E-Book - Análise Musical
April 3, 2023 | Author: Anonymous | Category: N/A
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Daniel Lemos Cerqueira
ANÁLISE MUSICAL São Luís 2021
Os materiais produzidos para os cursos ofertados pelo UEMAnet/UEMA para o Sistema Universidade Aberta do Brasil UAB são licenciados nos termos da Licença Creative Commons – Atribuição – Não Comercial – Compartilhada, podendo a obra ser remixada, adaptada e servir para criação de obras derivadas, desde que com ns não comerciais, que seja atribuído crédito ao autor e que as obras derivadas sejam licenciadas sob a mesma licença.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO - UEMA Reitor Gustavo Pereira da Costa
Professor Conteudista Daniel Lemos Cerqueira
Vice-Reitor Walter Canales Sant´ana
Revisão de Linguagem Lucirene Ferreira Lopes
Pró-Reitora de Graduação Zara da Silva de Almeida
Designer de Linguagem Lucirene Ferreira Lopes
Núcleo de Tecnologias para Educação Ilka Márcia Ribeiro S. Serra - Coord. Geral
Designer Pedagógico Paulo Henrique Oliveira Cunha
Sistema Universidade Aberta do Brasil Ilka Márcia Ribeiro S. Serra - Coord. Geral
Projeto Gráco e Diagramação Josimar de Jesus Costa Almeida
Coordenação do Setor Design Educacional Danielle Martins L. Fernandes Lima - Coord. Pedagógica Cristiane Peixoto - Coord. Administrativa
Capa Rômulo Coelho
Cerqueira, Daniel Lemos Análise musical [e-Book]. / Daniel Lemos Cerqueira. – São Luís: UEMA; UEMAnet, 2021. 76f. ISBN: 1. Análise musical. 2. Morfologia Musical. 3. Estruturação Musical I.Título. CDU: 78.01
APRESENTAÇÃO APRESENTAÇÃO Olá, caro(a) estudante,
Mesmo com a vasta literatura associada à análise musical, decidimos escrever um e-Book. E por quê? Com base em artigos publicados anteriormente, vimos que o ensino de teoria e análise geralmente é entendido como um compêndio de regras voltadas a uma linguagem musical “universal” – e etnocêntrica – quando, na verdade, o estudo de quaisquer linguagens (musical, verbal etc.) é baseado em interpretações. Um incômodo evidente vivenciado na graduação ocorria justamente nas disciplinas em que o professor conduzia a análise da obra como se fosse a única alternativa “certa”, desacreditando quaisquer interpretações diferentes que os estudantes viessem a ter. A própria Esther Scliar, em seu livro sobre fraseologia, reconhece a diculdade em denir o inciso – a menor parte estruturante com sentido musical em uma obra – sendo que a raiz do problema é a pretensão em buscar respostas “absolutas” e “denitivas”. Apesar da supercialidade deste e-Book, abordando com brevidade teorias e ferramentas analíticas tão profundas que levam musicólogos a dedicar carreiras a cada uma delas, a intenção é apresentar um panorama das várias possibilidades desse vasto campo a estudantes de Licenciatura em Música do interior do Maranhão – muitos dos quais levam horas para chegar aos Polos da UEMA, às vezes indo de canoa. Além de estarem tendo acesso a um conhecimento que jamais seria acessível de forma presencial ou em outra oportunidade de suas vidas, desejamos que eles compreendam a linguagem musical como o resultado de convenções sonoras estabelecidas ao longo do tempo, na qual a música presente em suas realidades também faz parte – e não apenas o repertório canônico dos “Grandes Universais”. Daniel Lemos Pianista
SUMÁRIO UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO À ANÁLISE MUSICAL .......................
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1.1 Conceitos elementar elementares es ............... .............................. ............................... ............................... .................... .....
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1.2 Duas facetas da análise musical ............... ............................... ............................... .................... .....
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1.3 Hibridismo nas abordag abordagens ens ................ ............................... ............................... ............................ ............ 12 RESUMO .............. RESUMO .............................. ............................... ............................... ................................ ............................... ............... 14 REFERÊNCIAS .................................................................................
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UNIDADE 2 – MORFOLOGIA MUSICAL MUSICAL .............. ............................. ............................. .............. 16 2.1 Análise formal simples ............... ............................... ............................... ............................... ..................... ..... 16 2.2 Aprofundando os tipos de forma musical musical ................ .......................... .................... ............ .. 21 RESUMO .............. RESUMO ............................. ............................... ............................... ............................... ................................ ................ 27 REFERÊNCIAS ............... REFERÊNCIAS ............................... ................................ ............................... ............................... .................... .... 27
UNIDADE 3 – LINGUAGEM E ESTRUTURAÇÃO MUSICAL MUSICAL .......... ............ 28 3.1 Sistemas Sistemas de organização sonora sonora ................ ......................... ................... .................... ............... ..... 29 RESUMO ................ RESUMO ............................... ............................... ............................... ............................... .............................. .............. 46 REFERÊNCIAS ............... REFERÊNCIAS .............................. ............................... ................................ ............................... ................... .... 46
Licenciatura em Música
UNIDADE 4 – TEORIAS DE ANÁLISE EM MÚSICA MÚSICA .............. ......................... ........... 47 4.1 Tratados de contrap contraponto onto ............... ............................... ................................ ............................... ................. 48 4.2 Análise harmônica por cifras ................ ................................ ............................... ......................... .......... 50 4.3 Fraseolo Fraseologia gia .............. .............................. ................................ ............................... ............................... ...................... ...... 52 4.4 Campo harmônico .............. ............................. ............................... ............................... ............................ ............. 55 4.5 Padrões Padrões rítmicos rítmicos de gêneros musicais musicais .......... .................... .................... .................... ............ 60 4.6 Análise schenker schenkeriana iana ................ ............................... ............................... ............................... ..................... ...... 62 4.7 Grupo de acordes segundo Paul Paul Hindemith Hindemith ......... ................... .................... .............. .... 64 4.8 Teoria dos conjuntos .............. ............................. ............................... ............................... ........................ ......... 66 4.9 Teoria do gesto musical .............. ............................. ............................... ................................ ................... ... 69 4.10 Últimas consider considerações ações ............... ............................... ............................... ............................... .................... 74 RESUMO ............... RESUMO .............................. ............................... ................................ ............................... .............................. ............... 75 REFERÊNCIAS .............. REFERÊNCIAS .............................. ............................... ............................... ............................... .................... ..... 75
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INTRODUÇÃO À ANÁLISE MUSICAL
OBJETIVOS •
Conhecer o conceito de obra musical;
•
Identicar possíveis funções da análise musical.
1.1 Conceitos elementares
Resumidamente, podemos assumir que a análise musical nos ajuda a entender Resumidamente, como uma obra musical é constituída. Está relacionada, portanto, ao conceito de “obra” que, com base nos musicólogos James Grier (1996) e Carlos Alberto Alberto Figueiredo (2017), são as diversas maneiras nas quais uma criação pode existir. Observe o esquema a seguir (Figura 1):
Figura 1 – Conceito de obra musical
Fonte: elaborada pelo autor (2020).
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O esquema nos mostra que uma obra musical pode existir em diversas maneiras. Ao criá-la, o compositor a traz em sua mente, assim como o intérprete após memorizá-la – seja por leitura de partituras ou “tirando de ouvido” – e o ouvinte ao apreciá-la. Nesses casos, a obra não existe sicamente, e sua existência permanece por meios cognitivos, ou seja: em estado imaterial. Quando o músico (compositor ou intérprete) transcreve a obra na forma de notação musical – partitura, por exemplo – ou a grava em um fonograma (meio físico de registro do som, podendo ser disco de vinil, ta cassete, CD, LP ou até mesmo um arquivo digital de áudio, entre outros) a obra se materializa e passa a existir também em meio físico1. É importante compreendermos também que a obra musical pode assumir um caráter atemporal. Suas fontes – cada fonte é um possível registro material da obra – capazes sobreviver por décadas e até séculos, podendo voltar à circulação e são reassumir suadeexistência imaterial através de novos músicos e ouvintes, diferentes daqueles que atuavam na época de criação da obra. No caso das culturas de tradição oral, – onde não há registro material direto de sons e/ou da linguagem musical – as obras são mantidas através de memorização entre indivíduos da comunidade, e assim permanecem por gerações, chegando a ser impossível atribuir autoria ou mesmo o momento de sua criação. Outra característica relevante é o fato de que tanto em sua existência material quanto imaterial, a obratambém assumeocorre variações sua identidade. Isso é mais evidente na oralidade, no entanto, com em as partituras: mesmo possuindo instruções detalhadas sobre a obra, um registro sonoro (partitura ou fonograma) jamais será capaz de detalhar com exatidão todos os elementos sonoros – o timbre dos instrumentos musicais utilizados, as características acústicas do ambiente ou as condições das caixas e do sistema de som, por exemplo. Se incluirmos o ouvinte, o cenário se torna mais imprevisível, uma vez que a escuta envolve aspectos psicoacústicos e a vivência cultural do indivíduo – aspectos que delineiam a experiência perceptiva de todos nós. Esse debate inicial nos leva a concluir que a análise musical jamais será capaz de revelar por completo a complexidade de todas as variáveis associadas a uma obra Aqui entra o conceito de arquivo, no qual se materializa a literatura musical - o repertório.
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em particular. Portanto, é mais coerente assumirmos que uma análise será oportuna em um contexto especíco, abordando quais aspectos de uma obra em particular desejamos aprender ou conhecer com maior profundidade. Pelo mesmo motivo, a análise musical possui nalidades diferentes conforme quem a aplica – o intérprete e músico prático, por exemplo, utilizam a análise de uma obra para denir estratégias de estudo de canto lírico ou do instrumento; o regente, por sua vez, faz da análise uma ferramenta para conduzir a interpretação do conjunto musical sob sua batuta; o compositor pode utilizá-la para averiguar o uso de técnicas composicionais diversas e mapear o processo criativo; o editor faz dela um recurso para acelerar o processo editorial; e o licenciado em Música pode adotá-la para criar atividades de estudo da obra ou criar jogos musicais para os estudantes, entre algumas das inúmeras possibilidades.
1.2 Duas facetas da análise musical Ao abordar a análise musical como uma possível ferramenta a ser utilizada por “não-musos”, isto é, pessoas que não tiveram acesso ao conhecimento técnico e teórico da música, Philip Tagg traça um interessante panorama sobre a presença da música em nossa sociedade: [...] há poucas dúvidas que música, em nossa cultura, é o mais ubíquo dos sistemas simbólicos. Sua importância emmédia termos e temporais é inegável. Nossos cérebros registram uma de monetários 3 horas e meia de música por dia – quase 25% do tempo de vida que passamos acordados. E 90% do tempo das rádios consistem de música, ao passo que metade da programação de TV apresenta música na tela ou como música de fundo. Na verdade, muito pouca gente gasta mais tempo lendo, escrevendo e escutando do que falando, dançando ou olhando para pinturas e esculturas etc. (TAGG, (TAGG, 2011, 2011, p. 7).
Esse cenário nos leva a compreender o porquê de diversas pessoas que não tiveram acesso ao ensino formal ou não-formal de música são capazes de reconhecer determinados aspectos da linguagem musical. Para isso, desenvolvem um vocabulário próprio para qualicar a sonoridade de uma obra musical – a qual podemos considerar um tipo de análise. Um exemplo são programas de televisão voltados à competição de 8 8
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cantores, como os antigos e lendários “Festivais da Canção” ou os atuais “The Voice”, nos quais o público consegue perceber diferenças de qualidade entre interpretações utilizando termos como “voz rouca”, “falta de presença” ou “cantou com o nariz”. Outro exemplo comum se dá com músicos autodidatas e produtores musicais de estúdio, que buscam palavras próprias para qualicar diferentes características sonoras. Assim, conforme aponta Mór (2004), o uso de metáforas em referência a aspectos musicais é recorrente, sob a diferença de que os músicos com formação especíca têm acesso a um vocabulário já estabelecido e padronizado: “brilhante”, “agitado”, “muita reverberação” e “cantabile”, entre outros. Retomando o estudo de Tagg, o autor oferece dois aspectos centrais para pensarmos a análise musical, baseado no “Modelo Tripartite” proposto por JeanJacques Nattiez (1975) e influenciado pelo campo da Semiótica: a) elementos Poiético: trata do processo de e elaboração dtécnicas a obra, considerando de estruturação da criação linguagem musical e da utilizadas em sua composição, bem como questões de timbre, técnica instrumental e produção sonora; b) Estésico: aborda a recepção da da obra, averiguando os efeitos efeitos que o resultado resultado sonoro de composição e interpretação gera em seu contexto de difusão, incluindo questões culturais, sociais, políticas, econômicas e a relação da linguagem musical com outras áreas – letra da canção (Literatura), audiovisual (Cinema), cultos religiosos, entre outros. Aqui, temos a possibilidade de estabelecer uma analogia com a linguagem verbal, no campo da Linguística: a organização dos elementos musicais (melodias, acordes, sonoridades, entre outros) fazem da música uma linguagem própria, na qual sons e elementos de estruturação se tornam signicantes e a sonoridade resultante da organização dos mesmos geram signicados. Como exemplo, um acorde maior com sétima menor, menor, por si só, é um signicante. Conforme o contexto em que se insere – se estiver em um trecho musical tonal com função de dominante, ou constar em uma peça de blues em caráter modal, por exemplo – irá adquirir um signicado.
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Retomando a proposta de Tagg, o autor arma que o ensino dos aspectos poiéticos da música acontece em escolas especializadas, nas quais há disciplinas de teoria musical, harmonia, contraponto, orquestração e análise musical. Já os aspectos estésicos são compartilhados por toda a sociedade, incluindo pessoas sem acesso à instrução formal em música (TAGG, 2011, p. 9-10). Sendo assim, é compreensível o fato das abordagens poiéticas serem as mais recorrentes em análise musical – questão levantada por Tagg em seu estudo. Exemplos de estudos baseados em abordagens poiéticas são aqueles que tratam de forma musical (fraseologia, morfologia musical), estruturas melódicas, harmônicas e seriais (modalismo, tonalismo, atonalismo), notas de passagem e condução de vozes (harmonia tradicional e contraponto), análise de texturas sonoras (espectroscopia, objeto sonoro), análise de gravações sonoras e interpretações (audição crítica), acústica e propagação do som. Já as abordagens estésicas envolvem a documentação e estudo sobre a difusão de obras em contextos socioculturais, podendo envolver historiograa, arquivologia, técnicas de pesquisa social (observação, entrevista), teorias e correntes losócas (racionalismo cartesiano, positivismo, marxismo cultural, fenomenologia, epistemologia, cognição) e análise estatística, entre outras. Diante da questão, é importante termos em mente as possibilidades e limitações de cada uma destas duas abordagens (Tabela 1): Tabela 1 – 1 – Possibilidades Possibilidades e limitações das abordagens em análise análise musical Abordagem
Possibilidades
Limitações
Poiética
Compreensão aprofundada sobre o processo criativo; análise dos fenômenos sonoros como linguagem própria – sonoridade como produção de conhecimento
Concepção “universalizada” e descontextualizada da obra; manutenção de cânones positivistas; noção de processo criativo isolado de um contexto
Estésica
Desconsidera a sonoridade como uma Entendimento da relação entre a obra e seu linguagem própria; não permite estudar contexto histórico-cultural; permite estudar o processo criativo musical; limita a o impacto teórico-losóco da produção compreensão da obra a um contexto musical na cultura e na sociedade histórico-cultural especíco
Fonte: elaborada pelo autor (2020). 10 10
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Diante das limitações, musicólogos têm defendido a relevância de fazer uso de ambas as abordagens no processo analítico, envolvendo tanto o aspecto poiético quanto estésico. estés ico. A musicólog musicóloga a Maria Alice Volpe menciona o movimento intitulado “Nova “No va Musicologia”, no qual os estudos sobre obras musicais – abordagem poiética – podem ser complementados com informações sobre o contexto cultural, social e histórico de criação e difusão dessas obras – abordagem estésica – visando a um entendimento mais abrangente da produção musical (VOLPE, 2007). Pelo outro lado, os estudos podem ser mais ricos se tangenciarem o processo criativo, ao invés de se limitar à importação das ferramentas de pesquisa de outras áreas e ao conceito histórico-sociológico histórico-sociológico de música, entendendo-a apenas como mera consequência de um contexto –, pois ela também pode assumir uma função catalisadora das transformações socioculturais, conforme destaca a musicóloga e educadora Vanda Freire (2013). Um tipo de estudo que pode ser associado à Nova Musicologia é a edição musical crítica, na qual a transcrição do texto musical – a partitura, por exemplo – é consubstanciada a partir de informações sobre o contexto histórico-cultural das fontes da obra utilizadas como referência no processo: Toda peça musical é criada sob uma combinação única de circunstâncias culturais, sociais, históricas e econômicas. O reconhecimento dessas circunstâncias, aliado à exclusividade de cada produto criativo, afeta a concepção de todos os projetos editoriais: cada peça é um caso especial, cada fonte é um caso especial, cada edição é um caso especial. (GRIER, 1996, p.19-20).
Na perspectiva da Etnomusicologia, Etnomusicologia, um exemplo de estudo que abarca ambas as dimensões poiética e estésica da análise musical é “Por que cantam os Kisêdjê?” (2015), do antropólogo Anthony Seeger. O pesquisador estabelece uma relação entre a forma e estruturação das canções dessa tribo indígena com as funções das mesmas em aspectos cotidianos da vida comunitária, como o pôr-do-Sol, a posição das estrelas no céu ou a entrada de jovens na vida adulta. Trata-se, portanto, de um método de análise que agrega tanto o nível poiético quanto Trata-se, estésico, e contribui para um entendimento da música tanto no aspecto criativo quanto em sua função social. Na prática, o desao deste tipo de abordagem para o pesquisador é a exigência por um domínio mais amplo e flexível das ferramentas de investigação a serem adotadas – e que inclui linguagem e estruturação musical. 11
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No artigo “Bumba meu boi do Maranhão: uma releitura de seus primeiros registros sonoros”, o autor aborda tanto o contexto histórico-cultural histórico-cultural desta manifestação cultural quanto a análise das sonoridades relativas à convenção dos “sotaques”, utilizando gravações de toadas como referência. Este estudo está disponível em: http://www.revistas.udesc. br/index.php/nupeart/ article/view/9124/6990.
1.3 Hibridismo nas abordagens
Uma característica forte nas Artes em geral é o recorrente diálogo entre suas diversas áreas, ár eas, prioritariamente priorita riamente Artes Visuais, Dança, Música e Teatro, Teatro, além de Arquitetura, Artesanato, Cinema e Literatura, entre outros. Dentre as interfaces mais comuns com a Música, temos canções (Música e Literatura), acompanhamento musical de espetáculos teatrais e/ou coreográcos (Música, Teatro Teatro e/ou Dança), trilha sonora (Música e Cinema ou Audiovisual) Audiovisual) e ópera (Música, Artes Visuais, Artes Artes Cênicas e Dança). Na literatura musical – repertório – associada às obras com estas características, é fundamental explicitarmos de análise pretendida, pois para uma compreensão apurada de obras híbridas, oé tipo necessário dialogar com outras linguagens artísticas, preferencialmente em parceria com artistas e pesquisadores das áreas envolvidas. Como exemplo, é interessante o comentário de Grier sobre a edição da música vocal (que, naturalmente, inclui as canções), no qual “[...] o texto literário é parte constituinte da obra tanto quanto a música, sendo assim, precisa ser editado com o mesmo cuidado” (GRIER, 1996, p. 139). O autor complementa que o ideal seria fazer parceria com um lólogo, que caria incumbido de transcrever o texto literário das convenções linguísticas antigas para as atuais – trabalho similar ao que faz o editor de música. 12 2
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Uma falha metodológica comum ocorre em diversos estudos acadêmicos sobre canções nos quais o pesquisador estuda apenas a letra, deixando de lado as questões melódicas, harmônicas e sonoras em geral – limitando, portanto, sua análise apenas à linguagem verbal. Mesmo não tendo conhecimento especíco sobre linguagem e estruturação musical, o problema poderia ser atenuado se os pesquisadores tivessem maior cuidado em deixar clara a delimitação de seu estudo – somente a letra das canções, e não a obra como um todo. O etnomusicólogo Tiago Tiago de Oliveira Pinto alerta para a questão, recorrente em estudos historiográcos, sociológicos ou literários sobre obras musicais: Um mal-entendido comum entre pesquisadores não familiarizados com a documentação musical é que pensam estar analisando e falando de música, quando na verdade discorrem sobre a letra. Isso acontece muitas vezes em trabalhos que versam sobre a MPB. Outros pesquisadores encaram a música na sua acepção mais estreita: quando não sabem ler partitura, deixam a manifestação musical de lado por completo, como se ler partitura fosse sinônimo de entender e pré-condição para falar sobre música. (PINTO, 2001, p. 222).
No caso, a recomendação a estes pesquisadores é semelhante à de Grier: eles precisam estabelecer uma parceria com pesquisadores da área de Música, a m de promover uma análise mais abrangente da obra e da relação entre o objeto de estudo e a música como linguagem. Finalizando o debate, destacamos a relevância de se pensar a análise musical para além dos preceitos tradicionais, podendo abordar métodos variados de produção de conhecimento sobre o repertório, incluindo a possibilidade de diálogo com outras áreas do conhecimento. ATIVIDADE 1 Pensando nas disciplinas que você cursou até então, quais delas zeram uso da análise musical poiética? Quais as que adotaram uma concepção estésica? E quantas zeram uso de ambas? Elabore um pequeno quadro, indicando o nome das disciplinas e o(s) tipo(s) de processo analítico utilizados nas mesmas. 13 3
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RESUMO Nesta Unidade, foi apresentada uma conceituação ampla sobre a análise musical, ilustrando possíveis objetivos e contextos de aplicação. Foram apresentados o conceito de obra musical e uma proposta de abordagem semiótica da análise musical desenvolvida por Tagg, com base no Modelo Tripartite Tripartite de Nattiez, e o caso das obras híbridas onde a linguagem musical está inserida.
FIGUEIREDO, C. A. Música sacra e religiosa brasileira dos séculos XVIII e XIX: teorias e práticas editoriais. 2. ed. Rio de Janeiro: Edição do autor, 2017. XIX: cidade da ópera. Rio de Janeiro: FREIRE, V. B. Rio de Janeiro, século XIX: cidade Garamond, 2013. Music: History, Method, Practice. Cambridge: GRIER, J. The Critical Editing of Music: History, Cambridge University Press, 1996. musicais. Dissertação (Mestrado MÓR, R. Metáforas no ensino de instrumentos musicais. Dissertação em Educação) – PPGE, FURB, Blumenau, 2004. musique. Paris: Union NATTIEZ, J. J. Fondements d’une sémiologie de la musique. Paris: Générale d’Édition, 1975. 14 4
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PINTO, T. O. Som e Música: Questões de uma Antrologia Sonora. Revista de Antropologia,, São Paulo, v. 44, n. 1, p. 221-286, 2001. Antropologia SEEGER, A. Por que cantam os Kisêdjê? Uma antropologia musical de um povo amazônico.. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2015. amazônico TAGG. P. Análise musical para ‘não-musos’: a percepção popular como base para a compreensão de estruturas e signicados musicais. Per musicais. Per Musi, Musi, Belo Horizonte, n. 23, p. 7-18, 2011. VOLPE, M. A. Por uma nova musicologia. Música em Contexto, Contexto, Brasília, ano 1, n. 1, p. 107-122, jul. 2007.
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MORFOLOGIA MUSICAL
OBJETIVOS • Entender as estratégias elementares de Morfologia musical; •
Realizar atividades de análise da forma no repertório.
Entendendo o conceito de música como a organização de sons (e do silêncio, para alguns1) ao longo do tempo, podemos armar que a ferramenta de análise musical mais evidente é a forma. Não existe obra sem forma musical: se ela for totalmente aleatória, consistirá em uma grande forma aberta – que pode ser representada pela letra “A”. O campo da área de Música cujo objeto de estudo são as formas musicais é denominado Morfologia musical.
2.1 Análise formal simples
Neste tipo de ferramenta, utilizamos as letras do alfabeto para se referir às diferentes partes/seções de uma obra. Primeiro, tomamos determinados elementos sonoros e de estruturação como referência para denir a identidade de cada parte – tema, melodia, harmonia, voz do baixo, instrumentos utilizados (timbre), andamento e caráter musical (suscetível a tipos de articulação especícos), entre as possibilidades. Em seguida, identicamos as seções da obra que apresentam mudanças signicativas na sonoridade, sendo, portanto, partes diferentes. As partes que possuem semelhança entre si podem ser referenciadas como uma mesma letra, na qual acrescentamos um apóstrofo ( ‘ ) no caso desta parte não ser uma repetição idêntica. Em termo psicoacústicos, a audição humana não pode ter seu fluxo de informações interrompido – ao contrário da visão, cujo fluxo cessa ao fecharmos os olhos. Mesmo em câmaras anecoicas – projetadas para inibir totalmente a propagação de ondas sonoras – continuamos a ouvir ao ponto de escutarmos o próprio funcionamento funcionament o do organismo – coração batendo, respiração, digestão etc. Ou seja: o silêncio absoluto só pode ser conhecido por quem tem surdez total. 1
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Após esta sucinta explanação, faremos algumas atividades de reconhecimento da forma musical de peças curtas, tanto pelo texto musical (partitura) quanto através de registro sonoro (gravação). Vamos Vamos lá:
ATIVIDADE 2 Identique a forma musical da peça em seguida:
Aqui, temos dois trechos distintos, observáveis graças à ligadura de fraseado. A primeira parte possui quatro compassos de extensão/duração, enquanto a segunda possui três, ambas sob a mesma indicação de andamento e caráter – “Allegro cantabile”. A extensão/tessitura extensão/tessitura das alturas/notas se limita a uma quinta justa, entre a mais grave e a mais aguda. Ritmicamente, temos o uso de semínimas e mínimas pontuadas. As ligaduras de expressão as notas cujapoderá articulação seráolegato, juntamente os momentos em que oindicam músico/intérprete desligar som (entre notas com que iniciam e nalizam cada ligadura). Diante dessa observação, podemos concluir que esta breve peça é composta por duas seções/partes, não é? Ou apenas uma? Podemos deni-la como A - B, A A’ ou apenas A? O que você acha? Justique sua resposta, apontando os elementos musicais que o levaram a sua conclusão.
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ATIVIDADE 3 https://youtu.be/K6mM3VDfwh4,, temos a Assista ao vídeo. Disponível em: https://youtu.be/K6mM3VDfwh4 peça n.º 27 do Volume 1 do Microcosmos, método de piano solo do compositor húngaro Béla Bártok (1881-1945), chamada “Síncope”. Ouça-o, acompanhando a partitura. Em seguida, analise a peça, indicando quantas partes/seções você percebeu e quais os elementos musicais característicos de cada parte.
ATIVIDADE 4 Ouça a peça solo interpretada por Ryan Hew. Disponível em: https://youtu. be/4zRadxrl_IY.. Quantas partes/seções você foi capaz de perceber? Justique sua be/4zRadxrl_IY resposta, indicando os elementos musicais que o levaram a esta conclusão.
ATIVIDADE 5 Ouça a breve peça para piano solo chamada “Impov”, criada por Jervy Hou. Disponível em: https://youtu.be/zHvBPwNUBS8 https://youtu.be/zHvBPwNUBS8.. Quantas partes/seções você consegue identicar? Quais elementos musicais você percebeu e como eles subsidiaram sua análise?
ATIVIDADE 6
O vídeo em seguida traz uma pequena peça solo para harpa paquistanesa, https://youtu.be/XrdrexYgfVY.. composta por Marianne Bouvette. Disponível em: https://youtu.be/XrdrexYgfVY Ouça-a, procurando identicar quantas partes/seções ela possui. 18 8
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ATIVIDADE 7 Temos agora um tema de lme policial tocado toca do pelo quarteto Joyous. Jo yous. Disponível Disponí vel https://youtu.be/4JJB7dCCQ7w.. Tente identicar quantas partes/seções esta em: https://youtu.be/4JJB7dCCQ7w peça possui.
ATIVIDADE 8 O vídeo a seguir apresenta um breve dub, gênero de música eletrônica popular dançante, chamado “Short Dub Beat 2”, feito pelo usuário do YouTube “zz2000ADzz”. https://youtu.be/XTEHlsIOKA8.. Ouça-o e classique sua forma Disponível em: https://youtu.be/XTEHlsIOKA8 musical.
ATIVIDADE 9 https://youtu.be/hLWlhOFywck,, Laura Upshaw No vídeo. Disponível em: https://youtu.be/hLWlhOFywck gravou uma breve peça percussiva com instrumentos de percussão e rítmica originários da África. Analise-a, Analise-a, procurando denir uma forma musical para a mesma.
ATIVIDADE 10 Em seguida, temos o Andante (movimento lento) da Sonata - Divertimento Hob. XVI:8 do compositor Joseph Haydn (1732-1809), para piano solo. Disponível em: https://youtu.be/9ajl-JLPDbY https://youtu.be/9ajl-JLPDbY.. Ouça-o, procurando detectar uma possível forma musical para o mesmo. Obs.: não deixe de incluir o ritornello em sua análise! 19 9
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ATIVIDADE 11 Agora, temos uma peça experimental da década de 1940 feita com equipamentos eletroacústicos, característica da música acusmática, isto é: obras criadas para serem ouvidas/apreciadas por meio de autofalantes – e não através da interpretação musical tradicional). Veja o vídeo, disponível no endereço eletrônico https://youtu.be/xRTy8gXgTq8.. Em seguida, classique a forma musical desta peça, https://youtu.be/xRTy8gXgTq8 buscando padrões nas sonoridades que surgem ao longo da peça.
Em obras atonais em geral (seriais e acusmáticas, por exemplo), os elementos de estruturação musical não se baseiam em temas, harmonias, melodias e acompanhamento tais como no modalismo e no tonalismo. Aqui, temos o objeto sonoro ou gura sonora como elemento estruturante principal – que podem ser uma série, um som natural, articial ou manipulado articialmente.
ATIVIDADE 12 Em seguida, temos outra peça acusmática, intitulada “L’electro” e criada pelo https://youtu.be/6e8nGwF5spU.. Tente compositor Francis Dhomont. Disponível em: https://youtu.be/6e8nGwF5spU detectar a forma desta obra, buscando referências sonoras capazes de nortear sua análise.
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2.2 Aprofundando os tipos de forma musical
Dando continuidade ao assunto, apresentaremos agora algumas denições de Morfologia musical – o estudo das formas musicais – estabelecidas por convenções ao longo da história. Iniciaremos pelas seguintes: •
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Forma binária: quando detectamos suas partes/seções na obra como, por exemplo: A - B ou A - A’; Forma ternária: obra que possui três partes. Caso as três sejam consideravelmente diferentes, pode ser A, B e C. No entanto, o tipo mais recorrente recorr ente de forma fo rma ternária terná ria no repertóri r epertório o é A - B - A ou A - B - A’, A’, indicando indican do que a terceira parte/seção possui elementos musicais em comum com a primeira parte. O Minueto, um tipo de dança barroca europeia em métrica ternária simples, faz uso recorrente deste último tipo de forma musical; Rondó: proveniente do termo francês “Rondeau”, refere-se a um tipo de forma musical no qual a primeira parte/seção sempre retorna ao nal de uma novidade, novid ade, ou seja: A - B - A - C - A - D - A - E - A [...] e assim a ssim por diante. O termo rondó se refere a uma suíte (série de danças ou peças dançantes) do barroco francês em que este tipo de forma musical é recorrente; Minueto e Trio: segundo nos informa Filipe Salles (2002), esta convenção surgiu no nal do século XVII, na qual a dança Minueto, em sua forma ternária A - B - A passou a ser sucedida de uma seção chamada “Trio” – assim chamada por ser escrita para três instrumentos – também em forma ternária. Ao nal, o Minueto retornava, com variações ou não. Logo, a forma “Minueto e Trio” era a seguinte: A - B - A - C - D - C - A’ - B’ - A’; Forma Choro: apesar de não constar nas principais referências sobre estruturação musical, decidimos introduzir a “Forma Choro”, tendo em mente que se trata de um repertório com convenções estabelecidas, além de ser o embrião da música popular urbana brasileira. Semelhante ao 21 21 2
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Rondó, a Forma Choro se baseia em um tema inicial que é retomado regularmente, nesta ordem: A - B - A - C - A. É praxe nesse repertório o uso de ritornellos para cada tema com pequenas variações ao nal – indicadas pelas linhas de repetição “1.º” e “2.º” – fazendo com que a forma seja estruturada da seguinte maneira: A - A’ - B - B’ - A - C - C’ - A; •
Forma Canção Popular: a formação “Canto Acompanhado” – voz e instrumento harmônico – é uma das mais recorrentes do repertório em diversas culturas, e há diversos tipos de forma musical utilizados com recorrência nesta formação. No entanto, a mais recorrente na música popular brasileira é a canção com estrofes e refrão. É comum que as estrofes contenham a mesma estrutura musical, sendo diferente apenas a letra. Já o refrão é recorrentemente uma repetição idêntica tanto em Música quanto Literatura. Nestes casos, a forma musical mais recorrente seria: A - B - A’ - B - A’’ - B, por exemplo. Logicamente, não é um padrão; cada caso deve ser analisado em separado;
•
Tema com variações: neste tipo de forma musical, um elemento musical (tema ou melodia) é apresentado, e nas partes/seções posteriores, ele retorna com alterações ou variações em aspectos musicais variados: harmonização, duração – por aumentação (mais longo), diminuição (mais rápido) ou variação rítmica – dinâmica, tipos de ataque, caráter musical, andamento, tonalidade (modos maior ou menor), entre algumas possibilidades.
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Conheça a “Introdução e Thema com Variações Variações para Pianoforte”, de Antonio Luiz Miró (1805-1853), compositor nascido na Espanha e que fez carreira em Portugal. No m de 1849, ele viajou para o Maranhão, onde atuou como compositor, compositor, professor de piano e diretor do então Theatro São Luiz, cargo que ocupou até o nal de 1852. Disponível em: https://youtu.be/CpemI5Ks02Q?t=23 https://youtu.be/CpemI5Ks02Q?t=23..
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Adiante, apresentaremos partes/seções internas de uma obra que possuem papel episódico, isto é, assumem funções especícas dentro da forma musical como um todo: •
Introdução: seção inicial da obra, geralmente em caráter de preparação para a entrada do tema/motivo/melodia principal;
•
•
Exposição: seção em que os elementos estruturantes principais são apresentados; Coda: trecho nal da obra, diferente das partes anteriores e que apresenta caráter conclusivo – no tonalismo, por exemplo, rearma a tônica ou primeiro grau da tonalidade vigente com convicção;
•
Movimento: comum em obras da música de concerto, os movimentos são grandes seções de uma obra com ideia completa (início, meio e m), não ligadas entre si por um mesmo fluxo sonoro e com caráter e andamento contrastantes. Como convenção, os intérpretes param por alguns segundos entre os movimentos de uma mesma obra, e o público não aplaude nesse ínterim. Em tais obras, é recorrente haver três movimentos, sendo o primeiro em andamento rápido, o segundo lento e o terceiro também rápido – fazendo da obra uma grande forma ternária; •
Cadência: seção próxima ao nal de um movimento da obra que culmina na dominante (quinto grau), no qual o intérprete possui (ou melhor, possuía) liberdade para improvisar. Com a ocorrência de improvisações excessivas – às vezes mais longas que a própria obra – e do “gosto duvidoso” dos trechos inventados, os compositores passaram a escrever as cadências. Ludwig van Beethoven (1770-1827) foi um dos primeiros a fazê-lo.
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A audiopartitura, audiopartitura, um tipo de notação musical alternativa, consiste na representação da forma musical em repertório diverso por imagens a partir de atividades simples e lúdicas, tendo ampla utilização na Educação Musical brasileira de hoje – a qual se volta exclusivamente para a pedagogia na escola regular. regular. Um exemplo explicativo, feito pela professora Valéria Guimarães. Disponível em: https://youtu. be/aMlNHYdV_7M.. Outro vídeo de um “musicograma” – sinônimo be/aMlNHYdV_7M de audiopartitura – baseado em um trecho do conhecido Bolero, de Maurice Ravel (1875-1937), foi disponibilizado em: https://youtu. be/3Gk9xfUontc.. be/3Gk9xfUontc
Oferecemos em seguida breves explanações sobre agrupamentos maiores de obras musicais, formas mais complexas e diferenciadas: •
Série ou ciclo: sequência de peças que fazem parte de um conjunto maior, mas que com maior independência entre si do que os movimentos. A suíte, suíte, por é uma sequênciacomo de danças antigas estilizadas, na qual cadaexemplo, uma pode ser entendida uma pequena peça em separado, enquanto a missa da liturgia católica é um grupo de peças vocais – Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus e Agnus Dei;
•
•
Fantasia: obra cuja forma musical não segue um padrão estabelecido pelas convenções vigentes, cando à critério do compositor estruturá-la; Forma Fuga: estabelecida ao longo do Barroco, a Fuga se baseia em uma textura polifônica. Sua forma, bem resumidamente, é composta por: a) Exposição, na qual o motivo principal – chamado de “sujeito”, no primeiro grau, e de “resposta”, em sua adaptação à dominante ou quinto grau – é
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apresentado em cada uma das vozes; e b) Divertimento ou Parte Livre, na qual o tema se desenvolve conforme a inventividade do compositor, sem seguir um padrão pré-estabelecido. Algumas Fugas possuem Coda, na qual é desenvolvida uma nalização mais clara. Há também, o stretto, seção que antecede a Coda e apresenta o sujeito em cânone, ou seja: em sobreposição, com uma breve diferença rítmica entre as entradas em cada voz. Segue adiante um esquema elementar e genérico da Forma Fuga (Figura 2):
Figura 2 – Esquema elementar da Forma Fuga
Fonte: elaborada pelo autor (2020).
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Análise da fuga BWV 846 em Dó maior, a primeira do Cravo Bem Temperado, Livro 1, de Johann Sebastian Bach (1685-1750). Disponível em: https://youtu.be/an5qia4nVxo https://youtu.be/an5qia4nVxo.. Esta fuga é um exemplo curioso, pois logo após a exposição, há vários strettos. Obs.: o vídeo é em francês, portanto, seguem as traduções do nome de cada elemento: ‘sujet’ = sujeito; ‘réponse’ = resposta; ‘strette’ = stretto.
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Forma Sonata: consolidada ao longo do século XVIII, ela veio a se tornar a forma mais recorrente na música de concerto. O primeiro movimento da “arquitetura musical” de Sinfonias, Concertos e Sonatas (aqui como um tipo de obra, e não como forma!) fazem uso da Forma Sonata. Esta, resumidamente, é ternária, em A - B - A’, na qual a parte A assume o papel de exposição e, quando retorna, de reexposição. A Forma Sonata faz uso de dois temas, apresentados na exposição. O primeiro tema é apresentado na tônica, enquanto o segundo aparece na dominante (quinto grau) – fazendo da Forma Sonata, assim como a da Fuga, uma estrutura dependente do tonalismo. A parte B é o desenvolvimento, na qual os elementos musicais são trabalhados livremente. Na reexposição, os dois temas retornam, com a diferença que o segundo tema, dessa vez, aparece na tônica (primeiro grau). Mostramos adiante um esquema elementar da Forma Sonata (Figura 3):
Figura 3 – Esquema elementar da Forma Sonata
Fonte: elaborada pelo autor (2020).
•
Forma Pontilhista: estabelecida a partir da música serial dodecafônica do século XX, o pontilhismo musical se caracteriza pela construção da obra somente a partir da série e suas possíveis variações (inversão,
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retrogradação, aumentação etc.2). Como resultado, a forma da obra se torna uma espécie de “malha”, em analogia ao Pontilhismo nas Artes Visuais. Ela é, portanto, mais semelhante à Forma Fuga, pois possui uma textura contrapontística. A Forma Pontilhista também é adotada no repertório acusmático, no qual o objeto sonoro assume o papel da série.
RESUMO A presente Unidade abordou a Morfologia Musical como ferramenta para análise de obras. Foram apresentadas atividades de leitura e percepção para estudo da forma de peças selecionadas, sucedidas de uma explanação acerca dos principais tipos de forma musical encontrados no repertório da música popular e da de concerto.
Musicais, 2002. Disponível em: http://www.mnemocine.com.br/ SALLES, F. Formas Musicais, lipe/ forma.htm. Acesso em: 24 jun. 2020.
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Estas técnicas de composição serão abordadas com maiores detalhes na próxima Unidade.
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LINGUAGEM E ESTRUTURAÇÃO MUSICAL
OBJETIVOS • Reconhecer os diferentes sistemas de organização sonora; •
Situar as obras a serem analisadas em seus respectivos sistemas de organização.
De maneira geral, a música como expressão está onipresente nas culturas do mundo, sendo sua comunicação possível pelo mesmo motivo que, independente da língua falada, nós sabemos quando uma pessoa demonstra felicidade, medo, raiva ou vergonha graças à expressão corporal, que é um forte componente na comunicação verbal – e que os sons também são capazes de expressar. No entanto, a concepção da música como uma linguagem, conforme estamos abordando aqui, tem sua origem em convenções estabelecidas ao longo da história. É, portanto, fruto de um processo cultural, no qual diferentes contextos socioculturais produzem elementos de estruturação sonora particulares – da mesma maneira que existem diversas línguas no mundo. Este entendimento contrasta com a visão positivista de que a música seria uma suposta “linguagem universal” – quando, no entanto, ela possui um caráter universal somente enquanto expressão. Na perspectiva da análise musical, para que possamos saber quais ferramentas utilizar no estudo do repertório, precisamos conhecer um mínimo dos diversos meios de organização e estruturação dos sons que caracterizam a música como linguagem – um verdadeiro “discurso dos sons”, nas palavras de Nikolaus Harnoncourt (1988). Sendo assim, vamos abordar adiante os principais sistemas de organização na música de nossa cultura.
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3.1 Sistemas de organização sonora
Em nossa cultura, as alturas (frequência das ondas sonoras) têm um papel central no discurso musical. Os nomes das notas musicais e suas respectivas frequências são fruto de convenções que começaram a se estabelecer quase dois milênios, na Grécia Antiga. Claudio Ptolomeu (ca.90-168), em sua teoria harmônica, baseou-se na divisão proporcional das vibrações de uma corda para denir os intervalos “consonâncias” – aqueles cujo som é mais “harmonioso”: a oitava (divisão da corda em 2 partes – 2/1) quinta (3/2), quarta (4/3) e terça (5/4) – e “dissonantes” – intervalos que produzem sons “conflitantes”, cujas proporções são menores que 5/4 (GUSMÃO, 2013). Por convenção, as escalas – grupos de alturas utilizados para a composição de melodias – dos sete modos gregos – os modos são as diferentes formas de organização intervalar de uma escala – foram denidas a partir de sete alturas distintas, tratandose, portanto, de escalas heptatônicas. Séculos depois, o monge italiano Guido d’Arezzo (992-1050) propôs, para línguas latinas, a atribuição de nomes às sete alturas pré-estabelecidas das escalas dos modos gregos. Arezzo tomou como referência as primeiras sílabas de um hino de Paolo Diacono a São João Baptista, cujos nomes dó e si foram adotados posteriormente para facilitar a solmização (solfejo): Ut queant laxis; Resonare bris; Mira gestorum; Famuli tuorum; Solve polluti; Labii reatum; Sancte Ioannes.
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Nos países anglófonos, a convenção adotada foi pelo uso das letras A, B, C, D, E, F e G, começando a partir da nota Lá, a altura do diapasão – instrumento utilizado para a anação padrão da atualidade, cuja frequência é de 440 Hertz. Nessa época, não havia um único temperamento – relação entre as frequências das notas musicais. Assim como nos modos gregos, havia vários modos de anação, que variavam conforme a proporção do intervalo utilizado como referência para anar o instrumento – daí vêm a “quinta pitagórica” ou “quinta justa não-temperada”, sendo diferentes da quinta justa do temperamento igual, utilizado hoje1.
Tal fato se relaciona à ausência dos sistemas de medição precisos da atualidade: um “pé” e uma “polegada”, por exemplo, tinham como referência o tamanho do pé e do polegar do Rei. Logo, não havia um padrão exato de frequência para cada nota musical.
3.1.1 Modalismo
Assim, o primeiro sistema de organização musical que surgiu em nossa cultura foi o Modalismo. Através dele, criavam-se melodias – sequências de notas musicais ao longo do tempo. Com a combinação e/ou justaposição de melodias em contraponto (ou textura contrapontística), surgiu o conceito tradicional de harmonia, cuja combinação vertical de notas baseada majoritariamente em consonâncias levou à denição inicial de acorde como a sobreposição de duas terças maiores e/ou menores, contendo, portanto, três alturas – tríade. De forma bem sucinta, a principal característica do modalismo é a criação de melodias e acordes sem uma hierarquia entre os graus da escala – tratando-se, portanto, de um sistema não-tonal. 1
O temperamento igual é aquele cujas razões entre a frequência dos intervalos é a mesma para todas as doze alturas (notas musicais) da música de nossa cultura.
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Nos neumas, utilizados em notação musical antes da partitura atual e típicos da escrita modal, são registradas somente as alturas; o registro das durações (ritmos) passou a ser feito posteriormente. Segue adiante um exemplo de notação neumática, a antífona “Asperges Me”, constante no ritual dos Mercedários do Grão-Pará e registrado pelo frei João da Veiga em 1780 – os registros musicais mais antigos de todo o Norte do Brasil (Figura 4):
Figura 4 – Trecho da antífona “Asperges Me”, dos Mercedários do Grão-Pará
Fonte: Salles (1995).
Recapitulando as disciplinas anteriores, seguem as escalas correspondentes aos modos gregos não alterados (Figura 5): Figura 5 – 5 – Modos gregos
Fonte: elaborada pelo autor (2020).
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Os acidentes, inicialmente o bemol (♭) e o sustenido (♯), surgiram devido à necessidade de escrever os modos gregos em diferentes alturas, ou seja: visando à sua transposição. Considerando todas as possíveis transposições dos modos, podemos concluir que a música de nossa cultura possui doze alturas/notas musicais, ou seja, o modalismo é o sistema de organização sonora mais recorrente em diversas culturas do mundo, ressalvando-se a variedade de alturas, andamento, caráter e função social próprios de cada caso. Na música indonésia, em que o gamelão é um instrumento de papel central, o sistema de organização é baseado em duas escalas (laras) principais: slendro, escala pentatônica baseada em um temperamento igual que admite pequenas variações conforme a região da Indonésia; e pélog, escala heptatônica cuja construção melódica consiste em escolher cinco de suas alturas – de maneira semelhante aos modos gregos em relação a suas doze notas musicais possíveis. Segue uma representação aproximada destas escalas2 na partitura a partir da nota Ré, com uso de bemol-baixo, bequadro-baixo, bequadro-alto e sustenido-baixo, indicando que estas alturas não correspondem exatamente àquelas presentes no temperamento igual de nossa cultura (Figura 6):
Figura 6 – 6 – Representação das escalas slendro e pélog pélog em partitura
Fonte: elaborada pelo autor (2020).
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Há diversas variações dos modos slendro e pélog; as apresentadas aqui são apenas um exemplo pontual.
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Para ouvir a sonoridade do modo slendro no gamelão, instrumento tradicional da Indonésia, recomendamos a peça Playon Srepeg https://youtu.be/Y6ihaQjXy3o.. Slendro Manyuro. Disponível em: https://youtu.be/Y6ihaQjXy3o
Na música árabe, o sistema de organização sonora é o maqam, no qual existem 27 (vinte e sete) escalas heptatônicas (maqamat) construídas com base em relações intervalares menores que a segunda menor de nossa cultura – sendo, portanto, um sistema microtonal. Como convenção para a notação dos maqamat, há 24 (vinte e quatro) alturas distintas no âmbito de uma escala – o dobro de notas musicais dos modos gregos. Os maqamat envolvem, também, padrões rítmicos e notas de tensão e repouso (dominante e tônica), havendo uma condução de diferentes tensões harmônicas ao longo das melodias. Cena do lme Hom Rong (“A Abertura”), sobre a trajetória de um músico tailandês do nal do século XIX até a década de 1940, no qual podemos perceber a sonoridade de instrumentos musicais da Tailândia. Disponível em: https://youtu.be/ZktxmmDmwfc https://youtu.be/ZktxmmDmwfc..
3.1.2 Tonalismo
Com a consolidação do modalismo e, posteriormente, do temperamento igual, tornou-se possível o estabelecimento de uma linguagem em que os diferentes acordes (ou graus) de uma escala geram níveis de tensão e resolução – “relaxamento”. Surgiu, então, o tonalismo. Neste sistema, há três níveis de tensão harmônica: subdominante (pouca instabilidade), dominante (alta instabilidade) e tônica (estabilidade). O discurso tonal consiste na organização das diversas combinações possíveis destes três níveis de tensão, que geram os diversos tipos de cadências – conceito que veremos adiante.
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O estabelecimento da linguagem tonal teve como convenção o uso de apenas dois tipos de escalas advindas do modalismo: os modos maior (jônio) e menor (eólio). Neste último, alguns ajustes podem acontecer, como a elevação do sétimo grau em um semitom para reforçar o intervalo que gera a instabilidade (tensão) no sistema tonal: o trítono (três tons – quarta aumentada ou quinta diminuta). Da mesma maneira, o acorde do quinto grau (a dominante forte) é acrescido da sétima e se torna uma tétrade, intervalo que, por sua vez, forma um trítono com a terça e reforça a instabilidade tonal. Segue adiante um quadro com as respectivas funções dos graus/acordes no sistema tonal do modo maior (Tabela 2) e do modo menor (Tabela 3):
Tabela 2 – 2 – Funções tonais e seus respectivos graus no modo maior Grau
Kostka3
Nomenclatura
Função forte
Função fraca
I
I
Tônica
Tônica
-
II
ii
III
iii
Sobretônica ou Supertônica Mediante / Tônica antirrelativa
IV
IV
Subdominante
V
V7
Dominante
vi
Sobredominante ou Submediante /
VI
Pré-Dominante ou Subdominante Dominante
-
Tônica relativa VII
viiº
Sensível
-
Pré-Dominante ou Subdominante Tônica / Dominante Pré-Dominante ou Subdominante / Tônica Dominante
Fonte: elaborada pelo autor (2020).
Na graa funcional de Kostka e Payne (2007), os graus que contêm tríades menores são escritos em letras minúsculas, enquanto o acorde diminuto é representado por letras minúsculas tachadas. 3
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Tabela 3 – Funções tonais e seus respectivos graus no modo menor Grau
Kostka
Nomenclatura
Função forte
Função fraca
I
i
Tônica
Tônica
-
-
Dominante
-
Tônica
II
iiº
III
III
Sobretônica ou Supertônica Mediante / Tônica relativa
Pré-Dominante ou
IV
Iv
Subdominante
V
V7
Dominante
Subdominante Dominante
VI
Sobredominante ou Submediante /
-
VI
Tônica antirrelativa VII VII
VII viiº
Subtônica Sensível
-
Pré-Dominante ou Subdominante / Tônica Pré-Dominante ou Subdominante4 Dominante
Fonte: elaborada pelo autor (2020).
As cadências, por sua vez, são as diversas formas de condução das funções tonais, a m de criar situações particulares de tensão e repouso. São elas (Tabela (Tabela 4): Tabela 4 – Cadências do sistema tonal Progressão das funções tonais
Nome da cadência
Exemplo(s)
Dominante forte → Tônica forte
Cadência Perfeita
V7 → I
Dominante mediana/fraca → Tônica forte Dominante forte → Tônica fraca
VII → I Cadência Imperfeita
Dominante mediana/fraca → Tônica fraca
V → III VII → III
Dominante → Tônica da Submediante
Cadência de Engano
Subdominante → Tônica
Cadência Plagal
V7 → VI VII → VI IV → I II → I
Berry se refere ao sétimo grau em tríade maior do modo menor como "subdominante da subdominante", diferentemente de Schöenberg, que o chama de "subtônica" (In: CASTELÕES, 2010). 4
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Tabela 4 – Cadências do sistema tonal (cont.) Progressão das funções tonais
Nome da cadência
Exemplo(s)
Tônica → Dominante
Cadência Suspensiva, Meia-cadência ou Cadência à dominante
I→V IV → VII
Cadência de Piccardia
V→I
Cadência Deceptiva
V – II
Subdominante → Dominante Dominante → Tônica do modo maior, com o trecho no modo menor Dominante → Subdominante (utilizada somente na música popular)
Fonte: elaborada pelo autor (2020).
As progressões harmônicas –, ou seja, a sequência de acordes/graus de um trecho musical – e suas respectivas funções tonais formam as cadências, sendo estes os elementos estruturantes que conduzem a forma musical no tonalismo.
Você sabe o que é tonnetz, ou melhor, rede tonal? É uma forma de representação gráca das notas que compõem os acordes das tonalidades maior e menor. Veja o exemplo em seguida, observando que cada triângulo forma o acorde correspondente à cifra posicionada no meio:
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).
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Em seu artigo, Luiz Castelões (2010) destaca que o estudo do tonalismo, suas funções e cadências não são consenso entre musicólogos. Sendo assim, procuramos apresentar conceituações mais flexíveis, tentando agregar algumas destas divergências. Além disso, é fundamental entendermos que as funções tonais e cadências dependem diretamente do contexto musical em que estão inseridas. Sendo assim, é mais coerente desenvolvermos a capacidade de interpretar cada caso ao invés de tentar adequar nossa interpretação a regras rígidas. Finalizando, destacamos destacamos que tais conceitos são a base das teorias de análise do repertório tonal, entre elas: Fraseologia, Harmonia Tradicional, Análise Análise Schenkeriana, Análise de acordes de Paul Hindemith, entre outras. Destacamos, ainda, que o estudo do tonalismo é central nas análises sobre Campo Harmônico e linguagem do Jazz, tendo ampla inserção na música popular. popular. Algumas destas teorias serão abordadas na próxima Unidade. 3.1.3 Serialismo
A partir partir do nal do século XIX, diversos compositores buscaram inovações na linguagem tonal e até mesmo o rompimento com a mesma – movimento esse chamado de atonalismo – visando à criação de novos sistemas de organização sonora. Nesse contexto, é possível pontuar três correntes composicionais: a) A pesquisa pesquisa sobre a música de tradição oral (à época denominada “folclórica”) de determinadas localidades e sua estilização na música de concerto, dando origem ao “Nacionalismo musical”; b) A manutenção dos sistemas tonal e modal, caraterísticas do movimento chamado “Romantismo tardio” e “Neoclassicismo”; c) A busca por novos sistemas composicionais, cujos adeptos se autointitularam “vanguarda”.
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As duas correntes apontadas em princípio – o Nacionalismo musical e o Romantismo tardio – basearam-se, de maneira geral, na manutenção dos elementos tradicionais de estruturação musical – melodias, acordes, uso do modalismo e do tonalismo (podendo integrar ambos, na corrente denominada Tonalismo Tonalismo expandido) e nas formas musicais consolidadas até então. O repertório associado ao Nacionalismo musical é vasto e diversicado, incluindo a obra de compositores como o húngaro Béla Bartók, o argentino Astor Piazzolla Piazzolla (1921-1992), o mexicano José Pablo Moncayo Garcia (1912-1958), os espanhóis Isaac Albéniz (1860-1909) e Enrique Granados (1867-1916), e os brasileiros Heitor VillaLobos (1887-1959) e Camargo Guarnieri (1907-1993), entre tantos5. Já o Romantismo tardio tem como expoente o compositor russo Sergei Rachmaninoff (1873-1943), que manteve uma produção de caráter romântico em pleno século XX. No Brasil, temos compositores também nesta corrente, entre eles Henrique Oswald (1852-1931) e o maranhense Elpídio Pereira (1872-1961).
Romance sem palavras n.º 1, de Elpídio Pereira, na interpretação de Daniel Lemos. Disponível em: https://youtu. be/41MqkaZpqDc?t=506.. be/41MqkaZpqDc?t=506
O primeiro movimento associado ao serialismo foi o dodecafonismo, cujo principal idealizador é o compositor alemão Arnold Arnold Schöenberg (1874-1951), juntamente com seus discípulos Anthon von Webern (1883-1945) e Alban Berg (1885-1935) – cujo trio foi denominado a “Segunda Escola de Viena”, sendo a primeira formada por Haydn, Mozart e Beethoven. O dodecafonismo é uma técnica de composição na qual o elemento central de criação da obra é uma série pré-denida de doze notas musicais. Em termos de alturas, esta série pode assumir quatro tipos de construção (T (Tabela abela 5):
Curiosamente,, o uso de temas e motivos rítmicos da música de tradição oral em composições de concerto é uma constante na literatura musical, sendo adotados Curiosamente também por Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), Beethoven e Franz Liszt (1811-1886) e Johannes Brahms (1833-1897). No entanto, o movimento nacionalista é associado à produção musical de países considerados "periféricos" no repertório canônico europeu - os centros são Alemanha, Itália e França. 5
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Tabela 5 – Possíveis mutações mutações da série dodecafônica dodecafônica Denominação
Explicação
Original
A série aparece em sua ordem original de notas
Retrogradação
A série aparece “de trás para frente”, ou seja: é iniciada pela última nota da série original, depois a penúltima, e assim por diante
Inversão
Os intervalos da série são invertidos em relação à oitava: uma sexta maior, por exemplo, se torna uma terça menor; uma segunda maior se torna uma sétima menor, e assim por diante
Inversão e retrogradação
Combinação das duas técnicas anteriores: a série tem seus intervalos invertidos com base em sua ordenação “de trás pra frente”
Fonte: elaborada pelo autor (2020).
Como trabalhar quatro apresentações da série dodecafônica – em inglês, as mas mas de claro entendimento. entendimento. Disponív Disponível el em: https://youtu.be/c6fw_JEKT6Q.. https://youtu.be/c6fw_JEKT6Q
No dodecafonismo, os demais parâmetros musicais – durações/ritmos, intensidade/indicações de dinâmica e timbre (instrumentação, articulações/tipos de ataque) cam livres à inventividade do compositor. Em termos de forma musical, Schöenberg e Berg procuraram adequar a série dodecafônica às formas musicais estabelecidas tradicionalmente6, enquanto Webern fazia uso apenas da série de maneira contrapontística, fazendo da obra um “emaranhado” de séries – e da qual provém a Forma Pontilhista, vista anteriormente.
Concertino para nove instrumentos Opus 24, de Anthon von Webern. https://youtu.be/pVQambrIKNo.. Observe como os Disponível em: https://youtu.be/pVQambrIKNo elementos musicais são dispersos na grade de regência, como se fossem “pontos” – analogia que leva à denominação de “pontilhismo” para a forma musical. Essa questão que foi objeto de crítica posterior por Pierre Boulez (2008), ao pontuar a diferença entre forma e fórmula fórmu la – a – a primeira é orgânica, fruto da própria condução dos elementos musicais, enquanto a segunda é resultado da inserção de elementos musicais em estruturas pré-denidas. 6
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Na década de 1940, o compositor francês Olivier Messiaen (1908-1992) estendeu o conceito de série aos demais parâmetros musicais, compondo por séries de alturas/notas musicais, durações/ritmos, intensidade/dinâmica e articulação/tipos de ataque. Esta técnica composicional cou conhecida como serialismo integral. A peça desse compositor chamada Modes de valeurs et d’intensités (Modos de valores e intensidade), a segunda de seus quatro Études de Rythme para piano solo, é considerada o ponto de partida do serialismo integral. Modes de valeurs et d’intensités com visualização da partitura e do teclado, por Jean-Paul Chorier. Disponível em: https://youtu.be/ tippo8S5YlI.. tippo8S5YlI
3.1.4 Música eletroacústica
Continuando na década de 1950, outra vertente de compositores procurava se desvencilhar do conceito de tema – que ainda é mantido pela concepção de série. Para isso, evocaram uma ideia já aparente na obra de Claude Debussy (1862-1918) – compositor francês associado ao Impressionismo por pensar as estruturas temáticas da obra não como motivos, temas ou melodias, mas como “coloridos sonoros”, ou seja: entender o elemento estruturante básico do discurso musical como timbre e sonoridade, ao invés de sequências de alturas e durações. Prélude à l’après midi d’um faune de Debussy, Debussy, pela Orquestra Sinfônica da Rádio de Frankfurt, na regência de Andrés Orozcohttps://youtu.be/Y9iDOt2WbjY.. Estrada. Disponível em: https://youtu.be/Y9iDOt2WbjY
movimento, o uso de equipamentos manipulação do som –Nesse em pleno desenvolvimento desde o nal eletroacústicos do século XIX –para foi fundamental, pois a partir deles, era possível registrar ondas sonoras e alterar altura (transposição),
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andamento (velocidade) e intensidade (volume), além de poder reproduzi-las de trás para frente (retrogradação). Logo, o objeto sonoro – ou “gura sonora” segundo Pierre Boulez (1925-2016) – passa a ser utilizado como o elemento central de estruturação da obra, e não mais um tema ou melodia. Na França, esta vertente composicional cou conhecida como Musique Concrète (“Música Concreta”), tendo como um de seus pioneiros o engenheiro de som Pierre Schaeffer (1910-1995). Na Alemanha, o termo adotado era Elektronische Musik (“Música Eletrônica”), com Karlheinz Stockhausen (1928-2007) entre as principais referências. Havia diferenças conceituais entre estes dois movimentos especialmente porque o movimento alemão trabalhava com a geração de sons articiais – processo chamado de síntese sonora – e com a acústica, envolvendo a percepção espacial do som no processo criativo. Com o tempo, ambos os movimentos se aproximaram, mantendo-se relacionados à denição mais geral de Música eletroacústica.
Studie II de Stockhausen, composto em 1954. Disponível em: https://youtu.be/_qi4hgT_d0o.. Observe a forma de notação https://youtu.be/_qi4hgT_d0o musical que o compositor criou para representar a obra – que influenciou a interface atual dos programas para edição de áudio. De maneira semelhante à partitura, essa notação apresenta a frequência/altura no eixo X (vertical) e o tempo no eixo Y (horizontal).
Perceba que esse tipo de produção musical é criado para apreciação através de autofalantes – e não de músicos/intérpretes. Esta vertente composicional é chamada de Música acusmática – criada para audição através de sistemas de som – e também se vincula à Música eletroacústica.
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Curare II, do compositor brasileiro Rodolfo Caesar. Disponível em: https://youtu.be/PumhWKNfjos https://youtu.be/PumhWKNfjos.. Partindo do registro de ondas sonoras, o compositor adotas os procedimentos básicos de manipulação (transposição, aumentação etc.), além de manipular a série harmônica – sequência de ondas provenientes do som captado, com frequências múltiplas entre si, decompostas por meio da Transformação Transformação de Fourier – as faixas de áudio binaurais (canais esquerdo e direito) e aplicar ltros variados (equalização, chorus, flanger etc.) para gerar efeitos de espacialização, entre outras técnicas. Sendo assim, ouça a mídia indicada com fones de ouvido!
3.1.5 Música aleatória
Outra corrente composicional surgida na década de 1950 é a Música aleatória, tendo o compositor norte-americano John Cage (1912-1992) entre seus principais expoentes. Nessa vertente, o compositor explora a indeterminação de certos elementos da obra. Dois exemplos são: a) forma musical – sendo possível ao intérprete escolher a ordem das seções da peça, como em Klavierstück IX de Stockhausen; e b) elementos sonoros – como em Imaginary Landscape n.º 4 de Cage, escrita para doze equipamentos de rádio, nos quais é impossível denir o que será reproduzido em cada estação. Autores estabelecem relações entre a música aleatória com jogos musicais do século XVIII, nos quais era possível criar uma pequena peça a partir de uma lista numerada de compassos ou motivos musicais pré-estabelecidos, construindo-a a partir dos resultados de dados jogados ou números escolhidos aleatoriamente. Estes jogos eram chamados de Musikalische Würfelspiele (Jogos de dados musicais).
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Segue uma interpretação de 4min33s, provavelmente a obra mais conhecida de John Cage, de 1952. Disponível em: https://youtu.be/ gN2zcLBr_VM.. Sob a concepção da música aleatória, sons de tosse e gN2zcLBr_VM movimentações da plateia fazem parte da indeterminação desejada.
O conceito de música aleatória, no entanto, é utilizado em referência a obras nas quais o compositor apresenta opções de elementos sonoros cujo resultado não altera a coerência formal da obra. É diferente, portanto, da imprevisibilidade que pode acontecer tanto na prática musical tradicional – em que há variações de entendimento pelos intérpretes ou diferenças no contexto de cada interpretação – quanto na improvisação, em que a própria linguagem musical já admite mudanças em diversos aspectos de estruturação. Com base nesta concepção, apresentamos um modelo para a (in)determinação de uma obra musical qualquer (Figura 7): Figura 7 – 7 – Modelo de (in)determinação de uma obra musical
Fonte: elaborada pelo autor (2020).
Conforme dissemos anteriormente, não existe obra musical sem forma; logo, toda peça elaborada com improviso em todos os aspectos musicais (alturas, durações, intensidade, timbre, formação instrumental, entre outros) teria a forma ‘A’ – ou “Forma Aberta”, segundo alguns estudiosos. Nesse caminho, temos a música de tradição oral, cujo registro é mental (imaterial) e está sujeito a variações.
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A linguagem característica característica da música popular urbana – as canções, o choro e o jazz, por exemplo – faz uso recorrente da prática de “tocar de ouvido” (altamente dependente de fonogramas em nossa cultura). A escrita musical nesse contexto acaba assumindo um papel acessório, pois parte do pressuposto que o intérprete tem acesso ao registro sonoro – é um “meio-caminho” entre a oralidade e o registro sonoro. Na música de concerto, conforme reforça Grier (1996), a notação musical vai cando mais detalhada ao longo dos séculos, aumentando tanto a delidade ao texto pelo intérprete quanto a precisão na sonoridade pretendida pelo compositor. compositor. No outro extremo do modelo, temos os registros sonoros em fonogramas – que captam as ondas sonoras tais como se propagam no ar. No entanto, os sistemas de captação geram interferências que não permitem armazenar as ondas perfeitamente, podendo haver interferências (método analógico) ou redução de dados (digital). Na música acusmática, mesmo com o planejamento da propagação acústica e da espacialização do som na reprodução da obra – posicionandose as caixas de som estrategicamente no ambiente, regulando volume e equalização – os sistemas de som e os auditórios são diferentes entre si. Temos, Temos, ainda, o caráter psicoacústico da percepção musical, no qual a experiência da escuta está sujeita à interpretação do ouvinte. Não é possível, portanto, existir uma obra cuja difusão/ reprodução é exatamente igual em todas as ocasiões.
ATIVIDADE 13 Ouça na Internet as respectivas gravações indicadas na primeira coluna do quadro adiante. Em seguida, classique a obra conforme o sistema de organização sonora utilizado na composição, conforme o exemplo inicial: Obra Divertimento Hob. XVI:9, J. Haydn Disponível em: https://youtu.be/b76v7BR91e4 Let it be, The Beatles Disponível em: https://youtu.be/QDYfEBY9NM4
Sistema de organização sonora Tonalismo (modo maior, em Fá)
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Greensleeves, canção tradicional inglesa Disponível em: https://youtu.be/KmeSMTEM0G8 Dobrado Batista de Melo Disponível em: https://youtu.be/XufijXVl4-k Bella Ciao, canção popular italiana Disponível em: https://youtu.be/e74HTylqxE4 Hatikvah, Hino Nacional de Israel Disponível em: https://youtu.be/tIEyMraLvl8 Acapulco Drive-In, Arrigo Barnabé Disponível em: https://youtu.be/Ga4jnZHlzF8 Wind Chimes, de Denis Smalley Disponível em: https://youtu.be/g2KcSqiuY3A Kimi ga yo, Hino Nacional do Japão Disponível em: https://youtu.be/0K-5RkFEagc Barcarola Brasileira, de Antonio Rayol Disponível em: https://youtu.be/fC3QG87L_iM Threnody to the victims of Hiroshima, de Krzystof Penderecki Disponível em: https://youtu.be/Pu371CDZ0ws Katari, da tribo brasileira Ashaninka Disponível em: https://youtu.be/NOijZzuTpmU Recitativos do Alcorão Disponível em: https://youtu.be/E07SmRxycII
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RESUMO Nesta Unidade, foi apresentado um panorama da linguagem musical em nossa cultura, partindo das convenções musicais estabelecidas na Grécia Antiga Antiga até a produção musical contemporânea. Houve uma sucinta explanação acerca dos sistemas de organização sonora mais recorrentes, sendo eles o modalismo, o tonalismo e o atonalismo, sendo que este último envolve o serialismo e a música eletroacústica.
BOULEZ, P. Apontamentos de Aprendiz. São Aprendiz. São Paulo: Perspectiva, 2008. CASTELÕES, L. E. Propostas de Teoria Musical Comparada. Revista Eletrônica de Musicologia,, Curitiba, v. XIV, set-2010. Disponível em: http://www.rem.ufpr.br/_REM/ Musicologia REMv14/06/propostas_teoria_musi REMv14/06/prop ostas_teoria_musical_comparada.ht cal_comparada.html ml . Acesso em: 27 jun. 2020. GRIER, J. The Critical Editing of Music: History, Method, Practice. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. GUSMÃO, C. O ateliê musical de Claudio Ptolomeu. SCIENTLE studia, studia, São Paulo, v. 11, n. 4, p.731-762, 2013. Sons: Caminhos para uma nova compreensão HARNONCOURT, N. O Discurso dos Sons: Caminhos musical. Tradução Tradução de Marcelo Fagerlande. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. Tonal: com uma introdução à música do século KOSTKA, S.; PAYNE, D. Harmonia Tonal: com XX. 3. ed. Tradução de Hugo Ribeiro. Brasília: Edição do autor autor,, 2007. SALLES, V. J. Música Sacra em Belém do Grão-Pará no Século XVIII: O cantochão dos mercedários compilado por Frei João da Veiga. Brasília: Edição do autor autor,, 1995.
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TEORIAS DE ANÁLISE EM MÚSICA
OBJETIVOS •
Apresentar alguns dos principais referenciais de análise musical;
•
Compreender as ferramentas adequadas para o estudo de cada tipo de repertório.
Segundo nossos preceitos, analisar uma obra implica em conhecer os diversos meios e técnicas de criação empregados na literatura musical – o repertório – ao longo do tempo. Nesse sentido, as teorias oferecem aporte para entendermos como as obras em estudo foram estruturadas. No entanto, é fundamental compreender que as teorias são estabelecidas com base nas convenções musicais históricas que delineiam o repertório, portanto, cada obra terá teorias especícas que auxiliam em seu estudo, e vice-versa. Tratados sobre o modalismo do século XVI, por exemplo, não contribuem para o estudo do repertório neoclássico do século XX, pois a diferença de contexto entre teoria e obra é evidente. Sendo assim, devemos inicialmente diagnosticar em qual sistema de organização sonora a obra se associa para depois vericar que ferramentas de análise contribuirão para seu estudo. Adiante, tentaremos apresentar sucintamente algumas teorias e ferramentas de análise, orientando possíveis contextos favoráveis à aplicação das mesmas. Contudo, alertamos para a supercialidade com que cada uma delas será abordada, e se for o caso, você pode – e deve – se aprofundar nas referências bibliográcas relacionadas às ferramentas de seu interesse, pois cada uma delas é objeto de uma vasta literatura e está associada a inúmeros estudos de repertório.
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4.1 Tratados de contraponto Temos uma vasta literatura dedicada ao estudo e composição do repertório vocal contrapontístico dos séculos XV, XV, XVI e XVII cuja produção se estende até o século XXI, a exemplo dos trabalhos de Koellreutter (1996) e Tragten Tragtenberg berg (2002). No entanto, o compositor canadense Alan Belkin faz menção a uma problemática recorrente no estudo das teorias sobre contraponto: Talvez mais do que em quaisquer outras disciplinas da música, o contraponto está repleto de tradições acadêmicas cuja relevância à prática musical parece às vezes dolorosamente limitada. Como exemplo, ensinei recentemente fuga a um talentoso estudante de um renomado conservatório europeu e descobri que sua experiência em contraponto era limitada a três anos de exercícios em métrica 4/4, com cantos sempre em semibreves. Conquanto este tipo de estudo possa ser para ummusicalmente iniciante, ele dicilmente umauma realaplicação preparação paraapropriado compor uma fuga convincente,constitui ou mesmo do contraponto na ‘vida real’. (BELKIN, 2009, p.3).
Uma das questões que levam ao problema apontado por Belkin é a reprodução descontextualizada de Gradus ad Parnassum, tratado de contraponto de Johann Joseph Fux (ca.1660-1741) publicado em 1725 na forma de um diálogo do mestre com seu aprendiz – tal como se escreviam os tratados de sua época1. Subsequentes publicações baseadas no “contraponto em espécie” (a base do estudo de Fux), sem consulta à fonte original, disseminaram abordagens sem a devida contextualização histórica – uma falha metodológica do processo editorial, segundo Grier (1996). O tratado de Fux se baseia em exercícios de contraponto dividido em cinco espécies, sendo as últimas criadas para gerar uma progressão ascendente de diculdade. Fux aborda princípios do contraponto e sua época, como a condução das vozes para gerar movimentos melódicos, podendo ser: direto (mesma direção), contrário (direção oposta) ou oblíquo (uma voz se movimenta enquanto a outra ca estática). Estudiosos ampliaram esses conceitos, adotando-os na harmonização coral para explicar as dissonâncias dos acordes e aplicá-los também na análise. São eles (Tabela 7): A tradução de Gradus ad Parnassum para a língua portuguesa, com base na tradução em inglês, foi feita em 2002 por Jamary Oliveira, em parceria com Hugo Ribeiro (FUX, 2007). 1
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Tabela 7 – Tipos Tipos de notas melódicas para condução de vozes em texturas polifônicas Movimento
Explanação
Classificações
Nota de passagem
Dissonância diatônica (grau conjunto) ou cromática (semitom) em uma linha melódica
ascendente, descendente, dupla
Bordadura
Dissonância diatônica em tempo fraco que começa e termina na mesma nota
superior, inferior, dupla
Retardo / Suspensão
Dissonância diatônica em tempo forte proveniente do próximo acorde
duplo
Apojatura
Dissonância em tempo forte resolvida diatonicamente, podendo ser alcançada por salto
-
Antecipação
Escapada
Dissonância em tempo fraco que antecede consonância do próximo acorde Dissonância em tempo fraco alcançada ou resolvida por salto, na maioria das vezes resolvendo em movimento contrário
Nota inserida entre uma Interpolação dissonância e sua resolução
-
ascendente, descendente
diatônica, cromática
Fonte: Senna (2003), com adaptações do autor (2020).
Exemplo
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ATIVIDADE 14 A seguir, transcrevemos a frase inicial do “Hino ao Canto Coral”, dueto vocal do compositor maranhense Adelman Corrêa (1884-1947), a partir do manuscrito constante no Acervo Virtual do Arquivo Público do Estado do Maranhão. Disponível em: http://apem.cultura.ma.gov.br/acervo/ items/show/64. As notas em vermelho são dissonâncias. Classique-as com base nos tipos de notas melódicas da Tabela Tabela 7 e no exemplo inicial:
a: escapada b:
d: e:
c:
f:
g:
4.2 Análise harmônica por cifras
Conforme estudamos na Unidade anterior, o contraponto e sua consequente sobreposição de melodias – movimento horizontal, com base na partitura – levou ao surgimento de acordes e progressões harmônicas – movimento vertical. Neste caso, análise harmônica consiste no estudo destas progressões, através da cifragem. Temosa Temos três tipos de cifras:
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1) Cifragem gradual: baseia-se na análise dos acordes com base nos graus da escala, utilizando algarismos romanos (I, II, III, IV, IV, etc.), tachando-os caso estejam alterados em relação à tonalidade vigente. Pode ser utilizada em obras modais ou tonais; 2) Cifragem funcional: consiste no estudo das funções tonais dos acordes, utilizando as notações ‘T’ (tônica), ‘S’ (subdominante ou pré-dominante) ou ‘D’ (dominante). Volta-se Volta-se para obras baseadas no tonalismo; 3) Cifragem popular: dedica-se a indicar os acordes com base na nomenclatura anglófona (Cm – Dó menor; G7 – Sol maior com sétima menor, menor, etc.). Seu uso é corrente em obras modais, tonais e aquelas que utilizam ambos os sistemas.
Este é o método mais utilizado de análise musical, tendo em mente que grande parte do repertório canônico – seja da música popular ou de concerto – é constituído de obras nos sistemas modal e tonal. Outras ferramentas de análise deste repertório foram propostas por teóricos e musicólogos, conforme veremos adiante.
ATIVIDADE 15 Adiante, temos uma adaptação rearmonizada para piano solo de um trecho de “Urrou do boi” – também chamada de “Novilho Brasileiro” – toada criada por Bartolomeu dos Santos (1910-1991), conhecido como “Coxinho”. Analise a harmonia da peça, indicando os três tipos de cifras: gradual, funcional e popular.
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4.3 Fraseologia
Esta ferramenta tem como enfoque a forma musical, abordando-a de maneira similar à sintaxe da linguagem verbal. Volta-se ao tonalismo, no entanto, sua adoção pode ser adaptada a obras construídas com base na estruturação temática tradicional – temas ou séries baseadas em sucessões de alturas/notas musicais e durações/ritmos. Na Fraseologia, identicamos tanto a microestrutura da obra – as menores estruturas musicais portadoras de sentido – quanto a macroestrutura, sob um claro viés interpretativo, ou seja: as soluções não estão sujeitas a uma única resposta “correta”. Adiante, apresentamos a nomenclatura utilizada e suas respectivas explanações e classicações (Tabela 8):
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Tabela 8 – Estruturas musicais na Fraseologia Elemento
Explanação
Período Composto
Conjunto de períodos simples, Duplo ou Triplo (conforme quantidade semelhante a um “parágrafo musical” de períodos simples).
Classificações
Paralelo ou Contrastante conforme Conjunto de frases com relações entre si semelhança entre suas frases; (antecedente, consequente, repetidas) Regular ou Irregular conforme tamanho / duração das frases.
Período Simples
Frase
Suspensiva ou Conclusiva conforme o tipo de cadência; Elemento básico da sintaxe musical que oferece uma ideia completa, do tipo Binária ou Ternária conforme “pergunta-resposta” ou “antecedente- quantidade de semifrases; consequente” Regular, Irregular conforme tamanho / duração ou Quadrada com 4 compassos.
Semifrase ou Membro de frase
Trecho da frase que apresenta ideia parcial – apenas a pergunta,uma ou Binária ou Ternária conforme quantidade de incisos. somente a resposta, por exemplo
Motivo
Termo utilizado quando a célula ou inciso são a base estruturante de toda a peça. O primeiro movimento da 5.ª Sinfonia de Beethoven é um exemplo evidente
Célula ou Inciso
Tético (Thesis) se iniciar em tempo forte, Anacrústico (Arsis) se iniciar em tempo fraco, Acéfalo se iniciar com pausa em tempo forte; Masculina se terminar em tempo forte, Feminina se terminar em tempo fraco, Elemento mínimo de estruturação que Suspensiva se terminar com pausa ou possui um sentido próprio no início da próxima célula – elisão.
Figuração
Fragmentação da célula ou inciso em partes, caso seja possível
Fonte: Scliar (1982) e Matos (2006), com adaptações do autor (2020).
Podemos perceber que a Fraseologia é baseada na análise estrutural da obra sob uma hierarquia de dois ou três partes para cada elemento. Sendo assim, uma frase não pode possuir quatro semifrases, assim como um período simples não pode conter quatro frases. Este princípio deve ser atendido ao fazermos uso da análise fraseológica.
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Conforme indica a musicóloga Esther Scliar, “nem sempre é fácil delimitar os incisos” (SCLIAR, 1982, p.22). Sendo assim, recomendamos detectar inicialmente as frases e/ou semifrases, para depois denir que elementos comporiam as microestruturas e macroestruturas. Como frases e semifrases possuem uma identidade musical mais denida – relações de pergunta/resposta, antecedente/consequente, antecedente/consequente, quadratura, entre outras – é mais seguro iniciar a análise a partir das mesmas.
ATIVIDADE 16
O domínio seguro da Fraseologia só pode ser obtido através da realização de diversos exercícios analíticos. Adiante, apresentamos um princípio da análise da Invenção n.º 13 a duas vozes BWV784 de Johann Sebastian Bach, para que você possa continuar. continuar. Se desejar ouvi-la, recomendamos a gravação ao cravo com a jovem Anna Kuvshinov, Kuvshinov, disponível em: https://youtu.be/ttwo-QYqDNo https://youtu.be/ttwo-QYqDNo::
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4.4 Campo harmônico
O termo “Campo harmônico” é recorrentemente utilizado em referência aos estudos de harmonia tonal na música popular urbana, e faz uso dos conceitos que vimos em Harmonia tradicional. Seguem alguns termos e suas respectivas correspondências conceituais: •
Campo harmônico: tonalidades e seus respectivos acordes/graus;
•
Campo harmônico maior: escalas maiores;
Campo harmônico menor: escalas menores natural ou primitiva (advinda do modo eólio), harmônica e melódica. •
Devido à inexistência de uma convenção sobre cifragem harmônica na música popular,, estudiosos acabam por criar indicações particulares. Como exemplo, Guest popular
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(2005) agrega a cifragem gradual com a popular anglófona, fato que pode confundir estudantes que adotem outros referenciais. Sendo assim, recomendamos que vocês busquem manter as convenções já estabelecidas, como a cifragem gradual, para assim estabelecermos um referencial r eferencial padronizado de indicações. Apresentaremos Apresentaremos a seguir um modelo com propostas de cifragem para o campo harmônico de Dó maior (Tabela (T abela 9):
Tabela 9 – 9 – Proposta de cifragem cifragem para o campo campo harmônico de Dó maior Cifra C Dm Em GF7 Am Bº / Bdim
Grau Kotska I I II ii III iii
Função tonal T – tônica forte s – subdominante fraca t – tônica fraca
IVV S D– s–udbodm om VIV7 iniannatnetefofroterte VI vi t /s VII viiº d – dominante fraca Fonte: elaborada pelo autor (2020).
Apesar da presença evidente do tonalismo, a música popular urbana traz em seu repertório elementos de estruturação provenientes do modalismo, fazendo com que a análise tonal seja insuciente para compreender o processo criativo nestas obras. Duas vertentes presentes na estruturação da música popular, além das recorrentes transições para o modalismo, são: 1) Empréstimo modal: uso de graus/acordes nos modos maior e menor do tonalismo provenientes dos modos gregos, bem como o acréscimo das terças subsequentes aos mesmos – tétrades, pentades, héxades que podem adicionar nona, décima primeira, décima terça etc.; 2) Tonalismo expandido: entre suas diversas características, propõe o uso de uma gama mais ampla de acordes das tonalidades próximas e distantes do Ciclo das Quintas – a linguagem tonal clássica, por convenção, faz uso apenas da dominante
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secundária (o acorde de dominante do grau dominante) – além de acordes que substituem aqueles comuns a determinadas funções tonais – sexta napolitana, sexta aumentada e o conhecido “subV7”, que substitui a dominante forte (quinto grau), por exemplo. Adiante, temos o Ciclo das Quintas, que contém todas as tonalidades maiores e menores (Figura 8): Figura 8 – Ciclo das quintas
Fonte: elaborada pelo autor (2020).
Sobre o empréstimo modal, trata-se de um recurso para enriquecer a harmonia tonal, oferecendo acordes com novos “coloridos sonoros” e diversicando o processo de reharmonização – a criação de uma nova progressão harmônica para uma obra musical qualquer. Apresentamos possíveis importações e intercâmbio nas tonalidades de Dó maior e menor em acordes de três alturas (Tabela 10) e quatro alturas (Tabela 11), com acréscimo de alguns dos modos alterados ou exóticos – escalas que não constam entre os modos gregos:
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Tabela 10 – Possíveis tríades de empréstimo modal para a tonalidade de Dó Modo
I
II
III
IV
V
VI
VII
Maior / Jônio
C
Dm
Em
F
G
Am
Bº
Menor / Eólio
Cm
Dº
E♭
Fm
Gm
A♭
B♭
Menor harmônica
Cm
Dº
E♭(♯5)
Fm
G
A♭
Bº
Dórico
Cm
Dm
E♭
F
Gm
Aº
B♭
Frígio
Cm
D♭
E♭
Fm
Gº
A♭
B♭m
Lídio
C
D
Em
F♯º
G
Am
Bm
Mixolídio
C
Dm
Eº
F
Gm
Am
B♭
Lócrio
Cº
D♭
E♭m
Fm
G♭
A♭
B♭m
Cº
D♭m
E♭m
F♭(♯5)
G♭
A♭
B♭º
C(♯5)
D
E
F♯º
G♯º
Am
Bm
Cm(♯5)
D
E♭(+3♯5)
F♯º
G♯º
Aº
Bm
C
D♭
Eº
Fm
Gº
A♭(♯5)
B♭m
C
D♭
Em
Fm
G(♭5)
A♭(♯5)
B(-3♭5)
Cm
D(♭5)
E♭
F♯(-3♭5)
Gm
A♭
B♭(♯5)
Cm
D(♭5)
E♭(♯5)
F♯(-3♭5)
G
A♭
Bm
C
D
Eº
F♯º
Gm
Am
B♭(♯5)
Super Lócrio (lócrio ♭4) Lídio Aumentado (lídio ♯5) Dominante Diminuta ♭
(lídio Maior 3 ♯5) Frígio (frígio ♯3) Escala árabe (frígio ♯3 ♯7) Escala cigana (eólio ♯4) Escala húngara (menor harm. ♯4) Escala nordestina (lídio ♭7)
Fonte: elaborada pelo autor (2020).
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Tabela 11 – Possíveis tétrades de empréstimo modal para a tonalidade de Dó Modo
I
II
III
IV
V
VI
VII
Maior / Jônio
C7M
Dm7
Em7
F7M
G7
Am7
Bø
Menor / Eólio
Cm7
Dø
E♭7M
Fm7
Gm7
A♭7M
B♭7
Menor harmônica
Cm7
Dø
E♭7(♯5)
Fm7
G7
A♭7M
Bº
Dórico
Cm7
Dm7
E♭7M
F7
Gm7
Aø
B♭7M
Frígio
Cm7
D♭7M
E♭7
Fm7
Gø
A♭7M
B♭m7
Lídio
C7M
D7
Em7
F♯ø
G7M
Am7
Bm7
Mixolídio
C7M
Dm7
Eø
F7M
Gm7
Am7
B♭7M
Lócrio
Cø
D♭7M
E♭m7
Fm7
G♭7M
A♭7
B♭m7
Cº
D♭m
E♭m
F♭(♯5)
G♭
A♭
B♭º
D7
E7
F♯ø
G♯ø
Am7M
Bm7
F♯º
G♯ø
Super Lócrio (lócrio ♭4) Lídio Aumentado
C7M
(lídio ♯5) Dominante Diminuta
(♯5) Cm7M
(lídio ♭3 ♯5) Frígio Maior
(♯5)
(frígio ♯3) Escala árabe (frígio ♯3 ♯7) Escala cigana (eólio ♯4) Escala húngara (menor harm. ♯4) Escala nordestina (lídio ♭7)
D7
E♭7M (♯5+3)
A7M (♭5♭3) A♭7M
Bm7
C7
D♭7M
Eº
Fm7M
Gº
C7M
D♭7M
Em7
Fm7M
G7(♭5)
A♭7M( 7M(♯♯5)
Cm7
D7(♭5)
E♭7M
G7M
A♭7M
Cm7M
D(7♭5)
(♯5)
F♯(7♭53)
G7M
A♭7M
Bm7
C7
D7
Eø
F♯ø
Gm7M
Am7
B♭7M( 7M(♯♯5)
E♭7M
F♯7 (♭5-3)
Fonte: elaborada pelo autor (2020).
(♯5)
B♭m7 B7 (-3♭5) B♭7M (♯5)
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4.5 Padrões rítmicos de gêneros musicais
Outra ferramenta, tanto de análise quanto de composição e prática do repertório da música popular, é o estudo dos padrões rítmicos de gêneros musicais. A partir de estruturas elementares associadas à identidade de cada gênero musical, podemos criar acompanhamentos e fazer improvisações melódicas. Há diversas referências sobre o assunto, incluindo gêneros da música popular brasileira, no entanto, a maior parte dessa literatura se direciona a instrumentos harmônicos ou de percussão. A quem se interessar interessar,, seguem algumas sugestões: “O Livro do Música” (ADOLFO, 1989); “211 “211 Levadas Rítmicas Para violão, piano e outros instrumentos de acompanhamento” (SÁ, 2002); “Técnicas de Acompanhamento” (FAGUNDES, 2003); “Ritmos Brasileiros para violão” (PEREIRA, 2007); “Rítmica e Levadas Brasileiras para o Piano” (COLLURA, 2009); “Apostila de Ritmos Bem Brasileiros” (STEPHESON, 2020). Resumidamente, os métodos que abordam padrões rítmicos de gêneros da música popular consistem na análise de estruturas musicais de gravações do repertório, ou no registro e apresentação das soluções de intérpretes ao adaptar tais gêneros em seus instrumentos. Em geral, os padrões rítmicos são indicados em um ou dois compassos, aceitando variações por parte do intérprete – desde que mantenham a característica elementar do gênero. Em termos de alturas e harmonias, é preferível não anotá-las, uma vez que tais elementos já constam em melodias cifradas de songbooks – referências para as quais se pretende criar acompanhamentos em gêneros musicais especícos. Como exemplo, transcrevemos adiante elementos característicos de alguns gêneros musicais, permitindo sua adoção em instrumentos musicais variados (T ( Tabela 12):
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Tabela 12 – Algumas estruturas características de determinados gêneros musicais Gênero
Elemento identitário
Variação possível
Valsa
Polca
Mazurca
Maxixe
Baião
Frevo Maracatu de baque virado Cateretê
Guarânia Maqsoum (árabe) Ayoub (egípcio) Cacuriá
Funk carioca
Fonte: elaborada pelo autor (2020).
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Na notação da música popular, a quantidade de informações que a partitura pode oferecer acaba não contribuindo para detalhar toda a riqueza de articulações e timbres dos gêneros musicais. Sendo assim, ouvir gravações para adquirir referências sonoras é mandatório – isso ca bem claro no caso do Maqsoum e do Ayoub, cuja distância de nossa cultura não nos permite imaginar com maior precisão tais gêneros.
4.6 Análise schenkeriana
Nas primeiras décadas do século XX, o pianista, musicólogo e professor de música Heinrich Schenker (1868-1935) desenvolveu um método analítico que veio a car conhecido como “Análise schenkeriana”. Mesmo sendo uma teoria proposta há mais de cem anos, a adoção desta ferramenta ainda não é consenso em instituições musicais de todo o mundo, permanecendo mais influente apenas nos Estados Unidos. A principal característica da teoria de Schenker é a abordagem reducionista, na qual analisamos as harmonias mais relevantes na obra musical para, em seguida, eliminar notas melódicas e repetições até chegar a uma estrutura elementar que rege o repertório tonal. Portanto, toda obra do tonalismo é edicada com base na tríade da tonalidade principal, cuja progressão nal de toda a peça é representada por I – V – I. Esta drástica redução que a teoria propõe, no entanto, diculta a percepção das potencialidades da Análise schenkeriana, que são: Entender harmonia (movimento vertical) e contraponto (movimento horizontal) como um único processo, no qual acordes se distendem no tempo até formarem melodias e essas últimas são comprimidas até se transformarem em acordes; •
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Valorizar o processo de análise ao invés do produto nal –, pois é durante o estudo que compreendemos as estruturas da peça em questão e não apenas na conclusão; •
•
Perceber as estratégias composicionais e criativas dos compositores
ao desenvolver elementos musicais que, aparentemente, provêm de uma estrutura simples. Em sua teoria, Schenker chega a fazer uso dos conceitos contrapontísticos de Fux no sentido de “reverter” o processo composicional – as dissonâncias são suprimidas progressivamente da análise, visando a explicitar as notas reais dos graus/acordes. Para tal, o estudioso desenvolveu quatro conceitos: a) Linha melódica fundamental (Urlinie), que representa a condução melódica de toda a obra; b) Linha do baixo (Bassbrechung), estrutura melódica na região r egião grave em contraponto com a linha melódica fundamental; c) Estrutura fundamental (Ursatz), composta pelos dois elementos anteriores. A Estrutura Estrutura fundamental é alcançada apenas no m da análise. Para chegarmos nela, iniciamos o estudo da peça a partir de seus principais graus/acordes, procedendo à análise por camadas – à medida que notas melódicas são suprimidas, progressões harmônicas são condensadas em um acorde principal – em geral a tônica de cada trecho. As reduções, por sua vez, conduzem à análise da camada de fundo, que nos mostrará a Ursatz – Estrutura fundamental – na qual a obra se solidica.
Cinco exemplos de análise schenkeriana (interpretação, partitura e modelo analístico). Disponível em: https://youtu. be/N86aTJfqt78
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4.7 Grupo de acordes segundo Paul Hindemith
Em The Craft of Musical Composition (pode ser traduzido como: “O Ofício da Composição Musical”), Paul Hindemith propõegerando que o trítono, conforme tratamos anteriormente, é o intervalo central do(1945) tonalismo, a tensão/instabilidade e servindo de referência para o repouso/resolução – caso seja essa a intenção, pois é possível optar por não resolver a tensão de maneira semelhante à cadência suspensiva. Adiante, mostramos um exemplo básico e sucinto da resolução do trítono na tonalidade de Dó maior (Figura 9), na qual a sétima do acorde de dominante é resolvida em movimento descendente para a terça do acorde da tônica: Figura 9 – Resolução do trítono na tonalidade de Dó maior
Fonte: elaborada pelo autor (2020).
Este mesmo princípio da resolução do trítono é utilizado na música popular. Para se tornar um “sub V7” – acorde que assume o papel da dominante forte – basta ele possuir o mesmo trítono da tonalidade vigente2. Apresentamos Apresentamos a seguir um exemplo “clichê” da linguagem jazzística (Figura 10):
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Por exemplo: trítono da tonalidade de Dó (maior ou menor) é si - fá, e está presente em todos os seus graus/acordes com função de dominante.
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Figura 10 – Resolução do trítono na tonalidade de Dó maior, no contexto do jazz
Fonte: elaborada pelo autor (2020).
Para a resolução do trítono, no compasso 2 deste trecho, há um cruzamento de vozes – não recomendado na textura coral, mas recorrente em peças instrumentais – no qual o Si 2 (correspondente à terça do quinto grau de Dó maior) resolve no Dó 1, na voz de baixo. Já o Fá 2, sétima do quinto grau de Dó, mas terça do acorde corrente, resolve descendo para a terça do acorde da tônica – Mi 2. Ao ouvirmos ouvirmos esta passagem, temos a sensação de repouso, mesmo com as dissonâncias – a nona e a décima-terça da Harmonia tradicional, que podem ser chamadas de segunda e sexta na música popular, formam uma segunda com a fundamental e com a quinta do acorde, respectivamente. Nossa percepção, portanto, se deve à resolução do trítono. Com base nesse pressuposto, Hindemith organiza um sistema de classicação de acordes simples e complexos dividido em seis categorias (Tabela (Tabela 13): Tabela 13 – Análise de acordes segundo Paul Hindemith Acordes sem trítono
Acordes com trítono
I. Sem dissonâncias (brandas e duras)
II. Sem segundas menores ou sétimas maiores (dissonâncias duras) e um trítono
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Tabela 13 – Análise de acordes segundo Paul Hindemith (cont.) Acordes sem trítono
Acordes com trítono
III. Com dissonâncias
IV.. Com dissonâncias duras e um ou mais IV trítonos
V. Indeterminado
VI. Indeterminado
Fonte: Hindemith (1945), com adaptações do autor (2020).
Esta proposta favorece a análise da música tonal que faz uso de harmonias complexas, buscando uma condução homogênea das tensões. Acordes com sétimas maiores e dois trítonos, por exemplo, resolvem sua tensão em acordes menos dissonantes do que eles como, por exemplo, um acorde com sétima maior e um trítono. Assim, o compositor buscará uma maneira coerente de manter a condução harmônica de sua peça – tanto na música de concerto quanto em obras instrumentais da linguagem jazzística, incluindo incluindo bossa nova, samba-jazz e o choro brasileiro. 4.8 Teoria dos conjunt conjuntos os
Com a busca por novos sistemas de organização sonora a partir do século XX, as ferramentas de análise musical existentes na época, voltadas ao modalismo e/ou ao tonalismo, tornaram-se insucientes ou até mesmo inadequadas para compreender as produções musicais que surgiam. Nesse contexto, o musicólogo norte-americano Allen Allen Forte propôs uma ferramenta de análise chamada “Teoria “Teoria dos Conjuntos”, homônima
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da teoria matemática – porém, diferente na maioria dos aspectos, pois trabalha com grupos e análise combinatória – baseada na proposta anterior de Howard Hanson para a música tonal. A Teoria dos conjuntos co njuntos – também tamb ém chamada de Teoria Teoria pós-tonal pós- tonal – foca nas alturas a lturas e tem sua análise iniciada a partir do mapeamento das notas musicais constantes na peça em que se deseja estudar. estudar. Conforme vimos anteriormente, no serialismo, temos quatro apresentações básicas da série: 1) original; 2) retrogradada; 3) invertida; 4) invertida e retrogradada. Essas quatro formas podem ser transpostas para outras alturas e dispersas no tempo de maneira horizontal (“melódica”) ou vertical (“harmônica”), podendo ser aplicadas técnicas de diminuição e aumentação da estrutura rítmica. Ainda, compositores compositores da segunda metade do século XX, a exemplo de Luciano Berio (1925-2003), podem utilizar partes da série (“matrizes”) dispersando-as na estrutura musical, cujas tentativas de análise revelariam apenas “indícios ou reminiscências de um ‘sistema’ que foi sendo consumido no processo de composição” (OSMOND-SMITH, 1991, p. 9). Nesse sentido, a Teoria Teoria dos conjuntos permite reconhecer padrões utilizados na composição, entre eles agrupamentos de alturas, transposições desses agrupamentos e elementos que constituem determinadas seções da obra. A Teoria Teoria dos conjuntos classifica as notas musicais conforme a distância de cada uma à nota Dó, em semitons – conceito de classe de alturas. São eles (Figura 11): Figura 11 11 – Numeração respectiva a cada classe de altura
Fonte: elaborada pelo autor (2020).
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Lembramos que outras possibilidades, como Si♯ (Dó, portanto, número 0), Lá (Sol, portanto número 7) ou Fá♭ (Mi, logo número 4), recebem os respectivos números em relação a sua distância em semitons à nota Dó. No caso de oitavas acima e abaixo, basta subtrairmos ou somarmos o número 12 até obter uma classe de altura entre 0 e 11. Com base nessa numeração, cada acorde recebe uma identicação chamada de vetor. Dó-Mi-Sol, Dó-Mi-Sol, por exemplo, recebe a identicação de [0,4,7]; Sol-Si-Ré-Fá como [7,11,2,5]; e Si-Ré-Fá-Lá♭ como [11,2,5,8]. Além disso, uma classe de altura repetida deve ser omitida – assim como na teoria homônima da Matemática, na qual elementos idênticos são omitidos do grupo. Como exemplo, o acorde Dó-Mi-Sol-Dó é indicado como [0,4,7], e não [0,4,7,0]. Outro aspecto da teoria é a transposição dos acordes a Dó, permitindo analisar as semelhanças no material. Fá-Lá-Dó, por exemplo, possui vetor [5,9,0]. Para transpôlo a Dó, é necessário subtrair em 5 (o valor da primeira classe) de cada classe; como a última é zero, somamos 12 à subtração, assim: [5-5;9-5;12-5] = [0,4,7] – ou seja: o mesmo vetor de Dó-Mi-Sol. Na transposição do acorde de Sol-Si-Ré-Fá, cujo vetor é [7,11,2,5], [7,1 1,2,5], devemos então subtrair em 7 cada classe, somando 12 às duas últimas, da seguinte maneira: [7-7,11-7,14-7,17-7] [7-7,11-7,14-7,17-7] = [0,4,7,10]. É interessante notar a semelhança estrutural do acorde de dominante de Dó (G7) com a tônica (C) – inclusive, o segundo está contido no primeiro. Seguem adiante alguns exemplos de acordes com seus respectivos vetores e transposições (Figura 12): Figura 12 – Acordes e seus respectivos vetores e transposições na Teoria dos conjuntos
Fonte: elaborada pelo autor (2020).
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Outra ferramenta na Teoria Teoria dos conjuntos é buscar o estado mais condensado (reduzido) do acorde – similar ao “estado fundamental” no tonalismo. Consideramos o acorde nesse estado quando seu vetor contiver a numeração mais baixa possível. Temos alguns casos no exemplo acima que podem ser reduzidos, como o quarto ♭
♭
acorde apresentado (Mi-Lá-Ré, Dó-Fá-Si Se colocarmos o Si uma oitava abaixo, teremos um acordeposteriormente com o vetor [10,0,5] que,).transposto novamente para Dó, teria o vetor [0,2,7] – Dó-Ré-Sol. Esse seria, portanto, o estado mais condensado possível. Devido à brevidade do material, oferecemos apenas uma explanação muito elementar da Teoria Teoria dos conjuntos, no sentido de despertar o interesse. A quem quiser se aprofundar, recomendamos o livro do autor (FORTE, 1973).
Live “Introdução à Teoria Teoria dos Conjuntos”, aula 2, por Daniel Moreira. Disponível em: https://youtu.be/2vRWZDbLLu8
4.9 Teoria do gesto musical
Em Interpreting Musical Gestures, Topics and Tropes (“Interpretando Gestos Musicais, Tópicos e Tropos”), Tropos”), Robert Hatten (2004) propõe uma análise musical capaz de considerar tanto a fonte escrita (o texto musical) quanto a produção sonora (o intérprete). Para tal, o musicólogo faz uso do termo “gesto musical”, justicando que a abrangência e complexidade deste conceito nos leva a visualizar com maior amplitude a obra e seus elementos estruturantes, além de considerar o intérprete como parte do processo criativo e analítico – o ponto diferencial do estudo de Hatten. O foco, portanto, passa a ser o sentido expressivo e a comunicação que as estruturas da obra são capazes de gerar, a partir de um diálogo entre compositor, compositor, intérprete e ouvinte.
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Ao tratar do “gesto musical”, Hatten (2004, p. 93-95) apresenta doze tópicos, resumidos adiante: Gestos musicais comunicam afetos humanos, delineando a forma da sonoridade; •
Seus signicados são complexos e, ao mesmo tempo, imediatos, gerados por movimentos expressivos; •
•
Eles podem ser deduzidos pela notação musical, com base no estilo e na
cultura; Constituem-se de quaisquer elementos da música, mas não se limitam aos mesmos; •
Podemos inferir os gestos de uma interpretação musical, mesmo sem acesso visual aos movimentos físicos do intérprete; •
O gesto musical básico é uma unidade perceptível no presente, com início e m, podendo fazer parte de uma série ou de uma unidade gestual maior; •
Quando os gestos são compostos por mais de um evento musical (uma nota, um acorde ou mesmo uma pausa), eles oferecem continuidade para elementos musicais aparentemente separados; •
É possível haver uma organização hierárquica dos gestos: os maiores podem ser compostos por unidades menores; •
Certos gestos podem ser temáticos para um movimento, sujeitos a variações ou ao desenvolvimento dos elementos musicais; •
Paralelamente a gestos idiomáticos, particulares ao canto ou instrumentos musicais especícos, há aqueles mais amplos, aplicados para direcionar a atenção do ouvinte a seções da obra – e que mesmo não sendo escritos, oferecem uma compreensão estilística; •
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Gestos podem ajudar a expressar ações retóricas, criando contrastes no discurso musical e evidenciando interrupções dramáticas nessa trajetória; •
Eles revelam intenções, ações e emoções – elementos expressivos próprios da retórica musical e artística. •
Logo, podemos inferir que a Teoria do gesto musical abarca simultaneamente os seguintes campos de estudo: a) Performance motora: os movimentos físicos do intérprete; b)Práticas b) Práticas interpretativas: convenções estilísticas e culturais de interpretação; c) Musicologia sistemática: análise dos elementos e estruturas formativas da obra; d)Musicologia d) Musicologia histórica: conhecimento do repertório de diversos contextos e épocas; e) Psicoacústica: sonoridade tal como percebida pelo ser humano; f) Semiótica: estudo dos signos do texto musical associado à prática dos intérpretes.
Na proposta de Hatten, é interessante a perspectiva do texto musical como ponto de partida, envolvendo nossa imaginação de como tocar/interpretar a obra. Assim, inserimos na análise um tipo de conhecimento não documentado, mas que se mantém vivo entre gerações de intérpretes e influencia diretamente a percepção do ouvinte – permitindo entender não apenas como a obra foi estruturada, mas como ela pode soar. Como exemplo de aplicação desta teoria, caracterizada mais por uma abordagem qualitativa e descritiva, analisaremos o trecho seguinte (Figura 13):
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Figura 13 – Três sistemas da Berceuse de Ignácio Cunha, para análise
Fonte: Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM)
Esta fonte manuscrita, sem indicação de autor autor,, foi reconhecida posteriormente como sendo do compositor maranhense Ignácio Cunha (1871-1955). Iniciamos nossa análise já no título da obra, Berceuse, recorrendo à história da música. Esse tipo de obra remete às canções de ninar, a exemplo de Wiegenlied, de Johannes Brahms, que também possui um acompanhamento com movimento rítmico cíclico que remete, por exemplo, ao balançar de um berço. Daí, já podemos imaginar o gesto do intérprete, que pode utilizar os dois compassos iniciais para criar a ambientação da peça, com movimentos suaves e cíclicos, explorando o ritmo de semínima e colcheia como o dito “balançar”, que é mantido no acompanhamento em toda a apresentação da ideia musical principal, até o compasso 10 – que possui a indicação “Fim”. A indicação de andamento Andante, que pode ser interpretada como “não muito movido”, provê um reforço retórico ao caráter musical que deduzimos a partir do título da peça.
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A melodia, iniciada inicia da no compasso 3 no sistema superior, superio r, está no registro médiomédi oagudo, evocando alturas que podem remeter a uma caixinha de música. Ao solfejála internamente, podemos imaginar o intérprete tocando os arpejos mais lentamente, contribuindo para a ambientação acolhedora de uma peça de ninar. As ligaduras de legato nos indicam os pontos onde a continuidade do som é fundamental, sem, no entanto, deixar de conduzir as gradações de dinâmica do fraseado, que se mantém em um fluxo contínuo do compasso 3 ao 6, nalizando em uma cadência perfeita. Nesse ponto, o intérprete certamente fará uma “respiração” – gesto que evidencia o m de uma ideia musical. Temos até aí a primeira frase da obra, com um sentido completo em si. A segunda frase vai do compasso 7 ao 10, com materiais quase idênticos à primeira, fazendo com que este período simples seja classicado fraseologicamente como regular e quadrado, com duas frases quadradas do tipo “antecedente e consequente”. Assim, o intérprete conduzirá seu fraseado de forma a demonstrar que o nal do período ocorre no compasso 10, fazendo um decrescendo mais evidente nesse trecho. O acompanhamento, por sua vez, mantém em todo o trecho o mesmo movimento gestual dos dois compassos iniciais. O intérprete certamente irá explorar essa estrutura musical, mantendo o “balanço do berço” com gestos suaves e cíclicos.
Na Teoria Teoria do gesto musical, podemos aprender a condução do discurso musical ao observarmos vídeos com interpretações de peças semelhantes. Veja o vídeo da Berceuse Opus 16 do compositor francês Gabriel Fauré (1845-1924) para violino e piano. Disponível em: https://youtu.be/fuIXryCnQQY https://youtu.be/fuIXryCnQQY na na interpretação de Daniel Zisman e Christina Bauer, atentando para os gestos musicais que evocam a ambientação de uma canção de ninar.
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Por m, destacamos que a Teoria do gesto musical também é interessante para a análise análise da música serial, pois o gesto também está presente na interpretação do repertório característico desse sistema de organização sonora – diferenciando-se principalmente em como o intérprete lida com os novos procedimentos de construção e condução do discurso musical.
4.10 Últimas considerações
Reforçando a abordagem proposta neste breve e-Book, a linguagem musical é resultado de convenções estabelecidas ao longo do tempo, em culturas e regiões diversas. Nesse sentido, não existe uma linguagem musical “universal”: devemos estar preparados para vericar o contexto em que se insere a obra a ser analisada. Outro aspecto a enfatizar é que a história não é linear, mas cumulativa. O modalismo, por exemplo, não foi extinto no século XVIII; assim como o tonalismo, ele continua a existir, tendo seu repertório em circulação até hoje – havendo, inclusive, novas produções, graças aos esforços de compositores que, bravamente, se distanciam de seus pares e compõem em sistemas “ultrapassados”. Dessa maneira, nossa literatura de análise musical só aumenta, cabendo a nós aplicar as ferramentas adequadas ao estudo de cada obra com base na realidade histórico-cultural em que ambas se inserem. Por m, destacamos que devido à considerável diversidade de sistemas de organização da produção musical dos séculos XX e XXI, em que vários compositores buscaram desenvolver sistemas próprios de criação, torna impossível o estabelecimento de teorias mais gerais de análise musical – apontando, portanto, para um método com base em estudos de caso.
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RESUMO A Unidade apresentada abordoumusical, de maneira algumasdedas principais teorias e ferramentas de análise sendosucinta elas: tratados contraponto; análise harmônica por cifras; fraseologia; campo harmônico; padrões rítmicos de gêneros musicais; análise schenkeriana; análise de acordes segundo Paul Hindemith; teoria dos conjuntos e teoria do gesto musical.
ADOLFO, A. O Livro do Músico: harmonia Músico: harmonia e improvisação para piano, teclados e outros instrumentos. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumiar 1989. BELKIN, A. Principles of Counterpoint. 3. Counterpoint. 3. ed. Montreal: Edição do autor autor,, 2009. COLLURA, T. Rítmica e Levadas Brasileiras para o Piano: Novos Piano: Novos conceitos para a rítmica pianística. 4. ed. Vitória: Edição do autor, 2009. FAGUNDES, M. Técnicas de Acompanhamento: Uma Acompanhamento: Uma abordagem prática. Jundiaí: Edição do autor, 2003. FORTE, A. The Structure of Atonal Music. New Music. New Haven: Yale University Press, 1973. FUX, J. J. O Estudo do Contraponto (Gradus ad Parnassum). Parnassum). Tradução Tradução de Jamary Oliveira e revisão de Hugo Ribeiro. 2. ed. Salvador: Edição dos autores, 2007.
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