[Dorien Kelly] Uma Garota Especial
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Uma garota especial...
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Uma Garota Especial Dorien Kelly
Numa cidade pequena, um grande amor... Quando Hallie Brewer deixou sua cidade natal, aos dezoito anos, jurou a si mesma que jamais voltaria. Ela fora uma adolescente desastrada e insegura, alvo de zombarias e provocações, e recebera o apelido de Hallie Terror. Mudar-se para bem longe de Sandy Bend fora a única solução que encontrara para esquecer seu passado traumático. Mas agora Hallie está de volta... e tem seis dias para provar a todos, principalmente a Steve Withman, que se transformou em uma mulher madura, indendente e sofisticada! No entancomo convencer a si mesma de que conseguiu superar a paixão que a atormentava desde a adolescência? Copyright © 2003 by Dorien Kelly Originalmente publicado em 2003 pela Silhouette Books, divisão da Harlequin Enterprises Limited. Título original: The Girl Least Likely To... Copyright para a língua portuguesa: 2003 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Digitalização / Revisão: Néia
CAPÍTULO I Hallie Brewer julgava-se uma mulher sofisticada, independente e moderna. Durante os longos anos de solidão desde que se mudara para a California, convencera-se de que as sardas que cobriam seu nariz eram quase imperceptíveis, e que os cabelos longos, de cachos castanho-avermelhados, não se transformavam em um emaranhado volumoso quando o tempo estava úmido... Mas um simples olhar no espelho retrovisor bastou para que a ilusão que criara a respeito de sua auto-imagem se desmoronasse. Ajeitou uma mecha rebelde atrás da orelha e justificou suas olheiras profundas e a expressão abatida dizendo a si mesma que desapareceriam depois de uma boa noite de sono. Ela viu a marcha do pequeno carro esporte que conseguira comprar com as economias de anos de trabalho e estreitou os olhos ao avistar a placa onde mal se podia distinguir a inscrição desbotada: Bem-vindo a Sandy Bend. Com uma ponta de apreensão atravessou a velha ponte de madeira que, embora desgastada pelo tempo, ainda parecia tão sólida e maciça quanto da última vez que a vira. Embora passasse das quatro horas da tarde, o sol intenso do verão emprestava um brilho quase mágico à pequena cidade, espremida entre o lago Michigan e o curso monótono do rio Crystal. Sandy Bend não poderia ter crescido, mesmo se quisesse. Hallie suspirou, consolando-se com a idéia de que era tranqüilizador saber que algumas coisas nunca mudavam. Com um sorriso triste, refletiu que aquela também era a razão pela qual se mantivera distante nos últimos sete anos. Por mais que tentasse se convencer de que ela própria havia mudado, receava confrontar a verdade. Voltar a Sandy Bend representava colocar-se à prova e descobrir se continuava sendo Hallie Desastrada, como era chamada em sua infância. Porém, não fizera a longa viagem da Califórnia até Michigan apenas para descobrir se as lembranças traumáticas de sua infância ainda a perturbavam. Havia uma razão muito mais forte para estar ali, e pretendia não ficar na cidade nem um segundo a mais do que o necessário. Ao avistar as primeiras casas, com amplas varandas e jardins bem cuidados, o coração de Hallie se apertou no peito. Uma estranha sensação a invadiu, e ela diminuiu a velocidade para apreciar a cidade. Forçando-se a prosseguir, tentou controlar as emoções confusas que lhe oprimiam o peito, fazendo com que grossas lágrimas brotassem de seus olhos. - Enfrente seu destino, garota! - disse para si mesma ao estacionar o carro em frente ao mercado, que conservava exatamente a mesma fachada de sete anos atrás. Hallie apanhou a bolsa e ajeitou os cabelos o melhor que pôde. Apenas para reafirmar sua autoconfiança, aplicou uma ligeira camada de batom e cobriu os longos cílios com rímel. Depois de uma rápida avaliação no espelho retrovisor, sentiu-se um pouco melhor. Ao menos não era mais a garota de dezoito anos, insegura e humilhada, que saíra da cidade anos atrás.
- Você não é mais a mesma pessoa - consolou-se, tentando se reafirmar. Desceu do carro e se pôs a caminhar de cabeça erguida, convencida de que ninguém a reconheceria. Não deixou de notar que uma butique ocupava o lugar da antiga loja de sapatos, e um café havia substituído a farmácia. Com exceção das duas mudanças, a cidade estava exatamente como sete anos atrás. Sandy Bend estava intocada pelo progresso. - Hallie? Hallie Brewer? Hallie sentiu o sangue congelar ao focalizar a rechonchuda senhora que ajeitava os óculos na ponta do nariz, bem a sua frente. Olívia Hawkins era mais magra sete anos atrás, concluiu para si, forçando um sorriso amigável. - Sou eu mesma, sra. Hawkins. - Meu Deus, eu quase não a reconheci! Você está ótima! Quem diria que se transformaria em uma mulher tão linda! - Aproximando-se, avaliou-a de alto a baixo antes de prosseguir: - Bem, quem sabe isso possa animar um pouco mais a cidade! Oh, nunca vou me esquecer daquela vez em que você caiu em cima do bolo na festa de aniversário da cidade... - Isso foi há doze anos, sra. Hawkins - Hallie cortou com tom áspero. - Mas me lembro como se fosse ontem! As pobres voluntárias do orfanato passaram horas confeccionando o bolo... Hallie começou a entrar em desespero. Uma nuvem carregada parecia obstruir seu raciocínio. Se aquela mulher decidisse comentar todos os desastres que haviam sido provocados pela adolescente desajeitada de anos atrás, ficariam paradas ali até o anoitecer. - Foi um prazer revê-la, sra. Hawkins - disse com voz firme, resolvendo que estava na hora de interromper as reminiscências desagradáveis. - E aquela vez em que você... Dirigindo-lhe um olhar que dizia mais que mil palavras, Hallie se misturou a um grupo de turistas e seguiu seu caminho. Deteve-se diante da delegacia, poucos passos adiante, e subiu lentamente os degraus, respirando fundo para se acalmar. Na realidade, chamar aquele cubículo de "delegacia" era generoso demais para descrever a pequena sala com duas escrivaninhas e quatro cadeiras. Um dos policiais da cidade, debruçado sobre a mesa, dormia um sono profundo, com um exemplar de uma revista antiga caído no chão. Hallie sentiu pena de perturbá-lo, mas atravessara o país apenas para fazer aquilo. - Explique o que quer dizer isto! - bradou, jogando um recorte de jornal sobre a mesa. Sobressaltado, o rapaz quase caiu da cadeira, e a fitou como se ainda estivesse mergulhado em um sonho. - Hallie? - Esfregando os olhos, ele se pôs de pé em um pulo. - O que... O que você está fazendo aqui?! - Explique! - ordenou, tamborilando as unhas bem-feitas sobre o recorte.
Mitch abriu a boca e fez menção de dizer alguma coisa, mas calou-se. Se não estivesse tão furiosa, ela teria achado graça do ar abobalhado e confuso estampado no rosto de seu irmão mais velho. - Bem, parece que você ainda está um tanto sonolento... Nesse caso, vou ajudá-lo. Aqui diz: Chefe Brewer recupera-se após cirurgia no coração. - Ah, isto? Bem, hum.... Sim, a notícia... - Gaguejando, Mitch baixou os olhos, desconcertado. - Sabe, não é nada demais... - E suponho que não seja nada de mais que eu tenha descoberto que papai teve um enfarte através de um recorte do Country Herald, colocado em minha caixa de correio por um informante anônimo! Mitch voltou a palma das mãos para cima e ergueu os ombros, sem ter como argumentar. - Hallie, papai não queria preocupá-la. Ele achou que você gastaria uma fortuna para vir para casa, e... - Deteve-se e pestanejou. - Você está mais alta? Parece que há alguma coisa diferente... Durante todo aquele tempo Mitch nunca fora visitá-la, e as curvas que ela havia adquirido nos últimos anos o surpreenderam. - A coisa diferente chama-se "seios", Mitch. Uma intensa onda de rubor cobriu o rosto do irmão, e mais uma vez, ela controlou-se para não rir. - Hallie, você é minha irmã! - Sim, e já que estamos falando de relações familiares, ele é meu pai. Você ou Cal poderiam ter apanhado o telefone e me avisado! Ou então, quando liguei na semana passada, você poderia ter me contado... - Acredite, não foi nada sério. Foi uma ameaça de enfarte, apenas, e ele fez angioplastia. Tia Althea veio para cá e está tomando conta dele. Hallie suspirou. Althea Brewer Bonkowski era prima de seu pai, e era conhecida por dizer exatamente o que pensava, sem medir as conseqüências. - Espero que ela não esteja fazendo nada de ilegal - comentou, concluindo para si que fora ela a responsável por Ihe enviar o recorte do jornal de circulação exclusiva em Sandy Bend. - Oh, não! Agora está envolvida com cristais e aromaterapia. Ela está nos deixando loucos! Mas brigar com tia Althea mantém papai ocupado. - Ele a fitou com um brilho de ternura. - Você não precisava viajar de tão longe apenas para vê-lo. Poderia ter ligado e... - ...e conversado com os rapazes que não se importaram em me dizer o que estava acontecendo? Não, obrigada! Quero ver papai com meus próprios olhos. Não vou voltar até que tudo esteja sob controle. - Você está duvidando de nós? - Mitch colocou a mão sobre o peito. - Estou ofendido, Hal!
- Não me chame pelo meu apelido! Você sabe que eu odeio! - Para ser sincero, não combina mais com você. - Obrigada, estou lisonjeada. Bem, vou para casa agora. Você vai quando acabar seu turno, certo? Ela ouviu Mitch concordar enquanto voltava-se para sair. A fotografia de seus irmãos ao lado do pai chamou-lhe a atenção. Eles compunham o quadro dos oficiais da cidade. Quando seu olhar recaiu sobre uma fotografia recente de um grupo de rapazes com um enorme peixe ainda preso ao anzol, seu coração falhou um batimento. Um rosto familiar se destacava entre os demais, fazendo-a prender a respiração. - Está tudo bem, Hal? - Preocupado com a súbita palidez no rosto da irmã, Mitch se aproximou para ampará-la. - Hallie - ela corrigiu automaticamente, sem tirar os olhos da fotografia. - Você nunca comentou que Steve Whitman havia voltado... Mas o que esperava, se ele não havia sequer comentado sobre o ataque cardíaco do pai? - Não julguei que se importasse - foi o comentário indiferente. - Ele sempre foi mais amigo de Cal. Empertigando-se, ela tentou se refazer do choque. Na verdade, de acordo com as regras que regiam seu universo, Steve Whitman deveria estar trancado a sete chaves em suas lembranças. Ele fora o responsável pela maior humilhação de sua vida! Porém, um estranho desejo a invadiu, como quando assistia a um filme de terror: por mais que fosse apavorante, era impossível desgrudar os olhos para saber o que iria acontecer. - O que ele está fazendo aqui? - Steve voltou há pouco mais de um ano, e começou a dar aulas. Além disso, assumiu o posto de reitor da universidade. - Fez uma pausa antes de prosseguir: - Tem certeza de que está bem? Hallie afastou uma mecha de cabelo para trás dos ombros, tentando aparentar a maior naturalidade possível. Desejava poder simplesmente ser a filha que retornava à cidade para visitar o pai, em vez de reviver todas as emoções turbulentas que lhe oprimiam o peito... - Mas ele não é muito jovem para ser reitor? Steve tinha a mesma idade que Cal, oito anos mais velho que ela. Ele também era membro do seleto grupo de milionários que costumavam passar dispendiosos fins de semana nas luxuosas mansões à margem do lago Michigan. A família de Hallie, ao contrário, sempre vivera uma vida simples na fazenda que era propriedade da família há muitas gerações. - Bem, depois que o último reitor se aposentou, ninguém mais foi louco o bastante para assumir o cargo. - Mitch levantou-se para acompanhá-la. - Steve tem sorte de não precisar trabalhar para pagar as contas. A Universidade de Sandy Bend não é a mais
rica do país, você sabe. Hallie sabia que um dos motivos por ter optado cursar uma universidade fora de sua cidade natal era evitar os antigos colegas de escola, para preservar seu ego. Mas saber que Steve estava de volta à cidade fez ressuscitar todos os fantasmas do passado. - O que há com você? - Ele colocou a mão sobre o braço da irmã. - Está pálida como cera! Quer ir até a farmácia? Eu vou com você. - Não é preciso, estou bem - mentiu, ajeitando a alça da bolsa no ombro. - Vamos até a lanchonete - sugeriu, colocando o quepe. - Preciso mesmo dar uma volta e esticar as pernas. Acostumada à solidão, Hallie se comoveu diante da solidariedade do irmão e se esforçou para conter as lágrimas. - Senti saudade de você, Mitch! - murmurou, antes de ser envolvida pelos braços fortes e calorosos. Não havia dúvida, sentia saudade de Sandy Bend, das provocações e da proteção dos irmãos mais velhos. O que não sentia falta era do traumático apelido e da desastrosa infância que vivera. - Também senti sua falta, maninha. Bem-vinda de volta. Steve Whitman sabia que, ao voltar para Sandy Bend, optara por ter uma vida calma e pacata. Para ele, era o mesmo que viver no paraíso. Sorveu um gole da cerveja e se debruçou sobre o balcão da lanchonete, usufruindo a paz daquela tarde quente de verão. Virou-se para observar a rua quase deserta, a não ser por seu amigo Mitch, que caminhava do outro lado da calçada. Sua atenção foi imediatamente atraída para a jovem exuberante ao lado dele. Ela usava uma minúscula saia jeans e uma camiseta branca que, em qualquer outra mulher, passaria desapercebida, mas nela provocava um efeito devastador, realçando os contornos do busto bem-feito. - Rapaz de sorte - murmurou para si, avaliando com atenção as pernas esguias e bemtorneadas. Precisava se aproximar para certificar-se se a garota era tão atraente quanto parecia. Jogou uma nota sobre o balcão e saiu sem esperar pelo troco. A jovem olhava para Mitch e sorria enlevada. Os cabelos longos e brilhantes faziam um movimento sensual a cada passo, envolvendo-a em uma aura de luz. E as sardas... Steve sempre tivera uma queda por mulheres com sardas. - Ei, Mitch! - Ele acenou, tentando dar um tom casual à voz. Por alguma razão, a garota se deteve como se estivesse paralisada. Seus olhares se encontraram por uma fração de segundo, fazendo-o se perguntar se os olhos dela eram realmente azuis, ou se ela usava lentes de contato coloridas. Enquanto Steve vasculhava a memória para identificar os traços familiares, a expressão
da garota passou de medo a raiva. Seria impossível ignorar o constrangimento que havia provocado, mas não queria deixar de vê-la de perto. Aprisionada como um rato, era exatamente como Hallie se sentia. Steve atravessava a rua a passos largos, e não havia nada que pudesse fazer a não ser desejar que o chão se abrisse para levá-la para o outro extremo do planeta. Ao vê-lo se aproximando, a devastadora combinação de seu pior pesadelo e sua fantasia predileta criou vida no mesmo corpo alto, moreno e musculoso que ela jamais esquecera. O mais sensato a fazer seria cumprimentá-lo com ar casual... Porém, não se sentia sensata, nem sábia. Ficou paralisada no mesmo lugar, como se tivesse sido atingida por um raio. Mitch não percebeu a confusão da irmã, e cumprimentou o amigo com alegria. - Shh... Quieto! Não deixe que ele se aproxime! - Hallie, você perdeu o juízo?! Por que eu faria isso? - Olá, Mitch! O que há de novo? Diante do som da voz inconfundível, grave e ligeiramente rouca, Hallie sentiu-se vulnerável e indefesa. Selt anos deveria ser tempo suficiente para esquecer aquela tola paixão de adolescente. Desolada, concluiu que uma vida seria pouco para esquecer Steve Whitman... - Nada de novo, Steve... a não ser... Mitch interrompeu-se quando Hallie segurou seu braço com firmeza e deu um passo à frente. Enquanto Mitch parecia confuso, sem saber o que dizer, Hallie fechou os olhos e se encheu de coragem. Os olhares se encontraram novamente. Naquele instante, percebeu que ele não a reconhecera e resolveu tirar proveito da situação. Seria ridículo, mas não queria se identificar. - Sou Amanda Creswell... Dra. Amanda Creswell - apressou-se em dizer, sentindo-se cada vez mais ridícula. A boca de Steve se curvou em um sorriso, o mesmo que sempre a fizera derreter como mel aquecido. Ignorou o fato de que estava ainda mais atraente do que se lembrava, e que aqueles eram os mais incríveis olhos castanhos que ela já vira na vida... Ignorou o apelo inconfundível do corpo másculo, esplêndido, e orgulhou-se por não desmaiar bem ali, diante deles. - Dra. Creswell... - Steve repetiu com ironia, inclinando a cabeça em um galanteio afetado. - Bem-vinda a Sandy Bend. Confuso, Mitch resolveu se calar. Não fazia a menor idéia do que estava acontecendo, e enfiou as mãos nos bolsos, recusando-se a participar daquela maluquice da irmã.
- Curioso... - Steve estreitou os olhos. - Tenho a impressão de que conheço você. - Tenho um tipo comum. - De onde você é? - Arkansas. - A palavra escapou de sua boca. Por que não escolhera outro lugar? E se ele resolvesse perguntar algum detalhe que ela não soubesse? - É mesmo? E qual é sua especialidade? - Neurocirurgia - foi a resposta absurda, mas considerou que, ao menos, poderia intimidá-lo. Diante do ar de incredulidade no rosto viril, Hallie empinou o nariz e o encarou. - Você acha que não há neurocirurgiãs no Arkansas? - Oh, tenho certeza que sim. Estava apenas pensando que... Subitamente, um arrepio percorreu sua espinha e ela apertou o braço do irmão, que permanecia mudo e paralisado como uma estátua. - Suas unhas não atrapalham? Num gesto instintivo, ela colocou as mãos para trás. Orgulhava-se das unhas longas e bem-feitas, e as visitas semanais à manicura estavam em sua lista de prioridades. - Como consegue lidar com aqueles delicados instrumentos com unhas tão compridas? - Bem, tenho trabalhado com robôs, em pesquisas sobre micro-cirurgia vascular reconstrutora do córtex cerebral. Nada mau, pensou para si. Finalmente, as infindáveis horas diante da televisão assistindo a Plantão Médico teriam alguma utilidade! Porém, o sorriso que se alargava nos cantos da boca de Steve a deixou tensa. - É impressionante! E o mais incrível é que Cal me disse que você se formou em Artes Plásticas... - Ele tocou-a de leve na ponta do nariz. - É bom revê-la, dra. Hallie! Sentindo o chão sumir sob os pés, ela abriu a boca para argumentar, mas não conseguiu emitir nenhum som. Sentindo-se exausta e envergonhada, despediu-se do irmão e voltou pelo caminho por onde tinha vindo. Entrou em seu carro e dirigiu sem destino. Quando deu por si, estava diante do portão da velha casa da fazenda. Um gato gordo dormia no capacho da porta de entrada. - Olá, Murphy. Não conhecia aquele gato, mas sabia que todos os gatos da família recebiam o mesmo nome. Era a lei de imutabilidade de Sandy Bend. - Papai! - gritou, jogando a bolsa sobre o sofá da sala. - Finalmente você chegou! Althea emergiu da cozinha, correndo em sua direção. Recebeu-a com um caloroso abraço. - Curioso, pois não disse a ninguém que viria... - comentou, sentindo-se
agradavelmente acolhida. - Alguns de nós são mais sensíveis que outros, querida. Pude sentir sua aura no momento em que pôs os pés na cidade. Os espíritos decretaram que você viria. - E será que foram os espíritos que colocaram um pequeno recorte de jornal na minha caixa do correio? - Bem, às vezes é preciso dar uma pequena ajuda... Hallie não pôde conter o riso, e abraçou com carinho sua prima. - Não seria mais simples ter me ligado? - Prometi a seu pai que não faria isso. Aproveitei a viagem de um amigo à Califórnia e usei este pequeno truque... - Althea ajeitou uma mecha dos cabelos ruivos antes de prosseguir: - Mas eu já havia pressentido que você voltaria para casa. - Não voltei para ficar, tia Thea. - Chamava-a de tia devido à diferença de idade. - Não tenha tanta certeza, querida... Temos de considerar a vontade dos anjos... - Não há nada no mundo que me faça voltar para Sandy Bend - declarou sem muita convicção. - Onde está papai? Seguindo as instruções de Althea, foi para o velho celeiro e encontrou o Chefe Brewer organizando seu material de pesca. Pressentindo a presença dela, ele se voltou e abriu um largo sorriso. - Como está minha artista favorita? Já era tempo de voltar para casa! Hallie se adiantou e envolveu o pai num abraço apertado. - Você também pressentiu que eu estava voltando, como tia Thea? - Não sou tão poderoso quanto ela - comentou ele com bom humor. - Mitch ligou e avisou que você estava a caminho. Ele estava preocupado, disse que você estava agindo de forma estranha... - É apenas o cansaço da viagem. Não se preocupe, amanhã estarei completamente revigorada. - Ansiosa por mudar de assunto, sentou-se no velho sofá que ocupava o mesmo lugar desde que ela era criança. - Papai, por que não me contou o que estava acontecendo com você? - Porque não havia motivo para preocupá-la. Não posso fingir que não estou ficando velho, filha. - Você está cheio de saúde, papai. - Bem, não tenho do que me queixar. Você sabia que trabalhei no mesmo lugar a vida toda? Ela assentiu, observando o cuidado com que ele limpava as carretilhas de pesca. - Minha vida sempre foi regrada, com exceção do meu vício por sorvete de baunilha. Mas, por Deus, se um homem não pode ao menos ter esse pequeno vício, que sentido tem em viver?
Hallie riu e abraçou o pai. - Você está coberto de razão! E agora, vamos entrar. Quero tomar um banho e descansar um pouco. Vou ficar até sábado, teremos seis dias para conversar. Seis dias... Enquanto entrava abraçada ao pai, Hallie pensava secretamente que teria aquele prazo para que acontecesse o milagre do século: ir embora de Sandy Bend com o coração e a dignidade intactos.
CAPITULO II O dia quente de verão estava chegando ao fim. Steve pegou uma cerveja gelada e foi para a varanda usufruir a tranqüilidade e beleza da paisagem. Depois do inesperado encontro que acabara de ter merecia um momento de sossego. Hallie Brewer... Quem diria que se transformaria em uma mulher tão atraente? Quase não a reconhecera, mas as sardas foram a primeira pista. Porém, só tivera certeza quando ela escondera as mãos atrás das costas, um gesto característico de quando era adolescente. As lembranças invadiram sua mente como um filme em câmera lenta. Steve refreou o curso dos pensamentos. Não queria reviver o passado, e se esforçava para reprimir uma cena em especial, que insistia em permanecer viva em sua memória. Passara muito tempo deprimido com o que acontecera entre ele e a irmã de seu melhor amigo, e ressuscitar os fantasmas do passado só lhe traria tristeza. Mas como deixar de pensar naquela mulher estonteante, que parecia não ter consciência da feminilidade que transbordava por todos os poros de seu corpo? Lembrava-se dela desde que usava fraldas. E mesmo que tivesse se tornado uma mulher sensual, sabia muito bem que ainda era Hallie Desastrada. De um jeito ou de outro, ela poderia transformar sua vida em um inferno. Forçando-se a mudar o curso de suas idéias, se pôs a refletir sobre sua vida profissional. Salvar a universidade era uma batalha quase perdida, mas estava disposto a lutar até o fim. Sua motivação não se baseava apenas em manter o emprego. Sabia que manter ativa aquela tradicional instituição representava um aspecto importante da pequena cidade. Sandy Bend era um importante pólo cultural de Michigan. Não queria que a cidade se tornasse um vilarejo quase deserto, e sim que fosse um lugar digno de ser lembrado, com uma vida cultural ativa, mantendo a antiga tradição de exibir filmes de arte nas noites de sexta-feira no único cinema local, exatamente como quando ele era criança. Se perdesse o emprego, sua mudança para Sandy Bend perderia o sentido. Com um suspiro desolado, Steve ajeitou-se na confortável cadeira e sorveu lentamente o líquido gelado. A maior ironia, pensou, era que havia investido tudo o que tinha na casa de veraneio da família para transformá-la em uma moderna mansão de vidro e aço, muito maior do que ele precisava. Orgulhava-se da casa com sua ampla varanda de frente para o lago Michigan. Habituara-se a assistir ao pôr-do-sol refletindo-se nas águas calmas e translúcidas,
usufruindo a agradável tranqüilidade e sossego da vida que escolhera. Porém, naquela tarde, pela primeira vez desde que se lembrava, um estranho sentimento de solidão o invadiu. Não era o tipo de solidão que pudesse ser preenchida com uma conversa com os amigos... Steve sentia que algo intenso e importante havia se perdido para sempre, e não gostou da sensação. Tentou evitar o momento de introspecção. Porém Hallie não saía de seu pensamento. - Ei, companheiro! Que tal descer das nuvens e voltar para a realidade? Uma voz alegre soou atrás dele. Voltou-se para se deparar com Cal Brewer, carregando uma cerveja gelada na mão. - Não ouvi você chamar. - Sim, eu percebi. - Sentou-se ao lado do amigo, tão à vontade como se estivesse em sua própria rasa. - Deve ser maravilhoso ter dinheiro e poder desfrutar desta maravilha! Steve sabia que ele o estava provocando, pois se irritava sempre que alguém se referia ao seu poder aquisitivo Ele não fizera nada, nascera milionário, e recusava-se a tocar em um centavo do dinheiro de sua família. - Não sou tão rico a ponto de ficar feliz por você ter pegado a minha última garrafa de cerveja. - Bem, se você não estivesse tão perdido em seus pensamentos, teria ouvido o telefone tocar, e estaria em minha casa, tomando minha cerveja. - Cal colocou o braço sobre o ombro do amigo, num gesto amigável. - Tia Althea convidou-o para jantar. Steve prendeu a respiração. Jantar com Hallie Desastrada era mais do que podia enfrentar naquele dia. Receava não sobreviver se a encontrasse novamente. - Diga a ela que você não me encontrou - sugeriu aflito. - Estamos falando de Althea, lembra-se? Ela já sabe onde você está. - Então que você me procurou por toda parte e... - Papai também quer vê-lo - Cal o interrompeu. Todos os argumentos se calaram. Steve considerava Bud Brewer como um segundo pai. Walter Withman sempre fora ocupado demais com seu trabalho em Chicago para dar atenção ao filho. Nos últimos tempos, o contato entre eles resumia-se a visitas breves e ocasionais. Depois da cirurgia cardíaca, uma grande preocupação somara-se ao respeito e admiração que nutria pelo Chefe Bud. Não poderia deixar de atender a um pedido dele. - Certo. Vá na frente enquanto pego a chave do jipe. - Nada disso. Vamos no meu carro. Tia Althea me fez prometer que o acompanharia. Tenho ordens expressas de entregá-lo em mãos. - Sorrindo, Cal se ergueu e o apressou. - Vamos logo. Depois da sobremesa, podemos escapar e ir ao Truro's para uma partida de bilhar. Resignado, Steve o acompanhou, sentindo-se como um prisioneiro a caminho da masmorra.
Althea nunca desistia quando tinha algo em mente. Naquele momento postara-se diante da mesa enquanto inspecionava a arrumação. - Vamos precisar de mais um prato - informou em tom casual. Hallie contou novamente para ter certeza que não havia esquecido ninguém. O marido de Althea estava com problemas na coluna por carregar a bagagem dela, e fora proibido de sair da cama até que melhorasse. Ele era oficial reformado, e orgulhava-se de sua carreira irretocável. Não fora fácil admitir que precisava de ajuda. - Thor descerá para o jantar? - Não, ele mal consegue se sentar. Terá que ficar de cama por muitos dias. Ele teve sorte por Mitch e Cal estarem aqui para ajudá-lo a subir as escadas. - Certo, se ele não vai se juntar a nós, coloquei o número de pratos suficiente. Você está esperando alguém? - Steve Whitman. Hallie segurou o prato com tanta força que receou quebrá-lo. Estava surpresa por não ter uma crise de ira e emitir raios fulminantes na direção de Althea. Seria possível que não houvesse mais um lugar para ficar em paz em Sandy Bend?! - Ele pode ocupar meu lugar - disse antes de sair correndo para a cozinha. - Quando você se tornou covarde? - Althea gritou atrás dela. Hallie voltou, ainda segurando o prato. - Gosto de pensar que posso escolher com quem quero jantar. - Você tem vinte e cinco anos, Hallie. É uma mulher independente e bem-sucedida, certo? - Apanhou o prato e colocou-o sobre a mesa. - Por acaso você se interessa por algo que não seja trabalho? - Claro que sim! - foi a resposta em tom hesitante. - Você tem amigos? - Sim, tenho muitos amigos! - mentiu, abaixando os olhos para que não fosse desmascarada. Possuía duas amigas na Califórnia, e a única garota que ainda mantinha contato em Sandy Bend também havia se mudado para cursar universidade em Grand Rapids, uma cidade a duas horas dali. - Mas há alguma coisa em você que não está bem resolvida... - Olhos acinzentados a fitavam com ternura. Sim, nada do que se refere a Steve está bem resolvido!, quis gritar, mas não o fez. A admissão poderia ser fatal nas mãos de tia Althea. Tentou dizer a si mesma que Steve não passava de uma simples fantasia de adolescente. Naquele momento, tinha a chance de ter um encontro real e constatar que
tudo havia mudado. Afinal, muitos anos haviam se passado. Não era mais tola e romântica. Era uma mulher independente e sofisticada, e nada mais poderia destruí-la. Suspirou resignada e voltou-se para Althea: - Onde devo colocar o prato? Nuvens carregadas avisavam que uma forte tempestade estava prestes a cair, o que aumentava o desconforto de Steve. Começava a se arrepender por ter ido. Mal acabara de chegar à fazenda, Cal soube que Mitch saíra a trabalho, e teve que se juntar a ele. O chefe Bud já havia se sentado à cabeceira da mesa, enquanto Althea subira correndo para o segundo andar, atendendo ao chamado do marido. Como seus amigos não chegariam a tempo para acompanhá-los no jantar, sentou-se no lugar que lhe foi indicado e se pôs a mordiscar uma fatia de pão integral, uma das especialidades de Althea. Depois de indagar todos os detalhes sobre a saúde de Bud Brewer, um pesado silêncio caiu sobre eles. Para piorar, o pai de Hallie foi chamado para ajudar Thor, e deixou-os sozinhos. A visão de Hallie, sentada a sua frente, o estava deixando louco. Ela estava ainda mais bonita do que naquela tarde, com os cabelos ainda úmidos do banho e um vaporoso vestido amarelo. Porém, fitava-o como se estivesse desafiando-o para uma disputa de braço-de-ferro. Decidido a enfrentar o desafio, encarou-a de frente. - Então, doutora, pretende mudar-se para cá, ou está apenas descansando da estafante rotina de neurocirurgiã? O garfo de Hallie quase furou o prato, e controlou-se para não se levantar e subir para seu quarto naquele exato instante. - Vou embora no sábado. Portanto, não se preocupe. Não há tempo para que eu cause muitos danos por aqui. Ele tentou disfarçar o constrangimento. Estava acostumado a provocar a irmã mais nova de seu melhor amigo, mas não sabia como lidar com a mulher mais atraente que jamais vira. - E posso não ser uma importante neurocirurgiã, mas tenho um trabalho e me orgulho muito dele. O mercado não é fácil para artistas plásticos, mas consegui expor minhas aquarelas em muitas galerias da Califórnia. - Sentindo-se ridícula, ela baixou a voz. Aliás, freqüento a casa de Anna Bethune. - Anna Bethune, a atriz? - Você conhece alguém mais com este nome? - Ela voltou os olhos para o teto, suspirando com tédio. Anna Bethune e seu marido, Mat Colton, estavam no alto escalão de Hollywood. O trabalho de Hallie certamente era mais interessante do que o de um quase desempregado reitor de universidade. Por um segundo, Steve lembrou-se do pai, que não perdia a oportunidade de pressioná-lo para que parasse com aquela loucura e se
juntasse aos negócios da família. - Então, você já se encontrou com Anna? - Não diretamente - ela hesitou antes de responder. - Como você pode se encontrar com alguém indiretamente? Os olhos azuis se arregalaram quando ela respondeu: - Eu moro no prédio ao lado da casa de verão que ela e o marido possuem em Carmel Highlands. Tomo conta da casa para que tudo esteja organizado e limpo antes que eles cheguem. Steve sabia que não devia insistir no assunto, mas estava acima de suas forças resistir. - Então, você trabalha para Anna Bethune. - Trabalho para ela - retrucou muito calma. Hallie começava a se sentir como nos velhos tempos, ridícula e abominável. - Desculpe, não quis ofendê-la. Sabe, ainda não estou acostumado com a Hallie adulta. Lembra-se de quando estava na quinta série, e me disse que os Rolling Stones iriam se apresentar no piquenique de sua classe? - Eu estava tentando atrair sua atenção, mas não me lembro por quê - ela disse, soando absolutamente entediada. - Eu supunha que mesmo um dinossauro como você pudesse ter ouvido falar dos Rolling Stones. Você e Mick Jagger devem estar com a mesma idade, não é? O chefe Bud, que acabava de entrar na sala de jantar, sentou-se e olhou para a filha com ar severo. - Chega de discussões! Mick Jagger tem idade suficiente para ser o pai de Steve, como você bem sabe, Hallie. E agora, se vocês dois não se importarem, poderiam passar o purê de batata? Comeram em silêncio, e quando Althea juntou-se a eles para a sobremesa, o prato de Hallie estava intocado. - Alguma coisa errada, querida? Não gostou da carne de soja com brócolis? - Estou sem fome, tia. - Eu não sei até quando você vai insistir em nos obrigar a comer isto! - Bud resmungou, jogando o guardanapo sobre a mesa. - Esta comida me dá indigestão. - Você devia me agradecer! Graças a mim, seu nível de colesterol nunca esteve tão bom. Bud afastou a cadeira e fitou a prima com ar resignado. - Vou subir para jogar pôquer com Thor e fumar um charuto. - Papai, você não fuma charutos. - Então está na hora de começar. E em vez de ficar implicando comigo, por que você não vai até o celeiro dar uma olhada na decoração do carro? O desfile dos carros
alegóricos será no próximo sábado e não estou com disposição para pensar nisso. Bud se afastou, resmungando, enquanto Althea começava a retirar os pratos da mesa. - Ele sempre foi ranzinza e mal-humorado, mas todos nós sabemos que tem um grande coração. - Com um gesto imperativo, impediu que Hallie a ajudasse. - Eu cuido disso, querida. Você está cansada da viagem. Por que vocês dois não vão até o celeiro? Se quiserem que o carro fique pronto para o desfile, terão que trabalhar muito. - É uma boa idéia. - Steve se levantou, disposto a fazer qualquer coisa que o distraísse das fantasias perturbadoras despertadas pela presença de Hallie. - O jantar estava ótimo, tia Thea. Na verdade, havia enchido o prato como se pudesse preencher o estranho vazio que sentia. Incapaz de raciocinar, seguiu para o jardim. O perfume adocicado do campo invadiu suas narinas, e encheu os pulmões com o ar fresco da noite. Observou enquanto Hallie caminhava a passos rápidos em direção ao celeiro, uma construção antiga de madeira sólida e maciça, grande o bastante para abrigar um exército. Fazia muitos anos que perdera o propósito original de quando fora construído, e não era mais usado para armazenar cereais. Além de abrigar os equipamentos usados na colheita de aspargos, servia como garagem para o velho Corvette do Chefe Bud e como oficina mecânica, além de abrigar os equipamentos de caça e pesca dos rapazes. Hallie abriu a imensa porta com o coração repleto de emoções. Aquele costumava ser seu refúgio secreto, e guardava na memória todos os momentos de frustração em que se escondera ali para chorar. Retirou a lona que cobria a carroceria do trator, decepcionada com o que viu. Encontrou apenas a faixa com motivos marítimos que havia pintado no ano anterior e enviara da Califórnia para os rapazes. Eles que decoravam o carro para o desfile desde que ela saíra de Sandy Bend, mas pareciam ter se esquecido que faltavam apenas seis dias para o evento. Teria que trabalhar duro para aprontá-lo a tempo. O Desfile Anual do Verão era uma tradição em Sandy Bend, e reunia visitantes de toda a região para uma grande festa que culminava com o esperado desfile de carros alegóricos. A família Brewer nunca deixara de participar, embora Hallie não estivesse presente nos sete anos anteriores. Além do desfile, a semana estava repleta de atividades, como pesca, torneio de beisebol e piqueniques à beira do lago. Antigos moradores que haviam se mudado costumavam voltar naquela semana para visitar os amigos... Todos, exceto Hallie. Morar na Califórnia sempre fora uma desculpa aceitável para não voltar. Arrependida por não ter optado por calça jeans em vez do vestido, subiu na carreta e estendeu a faixa para observá-la. Depois de uma avaliação minuciosa, concluiu que ficaria ótima depois de alguns retoques. Sentou-se no piso de madeira e se pôs a pensar sobre idéias para a decoração, quando uma voz grave a sobressaltou: - Olá, doutora. Suspirando, Hallie disse adeus à paz e à solidão.
- Estou atrapalhando? - Não - murmurou, assombrada com a facilidade com que a mentira escapara de seus lábios. Tudo a respeito de Steve a perturbava. Sempre fora daquela forma, e receava que nunca seria diferente. - Sinto muito não termos adiantado o trabalho. - Nós? - Incrédula, ela o fitou. - Não entendo por que você se incluiu! Ele subiu na carreta e sentou-se próximo a ela. - Prometi a seu pai que ajudaria com a decoração este ano, mas as coisas estão meio complicadas para mim ultiinamente. A universidade está a ponto de fechar, e tenho que pensar em uma saída para atrair alunos e alguma forma de financiamento para o próximo ano. - Papai me contou. Parece incrível que uma instituição tão importante para Sandy Bend esteja correndo o risco de acabar. O comentário soou indiferente, embora ela estivesse apavorada por estar a sós com Steve. Um arrepio percorreu sua espinha pelo simples fato de tê-lo tão próximo, a ponto de poder tocá-lo. Olhou-o de soslaio e prendeu a respiração ao ver a linha máscula do queixo, a boca viril, a sombra escura da barba cerrada. Os traços marcantes do rosto másculo nunca haviam saído de sua lembrança, e o estranho era que ele parecia ainda mais bonito do que se lembrava. - Não se preocupe sobre o desfile - anunciou, tentando tranqüilizá-lo. - Não se esqueça que sou artista plástica, e não terei o menor problema em cuidar de tudo sozinha. - Acontece que tenho usado a decoração da carreta como desculpa para vir até aqui e ver como está o Chefe Bud. Você sabe como ele é. Ficaria furioso se percebesse que estou preocupado com ele. A sensibilidade que ele demonstrava apenas aumentou a apreensão de Hallie. Não bastava ser o homem mais sexy do planeta? Como poderia esquecê-lo, se a cada segundo descobria que o admirava ainda mais? - E muito gentil de sua parte cuidar de papai, mas estudo está sob controle - insistiu com voz firme. - Tem certeza? A pergunta foi enunciada de forma tão gentil que a desarmou. Voltou-se para ele, e notou que parecia realmente preocupado. - Bem, ao menos é o que os médicos dizem. Ele está se recuperando bem, e tia Thea tem sido maravilhosa, obrigando-o a ter uma alimentação saudável e a tomar todos os medicamentos. - Eu não me referia a seu pai - insinuou ele, com um sorriso que a fez derreter. - Vamos fazer um trato, doutora. Por uma semana, vamos esquecer o passado e tentar nos entender. Chefe Bud é como um pai para mim. Não deixe que nossos problemas interfiram na minha relação com ele, por favor.
Naquele momento, o estrondo de um trovão fez o celeiro estremecer, e uma chuva forte começou a cair. Um arrepio gelado fez Hallie estremecer, mas sabia que não era por estar com frio. Se não protegesse seu coração, corria o risco de se apaixonar novamente... - Se você se comportar, prometo que vou tentar - concordou por fim. - Não precisamos trabalhar juntos. Posso cuidar da decoração de dia, e você poderá vir à noite. Desta forma, teremos pouca chance de brigar. Steve franziu o cenho por um instante e então sorriu. - Certo, se é assim que quer. Além disso, estou ocupado durante o dia com a universidade. - Ótimo. Ela forçou um sorriso, esperando que o ruído da chuva escondesse o tom de desapontamento em sua voz. Steve se pôs de pé e ajeitou os cabelos fartos com os dedos. - Puxa, parece que isto não vai acabar tão cedo. Hallie o fitou por um instante, imaginando o que ele queria dizer com aquele comentário. Só depois de alguns segundos percebeu que ele se referia à chuva. - E melhor voltarmos para casa - sugeriu. Ao vê-la fazer menção de se levantar, Steve estendeu a mão e ajudou-a. O mesmo traço de desafio que a acompanhava desde que haviam se reencontrado iluminou os olhos azuis. Sem hesitar, ela aceitou a ajuda e, quando se pôs de pé, desceu da carreta e afastou-se para uma distância segura. - Vamos apostar uma corrida para ver quem chega primeiro em casa? - propôs, saindo em disparada antes que perdesse completamente o autocontrole. Enquanto corria sob a chuva pesada, Hallie sabia que o passado que tanto a perturbava estava bem atrás de si, e seria inevitável que a alcançasse. Tudo que queria fazer era parar de correr e entregar-se a ele com toda sua alma.
CAPITULO III Cal chegou em casa no momento em que Steve pisava na varanda. - Ei, por onde você andou? - quis saber, enquanto tirava a capa de chuva. - Os espíritos de tia Thea o colocaram para fora de casa? - Hallie e eu fomos até o celeiro para pensar na decoração do carro alegórico - explicou, com a estranha sensação de que estava omitindo alguma coisa. Passou os dedos pelos cabelos molhados e seguiu o amigo para o interior da casa. - Você está encharcado! Espere aqui enquanto vou buscar uma toalha. Steve olhou ao redor com a expectativa de ver Hallie, mas ela não estava em lugar
algum que pudesse ver. Havia disparado na sua frente e ele tivera que fechar a porta. Mas mesmo com todo seu preparo físico, não conseguira alcançá-la. - Aqui está. - Cal estendeu a toalha e observou-o enquanto secava os cabelos. - Está pronto para aquela cerveja? - Acho que hoje vou dispensar. Cal o fitou, preocupado. - Você está bem? - Estou ótimo. Na verdade, ele sentia-se mais do que desconfortável, e sabia que a razão de seu malestar era Hallie. Não saberia definir o momento preciso em que se tornara o herói favorito daquela adolescente desajeitada, e culpava-se por não ter sido mais sensível. Naquela ocasião, quando percebeu o fascínio que despertara na irmã de seu melhor amigo, não dera grande importância ao fato. Estava habituado a lidar com adolescentes apaixonadas, dispostas a tudo para chamar sua atenção... Aquela era apenas mais uma, com a diferença de ser a garota mais desastrada que jamais conhecera. Porém, refletindo sobre sua atitude naquela época, uma ponta de remorso o feriu, provocando uma dor até então desconhecida. Lembrou-se que ele próprio fora responsável por colocá-la em situações humilhantes, fazendo com que se sentisse ridícula... Mas o que poderia ter sido diferente? Tudo, sua consciência o advertiu. Você poderia ter agido com um mínimo de decência e respeito pelos sentimentos dela... - Há alguém em casa? - Cal agitou a mão na frente dos olhos de Steve. - O quê? Oh... Eu estava apenas pensando que... - Com um sobressalto, ele se voltou para o amigo. - Cal, faça-me um favor, sim? Esqueça-me! Eu estou bem! - Se você acha normal a expressão de morto-vivo que você assumiu nas últimas horas, não vou discutir. Venha, vou levá-lo para casa antes que surja outra emergência. Nesta cidade parece que ninguém entende o significado de estar de folga. Quinze minutos mais tarde, Cal entrou na alameda de cascalho que levava à mansão. A tempestade de verão havia passado, deixando o ar perfumado pelo cheiro de terra molhada. Com um suspiro profundo, Steve agradeceu à sorte, satisfeito por ter trocado o centro de Chicago por aquele pequeno paraíso particular. Mudara-se havia dois anos, certo de que fora a melhor decisão de sua vida. Nunca mais precisaria se preocupar com horários, congestionamentos, poluição... Valera a pena enfrentar a pressão do pai, que o queria à frente dos negócios da família, e gastar parte de sua herança para comprar a propriedade. E, naquele dia em especial, tudo o que queria era a solidão de seu refúgio solitário para tentar esquecer os olhos azuis que insistiam em ocupar seu pensamento. Porém, quando Cal estacionou na frente da varanda, ele praguejou em voz alta, com uma liberdade que só possuía com o amigo. A razão de seu desgosto era o jaguar vermelho estacionado ao lado de seu jipe, como um vestígio da vida na cidade que decidira lhe fazer uma visita.
Despediu-se e subiu lentamente os degraus que levavam à varanda. Aquela casa era o lugar que supunha ser seu santuário, e a presença de sua irmã mais nova destruía qualquer possibilidade de paz. Consolou-se com o fato de que apenas uma de suas cinco irmãs resolvera aparecer. Encontrou a porta da frente escancarada, e fechou-a atrás de si com uma força além da necessária. Respirou fundo e preparou-se para a batalha. Sua irmã caçula, Kira, ainda não aprendera o significado de usar o telefone antes de fazer uma visita. - Tenho que registrar este momento único! Você não está com uma cerveja na mão! comentou ela em tom irônico. - Não sei como consegue gostar tanto de cerveja, em vez de optar por um bom Sauvignon Blanc. - Não sei nem soletrar este nome para poder comprá-lo! - mentiu, omitindo o fato de que francês era seu idioma favorito. - O que está fazendo aqui? Kira o encarou como se tivesse ouvido a pergunta mais absurda do mundo. - Vim para o Desfile Anual de Verão. Além disso, estou redecorando meu quarto. Decidi que você adoraria a minha companhia. - E não pensou em me perguntar primeiro? A pergunta era apenas uma formalidade. Kira sempre tirara vantagem do fato de ser caçula. - Por que deveria perguntar? Você nunca trás ninguém para sua casa. Todos nós sabemos que você é quase um eremita. Zumbi, eremita, culpado pelo desconforto de Hallie... Aquela noite estava sendo um inferno para seu ego, Steve pensou com amargura. - Você está todo molhado! Por onde andou? - prosseguiu ela, enchendo o cálice até a borda. - Quando vi seu carro, achei que estava em casa. - Fui jantar com os Brewer. Hallie está na cidade - acrescentou, sentindo seus lábios se curvarem em um sorriso que não pôde conter. - É mesmo? - indagou ela, com indiferença. Steve não ficou surpreso com a reação da irmã. Kira e Hallie não costumavam freqüentar o mesmo círculo de amizades quando adolescentes. - Parece que todos decidiram voltar a Sandy Bend... - continuou ela, reclinando-se no sofá. - Susan também está na cidade. Ela trouxe o noivo para exibi-lo à sociedade local. Embora a notícia lhe provocasse sobressalto, Steve sentou-se no braço da poltrona e a fitou com indiferença. Surpreso, constatou que não ficara magoado por saber que sua ex-noiva assumira outro compromisso sério em tão pouco tempo. - Espero que o rapaz não fique apaixonado por Sandy Bend - comentou com indiferença. - Há poucas chances de que Susan queira vir para cá com freqüência. - Ele também é advogado. Duvido que tenham tempo livre para viajar. E, mesmo que tenham, tenho certeza de que escolheriam lugares mais interessantes para visitar. Ignorando o comentário depreciativo da irmã, ele concluiu que aquela era uma boa
notícia. Não odiava Susan por rejeitá-lo, mas não pretendia que se tornassem amigos. Porém, precisava de tempo para entender o que representaria um possível reencontro. - Vou colocar uma roupa seca e dar um passeio pela praia - avisou, começando a subir a escada para o segundo andar. - Está bem. Preciso fazer algumas ligações. Você se importa? - Não, fique à vontade. - Você sabe qual é o código de discagem para a Austrália? - ouviu-a perguntar antes de fechar a porta de seu quarto. Irmãs... Não era possível conviver com elas, mas as amava mesmo assim. Mergulhado em seus pensamentos, Steve caminhou ao longo da praia sem perceber o tempo passar. Embora já passasse de dez horas, o céu ainda estava púrpura com a chegada da noite. Sentindo a solidão bater em seu peito, enfiou as mãos nos bolsos da bermuda e se pôs a observar as águas serenas do lago. Ele sempre imaginara que quando chegasse aos trinta anos, já teria alguém para compartilhar a vida, uma companheira doce e gentil, que estivesse presente em todos os momentos importantes, bons ou ruins. No entanto, chegara aos trinta e três anos e nunca se sentira tão só em toda sua existência. Tentou afastar do pensamento a imagem de Hallie Brewer. Ela jamais seria a esposa com quem sonhara. Susan sempre lhe parecera a escolha natural. Tanto sua família quanto a dela aprovavam a união, e gostava de pensar na tranqüilidade que aquela relação representava. Porém, Susan optara por um tipo de vida que não combinava com seu estilo. Ela não tolerava o fato de ter optado por ser professor em vez de assumir os negócios da família. Ela jamais entenderia que, para ele, o verdadeiro sentido da vida era enfrentar desafios e provocar mudanças. Steve recusara o cargo de vice-presidente na sólida empresa do pai por julgar que seria uma vida vazia e monótona. Havia dispensado o luxo e o conforto que a família Whitman estava disposta a oferecer, para ter uma vida simples e modesta. Susan não estava disposta a explicar aos amigos da elite social de Chicago como era maravilhoso ver o marido dedicar-se a educar os menos afortunados, em vez de usufruir a condição de milionário a que tinha direito. Quando terminara o curso de pós-graduação, ele começara a acalentar a idéia de se mudar para Sandy Bend e construir uma vida ali, com uma rotina que não exigisse monótonos compromissos sociais e nem frívolos encontros de negócios, regados a uísque importado. A princípio, Susan concordara em continuar o relacionamento a distância. Então, a realidade caíra sobre ela, assim como a consciência de que Steve jamais aceitaria o dinheiro de sua família. Quando não conseguira convencê-lo a voltar para Chicago, ela rompera o relacionamento.
Perdido em suas reminiscências, Steve sentou-se na areia fina e apoiou os braços sobre os joelhos. Sentia-se mal por ter decepcionado sua família, mas não podia abrir mão de suas próprias expectativas. A última coisa que deveria ter feito era se casar com uma mulher que pretendia ter uma vida social ativa. Quando finalmente havia conseguido superar a decepção amorosa e voltava a encontrar seu eixo de equilíbrio, eis que a adolescente desajeitada ressurgia do passado como uma mulher estonteante, provocando uma verdadeira revolução em sua vida. Confuso e abalado, ergueu-se e caminhou em direção ao deque. Havia decepcionado sua família, agira como um monstro com uma ingênua adolescente apaixonada, e não conseguira salvar a universidade da falência... Sentia-se o pior dos homens! Concluiu que tinha a obrigação moral de se redimir diante de Hallie. Ao menos, se sentiria um pouco melhor se conseguisse amenizar o sofrimento que causara. Colocando a tristeza de lado, voltou para casa decidido a tentar. Precisava descansar e se recompor se pretendia refazer sua relação com Hallie Desastrada. Hallie acordou tarde na manhã de segunda-feira. Olhou ao redor de seu antigo quarto e concluiu que as antigas cortinas cor-de-rosa, agitando-se com a brisa fresca da manhã, traziam uma sensação confortável de estar em casa. Depois de tomar um banho revigorante, secou os longos cabelos e vestiu uma calça jeans e uma camiseta confortável. Enquanto arrumava a cama, notou que uma de suas unhas havia se quebrado. Orgulhava-se das unhas longas e bem-feitas, mas não havia outra saída: teria que sacrificá-las. Abriu a gaveta da cômoda à procura de seu velho alicate de unhas, e descobriu que estava enferrujado e sem fio. Cortou-as o melhor que pôde, consolandose ao pensar que seria bom fazer desaparecer qualquer vestígio que pudesse ser motivo de zombaria para Steve. Desceu para a cozinha e tomou uma xícara de café enquanto vasculhava a lista telefônica local à procura de uma manicura. Encontrou apenas um salão de beleza, e marcou um horário para o dia seguinte pela manhã. - Agüente mais cinco dias, garota! - murmurou para si ao desligar o telefone. - Logo você estará de volta à civilização. Naquele momento, Althea entrou na cozinha. - Precisamos conversar - anunciou antes de cumprimentá-la. - Falo com você depois de levar o café da manhã de Thor - comunicou, saindo às pressas com uma bandeja de café para o marido. Enquanto ela subia para o segundo andar, Hallie se pôs a pensar que precisariam de um guindaste para levar Thor para fora da casa quando ele se sentisse melhor. Sentouse à mesa que ainda estava posta a sua espera e serviu-se de uma fatia de pão caseiro com uma generosa porção de manteiga, suspirando satisfeita. Não podia negar, não havia nada melhor que uma boa refeição típica da fazenda.
- Bom dia! - seu pai entrou na cozinha e a cumprimentou com um beijo na testa. - Bom dia, papai. Você foi à biblioteca logo cedo? - ela indagou, observando a pilha de livros que ele carregava. - Fui à cidade tomar café com os rapazes do clube, e aproveitei para escolher alguns livros. E tudo isso enquanto você dormia - completou, com ar de censura. - Você precisa sair, garota. A vida é muito curta. - E o percurso da Califórnia para cá é muito longo. Eu precisava descansar depois da viagem - e tentar elaborar um plano para sobreviver até sábado, concluiu para si. Depois de um encher outra xícara de café, folheou os livros que o pai trouxera. Em vez dos costumeiros romances policiais que costumava ler, ele começava a se interessar por ficção científica. - Novo hobby? - indagou ela, apontando para os livros. - Na verdade, estou tentando provar que Althea veio de outro planeta. - Eu ouvi isto! - ela comentou, emergindo pela porta. - Mas não é nenhuma novidade! Não tenho o menor problema em dizer o que penso na sua frente. - Você está prejudicando sua aura com toda esta negavidade. - Eu já tenho problemas suficientes por ter que me preo,par com meu nível de colesterol. Minha aura pode se virar ainda. Hallie decidiu que seria sábio não interferir. Aqueles dois brigavam desde que eram crianças, mas um não vivia sem o outro. Com um sorriso divertido, apanhou uma maçã da fruteira e se levantou. - Tia Thea, vamos até o celeiro? Quando chegaram a uma distância segura para que não fossem ouvidas, perguntou: - Há quanto tempo ele está assim? Althea reduziu o passo, obrigando-a a fazer o mesmo. - Querida, ele sempre foi assim! Tenho certeza de que ele é o alienígena, e não eu, como diz. - Não, estou me referindo ao comportamento estranho como fumar charuto, perder o interesse em enfeitar o carro para o desfile... - Bud está se sentindo um tanto perdido, você tem que compreender isto. Não é fácil ser visto como a mesma pessoa sem que se levem em conta as mudanças interiores. - Então você acha que ele está bem? - Os médicos asseguraram que, ao menos fisicamente, ele está ótimo. - Fisicamente? O que você quer dizer com isso? - Seu pai tem que resolver algumas questões íntimas. Seja paciente, Hallie. Ela suspirou, resignada. Continuava sem entender o que estava acontecendo, e ter
paciência era algo que ela nunca conseguira. - Todos nós passamos por vários estágios na vida. Esta é mais uma etapa na evolução de seu pai, querida - Althea disse com ares de sabedoria. - Eu quero ter certeza que papai está bem antes de partir. Althea agitou as pulseiras e ergueu os braços para o céu. - Preocupe-se apenas em ter certeza de que você está bem. Há muitas questões internas que você também tem que resolver. - Detendo-se, ela segurou as mãos de Hallie - Estou me referindo a Steve Whitman... Para alívio de Hallie, o que quer que sua prima mais velha estivesse a ponto de dizer foi interrompido pelo grito de Thor, que chamava a esposa como se estivesse prestes a ser atacado por um monstro. - Thor tem muita dificuldade em ficar sozinho... Ela sorriu ao ver Althea correr para o interior da casa sem deixar de observar o prazer com que atendia o marido. Com uma ponta de inveja, seguiu sozinha para o celeiro imaginando como deveria ser maravilhoso ser imprescindível para alguém. Sentou-se no velho sofá onde costumava se deitar para ler os romances que sempre a acompanharam durante a adolescência. Enquanto as outras garotas da sua idade se divertiam flertando com os rapazes, ouvindo música e preocupando-se com o que vestir, Hallie se refugiava na leitura, mergulhando nas deliciosas fantasias românticas, identificando-se com as heroínas e sonhando com seu príncipe encantado... Steve Whitman. Naquela época, sabia apenas que se tratava de uma fuga, o modo mais seguro de se proteger e não cometer nenhuma gafe, livrando-se das provocações. Porém, quando estava na faculdade e era uma das primeiras alunas da classe, agradecia diariamente por ter desenvolvido o hábito da leitura. Com um sorriso nostálgico, acariciou o couro desgastado do sofá, perdida em recordações. Com um suspiro, levantou-se e se pôs a analisar as possibilidades para a decoração da carreta, disposta a começar o trabalho. Em poucos minutos, uma idéia original começou a se formar. Inspirou-se na Califórnia, e imaginou uma praia ensolarada, com águas cristalinas e ondas suaves. Precisava apenas de areia e faixas pintadas de várias nuances de azul. O resto da decoração não seria problema, concluiu, avaliando a diversidade de equipamentos de praia guardados no celeiro. O problema era como conseguir a areia. Pensou em retirar da margem do lago acessível aos moradores e turistas, mas receou que não fosse permitido. Já podia antever a manchete no Country Herald: "Filha do chefe de polícia é presa por roubar areia". Certamente, não era o que seu pai imaginara quando a incumbira de cuidar da decoração. Talvez pudesse conseguir o que precisava em alguma praia particular, mas não tinha certeza de que as pessoas que conhecia sete anos atrás ainda eram as mesmas. Exceto Steve Whitman. Cal havia mencionado que ele conseguira comprar a casa de campo da família.
Lembrava-se de todos os detalhes da mansão. Passara tempo bastante nas redondezas quando era criança, tentando conseguir que ele a notasse. Decidida, entrou na caminhonete de seu pai e girou a chave na ignição. Uma hora mais tarde, estacionou no gramado lateral da mansão, escondendo a caminhonete atrás de uma frondosa árvore. Àquela hora da manhã, Steve deveria estar iia universidade, pensou enquanto saía furtivamente. Quando era menina, Hallie gostava de imaginar que um dia se casaria com Steve e seria a rainha daquele palácio. Agora que havia crescido, recriminava-se por ter sido tão ingênua. Porém, a mansão dos Whitman ainda era a mais bonita que conhecera, mesmo comparando-a com as luxuosas mansões que vira na Califórnia. Localizada sobre uma larga duna que terminava no lago, a maior parte do terreno ao redor da casa era acessível. Aproximou-se e percebeu que não havia o menor sinal de movimento no interior. Convencida de que não havia riscos, atravessou o jardim carregando dois baldes e uma pá, e se pôs ao trabalho. Uma hora mais tarde, os braços de Hallie começaram a doer. Despejou os dois baldes de areia que carregava sobre a pilha que ocupava metade da carroceria, e concluiu que já era suficiente. - Hora do descanso - disse a si mesma, satisfeita. Hallie retirou as luvas e enxugou o suor da testa. Depois de alongar os músculos doloridos, despiu a camiseta e ajeitou o sutiã do biquíni, uma peça minúscula que mal cobria o busto farto. Comprara aquele modelo num impulso irresistivel. Embora se sentisse mais orgulhosa de seu desenvolvimento como artista plástica, gostava de admitir que seu corpo havia adquirido curvas bem-feitas. Retirou a calça e correu para a praia, mergulhando nas águas mornas do lago com um murmúrio de prazer. Estava em casa, havia nascido ali. Aquela era a sua realidade. Com uma alegria que fazia muito tempo que não sentia, deixou-se envolver pelo momento, sem perceber que nadava cada vez mais para o fundo. Hallie não notou também, que ganhara um espectador secreto, que a observava de longe, fascinado com o que via...
CAPÍTULO IV Por uma fração de segundo, o cérebro de Steve congelou. A cena que se desenrolava a sua frente provocou um efeito devastador em seus sentidos, dando-lhe a ilusão de que se materializara a imagem de uma gravura que vira na aula de Mitologia no colégio: Vênus, em todo seu esplendor, emergindo das águas em uma concha gigantesca. Sua razão lhe dizia que aquela mulher estonteante não era Vênus, mas seus instintos pareciam ignorar a razão.
- Dê meia-volta e vá embora, rapaz - uma voz interior o alertou, mas suas pernas se recusavam a obedecer. Fácil dizer, difícil de realizar, consolou-se. Afinal, não passava de um simples mortal, feito de carne e osso... E naquele momento, ao ver Hallie mergulhar, emergir e nadar com desenvoltura, expondo o corpo bem-feito sumariamente coberto por um minúsculo biquíni amarelo, soube mais do que nunca que não passava de um simples mortal. Todos os instintos masculinos afloraram, como se tivessem vida própria, provocando um efeito devastador em seus sentidos. O melhor que pôde fazer foi esconder-se por trás de um arbusto, tentando se camuflar em meio à vegetação. A visão de Hallie movendo-se com graça o fez decidir que naquela noite iria ao Truro's procurar por uma companhia feminina. Talvez daquela forma pudesse desviar o pensamento da súbita fixação que desenvolvera por Hallie Brewer. Enquanto a observava, sentindo-se como um adolescente travesso espiando pelo buraco da fechadura, Steve voltou no tempo, para sete anos atrás, quando estava no último ano da universidade. Hallie era magra e desengonçada, muito diferente da mulher que se tornara. Nunca poderia imaginar que tamanha metamorfose fosse ocorrer... Ela sempre fora insegura e tímida, ansiosa demais para fazer qualquer coisa que pudesse dar certo. A despeito da forma como se aproximavam, como se estivessem prontos para uma batalha campal, ele percebera que ainda mexia com os sentimentos dela. Alguma coisa lhe dizia que Hallie Brewer ainda se importava, mesmo que fosse um sentimento hostil. Não seja tolo, rapaz, uma voz sábia ecoou em seu interior. Ignorando a advertência, continuou a trilhar a zona perigosa das lembranças. Por um número incontável de razões, não era aceitável que nutrisse fantasias eróticas a respeito da irmã de seu melhor amigo, uma garota oito anos mais jovem que ele... Da mesma forma que havia considerado inaceitável a curiosidade que Hallie despertara sete anos atrás, quando se oferecera para ele. Claro, fora decente o bastante para dizer um claro e sonoro não, sem se importar com a humilhação a que poderia submetê-la. Naquela ocasião, repudiara a idéia de sentir-se atraído por uma garota que ainda era uma criança, e reprimira o desejo com todas as forças que encontrara. Além do senso moral, o senso de fidelidade a Susan, sua namorada naquela época, contribuiu para que recusasse a oferta insensata de Hallie. E lá estava ela, de volta a Sandy Bend como uma mulher feita, a mais atraente e sensual que jamais vira... Steve ajeitou os óculos de sol e levou a mão à testa para proteger os olhos da luz intensa da manhã. Daquela forma, podia admirar os movimentos leves e sensuais do corpo perfeito flutuando, com os raios de sol refletindo-se na pele molhada. Com um suspiro profundo, ele estendeu o corpo e fechou os olhos, recriminando-se pela atitude infantil. Mergulhado em seus pensamentos, teve um sobressalto quando uma voz ofegante soou tão próxima que pôde sentir o hálito quente e doce acariciar-lhe a pele.
Hallie estava de pé a sua frente, fitando-o com espanto. - Olá - cumprimentou com falsa naturalidade, ajeitando os óculos de sol. - Espero que não se importe por eu ter usado seu lago. - Meu lago? - Era o que Kira costumava dizer quando éramos crianças, que os Whitman eram donos do lago - ela disse enquanto corria os dedos pelos cabelos longos, sem imaginar o que aquele gesto inocente era capaz de provocar. Steve prendeu a respiração e tentou focalizar a atenção no que ela dizia. - Minha adorável irmã também tem certeza de que somos donos do mundo. - Ele fez uma pausa, considerando o assunto. - Na verdade, acho que ela tem os recibos do cartão de crédito para provar isso. Hallie que não conteve uma gargalhada, enquanto secava o corpo com as palmas das mãos, tentando encobrir sua seminudez. Pensamentos indesejáveis a assaltaram, e se pôs a imaginar o tom dourado da pele escondido por trás das roupas que cobriam o corpo másculo, e sentiu o efeito físico imediato de tal pensamento. - Fique à vontade para usar o lago. Só gostaria que me explicasse uma coisa que não entendi... O que faz aquela areia na caminhonete de Bud? - Ah, aquilo? - gaguejando, ela hesitou por um segundo. - Não se preocupe, será por uma boa causa. Steve abaixou os olhos, evitando a tentação de admirar o corpo bem-feito em todos os detalhes. - E poderia me dizer para que causa tão nobre estou dando minha modesta contribuição? - Sim, claro! Pensei em forrar a carroceria do trator com areia e decorá-la com motivos marítimos, como uma praia. E a única casa que conheço que poderia me dar acesso à areia é a sua. Você se importa? - Não, há areia para todos. Além disso, estou acostumado a dividir tudo que tenho nesta casa com seu irmão mais velho, que parece achar que minha cerveja tem sabor especial... Hallie riu com vontade, e o som daquela risada provocou uma estranha sensação de calor que fez Steve derreter por dentro. - Sinto muito por atrapalhar seu repouso. Achei que você não estivesse em casa. Prometo que não vou atrapalhar novamente. Impossível, Steve pensou para si. Desenvolvera um radar que, mesmo quando ela estava a quilômetros de distância, poderia perceber a presença dela. Descontente com tal descoberta, reconheceu a sensação como um eco distante dos sentimentos reprimidos de sete anos atrás. - Você está toda molhada. Quer que lhe empreste uma camiseta? - Não, obrigada, minha roupa está na caminhonete. Com este calor, estarei seca em
poucos minutos. - Espere aqui, volto num instante. Ele deu-lhe as costas, saindo antes que ela pudesse impedi-lo. Quando Hallie o viu entrar para o interior da casa, caminhou até o deque e sentou-se em um banco, receando que fosse desmaiar. Seu corpo todo tremia, e sabia que não era de frio. Reviver velhos fantasmas fora fácil enquanto estava distante... Mas desde que vira Steve, o passado emergiu com uma força maior do que podia suportar. Sentindo-se fraca demais para lutar contra as sensações que invadiam seu corpo, reclinou a cabeça no encosto do banco e fechou os olhos. O brilho daquele dia de sol e a alegria do canto dos pássaros desapareceram de súbito, dando lugar a uma sombra escura que a perseguia fazia muito tempo. Hallie conteve as lágrimas, sem conseguir evitar as lembranças que a atormentavam. Como em um filme, reviu a cena que se desenrolara naquele deque muitos anos atrás, quando ela se oferecera para Steve, nua e trêmula, sob a luz do luar. As imagens dançavam em sua cabeça como um caleidoscópio de cores e sons que se reduziam a um único pensamento: precisava esquecer o passado e tirar Steve de sua vida. Porém, a presença daquele homem permanecia sólida e inabalável como se ocupasse parte de sua alma. Hallie apertou os olhos à medida que o vulto de Steve se delineava, aproximando-se com passos rápidos. Trazia com ele uma toalha, e estendeu-a em sua direção. Ao apanhar a toalha, suas mãos foram detidas no ar. - O que houve com suas mãos? Com um gesto defensivo, Hallie cobriu-as com a toalha e se pôs a secar os cabelos freneticamente. - Não é nada - mentiu, ignorando a dor provocada pelas bolhas na pele fina das palmas da mão - Não estou acostumada ao trabalho braçal. Steve segurou-a pelos punhos com ar preocupado. - Deixe-me ver como estão. Hallie recuou, assustada. Podia administrar as emoções enquanto ele permanecesse a uma certa distância física, mas não conseguiria manter o autocontrole se ele a tocasse. - Não se preocupe, eu ficarei bem. - Temos que cuidar disto. Suas mãos estão em carne viva! Se não fizer um curativo, poderão inflamar. - Eu sou a doutora aqui, lembra-se? - ela ainda tentou brincar, mas o olhar firme a fez desistir. Ignorando os protestos, ele a conduziu para o interior da casa e a fez sentar-se à mesa da cozinha. Com um gesto imperativo, impediu-a de sair, enquanto abria a gaveta do
armário e retirava um estojo de primeiros socorros. - Prometo que não vai doer! Bem-humorado, Steve tomou as mãos delicadas entre as suas e aplicou antiséptico sobre o machucado. - Ai! Isto arde! - Você conhece um ditado que diz: "O que arde cura, o que aperta segura"? - Sim, meu pai costumava mencioná-lo sempre que eu aparecia com algum machucado e ele me obrigava a fazer curativo. E, como você sabe, isso era muito comum em minha infância... Steve a fitou, e o brilho das íris castanho-escuras a fez derreter. Ele não precisou dizer nada para demonstrar que compreendera a mensagem subliminar das palavras. Sabia que ele também se lembrava da adolescente catastrófica, embora tivesse a gentileza de não mencionar o fato nenhuma vez desde que haviam se encontrado. - Steve, gostaria de conversar - murmurou ela, estimulada pelo clima de intimidade que os envolvia. - Sou todo ouvidos - incentivou ele, sem erguer os olhos enquanto aplicava uma pomada no ferimento. - É sobre aquela noite da formatura de minha classe do colegial... - Oh, aquilo? Com um gesto vago, ele meneou a cabeça, como se já tivesse esquecido o assunto. A reação inesperada deixou-a aliviada a princípio, mas bastou um segundo para que Hallie compreendesse que não havia significado nada para ele. Steve não esperou que ela continuasse. Levantou-se e foi até a geladeira. - Preciso ir ao supermercado. Pensei em lhe oferecer algo para beber, mas só tenho suco de laranja. - Está ótimo, obrigada. - Mortificada, apanhou o copo e sorveu um pequeno gole. - Mas continuo querendo conversar. É importante para mim. - Vocês, mulheres, têm uma necessidade incrível de conversar! Nunca lhes ocorre que há pequenos segredos que devem ser preservados? - Sentando-se à frente dela, Steve serviu-se de suco, evitando encará-la. - Ao contrário da crença feminina, há muitas coisas que não podem se resolver mesmo com horas de conversa. Se o diálogo fosse tão eficaz como pensam, garantiria meu emprego no próximo ano e Susan não me abandonaria, como fez há alguns anos. Hallie ouviu o desabafo e teve certeza que não sabia quase nada a respeito daquele homem. Nunca entendera por quê um homem como ele não havia se casado. Então, o mistério começava a ser desvendado... Susan Miller, a garota que ela sempre desejara ser, seu ideal de feminilidade, era a causa do sofrimento de Steve. Por um breve instante, debateu-se entre continuar a conversa ou sair correndo dali. Porém, sabia que não haveria outra oportunidade como aquela, e decidiu aproveitá-la
ao máximo. - Certo, em parte você tem razão. Mas para mim, voltar para cá tem um significado especial. Não é segredo para você que minha adolescência foi difícil, e preciso enfrentar os fantasmas do passado para que eu possa seguir minha vida. - Você ficará apenas por mais alguns dias. Por que insistir no assunto? - Steve, é importante para mim. Por favor... - Está bem, vá em frente! Resignado, ele ergueu as mãos e suspirou, dando-se por vencido. - Naquela noite, quando você me encontrou no deque... Honestamente, eu não havia planejado nada. Queria apenas ficar sozinha. O olhar cético que recebeu a fez reconsiderar. - Bem, para ser honesta, o que fiz foi a conseqüência da combinação de minha primeira cerveja com minha estupidez - confessou num desabafo. - Entendo... Cerveja e estupidez... - Ele a fitou com um sorriso. - Bem, explicação aceita. Podemos encerrar o assunto? - Ainda não. Steve recostou-se na cadeira, preparando-se para outra carga. - Tentei seduzi-lo, e não há como me desculpar pelo que fiz. Quero apenas explicar. O que estava por dizer fez com que se sentisse mais nua do que ficara sete anos atrás. - Você nunca quis alguma coisa mais do que tudo na vida, mesmo sabendo que nunca poderia tê-la? Ele não disse nada, e Hallie imaginou que Steve sempre tivera tudo que havia desejado, enquanto ela consolava-se com sonhos. - Tudo que eu sempre quis foi que você me notasse. A revelação fez com que ele sentisse que, subitamente, todo o ar do ambiente houvesse sido drenado. Notou que ela estava pálida e suas mãos tremiam, e refreou o súbito impulso de tocá-la. - Hallie, eu a notava. Embora você não acredite, sempre a achei adorável... especialmente naquela noite. Sem dizer mais nada, ele se levantou e saiu da cozinha. - Boa tentativa, mas você não vai escapar assim tão fácil - ela gritou, saindo ao encalço dele. - Esqueça aquela noite, está bem? - Detendo-se, ele a fitou. - Eu já esqueci há muito tempo. Surpreso com a facilidade com que mentia, Steve desviou o olhar. Como sugerir que ela esquecesse, se ele próprio jamais apagara da memória as particularidades daquela noite? A graça inocente com que ela soltara os cabelos e despira o vestido, expondo o
corpo jovem, alvo e macio... Quero você... O som daquelas palavras em voz rouca e sensual ainda o atormentava. Lutando bravamente contra o desejo de possuí-la, Steve apenas a fitara como se estivesse presenciando um ato de insanidade. Ordenara que se vestisse e lhe dera as costas, afastando-se com passos firmes. Hallie se mantinha em silêncio, relembrando a sensação angustiante de ser a pior das mulheres do mundo. Uma semana após aquela noite, mudara-se para a Califórnia. Perturbada pelo trauma e pela vergonha, nunca mais tivera um encontro romântico até completar vinte e três anos. - Ouça, não agi corretamente quando me despi, mas você não precisava ter me tratado como se eu tivesse uma doença contagiosa! - Certo, eu agia como um imbecil, mas o que você esperava? Você tinha apenas dezesseis anos... - Dezoito! - corrigiu ela. - Bem, isso não vem ao caso. Droga, Hallie, o que você fez foi errado. Sua atitude me deixou confuso por muito tempo. Achei que eu poderia ter insinuado que estava interessado, ou que, de alguma forma... Ele se interrompeu, e fez um gesto de desespero. Então, deu-lhe as costas e seguiu em direção à caminhonete. Hallie tentou não observar o contorno dos músculos contra o tecido da camiseta enquanto ele caminhava, mas seria pedir muito para uma simples mortal... Tentando compreender a atitude dele naquela ocasião, ela repetia para si que Steve colocava a honra em primeiro lugar. Jamais violaria as regras que sempre havia seguido: era amigo da família, e seria incapaz de trair a confiança dos Brewer. - Ouça, sei que a atração que sentia não era recíproca, mas você poderia... - ainda insistiu, mas foi interrompida. - Não, eu não poderia! Eu não tinha condições de pensar, estava agindo sob efeito de pura adrenalina. Recusava-me a aceitar que me sentia atraído por uma criança fazendo strip-tease para mim! - Eu tinha dezoito anos, não era mais uma criança! Furiosa, Hallie caminhou com passos firmes até a cabine, abriu a porta e entrou. Ignorou quando ele sentou ao seu lado, no banco de passageiros, um segundo mais tarde. - Hallie... A ponto de chorar, ela girou a chave na ignição, disposta a sair. - Saia e vá embora! - Disse entre dentes, lutando contra as lágrimas. Ele tomou as mãos trêmulas com gentileza, impedindo-a de dar a partida. - Vamos fazer as pazes? Hallie suspirou, desarmada com a proposta inesperada. - Sinto muito por tudo que aconteceu. Você era imatura e inexperiente, eu deveria ter
sido mais cuidadoso. - Steve hesitou antes de prosseguir: - E, acredite, eu nunca achei que você fosse feia. Na verdade, você se transformou em uma mulher deslumbrante. Hallie não conteve um sorriso, saboreando cada palavra que ouvia. - Certo, estou disposta a fazer um acordo. - Ela o fitou, vislumbrando a expectativa nos belos olhos castanhos. - Nunca mais farei strip-tease para você se me prometer que se submeterá a um treino de sensibilidade com tia Althea. As sobrancelhas espessas se ergueram em um movimento sexy, que realçava o brilho dos olhos sensuais. - Humm... Se eu não aceitar, significa que fará outro strip-tease? Hallie tentou manter a naturalidade diante da insinuação explícita, mas sabia que não estava sendo autêntica. Um daqueles horríveis silêncios pairou sobre eles, sem que ela soubesse o que fazer. Steve se aproximou, e algo mais intenso do que o silêncio se interpôs entre eles. De súbito, o ar tornou-se pesado e um calor insuportável fez brotar gotículas de suor em sua testa. A idéia de beijá-lo provocou-lhe um violento espasmo no ventre, enquanto o tempo parecia parar... Até que uma inesperada interrupção os sobressaltou. - Não é mesmo uma gracinha? Kira Whitman enfiou os braços pela janela de passageiro e sorriu, como se estivesse assistindo a um show na televisão. Embaraçada, Hallie passou da deliciosa sensação de enlevo para o mais completo desprazer. Em uma fração de segundo, lembrou-se de que eram amigas sinceras, até que um dia um desagradável acontecimento fizera com que rompessem a amizade. No verão em que ambas tinham catorze anos, alguns rapazes as convidaram para uma festa. Kira, que tinha o apelido de "loira gelada", era incrivelmente bonita e sempre chamava a atenção de todos os rapazes. Hallie havia recusado o convite e, depois de ouvir as acusações da amiga, fora esconder-se no celeiro. Kira fora sozinha, bebera além da conta, e estava no volante quando sofrera um terrível acidente de carro na estrada. Hallie recebera a ligação desesperada de um dos rapazes, e chamara Mitch para socorrê-los logo após o acidente. Depois de ter certeza de que o assunto estava abafado, Walter Whitman fizera com esquecessem o acontecido, e Steve nunca soubera a verdade. Ela nunca dissera uma palavra a ninguém. Eram amigas, e Hallie sabia como ser leal. Depois de ficar internada em estado grave no hospital, tudo mudara. Kira dissera a todos que a culpa era da amiga, que havia insistido para que ela fosse, e rompera a amizade. Bud Brewer, que era o chefe de polícia na ocasião, sabia o que havia acontecido, e tentara consolá-la, dizendo-lhe que ela agira corretamente e que um dia tudo seria esclarecido. Fitando-a, Hallie se pôs a pensar que ainda esperava que aquele dia chegasse. - Steve, estava a sua procura. Todas as pessoas importantes da cidade vão se encontrar no Truro's hoje à noite. Você tem que ir.
Constrangida por ser ignorada, ela voltou-se para a janela e colocou os óculos de sol. - Dê-me uma boa razão para ir - ele desafiou, irritado com o comportamento antipático e esnobe da irmã. - Bem, prometi a Susan que você estaria lá. Ela quer apresentar-lhe seu noivo. Susan? A simples menção daquele nome fez o coração de Hallie perder um compasso. Steve ainda estaria apaixonado? Olhou-o de soslaio, mas não conseguiu decifrar a expressão neutra do rosto viril. - O que dirão, se você não aparecer? Não vai querer que pensem que ela ainda o perturba, não é? Se a opinião de Hallie contasse, e estava certa de que não significava nada, teria sugerido que Steve não aparecesse, e que todos pensassem o que quisessem! Exatamente naquele momento, ele colocou as mãos sobre os joelhos dela, fazendo-a dar um pulo. Então, ele a fitou com cumplicidade e sorriu. - Hallie, sei que prometi ir a algum lugar melhor do que o Truro's para jantar, mas importa-se se passarmos por lá? Chocada com o convite, ela abriu a boca para dizer alguma coisa, mas as palavras não saíram. Ao ver o olhar de súplica nos belos olhos, não teve argumentos. - Claro, podemos passar por lá, se isto o fizer feliz. O choque de Kira quase a fez rir. Suspirando fundo, ela deu-lhes as costas e entrou na casa, indignada. - Obrigado, Hallie. - Não há de quê - A conversa sobre o passado a sensibilizara, e sentiu-se feliz por ajudá-lo. - Bem, tenho que voltar à fazenda. Preciso adiantar o trabalho da decoração do carro. - Vou apanhá-la às sete horas. - Combinado. Steve permaneceu no mesmo lugar até que a caminhonete sumisse na estrada. Quem diria, Hallie Desastrada, jantando com ele no Truro's... Com um sorriso de satisfação, esfregou as mãos e entrou na casa, ansioso para que o dia passasse logo.
CAPITULO V Hallie prendeu a respiração quando Steve parou o carro diante do Truro's, à espera do manobrista. - Vamos esperar um segundo - sugeriu ele, girando a chave na ignição. - Parece que o estacionamento está lotado.
Normalmente, ela não julgaria que um segundo fosse tempo demais. Porém, naquele momento, parecia ser uma eternidade. Toda aquela intimidade estava se tornando intolerável. Já fora obrigada a enfrentar a tentação que a simples presença daquele homem a seu lado provocara, sem contar o sorriso de satisfação que ele lhe endereçara ao vê-la pronta para encarar a noite. Seu universo, centrado ao redor de uma vida sem Steve, tornara-se subitamente mais complexo, mais excitante... e mais assustador. Hallie não tinha certeza que poderia parar o curso dos acontecimentos, e nem mesmo se era o que desejava. Inquietou-se no assento, tomando a súbita consciência que seu vestido era curto demais, e estava tão justo que mal conseguia respirar. Sem que notasse que ele havia saído, teve um sobressalto quando a porta se abriu. Steve tomou-lhe as mãos antes que ela pudesse objetar. Mesmo que quisesse, não teria nenhuma ação. Inebriada pelo perfume másculo e envolvente, deslizou para fora do carro receando que suas pernas não conseguissem suportá-la. - Suas mãos estão melhores? - Oh, sim! - Num impulso, escondeu as mãos atrás das costas, sentindo-se ridícula por ainda reagir como uma colegial. - A pomada que você usou foi muito boa. Além disso, tomei uma aspirina. - Ótimo! - Percebendo que ela estava pouco à vontade, Steve deteve-se e a fitou. - Se quiser ir embora, é só me avisar, está bem? - Espero que você faça o mesmo. - Combinado. Hallie ficou ainda mais apreensiva ao entrarem no imponente restaurante freqüentado pela elite de Sandy Bend, onde nunca havia entrado antes. Sentiu-se congelar ao pensar que estava apenas na entrada... Lembrou-se de seus tempos de escola, quando teria dado tudo pela chance de estar lá. Porém, baseada no que estava vendo, ficou feliz por nunca ter feito isto. Uma densa nuvem de fumaça preenchia o ar, irritando suas narinas. Cabeças de animais empalhados decoravam as paredes, e se pôs a pensar como alguém poderia gostar daquela decoração. Os pobres animais, com os olhares vidrados, pareciam estarrecidos diante de tamanho mau gosto. E a clientela... Hallie nunca tivera a chance de contemplar de tão perto a estrutura social de sua cidade. Notou que as mulheres pareciam ser feitas de porcelana, vestidas com um luxo exagerado para a ocasião, e os rapazes ostentavam um ar de superioridade, comportando-se como os machos da espécie, prontos para abater a presa. A breve análise a deixou um pouco mais relaxada, e respirou fundo para enfrentar o desafio dos rostos familiares que voltaram-se ao mesmo tempo para vê-la entrar. Sentiu o braço de Steve em seus ombros, e agradeceu secretamente pelo ato solidário. - Kira reservou o salão privativo. Vamos até lá. Enquanto ele a guiava pelo bar, retribuiu aos acenos e cumprimentos de pessoas que
não via havia anos. Não podia se lembrar de serem amáveis na última vez em que as encontrara... Certamente, tamanha gentileza devia-se à presença de Steve. Não havia dúvida que ele continuava sendo o rapaz mais popular da cidade. Olhou-o de soslaio. O poder e força que emanavam daquele homem eram capazes de abrir caminho em uma multidão. Suspirou fundo e o acompanhou, certa de que, enquanto ele estivesse a seu lado, nenhum mal lhe aconteceria. Atravessaram a porta que indicava o salão privativo. A decoração carregada chamou sua atenção. Desde que começara a estudar artes plásticas, Hallie desenvolvera um senso estético aguçado, e mesmo que não quisesse, observar detalhes tornara-se um hábito. Porém, considerou que a sensação de estar oprimida pelo ambiente talvez estivesse contaminada por seu estado de espírito. Ao observar os trajes ostensivos das mulheres, concluiu que precisaria economizar por um ano para comprar roupas como aquelas. Kira, vestida de preto da cabeça aos pés, fingia estar muito interessada no que um rapaz loiro lhe dizia, e suspeitou que tratavase de um pretexto para não cumprimentá-la. Surpresa, descobriu que Mitch também estava lá. Acenou para ele, sem deixar de notar que estava muito elegante sem o uniforme habitual. Steve continuou com o braço sobre seus ombros, e apresentou-a para algumas pessoas, embora fosse evidente que estava evitando Susan e o rapaz que a acompanhava. Com um gesto decidido, ela tomou-o pela mão e o conduziu através do salão, plantando-se diante de Susan, que parecia ainda mais bonita do que se lembrava. Já que não havia como escapar daquele desafio, o melhor seria enfrentá-lo de uma vez por todas, concluiu. Buscando dentro de si todo estoque de autoconfiança que pode recrutar, tocou-a de leve no ombro e sorriu. - Olá, Susan. Você provavelmente não se lembra de mim, mas... - Claro que me lembro, Hallie. Você está tão... - Sua expressão transformou-se de cordialidade em confusão em um segundo, chocada ao vê-la com Steve. Sentindo uma ponta de culpa que preferiu não considerar naquele momento, Hallie escondeu as mãos nas costas, o mesmo gesto que costumavam fazer quando era adolescente. - ...adorável - terminou ela, como se não tivesse feito uma pausa. - Obrigada. E você continua linda. Susan sustentou o sorriso afetado, evitando olhar para Steve. - Quero que conheça meu noivo, Julio Vargas. Julio é advogado do setor internacional na mesma firma em que trabalho. Enquanto o cumprimentava com um aperto de mão, ela olhou de relance para Steve. Ele parecia tenso e pouco à vontade, embora sustentasse um sorriso discreto nos lábios. Julgando que seria melhor assumir o comando da situação, dirigiu a atenção para Julio, indagando-lhe sua opinião sobre Sandy Bend. Porém, sua atenção mantinha-se focalizada em Steve. Ele e Susan estavam envolvidos em uma conversa que era quase um sussurro, de forma que ela não pôde ouvir uma só palavra.
- Detesto interromper, mas Steve prometeu jantar comigo. Assustada com a própria ousadia, Hallie deteve-se à frente dos dois. Ao ver a expressão dele, desejou que o chão se abrisse e a tragasse para as profundezas da terra. Naquele momento, teve certeza que ele se esquecera que ela estava lá, e só não tinha certeza se era pior a mágoa ou o constrangimento que sentia com a situação. Mortificada, ajeitou a alça da bolsa no ombro, disposta a sair dali o quanto antes. Então, como se tivesse sido presenteada pelos deuses, um herói inesperado se aproximou. Estampou um sorriso de alívio para seu salvador quando ele parou na sua frente. - Olá. Meu nome é Travis Owen. - Olá, Travis. Sou Hallie Brewer. - Por acaso está pensando em ir embora? - Bem, na verdade eu... Hallie calou-se de súbito. Já que chegara até ali, por que não tentar se divertir em vez de ir para casa, trancar-se no seu quarto e encharcar o travesseiro com lágrimas de humilhação e dor?, pensou para si. Notou que, a um canto, algumas pessoas se reuniam ao redor de uma mesa de bilhar. - Você gostaria de jogar uma partida de bilhar? Ela não tinha a menor idéia de como jogar, mas não deixaria que aquele simples detalhe a impedisse. Ao vê-lo concordar, aceitou o braço que ele lhe oferecia e estavam a caminho quando Kira se interpôs, bloqueando a passagem. - Aqui está você! Estou curiosa para que você me explique por que está usando esparadrapos nos dedos... Rejeitada, humilhada e sentindo-se a pior das mulheres do planeta, ela escondeu as mãos atrás das costas, arrependida por não ter tirado o curativo que protegia as bolhas que adquirira naquela manhã. - Bem, costumo usar estes anéis na temporada da Super Bowl. Kira franziu a testa, sem entender, mas o comentário espirituoso não passou desapercebido para Travis, que deu uma gostosa gargalhada. - Como você sabe sobre a proteção que os atletas usam? - Thor Bonkowski é marido de uma prima de papai. - Thor Bonkowski, o maior mito do futebol americano?! - O próprio - ela admitiu com orgulho. - O que ele anda fazendo hoje em dia? - Neste exato momento, está em repouso com um mau jeito nas costas. Perplexa por ter ficado fora da conversa, Kira saiu tão furiosa que quase trombou em Steve, que se aproximava do casal. - Você não estava dizendo alguma coisa a respeito do jantar?
Ignorando a presença do rapaz, ele a tomou pelo braço, num gesto possessivo. - Oh, o jantar? - Sem tirar os olhos de Travis, ela o repeliu e fez um gesto vago com a mão. - Estou ocupada agora. O jantar pode esperar. E esperaria um longo tempo, se dependesse de sua vontade. Ela também tinha sua dignidade. Não pretendia sair correndo simplesmente porque Steve Whitman havia chamado! Dando-lhe as costas, voltou sua atenção para Travis. - Estávamos falando de Thor, não é? - Sim. Ele está na cidade? - Está hospedado na casa de meu pai. - Puxa, é incrível! Ele sempre foi meu ídolo! Você acha que há alguma chance de que eu possa encontrá-lo? - Claro, por que não? Ele deve estar jogando pôquer agora. - O que pode haver de melhor do que um jogo de cartas em uma noite quente de verão? - Excitado, Travis tocou-a no braço. - Mas, antes de ligar para ele, que tal uma partida de bilhar? Ela ergueu as mãos, mostrando as bandagens. - Não sei se vou conseguir com as mãos neste estado, mas vamos tentar. Deixando Steve para trás, seguiram até a mesa de bilhar, enquanto crescia dentro de Hallie um delicioso sentimento de vitória. Afinal, conseguira sobreviver a mais uma rejeição de Steve Whitman... Steve não saberia precisar o momento daquela noite que ele começara a suar frio. Sentou-se em uma mesa, acompanhado apenas de uma garrafa de vinho branco gelado. Rever Susan era como voltar no tempo, e não estava preparado para aquela viagem. Como se não bastasse o constrangimento pelo convite que ela sussurrara ao seu ouvido para que almoçassem juntos no dia seguinte, via Hallie ocupada em encantar um rapaz que havia conhecido naquela noite... Sem ação, aceitara o convite para se ver livre da sedução afetada de sua ex-noiva. Sentia os músculos do rosto doloridos por tentar sustentar o sorriso nos lábios. Para piorar, o rapaz que havia se aproximado de Hallie a cortejava escandalosamente. Kira, por sua vez, não demonstrava a menor disposição em ajudá-lo. - Ela está fazendo um papel ridículo! - sua irmã esbravejou, sentando-se a seu lado. - Quem, Susan? - Distraído, Steve sorveu um gole de vinho. - O noivo dela parece ser um tanto medíocre, mas não me pareceu ser um mau rapaz. - Estou me referindo a Hallie, seu tolo! - Indignada, apontou na direção da mesa de bilhar. - Por que você a trouxe? - Eu precisava de algum suporte moral, já que não posso contar com nenhum membro
de minha própria família. Sentindo-se como um perfeito idiota, encheu a taça e virou-a em um só gole. A questão era que não sabia o que Hallie significava para ele, e naquele momento, não estava com disposição para refletir a respeito. - Você notou como Susan não pára de olhar para você? - Provavelmente, ela deve estar tentando entender o que viu em mim para ter pensado em se casar um dia... - Não creio, maninho. Acredito que você ainda tem chance com ela. Papai ficaria tão feliz! - E vivo apenas para fazer papai feliz, não é? - comentou ele, com ironia cortante. - Você podia tentar, ao menos uma vez - Kira disse com desgosto. - Ele está envelhecendo, você sabe. Se você e Susan apenas... - Ouça, não há nada entre nós. O rapaz que está ao lado dela é seu noivo, lembra-se? Ouça, se você está entediada e pretende se divertir me aborrecendo, trate de procurar outra ocupação. - Não seja tão rabugento! Se eu fosse você... - Mas você não é. Ignorando o que sua irmã estava por dizer, Steve levantou-se e caminhou com passos decididos até a mesa de bilhar. Todos os músculos de seu corpo se contraíram ao ver Travis com os braços ao redor da cintura de Hallie, ajudando-a com o taco de bilhar. Uma corrente de alta voltagem atravessou seu corpo, e resistiu bravamente ao impulso de nocautear o rapaz. - Importam-se se eu interromper? - perguntou com ironia, colocando a mão possessiva no braço dela. Travis afastou-se de imediato, intimidado pelo porte altivo de seu oponente. - Steve, não quero parar. Estou começando a me divertir com o jogo. - Neste caso, eu a ensino. O tom autoritário e possessivo desestimulou qualquer possibilidade de reação, e Travis afastou-se depois de fazer uma inclinação respeitosa com a cabeça. Steve moveu-se para trás dela. - Posicione o taco assim... - instruiu, segurando-a com gentileza enquanto alinhava os ombros delicados. Era como brincar com fogo. Inalou o perfume suave e feminino que a envolvia, perturbando-lhe os sentidos. - Como estou me saindo? Steve não pôde deixar de notar o tremor discreto na voz, embora ele próprio estivesse suando frio.
- Você está ótima. Resistindo ao impulso de afastar os cabelos sedosos e acariciar com os lábios a pele macia do pescoço, ele tentou se concentrar no jogo, afastando do pensamento aquele lapso de insanidade. - Ei, vocês dois, é mais fácil fazer a jogada se mantiverem os olhos abertos! Mitch os fitava do outro extremo da mesa, com um sorriso divertido nos lábios. Sentindo-se corar até a alma, Hallie deu um impulso no taco e arremessou a bola com força, jogando-a para fora da mesa. Sentiu o sangue congelar ao ouvir o grito de Kira. - Meu olho! Está doendo, o taco me atingiu! - gritou ela, cobrindo o rosto com as mãos. Ela soltou o taco e prendeu a respiração, voltando-se para encarar sua vítima, sentada em uma cadeira às suas costas. Não havia qualquer vestígio de sangue, mas o escândalo que Kira fazia havia chamado a atenção de todos, que formaram uma multidão ao redor dela. Não seria possível uma viagem a Sandy Bend sem uma dose de humilhação pública, Hallie pensou para si. - Deixe-me olhar, Kira - Steve correu para o lado da irmã e tentou retirar as mãos de seu rosto. - Hallie, vá até o bar e apanhe um pouco de gelo. - Espere aqui, Hal. Já estou indo - Mitch prontificou-se, com uma piscadela de cumplicidade. Mortificada, Hallie tocou-a de leve no ombro. - Kira, sinto muito. Minhas mãos estão machucadas, e acho que não percebi a força da tacada. Kira abriu os dedos o bastante para lançar-lhe um olhar fulminante. - Não precisa se desculpar, basta que financie uma cirurgia plástica para corrigir meu rosto. - Pare de agir como criança - Steve ordenou em tom autoritário. - O taco nem encostou em você! - Diz isso porque não é você que está sentindo esta dor horrível! No mínimo, vou ficar com um olho preto! Mitch retornou com o gelo e parou ao lado da irmã, colocando o braço sobre seu ombro. Ela agradeceu secretamente o gesto protetor, mas nem aquilo a fez sentir-se melhor. - Foi estúpido colocar a cadeira tão próxima à mesa, como você fez - Mitch censurou Kira. - Qualquer idiota poderia perceber que... Ela descobriu o rosto e levantou-se de um pulo, aparentemente se esquecendo do olho machucado. - Qualquer idiota? Agora, eu sou a idiota? - Eu quis dizer que você poderia ter evitado este acidente se fosse um pouco mais cuidadosa - ele corrigiu, conciliador.
- Não sou eu quem precisa ser cuidadosa - ela contra-atacou. Hallie deu um passo para trás, em um gesto de defesa, enquanto Mitch colocava-se a sua frente, pronto para defendê-la. - A culpa foi de sua irmã. Ela sempre provoca algum dano. - Num ímpeto, ela se pôs a gritar: - Cuidado, cidadãos de Sandy Bend! Hallie Terror está na cidade! Hallie Terror é letal! Subitamente, Hallie sentiu o peso de um taco de bilhar sobre a mão. - Eu faço pontaria para você dar o tiro. Por favor, poupe-nos deste sofrimento! - Travis Owen disse em voz baixa, mas não o bastante para não ser ouvido. Furiosa, Kira abriu caminho por entre a multidão e desapareceu. Hallie olhou ao redor, surpresa ao perceber que os presentes pareciam estar se divertindo com a humilhação de Kira. Receando já ter provocado problemas suficientes por uma noite, Hallie apanhou a bolsa e endireitou os ombros, caminhando para a saída sem olhar para trás. - O show acabou - ouviu Steve anunciando enquanto escapava do salão privativo. Deteve-se na calçada, e só então lembrou-se de respirar. Havia se esquecido de como anoitecia tarde no verão em Sandy Bend. Passava das nove horas, e o sol apenas começara a tingir o céu com os raios avermelhados do entardecer. Havia se esquecido também que estava sem carro. Teria que esperar Mitch para levá-la para casa. Sem alternativa, atravessou a rua e caminhou a passos largos, feliz por estar livre da fumaça de cigarros, do barulho ensurdecedor e da horrível sensação de que não pertencia àquele lugar. Lutando bravamente para conter as lágrimas, sentou-se em um banco sob a frondosa copa da amendoeira que subira mais de uma vez quando era criança. - Ei, esqueceu-se de mim? A voz grave e profunda a sobressaltou. Steve se aproximou e sentou-se a seu lado, perto o bastante para que ela sentisse o hálito doce acariciando sua pele. - Sinto muito - desculpou-se ela, apavorada diante da tentação de buscar conforto no peito largo. - Não se preocupe. Sou eu quem sente muito pela cena que minha irmã provocou. - Oh, você não pode controlá-la! Eu havia me esquecido de como ela pode ser dramática. Steve estendeu as pernas e apoiou os cotovelos no encosto do banco. - Ela está aprimorando a técnica a cada dia. - Bem, todos nós temos que encontrar nossa vocação na vida. - Este é o problema. Acho que Kira nunca encontrou a dela. Ela não consegue manter um trabalho por mais de uma semana, enquanto assiste a todos os amigos seguindo seu rumo na vida, como você fez.
- Eu chamaria o que fiz de fuga desesperada! - comentou ela, com um toque de humor. - É mesmo? Seu caminho sempre pareceu muito claro para mim. - Não é bem assim. Fui embora porque estava cansada de ser de motivo de chacota na cidade. - Curioso... Para mim, você sempre foi Hallie, a artista, mesmo quando você era uma criança pintando seu cachorro. Ela pestanejou. Sempre levara a arte a sério, mas não havia percebido que Steve ou alguém mais houvesse notado. - Sabe, não é fácil para Kira revê-la, especialmente agora que você é uma mulher bonita, independente e equilibrada. - Equilibrada? - Sim, equilibrada. Veja como conseguiu jogar bilhar, mesmo com as mãos machucadas. Ele voltou a palma da mão delicada e acariciou-a com a ponta dos dedos. Era um ato amigável, sem intenção erótica, mas provocou uma verdadeira cascata de arrepios em Hallie. O último vestígio de sensatez se evaporou quando os dedos experientes deslizaram por seu braço, deixando um rastro de fogo por onde passavam. Ela prendeu a respiração quando ele a puxou para si, procurando sua boca com uma urgência quase selvagem. Aninhando-se no peito largo, Hallie perdeu-se no calor da boca exigente. Mergulhada em um sonho, correspondeu ao beijo com toda sua alma, entreabrindo os lábios enquanto as línguas ávidas moviam-se em uma dança sensual. - Ei, aquele não é Steve? O som da voz esganiçada, sobressaindo-se por entre o burburinho de um grupo de pessoas que passava na calçada, quebrou a mágica do momento. Assustada, Hallie se afastou, sem fôlego. - Hallie está com ele... - uma voz feminina se fez ouvir. Receando estar se tornando especialista em fiascos, ela se pôs de pé, tentando resgatar a dignidade que lhe restava. Passeando o olhar de Steve para o grupo de pessoas que os observava de longe, levantou uma muralha de defesa e assumiu o ar frio de indiferença que costumava usar naquelas ocasiões. - Vou pedir que Mitch me leve para casa - avisou, apanhando a bolsa com um gesto decidido. - Vamos deixar o jantar para outro dia. Sem dizer uma palavra, seguiu para o interior do restaurante, ignorando o chamado de Steve bem atrás de si.
CAPITULO VI
Na manhã seguinte, às nove horas em ponto, Hallie atravessou a rua principal em direção ao salão de beleza onde havia marcado hora. Deparou-se com uma casa revestida de pedras escuras, com um pesado portão de ferro. Ao abri-lo, o rangido das dobradiças provocou-lhe um arrepio. Não era o lugar mais atraente para um salão de beleza, mas não havia outra opção. Com um suspiro, decidiu que seu humor não poderia piorar além do que já estava. Apertou a campainha e subiu os degraus da varanda, mas ninguém veio recebê-la. - Entre, a porta está aberta - ecoou uma voz esganiçada vinda de uma sala no interior da casa. - Estou acabando de preparar a sra. Hopkins na mesa de bronzeamento e... O som foi abafado pela música estridente do rádio que acabava de ser ligado, e Hallie não conseguiu ouvir o final da frase. Acomodou-se em uma das cadeiras da sala de espera, sentindo-se pouco confortável. Depois do desastre da noite anterior, pensara em arrastar sua família para longe de Sandy Bend, e obrigá-la a se estabelecer na Califórnia. Mas como não tinha condições financeiras de levá-los, decidiu manter o compromisso no salão de beleza e deixar que tudo corresse como sempre fora. - Sinto muito - a mesma voz disse de mais perto. - A sra. Hopkins não é mais o que costumava ser. Se eu não ajudá-la a subir na mesa, ela acaba caindo no chão. A garota incrivelmente alta emergiu do corredor carregando uma vasilha com água em ebulição, a julgar pelo vapor que desprendia. Se a blusa extravagante não bastasse para destacá-la por entre uma multidão, o cabelo louro-palha com mechas acobreadas se incumbiriam de chamar a atenção de todos a seu redor. - Dana Devine - Hallie murmurou, reconhecendo a antiga colega de escola. - Em carne e osso! - Detendo-se diante dela, Dana abriu um sorriso de surpresa. Puxa, você está sensacional! A cidade grande lhe fez muito bem! Está perfeita, mas poderíamos dar um toque especial nos cabelos... Quem sabe se fizéssemos algumas mechas... Na época em que estudavam juntas, Dana era famosa por seu estilo original, de gosto um tanto duvidoso. Lembrava-se das roupas desengonçadas e dos penteados no mínimo originais que costumava fazer... Porém, ao contrário de Hallie, ela sempre reagira com bom humor, e parecia não se importar em ser alvo de provocações. - Não, obrigada - apressou-se em dizer. - Gosto deles assim mesmo. Teve o impulso de perguntar que cor ela indicaria, mas calou-se. - Pense a respeito, querida. Enquanto falava, ela despejou a água fervente em um pote plástico e indicou que Hallie se sentasse diante de uma pequena mesa ao lado da janela. Ela obedeceu resignada, imaginando como seria o atendimento no pronto-socorro de Sandy Bend. Diante do gesto imperativo para que estendesse as mãos, ela obedeceu mais por reflexo do que pelo desejo de cooperar. Dana passou a ponta dos dedos pelas unhas bem-feitas e levou um susto ao ver as bolhas nas palmas das mãos.
- Meu Deus, o que aconteceu aqui? - Não é nada demais. Não estou acostumada ao trabalho braçal e fiz algumas bolhas. - O que você andou fazendo? Sua pele é fina e delicada, você deveria ter usado luvas. Sem dar tempo para que ela reagisse, enfiou as mãos de Hallie no pote com água. Muito bem, vamos mantê-las na água o maior tempo possível para umedecer a cutícula. Antes que pudesse reclamar da temperatura da água, Hallie a viu pegar um alicate que lhe pareceu enorme, e tirou as mãos da água com um movimento tão rápido que quase derrubou o pote. - Não se preocupe, querida. Sei o que estou fazendo. - Só espero que não me machuque... - Bem, não poderia fazer nada pior do que você já fez a si mesma. - Com uma piscadela de cumplicidade, puxou a mão de Hallie e enxugou-a com a toalha que cobria a mesa. - Não se preocupe, serei cuidadosa. Começou a cortar as unhas enquanto suas palavras eram cadenciadas pelo ruído do alicate. - Eu deveria ter dito meu nome quando você ligou, mas tive medo que cancelasse a sessão. Comprei este salão no mês passado. Com tantas despesas para pagar, não posso perder nenhum cliente. Mas se você quiser ir embora, posso entender. - Oh, não! Vá em frente - incentivou, observando a segurança com que ela manejava o alicate. Depois de cortar e lixar as unhas, Dana olhou para ela e ergueu as sobrancelhas, com ar de triunfo. - Viu só? - Puxa, ficaram ótimas! - Com um sorriso, Hallie teve que concordar que ela conseguira dar um formato perfeito. - Ótimo! Agora fique com as mãos na água quente por alguns instantes. Volto em um minuto. Tenho que ajudar a sra. Hopkins. Hallie fechou os olhos enquanto ouvia a música vinda da sala dos fundos. Agitou os dedos na água, tentando relaxar. Culpava-se por ter duvidado da competência de Dana, mas justificou-se pela tensão que passara na noite anterior. Naquele momento, a campainha soou, interrompendo o curso de seus pensamentos. Ela abriu os olhos e viu Cal entrando no salão. Ele estava fardado e parecia estar cumprindo uma missão muito importante. - Olá! Você veio me salvar? - disse com bom humor, sorrindo ao ver o rosto familiar. - Não. Ninguém poderia salvá-la de Dana! - Aproximou-se e beijou-a de leve na testa. Tenho um recado para você. Tia Thea me disse que você estaria aqui. Enquanto falava, Cal mantinha a atenção fixa em um ponto da parede às costas de Hallie, e ela virou-se para ver o que o interessava tanto.
Ele olhava para um enorme pôster em preto-e-branco que mostrava um casal nu, em pé, visto de costas. Poderia ser classificado tanto como uma gravura erótica quanto um nu artístico. Hallie preferiu optar pela arte. - Por que você está a minha procura? Antes de responder, ele franziu o cenho e coçou a cabeça por sob o quepe. - Você acha que a garota da fotografia é Dana? - Antes que ela pudesse responder, ele meneou a cabeça. - Bem, deixe para lá. Hallie observou-o tirar os olhos da gravura com esforço antes de prosseguir. - Papai foi à reunião do Clube dos Veteranos hoje de manhã. - E o que há de novo? - Você foi incumbida de fazer a salada de batata para cinqüenta pessoas para o piquenique de amanhã. É fundamental que seja feito em casa. Papai disse que não quer aquelas porcarias compradas prontas no supermercado. Hallie suspirou. Seu pai não perdia o hábito de passar tarefas de última hora. - Imagino que ele esteja em casa, descascando batatas, certo? - perguntou com ironia. - Não, ele está muito ocupado. Descarregou a areia da caminhonete e saiu. Disse que ficará fora a manhã toda. - Está bem, farei a salada. Cal concordou com um gesto decidido. - Esta é minha garota! - Voltou-se para sair, mas deteve-se. - Hallie, suponho que seja mais uma das fofocas de Sandy Bend, mas... É verdade que você beijou Steve na noite passada? Ela o fitou com ar severo. Aquele seria mais um dia longo, pensou para si. - Não leve isto muito a sério, mas ele me beijou - esclareceu, fingindo estar muito interessada nos vidros de esmalte. Cal colocou as mãos na cintura e meneou a cabeça, com ar preocupado. - Não importa quem beijou quem, e sim que se beijaram. Depois desses anos todos, imagino que você tenha superado a raiva e o rancor que guarda por ele. - Não diria que guardava raiva, nem rancor... - O que quer que seja. Steve é como um irmão para mim, mas você é minha irmã, e quero que tenha cuidado. Depois da decepção que ele teve com Susan, não está muito disposto a levar um relacionamento a sério. E Mitch me contou que você estava chorando ontem, quando a levou para casa... - Cal, vou ficar aqui por apenas uma semana. Acha que estou planejando me casar e ter filhos? Tudo que fizemos foi... Com um gesto decidido, ele a interrompeu. - Poupe-me dos detalhes. Saber que vocês dois se beijaram já é o bastante para que
eu me preocupe. Naquele momento, Dana emergiu da sala dos fundos. - Pronta para o trabalho? Os longos cílios com uma grossa camada de rímel bateram por diversas vezes quando ela viu Cal. Murmurou o nome dele com um sorriso sensual, e Hallie podia jurar que ela estava corada por sob a grossa camada de maquiagem. - Olá, Dana. - Ele saudou-a com uma inclinação de cabeça. - Bem, tenho que ir. Até logo, garotas. Antes de sair, ele parou e deu uma última olhada na fotografia. Hallie observou que Dana acompanhava o movimento e, por um breve instante, julgou que uma sombra de tristeza escureceu os olhos esverdeados. Então, Cal voltou-se para elas e abriu a boca para dizer alguma coisa, mas pareceu mudar de idéia no último minuto.. - Não se esqueça, salada de batata feita em casa! - disse por fim, enquanto saía. Hallie suspeitou que não era o que ele gostaria de dizer, mas se deu por feliz por não ter feito algum comentário que pudesse embaraçá-la. Depois que ele desapareceu, ela submeteu-se ao alicate afiado de Dana, mas relaxou em poucos minutos ao ver a habilidade da manicura. - Cal pareceu muito interessado na fotografia, não é? - Dana comentou, erguendo os olhos para fitá-la. - É uma bela fotografia. - Obrigada. Ninguém mais parece compartilhar de sua opinião. A verdade é que poucas pessoas conseguem entender o sentido de um nu artístico. - Tem razão - Hallie concordou, virando-se para observar o pôster. - O fotógrafo fez um trabalho excelente. Ele conseguiu um efeito fantástico com a luz realçando as silhuetas dos modelos... Você ficou ótima! Ao analisar os detalhes, não teve dúvida de que ela havia posado para a fotografia, e o comentário escapou de seus lábios sem que pudesse reprimi-lo. Dana sustentou o alicate suspenso no ar e a fitou, surpresa. - Como sabe que sou eu? - Por favor, não pense que estou censurando-a! - apressou-se em dizer. - Sou artista plástica, e estou habituada a observar detalhes que às vezes passam despercebidos para a maioria das pessoas. - Oh... - Com um suspiro de alívio, Dana voltou ao trabalho. - Sabe, eu morei em Chicago por um breve período e trabalhei como modelo. Então, tive uma crise financeira e tive que voltar. Fiz um curso de manicura e consegui um empréstimo para comprar o único salão de beleza da cidade. Até agora, só estou tendo prejuízo... - Talvez valha a pena rever esta decoração - Hallie sugeriu, inclinando a cabeça em direção às paredes pintadas em um tom de cinza que deixava o lugar sombrio e pouco atraente. - Tenho pensado nisso, e vou redecorar assim que puder. Quem sabe você possa me
dar alguns conselhos... - Dana fez um gesto para que ela estendesse a mão. - Você sabe, meu estilo nem sempre agrada a maioria das pessoas. - Terei prazer em ajudá-la - Hallie concordou, sorrindo diante da autenticidade de Dana. - Puxa, estou feliz que tenha vindo aqui,hoje! Não éramos muito próximas na época da escola, mas eu sempre gostei de você. - Por quê? - Hallie perguntou, curiosa. - Por quê? - ecoou ela, surpresa. - Ora, não sei explicar por que gosto de alguém. - Desculpe, Dana. E que estou insegura por retornar a Sandy Bend depois de tantos anos. Não tive uma adolescência das mais felizes aqui. - Bem, já que você tocou neste assunto, confesso que há uma razão: você nunca me chamou por apelidos humilhantes, como os outros costumavam fazer. - Oh, quando alguém é chamada de Hallie Desastrada, torna-se muito sensível a respeito do que os apelidos podem causar em nossos sentimentos. - Tem razão. Sabe, não guardei rancor de você quando derramou cerveja em mim na noite de nossa formatura. Nick teve que me levar para casa, e foi então que nos beijamos pela primeira vez. - E um alívio para mim saber disso, Dana - Hallie disse com sinceridade. - E o que aconteceu com Nick? - Nos casamos há dois anos. - Oh, parabéns! - Não estamos juntos, querida. Ele me trocou por Suzanne Constanza. Lembra-se dela? - Sim, ela é de uma família de Detroit e tem uma grande mansão às margens do lago, não é? - Ela mesma. Casaram-se, e ficaram juntos por pouco mais de um ano. Nick, dentre todos os rapazes da cidade, era o que mais parecia se divertir em humilhála. Hallie guardava péssimas lembranças dele, e decidiu falar abertamente. Dana parecia ser do tipo que suportava uma conversa franca. - Baseada no que sei a respeito de Nick, não estou surpresa com a atitude dele. Honestamente, Dana, ele era muito imaturo e egoísta para assumir as responsabilidades que um casamento exige. - Hoje eu sei disso, mas estava perdidamente apaixonada por ele... Aliás, quem não estava? Ele era o rapaz mais atraente da turma! Até você teve uma queda por Nick. - Oh, foi há muito tempo, e para lhe dizer a verdade, eu não gostava muito dele. Pedi que fosse meu par na festa de formatura apenas porque... - Porque ele a fazia lembrar Steve Whitman, não é? Hallie corou até a raiz dos cabelos, como se tivesse sido pega em flagrante. - Como você sabe?
- Bem, querida, não é nenhum segredo nacional. Quero dizer, basta olhar para o mural da escola que você pintou quando estava no último ano. Todos os homens que aparecem são a cara de Steve! Até o cachorro tem os olhos de Steve! Ela não se lembrava de ter se inspirado nele para fazer aquele trabalho. Talvez fosse uma boa hora para a verificar o mural novamente. - E também havia a forma como você respondia a todas as perguntas quando ele substituiu o professor de álgebra por uma semana. - Bem, já superei isto. - Então, ontem à noite, aquele beijo foi só para relembrar os velhos tempos? - Puxa, as notícias correm rápido por aqui! - Não tão rápido quanto as mãos de Steve na noite passada... - Dana! - Hallie censurou, sem conter o riso. - Está bem, não vou mais falar nisto. - Ficou em silêncio por alguns segundos apenas. Ouvi dizer, também, que você trabalha para Anna Bethune. - Apenas tomo conta da casa de veraneio dela. - Você viu o que aconteceu com Matt, o marido dela? Não sei como pôde fazer tal coisa, sendo casado com uma mulher tão bonita. - Do que está falando? - Ele foi apanhado na cama com Brandi Flexxum, você sabe, o produtor. Está na primeira página do Galaxy News de ontem. Ela moveu a mão com um gesto, indicando uma pilha de revistas de fofocas em uma cesta a um canto da sala. - Oh, na mesma edição da matéria sobre a mulher que deu à luz um bebê de três cabeças, certo? - Hallie disse em tom irônico. - Não é um jornal de boa reputação, eu sei. Está aqui apenas porque algum cliente deve ter deixado. - Quando há alguma fofoca de Hollywood, todos ficam curiosos - disse em tom neutro. Durante os três anos que trabalhara para Anna Bethune, nunca falara com ela a não ser por telefone. Hallie e Matt, no entanto, encontravam-se com freqüência. Ele também era ator, mas não era tão esnobe quanto a esposa. Costumava hospedar-se em Carmel Highlands quando Anna estava filmando fora do país. O rapaz era um misto de prepotência e insegurança. Hallie não podia imaginá-lo fazendo algo tão estúpido. Mergulhou no silêncio enquanto pensava sobre a possibilidade de perder o emprego. Claro, poderia encontrar outro lugar para cuidar. Talvez fosse melhor alugar um apartamento onde o aluguel fosse mais razoável, ou então, poderia dividir a casa com alguém... Com um movimento brusco que quase provocou um acidente, ela rejeitou tal idéia. Havia se acostumado à solidão, aprendera a se isolar e a usufruir de sua própria companhia.
Dana trabalhava com agilidade e em silêncio, com apenas uma pausa para cuidar da sra. Hopkins na mesa de bronzeamento. Em poucos minutos, as unhas de Hallie estavam impecáveis. Satisfeita, ela estendeu as mãos para admirá-las. - Você ficou aborrecida com meu comentário sobre Matt Colton? - indagou preocupada, quando Hallie estava pronta para sair. - Oh, não se preocupe! É melhor estar preparada, no caso de ser verdade. - É verdade. Não há nada pior na vida do que ser apanhada de surpresa, a menos que seja uma deliciosa declaração de amor... - acrescentou com um sorriso cúmplice. Hallie deu uma gostosa gargalhada. - Se você tiver chance, venha até aqui para me ver antes de voltar para a Califórnia, está bem? - É uma promessa! Hallie saiu satisfeita do salão de beleza, pensando no interessante conceito de ter encontrado uma nova amiga em sua cidade natal. Alguns minutos mais tarde, ela seguia a pé pela rua principal, com a idéia de ir ao armazém para comprar os ingredientes da salada. Entrou e apanhou um carrinho, seguindo para a sessão de cereais. Apanhou o que precisava e dirigia-se para o caixa quando alguém bateu em seu ombro. Não precisou olhar para ver que era Steve. Um toque era o bastante para reconhecê-lo. Virou-se para encará-lo. Ele parecia não ter dormido bem. E o pior era que, mesmo com aquela aparência, parecia ainda mais sexy e atraente. - Você não atendeu ao telefone na noite passada - ele disse sem rodeios. - Estava muito cansada. - E fez a mesma coisa hoje de manhã. - Eu ainda estava cansada. - Você parece bem descansada agora. Não acha, sra. Hollings? - ele acrescentou para a vendedora da loja, que quase se pendurava no balcão para ouvi-los melhor. - Ela parece ótima. Hallie voltou os olhos para o céu e então encarou a sra. Hollings, fuzilando-a com o olhar. Steve observou os itens que ela colocara dentro do carrinho. - Salada de batata, certo? - Sim, suficiente para cinqüenta pessoas. - Eu recebi as mesmas instruções de seu pai no café da manhã, hoje cedo. Hallie pestanejou enquanto fazia uma imagem mental do encontro dos homens da comunidade naquele café da manhã, imaginando a quantidade de fofocas que
deveriam surgir dali. Seu sorriso desapareceu quando percebeu que ela e Steve faziam parte das fofocas da comunidade. - Como está Kira? - Está ótima! Não foi nada tão espetacular quanto ela quis nos fazer acreditar. Aliviada, Hallie relaxou. Sentia-se culpada por machucar Kira, mesmo que não tivesse tido a intenção. - E para que são suas compras? Que eu saiba, champanhe e morangos não fazem parte de uma salada de batata... - comentou ela, apontando para os itens no carrinho dele. - Voltar a Sandy Bend já lhe despertou a curiosidade típica daqui, não é? - Ele provocou com um sorriso irresistível. - Bem, são para você. Não se esqueça que lhe devo um jantar. Além disso, quero me redimir pelo comportamento de Kira ontem à noite. Aquilo soou como se ele tivesse mais alguma coisa em mente, além de um simples jantar. Champanhe e morangos... Hallie começou a entrar em pânico. - Você não me deve nada. - Talvez você me deva um jantar, depois de me deixar no restaurante daquela forma. Mas mesmo assim, faço questão de cumprir o que prometi. - Infelizmente, não tenho tempo. Tenho que trabalhar na decoração do carro alegórico. - O carro também é minha responsabilidade. Não pretendo decepcionar seu pai. Podemos trabalhar juntos, e jantamos depois. - Steve, você não tem que me ajudar com a decoração. Eu lhe disse que posso fazer isso sozinha. Ele correu os dedos pelos braços macios, e então virou a palma das mãos, observando as bandagens que ainda cobriam os machucados. - Você tem medo que eu invada seu território? - Não é isso. Eu só... - Ótimo - interrompeu ele. - Até a noite. Sem lhe dar tempo para responder, Steve pagou as compras e se afastou sem esperar pelo troco, deixando-a paralisada diante da idéia de estar a sós mais uma vez com aquele homem irresistível...
CAPITULO VII Hallie apoiou os cotovelos sobre a mesa e suspirou, desolada diante da imensa pilha de batatas a sua frente. Preparar uma salada para cinqüenta pessoas era a última coisa que imaginava fazer em suas breves férias... - Encontre seu centro de equilíbrio, garota. Faça uma pausa para meditar - Althea
sugeriu, esticando o pescoço da porta da sala de jantar. - Vou precisar de alguma coisa um pouco mais eficaz parar cumprir minha tarefa retrucou ela com ironia. Desde que deixara Steve no armazém, não se cansava de analisar todas as nuances da conversa, e estava convencida de que ela fazia parte do cardápio daquela noite. Quando comentou sobre o jantar, seu pai lançou-lhe um olhar significativo, como se já soubesse que aquilo iria acontecer. - Você tem que parar de interpretar o convite como se fosse um convite baseado no desejo sexual - aconselhara Althea. - Bem, seja como for, tenho que dar conta da salada, e confesso que estou sem o menor desejo - comentara, expulsando ambos da cozinha antes de se pôr ao trabalho. Colocou as batatas picadas para cozinhar e separou limões, ovos e óleo para preparar o creme de maionese caseiro, sentindo uma ponta de nostalgia ao se lembrar de quando costumava ajudar o pai a fazer a salada nos churrascos de domingo. Depois de preparar cinco receitas, achou que havia exagerado na quantidade. Porém, ao ver a quantidade de batatas, concluiu que teria que voltar à cidade para comprar mais ingredientes para outra receita de creme. - Tia Thea, tenho que voltar à cidade - gritou da cozinha. - Por favor, cuide das batatas que estão no fogo para que não passem do ponto. - Aproveite para comprar um pouco de tofu para o aperitivo dos rapazes no jogo de pôquer desta noite. - Tofu? Althea ajeitou os cabelos por trás das orelhas, revelando os múltiplos brincos que a faziam parecer uma princesa indiana. - Sim, querida. É um tipo de queijo de soja. Eles preferem batatas fritas, é claro, mas Thor precisa de uma alimentação mais saudável. Hallie apanhou as chaves de seu carro e saiu, imaginando como seu pobre tio suportava submeter-se a uma dieta como aquela. Steve havia se esquecido como uma mulher perfeitamente razoável como Susan poderia tornar-se tão inoportuna quando saía para jantar fora. Se os anfitriões estivessem à porta da casa, ela queria estar na janela. Se estavam na janela, optava por passar pelo outro lado. Então, recusava-se a comer qualquer coisa que estivesse no cardápio. Reduzira alguns dos melhores chefs de Chicago a incompetentes cozinheiros. Naquele dia, estava aliviado por descobrir que Susan estava de bom humor. Havia mudado de mesa apenas uma vez e os comentários sobre o cardápio limitaram-se a lastimar-se por não encontrar seu molho preferido para salada. Depois de inspecionar o copo de água, tomou um gole com mãos trêmulas. - Estou feliz por ter aceitado almoçar comigo hoje. Preciso muito conversar com você.
- Eu é que estou lisonjeado por ter me convidado, considerando o silêncio com que me tratou na noite passada. - Você também não me ligou. - Não é esta a questão. - Bem, eu precisava dar atenção a Julio. Mas hoje ele estará ocupado até a noite, o que significa que não terei parceria para jogar tênis esta tarde. - Puxa, não sei como sobreviverá! - ele comentou em tom ácido, entediado com a futilidade que acabara de descobrir. Ela o fitou sem entender a mensagem subliminar do comentário, enquanto brincava com o anel de noivado. Steve calculou que o diamante deveria valer duas vezes seu salário mensal. - Julio e eu trabalhamos muito - continuou ela. - Não sei como vou combinar um casamento com minha agenda. - Talvez seja mais conveniente adaptar sua agenda ao casamento. Ela riu como se ele tivesse dito uma piada. Naquele momento, a garçonete chegou com os pedidos: filé ao ponto para Steve e salada para Susan. Depois de questioná-la sobre a origem do vinagre balsâmico, Susan voltou a atenção para ele. - O casamento será daqui a duas semanas, e sinto-me sufocada. Eu seria capaz de desistir de tudo, mas nossas famílias já estão muito envolvidas. O que acha que devo fazer? - Susan, isso não é da minha conta. Com um muxoxo desolado, ela permaneceu em silêncio por alguns segundos antes de voltar a falar: - Kira me disse que seu pai lhe ofereceu trabalho. Steve vislumbrou onde aquilo iria chegar, e teve de admitir que ela sabia como manipular a conversa. - Ele sempre está me oferecendo trabalho. - Mas ela disse que desta vez é diferente, que você corre o risco de perder as aulas e sua posição na universidade. Sua adorável irmã deveria ter valorizado a situação, pensou para si com desagrado. - Em primeiro lugar, não passo muito tempo em salas de aula, agora que sou reitor. Em segundo, não estou a ponto de ser mandado embora. Apenas não sei se este trabalho em particular vai existir no próximo ano escolar. Mesmo que a universidade não exista mais, posso dar aulas no colégio, ou até em uma cidade próxima daqui. - Então, mesmo que perca o cargo de reitor, não há chance de se mudar para Chicago? - Não há a menor chance.
- Entendo... Mudando de assunto, ela se pôs a comer, fazendo pausas para revelar algumas fofocas sobre seus amigos de Chicago. Steve estava grato por ter conseguido encerrar o assunto com tanta facilidade. Terminaram o almoço sem tocar novamente no problema de Susan e seus planos futuros, e ele se apressou em tomar o café para ir embora. Quando ela pediu um beijo, mal roçou os lábios na face maquiada. Porém, Susan tinha outros planos. Voltou-se e colou os lábios nos dele, sem se intimidar com a evidente resistência. Pego de surpresa, Steve não teve como evitar, e afastou-se tão logo foi possível. Quando virou-se para sair, viu Hallie sentada dentro de seu carro à espera que o sinal abrisse. Embaraçado, acenou timidamente para ela, torcendo para que não tivesse presenciado a cena. Em vez de responder ao cumprimento, ela lançou-lhe um olhar gelado e apertou as mãos no volante como se estivesse apenas esperando a largada de uma corrida de automóveis. Assim que o sinal abriu, ela empinou o nariz e pisou no acelerador, sumindo de seu raio de visão. - Rapaz, você está perdido... - ele murmurou para si, saindo do restaurante o mais rápido que pôde. Humilhada, desolada e sentindo-se a pior das mulheres da face da terra, Hallie parou o trabalho com a carreta por alguns instantes. Sentou-se no velho sofá e olhou ao redor, detendo-se nos pequenos detalhes do celeiro. Quando criança, aquele era seu lugar favorito para sonhar sobre como seria quando crescesse. Imaginava-se bonita e sofisticada, com cabelos dóceis e maleáveis e completamente sem sardas. Teria sandálias para combinar com todos os vestidos de verão, e nunca usaria calças jeans. Em síntese, queria ser como Susan Muller. Bem, estava crescida, e não era Susan Muller. Ao vê-la com Steve do outro lado da calçada, percebeu como estava distante de seu ideal de infância. Testemunhou o beijo com um silêncio dolorido. Somente a expressão chocada de Steve a fez interromper o pânico que congelava seu sangue. Aquele sinal era algo que tinha que considerar. Eles pertenciam ao mesmo círculo social. Supunha que, se houvessem se casado como planejavam, ele estaria dirigindo o BMW dela e teriam um casal de cachorros. Sem filhos, é claro. Não teriam filhos enquanto não tivessem desfrutado de todos os prazeres da vida. Hallie encarou o short e a camiseta branca que usava. Era um modelo econômico. Não precisava de carros caros e trocava as viagens por um confortável sofá e um bom livro. Suas necessidades eram simples. Queria apenas ser tratada com atenção e respeito. Suspirando, voltou ao trabalho e envolveu-se com a decoração do carro. Quando deu por si, passava das oito horas da noite. A decoração estava pronta, e sentou-se em uma cadeira de praia no centro do paraíso de areia que havia criado, sem perceber que Steve havia chegado alguns minutos
atrás, e a observava em silêncio. Com um sorriso, ele acariciou-a com o olhar. Ela parecia estar em outro mundo. Os cabelos, presos no alto da cabeça, estavam cobertos de tinta azul. Uma mancha esverdeada decorava o queixo arredondado, e os braços estavam respingados de pontos amarelos. Aproximou-se em silêncio, depositando a cesta com o jantar aos pés dela. Hallie o fitou sem demonstrar surpresa. Em vez de saudá-lo, encolheu as pernas e abraçou os joelhos, como se estivesse se defendendo de um perigo eminente. - A decoração ficou fantástica - arriscou ele, incomodado com a fria acolhida. - Você mesma desenhou as faixas com motivos marítimos? - Sim. Acabei hoje, enquanto você estava fazendo... outras coisas. Podia imaginar por que Hallie estava perturbada, e percebeu que ele próprio estava pouco à vontade. - Certo, antes que você me expulse daqui e ordene que seja executado sumariamente, eu confesso. Almocei,com Susan hoje, e ela me beijou. Você viu a cena do outro lado da calçada, não é? - Oh, você acertou em cheio! - Dispenso o tom de ironia. Se quiser conversar a respeito, vamos conversar. - Ele subiu na carroceria do trator e sentou-se ao lado dela. - Na noite passada, Susan me pediu para encontrá-la. Não achei que fosse uma idéia muito boa, mas não tive como dizer não sem soar como o enciumado namorado preterido. De qualquer forma, ela estava com algumas dúvidas, e não ocorreu-lhe que eu não seria a melhor pessoa para desabafar. Hallie começou a limpar as manchas de tinta das mãos, tentando dar a impressão que estava se importando pouco com o assunto. - Baseada no que vi, talvez ela tenha imaginado que era exatamente o que você estava esperando. - Mas não era. Sem olhar para ele, ela hesitou por um instante antes de perguntar: - Você se arrepende por não ter se casado com ela? A verdade era que se sentia mais aliviado a cada minuto! Quanto mais tempo passava com Hallie, mais percebia que jamais seria feliz ao lado de Susan. Ao contrário do resto do clã dos Whitman, gostava de uma vida simples e tranqüila, com liberdade e espaço. - Não, de forma alguma - afirmou com convicção. - Nunca teria dado certo. Hoje, tenho certeza que não temos nada em comum, exceto o mesmo lugar para irmos nas férias de verão. Ela se pôs de pé, apoiando a mão na areia para se levantar. - Chega de falar sobre Susan. Preciso tomar um banho. Enquanto isso, você pode preparar a mesa para o jantar. Há um cavalete e algumas tábuas ali no canto.
- Certo. - Ele respirou aliviado. - Quando você voltar, estará tudo pronto. Quando ela voltou, Steve havia preparado a mesa com uma refeição que era o melhor que Sandy Bend podia oferecer. Colocara os cavaletes no centro do celeiro, e o cobrira com uma toalha branca. O champanhe estava em um balde de gelo, e dois candelabros com velas acesas emprestavam um brilho mágico ao cenário rústico. A voz melodiosa de Diana Krall, sua vocalista de jazz favorita, entoava do aparelho de som portátil. - Uau! Você trabalhou rápido! Ele a fitou, admirando o corpo bem-feito. As roupas cobertas de tinta haviam sido trocadas por um top de lycra preto e um short branco, que deixavam as pernas longas e bem-torneadas à mostra. Os cabelos estavam secos e perfumados, caindo em cachos sedosos por sobre os ombros. - Entre e feche a porta. Ela obedeceu e sentou-se à mesa improvisada. - Agora, deixe-me servir meu tipo predileto de jantar: aquele que não precisamos preparar! O sorriso que ela deu em resposta era um sinal estimulante de que o havia perdoado. - Conte-me como é a vida em Carmel Highlands - sugeriu ele, enquanto a servia com uma generosa porção de salpicão de frango. - Não é uma cidade muito grande, mas é agradável. Além disso, não passo muito tempo lá. Quando tenho um final de semana de folga, gosto de ir a Point Lobos, uma reserva natural não muito de longe de onde moro. Quando o dia está ensolarado, costumo levar meu material de pintura. Enquanto ouvia, Steve colocou a mão direita em seu joelho e começou a acariciá-lo com leveza. Hallie sentiu-se paralisar, mas continuou falando como se aquilo fosse o gesto mais banal do mundo. - Algumas vezes, quando estou sozinha, posso ouvir o barulho das ondas nas rochas. Prendeu a respiração quando a mão esquerda de Steve deslizou para sua cintura. Estava tão envolvida com as carícias que não conseguiu reagir. - Ou então, eu levo um bom livro e... As palavras foram interrompidas por um beijo quente e apaixonado. Hallie se retraiu, afastando-o. - Não faça isso - ele pediu, num sussurro rouco. - Você está me deixando nervosa! - Hallie, estive pensando em nós dois. Acho que há algo mal resolvido entre nós. A boca de Hallie tornou-se subitamente seca, e sorveu o conteúdo de sua taça de um só gole. Sabia que acabara de entrar em um terreno muito perigoso, e não havia como escapar. - O que você quer dizer?
- Quero dizer que, agora, é minha vez. Erguendo-se, ele tirou a camisa e jogou-a aos pés dela. Então, levou as mãos para o cós da calça, com movimentos lentos e insinuantes. Embora ela tentasse desesperadamente falar, suas cordas vocais estavam paralisadas. Sem conseguir refrear a tentação, fechou os olhos, receando perder o controle e atirar-se nos braços dele. Ao abrir os olhos, Steve estava seminu, com um brilho de provocação dançando nos belos olhos escuros. Aquele olhar fez uma jornada até o mais profundo de sua alma, e Hallie sentiu-se aquecer como mel derretido. - Hallie, quero você... - ele sussurrou, fazendo-a duvidar que não estava sonhando. Aquilo não era um jogo. Era real, tão real que o resto de sua vida parecia não significar nada naquele momento. Ele a queria! Mesmo que não tivesse dito tais palavras, seus instintos básicos já haviam intuído. Qualquer escolha que fizesse, seria para sempre. Quando deu por si, estava de pé, sem ter idéia de como chegara lá, e sem a menor idéia de como havia voado para os braços abertos em sua direção. Sair correndo dali seria o mais sensato a fazer. Ficaria curiosa pelo resto de seus dias sobre como seria fazer amor com Steve, mas sairia com o coração intacto. Se caísse em tentação, a solidão que sentiria quando voltasse para Carmel deixaria um vazio irreparável em sua alma. - Hallie? Ela voltou para a realidade e o fitou. Então, o que viu apagou todas as dúvidas. Havia vulnerabilidade naquele homem, e uma entrega que lhe deu a coragem que precisava. Correu os dedos pelos bíceps bem-desenhados, e sentiu os músculos se retraírem ao contato. - Muito bom. Mas você ainda não me mostrou nada que eu não tenha visto na praia. - Tecnicamente, é verdade - Steve concordou com voz rouca. Ela se aproximou e acariciou os lábios sensuais com a ponta da língua. Inalou o hálito doce, deixando-se inebriar pelo perfume másculo que desprendia do corpo sensual. Hallie deu um passo para trás e sorriu. - Não quero que você pense que estou tirando vantagem da situação... - murmurou enquanto abria o zíper do short. Deixou-o cair a seus pés e deu um passo à frente, envolvendo-o com seus braços. Sentir a pele de Steve contra a sua provocou a mais incrível sensação que já havia experimentado. A mão hábil deslizava por suas costas, detendo-se na alça do top. Hallie não interrompeu o contato enquanto ele a despia, passando a pequena peça por seus ombros. Ele se afastou e a fitou com gentileza, quase com reverência, deslizando os dedos pela
curva generosa dos seios. - Você é a mais perfeita beleza que eu poderia imaginar em uma mulher. O elogiou apanhou-a de surpresa, comovendo-a até a alma. - Já fiz isto antes, e foi um completo desastre... - E você acha que vai acontecer de novo? - É impossível não me lembrar de como fracassei. Ele apanhou as mãos dela e colocou-a sobre o coração, que batia em um ritmo desenfreado. Com a outra mão, acariciou-lhe o rosto e o ergueu até que seus olhos se encontrassem. O desejo explodia nas íris escuras, com uma urgência incontrolável. - Você realmente acredita nisto, Hallie? - Espero que prove que estou errada. Um sorriso discreto curvou os lábios sensuais. Com uma carícia sensual, ele mergulhou os dedos nos cabelos sedosos e puxou-a para si. Com os dedos, ele traçou o vale por entre os seios, provocando-lhe uma cascata de arrepios. Seguiu a linha que levava ao ventre liso e subiu novamente até o pescoço, beijando-a lentamente, enlouquecendo-a de desejo. Ela se aproximou, ansiando para que ele a tocasse. Envolveu os dedos nos cabelos fartos, enquanto conduzia as mãos hábeis para seus seios. - Estava tentando fazer tudo devagar, mas não é o que vai acontecer, não é? Hallie não pôde encontrar a voz, e meneou a cabeça com um enfático não. Ele conduziu-a para o sofá, deitando-a com gentileza. Sentou-se ao lado dela e a beijou com ternura. A música ecoava de um lugar distante, como se viesse de um mundo de sonhos. Steve se ergueu e apanhou a garrafa de champanhe, e ela prendeu a respiração ao sentir o líquido borbulhante acariciando-lhe a pele arrepiada do ventre. Com uma excitação que jamais sentira, observou-o enquanto sugava a bebida espalhada em seu corpo, explorando os recantos mais secretos da intimidade úmida e macia. Depois de levá-la ao paraíso, Steve se levantou e pegou preservativos do fundo da cesta de piquenique. Mal contendo a urgência de senti-lo, esperou enquanto ele colocava a proteção, pronto para ela. Sentiu o corpo pesado sobre o seu, e gemeu de prazer e desejo. Mais tarde, quando ambos estavam exaustos demais para falar, Steve abriu os olhos e a fitou. - E então, foi um desastre total? - Não... - Ela sorriu, repleta de felicidade. - Mas acho que terei fazer tudo de novo para me convencer...
Quando Steve acordou, o dia já havia rompido. Os raios dourados do sol entravam pela janela do celeiro e dançavam sobre eles. Ele abriu os olhos e alongou os músculos, sorrindo ao ver Hallie encolhida no sofá. A noite passada havia sido a mais maravilhosa de toda sua vida. Ele sempre havia pensado em ter uma mulher próxima de si, mas nunca imaginara que pudesse estar tão perto. Não se tratava apenas da presença física. Hallie estaria dentro dele para sempre. Surpreendera-se com a naturalidade com que haviam se entregado sem reservas. Pela primeira vez em sua vida, desejara dar prazer antes de pensar em seu próprio prazer. Inconscientemente, sempre se colocara como prioridade. Mas não quando Hallie estava em seus braços. Precisava de tempo para pensar na razão de tudo ser tão diferente quando estava com ela. Mesmo que fizessem amor um milhão de vezes, não seria suficiente para resolver aquele mistério. - Humm... Ainda estou sonhando? - Hallie abriu os olhos sonolentos e olhou ao redor. - Bom dia. Você dormiu bem? - Bem, a cama estava um pouco apertada, mas não tenho do que reclamar. - Ela deslizou os dedos pelo queixo viril. - Estou me sentindo nas nuvens. Ele apenas sorriu, guardando para si que não chegava nem perto do que ele sentia. Lamentando o amanhecer, ele sentou-se e alongou os músculos. Tinha que ir embora o mais rápido possível. Marcara uma reunião na universidade naquela manhã e precisava fazer a barba e tomar banho. Além disso, queria sair de lá antes que os rapazes acordassem. Tinha consciência que os homens da família Brewer sabiam o que ele e Hallie estavam fazendo no celeiro, mas sentia-se pouco confortável em ter que encarálos. - O que foi? - ela indagou, notando sua expressão preocupada. - Nada. Tenho uma reunião na universidade, e preciso ir embora. Notando a decepção nos olhos azuis, ele se arrependeu por ter aberto a boca. - Você precisa ir embora... - ecoou ela, num murmúrio quase inaudível. - Voltamos à realidade, e temos que nos separar. Ele se levantou e se pôs a recolher sua roupa, espalhada pelo chão. - É assim que acha que deve ser? - perguntou por fim, enquanto abotoava a camisa. Apenas uma noite, e então nos separamos? Ela fechou as mãos sobre as dele, e um sorriso triste brotou dos lábios sensuais. - Daqui a dois dias, teremos que nos separar. O tom distante da voz fez com que Steve sentisse o peso de séculos sobre os ombros. Receava que tudo que haviam vivido se perdesse para sempre nas lembranças como uma noite de prazer, mas não disse nada. Que direitos poderia ter sobre ela?, pensou para si. Em dois dias, Hallie voltaria para a Califórnia e estaria fora de sua vida. Fitou-a longamente antes de sair, sentindo que deixava uma parte de sua vida atrás de
si. Talvez ela não quisesse nada além de resolver as frustrações do passado, refletiu enquanto dirigia de volta para casa. Porém, Hallie o remetera a uma única rota, fatal e inevitável. Estava apaixonado por aquela mulher, de uma forma que jamais imaginara ser possível. Não poderia deixá-la partir, e teria apenas dois dias para reconquistá-la... De súbito, dois dias transformaram-se em uma eternidade. Com um sorriso cheio de esperança, estacionou o carro no jardim da mansão, sentindo-se pronto para enfrentar o desafio.
CAPITULO VIII Hallie nunca poderia imaginar, em toda sua vida, que desejaria comer salada de batatas no café da manhã, mas estava faminta, e aquela parecia ser a ocasião perfeita para começar. Encheu a tigela de cereais que costumava usar na infância com salada de batatas, agradecendo à sorte por todos terem saído, com exceção de Thor. Depois da noite que tivera, precisava de paz e silêncio para refletir sobre o significado do reencontro com Steve. Suas emoções se confundiam, oscilando entre a mais plena felicidade e o mais absoluto pânico. Apanhou sua tigela e um garfo e foi para a sala, sentando-se diante da televisão. Depois de rodar os canais à procura de seus desenhos animados favoritos, decidiu escolher um entretenimento mais compatível com sua faixa etária. Deteve-se no noticiário nacional e ia levar uma porção de salada à boca quando ouviu uma notícia que a deixou com o garfo suspenso no ar: Anna Bethune confirma a separação com Matt Colton. O casal tem evitado os jornalistas e... Não precisou acabar de ouvir para entender o que aquilo significava. Levou a tigela quase intocada para a cozinha e sentou-se à mesa, forçando-se a se alimentar. Naquele momento, Althea chegou com pacotes de compras. - O que aconteceu, querida? Você está pálida! - Olá, tia Thea - saudou-a, desanimada demais para falar sobre o que a incomodava. Quer um pouco de salada? - A esta hora?! - Althea fitou-a, com ar preocupado. - Humm... Outra aura de tempestade, não é? - Você viu meu pai? - Ele foi ao clube para uma reunião com a Sociedade das Senhoras de Sandy Bend. - O quê? - chocada, voltou-se para a prima. - Você quer dizer que ele tem ido tomar chá e conversar sobre futilidades com elas?
- É isso mesmo - afirmou, enquanto guardava as compras. - E, na verdade, eles tomam uísque, e não chá. - Meu Deus! Acho que nada do que se refere a papai me surpreende mais! E a que horas ele deverá estar de volta? - Perto da hora do almoço. Você gostaria de conversar sobre alguma coisa com relação a Steve? - indagou com cautela, e então acrescentou alarmada: - Você usou proteção, espero! Hallie sentiu uma súbita e profunda necessidade de sair dali e ficar distante de toda sua família. - Não e sim - respondeu, perdendo completamente o apetite. - Não acredito que você esteja me perguntando isto! Lavou a louça que havia usado e apanhou as chaves do carro, avisando por sobre o ombro: - Vou até o salão de beleza. - Espere! Leve isto! - Althea correu atrás dela, estendendo-lhe uma pedra azul. - Vai ajudá-la a se acalmar. Hallie escorregou a pedra para dentro do bolso e saiu. Não estava disposta a discutir sobre os efeitos mágicos dos cristais, já tinha problemas suficientes com que se ocupar... Poucos minutos depois chegou ao salão e encontrou Dana tingindo os cabelos de uma adolescente. - Olá, Dana. Espero não estar incomodando. - De forma alguma! Você é sempre bem-vinda. - Sua mais recente amiga saudou-a com um sorriso acolhedor, espalhando uma generosa porção de tintura na longa mecha da jovem. - Estou cuidando de Sky, a princesa do verão deste ano. - Parabéns, Sky. Vou vê-la sábado, no desfile. A garota corou até a raiz dos cabelos, e abaixou os olhos. Hallie voltou sua atenção para Dana. - Você estava certa sobre aquela notícia de ontem... Trocaram um olhar de cumplicidade através do espelho, sem que Dana interrompesse o trabalho. - Puxa, sinto muito. Eu não disse? Nunca duvidei do Galaxie News! E o que isso pode representar para seu trabalho? - Tudo ou nada, não sei. Ao menos, vou continuar trabalhando meio período na galeria de arte. - Mas isto representará um problema para seu orçamento. - É verdade. O que eu ganho mal dá para combustível e estacionamento... - Você precisa de um plano.
Dana cobriu a última mecha com a tintura, deixando a princesa do verão mais parecida com uma alienígena, com a cabeça envolta em papel alumínio. - Que tal almoçarmos juntas? Depois que Sky terminar, não tenho outra cliente agendada até as duas horas da tarde. Talvez possamos pensar em algum plano. - Será ótimo! Depois do almoço, Hallie sentia-se bem melhor, com nova disposição para enfrentar os desafios profissionais que teria pela frente. Enquanto esperavam pela sobremesa, resolveu ligar para casa para avisar que chegaria mais tarde, e Althea informou-a que Steve ligara. Era exatamente o que ela queria ouvir! Excitada, decidiu ir até a mansão em vez de ligar de volta. Despediu-se de Dana e chegou na casa dele'alguns minutos mais tarde. Depois de pensar se seria melhor esperar do lado de fora, Hallie bateu à porta. - É você, Susan? - Kira gritou do interior da casa. Então, estavam à espera de Susan... Ela suspirou profundamente antes de responder. - Não, é Hallie Brewer. - O que você quer? A hostilidade no tom de voz quase a fez desistir, mas o desejo de ver Steve foi mais forte. - Preciso falar com seu irmão. Ele está em casa? - Está bem, espere um minuto. Ela poderia ter lido um livro inteiro enquanto esperava que Kira abrisse a porta. Ao abrir, ostentava um enorme curativo sobre o olho, e Hallie suspeitou que fora colocado às pressas apenas para impressioná-la. - Suponho que queira entrar. - Com um gesto pouco convincente, indicou que entrasse. - Obrigada. Prometo que não vou roubar a prataria. Enquanto caminhavam para atravessar a cozinha, Hallie notou que havia inúmeras embalagens de salada de batata sobre a mesa. Tinha que dar a Kira o crédito por ser esperta o bastante para comprar a salada pronta no supermercado. - Quer ajuda para guardar as compras? - Que compras? Oh, a salada... Não se preocupe, posso tomar conta disso sozinha. Ela continuou caminhando enquanto Kira ficou na cozinha. Na sala de estar, aproximou-se da imensa estante com livros, curiosa para ver o tipo de leitura que Steve gostava. Havia muitas biografias e livros policiais, além de livros técnicos sobre álgebra que a fizeram arrepiar. A única coisa que gostava relacionada a matemática era o professor... Hallie voltou-se para os porta-retratos dispostos ao longo da estante, com muitas
fotografias de família, incluindo uma de Kira de muitos anos atrás, na época em que ainda eram amigas. - Você vai vasculhar a casa toda antes que meu irmão chegue? - ouviu atrás de si. - Ouça, Kira, não podemos ter uma trégua? Ficarei em Sandy Bend por apenas mais alguns dias, e gostaria de levar uma boa recordação de você. Os olhos de Kira se arregalaram por um instante, e então a usual máscara de frieza cobriu seu rosto. - Uma trégua? Não estamos em guerra. - É mesmo? - Dirigiu-se para uma confortável poltrona e se sentou. Kira permaneceu no centro da sala, parecendo confusa sobre o que deveria fazer a seguir. Finalmente, sentou-se no sofá diante de Hallie. Permaneceram em silêncio, cada qual esperando que a outra fizesse o primeiro movimento. Surpreendentemente, foi Kira quem começou. - Steve disse que você é uma espécie de artista. - Trabalho com aquarelas, para ser mais precisa, embora ainda não consiga sobreviver somente da pintura. E você, o que tem feito? - Nada de especial. Hallie percebeu como ela ficara embaraçada por admitir. - Eu não preciso trabalhar para viver. - Sorte sua. Mas eu gosto de trabalhar. Gosto de sentir-me útil, e da sensação de ser produtiva. - Estive pensando em voltar para a escola - Kira disse como se estivesse confessando um crime. - Ou, talvez, montar um bufê para festas. - Ambas são ótimas opções. - Tive um emprego em uma butique de Chicago, mas o salário era horrível. Não sei como as pessoas aceitam trabalhar por tão pouco! Queriam que eu trabalhasse nos finais de semana e que estivesse lá às nove e meia da manhã! A conversa estava se tornando mais apavorante para Hallie do que continuar a guerra que havia. - Tenho certeza de que, quando encontrar algo que a inspire, vai levar em frente. Naquele momento, Hallie ouviu a porta da frente se abrir. Sorriu, aliviada, e ouviu a voz adorável ecoar pela sala. Steve dirigiu-se a ela com um sorriso, beijando-a na testa. - Que surpresa agradável! - exclamou, estendendo-lhe a mão para ajudá-la a se levantar. - Venha, vamos até o deque. Estavam chegando quando Kira correu atrás deles. - Espere, Steve, quase me esqueci. Posso usar sua casa amanhã para uma pequena reunião que planejo fazer para Susan?
- Você deve estar brincando! - ele respondeu, rindo com vontade. - Não há a menor chance! - Não precisa ficar nervoso! Ela girou nos calcanhares e correu para o interior da casa. - Vamos logo, antes que ela me peça alguma coisa ainda mais extravagante. Depois de tirar os sapatos, desceram para a praia que margeava o lago. Hallie aspirou a brisa refrescante, feliz por estar ali. - Isto é o paraíso! - murmurou. Steve permaneceu em silêncio. Olhou-a de relance, observando que os lábios sensuais estavam apertados em um sinal evidente de tensão. - Vamos caminhar um pouco? Ela concordou, mergulhando os pés descalços na areia macia. Uma deliciosa sensação de liberdade a invadiu, e se pôs a refletir como pudera achar que poderia ser feliz em qualquer parte do mundo que não fosse em sua cidade natal. A vida em Sandy Bend era tudo que ela poderia querer. Caminharam em silêncio por um longo tempo, perdidos nos próprios pensamentos. - Como foi seu dia? - indagou ela, esperando quebrar silêncio sufocante. - Na verdade, até agora tem sido péssimo! Tive uma reunião na universidade que durou a manhã toda. Não temos alunos suficientes para o próximo ano. - Ele fez uma pausa, e então as palavras vieram sem que pudesse controlar: - Não quero ver a universidade fechar! Não quero que as crianças percam a oportunidade de construírem um futuro, não quero ver Sandy Bend perder o senso de comunidade... Subitamente, os problemas de Hallie pareceram insignificantes e egoístas. - É tarde demais para impedir que isto aconteça? - Não sei. Tudo que sei é que não temos como pagar as despesas. - Com um suspiro, ele se calou e seguiu em silêncio por alguns minutos. - Sinto muito por aborrecê-la com meus problemas. - Oh, não me aborrece! E bom que você fale. As vezes, observar a perspectiva de outra pessoa pode ajudar. - Com interesse sincero, voltou-se para ele. - Corro o risco de assumir o estilo de tia Thea, mas eu diria que sua aura está pessimista demais. Talvez você precise abrir a mente para outras possibilidades, e pensar no ganho potencial desta perda. Ele refletiu sobre o que ela acabara de dizer, surpreendendo-a com uma risada espontânea. - Você tem razão. Enquanto conversávamos, pensei em algo que pode funcionar... Mas vamos esquecer esta confusão por um tempo, certo? Ele tomou-a pela mão e subiu para o deque. Ajustou o encosto da cadeira de praia, transformando-a em um divã, e sentou-se.
- Venha, sente-se comigo. Hallie hesitou, e então decidiu aceitar o convite. Recostou-se no peito largo e foi envolvida pelos braços fortes. Steve descansou o rosto no alto de sua cabeça, e permaneceram em silêncio, simplesmente usufruindo a companhia um do outro. Hallie perdeu o olhar no magnífico céu azul, ouvindo ao longe o riso alegre das crianças na praia. Fechou os olhos e imaginou como seria bom se a vida fosse daquele jeito para sempre. - Fico tentando encontrar alguma coisa para dizer sobre a noite passada, mas nada exprime o que realmente sinto - ele murmurou ao seu ouvido. - Queria que soubesse que, para mim, não foi apenas sexo. Hallie mergulhou no eco das palavras, guardando-as na memória como a mais linda melodia. - Vou pedir que Kira vá embora. Quero dormir com você nas duas noites que nos restam. O pânico de ouvi-lo dizer que tinham apenas mais duas noites juntos provocou um frio intenso em Hallie. Mesmo que estivesse a ponto de perder seu emprego, permanecer em Sandy Bend era a última das opções. Estivera nos braços de Steve, e havia jurado para si mesma que não acreditaria em ilusões. Teria que viver o momento, seria a única forma de preservar o coração. Já passara a adolescência apaixonada por aquele homem. Sua dignidade e seu amor-próprio lhe diziam que não deveria se submeter à vontade dele. Agradeceu por Steve não poder ver sua expressão. Sabia que perguntaria o motivo das lágrimas que desciam de seus olhos... - Você não prefere o confortável sofá no celeiro? - perguntou, aliviada por sua voz não tremer. - Com você, qualquer lugar se torna perfeito... Hallie não conseguiu dizer nada, sentindo-se inundar de felicidade. - Quer me acompanhar no piquenique desta tarde? - Steve perguntou, acariciando os cabelos sedosos. - Um encontro de verdade, e não um daqueles que fingimos nos ignorar, como fizemos no Truro's? - Sim, um encontro de verdade. Ela sorriu, com a paixão por aquele homem explodindo em seu peito, assumindo uma proporção incomensurável. - Você não respondeu a minha pergunta. Será meu par no piquenique? - Não é fácil dizer não para você, Steve Whitman... Num ímpeto, ele cobriu a boca sensual com a sua. Como não se apaixonar por aquele homem?, pensou ela, correspondendo ao beijo de corpo e alma.
Logo que chegou em casa, um telefonema da Califórnia pegou Hallie de surpresa. A assistente pessoal de Anna Bethune, em seu tom frio e impessoal, comunicou-lhe que a casa de Carmel Highlands estava à venda e ela estava oficialmente sem seu emprego. Lutando bravamente para não entrar em desespero, subiu para seu quarto. Tomou um banho, vestiu-se e foi para a cozinha. Enquanto passava a salada de batata para a travessa que levaria ao piquenique, repetia para si mesma que não havia motivo para pânico, ao menos não naquele momento. Depois de tudo pronto, enfiou as mãos nos bolsos e acariciou os cristais que Althea havia lhe dado. Detestava a idéia de atribuir a eles a sorte que seu destino pudesse ter, mas estava tão desesperada que apegou-se à idéia de buscar energia positiva como se fosse uma tábua de salvação. - Você está pronta? A voz de Steve soou bem atrás de si. Ele acabara de chegar, e entrara na cozinha sem que ela percebesse. Mesmo com sua vida desmoronando, decidiu que, naquela tarde, não faria nada além de sorrir e tentar se divertir. Ter Steve a seu lado faria qualquer esforço valer a pena. - Sim, estou pronta - respondeu, fazendo um gesto indicando o buquê de flores que ele carregava. - São para mim? - Não, são para Cal - ele brincou, estendendo-as para ela com um sorriso que a fez derreter. - Oh, Steve! São lindas! Imediatamente, todas as preocupações se dissiparam, e uma alegria sincera iluminou os olhos azuis. Como sinal de agradecimento, Hallie beijou-o de leve na face, sentindo um arrepio ao tocar a pele bronzeada. - Então, vamos andando. Kira está a nossa espera. O noivo de Susan teve que voltar para Chicago, e ela emprestou seu carro. Suspirando fundo, Hallie engoliu o que estava por dizer. Resolveu tentar uma atitude pacífica e amigável, e apanhou a bolsa, enquanto Steve se incumbia da travessa de salada. - Kira, eu disse que era para ficar no banco de trás! - vociferou ele ao se aproximar do jipe. Com um gesto decidido, abriu a porta e estendeu a mão para ajudar a irmã a descer. - Steve, deixe-a ficar aí - Hallie protestou, apressandose a entrar. Mesmo com os joelhos espremidos, seria melhor não se indispor com Kira. Encolheu as pernas e tentou se acomodar. Chegaram ao estádio esportivo onde seria realizado o piquenique em poucos minutos. Steve deixou-as na entrada e seguiu para o estacionamento. O campo de futebol fora ocupado por uma enorme tenda aberta dos lados, que abrigava duas fileiras de mesas cobertas por toalhas brancas. Um delicioso aroma de
churrasco abriu o apetite de Hallie. Ela procurou a mesa destinada às saladas, e colocou sua travessa em meio à inúmeras vasilhas que ocupavam a mesa. Kira a seguiu, e fez o mesmo com a travessa que carregava, colocando-a ao lado da sua. - Hallie! Hallie Brewer! - A Sra. Talbet, uma das responsáveis pela organização da festa, chamou-a com um gesto frenético. - Temos que organizar melhor a mesa, para combinar com o resto da decoração. Ela fez menção de se aproximar, mas mãos firmes a retiveram. - Kira é perfeita para decorar a mesa! - ele disse, puxando a irmã pelas mãos e empurrando-a na direção da sra. Talbet como quem joga uma presa na jaula dos leões. - Deixe tudo por conta dela! Kira fuzilou-o com o olhar, mas Steve não lhe deu atenção. Sem conter o sorriso, Hallie se deixou levar enquanto acenava para ela, que estava a ponto de explodir. O piquenique não estava sendo como ele havia planejado. Desolado, observava de longe enquanto a metade da população da cidade se concentrava ao redor de Hallie. Nunca poderia imaginar que Hallie Desastrada se transformaria em uma mulher como aquela... Ela sorria para todos, e conversava com a naturalidade típica de quem havia conquistado seu lugar no mundo. Admitiu para si que não deveria se surpreender por estar sendo cortejada pela maioria dos rapazes. Hallie sempre demonstrava interesse genuíno em ouvir, e sempre tinha a palavra certa para dizer. Tentou se consolar, dizendo a si mesmo que o que importava era que ela estivesse se divertindo. Tentava esconder o ciúme de todas as pessoas que roubavam seu precioso tempo com Hallie. Ela iria embora dali a dois dias... Tal pensamento fez com que, subitamente, todas as nuvens cobrissem o sol. - Você está me colocando em uma posição comprometedora. Sem que notasse, Cal se colocara a sua frente, encobrindo o sol. - O que você quer dizer com isto? - Você é meu melhor amigo, Steve. E a pior coisa para mim seria ter que acertar o nariz do meu melhor amïgo. - Fico aliviado em ouvir - Steve afastou-se para que Cal se sentasse a seu lado. Ambos eram da mesma altura e tinham a mesma constituição física, mas Cal praticava exercícios físicos diariamente, e possuía uma força descomunal. - Você sabe que me preocupo com ela - indicou Hallie, estendendo o queixo. - Sim, eu sei - Cal concordou, enquanto brincava com a lata de cerveja passando-a de uma mão para outra. - Papai diz que estou exagerando, mas quero lembrá-lo de que Hallie sempre foi muito vulnerável em tudo que diz respeito a você. O outro lado daquela equação era igualmente verdadeiro, mas não era o tipo de informação que Steve pretendia compartilhar com o amigo. - Não se preocupe, está tudo sob controle. - Hallie diz o mesmo. O que é surpreendente, porque nunca vi nada que envolvesse a
necessidade de minha irmã estar sob controle... - Ele fez uma pausa e continuou, com ar preocupado: - Apenas lembre-se disso, parceiro. Ela pode se ferir. Era verdade, mas ele estava muito mais suscetível de ser ferido do que ela, refletiu para si ao ver o amigo se afastar. Hallie observava-os de longe, e se aproximou logo que o viu sozinho. - O que Cal queria? - Nada de mais - balbuciou, evitando encará-la. O longo silêncio que se seguiu revelava que havia mentido. As palavras de Cal ecoavam em sua cabeça, deixando-o tenso e pouco à vontade. - O que aconteceu? Por que está preocupado? Apreensiva, Hallie tomou a súbita consciência de que ela era a responsável por aquele mal-estar. - Steve, não quis mencionar nada, com todos os problemas que você está passando, mas perdi meu emprego. Anna Bethune e o marido estão se separando, e ela vai voltar para a Inglaterra. Ou seja: acabo de perder meu emprego. - Por que não queria me contar? É isso que amigos fazem, conversam sobre seus problemas. - Amigos? É isso que somos? - ecoou ela, chocada. - Sim, somos amigos. Se você ficasse por mais tempo em Sandy Bend, talvez nós pudéssemos... - ...ir ao Truro's juntos, e sermos vistos em público? - sugeriu ela, com um tom que o fez perceber no mesmo instante que ele era um homem morto. - Você deveria saber que a noite que passamos juntos não teria acontecido se eu não o amasse. Ao ouvir a verdade saindo de seus próprios lábios, Hallie sentiu um misto de alívio e pânico. Acabara de dizer que o amava, e não tivera como controlar as palavras, que pareciam sair de sua boca como se tivessem vida própria. O primeiro impulso de Steve foi gritar para que o mundo todo ouvisse, dizendo que a amava e pedindo-a em casamento... Mas não queria forçá-la a uma decisão precipitada. - Entenda, não estou pedindo nada a você - continuou ela, sentindo a tensão crescente endurecer todos os músculos de seu corpo. - Não quero promessas que não possam ser cumpridas, e nem palavras que não tenham sentido. Mas temos que ser realistas. Tenho que tomar algumas decisões pessoais que estão muito além do que sinto por você. - Está muito além do que sente por mim... Bem, isso não soou muito amigável. O tom de ironia com que ele pronunciou as palavras foi como um punhal cravado no coração de Hallie. - Você está me dizendo que está sem emprego e sem casa. Já que temos que ser
realistas, serei sincero. - Ele fez uma pausa tensa. - Acho que você está com muitos problemas, Hallie. Talvez seja melhor voltar para a proteção de sua família.. Hallie não podia acreditar no que acabara de ouvir! Se julgava que ainda era a adolescente apavorada com o mundo, estava muito enganado! Não haveria como persuadi-Ia a voltar. Seria capaz de se mudar para Cingapura apenas para provar que ele estava errado. - Por acaso, você acha que não consigo sobreviver sozinha? - Sem esperar pela resposta, ela prosseguiu, deixando-o com a boca aberta: - Não sinta pena de mim. Durante toda minha infância, vivi rodeada de pessoas que sentiam pena de mim. E eu merecia, tenho que admitir. Ela plantou as mãos na cintura, sentindo a fúria crescer em seu peito. - Certo, eu não era a garota mais habilidosa da cidade, nem mesmo a mais bonita. Mas, quer saber? Eu já superei! E você, Steve Whitman, pode guardar sua piedade para alguém que realmente mereça!
CAPITULO IX Hallie decidiu que o melhor a fazer era fugir do pânico. Não podia acreditar que Steve a via como uma criança perdida. Ficar desempregada não era o que mais queria, mas saberia como resolver a situação. E, se alguma vez na vida havia considerado voltar para Sandy Bend, não seria para correr para a proteção de sua família! Estava tão indignada que cruzou o campo sem olhar para o lado, quando Dana surgiu a sua frente. - Aonde você vai com tanta pressa? - Não sei. Vou apenas caminhar um pouco. - Posso caminhar com você? Ela olhou de relance para sua nova amiga. - Sim, desde que não diga nada. - Nem mesmo sobre o salão de beleza? - Dana arriscou timidamente. - Você teve alguma idéia para a decoração? Hallie não conteve o riso. Na certa, aquela mulher sabia como afastar seu pensamento de Steve. - Bem, já que você mencionou, pensei que se pintasse a parede de azul e fizesse um caminho de pedregulhos no jardim, com a varanda azul-clara salpicada de estrelas... - Parece ótimo! Está contratada! Só que não poderei pagar muito, você sabe. - Ora, Dana, não vou cobrar. - É por isto que nunca vai ficar rica! Faço questão de pagar pelo trabalho. Agora que já falamos de negócios, quer me contar por que está aborrecida? - Diante do silêncio de
Hallie, ergueu as mãos e sorriu. - Bem, se não quer falar a respeito, vamos comer! Os quilinhos extras que adquiri são meu orgulho. Quando estavam perto das mesas com a comida, Hallie percebeu que havia chegado tarde demais. Tigelas quase vazias cobriam as mesas, e não havia restado quase nada. Serviram-se das entradas, evitando a área das sobremesas. Doces não seriam permitidos em nenhuma hipótese. Enquanto fazia seu prato, Hallie ouvia o tom antipático de Kira acima do burburinho das vozes. - Provem mais um pouco! - ela dizia, rodeada por um pequeno grupo. - Eu mesma fiz o creme de maionese. Ele dá um toque especial, não acham? - Meu Deus, não é possível! - sussurrou, perplexa. - Kira está levando os créditos pela minha salada! Sem conter a indignação, puxou Dana para longe dali. - Devemos informar seus admiradores sobre a verdade? - Não vale a pena. Venha, vamos comer a sobremesa. Eu mereço uma boa dose de calorias depois disso! Serviram-se de musse de maracujá e torta de limão, e saíram da tenda. Hallie reduziu o passo, observado as últimas novidades nos cabelos de Dana. Não estava prestando atenção no caminho, até se deparar com Steve ao lado de seu pai. - Eu, Dana Devine, sua devota criada, trouxe-lhe alimentos para o corpo e para a alma ela disse, estendendo o prato para ele, que o aceitou com sorriso divertido. - Esta é a porção que deve alimentar o corpo, e aqui está Hallie, para alimentar sua alma! Desejando que o chão se abrisse e a tragasse para as profundezas da terra, ela baixou os olhos para que ele não visse seu constrangimento. - Chefe Bud, se não se importa, gostaria de conversar sobre Cal - Dana sugeriu, puxando-o pelo braço. - Estou preocupada com ele. Sabe que outro dia ele foi ao salão e... Observaram enquanto eles se afastavam, e então Steve olhou para o prato repleto de doces que Dana lhe entregara. A última coisa que queria era comer. Desejava apenas ter um pouco de privacidade em algum lugar distantëe de todos. Precisava colocar os pensamentos em ordem, decidir o que fazer sobre Hallie, e ficar ali não estava ajudando em nada. - Você realmente quer comer tudo isso? – perguntou-lhe, apontando para seu prato igualmente cheio. - Acho que não... Retirando o prato das mãos dela, colocou-o ao lado do seu sobre um banco ao lado deles. - Ouça, Hallie, quero que saiba que sinto muitas coisas a seu respeito, mas pena não é uma delas.
Hallie relaxou a expressão tensa, e só então percebeu como seus músculos estavam doloridos. - Certo, vamos esquecer a piedade. O que você sente a meu respeito? Steve recrutou as emoções como se estivesse diante de um tribunal. - São sentimentos bons ou maus? - estimulou ela, tentando dar um tom bem-humorado à voz. - Sentimentos bons... Os melhores! - ele replicou em uma voz baixa o suficiente para que ela tivesse que adivinhar as palavras. Movendo-se para mais perto, ela sussurrou em seu ouvido: - Quer ir para sua casa e demonstrá-los para mim? Em segredo, Steve murmurou um agradecimento aos céus. Estava pronto para viver mais um dia com Hallie Brewer. Na manhã seguinte, Steve acordou com o toque do telefone. Em vez de atendê-lo imediatamente, aconchegou-se ao corpo macio e suave a seu lado. Os lençóis estavam amontoados a seus pés, testemunhas silenciosas da noite de amor selvagem e apaixonado. Sem se conter, beijou-a de leve no pescoço, e então apanhou o aparelho. - Alô? - Steve, é você? - murmurou uma voz feminina do outro lado da linha. - Sim, sou eu, Mercy. Mercy Cooper era presidente da Associação de Pais e Mestres da universidade, e tão puritana quanto uma mulher poderia ser. - Você está estranho... Está doente? - Não, eu estava dormindo. Hallie abriu os olhos e se espreguiçou. Só então percebeu o que estava acontecendo. Steve afastara o telefone do ouvido para que ela ouvisse a voz esganiçada do outro lado da linha. - Bem, fico feliz por ter repousado. Quase ninguém conseguiu dormir nesta noite. Alguém serviu salada de batatas estragada no piquenique. Não quero ser injusta por acusar alguém, mas estavam dizendo que foi a salada de Hallie Brewer. - Hallie? - Se for verdade, não é surpresa para mim. Lembra-se das trapalhadas que fazia quando morava aqui? Ela se ergueu de um pulo, tapando a boca para conter o grito de surpresa. - Steve, há alguém com você? - Não importa. Suponho que esteja ligando para dizer que a reunião foi cancelada.
- Oh, Hallie está aí com você? - Sinto muito, tenho que desligar. Steve colocou o aparelho no gancho antes que Hallie pudesse retirá-lo de suas mãos. - O que está acontecendo? Ele aninhou-a nos braços e abraçou-a com ternura. - Ninguém nunca lhe disse que não é saudável ficar estressada tão cedo? Uma vez, li um estudo sobre... - Por favor, Steve! Irritada, ela se levantou e apanhou suas roupas espalhadas pelo chão. - Aonde você vai? - Você não vai querer saber! - ela disse em um tom que provocou um arrepio em sua espinha. Discrição era a melhor qualidade para o momento, concluiu para si enquanto a via sair. Hallie não passou mal por causa da salada de batata, mas quando estava a caminho da delegacia, mais tarde naquela manhã, sentiu o estômago revirar. A sra. Hopkins fora a primeira, mas não a única, a detê-la no caminho para contar as más notícias. Segundo os mexericos, só não havia passado mal quem comera a salada que Kira havia preparado. Hallie suspirou, com a terrível sensação de que a cidade inteira a recriminava por ter oferecido comida estragada. Quando insistiu que havia feito a salada em sua própria casa, tudo que teve como resposta foi uma lista de outros desastres que havia cometido. Mesmo sabendo que não havia feito nada de errado, ouviu calada, sentindo-se cada vez pior. Enquanto explicava a Cal e Mitch sua versão da história, eles a fitavam como se já tivessem uma opinião formada. - A salada que Kira levou estava na cozinha na manhã do piquenique. Talvez tenha ficado fora da geladeira a noite toda. Cal consentiu, trocando um olhar cúmplice com o irmão. - Ouça, tenho tantas dúvidas sobre a sinceridade de Kira Whitman quanto você, mas acho que não temos base para uma investigação criminal. - Então, qual é a vantagem de ter dois irmãos policiais? - As rosquinhas de creme que você poderá comer? - Mitch provocou, oferecendo-lhe a bandeja repleta com os doces. - Muito engraçado! - Sei que está passando por um momento difícil. Se isto a alivia, hoje de manhã fomos testemunhas veementes de que comemos sua salada e não passamos mal. Mitch e eu
comemos uma boa porção antes do piquenique. O problema é o que você tem um currículo razoável no que diz respeito a desastres... - Lembra-se de quando ficou responsável pela pipoca do piquenique e colocou tanto sal que ninguém conseguia comer? E quando quis dar um tempero especial ao churrasco e despejou um vidro de pimenta sobre a carne? E quando... Hallie saiu antes que Mitch continuasse. Quando estava do lado de fora, caminhou com a cabeça erguida e, evitou o contato visual com quem cruzassem pelo caminho, certa de que as velhas lendas sobre Hallie Desastrada estavam sendo revividas. Não tinha idéia de como resolver aquele problema. Já havia tentado conseguir que Kira fosse interrogada, e fracassara. Só lhe restava dignificar sua saída da cidade antes da parada do dia seguinte. Parou em um banco na praça da igreja e sentou-se, pensando em fazer as malas e ir embora. Estava tranqüila com relação à saúde de seu pai, embora ainda não entendesse a estranha mudança de comportamento dele. Enfim, parecia estar muito melhor que ela. Havia apenas um laço que a prendia a Sandy Bend: Steve Withman. Se ao menos soubesse o que ele sentia... Sabia que ele era um amante maravilhoso, mas nunca havia demonstrado o mesmo sentimento profundo com exceção de quando faziam amor. E naquele momento, quando a maioria das pessoas da cidade a acusava de um novo desastre, somente a certeza de que ele a amava poderia fazer com que superasse a decepção por ter voltado. Sim, o melhor seria partir o quanto antes, refletiu. A dor por esconder seus sentimentos por ele tornara-se física. Na noite anterior, havia se reprimido para não dizer palavras de amor, esforçando-se para encarar o tempo que passavam juntos com naturalidade, como se fosse efêmero e fugaz. Mergulhada em seus pensamentos, não percebeu o pequeno grupo de garotos se aproximar. - Ei, aquela é Hallie Desastrada? Os meninos a encararam como se ela fosse um espécime raro, e então correram para o outro lado da rua. Ótimo! Sua reputação tornara-se ainda pior, e atingira mais uma geração em Sandy Bend. Não havia escolha senão partir. Porém, antes de ir, precisava cumprir uma promessa. Com um esboço de projeto em mente, levantou-se e caminhou para a rua principal. Frustrados pela falta de resposta, os meninos começaram a segui-la. Quando ela entrou na casa de material de construção, eles ficaram na porta, observando-a. - Olá, sr. Brogan. Preciso de tinta e pincéis. - Tenho que atender a outros clientes, Hallie. Estou sozinho hoje. Os funcictnários estão em casa, passando mal, e você sabe por quê. - Mas não há outros clientes aqui! - exclamou, olhando ao redor.
Depois de uma longa espera e muita resistência, ele finalmente se dispôs a atendê-la. Vinte torturantes minutos depois, observou a amostra de tinta que ele havia preparado. - Melhorou, mas ainda não é o que quero. Preciso de um azul com mais luz, como o do amanhecer. Acrescente uma gota de branco e vamos ver o resultado. - Bem, nesse caso, você deve esperar por Maeve. Eu apenas atendo os clientes. - Que tal se tentássemos? - insistiu, não se deixando abater pela pouca disposição do vendedor. - Melhor ainda: deixe-me tentar. Creio que posso conseguir a cor ideal. - Não sei... Depois da salada de batatas, tenha medo de não estar a salvo com você. Naquele momento, o último vestígio de paciência de Hallie se evaporou. - Por acaso está pensando em comer a tinta? Porque se estiver, sr. Brogan, lembre-me de colocar um pouco de sal. E, se não for comê-la, deixe-me fazer o trabalho para que possa ir embora desta cidade! Sem dizer uma palavra, ele saiu às pressas, antes que ela explodisse. Steve encontrou Hallie no salão de beleza de Dana, pintando as paredes com uma disposição irreconhecível. Acabara de sair de uma reunião de duas horas com o corpo docente da universidade. A única pessoa com quem queria estar era Hallie. A simples visão da silhueta esguia, concentrada no trabalho, o fez sorrir, mesmo que fosse um sorriso cansado. - Obrigado - murmurou. Ela estava de costas para ele, e não se voltou para responder. - Pelo quê? Ele hesitou, sentindo-se acariciado pelo som daquela voz, imaginando a pele macia sob a camiseta manchada de tinta. - Por salvar a universidade. Não tenho uma pirâmide como Althea, mas tive pensamentos positivos. - E? - Talvez ainda seja cedo para comemorar, mas acho que tudo vai dar certo. - O que aconteceu? - Obrigado por ter me alertado. Depois de conversar com você, comecei a pensar sobre onde eu estava falhando. - Então, começou a enumerar os itens: - Temos uma vasta população de terceira idade em Sandy Bend, e não há nenhuma programação para eles. Em Sandy Bend, há casais jovens que têm de trabalhar, mas não há creches ou escolas especializadas para cuidar dos filhos. Temos muito espaço vazio na universidade, e se eu preenchê-lo com uma programação que atenda as necessidades locais, todos sairemos ganhando. Ele fez uma pausa para respirar, mal contendo o entusiasmo.
- Propus um programa onde estudantes interessados poderiam se capacitar para dirigir uma creche e atuar como estagiários em um centro de artes para a terceira idade. Já elaborei um relatório e enviei às empresas da região. Durante o próximo ano, centrarei forças em conseguir fundos para o projeto. Com um sorriso de triunfo, ele retirou o pincel da mão de Hallie e segurou-a pelos ombros. - Pela primeira vez na minha vida, posso ver vantagem em ser um Whitman. Está na hora de usar os recursos de minha família. Ela concordou, sentindo que lágrimas brotavam de seus olhos. - Estou muito feliz por você, Steve! Encarou-o com os olhos marejados, e o que Steve viu tocou seu coração de uma forma mágica e perigosa. - Você está chorando? - Claro que não! Com o dedo, ele limpou uma lágrima e, sem querer, espalhou ainda mais uma mancha azul sobre a pele alva. - Certo, você não está chorando. Então, o que está acontecendo? - Para começar, Kira espalhou para a cidade toda que eu fiz a salada de batata estragada, quando não foi que aconteceu. - Sei o que ela fez. Prometo que vou cuidar disto - prometeu ele, cerrando os punhos. - Esqueça. Não tem importância. Não é a salada. Para a população de Sandy Bend, continuo sendo o desastre em forma de gente! Todos, nesta estúpida cidade, acreditam que ela é a rainha Kira, e eu sou Hallie, a bruxa! Depois de tudo que fiz, são capazes apenas de lembrar dos acidentes! - Eles também sabem que você fez coisas boas. Lembre-se da forma como todos vinham falar com você no piquenique, ontem. - E veja no que me tornaram hoje. Tudo que eu ouvi foram as terríveis histórias de minha infância, e a maioria delas não é nem mesmo verdade! - Bem, você adquiriu o status de lenda. Não é de todo mau. - Não vou mais chorar por isto! - Ela o fitou com um brilho de determinação nos olhos. Sandy Bend não vale mais nenhuma lágrima que eu possa derramar. Vou embora amanhã à tarde, e nunca mais quero pensar neste lugar! Hallie não fazia idéia de como suas palavras o machucaram. Na noite anterior, enquanto ela dormia, Steve permanecera acordado durante horas, tentando encontrar a forma ideal de convencê-la a ficar por mais tempo. - Hallie, não leve tudo isto muito a sério - começou, tentando manter o tom calmo e relaxado. Porém, seu desespero fazia com que quase gritasse. Precisava de mais tempo com
ela. Precisava que Hallie começasse a amar Sandy Bend. - Estou farta desta cidade! Para falar a verdade, eu odeio este lugar! Sentindo-se derrotado como nunca se sentira antes, ele deu-lhe as costas e saiu. Engolindo a esperança e as lágrimas, Hallie terminou de pintar a parede e o teto da varanda do salão de beleza, e entrou para descansar. Sentia-se péssima por descontar seus problemas e seu mau humor em Steve. Mas talvez fosse melhor daquela forma. Seria mais fácil despedir-se dele. Limpou as manchas de tinta o melhor que pôde e seguiu para a fazenda. Acabava de estacionar o carro quando Mitch a chamou da varanda, com um gesto aflito. - Venha logo! Anna Bethune está ao telefone. Papai está falando com ela. - Tem certeza de que é Anna? - gritou, enquanto corria para o interior da casa. - Claro! Quem mais poderia ter aquela voz? Puxa, eu pagaria dez meses de salário para estar com ela em uma ilha deserta! Ela entrou correndo na cozinha e apanhou o telefone das mãos do pai. - Alô? - Hallie, sei que você recebeu um telefonema de minha assistente ontem. - Sim, e compreendo perfeitamente que... - Na verdade, receio que Pamela tenha se precipitado. A casa está à venda, e não posso lhe oferecer nada na Califórnia. Mas você estaria disposta a se mudar? - M... mudar-me? - Sim. Tenho uma mansão em Londres, mas passo a maior parte do tempo em Cornwall. Seria maravilhoso se pudesse cuidar de minha casa. Devo avisá-la que não é tão excitante quanto a Califórnia. A vista não é tão bonita, e neva na maior parte do ano. Hallie tentou absorver tudo que ela estava dizendo, mas não conseguia pensar em nada além de uma palavra: Londres. Seu coração disparou no peito. Catherine Lassinter, sua supervisora de arte do último ano da universidade, morava em Londres, e qualquer lugar que ela estivesse, seria maravilhoso. Era tudo que podia desejar! Além de não ter despesas com moradia, Anna sempre lhe pagara um bom salário. Porém, para sua surpresa, ouviu sua voz respondendo ao convite como se viesse de um lugar muito distante: - Preciso de uma semana para pensar. Ao desligar o telefone, um misto de excitação e pânico a invadiu. Seu pai a fitava com os olhos cheios de expectativa, mas ela não conseguiu dizer uma só palavra. - E então? - Preciso pensar, papai. - Filha, precisamos conversar.
- Não quero mais falar sobre a salada de batata! - Não é nada com a salada. Vamos até a varanda comigo. As palavras soaram mais como uma ordem do que um pedido. Quando era criança, seu pai costumava levá-la para a varanda quando o assunto era sério. Nostalgia e uma ponta de constrangimento a invadiram quando se lembrou daquelas conversas. - Já sei de onde vêm os bebês, papai - informou com bom humor, enquanto acomodava-se na cadeira de balanço. - Filha, esta é uma conversa que não quero que se esqueça. Há certas coisas que um pai nunca está pronto para falar com a filha, não importa o quanto esteja preparado. Fitou-a com olhar terno, hesitante antes de prosseguir: - Decidi sair de Sandy Bend. Fiz todos os exames, e estou muito bem de saúde. Já realizei tudo que quis em minha vida, cumpri minha missão por criá-los e hoje vocês estão adultos e são responsáveis pela própria vida. Fiz o que pude por esta cidade, e está na hora de cuidar de mim. Vou me mudar para Sedona. - Sedona?! Mas, papai, é no Arizona! - Exatamente. - Por que vai fazer esta loucura? - Porque finalmente me ocorreu que posso. Não me entenda mal, eu amo Sandy Bend, mas sempre pareceu vazia demais para mim depois que sua mãe morreu. - Mas faz mais de vinte anos! - Eu sei muito bem como o dia pode ser longo. E agora, que já sabe o que decidi sobre meu futuro, fale-me sobre o seu. Está pensando em ir para Londres? - Eu seria louca se não aceitasse a oferta de Anna Bethune. - Então, por que pediu uma semana para pensar? Ela sabia a razão pela qual seu pai lhe fazia aquela pergunta. Não precisava dizer muito mais para que entendesse que ele a conhecia como ninguém. - Hallie, tenho feito o possível para não interferir no relacionamento de você e Steve, mas não vou agüentar me conter por muito tempo. Ela o fitou apreensiva. - Steve é um bom homem, Hallie. Eu ficaria orgulhoso se pudesse dizer que ele é meu filho. Talvez esteja um pouco inseguro em assumir um relacionamento, depois da decepção que teve, mas é digno e honrado como poucos. - Sei disso, papai. - Então, vou direto ao assunto. Steve tem alguma relação com o prazo que pediu para Anna? - Suponho que sim, mas não porque ele esteja me fazendo mal. Sempre amei Steve e sei que ele sente alguma coisa por mim, mas não sei se é o mesmo que eu. Além disso,
não sou exatamente o tipo de mulher para se casar com ele. - O que quer dizer com isto? - Não estou à altura da família Withman. Com uma gostosa gargalhada, o Chefe Bud jogou a cabeça para trás e bateu a palma da mão nos joelhos. - Filha, deixe-me dizer uma coisa: acho que eles não estão a sua altura! Agora, não importa o diagnóstico que os médicos têm para minha saúde, meu velho coração não agüenta ouvir os detalhes sobre o que está acontecendo entre você e ele, mas sei que alguma coisa aconteceu. Você precisa dizer a ele o que sente. - Não posso, não sem que ele me dê alguma pista. - Steve nunca expôs o que sente. Terá que aprender a aceitá-lo como ele é. - Sei disso. - Então, como explica tanta contradição? Você o ama, e está indo embora? Ela concordou com um meneio de cabeça, enquanto grossas lágrimas caíam de seus olhos. - Eu lhe disse quando você chegou, e faço questão de repetir hoje: a vida é curta, minha querida. Não deixe o orgulho atrapalhar sua felicidade. Antes de partir, resolva tudo que tiver que resolver por aqui. Sem conter o impulso, abraçou o pai e deixou que o pranto fluísse livremente, acalentado pelo aconchego de seu abraço.
CAPITULO X Ao chegar em casa, Steve permaneceu parado do lado de fora de seu quarto tentando entender como a porta se fechara. Lembrava-se de tê-la deixado aberta antes de sair para caminhar. Talvez os espíritos de Althea tivessem passado por lá, refletiu com um sorriso. Depois de uma longa caminhada pela praia, percebera que, naquela tarde, havia experimentado uma sensação nova e desconhecida, como se sua alma tivesse se esvaziado. Seu pulso se acelerou ao imaginar que a mulher que ocupara seus pensamentos durante toda a tarde resolvera fazer uma surpresa. Lentamente, girou a maçaneta e entrou, mas o que viu foi suficiente para fazê-lo desejar sair correndo dali no mesmo instante. Susan, estendida sobre sua cama, vestia minúsculas peças de lingerie, que seria melhor ignorar, exceto que era impossível não perceber aquele tributo ao mau gosto e vulgaridade. Se ela esperava provocar um efeito devastador sobre ele com as minúsculas peças de renda vermelha com plumas e strass, estava completamente enganada.
- O que faz aqui? - disse em tom frio e impessoal, vestindo a camiseta que despira antecipando o banho. - A festa que Kira lhe ofereceu já acabou? - Ao contrário, querido. A festa está apenas começando. Ele continuou olhando para a janela, para o horizonte... Para qualquer lugar, exceto para ela. - Pelo que vejo, você tomou alguns martínis - comentou, referindo-se ao drinque favorito de Susan. - Como sabe? Cada sílaba era pronunciada com cuidado, numa clara evidência de que ela tentava disfarçar que havia passado dos limites. - Não é preciso ser um gênio para perceber - disse com ironia. - Por que não se veste e vai para a casa? - Eu estou sem carro. Kira, minha motorista oficial, foi ao Truro's com alguns amigos. Steve hesitou entre fuzilar a irmã ou afogá-la no lago. - Não há problema, eu a levo para casa. - Não seja tão insensível, querido. Que tal relembrarmos os velhos tempos? Você pode me levar para casa amanhã. Ele ainda tentou ser diplomático, mas estava feito. Com um gesto brusco, apanhou seu roupão e jogou-o sobre Susan, censurando-a com o olhar. - Levante-se e vista sua roupa. Não seja estúpida a ponto de pensar que pode me usar para escapar de seu compromisso. Você não quer se casar com o rapaz, ótimo, mas me deixe fora disto. Susan sempre lhe parecera ser uma mulher delicada, fina e requintada, mas toda a classe se evaporara em um piscar de olhos. Antes que ele pudesse reagir, ela começou a gritar a plenos pulmões, usando uma linguagem que faria um delinqüente corar. - Susan, pelo amor de Deus! Ao menos, respeite a educação que seus pais lhe deram! Porém, concluiu que os drinques a mais haviam prejudicado seu bom senso. Era patético, e sentiu pena dela a princípio. Ao vê-la esbravejar como se tivesse algum direito sobre ele, a piedade transformou-se em irritação. - Oh, Steve... - Susan abraçou o travesseiro, pondo-se a chorar compulsivamente. Esta é a coisa mais estúpida que já fiz! Estou com tanta vergonha! Com um suspiro resignado, ele tentou se acalmar. - Susan, ninguém pode obrigá-la a se casar. Se você pensou melhor e decidiu voltar atrás, ligue para Juan e... - Júlio - corrigiu ela entre soluços. - Certo, Júlio, seja o nome que for. - Olhou ao redor do quarto. - Onde estão suas roupas?
- No tapete da sala. - Ótimo! - esbravejou com um suspiro enfurecido. - Espere aqui. - Está bem - ela choramingou, mudando a tática de furiosa para desolada. Steve havia dado apenas dois passos quando uma outra voz feminina chamou-a do andar de baixo. - Steve? Você está aí? Hallie! Sentindo o sangue congelar nas veias, ficou indeciso sobre o que fazer. Se respondesse, teria que explicar o que Susan estava fazendo em sua cama, seminua... Se fingisse que não estava em casa, poderia descobrir e tornaria tudo ainda pior. Percebeu rapidamente que não havia saída. Estaria perdido de uma forma ou de outra. - Steve? - Já vou descer, Hallie. - Aflito, voltou ao quarto. - Fique aqui, e não abra a boca mesmo que seja raptada por alienígenas! Fechou a porta e desceu às pressas. Hallie estava na entrada, e segurava uma pantalona de seda em uma mão e uma blusa vermelha na outra. - Suponho que estas roupas não sejam suas. - Hallie, não é o que parece... - Bem, o que parece é que esta roupa custou uma fortuna - comentou com ironia, estendendo-as a sua frente. - São pequenas demais para você e muito grandes para Kira. - Steve, por que está demorando tanto? Os olhos de Hallie quase saltaram das órbitas. - Susan! - Importa-se de me entregar as roupas? - ele perguntou, sem encontrar nada melhor para dizer. Com um gesto automático, Hallie deixou que as peças caíssem a seus pés. - Obrigado. - Abaixando-se, ele as recolheu às pressas. - Vou levá-las para Susan. Prometa que não vai embora. - Não vou a lugar algum. Mesmo que quisesse, suas pernas não seriam capazes de obedecer. Seus músculos pareciam completamente paralisados, e seu cérebro havia parado de funcionar. Observou-o voar escada acima, enquanto se mantinha petrificada no mesmo lugar. Sentindo-se ridícula, arrependeu-se por ter decidido ir até lá para se desculpar por descarregar sua raiva sobre ele, naquela manhã. Com um esforço sobre-humano, caminhou até a sala de estar e caiu pesadamente sobre o sofá. Com um gesto automático, enfiou a mão no bolso da calça e acariciou o cristal que Althea havia lhe dado, sem perceber a passagem do tempo. Sobressaltou-se
ao ouvir a voz de Steve atrás de si. - Hallie, sinto muito. Ela apertou o cristal azul por entre os dedos. - Acredite, não aconteceu nada... - Assim como não aconteceu nada naquele dia em que vocês almoçaram juntos? - Hallie, olhe para mim. Ela pressionou o cristal, sem ter forças para reagir. Fitou-o e sentiu o coração se apertar ao ver os olhos sensuais escurecidos por uma sombra de tristeza. - Honestamente, você acha que eu seria capaz de dormir com Susan? - Não - disse por fim, depois de um pesado silêncio. - Kira a trouxe para cá. Susan bebeu alguns drinques a mais... Muitos drinques a mais, eu diria. Naquele momento, Hallie percebeu que estava exausta como se carregasse o peso de séculos nos ombros. - Tive uma proposta de trabalho interessante hoje. Ele arqueou as sobrancelhas, surpreso com a súbita mudança de assunto. - Um trabalho? Que tipo de trabalho? - Anna Bethune convidou-me para cuidar da casa dela em Londres. - Londres... Ele caminhou até o sofá e sentou-se ao lado dela. A simples aproximação provocou uma verdadeira revolução em seus sentidos, mas Hallie lembrou-se que seu futuro estava em jogo, e lutou com todas as forças para resistir à tentação de se atirar nos braços dele. - Catherine Lassinter, minha instrutora de arte, voltou para Londres no ano passado, e é uma oportunidade incrível de estudar com ela novamente. - Isso é ótimo. - Você acha? - Claro que é. O entusiasmo de Steve soou um tanto forçado. Sentindo-se um pouco mais encorajada, arriscou uma pergunta que oprimia seu peito: - Steve, o que você sente por mim? Quero dizer, o que os últimos dias significaram para você? - Steve? Naquele momento, Susan começou a descer os degraus da escadaria, vestindo as roupas que Hallie encontrara sobre o tapete. - Você tem aspirinas? - Com um sorriso polido, voltouse para Hallie. - Sinto muito por
interromper. - Importa-se de esperar lá fora por alguns minutos, Susan? Com um gesto brusco, ele abriu a porta e fez um gesto imperativo para que saísse, deixando-a sem escolha. - Sinto muito - desculpou-se depois de vê-la sair. - Esta mulher deveria ser proibida de tomar martíni! Bem, você estava me dizendo que Catherine Lassinter está em Londres. Hallie teve a sensação de que estava perdendo o controle da situação, se é que alguma vez conseguira ter algum. Respirando fundo, tentou se recompor. - Preciso saber o que você sente por mim, Steve. Ele continuava olhando para fora, para ter certeza de que Susan não estava por perto. Ela seguiu a linha de visão e percebeu que Susan havia decidido se deitar no deque. - Steve? - O quê? Oh, o que sinto por você? - Com um gesto de impaciência, ele cruzou as pernas, para descruzá-las logo a seguir. - Quanto tempo você vai ficar em Londres? - Não sei, talvez para sempre. Mas você não respondeu minha pergunta. - Hallie, acho que você é uma das pessoas mais incríveis que já conheci - ele disse com cautela. - Os últimos dias foram mágicos, e nunca vou esquecê-los. De súbito, ela se lembrou que precisava respirar, e inalou o ar com vigor. Com um esforço sobre-humano, conteve as lágrimas e tentou manter a expressão mais natural possível. - Entendo. Levantou-se e cruzou os braços sobre o peito, numa tentativa desesperada de conter o pânico. Em um ímpeto, apanhou a bolsa que havia deixado sobre a mesa de centro e ajeitou-a no ombro. - Eu também não vou esquecer. Deu-lhe as costas e seguiu para a porta antes que pudesse vê-lo chorar. Hallie havia partido. A constatação caiu sobre Steve com um peso que fez com que todos os músculos de seu corpo doessem. Subitamente, não sabia mais o que fazer com sua própria vida. Na caminhada daquela tarde, antes de seu mundo desabar, havia chegado a algumas conclusões. Havia decidido que Hallie era arrojada, independente e que o sentido da vida, para ela, era viver com simplicidade e paz. Aquilo tudo a fazia desqualificada para ser a esposa de um Whitman. Claro, aquela mulher com roupas caras e hábitos requintados supostamente era seu par ideal. Porém, bastou conviver alguns dias com Hallie, testemunhando seu jeito simples e autêntico de entender a vida, para assumir valores que sempre relutara em ver. Aquilo levava à segunda conclusão: ele também não estava qualificado para ser um
Whitman. Não se adaptava ao tipo de vida que os membros de sua família julgavam digna, e sentia-se igualmente culpado pela conta bancária generosa a sua disposição. Ao vê-la sair, soube que Hallie era tudo que ele sempre quisera, embora não soubesse quando o sentimento intenso e profundo havia despertado. Sabia apenas que a amava como se ela fosse parte de sua alma. A vida não teria sentido sem ela, mas não era tolo para achar que Sandy Bend podia competir com Londres. Somente ela poderia fazer aquela escolha, refletiu. Ela precisava de uma chance para explorar as possibilidades que seu futuro poderia oferecer. Sandy Bend era seu paraíso, mas não significava que Hallie teria que achar o mesmo. Desolado, chegou à conclusão de que era um homem nobre, generoso e... completamente só! - Missão cumprida! Althea estava parada na porta de entrada com duas imensas malas a seus pés. - Sua missão está cumprida desde o dia que você me obrigou a comer lasanha de tofu o pai de Hallie disse com desgosto, apanhando uma das malas de sua prima. - Você acha que Thor consegue descer as escadas sozinho? - Espero que sim, pois nenhum de nós é grande o bastante para carregá-lo - ela respondeu com um sorriso plácido. - Deixe-me ajudar com a bagagem - Hallie ofereceu, imaginando se a voz soava tão entorpecida quanto ela. Dormir sozinha em seu velho quarto na última noite em Sandy Bend não era exatamente o que mais gostaria... Nunca se sentira tão solitária em toda sua vida. Althea, percebendo a angústia que a oprimia, apanhou a mão de Hallie e apertou-a por entre as suas. - Tudo acontece por uma razão, querida. Se Steve não está pronto para abrir o coração, não significa que... Espere um pouco! Há alguma coisa diferente aqui. Sua aura... - Thea! Veja isto! - uma voz ecoou do alto da escada. - Estou conseguindo descer sozinho! - Olá, Thor, é bom vê-lo fora da cama - Hallie voltou a atenção para o primo. - Mas não é nem a metade do prazer que sinto por estar fora da cama. Já limpei a cidade no jogo de pôquer e comi todas as frutas e vegetais de Althea. É hora de ir embora. Ela olhou para o homem gigantesco que caminhava com dificuldade, e sorriu. Embora o porte atlético inspirasse respeito e até mesmo medo, Thor era o homem mais gentil que conhecia. - Trate de se apressar, querido, ou então perderemos o desfile. - Abaixando o tom de voz, voltou-se para Hallie: - Querida, não se esqueça que você é uma mulher muito forte.
- Por que você diz isso? - Seu pai me contou que você insistiu em participar da parada no carro alegórico. É uma atitude corajosa enfrentar Sandy Bend depois dos boatos sobre a salada de batata. Sem contar que Steve estará presente... - Você tem razão. Nunca pensei que estaria dizendo isto, mas obrigada por me fazer voltar para casa. Cheguei à conclusão de que valeu a pena. - Claro que sim! Agora você poderá olhar para o futuro sem ser perseguida pelos fantasmas do passado. Naquele momento, Mitch parou o trator que conduzia o carro alegórico e buzinou escandalosamente. - Vamos logo, já estamos atrasados! Hallie se apressou em levar a bagagem de Althea e despediu-se de Thor e Althea, que assistiriam ao desfile antes de seguir viagem. Acomodou sua própria bagagem e seguiu Mitch com seu carro, fazendo uma nota mental para lembrar-se de abastecer logo que chegasse à cidade. Assim que terminasse o desfile, iria embora de Sandy Bend para sempre. Ao chegarem ao estacionamento da universidade, o local onde todos os carros se concentravam antes de saírem para o desfile, Cal chamou-os de longe. - Hallie, você vai mesmo partir hoje? - indagou quando se aproximaram, com ar preocupado. - Sim, isto já está decidido - assentiu, ajeitando uma mecha por trás da orelha. - É uma longa viagem, mas há muitos hotéis confortáveis e seguros onde posso pernoitar. - Gostaria que você não fosse embora, mas acho que posso entender sua decisão. - Talvez se você... - Mitch começou a dizer, mas mudou de idéia. - Desculpe interromper, mas preciso da ajuda de vocês. Os rapazes foram solicitados para organizar a procissão de carros, enquanto ela esperava na carroceria do trator. Depois que todos os carros estavam organizados em fila, a Orquestra Municipal dos Veteranos começou a tocar a marcha de abertura, e o prefeito subiu ao palco e fez a abertura oficial do desfile. Porém, para surpresa de Hallie, ele anunciou que, antes do desfile, atenderia a um pedido especial de um ilustre cidadão de Sandy Bend. A distância, ela viu os braços vigorosos de Steve empurrando Kira escada acima. Trêmula, ela relutou em obedecer ao gesto imperativo para que apanhasse o microfone. - Gostaria de falar algumas palavras... - ela começou, hesitante e furiosa, como se a voz estivesse travada na garganta. - Queria que todos soubessem que aquele pequeno problema com a salada de batata... Bem, foi minha culpa. Ela cobriu o microfone, mas todos ouviram quando disse: - É o bastante, ou ainda tenho que me humilhar mais? - Voltou-se para o irmão, fuzilando-o com o olhar. - Na verdade, foi a salada que eu preparei que provocou...
Bem, aquele mal-estar que algumas pessoas sofreram. Hallie não conteve um sorriso de satisfação. Uma confissão pública de Kira era quase um milagre! O prefeito apanhou o microfone, evitando um constrangimento ainda maior de Kira. - Hallie Brewer, sei que você está em algum lugar. Por favor, fique de pé - pediu, em alto e bom som. - Tenho mesmo que fazer isto? - balbuciou ela, apoiando-se no braço de Cal. Olhou para seus irmãos, que ostentavam um sorriso vitorioso nos lábios. - Em nome dos habitantes de Sandy Bend, peço-lhe desculpas, Hallie - anunciou em tom formal. Hallie murmurou um agradecimento em meio aos aplausos entusiasmados. Em seu íntimo, teve certeza que, de uma vez por todas, encontrara seu lugar em Sandy Bend. Acomodou-se na cadeira de praia na carreta do trator recusando-se a chorar. Aprendera que fugir não era a melhor solução para resolver seus conflitos. Orgulhosa de si mesma, acenou para a multidão enquanto o trator percorria a rua principal da cidade. Avistou Dana, que acenava freneticamente para ela, e fez sinal para que subisse na carreta. - Hallie, não sei como agradecer pela mágica que você fez no salão! Ficou lindo! - Foi um prazer, querida! - Puxa, não acreditei quando Kira confessou! - exclamou, excitada. - Agora, as fofoqueiras de plantão terão assunto para o resto do ano! Só que, desta vez, o alvo não será você. Hallie sorriu, pensando que sentiria falta de Dana quando estivesse em Londres. - Sabe, quando vi Steve caminhar até o palco, tive certeza que iria testemunhar um final feliz de conto de fadas... - Dana, sempre suspeitei que você fosse romântica, mas acho que está exagerando. Ambas riram com vontade, e Hallie sentiu-se quase feliz. Sabia que sua felicidade nunca seria completa sem Steve. Estavam no terceiro quarteirão do desfile quando um dos carros que estavam à frente quebrou, e tiveram que parar. - O que está acontecendo? - Relaxe e tente se divertir, Hallie - Cal sugeriu, desligando o trator. - Uma das tradições do desfile é um carro se quebrar. - Oh, não! Tenho uma longa jornada pela frente, e não posso sair muito tarde... Resignada, voltou a se acomodar na cadeira. Mal acabara de se sentar, identificou a figura inconfundível de Steve caminhando em sua direção. Com um gesto ágil, ele
subiu no trator e disse alguma coisa para Cal. Sentindo a antiga urgência que sempre lhe oprimia o ventre quando o via, Hallie desejou fugir dali o mais depressa possível. Quanto antes esquecesse aquele homem, melhor seria para ela. Avistou Althea e Thor ao longe, e mal pôde responder aos acenos deles. Seu pai, que seguia com o velho Corvette na ala dos veteranos, havia abandonado o carro e juntarase a eles. - Encare seu destino - Althea gritou para ela, apontando na direção de Steve. - Querida, acho que o final feliz que previ está prestes a acontecer... - Dana provocou-a antes de sair da carreta para se colocar ao lado de Mitch. Hallie receava ter o coração partido mais uma vez. Procurando se defender, abraçou os joelhos e fechou os olhos. Mesmo assim, percebeu quando Steve parou ao seu lado. - Hallie? Com um esforço sobre-humano, ela abriu os olhos. - O que você quer, Steve? - Quero privacidade - murmurou, olhando ao redor. - Queria lhe dizer que, na noite passada, quando me perguntou sobre o que sinto por você, não fui honesto comigo mesmo, e nem com você. Precisamos conversar. - Fale agora, Steve. Vou embora daqui a pouco. - Você quer que eu continue aqui, diante de todo mundo? - E qual é o problema? - Está bem, se você quer assim... Olhe, sei que tenho sido estúpido, e você apenas está me ouvindo porque não tem escolha, mas preste atenção, pois não vou repetir. Ele limpou a garganta e se ajoelhou aos pés dela, tomando as mãos delicadas entre as suas. - Hallie, eu te amo. E não venha me dizer que é precipitado afirmar isto, porque a verdade é que sempre senti alguma coisa por você... desde que você era adolescente. Não era exatamente amor, mas uma estranha curiosidade... - Curiosidade? Steve, onde você quer chegar? - Quero chegar ao fim - ele disse, pousando os lábios nas palmas macias. - Acho que o mais nobre a fazer seria deixá-la se mudar para Londres. Mas, sabe de uma coisa? Descobri que ser nobre não faz o meu estilo. Na verdade, quando se refere a você, sou egoísta e possessivo. - Steve, você quer dizer que... - Quero dizer que te amo, e estou pedindo que... Não, estou implorando que fique em Sandy Bend. Naquele momento, um súbito silêncio caiu sobre eles. Só então perceberam que a banda havia parado, e todos tinham ouvido a declaração de amor de Steve. Ela tentou falar, mas nenhuma palavra saiu de sua boca. Um murmúrio excitado
percorreu a multidão, que assistia à cena com expectativa. Sem se importar em serem o alvo das atenções, Steve prosseguiu: - Sei que Sandy Bend não é exatamente sua idéia de paraíso, e a única coisa que eu tenho para competir com o que você vai encontrar em Londres é meu coração e minha alma... Hallie fechou os olhos, saboreando cada palavra como se fosse o néctar dos deuses. - Eu... - Espere, deixe-me terminar - ele pediu com urgência na voz. - Há uma vaga para supervisora do Departamento de Arte na universidade... Sentindo o peito estourar de felicidade, ela o abraçou sob o caloroso aplauso da multidão. Naquele momento, a banda começou a tocar uma música romântica, e o desfile prosseguiu. Não foi preciso responder. O beijo apaixonado que selou a união dizia mais que mil palavras. Finalmente, Hallie Brewer encontrara seu lugar. FIM
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