February 24, 2023 | Author: Anonymous | Category: N/A
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Ezequiel eodoro da Silva Lilian Lopes Martin da Silva Luciane Moreira de Oliveira
Palavras andantes Ensino de Leitura antologia comemorativa
CONSELHO EDITORIAL - EDIÇÕES LEITURA CRÍTICA Ezequiel eodoro da Silva (Coordenador Geral), Universidade Estadual de Campinas. Carlos Humberto Alves Corrêa, Universidade Federal do Amazonas. Carolina Cuesta, Universidade Nacional de La - Argentina. Juan Daniel Ramirez Garrido, Universidade Pablo dePlata Olavide - Espanha. Regina Zilberman, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Rodney Zorzo Eloy, Universidade Paulista. Rubens Queiroz de Almeida, Centro de Computação da Unicamp. COLEÇÃO HILÁRIO FRACALANZA - Associação de Leitura do Brasil Sandra Escovedo Selles, Universidade Federal Fluminense. Charly Ryan, Universidade de Winchester - Inglaterra. Graça Aparecida Cicillini, Uni versidade Federal de Uberlândia. Ivan Amorosino Amorosi no do Amaral, Universidade Estadual de Campinas. Jorge Megid Neto, Universidade Uni versidade Estadual de Campinas. Josep Bonil Gargalló, Universidade Autônoma de Barcelona - Espanha. Marcia Serra Ferreira, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sergio Lorenzato, Universidade Estadual de Campinas.
Ezequiel eodoro da Silva Lilian Lopes Martin da Silva Luciane Moreira de Oliveira
Palavras andantes - ensino de leitura antologia comemorativa
Copyright © 2018 Elaboração da ficha catalográfica
Editoração e acabamento
Gildenir Carolino Santos (Bibliotecário) Tiragem
Edições Leitura Crítica Rua Carlos Guimarães, 150 - Cambuí. 13024-200 Campinas – SP E-mail:
[email protected]
300 exemplares
Coeditoria
Coleção
Hilário Fracalanza – n. 16
Associação de Leitura do Brasil – ALB, 2018 E-mail:
[email protected]
Catalogação na Publicação (CIP) elaborada por Gildenir Carolino Santos – CRB-8ª/5447 L537
Palavras andantes: ensino de leitura - antologia comemorativa / organizadores: Ezequiel Theodoro da Silva, Lilian Lopes L opes Martin da Silva, Luciane Moreira de Oliveira. Ol iveira. -- Campinas, SP: Edições Leitura Crítica; ALB, 2018. 160 p. (Coleção Hilário Fracalanza; n.16) ISBN: 978-85-64440-44-4
1. Leitura Leitura.. 2. Antologias Antologias.. I. Silva, Silva, Ezequiel Ezequiel Theodoro Theodoro (org.). (org.). (org.). II. Silva, Lilian Lopes Martin da (org.). III. Oliveira, Luciane Moreira de (org.). IV. Série. 18-003 20a CDD – 372.41 Impresso no Brasil 1ª edição – 2018 ISBN: 978-85-64440-49-4 Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto n.º 1.825 de 20 de dezembro de 1907. Todos os direitos para a língua portuguesa reservados para o autor. Nenhuma parte da publicação poderá serde reproduzida ou gravação, transmitidaoudeoutros, qualquer por qualquer eletrônico, mecânico, fotocópia, de semmodo préviaouautorização pormeio, es critoseja escrito do Autor. O código penal brasileiro determina, no artigo 184: “Dos crimes contra a propriedade intelectual: violação do direito autoral – art. 184; Violar direito autoral: pena – detenção de três meses a um ano, ou multa. 1º Se a violação consistir na reprodução por qualquer meio da obra intelectual, no todo ou em parte para fins de comércio, sem autorização expressa do autor ou de quem o represente, ou consistir na reprodução de fonograma ou videograma, sem autorização do produtor ou de quem o represente: pena – reclusão de um a quatro anos e multa. Todos direitos reservados e protegidos por lei. Proibida a reprodução total ou parcial da obra de acordo com a Lei 9.610/98.
DIREITOS RESERVADOS PARA LÍNGUA PORTUGUESA: Edições Leitura Crítica www.lercritica.com Fone: (19) 98114-8940 - Campinas, SP - Brasil E-mail:
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Para os navegantes com desejo de vento, a memória é um ponto de partida.
Eduardo Galeano. As Palavras Andantes. Porto Alegre: L&PM, 2017, p. 96.
Sumário
Espaços para o diálogo: Coleção Hilário Fracalanza ............. .................... .......99 Apresen presentação tação ............. ......................... ........................ ......................... ......................... ......................... ......................11 .........11 Educação e linguagem .............................. .......................................... ........................ ......................... ............... 17 Joãoo Wander Joã Wanderley ley Geraldi Geraldi
Culturaa e leitura ............. Cultur ......................... ......................... ......................... ........................ ......................... ................25 ...25 Lívia Suassuna
Sobre ensino da leitura ............................... ........................................... ........................ ........................45 ............45 Maria Ma ria do Rosário Mortatt Mortattii Magnani Magnani
Práticas de leitura e escrita es crita na escola: contrib contribuições uições de Roger ........................ ......................... ......................... ........................ ......................... ............... 67 SoniaChartier Kramer Kra mer ............ A fabricação de livros infanto-juveni infanto-juveniss e os usos escolares: o olhar de editor editores es .......................... ....................................... ......................... ........................ ........................81 ............81 Tania Dauster
No ser e no ler, desconforto: literatura infantojuvenil e adolescente leitor leitor ............ ........................ ......................... ......................... ........................ ........................105 ............105 Núbio Núb io Delanne D elanne Ferraz Mafra
Leitura na escola: crenças e práticas de pro professoras fessoras............. ..................123 .....123 Esmeria de Lourdes Saveli
Floreios e Borrões ou como ser leitor e autor numa comunidade comun idade virtual de leitores de Harry Potter possibilidades e armadilhas ............ ......................... ......................... ......................... ....................137 .......137 Eliana da Silva Felipe
Sobre os autores e autoras ............................................................155 Sobre os organ organizadores izadores ............................. ......................................... ........................ ........................159 ............159
Espaços para o diálogo: Coleção Hilário Fracalanza Ao compormos com o nome do Professor Hilário Fracalanza o título da coleção de livros, desafiamos a memória e o tempo pelas vias do afeto, e homenageamos, amorosa e singelamente, o conteúdo vibrante, vibrant e, entusiasta en tusiasta e re-existent re -existentee dos Desafios do Magistério o nome, marcam a históriasingularmente. e a presença do Prof. Hilárioque Fracalanza Antônio Carlos Amorim
Com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento de estudos de temas relacionados à leitura e educação, a Associação de Leitura do Brasil procura apoiar e promo ver event eventos os na área. Nos último últimoss anos, como parte deste movimento, a Coleção Hilário Fracalanza – originalmente pensada para divulgar os debates dos Fóruns Desafios do Magistério (organizados em parceria com a Faculdade de Educação da Unicamp e o Grupo RAC) – tem publicado coletâneas de textos apresentados em eventos organizados e coorganizados pela Associação, como as várias edições do Congresso de Leitura do Brasil, do Seminário “O professor e a leitura do jornal” (em parceria com o Grupo RAC), entre outros eventos na área. A ALB reconhece a força da contribuição destes estudos e, ao divulgá-los, tem a intenção de provocar espa
ços de diálogo, convidar à elaboração de réplicas e contrapalavras, em um processo de interlocução que instiga a emergência e a articulação de dúvidas, questionamentos e elaborações com diferentes origens e dimensões. Na contemporaneidade, as profundas mudanças culturais e transformações (das relações) sociais indagam e tensionam o campo educacional. Quais são as condições e os aspectos constitutivos da ação educativa? Como as práticas educativas repercutem as marcas da contemporaneidade? Quais são as demandas trazidas aos professores e aos alunos? Como a docência pode (re)criar-se e ser (re) criada impactada por estas transformações? Quais são os (des)caminhos que o professor encontra para/ao educar? Como o trabalho educativo pode ser problematizado e compreendido? São múltiplos os saberes e questões que cotidianamente atravessam o magistério na Educação Básica e Superior. Ainda mais diversas são as formas de olhar e problematizar os desafios no/do magistério. Ser professora e ser professor demandam, portanto, intensa participação no diálogo que se amplia em uma ininterrupta cadeia de vozes.. vozes Este é o convite da Coleção: abrir espaços polifônicos para um diálogo inconcluso, infinito e inacabável. Ana Lúcia Lú cia Horta Ho rta Nogueir No gueiraa Faculdade de Educação, Unicamp Presidente da ALB – Associação de Leitura do Brasil 2014-2016
Apresentação
Tomamos de inspiração para esta coletânea o título 1
de um dos livros Eduardo sobre Galeano por ser ele capaz de expressar nossadepercepção a circulação atemporal das vozes inscritas na revista Leitura: Teoria & Prática (LTP) ao longo de quase quatro décadas. Os leitores encontraram ou foram encontrados por essas vozes e, pela leitura, as movimentaram e as penetraram de muitas formas, a partir de múltiplos mú ltiplos lugares, sendo também por elas penetrados. Pela leitura, as habitaram, assimilaram, reestruturaram e modificaram... Delas fizeram diferentes usos, sendo praticantes em sua vontade histórica de existir.2 Trazendo, na memória, os ecos dessas palavras lidas, as colocaram em diálogo com outras, do passado e do presente, construindo uma teia sem início e sem fim, sem 1 2
GALEANO, Eduardo. As pala palavras vras and andan antes tes. Gravuras de J. Borges. Traduzido por Eric Nepomuceno. Porto Alegre, RS: L&PM, 2017. CERTEAU CERTEA U, Michel de. Teoria e método no estudo das práticas cotidianas. In: SP: Cotidiano, FAU-USP, cultura 1985. popular e planejamento urbano (Anais do Encontro).
hierarquias. São palavras que se fizeram elos na cadeia de comunicação verbal, como quer Bakhtin. A antologia é uma seleção de palavras geradas, como enunciados, por diferentes autores, em diferentes tempos e sob diferentes condições, que integraram em seu primeiro tempo e em seus ambientes discursivos de origem uma rede de conversas em torno da leitura. Rede animada, po voada de outra outrass palav palavras, ras, contro controvérsi vérsias, as, lembr lembranças anças e esquecimentos, desentendimentos e argumentos. Uma conversa fértil e produtiva nas edições da Re vista Leitura: Teoria & Prática (LTP), publicação quadrimestral da Associação de Leitura do Brasil (ALB) 3 e o único periódico no país dedicado especificamente ao tema da leitura, em seu diálogo com muitos outros campos de estudo, em especial o da educação, das artes e das letras, subsidiando o processo de formação inicial e continuada de professores e estimulando a produção de políticas públicas relacionadas ao livro, ao leitor e à leitura. Sua criação e publicação correspondem a uma das ações da Associação de Leitura do Brasil (ALB) (ALB )4 que, como os Congressos de Leitura do Brasil (Coles), se consolidou nacionalmente, em decorrência de sua permanência, regularidade e qualidade, transformando-se em sua mais importante publicação. O periódico foi inaugurado em janeiro de 1983, publicado pela Editora Mercado Aberto, da cidade de Porto Alegre (RS), materializando um dos compromissos assumidos pela diretoria provisória da Associação de Leitura do Brasil, fundada em novembro de 1981. Com isso, 3 4
LTP está qualificad qualificadaa como B1 e B2 do Qualis Periódicos (CAPES), nas áreas de Educação e Letras/Linguística, respectivamente. respectivamente. Disponível em https://ltp.emnuvens.com.br/ltp . Site da Associaçã Associaçãoo de Leitura do Brasil: http://www.alb.com.br .
a ALB cumpria o disposto no artigo terceiro, item C do seu estatuto de 1982, publicado na íntegra no número núm ero zero de LTP: “a publicação de uma revista semestral de leitura, organizada a partir da constituição da Equipe Editorial da ALB, decidida pela Diretoria” (LTP nº 0, 1982, p. 43). Existiu primeiramente como publicação semestral e, a partir de 2016, passou a ser quadrimestral. Ganhou mais um número no ano, cumprindo assim um desejo d esejo antigo da entidade e dando maior vazão à publicação dos textos que, ao longo de seus 35 anos, se multiplicaram. Desde sua criação até o ano de 2008 foi publicada somente em formato impresso; no ano de 2009 LTP começou a ser disponibilizada também em formato digital. A partir do ano seguinte e até hoje, cada edição é impressa para ser distribuída aos sócios da ALB e reside também online, com acesso gratuito. A revista passou por muitas mudanças, que foram objeto de um primeiro texto já publicado por nós,5 mas nunca abandonou o seu objetivo inicialmente concebido, qual seja o de converter-se em espaço de debate e de troca de ideias entre interessados na temática da leitura. Os textos veiculados por ela ao longo desse tempo configuram um universo discursivo capaz de, nas particularidades e diferenças entre eles, dizer uma história das discussões e reflexões sobre a leitura, a escrita, a biblioteca, a literatura, a cultura, o livro, a educação e outros temas afins nos últimos trinta e cinco anos, principalmente no Brasil e na América Latina. Em 1999, quando ainda existiam somente 30 números publicados e apenas no formato impresso, a pedido da 5
SILVA, L. L. M.; SIL SILV SILV VA, E. T.; OLIVEIRA, OLIVEIRA, L. M. A Revista Leitura: teoria & Teoria & Prática. Associação prática – momentos no tempo. Revista Leitura: Teoria de Leitura do Brasil. Campinas, C ampinas, SP, SP, v.35, v.35, nº 70, 2017. 201 7. Disponível em: https:// ltp.emnuvens.com.br/ltp. Acesso em: 24 de fevereiro de 2018.
presidência da ALB, organizou-se uma coletânea de artigos selecionados. Doze textos foram agrupados e republicados segundo critério de que eram “[...] representativos das correntes de pensamento que influenciam os debates sobre leitura no Brasil”. Para seu organizador: Embora grande parte dos trabalhos escolhidos remetam ao ensino da leitura nos níveis fundamental e médio, apresentando importantes contribuições para esse campo, não foi esse o eixo que norteou suas escolhas. No entanto, esse árduo trabalho de seleção e a decisão de não eleger o ensino da leitura como eixo central para este livro exigiram e delinearam um projeto de publicar outro volume, em que se tematize mais especificamente o ensino de leitura...” (BARZOTO, 1999, p.10-11).
publicação, em Congresso 2017, do número 70 desse periódico e a A realização do 21º de Leitura do Brasil, no período de 10 a 13 de julho de 2018, nos motivaram a organizar uma nova coletânea a partir dos números da LTP que ainda permanecem editados apenas no formato impresso (de 1981 a 2008). Ainda hoje o acesso aos conteúdos de todo o conjunto impresso ocorre somente através da pesquisa em bibliotecas acadêmicas ou da solicitação direta à secretaria da ALB. esta coletânea, elegemos, comoTeoria universo de Para busca,compor parte da coleção da revista Leitura: & Prática, atualmente com 71 edições publicadas ao longo de 36 anos de existência. Revistas que estão sedimentadas somente no formato impresso e que cobrem um período de 26 anos, iniciado no nº zero em 1982 até o nº 52 em 2008. São 53 edições, das quais 3 estão esgotadas (nº 17, nº 18 e nº 27). Esses números comportam um total de 590 textos – entre artigos, entrevistas, ensaios, opiniões, resenhas, relatos de pesquisa, etc. –, produzidos por cerca de 410 autores diferentes, distribuídos em 4.319 páginas.
O ensino de leitura foi o eixo escolhido para a seleção dos textos das primeiras 52 edições da revista. Foram muitas leituras e releituras; muitas tentativas de agrupamento; muitas idas e vindas; muitas dúvidas; muitos textos selecionados em princípio, até chegarmos àqueles aqui apresentados. Muitos ficaram de fora, não em função do mérito, pois formam um conjunto expressivo e significati vo... Limite Limitess editoriais edit oriais també também m formatara form ataram m a seleção sel eção aqui aq ui apresentada. Os textos selecionados contêm um pensamento sobre a leitura e trazem uma contribuição significativa para as discussões contemporâneas, jogando luz sobre a questão educacional, pedagógica e didática da leitura. Não se tratou, pois, de garantir apenas uma republicação desses textos, disponibilizando aos leitores de hoje, muitos deles nem nascidos nesses anos em que os artigos foram publicados, textos distantes no tempo, elaborados em momentos e condições diferentes das atuais e que abordam múltiplos aspectos da leitura. Mas de um esforço de colocar em aproximação algumas vozes, apostando que sua leitura, em conjunto, seja capaz de potencializar a reflexão atual. Na coletânea, espécie de segundo tempo desses textos, essas reflexões, dispostas, lado-a-lado, se oferecem novamente aos leitores, encadeadas em novo arranjo e em nova materialidade. Enlaçadas a parceiros novos... um assunto contamina e é contaminado pelo outro... uma posição ou uma referência se esclarece com outra... Lança-se um novo convite à significação. Novo texto... novos leitores... novo tempo... outras leituras. Certamente. A leitura é sempre um tempo do presente em que os sentidos se refazem, refazendo toda a rede da conversa. Últimas e necessárias observações: para esta edição, mantivemos os textos em seu conteúdo original, mas su
primimos os resumos e abstracts, algumas ilustrações e chamadas dos editores; em cada texto inserimos as informações referentes à edição da revista em que foi publicado e as informações dos autores estão atualizadas na sessão Sobre os autores e autoras. Boa leitura! Ezequiel eodoro da Silva, Lilian Lopes Martin da Silva e Luciane Moreira de Oliveira. Organizadores. Campinas, julho de 2018.
Educação e Linguagem1 Joãoo Wander Joã Wanderley ley Geraldi Geraldi2
Nas salas de aula, nas salas de professores (onde as há), nos corredores, em todos os espaços da escola, ou vidos atento atentoss podem detec detectar tar conve conversas rsas inform informais ais entre professores, ou entre professores e alunos, que revelam uma insatisfação (em todas as áreas dos componentes curriculares) com o desempenho linguístico dos alunos: não leem e não escrevem; não interpretam adequadamente um problema; não extraem o relevante de um texto de História ou de Geografia; não utilizam com precisão conceitos científicos, etc., etc. Fora da escola, a imprensa tem se encarregado de, amiúde, denunciar e apontar para o que tem chamado de “crise de expressão do estudantado brasileiro” (especialmente nas épocas “vestibulares”, esquecendo também amiúde outros “vestibulares” que têm reprovado na vida os não-candidatos aos vestibulares oficiais). 1 2
Texto publicado na revista Leitura: Teoria Teoria & Prática, Associação de Leitura do Brasil. Campinas, SP, nº 14, Ano 8, dezembro de 1989, p. 35-39. Professor do Depart Departamento amento de Linguístic Linguísticaa do Instituto de Estudos da Linguagem – Unicamp.
E as culpas são distribuídas: o que há com a escola? O que há com as aulas de português? O que estão ensinando os professores? E mais do que depressa, surgem respostas que lembram a rapidez com que se passa adiante “a caixinha de surpresas”: que abri-la e executar a insípida tarefa caiam para outro. Os professores passam a ‘batata quente’ aos professores de português, que a remetem de imediato aos professores das séries anteriores, que a enviam aos alfabetizadores. Estes, não tendo para quem jogar a bola, remetem para a família, para o “meio ambiente de onde vêm os o s alunos”. alu nos”. E a uns u ns e a outros, ou tros, carrad carradas as de razõe razões: s: a) os professores das diferentes áreas sabem que a linguagem é condição para a aprendizagem aprendiza gem e para o ensino de qualquer conhecimento; os professores de português sabem e vivem de perto os problemas de uma área de estudos que, tendo sua especificidade, espraia-se pelas demais, face à complexidade de questões envolvidas na linguagem (cognitivas, expressivas, de referência ao mundo, de construção de mundo, etc.); c) os alfabetizadores tentam, daqui e de acolá, mostrar com quantos paus se faz uma canoa (ou um aluno alfabetizado), quebrando galhos e imaginando soluções. A seus esforços, as estatísticas continuam respondendo com os altos índices de retenção, evasão, expulsão da escola já nos primeiros anos de escolaridade. Enfim, parece que há uma consciência partilhada e compartilhada, na escola e fora dela, de que alguma coisa não vai bem. Alguma ou algumas? Para desafio grande, haverá possibilidade de traçar caminhos pequenos? Esta proposta de trabalho conjunto tem um suposto que é preciso ser posto: ‘o mosquito irrita o elefante’. A construção b)
de soluções (que não se pretendem paliativas) é história que se vai tecendo, a pouco e pouco, em cada ponto, em cada nó. Face ao reconhecimento, tácito ou explícito, ex plícito, de que a questão da linguagem é fundamental no desenvolvimento de todo e qualquer homem; de que ela é condição sine qua non na apreensão e formação de conceitos que permitem aos sujeitos compreender o mundo mu ndo e nele agir; de que ela é ainda a mais usual forma de encontro, desencontro e confronto de posições porque é por ela que estas posições se tornam públicas, é crucial dar à linguagem o relevo rele vo que de fato tem: não se trata evidentemente de confinar a questão educacional à linguagem, mas trata-se da necessidade de pensá-la à luz da linguagem. Os primeiros passos de uma tal reflexão iniciam-se por um deslocamento: não se trata de linguagem vista como repertório, pronto e acabado, de palavras conhecidas ou a conhecer e de um conjunto de regras a automatizar; nem da linguagem como tradução de pensamentos que lhe são prévios; muito menos da linguagem como um conjunto de figuras de enfeite retórico. Não se creia, no entanto, que este deslocamento pretende apenas esvaziar o ponto de partida, substituindo com nada concepções correntes. Trata-se de um deslocamento para. É eleição de outro lugar. E o lugar privilegiado é o da interlocução, focalizada como espaço de produção de linguagem e de constituição de sujeitos. Antes de qualquer outro componente, a linguagem fulcra-se como evento, faz-se na linha do tempo e só tem consistência enquanto “real” na singularidade do momento em que se enuncia. A relação com a singularidade é da natureza do processo constitutivo da linguagem e dos sujeitos de discurso. Evidentemente, os acon
tecimentos discursivos, precários, singulares e densos de suas próprias condições de produção, fazem-se no tempo e constroem história. Estruturas linguísticas que inevita velmente velme nte se reiteram re iteram também t ambém se s e alteram, altera m, a cada passo, p asso, em em sua consistência significativa. Passado no presente, que se faz passado: trabalho de constituição de linguagem (e linguagens). Focalizar a linguagem a partir do processo interlocutivo e com este olhar pensar o processo educacional exige instaurá-lo sobre a singularidade dos sujeitos em contínua constituição e sobre a precariedade da própria temporalidade que o específico do momento implica. Trata-se de erigir a disponibilidade estrutural para a mudança em inspiração. E consequentemente destruir fronteiras determinadas entre educação sistemática e assistemática, já que sua manut manutenção enção implic implicaa em alija alijarr da escol escolaa o próprio processo constitutivo de sujeitos e a linguagem vital, momentânea e própria com que de fato o indivíduo assume sua condição de sujeito (sujeito de discurso é aquele que tem com as condições de emergência de sua fala uma relação de pertinência). Neste sentido, não se trata de trazer para o interior da educação formal (a sala de aula) o informal (como se este lhe fosse externo), tomando a interação em sala de aula como um “recurso didático” de apreensão de visões de mundo, de conhecimentos ingênuos, etc., que ao longo do processo de escolaridade iriam sendo substituídos por saberes científicos, por “conteúdos” universais. Procura-se e deseja-se algo mais: atribui-se ao acontecimento interlocutivo, em sua densidade, precariedade e singularidade, um estatuto diferenciado daquele de d e mero acidente de uso da expressão verbal, para tomá-la como fonte de d e produção da linguagem, dos sujeitos e do mundo discursivo.
Isto significa admitir: 1. a historicidade da linguagem: pelo fato de aconte-
cimentos passados terem construído (ou constituído) expressões linguísticas, estruturas sintáticas, variedades linguísticas, este produto do trabalho social e histórico de falantes não está de antemão pronto, acabado, cabendo ao sujeito de hoje simplesmente simples mente se apropriar do “sistema” para usá-lo segundo suas necessidades comunicacionais (pragmáticas ou não): o evento discursivo singular reconstitui a linguagem. É presente que, sendo história, faz história; 2. a constituição contínua dos sujeitos: não há um sujeito pronto de um lado, que se apropriaria de uma linguagem pronta de outro lado. Também os sujeitos se constituem à medida que interagem com os outros, sua consciência e seu conhecimento do mundo resultam como produto deste processo. Neste sentido, o sujeito é social já que a linguagem que usa (na particularidade de suas interações) não é sua mas também dos outros e é para os outros e com os outros que interage verbalmente. Trata-se, pois, de um sujeito se completando e se construindo construind o nas suas falas. Os conceitos que vai internalizando (a consciência é sígnica, na expressão de Bakhtin), as significações, negociadas a cada passo das interações, vão construindo um interdiscurso de que seu discurso é parte; 3. o contexto das interlocuções: os acontecimentos discursivos não se dão fora de um contexto social mais amplo; na verdade eles se tornam possíveis enquanto acontecimentos singulares no interior e nos limites de uma determinada formação social e esta “interdita” interlocuções (como já mostrou M. Fou
cault). Mas, dialeticamente, as interações não são, em relação aos limites impostos pela formação social, inocentes: são produtivas e históricas e como tais, acontecendo no interior de limites, constroem limites outros. Que valha como argumento a existência de palavra. proibições, de variadas “disciplinas”de nacensuras, tomada da Obviamente, estes três “eixos” trazem à baila muitas questões. Uma delas é preciso, de imediato, explicitar: a questão da chamada “língua padrão” ou “língua culta”. Habituados a observar as diferenças, nosso olhar para as variedades linguísticas tem esquecido, não raras vezes, veze s, que todos os dialetos são resultado resul tado do trabalho colecole tivo. Que muito da “linguagem popular” contém a linguagem culta. Que esta (resultante aliás do latim não culto) contém muito da “linguagem popular”. Não há fronteiras determinadas, explícitas. E não poderia deixar de ser assim: se a linguagem vai-se constituindo nos inúmeros processos interlocutivos, é de sua natureza ela ser vária. Posta a questão nestes termos, há um deslocamento da pergunta tradicional: “ensinar ou não a língua padrão?” Importa aqui ter presente que a criança, ao chegar à escola, já resolveu seus problemas de linguagem (e da variedade linguística a usar) no contexto das instâncias privadas de uso da linguagem. O contexto da escolaridade não é um contexto de aprendizagem da língua padrão (apropriação de algo que supostamente estaria historicamente pronto), mas um contexto de aprendizagem de instâncias públicas de uso da linguagem. Os processos interlocutivos que aí se darão não têm por fim último substituir subs tituir um padrão linguístico pelo outro. Vendo de uma perspectiva histórica, o confronto de diferentes formas linguísticas produz novas formas linguísticas: novo que contém velho, mas que não
é o velho. E participar da construção do novo, ter acesso às instâncias públicas de uso da linguagem é construir-se em cidadão. Não se trata, então, de “aprender a língua padrão” para ter acesso à cidadania. Trata-se de construir a linguagem da cidadania, não pelo esquecimento da “cultura elaborada”, mas pela reelaboração de umadialógico cultura (inclusive a linguística) resultante do confronto entre diferentes posições. Não é pelo silêncio e pela interdição que o novo se produz: é pelas enunciações (e novamente o processo interlocutivo reaparece como lugar de produção) e pelo embate dos enunciados que se poderá contribuir para a construção de uma sociedade de d e sujeitos.
Cultura e leitura1 2 Lívia Suassuna [...] A leitura não se configura como um processo passivo. Longe disso, por exigir descoberta e recriação, a leitura coloca-se como produção e sempre supõe trabalho do sujeito leitor [...] O leitor, além de partilhar e recriar referenciais de mundo, transforma-se num produtor de acontecimentos, em função do aguçamento da compreensão e de sua consciência crítica. Nesse sentido, ler é um modo não só de conhecer, mas também de praticar a cultura. Ezequiel eodoro da Silva
1. Introdução O tema “cultura e leitura” será aqui abordado em partes. Começaremos por fazer um breve histórico das concepções e modelos dominantes de leitura. Durante muito tempo, prevaleceu na escola a ideia de que a língua é um código estático e acabado, veículo da expressão do pensamento individual e da cultura nacional. 1 2
Texto publicado na revista Leitura: Teoria Teoria & Prática, Associação de Leitura do Brasil. Campinas, SP, nº 32, Ano 17, dezembro de 1998, p. 42-53. Versão ampliada da prova escrita do concurso público de provas e títulos para ingresso na Universidade Federal de Pernambuco - Centro de Educação - Departamento ele Métodos e Técnicas ele Ensino -, para a disciplina Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa.
Veja-se, por exemplo, o texto da Resolução nº 08, do Conselho Federal de Educação, que trata do objetivo da área de Comunicação e Expressão, dentro da qual se inserem as disciplinas Língua Portuguesa e Literatura Brasileira: [A área tem como objetivo] o cultivo de linguagens que ensejem ao aluno o contato coerente com os seus semelhantes e a manifestação harmônica de sua personalidade, nos aspectos físico, psicológico e espiritual, ressaltando-se a Língua Portuguesa como expressão da Cultura Brasileira.
Essa concepção, aliás, não desapareceu de todo até hoje, e orienta, ainda, muitas das propostas de ensino de língua portuguesa. Em termos da pedagogia da leitura, parte-se do princípio de que ler equivale exatamente a decifrar um código. Em nível de alfabetização, o esforço da escola é o de ensinar as correspondências letra-som, ficando o processo pedagógico marcado pelo seu mecanicismo. As cartilhas se constituem no material didático por excelência e trazem tarefas mecânicas e repetitivas, centradas na palavra. Do ponto de vista do conteúdo, os textos são semanticamente vazios, caracterizados pela predominância de certos sons e letras. A esse respeito, Votre (1992), em estudo sobre os padrões de textualidade dos textos de iniciação à leitura, afirma que estes pragmático codificam um “discurso(p. artificial, entre os modos e sintático” 114); o perdido autor ainda atribui parte do baixo nível de eficiência dos estudantes de 1º grau [ensino fundamental. N. do Rev.], tanto em leitura quanto em produção de texto escrito, à “inconsistência do modelo inicial, não coeso, pouco coerente, dos textos das cartilhas e materiais de iniciação à leitura e treinamento na escrita” (p. 124). Nas séries subsequentes à alfabetização, o problema continua o mesmo. Geraldi (1996) aponta uma caracte
rística marcante da prática da leitura na escola, especialmente nas aulas de língua e literatura: a transformação do texto que se lê em modelo, por diferentes vias: - a leitura vozeada (oralização do texto escrito), a qual funciona como prova de que se sabe ler; nesse caso, lê melhor quem se aproxima da leitura modelar do professor; - a transformação do texto em objeto de imitação, caso em que a leitura é mera motivação para a produção de outros textos pelos alunos; - a tornada do texto como objeto de uma fixação de sentidos; nessa situação, lê melhor aquele aluno que mais se aproxima do sentido previamente atribuído ao texto pelo professor ou algum outro leitor privilegiado, numa espécie de exercício de adivinhação.
2. A caminho de uma abordagem mais ampla da leitura Muitos estudos e teorias sobre a linguagem e seu ensino começaram a pôr em questão a concepção de língua enquanto mero código. No âmbito da linguística, sobretudo a partir da década de 1960, os modelos explicativos passam a contemplar fenômenos não-linguísticos, considerados, a partir de então, absolutamente imprescindíveis para a construção e desconstrução do sentido. Aquilo que antes era considerado residual, fora do objeto específico das ciências linguísticas, passa a ser investigado. Desse modo, ao estudo do enunciado soma-se a abordagem do processo mesmo de produção de linguagem, a enunciação propriamente dita.3 3
“As tentativas de explicar o funcionamento da linguagem somente ao nível da linguística imanente, ou seja, condicionar os fatores de uso aos fatores internos ao sistema linguístico, se mostram parciais e não satisfazem um olhar mais abrangente e mais explicativo expli cativo sobre a linguagem linguag em”” (ORLANDI, 1983, p. 88).
Do ponto de vista da alfabetização especificamente, disseminam-se, no mundo inteiro, especialmente a partir da década de 1980, as investigações e propostas de Emília Ferreiro e colaboradores, aqui rotuladas genericamente de psicogênese da escrita. Em Reflexões sobre alfabetizaç ão (1990), entreescolar, outras mas ideias, a escrita não é Ferreiro, um produto umdestaca objetoque cultural resultante do esforço coletivo da humanidade. E assim, na qualidade de objeto cultural, o sistema de escrita “tem um modo social de existência” (p. 59) e cumpre diferentes funções. Diante desse sistema simbólico socialmente elaborado, o aprendiz procura, aos poucos, compreender a natureza de suas marcas, num nu m longo processo construtivo, que não se reduz a uma técnica específica de aprendiza-
gem. Ferreiro, portanto, insiste analernecessidade se colocar, para o sujeito que aprende e escrever, de as funções e os usos sociais da leitura e da escrita. Aqui também a concepção de linguagem subjacente ao processo process o de ensino é decisiva: [...] se a escrita é concebida como um código de transcrição, sua aprendizagem é concebida como a aquisição de uma técnica; se a escrita é concebida como um sistema de representação, sua aprendizagem se converte na apropriação de um novo objeto de conhecimento, ou seja, em uma aprendizagem conceitual (idem, ibidem, p. 16).
Esse enfoque também está presente, de modo claro, na ideia de Halliday (1976), um funcionalista consagrado: as crianças aprendem a linguagem porque aprendem e entendem o que se faz com ela e através dela. Estava, definitivamente, aberto o caminho de uma visão mais global e dinâmica da leitura.
3. A abordagem cultural da leitura 3.1 A cultura no processo de ensino
Paralelamente às transformações ocorridas na pedagogia da leitura/escrita e nas ciências linguísticas, as teorias críticas na do direção ensino-aprendizagem e da escola também apontavam elas múltiplas variáveis implicadas no processo educativo. Grande parcela de contribuição para essa mudança de perspectiva é oriunda da etnografia - corrente de estudos que procura dar conta do aspecto cultural das relações sociais e humanas, das crenças e valores dos grupos sociais, da forma como as instituições se consolidam e se transformam. Conforme Marcuschi (1986), o termo etnometodologia diz respeito à constituição daqual realidade do mundo do dia-a-dia, ao processo através do os membros de uma sociedade se apropriam do conhecimento e das ações sociais e aplicam seu saber sociocultural. De outra parte, os próprios estudiosos da aprendizagem - com destaque para Lev S. Vygotsky - começam a se preocupar com a dimensão cultural do ato de aprender, bem como com o papel da escola, enquanto instituição, nesse processo. Para esse grupo de cognitivistas, a aprendizagem sujeitos tabelecemresulta entre das si e interações com o realque à sua volta.históricos Os signoses-e símbolos - produção cultural por excelência - seriam condição e possibilidade das interações. Outros princípios importantes da psicologia sociointeracionista são: - o real com que interagimos é historicamente constituído e principal fonte de conhecimento; - a cultura é parte integrante elo processo de construção de conhecimento e de constituição dos sujeitos;
- a cultura é um sistema dinâmico - processo de (re) criação e (re)interpretação de informações, conceitos e significados; - através da estruturação e organização do grupo social, em que tudo está impregnado de significados, os sujeitos vão, progressivamente, incorporando formas culturalmente estabelecidas de funcionamento psicológico; - a relação dos homens e mulheres com o meio físico e social é fundamentalmente mediada por pessoas, instrumentos e signos; - os signos correspondem a uma representação da realidade e não à realidade em si; podendo pode ndo referir-se a tempos e espaços distantes, são fundamentais para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores; - a linguagem é fundamental para o desenvolvimento do pensamento humano, na medida em que permite aos indivíduos o distanciamento da experiência imediata, a imaginação e o ato criador, a abstração e o raciocínio; - a linguagem, mais do que simples forma de expressão ou instrumento de comunicação, permite a reorganização e a reestruturação do pensamento; ela é um elemento das relações sociais nas quais se dão a aprendizagem e o desenvolvimento.4 Esses enfoques fazem com que o modelo tradicional de ensino passe a ser questionado. A rigor, as imagens feitas de: professor como aquele que sabe; aluno como aque4
Prefeitura da Cidade do Recife. Secretaria de Educação e Cultura. Tecendo Prefeitura a proposta pedagógica. Perplexidades, proposições e utopias. Recife, 1996, p. 17-19.
le que não sabe; objeto de conhecimento como conteúdo acabado e consagrado universalmente; sala de aula como local de disciplina e transmissão do saber; avaliação como medição do volume de informações detidas detid as pelo aluno vão sendo progressivamente reelaboradas. Tudo isso leva à construção de um novo olhar sobre a sala de aula, vista agora como espaço múltiplo, onde sujeitos, interagindo entre si e com o conhecimento, explicitam o que já sabem, para aprender o ainda não conhecido e construir o novo (GERALDI, 1996). A sala de aula é instituinte, um conjunto de momentos singulares de interação, espaço de pesquisa, cultura, tentativas, produção simbólica. 3.2 Cultura e linguagem Os referenciais teóricos ligados à cultura também se traduzem nos estudos sobre a linguagem. Para além de mero código cristalizado nas gramáticas e dicionários, a língua é interação. Isso implica considerar, no entendimento do fenômeno, a existência de sujeitos, de uma condição sócio-histórica de produção do discurso, de um dizer marcado pela intencionalidade.
Certamente, a corrente de estudos forneceu mais elementos para a perspectiva culturalque da produção linguística foi a análise do discurso, embora não possamos desconsiderar a importância da sociologia da linguagem, da sociolinguística e mesmo da escola sociológica francesa, que lançou as bases da investigação dos elementos afetivos e estilísticos do uso da língua. A análise do discurso contribuiu, sobretudo, com os conceitos de condições de produção do discurso, imagem e lugar social dos interlocutores, efeitos de sentido e
marcas do discurso. Assim, tornou-se possível contemplar não apenas o dito, enquanto construção palpável e linear, mas também o não-dito e o próprio processo enunciativo. Não importa apenas o que se diz, mas o modo como se diz aquilo que se diz, determinado, além de outros ou tros fatores, pelas imagens que os interlocutores fazem de si, do outro, do referente, etc. Dentro dessa linha de pensamento, Orlandi (1983) afirma que o sentido não está nem em um nem em outro, mas no espaço/intervalo entre eles: [...] o texto não resulta da soma de frases, nem da soma de interlocutores: o(s) sentido(s) de um texto resulta(m) de uma situação discursiva, margem de enunciados efetivamente realizados. Esta margem - este intervalo não é vazio, é o espaço determinado pelo social soc ial (p. 181).
Em termos de leitura, a implicação mais importante disso talvez seja a ideia de que o sentido não está no texto, mas se constrói no momento mesmo da interlocução.
4. Bases para o ensino-ap ensino-aprendizagem rendizagem da leitura numa perspectiva cultural 4.1 A tradição
Retomemos, para uma análise crítica, a prática da leitura no modelo tradicional de escola. Considerando o objeto, o objetivo, os procedimentos metodológicos e as formas de avaliação, temos o seguinte. Lê-se, em geral, o texto da cartilha ou do livro didático. Quando não é isso, são dados a ler documentos docume ntos escritos que perderam suas características de objetos socioculturais. É o caso da publicação de fragmentos de livros de literatura em manuais didáticos, o que termina por fazer
sumir suas páginas, ilustrações e mensagem central. Isso tudo além do prejuízo em termos de plasticidade – muitas vezes, veze s, os texto textoss são preca precariamen riamente te reprod reproduzido uzidoss em mimeógrafos ou recursos do gênero. Em termos dos objetivos da leitura, temos uma predominância da busca de informação, a qual, no processo de avaliação, deverá ser reproduzida com a máxima fidelidade possível. Assim, na pedagogia tradicional – escorada na visão de língua como mero código –, bom leitor é o que lê o texto de modo previsto, capta e devolve a informação prevista. Tem-se, no caso, um rompimento com a máxima má xima da informatividade do discurso, uma vez que o professor já leu o texto, text o, pergunta per gunta ao aluno, alu no, com co m relação rela ção a esse e sse texto, t exto, o que ele já sabe, e espera que o aluno, sabendo que ele sabe, diga o já sabido. Com relação aos procedimentos, segue-se uma rotina consagrada: uma conversa prévia sobre o conteúdo do texto, leitura silenciosa pelos alunos, leitura em voz alta pelo professor e depois pelos alunos, e, finalmente, as ati vidades vidad es escrit escritas as de interp interpretaçã retação/red o/redação ação (SILV (SILVA, A, 1993). É possível afirmarmos que a marca dessa pedagogia ped agogia de leitura é a reprodução. 4.2 A reinvenção
A reinvenção da prática de leitura na escola passa, necessariamente, pelo reconhecimento de sua dimensão cultural e não-escolar. Torna-se imperioso, de um lado, partir de uma concepção ampliada de cultura, linguagem e leitura, e, de outro, de uma concepção ampliada de sala de aula e processo de ensino-aprendizagem. Quanto ao primeiro aspecto, adotaremos aqui o conceito de cultura não como erudição, mas como resultado material e simbólico
da relação dos homens e mulheres com o mundo e entre si; o conceito de cultura proposto por Freire (1980), Na medida em que o homem, integrando-se nas condições de seu contexto de vida, reflete sobre elas e leva respostas aos desafios que se lhe apresentam, cria cultura. A partir das relações que estabelece com dinamiza seu mundo, o homem, criando, recriando, decidindo, este mundo. Contribui com algo do qual ele é autor [...]. Por este fato cria cultura [...]. A cultura – por oposição à natureza, que não é criação do homem – é a contribuição que o homem faz ao dado, à natureza. Cultura é todo o resultado da atividade humana, do esforço criador e recriador do homem, de seu trabalho por transformar e estabelecer relações de diálogo com outros homens. A cultura é também aquisição sistemática da experiência humana, mas uma aquisição crítica e criadora, e não uma justaposição de informações armazenadas armazenada s na inteligência ou na memória e não “incorporadas” no ser total e na vida plena do homem (p. 38).
Já a linguagem, como deve ter ficado claro, será encarada como interação, trabalho, prática simbólica sóciohistórica; linguagem tal como definida por Geraldi (1996): [...] uma língua é um conjunto de recursos expressivos, conjunto não fechado e sempre em constituição. Estes recursos expressivos remetem a um sistema antropocultural de referências, no interior do qual cada recurso adquire significação. Este sistema, também ele certamente aberto porque histórico, está sempre em modificação, refletindo as mudanças que sobre o mundo vamos produzindo na história e nossas compreensões desta mesma história (p. 68).
Por extensão, a leitura seria um processo de construção do significado, para o qual concorrem fatores estritamente linguísticos, mas não apenas eles, e, sim, também,
estratégias não linguísticas de vários níveis, inclusive cognitivas e culturais. Podemos encontrar uma conceituação ampliada de leitura em Scliar-Cabral (1992): [...] a leitura não se resume à decodificação, ou seja, identificação das letras e dos grafemas, e ao reconhecimento das palavras: ela envolve operar com proposições e com o texto, bem como realizar inferências, emparelhando as informações fornecidas pelo texto com o saber anterior do leitor [...] a leitura é um processo criativo, ativo, no qual o indivíduo joga todo o seu conhecimento anterior para, colhendo novas informações e/ou novos enfoques ou visões do mundo, reestruturar sua própria cosmovisão (p. 129).
Do ponto de vista da sala de aula, adotaremos a visão de Smolka (1993), que estabelece uma diferença entre a tarefa de ensinar - rotineira, repetitiva, não-criativa – e o que ela chama de relações de ensino - essas, sim, instituintes e produtivas, produtoras e resultantes de múltiplas relações e interações. A tarefa de ensinar, porque imposta, distorce a relação de ensino, embora nela se baseie; faz do professor o detentor do conhecimento. E, assim, por pensar que possui sozinho o conhecimento, esse professor pensa que sua tarefa é dar conhecimento aos alunos, razão pela qual ele termina por monopolizar o discurso em sala de aula. As relações de ensino, ao contrário, dão-se nos processos interativos e são, portanto, abertas e constitutivas dos temas pedagógicos, do próprio conhecimento, enfim. Isso posto, a questão passa a ser: quais as novas possibilidades do ensino/aprendizagem da leitura, considerando-se o componente cultural? 4.3 Princípios teórico-metodológicos teórico-metodológicos
Neste item, procuraremos elencar algumas bases teóricas teó ricas e metodológicas da “reinvenção” da prática da
leitura na escola. Privilegiaremos o aspecto cultural dessas bases, salientando que não há hierarquia entre elas. Um primeiro e fundante pressuposto seria o de que a escola deve evitar a visão etnocêntrica, ou seja, deve se desfazer dos preconceitos inerentes à visão de que há textos bons em si, leitores competentes modelares legítimas. É isso, por sinal, que explica por quee aleituras escola rejeita, como objetos de leitura, aquilo que considera literatura “de segunda categoria’’, como gibis e romances de banca de jornal, do tipo Júlia ou Sabrina. Sem considerar a longa e complexa discussão presente no ponto que ora colocamos, queremos apenas mostrar que muitos leitores de clássicos seriam conquistados se s e o ponto de partida fosse a literatura de massa. Isto é, não se gosta de Machado de Assis logo de imediato, e também não se percebe de imediato o clichê presente em Júlia e Sabrina. A tarefa da escola seria exatamente a de ensinar a ler tudo, inclusive os clássicos, e a ler criticamente o clichê, que, na verdade, é um ato de antilinguagem. Bordini e Aguiar (1993) tematizam com propriedade essa questão. As autoras defendem que, na definição de objetos e objetivos de leitura, sejam atendidos os interesses e necessidades dos alunos. Deve haver, no entanto, uma ruptura com essas expectativas imediatas, imediata s, proporcionada pela singularidade de cada autor/obra literária, na perspectiva da expansão do universo cultural dos leitores: Quando o ato de ler se configura, preferencialmente, como atendimento aos interesses do leitor, desencadeia o processo de identificação do sujeito com os elementos da realidade representada, motivando o prazer da leitura. Por outro lado, quando a ruptura é incisiva, instaura-se o diálogo e o consequente questionamento das propostas inovadoras da obra lida, alargando-se o horizonte cultural do leitor. O dividendo final é novamente o prazer da leitura, agora como apropriação de um mundo
inesperado. O ato de ler é, portanto, duplamente gratificante. No contato com o conhecido, fornece a facilidade da acomodação, a possibilidade de o sujeito encontrar-se no texto. Na experiência com o desconhecido, surge a descoberta de modos alternativos de ser e de viver (p. 26).
Um segundo pressuposto seria levar em consideração a forma como os sujeitos se relacionam com a leitura e a escrita. Ou seja, é preciso considerar que alunos e professores carregam consigo uma história de leitores, constitutiva, por sua vez, da história que têm os sentidos. Daí por que Paulo Freire afirmava que ser leitor é ler texto e contexto. A importância de se considerar isso está em que a história de leitor do aluno configura a sua compreensibilidade, a qual a escola deve reconhecer, acatar e ampliar. Exemplo emblemático desse princípio nos é relatado por Matencio (1994). A autora nos conta que, em certa ocasião, lidou com um grupo-classe de alunos adultos, de supletivo de 1º grau [ensino fundamental. N. do Rev.], nível de 8ª série, turno noturno. Ao propor a leitura e interpretação de um texto literário, obteve dois resultados inteiramente diferentes de duas alunas também diferentes. Uma delas, egressa já uma vez ve z da escola – à qual retornara após 23 anos –, na faixa etária de 40 anos, evangélica e auxiliar geral de escola maternal – o que fazia dela uma pessoa acostumada a lidar com textos bíblicos e histórias infantis –, revelou uma notável capacidade de compreensão das metáforas implicadas no texto, embora tivesse tido muitas dificuldades na construção do texto escrito em que deveria expor seu entendimento, particularmente no que diz respeito às convenções ortográficas. A outra ou tra aluna, bastante mais jovem, trabalhava em atividade administrativa e, por isso, tinha uma certa familiaridade com o texto escrito de natureza oficial; assim é que dominava bem as
convenções da escrita, mas fez uma leitura superficial e, em muitos pontos, equivocada do texto que lhe fora apresentado para interpretação. Matencio nos mostra, a partir dessa experiência, que qu e as agências de letramento com as quais os alunos mantêm contato são adefinidoras seus estilos comunicativos. Assim sendo, escola devedeavaliar, interpretar e compreender os diferentes processos e histórias de leitura de cada aluno, no sentido de contribuir com o enriquecimento do saber linguístico e pragmático demandado em cada situação. Assim, para uma aluna, a necessidade de aprendizagem está mais ligada ao conhecimento das regras ortográficas e ao funcionamento do texto escrito; para a outra, a necessidade se vincula à compreensão dos símbolos típicos da linguagem literária. Ainda em termos da história de leitor, e considerando que a relação pedagógica é um processo interlocutivo por definição, é preciso que o professor seja um bom leitor, no sentido dado a essa questão por Lajolo (1985), para quem o professor deve ter intimidade com muitos e muitos textos, amar os livros e a leitura, sob pena de empobrecer a prática de ensino. Nesse mesmo artigo, Lajolo aponta para os riscos de uma abordagem “pedagogizada” dos textos de leitura, que muitas vezes nos coloca obrigações diante do lido, desprovidas de qualquer sentido, tais como ir ao texto para retirar dígrafos e ditongos, ou modelos de conduta e comportamento, de norma culta, de procedimentos estilísticos. Aproveitando a oportunidade, vejamos mais um princípio, este colocado por Geraldi (1996). O autor propõe que a escola – a partir de uma visão ampliada de texto e leitura – trabalhe diferentes difere ntes tipos de relação com o texto, tendo em vista as nossas diferentes necessidades culturais e as perguntas que temos a fazer diante dele:
- a leitura-busca-de-informações, quando vamos ao texto para buscar respostas a perguntas que temos, para saber alguma coisa que não sabemos; - a leitura-fruição-do-texto, quando estabelecemos com o texto uma relação gratuita ou de prazer estético; - a leitura-estudo-do-texto, quando vamos ao texto para saber o que ele tem a nos dizer; - a leitura aplicada, quando, a partir de um texto, fazemos outras ações e construímos outros saberes. Essa tipologia, segundo Geraldi, poderia inspirar outras práticas de leitura na escola, para além das atividades mecânicas e reprodutoras a que já aludimos. Para o autor, em qualquer dos tipos de relações sugeridos, o leitor sai enriquecido: termos do conteúdo textos, seja em termos deseja suasem configurações textuais edos discursivas. Para o encaminhamento pedagógico da leitura, também há de ser considerado o conceito de leiturização, tal como proposto por Foucambert (1993). Ele criou o termo leiturização para designar não apenas a capacidade de ler letras e palavras, ou mesmo textos, mas também as condições culturais de produção da leitura/escrita: Aprender a ler é ser leitor, e ser leitor é conhecer e compreender o funcionamento da produção escrita da sociedade em que vivemos (p. 50).
Desse modo, a tarefa primordial da escola seria contribuir para a inserção do aprendiz no mundo letrado, de modo que ele compreenda as ações que se fazem com a palavra escrita, e a cultura que se cria em torno dela. 5 Tal 5
Britto (1997) afirma que, em termos de língua portugues portuguesa, a, o papel da escola deve ser o de “garantir ao aluno o acesso à escrita e aos discursos que se organizam a partir dela” (p. 14).
ponto de vista coloca para os pedagogos o desafio de lidar, fazendo aprender, com novas tecnologias de processamento de informação (de que a internet é um bom exemplo), e com as múltiplas linguagens que povoam nossa vida socia sociall e cultu c ultural. ral.
5. Conclusões O que foi colocado até aqui nos permite traçar uma configuração cultural da pedagogia da leitura. Primeiramente, teríamos como objetivo algo muito além das paredes da escola: o sentido de ler está em ser-no-mundo; ser sujeito; compreender o mundo, interpretá-lo e transformá-lo, agindo sobre ele. Ler tem a ver com a cidadania; o adensamento da experiência cultural; o desenvolvimento da capacidade de aprender; o jogo de imagens e símbolos que elaboramos historicamente; o enfrentamento de desafios; o trabalho com proposições e propostas de representação da vida e na vida. Silva (1995) considera a leitura crítica como condição da verdadeira ação cultural a ser implementada nas escolas, e refere-se a um conjunto de exigências com o qual o leitor crítico se defronta ao ler um texto escrito: constatar, cotejar e transformar. A constatação do significado de um documento escrito seria uma espécie de compreensão primeira dos conteúdos pretendidos. O cotejo seria o questionamento, a problematização dos sentidos obtidos no primeiro nível de leitura, uma “reflexão das ideias projetadas na trajetória feita durante o ato de constatação” (p.52). Num terceiro nível, abrem-se novos horizontes para o leitor, na medida em que ele, através da leitura, se apropria de outras alternativas de ser e existir em sociedade; a transformação seria, portanto, a ação sobre o conteúdo do conhecimento extraído do documento
selecionado para ler. Em síntese, é necessário aprender a ler para constatar (produzir o sentido), cotejar (produzir novos sentidos) e transformar (produzir mais sentidos ainda). Em segundo lugar, há de se fazer da diversidade o traço característico e objetos de leitura eé preciso ler muito edos lerconteúdos tudo, rompendo preconceitos assegurando, no espaço escolar, o lugar do texto literário como proposição do novo e não como doutrinação; é preciso ler o verbal e o não-verbal, procurando dar conta da retórica dos meios de comunicação de massa, até mesmo para desocultar suas estratégias massificantes. massificantes. Em terceiro lugar, tendo em vista a provisoriedade da linguagem e da sala de aula, estabelecer relações de ensino menos não-dogmáticas; dologias nãocontroladas, devem nos colocar obrigaçõesassim, frenteasaometotexto ou fazer de sua leitura uma rotina cansativa e sem sentido. Que se leia de modos não previstos, em momentos nos quais a leitura se transforme em necessidade, desejo. Em quarto lugar, tome-se como princípio orientador da avaliação da compreensão de leitura o fato de que, conforme colocado por Silva (1984), o ato de ler é produtivo em dois níveis: individual (porque reorganiza a experiência e visão de mundo do sujeito) e coletivo (porque estabelece confronto entre as visões de mundo dos diferentes sujeitos). Que a avaliação da leitura deixe de ser a busca de uma resposta já dada, a cópia da palavra do outro, para se transformar num processo em que as múltiplas compreensões são explicitadas e confrontadas; um processo em que o leitor, dialogando com o autor/texto e o professor, diga por onde caminhou, aponte as marcas do texto que usou para chegar ao sentido que lhe parece o melhor.
Parece ser essa a base da orientação dada ao professor por Soares (1990). A autora diz, na seção sobre procedimentos de orientação e correção das questões de compreensão do texto: [...] o verdadeiro objetivo das questões de Compreensão do texto é o desenvolvimento de habilidades intelectuais de reflexão, interpretação, análise, síntese; encontrar a resposta é secundário: o importante é refletir em busca da resposta [...] Por isso, as respostas às questões devem ser sempre discutidas em aula, a fim de que, pelo confronto de respostas , se aprofunde a reflexão e se amplie o desenvolvimento de habilidades intelectuais.
Finalmente, devemos ter em mente que, acima de tudo, linguagem é sentido. Ler é construir sentido. Escre ver é construir sentido. senti do. Por tudo isso, é preciso dar sentido ao ensino da linguagem, da leitura e da escrita.
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Sobre ensino da leitura1 Maria Ma ria do Rosário Mortatt Mortattii Magnani Magnani2
Tudo que é belo é uma alegria para sempre: O seu encanto cresce; não cairá no nada. John Keats
1. Introdução O título deste artigo3 pode sugerir um encaminhamento muito comum nas reflexões contemporâneas sobre o tema; respostas ao como ensinar a ler? Outro, porém, é meu objetivo: problematizar e discutir o ensino da leitura, inicialmente abordando, como uma questão não resolvida, a aparente obviedade de determinado projeto de escolarização da leitura em no Brasil, cuja racionalidade pode ser depreendida dasvoga práticas desenvolvidas pelos profes1 2 3
Texto publicado na revista Leitura: Teoria Teoria & Prática, Associação de Leitura do Brasil. Campinas, SP, nº 25, Ano 14, julho de 1995, p. 29-41. Departamento Depart amento de Educação, FCT FCT,, UNESP – Campus de Presidente Prudente; Pós-graduação em Letras, FCI, UNESP – Campus de Assis; Pós-graduação, FFC, UNESP – Campus de Marília. Versões preliminares deste artigo foram apresentadas, em 28/07/1993, na mesa-redonda “Leitura de 5ª a 8ª série” durante o 9º COLE, e, em 09/11/1993, como conferência, durante o III Simpósio Universidade e Educação Básica: Leitura, na UNESP - campus de Marília.
sores de língua e/ou literatura. Como contribuição para o debate, proponho, num segundo momento, reflexões sobre s obre a possibilidade de um projeto, fundado em outra racionalidade, que enfatiza a leitura da configuração do texto literário, articuladamente ao processo de formação do gosto edetrimento constituição sujeito leitor, e as relações ensino, em da do ilusão pseudodemocrática de de autoeducação e de um suposto respeito aos alunos-leitores. Trata-se, portanto, de deslocar a discussão de como para por que ensin ensinar ar a ler, l er, num país com um grande contingente de excluídos da cultura escrita e num final de milênio marcado pela presença de novas tecnologias de comunicação, que colocam em xeque a primazia do material impresso e do livro, em especial.
2. À guisa de balanço 2.1 Um projeto de escolarização da leitura
A experiência como professora de língua e literatura na escola de 1º e 2º graus [ensino fundamental e médio. N. do Rev.] assim como os estudos e pesquisas que venho realizando sobre a história do ensino de língua e literatura no Brasil têm apontado o delineamento, nas últimas décadas, de um projeto de escolarização da leitura destinado preferencialmente à escola pública – onde se encontra a maior parte dos estudantes brasileiros – e cuja implementação vem demandando a busca de bases cada vez mais científicas, visando a ajustes necessários, no que se refere, em particular, à adequabilidade do material para leitura. Embora esse projeto não apresente contornos definidos nem registros precisos, as práticas que o representam e os discursos que as orientam e justificam permitem apreender os aspectos gerais que o caracterizam e que podem
ser sintetizados nas formulações a seguir. A partir de necessidades impostas por um ideário liberal-democrático, que, visando ao “esclarecimento das massas’’, promete a emancipação social como decorrência do acesso ao mundo da cultura letrada e com o fim estratégico de enfrentar a crise da leitura, mediante a promoção, junto às do hábito e “gosto” pela leitura, os professores de“massas”, língua e/ ou literatura – desde a alfabetização até o 2º grau [ensino médio. N. do Rev.] - devem executar e gerenciar práticas escolares de leituras, planejadas sobretudo por técnicos de administração educacional ou por intelectuais acadêmicos e fomentadas pelo mercado editorial. Para uma ação eficaz, os professores devem tomar, como ponto de partida, a realidade do aluno e, como princípio operante, a adequabilidade entre o nível de dificuldade crescente do material indicado para leitura e o interesse e “gosto”, estabelecidos de acordo com as etapas de desenvolvimento cognitivo de seus alunos e sua realidade, de modo que, mediante o emprego de técnicas de motivação e sem interferir diretamente, propiciem estímulos para que os alunos construam seu conhecimento, até culminar o processo com o comportamento esperado: a leitura “esclarecida” dos “longos clássicos do vestibular”, como coroamento das habilidades – úteis para a escola e para a vida – para as quais esses alunos vieram sendo preparados desde a alfabetização. Os alunos, por sua vez, de vem vivenciá-la, para adquirirem hábito e “gosto” e para saberem decodificar tudo aquilo que lhes for oferecido para ler: textos de livros didáticos e paradidáticos e “textos do cotidiano’’, como jornais, revistas, receitas culinárias, entre outros. Para avaliar esse projeto e medir sua eficácia, os índices objetivos advêm tanto da quantidade de textos adequados lidos nas aulas dos professores diretamente envolvidos, quanto do retorno demonstrado pelo desempenho das editoras de livros didáticos e paradidáticos.
O que tem ficado dessas práticas escolares de leitura? Como as avaliam aqueles que as vivenciam, executam, gerenciam, planejam e fomentam? Quem delas tem-se beneficiado? Penso ser necessário esse balanço e gostaria de, ao menos, provocá-lo com algumas hipóteses e considerações.Ainda que se almeje estrategicamente a construção de conhecimento que redunde em habilidades supostamente úteis não apenas para a escola, mas também para a vida do indivíduo, os efeitos dessas práticas parecem se restringir aos viciados limites escolares, particularmente as matérias língua e/ou literatura. Mesmo assim, os indicadores de resultados não são alvissareiros: os alunos – quando permanecem na escola (pública) e quando leem de fato os textos – acabam lendo do modo como sabem e apenas o que gostam dentre o acanhado repertório indicado pelos professores com finalidades didáticas; entre os professores, podem-se perceber dois tipos mais frequentes de avaliação: a dos que se lamentam, vendo frustradas suas expectativas em relação à promoção do hábito e “gosto” pela leitura, e a dos que se animam com a constatação de que uma experiência deu certo: o programa foi cumprido e os alunos “gostaram”, uma vez que seus interesses
e “gosto” foram respeitados, tendo sido estimulados a construir seu conhecimento sem interferência do professor; e os que planejam costumam responsabilizar, pelas dificuldades de implementação de seus projetos, a falta de preparo e competência dos professores e a inexistência de mínimas condições físicas e materiais necessárias para tal. Todavia, é importante observar que muitos editores e li vreiros vreir os apontam a pontam resul resultados tados cada vez mais satis satisfatór fatórios: ios: os livros didáticos e paradidáticos vêm sendo responsáveis, em grande parte, pelo sucesso de seus empreendimentos...
2.2 A lógica da privação da leitura
Aliando uma concepção salvacionista de leitura a uma concepção de promoção “necessária” (PERROTTI, 1989), esse projeto se funda em uma racionalidade de acordo com a qual as necessidades, os fins, o espaço e o material para leitura, assim como o interesse, o “gosto” e o perfil cognitivo, cultural e social dos leitores, são todos eles apresentados, pelos que planejam, como autoexplicativos, legítimos e consensuais, de modo que a ênfase deve recair nos processos de organização, normatização e prescrição de meios e métodos mais eficazes para operacionalização. Trata-se, portanto, de uma racionalidade por sua vez fund fundada ada em um conju conjunto nto de princí princípios, pios, regra regrass e procedimentos a orientarem, de fora, a ação, de acordo com os quais a especulação e o questionamento são secundarizados e aqueles que executam e gerenciam são apartados do processo de concepção propriamente dito. Projeto passa, então, a significar algo próximo a um esquema de ação, em decorrência do que: os esforços de organização das tarefas nas diferentes etapas visam à produtividade para o sistema (político e educacional) que sustenta esse esquema de ação; o racional é apresentado como o obviamente útil; sobressaem-se, como evidência prévia, o caráter técnico-instrumental da leitura, seu ensino ens ino como um problema metodológico e sua aprendizagem como processo estimulado de autoeducação, que deve resultar no comportamento esperado: hábito e “gosto”; o professor de língua e/ou literatura é tido como agente de execução privilegiado e uma espécie de gerente e sua prática é assumida como forma de representação, por excelência, desse projeto e sua racionalidade. Uma análise dessas formas de representação, especialmente das mais alinhadas com as orientações opera
cionais, permite considerações relativas aos efeitos desse projeto: a. visan visando do à const construção rução progra programada mada de um devir de leitor ideal e “esclarecido”, a atuação do professor chega a se confundir com uma atitude de preparação, pressupõe de estímulos e distinção entreque: o ato de ler e geração a aprendizagem da leitura, esta entendida como pré-requisito para aquele e independente do ensino; e está centrada em constantes exercícios de leitura, planejados com base no princípio da adequabilidade, conforme o qual a aprendizagem deve estar subordinada ao desenvolvimento cognitivo, tornando secundárias as relações de ensino, e a seleção de textos, por sua vez, deve estar su-
bordinada imediato e “gosto” do aluno,e implicandoaoa interesse interditação de todo procedimento material que se distanciem desse princípio; b. para esses exercícios, tem-se atribuído considerável importância a dois tipos de material: os denominados “textos do cotidiano” veiculados por certos “portadores de texto” com os quais os alunos con vivem vive m e aos quais têm mais fácil acess acesso; o; e os texto textoss denominados de literatura infantil e/ou juvenil, veiculados pelaspelas coleções paradidáticas postasde emfichas disponibilidade editoras, acompanhadas de leitura com respostas para o professor e com títulos constantemente renovados, os quais procuram atender àquele princípio da adequabilidade demandado por sua destinação e circulação entre um público infantil e juvenil que frequenta a escola; c. dadas as condições atuais de trabalho e formação, o repertório de leitura do professor, em grande parte dos casos e com exceção feita às necessidades impos
tas de atualização e reciclagem profissional, é muito assemelhado ao de seus alunos; d. o professor, também na maior parte das vezes, desconhece os fundamentos do projeto que executa e gerencia, preocupando-se apenas com a otimização dos procedimentos, quede lhecapacitação são oferecidos oferecideostreinamenpor intermédio tanto de cursos to como de instruções apresentadas por autores e editores, e com base nos quais infere critérios para avaliação de sua prática e da de seus alunos; e e. no caso de resultados considerados animadores, os esforços dispendidos pelo professor parecem lhe render apenas uma efêmera satisfação e uma “falsa popularidade”, apoiadas na ideia de que a opinião da maioria é de substituta da razão“gostaram”, e referendadas constatação que os alunos umapela vez que seu interesse e “gosto” foram respeitados, tendo-lhes sido indicado para ler repetidamente o mesmo e adequado modelo de que já “gostavam” e que já conheci co nheciam. am. Mediante essas considerações, pode-se depreender, no âmbito da escola pública brasileira – onde se encontram, quando podem, sobretudo os excluídos da cultura escrita – oexperiências delineamentodedevida umae situação emalunos que, basea b aseadas das tanto nas leitura dos quanto no entrecruzamento de resultados de estudos em Psicologia Genética, Pedagogia e Literatura Infantil, as práticas de leitura contribuem para o engendramento de um tríplice (e mesmo) processo de identificação: a) entre menoridade cognitiva e menoridade social e cultural do “aluno das classes populares”; b) entre menoridade cognitiva, social e cultural e menoridade quantitativa e qualitativa do material de leitura a ele destinado; e c) entre literatura infantil e
juve nil e litera juvenil literatura tura escola escolar, r, corres corresponden pondendo do a adje adjetivaçã tivaçãoo do termo “literatura” a atributos pejorativos decorrentes do estatuto de menoridade apontado em a) e b). De interrelação desses processos de identificação e como efeito principal e síntese do projeto de escolarização da leitura, produz-se certológica modelo “gosto”,daque explicita a circularidadeum de uma da de privação leitura. Produzido, determinado e regulado pelo mercado editorial, que, por sua vez, também se respalda nas experiências imediatas dos alunos e nas contribuições científicas, esse modelo de “gosto” é assumido e difundido pela escola, através das práticas de leitura, como critério de verdade verda de e sob a alega alegação ção de respe respeito ito ao leitor leitor.. Fech Fechando ando o círculo, a indicação por parte do professor e a aceitação, pelos alunos, dessedemodelo passam com a (re)orientar (re)produção e seleção novo material as mesmasa fórmulas, de modo que, por um processo de incansável repetição, vai sendo sedimentado e perpetuado, porque institucionalizado pela escola, um modelo de “gosto”, que, tendendo à uniformização e regulação de significados e sentidos a partir de interesses privados, torna-se padrão e apresenta-se como coerente em relação à perspectiva utilitarista e instrumental do projeto de escolarização da leitura. O princípio da adequabilidade, diretamente relacionado com a lógica da privação da leitura, remete, desse ponto de vista, a processos de “peterpanização» do leitor, de infantilização e trivialização do material para leitura, em especial da literatura, e de privatização e consumo de cultura, úteis para sustentação de interesses que certamente não são os dos sujeitos que deveriam ensinar e aprender a ler. Propiciando-se uma série de emoções fortuitas e fustigadas artificialmente, privatizando-se e destruindo
se os objetos culturais para se produzir entretenimento, utilizando-se do novo como parâmetro para avaliar o antigo, considerado indesejável, passam a ser ignoradas as relações entre passado, presente e futuro, constitutivas da memória e identidade dos sujeitos sociais e históricos. Agudiza-se, assim,p. tanto a ilusão do a“pathos dopromenovo” (ARENDT, 1979, 226) para aqueles quem se tera a emancipação social mediante o acesso ao mundo da cultura letrada quanto a ilusão pseudodemocrática dos bem-intencionados professores que julgam dever dar a cada um de acordo com sua capacidade. Que conhecedor dos homens! Faz-se criança com as crianças, Mas a árvore e a criança buscam busc am o que é mais alto do que elas (HOLDERLIN, 1991, p. 101).
Penso ser possível e necessário questionar essa lógica perversa, de acordo com a qual as práticas escolares de leitura, resumindo-se ao entretenimento, à fortuita repetição do mesmo, à confirmação da experiência imediata e à uniformização de significações, impedem a conquista conqu ista do direito de buscar o diferente e o desconhecido, o direito de saber o que de “mais alto” se pode buscar, o direito de a conhecer e formular necessidades tes aprender das que são apresentadas como evidências e dediferenaprender, ainda, a satisfazer essas necessidades; de acordo com a qual, enfim, professores e alunos acabam por viver uma privação semelhante à de Satanás, após a queda dos céus: Privado dos alegres caminhos dos homens, o livro dos belos conhecimentos me apresenta uma lacuna universal, onde as obras da natureza são para mim expungidas e riscadas, e a sabedoria, uma de suas portas, me é completamente vedada (MILTON, s.d., p. 59).
Como podem os professores contribuir consigo e com seus alunos na busca do que é “mais “m ais alto do que eles”? O que pode ser esse “mais alto”?
3. “Como uma frágil passarela sobre o abismo”: outro projeto
3.1 Constituição do sujeito leitor e formação do gosto
A unidade, no sujeito, entre conceber, executar e avaliar projetos identifica o trabalho como atividade especificamente humana. Essa atividade supõe, portanto, um projeto como resposta às questões que os sujeitos aprendem a formular, a partir da problematização do vivido: por que, para que, quem, para quem, onde, quando, o que etensão comoconstante pensar, sentir, e agir.eSupõe, por isso,teoria uma entrequerer consciência contingência, e prática, pensamento e atuação, autonomia e heteronomia. Demanda opções em relação a juízos de valor. E, a despeito de seu caráter mediato, de permanência no tempo, implica movimento e mudança que se produzem, em determinadas condições sócio-históricas, como proposta, processo e possibilidade (MAGNANI, 1993). Nesse sentido, um projeto identifica-se pela inter-relação dos diferentes constitutivos atividade: a partir de certasaspectos movidosdessa por certas necessidades, utopias, sobressaltados pelas contingências e mediados signicamente, sujeitos interativos (sócio-históricos), em determinadas condições espacio-temporais, utilizando-se de certos métodos e meios, produzem mediadores e objetos (materiais e culturais) assim como a si mesmos como sujeitos polifônicos e interativos e sua consciência (modos e conteúdos de pensar, sentir, querer e agir), como síntese das relações que atuam sobre o sujeito e sobre as quais
ele atua, mediado pela linguagem, especialmente, e pelo outro. Pensar em projeto significa, portanto, pensar no processo de constituição do sujeito não como atualização/ maturação de potencialidades biofisiológicas inatas e uni versais, nem comoadequados, construçãonem individual ou como aquisição de comportamentos tampouco fatalismo ou voluntarismo; mas como movimento intersubjetivo marcado por sínteses provisórias e retomadas projetivas, no qual interagem desenvolvimento cognitivo e aprendizagem, esta convertendo-se naquele, mediante atuação nas “zonas de desenvolvimento proximal” (ZDPs) (VYGOSTSKY, 1989, p. 94). Nesse processo, merecem destaque como atividades mediadoras e constitutivas as relações escolares de eensino-aprendizagem espontâneas, sistemáticas intencionais, em que não o aluno aprende amas solucionar problemas sob a orientação do professor e com a colaboração dos colegas (nível de desenvolvimento potencial), apontando a possibilidade de solução independente num futuro imediato (nível de desenvolvimen desenvolvimento to real). À luz desses pressupostos, ler é uma atividade especificamente humana, intersubjetiva e não natural, supondo aprendizagem e, portanto, ensino, os quais se tornaram necessariamente escolares caso das letradas contemporâneas, em que no a escola sesociedades apresenta como mediadora entre o mundo público e o privado, entre o passado, o presente e o futuro. No entanto, apesar da institucionalização das relações de ensino-aprendizagem da leitura e da implementação de projetos como o discutido anteriormente neste texto, aprender e ensinar a ler podem ser compreendidos como atividades cujo sentido advém de sua condição de constituição do sujeito que lê, sobre o qual o lido atua e que, com e pela leitura, consti
tui-se como tal. Ou seja, como sujeito que busca, na tensão entre determinação sócio-histórica e auto-regulação e entre consciência e contingência, constituir aquilo aqu ilo que lhe é peculiar, característico e indispensável, enquanto síntese individual e mediada signicamente do processo sócio-histórico das relações intersubjetivas em que se movimenta e se constitui assim como o faz em relação aos mediadores dessas relações e aos objetos culturais que nelas produz. Partindo de outra razão, é possível pensar na produção de outros por que, para que, quem, para quem, quando, onde, o que e como ensinar e aprender a ler, ou seja, em outro projeto de leitura para a escola, que possa, em vez de privar, pri var, desafi desafiar ar e instig instigar, ar, contrib c ontribuindo uindo para a busbus ca daquele “mais alto”, para além da experiência ex periência imediata, eâmbito propiciando de fato, a alunos e professores; no do qual,respeito, o professor, sendo mais do que mero executor e gerente, possa também constituir-se como sujeito leitor ao mesmo tempo em que e para atuar na constituição de outros sujeitos leitores; e que permita considerarem-se: as relações de ensino como constitutivas da aprendizagem, aprendiza gem, aprender a ler como leitura, de fato, f ato, e a formação do gosto (MAGNANI, 1989), baseada no princípio da diversidade e atuante nas “zonas de desenvolvimento proximal”, como condição processo de projeto, constituição sujeito que lê. Umadosíntese desse a serdo representada pelas relações de ensino-aprendizagem que ocorrem no âmbito das matérias língua e literatura e desde o período da alfabetização, pode ser assim formulada: ensinar a ler é atuar na formação do gosto de alunos e professores através da leitura – de fato e constante – de uma diversidade de configurações textuais (MAGNANI, 1993), com ênfase no texto literário,, para cuja seleção o critério é o desejo de conhecer literário para julgar, visando à crescente autonomia do leitor.
O termo “gosto” refere-se aqui não a sabor, agrado, opinião, preferência ou moda, mas à “principal atividade cultural, entre as faculdades políticas dos homens” (ARENDT, 1979, p. 277), a qual não se pode controlar, instrumentalizar, etapizar ou seriar: a faculdade de discriminar, discernir e tomar decisões entre diferentes qualidades e valores social e historicamente produzidos, como fenômenos do mundo público da cultura, onde se cruzam arte e política; e, especialmente, qualidades e valores relativos aos menos úteis e mundanos objetos culturais: as obras de arte e, em particular, as obras literárias. Trata-se de uma atividade, enfim, que, envolvendo aspectos éticos e estéticos, questiona o relativismo e a opinião da maioria como substitutos da razão e critérios de verdade. O medida em que, como qualquer trogosto, juízo,portanto, apela ao na senso comum, é o próprio oposto oudos “sentimentos íntimos”. Em juízos estéticos, tanto quanto em juízos políticos, toma-se uma decisão, e conquanto esta seja sempre determinada por uma certa subjetividade, também decorre, pelo mero fato de cada pessoa ocupar um lugar seu, do qual observa e julga o mundo, de o mundo mesmo ser um dado objetivo, objetiv o, algo de comum a todos os habitantes (ARENDT, 1979, p. 276).
Assim entendido, o gosto se forma na intersubjeti vidad e, como vidade, co mo resulta re sultado do de traba trabalho, lho, com as a s diferenças, no nível simbólico. Trata-se de uma faculdade social constituída e aprendida. Tanto é assim que, independentemente da escola e anteriormente à passagem por essa instituição, o gosto de professores e alunos é formado e enformado pela indústria cultural, e aquilo de que esses ess es leitores dizem “gostar” já é resultado de aprendizagem a partir da exposição a e do consumo de um padrão de gosto, cuja tomada de decisão entre qualidades e valores foi previamente realizada por outros, com base em suas próprias necessidades
e interesses, ainda que apresentado como critério objetivo e verificável de verdade. Atuar na formação do gosto torna-se, assim, fundamental para o trabalho escolar de, com e pela leitura, sobretudo a da literatura. E, porque se aposta na formação do gosto como forma de desafiar o desejo do sujeito se constituir como tal, mediante a interlocução e aleitor diversde diversiidade de modelos, pode-se compreender o movimento de constituição do sujeito leitor como prospectivo e impre visível, visív el, como busc buscaa do que é “mais alto” e indis indispensá pensável vel (tanto como comer, descansar e amar); como busca de discriminação, discernimento e tomada de decisão entre aquilo que é satisfação artificialmente fustigada, efêmera e descartável e aquilo que, resistindo à funcionalidade, pode ser sempre fruído e presentificado valorativamente como historicidade que ao mesmo tempo permanece e renasce sempre diversa na provisoriedade de cada leitura (PERRONE-MOISÉS, 1984). 3.2 O texto literário como mediador e objeto no ensino da leitura
Ensinar a ler, ou seja, atuar na formação do gosto demanda a opção por um trabalho centrado na leitura de uma diversidade de configurações textuais e, em especial, do texto literário como um dos mediadores e simultaneamente um dos objetos privilegiados para esse ensino. Vale ressaltar que, enquanto “materialização” de processos discursivos, o texto apresenta-se como mediador, nas diferentes matérias do currículo escolar. O que identifica as matérias língua e literatura é a necessidade de tomar-se o texto não apenas como mediador, mas também como objeto de estudo, em torno do qual se organizam as relações de ensino e aprendizagem.
Entende-se, aqui, texto como objeto cultural produzido na interação verbal, que se apresenta como espaço da enunciação, unidade de sentido e representação de um projeto, produzido por um autor, que - a partir de certas necessidades, movido por certas finalidades, sobressaltado pelas contingências e mediado pela linguagem, em determina das condições históricas e sociais e no âmbito de certa “formação discursiva” (ORLANDI, 1987, p. 73) – escolhe, dentre as possíveis e conhecidas, as opções para escrever algo, visando necessariamente a interlocutores, de cuja leitura não pode prescindir. Concretizando a interlocução e mediada pela palavra escrita, a leitura torna possível produzirem-se significados e sentidos, vivificar e sincronizar experiências, escolher e apontar (PERRONE-MOISÉS, 1987), modificando modos evalores conteúdos de pensar, sentir, querer e agir e instaurando um tipo específico de interação dos sujeitos entre si e com o mundo natural e social, com o mundo público da cultura, com o tempo e o espaço. Não se trata, portanto, de pensar por que ensinar en sinar a ler, ler , buscando respostas a para que serve a leitura? A leitura não emancipa, não desperta o senso crítico, não revela, não restaura um estado edênico perdido pelo indivíduo ou pela sociedade; apenas constitui. Antes de qualquer necessidade utilidade de fora e por outros, ler importa, pois, epara aqueleimpostas que lê, que luta por constituir-se como sujeito (social e histórico) de ações significantes, significant es, também e principalmente para si. A leitura caracteriza-se, desse ponto de vista, como um processo de autoria de segunda ordem, no qual interagem as histórias de leitura do texto e do leitor e em que um determinado texto, além de mediador, é reconhecido e interrogado como objeto singular. Nesse processo marcado pela tensão entre provisoriedade e historicidade, historicida de, não
se separam as atividades de ler, analisar e interpretar, as quais demandam constante retorno ao texto, a fim de se verificar verifi car se são legítimos, legítim os, pertinentes pertin entes e autorizad autor izados os os sentidos atribuídos e os discursos que se produziram como leitura. O que confere a um texto sua singularidade e permite ao leitor reconhecê-lo e interrogá-lo como objeto singular e vigoroso (STAROBINSKI, 1988) é o conjunto de aspectos constitutivos de sua configuração, a saber: por que, para que, quem, para quem, quando, onde, o que e como se escreve. Desse ponto de vista, não se pode subordinar a configuração textual à arbitrariedade do leitor, reduzindo a leitura à abordagem de aspectos isolados dessa configuração, como acontece quando, por exemplo, opta-se por extrair do texto temas para discussão, ou denunciar a “ideologia subjacente”, ou analisar a relação forma versus conteúdo ou, ainda, quando se tenta explicar essa relação, inserindo-a no contexto histórico, social e literário da época em que o texto foi escrito. Os aspectos apontados nos exemplos acima precisam ser abordados não como autônomos, externos ou contingenciais, mas como inter-relacionados e constitutivos da configuração textual. Em se propondo, para o ensino da leitura, ênfase no texto literário, tornam-se necessárias algumas considerações, relativas ao sentido de “literário”, às razões que determinam a ênfase nesse tipo de configuração textual, a seu caráter de mediador e de objeto e, por fim, aos critérios para sua seleção. Apesar da fluidez de significados do atributo “literário”, para os objetivos deste artigo opto por utilizá-lo no sentido valorativo que se refere à literatura dita “culta’’, em oposição à literatura dita “trivial”, produzida pela indústria cultural e veiculada como literatura “de massa”
ou “da escola”. Sem distinguir literatura infantil e juvenil de literatura “adulta”, trata-se de considerar o processo sócio-histórico de eleição e permanência de um conjunto de textos diversos como “literários”, processo no qual encontram-se inter-relacionados: as condições de emergência dos textos, [...] produção, edição, difusão, instituições escolares e universitárias, as condições de aprendizagem da língua e da leitura, diferentes instâncias legislativas nesse domínio como as academias, os prêmios literários, as revistas, a definição de “domínio cultural” e de “corpus literário”, e a imagem implícita e pressuposta de leitor e de leitura, sem hierarquização entre esses elementos (MAGNANI, 1989, p. 6).
Enquanto obra de linguagem eminentemente qualitativa, que exalta a diferença e a interação do que é di verso,, e dado verso d ado seu carát caráter er de gratu gratuidade idade e perman permanência ência no tempo, o texto literário demanda e propicia um trabalho específico de leitura, ao mesmo tempo como fruição estética que não se deixa controlar, instrumentalizar, etapizar ou seriar e como busca de conhecimento que não se restringe à organização, classificação e computação de dados e informações, mas que se apresenta como multiplicidade, contrapondo-se ao consumo e destruição dos objetos culturais e instaurando outras relações dos sujeitos entre si e com seu passado, presente e futuro, com a cultura e a língua, com o mundo público e o privado. Nesse corpus, destacam-se os “clássicos”, aqueles li vros que, segu segundo ndo Calvino C alvino (1993) (1993):: “exercem “ex ercem uma influên i nfluên-cia particular quando se impõem como inesquecíveis” (p. 10); e “quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos”, porque propiciam a grata surpresa da descoberta de algo não necessariamente desconhecido,
senão “que sempre soubéramos (ou acreditávamos saber) mas desconhecíamos que [eles o disseram]... primeiro (ou de algum modo se liga a [eles]... de maneira particular)” (p. 12). Quanto ao caráter de mediador e objeto apontado em relação a está esse sendo tipo deaqui texto, é importante ressaltar que: a) mediação entendida não como relação instrumental e utilitária, mas como relação instauradora e “constitutiva, ação que modifica, que transforma” (ORLANDI, 1987, p. 25); b) o termo “objeto” refere-se não a um dado puro ou a um produto acabado e inerte a ser dissecado pela leitura, mas ao constante processo de produção de texto como objeto de fruição e conhecimento, o que ocorre nas relações entre autor e leitor, e, em particular, como objeto também de estud o nas escolares de ensino-aprendizagem daestudo língua e darelações literatura; e c) só é possível compreender-se o caráter mediador e de objeto do texto, se sua singularidade não for embaraçada com intermediações ofuscantes, como as adaptações, fragmentações, fichas de leituras, questionários de interpretação, entre outras. O que se deve dev e considerar, portanto, é o trabalho de linguagem que se produz, enquanto texto, mediante o uso da palavra escrita, a qual associa o traço visível à coisa invisível, à coisa ausente, à coisa desejada ou temida, como uma frágil passarela sobre o abismo (CALVINO, 1990, p. 90).
Nesse sentido, o critério de seleção de textos para o ensino-aprendizagem da leitura não pode se basear naquele princípio da adequabilidade, resultante do estatuto de menoridade atribuído ao aluno e à literatura para a escola, que interdita e priva o leitor do que não se considera adequado e, portanto, não consta das listas de títulos in
dicados para sua faixa etária ou série escolar. Uma diversidade também de textos literários pode ser lida na escola e, mesmo os considerados equivocadamente “difíceis” – sobretudo os “clássicos” da literatura tanto para adultos como para crianças e jovens – precisam ser oferecidos aos alunos (e professores), sem censura nem adaptações nem fragmentações. O que pode gerar o tão temido “fracasso do aluno” não é a qualidade do texto, mas a precariedade das práticas de leitura baseadas em geração artificial e programada de estímulos. Ou melhor, sobretudo esses textos “difíceis” precisam ser lidos na escola. Uma vez que integram um repertório desconhecido, ao qual ou os alunos não teriam acesso fora da escola ou, mesmo tendo acesso em situação escolar, não conseguiriam ler sozinhos, a orientação do professor e a colaboração dos colegas tornam possível o “primeiro encontro”, a descoberta dessas configurações textuais e avanços na formação do gosto. As relações de interação verbal de que os leitores participam, na escola, fornecem-lhes, mediante novos modelos, termos de comparação e paradigmas estéticos, “coisas que continuam a valer mesmo que nos recordemos pouco ou nada do livro lido na juventude” (CALVINO, 1993, p. 10) e permitem ao menos aprender a conhecer, seja para julgar a respeito da dificuldade e adequabilidade, seja para descobrir que a uniformização de significações, significaçõe s, a padronização do gosto e os atributos pejorativos imputados à literatura privam o leitor daquilo que, por vezes sem o saber, mais almejava: a fruição estética e o conhecimento. Retomando: a diversidade de configurações textuais deve ser o eixo em torno do qual se organizam as relações de ensino-aprendizagem, desde a alfabetização até o final do 2º grau [ensino médio. N. do Rev.]. O que mudam são as situações sempre irrepetíveis de interação que ocorrem
com cada grupo de alunos e de acordo com as quais se planejam atividades específicas. Para um trabalho desse tipo, a leitura de uma diversidade de configurações textuais permite a crescente autonomia do leitor, em virtude do conhecimento de opções e da desautomatização do modelo padronizado; ao passo que a ênfase no texto literário, além da ampliação desse conhecimento, propicia experiências únicas de fruição estética. Poderíamos pensar, então, que atuar na formação do gosto, tomando o texto literário como mediador e ob jeto do traba trabalho lho de const constituiçã ituiçãoo do suje sujeito ito de, com e pela leitura, na escola, significa serem professores e alunos leitores-interlocutores de diferentes configurações textuais e principalmente de diferentes textos literários, de diferentes e épocas; leitores-interlocutores, porquee dialogamautores com a multiplicidade constitutiva dos sujeitos dos textos literários e com a diversidade de modelos; porque, movimentando-se na multiplicidade e diversidade, aprendem a conhecer e podem discriminar, discernir e tomar decisões entre valores e qualidades. Significa, enfim, contrapor-se e resistir à tentação das facilidades geradas por aquele projeto de escolarização da leitura, que “peterpanizando” os leitores, infantilizando e trivializando oe supondo literário, aprendizagem privatizando esem consumindo objetos culturais ensino, priva os leitores da fruição estética e do conhecimento.
4. O que fica Porque Não se aprende a cantar senão perante Os monumentos da magnificência. (YEATS, 1992, p. 103)
penso ser necessário que professores e alunos comecem a ler já e boas obras literárias; que reflitam sobre a possibilidade de a satisfação efêmera e a opinião da maioria não serem os únicos critérios de verdade; e que ousem pensar no ensino da leitura do ponto de vista de outra razão. raz ão. Porque os discursos sobre a importância e a necessidade da leitura, o interesse e o “gosto” dos alunos, os métodos e as técnicas de ensino, os best bestsellers sellers escolares, a literatura tri vial, as infor informações mações dos “tex “textos tos do cotidi cotidiano” ano” são contin contin-gentes e efêmeras demais para com eles ele s se dispender tanto tempo e se infernizar tanto – e sem sentido – a vida de professores e alunos. Porque tudo isso acaba se diluindo, quando se sai da escola, quando deixa de ser útil. E tudo perde utilidade um dia. O que fica, porém, é o que os poetas fundam. (HOLDERLIN, 1991, p. 131)
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Práticas de leitura leitura e escrita na escola: contribuições de Roger Chartier1 2 Sonia Kramer 3
Saber ler e escrever permite novos modos de relação com os outros e os poderes. Chartier, 1991, p. 119.
O objetivo deste texto é analisar algumas contribuições de Chartier para as práticas de leitura e escrita. No primeiro item, explicito o lugar de onde faço a análise e os instrumentos conceituais adotados. O objeto da reflexão é a delicada e complicada interação entre a produção acadêmica, as políticas públicas e as práticas pedagógicas. Em seguida, apresento reflexões em torno da ideia de que há práticas de leitura e de escrita nas escolas ou programas de leitura que têm se modificado. Aproximo essas mudanças de alguns conceitos de Chartier, em especial de “práticas de leitura’’, “práticas de escrita”, “textos, livros e leitores”, “textos e suportes”. No terceiro momento, aponto decor1 2 3
Texto publicado na revista Leitura: Teoria Teoria & Prática, Associação de Leitura do Brasil. Campinas, SP, nº 46, Ano 24, março de 2006, p. 39-44. Apresentado no Colóquio Roger Chartier : apropriações de um pensamento no Brasil. Rio de Janeiro, set. 2005. Doutora em Educação. Professora do Depart Departamento amento de Educação e Coordenadora do Curso de Especialização em Educação Infantil da PUC-RJ.
rências das pesquisas de Chartier e de textos baseados na sua obra para a formação de professores e leitores.
O lugar de onde é feita a análise: produção acadêmica, políticas e práticas em interação [...] todo autor, todo escrito impõe uma ordem, uma postura, uma atitude de leitura. Chartier, 1998, p. 20.
A obra de Chartier desde os anos 1990 tem contribuído para a mudança conceitual no campo da leitura e da escrita. Temos nos apropriado de seus conceitos para realizar a análise das práticas escolares, entendendo-as como práticas culturais de leitura e escrita (CHARTIER, 1990; 1996), mais do que práticas escolares ou instrucionais. Atuando na universidade e com gestão pública, aprendemos que a interação entre produção teórica, políticas públicas e práticas escolares é difícil, tensa e, em países como o Brasil, envolve mediações de natureza econômica, política, social e cultural onde o papel da pesquisa é muito importante. No que se refere às políticas e às práticas escolares, a pesquisa pode a compreenderconsequências o passado e a pensar o presente, semajudar ter necessariamente para a intervenção. Ainda assim, a sensibilidade, o espírito crítico, a vontade política e o compromisso profissional nos colocam – como educadores – numa posição ativa (nunca neutra) quanto à produção teórica e resultados de pesquisas. A incorporação da produção teórica e de resultados de investigações científicas é desejo ou meta de muitos pesquisadores, gestores e profissionais de educação, inseridos inse ridos em diversas instâncias da vida pública, e que participam
de projetos institucionais, assessoram e lideram órgãos públicos ou programas não governamentais. Nesse contexto, é possível perceber que, no curso destes 15 anos, a circulação das ideias de Chartier, a expansão das publicações de sua autoria e a progressiva disseminação de investigações baseadas na sua obra têm se dado numa conjuntura onde têm sido possíveis mudanças em determinadas práticas de leitura e escrita, na produção de livros liv ros e na formulação de propostas pedagógicas e alternativas de ação permeáveis a tais contribuições. Porém, trata-se de uma conjuntura contraditória, onde convivem iniciativas de leitura e de escrita vividas como práticas produzidas social e culturalmente, inseridas, criadas, exercidas ao lado de práticas tradicionais, mecanicistas, lineares, centradas no ensino formal de normas e regularidades, e que concebem a língua como objeto desprovido de sua historicidade. Tal contradição – ou ambivalência dialética (BAKHTIN, 1987) – marca as ações de natureza social, cultural cultura l e histórica como são, neste caso, a leitura e a escrita. A perspectiva teórica desta análise se fundamenta no conceito de “circularidade da cultura” como a esse processo se refere Ginzburg (1995, p. 13) e na compreensão de como, segundo Bakhtin (1988, p. 119), interagem a ideologia ideo logia do cotidiano e os sistemas ideológicos complexos, tais como a ciência, a cultura, a política, a arte a rte ou a religião. Entendo que não são as ideias ou os conceitos sobre leitura e escrita que geram as práticas nem as práticas de leitura e escrita que linearmente determinam as ideias. As duas esferas – a produção conceitual e o cotidiano, seus fazeres e seus saberes – interagem dinâmica, dialógica e dialeticamente. Os conhecimentos produzidos a partir de investigação sistemática, publicados em artigos e livros de Char
tier, começaram a ser veiculados entre nós num contexto favorável à sua recepção. Por um lado, participamos de mudanças nas formas de produção das políticas públicas que, com a volta às eleições nas esferas estaduais, municipais e federal, já nos anos 1980, passaram a gerar uma expressiva diversidade de propostas pedagógicas e o resgate de programas concretizados e teorias disseminadas antes da ditadura. Por outro lado, vivemos um intenso questionamento teórico nas universidades e centros de pesquisa, colocando em discussão práticas, propostas e métodos que não pareciam assegurar o acesso à leitura e a produção escrita. Conceitos, pesquisas, textos de Chartier são disseminados em contextos políticos e institucionais onde há proposições e ações de mudança nas práticas de leitura e escrita feitas por professores ou equipes; equ ipes; e os conceitos, de certa forma, ajudam a cimentar, a consolidar as mudanças. Contudo, esse processo foi e vem se dando de modo contraditório, descontínuo e cheio de tensões. Vejamos alguns desses conceitos e práticas.
Práticas de leitura, práticas de escrita esc rita – apropriações apropriações nos espaços escolares A leitura é sempre uma prática encarnada em gestos, em espaços, em hábitos. Chartier, 1994, p. 13.
Um conceito que alterou a compreensão dos significados da leitura e o papel dos diversos contextos na construção desses significados se refere à explicitação dos estilos de leitura que se consolidaram historicamente: a “leitura intensiva” e a “leitura extensiva” (CHARTIER, 1991; 1994). Diversas pesquisas revelam que as diversas maneiras de ler de diferentes leitores, grupos, classes so
ciais dependem do processo de produção e disseminação da escrita, da posse privada dos livros, do papel atribuído ao texto pelas diferentes práticas religiosas, religiosas , da inserção em práticas públicas ou privadas de leitura e escrita, do acesso facultado a uns e interdito a outros, da criação tecnológica; enfim, dependem de razões econômicas, históricas, políticas, sociais e culturais. “Leitura intensiva” e “leitura extensiva” convivem e, ainda que predominem uma sobre a outra em diferentes momentos e contextos, a presença pres ença das duas vai sendo constatada em várias pesquisas históricas. O conceito de leitura intensiva e leitura extensiva permite compreender as práticas e as políticas de leitura e de escrita e encará-las com outro olhar. Mesmo aqueles que defendem o papel da leitura literária na formação de crianças, jovens e adultos e consideram que nas práticas escolares há cânones que não podem ser abandonados, abandonad os, redimensionaram preconceitos e se tornaram mais compreensivos – ainda que não tolerantes – com tal diversidade. Tivemos debates acalorados na década de 1990 no Brasil, sobre o que seria ou se existiria uma boa leitura e qual o papel da escolarização. Hoje, expandindo-se as possibilidades da leitura, com a internet e a navegação eletrônica, a mídia eletrônica não se constitui em ameaça ao livro, ainda quede mudem produção escrita ação dos leitores, os estilos leitura.a Encontramos umae areflexão instigante no livro de Chartier sobre essa aventura do livro (1999) que discute, em outras bases teóricas e metodológicas, um debate caro aos frankfurtianos nos anos 1930 a respeito da indústria cultural. Walter Benjamin (1987), em sua polêmica com Adorno, analisava o risco, na modernidade, do declínio da narrativa e da experiência, e com ela o risco de se extinguir, como sugere Kramer (1999) que os leitores fizessem a leitura como experiência humana e cultural. cu ltural.
Benjamin reconhecia o papel das técnicas de reprodução, alterando e multiplicando as possibilidades da produção e dos produtores de textos, quer dizer, dos escritores. Essa análise evoca conceitos presentes na obra de Chartier que parecem fundamentais para a compreensão das práticas e que contribuíram para alterá-las: a importância do livro como suporte e o papel do leitor na ação da leitura. Assim, ao mesmo tempo lidamos com a ideia do livro como objeto, com a ideia de que escrevemos textos e lemos livros e com a relação entre textos, impressos, leituras e leitores, aspectos que se tornaram objeto de pesquisa e apropriação para o trabalho com os livros dentro e fora do contexto escolar. Contribuições concretas têm sido delineadas para as práticas e as políticas, a partir das investigações, análises e reflexões geradas pela obra de Chartier, de colaboradores e pesquisadores brasileiros envolvidos com esse referencial, e a partir dos debates no Brasil entre essas ideias e aportes teóricos originados de outros campos do conhecimento: a linguística discursiva; a sociologia; a antropologia; a psicologia de perspectiva sócio-histórica. Sem pretender esgotar a análise, destaco três dessas contribuições, que podem ser interessantes questões de pesquisa. A primeira se refere à disseminação práticas alternativas que visam provocar ou instituirdegrupos sistemáticos de leitura, com a presença de rodas de leitura, círculos de leitura, janelas de leitura, e iniciativas de centros culturais e outros espaços, museus, ao convidar autores, contistas, poetas, para relatar suas histórias de leitura e seu processo de construção com escritores. Considerada hoje uma prática bastante comum em seminários, colóquios, congressos, feiras literárias, essas atividades têm a dupla função de socializar os processos de constituição das his
tórias e de catalisar a organização de grupos de leitores em torno da narrativa de suas trajetórias. Correndo o risco de uma interpretação equivocada, gostaria de sugerir que a generalização de atividades que favorecem que se jam compar compartilhad tilhadas as histór histórias ias e maneir maneiras as de ler e escre escrever ver encontrou entre nós, no Brasil, um território comum de interlocutores (BAKHTIN, 1988), porque já tínhamos a experiência, a partir da pedagogia e do movimento Paulo Freire (1978), dos círculos de cultura popular, ação básica na década de 1960 em processos de alfabetização e educação popular de jovens e adultos. Por outro lado, cabe destacar o interesse crescente por trajetórias de leitura de escritores, poetas, artistas, intelectuais, através do resgate de obras clássicas – Drummond, Graciliano Ramos, Mário de Andrade e o próprio Paulo Freire, entre outros – e de novas produções que registram trajetórias (GARCIA & DAUSTER, 2000). A presença de escritores em escolas e outros espaços culturais, com depoimentos e contando seus próprios livros, se intensificou também. A segunda contribuição que decorre do entendimento das relações dinâmicas entre textos, impressos, leituras e leitores é a valorização dos livros pelas políticas públicas nos últimos dez anos. De um lado, é visível a apropriação em documentos legais análisesàeparticipação propostas deativa práticas de leitura e escrita, do de incentivo dos leitores e ao trabalho pedagógico com diferentes gêneros discursivos, colocando em evidência a necessária presença dos livros literários. Essa perspectiva da leitura/escrita está presente nos parâmetros curriculares de ensino de língua portuguesa, nas diretrizes curriculares nacionais, em propostas pedagógicas estaduais e municipais e em projetos pedagógicos de escolas públicas, privadas ou ONGs. No âmbito das políticas públicas têm sido implementados
programas de distribuição de livros4, quer para crianças e jovens, quer para escolas, gerando intensa polêmica em torno da ideia de como fazer os livros circular e chegar às mãos das crianças e como aumentar seu impacto junto às famílias. Não obstante divergências, a importância da presença dos livros é indiscutível, e houve uma alteração significativa no cenário das escolas no que se refere ref ere aos livros literários. Entendendo-se que devem ser distribuídos para as crianças e os jovens, ou priorizando-se que sejam destinados a bibliotecas públicas e/ou bibliotecas escolares, o fato é que ninguém questiona a necessidade da presença dos livros nas práticas de leitura e escrita. Essa talvez seja uma das mais importantes contribuições da história cultural, ao lado de outras áreas, abordagens teóricas e autores. Poderíamos pensar se este é um indício de um conceito que se tornou hegemônico. Contudo, observamos o retorno recente desse debate, com certas políticas públicas, núcleos de pesquisadores e gestores na defesa de métodos fônicos ou fonéticos, cartilhas e livros didáticos no ensino da leitura/escrita. Trata-se de um embate, embate , de uma arena de luta simbólica, por hegemonia conceitual, mas com óbvias implicações materiais, diante do imenso volume de recursos financeiros que programas de distribuição de livros literários e/ou didáticos movimentam no Brasil. Colocando os livros no centro da cena, esse confronto entre a ideologia do cotidiano e os sistemas ideológicos (BAKHTIN, 1988), tal circularidade de conceitos, práticas e orientações (GINZBURG, 1995) mantêm-se como espaço aberto à pesquisa e à intervenção educacional. Centenas de livros literários são distribuídos para as escolas, mas creches e escolas de educação infantil são 4
Programas de distribuiç distribuição ão de livros: PNBE/Plano Nacional de Biblioteca Escolar e PNLD/ Plano Nacional de Livro Didático.
excluídas de programas federais de distribuição de livros literários (de literatura infantil), embora sejam incluídos em alguns projetos municipais. Por outro lado, os professores são sistematicamente excluídos como destinatários de programas de distribuição de livros; assim fazendo, as políticas públicas desperdiçam os mais importantes agentes da mediação da leitura em países como o nosso, de desigualdade social, historicamente construída, na distribuição de bens materiais e simbólicos. Aqui, a democratização com expansão e a melhoria da qualidade das bibliotecas escolares é projeto ainda por vir. A terceira contribuição – da ideia do livro como suporte, do papel do leitor, do livro como objeto, da consciência de que escrevemos textos e lemos livros – se refere à instância da produção editorial, com impacto na legibilidade e na maneira de ler. Como analisa Chartier, os textos se tornam objetos escritos, manuscritos, gravados, impressos, informatizados (1994, p. 17). Observamos no Brasil a ampliação das possibilidades de acesso a criações contemporâneas e aos clássicos nas práticas escolares que se apresentam (ou se oferecem) a novas leituras, à outra recepção. Há uma visível mudança na fabricação concreta dos livros. Inúmeras obras clássicas vêm sendo reeditadas, beneficiando-se dos avanços tecnológicos.
Leitura e escrita como formação – desafios e possibilidades para a escola A familiaridade com a escrita não é igual para todos. Chartier, 1991, p. 117.
Nos últimos anos, os livros passaram a estar presentes na escola pública de muitos mu itos municípios em todo o país.
Mas em muitas escolas, os livros permanecem guardados, sem que haja, da parte dos professores, iniciação e/ou inserção das crianças na leitura e na escrita como práticas culturais com livros. Questões de natureza econômica, social e cultural, em especial uma história de desigualdade social e exclusão, geram nos professores desconhecimento da língua, afastamento dos livros, desgosto de ler no lugar do gosto. Excluídos do universo cultural da leitura literária, os professores têm uma leitura incerta (BATISTA, 1997) e não aprendem a desencadear práticas de leitura, de escrita, de apropriação dos livros com os alunos. A necessidade de pesquisar nas histórias dos professores suas práticas de leitura e escrita encontrou na obra de Chartier interessante perspectiva de estudo e contribuição. Entre nós, pesquisas sobre histórias de leitura e escrita de professores têm sido desenvolvidas desde os anos 1990, para conhecer a formação desses que deveriam atuar atu ar como mediadores da leitura e da escrita5. Entre limitações e liberdade, entre a falta e o excesso (Chartier, 1999), fomos nos apropriando das contribuições de Chartier e nos influenciando por essa dimensão histórica do estudo das práticas, ao lado de outros aportes teóricos6, sempre no sentido de conhecer as interações dos professores com a cultura escrita . Várias pesquisas7 destacam o papel da leitura e da escrita na sistematização do pensamento, na organização da conduta, na experiência cultural, ou seja, na formação dos professores. Mostram que muitos professores não se 5 6 7
Batista (1997); Abreu (1995, 1999); Marinho e Silva (1998); Batista e Galvão (1999); Bueno, Catani e Sousa, (2000); Kramer, (1993, 1995, 1996); entre muitos outros. Bosi (1993); Ferrarotti (1982); Goodson (1992); Nóvoa (1991, 1992); Anne Marie Chartier (1995, 1996, 1999). Kramer (1993); Kramer e Jobim e Souza (1996); Kramer e Oswald (2001).
tornaram leitores, não aprenderam a usufruir os textos, não escrevem, deixaram de ler ou de gostar de ler e têm medo de escrever. Concluem que as estratégias de formação precisam incluir alunos e professores e criar condições concretas de leitura literária e de escrita, com as crianças, com os adultos. Dentre as condições, a mais importante é a criação e manutenção de bibliotecas públicas tanto na escola quanto em outros espaços culturais. Exiguidade e precariedade de bibliotecas públicas são – ao lado da formação – nossos maiores problemas. As pesquisas indicam ainda que, na formação, as práticas de leitura e escrita precisam ter uma dimensão de experiência (KRAMER, 1999), favorecendo que se leve algo da leitura para além de seu tempo de realização, o que exige práticas em que se fale dos livros, se compartilhem sentimentos e reflexões, se plante no ouvinte a narrativa, se criem contextos onde a leitura é partilhada e tanto quem lê quanto quem propiciou a leitura ao escrever aprenda e seja desafiado. Aqui, a leitura literária tem importante papel formador. Do mesmo modo, levar algo da escrita para além do seu tempo é compreender a escrita como experiência que se concretiza em situações em que assume caráter de narrativa da história. Escrever significa (re)escrever os textos e a história, interferir no processo, deixar-se marcar pelos traços do vivido escrita, inscrevendo ser leitor de textos escritos e da história pessoale edacoletiva, nela novos sentidos. Práticas de escrita como experiência constituem ações em que o vivido vai além do finito, contando-se no texto: quem escreve e quem lê enraízam-se numa corrente, constituindo-se com ela, aprendendo com o ato de escrever e com a escrita do outro, formando-se. No contexto contraditório do Brasil de hoje, com a volta da difusã di fusãoo de métodos método s de ensino ensin o restritivos, restrit ivos, mecanim ecanicistas, que defendem a utilização de cartilhas, livros didá
ticos e materiais instrucionais, cabe reiterar a importância da formação cultural de professores e o papel formador da leitura e da escrita, com livros literários e práticas de leitura e escrita onde a língua esteja presente na sua dimensão viva, como é a literatur lite ratura, a, favorec fa vorecendo endo a inserção inse rção de d e criancri anças, jovens e adultos nessas nessa s práticas. É nosso compromisso social, político e profissional a formação como direito a práticas de leitura e escrita que se configurem como experiência. Retomar e aprofundar os estudos de Chartier pode nos ajudar nessa tarefa.
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A fabricação de livros liv ros infantojuvenis infantojuvenis 1e os usos escolares: o olhar de editores Tania Dauster 2
O presente trabalho, uma contribuição para a história cultural da formação do leitor na cidade do Rio de Janeiro, emerge da pesquisa do interinstitucional de Linguagens e Formação Leitor ,3 na qualReordenação se destaca o conceito antropológico de cultura, buscando-se entender valores, valor es, signi significado ficadoss e conce concepções pções que orient orientam am as práticas editoriais, nas relações estabelecidas com o sistema escolar. A análise e a interpretação dos elementos da pesquisa tiveram como base entrevistas com oito editores de literatura infantojuvenil, no Rio de Janeiro, e material jornalístico do Jornal do Brasil e da Folha de São Paulo (1997 a 1999). 1
Texto publicado na revista Leitura: Teoria Teoria & Prática, Associação de Leitura do Brasil. Campinas, SP, nº 36, Ano 19, dezembro de 2000, p. 3-10.
2
Professora e Pesqui Professora Pesquisadora sadora do Departament Departamentoo de Educação da PUC-Rio; ex-Coordenadora da UNESCO/RJ; Douto Doutora ra em Antro Antropologia pologia Social pela UFHJ UFHJ..
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Realizada pela PUC-Rio e UFRJ, apoiada pelo CNPq e coordenada por Tania Dauster (Departamento de Educação, PUC-Rio) e por Pedro Benjamim Garcia (Faculdade de Educação, UFRJ), esta pesquisa envolveu alunos de Mestrado, Doutorado e Iniciação Científica, entre os quais Rosa Helena Mendonça, Patrícia Rosa e Maria Muanis.
Trabalhamos com a hipótese de que o editor integra as relações que tecem as redes nas quais o leitor se forma, configurando um pacto social com escritores, professores, escolas e seu público. Na linha de Roger Chartier (1990), operamos com representações e práticas, enfatizando o relacionamento entre os discursos e a posição de quem os profere, considerando-se os esquemas geradores de cada grupo como instituições sociais. Esse autor defende um retorno a Durkheim e Mauss, no sentido de incorporar categorias mentais e representações coletivas às demarcações da organização social. Trazendo as concepções teóricas de Chartier para a função editorial, acreditamos que esta influencie a leitura como produtora de significado, na medida em que o sentido dado pelo leitor é marcado pelo suporte do texto, e que o livro é caracterizado por sua diagramação, edição, ilustração e composição de capa. Esses elementos supõem dispositivos culturais, visão de mercado e de um público a ser conquistado. Bourdieu (1996), investigando o mercado de bens simbólicos na França, caracteriza as diferentes editoras de acordo com a dominância relativa em investimentos arriscados (de longo prazo) e seguros (de curto prazo). A função editorial não só interfere no objeto livro e nos critérios de seleção do autor, mas também na oferta de títulos, em função da tensão entre as duas lógicas ordenadoras das práticas editoriais: curto prazo e lucro imediato e longo prazo e qualidade literária. Vale notar que essas lógicas, não necessariamente excludentes, existem também no contexto brasileiro (SORÁ, 1997). No campo da produção carioca do livro infanto-juvenil, as estratégias de que falam Chartier (1996) e Bourdieu (id.) estão igualmente presentes e refletem-se
nas relações com o mundo escolar, sendo imprescindíveis para o entendimento da formação do leitor. Integram-nas, Integram-nas , também, a escolha de textos novos e de domínio público, de autores consagrados ou não; a tradução de livros estrangeiros e a construção de catálogos. Estes são vistos como a face da editora, reveladores de sua identidade e produto das mediações com mercado, escolas, governo e família. A partir das redes relacionais, surge a função do “divulgador”, profissional contratado pelas editoras para divulgar seus livros junto à rede escolar. Os editores veem seu ofício of ício como comércio e agente de formação de novas gerações de leitores. Há dois mercados: o de professores que, em suas escolas, praticam a adoção obrigatória de livros4 e utilizam as polêmicas fichas de leitura, garantindo um escoamento seguro dos livros infantojuvenis; e oacervo referente ao governo e sua visão dondo li vro, e m termos em termo s de ac ervo e importâ importância ncia cultural cu ltural. . Segundo Segu depoimentos de editores,5 as vendas em livrarias são comercialmente pouco significativas. O universo do livro, meio de comunicação dos mais antigos, ao lado de seu impacto cultural e educativo, comporta também interesses industriais e econômicos. A associação desses fatores cria um sistema complexo, com parâmetros aparentemente incompatíveis. Portanto, a investigação do mundo da editoração e da leitura requer a compreensão das relações internas entre os diferentes elementos que compõem a “cadeia do livro”, assim listados pela UNESCO: criação literária, função do editor, impressão, distribuição, práticas leitoras e reconstrução do significado. 4 5
É a seleçã seleçãoo de livros de literatura na escola. Tal Tal prática tem sido muito criticada e talvez caia em desuso. desuso. Colhidos em entrevistas realizadas por doutorandos, mestrandos e graduandos, integrantes da equipe da pesquisa, trabalhando aos pares.
No enfoque teórico aqui adotado, o conceito de cultura, contribuição relevante da Antropologia, foge ao senso comum e a uma visão exclusivamente erudita. Buscamos entender as diferenças sociais e os modos distintos de construção da realidade (VELHO, 1978), assim como o caráter relacional e dinâmico das diferentes esferas sociais. O objetivo foi compreender as redes de significado a partir dos pontos de vista do “outro”, operando com a lógica e não apenas com a sistematização de suas categorias e conceitos. O caminho adotado apoia-se na pesq pesquisauisa-diálogo de Velho (1986). Para as entrevistas desta pesquisa, pesqu isa, adotamos o ponto de vista de Queiroz (1998): elas são, por excelência, situações dialógicas e técnicas de coleta de dados. Na perspecti va da busca de padrões pad rões sociais, soci ais, elas ela s representam represe ntam tentativa tent ativass de compreensão do social nos indivíduos. De certo modo, fazemos parte do universo dos entrevistados, compartilhamos suas experiências, tensões, expectativas e ansiedades e, algumas vezes, até gostos, valores e concepções. No que tange a livros e leituras, os autores que habitam nosso imaginário e o dos entrevistados são quase sempre os mesmos. Portanto, trata-se de uma troca entre sujeitos culturalmente próximos, na qual as fronteiras entrevistador/entrevistado se diluem. Estabelece-se, portanto, uma situação dialógica entre indivíduos socialmente próximos. Sabendo que o pesquisador é parte do problema que ele vai investigar, tentamos compreender nossas idiossincrasias e pré-c pré-concei onceitos. tos. Situar o problema na especificidade do social significa desnaturalizar os fenômenos, ou seja, mostrar que fatores como atitudes, comportamentos, comportame ntos, gostos, formação como leitor, relação com livros e leitura são fenômenos socialmente construídos e nada têm de naturais, pois pertencem ao campo da cultura e das relações
sociais. Trabalhando em contextos simbólicos e comunicacionais, estivemos atentos às relações sujeito/sujeito e sujeito/objeto, buscando significados, sistemas simbólicos e de classificação, em uma postura antropológica que pressupõe a quebra da visão dissimuladora da homogeneidade e dos estereótipos. Ao tentar ultrapassar esses estereótipos, percebemos uma visão elitista da leitura e da literatura, que obstrui a vitalidade vital idade,, o intere interesse sse em torno de leito leitores res e de diver diversas sas práticas de leitura. Para Paulo Rangel,6 “há uma relação entre o que as pessoas leem e o nicho do editor”, o que justifica justi fica o amplo leque e a diver diversidad sidadee de gosto gostoss e ofertas no universo das publicações. Daí inferirmos que as práticas leitoras e o ofício da literatura podem ser exercidos de várias formas, o que nos conduz a uma visão mais complexa e multifacetada dos fenômenos de criação, editoração, práticas de leitura e dos leitores em geral. Mas isso não nos permite ignorar a importância e a qualidade diferencial da literatura escrita pelos grandes autores, seu significado formativo e seus efeitos subjetivos.
A presença do livro e seus paradoxos Podemos dizer que a presença do livro é marcante na cena brasileira, principalmente nas grandes capitais. 7 Diz-se que cada vez se lê menos, visto o poder das imagens de TV e vídeo. Contudo, nunca se publicou tanto quanto hoje. Mesmo considerando-se as crises econômicas do país, há um grande mercado editorial, com vendas expressivas, frequentes feiras de livros, noites de autógrafos, autógra fos, rede de bibliotecas e grupos de contadores de histórias, valo6 7
formação ação do leit leitor or - lim limite itess Em entrevista realizada em 1996, para a pesquisa A form e possibilidades da escola, coordenada por Tania Dauster e Pedro B. Garcia. A esse respeito, consultar Paulo Condini, Afin Afinal al a formação formação do leitor? leitor?
rizando, assim, a aproximação do leitor com os livros. A Editora Record, por exemplo, publica uma média de 20 li vros por mês, m ês, 14 dos d os quais q uais tradu traduzidos zidos (DAU (DAUSTER, STER, 1998). Vale lembrar que nossa Bienal do Livro é a terceira maior do mundo e que, em 1999, com a presença de autores e especialistas e com a homenagem à literatura portuguesa, revestiu-se de novo brilho, atraindo imenso público. Todavia, segundo Barbara Freitag (1998), ao tratarmos do movimento editorial, focalizamos os incluídos no sistema, os letrados, pois a desigualdade cultural e a in justa distr distribuiç ibuição ão dos bens simbó simbólicos licos (entr (entree os quais o livro) caminham paralelamente às diferenças econômico-sociais, embora não possam ser a estas reduzidas. Mais do que difusão diferencial da leitura, o que ocorre é a desigualdade de acesso ao livro, transformando-se, assim, ass im, a diferença em desigualdade. Para um expressivo contingente de leitores (pequeno em relação à população geral) e um grande movimento editorial, temos milhões de excluídos, o que nos faz insistir, com Freitag, na relevância política e cultural de transformar o excluído em incluído. Assim, longe de tranquilizador, o quadro editorial brasileiro re vela para paradoxos doxos : - a exclusão da população, em termos amplos - a posse do livro e a competência na leitura silenciosa (cuja familiaridade produz “significado e interpretação” - CHARTIER, 1990) são bens escassos; ao mesmo tempo, há um acesso diferenciado ao uso e posse do computador; - risco de o computador ameaçar a leitura - até agora, este equipamento não representa a “morte” do livro, da leitura ou da escrita, mas apenas um outro suporte para textos, o que não abala a vitalidade do mercado editorial;
reduzido percentual de leitores literários o número é pequeno, comparativamente à população total; - bibliotecas públicas escassas e concentradas em áreas privileg priv ilegiadas iadas das cida cidades des8 - acresce que o acervo das bibliotecas existentes não é atualizado com frequência nem ampliado com obras de literatura literatu ra ficcional e de referência; - a escola como “vacina” contra a leitura - o espaço escolar, fundamental na formação do leitor (sobretudo de setores populares), muitas vezes desmotiva o aluno para a leitura. Isso talvez se deva ao despreparo de parcela expressiva do professorado, à obrigatoriedade da adoção de determinado livro e ao uso das fichas de leitura (por alguns consideradas um mal necessário, dada a precariedade da formação do corpo docente). Trata-se de questão particularmente delicada, por váriass razõe vária razões. s. A julga julgarr pela postu postura ra de Bour Bourdieu dieu (1996, p. 169), é o sistema escolar que opera “a distinção entre as obras consagradas e as ilegítimas e, ao mesmo tempo, entre a maneira legítima e a ilegítima de abordar as obras legítimas”. No mesmo passo, produz os “consumidores apropriados”. Aparentemente então, ao vacinar “contra” a leitura, a escola está desconstruindo sua própria missão e subvertendo seu valor como espaço de formação, invertendo o seu poder consagrado de estabelecer “valor de distinção”. Examinando as pesquisas quantitativas sobre leitura, temos um panorama desalentador: os brasileiros leem 8
Vale registrar que a Secretar Secretaria ia Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, em sua política de leitura, sob a direção da Profa. Helena Severo, vem implantando bibliotecas em áreas de favelas.
pouco e não costumam frequentar bibliotecas. O hábito de ler não se atém apenas a problemas econômicos e sim assume uma significação sociocultural mais ampla. Tais pesquisas analisam, prioritariamente, as relações entre leitores e livros de literatura, havendo poucas sobre jornais e revistas. Sem negar a relevância desse enfoque, enfatizamos o entendimento das práticas de leitura em termos de gestos, gostos, suportes, acesso e distribuição. Estranhamos, ainda, o quase silêncio da imprensa sobre a publicação e venda de livros infantojuvenis, o que sugere ser este um gênero considerado menor. Nesse amplo panorama, a escola é um u m mercado consumidor fixo (associado à leitura obrigatória) e sazonal (envolvendo aquisição no início das aulas). Já em períodos de festas, como o Natal, o livro-presente tem boa saída. Vendido em livrarias, tem apresentação gráfica mais elaborada que os direcionados às escolas. A compra de livros pode ter caráter quase ritualístico,9 obedecendo a um ritmo previsível. Estes momentos sociais simbolizam estações de cultura do livro. No caso da escola, trata-se de ritual que referencia o valor do livro e da leitura no interior de seu sistema: o livro é símbolo, emblema diferenciador entre letrados e não-letrados. A partir das práticas escolares, são construídos atos, relações e linguagem de gestos vis-à-vis o livro, que se transmitem de forma naturalizada.
9
Tomamos o ritual como ação simbólica, mundana ou religiosa, envolvendo gestos, ritmos e significados, podendo podend o demarcar mudanças de status e lugar. Recentemente, o ritual vem sendo visto como processo produtor de qualidade, a próp própria ria essência do social, colocando em relação fatos do cotidiano e dando-lhes sentido extraordiná extraordinário. rio.
O ofício de editor de livros infanto juvenis Pergunta-se: por que ouvir editores, tendo em vista o tema da formação do leitor? Nosso ponto de partida está na distinção entre texto e livro, defendida por Chartier (1990, p. 127). Escrever e fabricar livro são trabalhos distintos. Autores escrevem textos e nãoe livros, que são objetos manufaturados por especialistas máquinas. O leitor, que constrói o sentido, depende de dispositivos internos à produção do texto – relativos a estratégias da d a escrita – e de dispositivos externos, referentes a decisões editoriais. Daí que, para o historiador, o processo de construção de sentido e, portanto, o ato de ler emergem das relações do leitor com “o texto, o objeto que lhe serve de suporte e a prática que dele se apodera” (id.). Essesdecisões argumentos nos levaram diálogo de com editores, cujas são influentes na ao formação leitores. Eram eles quatro homens e quatro mulheres,10 com formação em áreas variadas: Sociologia, Educação, Desenho Industrial, Publicidade. Dois dos editores são herdeiros e proprietários, o que lhes dá maior autonomia de decisão, permitindo-lhes trabalhar exclusivamente com literatura infantojuvenil. Aliás, nota-se no quadro geral das editoras a tendência a linhagens familiares. Nosecaso da produção -juvenil, essa cultura familista famil ista abranda, devido, infantotalvez, a uma menor valorização desse tipo de literatura. Sem Se m aprofundar o tema, nossa hipótese é que, nas empresas familiares, circulam valores ligados ao sistema siste ma de relações mais conservador e hierárquico. 10 Resolvemos evitar a identifica identificação ção desses editores, com o intuito de proteger seu anonimato, em um universo social muito restrito, sob o ponto de vista numérico, mas significativo, em termos culturais.
No universo estudado, os proprietários de editoras
em geral trabalham com literatura para adultos, enquanto os editores da linha infantojuvenil são funcionários contratados, que conhecem bem o mercado, mas têm pouca autonomia de decisão. Além disso, há grande rotatividade de profissionais por diferentes editoras (“o ramo editorial é um jogo 11 de cadeiras”, nas palavras de um desses editores contratados). Para Bourdieu (1999), “o editor tem o poder extraordinário de assegurar a publicação”. Em outras palavras, é através de suas mãos que texto e autor vêm a público, saindo do anonimato. Acresce que, por meio do reconhecimento público de texto e autoria, pode-se chegar à lógica da consagração e da transferência do capital simbólico. O editor, seja de proprietário, herdeiro de uma tradição familiar ou contratado, tem múltiplas funções – seleciona textos, neles interfere, negocia com autores, diagramadores, ilustradores, publica – tudo com o objetivo de conquistar leitores. R. Chartier (1996) capta o significado do ofício do editor, quando postula que não há texto fora de um suporte e que o livro é um objeto, resultado de dispositivos culturais e econômicos, do tino comercial dos profissionais envolvidos e de sua apreciação. No entanto, ao analisar a perspectiva francesa, Bourdieu (1996) diz que essa apreciação não é, a princípio, fator determinante, já que para a sobrevivência da própria empresa o editor precisa ter uma visão de mercado. Esse dilema reproduz-se no Brasil,12 na opinião de um dos editores entrevistados: 11 A noção de jogo traduz um sistema de regras com ganhos, perdas, perdas, riscos, mecanismos e atitudes que compõem as práticas específicas desses profissionais. 12 Um exemplo disso foi a figura de Ênio da Silveira, que ocupa um lugar carismático no imaginário dos editores, como símbolo de qualidade intelectual e empresarial.
“não se trata de gosto pessoal, e sim de encaminhar deci-
sões, tendo em vista um mercado potencial”. O editor confronta-se com duas problemáticas: editar a obra com qualidade e comercializar os livros. Quanto à seleção de originais, ele desenvolve métodos peculiares: no caso dos livros para adultos, lê boa parte do texto. Já os infantis, menores, são lidos na íntegra. Em editoras com perfil familiar, a seleção é feita pela diretoria. Quanto à escolha entre a publicação de autores no vos ou consa consagrados grados,, há uma filtrag filtragem em inicia inicial,l, feita nas próprias editoras e/ou por consultores externos. Os novos escritores podem ser indicados por profissionais conhecidos ou chegar espontaneamente à editora. Em geral, o espaço para o autor novo, que jamais tenha publicado, é relativamente menor. Outro aspecto que interfere na escolha dos títulos pelos editores é sua visão da influência influ ência do vestibula vesti bularr sobre sobr e as prátic práticas as escolare es colares, s, o que q ue leva le va a atitud a titudes es mais conservadoras. Para Bourdieu (1999), o processo de seleção distingue o publ publicáv icável el do não-p não-publi ublicável cável,, a partir das relações entre instâncias como comitês de leitura, organizadores de coletâneas, etc. Cada editora ocupa posições no campo editorial, a partir de recursos materiais e simbólicos e do poder relativo deles decorrente, que vão marcar uma escolha mais comercial ou mais literária. No Brasil, vale comentar que nem sempre essa contradição se apresenta empiricamente. Lembro os casos de best-sellers de grande valor literá literário. rio. De forma análo análoga, ga, essas lógica lógicass tornam tornam-se -se complementares, quando um sucesso meramente comercial permite a publicação de uma obra para um público restrito. Ainda na visão de Bourdieu (id.), vale também relativizar a espontaneidade dos textos que chegam às edito
conf orme uma certa ras, pois autores inéditos as escolhem conforme
visão de mercado. merca do. É bom relem relembrar, brar, como influencia influ enciadores dores das decisões de publicação no campo editorial aqui estudado, os dois mercados existentes no Brasil: o dos professores em exercício e o do governo. Até aqui, tentamos apresentar as facetas que nos parecem importantes sobre os constrangimentos sofridos pela empresa editorial a partir das relações por vezes tensas entre os polos comercial e literário, que vão construir a identidade da editora no mercado de bens simbólicos.
Um mercado garantido: a escola A relação entre editoras e escolas é tanto um produto sociocultural decorrente da visão sobre a criança e o jovem jovem, , quant quanto o fruto de expectativ expe ctativas as e neces necessidad es educacionais percebidas como significativas pelosidades sistema escolar. Por outro lado, a construção dos catálogos – percebidos como capital simbólico, segundo a fórmula “um editor é seu catálogo” (BOURDIEU, 1996, p.194) – desvela as relações de valor entre editor e escritores, assim como torna visíveis as concepções dominantes sobre a cultura infantojuvenil urbana. No caso específico da literatura infantojuvenil, “o que a gente catálogo juvenil aquilo entreque o colégio quer coloca ler”, nasnum palavras de uma das éeditoras vistadas. vista das. Mesmo Me smo que se trate t rate de uma um a generalizaçã genera lização, o, perceperce bemos que as escolas constituem um importante fator no processo decisório das editoras. A este, somam-se outros dispositivos mercadológicos que se impõem às atividades editoriais. Mesmo que os livros com os quais os leitores muito se identificam fujam ao destino escolar, a produção de literatura infantojuvenil parece ser direcionada a essa instituição.
As faces da literatura infantojuvenil
O que faz um livro ser classificado como infantil? Suas características mais evidentes passam pelo projeto gráfico, imagens e texto. As marcas da editoração são tão visíveis visív eis quant q uantoo a lingua li nguagem gem e as estraté e stratégias gias autor autorais. ais. EmCom relação ao livroelejuvenil, as dificuldades são maiores. frequência, se caracteriza por temas que “expõem um mundo-cão” (ainda nas palavras de nossa entrevistada), pois focalizam assuntos como droga e incesto de forma didática, repressora ou atemorizante. Fica subentendido que “o jovem tenha sempre que ser ensinado”, acrescenta a mesma entrevistada. Nossa literatura infantojuvenil conta com renomados autores que se distanciam de fórmulas didáticas, havendo no mercado muitos livros importados, come humorística. temas considerados fortes, porém com abordagem leve Uma outra faceta desse mercado são os textos sob encomenda, mais uma resposta das editoras à demanda do público. Indagado sobre essa prática, responde um dos editores entrevistados: Isso é uma demanda de mercado da qual não podemos fugir. Se formos esperar um autor trazer um título sobre um tema atual, ficaremos sem texto para trabalhar. Preciso saber, por exemplo, o tema da Campanha da Fraternidade com antecedência, para ter algo para o catálogo. Uma encomenda ao autor gera uma situação delicada, é como se estivéssemos pisando em ovos. Você tem que encomendar, mas o texto normalmente não fica bom, tem que sofrer muitas aparas, e a gente ainda não sabe trabalhar com isso. Por outro lado, você pode encomendar e receber um texto que é uma beleza, que vai fluir e vender bem. Isso é uma coisa muito recente. A gente não tem como fugir, tem que estar com a cara no mercado. Agora, os autores estão antenados com a modernidade.
A gente tem que abordar um tema que vende, como fol-
clore, família, religião, natureza – você vai ter sempre um professor trabalhando algum desses temas. Já a questão do meio ambiente, acho que é mal trabalhada, e eu a vejo como um problemão. Não é algo que vá ter solução, para o qual a tecnologia traga alguma resposta. Acho que a poluição vai asfixiar, cada vez mais, o planeta. E os órgãos ONGs, a educação fazem muito poucogovernamentais, para melhorar aassituação.
Considerando o conteúdo dos depoimentos, acreditamos que os editores, no mercado carioca, são confrontados com duas lógicas não-excludentes: editar para a escola e editar para o leitor. Entretanto, a relação dominante com a escola é fator de constrangimento na seleção de textos. Quanto mais agressiva a atuação da editora em relação ao mercado escolar, mais reduzidas são suas opções. Segundo Bourdieu (1996), um empreendimento está mais próximo do polo comercial se os produtos que oferece no mercado correspondem mais diretamente à demanda, em formas preestabelecidas, como no caso das escolas. Esse autor vê, em parte das relações editoriais com o mercado escolar, “um empreendimento com ciclo de produção curto”. Tal estratégia tem como efeito riscos comerciais menores, por partir de demandas detectadas e acionar dispositivos de comercialização e de divulgação. O mesmo pode ser dito sobre os textos encomendados. Por outro lado, o comportamento editorial menos direcionado à escola pode favorecer escritores consagrados. Tal investimento é classificado por Bourdieu (id.) como “ci“ ciclo de produção longo”, ao qual é inerente o risco comercial, ou pelo menos o não-retorno imediato do lucro. De forma sintética, trabalham os parâmetros do mercado infantojuvenil. Vamos agora examinar outros constrangimentos sofridos pelas editoras em sua relação
com o sistema escolar quando orientam práticas leitoras
infantojuvenis e, também, os impasses didático-pedagógicos encontrados pela editoração e publicação de livros para crianças e jovens. Entre a conquista e a perda de leitores
Juntos, editores e escola construíram um sistema classificatório de fases escolares relacionadas ao desen volvimento volvi mento do leitor leitor,, suas s uas aptid aptidões, ões, gosto gostoss e neces necessidad sidades es pedagógicas. Assim, a atividade editorial preenche a demanda do mercado, por exemplo, ao elaborar seu catálogo com títulos direcionados a alunos de 5ª a 8ª séries ou ao contribuir, por meio de exercícios didáticos, para um trabalho de oralidade com alunos a partir da 1ª série, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, mais um elemento com o qual o editor tem que lidar. Essa realidade revela facetas inesperadas do uso da literatura infantojuvenil. Por isso, os livros assim classificados podem ser incluídos na categoria dos paradidáticos pelo mundo escolar, de acordo com os usos que lhe serão dados, facilitando esclarecimentos sobre diferentes assuntos. Nessa linha, há editores que apresentam um sistema classificatório para atender ao público não-adulto, obedecendo às categorias e paradidática. Nesta última – literárias que podeinfantil, abordarjuvenil desde nascimento de bebês até literatura ficcional – são incluídos guias para o professor. Também com base nas preferências, valores culturais e pedagógicos dos professores, as editoras se organizam por autores nacionais (e não por traduzidos). Para R. Chartier (1990, p. 17), As percepções do social não são, de forma alguma, discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais,
políticas ) que tendem a impor uma autoridade escolares, políticas)
à custa de outros [discursos], por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, suas escolhas e condutas.
A adoção obrigatória de livros pela escola (pública ou particular) induz a mecanismos de produção mais restritos, em termos, por exemplo, de papel e número de cores, para viabilizar a venda nas escolas. Ressalte-se que o mercado de livros infantojuvenis atende, preferencialmente, a alunos da escola particular, dado o menor poder aquisitivo da clientela da escola pública. Essa Ess a situação, entretanto, é minorada por verbas governamentais para a Educação e por algumas empresas, também compradoras potenciais (como a Petrobras e seu programa Leia Brasil). O catálogo, além de integrar a identidade editorial, pode ser usado por professores a partir de resenhas apresentadas, como um guia para estabelecer critérios de seleção e escolha temática na sala de aula. Esse catálogo é mais uma tentativa das editoras de dar um sentido às práticas de leitura na escola e apoiar, pedagogicamente, os professores (principalmente os vistos como carentes de formação em termos de leitura). Chartier (1999, p. 127) aborda dois dispositivos que traduzem decisões editoriais e técnicas: um relativo às estratégias textuais e outro à passagem do textosempre à obracom impressa. Tais decisões, embora não coincidam as intenções do autor, visam a leitores e leituras. Para esse autor (id., ib.), o sentido se constrói a partir de relações entre três polos: o texto; o objeto (livro ou impresso que dá suporte a tal texto); e as práticas de leitura (com suas formas de apropriação). Portanto, de um lado há constrangimentos e operações de imposição de sentido que marcam a atividade editorial em suas relações com o leitor; de outro, as apropriações feitas pelo leitor.
Ainda com Chartier (ib.), vemos os processos de
interpretação, construção de sentido e leitura como produções culturais e históricas, realizadas pelo leitor, com competências particulares, disposições próprias e posições sociais específicas.
A imposição do sentido Nossa análise aborda o livro infantojuvenil como objeto manufaturado (distinto do texto que lhe dá origem) e descreve de que forma o editor ordena as regras de imposição do sentido, prescrevendo usos e possíveis interpretações. Por outro lado, vemos a leitura com uma dimensão de liberdade, que se opõe a essas atividades de ordenamento. Abordaremos, agora, as fichas de leitura, razão de muita polêmica entre escritores, professores e editores, instrumento que pode cercear o gosto e o prazer de ler. Já que a leitura é a produção de significado e gestos, podemos avaliar os efeitos dessas fichas, hoje incorporadas ao livro ou nele encartadas. Sobre esse tema, duas das editoras entrevistadas manifestam opiniões divergentes: A ficha é fundamental, e lamento que haja livros l ivros sem ela. Ao ler a ficha, o professor tem um ponto de partida para trabalhar o livro. Com uma carga horária muito intensa, ele às vezes não conhece bem determinado livro. Então a ficha é fundamental para trabalhá-lo. Agora, o principal, o que mais atrapalha o desenvolvimento do professor é a falta de tempo, pois ele vive correndo de uma escola para outra. Então, você não pode po de exigir que ele olhe e, de cara, adote o livro e desenvolva um trabalho.
Vemos que a adoção da ficha pode causar um problema para a prática do professor, como leitor e docente: ela envolve uma indesejável imposição de significado, embora também atenda às dificuldades do professor:
Ficha de leitura? É uma questão muito controvertida.
Quando cheguei à escola, me disseram: dissera m: é preciso fazer ficha de leitura. Eu fiz, mas até agora não imprimi (risos). Escolhi uma especialista em Drummond, que me daria uma ficha de leitura muito perigosa (porque era um pouco subjetiva). Mas, com Drummond não se pode ser objetivo (quem fizer isso é maluco, não?). Por que saber sua de nascimento? Eleaté mesmo ficarrecomendacom raiva, não?data A ficha de leitura pode servir ia como ção, mas não como exigência em prova. Acontece que a editora já deixa espaço para respostas e o professor usa isso como questão de prova. Se a gente falar aqui sobre os crimes cometidos em relação à leitura, neste país... tua fita não daria, a gente precisaria de um CD e de uma boa memória... (risos). A visão da maioria das editoras é curta: elas querem conquistar o leitor aqui e agora. Com essa obrigatoriedade da leitura escolar, ela perde o leitor para o resto da vida.
Chartier (1994, p. 16) afirma que “a leitura não é somente uma operação abstrata de intelecção; ela é engajamento do corpo, inscrição num espaço, relação consigo e com os outros”. É nesse contexto de relações entre escritores, editoras, escolas e leitores que vem se formando o jovem leitor leitor.. “O gosto se forma pela opção”, declara o escritor Julio Emilio Braz.13 A formação do leitor se dá na liberdade de escolha, obrigatoriedade. O livro não é material didático e o sem professor deve “ir no caminho do interesse da criança”, segundo o também autor Luiz Antonio Aguiar.14 Liberdade, opção e prazer são valores relacionados à subjetividade do leitor, mas também devem dev em ser incorporados à dinâmica das políticas públicas sobre leitura, dentro formação do leitor leitor - limite limitess e possibilid possibilidades ades 13 Em entrevista para a pesquisa A formação da escola (1996). 14 Idem.
e fora da escola. Isso porque é preciso levar em conta a for-
mação do gosto pela leitura, enquanto enriquecimento do imaginário. Contudo, a escola tem um significativo papel na construção de espaços coletivos de discussão e debate em torno da leitura e do livro. Trata-se de um esforço intenso de elaboração, construção e negociação do sentido da própria leitura, a partir do confronto de distintos pontos de vista. Hébrard, em palestra sobre políticas públicas educacionais, na PUC-Rio (1999), apresenta como uma das vias de entrada para a cultura escrita as práticas do “aprender a falar”, que fariam da escola o espaço do “ensinar a falar”. Nesse enfoque, caberia uma reorganização das sociabilidades da leitura, buscando novas formas f ormas de falar sobre o que se lê. Em outras palavras, esse seria o trabalho da leitura. Dever-se-ia, portanto, estimular o diálogo em torno do livro e não “aprisionar” a literatura, como se ela fosse material didático. Assim, é questionável questioná vel o uso de encartes, avaliações e fichas de leitura. Em relação a essas, diz d iz Ana Maria Machado15: Já fui muito contra essa ficha (quando ela vem nos li vros), e sei que hoje ela é muito criticada. Eu preferia que ela não existisse, mas reconheço sua importância no Brasil, sobretudo no caso da professora do interior, despreparada e sem recursos. Para ela, a ficha dá um mínimo de orientação.
A escola apresenta uma dupla face na formação do leitor: a obrigatoriedade da leitura de um só livro (criando resistências à formação do gosto e do hábito de ler) e o fato de ser o único acesso a livros (para quem não os tem em casa). 15 Ibidem.
Nas relações estudadas, existe uma tendência a uma
inversão de valores, usos e significados no mundo mu ndo das práticas leitoras da infância e da juventude, desvelada quando as táticas escolares invadem as fronteiras dos universos dos escritores e editores. Neste momento, operam-se algumas inversões, tais como: o livro literário, próprio ao domínio da arte, transforma-se em livro didático; o aprimoramento da sensibilidade em exercício pedagógico fica submetido a provas e questionários; o sentido do prazer converte-se em obrigação; a escolha livre torna-se submissa à adoção obrigatória; o “leitor para o resto da vida” passa a ser um leitor de vida curta, “o leitor aqui e agora”. Nesse propósito, os entrevistados concordam que as políticas públicas têm que incentivar a leitura de livros na escola, atuando na formação de professores, viabilizanviabiliz ando acervos e favorecendo o acesso frequente a bibliotecas atualizadas. atua lizadas. Concluindo, afirmamos que este texto está longe de esgotar outras dimensões desta pesquisa. Muito haveria a refletir sobre livros, computadores, autores, prêmios, editoras, bienais e livrarias. Optamos, entretanto, por discutir os mecanismos de organização das editoras de livros infantojuvenis e a visão dos editores sobre as práticas escolae scolares. Nosso enfoque privilegiou, no âmbito escolar urbano do município do Rio de Janeiro, a interpretação e a reconstituição de algumas das complexas práticas editoriais e leitoras, entre 1997 e 1999. Para finalizar, resta uma pergunta: como fazer do espaço escolar um espaço de leitura e, ao mesmo tempo, “desescolarizar” a leitura? Eis o desafio da escola.
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No ser e juvenil no ler, desconforto: literatura 1 2 infantoe adolescente adolescente leitor leitor Núbio Núb io Delanne D elanne Ferraz Mafra3
Acompanhados por nós desde a 5ª série, não reconhecíamos mais aqueles alunos. Nos primeiros eram anos esde contato, as atividades de literatura infantojuvenil peradas com ansiedade, realizadas apaixonadamente, e os resultados eram bastante positivos. A dificuldade – se é que assim podia ser chamada – consistia na organização do caos aparente: todos queriam participar ao mesmo tempo. Série após série, progressivas modificações. Conclusão do fundamental ou médio, auge da adolescência. Corpos inconclusos se enfiando carteira abaixo, juntamente com olhares, ao nosso simples anúncio comoseus “leitura” ou “livro”. A expressão de apatiadee palavras desinte desinteresse instalando-se entre os alunos, transformando-os em ilustres desconhecidos para nós. 1 2 3
Texto publicado na revista Leitura: Teoria Teoria & Prática, Associação de Leitura do Brasil. Campinas, SP, nº 36, Ano 19, dezembro de 2000, p. 74-79. Trabalho apresentado no II Congresso Internacional de Educação, realizado na UNISINOS, em São Leopoldo (RS), de 3 a 5 de outubro de 2000. Mestrando da Faculdade de Educação da Unicamp; integrante do Grupo de Pesquisa ALLE - Alfabetização, Leitura e Escrita, Pós-FE-Unicamp.
Nesta fase da vida, o mundo de novidades que se
abre para eles ajuda a determinar esta forma de compor tamento. A chegada da adolescência talvez seja a primeira explicação que professores buscam quando constatam o fato. Mais do que a obviedade aparente, tal constatação acusa uma unilateralidade de enfoque. enfoque . O problema estaria localizado somente no aluno, cabendo à escola, do alto de suas certezas e mais nobres propósitos, ajudá-lo neste momento difícil. O máximo a se fazer seria buscar integrá-lo, habituá-lo à literatura infantojuvenil. A adolescência, essa passa com o tempo. Mas nela se evolui também a capacidade de discernimento. Suas apatias e bocejos não seriam uma forma de questionamento, ainda que desarticulado, de nossas metodologias e concepções teóricas concernentes à leitura? Impasses e desconfortos não são só privilégios de nossos adolescentes, leitores em formação. Também a literatura infantojuvenil sofre com seus conflitos conceituais e “existenciais”. Observada a partir de suas origens, pode-se destacar o seu caráter pedagógico; se analisada à luz das leis de mercado atuais de produção e distribuição, a literatura infantojuvenil adquire a face de uma literatura de massa; ao levarmos em conta ainda o transformador aspecto estético que alguns autores e obras têm propiciado, a mesma literatura pode ser vista corno literatura de iniciação. Importa-nos esmiuçar esses movimentos e essas diferentes concepções no sentido de encontrar o real espaço da literatura infantojuvenil no processo de formação de leitores. Caracterizá-la à luz dessas conceituações aparentemente díspares é assumir tal categoria ainda como um
s e debruterreno novo sobre a qual os teóricos passaram a se çar há relativamente pouco tempo.
O leitor adolescente se constrói historicamente, como parte de um processo onde se inserem literatura e escola, e é nessa construção que sua tipificação melhor emerge. As questões ligadas à literatura infantojuvenil e àpem escola não seespaço inserem simultaneamente, ainda que conocuo mesmo institucional. Isto é, os debates ceituais sobre a literatura infantojuvenil envolvem, além do espaço escolar, categorias mais abrangentes vinculadas à própria cultura nos dias de hoje. À escola, porém, não é reservado nenhum papel que secunde tais discussões. É, isto sim, o espaço real e possível de formação de leitores, mesmo que a custo de grandes contradições e descaminhos.
Desconfortos de ser literatura infantojuvenil infantojuvenil Até a década de 1970 a literatura infantojuvenil infantojuv enil possuía um caráter utilitário, oriundo de sua vocação pedagógica de formação de crianças. As lições de moral, os bons costumes, tudo era motivo inspirados e base para os textos infantojuvenis até aquela época. Tal literatura estava vinculada vincu lada mais à Pedag Pedagogia ogia do que à Arte, A rte, sendo por isso mesmo desprezada como produção cultural. Perrotti (1986) enxerga no início de 1970 o surgimento de escritores que querem ser vistos como artistas e não como moralistas ou pedagogos. É a tentativa de mudança do “discurso utilitário” para o que ele chama de “discurso estético”. Um discurso “onde a ambiguidade é a marca distintiva e fundamental, pois revela uma poética preocupada não mais com a transmissão de certezas, mas com seu questionamento, caso o leitor deseje, pois tal decisão também cabe a ele” (p.15).
A massificação da escola e da televisão a partir deste período caminha com a expansão da literatura infan-
tojuvenil. Tomassini (1994) alerta, porém, que tal expansão não significou necessariamente sua popularização. A massificação escolar não encontrou condições necessárias para que o aluno tivesse um contato mais aprofundado com a literatura. E a televisão a constituir consmuito tituir oalém principal fator de formação culturalpassou da criança, do que qualquer livro infantojuvenil pudesse imaginar. Esses dois fatores estariam impedindo, no que pese a intenção estética dos escritores surgidos a partir da década de 70, uma transformação da criança e do jovem a partir da literatura infantojuvenil, ainda que a oferta of erta de títulos tenha se ampliado significativamente. Isto porque a vivência do público infantojuvenil, com esta literatura, acabou marcada por uma convivência su perficial, sazonal e restrita re strita à obrigatoriedade obri gatoriedade imposta no âmbito escolar , ou seja, sem significação no cotidiano da população a qual se dirigia, sem poder, assim, se tornar parte integrante de seus costumes culturais (p. 23). [grifos da autora]
Concomitantemente ao interesse dos teóricos em leitura, o mercado editorial constatou esse descompasso. Numa sociedade desarticulada em que os modismos vêm enilvão ao vez sabor dasfoi conveniências, a literatura infantojuvecada mais adquirindo feições de uma mercadoria de consumo, próprio das literaturas de massa. Por volta de 80 começa a investida das editoras ligadas fundamentalmente ao livro didático. E acontecem pequenas modificações. O livro de literatura infantoju venil, além do batismo de paradidático, passa a receber o mesmo tratamento do livro didático em termos de divulgação. Os pontos de venda principais deixam de ser as livrarias, como até então, e passam a ser as escolas.
Assim, o livro, para chegar ao leitor, tem que passar pela escola e pelo professor. Como retorno, os vendedores le-
vam para as editoras as sugestões colhidas junto aos professores. Além dos editores, passam a influir na criação do texto também os professores. E, como resultado, o leitor em potencial deixa de ser, de vez, a criança, criança , para se tornar a criança-aluno” (PINSKY apud LAJOLO, 1987, p. 61-62).
“A literatura de massa (...) não tem nenhum suporte escolar ou acadêmico: seus estímulos de produção e consumo partem do jogo econômico da oferta e da procura, isto é, do próprio mercado” (SODRÉ, 1988, p. 6). A literatura infantojuvenil, baseada na filosofia de mercado, estaria abdicando do suporte escolar enquanto formação, valendo-se valen do-se da escola e scola como ponte para o consumi con sumidor dor final fi nal – o leitor adolescente. A solução para o vácuo imposto à formação do leitor adolescente tem sido tangenciada pela “pedagogia do gostoso” (NÓBREGA, 1993), capitaneada por esse tipo de literatura. A dificuldade de se implementar ações concretas de envolvimento do aluno com a leitura tem contribuído para florescer conceitos baseados na facilidade. Vale o adolescente se sentir satisfeito, que o livro tenha sido gostoso, bom de ler. O conceito de prazer fica vinculado às diferentes formas de facilitação. Adia-se uma solução que tende a não se concretizar. A literatura infantojuvenil conjuga um grande impasse conceitual. Oriunda da tradição oral, vinculou-se à formação do jovem e, por extensão, é associada à escola. É vista com respeito pela sua função pedagógica, mas desprezada enquanto produção cultural. Com o surgimento de autores com uma maior preocupação estética no trato da literatura infantojuvenil a partir de 1970, era de se esperar que o antigo preconceito
nov o olhar. Ao mesmo tempo em sucumbisse perante este novo que esse preconceito se relativiza – mas não morre –, ele se
transfere para uma outra instância da produção cultural. Este novo olhar praticamente coincide com a maior atenção que a indústria cultural passa a ter em relação à literatura infantojuvenil. Ao desprezo pelo tradicional caráter pedagógico se junta a crítica por suaquando progressiva mercantilização. A passividade do professor muito tem permitido que a editora adote o “paradidático” – outro termo carregado de preconceitos – em seu lugar. Contudo, se entendemos a literatura como possibilidade de constante reconstrução dos nossos horizontes de expectativas, faz-se necessário separarmos o joio do trigo. Ao lado de produções em série que não tencionam os horizontes dos alunos, há obras que caminham na direção inversa, abrindo-se para umamais concepção mais polissêmica. Esta forma de literatura problematizadora, propiciando diferentes níveis de leitura, é o contraponto às massificadas produções em série do tipo “Vaga-lume”. Prescindindo da originalidade em favor de uma padronização que não leve a grandes surpresas ou sobressaltos estéticos, tais séries personificam a homogeneização proposta pela literatura de massa.
Desconfortos de ser adolescente
Literatura infantil, infantojuvenil, juvenil... A diversidade de termos acusa a natural dificuldade de delimitação desta vertente literária. A princípio, em situações deste tipo, a não-delimitação impõe-se até positivamente como método de análise. Mas, ao mesmo tempo, se corre o risco de abarcamento, em uma destas categorias, desde aquele leitor em fase de alfabetização até um aluno do ensino médio.
Isso não significa, todavia, que a divisão entre as di versass fase versa fasess de leitu leitura ra e/ou faixa faixass etária etáriass de intere interesse sse ve-
nha dando conta de aprofundar seus diferentes aspectos. Para Bamberger, dos 12 aos 15 anos o adolescente viveria a “idade da história de aventuras; realismo aventuroso ou a ‘fase de leitura não psicológica orientada para o sensacionalismo’” e, dos 14 aos 17, “os anos de maturidade ou o ‘desenvolvimento da esfera estético-literária da leitura’” (1991, p. 34-35). Bordini e Aguiar (1988, p. 20-1) abraçam as mesmas fases, contribuindo ainda aind a com os “níveis de leitura”. Nestes, a iniciação à leitura crítica se daria no 4º ní vel, em torno da 6ª e 7ª séries; a leitura leitur a crítica propriamenpropri amente dita aconteceria num 5º nível, a partir da 8ª série e ao longo de todo o ensino médio. Coelho (1993), por outro lado, já vê essa criticidade presente a partir dos 12/13 anos e, optar pela análise dos interesses leiturasequencial somente atéaoessa faixa etária, priva-nos de umade análise ao não detalhar outras possíveis formas de interesse até a fase adulta. Não se trata de fazer uma crítica à proposta de divisão dos interesses de leitura por faixa etária. Obviamente, os próprios autores, ainda que a usem como forma de diferenciar as diversas fases de crescimento, admitem as precariedades e os limites de tal divisão. Em muitos estudos tem-se buscado o entendimento do ato de ler apoiado nas ciências da linguagem (SILVA, 1991) ou através de uma perspectiva interdisciplinar interdis ciplinar (ZILBERMAN & SILVA, 1988). Porém, pelo próprio caráter mais geral e teórico que contêm, não contemplam o tema da adolescência. Outros associam a aquisição e o desen volvimento volvi mento da leitu leitura ra à trajet trajetória ória da crianç criançaa nas série sériess iniciais da escola (YUNES & PONDÉ, 1989) ou ao longo de todo o ensino fundamental (GARCIA, 1992). Alguns
autores que, mesmo de passagem, abordam a temática adolescente, têm imprimido a esta leitura uma certa auto-
nomia, associando a figura do professor a um orientador nas escolhas (BAMBERGER, op. cit.). Mesmo com todas as sinalizações de relevância, nota-se ainda uma carência de maiores estudos que qu e abordem a situação particular do adolescente em relação à literatura, através da mediação da instituição escolar. Na criança essa leitura através dos sentidos revela um prazer singular, relacionado com a sua disponibilidade (maior que a do adulto) e curiosidade (mais espontaneamente expressa) (MARTINS, 1988, p. 42-43). Para os jovens leitores, os bons livros correspondem às suas necessidades internas de modelos e ideais, de amor, segurança e convicção. [...] Para nós são um auxílio na tarefa de atingir nossa meta educacional de desenvolver a personalidade dos jovens e de ajudá-los a estabelecer um conceito global de mundo (BAMBERGER, op. cit., p. 11-12).
Não se observa um espaço definido para os adolescentes nessas citações. Ora eles se apresentam como englobados na classificação “criança”, em oposição ao “adulto”, ora como “jovens leitores”. Ainda que os objetivos desses estudos não tenham sido a caracterização específica deste ou daquele leitor, constata-se uma indeterminação que não leva em conta as particularidades determinadas pela adolescência no contato com o livro. A análise de duas importantes categorias presentes talvez servisse para uma outra visualização da proposta dada. A primeira delas refere-se à manutenção da gener generaalização. Ainda que a forma de enfoque se tenha modificado, a escolha da divisão por faixa etária mostra-nos etapas diferentes entre si, mas sem maiores traumas ou diferen
ciações de passagem entre elas. A prática de sala de aula e as pesquisas de campo que desenvolvemos têm servido
para, no mínimo, relativizar tal enfoque. “A adolescência é uma etapa evolutiva peculiar ao ser humano. Nela culmina todo o processo maturativo biopsicossocial do indi víduo” vídu o” (OSÓRIO, (O SÓRIO, 1992, p. 10). 10 ). Colocá-la no mesmo padrão da infância e da puberdade facilita sobremaneira uma análise mais abrangente do processo de leitura na escola. Mas, se s e o que se pretende é uma caracterização mais depurada e consistente, tal opção metodológica carece de maior flexibilidade. A segunda categoria aponta para uma impessoalidade no enfoque. Nos estudos citados, o leitor, seja ele adolescente ou criança, é o ponto de partida para a formação de teorias em literatura infantojuvenil, propostas metodológicas ou análise de diferentes obras e autores. Não são avaliados seu contexto e suas idiossincrasias: onde mora? trabalha? como estuda? o que pensa de nós, de nossas aulas? Humanidades pulsam, escorrendo muitas vezes entre os dedos das pesquisas. À medida que espinhas e pelos aumentam, vozes masculinas engrossam, contornos femininos se destacam, indefinições próprias de um trajeto para o mundo adulto mobilizam o adolescente em diversos sentidos. O outrora púbere das 5ª e 6ª séries, facilmente motivável, ávido por participar de atividades, sejam elas orais ou escritas, vai sendo substituído gradativamente por um misto de apatia ou rebeldia que se cambiam de acordo com a tentativa pedagógica de formação de leitores eficientes. Munido do instrumental para a crítica das diferentes seduções com as quais se depara no mundo de hoje, o adolescente poderia crescer como sujeito de forma mais independente. E a escola poderia ajudá-lo a se libertar
dispondo-se a, juntamente com ele, interagir criticamente no mundo, desatando dúvidas, desvelando intenções, tor-
nando mais transparentes as relações que se estabelecem com as diferentes formas de linguagem na atualidade.
Desconfortantes leituras A pressuposição de que os adolescentes não mais se envolviam com as coleções de paradidáticos – gênero literário com linguagem e temática mais acessível ao aluno, entendido muitas vezes como auxiliar na formação do leitor através da escola (PERROTTI, op. cit.) – foi um dos primeiros fatores a nos impulsionar em estudos sobre o assunto (MAFRA, 1996). Partíamos da ideia de que, não obstante, houvesse atividades de leitura dos paradidáticos na maioria das escolas, fossem elas particulares ou não. Acreditávamos também que, no âmbito dos paradidáticos, fosse a “Série Vaga-lume”, da Editora Ática, constituída de livros de aventura, sua principal representante e, por consequência, perfeitamente conhecida pelos alunos. Campeã de vendas desta editora, a “Série Vaga-lume” Vaga-lu me” possui hoje um catálogo de aproximadamente 70 títulos, que atinge o público leitor situado no 2º segmento do ensino fundamental. Dentre seus autores, destacaríamos Marcos Rey, Wilson Rocha e Lúcia Machado de Almeida, entre outros. Os paradidáticos seriam a grande referência escolar de literatura, tanto para professores quanto para alunos, o que aparentemente se confirmava pelos termos utilizados nas próprias entrevistas concedidas:4 4
Entrevistas realiza realizadas das com professores e alunos de 8ª série do ensino fundamental e 1ª série s érie do ensino médio de escola pública no interior de Minas Gerais.
Os livros mais comentados são os da Série Vaga-lume. (Aluno G., 16 anos, 1ª série do ensino médio)
.... Sugeri nesta última reunião que o professor profe ssor que pegasse os alunos na 7ª e na 8ª pelo menos orientasse algumas leituras na biblioteca. Os paradidáticos, mesmo; sãoibidem, tão lidos, né? (Professora J.) (MAFRA, p. 95)
Há de se observar que os entrevistados não se referiam a um título específico da Série. Se, por um lado, ela já teria atingido um status suficiente para ser analisada separadamente, por outro tal destaque sugere uma pequena variação temática ou de estilo dos diferentes títulos da coleção, dragados pelo sucesso da Série como um todo. padronização caracterizadora das Pinsky, Séries ouescriColeçõesEssa em geral se vê confirmada por Mirna tora de literatura infantojuvenil, quando reclama que Ocorre um constrangimento da criação dentro dos parâmetros das coleções. Um número x de laudas, uma ação de tantas linhas para propiciar ilustrações a cada tantas páginas, em suma, a forma determinando o conteúdo (PINSKY apud LAJOLO, 1987, p.61).
Os dados colhidos na pesquisa de campo, entretanto, foram de encontro às suposições anteriormente levantadas. No que se refere aos adolescentes entrevistados, somente os que já haviam estudado durante algum tempo em outras escolas tinham ouvido falar da “Série Vaga-lume”. A grande maioria dos alunos genuinamente da escola pesquisada nem sabia do que a série tratava. Quando muito utilizavam-se de expressões confusas que pouco esclarecem sobre seus gostos literários, disfarçando seu pouco contato com tais formas de literatura.
Entrevistada: — Eu acho uma série muito interessante, com bastante ênfase [sic].
Entrevistador: — Você se lembra de algum título? Entrevistada: — Título assim... eu não lembro... “A ilha perdida”... Entrevistador: — Conhece outras séries? Entrevistada: — Não. Pois procuro ler livros individuais [sic]. mais1ªde livro Sem ser série. (AlunaEuE.,gosto 17 anos, série do individual. ensino médio) (MAFRA, op. cit., p. 96)
O disfarce vinculava-se à vergonha de não perceber-se transitando por formas de leituras de iniciação normalmente prestigiadas no espaço escolar. Em função desse prestígio, acreditava na importância de conhecê-las. Mesmo não distinguindo tão claramente as diferentes séries de literatura infantojuvenil, procurava não se mostrar desinformada. As expressões em destaque apresentam-se aparentemente deslocadas em relação ao contexto da entrevista, mas são escudos de linguagem que a entrevistada apresentou. Manteve-se na defensiva ao insinuar informação sobre o assunto quando reproduziu determinados códigos próprios da cultura erudita. Ainda que no fundo não os assimilasse tão bem assim. Dentre aqueles alunos que emitiram comentários mais consistentes por já em terem mantido com a literatura infantojuvenil outras escolascontato – particularmente a “Série Vaga-lume” –, as avaliações se mostraram um pouco diferentes. — Sim, acho maravilhosa; foi a série que mais li. (Aluno G., 17 anos, 1ª série do ensino médio) — Eu não posso falar que não gosto desta série, porque eu gosto. (Aluna F., 16 anos, 1ª série do ensino médio) (MAFRA, op. cit., p. 97)
Enquanto na entrevista anterior se nota, apesar do pouco ou nenhum contato com a literatura infantojuvenil, infantoju venil,
o interesse em manifestar uma forma de fruição mais apurada do texto, o cenário desenhado nas duas falas f alas acima se mostra mais realista. Tanto a satisfação quanto o conhecimento desta forma de literatura parecem mais verdadeiros. A vergonha, todavia, se mantém; só que se mostra de forma diferente. Para estes, há uma certa vergonha em demonstrar gostar daquilo que outras pessoas talvez pudessem julgar ultrapassado, infantil, pobre mesmo. Dentro da escola pesquisada eles não correm esse risco, pois as referências literárias dos colegas são praticamente nulas neste aspecto. Prevenindo-nos quanto à inevitável e perversa relação entre linguagem e poder, Gnerre (1991) entende ser a linguagem “o arame farpado mais poderoso para chegar ao poder” (p. 22). Já há algum tempo que o filão da literatura infantojuvenil tem sido explorado com retumbante sucesso pelas editoras. Neste sentido, os adolescentes têm se arranhado nos arames farpados até por falta de rumo. Na tentativa de recuperar suas histórias de leitura (ORLANDI, 1988),5 o que se observa é um grande vazio marcado, na maioria das entrevistas, pelo pouco ou total desconhecimento dos chamados parad paradidát idáticos. icos. Tais publicações, que buscam atingir a infância e adolescência, têm passado longe dos bancos escolares das escolas públicas. Quando muito, através de doações, empoeirando nas inutilizadas bibliotecas escolares ou sendo recuperadas em iniciativas pessoais. Sucesso aparentemente voltado para um adolescente de classe média que, a 5
Para a autora, lançar desafios consequentes ao aluno e desestabi desestabilizar lizar suas histórias de leitura são ações educativa educativass indispensáveis.
prio ri, possui outras opções de leitura fora da escola. Aos priori, demais, a grande maioria, cabe mascar as páginas amare-
ladas das caridosas doações. — Quando eu consigo livro, eu leio, gosto. Mas a gente tem sempre que ampliar. Aí tem aquele lance: você tem prazer em ler aquilo, mas será que você não teria se ti vesse outra o utra coisa pra ler? É difícil... di fícil... É porque por que o que tem mais acesso pra gente que é pobre mesmo é a Série Vaga-lume, que é mais fácil de encontrar. Aqui na biblioteca tem Série Vaga-lume, mas é difícil você achar outra série aqui. Emprestado, você só consegue Série Vaga-lume. Eu pegava mais na outra escola, porque por que aqui é o meu primeiro ano. (Aluno G., 17 anos, 1ª série do ensino médio) méd io) (MAFRA, ibidem, p. 98)
O vácuo se estabelece. Ansioso por se libertar de modelos considerados infantis, o adolescente rejeita as leituras propostas àquela faixa etária. Naturalmente essa rejeição não se confirma somente nesses termos. As temáticas e as estruturas desses textos não mais o desafiam. Livros ultrapassados não combinando com a inquietação própria da idade de tentar superar temáticas e estruturas tidas como já demasiadamente repetitivas e infantis. Para chegar aonde?
Considerações finais
As diferentes impressões de alunos e professores sobre a literatura infantojuvenil servem para caracterizar seu lugar na escola. Tanto os comentários quanto os silenciamentos apontam para uma atípica estabilidade: sua presença é consentida no espaço escolar sem maiores discussões, mas suas possibilidades e limitações sequer são avaliadas, quanto mais trabalhadas pela maioria dos professores.
Os “horizontes de expectativas” do texto (VYGOTSKY, 1984), possibilidades de reconstrução crítica da-
quele leitor implícito na obra, se diluem nos malabarismos vocabulare vocab ularess e de const construçõe ruçõess frasa frasais is aos quais os adoles adoles-centes têm sido entregues sem a devida mediação docente. É o leitor real que não consegue se relacionar com o leitor virtu virtual, al, no n o sentido sen tidoaaté mvivência esmo de de emleitura. emprest prestar ar àquele àq uele texto sua contribuição, suamesmo Forma-se uma hiato de expectativas de ambos os lados. Entendendo a literatura como comunicação social que tem como destaque o leitor, Pondé (1993) entende que, na escola básica, a literatura precisa ser trabalhada através da mediação de um leitor mais experiente, no caso o professor. Ao invés da marca cronológica que limitaria o consumo às crianças e jovens, Pondé prefere denominar de “literatura iniciação” esta modalidade de criança, linguagem, que podede incluir aquelealeitor que não é mais mas que pode ou necessita se alfabetizar. Assim, o prazer experimentado pelo adolescente leile itor pode ser transformado em fruição desde que o professor respeite e até mesmo trabalhe a história de leituras deste jovem, assumindo-se assim como mediador desse processo. A literatura infantojuvenil, por sua vez, possui diferentes faces, mas nenhuma delas precisa ser cancelada quando se tem em vista um projeto verdadeiramente transformador. Ao contrário, o que se espera é o somatório crítico de suas incoerências e descaminhos. Esses conflitos têm servido, ao menos, para tornar a escola cúmplice nos desconfortos existenciais da literatura infantojuvenil e dos adolescentes – sejam eles leitores ou não. O leitor virtual, pensado pelo artista no instante da criação literária e para quem se dirige, pode não mais exis
tir nos moldes idealizados, mas o leitor real existe, ainda que adormecido pelas contingências.
Neste instante é que a mediação dos professores se faria significativa no contato do adolescente com a literatura infantojuvenil. Como no conto de fadas, espera-se que demos o beijo transformador naqueles alunos-sapos.
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nade escola: crenças Leitura e práticas professoras1 Esmeria de Lourdes Saveli2
Este trabalho é parte de um estudo que realizamos ao longo de dezoito meses com um grupo de vinte e uma professoras uma professoras, escola pública no município Ponta Grossa-PR. de Dessas doze atuavam nadeEducação Infantil e nove no ciclo inicial (1ª a 4ª séries) do Ensino Fundamental. O estudo permitiu reconhecer que a forma como a leitura é trabalhada na escola está ancorada em um con junto de crenças cren ças comparti co mpartilhada lhadass pelas profe professora ssorass sobre sobr e o ao ato de ler. Tais crenças foram construídas no contexto social, comungam formas de pensar e explicar a realidade cotidiana trazem a marca da pess história vidasededize cada su jeito e de esuas característ caract erísticas icas pessoais. oais.de Pode-se Podedizer r que estas crenças correspondem a um saber cotidiano, que se mostra diferente do saber científico, mas que não deixa de 1 2
Texto publicado na revista Leitura: Teoria Teoria & Prática, Associação de Leitura do Brasil. Campinas, SP, nº 40, Ano 21, março de 2003, p. 52-59. Professora do Depart Departamento amento de Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG); Doutora em Educação pela Universidade de Campinas (Unicamp); Membro Membro do Grupo de Pesquisa ALLE/Unicamp – (Alfabetizaçã (Alfab etização, o, Leitura e Escrita).
se constituir num conjunto de informações que formam um “corpo teórico”, o qual orienta e legitima a ação das
professoras. São as suas teorias implícitas. Entendemos que as crenças são o substrato das representações que um indivíduo elabora a respeito de si e das suas realizações que alicerçam a definição de seus objetivos e suas atitudes. Moscovici (1961) explica que as representações se instalam sobre concepções preexistentes, a partir de ideias e crenças partilhadas socialmente, relacionadas a sistemas de pensamento mais amplos (ideológicos, (ideo lógicos, religiosos, culturais) pela intervenção da comunicação e das instituições. Diz, ainda, a inda, em sua teoria das representações sociais, que as representações, por ocorrerem sobre um universo de concepções, podem suscitar resistências à assimilação de novos esquemas se a inovação nãoé mantiver uma tendência de aproximar-se daquilo já conhecido, conhec ido, pois cumprem cumpre m uma funçãoo de funçã defesa defe saque da identidade social e de equilíbrio de um grupo, isto é, uma função de proteção e de legitimação da ação. Isso implica dizer que, através das representações, os sujeitos constroem suas próprias ideias para compreender o mundo e direcionar o seu comportamento. Isto é, aquilo que permeia o imaginário das professoras funciona como uma lupa tanto para encontrarem o sentido da sua prática como maisasobre ela. Com isso queremos dizerpara queaprenderem a maneira como professora trabalha a leitura na escola é, em grande parte, atravessada pelas crenças que formou a este respeito. Ao permitirmos que as professoras falassem sobre a sua prática docente em relação a leitura um conjunto de crenças pode ser identificado. Entre tais crenças está a de que o domínio da leitura passa por um conjunto de processos uniformes e inva-
riáveis ao longo do qual a criança vai se apropriando da estrutura da língua. Isto é, os alunos precisam reconhecer
as letras e sílabas para identificar as palavras e as palavras
as letras e sílabas para identificar as palavras e as palavras para compreender o significado. Essa representação alicerça a reflexão e a prática da professora que, ao tentar compreender o processo intelectivo da de criança, no desenvolvimento da leitura, uma série dispositivos mediadores para auxiliaraciona o aluno em suas dificuldades. Esse tipo de crença pode ser observado na fala das professoras, quando diziam: As crianças não leem as palavras inteiras. Elas ficam falando para elas mesmas, elas ficam sonorizando as sílabas até descobrir as palavras. Eu acho que é assim mesmo, a criança primeiro decodifica para depois ter condições de reconhecer a palavra. É assim mesmo, tem que engatinhar para depois andar. Ela tem que passar por essa fase. (prof a B 2ª série) Outro dia eu e minha turma fomos fazer uma visita na fábrica da COCA-COLA. As crianças ganharam uma régua onde estava escrito COCA-COLA em vários idiomas. Quando chegamos na classe fizemos um desenho da régua, pintamos, discutimos que existem outras formas de registro do que falamos. Assim, eu queria que as crianças entendessem que a escrita é um código e que aprender a ler é aprender a decifrar esse código. (prof a Pré) O queeueufaço façoassim: com aquelas crianças que sabem ler?! Ora, eu vou mostrando asnão letras das pala vras e dizendo: i-m-a-g-i-n-a-ç-ã-o bem devagarinho, e depois faço mais corrido para ela ver as sílabas i-ma-gi-na-ção. Aí, eu explico que para eu ler corretamente eu não posso ler silabado letra por letra, sílaba por sílaba. Acredito que aquela criança que não sabe ler, no início ela vai ler silabado e vai pegando devagarinho. Ninguém lê sem silabar. As crianças precisam ver as sílabas dentro da palavra inteira. Se ela não sabe a sílaba, como vai saber ler a palavra? (prof a A 2ª série).
As falas destas professoras são indicativas da crença de que devem existir algumas habilidades de base para a leitura ocorrer. Mais que isso, indicam que as crianças
(leitoras iniciantes ou inexperientes) se prenderiam aos traços distintivos da palavra (letras e sílabas) como suporte para a leitura. Isso denota uma concepção de leitura assentada de que a escrita é um sistema de transcriçãonadopremissa oral, de codificação e de notação, e a leitura, uma forma de decodificação. A concepção de leitura como decodificação traz como consequência uma prática pedagógica que se preocupa mais em levar as crianças a reconhecerem os traços distintivos que representam a palavra (letras e sílabas) do que a busca do seu significado. O problema para esse tipo de ensino é que as crianças acabam aprendendo que a leitura não é uma questão de buscar o sentido, mas de decodificar a palavra corretamente. Nessa direção o ensino da leitura fundamenta-se no fato de que as palavras escritas são formadas por letras que parecem estar relacionadas a sons e saber ler é saber juntarr os sons para forma junta formarr as sílab sílabas as e em decor decorrência rência as palavras. Logicamente, ter algum conhecimento conhecime nto de letras e sílabas não é prejudicial ao ensino da leitura. No entanto, aprender as letras e sílabas não é um pré-requisito para aprender a distinguir palavras, até aporque e sílabas isoladas não fazem sentido como palavraletras inteira. É no confronto das diversas palavras que se passa a conhecer letras e sílabas, e não o contrário. O procedimento didático das professoras poderia ser invertido se elas acreditassem que reconhecer palavras faz sentido para a aprendizagem das letras. Apesar da crença, largamente aceita pelas professoras, de que os alunos precisam reconhecer as letras e síla
bas para poder identificar as palavras, e as palavras para compreender o significado, a leitura realmente funciona na direção contrária. Normalmente, só prestamos aten-
ção às letras quando fracassamos em reconhecer as pala vras intei inteiras ras em funç função ão de desco desconhece nhecerr o seu signi significado ficado.. Dito de outro jeito, quando lemos uma palavra não lemos nunca as suasasletras isoladas, o que lemos dentro é o seude sentido. Quando palavras são significativas um contexto ou quando já temos uma boa ideia do que elas poderão ser, podemos lê-las muito mais rapidamente do que quando não temos nenhuma expectativa prévia. Isso equivale a dizer que o significado das palavras vai depender muito do contexto em que elas ocorrem. Assim, defendemos a posição de que a leitura envol ve basi basicament camentee compre compreensão ensão e não decod decodificaç ificação. ão. Como consequência posicionamento, vemosque a importância das professorasdesse utilizarem material escrito faça sentido para as crianças. A professora do pré ensaiou tal caminho pois relatou que: [...] fomos fazer uma visita na fábrica da Coca-Cola. As crianças ganharam uma régua onde estava escrito Coca-Cola em vários idiomas. Quando chegamos na classe fizemos um desenho da régua, pintamos, discutimos que existem outras formas de registro escrito do que falamos.
Portanto, não é demais perguntar: – O que levou as crianças a fazerem a leitura da palavra Coca-Cola na Língua Portuguesa e até em outros idiomas? Com certeza foi o significado da palavra, construído a partir de pistas contextuais, que permitiram que elas entrassem num jogo de adivinhação, em que o mais importante era a suposição daquilo que estaria escrito do que o reconhecimento de letras ou sílabas.
Outra crença descortinada pelas falas das professoras é aquela em que o ato de ler se confunde com o de oralizar.
Esta crença parece estar ancorada num ponto crucial dentro da escola que diz respeito ao controle disciplinar da atividade, em que se impõe aos alunos comandos ou ordens como forma de controlar e avaliar o seu tempo, os seus gestos e suas expressões. A questão do uso da leitura como maneira de se obter controle individual e coletivo sobre a classe fica mais evidente quando se observa uma espécie de demarcação entre a leitura em voz alta e a leitura silenciosa. Ocorre O corre que a leitura em voz alta quase sempre aparece como sendo “a verdadeira verda deira leitu leitura”, ra”, enqu enquanto anto a leitu leitura ra silenc silenciosa iosa aparec aparecee como uma “forma possível” de leitura. Quando se trata de leitura em voz alta, vale registrar que qualquer criança, mesmo o leitor mais experiente, pode temer os resultados de sua leitura e, sendo assim, poderá ler em voz alta incorretamente. Da mesma maneira, qualquer criança que tenha medo de falhar na leitura terá dificuldades em aprender a ler. Ora, é sabido que a ansiedade é um fator que atrapalha o desempenho das crianças na leitura, uma vez que o leitor ansioso tende a cometer erros. As falas das professoras registram essas duas questões: Como eu vou saber se a criança sabe s abe ler se ela não ler alto para mim? E depois tem outra coisa, se a gente não pedir para eles lerem alto, eles só passam os olhos pelo texto e não leem nada. (profª 4ª série). Sinto que as crianças sentem mais dificuldades quando a gente pede para ela ler para a gente. Tem umas que ficam em silêncio, paradas ali, e daí a gente aperta um pouco, exige que elas leiam, daí sai alguma coisa. Sai devagar, mas sai. Muito lento, é aquela coisa como se ela estivesse
assim com medo. Mas se você tiver certeza de que ela consegue ler, ela demora um pouco, mas lê. Só precisa ter paciência. (profª 3ª série).
A suposição das professoras é que o ato de ler se confunde com o de oralizar, em que se lê para provar que se sabe ler. Parece que elas não percebem o fato de que, muitas vezes, oàsdesinteresse criançade emleitura ler pode associado propostas edamaterial aosestar quaismais ela tem acesso do que às dificuldades individuais que encontra no ato de ler. Também é fundamental não esquecer o fato de que, qualquer que seja o preço a pagar, o professor precisa considerar que o ato de ler traz a possibilidade de não ler. Uma vez que o verbo v erbo ler não suporta o imperativo, já disse Barth Barthes es (1988) (1988),, a esse respe respeito, ito, que a leitu leitura ra tem a marca do desejo ou do não-desejo. Isso nos aponta que não é obrigando aluno ae oralizar texto que se resolvem os problemas de oleitura, ainda é oparticularmente injusto avaliar a habilidade de uma criança de compreender a leitura de um texto pela maneira como ela lê em voz alta, pois a leitura em voz alta é sempre s empre mais difícil que a leitura leitu ra silenciosa porque acrescenta-se, à tarefa básica de encontrar sentido no texto, o problema de identificar e articular cada uma das palavras corretamente. A terceira crença, revelada nas falas das professoras, foi a leitura como atividade escolar secundária. a que toma Nesta crença, a leitura assume feições preparatórias
para sustentar outra atividade dela decorrente, de modo que se desencadeia nas professoras a necessidade de realizar com seus alunos uma série de produções escritas que assumam o papel de materializar o fato de que a leitura foi feita. Nesse sentido, ainda que a leitura seja a primeira atividade desenvolvida na classe ou na biblioteca, ela fica sempre em segundo plano, uma vez que qu e são mais valoriza
dos os exercícios posteriores a ela. Isso pode ser observado na postura da professora da primeira série que ao retomar as atividades na sala de aula, depois de uma atividade de
leitura desenvolvida com seus alunos na biblioteca, interpela sua classe: — Já lancharam? — Já! — Já leram? — Já! — Então está na hora de estudar!
Outras professoras mostram a mesma representação, deixando bem clara esta crença: Acho que depois da leitura precisa ter uma produção. Não dá para ficar só na leitura. (profª 2ª série) Eu sempre uma história pergunto aos alunos sobre o queque elesleio entenderam. Eueuacho importante que eles comecem a responder perguntas sobre o texto. Assim, a gente vai preparando eles para mais tarde. (profª Pré)
Estas falas apontam que as professoras acreditam na necessidade de se fazer outra atividade depois da leitura - atividade que possa, efetivamente, mostrar que o aluno leu. É como se a leitura por si só não bastasse. A leitura só justifica mediante uma tarefa adesde se realizar seguida.seAssim, as professoras insistem, muitoem cedo, em exercícios de expressão oral ou escrita. Em nossa análise, entendemos que estas práticas funcionam como formas sutis de se forçar a leitura, fazendo dela um dever, fato que faz com que o próprio ato de ler se transforme num ritual preparatório para responder questões. Neste sentido, ainda que a leitura seja a primeira ati vidade, vidad e, tenderá tend erá a ficar fic ar sempre sem pre relegada rel egada a um segundo se gundo pla
no, pois o mais importante está centrado nas produções que vêm depois da leitura. Os exercícios de compreensão do texto, interpretação, tão comuns nos manuais didáti-
cos, encontram respaldo confortável nessa crença. Decorrente dessa crença há uma outra que considera os textos como entes “fechados” em si mesmos. Assim, a quarta crença que encontramos entre as professoras postula o texto escrito como autossuficiente sem referi-lo a nada além dele mesmo. Neste caso a leitura é tomada na sua dimensão estrutural, preocupada, apenas, em conduzir os leitores a procurar a interpretação correta do texto, sendo o mais importante a “apreensão do pensamento do autor” ou a “identificação das palavras escritas”. As falas das professoras denotam essa concepção quando dizem: Sempre que eles leem um texto eu peço para eles responderem questões para achar a ideia do autor. (profª 4ª série) Não dá para deixar cada aluno falar sobre o que compreendeu do texto. Assim, cada um vai dizer diz er uma coisa e como eu vou fazer a interpretação do texto? Eu não entendo essa coisa de que a leitura de um texto tem muitos significados, pra mim leitura é dizer o que está escrito. (profª 3ª série)
Concebida desta maneira, atribui-se à leitura pressupostos positivos e normativos que levam a ignorá-la como atividade produtora de significados. Dessa forma, não se leva em consideração que os textos são abertos, entremeados de “não ditos”, que requerem movimentos cooperativos, conscientes e ativos por parte do leitor. A criança, ficando engessada pelas questões propostas para a
“interpretação ou compreensão” do texto, acaba por fazer apenas a leitura que se exige que ela faça. Com isso a leitura fica reduzida a uma atividade meramente receptiva.
Neste caso, o espaço para a produção de sentidos se toma quase inexistente, quando não o é totalmente. Uma vez que ao ler um texto o leitor não pode despo despojar-se jar-se de seus para preencher o espaço vazionegar-se assim conseguido“saberes” com os “saberes do autor”. Isso seria ante o texto. Com isso não estamos dizendo que não extraímos informações do texto quando lemos, mas cabe ao professor, como mediador de leituras, um papel ativo nesse processo, perguntando, fazendo refletir, fazendo argumentar, escutando as leituras dos seus alunos para com elas e com eles reaprender o seu eterno processo de ler (GERALDI, 1996). Outra crença, que se encontra em meio às falas das professoras, é a de que a biblioteca é um espaço que se visita . A biblioteca da escola comportava um acervo considerável e estava localizada num espaço privilegiado de fácil acesso e de trânsito permanente de alunos, pais e professores. Todas as crianças, pais e professores, ao chegarem na escola, passavam, obrigatoriamente, pela frente da biblioteca. No entanto, ela não oferecia convite algum para integrar pais, alunos e professores ao seu mundo. Embora fosse possível perceber pelo projeto arquitetônico que a biblioteca fora concebida para ser “o pulmão da escola” e elemento de integração entre escola e comunidade, ela não assumia sua dimensão educativa e comunitária, restringindo as suas ações ao mero empréstimo de livros, catalogação do acervo e visitas das classes agendadas semanalmente.
As falas das professoras traduzem um conceito tradicional de biblioteca, marcado pela ideia de espaço improdutivo carregado de sisudez. Espaço que qu e se visitava em
horários pré-estabelecidos, no qual se devia entrar e transitar em silêncio, como se fosse cumprir um ritual obrigatório. Quem observasse atentamente veria que os livros, ainda que estivessem visíveis nas estantes, pareciam estar empacotados, acomodados a uma não-existência, uma vez que eram desconhecidos pelas professoras. As professoras relataram: Não gosto de ir à biblioteca com os meus alunos. As crianças chegam na biblioteca e não sabem que livro pegar. Daí fica aquele tumulto, um correndo para cá e outro para lá, é só perda de tempo. (profª 1ª série) Uma coisa que acho importante é a professora chegar lá na biblioteca e saber o que tem. Que livros? Do que falam? Os professores precisam estar informados do acer vo da biblioteca. A gente não sabe aproveitar os livros que tem na escola porque a gente não conhece. (profª 4ª série) A gente vem na biblioteca uma vez por semana, então a gente conta história ou lê notícia de jornal. Hoje eu quis aproveitar o horário da biblioteca, para não ser sempre a mesma coisa, recortei de uma revista uma receita r eceita de sor vete e trouxe para ler l er para as crianças. cr ianças. (profa. Jardim Jar dim II) Antes de direitinho. ir na biblioteca já aviso: – Nadaque de estão bagunça! Eles vão Sentam nas cadeiras em círculo, leio uma história para eles ouvirem. Eles escutam com muita atenção. Daí eu levanto, pego uma pilha de livros e distribuo um para cada aluno e depois de algum tempo permito que troquem o livro com o colega que está ao lado. Nada de levantar. (profª Pré) Pra mim biblioteca é lugar de se ficar quieto, sentadinho, nada de ficar correndo pra lá e pra cá trocando livro a toda hora. (profª 3ª série)
Pelas falas das professoras é possível observar que as práticas de leitura que aconteciam no interior da biblioteca estavam longe de contribuir para torná-la um espaço
vivo em que a crian criança ça poderi poderiaa estab estabelece elecerr uma relaçã relaçãoo de mais liberdade com o livro. Isso exigiria que os responsáveis pela biblioteca assumissem seu papel de “guias do leitor” sentido dedos divulgarem junto aosatividades professores alunos no o conteúdo livros, promover cul-e turais como exposições sobre um tema, seminários sobre livros e autores, entrevistas com autores, propor projetos de leitura como a hora do conto, da poesia. Dizendo de uma outra maneira, seria necessário que a biblioteca assumisse sua dimensão educativa. Isso implicaria que os responsáveis pela biblioteca criassem vitrines de divulgação do acervo, isto é, levar os livros para fora da biblioteca, os pátios, corredores, salas de aula, para que alunos para e professores pudessem manuseá-los, conhecê-los e escolhê-los. Exigiria também uma reorganização da biblioteca, constituindo-se esta como espaço lúdico onde os livros estariam ao alcance das crianças, sem imposição de silêncio, nenhuma preocupação com o manuseio dos livros, sem interdição do corpo. Da mesma forma, os professores precisariam encarar a biblioteca como um labirinto vivo, em que cada um deveria percorrê-la da sua su a forma, como prolongamento da sua sala de aula.dePrecisariam acreditar, ainda, que desenvolver o “gosto ler” exige muito mais do que apenas a convivência material com os objetos-livros, cumprindo horários pré-estabelecidos. O estudo revelou ainda que há uma forte correlação entre as crenças, o modelo de escola e de práticas de leitura que as professoras vivenciaram no período escolar e de formação profissional para a docência, o que nos leva a acreditar que aquilo que nos acontece no dia-a-dia fun
ciona como caldo substancioso que dá sentido ao nosso fazer e nosso pensar. Como diz Politzer (1977), é no jogo dramático que se instaura nos ambientes de formação e de
exercício da docência que nos constituímos como professores, pois a subjetividade é constituída dentro do drama que a experiência cotidiana nos coloca. É, do portanto, mundo objetivo, real, que está origem corpusnoorganizado de conhecimentos quea permite aos sujeitos tornarem inteligível a realidade física e social e dar sentido às suas práticas. Vale dizer que as relações sociais que estabelecemos ao longo da nossa vida nos vão const constituind ituindoo como suje sujeitos itos do nosso faze fazerr e do nosso pensar. Há, portanto, um desafio proposto àqueles que se querem formadores de professores: encontrar estratégias que possam decifrar as marcas subjetivas que sustentam o fazer e o pensar dos/as professores/as.
Referências MOSCOVICI, S. A repre representaç sentação ão socia sociall da Psic Psicanális análise. e. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. POLITZER, G. Os fundamentos da Psicologia. Lisboa, Portugal: Prelo Editora, 1977.
Floreios e Borrões ou como ser leitor e autor numa comunidade virtual de leitores leitores de Harry Potter : possibilidades e armadilhas 1 Eliana da Silva Felipe2
Este trabalho nasce de uma inquietação e de uma descoberta que têm relação com o fato de ser mãe de uma filha adolescente (a quem atribuo o mérito de ter me socializado nesta comunidade virtual), estudante de escola pública, com a qual partilho os dilemas que o mundo contemporâneo traz para esta instituição a quem confiamos parte da educação de nossos filhos. A inquietação a que me refiro é a de estar acompanhando a formação de uma geração que já nasceu no mundo digital, usuária dos mais sofisticados meios e técnicas de comunicação, mas que os tempos e espaços escolares não conseguem alcançar. Do encontro com a livraria Floreios e Borrões, o uso do computador para a leitura de densos textos de literatura, textos tex tos recriados por adolescentes e jovens, foi a descoberta que 1 2
Texto publicado na revista Leitura: Teoria Teoria & Prática, Associação de Leitura do Brasil. Campinas, SP, nº 49, Ano 25, novembro de 2007, p. 33-39. Doutoranda do Programa de Pós-graduaç Pós-graduação ão em Educaçã Educaçãoo da Unicamp Unicamp.. Grupo de pesquisa ALLE, professora do Instituto de Educação da Universidade Federal do Pará.
me inspirou a aprofundar tanto o conhecimento como a compreensão de outras formas de produção e disseminação do escrito.
O objeto deste trabalho é uma comunidade virtual de leitores de Harry Potter. Inúmeras razões marcaram para mim a importância deste objeto: a emergência de práticas que infundem relaçõesdo com o universo da escrita que se colocam na contramão discurso educativo que vislumbra vislu mbra na mídia mídia,, em partic particular ular a intern internet, et, um agente desfavorável à formação intelectual dos adolescentes e jovens; joven s; a integr integração ação entre leitu leitura ra e escri escrita ta com forma formass de materialidade linguística distintas; o número de membros desta comunidade e o seu alcance geográfico, com 41.484 usuários cadastrados, entre leitores e autores; a forma de participação neste espaço, que se diferencia de outros espaços virtuais, na medida em que os próprios membros da comunidade são os autores das obras que formam a livraria; e o modo de funcionamento dessa comunidade, no que se refere à regulação social da autoria e dos usos da linguagem. A metodologia utilizada para a realização da pesquisa foi o estudo comparativo de casos. As fontes foram o cadastro dos membros, as fanfic fanficss (ficções escritas por fãs) e os comentários postados de 15 membros da comunidade, selecionados por escolha aleatória. As informações coletadas foram interpretadas com base em Bakhtin, Chartier e Pierre Lévy. As ideias de estabilidade da linguagem, de continuidade de gêneros em outros suportes e de tecnologias reconstituídas orientam a interpretação do objeto em estudo.
Navegando Na vegando pelo p elo site
Floreios e Borrões é um site3 que reúne leitores de Harry Potter. Além de ser uma comunidade de leitores, o
site é também uma comunidade de autores au tores que constroem novas histórias com este personagem. Floreios e Borrões funciona como uma livraria online e busca manter semelhança com a livraria na qual os alunos adquirem os livros solicitados por Hogwarts, a escola onde acontece parte das tramas das histórias de Harry Potter. Há duas formas de participação nesta comunidade: como leitor, somente, ou como autor e leitor. Para ter acesso aos serviços do site é preciso inicialmente realizar um cadastro. Nesse cadastro o usuário cria uma identificação: forma de participação (leitor ou autor), au tor), nome, e-mail, senha, endereço, casa de Hogwarts (Grifinória, Lufa-Lufa, Corvinal e Sonserina), etc. Na página inicial do site aparece uma imagem que simula uma prateleira ou estante de livros. Neste ambiente estão disponíveis as seguintes opções: arquivo de fan fiction (ficções de fãs), autor, título, shipper, mais lidas, mais votadas, votad as, ordena ordenarr por títul título. o. Nessa página aparece também o detalhamento das formas de participação do usuário no ambiente. amb iente. Como leitor ele poderá ler fanfic fanfics, s, classificar as melhores e emitir comentários sobre as produções. Como autor ele poderá editar cadastro de autor, cadastrar suas fanfic fanficss e ler comentários dos leitores. Além desses aspectos, na página inicial pode ser encontrada uma lista de usuários vips, aqueles com fics mais lidas ou mais votadas. Há também links de acesso a lojas, como a do Submarino, uma das maiores na internet. 3
Endereço na web: www.floreioseborroes.net .
O site conta com 44.317 usuários cadastrados,4 11.554 fics, sendo 4.205 concluídas e 7.349 em andamento, para as quais 280.228 comentários foram postados. Esses
números estão permanentemente sendo alterados, o que demonstra o crescimento da comunidade. Após realizar o seu login no site, o usuário é encaminhado parainicial. uma página com os mesmos da página A únicaquase modificação é um linkelementos para opções, por meio do qual o usuário pode cadastrar as suas fics preferidas, receber mensagens ou cancelar o cadastro.
Autor Au tores es de ficção: marcas de uma invenção As fics são histórias ficcionais de fãs e estão baseadas nas histórias de Harry Potter. Elas retomam personagens, lugares, objetos, situações e relações e os reinscrevem em novas tramas e enredos. Em shipper, uma área reservada aos autores, eles deverão indicar os pares de personagens que estarão no centro da história. As fics podem ser postadas, concluídas ou em andamento, na livraria Floreios e Borrões. Para garantir que histórias possam ser postadas ainda inconclusas, elas devem ser apresentadas em forma de capítulos. Na página inicial do site há uma indicação cada vez que uma fic é atualizada. Na página principal de cada fic há uma espécie de ficha catalográfica da história, o resumo, a lista de capítulos, um formulário para comentar e um outro para denunciar ao moderador do site se na avaliação do leitor a fic apresenta conteúdo preconceituoso, se o conteúdo não é próprio à censura indicada ou se contém plágios. Cada Cad a autor, ao postar uma história, precisa apresentar o gênero e a censura, os quais aparecem na ficha catalográfica. Dentre 4
Nos cadastros a que tive acesso, a faixa etária variava entre 13 e 25 anos.
as dez fics mais lidas, à época da realização deste estudo, todas eram romances e com censura livre. O autor, neste espaço, não é um sujeito que fica à
espera da generosidade dos leitores para com as suas histórias; ele também alude àqueles que o leem e participa como leitor das histórias que os seus leitores escrevem. Oiiii! Desculpa não tr comentado mais na tua fic. Eeeh que estou mto ocupada, aee jah viu. Mas nem eh por isso que deixo de passar nas fic’s de minhas leitoras xD. Prometo trminar de lr, e deixar um comentário decente, ok? Aaaah, não esquece de passar nas minhas fic’s e comentar tb ok?? BjoKiTitas.. xD.
Todas as obras trazem as marcas linguísticas lingu ísticas da narrativa predominante nas histórias de Harry Potter. Essas narrativas constituem uma espécie de referência para as novas ficções. Coerência, coesão, adequação vocabular, ao lado do uso adequado de recursos de pontuação como travessões e reticências, recursos na maioria das vezes utilizados de forma adequada, demonstram a competência dos autores para lidar com formas de linguagem de maior trânsito social. Mais um ano se encaminhava na escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, e os três melhores amigos, Harry, Ronny e Hermione, mais Gina, os bruxinhos que amamos muito, estavam entre confusões, desafios, amores, desamores e muitos sentimentos e emoções que o percorriam todo o ano. Hermione caminhava junto a Harry e Ronny, indo à direção da Sala de Poções. — Quase eu perco o horário hoje, acho que se não fosse o Harry, iria ficar de detenção do Snape – disse Ronny. — Agradeça ao Harry por ser tão generoso com você Ronny – disse Hermione, cheia de livros nas mãos.
Chama a atenção o fato de um mesmo membro da comunidade utilizar escritas distintas no interior de um mesmo suporte e em um espaço aparentemente aparente mente livre como
a internet, questão que discutirei a seguir.
De leitor a comentador: que leito leitorr é este? Os leitores têm papéis importantes na livraria Floreios e Borrões. São eles que qualificam as ficções, comentando e/ou atribuindo conceitos. Assim, definem as obras que ocuparão a área vip da comunidade, isto é, aquelas que alcançaram maior reconhecimento de seus leitores. O aparecimento das fics mais lidas na página inicial do site denota um tipo particular de protocolo que sutilmente conduz o leitor para as “melhores leituras”. Não é possível mensurar os que leem e os que “passam” pelas fics, já porqu porque, e, à medid medidaa que o usuá usuário rio clica sobre uma delas, automaticamente ela assume a posição de “lida” e o número de leitores é atualizado. Em um dos comentários postados, uma das leitoras afirma ter passado por uma fic sem tê-la lido, mas que fez a leitura em visita posterior. O texto digital, por não ser linear, permite uma leitura descontínua, segmentada, fragmentada. Pela existência de muitos links o leitor está mais sujeito à dispersão, de forma que não há garantia de que, tendo acessado uma história, ele a tenha lido, quer parcial quer integralmente. Somente pelos comentários é possível avaliar o nível de reconhecimento de uma história ficcional. Pelos comentários postados é possível ir identificando alguns traços dos leitores de Floreios e Borrões. Esses leitores são marcados por um intenso exercício de intersubjetividade, o qual se faz necessário para a inserção do sujeito neste universo da cultura escrita. Nesse universo,
a ideia de linguagem como prática social ganha materialidade, de forma que em todas as suas teias há rastros que indicam que certos usos da linguagem lingua gem não se realizam sem
a interferência e sem o reconhecimento do meio me io em que se ingressa como falante, autor ou leitor. O leitor de Floreios e Borrões incentiva e interpela os autores sobreo autor a continuidade das suasda histórias. leitor traz para o reconhecimento sua obra,Este ao mesmo tempo que o convida a continuar escrevendo, o que deve ter um efeito mobilizador sobre o ato de escre ver, princi principalmen palmente te para os inicia iniciantes ntes ainda em busc buscaa de reconhecimento da comunidade: “Oi... amei a sua fic, ela perfeita!!!! Só não demora p/ atualizar, eu quero ver o q vai acontecer c/ a Hermione e c/ o Draco!!! Bjos”. Além do leitor que incentiva, há também aquele que, sendo autor, solicita queoa autor sua obra obera seja lida, tornando mais imediata a relação entre o leitor, ambos ocupando o mesmo espaço de interação: “[...] Olá..sua Olá..su a fic estar linda, gostei mutio passa láh na minha..o link estar aeew acima, não repara não tah?? é a minha primeira fic..Bjaunn..comenta e dá a nota q vc axar tah?? Bjokzzzzzzzzz”. O leitor de fanfic fanficss também está preocupado com a escrita e deseja encontrar na internet textos bem elaborados. Atenção ao foco, à coerência entre título e texto, à ficção reconstituída e a tramas originais, entre outros aspectos, são também marcas fortes deste leitor que vai se experimentando na crítica de aspectos constitutivos dos textos que são dados a ler. Simplesmente adorei, só pracisa revisar melhor a escrita ok?!?! em termos de historia: super! se essa é a sua 1ª fic, meeeeeeeu Deus, está realmente muuuuuuuito boa, salvei no meu pc e tudo! xD queria saber escrever assim! :) PARABÉNS!
eu to gostando da sua fic... melhor q muitas outras q eu leio por ai!!! Mas ai vai uma dica: Axei q vc ta meio q fugindo do foco... se naum aparecer, e rapido, a historia do draco e da mione a historia vai ficar cansativa.... bjos
posta logo os ourto cap q to morrndo de curiosidade!!!!!
Ele também recomenda para outros leitores as ficções que já leu e contribui para a ampliação da comunidade. Um outro traço recorrente nos comentários é o desafio que o leitor lança ao autor para continuar as suas histórias a partir de outras tramas. Oi Pati!!! Adorei sua fic!!! É linda, emocionante... ótima!! Já faz um tempo que li, mas gostei muito. Indiquei pra todas as minhas amigas que gostam de HP. Elas leram e também amaram. :) Parabéns pela fic. Li também aquela “Depois do pôr-do-sol. Também é bonita! Bjs Vivi. Que fic linda!!!!! Sabe tu pode fazer uma continuação com niver do Harry na Tocapara e o duelo dele com co m Voldemortoe(é óbvio) ele voltando a Gina!!!! ameeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeei!!!! Verdade!!! bjbjbjbjbjbjbjbbjb jbjbjbjubjnbbjjbj jbjbjbjubjnbbj jbj Se S e puder passa na minha:***A história h istória de amor numa noite chuvosa * * * soh postei 1 capitulo ateh agora!(23/10) bye.
O texto literário é capaz de tocar os seus leitores se seu apoio é um livro impresso ou uma u ma tela de computador. O ambiente virtual acolhe essas emoções e revela um leitor que chora inebriado pela força da palavra. hum... axu k jah comentei aki... + vo comenta d novo... bem... faz tempao k num leio fics aki... ai... comecei a ler sem mi tokar k jah tinha lido... i di novo xorei lendo sua fic... i olha k eh mto dificil eu xorar... hehe... mto linda msmo... amei...
Floreios e Borrões: questões para a leitura A disseminação em grande escala da internet na última década encontrou uma escola pouco preparada para
enfrentar problemas novos, de certo modo problemas antigos. Nesse movimento, uma série de mitos foi sendo criada em relação à presença de computadores na vida de crianças e adolescentes, principalmente no que diz respeito ao mundo da internet. Entre esses mitos destacam-se a ameaça ao conhecimento da língua, pela presença de corretores gramaticais e ortográficos nos editores de texto, o efeito deformador de uma segunda língua marcada pela redução das palavras, a proliferação do plágio, a individualização das relações, etc. As gerações que nasceram nas duas últimas décadas encontraram uma escola refratária, particularmente a escola pública, às possibilidades de uso do computador, apesar dos investimentos em programas de formação nesta área. Ao longo desses últimos anos, na contramão do mo vimento vimen to da escola e do deba debate te instau instaurado rado nos livro livross e nas revistas especializadas, diferentes ambientes passaram a constituir-se espaços de socialização e aprendizagem para crianças e adolescentes, ao lado ou em concorrência com a escola. Portais educacionais, blogs, fóruns, listas de discussão, bibliotecas virtuais, entre outros, representam um campo de possibilidades culturais e socioeducativas que ainda estão por ser explicitadas e dimensionadas pelos agentes educacionais. Floreios e Borrões é um site especializado que se destina aos fãs de Harry Potter. Como uma comunidade de autores e leitores, ele indiscutivelmente cumpre um papel educativo importante para seus membros, certamente à margem das instituições que a sociedade elegeu para
realizar seu projeto educativo. Entretanto, reconhecer a gramática educativa criativa dessa comunidade e, por essa via, as suas su as inúmer in úmeras as possibi po ssibilidad lidades es de d e formação for mação do leitor le itor é tão importante quanto reconhecer suas armadilhas.
A primeira armadilha é deixar de reconhecer a natureza particular desse tipo de prática social. Apesar de ser uma experiênciaconhecidas. ampla da sociedade, por social, razõesela quenão já ésão amplamente Segundo o Comitê Gestor da Internet no Brasil, 57,25% dos brasileiros entrevistados numa amostra nacional de aproximadamente três mil pessoas não têm computador em casa. Entre aqueles que possuem computador em casa – 19,6% –, 41,77% não possuem internet estando o seu uso vinculado à escola, ao trabalho ou a locais de acesso pagos. O acesso à internet é proporcional à renda e à classe social, de forma que ele ainda é restrito às classes A e B. Um ambiente como Floreios e Borrões requer req uer tempo disponível para ler e escrever histórias densas, um computador conectado à internet para a realização da leitura em tela, entre outros aspectos. Decerto estamos diante de condições de produção de um tipo de leitor que não estão disponíveis para a maioria de adolescentes e jovens brasileiros, daí a importância de situar o alcance social dessa comunidade de leitores. Entretanto, como prática cultural, mesmo queFloreios circunscrita a certos grupos sociais, comunidades como e Borrões devem suscitar o debate e a reflexão teórica. Além do alcance social dessa comunidade de leitores, é necessário também reconhecer o apelo mercadológico da indústria cultural que cerca a criação e a manutenção de um site na internet. A globalização de mão única da cultura traz o risco do apagamento das memórias e da singularidade dos lugares, assim como o distanciamento das
riquezas simbólicas e dos problemas que os constituem. Dito isso, não é que adolescentes e jovens não devam ler Harry Potter, mas tão-somente que eles, nessa situação específica, não possam ler Machado de Assis, Ariano Suas-
suna, entre outros. A constituição de comunidades de iguais, em que seus membros partilham de gostos interesses comuns, um apelo sedutor do mundo virtual.e Entretanto, a exacer-é bação da comunicação entre pares, a particularização das identidades e o distanciamento do diferente, numa espécie de culto à contracultura, pode ser um risco. À possibilidade de isolamento cultural é preciso fortalecer e aprimorar espaços de convivência que favoreçam a diversidade de textos, de discursos, de sentidos. O mundo virtual conseguiu encontrar e produzir seus leitores. Ele incluiu leitores anônimos e proporcionou-lhes a condição participar de uma esfera pública policêntrica, na qualdecomunicar sentimentos e percepções é um exercício intersubjetivo permanente. Certamente, o ambiente virtual não encerra as possibilidades de experiência cultural de adolescentes e jovens, e a escola pode cumprir um papel importante na diversificação dessa experiência. Para tanto, é preciso que ela encontre as muitas comunidades invisíveis que a ocupam e lhes permita condição de existência. Ler, contar, apreciar e partilhar, escrever escreve r para outros leitores e não somente para o professor, escrever para ser ouvido, interpelado estética e intelectualmente e não somente para ser corrigido precisa constituir-se experiência de linguagem na escola. Existem armadilhas e é preciso reconhecê-las. Por outro lado, é preciso também reconhecer oportunidades, possibilidades de invenção e de reinvenção de práticas sociais e educativas que estão emergindo. A leitura na in
ternet é um movimento crescente e incorpora cada vez mais novos segmentos. Assim como o videocassete, que foi embora sem que tivéssemos explorado as suas potencialidades, acompanhar esses movimentos marginais pode
ser uma forma de dotar a escola de instrumentos teóricos e práticos que lhe permitam enfrentar as transformações do mundo como desafios à sua própria existência. Entre esses desafios está a sua própria relação com a linguagem. A incursão na comunidade de leitores da livraria virtual virtu al Floreios Floreio s e Borrõe Borrõess permitiu produzir prod uzir um outro discurso, diferente daquele que aponta para baixas competências no uso da linguagem escrita em ambientes virtuais. A meu ver, essa comunidade de leitores compreende as múltiplas situações de comunicação das quais participa e transita de forma refinada por entre elas. São leitores que reconhecem que escrever um texto literário é diferente de escrever um comentário. Isso ocorre porque aos autores cabe a tarefa de preservar a norma culta, razão pela qual palavras e sentenças inconclusas, prolongamentos gráficos, modos não convencionais de nasalização, entre outras formas, não são utilizados nas ficções. No mesmo suporte, há formas distintas de lidar com a linguagem, lingua gem, o que permite afirmar que estamos diante de uma geração com uma imensa plasticidade e heterogeneidade linguística. A mudança suporte não alterou objeto que abriga o texto,demas a própria relaçãoapenas com aoescrita. A cultura impressa associa um suporte de transmissão e categorias de textos a certos usos e formas de leitura. A cultura digital imprime outra lógica. Segundo Chartier, no mundo digital, [...] todos os textos, sejam eles quais forem, são entregues à leitura num mesmo suporte [...]. É assim criada uma continuidade que não mais distingue os diferentes
gêneros ou repertórios textuais que se tornaram semelhantes em sua aparência e equivalentes em suas autoridades (2002, p. 109).
O campo da comunicação escrita está mais alargado, alarga do,
porque a continuidade e a permanência do suporte para classes de textos distintas passam a exigir maior acuidade do leitor virtualoscompetente em diferentes gêneros leitor. é capazO de escolher recursos linguísticos de acordo com a situação comunicativa, num tempo em que o suporte e o lugar da comunicação não constituem mais elementos de distinção. O lugar não tem centro nem autoridade; diferentes textos são transmitidos por meio do mesmo suporte. Nesse sentido, o mais importante agora não é o objeto que carrega o escrito, mas a interação e a finalidade do que é dado a ler. Situações mais ou menos formais, o alcance comunicação parece definir o gêneropúblico textualou queprivado o leitorda deve utilizar. Dessa forma, eis uma polêmica escolar que estabeleceu dois polos distintos para o ensino da língua: de um lado, a gramática normati va e, de outro, os gêneros textuais, textu ais, parece parec e passível, passíve l, por esta via, de ser se r superad su perada. a. O falar-escrito, que também ocorre em situação assíncrona (offline), admite o uso de abreviações, alongamentos gráficos, combinações de sinais, usos de maiúscu maiúscula, la, etc. O comentário uma obra, que pela sua composição se aproxima dessede gênero discursivo, admite transgressões e dispensa, portanto, a gramática culta. Um texto literário, não. O texto literário como criação estética, mesmo em um outro suporte, mantém-se segundo a ordem dos livros impressos. Na escola e fora dela há um idioma comum presente na formação das novas gerações de leitores e autores: o texto bem escrito. Para os objetivos obj etivos deste trabalho não estão em questão polêmicas teóricas e
ideológicas já estabelecidas em torno do conceito de norma culta. O que quero enfatizar é que o ambiente digital incorpora repertórios culturais já cristalizados, daí porque o texto literário eletrônico, em muitos aspectos, mantém
e preserva formas já consagradas pelo impresso. Portanto, neste espaço, não há escrita adequada ou inadequada. É a intenção comunicativa que marca a escolha de certas formas e não de outras. E essas escolhas não se realizam fora da compreensão da linguagem como produção social. A ideia de Bakhtin (2003, p. 282) de que “falamos apenas por meio de determinados gêneros do discurso, isto é, todos os nossos enunciados possuem formas relati vamente vamen te estáv estáveis eis e típica típicass de const construção rução do todo” ajud ajudaa a entender a complexidade do mundo digital. Conforme ele próprio assinala, quanto melhor dominamos gêneros tanto mais livremente os empregamos, tantoosmais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade (onde isso é possível e necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a situação singular da comunicação; em suma, realizamos de modo mais acabado o nosso livre projeto de discurso (idem, p. 285).
Isso significa que, quanto maior for o conhecimento das condições de produção de determinados gêneros, qualquer que seja o suporte, mais ampliadas serão as possibilidades de trânsito e de invenção. Por sua vez, não há como ter domínio de um gênero sem o seu exercício efetivo, de forma que a ausência de livros e de outros suportes do escrito, como o computador, coloca-nos diante de impasses a este exercício de liberdade do discurso a que se refere Bakhtin.
Conclusão O sentimento da perda ainda marca a relação da escola com o mundo digital. O desaparecimento da leitura e
da língua culta são perigos, reais ou imaginários, que cercam a escola. Muito mais que ameaça, talvez as tecnologias de informação e comunicação tragam para a escola outros desafios. Segundo Pierre Lévy, “Os polos da oralidade primária, da escrita e da informática não são eras: não correspondem de forma simples a épocas determinadas. A cada instante e a cada lugar os três polos estão sempre presentes, mas com intensidade variável” (1993, p. 126). E continua, “Uma infinidade de circuitos informais, pessoais, pertencendo à oralidade arcaica, continuará a irrigar as profundezas da coletividade. Ainda que processada por novos métodos, uma grande parte da herança cultural permanecerá” (idem, p. 131). Cultura oral, cultura escrita e cultura digital estão rearticuladas. Oralidade reconstituída, escrita ampliada. Complementaridade, coexistência e não-concorrência. Portanto, o livro não desaparecerá com a profusão do computador e da internet. A grande questão para a escola é a sua capacidade de arregimentar novos leitores ante as práticas que o afastaram e contra as quais concorrem lugares em que o leitor é mais ativo e pode, portanto, ao inserir-se na cultura coletiva de autores e leitores, ampliar as práticas e os usos da linguagem. Está em curso uma grande transformação do suporte do escrito (agora a tela do computador), a produzir por sua vez tanto a transformação da técnica de produção dos textos como a das práticas de leitura. Dentre essas práticas, destaca-se a presença de livros inacabados, leitores
coautores, leitores iniciando-se na “crítica literária”. Nessa perspectiva, a crítica que imputa ao texto eletrônico a fuga de leitores e o declínio da linguagem culta precisa ser modulada pelo próprio movimento da cultura e da his-
tória. O texto eletrônico comporta pluralidade de usos, como todas as outras técnicas sociais, de modo que não há uma ordem de razão capaz de abarcá-lo fora da complexidade das práticas humanas. É nessas práticas diversas que se estão produzindo níveis progressivos de inserção na cultura digital que incluem o leitor, o comentador e o autor e que podem estar reunidos em um único indivíduo de uma comunidade. Assim, a relação mais imediata entre a obra e sua leitura deixa de ser uma “promessa”, como imaginava Chartier (2002, p. 113). Se essa prática será vencedora sobre as outras, outras , só o fazer histórico poderá nos dar a resposta. Em Floreios e Borrões está em formação um novo leitor. Um leitor capaz de lidar com as aquisições da cultura de forma competente, porque capaz de reconhecer que a linguagem se realiza numa dada ambiência humana, numa multiplicidade de circunstâncias e contextos regidos por regras e formas de participação específicas. Ele é capaz ca paz de fazer distinções e é possível acompanhar o seu curso na medida em que formas que tecem um texto quando ele éoutras a via situações para realizar uma conversaNesse não são validadas em de comunicação. sentido, parece-me um falso problema o debate sobre a inclusão ou não de formas linguísticas associadas a ambientes virtuais no interior da escola. A questão fundamental não é a forma, mas a interação comunicativa e a função que cumprem certos recursos linguísticos nos contextos em que eles ganham significação. Uma conversa escrita pode comportar, mesmo no espaço da escola, prolongamentos gráficos, íco
nes, etc. A pergunta que precisamos fazer é: Qual o papel da conversa escrita num lugar social de interação face a face, em que a oralidade primária é permanentemente requerida?
Adolescentes e jovens, no caso particular da comunidade Floreios e Borrões, estão inventando práticas de leitura/escrita ampliam as possibilidades de comunicação humana,que o que nos provoca a pensar sobre o papel da escola. Para a grande maioria da sociedade brasileira, cumprir bem seu papel de tradição já é muita coisa, principalmente para aqueles que só podem ascender a certos saberes por meio da sua ação. Se não houver computador nem internet, a escola pode ser se r competente na inserção de adolescentes e jovens em muitos outros gêneros requeridos pela escola e que só são importantes porque são importantes fora outro lado, pelo as novas gerações dependerão dadela. escolaPor para transitar gênero digital.não As comunidades virtuais podem ser muito mais competentes nessa tarefa. Portanto, a quebra das armadilhas é ao mesmo tempo social e pedagógica. Ela implica livros, computadores para todos e muitos lugares culturais de educação do leitor, para que não precisemos exigir da escola tarefas maiores que a sua experiência histórica. Do ponto de vista pedagógico, práticas educativas exteriores à escola podem fazê-la aprimorar o seu fazer na proporção da sua abertura abe rtura para aprender com aquilo que é marginal, desautorizado, impedido.
Referências BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. (4ª ed.) São Paulo: Martins Fontes, 2003.
CENTRO ESTUDO SOBRE AS TICS. Tic domicílios e usuários, 2006. Disponível em: . Acesso em: março de 2007. CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. São Paulo: Unesp,
2002. LÉVY, Pierre. As tecnologi tec nologias as da inteligê int eligência: ncia: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital. In: MARCUSCHI, Luiz Antônio & XAVIER, Antônio Carlos. Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção de sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.
Sobre os autores e autoras
Eliana da Silva Felipe
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará (1992), mestrado em Informática Educativa pela Universidade Federal de Santa Catarina (2002) e doutorado em Educação Universidade Estadual de CampinasFederal (2009).doAtualmentepela é professora Associada da Universidade Pará, Instituto de Ciências da Educação, onde atua como professora do Curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação, linha de Formação de Professores, Trabalho Docente, Teorias e Práticas Educativas. Tem experiência na área de Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: políticas de formação inicial e contínua de professores, teorias e práticas pedagógicas, docência na Educação Básica (com (co m ênfase em alfabetização e leitura) e superior. Esméria de Lourdes Saveli
Possui graduação em Pedagogia com habilitação em Orientação Educacional e Supervisão Escolar (1977) e graduação em Letras (1991) pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Mestrado em Educação (1996) e doutorado em Educação (2001) pela Universidade Estadual de Campinas. Professora Associada, aposentada, da UEPG, atuou na licenciatura em Pedagogia e no Programa de Pós-Graduação em Educação
(UEPG), na linha de pesquisa: História e Política Educacionais. Desenvolve e orientou pesquisas sobre políticas educacionais e sua materialidade nas práticas cotidianas no Grupo de Estudos e Pesquisas de Educação Básica (GEPEB). Tem ampla experiência na área de Educação Básica atuando principalmente com a
formação de professores, organização da escola em ciclos e em tempo integral, metodologia, alfabetização, leitura e políticas educacionais. Educação no período de 2001-2004 Atuou e desdecomo 2013 Secretária exerce estedecargo no município de Ponta Grossa. João Wanderley Geraldi
Possui graduação em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ijuí (1980), graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria (1970), mestrado em Linguística (1978); doutorado em Linguística (1990); livre-docência em Análise do Discurso (1995) e Titularidade (2003), pela Universidade Estadual de Campinas. Professor aposentado. Foi professor colaborador visitante das Universidades do Porto e de Aveiro (Portugal), da Universidade de Siegen (Alemanha), da UFF e da UFSC. Atualmente é blogueiro (www.blogdogeraldi.com.br). Lívia Suassuna
É licenciada em Letras-Português pela Universidade Federal de Pernambuco (1981), mestre em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1989) e doutora em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (2004). Atualmente integra o conselho editorial da revista Leitura - Teoria & Prática (editada pela ALB - Associação de Leitura do Brasil) e é professora associada da Universidade Federal de Pernambuco (Centro de Educação - Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino e Programa de Pós-graduação em Educação). Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa, atuando prin-
cipalmente nos seguintes temas: ensino de língua portuguesa, didática do português, linguística aplicada ao ensino de português, ensino de literatura e educação e linguagem.
Maria do Rosario Longo Mortatti
Professora Titular da UNESP - Universidade Estadual Paulista. Livre-Docente (1997) pela UNESP. Licenciada em Letras (1975) ( 1975) pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Araraquara; Mestre em Educação (1987) e Doutora em Educação (1991), pela Faculdade de Educação da Unicamp - Universidade Estadual de Campinas. Atua no curso de Pedagogia e no Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP - Marília. Atuou no Curso de Pedagogia da UNESP- Presidente Prudente (19911998) e no Programa de Pós-Graduação em Letras da UNESP Assis (1993-1999). Entre 1976 e 1991, atuou em escolas públicas e particulares paulistas, como professora de língua portuguesa e literatura e coordenadora pedagógica, além de monitora junto à Delegacia de Ensino - Campinas. É coordenadora do GPHEELLB - Grupo de Pesquisa História da Educação e do Ensino de Língua e Literatura no Brasil. É Presidente Emérita da ABAlf Associação Brasileira de Alfabetização. Núbio Delanne Ferraz Mafra
Possui graduação em Letras pela UFJF (1986), especialização em Planejamento Educacional pela ASOEC (1991), mestrado em Educação pela UFF (1996) e doutorado em Educação, área de Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte, pela Unicamp (2007), tendo cursado estágio pós-doutoral em Estudos Linguísticos, área de Linguística Aplicada, na UFMG (2013). É professor associado do Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas da UEL, com atuação no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (PPGEL), no Programa de Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS), na Especialização em Língua Portuguesa e na Licenciatura em Letras/Português. É líder do Grupo de Pesquisa Formação e Ensino em Língua
Portuguesa (FELIP). Tem experiência acadêmica na área de Linguística Aplicada, abordando principalmente os seguintes temas: multiletramentos, ensino de língua portuguesa e formação de professores.
Sonia Kramer
Graduada em Pedagogia pela Faculdade de Educação Jacobina (1975), Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro/PUC-Rio (1981), Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1992), Pós-doutorado na New York University. É professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Educação, atuando principalmente com educação infantil e primeiros anos do ensino fundamental, infância, formação de professores, políticas públicas e educação, alfabetização, leitura e escrita, estudos judaicos. Seus principais autores de estudo e reflexão são: Walter Benjamin, Mikhail Bakhtin, Lev Vigotski, Martin Buber, Paulo Freire, Leandro Konder e Hilton Japiassu. Tania Dauster
Possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestrado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutorado em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - Museu Nacional. Realizou Pós-Doutorado no Museu Nacional (Programa de Pós-Graduação Antropologia Social).Católica Atualmente é professora emérita da em Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro. Coordena e desenvolve o Laboratório de Memória do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio (LAMPPGE/PUC-Rio) e realiza a investigação intitulada Fundadores - a construção da memória da Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio. Atua na área de Antropologia e Educação, tendo organizado com outras colegas o número 49 da Revista Horizontes Antropológicos intitulado “Antropologia, Etnografia e Educação”, publicado em 2017.
Sobre os organizador organizadores es
Ezequiel eodoro da Silva
Possui Graduação em Língua e Literatura Inglesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1971), Mestrado em Educação - Leitura - pela Universidade de Miami (1973) e Doutorado em Educação (Psicologia da Educação) pela Pontifícia Universidade Católica São Faculdade Paulo (1979). Docência em Metodologia de Ensinodepela de Livre Educação da Unicamp (1994). Atua como professor visitante junto ao Grupo de Pesquisa ALLE -AULA (Alfabetização, Leitura e Escrita e Trabalho Docente na Formação Inicial), da Faculdade de Educação, Unicamp. Em abril de 2015 passou a compor a equipe de professores pesquisadores do programa de Mestrado Interdisciplinar stricto sensu em Desenvolvimento e Sociedade da UNIARP - Universidade Alto Vale do Rio do Peixe, Caçador, SC, e em janeiro de 2016 assumiu a coordenação do Mestrado Profissional Básica da de UNIARP - trabalhos que perduraram em até oEducação mês de dezembro 2017. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Pedagogia, Peda gogia, Psicologia e Didática, atuando principalmente com os seguintes temas: leitura, formação do professor, biblioteca escolar e leitura na internet. Comanda os trabalhos da Editora Leitura Crítica, com vários títulos já editados. Mais recentemente inaugurou o Portal Leitura Crítica , onde inseriu boa parte da sua obra e promove a formação continuada e a atualização dos professores brasileiros para o ensino da leitura.
Lilian Lopes Martin da Silva
Possui graduação em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (1977), mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1981) e doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1994). Atualmente
é professora colaboradora (MS -5) da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, junto ao Grupo de Pesquisa leitura, escrita e trabalho docente formação“Alfabetização, inicial” (ALLE/AULA). Tem experiência na área na de Educação, com ênfase em Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: educação, leitura, formação de professores e ensino de português. Luciane Moreira de Oliveira
Graduação em Pedagogia (Universidade Estadual de Campinas), especialização em Administração da Cultura (Fundação Getúlio Vargas), mestrado em Educação (Universidade Estadual de Campinas) e mestrado profissional em Museologia (Universidad de Valladolid, Espanha). É pesquisadora do Grupo de Pesquisa ALLE/AULA (Alfabetização, Leitura e Escrita e Trabalho Docente na Formação Inicial). Tem experiência e atuação nas áreas de educação, formação de professores, cultura, artes e museologia. Atualmente pesquisa os seguintes s eguintes temas: história da leitura, leitor, imprensa ilustrada, editor e leitura.