Lacan - Uma Introdução PDF

August 6, 2024 | Author: Anonymous | Category: N/A
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A ESCOLA LACANIANA E PSICANÁLISE FRANCESA

Curso: Psicanálise depois de Freud – estrutura e constituição do campo psicanalítico na era das escolas Módulo VI: A escola lacaniana e a psicanálise francesa

Érico Bruno Viana Campos

ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

CONTEXTUALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

JACQUES LACAN Psiquiatra e Psicanalista da 2ª Geração Pioneiro na articulação da psicanálise com outros campos de saber nas ciências humanas, arte e filosofia e na ruptura com o tradicionalismo da IPA Um dos responsáveis pela ampliação do trabalho psicanalítico para além dos quadros neuróticos e de uma visão estritamente clínica Seu trabalho é focado no resgate da problemática edípica como ponto estruturante da subjetividade na forma de um “retorno à Freud” Seu sistema teórico marcou o desenvolvimento do paradigma do sujeito do inconsciente no contexto da Psicanálise Francesa  Paris –1901  Paris – 1981

ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

CRONOLOGIA DE VIDA E OBRA 1919: Entrada na faculdade de medicina. Estuda literatura e filosofia, aproximando-se dos surrealistas. 1926: Constituição da Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP). 1928: Residência em Psiquiatria com Clérambault. 1931: Monografia sobre uma tentativa de homicídio, o Caso “Aimée”. 1932: Início da análise com Rudolf Lowenstein. Defesa da tese de doutorado: “Da Psicose Paranóica em suas Relações com a Personalidade. 1934: Casamento com Marie-Louise Blondin, com quem terá três filhos: Caroline, Thibault e Sybille. 1936: Comunicação sobre o “Estádio do Espelho”, durante o congresso internacional da IPA. 1938: Inicia relações com Sylvia Bataille. Torna-se membro da Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP). 1941: Separa-se da esposa. Nasce sua filha com Sylvia, Judith Sophie. 1951: A técnica de sessões curtas gera controvérsias na SPP. Dá início aos Seminários, as apresentações orais que constituirão o núcleo de seu trabalho teórico. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

CRONOLOGIA DE VIDA E OBRA 1953: Crise na SPP e fundação da Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP. Conferências fundamentais: “O mito individual do neurótico”, “O real, o simbólico e o imaginário” e “Função e campo da palavra e da linguagem em psicanálise”. Apresentação do primeiro Seminário: “Os escritos técnicos de Freud”. 1963: A IPA admite a filiação da SFP, com a condição que Lacan e Dolto percam a condição de didatas. 1964: Lacan funda e Escola Freudiana de Paris (EFP). Realização do Seminário XI: “Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise”. 1966: Publicação dos Escritos e criação da coleção Campo Freudiano. Criação do “passe”, dispositivo regulador da formação do analista. 1969: Cisão na EFP devido à implantação do passe, levando à formação o chamado 4º grupo, denominado Organização Psicanalítica de Língua Francesa (OPLF). 1975: René Major (SPP) dá impulso às dissidências no movimento psicanalítico francês aliando-se às teses de Jacques Derrida e criando uma outra corrente na psicanálise francesa. 1980: Dissolução da EFP e fundação da Escola da Causa Freudiana. Tem início o processo de fragmentação e atomização dos grupos lacanianos. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

CAMPO PSICANALÍTICO NA FRANÇA 1º Grupo: Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP) 



Grupo original filiado à IPA. Fundada em 1926 com Laforge, Pichon, Bonaparte, Lowenstein e Hesnard. Sua segunda geração é formada por: Nacht, Lagache, Bouvet, Lacan e Dolto. A oposição entre os partidários da ordem médica (Nacht e Lebovici) e os da análise leiga, formado por universitários liberais, levou à cisão do grupo.

2º Grupo: Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP)    

Grupo formado pelos partidários da análise leiga. Fundada em 1953 por Lagache, Dolto, Lacan e mais 40 analistas. Uma nova cisão ocorre nesse grupo devido às negociações para a filiação da SFP junto à IPA. A restrição do trabalho de Lacan e Dolto como didatas levou a cisão do grupo. A SFP foi filiada em 1963, à IPA, passando a formar com a SPP a Associação Psicanalítica da França (AFP). Na SFP ficou Lagache e alguns dos discípulos formados nesse grupo: Didier Anzieu, Jean Laplanche, Jean Bertrand Pontalis e Daniel Wildlöcher, entre outros. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

CAMPO PSICANALÍTICO NA FRANÇA 3º Grupo: Escola Freudiana de Paris (EFP)  

Dissidência do movimento psicanalítico internacional (IPA). Fundada em 1954 por Lacan, Dolto e o casal Manonni, entre outros. A implantação do dispositivo do passe na EFP em 1964 levará a uma cisão desse grupo.

4° Grupo: Organização Psicanalítica de Língua Francesa (OPLF) 

Dissidência do movimento lacaniano fundada em 1969 e liderada por Aulagnier, Castoriadis e Valabrega

Grupos Posteriores   



A partir de 1975 começam a se articular outros grupos iniciando o processo de expansão e cisão que marcará o movimento lacaniano. Em 1980, Lacan anuncia a dissolução da EFP e a criação da Escola da Causa Freudiana. Com a morte de Lacan, fica a cargo de seu genro, Jacques Alain-Miller a tarefa de gerir o legado da obra, incluindo a publicação da totalidade dos Seminários. Alain-Miller buscará unificar o campo lacaniano em torno da Associação Mundial de Psicanálise, fundada na França em 1992. Contudo algumas dissidências permanecerão, incluindo a dissidência da AMP fundada por Collete Soler em 1998, chamada de Fórum do Campo Lacaniano. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

CONTEXTO DA PROPOSTA O movimento preconizado por Lacan faz sentido diante dos descaminhos que ele julgou acontecerem no campo psicanalítico a partir da morte de Freud, com as orientações dominantes na IPA (psicologia do ego, psicanalistas “ortodoxos” e kleinianos) Tais descaminhos foram entendidos como desvios da originalidade da descoberta freudiana nos seguintes campos:  A fundamentação epistemológica da teoria  O desenvolvimento da teoria para além do campo das neuroses  Questões sobre a técnica e sobre a formação do analista

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CONTEXTO DA PROPOSTA Além disso, a proposta de Lacan é uma resposta ao contexto de inserção da psicanálise na cultura acadêmica francesa, respondendo a questionamentos da filosofia, das ciências humanas e das artes. Para tanto, traz uma reorientação epistemológica e ética do campo psicanalítico, que encaminha para uma perspectiva mais interdisciplinar, tendo como referência imediata o movimento estruturalista, mas também outras tendências do campo (fenomenologia, marxismo, topologia, etc.). Nesse sentido, se coloca mais próxima de uma concepção de sujeito própria da pós-modernidade ou contemporaneidade. “Seria a contribuição da psicanálise à modernidade tardia a invenção de um novo cogito, que se poderia chamar de lacaniano?” (LEITE, 2000, p. 7) ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

RETORNO A FREUD É nessa perspectiva que Lacan propõe um “retorno à Freud”, que é tanto um resgate quanto um refundar em novas bases a intuição original da “coisa freudiana”. Daí a proposta de aprofundamento naquilo que é essencial da descoberta freudiana: a centralidade do complexo de Édipo na constituição da subjetividade e a marca da castração e do recalque na instauração de uma lógica de simbolização própria da fantasia. Contudo, o faz a partir de uma abordagem completamente nova em relação à tradição psicanalítica precedente, pois o toma a partir de uma teoria da linguagem em que a dimensão do simbólico e a primazia do significante são os fundamentos de uma concepção própria de sujeito. Nessa perspectiva, o inconsciente se mostra como uma propriedade induzida pela estrutura do linguística e a imbricação do sujeito nas malhas do discurso será desenvolvida por Lacan até as suas mais extremas consequências. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

RETORNO A FREUD A referência ao campo freudiano permanece como infra-estrutura constante da obra de Lacan Está marcada pela convicção de que os processos psíquicos inconscientes circunscritos por Freud encontram-se submetidos a:

Campo Freudiano

LINGUAGEM

TRANSFERÊNCIA

 dimensão psíquica da linguagem  pontos de apoio nos quais esta dimensão se sustenta através da transferência ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

PROPOSIÇÃO FUNDAMENTAL

O inconsciente é estruturado como uma linguagem

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PARADIGMA SUBJETAL Nessa perspectiva, o inconsciente se mostra como uma propriedade induzida pela estrutura linguística e a imbricação do sujeito nas malhas do discurso será desenvolvida por Lacan até as suas mais extremas consequências. Diante disso, o paradigma geral para compreensão do objeto psicanalítico sofre uma mudança fundamental, já que se ultrapassa a dicotomia internopulsional e externo-objetal que marcava as tradições precedentes no campo psicanalítico. A alteridade é pensada agora em termos de uma estrutura simbólica geral, universal e impessoal, do qual o sujeito é efeito e encontra-se em posição de alienação. A própria noção de sujeito passa por transformações radicais, de forma que não se articula mais à referência moderna de “eu psicológico”. Isso justifica então a proposição de Mezan (2014) de um paradigma próprio para o campo lacaniano: o subjetal. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

DESMATERIALIZAÇÃO DA SUBJETIVIDADE Do ponto de vista epistemológico, Lacan avança em direção a uma concepção pós-moderna de subjetividade. Ela prescinde do individualismo, do psicologismo e do materialismo para sustentar uma concepção de sujeito do inconsciente como efeito de enunciação discursiva. Ou seja, o sujeito é mais um ato performativo do que propriamente uma substância.

Assim entendido o sujeito do inconsciente é uma posição discursiva e não um lugar psíquico. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

DESMATERIALIZAÇÃO DA SUBJETIVIDADE É por conta dessa visão não psicológica de subjetividade que a teoria lacaniana prefere falar em registros do que em aparelho psíquico, no sentido clássico.

Os registros são lógicas e âmbitos de produção, organização e direcionamento da pulsão e do desejo, ou seja, são as dimensões da realidade subjetiva, segundo a perspectiva lacaniana. Os registros se superpõem e se articulam produzindo os diversos modos de expressão subjetiva, por meio de um enlaçamento próprio que Lacan denominou nó borromeano, por referência ao brasão de uma família medieval. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

REGISTROS: QUADRO DE REFERÊNCIA

Imaginário

Real

Simbólico

Cada um dos registros da teoria de Lacan foi desenvolvido, trabalhado e enfatizado em um momentos específico de sua obra. A articulação desses diferentes registros foi buscada por Lacan ao final de seu ensino.

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REGISTROS: QUADRO DE REFERÊNCIA Imaginário

• • • •

Simbólico

• •

Real

• • •

Simbolização no nível das imagens. Referência é a lógica da representação como correspondência. Metáfora da “consistência”. Simbolização no nível da linguagem verbal. Referência é o signo linguístico como uma lógica da diferença. Metáfora da “insistência”. Aquilo que escapa à simbolização. Referência não é a realidade objetiva, mas a lógica compulsiva própria à pulsão. Metáfora da “ex-istência”.

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ETAPAS DA OBRA

I

1936-1952 O modelo do “Estádio do Espelho” e sua aplicação ao Narcisismo e à constituição do Eu

S R

Campo da Linguagem

1953-1964 O modelo da castração simbólica como organizador da subjetividade no Complexo de Édipo, sob a tese do “inconsciente estruturado como uma linguagem”

1964-1980 O modelo do “objeto a” como negatividade produtora do desejo e ênfase nas dimensões “fora do sentido” próprias ao gozo ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

Campo do Gozo

I IMAGINÁRIO

1936-1953

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INTERESSE PELA PSICOSE PARANÓICA Lacan desenvolveu sua tese de doutorado em psiquiatria a partir do trabalho na enfermaria especial de alienados da Chefatura de Polícia de Paris, sob a orientação de Clérambault, intitulada “Da Psicose Paranóica e suas Relações com a Personalidade”, em 1931. Lacan escreveu sua tese propondo um novo quadro nosográfico de psicose, denominado “paranóia de autopunição”, nos quais um sujeito delirante encontrava um efeito de cura na produção de um ato criminoso. Essa tese foi ilustrada por um caso que se tornou clássico: “Aimée” (uma funcionária pública fascinada por uma atriz famosa a ponto de atacá-la com uma navalha na saída do teatro).

Posteriormente, em 1933, publicou um texto sobre outro caso de crime paranóico, o das “Irmãs Papin” (duas irmãs empregadas domésticas em Paris que certo dia mataram e esquartejaram suas patroas). ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

INTERESSE PELA PSICOSE PARANÓICA As investigações de Lacan sobre a paranóia o levam a supor que o que estava em jogo nos crimes era da ordem de uma idealização patológica, de modo que o a vítima representaria o outro idealizado que o criminoso queria ser. Então, ele precisa anular o outro para que possa existir, caso contrário se perde nesse outro. Assim, Lacan entende que o que motivou os crimes foi a realização de fantasias arcaicas estruturantes do psiquismo do criminoso, as quais ele chamou de fantasias de “corpo despedaçado” e que consistiriam evidência de fantasias tipicamente psicóticas. Nesse período, Lacan conclui sua formação em Psicanálise e seu trabalho de pesquisa da psicose acompanha essa inflexão. Passa então a buscar na etologia e na psicologia do desenvolvimento subsídios para a compreensão da constituição da realidade e a conformação da estrutura psíquica do sujeito. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

NARCISISMO E ESTÁDIO DO ESPELHO Já em 1936, Lacan apresenta uma primeira versão de sua hipótese do Estádio do Espelho, a qual será publicada em sua forma definitiva em 1949, com o título “O Estádio do Espelho como formador da função do Eu tal como nos é revelado pela experiência analítica”. Nessa abordagem, Lacan irá examinar e criticar a concepção de Eu em Psicanálise, descolando-a da concepção corrente em psicologia por meio do resgate e aprofundamento da concepção de Narcisismo. A teoria do Estádio do Espelho articulará a identificação primária, fundadora do Eu, como identificação à imagem do semelhante, e náo como incorporação oral, mantendo a identificação no campo imaginário. Nesse momento, Lacan articula o narcisismo com a agressividade, um como condição do outro e os dois como condição da pulsão de morte. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

NARCISISMO E ESTÁDIO DO ESPELHO

Recurso ao experimento de Henri Wallon para afirmar o olhar materno como constituinte da imagem corporal do bebê e da sua identidade egóica por identificação ao significante do desejo ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD materno.

NARCISISMO E ESTÁDIO DO ESPELHO Nesta identificação com uma imago que não é mais do que a promessa daquilo que virá a ser, há uma falácia: o sujeito se identifica com algo que não é. Na verdade, acredita ser o que o espelho, ou, digamo-lo logo, o olhar da mãe lhe reflete. Identifica-se com um fantasma; usando o termo lacaniano, com um imaginário. Desde muito cedo, o homem fica preso a uma ilusão, da qual procurará se aproximar pelo resto de sua vida. (...) Portanto vemos que o estágio do espelho não é apenas um momento do desenvolvimento do ser humano. É uma estrutura, um modelo de vínculo que operará durante toda a vida. No seio da teoria lacaniana, é conceptualizado como um dos três resgistros que definem o sujeito: o registro imaginário. (BLEICHMAR & BLEICHMAR, 1992, p. 144)

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NARCISISMOS PRIMÁRIO E SECUNDÁRIO Lacan propõe uma outra abordagem da problemática do narcisismo, que o descole de um modelo desenvolvimentista de fases, fixações e regressões. Para tanto, propõe que a distinção entre narcisismo primário e secundário esteja assentada na lógica da identificação do bebê à mãe:  Narcisismo Primário: próprio da indiferenciação egóica na simbiose mãebebê, relacionado à constituição do ego ideal.  Narcisismo Secundário: identificação do bebê à posição de falo materno, relacionado à constituição do ideal de ego.

Sua proposta renova e refina a compreensão metapsicológica das instâncias ideais ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

NARCISISMOS PRIMÁRIO E SECUNDÁRIO O Eu assim constituído é, para a teoria lacaniana, o ego ideal, diferente do ideal do ego. O ego ideal é uma imago antecipatória prévia, o que não somos mas queremos ser. Imagem mítica, narcisista, cujo alcance persegue o homem incessantemente. (...) O ideal de ego, pelo contrário, surge da inclusão do sujeito no registro simbólico. (...) Seu papel é transmitir a lei. (BLEICHMAR & BLEICHMAR, 1992, p. 144)

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DIALÉTICA IMAGINÁRIA Com o imaginário, que instaura o estádio do espelho, começa em Lacan, a reflexão sobre a intersubjetividade humana. Trata-se da relação entre o sujeito e o semelhante, entre a criança e a mãe, do homem com o outro, entendida como a captação do desejo humano no desejo do outro, através do olhar.

Lacan retoma a reflexão hegeliana da Fenomenologia do Espírito, especialmente a dialética do Senhor e do Escravo, para indicar que é na relação interdependente, mútua, de imprescindível necessidade entre os dois membros do diálogo, que se constitui a identidade. Trata-se de uma identificação no outro e através do outro, indicando uma alienação fundamental do eu.

ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

DIFERENCIAÇÃO ENTRE SUJEITO E EGO

Estrutura do Sujeito Sujeito da subjetividade desejante Eu da enunciação

Estrutura do Ego

Eu como função imaginária Eu do enunciado ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

O ESQUEMA L

ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

O ESQUEMA L “O que é diagramatizado nesse esquema é, como se sabe, o seguinte: que o sujeito aquém da subjetividade encontra a imagem de um semelhante (i(a)) e que essa imagem antecipa para ele uma certa intuição do seu corpo próprio, o que funda a sua alienação imaginária. Quer dizer que nós temos uma intuição do nosso corpo próprio só como efeito de uma antecipação especular que nos outorgou o encontro com o semelhante. Mas o esquema não pára aí, há uma flecha embaixo que vem de “A” que é o Outro, quer dizer, falando geralmente, que vem do campo da linguagem e cuja flecha é justamente o que abre, prepara, falando um pouco imaginariamente, um espaço que é a casa da qual estava falando antes, um espaço necessário no simbólico para que a antecipação da imagem surja como embrionário constituição do sujeito.” (CALLIGARIS, 1991, p. 176-177) ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

S SIMBÓLICO

1953-1964

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A POSIÇÃO DO INCONSCIENTE Freud e Lacan possuem posições distintas acerca do estatuto ontológico do inconsciente. A conseqüência fundamental da inclinação dada a Lacan ao problema do inconsciente está na dissociação entre verdade e saber. O que implica em um inconsciente desprovido de essencialidade ontológica e que seja, antes de um lugar, um efeito de sentido. Ao afirmar que o inconsciente é estruturado como uma linguagem, Lacan, quer dizer, a partir de Saussure, que se trata de código e fala, ou seja, que o inconsciente fala e não que seja um “pedaço” do sistema lingüístico. Em outras palavras, o inconsciente, para Lacan, é o lugar de uma enunciação. Daí a afirmação de sujeito do inconsciente como uma posição. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

DA REPRESENTAÇÃO À SIGNIFICAÇÃO

O estatuto ontológico do inconsciente em Freud e Lacan são distintos por partirem de posições epistemológicas diferentes com relação os elementos básicos da subjetividade. É nesse sentido que Lacan supera o “Psicologismo” Freudiano. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

PRIMAZIA DO SIGNIFICANTE Uma modificação fundamental de Lacan em relação a Saussure é sua afirmação de uma primazia do significante na estrutura da linguagem.

ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

O SUJEITO E O OUTRO O homem é lançado em um universo de linguagem e o fato de ser nomeado o introduz no sistema lingüístico, tornando-o mais um significante da cadeia. O sujeito é, então um significante que se articula a outros significantes/sujeitos. Portanto, nada mais somos do que significantes em um sistema de significantes; e o somos pelo próprio efeito do sistema. Desse modo, o sujeito é o efeito do Outro. O Outro é a lei simbólica, o código de normas e, em última instância, a estrutura da linguagem. O sujeito não existe mais do que no e pelo discurso do Outro. O sujeito, portanto, é marcado por uma dupla alienação: no desejo do outro (o semelhante) e no discurso do Outro (a lei, a linguagem). ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

UM DIRECIONAMENTO ÉTICO PARA A PRÁXIS ANALÍTICA “Se tivéssemos de resumir, quanto mais brevemente possível, a diferença entre uma prática freudiana e uma prática lacaniana, acredito que o caminho mais breve seria dizer que o próprio de uma prática freudiana é pensar que a verdade do sujeito, a sua verdade inconsciente, é suscetível de ser convertida em um saber, e que esse saber pode ser, evidentemente, formulado e devolvido ao sujeito, que não sabia, ou que sabia sem saber. O essencial é que a verdade possa vir a ser um saber.” (CALLIGARIS, 1991, p. 170) “Desse ponto de vista existe uma oposição da prática freudiana com a prática lacaniana, porque para a prática lacaniana trata-se justamente do contrário, eu diria: de separar verdade e saber, pois a verdade não é suscetível de se tornar um saber. (...) Por que precisa isso? Porque se na prática mesma é sustentada a idéia que a verdade pode chegar a transformar-se em um saber, essa prática só pode fortalecer a função paterna que justifica a suposição que a verdade seja um saber.”(CALLIGARIS, 1991, p. 171) ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

ESTRUTURA SIMBÓLICA A estrutura da linguagem é um arranjo de eixos associativos verticais (paradigmáticos) e horizontais (sintagmáticos) que forma uma trama ou entrecruzamento de significantes.

O sentido da cadeia significante é dado retroativamente, pelo “ponto de capitonê” dado pelo último significante que “fixa” a significação.

ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

METÁFORA E METONÍMIA Saussure destacou o fato de que há dois tipos de ordenamentos dos signos: a concatenação e a substituição de um signo por outro. A partir desses conceitos, Jakobson distinguiu, dentro da linguagem, os termos relacionados por semelhança com os associados por contigüidade.  Metáfora: substituição de um significante por outro na base de uma relação de similitude.  Metonímia: substituição de um significante por outro com base em uma relação de contigüidade.

Lacan, por sua vez, irá se basear nessa definição para articular esses processos fundamentais da linguagem com os processos fundamentais do inconsciente: condensação e deslocamento. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

FANTASMA “Fantasma” (Phantôme) é o termo pelo qual a psicanálise lacaniana muitas vezes prefere definir o estofo do inconsciente, as chamadas fantasias. Não se trata de um mero conteúdo inconsciente, mas uma articulação singular de modos de representação da condição universal do homem que se produz enquanto uma formação de sentido que estrutura o sujeito. Os fantasmas originários (cena primária, sedução e castração) são, para Lacan, produtos de transmissão cultural e não hereditária, como Freud costumava afirmar. São produções necessárias da condição humana enquanto ser cultural, pois respondem aos enigmas universais da individuação humana: a origem das crianças (vida), a origem da sexualidade e a origem da diferença sexual.

Nesse sentido, o fantasma originário tem uma estrutura mítica. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

FANTASMA Os fantasmas originários são estruturas que precisam se produzir e atualizar na história de cada indivíduo singular. Assim, cada pessoa deve passar pela produção dos fantasmas que constituirão sua condição de sujeito a partir das exigências de simbolização das pulsões. O fantasma é a resposta ao que pulsa no homem como uma demanda de sentido e, portanto, é a própria estrutura do desejo. Nesse sentido, o fantasma é uma produção subjetiva que se apóia em uma condição universal, articulando os registros do imaginário e do simbólico. Constitui, portanto, a expressão da dupla alienação do desejo ao Outro e é a base estrutural de toda formação do inconsciente. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

FANTASMA “A rigor, a investigação freudiana nos mostra que se pode fazer uma história do fantasma e que esta é absolutamente congruente com a história do sujeito. Não pode ser de outro modo, posto que as fantasias seriam uma tentativa de representar a condição do homem, que, à medida que se vai desenvolvendo numa história particular, particulariza essas condições numa história concreta.

Primeira premissa: os fantasmas são uma representação da condição universal do homem. Segunda premissa: como o sujeito se realiza em uma circunstância particular, os fantasmas se subjetivam. Assim sendo, o fantasma é histórico ao mesmo tempo que ilusório. Precisamente por ser ilusório, aparece como subjetivo (e, portanto, imaginário); e, por ser histórico, aparece na dependência de um universal (e, portanto, simbólico): dupla vertente que, definitivamente rege toda formação do inconsciente.” (CABAS, 1982, p. 49) ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

FANTASMA E FORMAÇÕES DO INCONSCIENTE Formações do Inconsciente

Função Imaginária

Função Simbólica

$a ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

SIGNIFICANTE “FALO” O falo não é o pênis. A referência à castração não é, em nenhum momento, uma alusão à privação do órgão genital masculino. Constitui uma referência à função do pai, como mediador da relação entre a mãe e a criança. Essa função paterna se interpõe na relação diádica, imaginária, especular, que é verificada entre o bebê e a mãe. Para poder ser o terceiro e intermediar o vínculo diádico, o pai deve transmitir a Lei, fato que se atualiza por ser o portador do nome. A castração é uma metáfora que desloca e interdita o significante do desejo materno por um novo significante, o “nome-do-pai”. Portanto, o objeto fálico é, antes de mais nada, um objeto cuja natureza está em ser um elemento significante. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

FUNÇÃO PATERNA Lacan, a partir da concepção de Levi-Strauss sobre o tabu do incesto como cesura entre natureza e cultura, propõe uma nova interpretação sobre a origem da função paterna e da lei simbólica no mito freudiano. A proposta visa ultrapassar as aporias naturalistas e realistas dos pressupostos freudianos Parte da famosa afirmação de que “o pai morto torna-se mais poderoso do que jamais fora quando vivo” A questão é afirmar a constituição do lugar do pai a partir da instauração da interdição ao incesto na lógica da organização social. Portanto, o pai é uma função simbólica que precede o homem real. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

FUNÇÃO PATERNA Na teoria lacaniana, a instauração da função paterna é estruturante da subjetividade, pois o ingresso no mundo do significante e, portanto, na constituição do inconsciente e o recalcamento originário estão sujeitos a ele. Lacan entende que a instauração dessa função é produto de uma metáfora especial, que ocorre quando da aceitação da lei do pai: aquela que substitui o significante que está no lugar do falo materno. Este significante mestre, que substituirá o falo na cadeia significante, é chamado de nome-do-pai e está na origem dos processos de simbolização propriamente ditos, ou seja, do advento da ordem simbólica e da entrada na cultura.

No curso desse processo, o significante fálico se torna inconsciente por meio da operação do recalque, constituindo então o recalque originário e o próprio inconsciente.

ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

FUNÇÃO PATERNA É a queda do objeto incestuoso (falo materno) que cria os processos de simbolização. Portanto, é o recalque do significante fálico original (que Lacan chamará de S1) que irá assegurar a passagem do real imediatamente vivido para sua simbolização no âmbito da linguagem. Assim, é dessa metáfora original que poderá surgir propriamente o deslocamento (metonímia) significante inesgotável que caracteriza o desejo. Esse movimento instaura também uma alienação, pois com ele uma parte do psiquismo é clivado e separado da consciência e o sujeito fica preso em um devir que nunca encontra seu objeto último no plano da estrutura da linguagem. Isso quer dizer que a castração constitui uma segunda alienação, agora simbólica, do sujeito ao Outro. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

METÁFORA PATERNA

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TEMPOS DO ÉDIPO

1

Narcisismo Primário: Estágio do Espelho Relação diádica com a mãe (“Simbiose”) Identificação com a imago antecipatória dada pelo olhar do outro Alienação no imaginário materno (Ser o falo materno) Narcisismo Secundário: Passagem do Ser ao Ter

2

Relação diádica com a mãe e introdução da rivalidade fraterna Privação da mãe pelo pai real Identificação com o desejo do outro (Ter o falo materno) Ingresso na simbolização da lei e confronto com a Castração Édipo Propriamente Dito: Recalque Primário

3

Relação triangular mãe, bebê e pai Assunção da castração e identificação com o nome-do-pai (Lei) Alienação no Simbólico paterno (Cultura) ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

DESEJO, NECESSIDADE E DEMANDA Para Lacan, o desejo humano remete a algo diferente da necessidade biológica imediata. Em Freud, essa questão foi apresentada na tentativa de separação entre Instinkt (instinto de natureza biológica e objeto fixo) e Trieb (impulso de natureza simbólica e objeto variável). A vida instintiva, de cunho biológico, é do plano da necessidade, pois seus objetos são fixos e pré-determinados. Já a vida humana, do cunho da linguagem, ultrapassa o plano da pura necessidade, pois seus objetos são contingentes e variáveis, como atesta o fundamental do conceito de pulsão. No plano da vida pulsional, Lacan desenvolve duas modulações das operações de significação, que implicam em duas formas de relação com o Outro e, também, duas expressões dos anseios pulsionais: a demanda e o desejo.

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DESEJO, NECESSIDADE E DEMANDA A demanda é um movimento que decorre da relação narcísica e imaginária com o campo do outro. Trata-se de uma demanda de reconhecimento e amor, como forma de resgate da ilusão da completude com o outro. Portanto, a demanda constitui o anseio de ser o único objeto de desejo do Outro, ficando na posição de ser o falo. O desejo, como tal, não tem objeto equivalente na realidade, pois seu objeto primeiro (S1) está perdido pela operação da metáfora paterna. Depende, portanto, da instituição do processo simbólico e da constatação que o objeto último da pulsão é impossível de significar. Nesse sentido, o desejo é uma satisfação secundária e fugaz que renasce constantemente sobre a falta deixada pela Coisa. Se caracteriza, então como um desejo do desejo do outro.

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DESEJO, NECESSIDADE E DEMANDA Assim, esquematicamente, teríamos:  Necessidade: da ordem do Real  Demanda: da ordem do Imaginário  Desejo: da ordem do Simbólico.

Contudo, as posições de demanda e de desejo propriamente dito nunca se anulam totalmente, já que todo vínculo humano se assenta em uma demanda de reconhecimento e amor. Assim, oque chamamos de “desejo” constitui-se pela interação do registro do imaginário com o do simbólico, ou seja, pela articulação entre os processos de identificação imaginária e os próprios da ordem do significante. Dessa forma, o desejo humano encontra-se entre “o outro e o Outro”. Isso quer dizer que o humano tem uma dupla demanda de reconhecimento: pelo outro e pelo Outro. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

OBJETO A A formulação do desejo em Lacan aponta para o deslocamento interminável do objeto de desejo (metonímia do desejo). O objeto a é o objeto mítico do desejo e o cerne do “fantasma” ($a). Ele é tanto a cria como o efeito da pulsão; é onde a pulsão busca sua descarga e o êxito da satisfação. Portanto, é, ao mesmo tempo, um objeto perdido e a causa e objeto do desejo. Ele é a falta intrínseca, a pura negatividade em torno do qual gira o circuito pulsional. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

OBJETO A O conceito de objeto a é um dos mais complexos da obra de Lacan, uma vez que recebe várias formulações ao longo do seu ensino. De início, ele está identificado ao que cai junto com o significante do falo materno (S1), ou seja, ao resto da operação do recalque originário que se constitui como o substrato pulsional.

A tendência é que o conceito vá cada vez mais indicando a negatividade originária da subjetividade nas formas de gozo próprias ao registro do Real.

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R REAL

1964-1980

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DO SIGNIFICANTE À LETRA A evolução do ensino de Lacan a partir do final dos anos 60 e consolidando-se nos anos 70 se deu como um esforço de formalizar uma materialidade para o inconsciente, o que viria a subverter o uso que fazia do termo linguagem. Esse esforço viria a se concretizar com o recurso à noção de “letra”, entendida como um significante fora do Simbólico, um suporte material da ordem do Real.

Essa nova posição impôs a idéia de que o que constitui o inconsciente seria a letra e não o significante. A letra assim, produziria no Real a dissociação do Imaginário e do Simbólico, assim como seria o próprio fundamento do sentido.

A partir de então, o aforismo sobre o sujeito é retificado: “o inconsciente está estruturado como uma linguagem, cuja estrutura só se revela pelo escrito.”

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DO SIGNIFICANTE À LETRA Essas mudanças levaram a uma passagem da estrutura da linguagem definida como Simbólica, para uma outra, definida sobre o estatuto do Real. O golpe final do primado do Simbólico sobre o Imaginário foi dado quando se demonstrou a incompletude do Simbólico. Esse “buraco” no outro decorre do objeto a.

A linguagem, antes pensada como combinatória dos significantes, produziria necessariamente uma série de infinitos sentidos. A essa noção de linguagem ancorada num binarismo, Lacan opôs o “campo uniano” ou o “Um do Real”. Este conceito opera a separação entre o registro do ideal, próprio do traço unário, e o registro do Real, próprio do campo uniano. Assim, a escrita pode ser entendida como um discurso sem palavras, um outro nome para o gozo. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

DO SIGNIFICANTE À LETRA A linguagem articulada ao gozo, impõe a metáfora de sua origem, que é a mãe, e o seu referente discursivo, a “linguagem materna”. Assim, para o futuro falante, existem línguas das quais se abstrai uma, porém, uma única língua, marcada por esse gozo, ou na escrita de Lacan: alíngua. É nesta alíngua, amálgama de gozo com significante, que o Sujeito se constituirá como marcado pelo significante e condicionado pela letra. Assim, se o inconsciente está estruturado como uma linguagem, e se a linguagem é a condição do inconsciente, é porque a alíngua existe como um real, é a matriz do inconsciente ou, ainda, a “carne da fantasia”.

Isso implicou uma reformulação da concepção de desejo, que passou a se contrapor ao gozo; da mesma maneira que o conceito de significante foi estendido em repartição em dois aspectos: o sentido e a letra. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

OS DISCURSOS E A CULTURA Uma conseqüência da reformulação do terceiro período da obra de Lacan foi uma mudança na concepção de interpretação da cultura. A abordagem freudiana da cultura tomava como parâmetro as formações do inconsciente e a interpretação do recalcado. Porém Lacan, por meio da formalização do objeto pequeno a, como objeto causa do desejo, produziu um uso da interpretação que não comunicaria o sentido oculto da produção cultural, mas sim uma que incidiria sobre a causação material do desejo. Isso levou-o a concepção de que os discursos seriam o efeito da circulação do objeto causa do desejo que, por ser objeto, é diferente do significante e, portanto, fora do sentido.

Assim uma interpretação da cultura que levasse em conta esses fatores deveria ser pensada por meio das trocas objetais condicionadas pelos laços sociais que constituem os discursos.

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OS 4 + 1 DISCURSOS Os discursos consistem na formalização das diferentes possibilidades de se estabelecerem os laços sociais. Para formalizar os discursos, Lacan utiliza o que chamou de matemas, elementos mínimos do discurso, que cunhou a partir da inspiração da lógica e da matemática.

LUGARES

TERMOS S1 – significante mestre (verdade) S2 – cadeia significante (saber) $ – sujeito a – mais-gozar (causa do desejo) ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

OS 4 + 1 DISCURSOS

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DISCURSO DO MESTRE  O discurso do senhor e do reconhecimento (governar), onde o significante primordial ocupa o papel do agente.  No discurso do mestre (S1/$). O governo parece se instaurar a partir de leis, projetos de sociedades, programas etc. representados no matema (sua formula) pelo S1. Mas, na verdade, o que é escamoteado é que há sempre sujeitos ($) sustentando esse governar, essa dominação que é imposta ou aplicada aos outros sujeitos que devem cumprir as ordens; eles devem saber fazer, saber obedecer e saber produzir.

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DISCURSO DA HISTÉRICA  O discurso da sedução e da interrogação (fazer desejar), em que $ ocupa a posição de agente.  No discurso histérico ($/a), se o agente do discurso é o sujeito do inconsciente com seu sintoma e sua divisão ($), a verdade na qual esse discurso se embasa é o objeto a, mais-de-gozar (a) escondido do qual o sujeito se esmera em ser o porta-bandeira para atiçar o mestre.

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DISCURSO UNIVERSITÁRIO  O discurso da aplicação de um saber (educar), onde o outro ocupa a posição de agente.  Aqui, o saber ocupa a posição dominante; o sujeito sapiente é o agente. O professor veiculará o ensino. O "a” , como outro, representa o estudante que, causado pelo desejo, realiza o trabalho de escrever, sendo explorado pelo discurso universitário. O produto é um $, um sujeito barrado, incompleto, que terá desejo de saber mais.

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DISCURSO DO ANALISTA  O discurso da interpretação, onde o agente faz semblante de objeto a, ou seja ocupa o lugar de vazio e de falta, como forma de mobilizar a produção de significantes pelo outro.  Em oposição a esse lugar de dominância, o lugar do "outro significante" será preenchido pelo sujeito barrado [$]. Isso quer dizer que, neste lugar, o analista não corresponde a uma pessoa, a um ser; nem mesmo tratase de "fazer-se de conta" que é analista. Ele vem em função de semblante de objeto.

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DISCURSO DO CAPITALISTA  Corresponde ao modo de pensar contemporâneo, que tem o capital como pólo numa tentativa de negar a falta. Nele o sujeito passa a ocupar a cena como agente, na forma de um consumidor que terá disponibilizado os meios para adquirir o objeto.  O que caracteriza o discurso capitalista é a foraclusão da castração, sendo um discurso que exclui o outro do laço social, pois o sujeito só se relaciona com os objetosmercadoria comandado pelo significante-mestre capital.  É um discurso que não faz laço social – como verificamos em seu matema, em que não há relação entre o agente e o outro a quem esse discurso se dirigia. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

EQUILÍBRIO DOS REGISTROS Os três registros foram uma referência constante do trabalho de Lacan, com cada período da obra enfatizando e desenvolvendo mais particularmente um deles. A concepção dos registros como articulados em um nó borromeano (no qual o desenlace de um elemento libera também todos os outros) foi um recurso de Lacan para ultrapassar as limitações da temporalidade linear e da lógica sequencial. No último momento de sua obra, Lacan reordena as prioridades de registros, evidenciando a primazia do Real (R>S>I), mas nunca deixa de marcar a necessidade do equilíbrio do triplo registro para compreender a subjetividade. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

EQUILÍBRIO DOS REGISTROS Em seu seminário R.S.I., Lacan nomeia as intersecções entre os anéis como diferentes formas de gozo (jouissance), tendo o objeto a no meio dos três registros. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

SINTHOMA Com a ênfase cada vez maior na instância da letra e na constituição de laços sociais via discurso no último período de sua obra, Lacan deixou de lado a visão mais estrutural da subjetividade, calcada na organização do simbólico, para estudar as possibilidades, via registro do Real, de organização de amarrações do gozo que viriam a estabilizar e singularizar a organização dos anéis no sujeito. A essa possiblidade de amarração singular que constitui uma organização dos registros, Lacan chamou de sinthoma, que representou pela letra sigma (Σ) como um sinal matemático de combinatória. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

SINTHOMA

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CONTRIBUIÇÕES CLÍNICAS ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

CONCEPÇÕES DE CLÍNICA EM LACAN As duas primeiras concepções, imaginária e simbólica, não são excludentes e se integram ao longo do ensino de Lacan para formar seu modelo clássico de clínica. Pode-se entender que esse modelo clássico de clínica está pautado em uma concepção de travessia da análise que faça a passagem do eixo imaginário para o simbólico do desejo. O terceiro momento, contudo, faz uma ruptura com o paradigma do sentido, ampliando-o no sentido do gozo. Esse modelo vai ser conhecido então como “Clínica do Real”, ou “segunda clínica” de Lacan. Vamos tratar aqui exclusivamente da clínica clássica. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

PALAVRA PLENA E PALAVRA VAZIA Lacan mudou vários dos critérios técnicos clássicos da psicanálise. Ele pensa que no discurso do paciente pode haver palavra vazia e palavra plena. Há algo que se omite no discurso do paciente como forma de manter a gratificação narcisista do outro.

Lacan crê que um corte adequado conseguirá, através do ato, um efeito simbólico, instaurando o Outro e a palavra plena. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

PALAVRA PLENA E PALAVRA VAZIA Essa concepção esta fundada na própria ideia de linguagem que subsidia a teoria lacaniana e tem implicações sobre a compreensão do manejo interpretativo. A interpretação não consiste em fornecer um sentido oculto e inconsciente do discurso do paciente no contexto da transferência, como tradicionalmente se coloca (tornar o inconsciente consciente). É antes uma intervenção na própria cadeia discursiva do paciente, por meio de recursos que são da ordem da pontuação e da suspensão, mostrando novas articulações de sentido possíveis e desconstruindo a sua posição subjetiva. Por isso o recurso a escansões, repetições, interrogações e pontuações. Também é nesse sentido que pode haver a suspensão da sessão como corte que promove elaboração do sentido, dentro da ideia de um tempo lógico próprio do inconsciente. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

TRANSFERÊNCIA Desse modo, entende-se que se a linguagem aliena o sujeito e o converte em significante dentro de uma estrutura, é a linguagem que deve desaliená-lo. Isso leva Lacan a questionar as correntes pós-freudianas que seguem a linha das relações de objeto, priorizando a importância do vínculo emocional com o analista. A transferência, assim como o próprio sujeito do inconsciente, é uma produção da regra fundamental da análise e ela se produz de forma intensa e característica a partir da falha do analista em promover a dialética da ruptura de sentidos que se repetem no sujeito. Por isso a ideia de que a interpretação precisa romper o ciclo de repetição do sujeito e ao analista cabe não cair nesse lugar que o paciente o coloca.

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TRANSFERÊNCIA Assim, Lacan se afasta da concepção clássica da transferência, na medida em que considera que a transferência é resposta à falha do analista em seu processo de interpretação. Ao analista caberia sempre inverter a dialética do desejo em jogo no discurso do paciente. A transferência surgiria apenas no caso da falha dessa operação, como uma resistência ao processo. Essa é a origem da concepção de desejo do analista como causa da transferência. Outra diferença é que o manejo da transferência também em relação às técnicas clássicas, pois a interpretação transferencial é concebida como um reforço da posição de saber e de poder do analista. É nesse sentido que se costuma dizer que os lacanianos não interpretam a transferência, e sim na transferência.

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SUJEITO SUPOSTO SABER Essas noções irão se desdobrar na concepção do Sujeito Suposto Saber, como uma suposição imaginária de saber que sustentaria a transferência. O analista ao se colocar no lugar imaginário ou especular, oferecese ao paciente como aquele que conhece a verdade, Assim, o analista identificado ao pai imaginário, pode crer e fazer seu paciente crer que é o falo, desconhecendo que haja uma Lei, um Outro, ao qual ambos, paciente e analista, devem se remeter. Evidentemente, a tarefa do analista será a de sempre evitar a identificação a esse lugar, fazendo uso da interpretação como ruptura do sentido imaginário e produzindo um reconhecimento da condição estrutural da castração. É nesse sentido que Lacan irá afirmar que o desejo do analista deve ser apenas o de que o processo analítico aconteça. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

SÍNTESE E CONCLUSÕES ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

MOVIMENTO LACANIANO Talvez mais do que qualquer outra escola de psicanálise, o lacanismo se configurou como um movimento – político, institucional, teórico – com amplas repercussões sociais e culturais, influenciando o meio acadêmico mais amplo. As questões mais ideológicas e políticas envolvidas tem se esmorecido, uma vez que se estabilizou a organização do movimento psicanalítico internacional em uma tendência cada vez maior à pluraridade e a diversidade, como vimos no tocante à era contemporânea. No entanto, muitos aspectos que caracterizam o movimento psicanalítico no Brasil hoje são decorrentes do impacto e desdobramentos do movimento lacaniano. De qualquer forma, a maior contribuição do movimento lacaniano está na renovação, em todos os níveis teóricos e técnicos, do legado freudiano, em especial no tocante à ampliação da prática clínica e no resgate da discussão com a dimensão sócio-cultural.

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ORIGINALIDADE DO PENSAMENTO Na obra de Lacan sobressaem a originalidade e a audácia em criar novos modelos para pensar os problemas do campo psicanalítico. Sua reformulação da dimensão mais básica da teoria – seus pressupostos epistemológicos e seus fundamentos metapsicológicos é profunda, chegando a modificar o seu próprio eixo de referência:  A alienação do sujeito em Lacan é mais radical do que a de Freud e a de Marx, implicando em uma visão pós-moderna da subjetividade, na medida em que a concepção clássica de sujeito é desconstruída para dar lugar a uma alienação fundamental do desejo ao discurso do Outro.  Do ponto de vista epistemológico, essa concepção de sujeito rompe definitivamente com qualquer pretensão naturalista para o objeto da Psicanálise, fundando a psicanálise como um verdadeiro saber do campo das ciências humanas. Mais do que tudo, ajuda a subverter a própria relação entre saber e verdade sob o prisma de uma categoria absolutamente original ao pensamento metafísico e à discussão epistemológica: o desejo como condição do saber e do poder. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

ORIGINALIDADE DO PENSAMENTO Esse redirecionamento axiológico é marcado por algumas contribuições extremamente originais e relevantes, de forma que podemos afirmar da teoria da Lacan que:  Sua contribuição ao narcisismo resgata e valoriza a dimensão intersubjetiva e dialética da constituição do sujeito.  Sua compreensão do Édipo reposiciona a questão do desejo e da sexualidade em torno de uma concepção renovada do conceito de falo.  Sua concepção de desenvolvimento rompe definitivamente com noções funcionais, evolutivas, lineares e biológicas.  O estatuto de sua teoria das pulsões é alçado a um novo patamar, articulado diretamente à dimensão constitutiva da linguagem.  Esse enfoque da intersubjetividade como submissão à estrutura da linguagem, por sua vez, renova a própria compreensão da relação entre o indivíduo e a cultura.  Sua concepção dos registros da subjetividade expressa uma nova forma de compreender a organização e a lógica do funcionamento do sujeito do inconsciente.  O próprio âmago de sua concepção de sujeito aponta para uma negatividade essencial da condição humana. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

POSTULADOS LINGUÍSTICOS Muito se discutiu sobre a concepção de significação e sua estrutura como fundamento para a subjetividade em Lacan. As críticas envolvem:  A primazia do significante como um desequilíbrio em relação à formulação original de Saussure.  Sua concepção restrita de significante como fundamento da subjetividade, deixando de lado outras experiências psíquicas, em especial o campo dos afetos e emoções.  A primazia do simbólico e a convicção do imaginário como dimensão puramente ilusória da subjetividade também foi amplamente criticada, embora seja preciso admitir que o próprio Lacan ultrapassou a restrição da subjetividade ao registro do simbólico no último momento de sua obra.  Contudo, as últimas formulações de Lacan sobre as questões da linguagem , em torno da letra e da alíngua, que visam justamente essa ultrapassagem do paradigma linguístico, são pouco compreendidas pelos psicanalistas fora do movimento lacaniano.  Talvez a crítica mais comum e que marca um corte bastante nítido com outras tradições psicanalíticas é justamente a visão da subjetividade e do processo analítico como um processo da ordem da linguagem e não da experiência emocional. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

INOVAÇÕES TÉCNICAS É nas questões técnicas, sobretudo, que se apresentam as maiores resistências às propostas lacanianas, como atesta a própria história da psicanálise, pois foram as inovações técnicas que levaram à “excomunhão” da IPA. Foram elas:  Em geral se critica a artificialidade da técnica e sua suposição de uma alta capacidade do paciente de elaborar seu desejo por meio das operações significantes.  Também se critica uma certa ideologia da isenção e da implicação do analista no processo do paciente, por meio de uma simplificação das ideias de não ocupar a posição de sujeito suposto saber ou de ficar na posição de objeto a para o desejo do paciente, além da desconsideração dos aspectos instrumentais da contra-transferência.  No campo técnico, a posição quanto à desconsideração dos processos afetivos e experiências emocionais também encontra ressonância.

Por outro lado, não se pode negar que Lacan renovou a compreensão do método psicanalítico, contribuindo para uma nova posição quanto ao setting que foi fundamental para a ampliação da clínica para além do modelo psicoterapêutico tradicional e que avançou significativamente na clínica das psicoses. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

INOVAÇÕES TÉCNICAS Segundo Bleichmar e Bleichmar (1989, p. 187), os principais aportes que a teoria lacaniana traz para uma concepção de clínica psicanalítica e, portanto, incidem sobre a técnica e a ética da psicanálise são: 1. Função da palavra em psicanálise: importância da análise do discurso do paciente, do ponto de vista dos significantes; especial atenção à morfologia, pontuação, entonação, etc. 2. Aparecimento da ordem imaginária, narcisista, entre analista e paciente: a transferência do paciente converte o analista em Sujeito Suposto Saber, possuidor do falo; seu discurso se transforma em palavra vazia, onde se oculta o desejo de reconhecimento, de amor, próprio da demanda. 3. Necessidade de restituir o paciente ao simbólico: superar sua alienação, resolver o Édipo, restaurar a palavra plena; de forma que se transforme de sujeito alienado a sujeito de sua história. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

INOVAÇÕES TÉCNICAS “Apesar disso, sua teoria tem algumas propostas técnicas que consideramos inexatas, e erros verdadeiramente graves para a prática. Renega a capacidade humana para pensar os problemas e sua potencialidade para aceder à verdade. A palavra vazia do paciente é rompida mais com um ato do que com uma explicação. Passa-se do imaginário ao simbólico, através de um corte no discurso feito pelo analista; interrompe-se a sessão, o analista não fala, interpreta-se um significante. Nesta teoria, o poder da letra e do código sobre o indivíduo é completo. A obra de Lacan insiste que o sujeito fica inscrito a partir de fora, sem liberdade de escolha. O estruturalismo utilizado revive a paixão pela razão, colocada na estrutura, como a racionalidade causal auto-regulada; desaparece o acaso, a casualidade, exagerando-se o determinismo dos fatores externos ao sujeito.” (BLEICHMAR & BLEICHMAR, 1989, p. 173) ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

SOBRE AS INOVAÇÕES TÉCNICAS “Não há maneira de questionar o imaginário, a não ser por meio da interpretação e do insight. Com efeito, se o paciente não entende seu conflito, como acreditar que o superará? Para Lacan, a palavra plena faz ato. Com isto se misturam dois níveis diferentes e se privilegia o ato, acima da transformação do inconsciente em consciente. Sobrevém o ritual: escansão, silêncio, pontuação ambígua; sem se dar conta, como dizíamos anteriormente, de que cada um destes procedimentos, se não forem interpretados para dar sentido à experiência, corre o perigo de se converter na mais terrível das fascinações. Propicia-se justamente aquilo que se procura evitar: uma recaída do imaginário.” (BLEICHMAR & BLEICHMAR, 1989, p. 187) ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

QUESTÕES INSTITUCIONAIS É muito questionável a pretensão lacaniana de se converter na única versão aceitável da teoria psicanalítica e num cânone pessoa acerca do que é do que não é freudiano, já que todos os pós-freudianos, da psicologia do ego aos kleinianos, passando pelos independentes como Winnicott, são impiedosamente criticados. Embora muitas críticas sejam pertinentes e originais, muitas vezes há a distorção ou simplificação das contribuições dos outros autores, o que muitas vezes é amplificado dentro do movimento lacaniano, gerando uma profusão de reprodução de discursos sem conhecimento de causa, gerando posicionamentos meramente políticos e ideológicos. Um último ponto, que também contribui para essa “ideologia” lacaniana é o próprio estilo expositivo de Lacan, que deixa na sombra muitas de suas ideias, por meio do argumento de que o inconsciente nunca se exprime diretamente e que, portanto, a verdade do desejo não pode ser objetivada ou mesmo fixada em um sentido único. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

QUESTÕES INSTITUCIONAIS “O estilo de Lacan é gongórico (rebuscado, elíptico, acompanhando a Gôngora). Para o estudante que se inicia em psicanálise, Lacan, encerra uma tentação e um perigo. Quando se aceita, piamente, seu discurso, pode-se crer que conhecê-lo é igual a tudo saber sobre a disciplina. Aparentemente, isto encurta o caminho a percorrer, pois aproximar-nos-ia rapidamente da posição de conhecedores. O perigo consiste em não nos darmos conta da distorção que Lacan faz dos outros autores. A única forma de escapar do perigo é estudá-los, o que leva muito tempo e esforço, o que muita gente omite.” (BLEICHMAR & BLEICHMAR, 1989, p. 177-178). ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

CONCLUSÃO Apesar das críticas, que muitas vezes recaem mais sobre o movimento lacaniano e seu estilo institucional ou que decorrem de incompreensão, reducionismo e má-fé intelectual em relação às contribuições lacanianas, o fato é que o pensamento de Lacan é um divisor de águas no movimento e na teoria psicanalítica, renovando de alto a baixo todos os setores da Psicanálise. Portanto, Lacan é referência fundamental na psicanálise contemporânea, quer seja por sua ampla influência nos principais pensadores da psicanálise hoje, quer seja pela reorientação epistemológica e ética que trouxe a essa disciplina, colocando-a em direção a uma perspectiva pósmoderna de subjetividade. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

REFERÊNCIAS Básicas CALLIGARIS, C. O inconsciente em Lacan. In: KNOBLOCH, F. (org.), O inconsciente, várias leituras. São Paulo: Escuta, 1991, p. 167-182. BLEICHMAR, N. M.; BLEICHMAR, C. L. Lacan: apresentação. In: BLEICHMAR, N. M.; BLEICHMAR, C. L. A psicanálise depois de Freud: teoria e clínica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989, p. 138169. BLEICHMAR, N. M.; BLEICHMAR, C. L. Lacan: discussão e comentários. In: BLEICHMAR, N. M.; BLEICHMAR, C. L. A psicanálise depois de Freud: teoria e clínica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989, p. 170-192.

Complementares NASIO, Juan-David. Introdução as obras de Freud, Ferenczi, Groddeck, Klein, Winnicott, Dolto e Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995. (Coleção Transmissão da Psicanálise) DOR, J. Introdução à leitura de Lacan. v. 1. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003. DOR, J. Introdução à leitura de Lacan. v. 2. Porto Alegre: Artmed, 1995. ÉRICO BRUNO VIANA CAMPOS – A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD

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