestivas é muito alto, podendo representar até 3,5% das proteínas do corpo das aranhas (Riechert & Harp 1987), os filhotes reduzem o gasto

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energético envolvido na digestão e ingerem proteínas maternas. Além disso são beneficiados pela diminuição dos riscos e custos envolvidos no processo de imobilização de presas. Kullmann (1972b) sugere que a trofalaxia pode representar um passo essencial na evolução de cuidado maternal prolongado e socialidade em pelo menos duas famílias de aranhas (Eresidae e Theridiidae). Lubin (1982), entretanto, observou que o cuidado maternal com regurgitação de alimento não ocorre em Achaearanea wau (Theridiidae), e provavelmente está ausente também em A. mundula e A. kaindi. Em A. wau, que forma grandes colônias em florestas da Nova Guiné, os filhotes alimentam-se de presas capturadas pela mãe, mas não recebem alimento pré-digerido. Assim, o desenvolvimento de grandes sociedades estáveis por um longo período não está invariavelmente ligado à trofalaxia.

Produção de ovos tróficos De acordo com Crespi (1992), ovos tróficos podem ser definidos como: "estruturas ou fluidos derivados dos ovários, homólogos aos ovos férteis, que não podem se desenvolver em prole viável, sendo normalmente ingeridos". O fornecimento dessas estruturas para os filhotes após a eclosão também não é muito comum em aranhas, mas existem alguns casos bem documentados em diferentes famílias (veja Evans et al. 1995, Gundermann et al. 1991, Kim & Roland 2000). Em Amaurobius ferox (Amaurobiidae), por exemplo, as fêmeas produzem e depositam uma massa de ovos poucos dias após a eclosão dos filhotes, que a consomem rapidamente. A deposição dos ovos é precedida por uma série de movimentos coordenados da mãe e dos filhotes, sugerindo interações que envolvem solicitação e estimulação (Kim & Roland 2000). Estes autores sugerem que a oferta desse recurso pode ser importante para diminuição do canibalismo entre os filhotes (veja também Kim 2001) e implica em um aumento da probabilidade de sobrevivência e um significativo ganho de peso. Mostram ainda que o fornecimento de ovos tróficos, juntamente com a matrifagia, assegura um número maior de filhotes sobreviventes que a produção de uma segunda ninhada, sem cuidado maternal.

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Matrifagia A matrifagia (consumo do corpo da mãe pelos filhotes) pode ser considerada como um caso extremo de cuidado maternal, ocorrendo em pelo menos seis famílias de aranhas: Agelenidae, Amaurobidae, Eresidae, Sparassidae, Theridiidae e Thomisidae (Schneider 1996; Rienks 2000 apresenta dados que sugerem a ocorrência em uma sétima família, Salticidae). Este comportamento pode representar um grande investimento parental, uma vez que a alimentação dos filhotes resulta necessariamente na impossibilidade de futuros eventos reprodutivos da mãe (veja Kim et al. 2000, Schneider & Lubin 1997b). Em alguns casos, entretanto, as fêmeas consumidas já não apresentam condições fisiológicas propícias a uma nova oviposição. Eventos deste tipo são chamados 'gerontofágicos' e não podem ser considerados como investimento parental (sensu Trivers 1972) por não comprometerem o sucesso reprodutivo futuro dos pais (Seibt & Wickler 1987). Algumas espécies apresentam matrifagia facultativa e os filhotes consomem as mães apenas em situações de escassez de alimento. Este é o caso de Coelotes terrestris (Agelenidae), por exemplo. Gundermann et al. (1997) mantiveram grupos de filhotes de C. terrestris e suas mães em laboratório, sob condições distintas de disponibilidade de alimento. Não observaram canibalismo quando o alimento era fornecido em abundância, mas sua restrição promoveu o consumo das mães em 77% dos grupos. Em outras espécies, como a aranha social australiana Diaea ergandros e Amaurobius ferox, os filhotes invariavelmente alimentam-se de suas mães (Evans et al. 1995, Kim & Horel 1998, Kim et al. 2000). Diaea ergandros, uma das poucas espécies cooperativas que não constrói teias de captura, armazena nutrientes em ovos tróficos que nunca são expelidos. Os filhotes começam o processo de matrifagia sugando pequenas quantidades de hemolinfa das articulações das pernas da mãe, que nunca reage às picadas. Isto induz à perda de peso e de mobilidade da mãe, que, presumivelmente, começa a transformar os ovos tróficos em hemolinfa. Após algumas semanas o processo termina com os filhotes consumindo todo o seu corpo. A utilização dos nutrientes armazenados no corpo da

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mãe inibe o canibalismo entre filhotes, havendo uma correlação positiva entre o número de filhotes sobreviventes e o peso perdido pela mãe durante a fase de consumo (Evans et al. 1995). No entanto, o cuidado maternal nesta espécie não se restringe apenas à oferta dos nutrientes presentes no corpo das fêmeas. Existe ainda uma correlação positiva entre o número de folhas de eucalipto incluídas na composição dos ninhos e a taxa de sobrevivência dos filhotes. Essas folhas, que conferem proteção aos filhotes recém-nascidos, são adicionadas apenas pelas fêmeas. Além disso, os filhotes são incapazes de capturar presas grandes. Assim, os recursos disponíveis tornamse muito restritos na ausência da mãe, o que promove a dispersão dos filhotes para teias ainda ocupadas por fêmeas adultas (Evans 1998a). A ocorrência de migração entre teias nesta espécie poderia induzir situações nas quais o cuidado maternal seria explorado por filhotes não aparentados com as fêmeas residentes. Evans (1998b), entretanto, demonstrou que embora a sobrevivência dos filhotes adotados não seja inferior, seu crescimento é menor em relação aos filhotes originalmente presentes na teia materna. As fêmeas são capazes de reconhecer e alimentar preferencialmente seus próprios filhotes. Além disso, em condições experimentais, a produção de ovos tróficos ocorreu apenas em fêmeas que estavam na presença de sua própria prole. Esse reconhecimento entre a mãe e seus filhotes não é comum em aranhas e pode ter evoluído como resultado de uma situação extrema envolvendo matrifagia e uma alta probabilidade de invasão de teias por indivíduos não aparentados (Evans 1998b).

Alimento e socialidade Além da importância do cuidado maternal envolvendo regurgitação, produção de ovos tróficos e/ou matrifagia e da muitas vezes bem sucedida manipulação do tempo de permanência de grupos de irmãos através do fornecimento de alimento em abundância, a análise do padrão de distribuição geográfico das espécies de aranhas cooperativas nos fornece outros indícios de que pode existir uma forte relação entre a disponibilidade de alimento e a tolerância a coespecíficos

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nesse grupo. Com poucas exceções (veja Furey 1998, Powers & Avilés 2003), a distribuição das espécies que apresentam estruturas sociais mais estáveis e complexas restringe-se às regiões tropicais, ricas em presas (Avilés 1997). É necessário considerarmos, no entanto, que esta ocorrência predominantemente tropical pode estar ligada a vários outros fatores, como a distribuição de tamanho das presas mais freqüentes (Rypstra & Tirey 1990), pressões de predação e competição (Avilés 1997), freqüência de chuvas e ausência de estações do ano bem definidas (Riechert et al. 1986), ou simplesmente porque o número total de espécies de aranhas nos trópicos é bem maior que nas regiões temperadas. Todos estes argumentos são discutidos por Avilés (1997). Outra evidência, como já foi apresentado no início deste capítulo, é fornecida pela formação de grupos ou diminuição da distância entre indivíduos de espécies normalmente solitárias quando em condições de alta disponibilidade de alimento (Rypstra 1989, Uetz 1996). Rypstra (1989), por exemplo, conseguiu manter agregados artificiais de Achaearanea tepidariorum (Theridiidae), uma espécie normalmente solitária, em um local rico em presas. As aranhas que compunham os grupos mantidos em um local com escassez de recursos, no entanto, começaram a emigrar poucos dias após a instalação dos agregados artificiais. Neste trabalho também são comparadas a taxa de captura e a biomassa de presas obtida em condições de isolamento e em agregados. A biomassa por dia para cada aranha foi maior nos grupos e a variabilidade no sucesso de obtenção de alimento foi menor. A variância do consumo de alimento de cada indivíduo também pode constituir um fator determinante das associações (Caraco et al. 1995, Uetz 1988, 1996). Uetz (1996) discute a possibilidade do forrageamento em grupo em aranhas representar uma 'resposta sensível ao risco' (veja Caraco 1981, Gillespie & Caraco 1987, Real & Caraco 1986). De acordo com o modelo de sensibilidade ao risco proposto por Caraco (1981), a formação de agregados ocorreria quando a disponibilidade de alimento por mancha de recursos ou unidade de tempo excedesse as necessidades de um indivíduo. Nestes casos, o forrageamento em grupo reduziria a variância no consumo de presas, representando uma diminuição na probabilidade de não obtenção de alimento

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por longos períodos. Por outro lado, em habitats onde a disponibilidade de alimento é menor ou igual às necessidades de cada indivíduo, o forrageamento solitário maximizaria a taxa de aquisição de recursos, evitando a competição direta em complexos de teias (Uetz 1988).

Captura coletiva e divisão dos recursos entre os membros do grupo A redução da variância na obtenção de comida em agregados e colônias está ligada principalmente à possibilidade de roubo de presas (Uetz 1996). As oportunidades de roubo, entretanto, não ocorrem com a mesma freqüência para todos os indivíduos. Tamanho, posição hierárquica, sexo e participação nos esforços para imobilização da presa são alguns dos fatores envolvidos na determinação do sucesso individual na obtenção de parte da comida. Em colônias de aranhas a partição de recursos foi particularmente bem estudada em algumas espécies de Stegodyphus (Eresidae) e Anelosimus (Theridiidae). Em Anelosimus eximius, por exemplo, fêmeas adultas com tamanho corporal relativamente grande geralmente não participam da captura das presas, aproximando-se após o término dos movimentos característicos da fase de imobilização. Mesmo chegando mais tarde, essas aranhas conseguem uma grande parte da biomassa das presas, transportando segmentos corporais para seus refúgios e/ou afastando outras aranhas menores de seus sítios de alimentação. Por outro lado, as aranhas pequenas passam boa parte de seu tempo patrulhando a teia em busca de insetos que possam ser capturados e consumidos sem o auxílio de outras aranhas. Com isso, garantem o acesso a uma parte do alimento disponível e evitam a competição direta com os indivíduos mais fortes (Ebert 1998). É interessante notar que quando uma presa é interceptada em uma teia de Anelosimus, poucos indivíduos participam efetivamente do processo de imobilização, embora muitos sejam inicialmente atraídos pelos seus movimentos. Após a imobilização, entretanto, várias aranhas aproximam-se para tentar consumir parte dos recursos obtidos (Furey 1998, Gonzaga & Vasconcellos-Neto 2002a, Souza 1995). Ward & Enders (1985) também observaram o mesmo padrão para Stegodyphus mimosarum, denominando os indivíduos que participam da captura de

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'pegadores' e aqueles que apenas consomem de 'intrusos'. Comportando-se como 'intrusos' as aranhas evitam os riscos de injúria e gastos energéticos envolvidos no processo de imobilização. Já os 'pegadores' podem ficar por mais tempo em contato com a presa e conseguir os melhores sítios de alimentação sobre o seu corpo (Amir et al. 2000, Willey & Jackson 1993). Gonzaga & Vasconcellos-Neto (2002a) investigaram a relação entre a participação no processo de captura e o tempo consumindo as presas capturadas em Anelosimus jabaquara, encontrando uma correlação positiva, mas fraca, entre o tempo gasto imobilizando os insetos e participando do consumo. Assim, ao menos neste caso, o investimento na captura pode constituir um dos fatores determinantes da quantidade de biomassa obtida por cada aranha, mas não é o único e, assim como ocorre em A. eximius, talvez não seja o mais importante.

Defesa e socialidade A formação de agregados pode minimizar o risco individual de predação, reduzindo a probabilidade de localização (efeito de encontro) e de captura de cada membro do grupo após o encontro (efeito de diluição). Além disso, agregados e teias coloniais geralmente apresentam uma estrutura de fios (e algumas vezes folhas, galhos e detritos) mais complexa que as teias individuais (veja Tietjen 1986), o que pode constituir uma barreira física à aproximação do predador ou denunciar sua presença, possibilitando a fuga das aranhas (Uetz & Hieber 1994). O efeito de encontro ocorre porque a detecção das presas não aumenta proporcionalmente com o tamanho do grupo. Uetz & Hieber (1994), por exemplo, não observaram ataques por vespas a aranhas solitárias e pequenos grupos de Metepeira incrassata, enquanto grupos maiores eram vítimas de ataques freqüentes. Embora a probabilidade de localização dos agregados fosse maior, grandes agregados eram atacados em uma taxa menor que a esperada considerando apenas o número de indivíduos. Essa inexistência de uma relação linear entre o tamanho do agregado e a probabilidade de encontro pode ser uma conseqüência da aparência visual de grupos de teias com

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diferentes tamanhos. A partir de um certo tamanho os grupos tornariam-se detectáveis pelos predadores, mas sua conspicuidade não aumentaria proporcionalmente ao número de novas aranhas. Uma vez localizado o grupo, a probabilidade de cada indivíduo ser predado decresce conforme aumenta o tamanho da agregação. Neste caso, entretanto, o risco de predação depende da posição ocupada pelo indivíduo. Posições centrais podem significar uma menor exposição, sendo preferencialmente ocupadas. Alves-Costa & Gonzaga (2001) analisaram a distribuição espacial de Philoponella vittata (Uloboridae) em teias de vários hospedeiros e mostraram que o centro dos agregados é ocupado por aranhas grandes, enquanto indivíduos menores são deslocados para a periferia. Rayor & Uetz (1990, 1993) demonstraram que, em grupos de M. incrassata, aranhas situadas em posições periféricas são mais atacadas por vespas caçadoras. Embora as aranhas menores (e mais jovens) sejam obrigadas a ocupar locais mais expostos, são beneficiadas pela maior disponibilidade de alimento nestes locais. Mas a vida em grupo pode também trazer alguns problemas em relação à proteção contra inimigos naturais. Henschel (1998) comparou a suceptibilidade à predação e ataque por fungos em aranhas solitárias e grupos de Stegodyphus dumicola na Namíbia. Indivíduos solitários foram mais vulneráveis ao ataque por formigas e aves, porém a probabilidade da colônia ser destruída por fungos aumentou com seu tamanho e idade. Da mesma forma, Hieber & Uetz (1990) observaram uma crescente taxa de parasitismo de ootecas de M. incrassata, pela mosca Arachnidomya lindae (Sarcophagidae), com o aumento do tamanho dos agregados. O mesmo padrão, entretanto, não foi encontrado para M. atascadero. Para esta espécie Hieber & Uetz (1990) encontraram uma grande flutuação na taxa de parasitismo de ano para ano, não havendo relação com o número de indivíduos no grupo. Para estes autores, grandes grupos em regiões tropicais estariam sempre mais sujeitos ao parasitismo, enquanto em ambientes temperados o padrão dependeria do comportamento das aranhas, tipos de parasitóides e estabilidade do habitat.

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Dispersão, endogamia e extinção de colônias O estudo dos padrões e freqüência de eventos de dispersão pode ser fundamental para o entendimento de vários aspectos da estrutura social de grupos de aranhas. A dispersão pode acontecer basicamente através de três processos: a emigração de indivíduos subadultos (e algumas vezes adultos), que formam teias individuais e originam novas colônias a partir de sua prole (Gonzaga & Vasconcellos-Neto 2001, Vollrath 1982); a fissão de grandes colônias em unidades menores (Avilés 2000, Vollrath 1982); ou a emigração conjunta de vários membros do grupo (Lubin & Robinson 1982). Pode ocorrer em intervalos periódicos (Gonzaga-Vasconcellos-Neto 2001, Furey 1998) ou irregulares, determinados pela taxa de crescimento e número total de indivíduos na colônia (veja Avilés 1986). O tipo de dispersão pode influenciar diretamente a probabilidade de sucesso no estabelecimento da nova colônia. Vollrath (1982) observou que teias individuais de A. eximius (que originariam novas colônias) apresentam uma alta probabilidade de extinção. Muitas fêmeas que constróem essas teias isoladas morrem antes mesmo de produzirem uma ooteca. Já teias fundadas por 5 ou 10 fêmeas apresentaram uma probabilidade de estabelecimento bem sucedido significativamente maior. O mesmo padrão foi observado por Leborgne et al. (1994) comparando o sucesso de grandes grupos (150 a 250 aranhas) e fêmeas isoladas desta mesma espécie. É possível ainda que exista uma grande variação no sucesso de estabelecimento de teias individuais dependendo do tamanho e status nutricional dos indivíduos. Gonzaga & VasconcellosNeto (2001) demonstraram que todas as fêmeas grandes em colônias de A. jabaquara emigram pouco antes ou durante o período reprodutivo, mas apenas algumas pequenas. Como as fêmeas grandes produzem um número de ovos significativamente maior, o número inicial de indivíduos em colônias recém-fundadas por estas aranhas pode implicar em uma maior probabilidade de sucesso. As aranhas menores, que ficam nas colônias, produzem menos ovos, mas investem mais recursos em cada um, garantindo filhotes que possivelmente serão competitivamente mais aptos à convivência em grandes grupos.

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Como já foi mencionado, entretanto, algumas espécies apresentam colônias que constituem unidades fechadas, emitindo propágulos (indivíduos emigrantes ou partes da colônia que separamse da estrutura original) apenas quando já atingiram um grande número de indivíduos (Avilés 1986, 1993a, 1997). Estes grupos isolados possivelmente evoluem em condições em que a máxima vantagem da vida social é atingida apenas após muitas gerações de crescimento da colônia (veja Avilés & Tufiño 1998). Machos e fêmeas não deixam a colônia natal pouco antes de sua maturação sexual, promovendo um sistema endogâmico de cruzamentos. É possível que a depressão endogâmica resultante desta situação represente um obstáculo à transição de sociedades periódicas (com alta freqüência de indivíduos emigrantes) para estas sociedades fechadas, relativamente raras (Avilés 1997). Existem evidências, entretanto, que mesmo em espécies com alta freqüência de eventos de emigração, como Anelosimus jucundus, a dispersão não evita o cruzamento de indivíduos aparentados (Avilés & Gelsey 1998). Assim, importância deste fator na viabilidade de estruturas sociais complexas ainda precisa ser determinada.

Conclusões Grupos de aranhas podem ser formados através da concentração de indivíduos em locais com abundância de presas ou condições físicas e microlimáticas favoráveis ou através do prolongamento do perído de cuidado maternal. No primeiro caso, existe fluxo de indivíduos entre os grupos, cada aranha mantém um território individual e raramente ocorre a captura coletiva de presas. O tempo de permanência desses agrupamentos varia de acordo com a espécie e com as condições do ambiente (disponibilidade de presas, manutenção da estrutura física que permitiu a formação do agrupamento). No segundo caso, os grupos são formados por indivíduos aparentados. Os comportamentos cooperativos (manutenção de uma teia coletiva, sem territórios individuais; caça coletiva; cuidado indiscriminado com a prole) possivelmente desenvolveram-se a partir da tolerância entre juvenis que permaneceram nas teias de suas mães e de um longo período de cuidado

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maternal (proteção, fornecimento de alimento através da captura de presas e trofalaxia, matrifagia e produção de ovos tróficos). Nosso conhecimento sobre a maioria das sociedades de aranhas, entretanto, é ainda muito insipiente. Poucas espécies colonias e cooperativas foram intensivamente estudadas e certamente muitas outras ainda serão descobertas, sobretudo nos trópicos. Aspectos de grande relevância para entendermos, por exemplo, por que sociedades estáveis são tão raras, a evolução de sistemas abertos (com dispersão de indivíduos em estágio reprodutivo e fluxo de indivíduos entre grupos) para sistemas fechados (onde a maioria dos indivíduos completa seu ciclo de vida na colônia materna) e a dinâmica de surgimento e extinção de colônias, permanecem ainda muito pouco explorados. Entre esses aspectos estão as distâncias e freqüências de dispersão de machos e fêmeas e variações interpopulacionais nos tamanhos de colônias e freqüências de emigração. Existe todo um campo aberto a novas pesquisas nesta área.

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INIMIGOS NATURAIS E DEFESAS CONTRA PREDAÇÃO E PARASITISMO EM ARANHAS

MARCELO O. GONZAGA

Aranhas constituem um item importante na dieta de muitos predadores, sendo atacadas também por parasitas e parasitóides com diferentes graus de especificidade alimentar. A grande diversidade de hábitos de vida e variação de tamanho corporal no grupo permitiram sua utilização por um conjunto muito heterogêneo de inimigos naturais. Neste capítulo serão apresentados os principais predadores e parasitas de aranhas, assim como as principais estratégias de defesa utilizadas para evitar seu sucesso.

PARASITAS, PARASITÓIDES E PREDADORES

Nematóides Existem casos documentados de parasitismo em aranhas por duas ordens de nematóides, Mermithida (família Mermithidae) e Rhabditida (famílias Steinernematidae e Heterorhabditidae). Esta última, entretanto, nunca foi encontrada em aranhas em condições naturais, ocorrendo normalmente como parasita de insetos (Poinar 1985). Embora em laboratório indivíduos de dois gêneros de Rhabditida, Neoaplectana e Heterorhabditida, tenham mostrado-se capazes de infectar aranhas e se desenvolverem até a fase adulta, não foram capazes de se reproduzirem utilizando estes hospedeiros (Poinar & Thomas 1985). Isto pode indicar que aranhas realmente não são hospedeiros adequados a Rhabditida, mas é possível também que a ausência de registros seja conseqüência de uma característica muito

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particular de seu ciclo de vida. Representantes dos gêneros Neoplectana e Heterorhabditida apresentam bactérias simbiontes do gênero Xenorhabdus nos intestinos das formas infectantes (de terceiro estadio). Estas bactérias contaminam o hospedeiro logo após a entrada do parasita, matando-o em cerca de 2 a 3 dias. O parasita completa seu desenvolvimento e se reproduz no corpo do hospedeiro morto. Esse curto intervalo entre a infecção e a morte torna a amostragem de aranhas parasitadas por estes nematóides muito mais improvável que a de indivíduos contendo parasitas que permanecem por um longo período com o hospedeiro vivo (Poinar 1987a), como é o caso dos Mermithidae. Existem muitos registros, inclusive alguns fósseis, de espécies de Mermithidae parasitando aranhas (Poinar 1987a, Poinar & Early 1990, Poinar 2000), opiliões (Poinar et al. 2000) e pseudoescorpiões (Poinar & Curcic 1992, 1994). Os Mermithidae apresentam basicamente dois tipos de ciclo de vida. No primeiro, indireto, as fêmeas depositam seus ovos na água e os ovos são ingeridos por insetos (larvas de Ephemeroptera ou Trichoptera), eclodindo em seus intestinos. Quando o inseto adulto é capturado por uma aranha o nematóide juvenil, até então em estado de dormência, torna-se ativo e continua seu desenvolvimento no corpo do novo hospedeiro (Poinar & Early 1990). Neste caso torna-se necessário ao parasita que o hospedeiro final retorne ao ambiente aquático para a oviposição, e existem indícios de que aranhas parasitadas por pelo menos uma espécie, Aranimermis aptispicula, realmente tendem a migrar para locais com água (Poinar 1987a). No segundo tipo de ciclo de vida, direto, os juvenis infectam o hospedeiro definitivo, crescem em seu corpo e emergem ainda como formas juvenis, completando o ciclo (maturação, acasalamento e oviposição) no ambiente externo (Poinar 1987a).

Dípteros endoparasitas Dípteros da família Acroceridae depositam seus ovos em uma variedade de substratos (solo, galhos mortos, troncos de árvore, capim). As larvas eclodem de 3 a 6 semanas depois, iniciando sua busca por uma aranha hospedeira. Quando a aranha é localizada, a larva escala o corpo da

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hospedeira e, geralmente, posiciona-se na região anterodorsal do abdome, onde dificilmente pode ser alcançada. Nesse local produz um pequeno corte e entra no corpo da hospedeira, aparentemente permanecendo em um estado de diapausa até que a aranha atinja o penúltimo estágio de desenvolvimento. Parasitas de Araneomorphae podem ficar neste estado por um período de 6 a 9 meses, enquanto espécies parasitas de Mygalomorphae podem permanecer inativas no corpo das aranhas por até 10 anos (Schlinger 1987). As larvas maduras (de quarto estádio) representam o estágio ativo, que ocasiona a morte do hospedeiro através do consumo de seus tecidos internos. Esse processo pode levar de 24 horas a mais de uma semana, mas normalmente a morte do hospedeiro ocorre apenas nas últimas 12 horas antes da emergência do parasitóide. A aranha constrói um abrigo de teia, semelhante àquele utilizado para a ecdise, pouco antes do início do período de atividade da larva. Esse abrigo é utilizado pela larva para fixar-se e empupar. Cerca de 1 a 3 semanas depois emerge o adulto (Schlinger 1987, Cady et al. 1993). A freqüência de ataques por acrocerídeos é maior em aranhas de hábitos cursoriais e fossoriais, mais propensas a encontrarem as larvas infectantes. Entre as aranhas construtoras de teias, aquelas que permanecem mais próximas ao solo, visitam a vegetação constantemente e/ou apresentam muitos fios conectados ao substrato (e.g. Dipluridae, Agelenidae, Amaurobiidae, alguns Araneidae e Segestridae) são mais susceptíveis (Cady et al. 1993).

Dípteros predadores de ovos Muitas famílias de Diptera (Drosophilidae, Chloropidae, Phoridae, Ephydridae, Rhinophoridae e Sarcophagidae) apresentam espécies predadoras de ovos de aranhas (veja Barnes et al. 1992, Disney & Evans 1979, Eason et al. 1967). Informações sobre a história de vida desses predadores, entretanto, são escassas e estão restritas a poucos grupos, como o gênero Pseudogaurax (Chloropidae).

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A maioria das espécies de Pseudogaurax, cujas larvas alimentam-se de ovos de aranhas, apresenta baixa especificidade em relação às suas presas. As aranhas atacadas com maior freqüência pertencem às famílias Araneidae e Tetragnathidae (veja Barnes et al. 1992, Lockley & Young 1993). Algumas espécies, entretanto, já foram encontradas também em ootecas de Theridiidae e mesmo em casulos de Lepidoptera e ootecas de mantídeos (Barnes et al. 1992). Pseudogaurax signatus, uma das espécies mais comuns, foi descrita infestando ovos de Latrodectus mactans (Theridiidae) na Califórnia, EUA. Os ovos (15 a 45) são depositados na superfície da ooteca e cerca de cinco a seis dias depois as larvas rompem as camadas de seda que envolvem a massa de ovos. Durante os oito ou nove dias seguintes as larvas consomem os ovos e empupam, ainda dentro da ooteca. Os adultos emergem cerca de duas semanas depois e podem viver mais de 71 dias em condições de laboratório (Pierce 1942 apud Barnes et al. 1992).

Ácaros A maioria dos ácaros encontrados em aranhas é forética, geralmente deutoninfas da subordem Astigmata. Entre as espécies parasitas estão muitos Prostigmata das famílias Erythraeidae, Trombidiidae e Eutrombidiidae, além de um gênero de Mesostigmata, Ljunghia, descrito como ocorrendo obrigatoriamente associado a aranhas (Welbourn & Young 1988) (Fig. 10.1).

Neurópteros Membros da subfamília Mantispinae (Neuroptera: Mantispidae) são essencialmente predadores de ovos de aranhas. As larvas de primeiro estádio de algumas espécies perfuram as ootecas e alimentam-se dos ovos através de um tubo formado pela mandíbula e maxila modificadas. Outras escalam as aranhas, permanecendo em seus corpos até a oviposição e início da construção da ooteca, quando então posicionam-se junto à massa de ovos e são envoltos por seda. Dentre essas últimas, a maioria utiliza o pedicelo das aranhas para fixação (embora algumas possam fixar-se nos

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pulmões) (Redborg 1998) (Fig. 10.2). Após a fixação, as larvas mantêm-se através da ingestão de hemolinfa, esperando até que os ovos estejam disponíveis (Redborg & Macleod 1983). Essas espécies geralmente são incapazes de perfurar as ootecas, mas algumas, como Mantispa uhleri, podem utilizar as duas estratégias (Redborg 1998). As larvas localizam as aranhas colocando-se em postura forética, estendendo-se e oscilando o corpo em posição vertical. É possível que os encontros sejam fortuitos, mas existem poucas informações disponíveis sobre detalhes do mecanismo de busca das larvas (Redborg 1998). Sabe-se, entretanto, que seguram-se em diferentes hospedeiros, abandonando-os quando verificam que são inadequados (veja Batra 1972, Hoffman & Hamilton 1988). Machos de aranhas também são hospedeiros inapropriados, uma vez que as larvas precisam entrar em contato com os ovos depositados pelas fêmeas. Quando encontram machos, entretanto, as larvas permanecem aderidas ao seu corpo esperando a oportunidade de transferência para uma fêmea durante a cópula ou durante um evento de canibalismo (O'Brien & Redborg 1997). Scheffer (1992), por exemplo, observou larvas de Climaciella brunnea entrando em atividade e movendo-se de machos para fêmeas de Schizocosa ocreata e Schizocoza roverni (Lycosidae), mas nunca no sentido oposto. Espécies que penetram diretamente nas ootecas, como Mantispa viridis, são atraídas por fios de teia, mas não demonstram nenhuma reação à aproximação das aranhas (Redborg 1998). Depois de solucionados os problemas de localização e fixação no corpo das aranhas, as larvas têm ainda que lidar com outros fatores que podem comprometer seu sucesso. Permanecer por muito tempo sobre o corpo da aranha pode significar um grande risco de remoção e/ou predação. Redborg (1982) observou que Mantispa uhleri pode minimizar esses riscos acelerando o processo de desenvolvimento de seu hospedeiro (Lycosa rabida, Lycosidae). Em seu experimento, as fêmeas parasitadas atingiram a fase adulta com nove ou dez mudas, enquanto o grupo sem parasitas tornouse maduro com dez ou onze. Uma vez dentro das ootecas surge mais um problema. A eclosão dos filhotes pode representar uma diminuição da disponibilidade de alimento e riscos de injúria para as larvas. No entanto, Mantispa uhleri aparentemente é capaz de evitar (provavelmente através de um

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controle químico) o desenvolvimento dos ovos, garantindo a provisão de alimento durante todo o período em que as larvas permanecem dentro da ooteca (Redborg 1983).

Fungos Os fungos patógenos de aranhas restringem-se à ordem Clavicipitales de Ascomycotina e a alguns Hyphomycetes (Deuteromycotina). Dentre esses últimos, alguns, como os do gênero Gibellula e Clathroconium, são encontrados ocorrendo exclusivamente em aranhas (Evans & Samson 1987). Samson & Evans (1992) descrevem quatro espécies de Gibellula que atacam aranhas da família Salticidae na América do Sul. Outra espécie deste mesmo gênero, G. pulchra (Fig. 10.3), apresenta distribuição cosmopolita (veja Samson & Evans 1992, Strongman 1991, Tzean et al. 1997) e é apontada por Samson & Evans (1992) como um importante fator de mortalidade de aranhas em florestas tropicais úmidas. Gonzaga, Leiner & Santos (em prep.) encontraram G. pulchra atacando Helvibis longicauda (Theridiidae) no Parque Estadual de Intervales, Ribeirão Grande, SP. Cerca de 9% das fêmeas e 19% dos machos dessa espécie encontrados em um transecto localizado às margens de um rio haviam sido infectados por fungos. Nentwig (1985b), trabalhando no Panamá, observou que aranhas da família Araneidae atacadas por fungos freqüentemente são encontradas em plataformas de seda similares àquelas presentes nas teias durante as mudas. É possível que a construção dessa estrutura seja desencadeada pela infecção, já que os espécimes observados eram adultos e as teias não continham sinais de exúvias. Se isto de fato ocorre, deve haver um intervalo de pelo menos dois dias entre a infecção e a morte das aranhas (Nentwig 1985b). Haupt (2000), entretanto, observou que, em infecções de Latouchia sp. (Ctenizidae) pelo Hyphomycete Nomuraea atypicola, as hifas podem crescer por todo o corpo das aranhas e formar uma longa haste com a produção de conidium em poucas horas. A maioria das infecções por fungos inicia-se no abdome, parte menos espessa do exoesqueleto das aranhas, envolvendo mecanismos de penetração física e enzimática. Uma vez dentro do hospedeiro, inicia-se a produção de toxinas letais (Evans & Samson 1987).

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Himenópteros Várias famílias de Hymenoptera (Diapriidae, Encyrtidae, Eulophidae, Eupelmidae, Eurytomidae, Ichneumonidae, Pompilidae, Pteromalidae, Scelionidae, Signiphoridae e Sphecidae) incluem espécies que utilizam ovos ou as próprias aranhas para alimentação de suas larvas. As estratégias utilizadas são muito variadas. As larvas podem se desenvolver dentro da ooteca, destruindo toda a massa de ovos, ou dentro de cada ovo individualmente. Aranhas jovens e adultas podem ser capturadas para provisionar os ninhos antes da oviposição, permanecendo apenas imobilizadas para constituir alimento fresco para as larvas. Mas, geralmente, cada espécie de vespa limita-se a poucos grupos de presas ou hospedeiros, por restrições relacionadas ao habitat utilizado, ao tamanho das aranhas e/ou a outras características morfológicas das presas disponíveis (como presença de espinhos abdominais) (Austin 1985, Cloudsley-Thompson 1995, Fitton et al. 1987).

Scelionidae Enquanto muitos membros da família Scelionidae utilizam lepidópteros ou heterópteros como hospedeiros, alguns gêneros da subfamília Scelininae (Ceratobaeus, Idris, Baeus, entre outros) consomem exclusivamente ovos de aranhas (Austin 1984, 1985). Austin (1984) descreve o comportamento de oviposição de duas espécies de Ceratobaeus, C. masneri e C. clubionus, que utilizam ovos de aranhas da família Clubionidae. Esses parasitóides entram nos abrigos construídos pelas aranhas e introduzem seus longos ovipositores dentro dos ovos, atravessando as camadas de seda da ooteca. Quando localizam alguma abertura, utilizam-na para obter acesso direto aos ovos. Apesar disso, nem todos são alcançados e cerca de 30 a 40% deles (localizados no centro da ooteca) sempre permanecem intocados. Os parasitóides continuam consumindo os ovos mesmo durante a fase de pupa, emergindo como indivíduos adultos e copulando logo em seguida. Parasitóides dos gêneros Baeus, Idris e Hickmanella também depositam seus ovos dentro dos ovos de aranhas. Ao contrário de Ceratobaeus, espécies do gênero Baeus possuem ovipositores 226

curtos e são morfologicamente adaptados para escavar e penetrar nas ootecas. Utilizam principalmente ovos de aranhas das famílias Araneidae, Linyphiidae e Theridiidae (veja Van Baarlen et al. 1994, Gonzaga 2004). Representantes do gênero Idris penetram em ootecas de várias famílias, entre elas Theridiidae, Lycosidae, Salticidae e Uloboridae (Austin 1985, Fitton et al. 1987). Eason et al. (1967) acompanharam todo o processo de oviposição e desenvolvimento das larvas de uma espécie de Idris, parasitóide de Pardosa lapidicina (Lycosidae). Essas aranhas produzem cerca de 35 ovos por ooteca e, destes, uma média de 28 foram utilizados por Idris. Aparentemente apenas ovos com menos de 72 horas de idade são atacados. O desenvolvimento leva de 21 a 22 dias e os parasitóides parecem só sair da ooteca quando a aranha produz uma abertura para liberar seus filhotes. Depois disso, podem viver de 10 a 13 dias em condições de laboratório.

Superfamília Chalcidoidea (Encyrtidae, Eulophidae, Eupelmidae, Eurytomidae, Signiphoridae e Pteromalidae) Esse grupo apresenta uma grande diversidade de hábitos alimentares. Algumas famílias de Chalcidoidea são exclusivamente fitófagas (e.g. Agaonidae, cujas espécies estão associadas com figos, e Tanaostigmatidae, que são galhadores). Outras, como Eurytomidae, apresentam gêneros com espécies fitófagas e gêneros cujas espécies incluem tecidos animais em sua dieta.

Os

Chalcidoidea atacam 13 ordens de insetos, ácaros, nematóides e ootecas de aranhas e de pseudoescorpiões (Gibson et al. 1997). Existem duas estratégias de ataque a ootecas de aranhas. Espécies da família Encyrtidae (e.g. Proleurocerus, Amira) são essencialmente parasitóides, completando seu desenvolvimento dentro dos ovos das aranhas. Neste caso, cada larva consome apenas um ovo. (Austin 1985, LaSalle 1990). Já em Pteromalidae, Eupelmidae e Eurytomidae todas as espécies provavelmente são predadoras. As larvas movimentam-se livremente dentro das ootecas, consumindo vários ovos. Na família Eulophidae existem predadores de ovos e parasitóides destes predadores. Seis gêneros da subfamília Tetrastichinae (Aprostocetus, Arachnoobius, Aranobroter, Baryscapus, Tachinobia e

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Tetrastichus) foram coletados em ootecas de aranhas. Os hospedeiros incluem espécies das famílias Araneidae (Mastophora, Metepeira e Parawixia), Clubionidae (Clubiona), Salticidae (Phidipus), Theridiidae (Latrodectus) e Thomisidae (Misumena e Philodromus) (LaSalle 1990).

Ichneumonidae "... Parece-me existir sofrimento demais no mundo. Não posso persuadir-me de que um Deus beneficente e onipotente tenha propositadamente criado os ichneumonídeos com a expressa intenção de alimentarem-se no interior dos corpos ainda vivos de lagartas...". Nesta sentença, extraída de uma carta escrita à Asa Gray, em 1860, Charles Darwin expressa o quanto os hábitos alimentares das larvas dessas vespas o incomodavam. Entretanto, as larvas de lepidópteros, cujo sofrimento tanto angustiava Darwin, não são as únicas vítimas dos Ichneumonidae. Suas larvas alimentam-se também de ovos (gêneros Clistopyga, Tromatobia, Zaglyptus, Gelis, Aclastus, entre outros) e de aranhas jovens e adultas (tribo Polysphinctini da subfamília Pimplinae) (Fig. 10.4). Em relação a estas últimas existe, inclusive, um registro fóssil de cerca de 20-40 milhões de anos (Poinar 1987b). Fincke et al. (1990) descrevem o processo de oviposição de uma vespa da tribo Polysphinctini, Hymenoepimecis sp., em Nephila clavipes. Inicialmente a aranha é paralisada com uma picada entre o esterno e a coxa. Em seguida a vespa segura-se no dorso de seu abdome, move o ovipositor durante cerca de 5 minutos (possivelmente para verificar se a aranha já está parasitada e obter informações sobre seu tamanho) e deposita um único ovo na superfície do tegumento da aranha. Depois de 15 minutos a aranha já está totalmente recuperada da ação do veneno. Durante a primeira semana a larva cresce vagarosamente, mas após duas semanas o hospedeiro já foi completamente consumido. O sucesso das larvas em completar seu desenvolvimento depende do tamanho da aranha e, em alguns casos, a biomassa disponível não é suficiente. Apesar disto, fêmeas com tamanhos intermediários apresentaram a maior freqüência de parasitismo, o que pode indicar que os indivíduos maiores conseguem impedir a oviposição sobre seus corpos. Machos raramente

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são parasitados, provavelmente por não representarem uma oferta de alimento suficiente para que as larvas se desenvolvam. Eberhard (2000a, 2000b, 2001c) descreve um caso particularmente interessante de manipulação do hospedeiro (Leucauge argyra, Araneidae – sub Plesiometa) por outra espécie do mesmo gênero, Hymenoepimecis argyraphaga. Após a oviposição, as aranhas continuam suas atividades normais durante um período de 7 a 14 dias, enquanto ocorre a eclosão do ovo e o crescimento da larva. Esta permanece alimentando-se de hemolinfa até pouco antes de sua terceira muda. Na noite que precede a morte da aranha, a larva (de segundo estádio) induz a aranha a construir de uma teia modificada, especialmente adequada à fixação do casulo que será construído para empupar. Essas mudanças comportamentais do hospedeiro são promovidas quimicamente e a remoção das larvas permite que as aranhas retornem gradualmente à construção de teias normais.

Vespas caçadoras Várias espécies da família Sphecidae e todas de Pompilidae capturam aranhas para provisionar seus ninhos. Em Sphecidae cada larva é alimentada com várias pequenas aranhas. Essa estratégia permite o transporte das presas até o ninho, previamente construído. Além disso, a disponibilidade de presas pequenas geralmente é maior e os riscos envolvidos no processo de captura e transporte são menores. Os Pompilidae capturam aranhas grandes, freqüentemente com tamanho corporal superior ao seu próprio. Isso praticamente inviabiliza o transporte da presa por longas distâncias e muitas espécies iniciam a construção do ninho somente após a captura (Coville 1987, Martins 1991a). Outras nem chegam a transportar as aranhas. Procuram-nas em seus refúgios e, após imobilizá-las com seu veneno, depositam um ovo. As larvas consomem as aranhas e empupam ainda dentro do refúgio construído por suas hospedeiras (O´Neil 2001). Algumas espécies de Pompilidae são parasitas sociais e podem ainda explorar os esforços de provisionamento desempenhados por outras espécies da mesma família. Este é o caso, por exemplo, de Evagetes mohave. Esta espécie procura os ninhos construídos por Anoplius apiculatus

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autunnalis, cava até alcançar a presa previamente armazenada (um indivíduo de Arctosa littoralis, Lycosidae), destrói e/ou alimenta-se do ovo previamente depositado por Anoplius e, finalmente, deposita seu próprio ovo sobre o abdome da aranha (Evans et al. 1953). Dois outros gêneros, Ceropales e Irenangelus, apresentam comportamentos semelhantes. Ceropales, entretanto, persegue outros Pompilidae enquanto estes ainda estão transportando suas presas. Quando surge uma oportunidade, insere seu ovipositor nos pulmões foliáceos da aranha e deposita um ovo. Esse ovo eclode rapidamente e a larva destrói o ovo depositado pela vespa que estava transportando a presa (Evans et al. 1953, O´Neill 2001).

Sphecidae As subfamílias Sphecinae (gêneros Sceliphron e Chalybion) e Larrinae (Miscophus, Pisonopsis, Pison e Trypoxylon) apresentam espécies que capturam aranhas para o provisionamento de seus ninhos. São, em geral, solitárias e todas as espécies apresentam atividade diurna. Os ninhos podem ser cavados no solo, construídos com barro (Fig. 10.5) ou modificados a partir de cavidades pré-existentes. São compostos por várias células individualizadas, cada uma contendo um ovo e aranhas em número suficiente para promover o desenvolvimento da larva até que esteja pronta para empupar. Esse número depende da abundância relativa de aranhas com diferentes tamanhos e pode variar de apenas 2 (M.O. Gonzaga, obs. pess.) a mais de 40 (Coville & Coville 1980). O ovo fica aderido ao abdome de uma das aranhas e a eclosão ocorre de 1,5 a 3,5 dias após a oviposição. O consumo de toda a biomassa contida na célula ocorre em poucos dias e as aranhas permanecem vivas durante todo esse período, embora imobilizadas pelo veneno injetado pela vespa durante a captura (Coville 1987). A seleção de presas por Sphecidae parece basear-se principalmente em dois critérios: a abundância relativa e o tamanho das aranhas (Coville 1987). No entanto, algumas espécies capturam preferencialmente, ou mesmo exclusivamente, determinadas famílias. É o caso, por exemplo, de Trypoxylon xanthandrum, que captura apenas aranhas da família Senoculidae (Coville

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& Griswold 1983) e de T. politum, cujas presas restringem-se quase que somente a três gêneros da família Araneidae (Neoscona, Araneus e Eustala) (Rehnberg 1987). Outras, como Trypoxylon (Trypargilum) lactitarse e Trypoxylon (Trypargilum) rogenhoferi, utilizam presas de muitas famílias, construtoras de diferentes tipos de teias e mesmo de hábitos cursoriais (Camilo & Brescovit 1999a, b). Blackledge et al. (2003) realizaram uma compilação de todas as presas capturadas por Sphecidae registradas em estudos publicados desde o início do século passado. A grande maioria das presas (principalmente dos gêneros Trypoxylon e Sceliphron, que representam o maior número de trabalhos) é de aranhas construtoras de teias orbiculares, bidimensionais. As estratégias de captura variam muito. Sceliphron caementarium, por exemplo, persegue as aranhas que saltam de suas teias após perceberem sua aproximação. Já Chalybion caeruleum pousa sobre a teia ou no substrato em que ela está fixada e usa suas pernas para puxar os fios, provocando uma vibração que atrai as aranhas em sua direção. Ao aproximarem-se as aranhas são capturadas ou perseguidas enquanto retornam ao centro da teia (Blackledge & Pickett 2000).

Pompilidae Enquanto várias espécies de Sphecidae utilizam vários outros tipos de presas (veja Martins 1991b, Field 1992), os Pompilidae capturam exclusivamente aranhas para provisionar seus ninhos (Evans 1953, Martins 1991b). A única exceção descrita na literatura é a espécie Salius sycophanta, que foi observada provisionando seus ninhos com solífugas do gênero Galeodes (Galeodidae) (Cloudsley-Thompson 1958, 1977). Outra diferença importante entre as duas famílias é que, em Pompilidae, cada larva alimenta-se apenas de uma aranha. Após a imobilização da presa, com inoculação de veneno e algumas vezes com a remoção das pernas, a vespa a transporta até um ninho previamente construído ou a um local adequado para o início da construção (Fig. 10.6). Em seguida deposita um ovo, geralmente sobre o abdome da aranha, e fecha o ninho. Os locais de nidificação são os mais variados, incluindo cavidades pré-existentes, superfícies de solo descoberto, solo sob a

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serrapilheira ou até mesmo o interior de formigueiros, cupinzeiros e tocas de tatus abandonadas (Martins 1991a, b). Alguns gêneros de Pompilidae são muito seletivos em relação às suas presas. Pedinaspis, Aporus e Psorthaspis, por exemplo, provisionam seus ninhos apenas com aranhas da família Ctenizidae (Evans 1953). Já Tachypompilus captura Lycosidae (Evans 1953), Pisauridae e Sparassidae (Martins 1991a). Episyron, Batazonellus, Calicurgus e Poecilopompilus geralmente utilizam Araneidae (Evans 1953), embora algumas espécies possam desviar-se desse padrão (Martins 1991a). A especialização em relação ao tipo de presa fornecido às larvas pode levar ao desenvolvimento de estratégias de caça muito particulares. Poecilopompilus mixtus, por exemplo, utiliza uma tática baseada no comportamento de fuga de suas presas, que saltam das teias quanto são atacadas. Rayor (1996) descreve freqüentes ataques a colônias de Metepeira incrassata (Araneidae), nos quais essas vespas voam entre os fios do complexo de teias. A vibração provocada por seu deslocamento faz com que várias aranhas saltem, presas apenas por um fio guia. As aranhas são atacadas enquanto ainda suspensas no ar e perseguidas assim que chegam ao solo. Quando a aranha não é prontamente localizada a vespa inicia uma busca pelo solo, aparentemente sendo capaz de perceber sinais olfativos de sua presa. O sucesso de captura dessa estratégia é relativamente baixo se comparado ao de outras vespas, que atacam diretamente as aranhas enquanto estas ainda estão nas teias. No entanto, o investimento na captura é proporcional ao tamanho das presas e aranhas grandes geralmente não conseguem escapar. Polis et al. (1998) analisaram o impacto de Pompilidae na densidade de aranhas orbitelas em várias ilhas no Golfo da Califórnia e observaram que as vespas podem ser responsáveis por uma expressiva redução da densidade das aranhas. Esta redução, entretanto, ocorreu apenas em anos com pluviosidade suficiente para proporcionar boas floradas e, conseqüentemente, abundância de alimento para as vespas adultas. Além da disponibilidade de alimento para os adultos, outros fatores podem influenciar o tamanho populacional e a riqueza de vespas caçadoras, como a existência de

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microhabitats adequados para nidificação (Quinn et al. 1995) e a incidência de parasitismo e predação sobre os ninhos (Tscharntke et al. 1998).

Aranhas Muitas espécies podem eventualmente capturar outras aranhas, mas o desenvolvimento de estratégias de caça específicas e a utilização preferencial do grupo é mais rara. O hábito araneofágico é amplamente difundido na família Mimetidae (Fig. 10.7), e existem também casos bem documentados entre Salticidae (com destaque para o gênero Portia), Pholcidae, Theridiidae e Archaeidae. Algumas espécies apresentam estratégias de forrageamento específicas para a invasão de teias e captura de suas construtoras. Como suas presas muitas vezes são também predadoras em potencial, essas aranhas desenvolveram complexos comportamentos para que não sejam detectadas durante a invasão ou para que não sejam percebidas como uma ameaça. Podem, por exemplo, imitar o padrão de vibração de presas interceptadas pela teia da aranha que intencionam atacar. Este é o caso de Mimetus maculosus (Mimetidae), uma espécie da Nova Zelândia que ataca aranhas de várias famílias. Após localizar a teia de uma possível presa, M. maculosus faz uma pausa nos fios marginais e, em seguida, começa a produzir vibrações de diferentes tipos e intensidades com suas pernas. Durante o tempo em que permanece parada a invasora pode obter informações sobre as características da teia, a localização da aranha residente e seu tamanho. A qualidade dessas informações, entretanto, varia muito de acordo com o tipo de teia, o que implica em diferentes probabilidades de sucesso de captura. M. maculosus geralmente é mais eficiente quando invade teias de aranhas ecribeladas, conseguindo evitar a aderência na substância viscosa presente nestas teias. As vibrações produzidas após o período exploratório constituem sinais que visam estimular o movimento da residente em direção à invasora. A residente reage como se a fonte de vibrações fosse um pequeno inseto e aproxima-se para a captura, quando então é atacada e envolta em fios (Jackson 1992a, Jackson & Whitehouse 1986). Esse tipo de comportamento é considerado um

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mimetismo agressivo, no qual a espécie araneofágica manipula o comportamento da presa através de estímulos vibratórios característicos de outros organismos. Mas é entre os Salticidae que encontram-se as espécies araneofágicas com comportamentos predatórios mais complexos e melhor estudados. Dez espécies da subfamília Spartaeinae (gêneros Brettus, Gelotia, Cyrba e Portia) utilizam mimetismo agressivo para capturar outras aranhas (Jackson 1990a, b, Jackson 1992a, Jackson & Hallas 1986a, b). Outro gênero da mesma subfamília, Cocalus, foi observado invadindo teias e consumindo suas ocupantes, embora sem produzir sinais vibratórios. Essas espécies podem andar sobre teias de aranhas cribeladas e ecribeladas e possuem uma característica que é especialmente útil para localizar e identificar suas presas em potencial: enxergam muito bem (veja Forster 1982a, b). Enquanto a maioria das espécies de aranhas araneofágicas depende exclusivamente dos sinais vibratórios promovidos pelas residentes para obter informações sobre seu tamanho, identidade e localização, os Salticidae, com seus grandes olhos e complexas retinas, podem fazê-lo de forma muito mais eficiente. Além disso, a complexidade dos sinais emitidos pelos mímicos é muito maior, incluindo variedades específicas para muitos tipos diferentes de presas.

Outros predadores invertebrados Vários outros predadores invertebrados, sobretudo insetos, já foram observados alimentando-se de aranhas. Mantídeos (Mantodea: Mantidae), por exemplo, atacam Argiope keyserlingi (Araneidae) posicionando-se em folhas próximas às teias e saltando em sua direção ou, quando estão próximos o suficiente, apenas estendendo suas pernas dianteiras raptoriais (Herberstein & Heiling 2001). Bruce et al. (2001) também observaram mantídeos capturando A. keyserlingi e demonstraram que esses predadores usam o sinal visual fornecido pelas decorações das teias (estabilimentos) para localizar as aranhas. Gonzaga (dados não publicados) registrou esses predadores consumindo outra espécie de Araneidae, Alpaida quadrilorata, e invadindo colônias de Anelosimus jabaquara (Theridiidae).

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Formigas também constituem predadores importantes de algumas espécies de aranhas. Vieira & Höfer (1994) analisaram os restos de presas encontrados em colônias de duas formigas de correição na Amazônia, Eciton burchelli e Labidus praedator. Aranhas representaram 13% das presas da primeira e 17% da segunda espécie. Eciton raramente capturou aranhas construtoras de teias e cursoriais muito pequenas (Anapidae, Ochyroceratidae, Oonopidae), mas exerceu forte pressão de predação sobre aranhas cursoriais com tamanho corporal entre 1 e 2 cm, principalmente do gênero Ctenus. Já L. praedator utilizou um espectro mais amplo de presas, incluindo Araneidae, Caponidae, Dipluridae, entre outras, embora Ctenus spp. também tenha constituído o grupo de aranhas mais abundante entre suas presas. Formigas que patrulham árvores também encontram aranhas com freqüência e invadem suas teias (Edmunds & Edmunds 1986, Henschel 1998). Cerca de 60% das colônias de Stegodyphus dumicola (Eresidae), por exemplo, são atacados por formigas (Anoplolepis steigroeveri) durante os meses de verão em uma área na periferia do deserto do Kalahari. As formigas matam todas as aranhas nos ninhos, destroem as ootecas e capturam os indivíduos que conseguem fugir para o solo (Henschel 1998). Polis et al. (1998) apontam o escorpião Centruroides exilicauda (Buthidae) como um dos principais predadores de aranhas orbitelas nas ilhas do golfo da Califórnia, e Polis & Hurd (1995) observaram que a densidade de aranhas em ilhas onde esta espécie está presente é significativamente menor. Aranhas também foram itens freqüentes na dieta de Paruroctonus mesaensis, espécie que ocorre em dunas, na Califórnia, EUA (McCormick & Polis 1986).

Predadores vertebrados Mesmo aves que consomem preferencialmente outros recursos alimentares, como néctar ou frutos, freqüentemente incluem artrópodes em sua dieta (veja Poulin & Lefebvre 1996). Segundo Stiles (1995), esse hábito pode ser especialmente importante para suprir as necessidades protéicas das fêmeas durante o período em que estão produzindo ovos. Stiles analisou a importância relativa de diferentes grupos de artrópodes na alimentação de várias espécies de beija-flores na Estação

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Biológica de La Selva, na Costa Rica. Vários grupos foram utilizados, mas aranhas representaram de 70 a 95% das presas capturadas por membros da subfamília Phaethorninae. Os dados para quatro espécies desta subfamília mostraram que três delas, Phaethornis superciliosus, Glaucis aenea e Eutoxeres aquila, capturam preferencialmente aranhas construtoras de teias, enquanto Threnetes aenea captura uma grande proporção de Salticidae. Poulin et al. (1994) também registrou a utilização de aranhas por várias outras espécies de beija-flores na Venezuela. Gunnarsson (1996, 1998) realizou experimentos comparando áreas expostas com áreas livres da presença de aves, demonstrando que esses predadores podem reduzir significativamente a densidade de aranhas em um sistema florestal temperado. Riechert & Hedrick (1990) também observaram uma alta incidência de predação de aranhas (Agelenopsis aperta, Agelenidae) por aves em uma floresta no Arizona, EUA. Além do impacto causado pela predação, as aves podem também diminuir a abundância de presas para as aranhas e influenciar sua distribuição de tamanhos, capturando preferencialmente indivíduos maiores (Gunnarson 1998). Lagartos também estão entre os principais predadores vertebrados. Schoener & Toft (1983b) observaram que a densidade de aranhas em ilhas das Bahamas onde não existem lagartos é muito maior que a densidade em ilhas onde ocorrem esses predadores. Para determinar se essas diferenças na densidade poderiam realmente ser provocadas por predação, Spiller & Schoener (1988) conduziram um experimento excluindo lagartos de algumas áreas cercadas e mantendo outras inalteradas. Quatro meses após o início do experimento o número de espécies e a abundância de aranhas nas áreas controle já era significativamente menor e o mesmo padrão repetiu-se nos meses seguintes. Spiller & Schoener (1990a) demonstraram ainda que existe uma grande sobreposição na dieta de lagartos e aranhas nessas ilhas, e que a competição por recursos pode ser responsável por uma redução na taxa de crescimento e fecundidade das aranhas. Outros experimentos de exclusão confirmam o grande impacto da presença de lagartos sobre a abundância de aranhas orbitelas (Dial & Roughgarden 1995, Pacala & Roughgarden 1984). Além disso, listas de itens consumidos por várias espécies de lagartos apresentam aranhas entre os itens mais

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freqüentes (e.g. Pianka 1970, Vitt 1991, Vitt & Carvalho 1992, Vitt et al. 2001). Wise & Chen (1999) ressaltam, entretanto, que a maior parte das evidências da regulação da densidade de aranhas por vertebrados refere-se a espécies construtoras de teias. Esses autores demonstraram que a densidade de aranhas do gênero Schizocosa (Lycosidae) no solo de uma floresta secundária nos EUA não aumenta como conseqüência da exclusão de predadores vertebrados. Aranhas são consumidas ainda por diversas espécies de mamíferos. Smith (2000), por exemplo, registrou a captura de aranhas por duas espécies de saguis, Saguinus mystax e S. fuscicollis no Peru. Além de capturar indivíduos adultos, a primeira foi vista alimentando-se também de ovos e filhotes. Constituem a segunda categoria na preferência do musaranho Sorex cinereus (McCay & Storm 1997) e a primeira de S. minutus (Churchfield & Brown 1987). Estão também entre as presas mais capturadas por alguns morcegos (Shiel et al. 1991, Schulz & Wainer 1997). Entre estes, a espécie que apresenta dieta mais especializada é Kerivoula papuensis (Vespertilionidae). Aranhas (principalmente das famílias Araneidae e Tetragnathidae, construtoras de teias orbiculares) foram encontradas em 99,1% das amostras de fezes dessa espécie, estando presentes também entre os dentes de 63% dos indivíduos coletados por Schulz (2000). Finalmente, são predadas também por anfíbios (e.g. Bellocq et al. 2000, Hirai & Matsui 2001, Jesus et al. 1998) e peixes (Figiel & Miller 1994, Suter & Gruenwald 2000). Entre as 58 espécies de anuros analisadas por Parmelee (1999) na Amazônia peruana, os pequenos hilídeos foram o grupo com a maior proporção de aranhas em sua dieta. Os peixes capturam aranhas que utilizam a superfície da água para caçar. Pisaurídeos do gênero Dolomedes, por exemplo, ocorrem em diversos tipos de habitats aquáticos (lagos, riachos com fluxo lento, rios com corredeiras). Caçam hemípteros, salamandras e pequenos peixes (Krupa & Sih 1998), utilizando as ondas provocadas pelo movimento desses animais como estímulos táteis (Bleckmann & Lotz 1987). A utilização desse habitat para caça, entretanto, permite sua captura por alguns peixes maiores (Suter & Gruenwald 2000).

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DEFESA

As estratégias de defesa dependem dos hábitos de vida (cursorial, construtor de teia) das aranhas, da intensidade de predação e de características comportamentais dos predadores e parasitóides. O tipo de estímulo (visual, químico, tátil) utilizado pelo predador para a detecção de suas presas, por exemplo, pode determinar o sucesso ou não de uma determinada tática empregada pelas aranhas. As defesas variam desde permanecer imóvel e adotar uma postura que esconde o contorno do corpo até a ameaça de agressão. Muitas espécies constroem refúgios, outras atiram-se de suas teias quando ameaçadas. A seguir serão descritos os principais tipos de mecanismos de defesas já identificados. Revisões mais extensas sobre este assunto podem ser encontradas em Cloudsley-Thompson (1995) e Edmunds & Edmunds (1986).

Refúgios e barreiras de teia Várias espécies permanecem grande parte de sua vida em refúgios, como bromélias, buracos no solo e reentrâncias sob cascas de árvores, reduzindo sua exposição a predadores ao tempo necessário ao forrageamento e à procura por parceiros sexuais. Em alguns casos o próprio refúgio pode funcionar como uma armadilha para presas, como acontece com as Mygalomorphae conhecidas como aranhas-de-alçapão (e.g. Ummidia, Bothriocyrtum, Cyclocosmia). Essas aranhas cavam buracos no solo e fecham as entradas com portas móveis de seda, extremamente inconspícuas e freqüentemente camufladas com galhos, musgos e/ou folhas. Insetos que aproximam-se da abertura do refúgio são rapidamente capturados e transportados para o seu interior, onde ocorre o consumo. Apesar de praticamente não saírem de seus abrigos, essas aranhas são atacadas por vespas da família Pompilidae, que as localizam tateando o solo com suas antenas. Como uma defesa adicional contra os invasores, Stanwellia nebulosa (Nemesiidae) coloca uma pelota de terra em uma câmara na parede de sua toca. Esta pelota pode ser movida, fechando a aranha na porção inferior do buraco e impedindo o acesso de predadores. Já Aname sp.

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(Nemesiidae) constrói uma saída alternativa que permite uma rota de fuga caso a toca seja invadida (Preston-Mafhan & Preston-Mafhan 1993). A utilização de abrigos de seda, folhas e/ou detritos, também é muito comum em aranhas construtoras de teias. Muitas aranhas orbitelas, que não podem contar com a proteção de uma estrutura tridimensional de fios de teia, freqüentemente permanecem durante o dia em abrigos de seda e/ou folhas na periferia da espiral de captura (Figs. 10.8 e 10.9). Os imaturos de Metazygia laticeps (Araneidae), por exemplo, constroem um abrigo de teia em gavinhas. Quando a aranha atinge um tamanho corporal incompatível com o seu abrigo, passam a adicionar uma folha seca presa aos fios de sustentação, onde escondem-se. As teias possuem um setor livre de espirais e um raio que vai do abrigo até o centro, permitindo que a aranha receba os sinais vibratórios das presas interceptadas sem que precise ficar exposta (M.O. Gonzaga, obs. pess.). Barreiras de fios presentes em teias de algumas espécies das famílias Araneidae e Tetragnathidae e teias tridimensionais também podem representar obstáculos e tornar a aproximação de predadores perceptível a uma maior distância, permitindo a fuga das aranhas. Edmunds & Edmunds (1986) consideram que as barreiras de fios de Nephilengys cruentata e Nephila spp.(Tetragnathidae), Cyrtophora citricola (Araneidae), entre outras, têm como principal função defender as aranhas de predadores e não de sustentar as teias. Blackledge et al. (2003) sugerem que a pressão de predação por vespas da família Sphecidae pode ter constituído um importante fator direcionando a transformação do modelo orbicular bidimensional para teias tridimensionais (Fig. 10.10). Esta afirmação é sustentada principalmente pelos registros das presas preferencialmente capturadas por estas vespas (aranhas construtoras de teias orbiculares são 476% mais comuns como presas, embora 400% menos abundantes considerando-se a disponibilidade em vários ambientes) e pela coincidência dos registros fósseis. As primeiras teias tridimensionais modificadas a partir de estruturas orbiculares típicas surgiram no período Cretáceo, aproximadamente na mesma época do surgimento dos primeiros Sphecidae. Além disso, o número de presas capturadas por cada vespa para o provisionamento de seus ninhos é muito alto, o que

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sugere que os Sphecidae podem representar um fator de impacto significativo nas populações de suas presas (veja Blackledge et al. 2003 e referências citadas neste). Além de adicionarem barreiras às teias de captura, muitas aranhas mantêm também suas ootecas protegidas por essas estruturas ou ao menos suspensas por fios, evitando assim o contato com o solo ou vegetação. Hieber (1992) demonstrou que manter a ooteca suspensa, em Mecynogea lemniscata (Araneidae) e Argiope aurantia, reduz o ataque por predadores generalistas (como formigas). Os ovos destas espécies contam ainda com a proteção de um denso invólucro de seda e de uma camada espessa de fios. A remoção experimental do invólucro externo proporcionou uma maior freqüência de predação por larvas de Mantispa viridis (Neuroptera: Mantispidae), indicando que constitui uma eficiente barreira mecânica à penetração das larvas dessa espécie. Esta barreira, entretanto, não é capaz de deter o Ichneumonidae Tromatobia ovivora rufopectus, que a perfura com seu longo ovipositor. Neste caso é a camada interna de fios entrelaçados que diminui o sucesso do predador, dificultando o acesso direto à massa de ovos (Hieber 1992).

Camuflagem Muitos predadores utilizam a visão para localizar suas presas e a similaridade entre os padrões de coloração do corpo das aranhas e o substrato onde habitualmente se encontram pode reduzir a freqüência com que são encontradas. Existem vários exemplos de padrões crípticos de coloração, postura e formas do corpo em aranhas. Em Hersilidae, a pigmentação e a forma achatada do corpo tornam as aranhas muito semelhantes às cascas de árvores onde permanecem a maior parte do tempo (Cloudsley-Thompson 1995, Preston-Mafhan & Preston-Mafhan 1998). Muitos Salticidae também apresentam formas e cores que dificultam sua localização. Portia schultzi, por exemplo, apresenta pêlos, espinhos e uma forma de corpo tão modificada que, quando em repouso, assemelha-se a uma folha seca (Preston-Mafhan & Preston-Mafhan 1998). Já Cyclosa spp. (Araneidae) têm a mesma coloração que os detritos que adicionam às suas teias, permanecendo com as pernas retraídas em meio a eles durante o dia (Eberhard 1990, Neet 1990).

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Espinhos e outras modificações morfológicas Espinhos e abdomes rígidos podem constituir defesas mecânicas contra aves e vespas (Cloudsley-Thompson 1995). Freeman & Johnston (1978), por exemplo, observaram que vespas da espécie Sceliphron assimile (Sphecidae) parecem ignorar aranhas do gênero Gasteracantha, que possuem abdome com espinhos, enquanto capturam vários outros gêneros de aranhas construtoras de teias orbiculares. No entanto, Gasteracantha faz parte da lista de presas de outras espécies de vespas (veja Jiménez & Tejas 1994, Edmunds 1990), assim como Micrathena, outro gênero que apresenta muitos espinhos abdominais (veja Levi 1985, Gonzales-Bustamante 1994) (Fig. 10.11). A eficácia dos espinhos como estruturas defensivas ainda precisa ser testada, mas existe ainda uma outra característica morfológica dessas aranhas que pode reduzir sua susceptibilidade a possíveis predadores. O tegumento do abdome relativamente espesso provavelmente faz com que espécies de Gastheracantha sejam inadequadas como alimento para os primeiros estágios larvais de algumas vespas. Elgar & Jebb (1999) observaram que aranhas deste gênero são capturadas por Sceliphron laetum (Sphecidae) apenas após a captura de outras espécies com exoesqueleto menos espesso. Desta forma, as larvas podem iniciar sua alimentação com presas macias, passando para os itens alimentares de difícil digestão em estágios posteriores. Talvez a modificação mais notável seja a da caranguejeira Cycloscomia truncata (Ctenizidae), uma aranha-de-alçapão que possui a região posterior do abdome achatada e muito rígida. A porção mais profunda de suas tocas estreita-se de forma a permitir que a aranha possa bloquear completamente a passagem com seu corpo, expondo apenas o escudo abdominal (PrestonMafhan & Preston-Mafhan 1993). Este comportamento de bloquear a entrada do refúgio com uma parte do corpo já foi descrito para várias espécies de formigas e é chamado de phragmosis (veja Brandão et al. 2001, Hölldobler & Wilson 1990).

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Mimetismo A semelhança morfológica de algumas espécies de aranhas com formigas (Cushing 1997, Oliveira 1986), mutilídeos (Nentwig 1985c), pseudo-escorpiões (Platnick 1984), coleópteros (Chang 1996) e outros modelos não palatáveis ou agressivos pode evitar sua captura por predadores visualmente orientados que geralmente não incluem os modelos em sua dieta (veja capítulo 12 deste livro).

Estabilimentos Estabilimentos são estruturas densas de seda e/ou detritos adicionadas às teias orbiculares de algumas espécies das famílias Araneidae, Tetragnathidae e Uloboridae (veja Herberstein et al. 2000, Scharff & Coddington 1997). Estas estruturas foram originalmente descritas como elementos de estabilização, sendo supostamente construídas para reforçar as conexões entre os fios da região central das teias (McCook 1889 apud Eberhard 1973). Várias outras possíveis funções foram propostas desde então, como dificultar a localização por predadores visualmente orientados (Eberhard 1973, Neet 1990, Eberhard 1990, Gonzaga & Vasconcellos-Neto 2005), sinalizar a presença da teia para evitar sua destruição por aves durante o vôo (Horton 1980, Eisner & Nowicki 1983), fornecer sustentação para a aranha durante a ecdise (Nentwig & Rogg 1988), atrair presas (Craig 1991, Craig & Bernard 1990, Craig et al. 2001, Herberstein 2000, Tso 1996, 1998, Watanabe 1999) e propiciar um refúgio contra a exposição direta ao sol (Humphreys 1992). As grandes variações de forma e composição, entretanto, indicam que provavelmente estas estruturas não desempenham apenas uma única função (Neet 1990, Eberhard 1990, Cloudsley-Thompson 1995). Blackledge & Wenzel (2001) investigaram a relação entre a presença de estabilimentos em teias de Argiope trifasciata e a susceptibilidade das aranhas à predação por duas vespas da família Sphecidae e verificaram que aranhas que adicionavam a estrutura de seda às teias tinham maior probabilidade de sobreviver aos ataques. Os autores sugerem que os estabilimentos podem

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constituir distrações que interferem na habilidade das vespas em atacar diretamente seu alvo. Schoener & Spiller (1992) observaram que estabilimentos em forma de cruz são construídos em maior freqüência por indivíduos médios de Argiope argentata, o que pode aumentar seu tamanho aparente para os lagartos predadores. Para as aranhas grandes a decoração das teias não traria benefícios e as pequenas poderiam aparentar o tamanho ótimo para predação. Por outro lado, é possível que os estabilimentos representem sinais visuais úteis à orientação de predadores, como aranhas do gênero Portia. Seah & Li (2001) demonstraram que Portia labiata, quando confrontada com teias com e sem estabilimentos, invadem preferencialmente as primeiras. Além disso, atacam com maior freqüência as teias que apresentam essas estruturas com formas previamente conhecidas, o que fornece um indício da importância da existência de diferentes formas. Estabilimentos de Cyclosa spp. (Araneidae) apresentam uma característica bem distinta daqueles construídos por Argiope (Fig. 10.12). Enquanto os estabilimentos de Argiope são compostos unicamente por seda, os de Cyclosa contém detritos e restos de presas em sua composição. Os detritos são dispostos de forma que o contorno da aranha torna-se praticamente imperceptível, e podem ser úteis para dificultar sua localização por predadores visualmente orientados (veja Gonzaga 2004b, Gonzaga & Vasconcellos-Neto 2005)

Fuga, mudanças de coloração e tanatose Atirar-se ao solo ou à vegetação em situações de risco é um comportamento muito comum em espécies construtoras de teias (e.g. Blackledge & Pickett 2000, Rayor 1996). Em alguns casos este comportamento está associado à mudança de coloração para um padrão mais escuro, semelhante ao substrato, e à tanatose (Edmunds & Edmunds 1986). O movimento pode ser um estímulo visual importante para os predadores e fingindo-se de mortas ou mesmo reduzindo a atividade as aranhas dificultam muito a sua localização. Persons et al. (2001) expuseram Pardosa milvina (Lycosidae) a substratos onde haviam estado indivíduos de Hogna helluo (Lycosidae) que alimentaram-se de Pardosa e à substratos onde estas aranhas alimentaram-se de grilos. As pistas

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químicas resultantes da predação sobre sua espécie foram suficientes para fazer com que P. milvina permanecesse um tempo significativamente maior sem demonstrar nenhum movimento. Um exemplo interessante de comportamento antipredatório ligado à fuga foi fornecido por Riechert & Hedrick (1990), estudando duas populações de Agelenopsis aperta submetidas a diferentes pressões de predação por aves. Estas aranhas constroem teias em forma de funil, com uma área plana de interceptação de presas e um tubo que é utilizado como abrigo. As aranhas permanecem na saída do tubo, esperando que um inseto fique preso à malha de interceptação, mas correm para o interior do abrigo em reposta a alterações repentinas de luminosidade e sinais vibratórios. As aranhas da população exposta ao menor risco de predação voltam à posição de forrageamento após um distúrbio mais rapidamente que aquelas da área de alto risco. A resposta comportamental dos filhotes de fêmeas coletadas nas duas áreas, frente a estímulos vibratórios simulando a aproximação de aves, também foi diferente. Os filhotes provenientes da população com maior risco de predação apresentaram uma maior freqüência de fuga, indicando uma base genética determinante desse comportamento.

Teias coletivas A formação de agregados pode minimizar o risco individual de predação reduzindo a probabilidade de localização (efeito de encontro) e de captura de cada membro do grupo após o encontro (efeito de diluição). Além disso, agregados e teias coloniais geralmente apresentam uma estrutura de fios (e algumas vezes folhas, galhos e detritos) mais complexa que as teias individuais (veja Tietjen 1986), o que pode constituir uma barreira física à aproximação do predador ou denunciar sua presença, possibilitando a fuga das aranhas (Uetz & Hieber 1994). O efeito de encontro ocorre porque a detecção das presas não aumenta proporcionalmente com o tamanho do grupo. Uetz & Hieber (1994), por exemplo, não observaram ataques por vespas a aranhas solitárias e pequenos grupos de Metepeira incrassata (Araneidae), enquanto grupos maiores eram vítimas de ataques freqüentes. Embora a probabilidade de localização dos agregados fosse

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maior, grandes agregados eram atacados em uma taxa menor que a esperada considerando apenas o número de indivíduos. Essa inexistência de uma relação linear entre o tamanho do agregado e a probabilidade de encontro pode ser uma conseqüência da aparência visual de grupos de teias com diferentes tamanhos. A partir de um certo tamanho os grupos tornariam-se detectáveis pelos predadores, mas sua conspicuidade não aumentaria proporcionalmente ao número de novas aranhas. Uma vez localizado o grupo, a probabilidade de cada indivíduo ser predado decresce conforme aumenta o tamanho da agregação. Neste caso, entretanto, o risco de predação depende da posição ocupada pelo indivíduo. Posições centrais podem significar uma menor exposição, sendo preferencialmente ocupadas. Alves-Costa & Gonzaga (2001) analisaram a distribuição espacial de Philoponella vittata (Uloboridae) em teias de vários hospedeiros e mostraram que o centro dos agregados é ocupado por aranhas grandes, enquanto indivíduos menores são deslocados para a periferia. Rayor & Uetz (1990, 1993) demonstraram que, em agregados de M. incrassata, aranhas situadas em posições periféricas são mais atacadas por vespas caçadoras. Embora as aranhas menores (e mais jovens) sejam obrigadas a ocupar locais mais expostos, beneficiam-se da maior disponibilidade de alimento nestes locais. A vida em grupo pode também trazer alguns problemas em relação à proteção contra inimigos naturais. Henschel (1998) comparou a susceptibilidade à predação e ataque por fungos em aranhas solitárias e grupos de Stegodyphus dumicola (Eresidae) na Namíbia. Indivíduos solitários foram mais vulneráveis ao ataque por formigas e aves, porém a probabilidade da colônia ser destruída por fungos aumentou com seu tamanho e idade. Avilés & Tufiño (1998) registraram uma incidência relativamente alta de parasitismo, por uma vespa da família Eulophidae, em grandes colônias de Anelosimus eximius (Theridiidae). Da mesma forma, Hieber & Uetz (1990) observaram uma crescente incidência de parasitismo de ootecas de M. incrassata, pela mosca Arachnidomya lindae (Sarcophagidae), com o aumento do tamanho dos agregados. O mesmo padrão, entretanto, não foi encontrado para M. atascadero. Para esta espécie Hieber & Uetz (1990) encontraram uma grande flutuação na incidência de parasitismo de ano para ano, não havendo relação com o número

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de indivíduos no grupo. Para estes autores, grandes grupos em regiões tropicais estariam sempre mais sujeitos ao parasitismo, enquanto em ambientes temperados o padrão dependeria do comportamento das aranhas, tipos de parasitóides e estabilidade do habitat.

Cuidado maternal Quase todas as aranhas envolvem seus ovos com fios de teia, formando um invólucro que ajuda a mantê-los unidos e que, na maioria dos casos, é capaz de manter condições adequadas de umidade e temperatura. Além disso, camadas compactas de seda podem constituir barreiras mecânicas contra parasitas (Foelix 1996). Muitas espécies, no entanto, vão além do fornecimento de um invólucro. As ootecas podem ser transportadas até a eclosão dos filhotes e mesmo ativamente protegidas contra predadores (incluindo machos canibais - veja Schneider & Lubin 1997a) e parasitóides (veja Horel & Gundermann 1992, Li et al. 1999, Vannini et al. 1986) (Fig. 10.13). Em vários casos o cuidado é estendido para o período após a eclosão. Em aranhas da família Lycosidae, por exemplo, os filhotes sobem no corpo da mãe logo após deixarem a ooteca e são transportados enquanto permanecem segurando seus pêlos abdominais (Foelix 1996). As fêmeas de Argyrodes flavipes (Theridiidae) defendem seus filhotes contra a aproximação de coespecíficos atacando qualquer membro da colônia que se aproxime (Whitehouse & Jackson 1998). Reações agressivas similares foram observadas por Marques et al. (1998) para Anelosimus jabaquara e Gonzaga & Leiner (em prep.) para Helvibis longicauda (Theridiidae). Além da proteção através de comportamentos agressivos direcionados a possíveis predadores, muitas espécies fornecem também ninhos construídos com seda e, algumas vezes, folhas e detritos (veja Downes 1994, Evans 1998a, Marques et al. 1998). Esses ninhos podem fornecer proteção mecânica contra a aproximação de predadores e parasitóides (Seibt & Wickler 1990), embora, em alguns casos, possam também abrigar inimigos naturais (Gonzaga & Vasconcellos-Neto 2001, Henschel 1998).

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Pêlos urticantes Alguns gêneros de Theraphosidae neotropicais apresentam pêlos urticantes em seus abdomes (Avicularia, Pachistopelma, Acantoscurria, Lasiodora, entre outros) (Fig. 10.14) ou nos palpos (Ephebopus) (Bertani & Marques 1996, Marshall & Uetz 1990). Quando ameaçadas por predadores as aranhas da subfamília Theraphosinae esfregam o abdome com as pernas posteriores, liberando os pêlos no ar (Cooke et al. 1972, Pérez-Miles & Prandl 1991). O contato dos pêlos com a mucosa respiratória e os olhos dos predadores provoca grande irritação, evitando assim que as aranhas sejam capturadas. Theraphosa leblondi apresenta ainda o comportamento de incorporar os pêlos abdominais às suas ootecas, o que foi interpretado por Marshall (1992) como uma forma de camuflar a ooteca contra predadores especializados que utilizam sinais olfativos para distinguir entre a fêmea e os ovos. Já os Aviculariinae (com exceção de Ephebopus, que também lança os pêlos no ar) apenas direcionam o abdome para o agressor. Essas aranhas possuem pêlos de um tipo diferente, mais longo e robusto que os encontrados em Theraphosinae, capazes de penetrar a pele de possíveis predadores (Bertani & Marques 1996).

Produção de sons de advertência A produção de sons já foi registrada em 26 das 109 famílias de aranhas e pode estar relacionada a cortejos, interações agressivas entre coespecíficos e defesa (Uetz & Stratton 1982). Entre os sons interpretados como defensivos estão os produzidos pelos órgãos estridulatórios de Theraphosidae, similares aos sons de advertência produzidos por algumas serpentes (Marshall et al. 1995, Uetz & Stratton 1982). Hinton & Wilson (1970) sugerem que os sons emitidos por Micrathena gracilis (Araneidae) também tem função defensiva, uma vez que podem ser registrados quando as aranhas são perturbadas. Apesar disto, pouco se sabe sobre o quanto a estridulação realmente é efetiva contra a predação.

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Posturas agressivas e substâncias tóxicas A adoção de posturas agressivas não é uma estratégia de defesa muito comum em aranhas. Apesar disto, algumas espécies como Dysdera spp. (Dysderidae), Atrax spp. (Hexathelidae) e Phoneutria nigriventer (Ctenidae) (Fig. 10.15), freqüentemente reagem à presença de possíveis predadores com agressividade (Cloudsley-Thompson 1995). É interessante observar que a postura agressiva está associada à presença de venenos muito potentes. Além do veneno, algumas aranhas contam ainda com a eliminação de outros compostos tóxicos para afugentar seus inimigos. Scytodes spp. (Scytodidae), por exemplo, conhecidas como aranhas cuspideiras, podem lançar uma substância pegajosa que tem função de capturar presas e, possivelmente, também de proteção (Cloudsley-Thompson 1995).

Vibração Quando perturbadas, algumas aranhas das famílias Pholcidae (Jackson et al. 1990, Jackson et al. 1993) e Araneidae (Edmunds & Edmunds 1986, Jackson 1992b) vibram seus corpos vigorosamente, o que dificulta a determinação de sua posição exata por possíveis predadores. Pholcus phalangioides (Pholcidae), além desse comportamento que se estende por poucos minutos, desenvolveu ainda uma variação especificamente contra aranhas da família Salticidae que invadem suas teias. Heuts et al. (2001) realizaram uma série de experimentos apresentando várias espécies de aranhas a indivíduos de P. phalangioides e observaram que, na presença dos Salticidae, eles vibravam o corpo em uma freqüência moderada durante horas ou até mesmo dias.

Autotomia Punzo (1997) realizou um experimento oferecendo aranhas (Schizocosa avida, Lycosidae) para o escorpião Centruroides vittatus e observou que a maioria dos indivíduos que escaparam (78%) conseguiu fazê-lo descartando uma perna. As aranhas fugiam enquanto o escorpião se alimentava da perna removida. Formanowicz (1990) também observou a autotomia de pernas em

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outra espécie, Kukulcania hibernalis (Filistatidae), quando confrontada com o mesmo escorpião. Para esta espécie, entretanto, perder pernas não garante uma maior probabilidade de sobrevivência em encontros com seu outro predador, o centípede Scolopendra polymorpha (Scolopendridae).

Conclusões Embora tenhamos conhecimento da existência de um grande número de predadores, parasitas e parasitóides de aranhas, poucos foram intensivamente estudados. Interações comportamentais tão complexas quanto a manipulação de hospedeiros para construção de suportes de teia apenas começaram a ser investigadas e, certamente, muitas permanecem desconhecidas. Mesmo temas abordados com maior freqüência na literatura, como a possível proteção fornecida pela construção de estabilimentos e o provisionamento dos ninhos por vespas, ainda apresentam aspectos importantes a serem investigados. Em muitos casos, a descrição de comportamentos de defesa e estratégias utilizadas pelos predadores para captura estão baseadas em dados sobre poucas espécies, o que compromete quaisquer generalizações. Além disso, algumas regiões geográficas, como a Neotropical, foram muito pouco exploradas e praticamente nada se sabe sobre alguns grupos destas áreas. Tudo isso contribui para que o tema ‘predadores e parasitas de aranhas’ seja um campo muito promissor para trabalhos futuros, tanto para aracnólogos, quanto para todos os pesquisadores que trabalham com os demais grupos taxonômicos envolvidos nessas interações.

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ARANEOFAGIA E CLEPTOPARASITISMO

MARCELO O. GONZAGA

A maioria das espécies de aranhas apresenta uma dieta composta basicamente por insetos. Apesar disto, indivíduos de vários outros grupos taxonômicos podem ocasionalmente ser capturados e consumidos. Outras aranhas, mesmo coespecíficos menores ou menos ágeis, estão incluídos nesta categoria de presas em potencial. Assim, encontros fortuitos entre duas aranhas podem acabar resultando em eventos de predação. Mas estes encontros nem sempre ocorrem ao acaso. Algumas poucas espécies, embora geralmente também consumam insetos, caçam preferencialmente outras aranhas. São capazes de invadir teias sem ficarem retidas nos fios tecidos pelas espécies residentes e, em certos casos, podem até mesmo atrair suas vítimas. Os riscos de predação por outras aranhas, entretanto, não são conseqüência apenas da existência destas espécies araneofágicas e de encontros eventuais. A cópula, por exemplo, sempre implica na aproximação de dois parceiros e pode terminar com um deles, geralmente a fêmea, alimentando-se do outro. Além disso, os machos de algumas espécies podem atacar as ootecas e/ou filhotes que encontram nas teias das fêmeas. Em pelo menos uma espécie, Stegodyphus lineatus (Eresidae), o infanticídio garante ao macho a possibilidade de copular com uma fêmea que antes não estava receptiva. Além da predação, outras aranhas oferecem ainda a ameaça de saquear as presas interceptadas em teias alheias. Algumas espécies abandonaram completamente a construção de teias e quaisquer outros tipos de estratégia de forrageamento independente, para dedicar-se exclusivamente ao hábito de roubar alimento. Outras ainda são versáteis o suficiente para roubar

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presas depositadas como reserva, capturar insetos interceptados nas teias de suas hospedeiras e até mesmo utilizar os fios de seda das teias invadidas como fonte protéica. Este capítulo visa apresentar e exemplificar estes dois tipos de interações entre aranhas, araneofagia e cleptoparasitismo, destacando suas principais variações.

ARANEOFAGIA

Invasão de teias Algumas espécies de aranhas apresentam estratégias de forrageamento específicas para a invasão de teias e captura de suas construtoras. Como suas presas muitas vezes são também predadoras em potencial, estas aranhas desenvolveram complexos comportamentos para que não sejam detectadas durante a invasão ou para que não sejam percebidas como uma ameaça. Podem, por exemplo, imitar o padrão de vibração de presas interceptadas pela teia da aranha que irão atacar. Este é o caso de Mimetus maculosus (Mimetidae), uma espécie da Nova Zelândia que ataca aranhas de várias famílias. Após localizar a teia de uma possível presa, M. maculosus faz uma pausa nos fios marginais e, em seguida, começa a produzir vibrações de diferentes tipos e intensidades com suas pernas. Durante o tempo em que permanece parada, a invasora pode obter informações sobre as características da teia, sobre a localização da aranha residente e seu tamanho. A qualidade dessas informações, entretanto, varia muito de acordo com o tipo de teia, o que implica em diferentes taxas de sucesso de captura. Mimetus maculosus geralmente é mais eficiente quando invade teias de aranhas ecribeladas (veja capítulo 3 deste livro, Quadro 3.1), conseguindo evitar a aderência na substância viscosa presente nestas teias (Jackson & Whitehouse 1986). As vibrações produzidas após o período exploratório constituem sinais que visam estimular o movimento da residente em direção à invasora. A residente reage como se a fonte de vibrações fosse um pequeno inseto e aproxima-se para a captura, quando então é atacada e envolta em fios (Jackson 1992a, Jackson & Whitehouse 1986). Este tipo de comportamento é considerado um mimetismo agressivo, no qual a

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espécie araneofágica manipula o comportamento da espécie alvo da predação através de estímulos vibratórios interpretados como característicos de outros organismos. Gonzaga et al. (1998) observaram uma interessante variação deste tipo de mimetismo agressivo envolvendo sinais vibratórios em Peucetia flava (Oxyopidae). Esta espécie, que forrageia patrulhando a vegetação, freqüentemente invade teias de Nephila clavipes (Tetragnathidae), uma aranha com tamanho corporal muito superior ao seu. Durante o período reprodutivo, vários machos de N. clavipes são encontrados em cada teia ocupada por uma fêmea, lutando por uma oportunidade de cópula. Geralmente um deles ocupa uma posição de dominância, na qual tem acesso mais fácil à fêmea (Christenson & Goist 1979, Vollrath 1980b). A manutenção desta posição, entretanto, implica em constantes conflitos com os demais machos que ocupam posições periféricas. Aparentemente a espécie invasora é capaz de tirar proveito desta situação de competição entre machos, posicionando-se na margem da teia e provocando vibrações que podem ser interpretadas como movimentos de machos periféricos. Os machos que se aproximam para averiguar são capturados. Peucetia flava também foi observada invadindo teias de Latrodectus geometricus (Theridiidae), onde capturou insetos interceptados pelos fios e roubou presas capturadas pela aranha residente (Gonzaga et al. 1998). Assim como várias espécies da família Mimetidae (Fig. 11.1) (veja Jackson 1992a, Jackson & Whitehouse 1986, Kloock 2001) e Peucetia flava, invasoras de teias de outras famílias também apresentam grande versatilidade em suas formas de obtenção de alimento. Pholcus phalangioides (Pholcidae), por exemplo, é capaz de invadir teias de aranhas cribeladas e ecribeladas, atuando também através de mimetismo agressivo. Suas longas pernas lhes permitem minimizar o contato com as teias invadidas, evitando assim que fiquem presas. Podem ainda adicionar seus próprios fios enquanto se movimentam em direção às residentes, usando-os como pontes. Mas além da obtenção de alimento através da invasão, esta espécie constrói também sua própria teia (na qual apresenta o maior sucesso de captura), é capaz de consumir insetos interceptados pelas teias das espécies que ataca e consumir seus ovos (Jackson & Brassington 1987). A dieta de Taieria erebus

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(Gnaphosidae), invasora de teias de aranhas cribeladas, também é complementada por insetos capturados em sua teia e em espaços abertos (Jarman & Jackson 1986). Da mesma forma, uma espécie não identificada do gênero Scytodes (Scytodidae), que ocorre nas Filipinas, é capaz de capturar presas em suas teias e sobre a vegetação. Para isso utiliza um tipo de comportamento predatório exclusivo deste gênero, a ejeção de uma substância viscosa de suas quelíceras, imobilizando suas presas a distâncias de até 8 cm. Apenas cerca de 20% dos itens alimentares consumidos por estas aranhas são insetos. Os 80% restantes são aranhas, principalmente da família Salticidae (Li et al. 1999). É justamente entre os Salticidae que se encontram as espécies araneofágicas com comportamentos predatórios mais complexos e mais intensivamente estudados. Dez espécies da subfamília Spartaeinae (gêneros Brettus, Gelotia, Cyrba e Portia) utilizam mimetismo agressivo para capturar outras aranhas (Jackson 1990a, b, Jackson 1992a, Jackson & Hallas 1986a, b). Além disso, aranhas de outro gênero da mesma subfamília, Cocalus, foram observadas invadindo teias e consumindo suas ocupantes, embora sem produzir sinais vibratórios. Os Spartaeinae podem andar sobre teias de aranhas cribeladas e ecribeladas e possuem uma característica que é especialmente útil para localizar e identificar suas presas em potencial: enxergam muito bem (veja Forster 1982a, b). Enquanto a maioria das espécies de aranhas araneofágicas depende exclusivamente dos sinais vibratórios promovidos pelas residentes para obter informações sobre seu tamanho, identidade e localização, os Salticidae, com seus grandes olhos (Fig. 11.2) e complexas retinas, podem fazê-lo de forma muito mais eficiente. Além disso, a complexidade dos sinais emitidos pelos mímicos de Spartaeinae é muito maior, incluindo variedades específicas para muitos diferentes tipos de presas. Os Spartaeinae mais estudados, Portia spp. (Fig 11.3), não apresentam restrições quanto aos tipos de teia que invadem e podem capturar aranhas que medem de 1/10 até o dobro de seu tamanho (Jackson & Pollard 1996). Além de escolherem, dentro de seu amplo repertório de sinais, os padrões vibratórios mais adequados para promover a resposta esperada de suas presas usuais (Jackson & Wilcox 1990), estas aranhas podem ainda aprender novos padrões. Deparando-se com

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teias de espécies desconhecidas Portia emite uma grande variedade de estímulos, até que sua possível presa responda de forma apropriada. Em seguida concentra-se na emissão do padrão vibratório que provocou a resposta. Em encontros futuros com indivíduos da mesma espécie, a invasora repete o padrão aprendido (Jackson & Wilcox 1993). Da mesma forma, desempenham sofisticados comportamentos para evitar sua detecção. Podem, por exemplo, esperar até que a teia seja movimentada pelo vento. Nestas situações, a percepção de sinais vibratórios pela aranha residente fica muito comprometida, possibilitando que a invasora aproxime-se sem risco de ser atacada ou de desencadear um comportamento evasivo (Jackson & Pollard 1996). Jackson (1992b) observou ainda que P. fimbriata desenvolveu uma tática específica para aproximar-se de Argiope appensa (Araneidae), uma aranha que é especialmente sensível à invasão de suas teias. Sinais vibratórios que não são inequivocamente provocados por insetos interceptados fazem com que A. appensa flexione repetidamente suas pernas, agitando toda a teia e, geralmente, afastando ou derrubando quaisquer invasores. Para evitar que isto aconteça, P. fimbriata, ao localizar uma teia de A. appensa, muda de direção, posiciona-se em um sítio localizado diretamente sobre a teia e desce em um fio próprio até que esteja paralela à sua presa. Neste ponto, balança seu corpo e faz a captura.

Araneofagia fora das teias Algumas invasoras de teias, como as já mencionadas, T. erebus e P. fimbriata podem capturar também aranhas cursoriais. Salticídeos que constroem abrigos de seda, por exemplo, podem ser persuadidos a deixar seus refúgios através da emissão de sinais vibratórios em sua superfície. Uma população de P. fimbriata de Queensland, Austrália, apresenta ainda um tipo de comportamento único, desempenhado apenas para caçar outros salticídeos fora de seus abrigos (veja Harland & Jackson 2000, 2001). Estas aranhas possuem uma aparência pouco comum, lembrando um acúmulo de detritos. Quando localizam um salticídeo que possa servir-lhes de presa, passam a mover-se lentamente, posicionando suas pernas cheias de tufos de pêlos e seus palpos de

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forma a não evidenciar o contorno de seu corpo. Se o salticídeo vira-se em sua direção, permanecem completamente imóveis, voltando a movimentar-se apenas quando posicionadas por trás. Quando estão próximas o suficiente, saltam rapidamente sobre suas vítimas. Jackson & Wilcox (1990) observaram também, nesta mesma população, uma tática específica para a captura de uma espécie do gênero Euryattus (Salticidae). Euryattus sp. constrói seus ninhos prendendo uma folha seca enrolada à vegetação, mantendo-a suspensa por fios de teia. Os machos cortejam as fêmeas descendo por estes fios de sustentação e flexionando suas pernas até que a folha se mova. Portia fimbriata faz o mesmo, simulando a presença de um macho. As fêmeas de Euryattus sp. são capturadas quando deixam o interior das folhas para responder aos estímulos provocados pelo suposto parceiro. A posição das folhas secas em relação ao substrato e o número de fios entre a folha e a vegetação são utilizados por P. fimbriata para identificar os ninhos das fêmeas de Euryattus sp. (Jackson et al. 1997).

Canibalismo sexual A ocorrência de eventos de canibalismo sexual, nos quais a fêmea mata e se alimenta do macho, já foi descrita para vários grupos de artrópodes (veja Elgar 1992, Polis 1981, Vahed 1998). Ser ingerido pode trazer benefícios reprodutivos ao macho quando a ingestão de sua biomassa tiver como conseqüência o aumento da fecundidade da fêmea e existirem poucas chances de encontrar novas parceiras (Buskirk et al. 1984). Estes benefícios dependem principalmente de três fatores: (1) o tempo necessário para conversão dos nutrientes contidos no corpo do macho em ovos. É essencial que a assimilação da biomassa do macho ocorra rapidamente, caso contrário a produção de ovos dependerá apenas dos nutrientes ingeridos pela fêmea antes da cópula; (2) a probabilidade de ser o pai dos filhotes produzidos por fêmeas que haviam copulado previamente ou que aceitarão novas cópulas. Se as fêmeas podem ter vários parceiros, o canibalismo só será vantajoso para os machos quando representar a possibilidade de fertilizar mais óvulos que os demais parceiros; e (3) a disponibilidade de fêmeas receptivas. Quando a disponibilidade de fêmeas receptivas é muito

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reduzida e o risco de locomoção muito alto, os machos provavelmente apresentarão maior sucesso reprodutivo investindo todo seu esperma na primeira fêmea que encontram. Assim, sob certas condições, o canibalismo sexual pode ser adaptativo para os machos. Este comportamento pode ser considerado como um tipo extremo de investimento paternal. Em muitas espécies de artrópodes onde o canibalismo sexual foi observado, no entanto, apesar das fêmeas poderem aumentar sua fecundidade alimentando-se dos machos, a cópula não é um evento único na vida de nenhum dos dois sexos e existe competição de esperma. Desta forma, fica caracterizado um conflito de interesses entre os sexos. É interessante para as fêmeas atacarem os machos, mas estes preferem buscar novas parceiras, lutando para escapar. Este é o caso, por exemplo, do louva-a-deus Hierodula membranacea (Mantodea). Birkhead et al. (1988) demonstraram que fêmeas alimentadas com uma dieta pobre produzem ootecas significativamente mais pesadas quando comem os machos com que copulam. Os machos, no entanto, são capazes de copular e inseminar várias fêmeas e são extremamente cautelosos durante as cópulas, fugindo sempre que conseguem. A freqüência de ataque aos machos, nesta espécie, depende do estado nutricional da fêmea. A probabilidade da fêmea consumir o macho chegou a 86% no grupo experimental mantido sob regime deficiente, enquanto no grupo bem alimentado foi de apenas 20%. Esta probabilidade de consumo foi descrita também, em condições de campo, para algumas outras espécies de mantídeos. Lawrence (1992), por exemplo, registrou a ocorrência de canibalismo sexual em Mantis religiosa em apenas 31% das cópulas. Já em Tenodera sinensis a porcentagem de cópulas que terminaram em canibalismo foi ainda menor, 17,6%. Nesta última espécie as fêmeas aparentemente continuam atraindo machos mesmo quando não estão mais sexualmente receptivas, buscando assim reduzir o estresse nutricional promovido por um ambiente pobre em recursos. Embora os machos se aproximem, aparentemente não sendo capazes de distinguir as fêmeas receptivas daquelas simplesmente famintas, sempre tentam escapar da predação (Hurd et al. 1994). Tentativas de consumir os machos durante ou mesmo antes da cópula foram também documentadas para várias espécies de aranhas (veja Elgar 1991, Elgar 1992, Robinson & Robinson

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1980). Assim como em Mantodea, os comportamentos de corte, as posições de cópula e outras estratégias adotadas pelos machos, como esperar que a fêmea capture uma presa para aproximar-se durante o consumo (veja Prenter et al. 1994b), minimizam os riscos de que estes sejam capturados pelas fêmeas (Forster 1992). As tentativas de fuga dos machos e, o que é mais importante, a observação de que o canibalismo sexual em aranhas freqüentemente ocorre antes da cópula (veja Elgar 1992), indicam que também neste grupo existe o conflito de interesses entre os sexos. Além disso, machos de aranhas são potencialmente capazes de copular com várias fêmeas. Newman & Elgar (1991) apresentaram um modelo para explicar o comportamento de atacar os machos antes da cópula analisando os interesses das fêmeas de aranhas orbitelas. De acordo com este modelo, dois fatores ecológicos seriam fundamentais na determinação do canibalismo précópula: a freqüência de encontros com machos durante a estação reprodutiva e a probabilidade de obtenção de biomassa a partir de outros tipos de presas. As fêmeas seriam menos propensas a atacar os machos antes da cópula quando existisse uma reduzida expectativa de encontrar novos parceiros, grande abundância de presas, e baixa variância na taxa de obtenção de alimento. Por outro lado, quando a probabilidade de encontrar novos machos é grande (como, por exemplo, no início da estação reprodutiva) e os nutrientes contidos no corpo do macho podem representar uma contribuição significativa ao número de filhotes produzidos, torna-se interessante atacar os parceiros mesmo antes da inseminação. Assim, a ocorrência ou não de canibalismo sexual dependeria de decisões das fêmeas envolvendo forrageamento e expectativa de encontro de parceiros. O modelo de Newman & Elgar (1991) foi testado experimentalmente por Arnqvist & Henrikson (1997) com aranhas pescadoras do gênero Dolomedes (Pisauridae). Ao contrário do esperado, o número e o tamanho dos filhotes produzidos não foi influenciado pelo consumo do macho. Além disso, o comportamento agressivo das fêmeas não variou de acordo com seu tamanho, com a quantidade de alimento disponível, período dentro da estação reprodutiva, tamanho dos machos ou com o número de inserções palpais recebidas antes dos testes. Arnqvist e Henrikson

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propuseram então um modelo para explicar o canibalismo pré-cópula que não prevê nenhuma vantagem reprodutiva para machos ou para fêmeas. Segundo eles, o comportamento agressivo contra os machos seria um resultado indireto de um comportamento que foi adaptativo em estágios de vida anteriores. Jovens agressivas conseguem mais alimento, crescem mais rápido e produzem um maior número de ovos. Assim, o canibalismo sexual promovido pelas fêmeas pode ter origem na seleção de juvenis mais agressivos, mesmo podendo implicar em custos na vida adulta (risco de não conseguir uma cópula bem sucedida). Neste caso os ataques são atribuídos às falhas de identificação por indivíduos habituados a matar qualquer presa potencial que se aproxime. Existe ainda a possibilidade das fêmeas utilizarem o canibalismo sexual como uma forma de seleção de parceiros. As fêmeas reconheceriam os machos como coespecíficos e potenciais parceiros, mas atacariam aqueles de baixa qualidade (menor tamanho, por exemplo) antes da transferência de esperma (Elgar & Nash 1988). Neste caso, as fêmeas seriam beneficiadas pelos recursos nutricionais presentes no corpo dos machos consumidos e pelo pareamento apenas com machos de alta qualidade. Para os machos, entretanto, novamente não existiria nenhuma vantagem, sendo melhor tentar escapar em todas as ocasiões. Falhas de identificação, o estado nutricional das fêmeas, a probabilidade de encontrar novos parceiros e a qualidade dos machos podem constituir fatores importantes para explicar o canibalismo sexual antes da cópula em muitas espécies de aranhas. Todos os modelos já propostos, entretanto, são sustentados por poucos dados provenientes de trabalhos experimentais, geralmente também restritos a poucas espécies. Mas nem sempre os machos são atacados antes da transferência de esperma, e em pelo menos um caso aparentemente não existe um conflito de interesses entre os sexos. Andrade (1996) observou que os freqüentes eventos de canibalismo sexual em Latrodectus hasselti (Theridiidae) ocorrem sempre em um momento específico da cópula. Poucos segundos após a inserção do palpo, o macho vira-se, posicionando o dorso do abdome ao alcance das quelíceras da fêmea (veja também Forster 1992). Quando uma fêmea virgem consome seu parceiro, geralmente (em 67% dos casos

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observados) recusa novos machos, mas fica propensa a aceitar novas cópulas quando isso não acontece. Assim, machos que copulam com fêmeas virgens tem maiores chances de fecundar seus ovos quando se oferecem como alimento. Da mesma forma, machos que copulam com fêmeas que já haviam sido inseminadas conseguem copular por muito mais tempo quando ocorre o canibalismo. Como a proporção de ovos fecundados pelo segundo macho é correlacionada com o tempo de cópula, também neste caso o sacrifício torna-se vantajoso. Andrade calcula que se uma fêmea que copulou com dois machos produzisse 256 ovos, o segundo macho fertilizaria aproximadamente 235 se fosse consumido e apenas 115 se sobrevivesse à cópula. Apesar disto, nem todos os machos são consumidos. Como o tamanho corporal dos machos é inferior ao tamanho das presas normalmente consumidas, as fêmeas bem alimentadas não se mostram propensas ao canibalismo, apesar da posição vulnerável assumida pelos machos durante a cópula (Andrade 1998).

Infanticídio Matar os filhotes de machos que copularam anteriormente com suas potenciais parceiras propicia aos infanticidas o acesso a fêmeas, tornando-as novamente receptivas, e a garantia de que ao menos parte da nova ninhada será de seus filhotes. Este comportamento ocorre em muitas espécies de mamíferos (e.g. Lewison 1998, Watts & Mitani 2000, Harcourt & Greenberg 2001) e aves (e.g. Osorio & Drummond 2001, Taylor et al. 2001), mas não é comum entre invertebrados. O único caso descrito para aranhas é o de Stegodyphus lineatus. As fêmeas desta espécie cuidam de apenas uma ooteca e voltam a ovipor apenas se a primeira ninhada for perdida. Na população do deserto de Negev, em Israel, estudada por Schneider & Lubin (1996, 1997a), machos em busca de parceiras ainda são encontrados quando cerca de 50% das fêmeas já concluíram a oviposição e estão cuidando de suas ootecas. A disponibilidade de fêmeas para cada macho não é grande e cada um deles geralmente encontra apenas uma ou duas possíveis parceiras durante toda a vida. Assim, as oportunidades de cópula não podem ser desperdiçadas e aqueles que encontram fêmeas não receptivas, que já copularam previamente e depositaram seus ovos, utilizam o infanticídio para

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conseguirem copular. O custo deste comportamento para as fêmeas é muito grande, pois aquelas que perdem a primeira ooteca apresentam menor probabilidade de sobrevivência até que o período normal de cuidado parental esteja concluído e os filhotes aptos à dispersão. Além disso, o número de ovos depositados nas novas ootecas é significativamente menor que nas primeiras (Schneider & Lubin 1997a). Para evitar o canibalismo as fêmeas contam com duas opções: adiar a oviposição (veja Schneider 1999) e lutar com os machos, defendendo ativamente sua prole. Entretanto, como existe um risco diário de mortalidade para as fêmeas, adiar a dispersão significa diminuir suas chances de uma reprodução bem sucedida. Por outro lado, a vitória em combates com machos depende da diferença de tamanho corporal entre os oponentes e o dimorfismo sexual de tamanho de S. lineatus não é muito acentuado. As lutas são curtas, mas agressivas. Quando as fêmeas perdem, deixam suas ootecas na entrada do tubo de seda que utilizam como refúgio e permanecem em seu interior enquanto os machos consomem os ovos. Quando os conflitos terminam com a vitória das fêmeas, os machos são expulsos da teia ou mesmo mortos e consumidos (Schneider & Lubin 1997a).

CLEPTOPARASITISMO O

termo

cleptoparasitismo

foi

inicialmente proposto

para

designar

interações

interespecíficas envolvendo o roubo de alimento já disponível ao consumo como, por exemplo, presas capturadas e já imobilizadas. Posteriormente este termo foi estendido também às interações intraespecíficas. O ato de apropriar-se de presas capturadas por indivíduos da mesma espécie ou de uma espécie distinta é comum em uma grande variedade de grupos taxonômicos, como aves (Brockmann & Barnard 1979, Parrish 1988, Hesp & Barnard 1989, Smith et al. 2002), mamíferos (Durant 2000, Di Bitetti & Janson 2001, Höner et al. 2002), insetos (Erlandsson 1988, Crespi & Abbot 1999, Sivinski et al. 1999, Gonzalez et al. 2002), equinodermos (Morissete & Himmelman 2000), aranhas (Cangialosi 1991, Elgar 1993), entre vários outros.

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Algumas condições ecológicas possibilitam que interações cleptoparasíticas ocorram em uma freqüência mais que esporádica (veja Brockmann & Barnard 1979). A primeira delas é (1) a existência de grandes concentrações de hospedeiros (definidos aqui como os indivíduos que obtém inicialmente o alimento). Isto permite que o cleptoparasita encontre suas vítimas com facilidade e, assim, obtenha todo o alimento que necessita exclusivamente, ou ao menos prioritariamente, através do roubo de itens adquiridos por outros indivíduos. Por outro lado, a ocorrência de muitos hospedeiros em um mesmo local pode propiciar estratégias coletivas de defesa, em alguns casos exigindo a adoção de táticas específicas pelo cleptoparasita para que o roubo seja bem sucedido (e.g. Cangialosi 1991). (2) A possibilidade de adquirir alimento em abundância durante o ataque também favorece o hábito cleptoparasita. Se uma espécie é capaz de obter alimento em grande quantidade, torna-se um alvo especialmente interessante para o roubo, e aqueles indivíduos que transportam as maiores quantidades podem tornar-se as vítimas preferenciais (e.g. Grant 1971). Além da quantidade, (3) a qualidade dos itens alimentares também é importante. Ataques geralmente são direcionados às espécies e/ou indivíduos que transportam itens de alto valor nutricional para o cleptoparasita. (4) Hospedeiros com hábitos previsíveis tornam-se muito mais susceptíveis. Este é o caso, por exemplo, de aves que fazem muitas viagens transportando peixes para seus filhotes. Outras aves cleptoparasitas podem simplesmente esperar a aproximação dos pescadores na entrada de seus ninhos (Grant 1971). (5) A visibilidade dos itens alimentares também é importante, já que itens facilmente detectáveis minimizam o risco do cleptoparasita investir energia na perseguição de hospedeiros que não estão transportando alimento. Finalmente, (6) o roubo ocorre com maior freqüência quando a obtenção de alimento através desta prática é mais fácil que através da exploração do ambiente. Variações nas condições do ambiente, como a disponibilidade e a distribuição do alimento, podem representar fatores chaves para determinação da estratégia de forrageamento (roubo ou procura) preferencialmente adotada pelos indivíduos de espécies que contam com estas opções. Assim, sob algumas circunstâncias, a ocorrência de cleptoparasitismo intraespecífico pode tornar-se

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comum em grupos de indivíduos que antes conseguiam seu alimento principalmente através da exploração direta do meio (veja Broom & Ruxton 1998, Smith et al. 2002). Da mesma forma, como já foi mencionado em relação a algumas espécies araneofágicas, roubar presas de outras espécies pode representar apenas uma estratégia dentro de um amplo repertório comportamental de forrageamento. Neste capítulo, entretanto, serão abordadas principalmente as interações envolvendo espécies que invariavelmente adotam a estratégia de cleptoparasitismo e de suas hospedeiras. Como as condições ecológicas citadas acima freqüentemente podem ser observadas em relação às aranhas construtoras de teias, esta forma de forrageamento não é rara e algumas espécies estão morfologicamente e comportamentalmente adaptadas à obtenção de alimento exclusivamente através do roubo. Além disso, aranhas possuem duas características que as tornam especialmente susceptíveis à ação de cleptoparasitas, a digestão extracorpórea lenta e, em alguns casos, o comportamento de armazenar presas na teia (Fig. 11.4). O hábito de roubar presas já imobilizadas e armazenadas nas teias dos hospedeiros torna desnecessário o investimento energético relativo à construção de uma estrutura própria de captura e permite evitar o trabalho e os riscos envolvidos na atividade de subjugar os insetos interceptados. Em alguns casos, entretanto, as vantagens para os cleptoparasitas vão muito além disso. Os fluidos excretados durante o consumo de uma presa podem representar até 3,5% de todo o conteúdo protéico do corpo de uma aranha (Riechert & Harp 1987). Alguns cleptoparasitas podem minimizar até mesmo estes gastos com enzimas digestivas, alimentando-se de presas já digeridas por seus hospedeiros. Este é o caso de Curimagua bayano (Symphytognathidae) e três espécies de Mysmenopsis (Mysmenidae) cleptoparasitas de Diplura sp. (Dipluridae), uma caranguejeira que ocorre no Panamá. Os Mysmenopsis são atraídos pela atividade de consumo de presas de Diplura sp., sugando a biomassa pré-digerida por seus hospedeiros enquanto estes estão se alimentando. Curimagua bayano faz o mesmo, mas de forma ainda mais interessante. Enquanto os Mysmenopsis vivem associados às teias de Diplura, Curimagua permanece sobre o cefalotórax destas caranguejeiras. Estes cleptoparasitas, de tamanho muito reduzido, possuem características

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morfológicas (quelíceras fundidas na base e anatomia da região bucal) que possivelmente tornariam inviável a captura, imobilização e processamento de presas através de seus próprios esforços. Com a associação, podem simplesmente cavalgar suas hospedeiras até que estas comecem a digerir alguma presa. Quando isso acontece, o cleptoparasita desce pelas quelíceras da Diplura e suga o líquido resultante de sua digestão extracorpórea (Vollrath 1978, 1987c). Assim como Diplura sp., a maioria das espécies observadas como hospedeiros de aranhas cleptoparasitas constrói teias. Esta tendência pode constituir um artefato decorrente da relativa escassez de informações sobre interações interespecíficas envolvendo aranhas cursoriais. Por outro lado, a construção de teias oferece algumas vantagens para as espécies cleptoparasitas. A primeira delas é que representam armadilhas estáticas, tornando previsível a localização do recurso. Outra vantagem é a possibilidade dos saqueadores permanecerem por longos períodos próximos a seus hospedeiros. Muitas aranhas cleptoparasitas vivem nas teias de espécies hospedeiras, aproveitandose inclusive de benefícios adicionais, como a proteção contra inimigos naturais, proporcionada por estas estruturas. Finalmente, como as teias são estruturas de captura que superam em muito a extensão do corpo de suas construtoras, geram mais oportunidades para que os cleptoparasitas aproximem-se de itens que não estão sendo guardados e/ou manipulados (Vollrath 1987c). Dentre as maiores teias, capazes de oferecer abrigo e alimento para um grande número de invasoras, estão as estruturas coletivas tecidas por aranhas sociais (veja capítulo 9 deste livro). A atração de cleptoparasitas para estas teias (veja Smith-Trail 1980, Elgar 1989) freqüentemente é apontada como uma desvantagem da vida em grupo para as aranhas. Cangialosi (1990b), entretanto, observou que embora as teias de Anelosimus eximius (Theridiidae) sejam normalmente ocupadas por muitos indivíduos de Faiditus ululans (Theridiidae), uma espécie cleptoparasita, a captura coletiva de presas pelos hospedeiros reduz a eficiência da pilhagem. Quando os insetos são capturados por várias fêmeas de A. eximius, o tempo necessário para o transporte da biomassa adquirida para um abrigo é menor, reduzindo a susceptibilidade do item ao ataque dos saqueadores. Além disso, a captura coletiva faz com que muitos indivíduos passem a monitorar quaisquer

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vibrações na teia, tornando mais eficiente a localização e expulsão dos cleptoparasitas. Apesar destes mecanismos de defesa, A. eximius chega a perder até 26% de suas presas para Faiditus ululans. A maior parte das informações comportamentais sobre aranhas cleptoparasitas refere-se a espécies da subfamília Argyrodinae (Theridiidae). Embora praticamente nada se saiba sobre muitas espécies desse grupo, a grande diversidade de hábitos observada nos gêneros Argyrodes, Faiditus e Neospintharus têm despertado um crescente interesse de vários pesquisadores (veja Whitehouse et al. 2002, Agnarsson 2004).

A subfamília Argyrodinae Os membros da subfamília Argyrodinae geralmente exploram outras aranhas para obter seu alimento, roubando presas armazenadas, fios de teia, ou mesmo atacando-as diretamente (Whitehouse et al. 2002, Agnarsson 2004). Até recentemente, todas as espécies desta subfamília (cerca de 230) estavam incluídas no gênero Argyrodes. Exline & Levi (1962) e Levi & Levi (1962), entretanto, já haviam dividido o gênero em vários grupos de espécies, estabelecidos com base em características morfológicas da região cefálica e do clípeo dos machos e da forma do abdome e genitália. Yoshida (2001a, b) e Agnarsson (2004) consideraram que, embora o gênero Argyrodes, conforme definido por Exline & Levi (1962), constituísse um grupo monofilético, incluía tanta diversidade e tantos grupos com características distintas, que seria mais apropriado elevá-lo à categoria de subfamília. Esta passou então a incluir os gêneros: Argyrodes, Ariamnes, Faiditus, Neospintharus, Rhomphaea e Spheropistha. Muitas aranhas dos gêneros Argyrodes, Faiditus e Neospintharus especializaram-se em roubar presas (veja Whitehouse et al. 2002, Agnarsson 2004). Geralmente possuem um tamanho corporal muito inferior ao de seus hospedeiros, além de longas pernas e grande sensibilidade a vibrações. Estas características lhes permitem mover-se discretamente nas teias dos hospedeiros e detectar a posição de quaisquer presas, mesmo aquelas de tamanho muito reduzido. Estes

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cleptoparasitas deslocam-se lentamente quando seus hospedeiros estão em posição de repouso, aumentando o ritmo de suas atividades quando percebem que eles estão promovendo vibrações na teia (Vollrath 1979a). Desta forma, diminuem os riscos de serem identificados e expulsos. Vollrath (1979b, 1987c) descreve o comportamento de Argyrodes elevatus em teias de Nephila clavipes e as reações desta hospedeira quando detecta os intrusos. Embora Nephila tenha muitas vezes conseguido perceber a presença de A. elevatus, chegando a perseguí-las, nenhuma captura foi efetuada durante suas observações. Os hospedeiros que foram expostos à ação destes cleptoparasitas por um longo tempo aparentemente deixaram de apresentar qualquer reação. Os tipos de interações de espécies de Argyrodinae com outras aranhas, entretanto, não se restringem apenas ao roubo de presas capturadas por hospedeiros maiores. Podem também atacá-los enquanto estes estão envolvidos no processo ecdise ou capturar pequenos insetos que não foram detectados pelos hospedeiros (veja Whitehouse 1986). Espécies com comportamentos araneofágicos podem também imobilizar suas presas envolvendo-as com fios pegajosos (Eberhard 1979, Whitehouse et al. 2002, Whitehouse 1987b), produzir vibrações que simulam a presença de insetos interceptados pelas teias (Whitehouse 1987b) ou atacar diretamente as aranhas hospedeiras, agarrando-as com suas pernas dianteiras (Whitehouse et al. 2002). Em alguns casos, como em Neospintharus trigonum, uma mesma espécie pode comportar-se predominantemente como cleptoparasita em teias de certos hospedeiros e como predadora em teias de outros (Cangialosi 1997, Wise 1982). Já as espécies dos gêneros Rhomphaea e Ariamnes parecem ter especializado-se na invasão de teias e captura de aranhas. As aranhas destes dois gêneros utilizam um comportamento característico para imobilizar suas presas: movem simultaneamente as duas pernas IV para lançar fios adesivos sobre outras aranhas (Whitehouse et al. 2002, Agnarsson 2004). Whitehouse et al. (2002) discutem quatro possíveis relações entre cleptoparasitismo e araneofagia no gênero. A primeira possibilidade seria a inexistência de quaisquer relações evolutivas entre o desenvolvimento das duas estratégias. No segundo modelo, o comportamento araneofágico teria evoluído a partir do cleptoparasitismo (veja também Smith-Trail 1980). Já o

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terceiro modelo supõe o contrário, que a invasão de teias para atacar os residentes teria dado origem ao hábito de explorar outros recursos presentes nestas teias (veja também Vollrath 1984). E finalmente, apresentam a possibilidade das duas estratégias terem evoluído independentemente, a partir de um ancestral construtor de teias. Os autores apresentam três árvores filogenéticas do grupo, construídas a partir de distintos conjuntos de dados, que não são congruentes em fornecer suporte a um destes modelos em específico. Sugerem, entretanto, que a espécie basal do grupo utiliza tanto comportamentos cleptoparasíticos quanto araneofágicos, e que posteriormente teria havido uma especialização e/ou refinamento das técnicas de forrageamento utilizadas. Se estas técnicas são diversificadas entre as espécies araneofágicas encontradas atualmente, apresentam também grandes variações entre os cleptoparasitas. A pequena espécie Faiditus globosus representa um exemplo de cleptoparasita versátil. Quando os hospedeiros são pouco agressivos, como Gasteracantha cancriformes e Verrucosa arenata (Araneidae), F. globosus chega a alimentar-se enquanto as presas ainda estão sendo consumidas pelas aranhas residentes (Henaut 2000, Whitehouse et al. 2002). Já quando estão em teias de Leucauge mariana, formam grupos maiores e atacam itens que não estão sendo manipulados. Neste caso, a ocorrência simultânea de vários cleptoparasitas pode distrair o hospedeiro, promovendo sinais vibratórios em várias direções (Whitehouse et al. 2002). O comportamento gregário, algumas vezes incluindo a formação até mesmo de grupos mistos nas teias de seus hospedeiros, é uma característica de várias espécies de Argyrodinae. Agnarsson (2002) sugere que o cleptoparasitismo neste gênero, assim como comportamentos sociais mais complexos observados em outros membros da família Theridiidae (veja capítulo 9 deste livro), pode ter evoluído a partir da tolerância entre irmãos em espécies com cuidado maternal prolongado. Segundo ele, a ocorrência de vários destes cleptoparasitas na teia de um hospedeiro pode constituir uma variação da co-ocorrência de vários irmãos na teia materna. Agnarsson baseia sua suposição na filogenia de Theridiidae (Agnarsson 2004, Arnedo et al. 2004) que mostra os Argyrodinae como o grupo irmão de um clado que concentra muitas espécies sociais.

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Outro tipo de interação cleptoparasítica nesta subfamília que é particularmente interessante e relativamente pouco comum foi descrito por Tso & Severinghaus (1998). Argyrodes lanyuensis invade teias de Nephila maculata e, além de roubar presas, alimenta-se dos fios tecidos por esta hospedeira. Os cleptoparasitas são responsáveis por uma diminuição média de cerca de 20% no tamanho das teias de N. maculata e, em alguns casos, esta diminuição pode chegar a mais de 50%. Este hábito faz com que o hospedeiro perca grande parte do investimento energético depositado na construção de sua teia e tenha sua capacidade de forrageamento reduzida. O mesmo comportamento foi observado também em Argyrodes elevatus (Higgins & Buskirk 1998). Quando existem presas em abundância nas teias de N. clavipes, A. elevatus alimenta-se dos itens ignorados por estes hospedeiros e complementa sua dieta com segmentos de teia. Embora o hábito de consumir suas próprias teias seja comum entre aranhas orbitelas (Townley & Tillinghast 1988), o mesmo não acontece em Theridiidae. Baseados nesta observação, Higgins e Buskirk sugerem que o consumo de teias de hospedeiros tenha surgido como uma modificação de outro tipo de comportamento, a remoção de segmentos de teia contendo insetos aderidos. Assim, em situações de escassez de presas, os cleptoparasitas poderiam continuar cortando pedaços de teia, que passariam então a constituir seu único alimento.

Cleptoparasitas de outros grupos taxonômicos Teias de aranhas não são saqueadas apenas por outras aranhas. A presença de presas armazenadas e/ou em processo de digestão atrai ainda vários outros tipos de cleptoparasitas, como espécies de Lepidoptera (Robinson 1978), Hymenoptera (Fowler & Venticinque 1996, Jeanne 1972), Heteroptera (Eberhard et al. 1993b), Odonata (Fincke 1984), Mecoptera (Thornhill 1975), Diptera (Nentwig 1985d, Sivinsky & Stowe 1980) e até mesmo beija-flores (Parrish 1988, Young 1971). Informações sobre a maioria dos casos envolvendo estes cleptoparasitas, entretanto, são escassas, geralmente restringindo-se à descrição de observações eventuais. Entre os mais intensivamente estudados estão os dípteros (Fig. 11.5), com registros de espécies que roubam presas

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de aranhas em dez famílias (Chloropidae, Milichiidae, Cecidomyiidae, Ceratopogonidae, Empididae, Phoridae, Microphoridae, Scatophagidae, Anthomyiidae e Lonchaeidae) (veja Nentwig 1985d e Sivinsky et al. 1999). Os saqueadores muitas vezes vivem nas teias de seus hospedeiros. Este é o caso, por exemplo, de Lipokophila eberhardi (Heteroptera, Plokiophilidae), espécie freqüentemente encontrada em teias de Tengela radiata (Tengellidae), na Costa Rica. As teias construídas por esta aranha são compostas por um amplo lençol de fios intrincados e por um refúgio em forma de tubo, além de vários fios que ligam estas estruturas à vegetação. Os cleptoparasitas são capazes de movimentar-se tanto na superfície superior quanto na inferior do lençol, distribuindo-se por toda a sua extensão. Atacam diretamente pequenos insetos interceptados na teia, aproximando-se lentamente e transpondo o lençol com suas probóscides para alcançar o alimento. Foram observados também se alimentando de presas que estavam sendo consumidas por seus hospedeiros. Os movimentos de T. radiata, locomovendo-se para fora do refúgio, capturando uma presa e retornando para o tubo de seda fazem com que os cleptoparasitas dirijam-se para este local, buscando obter parte do alimento disponível. Em seguida, sobem na presa que está sendo manipulada nas quelíceras da aranha e permanecem sugando seu conteúdo por vários minutos (Eberhard et al. 1993b). Os dípteros também se aproveitam da digestão extracorpórea de suas hospedeiras, roubando biomassa enquanto as aranhas ainda estão secretando enzimas sobre a presa capturada. Para isso, alguns permanecem grande parte de sua vida em íntima associação com uma aranha. Assim como na associação entre as aranhas Curimagua bayano e Diplura sp., já mencionada, moscas do gênero Phyllomyza (Milichiidae), passam longos períodos sobre o cefalotórax de Nephila clavipes para roubar alimento. Robinson & Robinson (1977) observaram que estas moscas ficam praticamente inativas nesta posição até que suas hospedeiras iniciem o processo de digestão de uma presa. Quando isso acontece, as moscas movem-se até a superfície do inseto pré-digerido e sugam seu conteúdo. Após ingerirem alimento suficiente para distender seus abdomes ao máximo, retornam à

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posição de repouso sobre a aranha. Foram observadas até oito destas moscas em uma única hospedeira, que não demonstrou nenhuma reação para afastá-las. A estratégia de permanecer sobre o corpo do hospedeiro permite que os cleptoparasitas possam aproveitar todas as oportunidades de forrageamento tão logo elas apareçam. Por outro lado, existe um risco associado à permanência por longos períodos sobre um predador, e muitos dípteros cleptoparasitas repousam próximos às teias, mas não em contato direto com suas construtoras (e.g. Olcella cinerea, Chloropidae - Sivinsky 1985). Este hábito, embora mais seguro, requer a capacidade de perceber um evento de captura à distância. Os Milichiidae Neophyllomyza sp., Milichiella sp., Desmometopa sp. e Paramyia nitens são exemplos de dípteros cleptoparasitas que desenvolveram esta capacidade. Estas espécies são atraídas pela substância de defesa expelida por heterópteros das famílias Pentatomidae e Coreidae. Quando estes insetos são capturados nas teias de Nephila, liberam um composto volátil que é detectado pelos dípteros e utilizado para direcionar seu vôo até a fonte de recursos (Eisner et al. 1991). Já as fêmeas de Microphor anomalus (Microphoridae) inspecionam visualmente as teias, aproximando-se de quaisquer objetos (carcaças, sementes, detritos) aderidos nos fios. Nentwig (1985d) observou que estas moscas utilizam as espirais e raios da teia para orientar seus movimentos de busca.

Conclusões Embora sejam usualmente consideradas predadoras de insetos, as aranhas desenvolveram uma grande diversidade de hábitos que incluem a exploração de outras aranhas, atacando-as diretamente ou roubando suas presas. Ataques aos parceiros sexuais geralmente ocorrem antes da cópula, e a determinação da motivação deste comportamento depende ainda de estudos envolvendo um número maior de espécies. Já ataques interespecíficos, entretanto, constituem a principal estratégia de várias espécies. A araneofagia e o cleptoparasitismo provavelmente evoluíram independentemente várias vezes em aranhas. Apesar disto, pode haver uma estreita relação entre estas duas formas de forrageamento em alguns grupos, como em Argyrodinae, onde ambas ocorrem

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com freqüência. Nestes casos, além do aumento do conhecimento sobre a filogenia do grupo, tornase essencial a obtenção de dados comportamentais de espécies sobre as quais nada sabemos.

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ARANHAS QUE ENGANAM: ESTRATÉGIAS DE ILUSÃO UTILIZADAS POR ESPÉCIES MIMÉTICAS

FLORENCIA FERNÁNDEZ CAMPÓN

Mimetismo é uma forma de interação interespecífica que envolve pelo menos três espécies: um modelo, uma espécie mimética (que imita o modelo) e um operador, que recebe os sinais produzidos pelo modelo e pela espécie mimética (Vane-Wright 1976). As falsas corais, cobras não venenosas que imitam as corais verdadeiras, são exemplos de espécies miméticas. Neste caso, a coral verdadeira é o modelo, uma espécie evitada por predadores devido à ação de seu veneno. Várias espécies de cobras não venenosas podem apresentar semelhanças de forma, tamanho e cor com corais verdadeiras, o que lhes confere proteção contra predadores em potencial, como aves ou mamíferos (operadores), que seriam incapazes de distinguir corais falsas das verdadeiras (Pfenning et al. 2001). Os mimetismos podem ser classificados de acordo com o tipo de estímulo utilizado para imitar o modelo (e.g. mimetismo morfológico, comportamental, químico; Elgar 1993), ou de acordo com seu valor adaptativo (Wickler 1968). Neste capítulo, será apresentada uma revisão de estudos sobre mimetismo em aranhas, começando com uma descrição dos diferentes tipos com base em seu valor adaptativo. Em seguida, alguns estudos serão analisados de forma detalhada.

Tipos de mimetismo A classificação dos tipos de mimetismo de acordo com seu valor adaptativo se baseia no tipo de benefício obtido pela espécie mimética e na forma em que esta interage com o modelo e com o operador (Tab. 12.1). Dessa forma, foram definidos quatro tipos: mimetismo batesiano

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(Bates 1862), mülleriano (Müller 1878), agressivo ou peckhamiano (Peckham 1889) e wasmanniano (Wasmann 1925). O tipo de mimetismo descrito em maior freqüência para aranhas é o batesiano, quando a espécie mimética e o modelo não interagem de forma direta. É necessário que essas duas espécies coexistam no tempo e espaço, de forma que a mimética seja confundida com o modelo (que pode ser impalatável, agressivo ou difícil de capturar) e seja evitada por seus predadores. O mimetismo batesiano requer: i) que os predadores aprendam a evitar espécies impalatáveis ou agressivas (modelo); ii) que essa aversão seja intensa o suficiente para que seja estendida à espécie mimética; e iii) que o modelo seja mais abundante que a espécie mimética, de forma que o predador se encontre mais freqüentemente com o modelo e aprenda a evitá-lo. No mimetismo mülleriano (Müller 1878) o tipo de interação entre o modelo, a espécie mimética e o operador é similar ao observado no mimetismo batesiano. A maior diferença entre esses dois é que no mimetismo mülleriano tanto o modelo quanto a espécie mimética são, de alguma forma, repulsivos para o operador (predador). Desta forma, o modelo e a espécie mimética compartilham os sinais defensivos (coloração, forma, odores) que advertem o operador de sua impalatabilidade ou periculosidade, o que lhes confere uma vantagem adaptativa ao facilitar a memorização destes sinais pelo predador. No mimetismo agressivo, ou peckhamiano, a espécie mimética é o predador, que engana sua presa para aproximar-se o suficiente para capturá-la. Algumas espécies miméticas imitam sinais utilizados por suas presas na comunicação sexual ou social para atraí-las. Nestes casos, a espécie mimética é um emissor ilegal do sinal (Haynes & Yeargan 1999) e a presa é ao mesmo tempo o modelo que está sendo imitado e o operador que recebe o sinal. A espécie mimética também pode imitar as presas de sua vítima e, neste caso, o operador seria a vítima e o modelo a presa deste operador. Como as aranhas geralmente predam insetos, elas utilizam estímulos químicos para atrair suas vítimas. Quando o objetivo é capturar outras aranhas, estímulos vibratórios são utilizados.

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No mimetismo wasmanniano, as espécies miméticas imitam a espécie com a qual se associam de forma a ter acesso a recursos sem afetar negativamente o hospedeiro. O tipo de recurso pode ser alimento, um microhabitat mais estável ou um que confira maior proteção à espécie mimética. Os tipos de estímulos utilizados depende da forma através da qual o hospedeiro reconhece coespecíficos. Em geral são estímulos químicos, mas também podem existir estímulos comportamentais e táteis. Neste tipo de mimetismo geralmente se pressupõe que a espécie mimética não afeta negativamente a espécie hospedeira, já que cada uma utiliza presas distintas e, assim, a presença do mímico não teria efeito sobre o sucesso reprodutivo do modelo. Dessa forma, a relação entre mímico e modelo seria do tipo comensalista. Com exceção do mimetismo mülleriano, todos os tipos foram descritos para aranhas. É possível que a ausência de casos de mimetismo mülleriano se deva ao fato de que as aranhas não são, em geral, repulsivas para predadores em potencial (mas veja Levi 1965).

Relevância adaptativa dos mimetismos Para a maioria dos casos de mimetismo propostos na literatura, os supostos benefícios conferidos à espécie mimética não foram medidos ou mesmo postos à prova. Presume-se que estes benefícios existam devido à semelhança entre a espécie mimética e seu suposto modelo e porque a interação entre ambos possui as características atribuídas aos diferentes tipos de mimetismo. Entretanto, existem alguns estudos que demonstraram efetivamente que a espécie mimética é favorecida ao imitar seu modelo (Greene et al. 1987, Mather & Roitberg 1987, Whitman et al. 1988, Cutler 1991, Nelson et al. 2004.) e assim, atualmente o mimetismo é amplamente aceito como uma estratégia de sobrevivência. Para testar a existência de mimetismo e o benefício que este oferece à espécie mimética deve-se identificar a espécie modelo e o operador (Quadro 12.1). É necessário também demonstrar que o operador ignora ou evita o modelo e que este comportamento se estende à espécie mimética. Nesses experimentos é importante incluir como grupo controle indivíduos de uma espécie não

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mimética ou indivíduos da espécie mimética modificados, de modo a reduzir sua semelhança com modelo. Esse grupo serviria para comprovar que a semelhança na resposta do operador frente à espécie mimética e ao modelo se deve realmente à similaridade entre ambos e não a outro fator que possa afetar sua capacidade de resposta. Além disso, esse grupo controle seria importante para determinar os benefícios obtidos pela espécie mimética em relação a uma espécie não mimética ou, como se observou em outros estudos, a contribuição de diferentes caracteres (morfológicos, comportamentais) à similaridade entre a espécie mimética e seu modelo (Greene et al. 1987, Cutler 1991).

Mimetismo batesiano Como mencionado acima, no mimetismo batesiano os indivíduos de uma espécie imitam outra de forma a obterem proteção contra predadores. Um dos modelos mais imitados, tanto por aranhas quanto por outros artrópodes, são as formigas. Embora não estejam livres de predadores, as formigas geralmente são evitadas por vários grupos de animais que se alimentam de aranhas, como lagartixas, vespas, hemípteros e aranhas (Edmunds 1974). A maioria desses predadores possuem boa visão, o que explicaria porque aranhas são menos predadas quando assemelham-se morfologicamente a formigas. As formigas possuem várias características que as tornam pouco palatáveis ou difíceis de capturar. Entre essas características encontram-se a presença de um ferrão, fortes mandíbulas, um exoesqueleto duro, resistente e muitas vezes com espinhos, e a produção de substâncias irritantes (e.g. ácido fórmico). Além disso, como são insetos sociais, a defesa da colônia é muito eficiente. Finalmente, sua grande abundância, seu relativo monomorfismo e sua presença em quase todos os tipos de habitat fazem das formigas organismos adequados à imitação (Oliveira 1986). Outros modelos com características defensivas similares às formigas, embora menos agressivos, são os cupins. Apesar disso, até o momento, existem poucos registros de espécies termitomorfas (Jocqué 1994). O mesmo ocorre com outros modelos imitados por aranhas, como

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mutilídeos (Reiskind 1976, Edwards 1984, Nentwig 1985c, Zabka 1992), pseudoescorpiões (Platnick 1984, Parker & Cloudsley-Thompson 1986), certos coleópteros presumivelmente não palatáveis (Chang 1996) e até mesmo as cápsulas que recobrem as sementes de Eucalyptus (YorkMain 1999) ou excrementos de pássaros (Gertsch 1947, 1955, Eberhard 1980). Esses últimos casos referem-se a mimesis e não mimetismo batesiano, já que nem as cápsulas nem os excrementos de pássaros constituem presas potenciais para predadores de aranhas, mas fazem parte do substrato ou fundo onde se encontram as aranhas, que são ignorados por esses predadores. Uma vez que a maioria das espécies predadoras de aranhas orienta-se visualmente, o mimetismo batesiano manifesta-se principalmente através de características morfológicas e comportamentais. A maioria das espécies de aranhas que apresenta mimetismo morfológico se encontra na família Salticidae e, em segundo lugar, em Corinnidae (Fig. 12.1). Nesta última, composta principalmente por espécies tipicamente noturnas, aquelas com mimetismo morfológico são diurnas. Existem espécies com mimetismo morfológico também em outras famílias, mas estas geralmente apresentam também outros tipos de mimetismo e, por isso, serão descritas mais adiante.

Mirmecomorfismo As espécies que imitam formigas morfologicamente são denominadas mirmecomorfas (Donisthorpe 1927) ou formiciformes (Galiano 1965, 1967, 1975). Estas espécies possuem diferentes modificações em sua coloração ou forma do corpo que as tornam morfologicamente similares a formigas (Fig. 12.2): seu corpo parece estar dividido em três segmentos em lugar de dois; possuem pernas longas e delgadas, e não curtas e robustas; e imitam estruturas como as mandíbulas, olhos compostos e até mesmo o ferrão, através de modificações nas quelíceras, na pigmentação da cutícula e na posição das fiandeiras. Em geral, o corpo das espécies que imitam formigas é muito mais estreito que das outras espécies, o que pode diminuir sua fecundidade. As fêmeas de espécies mirmecomorfas depositam um número de ovos menor por ooteca que outras espécies de aranhas de tamanho similar. Por outro

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lado, algumas espécies compensam o menor número de ovos por ooteca produzindo mais ootecas (Edmunds 1978, Cushing 1997). A maioria das espécies que apresenta mimetismo morfológico também apresentam mimetismo comportamental. Elas se movem de forma mais errática que aranhas não miméticas, imitando o padrão de movimentação de seus modelos. Os indivíduos deslocam-se utilizando apenas três pares de pernas, levantando o primeiro ou segundo par para imitar os movimentos de antenas realizados pelas formigas (Reiskind 1977, Jackson 1986d).

Polimorfismos As aranhas apresentam poucas diferenças morfológicas ao longo de seu desenvolvimento, sendo que todos os estádios são morfologicamente similares entre si, exceto pelo tamanho. Seria esperado que os diferentes estádios imitassem formigas cujo tamanho correspondesse com o da aranha, de forma que esta apresentasse maior semelhança com seu modelo. O que ocorre é que muitas espécies mirmecomorfas, quando nos primeiros estádios, imitam espécies de formigas pequenas ou castas pequenas de algumas espécies, e nos estágios subsequentes, passam a imitar castas ou espécies maiores de formigas. Este fenômeno é conhecido como mimetismo transformacional (Mathew 1935). Vários estudos documentaram o mimetismo transformacional em aranhas (Reiskind 1969, 1970, Edmunds 1978, Wanless 1978), incluindo espécies encontradas na Amazônia central e sudeste do Brasil (Oliveira 1986, 1988). Na família Corinnidae, estádios iniciais de Myrmecium gounellei apresentam o abdome triangular, assemelhando-se à formiga Crematogaster limata (Myrmicinae). Os adultos, por sua vez, apresentam a forma do corpo e coloração muito parecidas com Camponotus femoratus (Formicinae). Estas duas espécies de formigas vivem em parabiose (compartilham os mesmos ninhos e trilhas) e eram as formigas mais abundantes nas regiões onde as aranhas foram encontradas (Oliveira 1988). Esta associação com as duas espécies de formigas é vantajosa para as aranhas, já que estas podem trocar de modelo sem a necessidade de deslocarem-se

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para outros habitats. Edmunds (1978) descreveu casos semelhantes envolvendo espécies do gênero Myrmarachne (Salticidae, Fig. 12.1A) associadas a diferentes espécies de formigas parabióticas ou tolerantes entre si. Outros tipos de polimorfismo podem ocorrer entre indivíduos adultos, em alguns casos associados a diferenças entre machos e fêmeas. Em espécies com dimorfismo sexual, cada sexo imita um modelo diferente, como ocorre com Zuniga magna (Salticidae). Os machos desta aranha apresentam um prolongamento do abdome, com a presença de bandas, que lhes permite imitar com grande exatidão a região pós-peciolar e o gáster segmentado da formiga Pseudomyrmex gracilis e outras espécies da subfamília Pseudomyrmicinae. Além disso, os palpos muito desenvolvidos dos machos imitam muito bem a cabeça da formiga: a extremidade dos palpos é amarela, como as mandíbulas do modelo; enquanto marcas iridescentes na superfície lateral externa imitam grandes olhos compostos. As fêmeas adultas, por sua vez, são muito similares a Pachycondyla villosa (Ponerinae), apresentando a mesma coloração escura com pêlos dourados e o cefalotórax constrito, dando a impressão de dois segmentos corporais (cabeça e tórax). O abdome é muito alongado e muito similar ao gáster característico das formigas da subfamília Ponerinae; semelhança esta reforçada pela presença de pigmentação e de faixas horizontais de pêlos que criam uma aparência de segmentação. Além de apresentarem mimetismo morfológico, estas aranhas caminham em zigzag com o primeiro par de pernas levantado como se fossem antenas (Oliveira 1986, 1988). O polimorfismo pode ocorrer também entre indivíduos do mesmo sexo, geralmente fêmeas, envolvendo diferenças de coloração e tamanho. Por exemplo, as fêmeas do salticídeo Synemosina aurantiaca apresentam um morfo amarelado ou castanho e outro negro. Os membros do primeiro morfo assemelham-se a espécies de Pseudomyrmex, como P. flavidulus e P. oculatus, enquanto os indivíduos do morfo negro imitam espécies como P. gracilis e P. sericeus (Oliveira 1986). Segundo Oliveira (1986) o polimorfismo poderia constituir uma estratégia para evitar a predação dependente da densidade. Quando a espécie mimética é abundante em relação ao modelo, a taxa de encontro entre a primeira e o predador (operador) pode ser excessivamente alta, de modo

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que o predador não aprende a reconhecer as características compartilhadas entre o mimético e o modelo como sinais de impalatabilidade ou perigo. suficientemente alta para que o predador deixe de evitar tanto o mímico quanto o modelo (Edmunds & Edmunds 1974). Imitando várias espécies de modelos, os mímicos polimórficos evitariam que a grande abundância de um único morfotipo reduza a eficiência de seu disfarce. Embora essa hipótese não tenha sido posta à prova com aranhas, o mesmo fenômeno já foi demonstrado com espécies miméticas de borboletas (Edmunds 1974 e referências citadas nesse trabalho).

Especificidade de espécies miméticas A especificidade ou similaridade com que as aranhas imitam espécies de formigas é variável. Em muitos casos o grau de similaridade morfológica com um modelo em particular é extraordinário; em outros, existem espécies miméticas que assemelham-se a subfamílias de formigas, mas a nenhuma espécie em particular. Em teoria, seria esperado que as espécies muito similares a seus modelos enganem mais facilmente seus predadores, sejam menos predadas e, consequentemente, sejam mais abundantes que as espécies com menor grau de similaridade. Por outro lado, espécies miméticas generalistas, embora menos protegidas contra predadores, podem associar-se com um maior número de modelos e, assim, explorar uma maior diversidade de hábitats, como demonstrado para duas espécies de Zodarion (Zodariidae) por Pekár & Křál (2002). Edmunds (2000) desenvolveu um modelo teórico para explicar a relação entre a especificidade das espécies miméticas e sua abundância. Sua hipótese sobre múltiplos modelos está baseada no seguinte: uma espécie mimética de grande especificidade alcançaria um alto nível de proteção, devido a sua grande similaridade com o modelo, apenas quando a espécie imitada e o predador ocorram em um mesmo local. Para tanto, o tamanho populacional da espécie mimética dependeria tanto do modelo como do predador. Uma espécie mimética de menor especificidade, similar a diferentes espécies de modelo, teria um nível de proteção menor, mas eficiente em uma

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escala espacial maior, compreendendo a área de distribuição dos diferentes modelos e predadores. Como imitam vários modelos e apresentam área de distribuição mais ampla, espécies generalistas poderiam apresentar tamanhos populacionais tão grandes quanto as espécies que imitam apenas um modelo. Edmunds (2000) reconhece que este modelo teórico não considera certos fatores importantes, como a relação de dependência de densidade entre o modelo e a espécie mimética, assim como o fato de que os predadores poderiam discriminar o modelo e as espécies miméticas, eliminando os mímicos mais generalistas. Apesar disso, o autor argumenta que o modelo teórico continua sendo aplicável com a condição de que as espécies miméticas especialistas e generalistas não se sobreponham geograficamente e, como ocorre com os himenópteros, que as espécies modelo sejam suficientemente perigosas para que os predadores generalizem sua resposta evasiva.

Mimetismo agressivo No mimetismo agressivo as aranhas imitam outras espécies de forma a atrair suas presas ou aproximarem-se o suficiente para capturá-las. As espécies que apresentam este tipo de mimetismo possuem dieta especializada, o que é relativamente raro em aranhas. Como diferentes espécies de aranhas especializaram-se em capturar diferentes tipos de presas, o mimetismo agressivo é o que apresenta maior diversidade de estímulos, utilizados para enganar os operadores. Em alguns casos, as aranhas imitam os sinais emitidos por suas presas e, em outros, imitam a presa da espécie que buscam capturar, como ocorre em algumas espécies araneofágicas (veja capítulo 11 deste livro).

Aranhas mirmecófagas Existem várias espécies de aranhas que predam exclusivamente formigas. Enquanto as espécies que apresentam mimetismo batesiano evitam as formigas utilizadas como modelo, as espécies de aranhas mirmecófagas permanecem sempre próximas às formigas. Como são insetos sociais, as formigas são localmente abundantes e, uma vez localizadas, constituem uma fonte de alimento previsível tanto no tempo quanto no espaço (Castanho & Oliveira 1997). Esta poderia ser

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uma das razões da existência de aranhas especializadas em consumir formigas, apesar do risco associado à captura deste tipo de presa (Nentwig 1986). A periculosidade das formigas como presas torna-se evidente na descrição de aranhas com pernas amputadas e mesmo consumidas pelas formigas que tentaram capturar (Mathew 1954, Oliveira & Sazima 1985, Castanho & Oliveira 1997, Pekár et al. 2005). Entre as aranhas mirmecófagas, existem espécies que vivem dentro dos formigueiros e outras que, embora sempre encontradas em associação com suas presas, não habitam seus ninhos. As adaptações de aranhas à vida dentro dos ninhos de formigas serão descritas na sessão sobre mimetismo wasmanniano. As aranhas que apresentam mimetismo agressivo mas não vivem nos formigueiros podem apresentar similaridades morfológicas com as formigas (mirmecomorfismo), embora esta não seja uma adaptação para a captura de presas. Como as formigas geralmente não apresentam boa visão e utilizam principalmente estímulos químicos para comunicação, o mirmecomorfismo conferiria às aranhas apenas proteção contra predadores (mimetismo batesiano). Dentre as aranhas mirmecomorfas, encontradas nas famílias Salticidae, Theridiidae, Thomisidae, Gnaphosidae, Zoridae e Corinnidae (Reiskind & Levi 1967, Parker & Cloudsley-Thompson 1986, Cushing 1997), apenas algumas espécies das cinco primeiras famílias utilizam mimetismo agressivo. As espécies miméticas das famílias Salticidae e Corinnidae geralmente não predam formigas, representando apenas casos de mimetismos batesiano. Exceções a este padrão são as espécies de salticídeos dos gêneros Tutelina e Cosmophasis (Wing 1983, Curtis 1988). Aparentemente existem duas estratégias utilizadas por aranhas mirmecófagas: a) atrair ou passar desapercebida frente às formigas para aproximar-se o suficiente para captuturá-las, e b) evitar o contato direto com as formigas tanto durante a captura quanto após, para evitar a defesa cooperativa (Pekár & Král 2002). No primeiro tipo estratégia (atração e dissimulação), as aranhas imitam estímulos químicos, comportamentais ou táteis do sistema de reconhecimento das formigas. Um exemplo é o tomisídeo indiano Amyciaea forticeps (Mathew 1954), que utiliza estímulos comportamentais para atrair sua presa, a formiga tecedora Oecophylla smaragdina (Formicinae). A

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aranha levanta o abdome, curvando seu corpo, e move os dois primeiros pares de pernas, o que torna sua postura semelhante a formigas em posição de alarme. Este comportamento atrai as formigas, que são então capturadas pelas aranhas. Mathew (1954) sugere que a presença de duas manchas no opistossoma de A. forticeps simulariam os olhos compostos das formigas e que essa semelhança morfológica com a espécie modelo poderia conferir proteção contra os predadores. O mesmo foi sugerido para outra espécie do mesmo gênero, A. albomaculata (Cooper et al. 1990). Esta espécie possui características comportamentais e morfológicas muito similares a A. forticeps e seria uma espécie mimética agressiva da formiga O. virescens na Austrália (Cooper et al. 1990). Outro exemplo de mimetismo agressivo entre aranhas e formigas é o da espécie australiana Cosmophasis bitaeniata (Salticidae), que utiliza estímulos químicos para aproximar-se de suas presas sem ser detectada. Estas aranhas apresenta em sua cutícula carboidratos similares aos de algumas castas de O. smaragdina (Allan et al. 2002), o que faz com que sejam toleradas nos ninhos, capturando larvas diretamente da mandíbulas das operárias, sem reações agressivas. Os carboidratos que permitem o mimetismo químico são obtidos pelas aranhas através do consumo dessas larvas (Elgar & Allan 2004). Algo similar pode ocorrer com Attacobius attarum (Corinnidae), que habita os ninhos da formiga Atta sexdens no Brasil. Foi observado em laboratório que esta aranha também consome as larvas das formigas (Erthal Jr. & Tonhasca Jr. 2001). Além do mimetismo químico, aparentemente a estimulação tátil também é importante para que ocorra o comportamento das formigas de entregar as larvas para as aranhas (Allan & Elgar 2001, A. Tonhasca Jr. com. pessoal). O segundo tipo de estratégia utilizado por espécies mirmecófagas, evitar o contato direto com as formigas, requer adaptações comportamentais, estruturais e químicas. Com base em comparações comportamentais dos tomisídeos Strophius nigricans e Aphantochilus rogersi (Fig. 12.3) no Brasil (Oliveira & Sazima 1985) e espécies do gênero Zodarion na Europa central e oriental (Harkness 1975, 1976, Harkness & Wehner 1977, Pekár & Král 2001, 2002, Cushing & Santangelo 2002) diferentes estratégias de ataque foram descritas. As aranhas atacam as formigas por trás, agarrando-as pelo pecíolo. Essa tática é supostamente mais segura que ataques frontais, nos

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quais as aranhas correm um risco maior de terem suas pernas pinçadas pelas mandíbulas das formigas. Apesar disso, existem espécies que realizam ataques frontais (Cutler 1980, Jackson & van Olphen 1992), particularmente em estádios imaturos, como ocorre com A. rogersi (Castanho & Oliveira 1997). Estas diferenças na estratégia de captura entre estádios provavelmente deve-se ao tamanho relativo das aranhas e formigas (Cushing & Santangelo 2002). Para reduzir as chances de fuga da presa, as aranhas podem separar as formigas do substrato, suspendendo-as no ar, como ocorre com Zodarion, Aphantochilus e Strophius (Oliveira & Sazima 1985, Pekár & Král 2002). Podem ainda saltar com a presa, ficando suspensas em um fio de teia, como ocorre com Amyciaea forticeps (Mathew 1954) e Aphantochilus quando as formigas estão em estado de alarme (Oliveira & Sazima 1984). Desta forma, evitam também um possível ataque pelas formigas, que não são capazes de caminhar pelo fio. Outra tática que as aranhas utilizam para evitar a defesa social é denominada comportamento de escudo. Este comportamento consiste em utilizar a formiga capturada como um escudo, mantendo-a na frente do corpo da aranha. O comportamento de escudo foi descrito tanto para Aphantochilus e Strophius (Oliveira & Sazima 1985), como para Zodarion (Pekár & Král 2002). Quando outras formigas aproximam-se, tocam o corpo da formiga capturada com suas antenas e não o corpo da aranha. Isto fornece à aranha um tempo extra para escapar, já que as formigas que estão patrulhando confundem a aranha com uma formiga ao reconhecer quimicamente a cutícula da formiga escudo. Além disso, durante esse tipo de interação, algumas espécies de aranhas tocam as formigas com seu primeiro par de pernas como se fossem antenas, o que pode representar um mimetismo tátil.

Especialistas em mariposas As aranhas que se especializaram em predar mariposas também imitam sinais envolvidos no sistema de comunicação de suas presas para atraí-las. Estes sinais são compostos químicos denominados alomônios, que são substâncias produzidas por uma espécie que afetam o

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comportamento de outra, beneficiando o emissor e afetando negativamente o receptor do sinal. Este tipo de mimetismo agressivo é característico de espécies da família Araneidae, que atraem os machos de mariposas ao emitirem alomônios similares aos feromônios sexuais produzidos por fêmeas da espécie presa. Ao contrário da maioria das espécies de Araneidae, as especialistas em mariposas não constróem teias orbiculares e sim uma teia reduzida. Em um desses grupos, conhecido como aranhas-boleadeiras, a teia é formada por apenas um fio horizontal (ou trapézio) e um fio perpendicular, em cujo extremo distal a aranha produz um glóbulo de seda coberta por substâncias adesivas (Fig. 12.4). É essa teia modificada que dá nome a este grupo de aranhas, devido à similaridade com as boleadeiras utilizadas por vaqueiros gaúchos para capturar o gado nos pampas da América do Sul. O glóbulo é uma estrutura relativamente complexa, formada por uma massa de fibras de seda com forma de mola, embebidas em uma matriz viscosa recoberta, por sua vez, por outra substância menos viscosa (Eberhard 1980). A substância que recobre o glóbulo é abundante o suficiente para atravessar as escamas das mariposas. É a substância interna, mais viscosa, que adere a bola à presa. As aranhas-boleadeiras encontram-se distribuídas por quase todo o mundo, exceto nas zonas temperadas da Eurásia. Todas as espécies pertencem à tribo Mastophoreae e estão agrupadas em quatro gêneros (Levi 2003, Platnick 2005): Cladomelea (3 spp.) e Acantharachne (8 spp.) na África; Ordgarius (10 spp.) na Ásia Oriental e ilhas do sudeste asiático, Nova Guiné e Australia; e Mastophora (48 spp.) em todo o continente americano e Caribe. Hutchinson (1903) foi o primeiro a descobrir os estranhos hábitos de captura de presas desse grupo de aranhas. Os indivíduos de estádios tardios e fêmeas adultas do gênero Mastophora podem ser crípticos, sendo confundidos com excrementos de pássaros quando vistos imóveis na vegetação durante o dia (Gertsch 1955, Eberhard 1980). À noite, após construir sua boleadeira, a aranha pendura-se no fio trapézio, com a parte ventral de seu corpo posicionada a favor do vento, segurando o fio vertical com uma das pernas I (Fig. 12.4). Quando uma mariposa aproxima-se, a

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aranha começa a girar o fio com o glóbulo em sua extremidade e, eventualmente, este entra em contato com o corpo da presa (Eberhard 1980). Este comportamento de captura é muito similar ao das aranhas-boleareiras da Austrália e África que, no entanto, movem a boleadeira em círculos e com o segundo par de pernas (Longman 1922, Akerman 1923, Coleman 1976, Leroy et al. 1998). A existência de mimetismo agressivo em Mastophora foi demonstrada de forma experimental (Eberhard 1977) e mediante a identificação dos alomônios (Stowe et al. 1987) presentes na boleadeira e, como demonstrado posteriormente, emitidos pelo corpo das aranhas (Stowe et al. 1987) diante do estímulo promovido pelo vôo das mariposas (Eberhard 1977, 1980, Haynes et al. 2001). Até o momento não foram identificadas as glândulas produtoras dos alomônios, mas é possível que estejam localizadas no primeiro par de pernas (López 1987). Eberhard (1980) menciona que as aranhas que já construíram suas boleadeiras movem seu primeiro par de pernas continuamente, o que pode estar relacionado ao estado de alerta dos indivíduos ou à emissão dos alomônios, caso as glândulas encontrem-se nas pernas. As aranhas podem sintetizar alomônios por diferentes vias bioquímicas, cada uma específica de uma espécie de mariposas (Haynes et al. 1996, Gemeno et al. 2000). Esta é uma particularidade das aranhas, já que, apesar das mariposas produzirem diferentes feromônios, todos os compostos produzidos por uma determinada espécie são sintetizados a partir de uma única via metabólica. Foi demonstrado que M. hutchinsoni atrai machos dos noctuídeos Lacinipolia renigera e Tetanolita mynesalis, que além de apresentarem diferentes picos de atividade durante a noite (Yeargan 1988), utilizam feromônios produzidos por diferentes vias (Haynes et al. 1996, Gemeno et al. 2000). As aranhas produzem componentes presentes nos feromônios das duas espécies ao mesmo tempo, o que aparentemente seria uma desvantagem, já que estes compostos apresentam comportamentos antagônicos e anulam-se mutuamente. Apesar disso, as aranhas são capazes de variar a proporção em que as duas substâncias são emitidas, de forma a reduzir as reações antagônicas e aumentar o sucesso de atração da espécie de mariposa com maior atividade no momento (Haynes et al. 2002).

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O dimorfismo sexual das aranhas-boleadeiras é extremo (veja capítulo 7), e a maioria das espécies são protândricas. Os machos passam por apenas duas mudas para atingirem o estádio adulto, medindo cerca de 2 mm; enquanto as fêmeas passam por oito mudas, alcançando 15-20 mm de tamanho corporal (Eberhard 1980). Ao contrário dos machos adultos de muitas espécies de aranhas, os machos das aranhas-boleadeiras continuam alimentando-se durante a fase adulta e mantém as táticas de captura dos estádios imaturos (Yeargan & Quate 1997): não utilizam a boleadeira como fazem as fêmeas, mas são capazes de capturar machos de dípteros da família Psychodidae (Yeargan & Quate 1996; 1997) estendendo os dois primeiros pares de pernas (Yeargan 1988). Até o momento não foi descrito o uso de feromônios sexuais por esses dípteros, mas como apenas machos são atraídos pelas aranhas, é muito provável que os juvenis e machos de Mastophora utilizem mimetismo agressivo para capturar essas presas. Além das aranhas-boleadeiras, existem outras espécies da família Araneidae, como as da tribo Celaenieae, que apresentam mimetismo agressivo utilizando estímulos químicos para atrair mariposas. Dentro deste grupo estão as espécies do gênero Celaenia, encontradas na Austrália e Nova Zelândia (Hickman 1970), e Taczanowskia, da América do Sul (Levi 1996). Segundo Eberhard (1981, 1982), esta tribo é possivelmente aparentada a Mastophoreae, uma vez que suas espécies não constróem teias, apresentam comportamento de captura similar ao de juvenis e machos adultos das aranhas-boleadeiras e utilizam mimetismo agressivo para atrair suas presas (McKeown 1952, Eberhard 1981, Levi 1996). Outra espécie de Araneidae que atrai mariposas através de mimetismo químico é Kaira alba. Embora construa à noite uma pequena teia em zig-zag, K. alba permanece pendurada abaixo dela, capturando com suas pernas mariposas atraídas quimicamente. Essa espécie deposita alomônios produzidos nas glândulas agregadas das fiandeiras (López 1987, 1999) sobre a teia em zig-zag, que aparentemente atua apenas como atrativo para as presas. Stowe (1986) sugere que K. alba provavelmente desenvolveu sua habilidade para capturar mariposas independentemente das

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espécies incluídas em Mastophoreae, o que está de acordo com uma análise filogenética recente da família Araneidae (Scharff & Coddington 1997).

Mimetismo wasmanniano O terceiro tipo de mimetismo apresentado pelas aranhas é o wasmanniano, no qual as aranhas são aceitas ou ignoradas por espécies hospedeiras. Graças à associação com outros organismos, formigas por exemplo, as aranhas obtém acesso a recursos ou condições ambientais não disponíveis fora dos ninhos dos hospedeiros. Essas aranhas não são necessariamente parecidas com as formigas hospedeiras e o mimetismo ocorre através de estímulos químicos ou táteis (e.g. semelhanças na textura da cutícula). Quando invadem as colônias das outras espécies, os hóspedes devem adquirir certo grau de similaridade química com os hospedeiros, de forma a serem tolerados (Lenoir et al. 2001). Existem duas formas de obter essa similaridade: mimetismo químico (mediante o qual o hóspede sintetiza ativamente os compostos utilizados pelos hospedeiros) ou mimetismo via camuflagem (mediante o qual o hóspede obtém os compostos utilizados pelo hospedeiro, por exemplo, através do contato com seu corpo, com o material utilizado para construção do ninho ou via “allogromming”). Não está claro qual desses mecanismos é utilizado pelas aranhas mirmecófilas que apresentam mimetismo wasmanniano. Ao contrário das espécies que apresentam mimetismo agressivo descritas anteriormente, é provável que o mimetismo via camuflagem seja utilizado por aranhas comensalistas. A aranha Masoncus pogonophilus (Linyphiidae) utilizaria o mimetismo via camuflagem para não ser reconhecida dentro dos ninhos da formiga Pogonomyrmex badius (Myrmicinae) (Cushing 1995b). Por outro lado, em espécies como Gamasomorpha maschwitzi (Oonopidae), que apresentam em sua cutícula carboidratos similares aos da formiga hospedeira (V. Witte, com. pessoal), poderia estar ocorrendo mimetismo químico. Essas aranhas foram observadas delocando-se dentro dos ninhos da formiga Leptogenys distinguenda (Ponerinae) sem que ocorresse

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nenhum tipo de reação agressiva por parte das hospedeiras (Witte et al. 1999), o que sugere o envolvimento de mimetismo químico. Masoncus pogonophilus é um das espécies mirmecófilas mais bem conhecidos (Porter 1985, Cushing 1995a, b, 1998). Indivíduos de todos os estádios podem ser encontrados dentro das câmaras dos ninhos de P. badius durante todo o ano. As aranhas alimentam-se de colêmbolas que são encontrados dentro das câmaras de criação. Além disso, a associação com as formigas confere proteção às ootecas, que ficam expostas a uma taxa de parasitismo menor que a existente no ambiente externo (Cushing 1995a). Quando as formigas hospedeiras migram para um novo sítio, as aranhas e os colêmbolas as seguem pelas mesmas trilhas abertas na vegetação (Cushing 1995a, b). Estudos moleculares da estrutura populacional de M. pogonophilus também indicaram que as aranhas dispersam-se entre ninhos próximos, mas não a grandes distâncias (Cushing 1998). Outra espécie mirmecófila, esta menos estudada, é Eilica puno (Gnaphosidae), encontrada nos Andes peruanos (Noonan 1982). Esta aranha associa-se à formiga Camponotus inca (Formicinae). As formigas constróem ninhos subterrâneos com saídas para o exterior situadas sob rochas. Devido ao clima da região, sob as rochas existe um microclima com maior umidade e menor variação de temperatura que em áreas abertas. As condições microclimáticas provavelmente são ainda mais favoráveis dentro dos ninhos. As aranhas são encontradas sob as rochas, mas apenas em locais onde existem aberturas dos ninhos das formigas. Isso sugere que E. puno é dependente das formigas, devido as condições microclimáticas dentro dos ninhos, proteção contra predadores ou talvez proteção às ootecas. As formigas não reconhecem as ootecas como elementos estranhos quando as tocam com as antenas. Também não atacam os estádios imaturos das aranhas, mesmo em ocasiões em que os juvenis sobem em seus corpos. Parece evidente que E. puno utiliza estímulos químicos que tornam possível sua convivência com C. inca. Além disso, este tipo de mimetismo parece ser bastante específico, já que ootecas provenientes de ninhos estranhos são removidas pelas formigas operárias. Devido a essa especificidade, é possível que as aranhas utilizem mimetismo via camuflagem, adquirindo o odor de seu ninho de origem, desde a ooteca. Noonan (1982), entretanto,

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menciona que, nos casos em que foram observados indivíduos de E. puno em colônias de Camponotus, não foram encontrados os estádios imaturos das formigas. Isso sugere que as aranhas consomem as larvas e ovos do hospedeiro, como ocorre com em outras espécies com mimetismo agressivo. Ainda não são conhecidos os meios pelos quais as aranhas integram-se a novos formigueiros ou localizam os formigueiros onde irão inicialmente hospedar-se. Possivelmente as aranhas são capazes de seguir os sinais químicos produzidos pelas formigas para marcar suas trilhas (Cushing 1995b, 1998). Witte et al. (1999) demonstrou experimentalmente que, tanto em laboratório quanto no campo, G. maschwitzi é capaz de detectar trilhas recentes de feromônios, utilizadas pelas formigas. Outra aranha que poderia utilizar sinais químicos é Ecitocobius comissator (Corinnidae), que foi encontrada em correições de Eciton burchelli (Ecitoninae) (Bonaldo & Brescovit 1997). Por outro lado, as aranhas poderiam localizar novas colônias através de sinais químicos presentes no ar. Cushing (1995b) sugere que este poderia ser o mecanismo utilizado por M. pogonophilus, já que experimentos realizados em laboratório demonstraram que as aranhas não seguiam trilhas marcadas com feromônios. Um tipo de comportamento pouco comum apresentado por algumas espécies mirmecófilas é o de cavalgar formigas. Ao localizarem uma formiga na trilha (ou em condições de laboratório), as aranhas sobem em seu corpo sem que haja nenhuma reação aparente por parte da formiga. Isto foi observado tanto em Gamasomorpha maschwitzi (Witti et al. 1999) como em Attacobius attarum (Erthal Jr. & Tonhasca Jr. 2001) e, mais recentemente, em A. luederwaldti (Ichinose et al. 2004). Assim como a maioria das espécies descritas da tribo Attacobiini (e.g. Ecitocobius e Attacobius), A. attarum e A. luederwaldti estão associadas a formigas (Platnick & Baptista 1995, Bonaldo & Brescovit 1997, Ichinose et al. 2004), o que parece ser uma característica ancestral dentre os membros da tribo (Bonaldo & Brescovit 2005). Seria interessante investigar se existe uma relação entre o grau de dependência da espécie aranha com as formigas e a ocorrência do comportamento de cavalgá-las. É possível que as espécies

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de aranhas que cavalgam formigas sejam dependentes de suas espécies hospedeiras e que este comportamento seja importante para que consigam dispersar-se, maximizando a probabilidade de encontrarem sítios adequados para o estabelecimento de novas populações. O fato de que foram encontradas aranhas sobre formigas em fase de dispersão (i.e. filas de migração como em G. maschwitzi - Witte et al. 1999 - y E. comissator - Bonaldo & Brescovit 1997) e durante os vôos nupciais (em Attacobius – Platnick & Baptista 1995, Ichinose et al. 2004) apoia essa hipótese. Ichinose et al. (2004) mencionam que, apesar das aranhas serem encontradas sobre formigas antes do começo do vôo nupcial, não são encontradas quando as formigas já perderam as asas e encontram-se novamente em terra. Estes autores sustentam que, devido a alta taxa de predação que as formigas sofrem quando estão voando, as aranhas as utilizariam para dispersar-se a maiores distâncias, mas as abandonariam durante o vôo. Assim, além de evitarem a predação que pode ocorrer durante o vôo, as aranhas economizariam seda e estariam menos expostas a seus próprios predadores enquanto estariam esperando condições climáticas adequadas para a dispersão por balonismo (Ichinose et al. 2004). Se os indivíduos de Attacobius realmente abandonam as formigas durante o vôo, deveriam ser capazes de localizar novos ninhos de sua espécie hospedeira uma vez que estivesse em terra. Além disso, devido à falta de registros de A. luederwaldti em ninhos jovens de suas hospedeira, a formiga Atta bisphaerica, Ichinose et al. (2004) sugerem que as aranhas selecionariam ninhos maduros.

Conclusões Os primeiros trabalhos sobre espécies de aranhas miméticas estavam centrados na descrição morfológica e, algumas vezes, comportamental das aranhas. Nas últimas décadas esta abordagem foi ampliada, incluindo-se análises de valor adaptativo dos diferentes tipos de mimetismo, com ênfase na interação entre as aranhas e as formigas. A bibliografia sobre espécies miméticas foi resumida por Wickler (1968) e Edmunds (1974) para vários táxons e, em particular, para espécies miméticas de formigas, por Hölldobler & Wilson (1990), McIver & Stonedahl (1993) e Cushing

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(1997). O propósito deste capítulo foi expandir essas revisões, enquadrando os diversos casos descritos dentro dos três tipos de mimetismos apresentados por aranhas. Ainda existem, no entanto, vários aspectos de interesse evolutivo e ecológico que permanecem pouco exploradas. Como foi mencionado anteriormente, em muitos casos o significado adaptativo de certos tipos de mimetismo, em particular do batesiano, está baseado em evidências indiretas e é importante que se teste a relação entre a similaridade com o modelo e o benefício para a espécie mimética. Outro aspecto que merece uma análise aprofundada é a relação entre as aranhas e as espécies hospedeiras nos casos de mimetismo wasmanniano. Também nestes casos, geralmente presume-se que a interação entre as espécies é comensal. Apesar disso, poderiam ocorrer eventos de predação de larvas ou parasitismo da espécie hospedeira, como ocorre em outras espécies mirmecófilas (Akino et al. 1999, Pierce et al. 2002), o que representaria mimetismo agressivo. Outras particularidades dos mimetismos wasmanniano e agressivo que merecem ser investigadas, através de ensaios químicos e comportamentais, são as adaptações apresentadas pelas aranhas para explorar os sinais utilizados na comunicação intraespecífica das espécies modelo. É especialmente interessante a exploração dos sinais químicos e táteis, os quais não poderiam ser utilizados pelas aranhas em sua comunicação intraespecífica (com exceção de feromônios sexuais). Entre as dificuldades para realizar estudos com as espécies que apresentam mimetismo wasmanniano estão sua baixa abundância e as dificuldades para localizá-las, devido ao tipo de associação que mantém com as formigas. O fato de que desenvolveram a capacidade de integração tão íntima as com formigas e o potencial para especiação que podem apresentar (devido a sua dependência das condições dos formigueiros, seu conseqüente isolamento entre populações e seu baixo tamanho populacional) as tornam especialmente interessantes para estudos futuros. Além desses aspectos evolutivos, o mimetismo pode ser muito importante na ecologia das relações do tipo predador-presa. No mimetismo batesiano, quando ocorre polimorfismo, não se sabe até que ponto a coexistência do modelo e do morfo correspondente se deve à predação diferencial dos morfos ou a diferenças populacionais na produção desses morfos (Cushing 1997). As aranhas

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com mimetismo agressivo diferem da maioria das demais por serem predadores especialistas. No caso de espécies especialistas em mariposas, as aranhas podem apresentar um potencial para controle de certas espécies de pragas agrícolas. Mastophora dizzydeani, por exemplo, preda um noctuídeo que é praga da cana-de-açúcar e outros cultivos (Eberhard 1977).

Agradecimentos A versão original deste capítulo foi melhorada graças aos comentários e sugestões de Diego Vázquez, Jordi Moya-Laraño e três revisores anônimos a quem agradeço o tempo dedicado. Também quero agradecer a Alexandre Bonaldo, Bill Eberhard, Kenneth Haynes, Athayde Tonhasca Jr., Kenneth Yeargan e Volker Witte por esclarecerem algumas de minhas dúvidas e a Alexandre Bonaldo, Ximena Nelson e Volker Witte por me fornecerem informações não publicadas. Muito obrigado a Guilhermo Spolita pelo desenho da Fig. 12.2 e Peter DeVries, Devon Graham, Robert Jackson, Kenneth Haynes e aos editores pelas fotografias. Finalmente, agradeço aos editores do livro por me convidarem a participar do mesmo e, em especial, por sua paciência.

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Quadro 12.1. Passo essenciais para mensurar os benefícios do mimetismo para as espécies envolvidas

1. Identificar o modelo e o operador (com base em observações de campo e/ou bibliografia) 2. Resposta do operador frente ao modelo 2.a. Método: confrontar o operador e o modelo 2.b. Variável que deve ser medida: resposta do operador. 2.c. Resposta esperada: I. Mimetismo batesiano: o predador de aranhas (operador) deve evitar ou ignorar o modelo. II. Mimetismo agressivo e mimetismo wasmanniano: o operador e o modelo são da mesma espécie. Por esta razão não é necessário testar a resposta do operador frente ao modelo, já que é esperado que os indivíduos tolerem ou sejam atraídos por coespecíficos. Nos casos de mimetismo agressivo, quando os modelos são as presas do operador, é esperada uma resposta do operador como resultado do confronto com sua presa. 3. Testar se a resposta do operador extende-se à espécie mimética 3.a. Método: de forma simultânea ou alternada, expor o operador a: I. modelo. II. espécie mimética III.

espécie não

mimética

ou

espécie mimética

com

os

caracteres

miméticos

experimentalmente modificados 3.b. Variável que deve ser medida: I. Mimetismo batesiano: sobrevivência da espécie mimética. II. Mimetismo agressivo: sucesso de captura da especie mimética que preda o operador. III. Mimetismo wasmanniano: taxa de aceitação da espécie mimética dentro do ninho do hospedeiro (operador) .

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3.c. Resposta esperada: caso a espécie mimética obtenha algum benefício devido ao mimetismo, a resposta do operador frente à espécie mimética deveria ser: I. evitá-la (mimetismo batesiano); II. ignorá-la (batesiano, agressivo, wasmanniano); III. ser atraído para ela (agressivo).

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INTERAÇÕES BIÓTICAS ENTRE PLANTAS, HERBÍVOROS E ARANHAS

GUSTAVO QUEVEDO ROMERO & JOÃO VASCONCELLOS-NETO

Por várias décadas, a predação tem sido considerada um dos principais processos nas comunidades ecológicas. Espécies predadoras de topo, que são chamadas de espécies-chave devido ao grande impacto que exercem na comunidade, podem afetar profundamente a dinâmica das populações, como também a estrutura das comunidades das presas. Como exemplo de efeitos positivos, tais predadores podem alterar o status competitivo dos organismos de níveis tróficos mais baixos, permitindo coexistência interespecífica (e.g. Paine 1966), o que pode resultar em um aumento da diversidade de espécies de presas (revisão em Begon et al. 1996). Entretanto, como exemplos de efeitos negativos, predadores podem dizimar muitas espécies e decrescer consideravelmente a diversidade local (e.g. Schoener & Spiller 1996). As influências de carnívoros sobre presas podem ser transmitidas para os produtores primários (Hairston et al. 1960; Polis & Strong 1996). Tais efeitos chamados de top-down (i.e. de cima para baixo) foram documentados em vários tipos de sistemas aquáticos, como lagos, rios e mares (e.g. Paine 1966; Carpenter et al. 1987; Menge 1995). Em sistemas terrestres, a predação sobre herbívoros altera a freqüência de danos às plantas (e.g. Spiller & Schoener 1996; Romero & Vasconcellos-Neto 2004b), biomassa (e.g. Schmitz 1993, 1994, 1998, Schmitz et al. 1997, Schmitz & Suttle 2001, Schmitz 2003), reprodução (Oliveira et al. 1999, Romero & Vasconcellos-Neto 2004b) e diversidade de plantas (Schmitz 2003). Estes efeitos indiretos e em cascata dos predadores sobre plantas podem ocorrer de duas maneiras: através da redução da densidade das presas; ou

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simplesmente sua exclusão, quando herbívoros migram para outras plantas sem predadores (Abrams et al. 1996). Certos modelos predizem que efeitos dos predadores de topo sobre produtores dependem do número de níveis tróficos no sistema (Oksanen et al. 1981, Fretwell 1987). Por exemplo, em um sistema com três níveis tróficos, o efeito é positivo para as plantas. Considerando-se tais interações tri-tróficas, Hairston et al. (1960) propuseram a “Hipótese do Mundo Verde”, que supõe que no Mundo existe grande quantidade de matéria vegetal porque os herbívoros são controlados pelos seus inimigos naturais, como parasitóides e predadores. Neste contexto, Price et al. (1980) argumentaram que teorias sobre interações inseto-planta não podem progredir realisticamente sem considerar o terceiro nível trófico. Por outro lado, em um sistema contendo quatro níveis tróficos (predadores de topo, predadores intermediários, herbívoros e produtores), o efeito da predação para plantas é negativo porque predadores de topo controlarão as populações dos predadores intermediários, que são os inimigos naturais dos herbívoros. Entretanto, predadores geralmente são generalistas, podendo se alimentar tanto de outros predadores (predação intra-guilda) como de herbívoros (Polis et al. 1989). Ecossistemas mais produtivos (i.e. com maior disponibilidade de recursos) geralmente produzem cadeias com maior número de níveis tróficos (Hunter & Price 1992, Polis et al. 1998, Polis 1999). Além disso, a intensidade das forças top-down pode aumentar em função do aumento da produtividade (“Hipótese da Exploração do Ecossistema”) (Oksanen et al. 1981; Fretwell 1987). Aranhas são generalistas e estão entre os principais predadores sobre plantas (veja capítulos 4 e 14 deste livro). Neste capítulo discutimos os principais resultados de estudos sobre o papel das aranhas nas comunidades terrestres, demonstrando os efeitos destes predadores sobre assembléias de herbívoros e, indiretamente, sobre taxas de herbivoria, biomassa ou reprodução das plantas. Discutiremos também alguns conceitos ecológicos de grande relevância na atualidade, como interações multitróficas, produtividade ambiental (e.g. entrada de energia alóctone), efeitos diretos e

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indiretos da predação, cascatas tróficas e mediadores de interações, baseando-se em estudos que utilizam aranhas como modelo de predador.

O papel das aranhas para as plantas: comentários gerais Estudos sobre interações tróficas envolvendo aranhas têm crescido consideravelmente nos últimos anos (Tab. 13.1). Tais estudos demonstraram que aranhas que forrageiam por emboscada (e.g. Thomisidae e Pisauridae), por espreita (e.g. Salticidae e Oxyopidae) e as corredoras (e.g. Lycosidae) compõem as principais guildas que beneficiam plantas por meio da predação dos herbívoros (Tab. 13.1). Aranhas destas guildas não constróem teias, mas vivem diretamente e em constante contato com a vegetação. Devido a isso, devem ter relações mais estreitas com este tipo de substrato do que aranhas que forrageiam em teias (veja capítulo 4 deste livro). Este benefício em cascata de aranhas para plantas pôde ser evidenciado em diversos habitats, como florestas tropicais e temperadas, regiões áridas e inclusive em agroecossistemas, indicando que as aranhas podem ser bons agentes no controle biológico (veja capítulo 14 deste livro). As plantas estudadas apresentam hábito herbáceo (60%) ou arbustivo (30%) e muito poucas são de hábito arbóreo (10%). Estes resultados possivelmente refletem a dificuldade de se trabalhar em sistemas tróficos nas copas de árvores ou em dosséis, provavelmente devido à falta de métodos adequados para o desenvolvimento desta tarefa. A maioria dos estudos foi experimental em campo (57%) ou em mesocosmos (terrários experimentais, 32%) e apenas três trabalhos (11%) foram descritivos. De todos estes trabalhos demonstrando algum tipo de efeito das aranhas para as plantas, 80% evidenciaram efeitos benéficos, indicando a grande importância das aranhas nas cadeias tróficas. Apenas quatro estudos apresentaram efeitos prejudiciais, seja porque a aranha preda polinizadores ou impede que polinizadores tenham acesso às flores (Ott et al. 1998 Suttle 2003), porque suprime a população de outro predador que mantém relações mutualísticas nutricionais com a planta (Anderson & Midgley 2002) ou porque ataca os predadores dos herbívoros da planta (Gastreich 1999).

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Efeitos benéficos das aranhas para plantas Insetos que consomem tecido vegetal podem danificar a planta hospedeira em qualquer estágio do seu ciclo de vida. Enquanto os herbívoros de folhas podem indiretamente afetar a aptidão da planta por meio da diminuição na produção de sementes (Marquis 1984), predadores de sementes interferem diretamente na aptidão da planta (Crawley 1989, Ehrlén 1996), podendo até diminuir as taxas de recrutamento das plântulas (Louda 1982a, Louda & Potvin 1995). Por outro lado, herbívoros que se alimentam de outros tecidos florais além dos óvulos ou sementes, indiretamente podem tornar as flores menos atrativas para polinizadores (Mothershead & Marquis 2000). Um grande número de estudos tem mostrado que carnívoros podem ter grandes efeitos diretos na estrutura e dinâmicas das comunidades dos herbívoros presas (revisão em Schmitz et al. 2000). Muitas vezes estes inimigos naturais devem ser considerados como um dos itens da bateria de defesa das plantas contra herbívoros (Price et al. 1980). Aranhas são predadores generalistas e, por serem os maiores componentes da biomassa de predadores em muitos ecossistemas terrestres, são importantes agentes no controle de populações de insetos (revisão em Wise 1993, veja também o capítulo 14 deste livro). Para verificar o efeito das aranhas sobre a população da mariposa Boarmia selenaria (Geometridae) e na taxa de herbivoria de abacateiros em Israel, Mansour et al. (1985) removeram todas as aranhas de alguns ramos das plantas experimentais e, como controle, mantiveram as aranhas em ramos de outras plantas. Em seguida, introduziram 450 larvas do geometrídeo em cada tipo de tratamento e após 4 dias verificaram que ramos com aranhas apresentaram uma redução de mais de 80% do número das larvas. Consequentemente, estes ramos tiveram redução de 90% de danos foliares. Mansour & Whitecomb (1986) desenvolveram um experimento semelhante ao anterior, em monoculturas de Citrus, e verificaram que ramos sem aranhas tiveram maior densidade de cochonilhas Ceroplantes floridensis (Homoptera, Coccidae).

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Para testar se os efeitos top-down são mais pronunciados em ambientes mais produtivos e com maior disponibilidade de abrigos, Riechert & Bishop (1990) desenvolveram um estudo experimental em agroecossistema no Tennessee (EUA), em quatro parcelas dispostas em um transecto. Estas parcelas foram isoladas com lâminas de metal para impedir a migração das aranhas. No entanto, nenhuma barreira foi construída nas laterais destas parcelas que estavam adjacentes a um campo, de modo que permaneceram abertas para passagem de predadores e outros organismos. Duas destas parcelas foram consideradas como controle e duas foram experimentais. Nas parcelas experimentais, os autores depositaram matéria orgânica no solo para moderar as condições físicas e aumentar a heterogeneidade do ambiente e também introduziram uma espécie de planta com flor de maneira intercalada com as demais espécies para aumentar a produtividade ambiental (disponibilidade de alimento) e atrair aranhas. As parcelas controle não receberam matéria orgânica nem flores. Os autores demonstraram que nas parcelas experimentais as aranhas ocorreram em maior densidade e reduziram o número de insetos herbívoros em relação às parcelas controle. Como conseqüência, a proporção de folhas danificadas nas parcelas experimentais foi de 31,8%, enquanto que nas parcelas controle, esta proporção foi de 93,3%. Carter & Rypstra (1995) obtiveram resultados semelhantes em lavouras de soja em Ohio, EUA, evidenciando que em parcelas com maior densidade de aranhas houve menor número de insetos herbívoros e, conseqüentemente, menor taxa de danos foliares. Para verificar o efeito de Pardosa spp. (Lycosidae) sobre a população de gafanhotos e indiretamente nos danos em algumas espécies de planta, Chase (1996) sobrepôs caixas em ambiente natural (pradaria), cercando a vegetação. O autor usou os seguintes tratamentos: 1) caixas com aranhas e gafanhotos ausentes, havendo apenas plantas (principalmente gramíneas e Asteraceae) que foram cercadas, 2) caixas com apenas gafanhotos e plantas e, 3) caixas com plantas, gafanhotos e aranhas. Estes três tratamentos foram replicados em dois tipos de ambientes: um sombreado e outro com insolação direta. Chase verificou que nas caixas que foram sombreadas as aranhas não diminuíram a taxa de herbivoria das plantas, mas nas caixas com incidência do sol as aranhas

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diminuíram a densidade de gafanhotos e também a taxa de herbivoria. O autor sugere que isso ocorreu porque na sombra os gafanhotos permaneceram por mais tempo inativos e se alimentaram menos devido à baixa temperatura do ambiente. Chase concluiu que uma simples alteração abiótica pode afetar dramaticamente a dinâmica das cadeias alimentares. Ruhren & Handel (1999) verificaram que as aranhas Eris sp. e Metaphidippus sp. (Salticidae) ocorrem sobre a planta Chamaecrista nictitans (Caesalpineaceae) que possui nectários extra-florais (NEFs). Estas aranhas se alimentam do néctar destes NEFs, bem como das formigas e dos herbívoros da planta. Os autores verificaram em laboratório que tais aranhas despenderam 86% do tempo sobre plantas que estavam produzindo néctar, do que sobre plantas com NEFs inativos. Por meio de experimentos controlados em campo, os autores demonstraram que plantas com a presença destas aranhas produziram maior número de frutos e de sementes em relação às plantas sem aranhas.

Efeitos prejudiciais das aranhas para plantas Em geral, aranhas proporcionam efeitos benéficos para as plantas principalmente pela remoção de herbívoros. Entretanto, em algumas situações aranhas podem prejudicar as plantas. Este efeito prejudicial tipicamente ocorre quando aranhas interferem nos mutualismos entre plantas e outros artrópodes, como veremos a seguir. Estudos recentes têm demonstrado que aranhas sobre flores podem afetar as taxas de visita dos polinizadores (Dukas 2001, Dukas & Morse 2003, Suttle 2003) e indiretamente interferir no mutualismo polinizador-planta e na reprodução das plantas (transferência de pólen). Ott et al. (1998) verificaram que a aranha Misumenops celer (Thomisidae) forrageia freqüentemente sobre flores de Phlox roemeriana (Polemoniaceae) e altera a morfologia floral por meio do dobramento das pétalas em direção ao eixo central. Esta modificação estrutural impede o acesso às flores por polinizadores. Consequentemente, os autores verificaram que ramos com aranhas tiveram significativamente menor número de sementes por flor.

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Dukas (2001) verificou experimentalmente que abelhas Apis mellifera reconhecem a presença de outras abelhas co-específicas mortas (evidência indireta de predadores) em alimentadores artificiais, que consistiram de pequenos jarros de 250 ml contendo uma solução de sacarose. Estas abelhas também reconheceram a presença de aranhas (Argiope sp.) imóveis sobre tais alimentadores. Com estes resultados, Dukas sugeriu que a presença de predadores poderia afetar as interações mutualísticas entre plantas e polinizadores. Para testar esta hipótese, Dukas & Morse (2003)

desenvolveram outro

experimento

em ambiente natural e verificaram

experimentalmente que abelhas mamangavas (Bombus ternarius) reconheceram a presença da aranha Misumena vatia (Thomisidae) sobre flores da planta Asclepias syriaca (Asclepiadaceae). Em contraste, mamangavas de outras espécies, B. terricola e B. vagans, aparentemente não reconheceram tais aranhas e visitaram flores com e sem aranhas com frequências semelhantes. Os autores discutem que as últimas duas espécies de Bombus são maiores do que B. ternarius e, por isso, têm menores chances de serem capturadas pela aranha. Para testar se aranhas sobre flores afetam o sistema de reprodução das plantas, Suttle (2003) desenvolveu um estudo experimental na California, usando flores pareadas da planta Leucanthemum vulgare (Asteraceae). Uma das flores de cada planta experimental foi ocupada por uma aranha da espécie Misumenops schlingeri (Thomisidae) e a outra flor permaneceu sem aranha. O autor verificou que a freqüência de visita dos polinizadores (borboletas, dípteros e abelhas) foi significativamente menor sobre flores com aranha do que sobre flores sem tal predador. Como conseqüência, flores com aranhas produziram menor número de sementes do que flores sem os predadores. Suttle (2003) discute que relações entre plantas e polinizadores estão freqüentemente no centro das pesquisas sobre limitação de pólen em plantas com flores e sugere que efeitos diretos e indiretos de predadores devem ser relevantes para a ecologia da polinização. Outro estudo descrevendo experimentalmente efeitos prejudiciais das aranhas para as plantas foi publicado por Gastreich (1999). Esta autora verificou que a aranha Dipoena banksii (Theridiidae) preda ou afugenta as formigas Pheidole bicornis que vivem nas domáceas de Piper

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obliquum (Piperaceae) na Costa Rica. Estas formigas são mutualistas das plantas, pois são responsáveis pela remoção dos herbívoros. Consequentemente, plantas com aranhas tiveram maior área foliar removida. Este trabalho será comentado com maiores detalhes no item “Efeitos diretos vs. indiretos da predação”. Ellis & Midgley (1996) descreveram um interessante caso de mutualismo entre a planta carnívora Roridula gorgonias (Roridulaceae) e o hemíptero predador Pameridea roridulae (Miridae) na África do Sul. A planta possui tricomas glandulares, mas sem enzimas digestivas, que prendem vários grupos de insetos que, por sua vez, são predados pelo hemíptero. Por meio de técnicas de espectrometria de massa utilizando-se isótopos estáveis (15N), verificaram que o nitrogênio das presas era absorvido pela planta via exudato e fezes do predador. Os hemípteros podem contribuir com até 70% do nitrogênio total da planta. Entretanto, em algumas regiões na África do Sul, R. gorgonias também é habitada por uma aranha (Synaema marlothi, Thomisidae), que frequentemente diminui a densidade do mutualista P. roridulae por meio da predação. Usando as mesmas técnicas empregadas no estudo anterior, Anderson & Midgley (2002) demonstraram que na presença das aranhas e na ausência dos hemípteros, as plantas foram menos enriquecidas com nitrogênio, provavelmente porque as aranhas despendem muito tempo em abrigos de seda, onde defecam, ou defecam diretamente no solo, impedindo que a planta absorva tal mineral. Os autores concluíram que as aranhas são parasitas deste sistema mutualístico.

Balanço entre custos e benefícios das aranhas para plantas Uma vez que aranhas são predadores generalistas, quando sobre flores capturam tanto insetos fitófagos quanto visitantes florais, podendo direta ou indiretamente modificar o balanço de interações positivas e negativas entre a planta e os componentes do segundo nível trófico (herbívoros) e os mutualistas (polinizadores). Um estudo desenvolvido por Louda (1982b) foi o primeiro a demonstrar um balanço entre custos e benefícios de aranhas para plantas. Esta autora observou que Peucetia viridans

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(Oxyopidae) ocorre sobre inflorescências de Haplopappus venetus (Asteraceae), onde preda polinizadores e herbívoros predadores de semente. A autora verificou que plantas com a aranha tiveram menor número de óvulos fertilizados, mas também apresentaram menor número de sementes danificadas. Em um estudo recente desenvolvido no Brasil, Romero & Vasconcellos-Neto (2004b) demonstraram experimentalmente que, apesar das aranhas da espécie Misumenops argenteus (Thomisidae) ocorrerem sobre inflorescências de Trichogoniopsis adenantha (Asteraceae) na Serra do Japi, e predarem vários tipos de insetos, não apresentaram custos, mas somente benefícios, para a planta. Esta planta arbustiva (até 1,8 m de altura) floresce o ano todo (Almeida 1997; Romero & Vasconcellos-Neto 2003, 2004b) e atrai várias guildas de artrópodes, como a dos fitófagos endófagos de capítulos (Figs. 13.1A e B), fitófagos sugadores (Fig. 13.1C) e mastigadores (Fig. 13.1D), bem como polinívoros/nectarívoros (Figs. 13.1E e F). Parasitóides das famílias Braconidae e Pteromalidae (Hymenoptera) frequentemente atacam larvas dos insetos endófagos no interior dos capítulos. Geralmente a aranha M. argenteus constrói um abrigo entre as folhas apicais (Fig. 13.2A) e captura herbívoros e visitantes florais (Figs. 13.2B-D). As principais questões abordadas neste estudo foram: 1) M. argenteus afeta a abundância dos herbívoros florais e os danos que eles causam para as flores de T. adenantha? 2) M. argenteus afeta o número de óvulos fertilizados? Para estudar os efeitos desta aranha sobre T. adenantha, utilizamos 48 e 44 plantas em experimentos realizados nos anos de 2000 e de 2001, respectivamente. As plantas foram coletadas no campo, plantadas em vasos e estocadas em local abrigado. Quando começaram a liberar os botões florais (antes da colonização pelos endófagos), foram aleatoriamente dispostas em pares e, por sorteio, uma das plantas do par recebeu uma aranha (experimental) e a outra não (controle). Conforme as plantas experimentais fossem produzindo ramos novos, outras aranhas foram introduzidas, uma em cada ramo. Todas as plantas foram inspecionadas diariamente e aranhas foram removidas ou adicionadas, se necessário, de acordo com cada tratamento. Os capítulos maduros foram coletados e levados para o laboratório, onde foram dissecados e o número de óvulos

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fertilizados e não fertilizados, aquênios danificados e intactos, o tipo e os agentes causadores dos danos foram registrados. Durante os períodos de estudo, os principais fitófagos sugadores foram cigarrinhas, pulgões e Macrolophus aragarcanus (Hemiptera, Miridae), que ficam próximos aos botões florais e nas folhas novas. Os principais endófagos da planta foram Melanagromyza sp. (Diptera, Agromyzidae) e Trupanea sp. (Diptera, Tephritidae), o lepidóptero endófago, Phalonidia unguifera (Tortricidae) e o díptero galhador de corolas, Asphondylia sp. (Cecidomyiidae). As fêmeas destes insetos chegam voando na planta para ovipor nos capítulos, onde suas larvas se alimentam dos aquênios dos capítulos. No caso de Asphondylia, cada larva se alimenta de uma corola, indiretamente tornando o aquênio inviável. O fitófago exófago mais comum foi uma mariposa da família Geometridae, cujas fêmeas ovipõem nos capítulos e as larvas se alimentam das flores e aquênios pelo lado de fora dos capítulos. Nas plantas sem aranhas houve maior densidade dos fitófagos sugadores do que nas plantas com aranhas. Além disso, a densidade de Trupanea sp. foi mais baixa nas plantas com aranhas, mas a densidade de Melanagromyza sp. não diferiu estatisticamente entre os tratamentos e, em 2001, quando a população de Trupanea aumentou muito, Melanagromyza foi observada com maior freqüência nas plantas com aranhas (Fig. 13.3), embora sem uma diferença estatisticamente significativa. As aranhas também não afetaram a densidade do lepidóptero endófago, nem do cecidomiídeo galhador (Fig. 13.3). Estes resultados indicam que a aranha M. argenteus teve um papel importante na densidade dos fitófagos, mas seu efeito variou entre os grupos de herbívoros. Em relação aos principais endófagos da planta, a aranha combateu o endófago Trupanea, mas não afetou Melanagromyza. Sugerimos que isso possa ocorrer devido às diferenças comportamentais entre estes dois endófagos durante a oviposição. Para ovipor, Trupanea se desloca por muitos centímetros e permanece por vários minutos na planta (30 min em média), enquanto Melanagromyza permanece pouco tempo na planta (16 min em média), se desloca muito pouco e, quando chega na planta para ovipor, pousa

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próximo ao capítulo ou nele próprio. Desta forma, Trupanea torna-se muito mais vulnerável a um ataque da aranha em relação a Melanagromyza. Sugerimos também que, como Melanagromyza tendeu a ocorrer mais densamente nas plantas com aranhas, tais predadores poderiam indiretamente beneficiar este endófago (Fig. 13.4). Sabemos que capítulos de Asteraceae são verdadeiras “arenas de interações” e que Melanagromyza e Trupanea são grandes competidores por alimento e espaço nos capítulos de T. adenantha (Almeida 1997). Com isso, se a aranha diminui a densidade de Trupanea nos capítulos e não afeta Melanagromyza, tais plantas guardadas pelas aranhas oferecem refúgios, ou “espaços livres do competidor” para Melanagromyza. Uma vez que M. argenteus não afetou a taxa com que os endófagos Melanagromyza e Trupanea foram parasitados por pteromalídeos e braconídeos, pudemos sugerir que a predação intra-guilda (veja abaixo) neste sistema não é importante. Portanto, aranhas e parasitóides podem atuar de forma aditiva na supressão dos principais endófagos da planta. De maneira geral, plantas com aranhas tiveram menor número de aquênios danificados (Tab. 13.2). Entretanto, o benefício da aranha para a planta ocorreu apenas contra Trupanea e o geometrídeo, não havendo diferença estatística entre aquênios danificados por Melanagromyza, lepidópteros endófagos e Cecidomyiidae entre os dois tratamentos. As aranhas não afetaram diretamente o sistema de reprodução da planta provavelmente porque não conseguiram capturar polinizadores a ponto de evitar seu contato com as flores. Quando os principais herbívoros chegam para ovipor, a planta está com os botões bem jovens, próximos uns dos outros e as aranhas conseguem forragear efetivamente em todos, defendendo-os contra os herbívoros. Entretanto, na fase de ântese, quando as flores estão abertas para visita dos polinizadores, os capítulos tornam-se muito distantes entre si, criando uma barreira física para as aranhas, que limitam-se a forragear em apenas um dos capítulos (Fig. 13.2D). Deste modo, os outros capítulos permanecem abertos para visitação dos polinizadores. Portanto, a arquitetura da inflorescência pode influenciar na eficiência de captura de presas pelas aranhas. Entretanto, ao contrário do esperado, as aranhas indiretamente aumentaram a proporção de óvulos fertilizados nas

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plantas onde habitaram, mas isso ocorreu somente nos capítulos que foram atacados por herbívoros, e não nos capítulos intactos. Capítulos das plantas sem aranhas tiveram maior freqüência de danos. Uma vez que aranhas não tiveram efeitos negativos sobre polinizadores, tais insetos poderiam selecionar plantas com capítulos menos danificados, i.e., com maior número de flores abertas para forragear. Na Fig. 13.4 estão resumidas as principais interações diretas e indiretas na cadeia trófica deste sistema. Esta interação aranha-planta pode ser considerada mutualística, uma vez que ambos parceiros se beneficiaram quando associados. Entretanto, alguns fatores podem afetar a estabilidade deste mutualismo. Romero & Vasconcellos-Neto (2003) verificaram que a freqüência de aranhas nas plantas variou sazonalmente e foi maior no período chuvoso (dezembro-abril), com 13% das plantas ocupadas pelas aranhas, e muito baixa no período seco (julho-setembro), com apenas 5-6% das plantas portando aranhas. Provavelmente, esta flutuação populacional ocorreu devido à variação sazonal na disponibilidade de presas (herbívoros, visitantes florais, etc.), que foi dependente da disponibilidade de biomassa vegetal, que por sua vez foi fortemente afetada pelos regimes de chuva, indicando também um forte efeito bottom-up atuando neste sistema (Romero & Vasconcellos-Neto 2003). Portanto, sugerimos que os efeitos bottom-up, que se propagam pela cadeia trófica a partir dos produtores, são moduladores dos efeitos top-down neste sistema.

Interações multitróficas, produtividade e predação intra-guilda

Interações multitróficas Modelos ecológicos predizem que em cadeias tróficas com números pares de níveis tróficos, os produtores são indiretamente prejudicados, uma vez que, por exemplo, organismos do quarto nível trófico regulariam os organismos do terceiro nível, deixando os organismos do segundo nível consumir os produtores. Por outro lado, se na cadeia há número ímpar de níveis tróficos,

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organismos do terceiro nível regulariam os organismos do segundo nível, indiretamente beneficiando os produtores (Oksanen et al. 1981, Fretwell 1987). Nos ambientes aquáticos estes modelos parecem se ajustar bem (e.g. Carpenter et al. 1987). Porém, em ecossistemas terrestres com predadores de topo e predadores intermediários, os de topo frequentemente se alimentam tanto de predadores intermediários como de herbívoros, particularmente se os de topo forem vertebrados e os intermediários e herbívoros forem artrópodes. Isto foi experimentalmente demonstrado por Spiller & Schoener (1990b, 1994, 1996) em pequenas ilhas nas Bahamas. Estas ilhas são dominadas pela planta Coccoloba uvifera (Polygonaceae), onde herbívoros de várias guildas (e.g. galhadores, minadores, sugadores e mastigadores) se alimentam. Estas ilhas também são colonizadas por aranhas orbitelas (predadores intermediários) e por lagartos do gênero Anolis (predadores de topo). Os autores verificaram que em parcelas cujos lagartos foram excluídos, populações das aranhas e de herbívoros causadores de cicatrizes, minadores e brocadores (e.g. pulgões e lagartas), que são ápteros em pelo menos parte do seu ciclo de vida, aumentaram significativamente. No entanto, insetos galhadores (Diptera, Cecidomyiidae), que são voadores, diminuíram. Os autores sugerem que esta diminuição dos galhadores foi provocada pelo aumento da densidade de aranhas, que capturam apenas insetos voadores nas suas teias, enquanto os lagartos capturam predominantemente herbívoros ápteros. Em um experimento posterior, os autores usaram quatro tratamentos: 1) parcelas controle com abundância natural de lagartos e aranhas, 2) parcelas com lagartos removidos, 3) parcelas com aranhas removidas e 4) parcelas com ambos predadores removidos. Verificaram que em parcelas com apenas lagartos houve aumento da biomassa somente dos insetos voadores, reforçando a hipótese de que as aranhas afetam mais fortemente os insetos alados. Por meio das armadilhas com resina adesiva, os pesquisadores verificaram que grande parte destes artrópodes alados fazia parte da cadeia alimentar dos decompositores. Portanto, as aranhas, além de serem atuantes na cadeia trófica dos herbívoros, também fazem parte da cadeia dos detritívoros. Nas parcelas onde os lagartos foram excluídos, houve maior percentual de folhas danificadas por insetos ápteros.

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Spiller & Schoener discutem que em ambientes terrestres esta linearidade de interações tróficas, com 1, 2, 3, 4 ou mais níveis tróficos bem definidos; são menos comuns do que em ambientes aquáticos. Sugerem que isso ocorre devido ao tamanho dos organismos envolvidos. Em ambientes aquáticos, organismos do fitoplâncton são muito pequenos em relação aos consumidores secundários (pequenos peixes). Os consumidores terciários ou predadores de topo (peixes grandes) não conseguiriam capturar os organismos do zooplâncton, mas somente os consumidores secundários (Spiller & Schoener 1996). Já nos sistemas terrestres, como no exemplo descrito acima, lagartos (consumidores terciários) conseguem capturar as aranhas (consumidores secundários) e os insetos herbívoros (consumidores primários), uma vez que a razão de tamanho entre lagartos e insetos é menor, comparando-se a razão entre peixes grandes e organismos do zooplâncton. Portanto, lagartos, que teoricamente seriam organismos do quarto nível trófico, funcionalmente estão atuando também como organismos do terceiro nível (mesmo nível trófico das aranhas). Além do tamanho corpóreo dos organismos, existem outros fatores que variam entre cadeias alimentares aquáticas e terrestres (veja Shurin et al. 2002).

Produtividade A produtividade ambiental gera efeitos chamados de bottom-up (de baixo para cima), que são contrários aos efeitos top-down (de cima para baixo). Pesquisadores sugerem que ambas forças, de naturezas opostas, devem atuar em conjunto na determinação da produtividade (biomassa) e diversidade de plantas (e.g. Hunter & Price 1992). Para testar esta hipótese, Moran & Scheidler (2002) desenvolveram um estudo experimental em um campo sucessional primário nos Estados Unidos, contendo várias espécies de plantas herbáceas e arbustivas, várias espécies de fitófagos mastigadores e sugadores e várias espécies de artrópodes predadores, especialmente aranhas (e.g. Lycosidae: Hogna helluo, Rabidosa punctulata e R. rabida). O estudo foi feito em 20 parcelas de 10 m x 10 m, sendo que cada parcela foi delimitada por uma faixa de plástico preto. O experimento consistiu de quatro tratamentos 1) abundância natural de aranhas (fator top-down) e adição de

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nitrogênio ao solo (fator bottom-up), 2) abundância natural de aranhas, mas sem adição de nitrogênio, 3) adição de nitrogênio, mas abundância reduzida de aranhas (removidas com armadilhas de queda) e 4) controle (sem adição nitrogênio ou aranhas). Os autores verificaram que, em geral, as plantas das parcelas com somente abundância de aranhas (tratamento 2) e somente adição de nitrogênio (tratamento 3) apresentaram maior biomassa do que as plantas controle. Entretanto, a biomassa das plantas nas parcelas com adição de nitrogênio e aranhas (tratamento 1) foi significativamente maior do que nas parcelas dos demais tratamentos. Com a abundância reduzida dos predadores, a abundância de hemípteros cresceu significativamente nas parcelas com adição de nutrientes e causaram uma redução subseqüente no crescimento da plantas. A redução das aranhas causou um decréscimo significativo na diversidade de plantas, enquanto os efeitos do nitrogênio na diversidade das plantas não foi significativo. Com estes resultados, ou autores concluem que os processos top-down e bottom-up podem interagir para afetar a biomassa das plantas. A entrada de energia alóctone em um sistema, a energia provinda de outros sistemas e de outras cadeias tróficas, aumenta a produtividade do sistema que a recebe, provocando mudanças nos efeitos top-down (Polis & Strong 1996). Em um trabalho desenvolvido na Namíbia, Polis & Hurd (1995, 1996) verificaram que a densidade de aranhas sobre algumas espécies de planta foi alta quando próximo ao nível do mar. Quanto maior era a distância da costa marítima, menor era a densidade destes predadores e maior a densidade de herbívoros nas plantas. Conseqüentemente, quanto mais distantes as plantas estavam do mar, maior foi a taxa de herbivoria. Próximo da costa, os autores desenvolveram um experimento removendo aranhas de algumas plantas (experimentais) e deixaram tais predadores nas outras plantas (controle). Verificaram que as plantas experimentais tiveram 2,7 vezes mais folhas danificadas e 2,8 vezes mais lesões em relação às plantas controle. Neste experimento, os autores demonstraram o papel importante da matéria orgânica marinha como atrativo para os organismos detritívoros, na manutenção da abundância de aranhas e, conseqüentemente, na cadeia alimentar. Muitos dípteros detritívoros que se desenvolvem nesta

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matéria orgânica provinda do plâncton e das algas marinhas foram os responsáveis pelo aumento da densidade das aranhas. Conseqüentemente, as aranhas combatem in situ os herbívoros das plantas. Em áreas longe da costa marítima, aranhas não são subsidiadas pela energia alóctone do mar, mas recebem somente a energia fixada pelas plantas terrestres. Nestes locais a densidade destes predadores é baixa, os herbívoros são relativamente mais abundantes e os danos nas plantas são mais acentuados. Henschel et al. (2001) estudaram o sistema Urtica dioica (Urticaceae) – herbívoros – predadores em uma mata ciliar na Bavária (Alemanha) e obtiveram resultados semelhantes aos de Polis & Hurd (1995, 1996). Esta planta distribui-se desde a margem dos rios até a mais de 60 m de distância em direção à floresta. Para testar o efeito da transferência de recursos alóctones do sistema aquático para o terrestre nas interações tróficas, estes autores trabalharam com grupos de plantas nas margens do rio e a 30 m deste. Em cada uma destas áreas, os autores removeram todos os predadores (60% eram aranhas) de algumas plantas (experimentais) e mantiveram tais predadores em outras plantas (controle). Verificaram que plantas experimentais das margens do rio foram menos danificadas por herbívoros (principalmente Hemiptera), em relação às plantas controle. Já a 30 m da margem não houve diferença nos danos por herbívoros entre as plantas controle e experimentais. A densidade de aranhas foi maior na margem do rio devido à grande densidade de insetos aquáticos (95% eram Chironomidae), que também ocorreram mais densamente na margem, do que a 30 m de distância do rio. E alguns dos principais herbívoros ocorreram com maior freqüência longe da margem. Com estes resultados os autores concluem que as cadeias alimentares aquáticas e terrestres geralmente estão interconectadas. Neste exemplo, os insetos aquáticos subsidiaram as populações das aranhas que, por sua vez, diminuíram o número de hemípteros e reduziram a herbivoria.

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Predação intra-guilda A predação intra-guilda (PIG) ocorre quando o predador e a presa pertencem a um mesmo nível trófico e são competidores em potencial por outros tipos de presa (Polis et al. 1989). Em aranhas é muito comum a ocorrência de PIG, ou seja, espécies que predam outras aranhas (Wise 1993). A PIG pode ser um fator complicador quando queremos compreender as interações multitróficas de um determinado sistema. Em teoria, a PIG enfraquece a habilidade de ambos predadores regularem as populações de herbívoros nas comunidades e, conseqüentemente, enfraquece o efeito positivo dos predadores para as plantas. Para testar esta hipótese, Snyder & Wise (2001) estudaram o efeito de aranhas Lycosidae e de besouros Carabidae, que se alimentam de outros predadores (e.g. Nabiidae, Hemiptera), para a população dos herbívoros Acalymma vittata (besouro de pepino) e Anasa tristis (percevejo da aboboreira) e indiretamente para as plantas do pepino e da abóbora. Os autores desenvolveram experimentos em várias parcelas de 8m x 8m, sendo que em algumas delas houve acesso bloqueado aos carabídeos e licosídeos (parcelas controle). Outras parcelas tiveram apenas carabídeos, outras tiveram apenas licosídeos e outras tiveram ambos predadores. Estes dois predadores foram impedidos de imigrar para as parcelas controle por meio de lâminas de alumínio instaladas nas bordas e, para manter somente um destes predadores nas parcelas experimentais, a densidade do outro predador foi regulada por meio de armadilhas de queda (pitfall). Carabídeos não afetaram a população de licosídeos e vice-versa. Nos canteiros de pepino, na primavera, licosídeos reduziram o número de besouros do pepino, um importante herbívoro no início desta estação e, conseqüentemente, causaram aumento na produção de frutos. Carabídeos também reduziram o número de indivíduos deste besouro herbívoro e a associação de carabídeoslicosídeos teve efeito aditivo na produção de pepino. Nos canteiros de abóbora, no verão, carabídeos aumentaram a produção de frutos por meio da diminuição da densidade do percevejo da abóbora, que é um importante herbívoro, ocorrendo principalmente no final do verão. Em contraste, licosídeos reduziram fortemente a produção de frutos das aboboreiras, provavelmente por

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capturarem nabiídeos, que são importantes predadores destes percevejos. Como conseqüência, não houve um efeito aditivo significativo da associação carabídeos-licosídeos na produção de frutos das abóboras. Estes resultados indicam que predadores em uma cadeia trófica podem ter papeis funcionais diferentes, considerando-se as assembléias de presas que consomem e os períodos sazonais (veja mais sobre PIG no capítulo 14 deste livro). Uma maior produtividade no ambiente (e.g. entrada de energia alóctone) pode produzir cadeias com maior número de níveis tróficos em um determinado sistema (Hunter & Price 1992; Polis et al. 1998; Polis 1999). Esta produtividade também pode aumentar a intensidade das forças top-down (Oksanen et al. 1981; Fretwell 1987), uma vez que ambientes mais produtivos, com maior disponibilidade de presas, suportam maior abundância de predadores. Entretanto, este aumento na abundância de predadores pode gerar predação intra-guilda e enfraquecer os efeitos top-down (veja Polis et al. 1989).

Efeitos diretos vs. indiretos da predação Os efeitos indiretos surgem quando, por exemplo, uma espécie predadora “A” modifica a abundância ou o comportamento da espécie presa “B” e indiretamente afeta positiva ou negativamente a espécie “C”. A densidade de uma espécie pode ser modificada pela predação, que é chamado de Efeito Indireto Mediado pela Densidade. Já a modificação de algum comportamento de uma espécie mediante o risco de predação pode ser chamado de Efeito Indireto Mediado pelo Comportamento (Abrams et al. 1996; Lima 1998; Schmitz et al. 2004). Como exemplo hipotético do último tipo de efeito, herbívoros podem migrar de uma planta hospedeira para outra, se a densidade de aranhas for alta na primeira planta. Beckerman et al. (1997) e Schmitz (1998) estudaram tanto os efeitos diretos quanto indiretos da predação no comportamento de herbívoros, assim como suas conseqüências para as plantas. Para isso, utilizaram mesocosmos (terrários com 0,6 x 0,6 x 0,6 m) contendo várias espécies de plantas herbáceas, gafanhotos Acrididae como herbívoros e aranhas Pisauridae ou

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Lycosidae como predadores. Para medir o efeito da presença de aranhas sobre as presas, excluindose o efeito direto da predação, foram empregadas aranhas com as quelíceras coladas com cimento odontológico. Estas aranhas permaneciam nos terrários e caçavam normalmente, embora fossem incapazes de matar e ingerir suas presas. Inicialmente, para verificar o efeito indireto das aranhas no comportamento dos herbívoros, os autores utilizaram quatro tratamentos experimentais que foram testados em terrários com: 1) plantas e gafanhotos (dois níveis tróficos; controle), 2) plantas, gafanhotos e aranhas com as quelíceras coladas (três níveis tróficos, mas com risco de predação), 3) plantas, gafanhotos e aranhas cujas quelíceras estavam livres (três níveis tróficos com predação) e 4) plantas, gafanhotos e aranhas de borracha como modelos artificiais de predadores. Os pesquisadores verificaram que nos tratamentos com o risco de predação e com a predação os gafanhotos se deslocaram mais, i.e., tornaram-se mais agitados devido à presença dos predadores; que os gafanhotos do primeiro e do quarto tratamentos. Estes resultados indicam que os gafanhotos não reconheceram os modelos artificiais de aranhas como predadores em potencial. Não houve diferença na distância de deslocamento dos gafanhotos entre os tratamentos com risco de predação e com predação real, indicando que apenas a presença das aranhas foi suficiente e importante na modificação do comportamento destes herbívoros. Para testar o efeito do risco de predação das aranhas na quantidade de biomassa vegetal removida pelos herbívoros, um experimento semelhante ao anterior foi desenvolvido, também com quatro tratamentos em terrários com: 1) somente plantas (um nível trófico), 2) plantas e gafanhotos herbívoros (dois níveis tróficos), 3) plantas, herbívoros e aranhas com quelíceras coladas (três níveis tróficos, mas com risco de predação) e 4) plantas, herbívoros e aranhas com as quelíceras livres (três níveis tróficos com predação). Ao final do experimento, os autores verificaram que a biomassa das plantas nos tratamentos 1, 3 e 4 foi estatisticamente semelhante, e significativamente mais alta que no tratamento 2. Estes resultados indicam que tanto efeitos diretos quanto indiretos mediados pelo comportamento (predação e risco de predação) foram responsáveis pela diminuição das taxas de herbivoria (Beckerman et al. 1997,

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Schmitz et al. 1997, Schmitz 1998). Estes trabalhos demonstraram que os efeitos indiretos podem ter papel relevante nas cadeias tróficas terrestres. Em um trabalho mais recente, Schmitz & Suttle (2001) observaram em campo que as aranhas Pisaurina mira (Pisauridae), Phidippus rimator (Salticidae) e Hogna rabida (Lycosidae) forrageiam em diferentes estratos na vegetação. A primeira forrageia em locais mais altos (~ 150 cm do solo), a segunda forrageia em altura intermediária (~ 90 cm do solo) e a terceira forrageia próximo ao solo (~ 30 cm). Os autores também verificaram que o gafanhoto Melanoplus femurrubrum pode ocorrer em qualquer destes três estratos, tanto em gramíneas quanto em dicotiledôneas herbáceas. A partir destas observações, os autores verificaram qual seria o efeito das três espécies de aranhas no comportamento do gafanhoto e nas taxas de herbivoria. Para isso, montaram um experimento em laboratório, em terrários contendo gramíneas e dicotiledôneas herbáceas, com quatro tratamentos: 1) somente gafanhoto, 2) gafanhoto + Pisaurina, 3) gafanhoto + Hogna, 4) gafanhoto + Phidippus. Os pesquisadores verificaram que os gafanhotos mudaram de dieta, passando de gramíneas para dicotiledôneas na presença de Pisaurina e de Hogna (efeito indireto mediado pelo comportamento), mas na presença de Phidippus não mudaram de planta hospedeira. Os autores sugerem algumas explicações para estes resultados. Primeiro, dicotiledôneas herbáceas são estruturalmente mais complexas que as gramíneas e, desta forma, proporcionam maior número de refúgios para os gafanhotos. Segundo, na presença dos predadores, os gafanhotos poderiam se alimentar de plantas com tecidos mais digeríveis (porém, com maior concentração de compostos secundários de defesa), como as herbáceas, reduzindo o tempo de exposição aos predadores. Terceiro, o comportamento de evitar predadores pode estar relacionado com a quantidade de informação que a presa tem em relação ao predador. Pisaurina e Hogna, que não se movimentam muito, podem fornecer um sinal visual persistente para os gafanhotos em locais onde tais predadores forrageiam (inflorescências no ápice das plantas ou ramos próximo ao solo). Caçadores ativos, como Phidippus, pode fornecer um sinal visual imprevisível, pois estão sempre se deslocando para diversas partes da planta. Entretanto, a taxa de mortalidade dos gafanhotos

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aumentou na presença de Hogna e Phidippus, mas não na presença de Pisaurina. Como conseqüência destas interações predador-presa, o efeito indireto de cada aranha para gramíneas não diferiu, mas para plantas herbáceas houve diferenças: Pisaurina teve um efeito negativo, Hogna teve um efeito positivo e Phidippus não afetou significativamente a biomassa destas plantas. Muitos estudos consideram que predadores de diferentes espécies têm efeitos indiretos semelhantes por pertencerem a um mesmo nível trófico ou guilda. Entretanto, os resultados de Schmitz & Suttle (2001) mostram que espécies de uma mesma guilda podem ter efeitos diferentes nas cadeias alimentares e na estrutura das comunidades. Para testar a hipótese de que espécies de predadores que forrageiam de forma dissimilar afetam diferencialmente as populações das presas quando eles co-existem, Schmitz & SokolHessner (2002) desenvolveram um novo experimento com basicamente os mesmos elementos do último descrito acima. O experimento consistiu de oito tratamentos, para considerar combinações entre todas as espécies de predadores, i.e., um tratamento sem predadores, três com predadores da mesma espécie, três com combinações pareadas (e.g. uma aranha de uma espécie com duas de outra espécie) e um com combinação entre as três espécies. Os autores demonstraram que os efeitos indiretos de uma única espécie de aranha para a biomassa das plantas foram semelhantes aos efeitos indiretos das espécies em co-ocorrência. Pelo menos neste sistema, a predição de que co-ocorrência de predadores de espécies diferentes tem efeitos semelhantes nas cadeias tróficas foi corroborada. Portanto, predadores podem ser incluídos em uma única categoria funcional. Outro exemplo de efeito indireto mediado pelo comportamento foi observado por Gastreich (1999) em um sistema natural tetra-trófico envolvendo a planta Piper obliquum (Piperaceae), besouros herbívoros da família Curculionidae, formigas Pheidole bicornis e aranhas Dipoena banksii (Theridiidae). As formigas mantém relações mutualísticas com estas plantas, que possuem domáceas. Tais formigas são predadas pelas aranhas, mas freqüentemente reconhecem a presença do predador por meio da percepção dos fios da pequena teia que a aranha arma na superfície das folhas da planta. A autora verificou experimentalmente que plantas com aranhas tiveram menor

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densidade de formigas em relação às plantas controle, o que indica que estas migram para plantas sem aranhas. Além disto, nas plantas com aranhas houve maior área foliar removida pelos curculionídeos em relação às plantas controle, uma vez que estes herbívoros não são predados pelas aranhas, mas somente pelas formigas. Desta forma, as aranhas estão indiretamente modificando o comportamento das formigas, tornando as plantas livres para serem colonizadas pelos herbívoros. Em contraste com os resultados de Spiller & Schoener, que não encontraram quatro níveis tróficos bem definidos em ambiente terrestre contendo predadores de topo e predadores intermediários (exemplo acima), Gastreich demonstrou uma existência de quatro níveis tróficos bastante definidos no sistema Piper – herbívoros – formigas – aranhas, provavelmente porque, neste sistema, os organismos de cada nível trófico estão bem compartimentalizados, i.e., cada organismo é especialista no seu item alimentar (herbívoro-planta, aranha-formiga) ou substrato (formiga-planta).

Cascatas tróficas Modelos de cascata trófica surgiram em estudos de cadeia alimentar em ambientes aquáticos (e.g., Carpenter et al. 1987) e prevêem que organismos de níveis tróficos superiores controlam direta ou indiretamente a abundância ou biomassa de organismos de um nível trófico abaixo, favorecendo organismos de dois níveis tróficos abaixo. A descoberta das cascatas tróficas e o delineamento da sua dinâmica representam alguns dos mais excitantes sucessos da ecologia das cadeias alimentares. Entretanto, para vários pesquisadores cascatas tróficas são referidas de maneira incorreta (Polis et al. 2000). Em um artigo de revisão, Polis (1999) reestruturou os conceitos de cascatas. Para evitar ambigüidade, sugeriu distinguir entre cascatas no nível de indivíduo e de comunidade. Cascatas no nível individual ocorrem quando predadores eliminam herbívoros e beneficiam as plantas, mas com conseqüências locais, i.e., para plantas individuais. Cascatas no nível de comunidade (o conceito verdadeiro, segundo o autor) referem-se a alterações substanciais na distribuição da biomassa e da diversidade ou riqueza de espécies de plantas através de um sistema inteiro, de maneira consistente com a “Hipótese do Mundo Verde” (Hairston et al. 1960).

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Esta hipótese prediz que as plantas verdes são abundantes porque os predadores regulam as populações de herbívoros. Cascatas no nível de comunidade também seriam consistentes com a “Hipótese da Exploração do Ecossistema” (Oksanen et al. 1981; Fretwell 1987), que prediz que a interação entre produtividade, herbivoria e predação produz “habitats verdes” (com baixa taxa de herbivoria) em sistemas com um ou três níveis tróficos, mas produz “habitats brancos ou amarelos” (com alta taxa de herbivoria) em sistemas com dois ou quatro níveis. Os autores destes dois últimos trabalhos também predizem que ambientes mais produtivos sustentariam organismos de níveis tróficos superiores, porque o aumento da disponibilidade e produtividade dos herbívoros resultariam no aumento do número de predadores que serviriam de presas para outros predadores, e assim por diante. Baseando-se nos conceitos acima, verificamos que todos os trabalhos comentados e discutidos em outras seções deste capítulo dizem respeito aos efeitos positivos ou negativos das aranhas para plantas individuais, entretanto, sem uma cascata trófica evidente no nível da comunidade. Polis (1999) argumenta que em ambientes terrestres existem muito poucos trabalhos evidenciando cascatas. Entretanto, um estudo desenvolvido por Schmitz (2003), considerando-se aranhas como predadores de topo, foi um dos primeiros a evidenciar cascatas tróficas no nível de comunidade em ambiente terrestre. Este estudo de três anos de duração foi feito em um campo sujo em Connecticut (EUA), composto principalmente por 18 espécies de plantas herbáceas e arbustivas, duas espécies de fitófagos mastigadores (gafanhotos), sete espécies de fitófagos sugadores (especialmente hemípteros) e quatro espécies de aranhas [Pisaurina mira, Phidippus rimator, Rabidosa rabida e Misumena vatia (Thomisidae)]. Para testar se esta assembléia de aranhas afeta a diversidade (riqueza e equitabilidade) e produtividade (biomassa produzida) das plantas, Schmitz implementou um experimento com três tratamentos em parcelas de exclusão de 2 m x 2 m em campo: 1) remoção de todos os predadores das parcelas, deixando apenas plantas e fitófagos. Os predadores foram excluídos manualmente das parcelas a cada semana e, para evitar novas colonizações, o autor cercou as parcelas com placas de alumínio de 45 cm de altura; 2) remoção de

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ambos predadores e fitófagos das parcelas. Para isso, o autor aplicou um inseticida piretróide orgânico a cada 15 dias; 3) controle, com abundância natural de fitófagos e predadores. Schmitz verificou que houve decréscimo na porcentagem de cobertura de uma planta dominante na área (Solidago rugosa, Asteraceae) nas parcelas com aranhas. Isso ocorreu porque, na presença das aranhas, os herbívoros migraram para a planta competitivamente mais dominante, que ofereceu refúgio

contra

predadores.

Conseqüentemente,

parcelas

com

aranhas

tiveram

valores

significativamente maiores de equitabilidade, mas as aranhas não afetaram a riqueza de espécies de plantas. Em contraste, a produtividade nas parcelas com aranhas foi menor do que nas parcelas dos demais tratamentos. Estes resultados confirmam a existência de cascatas tróficas no nível de comunidade em ambientes terrestres. Normalmente presume-se que efeitos de comportamentos antipredatórios de herbívoros, como os observados previamente em experimentos de mesocosmos contendo os mesmos elementos deste sistema natural (Beckerman et al. 1997; Schmitz 1998; Schmitz et al. 1997), são irrelevantes na dinâmica dos ecossistemas. Entretanto, Schmitz sugere que estes efeitos indiretos mediados pelo comportamento podem de fato ter impactos cumulativos a longo prazo na estrutura das comunidades terrestres (veja também Schmitz et al. 2004).

Mediadores das interações Por meio da grande pressão seletiva imposta por herbívoros, as plantas desenvolveram inúmeros mecanismos de defesa química, física ou de escape (Crawley 1989; Fritz & Simms 1992; Marquis 1992; Coley & Barone 1996; Lucas et al. 2000; Pilson 2000). Muitas espécies de plantas fornecem abrigo, alimento ou ambos para formigas que, em retorno, combatem herbívoros e aumentam sua performance (Heil & McKey 2003, Oliveira & Freitas 2004). Outras plantas possuem domáceas de folhas, também conhecidas como acarodomáceas, que podem ser formadas por tufos de pêlos, cavidades ou uma combinação de ambas características entre as nervuras principais e secundárias na região abaxial das folhas. Tais estruturas freqüentemente abrigam ácaros benéficos (predadores ou fungívoros) que removem herbívoros e/ou seus ovos, ou patógenos

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foliares (revisão em Romero & Benson 2005). Segundo Marquis & Whelan (1996), estes exemplos são facilmente perceptíveis porque as plantas desenvolveram estruturas especializadas únicas (e.g. domáceas) que aumentam a fidelidade dos participantes do terceiro nível trófico na planta. Entretanto, outras características, como morfologia das folhas, distância entre folhas, arquitetura da copa, pubescência e forma dos ramos não necessariamente surgiram como atrativos aos predadores ou parasitóides, mas podem mediar interações entre plantas e organismos do terceiro nível trófico, não apenas formigas e ácaros (Marquis & Whelan 1996). Em um exemplo envolvendo aranhas, Louda (1982b) demonstrou efeito positivo de Peucetia viridans para a planta Haplopappus venetus (veja acima). Esta planta possui inflorescências com arquitetura em forma de plataforma horizontal que favorece a captura de presas pelas aranhas, mediando a interação. Outra espécie de planta congênere, Haplopappus squarrosus, possui arquitetura de ramos dispostos verticalmente e não atraem aranhas. Ruhren & Handel (1999), que também demonstraram efeitos positivos de aranhas da família Salticidae na produção de frutos e de sementes da planta Chamaecrista nictitans (Caesalpineaceae), verificaram que as aranhas consomem néctar dos nectários extra-florais da planta. Estes NEFs são mediadores da interações entre a planta e as aranhas. A aranha Misumenops argenteus, que beneficia a planta Trichogoniopsis adenantha pela diminuição da infestação por herbívoros (Romero & Vasconcellos-Neto 2004b), conforme descrito acima, ocorreu mais frequentemente sobre esta planta e sobre Hyptis suaveolens (Lamiaceae), ambas dotadas de tricomas glandulares, do que o esperado pelo acaso. Romero & VasconcellosNeto (2003, 2004a) sugerem que a grande abundância desta aranha somente nestas duas espécies de plantas está relacionada à presença deste tipo de tricoma, que prende vários insetos, tornando-os presas de fácil acesso às aranhas (veja capítulo 4 deste livro). Apesar de várias destas características morfológicas que mediam interações benéficas entre predadores e plantas não terem surgido como atrativos para predadores, elas podem ser mantidas pela seleção natural (Marquis & Whelan 1996),

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uma vez que facilitam a permanência de predadores que aumentam a performance das suas plantas hospedeiras.

Agradecimentos Estamos gratos a Paulo I. Prado e a dois revisores anônimos pela revisão crítica do manuscrito. G.Q. Romero foi bolsista de doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, bolsa no. 01/04610-0) e J. Vasconcellos-Neto recebeu auxílio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, bolsa no. 300539/94-0) durante a produção deste capítulo.

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14

ARANHAS COMO AGENTES DE CONTROLE BIOLÓGICO EM AGROECOSSISTEMAS

GUSTAVO Q. ROMERO

Por várias décadas, pesquisadores têm estudado a dinâmica das interações predador-presa e o papel dos predadores na regulação das populações das suas presas (Huffaker 1958, Murdoch 1977, Hassell 1978, Crawley 1992, Nachman 2001), que são as chaves para a compreensão dos princípios do controle biológico (Bellows & Hassell 1999). Controle biológico é simplesmente a ação de determinados agentes presentes em um ambiente que têm o potencial de reduzir as populações das espécies que são consideradas pragas. Em agroecossistemas, este tipo de controle vem sendo praticado de duas maneiras: 1) introdução de inimigos naturais exóticos (controle biológico clássico) e 2) conservação e manejo dos inimigos naturais nativos (Ehler 1998). O primeiro tipo de controle visa uma solução imediata, i.e., um controle rápido e efetivo de pragas que é feito por inimigos naturais especialistas, geralmente parasitóides. No entanto, este tipo de controle apresenta problemas de ordem econômica: o alto custo para a importação e manutenção destes inimigos naturais, que devem ser periodicamente introduzidos nos agroecossistemas (DeBach 1981, Riechert & Lockley 1984). Além disto, muitas vezes este tipo de controle não é facilmente implantado em determinados agroecossistemas (van Emden 1989). Somente 30% das tentativas de implantação deste tipo de programa de controle têm sucesso e a probabilidade de supressão de pragas é ainda mais baixa (Unruh & Woolley 1999). Além do mais, a introdução de organismos exóticos pode afetar as comunidades naturais locais: nem sempre o agente introduzido ataca a espécie praga, como desejado (veja Gutierrez et al. 1999). O segundo tipo de controle tem como objetivo prevenir o crescimento das populações das pragas por meio do manejo do

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agroecossistema, propiciando a permanência de predadores geralmente generalistas no ambiente (Letourneau 1998, Symondson et al. 2002) e tornando-o sustentável. Aranhas são predadores por excelência, são generalistas e vivem em praticamente todos os ambientes terrestres (Foelix 1996). Vários trabalhos vêm demonstrando que as aranhas exercem um importante papel no controle populacional de insetos (Clarke & Grant 1968, Pacala & Roughgarden 1984, Riechert & Bishop 1990, Carter & Rypstra 1995). Uma vez que aranhas são o maior componente da biomassa de predadores em vários ecossistemas (Wise 1993), devem atuar como importantes agentes de controle biológico. Existe um número considerável de trabalhos experimentais que demonstraram que, na presença de aranhas, insetos pragas diminuíram em densidade (veja Wise 1993). Entretanto, como aranhas são generalistas e não escolhem presas pelo seu nível trófico, podem consumir outros predadores (predação intra-guilda) e afetar negativamente as populações de outros inimigos naturais de pragas nos agroecossistemas. Desta forma, algumas vezes o papel desta classe de predadores no controle de pragas torna-se ambíguo. Neste capítulo analiso o papel das aranhas no controle biológico de pragas de agroecossistemas, desenvolvendo as seguintes questões: 1) que aranhas possuem potencial para o controle biológico?, 2) Como as aranhas se dispersam e qual a relevância dos seus meios de dispersão para os agroecossistemas? 3) Por que a competição e a predação intra-guilda podem comprometer o sucesso do controle biológico? 4) Como as aranhas controlam as populações das suas presas? 5) Por que conservar assembléias de aranhas em agroecossistemas?

Aranhas em agroecossistemas Ao todo, existem 110 famílias de aranhas (Platnick 2005), mas poucas são comuns em agroecossistemas e têm potencial para realizar controle biológico (revisão em Hagen et al. 1999). As principais famílias de aranhas encontradas em ambientes cultivados são: Lycosidae, Salticidae, Oxyopidae,

Clubionidae,

Miturgidae

Thomisidae,

Tetragnathidae e Uloboridae.

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Theridiidae,

Linyphiidae,

Araneidae,

Lycosidae – As aranhas da família Lycosidae são geralmente noturnas e habitam principalmente o solo e a serapilheira, mas podem forragear na vegetação mais baixa e freqüentemente caçam suas presas por emboscada (Wise 1993, Brescovit et al. 2004). Apesar do hábito noturno, aranhas do gênero Pardosa também forrageiam durante o dia (Nyffeler et al. 1994a). Aranhas deste gênero são habitantes comuns de agroecossistemas da América do Norte, onde predam pequenos artrópodes, como colêmbolas, pequenos dípteros, homópteros e hemípteros, sendo que afídeos podem constituir um dos seus principais itens alimentares nas plantações de cereais na Europa (revisão em Nyffeler et al. 1994a). Por meio de experimentos em pequenas parcelas, Oraze & Grigarick (1989) verificaram que P. ramulosa diminuiu a densidade de duas pragas de arroz na Califórnia: um quironomídeo (Diptera) na forma larval e um cicadelídeo (Hemiptera). Em campos de arroz na Ásia, homópteros pragas constituíram aproximadamente 80% da dieta de licosídeos. Zhang (1992) mostrou que o afídeo Aphis gossypii (Homoptera, Aphididae), a maior praga de algodoeiros na China, é predado por quatro espécies de Pardosa. Dois licosídeos noturnos de maior porte, Hogna e Rabidosa, se alimentam de insetos grandes, como grilos, gafanhotos, besouros e mariposas Noctuidae (Nyffeler et al. 1994a). Recentemente, por meio de experimentos em parcelas contendo plantas de abóbora e de pepino nos EUA, Snyder & Wise (2001) demonstraram experimentalmente que algumas espécies de Hogna e Pardosa diminuíram a densidade de herbívoros, alguns coleópteros e um hemíptero e, indiretamente, aumentaram a produção destas duas hortaliças. Clark et al. (1994) mostraram que Lycosa helluo foi um dos principais predadores da mariposa Pseudaletia unipuncta (Noctuidae), uma importante praga de cereais na América do Norte. Allen & Hagley (1990) encontraram apenas uma aranha, Trochosa terricola (Lycosidae), dentre vários outros artrópodes habitantes de macieiras no Canadá, predando Rhagoletis pomonella (Diptera, Tephritidae), uma praga de maçã. Salticidae – Os membros desta família, conhecidas como “papa-moscas” no Brasil, são as mais ativas dentre as aranhas errantes e forrageiam somente durante o dia (Wise 1993, Brescovit et

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al. 2004). Várias espécies de Salticidae ocorrem em agroecossistemas e predam muitas pragas (Riechert & Lockley 1984). No Brasil, esta família foi a mais abundante sobre campos de cana-deaçúcar (Rinaldi & Forti 1997). Nos Estados Unidos, Phiddipus audax é uma das aranhas mais abundantes em cultivares e preda em grande quantidade hemípteros herbívoros de algodão, coleópteros de pepino e dípteros (revisão em Nyffeler et al. 1994a, b). Muniappan & Chada (1970) demonstraram em laboratório que P. audax foi capaz de controlar o crescimento populacional de um hemíptero praga de cevada. Entretanto, uma vez que somente uma espécie de predador e de presa estavam presentes neste sistema artificial (laboratório), é inválido concluir que este predador seja importante nas condições de campo. Jiménez & Tejas (1996) verificaram que Lyssomanes pescadero, a espécie de aranha mais abundante nos pomares da Califórnia, é um predador importante da mosca-das-frutas, Anastrepha ludens (Tephritidae). Oxyopidae, Clubionidae e Miturgidae – Oxiopídeos são aranhas que ocorrem sempre sobre a vegetação; são muito ágeis e possuem olhos bem desenvolvidos. Enquanto oxiopídeos são predominantemente caçadores diurnos, caçando suas presas ativamente ou por emboscada, clubionídeos e miturgídeos caçam durante a noite sobre vegetação ou no solo (Wise 1993, Brescovit et al. 2004). Aranhas destas famílias são comuns em agroecossistemas (Mansour et al. 1985, Nyffeler et al. 1994a). Nyffeler et al. (1994b) mostraram que mais de 30% das presas capturadas por Oxyopes salticus em agroecossistemas eram hemípteros, principalmente da família Miridae. Esta espécie de aranha está entre os predadores numericamente dominantes em cultivares nos Estados Unidos (Young & Lockley 1985) e é a mais comum (68% de todas as aranhas) em algodoeiros no Texas (Nyffeler et al. 1987a). Estudos comparativos entre O. salticus e Peucetia viridans desenvolvidos em algodoeiros no Texas demonstraram que a primeira espécie, de pequeno porte, se alimentou em grande quantidade de um herbívoro de algodão, o Pseudatomoscelis seriatus (Hemiptera), enquanto P. viridans, uma aranha grande, foi mais generalista (Nyffeler et al. 1987b) e o seu item alimentar mais comum foi Apis mellifera (Hymenoptera, Apidae), um polinizador em

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potencial do algodão. Desta forma, Nyffeler et al. (1992) concluíram que O. salticus seria um melhor agente de controle biológico devido à sua relativa especialização. Duas espécies de Clubionidae, Clubiona japonicala e C. kurilensis são importantes predadores do afídeo Aphis gossypii na China (Zhang 1992). Provencher & Coderre (1987) concluíram que C. pikei (Clubionidae) tem algum potencial como agente de controle biológico após terem demonstrado que esta aranha apresentou resposta funcional e comportamento de “mudança” de presa quando testada com diferentes densidades de duas espécies de afídeos (Rhopalosiphum maidis e R. padi), pragas comuns de milho no Canadá. Mansour & Whitecomb (1986) demonstraram experimentalmente que as folhas dos ramos de Citrus em que as aranhas foram removidas apresentaram grande crescimento da população do fitófago Ceroplastes floridensis (Hemiptera, Coccidae), em Israel. Segundo estes autores, 51,8% das aranhas que ocorreram nesta planta era Cheiracanthium mildei (Miturgidae). Amalin et al. (2001) observaram Cheiracanthium inclusum (Miturgidae), juntamente com Hibana velox (Anyphaenidae) e Trachelas volutus (Corinnidae) predando larvas do inseto minador, Phyllocnistis citrella (Lepidoptera, Gracillariidae), uma importante praga de Citrus spp., na Flórida. Thomisidae – Aranhas desta família não constróem teias e capturam suas presas por emboscada em flores, folhas ou em troncos de árvores (Wise 1993, Foelix 1996, Brescovit et al. 2004). Tomisídeos ocorrem em abundância em agroecossistemas (Agnew & Smith 1989) e são mencionados como importantes predadores em potencial de várias espécies de pragas (Riechert & Lockley 1984). Misumenops celer, por exemplo, se alimenta de vários hemípteros, dípteros e lepidópteros praga de plantações de amendoim no Texas (Agnew & Smith 1989). Jingzhao et al. (1980) e Zhang (1992) listaram M. tricuspidatus e Xysticus croceus como predadores em potencial do pulgão Aphis gossypii, uma praga de algodão na China, e Yasuda & Kimura (2001) demonstraram em laboratório que M. tricuspidatus causou redução na população desta espécie de pulgão. Misumenops asperatus foi visto predando Retinia metallica (Lepidoptera, Tortricidae), um importante brocador de pinheiros em Nebraska (Dix & Jennings 1995).

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Theridiidae e Linyphiidae – Aranhas da família Theridiidae constróem teias tridimensionais que são freqüentemente armadas sobre arbustos e árvores, ou em rochas. Em contraste, aranhas Linyphiidae constróem teias em forma de lençol horizontal, com emaranhados de fios acima e abaixo, e sem gomas adesivas (Wise 1993, Brescovit et al. 2004). Linifídeos capturam freqüentemente Diptera, Hymenoptera e Hemiptera; mas capturam muito pouco Coleoptera e Lepidoptera porque estes insetos são grandes e destróem facilmente as teias delicadas desta aranha (Nyffeler et al. 1994a). Zhang (1992) verificou que Theridion octomaculatum (Theridiidae), Erigonidium graminicolum e Oedothorax insecticeps (Linyphiidae) são predadores importantes do afídeo praga de algodão, A. gossypii. Mansour et al. (1985) demonstraram experimentalmente que as folhas dos ramos de abacateiros em que as aranhas foram removidas apresentaram maior taxa de herbivoria pela larva do geometrídeo Boarnia selenaria (Lepidoptera) em Israel. Segundo estes autores, 63% das aranhas que ocorreram nesta espécie de planta eram da família Theridiidae e 19% eram da família Linyphiidae. Pekár (2000) verificou que 90% das presas capturadas pelo teridiídeo Theridion impressum em três ambientes (plantações de girassol, de maçã e de Phacelia tanacetifolia) na República Tcheca eram pragas, principalmente pulgão (73%). Araneidae, Tetragnathidae e Uloboridae – Membros destas três famílias de aranhas constróem teias orbiculares, freqüentemente vivem sobre a vegetação e geralmente forrageiam durante a noite. Como tais aranhas forrageiam em teias, limitam-se a capturar artrópodes alados (Foelix 1996, Wise 1993, Brescovit et al. 2004). Freqüentemente alimentam-se de dípteros e hemípteros (Cicadellidae e Aphididae) em agroecossistemas norte americanos (Nyffeler et al. 1989, 1994a). Os insetos mais capturados por Argiope aurantia (Araneidae) em plantações de algodão no Texas foram afídeos (30%), dípteros (26,8%) e gafanhotos (17,9%), importantes pragas desta planta (Nyffeler et al. 1987a, b). Em plantações de cana-de-açúcar no Brasil, Rinaldi et al. (2002) observaram várias carcaças de Xyleborus affinis (Coleoptera, Scolytidae), uma praga bem conhecida desta planta, nas teias de Cyclosa sp. (Araneidae). Provencher & Coderre (1987) demonstraram que Tetragnatha laboriosa (Tetragnathidae), juntamente com Clubiona pikei,

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exibiram respostas funcionais e comportamentos de mudança de presa quando testadas com diferentes densidades de duas espécies de afídeos, Rhopalosiphum maidis e R. padi, pragas comuns de milho, no Canadá. Com estes resultados, os autores concluíram que estas aranhas têm algum potencial como agentes de controle biológico.

Dispersão em agroecossistemas Embora muitas espécies de artrópodes sejam encontradas no ambiente aéreo, relativamente poucas são providas de asas. As aranhas estão entre estes aeronautas passivos, que viajam grandes distâncias por meio de fios de seda que funcionam como balões (Suter 1999). Por apresentarem excelente habilidade de dispersão, é provável que as aranhas sejam os primeiros predadores a alcançar habitats recém formados (e.g. ilhas vulcânicas) e, portanto, teriam uma importante influência no desenvolvimento sucessional de comunidades de artrópodes (Bishop & Riechert 1990). O balonismo é um importante meio pelo qual aranhas colonizam ilhas remotas (e.g. Hodkinson et al. 2001). Meses após a formação da ilha de Rakata, resultante da explosão da ilha de Krakatau em 1883, por exemplo, uma expedição francesa encontrou um único organismo animal, uma aranha pequena, que alcançou este ambiente por meio do balonismo (Wilson 1994). Aranhas da família Linyphiidae são as balonistas mais comuns. É provável que, por apresentarem tamanho muito pequeno, sejam favorecidas na dispersão pelo ar (Thomas & Jepson 1999). Alguns estudos demonstraram que muitas aranhas balonistas, de diferentes famílias, são de pequeno porte, o que indica que a fauna aeronauta não é apenas uma porção aleatória da comunidade original (Suter 1999). Pesquisas vêm sendo desenvolvidas para verificar quais seriam as condições meteorológicas mais propícias ao balonismo pelas aranhas, e foi verificado que muitas aranhas dispersam-se durante o dia, em dias ensolarados e com ventos amenos (revisão em Suter 1999). A colonização de agroecossistemas por aranhas tem chamado a atenção de pesquisadores, uma vez que isso significa a entrada de organismos benéficos, predadores em potencial de pragas

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agrícolas. Entretanto, apenas recentemente a importância do balonismo para o tamanho populacional e a diversidade de aranhas em agroecossistemas tem sido reconhecida (Bishop & Riechert 1990, Halley et al. 1996, Suter 1999, Thomas & Jepson 1999). Geralmente agroecossistemas são mosaicos com grande probabilidade de sofrerem distúrbios catastróficos, como colheitas e uso de agrotóxicos. Aranhas balonistas têm maiores chances de sobreviver a estes distúrbios, pois poderiam migrar rapidamente para os mosaicos não perturbados e, em seguida, recolonizar novos ambientes formados posteriormente (Plagens 1983, Thomas & Jepson 1999). Bishop & Riechert (1990) desenvolveram experimentos no Tennessee (EUA), em um sistema agrícola contendo várias espécies de hortaliças, para verificar qual era a taxa de colonização de aranhas por meio de balonismo e por meio do deslocamento terrestre. Para isso, excluíram pequenas áreas utilizando chapas de metal para evitar imigração de aranhas através do solo. Também construíram armadilhas adesivas, que capturam aranhas em dispersão pelo ar, e armadilhas de queda, que capturam aranhas que se deslocam pelo solo. Com estes métodos, demonstraram que até 50% das aranhas imigrantes colonizaram o ambiente estudado por meio do balonismo. Destas, 31,7% eram Thomisidae, 26,6% Clubionidae e 20,8% Linyphiidae, mas a maioria destas aranhas (98%) era imatura. Uma provável explicação seria que adultos têm tamanho grande e isso dificulta sua migração pelo ar. Entre aquelas que alcançaram a área de estudo pelo deslocamento terrestre, 82,4% eram da família Lycosidae. Os autores verificaram que o coeficiente de similaridade entre a composição das aranhas do agroecossistema e de uma floresta vizinha foi baixo. Com isso, concluíram que entre 40 e 50% das aranhas imigrantes vieram de locais relativamente distantes porque não foram encontradas nos habitats vizinhos. Com estes resultados, os autores sugeriram que agroecossistemas não são dependentes de reservatórios naturais vizinhos como fontes de inimigos naturais.

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Competição e predação intra-guilda no controle biológico Competição interespecífica e predação estão entre os principais fatores que modelam as estruturas das comunidades (Ricklefs 1990). Enquanto espécies com maior poder competitivo limitam indiretamente o crescimento das populações das espécies competitivamente mais fracas por meio de monopolização de recursos alimentares ou espaciais, predadores limitam de forma direta o crescimento das populações das presas. Predação intra-guilda é uma combinação destes dois fatores: ocorre quando o predador e a presa pertencem a um mesmo nível trófico e são competidores em potencial por outros tipos de presa (Polis et al. 1989). É muito comum a ocorrência de predação intra-guilda em aranhas mas poucos estudos comprovaram a existência de competição entre elas (Wise 1993). Os poucos estudos que evidenciaram competição interespecífica entre aranhas foram desenvolvidos em ecossistemas estruturalmente simples, como estuários (Spiller 1986) e agroecossistemas (Marshall & Rypstra 1999). Estes sistemas são periodicamente perturbados pela ação das marés (estuários) e das colheitas, aplicações de agrotóxicos e outras formas de manejo (agroecossistemas). Estas perturbações afetam a colonização por aranhas, favorecendo espécies de crescimento rápido, e que podem competir entre si (Marshall & Rypstra 1999). Spiller (1986) estudou as interações competitivas entre duas aranhas, Cyclosa turbinata e Metepeira grinnelli (Araneidae), em parcelas de 1 x 1 m, e demonstrou que quando ambas as espécies estavam juntas, a taxa total de captura de presas foi mais baixa em relação à taxa de captura por Cyclosa nas parcelas onde Metepeira foi removida. Na ausência do competidor, a população de Cyclosa cresceu consideravelmente e capturou mais presas. O autor sugere que em ambientes simplificados algumas espécies predadoras poderiam ser mais efetivas em reduzir populações de presas do que a comunidade natural inteira (mas veja Riechert et al. 1999). Marshall & Rypstra (1999) instalaram parcelas em campos de soja, onde introduziram duas espécies de aranhas, Hogna helluo (Lycosidae), uma aranha grande e com alto potencial competitivo e Pardosa milvina (Lycosidae), uma aranha pequena e competitivamente inferior à primeira. Verificaram que a densidade de Pardosa tendeu a aumentar, mas a de Hogna diminuiu

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durante o experimento. Os autores sugeriram que o principal fator responsável por esta alteração na densidade de Hogna foi a competição intraespecífica causada pela introdução periódica de indivíduos durante o experimento. Hogna pode ser superior competitivamente e, desta forma, ser mais auto-limitante. Estes autores também conduziram experimentos em laboratório contendo terrários com 1) seis indivíduos de Pardosa e um de Hogna e 2) apenas oito espécimes de Pardosa. As quelíceras de Hogna foram seladas com parafina para prevenir a predação de Pardosa. Estes terrários foram provisionados com espécimes de Drosophila melanogaster com asas vestigiais para alimentar os espécimes de Pardosa. Após alguns dias, estas aranhas foram pesadas e verificou-se que indivíduos mantidos sem contato com a outra espécie ganharam o dobro do peso, comparandose com os que permaneceram em terrários com Hogna. Estes resultados indicaram que Hogna afeta negativamente o forrageamento e o crescimento de Pardosa. Marshall e Rypstra sugerem que Pardosa sozinha poderia realizar o controle das populações das presas. Apesar destes resultados, estudos teóricos e empíricos têm demonstrado que assembléias de aranhas têm maior potencial para limitar as populações das presas que uma única espécie. A predação intra-guilda (PIG) e o canibalismo podem ter profundos efeitos na estrutura das comunidades. Tornam as interações e impactos de predadores sobre as populações de herbívoros muito confusos, uma vez que predadores que são generalistas diminuem a densidade de herbívoros, bem como favorecem os herbívoros pela predação dos outros inimigos naturais (Polis et al. 1989). Por outro lado, o efeito de ambos predadores sobre as populações de presas pode ser aditivo (Rosenrheim 1998). A PIG é comum em agroecossistemas (Rosenrheim 1998) e é freqüentemente observada entre aranhas (Wise 1993), podendo afetar o controle biológico de pragas por este grupo de predadores (Riechert & Lockley 1984). Em placas de Petri, Dinter (1998) estudou o efeito da PIG entre duas aranhas (Erigone atra e Oedothorax apicatus, Linyphiidae), um besouro (Pterostichus melanarius, Carabidae) e um neuróptero (Chrysoperla carnea, Chrysopidae), que são predadores importantes do pulgão Sitobion avenae (Homoptera). Foi verificado que as aranhas aumentaram a taxa de mortalidade das larvas do crisopídeo, mas esta taxa diminuiu quando presas

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alternativas (pulgão) estavam presentes. Em contraste, larvas de crisopídeos não predaram as aranhas, e estas não predaram umas às outras. O carabídeo predou o crisopídeo e as aranhas, tendo preferências por E. atra. Para investigar qual seria o efeito de aranhas e de inseticidas no controle biológico de pragas de plantações de arroz, Fagan et al. (1998) desenvolveram experimentos em parcelas com quatro tratamentos: adição de inseticida, adição de aranhas Lycosidae, adição de inseticida e aranhas, e nada adicionado (controle). Verificaram que tanto as caixas com inseticida como as com aranhas tiveram menor densidade de pragas, comparando-se com o controle. Entretanto, caixas com a combinação de inseticida e aranhas tiveram crescimento populacional das pragas. Os autores atribuem estes resultados ao impacto aditivo das aranhas e do inseticida na população de um hemíptero predador (Mesovellidae), também um importante agente no controle das pragas de arroz. Aranhas e inseticida diminuíram a densidade deste segundo predador abaixo do limiar para que um controle biológico efetivo pudesse ocorrer. Os resultados destes estudos sugerem que a PIG pode prejudicar o controle biológico pela redução das populações de artrópodes benéficos nos agroecossistemas.

Respostas funcionais e numéricas e equilíbrios estáveis Modelos teóricos sobre a natureza das interações predador-presa são baseados no efeito de uma única espécie de predador atuando na densidade (regulação) de uma única espécie de presa (Crawley 1992). Estes modelos podem ser aplicados em sistemas em que o predador demonstra alto grau de monofagia (e.g. Huffaker 1958, Nachman 2001). Nos programas de controle biológico, pesquisadores adotam predadores ou, mais freqüentemente, parasitóides especializados porque garantem uma resposta rápida e relativamente eficiente contra uma espécie de presa ou hospedeira. Neste caso, a resposta dos inimigos naturais ao aumento das presas e à taxa de mortalidade das presas é dependente da densidade (Hassell 1978). Esta mortalidade dependente da densidade da presa varia em função de algumas características do predador, como natureza do seu

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comportamento de alimentação e caça (resposta funcional) e variação da sua densidade em resposta à densidade da presa (resposta numérica). Podemos esperar três tipos de respostas funcionais (Holling 1959). Na resposta do Tipo I, o número de presas capturadas pelo predador aumenta em função do aumento da densidade das presas. Mas em determinado momento, o predador se sacia e não captura mais presas (Fig. 14.1A). Na resposta do Tipo II, a taxa de captura de presas pelo predador aumenta com o aumento do número de presas, mas com uma diminuição gradual do número de presas capturadas até alcançar um platô, em que a taxa de consumo permanece constante, independentemente do aumento no número de presas (Fig. 14.1B). Esta diminuição gradual do número de presas capturadas pode ser explicada pelo tempo que o predador despende na manipulação, captura e consumo da sua presa. Na resposta do Tipo III (sigmoidal), quando o número de presas é baixo, a taxa de captura é mais baixa do que o esperado no modelo do Tipo I, mas à medida em que o número de presas vai gradualmente aumentando, a taxa de captura aumenta de forma exponencial, mas com uma diminuição gradual do número de presas capturadas até alcançar um platô (Fig. 14.1C). Esta resposta do deve estar relacionada com o aprendizado do predador e/ou com presença de refúgios para as presas, além do tempo de manipulação da presa pelo predador. A resposta funcional do Tipo III é a única capaz de explicar a regulação populacional de uma presa por um predador e manter a interação predadorpresa estável (Murdoch 1977, Crawley 1992). Isso ocorre porque a pressão de predação varia em função da densidade da presa em uma curva em “S”, com efeitos da predação maiores e menores do que o esperado para presas com tamanhos populacionais altos e baixos, respectivamente (Hassell 1978). Baseando-se na resposta funcional do Tipo III (mortalidade dependente da densidade), podemos pressupor que as aranhas regulam as populações das suas presas? Primeiramente, sabemos que as aranhas são predadores generalistas, apesar de existirem algumas exceções (veja Riechert & Luczak 1982), e são consideradas de uma forma geral como caçadoras do tipo senta-e-espera (Riechert 1992). Por isso, espera-se que esta classe de predadores não apresente resposta do Tipo

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III. A taxa de ataque de um predador generalista não varia positivamente com o tamanho da população da sua presa porque se a densidade desta presa diminui, o predador poderia mudar de item alimentar, supostamente direcionando seu esforço de caça às presas temporariamente mais abundantes, ou movendo-se e agregando-se em áreas com maior densidade de presas (Murdoch 1977). Riechert & Lockley (1984) sugeriram que aranhas poderiam pelo menos limitar o crescimento das populações das presas pelo comportamento de mudança de presas, mas comentam que este tipo de comportamento parece ser raro em aranhas. Wise (1993) argumenta que certas aranhas inclusive evitam capturar itens alimentares novos e tal comportamento parece independente da abundância relativa de outras espécies de presas. Romero & Vasconcellos-Neto (2003) verificaram que Misumenops argenteus (Thomisidae) não captura preferencialmente as espécies de presas mais abundantes, mas sim aquelas mais fáceis de subjugar, por serem ápteras e/ou por permanecerem por mais tempo pousadas em ramos de plantas. Riechert & Lockley (1984) também comentam sobre a existência de apenas cinco trabalhos sobre evidências de respostas funcionais do Tipo III em aranhas, mas segundo Wise (1993) tais resultados podem ser artefato do método utilizado. Ele explica que o aumento no número de presas em caixas experimentais causa estresse devido à superpopulação e provoca uma maior movimentação das presas que, consequentemente, são mais atacadas pelas aranhas. Portanto, a forma da curva sigmoidal nestes trabalhos não está relacionada com o aprendizado nem com mudança de itens alimentares do predador. Somente um trabalho evidenciou resposta do Tipo II e III em aranhas (Döbel & Denno 1994), que ocorreram respectivamente quando as presas estavam desprotegidas ou providas de refúgio. Um predador tem o potencial de regular suas presas, mesmo na ausência de resposta do Tipo III, se exibir resposta numérica. Este tipo de resposta consiste de dois componentes, como agregação e reprodução, e ocorre quando a população do inimigo natural aumenta (imigração/agregação ou reprodução) com o crescimento da população da presa. Uma vez que populações de plantas em sistemas agrícolas estão agregadas, populações de insetos pragas também

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estão. Estes locais mais ricos em presas são mais freqüentemente utilizados pelas aranhas, que migram e se agregam nestes sítios (Riechert & Lockley 1984). Os sítios pobres em presas têm menos predadores e, conseqüentemente, tornam-se abrigos temporários para estas presas. Uma vez em ambientes ricos em presas, as aranhas aumentam sua taxa reprodutiva com o aumento da disponibilidade de presas. É possível que estas respostas numéricas regulem as populações das presas. No entanto, o papel das aranhas em manter baixo o tamanho populacional das presas por meio da resposta numérica torna-se enfraquecido devido 1) ao tempo de geração deste predador (geralmente um ano), que é maior que o das presas (dias ou semanas), 2) à competição intraespecífica que provoca territorialidade e, conseqüentemente, limita o tamanho da população, e 3) ao canibalismo e predação intra-guilda, que aumenta conforme a população do predador aumenta (Riechert 1992, Symondson et al. 2002). Nenhum trabalho provou que aranhas regulam a densidade de presas por meio das respostas numéricas (revisão em Wise 1993), embora vários estudos tenham demonstrado que aranhas diminuem o numero de herbívoros e beneficiam as plantas (veja capítulo 13 deste livro). Mas se as aranhas não têm a capacidade predatória de provocar uma regulação populacional, como estes predadores limitam o tamanho populacional das suas presas? Os modelos de respostas funcionais e numéricas são muito limitados e relações mais complexas são explicadas por meio de modelos de equilíbrio estável das interações predador-presa (Ricklefs 1990). Existem dois tipos de equilíbrio estável: ciclo do limite estável e ponto de equilíbrio (Fig. 14.2). No ciclo do limite estável (Fig. 14.2A), a oscilação da interação predadorpresa é constante ao longo do tempo (Fig. 14.2B) e a amplitude do ciclo é dependente do tamanho inicial da população do inimigo natural. Neste tipo de interação não há risco do predador e da presa extinguirem-se (Hassell 1978; Murdoch et al. 1985). O ciclo do limite estável ocorre quando o inimigo natural é “ideal”, ou seja, i) é especialista, ii) tem tempo de vida semelhante ao da presa, iii) exibe imagem de procura, iv) tem a capacidade de encontrar maior concentração de presas em um mosaico ambiental e v) tem a capacidade de regular a população da presa. No ponto de equilíbrio (Fig. 14.2C), as densidades do predador e da presa oscilam ao longo do tempo até alcançarem o

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ponto estável (Fig. 14.2D). O ponto de equilíbrio pode ser observado em comunidades de predadores generalistas, em que a polifagia ajuda a manter as populações dos predadores altas, enquanto as populações das presas vão ao declínio (Murdoch 1975). As características de um predador com o potencial para exibir o ponto de equilíbrio no controle das suas presas são: i) devem ser generalistas, ii) suas populações devem ser auto-limitadas através de territorialidade ou , canibalismo, iii) exibir habilidade de explorar as várias espécies de presas disponíveis em diferentes períodos sazonais sem extinguí-las e iv) atuar como uma assembléia de predadores se alimentando de uma assembléia de presas (revisão em Riechert et al. 1999). As aranhas não apresentam nenhum dos requisitos necessários para que possam controlar suas presas por meio do ciclo do limite estável. Entretanto, apresentam todas as características para controlar suas presas pelo ponto de equilíbrio. Riechert & Lockley (1984) propuseram que aranhas poderiam exercer maior controle sobre as populações de presas se presentes em assembléias com muitas espécies (critério iv do ponto de equilíbrio) porque, com o aumento da riqueza em espécies, a representação ou amplitude do tamanho corpóreo de diferentes aranhas e comportamentos de forrageamento variados poderiam aumentar e, com isso, aumentaria a probabilidade de que presas de diferentes tamanhos e espécies sejam capturadas por algumas das aranhas. Esta hipótese foi corroborada por Provencher & Riechert (1994) e Riechert & Lawrence (1997), por meio de simulações por computador e experimentos de campo. Tanhuanpää et al. (2001) corroborou esta hipótese por meio de experimentos de exclusão de inimigos naturais pertencentes a vários taxa, como aranhas, formigas, parasitóides e pássaros. Entretanto, em nenhum destes trabalhos foi investigado como o efeito limitante de uma única espécie de aranha sobre uma espécie de presa varia ao longo do tempo. O fato das aranhas terem tempo de vida maior que o das suas presas leva à formulação da seguinte hipótese: a influência de uma única espécie de aranha poderia ter sobre uma espécie de presa deve variar sazonalmente com as variações no ciclo de vida (fenologia) da espécie de aranha, porque em diferentes períodos do ano as aranhas podem estar adultas ou imaturas, apresentando variação de tamanho corporal e, consequentemente, na eficiência do controle da presa.

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Assim, o efeito limitante de uma espécie de aranha para uma espécie de presa seria menos duradouro que o efeito de uma assembléia de aranhas. Riechert et al. (1999) testaram esta hipótese e verificaram que uma espécie de aranha dominante pode ter o mesmo efeito de uma assembléia de aranhas. Porém, conforme o esperado, as influências limitantes de uma espécie de aranha sobre as presas são mais variáveis ao longo do tempo quando comparados aos efeitos da assembléia. Neste sistema, nenhuma espécie de aranha mostrou consistência temporal em limitar suas presas, como fez a assembléia de espécies, porque cada espécie de aranha apresenta variação sazonal de tamanho, biomassa, padrões de forrageamento etc. Riechert et al. (1999) também verificaram que aranhas foram hábeis em escolher locais onde as variações temporais na disponibilidade de presas foi menor (critério iii do ponto de equilíbrio). Segundo estes autores, este comportamento é necessário para que predadores exibam controle pelo ponto de equilíbrio nas interações predador-presa, porque eles exercem taxas de ataque que têm um efeito máximo sobre populações de presas em crescimento exponencial, deixando populações de presas em declínio livres da pressão de predação. A conservação da biodiversidade de aranhas nos agroecossistemas é, portanto, extremamente relevante para o controle biológico natural de pragas (Riechert et al. 1999).

Conservação Vimos que vários trabalhos sugerem a necessidade de uma alta diversidade de aranhas em agroecossistemas, pois seriam as assembléias destes predadores que teriam algum papel no controle de pragas, e não uma única ou poucas espécies. Diante disto, como aumentar e conservar a diversidade e o número de aranhas nestes ambientes cultivados? Aranhas estão entre os artrópodes mais sensíveis a mudanças na estrutura do habitat (Langellotto & Denno 2004). Vários componentes do habitat podem afetar a diversidade e o número de aranhas, como densidade de sítios de forrageamento ou de construção de teias (Rypstra 1983, Greenstone 1984, Scheidler 1990, Herberstein 1997, Schmalhofer 2001), a maneira como estes sítios estão arranjados (Robinson 1981), além da disponibilidade de abrigos e sítios para

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oviposição (Riechert & Tracy 1975, Gunnarsson 1990, 1996). Além disso, um aumento da complexidade do habitat minimiza os fatores negativos da predação intra-guilda nos agroecossistemas por oferecer refúgios às aranhas (Langellotto & Denno 2004). Desta forma, a conservação e o manejo de plantas invasoras, que naturalmente aumentam a heterogeneidade estrutural dos agroecossistemas, bem como a diversificação das espécies a serem cultivadas (policulturas), devem ser relevantes para a manutenção da diversidade de aranhas (e.g. Costello & Daane 1998, Sunderland & Samu 2000), ou de inimigos naturais em geral (Langellotto & Denno 2004). Em uma revisão da literatura, Sunderland & Samu (2000) demonstraram que aranhas tendem a ocorrer em determinados locais nos agroecossistemas onde a diversidade de plantas invasoras ou de serapilheira é maior e sugerem que a expansão destes fatores que aumentam a complexidade por toda a agricultura oferece o melhor prospecto para a melhoria do controle de pragas. Os efeitos negativos da redução da diversidade de plantas no controle de herbívoros pragas de agricultura estão bem documentados na literatura (Altieri & Letourneau 1982, Risch et al. 1983, Andow 1991). Quanto maior é a diversidade de plantas em agroecossistemas, maior é a diversidade de inimigos naturais (outros além das aranhas) e menor é a densidade de pragas. Estudos demonstraram que a estabilidade das comunidades de insetos de agroecossistemas é alcançada por implantação de modelos artificiais de vegetação ou outras estruturas que mantém populações de inimigos naturais que, por sua vez, afetam negativamente as populações de herbívoros (Risch et al. 1983). Plagens (1983) observou no Arizona (EUA) que muitos indivíduos de Misumenops celer (Thomisidae) migraram de manchas de alfafa (vegetação marginal) para uma lavoura de algodão após o corte da primeira vegetação. O autor discute a idéia de que vegetação marginal pode funcionar como berçários para predadores. Para aumentar a complexidade ambiental em pomares de pêra em Washington (EUA), Fye (1985) construiu blocos de chapas de plástico onduladas, dispostas paralelamente umas às outras, de modo a produzir frestas (pequenos abrigos) entre estas chapas, e fixou tais blocos nos troncos das pereiras. Após alguns dias, verificou que um grande número de predadores, incluindo aranhas, colonizou estes microhabitats. Alderweireldt

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(1994) demonstrou que buracos feitos no solo foram o suficiente para aumentar consideravelmente a densidade de aranhas em cultivos de cereais na Bélgica, e este aumento foi dependente do diâmetro destes buracos. Thomas et al. (1991) criaram manchas de gramíneas, por meio de semeadura, para simular “ilhas” com maior heterogeneidade ambiental em cultivo de cereais na Inglaterra e demonstraram que este método atraiu muitas espécies de predadores generalistas, incluindo aranhas e besouros das famílias Carabidae e Staphylinidae. Riechert & Bishop (1990) introduziram matéria orgânica e uma espécie de planta produtora de flores em parcelas sobre uma policultura no Tennessee, e verificaram que a assembléia de aranhas nestas parcelas limitou o número de insetos herbívoros e, conseqüentemente reduziu a herbivoria sobre as plantas cultivadas. Halaj et al. (2000b) também demonstraram experimentalmente que, com a introdução de abrigos (e.g. porções de palha envoltas por uma tela de arame) em plantações de soja, houve aumento das populações de vários predadores, inclusive aranhas. Conseqüentemente, a densidade de herbívoros diminuiu, assim como a freqüência de danos às plantas. Outro fator determinante da diversidade e da densidade de aranhas em agroecossistemas é a produtividade local, muitas vezes controlada pela entrada de nutrientes no solo. Funderburk et al. (1994) desenvolveram experimentos em parcelas em lavouras de soja, manipulando a concentração dos nutrientes fósforo, potássio e magnésio. Os autores verificaram um aumento da densidade de aranhas, bem como de hemípteros predadores (e.g. Nabis sp., Geocoris spp., Hemiptera), com a adição de fósforo, mas não com a adição de potássio e magnésio. O aumento na densidade dos predadores foi correlacionada com o aumento no número de algumas pragas de soja, que foi maior nas parcelas com fósforo. Com estes resultados, sugerem que o aumento das populações dos predadores ocorreu primariamente em resposta ao aumento dos herbívoros, que foram suas presas. Os agrotóxicos também podem afetar as comunidades de inimigos naturais (Garcia 1991), inclusive de aranhas e dos seus comportamentos predatórios. Epstein et al. (2000) verificaram que vários predadores de solo, incluindo aranhas, em cultivos de maçã foram grandemente susceptíveis a inseticidas neuroativos, como organofosforados (e.g. Gution, Lorsban, Metil-Paration) e

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carbamato (e.g. Carbaril). Em contraste, Bajwa & Aliniazee (2001) concluíram que várias espécies de aranhas sobre macieiras foram bastante tolerantes a estas classes de inseticidas. Whitford et al. (1987) também verificaram que assembléias de aranhas (tanto do solo como da vegetação) presentes em plantações de milho e soja não foram afetadas pelos inseticidas Carbaril e Fenvalerato (cianofenoxibenzil metil-butirato), exceto aranhas da família Tetragnathidae. Samu & Vollrath (1992) demonstraram que um inseticida piretróide (Fastac) afetou o tamanho das teias de Araneus diadematus (Araneidae), bem como a precisão e a freqüência de construção destas teias. Entretanto, esta aranha não foi afetada por fungicidas (Bayfidan e Sportak), nem por outros inseticidas mais fracos. Estes trabalhos sugerem que apenas alguns tipos de inseticidas afetam as populações aranhas. Segundo Riechert & Lockley (1984), a extensão pela qual as aranhas controlam suas presas em agroecossistemas é limitada pelos efeitos disruptivos das aplicações de inseticidas, que é uma prática responsável pela grande taxa de mortalidade em aranhas. Portanto, a escolha cuidadosa do inseticida poderia restringir os efeitos adversos das aplicações químicas na araneofauna de agroecossistemas.

Agradecimentos Estou muito grato a Maria Alice Garcia (UNICAMP) e a dois revisores anônimos pela leitura crítica do manuscrito. Durante a produção deste capítulo, fui bolsista de doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, bolsa no. 01/04610-0).

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