Resumos Psicologia Da Família
August 4, 2024 | Author: Anonymous | Category: N/A
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Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013
Psicologia da Família
Conceito de "família" Há uma grande generalização deste conceito. Um dos problemas para definir família é
conhecermos este conceito do ponto de vista experimental, para nós é algo fundamental e não conseguimos passar isso para o exterior. É necessário olhar a mesma experiência do lado de fora, para além da experiência subjectiva e não ficar pelo senso comum. A família não é um objecto de estudo simples, antes pelo contrário, é um elemento bastante complexo que tem uma dimensão cultural, onde a maneira de viver não é igual para todos, pois existem formas de ser "família" diferentes, cada um tem o seu imaginário de família. Poder-se-á definir cultura como os modos de viver específicos que têm origem em maneiras próprias de interpretar a realidade e a maneira de estar no mundo.
Dimensão histórica
Cultura Burguesa → dimensão dos afectos e inter-ajuda já faz parte do conceito de família nesta época. Trata-se de uma cultura mais móvel, mais próxima da nossa, pois está mais aberta a transformações. Aqui, começa-se a criar o elemento de "emagrecimento" do conceito de família, a transformar a maneira de ser da mesma, tornando-se numa dimensão individual. Em latim, o conceito de “família” é muito mais abrangente, tem dois significados: pessoas que lhe pertencia por laços de sangue e pessoas que pertenciam por reconhecimento social e jurídico. Os servos, antigamente, também eram encarados como pertencentes à família. Precisa de menos gente para se desenvolver, pois a fonte de rendimento é maioritariamente o comércio. A família burguesa transforma o conceito de família, restringiu-a; a família é apenas constituída pelas pessoas mais próximas. Começa-se a transformar também a maneira de se “ser família”, começa a não ser tão alargada, mas sim uma experiência pessoal, individual. A família tem, também, um dever histórico enquanto instituição. É necessário perceber o modelo típico de cada época, que valores são invariáveis e os que se transformam e que sentir é transmitido de determinado período histórico. É necessário encarar, de forma aberta, todas as novas realidade e alterações e reconhecer e compreender o que o Outro está a sentir. Apesar das transformações que a realidade sofre ao longo do tempo, a família mantém-se e é mais do que uma convivência social sustentada ao longo do tempo: formas diferentes de se apresentar em culturas. Tanto em contexto histórico como cultural a família teve formas diferentes de se manifestar ao longo do tempo. Estes aspectos não definem totalmente o que é uma família, mas dizem respeito a grandes 1
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 marcos importantes, pois de outra forma tudo seria comparado a família e nem todas as relações pode ser família (e.g. família e amizade são diferentes), não podendo cair no erro de confundir identidades. A família é uma experiência básica e primária do relacionamento humano, é primordial à nossa Passamos, então, de um conceito de família muito vasto, para uma cultura pré-moderna e, finalmente, para algo muito circunscrito e ligado à "casa". As unidades familiares privatizam-se ainda mais, restringindo-se do alcance de acção e das relações. A família torna-se pequena, uma família considerada nuclear (pais e filhos). Aqui, as famílias mononucleares são consideradas família. A família transforma-se, mas tem algumas constantes: relações de vínculo; cuidar, cuidar de todos os familiares, devido ao sentido de responsabilidade que temos para com eles e a responsabilidade A família é entendida como uma forma social primária porque é a origem da civilização, enquanto lugar que garante o processo generativo biológico, psicológico, social e cultural, porque cumpre algumas das funções fundamentais, sem as quais a sociedade não poderia sobreviver e porque tem como função a socialização primária dos filhos e a estabilização da sua vida adulta. Desta forma, pode-se afirmar que a família é um sujeito complexo; é uma experiencia fundamentalmente na construção do eu. A família insere-se num quadro de diversas culturas, sociedade e pauta e estrutura a capacidade de estabelecer relações. A família pode ter acesso a direitos, tem que se apresentar de tal forma à sociedade – reconhecimento social. Para que haja família é necessário o reconhecimento social. Família não existe para si própria, não se esgota. Para todas as culturas, normalmente, está ligada à ritualização. O reconhecimento social continua a ser significativo e procurado, apesar de se ter transformado. Se a família se fecha, não tem apoio e acabará por terminar sozinha e não acompanhada. As pessoas já se sentem “protegidas” pela união de facto e, por isso, interessam-se menos em casar pela igreja, no entanto, querem, que sejam reconhecidos alguns direitos. A família, enquanto organizada e estruturada, permite uma maior coesão social. Uma família que possa gerir a sua vida de forma saudável, integra-se de forma positiva na sociedade. A família é quem garante o suporte dos membros mais frágeis. Família como agente de personalização, é um agente que se constrói vivendo; é a construção da personalidade, da identidade da pessoa; tem regras que não são ditas, mas que são muito importantes. Podemos dizer que a família é como uma organização, uma vez que se supõe que esta estabelece relações complexas, tornando-se uma organização complexa. A família organiza as relações entre os diferentes membros, sendo esta uma dimensão básica – a família organiza as 2
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 diferenças. Definição mais “activa” de família de Levi-Strauss: "A família é uma união duradoura aprovada de um homem e de uma mulher e dos seus filhos". Desmontando esta definição verifica-se que a família não é algo ocasional, pressupõe um laço, uma união, união essa que tem um dimensão temporal muito importante, duradoura. Deve ser aprovada e reconhecida pela sociedade, para que haja família é necessário haver reconhecimento social e este continua a ser procurado, mas sofreu transformações: as dimensões religiosas e rituais passam a ser dispensadas. O homem e a mulher pressupõem uma diversidade de funções, mas tem que existir uma diferenciação e nota-se que a primeira diferença dá-se a nível do género, depois a diferença de gerações, idade e, por fim, as diferenças de linhagens. A família é uma organização complexa, não é um grupo, nem um simples conjunto de pessoas, há uma diferenciação de papéis.
Funções da família A família garante o suporte dos membros mais frágeis, assim as funções são: suporte
afectivo e social (protecção de todos); socialização primária; sexual/intimidade; dimensão gerativa/reprodutora e económicas. Para Sroufe e Fleeson as funções são cuidar e criar dos filhos e a Satisfação de necessidades/ intimidade/ suporte (necessidade profunda do "outro" que permite a identificação do "eu").
Qual a finalidade da família? Transmitir a vida e para o fazer têm que a partilhar. É interactiva, organizativa e tem uma
identidade. O corpóreo é parte integrante da nossa identidade e cada família tem a sua identidade própria fundada. Este corpo organizado fundamenta-se em todos os membros são importantes para constituir o corpo na sua diferença; têm que ser todos bem afinados. O que faz com que surja uma família: decidir construir uma família; desenvolver uma dimensão afectiva, privada e individual; assumir um compromisso com os outros membros da família e pedir e receber reconhecimento social. Não será necessariamente esta a ordem pela qual acontece, pois pode-se apenas desejar construir uma família depois de estabelecer uma aproximação privada com alguém, ou até haver uma relação sem reconhecimento social. O projecto de constituir família não é na sua totalidade do âmbito privado, pois há necessidade de assumir um compromisso institucionalmente para 3
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 salvaguardar os direitos dos filhos. A noção de organização não tem conotação "rígida", as relações na família são complexas porque se jogam a muitos níveis ao mesmo tempo. O que organizam a família são as relações entre os diferentes membros, a família organiza as diferenças, pois elas já existem. Há que valorizar estas diferenças, na medida em que estas são positivas, há alguém que obedece, outro que manda. Há diferenças de Geração a vários níveis (três gerações), numa dimensão positiva, com transformações de papéis ao longo do tempo. Existem diferenças de género que pressupõe uma dualidade de posições/identidade, que se ocupam só de características biológicas. Não pode haver relação sem reconhecimento destas diferenças e autoridade. Cada indivíduo pode assumir dois caminhos: Estagnação ou Geratividade. O objectivo da família é a geratividade, isto é, criar e produzir vida, dar vida do ponto de vista biológico. Erikson fala desta num contexto de desenvolvimento psicossocial a todo o ser humano – relacionamento e desenvolvimento da família. Por outro lado, o indivíduo pode manter-se estático, parado e não contribuir para nada e não ter a alegria de gerar vida e de contribuir para o desenvolvimento da sociedade. Nenhuma relação é apenas de dois elementos, há sempre um terceiro elemento. Então, o conceito de geratividade faz todo o sentido que seja aplicado à família, pois esta deve tentar não se fechar a si mesma e criar relações internas com a família e com o mundo exterior. EU → TU → TERCEIRO ELEMENTO = verdadeira noção de identidade, mas não se baseia só nisto. Se a relação é autêntica, produz, não vai à procura, acontece e há mais relação e bem-estar. Esta abertura é que faz sentido numa relação. A relação não pode correr o risco de implusão, onde pode acabar por pôr em causa a mesma por excesso de energia e por falta de geratividade, ou seja, ficar fechada. É necessário gerar não só a nível biológico como sociológico. União do casal: Pai → Mãe → Filho = ajuda mútua Ninguém muda de lugar dentro da família. Não se pode esperar do filho apenas que gere, mas que invista na sua família e não a deixe para trás para que esta não desmorone. Espera-se, assim, que a família não estagne, mas que haja movimento, tanto dentro da família como fora. Não se deve viver numa relação de dependência, pois irão acomodar-se e estagnar. Se algum familiar falecer, não é substituível, têm que fazer face a esta nova realidade, continuando a mãe e o pai a não desistir nem se afastar durante o processo de luto. O familiar → distingue-se família de familiar na medida em que o último se trata do Outro essencial e núcleo fundamental da família. É algo ou alguém oposto a desconhecido/estranho, será 4
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 algo com que temos uma certa confiança e relacionamento; encaramos o familiar como um adjectivo. Podemos ter várias formas de a família se manifestar, até de diferentes culturas, mesmo no nosso contexto. Falamos de familiar como substantivo que se apresenta com uma dimensão universal, que podemos reconhecer para além das diferenças. O conceito morfológico de “família” pode variar, dependendo das culturas ou épocas históricas, ao contrário de o “familiar”. Esqueleto real da família: Relações Não se deve confundir relação com interacção. Podemos ter uma relação sem interacção (se não conhecer o bisavô, não se estabelece qualquer interacção com ele, contudo há uma relação familiar, há uma tradição transmitida, existe um laço genético) e interacção sem relação. Contudo, nota-se que a relação não se esgota na interacção, é algo mais simbólico que implica significados e linhagens. Existem a dimensão de temporalidade, que está presente na constituição da família (percorrer o caminho das culturas – Presente e passado), a dimensão de transição de passagem, constituição da família e a dimensão simbólica, é uma marca, em elemento que reenvia para uma outra realidade, algo que une realidades diferentes, a níveis diferentes. Estas dimensões não querem dizer que as interacções não sejam importantes, a interacção é um nível imediato onde se confrontam relações diferentes. Há dimensões que são típicas de cada família, como se fosse uma minicultura. Relacionar significa uma ligação de dois fenómenos, conceitos, aspectos, partilha de Significados e transmissão da mesma pertença. A família constitui laços afectivos, de pertença e de compromisso. Dentro destes últimos, podemos ter compromisso horizontal como a relação de irmãos e de cônjuge, e uma dimensão vertical, ou seja, a relação transmite, em si mesma, valores, mitos e histórias. Importa aqui a noção de tempo, mas também os significados, os acontecimentos marcantes e a sua transmissão. A família tem como finalidade favorecer a socialização, isto é, para além da transmissão formal que os pais procuram fazer, também entra aqui a observação e imitação por parte dos filhos, mas o mais importante é o estilo relacional da família. Toda a nossa história tem as suas raízes num certo terreno que tem um certo tipo de relações. Aquilo que nos é dito e aquilo que experienciamos pode não corresponder ao modelo relacional e àquilo que adoptamos na nossa vida. A transmissão dá-se através do estilo de vida e do modelo relacional, aquilo que somos é também fruto das relações. Contudo, a família também não é fechada em si, existe a possibilidade de transformação.
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Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 Modelo Relacional Simbólico (eixo simbólico = esperança e justiça, dom e débito) Privilegia as relações na sua dimensão simbólica, mas remete também para o reconhecimento. Tem em conta o pólo afectivo, mas também o compromisso que implica responsabilidade. A dimensão afectiva não pode ser absolutizada, pois torna-nos consumidores da relação e não assumimos as responsabilidades. O Símbolo é a estrutura latente de sentido que conecta entre eles os aspectos básicos da relação familiar: isto é o que chamamos de familiar. Tem significados mais alargados, simbolizar tem a função de criar laços entre mundos e realidades diferentes. Como estruturas latentes pode-se considerar o apoio mútuo entre conjugues, o cuidar dos filhos ou dos mais velhos e a capacidade de dar e receber apoio. O Familiar é a matriz simbólica da relação entre géneros, gerações e estirpes que confere substância simbólica às famílias concretas e às várias formas da família. O Relacional aponta para a definição do ponto de observação e de compreensão do objecto família - a relação. O Simbólico define as categorias bases que qualificam as relações familiares. A relação como paradigma emerge em sociologia, com a abertura à multidimensionalidade da família e da estreita relação entre aspectos micro e macro sociais (família e sociedade). Donati defende uma visão da família como fenómeno relacional que lhe é característico: mostra que as relações que a constituem se transformam em relacionamentos nos vários sectores da sociedade, sem prejuízo da sua especificidade. O paradigma relacional apresenta duas vantagens, nomeadamente, o facto de considerar o indivíduo como ser individual e de considerá-lo como parte activa na criação do sistema, com as suas intenções, afectos e descobertas. É característico do nível interaccional, a atenção dada às trocas comunicativas que existem no presente entre os membros da família. As interacções referem-se ao que acontece e se comunica no presente entre os sujeitos que lhe dão vida e que constroem, assim, o discurso familiar. O nível interactivo apenas conhece os vínculos traçados na situação e no contexto no qual se desenvolve a troca. Não será possível conhecer a relação familiar sem que se tenha em conta o nível da troca – acção e da matriz simbólica que a rege. Não chega porque a família é uma organização de relações de parentesco e uma matriz de identidade individual. Tem valor crucial a troca geracional e de casal para compreender os laços familiares e a sua qualidade simbólica, que constituem parte inconsciente das pessoas que a constituem. 6
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 O paradigma relacional dá valor seja à relação de casal seja à relação com a família de origem e tem em conta as condições sócio-culturais com que a família interage. O sentido da vida na família, os laços e a temporalidade são as dimensões chave do nível relacional. Assim, o sentido da vida pode ser acedido através da presença de valores espirituais, de valores éticos, de valores vitais, de materiais que guiam o comportamento, de comportamentos em si. Estes podem ser acedidos de forma especial em momentos de rituais de família e em momentos difíceis. A análise das interacções permite aceder ao conhecimento das relações de poder, estilos comunicativos, afetividade e reconhecimento de fronteiras. Já a análise das relações permite aceder à consciência dos laços e do seu sentido que guia a acção. São ambos o fio da história relativa às trocas entre gerações. Eixo Simbólico O símbolo refere-se à ligação entre diversas partes de algo, que permite o seu reconhecimento. A matriz simbólica tem de ser definida porque dá à vida familiar substância e permite determinar o significado eventos familiares e constitui a base afectiva e ética da família. A família é um complexo afectivo, mas também gera responsabilidade. As qualidades éticas e afectivas constituem-se como a espinha dorsal tanto da relação de casal, parental e genealógica. Três características da matriz simbólica: dimensão ética e afectiva e qualidades éticas/afectivas como estrutura central das relações de casal, das relações parentais e relação estirpes. As qualidades são confiança, esperança e justiça num sentido dialéctico - coexistem com os seus opostos: desconfiança, desespero e injustiça. Estes opostos ameaçam a saúde familiar. A confiança e lealdade aparecem muito interligadas, é tão importante ser digno de confiança como confiar em alguém. As relações de confiança têm dois estados: estado de incerteza e de risco, onde a confiança opera e estado de interdependência, que é a sua fundação relacional. A confiança tem também um código afectivo e ético: alguém de confiança goza de certa independência e tem poder de decisão, mas está empenhado em não trair a confiança da outra pessoa. As teorias de vinculação também enfatizam a importância de relações primárias baseadas em confiança no desenvolvimento da criança. A esperança é a procura para além de si, por isso implica intenção relacional. A esperança dá 7
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 a capacidade de lidar com as crises que surgem com o outro, inevitavelmente e produz um impulso no sentido de encontrar e dialogar com o outro. Quando não há esperança, fica um meio carregado de ansiedade por não existir um “porto seguro” em episódios de crise. A justiça é um dos princípios de intercâmbio com outras pessoas. Traduz-se em leis e regras culturais, mas é mais que uma regra - acontece um princípio ético estar acima de uma lei. Todas as acções que encerrem obrigações contraídas num nível intergeracional elevam o nível de lealdade na relação. A lealdade é uma qualidade relacional que se estende de forma invisível entre gerações e que forma o tecido que liga as famílias. A confiança é uma consequência de um intercâmbio intergeracional justo e equitativo, tendo de ser merecida. A injustiça na família pode ser introduzida na família através de incesto, abusos vários, indiferença ou discriminação, uma vez que não obedecem ao princípio de valor da pessoa e do seu direito em lhe serem prestados cuidados. A lealdade interpessoal é intrinsecamente conflitual, pois as pessoas podem sentir-se presas entre a lealdade ao cônjuge, aos pais e aos filhos. A forma de ultrapassar o conflito é evitando cair no “princípio diabólico”, que divide a família: pede-se que se seja leal a todos os elementos da família. As lealdades da família são específicas da relação que existe: especificidade na lealdade conjugal, com as famílias de origem, com os filhos. A família, como corpo familiar, precisa de manter o equilíbrio e de se deslocar. A estrutura fundamental das relações são as qualidades ético-afetivas que estão presentes em todas as relações dentro da família. Os dois pólos interagem de forma complexa e equilibram todas as formas de relação na família. Dentro destas pode-se assumir quatro dimensões fundamentais: ConfiançaEsperança (pólo afectivo) e Justiça-Lealdade (pólo ético). O deve é insuficiente para sustentar uma família, é necessário haver a dimensão afectiva para a família não acabar. Tem que se criar um equilíbrio constante entre a dimensão ético-afetivo. Normalmente, só existe uma só dimensão presente. Sem o pano afectivo não se consegue salvar a relação, pois o dever ou o compromisso é insuficiente para sustentar uma relação. Numa dimensão/pólo afectivo inclui as várias formas expressivas de relação, como a vida emocional. O objectivo da relação não deve ser a satisfação pessoal baseada na emotividade. Encontra-se, por um lado, a Confiança, que é a base de qualquer relação humana. Diz respeito ao amparar, pois não pode haver afecto sem haver confiança. Erikson considera que o conflito do desenvolvimento humano é a "confiança vs desconfiança" na primeira etapa do mundo, de 8
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 lançamento. A dimensão de confiança é básica, de sobrevivência e indispensável para se desenvolver pessoalmente. Na relação conjugal, a confiança é reciproca, na relação transgeracional, a confiança está implícita no passar do tempo, de geração para geração e, por fim, na relação de amizade está ligada a projectos de vida em comum, ao amparo e procura de ajuda em momentos difíceis. Por outro lado, encontra-se a Esperança, onde a relação Eu-Tu se baseiam. Significa uma relação projectada no tempo, onde tem que haver um compromisso de significados, viver a dimensão afectiva e não viver apenas relações intensas em pouco tempo, pois isto pode levar à dependência. Relativamente à dimensão/pólo ético, expressa-se através de normas e regras que são influenciadas pelos contextos culturais. Regula a relação parental, conjugal e entre famílias de origem. A Justiça diz respeito aos comportamentos justos que possam ordenar as relações. Uma das imagens/mitos acerca da justiça é a "balança" = igualdade. Porém, não é equitativa, na medida em que por vezes pode ser injusta dependendo da pessoa. Não basta dividir em partes iguais, é necessário ter em conta a situação da pessoa, não significando, necessariamente, que a justiça na família seja de igualdade, mas sim o compromisso de cada elemento. Assim, a justiça realiza-se através de normas e regras e do exercício das virtudes e valores. O que torna justa uma relação e acção não são os comportamentos que se tem, mas sim o significado que eles acarretam. A justiça está, então, ligada à dimensão de Lealdade. Não nos aproximamos do outro como um objecto. A família é um objecto de transformação da sociedade, pois ataca as normas e valores da sociedade, não tendo liberdade para se assumir, mas é um sujeito activo, pois "dentro de sua casa" tem que se assumir e assumir as normas e valores que regem a família. Deste modo, é necessário existir um equilíbrio entre estes dois pólos, caso contrário a relação pode não aguentar em situações de crise e não existindo compromisso a relação termina. Quando se inicia uma relação, a pessoa deve estar consciente que vai assumir um compromisso com outra pessoa e isso exige flexibilidade pessoal e abertura para com o outro. O princípio simbólico presente no relacionamento familiar desenha a vida num relacionamento recíproco em três pontos, sendo estes a confiança, esperança e justiça ou de outra forma, uma vez que há um pólo afectivo - confiança e esperança - e um pólo ético - justiça e lealdade - que se influenciam mutuamente. Scabini e Cigoli consideram que confiança e justiça são qualidades originais, não são derivadas de outras características. A matriz encontra-se latente, embora escondida, é o que dá ao relacionamento familiar o seu significado. 9
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Dinâmica da troca simbólica: Dom/Débito A noção de dinâmica, algo que está em movimento, é um dar e receber que não tem de ser equitativo, o retorno pode não ser do mesmo nível, da mesma natureza, visto que isto tornaria a relação num negócio, é preciso criatividade na relação. A relação é uma interacção recíproca, uma espécie de dança, simbolizada pelo triângulo DAR → RECEBER → RETRIBUIR = Geratividade. Este modelo do triângulo pressupõe movimentos circulares que não acabam e trata-se da base da relação conjugal e parental. Não se trata de um esquema autoritário, pois muitas vezes pode ser motivo de conflito o facto de esperar o mesmo do outro e desiludir-se, causando insatisfação no casamento. Ao receber, a pessoa entra numa posição de dever, isto é, abre-se uma dimensão temporal e histórica, não é no instante, pois ninguém deve impor nada a ninguém. Este esquema não é simples na medida em que apresenta três tipos de abordagens: 1. Teorias Utilitaristas/Sociológica e Psicossocial: a troca relacional baseia-se sob trocas equitativas, trocas distributivas. A relação baseia-se na expectativa de que os outros façam o mesmo e calculam tudo em termos de custos e benefícios. Quando o custo é muito elevado e não se recebe nada, pode acabar por haver desinvestimento na relação. Leva a uma dependência mútua baseada em custos-benefícios. Crítica: Não se conseguirá ir muito longe no estudo das relações familiares sem reconhecer a unicidade dos elementos que constituem o intercâmbio e o valor do laço estabelecido entre eles. Apesar de ter sido tentada uma actualização, modelo está ultrapassado, tem sempre o mesmo problema de ser demasiado simples e restritivo. 2. Psicodinâmica transgeracional: parte do pressuposto de que a relação constrói-se para algo, ou seja, a troca relacional está motivada para cumprir o próprio dever, um altruísmo protector. Numa relação mãe-filho é natural que a mãe responda às necessidades da criança e não espere gratificação, fica contente com a própria relação. Numa relação conjugal, também pode existir este altruísmo. 3. Tradição antropóliga-étnológica: esta remete para o sistema Dom-Débito e encara a dimensão da gratidão e da gratuidade. Não pode viver apenas pelo dever, o dom não pode ser exclusivo. As relações familiares vão para além da troca, do retorno, não de pode ficar preso ao quadro da obrigação e até pode nem acontecer dentro da família e manifestar-se 10
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 noutras relações. Dinâmica do Dom: O Dom coexiste com a dívida e a obrigação (dever, tarefa), que são o oposto. O sentido de obrigação em retribuir implica que, quanto mais livre for o dom, maior o sentido de obrigação que cria. O dom manifesta-se pelo dever ou tarefa que tem de ser feita e através da dívida que é criada por se dar. Esta forma de ver cria ambiguidade, incerteza, forçando ou negando o seu valor. Esta ambiguidade trata-se através do "Dar", da abertura incondicional perante o outro, da aceitação da tarefa específica de cuidar da geração seguinte, é ao mesmo tempo um dom e uma tarefa e do "Receber", abertura perante o outro, reconhecer o que o outro fez e está a fazer por mim e reconhecer o quanto lhe devo por isso (dívida). A reciprocidade implica saber como dar e realizar tarefas na sua vez. Em suma, o princípio dinâmico é inseparável do princípio simbólico e intersectam-se. A dualidade inerente à dinâmica generacional e ao seu modo operacional assimétrico pode facilmente levar a que o triângulo dar-receber-reciprocidade assuma várias formas estáticas, levando à degeneração da relação familiar.
O que é uma transição familiar? São passagens críticas da família. Jay Haley apercebeu-se como alguns sintomas de um determinado membro da família estavam ligadas às crises que acompanham as passagens. Sendo que as passagens são um sinal da dificuldade da família em enfrentar a mudança, mas também são momentos propícios para a transformação relacional. O conceito de transição, na perspectiva simbólico-relacional, surge como elemento cardinal, isto é, a família é considerada um corpo vivo e todo o tecido simbólico que envolve a família não é visível no quotidiano, mas torna-se mais palpável nas transições. As transições põem a nu e à prova a qualidade das relações entre os elementos da família, evidenciando assim a estrutura relacional da família, com os seus pontos fortes e pontos fracos e a forma como “atacam” a mudança. Por revelarem e desafiarem o pacto relacional da família, as transições agitam toda a organização e põem em discussão os equilíbrios. A dificuldade da transição está no facto de ser incerto, ambíguo e comportar riscos e para 11
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 além disso existe sempre um elemento de perda, condição dolorosa da mudança. Fica mais claro também a forma como o nível interactivo e o nível relacional estão ligados. No espaço (aqui) e no tempo (agora) dos intercâmbios familiares, emerge a temporalidade longa que liga os elementos entre si no tempo (entre gerações). Os significados das acções inserem-se neste sentido complexo do laço (o aqui e agora). Como por exemplo: quando no nascimento, o que acontece é que há uma série de acções do dia-adia que tentam inserir o recém nascido na história anterior (com quem é parecido? os olhos de que família vêm?). Como se mede o êxito de uma transição? Curto prazo e longo-prazo, tudo depende da perspectiva que se adopta, por exemplo: no divórcio, pode-se considerar uma transição a curtoprazo se tivermos em conta a adaptação social dos filhos, escolástico ou profissional (estudam indicam que se dá entre 1 ano e meio e 2 anos); a longo-prazo caso se tenha em conta os factores relativos à capacidade de investir e manter uma relação. Mais concretamente, é normal sublinhar os efeitos a curto-prazo ao nível interactivo, ao passo que se sublinham os efeitos a longo-prazo ao nível relacional intergeneracional. Os efeitos a longo prazo têm sempre implicações generacionais. As transições estão sempre marcadas por eventos específicos.como transições chaves temos: a aquisição de um novo membro (casamento, nascimento, adopção); perda de um membro (morte, divórcio, invalidez, falência económica); relação com o mundo social (entrada na escola, primeiro trabalho); outras não tão identificáveis ou típicos. Descreva o modelo de McCubbin e Patterson sobre estratégias de adaptação activa a uma nova transição familiar. McCubbin e Patterson (1983) falam de três tipos de estratégia de adaptação ativa: Evitamento - nega-se ou subestima-se o acontecimento, esperando que se resolva por si; Eliminação - consiste na tentativa de se desembaraçarem do que o acontecimento traz, de forma a minimizar o significado para que não tenham que mudar e Assimilação - é a forma mais evoluída; a família aceita a mudança para responder à nova exigência, mas a mudança deixa intacta a estrutura, apenas mudam parcialmente os padrões de interação. As famílias com alta coesão e adaptabilidade parecem superar com uma certa facilidade as passagens de um ciclo para outro e têm mais dificuldades em superar as crises provocadas por eventos imprevistos; Já as famílias com baixo nível de coesão e adaptabilidade estão particularmente vulneráveis às mudanças do ciclo de vida e, em menor medida, vulneráveis aos eventos imprevistos. Podemos considerar uma transição como um processo: uma transição não é apenas a 12
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 passagem de uma posição para outra, esta inclui para todos os que estão envolvidos e uma tarefa de desenvolvimento. Transição para a Relação Conjugal (ELA NÃO ACEITA MARIDO VS) A relação conjugal está fundada sobre um pacto de confiança. O pacto exprime o pólo ético e a confiança exprime o pólo afectivo. A relação conjugal une homem e mulher, diferentes entre si mas complementares, vindos de realidades totalmente distintas. A relação conjugal tem uma tensão constitutiva: a reciprocidade é o encontro com a diferença do outro (cônjuge com a sua história e personalidade) e, ao mesmo tempo, é o reconhecimento de uma semelhança estrutural (condição enquanto pessoa) - a outra pessoa é condição para ser-se si próprio. A norma de reciprocidade que rege o pacto conjugal é mais que uma mera igualdade de condições sociais e simetria: não é só justiça distributiva nem pesagem de custos-benefícios, sendo que inclui também a entrega de um ao outro e confiar-se ao outro. O dever do desenvolvimento da relação conjugal é que cada um cuide do outro na sua unicidade e diferença (espécie de paradoxo de um dever que passa através do dom). A confiança é o outro ingrediente da relação conjugal, uma vez que permite o crédito ao outro, transformar a sedução em confiar-se ao outro e construir e manter um relacionamento exclusivo. Sem confiança o pacto torna-se um contrato frio. Sem o pacto, a confiança torna-se uma abertura de si de risco, porque está apenas ligada ao sentimento e à emoção. O pacto conjugal, para além da dimensão consciente e explícita (traduzida na promessa de fidelidade), tem também uma dimensão inconsciente: é o matrimónio “secreto”. O matrimónio secreto é constituído por um conjunto de necessidades e temores, valores, ideais e expectativas que os dois transportam da sua história pessoal e familiar e que ambicionam satisfazer na sua relação. Assim, o laço é constituído pelo registo ético (pacto declarado) e pelo registo afectivo (pacto secreto). O objectivo desta transição é conseguir que o pacto conjugal seja construído e que actue e mantenha viva a confluência entre o pacto secreto e o pacto declarado, ou seja, criar e manter um terreno tanto afectivo como ético (ético-afectivo), capaz de exprimir tanto as características desse pacto como as características do casal. Cada fase do desenvolvimento está sempre caracterizada por metas fundamentais e existem sempre objectivos a serem atingidos. Falamos num modelo transgeracional, pois tem em conta tanto a projecção do casal na formação de nova família, como considera a história familiar e os laços com a família de origem. 13
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 Todas as transições têm tarefas de desenvolvimento a que os membros da família são chamados a assumir. Neste caso, surgem tarefas do eixo conjugal e do eixo intergeracional: • Tarefas enquanto cônjuges - Construir a identidade de casal através da reciprocidade e superando a auto-referência. A primeira tarefa do casal é o desenvolvimento de uma identidade de casal. Realiza-se sob duas condições: a primeira dada pela capacidade de reciprocidade, traduzida na capacidade que cada um tem de cuidar do outro na sua unicidade e diferença e a segunda é saída dos dois de uma perspectiva auto-referencial, existindo sempre um sacrifício narcisista. Como é que duas pessoas se tornam um casal? Hoje em dia, ao nível de papéis de cada um dentro do casal, pode-se dizer que estão em constante renegociação. A eficácia das negociações depende da medida em que estão fundadas numa relação de reciprocidade a longo prazo e sobre a responsabilidade conjugal. Desta forma conseguirão resistir às situações de desencanto e implementa-se uma relação de amor em vez de enamoramento. O amor conjugal é uma condição de sustentação um do outro e de cooperação que permite que o outro a obtenção benefícios comuns. Saída da perspectiva auto-referencial: exige que a pessoa “saia de si” e se torne “gerativa” (dar); exige que a relação venha a ter um terceiro (tu-eu-casal e eventualmente filhos); é importante no projecto conjugal a projecção de iniciação de família. Há estudos que indicam que nos casos em que não há um projecto neste sentido a tendência é para que sejam dois jovens adultos casados com as suas vidas paralelas. (ELA IGUAL A MAE) • Tarefas enquanto filhos - Diferenciar-se e distinguir-se das famílias de origem, atuando ao mesmo tempo um novo tipo de laço com as famílias. Quando alguém se casa é chamado a lidar com o “conflito” de lealdades no novo sistema familiar. O casal constrói a sua identidade diferenciandose/distinguindo-se das famílias de origem e tendo um novo tipo de laço com as famílias. Mas pode acontecer que o casal veja as respectivas famílias como garante de estabilidade: a intervenção das famílias é vista, por vezes, como fonte de estabilidade e segurança (em particular, pode vir da relação entre mãe e filha). No pólo oposto, temos as situações em que há o mito da autonomia total, que implica muitas vezes um corte relacional entre gerações (EUA e norte Europa): aqui o casal pode ter um problema de negação da necessidade de apoio. A distinção do casal (deixando de ser uma extensão da sua família de origem) existe quando os cônjuges são capazes de construir um estilo de relação, a partir das modalidades aprendidas na família. Implica que os dois assumam a tarefa de iniciar e continuar um processo de regulação das 14
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 distâncias com a família de origem e se redefinam as relações com estas e iniciando novos processos entre si. Processo de distinção do casal: ambos se relacionam com o modelo de casal da sua família, por identificação ou por oposição ao tipo de relacionamento existente. o relacionamento de casal interiorizado, mediado pela cultura e pela família, é a base das experiências que o casal vai vivendo. No início, os confrontos em relação às famílias de origem serão sempre em maior número pela adaptação a que os novos processos obrigam. À medida que o tempo passa, surgem naturalmente outras transições, que os levam a deixar esses confrontos naturalmente. A partir daqui, o casal está unido por uma história em comum, de experiências e eventos únicos que enfrentou. O casal já se distingue e “toma posse” da sua unicidade. Sabem reconhecer que é aquela a sua história e não outra qualquer. Ainda em relação às famílias de origem, a forma como se individuam tem a ver com as experiências pessoais. Assim, é comum afirmar-se que casais jovens que tenham vivido experiências de conflito dos pais são um problema na construção da identidade. Mas o contrário pode levar a uma idealização do relacionamento dos pais, que pode trazer problemas pois sente-se facilmente inadequado e luta contra os problemas conjugais que possam surgir. • Deveres permanentes em transição - Relançamento da conjugalidade nas transições ao longo da vida. A tarefa específica do casal que se pode definir como permanente em qualquer que seja a transição é o relançamento da conjugalidade nas passagens chave da sua vida. Significa lidar com os desafios que lhe são colocados e reformular o pacto conjugal ao longo do tempo. A conjugalidade é uma dimensão que acompanha todo o desenvolvimento da vida familiar, sendo que está sujeita a muitas transições que levam o casal a assumir novas tarefas para a realização dos objectivos que vão surgindo. Segundo Froma Walsh: “As pessoas precisam de três matrimónios: na juventude de uma amor romântico e apaixonado; para elevar os filhos, de um relacionamento com responsabilidades repartidas; mais tarde, na vida de um relacionamento com um(a) companheiro(a) com uma forte capacidade afectiva e que olhe por si.” O objectivo da transição para a conjugalidade não é algo a ser tomado de ânimo leve pois pressupõe que o casal será capaz de relançar o pacto perante as transições que irá viver e as crises que comportam. O que é o pacto conjugal e de que forma inclui o pacto declarado e o pacto secreto? Defina 15
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 todos os conceitos que considerar necessários (Modelo circunflexo de funcionamento do Pacto conjugal) As famílias procuram reconhecimento, pois trata-se de uma necessidade intrínseca. No projecto de vida generativa, o primeiro passo é o pacto conjugal, isto é, sair da família de origem e começar um projecto novo, uma transição para um novo começo. Se recorrermos à etimologia da palavra "pacto", esta deriva do latim "Pax" que significa paz, pois estabelece-se um compromisso de paz e colaboração com o futuro e lançar bases de um projecto que terá continuidade. Esta dimensão de paz implica uma aliança e tem como objectivo a união e o apaziguamento. Quando se decide constituir uma família criam-se alianças entre duas culturas que se unem para desenvolver um projecto comum. O compromisso é recíproco e pressupõe um dar e receber de todos os participantes e quando isto não acontece há um desequilíbrio no pacto, pois a fidelidade e viabilidade do mesmo depende do investimento dos elementos perante tal. A noção de casal e de cônjuge é diferente, visto que o primeiro diz respeito a duas pessoas não necessariamente casadas e o segundo diz respeito a duas pessoas casadas. Esta dimensão dá consciência do que é ser cônjuge (fenómeno). A consciência de escolher um projecto de vida afirma-se muito tarde, a partir do século XX. Também a dimensão do namoro é agora importante, pois é considerado um período de espera para verificar se o projecto é possível, criando condições, mas não é um pacto definitivo. O projecto implica, portanto, sair de casa dos pais e uma aceitação da vivência da intimidade e a abertura ao nascimento, para passar a uma família.
Elementos que possam sustentar a viabilidade do pacto: Há pactos que sustentam princípios maus, de forma perversa, formas estas que estão a ser
socializadas. Para além da realidade observável, há um outro nível mais profundo que organiza o nosso comportamento e escolhas: as motivações inconscientes, não porque escondido, mas o que está por debaixo da consciência. Assim, existem dois níveis de pacto: o Declarado e o Secreto. Cada casamento alicerça-se sobre estes dois níveis, mesmo que seja uma união de facto. A construção do pacto conjugal é a tarefa de transição para a vida conjugal. A relação conjugal está fundada num pacto de confiança, tendo no casamento o seu acto explícito. Neste sentido o matrimónio representa o símbolo da transição, que se explicita através do rito (seja qual for). A expressão pacto de confiança compreende em si tanto o lado ético como o lado afectivo da relação. O pacto funda e regula a relação, sendo então o regulador relacional e tem como elementos constitutivos a atracção mútua, o consenso, consciência de ambos, o empenho em respeitar o pacto e o delineamento de um fim (objectivo). A relação é um pacto de confiança porque há um 16
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 compromisso, mas antes há uma escolha que não é aleatória, não acontece por acaso. O indivíduo escolhe a relação e depois assume o compromisso. A relação conjugal assume também uma dimensão de contrato, pois existe um investimento de cada elemento. O pacto conjugal é um pacto de reciprocidade que tem uma estrutura dramática, porque a reciprocidade põe em jogo cada um dos intervenientes, é uma dimensão em acção, em movimento. Esta reciprocidade do encontro tem duas facetas, uma mais consciente, mais racional, de fundamento cognitivo – Pacto Declarado; e outra mais inconsciente, mais profunda – Pacto Secreto. O pacto declarado dá uma atenção especial à valência ética do vínculo, exprime-se na promessa de fidelidade e é uma obrigação a que se comprometem perante a comunidade. Nas relações de facto “evita-se” a obrigação recíproca formal e o testemunho social. Vai-se mais ao valor absoluto da escolha recíproca. O pacto conjugal não se esgota na formalidade da declaração pública e explícita. Do ponto de vista psicológico, sustenta-se com o pacto secreto é a união inconsciente (uma base afectiva) da escolha recíproca. A parte da atracção entre o pacto declarado e o pacto secreto é um misto de necessidades e de esperanças, entre outros, com que os dois procuram lidar no seu relacionamento. Esta “mistura” vai-se ligando na história progressiva dos dois e nos modelos de identificação com os familiares, tanto ao nível individual como ao nível de “corpo-grupo”. A síntese do aspecto secreto (inconsciente) do pacto e da escolha é “eu caso, em ti, com isto e tu casas, em mim, com isto”. O pacto tem motivos múltiplos e articulados, mas o núcleo duro exprime as exigências afectivas e relacionais fundamentais da pessoa, sobretudo os aspectos protectivos e os aspectos de renovação do laço. Isto significa que cada um leva o que é seu para a construção da relação. A relação também é a sua combinação de necessidades, desejos e medos numa parte inédita, que leva à unicidade do casal.
Pacto Secreto Os extremos deste pacto são a impraticabilidade e a rigidez. Normalmente, o pacto secreto muda, no sentido de um maior reconhecimento do outro. Este diz-se “conseguido” (atingido, mas não estático) quando é possível pô-lo em prática, ou seja, quando os dois são capazes de satisfazer necessidades afectivas recíprocas. Isto é possível quando é flexível (pode ser relançado ou reformulado), segundo a mudança das necessidades e das expectativas das pessoas ao longo da vida. Passa-se, na mudança, de uma dinâmica de “caso com isto em ti” para uma dinâmica de “caso 17
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 também com isto em ti”. O nível de expectativas deste pacto é muito alto e existe uma grande idealização, quando se confronta com a realidade pode levar os casais a nem tentar e a não investir na relação. Este pacto representa a componente complexa e inconsciente, sobre uma base afectiva que sustenta a escolha recíproca. Este é mais ligado ao pólo afectivo da relação, tocando mais na dimensão emocional. Não se deve confundir este com um pacto não revelado à sociedade, pois o secreto é mais próximo das necessidades, sendo que é constituído por elementos presentes nas motivações das mulheres dentro do casal, ou seja, não está totalmente consciente. ". Está implícito a atracção física, emocional e dimensões profundas que fundamenta a relação. Quando estas sensações diminuem, as pessoas sentem que o projecto já não tem futuro – sensação de ruptura. Acontece que, quando este pacto ou esta dimensão dos afectos diminui, acha-se que já não tem sentido terem um projecto de vida. A dimensão deste pacto implica a dimensão de flexibilidade e de crescimento, tornando-a numa tarefa contínua. Este tem como base exigências às quais tentamos responder dentro de uma relação, nomeadamente de protecção e de renovação. Numa situação de desilusão, experienciamos o sentimento de que o pacto já não tem sentido. Impraticável: o pacto secreto é impraticável quando as necessidades afectivas dos dois são constantemente rejeitadas. Isto é típico de uma relação onde haja um domínio de um e submissão do outro. Assim, este pacto, é caracterizado pela manipulação, violência e indiferença. O pacto secreto impraticável acaba por ser uma situação em que o pacto em si não existe porque a compreensão é nula e o intercâmbio impossível. Este apresenta uma forma de viver bastante dolorosa, sendo que a conflitualidade é muito intensa, pois discute-se sobre tudo e, até mesmo depois de divorciados os conflitos prevalecem. A relação é construída sobre o conflito e sobre a desconfiança mútua, e tornase irracional porque as motivações são muito profundas. O único objectivo é a destruição do outro, sendo que a chantagem é elevada, não existindo qualquer outra perspectiva. Acontece quando as expectativas ou exigências de um não vão de encontro às do outro. A relação fundamenta-se no tipo “infernal” e numa acção punitiva pela parte de ambos, ou seja, nenhum dos dois consegue cortar a relação, sendo crida uma dependência, como por exemplo, nas relações de violência conjugal. Praticável: baseia-se sobre o respeito e o reconhecimento das necessidades de ambos. Ambos fazem as coisas sem esperar nada em troca - ponto máximo do Pacto Secreto. Rígido: não há o relançamento e a evolução do pacto, conforme as novas necessidades dos dois. Não existe a incorporação da mudança de necessidades afectivas de um no outro, pelo que se ficam 18
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 pelo pacto secreto original, sendo que o laço tende a desvanecer. Este pacto acontece quando as expectativas profundas do pacto secreto permanecem acima da cabeça e a pessoa vive numa constante desilusão. Acontece quando não há possibilidade de mudar, ou seja, as exigências estagnam e volta-se ao primeiro nível, não havendo “espaço” para a relação crescer. Há sempre um que cuida e outro que executa, ou seja, um é a pessoa má e o outro é a vítima, sendo que a vitima não faz nada para deixar de o ser. Estes casos são frequentes, de nada serve alterar os comportamentos exteriores, se não tentamos contornar os comportamentos e os pensamentos interiores (recorrentemente leva às situações de divorcio; a relação, como não foi cuidada, congelou e já não há capacidade de reconhecer as características da pessoa enquanto amável). Há uma impossibilidade de investir, pois as pessoas já não conseguem recomeçar perante as adversidades da vida. Pacto Declarado Tem como extremos a formalidade e a fragilidade (pouco consistente). Neste, denota-se uma dedicação de ambos perante o laço criado. Este não é apenas a formalização da ritualização (e.g. casamento). Está na base de qualquer relação duradoura. Nele encontram-se as motivações conscientes explícitas que transformam um encontro num projecto, nem que seja um projecto de vida de fim-de-semana, para começar a realizar uma relação ou um projecto de vida. Este é muito significativo para o projecto de vida, sendo que ambos podem investir muito no trabalho durante a semana, mas ao fim de semana dedicam-se a investir na relação, não deixando de ter um projecto de vida. As motivações conscientes são aquelas que sustentam a escolha, sendo que se baseiam muito mais nas dimensões éticas da escolha recíproca, como a lealdade e a confiança. Neste está implícita uma promessa de fidelidade, uma vez que começamos a história porque lhe queremos dar continuidade, e não acabar com ela. Existe um desinteresse da sociedade relativamente a este pacto pois pensam que apenas diz respeito ao fórum íntimo e privado, logo, pensam que não devem intervir. Este não se baseia apenas na ritualização (casamento), implica também motivações conscientes para começar um projecto de vida ("eu escolhe-te e tu escolhes-me") que transformem em encontro num projecto de vida, consolidando numa escolha recíproca (dimensão ética-lealdade e confiança). Está implícita uma promessa de fidelidade, sustentando uma relação contínua. É necessário haver uma responsabilidade por parte da sociedade, não é apenas um facto privado da intimidade do casal. Mas cada vez é dada menos importância a este factor (testemunhas do casamento). 19
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 Formal: quando há um projecto com áreas delimitadas (e.g. projecto de fim de semana). Implica estar junto de alguém, mas os projectos são individuais, com um contrato com regras estabelecidas em que pode haver uma ruptura. Este será como um contracto, permitindo mais facilidade para rescindir o contracto, uma vez que as regras foram estabelecidas desde o inicio da relação. Não envolve a dimensão afectiva-expressiva. Verifica-se quando não há investimento na relação de casal, está muito próximo do pacto declarado e o pacto secreto é quase inexistente. Ambos têm a sua realização pessoal, mas há um vazio, nem sequer têm razões para entrar em conflito e nunca se constrói um "nós" de identidade pessoal. Existe uma indefinição muito forte acerca do que se quer (se querem ser solteiros ou casados). Assumido: É assumido conscientemente, quando é querido e interiorizado a nível cognitivo e afectivo. Há dedicação dos dois ao laço criado, e abrange os aspectos individuais (fusão). Frágil: é quando nem existe investimento pessoal e nem a pressão social é suficiente para manter a formalidade da relação. Mas não é um pacto com grande conflituosidade. O projecto tem pouca consistência e a escolha recíproca tem pouco empenho par parte de ambos, ou seja, há um pobre investimento na relação. Não existe investimento pessoal nem pressão social e é suficiente para manter a formalidade da relação. Existe sempre um pacto declarado? Ele pode existir mas sendo muito frágil a ruptura é quase inevitável. Mas se houve uma união, então existiu um pacto que pode ser secreto. Este pode resultar de motivações inconscientes, mesmo sendo as motivações conscientes ocasionais e pouco racionalizadas, há de certeza motivações intrínsecas. Estes dois Pactos devem estar sempre em interacção constante para poder haver um equilíbrio saudável, e para que haja este equilíbrio o casal não se deve centrar num só pacto. A relação não é apenas um contrato, é necessário haver afecto, respeito e reciprocidade. O pacto assumido (Pacto declarado) e o pacto praticável (Pacto Secreto) não são perfeitos, são apenas os mais saudáveis e equilibrados, vistos como percursos de investimentos. Estes não se separam, pois as relações verdadeiras são vivas se houver investimento contínuo nelas. Se o pacto for assumido pelo casal e praticável a nível das expectativas, a relação não se desmorona, mas obriga a uma reestruturação. Tem que haver um equilíbrio, em diferentes momentos, um dos pactos pode ser mais evidente, pois são os momentos de crise que fazem mover energias e o conhecimento do próprio e do outro. Este constante conhecimento torna o pacto vivo e não o cristaliza, sendo que tem que existir um compromisso para que o pacto se torne praticável. 20
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 A pessoa tem que sair da posição individualista e auto-centrada pois se a pessoa fica desiludida com o projecto vai querer desfazer o contracto. Assim, o casamento dura até que as motivações pessoais o sustentem, sendo que isto fragiliza o próprio pacto. Numa relação sadia, o casal sustenta-se reciprocamente, o pacto secreto pode tornar consistente o pacto declarado e este, por sua vez, torna conscientes as expectativas do pacto secreto. O desejo de algo individualmente idealizado pode levar ao fim da relação, assim, o pacto declarado não pode ser nem demasiado idealizado, nem demasiado frágil. Quais
são
as
tarefas
de
desenvolvimento
da
transição
para
a
conjugalidade/parentalidade/desvinculação dos filhos/preparação para a morte? Descreva-as. Preparação para a morte Esta transição é caraterizada por: Processo de envelhecimento; Passagem de uma posição central e autónoma para uma posição cada vez mais retirada e dependente. Simetricamente, a nova geração adulta ocupa a primazia geracional, implicando assumpção completa das responsabilidades de adulto. Esta transição inclui Assegurar os cuidados necessários, por parte da nova geração adulta, em relação à geração precedente e à antecedente. O percurso desta transição: Para o idoso, transmitir o património (inclui acolhimento e elaboração da memória familiar) e para os filhos, acolher esse património e transmiti-lo às gerações mais jovens. A transmissão dá um sentido de um término (morte) não total do laço com o idoso, isto é, a capacidade de sentir, reconhecer e cultivar um sentido de pertença comum e o empenho a transmitilo às gerações mais novas permite-o. A transição completa-se quando a nova geração conseguir interiorizar a presença da primeira geração. Morte é o elemento que domina; ativa sobretudo aspetos simbólicos, porque o idoso deixa o lugar central que até ali ocupava. Constituída pela eventual morte do cônjuge, perda de centralidade relacional, sentimento de vida plena e a morte do próprio idoso sendo que é um percurso com alguns eventos críticos: aposentação, ninho vazio, nascimento dos netos e doença. Transição para a conjugabilidade Reorganização da vida conjugal e familiar (através do diálogo). Reinvestimento na relação de casal, como casal conjugal e não tanto como casal parental. Passa a existir mais tempo e espaço para si próprios, como casal; nos casos em que a mulher deixou a carreira pelos filhos, quando se inicia a transição, pode existir um sentimento de vazio e de inutilidade. 21
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 Em algumas culturas muda também a situação profissional: a mulher regressa ao trabalho e o homem re-estrutura o seu trabalho em relação ao da mulher, sendo que também é importante também para o casal retomar relações sociais que existiam antes dos filhos. Com o aumento da esperança de vida é cada vez mais normal existir este ajuste. Transição para a desvinculação dos filhos Nesta transição domina a dor pela perda, já que a nova identidade do filho e a constituição de uma nova família implica distância e incerteza. Por ser um processo prolongado acaba por destacar a distância e deixar na sombra o que nasce de novo. Dor dos filhos - deixam a segurança de criança e passam para uma condição ambígua. Dor dos pais - com o empenho necessário em reconstruir a vida familiar e em prosseguir a história familiar. É o tema distância que funciona como centro das tarefas evolutivas do casal. A representação que os pais têm da separação dos filhos tem efeitos: ao nível dos comportamentos e das mensagens que enviam e nas representações que os filhos constroem sobre si próprios. O casal parental influencia os conflitos relativos à desvinculação, positiva ou negativamente. Stierlin fala em três atitudes assumidas pelos pais mediante a aproximação da separação dos filhos: negociação do acontecimento ou o contrário, acolhimento entusiástico, não ajudam a que o filho se autonomize; a atitude mais adequada é a expressão da tristeza pela distância, mas sabendose capaz de superar essa inevitabilidade do vazio; a dor da distância não é negado (como no acolhimento entusiástico) nem se descarrega a dor sobre o filho (como na negociação). Os pais, nesta transição, são uma espécie de “geração sanduíche”: têm que responder às necessidades da geração seguinte e às necessidades da geração antecedente; para além das necessidades de redefinição conjugal. São deveres do eixo conjugal, filial e parental. Transição para a parentalidade Sempre que se fala em transição, está-se a referir a um processo. Do ponto de vista psicológico, só se tornam pais depois do nascimento do filho e experiências consequentes, não basta nascer o filho. Trata-se, então, de um mudança inter-geracional que implica reajuste e transformações em todos os membros da família. Esta transição tem sofrido alterações e existem 4 alterações importantes: Maior raridade deste evento, ter filhos tornou-se ter filho : sobretudo no sul da Europa o índice de fertilidade está em mínimos históricos (cerca de 1,32/mulher em Portugal – 2009); culturas ocidentais onde a natalidade está em proporções trágicas em relação ao 22
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 envelhecimento); Experiência da parentalidade cada vez mais tardia, é-se pai/mãe cada vez mais tarde: cada vez mais se adia o nascimento dos filhos ou se escolhe não os ter; cada vez mais conjugal e parental são exercícios diferentes: antigamente era visto como um exercício garantido decorrente do casamento. A experiência da parentalidade é escolhida: é pensada, não é automática; é um evento cada vez mais escolhido: sabemos hoje como programar, impedir, ajudar a conceber; torna-se mais produto da vontade do casal; mudanças psicológicas no processo: antigamente estava associada incerteza e repentismo hoje temos controlo quase “omnipresente” e de rebeldia contra o destino. No passado, a experiência da parentalidade era natural, passiva, acontecia e fazia parte da experiência da pessoa, era automático. Por ser uma escolha dos pais, o filho torna-se facilmente uma forma de o adulto se realizar : o casal já não casa com o intuito de ter filhos – fase da nova parentalidade (novos desafios e expectativas); o filho escolhido pode estar “condenado” a grandes expectativas; há o risco de vir a ser um modo de realizar os pais em vez de ser um valor autónomo por si (valor da pessoa) – o problema da posse; a flexibilidade de papéis é muito alta, por exemplo, a parentalidade não é só feminista, a divisão de papéis entre o pai e a mãe já não é tão estereotipada como antigamente. Atualmente, há uma falta de equilíbrio no que diz respeito ao pensamento das decisões dos casais em querer ter filhos ou não (poder de controlo da geratividade). Por um lado, há um grande investimento para ser pai/mãe (auto-reconhecimento) e, por outro, encontram-se muitas crianças órfãs. Hoje em dia esta experiência é vista como forma de auto-realização ("já fiz o que devia"). Do ponto de vista de Bowlby, uma boa vinculação torna a família numa boa base. A parentalidade exprime-se nos cuidados responsáveis. Os cuidados estão no pólo afectivo e a responsabilidade pertence à esfera ética. O cuidado responsável está incluído no carácter hierárquico da relação parento-filial, isso quer dizer que toca às gerações precedentes responder pelas condições mentais e materiais que criam para as gerações sucessivas. O cuidado responsável é uma tarefa conjunta, mas simbolicamente pode-se ligar o pólo afectivo à função materna e o pólo ético à função paterna. No pólo afectivo, o elemento confiança é central da função materna, exprime o aspecto incondicional das relações familiares (dinâmica dom-dever) e é bastante evidente na relação mãe-filho. O filho é o sujeito dos cuidados e digno dessa confiança, independentemente do nível das suas respostas. Ao nível psicológico, os cuidados correspondem à transmissão da vida. o 23
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 oposto, a morte, corresponde à falta de cuidados - p.e., violência e abandono. O outro pólo é o da justiça (ético), elemento central da dimensão paterna. Expressa-se nos valores-guia, normas educativas, importância da aprendizagem e tradições a respeitar. É violado (injusto) quando a responsabilidade não é exercida (abandono) ou se inverte (parentificação de um filho). Indique e explique os factores de protecção e de risco da transição para a conjugalidade/parentalidade/desvinculação dos filhos. A própria família pode ser um factor de protecção ou de risco de desenvolvimento: protecção quando a família tenta habilitar o jovem para a relação e facilita a assumpção do papel e de autonomia. Risco quando há repressão da relação: leva a que o processo de diferenciação do jovem e a realização dos objectivos de jovem adulto sejam mais difíceis. A presença ou ausência de um objectivo claro e o seu significado é um elemento chave de risco ou protecção: a transição é possível se a família não perder o sentido de meta ao longo da transição, por mais longa que esta seja e a meta faz com que o futuro não seja uma continuação da situação actual, mas que haja um prazo. Quando sucede o contrário, o transitório passa a ser a condição estável e cristalizada da família, o desenvolvimento falha, por exemplo: quando o jovem se realiza ao nível profissional mas a nível familiar não (transição parcial). Outro risco são as representações partilhadas: hoje, tanto jovem como família têm uma representação negativa da vida adulta (características de incerteza e precariedade no plano social e dificuldade em encontrar um parceiro de confiança no plano familiar); acaba por haver sempre tempo para a formação de família e a família de origem torna-se o local onde se procuram os laços seguros; o tema dominante de investimento pessoal é no âmbito profissional, onde se pede uma resposta ao nível das próprias aspirações (normalmente elevadas); leva a que pais e filhos estejam acostumados a uma ideia de realização de si onde prevalecem os aspectos autocentrados expressivos (o que faço), desligados da dimensão gerativa e pessoal; o trabalho e afecto tornam-se campos de realização pessoal em vez de âmbitos onde devem assumir obrigações e estabelecer laços. A transição para a vida adulta dilui-se, assim, facilmente e transforma-se numa extensão progressiva da condição de adolescente. Deixa de ser vista como um momento em que se deve actuar tendo em vista um salto Geracional. A divisão entre aspectos de expressão autocentrados e os aspectos pró-sociais e de empenho, e entre aspectos éticos e afectivos enfraquece a carga gerativa. 24
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 Esse enfraquecimento é o grande risco de o filho não chegar a assumir as dificuldades de assumir na totalidade o papel de adulto. É o grande risco também de que os pais não venham a conseguir a transição à geratividade social. Como se constrói o pacto parental? O casal cumpre um processo no sentido de cumprir os cuidados responsáveis que deve ao filho. Este processo desenrola-se em duas dimensões. A 1ª dimensão, enfatiza os conteúdos do empenho e do cuidado parental; A 2ª dimensão diz respeito ao modo como os pais entram em relação e se representam ou não o laço com o filho enquanto filho. É entre estas duas dimensões que são geridos os limites na relação com os filhos. A primeira dimensão tem como trajetória a alteração do centro da relação, passa do aspeto afetivo na relação com o filho para uma regulação equilibrada das modalidades das relações, tanto sob matriz materna como paterna. A segunda dimensão é a passagem de uma visão auto-centrada do filho para uma visão mais hetero-centrada, isto é, o filho deixa de ser visto pelos pais como expressão de uma realização pessoal e de casal para uma visão de uma nova geração, a nível pessoal e familiar. De uma forma mais pormenorizada, logo após o nascimento, os cuidados consistem sobretudo em assegurar proteção contínua. O objetivo da relação é a criação de uma base segura que permita que a criança vá regulando as suas funções psicofísicas, na relação com os pais e com o meio – vinculação. Alguns estudos referem que a competência parental está radicada na história pessoal dos pais; nos estilos de vinculação e nos modelos operativos elaborados ao longo das suas vidas. Nesta altura, a presença da criança compensa as dificuldades iniciais de cuidados constantes, pois, o prazer na relação é muitas vezes subavaliada ou visto como uma forma imatura de cuidar. No entanto o prazer existe na relação com a criança e predispõe para a confiança na relação, caso não exista é sinal de dificuldades relacionais com o filho. À medida que o filho cresce os aspetos de responsabilidade dos cuidados a ter com a criança adquirem uma posição mais central em vez da afetividade. Nesta altura os pais têm como tarefa criar um contexto seguro e ao mesmo tempo orientá-lo no seu crescimento. O facto de o filho ser totalmente dependente dos seus pais favorece a consolidação de um laço fundido, em que os confins de progenitores e filho são permeáveis e indistintos. O filho é sobretudo concebido como pertencente aos pais - uma realização. O “jogo” de com quem se parece 25
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 inicia-se desde logo e assim o reconhecimento pertença do filho. Neste sentido, o facto de se gerar um filho tem uma componente narcisista muito forte, é a prova da força gerativa do casal. O filho é visto como uma extensão do casal, quase como se fosse propriedade e sinal da criatividade do mesmo. No pacto parental deve saber garantir, desde o início, a coexistência de aspetos protetivos e de empatia e de ordem e justiça, típicos da matriz materna e paterna. A ausência de um dos aspetos empobrece a dimensão simbólica da família. Faz parte do dever da educação a procura de um ponto de equilíbrio entre os pólos do autoritarismo, de um lado, e da hiperprotecção, do outro. Quer dizer que o pacto parental assegura aos filhos uma base fundada na proteção contra os perigos e no “empurrão” afetuoso no sentido de o filho explorar o mundo. O percurso do pacto parental não passa apenas pelo nível do intercâmbio entre pais e filhos. O filho é expressão da história familiar e coloca-se dentro da história familiar. Não representa só uma fonte de realização pessoal e de casal é também significado de nova geração, ligando-se às gerações anteriores e representando o futuro. A realização da identidade do filho está ligada à “alimentação” dada pelas diferentes famílias de origem, à possibilidade de manter vivos os canais com ambas famílias e ao desligamento das tensões da dupla pertença. A procura de semelhanças familiares é um indicador do bem estar na família na transição para a parentalidade. O êxito positivo, ocorre quando os pais conseguem educar bem os filhos e quando permite um intercâmbio positivo no relacionamento entre gerações . Qual é o itinerário do pacto parental? Em relação aos pais, o percurso inicia-se com a geratividade parental
o que leva à
geratividade social. Os filhos, inicialmente são dependentes dos pais, ou seja, ocorre a dependência da adolescência, posteriormente, com o crescimento, ocorre a construção do projeto profissional e por fim a escolha afetiva estável e o projeto familiar. Qual o objetivo da desvinculação dos filhos? O objetivo da desvinculação é fazer o jovem adulto alcançar a plena responsabilidade adulta. Consiste na saída de casa dos pais, que implica a realização de um projeto de vida: inclui uma realização profissional e o empenho numa relação afetiva estável. Este objetivo é compartilhado por pais e filhos, pois a família de origem tem sempre influência, seja através de um apoio psicológico benéfico, seja através de alguma pressão 26
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 intergeracional. A transição tem ligação ao processo de diferenciação recíproca das gerações. É um processo que envolve todo o sistema familiar e implica que se responda por si próprio, ao nível de pensamento, emoção e ação, sendo o ponto de partida a pertença à história familiar. Tem uma dimensão ética, que se traduz em responsabilidade pessoal e tem uma dimensão cognitivo-afetiva, que se traduz na capacidade de enfrentar a distância. A história familiar, sendo a matriz comum das duas partes, oferece as condições para a diferenciação da família, que faz emergir os aspetos de unicidade quer dos filhos quer dos pais. A diferenciação produz reciprocidade e interdependência, seja individualmente ou em casal, através da distância-destaque nasce a capacidade de autonomia e traduz-se em capacidade de se distinguir dos outros; de refletir sobre si próprio e de refletir na pele do outro e de responder por si. O processo de diferenciação exige a reorganização dos modelos de regulação das distâncias do sistema familiar, exige também uma definição clara das fronteiras entre os diferentes subsistemas geracionais, sobretudo entre o parental e o filial. Na transição para a vida adulta, que se inicia na adolescência, passa nesta altura de uma tríade (pai-filho mãe-filho) para casal (o novo casal em relação aos pais) - constitui o processo de diferenciação de casal. O processo de diferenciação de casal refere que os pais encontram-se perante um novo casal, ainda que não constituído formalmente. Os pais, agora, não se podem relacionar com o filho prescindindo do novo laço que constituiu, que se torna mais significativo. Por parte do casal jovem, de início não é possível evitar o confronto com os pais. O confronto, de início, tem o objetivo de estabelecer uma identidade de casal distinta, que recolha elementos de ambas as famílias e crie algo de novo e único. Explique o carácter de dupla transição da desvinculação dos filhos. A transição da desvinculação dos filhos acaba por ser dupla: da fase de adolescência para a de jovem adulto e a de jovem adulto para pleno adulto. Socialmente passa-se de uma época de marginalização, para uma época de semimarginalização e daí para o reconhecimento como adulto; é um tempo dominado por enormes possibilidades e por enormes incertezas. As incertezas acontecem sobretudo ao nível da inserção no mercado de trabalho, normalmente caracterizado como trazendo insegurança e dificuldades. Os jovens adultos, fruto dos estudos que têm, não estão normalmente dispostos a aceitar qualquer trabalho. Também com
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Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 questões de família há alguma incerteza: é cada vez mais adiada favorecendo a experimentação de várias alternativas; cada vez mais se prefere não tomar a decisão de constituir família “já”. Os estudos indicam que à medida que se vai ficando durante mais tempo no seio da família de origem, a conflitualidade entre gerações tem vindo a reduzir-se; há também uma renegociação das relações intergeracionais. É uma transformação pacífica da família: estrutura-se uma nova forma, composta por duas gerações de adultos - família alargada do jovem adulto. Neste tipo de família, o jovem adulto goza de grande liberdade e de amplas margens de negociação; experimentam um clima de suporte e de não conflito. Sócio-culturalmente este fenómeno explicasse pelo facto de a formação ter aumentado ao longo do tempo e da difusão de uma cultura centrada no filho; Outros fatores também jogam como a nuclearização da família; a diminuição da fecundidade e o aumento da exigência cultural e económica da sociedade atual. O que significa o termo "geração sanduíche"? O termo “Geração Sanduíche”, representa o cuidado para com os filhos, mas também para com os pais. É uma fase bastante exigente, pois ainda existe um papel de pais bem assumido e o papel de prestador de cuidados, ou seja, têm que responder às necessidades da geração seguinte e às necessidades da geração antecedente, para além das necessidades de redefinição conjugal. Explique as dificuldades que podem advir do confronto entre parentalidade e conjugalidade. A forma complexa como conjugalidade e parentalidade estão entrelaçadas requer do casal a sua própria redefinição, com o objetivo de equilibrar os aspetos da nova dimensão parental com os aspetos do laço conjugal. Coexistem ao mesmo tempo, mas não andam em conjunto. Isto torna a experiência da parentalidade como algo por si, que não vai ser equilibrada pela relação conjugal. A ideia não é a perfeição da relação, mas a sua assunção do risco de relação. Com o nascimento do primeiro filho existe uma tentativa de investir na relação parental e pôr de lado a relação conjugal. Isto pode levar ao conflito, dar-se a ruptura do casal, mas onde a parentalidade é vista como um obstáculo para o divórcio. À medida que a relação se torna mais frágil, o filho torna-se absoluto. Muitas vezes pensa-se no filho como uma "cura" para os conflitos conjugais, mas isto deixa no filho uma responsabilidade terrível de conseguir satisfazer os desejos projectados pelos pais ou pela família de origem. Hoje deparamo-nos, também, com uma sociedade onde reina a superprotecção e a dependência, onde não se cria espaço e não se permite tão cedo a assunção de responsabilidades (e.g. termina-se tarde os estudos, entra-se no mundo do trabalho mais tarde, 28
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 associando às dificuldades económicas, o casamento é tardio, assim como a saída de casa dos pais). As dificuldades dos filhos vão para além da dificuldade de constituir família passa também por não se conseguirem desvincular dos pais, pois mesmo estando casados podem continuar a ter demasiada ligação com a família de origem. Alguns efeitos do afastamento da dimensão conjugal são as dificuldades de aquisição de autonomia por parte do filho (por ter poucas dificuldades para enfrentar), o empobrecimento do mundo afetivo dos cônjuges e a presença excessiva da mãe. Estes efeitos mantêm-se mesmo quando os filhos já não necessitam do dever de cuidado dos pais. O casal aqui vive a síndrome de ninho vazio e tem dificuldade em renovar o pacto conjugal, sendo a síndrome um desafio à capacidade de adaptação e bem-estar do casal. Para além de não se constituir uma identidade de casal, mantém-se uma certa assimetria para com os pais, estes continuam a ter poder sobre o filho (papel de autoridade). Explique a transição para a grandparenthood (grã-parentalidade) O nascimento dos netos introduz uma nova dimensão temporal - o tempo que resta para viver, bem como o sentido do limite e da morte (normalmente inconsciente): é uma forma “doce”, não é dramática e permite a introdução da hereditariedade de uma forma positiva e esperançosa. Por outro lado, permite também renovar a vida da família e é um baluarte contra o efeito disruptivo da morte (a família continua). É uma forma nova de geratividade em que a responsabilidade e o empenho estão separados pela distância geracional. A afetividade pode jogar um papel de primeiro plano, gratificante para avós e netos. Os avós também têm tarefas de transição: dar apoio à aquisição da parentalidade dos seus filhos. Segundo Erikson, passa pelo desenvolvimento de uma geratividade não narcisista, voltada para o desenvolvimento das potencialidades do outro (filho ou neto), em vez de direcionada para a sua própria realização. O apoio pode ser o reconhecimento da competência parental do filho ou pode ser também ajuda em problemas organizativos. Entre o casal de avós, deve-se recalibrar a distância com os filhos: há uma presença muito próxima e participativa no período sucessivo ao nascimento. Deve-se passar para uma “intimidade à distância” nas fases seguintes, de reorganização familiar. Caso seja feito da melhor forma, o laço intergeracional torna-se um grande recurso na transmissão da função gerativa e no exercício do pacto parental. Assim, casais que tenham com uma presença adequada das famílias de origem, maioritariamente conseguem lidar com os desafios que a parentalidade e a conjugalidade apresentam. A qualidade das relações ao nível intergeracional parecem desenvolver uma função eficaz de suporte no confronto do casal, sobretudo nas primeiras fases da transição: cria-se um 29
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 clima de fusão entre as duas gerações adultas o que mostra claramente o valor familiar do filho e ajuda o casal a gerir as mudanças num contexto de suporte e positivo. A mulher sente mais este sistema relacional, sendo que isto pode acontecer que pelo facto de sentir alguma dificuldade com a família de origem, também venha a sentir dificuldade na relação conjugal, pois é um sistema de “coerência relacional”. O homem consegue compartimentar as relações. Quando a mulher sente algum tipo de desequilíbrio, mais depressa usa a família de origem como um recurso. A um nível geral, o laço com a família de origem representa uma fonte subtil de ambiguidades para os novos pais; tanto se torna um suporte importante como um novo perigo. Por um lado significa um suporte muito relevante, com sacrifício por parte dos avós, nos cuidados aos filhos. Por outro, por se continuar na órbita da família de origem, a procura de equilíbrio da família de origem com a “saída do ninho” pode levar à tentativa, inconsciente, do preenchimento dessa lacuna com o próprio filho - restabelecimento do equilíbrio familiar. Ou seja, a distância e diferenciação construídas na transição para a idade adulta podem sair enfraquecidas e passar-se de família alargada a família extensa. Nesta fase, é importante o tipo de vinculação e o comportamento dos pais: uma presença demasiado pressionante pode provocar uma postura de desconfiança em relação à própria capacidade de se ser pai/mãe (daí a necessidade de redefinição das distâncias de avós para pais). É importante que os avós saibam encontrar um equilíbrio entre o desinteresse e a invasão. Explique a tipologia dos casais parentais A transição para a parentalidade implica a construção de uma identidade parental, sabendo diferenciar-se e distinguindo-se da família de origem. Essa distinção pode-se inscrever num contínuo com dois pólos: transição difícil e transição aparente. A transição para a parentalidade é uma etapa importante na distinção da nova família e dá origem a um contínuo onde se localizam os resultados da passagem: na transição difícil temos as situações em que o casal exprime no exercício das funções parentais uma fratura com a sua família de origem. O estilo parental estabelece-se por contraposição com a dos seus pais; neste caso, o casal não é capaz de conseguir encontrar referências positivas de identificação e tenta construir uma história familiar totalmente nova. Casais que tenham uma história de família considerada infeliz, tentam redimir-se com o filho de forma a provar-se como melhores pais do que os que tiveram. Como consequência na relação com os filhos, surgem as expectativas rígidas, a negação de aspetos de dificuldade presente e redução ao mínimo com a família de origem, com a ilusão da criação de uma família totalmente nova. O pólo oposto (transição aparente) é caracterizado pelas 30
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 situações nas quais o casal tende a pôr em prática uma repetição da história familiar. Neste caso, o nascimento não altera a hierarquia já consolidada e há uma certa imutabilidade da organização familiar; o casal não é capaz de mediar a sua própria história e o laço com as famílias de origem e o passado determina o tipo de função parental. São transições adequadas aquelas em que o casal tem uma visão crítica da sua própria história familiar e é capaz de se distinguir dessa história. O casal é capaz de não aceitar ou negar o laço familiar sem critério; é capaz de aceitar o que considera bom e de estabelecer as próprias regras familiares. Cigoli apresenta uma outra forma de análise aos fatores de risco em que inclui a perspectiva intergeracional; a tipologia dos casais parentais é um dos fatores. A tipologia de casais parentais cruza a qualidade da dimensão do pacto parental que o casal pode instaurar ao nível da relação com os filhos (eixo horizontal) com o nível da relação com os avós (eixo vertical). Os tipos de casal são o compensador, negligente, delegante, de geratividade débil e coerente com a tarefa. O casal compensador não reconhece nada de positivo na relação com as famílias de origem; regula a distância em relação às famílias de origem através de um afastamento radical; resulta do cruzamento do eixo fratura com as famílias de origem com o eixo da hiperprotecção e substitui a importância do laço intergeracional com atenção e cuidados excessivos. É “confiado” ao filho, mais ou menos conscientemente, a tarefa de resgatar e de dar novo significado à história familiar. A hiperprotecção do filho (através dos cuidados exagerados) manifesta mais uma necessidade de ressarcimento por parte do casal de um “défice de laço” ao longo do eixo intergeracional. Essa necessidade aparece disfarçada nas necessidades que o filho tem. O casal negligente não mantém aspetos da história familiar e tem poucos recursos pessoais e de casal para conseguir cuidar do filho de forma adequada. Resulta do cruzamento do eixo fratura com as famílias de origem com o eixo do descuido em relação aos filhos. O fosso para a família de origem é uma ferida aberta, de tal forma central que não permite que possam cuidar adequadamente dos filhos. Nestas situações em que o casal não consegue chegar a um “acordo” com a própria história familiar é provável que venha a agir com o filho da mesma forma. O casal delegante não se distingue das famílias e origem. Mantêm laços muito estreitos, não sendo equilibrados e resulta do cruzamento do eixo repetição das práticas das famílias de origem com o eixo descuido. Chega a delegar nos pais a educação e cuidado dos filhos; grave na medida em que traz confusão na assumpção da responsabilidade parental. Nos casos mais extremos, o casal não consegue desenvolver um filtro em relação à história familiar; não consegue fazer mais que uma mera repetição da história familiar. 31
Exame Psicologia da Família 03 de Setembro de 2013 Por fim, o casal de geratividade débil não tão grave como a anterior, pode criar desconforto que se poderá ampliar com o tempo; cruza-se o eixo da hiperprotecção com a indistinção com as famílias de origem; são casais que nunca tiveram grandes problemas com os pais, absorveram a sua educação e propõem-na aos filhos. Ao nível do empenho parental, estão muito focados em dar aos filhos o melhor. O melhor muitas vezes acaba por se tornar a tentativa de conseguir um contexto para o filho sem preocupações e frustrações e centrados em bens materiais. Risco de o sistema se bloquear e de o filho ficar retido num sistema afetivo convincente e provavelmente satisfatório; o filho acaba por ser a função pela qual os pais vivem, em vez de ser educado a constituir a nova geração. Este último tipo de casal é o típico da nossa época; mas não deve ser assumido como sendo um indicador automático de bem-estar. No casal coerente com a tarefa, a qualidade é definida pelo equilíbrio de todos os fatores falados. Conseguem regular de forma dinâmica o relacionamento com as famílias de origem, bem como exercitar as matrizes simbólicas da família. O filho é visto na sua individualidade e nas suas ligações com a história familiar; o casal reconhece as dificuldades que a existência e presença do filho implicam; esse reconhecimento leva a uma gestão mais eficaz. Conseguem ver os filhos como pessoas que mais tarde irão “ser” a sociedade.
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