Doutrina da Contenção

April 16, 2019 | Author: wlamiller | Category: Soviet Union, Política internacional, Communism, The United States, Europe
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Doutrina política de conteção...

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DOUTRINA DA CONTENÇÃO Ao fim da II Guerra Mundial, os EUA e a URSS emergiram como as principais potências mundiais. Porém, os EUA eram a maior força econômica, política e militar do planeta. Enquanto as economias européias haviam sido devastadas pela guerra, ao final do conflito, os EUA tornaram-se os maiores credores internacionais, com capitais excedentes e com quase dois terços da produção industrial do mundo. A URSS, apesar de ser o país que mais havia sofrido os efeitos da guerra, perdendo cerca de 25 milhões de habitantes, e de ficar com a economia arrasada, havia conquistado uma vasta área de influência no leste e centro da Europa. Essa esfera de influência soviética ao redor das suas fronteiras européias foi exaustivamente negociada durante os últimos meses da guerra. A conquista e o controle desses territórios pelo Exército Vermelho e a situação ainda indefinida da guerra fortaleceram a posição dos negociadores soviéticos na conferência de Yalta, ocorrida entre 4 e 11 de fevereiro de 1945. Contudo, havia divergências no comando do governo norte-americano, pois alguns setores acreditavam que se estava cedendo em demasia aos soviéticos. Após a morte de Franklin Roosevelt, em 12 de abril de 1945, os setores que se opunham à política dessas negociações tornaram-se hegemônicos. Na conferência de Potsdam, ocorrida entre 17 de julho e 2 de agosto daquele ano, os conflitos entre os soviéticos e os seus aliados ocidentais afloraram mais intensamente. A guerra na Europa havia terminado, os norte-americanos, avaliando ser dispensável o auxílio soviético no Pacífico e já havendo testado o potencial da bomba atômica, endureceram nas negociações, revertendo parcialmente a situação. Contudo, a insatisfação reinava em ambos os lados. A derrota alemã e a conseqüente libertação de imensos territórios da dominação nazi-fascista deram à URSS um vasto prestígio internacional. A destruição gerada pela guerra provocou um imenso caos na Europa. Havia grande instabilidade social decorrente da fome, da miséria, do racionamento de alimentos e combustíveis, da ausência de habitações e de outras condições fundamentais para a manutenção da ordem. Tudo isso alimentava o temor de uma onda revolucionária. Os comunistas haviam conquistado grandes avanços eleitorais na França e na Itália e, além disso, cresceram significativamente em outras áreas da Europa Ocidental. Paralelamente, havia guerra civil na Grécia, na Turquia, na China e a eclosão do anti-colonialismo na África e na Ásia. Como decorrência, o poder soviético não se limitava às áreas sob o seu controle, pois a influência dos partidos comunistas cresceu nas mais diferentes regiões do mundo. Essa situação era considerada inaceitável pelas elites capitalistas. Foi nesse contexto que o diplomata George Frost Kennan, especialista em assuntos soviéticos, propôs uma estratégia objetivando conter qualquer ação expansionista da URSS. Ele foi membro do corpo diplomático em Moscou de 1933 a 1937. Posteriormente, regressou à URSS, como conselheiro da embaixada norte-americana, entre meados de 1944 e maio de 1946, quando retornou aos EUA. Em fevereiro de 1946, Kennan enviou, de Moscou, uma mensagem que ficou conhecida como Longo Telegrama. O texto, com cerca de oito mil palavras, analisava a política soviética e sugeria diretrizes para o relacionamento dos EUA com a URSS. No ano seguinte, o secretário da marinha, J. Forrestal, enviou a Kennan um memorando sobre marxismo e política externa soviética, elaborado por seu assessor E. Willet. Discordando do teor do documento, Kennan expandiu as idéias contidas no Longo Telegrama, aprofundando as questões relativas à ideologia e à política externa soviética. O novo texto foi publicado na revista Foreign Affairs , em julho de 1947, sob o pseudônimo de Mr. X. Contudo, ele logo foi identificado como o autor. Nesse texto, intitulado The Sources of Soviet  Conduct , Kennan afirma que existe uma base ideológica para o conflito entre os soviéticos e as democracias ocidentais, sublinhando que o marxismo – base ideológica do regime soviético

– prega a inevitabilidade da exploração do proletariado pela burguesia, que o capitalismo traz no seu interior a semente da própria destruição e que o imperialismo – fase derradeira do capitalismo – seria superado através da ação revolucionária. Assim, para ele, na perspectiva soviética, não poderia haver um sincero compromisso entre a URSS e as nações capitalistas, em decorrência do conflito inerente entre capitalismo e socialismo. Todavia, Kennan entendia que os soviéticos pensavam a inevitabilidade do socialismo como uma questão de longa duração, afirmando que séculos de batalhas levaram os russos a serem cautelosos, a adotarem posturas flexíveis e a saberem lidar com a decepção perante forças superiores. Ele argumentava que os soviéticos eram sensíveis às forças contrárias e podiam abandonar momentaneamente os seus objetivos, quando encontrassem forte oposição. Assim, somente através de uma política externa de longa duração, fundada na paciente, firme e vigilante contenção das tendências expansionistas soviéticas seria possível vencer a URSS. Baseado no exposto, Kennan entendia que a pressão soviética contra as instituições do mundo ocidental podia ser contida pela rápida e vigilante aplicação de uma contra-força a qualquer sinal de agressão soviética. Para ele, os EUA não poderiam, em um futuro previsível, esperar qualquer proximidade política com o regime de Moscou. Deveriam continuar tratando a URSS como rival e esperar que a sua política não refletisse a busca da coexistência e da paz duradouras, mas de uma cuidadosa e persistente pressão objetivando enfraquecer o poder e a influência norte-americana. Kennan afirmava também que a principal ameaça ao mundo capitalista, representada pela URSS, não estava no campo militar, mas na capacidade de ação e sedução das organizações comunistas no interior das nações democráticas. Ele acreditava que através da estratégia de contenção seria possível influenciar tanto a URSS quanto o movimento comunista internacional. Para ele, os EUA deveriam, através de uma política coerente e responsável, manter unidas as principais correntes ideológicas do mundo ocidental. Em contraste, o comunismo soviético aparentaria ser, cada vez mais, estéril e quixotesco, fazendo com que o regime gradativamente perdesse os seus adeptos. Assim, os EUA poderiam forçar o Kremlin a um grau de moderação muito maior do que se havia observado até então e promover o gradual enfraquecimento desse poder. Kennan entendia que, apesar dos avanços na industrialização e no desenvolvimento econômico da URSS, ela era a parte mais fraca no conflito. Para ele, o regime soviético não podia atender às necessidades sociais do seu povo e essa incapacidade o levaria à ruína. Apesar de a política externa dos EUA, durante a Guerra Fria, basear-se na estratégia da contenção, desde 1948, Kennan perdeu espaço no governo norte-americano, tendo pouca influência no segundo Governo Truman (1949-1953). Ele se opôs à criação da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) por entender que isso aumentaria os receios soviéticos, alimentaria a corrida armamentista e prolongaria o período necessário para se obter os resultados desejados com a contenção. Nesse contexto, os opositores da contenção ganharam mais influência no governo. Em 1950, a adoção do NSC-68 (National Security Council), coordenado por Paul Nitze, implicou na aceleração da política armamentista norteamericana. Um dos principais críticos da estratégia da contenção foi o jornalista Walter Lippmann. Conservador como Kennan, Lippmann respondeu ao artigo de Mr. X publicando uma série de textos que, posteriormente, foram reunidos sob o título de The Cold War . Para Lippmann, havia incompatibilidade entre a aplicação da contenção e o respeito à constituição dos EUA. Além disso, ele denunciava que tanto a Doutrina Truman quanto a estratégia da contenção impeliam os EUA a uma política intervencionista. Ele afirmava que essa via levaria os EUA à exaustão moral e política. Em síntese, Lippmann entendia ser necessário estabelecer uma convivência possível com os soviéticos, através de negociações diplomáticas, pois, enquanto

não se chegasse a um acordo, o Exército Vermelho continuaria na Europa. Para ele, a ocupação da Europa era inaceitável, tanto por tropas soviéticas quanto norte-americanas. Defendia a negociação com os soviéticos e a evacuação das tropas não européias do continente, pois somente assim poderia haver independência na Europa. Na década de 1950, é possível notar a intensificação das críticas de Kennan à política externa norte-americana. Em fevereiro de 1950, ele escreveu um memorando ao secretário de Estado Dean Acheson (1893-1971), criticando a perspectiva exclusivamente militar da política externa dos EUA. No ano seguinte, em  America and the Russian Future, publicado na Foreign Affairs , a matriz da doutrina da contenção continua presente, porém, ela é mais flexível e Kennan mais tolerante com os soviéticos. Em 1985, em Containment: then and  now, ele reafirma a sua posição, mas diz que foi incompreendido, ressaltando que ao defender o fim das concessões desnecessárias aos soviéticos não pregava uma política armamentista, como, de fato, ocorreu. No entanto, deve-se ressaltar que os textos escritos por Kennan até o final da década de 1940 ofereceram suporte para essas interpretações. Sidnei Munhoz Referências Bibliográficas: BARNET, Richard. A Balance Sheet; Lippmann, Kennan and the Cold War. In: HOGAN, Michael J. (ed.) The end of the Cold War. Its Meaning and Implications . Cambridge: Cambridge University Press, 1996. pp. 113-126. KENNAN, George Frost. American Diplomacy. Expanded edition. Chicago: University of  Chicago Press, 1999. KENNAN, George Frost. A Russia e o Ocidente. Rio de Janeiro: Forense, 1969; KENNAN, George Frost. At a Century's Ending. Reflections. 1982-1995. New York: Norton, 1997. LIPPMANN, Walter. The Cold War. New York: Harper and Brother, 1947. MAY, Ernst (ed). American Cold War. Interpreting NSC 68. Boston: Bedford, 1993. STEPHANSON, Anders. Kennan and the Art of Foreign Policy. Cambridge (Mass): Harvard University Press, 1992.

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