Direito Civil - G7

July 7, 2024 | Author: Anonymous | Category: N/A
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MAGISTRATURA E MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAIS Mônica Queiroz Direito Civil Aula 01

ROTEIRO DE AULA

PARTE GERAL DO DIREITO CIVIL 1. INTRODUÇÃO: DIREITO OBJETIVO x DIREITO SUBJETIVO

A) DIREITO OBJETIVO: é o complexo de normas regulador das relações, com fixação em abstrato. Quando observamos qualquer lei, o que temos dentro dela são normas e regras fixadas abstratamente.

Exemplo.: a norma que trata do ato ilícito no Código Civil (Art. 186, CC) situa-se no plano abstrato até que um indivíduo entre na contramão e colida frontalmente com o carro que vem na direção contrária. Quando a colisão acontece, o ato ilícito se manifesta no plano concreto, emergindo daí um direito subjetivo.

B) DIREITO SUBJETIVO: é a projeção ou manifestação individual da norma. Importa notar que o direito subjetivo é formado por 03 elementos: (i) sujeito; (ii) objeto e (iii) relação jurídica.

1.1 ELEMENTOS DO DIREITO SUBJETIVO ✓ Sujeito: Livro I (arts. 1º e ss., CC) ✓ Objeto: Livro II (arts. 79 e ss., CC) ✓ Relação Jurídica: Livro III (arts. 104 e ss., CC)

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- Os 03 elementos que compõe o direito subjetivo definem o formato da Parte Geral do Código Civil.

1.1.1 SUJEITO

CONCEITO: sujeito é o titular do direito subjetivo. •

São sujeitos para o Direito:

(i) Pessoa Natural;

(ii) Pessoa Jurídica;

(iii) Entes Despersonalizados;

2. PESSOA NATURAL

- Pessoa Natural é o ser humano, independentemente de qualquer adjetivação (sexo, idade, religião, raça, etc...).

DICA: prefira a terminologia Pessoa Natural ao invés de Pessoa Física, uma vez que este último termo patrimonializa o ser humano, contrariando a dinâmica atual do Direito Civil, que é a da despatrimonialização (= valorização do aspecto existencial).

Personalidade Jurídica (= personalidade civil): toda Pessoa Natural tem personalidade jurídica. A personalidade jurídica traduz a aptidão genérica reconhecida a toda e qualquer pessoa para que possa titularizar relações jurídicas e reclamar a proteção dedicada aos direitos da personalidade.

Art. 1º, CC. Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.

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- Falar que a personalidade é reconhecida a toda e qualquer pessoa significa dizer que todo ser humano a detém, independentemente de qualquer aspecto formal (registro, documentação, condição pessoal ou social, etc...).

- É em virtude da personalidade que o indivíduo pode ser parte em relações jurídicas e, ao mesmo tempo, pode exigir proteção aos seus direitos da personalidade.

LEMBRE-SE: os direitos da personalidade são aqueles direitos aos nossos atributos fundamentais, tais como a honra; a imagem; a intimidade e a integridade física.

Exemplo.: indivíduo que liga a T.V e nota que um determinado canal está exibindo, sem a sua autorização, um vídeo em que ele aparece. Neste caso, é possível reclamar a proteção da imagem em face da emissora.

2.1 INÍCIO DA PERSONALIDADE DA PESSOA NATURAL (TEORIAS)

A) TEORIA NATALISTA: Nascimento + Vida (Art. 2º, 1ª met., CC)

- A personalidade da pessoa natural se inicia do nascimento com vida. Nesse sentido, ver: Silvio Rodrigues, Caio Mário, etc...

- O nascimento ocorre com a separação do corpo da criança em relação ao ventre materno, não sendo necessário que já tenha havido o corte do cordão umbilical. •

O que é vida? – A vida ocorre com a primeira troca oxicarbonica do bebê com o meio (= respiração).

- A Teoria Natalista é adotada no Art. 2º do CC. O legislador exige apenas dois elementos: (i) nascer e (ii) nascer com vida. Não se exige, como acontecia no Direito Romano, forma humana. Também não se exige tempo de nascimento e viabilidade de vida.

Art. 2º, CC: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” OBS.1.: Registro da pessoa natural

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- O Código Civil atribui personalidade ao ser humano nascido vivo, independentemente de registro. O registro da Pessoa Natural é meramente declaratório.

OBS.2.: Neomorto x Natimorto

- O neomorto é aquele que nasceu; respirou e, depois, faleceu. Com base na Teoria Natalista, o neomorto chega a adquirir personalidade jurídica.

- Diferente é o caso do natimorto, que é aquele que nasceu morto. Como não se operou a vida, os natalistas sustentam que o natimorto não chega a adquirir personalidade.

- Vale notar que o registro do neomorto é duplo, pois deverá haver um (i) Registro de Nascimento e um (ii) Registro de Óbito.

- O registro do natimorto, por sua vez, é submetido apenas a um registro especial no Livro C Auxiliar do Cartório de Registro das Pessoas Naturais.

OBS.3.: Nascituro (art. 2º, 2ª met., CC)

- É o ente concebido, mas não nascido. Como não houve nascimento, não há, ainda, personalidade. Mesmo assim, o legislador garante ao nascituro a aptidão para gozar de alguns direitos.

Art. 2º, CC: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”

B) PERSONALIDADE CONDICIONAL

- A personalidade se inicia da concepção, desde que, no futuro, se implemente uma condição, isto é, o nascimento com vida. Todavia, ao subordinar a existência de personalidade a um acontecimento futuro e incerto, essa teoria não resolve o problema relativo aos direitos do nascituro. Nesse sentido, ver: Washington de Barros Monteiro.

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Nascimento com vida

Concepção

C) TEORIA CONCEPCIONISTA: concepção

- Mais atual, a Teoria Concepcionista defende que a personalidade se inicia da concepção. Nesse sentido, ver: Silmara Chinelato; Nelson Rosenvald; Flávio Tartuce e outros.

OBS.: Teoria da Personalidade Condicional x Teoria Concepcionista

- A Teoria da Personalidade Condicional subordina a aquisição da personalidade ao implemento de uma condição, o que não ocorre no caso da Teoria Concepcionista que coloca a concepção como único requisito para a aquisição da personalidade. •

ARGUMENTOS QUE FUNDAMENTAM A TEORIA CONCEPCIONISTA:

- Embora o Art. 2º estabeleça que a personalidade se inicia do nascimento com vida, o mesmo diploma legal trata a questão de forma diferente em outros dispositivos, ainda que de modo implícito.

(I) É possível o reconhecimento de paternidade do nascituro (art. 1.609, parágrafo único, CC);

- Se é possível reconhecer a paternidade em relação ao nascituro é porque ele tem personalidade.

Art. 1.609, CC. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito: [...] Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.

(II) O nascituro tem legitimidade para herdar (art. 1.798, CC)

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- Só quem tem personalidade pode herdar.

Art. 1.798, CC. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão

(III) É possível a nomeação de curador ao nascituro (art. 1.779, CC)

Exemplo.: se uma gestante é interditada e o juiz nomeia um curador para ela, este também será curador do nascituro. E, se é possível nomear curador ao nascituro, é porque ele é pessoa e merece proteção.

Art. 1.779, CC. Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar.

Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro.

(IV) O nascituro pode ser donatário (art. 542, CC)

Art. 542, CC. A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal •

Lei nº 8.069/90 (ECA), art. 8º: defere ao nascituro a garantia de nascer saudável;



CP: criminaliza o aborto, sendo considerado crime contra a PESSOA;



Lei nº 11.804/08, Lei de alimentos gravídicos.

- Se o nascituro tem direito a alimentos, ele é pessoa.

JURISPRUDÊNCIA

- Há tempos o STJ vem se inclinando à adoção da Teoria Concepcionista.

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STJ: reconhece a proteção aos direitos da personalidade do nascituro (REsp 931.556 – RS), implicando reparação por dano moral ao nascituro.

“Com efeito, ao que parece, o ordenamento jurídico como um todo – e não apenas o Código Civil de 2002 – alinhou-se mais à teoria concepcionista para a construção da situação jurídica do nascituro, conclusão enfaticamente sufragada pela majoritária doutrina contemporânea [...] Por outro ângulo, cumpre frisar que as teorias mais restritivas dos direitos do nascituro – natalista e da personalidade condicional – fincam raízes na ordem jurídica superada pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002.” (Trecho do voto do Rel. Min. Luis Felipe Salomão, no REsp nº 1.415.727 – SC, j. 04/09/2014)

DICA: a expressão “situação jurídica do nascituro” costuma aparecer muito nas provas do Ministério Público. As vezes a questão nem está perguntando acerca do início da personalidade, mas sim sobre todos os demais aspectos que envolvem tal situação. Assim, é necessário que saibamos que o nascituro pode ser herdeiro; donatário e que é possível reconhecimento de paternidade em relação a ele.

ENUNCIADO Nº 01, CJF: “A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome, imagem e sepultura.”

- Há de se ter em conta que os enunciados tem apenas natureza doutrinária.

- O Enunciado nº 1 do CJF tem índole nitidamente concepcionista.

2.2 FIM DA PERSONALIDADE DA PESSOA NATURAL (MORTE)

- A morte extingue a personalidade, mas não coloca fim aos direitos da personalidade, que se projetam para além da morte da pessoa. Exemplo nesse sentido é o caso da morte do cantor Cristiano Araújo, onde a imprensa começou a fotografar e veicular imagens do corpo do cantor, violando o direito que seus familiares tinham sobre a sua imagem/memória.

Art. 6º, CC: “A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.”

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A) ESPÉCIES DE MORTE

(I) MORTE REAL: a morte real é aquela em que há um corpo cujas funções vitais cessaram.

OBS.: de acordo com o Art. 3º da Lei 9434/97 para que ocorra a doação de órgãos, basta que cesse apenas uma função vital, qual seja, a encefálica.

Art. 3º, Lei 9434/97. A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.

§ 1º Os prontuários médicos, contendo os resultados ou os laudos dos exames referentes aos diagnósticos de morte encefálica e cópias dos documentos de que tratam os arts. 2º, parágrafo único; 4º e seus parágrafos; 5º; 7º; 9º, §§ 2º, 4º, 6º e 8º, e 10, quando couber, e detalhando os atos cirúrgicos relativos aos transplantes e enxertos, serão mantidos nos arquivos das instituições referidas no art. 2º por um período mínimo de cinco anos.

§ 2º Às instituições referidas no art. 2º enviarão anualmente um relatório contendo os nomes dos pacientes receptores ao órgão gestor estadual do Sistema único de Saúde.

§ 3º Será admitida a presença de médico de confiança da família do falecido no ato da comprovação e atestação da morte encefálica.

ATENÇÃO: conforme ensinam os especialistas em Medicina Legal, o termo morte cerebral não é adequado, dado que a função encefálica é muito mais ampla do que a função cerebral.

(II) MORTE CIVIL/FICTÍCIA: é aquela em que tratamos uma pessoa que está viva como se ela estivesse morta. A morte civil atinge a dignidade da pessoa humana, motivo pelo qual deve ser repudiada, não devendo existir no Brasil. O ordenamento brasileiro, entretanto, ainda conta com algumas exceções nas quais ainda temos resquícios desse tipo de morte. São exemplos: (i) a exclusão do herdeiro por indignidade

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e a (ii) deserdação. Nestes dois institutos, a pessoa viva será tratada como se estivesse morta para fins de sucessão.

(III) MORTE PRESUMIDA: é oposto de morte real. Na morte presumida não há corpo. •

Lei Especial: Lei nº 9.140/95

- A pessoa que tenha participado de atividade política no período da ditadura militar e não mais apareceu deverá ser considerada presumidamente morta. •

Código Civil

SITUAÇÃO 1

Art. 7º, CC. Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:

I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;

II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra.

Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.

- A morte presumida do Art. 7º nada tem a ver com o procedimento de decretação de ausência.

- O inciso I faz referência a situações de tragédia (ex.: pessoas não encontradas na tragédia de Brumadinho; caso Elisa Samúdio, etc...).

- O inciso II trata dos casos em que uma pessoa foi para a guerra e, depois do fim dela, não há notícias do indivíduo durante o período de 02 anos.

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Requisito indispensável: nas duas situações exige-se o preenchimento de um requisito essencial para a declaração de morte presumida, qual seja, o esgotamento de todas as buscas e averiguações (Art. 7º, parágrafo único, CC).

SITUAÇÃO 2: AUSÊNCIA (ARTS. 22/39, CC)

- Após o procedimento de ausência, o ausente é declarado presumidamente morto. •

HIPÓTESES QUE AUTORIZAM A ABERTURA DO PROCEDIMENTO DE AUSÊNCIA:

1ª) Art. 22, CC: “Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência, e nomear-lhe-á curador.”

- Ocorre quando se opera o simples desaparecimento da pessoa.

Exemplo.: pessoa que foi comprar cigarro e nunca mais voltou.

2ª) Art. 23, CC: “Também se declarará a ausência, e se nomeará curador, quando o ausente deixar mandatário que não queira ou não possa exercer ou continuar o mandato, ou se os seus poderes forem insuficientes.”

- Nesta segunda hipótese, o desaparecido nomeia um mandatário antes de ir embora, mas o procurador não quer ou não pode continuar a exercer o mandato com os poderes que lhe foram outorgados, ou ainda, seus poderes se tornam insuficientes para gerir a vida do mandante . Nesta situação, temos um desaparecimento e consequente nomeação de mandatário, o qual, a despeito de regularmente constituído, não pode ou não consegue exercer suas funções. •

PROCEDIMENTO DE AUSÊNCIA

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1ª FASE: DECLARAÇÃO DA AUSÊNCIA

ETAPA 1: o interessado ou o MP comunicam o desaparecimento, não exigindo a lei nenhum lapso temporal para que seja efetuada a comunicação de desaparecimento.

ETAPA 2: arrecadação dos bens do ausente.

ETAPA 3: nomeação de curador para os bens do ausente; preferencialmente o cônjuge não separado de direito (judicial ou extrajudicialmente). Podem também ser nomeados, na falta de cônjuge, os pais do ausente ou os descendentes, nesta ordem. Não sendo possível, o juiz nomeia uma pessoa idônea que ele entende apta para exercer as funções de curadoria.

- Se a separação não foi formalizada, mas os cônjuges vivem em casas distintas (separação de fato), a curadoria dos bens do ausente caberá apenas ao cônjuge que não estiver separado de fato há mais de 2 anos antes da arrecadação dos bens.

ATENÇÃO: embora o Art. 25 silencie em relação a separação extrajudicial, entende a doutrina que o disposto nele também se aplica a essa forma de separação.

Art. 25, CC: “O cônjuge do ausente, sempre que não esteja separado judicialmente, ou de fato por mais de dois anos antes da declaração da ausência, será o seu legítimo curador.”

- No caput do Art. 25 do CC não se fala em União Estável. A despeito disso, entende a doutrina que também é possível que o companheiro/companheira sejam nomeados como curador.

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Enunciado nº 97, CJF: “No que tange à tutela especial da família, as regras do Código Civil que se referem apenas ao cônjuge devem ser estendidas à situação jurídica que envolve o companheiro, como, por exemplo, na hipótese de nomeação de curador dos bens do ausente (art. 25 do Código Civil).”

- Se a pessoa não era casada e nem mantinha União Estável com ninguém, o §1º do Art. 25 determina que serão nomeados como curador os pais, ou, na falta deles, os descendentes.

2ª FASE: SUCESSÃO PROVISÓRIA

1ª ETAPA: REQUERIMENTO

HIPÓTESE: (i) Art. 22 (1 ano, se o fundamento for o desaparecimento) ou (ii) Art. 23 (3 anos, se o sujeito desapareceu, mas, antes disso, nomeou mandatário).

Art. 26, CC: Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou, se ele deixou representante ou procurador, em se passando três anos, poderão os interessados requerer que se declare a ausência e se abra provisoriamente a sucessão. •

A sucessão provisória só se inicia após requerimento de um dos interessados listados no Art. 27, CC:

Art. 27, CC. Para o efeito previsto no artigo anterior, somente se consideram interessados:

I - o cônjuge não separado judicialmente;

II - os herdeiros presumidos, legítimos ou testamentários;

III - os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente de sua morte;

IV - os credores de obrigações vencidas e não pagas.

ATENÇÃO: apenas os credores de obrigações vencidas e não pagas são legitimados. Os credores de obrigações vincendas não podem requerer a abertura da sucessão provisória.

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Declaração de ausência: note que tanto o Art. 22 quanto o 26 falam em declaração de ausência. Poucos são os autores que enfrentam essa questão a fim de responder qual seria o momento em que a ausência é realmente declarada. César Fiuza, por exemplo, afirma que a declaração de ausência ocorre no início (Art. 22), de modo que o Art. 26 menciona a declaração de ausência apenas como forma de se confirmar uma declaração que já havia ocorrido anteriormente.

2ª ETAPA: EFEITOS DA SUCESSÃO PROVISÓRIA

(I) Partilha de bens (havendo testamento, a partilha será feita nos termos deste); (ii) Imissão na posse dos bens pelos herdeiros (os herdeiros não são considerados proprietários);

Art. 37, CC. Dez anos depois de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória, poderão os interessados requerer a sucessão definitiva e o levantamento das cauções prestadas.

3ª ETAPA: SUCESSÃO DEFINITIVA

- Com a declaração de morte presumida, os herdeiros tornam-se proprietários dos bens.

ATENÇÃO: a declaração de morte presumida não se confunde com a declaração de ausência. A declaração de ausência ocorre no início do procedimento como forma de reconhecer a ocorrência do fato que autoriza a instauração do procedimento de ausência. Por outro lado, a declaração de morte ocorre no final do procedimento, como forma de viabilizar a sucessão definitiva.

Hipótese especial do Art. 38, CC: a hipótese do Art. 38 do Código Civil, que também autoriza a abertura da sucessão definitiva, é sui generis, dado que tem natureza autônoma, sendo independente do procedimento de ausência. Ainda que o procedimento nunca tenha sido aberto, o interessado, comprovando o preenchimento dos requisitos do Art. 38, pode requerer, de imediato, a sucessão definitiva. O indivíduo de quem se requer a sucessão definitiva deve contar com, no mínimo, 80 anos no momento do pedido, estando desaparecido por 5 anos ou mais. Vale anotar que se o indivíduo tem 79 anos, por exemplo, o juiz deve começar do início do procedimento de ausência. Todavia, cumprido o

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requisito da idade mínima no curso do procedimento, autoriza-se que o magistrado pule etapas e passe logo a fase final (= sucessão definitiva).

Art. 38, CC. “Pode-se requerer a sucessão definitiva, também, provando-se que o ausente conta oitenta anos de idade, e que de cinco datam as últimas notícias dele.” ➢ REAPARECIMENTO DO AUSENTE: se o ausente reaparecer, as consequências do reaparecimento variarão conforme o momento. Se o ausente reaparece logo depois da declaração de ausência ou durante a sucessão provisória não há problema, uma vez que no primeiro caso os bens do ausente estão apenas sob curatela e, no segundo, foram entregues aos herdeiros apenas a posse. Todavia, se o ausente reaparece até 10 anos depois da sucessão definitiva, o sujeito receberá os bens no estado em que se encontram, incluindo-se aí os bens sub-rogados (ex.: herdeiro vende o bem herdado para comprar outro). Reaparecendo o ausente em prazo superior a 10 anos, o indivíduo não terá mais direito a nada, conforme entende a doutrina.

B) COMORIÊNCIA

CONCEITO: é a presunção iures tantum (relativa) de simultaneidade de mortes entre duas ou mais pessoas, desde que herdeiras ou beneficiárias entre si (ex.: pai e filho; marido e mulher, etc...). Tem-se aqui uma presunção que admite prova em sentido contrário.

Art. 8º, CC: “Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos.”

Exemplo.: imagine que um casal esteja realizando uma viagem. O marido não possui nem ascendente vivo e nem descendente, mas apenas irmãos. O mesmo se diga da esposa. Se os dois morrerem em um acidente de carro, é necessário determinar quem morreu primeiro. Só assim podemos estabelecer com relativa segurança qual a ordem de vocação hereditária. Caso não seja possível descobrir a ordem dos óbitos por meio de prova pericial ou testemunhas, aplica-se a presunção de comoriência. E, se ambos morreram na mesma hora, um não herdou do outro. O patrimônio do casal, então, será partilhado em proporções iguais entre os irmãos do marido os irmãos da mulher. Se, por outro lado, descobrir-se que quem morreu antes

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foi a mulher, a herança da mulher transmite-se ao marido e, com a morte deste, para os irmãos dele. Neste último caso, os irmãos da mulher não receberão nada.

ATENÇÃO: se as pessoas que são herdeiras ou beneficiárias entre si faleceram ao mesmo momento, mas em acidentes distintos (ex.: o pai no Rio de Janeiro e o filho em São Paulo), há comoriência mesmo assim.

3. CAPACIDADE

CONCEITO: capacidade é a medida da personalidade. •

ESPÉCIES:

A) CAPACIDADE DE DIREITO/AQUISIÇÃO/GOZO: é a aptidão para adquirir direitos e contrair deveres. Todas as pessoas possuem esse tipo de capacidade.

Art. 1º, CC. Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.

B) CAPACIDADE DE FATO/ EXERCÍCIO/ AÇÃO: é a aptidão para praticar, pessoalmente, por si só, os atos da vida civil (ex.: contrato). Nem todas as pessoas possuem tal capacidade. Todavia, não havendo capacidade de fato, é possível suprir a sua ausência por meio de representação ou assistência.

ATENÇÃO: Capacidade de fato x Legitimação

- Por vezes, a pessoa está impedida de praticar determinado ato, ainda que tenha capacidade de fato. Tais são as situações em que a lei exige uma espécie de capacidade específica, conhecida como legitimação.

- A legitimação são requisitos especiais que a lei exige de determinadas pessoas, em determinadas situações para a prática dos atos da vida civil.

Exemplo¹.: Art. 496, CC: “É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.”

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- Como regra, o pai não pode vender um bem seu a um de seus filhos sem o consentimento dos demais, pois falta-lhe legitimação. O suprimento da ausência de legitimação neste caso só pode ser feito se o pai obtiver a autorização dos demais descendentes, bem como do cônjuge, a depende do regime de bens.

Exemplo².: o tutor não pode adquirir bens do tutelado, não havendo que se falar em suprimento da ausência de legitimação nesta hipótese, em razão do disposto no Art. 497 do CC, cujo texto retira do tutor essa legitimação sem trazer nenhuma alternativa para fins de suprimento. Art. 497, CC. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública:

I - pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua guarda ou administração; •

E a vênia conjugal?

Algumas pessoas tem capacidade de direito e de fato, mas, mesmo assim, necessitam da autorização do cônjuge para praticar certos atos da vida civil. Trata-se da hipótese de legitimação prevista no Art. 1647 do CC. No caso de um contrato de compra e venda, por exemplo, o Art. 1647 do CC deixa clara a necessidade de vênia. Todavia, sendo o contrato uma locação, deve-se ter em conta a regência da Lei 8245/91, a qual prevê, em seu Art. 3º, a possibilidade de contrato de locação por qualquer prazo, mas que, sendo tal prazo igual ou superior a 10 anos, é necessária a vênia conjugal.

Art. 1.647, CC. Ressalvado o disposto no art. 1.648 , nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;

II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;

III - prestar fiança ou aval;

IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.

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Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada.

Art. 3º, Lei 8245/91.O contrato de locação pode ser ajustado por qualquer prazo, dependendo de vênia conjugal, se igual ou superior a dez anos. Parágrafo único. Ausente a vênia conj ugal, o cônjuge não estará obrigado a observar o prazo excedente.

CAPACIDADE DE FATO X LEGITIMAÇÃO X LEGITIMIDADE

- Legitimação é instituto de Direito Civil que traduz a necessidade da observância de certos requisitos por certas pessoas nas situações em que a lei assim o exigir.

- Legitimidade é instituto de Direito Processual Civil, sendo uma das condições da ação.

- O grande problema aqui é que, muitas vezes, a doutrina e a jurisprudência tomam um tema pelo outro, quando não a própria lei faz isso. O Art. 12, parágrafo único do Código Civil, por exemplo, fala em legitimação quando, na verdade, está se referindo à legitimidade.

Art. 12, CC. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.

3.1 TEORIA DAS INCAPACIDADES

A) PREMISSAS

- A única capacidade que pode faltar à uma pessoa é a capacidade de fato, dado que a capacidade de direito todos têm.

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I) A capacidade é a regra e a incapacidade é exceção: na sociedade, a regra é de que todos sejam capazes. Como o legislador atende a uma técnica legislativa para a elaboração do texto legal, ele prefere indicar quais são as exceções, de modo a conduzir o intérprete a conclusão de que todos aqueles sujeitos que não estão tratados na lei são dotados de capacidade de fato.

II) Incapacidade é a restrição legal à prática pessoal dos atos da vida civil: não existe incapacidade negocial ou contratual. A incapacidade sempre decorre, necessariamente, de lei.

III) A Teoria das Incapacidades existe para a proteção dos incapazes

B) GRAUS DE INCAPACIDADE

B.I) Total: são os absolutamente incapazes (Art. 3º, CC), os quais são totalmente inaptos para a prática dos atos da vida civil. Diante de sua inaptidão total, o absolutamente incapaz deve ser representado quando da prática dos atos da vida civil, sob pena destes serem tidos como nulos.

Art. 3º, CC São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

I - (Revogado) ; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

II - (Revogado) ; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

III - (Revogado) . (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

B.II) Parcial: são os relativamente incapazes (Art. 4º), cuja prática dos atos da vida civil reclama a necessidade de assistência, sob pena de anulabilidade do ato.

Art. 4º, CC. São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

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II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

IV - os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

REPRESENTAÇÃO x ASSISTÊNCIA

- O campo de atuação do representante em relação ao representado é muito mais amplo do que o do assistente em relação ao assistido.

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MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS Direito Civil Profa. Mônica Queiroz Aula 10

ROTEIRO DE AULA

Temas: TEORIA DAS INCAPACIDADES, DOMICÍLIO E DIREITO DA PERSONALIDADE

Lei nº 13.146/15 (ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA) – EPD

Essa lei foi sancionada no nosso país em julho de 2015. Acontece que ela apresentou um período de vacatio legis (vacância) de 180 dias, entrando em vigor em janeiro de 2016. Existe a importância dessa lei para o estudo das teorias das incapacidades no Direito Civil porque ela, ao cuidar das pessoas com deficiência, promove verdadeiras desconstruções em conceitos que já estavam consolidados no nosso país há décadas. ➢ O que a Lei n. 13.146/15 representa? Essa lei vai representar a internalização da Convenção de Nova York que, por sua vez, aconteceu no ano de 2007, envolvendo diversos países do mundo, objetivou cuidar dos direitos das pessoas com deficiência. O nosso país, que foi signatário dessa Convenção de Nova York (2007), para internalizar essa convenção sanciona o Estatuto da Pessoa com Deficiência alguns anos depois, no ano de 2015. O EPD começa nos contando quem é a pessoa com deficiência, no art. 2º da Lei n. 13.146/15:

Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Em um primeiro momento, o que essa lei está fazendo é nos informar quem são os deficientes e percebemos que a deficiência se manifesta em diversos espectros: deficiência física, mental, sensorial, intelectual. Todos esses deficientes são protegidos por essa lei. Mas, se fôssemos resumir essa lei à uma palavra, seria “inclusão”. O que essa lei quer é incluir a pessoa com deficiência na nossa sociedade. Conforme essa própria lei trouxe em sua exposição de motivos, o que se 1 www.g7juridico.com.br

objetiva, hoje, é que, não é mais o deficiente que tem que se adaptar, adequar à sociedade, mas sim a sociedade é que tem que se adequar à pessoa com deficiência.

➢ O que essa lei faz buscando incluir a pessoa com deficiência na nossa sociedade? Essa lei atribui à pessoa com deficiência a capacidade de fato. Se a pessoa com deficiência, no nosso país, já tinha a chamada capacidade de direito (mesmo porque capacidade de direito todo mundo tem), agora essa lei concede ao deficiente a capacidade de fato, o que vai resultar na chamada capacidade civil plena.

Afinal de contas, apresenta capacidade civil plena a pessoa que tenha capacidade direito + capacidade de fato. A partir da entrada em vigor dessa lei, o deficiente passa a ter capacidade de fato e, portanto, capacidade civil plena. Essa lei atribui à pessoa com deficiência essa capacidade de fato em dois de seus artigos, o 6º e o 84:

Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa (...).

Art. 84 A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

Concluindo, o que o Estatuto da Pessoa com Deficiência faz pode ser resumido à uma palavra, a “inclusão”. O objetivo do EPD é incluir na sociedade a pessoa com deficiência e o EPD entendeu que, para incluir essa pessoa com deficiência na sociedade, essa pessoa deveria ter capacidade de fato. Assim, o EPD vai em dois artigos do Código Civil e promove contundentes alterações neles: o art. 3º e o art. 4º do Código Civil.

Absolutamente Incapazes (art.3º, CC) → Representação

Relativamente Incapazes (art. 4º, CC) → Assistência (grau de incapacidade menos grave, um pouco mais tênue)

Vale lembrar que o campo de atuação de um representante é muito mais amplo do que o campo de atuação daquele que esteja assistindo, do assistente. O representante praticamente ocupa o lugar do representado. O assistente se limita a assistir o assistido. O EPD mexe nesses dois artigos, alterando-os e a tendência atual nas provas de concurso é cobrar do candidato se ele sabe dessa evolução, isto é, do que tínhamos antes da entrada em vigor do EPD e o que temos hoje.

Art. 3º, CC

Art. 3º, CC

ABSOLUTAMENTE INCAPAZES

ABSOLUTAMENTE INCAPAZES

(Antes da Lei nº 13.146/15)

(Depois da Lei nº 13.146/15)

I - Os menores de dezesseis anos;

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II - Os que, por enfermidade ou deficiência mental, não São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) atos (atos da vida civil);

anos. (negrito nosso)

III - Os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. (negrito nosso)

Os enfermos e portadores de deficiência mental estavam previstos no inciso II do art. 3º antes da Lei n. 13.146/15.

Nesse inciso III do art. 3º antes da Lei n. 13.146/15 se situavam os exemplos clássicos dos manuais, como a pessoa em estado de coma, a pessoa que estivesse sob efeito de hipnótico (alguém que toma um hipnótico que jogaram na sua bebida e, pelos efeitos causados por ele, assina um contrato, por exemplo) ou a pessoa que tivesse tido uma súbita perda de memória. Esse inciso foi colocado em negrito porque, de fato, ele não existe mais com o EPD, mas, na verdade, ele não existe mais no art. 3º, porque esse inciso III foi transportado para o art. 4º, que veremos adiante, que apresenta o rol dos relativamente incapazes.

Agora, o art. 3º é composto por uma redação única, não mais apresentando incisos e quem permaneceu no art. 3º como absolutamente incapaz foi apenas o menor de 16 anos. Atualmente, depois da entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência, vamos encontrar apenas uma pessoa que seja considerada absolutamente incapaz no nosso país, que é a pessoa que tenha menos de 16 anos. Não existe mais no nosso país uma pessoa que seja maior de idade e que seja absolutamente incapaz.

Aqui, o que o legislador faz é atribuir um critério objetivo. O legislador olha para essa pessoa que tenha menos de 16 anos e traz uma presunção de que essa pessoa é completamente imatura. Por isso, o legislador a insere no rol de incapacidade absoluta, no art. 3º do CC.

Atenção, porque essa pessoa que tenha menos de 16 anos pode aparecer nas provas de Direito Civil sendo chamada de menor impúbere, porque essa denominação sinonímia “impúbere” significa dizer que não alcançou a puberdade ainda. Essa pessoa necessita de um representante para praticar os atos da vida civil e quem irá representar essa pessoa serão os pais em relação ao seu filho menor de 16 anos. Imagine que essa pessoa que tenha menos de 16 anos não tenha nem pai e nem mãe, que faleceram ou são ausentes/desaparecidos. Essa pessoa continua necessitando de representação, mas nesse momento será nomeado um tutor (instituto protetivo do Direito de Família – tutela). 3 www.g7juridico.com.br

➢ Pai pode ser tutor ou mãe pode ser tutora? Não, porque o pai e a mãe não precisam de tutela porque já têm o poder familiar. O tutor chega na falta dos pais.

Observação final: no nosso ordenamento jurídico não corre prescrição nem decadência contra o absolutamente incapaz (arts. 198, I c/c 208 do CC). Esses institutos serão oportunamente trabalhados. A proteção que é destinada ao absolutamente incapaz pelo nosso CC é tão grande, que nem prazo prescricional e nem prazo decadencial irá correr para prejudicar essa pessoa que seja absolutamente incapaz.

Art. 198. Também não corre a prescrição: I - Contra os incapazes de que trata o art. 3º

Art. 208. Aplica-se à decadência o disposto nos arts. 195 e 198, inciso I.

Aqui, encontramos uma crítica da doutrina em relação ao EPD. Parte da doutrina vai criticar o Estatuto da Pessoa com Deficiência dizendo que, na medida em que se reduz o rol do art. 3º, ou seja, de quem seriam os absolutamente incapazes, estamos diminuindo proteção, por exemplo essa proteção de não correr prazo prescricional e prazo decadencial. Então, se antes do EPD não corria prazo prescricional nem prazo decadencial contra uma pessoa que, por deficiência mental não pudesse exprimir o seu discernimento, agora corre. Se o EPD achou que estava protegendo a pessoa com deficiência, nesse momento, o EPD retira uma proteção, porque está fazendo permitir correr prazo prescricional e prazo decadencial contra essa pessoa.

Art. 4º, CC

Art. 4º, CC

RELATIVAMENTE INCAPAZES

RELATIVAMENTE INCAPAZES

(Antes da Lei nº 13.146/15)

(Depois da Lei nº 13.146/15)

I - Os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

I - Os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - Os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, II - Os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (negrito por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; nosso) III - Os excepcionais, sem desenvolvimento mental III - Aqueles que, por causa transitória ou permanente, completo

não puderem exprimir sua vontade; (negrito nosso)

IV - Os pródigos.

IV - Os pródigos.

Veja que, enquanto o inciso I não sofreu nenhuma alteração em razão do EPD, o inciso II sofre alteração na sua parte final porque, se antes encontrávamos nesse inciso II três pessoas, agora estamos encontrando apenas duas pessoas. Permanece nesse inciso II, depois da entrada em vigor os ébrios eventuais e os viciados em tóxico, mas a parte final dele é suprimida, havendo uma derrogação (revogação parcial) desse inciso II, na medida em que não encontramos mais nele

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os que por deficiência mental tenham o discernimento reduzido. Era a pessoa que tinha uma deficiência mental, mas que não lhe retirava totalmente o discernimento, tendo um discernimento reduzido em virtude daquela deficiência mental. A essa pessoa, que desaparece do inciso II, é dada a capacidade de fato.

No inciso III, encontrávamos, segundo os manuais e a doutrina, o exemplo clássico a pessoa com Síndrome de Down, a pessoa que tivesse um QI baixo. O que o EPD faz é retirar totalmente a redação desse inciso III e, no lugar dela, coloca uma outra redação. Para as pessoas que tem Síndrome de Down ou QI baixo, foi atribuída a capacidade de fato e, consequentemente, a capacidade civil plena.

RELATIVAMENTE INCAPAZES

Inciso I:

Aqui o legislador pensou que, completos os 16 anos e ainda menores de 18 anos, a pessoa está mais madura, mas não tem a maturidade necessária para praticar um ato da vida civil sozinho. Assim, o legislador encaixou essa pessoa em uma moldura de incapacidade relativa. No dia do aniversário de 16 anos dessa pessoa, ela já é relativamente incapaz.

Essa pessoa pode aparecer nas provas sendo chamada de menor púbere, porque ela alcançou a puberdade. Considerando que se trata de um relativamente incapaz, à essa pessoa caberá a devida assistência. Os pais irão assistir e, na falta dos pais, nomeia-se um tutor (instituto da tutela). A assistência é algo imprescindível, sob pena de o ato ser considerado anulável, mas as provas têm cobrado exatamente as exceções, porque existem situações excepcionais em que essa pessoa que tenha entre 16 e 18 anos, ela poderá praticar o ato sozinha, sem assistência e o ato será considerado perfeitamente válido e exigível. São essas as exceções, em um rol exemplificativo:

Exceções em que não terá cabimento a assistência:

- Fazer testamento (art. 1.860, parágrafo único, CC): um jovem de 16 anos, muito rico, cuja mãe faleceu e ele quer fazer um testamento. Ele não será assistido por ninguém para fazer esse testamento, porque, senão, o assistente pode induzi-lo a deixar determinado bem para determinada pessoa ou para si. Art. 1.860. Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento. 5 www.g7juridico.com.br

Parágrafo único. Podem testar os maiores de dezesseis anos.

- Ser testemunha (art. 228, I, CC): de um ato ou negócio jurídico. Esse jovem que tenha entre 16 e 18 anos poderá ser testemunha sem a assistência e o testemunho dele valerá naturalmente. Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas: I - Os menores de dezesseis anos;

- Ser mandatário (art. 666, CC): no contrato de mandato, de um lado temos o mandante que outorga poderes ao mandatário. O mandatário, através desses poderes, irá representar o mandante. O mandatário pode ser um jovem que tenha entre 16 e 18 anos, sem assistência e não há problema nenhum nisso. Exemplo: alguém com 24, que estuda em uma faculdade e precisa renovar a matrícula. No dia da renovação de matrícula, essa pessoa estará viajando. Essa pessoa tem um irmão de 17 anos, que é um relativamente incapaz. Essa pessoa poderá dar uma procuração, outorgando poderes ao irmão de 17 anos para que ele o represente e essa representação será perfeitamente válida. Esse jovem pode representar o irmão mais velho, mas, se ele fizer algo de errado, o mandante não poderá reclamar nada dele nem se voltar contra ele, porque quando deu poderes a ele, sabia que ele era relativamente incapaz. Art. 666. O maior de dezesseis e menor de dezoito anos não emancipado pode ser mandatário, mas o mandante não tem ação contra ele senão de conformidade com as regras gerais, aplicáveis às obrigações contraídas por menores.

- Votar (art. 14, CF) Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (...) § 1º O alistamento eleitoral e o voto são: (...) II - Facultativos para: (...) c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

- Se houver emancipação (art. 5, parágrafo único, CC): a emancipação vai atribuir a esse jovem capacidade de fato, e, portanto, ele não precisará da assistência de mais ninguém.

Obs.: imagine que esse jovem tenha 17 anos e precisa do pai dele para praticar os atos da vida civil. Porém esse jovem é muito rebelde e vai lá celebrar o negócio com a outra parte e ele engana a outra parte, dolosamente ocultando sua idade ou mente que seria maior de idade. Desse contrato, irão decorrer direitos e obrigações para as partes e para o jovem. Ele conseguirá anular esse ato? Não. Quando falta assistência, o ato é anulável, mas, nesse exemplo, faltou a assistência porque o próprio jovem enganou a outra parte. Neste caso, esse ato será considerado perfeitamente válido e exigível:

Art. 180, CC: “O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior.” 6 www.g7juridico.com.br

↓ Teoria Tu Quoque

Esse artigo 180 se inspira na teoria do tu quoque, que decorre do Princípio da Boa-Fé Objetiva, muito presente no CC/2002. Por essa teoria, uma pessoa não pode violar a norma e depois tentar obter proveito dessa violação. É exatamente isso que esse jovem fez no exemplo dado, ele violou a norma e agora quer a norma de volta para a sua proteção e consequente anulação do ato. A expressão tu quoque decorre de uma célebre frase falada pelo imperador romano Júlio César, no ano 44 a.C., quando estava sendo assassinado, detectou entre seus assassinos Brutus, o seu filho adotivo e gritou “tu quoque brute fili mi?”, ou seja, “até tu, Brutus, filho meu?”. A partir de então, essa expressão tu quoque passou a significar universalmente sinônimo de decepção com esse jovem que foi protegido pela lei e a transgrediu.

Art. 4º, CC II - Os ébrios habituais e os viciados em tóxico → Interdição → Assistência → Curador

Ébrio habitual é o alcóolatra e toxicômano o viciado em tóxico. Andou bem o CC/2002 quando coloca essas duas pessoas em moldura de incapacidade relativa, porque, de fato, essas pessoas não apresentam manifestação de vontade livre. Quando olhamos para uma pessoa que seja alcóolatra ou toxicômana, sabemos que essa pessoa age sempre movida pela necessidade que tem de obter a substância que satisfaça o vício. Se é relativamente incapaz, essa pessoa precisa de assistência.

Será imprescindível nesse inciso II a devida interdição e, nessa sentença de interdição é que se será nomeado o assistente. O CPC/15 mantém a terminologia chamando de ação de interdição. O assistente nomeado na sentença de interdição será o curador (instituto da curatela). Vale lembrar que pai e mão não podem ser tutores, mas eles podem ser curadores, além dos irmãos e cônjuge também poderem ser curadores.

Art. 4º, CC III - aqueles que, por causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade (grifamos) → Assistência → Curador

Antes do EPD, esse inciso tinha outra redação e agora essa redação foi transportada do art. 3º do CC para o art. 4º. Essa pessoa era considerada absolutamente incapaz antes do EPD. Depois da entrada em vigor do EPD, essa pessoa deixa de ser absolutamente incapaz e passa a ser relativamente incapaz. A única diferença foi que o legislador do EPD acrescenta a expressão “ou permanente”.

➢ Exemplos: pessoa em estado de coma (essa pessoa, se ela é relativamente incapaz, precisa de um assistente. Mas, será que ter um assistente é suficiente para uma pessoa em estado de coma? Aí está uma crítica, porque

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essa pessoa não consegue sua manifestar sua vontade e necessitaria de um representante), pessoa sob efeito de hipnótico ou em estado de hipnose ou a pessoa que sofreu uma súbita perda de memória.

O assistente será o curador. Esse inciso é muito frequente nas primeiras fases de concurso da Magistratura e do Ministério Público porque, antes essa pessoa era absolutamente incapaz e agora é relativamente incapaz.

Art. 4º, CC IV - Os pródigos → Interdição → Assistência → Curador

Pródigo é aquele que gasta ou destrói desordenadamente o seu patrimônio. Lembrando que essa pessoa tem que ser interditada como tal para que seja considerada como relativamente incapaz. Nessa sentença de interdição, será nomeado o assistente para o pródigo, que será o curador. Não confunda curador (assistirá o maior de 18 anos que tenha qualquer um desses problemas dos demais incisos do art. 4º) com tutor (chega na falta dos pais, representa o menor de 16 anos ou assiste a pessoa que tenha entre 16 e 18 anos).

Art. 1.782. A interdição do pródigo só o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração.

Nesse artigo, está previsto que o pródigo necessita da assistência de seu curador apenas para os atos que importem disposição patrimonial. Para atos de mera administração, ele não precisa de assistência. Essa informação é importante para aquela questão de prova que indique que o pródigo quer praticar determinado ato e te pergunta se ele vai precisar da assistência do curador ou não, naquele caso.

O raciocínio tem que ser no seguinte sentido: o que esse pródigo quer fazer adentra ou não a esfera patrimonial? Se adentrar a esfera patrimonial, aí está o ponto fraco dele e ele precisa da assistência do curador. Se não adentrar a esfera patrimonial, ele não precisa da assistência do curador.

➢ Um pródigo foi interditado como tal e quer vender um carro que ele tem, precisa da assistência do curador? Sim, pois se trata de disposição patrimonial.

➢ O pródigo tem uma filha de 16 anos. A filha dele, como tem 16 anos, já tem idade núbil e quer se casar, mas ela precisa da autorização do seu pai, que é pródigo. O pai essa moça, para autorizá-la a se casar, precisa da assistência do curador dele? Não, porque isso não é ato que adentra a esfera patrimonial.

➢ O pródigo se apaixonou por alguém e ele quer se casar. Para o casamento em si, o pródigo precisa da assistência de seu curador? Não. Mas, quanto ao regime de bens do pródigo, é necessário analisarmos o art. 1.641 do CC que traz um regime de separação obrigatória de bens para algumas pessoas. Nesse artigo, não encontraremos o 8 www.g7juridico.com.br

pródigo, então não se pode dizer que o regime de bens dele será o da separação obrigatória de bens porque o art. 1.641 é norma restritiva de direito e, por isso, a interpretação há de ser restritiva. O pródigo, quando ele se casa, o regime de bens é o mesmo das pessoas comuns, ou seja, se não for feito o pacto antenupcial, será o regime de comunhão parcial de bens. ➢ Se o pródigo, antes de se casar, resolver com a sua noiva, fazer um pacto antenupcial, ele precisa da assistência do curador? Aqui, não há dúvidas, precisa sim. Tanto que o pacto antenupcial do pródigo é assinado por ele e pelo curador, também.

O conceito da capacidade plena é obtido por exclusão, considerando se a pessoa em análise não está inserida no art. 3º ou no art. 4º do CC. Lembrando da proteção de que não corre prescrição nem decadência contra o absolutamente incapaz, ao contrário, corre prescrição e decadência contra o relativamente incapaz.

Incapazes após a Lei nº 13.146/15

ABSOLUTAMENTE INCAPAZES

RELATIVAMENTE INCAPAZES

(Art. 3º, CC)

(Art. 4º, CC)

São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os I - Os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

II - Os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III - Aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV - Os pródigos.

Observações finais:

Indígena: art. 4º, parágrafo único, CC – “A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.” (grifo nosso). A capacidade do indígena não é regulada pelo Código Civil, ele merece lei especial. O indígena, no CC/1916, era chamado de silvícola (aquele que veio da selva). Essa denominação passou a ser considerada pejorativa e o CC/2002, quando entra em vigor em janeiro de 2003, passa a chamar essa pessoa de índio. O EPD também promova uma alteração nesse parágrafo único do art. 4º, porque onde encontrávamos “índio”, há uma substituição pela palavra “indígena” porque entenderam que a palavra “índio” também é pejorativa. A lei especial em tela é a Lei n. 6.001/73.

Ausente → plenamente capaz. No CC/1916, ele era considerado incapaz. Já no CC/2002, o ausente não está nem no art. 3º e nem no art. 4º do CC, sendo plenamente capaz, portanto. Não sabemos onde ele está, mas, onde quer que ele se encontre, tem capacidade civil plena, em regra. Quando estudamos o procedimento da ausência, na primeira fase desse

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procedimento é declarada a ausência, os bens do ausente são arrecadados e é nomeado um curador. Mas, vale notar que a curadoria aqui não é para o ausente, porque o ausente é plenamente capaz, a curadoria é para os bens dos ausentes.

Surdo-mudo (Pessoa surda – Lei 10.436/02) → em regra, plenamente capaz. Excepcionalmente, pode ser que se enquadre no art. 4º, III, CC (aquela pessoa que, por causa transitória ou permanente, não puder exprimir sua vontade). Essa informação não vale somente para a pessoa surda, mas sim para qualquer pessoa que padeça de alguma deficiência: o que tem sido feito é que essas pessoas têm sido interditadas não porque deficiência resulte na incapacidade, mas porque essa pessoa pode ser que, no caso concreto, em virtude da deficiência, essa deficiência represente a causa transitória ou permanente que não deixa ela exprimir sua vontade.

Se aparecer que aquela pessoa que padeça de uma deficiência, se essa deficiência apresentar uma causa transitória ou permanente que não deixe ela exprimir sua vontade, ela pode ser interditada e acabar adentrando no art. 4º, III, na moldura de incapacidade relativa e é o que tem acontecido na nossa sociedade.

O panorama da doutrina após o EPD

Opiniões favoráveis

Opiniões contrárias

Nelson Rosenvald

Zeno Veloso

Rodrigo da Cunha Pereira

José Fernando Simão

Pablo Stolze

Vítor Kümpel

Paulo Luiz Netto Lobo

Bruno Borgarelli

Segundo a doutrina do prof. Flávio Tartuce, em terminologia própria, em relação às opiniões favoráveis, esses doutrinadores se manifestam através da chamada “dignidade-liberdade”, porque a pessoa só terá dignidade se ela puder ter liberdade. E o prof. Flávio Tartuce se vale de outra terminologia se referindo às opiniões contrárias, dizendo que eles se manifestam através da “dignidade-vulnerabilidade”. Com isso, percebemos que não devemos estranhar ao ler obras de alguns autores que elogiam e outros que criticam o EPD. Existe projeto de lei para alterar o art. 3º dos absolutamente incapazes e enquadrar a pessoa que não consiga manifestar sua vontade, mas isso é projeto de lei.

OBTENÇÃO DE CAPACIDADE

Obtém-se a capacidade quando a causa geradora de incapacidade chegue ao seu fim. Por exemplo, se alguém foi interditado porque é alcóolatra, mas ele frequentou o AA durante dois anos e se curou daquele problema. Haverá o levantamento da interdição e ele obterá capacidade plena novamente. O indivíduo era incapaz porque pródigo e se cura eventualmente desse problema, alguns anos depois. Haverá o levantamento da interdição e ele obterá capacidade plena novamente Abordaremos, na sequência, como que se obtém a capacidade quando a causa geradora de incapacidade seja

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a imaturidade. Sabemos que existem pessoas que são consideradas incapazes porque são imaturas. Como é que essa pessoa vai obter capacidade?

Formas de obtenção de capacidade quando a causa que gere a incapacidade seja a imaturidade: a) Normal: maioridade civil – art. 5º, caput, CC b) Especiais: a emancipação não está antecipando maioridade civil, o que a emancipação faz é conceder a capacidade de fato e, portanto, a capacidade civil plena para aquele jovem que ainda não alcançou os 18 anos. - Emancipação Voluntária ou Negocial - Emancipação Judicial - Emancipação Legal

Emancipação voluntária ou negocial •

Feita pelos pais (o pai + a mãe). Se só um dos pais quiser e outro não, em princípio, não pode, é necessário ter a autorização dos dois. Evidente que o pai que quer pode tentar um suprimento judicial da manifestação de vontade da mãe que se recusa;



Escritura pública lavrada em Cartório. A emancipação voluntária feita pelos pais não pode se dar por meio de instrumento particular;

O(a) filho(a) que será emancipado deve ter, no mínimo, 16 anos. Se tiver menos, não pode. •

Independe de homologação judicial



Irrevogável, ou seja, às vezes o pai e a mãe vão ao Cartório e emancipam o filho. Depois, eles se arrependem e querem voltar ao Cartório para revogar essa emancipação. Não pode. Essa ideia de emancipação ser irrevogável vale para qualquer espécie de emancipação.

(art. 5º, parágrafo único, I, 1ª metade, CC)

Emancipação judicial •

Feita pelo juiz e, sendo feita pelo juiz, o instrumento é a sentença;



Sentença;

O jovem também precisa ter, no mínimo, 16 anos. O próprio jovem pode pedir ao juiz sua emancipação, em casos sui generis em que esse jovem não tenha nem pai e nem mãe. Na falta dos pais, ele tem um tutor. Não é o tutor que vai requerer essa emancipação, visto que ele está impedido de fazê-lo porque isso poderia implicar em situações fraudulentas. A tutoria é um múnus público, isto é, o tutor não pode querer “fugir” disso. Imagine um tutor mal intencionado que deseja ficar livre dessa situação e quer pedir ao juiz para emancipar esse jovem. Então, não é o tutor quem pede e sim o próprio jovem. •

Tutor: será apenas ouvido, manifestando apenas sua opinião.

(art. 5º, parágrafo único., I, 2ª met., CC) 11 www.g7juridico.com.br

Obs.: César Fiuza e Flávio Tartuce entendem diferente, dizendo que a emancipação judicial ocorre quando (considerando que, na emancipação voluntária é necessária a outorga de ambos os pais e, se um se recusar, pode ser pedido o suprimento judicial da manifestação de vontade daquele que se recusa) há esse suprimento judicial, da manifestação da vontade daquele pai ou mãe que se recusa.

Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade: I - Pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; (grifamos)

Enunciado nº 397, Conselho da Justiça Federal: “A emancipação por concessão dos pais ou por sentença do juiz está sujeita à desconstituição por vício de vontade.”

Quando falamos em vício da vontade, vamos nos lembrar, por exemplo, do erro. É possível desconstituir a emancipação voluntária ou judicial por erro, por dolo, etc.

Emancipação Legal •

Decorre de lei (art. 5º, parágrafo único., II, III, IV, V, do CC). Aqui, o legislador olha para aquele jovem que ainda não tenha 18 anos e o emancipa se esse jovem passou por determinada situação antes dos 18 anos, independentemente da manifestação de seus pais ou do juiz. É necessário que ocorra apenas uma das hipóteses que estão nesse dispositivo.



Casamento (art. 5º, parágrafo único., II, CC). - Idade núbil: 16 anos. O primeiro efeito de alguém se casando nessa idade é a concessão de emancipação. - Lei nº 13.811/19: de acordo com essa lei, não é possível mais o casamento antes dos 16 anos. Antes era possível,

se houvesse caso de gravidez. Hoje, não é possível mais. - Fim do casamento: por morte, separação ou divórcio não coloca fim à emancipação. Uma vez emancipado, continua emancipado. Imaginemos que o casamento tenha chegado ao fim não por morte, separação ou divórcio, mas sim porque nulo ou anulável. Nesse caso, deverão ser aplicadas as regras do casamento putativo, que estão no art. 1.561.

Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória. § 1 o Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão. § 2 o Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão. 12 www.g7juridico.com.br

Casamento putativo é aquele que, embora nulo ou anulável, produz efeitos em relação ao cônjuge de boa-fé e em relação aos filhos. Imagine a hipótese do casamento entre dois irmãos unilaterais, ambos com 16 anos. A moça não sabia que estava se casando com o irmão e o irmão sabia, mas, mesmo assim, quis se casar com a irmã. Esse casamento é nulo. A moça é o cônjuge de boa-fé porque desconhecia o fato de que ele era seu irmão. Esse casamento produziu efeitos em relação ao cônjuge de boa-fé, inclusive o efeito da emancipação. Assim, uma vez emancipada, ela continuará emancipada, não cabendo revogação.

Agora, o rapaz não pode ser considerado cônjuge de boa-fé, porque ele sabia que estava se casando com a irmã. Esse casamento não produziu efeitos em relação a ele. Então, não é como se estivesse revogando a emancipação do rapaz. Na verdade, ele sequer chegou a se emancipar. •

Pelo exercício de emprego público efetivo (art. 5º, parágrafo único, III, CC): a expressão “efetivo” nos remete à ideia de concurso público, que é exigido, no caso e o “exercício” pressupõe que esse jovem não seja apenas aprovado, e sim que ele tome posse e entre em exercício. A doutrina chega ampliando essa hipótese, trazendo a interpretação ampliativa e dizendo que cabe não apenas para o exercício de emprego público efetivo, mas também cargo público e função pública. Na prática, essa possibilidade não acontece porque os editais não admitem que os jovens que ainda não tenham 18 anos sequer façam a prova;



Pela colação de grau em curso de ensino superior (art. 5º, parágrafo único, IV, CC). Aqui, teremos um jovem que ainda não tenha 18 anos, mas é inteligentíssimo e conseguiu a proeza de colar grau em curso de ensino superior e, embora o inciso não diga, tem que ser faculdade reconhecida pelo MEC;



Pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria. (art. 5º, parágrafo único, V, CC). Essa possibilidade acontece muito no nosso país, porque é extremamente frequente esse jovem que ainda não tem 18 anos, mas trabalha e se mantém com economia própria e pode ser até arrimo de família. Esse inciso V traz expressamente a necessidade de que esse jovem tenha dezesseis anos completos, diferentemente dos incisos anteriores;

O inciso II, que fala sobre a emancipação pelo casamento, também não traz expressamente o mínimo de dezesseis anos, mas ele exige esse mínimo de idade implicitamente, porque a idade núbil, no nosso país, é de dezesseis anos no mínimo. Para emancipação voluntária, feita pelos pais, e para emancipação judicial, não tem discussão e está expresso no inciso I que tem que ter mínimo de dezesseis anos.

Efeitos da emancipação:

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1) Capacidade civil plena: porque ele passa a ter a capacidade de fato, e, portanto, passa a ter capacidade civil plena, podendo praticar os atos da vida civil sozinho – que serão perfeitamente válidos – e não necessitará da assistência ou da representação de mais ninguém para tanto. Imagine um jovem que tenha 16 anos e foi emancipado pela lei porque se casou. Ele é rico e vai até uma concessionária porque quer comprar um carro. Esse contrato de compra e venda que ele celebra ali é válido. Agora, se esse jovem comprou esse carro, mas ele quer tirar a CNH para dirigir o carro, ele pode? Não, porque o Código de Trânsito Brasileiro exige o mínimo de 18 anos. Esse jovem emancipado quer frequentar determinados locais, ingerir bebida alcóolica. Também não pode, porque o Estatuto da Criança e do Adolescente informa que ele não pode. Embora ele tenha sido emancipado e adquirido capacidade de fato, não podemos nos esquecer de leis especiais que exigem mínimo de idade para a prática de determinados atos, por exemplo tirar a CNH ou as vedações do ECA. Enunciado nº 530, CJF: “A emancipação, por si só, não elide a incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente.”

2) Responsabilidade civil: se até então, quando o menor causa dano a outrem, quem responde são os pais, se aquele menor for emancipado, ele atrai a responsabilidade para si, passando a responder civilmente pelos seus atos e afasta-se a responsabilidade dos pais dele. Tem uma situação excepcional de emancipação que a doutrina se debruça sobre ela e, com receio de fraude, vai dizer que, se tiver acontecido essa emancipação, os pais continuam a responder pelos seus filhos e eles responderão solidariamente com os seus filhos, em caso de emancipação voluntária: Enunciado nº 41, CJF: “A única hipótese em que poderá haver responsabilidade solidária do menor de 18 anos com seus pais é ter sido emancipado nos termos do art. 5º, parágrafo único, inc. I, do novo Código Civil.” ➢ Exemplo: imagine aquele pai que olha para seu filho de 16 anos e constata que ele vai lhe trazer muito prejuízo, porque ele poderia vir a causar dano a alguém e a responsabilidade seria do pai. O pai, então, decide emancipar na forma voluntária seu filho para que não tenha que responder por isso. Não. Nesse caso, houve emancipação voluntária e, conforme esse enunciado, continua se tendo a responsabilidade dos pais, com o filho, se tratando de uma responsabilidade solidária. E se houver emancipação por outra razão, como em virtude do casamento do jovem? Aí se trata de emancipação legal e, nesse caso, a responsabilidade será apenas do jovem.

Existe uma parte da doutrina que critica esse enunciado, porque alguns autores dizem que o intuito era criar essa exceção para evitar fraude, mas solidariedade não se presume, ela decorre da lei ou da vontade das partes. Aqui, estaria se havendo uma presunção da solidariedade, porque não consta de artigo nenhum de lei nenhuma.

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O estado civil é o conjunto de qualidades que indica quem é aquela pessoa na sociedade. Quando estudamos o estado civil, devemos compreender pelo menos três aferições que são atribuídas ao estado civil, acima.

Quando falamos de aferição política, busca se saber quem é aquela pessoa em relação ao país em que ela se encontra. Por exemplo: quem está aqui no Brasil, é brasileiro ou estrangeiro. Em sendo brasileiro, pode ser brasileiro nato, brasileiro naturalizado, etc. Isso tudo é aferição política do estado civil de uma pessoa.

Existe a aferição familiar e, nela, busca se saber quem é aquela pessoa em relação à entidade familiar, em relação ao casamento (a pessoa pode ser casada, solteira, viúva, divorciada ou é separada). Apesar de existirem manifestações em nosso país de que a separação teria acabado após a Emenda Constitucional n. 66, mesmo os autores que entendem que a separação acabou no nosso país, eles não negam que existem o estado civil da pessoa separada juridicamente – abarca o separado judicialmente e o separado extrajudicialmente, no cartório. Essa aferição verifica, ainda, quem é aquela pessoa em relação ao parentesco, vamos analisar uma pessoa em relação à outra de sua família.

➢ Exemplo: para fins de relação de parentesco, se analisa você em relação à outra pessoa, aí você seria o filho, o neto, o irmão dessa pessoa. São as chamadas relações de parentesco, estudadas no Direito de Família.

Ainda existe a aferição individual e, nela, se analisa aquele indivíduo e procura saber o sexo, a idade, a sanidade e demais aspectos íntimos, afetos àquele indivíduo. Existem autores que vão acrescentar uma quarta aferição, que seria a aferição profissional, que diria respeito à profissão da pessoa. Em princípio, pelo menos essas três aferições são relevantes.

Aquela ideia restrita de estado civil apenas no que tange ao casamento é insuficiente. Devemos olhar com olhos bastante críticos o estado civil da pessoa, porque essa manifestação clássica de estado civil, dentro dessas aferições e sobretudo na aferição familiar, no que diz respeito ao casamento é insuficiente, porque sabemos que no nosso país existe a união estável, que é tão entidade familiar quanto o próprio casamento. Contudo, não existe, no nosso país, o estado civil de companheiro. Existe a entidade familiar chamada união estável, mas não existe o estado civil de companheiro, de convivente, o que é um retrocesso.

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Quando falamos de designativo sexual no nosso país, nos lembramos de sexo masculino e sexo feminino. Mas, entre o masculino e o feminino podem existir outras manifestações. Então, perceba que também o estado civil se mostraria insuficiente dentro dessa perspectiva. Por isso que hoje o estado civil deve ser estudado com olhos bastante críticos. O estado civil de uma pessoa é protegido por ações próprias, que são as chamadas ações de estado.

- Ações de estado: ação de estado é qualquer ação que toque direta ou indiretamente no estado civil de uma pessoa. Exemplos: uma ação de divórcio é uma ação de estado, porque vai tocar na aferição familiar, no que diz respeito ao casamento. Uma ação de investigação de paternidade envolve a aferição familiar e a relação de parentesco. Uma ação negatória de paternidade, da mesma maneira, é ação de estado. Ação de redesignação sexual ou de naturalização (aferição política), também.

DOMICÍLIO DA PESSOA NATURAL

Todo mundo tem que ter um domicílio, por causa de um valor que consideramos muito, que é o valor da segurança jurídica. Mas qual é o domicílio da pessoa natural? Para se responder essa pergunta, devem ser preenchidos dois requisitos, ou dois elementos:

Requisitos: a) Objetivo/Material: residência. Ao se adentrar a residência de uma pessoa, necessariamente se adentrou no domicílio dela? Não necessariamente, porque, depois de se entrar na residência será necessário “entrar na cabeça” dela e verificar se aquela pessoa que reside ali o faz com ânimo de permanecer ali. b) Subjetivo/Psíquico: animus manendi – ânimo definitivo de permanecer ali.

Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo.

Aquela questão de prova que me diz que domicílio é sinônimo de residência está falsa, porque residência é só mais um elemento que irá compor a noção de domicílio.

- Profissão e o domicílio profissional (art. 72, CC). Para os atos concernentes ao exercício da profissão da pessoa, vamos considerar como domicílio profissional exatamente onde ela exercite a profissão dela. O primeiro viés do domicílio da pessoa natural é onde ela reside com ânimo de ali permanecer e o segundo viés é, se o sujeito trabalha, ele também tem um domicílio profissional, só para os atos concernentes ao exercício da sua profissão, que é onde ele exercita os atos profissionais dele.

Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida.

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Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem.

- Pluralidade de domicílios: art. 71; 72, parágrafo único, CC. Nosso ordenamento jurídico adota essa ideia de pluralidade de domicílios, ou seja, o chamado domicílio plural ou domicílio plúrimo.

Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.

Imagine uma pessoa que tenha um apartamento na cidade do Rio de Janeiro e fica ali por 5 meses do ano, mas tem um outro apartamento em Natal, se desloca para lá e fica 4 meses do ano em Natal. Essa pessoa tem uma pluralidade de domicílios e não há problema nenhum nisso. Aquela questão de prova que diz que o domicílio, no nosso ordenamento jurídico, é um domicílio singular, necessariamente, é falsa.

Pode se ter diversos domicílios, inclusive domicílios profissionais. Considere o Estado de Minas Gerais em que uma pessoa, na segunda e terça-feira trabalhe na cidade de Barbacena. Na quarta-feira, essa pessoa vai para a cidade de Vespasiano, ali trabalha. Na quinta-feira, a pessoa trabalha em Belo Horizonte. Essa pessoa tem uma pluralidade de domicílios no que diz respeito ao domicílio profissional, o que é admitido no Código Civil, no art. 72, parágrafo único.

- Domicílio aparente ou ocasional: art. 73, CC. Precisa dos dois elementos para se caracterizar o domicílio? Sim. Mas e aquelas pessoas que não param em lugar nenhum? Essa pessoa não tem domicílio? Não, porque todo mundo tem que ter domicílio, por segurança jurídica. Então, mesmo essa pessoa que não tenha ânimo de permanecer, deve ser atribuído um domicílio a ela e para essa pessoa será aplicado o chamado domicílio aparente ou ocasional:

Art. 73. Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual, o lugar onde for encontrada.

Quando a pessoa não tiver ânimo de permanecer em lugar nenhum, seu domicílio será onde ela for encontrada. Exemplos clássicos dos manuais: o artista de circo, um andarilho ou uma pessoa nômade.

- Classificação de domicílio: a) Voluntário (art. 74, CC): é aquele que a pessoa escolhe espontânea e livremente. Exemplo: uma pessoa que reside em Belo Horizonte com o ânimo de ali permanecer. A noção que se deve ter quando falamos de domicílio é a de municipalidade. Quando falamos de domicílio, não é o número do apartamento ou o número da casa, a rua ou o bairro e sim o município. Pode se querer modificar esse domicílio conforme admite o seguinte dispositivo:

Art. 74. Muda-se o domicílio, transferindo a residência, com a intenção manifesta de o mudar.

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Parágrafo único. A prova da intenção resultará do que declarar a pessoa às municipalidades dos lugares, que deixa, e para onde vai, ou, se tais declarações não fizer, da própria mudança, com as circunstâncias que a acompanharem.

b) Necessário/Legal/Compulsório: é aquele que é imposto por lei. São 5 pessoas que apresentam esse domicílio, na tabela abaixo e no art. 76 e seu parágrafo único.

Art. 76. Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o preso. Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente; o do servidor público, o lugar em que exercer permanentemente suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o do preso, o lugar em que cumprir a sentença.

c) Contratual: é aquele que decorre de contrato e resulta no foro de eleição.

Domicílio Necessário

Quem apresenta

Qual será o domicílio?

domicílio necessário: Incapaz

Representante/assistente

Servidor Público

Onde exerce permanentemente as suas funções.

Militar

Exército: onde servir Marinha ou Aeronáutica: a sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado

Marítimo (aquele que trabalha na Marinha Mercante com Onde o navio estiver matriculado o transporte de pessoas ou mercadorias) Preso sentenciado com trânsito em julgado

Onde cumprir sentença

O policial militar e o bombeiro são servidores públicos, que não se confundem com os militares do art. 76 do CC. Se eles são servidores públicos, o domicílio dele é onde ele exerce permanentemente as suas funções. A doutrina se divide: 1ª Corrente: quando a pessoa tem domicílio necessário, ela não tem um domicílio voluntário. Irá prevalecer o necessário, que lhe foi imposto por lei. 2ª Corrente: o domicílio necessário coexiste com o voluntário, então a pessoa teria, na verdade, dois domicílios: o necessário e o voluntário.

Domicílio Contratual: art. 78, CC. Também conhecido como domicílio de eleição, é aquele que decorre de um contrato, se traduzido, geralmente, na última cláusula de um contrato, em que as partes elegem livremente o foro de uma cidade

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para dirimir qualquer dúvida e conflito acerca deste contrato. Resulta no foro de eleição, que estudamos do Direito Processual Civil.

Art. 78. Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes.

DIREITOS DA PERSONALIDADE

Esses direitos da personalidade não irão se confundir com a própria personalidade.

- Conceito: são aqueles direitos aos nossos atributos fundamentais. Exemplos: honra, imagem, intimidade, privacidade, dentre vários outros. - Disciplina legal: os direitos da personalidade vão encontrar proteção, antes de tudo, na própria Constituição Federal de 1988, no art. 1º, III. Ainda dentro da Constituição, art. 5º, V e X e, por isso, os direitos da personalidade são, antes de tudo e exatamente porque residem no art. 5º da CF, direitos fundamentais.

➢ Uma questão de prova da magistratura dizia que “todo direito da personalidade é um direito fundamental, mas nem todo direito fundamental é um direito da personalidade”. Essa assertiva está certa, porque todo direito da personalidade é, antes de tudo, um direito fundamental, mas nem todo direito fundamental é direito da personalidade, porque existem vários outros direitos fundamentais no art. 5º da Constituição Federal.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - A dignidade da pessoa humana;

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) V - É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...) X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Quando vamos ao Código Civil de 2002, encontramos um Capítulo destinado aos direitos da personalidade, que vai desde o artigo 11 ao artigo 21. Alguns autores vão reclamar, dizendo que são poucos artigos, mas em princípio já representam um avanço no Código Civil de 2002, porque no CC/1916 não havia menção nenhuma aos direitos da personalidade, porque, como sabemos, no Código revogado o que importava era o ter e não o ser. 19 www.g7juridico.com.br

CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Para que possamos compreender perfeitamente os direitos da personalidade, devemos analisar algumas características que a doutrina vai trazer acerca desses direitos:

1) Absolutos: significa que eles são oponíveis erga omnes, contra todos. Se exige respeito à honra, imagem, integridade física não apenas a indivíduos certos, mas de toda a sociedade. 2) Ilimitados: não se reduzem a um rol taxativo previsto em lei. Existem vários direitos da personalidade, e não apenas aqueles que são mencionados em lei. 3) Extrapatrimoniais: os direitos da personalidade não apresentam um conteúdo econômico, financeiro de forma imediata. 4) Intransmissíveis/Vitalícios: não podem ser transmitidos. Quando alguém morre, será deixado para o filho o carro, a casa e o dinheiro, mas não a integridade física, a privacidade, etc., porque os direitos da personalidade são intransmissíveis exatamente porque são extrapatrimoniais. 5) Impenhoráveis: eles não se submetem a nenhum tipo de constrição judicial. Imagine que alguém é devedor e o credor ajuíza uma ação lhe cobrando aquele valor. Um dia, chega o oficial de justiça na casa do devedor e quer penhorar alguma coisa. Ele não pode penhorar a honra ou a integridade física desse devedor, e tão somente uma obra de arte que está na parede, um carro na garagem, etc. 6) Imprescritíveis/Perpétuos: não existe prazo para se exercitar um direito da personalidade próprio. Seria um absurdo se existisse um dispositivo no Código Civil no qual a pessoa só teria direito à sua honra pelos próximos 5 anos ou à sua privacidade pelos próximos 3 anos. Entretanto, imagine que um direito da personalidade seu tenha sido violado, tenha sofrido o famoso dano moral e quer ser reparado civilmente em virtude disso. Existe um prazo para se ajuizar a ação de reparação civil. Quando a doutrina nos chega informando que os direitos da personalidade são imprescritíveis ou perpétuos, a doutrina está nos dizendo que não há prazo para exercitar um direito próprio da personalidade. Todavia, se um direito da personalidade meu for violado e pretender a devida reparação civil, existe um prazo para ajuizar a ação civil, que é um prazo prescricional de 3 anos (art. 206 do CC1). 7) Indisponíveis/Irrenunciáveis: não se pode dispor, abrir mão, renunciar aos direitos da personalidade. A regra é que os direitos da personalidade são indisponíveis, mas como sabemos, excepcionalmente se pode dispor deles. Por exemplo, quando a professora se deixa filmar para gravar as aulas do G7 Jurídico. Nas obras de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves encontramos, quando eles elencam essas características, eles dizem que os direitos da personalidade são relativamente disponíveis, porque estão atentos às situações excepcionais em que uma pessoa pode dispor desses direitos.

Art. 11, CC: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.”

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Art. 206 do CC. Prescreve: (...) § 3 o Em três anos: (...) V - a pretensão de reparação civil; 20 www.g7juridico.com.br

Esse artigo traz apenas duas características. O problema desse artigo é sua parte final, porque ali diz que não se pode sofrer limitação voluntária e sabemos que pode sim sofrer limitação voluntária em caráter excepcional.

➢ Se excepcionalmente a pessoa pode dispor de direito da personalidade, existirá algum limite para essa disposição? Sim, pode se dispor de direito da personalidade, mas essa disposição não pode ser geral, nem permanente e nem atacar a sua dignidade enquanto pessoa humana. A professora, ao gravar as aulas, está cedendo temporariamente o exercício de sua imagem. Em situações como o big brother brasil, em que as pessoas são filmadas 24h por dia e até tomando banho, vamos encontrar grandes autores escrevendo verdadeiras teses para criticar esses programas, para dizer que aqueles contratos dos participantes do reality show com a emissora de televisão são nulos, porque muitas vezes aquelas imagens atingem a dignidade dos participantes enquanto pessoas humanas. Esse seria o limite – a dignidade da pessoa humana.

Enunciado nº 4, CJF: “O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral.” Enunciado nº 139, CJF: “Os direitos da personalidade podem sofrer limitações, ainda que não especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular, contrariamente à boa-fé objetiva e aos bons costumes.” REsp 1.630.851 – SP: “[...] o exercício dos direitos da personalidade pode ser objeto de disposição voluntária, desde que não permanente nem geral, estado condicionada à prévia autorização de seu titular [...].”

Outros direitos da personalidade •

Direito à orientação sexual, direito à velhice digna, direito ao leite materno.



Direito ao esquecimento: esse direito está explicitamente ou expressamente previsto em algum artigo do Código Civil? Não. Alguns autores podem dizer que o direito ao esquecimento decorre de um direito da personalidade chamado direito à privacidade, que está no art. 21 do CC. Outros vão dizer que não há menção no CC, sendo que o direito ao esquecimento seria um direito da personalidade autônomo que temos.

Direito ao esquecimento seria aquele direito que a pessoa tem de estar só, de ser esquecida da opinião pública, das mídias sociais, da sociedade como um todo. Embora não encontremos expressamente menção à esse direito no CC, encontramos os seguintes enunciados doutrinários:

Enunciado 531, CJF: “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.”

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Essa nova tecnologia de informação pode causar danos àquela pessoa. Sabemos que uma informação que é lançada na internet, ela nunca mais sai dali e todos poderão ler. Quando falamos em direito ao esquecimento, não se deseja reescrever a história de uma pessoa ou apagar o passado. O que se propõe é que aqueles dados, aquelas informações sobre a vida daquela pessoa sejam bem aplicadas, utilizados de forma adequada.

Enunciado 576, CJF: “O direito ao esquecimento pode ser assegurado por tutela judicial inibitória.”

Posto isso, deve se compreender o direito ao esquecimento dentro da óptica dos tribunais no nosso país, especialmente no STJ. Embora tenhamos várias decisões sobre esse direito, a professora selecionou quatro importantes:

Julgados interessantes sobre o Direito ao Esquecimento •

REsp 1.335.153 – RJ (caso Aída Curi, decisão de 2013): essa jovem carioca foi brutalmente assassinada na década de 1960. A Rede Globo, com o programa linha direta e reavivou aquele crime por meio de uma dramatização. A família da Aída Curi gostaria que aquilo fosse esquecido, não quer que aquilo seja reavivado. Essa família ajuíza uma ação contra a Rede Globo exigindo o direito ao esquecimento e pleiteando reparação civil. Nessa decisão, o STJ faz menção ao direito ao esquecimento.



REsp 1.334.097 – RJ (caso da Chacina da Candelária, decisão de 2013): em 1993 aconteceu no Rio de Janeiro a chacina da Candelária. Mais uma vez, a Rede Globo, no programa linha direta, revive a história da chacina da Candelária, dramatizando aquilo, utilizando uma pessoa que foi acusada de ter participado da chacina. Essa pessoa foi indiciada, processada, porém ela foi absolvida criminalmente. Assim, essa pessoa não queria que o nome dela tivesse sido citado naquele programa. Essa pessoa ajuíza uma ação contra a Rede Globo, pleiteando a devida reparação civil, alegando direito ao esquecimento e o STJ reconhece o direito ao esquecimento, impondo uma reparação civil à essa pessoa, que quer ser esquecida.



REsp 1.660.168 – RJ (Direito de desindexação do nome na internet, decisão de 2018): decisão que versa sobre o direito ao esquecimento e resulta no direito de desindexação do nome na internet. O caso é que uma promotora de justiça, há muitos anos, viu o seu nome envolvido em um caso de fraude à concurso público. Nem ficou esclarecido se ela realmente participou daquilo ou não. Hoje, ela já é promotora de justiça e, quando pesquisa seu próprio nome na internet, a primeira coisa que aparecia é que ela havia participado da fraude à concurso. Ela ajuíza uma ação pleiteando o direito ao esquecimento e que seu nome fosse desindexado da internet. O STJ reconhece o direito ao esquecimento e o direito de o nome dela ser desindexado da internet e que essa não pode ser a primeira informação a aparecer quando se busca o nome dela na internet.



REsp 1.736.803 – RJ (Caso Daniella Perez, decisão de 2020): no Brasil, em dezembro de 1992, uma atriz da Rede Globo estava participando da novela das 20h, na época ela era filha da autora da novela (Gloria Perez). A Daniella 22 www.g7juridico.com.br

Perez foi assassinada por colegas de cena dela, Guilherme de Pádua e Paula Thomaz, casados na época. Foi uma morte terrível e trágica, porque ela foi esfaqueada com múltiplos golpes de punhal. Nesse caso, os dois foram condenados e cumpriram alguns anos de prisão. Eles saíram da prisão e reassumiram a vida deles, se casando com outras pessoas. A revista Isto É, alguns anos atrás, reproduz a vida da Paula Thomaz, uma das assassinas, contando como estava a vida dela atualmente. A Paula Thomaz ajuíza uma ação contra a Isto É pleiteando uma reparação pelo dano moral sofrido e recebe essa reparação. Pleiteou, ainda, o direito ao esquecimento. Embora ela tenha ganho a reparação, o STJ disse que não caberia nesse caso o direito ao esquecimento, porque o STJ nos diz que não dá para se comparar o caso da Paula Thomaz que foi a assassina, a ré, condenada, com o caso da Aída Curi, por exemplo, porque no caso da Aída Curi quem estava reclamando o direito ao esquecimento era a própria família da vítima. Não dá para comparar com o caso da chacina da Candelária, porque nesse caso, tivemos uma pessoa que foi acusada, indiciada e processada, mas que foi absolvida. Aqui, não. A Paula Thomaz foi processada e foi condenada. O segundo argumento do STJ é no sentido de que, aplicar o direito ao esquecimento nesse caso da Daniella Perez seria aplicar censura no nosso país, o que é vedado pela Constituição Federal.

Nos três casos mencionados inicialmente, foi reconhecido o direito ao esquecimento. Já no caso da atriz Daniella Perez, que foi assassinada por Guilherme de Pádua e Paula Thomaz, o STJ não reconheceu direito ao esquecimento, porque ela de fato foi condenada e chegou a cumprir pena por isso, e, aos olhos do STJ, isso implicaria em uma censura, o que é vedado pela nossa Constituição Federal. O assassinato da Daniella Perez foi o que resultou na edição da lei que traz o homicídio qualificado como crime hediondo.

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MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS Direito Civil Profa. Mônica Queiroz Aula 11

ROTEIRO DE AULA

Temas: DIREITO DA PERSONALIDADE E PESSOA JURÍDICA

O Código Civil é repleto de cláusulas gerais, que são as maneiras intencionalmente vagas e imprecisas de legislar. É uma técnica legislativa, em que cada cláusula geral, segundo Nelson Rosenvald, representaria uma janela pela qual penetrariam os valores daquele tempo, fazendo com que o Código demorasse para envelhecer. Porque, se temos conceitos estanques, o Código fica velho rápido demais. Teremos uma cláusula geral afeta aos direitos da personalidade.

Cláusula Geral de Tutela aos Direitos da Personalidade

Art. 12, CC: “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”

Uma pessoa pode ter tido um direito da personalidade seu violado, como uma violação à imagem, honra, etc. Imagine que essa pessoa já tenha sofrido uma lesão a um direito da personalidade seu. Neste caso, se quer reprimir aquele mal que lhe aconteceu. Se já tiver havido a lesão, conforme diz o art. 12, caberá uma tutela repressiva, para reprimir aquele mal que já lhe aconteceu.

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Todavia, é possível que a lesão não tenha se efetivado ainda, que esteja havendo tão somente uma ameaça e neste caso de ameaça, é claro que não terá cabimento a tutela repressiva, mas sim uma tutela preventiva, para que aquele mal não lhe aconteça. Aconteceu a lesão, é tutela repressiva. O que é tão somente uma ameaça, é tutela preventiva, com base na seguinte garantia constitucional da inafastabilidade de jurisdição.

Art. 5º da CF: (...) XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Perceba que qualquer ameaça a direito está protegida. Além da tutela repressiva ou preventiva, essa parte ainda poderá pleitear perdas e danos. É evidente que quem reclamará essa indenização por perdas e danos será o chamado lesado direto, isto é, aquela pessoa que foi diretamente ofendida com o comportamento alheio. Mas, podem existir lesados indiretos naquele caso concreto e esses lesados indiretos também poderão reclamar essa indenização por perdas e danos.

➢ Exemplo: o indivíduo está chegando em casa à noite e ele vai abrir o portão. Chega um assaltante e atira nele e ele cai morto. Ele, evidentemente, é o lesado direto. Mas é como se essa bala tivesse atingido a ele, ricocheteado nele e reflexamente atingido a mulher dele que o esperava para o jantar. É como se essa bala tivesse atingido a ele, ricocheteado nele e reflexamente tivesse atingido a mãe dele, etc. No caso concreto, podem existir diversos lesados indiretos e esses também poderão reclamar essa indenização por perdas e danos, exatamente porque eles terão sofrido o que chamamos de dano reflexo ou por ricochete.

Dano reflexo ou por ricochete:

Art. 12, parágrafo único, CC: “Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.”

Diferentemente da linha reta, na linha colateral há uma limitação de grau, até o 4º grau para reclamar a indenização por perdas e danos por se tratarem de lesados indiretos nesse dano reflexo ou dano por ricochete. A palavra mais correta nesse parágrafo único seria “legitimidade” e não “legitimação”.

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Para que uma pessoa que esteja nessa lista pleiteie é necessário que a pessoa mencionada anteriormente já tenha pleiteado ou tenha desistido? Ou eles poderiam pleitear ao mesmo tempo? É uma ordem em que um exclui o outro, ou eles poderiam pedir de forma concorrente? Eles poderiam sim pedir de forma concorrente. Essa informação de que cada um tem legitimidade autônoma e concorrente para fazer esse pleito foi consagrada em um enunciado doutrinário:

Enunciado nº 398, CJF: “As medidas previstas no art. 12, parágrafo único, do Código Civil podem ser invocadas por qualquer uma das pessoas ali mencionadas de forma concorrente e autônoma.”

Se você já entendeu quem é o lesado indireto e porque esse lesado indireto pode pleitear essa indenização por perda e danos, considerando que ele sofreu o chamado dano reflexo ou por ricochete, trazemos uma informação recente e interessante que o STJ decidiu no ano de 2019. A questão era que, sempre que pensávamos em dano reflexo, pensávamos em uma pessoa (lesado direto) que já tivesse morrido, como no exemplo do assaltante que matou o motorista na porta da casa dele e a mãe dele pleiteou indenização por perdas e danos. O STJ, em 2019 diz que não é imprescindível a morte do lesado direto, conforme o seguinte precedente: •

REsp 1.734.536 - SP - Dano moral reflexo prescinde de morte da vítima direta do evento danoso (j. 21.08.2019)

Atenção: Art. 12 parágrafo único (Direitos da Personalidade)

Art. 20 parágrafo único (Direito de Imagem)

Esse artigo traz uma cláusula geral de tutela aos direitos

Protege especificamente um direito da personalidade,

da personalidade do lesado direto (morto ou não, que é a imagem do morto. Esse parágrafo único também conforme recente decisão do STJ), de forma ampla, sem traz pessoas que podem reclamar em caso de violação da especificar um direito.

imagem de pessoa morta. O rol é diferente do parágrafo único do art. 12.

Rol: cônjuge, qualquer parente em linha reta e colateral Rol: reduzido, porque fala somente em cônjuge, até o 4º grau.

ascendente e descendente.

A doutrina critica essa redução do rol de lesados indiretos que podem reclamar danos morais trazida pelo parágrafo único do art. 20, com a exclusão do colateral até o 4º grau e a doutrina não encontra sentido nisso. Mas é importante que o candidato leve para a prova essas diferenças entre os dois dispositivos, que o rol do art. 12 é mais amplo e o do art. 20 é mais restrito, uma vez que foi afastado o colateral até o 4º grau.

Os dois parágrafos únicos do art. 12 e 20 mencionam apenas o cônjuge, mas e quanto ao companheiro? Apesar da omissão do legislador nos dois dispositivos, o companheiro poderia reclamar essa indenização, conforme o seguinte enunciado:

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Enunciado nº 275, CJF: “O rol dos legitimados de que tratam os arts. 12, parágrafo único, e 20, parágrafo único, do Código Civil também compreende o companheiro.” •

Arts. 13/14/15: integridade física



Arts. 16/17/18/19: nome



Art. 20: imagem



Art. 21: privacidade

E se uma pessoa for lesada em um direito da personalidade que não está descrito aí, poderá se reclamar? Claro que sim, por causa da cláusula geral de tutela aos direitos da personalidade do art. 12, a proteção aos direitos da personalidade que está na Constituição Federal e aquela característica dos direitos da personalidade de que eles são ilimitados. Esses citados são alguns que o legislador quis trazer uma disciplina específica.

Integridade Física

Art. 13: “Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.”

Esse dispositivo traz que a pessoa não pode dispor de sua integridade física e essa é a regra. Um paciente que sentia dores insuportáveis no braço se dirigiu a um hospital, com o desejo de cortar fora aquele braço. O médico não concordou, porque é defeso, é proibido o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física ou contrariar os bons costumes.

Isso deve ser tido como uma regra geral, porque o artigo começa com uma ressalva. Por exigência médica, a pessoa pode dispor de sua própria integridade física. O sujeito chega todo acidentado no hospital e o médico constata que será necessário amputar a perna desse paciente, senão ele vai morrer. Além da exigência médica, tem uma outra exceção em que é possível a disposição do próprio corpo, que é a doação de órgãos.

Analisando a primeira exceção de exigência médica, foi dentro dessa expressão contida no art. 13 que surgiu uma dúvida, sobre o transexual.

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Transexual

Alguns transexuais têm o desejo de se submeter à uma cirurgia de transgenitalização. A questão é: pode ou não pode? Logo quando entrou em vigor o Código Civil, em janeiro de 2003, começaram a se perguntar como fica o transexual diante dessa redação do art. 13. Pela literalidade do art. 13, o transexual poderia se submeter à uma cirurgia de transgenitalização? Não.

Os doutrinadores se insurgiram contra isso, dizendo que, por exemplo, quando uma pessoa se submete a uma cirurgia de lipoaspiração, no nariz, colocação de silicone nas mamas, eles fazem isso buscando o bem-estar psíquico/psicológico. Então, a doutrina disse, como eles podem fazê-lo, por que o transexual não teria esse direito à felicidade, ao bem-estar psicológico? Quando o art. 13 menciona a exigência médica, dentro dessa expressão, devemos entender tanto para o bem-estar físico quanto para o bem-estar psíquico e isso foi consignado nos seguintes enunciados:

Enunciado nº 6, CJF: “A expressão ‘exigência médica’ contida no art. 13 refere-se tanto ao bem-estar físico quanto ao bem-estar psíquico do disponente.”

Claro que, para uma pessoa se submeter à cirurgia de transgenitalização, essa pessoa deveria ser acompanhada durante um lapso temporal e por uma equipe multidisciplinar, em conformidade com as resoluções do Conselho Federal de Medicina. Mesmo após a cirurgia de transgenitalização, essa pessoa chegava a um local para fazer uma matrícula, uma inscrição e era solicitado dela um documento. Imagine um homem que, após a cirurgia, se transformou fisicamente em uma mulher apresentava, ainda, um documento com nome masculino. Assim, foi aprovado outro enunciado:

Enunciado nº 276, CJF: “O art. 13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo por exigência médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização, em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, e a consequente alteração do prenome e do sexo no Registro Civil.”

Não bastaria, evidentemente, que a pessoa se submetesse à cirurgia de transgenitalização, ela deveria ter o prenome e o designativo sexual alterado no Registro Civil, senão sofreria constrangimentos. Como ficam os tribunais acerca do tema? O STJ foi na esteira do que os ensinamentos doutrinários trouxeram e decidiu:

STJ: reconhece a necessidade de alteração de prenome e designativo sexual em caso de cirurgia de transgenitalização. REsp 1.008.398 – SP, decisão de 2009. REsp 737.993 – MG, decisão de 2009.

A cirurgia de transgenitalização não é tão simples. Havia uma resolução que era a Res. 1.955/2010 do Conselho Federal de Medicina (CFM) que nos informava que o transexual deveria ser acompanhado por 2 anos por uma equipe

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multidisciplinar – psicólogo, psiquiatra, endocrinologista, cirurgião, etc. Essa resolução dizia que essa pessoa deveria ter, no mínimo, 21 anos. Em 2019, veio uma nova resolução (Res. nº 2.265/2019), que revogou a resolução anterior.

Res. nº 2.265/2019, CFM: revoga a Res. nº 1.955/2010.

Res. nº 1955/2010

Res. nº 2265/2019

Prazo de 02 anos de acompanhamento do interessado.

Prazo de 01 ano de acompanhamento do interessado.

Idade mínima: 21 anos.

Idade mínima: 18 anos.

Para o transexual se submeter à cirurgia de transgenitalização, ele deverá ser acompanhado durante 1 ano, tem que ter no mínimo 18 anos. Assim, ele faz a cirurgia e altera o prenome e o designativo sexual. Em decisões relativamente recentes, o STJ e o STF trazem a questão sobre aquelas pessoas que são transexuais, mas não pode se submeterem à cirurgia de transgenitalização, porque não quer ou o médico não recomendou, apesar de ela querer. Essa pessoa não poderia ter o seu nome modificado? O STF e o STJ nos informam que poderá sim.

Alteração do nome e do designativo sexual do transgênero não é condicionada à cirurgia de transgenitalização:

- STJ: REsp 1.626.739 – RS, decisão de 2017. - STF: RE 670.422 –8, decisão de 2018 – a alteração poderá ser feita via judicial ou administrativa. - Provimento nº 73/2018, CNJ: regulamenta o procedimento nos cartórios.

Nas provas, pode se usar o termo transexual ou transgênero. Jamais utilize termos terminados em “ismo”, como homossexualismo, transexualismo. Evite esses termos, porque esse final “ismo” remete à doença, e hoje a ideia que prevalece é de comportamento (“dade”) e não de doença – portanto, se fala em homossexualidade e transexualidade.

O caput do art. 13 não menciona a doação de órgãos, mas a doação de órgãos é mencionada no CC em outros artigos:

Quando se celebra algo por ato inter vivos, se busca o efeito daquilo com a pessoa viva. Com exceção do coração, a pessoa pode doar outros órgãos em vida. O seguinte parágrafo único nos remete à lei especial, que é a Lei n. 9.434/97 – cuida da

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doação de órgãos, trazendo os parâmetros de quais órgãos poderão ser doados com a pessoa em vida. Exemplo: podemos doar órgãos dúplices e tecidos renováveis, como um dos rins ou medula óssea.

Art. 13 (...) Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.

O art. 14 do CC nos informa que a produção dos efeitos da doação dos órgãos, nesse caso, será depois da morte da pessoa. É possível, desde que com finalidade científica (doação para uma faculdade de medicina pesquisar cura de doenças) ou altruística (intuito de salvar vidas). A pessoa pode deixar isso consignado em um cartório, que é doadora de órgãos e essa disposição pode ser revogada a qualquer momento.

Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.

➢ E se não estiver de acordo a vontade do de cujus (que queria doar órgãos e deixou isso por escrito) com a da família (que não autorizava)? Para a doutrina, irá prevalecer a manifestação do de cujus. Contudo, nem sempre é isso que acontece na prática.

Art. 15, CC: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.”

Esse artigo cuida da autonomia do paciente. Hoje a ideia que prevalece é a de que o paciente tem autonomia e merece se manifestar e ser ouvido, aceitando ou não aquele tratamento. No polêmico caso do COVID-19, surge a indagação: será que o paciente pode se recusar a se submeter a tratamento com cloroquina? Pode sim.

Obs.: coronavírus - tratamento por cloroquina (Profa. Luciana Dadalto). Essa professora deixa bem claro que a pessoa pode se recusar ao tratamento por cloroquina, se for diagnosticada com coronavírus, tendo por base o art. 15 do CC. Inicialmente, começamos com uma interpretação rasa e superficial do art. 15. Mas, quando verticalizamos a interpretação, nos deparamos com problemas mais intensos.

Hard case: o sujeito sofreu um acidente de carro, foi levado ao hospital e professa que é Testemunha de Jeová. No hospital, a equipe médica lhe diz que será necessário transfusão de sangue, senão ele vai morrer. Só que esse paciente é Testemunha de Jeová e ele está consciente no momento e se recusa a se submeter a esse tratamento. Como é que fica? E se ele vem a óbito? Os médicos seriam responsabilizados? Esse problema extrapola o Direito Civil e se trata, também, de um problema de Direito Constitucional, por se tratar de colisão de direitos fundamentais.

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Colisão de direitos fundamentais Vida x Liberdade religiosa

Solução: Técnica da ponderação. Esses dois direitos fundamentais estão assegurados no mesmo art. 5º da CF. O que deve prevalecer? Tende a prevalecer, no nosso ordenamento jurídico, a resposta de que estamos vivendo em um Estado Democrático de Direito, em que não existem direitos absolutos, os direitos são relativos. Por isso, existe uma verdadeira relativização dos direitos. A solução que a doutrina vai nos apresentar é a solução da técnica da ponderação. Ou seja, o juiz do caso concreto deverá ponderar aqueles dois direitos fundamentais que ele tem ali em mãos, que estão se digladiando e deverá eleger/escolher qual deve prevalecer. Nessa esteira:

Enunciado nº 274, CJF: “Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, inc. III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação.”

Obs.: Apesar dessa técnica de ponderação apresentada pela doutrina, como diria Pablo Stolze, qualquer saída que nós podemos escolher não vai agradar a todo mundo. A professora gosta do posicionamento que diz que em casos emergenciais e casos que envolvam menores de 18 anos, deverá ser feita a transfusão do sangue. De modo que a técnica da ponderação faz sentido, desde que não seja uma situação emergencial. Porque, se for uma situação emergencial, não daria tempo de o juiz apreciar essa técnica da ponderação, porque o indivíduo pode morrer.

Nome Civil

Conceito: o nome civil designa a pessoa, individualizando na sociedade e indicando a sua procedência familiar. É um direito da personalidade e vai apresentar uma disciplina no Código Civil. O seu nome é tão importante quanto a sua honra, quanto a sua integridade física, etc.

Disciplina legal: CC, arts. 16/19 Lei nº 6.015/73 (apresenta vários artigos sobre o nome – Lei de Registros Públicos)

Elementos essenciais do nome: prenome + sobrenome (art. 16, CC). O prenome da professora é Mônica e o sobrenome é Queiroz.

Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.

Lembrando que o sobrenome é conhecido na Lei de Registros Públicos como apelido de família ou patronímico (essa última designação não é muito utilizada, porque é machista). 8 www.g7juridico.com.br



Outros elementos:

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Partículas: o “da” do “da Silva”, o “de” do “de Andrade” ou “dos” do “dos Reis”;

-

Prenome ou sobrenome duplo: Pedro Henrique, João Paulo, Ana Paula (prenome) ou Villas Boas (sobrenome);

-

Vocatório: a designação pela qual a pessoa é conhecida na sociedade, como Xuxa, Pelé e Lula. Inclusive, a Lei de Registros Públicos vai nos informar que pode ser inserido no seu nome ou até mesmo substituir um elemento do seu nome por um vocatório, foi o que a Xuxa e o Lula fizeram;

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Agnome: é um elemento secundário do nome, que distingue duas pessoas de uma mesma família, como “Júnior”, “Filho”, “Neto”, “Sobrinho”, etc.

Pseudônimo Art. 19, CC: O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.

O pseudônimo é a designação que a pessoa utiliza para o exercício de sua atividade profissional. Exemplo: Fernanda Montenegro (ela se chama Arlete Pinheiro). Mas o pseudônimo é protegido por lei? Sim, tanto quanto o nome, mas desde que ele seja utilizado para atividades lícitas. Imagine que Fernandinho Beira-Mar está ofendido porque usaram seu pseudônimo, ele claramente não poderá reclamar porque o pseudônimo que merece proteção é aquele utilizado para atividades lícitas.

VOCATÓRIO

PSEUDÔNIMO

É aquele nome que a pessoa é conhecida em toda a É a denominação que a pessoa utiliza para o exercício de sociedade. Exemplos: Xuxa.

sua atividade profissional.

Às vezes, o pseudônimo toma uma proporção tão grande que acaba virando um vocatório. Machado de Assis escreveu alguns poemas e textos sob o pseudônimo de Vitor de Abreu. Muitos anos depois, ele reconheceu a autoria desses textos. A Fernanda Montenegro começou a carreira com pseudônimo, só que o pseudônimo dela cresceu de uma maneira tal que virou um vocatório.

Art. 17, CC: O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória. (grifo nosso)

Imagine que uma pessoa pegue o nome da professora, lhe expondo ao ridículo e a professora se ofende, ajuizando uma ação contra essa pessoa pleiteando a devida reparação civil. Essa pessoa se defende dizendo que não teve a intenção de ofender, de difamar a professora. Isso não é argumento válido. Então, ainda que não haja intenção difamatória, uma pessoa não pode pegar o nome da outra e expor ao ridículo.

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Art. 18, CC: Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial.

Uma empresa cita o nome de um ator da novela das 20h, sem a autorização dele, dizendo que ele estaria gostando do produto ali comercializado. Não se pode fazer isso, sem a devida autorização. Nessa esteira, e aumentando a perspectiva do art. 18 do CC:

Enunciado 278, CJF: A publicidade que divulgar, sem autorização, qualidades inerentes a determinada pessoa, ainda que sem mencionar seu nome, mas sendo capaz de identificá-la, constitui violação a direito da personalidade.

➢ Exemplo: é feita uma propaganda com a risada do Silvio Santos no fundo, mas não dizendo que é o Silvio Santos. Não é necessário dizer que é ele, porque ele tem uma risada própria e característica. Isso não pode ser feito porque, apesar de não ter citado o nome, é possível de identifica-lo e isso constitui violação a direito da personalidade.

Princípio da Imutabilidade do nome: o nome da pessoa natural é imutável. Quando a doutrina nos traz esse princípio, de que o nome é imutável, isso deve ser tido como uma regra geral. Diante de causas que sejam consideradas justas, é possível haver a modificação do nome. Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves chamam esse princípio de Princípio da Inalterabilidade Relativa do Nome. Não se pode alterar o nome em regra, mas excepcionalmente pode.

Modificação do nome: imaginemos um rapaz que se chama João, mas ele acabou de fazer 18 anos e ele não gosta desse prenome e quer modifica-lo para Roberto. Pode ser feita no cartório de forma simplificada, desde que não prejudique o sobrenome/apelido de família. -

No primeiro ano após a maioridade civil: extrajudicial e imotivadamente (art. 56, LRP);

Art. 56 da LRP. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa

-

Após o primeiro ano: judicial e motivadamente (art. 57, LRP).

Art. 57 da LRP. A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei. § 1º Poderá, também, ser averbado, nos mesmos termos, o nome abreviado, usado como firma comercial registrada ou em qualquer atividade profissional. § 2º A mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem solteiro, desquitado ou viúvo, excepcionalmente e havendo motivo ponderável, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o 10 www.g7juridico.com.br

patronímico de seu companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, de família, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambas. § 3º O juiz competente somente processará o pedido, se tiver expressa concordância do companheiro, e se da vida em comum houverem decorrido, no mínimo, 5 (cinco) anos ou existirem filhos da união. § 4º O pedido de averbação só terá curso, quando desquitado o companheiro, se a ex-esposa houver sido condenada ou tiver renunciado ao uso dos apelidos do marido, ainda que dele receba pensão alimentícia. § 5º O aditamento regulado nesta Lei será cancelado a requerimento de uma das partes, ouvida a outra. § 6º Tanto o aditamento quanto o cancelamento da averbação previstos neste artigo serão processados em segredo de justiça. § 7o Quando a alteração de nome for concedida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente de colaboração com a apuração de crime, o juiz competente determinará que haja a averbação no registro de origem de menção da existência de sentença concessiva da alteração, sem a averbação do nome alterado, que somente poderá ser procedida mediante determinação posterior, que levará em consideração a cessação da coação ou ameaça que deu causa à alteração. § 8o O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2o e 7o deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família. •

Alguns motivos que autorizam a modificação do nome – rol exemplificativo:

-

Nome vexatório: “Um Dois Três de Oliveira Quatro”;

-

Erro de grafia evidente: “Ulício” em vez de “Ulisses”;

-

Nome grafado em língua estrangeira: “Richard” pode traduzir para “Ricardo”, “John” para “João”;

-

Homonímia que cause prejuízo: “João Pereira da Silva”. É um nome muito comum;

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Inserção de sobrenome de padrasto ou madrasta: Lei Clodovil;

-

Exclusão de sobrenome em virtude abandono afetivo (REsp 1.304.718 – SP);

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Transexual: independentemente de cirurgia de transgenitalização.

Imagem

Quando falamos em imagem, devemos ampliar nossa perspectiva, porque a imagem se manifesta de três formas:

Imagem retrato: aspecto fisionômico da pessoa, que poderá ser estático em uma foto ou dinâmico em um vídeo.

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Imagem atributo: se traduz na repercussão social da imagem de uma pessoa. Nos lembramos que quando a Xuxa, no início da década de 1980, ela participou de um filme que tinha conteúdo erótico. Muitos anos depois, ela se tornou famosa e ela requereu judicialmente que aquele filme não fosse mais comercializado, divulgado, reclamando proteção à imagem atributo dela, porque sua imagem atual goza de respeito perante às crianças e jovens. Imagem voz: é o timbre de voz de uma pessoa, porque é perfeitamente possível identificar uma pessoa sem vê-la, simplesmente escutando sua voz.

Art. 20, CC: “Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”

Uma modelo e atriz foi fotografada fazendo sexo no mar por um paparazzi e, quando essas fotos estamparam as revistas, ela ajuizou uma ação pleiteando indenização e o fim da comercialização dessas imagens. Mais uma vez, estamos diante de uma colisão de direitos fundamentais.

Imagem (Direito da personalidade) x Liberdade de Expressão

Técnica da ponderação Enunciado nº 279, CJF: “A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levarse-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações.”

Na obra do Ministro Luís Roberto Barroso, ele traz dois casos muito interessantes que foram veiculados no Jornal O Globo. A primeira notícia versava sobre uma sexagenária que tinha um amante. A segunda notícia trouxe a informação de que um sujeito, ministro da República, tinha uma amante e que essa amante ocupava um cargo comissionado no ministério. Qual delas viola direito da personalidade, com base na técnica da ponderação?

A primeira notícia. Ao se aplicar a técnica da ponderação, se percebe que, quando um jornal informa que uma mulher com mais de 60 anos tem um amante, esse fato não é de importância para mais ninguém. Acaba sendo apenas a exposição da vida daquela mulher, que não deveria ser exposta dessa maneira. Já a segunda notícia não viola o direito da personalidade do ministro, porque, ao se aplicar a técnica da ponderação, interessa para a coletividade saber os motivos pelos quais essa amante ocupa esse cargo em comissão, se é só porque ela é amante do ministro.

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ADIn 4815 (ajuizada pela Associação Nacional dos Editores de Livros): em junho de 2015, o STF decide pela inexigibilidade de autorização do biografado.

Acontecia que um autor escrevia um livro sobre a biografia (não autorizada) de uma pessoa famosa e, quando esse livro já estava pronto e impresso, a editora ia colocar o livro à venda. O biografado ajuizava ação vedando a comercialização daqueles livros, pleiteando indenização por perdas e danos. A Associação Nacional dos Editores de Livros pleiteou que haja a manifestação de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, desse art. 20, porque nesse dispositivo há a proteção da imagem da pessoa, mas não é só o art. 20 que deve prevalecer, porque temos na Constituição Federal a liberdade de expressão, que é tão importante quanto a imagem, que é um direito da personalidade.

Decisão da ADIn 4815 em junho de 2015: o STF decidiu pela inexigilibade de autorização do biografado, ou seja, o art. 20 continua no CC, mas deve ser interpretado conforme a Constituição Federal. Então, se alguém escrever algum livro sobre a vida de uma pessoa famosa, esse livro pode ser publicado e comercializado, ainda que não haja a autorização do biografado. Esse biografado poderá ate reclamar se houver alguma mentira, mas essa reclamação se dará a posteriori. •

Essa decisão relativiza o Direito ao Esquecimento em relação ao biografado.

Privacidade

Privacidade é sinônimo de intimidade? Não. A privacidade ainda dividimos com outras pessoas. Exemplo: almoço de família na casa da vovó no domingo. É um momento de privacidade daquela família, ainda que compartilhado com algumas pessoas. Intimidade seria algo mais restrito, que não se compartilha com ninguém ou só com pessoa determinada. Exemplo: pessoa dentro do banheiro ou em um ato sexual.

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Quando temos o art. 21 do CC protegendo a privacidade, também está protegendo a própria intimidade da pessoa. A privacidade que se protege é tanto no plano físico quanto no plano virtual. Em relação ao Marco Civil da Internet, não se pode ler e-mail dos outros.

Obs.: E-mail corporativo (TST, RR 613.2000-013-10-00). Em relação ao e-mail corporativo, deve se ter cuidado com o que se escreve nele, porque o empregador pode fiscalizar e isso já chegou ao conhecimento do TST e o TST entende que isso é exercício regular de direito do empregador, que pode fiscalizar o seu próprio e-mail corporativo.

Art. 21, CC: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.” •

ADIn 4815: a esse art. 21 se estende todas as observações que fizemos no art. 20, que também deverá ser interpretado em conformidade com a Constituição Federal, valendo a inexigibilidade de autorização do biografado para a publicação de sua biografia.

Pessoa Jurídica (Pessoa Coletiva/Pessoa Moral)

Conceito: pessoa jurídica é um ente moral (abstração) criado pelo ser humano ao qual o ordenamento atribui personalidade jurídica. Também é titular de direitos de personalidades (honra e pode sofrer dano moral, que, por sua vez ocorre, quando um direito da personalidade é violado), mas não é qualquer direito da personalidade que conseguimos estender à pessoa jurídica, como a integridade física. Em provas objetivas, esse é o entendimento, conforme vemos:

Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade. Súmula n. 227 do STJ: A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

Todavia, parte da doutrina entende que pessoa jurídica não é titular de direitos da personalidade e que nem pode sofrer dano moral (Gustavo Tepedino), porque os direitos da personalidade decorrem de algo muito maior, que é a dignidade da pessoa humana. Então, se estender a dignidade a tudo, ela perderia o seu sentido, seria desprestigiada. Mas e quando divulgam que determinada empresa estava vendendo produtos adulterados ou falsificados, sendo que não era verdade? O que essa parcela da doutrina nos traz é que dano moral a pessoa jurídica não pode sofrer, porque não tem direitos da personalidade por não ter dignidade, mas estaria sofrendo o dano institucional, que diz respeito à dano de origem patrimonial (dano material e não dano moral).

Função social: pessoa jurídica tem que desempenhar função social, conforme o seguinte enunciado:

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Enunciado 53, CJF: “Deve-se levar em consideração o princípio da função social na interpretação das normas relativas à empresa, a despeito da falta de referência expressa.”

Pessoa Jurídica de Direito Público Interno: O CC apenas enumera quais são, e quem cuida delas é o Direito Administrativo.

Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno: I - A União; II - Os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; III - Os Municípios; IV - As autarquias, inclusive as associações públicas; V - As demais entidades de caráter público criadas por lei. Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código.

Pessoa Jurídica de Direito Público Externo: os países, as organizações internacionais (OMS, ONU, OMC, etc). O estudo delas se dá pelo Direito Internacional Público.

Art. 42. São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público.

Pessoa Jurídica de Direito Privado: o art. 44 apresenta interpretação exemplificativa, conforme nos ensina o posicionamento doutrinário consolidado no Enunciado n. 144 do CJF

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I - As associações; II - As sociedades; III - As fundações. IV - As organizações religiosas; 15 www.g7juridico.com.br

V - Os partidos políticos. VI - As empresas individuais de responsabilidade limitada. § 1 o São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento. § 2 o As disposições concernentes às associações aplicam-se subsidiariamente às sociedades que são objeto do Livro II da Parte Especial deste Código. § 3 o Os partidos políticos serão organizados e funcionarão conforme o disposto em lei específica

Enunciado 144, CJF: A relação das pessoas jurídicas de direito privado constante do art. 44, incs. I a V, do Código Civil não é exaustiva.

Associações

Arts. 53/61 CC

Sociedades (simples ou empresárias)

Arts. 981 e ss., CC

Fundações

Arts. 62/69, CC

Organizações religiosas

Art. 44, §1º, CC / Enunciado 143 CJF1

Partidos Políticos

Art. 44, §3º, CC

Empresas Individuais de Resp. Limitada

Art. 980-A, CC

ASSOCIAÇÕES E SOCIEDADES

FUNDAÇÕES

Agrupamento de pessoas

Personificação de um patrimônio – instituidor separa alguns bens, que vão adquirir personalidade jurídica

Podem ter ou não finalidade econômica*

Não há finalidade econômica

Ato constitutivo: inst. público ou particular

Ato constitutivo: inst. público ou testamento (inter vivos ou causa mortis)

ASSOCIAÇÕES

SOCIEDADES

Não há finalidade econômica – não pode haver partilha de lucros, de dividendos. Se reúnem por finalidade Há finalidade econômica* recreativa, educativa, desportiva, dentre outras. Ato constitutivo (público ou particular): estatuto

Ato constitutivo (público ou particular): contrato social

Não há entre os associados direitos e obrigações Há entre os sócios direitos e obrigações recíprocos – recíprocos

porque fazem um contrato

1

A liberdade de funcionamento das organizações religiosas não afasta o controle de legalidade e legitimidade constitucional de seu registro, nem a possibilidade de reexame, pelo Judiciário, da compatibilidade de seus atos com a lei e com seus estatutos. 16 www.g7juridico.com.br

Associações Algumas informações importantes: •

Os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais.



A qualidade de associado é intransmissível, se o estatuto não dispuser o contrário.



A exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto → ampla defesa.

Fundações - Fases de Formação

A fundação que é objeto de estudo aqui dentro do Código Civil (arts. 62 a 69) nada tem a ver com aquelas fundações que são estudadas nas aulas de Direito Administrativo. Esses artigos do CC trazem como nasce, vive e morre/é extinta uma fundação. Iniciaremos estudando as fases para a formação de uma fundação:

Dotação é o mesmo que separação, afetação de bens livres do instituidor. Afinal de contas, a fundação representa um patrimônio que adquiriu personalidade. Essa afetação de bens poderá ocorrer em uma escritura pública ou em um testamento – que serão os próprios atos constitutivos da fundação.

➢ Quando falamos de testamento, existem espécies de testamento (como o público, particular, etc.). A pessoa tem que separar esses bens em um determinado testamento, ou pode ser qualquer uma das espécies? Vejamos que o caput do art. 62 do CC simplesmente menciona “testamento”, sem especificar ou adjetivar. Então, em princípio, o candidato deve levar para a prova que é qualquer testamento, mesmo um particular, desde que, se tiver herdeiro necessário, observe os 50% que dizem respeito à legítima dos herdeiros necessários. Somente a parte disponível pode ser destinada à constituição de uma fundação.

Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la. Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins de: 17 www.g7juridico.com.br

I – Assistência social; II – Cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; III – Educação; IV – Saúde; V – Segurança alimentar e nutricional; VI – Defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; VII – Pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas, modernização de sistemas de gestão, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos; VIII – Promoção da ética, da cidadania, da democracia e dos direitos humanos; IX – Atividades religiosas; e X – (VETADO).

Imaginemos que um sujeito separa aqueles bens para que se transforme em uma fundação, só que aqueles bens são insuficientes. O que fazer com aqueles bens? O CC traz a solução no art. 63.

Quando dizemos que deve ser elaborado um estatuto, pode ser um estatuto ou mais de um estatuto. O ato constitutivo da associação chama-se estatuto. Na fundação também tem estatuto, mas é importante destacar que o estatuto da fundação não é o seu ato constitutivo (e sim a própria escritura pública ou testamento). O estatuto chega na fundação para trazer as regras gerais de organização, funcionamento, etc. Por isso podem haver vários estatutos.

Essa elaboração do estatuto poderá se dar pela forma direta (o próprio instituidor se reserva à tarefa de criar o estatuto) ou indireta/fiduciária (muitas vezes o instituidor não quer elaborar o estatuto ou então ele não pode, como no caso em que ele separa os bens por testamento e esse testamento somente é aberto após a morte dele, então será definido no ato constitutivo quem será o terceiro que irá elaborar aquele estatuto).

3ª fase) Aprovação do estatuto pela autoridade competente – MP Art. 66. Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas. § 1º Se funcionarem no Distrito Federal ou em Território, caberá o encargo ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. (Lei 13.151/15) § 2º Se estenderem a atividade por mais de um Estado, caberá o encargo, em cada um deles, ao respectivo Ministério Público. 18 www.g7juridico.com.br

O Ministério Público Estadual é a autoridade competente para aprovar o estatuto, porque o Código Civil, no caput do art. 66 traz aquilo que a doutrina chama de veladura das fundações, ou seja, cumpre ao MP velar pelas fundações. Velar é cuidar, zelar.

No parágrafo primeiro do art. 66, em sua redação original, a informação que estava lá era de que se a fundação estivesse no Distrito Federal ou em um Território caberia esse encargo ao Ministério Público Federal. Logo que o CC entrou em vigor, em janeiro de 2003, perceberam esse erro, porque existe o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e esse dispositivo foi declarado inconstitucional por usurpação de competência. Em 2015, veio aquela Lei n. 13.151/15 que corrigiu e colocou a redação adequada.

4ª fase) Registro do ato constitutivo: a escritura pública ou o testamento, que são os atos constitutivos da fundação, deverão ser levados ao registro no Cartório de Registro de Pessoa Jurídica e, com isso, nasce a fundação e atribui-se personalidade àquele patrimônio.

Alteração do estatuto da fundação Art. 67. Para que se possa alterar o estatuto da fundação é mister que a reforma: I - Seja deliberada por dois terços dos competentes para gerir e representar a fundação; II - Não contrarie ou desvirtue o fim desta; ➢ Pode ser alterado o estatuto de uma fundação, mas não a sua finalidade. III – Seja aprovada pelo órgão do Ministério Público no prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias, findo o qual ou no caso de o Ministério Público a denegar, poderá o juiz supri-la, a requerimento do interessado. (Lei 13.151/15) ➢ Claro que o MP deve aprovar essa alteração no estatuto, mas essa lei de 2015 colocou o prazo máximo de 45 dias para se manifestar.

Extinção da fundação Art. 69, CC: “Tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o órgão do Ministério Público, ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção, incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo, ou no estatuto, em outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante.”

O que fazer com o patrimônio remanescente? A parte final do art. 69 diz que seu patrimônio será incorporado, salvo disposição em contrário no ato constitutivo, ou no estatuto, em outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante. O destino desses bens remanescentes é o mesmo destino que foi cogitado no art. 63, quando foram notados, no início da constituição da fundação, que os bens seriam insuficientes.

Início da personalidade da pessoa jurídica: 19 www.g7juridico.com.br

O registro da pessoa jurídica é constitutivo, atributivo de personalidade. Algumas ainda necessitarão de autorização do Poder Executivo.

Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.

Obs.1 – sociedade de fato e sociedade irregular: na sociedade de fato, as pessoas se agruparam, os sócios estão trabalhando, mas sequer fizeram um ato constitutivo. Já na sociedade irregular, as pessoas se reuniram, os sócios estão trabalhando, chegaram a fazer o ato constitutivo, mas esse ato constitutivo não foi registrado, apesar de existir. Como as duas não passaram nem perto do registro, não têm personalidade jurídica (art. 986 a 990 do CC).

Obs.2 – entes despersonalizados: pode ser sujeito de direito, ao lado da pessoa natural e da pessoa jurídica, só que um ente despersonalizado, embora possa ser sujeito de direito, não tem personalidade, como o próprio nome diz. Exemplos: sociedade de fato, sociedade irregular, espólio, massa falida, etc.

➢ Poderíamos cogitar o condomínio como ente despersonalizado? Condomínio edilício, segundo os manuais tradicionais, são classificados como entes despersonalizados. Só que há uma doutrina mais moderna que vai dizer que o condomínio é uma pessoa jurídica e, por isso teria personalidade, com base na ideia de que o art. 44 do CC é meramente exemplificativo. Então, não há problemas em se considerar o condomínio edilício como uma pessoa

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jurídica, o que justificaria, inclusive, o condomínio ser inscrito no CNPJ. Esse entendimento mais moderno também está nos seguintes enunciados:

Enunciado 90, CJF: Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse.

Enunciado 246, CJF: Fica alterado o Enunciado n. 90, com supressão da parte final: "nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse". Prevalece o texto: "Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício".

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MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS Direito Civil Profa. Mônica Queiroz Aula 12

ROTEIRO DE AULA

Tema 1: DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Tema 2: DOS BENS Tema 3: FATO JURÍDICO E NEGÓCIO JURÍDICO I

Quando falamos sobre desconsideração da personalidade jurídica, é importante destacarmos que esse tema já se encontra perfeitamente consolidado no nosso país, tanto é assim que temos várias leis que incorporaram à sua realidade o fenômeno da desconsideração da personalidade jurídica. São exemplos dessas leis: •

Lei nº 9.605/98 – Lei de Crimes Ambientais (art. 4º)



Lei nº 8.078/90 – CDC (art. 28)



Lei nº 12.529/11 – Lei de Defesa da Concorrência (art. 34)



Lei nº 12.846/13 – Lei Anticorrupção (art. 14)



Código Civil (art. 50)

Aquela terminologia que ainda encontramos nos manuais da “teoria da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica” é muito criticada, principalmente no emprego da palavra “teoria”, porque já deixou de ser teoria há muito tempo, uma vez que se encontra perfeitamente positivado no nosso ordenamento jurídico.

Em segundo lugar, quando a desconsideração chega no Código Civil de 2002 no art. 50, logo indagaram se as outras manifestações de desconsideração da personalidade jurídica, em outras leis deixaram de existir, sendo revogados tacitamente? Claro que não, todos coexistem pacificamente, cada um para a sua situação. Há, inclusive, um enunciado do Conselho da Justiça Federal que foi aprovado logo na I Jornada, que é o seguinte:

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Enunciado 51, CJF: “A teoria da desconsideração da personalidade jurídica - disregard doctrine - fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.”

Ou seja, todas as disposições que já haviam sobre a desconsideração da personalidade jurídica em outras leis e outras que vieram depois do Código Civil continuam a coexistir, cada uma para seu caso concreto. Feita essa análise introdutória, dirigiremos nosso foco à desconsideração da personalidade jurídica nos moldes do Direito Civil (art. 50 do CC). A pessoa jurídica tem personalidade jurídica e essa personalidade jurídica não pode ser confundida com a personalidade dos seus membros, das pessoas que irão compor aquela pessoa jurídica. A personalidade jurídica da sociedade é uma, o patrimônio da sociedade é um e a personalidade daquela pessoa natural do sócio e seu patrimônio é outra.

Mas imagine que o sócio, por exemplo, ele sabe dessa autonomia muito bem e tem uma “brilhante ideia” e passa a praticar toda a sorte de fraudes, abusos e ilícitos e sai de fininho, deixando aquele ente respondendo por tudo de errado que na verdade quem fez foi o sócio. É nesse momento que chega a desconsideração da personalidade jurídica, dizendo que se esse sócio achou que criou um ente para “aprontar” e esse ente vai responder em seu lugar, será levantado esse véu que ele estava usando para se proteger e o sócio que agiu dessa maneira será perseguido.

É por isso que alguns autores vão chamar a desconsideração da personalidade jurídica de teoria do levantamento do véu, porque se o sócio está usando a personalidade da pessoa jurídica como um véu, será levantado esse véu. Sabemos que em regra as personalidades não se confundem, existindo verdadeira autonomia e essa autonomia foi corroborada pela Lei n. 13.874/19 (Lei de Liberdade Econômica) e essa lei promove várias alterações no Código Civil e também altera o caput art. 50 do Código Civil e lhe acrescenta cinco parágrafos. Essa lei ainda acrescenta um outro artigo, que é o 49-A corroborando a ideia da autonomia.

Art. 49-A do CC: A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Esses dispositivos não trouxeram grandes inovações. Se questiona o que precisa acontecer em um caso concreto, para que seja aplicada a desconsideração da personalidade jurídica, já que a personalidade da pessoa jurídica não se confunde com a personalidade dos seus membros? O sócio, por exemplo, tem que abusar da personalidade da pessoa jurídica, da sociedade. Será desconsiderada temporariamente/episodicamente a personalidade da pessoa jurídica para que alcancemos aquele sócio que havia abusado. Como que esse abuso se manifesta? Pode se manifestar de duas formas:

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Vamos desconsiderar temporariamente a personalidade da pessoa jurídica, mas quem irá responder aquilo? Será que vão ser todos os membros daquela pessoa jurídica? É evidente que só responderá o sócio que praticou o ato irregular. Isso já estava consolidado no seguinte enunciado:

Enunciado nº 7, CJF: “Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido.”

Mas quando analisamos o caput do art. 50 do Código Civil, alterado pela Lei da Liberdade Econômica, o final dele, agora com nova redação, amplia ainda mais essa perspectiva porque vai dizer que é a pessoa que se beneficiou diretamente daquele abuso, mas até mesmo aquela pessoa que tenha se beneficiado indiretamente:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

Imagine que o juiz está com um processo em mãos e sente cheiro de abuso de personalidade, seja pelo desvio de finalidade seja pela confusão patrimonial, será que o juiz de ofício, independentemente de requerimento de qualquer interessado, pode desconsiderar a personalidade jurídica? Dentro dos parâmetros apresentados pelo Código Civil, o juiz não pode se manifestar de ofício, sendo necessário requerimento da parte interessada ou do MP, nos casos em que lhe couber intervir. A Lei de Liberdade Econômica traz algo que não havia antes no Código Civil, nos contando o que deve ser interpretado por desvio de finalidade:

➢ O que é desvio de finalidade?

Art. 50 § 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. 3 www.g7juridico.com.br

Veja que essa redação decorre de uma MP. Antes da Lei n. 13.874/19, havia a MP 881 e essa MP trazia esse §1º para o art. 50 do CC, só que a MP 881 dizia que “desvio de finalidade é a utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores (...)”.

Quando essa MP foi ser convertida em lei, eles tiraram essa expressão “dolosa” e a importância disso é constatarmos que o §1º do art. 50 adota a Teoria Objetiva prescindindo a intencionalidade da pessoa para dizer que ela, agindo daquela maneira, agiu almejando desvio de finalidade. O legislador tirou a menção à palavra dolosa, mas mantém a palavra “propósito”, mas esse propósito não representa o dolo e sim a ideia de finalidade.

§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.

Percebemos que essa Lei n. 13.874/19 chega trazendo novas informações para a desconsideração da personalidade jurídica e novos gargalos para a sua aplicação, ou seja, a desconsideração deve ocorrer em último caso, não é tão fácil ir desconsiderando a personalidade da pessoa jurídica. Além de a Lei da Liberdade Econômica nos informar o que é desvio de finalidade, essa lei também nos informa o que é confusão patrimonial: ➢ O que é confusão patrimonial?

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: I - Cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; ➢ Empresa que paga várias vezes várias contas pessoais dos sócios. II - Transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e III - Outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

Quando esse §2º chega nos contando o que é confusão patrimonial, traz dois exemplos do que se considera confusão patrimonial e traz, no inciso III, que esse rol anterior é meramente exemplificativo (numerus apertus), podendo existir outras manifestações de confusão patrimonial.

A desconsideração é algo temporário e, quando se aplica, a pessoa jurídica não é extinta, ela continua, só que a sua personalidade é afastada temporariamente para se ir atrás do sócio que cometeu os abusos. Por isso, não é correto se empregar em provas aqueles termos “despersonalização” ou “despersonificação” (que estão no art. 51), porque essas expressões representam a extinção daquela pessoa jurídica, o que não ocorre no caso da desconsideração.

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Quando falamos de desconsideração, no nosso país existem duas manifestações de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, a saber:

Manifestações da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica:

1) Teoria Maior: abuso da personalidade. Para que haja a desconsideração da personalidade jurídica, é necessário um abuso de personalidade da pessoa jurídica – desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Essa Teoria Maior é exatamente a teoria adotada pelo Código Civil de 2002 (art. 50).

2) Teoria Menor: insolvência. Para que haja a desconsideração da personalidade jurídica, basta a insolvência da pessoa jurídica, não se exige a comprovação de um abuso da personalidade, bastando se comprovar que aquela pessoa jurídica não tem como arcar com suas obrigações. A aplicação da Teoria Menor é muito mais fácil e essa teoria existe no nosso país no Código de Defesa do Consumidor (art. 28).

Desconsideração Inversa

Imagine aquele homem casado que, antevendo o fim de seu casamento, tem uma brilhante ideia de levar vantagem na futura partilha de bens e, considerando que ele é sócio de uma pessoa jurídica, decide que qualquer coisa que ele venha a adquirir, não vai adquirir em seu nome próprio e sim em nome da pessoa jurídica a qual pertence e começa a transferir bens para a pessoa jurídica, porque quando ele for se divorciar, o monte partível estará menor e ela levará menos e ele ficará com mais porque seu patrimônio estará ocultado naquela pessoa jurídica.

Essa mulher, percebendo isso, pode reagir e pleitear a desconsideração inversa/invertida, ou seja, ela quer tirar o marido da frente para ir onde os bens, ir na pessoa jurídica, afinal de contas os bens estão ocultados na pessoa jurídica. Enquanto na desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita tiramos a pessoa jurídica da frente e vamos atrás da pessoa natural do sócio, aqui ocorre o inverso.

A desconsideração da personalidade jurídica inversa tem cabimento quando o membro da pessoa jurídica se vale dela para ocultar os seus bens, prejudicando a terceiros. Não se cogitava a desconsideração inversa na redação original do art., pelo menos de forma explícita. Houve a aprovação de um enunciado:

Enunciado nº 283, CJF: “É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada ‘inversa’ para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.”

STJ: REsp 948.117-MS, decisão de 2010. Reconhecimento da desconsideração inversa.

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Art. 133, § 2º, CPC/15: “Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.”

Art. 50, § 3º, CC: “O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.”

BENS

Bem x Coisa •

No CC/16: bem = coisa



No CC/02: bem

A doutrina até hoje não é tranquila na distinção entre bem e coisa. Cada autor fala uma coisa diferente. Tem autor que fala que coisa é gênero e bem seria uma espécie de coisa. De outro lado, outros autores tão respeitados quanto trazem a informação invertida, isto é, bem como gênero e coisa como espécie. A professora traz um conceito de bem da forma mais ampla possível, para que se possa abranger nessa conceituação os diversos posicionamentos doutrinários.

Conceito de bem: bem é tudo aquilo que tenha existência fora do ser humano, materializado ou não, economicamente apreciável ou não, sobre o qual incide o poder de seu titular.

Teoria do Patrimônio Mínimo

Quando falamos de Teoria do Patrimônio Mínimo, em prova do MPMG na 2ª etapa, foi questionado o que seria essa teoria e pedindo para citar exemplos de aplicação dessa teoria dentro do Código Civil. •

Luiz Edson Fachin: esse professor, atual ministro do STF, tem um livro que é o Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo, trouxe a ideia de que existe na CF a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). Para que a dignidade da pessoa humana daquela pessoa humana se torne efetiva, é necessário que aquela pessoa tenha um mínimo de patrimônio, para que a pessoa tenha um mínimo de dignidade, deve ter um mínimo de patrimônio.



Princípio da Dignidade da Pessoa Humana: como fica a dignidade de uma pessoa que, nesse momento, está morando embaixo de um viaduto? Sentindo fome, frio? Aquele indivíduo não tem um mínimo de patrimônio.



Exemplos de aplicação:

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Art. 548, CC: “É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.”

O que acontece na prática é que quando a pessoa pretende doar todos os seus patrimônios, todos os seus bens, ela o faz, só que ela o faz com reserva de usufruto e quando se reserva o usufruto para si, não há problema nenhum, não viola o art. 548 e nem a Teoria do Patrimônio Mínimo.

Art. 928, parágrafo único, CC: “A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.”

O CC/02, caminhando na esteira de outros ordenamentos jurídicos, traz responsabilidade civil para o incapaz, dentro de alguns parâmetros (no caput do art. 928), mas o parágrafo único conta até onde se pode entrar no patrimônio do incapaz, em clara homenagem à Teoria do Patrimônio Mínimo.

Lei nº 8.009/90 – Lei da Impenhorabilidade do Bem Residencial de Família

Temos uma lei que protege o imóvel residencial, porque a pessoa deve ter um mínimo de patrimônio, para que possa viver com dignidade.

Classificação dos Bens

1) Dos bens considerados em si mesmos: individualmente 2) Dos bens reciprocamente considerados: comparando os bens 3) Dos bens quanto à titularidade: não serão estudados nessas aulas – ou o bem é particular ou o bem é público e, embora o Código Civil traga essa classificação e aprofunde no tema bem público, isso é tema pertinente às aulas de Direito Administrativo.

Dos bens considerados em si mesmos

a) Imóveis/Móveis

Bens Imóveis: •

Por natureza: art. 79, 1ª metade, CC. É o solo e aquilo que se incorpore ao solo naturalmente. Exemplo: terreno e a árvore.



Por acessão física/industrial/artificial: art. 79, in fine, CC. É aquilo que se incorpore ao solo artificialmente. Exemplo: uma casa construída e construções em geral, as plantações.

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Por determinação legal: porque o legislador quis. Existem alguns bens que poderiam surgir dúvidas se era móvel ou imóvel, então o legislador determina que sejam imóveis – art. 80. O legislador faz essa determinação porque quando se trata de bem imóvel, uma série de formalidades incide sobre eles (vênia conjugal se o cônjuge quiser vender o apartamento, e a compra e venda deve ser feita por escritura pública, em Cartório de Notas) e, se o legislador determina que determinado bem será imóvel, ele quer aplicar a ele essas formalidades.

Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente.

Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais: I - Os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram; ➢ O que seria um direito real sobre imóvel? Exemplo: uma hipoteca de uma fazenda. Para se fazer a hipoteca dessa fazenda, a pessoa casada precisa da autorização do outro cônjuge e a hipoteca deve ser feita por escritura pública, porque a hipoteca daquela fazenda é tida como bem imóvel. Entretanto, sabemos que no nosso ordenamento, em caráter excepcional, aos navios e às aeronaves (bens móveis), é possível a hipoteca. Se for feita a hipoteca de um navio, estamos falando de um direito real, mas o objeto é um móvel e, por isso, não são aplicáveis as formalidades dos imóveis.

II - O direito à sucessão aberta.

➢ Se trata do direito à herança, pouco importando o conteúdo da herança – ainda que sejam somente bens móveis deixados. O direito à sucessão aberta é tido como bem imóvel. Exemplo: um pai deixou à filha um patrimônio X e aos seus dois irmãos. Essa filha faz jus à uma fração ideal de 1/3. A filha quer ceder esse direito hereditário do seu 1/3, isso pode ser feito, mas diz respeito à sucessão aberta e é tida como bem imóvel. Por isso, para se ceder essa fração de 1/3, precisa de autorização conjugal e fazer essa cessão de direito hereditário por escritura pública.

Imagine que um sujeito seja proprietário de uma casa de madeira em um condomínio fechado e ele resolveu mudar de Estado, desmonta a casa de madeira, coloca em cima de um caminhão e leva para outro Estado. A casa de madeira, evidentemente, deve ser considerada como um bem imóvel por acessão física/industrial/artificial, mas esse proprietário a desmonta e transporta para outro Estado. Será que essa casa de madeira vai perder o seu caráter de imóvel? Não.

Art. 81, CC. Não perdem o caráter de imóveis: I - As edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local;

➢ Exemplo das casas de madeira, citado acima.

II - Os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem. 8 www.g7juridico.com.br

➢ Um depósito com materiais de construção, com pilhas de tijolos, azulejos e telhas. Aqueles materiais no depósito de materiais de construção são móveis ou imóveis? Móveis. Mas e se esses materiais foram adquiridos por alguém que está construindo sua casa e acedeu tudo aquilo na casa, então os bens que eram móveis acabaram de se transformar em imóveis por acessão física/industrial/artificial. Contudo, imagine que tenha dado cupim nas madeiras do telhado e o proprietário retira todos aqueles materiais com calma porque as telhas estão novas, será apenas trocadas as madeiras. As telhas que serão reempregadas não perdem o caráter de imóveis.

➢ Uma Igreja do Século XVII e nas paredes daquela Igreja temos azulejos do Século XVII. Resolveram restaurar e vão tirar temporariamente e com muito cuidado aqueles azulejos. Aqueles azulejos são imóveis por acessão física/industrial/artificial e serão retirados dali, mas com o intuito de reempregá-los. Eles não vão perder a qualidade de imóveis.

Bens Móveis: •

Por natureza: é aquilo que se desloca. Art. 82. “São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.”

Movimento próprio: os animais são bens móveis ou semoventes. Remoção por força alheia: automóveis, navios, aeronaves, etc. Sobre navios e aeronaves, eles são tidos como bens móveis, mas são móveis sui generis, porque, embora eles se desloquem como um carro, o navio e a aeronave têm regime próprio que muito se assemelha ao regime dos imóveis, haja vista que navios e aeronaves têm registro, matrícula, como uma casa, além de, se forem dados em garantia, não serão submetidos ao penhor e sim à hipoteca (imóveis). •

Por determinação legal: existem alguns bens que poderia surgir a dúvida se eram móveis ou imóveis, mas o legislador afasta qualquer dúvida e determina que sejam móveis com o intuito de fugir das formalidades dos imóveis. São os seguintes:

Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais: I - As energias que tenham valor econômico;

➢ Energia elétrica. Em Minas Gerais, quem fornece energia elétrica para as casas é a CEMIG e alguém se muda para um apartamento e deve ir até a CEMIG para fazer um contrato de prestação de serviços. Não é necessária a autorização do cônjuge e nem precisa ser feito por escritura pública, porque versa sobre bem móvel.

II - Os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes;

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➢ Exemplo: penhor de um anel. Alguém está precisando de dinheiro, vai até a Caixa Econômica Federal e pede dinheiro emprestado, oferecendo um anel a título de garantia. O penhor de um anel também é um bem móvel, porque é um direito real que recai sobre bem móvel. Para se fazer esse penhor não precisa da autorização do marido e nem precisa ser feito por escritura pública. ➢ A hipoteca de um navio é um bem móvel, porque se trata de um direito real que recai sobre um bem móvel. Não precisa da autorização do marido e nem precisa ser feito por escritura pública.

III - Os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.

➢ Exemplo: direito autoral. Alguém fez uma música e quer ceder o direito autoral que recebe por essa música. Isso pode ser feito, sem autorização do marido e nem precisa ser feito por escritura pública.

Naquele mesmo depósito de materiais de construção, existem pilhas de tijolos, de azulejos, de telhas. Aquilo são bens móveis. Depois de comprados, foram acedidos, colocados na construção e eles viraram imóveis. Se forem retirados para serem posteriormente reempregados, continuam sendo imóveis. Mas e se as telhas forem tiradas em caráter definitivo, sem que se queira reempregá-las e aquela construção será demolida. Aquelas telhas voltam a ser bem móveis.

Art. 84, CC. Os materiais destinados a alguma construção, enquanto não forem empregados, conservam sua qualidade de móveis; readquirem essa qualidade os provenientes da demolição de algum prédio.

Sobre os Animais

Quatro posicionamentos: 1º) Os animais são coisas ou bens, especificamente bens móveis (posicionamento adotado pelo Código Civil). Os animais são objetos de direito e não sujeitos de direitos, porque sujeitos de direito somente podem ser a pessoa natural ou a pessoa jurídica.

2º) Os animais são pessoas e titulares de personalidade jurídica e direitos da personalidade. É um posicionamento extremamente radical que traz algumas indagações, porque Cézar Fiuza indaga sobre quais animais também seriam pessoas (uma vaca, um cavalo, pernilongo ou mosquito da dengue). Se a vaca tivesse direitos da personalidade, não poderíamos comer carne, então todos nós deveríamos ser vegetarianos ou veganos.

3º) Os animais não são pessoas, não possuem personalidade, embora sejam sujeitos de direito. Um pouco mais tênue, mas ainda intenso. Teríamos como sujeito de direito, além da pessoa natural e da pessoa jurídica, os animais. A crítica sobre esse posicionamento é a mesma que recai sobre o segundo posicionamento, sobre quais animais que seriam sujeitos de direito e a respeito do consumo de carne. 10 www.g7juridico.com.br

4º) São seres sencientes, portadores de sensibilidade, representando um terceiro gênero. (REsp 1.713.167 – SP). Esse posicionamento foi adotado em decisão do STJ. Os animais sentem dor, estão sujeitos aos maus tratos e merecem proteção, representando um terceiro gênero.

Esse REsp tratou sobre um processo que versa sobre a dissolução de uma entidade familiar, de uma união estável, e discutia-se ali com quem ficaria o animal de estimação daquele casal e sobre o direito de visitação. Por isso, os ministros se posicionaram no sentido de que aquele animal é um ser senciente. Segue um trecho da decisão:

“[...] deve ser levado em conta o fato de que os animais são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente – dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, o seu bem-estar deve ser considerado. Nessa linha, há uma série de limitações aos direitos de propriedade que recaem sobre eles, sob pena de abuso de direito. [...] Reconhece-se, assim, um terceiro gênero em que sempre deverá ser analisada a situação contida nos autos, voltado para a proteção do ser humano, e seu vínculo afetivo com o animal.” (STJ, REsp 1.713.167 – SP)

b) Infungíveis/Fungíveis Art. 85, CC. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade.

Fungíveis: o legislador somente conceitua o que são os bens fungíveis, conforme art. 85 acima. É aquele que pode ser substituído. Exemplo: dinheiro. Quando se empresta a um amigo uma nota de R$ 100,00, ele não vai devolver a mesma nota de R$ 100,00.

Cuidado para não se confundir com a clássica questão de prova: dois apartamentos idênticos, no mesmo prédio, os dois novos e jamais utilizados. Será que esses apartamentos idênticos são bens fungíveis entre si? Não, porque para ser bem fungível tem que ser, antes de tudo, bem móvel. Todo imóvel é, antes de tudo, bem infungível, porque o imóvel tem um registro, tem um número de matrícula.

Infungíveis: todos os bens imóveis e os móveis insubstituíveis (uma caneta Parker 51, antiga, toda de ouro).

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A importância dessa classificação se dá sobremaneira quando estudamos, nos contratos em espécie, o contrato de empréstimo, porque, a depender do que se empresta, se dará um nome diferente para aquele contrato de empréstimo. Se você emprestar um bem fungível, como o dinheiro, o contrato será de mútuo. Se você emprestar um bem infungível, como uma casa de praia, o contrato será de comodato.

Art. 86, CC. São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação.

Consumíveis: são os únicos conceituados pelo legislador. •

De fato: é aquele bem cujo uso importa destruição imediata da sua própria substância. Exemplos: os alimentos e os cosméticos.



De direito: é aquele bem destinado à alienação. Exemplos: um livro que esteja à venda em uma livraria e um eletrodoméstico em uma loja que venda eletrodomésticos.

Inconsumíveis: o legislador não conceitua, mas a contrariu sensu, são aqueles bens que, se forem utilizados, não serão destruídos e nem se destinam à alienação. Exemplos: um livro no escritório, em que a pessoa estude por ele. Muito cuidado porque, o mesmo bem, em circunstâncias distintas, pode cair em classificações distintas.

Indivisíveis: é aquele que se submete a um fator de indivisibilidade, que poderá ser: •

Física: a mais comum, é aquilo que existe quando, materialmente, não se pode dividir aquele bem sem que aquele bem perca sua substância. Exemplos: um carro e um animal vivo.

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Legal: o bem até pode ser dividido fisicamente, mas surge uma lei que proíbe aquela divisão. Exemplo: a Lei n. 6.766/79 fala que o lote urbano não pode ter tamanho inferior a 125m². Ainda que uma pessoa queira ter um lotezinho de 90m², isso não será possível porque a lei proíbe.



Convencional: não há problema no que tange ao aspecto físico e não há impedimento legal quanto à divisão, mas chega um acordo, uma convenção feita entre as partes e definem que elas proíbem entre si a divisão daquele bem. Exemplo: art. 1.320, § 1º, CC1. Por esse dispositivo, se três pessoas são condôminas/coproprietários de uma fazenda, eles podem estipular que aquela fazenda vai se quedar indivisa pelos próximos 2, 3, 4 anos.



Econômica: fisicamente se poderia partir aquele bem, mas financeiramente isso não vai compensar. Exemplo: diamante grande íntegro.

Divisíveis: o bem será divisível quando sobre ele não incidir nenhum daqueles fatores de indivisibilidade, ou seja, quando não houver óbice/impedimento de natureza física, legal, convencional ou econômica à sua divisibilidade.

Art. 89, CC. São singulares os bens que, embora reunidos, se consideram de per si, independentemente dos demais.

Essa expressão latina de per si significa por si só. Exemplo de bem singular: aquela árvore, aquele livro. Para ficar bem claro o que é bem singular, devemos entender o que são os bens coletivos:

Art. 90, CC. Constitui universalidade de fato a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária. Parágrafo único. Os bens que formam essa universalidade podem ser objeto de relações jurídicas próprias.

1

Art. 1.320, CC. A todo tempo será lícito ao condômino exigir a divisão da coisa comum, respondendo o quinhão de cada um pela sua parte nas despesas da divisão. § 1º Podem os condôminos acordar que fique indivisa a coisa comum por prazo não maior de cinco anos, suscetível de prorrogação ulterior. 13 www.g7juridico.com.br

Uma biblioteca não será um bem singular e sim uma universalidade de fato. Uma árvore é um bem singular, mas uma floresta á uma universalidade de fato. Todos os coletivos que estudávamos no ensino fundamental (manada, alcateia, videoteca, biblioteca, etc.) são universalidades de fato.

Art. 91, CC. Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico.

Exemplos: o patrimônio de uma pessoa, a massa falida e o espólio, porque temos um complexo de relações jurídicas dotadas de valor econômico.

Dos bens reciprocamente considerados

Art. 92, CC. Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal.

O acessório, portanto, só existe porque antes existe o principal, senão ele não existiria. O acessório não existe sozinho. Essa relação entre o bem principal e o bem acessório será regida pelo Princípio da Gravitação Jurídica – por esse princípio, aos bens acessórios vamos estender o regime jurídico do bem principal. É o famoso “o acessório segue o principal”. O que acontecer ao bem principal repercute na esfera jurídica do acessório e não o inverso. São bens acessórios: •

Frutos: art. 95. São as utilidades que nascem e renascem, que se renovam. Exemplos: as frutas das árvores e os frutos civis (rendimentos como os juros e aluguéis);



Produtos: art. 95. São as utilidades que não se renovam, nascendo apenas uma vez. Exemplos: as pedras preciosas de uma determinada mina e o petróleo extraído.



Pertenças: art. 93. Novidade no CC/02. Caem muito em provas de concurso. O melhor conceito é o do CC.



Benfeitorias

Art. 95, CC. Apesar de ainda não separados do bem principal, os frutos e produtos podem ser objeto de negócio jurídico.

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Pertenças Art. 93, CC. São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro.

Requisitos/Elementos das pertenças: •

Não seja parte integrante;



Se destina de modo duradouro ao uso, serviço ou aformoseamento de um bem principal.

➢ Exemplos: a porta de uma casa, essa porta não é pertença porque é parte integrante da casa. O ar-condicionado da casa não é parte integrante e se destina ao uso, serviço ou aformoseamento do bem principal, que é casa, sendo, portanto, uma pertença. O raciocínio é o do seguinte esquema:

➢ Exemplo: maquinários agrícolas, como o trator de uma fazenda, que é uma pertença porque o principal é a fazenda, o trator é uma pertença porque não é parte integrante daquela fazenda e se destina ao uso, serviço ou aformoseamento do bem principal.

Art. 94, CC. Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso.

ATENÇÃO: Ou seja, não se aplica às pertenças automaticamente o Princípio da Gravitação Jurídica, embora a pertença seja um bem acessório. Se for feito algo afeto ao bem principal, isso não atingirá a pertença. Se a fazenda for vendida, o trator não vai junto, exceto por disposição de lei, convenção das partes ou a depender das circunstâncias do caso.

➢ Exemplo: imagine que as partes coloquem no contrato de compra e venda da fazenda que aquele trator vai junto ou, ainda que não mencionem o trator no contrato, mas as partes coloquem no contrato que se trata de uma venda de “porteira fechada”. Pelas circunstâncias do caso, esse trator vai junto.

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Decisões sobre pertenças:

REsp 1.305.183 – SP, julgado em 2016 – entendeu como pertença os aparelhos de adaptação para condução veicular por deficiente físico em um caso de busca e apreensão, tendo o devedor fiduciante direito de retirada das adaptações.

REsp 1.667.227 – RS, julgado em 2018 – entendeu com pertença o equipamento de monitoramento acoplado ao caminhão.

Benfeitorias

Benfeitorias são as obras ou despesas realizadas na coisa com a finalidade de conservação, melhoramento ou embelezamento. Conceituamos também como despesas porque o STJ já entendeu como benfeitoria a ração que foi dada para o gado e o pagamento de tributos.

São espécies de benfeitoria, a depender da sua finalidade: •

NECESSÁRIA: conservar a coisa. Exemplo: reforma do telhado, porque ele estava caindo.



ÚTIL: melhoramento da coisa. Exemplos: pessoa que aluga o imóvel e faz ali mais uma vaga de garagem ou faz mais um banheiro.



VOLUPTUÁRIA: embelezamento, para mero deleite. Exemplo: pessoa que aluga um imóvel e constrói ali uma piscina (Orlando Gomes também a chama de suntuária).

Art. 96, CC. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias. § 1º São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor. § 2º São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem. § 3º São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore.

➢ Quais são as diferenças entre as pertenças que se destine ao aformoseamento do bem principal e as benfeitorias voluptuárias? Segundo o conceito de pertença, pertença é tudo aquilo que não seja parte integrante. Essa informação é fundamental, porque a benfeitoria é parte integrante, se integrando à casa. Essas espécies de benfeitoria – necessária, útil e voluptuária – vão se tornar mais importantes ainda quando se for estudar o direito das coisas. Em uma reunião de condomínio, o quórum para aprovação de benfeitoria varia a depender da espécie 16 www.g7juridico.com.br

de benfeitoria. Quando estudamos posse e reintegração de posse e o possuidor deve devolver aquele imóvel, mas ele faz ali benfeitorias, ele tem o direito de ser indenizado ou não, retendo essas benfeitorias? Vai depender da espécie de benfeitoria.

Se surgir dúvidas em relação às espécies de benfeitoria que está sendo analisada, existe um critério que a doutrina traz, que se trata da aplicação do critério da essencialidade. Temos que pensar que quanto mais essencial isso for para a coisa, mais se aproxima da ideia de benfeitoria necessária.

➢ Exemplo 1: alguém alugou uma casa, com uma área no fundo e faz ali uma piscina para nadar no final de semana com seus filhos. Isso é uma benfeitoria voluptuária. ➢ Exemplo 2: alguém arrendou uma escola de ensino médio e até já tem uma piscina ali, mas essa pessoa faz outra piscina, que vai melhorar muito as aulas de educação física. Essa benfeitoria é útil. ➢ Exemplo 3: alguém arrendou uma escola de natação. O que tem de mais importante em escolas de natação são as piscinas e essa pessoa resolve fazer mais uma piscina ali. Essa benfeitoria é necessária.

Art. 97, CC. “Não se consideram benfeitorias os melhoramentos ou acréscimos sobrevindos ao bem sem a intervenção do proprietário, possuidor ou detentor.” ↓ Acessões naturais (arts. 1249 e ss., CC) – traz a ideia de inovação, por se tratar de modo aquisitivo da propriedade.

FATOS JURÍDICOS

O estudo dos fatos jurídicos é importante porque são eles que criam, modificam ou extinguem as relações jurídicas.

Fatos jurídicos em sentido amplo:

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1) DA NATUREZA: fato jurídico em sentido estrito é aquele que decorre da natureza, se subdividindo: •

Ordinário: é aquele que ocorre corriqueiramente. Exemplos: nascimento e óbito.



Extraordinário: não ocorrem corriqueiramente, se ligando a um caso fortuito ou à força maior. Exemplos: enchente, tempestade, terremoto e vendaval.

Uma tempestade que venha a destruir uma casa, trata-se de um fato jurídico em sentido estrito extraordinário. CERTO.

2) DA ATUAÇÃO HUMANA: analisando as ações lícitas praticadas pelo homem, que são os atos jurídicos em sentido amplo e quando ele age ilicitamente, vamos chamar isso de ato ilícito2.

Quando começamos a leitura dos artigos do Livro III da Parte Geral do CC, a partir do art. 104, do art. 104 até o art. 184 está previsto o negócio jurídico. No artigo subsequente, que é o art. 185, o legislador destina esse único artigo para falar do ato jurídico em sentido estrito. Ao lermos a redação do art. 185, entendemos o que o legislador quis com isso, porque ele diz que aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos (ato jurídico em sentido estrito), aplicam-se, no que couber as disposições dos artigos antecedentes, que versam sobre negócio jurídico.

Ato jurídico em sentido estrito - Conceito: representa uma mera submissão do agente ao ordenamento jurídico.

➢ Exemplo 1: imagine que um indivíduo reconheça uma criança como sendo seu filho, mas ele não figurou como pai quando a criança nasceu. Ele decide reconhecer a paternidade agora, independentemente se esse reconhecimento está sendo feito de forma espontânea ou por forma judicial. O reconhecimento de paternidade, ou seja, deste ato irão decorrer efeitos. Aquele filho passa a ter direito ao sobrenome do pai, direito à alimentos, direitos sucessórios, etc. Esses efeitos estão saindo do ordenamento jurídico e o pai não pode fugir deles, porque são impostos pelo ordenamento. O pai tem que acatar, se submetendo ao que o ordenamento está impondo para ele. Reconhecimento de paternidade é um grande exemplo de ato jurídico em sentido estrito.

➢ Exemplo 2: adoção. Daquele ato de adoção, decorrerão efeitos que são impostos pelo ordenamento jurídico e a pessoa não tem como fugir deles.

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Os dois artigos a seguir foram destinados aos atos ilícitos, os quais serão aprofundados nas aulas de responsabilidade civil: Art. 186, CC. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187, CC. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 18 www.g7juridico.com.br

Art. 185, CC. Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior.

Negócio jurídico - Conceito: decorre da autonomia privada e demonstra liberdade das partes em alcançar os efeitos jurídicos pretendidos pelas próprias partes.

➢ Exemplo 1: imagine que as partes resolvam fazer algo, buscando efeitos, mas efeitos que não são impostos pelo ordenamento, mas, antes disso, saíram da cabeça das partes, como qualquer tipo de contrato. João quer comprar o carro de A, eles pactuam o valor, a forma do pagamento, a data da entrega. Esses efeitos que estão naquele contrato de compra e venda não estão decorrendo da lei, saíram da cabeça das partes. ➢ Exemplo 2: testamento. Quando se coloca no testamento de alguém que a casa da rua X vai ser deixada para Fulano, isso é um negócio jurídico, é um efeito que está saindo da cabeça de quem elaborou o testamento. Se, diante do caso concreto, surgir a dúvida se está diante de um ato jurídico em sentido estrito ou de um negócio jurídico, basta pensar de onde estão vindo os efeitos. Se os efeitos forem impostos pelo ordenamento jurídico, isso vai ser chamado de ato jurídico em sentido estrito (art. 185 do CC). Agora, se os efeitos saíram da vontade das partes, isso vai ser chamado de negócio jurídico, como ocorre no testamento ou em qualquer contrato (art. 104/184 do CC).

Planos do Negócio Jurídico

O estudo do negócio jurídico é algo complexo e deve ser feito através de planos (Pontes de Miranda), que deveriam ser visualizados como um degrau de uma escada – a escada Pontiana/Ponteana, exatamente para se trazer a ideia de pressuposição. Primeiro, deve existir o plano da existência, se o primeiro degrau está firme, aí está autorizado a ir para o próximo degrau, que é o plano da validade, para só depois verificar a eficácia.

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MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS Direito Civil Profa. Mônica Queiroz Aula 13

ROTEIRO DE AULA

Tema 1: NEGÓCIO JURÍDICO II Tema 2: DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO I

Planos do Negócio Jurídico

Pontes de Miranda pensou nos planos do negócio jurídico como uma escada (Escada Pontiana/Ponteana) justamente para se dar a ideia de pressuposição, porque somente se avança ao segundo degrau quando se pisa no primeiro e ele está firma e assim por diante.

Passando pelo pressuposto da existência e o negócio existindo, ele será válido e, em sendo válido, adentramos no plano da eficácia. Essa é a regra geral, de que para se pisar no degrau subsequente, o degrau anterior tem que estar firme. Poderá existir situação excepcional em que um negócio venha a existir, seja inválido e seja eficaz, podendo não estar presente naquele caso concreto um dos degraus, ou se saltar um dos degraus, mas em caráter excepcional.

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PLANO DA VALIDADE PLANO DA EXISTÊNCIA

(Elementos essenciais de validade do

PLANO DA EFICÁCIA

negócio jurídico – art. 104, CC) Agente

Capaz

- Registro, multa...

Vontade

Livre

- Elementos acidentais do negócio jurídico: condição, termo e encargo.

Objeto

Lícito, Possível, Determinado ou Determinável

Forma

Prescrita ou não defesa em lei

PLANO DA EXISTÊNCIA: aqui estarão presentes os pressupostos de existência do negócio jurídico, isto é, o que um negócio jurídico precisa apresentar para que se possa dizer que esse negócio existe. Os elementos do plano da existência são apresentados pela doutrina, uma vez que o Código Civil não traz expressamente o plano da existência em nenhum de seus dispositivos.

São quatro os pressupostos do plano da existência: agente, vontade, objeto e forma. Não interessa como estão esse agente, essa vontade, esse objeto e essa forma, se estiverem presentes esses quatro elementos/pressupostos, já devemos nos manifestar pela existência do negócio jurídico. Mas não basta que o negócio exista, é que, além de existir, o negócio deverá ser válido.

PLANO DA VALIDADE: o que um negócio precisa para que, além de existente, ele seja considerado válido? Quais seriam os elementos essenciais de validade do negócio jurídico? O Código Civil nos traz informações no art. 104. No plano da existência temos substantivos e no plano da validade vamos visualizar adjetivos, isto é, temos que pegar os substantivos do plano da existência e fornecer a cada um deles adjetivos específicos, porque, se fugir desses adjetivos, teremos um negócio que, embora existente, não será considerado válido.

✓ Agente capaz; ✓ Vontade livre; ✓ Objeto lícito, possível, determinado ou determinável; ✓ Forma prescrita ou não defesa em lei.

Cada um desses adjetivos que complementamos nos substantivos do plano de existência foram retirados do art. 104 do Código Civil, porém esse artigo traz apenas três incisos:

Art. 104, CC. A validade do negócio jurídico requer:

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I - Agente capaz; II - Objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - Forma prescrita ou não defesa em lei.

Aqui, nesse art. 104, não há menção à vontade livre que foi colocada acima. De onde se tirou a exigência dessa vontade livre? De fato, ao lermos o art. 104 do Código Civil não há menção à vontade livre, porém, toda a doutrina irá trazer essa vontade livre como mais um elemento do plano da validade, que, embora não esteja expresso no art. 104, estaria implícito em seu inciso I, porque ali encontramos o agente capaz e é evidente que a vontade livre deve sair de um agente que seja capaz, essa vontade está subsumida à um agente capaz.

Obs.1 Invalidade: nulidade ou anulabilidade. Exemplos: temos um agente, mas o agente não é capaz; temos um objeto, mas o objeto não é lícito. Imagine que haja uma violação a qualquer um daqueles adjetivos do plano da validade, o que acontecerá com aquele negócio?

Aquele negócio, embora existente porque o plano da existência estará íntegro, ele não será válido, isto é, será inválido, sofrendo uma sanção (nulidade ou anulabilidade). Se houver ofensa a qualquer elemento no plano da validade, o negócio será inválido. Quando falamos de nulo ou anulável, essas sanções são consequenciais, ou seja, aquele negócio inválido irá sofrer uma sanção que poderá ser a nulidade ou a anulabilidade, a depender do caso concreto.

Obs. 2 Agente capaz + Legitimação (art. 1647, CC e Lei 8.245/91, art. 3º). Agente capaz é todo aquele que não resida nos arts. 3º e 4º do CC. No art. 3º do CC estão os absolutamente incapazes e no art. 4º estão os relativamente incapazes e o que sobra na sociedade são os plenamente capazes, que são as que podem celebrar os negócios e aquele negócio ser considerado, além de existente, válido. Chegamos, portanto, à ideia de agente capaz por exclusão.

Então quer dizer que um absolutamente e um relativamente incapaz não podem fazer negócio jurídico? Cuidado, eles não podem fazer sozinhos. Se o absolutamente incapaz estiver devidamente representado e o relativamente incapaz estiver devidamente assistido, não haverá problema algum.

Muitas vezes não basta que o agente seja capaz. Em muitas situações, a pessoa não reside nem no art. 3º e nem no art. 4º do CC, sendo plenamente capaz, só que para muitos negócios a lei vai exigir algo a mais, mais do que a capacidade de fato. Nessas situações em que a lei exige algo a mais, nos remetemos à ideia de legitimação. A regra é que basta a capacidade de fato, mas, para alguns negócios, a lei vai exigir legitimação. Legitimação são requisitos especiais que a lei vai exigir de determinadas pessoas em determinadas situações.

➢ Exemplo de situação em que a lei exige legitimação: quando a lei exigir vênia conjugal. Sabemos que existem, em alguns negócios, que não basta que a pessoa tenha capacidade de fato, sendo um agente capaz, se ela for casada, para alguns negócios, em regra, a lei vai exigir a vênia conjugal, a autorização do cônjuge. Se, na vida 3 www.g7juridico.com.br

prática, se ficar na dúvida se naquele caso cabe ou não vênia conjugal, consulte o art. 1.647 do CC1, que traz as situações em que o Código Civil exige a vênia conjugal, como por exemplo em casos de alienação de bem imóvel, se um cônjuge for prestar fiança, aval, etc.

Imagine que um sujeito é casado sob o regime de comunhão parcial de bens e quer fazer um contrato de locação. Ele precisa de vênia conjugal? Apesar de essa hipótese não estar no art. 1.647, essa situação é uma situação específica de contrato de locação e, para o contrato de locação, temos lei especial (Lei n. 8.245/91) e essa lei traz um dispositivo importante que é exatamente seu art. 3º2, que nos diz que uma pessoa pode fazer o contrato de locação pelo prazo que ela quiser, só que se ela for fazer um contrato de locação com prazo superior a dez anos, é exigida a vênia conjugal.

Obs. 3 Vontade livre. A vontade será livre quando ela não estiver maculada pelos vícios do consentimento (erro, dolo, coação, lesão e o estado de perigo).

Obs. 4 Objeto lícito, possível, determinado ou determinável. O objeto será lícito se ele estiver em conformidade com o ordenamento jurídico. Exemplo: João vai fazer um contrato de compra e venda, mas o objeto dessa compra e venda é cocaína. Esse contrato de compra e venda de cocaína existe, mas não é válido, porque seu objeto é ilícito.

Além de o objeto ser lícito, esse objeto deverá ser possível. Quando falamos de possibilidade, a possibilidade que nos vem à mente é a possibilidade material/física. Fisicamente falando, deve haver algum meio de se cumprir com este negócio. Imagine que João vai fazer um contrato de compra e venda, mas o objeto são lotes na lua. À luz da Escada Pontiana, esse negócio existe, porém não é considerado válido, porque seu objeto não é possível.

O objeto deverá ser, ainda, determinado, isto é, João vai vender aquela casa, deveremos saber exatamente qual é a casa que ele vai vender. João vai doar aquele carro, temos que saber o que ele vai doar. Mas e se não for determinado de pronto, de início, contudo será determinado no futuro?

1

Art. 1.647 do CC. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I - Alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; II - Pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; III - Prestar fiança ou aval; IV - Fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação. Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada. 2

Art. 3º da Lei n. 8.245/1991: O contrato de locação pode ser ajustado por qualquer prazo, dependendo de vênia conjugal, se igual ou superior a dez anos. Parágrafo único. Ausente a vênia conjugal, o cônjuge não estará obrigado a observar o prazo excedente. 4 www.g7juridico.com.br

Também não há problema nenhum, porque a lei diz no art. 104 no inciso II, que o objeto deverá ser determinado ou determinável (obrigação de dar coisa incerta). O que não se tolera é aquele objeto que se quede para todo o sempre em estado de indeterminação. Exemplo (Cézar Fiuzza): vender grãos, sem dizer quais grãos.

Obs. 5 Forma prescrita ou não defesa em lei. A forma é um elemento muito importante no plano da existência porque, de dentro daquele agente capaz vai sair uma vontade livre. Essa vontade livre não pode sair nua, deve vestir uma forma para se apresentar para a sociedade. A forma é o modo pelo qual a vontade se apresenta para a sociedade. Forma é o modo de veiculação da vontade.

O art. 104, III do CC havia nos informado que a forma é a prescrita ou não defesa em lei. Quando se diz que a forma é a prescrita, deve nos remeter à ideia de, quando a lei prescrever determinada forma, isto é, quando a lei impuser determinada forma, temos que obedecer a esta forma.

Mas, muitas vezes, a lei não prescreve forma e a lei traz como não se deve fazer aquele negócio, uma forma proibida. Se a lei trouxer uma forma proibida, as partes devem fugir dessa forma proibida e se a parte se valer dessa forma proibida, o negócio celebrado existirá, porém não será válido, porque, de acordo com o art. 104, III, a forma do negócio é a prescrita ou não defesa em lei/proibida pela lei.

E se a lei não prescrever forma nenhuma e também não proibir forma nenhuma? Existirá livre para fazer o negócio do jeito que se quiser, a forma será livre. Essa forma livre está no art. 107 do CC, que traz o Princípio da Liberdade das Formas. Alguém que ir comprar um refrigerante na lanchonete e não há nenhuma lei impondo uma forma para esse negócio e nem nenhuma lei proibindo alguma forma, que pode se dar da forma verbal ou, por mais estranho que pareça, por meio de escritura pública, mas isso não será necessário.

Art. 107, CC: A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.

Há uma forma prescrita, imposta pela lei que aparece muito em provas de concurso (MPMG), que é a forma que está disposta no art. 108 do CC.

Art. 108, CC: “Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.”

Esse art. 108 está trazendo uma forma que a lei prescreveu para fazer esse negócio jurídico que ali está descrito. Se alguém for negociar bem imóvel, a primeira coisa que se deve observar é o valor do bem imóvel, porque, se esse imóvel

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tiver valor superior a 30x o salário mínimo, esse contrato de compra e venda deverá ser feito em uma Cartório de Notas por escritura pública, podendo ser qualquer Cartório de Notas.

Por uma interpretação às avessas desse art. 108, vamos imaginar que alguém vai negociar um imóvel baratinho, um lote pequeno ou um barracão modesto e ele valha menos do que 30x o salário mínimo, então poderá ser feita a compra e venda daquele imóvel por instrumento particular, porque, por escritura pública é só se o imóvel valer mais do que 30x o salário mínimo.

O legislador trouxe esse art. 108 pra homenagear o Princípio da Função Social, porque o legislador pensa que as pessoas, em negociarem imóveis mais baratinhos, então se tira das costas dele os custos altíssimos que é lidar com escritura pública e Cartório de Notas.

Embora, em uma ou outra situação – se valer mais ou menos do que um salário mínimo deverá ser feito por escritura pública ou instrumento particular – a parte não estará liberada de ter que dar um segundo passo, qual seja, pegar aquela escritura pública ou aquele instrumento particular, ir a um Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição onde aquele imóvel estiver registrado e promover o registro.

Escritura pública/instrumento particular é a forma, está no plano da validade, registro é o passo adiante, é o passo subsequente, porque, no nosso país, transfere-se imóvel por meio do registro. Só é dono quem registra (arts. 1.245 a 1.247 do CC).

➢ (MPMG 1ª etapa) Para negociar imóvel sempre é exigida a escritura pública. ERRADO. É somente se o imóvel tiver valor superior a 30x o salário-mínimo. ➢ Qual é o critério que se deve utilizar para considerar o valor desse imóvel, o valor acordado entre as partes ou o estabelecido pelo Fisco para fins de tributos? Quando falamos de valor do imóvel, muitas vezes o Fisco traz um valor, o valor venal do imóvel para fins de cobrança de tributo, que não corresponde ao valor que está ali na negociação. Temos um enunciado que foi aprovado em Jornada de Direito Civil, que é o Enunciado nº 289:

Enunciado nº 289, CJF: “O valor de 30 salários mínimos constante no art. 108 do Código Civil brasileiro, em referência à forma pública ou particular dos negócios jurídicos que envolvam bens imóveis, é o atribuído pelas partes contratantes e não qualquer outro valor arbitrado pela Administração Pública com finalidade tributária.” (negrito nosso)

Para o STJ: REsp nº 1.099.480 – MG: o valor a ser considerado é o da avaliação pelo Fisco.

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Temos, portanto, dois posicionamentos distintos: a doutrina trazendo que é o valor que as partes estipularam e a jurisprudência dizendo que seria o valor estabelecido pelo Fisco.

PLANO DA EFICÁCIA: quando dizemos que algo é eficaz, é porque produz efeitos. No plano da eficácia, analisaremos os efeitos. Como regra geral, a ordem é se passar pelos planos da existência, validade e eficácia. Excepcionalmente, é possível que o negócio exista, porém ocorra algum problema no plano da validade, mas produz efeitos.

➢ Exemplo: casamento putativo (art. 1.561 do CC3). Nele, temos algo que existe, mas que não é válido e, todavia, produz efeitos em relação ao cônjuge de boa-fé e aos filhos. Casamento putativo é, portanto, aquele que, embora nulo ou anulável, vai produzir efeitos em relação ao cônjuge de boa-fé e aos filhos.

No plano da eficácia, porque trata de efeitos, é que estudamos o registro da escritura pública de bens imóveis, um eventual descumprimento de obrigação que resulte em multa, essa multa também se situa no plano da eficácia e o que chamamos de elementos acidentais do negócio jurídico (condição, termo e encargo).

São chamados de elementos acidentais porque não se tratam de elementos essenciais, porque são elementos que poderão aparecer acidentalmente no negócio jurídico, ou seja, poderão aparecer ou não. Se um negócio não apresentar nenhum desses elementos acidentais, ele será chamado de negócio puro e simples.

ELEMENTOS ACIDENTAIS DO NEGÓCIO JURÍDICO:

1) CONDIÇÃO:

- Conceito: condição é a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina os efeitos ou o fim dos efeitos do negócio a evento futuro e incerto.

- Características: são três as características que uma condição irá apresentar:

a) Voluntariedade: toda condição, necessariamente, deriva da vontade das partes. Só pode ser condição aquilo que derive da vontade das partes. Por isso, não há expressão mais equivocada do que aquela que as pessoas utilizam quando mencionam “condições legais”. Utilize requisitos/pressupostos legais; b) Futuridade: a condição é algo que se projeta para o futuro, necessariamente; c) Incerteza: pode ser que esse evento futuro venha a acontecer, se implementar ou não. 3

Art. 1.561 do CC. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória. § 1º Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão. § 2º Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão. 7 www.g7juridico.com.br

- Espécies: em uma primeira classificação de condição, vamos ter duas espécies.

CONDIÇÃO SUSPENSIVA: é aquela que atua deliberando a inoperância da vontade manifestada inicialmente. ➢ Exemplo: imagine que alguém diga a João que vai lhe dar um carro se Maria se casar (manifestação de vontade). João ainda não adquiriu o direito, ele tem uma expectativa de direito – direito eventual. Está se fazendo com João um contrato de doação, mas é uma doação sob condição e essa condição é o casamento de Maria, porque há voluntariedade, é algo futuro e incerto. No futuro, pode ser que Maria se case ou não. Se a Maria se casar no futuro, terá havido o que chamamos de implemento da condição, ou seja, aconteceu no futuro. Com o implemento da condição, esse negócio passa a produzir os seus efeitos.

Quando se coloca uma condição suspensiva ao negócio jurídico, o objetivo é suspender a aquisição do direito, porque o beneficiário não adquire o direito de pronto, tendo apenas uma expectativa de direito, um direito eventual. Ele apenas vai adquirir o direito no futuro, havendo o implemento da condição.

Art. 125, CC. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.

CONDIÇÃO RESOLUTIVA: é o oposto da suspensiva porque, na suspensiva, quando há o seu implemento, imprime-se vida ao negócio. Já na resolutiva, o negócio já estava produzindo efeitos e quando acontece o implemento da condição resolutiva, resolve-se, isto é, o negócio deixa de produzir os seus efeitos. O implemento da condição resolutiva vai implicar na morte daquele negócio. ➢ Exemplo: alguém deixa João usar seu carro até que Maria se case. Esse negócio jurídico já está produzindo seus efeitos, mas, se lá na frente houver o implemento da condição, que era algo incerto, esse negócio deixa de produzir os seus efeitos.

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Art. 127, CC. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido.

a) Condições lícitas: são condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes (art. 122, 1ª metade, CC) b) Condições ilícitas/proibidas/vedadas: art. 122, 2ª metade, CC. ↓ Perplexa

↓ Potestativa Pura

Art. 122, CC. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.

Condição perplexa e condição potestativa pura são exemplos de condições ilícitas/proibidas/vedadas.

➢ Exemplo de condição perplexa: é aquela que priva a produção de efeitos do negócio jurídico. Alguém diz para João que vai lhe dar este carro se ele não o utilizar. Isso é uma condição proibida, porque está privando o negócio da produção de seus efeitos, ao passo que, quando João se tornasse proprietário do carro, ele deveria passar a ter direito de usar, gozar, dispor, reaver a coisa.

➢ Exemplo de condição potestativa pura: é aquela cujo implemento fica ao arbítrio exclusivo de uma das partes. Alguém diz a João que vai lhe dar o carro se amanhã essa pessoa sair de camisa branca. Isso é uma condição protestativa pura, porque seu implemento depende somente de quem vai ou não sair de camisa branca e é vedada exatamente porque seu implemento fica ao arbítrio exclusivo de uma das partes.

Atenção para não confundir: potestativa pura X meramente potestativa

Enquanto que a condição potestativa pura é aquela em que o implemento fica ao arbítrio exclusivo de uma das partes, na condição meramente potestativa, o seu implemento dependerá de uma das partes, mas não apenas da parte e sim de outros fatores. Exatamente porque dependerá de outros fatores, a condição meramente potestativa é permitida, não sendo proibida/vedada.

➢ Exemplo de condição meramente potestativa: alguém diz a João que vai te dar este carro se essa pessoa passar na prova de vestibular que vai fazer no domingo subsequente. A condição é o doador ser aprovado no vestibular e essa aprovação depende dele, mas não somente dele e sim de outros fatores, como o insucesso de outros candidatos. 9 www.g7juridico.com.br

As classificações vistas podem ser combinadas, podemos ter uma condição suspensiva e ilícita, por exemplo.

2) TERMO:

- Conceito: termo é a cláusula acessória que subordina os efeitos ou o fim dos efeitos do negócio a evento futuro e certo.

- Características:

a) O termo pode derivar da vontade das partes, mas ele também pode derivar da lei. Tanto é assim que existem termos legais, divergindo da condição; b) Futuridade: o termo é algo que se projeta para o futuro, assim como na condição; c) Certeza: se projeta para o futuro e com certeza ele irá ocorrer no futuro, já a condição é incerta.

- Espécies:

Termo Inicial/suspensivo/a quo: imagine que alguém diga a João que vai lhe dar um carro no dia 25/12/2021. Essa data é algo certo e, sendo certo, estamos falando de uma doação a termo e não de uma condição. Chegado o advento do termo inicial no dia 25/12/2021, esse negócio passa a produzir os seus efeitos.

O termo suspensivo/inicial não suspende a aquisição do direito, igual faz a condição suspensiva, mas suspende o exercício do direito. Nesse exemplo, João já adquiriu o direito, mas seu exercício está suspenso até o advento do termo inicial.

Art. 131, CC. O termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito.

Termo Final/resolutivo/ad quem: coloca fim à produção de efeitos do negócio. Alguém diz a João que pode ficar usando seu carro até o dia 01/09/2021, porque essa data é certa, com certeza chegará.

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a) Termo Certo: se alguém faz uma doação que se projetará para o Natal de 2021, isso é um termo porque certamente irá ocorrer no futuro e é um termo certo, porque sabemos quando chegará – em 25/12/2021. Se alguém falar que vai lhe dar um carro daqui a duas semanas, isso é termo certo;

b) Termo Incerto: essa classificação se dará em relação à quando aquilo ocorrerá no futuro. De outro lado, existem situações em que sabemos que aquilo irá ocorrer no futuro, mas não se sabe exatamente quando irá acontecer no futuro. Exemplo: a morte. Imagine que alguém diz a João que vai lhe dar este carro quando o Manoel morrer. A morte de Manoel é um termo, porque com certeza ele irá morrer, mas não sabemos quando.

3) ENCARGO/MODO (arts. 136 e 137, CC)

- Conceito: encargo é a restrição que se impõe à vantagem obtida pelo beneficiário em que se estabelece uma obrigação para com terceiro, para com a coletividade ou para com o próprio instituidor. Encargo = liberalidade + ônus.

No encargo devemos ter, necessariamente, uma pessoa praticando uma liberalidade que vai beneficiar uma outra pessoa, só que o beneficiário dessa liberalidade tem que cumprir com um ônus (“a fim de”, “para que”). Como exige-se essa liberalidade, o encargo tem sede, portanto, nos negócios jurídicos gratuitos, necessariamente – doação, testamento, etc. ➢ Exemplos: alguém diz a João que vai lhe dar sua casa a fim de que ele cuide do jardim dela. Alguém diz a João que vai lhe dar o seu carro para que se leve os filhos dele para a escola nos próximos seis meses. Nos dois exemplos, estamos diante de uma doação com encargo/doação modal e não uma doação pura e simples.

Quando estudávamos a condição suspensiva, foi dado como exemplo a doação de um carro a João se Maria se casar. A condição suspensiva tem esse nome porque suspende a aquisição do próprio direito. Quando falávamos de termo, o inicial ou suspensivo não suspende a aquisição do direito, mas sim seu exercício.

Já quando falamos em encargo, o Código Civil nos diz, no art. 136 que, no encargo, não se suspende nem a aquisição e nem o exercício do direito. Quando se coloca o encargo no negócio, não está se suspendendo nada. Então, no segundo exemplo dado, João já adquiriu direito sobre o carro e está exercitando esse direito, já tendo que cumprir com o ônus. O encargo tem que ser cumprido, sob pena de haver a revogação daquele negócio jurídico por descumprimento de encargo.

Art. 136, CC. O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo quando expressamente imposto no negócio jurídico, pelo disponente, como condição suspensiva.

Art. 137, CC. Considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico.

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INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO (Arts. 111/114, CC)

Interpretar o negócio jurídico é fornecer a leitura adequada, que deve ser aplicada àquele negócio jurídico.

Essa boa-fé mencionada nesse artigo é a boa-fé objetiva, ou seja, aquele padrão de comportamento honesto, probo, leal. Se trata de um instrumento interessante para o julgador definir e interpretar aquele contrato. Há quem diga que o julgador deve decidir aquela demanda da maneira mais favorável ao contratante que tenha agido em conformidade com a boa-fé objetiva. A Lei n. 13.874/19 (Lei da Liberdade Econômica) e inseriu nesse art. 113 dois parágrafos:

Alterações promovidas no art. 113 do CC pela Lei nº 13.874/19

Esse inciso I está reconhecendo a dinamicidade do negócio e está prestigiando uma teoria que decorre da boa-fé objetiva, que é a famosa teoria do venire contra factum proprium (non potest), ou seja, ir contra fato próprio não se pode. Essa teoria prestigia aquele comportamento coerente do contratante, então se alguém faz um contrato, essa pessoa não pode inicialmente agir em um determinado sentido e depois agir em sentido oposto, contrariando seu comportamento inicial ou contrariando as tratativas, as negociações preliminares, sob pena de estar sendo incoerente e a incoerência deve ser reprimida, vertente que decorre da boa-fé objetiva.

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Sabemos muito bem que, quando falamos que a interpretação deve corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio (inciso II), existem alguns negócios que vão ter, em virtude dos costumes, toda uma técnica de negociação própria. Exemplos: negociação de animais, de obras de arte, etc. Não serão admitidos quaisquer usos, práticas e costumes que sejam ilícitos.

O inciso III acaba ficando inócuo porque repete o caput, dizendo que a interpretação deve corresponder à boa-fé e sabemos, inclusive, que essa boa-fé mencionada aqui é a boa-fé objetiva.

O inciso IV diz que a interpretação deve ser mais benéfica à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável. O que está sendo proposto é a chamada interpretação contra o estipulador ou estipulação mais favorável ao aderente. O legislador parte da seguinte ideia: a pessoa que redige a cláusula está em uma posição de privilégio, então quando aquele contrato for submetido à uma interpretação, a interpretação deve ser contrária à essa pessoa que fez aquela cláusula, devendo ser favorável ao aderente àquela cláusula que lhe veio pronta.

Na verdade, essa ideia já estava consolidada no Código Civil em um artigo de teoria geral dos contratos, exatamente no seguinte art. 423, que versa especificamente sobre o contrato de adesão:

Art. 423, CC: “Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.”

Aquele inciso IV do § 1º do art. 113, quando diz que a interpretação a ser adotada é a interpretação mais benéfica à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável, não é uma simples cópia do que está estabelecido no art. 423, porque o inciso IV amplia o art. 423, porque, enquanto que o art. 423 se refere apenas ao contrato de adesão, esse inciso IV não se restringe ao contrato de adesão, mas tratando também do contrato paritário.

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Contrato de adesão é aquele cujo conteúdo é imposto unilateralmente por uma das partes e o aderente simplesmente adere aquilo ali. Contrato paritário é o oposto do contrato de adesão, porque o contrato paritário é aquele que surge após amplo debate e interlocução entre as partes.

Se o contrato paritário decorre de uma ampla interlocução, de um amplo debate entre as partes, o contrato pode continuar a ser paritário e, apesar disso, pode ser que uma ou outra cláusula tenha sido redigida por uma das partes e aí, evidentemente, se interpretará de forma contrária à essa parte. O grande desafio é, em um contrato paritário, identificar quem redigiu aquela cláusula (“se identificável”).

Esse inciso V está em plena sintonia com os ideais da lei que o implementou, que é a Lei da Liberdade Econômica, consubstanciado no incentivo à livre iniciativa, livre exercício da atividade econômica, etc. A doutrina questionou o que seria essa racionalidade econômica das partes e isso é mais uma cláusula geral que chega no Código Civil de 2002 por força da Lei de Liberdade Econômica que só o tempo e os julgadores poderão explicar exatamente o conteúdo dessa expressão “racionalidade econômica” igual já nos explicaram o conteúdo da cláusula geral da boa-fé objetiva, da função social dos contratos.

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O § 2º está nos dizendo que as partes podem estipular regras para interpretar, preencher lacunas e integrar aquele negócio jurídico e isso chega prestigiando o Princípio da Autonomia Privada, em que as partes podem estipular o conteúdo e as regras de interpretação daquele contrato.

Vale destacar que, se estamos falando de autonomia privada, temos a manifestação de vontade das partes que, em princípio, é livre. Embora ela seja livre, essa liberdade não chega em caráter absoluto. As partes não podem colocar em um contrato o afastamento, por exemplo, de normas cogentes. Não pode existir uma cláusula contratual desobrigando as partes de cumprirem com a boa-fé objetiva.

Teorias que versam sobre a interpretação do ato negocial:

a) Teoria da Vontade/Subjetiva/Voluntarística: a intenção das partes deve prevalecer sobre a vontade manifestada.

b)

Teoria Objetiva/da Declaração: impõe a prevalência das palavras expostas no contrato. Essa teoria é o oposto da primeira.

Qual das teorias foi adotada pelo Código Civil? A resposta vem no art. 112, que traz uma redação não tão clara assim e a doutrina não chega a um consenso sobre ela.

O posicionamento destacado em azul foi trazido por Nelson Rosenvald em artigo científico. De acordo com ele, esse artigo adotaria uma posição intermediária entre as duas teorias citadas. Por esse dispositivo, deve se levar em consideração a vontade (teoria subjetiva), mas é a vontade consubstanciada ali naquele documento, então não se desprezará, de todo, o que está escrito naquele instrumento (teoria objetiva). No mesmo sentido, Caio Mário da Silva Pereira.

Em sentido contrário, Flávio Tartuce diz que esse art. 112, na concepção dele, o legislador teria adotado a teoria subjetiva, já que deve se levar em consideração a vontade das partes. 15 www.g7juridico.com.br

Art. 111, CC. “O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.”

➢ Aquele dito popular “quem cala, consente” tem validade jurídica? Terá validade jurídica apenas se a lei autorizar, porque, em regra, quem cala não consente.

➢ Exemplo: pelo seguinte artigo, se estivermos diante de uma doação pura e simples (não sujeita à condição, termo ou encargo), o doador pode dar um prazo para o donatário aceitar ou não. Vamos imaginar que esse prazo corra e o donatário não se manifeste, ficando em silêncio. Como se trata de uma doação pura e simples, de acordo com o art. 539, reputa-se havendo a aceitação do donatário, porque a lei assim o autorizou.

Art. 539, CC: “O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.”

Art. 114, CC. “Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente.”

Negócio jurídico benéfico também é chamado de gratuito. Negócio jurídico benéfico/gratuito é aquele negócio em que apenas uma das partes sofre sacrifício patrimonial (exemplos: doação e comodato). Para esses negócios jurídicos benéficos/gratuitos e para negócios jurídicos que versem sobre renúncia, a interpretação será feita de modo restritivo. Então, nessas duas hipóteses, não se admite interpretação ampliativa.

DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Os vícios do consentimento também são chamados de vícios da vontade.

Conceito: os vícios do consentimento perturbam o processo de elaboração e/ou exteriorização da vontade, de tal modo que a vontade manifestada não corresponderá à vontade real do agente. 16 www.g7juridico.com.br

O negócio feito sob vício de consentimento será anulável e, se quiser proceder com a anulação, deve ser manejada a ação anulatória e a parte interessada terá um prazo para se manifestar, que é um prazo decadencial de quatro anos.

Art. 171, CC. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: II - Por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

Art. 178, CC. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado: II - No de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;

Conceito: nos vícios sociais, o agente libera uma vontade que está de acordo com a sua vontade real, porém o ordenamento não a acolhe. Existem dois vícios sociais no CC/2002, que é a fraude contra credores e a simulação. Sobre a simulação, existe uma discussão doutrinária se ela realmente se trata de um vício social. Em princípio, tende a prevalecer na doutrina que é vício social, mas os efeitos serão distintos.

Quando falamos de fraude contra credores, esse negócio é anulável, mas a parte interessada não vai manejar ação anulatória e sim ação pauliana ou revocatória, no mesmo prazo decadencial de quatro anos.

Já quando falamos de simulação, o efeito é diverso. Na simulação, o negócio simulado é mais grave e a sanção será mais gravosa, o negócio será nulo, cabendo, para tanto, uma ação declaratória de nulidade e perceba que não há prazo para se declarar a nulidade, já que o negócio não convalesce com o decurso do tempo.

Art. 167, CC. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. § 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: 17 www.g7juridico.com.br

I - Aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II - Contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III - Os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

Art. 169, CC. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.

Vícios do Consentimento

- Conceito: o erro é a elaboração psíquica decorrente de uma falsa percepção. Erro é o equívoco espontâneo. A parte acaba fazendo um negócio em que ela libera uma vontade que não está de acordo com o que ela realmente quer, porque ela própria, espontaneamente, se engana sobre aquilo.

➢ Exemplo: pessoa que passa diante de uma joalheria, vê um relógio dourado na vitrine com valor de R$ 100.000,00. A pessoa acredita que deve ser de ouro, entra no estabelecimento, paga os R$ 100.000,00. Ninguém lhe informa que aquele relógio seria de ouro. A pessoa descobre que, na verdade, o relógio não era de ouro e sim de latão amarelo. Essa pessoa pode reclamar, a fim de desfazer o negócio. Imaginemos que o joalheiro se recuse a desfazer o negócio, o adquirente prejudicado pode manejar uma ação anulatória, no prazo decadencial de quatro anos.

A doutrina chega com a seguinte discussão: para resultar na anulabilidade daquele negócio, esse erro deverá ser escusável, ou seja, erro desculpável? A escusabilidade do erro é um requisito para que se resulte na anulação daquele negócio? A doutrina vai se dividir.

Ainda existem doutrinadores que dizem que, para que se resulte na anulabilidade, o erro manifestado pela parte deverá ser um erro escusável, um erro desculpável. Mas há uma doutrina mais moderna (José Fernando Simão, Flávio Tartuce) que vai afastar esse requisito, não sendo necessário que o erro seja escusável porque devemos nos valer da Teoria da Confiança (corolário lógico da boa-fé objetiva), a parte faz confiando no outro.

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I Jornada de Direito Civil - Enunciado 12: Na sistemática do art. 138, é irrelevante ser ou não escusável o erro, porque o dispositivo adota o princípio da confiança.

O erro que irá resultar na anulação do negócio é somente o erro substancial/essencial, nas seguintes hipóteses:

Art. 139, CC. O erro é substancial quando: I - Interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais; II - Concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante; III - Sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.

Uma primeira hipótese na parte inicial do inciso I é o erro in negotti, ou seja, o erro que diz respeito à natureza jurídica do negócio. Se alguém se equivocar em um negócio, de maneira a modificar até mesmo a sua natureza jurídica, isso deve ser considerado um erro substancial. Exemplo: o sujeito foi fazer com a outra parte um contrato de compra e venda e eles acabaram se esquecendo de colocar o preço, que é elemento do contrato de compra e venda. Sem menção ao preço, esse contrato muda de natureza, deixando de ser de compra e venda e passando a ser de doação.

Na segunda parte, ainda no inciso I, vamos encontrar o erro in corpore, que é o erro que diz respeito ao objeto. Exemplo: caso em que a pessoa paga uma fortuna por um relógio dourado apenas porque acreditava ser de ouro, sendo que, na verdade, era de latão amarelo.

Ainda no inciso I, em sua parte final encontramos aquilo que a doutrina chama de erro in substantia, que seria um erro que diga respeito a qualidades essenciais daquele objeto ou daquele negócio. Exemplo: sujeito que paga uma fortuna por aquele quadro apenas porque ele acreditava que o quadro tinha sido pintado por um pintor famoso e essa pessoa depois vem a descobrir que o quadro foi pintado por um desconhecido qualquer.

No inciso II, encontramos uma quarta manifestação de erro substancial, que é o erro in persona ou erro quanto à pessoa. Quando falamos em erro quanto à pessoa, nos lembramos do erro essencial quanto à pessoa do cônjuge que figura no casamento, que resulta na possibilidade de se anular aquele casamento. Para todos os negócios jurídicos cabe essa ideia de se anular o negócio em que se engana quanto à pessoa do outro contratante. Exemplo: alguém contrata um sujeito para cantar em uma festa por telefone, Roberto Carlos. No dia da festa, chega um cara chamado Roberto Carlos para cantar, mas não era quem se esperava. Pode se querer anular esse negócio, porque houve erro quanto à pessoa.

O inciso III do art. 139 traz uma quinta possibilidade de erro substancial, que é o chamado erro de direito, que é aquele erro em que a pessoa se equivoca quanto ao direito, quanto ao que o ordenamento jurídico admite. Exemplo: a pessoa vai fazer um contrato de importação de determinada mercadoria apenas porque acha que o ordenamento jurídico admite

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aquela importação e, depois, ela vem a descobrir que ela não pode importar aquilo. Nesse caso, esse negócio é anulável também em virtude do erro de direito.

Parte da doutrina vai dizer que esse art. 139, III do CC irá colidir com o art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro porque, enquanto o art. 139, III traz a possibilidade de o erro de direito se traduzir em um erro substancial, com possibilidade de anulação do negócio, lá no art. 3º da LINDB há um princípio, que é o Princípio da Obrigatoriedade das Leis. Por esse princípio, uma pessoa não pode querer se afastar dos efeitos da lei simplesmente porque ela desconhece aquele regramento.

Art. 3º, LINDB x Art. 139, III, CC Art. 3o da LINDB: Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

Mas, um segundo posicionamento doutrinário, que é o que tende a prevalecer na doutrina, é no sentido de que é perfeitamente possível se conciliar o art. 3º da LINDB com o art. 139, III do CC, haja vista que o art. 3º da LINDB é um artigo geral, para todos os ramos do Direito, ao passo que o art. 139, III do CC seria específico para os negócios jurídicos.

➢ (MPRN – 1ª Etapa) Embora uma pessoa não possa alegar desconhecimento de lei para não querer cumpri-la, é possível a anulação de um negócio jurídico em virtude de erro de direito. CERTO. Essa questão reconheceu o segundo posicionamento.

Erro acidental → não anula o negócio jurídico. Erro acidental não induz à anulabilidade do negócio, sendo considerado como válido, porque o erro acidental é aquele que diz respeito à caracteres secundários da coisa ou do negócio, então, por isso, não resultará em sua anulação. É um erro que não é grave. São dois os exemplos de erro acidental no CC: •

Erro de indicação: o seguinte dispositivo nos diz que, às vezes, naquele negócio jurídico, se indica determinado objeto ou determinada pessoa e essa indicação é feita de forma equivocada. Todavia, se for possível identificar a pessoa ou o objeto que se pretendia, não há problema nenhum e não será caso de anulabilidade, pois se trata de um mero erro acidental.

Art. 142, CC: “O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração de vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada.” ➢ Exemplo: alguém foi fazer um testamento e, nesse testamento, coloca que vai deixar a casa da Rua X para João de Tal que é o filho único de sua amiga de infância Maria de Tal. Depois se descobre que o filho único da amiga de infância daquela pessoa não se chama João e sim José. Houve um erro de indicação, mas é possível se identificar quem estava se querendo beneficiar com aquela cláusula, porque é o filho único da Maria.

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Erro de cálculo: trata-se de um erro material retificável.

Art. 143, CC: “O erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade.”

➢ Exemplo: alguém vai fazer um negócio e coloca o valor discriminado das mercadorias e, na hora de somar, soma tudo errado. Trata-se de um mero erro material que é retificável, que se pode consertar. Por isso, o art. 143 autoriza a retificação da declaração de vontade, não autorizando a anulação do negócio.

Imagine que, naquele caso em que se pagou R$ 100.000,00 por um relógio dourado apenas porque acreditou ser de ouro, a pessoa ajuíze a ação anulatória. O joalheiro, perante o juiz, diz para essa pessoa que entrega um relógio no mesmo modelo que a pessoa havia escolhido, todo em ouro. Nesse caso, a outra parte está lhe oferecendo o que a pessoa realmente queria, caberá anulação do negócio?

Não mais, porque esse art. 144 se inspira em um princípio, que é o Princípio da Conservação ou Preservação do Negócio Jurídico. Se der para conservar/preservar aquele negócio, este será conservado/preservado. Esse princípio decorre de um princípio maior que é o Princípio da Função Social, porque o negócio jurídico, ao ser conservado, cumprirá com sua função social, porque o negócio jurídico é programado, em princípio, para cumprir com uma função social.

2) DOLO (arts. 145/150, CC)

- Conceito: dolo é o processo malicioso de convencimento em que uma das partes se utiliza de manobras, ardis para obter de outrem uma declaração de vontade. No dolo, temos uma parte que engana a outra parte. - Equívoco induzido.

➢ Exemplo: aquela situação do joalheiro e do relógio dourado no valor de R$ 100.000,00. Entretanto, o adquirente pergunta ao joalheiro se esse relógio era de ouro, porque, se ele fosse de ouro, ela compraria. O joalheiro fala que é de ouro. Nesse caso, a pessoa compra em virtude da mentira, da enganação que a outra parte lhe fez.

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Não é qualquer dolo que resulta na anulação do negócio, para resultar na anulação ele há de ser principal.

✓ Dolo Principal (art. 145, CC): anula o negócio jurídico. É aquele que é a causa da celebração do negócio jurídico, a pessoa somente faz aquele negócio jurídico em virtude da enganação da outra parte, como no exemplo dado.

Art. 145, CC. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa.

✓ Dolo Acidental (art. 146, CC): não anula o negócio jurídico, induz apenas à indenização por perdas e danos. Não se anula o negócio jurídico porque, no dolo acidental, a ideia é de que houve uma enganação da outra parte, mas a parte fez o negócio não em virtude da enganação da outra parte, a parte teria feito aquele negócio independentemente da enganação.

Art. 146, CC. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo.

➢ Exemplo: o sujeito foi em uma concessionária comprar um carro, achou o carro que ele queria, fez um test drive e gostou muito do carro, estava dentro do valor que ele estava planejando gastar e, depois que ele decidiu por comprar o carro, ele pergunta o ano do veículo ao vendedor e o vendedor lhe informa que é um carro ano 2015. Comprado o carro, a parte descobre que o veículo era ano 2014 modelo 2015. Houve uma enganação da outra parte, mas não foi em virtude dessa enganação que ele decidiu fazer o negócio, ele teria comprado o carro independentemente dessa informação. A parte somente pode pleitear indenização.

✓ Dolo Ativo: é aquele que decorre de uma atuação positiva do agente. O agente falou ou fez alguma coisa. ✓ Dolo Passivo/omissão dolosa (art. 147, CC). É reconhecido pela lei. No dolo passivo, há uma atuação negativa do agente. O agente, por exemplo, oculta determinada informação porque, se a outra parte tivesse ficado sabendo previamente, ela não teria fechado o negócio.

Art. 147, CC. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado. ➢ Exemplos: um indivíduo vai fazer um contrato de seguro de vida e omite uma doença preexistente gravíssima que ele tinha, ele agiu com dolo passivo. Um rapaz vai vender seu apartamento, todos os apartamentos do prédio têm uma vaga de garagem, menos o dele e ele omite essa informação.

Não interessa se o dolo é ativo ou passivo, se ele for principal, se for a causa da celebração do negócio, ele anula esse negócio. Se não for a causa, tão somente induz à perdas e danos. 22 www.g7juridico.com.br

✓ Dolo bonus: não é pernicioso, se traduzindo na exaltação exagerada da coisa. É o famoso papo de vendedor. Em princípio, esse dolo é tolerado pela sociedade, não resultando em anulação nem em pedido de indenização. Somente não será tolerado se ele adentrar a esfera da publicidade enganosa, que é vedada pelo CDC.

✓ Dolo malus: é o pernicioso, que é nosso objeto de estudo. Se for principal, resulta na anulação e se for acidental induz em indenização por perdas e danos.

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MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS Direito Civil Profa. Mônica Queiroz Aula 14

ROTEIRO DE AULA

Tema 1: DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO II Tema 2: INVALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

Já estudamos um vício do consentimento dos negócios jurídicos, que é o erro, e estávamos estudando o dolo, já vimos o conceito e uma classificação acerca do dolo.

Dolo recíproco

Ocorre quando ambas as partes contratantes atuam, agem com dolo e isso é muito comum na sociedade, infelizmente. São aquelas situações em que A vai fazer um negócio com B e A age enganando B e B, por sua vez, também age enganando o A. Essa é uma situação de dolo recíproco.

➢ Quando há o dolo recíproco, caberá a anulação do negócio? Imagine a situação em que B, que também agia dolosamente, se sente ofendido e alega ao juiz que queria enganar A e, na verdade, foi enganado por A, pleiteando a anulação desse negócio. Quando há o dolo recíproco, não cabe anulação.

Essa ideia trazida pelo art. 150 do CC se pauta naquela premissa de que ninguém pode alegar torpeza do outro em cima de sua própria torpeza. O negócio, portanto, não é anulável.

➢ E se, na prova de múltipla escolha, aparecesse que, “quando há o dolo recíproco o negócio é válido”? Essa assertiva está CERTA. Quando dizemos que não cabe anulação, é porque o negócio será válido. É como se o dolo de uma das partes neutralizasse o dolo da outra.

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➢ Não cabe pedido de anulação, mas e um pedido de indenização caberia? Também não. Não cabe nem anulação e nem indenização, conforme preceitua o art. 150 do CC.

Art. 150, CC. “Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização.”

Há, todavia, manifestação doutrinária no sentido de que o juiz poderia quantificar a intensidade do dolo de um e quantificar a intensidade do dolo do outro e, aquele que tivesse agido com uma manifestação ínfima de dolo, esse poderia pleitear uma indenização. Contudo, isso é uma manifestação doutrinária.

Dolo de terceiro

Imagine que A e B tenham feito um negócio, as partes contratantes são A e B. Todavia, A decidiu fazer o negócio com B porque um terceiro enganou o A. Não foi B o beneficiário do negócio que enganou A e sim um terceiro, uma pessoa alheia ao negócio. É perfeitamente possível que possa haver um dolo de terceiro. ➢ Exemplo: imagine que Mônica resolva vender sua casa e contrate um corretor de imóveis para que esse corretor divulgue sua casa. Esse corretor inventa alguma mentira sobre a casa, de tal modo a seduzir João, que estava interessado na casa, então João decide comprar a casa apenas em virtude da enganação de terceiro, desse corretor de imóveis. Dessa forma, João decide fazer o negócio com a Mônica. São partes contratantes a Mônica e o João, que está comprando a casa, mas João decidiu comprar a casa apenas porque um terceiro (o corretor de imóveis) havia falado alguma mentira acerca da casa.

➢ Feito esse negócio, sob dolo de terceiro, cabe a anulabilidade? Houve dolo, mas o dolo não veio de Mônica, o dolo veio de um terceiro. Seria esse negócio anulável ou não? Depende. Depende se Mônica, a beneficiária sabia ou não – ou tinha meios de saber – do comportamento doloso do terceiro. Imagine que Mônica está sabendo que o corretor está divulgando uma mentira e se mantém silente, nada faz sobre isso e simplesmente fecha o negócio com João, é como se a Mônica e o corretor (terceiro) fossem uma pessoa só. Nessa hipótese, caberá a anulação desse negócio. João, que é a parte prejudicada poderá pleitear, ainda, uma indenização por perdas e danos, que 2 www.g7juridico.com.br

será devida solidariamente pela beneficiária e pelo terceiro, além da anulação. Essa interpretação foi extraída da conjugação de dois artigos: o art. 148 e o art. 149 do CC. Art. 148, CC. “Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou.”

Art. 149, CC. “O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos.”

Contudo, pode ser que aconteça o contrário. Pode ser que a Mônica, a beneficiária dona da casa, não soubesse. O corretor pode ter falado uma mentira para João e João resolveu por isso comprar a casa, mas a Mônica sequer sabia disso, nem tinha meios para saber. Nesse caso, Mônica não pode ser prejudicada e esse negócio não será anulável.

O negócio será conservado, ainda que João tenha sido enganado. João poderá se voltar contra o terceiro, o corretor de imóveis, exigindo a devida indenização por perdas e danos. Mas, ele somente poderá se voltar contra o corretor de imóveis, sendo que aquele negócio celebrado será conservado, porque Mônica, a beneficiária, não tinha meios de saber ou não sabia realmente daquele comportamento doloso do corretor de imóveis. Essas duas soluções decorrem da análise do art. 148 e 149 do CC.

3) COAÇÃO

Se o candidato estiver diante de um enunciado de prova em que se perceba que nele há uma manifestação de coação, aquilo deve ser relido com atenção porque existem duas manifestações de coação:

a) Coação Física (coação por vis absoluta): não há vontade = negócio inexistente. Aqui, o que ocorre é o emprego de violência física. Seria o caso, por exemplo, de uma pessoa que pega as mãos de outra pessoa diante de um documento e forçar essa outra pessoa a assinar, segurando as mãos ou aplicando força contra o pescoço dessa pessoa, a obrigando a assinar o contrato. Houve o emprego de violência física e quem está assinando sequer está manifestando vontade.

Quando há coação por vis absoluta ou coação física, não há manifestação de vontade e, conforme vimos na aula dos planos do negócio jurídico, que o plano da existência pressupõe um agente, vontade, objeto e forma. Esses são os pressupostos para um negócio existir e quando falamos de coação física, não há um desses pressupostos porque não há sequer manifestação de vontade. Ofendido o plano da existência, a conclusão é que esse negócio será inexistente.

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A coação física não é mencionada do Código Civil, porque o Código Civil não cuida dos três planos que Pontes de Miranda trouxe (planos da existência, da validade e da eficácia), começando a tratar do negócio jurídico a partir do plano da validade, a partir do art. 104. O legislador não se atenta para o plano da existência, mas a doutrina, na esteira do que Pontes de Miranda ensinou, diz que quando há coação física não tem vontade e a ofensa está no plano da existência. ➢ E na prática, como se argumenta a inexistência desse negócio perante o Poder Judiciário? A solução que a doutrina traz, uma vez que o Código Civil não aborda a coação física, é a parte requerer e se manifestar pela nulidade. Então, o negócio seria nulo para fins práticos. Nas provas de múltipla escolha, o candidato deve sustentar que o negócio é inexistente e na vida prática não tem como se pedir a declaração de inexistência, porque isso nem está no Código Civil, então o advogado deve pleitear uma declaração de nulidade absoluta. ➢ Se, na prova de múltipla escolha não tiver alternativa que contenha a inexistência, é porque o examinador não se atenta aos planos do negócio jurídico, então o candidato deve procurar a assertiva que informe que aquele negócio é nulo, havendo nulidade absoluta.

b) Coação Moral (coação por vis compulsiva): há vontade, porém viciada = negócio existente, porém inválido (anulável) ↓ Arts. 151/155, CC

A coação que está no Código Civil, a partir do art. 151, não é a coação física e sim a coação moral, também conhecida como coação por vis compulsiva. Quando falamos de coação moral, aqui não há o emprego de violência física. O que ocorre é que o coator incute na cabeça do coagido o temor de um mal injusto. Não houve o emprego de violência física, mas simplesmente o coator colocou na cabeça do coagido um medo muito intenso de um mal injusto. ➢ Exemplo: um sujeito liga para outra pessoa lhe dizendo que o contrato que está na frente dele deve ser assinado agora, porque esse sujeito sabe que a outra pessoa tem um filhinho que está saindo da escola naquele momento, vai entrar na van, a criança está usando um short azul com uma blusa branca e, se a pessoa não assinar esse contrato, pode ser que essa linda criança não chegue em casa nessa tarde. Esse pai, desesperado, assina sem pensar duas vezes. Nesse caso, não houve coação física porque não houve emprego de violência, foi incutido um temor de um mal injusto na cabeça da vítima e esse pai, esse coagido cedeu e assinou.

Houve uma manifestação de vontade, porém essa vontade não foi livre, essa vontade foi viciada. Como houve manifestação de vontade, não temos problemas no plano da existência, o problema estaria no plano da validade, porque, para o negócio, além de existente, ser válido, é necessário que a vontade seja livre e aqui não houve vontade livre.

Nesse sentido, esse negócio será considerado existente, porém será inválido e, sendo inválido, a sanção que será imposta a ele será a sanção da anulabilidade. O negócio será anulável. Vale lembrar que essa anulação deverá ser pleiteada pela 4 www.g7juridico.com.br

parte prejudicada naquele prazo decadencial de 4 anos, que é o mesmo prazo para se reclamar a anulação em caso de erro, de dolo, de lesão e de estado de perigo.

Art. 178, CC. “É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado: I - No caso de coação, do dia em que ela cessar; II - No de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;”

Na coação moral, o coagido está diante de dois males. No exemplo dado, o pai pensa que ou ele perde dinheiro naquele contrato ou ele perde seu filho. Como ele prefere perder dinheiro, assina o contrato. O coagido está diante de dois males e escolhe o que lhe ofende menos. Por isso dissemos que houve manifestação de vontade, mas essa manifestação de vontade não foi livre.

De um lado, temos a figura de um coator e do outro lado a figura do coagido. Lembrando que o coagido também pode ser chamado de vítima, de paciente, de coato. O coator ameaça de praticar um mal injusto, ameaça uma ofensa. Essa ofensa é dirigida para forçar a pessoa do coagido e essa ofensa pode ser:

→ A si próprio: o coator diz que sabe que o coagido sai do curso, naquela hora determinada e se essa pessoa não assinar o contrato, no outro dia o coator vai lhe esperar na porta do curso. A ofensa está sendo dirigida contra o próprio coagido. → A família: dirigida a alguém da família do coagido, como no exemplo dado, com a ameaça de fazer algum mal ao filho do coagido. → Ao patrimônio: aquele caso em que o coator diz ao coagido que, se ele não assinar esse contrato, vai arranhar o carro dele, vai atear fogo na casa dele, etc. → A terceiro (art. 151, parágrafo único): que não seja da família do coagido. Quando essa ofensa é dirigida contra um terceiro, esse dispositivo vai nos dizer que o juiz deve observar as circunstâncias do caso concreto para verificar se realmente houve uma situação de coação.

Art. 151, CC. “A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.

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Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.”

Na sociedade, as pessoas irão apresentar graus de resistência distintos. Muitas vezes, o que causa muito medo à uma mulher, não causa medo a um homem. Muitas vezes, o que causa muito medo a um idoso, não causa medo a um adulto que não seja idoso ainda. O sentimento, os graus de tolerância/resistência das pessoas são distintos.

Art. 152, CC: “No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela [da coação].” ↓ Critério do caso concreto

Quando o legislador traz essa informação, está adotando o chamado critério do caso concreto. O juiz deve analisar bem o caso concreto, verificando quem é essa pessoa que diz ter sido coagida. Deve ser conferida a idade, sexo, condição, saúde, temperamento. Quando falamos em aplicar o critério do caso concreto, estamos querendo dizer que há nesse art. 152 um afastamento do critério do homem médio, da pessoa natural comum.

O juiz, no caso concreto, não pode pensar o que que um homem médio iria sentir diante daquela situação e sim deve olhar para a pessoa que está alegando a coação. Se fôssemos resumir coação moral à uma palavra, essa palavra seria medo/temor.

Entretanto, existem duas situações em que, por mais medo que a pessoa tenha sentido, não irão implicar coação.

Não configura coação (art. 153, CC): ✓ A ameaça do exercício normal de um direito: uma pessoa ameaça outra a exercitar um direito que ela tem e que ela pode normalmente exercitar. Seria o caso, por exemplo, de um credor que diz ao devedor, cuja dívida está vencida há vários meses e não há o pagamento, que se não for pago até segunda-feira da semana que vem, o credor vai requerer a falência do devedor, ajuizar ação ou protestar o título. Esse devedor não poderá alegar que está sendo coagido, porque não implica coação a ameaça do exercício normal de um direito; ✓ O simples temor reverencial: temor reverencial é aquele respeito que possuímos naturalmente por algumas pessoas que existem na nossa vida, como os mais velhos, os pais, o superior hierárquico, o padre. Naturalmente, respeitamos essas pessoas e não queremos desagradá-las de jeito nenhum. É aquele caso em que alguém pleiteia a anulação de um negócio judicialmente porque foi coagido, considerando que somente assinou aquele contrato porque ficou com muito medo de decepcionar o seu pai. O juiz, nesse caso, não vai anular aquele contrato, haja vista que aquele sujeito agiu pelo simples temor reverencial que ele sentia pelo pai dele. 6 www.g7juridico.com.br

Art. 153, CC. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial.

Coação de terceiro (arts. 154/155, CC)

Do mesmo modo que existe o dolo de terceiro, também existe a coação de terceiro, cujos efeitos são os mesmos. Imagine que A e B tenham feito um contrato, sendo eles as partes do contrato. B fez o contrato com A apenas porque um terceiro coator disse para B que, se B não fizer esse contrato com A, ele faria mal para o filho de B. B, com muito medo, fez o negócio com A. B foi coagido por terceiro.

➢ B pode pleitear a anulação desse negócio feito com A? Depende. Se A, que é o beneficiário do negócio, sabia ou tinha como saber da manifestação do terceiro coator, esse negócio será anulável. B poderá pleitear a anulação e, além disso, uma indenização por perdas e danos que será devida solidariamente pelo A, beneficiário, e pelo terceiro coator. Ao revés, se o A não sabia, esse negócio não deve ser anulado porque a lei protege A. Todavia, se B foi coagido, há o direito de se voltar contra o terceiro coator exigindo a indenização correspondente.

Art. 154, CC. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos.

Art. 155, CC. Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas as perdas e danos que houver causado ao coacto.

4) LESÃO

Embora digamos que a lesão seja uma novidade no CC/02, a lesão é novidade no Código Civil, porque nem o CC/16 falava de lesão, mas a lesão não é novidade no ordenamento jurídico porque já se manifestava em outras leis.

✓ Lei nº 1.521/51, art. 4º, alínea b (Lei de Crimes Contra e Economia Popular);

Art. 4º da Lei n. 1.521/51. Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando: (...) 7 www.g7juridico.com.br

b) obter, ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida.

✓ CDC, art. 39, V;

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (...) V - Exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

✓ CC, art. 157

Conceito: a lesão ocorre quando uma pessoa, sob premente necessidade ou movida por inexperiência, celebra um negócio em que as prestações são desproporcionais.

➢ Exemplo: um sujeito que está precisando de levantar R$ 400.000,00 em uma semana porque o credor dele e esse credor, lhe dizendo que essa dívida estava vencida há três meses e não é paga. O credor diz que não vai esperar mais e, até segunda-feira, deve lhe pagar, senão no dia seguinte será requerido sua falência. O devedor entra em estado de desespero, se vendo na situação de ter que levantar R$ 400.000,00 em uma semana. A única coisa que o devedor tem é um apartamento que vale R$ 800.000,00. O primeiro comprador que aparece diz que paga apenas R$ 400.000,00. O devedor pensa que esse é exatamente o valor que ele precisa e, em meio ao desespero, acaba vendendo aquele apartamento pela metade do preço de mercado.

O CC/2002 se pauta, dentre os novos princípios que adota, no Princípio da Justiça Contratual ou Princípio do Equilíbrio nas Prestações. Com base nesse princípio, o legislador não vai acertar essa desproporção porque temos a situação de um sujeito que está entregando um apartamento que vale R$ 800.000,00 e está recebendo só R$ 400.000,00. O legislador diz que esse sujeito sofreu lesão (vício do consentimento que resulta em anulação) e, assim, ele pode pleitear a anulação deste negócio em um prazo de 4 anos, manejada a ação anulatória.

Requisitos:

a) Subjetivo: premente necessidade ou inexperiência. Premente necessidade foi o exemplo dado. Inexperiente seria somente o inculto, o ignorante? Não. A inexperiência, segundo a doutrina, deve ser interpretada da maneira mais ampla possível, porque a inexperiência que se exige é a inexperiência para o ato da contratação em si. Até quem tem formação jurídica pode ser que, para fazer aquele contrato especificamente, manifeste uma inexperiência.

b) Objetivo: desproporção das prestações. Foi dado um exemplo de prestações desproporcionais em que o indivíduo vendeu o apartamento dele pela metade do preço. Para dizermos que há prestação desproporcional, tem que ser 8 www.g7juridico.com.br

somente nesse caso em que tenha se vendido pela metade do preço? Não. O legislador, no art. 157 do CC, não traz um percentual, uma fração do que seja considerado desproporção e o juiz do caso concreto é quem vai avaliar se aquelas prestações daquele caso concreto devem ser consideradas desproporcionais.

Enunciado nº 410, CJF: “A inexperiência a que se refere o art. 157 não deve necessariamente significar imaturidade ou desconhecimento em relação à prática de negócios jurídicos em geral, podendo ocorrer também quando o lesado, ainda que estipule contratos costumeiramente, não tenha conhecimento específico sobre o negócio em causa.”

Art. 157, CC. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

Vamos imaginar que aquela venda tenha ocorrido no ano de 2020. A parte prejudicada, o lesado ou lesionado, tem um prazo decadencial de 4 anos para reclamar a anulação. Essa pessoa que foi lesada ajuíza ação anulatória em 2022, estando dentro do prazo. Nesse ínterim, de 2020 a 2022, ao lado daquele apartamento foi construído uma penitenciária. Se esse apartamento, em 2020 valia R$ 800.000,00 em 2022 ele realmente já estava valendo a metade do preço ou menos. O lesado ajuíza a ação anulatória quando o apartamento já tinha sofrido uma queda enorme no seu valor.

➢ Será que essa desvalorização do imóvel pode ser alegada pela outra parte para afastar a pretensão anulatória da pessoa lesada? Não. A outra parte não pode chegar diante do juiz e dizer que o lesado não deveria estar reclamando porque naquela época valia R$ 800.000,00 e ele pagou R$ 400.000,00 sendo que hoje ele realmente vale só R$ 400.000,00 porque o que vai interessar são os valores à época em que o negócio foi celebrado, conforme o § 1º do art. 157:

§ 1º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.

Não interessa se o bem veio a se valorizar ou a se desvalorizar no futuro, o que interessa são os valores à época em que o negócio foi celebrado. Voltando no exemplo em que o apartamento foi vendido pela metade do preço porque o indivíduo estava desesperado para pagar um credor e foi ajuizada a ação anulatória dentro do prazo de 4 anos e o imóvel não sofreu nenhuma desvalorização e a outra parte que obteve a vantagem chega diante do juiz com os R$ 400.000,00 faltantes em mão, corrigidos monetariamente e oferece essa diferença ao lesado. ➢ Se a outra parte oferecer a diferença que faltava, mesmo assim caberá anulação do negócio? Não mais:

§ 2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.

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Esse § 2º do art. 157 foi inspirado por um princípio, o Princípio da Conservação ou Preservação do Negócio Jurídico. Se der para conservar, vamos conservar esse negócio. Se a outra parte estiver oferecendo a diferença que faltava, não caberá mais anulação.

O Princípio da Conservação decorre de um princípio maior ainda, que é o Princípio da Função Social. Deve ser preservado o negócio sempre que possível porque, aquele negócio, aquele contrato, foi feito e programado para desempenhar uma função social. Se, na primeira dificuldade, já extinguimos o contrato, ele não vai conseguir desempenhar a função social pela qual ele foi programado.

Enunciado nº 149, CJF: Em atenção ao princípio da conservação dos contratos, a verificação da lesão deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial do negócio jurídico e não à sua anulação, sendo dever do magistrado incitar os contratantes a seguir as regras do art. 157, § 2º, do Código Civil de 2002.

Enunciado nº 291, CJF: Nas hipóteses de lesão previstas no art. 157 do Código Civil, pode o lesionado optar por não pleitear a anulação do negócio jurídico, deduzindo, desde logo, pretensão com vista à revisão judicial do negócio por meio da redução do proveito do lesionador ou do complemento do preço.

5) ESTADO DE PERIGO (Art. 156, CC)

- Conceito: o estado de perigo ocorre quando uma pessoa assume uma obrigação excessivamente onerosa para salvar uma vida. No estado de perigo também temos uma pessoa desesperada, mas é uma pessoa desesperada para salvar uma vida. No que ela está desesperada para salvar uma vida, ela assume uma obrigação excessivamente onerosa.

➢ Exemplo clássico mencionado nos manuais é o daquele sujeito que está nadando em um mar e começa a se afogar. Passa um indivíduo em uma lancha e quem está se afogando grita desesperadamente precisando que sua vida seja salva e o rapaz da lancha diz que depende, perguntando o que será feito por ele. Quem está se afogando diz que tem um carro muito bom e, se o outro lhe salvar, ele vai dar lhe dar o carro. Assim é feito o salvamento.

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A pessoa que estava se afogando fez uma promessa de recompensa, um negócio jurídico. Esse negócio jurídico poderá ser anulado naquele prazo de 4 anos, a pedido de quem estava se afogando porque ele celebrou aquilo apenas para salvar sua própria vida, porque ele estava desesperado e, no meio daquele desespero, seria capaz de assumir qualquer obrigação. Mais uma vez, o Princípio da Justiça Contratual condena esse negócio que foi feito nesses termos. ➢ Exemplo: em portas de hospital, quando existe uma mulher desesperada na porta daquele hospital, com seus familiares morrendo e pede a todos ali que atendam o seu marido, se não ele vai morrer ali na porta do hospital e alguém do hospital exige que essa mulher assine um contrato, cuja diária de UTI eram R$ 500.000,00 por dia. No desespero, a mulher sequer percebe isso e assina, assumindo aquela obrigação para salvar a vida do marido. Habitualmente, o médico cirurgião cobra R$ 10.000,00 por aquela cirurgia, mas, ele vendo que a mulher está desesperada, cobra R$ 100.000,00 para fazer aquela cirurgia já no dia seguinte. A mulher assina aquele contrato.

Nessas situações, temos uma pessoa que está desesperada para salvar a vida de alguém e, para isso, acaba assumindo aquela obrigação excessivamente onerosa, agindo em estado de perigo. Esses contratos são anuláveis no prazo de 4 anos. Quando falamos de salvar vida, pode ser salvar a própria vida, alguém da família ou até para salvar terceiro, por solidariedade social.

Nos casos em que o intuito é salvar terceiro, o parágrafo único do art. 156 diz que o juiz do caso concreto deve avaliar a situação para verificar se no caso houve mesmo hipótese de estado de perigo, a fim de se anular ou não aquele negócio. Além disso, para que se configure o estado de perigo, é imprescindível a presença de um elemento chamado de dolo de aproveitamento.

Dolo de aproveitamento se traduz na má-fé da outra parte que sabe do desespero da outra pessoa e se aproveita dele, que é exatamente o caso do hospital, em que seus funcionários sabem que aquela mulher está desesperada e que ela é capaz de fazer qualquer coisa para salvar aquela vida. O rapaz que está em cima da lancha também age com dolo de aproveitamento, porque se aproveitou do desespero de quem estava se afogando para celebrar o negócio. A má-fé da outra parte, consubstanciada nesse dolo de aproveitamento, é um requisito imprescindível no estado de perigo.

Mas o dolo de aproveitamento não foi mencionado na lesão do art. 157 do CC. Na lesão, pelo Código Civil, não se exige o dolo de aproveitamento, podendo ser que o beneficiário soubesse ou não. Para a lesão somente se precisa daqueles dois requisitos: pessoa sob premente necessidade ou movida por inexperiência, que assume um negócio cujas prestações são desproporcionais. Já no estado de perigo, é imprescindível a presença do dolo de aproveitamento.

Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.

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Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.

O dolo de aproveitamento, como requisito para que se configure o estado de perigo, está no caput na expressão “de grave dano conhecido pela outra parte”. A outra parte tem que saber do desespero. Há uma outra diferença marcante da lesão para o estado de perigo, porque, em ambos os vícios temos uma pessoa desesperada que faz um péssimo negócio. Só que a grande diferença é o porquê essa pessoa faz esse péssimo negócio.

Na lesão, o desespero era para resolver um problema financeiro, para pagar um credor porque senão o credor iria requerer sua falência, por exemplo. Já no estado de perigo, a pessoa está desesperada para salvar uma vida, sendo um desespero humanitário.

O § 2º do art. 157 é o artigo do Código Civil que traz a possibilidade de revisão do negócio, de a outra parte oferecer a diferença que faltava para se conservar o negócio. No seguinte enunciado do CJF, temos a possibilidade de se aplicar esse dispositivo que é próprio da lesão ao estado de perigo.

Isso teria cabimento naquela hipótese em que, no exemplo daquela mulher que pagou R$ 100.000,00 pela cirurgia que habitualmente tem o valor de R$ 10.000,00. Nesse caso, se simplesmente for anulado esse negócio, haverá um enriquecimento ilícito em favor daquela mulher. Por isso, esse enunciado diz que não deve simplesmente se anular o negócio, que deve ser revisado esse negócio, considerando o valor habitualmente cobrado pelo médico – R$ 10.000,00.

Enunciado nº 148, CJF: Ao “estado de perigo” (art. 156) aplica-se, por analogia, o disposto no § 2º do art. 157.

Uma questão de uma prova da magistratura envolvendo esse tema e, depois foram verificar, que era a cópia de um trecho do livro da professora Maria Helena Diniz. A questão dizia que uma mulher teve o filho sequestrado e o sequestrador cobrou a título de resgate R$ 10.000,00. Essa mulher, desesperada, não tinha os R$ 10.000,00 e se lembrou que ela tem uma joia rara de família no valor de R$ 50.000,00. Então, ela se dirige a um joalheiro e lhe conta toda a situação, que seu filho foi sequestrado e o sequestrador lhe pediu R$ 10.000,00 a título de resgate e ela não tem esse dinheiro, por isso está oferecendo essa joia ao joalheiro.

O joalheiro diz que dá R$ 10.000,00 por aquela joia e é feito aquele negócio. A mulher vende a joia de R$ 50.000,00 por R$ 10.000,00. O que houve nesse caso concreto, lesão ou estado de perigo? Foi estado de perigo porque essa mulher estava desesperada para salvar uma vida, ainda que ela precisasse de dinheiro para tanto. O dinheiro era para salvar uma vida. No enunciado da questão, deixou-se bem claro a presença do elemento do dolo de aproveitamento, porque o joalheiro sabia do desespero dessa mulher em relação ao sequestro do filho dela.

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Vícios Sociais

Embora trataremos da simulação como vício social, parte da doutrina vai entender que a simulação, no Código Civil de 2002, deixou de ser vício social. Mas isso é um posicionamento minoritário. Então, por isso e por razões didáticas, estudaremos o que tem prevalecido, que temos dois vícios sociais: a fraude contra credores e a simulação.

1) Fraude contra credores (arts. 158/165, CC)

Princípio da Responsabilidade Patrimonial: por esse princípio, responderá pelas dívidas do devedor o seu patrimônio. Então, se alguém deve e não paga, não responderá com seu corpo porque, em regra, no nosso país, não existe prisão por dívida civil. O que vai responder pelas dívidas é o patrimônio, se tiver. Esse princípio está mencionado no CC no art. 391.

Art. 391, CC. “Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.”

➢ Exemplo: imagine que um devedor tem vários credores e decide que não quer pagar nenhum de seus credores. O patrimônio desse devedor responderá pelas suas dívidas. Mesmo tendo patrimônio, nem assim esse devedor quer pagar, então decide dilapidar seu próprio patrimônio, doando o carro que tem ao irmão, vender a fazenda que tem ao primo, etc. Na hora que chegar um oficial de justiça às portas do devedor, ele dirá que não tem nenhum bem. Quando um devedor age assim, ele atua em fraude contra os seus credores.

Conceito: a fraude contra credores ocorre quando o devedor pratica atos de disposição patrimonial para frustrar um futuro recebimento de um crédito. Não se confunde a fraude contra credores, instituto do Direito Civil, com a fraude à execução, que pertence ao processo civil. Fraude à execução está prevista no art. 792 do CPC.

Na fraude contra credores, temos um devedor que dilapida o seu patrimônio para que o credor dele não receba o pagamento. Analisando o Código Civil, quais são as hipóteses que teremos, na Parte Geral, sobre fraudes contra credores?

Hipóteses de fraude contra credores:

a) Fraude a título gratuito: imagine que o devedor comece a dilapidar seu patrimônio, começando a dar coisas para os outros, fazendo contratos de doação ou esse devedor é, em outra relação jurídica, credor de alguém e perdoa essa dívida com o intuito de prejudicar os credores que ele tem, praticando atos de remissão.

Art. 158, CC: “Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.”

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b) Fraude a título oneroso: aqui, ao invés de o devedor começar a dar as coisas dele para os outros, ele começa a vender.

Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante.

c) Pagamento de dívida ainda não vencida: a devedora tem três credores – credor 1, credor 2 e credor 3. Essa devedora tem um pouco de dinheiro para pagar os credores. A dívida referente aos credores 1 e 2 já se venceram. A dívida do credor 3 não se venceu ainda e a devedora é “mais amiga” desse credor 3. A devedora, vendo que só tem dinheiro para pagar um e decide pagar a dívida ainda não vencida. O credor 3 que recebeu o pagamento de sua dívida que ainda não estava vencida terá que devolver isso que ele recebeu.

Art. 162, CC: “O credor quirografário, que receber do devedor insolvente o pagamento da dívida ainda não vencida, ficará obrigado a repor, em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores, aquilo que recebeu.”

d) Concessão de garantias a credor quirografário: o devedor tem 4 credores – credor 1, credor 2, credor 3 e credor 4. Todos esses credores são quirografários, ou seja, são credores que não têm garantia nenhuma, sendo os últimos na fila para receber. Sabemos que, em um eventual concurso de credores, tem uma ordem que deve ser seguida. O credor quirografário está no final, recebendo o “que sobrar e se sobrar”. Quirografário vem de “quir”, que significa mão. Esse credor tem apenas um aperto de mãos, não tem garantia alguma.

Imagine que o devedor tenha 4 credores, todos credores quirografários. Contudo, o devedor é mais amigo do credor 4 e esse devedor tem como patrimônio a casa em que reside, bem de família, impenhorável e uma fazenda. O devedor percebe que essa fazenda vai ser destinada à satisfação dos credores.

Assim, o devedor decide dar essa fazenda em garantia ao credor 4. O credor 4 passa a ser credor titular de uma garantia real, passando para uma posição de prioridade, de privilégio e quando for haver o pagamento, aquela fazenda vai para o credor 4, amigo do devedor e os demais credores não receberão nada.

Art. 163, CC: “Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor.”

Não há configuração de fraude contra credores: é uma exceção em que temos um devedor que vai ter que dispor de alguma coisa, mas que não configura fraude contra credores. Imagine que o sujeito é devedor insolvente e tem um pequeno armazém no bairro dele, onde pratica a atividade de venda de mercadorias. A disposição rotativa daquele estoque representa fraude contra credores? Não, aquilo é o trabalho do devedor. Em um dia de desespero, para pagar a matrícula do filho dele na escola, ele vendeu uma máquina de cortar frios do armazém dele.

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Art. 164, CC: “Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família.” ↓ Teoria do Patrimônio Mínimo

O legislador está preocupado com esse devedor, dizendo que aquilo que ele vai dispor não representa ato em fraude contra credores. Na verdade, o que vai inspirar esse art. 164 é a Teoria do Patrimônio Mínimo, do Ministro Fachin, em que todo mundo deve ter um mínimo de patrimônio para que possa viver com dignidade.

Na medida em que o legislador traz o art. 164 protegendo o devedor que vai ter que dispor de bens, mas para a sua subsistência, o legislador o faz em homenagem à Teoria do Patrimônio Mínimo. O professor Flávio Tartuce amplia essa perspectiva, nos trazendo a Teoria do Patrimônio Mínimo Empresarial.

Requisitos simultâneos da fraude contra credores:

✓ Insolvência do devedor ou iminência de se tornar insolvente com aquele ato de disposição patrimonial. Insolvente é aquele que deve mais do que tem, aquele cujo passivo supera o ativo. Ele tem mais dívidas do que patrimônio. Não basta termos no problema de prova um devedor que disponha do seu patrimônio, tem que ser um devedor insolvente que disponha de seu patrimônio ou que esteja na iminência de se tornar insolvente com aquele ato de disposição patrimonial.

Se o indivíduo tem um milhão de reais em patrimônio e deve R$ 200.000,00. Ele é devedor, mas é solvente. Ele vende um carro que tem, no valor de R$ 50.000,00. Isso não é fraude contra credores, porque, para ser fraude contra credores, o devedor que dispõe tem que ser um devedor insolvente ou na iminência de se tornar insolvente com aquele ato de disposição patrimonial.

Contudo, se o sujeito tem um milhão em patrimônio, mas dois milhões de dívidas, ele é devedor insolvente. Nesse patrimônio de um milhão, ele tem um carro de R$ 50.000,00 e resolve vender esse carro. Isso será fraude contra credores, porque ele é devedor insolvente.

✓ Eventus damni: essa é uma expressão latina que significa evento danoso. É óbvio que quando aquele devedor insolvente dispõe daquele bem, ele causa um dano. Sobrevém um dano para a figura do credor.

✓ Consilium fraudis: essa é uma expressão latina que se traduz no conluio fraudulento, que deverá existir entre o devedor que dispõe do bem e o outro que com ele faz o negócio. Vale notar que esse consilium fraudis é presumido em algumas situações: na fraude a título gratuito (art. 158), no pagamento de dívida ainda não vencida (art. 162) e na concessão de garantia (art. 163). 15 www.g7juridico.com.br

Ação Pauliana ou Revocatória

A ação em que se busca a anulação daquele ato de fraude contra credores não é a ação anulatória, a ação cabível é a ação pauliana ou revocatória. Deve ser manejada no prazo de 4 anos, conforme diz o art. 178 do CC.

Legitimidade ativa: ➢ Credor quirografário. ➢ Credor titular de garantia (se a garantia se tornar insuficiente – art. 158, §1º, CC). Em princípio, um credor titular de garantia real não precisa manejar a ação pauliana porque, se ele é titular de uma garantia real (credor hipotecário ou credor pignoratício), existe no caso concreto o instituto da sequela, isto é, ele pode perseguir o bem para sua satisfação enquanto credor.

Todavia, o CC/2002 traz uma situação excepcional, em que o credor titular de uma garantia real teria legitimidade ativa. O credor titular de garantia real pode manejar essa ação pauliana se a garantia que foi dada a ele se tornar insuficiente.

Art. 158, § 1º, CC: “Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente.”

Legitimidade passiva (art. 161, CC) ➢ Devedor; ➢ A pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta; ➢ Terceiro adquirente (má-fé).

Art. 161. “A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.”

Quando o art. 161 menciona esse terceiro adquirente de má-fé, na verdade se trata do terceiro subadquirente, que é o terceiro na cadeia. Contra ele, todavia, apenas poderá ser manejada essa ação se esse terceiro subadquirente tiver agido com má-fé.

A doutrina nos diz que o que há, nessa hipótese, é um litisconsórcio passivo necessário, apesar da menção no art. 161 de que a ação “poderá ser intentada”. A doutrina diz que esse “poderá” tem que ser lido como um “deverá”.

2) Simulação (art. 167, CC)

Logo quando entrou em vigor o Código Civil, houve uma discussão na doutrina se simulação continuaria a ser vício social ou não. Alguns doutrinadores se manifestaram no sentido de que a simulação não deveria mais ser vício social porque a 16 www.g7juridico.com.br

simulação, enquanto que no CC/1916, induzia a um negócio anulável, o legislador do CC/2002 analisa o negócio simulado com olhos mais gravosos, impondo uma sanção de negócio nulo e não somente anulável. É o único vício apenado com essa nulidade absoluta, mais gravosa.

- Conceito: simulação é o intencional desacordo entre a vontade manifestada e o seu resultado.

- Exemplo: imagine que um sujeito seja casado, porém ele tem uma amante. Esse sujeito quer doar bens para a amante dele. A pessoa casada pode doar bens à sua amante? Não. Isso está no art. 550 do CC1. Se uma pessoa que é casada doa bens ao amante, esse negócio, de acordo com o art. 550 do CC, é anulável. Mas, esse sujeito é muito esperto e sabe desse art. 550. Assim, ele tem a ideia de vender os bens à amante, porque esse dispositivo trata somente da doação. Como ele não pode doar, decide simular uma compra e venda. Essa compra e venda é um ato simulado e, portanto, nula, porque o negócio simulado é nulo no CC/2002.

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

Para entendermos a redação desse art. 167, teremos que dissecar esse artigo, porque, quando aquele homem casado que não poderia doar bens à amante, simulou um contrato de compra e venda, ao analisarmos detidamente isso, na verdade, ele praticou dois atos.

O primeiro ato que ele praticou é um ato real ou dissimulado. Ato real ou dissimulado é aquilo que o sujeito esconde, é o que ele realmente fez. No exemplo, o sujeito não podia mostrar a doação, então ele esconde essa doação, mostrando para a sociedade uma compra e venda. A doação à amante é o ato real ou dissimulado, sendo o que o sujeito esconde.

De acordo com a segunda metade do art. 167, quanto ao ato dissimulado, esse ato dissimulado é diferente do simulado. O dissimulado pode subsistir ou não subsistir. Ele subsistirá se ele for válido, na sua substância e na sua forma e não subsistirá se ele não for válido na sua substância e na sua forma. Nesse exemplo que temos de doação de bens feita por um homem casado à amante, essa doação não deve subsistir, porque o art. 550 do CC já proibia isso.

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Art. 550, CC. “A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.” 17 www.g7juridico.com.br

O segundo ato é o simulado. Ato simulado é aquilo que o sujeito mostra para a sociedade, aquilo que ele apresenta para a sociedade, aquilo que ele quer que as pessoas vejam. No exemplo dado, o indivíduo não podia doar, então ele faz uma compra e venda. Ele quer que a sociedade veja uma compra e venda. De acordo com a primeira metade do art. 167, é nulo o negócio jurídico simulado. Essa compra e venda é indiscutivelmente nula.

O ato simulado é sempre nulo, o ato dissimulado (que o indivíduo escondeu) poderá subsistir ou não subsistir. Subsistirá se válido for na sua substância e na sua forma. Não subsistirá se não for válido for na sua substância e na sua forma. No exemplo dado, o ato simulado foi nulo e o ato dissimulado não subsistiu, porque não era válido.

➢ Como seria a situação de ato simulado nulo e um ato dissimulado que subsista? Imagine que um sujeito vendeu uma casa com valor de um milhão de reais. O comprador vai pagar um milhão de reais, só que o comprador diz ao dono da casa que eles deveriam constar da escritura pública de compra e venda que essa casa fora vendida por R$ 600.000,00 e não por um milhão, para que o comprador possa pagar menos ITBI. O vendedor concorda. O ato simulado foi a informação falsa constante da escritura pública de compra e venda, que a casa teria sido vendida por R$ 600.000,00. Isso é nulo, devendo ser desconsiderada essa informação. O ato dissimulado é a venda de uma casa pelo valor de um milhão. Não tem problema nenhum nessa venda. Essa compra e venda vai subsistir.

Se aparecer em uma assertiva de prova que “é nulo o negócio jurídico simulado”. O simulado é sempre nulo. CERTO. O que pode subsistir ou não subsistir é o ato real ou dissimulado.

- Hipóteses (meramente exemplificativas):

§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I - Aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; ➢ O indivíduo não pode aparecer no negócio e coloca alguém para fazer o negócio por ele. Por exemplo, o tutor não pode adquirir bens de seu tutelado. Então, ele chama um amigo para comprar por ele, mas, na verdade, quem está comprando é ele. São as situações do “laranja”, do “testa de ferro”. II - Contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; ➢ É o exemplo dado do indivíduo que comprou o imóvel por um milhão de reais, mas quis fazer constar da escritura pública o valor de venda de R$ 600.000,00 simplesmente para burlar o fisco. Vale notar que, nesse exemplo, sabemos que aquela compra e venda subsiste, pelo Princípio da Preservação do Negócio Jurídico, mas é óbvio que se salvaguarda a Fazenda Pública o direito de se voltar contra a parte, exigindo a diferença do tributo (ITBI, no caso) que faltava. III - Os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

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➢ A situação é que, para negócios celebrados hoje, se deve colocar a data de hoje. Não se pode colocar uma data para trás e nem para frente, porque isso vai representar simulação quanto à data colocada no negócio.

Classificação da Simulação:

a) Absoluta: quando falamos de simulação absoluta, é aquela em que não são buscados os efeitos normais, naturais do ato. A pessoa que faz aquele ato simulado, em simulação absoluta, apenas finge praticar o ato, mas não está buscando os efeitos normais daquele ato.

➢ Exemplo: um sujeito que é casado, antevendo o fim de seu casamento, quer diminuir o monte partível para levar vantagem e tem a ideia de chamar um amigo, assinando para ele várias notas promissórias. O amigo pensa que vai se tornar credor, mas a pessoa explica que está apenas fingindo aquilo para, daqui alguns anos, quando for divorciar de sua mulher, que essas notas promissórias sejam apresentadas e o amigo “receber o pagamento”. Essa é uma simulação absoluta, porque ele não busca os efeitos normais daquele ato, que seria constituir um credor de um lado e um devedor do outro. O que ele quer é tão somente diminuir o monte partível.

b) Relativa: na simulação relativa, são buscados os efeitos do ato. Então, se o efeito normal do ato era transferir a propriedade, esse efeito é buscado. A simulação relativa se subdivide, podendo ser objetiva ou subjetiva. Simulação relativa objetiva é aquela em que o sujeito vai praticar um negócio para encobrir outro. O exemplo é o daquele homem casado que tem uma amante e, não podendo doar bens à amante, ele pratica outro ato (compra e venda), ainda que busque os efeitos daquele ato, que é a transferência da propriedade.

Já na simulação relativa subjetiva é aquela que ocorre por interposição, sendo aquela em que o sujeito não pode praticar determinado com uma pessoa e ele interpõe uma outra pessoa em seu lugar. É o famoso caso do “laranja”, o exemplo dado do tutor que, não podendo adquirir bens do seu tutelado, chama seu amigo e interpõe esse amigo no negócio, mas quem na verdade está comprando é o tutor.

Art. 167, § 2º, CC: “Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.”

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Esse § 2º do art. 167 é o único dispositivo que nos lembra do terceiro de boa-fé e o protegendo. Sabemos que o negócio jurídico simulado é nulo, mas, se estivermos naquele problema que envolve um terceiro de boa-fé, essa nulidade será afastada, justamente porque esse terceiro estava de boa-fé.

➢ Exemplo: imagine aquele homem casado que, não podendo doar bens à amante, simula com a amante um contrato de compra e venda. Até então, sabemos que essa compra e venda será nula. Mas essa amante, algum tempo depois, vendeu esse bem (um carro) para um terceiro, o João e o João não está sabendo que aquela mulher só se tornou proprietária daquele bem porque ela era amante daquele sujeito e aquele foi doado em um ato simulado de compra e venda. Esse terceiro de boa-fé, o João, ele não sabe disso. Ele vai continuar com o carro e esse negócio não será declarado como nulo. ➢ E o que a esposa desse homem casado poderia fazer, já que ela não vai conseguir alcançar a declaração de nulidade daquela compra e venda? Ela vai se voltar contra o marido e contra a amante dele, pleiteando indenização, mas declaração de nulidade não poderá ser pleiteado ante a proteção ao terceiro de boa-fé.

INVALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

Quando falamos de invalidade do negócio jurídico, estamos falando de ofensas ao plano de validade, observada a Escada Pontiana. Devemos perceber que, quando um negócio é inválido, esse negócio vai sofrer uma sanção, uma punição. Essa punição poderá ser a nulidade ou a anulabilidade, sendo essas as espécies do gênero invalidade.

1) Nulidade (Nulidade Absoluta)

✓ Conceito: é a sanção que se impõe ao negócio jurídico por conter um defeito grave. ✓ Interesse público: na nulidade absoluta, ocorre uma ofensa ao interesse público. ✓ Hipóteses: arts. 166/167, CC. O art. 167 acaba de ser estudado, tratando da simulação, que é negócio nulo. ✓ Efeitos: um negócio nulo não produz efeitos.

Imagine que foi celebrado um contrato. Lá na frente, vem uma sentença que declare essa nulidade. Os efeitos da sentença que declaram a nulidade são considerados ex tunc, isto é, esses efeitos irão retroagir fulminando tudo que ficou para trás, não sobrando nada daquele contrato. O negócio nulo não produz efeitos, portanto, porque a sentença que declarou a nulidade retroagiu no tempo destruindo tudo que ficou para trás.

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Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - Celebrado por pessoa absolutamente incapaz; ➢ Hoje, absolutamente incapaz é apenas o menor de 16 anos. Esse inciso não completa a frase, mas ele está querendo dizer que “é nulo o negócio jurídico quando celebrado por pessoa absolutamente incapaz, desde que não tenha sido representada”, porque, se ela estiver devidamente representada, não haverá problema algum. II - For ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; ➢ Objeto ilícito seria o caso de ofensa ao ordenamento jurídico (ex: o indivíduo vai fazer contrato de compra e venda de cocaína). A impossibilidade é a física, em que materialmente não pode ser cumprida (ex: compra e venda de lotes na Lua). Indeterminável é aquele objeto que se queda para todo o sempre em estado de indeterminação. III - O motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; ➢ Imagine que um indivíduo decida praticar um sequestro e que precisa de um carro bom para fazer isso. Esse sujeito se desloca a uma locadora de veículos para alugar o melhor carro que eles têm para ele realizar um sequestro e ele narra esse motivo ao atendente da locadora. O atendente diz que, para sequestro, o modelo X é ideal. No dia, o indivíduo praticou o sequestro com aquele carro que ele havia alugado. No âmbito cível, ele fez um contrato de locação. Esse contrato de locação é nulo, porque o motivo que determinou o contrato, comum a ambas as partes, era ilícito. O que vale destacar nesse inciso é que esse motivo deve ser comum a ambas as partes, porque se esse motivo não fosse comum a ambas as partes, ainda que o motivo fosse ilícito, não caberia a declaração de nulidade, como se o sequestrador não dissesse ao atendente que vai usar o carro para fins de sequestro. O motivo determinante continua ilícito, mas não era comum a ambas as partes. Nesse caso, a locadora de veículos não tem nada a ver com isso e esse negócio não será nulo, ele será válido. IV - Não revestir a forma prescrita em lei; ➢ Em muitas situações, o legislador impõe uma forma. Para se negociar imóvel de valor superior a 30 saláriosmínimos, essa negociação tem que ser feita por escritura pública. Se for feito por instrumento particular, esse negócio será nulo (art. 108 do CC2). V - For preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; ➢ A doutrina diz que esse inciso nem precisaria existir, porque estaria subsumido ao inciso IV. Solenidade nada mais é do que uma forma. Apesar de desnecessário na prática, esse inciso pode ser cobrado em provas. VI - Tiver por objetivo fraudar lei imperativa; ➢ De uma maneira geral, a doutrina vai dizer que esse inciso VI também é desnecessário, porque quando o negócio tem por objetivo fraudar a lei imperativa, isso seria um objeto ilícito do inciso II. VII - A lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção. ➢ Esse inciso traz a ideia de que o art. 166 é meramente exemplificativo, porque diz que poderão existir outras hipóteses de nulidade. Além disso, esse inciso pode ser lido em duas metades, porque ele está dizendo que o

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Art. 108, CC. “Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.” 21 www.g7juridico.com.br

negócio é nulo quando a lei taxativamente o declarar como nulo, como pela Parte Especial do Código Civil (art. 548 do CC3 - vedação à doação universal).

A segunda metade desse inciso VII do art. 166 traz ainda mais, aquilo que a doutrina chama de nulidade virtual. São aquelas situações em que o legislador não diz claramente a palavra “é nulo”, apenas se valendo de outras expressões como “é vedado”, “é proibido”, “é defeso”, “não pode”. Quando o legislador se valer dessas expressões, o legislador disse que não pode sem impor sanção, mas a sanção é a nulidade virtual, por força do art. 166, VII, 2ª metade.

➢ Exemplo: art. 426 do CC. Esse artigo diz que não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva. O pai de alguém está vivo, a filha, em tese tem direito à herança dele e passa a negociar isso. Não se pode fazer um contrato versando sobre isso. Seria o chamado pacta corvina. Ainda que esse dispositivo não imponha sanção, esse negócio é nulo, sendo um caso de nulidade virtual.

Art. 168, CC. “As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir. Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.”

Esse rol é extenso justamente porque houve ofensa ao interesse público.

Art. 169, CC. “O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.”

O negócio nulo não é suscetível de confirmação porque aquele negócio atingiu a interesse público. Imagine que alguém tenha feito contrato de compra e venda de cocaína e o juiz vai declarar a nulidade daquele contrato, mas uma das partes se manifesta querendo confirmar esse negócio, o que não será possível.

✓ Prazo: não há (art. 169, 2ª metade)

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Art. 548, CC.” É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.” 22 www.g7juridico.com.br

Não há prazo para haver a reclamação de nulidade porque esse dispositivo diz que o negócio nulo não convalesce pelo decurso do tempo. Convalescer significa se curar. O negócio jurídico nulo não se cura com o decurso do tempo, a todo tempo esse negócio continua nulo e passível de ser declarado como nulo. Isso é o que prevalece na doutrina.

Obs.: para Gustavo Tepedino, haverá um prazo de 15 (quinze) anos para se reclamar a declaração de nulidade absoluta, com base no art. 205 do CC.

2) Anulabilidade (Nulidade Relativa)

✓ Conceito: anulabilidade é a sanção que se impõe ao negócio jurídico por conter um defeito leve ou menos grave. ✓ Interesse particular: quando falamos em anulabilidade, o que ocorre é uma ofensa ao interesse particular. ✓ Hipóteses: art. 171, I e II, CC. O caput já nos traz que essas hipóteses de anulabilidade ali previstas são meramente exemplificativas, podendo existir outras situações de anulabilidade ao longo do Código Civil.

Art. 171, CC. “Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: I - Por incapacidade relativa do agente; ➢ O legislador não completou a frase. Deveria constar “por incapacidade relativa do agente sem a devida assistência”, porque se o relativamente incapaz tiver devidamente assistido, não haverá problema nenhum. Os relativamente incapazes são aqueles do art. 4º do CC. II - Por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.” ➢ A coação aqui mencionada é a moral. Se o negócio estiver inquinado por qualquer um desses vícios, esse negócio será anulável.

✓ Efeitos: há uma corrente tradicional que diz que o negócio anulável produz efeitos desde o momento em que foi feito o contrato até a sentença de anulação, pois a sentença de anulação é ex nunc, isto é, produz efeitos para frente e a partir de sua publicação. A corrente tradicional se pauta no art. 177 do CC.

Todavia, vale lembrar que há uma corrente que vamos denominar de contemporânea, que está tomando uma força enorme (Nelson Rosenvald, Humberto Theodoro, Pablo Stolze) que vão dizer que o negócio anulável não produz efeitos nenhum. Essa corrente vai dizer que a sentença que se manifesta pela anulação é como a sentença que declara a nulidade, com efeitos ex tunc devendo retroagir no tempo destruindo o que ficou para trás, de modo que aquele negócio não produzirá nenhum efeito. Essa corrente se pauta no art. 182 do CC:

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Art. 182, CC: “Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.”

Se o objetivo é devolver as partes ao estado em que antes dele se achavam, essa sentença que se manifesta pela anulação tem que voltar no tempo, destruindo o que ficou para trás. ✓ Quem poderá alegar → interessado (art. 177). É somente o interessado porque houve ofensa apenas ao interesse particular, não tendo havido ofensa ao interesse público. Não existe menção ao MP e nem ao juiz de ofício.

Art. 177, CC. “A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronuncia de ofício; só os interessados a podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade.” ✓ Possibilidade de confirmação (art. 172). O negócio anulável vai admitir a confirmação com base na ideia de que, se ele atinge interesse particular, se o particular confirmar, não existe problema nenhum nisso.

Art. 172, CC. “O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro.”

✓ Prazo: art. 178, CC → 4 anos para as hipóteses dos incisos I e II, art. 171. Nesse prazo de 4 anos, o início da contagem dos 4 anos é diverso para cada um dos casos dos incisos.

Art. 178, CC. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado: I - No caso de coação, do dia em que ela cessar; II - No de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico; III - No de atos de [relativamente] incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.

Para as demais hipóteses: 2 anos (art. 179, CC), como as da Parte Especial do Código Civil.

Art. 179, CC. “Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.”

➢ Exemplo: o art. 496 do CC diz que é anulável a venda de ascendente a descendente sem a autorização dos demais descendentes. Só será válida essa venda se eles obtiverem a autorização dos demais descendentes e do cônjuge, a depender do regime de bens. Se não tiver essa autorização, essa venda é anulável. Quando um dos filhos percebe que o pai vendeu um bem para o irmão dele sem pedir autorização para ele. O prazo que ele tem para pleitear a indenização é de 2 anos, se aplicando o art. 179 do CC. Lembrando que havia uma súmula do STF de nº 494 que trazia um prazo de 20 anos. Essa súmula caiu depois que entrou em vigor o CC/2002 e o art. 179.

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Esse prazo de 2 anos será contado a partir da data da conclusão do ato. A doutrina chegou criticando esse dispositivo porque ele diz que devemos contar o prazo a partir da conclusão do ato, mas e naquela hipótese em que o pai vendeu para um dos filhos e o outro filho somente veio a saber muitos anos depois, e já tinha passado os 2 anos da conclusão do ato? Atendendo essa situação, foi aprovado do seguinte Enunciado do CJF:

Enunciado nº 538, CJF: No que diz respeito a terceiros eventualmente prejudicados, o prazo decadencial de que trata o art. 179 do Código Civil não se conta da celebração do negócio jurídico, mas da ciência que dele tiverem.

Conversão do Negócio Jurídico Nulo ou Conversão Substancial do Negócio Jurídico Nulo

Isso só se aplica ao negócio nulo e não ao anulável. Imagine que alguém foi comprar um imóvel que valia mais do que 30 vezes o salário-mínimo. Essa compra e venda deveria ser feita por escritura pública, mas essa pessoa preteriu uma forma que a lei prescreveu e o fez por instrumento particular. Com base no art. 166, IV do CC, esse negócio é nulo.

Não se poderia confirmar esse negócio nulo, porém, o legislador permitiu, no art. 170 do CC que essa pessoa extraia elementos daquele negócio nulo, o convertendo em outro negócio que seja considerado válido. Por exemplo: transforma aquele negócio que foi feito em uma promessa de compra e venda por meio de instrumento particular (art. 462, CC4).

Art. 170, CC. “Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.”

Esse art. 170 não existia na codificação antiga e está no CC/2002. Em uma prova oral da Magistratura do TJSP já foi perguntado “o que é a conversão substancial do negócio nulo? Dê exemplo e informe qual o princípio que sustenta esse instituto”.

- Conceito: conversão do negócio nulo significa um aproveitamento de elementos de um negócio jurídico nulo em outro que seja considerado válido. Somente vale para o negócio nulo e não para o anulável, porque o anulável pode ser confirmado. O princípio que sustenta esse instituto é o Princípio da Conservação/Preservação do Negócio Jurídico.

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Art. 462, CC. “O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.” 25 www.g7juridico.com.br

MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS Direito Civil Profa. Mônica Queiroz Aula 15

ROTEIRO DE AULA

Tema 1: PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA Tema 2: RESPONSABILIDADE CIVIL I

No Código Civil de 1916, havia uma confusão entre prescrição e decadência, porque no revogado art. 178 havia a seguinte informação de que “prescreve em...” e na sequência vinham vários prazos. Todavia, dentro daquele artigo, estavam situações de prescrição, mas também situações de decadência.

Na década de 1960, Agnelo Amorim Filho escreve um artigo publicado na Revista dos Tribunais, onde ele apresenta um critério científico para distinguir a prescrição da decadência. Prescrição e decadência não são institutos sinônimos.

PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

Texto de Agnelo Amorim Filho ↓ inspira a disciplina do tema no CC/02

O Código Civil de 2002, conforme sabemos, é orientado pela diretriz da operabilidade. Essa diretriz busca a facilitação dos institutos. Então, norteado pela operabilidade, o CC/2002 absorveu em sua estrutura, em seu texto normativo aquele critério científico apresentado pelo Agnelo Amorim Filho. Para entendermos isso, devemos evoluir o estudo em etapas.

Espécies de Direitos:

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a) Direitos a uma prestação: são aqueles direitos a um bem da vida. Exemplos: o direito que alguém tem de receber uma determinada quantia em dinheiro de Fulano. O direito que alguém tem de receber uma casa. O direito que alguém tem de receber um carro.

b) Direitos potestativos: se traduzem na possibilidade que tem uma das partes de invadir a esfera jurídica alheia impondo um estado de sujeição, sendo que o outro não tem saída a não ser se submeter. Exemplos: um sujeito é casado com uma mulher, mas ele não quer mais ser casado. Ele tem o direito de colocar fim ao seu casamento. O direito que uma pessoa casada tem de colocar fim ao seu casamento é direito potestativo. O sujeito figurou no registro de uma criança como pai, mas não é o pai dele e quer negar essa paternidade. Uma pessoa assina um contrato sob coação moral, esse contrato será anulável. O pai cujo filho foi ameaçado para assinar o contrato tem o direito de anular aquele contrato, sendo um direito potestativo.

O direito que alguém que sofreu coação moral tem de anular o contrato é potestativo, mas, se além de anular, ele pretender uma indenização, isso será direito a uma prestação.

Classificações das Ações (Chiovenda) – classificação trinária:

a) Ações condenatórias: é o meio de proteção dos direitos a uma prestação.

b) Ações constitutivas/desconstitutiva/constitutiva negativa: é o meio de exercício dos direitos potestativos. Quando se quer exercitar um direito potestativo, a ação cabível será uma constitutiva. Exemplo: o sujeito é casado e não quer mais o casamento. A ação de divórcio é uma ação desconstitutiva, bem como a ação negatória de paternidade e a anulatória de contrato feito sob coação moral.

c) Ações declaratórias: é o meio de obtenção de uma certeza jurídica. Exemplo: alguém quer que o juiz declare a autenticidade de um documento. As ações declaratórias não causam intranquilidade social, insegurança jurídica e exatamente por isso não se sujeitam a nenhum prazo, nem prescricional e nem decadencial.

Os institutos da prescrição e da decadência existem porque prezamos imensamente pelos valores da segurança jurídica e da tranquilidade social. Quando falamos de ação declaratória, essa ação não causa insegurança jurídica e nem intranquilidade social. Por isso, esses institutos não se aplicam às ações declaratórias.

PRESCRIÇÃO

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João deve para Mônica R$ 1.000,00. Mônica tem o direito de receber esses R$ 1.000,00 e esse direito é um direito a uma prestação. No dia do vencimento, João não pagou, violando o direito da credora àquela prestação. Na medida em que o devedor não paga aquela prestação na data do vencimento, aqueles R$ 1.000,00 ele acaba por violar o direito de Mônica àquela prestação.

O direito a uma prestação comporta a noção de violação e foi exatamente o que aconteceu quando o devedor não pagou na data do vencimento. Nesse exato momento da violação da prestação, nasce para a credora uma PRETENSÃO que quer receber. Surge a exigibilidade. Para Mônica cobrar de João, deve manejar uma ação condenatória. Cabe uma ação condenatória e não outra ação porque o que se quer é proteger um direito a uma prestação.

É óbvio que o legislador vai trazer um prazo para a credora agir. A credora não terá o resto da vida para ajuizar a ação contra o devedor. O legislador traz segurança jurídica e tranquilidade social ao impor à credora um prazo de X anos para ajuizar essa ação condenatória e essa ação deve ser ajuizada dentro desse prazo fixado pelo legislador.

Se a credora se quedou inerte, não tendo ajuizado a ação condenatória no prazo legal, lá na frente, corrido aquele lapso temporal in albis (em branco), sem o ajuizamento da ação. Chegará um instituto chamado prescrição que colocará fim à PRETENSÃO da credora. No CC/1916, a prescrição extinguia a ação.

Para o CC/2002, prescrição extingue a pretensão e não a ação, porque a ação não pode ser extinta. A ação é um direito subjetivo público. O credor tem o direito constitucional de ajuizar a ação condenatória tardiamente, ainda que aquela ação seja fadada ao insucesso.

Art. 189, CC. “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.”

DECADÊNCIA/CADUCIDADE

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Imagine que alguém tenha dito a uma mãe que, se ela não assinar o contrato, faria mal para o filho. Com muito medo, a mãe assina aquele contrato. Ela foi coagida moralmente. Sabemos que quando há a coação moral, surge para o coagido um direito, que é o direito de anular aquele contrato. Isso é um direito potestativo, se quer anular aquele contrato.

Para aquela mãe exercitar esse direito potestativo, a ação cabível é uma ação constitutiva/desconstitutiva/constitutiva negativa. Nesse caso, será uma ação anulatória, que é uma espécie de ação constitutiva. A mãe tem um prazo para ajuizar essa ação anulatória, sendo o prazo de 4 anos para anular esse negócio conforme art. 178 do CC. Passaram-se os 4 anos e essa mãe não fez nada, não ajuizou aquela ação anulatória. Assim, ao fim do prazo de 4 anos, chega o instituto da decadência, que coloca fim ao direito potestativo.

A decadência extingue o direito potestativo. Enquanto que a prescrição extingue a pretensão, a decadência extingue o direito potestativo. Para saber se o prazo é prescricional ou decadencial, deve se analisar o direito que está atrás. Se o direito for o direito a uma prestação, o prazo será prescricional e se for direito potestativo, o prazo será decadencial.

Conclusões:

1) Estão sujeitas à prescrição → ações condenatórias 2) Estão sujeitas à decadência → ações constitutivas com prazo. Exemplo: ação anulatória, com prazo de 4 anos em casos de coação moral, exemplificativamente.

3) São perpétuas: não sujeitas nem a prazo prescricional e nem a prazo decadencial.

- As ações constitutivas sem prazo, como aquelas em que a pessoa quer exercitar um direito potestativo, mas a lei não traz prazo para tanto, como uma ação de divórcio; 4 www.g7juridico.com.br

- As ações declaratórias.

Muitos autores costumam chamar as ações perpétuas de imprescritíveis. Essa nomenclatura é encontrada em vários manuais e provas, mas a professora prefere chama-las de perpétuas porque quando dizemos que são imprescritíveis, se passa a impressão de que, se estivessem sujeitas a algum prazo, seria o prescricional, o que não corresponde à verdade.

Sabemos que uma ação de divórcio é perpétua por ser uma ação constitutiva sem prazo. Os autores vão dizer que ela é imprescritível, passando a impressão de que, se estivesse sujeita a um prazo, o prazo seria prescricional, mas o prazo seria decadencial porque ação de divórcio é ação constitutiva. O legislador também chama de imprescritível.

Art. 1601, CC: “Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.”

Regras sobre a prescrição

1) Renúncia à prescrição (art. 191, CC)

João deve à Mônica o valor de R$ 1.000,00. Isso é um direito a uma prestação que a credora tem. Chegado o dia do vencimento, João não pagou, violando o direito da credora àquela prestação. Naquele momento, nasceu para a credora uma pretensão de receber, a exigibilidade. Para tanto, ela deve manejar uma ação condenatória (meio de proteger os direitos a uma prestação). A credora tem um prazo fixado para o legislador para manejar essa ação condenatória, mas quedou-se inerte sem o ajuizamento da pretensão e ocorreu a prescrição, colocando fim à pretensão de Mônica.

Quando a prescrição se consuma, o devedor se beneficia com essa prescrição. Contudo, o devedor é um homem correto e, mesmo estando prescrita a pretensão da credora, ele foi à porta da casa dela e quis lhe pagar os R$ 1.000,00. Ainda que prescrita a pretensão, a credora pode receber e, ao passo em que o devedor paga nesses moldes, ele está abrindo mão de algo que o havia beneficiado, renunciando a prescrição.

É possível a renúncia à prescrição quando, após consumado o prazo prescricional, o devedor expressamente se manifesta no sentido de fazer o pagamento ou simplesmente paga.

Requisitos:

a) Que o prazo prescricional já esteja consumado: no exemplo dado, nasceu a pretensão da credora, ela terá um prazo X para cobrar. Corrido o prazo, prescreveu. O devedor, mesmo prescrito, quis pagar à credora. O prazo prescricional já estava consumado. Não se admite a renúncia prévia à prescrição.

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Renúncia prévia seria a hipótese de, muitos anos antes, quando as partes estavam celebrando o contrato em que João iria dever para Mônica R$ 1.000,00 e ali fosse colocada uma cláusula em que o devedor abria mão do prazo prescricional, municiando a credora a, todo tempo pelo resto de sua vida, ajuizar ação contra ele. Essa renúncia à prescrição feita de forma prévia é vedada pelo legislador.

b) Que não prejudique terceiro: o devedor pode renunciar a prescrição, mas não pode prejudicar terceiro com essa renúncia. Imagine que João tenha dois credores e dinheiro para pagar apenas um deles: a Mônica, credora 1, cuja pretensão já está prescrita e Pedro, credor 2, cuja pretensão ainda não está prescrita. O legislador vai preferir que ele pague o credor cuja pretensão não está prescrita. Contudo, imagine que João pague a Mônica. Ele está renunciando à prescrição, mas está prejudicando a terceiro, o credor 2 cuja pretensão não está prescrita.

Em síntese, é possível a renúncia à prescrição. Só pode renunciar a algo quem se beneficia desse algo, ou seja, quem se beneficia da prescrição é o devedor. O devedor pode renunciar à prescrição desde que o prazo prescricional já esteja consumado e desde que não cause prejuízo a terceiro.

Expressa é quando o devedor se manifesta expressamente no sentido de que quer pagar, ainda que prescrita a pretensão da credora. É possível ainda a renúncia tácita, ocorrendo quando o devedor pratica atos incompatíveis com a prescrição. Por exemplo, ele não se manifesta expressamente que quer pagar a credora, mas chega na porta da casa dela com um saco de dinheiro e lhe entrega. Isso é uma renúncia à prescrição, de forma tácita.

Art. 191, CC. “A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.”

2) Momento de alegação

No mesmo exemplo de João ser devedor de R$ 1.000,00 da credora Mônica em que a pretensão prescreveu e o devedor se beneficiou. Mesmo estando prescrita a pretensão, Mônica resolveu ajuizar a ação tardiamente. A ação é um direito subjetivo público e, mesmo sendo uma ação fadada ao insucesso, pode ser ajuizada.

É claro que o devedor vai alegar ao juiz que está prescrita a pretensão da credora. Durante o curso processual, qual o momento o devedor deve alegar a prescrição? O ideal é se manifestar o tão logo quanto possível, como nas preliminares 6 www.g7juridico.com.br

de mérito da contestação. Contudo, imaginemos que o devedor só alegue essa prescrição em grau de recurso, na apelação. O devedor pode alegar prescrição em grau de recurso, porque o art. 193 do CC nos diz:

Art. 193, CC. “A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita.” ➢ Sabemos que esse devedor pode alegar a prescrição em qualquer grau de jurisdição, mas e pela primeira vez? Ele poderia alegar a prescrição pela primeira vez em grau de RE ou REsp? Não. Sabemos que o Código Civil no art. 193 está falando que ele pode alegar em qualquer grau de jurisdição, porém, pela primeira vez em grau de RE ou de REsp, ele não poderá alegar porque esses são recursos que exigem o prequestionamento, isto é, aquela questão deve ter sido ventilada e decidida em instância inferior.

3) Suprimento de ofício (Arts. 332, § 1º e 487, II, CPC)

Logo quando entrou em vigor o CC/2002, em janeiro de 2003, ele trazia um art. 194 que dizia que “o juiz não poderia suprir de ofício a alegação de prescrição, salvo para favorecer o absolutamente incapaz”. No ano de 2006, esse artigo foi revogado, deixando a matéria exclusivamente para o CPC, que à época valia o CPC/1973. E o CPC/1973 dizia que o juiz deveria suprir de ofício a alegação de prescrição, também por meio da Lei n. 11.280/2006 que revogou o art. 194 do CC.

Com o advento do CPC/2015, foi mantida a ideia de que o juiz deve suprir de ofício a alegação de prescrição, conforme os seguintes dispositivos:

Art. 332, § 1º, CPC. “O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição.”

Art. 487, CPC. Haverá resolução de mérito quando o juiz: (...) II - Decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;

Discussão: prescrição é matéria de ordem pública? - Sim (Maria Helena Diniz, Nelson Nery, Roberto Senise Lisboa) - Não (Nelson Rosenvald, Cristiano Chaves, José Fernando Simão) Esses autores que dizem que prescrição não é matéria de ordem pública o fazem porque a prescrição diz respeito a interesse patrimonial e interesse patrimonial é matéria de ordem privada.

O candidato deve levar à prova o que está no CPC/2015, que o juiz deve suprir de ofício e não é só para favorecer absolutamente incapaz, é em qualquer situação. Para uma prova aberta, uma prova dissertativa é diferente. Se o

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examinador perguntar acerca de suprimento de ofício, ele quer mais informações, quer saber o que está no CPC/2015, como foi a evolução histórica e essa discussão doutrinária.

➢ Como conciliar o dispositivo que nos diz que deve haver o suprimento da alegação de prescrição com essa possibilidade de o devedor pagar, renunciando a prescrição? O entendimento trazido pela doutrina e que tem sido aplicado pelos tribunais é o de que o juiz deve suprir de ofício, só que antes de ele suprir de ofício a alegação de prescrição, o juiz deve ouvir as partes, porque, muitas vezes, o devedor pode querer pagar aquela dívida e renunciar a prescrição.

Enunciado 295, CJF: A revogação do art. 194 do Código Civil pela Lei n. 11.280/2006, que determina ao juiz o reconhecimento de ofício da prescrição, não retira do devedor a possibilidade de renúncia admitida no art. 191 do texto codificado.

Enunciado nº 581, CJF: Em complemento ao Enunciado 295, a decretação ex officio da prescrição ou da decadência deve ser precedida de oitiva das partes.

4) Causas impeditivas, suspensivas e interruptivas da prescrição

Naquele mesmo exemplo de João devendo R$ 1.000,00 para Mônica, não paga, violando o direito à prestação da credora e surge para ela a pretensão de receber, começando a fluir o prazo prescricional para ajuizamento da ação condenatória. No curso desse prazo prescricional, acontece alguma coisa que segura esse prazo prescricional de alguma maneira, de tal modo a esse prazo voltar a correr adiante.

Isso será bom para a credora porque o prazo prescricional aumenta para ele ajuizar aquela ação condenatória. Todas essas causas beneficiam ao credor. Essas causas não são sinônimas, são distintas, ainda que todas beneficiem o credor, impedindo o prazo prescricional de fluir.

→ Impeditivas: impede o prazo de começar a correr. → Suspensivas: o prazo já começou a correr e algo o segura. Se a causa é suspensiva, o prazo vai voltar a correr de quando ele parou. O prazo era de 5 anos, no terceiro ano acontece uma causa de natureza suspensiva. Lá na frente, esse prazo vai voltar a correr do terceiro ano em diante. → Interruptivas: o prazo já começou a correr e algo o segura. Quando esse prazo voltar a correr, ele volta a correr do zero. A causa interruptiva zera o prazo prescricional. Se o prazo prescricional era de 5 anos e no terceiro ano acontece uma causa de natureza interruptiva. Quando esse prazo voltar a correr, ele não volta do terceiro ano em diante e sim do primeiro ano.

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Causas impeditivas ou suspensivas da prescrição

O legislador subdivide essas causas em três artigos, apesar de os caputs serem praticamente idênticos, porque o que motiva cada artigo é um motivo diferente.

Art. 197 – Causas subjetivas bilaterais (envolve os dois sujeitos)

Art. 197, CC. Não corre a prescrição: I - Entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal; → Enunciado 296, CJF (união estável). ➢ Credor e devedor, nessa hipótese, são marido e mulher. A mulher emprestou ao marido R$ 10.000,00 e no dia do vencimento ele não pagou. Sabemos que ele violou o direito dela de receber aquela prestação, nasceu para ela uma pretensão e ela tem que, em princípio, correr para ajuizar a ação. Esse inciso assegura que não vai prescrever porque não corre prescrição entre cônjuges, na constância da sociedade conjugal. Esse prazo prescricional começaria a correr finda a sociedade conjugal, com a separação de direito ou com o divórcio. É uma causa impeditiva, porque o vencimento se deu depois que eles já eram casados e, por isso, o prazo sequer saiu do lugar. ➢ Esse inciso poderia funcionar como causa suspensiva se uma moça emprestou a seu noivo R$ 10.000,00. Antes do casamento, chegou o vencimento e o noivo não pagou. Entre noivos, corre prescrição, que virá a se suspender com o casamento, porque o prazo já havia começado a correr e o casamento o segurou. Esse prazo voltará a correr se eles colocarem fim à sociedade conjugal no futuro.

II - Entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar; ➢ O pai deve pensão alimentícia ao seu filho e não pagou naquele mês. Não corre prazo prescricional, porque não corre a prescrição entre ascendentes e descendentes durante o poder familiar. Começará a correr findo o poder familiar. As hipóteses de extinção do poder familiar estão no art. 1.635 do CC1, como a maioridade.

III - Entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela. ➢ Credor e devedor, nessa hipótese, podem ser o tutor e seu tutelado, curador e seu curatelado. Enquanto estiver valendo a tutela ou a curatela, não correrá a prescrição entre eles.

Enunciado 296, CJF: Não corre a prescrição entre os companheiros, na constância da união estável.

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Art. 1.635, CC. Extingue-se o poder familiar: I - Pela morte dos pais ou do filho; II - Pela emancipação, nos termos do art. 5 o , parágrafo único; III - Pela maioridade; IV - Pela adoção; V - Por decisão judicial, na forma do artigo 1.638. 9 www.g7juridico.com.br

Flávio Tartuce diz que a separação de fato não seria suficiente. Todavia, o STJ entende de forma diferente. REsp 1.777.769 – SP (2019): A separação de fato por tempo razoável mitiga a regra do art. 197, I, do Código Civil de 2002.

Art. 198 – Causas subjetivas unilaterais (um dos envolvidos)

Art. 198, CC. Também não corre a prescrição: I - Contra os incapazes de que trata o art. 3º; ➢ No art. 3º, temos os absolutamente incapazes e, depois da entrada em vigor do Estatuto da Pessoa Com Deficiência, é considerado absolutamente incapaz apenas o menor de 16 anos. Em suma, não corre prescrição contra o menor de 16 anos. É uma proteção que alcança somente o absolutamente incapaz, não alcançando o relativamente incapaz. Imagine que o credor seja um menino de 14 anos, sendo dono de um apartamento que herdou da mãe dele. Como ele tem capacidade de direito, ele pode ser dono do apartamento. Então, ele resolveu alugar para João aquele apartamento, ele pode fazer aquele contrato de locação devidamente representado pelo pai. João começou a pagar os aluguéis direitinho, mas depois ele parou de pagar. O credor tem apenas 14 anos, sendo absolutamente incapaz. O devedor violou o direito dele, mas não corre prazo prescricional contra o credor. Começará a correr prescrição em relação a esse exemplo quando ele completar 16 anos e ele se tornar relativamente incapaz e contra relativamente incapaz corre prescrição.

II - Contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios; ➢ É o indivíduo que está fora do país trabalhando no serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios. Não corre prescrição contra ele até mesmo em virtude da dificuldade que essa pessoa que está no exterior teria de paralisar suas atividades profissionais a fim de regressar ao Brasil somente para ajuizar aquela ação. Não podemos confundir esse ausente do país previsto neste inciso com aquele ausente que estudamos nas primeiras aulas de Parte Geral do CC. A legislação nada fala sobre ele, mas existe um enunciado da CJF:

Enunciado 156 da CJF: Desde o termo inicial do desaparecimento, declarado em sentença, não corre a prescrição contra o ausente. III - Contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.

Art. 199 – Causas objetivas ou materiais

Art. 199, CC. Não corre igualmente a prescrição: ➢ A doutrina vai dizer que esse artigo é desnecessário porque ele traz situações em que nem pretensão o credor tem ainda. Sabemos que para começar a correr prescrição, tem que ser violado o direito e assim nasce a pretensão.

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I - Pendendo condição suspensiva; ➢ Imagine que Mônica diga a João que lhe dará um carro se a Maria se casar. O casamento de Maria é uma condição suspensiva que foi colocada naquele contrato de doação. Ainda não nasceu pretensão para João quando essa doação foi celebrada, ainda não está correndo prazo prescricional. Apenas com o implemento da condição suspensiva, não se cumprindo com a obrigação, é que nascerá a pretensão para João e começará a correr o prazo prescricional.

II - Não estando vencido o prazo; ➢ Esse é o prazo para o devedor pagar a dívida, o prazo que consta do contrato, da convenção. Imagine que João deve R$ 1.000,00 para Mônica. Se ainda não chegou o vencimento da dívida, não podemos dizer que João violou um direito da credora e nasceu para ela uma pretensão.

III - Pendendo ação de evicção. ➢ Evicção é um instituto do Direito Contratual, previsto nos arts. 447/457 do CC e, se fôssemos resumir evicção em uma palavra, essa palavra seria “perda”. Se adquire alguma coisa de alguém e vem a perder essa coisa para um terceiro seja em virtude de uma sentença judicial ou até mesmo de uma decisão de apreensão administrativa, conforme traz o STJ há anos. O evicto vai se voltar contra o alienante, contra o indivíduo que lhe vendeu o bem. Há um prazo para tanto, mas não correrá prazo prescricional pendendo a ação de evicção. Enquanto não for decidido aquilo como uma evicção, não corre prazo prescricional para o evicto se voltar contra o alienante e reclamar os seus direitos.

Art. 200

Esse artigo 200 faz um link com o Direito Processual Penal, porque ele cogita de uma situação em que o comportamento de uma pessoa pode repercutir na esfera cível e também vir a repercutir na esfera criminal.

➢ Exemplo: um sujeito xingou, desqualificou e acabado com Mônica. Ela pensa que sofreu uma ofensa, um dano moral e houve ofensa aos seus direitos da personalidade, desejando obter uma reparação civil. Isso pode ser reclamado na esfera cível, mas ela ainda não ajuíza essa ação. Mas, além disso, esse sujeito cometeu um crime de injúria, porque ele atingiu a dignidade e o decoro de Mônica. Ela se dirige a uma delegacia pedir a instauração de um inquérito que vai resultar em um processo. Essa questão está sendo discutida no âmbito criminal, mas isso vai demorar. No âmbito cível, o prazo para se reclamar reparação civil é de 3 anos. A ação criminal já dura 8 anos.

➢ Está correndo a prescrição no âmbito civil? O art. 200 vai dizer que não correrá o prazo porque temos uma ação que está acontecendo no âmbito criminal e só depois da sentença definitiva dessa ação no âmbito criminal é que vai correr o prazo prescricional do âmbito cível. Cuidado com a questão de prova que traz exemplo igual ao dado acima dizendo que a pretensão do ofendido já prescreveu no âmbito cível. Isso não ocorreu por força do art. 200. 11 www.g7juridico.com.br

Art. 200, CC. “Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.” → STJ: REsp 1.180.237 – MT

Causas Interruptivas da prescrição

Art. 202, CC. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á: ➢ Somente poderá ocorrer uma vez ainda que naquele caso concreto ocorra a situação de mais de um dos incisos. Parte da doutrina vai apoiar que essa interrupção ocorra apenas uma vez exatamente para evitar a perpetuidade da pretensão. Mas, de outro lado, temos outros autores que dirão que nada obstante o caput do art. 202 diga que somente poderá ocorrer uma vez a interrupção da prescrição, em situações específicas e por lógica jurídica seria possível interromper mais de uma vez. Ainda que exista uma discussão doutrinária quanto a isso, para as provas de múltipla escolha, se aparecer que a interrupção da prescrição somente poderá ocorrer uma vez, o candidato deve marcar como CORRETA.

I - Por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual; → art. 240, § 1º, CPC2. ➢ Hoje não existe mais aquela discussão se era citação que vai interromper a prescrição. O inciso I diz que é do despacho do juiz que ordena a citação. Esse inciso está em sintonia com o CPC/2015, no que ele traz o art. 240, § 1º no mesmo sentido.

II - Por protesto, nas condições do inciso antecedente; → arts. 726 e ss., CPC. ➢ Esse é o protesto judicial, que é feito perante o Poder Judiciário e que está a partir do art. 726 do CPC.

III - Por protesto cambial; → caiu em desuso a súmula 153, STF. ➢ Esse é o protesto feito no cartório de protesto. O credor pega um título, vai até um Cartório de Protesto e promove aquele protesto cambial ou cambiário, que vai interromper a prescrição, zerando o prazo prescricional. Essa súmula 153 do STF dizia que o simples protesto cambiário não interrompia prescrição. Passa a prevalecer o CC/2002, também por ser mais recente que essa súmula. ➢ Evite usar a expressão “súmula revogada” porque a única coisa que pode ser revogada é lei e apenas lei revoga lei. Então, súmula deixa de ser aplicada ou cai em desuso.

IV - Pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores;

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Art. 240, § 1º, CPC. “A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data de propositura da ação.” 12 www.g7juridico.com.br

➢ O credor vai apresentar o título de crédito naquele juízo de inventário ou no concurso de credores e apresenta com o intuito de habilitar aquele crédito. Esse inciso IV diz que não é necessária a habilitação para a interromper, basta a apresentação.

V - Por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; ➢ Temos vários atos judiciais que podem constituir em mora o devedor. Para dizermos que aquele ato vai interromper a prescrição, não basta constituir em mora o devedor, tem que constituir em mora o devedor, mas tem que ser um ato judicial. Se a prova de múltipla escolha trouxer a expressão “ou extrajudicial” ou “notificação via cartório constituindo o devedor em mora faz interromper a prescrição” para a assertiva, ela estará INCORRETA.

VI - Por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor. ➢ Nos cinco incisos anteriores, era o credor que praticava um ato interruptivo da prescrição. Nesse inciso VI, é um ato do devedor que acaba interrompendo a prescrição e ele se prejudica com aquele comportamento. Pode ser um ato judicial ou um ato extrajudicial. ➢ Exemplo: um indivíduo está devendo para o banco e faltam poucos dias pra prescrever a pretensão do banco. O banco liga para o devedor o chamando para renegociar a dívida. O devedor vai e o gerente pede para ele assinar um documento assinando que reconhece a dívida. O devedor assina e faz um parcelamento. Isso tudo é ato inequívoco em que o devedor que está se manifestando, reconhecendo um direito do credor. Ele acabou de zerar o prazo prescricional contra ele.

Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper.

Prescrição Intercorrente

Os civilistas, de uma maneira geral, não aceitavam muito a prescrição intercorrente e não são muito simpáticos com esse instituto. Prescrição intercorrente seria aquela que ocorreria no curso do próprio processo. Os civilistas não olhavam com bons olhos esse instituto ante a morosidade do Poder Judiciário. O CPC/2015 chega admitindo a possibilidade de prescrição intercorrente.

CPC/15: art. 924, V e art. 921, §4º

Art. 924, CPC. Extingue-se a execução quando: (...) V - Ocorrer a prescrição intercorrente.

Art. 921, CPC. Suspende-se a execução: (...)

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§ 1º Na hipótese do inciso III, o juiz suspenderá a execução pelo prazo de 1 (um) ano, durante o qual se suspenderá a prescrição. (...) § 4º Decorrido o prazo de que trata o § 1º sem manifestação do exequente, começa a correr o prazo de prescrição intercorrente.

Lei da Pandemia (Lei nº 14.010/20 - RJET)

Essa lei foi sancionada no dia 10 de junho de 2020, sendo publicada no dia 12 de junho de 2020 e entra em vigor no nosso país a Lei do RJET (Regime Jurídico Emergencial e Transitório) ou Lei da Pandemia, trazendo vários dispositivos como respostas para algumas questões que estavam atormentando as relações jurídicas de natureza privada. Em meio a muitos vetos do Presidente da República, vários imensamente criticados pela doutrina, salva-se nessa lei algumas questões relevantes e que serão muito úteis doravante.

No que tange à prescrição, matéria estudada nessa aula, vamos analisar o art. 3º desta Lei. Essa lei está trazendo mais uma causa impeditiva ou suspensiva da prescrição. Na verdade, o que essa lei faz é vir na esteira do que o STJ já estava nos trazendo: que aquele rol de causa impeditivas e suspensivas da prescrição do Código Civil seria meramente exemplificativo e podem surgir outras situações. De 12/06/2020 até 30/11/2020 os prazos prescricionais estão impedidos ou suspensos. Aqueles que não começaram a correr por enquanto, se começarem a correr e o vencimento se der nesse período vai considerar impedido e se já começou a correr, vai ser considerado suspenso.

Art. 3º Os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020. ➢ Esse dispositivo é muito importante, além de trazer uma nova causa impeditiva ou suspensiva do prazo prescricional, chega em socorro às pessoas que não podem agir em virtude da pandemia. A pandemia resultou, no nosso país, em cidades desertas, comércios fechados, pessoas com suas atividades econômicas paralisadas. Imagine ser credor de alguém no meio da pandemia, levantar a documentação e acionar um advogado para cobrança fica muito mais difícil.

§ 1º Este artigo não se aplica enquanto perdurarem as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico nacional. ➢ Mencionamos mais uma causa impeditiva ou suspensiva do prazo prescricional. Todavia, se aquele prazo prescricional já não estivesse correndo por uma das causas já existentes no Código Civil, prevalecerá aquela causa que já estava valendo. Esse art. 3º chega, portanto, em caráter subsidiário, supletivo. É somente se não houver outra causa operando que essa terá aplicabilidade.

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§ 2º Este artigo aplica-se à decadência, conforme ressalva prevista no art. 207 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

5) Prazos prescricionais

O CC/2002 se pauta na diretriz da operabilidade, que busca facilitar o trabalho dos operadores de Direito. O CC traz concentrado em apenas dois artigos os prazos prescricionais, o art. 205 e 206. Qualquer outro prazo com o qual você se depare ao longo do Código Civil em princípio é um prazo de natureza decadencial, porque prazo prescricional se situa apenas nesses dois artigos.

O art. 206 é um artigo formado por vários parágrafos e vários incisos que trazem vários prazos prescricionais. O aluno deve verificar se a pretensão daquela pessoa do caso concreto se encaixa em algum dispositivo do art. 206. Se ela não se encaixar em qualquer prazo que esteja no art. 206, então será o prazo geral de prescrição, que é o prazo de 10 anos mencionado no art. 205 do CC.

Arts. 205 e 206 ↓ 10 anos

A professora pede para que o aluno marque em seu Código Civil, no art. 206, aqueles prazos prescricionais que mais apareceram em provas de Magistratura e MP até hoje. Claro que qualquer um pode aparecer, mas esses destacados são os mais comuns.

Art. 205, CC. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Art. 206, CC. Prescreve: § 1º Em UM ano: I - A pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos; II - A pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo: a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador; b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão; III - A pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários; IV - A pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade anônima, contado da publicação da ata da assembleia que aprovar o laudo; 15 www.g7juridico.com.br

V - A pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade. § 2 o Em DOIS anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem. ➢ Exemplo: imagine que o menino tenha 14 anos e o pai não pagou pensão alimentícia para ele. Esse menino tem direito à prestação alimentar, tendo o prazo de 2 anos para cobrar essa prestação alimentar. Será que esse prazo em relação a esse menino de 14 anos já estaria correndo? Não, começaria a correr não quando ele completasse 16 anos, mas sim 18 anos porque vamos aplicar o art. 197, II, que diz que não corre prescrição entre ascendente e descendente durante o poder familiar. ➢ Mas e o art. 198, I, que nos diz que não corre prescrição contra o absolutamente incapaz? De fato. Isso significa dizer que corre contra o relativamente incapaz. Contudo, temos que olhar quem é a pessoa do devedor. Se o devedor é um terceiro estranho, como no caso em que o menino de 14 anos é credor de um aluguel que o terceiro estranho não pagou, aí o prazo para se cobrar aluguel começa quando completar 16 anos, mas se o devedor for ascendente se aplica o art. 197, II – quando findar o poder familiar (18 anos).

§ 3 o Em TRÊS anos: I - A pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos; II - A pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias; III - A pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela; IV - A pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa; V - A pretensão de reparação civil; ➢ Obs.: bateram no carro de Mônica e amassaram a lataria. O indivíduo que estava errado a agrediu verbal e fisicamente. Mônica tem 3 anos para reclamar a reparação civil. O STJ, no ano de 2019, consolidou o entendimento de que esse prazo para reclamar reparação civil é só para o caso de responsabilidade civil extracontratual (como no exemplo da batida de carro). Embora o inciso V não promova essa distinção, o STJ vai dizer que é só extracontratual. ➢ E nos casos de responsabilidade civil contratual? O prazo vai ser o do caput do art. 205, sendo, portanto um prazo de 10 anos.

VI - A pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deliberada a distribuição; VII - A pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo: a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima; b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembleia geral que dela deva tomar conhecimento; c) para os liquidantes, da primeira assembleia semestral posterior à violação;

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VIII - A pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial; IX - A pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório. § 4 o Em QUATRO anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas. § 5 o Em CINCO anos: I - A pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular; II - A pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato; III - A pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.

Art. 192, CC: Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes.

Se um indivíduo bateu e amassou o carro de Mônica, para reparação civil é responsabilidade civil extracontratual e o prazo para reclamar é de 3 anos. Contudo, o indivíduo desceu do carro super educado, pedindo para eles acordarem que o prazo para ele reparar os danos seria de 2 anos. Ainda que as partes queiram, não se pode alterar prazo prescricional.

Art. 196, CC. A prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra o seu sucessor.

Esse artigo nos traz que a prescrição, iniciada contra uma pessoa, continua a correr contra o seu sucessor. Ou seja, imagine que o pai de Mônica seja o credor de alguém e ele tem 5 anos para cobrar do devedor dele aquela dívida. No terceiro ano, o pai falece. Mônica herda o crédito de seu pai. O prazo prescricional continua a correr contra Mônica.

A fluência do prazo prescricional começa da violação do direito. Violado o direito, nasce para o titular deste uma pretensão. Essa é a regra geral. A Teoria da Actio Nata, trazida pela doutrina em um viés subjetivo, dizendo que, em algumas situações, não devemos considerar o início do curso do prazo prescricional a partir da violação do direito, devemos considerar a partir do conhecimento da outra parte do que aconteceu, porque às vezes já houve a violação e a parte nem ficou sabendo que ela teve um direito violado.

Teoria da Actio Nata ↓ Por essa teoria, a fluência do prazo prescricional deve ocorrer não necessariamente a partir da violação do direito, mas sim do conhecimento da parte prejudicada da violação.

STJ: Resp 1.020.801 – SP: nesse caso concreto, uma mulher fez uma cesariana no ano de 1979 para ter um filho. O médico esqueceu um instrumento cirúrgico dentro da barriga dela. Ela não sabe que ela carrega um instrumento cirúrgico há anos na barriga. Ela vem a descobrir em virtude de uma outra cirurgia que ela teve que fazer em 1995, sendo que ela tem 17 www.g7juridico.com.br

direito à reparação civil. Encontramos aqui uma responsabilidade civil extracontratual. Em princípio, começaríamos a correr a fluência do prazo prescricional a partir da violação do direito, quando o médico esqueceu o instrumento cirúrgico em 1979. Acontece que ela somente veio a descobrir isso em 1995 e, se fosse dessa forma, o prazo prescricional já teria consumado. A Teoria da Actio Nata se mostrou muito relevante neste caso concreto.

CDC, art. 27. “Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.”

Enunciado 579, CJF: “Nas pretensões decorrentes de doenças profissionais ou de caráter progressivo, o cômputo da prescrição iniciar-se-á somente a partir da ciência inequívoca da incapacidade do indivíduo, da origem e da natureza dos danos causados.”

6) A prescrição da exceção

Art. 190, CC: A exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão.

A palavra “exceção” está sendo utilizada no sentido de “defesa”. Vamos imaginar que João é devedor da Maria e chegado o dia do vencimento, ele não pagou Maria, violando o direito àquela prestação de Maria e nasceu para Maria uma pretensão e começa a fluir o prazo prescricional, devendo Maria ajuizar a ação. Maria não ajuíza a ação e prescreveu.

Muitos anos depois, Maria se torna devedora de João. Chega o dia do vencimento e Maria não paga, violando o direito de João, tendo nascido para ele uma pretensão de cobrar Maria em juízo e iniciado o prazo prescricional. João, muito astuto, imediatamente ajuíza a ação condenatória. Será que Maria pode alegar, na defesa dela, na exceção dela, que João não pode lhe cobrar, porque ela compensar o que João lhe devia há muitos anos? Ela não pode fazer isso porque a exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão (art. 190 do CC).

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A decadência extingue o direito potestativo. Uma grande diferença da decadência em relação à prescrição, além dessa de que a decadência extingue o direito potestativo e a prescrição extingue a pretensão, é que, enquanto que o prazo prescricional decorre só de lei, o prazo decadencial pode decorrer de lei ou da convenção, decorrente de um acordo celebrado entre as partes. ➢ Exemplo: alguém compra uma televisão em uma loja. Aquele produto veio com algum defeito e o direito à garantia é um direito potestativo e veja que há um prazo decadencial legal no art. 26 do CDC3. Esse é um prazo de decadência legal. Contudo, a loja lhe deu 6 meses de garantia. Essa é uma decadência convencional. Um prazo é somado ao outro, conforme o art. 50 do CDC4.

É importante essa distinção porque qualquer pergunta que se faça em relação à decadência, devemos saber se é em relação à decadência legal ou convencional.

1) Renuncia à decadência

a) Decadência Legal: art. 209, CC → é nula! Decadência legal não admite renúncia. b) Decadência Convencional: é possível! O legislador não fala nada sobre a renúncia em casos de decadência convencional. Portanto, se a lei não proíbe, é porque é possível.

2) Momento de alegação

a) Decadência Legal: qualquer grau de jurisdição. O legislador não fala nada, mas se na decadência convencional que decorreu de uma mera convenção pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, quanto mais a decadência legal, com muito mais razão. Pela primeira vez em grau de RE ou REsp não pode, porque esses recursos exigem o prequestionamento. Aquela questão tem que ter sido ventilada e decidida em instância inferior. b) Decadência Convencional: art. 211 → qualquer grau de jurisdição, sendo o ideal alegar o mais rápido possível. Se não alegou em contestação, poderá alegar em grau de recurso, como em apelação.

Art. 211, CC. “Se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação.”

3) Suprimento de ofício

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Art. 26, CDC. “O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: (...) II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.” 4

Art. 50, CDC. “A garantia contratual é complementar à legal e será conferida mediante termo escrito.” 19 www.g7juridico.com.br

a) Decadência Legal: sim (art. 210). Cabe à parte se manifestar quanto à decadência, falando para o juiz que a outra parte decaiu de seu direito potestativo, mas se a parte interessada não se manifestou, o juiz deve suprir de ofício.

Art. 210, CC. “Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por lei.”

b) Decadência Convencional: não (art. 211)

4) Causas impeditivas, suspensivas e interruptivas da prescrição ↓ não se aplicam à decadência

Art. 207, CC. “Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.”

Quando falamos que decadência não pode ser impedida, não pode ser suspensa e nem interrompida, isso é regra geral. Excepcionalmente, seria possível aplicar alguma daquelas causas que seguram o prazo prescricional ao prazo decadencial. Se houver lei dispondo em sentido contrário, é possível estender aquelas causas à decadência. Um exemplo de lei que está dispondo em sentido contrário é o próprio artigo seguinte:

Art. 208, CC. “Aplica-se à decadência o disposto nos arts. 195 e 198, inciso I.”

No art. 198, I, temos a informação que não corre prescrição contra absolutamente incapaz. O legislador, no art. 208, está dizendo que, excepcionalmente, vamos aplicar esse artigo à decadência. Não corre nem prescrição e nem decadência contra absolutamente incapaz. Outra situação é a trazida pela Lei da Pandemia.

Lei da Pandemia (Lei nº 14.010/20)

Art. 3º Os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020. § 2º Este artigo aplica-se à decadência, conforme ressalva prevista no art. 207 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

RESPONSABILIDADE CIVIL

a) Contratual: surge quando há uma violação a um contrato. É disciplinada a partir do art. 389 do CC.

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b) Extracontratual (Aquiliana): surge quando ocorre violação a um preceito geral de direito. Por exemplo: uma pessoa machuca a outra, atingindo a integridade física, ofende verbalmente ou quando alguém colide com o carro. É disciplinada a partir do art. 927 do CC.

O que vamos estudar a partir desse bloco e na próxima aula inteira é a responsabilidade civil extracontratual também conhecida como aquiliana porque a responsabilidade civil contratual deve ser objeto de estudo na disciplina de Direito das Obrigações.

Responsabilidade civil subjetiva é aquela em que o fundamento para o dever de reparar reside na culpa lato sensu. Quando estamos diante de uma responsabilidade civil subjetiva do agente, a vítima só vai ganhar a ação se ela conseguir provar a culpa do agente.

Art. 927, caput, CC. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Art. 186, CC. “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Antes, no Brasil, essa era a única que existia. Vítima sempre tinha que provar a culpa do agente. Se não provasse culpa, não ganharia a ação. Com a evolução da sociedade e dos estudos de responsabilidades, começaram a perceber que estava óbvio que o sujeito era vítima, mas ele, por algum motivo – hipossuficiência, vulnerabilidade, etc. – ele não conseguia provar a culpa do agente e, por isso, não ganhava a ação, se quedando em situação de injustiça. Diante desse cenário, surgiu uma segunda manifestação de responsabilidade civil:

Responsabilidade civil objetiva é aquela em que o fundamento para o dever de reparar reside no dano. A vítima, no curso do processo, não vai ter que se esforçar para provar a culpa do agente para ganhar a ação, basta ela comprovar a existência do dano. A vítima estará em uma posição muito mais confortável se o agente, a pessoa que tiver causado dano à ela, estiver em uma situação de responsabilidade civil objetiva.

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Art. 927, parágrafo único, CC. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Art. 187, CC. “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA (culpa lato sensu)

São três os elementos da responsabilidade civil subjetiva, que devem estar presentes de forma simultânea:

1) Conduta humana antijurídica: também chamada de conduta humana ilícita. Ela ocorre quando há violação a um princípio geral de direito, denominado de neminem laedere. Esse princípio geral de direito nos informa que ninguém pode lesar ninguém. A ninguém é dado o direito de lesar outra pessoa. Imagine, entretanto, que uma pessoa tenha colidido no carro de outra, matado outra, ofendido outra, etc. Em todas essas situações, houve uma violação ao neminem laedere, estamos diante de uma conduta humana antijurídica.

Entrando na cabeça de quem lesou outra pessoa, vamos analisar quais são as formas psicológicas pelas quais uma pessoa poderá violar o neminem laedere. Como essa pessoa estava quando matou outra, quando fez o carro colidir com o carro de outra pessoa.

São os mesmos conceitos do Direito Penal. Dolo ocorre quando a pessoa intencionalmente buscava aquele resultado. Quando A mata B porque queria a morte de B. Culpa ocorre quando não se buscava aquele resultado. Pode ser que A tenha matado B, mas ele não queria a morte de B. Também nos valemos do Direito Penal para nos lembrar das modalidades de culpa.

→ Negligência: é a falta de um cuidado necessário. Imagine que alguém pegue seu carro à noite e esse carro não tem luz, não tem freios. Essa pessoa está agindo de forma negligente, faltando com um cuidado necessário. Se manifesta por omissão.

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→ Imprudência: é a assunção de um risco desnecessário. É quando a pessoa assume um risco desnecessário. Imagine que alguém pegue o seu carro, que tem luz e freios, mas essa pessoa se embriaga completamente e resolve dirigir mesmo assim, dirigir em alta velocidade ou avançar todos os sinais vermelhos daquela avenida. Se manifesta por ação. → Imperícia: é a falha técnica daquele que, em tese, tem a habilitação necessária. Exemplo clássico de pessoa que agiu com imperícia é um médico que foi praticar um ato cirúrgico e, apesar de ser formado e inscrito no CRM, ele falhou e matou seu paciente. Somente pode ser imperito quem, em tese, deveria ter perícia.

➢ Situação n. 1: o sujeito não tinha carteira de motorista. Ele pegou um carro e resolveu dirigir, foi arrancar em uma subida, não deu conta e o carro voltou e bateu no carro de trás. Ele agiu com imprudência porque ele assumiu um risco desnecessário, de dirigir aquele carro naquelas condições. Não é imperícia porque, em tese, ele não era perito. Somente pode ser imperito quem, em tese, deveria ter perícia.

➢ Situação n. 2: o sujeito tem carteira de habilitação. Ele pegou um carro e resolveu dirigir, foi arrancar em uma subida, não deu conta e o carro voltou e bateu no carro de trás. Esse caso é imperícia, porque, em tese, ele tinha perícia. Os civilistas, para resolverem esses problemas, pegam essas noções de dolo, de culpa com aquelas modalidades de culpa, deixam tudo dentro do mesmo conceito e dão o nome de “culpa lato sensu”, culpa em sentido amplo. Então, há um gênero grande, chamado de culpa em sentido amplo, que vai abarcar aquelas duas espécies: o dolo e a culpa em sentido estrito, em suas três modalidades.

Culpa concorrente ou culpa recíproca: ocorre quando o agente atua com culpa, mas a vítima também contribui com uma parcela de culpa para a eclosão do evento danoso. ➢ Exemplo: houve um atropelamento, que se deu porque o motorista do carro estava bêbado e em alta velocidade. O pedestre que foi atropelado havia atravessado em lugar totalmente impróprio e proibido para o trânsito de pedestres, como embaixo de passarelas, fora da faixa de pedestres, etc. O motorista atuou com culpa, mas a vítima também colaborou com uma parcela de culpa para a eclosão do evento danoso. Como resolver um problema de prova que apresente essa chamada culpa concorrente ou culpa recíproca?

O juiz do caso concreto deve pegar a culpa de um e contrapor com a culpa do outro de tal modo a reduzir a indenização. Não é que o agente não tenha responsabilidade civil, ele tem responsabilidade civil e vai pagar, mas vai pagar menos.

Art. 945, CC. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano. 23 www.g7juridico.com.br

➢ Prova do MPTO: foi perguntado que, quando há a culpa concorrente, caberá uma compensação de culpas. ERRADO. O que ocorre é uma redução de indenização. O agente tem responsabilidade e vai pagar, mas vai pagar menos. Não é compensação de culpas porque essa expressão passa a impressão de que cada um vai arcar com o seu prejuízo, que não é a ideia correta nesse caso.

Excludentes de ilicitude/antijuridicidade: ela afasta a ilicitude do comportamento da pessoa, tornando o ato lícito. Assim, ela afasta também o primeiro pressuposto e, em regra, há um afastamento da própria responsabilidade civil. No mundo do Direito Penal, as excludentes de ilicitude são legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal. No Direito Civil, são as mesmas.

Art. 188, CC. Não constituem atos ilícitos: I - Os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; ➢ Está subsumido nesse inciso a excludente do estrito cumprimento do dever legal.

II - A deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. ➢ Aqui encontramos o estado de necessidade. Se, na questão de prova, temos uma excludente de ilicitude, qualquer uma dessas quatro do Direito Penal, o ato se torna lícito e, em regra, há um afastamento da própria responsabilidade civil.

➢ Exemplo: uma pessoa está parada, um sujeito vem para lhe agredir. Essa pessoa pode reagir às agressões, em legítima defesa, desde que imediatamente e proporcionalmente e, na reação, acabou por quebrar o relógio do agressor. Sobreveio o dano, mas o ato da pessoa foi lícito porque agiu amparada pela excludente de ilicitude da legítima defesa. O agressor entende que a pessoa deve lhe pagar pelo relógio quebrado. Não existirá responsabilidade civil, porque o ato é lícito e, em regra, há um afastamento da própria responsabilidade civil.

➢ Dizemos “em regra” porque existe exceção: imagine que uma pessoa esteja dirigindo seu carro em uma rodovia e esse motorista vê uma árvore tombando adiante. Com o intuito de salvar sua vida, dá uma guinada no volante e, à esquerda tinha uma fazenda. Esse motorista destruiu a cerca, a horta, matou umas galinhas e atropelou uma vaca, finalmente conseguindo parar o carro. Sobreveio o dano, o ato foi lícito porque a pessoa agiu amparada por uma excludente da ilicitude, o estado de necessidade. O fazendeiro não tem nada a ver com isso porque não foi culpado do perigo, a pessoa terá que indenizar o fazendeiro, subsistindo a responsabilidade civil. O motorista pode, contudo, se voltar contra aquela pessoa que estava cortando a árvore, responsável pelo perigo. Quando há uma excludente de ilicitude, há um afastamento da ilicitude do ato, o ato se torna lícito e, em regra, há um afastamento da própria responsabilidade civil. Excepcionalmente, é possível que a responsabilidade civil decorra da prática de um ato lícito, como no exemplo dado que se encontra no art. 929 do CC: 24 www.g7juridico.com.br

Art. 929, CC. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188 [estado de necessidade], não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.

➢ Todavia, no mesmo exemplo dado, for o fazendeiro quem estava cortando a árvore que fez o motorista se desviar da rodovia bruscamente agindo em estado de necessidade. O fazendeiro é o culpado pelo perigo, então o motorista não terá que lhe indenizar, somente existe responsabilidade civil se ele não for culpado pelo perigo.

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MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS Direito Civil Profa. Mônica Queiroz Aula 16

ROTEIRO DE AULA

Tema 1: RESPONSABILIDADE CIVIL II

Os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva são três: a conduta humana antijurídica, o dano e o nexo causal. Já analisamos o primeiro elemento da responsabilidade civil subjetiva. Nessa aula, veremos dano e nexo causal em diante.

➢ O que é o dano? Dano é a lesão, a ofensa, a diminuição ao bem jurídico.

Se dano é lesão a um bem jurídico, é importante que analisemos as espécies de bens jurídicos a fim de se verificar a espécie de dano. Se o bem jurídico ofendido for um bem patrimonial, daremos o nome de dano material. Todavia, se o bem jurídico ofendido for um bem moral, aí estaremos diante do chamado dano moral.

Devemos aprofundar o estudo dessa dicotomia, porque já foi perguntado em prova discursiva do Ministério Público para discorrer sobre as modalidades de danos.

Dano Material: classicamente, tradicionalmente falando, o dano material vai comportar duas espécies: o dano emergente e o lucro cessante. 1 www.g7juridico.com.br

Dano emergente é aquilo que a vítima efetivamente perdeu, é aquilo que já saiu do bolso da pessoa. Por exemplo: bateram no carro de A e amassaram o carro inteiro. O conserto do veículo é dano emergente. As despesas hospitalares, com medicamentos e tratamento médico, porque A se machucou, são danos emergentes. É aquilo que a vítima efetivamente perdeu.

Existe ainda, classicamente falando, uma segunda espécie de dano material que vai se traduzir naquilo que chamamos de lucro cessante. Lucro cessante é aquilo que a vítima razoavelmente deixou de ganhar. O exemplo clássico é o do taxista. Aconteceu um acidente de trânsito com o taxista, o carro dele foi para o conserto. O conserto do veículo seria dano emergente, mas o carro ficou no conserto durante 2 meses e o taxista ficou sem trabalhar e sem ganhar durante 2 meses. Esse tempo que ele ficou sem ganhar significam os lucros cessantes.

Em cima do art. 402, que traz o conceito de dano emergente e de lucro cessante, do CC tem um título e é “Das Perdas e Danos”. Essa expressão “perdas e danos” se traduzem por essa equação: dano emergente + lucro cessante.

Art. 402, CC. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

A doutrina, sob a ótica do Direito Civil constitucional, diz que essa noção de perdas e danos apresentada pelo art. 402 está insuficiente, porque dentro da noção de perdas e danos, além do dano emergente e do lucro cessante que nada mais representam do que dano material, também deveria estar presente dentro do art. 402 o dano moral.

Na prova de múltipla escolha, a não ser que a assertiva desenvolva bem o raciocínio, em princípio, deve se dizer que perdas e danos é o dano emergente e o lucro cessante, aquilo que a vítima efetivamente perdeu e razoavelmente deixou de ganhar. Superada essa noção clássica e tradicional que vimos até o presente momento, e chega, a meio caminho do dano emergente e do lucro cessante, como uma terceira espécie de dano material aquilo que chamamos de perda de uma chance.

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Perda de uma chance

Se a perda de uma chance é ou não espécie de dano material não é pacífico na doutrina. A professora está seguindo o entendimento da doutrina de Sílvio de Salvo Venosa. Ele nos traz que a perda de uma chance seria uma espécie de dano material a meio caminho do dano emergente e do lucro cessante. Outros autores podem trazer outra natureza jurídica para a perda de uma chance, até mesmo a natureza jurídica de um dano autônomo. ✓ Conceito: a perda de uma chance se traduz na perda de uma oportunidade séria e real de se obter uma vantagem ou de se evitar um prejuízo. É um instituto importado do Direito Francês. São exemplos clássicos mencionados pelos manuais:

✓ Exemplo 1: a pessoa está estudando para um concurso público e esse candidato passa brilhantemente na primeira etapa, dentre os primeiros classificados. Na segunda etapa, também se destaca dentre os primeiros classificados e é aprovado para a terceira e última etapa do certame. Chegando na terceira e última etapa do certame, essa pessoa pega um ônibus para ir fazer essa prova e o ônibus sofre um acidente e esse candidato, que era um dos primeiros classificados, não consegue fazer a prova e evidentemente não é aprovado no concurso. Havia certeza de que, se ele tivesse feito aquela prova, ele seria aprovado? Não, certeza não existe. Mas não há dúvidas de que essa pessoa perdeu uma chance de mudar a vida dela. Desse modo, essa pessoa pode pleitear uma indenização porque terá sofrido um dano material, segundo Venosa, denominado de perda de uma chance. ✓ Exemplo 2: o sujeito tem um cavalo e o cavalo disputa corridas, sendo o favorito no páreo para a corrida de domingo. O dono desse cavalo o leva na terça-feira que antecede a corrida a um veterinário, combinando com ele uma bateria de exames. Na sexta-feira, dia combinado para o dono buscar o cavalo, o veterinário não devolve o cavalo e a corrida acontece sem o cavalo simplesmente porque o veterinário não devolveu o animal. Se o cavalo tivesse disputado a corrida, havia a certeza de que ele iria ganhar? Certeza não, mas não há dúvida de que, ao não disputar a corrida, houve a perda de uma chance. ✓ Exemplo 3: aquele sujeito que procura um advogado e o advogado ajuíza aquela ação. Em 1ª instância, o pedido não é acatado e a parte não obtém êxito em seu pedido. Acontece que o cliente volta ao advogado e pede que ele recorra. O advogado diz que assim o fará, mas se esquece e guarda a papelada na gaveta. Passa o prazo para a interposição do recurso e o recurso não é interposto. Se esse recurso tivesse sido interposto tempestivamente,

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havia certeza de que aquela decisão seria modificada no tribunal? Certeza não, mas não há dúvida, na medida em que aquele recurso não é interposto, que a parte perdeu uma chance.

✓ Leading case: “show do milhão” – STJ. REsp 788459 – BA. Esse foi o primeiro caso de perda de uma chance que tomou uma notoriedade muito interessante e norteou vários aspectos acerca da perda de uma chance. Uma baiana chamada Ana participou do show do milhão, foi respondendo às perguntas brilhantemente e, chegando na pergunta final, ela não sabia a resposta. Ela tinha três possibilidades: desistir e levar para casa os R$ 500.000,00 que ela já havia acumulado, responder e errar perdendo tudo ou responder acertando e ganhar um milhão de reais. Prudentemente, sem saber a resposta, Ana recua e decide parar, levando os R$ 500.000,00. Em casa, quando Ana pesquisa as respostas para a pergunta final, ela percebe que, dentre as quatro assertivas apresentadas pelo programa, nenhuma estava correta. Ela ajuíza uma ação pleiteando uma indenização em desfavor do SBT. Essa ação chega no STJ. Ficou reconhecido que houve a perda de uma chance, afinal de contas não havia nenhuma das assertivas corretas. Claro que se uma das assertivas estivesse correta, ainda que ela respondesse não haveria certeza de que ela iria acertar, mas não há dúvidas de que, na medida em que nenhuma das assertivas estava correta, ela perdeu uma chance.

Antes de chegar ao STJ, o SBT deveria pagar à Ana os R$ 500.000,00 que faltavam para chegar no um milhão. O STJ disse que de fato houve a perda de uma chance, todavia, a indenização não será de R$ 500.000,00 e sim que, a indenização, em se tratando de perda de uma chance, deve se basear em um juízo de probabilidade. O juiz, no caso concreto, deve verificar qual seria a probabilidade que aquela pessoa teria de obter aquele êxito, se tivesse uma das alternativas corretas. Com quatro alternativas, sem saber a resposta, existe 25% de chance de acertar. Se faltavam R$ 500.000,00 para chegar no um milhão, 25% desse valor seria R$ 125.000,00. Essa foi a indenização que a Ana recebeu. O STJ não manteve os R$ 500.000,00 porque, se tivesse mantido, ele estaria dizendo que haveria certeza de que ela iria acertar a resposta e certeza era algo que não havia. “RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido.” (STJ, REsp 788.459/BA, Relator Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, julgamento: 08/11/2005, Dje: 13/03/2006)

✓ Indenização: juízo de probabilidade. Na prática, nem sempre é fácil aplicar esse critério. Em muitas situações, por meio de um simples cálculo aritmético, como fizemos no caso do SBT, conseguimos aplicar o juízo de probabilidade. Em outras situações será muito difícil e, por isso, o juiz deve se valer de técnicos e especialistas que são os chamados estatísticos. 4 www.g7juridico.com.br

A chance perdida deve ser real, não sendo traduzida em meras expectativas frustradas. Imagine que a mega sena se acumule hoje e alguém saia mais cedo do trabalho pensando em apostar, porque vai virar milionária. A lotérica fecha às 19h e a pessoa sai do serviço correndo às 18h40. Surge alguém na contra mão de direção e bate no carro. Essa pessoa não consegue chegar à lotérica e não consegue apostar. Essa pessoa não pode querer ser indenizada pela perda de uma chance porque não apostou, porque isso era uma mera expectativa, uma esperança subjetiva de se tornar milionária.

➢ Questão de primeira etapa da Magistratura TJ/MG: o STJ já reconheceu a possibilidade de se aplicar a perda de uma chance na seara médica. É a segunda decisão mencionada abaixo.

STJ: entendeu pela aplicabilidade da teoria da perda de uma chance no caso de descumprimento de contrato de coleta de células-tronco embrionárias. (REsp 1.291.247 – RJ) A moça estava grávida, esse casal estava esperando o bebê e eles fizeram um contrato com uma empresa no qual a empresa, no momento do parto, deveria coletar as células-tronco embrionárias daquele bebê. Ocorre o parto e não aparece ninguém da empresa. Certeza de que eles iriam precisar dessas células-tronco no futuro não há, mas não há dúvidas de que houve a perda de uma chance, porque essa coleta só pode acontecer no momento do parto.

“RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DE UMA CHANCE. DESCUMPRIMENTO DE CONTRATO DE COLETA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS DO CORDÃO UMBILICAL DO RECÉM NASCIDO. NÃO COMPARECIMENTO AO HOSPITAL. LEGITIMIDADE DA CRIANÇA PREJUDICADA. DANO EXTRAPATRIMONIAL CARACTERIZADO. 1. Demanda indenizatória movida contra empresa especializada em coleta e armazenagem de células tronco embrionárias, em face da falha na prestação de serviço caracterizada pela ausência de prepostos no momento do parto. 2. Legitimidade do recém-nascido, pois "as crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, entre os quais se inclui o direito à integralidade mental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação" (REsp. 1.037.759/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 05/03/2010). 3. A teoria da perda de uma chance aplica-se quando o evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda. 4. Não se exige a comprovação da existência do dano final, bastando prova da certeza da chance perdida, pois esta é o objeto de reparação. 5. Caracterização de dano extrapatrimonial para criança que tem frustrada a chance de ter suas células embrionárias colhidas e armazenadas para se for preciso, no futuro, fazer uso em tratamento de saúde. 6. Arbitramento de indenização pelo dano extrapatrimonial sofrido pela criança prejudicada. 7. Doutrina e jurisprudência acerca do tema.” (STJ, REsp 1.291.247/RJ, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgamento: 19/08/2014, Dje: 01/10/2014).

STJ: foi aplicada a teoria da perda de uma chance em um caso concreto no qual a paciente sofria de câncer de mama, e por erro do profissional aplicou-se um tratamento inadequado. (REsp 1.254.141/PR).

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“DIREITO CIVIL. CÂNCER. TRATAMENTO INADEQUADO. REDUÇÃO DAS POSSIBILIDADES DE CURA. ÓBITO. IMPUTAÇÃO DE CULPA AO MÉDICO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE. REDUÇÃO PROPORCIONAL DA INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O STJ vem enfrentando diversas hipóteses de responsabilidade civil pela perda de uma chance em sua versão tradicional, na qual o agente frustra à vítima uma oportunidade de ganho. Nessas situações, há certeza quanto ao causador do dano e incerteza quanto à respectiva extensão, o que torna aplicável o critério de ponderação característico da referida teoria para a fixação do montante da indenização a ser fixada. Precedentes. 2. Nas hipóteses em que se discute erro médico, a incerteza não está no dano experimentado, notadamente nas situações em que a vítima vem a óbito. A incerteza está na participação do médico nesse resultado, à medida que, em princípio, o dano é causado por força da doença, e não pela falha de tratamento. 3. Conquanto seja viva a controvérsia, sobretudo no direito francês, acerca da aplicabilidade da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance nas situações de erro médico, é forçoso reconhecer sua aplicabilidade. Basta, nesse sentido, notar que a chance, em si, pode ser considerado um bem autônomo, cuja violação pode dar lugar à indenização de seu equivalente econômico, a exemplo do que se defende no direito americano. Prescinde-se, assim, da difícil sustentação da teoria da causalidade proporcional. 4. Admitida a indenização pela chance perdida, o valor do bem deve ser calculado em uma proporção sobre o prejuízo final experimentado pela vítima. A chance, contudo, jamais pode alcançar o valor do bem perdido. É necessária uma redução proporcional. 5. Recurso especial conhecido e provido em parte, para o fim de reduzir a indenização fixada.” (STJ, REsp 1.254.141/PR, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgamento: 04/12/2012, Dje: 20/02/2013).

Dano Moral

- Conceito: o dano moral ocorre quando há violação aos direitos da personalidade de uma pessoa. Os direitos da personalidade são os atributos fundamentais de uma pessoa, como honra, imagem, intimidade, privacidade, integridade física, etc.

Art. 186, CC: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 6º, VI e VII, CDC: São direitos básicos do consumidor: VI - A efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII - O acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

Art. 5º, V e X, CF/88: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

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V - É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...) X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Art. 1º da CF: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - A dignidade da pessoa humana;

Funções da reparação do dano moral:

1ª) Função compensatória: até pouco tempo, essa era a função que prevalecia para justificar o porquê da reparação pelo dano moral. A ideia é que se paga pelo dano moral causado a outrem para compensar a vítima, compensar a mágoa da vítima. Segundo Caio Mário, a vítima vai receber uma indenização para ela se sentir anestesiada, compensada.

2ª) Função punitiva: “Teoria do Desestímulo”. Se paga pelo dano moral causado para que seja punido. A ideia é de punir ofensor de tal modo a desestimulá-lo. Essa função é a que é adotada nos EUA. Nos EUA: teoria dos “punitives damages”.

3ª) Funções compensatória + punitiva: adotada pelo STJ. “Teoria do Desestímulo Mitigada”. Atualmente, mantemos a ideia de função compensatória agregada à ideia de função punitiva. O STJ em suas decisões, atualmente, menciona que o indivíduo tem que pagar para compensar a mágoa sofrida pela vítima, mas também para que o ofensor seja punido.

Enunciado nº 379, CJF: “O art. 944, caput, do Código Civil não afasta a possibilidade de se reconhecer a função punitiva ou pedagógica da responsabilidade civil.”

Usamos a palavra “indenização” de uma forma ampla, para o dano material e para o dano moral. A própria Constituição Federal usa a palavra “indenização” de forma ampla, bem como no dia-a-dia forense. Alguns doutrinadores (Carlos Roberto Gonçalves, Nelson Rosenvald, Cristiano Chaves) vão nos trazer mais precisão terminológica, porque “indenização” vem de tornar indene, ou seja, retornar ao status quo ante.

Quando falamos de dano material, é perfeitamente possível com dinheiro que a vítima retorne ao estado anterior. Por exemplo, se A bate no carro de B esse carro será consertado ou um outro carro será comprado e estará retornado ao estado anterior, por isso se falar em indenização pelo dano material sofrido.

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Só que, atentos à precisão terminológica, alguns autores mencionados vão dizer que quando formos falar de dano moral, vamos evitar utilizar a expressão “indenização por dano moral”, vamos preferir “reparação/compensação por dano moral”, porque a ideia de indenizar não é possível. A matou o filho de B. Ainda que o A entregue todo o dinheiro do mundo para B, não se trará o filho do B de volta.

Classificação do dano moral

1) Dano moral provado: é aquele que exige produção probatória.

2) Dano moral presumido (“in re ipsa”): enquanto que no dano moral provado, temos que provar o dano moral que alegamos ter sofrido, no dano moral presumido, também conhecido como dano moral in re ipsa, prescinde-se, abre-se mão da produção probatória do dano moral. Não é necessário provar o dano moral que alega ter sofrido.

Diante da exaltação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, é claro que o dano moral presumido toma uma força muito grande. Exemplo: uma mãe chega para um juiz e fala que mataram seu filho. Ela evidentemente não precisa provar que está sofrendo porque há uma presunção de que, quando um filho morre, a mãe sofre inevitavelmente. Quando falamos de dano moral presumido, há uma presunção, mas essa presunção é relativa, que admite prova em sentido contrário. ➢ Exemplo: a mãe diz que quer ser reparada moralmente e a outra parte, que matou o filho, fala que de fato matou o filho dessa mulher, mas essa mulher não está sofrendo, provando em sentido contrário que, quando esse filho nasceu, a primeira providência que essa mulher tomou foi abandoná-lo na beirada da lagoa e nunca mais se importou com ele.

Súmula 370, STJ: “Caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado.”

Sabemos que cheque é uma ordem de pagamento à vista, mas era bastante recorrente o uso de cheques pré-datado ou pós-datado. Imagine que alguém tenha recebido de seu devedor um cheque pré-datado para daqui a 40 dias. No mesmo dia, essa pessoa apresenta antecipadamente esse cheque pré-datado. Isso vai caracterizar um dano moral presumido.

Súmula 388, STJ: “A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral.”

A emite um cheque para B, tendo dinheiro em sua conta bancária para honrar com aquele cheque. B vai ao banco para receber o cheque e o banco se recusa, dizendo que A não tem fundos para pagamento do cheque ou devolve indevidamente. A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral, sendo um dano moral presumido.

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Súmula 403, STJ: “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.”

Só de alguém divulgar imagem de uma pessoa com essa finalidade econômica ou comercial já há uma presunção de que ela sofreu dano moral. Em uma questão discursiva de uma prova de segunda etapa do Ministério Público em que trazia o caso de uma empresa de plano de saúde e essa empresa colocou em um outdoor a foto de um médico, o elogiando e informando que ele pertencia ao plano de saúde. Indagava-se se havia um dano. A resposta era que sim, dano moral presumido baseado nessa súmula n. 403 do STJ, ainda que estivesse o elogiando.

Planos do dano moral •

Físico → Dano estético: aqui, nos deparamos com ofensas à integridade física daquela pessoa. Imagine que bateram no carro de A, amassaram o carro. O conserto do veículo é dano material. O motorista foi atingido e foi machucado. A sofreu um dano moral que se manifestou no plano físico. Imagine que, em virtude desse acidente, A ficou com uma cicatriz enorme na face. Quando a ofensa ao plano físico se manifestar de forma tão contundente assim, esse dano será chamado de dano estético.

Dano Estético: é o desequilíbrio externo gerado na aparência da vítima. •

Psíquico: alguém ficou com algum problema psicológico em virtude do comportamento do outro, como no caso de quando alguém mata o filho de uma pessoa. Essa pessoa que perdeu o filho enlouqueceu, não sem razão. Houve uma ofensa, um dano moral, que se manifestou no plano psicológico.



Moral: aqui enxergamos a mágoa, a angústia, a tristeza, o sofrimento experimentado pela vítima.

Por se manifestar nesses três planos, alguns autores sustentam que esse dano não deveria ser chamado de dano moral, porque essa denominação não alcança a amplitude ou a completude da noção do dano moral. O ideal seria fazer como o Direito Português fez, chamando de dano imaterial ou dano extrapatrimonial, porque aí conseguiríamos enxergar os outros planos em que se manifesta.

Ao colocarmos a ofensa ao plano moral como mais um plano, é possível até que não haja ofensa ao plano moral. Para que haja um dano moral não é imprescindível que a vítima fique triste, magoada, angustiada. Também não devemos banalizar o dano moral. Não é qualquer aborrecimento que é dano moral.

Enunciado nº 159, CJF: O dano moral, assim compreendido todo dano extrapatrimonial, não se caracteriza quando há mero aborrecimento inerente a prejuízo material.

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Enunciado nº 445, CJF: O dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento.

Cumulação de danos: ✓ Dano material e dano moral: Súmula 37, STJ: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.”

✓ Dano moral e dano estético: essa cumulação era rechaçada porque, tecnicamente falando, o dano estético realmente se subsume ao dano moral. Então, os desembargadores entendiam que, se condenassem o sujeito a ter que pagar pelo dano moral causado mais o dano estético causado, estaria se incorrendo em um indevido bis in idem, que não é aceito pelo nosso ordenamento jurídico, até que esse entendimento foi mudando. Súmula 387, STJ: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.”

Pessoa jurídica e dano moral

Art. 52, CC: Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.

Esse artigo é aquele que aplica, que estende às pessoas jurídicas a proteção dos direitos da personalidade, naquilo que couber. Se esse artigo já reconhece que a pessoa jurídica é titular de direitos da personalidade, por raciocínio lógico a consequência é que essa pessoa jurídica pode sofrer dano moral, já que dano moral é a ofensa a direito da personalidade.

Muito antes do CC/02 trazer esse art. 52 já havia uma súmula no STJ que já reconhecia essa possibilidade:

Súmula 227, STJ: A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

O STJ tem trazido, em suas decisões, que apenas Pessoa Jurídica de Direito Privado é que pode sofrer dano moral, ou seja, Pessoa Jurídica de Direito Público, para o STJ, não pode sofrer dano moral e nem reclamar reparação civil por pretenso dano moral sofrido.

✓ Somente PJ de Dir. Privado (REsp 1.258.389 – PB)

Em princípio, até então, parece que a questão está solucionada. Contudo, vai chegar uma doutrina e alguns autores vão criticar (Gustavo Tepedino e Cézar Fiuzza), nos dizendo que a Pessoa Jurídica não pode sofrer dano moral porque ela não é titular de direitos da personalidade. A base dos direitos da personalidade é a dignidade da pessoa humana. Se começarmos a estender essa dignidade para tudo, acabamos por esvaziar/desprestigiar a nossa dignidade enquanto pessoas humanas que somos. As pessoas jurídicas podem sofrer danos, somente não podendo sofrer dano moral. 10 www.g7juridico.com.br

➢ E quando é divulgada uma notícia em que aquela loja estaria vendendo produtos adulterados e depois vão verificar que aquilo era uma mentira? Por consequência, ninguém mais quis fazer negócios com aquela loja, essa loja perdeu clientes e ela não consegue mais crédito no mercado. Segundo esses autores, essa pessoa jurídica sofreu danos, mas não devemos chamar de dano moral e sim de dano institucional, relacionado ao dano material.

Enunciado nº 286, CJF: “Os direitos da personalidade são direitos inerentes e essenciais à pessoa humana, decorrentes de sua dignidade, não sendo as pessoas jurídicas titulares de tais direitos.”

Esse enunciado foi aprovado. Na primeira etapa das provas para Magistratura e Ministério Público, o candidato deve sustentar o posicionamento do art. 52 do CC e da súmula n. 227 do STJ. Se, na segunda etapa, o candidato se deparar com uma questão em que indagam sobre pessoa jurídica e pedindo para discorrer sobre a possibilidade da pessoa jurídica sofrer dano moral, o candidato deve colocar todas essas informações, com a manifestação de parcela doutrinária relevante e a existência desse enunciado n. 286 do CJF.

Dano Temporal

Quando falamos de dano temporal, para entendê-lo, temos que partir da ideia de tempo. Diante da finitude da vida, a ideia de tempo que prevalece hoje é que o tempo é um recurso que é escasso e finito para todos, merecendo tutela jurídica. Suponha que uma pessoa precisa ir à uma agência bancária e, diante dos poucos guichês funcionando, essa pessoa perde minutos ou até mesmo horas no banco ou que precise entrar em contato com morosos SAC (serviço de atendimento ao consumidor) para resolver problemas de produtos defeituosos.

✓ Teoria do Desvio Produtivo – Marcos Dessaune. Esse autor traz, na primeira edição dessa sua obra pioneira, que o dano temporal seria uma manifestação de dano moral. Na segunda edição da sua obra, após estudos e aprofundamentos, Marcos Dessaune nos diz que, lapidando o estudo do dano temporal, entende que o dano temporal deve ser tido não como um dano moral, mas como um dano existencial.

➢ Qual a natureza jurídica desse dano temporal?

Três posicionamentos: a) Dano moral (AREsp 1.132.385 – SP; AREsp 1.260.458- SP; REsp nº 1.634.851 – RJ; AREsp 1.241.259 – SP). Entendimento do STJ.

b) Dano existencial: é muito mais amplo do que o dano moral, muito aplicado na seara do Direito do Trabalho. O comportamento do outro faz com que alguém sofra um dano à sua existência, a um projeto de vida que se tinha.

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c) Dano autônomo: a professora se filia à essa terceira corrente. Isto é, o dano temporal não seria nem dano moral e nem dano existencial, mas sim um dano autônomo. Quando a pessoa sofre um dano temporal, não necessariamente seria um caso de dano moral. Essa ideia do dano temporal ser tido como autônomo aparece pela primeira vez em uma decisão de 1ª instância na Comarca de Jales/SP e o juiz daquele caso concreto disse que o dano temporal deve ser tido como um dano autônomo, sendo possível, inclusive, até mesmo a cumulação de dano temporal com dano moral.

Nessa sentença, o magistrado traz a possibilidade de que uma pessoa que tenha seu nome negativado indevidamente. Nitidamente, houve o dano moral. No que essa pessoa tenta resolver esse problema, ela perde horas e dias para tanto. Com esse exemplo, começamos a perceber que essa pessoa sofreu um dano moral por ter o seu nome negativado cumulando a esse dano moral o dano temporal porque ela perde muito tempo para resolver esse problema.

Como estamos falando de novos danos, vale lembrar que existem dois novos danos muito interessantes, principalmente aos alunos que se dedicam às provas do Ministério Público:

DANO MORAL COLETIVO

DANO SOCIAL

É aquele que atinge os direitos da personalidade de várias É aquele que resulta na lesão à sociedade seja por pessoas determinadas ou determináveis

(decisões diminuição na sua qualidade de vida ou rebaixamento em

judiciais no STJ1 e art. 6º, VI do CDC).

seu patrimônio moral2 (Antônio Junqueira de Azevedo).

Reside apenas na esfera moral.

Pode residir na esfera moral ou material.

Vítima: determinada ou determinável.

Vítima: indeterminada. É a sociedade.

Indenização: destina-se à vítima.

Indenização: destina-se a um fundo de proteção relacionado aos direitos atingidos.

Princípio da Reparação Integral dos Danos

Esse princípio nos diz que deve ser pago por todo o dano que foi causado e, apesar de não ser necessário que um princípio esteja expressamente previsto em alguma lei para ser válido, o legislador positivou esse princípio no art. 944:

Art. 944, caput: “A indenização mede-se pela extensão do dano.” (grifamos)

1

Casos em que crianças participaram de um programa de rádio em que havia a discussão sobre investigação de paternidade. Esse programa com crianças foi extremamente constrangedor e o STJ entendeu que houve, naquele caso, um dano moral coletivo. Além disso, o STJ também entendeu como dano moral coletivo a infidelidade de bandeira praticada por postos de gasolina. Quando vamos abastecer em um posto de gasolina, ele ostenta uma bandeira, uma marca. Na verdade, a bandeira está ali, mas o combustível não corresponde àquela marca. 2

Quando alguém acende um cigarro em um posto de gasolina ou atende o celular dentro do avião. Também é exemplo a pessoa que sabe estar contaminada pelo coronavírus e sai no meio da multidão, sem se importar com terceiros. 12 www.g7juridico.com.br

Se um indivíduo causa um dano grande, vai pagar muito. Se foi causado um dano pequeno, vai pagar pouco. A extensão do dano é o vetor para o juiz fixar a indenização.

Hipóteses: DANO

CULPA

Hipótese 1

X

XXXXXXXXXX

Hipótese 2

XXXXXXXXXX

X

Hipótese 1: imagine que o sujeito toda noite chega em casa e bate em sua esposa. Ele causa um dano X com uma culpa lato sensu enorme.

Hipótese 2: imagine que o sujeito trabalhou muito o dia inteiro, está cansado e, doido para chegar em casa, acelera um pouco mais seu carro, extrapola o limite de velocidade permitido pela via e, de repente, entra uma criança na frente do carro dele e ele não consegue frear exatamente porque ele estava acima do limite permitido, atropelando e matando aquela criança. Ele causa um dano gigantesco, com uma culpa pequena de X. ➢ Comparando essas hipóteses e se aplicando o Princípio da Reparação Integral dos Danos, quem vai pagar mais? O agente da hipótese 1 ou o agente da hipótese 2? Para esse princípio, o que interessa é a coluna do dano e de sua extensão. Quem vai pagar mais é o agente da hipótese 2, aquele que matou uma criança, embora sua culpa tenha sido bem reduzida.

O CC/2002 atenta para esse tipo de hipóteses então, apesar de não abrir mão do Princípio da Reparação Integral dos Danos, ele traz uma situação excepcional no parágrafo único do art. 944, com a possibilidade de se atenuar, reduzir, mitigar esse princípio nas circunstâncias em que o dano fosse grande, mas a culpa fosse pequena.

➢ Exemplo (Agostinho Alvim): um idoso está em sua cadeira de balanço, pitando um cigarro, cochilando. De repente, o cigarro cai de sua mão, incendeia a cortina e logo todo o prédio está em chamas. Esse senhor, com culpa pequena, causou um dano gigantesco. Nesses casos, é possível haver redução da indenização.

Art. 944, parágrafo único: “Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.”

➢ Seria possível uma interpretação às avessas desse parágrafo único do art. 944 para aquele caso daquele marido canalha que todas as noites bate na esposa, a fim de aumentar a indenização? Não, o inverso não é permitido. Somente é permitido reduzir equitativamente.

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Vale lembrar que essa possibilidade de redução da indenização só se aplica para o mundo da Responsabilidade Civil Subjetiva, não se aplicando para o mundo da Responsabilidade Civil Objetiva (independente de culpa), conforme o seguinte enunciado doutrinário:

IV Jornada de Direito Civil - Enunciado 380: Atribui-se nova redação ao Enunciado n. 46 da I Jornada de Direito Civil, pela supressão da parte final: não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva.

3) Nexo causal

Conceito: nexo causal é a relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado. É aqui que vai residir o maior problema da doutrina e da jurisprudência nacional.

Teorias explicativas do nexo causal: 1) Teoria Equivalência das Condições: por essa teoria, toda e qualquer circunstância envolvida no desenrolar dos fatos é considerada causa. Essa teoria não é aplicada no nosso país em sede de responsabilidade civil porque conduziria a verdadeiros absurdos, como o absurdo de se responsabilizar o fabricante da arma pelo homicídio.

2) Teoria da causalidade adequada: por essa teoria, responderá pelo dano aquela pessoa em que de sua conduta decorra adequadamente o resultado. Grande defensor dessa teoria no nosso país é Sérgio Cavalieri Filho, autor de um livro muito bom sobre responsabilidade civil, que é o Programa de Responsabilidade Civil. Não é qualquer fato envolvido que será considerado como causa, tem que ser aquele fato, aquela conduta, que adequadamente resulte naquele dano. Vamos encontrar decisões em tribunais estaduais e no STJ adotando essa teoria. ➢ Exemplo: um sujeito, que não tenha carteira de motorista, resolve dirigir um carro, mas ele o faz direitinho, dentro da velocidade para a via, observando as placas. De repente, surge um bêbado na contra mão de direção, mas com carteira de motorista, e bate no carro de quem não tinha carteira de motorista. Quem terá responsabilidade civil? Ao se aplicar a teoria da causalidade adequada, quem responderá será o sujeito que estava embriagado, embora ele tivesse carteira de motorista porque, por essa teoria, responderá pelo dano aquela pessoa da qual de sua conduta decorra adequadamente o resultado.

3) Teoria dos danos diretos e imediatos: por essa teoria, responderá pelo dano aquela pessoa em que de sua conduta decorra diretamente e imediatamente o resultado. A doutrina vai nos dizer que essa teoria é adotada pelo CC no art. 403 e por Pablo Stolze. Essa teoria vai encontrar guarida também nos tribunais estaduais e no STJ.

Art. 403, CC. “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.” 14 www.g7juridico.com.br

➢ Exemplo: imagine que A tenha desferido um soco leve na cabeça de B. B tinha uma fraqueza óssea preexistente e, em virtude da fraqueza óssea, porque ele tomou o soco, ele é conduzido a um estado de traumatismo craniano. A, que deu um soco leve, deve responder civilmente ou não? Depende da teoria empregada.

A→B Soluções: p/ a teoria da equivalência das condições: A terá que indenizar.

p/ a teoria da causalidade adequada: A não terá que indenizar (responderá pelo dano aquela pessoa que, de sua conduta decorrer adequadamente o resultado e, se analisarmos a conduta do A isoladamente, essa conduta não se reveste de idoneidade para chegar naquele resultado traumatismo craniano).

p/ a teoria dos danos diretos e imediatos: A terá que indenizar (responderá pelo dano aquela pessoa que, de sua conduta decorrer diretamente e imediatamente o resultado).

Além disso, vale notar que o nexo causal é um elemento que não pode faltar, sob pena de afastarmos a própria responsabilidade civil. Se estivermos, no caso concreto, presentes excludentes do nexo causal, estaremos afastando o nexo causal e a própria responsabilidade civil.

Excludentes do nexo causal: - Caso fortuito e força maior

No mundo do Direito Penal, existe uma contunde diferença entre caso fortuito e força maior. No mundo do Direito Civil não existe diferença aos olhos do Código Civil, tanto é assim que o conceito de caso fortuito e de força maior é o mesmo no art. 393, parágrafo único do CC.

Art. 393, CC. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis de se evitar ou impedir.

Ontologicamente, embora exista diferença entre caso fortuito e força maior, o legislador do Código Civil não se preocupa com essa diferença e traz o mesmo conceito para os dois.

➢ Exemplos de caso fortuito e força maior: geralmente são eventos associados à fenômenos da natureza, como no caso em que a pessoa está parada no seu carro e começa a chover muito forte. A água começa a subir muito forte 15 www.g7juridico.com.br

e muito rápido na via e acaba empurrando o carro dessa pessoa contra o carro da frente. O sujeito do carro da frente então tem seu carro atingido pelo veículo de trás. O sujeito do carro da frente, posteriormente, ajuíza uma ação contra o motorista do carro de trás. Esse motorista se defende, dizendo que aquilo aconteceu, mas foi por caso fortuito ou força maior, querendo afastar o nexo causal e a responsabilidade. ➢ Exemplos de caso fortuito e força maior: um indivíduo estava dirigindo seu carro, subiu na calçada e atingiu uma pessoa em cima da calçada. A pessoa que estava em cima da calçada ajuizou uma ação contra o motorista, que se defendeu dizendo que tinha uma excludente do nexo causal, alegando que o ocorrido se deu porque, no momento em que ele estava dirigindo seu carro, entrou uma abelha dentro do carro e dentro de seu ouvido, assim, ele teria perdido o controle do carro. Com essa argumentação, e o motorista provando o alegado, ele afastou o nexo causal e a responsabilidade civil dele.

Obs.: Fortuito interno X Fortuito externo. Fortuito interno é aquele em que o fato é conexo à atuação e organização da empresa. Exemplo: houve um acidente com um ônibus porque o motorista do ônibus sofreu um infarto, perdeu o controle da direção e ocorreu o acidente. Isso é um fortuito interno porque é um fato conexo à atuação e organização da empresa, haja vista que a empresa poderia ter detectado por meio de exames prévios de saúde em relação àquele empregado.

➢ Quando existe uma hipótese de fortuito interno, deve haver indenização? Claro que sim. No caso, a empresa de ônibus deve ser responsabilizada. Portanto, o fortuito interno não é considerado excludente do nexo causal.

Já no fortuito externo, o fato não é conexo à atuação e organização da empresa. Exemplo: o motorista de ônibus está dirigindo e acontece um acidente não porque ele sofreu um infarto, mas sim porque houve um tremor de terras. O tremor de terras não é um fato conexo à atuação e organização da empresa. Nesse caso, a empresa não responde, porque o fortuito externo afasta o nexo causal e, portanto, a responsabilidade civil.

Súmula 130, STJ: “A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento.” [fortuito interno]

Súmula 479, STJ: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”. [fortuito interno]

São, portanto, excludentes do nexo causal:

-Caso fortuito ou força maior: apenas o fortuito externo.

-Culpa exclusiva da vítima: fato exclusivo da vítima. Imagine que houve um atropelamento porque o pedestre, tentando suicídio, pulou na frente do carro. O motorista do carro estava dirigindo conforme as leis de trânsito, conforme a 16 www.g7juridico.com.br

velocidade regulamentada para a via, mas não consegue parar e aquela pessoa morre. Não podemos confundir a culpa exclusiva da vítima com a culpa concorrente.

Culpa concorrente não é excludente do nexo causal, estando no art. 945 do CC3, em que temos a vítima colaborando para a eclosão do evento danoso, mas o agente também contribuiu para a eclosão do evento danoso. Exemplificativamente, o motorista estava bêbado e em alta velocidade com o pedestre tentando suicídio – culpa concorrente, que resulta em redução da indenização.

-Culpa de terceiro: alguns manuais mencionam culpa exclusiva de terceiro ou fato exclusivo de terceiro. Nessa terceira excludente do nexo causal, o pretenso agente é um mero instrumento para a causação do dano. Exemplo: o indivíduo está parado, esperando o semáforo abrir, vem um caminhão desgovernado, bate no carro dele, empurrando o carro dele para cima da calçada e ele atropela uma pessoa em cima da calçada.

O motorista do carro não teve iniciativa nenhuma, ele estava parado, ele foi mero instrumento para a causação do dano. Quem foi atropelado ajuíza uma ação contra esse motorista do carro e ele se defende alegando a excludente do nexo causal que o acidente se deu por culpa de um terceiro.

Obs.: o transportador, aquele que recebe para transportar alguém (como a empresa de ônibus, o taxista), não pode alegar culpa de terceiro para excluir nexo causal e, portanto, afastar a sua responsabilidade civil. O transportador, ainda que aquele resultado tenha sido alcançado em virtude da culpe de um terceiro, o transportador vai pagar para a vítima e pode se voltar contra o terceiro. Isso está no Código Civil no art. 735.

Art. 735, CC. A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.

Súmula n. 187 do STF: A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.

➢ Exemplo: O taxista coloca alguém no seu carro como passageiro e cliente. Surge alguém na contra mão de direção e bate no táxi, machucando o passageiro. O passageiro ajuíza a ação contra o taxista. O taxista não pode alegar para o passageiro, porque o transportador, em todo contrato de transporte, há implícita uma cláusula que é a cláusula de incolumidade, em que o transportador assume a responsabilidade de levar o passageiro até o seu destino incólume. Então, se acontecer algo ao seu passageiro, o transportador é quem deve responder.

3

Art. 945, CC. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano. 17 www.g7juridico.com.br

Pela teoria do risco criado, responderá objetivamente pelo dano a pessoa que tenha criado o risco. Pela teoria do risco integral, o agente tem que responder objetivamente ainda que ele tenha em mãos uma excludente do nexo causal. As excludentes do nexo causal também têm cabimento no mundo da responsabilidade objetiva quando falamos de teoria do risco, exceto quando falamos de teoria do risco integral.

Quando for caso de se aplicar a teoria do risco integral, o agente deverá responder objetivamente ainda que ele tenha em mãos uma excludente do nexo causal (caso fortuito ou força maior, culpa exclusiva da vítima, culpa de terceiro). Encontramos a teoria do risco integral, por exemplo, em se tratando de dano nuclear, dano ambiental.

Segundo a teoria do risco proveito, irá responder objetivamente pelo dano a pessoa que tenha obtido proveito com aquela atividade, tratando-se de um proveito econômico. Um exemplo de aplicação da teoria do risco proveito está na súmula n. 492 do STF, porque essa súmula traz responsabilidade solidária para a locadora de veículos e o condutor locatário em caso de acidente, sendo que é a locadora de veículos quem aufere o proveito nessa relação jurídica.

Súmula n. 492 do STF: A empresa locadora de veículos responde, civil e solidariamente com o locatário, pelos danos por este causados a terceiro, no uso do carro locado.

Há uma crítica à essa súmula em relação à menção da solidariedade, já que sabemos que, tecnicamente falando, solidariedade não se presume, decorre da lei ou da vontade das partes. Embora haja essa crítica, essa súmula aparece em provas de concurso.

Teoria do Risco Criado (art. 927, parágrafo único, CC): por essa teoria, responderá objetivamente pelo dano aquela pessoa que tenha criado o risco.

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Art. 927, parágrafo único, CC. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. [cláusula geral]

Pressupostos:

- Atividade de risco: quando falamos de atividade de risco, nenhuma lei traz o conceito do que seja, será o juiz do caso concreto que irá informar se aquilo se traduz em atividade de risco ou não. Exemplo: imagine que um surfista estava praticando surf na praia e atropela um banhista. O banhista ajuíza uma ação contra o surfista, pleiteando a devida indenização pelo dano material sofrido, com reparação por dano moral, dizendo que o agente tem responsabilidade objetiva, afinal de contas ele estava praticando surf e a prática de surf é atividade de risco.

O juiz do caso é quem vai responder se surf é atividade de risco ou não e ele tem dois caminhos que pode seguir: ele pode concordar com o banhista, decidindo que a prática de surf é uma atividade de risco e, assim, dar seguimento à ação e o agente terá uma responsabilidade objetiva, independentemente de culpa.

Contudo, o juiz pode ir para outro caminho e dizer que praticar surf não é atividade de risco e, assim, aquela ação não irá terminar ali, a ação continua, mas continua no mundo da responsabilidade civil subjetiva, com a vítima tendo que provar a culpa do agente para obter êxito em seu pedido.

- Dano: valem todas as observações feitas por ocasião do estudo da responsabilidade subjetiva.

- Nexo causal: valem todas as observações feitas por ocasião do estudo da responsabilidade subjetiva.

A responsabilidade objetiva vai decorrer, conforme o parágrafo único do art. 927 do CC, daquela situação em que a pessoa pratica atividade de risco ou quando a lei impuser. Exemplo de lei impondo responsabilidade objetiva: quando o filho de 19 www.g7juridico.com.br

10 anos causa dano a alguém, quem vai responder são os pais e os pais têm uma responsabilidade objetiva não porque ser pai é atividade de risco, mas sim por imposição de lei.

A regra do ordenamento jurídico é que somos responsáveis apenas pelos nossos atos. Porém, excepcionalmente, pode ser que uma pessoa seja responsabilizada por um fato de um terceiro ou por um fato de uma coisa. Todas as vezes que uma pessoa for responsabilizada por um fato de um terceiro ou por um fato de uma coisa, haverá caso de responsabilidade objetiva imposta por lei.

Responsabilidade por fato de terceiro

A responsabilidade por fato de terceiro pode aparecer na prova com outras denominações: responsabilidade por fato de outrem ou responsabilidade objetiva indireta. A regra é que iremos responder por apenas aquilo de errado que fizermos. Mas, excepcionalmente, pode ser que se responda por fato de terceiro, nas seguintes situações:

Art. 932, CC. São também responsáveis pela reparação civil: I - Os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; ➢ Uma pessoa tem um filho de 7 anos de idade. Se ele causa dano a alguém, se ele pega uma pedra e atira contra a vidraça da vizinha, os pais pagarão por isso. Respondem objetivamente, independentemente de culpa. Com base na parte final do inciso, surge uma discussão se os pais estiverem separados, o filho está sob a guarda da mãe e, sob a guarda da mãe, ele causa dano a um terceiro. Quem irá responder? Existem manifestações nos dois sentidos, tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Tem gente que vai dizer que a responsabilidade é só da mãe, porque o inciso I diz que tem que estar sob sua autoridade e companhia. Alguns autores e algumas decisões vão ampliar essa perspectiva e dizer que o pai também terá que responder, porque o pai não perdeu o poder familiar só porque a guarda está somente com a mãe (Giselda Hironaka, Maria Berenice Dias).

II - O tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; ➢ Tutelado causou danos, quem responderá vai ser o tutor objetivamente. Curatelado causou danos, quem responderá vai ser o curador objetivamente. Todavia, imagine que aquela criança cause dano a terceiro, pegando uma pedra e atingindo a vidraça no horário em que ela estava no colégio, deixada pelo tutor. De quem será a responsabilidade nesses casos? Nesse caso, migramos do inciso II para o inciso IV e a responsabilidade será da escola.

III - O empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; ➢ Alguém tem uma moça que trabalha em sua casa, uma empregada doméstica e ela causa dano a alguém. Ela deixa a panela no fogão e pega fogo no prédio. Quem responderá é o empregador. Essa pessoa tem um motorista particular e esse motorista, em trabalho, pega o seu carro e comete um acidente de trânsito. Quem responderá 20 www.g7juridico.com.br

é o empregador, de forma objetiva. Caiu em desuso a súmula n. 341 do STF, que trazia a culpa presumida do empregador. Não é culpa presumida que o empregador tem e sim responsabilidade objetiva.

IV - Os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; ➢ Além da responsabilização da escola, são aquelas situações em que o hóspede causa dano a outro hóspede dentro do hotel. Quem responderá é o hotel, a hospedaria. Vale lembrar que esse inciso IV tem uma imprecisão terminológica porque diz “os donos de hotéis”, porque não será a pessoa natural que vai responder por isso e sim a própria pessoa jurídica do hotel, da hospedaria, da escola. Em prova de múltipla escolha, apesar da imprecisão terminológica, o candidato deve assinalar como correta a assertiva que traz a redação do inciso tal como está.

Nos incisos citados, para que se tenha uma responsabilidade objetiva, é necessário que a pessoa que causou o dano tenha causado o dano com culpa. No exemplo do empregado, o motorista particular pegou o carro do empregador e, embriagado, entrou na contra mão e causou dano a alguém. A responsabilidade é subjetiva e se constata a culpa do empregado. Constatada a culpa do empregado, vamos para outro nível de análise, que é a análise da responsabilidade do empregador, então chegamos na responsabilidade do empregador, que é uma responsabilidade objetiva.

V - Os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. ➢ Toda a doutrina nos diz que esse inciso nem deveria existir porque foge de toda a ideia do art. 932 como um todo. Ao analisarmos esse inciso V, temos uma situação na qual um sujeito levanta de manhã e diz para a esposa ficar em casa fazendo o almoço porque ele vai ali assaltar um banco e volta para o almoço. Esse sujeito assalta o banco, chega em casa com um saco de dinheiro, colocando em cima da mesa. Essa mulher deveria devolver esse dinheiro, porque não é dela.

Art. 933, CC. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos. ➢ Essas pessoas vão responder independentemente de culpa. Será que essas pessoas que responde objetivamente pelo dano causado por terceiro poderiam se voltar depois contra o causador do dano? Em regra, sim.

Art. 934, CC. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz. ➢ Empregado causou dano e o empregador pagou. Depois, o empregador pode se voltar contra o empregado. Da mesma forma, acontece em relação ao tutelado e seu tutor. Pai pagou pelo dano causado pelo filho. Depois, o pai não pode se voltar contra o filho por uma razão de solidariedade familiar em virtude da exceção prevista na parte final do artigo.

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Art. 942, parágrafo único, CC: São solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no art. 932. ➢ Esse parágrafo único fala que todas aquelas pessoas do art. 932 têm responsabilidade objetiva solidária – imposta por lei – com aquela pessoa que causou o dano. O empregado causa dano culposamente a alguém. A empregadora vai pagar pelo dano, respondendo objetivamente. A vítima pode cobrar só da empregadora, só do empregado ou dos dois simultaneamente, porque o empregado e a empregadora respondem solidariamente.

Nesse momento, surge um problema: quando analisamos detidamente o Código Civil, acabamos nos deparando com uma aparente incoerência, que estaria prevista no art. 928 do CC. Esse artigo traz uma inovação porque ele não existia no CC/1916 e traz a responsabilidade civil do incapaz, mas o incapaz poderá ser responsabilizado dentro desses parâmetros propostos pelo art. 928.

Vamos imaginar que um menino de 7 anos pegue uma pedra e atire na vidraça da vizinha. A vizinha é a vítima. A vítima, em um primeiro plano, deve ir atrás dos pais e os pais irão responder objetivamente com base no art. 932, I. Suponhamos que a mãe já morreu e só tenha o pai vivo. Esse pai não tem obrigação de indenizar porque foi destituído do poder familiar ou, ainda que o pai não tenha sido destituído do poder familiar, o pai não tem dinheiro.

Assim, a vítima poderá se voltar contra o filho porque ele herdou dinheiro da mãe. Isso está sendo abordado sob a perspectiva da subsidiariedade. A responsabilidade do incapaz existe no CC/2002, mas é uma responsabilidade subsidiária e não solidária porque, primeiro, a vítima deve se voltar contra os pais. Apenas se frustrando nessa tentativa é que a vítima poderá se voltar contra o incapaz.

Surge uma aparente contradição do legislador porque o parágrafo único do art. 932 tinha falado que todas as pessoas mencionadas nos incisos do caput teriam responsabilidade solidária e, aqui no art. 928, temos o incapaz e ele não tem responsabilidade solidária, mas sim subsidiária. Como interpretar isso tudo?

Para os incisos I e II, que versam sobre incapazes, vamos aplicar o art. 928 e a responsabilidade subsidiária. Para os incisos III, IV e V se aplica o parágrafo único do art. 942, com a responsabilidade solidária.

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O CC/1916 trazia um artigo similar ao art. 932, trazendo responsabilidade para os pais, para o tutor, para o curador, para o empregador. Mas o CC/1916 trazia responsabilidade para essas pessoas sob a perspectiva da responsabilidade subjetiva, ou seja, essas pessoas deveriam responder por culpa presumida: culpa in vigilando (não vigiou direito), culpa in eligendo (o empregador não elegeu adequadamente o empregado), culpa in custodiendo.

No CC/2002, isso tudo fica para trás porque o CC/2002 traz a responsabilidade para essas pessoas, mas é uma responsabilidade objetiva. Isso é importante porque no CC/1916 o pai era chamado para responder porque tinha agido com culpa in vigilando, culpa presumida. O pai poderia discutir, naquele processo, dizendo que educou muito bem seu filho. Havia uma inversão do ônus da prova.

Se presumia a culpa delas, mas elas poderiam afastar a culpa e não serem responsabilizadas. No CC/2002, não se fala mais nisso. Essas pessoas respondem objetivamente. Isso significa dizer que o pai é chamado para pagar, o empregador é chamado para pagar e não adianta essas pessoas quererem discutir culpa, porque aqui não cabe discussão de culpa. A responsabilidade deles agora é objetiva e não mais por culpa presumida.

Responsabilidade por fato de coisa

✓ Art. 936 ✓ Art. 937 ✓ Art. 938

Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.

Pelo Código Civil, animal ainda é categorizado como coisa. O dono ou detentor do animal vai pagar pelo dano causado pelo seu animal e a responsabilidade dele é objetiva. A única coisa que ele pode alegar para afastar sua responsabilidade é se ele provar a culpa exclusiva da vítima ou se ele provar força maior – excludentes do nexo causal.

Sabemos muito bem que a exceção da responsabilidade objetiva decorrente do risco integral é possível que a pessoa responda, apresentando uma excludente do nexo causal e o que a parte final deste artigo está trazendo são as excludentes 23 www.g7juridico.com.br

do nexo causal, sem mencionar a culpa de terceiro, sendo que a doutrina considera que essa modalidade está implícita nesse artigo, conforme o enunciado doutrinário aprovado:

Enunciado 452, CJF: A responsabilidade civil do dono ou detentor de animal é objetiva, admitindo-se a excludente do fato exclusivo de terceiro.

Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta.

Essa é a situação de alguém que está andando na rua, passando na frente de uma construção ou de um prédio que está em ruínas e cai na cabeça daquela pessoa um pedaço de telha podre, um pedaço de vidro da janela. O dono responderá de forma objetiva, independente de culpa.

Apesar dessa parte final falando sobre necessidade manifesta de reparos, a doutrina se posicionou no sentido de que a responsabilidade desse dono de edifício em ruínas é objetiva porque tanto a necessidade de reparo era manifesta que caiu na vítima. Essa parte final sequer precisava existir.

Enunciado 556, CJF: A responsabilidade civil do dono do prédio ou construção por sua ruína, tratada pelo art. 937 do CC, é objetiva.

Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.

Essa é a situação de alguém que está andando na rua e algo também cai na cabeça dessa vítima, mas, aqui o que cai é um vaso de flores, um tapete que estava pendurado na janela para secar, um cinzeiro de quem estava fumando na sacada. Aqui não estamos falando de construção e nem de prédio em ruínas. Alguém vai responder e não será o dono necessariamente, porque “aquele que habitar” pode ser o locatário, o comodatário, o usufrutuário ou o dono.

Claro que, se não conseguirmos descobrir de qual unidade autônoma aquilo caiu ou foi lançado, o condomínio deve responder por aquilo, conforme o enunciado:

Enunciado 557, CJF: Nos termos do art. 938 do CC, se a coisa cair ou for lançada de condomínio edilício, não sendo possível identificar de qual unidade, responderá o condomínio, assegurado o direito de regresso.

Estamos analisando a responsabilidade objetiva, que terá algumas fontes:

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A responsabilidade objetiva, no CC/2002, além das estudadas, ainda terá uma terceira fonte, que é exatamente o abuso de direito (art. 187 do CC). Abuso de direito ocorre quando uma pessoa, ao exercitar um determinado direito, extrapola determinados limites. Por exemplo: alguém resolve ouvir música no volume máximo de segunda-feira para terça-feira às 5h. Esse vizinho pode ajuizar uma ação pleiteando a devida reparação civil e a responsabilidade civil de quem age em abuso de direito é objetiva.

Art. 187, CC. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Há uma dúvida porque esse art. 187 inicia com “também comete ato ilícito” porque ato ilícito é do mundo da responsabilidade subjetiva e o aluno lendo, em uma primeira leitura do art. 187, pode achar que a responsabilidade que decorre do abuso de direito é subjetiva, mas não o é. Ela é objetiva.

Enunciado 37, CJF: A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico.

➢ Houve um atropelamento na rua. Em princípio, a responsabilidade é do motorista que estava dirigindo o carro. Essa responsabilidade dele será analisada por exclusão. Primeiro, se verifica se ele está no mundo da responsabilidade objetiva, se ele estava praticando atividade de risco, se alguma lei impõe responsabilidade objetiva para o motorista de carro ou se ele agiu em abuso de direito. No caso, a resposta é negativa para todas. Não sendo responsabilidade objetiva, caímos na vala comum, que é o mundo da responsabilidade subjetiva, dependendo da prova da culpa.

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MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS Direito Civil Profa. Mônica Queiroz Aula 17

ROTEIRO DE AULA

Tema: DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

A relação jurídica obrigacional é aquele em que, de um lado, temos um sujeito denominado de credor, ao passo que do outro lado, temos um devedor. Entre eles, haverá um objeto e a ligar isso tudo, formando uma única estrutura, vamos encontrar aquilo que chamamos de vínculo jurídico.

O credor é conhecido também como sujeito ativo da relação jurídica obrigacional e, se o credor é o sujeito ativo, do outro lado teremos o devedor, que será considerado o sujeito passivo da relação jurídica obrigacional. Vale destacar que podemos chamar essa relação jurídica obrigacional simplesmente de obrigação. Obrigação é exatamente esse vínculo transitório que é estabelecido entre um credor e um devedor, transitório porque ele vai nascer, viver e morrer. No nosso ordenamento jurídico, adota-se uma teoria dualista ou binária.

Teoria Dualista ou Binária

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Essa teoria é de origem alemã e nosso país importou. Essa teoria vai nos informar que a obrigação se desenvolve por meio da relação existente entre dois elementos:

Débito (schuld): é a dívida e não apenas a dívida, como também o dever de pagá-la; Responsabilidade (haftung): é a possibilidade que tem o credor de “invadir” o patrimônio do devedor para se satisfazer.

Se existe uma obrigação, com um credor de um lado e um devedor do outro, o devedor tem para si a dívida, ele tem o dever de pagar essa dívida, isso se traduz no débito. Imagine que o devedor não o faça espontaneamente, isto é, o devedor não promove o pagamento. Neste momento em que o devedor não promove o pagamento, nasce o segundo elemento, a responsabilidade, consistente na possibilidade que tem o credor de “invadir” o patrimônio do devedor para se satisfazer.

Está entre aspas a expressão porque o credor deve acionar o Poder Judiciário para tentar se satisfazer. 99% das obrigações do nosso país funciona assim, há um débito, uma dívida e o dever de pagá-la, mas, se o devedor não paga espontaneamente, surge a responsabilidade, que é a possibilidade de o credor “invadir” o patrimônio do devedor.

✓ Obrigação Civil ou Perfeita: D + R. É aquela que irá apresentar os dois elementos, existe um débito, mas, se não houver o pagamento espontâneo da dívida, surge para o credor a responsabilidade. 99% das obrigações no Brasil são civis ou perfeitas. ✓ Obrigação Natural ou Imperfeita: D. É aquela que irá apresentar um elemento, qual seja, o débito. Na obrigação natural ou imperfeita, existe apenas o débito, não existe o elemento responsabilidade. Significa que se tem a relação jurídica obrigacional, um credor de um lado e um devedor de outro e só existe o elemento débito, a dívida e o dever de pagar essa dívida, mas, se o devedor não pagar espontaneamente, não há como o credor “invadir” o patrimônio do devedor para se satisfazer porque falta o elemento responsabilidade.

Exemplos de obrigação natural ou imperfeita:

✓ Dívida prescrita: quando temos uma dívida prescrita, o devedor pode querer pagar o credor, exatamente porque ainda existe o elemento débito. Se o devedor não promover esse pagamento espontaneamente, não há como o credor invadir o patrimônio do devedor para se satisfazer.

Imagine que o devedor pagou, mas um amigo o alerta que aquela dívida está prescrita. O devedor decide ajuizar uma ação contra seu credor pedindo de volta aquilo que foi pago, porque não tinha como ele invadir o patrimônio para se satisfazer. Pessoas que pagam essas obrigações naturais ou imperfeitas podem pedir de volta aquilo que elas pagaram? Não, porque o art. 882 do CC assim o proíbe.

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✓ Dívida de jogo: no final de uma longa noite de várias partidas de pôquer, uma pessoa tinha ganhado R$ 5.000,00 naquelas partidas. O devedor ainda não pagou. Se o devedor quiser pagar, ele pode porque existe o débito, isto é, existe a dívida e o dever de pagá-la mas se esse devedor não pagar espontaneamente, o credor não tem como invadir o patrimônio dele para se satisfazer.

Art. 882, CC: “Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível.”

Esse dispositivo existe porque essas dívidas, dívida de jogo e dívida prescrita, nelas existe o débito, só não existe a responsabilidade, mas a dívida e o dever de pagá-la existe. Tanto é assim que o devedor foi lá e pagou e porque existe o débito, depois esse devedor não pode querer cobrar de volta aquilo que foi pago.

Os manuais vão trazer a dívida de jogo sim, como um grande exemplo de obrigação natural ou imperfeita, mas destacaremos a seguir porque não é qualquer dívida de jogo que será considerada obrigação natural ou imperfeita, porque existe uma classificação de jogos, que devemos conhecer.

Classificação dos jogos: •

Jogos proibidos: é aquele jogo que é ilícito, vedado por lei. Exemplo: jogo do bicho. A dívida do jogo do bicho pode ser considerada como uma obrigação natural ou imperfeita. O apostador ganha no jogo do bicho, mas o bicheiro não lhe pagou. Não se pode ajuizar ação contra o bicheiro cobrando porque ganhou aquele jogo do bicho, mas não levou. A dívida resultante do jogo do bicho é um exemplo que temos de obrigação natural ou imperfeita.



Jogos tolerados: são aqueles que não são proibidos pela lei, mas também não são bem vistos pela sociedade. Exemplo: carteado. O indivíduo que ficou jogando pôquer ou truco e ganhou dinheiro nesses jogos de carteado, não tem como invadir o patrimônio do devedor para se satisfazer, porque a dívida que resulta do jogo tolerado também vai se traduzir em obrigação natural ou imperfeita.



Jogos permitidos: é aquele jogo que é autorizado por lei e muitas vezes estimulado, incentivado. Exemplo: jogos promovidos por loterias federais. Quando falamos de jogo permitido, se alguém jogou na Mega Sena e ganhou, se tornando credora, mas até agora não recebeu o prêmio pode invadir o patrimônio do devedor para se satisfazer, porque quando falamos da dívida que resulta de um jogo permitido, autorizado por lei, estaremos diante de uma obrigação civil ou perfeita, existe o débito e, se o devedor não paga, surge para o credor a responsabilidade, que é a possibilidade de invadir o patrimônio do devedor para se satisfazer.

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Responsabilidade patrimonial do devedor

Esse princípio nos diz que, pela dívida do devedor, responderá o seu patrimônio. Se o devedor deve e não paga, o credor vai atrás do patrimônio do devedor. A responsabilidade é patrimonial e não pessoal, porque é o patrimônio do devedor que irá responder por aquela dívida e não a sua pessoa, o seu corpo. ➢ Existe, no nosso país, prisão por dívida civil? Em regra, não. No Brasil, se o sujeito deve e não paga, em regra, ele não poderá ser preso exatamente porque a responsabilidade não é pessoal e sim patrimonial. Tem aquela exceção da dívida decorrente de pensão alimentícia que o devedor não pagou e nem justificou o porquê de não ter promovido aquele pagamento.

➢ Princípio, para ser válido, tem que estar expresso em lei? Não. Princípio, para valer, não precisa estar expresso em lei. Acontece que esse princípio da responsabilidade patrimonial do devedor, o legislador entendeu por bem inseri-lo no CC e ele está no art. 391 do CC.

Art. 391, CC: “Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.”

Essa palavra “todos” contida na redação do art. 391 deve ser interpretada de forma temperada, porque não são todos os bens do devedor que responderão pelo inadimplemento de suas obrigações, sabemos que existem ressalvas em algumas leis. Sabemos que existem bens que são considerados impenhoráveis, que são estudados no Direito Processual Civil.

Obrigação Propter Rem

Essa expressão deriva do latim e significa “obrigação pela coisa, em virtude da coisa”. O devedor está vinculado não por força de sua vontade, mas sim por ser proprietário daquele bem.

- Sinônimos: obrigação real, reipersecutória ou ambulatória; - Exemplos: a obrigação de pagar IPTU, a obrigação de pagar cota condominial.

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Há uma manifestação interessante do STJ, porque sabemos que a obrigação de pagar cota condominial é obrigação propter rem, mas o STJ deixou bem claro que os honorários de sucumbência decorrentes de ação de cobrança de cotas condominiais não possuem natureza propter rem.

STJ: “os honorários de sucumbência decorrentes de ação de cobrança de cotas condominiais não possuem natureza propter rem.” (REsp 1.730. 651 – SP, j. 09.04.2019).

Fontes das Obrigações

Promovendo o estudo desses aspectos introdutórios do Direito das Obrigações, nesse momento vamos estudar as fontes das obrigações. A doutrina não é uníssona, não é tranquila para cuidar desse tema, mas a professora vai falar dos posicionamentos que têm prevalecido.

1) Fonte Imediata: a Lei. A doutrina que prevalece vai nos dizer que a fonte imediata é a própria lei. Uma obrigação nasce, antes de tudo, de lei.

2) Fontes Mediatas: •

Negócio jurídico bilateral ou unilateral: o negócio jurídico decorre da autonomia privada e demonstra liberdade das partes em alcançar os efeitos jurídicos pretendidos pelas próprias partes. Basicamente para se entender o negócio jurídico, deve se imaginar uma pessoa ou mais de uma pessoa fazendo algo e buscando efeitos disso que ela faz, mas são efeitos que saem da cabeça das partes

O negócio jurídico se subdivide, porque existe o negócio jurídico bilateral porque se precisa da manifestação de vontade de duas partes para que esse negócio jurídico bilateral se concretize. Exemplo: contrato. De outro lado, existe o negócio jurídico unilateral, sendo aquele que, para se aperfeiçoar, vai exigir apenas a manifestação de vontade de apenas uma das partes. Exemplos: uma promessa de recompensa, gestão de negócio, pagamento indevido. O negócio jurídico é fonte de obrigações, porque faz nascer aquela estrutura de credor de um lado, devedor de outro e entre eles um objeto. •

Ato jurídico em sentido estrito: representa uma mera submissão do agente ao ordenamento jurídico. Exemplo: um reconhecimento de paternidade. Ato jurídico em sentido estrito é quando o indivíduo faz aquilo buscando efeitos, mas não são efeitos que vão sair da cabeça dele, são efeitos que são impostos pelo ordenamento jurídico e ele não tem como fugir disso.

Quando aquele indivíduo reconhece a paternidade em relação àquela criança, vários efeitos irão decorrer e são efeitos que não estão saindo da cabeça do pai. Surge um primeiro efeito, que é o direito sucessório. Como segundo efeito, aquela criança passa a ter direito ao sobrenome do pai. Um terceiro efeito, aquela criança passa a ter direito a alimentos, o filho 5 www.g7juridico.com.br

é credor e o pai devedor. Todos esses efeitos decorrentes daquele ato saíram da cabeça do pai? Não, eles estão sendo impostos pelo ordenamento jurídico e por isso são chamados de ato jurídico em sentido estrito.

Tanto no negócio jurídico quanto no ato jurídico em sentido estrito, quando a pessoa o pratica, essa pessoa busca efeitos. A diferença é de onde estão vindo esses efeitos. Se os efeitos saírem da cabeça das partes, chamamos de negócio jurídico. Se os efeitos forem impostos pelo ordenamento jurídico, chamamos de ato jurídico em sentido estrito. •

Ato ilícito: quando falamos em ato ilícito, a grosso modo, podemos conceitua-lo como um ato contrário ao ordenamento jurídico. O ato ilícito também faz gerar obrigação porque, imagine que uma pessoa pegue seu carro e está saindo do curso, vem um sujeito na contra mão e bate no carro dessa pessoa. Esse sujeito praticou um ato ilícito. No momento em que ele bate no carro, acabou de nascer uma obrigação para ele em que ele é o devedor e a motorista é a credora. Ele se torna obrigado a lhe indenizar.

Na contemporaneidade, toda obrigação deve ser vista como um processo. O jurista que trouxe isso para o nosso país foi o Clóvis do Couto e Silva. Quando falamos em “processo”, essa palavra nos remete à ideia de conjunto de atos. Toda obrigação deve ser vista como um processo, como um conjunto de atos, porque haverá um antes, um durante e um depois. A obrigação não se exaure em um único momento, existe uma fase que antecede aquela obrigação, existe o momento da execução da obrigação em si e existe até um momento posterior ao cumprimento daquela obrigação.

Em todas essas fases, todas elas deverão ser permeadas pela boa-fé objetiva e, como diz Nelson Rosenvald, se compreendermos todas essas fases permeadas pela boa-fé objetiva, somente assim iremos alcançar a maior satisfação para o credor com a menor onerosidade para o devedor. Hoje, quando olhamos para o sujeito ativo (credor) e o sujeito passivo (devedor) de uma obrigação, não se deve pender para nenhum dos lados. Os dois merecem atenção e devemos conduzir aquela obrigação de tal modo que se promova a maior satisfação para o credor com a menor onerosidade para o devedor e só vamos conseguir isso se em todas aquelas fases tiverem boa-fé objetiva.

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Atualmente, toda obrigação é tida como complexa, o que significa dizer que a obrigação, hoje, para que ela seja cumprida e para que ambas as partes saiam satisfeitas, não basta o cumprimento daquela obrigação principal, também deverão ser cumpridos os deveres laterais ou anexos. ➢ Esses deveres laterais ou anexos deverão estar expressos no contrato? Não, eles são considerados deveres implícitos, isto é, ainda que eles não sejam mencionados no contrato (e na maioria das vezes eles não são mencionados), existem e devem ser cumpridos. Pablo Stolze vai chamar os deveres laterais ou anexos de deveres invisíveis porque não precisam estar expressos naquele contrato.

O que liga esses deveres laterais ou anexos à obrigação principal é a famosa boa-fé objetiva, que é o elemento integrador desses deveres laterais ou anexos à obrigação principal. Toda obrigação atualmente é tida como complexa porque não se consegue enxergar a obrigação principal isoladamente e sim ligadas a esses deveres laterais ou anexos: proteção, informação, cooperação, lealdade e solidariedade. Todos esses deveres laterais ou anexos deverão ser cumpridos ao longo de toda a obrigação e a obrigação deve ser vista como um processo.

➢ Exemplo 1: ao se comprar alguma coisa de alguém, estamos no antes porque a obrigação ainda não nasceu. A outra parte deve fornecer todas as informações acerca daquilo que se pretende adquirir, por causa da presença dos deveres laterais ou anexos na fase que antecede a própria obrigação. Durante a obrigação, é muito maior a obrigação do cumprimento dos deveres laterais ou anexos e, mesmo finda a obrigação, ainda se tem que cumprir com os deveres laterais ou anexos.

➢ Exemplo 2: um sujeito que chega com uma nota de 50 reais em uma lanchonete pedindo um sanduíche e um refrigerante. Ele cumpriu com a obrigação principal, pagando o dinheiro. A moça do caixa deu o troco para ele e entregou os produtos. A lanchonete também cumpriu com a sua obrigação principal, que era fornecer aqueles alimentos. Acontece que esse sujeito, dentro da lanchonete, ele foi se sentar segurando a bandeja em uma das mesas e o chão estava todo molhado, mas não havia nenhuma informação nesse sentido e ele escorregou, caiu e se machucou. A moça da lanchonete imediatamente pegou outra bandeja, com outro sanduíche e outro 7 www.g7juridico.com.br

refrigerante. Esse sujeito come o lanche dele, volta para a casa, pensa e ajuíza uma ação contra a lanchonete, pleiteando uma indenização e obtém êxito em seu pedido. Claro que a lanchonete se defendeu, dizendo que cumpriram com sua obrigação, entregando outro lanche a ele e o sujeito disse que realmente a lanchonete cumpriu com a obrigação principal, mas não cumpriram com os deveres laterais ou anexos, que era informar que aquele chão estava molhado, que era o proteger para que ele não caísse e, por isso, obteve êxito no pedido.

OBJETOS DAS OBRIGAÇÕES

Tanto o “dar” quanto o “fazer “vão se traduzir em obrigações positivas. Se na prova aparecer “em uma obrigação positiva”, não necessariamente é a obrigação de dar, pode ser uma obrigação de dar ou uma obrigação de fazer. Ainda existe uma terceira obrigação, que é a obrigação de não fazer, sendo chamada de obrigação negativa. É muito importante que se guarde essa nomenclatura, porque esse sinônimo aparece nas provas.

1) Obrigação de Dar

Por meio da obrigação de dar, busca-se a entrega ou a restituição de algo. Alguns manuais vão mencionar a obrigação de restituir e quando aquele manual menciona a obrigação de restituir, a obrigação de restituir nada mais é do que uma obrigação de dar, porque quando se tem que restituir, devolver alguma coisa para alguém, isso não deixa de ser uma entrega, uma devolução, uma obrigação de dar.

Se temos um credor de um lado e um devedor do outro e se estivermos falando de uma obrigação de dar, este devedor vai cumprir com sua obrigação entregando ou restituindo algo ao seu credor. Se estamos falando da obrigação de dar, a depender do que será entregue, teremos espécies de obrigação de dar.

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A) Obrigação de dar coisa certa •

Conceito: busca-se a entrega de algo, mas é algo que esteja perfeitamente individualizado, especializado, determinado. Exemplo: João deve um carro ano X, placa X, modelo X, chassi X para Mônica. É uma obrigação de dar aquele carro específico, uma coisa certa. Se, no lugar desse carro, João oferece uma vaca, dizendo que o carro valia R$ 50.000,00 e a vaca vale R$ 100.000,00.

Art. 313: O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa.

Mesmo valendo mais, a credora não é obrigada a aceitar essa vaca porque o art. 313 do CC assegura que o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa. Esse artigo costuma aparecer em provas de testes e as bancas trocam uma palavrinha no dispositivo para confundir o aluno. Aparece nas provas a seguinte redação: “o redor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, exceto se mais valiosa”. ERRADA. Ainda que mais valiosa, ele não é obrigado a aceitar.

A credora daquele carro específico e individualizado pensou bem e, verificando que a vaca vale o dobro do valor do carro, aceitou. A credora não é obrigada a aceitar, mas poderá, se assim quiser e, se aceitar uma prestação diversa, essa obrigação será extinta por um fenômeno denominado dação em pagamento.

Art. 356: dação em pagamento. “O credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida.” •

Acessórios: art. 233

Imagine que um contrato crie uma obrigação em que o devedor João tem que entregar a Mônica aquele carro ano X, placa X, modelo X, chassi X. É uma obrigação de dar coisa certa, mas aquele contrato não fala nada quanto aos acessórios do carro. Os acessórios da coisa certa irão acompanhar a coisa certa? Nesse caso, vale relembrarmos do princípio de que o acessório segue o principal (Princípio da Gravitação Jurídica).

Com base neste princípio da Parte Geral do CC, ainda que o contrato não tenha falado nada, os acessórios daquele carro irão acompanhar o carro. O art. 233 cuida dos acessórios da coisa certa e esse dispositivo deixa bem claro que é assim ainda quando não mencionados, os acessórios da coisa certa irão acompanhar a coisa certa. O final desse dispositivo, contudo, traz a ressalva de quando existe previsão no próprio contrato ou a depender das circunstâncias do caso.

➢ Exemplo das “circunstâncias do caso”: uma pessoa é dona de um apartamento e aluga aquele apartamento para João. A proprietária é a locadora e João é o locatário. João vai ficar ali por trinta meses, mencionados no contrato. Assim, quando João entra no apartamento, ele compra um fogão, uma geladeira. Correram os trinta meses e ele 9 www.g7juridico.com.br

já não mais se interessa pelo apartamento e irá devolver à locadora. Ele tem uma obrigação de restituir aquela coisa certa, aquele apartamento. Aquele fogão e aquela geladeira deverão ser devolvidos? Claro que não, aqueles acessórios não acompanham o principal porque, pelas circunstâncias do caso, eles não devem ser devolvidos, eles pertencerão ao João, que comprou os bens.

Art. 233. A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso.

Perda da coisa certa

Aqui analisaremos aquela circunstância em que uma pessoa te deve alguma coisa, uma coisa certa e essa coisa vem a se perder. Como solucionar esse problema recorrente?

Enquanto que, no estudo da Parte Geral do Código Civil, o aluno deve memorizar muitas informações, no Direito Obrigacional, ainda tem que se memorizar, mas em menor quantidade e se raciocina mais. Enquanto que na Parte Geral tem-se que memorizar quem são os absolutamente incapazes, quais são os relativamente incapazes, aqui se decora menos e se raciocina mais. Para resolver a questão que versa sobre a perda da coisa certa, se deve raciocinar.

Premissas: •

A coisa móvel se transfere com a tradição. Tradição significa entrega da coisa, não é no momento em que se assina o contrato, nem no momento em que o devedor entrega o dinheiro e sim no momento em que for entregue a coisa, a tradição e então se tornará proprietário, dono. Essa informação vale para a aquisição de automóveis, ainda que não tenha havido o pagamento ou a transferência daquele carro no DETRAN. Aquele registro que ocorre no DETRAN é para fins administrativos, sendo meramente declaratório de algo que já aconteceu;

Existem aquelas típicas questões de prova em que A vendeu um carro para B, A entregou o carro para B, mas não houve a transferência no DETRAN. B, dirigindo o carro, se envolveu em um acidente. De quem será a responsabilidade? Evidentemente que a primeira alternativa será de que a responsabilidade é de A porque A ainda se afigura como proprietário do veículo nos registros do DETRAN. Errado. A responsabilidade não é de A mais, sendo de B, pois B já é o dono, já é o proprietário do carro, embora não tenha havido a transferência no DETRAN, pois a propriedade do carro se transfere com a simples tradição. Para fins probatórios, o ideal é que a transferência se dê o quanto antes. •

A coisa se perde para o seu dono (res perit domino).

Voltando naquele exemplo citado em que Mônica vai comprar aquele carro específico do João. Nesse exemplo, Mônica comprou o carro do João, sendo a credora do carro e está esperando a entrega do carro, ao passo que o João é o devedor 10 www.g7juridico.com.br

do carro. Mônica está comprando o carro do João e existe uma primeira relação jurídica obrigacional, em que Mônica é devedora do dinheiro e João é credor do dinheiro. Do outro lado, temos uma segunda relação jurídica obrigacional, em que João é devedor do carro e Mônica é credora do carro. No mesmo negócio, surgem duas obrigações. A obrigação que nos interessa agora é a de dar coisa certa, de dar o carro.

Nessa negociação feita entre Mônica e João em que Mônica está comprando o carro de João, haverá um momento muito importante nessa negociação, quando da tradição. Esse é o momento mais importante da negociação porque o carro é coisa móvel e coisa móvel se transfere com a tradição. A partir do momento em que João entregar a ela aquele carro, ela passa a ser dona do carro.

Até a tradição, quem é dono do carro é o João. João é o alienante, o vendedor, chamado de devedor da entrega da coisa. Independentemente de Mônica pagar a ele o dinheiro e da transferência do DETRAN, a partir do momento em que ocorre a tradição, a Mônica, adquirente, credora da entrega da coisa passa a ser dona do carro. Após a tradição, quem passa a ser dona do carro será a credora, a adquirente.

Imagine que tenha havido a perda do carro antes da tradição. A segunda premissa é de que a coisa se perde para o seu dono (res perit domino). Assim, quem vai ficar com esse prejuízo é o dono e o dono era o devedor. Agora, se já tiver havido a tradição, independentemente de ter pago o dinheiro e de ter havido a transferência no DETRAN, se a perda ocorrer após a tradição, como Mônica já é dona do carro, ela ficará com o prejuízo.

Nas questões de prova, deve ser localizado com precisão no enunciado da questão o exato momento em que a coisa se perdeu. Se foi antes da tradição ou se foi depois da tradição. Quando a perda ocorrer antes da tradição, já sabemos que o prejuízo será do devedor, porque ele era o dono. Quando houve a perda antes da tradição, a perda se deu por culpa ou sem culpa do devedor?

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Situação 1: Mônica comprou aquele carro do João, João lhe deve a entrega do carro, mas o carro sofreu perda total antes da entrega, enquanto João ainda era dono do carro. João diz que não existe mais o carro porque ele mora em uma cidade que é vizinha a uma barragem de rejeitos de minérios. Houve o rompimento daquela barragem de rejeitos de minérios no dia X, conforme foi noticiado no Brasil inteiro e que, com esse fato, os rejeitos de minério destruíram toda a cidade, inclusive a casa de João e o carro.

Houve a perda da coisa antes da tradição sem a culpa do devedor. Neste caso, a obrigação será resolvida, extinta. E se Mônica tivesse adiantado a ele R$ 20.000,00 por aquele carro? Como houve a perda antes da tradição sem culpa do devedor, essa obrigação será resolvida, mas é claro que o devedor terá que devolver o equivalente, aquele valor que já tinha sido adiantado por Mônica. A obrigação será resolvida e o máximo que ocorrerá será a devolução do equivalente ao que o devedor da entrega da coisa tenha devolvido.

Situação 2: Mônica comprou aquele carro do João e João lhe deve a entrega do carro, mas antes de entregar o carro, houve a perda total do carro porque, antes de haver a entrega do carro, João, o devedor da entrega do carro, resolveu pegar o carro, fica completamente embriagado, sobe em cima da calçada, bate com o carro em um poste e ocorre a perda total do carro. Não há dúvida de que houve a perda da coisa antes da tradição com culpa do devedor.

Neste caso, a obrigação também será resolvida, extinta. Aqueles R$ 20.000,00 que Mônica tinha adiantado ao devedor da entrega da coisa João serão devolvidos. O mais importante é que, nesse caso com culpa, a obrigação será devolvida e ele deverá devolver o equivalente ao que eventualmente se tenha sido adiantado a ele, mas, exatamente porque ele agiu com culpa, é que ele deverá a indenizar por perdas e danos. A indenização por perdas e danos ocorre quando a perda da coisa se dá por culpa do devedor.

Art. 234, CC: “Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos.”

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Melhoramentos da coisa ou cômodos obrigacionais

Imagine que a coisa adquirida não tenha se perdido, pelo contrário, ela se submeteu a um melhoramento. Essa é a grande diferença. Por uma razão de justiça, do mesmo modo que a coisa se perde para o seu dono, o melhoramento também há de ir para o seu dono.

➢ Exemplo: alguém estava interessada em comprar uma cadelinha e foi até um pet shop. A pessoa pagou R$ 3.000,00 pela cadelinha, mas ela somente seria entregue dentro de 10 dias, porque ela seria tosada, etc. A tradição se daria em 10 dias. O animal ainda é tido como coisa móvel. O pet shop lhe deve a entrega da cadelinha. Até a entrega da cadelinha, independentemente de já ter sido pago o dinheiro para o pet shop, quem continua a ser dono do animal é o pet shop. Após a tradição, a credora passará a ser dona daquela cadelinha.

Se a cadelinha tivesse morrido antes da tradição, estaríamos enfrentando um problema de perda da coisa, teríamos que perquirir se o pet shop tinha agido com culpa ou sem culpa pela coisa. Contudo, a cadelinha entrou em estado de prenhez antes de ser entregue à adquirente. Esse animal vale agora muito mais. Houve um melhoramento da coisa ou cômodo obrigacional antes da tradição.

A premissa inicial, por uma razão de justiça, é que, do mesmo modo que a perda se dá para o seu dono, o melhoramento também há de ir para o seu dono. No art. 237 do CC, está previsto que o devedor da entrega da coisa, o pet shop, pode ligar para a adquirente e avisar que a cadelinha entrou em estado de prenhez e, por isso, agora ela está valendo R$ 5.000,00 e pedir que a adquirente pague a diferença.

A adquirente decide, podendo desistir da compra, hipótese em que a obrigação será resolvida e pegar o equivalente pago de volta, não sendo devidas indenizações por perdas e danos, mas a adquirente pode aceitar e pagar a diferença e ficar com a cadelinha.

Art. 237, CC: “Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação.”

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Parágrafo único. Os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os pendentes.

Silvio Venosa traz uma observação muito importante acerca desse artigo, em que foi feita a negociação anterior, a adquirente foi até o pet shop. Entre a negociação e a entrega, a cadelinha entrou em estado de prenhez, mas o Venosa traz que temos que verificar, no caso concreto, se aquele melhoramento, se quem promoveu aquelas modificações foi o devedor envolvido naquilo para tumultuar a negociação, porque se o devedor tiver promovido aquele melhoramento para tumultuar a negociação, as consequências serão outras, podendo ser exigidas perdas e danos.

De acordo com o parágrafo único do art. 237, em que os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os pendentes, é importante notarmos que, quando esse dispositivo cogita dessas circunstâncias, temos aquela situação em que a cadelinha que é vendida já estava em estado de prenhez e todos já sabiam disso.

Ela foi vendida como cadelinha em estado de prenhez. Daí, esses filhotes, esses frutos pendentes pertencerão ao credor porque já comprou a cadelinha dessa forma, em estado de prenhez. No parágrafo único do art. 237, o melhoramento já existia. Inclusive, o credor comprou aquilo bem como o vendedor vendeu aquilo já sabendo daquele melhoramento, no caso, daquele estado de prenhez e a adquirente já havia pago os R$ 5.000,00 pela cadelinha prenha.

Obs.: Perda na obrigação de restituir

Embora a obrigação de restituir esteja subsumida à obrigação de dar coisa certa, pode surgir algumas dúvidas em alguns artigos do CC. Se aplica as mesmas premissas da perda na obrigação de dar coisa certa, de que a coisa móvel se transfere com a tradição e de que a coisa se perde para o seu dono.

Em vez de colocada a tradição, colocamos a restituição nessa linha do tempo. Imagine que alguém tenha emprestado ou alugado seu carro a João. Estamos diante de uma obrigação de restituir, João tem uma obrigação de restituir, que nada mais é do que uma obrigação de dar. Ele tem que restituir o carro. João é o devedor da restituição. Mônica é a credora da restituição. Até a restituição, temos o devedor de posse do carro e a partir da restituição, Mônica toma para si a posse daquele carro. Como se trata de uma obrigação de restituir, durante toda a história, o dono é a mesma pessoa, a credora.

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Imagine que tenha havido a perda antes da restituição, então o devedor estava de posse daquele bem e perdeu aquele carro. Aqui o raciocínio é similar, também temos que ver se a perda se deu com culpa ou sem culpa do devedor.

Situação 1: o devedor daquela restituição, João, vem a perder aquele carro porque chegou um bandido, apontou um revólver para a cabeça de João, o mandando descer daquele carro agora e lhe entregar as chaves. João, devedor da restituição, perde o carro. Neste caso, houve a perda da coisa na obrigação de restituir antes da restituição e a perda foi sem culpa, foi porque o devedor foi roubado, submetido à uma violência e levaram o carro dele.

Nesse caso, a solução que o CC traz é que a obrigação será resolvida e não se foge àquela premissa de que a coisa se perde para o seu dono (res perit domino). Quando houve a perda, antes da restituição, quem era o dono era a credora Mônica, então ela é que ficará com o prejuízo porque a perda se dá para o seu dono. E os alugueis, até o dia do roubo? Claro que os alugueis, até o dia do roubo, serão devidos para a credora.

Situação 2: a Mônica aluga seu carro para o devedor da restituição do carro João, Mônica continua a ser dona do carro. Acontece que o devedor João, embriagado, pega o carro e, totalmente bêbado, sobe na calçada e bate contra o poste, dando perda total do carro. Houve a perda da coisa antes da restituição e a perda se deu por culpa do devedor.

É justo que a Mônica venha a ficar com esse prejuízo, embora ela seja a dona? Não é justo. A solução aqui será diferente. Como a perda ocorreu antes da restituição por culpa do devedor, a obrigação também será resolvida, extinta. O devedor João deve entregar o equivalente ao valor da coisa perdida à credora Mônica, o valor equivalente ao carro para que Mônica não fique com esse prejuízo – se afasta o res perit domino. Além disso, a Mônica pode exigir, ainda, uma indenização por perdas e danos.

Art. 238. Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor, se perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá, ressalvados os seus direitos até o dia da perda.

Art. 239. Se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo equivalente, mais perdas e danos. 15 www.g7juridico.com.br

B) Obrigação de dar coisa incerta (dívida de gênero)

A obrigação de dar coisa incerta também é chamada de dívida de gênero porque o que sabemos sobre a coisa é apenas o gênero e a quantidade. Exemplos de obrigação de dar coisa incerta: João deve dez garrafas de vinho (sabemos a quantidade, dez, e o gênero, garrafas de vinho), João deve cinco vacas (quantidade: cinco; gênero: vacas).

Se estamos falando da obrigação de coisa incerta, nessa negociação haverá um dado momento em que caberá uma escolha, afinal de contas, as garrafas de vinho ou as vacas que serão entregues deverão ser escolhidas. Essa escolha poderá ser chamada de concentração. Se, no mundo da obrigação de dar coisa incerta caberá uma escolha, a pergunta que se faz é a quem caberá a escolha, se ao credor, ao devedor ou a terceiro. O contrato há de informar a quem caberá a escolha. Se o contrato está silente, omisso nesse ponto, a escolha caberá ao devedor da entrega (art. 244 do CC).

Diante disso, se o devedor escolher as piores vacas ou as piores garrafas de vinho para entregar ao credor, ele não pode fazer isso, porque o art. 244 defere sim a escolha ao devedor, porém ele diz em sua parte final que o devedor não poderá escolher o que tem de pior, embora não esteja obrigado a prestar o melhor. •

Conceito: gênero e quantidade



Escolha (concentração): contrato. Devedor (art. 244)

Art. 244. Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação; mas não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor.

Como estamos trabalhando a obrigação de dar coisa incerta, nessa negociação haverá um determinado momento em que essa obrigação de dar coisa incerta irá se transformar em uma obrigação de dar coisa certa. Que momento será esse?

Momento em que a obrigação de da coisa incerta se transforma em obrigação de dar coisa certa (art. 245, CC)

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Mas não seria a partir da escolha que se fica certa a obrigação? Não. É que o art. 245 do CC vai nos informar que uma obrigação se transforma em outra não da escolha, mas sim cientificação daquilo que foi escolhido. A partir do momento em que aquela pessoa que escolheu comunicou, cientificou o que ela escolheu. Imagine que Mônica foi comprar aquelas cinco vacas de João e o contrato não fala quem vai escolher, então João escolhe.

A partir do momento em que ele escolheu, ainda não é coisa certa porque, de acordo com o art. 245 do CC, ele vai escolher e tem que comunicar, cientificar à credora das escolhas feitas e, somente a partir do momento em que ele a cientificou da escolha, estaremos diante de uma obrigação de dar coisa certa.

Art. 245. Cientificado da escolha o credor, vigorará o disposto na Seção antecedente.

Perda da coisa incerta (????) “genus non perit”

Será que faz sentido que uma coisa incerta venha a se perder? Uma coisa incerta admite a noção de perda? Não. Apenas aquilo que é certo que vai admitir a noção de perda, o que não é certo não admite a noção de perda, porque há uma regra de que gênero não se perde (genus non perit).

Por isso, se João deve dez garrafas de vinho, coisa que ele pode comprar em qualquer supermercado, em qualquer depósito de bebidas, ele não pode ligar para a credora dizendo que não tem mais, ainda que não seja por culpa dele. Ele deve conseguir essas garrafas de vinho porque a coisa incerta não admite a noção de perda.

Art. 246, CC: “Antes da escolha [da cientificação], não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito.”

Esse art. 246 tem uma falha, um problema na sua redação. Fazendo nova leitura, o principal do artigo já foi extraído, que ele traz a regra de que o gênero não se perde – genus non perit. Quando o legislador menciona “antes da escolha”, se o legislador queria ficar coerente com o artigo antecedente, ele não poderia ter iniciado esse artigo dessa forma, ele tinha

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que ter colocado “antes da cientificação”, porque o art. 245 é aquele que nos informa que o momento é o da cientificação e não o da escolha, porque é a partir da cientificação que a obrigação se transforma em dar coisa certa.

Obs.: Dívida de gênero limitado

Quando falamos de dívida de gênero limitado, o melhor é vermos alguns exemplos. Mônica foi comprar cinco vacas do João, mas não são quaisquer vacas, são aquelas vacas daquela fazenda. Há uma dívida de gênero, mas o gênero está limitado àquela fazenda. Mônica vai comprar dez garrafas de vinho do João, mas não são quaisquer garrafas de vinho, são aquelas garrafas de vinho de determinada safra.

Isso muda tudo porque aquelas garrafas de vinho daquela determinada safra podem acabar e as vacas daquela fazenda, todas elas podem morrer. Quando falamos em dívida de gênero limitado, não se aplica a regra de que o gênero não se perde (art. 246), porque aqui pode vir a se perder sim.

Um problema de prova que envolva dívida de gênero limitado, se houver a perda das coisas, solucionamos a questão aplicando as regras da perda da obrigação de dar coisa certa: tem que ser verificado se essa perda se deu por culpa (obrigação será resolvida, mas o credor poderá exigir indenização por perdas e danos) ou sem culpa do devedor (obrigação simplesmente resolvida).

2) Obrigação de Fazer (arts. 247/249)

- Conceito: por meio da obrigação de fazer (que também é uma obrigação positiva), busca-se do devedor o desempenho de uma atividade. Na obrigação de fazer, temos aquela mesma estrutura, de credor de um lado, devedor do outro, só que o devedor vai cumprir com a obrigação fazendo algo, desempenhando a atividade.

Essa atividade poderá ser física, intelectual ou até mesmo se reduzir à uma mera declaração de vontade. Imagine que Mônica contrate João para ele lavar o carro dela. O que se quer dele é o desempenho de uma atividade física, ele tem que lavar o carro dela. Uma editora contratou João para ele escrever um livro ou contratação como advogado, João irá desempenhar uma atividade intelectual.

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➢ Exemplo de declaração de vontade: Mônica pretende comprar um apartamento, mas não tem o dinheiro todo para pagar à vista. Então, João que está vendendo o apartamento não vai logo fazendo a escritura com ela, antes ele fará uma promessa de compra e venda. Mônica irá assumir o pagamento de parcelas em dinheiro. Nessa promessa de compra e venda há a informação de que, a partir do momento em que Mônica cumprir com o pagamento de todas as parcelas, surge uma obrigação para o João, que é ter que ir com ela a um cartório e outorgar a escritura pública de compra e venda.

Quando estudamos a obrigação de fazer, a obrigação de fazer comporta uma classificação, podendo ser fungível ou infungível. Essa terminologia é empregada no mundo dos bens, mas também empregamos no mundo da obrigação de fazer. Obrigação de fazer fungível é aquela em que a pessoa do devedor poderá ser substituída. ➢ Exemplos de obrigação de fazer fungível: João foi contratado para pintar as paredes de uma sala. João foi contratado para organizar as cadeiras em uma sala. Isso são obrigações de fazer, mas são fungíveis nos dois exemplos, porque o que interessa é que as paredes estejam pintadas, que as cadeiras estejam organizadas. Se será o pintor João ou outro pintor, tanto faz.

De outro lado, a obrigação de fazer poderá ser infungível, também chamada de personalíssima ou intuitu personae. É aquela em que a pessoa do devedor não poderá ser substituída. ➢ Exemplo de obrigação de fazer infungível: se contrata o Chico Buarque para fazer uma música para Mônica, é claro que só serve a música feita por esse compositor. Ele tem uma obrigação de fazer a música e só serve ele, não adianta outra pessoa chegar com essa música porque é um fazer infungível.

Quando falamos de infungibilidade, de obrigação de fazer infungível, a infungibilidade poderá decorrer da natureza da obrigação ou do próprio contrato. A infungibilidade que decorre da natureza da obrigação são aquelas situações em que se analisa aquela obrigação de fazer e fica óbvio que só serve esse sujeito, como no exemplo do Chico Buarque. A infungibilidade também poderá decorrer do contrato, porque muitas vezes, por sua natureza aquela obrigação é fungível, mas, por força do contrato, se transforma aquela obrigação em infungível. 19 www.g7juridico.com.br

➢ Exemplo: Mônica contratou João para pintar as paredes de uma sala e isso é uma obrigação de fazer fungível, que qualquer um poderia prestar. Imagine que João é um excelente pintor de paredes e ela coloca no contrato que está fazendo com João que ele vai pintar as paredes daquela sala e que ela não admite outra pessoa. Mônica pegou uma obrigação de fazer que em princípio era fungível e, por força do contrato, se transformou essa obrigação em infungível.

Posto isso, se estamos falando da obrigação de fazer, chegamos ao ponto mais importante desse tema, que é exatamente estudarmos o descumprimento da obrigação de fazer.

Descumprimento da obrigação de fazer: ➢ Quando ocorre um descumprimento de uma obrigação de fazer? Há um descumprimento da obrigação de fazer quando o devedor não faz, quando ele não desempenha a atividade que ele deveria ter desempenhado.

No mundo do direito obrigacional, empregamos mais o raciocínio do que a “decoreba”. O raciocínio feito é se que quando esse sujeito não fez isso que ele deveria fazer por culpa ou sem culpa dele.

Situação 1: Mônica contratou uma pessoa para cantar em uma festa. Obrigação de fazer, mas esse cantor não apareceu na hora da festa porque, no dia da festa, ele havia sofrido um sequestro. Na hora da festa, ele estava no cativeiro. Esse sujeito descumpriu com a obrigação de fazer dele, mas foi sem culpa dele.

Quando há o descumprimento da obrigação de fazer sem culpa do devedor, a obrigação será simplesmente resolvida, extinta. E aqueles R$ 5.000,00 que Mônica já havia pago para aquele cantor? Ele deve devolver aquele valor e a obrigação será simplesmente extinta, sendo que a credora não pode cobrar nada a mais porque o devedor descumpriu sem culpa.

Situação 2: Mônica contratou uma pessoa para cantar em uma festa, mas no dia da festa ele não apareceu porque ele deitou no sofá da casa dele à tarde, ficou tomando whisky a tarde inteira, curtindo preguiça, ficou bêbado e dormiu e não apareceu na hora da festa. Nesse caso, ele descumpriu também, mas ele descumpriu por culpa dele.

Quando há o descumprimento da obrigação de fazer por culpa do devedor, também dizemos que essa obrigação será resolvida, extinta e isso ocorre sempre que há um descumprimento da obrigação. E aqueles R$ 5.000,00 que Mônica já havia pago para aquele cantor? Ele deve devolver aquele valor que foi eventualmente antecipado a ele. O mais importante é que, exatamente porque ele descumpriu por culpa dele, além de a obrigação ser resolvida, ele deverá indenizar a credora por perdas e danos.

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Quando se pega uma questão de prova, vimos o descumprimento de dar coisa certa e o descumprimento na obrigação de fazer. O raciocínio será sempre o mesmo, deve se analisar se o devedor descumpriu por culpa dele ou sem culpa dele. Se tiver havido culpa do devedor, o credor poderá exigir indenização por perdas e danos. Não é sempre que há descumprimento de obrigação que credor pode exigir indenização por perdas e danos, é só se for por culpa do devedor. •

Sem culpa: resolvida;



Com culpa: resolvida + perdas e danos.

Obs.: Obrigação de fazer fungível

Obrigação de fazer fungível é aquela em que a pessoa do devedor pode ser substituída. Na obrigação de fazer fungível, sem prejuízo das perdas e danos cabíveis, o credor poderá requerer judicialmente que aquela atividade seja desempenhada por outrem às custas do devedor inadimplente. Não existia a seguinte possibilidade no CC/1916 e os manuais chamam o parágrafo único do dispositivo abaixo de autoexecutoriedade ou autotutela da obrigação de fazer.

Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível. Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido.

Em provas, geralmente é cobrada aquela situação em que se trata de uma obrigação de fazer fungível, em que o devedor não desempenhou a sua atividade e que o credor tinha urgência no cumprimento daquela atividade. Mônica contratou um sujeito para reformar o telhado de sua casa porque deu na previsão do tempo que amanhã vai cair uma tempestade e o telhado não estava adequado.

Não vai dar tempo de se pedir para o juiz aceitar a possibilidade de um terceiro ir desempenhar aquela atividade. Havendo urgência, o parágrafo único do art. 249 traz a possibilidade de justiça com as próprias mãos, autorizada pela lei somente se houver urgência no desempenho da atividade. Se não, o credor tem que pedir para o juiz para que terceiro desempenhe a atividade às custas do devedor inadimplente.

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MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS Direito Civil Profa. Mônica Queiroz Aula 18

ROTEIRO DE AULA

Tema: DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

3) Obrigação de Não Fazer (arts. 250 e 251, CC)

- Conceito: por meio da obrigação de não fazer, busca-se do devedor uma abstenção, isto é, se estamos falando de obrigação de não fazer, o devedor cumpre com sua obrigação não fazendo, ficando inerte, se abstendo de algum ato.

➢ Exemplos: João trabalha na fábrica da Coca Cola e faz um contrato com essa empresa em que ele não pode contar o segredo da Coca Cola para ninguém. Essa obrigação que ele assume é uma obrigação de não fazer, não pode violar o segredo da empresa. Mônica mora em um prédio de apartamentos e tem duas vagas de garagem, uma não está usando para nada e ela faz um acordo com um condomínio em que ela não irá parar seu carro naquela vaga, porque aquela vaga terá outra finalidade temporariamente. Outro exemplo é não colocar lixo na frente do prédio na segunda-feira.

A obrigação de não fazer também é conhecida como obrigação negativa. O estudo dela comporta uma classificação:

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Obrigação de não fazer instantânea: é aquela em que, quando há o seu descumprimento, não é possível desfazer aquilo que foi feito. Quando o devedor faz o que ele não deveria fazer e não tem como voltar atrás, estaremos diante do descumprimento de uma obrigação de não fazer instantânea.

➢ Exemplo: não violar segredo de empresa. Quando o devedor faz, viola aquele segredo, não tem como voltar atrás.

Obrigação de não fazer permanente: é aquela em que, quando há o seu descumprimento, é possível desfazer aquilo que foi feito. É possível voltar atrás.

➢ Exemplo: naquele exemplo citado em que a condômina fez um acordo com o condomínio de que durante um tempo não iria parar seu carro naquela vaga de garagem. Um dia, ela se esqueceu deste acordo e estacionou naquela vaga em que não poderia parar. A obrigação foi descumprida, mas é possível desfazer isso que foi feito, simplesmente movendo o carro de lugar.

Essa classificação costuma cair em provas e, para ficar mais fácil de lembrarmos, tenhamos em mente que obrigação de não fazer instantânea é aquela que é irreversível (“i” de instantânea e “i” de irreversível). Já a obrigação de não fazer permanente é diferente, ela é reversível.

Descumprimento da obrigação de não fazer: (art. 390, CC): “Fulano foi contratado por aquela fábrica de perfumes para criar um determinado perfume e Fulano, ao criar esse perfume, também se comprometeria a não contar a fórmula desse perfume para ninguém”. É uma obrigação de não fazer, negativa.

Todavia, Fulano criou o perfume e acabou contando a sua fórmula para alguém. Houve um descumprimento dessa obrigação de não fazer. O descumprimento da obrigação de não fazer ocorre quando o devedor faz aquilo que ele não poderia fazer, conforme o art. 390 do CC:

Art. 390. Nas obrigações negativas [de não fazer], o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster.

Para solucionar o problema, o aluno deve perquirir no enunciado da questão se aquele descumprimento por parte do devedor foi sem culpa dele ou por culpa dele.

Situação 1: devedor João criou a fórmula do perfume e não poderia contar essa fórmula para ninguém, mas um dia, quando ele estava saindo da fábrica tarde da noite, chega um sujeito apontando um revólver para a cabeça dele e exigindo saber a fórmula do perfume, senão o mataria. João não viu outra opção e contou toda a fórmula do perfume. Ele descumpriu com a obrigação de não fazer dele, mas foi sem culpa. Nesse caso, a obrigação será simplesmente resolvida, a obrigação será extinta. A fábrica não pode exigir indenização do devedor. 2 www.g7juridico.com.br

Situação 2: devedor João criou a fórmula do perfume e não poderia contar essa fórmula para ninguém, mas ele contou aquela fórmula porque alguém lhe ofereceu dinheiro para tanto. Desta feita, ele descumpriu a obrigação de não fazer por culpa dele. Nesse caso, a obrigação também será resolvida, extinta. A fábrica poderá exigir, nesse descumprimento culposo, de João uma indenização por perdas e danos. •

Sem culpa: resolvida;



Com culpa: perdas e danos.

Obs.: Obrigação de não fazer permanente: é aquele em que, quando há o seu descumprimento, é possível desfazer aquilo que foi feito, é reversível. Em se tratando de obrigação de não fazer permanente, sem prejuízo das perdas e danos cabíveis, o credor poderá requerer judicialmente que seja desfeito aquilo que foi feito às custas do devedor inadimplente. As perdas e danos têm cabimento em caso de descumprimento culposo. Em caso de urgência, no parágrafo único do art. 251 o legislador cogita dessa situação. O que há nesse parágrafo único é a autotutela ou autoexecutoriedade.

Art. 251. Praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado perdas e danos. Parágrafo único. Em caso de urgência, poderá o credor desfazer ou mandar desfazer, independentemente de autorização judicial, sem prejuízo do ressarcimento devido.

MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES

Obrigações Fracionárias (art. 257, CC): presunção

As obrigações fracionárias decorrem de uma presunção. Na primeira metade, temos vários credores para um devedor. Temos uma pluralidade no polo ativo. O devedor deva R$ 90,00 a esses três credores. R$ 90,00 é uma prestação divisível 3 www.g7juridico.com.br

ou indivisível? Sim. Havendo uma pluralidade de credores, em sendo a prestação divisível, como é nesse exemplo, devemos presumir que cada credor apenas poderá cobrar o valor correspondente à sua fração ou quota parte. Quando C1 for cobrar o devedor, ele só poderá cobrar R$ 30,00. Da mesma forma, C2 e C3.

E se fosse o contrário, uma pluralidade de devedores? O raciocínio seria o mesmo. Conforme vimos na segunda metade do esquema, temos um credor de um lado e de outro lado vários devedores e esses devedores devendo R$ 90,00 ao credor. $ 90,00 é uma prestação divisível ou indivisível? Sim. Então, devemos presumir que cada devedor apenas poderá ser cobrado pelo valor correspondendo à sua fração ou quota parte, ou seja, o credor, quando for atrás de D1, apenas poderá cobrar R$ 30,00 dele. Da mesma forma, D2 e D3.

Art. 257. Havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível, esta presume-se dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os credores ou devedores.

Obrigações solidárias

Conceito de solidariedade: o conceito é trazido pelo próprio art. 264 do CC.

Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.

Imagine uma pluralidade de credores (C1, C2 e C3). Do outro lado, temos um devedor apenas. A dívida é de R$ 90,00. Aqui, estamos partindo da informação de que existe solidariedade ativa, eles são credores solidários e, por serem credores solidários, cada credor pode cobrar a dívida toda e não apenas a sua fração. Quando C1 for atrás do devedor, C1 pode cobrar os R$ 90,00 e não apenas R$ 30,00. Essa solidariedade estava prevista em contrato. Da mesma forma, C2 e C3 poderiam cobrar os R$ 90,00.

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Quando há solidariedade ativa, qualquer credor pode cobrar, exigir a dívida toda. C1 cobrou os R$ 90,00 e o devedor, não vendo alternativa, paga os R$ 90,00. A partir daí, o devedor que pagou essa quantia ao C1 está liberado, cumpriu com sua obrigação que era justamente pagar os R$ 90,00 a qualquer um daqueles credores. C1 deve chamar os cocredores e dividir com eles a fração de cada um (R$ 30,00).

I.

Haverá uma pluralidade de credores;

II.

Qualquer credor poderá cobrar a dívida toda;

III.

O credor que receber dividirá com os demais credores aquilo que recebeu.

Falando de solidariedade passiva, haverá uma pluralidade de devedores em que teremos um credor de um lado e do outro três devedores. Esses três devedores devem R$ 90,00 ao credor e são devedores solidários. Sendo assim, qualquer devedor poderá ser cobrado pela dívida toda. Para o credor, isso é muito bom, porque ele pode escolher. Para o devedor, é péssimo. O credor vê que D1 tem mais dinheiro e cobra dele a dívida toda.

Com o pagamento total por parte de D1, o credor está plenamente satisfeito. Assim, D1 chamará seus codevedores dizendo que pagou a dívida de todos e que D2 e D3 devem lhe pagar as frações de cada um deles (R$ 30,00).

I.

Haverá uma pluralidade de devedores;

II.

Qualquer devedor poderá ser cobrado pela dívida toda;

III.

O devedor que pagar poderá se voltar contra os demais devedores exigindo a fração de cada um.

Observações importantes: sobre a solidariedade ativa e passiva.

a) Solidariedade não se presume, decorre da lei ou da vontade das partes (art. 265): solidariedade nunca se presume, ou ela vai decorrer de lei ou de vontade das partes, por contrato, por exemplo. Só porque uma questão de prova trás vários credores de um lado ou vários devedores do outro, não devemos presumir que são credores solidários ou devedores solidários.

➢ Exemplo: João é credor de Maria e José. Maria e José devem R$ 1.000,00 ao credor João. Quando o credor João poderá cobrar de Maria? A questão somente contou essa relação obrigacional, nada falando de solidariedade passiva e solidariedade não se presume. Portanto, João pode cobrar apenas R$ 500,00 de Maria, porque a obrigação é comum, fracionária. Não havia dispositivo legal impondo solidariedade e o enunciado da questão não informou nada sobre solidariedade. Diferente seria se o enunciado trouxesse a informação da solidariedade.

Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.

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b) Princípio da variabilidade da natureza da obrigação solidária (art. 266): princípio, para existir, não tem que estar expresso em lei, mas às vezes o legislador opta por prever expressamente em lei. Imagine que se tenha um caso de solidariedade passiva, com pluralidade de devedores. Um credor e quatro devedores solidários do outro lado, porque o contrato que foi assinado restou estabelecida a solidariedade. Dívida de R$ 100.000,00.

Isso significa que o credor pode cobrar R$ 100.000,00 do D1, do D2, do D3 ou do D4. Embora neste exemplo exista solidariedade passiva, nada impede de o credor ir atrás, por exemplo, do D1 porque a dívida em relação ao D1 já se venceu, mas em relação ao D2 ainda não se venceu. As datas de vencimento podem ser distintas, em meses subsequentes.

A solidariedade não se desnatura porque o vencimento é diferente. Podem existir, além da data do pagamento, outras peculiaridades, como a imposição de um termo distinto para cada um dos devedores ou uma condição diferente para cada um dos devedores. Também pode ser distinto o local do pagamento.

Art. 266. A obrigação solidária pode ser pura e simples para um dos cocredores ou codevedores, e condicional, ou a prazo, ou pagável em lugar diferente, para o outro.

Essa expressão “pura e simples” significa que a obrigação não está sujeita a nenhum termo, a nenhuma condição e a nenhum encargo. De outro lado, essa obrigação pode ser condicional ou a prazo ou pagável em lugar diferente para o outro. Ter essas diferenciações não desnatura a obrigação solidária. O art. 266 não menciona a possibilidade de encargo, de uma obrigação em relação a um devedor estar subordinada a um encargo. A doutrina interpreta isso de forma ampliativa, conforme enunciado aprovado na CJF:

Enunciado 347, CJF: “A solidariedade admite outras disposições de conteúdo particular além do rol previsto no art. 266 do Código Civil.”

REGRAS DE SOLIDARIEDADE ATIVA

1) Prevenção judicial (art. 268):

Teremos três credores de um lado e um devedor do outro. Esse devedor deve R$ 9.000,00 para os três credores. Como há solidariedade ativa, porque está em lei ou em contrato, significa que qualquer credor poderá cobrar a dívida toda. Se 6 www.g7juridico.com.br

qualquer credor pode cobrar pela dívida toda, significa que o devedor pode escolher a quem pagar. Chegando o dia do vencimento, o devedor pode escolher para quem pagar. Imagine que tenha chegado o dia do vencimento e o devedor não tenha promovido o pagamento espontaneamente.

O C3, como credor solidário, promove uma demanda em desfavor do devedor. A partir do momento em que há essa demanda, se o devedor, até então, poderia escolher a qual credor ele pretendia pagar, agora não. O devedor fica, então, obrigado a pagar ao C3 porque se operou um fenômeno chamado prevenção judicial.

Art. 268, CC. Enquanto alguns dos credores solidários não demandarem o devedor comum, a qualquer daqueles poderá este pagar.

2) Falecimento de um dos credores solidários

Imagine que tenhamos três credores, são credores solidários porque estava no contrato essa informação. O devedor deve R$ 90,00 a esses três credores solidários. Qualquer um desses credores pode cobrar a dívida toda. Entretanto, um dos credores solidários, o C3, vem a óbito, deixando dois herdeiros. Os créditos são transmitidos com a herança.

Havendo o falecimento do C3, quanto C1 poderá exigir? Os R$ 90,00 e o C2 idem. Cada um dos herdeiros vai herdar o crédito de C3, mas cada um desses herdeiros apenas poderá cobrar o valor correspondente ao seu quinhão hereditário. Essa é a regra geral.

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Contudo, em vez de a dívida ser de R$ 90,00, a dívida é uma vaca. Qualquer credor pode cobrar a vaca por inteiro com muito mais razão. Primeiro, porque já havia a solidariedade no contrato e segundo porque há indivisibilidade da obrigação (art. 258), pela própria natureza da prestação. C3 morreu. C1 pode cobrar a vaca por inteiro, continua a haver a solidariedade e o mesmo em relação ao C2.

Os herdeiros do C3 também poderão cobrar, cada um, a vaca por inteiro, não porque há solidariedade em relação aos herdeiros, mas sim porque há indivisibilidade. Nessa situação, há uma exceção. Qualquer um dos herdeiros poderá cobrar não apenas o valor correspondente ao seu quinhão hereditário, mas poderá cobrar a prestação por inteiro. Se um dos herdeiros recebe, deve repassar a fração correspondente do valor ao seu coerdeiro, seu irmão.

Art. 270. “Se um dos credores solidários falecer deixando herdeiros, cada um destes só terá direito a exigir e receber a quota do crédito que corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível.”

3) Conversão da prestação em perdas e danos (art. 271)

De um lado, três credores solidários, conforme previsão contratual e do outro lado, um devedor. A prestação é uma vaca. Cada credor pode cobrar a dívida por inteiro com muito mais razão: os credores já eram solidários e a prestação é indivisível. Não tem como C1 cobrar só a cabeça da vaca, C2 cobrar só o rabo da vaca, etc. Suponhamos que essa vaca

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morreu. Essa vaca será convertida em pecúnia, no seu valor equivalente. Além do valor da vaca de R$ 900,00 o devedor perdeu essa vaca por culpa dele, porque o devedor não deu ração para a vaca. Quando há a perda da coisa certa antes da entrega e o devedor agiu com culpa, o credor poderá exigir o equivalente ao valor da coisa e perdas e danos, que teriam um valor de R$ 300,00 nesse caso, totalizando R$ 1.200,00.

Embora essa vaca tenha morrido e a prestação devida, englobando o equivalente mais perdas e danos, se traduz em algo divisível, em dinheiro, é importante notar que a solidariedade continua. Embora a prestação tenha se tornado divisível, se convertido em perdas e danos (em pecúnia), qualquer credor poderá continuar a cobrar a prestação por inteiro porque a solidariedade continua.

Art. 271. “Convertendo-se a prestação em perdas e danos, subsiste, para todos os efeitos, a solidariedade.”

Seria melhor se o legislador tivesse dito: “convertendo-se a prestação em dinheiro” e dinheiro, embora divisível, subsiste, para todos os efeitos a solidariedade. Embora a prestação tenha se convertido em dinheiro, qualquer credor pode cobrar a dívida por inteiro, porque já havia de antemão a solidariedade.

4) Remissão (art. 272)

Escrevemos “remissão” com dois “s”. Não se pode confundir essa com a “remição”, porque “remissão” significa perdão da dívida e “remição” também existe no mundo jurídico, porém significa resgate, dizendo respeito ao mundo do Direito 9 www.g7juridico.com.br

Processual Civil. Imagine uma situação de solidariedade ativa, com pluralidade de credores e que um dos credores resolva perdoar o devedor, remitir o devedor. Será que ele pode? Sim.

C1 resolve perdoar, remitir, o devedor. Ele pode perdoar parcialmente como pode perdoar a dívida por inteiro, da mesma forma que ele poderia cobrar a dívida por inteiro. Com a remissão, esse devedor é liberado de sua obrigação. O devedor remitido, a partir do momento em que ele aceita a remissão, ele é liberado daquela obrigação.

C2 e C3 vão ficar no prejuízo? Claro que não. C1 pode perdoar a dívida por completo do devedor, mas C1 tem que pagar ao C2 e ao C3 a quota parte, a fração de cada um. R$ 30,00 para cada um deles, no nosso exemplo.

Art. 272. “O credor que tiver remitido a dívida ou recebido o pagamento responderá aos outros pela parte que lhes caiba.”

5) Oposição de exceções pessoais (art. 273)

Exceção significa defesa. O art. 273 traz a solução para esses casos:

Art. 273. A um dos credores solidários não pode o devedor opor as exceções pessoais oponíveis aos outros.

Imagine mais um caso de solidariedade ativa, com três credores solidários por força de contrato de um lado e o devedor do outro. Essa dívida é de R$ 90,00. O devedor não pagou espontaneamente a dívida no dia do vencimento e um mês 10 www.g7juridico.com.br

depois o C1 ajuizou uma ação em desfavor do devedor e o devedor se lembra que tem uma compensação para fazer com o C3, de outro negócio que eles haviam celebrado anteriormente, em que C3 devia R$ 30,00 ao devedor. O devedor diz à C1, no bojo do processo, que C3 já lhe devia R$ 30,00 então quer fazer compensação.

O devedor pode alegar a compensação, essa defesa pessoal de outro credor em relação à C1? Claro que não. O devedor só pode opor exceção que seja comum a todos os credores ou exceção pessoal daquele credor que demandou. Se C1 que demandou, o devedor só pode opor exceção pessoal em relação a esse C1 e não dos demais.

6) O alcance da coisa julgada quanto aos credores solidários que não fizeram parte do processo

O devedor não pagou de forma espontânea aos credores solidários na data do vencimento e C1, sozinho, ajuizou ação em desfavor do devedor. A decisão judicial com trânsito em julgado faz coisa julgada em relação aos outros credores que não fizeram parte do processo?

Art. 274 do CC → redação alterada pelo CPC/15

Art. 274. O julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais, mas o julgamento favorável aproveita-lhes, sem prejuízo de exceção pessoal que o devedor tenha direito de invocar em relação a qualquer deles.

C1, C2 e C3 são credores solidários. Só o C1 ajuizou uma ação contra o devedor inadimplente. O devedor apresentou sua defesa e o julgamento não foi favorável ao C1, porque existia compensação, por exemplo. Essa decisão não alcançará os demais que não fizeram parte do processo.

Art. 274. O julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais, mas o julgamento favorável aproveita-lhes, sem prejuízo de exceção pessoal que o devedor tenha direito de invocar em relação a qualquer deles.

Se a decisão for favorável, ela se estende aos demais, tanto que C2 e C3 poderão exigir o cumprimento da sentença.

Art. 274. O julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais, mas o julgamento favorável aproveita-lhes, sem prejuízo de exceção pessoal que o devedor tenha direito de invocar em relação a qualquer deles.

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Se quando C1 obtém uma decisão desfavorável, isso não prejudica os demais credores e, se a decisão for favorável e beneficia os demais credores. O devedor, todavia, mesmo diante dessa decisão favorável ao C1 continua municiado com aquelas oposições pessoais que ele tinha em relação ao C3.

REGRAS DE SOLIDARIEDADE PASSIVA

1) Solidariedade passiva não se confunde com litisconsórcio passivo necessário

Imagine uma dívida de R$ 90,00 em que existam três devedores. Eles são devedores solidários porque assim estava previsto no contrato. Qualquer devedor pode ser cobrado pela dívida toda. Imagine que tenha chegado o dia do vencimento e nenhum dos três devedores solidários tenha promovido o pagamento. O credor resolveu ajuizar uma ação contra D1, apenas. Isso é possível, ele não é obrigado a ajuizar a ação contra todos.

Isso porque solidariedade passiva não se confunde com litisconsórcio passivo necessário tanto que, se o credor ajuizar a ação contra apenas um dos devedores, isso não significa que ele está abrindo mão, renunciando à solidariedade ou até mesmo perdoando a dívida em relação a qualquer um dos demais devedores.

Art. 275. “O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.” Parágrafo único. “Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação pelo credor contra um ou alguns dos devedores.”

2) Falecimento de um dos devedores solidários (art. 276)

Art. 276. Se um dos devedores solidários falecer deixando herdeiros, nenhum destes será obrigado a pagar senão a quota que corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível; mas todos reunidos serão considerados como um devedor solidário em relação aos demais devedores.

D3, um dos devedores solidários, vem a óbito, deixando dois herdeiros (dx e dy). As dívidas são transmitidas com a herança? Sim, mas com uma importantíssima ressalva, de que as dívidas são transmitidas dentro das forças da herança. Quando um pai morre, ele deixa ao filho seu carro, casa, dinheiro e pode deixar dívidas também, mas desde que o que ele tenha deixado de ativo possa cobrir o passivo.

Se o pai deixou de patrimônio R$ 1 milhão e deixou R$ 100.000,00 de dívidas, o herdeiro vai herdar a dívida. Contudo, se o valor da dívida for o mesmo, mas for R$ 0,00 o patrimônio, o herdeiro não vai ter que pagar essa dívida. As dívidas são transmitidas com a herança, porém dentro das forças da herança.

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No nosso exemplo, vamos imaginar que D3 tenha falecido e tenha deixado muito patrimônio para seus dois herdeiros: dx e dy, de tal modo que eles têm condição de arcar. Quanto que o credor poderá cobrar dessas pessoas? D1 e D2 continuam vivos e devedores solidários, então podem ser cobrados pelos R$ 90,00. D3 morreu e deixou dois herdeiros com patrimônio farto. O credor não pode cobrar os R$ 90,00 dos herdeiros porque solidariedade não se presume, podendo só cobrar dentro dos limites do quinhão hereditário.

O raciocínio é similar nas regras de solidariedade ativa. Contudo, imagine que tenhamos três devedores solidários porque assim estava previsto no contrato, só que a dívida não são os R$ 90,00 e sim uma vaca. O credor, tendo diante de si três devedores solidários, ele pode cobrar a vaca por inteiro com muito mais razão, porque já havia solidariedade e há indivisibilidade. D3 faleceu, deixando seus dois herdeiros dx e dy). Quanto que o credor poderá cobrar dos herdeiros? Do D1 e do D2, que continuam vivos, com certeza ele continua podendo cobrar a vaca por inteiro.

Dos herdeiros de D3, ele também poderá cobrar a vaca por inteiro. Não porque há solidariedade, porque dx e dy não são devedores solidários, mas sim porque há indivisibilidade da prestação. Essa regra se espelha na regra do falecimento de um dos credores solidários que estudamos ainda nessa aula, em bloco anterior.

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3) Remissão

Três devedores solidários por força de contrato. O credor é muito amigo de D1 e quer perdoar o D1, de tal modo a tirar aquele devedor daquela relação jurídica obrigacional. Ele pode fazer isso. D2 e D3 não foram perdoados, eles continuam a ser devedores solidários. Partindo da premissa de que a dívida era de R$ 90,00 o credor não poderá, depois de perdoar D1, querer cobrar os R$ 90,00 de D2 e D3. O valor total da dívida deverá ser subtraído pela quota remitida, de R$ 30,00. D2 e D3 continuam devedores solidários, mas pelo valor de R$ 60,00.

Art. 277. “O pagamento parcial feito por um dos devedores e a remissão por ele obtida não aproveitam aos outros devedores, senão até à concorrência da quantia paga ou relevada.”

4) Renúncia à solidariedade

Em mais um caso de solidariedade passiva, o credor tenha diante de si três devedores solidários por força do contrato a uma dívida de R$ 90,00. O credor não pode perdoar essa dívida em relação ao D1, não pode promover a remissão, mas ele pode renunciar à solidariedade em relação a D1. Isso significa que D1 deixa de participar da dívida solidária, mas continua, entretanto, devedor. Irá se tornar um devedor fracionário. Com isso, o credor somente poderia cobrar R$ 30,00.

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O beneficiado com a renúncia deixa de ser devedor solidário e passa a ser devedor fracionário.

Os demais devedores que não foram beneficiados com a renúncia à solidariedade continuam devedores solidários, tendo que subtrair a quota do D1 que obteve a renúncia à solidariedade. A partir do momento em que o credor renuncia à solidariedade em relação ao D1, não significa que ele esteja perdoando a dívida, significa que ele está apenas abrindo mão dos laços de solidariedade em relação ao D1, de modo que D1 continua devedor, porém devedor fracionário.

Isso é muito bom para o D1 porque quando se é devedor solidário, pode existir a cobrança pela dívida toda. Quando se é devedor fracionário, somente pode ser cobrado pela fração que lhe cabe.

Art. 282. O credor pode renunciar à solidariedade em favor de um, de alguns ou de todos os devedores. Parágrafo único. Se o credor exonerar da solidariedade um ou mais devedores, subsistirá a dos demais.

5) Impossibilidade da prestação (art. 279)

A dívida é uma vaca. O credor pode cobrar a dívida por inteiro de qualquer um dos devedores por dois motivos: já havia solidariedade e há indivisibilidade. A vaca morreu porque um dos devedores, o D3, ficou de dar ração para a vaca e não deu. Surge a impossibilidade da prestação. Assim, essa vaca será substituída pelo seu valor equivalente, R$ 900,00.

O credor pode cobrar de qualquer devedor os R$ 900,00 porque, em relação ao equivalente, a solidariedade continua. A indivisibilidade acabou, porque não tem mais vaca e dinheiro é divisível, mas, apesar disso, a solidariedade continua no tocante ao valor equivalente e esse credor vai querer receber, também, perdas e danos, porque houve a perda da coisa antes da entrega por culpa do D3.

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Pelas perdas e danos somente responde o devedor que tiver agido com culpa pela perda da coisa, porque, pelo valor equivalente, todos continuam como devedores solidários.

Art. 279. Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só responde o culpado.

6) Oposição de exceção (art. 281)

Exceção significa defesa. Em uma situação de solidariedade passiva em que um devedor solidário que foi demandado pode opor uma exceção pessoal do outro devedor? Não, se é uma exceção pessoal de outro devedor, ele não pode “puxar” essa exceção para ele (como uma compensação em relação a um codevedor). O que ele pode é opor as exceções pessoais dele e as exceções comuns a todos os devedores. Exemplo de exceção comum a todos: prescrição.

Art. 281. O devedor demandado pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais e as comuns a todos; não lhe aproveitando as exceções pessoais a outro codevedor.

7) A quota parte do insolvente (art. 283)

Lembrando que a palavra “quota” pode ser escrita dessa forma ou “cota”. Imagine cinco devedores solidários, porque assim estava previsto no contrato. A dívida é de R$ 100.000,00 ao credor. Porque são devedores solidários, qualquer

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devedor pode ser cobrado pela dívida toda. D1 promoveu o pagamento ao credor o valor total. O credor sai da relação jurídica obrigacional satisfeito e D1 se volta contra D2, D3, D4 e D5.

Assim, cada um dos devedores pagarão as quotas que lhes cabem do valor total da dívida, ou seja, R$ 20.000,00.

Contudo, D1 pagou os R$ 100.000,00 ao credor e, quando ele foi cobrar dos codevedores, ele percebeu que o D5 era insolvente, não tendo dinheiro ou patrimônio para responder por aquilo ali. O art. 283 vai dizer que todos os devedores são responsáveis pela quota parte do devedor insolvente.

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Na medida em que D1 pagou os R$ 100.000,00 ao credor e o D5 é insolvente, D1 vai se voltar contra D2, D3 e D4 apenas, porque D5 não tem dinheiro para pagar, mas D2, D3 e D4 vão arcar é com R$ 25.000,00 cada e não com R$ 20.000,00 ao considerar que pegamos a fração, a quota parte do devedor insolvente e dividiu pelos demais codevedores.

Art. 283. “O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos codevedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os codevedores.”

Mesmo aquele devedor que foi beneficiado com a renúncia à solidariedade será chamado à baila para responder pelo devedor insolvente.

Art. 284. “No caso de rateio entre os codevedores, contribuirão também os exonerados da solidariedade pelo credor, pela parte que na obrigação incumbia ao insolvente.”

Aqueles que se tornaram devedores fracionários com o benefício da renúncia à solidariedade.

8) A dívida no interesse exclusivo de um dos devedores (art. 285)

Dois devedores solidários de um lado e o credor de outro lado. A dívida existe no interesse exclusivo de um dos devedores solidários, como, por exemplo, nessa situação abaixo colocada. D2 é o fiador. D1 alugou um apartamento do credor e, além do contrato de locação, foi feito um contrato de fiança. D1 e D2 são devedores solidários.

➢ O fiador é sempre um devedor solidário? Cuidado, porque não, considerando que quando o fiador é chamado para responder por aquela dívida que ele assegura, que ele garante, ele tem algo a favor dele que é o benefício de ordem (art. 827 do CC), que é o direito que tem o fiador de ter primeiro excutidos os bens do devedor principal. A obrigação do fiador é uma obrigação subsidiária e essa é a regra. 18 www.g7juridico.com.br

Contudo, na maioria dos contratos de fiança que existem, há uma cláusula em que o fiador renuncia ao benefício de ordem. Quando o fiador renuncia ao benefício de ordem, ele deixa de ter esse benefício e deixa de ser responsável subsidiariamente para ser responsável solidariamente.

Quando o devedor solidário paga a dívida ao credor, esse devedor solidário se volta contra os demais devedores exigindo a quota parte, a fração de cada um. Aqui, há uma exceção quando a dívida for no interesse exclusivo de um dos devedores. O fiador pagou, mas essa dívida não interessava a ele. Nesse caso, o fiador pode se voltar exigindo a dívida toda e não apenas a quota parte.

Art. 285. “Se a dívida solidária interessar exclusivamente a um dos devedores, responderá este por toda ela para com aquele que paga.”

Art. 827. “O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor. Parágrafo único. O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito.”

Art. 828. Não aproveita este benefício ao fiador: I - Se ele o renunciou expressamente; II - Se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário; III - Se o devedor for insolvente, ou falido.

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ADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES

1) Forma normal: Pagamento (arts. 304/333)

2) Formas especiais: consignação em pagamento; pagamento com sub-rogação; imputação de pagamento; dação em pagamento; novação; compensação; confusão; remissão. (arts. 334/388)

Alguns autores chamam essas formas especiais de adimplemento das obrigações de pagamento indireto.

COMO OCORRE O PAGAMENTO?

a) Obrigação de dar → com a entrega da coisa b) Obrigação de fazer → com o desempenho da atividade c) Obrigação de não fazer → com a abstenção

TEORIA DO PAGAMENTO

1) Aspectos subjetivos 2) Aspectos objetivos 3) Lugar do pagamento 4) Tempo do pagamento

Aspectos Subjetivos

a) Quem paga é o devedor (304/307)

Além do devedor, o terceiro interessado também poderá pagar (é aquele que tem um interesse jurídico na extinção da obrigação, porque, se não for, vai haver uma repercussão no patrimônio dele).

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Quando o terceiro interessado paga, acontece o fenômeno da sub-rogação porque esse terceiro interessado vai se subrogar na posição de credor. O fiador, terceiro interessado, ao pagar ao credor, ele passa a ocupar o lugar do credor, com todas as garantias e privilégios que o credor originário possuía.

Art. 346. A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor: (...) III - Do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte.

Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.

Além do devedor e do terceiro interessado, o terceiro não interessado também pode pagar. Ele é chamado dessa forma porque não tem interesse jurídico na extinção da obrigação, não repercute no patrimônio desse terceiro não interessado. Ele paga porque, embora ele não tenha interesse jurídico, ele pode vir a apresentar outros interesses, como um interesse moral, religioso, afetivo ou familiares.

➢ Exemplo: o pai que, envergonhado, promove o pagamento do filho maior de 18 anos plenamente capaz, apesar de não ser responsável ou fiador.

O terceiro não interessado, quando paga, ele pode pagar de duas formas: em nome do devedor (o pai paga e diz ao credor que deve ser constado do recibo o próprio filho) ou em nome próprio. Quando esse terceiro não interessado paga em nome do devedor, significa que amanhã esse terceiro não interessado não pode se voltar contra o filho exigindo o pagamento, porque, aos olhos do legislador, isso é tido como mera liberalidade. 21 www.g7juridico.com.br

Esse terceiro não interessado também pode pagar em nome próprio, ou seja, o pai envergonhado paga a dívida do filho maior de 18 anos plenamente capaz, mas o pai exige a quitação em seu nome. Esse terceiro não interessado pagou em nome próprio. Nesse caso, é possível que, posteriormente, esse terceiro não interessado se volte contra o devedor exigindo um reembolso daquilo que ele pagou.

O terceiro não interessado, quando paga em nome próprio, faz jus a um reembolso. Já o terceiro interessado se sub-roga na posição de credor. Se sub-rogar na posição de credor é o mesmo que ter direito a reembolso? Não. O terceiro interessado se sub-roga na posição de credor, que não é o mesmo que ter direito a reembolso. Quando a pessoa se subroga na posição da outra, significa que ele passa a ocupar o lugar do credor primitivo, com todos os direitos, garantias, ações, privilégios que aquele credor primitivo tinha.

Já quando falamos que o terceiro não interessado paga em nome próprio ele não se sub-roga, mas tem direito a reembolso, estamos querendo dizer que ele não passou a ocupar o lugar do credor primitivo, apenas podendo ser reembolsado dos valores que foram pagos.

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MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS Direito Civil Profa. Mônica Queiroz Aula 19

ROTEIRO DE AULA

Tema: DIREITO DAS OBRIGAÇÕES III

Iniciamos, na aula anterior, o estudo acerca do adimplemento das obrigações e estamos vendo a forma normal de se adimplir com uma obrigação, por meio do pagamento. Estudar a teoria do pagamento significa estudar quatro pontos importantes: aspectos subjetivos, aspectos objetivos, lugar e tempo do pagamento. Já iniciamos os aspectos subjetivos do pagamento, isto é, os sujeitos do pagamento e abordamos quem paga, que é o devedor, mas o terceiro interessado e o terceiro não interessado também podem promover o pagamento.

Quem irá receber será o credor. O devedor deve pagar ao credor. Será que mais alguém poderá receber? Sim, como aquele que chamamos de representante do credor. Essa representação irá se subdividir, porque o representante poderá ser expresso ou tácito.

Representante expresso é aquele que tem em mãos um instrumento de mandato, uma procuração com poderes especiais para cobrar que foram dados em uma procuração. Existe, também, a representação tácita que também poderá receber. Representante tácito é aquele que, embora não tenha em mãos um instrumento de mandato, uma procuração, ele tem o próprio título, a própria nota promissória assinada pelo devedor ou a quitação, o recibo.

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Será pago normalmente ao credor, mas não é qualquer credor. Será pago ao credor desde que ele seja CAPAZ para dar a quitação ao devedor. Capacidade para dar a quitação seria a capacidade de fato. Existem algumas pessoas que, embora se afigurem na posição de credoras são verdadeiramente credoras, mas não se pagará a elas porque, por vezes, pode ser que aquela pessoa não tenha capacidade de fato para dar a quitação, o recibo. ➢ Exemplo: o pai deve pensão alimentícia ao seu filho de 10 anos de idade. O menino de 10 anos de idade é o credor e o pai é o devedor. Quando o pai vai pagar essa pensão, o credor é verdadeiramente aquele menino, mas será pago diretamente ao menino? Não, esse pai deposita em uma conta bancária destinada a esse filho que é administrada pela mãe dele ou ele entrega o dinheiro nas mãos da mãe do menino, que está representando o menino, que é o credor verdadeiro.

Imagine que em um domingo de sol no parque, esse pai, com preguiça de ir ao banco no dia seguinte fazer a transferência da pensão alimentícia, ele saca o dinheiro em um caixa eletrônico ali mesmo e entrega ao menino. Esse pagamento será considerado como válido? Não e quem paga mal, paga duas vezes. Dois dias depois, a mãe do menino vai ligar para o pai para cobrar os valores novamente porque o pagamento feito ao credor que não era capaz será considerado inválido.

Esse pai não pode alegar nada para não ter que pagar novamente? Esse pai tem um argumento que lhe favorece: o mesmo art. 310, em sua parte final, diz que esse pai somente terá que pagar novamente se ele conseguir provar que o pagamento reverteu em benefício do incapaz. O pai pagou no domingo no parque, mas o menino, na segunda-feira, foi na escola com esse dinheiro e pagou a mensalidade, apresentando o comprovante. Se o pai conseguiu provar isso, ele não terá que pagar novamente. Vejamos:

Art. 310. Não vale o pagamento cientemente feito ao credor incapaz de quitar, se o devedor não provar que em benefício dele efetivamente reverteu.

Credor Putatitvo

A palavra “putativo” vem de putare, que significa imaginar. Credor putativo é o credor imaginário. Ele não é o credor verdadeiro, é aquele que é capaz de iludir a outra pessoa de tal modo a fazer com que essa outra pessoa pague a ele. Agora, não estamos falando de um credor que não tenha capacidade para dar a quitação, mas sim de uma pessoa que não é o verdadeiro credor.

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O credor putativo, a todas as luzes, se porta como credor. Naquelas circunstâncias do caso concreto, o credor putativo seria capaz de enganar a qualquer pessoa. Imagine que um devedor de boa-fé pague a esse credor putativo. Será que esse pagamento será considerado válido? Sim. O art. 309 vai nos informar que o devedor de boa-fé, quando paga ao credor putativo, esse pagamento deve ser considerado como válido.

Quem responderia negativamente a essa pergunta, certamente se pautou naquela premissa do pagamento indevido, de que quem paga mal paga duas vezes. Ao se dever para A, mas pagar para B, teria que se pagar para A novamente. Realmente existe essa premissa no mundo do pagamento indevido, mas quando esse art. 309 do CC informa que esse pagamento feito ao credor putativo deve ser considerado como válido, esse dispositivo funciona como uma exceção à regra de que quem paga mal paga duas vezes.

Art. 309. O pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda provado depois que não era credor.

Teoria da aparência: o art. 309 se pauta nessa teoria. A teoria da aparência traz equilíbrio para as relações sociais. Quando alguém vai pegar um táxi, faz sinal, entra naquele táxi, se pergunta àquele taxista se ele é realmente motorista, se ele tem carteira de habilitação? Não, a pessoa simplesmente entra, indica seu destino e é levada até lá, com base na teoria da aparência. Da mesma forma, dentro de um banco e se dirigindo a um caixa para fazer o pagamento, não se pergunta para aquela pessoa que está ali naquele guichê se ela realmente trabalha no banco.

O art. 309 se funda na teoria da aparência na medida em que credor putativo é aquele sujeito que a todas as luzes se porta como credor. É aquele sujeito que, naquelas circunstâncias do caso concreto, enganaria a qualquer um, então um devedor de boa-fé paga a ele porque se engana, como qualquer um iria se enganar naquele caso concreto.

➢ Exemplo da doutrina: um sujeito entra em uma loja promovendo um assalto, amarrando todos em um quartinho nos fundos da loja e se dirige ao caixa, colocando o uniforme da loja e recebe de uma vítima que nada sabia do assalto. Esse pagamento será considerado como válido. Duas horas depois, esse assaltante chegou a ser preso e o dono da loja ligou para aquele cliente, querendo receber novamente. Contudo, essa pessoa pagou a um

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indivíduo que se apresentava perante a sociedade como o credor verdadeiro e esse pagamento deverá ser considerado como válido.

Para o STJ: para que seja considerado credor putativo é necessário que o erro seja escusável. Ou seja, é necessário que o erro seja desculpável. O legislador alivia, atenua para o devedor do caso concreto, dizendo que o pagamento feito por ele será considerado válido exatamente porque o engano, o erro que ele cometeu foi um erro escusável e não foi um erro grosseiro porque, se foi erro grosseiro, não adentraremos nos limites do credor putativo e o pagamento, evidentemente, não será considerado como válido.

➢ Exemplo do TJRJ: um rapaz alugou um barracão em um contrato de locação muito simples, muito informal. O proprietário do barracão era um idoso de 90 anos de idade e ficou combinado que todo dia 5 passaria ali para receber do locatário o aluguel e assim foi acontecendo. Esse idoso tinha uma namorada de 28 anos e ele diz que está se sentindo cansado de ir receber o aluguel no barracão e que o locatário deveria pagar à namorada. Seis meses depois, o idoso falece, mas ela não contou ao locatário para que ele continuasse a fazer os pagamentos. Um ano depois, os herdeiros do idoso ajuízam uma ação contra o rapaz, oportunidade em que o rapaz vem a saber que o idoso tinha falecido há mais de um ano. Esses herdeiros cobram o pagamento do aluguel. Realmente quem paga mal paga duas vezes, mas esse rapaz alugou, em sua defesa, que havia pago a um credor putativo e ficou entendido, em sede do TJRJ, que se tratava de caso de credor putativo. ➢ Qual será a saída para os credores verdadeiros, os herdeiros, no exemplo? O credor verdadeiro deverá se voltar contra o credor putativo, não mais podendo cobrar do devedor, porque esse pagamento foi tido como válido. RECURSO ESPECIAL. CIVIL. SEGURO DPVAT. INDENIZAÇÃO. CREDOR PUTATIVO. TEORIA DA APARÊNCIA. 1. Pela aplicação da teoria da aparência, é válido o pagamento realizado de boa-fé a credor putativo. 2. Para que o erro no pagamento seja escusável, é necessária a existência de elementos suficientes para induzir e convencer o devedor diligente de que o recebente é o verdadeiro credor. 3. É válido o pagamento de indenização do DPVAT aos pais do de cujus quando se apresentam como únicos herdeiros mediante a entrega dos documentos exigidos pela lei que dispõe sobre seguro obrigatório de danos pessoais, hipótese em que o pagamento aos credores putativos ocorreu de boa-fé. 4. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1.601.533/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/06/2016, Dje 16/06/2016).

Imagine que o locatário vai pagar o aluguel dele, entrando no site da administradora do locador e imprime aquele boleto, promovendo o pagamento dele. Contudo, fraudadores entraram no sistema e alteraram o código de barras de tal modo que esse locatário pagou mal. Ele pagou a um credor putativo e o engano dele foi escusável.

DIREITO CIVIL. PAGAMENTO DE ALUGUEL. IMPRESSÃO DE BOLETOS NA PÁGINA DA INTERNET DO CREDOR. CÓDIGO DE BARRAS JÁ ALTERADO. FRAUDE. CREDOR PUTATIVO. PAGAMENTO VÁLIDO. 4 www.g7juridico.com.br

1. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que "é válido o pagamento realizado de boa-fé a pessoa que se apresenta com aparência de ser credor ou seu legítimo representante. Para que o erro no pagamento seja escusável, é necessária a existência de elementos suficientes para induzir e convencer o devedor diligente de que quem recebe é o verdadeiro credor ou seu legítimo representante" (STJ, AgRg no AREsp 72750 / RS, Rel. Min. ANTONIO CARLOS FERREIRA, 28/02/2013). 2. Se o locatário fez a impressão do boleto bancário por meio da página da internet do locador com o código de barras já alterado, como reconhece este nos autos, o reconhecimento de fraude pelo locatário exigiria diligência extraordinária que não se exige do homem médio. 3. Realizado o pagamento válido a credor putativo, resta ao verdadeiro credor perseguir o crédito daquele que indevidamente o recebeu ante o efeito liberatório do pagamento realizado. 4. Recurso conhecido e não provido. 5. Condeno o recorrente ao pagamento das custas. Sem honorários advocatícios, devido a ausência de contrrazões. 6. Acórdão lavrado nos termos do artigo 46 da Lei 9.099/95.

Aspectos Subjetivos

a) Quem paga → solvens b) A quem pagar → accipiens

Aspectos Objetivos

Já vimos que o art. 313 traz a informação de que o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa. Se o combinado foi X, deverá ser pago X. Se aquilo que o devedor está oferecendo ao credor for muito valioso, ainda que valha mais, o credor não é obrigado a receber. Algumas provas alteram o final do artigo dizendo que “o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, exceto se mais valiosa”. ERRADO.

➢ Exemplo: João é devedor de um carro para Mônica. O carro vale R$ 50.000,00. No lugar do carro, o devedor quer dar, no lugar do carro uma vaca porque ela vale R$ 100.000,00 sem necessidade de troco. A credora evidentemente não é obrigada a aceitar.

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Art. 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa.

Na esteira do art. 313, nos deparamos com o artigo subsequente. No art. 314 há um princípio, que é o princípio da prestação integral ou da identidade física da prestação. Imagine que a prestação seja divisível, como o dinheiro. O credor é obrigado a receber, por partes ou o devedor é obrigado a pagar por partes, se assim não foi convencionado? Claro que não. Ainda que a prestação seja divisível, o credor não é obrigado a receber por partes se assim não foi convencionado. Para que haja parcelamento, é importante que haja previsão contratual nesse sentido.

Art. 314. Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou.

Exceção ao princípio da prestação integral:

Art. 916, CPC/15. “No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de trinta por cento do valor em execução, acrescido de custas e de honorários de advogado, o executado poderá requerer que lhe seja permitido pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de um por cento ao mês.”

Quando esse art. 916 do CPC/15, sobretudo na parte destacada, quando traz essa possibilidade de o executado poder requerer que lhe seja permitido pagar o restante em até 6x, isso é uma exceção ao princípio da prestação integral.

Essa prestação poderá ser um carro, uma geladeira, uma bicicleta, poderá, inclusive, se traduzir em dinheiro. Para as dívidas em dinheiro, o legislador traz um dispositivo próprio.

Art. 315. As dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subsequentes.

Inicialmente, podemos dividir esse art. 315 em três partes. A primeira parte vai nos informar que as dívidas em dinheiro deverão ser pagas quando do vencimento, sendo o princípio da pontualidade. Na segunda parte, se fala em moeda corrente. De acordo com a Lei n. 9.069/95, a moeda corrente no nosso país é o Real. Em uma terceira parte, o artigo exige que seja observado o valor nominal, sendo este o princípio do nominalismo. Observar o valor nominal da moeda corrente significa dizer que se deve obedecer ao valor que está estampado naquela cédula, cunhado na moeda. 6 www.g7juridico.com.br

Esse art. 315 não se esquece dos efeitos nefastos da inflação, porque, depois que nos conta todos esses três aspectos vistos anteriormente, ele coloca uma vírgula, uma ressalva importante dizendo “salvo o disposto nos artigos subsequentes”, que são os arts. 316 e 317.

Art. 316. “É lícito convencionar o aumento progressivo de prestações sucessivas.”

(Cláusula de escala móvel ou cláusula de escalonamento → é a cláusula que prevê um reajustamento prévio e automático das prestações. Essa cláusula vai se traduzir nessas fórmulas para atualizar o valor da moeda, sendo os índices oficiais para corrigir monetariamente o valor da moeda por conta da inflação. Exemplos: INPC, IGPM)

Art. 317. “Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”

(Teoria da Imprevisão → essa teoria aparece nesse art. 317, no mundo do Direito das Obrigações, e no art. 4781, com mais peculiaridades e no mundo da Teoria Geral dos Contratos e o aprofundamento dessa teoria será feito em oportuna aula de Teoria Geral dos Contratos)

Esse art. 317 está dizendo que, quando se está diante de um contrato de execução futura e continuada, como o pagamento de parcelas. Lá na frente acontece algo extraordinário, superveniente, imprevisível e, com isso, esse fato faz com que as prestações se tornem desproporcionais. Manejando a teoria da imprevisão, se pode pleitear a correção das prestações deste contrato.

Curso forçado da moeda nacional:

Art. 318. São nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta e o da moeda nacional, excetuados os casos previstos na legislação especial.

Esse dispositivo está em sintonia com o que o art. 315 já tinha nos trazido, de que devemos utilizar a nossa moeda corrente, que é o Real. Vale notar que somos obrigados a pagar utilizando nossa moeda corrente. O pagamento tem que ser feito utilizando a moeda corrente, o Real. Não se pode querer pagar em dólar, em euro ou em gramas de ouro.

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Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. 7 www.g7juridico.com.br

O que justifica o curso forçado da moeda nacional é que, se deixarmos de lado a nossa moeda corrente, estaríamos atacando a soberania do nosso país ou enfraquecendo a soberania do nosso país, o que significa dizer que são nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira.

Contudo, existem contratos baseados no dólar, por exemplo. Certamente que essa situação adentrou nos limites da excepcionalidade porque, na parte final do art. 318, é sugerido situações em que podem existir leis especiais. Exemplos: contrato de importação ou de exportação, contrato de câmbio.

Para o STJ: “as dívidas fixadas em moeda estrangeira deverão, no ato de quitação, ser convertidas para a moeda nacional, com base na cotação da data da contratação, e, a partir daí, atualizadas com base em índice oficial de correção monetária" (STJ, AgRg no REsp 1.342.000 – PR, 3ª T, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 04.02.2014).

PROVA DO PAGAMENTO → Quitação (arts. 319/320)

Quitação é o recibo, aquele documento assinado pelo credor no sentido de que ele recebeu o pagamento.

Art. 319. O devedor que paga tem direito a quitação regular, e pode reter o pagamento, enquanto não lhe seja dada.

A quitação, o recibo é, antes de tudo, um direito daquele que paga. Se assim o é, o devedor vai pagar, por exemplo, e se o credor se recusar a dar essa quitação, o devedor pode reter esse pagamento até que lhe seja oferecida a quitação.

Art. 320. A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular, designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante.

Esse dispositivo do CC/2002 coloca fim a uma discussão que existia no velho CC/1916, que era a forma exata da quitação. Agora sabemos que pode ser sempre dada por instrumento particular. E se aquela obrigação tivesse sido criada por escritura pública, em cartório? O CC/2002 responde essa dúvida, porque essa quitação pode sempre dada por instrumento particular, ainda que a obrigação tenha sido constituída por instrumento público. O comprovante de uma transferência bancária vale como quitação, porque dele se extrai as informações no sentido de que houve o pagamento.

Parágrafo único. Ainda sem os requisitos estabelecidos neste artigo valerá a quitação, se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida.

➢ E a quitação que se opere por meios eletrônicos? Temos um enunciado que cuida dessa quitação.

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Enunciado nº 18, CJF: “A ‘quitação regular’ referida no art. 319 do novo Código Civil engloba a quitação dada por meios eletrônicos ou por quaisquer formas de ‘comunicação a distância’, assim entendida aquela que permite ajustar negócios jurídicos e praticar atos jurídicos sem a presença corpórea simultânea das partes ou de seus representantes.”

Presunções de pagamento:

1ª) Art. 322: “Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores.”

A ideia é o pagamento que se traduza em quotas periódicas, ou seja, em parcelas. A presunção favorável ao devedor que esse art. 322 traz é de que o pagamento de uma parcela faz presumir o pagamento das anteriores. Imagine um devedor que paga somente a terceira parcela, sem pagar a primeira ou a segunda. Apesar dessa presunção de pagamento que beneficia o devedor, o que ocorre, na verdade, é uma inversão do ônus da prova.

Agora, não é mais o devedor que tem que provar que pagou e sim o credor que deve provar que não recebeu, gerando grandes dificuldades probatórias. Na maioria dos casos, esse art. 322 é afastado porque geralmente se coloca no contrato ou no boleto que “o pagamento dessa parcela não implica, não significa o pagamento das anteriores”. Essa informação é colocada exatamente para afastar a presunção do art. 322.

➢ Uma regra que surge de um acordo feito entre as partes tem o condão de afastar esse art. 322 do CC? Sim, porque esse artigo está dentro do CC, sendo norma de natureza privada, que pode ser perfeitamente afastada por acordo feito entre as partes.

Em um caso de pagamento de taxa condominial que chegou ao STJ, o indivíduo não pagava a taxa condominial, não pagou janeiro, nem fevereiro, nem março, nem abril, tendo pago somente em maio. Quando o condomínio foi cobrar dele as taxas condominiais anteriores, ele alegou o art. 322 do CC.

Chegado ao conhecimento dos ministros do STJ, eles se manifestaram dizendo que esse art. 322 não se aplica ao pagamento de taxa condominial porque cada quota goza de autonomia:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. COBRANÇA DE COTA DE CONDOMÍNIO EM ATRASO. EXISTÊNCIA DE PAGAMENTO DE COTAS POSTERIORES. PRESUNÇÃO DE QUITAÇÃO. ART. 322 DO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE À ESPÉCIE. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência das Turmas que compõem a Segunda Seção pacificou-se no sentido de que "as cotas condominiais são imprescindíveis à manutenção do condomínio, que sobrevive da contribuição de todos em benefício da propriedade comum que usufruem, e representam os gastos efetuados mês a mês, de sorte que gozam de autonomia umas das outras, não prevalecendo a presunção contida no art. 322 do Código Civil (correspondente ao art. 943 do Código de 1916), de 9 www.g7juridico.com.br

que a mais antiga parcela estaria paga se as subsequentes o estiverem" . 2. Embargos de divergência providos. Precedente citado: REsp 852.417-SP, DJ 18/12/2006. (EREsp 712.106-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 9/12/2009).

2ª) Art. 323: “Sendo a quitação do capital sem reserva dos juros, estes presumem-se pagos.”

Se houve a quitação do capital, sem haver algum esclarecimento quanto a ideia de que os juros foram pagos ou não, devemos presumir que os juros foram pagos.

3ª) Art. 324: “A entrega do título ao devedor firma a presunção do pagamento.”

Imagine que o credor entregue, por exemplo, aquela nota promissória ao devedor. Se ele entrega a nota promissória ao devedor, há uma presunção de que houve um pagamento. Se João deve a Mônica R$ 1.000,00 e assinou uma nota promissória, assim que João chega com o dinheiro para promover o pagamento, Mônica não precisa fazer uma quitação por escrito, podendo simplesmente devolver a nota promissória ao João, que é o devedor.

Claro que todas essas presunções analisadas até agora são presunções relativas, que admitem prova em sentido contrário.

Pagamento por medida ou peso

Não há dúvidas de que vivemos em um país com enorme extensão territorial. Exatamente por isso, o sistema de pesos e medidas pode variar de uma região para outra. O alqueire de Minas Gerais tem um valor diferente do alqueire de São Paulo. A arroba pode variar também.

Imagine que exista uma fazenda no interior de São Paulo de X mil alqueires e alguém foi comprar essa fazenda. Acontece que o contrato de compra e venda dessa fazenda foi feito em Minas Gerais, em que a medida do alqueire é diferente da medida do alqueire paulista.

Vamos considerar a medida do alqueire mineiro ou a medida do alqueire paulista? Deve ser analisado o contrato, que deve informar qual alqueire deve ser aplicado. Se o contrato estiver omisso, silente nesse ponto, será aplicado o art. 326 do CC.

Art. 326. Se o pagamento se houver de fazer por medida, ou peso, entender-se-á, no silêncio das partes, que aceitaram os do lugar da execução.

O lugar da execução é o lugar em que aquela obrigação será cumprida. Nesse exemplo, estamos falando da fazenda e o lugar do cumprimento é onde está situada essa fazenda, em São Paulo, sendo considerado o alqueire paulista.

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LUGAR DO PAGAMENTO

Uma obrigação poderá ser quesível (é aquela em que o pagamento deverá ocorrer no domicílio do devedor, o credor tem que ir até o devedor para tentar receber) ou portável (é aquela em que o pagamento ocorrerá no domicílio do credor, sendo assim chamada porque o devedor vai portar o pagamento até o seu credor).

Como saber onde ocorrerá o pagamento no caso concreto? Primeiramente, deve ser olhado o contrato. Se o contrato for omisso nesse ponto, nesse caso de silêncio das partes, devemos nos valer da regra do art. 327 do CC, ou seja, o pagamento deverá ocorrer no domicílio do devedor. Portanto, a conclusão em que chegamos é que a regra no nosso país é que as obrigações são quesíveis ou quérables. Somente será portável se houver disposição contratual.

Art. 327. Efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias. Parágrafo único. Designados dois ou mais lugares, cabe ao credor escolher entre eles.

➢ Exemplo: imagine que o contrato designou dois lugares para o pagamento, que poderá ocorrer no lugar A ou no lugar B. Quem irá escolher? Segundo o parágrafo único do art. 327, caberá ao credor escolher entre eles.

➢ E se a prestação consistir na entrega ou prestações relativas de um imóvel? Temos uma regra específica. Art. 328. Se o pagamento consistir na tradição de um imóvel, ou em prestações relativas a imóvel, far-se-á no lugar onde situado o bem.

Imagine que Mônica tenha pegado R$ 10.000,00 emprestado de João, sendo pagos 10x de R$ 1.000,00 todo dia 5 de cada mês e as partes estabeleceram um lugar para o pagamento. Os dois moram em Belo Horizonte/MG e colocaram um ponto específico na cidade, na beirada da Lagoa da Pampulha, em frente ao nº X. Nas quatro primeiras parcelas, o pagamento foi realizado no local convencionado.

Entretanto, da quinta parcela em diante, as partes começaram a se encontrar em local diverso da cidade para efetuar os pagamentos e o credor recebeu tranquilamente em local diverso, fornecendo a quitação. Quando chegou na nona parcela,

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João lembrou da disposição do contrato e percebeu que Mônica estava violando aquela cláusula do lugar do pagamento. Se houver violação de qualquer cláusula do contrato, eles estipularam uma multa. João pode cobrar alguma multa? Não.

Art. 330, CC. O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato. ↓ Teoria da Supressio (Verwirkung) e da Surrectio

À medida que esse credor vai aceitando receber os pagamentos em local diverso e isso vai acontecendo de forma reiterada, ele gera na cabeça do devedor a expectativa de que ele não vai exercitar aquele direito que ele tinha de cobrar naquele lugar X dantes estipulado. De acordo com o Princípio da Boa-Fé Objetiva, se faz suprimir aquele direito que João tinha inicialmente, do mesmo modo que esse princípio faz surgir um direito por parte do devedor.

O que inspirou a redação desse art. 330 foi justamente a teoria da supressio (a longa omissão faz suprimir o direito de uma pessoa acerca de um direito que ela tinha anteriormente) e da consequente surrectio (há o nascimento do direito para uma das partes em virtude da longa omissão da outra parte).

TEMPO DO PAGAMENTO

As obrigações poderão ser de execução imediata/instantânea (é aquela em que o cumprimento deverá ocorrer logo após a sua constituição, como em uma compra à vista) ou de execução futura (é aquela em que o cumprimento ocorrerá no futuro), se subdividindo em continuada (é aquela em que o cumprimento ocorre no futuro, por meio do pagamento de parcelas, subvenções periódicas) e diferida (é aquela em que o cumprimento ocorrerá no futuro, porém de uma só vez, como na emissão de um cheque para daqui 40 dias apenas para a compra de uma geladeira).

No silêncio do contrato, as dívidas deverão ser cumpridas de forma imediata.

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Art. 331. Salvo disposição legal em contrário, não tendo sido ajustada época para o pagamento, pode o credor exigi-lo imediatamente.

Portanto, a regra no nosso país é que as obrigações são de execução instantânea ou imediata.

Art. 332. As obrigações condicionais cumprem-se na data do implemento da condição, cabendo ao credor a prova de que deste teve ciência o devedor.

Condição (art. 121 do CC2) é aquela cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina os efeitos ou o fim dos efeitos do negócio a evento futuro e incerto. Imagine um pagamento que esteja subordinado ao implemento de uma condição. Se aquilo acontecer no futuro, quando acontecer, é que deverá acontecer o pagamento. ➢ Exemplo: Mônica dará um carro a João se Maria se casar. Hoje, João não pode exigir a entrega do carro porque não tem direito adquirido, tem apenas uma expectativa de direito. Surge a necessidade da entrega do carro se, no futuro, houver o implemento da condição.

Com isso, o art. 332 nos informa que as obrigações condicionais, subordinadas a uma condição, cumprem-se na data do implemento da condição, isto é, no dia em que a condição acontecer, se ela acontecer, cabendo ao credor a prova de que deste teve ciência o devedor.

Se estamos estudando o tempo do pagamento, qual a importância desse tema? É importante para que saibamos a partir de quando surge a exigibilidade do credor. Do mesmo modo que devedor não pode pagar atrasado, porque ele pode ser punido por isso, o credor não pode se precipitar e cobrar antes da hora, porque se o credor faz isso, também existe punição para ele, nos moldes do art. 939 do CC.

Art. 939. O credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro.

O que há nesse dispositivo são as sanções que o credor irá enfrentar caso ele demande o devedor antes do vencimento. Todavia, a parte destacada traz a ressalva de permissão legal. Existem situações excepcionalíssimas (vencimento antecipado da dívida) em que o credor pode cobrar do devedor antes do vencimento. Nessas situações, caso o credor demande antes do vencimento, não haverá problema nenhum e essas sanções do art. 939 não incidirão sobre esse credor.

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Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto. 13 www.g7juridico.com.br

Em todas essas situações excepcionais do art. 333, que é o que justifica o vencimento antecipado da dívida, o que ocorre é um risco para o crédito, para o credor. Há um risco de que o credor não virá a receber. Por isso, o legislador protege o credor nesse momento e faz a dívida se vencer antecipadamente, de forma que o credor poderá cobrar sem as sanções.

Art. 333. Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo estipulado no contrato ou marcado neste Código: I - No caso de falência do devedor, ou de concurso de credores;

➢ Se for esperar dar o vencimento da dívida, todos os credores que eles já têm já teriam habilitado seus créditos e recebido, nada sobrando para a dívida que ainda estava a vencer.

II - Se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro credor;

➢ Esse inciso II está se referindo à hipoteca e ao penhor, instituto dos Direitos Reais de Garantia. Imagine que isso que foi hipotecado ou que foi empenhado foram penhorados em execução por outro credor. A credora titular daquela garantia real pode se manifestar dizendo que o vencimento de sua dívida pode se antecipar, de modo a viabilizar o direito de preferência do credor pignoratício e do credor hipotecário.

III - Se cessarem, ou se se tornarem insuficientes, as garantias do débito, fidejussórias, ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las.

➢ João pegou dinheiro emprestado com Mônica e o fiador é o Manoel. Manoel morreu. A credora pede outra garantia ao devedor e o devedor não faz nada. Nesse caso, há um risco para o crédito. Haverá um vencimento antecipado dessa obrigação também.

Existem essas três situações de vencimento antecipado, mas é possível o vencimento antecipado que surja por outro motivo que não esteja nesse art. 333 do CC, como outro motivo que as partes tenham estabelecido em contrato? Sim, é possível e muito comum. As partes costumam pactuar que, se houver o inadimplemento de uma das parcelas, haverá o vencimento antecipado das demais. Isso surge da autonomia privada das partes, sendo perfeitamente válido.

➢ Em um caso de solidariedade passiva, com vários devedores e qualquer devedor podendo ser cobrado pela dívida toda, se houver o vencimento antecipado em relação a um dos devedores solidários, haverá o vencimento em relação aos demais devedores também? Havendo vencimento antecipado em relação a um dos devedores, isso não se estende em relação aos demais devedores. Vejamos:

Parágrafo único do art. 333. Nos casos deste artigo, se houver, no débito, solidariedade passiva, não se reputará vencido quanto aos outros devedores solventes. 14 www.g7juridico.com.br

FORMAS ESPECIAIS DE CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO (arts. 334 a 388 do CC)

São várias as formas especiais de cumprimento da obrigação e a doutrina não chega a um acordo quanto à denominação. Alguns doutrinadores chamam de pagamento indireto, então o pagamento que estudávamos até agora pouco era o pagamento propriamente dito, enquanto que essas formas especiais iriam se traduzir em manifestações de pagamento, só que um pagamento indireto.

1) Consignação em pagamento / Pagamento em consignação

Também é chamado de oferta real por alguns doutrinadores. Na verdade, se trata de um instituto de natureza híbrida porque esse instituto apresenta disciplina dentro do Código Civil e também no Código de Processo Civil. No CPC/2015, a disciplina para esse instituto está a partir do art. 539. •

Premissa: quando se é devedor de alguém, o melhor a se fazer é pagar. O devedor tem, portanto, o direito de se ver livre de sua obrigação e essa é a premissa da qual partimos para compreendermos esse instituto da consignação em pagamento.

Imagine que o devedor quer exercer seu direito de ficar livre dessa obrigação e o credor cria dificuldades para receber o pagamento, se recusando a receber ou recebe, mas não quer der a quitação. Ainda pode acontecer de o credor residir em local de acesso difícil ou perigoso. São várias as possibilidades.

O instituto da consignação em pagamento surge para que o devedor cumpra com sua obrigação promovendo um depósito judicial ou extrajudicial da quantia ou da coisa devida.

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Esse depósito pode acontecer de duas formas: judicialmente ou extrajudicialmente. O devedor poderá manejar uma ação com procedimento especial que está no CPC a partir do art. 539, chamada de ação de consignação em pagamento, promovendo um depósito judicial.

É possível, ainda, que esse depósito seja extrajudicial. Se o que for devido for dinheiro, apenas dinheiro, é possível o devedor se dirigir a uma instituição financeira, bancária oficial e promover esse depósito dessa quantia, se a dívida se traduzir em dinheiro necessariamente, nesse caso de depósito extrajudicial. •

Hipóteses de cabimento:

Art. 335. A consignação tem lugar: I - Se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma; II - Se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos; III - Se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil; IV - Se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento; V - Se pender litígio sobre o objeto do pagamento.

No caso do inciso V, Mônica quer pagar a João R$ 10.000,00 porque entende que a prestação se traduzia nesse valor. Contudo, João acha que eram R$ 15.000,00. Enquanto existe a briga acerca desse objeto excedente supostamente devido, Mônica pode promover o depósito de R$ 10.000,00 demonstrando que quer pagar. O art. 335 é exemplificativo.

➢ É possível que o credor tenha interesse na consignação em pagamento? Sim. Pela lógica, seria só o devedor, mas temos uma situação em que a consignação ocorrerá no interesse do credor. Vejamos:

Art. 345. Se a dívida se vencer, pendendo litígio entre credores que se pretendem mutuamente excluir, poderá qualquer deles [dos credores] requerer a consignação.

Pode ser que tenha dois credores brigando, Mônica diz a João que Antônio deve pagar a ela, mas João diz que Antônio deve é para ele. Com medo de que o devedor pague a João, ela requer a consignação em pagamento, que o devedor deposite. Depois que ficar definido quem é o credor, esse que for o credor fará o levantamento do depósito. •

Objeto da consignação:

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Os objetos das obrigações são dar, fazer e não fazer. O que pode ser objeto de consignação? Apenas a obrigação de dar. Não faz sentido falarmos em consignação em pagamento se estivermos diante de uma obrigação de fazer ou de uma obrigação de não fazer. •

Efeito:

Quando o devedor promove aquele depósito pagando o seu credor. O efeito da consignação em pagamento é a liberação do devedor do vínculo obrigacional, o isentando do risco de arcar com juros, com multa, etc. O grande respaldo que é dado a esse instituto é dado pelo princípio da boa-fé objetiva. Quando há a consignação em pagamento, não há dúvidas de o que está conduzindo aquela pessoa a fazer aquilo é o princípio da boa-fé objetiva.

2) Pagamento com sub-rogação

Sub-rogação: substituição. Vale lembrar que a sub-rogação pode acontecer no nosso país de duas formas.

Nas hipóteses de sub-rogação legal, essa substituição ocorre de forma automática, por força da lei. Um exemplo comumente lembrado em provas é o do art. 346, III, do terceiro interessado (fiador, avalista) que paga. Quando ele paga, ele se sub-roga na posição de credor, passando a ocupar o lugar do credor primitivo.

Art. 346. A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor: I - Do credor que paga a dívida do devedor comum; II - Do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel; III - Do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte.

Art. 347. A sub-rogação é convencional: I - Quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos; II - Quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver a dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito. •

Efeito:

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Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.

3) Imputação de pagamento •

Imputar: apontar/atribuir.



Premissa: trata-se de instituto que somente faz sentido quando o devedor estiver obrigado perante o mesmo credor a vários débitos. O devedor deve R$ 300,00 de empréstimo, deve mais R$ 500,00 de uma compra e deve mais R$ 400,00 porque o credor prestou serviço ao devedor e não recebeu. Tudo relacionado ao mesmo credor.

O instituto da imputação ao pagamento nos traz que, se o devedor chegar com o dinheiro para pagar, o devedor que vai atribuir o pagamento, que vai imputar o pagamento. Se ele chegar com R$ 300,00 para pagar, é direito do devedor falar que quer quitação integral da primeira dívida ou quitação parcial de alguma das outras. É um instituto que chega em benefício do devedor. •

Conceito:

Imputação de pagamento é instituto que busca beneficiar o devedor, na medida em que ao devedor é dado o direito de apontar a qual dívida está fazendo o pagamento, a qual dívida ele pretende receber a quitação. O devedor do exemplo dado não exercitou esse direito, ele chega para pagar, mas não atribui o pagamento. Assim, caberá ao credor decidir.

Se nem o devedor e nem o credor atribuíram o pagamento, terá cabimento a chamada imputação legal, sendo a imputação promovida pela lei. Dessa forma, teremos regras de imputação legal que costuma aparecer frequentemente em provas de múltipla escolha.

Regras de Imputação Legal (arts. 354/355) ➢ Havendo capital e juros, a imputação ocorrerá em relação aos juros; ➢ A imputação ocorrerá em relação às dívidas líquidas e vencidas em primeiro lugar; ➢ Se as dívidas forem líquidas e vencidas ao mesmo tempo, a imputação ocorrerá em relação à mais onerosa.

Art. 354. Havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros vencidos, e depois no capital, salvo estipulação em contrário, ou se o credor passar a quitação por conta do capital.

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Art. 355. Se o devedor não fizer a indicação do art. 352, e a quitação for omissa quanto à imputação, esta se fará nas dívidas líquidas e vencidas em primeiro lugar. Se as dívidas forem todas líquidas e vencidas ao mesmo tempo, a imputação far-se-á na mais onerosa.

4) Dação em pagamento •

Conceito: o credor pode aceitar prestação diversa, ainda que ele não seja obrigado a tanto. Se ele aceitar prestação diversa, essa obrigação será extinta pela dação em pagamento, que ocorre, portanto, quando o credor consente em receber prestação diversa da que lhe era devida.

Quando o credor aceita essa prestação diversa, para que aquela obrigação seja extinta, aquilo que está sendo oferecido tem que ter valor equivalente ao da prestação primitiva? Não necessariamente, pode ser que valha mais ou que valha menos. O que importa é que o credor aceitou, extinguindo a obrigação pela dação em pagamento.

➢ Exemplo: João deve uma vaca para Mônica. No lugar da vaca, ele a oferece um carro. Ela não é obrigada a aceitar, ainda que o carro seja mais valioso. Contudo, ela pode aceitar e aceita. Com isso, a obrigação é extinta pela dação em pagamento. Entretanto, um terceiro de nome Manoel está reivindicando aquele carro. Mônica, de boa-fé, se defendeu em juízo, mas o magistrado a mandou entregar o carro ao terceiro porque o terceiro tinha direito anterior sobre aquele carro. Esse é fenômeno chamado evicção (arts. 447 e ss. do CC).

Quem sofreu evicção pode se voltar contra a pessoa que lhe entregou o carro, nesse exemplo dado, porque essa obrigação primitiva será restabelecida. •

Se o credor for evicto da coisa dada em pagamento: art. 359, CC.

Art. 359. Se o credor for evicto da coisa recebida em pagamento, restabelecer-se-á a obrigação primitiva, ficando sem efeito a quitação dada, ressalvados os direitos de terceiros.

5) Novação •

Conceito: novação dá a ideia daquilo que é novo, na novação temos uma relação jurídica obrigacional preexistente, com um credor de um lado, um devedor de outro e, entre eles, um objeto que já existe. É extinta a obrigação primitiva e se coloca outra obrigação nova no lugar dela, seja porque houve alteração dos sujeitos ou porque houve alteração do objeto.

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Caráter extintivo e gerador ao mesmo tempo. Será extinta uma obrigação preexistente e, simultaneamente, nascerá uma nova obrigação, seja porque houve alteração dos sujeitos ou porque houve alteração do objeto.

Art. 360. Dá-se a novação: I - Quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior; II - Quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor; III - Quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este.

Imagine que a obrigação primitiva foi extinta, dando lugar à uma nova obrigação, mas a primeira obrigação era garantida por um fiador e o fiador não se manifestou acerca da novação. Aquele fiador da obrigação primitiva, com a novação, continua garantindo a nova obrigação que nasceu? Claro que não, se esse fiador não consentiu, não se manifestou, ele será exonerado de sua obrigação. •

Fiador: Art. 366. Importa exoneração do fiador a novação feita sem seu consenso com o devedor principal.



Obrigações extintas ou nulas: Art. 367. Salvo as obrigações simplesmente anuláveis, não podem ser objeto de novação obrigações nulas ou extintas.

Para que ocorra a novação, é preciso, de antemão, que uma obrigação exista. Se essa obrigação já se extinguiu, não há como se falar em novação de nada. Também não está sujeita à novação uma obrigação que seja nula porque o legislador do CC, na Parte Geral, no art. 1693 já havia nos informado de que o negócio nulo, justamente por dizer respeito a interesse público, não é suscetível de confirmação.

Obs.: Obrigações anuláveis – está sujeita à novação porque pode ser confirmada. O art. 172 do CC4 nos diz que o negócio anulável é suscetível de confirmação.

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Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo. Art. 172. O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro. 20 www.g7juridico.com.br

Dívida prescrita: tende a prevalecer na doutrina que pode ser novada, com base no art. 191 do CC, em que se possibilita a renúncia à prescrição, ou seja, o devedor, mesmo estando prescrita a dívida, pode querer pagar e efetivamente pagar. Do mesmo modo que esse devedor pode renunciar a prescrição, ele pode querer promover uma novação junto com seu credor em relação àquela obrigação.

Art. 191, CC. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.

Na cessão de crédito, o crédito é transferido e o cedente cede o seu crédito para o cessionário. Na assunção de dívida, a dívida é assumida por um terceiro assuntor e há alteração no polo ativo e passivo, respectivamente. Como diferenciar esses dois institutos com a novação subjetiva ativa e novação subjetiva passiva?

6) Compensação (arts. 368 e ss.) •

Conceito: é um instituto em que se tem duas pessoas e essas duas pessoas são credoras e devedoras uma da outra, ao mesmo tempo. Exemplo: Mônica deve R$ 1.000,00 ao João. Por outra obrigação, João deve R$ 300,00 para Mônica. Pode ser feita uma compensação, quando Mônica for pagar João, ela pode pagar apenas R$ 700,00. A obrigação se extingue até o ponto em que o débito e o crédito se compensarem.

Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.

Para que a compensação ocorra de forma automática, devemos preencher a três requisitos simultâneos: as duas dívidas deverão ser vencidas (exigíveis), líquidas (certa quanto à existência e determinada quanto ao objeto, como os valores determinados no exemplo dado acima) e de coisas fungíveis entre si (A deve dinheiro para B e B deve dinheiro para A). 21 www.g7juridico.com.br

Se Mônica devesse dinheiro para João e João devesse sacas de café para Mônica, não ocorreria compensação de forma automática, forçada, porque as coisas não são fungíveis entre si. Para a compensação ocorrer nessas hipóteses, somente se ambas as partes concordarem.

Art. 369. A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis.

Cuidado, porque nas provas os examinadores costumam confundir o instituto da compensação com o instituto da confusão, que é a próxima forma especial de se cumprir com uma obrigação.

7) Confusão (arts. 381 e ss.) •

Conceito: a confusão ocorre quando, na mesma pessoa, se concentram as qualidades de credor e devedor ao mesmo tempo.

Enquanto que na compensação temos duas pessoas e essas duas pessoas são credoras e devedoras entre si ao mesmo tempo, aqui só temos uma pessoa e essa pessoa é credora e devedora de si mesma. É exatamente por essa incompatibilidade lógica de que ninguém pode dever a si mesmo que essa obrigação será extinta pela confusão.

➢ Exemplo: Mônica pegou emprestado de seu pai R$ 100.000,00. Antes de ela promover esse pagamento desse valor a ele, o pai dela falece. No que ele morre, ela é a filha única, única herdeira e herda a casa do pai, o dinheiro do pai, o carro do pai, créditos que porventura ele tenha para receber. Nesse momento, ela acaba de se tornar credora e devedora de si mesma. Por incompatibilidade lógica, essa obrigação será extinta. •

Espécies: pode ser total (diz respeito à dívida por completo, como o exemplo dado) ou parcial (diz respeito à parte da dívida, como se a herdeira do exemplo dado tivesse um irmão e ela se tornaria devedora do seu irmão no tocante à metade da dívida que lhe cabia).

8) Remissão de dívida (arts. 385 e ss.) •

Conceito: significa perdão. A remissão ocorre quando o credor graciosamente libera o devedor do vínculo obrigacional. A remissão é um negócio jurídico bilateral, pois exige a manifestação das duas partes, exige a aceitação do devedor. Se o credor for perdoar a dívida em relação ao seu devedor, esse perdão apenas vai se concretizar quando o devedor aceitar.



Espécies:

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a) Total: quando o credor perdoa a dívida por completo; b) Parcial: perdão de parte do que era devido.

a) Expressa: ocorre quando há manifestação inequívoca no sentido de liberar o devedor e o devedor aceita; b) Tácita: ocorre quando há a devolução do título representativo da obrigação, como quando o credor devolve o contrato ao devedor.

➢ Exemplo: João pega R$ 1.000,00 emprestado com Mônica e dá a ela um anel a título de garantia. Ela devolve o anel a ele. Houve o penhor daquele objeto e ela diz que não precisa, o devolvendo. A devolução do objeto empenhado representaria uma remissão tácita? Não. A devolução do objeto dado em garantia representa apenas uma renúncia ao objeto que foi dado em garantia, mas isso não representa remissão tácita.

Art. 387, CC. A restituição voluntária do objeto empenhado prova a renúncia do credor à garantia real, não a extinção da dívida.

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MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS Direito Civil Profa. Mônica Queiroz Aula 22

ROTEIRO DE AULA

Tema: DIREITO DAS OBRIGAÇÕES IV

INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES

São manifestações de inadimplemento das obrigações, em uma visão topográfica:

1) Inadimplemento Relativo (Mora) 2) Inadimplemento Absoluto 3) Violação Positiva do Contrato

1) Inadimplemento Relativo (Mora)

- Conceito: art. 394, CC. Essa terminologia “mora” é muito mais utilizada no nosso dia-a-dia. A mora ocorre quando o devedor não quer pagar ou o credor não quer receber em tempo, lugar ou forma previstos na lei ou no contrato. Esse conceito é extraído do próprio Código Civil.

Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.

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A mora não é só coisa de devedor, a mora também poderá ser do credor. Imagine que o devedor não queira pagar, obedecendo aquela formatação legal ou contratual (tempo, lugar, forma) ou então seja o credor que não queira receber obedecendo aquela formatação que está naquela lei ou naquele contrato. Em um ou outro caso, estaremos diante de uma situação de mora.

Outro ponto que devemos destacar é que estamos acostumados a lembrar que a mora ocorre quando há um atraso. Mas é importante ampliarmos nossa perspectiva porque a mora ocorre não só quando não ocorre o cumprimento no tempo previsto na lei ou no contrato, é importante notar que a mora ocorre quando o devedor não quer pagar ou o credor não quer receber dentro daquela formatação para o cumprimento da obrigação que foi estabelecida na lei ou no contrato.

Ou seja, quando houver violação ao tempo, quando houver violação ao lugar, ou quando violação quanto à forma do cumprimento daquela obrigação. Nada obstante as pessoas, de uma maneira geral, se refiram à mora tendo uma ideia de atraso no cumprimento da obrigação, devemos ampliar nossa perspectiva. É o atraso no cumprimento da obrigação, mas não só o atraso. Quando houver qualquer violação no cumprimento daquela obrigação, seja por parte do devedor ou do credor, iremos dizer que aquela pessoa se encontra no estado de mora.

• Mora do devedor → Mora solvendi

• Mora do credor → Mora accipiendi

Quando falamos em mora do devedor, a mora solvendi, é importante notar que, para que digamos que aquele devedor realmente se encontra em um estado de mora, é importante que o descumprimento dele tenha sido culposo, ele tem que ter agido com culpa, assim a doutrina prevalecente no nosso país irá se manifestar com base no art. 396 do CC.

Art. 396, CC: “Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora.”

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Quando esse art. 396 diz que não havendo fato ou omissão que seja atribuível ao devedor não incorrerá este em mora, esse dispositivo está dizendo que, para que nós digamos que o devedor está em mora realmente, ele tem que ter agido com culpa no descumprimento da obrigação. Isso significa dizer que, por uma interpretação às avessas desse art. 396 do CC, a mora do credor, para ser configurada, não é necessária a culpa, ou seja, basta que se tenha um credor que não receba, independentemente de aquele credor agir com culpa no não recebimento.

Moras simultâneas do devedor e do credor

• Para Giselda Hironaka: não é possível a configuração de moras simultâneas. Ou estaremos diante da mora do devedor ou será a mora do credor. Isso significa dizer que uma mora excluirá a outra mora. Essa professora acredita que seria possível uma mora sucessiva, estava em mora um e depois o outro entra em mora, mas uma mora simultânea ela entende que não seria possível;

• Para Maria Helena Diniz: haveria compensação dos atrasos, como se nenhuma parte tivesse incorrido em mora. É como se as moras se compensassem.

Espécies de mora do devedor:

É fácil vislumbrar a mora do devedor quando ele deve para alguém uma quantia em dinheiro, que ele deve pagar naquela loja e se chegar o vencimento e ele não promover o pagamento, esse devedor entrará em mora. Um credor estaria em mora quando, por exemplo, João tenha que entregar um carro para a Mônica no sábado e, chegando sexta-feira, ela não quer receber esse carro porque está reformando sua casa e não tem garagem para guardar este carro.

Assim, quando João chega na casa de Mônica no sábado para lhe entregar o carro, ela não atende a campainha. Quando ele liga no celular dela, ela não atende a ligação de João. Neste momento, podemos visualizar uma credora que está se recusando a receber e o credor pode, por vezes, ter interesse em não receber. Neste exemplo, a credora não tinha vaga de garagem para guardar o carro e por isso se afastou do recebimento. Neste caso, estaria configurada a mora do credor.

Nesse ponto da aula, estudaremos apenas a mora do devedor. Quando falamos em mora do devedor, é importante destacar que essa mora do devedor vai se subdividir em duas espécies. A primeira é chamada de mora ex re, que ocorre nas obrigações com prazo determinado. A mora ex re incide de pleno direito, o que significa dizer automaticamente, por isso alguns autores chamam a mora ex re de mora automática porque incide de pleno direito.

Imagine que alguém tenha que pagar uma prestação em uma loja do shopping e tem que ir lá pagar no dia 20/11 que é a data do vencimento. Essa obrigação tem prazo determinado. Suponhamos que tenha chegado o dia 20/11 e o devedor não cumpriu com sua obrigação, não pagou aquela prestação. No dia seguinte, 21/11, esse devedor já se encontrará em estado de mora. Essa é a mora ex re e nela tem cabimento o brocardo latino do dies interpellat pro homine, ou seja, o dia 3 www.g7juridico.com.br

interpelou pelo homem. O credor não teve que fazer nada para constituir o seu devedor em mora, o dia do vencimento chegou e o devedor não pagou, automaticamente o devedor, no dia seguinte, já estava em mora.

A segunda espécie de mora do devedor é a chamada mora ex persona, que ocorre nas obrigações com prazo indeterminado. A mora ex persona não tem incidência de pleno direito, não acontece de pleno direito. Imagine que Mônica emprestou sua casa de praia ao João. Foi feito com ele um contrato de comodato. Acontece que nesse contrato, eles não colocaram data para que ele devolvesse a ela a casa de praia.

Se não há uma data, ele tem a obrigação de lhe devolver a casa de praia, mas se trata de uma obrigação com prazo indeterminado. A questão é que João já está na casa há mais de um mês, Mônica está querendo a casa de volta e precisa constituir o devedor em mora e essa credora deverá notificar, interpelar seu devedor para tanto.

Nessa notificação, será dado um prazo razoável (como 30 dias) para ele desocupar a casa. Ocorre que correram os 30 dias da notificação e João se quedou inerte, continuou dentro da casa, não a desocupando. No 31º dia após a notificação, João entra em um estado de mora, a mora ex persona. Aqui, não empregamos aquele brocardo latino do dies interpellat pro homine porque se trata de uma obrigação com prazo indeterminado, não ocorrendo de pleno direito/automaticamente. Ela dependerá da manifestação do credor (daí o nome ex persona) ao notificar, interpelar aquele devedor.

Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.

Estudamos as espécies de mora do devedor, mas não temos espécies de mora do credor. Quando falamos em mora do credor, basta imaginarmos um credor que não recebe no tempo, lugar ou forma previstos na lei ou no contrato.

- Efeitos da Mora:

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a) Do devedor: art. 395 e art. 399, CC

Não existe grandes mistérios, quando se deve e não se paga, o pagamento deverá ser feito de forma corrigida monetariamente, com juros, etc.

Art. 395. “Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”

Embora sejam intuitivos esses efeitos da mora do devedor, a professora dissecou esses efeitos nos seguintes tópicos:

Art. 395: ✓ Prejuízos que a sua mora der causa; ✓ Juros moratórios (vem de uma situação de mora), ✓ Correção monetária (a atualização monetária por meio de índice oficialmente estabelecido, é diferente dos juros); ✓ Honorários de advogado → contratuais (STJ, REsp 1.134.725 – MG; AgRg no REsp 1.354.856 – MG.)

Tende a prevalecer na doutrina e encontraremos decisões no STJ de que esses honorários de advogado que são mencionados no art. 395 do CC seriam os honorários contratuais. Não seriam os sucumbenciais porque os sucumbenciais já estariam previstos no CPC. A professora particularmente discorda desse entendimento, mas é o que tende a prevalecer na doutrina e nas decisões do STJ.

Quando o devedor está em mora, tudo ficará ruim para ele porque, suponhamos que a coisa que ele deve venha a se perder. Ele, estando em uma situação de mora, a coisa que ele devia veio a se perder. Nesse momento, será que perguntamos se ele agiu com culpa ou sem culpa e, se ele tiver agido com culpa, ele deverá indenizar o credor por perdas e danos? Não. Se a perda da coisa ocorrer durante a mora do devedor, ele sempre terá que ressarcir o credor em perdas e danos, ainda que a coisa tenha se perdido sem culpa dele, é o que consta da primeira parte do art. 399.

Se, nas primeiras aulas sobre direito das obrigações estudamos que, quando ocorre a perda da coisa certa antes da tradição, perguntamos se o devedor agiu com culpa ou sem culpa pois só se ele tiver agido com culpa é que ele vai indenizar o credor em perdas e danos, contudo se essa perda tiver ocorrido no momento de mora do devedor, ele terá que indenizar o credor em perdas e danos, independentemente da análise de atuação de culpa ou não.

Art. 399. “O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa [pelo atraso], ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.”

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Essa primeira parte do artigo está dizendo que se a coisa se perder em uma situação de mora, o devedor responde pela perda da coisa e tem que ressarcir o credor em perdas e danos, independentemente de a coisa ter se perdido por caso fortuito ou força maior, isto é, sem culpa do devedor, não se avaliando a culpa dele.

O devedor não tem nenhum argumento ao seu favor? Ele tem dois argumentos que operam ao seu favor, de tal modo que qualquer um deles induzirá ao afastamento da indenização por perdas e danos e esses dois argumentos estão na segunda parte do art. 399:

1. Salvo se ele provar isenção de culpa: acabamos de estudar que, nesse caso, não avaliamos se a perda se deu por culpa ou sem culpa. O legislador, quando foi redigir esse art. 399, ele cochilou porque poderia ter explicado melhor. Essa expressão de ressalva não se trata da culpa pela perda, pois esta nem é analisada, mas sim a culpa pelo atraso, a culpa para que se constitua a mora.

Exemplo: vamos imaginar que havia um atraso e a coisa vem a se perder durante aquele atraso. Só que o devedor consegue provar que ele não agiu com culpa pelo atraso. Na verdade, estava ali consignado naquele contrato que o credor é que deveria vir receber e pegar a coisa e o credor não veio. Então, o devedor não conseguiu entregar para o credor. Havia um atraso, mas não havia culpa do devedor pelo atraso.

2. Ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada: seria caso de o devedor comprovar que realmente estava em situação de mora, realmente a coisa se perdeu, mas, ainda que ele tivesse cumprido com sua obrigação tempestivamente, a perda ocorreria do mesmo modo.

➢ Exemplo: o devedor deve ao credor um quadro, então o devedor deve entregar esse quadro ao credor, acontece que o devedor não entrega o quadro ao credor. Mesmo que o quadro tivesse sido entregue, o quadro iria se perder porque o quadro se perdeu por um incêndio naquela galeria e o quadro, mesmo entregando ao credor, ele iria continuar no mesmo prédio porque assim havia sido combinado. O devedor está provando que, mesmo se tivesse cumprido com sua obrigação tempestivamente, essa perda teria ocorrido do mesmo modo, pois um incêndio acometeu aquele prédio em que o quadro continuaria a ficar nele.

Posto isso, trataremos agora dos efeitos da mora do credor. O credor também pode se constituir em uma situação de mora, quando ele se recusa a receber. São três os efeitos da mora do credor:

b) do credor: art. 400, CC

Art. 400. “A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação.” 6 www.g7juridico.com.br

➢ 1º efeito – libera o devedor da responsabilidade pela conservação da coisa: Mônica, devedora, quer entregar um carro para seu credor Antônio acontece que esse credor se recusa a receber o carro e ele se constitui em uma situação de mora. A devedora, nervosa com a situação, diz que, se acontecer algo com o carro, ela não terá mais responsabilidade. Esse é o primeiro efeito da mora do credor, que isenta o devedor da responsabilidade em relação àquela coisa.

➢ O devedor está liberado da responsabilidade pela conservação da coisa, mas será que esse devedor pode pegar uma marreta e quebrar o carro inteiro? Claro que não. Exatamente por isso que o art. 400, na sua primeira parte diz “isento de dolo”, porque aí surgiria responsabilidade para ele.

Art. 400. “A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação.”

➢ 2º efeito – obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservar a coisa: o credor Antônio não quer receber aquele carro e Mônica não tem mais responsabilidade, só que ela também não vai deixar o carro parado no meio da rua, alugando uma vaga de garagem para ele em um estacionamento pago e o credor resolve receber esse carro duas semanas depois e a devedora gastou duas semanas de estacionamento com aquele carro.

➢ Seria razoável dizer que o credor, ao receber este carro, ele deverá ressarcir o devedor nas despesas empregadas com a conservação da coisa? Claro que sim e esse é o segundo efeito da mora do credor

Art. 400. “A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação.”

➢ 3º efeito – valor mais favorável ao devedor, se houver oscilação do valor da coisa: o que é devido, que pode ser qualquer coisa, e essa coisa devida pode ter oscilação do seu valor. Pode ser que no dia em que o contrato havia previsto o cumprimento da obrigação, essa coisa valia X e acontece que o credor ficou em mora muitos meses e essa coisa que valia X, quando da entrega dez meses depois, estava valendo Y. Houve uma oscilação do valor. ➢ Se houver oscilação do valor da coisa entre a data em que era para ter sido entregue e a data em que foi efetivamente entregue, devemos considerar o valor mais favorável ao devedor ou ao credor? É claro que devemos considerar o valor mais favorável ao devedor porque foi o credor que criou aquele problema todo e o devedor foi vítima nessa circunstância.

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A mora decorrente da prática de ato ilícito (Mora presumida ou irregular)

Imagine que uma pessoa, que vinha na contra mão, tenha batido no carro de Mônica. Ele amassou todo o para-choque, praticando um ato ilícito. As obrigações podem nascer de lei, de contrato, mas as obrigações também podem nascer da prática de um ato ilícito, tanto é assim que, nesse exemplo, Mônica se tornou credora e aquele sujeito que veio na contra mão e bateu no carro dela se tornou devedor, nascendo uma obrigação.

Mônica cobrou dele o conserto do veículo e ele não mandou consertar, não pagou e não deu satisfação nenhuma. Assim, a credora ajuizou uma ação contra ele cobrando o valor que ela gastou com o conserto do veículo. Dessa ação, decorreu uma sentença que condenou aquele sujeito ao pagamento de X mil reais pelo conserto do veículo de Mônica. Sobre o valor dessa sentença, irão incidir juros moratórios, juros de mora, sendo a mora decorrente da prática do ato ilícito. ➢ Devemos considerar esses juros de mora a partir de quando? A partir do dia do acidente, da prática do ato ilícito? A partir do dia em que Mônica ajuizou a ação contra ele? A partir da citação? Muita gente responde que será a partir da citação, que será considerado os juros de mora a partir da citação porque essa é a regra geral do art. 405 do CC. Errado. Quando falarmos de mora decorrente da prática de ato ilícito, não se aplica o art. 405 do CC, temos uma exceção que está no art. 398. Consideramos a partir da própria prática do ato ilícito.

Art. 398. “Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou.”

Quando esse artigo traz essa informação, ele simplesmente está repetindo algo que já estava consolidado na jurisprudência do STJ, que já estava, inclusive, sumulado:

- Súmula 54, STJ: Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual.

- Purga da Mora

Purgar a mora significa sanar a mora, colocar fim àquela situação de mora. É perfeitamente possível a purga da mora, mas, como sabemos que existe a mora do devedor e a mora do credor, vamos por partes:

a) Do devedor: art. 401, I

O devedor está em mora quando ele não quer pagar. Ele vai purgar a sua mora pagando. Basta o pagamento? Não, além de pagar, ele tem que assumir os efeitos decorrentes da sua mora e esses efeitos estão no art. 395 do CC (valor corrigido monetariamente, acrescido de juros moratórios, etc.).

b) Do credor: art. 401, II 8 www.g7juridico.com.br

O credor está em mora quando ele se recusa a receber. Ele vai purgar sua mora quando se aceitar e receber a coisa. Vale lembrar que não é apenas recebendo que ele purga a sua mora, o credor também deverá assumir os prejuízos, efeitos decorrentes da sua mora, previstos no art. 400.

Art. 401. Purga-se a mora: I - por parte do devedor, oferecendo este a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta; II - por parte do credor, oferecendo-se este a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data.

1) Inadimplemento Relativo (Mora) 2) Inadimplemento Absoluto 3) Violação Positiva do Contrato

2) Inadimplemento Absoluto

Esse é mais grave do que o inadimplemento relativo, do que a mora. No inadimplemento absoluto, ocorre o total descumprimento da obrigação.

Hipóteses:

a. Quando há total perda ou destruição da coisa;

Exemplo: João deve um carro para Mônica e ele pega esse carro, completamente bêbado, bate esse carro e dá perda total no veículo. Houve a total perda ou destruição da coisa e isso é muito pior do que a mora, isso é inadimplemento absoluto.

b. Quando há total recusa do devedor em cumprir com a obrigação;

Exemplo: Mônica contratou João, pintor de paredes, para pintar as paredes de uma sala e ele, apesar de ter feito o contrato com ele, simplesmente se recusa ao cumprimento, ao ato de fazer. Quando trazemos essa hipótese de total recusa do devedor em cumprir com a obrigação, enquanto que na hipótese anterior falávamos em obrigação de dar e a coisa se perdeu, aqui estamos falando de obrigação de fazer/não fazer.

c. Quando a prestação se torna inútil para o credor (art. 395, parágrafo único, CC).

Exemplo (Orlando Gomes): a entrega do vestido de noiva no dia seguinte ao casamento. É importante destacar que, nessa hipótese, o que há, em princípio, é uma situação de mora que se convola, se transforma em situação de inadimplemento absoluto. A entrega do vestido de noiva no dia seguinte ao casamento torna impossível a purga da mora. 9 www.g7juridico.com.br

Surge uma controvérsia acerca do que seria inutilidade, quando que podemos dizer se a prestação realmente é inútil para o credor. Por isso, temos um Enunciado aprovado em Jornada de Direito Civil:

Enunciado nº 162, CJF: “A inutilidade da prestação que autoriza a recusa da prestação por parte do credor deverá ser aferida objetivamente, consoante o princípio da boa-fé e a manutenção do sinalágma, e não de acordo com o mero interesse subjetivo do credor.”

Quando há um atraso, não necessariamente a entrega atrasada daquela coisa vai significar um inadimplemento absoluto. Não podemos crer em uma inutilidade que decorra de um mero capricho do credor, quando o credor simplesmente diz que agora não quer mais. Temos que observar parâmetros de boa-fé e considerar objetivamente aquela questão, se interesse agora ou não ao credor.

Efeito: Resolução. A obrigação será resolvida e resolução significa extinção, então aquela obrigação será extinta.

Quando falamos de violação positiva do contrato, embora tendo havido o cumprimento da obrigação principal, não foram cumpridos os deveres laterais ou anexos. Para que ambas as partes saiam satisfeitas daquele negócio, daquele contrato, é necessário que ambas as partes cumpram não apenas cada uma com sua obrigação principal, mas também com aquilo que chamamos de deveres laterais ou anexos.

Esses deveres laterais ou anexos estão implícitos em todos os contratos, não precisando aparecer expressamente, o que vai induzir ao professor Pablo Stolze a chamar esses deveres laterais ou anexos de deveres invisíveis porque estão implícitos nos contratos. São também conhecidos como deveres satelitários pois funcionam como satélites ao redor da obrigação principal.

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➢ O que seriam esses deveres laterais ou anexos que o contratante também deve cumprir? Proteção, Informação, Cooperação, LEaldade e Solidariedade. Ocorre a violação positiva do contrato quando a pessoa, tendo cumprido com a obrigação principal, ela não cumpriu com qualquer um desses deveres laterais ou anexos. O que liga esses deveres laterais ou anexos à obrigação principal é exatamente o princípio da boa-fé objetiva.

Exemplo: um sujeito entra no Mc Donalds, pediu um refrigerante e o sanduíche. O Mc Donalds entregou a ele a bandeja com os produtos, mas o chão estava molhado e não havia nenhuma informação nesse sentido e esse sujeito escorrega e cai, posteriormente ajuíza uma ação contra o Mc Donalds.

A empresa se defende arguindo que cumpriu com a obrigação e o sujeito revida que foi cumprida a obrigação principal, mas não com o dever lateral ou anexo que era proteger e informar que o chão estava molhado. Esse sujeito obteve êxito no seu pedido indenizatório exatamente porque restou constatada a chamada violação positiva do contrato (expressão sinônima de inadimplemento ruim).

Se esses deveres laterais ou anexos deverão ser cumpridos, eles deverão ser cumpridos a todo momento. Na fase de negociação preliminar, durante o cumprimento da obrigação e até mesmo depois de findo o contrato aqueles deveres se projetam para o futuro, devendo ser cumpridos. Quando se cumpre com uma obrigação de forma ruim, é o mesmo que descumprir com aquela obrigação e essa é a ideia que prevalece hoje.

Enunciado 24, CJF: “Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa.”

Em suma, existem três espécies de inadimplemento das obrigações: o inadimplemento relativo ou mora, o inadimplemento absoluto e a violação positiva do contrato.

Teoria do Inadimplemento Mínimo ou Adimplemento Substancial

Essa teoria não está prevista em nenhum artigo do CC, mas já apareceu em vários julgados do STJ, principalmente julgados que envolviam promessa de compra e venda em que a pessoa está pagando várias parcelas, em contratos de alienação fiduciária e o STJ já se manifestou pela aplicação desta teoria nessas situações.

Sabemos que, quando há um inadimplemento, temos que observar a extensão do inadimplemento, daí o nome da teoria. Imagine que tenha havido um inadimplemento mínimo, muito pequeno, de tal modo a haver um adimplemento substancial. A pessoa tinha 50 prestações para pagar, foi pagando e, quando chegou na 47ª parou de pagar.

Em princípio, surge para o credor um leque de opções, então o credor, em princípio, teria o direito de exigir as três parcelas restantes, ele teria o direito de exigir a resolução do contrato. Acontece que essa teoria chega dizendo que o 11 www.g7juridico.com.br

inadimplemento foi mínimo e o que houve foi um cumprimento/adimplemento substancial. Desse modo, devemos desconsiderar a possibilidade de o credor resolver este negócio, esse direito até então potestativo do credor de resolver o contrato será afastado.

Se o credor, inicialmente, tinha várias opções, agora houve um inadimplemento mínimo/adimplemento substancial e houve esse afastamento da possibilidade de o credor resolver o contrato, tendo por base o princípio da boa-fé objetiva e o próprio princípio da função social, da conservação dos contratos.

Caberia ao credor apenas manter aquele contrato e manter pelas vias cabíveis a diferença, as prestações que ficaram faltando. Apenas isso. Resolver, extinguir o negócio, pegar a coisa de volta não é possível tendo a aplicação dessa teoria em mente.

Enunciado nº 361, CJF: “O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475.”

Atenção:

Se o STJ antes reconhecia em contratos de compra e venda, em contrato de alienação fiduciária, no ano de 2017 surge uma decisão que nos surpreende no sentido de que essa teoria do adimplemento substancial não poderá ser aplicada em caso de contrato de alienação fiduciária.

O caso era de que o sujeito tinha comprado o carro em alienação fiduciária em 48 parcelas, havia pago 44 parcelas e faltavam apenas 4. O STJ disse que, como não há a positivação da teoria do adimplemento substancial em nosso ordenamento jurídico, deveria ser considerada a busca e apreensão.

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No REsp 1.622.555/MG: O STJ afastou a aplicabilidade da teoria do adimplemento substancial em caso de contrato de alienação fiduciária em que 92% do contrato foi cumprido, permitindo ao Banco promover a busca e apreensão.

STJ: A teoria do adimplemento substancial não se aplica aos vínculos jurídicos familiares, máxime em se tratando de prestações alimentares. (HC 439.973 – MG).

Nessa decisão do STJ de 2018, essa teoria do adimplemento substancial não deve ser aplicada nas relações de família, em se tratando do cumprimento de pensão alimentícia.

CLÁUSULA PENAL (arts. 408/416, CC)

Quando falamos em cláusula penal, devemos ter em mente a ideia de uma cláusula que vem no contrato para punir, para penalizar a parte contratante que faça algo de errado. Embora não utilizemos muito essa terminologia no dia-a-dia porque usamos mais “multa contratual” ou “pena convencional”, são expressões sinônimas.

✓ Sinônimos: multa contratual/pena convencional

✓ Funções:

- Coerção, na medida em que impele às partes o fiel cumprimento daquele contrato;

- Prefixar perdas e danos em caso de inadimplemento culposo. Nem sempre quando há descumprimento da obrigação o credor poderá exigir indenização por perdas e danos, sendo que o credor somente poderá exigi-las quando esse descumprimento for culposo. Mônica e João celebram um contrato já antevendo a possibilidade de um descumprimento culposo e resolvem preliquidar as perdas e danos no próprio contrato.

Independentemente de haver a multa, a cláusula penal no contrato, se, por exemplo, João descumprir de forma culposa, sabemos que pode ser exigida indenização por perdas e danos, mas aquilo terá que ser levantado em juízo. Se já for colocada a multa no contrato, essa multa já representa uma pré fixação, uma pré liquidação e pré estipulação do valor devido a título de perdas e danos em caso de inadimplemento culposo.

Existem espécies de cláusula penal:

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Obs. 1: em um mesmo contrato podemos contemplar essas duas espécies de cláusula penal porque elas se destinam a finalidades distintas. Uma é para situação de mora e a outra é para situação de inadimplemento absoluto.

Obs. 2: Mônica e João celebraram o contrato, mas não colocaram no contrato uma multa, uma cláusula penal. Dias depois, as partes ainda não cumpriram com suas obrigações, mas perceberam que não colocaram a multa e essa multa pode perfeitamente ser estabelecida por ato posterior à celebração do contrato.

CLÁUSULA PENAL MORATÓRIA

✓ Característica: complementar à prestação principal, ou seja, imaginemos que A deve R$ 100,00 para uma loja e deve ir naquela loja para fazer o pagamento no dia X. Chegado o dia X, A não faz o pagamento e atrasou três dias, tendo efetuado o pagamento no final de três dias. Além dos R$ 100,00 deve ser pago complementando o valor da prestação um percentual que se refere à multa moratória, à cláusula penal moratória (2%).

✓ Teto: vale lembrar que a cláusula penal moratória chega em percentual fixo, sendo irrelevante o número de dias do atraso. Existe teto? Claro que deve existir, para evitar situações de abusividade.

- Relação de consumo: 2% (art. 52, §1º, CDC1); - Nos contratos bancários: 2% (Súmula 285, STJ) •

Súmula n. 285 do STJ: Nos contratos bancários posteriores ao código de defesa do consumidor incide a multa moratória nele prevista.

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Art. 52 do CDC: § 1° As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação.

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- Despesa condominial: 2% (art. 1336, §1º, CC2); - Para as demais situações: STJ – 10%

No CC/1916, o teto para atraso no pagamento do condomínio era de 20%. Atualmente, isso foi reduzido para 2%. Para as demais situações em que a lei não traz um teto, o STJ aplicando a Lei da Usura, entende que o teto é de 10%.

CLÁUSULA PENAL COMPENSATÓRIA

Tem cabimento na hipótese de inadimplemento absoluto, que ocorre quando há o total descumprimento na obrigação. ✓ Característica: substitutiva, ela substitui a prestação principal, trazendo a ideia de substituição da prestação principal. Quando falávamos de cláusula penal moratória, dissemos que ela traz a ideia de ser complementar à prestação principal porque, quando há a mora, a prestação principal ainda pode ser cumprida.

Aqui, no que falamos de cláusula penal compensatória, não podemos apresentar como característica a complementaridade porque a prestação principal não tem mais como ser cumprida, por isso ela é substitutiva, ela substitui a prestação principal. ✓ Teto: o valor da obrigação principal (art. 412, CC) porque a cláusula penal compensatória chega substituindo a prestação principal, então o teto é a próprio valor da obrigação principal.

Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.

Imagine que estamos diante de um descumprimento da obrigação, seja um caso de mora ou caso de inadimplemento absoluto, e a parte prejudicada vai pleitear a multa. A parte prejudicada sofre um prejuízo a mais do que aquelas perdas e danos que foram pré fixadas no contrato, porque estas não foram suficientes para cobrir esse prejuízo a mais.

Será que essa parte prejudicada poderá exigir uma indenização suplementar, além da cláusula penal? Depende. Pelo CC, a parte prejudicada apenas poderá exigir uma indenização suplementar se o contrato que foi feito previamente autorizar essa indenização suplementar, de forma expressa (sendo necessário ser produzida prova desse prejuízo excedente), porque, se não houver essa autorização do contrato, essa parte não poderá pleitear a indenização suplementar.

Indenização suplementar:

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Art. 1.336: § 1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito. 15 www.g7juridico.com.br

Art. 416, p.ú., CC: “Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente.”

Redução equitativa da cláusula penal

O CC/2002 nos surpreende com essa possibilidade de um juiz, em um caso concreto, mexer no contrato reduzindo a cláusula penal, seja a cláusula penal moratória ou a cláusula penal compensatória. Ainda que a cláusula penal tenha sido fixada no contrato dentro dos tetos, pode o juiz, no caso concreto, observando as peculiaridades e as circunstâncias do caso concreto, reduzir a clausula penal. Isso não existir no CC/1916 porque o pacta sunt servanda sempre prevalecia. Contudo, no CC/2002 é diferente e são observados outros princípios.

Art. 413, CC: “A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.”

Leia-se: a multa deve ser reduzida equitativamente. Quando encontrarmos em lei essa expressão “por equidade” ou “equitativamente”, podemos substituir pela expressão “buscando justiça”, então o juiz vai mexer no contrato reduzindo a cláusula penal buscando justiça.

Isso se trata de matéria de ordem pública, e, portanto, o juiz deve reduzir, não sendo necessário pedido da parte, o juiz deve agir ex officio. Além disso, não podem as partes afastar a possibilidade de aplicação do art. 413 justamente por se tratar de matéria de ordem pública.

Enunciado 355, CJF: “Não podem as partes renunciar à possibilidade de redução da cláusula penal se ocorrer qualquer das hipóteses previstas no art. 413 do Código Civil, por se tratar de preceito de ordem pública.”

Enunciado 356, CJF: “Nas hipóteses previstas no art. 413 do Código Civil, o juiz deverá reduzir a cláusula penal de ofício.”

JUROS

Não podemos confundir cláusula penal, que é a multa (moratória ou compensatória) que acabamos de estudar, com os juros porque os juros são tidos como bens acessórios, sendo chamados de rendimentos ou frutos civis, que não podemos confundir com a multa. Não é possível compreender esse tema “juros” sem conhecer uma classificação que existe acerca dos juros. Didaticamente falando, é oportuno que se trabalhe inicialmente com a classificação.

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CLASSIFICAÇÃO DOS JUROS

1. Quanto à finalidade:

a) Moratórios: é a primeira ideia de juros que nos vêm à mente. Os juros moratórios são aqueles que terão cabimento em hipótese de mora. Do mesmo modo que existe uma cláusula penal moratória, uma multa moratória, existe também os juros moratórios, que chegam para punir aquela pessoa que se atrasou e adentrou em um estado de mora. Apresentam esse caráter indenizatório e punitivo;

b) Compensatórios: são aqueles que têm por finalidade compensar o uso do capital alheio. Os juros compensatórios não chegam para punir, chegam para compensar o uso do capital alheio. Exemplo: Mônica pede R$ 100.000,00 emprestado para João e ele empresta, só que se João ficasse com esses R$ 100.000,00 que ele vai emprestar, pelo menos ele iria investir esse dinheiro em uma caderneta de poupança. A medida em que ele empresta esse dinheiro, ele perde aquele rendimento. Mônica, portanto, quando for pagar João, vai pagar os R$ 100.000,00 e X a mais a título de juros compensatórios.

Ainda que se pague em dia, os juros compensatórios são devidos. Também são chamados de remuneratórios. Visualizamos a aplicação desses juros no mútuo feneratício (art. 591 do CC3), que é o empréstimo de dinheiro a juros e esses juros são os juros compensatórios. Suponhamos que, no exemplo dado, chegou o dia do vencimento e Mônica não paga, estando atrasada 10 dias. Ela vai pagar os juros compensatórios para compensar o uso do capital alheio mais os juros moratórios porque eles têm finalidades distintas.

2. Quanto à fixação da taxa:

a) Convencionais: a taxa desses juros convencionais decorre de uma convenção. As partes já colocam no contrato a taxa que será cobrada de juros, que podem ser os juros moratórios ou os juros compensatórios, existe um limite para o quanto se pode colocar de juros em um contrato, o que será abordado posteriormente;

b) Legais: se o contrato não estipulou a taxa de juros, estaremos diante de juros legais, que são aqueles que decorrem de lei. A taxa estava prevista em lei. Os juros legais terão cabimento quando as partes não convencionarem a taxa de juros.

3. Quanto à incidência:

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Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual. 17 www.g7juridico.com.br

a) Simples: juros simples são aqueles em que a base de cálculo se reduz, se limita ao capital disponibilizado. Mônica atrasou 3 dias no pagamento. Estava devendo R$ 100,00. Três dias depois, ela chega para pagar, vai pagar R$ 100,00 mais a multa moratória se tiver previsão no contrato da cláusula penal moratória mais juros moratórios.

Se esses juros moratórios forem simples, como será feito o cálculo? Primeiro dia de atraso será x/100, segundo dia de atraso mais x/100 e terceiro dia de atraso mais x/100. A base de cálculo se reduz ao capital disponibilizado.

b) Compostos/Anatocismo/Capitalização: são aqueles em que a base de cálculo será o capital disponibilizado mais os juros que já tiverem incidência. É o famoso “juros sobre juros”. Mônica está devendo R$ 100,00 e atrasou três dias. Se estivermos diante de juros compostos, ela vai pagar – no primeiro dia de atraso, x/100; no segundo dia de atraso, x/o valor do dia anterior; no terceiro dia de atraso, x/ o valor do dia anterior. Justamente por virar uma “bola de neve”, esse anatocismo é vedado no nosso país.

É vedado, em regra (Súmula 121, STF e Dec.-Lei 22.626/33, art. 4º - Lei da Usura, ainda está em vigor)

Súmula n. 121 do STF: É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.

Art. 4º do Decreto-Lei n. 22.626. E proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.

Em regra, é vedado o anatocismo, porque encontraremos exceções. São exceções:

✓ Art. 591 do CC; ✓ Expediente praticado pelos bancos, o que será estudado oportunamente.

A sistemática dos juros no CC/2002

É importante notar que acima do art. 406 há um título que é “Dos Juros Legais”. Sabemos que os juros legais chegam exatamente quando as partes não convencionam.

Art. 406, CC: “Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.” (grifamos)

Os juros legais moratórios serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, como o Imposto de Renda. A pergunta que fica é: que taxa seria essa? Temos uma ampla discussão em nosso país acerca de qual taxa será essa a ser considerada no art. 406. 18 www.g7juridico.com.br

Dois posicionamentos:

1º) Taxa SELIC – Sistema Especial de Liquidação e Custódia •

Fixado pelo CMN – Conselho Monetário Nacional;



É variável;



Traz em seu bojo um índice de correção monetária.

Muita gente começou a criticar esse posicionamento porque a taxa SELIC é variável e, portanto, o devedor não sabe quanto que ele deve, essa taxa traz insegurança jurídica para o devedor. Essa taxa não é operacional, se ela traz no seu bojo um índice de correção monetária, todas as vezes que quisermos calcular os juros separado da correção monetária (já que são distintos), isso não será possível.

2º) Art. 161, §1º, CTN •

Valor fixo;



1% a.m.

Art. 161 do CTN. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária. § 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.

A doutrina se inclina fortemente para o segundo posicionamento, tanto é assim que foi aprovado em Jornada de Direito Civil um enunciado que traz essa informação:

Enunciado nº 20, CJF: “A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, um por cento ao mês.”

De fato, esse é o posicionamento mais adequado para a segurança jurídica. Quando dizemos que foi aprovado um enunciado nesse sentido, dizemos que ele tem natureza doutrinária. Se falamos de taxa fixa de 1% ao mês, isto é, aprofundando o segundo posicionamento, 1% ao mês significa qual porcentagem por dia, considerando os 30 dias do mês para fins de divisão? 0,033% ao dia.

Exemplo: 19 www.g7juridico.com.br

100,00 + CPM + Juros moratórios (2%)

(0,033% a.d.)

Uma pessoa deve R$ 100,00 na loja do shopping e, chegado o dia do vencimento, essa pessoa teria que ir até a loja fazer o pagamento, mas não foi e entrou em situação de mora. O atraso foi de três dias para fazer o pagamento. Essa pessoa vai pagar os R$ 100,00 mais a cláusula penal moratória pela situação de atraso.

Como se trata de uma relação de consumo, sabemos que o teto fixo trazido pelo CDC é de 2%. Além disso, por cada dia de atraso, vai se arcar com 0,033% ao dia, a partir do segundo posicionamento.

• Para o STJ: EREsp 727.842 – SP – Taxa SELIC

No STJ, logo quando entrou em vigor o CC/2002, em janeiro de 2003, tivemos posicionamentos no sentido e decisões em outro sentido diverso. Tivemos decisões do STJ aplicando a taxa SELIC e decisões do STJ aplicando o CTN, aquela taxa fixa de 1% e as decisões foram variando.

Até que, no ano de 2008, sobreveio uma decisão do STJ tentando pacificar o tema porque a doutrina ainda não tinha se dado por satisfeita, ainda sendo contrária a esse posicionamento adotado pelo STJ nessa decisão de 2008 (EREsp 727.842 – SP), no sentido de que a taxa seria a SELIC. A partir de então, o STJ pacifica nesse sentido, de que a taxa a ser aplicada é a taxa SELIC, mas o STJ tenta pacificar o posicionamento nesse sentido porque a doutrina é totalmente contra.

➢ E os juros convencionais? Há limitação? Tínhamos no art. 192, § 3º da CF/1988 uma limitação para os juros convencionais, que seria de 12% ao ano, equivalente a 1% ao mês. Esse dispositivo da CF foi revogado pela Emenda Constitucional n. 40/2003. Inicialmente, quando constatamos a revogação desse dispositivo, a primeira impressão que temos é de que não há limite para os juros convencionais.

Contudo, isso não é verdade porque, embora não esteja mais na Constituição Federal porque esse dispositivo foi revogado, existem princípios que devem prevalecer, tais como justiça contratual e função social dos contratos. Tendo por base esses princípios, vamos encontrar sem limitação para os juros convencionais na antiga Lei da Usura.

Art. 192, §3º, CF/88: 12% ao ano

Art. 1º, Dec.-Lei 22.626/33: “É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal.” (Art. 406 do CC)

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Essa lei é a Lei da Usura, uma lei de 1933, mas não foi revogada ainda. Assim, essa lei continua em vigor. Os juros convencionais podem ser pactuados, desde que não sejam superiores ao dobro da taxa legal. Se considerarmos a taxa legal do CTN, que é 1% ao mês, o dobro disso será 2% ao mês.

Em suma, se as partes forem estipular taxa de juros em sua negociação, pode ser colocado, no máximo, 2% ao mês de juros. Se não forem estipulados os juros convencionais, serão aplicados os juros legais, que são os do art. 406 do CC, com aquelas polêmicas doutrinárias e jurisprudenciais já abordadas.

A taxa de juros nas atividades bancárias

O art. 1º da Lei da Usura vale com essa taxa de 2% ao mês, mas vale para contrato entre particulares. Agora, se for feito um contrato com um banco, aí é um capítulo à parte. Quando falamos de bancos e instituições financeiras, teremos disciplina própria em lei especial.

• Lei nº 4.595/64

• Súmula 596, STF: “As disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional.”

A Lei da Usura existe sim, mas não se aplica na relação do particular com o banco. Portanto, não conseguimos aplicar aos bancos aquele teto do art. 1º da Lei da Usura em que juros convencionais não podem ser superiores ao dobro da taxa legal. Os juros praticados pelo cartão de crédito também são assustadores, eis o motivo:

• Súmula 283, STJ: “As empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações da Lei de Usura.”

Permitido a capitalização de juros compostos, prática do anatocismo:

• Súmula 539, STJ: “É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.” ➢ REFLEXÃO: como que essas súmulas existem, sendo que temos do próprio STJ uma súmula 297 que vai dizer que devemos aplicar o CDC às instituições financeiras?

Súmula n. 297: o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras

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ARRAS

Arras é o mesmo que sinal, vem de uma palavra grega que significa “anel” e, quando um noivo dá um anel para a noiva, é sinal de que “o negócio entre eles está firme e confirmado”.

1º) Confirmatórias/ Probatórias 2º) Penitenciais

1ª) Arras Confirmatórias/Probatórias (arts. 417/419)

Essas arras confirmatórias ou probatórias vão desempenhar três funções, analisadas adiante.

Art. 417. Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal.

Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendo-as; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e honorários de advogado.

Art. 419. A parte inocente pode pedir indenização suplementar, se provar maior prejuízo, valendo as arras como taxa mínima. Pode, também, a parte inocente exigir a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização.

Funções:

a) Confirmar o contrato: Mônica vai comprar um imóvel no valor de R$ 1 milhão e está fazendo a promessa de compra e venda com o sujeito que é dono do imóvel e nessa promessa de compra e venda, ela vai dar um sinal, a título de arras, R$ 100 mil. Nesse momento, Mônica está confirmando aquele contrato;

b) Antecipar o pagamento: ou função de desconto. Quando for fazer o contrato definitivo, a escritura pública no Cartório de Notas, a outra parte devolve os R$ 100 mil e Mônica paga o R$ 1 milhão ou pode ser paga apenas a diferença? Pode ser paga apenas a diferença porque aqueles R$ 100 mil dados inicialmente irão desempenhar essa função de antecipar o pagamento;

c) Prefixar perdas e danos: em caso de desistência. 22 www.g7juridico.com.br

- Se o desistente foi quem deu as arras: ele perderá as arras; - Se o desistente foi quem recebeu as arras: ele deverá devolvê-las em dobro. •

Indenização suplementar: se, além das arras devolvidas em dobro, o comprador sofreu prejuízo superior pela desistência do vendedor, essa indenização suplementar pode ser exigida. Essa possibilidade é mencionada no art. 419 do CC, sendo necessária a produção das provas do prejuízo excedente, sem exigência de previsão contratual prévia nesse sentido.

2ª) Arras Penitenciais (art. 420)

Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar.

- Direito de arrependimento: as arras penitenciais somente existirão em contratos nos quais forem previamente estabelecidas e que tragam a previsão acerca do direito de arrependimento. Quando falamos em direito de arrependimento, ele não irá afastar a função de prefixar perdas e danos das arras penitenciais. O direito de arrependimento irá afastar outra coisa, o direito de se pleitear indenização suplementar.

Função:

• Prefixar perdas e danos. Mônica foi fazer a promessa de compra e venda de um imóvel com João e ela deu a título de sinal R$ 100 mil, porém as partes colocaram naquele contrato que qualquer uma das partes poderia se arrepender e houve a desistência.

- Se o desistente foi quem deu: ele perderá as arras; - Se o desistente foi quem recebeu: ele deverá devolvê-las em dobro. •

Indenização suplementar: não se pode pedir.

Enunciado 165, CJF: “Em caso de penalidade, aplica-se a regra do art. 413 ao sinal, sejam as arras confirmatórias ou penitenciais.”

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MAGISTRATURA E MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAIS Flávio Tartuce Direito Civil Aula 01

ROTEIRO DE AULA

DIREITO DAS COISAS (CC, ARTS. 1.196 A 1.510-A)1 1. INTRODUÇÃO AO DIREITO DAS COISAS

A) OBJETO: o Direito das Coisas tem como objeto as relações de domínio. • As relações de domínio se subdividem em:

(i)

Relação de domínio fático (posse)

(ii)

Relação de domínio jurídico (propriedade)

- O que identifica a relação de domínio é a existência de um SUJEITO ATIVO que exerce domínio sobre a coisa, isto é, sobre o bem corpóreo ou bem material.

LEMBRE-SE: para os civilistas não existe posse/propriedade sobre bem incorpóreo ou imaterial. No caso da chamada propriedade imaterial, por exemplo, não há exatamente propriedade, mas sim, direitos intelectuais.

1

O conteúdo desta aula pode ser aprofundado a partir da página 825 do Manual de Direito Civil do Prof. Flávio Tartuce.

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Daí a razão de parte da doutrina criticar a inclusão de um Capítulo tratando dos fundos de investimento no Código Civil pela Lei da Liberdade Econômica, o que acabou rompendo com a harmonia do Código.

CC, art. 1368-C: “O fundo de investimento é uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio de natureza especial, destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) § 1º Não se aplicam ao fundo de investimento as disposições constantes dos arts. 1.314 ao 1.358-A deste Código. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) § 2º Competirá à Comissão de Valores Mobiliários disciplinar o disposto no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) § 3º O registro dos regulamentos dos fundos de investimentos na Comissão de Valores Mobiliários é condição suficiente para garantir a sua publicidade e a oponibilidade de efeitos em relação a terceiros. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)” B) SUJEITO ATIVO: possuidor ou proprietário.

C) SUJEITO PASSIVO: na relação de domínio clássica, o sujeito passivo é universal, ou seja, inclui toda a coletividade, conforme lição de Clóvis Bevilaqua. É justamente por isso que a relação de domínio gera efeito erga omnes (= contra todos).

D) DIREITO DAS COISAS X DIREITOS REAIS: a expressão Direito das Coisas é preferível, pois ela identifica um verdadeiro ramo do Direito Civil, tal como descrito também no Livro do Código Civil que trata da matéria. Por outro lado, ao falarmos em Direitos Reais, estamos nos referindo ao conjunto de categorias jurídicas relacionadas à propriedade, seja ela a propriedade plena ou restrita/limitada (Art. 1225, CC).

CC, art. 1.225. São direitos reais: I - a propriedade; II - a superfície; III - as servidões; IV - o usufruto; V - o uso;

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VI - a habitação; VII - o direito do promitente comprador do imóvel; VIII - o penhor; IX - a hipoteca; X - a anticrese. XI - a concessão de uso especial para fins de moradia; XII - a concessão de direito real de uso; e XIII - a laje”. E) NATUREZA DO ROL DOS DIREITOS REAIS: controverte a doutrina acerca da natureza do rol dos Direitos Reais. Enquanto a doutrina clássica (Maria Helena Diniz, Silvio Venosa, Orlando Gomes e outros) sustenta que o rol é taxativo (numerus clausus), a doutrina tida como contemporânea (Gustavo Tepedino, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald) afirma a sua natureza exemplificativa (numerus apertus).

ATENÇÃO: prevalece a posição da doutrina clássica nos concursos.

TARTUCE: na linha do que afirma o Prof. Gustavo Tepedino, podemos sustentar que embora não haja taxatividade em relação ao rol dos direitos reais, há tipicidade, ou seja, necessidade de previsão legal, como ocorre no caso da alienação fiduciária em garantia de bens móveis (DL 911/69) ou imóveis (Lei nº 9514/97).

JURISPRUDÊNCIA: a multipropriedade fracionada no tempo (time sharing) é direito real. Nesse sentido, é o entendimento exposto no REsp 1546165/SP, que reafirma o rol taxativo do Art. 1225 do CC, mas propõe uma interpretação elástica. Vale lembrar que, atualmente, o “time sharing” é tratado pelo Código Civil nos artigos 1358-B a 1358-U, dispositivos incluídos pela Lei nº 13.777/2018 (=> ver página 1012 e seguintes do Manual de Direito Civil). “PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. MULTIPROPRIEDADE IMOBILIÁRIA (TIME-SHARING). NATUREZA JURÍDICA DE DIREITO REAL. UNIDADES FIXAS DE TEMPO. USO EXCLUSIVO E PERPÉTUO DURANTE CERTO PERÍODO ANUAL. PARTE IDEAL DO MULTIPROPRIETÁRIO. PENHORA. INSUBSISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. O sistema time-sharing ou multipropriedade imobiliária, conforme ensina Gustavo Tepedino, é uma espécie de condomínio relativo a locais de lazer no qual

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se divide o aproveitamento econômico de bem imóvel (casa, chalé, apartamento) entre os cotitulares em unidades fixas de tempo, assegurando-se a cada um o uso exclusivo e perpétuo durante certo período do ano. 2. Extremamente acobertada por princípios que encerram os direitos reais, a multipropriedade imobiliária, nada obstante ter feição obrigacional aferida por muitos, detém forte liame com o instituto da propriedade, se não for sua própria expressão, como já vem proclamando a doutrina contemporânea, inclusive num contexto de não se reprimir a autonomia da vontade nem a liberdade contratual diante da preponderância da tipicidade dos direitos reais e do sistema de numerus clausus. 3. No contexto do Código Civil de 2002, não há óbice a se dotar o instituto da multipropriedade imobiliária de caráter real, especialmente sob a ótica da taxatividade e imutabilidade dos direitos reais inscritos no art. 1.225. 4. O vigente diploma, seguindo os ditames do estatuto civil anterior, não traz nenhuma vedação nem faz referência à inviabilidade de consagrar novos direitos reais. Além disso, com os atributos dos direitos reais se harmoniza o novel instituto, que, circunscrito a um vínculo jurídico de aproveitamento econômico e de imediata aderência ao imóvel, detém as faculdades de uso, gozo e disposição sobre fração ideal do bem, ainda que objeto de compartilhamento pelos multiproprietários de espaço e turnos fixos de tempo. 5. A multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente codificada, possui natureza jurídica de direito real, harmonizando-se, portanto, com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do Código Civil; e o multiproprietário, no caso de penhora do imóvel objeto de compartilhamento espaçotemporal (time-sharing), tem, nos embargos de terceiro, o instrumento judicial protetivo de sua fração ideal do bem objeto de constrição. 6. É insubsistente a penhora sobre a integralidade do imóvel submetido ao regime de multipropriedade na hipótese em que a parte embargante é titular de fração ideal por conta de cessão de direitos em que figurou como cessionária. 7. Recurso especial conhecido e provido” (REsp 1546165/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/04/2016, DJe 06/09/2016).

2. POSSE (ARTS. 1196 À 1224 DO CÓDIGO CIVIL)

2.1 CONCEITO DE POSSE, TEORIAS JUSTIFICADORAS DA POSSE E DIFERENÇAS QUANTO À DETENÇÃO

A) CONCEITO (ART. 1196, CC): a posse é o domínio fático que uma pessoa exerce sobre uma coisa. Nos termos do Art. 1196 do Código Civil, haverá posse quando a pessoa tem, pelo menos, um dos atributos ou poderes relativos à propriedade.

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CC, art. 1.196: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”. - São 04 (quatro) os atributos da propriedade. Se a pessoa tem todos eles, há propriedade plena. Se, no entanto, a pessoa tem apenas um ou alguns destes atributos, há posse.

ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE

Gozar Reaver Usar Dispor

ATENÇÃO: todo proprietário é possuidor, seja ele direto ou indireto. Todavia, nem todo possuidor é proprietário. •

Possuidores que não são proprietários

Exemplos.: locatário; comodatário e depositário.

B) TEORIAS JUSTIFICADORAS DA POSSE

B.1) TEORIA SUBJETIVA (SAVIGNY): a posse tem dois requisitos, um objetivo e outro subjetivo (P = C + AD).

POSSE = CORPUS (DOMÍNIO FÁTICO) + ANIMUS DOMINI (INTENÇÃO DE SER PROPRIETÁRIO)

- Não há posse sem intenção de ser proprietário. - Por essa teoria, não são possuidores o locatário; o comodatário e o depositário. - Essa teoria não foi adotada no Brasil; nem pelo Código Civil de 1916 e muito menos pelo Código Civil de 2002. - Na verdade, essa teoria somente é relevante para fins de usucapião (posse ad usucapionem).

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B.2) TEORIA OBJETIVA OU SIMPLIFICADA (IHERING)

POSSE = CORPUS

- Dentro do corpus existe um animus, mas não o animus de ser proprietário. Trata-se do animus de explorar a coisa economicamente. - A Teoria Objetiva foi adotada não só pelo Código Civil de 1916, mas também pelo Código Civil de 2002 (Arts. 1196 e 1197, CC). CC, Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. CC, Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto. DICA: em provas mais tradicionais, com foco mais dogmático, convém entender que foi essa a teoria adotada no Brasil. - Segundo a Teoria Objetiva, a posse equivale ao domínio fático, que pode ser direto ou indireto. Não é necessário ter sempre a apreensão da coisa. A posse pode decorrer do exercício de um direito.

B.3) TEORIA DA POSSE SOCIAL (FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE)

- A Teoria da Posse Social tem 03 (três) expoentes: (i) Saleilles (França); (ii) Perozzi (Itália) e (iii) Hernandez Gil (Espanha).

POSSE = CORPUS (DOMÍNIO FÁTICO) + FUNÇÃO SOCIAL (FUNÇÃO COLETIVA QUE A POSSE DEVE TER)

- A posse deve ter uma aceitação social e uma finalidade coletiva. Essa teoria, porém, não vem expressa nos artigos 1196 e 1197 do Código Civil, mas foi implicitamente adotada pelo CC/02 por meio da valorização da posse-trabalho. A ideia é de que a pessoa que confere uma destinação positiva ao bem pelo atendimento da função social da posse deve ter uma premiação.

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CC, art. 1.238, parágrafo único: usucapião extraordinária. O prazo cai de 15 para 10 anos se houver posse-trabalho.

CC, art. 1.238: “Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo”. •

CC, art. 1.242, parágrafo único: usucapião ordinária. O prazo cai de 10 para 5 anos se houver possetrabalho ao lado de um requisito formal.

CC, art. 1.242: “Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos. Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico”. •

CC, art. 1.228, §§ 4º e 5º: desapropriação judicial privada por posse-trabalho.

CC, art. 1.228: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. (...) § 4º: O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. C) POSSE (ART. 1196, CC) X DETENÇÃO (ART. 1198, CC)

- O detentor também é chamado de servidor da posse (= fâmulo da posse), tendo a coisa não em seu nome, mas em nome de outra pessoa, com quem tem relação de dependência ou subordinação. O detentor recebe ordens/instruções de tal pessoa.

CC, art. 1.198. “Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas”.

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Parágrafo único: aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário”. Exemplos:

Exemplo 1: “Parei o meu carro em um estacionamento e entreguei as chaves ao manobrista”: ✓ Empresa de estacionamento: depositária (possuidora). ✓ Manobrista: detentor.

Questão de concurso (MPE-RS - 2017 - MPE-RS - Promotor de Justiça - Reaplicação): Assinale a alternativa INCORRETA quando ao Direito das Coisas. (A) As leis extravagantes podem criar novos direitos reais, sem a sua descrição expressa no dispositivo civil que os prevê. (B) João estaciona seu carro em um estacionamento e entrega a chave ao manobrista. A empresa de estacionamento nesta situação é a possuidora do veículo, o manobrista é mero detentor do mesmo, podendo defender a posse alheia do automotor por meio da autotutela. (C) Posse injusta para efeito possessório é aquela que tem vícios de origem na 1 violência, clandestinidade e precariedade. Mas para ação reivindicatória, posse injusta é aquela sem causa jurídica que possa justificá-la. (D) O fideicomisso, a propriedade fiduciária e a doação com cláusula de reversão são casos de propriedade resolúvel, que produz efeitos ex tunc. (E) Luís tem a posse de um terreno de 830 m² (oitocentos e trinta metros quadrados). Certo dia, a área de 310 m² (trezentos e dez metros quadrados) desse terreno foi invadida. A ação cabível no caso é a de manutenção de posse.

Gabarito: E

Exemplo 2: o ocupante irregular de bem público é mero detentor e não possuidor. - A posição do STJ sempre foi no sentido de detenção (REsp n. 556.721/DF). Em 2016 (REsp n. 1.484.304/DF – Inf. 579), entendeu-se que há posse injusta, a qual não possibilita usucapião, mas possibilita o ingresso com ação possessória contra quem invade a área. Em 2018, voltou-se à tese da detenção (Súmula 619, STJ).

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Súmula 619, STJ: “A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias.”

“EMENTA - EMBARGOS DE TERCEIRO - MANDADO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - OCUPAÇÃO IRREGULAR DE ÁREA PÚBLICA - INEXISTÊNCIA DE POSSE - DIREITO DE RETENÇÃO NÃO CONFIGURADO. 1. Posse é o direito reconhecido a quem se comporta como proprietário. Posse e propriedade, portanto, são institutos que caminham juntos, não havendo de ser reconhecer a posse a quem, por proibição legal, não possa ser proprietário ou não possa gozar de qualquer dos poderes inerentes à propriedade. 2. A ocupação de área pública, quando irregular, não pode ser reconhecida como posse, mas como mera detenção. 3. Se o direito de retenção depende da configuração da posse, não se pode, ante a consideração da inexistência desta, admitir o surgimento daquele direito advindo da necessidade de se indenizar as benfeitorias úteis e necessárias, e assim impedir o cumprimento da medida imposta no interdito proibitório. 4. Recurso provido” (REsp 556.721/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/2005, DJ 03/10/2005, p. 172). “EMENTA - PROCESSUAL CIVIL. ÁREAS PÚBLICAS DISPUTADAS ENTRE PARTICULARES. POSSIBILIDADE DO SOCORRO ÀS DEMANDAS POSSESSÓRIAS. 1. A ocupação de área pública, sem autorização expressa e legítima do titular do domínio, não pode ser confundida com a mera detenção. 2. Aquele que invade terras e nela constrói sua moradia jamais exercerá a posse em nome alheio. Não há entre ele e o proprietário ou quem assim possa ser qualificado como o que ostenta jus possidendi uma relação de dependência ou subordinação. 3. Ainda que a posse não possa ser oposta ao ente público senhor da propriedade do bem, ela pode ser oposta contra outros particulares, tornando admissíveis as ações possessórias entre invasores. 4. Recurso especial não provido” (REsp 1484304/DF, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/03/2016, DJe 15/03/2016). Exemplo 3: caseiro: ✓ Em relação à sede da fazenda: detentor. ✓ Em relação à casa de colono (comodato): possuidor.

ATENÇÃO: o detentor pode passar a ser possuidor (CC, art. 1.198, parágrafo único). Isso é possível por força de contrato, nos casos em que a pessoa passa a se comportar como possuidora (Enunciado 301, IV Jornada de Direito Civil). CC, art. 1.198, parágrafo único: “Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário”.

Enunciado 301, IV JDC: “É possível a conversão da detenção em posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios.”

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2.2

PRINCIPAIS CLASSIFICAÇÕES DA POSSE E SEUS EFEITOS (MATERIAIS E PROCESSUAIS)

2.2.1

QUANTO À RELAÇÃO PESSOA-COISA OU QUANTO AO DESDOBRAMENTO (PARALELISMO – ART. 1197,

CC) CC, art. 1.197: “A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.” A) POSSE DIRETA OU IMEDIATA: quando há um contato corpóreo e imediato entre a pessoa e a coisa. Pode-se dizer que, neste caso, a pessoa tem a coisa materialmente. Geralmente, essa posse é havida de quem tem a posse indireta. Exemplos.: comodatário; locatário e depositário.

B) POSSE INDIRETA OU MEDIATA: é aquela que é exercida por meio de outra pessoa, havendo exercício de direito. Geralmente, essa posse decorre da propriedade. Exemplos.: comodante; locador e depositante.

- O art. 1.197, CC, prevê que o possuidor direto pode defender a sua posse contra o indireto (ou vice-versa – Enunciado 76, I Jornada de Direito Civil). Enunciado nº 76, I Jornada de Direito Civil: O possuidor direto tem direito de defender a sua posse contra o indireto, e este, contra aquele (art. 1.197, in fine, do novo Código Civil).

Exemplo: Durante a vigência do contrato de locação, o locatário viaja para o exterior e, quando retorna, o imóvel foi invadido pelo locador. Diante disso, o locatário ingressa com ação de reintegração de posse contra o locador. O locador, em sua defesa, alega apenas ser proprietário do imóvel (“exceptio proprietatis”). Essa ação deve ser julgada procedente, pois, nas ações possessórias, não cabe a alegação de propriedade ou de outro direito real sobre a coisa (art. 1.210, §2º, CC). CC, art. 1.210, §2º: “Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.” - Esse dispositivo é importante, pois é a partir dele que podemos sustentar que embora a propriedade seja diferente da posse, uma não é mais do que a outra. Não há hierarquia entre os institutos. “Posse é posse, propriedade é propriedade” (Paulo Lôbo).

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2.2.2

QUANTO À PRESENÇA DE VÍCIOS OBJETIVOS (ART. 1200, CC)

CC, art. 1.200: “É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.”

A) POSSE JUSTA: é a posse limpa, isto é, sem os vícios objetivos (violência, clandestinidade e precariedade).

B) POSSE INJUSTA: é aquela que apresenta pelo menos um dos vícios objetivos.

B.1) POSSE VIOLENTA (VIS): é aquela obtida por meio de violência física ou coação moral. Há o chamado “roubo” da posse (Carlos Roberto Gonçalves). B.2) POSSE CLANDESTINA (CLAN): é aquela obtida de forma oculta (“na calada da noite”); às escondidas; na surdina. Há o chamado “furto” da posse. B.3) POSSE PRECÁRIA (PRECÁRIO): é aquela obtida mediante abuso de confiança ou de direito. Há o chamado “estelionato” ou “apropriação indébita” da posse. Exemplo.: tendo em conta o fato de que o locatário não está pagando o aluguel, o locador o procura e realiza com ele um acordo. No entanto, o locatário, que poderia ficar mais 3 meses no imóvel sem pagar o aluguel, não cumpre o quanto determinado no acordo. - Alguns falam que se trata de esbulho pacífico, tendo em vista a inexistência de violência.

Obs.:¹ nos termos do Art. 1208 do CC, a posse injusta pode deixar de o ser com a cessação da violência ou da clandestinidade. Trata-se de uma espécie de “convalidação” da posse (“a posse é curada”), que se torna, assim, uma posse justa. •

E a posse precária?

Segundo o entendimento majoritário, a posse precária não admite convalidação, uma vez que o Art. 1208 do CC não o menciona. Há aqui um resquício do pensamento jurídico romano, segundo o qual o vício da precariedade era o pior de todos.

Obs.²: segundo o entendimento majoritário, o critério para que a posse injusta passe a ser justa é o tempo. O tempo em questão é de 1 ano e 1 dia, conforme parâmetro delineado no Art. 558 do CPC-2015. Após esse período a posse injusta passa a ser justa.

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TARTUCE: o critério da convalidação deveria ser a função social da posse. O critério temporal conduz a situações absurdas como, por exemplo, no caso de posse violenta obtida após o esbulhador matar duas mil pessoas. Não é razoável que esse tipo de posse seja convalidada. •

A classificação quanto aos vícios objetivos tem 2 repercussões:

(a) Quantos à usucapião: somente quem tem posse justa pode adquirir por usucapião. (b) Quanto às ações possessórias: o possuidor justo pode promover a ação possessória contra qualquer um, ao passo que o injusto não pode promover contra o justo, mas pode contra terceiros.

2.2.3

QUANTO AOS VÍCIOS SUBJETIVOS OU QUANTO À BOA-FÉ (ART. 1201, CC)

Art. 1.201, CC. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa.

A) POSSE DE BOA FÉ •

Segundo ORLANDO GOMES, a posse de boa-fé pode ser:

A.1) REAL: o possuidor ignora o obstáculo para a aquisição do domínio, ou seja, não sabe que não pode ser proprietário.

A.2) PRESUMIDA: o possuidor tem um justo título. - Para CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, o justo título é uma causa representativa da posse, documentada ou não, que gera presunção iures tantum (= relativa). Exemplos.: contratos válidos e eficazes (comodato, locação, depósito, compromisso de compra e venda registrado ou não na matrícula, etc...). - A presunção é relativa, pois a discussão acerca da invalidade do contrato, por exemplo, pode afastá-la.

B) POSSE DE MÁ-FÉ: o possuidor não ignora obstáculo para a aquisição do domínio. Ele sabe que não pode ser proprietário da coisa e, além disso, não tem justo título.

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Exemplo.: invasor de imóvel. - Essa classificação é muito parecida com a anterior, mas com ela não se confunde. Quem tem posse justa, geralmente está de boa-fé, ao passo que quem tem posse injusta geralmente está de má-fé, isso, porém, nem sempre é uma verdade. - A principal diferença entre as duas classificações reside no fato de que enquanto na posse justa/injusta os vícios são objetivos, no caso de posse de boa/má fé os vícios são subjetivos (= intencional). - É possível que a posse seja injusta, mas de boa-fé.

Exemplo (Orlando Gomes, adaptado): imagine que “A” está andando pela rua com o seu celular e “B”, que está passando de bicicleta, dê um tapa na mão de “A” e roube o aparelho. No dia seguinte, “B” vende o celular para “C”, que não sabe do roubo. A posse de “C” é injusta (só passa a ser justa após 1 ano e 1 dia), mas de boa-fé ( compra e venda válida => celular vendido por um preço que não é vil). Ou seja, se o bem é roubado e vendido no dia seguinte para um terceiro que ignora o roubo, há posse injusta e de boa-fé.

- Um segundo ponto que diferencia a posse de boa/má-fé em relação a posse justa/injusta é o fato de que os efeitos são distintos. (a) Na classificação da posse justa/injusta, os efeitos dizem respeito a usucapião e as ações possessórias. (b) Na classificação da posse de boa/má-fé, os efeitos dizem respeito à frutos, benfeitorias e responsabilidades pela perda ou deterioração da coisa (Arts. 1214 a 1220 do CC).

✓ Frutos: são aqueles que saem do bem principal sem diminuir a sua quantidade. ✓ Benfeitorias: acréscimos e melhoramentos realizados no bem principal.

QUADRO COMPARATIVO 2

ARTIGOS 1.214 A 1.220 DO CC/2002

POSSE DE BOA-FÉ (EX.: LOCATÁRIO) 2

FRUTOS

BENFEITORIAS

SIM => Tem direito aos frutos, com exceção dos pendentes.

SIM => tem direito a levantar as necessárias e úteis (Indenização + Retenção)

RESPONSABILIDADE

Só responde por DOLO ou CULPA (= responsabilidade

ver p. 854 do Manual de Direito Civil.

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- Frutos pendentes

POSSE DE MÁ-FÉ (EX.: INVASOR)

+ Levantar as subjetiva). voluptuárias, desde que não haja prejuízo a coisa.* NÃO tem direito aos SIM => Necessárias frutos e, além disso, (Indenização) Responde até por fato RESPONDE pelos frutos acidental (= caso fortuito que colheu e os que e força maior). deixou de colher.

CC, Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos. Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação. CC, Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por dia. CC, Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às despesas da produção e custeio. CC, Art. 1.217. O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa. CC, Art. 1.218. O possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante. CC, Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis. CC, Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias. *Obs¹.: o locatário pode, por força do contrato, renunciar às benfeitorias (Art. 35 da Lei 8.245/91 + Súmula 335, STJ). Súmula 335, STJ: Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção.

*Obs.:² o tratamento relativo às benfeitorias aplica-se às acessões, isto é, às construções e plantações. Nesse sentido o Enunciado nº 81 da I JDC e REsp 1.316.895/SP.

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Enunciado 81, I JDC: “O direito de retenção previsto no art. 1.219 do Código Civil, decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica às acessões (construções e plantações) nas mesmas circunstâncias.” RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE. DIREITO DE RETENÇÃO POR ACESSÃO E BENFEITORIAS. CONTRATO DE COMODATO MODAL. CLÁUSULAS CONTRATUAIS. VALIDADE. 1. A teor do artigo 1.219 do Código Civil, o possuidor de boa-fé tem direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis e, por semelhança, das acessões, sob pena de enriquecimento ilícito, salvo se houver estipulação em contrário. 2. No caso em apreço, há previsão contratual de que a comodatária abre mão do direito de ressarcimento ou retenção pela acessão e benfeitorias, não tendo as instâncias de cognição plena vislumbrado nenhum vício na vontade apto a afastar as cláusulas contratuais insertas na avença. 3. A atribuição de encargo ao comodatário, consistente na construção de casa de alvenaria, a fim de evitar a "favelização" do local, não desnatura o contrato de comodato modal. 4. Recurso especial não provido. (REsp 1.316.895/SP. Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 11/06/2013, DJe 28/06/2013).

2.2.4

QUANTO À PRESENÇA DE TÍTULO

A) COM TÍTULO (POSSE TITULADA): há uma causa representativa da posse (ius possidendi). Exemplos.: locatário; comodatário e depositário.

B) SEM TÍTULO (POSSE NATURAL): quando não há uma causa representativa (ius possessionis). Exemplo.: achado de um tesouro (Art. 1264 s.s, CC). CC, arts. 1.264 e 1.265 “Art. 1.264. O depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja memória, será dividido por igual entre o proprietário do prédio e o que achar o tesouro casualmente. Art. 1.265. O tesouro pertencerá por inteiro ao proprietário do prédio, se for achado por ele, ou em pesquisa que ordenou, ou por terceiro não autorizado.” 2.2.5

QUANTO AO TEMPO (ART. 558, CPC 2015)

A) POSSE NOVA: é aquela que tem menos de 1 (um) ano e 1 (um) dia.

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B) POSSE VELHA: pelo menos 1 (um) ano e 1 (um) dia. Nesse sentido: Maria Helena Diniz, Carlos Roberto Gonçalves e Flávio Tartuce.

- Esta classificação repercute para fins processuais. - Se a ameaça; a turbação ou o esbulho forem novos (menos de 1 ano e 1 dia), caberá AÇÃO DE FORÇA NOVA. Vale lembrar que nas ações de força nova, o procedimento é especial, cabendo liminar. - Se a ameaça; turbação ou esbulho forem velhos (= pelo menos 1 ano e 1 dia), caberá somente AÇÃO DE FORÇA VELHA, que segue o procedimento comum e não prevê o cabimento de liminar, muito embora seja possível requerer tutela provisória.

CPC, art. 558: “Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da Seção II deste Capítulo quando a ação for proposta dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial. Parágrafo único. Passado o prazo referido no caput, será comum o procedimento, não perdendo, contudo, o caráter possessório.” 2.2.6

QUANTO AOS EFEITOS

A) POSSE AD INTERDICTA: é a regra geral, sendo retirada do Art. 1210 do CC, bem como do CPC.

CC, art. 1.210: “O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado. § 1o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse. § 2o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.” - A posse ad interdicta possibilita o manejo dos interditos possessórios, que são as ações possessórias diretas.

ATENÇÃO: existem também as ações possessórias indiretas como, por exemplo, os Embargos de Terceiro. •

São 03 as ações possessórias diretas:

✓ Na AMEAÇA, a ação cabível é o INTERDITO PROIBITÓRIO, que visa afastar o RISCO DE ATENTADO à posse.

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✓ Na TURBAÇÃO, é cabível a AÇÃO DE MANUTENÇÃO DA POSSE, que visa coibir o ATENTADO MOMENTÂNEO (ex.: movimento popular que quer invadir uma fazenda, mas ao invés de invadir de uma vez fica entrando e saindo a todo momento da propriedade). ✓ No ESBULHO, a ação cabível é a REINTEGRAÇÃO DA POSSE, que visa colocar fim a um ATENTADO DEFINITIVO. O esbulho pode ser expresso pela invasão de toda a propriedade (esbulho total) ou de parte dela (esbulho parcial).

ATENÇÃO: não se deve confundir a invasão parcial de uma propriedade, que caracteriza esbulho, com a situação na qual os invasores entram e saem a todo momento da propriedade, que caracteriza turbação. Se há atentando à posse, mesmo que parcial, há esbulho e não turbação.

LEMBRE-SE: há fungibilidade total entre as ações possessórias, o que significa que uma ação possessória pode ser convertida em outra, a qualquer momento, desde que haja mudança na situação fática. CPC, art. 554, caput: “A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados. (...).” - Além dessas medidas judiciais, o Art. 1210, §1º do Código Civil prevê medidas de autotutela civil para a defesa da posse. São elas: (i) Legítima Defesa da Posse: cabe nos casos de ameaça e turbação. (ii) Desforço imediato: cabe nos casos de esbulho.

- Essas medidas de autodefesa/autotutela devem ser imediatas (incontinente), proporcionais e razoáveis. É possível o uso de prepostos. - Além do possuidor, o detentor pode fazer uso dos mecanismos de autodefesa/autotutela. Nesse sentido, o Enunciado nº 493 da V JDC. Enunciado nº 493, V JDC: “O detentor (art. 1.198 do Código Civil) pode, no interesse do possuidor, exercer a autodefesa do bem sob seu poder.” Exemplo.: o caseiro de uma fazenda pode fazer uso desses mecanismos.

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B) POSSE AD USUCAPIONEM (= POSSE USUCAPÍVEL) - É a posse que possibilita a aquisição da propriedade por usucapião mediante o cumprimento de certos requisitos. Ou seja, opera-se a conversão do domínio fático (posse) em domínio jurídico. - Enquanto a posse ad interdicta é regra, a posse ad usucapionem é tida como exceção no sistema em razão da variedade de requisitos. Para haver posse usucapível, a posse deve ser mansa; pacífica; sem perturbação; com intenção de dono; justa; ininterrupta; com determinado tempo e, em caso de usucapião extraordinária, com justo título e boa-fé.

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MAGISTRATURA E MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAIS Flávio Tartuce Direito Civil Aula 02

ROTEIRO DE AULA

POSSE, PROPRIEDADE E USUCAPIÃO IMOBILIÁRIA 2.3. Aquisição, Transmissão e Perda da Posse.

2.3.1. Aquisição da Posse. O CC/2002, em seu art. 1.204 1, adotou um modelo aberto relacionado à aquisição da posse, diferentemente do CC/16, que havia adotado um modelo fechado. Segundo esse dispositivo, a aquisição da posse ocorre quando se adquire qualquer dos atributos da propriedade.

Art. 1.205 do CC2 = a posse pode ser adquirida: •

Pela própria pessoa;



Pelo representante da pessoa (mandatário, lato sensu);



Por terceiro sem mandato (gestor de negócio alheio), necessário ratificação.

A aquisição de direitos pode se dar de duas formas básicas: • 1

Originária = há um contato direto entre a pessoa e a coisa (exemplo: apreensão da coisa);

Art. 1.204 do CC: Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de

qualquer dos poderes inerentes à propriedade. 2

Art. 1.205 do CC: A posse pode ser adquirida:

I - Pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante; II - Por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação. 1 www.g7juridico.com.br



Derivada = há uma intermediação pessoal (exemplo: tradição, a entrega da coisa ou traditio).

Classificação da tradição, seguindo a doutrina do professor Washington de Barros Monteiro: a) Tradição real = traditio rei = é a entrega efetiva e corpórea da coisa; b) Tradição simbólica = há um ato representativo de transferência da coisa – 1 exemplo: traditio longa manu (tradição de mão longa): a coisa é disponibilizada para outra parte, como a simbologia da entrega de chaves de um veículo ou apartamento. c) Tradição ficta = decorre de presunção – 2 hipóteses: c.1) Traditio brevi manu = a pessoa possuía em nome alheio; agora possui em nome próprio (locatário que compra o imóvel); c.2) Constituto possessório ou cláusula constituti = é o oposto da traditio brevi manu = a pessoa possuía em nome próprio; agora possui em nome alheio (no Brasil dos anos 1990, os bancos venderam os imóveis das agências, mas ficaram como locatários).

Washington de Barros Monteiro (WBM)

Orlando Gomes

Tradição Real

Tradição Real ou Efetiva

Tradição Simbólica

Tradição Ficta ou Presumida

Tradição Ficta

Tradição Consensual

2.3.2. Transmissão da Posse. Existe um princípio da posse no art. 1.203 do CC 3, que é o princípio da continuidade do caráter da posse. Esse princípio é uma regra geral que tem uma exceção. Exceção = art. 1.208 do CC 4= a posse injusta, violenta ou clandestina pode ser “curada” (interversio possessionis).

Art. 1.206 do CC 5= prevê que a posse se transmite aos herdeiros e legatários do falecido com as mesmas características com as quais foi adquirida. •

Se o caso for de um sucessor universal (herdeiro legítimo ou testamentário lato sensu) = continuidade obrigatória da posse;



Se for sucessor singular (legatário, em disposição específica) = união facultativa da posse = art. 1.207 do CC 6.

3

Art. 1.203 do CC. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida.

4

Art. 1.208 do CC: Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua

aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade. 5

Art. 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres.

6

Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir

sua posse à do antecessor, para os efeitos legais. 2 www.g7juridico.com.br

2.3.3. Perda da Posse. Art. 1.223 do CC 7= adotou um Modelo Aberto = quando cessam os atributos da propriedade. Exemplos = perda ou destruição da posse; posse de outrem e o abandono da coisa (res derelictae) ≠ coisa perdida (res perdita) ≠ coisa sem dono, apenas bem móvel (res nullius).

3. Propriedade (arts. 1228 e seguintes do CC/2002).

3.1. Conceito de Propriedade e seus atributos A propriedade é a relação de domínio jurídico que uma pessoa exerce sobre uma coisa. Trata-se de um direito subjetivo e fundamental condicionado à sua função social (art. 5º, XXII e XXIII, da CF 8). A propriedade é o direito real por excelência (art. 1.225, I, do CC 9). No entendimento do professor, seguindo Maria Helena Diniz, propriedade e domínio jurídico são expressões sinônimas.

Quanto ao seu conteúdo, a propriedade é preenchida com os quatro atributos previstos no art. 1.228 do CC 10: •

Gozar;



Reaver;



Usar;



Dispor.

No CC/2002, em regra, esses atributos são faculdades jurídicas (apenas o “reaver” continua sendo um direito) ≠ do CC/1916, em que todos eram direitos. Essa mudança ocorreu com sentido de abrandamento da propriedade = Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald.

Estudo dos atributos da propriedade: a) Faculdade de gozar ou fruir = antigo ius fruendi = traz a possibilidade de retirar os frutos do bem principal (art. 1.232 do CC 11). Os frutos pertencem ao proprietário do bem principal, em regra. Quanto à origem (classificação de Clóvis Beviláqua), os frutos podem ser de três tipos: Art. 1.223. Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se

7

refere o art. 1.196. 8

Art. 5º da CF: (...)

(...) XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; 9

Art. 1.225 do CC. São direitos reais:

I - A propriedade; 10

Art. 1.228 do CC. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de

quem quer que injustamente a possua ou detenha. 3 www.g7juridico.com.br



Naturais = essência do bem principal (exemplo: as frutas);



Industriais = atividade humana concreta e efetiva (exemplo: o cimento de uma fábrica);



Civis = rendimentos privados (exemplos: juros do capital, dividendos de ações e alugueis de imóveis – se eu loco um imóvel, não estou dispondo e sim fruindo dele).

b) Direito de reaver ou buscar a coisa de quem injustamente a possua ou detenha = continua sendo o ius vindicandi = é exercido por meio das ações petitórias (fundadas na propriedade) = exemplo: ação reivindicatória (rei vindicatio), que tem regime diverso das ações possessórias. Ações Possessórias (Posse) ≠ Ações Petitórias (Propriedade) = o art. 1.210, § 2º, do CC 12 e o art. 557 do CPC 13 baniram a exceptio proprietatis.

I Jornada de Direito Civil - Enunciado 79: A exceptio proprietatis, como defesa oponível às ações possessórias típicas, foi abolida pelo Código Civil de 2002, que estabeleceu a absoluta separação entre os juízos possessório e petitório.

Com o Enunciado acima, estabeleceu-se a separação entre os juízos possessórios e petitórios. Porém, mitigando essa separação, admitindo debate sobre propriedade dentro de ação possessória ver EREsp 1.134.446/MT de 2018 que acabou gerando a Súmula

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DEMANDA POSSESSÓRIA ENTRE PARTICULARES. POSSIBILIDADE DE DEFESA DA POSSE DE BEM PÚBLICO POR MEIO DE OPOSIÇÃO. 1. Hipótese em que, pendente demanda possessória em que particulares disputam a posse de imóvel, a União apresenta oposição pleiteando a posse do bem em seu favor, aos fundamentos de que a área pertence à União e de que a ocupação de terras públicas não constitui posse. 2. Quadro fático similar àqueles apreciados pelos paradigmas, em que a Terracap postulava em sede de oposição a posse de bens disputados em demanda possessória pendente entre particulares, alegando incidentalmente o domínio como meio de demonstração da posse. 3. Os elementos fático-jurídico nos casos cotejados são similares porque tanto no caso examinado pelo paradigma quanto naquele examinado pelo acórdão 11

Art. 1.232 do CC. Os frutos e mais produtos da coisa pertencem, ainda quando separados, ao seu proprietário, salvo

se, por preceito jurídico especial, couberem a outrem. 12

Art. 1.210 do CC. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e

segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado. (...) § 2º Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa. 13

Art. 557 do CPC. Na pendência de ação possessória é vedado, tanto ao autor quanto ao réu, propor ação de

reconhecimento do domínio, exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira pessoa. Parágrafo único. Não obsta à manutenção ou à reintegração de posse a alegação de propriedade ou de outro direito sobre a coisa. 4 www.g7juridico.com.br

embargado de divergência o ente público manifesta oposição em demanda possessória pendente entre particulares, sustentando ter ele (o ente público) direito à posse e alegando domínio apenas incidentalmente, como forma de demonstração da posse. 4. Divergência configurada, uma vez que no acórdão embargado a oposição não foi admitida, ao passo que nos paradigmas se admitiu tal forma de intervenção de terceiro. Embargos de divergência admitidos. 5. O art. 923 do CPC/73 (atual art. 557 do CPC/2015), ao proibir, na pendência de demanda possessória, a propositura de ação de reconhecimento do domínio, apenas pode ser compreendido como uma forma de se manter restrito o objeto da demanda possessória ao exame da posse, não permitindo que se amplie o objeto da possessória para o fim de se obter sentença declaratória a respeito de quem seja o titular do domínio. 6. A vedação constante do art. 923 do CPC/73 (atual art. 557 do CPC/2015), contudo, não alcança a hipótese em que o proprietário alega a titularidade do domínio apenas como fundamento para pleitear a tutela possessória. Conclusão em sentido contrário importaria chancelar eventual fraude processual e negar tutela jurisdicional a direito fundamental. 7. Titularizar o domínio, de qualquer sorte, não induz necessariamente êxito na demanda possessória. Art. 1.210, parágrafo 2º, do CC/2002. A tutela possessória deverá ser deferida a quem ostente melhor posse, que poderá ser não o proprietário, mas o cessionário, arrendatário, locatário, depositário, etc. 8. A alegação de domínio, embora não garanta por si só a obtenção de tutela possessória, pode ser formulada incidentalmente com o fim de se obter tutela possessória. 9. Embargos de divergência providos, para o fim de admitir a oposição apresentada pela União e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que aprecie o mérito da oposição. (STJ, EREsp 1.134.446/MT, Corte Especial, Relator Ministro Benedito Gonçalves, j. 21/03/2018).

Súmula n. 637 do STJ: O ente público detém legitimidade e interesse para intervir, incidentalmente, na ação possessória entre particulares, podendo deduzir qualquer matéria defensiva, inclusive, se for o caso, o domínio.

c) Faculdade de usar ou utilizar a coisa = antigo ius utendi = em regra, inclui o subsolo e o espaço aéreo (art. 1.229 e 1.230 do CC 14) – “a propriedade vai do céu até o inferno”. Essa faculdade encontra fortes limitações. Exemplo 1 = função social da propriedade (art. 5º, XXIII, da CF e art. 1.228, § 1º, do CC); Exemplo 2 = Estatuto das Cidades (Lei n. 10.257/01); Exemplo 3 = regras de direito de vizinhança (art. 1.277 e seguintes do CC/2002). O uso anormal da propriedade, previsto no dispositivo abaixo, é exemplo típico de abuso de direito (art. 1.228, § 2º, do CC).

14

Art. 1.229 do CC. A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e

profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las. Art. 1.230 do CC. A propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais. Parágrafo único. O proprietário do solo tem o direito de explorar os recursos minerais de emprego imediato na construção civil, desde que não submetidos a transformação industrial, obedecido o disposto em lei especial. 5 www.g7juridico.com.br

Art. 1.277 do CC. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha. Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.

Regra dos 3 S’s = saúde, sossego e segurança. Quando estudamos os deveres dos condôminos, no art. 1.335 do CC. novamente aparece a regra dos 3 S’s.

d) Faculdade de dispor ou alienar a coisa = antigo ius disponendi = atos de alienação, lato sensu, como vender, doar, empenhar, hipotecar, testar e celebrar compromisso de compra e venda. Lembrando que locar não é dispor, mas fruir.

Se a pessoa tem todos os atributos, tem propriedade plena/alodial. Se tem alguns dos atributos, tem propriedade restrita/limitada. Se a pessoa tem um só atributo, tem posse.

3.2. Função Social da Propriedade Além da função social, existe uma função socioambiental da propriedade.

Art. 1.228 do CC: (...) § 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. § 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.

Orlando Gomes = função (finalidade) social (coletiva). A função social teria um sentido negativo e também um sentido positivo (José de Oliveira Ascensão). São marcos teóricos importantes acerca do tema:

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Leon Duguit, jus-sociológico francês (1859-1928) = a propriedade é função social. Ela deve atender, ao mesmo tempo, aos interesses dos seus titulares e ao bem-estar geral. Está na nossa Constituição Federal;



Constituição Alemã de Weimar (1919) = a propriedade obriga, ou seja, gera obrigações. Atualmente está no art. 14 da Constituição Alemã;



Art. 186 da CF/1988 15 = parâmetros ou critérios para o atendimento da função social da propriedade rural ou agrária. São requisitos simultâneos = desenvolvimento sustentável, proteção/tutela do meio ambiente (art. 225 da CF), proteção dos trabalhadores e o bem-estar geral. Tem se entendido que também serve para a propriedade urbana (José Afonso da Silva e Gustavo Tepedino).

A função social e a socioambiental na Jurisprudência do STJ.

Exemplo 1 = caso da favela Pullman julgado procedente pelo TJSP, Desembargador José Osório. No âmbito do STJ, tratase do julgado REsp 75.659/SP, julgado em 2005. Link da entrevista concedida pelo Desembargador do TJSP acerca do caso: https://www.youtube.com/watch?v=8D2NubYF7WA.

CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. TERRENOS DE LOTEAMENTO SITUADOS EM ÁREA FAVELIZADA. PERECIMENTO DO DIREITO DE PROPRIEDADE. ABANDONO. CC, ARTS. 524, 589, 77 E 78. MATÉRIA DE FATO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7-STJ. I. O direito de propriedade assegurado no art. 524 do Código Civil anterior não é absoluto, ocorrendo a sua perda em face do abandono de terrenos de loteamento que não chegou a ser concretamente implantado, e que foi paulatinamente favelizado ao longo do tempo, com a desfiguração das frações e arruamento originariamente previstos, consolidada, no local, uma nova realidade social e urbanística, consubstanciando a hipótese prevista nos arts. 589 c/c 77 e 78, da mesma lei substantiva. II. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” - Súmula n. 7-STJ. III. Recurso especial não conhecido. (STJ, REsp 75.659/SP, Quarta Turma, Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, j. 21/06/2005).

Exemplo 2 = Súmula n. 623 do STJ: As obrigações ambientais (recuperação da área) possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor.

3.3. Desapropriação judicial privada por posse-trabalho (art. 1.228, §§ 4º e 5º, CC) Nomenclatura do Miguel Reale. 15

Art. 186 da CF: A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e

graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - Aproveitamento racional e adequado; II - Utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - Observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - Exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. 7 www.g7juridico.com.br

Art. 1.228 do CC: (...) (...) § 4º proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. § 5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.

Requisitos para aplicação dos institutos acima: •

Ação reivindicatória proposta pelos proprietários;



Extensa área;



Ocupada por um considerável número de pessoas;



Posse ininterrupta e de boa-fé por mais de 5 anos;



Presença da posse-trabalho = função social da posse;



Pagamento de uma justa indenização devida ao proprietário.

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CASO CONCRETO. IMPOSSIBILIDADE. INVASÃO DO IMÓVEL POR MILHARES DE FAMÍLIAS DE BAIXA RENDA. OMISSÃO DO ESTADO EM FORNECER FORÇA POLICIAL PARA O CUMPRIMENTO DO MANDADO JUDICIAL. APOSSAMENTO ADMINISTRATIVO E OCUPAÇÃO CONSOLIDADA. AÇÃO REINTEGRATÓRIA. CONVERSÃO EM INDENIZATÓRIA. POSTERIOR EXAME COMO DESAPROPRIAÇÃO JUDICIAL. SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO E SOCIAL SOBRE O PARTICULAR. INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO E DO MUNICÍPIO. JULGAMENTO EXTRA PETITA E REFORMATIO IN PEJUS. NÃO OCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE AD CAUSAM. JUSTO PREÇO. PARÂMETROS PARA A AVALIAÇÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CÁLCULO DO VALOR. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. 1. O Plenário do STJ decidiu que “aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça” (Enunciado Administrativo n. 2). 2. Hipótese em que a parte autora, a despeito de ter conseguido ordem judicial de reintegração de posse desde 1991, encontra-se privada de suas terras até hoje, ou seja, há mais de 2 (duas) décadas, sem que tenha sido adotada qualquer medida concreta para obstar a constante invasão do seu imóvel, seja por ausência de força policial para o cumprimento do mandado reintegratório, seja em decorrência dos inúmeros incidentes processuais ocorridos nos autos ou em face da constante ocupação coletiva ocorrida na área, por milhares de famílias de baixa renda. 3. Constatada, no caso concreto, a impossibilidade de devolução da posse à proprietária, o Juiz de primeiro grau converteu, de ofício, a ação reintegratória em indenizatória (desapropriação indireta), determinando a emenda da inicial, a fim de promover a citação do Estado e do Município para apresentar contestação e, em consequência, incluí-

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los no polo passivo da demanda. 4. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido da possibilidade de conversão da ação possessória em indenizatória, em respeito aos princípios da celeridade e economia processuais, a fim de assegurar ao particular a obtenção de resultado prático correspondente à restituição do bem, quando situação fática consolidada no curso da ação exigir a devida proteção jurisdicional, com fulcro nos arts. 461, § 1º, do CPC/1973. 5. A conversão operada na espécie não configura julgamento ultra petita ou extra petita, ainda que não haja pedido explícito nesse sentido, diante da impossibilidade de devolução da posse à autora, sendo descabido o ajuizamento de outra ação quando uma parte do imóvel já foi afetada ao domínio público, mediante apossamento administrativo, sendo a outra restante ocupada de forma precária por inúmeras famílias de baixa renda com a intervenção do Município e do Estado, que implantaram toda a infraestrutura básica no local, tornando-se a área bairros urbanos. 6. Não há se falar em violação ao princípio da congruência, devendo ser aplicada à espécie a teoria da substanciação, segundo a qual apenas os fatos vinculam o julgador, que poderá atribuir-lhes a qualificação jurídica que entender adequada ao acolhimento ou à rejeição do pedido, como fulcro nos brocardos iura novit curia e mihi factum dabo tibi ius e no art. 462 do CPC/1973. 7. Caso em que, ao tempo do julgamento do primeiro grau, a lide foi analisada à luz do disposto no art. 1.228, §§ 4º e 5º, do CC/2002, que trata da desapropriação judicial, chamada também por alguns doutrinadores de desapropriação por posse-trabalho ou de desapropriação judicial indireta, cujo instituto autoriza o magistrado, sem intervenção prévia de outros Poderes, a declarar a perda do imóvel reivindicado pelo particular em favor de considerável número de pessoas que, na posse ininterrupta de extensa área, por mais de cinco anos, houverem realizado obras e serviços de interesse social e econômico relevante. 8. Os conceitos abertos existentes no art. 1.228 do CC/2002 propiciam ao magistrado uma margem considerável de discricionariedade ao analisar os requisitos para a aplicação do referido instituto, de modo que a inversão do julgado, no ponto, demandaria o reexame do conjunto fático-probatório, providência vedada no âmbito do recurso especial, em face do óbice da Súmula 7 do STJ. 9. Não se olvida a existência de julgados desta Corte de Justiça no sentido de que "inexiste desapossamento por parte do ente público ao realizar obras de infraestrutura em imóvel cuja invasão já se consolidara, pois a simples invasão de propriedade urbana por terceiros, mesmo sem ser repelida pelo Poder Público, não constitui desapropriação indireta" (AgRg no REsp 1.367.002/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 20/06/2013, DJe 28/06/2013). 10. Situação em que tal orientação não se aplica ao caso estudado, pois, diante dos fatos delineados no acórdão recorrido, não há dúvida de que os danos causados à proprietária do imóvel decorreram de atos omissivos e comissivos da administração pública, tendo em conta que deixou de fornecer a força policial necessária para o cumprimento do mandado reintegratório, ainda na fase inicial da invasão, permanecendo omissa quanto ao surgimento de novas habitações irregulares, além de ter realizado obras de infraestrutura no local, com o objetivo de garantir a função social da propriedade, circunstâncias que ocasionaram o desenvolvimento urbano da área e a desapropriação direta de parte do bem.. 11. O Município de Rio Branco, juntamente com o Estado do Acre, constituem sujeitos passivos legítimos da indenização prevista no art. 1.228, § 5º, do CC/2002, visto que os possuidores, por serem hipossuficientes, não podem arcar com o ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo proprietário do imóvel (ex vi do Enunciado 308 Conselho da Justiça Federal). 12. Diante da procedência parcial da ação indenizatória contra a Fazenda Pública municipal, tem-se aplicável, além do recurso voluntário, o reexame necessário, razão pela qual não se vislumbra a alegada ofensa aos arts. 475 e 515 do CPC/1973, em face da reinclusão do Estado do Acre no polo passivo da demanda, por constituir a legitimidade ad causam matéria 9 www.g7juridico.com.br

de ordem pública, passível de reconhecimento de ofício, diante do efeito translativo. 13. A solução da controvérsia exige que sejam levados em consideração os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da segurança jurídica, em face das situações jurídicas já consolidadas no tempo, de modo a não piorar uma situação em relação à qual se busca a pacificação social, visto que "é fato público e notório que a área sob julgamento, atualmente, corresponde a pelo menos quatro bairros dessa cidade (Rio Branco), onde vivem milhares de famílias, as quais concedem função social às terras em litígio, exercendo seu direito fundamental social à moradia". 14. Os critérios para a apuração do valor da justa indenização serão analisados na fase de liquidação de sentença, não tendo sido examinados pelo juízo da primeira instância, de modo que não podem ser apreciados pelo Tribunal de origem, tampouco por esta Corte Superior, sob pena de supressão de instância. 15. Recursos especiais parcialmente conhecidos e, nessa extensão, desprovidos. (STJ, REsp 1.442.440/AC, Primeira Turma, Relator Ministro Gurgel de Faria, j. 07/12/2017).

O precedente acima cita alguns enunciados das Jornadas de Direito Civil:

I Jornada de Direito Civil - Enunciado 82: É constitucional a modalidade aquisitiva de propriedade imóvel prevista nos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do novo Código Civil; I Jornada de Direito Civil - Enunciado 83: Nas ações reivindicatórias propostas pelo Poder Público, não são aplicáveis as disposições constantes dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do novo Código Civil. I Jornada de Direito Civil - Enunciado 84: A defesa fundada no direito de aquisição com base no interesse social (art. 1.228, §§ 4º e 5º, do novo Código Civil) deve ser arguida pelos réus da ação reivindicatória, eles próprios responsáveis pelo pagamento da indenização. •

Esses réus são os responsáveis pelo pagamento da indenização ao proprietário. Ressalva = Enunciado 308 da IV Jornada de Direito Civil.

IV Jornada de Direito Civil - Enunciado 308: A justa indenização devida ao proprietário em caso de desapropriação judicial (art. 1.228, § 5º) somente deverá ser suportada pela Administração Pública no contexto das políticas públicas de reforma urbana ou agrária, em se tratando de possuidores de baixa renda e desde que tenha havido intervenção daquela nos termos da lei processual. Não sendo os possuidores de baixa renda, aplica-se a orientação do Enunciado 84 da I Jornada de Direito Civil. IV Jornada de Direito Civil - Enunciado 310: Interpreta-se extensivamente a expressão "imóvel reivindicado" (art. 1.228, § 4º), abrangendo pretensões tanto no juízo petitório quanto no possessório. •

Existe, ainda, uma ressalva em relação aos bens públicos dominicais:

IV Jornada de Direito Civil - Enunciado 304: São aplicáveis as disposições dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do Código Civil às ações reivindicatórias relativas a bens públicos dominicais, mantido, parcialmente, o Enunciado 83 da I Jornada de Direito Civil, no que concerne às demais classificações dos bens públicos.

3.4. Usucapião imobiliária (arts. 1.238 a 1.244 do CC)

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3.4.1. Generalidades. “Usucapio” = adquirir pelo uso. A usucapião é uma forma originária de aquisição da propriedade, em que uma posse qualificada se transforma em propriedade. Essa posse qualificada é a posse ad usucapionem. São consequências dessa forma originária de aquisição da propriedade: •

Há abertura de uma matrícula nova no Cartório de Registro de Imóveis;



Há o desaparecimento de todos os ônus, encargos e direitos reais que recaiam sobre o imóvel (exemplos: dívida condominial, hipoteca e penhora);



Há o desaparecimento de tributos. Nesse sentido, RE 94586-6/RS de 1984.

Requisitos cumulativos da posse ad usucapionem: a) Posse com intenção de dono (Savigny) = animus domini. O locatário ou comodatário pode usucapir? Em regra, não, pois falta esse requisito. Como exceção à essa regra, é possível a alteração do caráter da posse = interversio possessionis quando, por exemplo, o locatário há muitos anos não paga o aluguel que até já prescreveu ou o locador desapareceu por muito tempo e o locatário não conseguiu consignar.

CIVIL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS. MUTAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DA POSSE ORIGINÁRIA. POSSIBILIDADE. O usucapião extraordinário - art. 55, CC - reclama, tão-somente: a) posse mansa e pacífica, ininterrupta, exercida com animus domini; b) o decurso do prazo de vinte anos; c) presunção juris et de jure de boa-fé e justo título, "que não só dispensa a exibição desse documento como também proíbe que se demonstre sua inexistência". E, segundo o ensinamento da melhor doutrina, "nada impede que o caráter originário da posse se modifique", motivo pelo qual o fato de ter havido no início da posse da autora um vínculo locatício, não é embaraço ao reconhecimento de que, a partir de um determinado momento, essa mesma mudou de natureza e assumiu a feição de posse em nome próprio, sem subordinação ao antigo dono e, por isso mesmo, com força ad usucapionem. Precedentes. Ação de usucapião procedente. Recurso especial conhecido, com base na letra "c" do permissivo constitucional, e provido. (STJ, REsp 154.733/DF, Quarta Turma, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, j. 05/12/2000).

b) Posse mansa e pacífica = sem perturbações; c) Posse contínua e duradoura. Existe um tempo mínimo fixado em lei para cada modalidade; d) Posse justa; e) Posse de boa-fé e justo título. Esse requisito só vale para a modalidade ordinária.

Regras Gerais Fundamentais: •

A ação de usucapião é declaratória → imprescritível. Quando a propriedade é tida como adquirida por usucapião? No momento em que estão preenchidos os seus requisitos;

Art. 1.241. Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel.

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Parágrafo único. A declaração obtida na forma deste artigo constituirá título hábil para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. •

A usucapião pode ser alegada em “ataque” (ação própria) ou em defesa (Súmula n. 237 do STF). Exemplo = ação reivindicatória;

Súmula n. 237 do STF: O usucapião pode ser arguido em defesa. •

Accessio possessionis = soma das posses para os fins de usucapião. Exemplo = herdeiros legítimos;

Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé. IV Jornada de Direito Civil - Enunciado 317: A accessio possessionis de que trata o art. 1.243, primeira parte, do Código Civil não encontra aplicabilidade relativamente aos arts. 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em face da normatividade do usucapião constitucional urbano e rural, arts. 183 e 191, respectivamente. •

Equivale o possuidor ao devedor quanto às regras de impedimento e suspensão da prescrição (arts. 197, 198 e 199 do CC/2002 16)

Art. 1.244. Estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião.

3.4.2. Modalidades de Usucapião Imobiliária.

a) Usucapião Ordinária (art. 1.242 do CC/2002): Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boafé, o possuir por dez anos.

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Art. 197. Não corre a prescrição:

I - Entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal; II - Entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar; III - Entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela. Art. 198. Também não corre a prescrição: I - Contra os incapazes de que trata o art. 3º; II - Contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios; III - Contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra. Art. 199. Não corre igualmente a prescrição: I - Pendendo condição suspensiva; II - Não estando vencido o prazo; III - Pendendo ação de evicção. 12 www.g7juridico.com.br

Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.

Requisitos: •

Posse ad usucapionem por 10 anos, em regra;



Justo título;



Boa-fé subjetiva.

Atenção: o prazo cai para 5 anos se houver posse-trabalho e o requisito formal (compromisso de compra e venda, exemplificativamente).

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MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS Direito Civil Aula 4

ROTEIRO DE AULA

Tema 1: Modalidades de Usucapião Tema 2: Condomínio Edilício

3.4.2. Modalidades de Usucapião Imobiliário

a) Usucapião extraordinária (art. 1.238);

"Art. 1.238 do CC. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquirelhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo". Ao contrário da usucapião ordinária, aqui não temos o requisito formal do documento registrado e que, posteriormente, ocorre o cancelamento desse registro.

Requisitos: ➢ Posse ad usucapionem por 15 anos. Não há necessidade de título e boa-fé porque, segundo a doutrina majoritária (Maria Helena Diniz), há presunção absoluta (iure et de iure) da existência do justo título e da boa-fé. ➢ Esse prazo cai de 15 para 10 anos se houver posse-trabalho (moradia habitual ou realização de obras ou serviços de caráter produtivo).

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"DIREITOS REAIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. POSSE PARCIALMENTE EXERCIDA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. APLICAÇÃO IMEDIATA DO ART. 1.238, § ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INTELIGÊNCIA DA REGRA DE TRANSIÇÃO ESPECÍFICA CONFERIDA PELO ART. 2.029. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NA EXTENSÃO, PROVIDO. 1. Ao usucapião extraordinário qualificado pela "posse-trabalho", previsto no art. 1.238, § único, do Código Civil de 2002, a regra de transição aplicável não é a insculpida no art. 2.028 (regra geral), mas sim a do art. 2.029, que prevê forma específica de transição dos prazos do usucapião dessa natureza. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, "qualquer que seja o tempo transcorrido" na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. 3. A citação realizada em ação possessória, extinta sem resolução de mérito, não tem o condão de interromper o prazo da prescrição aquisitiva. Precedentes. 4. É plenamente possível o reconhecimento do usucapião quando o prazo exigido por lei se exauriu no curso do processo, por força do art. 462 do CPC, que privilegia o estado atual em que se encontram as coisas, evitando-se provimento judicial de procedência quando já pereceu o direito do autor ou de improcedência quando o direito pleiteado na inicial, delineado pela causa petendi narrada, é reforçado por fatos supervenientes.

5. Recurso especial parcialmente

conhecido e, na extensão, provido". (STJ, REsp 1.088.082/RJ, Relator Ministro Luís Felipe Salomão, j. 02/03/2010)

b) Usucapião constitucional agrária (especial rural ou pro labore) – art. 191 da CF, art. 1.239 do CC e Lei n. 6.969/81;

"Art. 191 da CF. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião". "Art. 1.239 do CC. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade".

Requisitos: ➢ Área rural não superior a 50 hectares (ha); ➢ Posse ad usucapionem por 5 anos ininterruptos; ➢ Desenvolvimento de atividade agrária (agricultura, pecuária, extrativismo, etc.) pelo próprio possuidor ou alguém de sua família; ➢ Estabelecimento de moradia. ➢ O possuidor, que vai usucapir, não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

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ATENÇÃO: Cuidado com os seguintes pontos da Lei n. 6.969/1981! "Art. 1º da Lei n. 6.989/81- Todo aquele que, não sendo proprietário rural nem urbano, possuir como sua, por 5 (cinco) anos ininterruptos, sem oposição, área rural contínua, não excedente de 25 (vinte e cinco) hectares, e a houver tornado produtiva com seu trabalho e nela tiver sua morada, adquirir-lhe-á o domínio, independentemente de justo título e boafé, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para transcrição no Registro de Imóveis. Parágrafo único. Prevalecerá a área do módulo rural aplicável à espécie, na forma da legislação específica, se aquele for superior a 25 (vinte e cinco) hectares". ➢ Esse dispositivo é tido como não recepcionado pela CF/88, pois a CF/1988 menciona 50ha. .

"Art. 2º da Lei n. 6.989/81- A usucapião especial, a que se refere esta Lei, abrange as terras particulares e as terras devolutas, em geral, sem prejuízo de outros direitos conferidos ao posseiro, pelo Estatuto da Terra ou pelas leis que dispõem sobre processo discriminatório de terras devolutas". ➢ Esse dispositivo admite a usucapião de terras devolutas (terras sem dono). Entretanto, as terras devolutas são bens públicos dominicais e, portanto, esse dispositivo também é tido como não recepcionado pela CF/88, pela simples análise do parágrafo único do art. 191 da CF e Súmula n. 340 do STF. Ver também a Súmula n. 340 do STF: Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião.

Enunciados importantes das Jornadas de Direito Civil IV Jornada de Direito Civil - Enunciado 312: "Observado o teto constitucional, a fixação da área máxima para fins de usucapião especial rural levará em consideração o módulo rural e a atividade agrária regionalizada " Portanto, devem ser levados em conta o módulo rural (pequena e média propriedade rural – Lei n. 8.629/93 – prevista no art. 4º do Estatuto da Terra – Lei n. 4.504/1964 1) e a atividade agrária regionalizada. A pequena propriedade rural é aquela de até 4 módulos fiscais (unidade de medida, em hectares, cujo valor é fixado pelo INCRA para cada município – parâmetro para a fixação do módulo rural) e a média propriedade rural de 4 a 15 módulos fiscais. Já a grande propriedade que, em tese, não é otimizada para desenvolvimento de atividade agrária, é aquela acima de 15 módulos fiscais.

IV Jornada de Direito Civil - Enunciado 313: "Quando a posse ocorre sobre área superior aos limites legais, não é possível a aquisição pela via da usucapião especial, ainda que o pedido restrinja a dimensão do que se quer usucapir". O professor não concorda com esse enunciado, apesar de ser o entendimento majoritário. Segundo esse enunciado, não é

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Art. 4º do Estatuto da Terra: "Para os efeitos desta Lei, definem-se: I - "Imóvel Rural", o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada; II - "Propriedade Familiar", o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros; III - "Módulo Rural", a área fixada nos termos do inciso anterior".

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possível a usucapião constitucional agrária (e a urbana) em áreas superiores aos limites legais, ainda que o pedido se restrinja a dimensões inferiores. O professor remete à leitura do ponto da aula anterior acerca da accessio possessionis.

VII Jornada de Direito Civil - Enunciado 594: "É possível adquirir a propriedade de área menor do que o módulo rural estabelecido para a região, por meio da usucapião especial rural." Seria o caso do minifúndio (imóvel rural de área e possibilidades inferiores às da propriedade familiar, segundo definição trazida pelo art. 4º, IV, do Estatuto da Terra). Nesse mesmo sentido, precedente do STJ: "RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO RURAL CONSTITUCIONAL. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL. MÓDULO RURAL. ÁREA MÍNIMA NECESSÁRIA AO APROVEITAMENTO ECONÔMICO DO IMÓVEL. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DA NORMA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PREVISÃO DE ÁREA MÁXIMA A SER USUCAPIDA. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL DE ÁREA MÍNIMA. IMPORTÂNCIA MAIOR AO CUMPRIMENTO DOS FINS A QUE SE DESTINA A NORMA. 1. A propriedade privada e a função social da propriedade estão previstas na Constituição Federal de 1988 dentre os direitos e garantias individuais (art. 5.º, XXIII), sendo pressupostos indispensáveis à promoção da política de desenvolvimento urbano (art. 182, § 2.º) e rural (art. 186, I a IV). 2. No caso da propriedade rural, sua função social é cumprida, nos termos do art. 186 da CF/1988, quando seu aproveitamento for racional e apropriado; quando a utilização dos recursos naturais disponíveis for adequada e o meio ambiente preservado, assim como quando as disposições que regulam as relações de trabalho forem observadas. 3. A usucapião prevista no art. 191 da Constituição (e art. 1.239 do Código Civil), regulamentada pela Lei n. 6.969/1981, é caracterizada pelo elemento posse-trabalho. Serve a essa espécie tão somente a posse marcada pela exploração econômica e racional da terra, que é pressuposto à aquisição do domínio do imóvel rural, tendo em vista a intenção clara do legislador em prestigiar o possuidor que confere função social ao imóvel rural. 4. O módulo rural previsto no Estatuto da Terra foi pensado a partir da delimitação da área mínima necessária ao aproveitamento econômico do imóvel rural para o sustento familiar, na perspectiva de implementação do princípio constitucional da função social da propriedade, importando sempre, e principalmente, que o imóvel sobre o qual se exerce a posse trabalhada possua área capaz de gerar subsistência e progresso social e econômico do agricultor e sua família, mediante exploração direta e pessoal - com a absorção de toda a força de trabalho, eventualmente com a ajuda de terceiros. 5. Com efeito, a regulamentação da usucapião, por toda legislação que cuida da matéria, sempre delimitou apenas a área máxima passível de ser usucapida, não a área mínima, donde concluem os estudiosos do tema, que mais relevante que a área do imóvel é o requisito que precede a ele, ou seja, o trabalho realizado pelo possuidor e sua família, que torna a terra produtiva e lhe confere função social. 6. Assim, a partir de uma interpretação teleológica da norma, que assegure a tutela do interesse para a qual foi criada, conclui-se que, assentando o legislador, no ordenamento jurídico, o instituto da usucapião rural, prescrevendo um limite máximo de área a ser usucapida, sem ressalva de um tamanho mínimo, estando presentes todos os requisitos exigidos pela legislação de regência, parece evidenciado não haver impedimento à aquisição usucapicional de imóvel que guarde medida inferior ao módulo previsto para a região em que se localize. 7. A premissa aqui assentada vai ao encontro do que foi decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em conclusão de julgamento realizado em 29.4.2015, que proveu recurso extraordinário, em que se discutia a possibilidade de usucapião de imóvel urbano em município que estabelece lote mínimo para parcelamento do solo, para reconhecer aos recorrentes o domínio sobre o imóvel, dada a implementação 4 www.g7juridico.com.br

da usucapião urbana prevista no art. 183 da CF. 8. Na oportunidade do Julgamento acima referido, a Suprema Corte fixou a seguinte tese: Preenchidos os requisitos do art. 183 da CF, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área onde situado o imóvel (dimensão do lote) (RE 422.349/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 29.4.2015) 9. Recurso especial provido". (STJ, REsp 1.040.296/ES, Quarta Turma, Relator Ministro Luís Felipe Salomão, j. 14/08/2015) c) Usucapião constitucional urbana (especial urbana individual ou pro misero) – art. 183 da CF, art. 1.240 do CC e art. 9º do Estatuto da Cidade – Lei n. 10.257/01;

"Art. 183 da CF. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião". "Art. 1.240 do CC. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez" → não existe na usucapião agrária.

Requisitos: ➢ Área urbana não superior a 250m²; ➢ Posse ad usucapionem por pelo menos 5 anos; ➢ Imóvel destinado a moradia do próprio possuidor ou de sua família; ➢ O possuidor, que vai usucapir, não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural; ➢ Somente pode ser reconhecida essa modalidade de usucapião uma única vez → pro misero.

ATENÇÃO: art. 9º, § 3º da Lei n. 10.257/01 (Estatuto da Cidade) traz regra específica sobre accessio possessionis (soma de posses para fins de usucapião). "Art. 9o do Estatuto da Cidade: Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (...). § 3o Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão."

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Submodalidade → Usucapião especial urbana por abandono do lar (não é constitucional e foi incluída no CC/2002 no art. 1.240-A - também chamada de USUCAPIÃO FAMILIAR). A competência para apreciá-la é da vara cível e não da vara de família. ➢ Lar familiar ou lar convivencial, já que também se aplica à união estável.

"Art. 1.240-A do CC: Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lheá o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (Incluído pela Lei n. 12.424/11, publicada em 16/06/2011). § 1º O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez".

Requisitos: ➢ Área urbana não superior a 250m²; ➢ Posse ad usucapionem por pelo menos 2 anos → posse direta a exclusiva. ➢ Propriedade deve ser dividida com ex-cônjuge ou ex-companheiro → qualquer regime de bens e inclusive relações homoafetivas; ➢ Abandono do lar por parte do ex-cônjuge ou ex-companheiro; ➢ O possuidor, que vai usucapir, não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural; ➢ Somente pode ser reconhecida essa modalidade de usucapião uma única vez. Enunciados importantes das Jornadas de Direito Civil

V Jornada de Direito Civil - Enunciado 498: "A fluência do prazo de 2 (dois) anos previsto pelo art. 1.240-A para a nova modalidade de usucapião nele contemplada tem início com a entrada em vigor da Lei n. 12.424/2011". Regra de direito intertemporal → a fluência do prazo é a partir da entrada em vigor da Lei n. 12.424/2011 (16/06/2011).

V Jornada de Direito Civil - Enunciado 500: "A modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil pressupõe a propriedade comum do casal e compreende todas as formas de família ou entidades familiares, inclusive homoafetivas".

V Jornada de Direito Civil - Enunciado 501: "As expressões 'ex-cônjuge' e 'ex-companheiro', contidas no art. 1.240-A do Código Civil, correspondem à situação fática da separação, independentemente de divórcio".

V Jornada de Direito Civil - Enunciado 502: "O conceito de posse direta referido no art. 1.240-A do Código Civil não coincide com a acepção empregada no art. 1.197 do mesmo Código".

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A posse direta de que se trata o art. 1.240-A não coincide com a acepção do art. 1.197 2 (a posse pode ser exercida por outra pessoa da família).

VII Jornada de Direito Civil - Enunciado 595: "O requisito 'abandono do lar' deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável. Revogado o Enunciado 499". Esse enunciado afasta o debate da culpa pelo fim do casamento ou união estável para fins de usucapião familiar.

e) Usucapião especial urbana coletiva – art. 10 da Lei n. 10.257/11) "Art. 10 do Estatuto da Cidade. Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. (Redação dada pela lei nº 13.465, de 2017).; § 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas". ➢ Esse parágrafo prevê uma regra específica de accessio possessionis → é possível desde que as posses a serem somadas sejam contínuas (menos de um ano e um dia).

"Art. 10. § 2o A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis. § 3o Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas. § 4o O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio. § 5o As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes".

Requisitos com alterações dadas pela Lei n. 13.465/17: ➢ Presença de núcleo urbano informal = imóvel não regularizado; ➢ Área urbana = área total divida pelo número de possuidores tem que ser inferior a 250m² por possuidor; ➢ Posse ad usucapionem = 5 anos; ➢ O possuidor não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Obs.: o Código de Processo Civil incluiu o artigo 216-A na Lei de Registro Públicos, tornando possível a usucapião extrajudicial (diretamente no Cartório de Registro de Imóveis) desde que consensual para qualquer uma dessas 2

Art. 1.197 do CC. "A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto".

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modalidades. "Art. 216-A da Lei n. 6.015/73 (Registros Públicos). Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com".

CONDOMÍNIO EDILÍCIO

3.5. Condomínio Edilício (art. 1.331 a 1.358 do CC) 3.5.1. Conceito, estrutura e natureza jurídica O condomínio edilício é tido como uma modalidade especial de condomínio ou compropriedade, em que as unidades são postas em posição horizontal, umas sobre as outras. Esse termo “edilício” foi importado da Itália por Miguel Reale.

Estrutura interna (art. 1.331):

As áreas de propriedade exclusiva são alienáveis, em regra, com a exceção das vagas de garagem que só poderão ser vendidas ou locadas se existir autorização expressa na convenção de condomínio (que geralmente também proíbem), sob pena de nulidade. Já as áreas de propriedade comum são inalienáveis e indivisíveis.

"Art. 1.331 do CC. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos. § 1º As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio. (Redação dada pela Lei nº 12.607, de 2012). § 2º O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizados em comum pelos condôminos, não podendo ser alienados separadamente, ou divididos. § 3º- A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio. (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004). § 4º Nenhuma unidade imobiliária pode ser privada do acesso ao logradouro público. § 5º O terraço de cobertura é parte comum, salvo disposição contrária da escritura de constituição do condomínio". 8 www.g7juridico.com.br

Natureza jurídica do condomínio edilício = Existe um debate doutrinário acerca do tema. 1ª Corrente (Clássica): é a que ainda prevalece para fins de concurso público. Afirma que o condomínio edilício é um ente despersonalizado, não se tratando de pessoa jurídica (Maria Helena Diniz, Venosa, Carlos Roberto Gonçalves). 2ª Corrente (Contemporânea): vem ganhando força com novos precedentes dos tribunais superiores. Pode ser pessoa jurídica de Direito Privado. Como os cartórios trabalham com o princípio da legalidade, não existe a possibilidade de registrar os condomínios como se fossem pessoas jurídicas. É o que consta do Enunciado n. 90 da I Jornada de Direito Civil (o professor, Gustavo Tepedino e Frederico Viegas). I Jornada de Direito Civil - Enunciado 90: "Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse". ➢ Para entendermos o debate acima, imaginemos o inadimplemento das cotas condominiais de uma unidade. Esse condomínio leva a unidade à leilão e não aparece ninguém para arrematar. Como não apareceu ninguém para arrematar, pode o condomínio adjudicar essa unidade? Tecnicamente, só poderia adjudicar se fosse reconhecido como pessoa jurídica, porque ente despersonalizado não pode adquirir bens. Valorizando a segunda corrente, vide o novo artigo 1.358-S do Código Civil, quando trata acerca de multipropriedade (ou time sharing) e traz a possibilidade de adjudicação da fração de tempo correspondente. "Art. 1.358-S do CC. Na hipótese de inadimplemento, por parte do multiproprietário, da obrigação de custeio das despesas ordinárias ou extraordinárias, é cabível, na forma da lei processual civil, a adjudicação ao condomínio edilício da fração de tempo correspondente. (Incluído pela Lei nº 13.777, de 2018) . Parágrafo único. Na hipótese de o imóvel objeto da multipropriedade ser parte integrante de empreendimento em que haja sistema de locação das frações de tempo no qual os titulares possam ou sejam obrigados a locar suas frações de tempo exclusivamente por meio de uma administração única, repartindo entre si as receitas das locações independentemente da efetiva ocupação de cada unidade autônoma, poderá a convenção do condomínio edilício regrar que em caso de inadimplência: (Incluído pela Lei nº 13.777, de 2018) . I - O inadimplente fique proibido de utilizar o imóvel até a integral quitação da dívida; (Incluído pela Lei nº 13.777, de 2018) . II - A fração de tempo do inadimplente passe a integrar o pool da administradora; (Incluído pela Lei nº 13.777, de 2018) . III - A administradora do sistema de locação fique automaticamente munida de poderes e obrigada a, por conta e ordem do inadimplente, utilizar a integralidade dos valores líquidos a que o inadimplente tiver direito para amortizar suas dívidas condominiais, seja do condomínio edilício, seja do condomínio em multipropriedade, até sua integral quitação, devendo eventual saldo ser imediatamente repassado ao multiproprietário. (Incluído pela Lei nº 13.777, de 2018)"

3.5.2. Instituição e Convenção de Condomínio a) Instituição (art. 1.332) = ato de constituição ou de criação do condomínio, por ato inter vivos ou mortis causa, devidamente registrado no Cartório de Registro de Imóveis. Esse registro deve trazer:

- Discriminação das áreas (individualização do que é área comum e do que é área de propriedade exclusiva); - Determinação de frações ideais; 9 www.g7juridico.com.br

- Finalidade das unidades (residencial, comercial, etc.).

"Art. 1.332 do CC. Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei especial: I - A discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns; II - A determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns; III - O fim a que as unidades se destinam".

b) Convenção do Condomínio (art. 1.333 e 1.334): estatuto geral condominial, funciona como negócio jurídico coletivo (alguns doutrinadores) ou contrato coletivo (outros doutrinadores) → pacta sunt servanda.

"Art. 1.333 do CC. A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção. Parágrafo único. Para ser oponível contra terceiros, a convenção do condomínio deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis". "Art. 1.334 do CC. Além das cláusulas referidas no art. 1.332 e das que os interessados houverem por bem estipular, a convenção determinará: I – A quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio; II - Sua forma de administração; III - A competência das assembleias, forma de sua convocação e quórum exigido para as deliberações; IV - As sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores; V - O regimento interno. § 1 o A convenção poderá ser feita por escritura pública ou por instrumento particular. § 2º São equiparados aos proprietários, para os fins deste artigo, salvo disposição em contrário, os promitentes compradores e os cessionários de direitos relativos às unidades autônomas".

➢ Deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, 2/3 dos condôminos → mesmo quórum para alterar a convenção; ➢ Para ser oponível perante terceiros (erga omnes), deve ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis; ➢ Se não for registrada, será válida e eficaz entre as partes, como um contrato inter partes. Súmula n. 260 do STJ:

"A convenção de condomínio aprovada, ainda que sem registro, é eficaz para regular as relações entre os condôminos".

Conteúdo da Convenção: •

Contribuições condominiais (quota proporcional e modo de pagamento);



Forma de administração;



Assembleias (competência, formas de convocação e os quóruns);



Sanções, além das previstas em lei;



Regimento Interno = regulamento do cotidiano condominial.

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Esse conteúdo tem que estar em escritura pública? Pode ser tanto por escritura pública quanto por instrumento particular (art. 1.334, §1º, supra).

3.5.3. Direitos e Deveres dos Condôminos. Sanções – arts. 1.335 a 1.337.

"Art. 1.335 do CC. São DIREITOS do condômino: I - Usar, fruir e livremente dispor das suas unidades; II - Usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores; III - Votar nas deliberações da assembleia e delas participar, estando quite". ➢ Havendo inadimplemento, não há o direito de votar nas deliberações das assembleias. Essa regra pode ser afastada pela própria convenção de condomínio. Os locatários, geralmente, também podem votar.

"Art. 1.336 do CC. São DEVERES do condômino: I - Contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004); II - Não realizar obras que comprometam a segurança da edificação; III - Não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas; IV - Dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes".

"Art. 1.345 do CC. O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios" → obrigações propter rem ou ambulatórias.

➢ Exemplo 1: excesso de barulho é abuso de direito = independentemente do horário. Pode gerar responsabilidade civil e penalidades (art. 187 e 1.228, § 2º do CC 3). ➢ Exemplo 2: trabalhar em unidade residencial, é possível em tempos de home office? Sim, desde que não prejudique os 3 S’s (saúde, sossego e segurança). ➢ Exemplo 3: animais em apartamento. Tem se entendido que prevalece a regra dos 3 S’s.

VI Jornada de Direito Civil - Enunciado 566: "A cláusula convencional que restringe a permanência de animais em unidades autônomas residenciais deve ser valorada à luz dos parâmetros legais de sossego, insalubridade e periculosidade". "RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. ANIMAIS. CONVENÇÃO. REGIMENTO INTERNO. PROIBIÇÃO. FLEXIBILIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos n.º 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se a convenção condominial pode

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Art. 187 do CC. "Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes". Art. 1.228 do CC. "O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. (...). § 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem".

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impedir a criação de animais de qualquer espécie em unidades autônomas do condomínio. 3. Se a convenção não regular a matéria, o condômino pode criar animais em sua unidade autônoma, desde que não viole os deveres previstos nos arts. 1.336, IV, do CC/2002 e 19 da Lei nº 4.591/1964. 4. Se a convenção veda apenas a permanência de animais causadores de incômodos aos demais moradores, a norma condominial não apresenta, de plano, nenhuma ilegalidade. 5. Se a convenção proíbe a criação e a guarda de animais de quaisquer espécies, a restrição pode se revelar desarrazoada, haja vista determinados animais não apresentarem risco à incolumidade e à tranquilidade dos demais moradores e dos frequentadores ocasionais do condomínio. 6. Na hipótese, a restrição imposta ao condômino não se mostra legítima, visto que condomínio não demonstrou nenhum fato concreto apto a comprovar que o animal (gato) provoque prejuízos à segurança, à higiene, à saúde e ao sossego dos demais moradores. 7. Recurso especial provido" (STJ, REsp 1.783.076/DF, Quarta Turma, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 14/05/2019).

SANÇÕES "Art. 1.336 do CC: (...). § 1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito".

➢ Inadimplemento quanto às quotas condominiais → juros e multa moratória. ➢ Questão de Concurso da Magistratura do TJ/SP: quando da vigência da Lei n. 4.591/1964, em seu art. 12, a multa moratória de 20% sobre o valor do débito. Houve uma redução legislativa para 2% → NÃO se aplica o CDC. O STJ se posicionou no seguinte sentido: "CIVIL E PROCESSUAL. ACÓRDÃO ESTADUAL. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. COTAS CONDOMINIAIS EM ATRASO. MULTA CONDOMINIAL DE 10% PREVISTA NA CONVENÇÃO, COM BASE NO ART. 12, § 3º, DA LEI N. 4.591/64. REDUÇÃO A 2% DETERMINADA PELO TRIBUNAL A QUO, EM RELAÇÃO À DÍVIDA VENCIDA NA VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO CIVIL, ART. 1.336, § 1º. REVOGAÇÃO DO TETO ANTERIORMENTE PREVISTO, POR INCOMPATIBILIDADE. LICC, ART. 2º, § 1º. I. Acórdão estadual que não padece de nulidade, por haver enfrentado fundamentadamente os temas essenciais propostos, apenas com conclusão desfavorável à parte. II. A multa por atraso prevista na convenção de condomínio, que tinha por limite legal máximo o percentual de 20% previsto no art. 12, parágrafo 3º, da Lei n. 4.591/64, vale para as prestações vencidas na vigência do diploma que lhe dava respaldo, sofrendo automática modificação, no entanto, a partir da revogação daquele teto pelo art. 1.336, parágrafo 1º, em relação às cotas vencidas sob a égide do Código Civil atual. Precedentes. III. Recurso especial não conhecido” (REsp 746.589/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 15/08/2006, DJ 18/09/2006, p. 327). "PROCESSUAL CIVIL E CIVIL - AÇÃO DE COBRANÇA - TAXAS CONDOMINIAIS - MULTA CONDOMINIAL DE 20% PREVISTA NA CONVENÇÃO, COM BASE NO ARTIGO 12, § 3º, DA LEI 4.591/64 - REDUÇÃO PARA 2% QUANTO À DÍVIDA VENCIDA NA VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO CIVIL - REVOGAÇÃO PELO ESTATUTO MATERIAL DE 2002 DO TETO ANTERIORMENTE PREVISTO POR INCOMPATIBILIDADE - RECURSO NÃO CONHECIDO. 1 - In casu, a Convenção Condominial fixou a multa, por atraso no pagamento das cotas, no patamar máximo de 20%, o que, à evidência, vale para os atrasos ocorridos antes do advento do novo Código Civil. Isto porque, o novo Código trata, em capítulo específico, novas regras para os condomínios. 2 - Assim, por tratar-se de obrigação periódica, renovando-se todo mês, a multa deve ser aplicada em 12 www.g7juridico.com.br

observância à nova situação jurídica constituída sob a égide da lei substantiva atual, prevista em seu art. 1336, § 1º, em observância ao art. 2º, § 1º, da LICC, porquanto há revogação, nesse particular, por incompatibilidade, do art. 12, §3º, da Lei 4.591/64. Destarte, a regra convencional, perdendo o respaldo da legislação antiga, sofre, automaticamente, os efeitos da nova, à qual não se pode sobrepor. 3 - Recurso não conhecido". (STJ, REsp 689.150/SP, Quarta Turma, Relator Ministro Jorge Scartezzini, j. 16/02/2006) ➢ A multa de 2% tem aplicação imediata, mesmo aos condomínios anteriores, e havendo previsão em contrário na convenção de condomínio, desde que o inadimplemento tenha ocorrido após 11/01/2003 (entrada em vigor do Código Civil de 2002 – conforme seu art. 2.035) → preceito de ordem pública, no qual a convenção de condomínio não poderia contrariar.

"Art. 2.035 do CC. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045 , mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução. Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos".

Polêmica = desconto ou abono por pontualidade no pagamento. A doutrina e jurisprudência divergem nesse ponto. Para quem atrasa, é uma multa disfarçada? Respondendo que sim, o enunciado n. 505 da V Jornada de Direito Civil (o professor concorda com esse entendimento). V Jornada de Direito Civil - Enunciado 505: "É nula a estipulação que, dissimulando ou embutindo multa acima de 2%, confere suposto desconto de pontualidade no pagamento da taxa condominial, pois configura fraude à lei (Código Civil, art. 1336, § 1º), e não redução por merecimento". Respondendo que não se trata de multa disfarçada e sim uma premiação, uma bonificação ao condômino adimplente, precedente do STJ (entendimento majoritário para fins de concurso): "AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - CONDOMÍNIO - DESCONTO-PONTUALIDADE - CONCESSÃO POSSIBILIDADE - ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE – RECURSO IMPROVIDO". (STJ, AgRg no REsp 1.217.181/DF, Terceira Turma, Relator Ministro Massami Uyeda, j. 04/10/2011).

"Art. 1.336. § 2º O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembleia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa". ➢ 2/3 dos condôminos podem fixar multa 5x superior ao valor das contribuições mensais das quotas, sem prejuízo das perdas e danos → não é a hipótese do condômino antissocial.

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"Art. 1337 do CC. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres (condômino antissocial) perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem". ➢ Caput: não cumprimento reiterado das obrigações: multa será aprovada por ¾ dos condôminos restantes, 5x o valor da quota condominial; ➢ Pode ser aplicado ao condômino inadimplente? Sim. Nesse sentido:

"RECURSO ESPECIAL. DIREITO CONDOMINIAL. DEVEDOR DE COTAS CONDOMINIAIS ORDINÁRIAS E EXTRAORDINÁRIAS. CONDÔMINO NOCIVO OU ANTISSOCIAL. APLICAÇÃO DAS SANÇÕES PREVISTAS NOS ARTS. 1336, § 1º, E 1.337, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE CONDUTA REITERADA E CONTUMAZ QUANTO AO INADIMPLEMENTO DOS DÉBITOS CONDOMINIAIS. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. De acordo com o art. 1.336, § 1º, do Código Civil, o condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de 1% (um por cento) ao mês e multa de até 2% (dois por cento) sobre o débito. 2. O condômino que deixar de adimplir reiteradamente a importância devida a título de cotas condominiais poderá, desde que aprovada a sanção em assembleia por deliberação de 3/4 (três quartos) dos condôminos, ser obrigado a pagar multa em até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade da falta e a sua reiteração. 3. A aplicação da sanção com base no art. 1.337, caput, do Código Civil exige que o condômino seja devedor reiterado e contumaz em relação ao pagamento dos débitos condominiais, não bastando o simples inadimplemento involuntário de alguns débitos. 4. A multa prevista no § 1º do art. 1.336 do CC/2002 detém natureza jurídica moratória, enquanto a penalidade pecuniária regulada pelo art. 1.337 tem caráter sancionatório, uma vez que, se for o caso, o condomínio pode exigir inclusive a apuração das perdas e danos. 5. Recurso especial não provido." (STJ, REsp 1.247.020/DF, Quarta Turma, Relator Ministro Luís Felipe Salomão, j. 15/10/2015)

"Art. 1.337. (...). Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia". ➢ Reiterado comportamento antissocial: ¾ dos condôminos restantes, multa de até 10x o valor da quota condominial, sem prejuízo das perdas e danos. ➢ Exemplo: condômino que faz muitas festas reiteradas e algazarra, se impõe as duas penalidades do art. 1.337, conforme entendimento do STJ. Essas penalidades do parágrafo único somente são possíveis se garantido o direito de ampla defesa ao condômino nocivo. I Jornada de Direito Civil - Enunciado 92: "As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo".

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"DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. AÇÃO DE COBRANÇA DE MULTA CONVENCIONAL. ATO ANTISSOCIAL (ART. 1.337, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL). FALTA DE PRÉVIA COMUNICAÇÃO AO CONDÔMINO PUNIDO. DIREITO DE DEFESA. NECESSIDADE. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. PENALIDADE ANULADA. 1. O art. 1.337 do Código Civil estabeleceu sancionamento para o condômino que reiteradamente venha a violar seus deveres para com o condomínio, além de instituir, em seu parágrafo único, punição extrema àquele que reitera comportamento antissocial, verbis: 'O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia'. 2. Por se tratar de punição imputada por conduta contrária ao direito, na esteira da visão civil-constitucional do sistema, deve-se reconhecer a aplicação imediata dos princípios que protegem a pessoa humana nas relações entre particulares, a reconhecida eficácia horizontal dos direitos fundamentais que, também, deve incidir nas relações condominiais, para assegurar, na medida do possível, a ampla defesa e o contraditório. Com efeito, buscando concretizar a dignidade da pessoa humana nas relações privadas, a Constituição Federal, como vértice axiológico de todo o ordenamento, irradiou a incidência dos direitos fundamentais também nas relações particulares, emprestando máximo efeito aos valores constitucionais. Precedentes do STF. 3. Também foi a conclusão tirada das Jornadas de Direito Civil do CJF: En. 92: Art. 1.337: As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo. 4. Na hipótese, a assembleia extraordinária, com quórum qualificado, apenou o recorrido pelo seu comportamento nocivo, sem, no entanto, notificá-lo para fins de apresentação de defesa. Ocorre que a gravidade da punição do condômino antissocial, sem nenhuma garantia de defesa, acaba por onerar consideravelmente o suposto infrator, o qual fica impossibilitado de demonstrar, por qualquer motivo, que seu comportamento não era antijurídico nem afetou a harmonia, a qualidade de vida e o bem-estar geral, sob pena de restringir o seu próprio direito de propriedade. 5. Recurso especial a que se nega provimento". (STJ, REsp 1.365.279/SP, Quarta Turma, Relator Ministro Luís Felipe Salomão, j. 25/08/2015)

Obs. 1: Cabe “expulsão” do condômino antissocial ou nocivo? A lei não falou nada a respeito dessa hipótese. Portanto, não, haja vista que esse tipo de penalidade deveria estar prevista em lei. Há doutrinadores que respondem que sim (Marco Aurélio Bezerra e Enunciado n. 508 da V Jornada de Direito Civil) V Jornada de Direito Civil - Enunciado 508: "Verificando-se que a sanção pecuniária mostrou-se ineficaz, a garantia fundamental da função social da propriedade (arts. 5º, XXIII, da CRFB e 1.228, § 1º, do CC) e a vedação ao abuso do direito (arts. 187 e 1.228, § 2º, do CC) justificam a exclusão do condômino antissocial, desde que a ulterior assembleia prevista na parte final do parágrafo único do art. 1.337 do Código Civil delibere a propositura de ação judicial com esse fim, asseguradas todas as garantias inerentes ao devido processo legal." "APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO VERTICAL. PRELIMINAR. INTEMPESTIVIDADE.INOCORRÊNCIA. APELO INTERPOSTO ANTES DA DECISÃO DOS EMBARGOS. RATIFICAÇÃO.DESNECESSIDADE. EXCLUSÃO DE CONDÔMINO NOCIVO. LIMITAÇÃO DO DIREITO DE USO/HABITAÇÃO, TÃO-SOMENTE.POSSIBILIDADE, APÓS ESGOTADA A VIA ADMINISTRATIVA.

ASSEMBLÉIA

GERAL

REALIZADA.

NOTIFICAÇÕES

COM

OPORTUNIZAÇÃO

DO

CONTRADITÓRIO.QUORUM MÍNIMO RESPETITADO (3/4 DOS CONDÔMINOS). MULTA REFERENTE AO DÉCUPLO DO 15 www.g7juridico.com.br

VALOR DO CONDOMÍNIO.MEDIDA INSUFICIENTE. CONDUTA ANTISSOCIAL CONTUMAZ REITERADA. GRAVES INDÍCIOS DE CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL, REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO. CONDÔMINO QUE ALICIAVA CANDIDATAS A EMPREGO DE DOMÉSTICAS COM SALÁRIOS ACIMA DO MERCADO, MANTENDO-AS PRESAS E INCOMUNICÁVEIS NA UNIDADE CONDOMINIAL. ALTA ROTATIVIDADE DE FUNCIONÁRIAS QUE, INVARIAVELMENTE SAIAM DO EMPREGO NOTICIANDO MAUS TRATOS, AGRESSÕES FÍSICAS E VERBAIS, ALÉM DE ASSEDIOS SEXUAIS ENTRE OUTRAS ACUSAÇÕES.RETENÇÃO DE DOCUMENTOS. ESCÂNDALOS REITERADOS DENTRO E FORA DO CONDOMÍNIO. PRÁTICAS QUE EVOLUIRAM PARA INVESTIDA EM MORADORA MENOR DO CONDOMÍNIO, CONDUTA ANTISSOCIAL INADMISSÍVEL QUE IMPÕE PROVIMENTO JURISDICIONAL EFETIVO. CABIMENTO.CLÁUSULA GERAL. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. MITIGAÇÃO DO DIREITO DE USO/HABITAÇÃO. DANO MORAL. NÃO CONHECIMENTO. MATÉRIA NÃO DEDUZIDA E TAMPOUCO APRECIADA. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS FIXADOS EM R$ 6.000,00 (SEIS MIL REAIS). MANTENÇA. PECULIRIDADES DO CASO CONCRETO.SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO". (TJPR, Apelação Cível 957.743-1, Décima Câmara, Relator Desembargador Arquelau Araújo Ribas, j. 13/12/2012)

Obs. 2: Cláusula de restrição pessoal para o inadimplente. Por exemplo, proibir o condômino inadimplente de acessar as áreas comuns, cortar algum serviço essencial dele ou, ainda, desligar o elevador daquele andar. O STJ entendeu que essa cláusula é nula porque viola a dignidade humana do condômino e considerando que o rol das penalidades é taxativo na lei (o que dá a entender que o STJ se posicionará contrário à “expulsão” do condômino antissocial). "RECURSO ESPECIAL. RESTRIÇÃO IMPOSTA NA CONVENÇÃO CONDOMINIAL DE ACESSO À ÁREA COMUM DESTINADA AO LAZER DO CONDÔMINO EM MORA E DE SEUS FAMILIARES. ILICITUDE. RECONHECIMENTO. 1. DIREITO DO CONDÔMINO DE ACESSO A TODAS AS PARTES COMUNS DO EDIFÍCIO, INDEPENDENTE DE SUA DESTINAÇÃO. INERÊNCIA AO INSTITUTO DO CONDOMÍNIO. 2. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE CONTRIBUIÇÃO COM AS DESPESAS CONDOMINIAIS. SANÇÕES PECUNIÁRIAS TAXATIVAMENTE PREVISTAS NO CÓDIGO CIVIL. 3. IDÔNEOS E EFICAZES INSTRUMENTOS LEGAIS DE COERCIBILIDADE, DE GARANTIA E DE COBRANÇA POSTOS À DISPOSIÇÃO DO CONDOMÍNIO. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE. 4. MEDIDA RESTRITIVA QUE TEM O ÚNICO E ESPÚRIO PROPÓSITO DE EXPOR OSTENSIVAMENTE A CONDIÇÃO DE INADIMPLÊNCIA DO CONDÔMINO E DE SEUS FAMILIARES PERANTE O MEIO SOCIAL EM QUE RESIDEM. DESBORDAMENTO DOS DITAMES DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. VERIFICAÇÃO. 5. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. O direito do condômino ao uso das partes comuns, seja qual for a destinação a elas atribuídas, não decorre da situação (circunstancial) de adimplência das despesas condominiais, mas sim do fato de que, por lei, a unidade imobiliária abrange, como parte inseparável, não apenas uma fração ideal no solo (representado pela própria unidade), bem como nas outras partes comuns que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio (§ 3º do art. 1.331 do Código Civil). Ou seja, a propriedade da unidade imobiliária abrange a correspondente fração ideal de todas as partes comuns. A sanção que obsta o condômino em mora de ter acesso a uma área comum (seja qual for a sua destinação), por si só, desnatura o próprio instituto do condomínio, limitando, indevidamente, o correlato direito de propriedade. 2. Para a específica hipótese de descumprimento do dever de contribuição pelas despesas condominiais, o Código Civil impõe ao condômino inadimplente severas sanções de ordem pecuniária, na medida de sua recalcitrância. 2.1 Sem prejuízo da sanção prevista no art. 1.336, §1º, do Código Civil, em havendo a deliberada reiteração do comportamento faltoso (o que não se confunde o simples inadimplemento 16 www.g7juridico.com.br

involuntário de alguns débitos), instaurando-se permanente situação de inadimplência, o Código Civil estabelece a possibilidade de o condomínio, mediante deliberação de ¾ (três quartos) dos condôminos restantes, impor ao devedor contumaz outras penalidades, também de caráter pecuniário, segundo gradação proporcional à gravidade e à repetição dessa conduta (art. 1.337, caput e parágrafo único - multa pecuniária correspondente até o quíntuplo ou até o décuplo do valor da respectiva cota condominial). 2.2 O art. 1.334, IV, do Código Civil apenas refere quais matérias devem ser tratadas na convenção condominial, entre as quais, as sanções a serem impostas aos condôminos faltosos. E nos artigos subsequentes, estabeleceu-se, para a específica hipótese de descumprimento do dever de contribuição com as despesas condominiais, a imposição das sanções pecuniárias acima delineadas. Inexiste, assim, margem discricionária para outras sanções, que não as pecuniárias nos limites da lei. 3. Além das sanções pecuniárias, a lei adjetiva civil, atenta à essencialidade do cumprimento do dever de contribuir com as despesas condominiais, estabelece a favor do condomínio efetivas condições de obter a satisfação de seu crédito, inclusive por meio de procedimento que privilegia a celeridade. 3.1 A Lei n. 8.009/90 confere ao condomínio uma importante garantia à satisfação dos débitos condominiais: a própria unidade condominial pode ser objeto de constrição judicial, não sendo dado ao condômino devedor deduzir, como matéria de defesa, a impenhorabilidade do bem como sendo de família. E, em reconhecimento à premência da satisfação do crédito relativo às despesas condominiais, o Código de Processo Civil de 1973, estabelecia o rito mais célere, o sumário, para a respectiva ação de cobrança. Na sistemática do novo Código de Processo Civil, aliás, as cotas condominiais passaram a ter natureza de título executivo extrajudicial (art. 784, VIII), a viabilizar, por conseguinte, o manejo de ação executiva, tornando a satisfação do débito, por meio da incursão no patrimônio do devedor (possivelmente sobre a própria unidade imobiliária) ainda mais célere. Portanto, diante de todos esses instrumentos (de coercibilidade, de garantia e de cobrança) postos pelo ordenamento jurídico, inexiste razão legítima para que o condomínio dele se aparte. 4. A vedação de acesso e de utilização de qualquer área comum pelo condômino e de seus familiares, independentemente de sua destinação (se de uso essencial, recreativo, social, lazer, etc.), com o único e ilegítimo propósito de expor ostensivamente a condição de inadimplência perante o meio social em que residem, desborda dos ditames do princípio da dignidade humana. 5. Recurso especial improvido". (STJ, REsp 1.564.030/MG, Terceira Turma, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, j. 09/08/2016) "DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. REGULAMENTO INTERNO. PROIBIÇÃO DE USO DE ÁREA COMUM, DESTINADA AO LAZER, POR CONDÔMINO INADIMPLENTE E SEUS FAMILIARES. IMPOSSIBILIDADE. SANÇÕES PECUNIÁRIAS TAXATIVAMENTE PREVISTAS NO CÓDIGO CIVIL. 1. No condomínio edilício, o titular da unidade autônoma, cotitular das partes comuns, exerce todos os poderes inerentes ao domínio, mas, em contrapartida, sujeita-se à regulamentação do exercício destes mesmos direitos, em razão das necessidades impostas pela convivência em coletividade (...) 3. Segundo a norma, é direito do condômino "usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores" (CC, art. 1.335, II). Portanto, além do direito a usufruir e gozar de sua unidade autônoma, têm os condôminos o direito de usar e gozar das partes comuns, já que a propriedade da unidade imobiliária abrange a correspondente fração ideal de todas as partes de uso comum. 4. É ilícita a prática de privar o condômino inadimplente do uso de áreas comuns do edifício, incorrendo em abuso de direito à disposição condominial que proíbe a utilização como medida coercitiva para obrigar o adimplemento das taxas condominiais. Em verdade, o próprio Código Civil estabeleceu meios legais específicos e rígidos para se alcançar tal 17 www.g7juridico.com.br

desiderato, sem qualquer forma de constrangimento à dignidade do condômino e dos demais moradores. 5. O legislador, quando quis restringir ou condicionar o direito do condômino, em razão da ausência de pagamento, o fez expressamente (CC, art. 1.335). Ademais, por questão de hermenêutica jurídica, as normas que restringem direitos devem ser interpretadas restritivamente, não comportando exegese ampliativa. 6. O Código Civil estabeleceu meios legais específicos e rígidos para se alcançar tal desiderato, sem qualquer forma de constrangimento à dignidade do condômino inadimplente: a) ficará automaticamente sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, ao de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito (§ 1°, art. 1.336); b) o direito de participação e voto nas decisões referentes aos interesses condominiais poderá ser restringido (art. 1.335, III); c) é possível incidir a sanção do art. 1.337, caput, do CC, sendo obrigado a pagar multa em até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade da falta e a sua reiteração; d) poderá haver a perda do imóvel, por ser exceção expressa à impenhorabilidade do bem de família (Lei n° 8.009/90, art. 3º, IV). 7. Recurso especial provido". (STJ, REsp 1.699.020/SP, Quarta Turma, Relator Ministro Luís Felipe Salomão, j. 28/05/2019)

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MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS Direito Civil Aula 5

ROTEIRO DE AULA

Tema 1: Multipropriedade Imobiliária Tema 2: Direitos Reais de Gozo ou Fruição

3.6. Multipropriedade Imobiliária. “Time Sharing”. Lei n. 13.777/2018 = incluiu os arts. 1.358-B a 1.358-U no CC/02. É uma espécie de condomínio em que cada condômino ou coproprietário é titular de uma “fração de tempo”.

Art. 1.358-C do CC: Multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada.

Art. 1.358-B do CC: A multipropriedade reger-se-á pelo disposto neste Capítulo e, de forma supletiva e subsidiária, pelas demais disposições deste Código e pelas disposições das Leis nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964 (incorporação imobiliária), e o Código de Defesa do Consumidor (unidade em administração de prestador de serviço profissional). ➢ Exemplo: pool hoteleiro e rancho adquirido em copropriedade. “Fração de tempo” = imóvel da multipropriedade, é indivisível e inclui as instalações, equipamentos e mobiliário → princípio da gravitação jurídica (o acessório segue o principal). Fracionamento mínimo de tempo = 7 (sete) dias.

Art. 1.358-D do CC: O imóvel objeto da multipropriedade: I – É indivisível, não se sujeitando a ação de divisão ou de extinção de condomínio; II – Inclui as instalações, os equipamentos e o mobiliário destinados a seu uso e gozo.

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Classificação Quanto ao Fracionamento do Tempo:

Art. 1.358-E do CC: Cada fração de tempo é indivisível. § 1º O período correspondente a cada fração de tempo será de, no mínimo, 7 (sete) dias, seguidos ou intercalados, e poderá ser: I - Fixo e determinado, no mesmo período de cada ano; II - Flutuante, caso em que a determinação do período será realizada de forma periódica, mediante procedimento objetivo que respeite, em relação a todos os multiproprietários, o princípio da isonomia, devendo ser previamente divulgado; ou III - misto, combinando os sistemas fixo e flutuante. § 2º Todos os multiproprietários terão direito a uma mesma quantidade mínima de dias seguidos durante o ano, podendo haver a aquisição de frações maiores que a mínima, com o correspondente direito ao uso por períodos também maiores.

Instituição = por ato inter vivos (incorporação) ou mortis causa (testamento), sempre com o registro no Cartório de Registro de Imóveis em que deve constar a duração de tempo de cada um dos multiproprietários. Art. 1.358-F do CC: Institui-se a multipropriedade por ato entre vivos ou testamento, registrado no competente cartório de registro de imóveis, devendo constar daquele ato a duração dos períodos correspondentes a cada fração de tempo.

Direitos e Deveres dos Multiproprietários = fazer a leitura dos arts. 1.358-I até 1.358-K, em um tratamento parecido com o do condomínio edilício.

Alienação ou Transferência da Multipropriedade = não há necessidade de autorização dos demais multiproprietários e, em regra, a não ser que seja convencionado, não há direito de preferência, diversamente do condomínio. Art. 1.358-L do CC: A transferência do direito de multipropriedade e a sua produção de efeitos perante terceiros dar-seão na forma da lei civil e não dependerão da anuência ou cientificação dos demais multiproprietários. § 1º Não haverá direito de preferência na alienação de fração de tempo, salvo se estabelecido no instrumento de instituição ou na convenção do condomínio em multipropriedade em favor dos demais multiproprietários ou do instituidor do condomínio em multipropriedade. § 2º O adquirente será solidariamente responsável com o alienante pelas obrigações de que trata o § 5º do art. 1.358-J deste Código caso não obtenha a declaração de inexistência de débitos referente à fração de tempo no momento de sua aquisição.

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Grandes Problemas desta Lei = multipropriedade dentro dos condomínios edilícios. Art. 1.358-O do CC: O condomínio edilício poderá adotar o regime de multipropriedade em parte ou na totalidade de suas unidades autônomas, mediante: I - Previsão no instrumento de instituição; ou II - Deliberação da maioria absoluta dos condôminos. Parágrafo único. No caso previsto no inciso I do caput deste artigo, a iniciativa e a responsabilidade para a instituição do regime da multipropriedade serão atribuídas às mesmas pessoas e observarão os mesmos requisitos indicados nas alíneas a, b e c e no § 1º do art. 31 da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964 ➢ Maioria absoluta, para os fins desse artigo, é metade mais um, 2/3 ou unanimidade? O professor entende que seriam 2/3, mas poucos doutrinadores tratam do assunto e se trata de questão controvertida.

O artigo abaixo trata da necessidade de um administrador profissional. A dúvida é acerca do que seria esse administrador profissional. Segundo o entendimento do professor, esse dispositivo fere o princípio da livre iniciativa, prevista no art. 170 da CF/1988. Art. 1.358-R do CC: O condomínio edilício em que tenha sido instituído o regime de multipropriedade em parte ou na totalidade de suas unidades autônomas terá necessariamente um administrador profissional. § 1º O prazo de duração do contrato de administração será livremente convencionado. § 2º O administrador do condomínio referido no caput deste artigo será também o administrador de todos os condomínios em multipropriedade de suas unidades autônomas. § 3º O administrador será mandatário legal de todos os multiproprietários, exclusivamente para a realização dos atos de gestão ordinária da multipropriedade, incluindo manutenção, conservação e limpeza do imóvel e de suas instalações, equipamentos e mobiliário. § 4º O administrador poderá modificar o regimento interno quanto aos aspectos estritamente operacionais da gestão da multipropriedade no condomínio edilício. § 5º O administrador pode ser ou não um prestador de serviços de hospedagem

O dispositivo abaixo traz hipóteses de inadimplemento das contribuições condominiais. Cabe adjudicação ao condomínio, nesses casos de inadimplemento. ➢ E no caso de empreendimento com locação das unidades, como vagas de hotel? O inadimplente da cota condominial perde o direito de uso de forma automática, independentemente do ajuizamento de ação. A fração dele passa a integrar o pool da administradora do hotel. Há uma anticrese legal para a administradora (os aluguéis da unidade são fruídos em garantia). O professor entende que o legislador errou ao inserir tais punições. Art. 1.358-S do CC: Na hipótese de inadimplemento, por parte do multiproprietário, da obrigação de custeio das despesas ordinárias ou extraordinárias, é cabível, na forma da lei processual civil, a adjudicação ao condomínio edilício da fração de tempo correspondente. Parágrafo único. Na hipótese de o imóvel objeto da multipropriedade ser parte integrante de empreendimento em que haja sistema de locação das frações de tempo no qual os titulares possam ou sejam obrigados a locar suas frações de tempo exclusivamente por meio de uma administração única, repartindo entre si as receitas das locações independentemente da efetiva ocupação de cada unidade autônoma, poderá a convenção do condomínio edilício regrar que em caso de inadimplência: I - O inadimplente fique proibido de utilizar o imóvel até a 3 www.g7juridico.com.br

integral quitação da dívida; II - A fração de tempo do inadimplente passe a integrar o pool da administradora; III - A administradora do sistema de locação fique automaticamente munida de poderes e obrigada a, por conta e ordem do inadimplente, utilizar a integralidade dos valores líquidos a que o inadimplente tiver direito para amortizar suas dívidas condominiais, seja do condomínio edilício, seja do condomínio em multipropriedade, até sua integral quitação, devendo eventual saldo ser imediatamente repassado ao multiproprietário. Renúncia à Multipropriedade = somente pode ser translativa (in favorem) para uma determinada pessoa e em favor do condomínio edilício, não podendo ser abdicativa (multiproprietário abriria a mão e iria para o Estado a fração). Art. 1.358-T do CC: O multiproprietário somente poderá renunciar de forma translativa a seu direito de multipropriedade em favor do condomínio edilício. Parágrafo único. A renúncia de que trata o caput deste artigo só é admitida se o multiproprietário estiver em dia com as contribuições condominiais, com os tributos imobiliários e, se houver, com o foro ou a taxa de ocupação

3.7. Direitos Reais de Gozo ou Fruição (art. 1.225, II, III, IV, V, VI, XI, XII e XIII do CC).

GRUD → atributos da propriedade. Nos direitos reais de gozo ou fruição, esses atributos são divididos entre pessoas/titulares distintos. São, portanto, hipóteses de direitos reais sobre coisa alheia (ius in re aliena).

Art. 1.225 do CC: São direitos reais: (...). II - A superfície; III - As servidões; IV - O usufruto; V - O uso; VI - A habitação; (...) IX - A hipoteca; (...) XI - A concessão de uso especial para fins de moradia; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007) XII - A concessão de direito real de uso; e (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017) XIII - A laje.

3.7.1. Direito real de superfície e direito real de laje Superfície = arts. 1.369 a 1.377 e também na Lei n. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade). Laje = arts. 1.510 a 1.510-E do CC.

a) Superfície = com origem no Direito Romano e substituiu o instituto da enfiteuse do CC/16, em que o proprietário/fundieiro cede ao superficiário o domínio útil (usar e gozar) de um imóvel para que o superficiário realize construções ou plantações por tempo determinado ou indeterminado. Exemplos práticos: cessão de

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terras para plantação de eucalipto, arena multiuso para construção de estádio de futebol, terreno para colocar antena de celular.

Instituição = feita por escritura pública devidamente registrada no CRI (art. 1.369). Existe um debate acerca da possibilidade ou não de fazê-lo por instrumento particular, mas, para fins de concurso, considerar sempre o instrumento público como alternativa correta. Art. 1.369 do CC: O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único. O direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão. ➢ Cuidado: Essa superfície, prevista no Código Civil, não autoriza a realização de obras no subsolo.

A superfície é o mais amplo dos direitos reais de gozo ou fruição porque o que se tem são duas propriedades distintas fracionadas ou dois patrimônios, a do fundieiro (solo) e a do superficiário (plantações/construções). Ocorre a segregação dominial, portanto 1.

CC/2002 = não revogou as regras de superfície previstas nos arts. 21 a 24 da Lei n. 10.257/2001, o Estatuto da Cidade, segundo o entendimento majoritário. As duas modalidades de superfície coexistem 2. Art. 1.377 do CC: O direito de superfície, constituído por pessoa jurídica de direito público interno, rege-se por este Código, no que não for diversamente disciplinado em lei especial.

SUPERFÍCIE NO CC/02

SUPERFÍCIE NO ESTATUTO DA CIDADE

Imóvel urbano/rural

Imóvel urbano

Exploração mais restrita, construção ou plantação

Exploração mais ampla, atender a política urbana

Em regra, não autoriza a utilização do subsolo e do

É possível, em regra, a utilização do subsolo e do espaço

espaço aéreo

aéreo

Prazo Determinado

Prazo Determinado/Indeterminado

Direito de sobrelevação: realização de construção além da superfície 3. Esse Enunciado antes era utilizado para possibilitar o direito real de laje, que já era dantes admitida pela doutrina como espécie de superfície.

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IV Jornada de Direito Civil - Enunciado 321: Os direitos e obrigações vinculados ao terreno e, bem assim, aqueles vinculados à construção ou à plantação formam patrimônios distintos e autônomos, respondendo cada um de seus titulares exclusivamente por suas próprias dívidas e obrigações, ressalvadas as fiscais decorrentes do imóvel. 2 I Jornada de Direito Civil - Enunciado 93: As normas previstas no Código Civil sobre direito de superfície não revogam as relativas a direito de superfície constantes do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001) por ser instrumento de política de desenvolvimento urbano. 3 VI Jornada de Direito Civil - Enunciado 568: O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato, admitindo-se o direito de sobrelevação, atendida a legislação urbanística. 5 www.g7juridico.com.br

A superfície pode ser hipotecada 4 e art. 1.473, X, do CC. Art. 1.473 do CC: Podem ser objeto de hipoteca: (...) X - a propriedade superficiária. ➢ Questão de prova do concurso da magistratura do TJ/SP: a superfície pode ser usucapida? Sim, segundo o entendimento majoritária da doutrina, segundo Mazzei, o professor, Maria Helena Diniz, Carlos Roberto Gonçalves, entre outros autores.

A superfície pode ser cedida de forma onerosa, além da cessão de forma gratuita. No caso de ser onerosa, a superfície será remunerada e essa remuneração (solarium ou cânon superficiário) será paga pelo superficiário por uma só vez ou de forma parcelada. Art. 1.370 do CC: A concessão da superfície será gratuita ou onerosa; se onerosa, estipularão as partes se o pagamento será feito de uma só vez, ou parceladamente.

Tributos? Em regra, deverão ser pagos pelo superficiário 5, podendo existir convenção em contrário. Art. 1.371 do CC: O superficiário responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel.

Direito de preferência bilateral ou duplo = clara segregação patrimonial entre o fundieiro e o superficiário. Um tem direito de preferência em relação ao outro, no caso de alienação. Art. 1.373 do CC: Em caso de alienação do imóvel ou do direito de superfície, o superficiário ou o proprietário (fundieiro) tem direito de preferência, em igualdade de condições.

➢ Qual a consequência se a outra parte for preterida? Existem três correntes. 1ª Corrente = perdas e danos, aplicando a cláusula de compra e venda (arts. 513 e 520 do CC). Adotada por Stolze e Venosa. 2ª Corrente = adjudicação ou perdas e danos, à escolha da parte, aplicando a solução da locação (art. 33 da Lei n. 8.245/1991). Adotada por Maria Helena Diniz e Marco Aurélio Bezerra de Melo; 3ª Corrente = adjudicação (art. 504 do CC 6). É a corrente majoritária, adotada pelo professor, por Mazzei, Tepedino e Enunciado n. 510 da V Jornada de Direito Civil 7. O professor enxerga, ainda, uma quarta corrente, segundo a qual, para a questão, seria dada a mesma solução do que na laje.

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III Jornada de Direito Civil - Enunciado 249: A propriedade superficiária pode ser autonomamente objeto de direitos reais de gozo e garantia, cujo prazo não exceda a duração da concessão da superfície, não se lhe aplicando o art. 1.474. 5 I Jornada de Direito Civil - Enunciado 94: As partes têm plena liberdade para deliberar, no contrato respectivo, sobre o rateio dos encargos e tributos que incidirão sobre a área objeto da concessão do direito de superfície. 6 Art. 504 do CC: Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência. Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes forem iguais, haverão a parte vendida os comproprietários, que a quiserem, depositando previamente o preço. 7 V Jornada de Direito Civil - Enunciado 510: Ao superficiário que não foi previamente notificado pelo proprietário para exercer o direito de preferência previsto no art. 1.373 do CC é assegurado o direito de, no prazo de seis meses, contado do registro da alienação, adjudicar para si o bem mediante depósito do preço. 6 www.g7juridico.com.br

b) Direito real de Laje = fenômeno latino-americano, incluída no CC pela Lei n. 13.465/2017. Existe uma polêmica acerca da natureza jurídica desse instituto.

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. PRETENSÃO ESTIMATÓRIA (QUANTI MINORIS). NEGÓCIO JURÍDICO. VÍCIO REDIBITÓRIO. DIREITO DE USO, GOZO E FRUIÇÃO DA ÁREA DE LAJE DA COBERTURA. AUTORIZAÇÃO MUNICIPAL POSTERIOR. SANEAMENTO. AFASTAMENTO DA PRETENSÃO DE ABATIMENTO DO PREÇO. POSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS, DECORRENTE DO PERÍODO EM QUE IMPEDIDO DE EXERCER O DIREITO DE USO, GOZO E FRUIÇÃO DA LAJE COBERTURA. 1. O art. 462 do CPC permite, tanto ao Juízo singular como ao Tribunal, a análise de circunstâncias outras que, devido a sua implementação tardia, não eram passíveis de resenha inicial. 2. Tal diretriz deve ser observada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, porquanto o art. 462 não possui aplicação restrita às instâncias ordinárias, conforme precedentes da Casa. 3. Apesar do fato de que o imóvel alienado não apresentava as reais condições da oferta, havendo limitação administrativa impeditiva quanto ao uso, gozo e fruição de sua laje, indiscutível nos autos, que, posteriormente, o autor acabou conseguindo exercer seu direito de construir na cobertura, o que acarretou a sanatória do vício anterior, conforme reconheceu o próprio recorrente. 4. Dispõe o Código Civil que "a coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor" (art. 441) e que "se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço" (art. 500). 5. No presente caso, apesar de realmente terse reconhecido um vício oculto inicial, a coisa acabou por não ficar nem imprópria para o consumo, nem teve o seu valor diminuído, justamente em razão do saneamento posterior, que permitiu a construção do gabarito nos termos em que contratado. Ademais, não houve a venda de área em extensão inferior à prometida, já que o direito de uso de dois pavimentos - inferior e cobertura -, acabou sendo efetivamente cumprido, perdendo fundamento o pedido estimatório inicial, notadamente por não ter a coisa perdido seu valor, já que recebida em sua totalidade. 6. Revelam-se flagrantemente irrisórios os honorários advocatícios do recorrentes adesivos fixados pela sentença e mantidos pela Corte local, tendo-se em conta que a atribuição da verba honorária há de ser feita com base em critérios que guardem correspondência com a responsabilidade assumida pelo advogado, sob pena de violação do princípio da justa remuneração do trabalho profissional, devendo ser majorados . 7. Recurso especial não provido. Recurso adesivo parcialmente provido. (STJ, REsp 1.478.254/RJ, Quarta Turma, Relator Ministro Luís Felipe Salomão, j. 08/08/2017).

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Art. 1.510-A do CC: O proprietário de uma construção-base (“lajeiro”) poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017) Conceito = o proprietário de uma construção-base (cedente ou “lajeiro”) cede a superfície superior ou inferior dessa construção para o titular da laje (cessionário ou lajeário) para que este mantenha unidade distinta e autônoma, com matrícula própria → proximidade com a superfície prevista no Estatuto da Cidade.

➢ O cessionário ou lajeário deve arcar com os tributos e encargos que incidem sobre sua unidade, podendo haver disposição em sentido contrário. Art. 1.510-A do CC: (...) § 2º O titular do direito real de laje responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre a sua unidade. ➢ O titular da laje (lajeário) pode fazer uma cessão para construção de uma segunda laje. Direito de lajes sucessivas, laje de 2º grau ou sobrelevação da laje, desde que observadas as regras de urbanística e autorização expressa dos titulares da construção-base. Art. 1.510-A do CC: (...) § 6º O titular da laje poderá ceder a superfície de sua construção para a instituição de um sucessivo direito real de laje, desde que haja autorização expressa dos titulares da construção-base e das demais lajes, respeitadas as posturas edilícias e urbanísticas vigentes.

Sistema próximo ao de um condomínio edilício → áreas de propriedade comum e de propriedade exclusiva. Art. 1.510-C do CC: Sem prejuízo, no que couber, das normas aplicáveis aos condomínios edilícios, para fins do direito real de laje, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes que sirvam a todo o edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum serão partilhadas entre o proprietário da construção-base e o titular da laje, na proporção que venha a ser estipulada em contrato. § 1 o São partes que servem a todo o edifício:

I - Os alicerces, colunas,

pilares, paredes-mestras e todas as partes restantes que constituam a estrutura do prédio; II - O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso exclusivo do titular da laje; III - As instalações gerais de água, esgoto, eletricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes que sirvam a todo o edifício; e IV - Em geral, as coisas que sejam afetadas ao uso de todo o edifício. § 2 o É assegurado, em qualquer caso, o direito de qualquer interessado em promover reparações urgentes na construção na forma do parágrafo único do art. 249 deste Código.

Direito de preferência bilateral ou duplo → mesma solução do condomínio, em caso de alienação. Cabe adjudicação da coisa se a parte for preterida. Prazo decadencial para ação adjucatória de 180 dias contados a partir da alienação. Cada parte tem 30 dias para se manifestar após a notificação. O professor entende que esse artigo complementa o direito de superfície. Art. 1.510-D do CC: Em caso de alienação de qualquer das unidades sobrepostas, terão direito de preferência, em igualdade de condições com terceiros, os titulares da construção-base e da laje, nessa ordem, que serão cientificados 8 www.g7juridico.com.br

por escrito para que se manifestem no prazo de trinta dias, salvo se o contrato dispuser de modo diverso. § 1º O titular da construção-base ou da laje a quem não se der conhecimento da alienação poderá, mediante depósito do respectivo preço, haver para si a parte alienada a terceiros, se o requerer no prazo decadencial de cento e oitenta dias, contado da data de alienação. § 2º Se houver mais de uma laje, terá preferência, sucessivamente, o titular das lajes ascendentes e o titular das lajes descendentes, assegurada a prioridade para a laje mais próxima à unidade sobreposta a ser alienada.

Ruína = extinção da laje, em regra.

Art. 1.510-E do CC: A ruína da construção-base implica extinção do direito real de laje, salvo: I - Se este tiver sido instituído sobre o subsolo; II - Se a construção-base não for reconstruída no prazo de cinco anos. Parágrafo único. O disposto neste artigo não afasta o direito a eventual reparação civil contra o culpado pela ruína 8.

➢ Sem prejuízo da responsabilidade civil objetiva pela ruína, por interpretação do art. 937 do CC. ➢ Laje pode ser adquirida por usucapião? Sim, porque o professor entende que se trata de um direito de superfície → Enunciado n. 627 da VIII Jornada de Direito Civil 9.

3.7.2. Servidões (arts. 1.378 a 1.389)

Existem relações entre prédios, “predialidade” = um prédio serve ao outro, ou seja, propicia utilidades. ➢ Prédio dominante = exerce a servidão, sendo o beneficiado; ➢ Prédio serviente = concede a servidão, em detrimento do seu domínio. As servidões são facultativas. Exemplo: servidão de passagem, quando um prédio serve uma passagem pela lateral a outro prédio que está atrás. Se o imóvel detrás não possuir uma outra saída de acesso à rua, não se trata mais de servidão de passagem e sim de passagem forçada.

SERVIDÃO DE PASSAGEM

PASSAGEM FORÇADA

Direito Real de Gozo ou Fruição (arts. 1.378 a 1.389)

Instituto do Direito de Vizinhança (arts. 1.285 e 1.286)

É facultativa

Obrigatória, existe imóvel sem saída e imóvel serviente

Não há indenização obrigatória

Há indenização obrigatória

Instituição das servidões = quatro formas básicas. 8

Art. 937 do CC: O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta → responsabilidade objetiva. 9 VIII Jornada de Direito Civil - Enunciado 627: O direito real de laje em terreno privado é passível de usucapião. 9 www.g7juridico.com.br

a) Negócio jurídico inter vivos (contrato lato sensu) ou mortis causa (testamento); b) Usucapião (art. 1.379), podendo ser ordinária (posse ad usucapionem 10 anos e servidão aparente, com justo título e boa-fé) ou extraordinária (posse ad usucapionem 20 anos); c) Destinação do proprietário, isto é, por acordo; d) Sentença judicial → Ação Confessória. A todos os casos, é aplicável o Princípio da Menor Onerosidade ao Prédio Serviente.

Art. 1.385 do CC: Restringir-se-á o exercício da servidão às necessidades do prédio dominante, evitando-se, quanto possível, agravar o encargo ao prédio serviente. § 1º Constituída para certo fim, a servidão não se pode ampliar a outro. § 2º Nas servidões de trânsito, a de maior inclui a de menor ônus, e a menor exclui a mais onerosa. § 3º Se as necessidades da cultura, ou da indústria, do prédio dominante impuserem à servidão maior largueza, o dono do serviente é obrigado a sofrê-la; mas tem direito a ser indenizado pelo excesso.

Classificações das Servidões (Washington de Barros Monteiro): i.

Quanto à natureza dos prédios:

Servidão rústica = prédios fora da área urbana. Exs.: servidão para tirar água, condução de gado e de pastagem; Servidão urbana. Exs.: passagem de som, luz, usufruir de escada, etc.

ii.

Quanto às condutas das partes:

Servidão positiva = exercida por atos comissivos. Exs.: servidão de passagem e de trânsito; Servidão negativa = se dá com atos omissivos. Exs.: servidão de não construir.

iii.

Quanto ao modo de exercício:

Servidão contínua = exercida independentemente da conduta humana. Exs.: servidão de passagem de som e de luz; Servidão descontínua = depende da atuação humana. Exs: servidão de passagem, para tirar água, de pastagem, etc.

iv.

Quanto à forma de exteriorização:

Servidão aparente = aquela que é visível. Exs.: servidão de passagem, de imagem; Servidão não aparente = invisível. Exs.: servidão de não construir, não abrir janela/caminho. ➢ Nas provas, os examinadores conciliam as classificações III e IV, surgindo, daí, quatro hipóteses. •

Servidão aparente contínua = servidão de passagem de imagem;



Servidão aparente descontínua = servidão de trânsito de pessoas;

Súmula n. 415 do STF: Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória → exceção ao art. 1.213 do CC.

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Art. 1.213 do CC: O disposto nos artigos antecedentes não se aplica às servidões não aparentes, salvo quando os respectivos títulos provierem do possuidor do prédio serviente, ou daqueles de quem este o houve •

Servidão não aparente contínua = servidão de energia solar;



Servidão não aparente descontínua = servidão de não construir.

3.7.3. Direito Real de Usufruto (arts. 1.390 a 1.411) É um direito real de gozo ou fruição por excelência porque existe divisão igualitária dos atributos da propriedade.

O usufrutuário, pelos atributos que detém, possui o domínio útil.

Art. 1.393 do CC: Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso. Esse dispositivo acima traz a ideia de que o usufruto é inalienável. Cabe a sua cessão, tão somente, a título gratuito (comodato) ou oneroso (locação). Essa cessão será feita pelo usufrutuário pelo atributo de gozar. ➢ Essa inalienabilidade é absoluta, atingindo a possibilidade de transferência ao nu proprietário? Existem duas correntes para responder tal questão: 1ª Corrente: não é absoluta, se trata do entendimento majoritário na jurisprudência. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. FRAUDE À EXECUÇÃO. RENÚNCIA DE USUFRUTO. PRECEDENTE DA PRIMEIRA TURMA. 1. A renúncia ao usufruto não importa em fraude à execução, porquanto, a despeito de os frutos serem penhoráveis, o usufruto é direito impenhorável e inalienável, salvo para o nu-proprietário. 2. Consoante firmado pela Primeira Turma em julgado idêntico e unânime: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. FRAUDE À EXECUÇÃO. RENÚNCIA DE USUFRUTO. 1. Pretende a recorrente o reconhecimento da fraude à execução da renúncia do usufruto efetuada pelo sócio-gerente em benefício dos nu-proprietários de imóvel dado em usufruto antes da ocorrência do fato gerador. 2. Para a constatação da fraude, mostra-se necessária a discussão acerca da possibilidade de incidir penhora sobre o usufruto, como pretende a exequente. 3. O usufruto é um bem fora do comércio, excetuando a possibilidade de sua alienação unicamente para o nu-proprietário. Desse modo, não existe motivo para se pretender o reconhecimento de que a renúncia do usufruto efetuada pelos executados poderia constituir fraude à execução, em virtude da impossibilidade de penhorar-se esse direito real. Precedente: REsp 242.031/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 29.3.2004. 4. Recurso especial desprovido. (REsp 1095644/SP, Rel. Ministra Denise Arruda, DJe 24/08/2009) 3. Recurso especial desprovido. (STJ, REsp 1.098.620/SP, Primeira Turma, Relator Ministro Luiz Fux, j. 19/11/2009).

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2ª Corrente: é absoluta a inalienabilidade, não podendo o usufrutuário alienar sequer para o nu proprietário, sendo majoritária na doutrina, adotada pelo professor, Caio Mário e Maria Helena Diniz.

Classificações do Usufruto: i.

Quanto à origem:

Usufruto legal = dos pais sobre os bens dos filhos menores → próprio exercício do poder familiar 10; Usufruto voluntário/convencional; ➢ Por alienação; ou ➢ Por retenção (é cedida a nua propriedade e retido o usufruto) = usufruto deducto. Ex: doação com reserva de usufruto. Usufruto misto = decorre de usucapião. Ordinária (10 anos, justo título e boa-fé) e extraordinária (15 anos). Art. 1.391 do CC: O usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis.

ii.

Quanto ao objeto que recai:

Usufruto próprio/regular = bens infungíveis e inconsumíveis. Ao final, são consolidados ao nu proprietário; Usufruto impróprio/quase usufruto = bens fungíveis e consumíveis → aplicam-se as regras do mútuo. Art. 1.392 do CC: Salvo disposição em contrário, o usufruto estende-se aos acessórios da coisa e seus acrescidos. § 1º Se, entre os acessórios e os acrescidos, houver coisas consumíveis, terá o usufrutuário o dever de restituir, findo o usufruto, as que ainda houver e, das outras, o equivalente em gênero, qualidade e quantidade, ou, não sendo possível, o seu valor, estimado ao tempo da restituição.

iii.

Quanto à duração:

Usufruto temporário = fixado com termo final. Se fixado para uma pessoa jurídica, o prazo máximo é de 30 anos;

Art. 1.410 do CC: O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis: (...); II - Pelo termo de sua duração; III - Pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer; Usufruto vitalício = para pessoa natural, até a morte do usufrutuário. Ocorrendo a morte, extingue-se por consolidação (concentração de todos os atributos da propriedade ao nu proprietário).

Art. 1.410 do CC: O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis: I - Pela renúncia ou morte do usufrutuário;

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Art. 1.689 do CC: O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar: I - São usufrutuários dos bens dos filhos; 12 www.g7juridico.com.br

Art. 1.411 do CC: Constituído o usufruto em favor de duas ou mais pessoas, extinguir-se-á a parte em relação a cada uma das que falecerem, salvo se, por estipulação expressa, o quinhão desses couber ao sobrevivente. ➢ Se ocorrer a morte do nu proprietário, não gera a extinção do usufruto.

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MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS Direito Civil Aula 6

ROTEIRO DE AULA

Tema 1: Direito de Família. Casamento. Tema 2: Regime de Bens

1. Casamento. Conceitos Iniciais O casamento, em seu conceito contemporâneo, é a união entre duas pessoas caracterizada pela comunhão plena de vida, reconhecida e regulada pelo Estado, com o objetivo de constituição de família e baseada em um vínculo de afeto.

STF = 2011 = ADPF 132/RJ, concluiu que a união estável homoafetiva é entidade familiar, aplicando-se, por analogia, todas as regras previstas para a união estável heteroafetiva, inclusive o art. 1.726 do CC que trata da conversão da união estável em casamento, abrindo possibilidade para o casamento de forma direta. STJ = 2011 = REsp 1.183.378/RS 1 = admitindo o casamento homoafetivo diretamente no Cartório de Registro Civil. Após isso, os Estados passam a regulamentar a matéria. CNJ = 2013 = Resolução n. 125/CNJ = as autoridades devem celebrar os casamentos homoafetivos. 1

DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N. 4.277/DF. (...). 3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamada “família”, recebendo todos eles a "especial proteção do Estado". Assim, é bem de ver que, em 1988, não houve uma recepção constitucional do conceito histórico de casamento, sempre considerado como via única para a constituição de família e, por vezes, um ambiente de subversão dos ora consagrados princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Agora, a concepção constitucional do casamento - diferentemente do que ocorria com os diplomas superados - deve ser necessariamente plural, porque plurais também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade. (...) 10. Enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro, não assume, explicitamente, sua coparticipação nesse processo constitucional de defesa e proteção dos socialmente vulneráveis, não pode o Poder Judiciário demitir-se desse mister, sob pena de aceitação tácita de um Estado que somente é "democrático" formalmente, sem que tal predicativo resista a uma mínima investigação acerca da universalização dos direitos civis. 11. Recurso especial provido. (STJ, REsp 1.183.378/RS, Relator Ministro Luís Felipe Salomão, j. 25/10/2011). 1 www.g7juridico.com.br

Natureza jurídica = existem 3 correntes doutrinárias: ➢ 1ª Corrente: Teoria Institucionalista = o casamento é uma instituição. Defendida por Maria Helena Diniz. Carga moral e religiosa. O professor discorda dessa corrente; ➢ 2ª Corrente: Teoria Contratualista = o casamento é um contrato especial. Encabeçada por Silvio Rodrigues e adotada em Portugal. O professor acredita que o casamento somente é um contrato em sua formação. ➢ 3ª Corrente: Teoria Mista = conjuga as duas anteriores, sendo um contrato na formação com regras especiais e uma instituição no conteúdo. É a que prevalece, sendo majoritária. Adotada por Eduardo de Oliveira Leite e o professor.

Princípios do Casamento ➢ Monogamia/União Exclusiva: sob pena de nulidade absoluta. Art. 1.521 do CC: Não podem casar: (...) VI - As pessoas casadas; Art. 1.548 do CC: É nulo o casamento contraído: (...) II - Por infringência de impedimento.

➢ Liberdade de Escolha/Autonomia Privada: pode se escolher com quem vai casar, existindo restrições, como nos impedimentos matrimoniais. ➢ ➢ Comunhão Plena de Vida: baseada na igualdade entre os cônjuges → corpo, mente e espírito. Art. 1.511 do CC: "O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges" → atinge o companheiro.

2. Capacidade para o casamento, impedimentos matrimoniais e causas suspensivas CAPACIDADE/INCAPACIDADE

IMPEDIMENTOS

Genérica

Específicos

Atinge todas as pessoas

Envolve legitimação

Art. 1.517 do CC: "O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil. Parágrafo único. Se houver divergência entre os pais, aplica-se o disposto no parágrafo único do art. 1.631". Nesse artigo, temos a capacidade para o casamento, que se dá com a Idade Núbil (16 anos, para todos os gêneros). Os menores de 16 anos são absolutamente incapazes para o casamento (c/c art. 3º do CC).

Art. 1.520 do CC: "Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 13.811, de 2019)".

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➢ Somente esse artigo foi alterado, trazendo a proibição sem exceções do casamento dos menores de 16 anos. Outros artigos, como o abaixo, estão em vigência. Art. 1.550 do CC: "É anulável o casamento: I - De quem não completou a idade mínima para casar" ➢ O casamento, se existir, é anulável porque existe regra específica de invalidade.

2.2. Impedimentos matrimoniais

Art. 1.521 do CC: "Não podem casar: I - Os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II - Os afins em linha reta; III - O adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV - Os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V - O adotado com o filho do adotante; VI - As pessoas casadas; VII - O cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte".

É um rol taxativo de hipóteses que envolvem ordem pública = “não podem casar”. a) Ascendentes e descendentes até o infinito: impedimento decorrente de parentesco consanguíneo. b) Colaterais até o terceiro grau, inclusive: impedimento decorrente de parentesco consanguíneo. Essa regra atinge os irmãos (bilaterais ou unilaterais), tios e sobrinhos lato sensu (“casamento avuncular”). Continua, entretanto, tendo aplicação o Decreto-Lei n. 3.200/1941 que autoriza esse casamento se uma junta médica atestar que não risco à prole. Os primos são parentes colaterais de quarto grau, podendo se casar livremente. I Jornada de Direito Civil - Enunciado 98: "O inc. IV do art. 1.521 do novo Código Civil deve ser interpretado à luz do Decreto-lei n. 3.200/41, no que se refere à possibilidade de casamento entre colaterais de 3º grau". c) Afins em linha reta: impedimento decorrente de parentesco por afinidade. Envolve sogro/sogra em relação a genro/nora e também padrasto/madrasta em relação a enteado/enteada, assim sucessivamente, até o infinito em relação aos ascendentes e descendentes deles. Esse vínculo é perpétuo, ainda que haja divórcio. Cunhados podem se casar livremente, pois são afins colaterais. Art. 1.595 do CC: "Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade. § 1º O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro. § 2º Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável". d) Impedimentos decorrentes da adoção: “adoção imita a família consanguínea”. O quanto vimos anteriormente, se aplica às hipóteses de adoção, já que a adoção é uma forma de parentesco civil. e) As pessoas casadas: impedimento decorrente de vínculo matrimonial. Princípio da monogamia. f)

O cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte: exige condenação com trânsito em julgado de sentença penal, devendo ser prévia. Aplicação reduzida na prática. Impedimento matrimonial decorrente de crime específico.

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2.3. Causas suspensivas do casamento → “não devem casar”. É uma recomendação de ordem privada e não gera nulidade absoluta ou relativa do casamento, a fim de se evitar confusão patrimonial direta ou indiretamente. Somente impõe sanções patrimoniais = imposição do regime da separação legal ou obrigatória de bens 2.

Art. 1.523 do CC: "Não devem casar: I - O viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros; II - A viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal; III - O divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal; IV - O tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas. Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo".

a) Viúvo/viúva que tiver filho do casamento anterior, enquanto não fizer inventário dos bens do casal, com a respectiva partilha. Se, quando for realizada a partilha, esse viúvo/viúva quiser ingressar judicialmente para mudar o regime de bens para o da comunhão parcial, isso é possível. Hipoteca legal em favor dos filhos sobre os imóveis 3. b) Viúva ou mulher cujo casamento se desfez por ser nulo/anulável até 10 meses depois do começo da viuvez ou da dissolução da sociedade conjugal. Evitar dúvidas quanto à origem da prole (turbatio ou confusio sanguinis), o que repercute na esfera patrimonial, c) O divorciado enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal anterior. d) Tutor/tutelado, curador/curatelado enquanto vigente a tutela/curatela ou não estiverem saldadas as respectivas contas. Os parentes (ascendentes, descendentes, irmãos, cunhados e sobrinhos) do tutor/curador também estão incluídos, por questão moral e patrimonial.

3. Regime de Bens no Casamento (arts. 1.639 a 1.688 do CC).

3.1. Conceito, princípios e regras gerais Conceito = conjunto de regras patrimoniais relativas à entidade familiar, de natureza contratual para gerar efeitos com a pessoa viva (meação jamais pode ser confundida com herança), segundo o professor.

2

Art. 1.641 do CC: É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I - Das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; 3 Art. 1.489 do CC: A lei confere hipoteca: (...) II - aos filhos, sobre os imóveis do pai ou da mãe que passar a outras núpcias, antes de fazer o inventário do casal anterior; 4 www.g7juridico.com.br

Princípios: a) Autonomia Privada = é o direito de autorregulação dos interesses, com limitações. Há, em regra, uma liberdade na escolha do regime de bens, sendo que o Código Civil prevê 4 opções: ➢ Comunhão Parcial de Bens (legal ou supletório, ou seja, se nada for convencionado, é o que vale); Art. 1.640 do CC: "Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial. Parágrafo único. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas". ➢

Comunhão Universal de Bens (era o regime legal até a Lei do Divórcio e atualmente feito por pacto antenupcial);

➢ Participação Final nos Aquestos; ➢ Separação de Bens (legal/obrigatória nos casos em que a lei impõe ou convencional).

Esse é um rol meramente exemplificativo, existindo a possibilidade de se convencionar outros regimes. Exemplo: Regime Atípico Misto, comunhão parcial dos bens imóveis e separação dos bens em relação aos bens móveis, devendo ser respeitadas as normas de ordem pública. Art. 1.655 do CC: "É nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta de lei". IV Jornada de Direito Civil - Enunciado 331: "O estatuto patrimonial do casal pode ser definido por escolha de regime de bens distinto daqueles tipificados no Código Civil (art. 1.639 e parágrafo único do art. 1.640), e, para efeito de fiel observância do disposto no art. 1.528 do Código Civil, cumpre certificação a respeito, nos autos do processo de habilitação matrimonial".

b) Indivisibilidade do Regime de Bens = não é possível fracionar o regime, porque ele é uno quanto às partes e quanto ao tempo.

c) Variedade do Regime de Bens = existem 4 modelos típicos e a possibilidade da criação de modelo atípico.

d) Mutabilidade Justificada/Motivada (Maria Helena Diniz) = possibilita ação judicial para alteração do regime, tendo que ser consensual, isto é, proposta por ambos os cônjuges, tramita na Vara da Família com atuação do MP, devendo sempre ressalvar os direitos de terceiros e precisando de um pedido motivado = “justa causa”. Art. 1.639 do CC: "É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver. (...) § 2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros". Art. 734 do CPC: "A alteração do regime de bens do casamento, observados os requisitos legais, poderá ser requerida, motivadamente, em petição assinada por ambos os cônjuges, na qual serão expostas as razões que justificam a alteração, ressalvados os direitos de terceiros. § 1º Ao receber a petição inicial, o juiz determinará a intimação do Ministério Público e a publicação de edital que divulgue a pretendida alteração de bens, somente podendo decidir 5 www.g7juridico.com.br

depois de decorrido o prazo de 30 (trinta) dias da publicação do edital. § 2º Os cônjuges, na petição inicial ou em petição avulsa, podem propor ao juiz meio alternativo de divulgação da alteração do regime de bens, a fim de resguardar direitos de terceiros. § 3º Após o trânsito em julgado da sentença, serão expedidos mandados de averbação aos cartórios de registro civil e de imóveis e, caso qualquer dos cônjuges seja empresário, ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins". ➢ Ex1: Desaparecimento de uma causa suspensiva do casamento. III Jornada de Direito Civil - Enunciado 262: "A obrigatoriedade da separação de bens nas hipóteses previstas nos incisos I e III do art. 1.641 do Código Civil não impede a alteração do regime, desde que superada a causa que o impôs". "Direito civil. Família. Casamento celebrado sob a égide do CC/16. Alteração do regime de bens. Possibilidade. - A interpretação conjugada dos arts. 1.639, § 2º, 2.035 e 2.039, do CC/02, admite a alteração do regime de bens adotado por ocasião do matrimônio, desde que ressalvados os direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas pelos cônjuges para tal pedido. - Assim, se o Tribunal Estadual analisou os requisitos autorizadores da alteração do regime de bens e concluiu pela sua viabilidade, tendo os cônjuges invocado como razões da mudança a cessação da incapacidade civil interligada à causa suspensiva da celebração do casamento a exigir a adoção do regime de separação obrigatória, além da necessária ressalva quanto a direitos de terceiros, a alteração para o regime de comunhão parcial é permitida. Por elementar questão de razoabilidade e justiça, o desaparecimento da causa suspensiva durante o casamento e a ausência de qualquer prejuízo ao cônjuge ou a terceiro, permite a alteração do regime de bens, antes obrigatório, para o eleito pelo casal, notadamente porque cessada a causa que exigia regime específico. - Os fatos anteriores e os efeitos pretéritos do regime anterior permanecem sob a regência da lei antiga. Os fatos posteriores, todavia, serão regulados pelo CC/02, isto é, a partir da alteração do regime de bens, passa o CC/02 a reger a nova relação do casal. - Por isso, não há se falar em retroatividade da lei, vedada pelo art. 5º, inc. XXXVI, da CF/88, e sim em aplicação de norma geral com efeitos imediatos. Recurso especial não conhecido". (STJ, REsp 821.807/PR, Terceira Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, j. 19/10/2006). ➢ Ex2: Entraves empresariais → “análise branda” para a alteração dor regime. "DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CELEBRADO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. REGIME DE BENS. ALTERAÇÃO. POSSIBILIDADE. EXIGÊNCIAS PREVISTAS NO ART. 1.639, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL. JUSTIFICATIVA DO PEDIDO. DIVERGÊNCIA QUANTO À CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA POR UM DOS CÔNJUGES. RECEIO DE COMPROMETIMENTO DO PATRIMÔNIO DA ESPOSA. MOTIVO, EM PRINCÍPIO, HÁBIL A AUTORIZAR A MODIFICAÇÃO DO REGIME. RESSALVA DE DIREITOS DE TERCEIROS. 1. O casamento há de ser visto como uma manifestação vicejante da liberdade dos consortes na escolha do modo pelo qual será conduzida a vida em comum, liberdade essa que se harmoniza com o fato de que a intimidade e a vida privada são invioláveis e exercidas, na generalidade das vezes, em um recôndito espaço privado também erguido pelo ordenamento jurídico à condição de "asilo inviolável". 2. Assim, a melhor interpretação que se deve conferir ao art. 1.639, § 2º, do CC/02 é a que não exige dos cônjuges justificativas exageradas ou provas concretas do prejuízo na manutenção do regime de bens originário, sob pena de se esquadrinhar indevidamente a própria intimidade e a vida privada do consortes. 3. No caso em exame, foi pleiteada a alteração do 6 www.g7juridico.com.br

regime de bens do casamento dos ora recorrentes, manifestando-os como justificativa a constituição de sociedade de responsabilidade limitada entre o cônjuge varão e terceiro, providência que é acauteladora de eventual comprometimento do patrimônio da esposa com a empreitada do marido. A divergência conjugal quanto à condução da vida financeira da família é justificativa, em tese, plausível à alteração do regime de bens, divergência essa que, em não raras vezes, se manifesta ou se intensifica quando um dos cônjuges ambiciona enveredar-se por uma nova carreira empresarial, fundando, como no caso em apreço, sociedade com terceiros na qual algum aporte patrimonial haverá de ser feito, e do qual pode resultar impacto ao patrimônio comum do casal. 4. Portanto, necessária se faz a aferição da situação financeira atual dos cônjuges, com a investigação acerca de eventuais dívidas e interesses de terceiros potencialmente atingidos, de tudo se dando publicidade (Enunciado n. 113 da I Jornada de Direito Civil CJF/STJ). 5. Recurso especial parcialmente provido". (STJ, REsp 1.119.462/MG, Quarta Turma, Relator Ministro Luís Felipe Salomão, j. 26/02/2013). ➢ Os efeitos da sentença são ex nunc → não retroativos. "RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO. ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS. TERMO INICIAL DOS SEUS EFEITOS. EX NUNC. ALIMENTOS. RAZOABILIDADE. BINÔMIO NECESSIDADE E POSSIBILIDADE. CONCLUSÕES ALCANÇADAS PELA CORTE DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO NA VIA ELEITA. SÚMULA 7/STJ. 1 - Separação judicial de casal que, após período de união estável, casou-se, em 1997, pelo regime da separação de bens, procedendo a sua alteração para o regime da comunhão parcial em 2007 e separando-se definitivamente em 2008. 2 - Controvérsia em torno do termo inicial dos efeitos da alteração do regime de bens do casamento ("ex nunc" ou "ex tunc") e do valor dos alimentos. 3 - Reconhecimento da eficácia "ex nunc" da alteração do regime de bens, tendo por termo inicial a data do trânsito em julgado da decisão judicial que o modificou. Interpretação do art. 1639, § 2º, do CC/2002. 4 - Razoabilidade do valor fixado a título de alimentos, atendendo aos critérios legais (necessidade da alimentanda e possibilidade do alimentante). Impossibilidade de revisão em sede de recurso especial. Vedação da Súmula 07/STJ. 5 - Precedentes jurisprudenciais do STJ. 6 - RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO "(STJ, REsp 1.300.036/MT, Terceira Turma, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, j. 13/05/2014).

➢ É possível alterar regime de bens de casamento celebrado na vigência do CC/1916 Art. 2.035, caput, do CC: "A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução". III Jornada de Direito Civil - Enunciado 260: "A alteração do regime de bens prevista no § 2º do art. 1.639 do Código Civil também é permitida nos casamentos realizados na vigência da legislação anterior". "CASAMENTO OCORRIDO SOB A ÉGIDE DO CC/1916 (LEI Nº 3.071) - POSSIBILIDADE - ART. 2.039 DO CC/2002 (LEI Nº 10.406) - CORRENTES DOUTRINÁRIAS - ART. 1.639, § 2º, C/C ART. 2.035 DO CC/2002 - NORMA GERAL DE APLICAÇÃO IMEDIATA. 1 - Apresenta-se razoável, in casu, não considerar o art. 2.039 do CC/2002 como óbice à aplicação de norma geral, constante do art. 1.639, § 2º, do CC/2002, concernente à alteração incidental de regime de bens nos casamentos 7 www.g7juridico.com.br

ocorridos sob a égide do CC/1916, desde que ressalvados os direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas pelos cônjuges para tal pedido, não havendo que se falar em retroatividade legal, vedada nos termos do art. 5º, XXXVI, da CF/88, mas, ao revés, nos termos do art. 2.035 do CC/2002, em aplicação de norma geral com efeitos imediatos. 2 Recurso conhecido e provido pela alínea 'a' para, admitindo-se a possibilidade de alteração do regime de bens adotado por ocasião de matrimônio realizado sob o pálio do CC/1916, determinar o retorno dos autos às instâncias ordinárias a fim de que procedam à análise do pedido, nos termos do art. 1.639, § 2º, do CC/2002". (STJ, REsp 730.546/MG, Quarta Turma, Relator Ministro Jorge Scartezzini, j. 23/08/2005).

Art. 1.641 do CC: "É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I – Das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II – Da pessoa maior de 70 (setenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.344, de 2010) III - De todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial". Esses são os casos em que se impõe o regime da separação legal ou obrigatória de bens. Súmula n. 377 do STF: "No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos/havidos na constância do casamento" → continua tendo aplicação, necessário provar o esforço comum. Não há uma separação absoluta, porque essa expressão traz a ideia de que nada se comunica e há a comunicação de alguns bens adquiridos durante a constância do casamento, com prova do esforço comum. ➢ Quais bens se comunicariam, nessa hipótese? O assunto foi pacificado e requer a prova do esforço comum, atualmente. "EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. CASAMENTO CONTRAÍDO SOB CAUSA SUSPENSIVA. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS (CC/1916, ART. 258, II; CC/2002, ART. 1.641, II). PARTILHA. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PRESSUPOSTO DA PRETENSÃO. MODERNA COMPREENSÃO DA SÚMULA 377/STF. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 1. Nos moldes do art. 1.641, II, do Código Civil de 2002, ao casamento contraído sob causa suspensiva, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens. 2. No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição. 3. Releitura da antiga Súmula 377/STF (No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento), editada com o intuito de interpretar o art. 259 do CC/1916, ainda na época em que cabia à Suprema Corte decidir em última instância acerca da interpretação da legislação federal, mister que hoje cabe ao Superior Tribunal de Justiça. 4. Embargos de divergência conhecidos e providos, para dar provimento ao recurso especial." (STJ, EREsp 1.623.858/MG, Segunda Seção, Relator Ministro Lázaro Guimarães, j. 23/05/2018).

Art. 1.647 do CC:" Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I - Alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis"; ➢ Vender, hipotecar, celebrar compromisso de compra e venda, etc. "II - Pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos"; "III - Prestar fiança ou aval"; ➢ O aval é somente para título de crédito atípico. 8 www.g7juridico.com.br

I"V - Fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação". ➢ Bens móveis ou imóveis que podem integrar a meação. "Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada".

A outorga conjugal está prevista nos arts. 1.647 a 1.650 do CC/2002, que pode ser outorga uxória (da esposa) ou marital (do marido). É dispensável no regime da separação absoluta (convencional, que decorre de pacto antenupcial). Falta da Outorga = nulidade relativa do ato, se não houver suprimento judicial. Prazo decadencial de 2 anos para a anulação contado a partir da dissolução da sociedade conjugal, sob pena de convalidação do ato. A legitimidade é somente do cônjuge preterido e seus herdeiros.

Art. 1.648 do CC: "Cabe ao juiz, nos casos do artigo antecedente, suprir a outorga, quando um dos cônjuges a denegue sem motivo justo, ou lhe seja impossível concedê-la".

Art. 1.649 do CC: "A falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária (art. 1.647), tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal. Parágrafo único. A aprovação torna válido o ato, desde que feita por instrumento público, ou particular, autenticado".

3.2. Regras especiais quanto ao regime de bens a) Regime da Comunhão Parcial de Bens (arts. 1.658 a 1.666 do CC/2002): regime legal tanto no casamento quanto na união estável

Art. 1.640 do CC: "Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial. Parágrafo único. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas".

Art. 1.725 do CC: "Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens".

Regra Fundamental = comunicam-se os bens havidos durante o casamento/união estável, independentemente da prova do esforço comum (aquestos ou meação). Os bens anteriores (causa anterior) e recebidos por doação ou herança por um dos consortes estão excluídos.

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Art. 1.659 do CC: Excluem-se da comunhão (bens particulares): "I - Os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar"; "II - Os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares"; ➢ Não se comunica porque é a soma de valores de causa anterior. "III - As obrigações anteriores ao casamento"; "IV - As obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;" "V - Os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão"; ➢ Joias de família, roupas, celular, DVD, etc. "VI - Os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge"; ➢ Deve-se fazer uma interpretação restritiva. "VII - As pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes". ➢ Deve-se fazer uma interpretação restritiva.

Art. 1.660 do CC: Entram na comunhão: "I - Os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges"; "II - Os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior"; ➢ Jogos, apostas, loterias, etc. "RECURSO ESPECIAL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. SÚMULA 377 DO STF. BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL QUE DEVEM SER PARTILHADOS DE FORMA IGUALITÁRIA. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO ESFORÇO COMUM DOS COMPANHEIROS PARA LEGITIMAR A DIVISÃO. PRÊMIO DE LOTERIA (LOTOMANIA). FATO EVENTUAL OCORRIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. NECESSIDADE DE MEAÇÃO. 1. Por força do art. 258, parágrafo único, inciso II, do Código Civil de 1916 (equivalente, em

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parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), ao casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação obrigatória de bens (recentemente, a Lei 12.344/2010 alterou a redação do art. 1.641, II, do CC, modificando a idade protetiva de 60 para 70 anos). Por esse motivo, às uniões estáveis é aplicável a mesma regra, impondo-se seja observado o regime de separação obrigatória, sendo o homem maior de sessenta anos ou a mulher maior de cinquenta. Precedentes. 2. A ratio legis foi a de proteger o idoso e seus herdeiros necessários dos casamentos realizados por interesse estritamente econômico, evitando que este seja o principal fator a mover o consorte para o enlace. 3. A Segunda Seção do STJ, seguindo a linha da Súmula n.º 377 do STF, pacificou o entendimento de que "apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha" (EREsp 1171820/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 26/08/2015, DJe 21/09/2015). 4. Nos termos da norma, o prêmio de loteria é bem comum que ingressa na comunhão do casal sob a rubrica de "bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior" (CC/1916, art. 271, II; CC/2002, art. 1.660, II). 5. Na hipótese, o prêmio da lotomania, recebido pelo ex-companheiro, sexagenário, deve ser objeto de partilha, haja vista que: i) se trata de bem comum que ingressa no patrimônio do casal, independentemente da aferição do esforço de cada um; ii) foi o próprio legislador quem estabeleceu a referida comunicabilidade; iii) como se trata de regime obrigatório imposto pela norma, permitir a comunhão dos aquestos acaba sendo a melhor forma de se realizar maior justiça social e tratamento igualitário, tendo em vista que o referido regime não adveio da vontade livre e expressa das partes; iv) a partilha dos referidos ganhos com a loteria não ofenderia o desiderato da lei, já que o prêmio foi ganho durante a relação, não havendo falar em matrimônio realizado por interesse ou em união meramente especulativa. 6. Recurso especial parcialmente provido" (STJ, REsp 1.689.152/SC, Quarta Turma, Relator Ministro Luís Felipe Salomão, j. 24/10/2017). III - "Os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges"; IV - "As benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge"; ➢ Necessárias, úteis e voluptuárias. V - "Os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão". ➢ Previdência privada? Tema pendente de pacificação pelo STJ. ➢ Verbas trabalhistas, ainda que recebidas depois. "Direito civil e família. Recurso especial. Ação de divórcio. Partilha dos direitos trabalhistas. Regime de comunhão parcial de bens. Possibilidade. - Ao cônjuge casado pelo regime de comunhão parcial de bens é devida à meação das verbas trabalhistas pleiteadas judicialmente durante a constância do casamento. - As verbas indenizatórias decorrentes da rescisão de contrato de trabalho só devem ser excluídas da comunhão quando o direito trabalhista tenha nascido ou tenha sido pleiteado após a separação do casal. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp 646.529/SP, Terceira Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, j. 21/06/2005). RECURSO ESPECIAL. CASAMENTO. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. DOAÇÃO FEITA A UM DOS CÔNJUGES. INCOMUNICABILIDADE. FGTS. NATUREZA JURÍDICA. PROVENTOS DO TRABALHO. VALORES RECEBIDOS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. COMPOSIÇÃO DA MEAÇÃO. SAQUE DIFERIDO. RESERVA EM CONTA VINCULADA ESPECÍFICA. 1. No regime de comunhão parcial, o bem adquirido pela mulher com o produto auferido mediante a alienação do patrimônio 11 www.g7juridico.com.br

herdado de seu pai não se inclui na comunhão. Precedentes. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 709.212/DF, debateu a natureza jurídica do FGTS, oportunidade em que afirmou se tratar de "direito dos trabalhadores brasileiros (não só dos empregados, portanto), consubstanciado na criação de um pecúlio permanente, que pode ser sacado pelos seus titulares em diversas circunstâncias legalmente definidas (cf. art. 20 da Lei 8.036/1995)". (ARE 709212, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 13/11/2014, DJe-032 DIVULG 18-02-2015 PUBLIC 19-02-2015) 3. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a Egrégia Terceira Turma enfrentou a questão, estabelecendo que o FGTS é “direito social dos trabalhadores urbanos e rurais”, constituindo, pois, fruto civil do trabalho. (REsp 848.660/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, DJe 13/05/2011) 4. O entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça é o de que os proventos do trabalho recebidos, por um ou outro cônjuge, na vigência do casamento, compõem o patrimônio comum do casal, a ser partilhado na separação, tendo em vista a formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço comum dos cônjuges, independentemente de ser financeira a contribuição de um dos consortes e do outro não. 5. Assim, deve ser reconhecido o direito à meação dos valores do FGTS auferidos durante a constância do casamento, ainda que o saque daqueles valores não seja realizado imediatamente à separação do casal. 6. A fim de viabilizar a realização daquele direito reconhecido, nos casos em que ocorrer, a CEF deverá ser comunicada para que providencie a reserva do montante referente à meação, para que num momento futuro, quando da realização de qualquer das hipóteses legais de saque, seja possível a retirada do numerário 7. No caso sob exame, entretanto, no tocante aos valores sacados do FGTS, que compuseram o pagamento do imóvel, estes se referem a depósitos anteriores ao casamento, matéria sobre a qual não controvertem as partes. 8. Recurso especial a que se nega provimento". (STJ, REsp 1.399.199/SP, Segunda Seção, Relator Ministro Luís Felipe Salomão, j. 09/03/2016).

b) Regime da Comunhão Universal de Bens (arts. 1.667 a 1.671 do CC/2002): depende de pacto antenupcial. Regra Fundamental = haverá a comunicação de todos os bens, sejam anteriores ou posteriores ao casamento, com exceção daqueles descritos no art. 1.668.

"Art. 1.668 do CC: São excluídos da comunhão: I - Os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar; II - Os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva; III - As dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum; IV - As doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade; V - Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659".

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c) Regime da Participação Final nos Aquestos (arts. 1.672 a 1.686 do CC/2002): depende de pacto antenupcial. Regra Fundamental = durante o casamento, há uma separação de bens. No caso de dissolução da sociedade conjugal, haverá algo próximo a uma comunhão parcial, com a divisão dos bens havidos por esforço patrimonial comum.

d) Regime da Separação de Bens (arts. 1.687 e 1.688 do CC/2002): pode ser legal/obrigatória e convencional. Regra Fundamental = não haverá a comunicação de qualquer bem, seja anterior ou posterior ao casamento. A Súmula n. 377 do STF somente se aplica à separação obrigatória e não à convencional.

"RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL - ESCRITURA PÚBLICA DE UNIÃO ESTÁVEL ELEGENDO O REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS - MANIFESTAÇÃO DE VONTADE EXPRESSA DAS PARTES QUE

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DEVE PREVALECER - PARTILHA DO IMÓVEL DE TITULARIDADE EXCLUSIVA DA RECORRENTE - IMPOSSIBILIDADE INSURGÊNCIA DA DEMANDADA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. Hipótese: Cinge-se a controvérsia a definir se o companheiro tem direito a partilha de bem imóvel adquirido durante a união estável pelo outro, diante da expressa manifestação de vontade dos conviventes optando pelo regime de separação de bens, realizada por meio de escritura pública. 1. No tocante aos diretos patrimoniais decorrentes da união estável, aplica-se como regra geral o regime da comunhão parcial de bens, ressalvando os casos em que houver disposição expressa em contrário. 2. Na hipótese dos autos, os conviventes firmaram escritura pública elegendo o regime da separação absoluta de bens, a fim de regulamentar a relação patrimonial do casal na constância da união. 2.1. A referida manifestação de vontade deve prevalecer à regra geral, em atendimento ao que dispõe os artigos 1.725 do Código Civil e 5º da Lei 9.278/96. 2.2. O pacto realizado entre as partes, adotando o regime da separação de bens, possui efeito imediato aos negócios jurídicos a ele posteriores, havidos na relação patrimonial entre os conviventes, tal qual a aquisição do imóvel objeto do litígio, razão pela qual este não deve integrar a partilha. 3. Inaplicabilidade, in casu, da Súmula 377 do STF, pois esta se refere à comunicabilidade dos bens no regime de separação legal de bens (prevista no art. 1.641, CC), que não é caso dos autos. 3.1. O aludido verbete sumular não tem aplicação quando as partes livremente convencionam a separação absoluta dos bens, por meio de contrato antenupcial. Precedente. 4. Recurso especial provido para afastar a partilha do bem imóvel adquirido exclusivamente pela recorrente na constância da união estável". (STJ, REsp 1.481.888/SP, Quarta Turma, Relator Ministro Marco Buzzi, j. 10/04/2018).

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MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS Flávio Tartuce Direito Civil Aula 7

ROTEIRO DE AULA

DIREITO DE FAMÍLIA

4. Dissolução do Casamento. Separação e Divórcio (arts. 1.571 a 1.590 do CC)

4.1. Introdução. Evolução histórica e legislativa I - A Lei 6.515/1977 (Lei do Divórcio) passou a admitir o “divórcio a vínculo”, gerando o fim do casamento (vínculo matrimonial). Até então, existia apenas o "desquite", o qual era equivalente à atual separação judicial. II – A Lei o Divórcio entrou em vigor em 26/12/1977 e introduziu, no sistema legal brasileiro, um modelo dual de dissolução, fundado em duas categorias: - Separação judicial: gera o fim da sociedade conjugal, mas não do casamento; mantido o vínculo matrimonial. - Divórcio: gera o fim do casamento e do vínculo matrimonial, além do fim da sociedade conjugal. III - A Constituição Federal de 1988, em sua redação originária, no art. 226, § 6º, manteve o sistema dual, mas introduziu o divórcio direto (sem prévia separação judicial), estando o casal separado de fato há mais de dois anos. Também manteve o divórcio indireto (por conversão), precedido de ação de separação judicial (após um ano da sentença de separação judicial). IV - O Código Civil de 2002 (entrou em vigor em 01.2003) manteve esse sistema dual: a) Separação Judicial, gerando o fim apenas da sociedade conjugal: a.1. Consensual: mútuo consentimento, conforme art. 1.574, CC1, quando casados há mais de um ano; ou

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CC, art. 1.574: “Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se forem casados por mais de um ano e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a convenção. Parágrafo único. O juiz pode recusar a homologação e não decretar a separação judicial se apurar que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges.”

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a.2. Litigiosa: conflito entre os cônjuges, conforme art. 1.572, CC2, subdividida em três modalidades: - Separação por sanção (por culpa, em rol exemplificativo do art. 1.573, CC3); - Separação ruptura (falência, mais de um ano de ruptura da vida em comum); e - Separação remédio (doença mental grave há pelo menos 2 anos). O professor entende que a separação judicial não persiste no sistema desde a Emenda Constitucional n. 66/2010. b) Divórcio (art. 1.580, CC), gerando o fim do casamento (vínculo matrimonial) e da sociedade conjugal: b.1. Direto; ou b.2. Indireto ou por conversão (um ano da sentença de separação judicial ou da medida concessiva de separação de corpos). Ambos poderiam ser consensuais ou litigiosos. V - A Lei 11.441/2007 alterou o CPC/1973, passando a admitir a separação e o divórcio extrajudiciais, por escritura pública (Tabelionato de Notas), desde que haja acordo entre os cônjuges e não existam filhos menores ou incapazes. VI - Com o surgimento da Lei 11.441/2007, a doutrina passou utilizar o termo separação de direito/jurídica, que engloba a separação judicial e a separação extrajudicial, sendo ambas separações formalizadas. O termo foi criado para diferenciar-se da separação de fato, que é informal. VII - Em 2010, foi aprovada a “PEC do Divórcio” - Emenda Constitucional 66/2010 - por iniciativa do IBDFAM, que alterou a redação do art. 226, § 6º da Constituição Federal. Entretanto, não houve modificação ou revogação expressa de qualquer outro dispositivo de norma infraconstitucional. *Grande debate: “Fim da separação de direito”.

Redação originária (art. 226, § 6º, CC)

Redação atual (art. 226, § 6º, CC)

“§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, “§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.” após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato Obs.: não há menção a prazos nem à separação judicial. por mais de dois anos”

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CC, art. 1.572: “Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum. § 1o A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição. § 2o O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável. § 3o No caso do parágrafo 2o, reverterão ao cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial, os remanescentes dos bens que levou para o casamento, e se o regime dos bens adotado o permitir, a meação dos adquiridos na constância da sociedade conjugal.” 3 CC, art. 1.573: “Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos: I adultério; II - tentativa de morte; III - sevícia ou injúria grave; IV - abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo; V condenação por crime infamante; VI - conduta desonrosa. Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.”

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VIII - Posteriormente, o CPC de 2015 reafirmou expressamente, “repristinou”, “ressuscitou” a separação de direito, ao prevê-la nos seguintes dispositivos, sem prejuízo de outros: •

Art. 534 (definiu a competência para as ações de família).



Art. 6935 (procedimento especial para as ações de família - litigiosa).



Art. 7316 (ação de separação consensual).



Art. 7337 (separação extrajudicial consensual).

4.2. Debate sobre a manutenção ou não da separação de direito no sistema I - Sobre o assunto, existem duas correntes doutrinárias: 1ª corrente - Prevalece na doutrina - A separação de direito não persiste no sistema, tendo em vista o fim social da Emenda Constitucional 66/2010. Argumentos: força normativa da Constituição; interpretação conforme à Constituição; e a máxima efetividade do Texto Constitucional. Entendimento de Paulo Lôbo, Maria Berenice Dias, Rodrigo da Cunha Pereira, Rolf Madaleno, Zeno Veloso, Silvio Venosa, Álvaro Vilaça Azevedo, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald. Portanto, segundo essa corrente, são inconstitucionais os artigos do CC/2002 e do CPC/2015 que tratam do tema. 2ª corrente - minoritária na doutrina, mas prevalecente na atual composição do STJ. A separação de direito persiste no sistema, porque não houve revogação expressa das normas infraconstitucionais que tratam do tema e o instituto foi confirmado pelo Novo CPC. Posição de Mario Delgado, Gustavo Tepedino e Maria Helena Diniz. ➢ Nesse sentido, há os Enunciados da V Jornada de Direito Civil: 5148, 5159, 51610 e 51711.

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CPC, art. 53: “É competente o foro: I - para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável: a) de domicílio do guardião de filho incapaz; b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz; c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal" 5 CPC, art. 693: “As normas deste Capítulo aplicam-se aos processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação. Parágrafo único. A ação de alimentos e a que versar sobre interesse de criança ou de adolescente observarão o procedimento previsto em legislação específica, aplicando-se, no que couber, as disposições deste Capítulo.” 6 CPC, art. 731: “A homologação do divórcio ou da separação consensuais, observados os requisitos legais, poderá ser requerida em petição assinada por ambos os cônjuges, da qual constarão: I - as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns; II as disposições relativas à pensão alimentícia entre os cônjuges; III - o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e ao regime de visitas; e IV - o valor da contribuição para criar e educar os filhos. Parágrafo único. Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens, far-se-á esta depois de homologado o divórcio, na forma estabelecida nos arts. 647 a 658.” 7 CPC, art. 733: “O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731. § 1o A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras. § 2o O tabelião somente lavrará a escritura se os interessados estiverem assistidos por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.” 8 Enunciado 514, CJF: “A Emenda Constitucional n. 66/2010 não extinguiu o instituto da separação judicial e extrajudicial.” 9 Enunciado 515, CJF: “Pela interpretação teleológica da Emenda Constitucional n. 66/2010, não há prazo mínimo de casamento para a separação consensual.” 10 Enunciado 516, CJF: “Na separação judicial por mútuo consentimento, o juiz só poderá intervir no limite da preservação do interesse dos incapazes ou de um dos cônjuges, permitida a cindibilidade dos pedidos com a concordância das partes, aplicando-se esse entendimento também ao divórcio.”

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➢ No âmbito do STJ, em 2017, houve duas decisões que seguiram a segunda corrente: “RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. EMENDA CONSTITUCIONAL N° 66/10. DIVÓRCIO DIRETO. SEPARAÇÃO JUDICIAL. SUBSISTÊNCIA. 1. A separação é modalidade de extinção da sociedade conjugal, pondo fim aos deveres de coabitação e fidelidade, bem como ao regime de bens, podendo, todavia, ser revertida a qualquer momento pelos cônjuges (Código Civil, arts. 1571, III e 1.577). O divórcio, por outro lado, é forma de dissolução do vínculo conjugal e extingue o casamento, permitindo que os ex-cônjuges celebrem novo matrimônio (Código Civil, arts. 1571, IV e 1.580). São institutos diversos, com consequências e regramentos jurídicos distintos. 2. A Emenda Constitucional n° 66/2010 não revogou os artigos do Código Civil que tratam da separação judicial. 3. Recurso especial provido.” (REsp 1.247.098/MS. 4ª Turma. Rel. Min. Maria Isabel Gallotti. Julg. 14/03/2017). ➢ Trecho do voto vencido – Ministro Luis Felipe Salomão: (...) 5. Deste modo, não se sustenta mais a exigência de uma "fase prévia" de dissolução, com imposição de prazo de "reflexão", com excesso de formalidade e pouca efetividade, não merecendo prevalecer, data venia, a interpretação que privilegia o cônjuge recalcitrante quanto à dissolução que, por meio da separação, pretende apenas punir o outro, com comprometimento da paz social e da administração da Justiça, significando mais gastos financeiros, desgastes emocionais e emperramento do Judiciário, exigindo-se dois processos judiciais para o mesmo fim. É, como dito, a conclusão da doutrina majoritária: “Sob o prisma jurídico, com o divórcio, não apenas a sociedade conjugal é desfeita, mas também o próprio vínculo matrimonial, permitindo-se novo casamento; sob o viés psicológico, evita-se a duplicidade de processos - strepitus fori porquanto pode o casal partir direta e imediatamente para o divórcio; e, finalmente, até sob a ótica econômica, o fim da separação é salutar, já que, com isso, evitam-se gastos judiciais desnecessários por conta da duplicidade de procedimentos. E o fato de a separação admitir a reconciliação do casal - o que não seria possível após o divórcio, pois, uma vez decretado, se os ex-consortes pretendessem reatar precisariam casar-se de novo - não serve para justificar a persistência do instituto, haja vista que as suas desvantagens são, como referimos acima, muito maiores. [...] Ademais disso, é corrente na doutrina a idéia de que o critério da lex posterior derogat lex priori pressupõe duas normas contraditórias de idêntica densidade normativa, de tal modo que uma Constituição, composta, em regra, de normas gerais ou principiológicas, de conteúdo aberto, não possui densidade normativa equivalente a uma lei, não podendo, por isso mesmo simplesmente revogá-la. Assim, no âmbito de uma teoria geral do direito, quando se tratar de uma antinomia entre normas de diferente hierarquia, impõe-se a aplicação do critério da lex superior, que afasta as outras regras de colisão referentes à lex specialis ou lex posterior. A não ser assim, chegar-se-ia ao absurdo, destacado por Ipsen, de que a lei ordinária, enquanto lei especial ou lex posterior, pudesse afastar a norma constitucional enquanto lex generalis ou lex prior. [...] Em síntese, com a nova disciplina normativa do divórcio, encetada pela Emenda Constitucional, perdem força jurídica as regras legais sobre separação judicial, instituto que passa a ser extinto do

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Enunciado 517, CJF: “A Emenda Constitucional n. 66/2010 extinguiu os prazos previstos no art. 1.580 do Código Civil, mantido o divórcio por conversão.”

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ordenamento brasileiro, seja pela revogação tácita (entendimento consolidado no STF) seja pela inconstitucionalidade superveniente com a perda da norma validante (entendimento que abraçamos do ponto de vista teórico, embora os efeitos práticos sejam os mesmos)”. (GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. O novo divórcio, São Paulo: Saraiva, 2016, p. 60-63). E ainda: DIAS, Maria Berenice, Divorcio já: comentários à emenda constitucional 66 de 13 de julho de 2010; LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 132-136; TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito de família, v.5. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 205-231; PEREIRA, Rodrigo da Cunha, Divórcio: teoria e prática. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 48-57; MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 213222; AZEVEDO, Álvaro Villaça. Emenda constitucional do divórcio. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, n. 39, p. 88-96, nov/dez. 2010; FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: famílias. 2017. (...) (REsp 1.247.098/MS. 4ª Turma. Rel. Min. Maria Isabel Gallotti. Julg. 14/03/2017). “RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. EMENDA CONSTITUCIONAL N° 66/2010. DIVÓRCIO DIRETO. REQUISITO TEMPORAL. EXTINÇÃO. SEPARAÇÃO JUDICIAL OU EXTRAJUDICIAL. COEXISTÊNCIA. INSTITUTOS DISTINTOS. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE. PRESERVAÇÃO. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. OBSERVÂNCIA. 1. A dissolução da sociedade conjugal pela separação não se confunde com a dissolução definitiva do casamento pelo divórcio, pois versam acerca de institutos autônomos e distintos. 2. A Emenda à Constituição nº 66/2010 apenas excluiu os requisitos temporais para facilitar o divórcio. 3. O constituinte derivado reformador não revogou, expressa ou tacitamente, a legislação ordinária que cuida da separação judicial, que remanesce incólume no ordenamento pátrio, conforme previsto pelo Código de Processo Civil de 2015 (arts. 693, 731, 732 e 733 da Lei nº 13.105/2015). 4. A opção pela separação faculta às partes uma futura reconciliação e permite discussões subjacentes e laterais ao rompimento da relação. 5. A possibilidade de eventual arrependimento durante o período de separação preserva, indubitavelmente, a autonomia da vontade das partes, princípio basilar do direito privado. 6. O atual sistema brasileiro se amolda ao sistema dualista opcional que não condiciona o divórcio à prévia separação judicial ou de fato. 7. Recurso especial não provido.” (REsp 1.143.370/SP. 3ª Turma. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Julg. 15/08/2017). STF = Repercussão Geral pendente de julgamento = RE 1.167.478/RJ, repercussão geral reconhecida em 2019, Relator Ministro Fux. *As duas correntes são unânimes em apontar que não há prazo mínimo para o divórcio ou para a separação.

4.3. Manutenção ou não da separação de fato no sistema I- É unânime a sua persistência no nosso sistema jurídico. II- Há separação de fato quando existe um distanciamento físico e/ou afetivo dos cônjuges, não formalizada. A separação de fato constitui os seguintes efeitos jurídicos: •

O separado de fato pode constituir união estável com terceiro (ar. 1.723, § 1º);



O STJ tem entendido que a separação de fato põe fim à sociedade conjugal, mas não ao casamento (REsp 555.771/SP). Assim, a separação de fato teria efeito jurídico similar à separação de direito.

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"DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. SUCESSÃO. COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. INCLUSÃO DA ESPOSA DE HERDEIRO, NOS AUTOS DE INVENTÁRIO, NA DEFESA DE SUA MEAÇÃO. SUCESSÃO ABERTA QUANDO HAVIA SEPARAÇÃO DE FATO. IMPOSSIBILIDADE DE COMUNICAÇÃO DOS BENS ADQUIRIDOS APÓS A RUPTURA DA VIDA CONJUGAL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Em regra, o recurso especial originário de decisão interlocutória proferida em inventário não pode ficar retido nos autos, uma vez que o procedimento se encerra sem que haja, propriamente, decisão final de mérito, o que impossibilitaria a reiteração futura das razões recursais. 2. Não faz jus à meação dos bens havidos pelo marido na qualidade de herdeiro do irmão, o cônjuge que encontrava-se separado de fato quando transmitida a herança. 3. Tal fato ocasionaria enriquecimento sem causa, porquanto o patrimônio foi adquirido individualmente, sem qualquer colaboração do cônjuge. 4. A preservação do condomínio patrimonial entre cônjuges após a separação de fato é incompatível com orientação do novo Código Civil, que reconhece a união estável estabelecida nesse período, regulada pelo regime da comunhão parcial de bens (CC 1.725) 5. Assim, em regime de comunhão universal, a comunicação de bens e dívidas deve cessar com a ruptura da vida comum, respeitado o direito de meação do patrimônio adquirido na constância da vida conjugal. 6. Recurso especial provido" (STJ, REsp 555.771/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/05/2009, DJe 18/05/2009).

4.4. Possibilidade de debate da culpa nas ações de dissolução I- Neste ponto, existem três correntes: •

1ª corrente: a separação de direito e a culpa permanecem no sistema, podendo ser debatida na separação e no divórcio. Corrente adotada por Mário Delgado e Maria Helena Diniz.



2ª corrente: separação de direito não persiste no sistema e a culpa também não. Para essa corrente, há um direito potestativo ao divórcio. É a posição dominante no IBDFAM, seguida por Maria Berenice Dias, Paulo Lôbo, Rolf Madaleno, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona. Na doutrina, é corrente majoritária.



3ª corrente: a separação de direito não persiste, mas a culpa pode ser debatida em ação de divórcio para fins de alimentos e responsabilidade civil. Corrente seguida por Zeno Veloso, José Fernando Simão, Álvaro Villaça, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald.

II – O art. 356 do CPC12 trata do julgamento parcial do mérito. 12

CPC, art. 356: “O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I - mostrar-se incontroverso; II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355. § 1o A decisão que julgar parcialmente o

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É possível que a ação de separação (caso se entenda ainda vigente) e a ação de divórcio sejam cumuladas com outros pedidos (fim da sociedade conjugal, partilha dos bens, alimentos, guarda dos filhos etc.). Assim, o juiz decreta o divórcio/separação do casal e segue na discussão dos outros temas.

4.5. Uso do nome após a dissolução do casamento ou da sociedade conjugal I- Qualquer um dos cônjuges pode adotar o sobrenome do outro (art. 1.565, § 1º do CC13). II- O CC/2002 reduziu o impacto da culpa quanto ao uso do nome – art. 1.578, CC14. III - O cônjuge inocente poderá manter ou renunciar ao nome adotado. Enquanto o cônjuge culpado na separação perde o direito de usar o sobrenome do outro, em regra, a não ser que sua retirada gere um problema de identificação, inclusive aos filhos. IV- Apesar da literalidade da norma, doutrina e jurisprudência têm entendido que o sobrenome incorporado passa a ser um direito da personalidade do cônjuge que o incorpora. Então, dissolvido o casamento, o cônjuge pode manter o nome ou pode renunciar ao nome. (REsp 1.482.843/RJ e REsp 241.200/RJ). "CIVIL. FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. MANUTENÇÃO DO NOME DE CASADO NO DIVÓRCIO DIRETO. CÔNJUGE NÃO CULPADO NA SEPARAÇÃO JUDICIAL. EVIDENTE PREJUÍZO. ART. 1.578 E §§ do CC/02. DIREITO INERENTE À PERSONALIDADE. DIREITO INDISPONÍVEL. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. A retirada do sobrenome do ex-marido do nome da ex-mulher na separação judicial somente pode ser determinada judicialmente quando expressamente requerido pelo cônjuge inocente e desde que a alteração não acarrete os prejuízos elencados no art. 1.578 do CC/02. 2. A utilização do sobrenome do ex-marido por mais de 30 trinta anos pela ex-mulher demonstra que há tempo ele está incorporado ao nome dela, de modo que não mais se pode distingui-lo, sem que cause evidente prejuízo para a sua identificação 3. A lei autoriza que o cônjuge inocente na separação judicial renuncie, a qualquer momento, ao direito de usar o sobrenome do outro (§ 1º do art. 1.578 do CC/02). Por isso, inviável que, por ocasião da separação, haja manifestação expressa quanto à manutenção ou não do nome de casada. 4. Recurso especial não provido" (STJ, REsp. 1.482.843/RJ, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 12/06/2015).

"DIVÓRCIO DIRETO. USO. NOME. MARIDO. MULHER. O Tribunal a quo, em embargos de declaração, decidiu que, no divórcio direto, a continuação do uso do nome de casada pela mulher constitui uma faculdade. Ademais, como assinalado na ementa do acórdão impugnado, a ora embargada foi casada durante 45 anos e, já com 70 anos de idade, o

mérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida. § 2o A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto.” 13 CC, art. 1.565, §1º: “Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família. § 1o Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro. 14 CC, art. 1.578: “O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar: I - evidente prejuízo para a sua identificação; II manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida; III - dano grave reconhecido na decisão judicial. § 1o O cônjuge inocente na ação de separação judicial poderá renunciar, a qualquer momento, ao direito de usar o sobrenome do outro. § 2o Nos demais casos caberá a opção pela conservação do nome de casado.”

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nome se incorporou à sua personalidade. Assim, o acórdão recorrido fundou-se nos elementos probatórios constantes dos autos, não cabendo a este Superior Tribunal revolvê-los a teor da Súm. n. 7-STJ. A Turma não conheceu do recurso.” (REsp 241.200-RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 4/4/2006)

4.6. Guarda de filhos na dissolução do casamento I- A Lei 6.515/1977, previa a influência da culpa na guarda de filhos. Surgiu a guarda unilateral materna cumulada com o direito de visitas paterna. II- O Código Civil de 2002, em sua redação originária (arts. 1.583 e 1.584), afastou a influência da culpa quanto à guarda dos filhos. Em regra, prevaleceria o acordo entre os genitores. Não havendo acordo, a guarda unilateral seria atribuída a quem oferecesse as melhores condições para exercê-la. III- Em 2008, com o advento da Lei 11.698/2008, foram alterados os arts. 1.583 e 1.584 do CC. A Guarda Compartilhada passou a ser a regra e a guarda unilateral passou a ser exceção. ➢ Modalidades de Guarda de Filhos: a. Guarda Unilateral. Uma pessoa exerce a guarda de forma exclusiva e a outra possui a seu favor regime de visitas ocasionais. b. Guarda Compartilhada. Ambos os genitores exercem a guarda conjunta, dividindo as atribuições relativas ao filho, que terá um lar único. Nesta categoria, altamente recomendada, há necessidade de uma convivência pacífica entre os genitores. c. Guarda Alternada. O filho convive com ambos os genitores de forma fracionada ou dividida e em lares distintos. Chamada de “guarda da mochila”. Não é recomendável, por trazer prejuízos à formação da criança. IV- Com a Emenda Constitucional 66/2010, nada foi alterado, uma vez que já não se considerava a culpa para fins de estipulação de guarda. V- A Lei 13.058/2014 tornou a guarda “compartilhada” obrigatória, confundindo-a com a guarda alternada, ao alterar novamente os arts. 1.583 e 1.584 do Código Civil. VI - Na literalidade da lei, há o reconhecimento da guarda alternada. Alguns enunciados (60315, 60416, 60517, 60618 e 60719 da VII Jornada de Direito Civil) afastaram essa modalidade, visando solucionar a divergência.

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Enunciado 603 da VII JDC: “A distribuição do tempo de convívio na guarda compartilhada deve atender precipuamente ao melhor interesse dos filhos, não devendo a divisão de forma equilibrada, a que alude o § 2 do art. 1.583 do Código Civil, representar convivência livre ou, ao contrário, repartição de tempo matematicamente igualitária entre os pais.” 16 Enunciado 604 da VII JDC: “A divisão, de forma equilibrada, do tempo de convívio dos filhos com a mãe e com o pai, imposta na guarda compartilhada pelo § 2° do art. 1.583 do Código Civil, não deve ser confundida com a imposição do tempo previsto pelo instituto da guarda alternada, pois esta não implica apenas a divisão do tempo de permanência dos filhos com os pais, mas também o exercício exclusivo da guarda pelo genitor que se encontra na companhia do filho.” 17 Enunciado 605 da VII JDC: “A guarda compartilhada não exclui a fixação do regime de convivência.” 18 Enunciado 606 da VII JDC: “O tempo de convívio com os filhos ‘de forma equilibrada com a mãe e com o pai’ deve ser entendido como divisão proporcional de tempo, da forma que cada genitor possa se ocupar dos cuidados pertinentes ao filho, em razão das peculiaridades da vida privada de cada um.” 19 Enunciado 607 da VII JDC: “A guarda compartilhada não implica ausência de pagamento de pensão alimentícia.”

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VII - Não se pode confundir a guarda compartilhada com a alternada. Não se deve admitir, ainda, a divisão matematicamente igual de convivência no tempo. VIII – Diante da nova Lei (13.058/2014), é possível impor a guarda compartilhada, mesmo que não haja uma convivência pacífica mínima entre os genitores? •

Há decisão em sentido positivo (REsp 1.629.994/RJ, 2016, 3ª Turma do STJ, Rel. Min. Nancy Andrighi);



E em sentido negativo (REsp 1.417.868/MG, 2016, 3ª Turma do STJ. Rel. Min. Noronha).

“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIVÓRCIO. GUARDA COMPARTILHADA. NÃO DECRETAÇÃO. POSSIBILIDADES. I. Diploma legal incidente: Código Civil de 2002 (art. 1.584, com a redação dada pela Lei 13.058/2014). II. Controvérsia: dizer em que hipóteses a guarda compartilhada poderá deixar de ser implementada, à luz da nova redação do art. 1.584 do Código Civil. III. A nova redação do art. 1.584 do Código Civil irradia, com força vinculante, a peremptoriedade da guarda compartilhada. O termo “será” não deixa margem a debates periféricos, fixando a presunção – jure tantum – de que se houver interesse na guarda compartilhada por um dos ascendentes, será esse o sistema eleito, salvo se um dos genitores [ascendentes] declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor (art. 1.584, § 2º, in fine, do CC). IV. A guarda compartilhada somente deixará de ser aplicada, quando houver inaptidão de um dos ascendentes para o exercício do poder familiar, fato que deverá ser declarado prévia ou incidentalmente à ação de guarda, por meio de decisão judicial, no sentido da suspensão ou da perda do Poder Familiar. IV. Recurso conhecido e provido.” (REsp 1.629.994/RJ, 3ª Turma do STJ, Rel. Min. Nancy Andrighi. Julg. 06/12/2016) “CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. DISSENSO ENTRE OS PAIS. POSSIBILIDADE. 1. A guarda compartilhada deve ser buscada no exercício do poder familiar entre pais separados, mesmo que demande deles reestruturações, concessões e adequações diversas para que os filhos possam usufruir, durante a formação, do ideal psicológico de duplo referencial (precedente). 2. Em atenção ao melhor interesse do menor, mesmo na ausência de consenso dos pais, a guarda compartilhada deve ser aplicada, cabendo ao Judiciário a imposição das atribuições de cada um. Contudo, essa regra cede quando os desentendimentos dos pais ultrapassarem o mero dissenso, podendo resvalar, em razão da imaturidade de ambos e da atenção aos próprios interesses antes dos do menor, em prejuízo de sua formação e saudável desenvolvimento (art. 1.586 do CC/200220). 3. Tratando o direito de família de aspectos que envolvem sentimentos profundos e muitas vezes desarmoniosos, deve-se cuidar da aplicação das teses ao caso concreto, pois não pode haver solução estanque já que as questões demandam flexibilidade e adequação à hipótese concreta apresentada para solução judicial. 4. Recurso especial conhecido e desprovido.” (REsp 1.417.868/MG, 3ª Turma do STJ. Rel. Min. João Otávio de Noronha. Julg. 10/05/2016)

IX - É possível a guarda compartilhada “à distância”? Isso poderá ser mudado por causa da pandemia do coronavírus. •

Não, diante das peculiaridades do caso concreto – REsp. 1.605.477/RS:

"RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. CONSENSO. DESNECESSIDADE. LIMITES GEOGRÁFICOS. IMPLEMENTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MELHOR INTERESSE DOS MENORES. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. 20

CC, art. 1.586: “Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos antecedentes a situação deles para com os pais”

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A implementação da guarda compartilhada não se sujeita à transigência dos genitores. 2. As peculiaridades do caso concreto inviabilizam a implementação da guarda compartilhada, tais como a dificuldade geográfica e a realização do princípio do melhor interesse dos menores, que obstaculizam, a princípio, sua efetivação. 3. Às partes é concedida a possibilidade de demonstrar a existência de impedimento insuperável ao exercício da guarda compartilhada, como por exemplo, limites geográficos. Precedentes. 4. A verificação da procedência dos argumentos expendidos no recurso especial exigiria, por parte desta Corte, o reexame de matéria fática, o que é vedado pela Súmula nº 7 deste Tribunal. 5. Recurso especial não provido." (REsp 1.605.477/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/06/2016, DJe 27/06/2016.) X - A guarda pode ser atribuída a um terceiro (que não os genitores), como, por exemplo, a tios e avós. Em relação aos avós, há previsão na lei quanto ao direito de visitas (art. 1.589, parágrafo único21, CC, inserido pela Lei 12.398/2011). Com a pandemia pelo coronavírus, isso também deverá ser revisto. Observação: •

Segundo a posição doutrinária pelo fim da separação de direito, adotada pelo professor, estão revogados: ✓ Art. 1.571, III, CC. ✓ Art. 1.571, §2º, CC. ✓ Art. 1.572, CC. ✓ Art. 1.573, CC. ✓ Art. 1.574, CC. ✓ Art. 1.575, CC. ✓ Art. 1.576, CC. ✓ Art. 1.578, CC ✓ Art. 1.580, CC.



Continuam em vigor os seguintes dispositivos que tratam da Ação de Divórcio:

“Art. 1.577. Seja qual for a causa da separação judicial e o modo como esta se faça, é lícito aos cônjuges restabelecer, a todo tempo, a sociedade conjugal, por ato regular em juízo. Parágrafo único. A reconciliação em nada prejudicará o direito de terceiros, adquirido antes e durante o estado de separado, seja qual for o regime de bens". “Art. 1.579. O divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos. Parágrafo único. Novo casamento de qualquer dos pais, ou de ambos, não poderá importar restrições aos direitos e deveres previstos neste artigo.” “Art. 1.581. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens.” Art. 1.582. O pedido de divórcio somente competirá aos cônjuges. Parágrafo único. Se o cônjuge for incapaz para propor a ação ou defender-se, poderá fazê-lo o curador, o ascendente ou o irmão.”

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CC, art. 1.589: “O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação. Parágrafo único. O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente.”

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5. UNIÃO ESTÁVEL (arts. 1.723 a 1.727) 5.1. Conceito e elementos caracterizadores I – Conceito - CC, art. 1.723: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.” Trata-se de conceito do Prof. Álvaro Villaça Azevedo, responsável por introduzir o tratamento da união estável no Código Civil de 2002. STF = Informativo 625 = reconheceu a união estável homoafetiva, aplicando-se, por analogia, todas as regras da união heteroafetiva. Observação: estudar os temas constantes no “Jurisprudência em Teses – edição 50”. II – Expressões: - Convivência pública: importa na convivência notória ou conhecida, sem necessidade de um ato público (escritura); - Convivência contínua e duradoura: sem interrupções, sem que seja “dado um tempo”, não há prazo mínimo, não há exigência de prole comum e não se exige convivência sob mesmo teto ou coabitação. (Súmula 382, STF22 e Tese 2 da Edição 50 do Jurisprudência em Teses, do STJ). III - De acordo com o art. 1.723, § 2º, do CC23, as causas suspensivas do casamento não impedem a caracterização da união estável. IV – De acordo com o art. 1.723, § 1º do CC, uma pessoa casada, desde que separada, pode constituir união estável. V- “Cláusula geral” na caracterização da união estável, provocando incerteza e dúvidas em sua aplicação. Como diferenciar a união estável de um namoro (longo, qualificado – Zeno Veloso) ou de um noivado? No namoro/noivado o objetivo de família é para o futuro. Na união estável, o objetivo de família é para o presente. A diferença está no animus familiae. Esse ânimo familiar é analisado sob duas perspectivas: •

Reputação (reputatio) e



Tratamento (tractatio).

Nesse sentido, há decisões do STJ, uma delas destacada abaixo: “EMENTA RECURSO ESPECIAL E RECURSO ESPECIAL ADESIVO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, ALEGADAMENTE COMPREENDIDA NOS DOIS ANOS ANTERIORES AO CASAMENTO, C.C. PARTILHA DO IMÓVEL ADQUIRIDO NESSE PERÍODO. [...] 1. O conteúdo normativo constante dos arts. 332 e 333, II, da lei adjetiva civil, não foi objeto de discussão ou deliberação pela instância precedente, circunstância que enseja o não conhecimento da matéria, ante a ausência do correlato e indispensável prequestionamento. 2. Não se denota, a partir dos fundamentos adotados, ao final, pelo Tribunal de origem (por ocasião do julgamento dos embargos infringentes), qualquer elemento que evidencie, no período anterior ao casamento, a constituição de uma família, na acepção jurídica da palavra, em que há, necessariamente, o compartilhamento de vidas e de esforços, com integral e irrestrito apoio moral e material entre os

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Súmula 382 do STF: “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato.” CC, art. 1.723, § 1º: A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente. §2 º: “[...] As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.” 23

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conviventes. A só projeção da formação de uma família, os relatos das expectativas da vida no exterior com o namorado, a coabitação, ocasionada, ressalta-se, pela contingência e interesses particulares de cada qual, tal como esboçado pelas instâncias ordinárias, afiguram-se insuficientes à verificação da affectio maritalis e, por conseguinte, da configuração da união estável. 2.1 O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável - a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída. 2.2. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício), especialmente se considerada a particularidade dos autos, em que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos distintos, para o exterior, e, como namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente. Este comportamento, é certo, revela-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social. 3. Da análise acurada dos autos, tem-se que as partes litigantes, no período imediatamente anterior à celebração de seu matrimônio (de janeiro de 2004 a setembro de 2006), não vivenciaram uma união estável, mas sim um namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento projetaram para o futuro – e não para o presente –, o propósito de constituir uma entidade familiar, desiderato que, posteriormente, veio a ser concretizado com o casamento. 4. Afigura-se relevante anotar que as partes, embora pudessem, não se valeram, tal como sugere a demandante, em sua petição inicial, do instituto da conversão da união estável em casamento, previsto no art. 1.726 do Código Civil. Não se trata de renúncia como, impropriamente, entendeu o voto condutor que julgou o recurso de apelação na origem. Cuida-se, na verdade, de clara manifestação de vontade das partes de, a partir do casamento, e não antes, constituir a sua própria família. A celebração do casamento, com a eleição do regime de comunhão parcial de bens, na hipótese dos autos, bem explicita o termo a partir do qual os então namorados/noivos, maduros que eram, entenderam por bem consolidar, consciente e voluntariamente, a relação amorosa vivenciada para constituir, efetivamente, um núcleo familiar, bem como comunicar o patrimônio haurido. A cronologia do relacionamento pode ser assim resumida: namoro, noivado e casamento. E, como é de sabença, não há repercussão patrimonial decorrente das duas primeiras espécies de relacionamento. 4.1 No contexto dos autos, inviável o reconhecimento da união estável compreendida, basicamente, nos dois anos anteriores ao casamento, para o único fim de comunicar o bem então adquirido exclusivamente pelo requerido. Aliás, a aquisição de apartamento, ainda que tenha se destinado à residência dos então namorados, integrou, inequivocamente, o projeto do casal de, num futuro próximo, constituir efetivamente a família por meio do casamento. Daí, entretanto, não advém à namorada/noiva direito à meação do referido bem. 5. Recurso especial provido, na parte conhecida. Recurso especial adesivo prejudicado.” (STJ. REsp 1.454.643/RJ - 2014/0067781-5. 3ª Turma. Rel. Marco Aurélio Bellizze. Julg. 03/03/2015).

➢ Ver também REsp. 1.678.437/RJ, 2018, “data em aliança”.

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“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL CUMULADA COM PARTILHA DE PATRIMÔNIO. JUNTADA DE DOCUMENTO EM GRAU RECURSAL. POSSIBILIDADE, DESDE QUE OBSERVADO O CONTRADITÓRIO, COMO NA HIPÓTESE. REQUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS. POSSIBILIDADE. INDISCUTIBILIDADE SOBRE A EXISTÊNCIA E MODO DE OCORRÊNCIA DOS FATOS, INCLUSIVE SOB A PERSPECTIVA DAS PARTES. CONFIGURAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL. PRESENÇA CUMULATIVA DOS REQUISITOS DE CONVIVÊNCIA PÚBLICA, CONTINUIDADE, DURABILIDADE E INTENÇÃO DE ESTABELECER FAMÍLIA A PARTIR DE DETERMINADO LAPSO TEMPORAL. DATA GRAVADA NAS ALIANÇAS. INSUFICIÊNCIA. AUSÊNCIA DE PUBLICIDADE DA CONVIVÊNCIA E DE PROVA DA SIMBOLOGIA DAS ALIANÇAS. DATA DE NASCIMENTO DO FILHO. INSUFICIÊNCIA. PROVA SUFICIENTE DE COABITAÇÃO EM MOMENTO ANTERIOR, INCLUSIVE AO TEMPO DA DESCOBERTA DA GRAVIDEZ, COM EXAME ENDEREÇADO À RESIDÊNCIA DO CASAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA. DESSEMELHANÇA FÁTICA. 1- Ação distribuída em 11/03/2013. Recurso especial interposto em 11/03/2016 e atribuídos à Relatora em 20/09/2016. 2- O propósito recursal consiste em definir se a prova documental produzida apenas em grau recursal pode ser considerada na definição da data de início da união estável e, ainda, definir o exato momento no tempo em que se configurou a união estável havida entre as partes. 3- A regra segundo a qual somente se admite a juntada de documentos novos em momentos posteriores à petição inicial ou à contestação deve ser flexibilizada em atenção ao princípio da verdade real, devendo ser observado, contudo, o princípio do contraditório, efetivamente exercido pela parte na hipótese. Precedente. 4- É admissível a requalificação jurídica dos fatos quando as decisões judiciais de mérito descrevem, de forma suficiente e harmônica, a existência e o modo pelo qual ocorreram, aspectos sobre os quais, inclusive, inexiste controvérsia até mesmo entre as próprias partes. Não incidência da Súmula 7/STJ. 5- Embora a identificação do momento preciso em que se configura a união estável, deve se examinar a presença cumulativa dos requisitos de convivência pública (união não oculta da sociedade), de continuidade (ausência de interrupções), de durabilidade e a presença do objetivo de estabelecer família, nas perspectivas subjetiva (tratamento familiar entre os próprios companheiros) e objetiva (reconhecimento social acerca da existência do ente familiar). 6- Na hipótese, deve ser afastada a data gravada nas alianças do casal - 25/08/2002 - como termo inicial da união estável, eis que ausente o requisito da convivência pública e diante da ausência de prova da específica simbologia representada pelas referidas alianças, como também deve ser afastada a data de nascimento do filho primogênito - 18/06/2004 - como termo inicial da convivência, eis que produzida prova suficiente de que os requisitos configuradores da união estável estavam presentes em momento anterior. 7- Os elementos de prova colhidos nos graus de jurisdição, interpretados à luz das máximas de experiência e da observação do modo pelo qual os fatos normalmente se desenvolvem, somada a existência de coabitação entre as partes desde Fevereiro de 2003, mantida ao tempo da descoberta da gravidez, ocorrida em 24/10/2003, do primeiro filho do casal, permitem estabelecer essa data como o momento temporal em que a união estável havida entre as partes ficou plenamente configurada. 8- A dessemelhança fática entre o acórdão recorrido e os acórdãos tidos como paradigmáticos impede o conhecimento do recurso especial pela divergência jurisprudencial. 9- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido.” (REsp. 1.678.437/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em 21/08/2018, DJe 24/08/2018).

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VI- Atenção: as partes da união estável são denominadas “companheiros” ou “conviventes’, não mais “concubinos”, desde a Constituição de 1988. A CF/88 reconheceu união estável como entidade familiar (art. 226, § 3º 24)

5.2. Efeitos Pessoais e Patrimoniais da União Estável I- Os efeitos são válidos para as uniões heteroafetivas e homoafetivas, ambas de competência da Vara da Família. II - O art. 1.724 do CC25 prevê os deveres de lealdade, respeito, assistência, guarda, sustento e educação dos filhos. III - Confrontando-se o art. 1.724, CC, com aquele que prevê os deveres dos cônjuges no casamento (art. 1.566 do CC26), é possível notar duas diferenças: 1ª) No casamento, está estabelecido o dever de fidelidade e não de lealdade; e 2ª) No casamento, há a exigência de vida em comum no domicílio conjugal (coabitação). IV- O art. 1.725 do CC27 trata do regime patrimonial de bens. “Salvo contrato escrito, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens” (regime legal ou supletório). O contrato escrito em questão é chamado de “contrato de convivência” por Francisco José Cahali, não obrigatório, que pode ser feito por escritura pública ou instrumento particular. Nele, pode se escolher regime patrimonial diverso da comunhão parcial e, ainda, declarara existência da própria união estável. V - STJ= é nula a cláusula ou a própria escritura que atribui eficácia retroativa ao regime de bens em união estável: “Recurso Especial – Civil e Processual Civil – Direito de Família – Escritura pública de reconhecimento de união estável – Regime da separação de bens – Atribuição de eficácia retroativa – Não cabimento – Precedentes da Terceira Turma. 1. Ação de declaração e de dissolução de união estável, cumulada com partilha de bens, tendo o casal convivido por doze anos e gerado dois filhos. 2. No momento do rompimento da relação, em setembro de 2007, as partes celebraram, mediante escritura pública, um pacto de reconhecimento de união estável, elegendo retroativamente o regime da separação total de bens. 3. Controvérsia em torno da validade da cláusula referente à eficácia retroativa do regime de bens. 4. Consoante a disposição do art. 1.725 do Código Civil, “na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”. 5. Invalidade da cláusula que atribui eficácia retroativa ao regime de bens pactuado em escritura pública de reconhecimento de união estável. 6. Prevalência do regime legal (comunhão parcial) no período anterior à lavratura da escritura. 7. Precedentes da Terceira Turma do STJ. 8. Voto divergente quanto à fundamentação. 9. Recurso Especial desprovido.” (STJ. REsp 1.597.675/SP. 3ª Turma. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Julg. 25/10/2016)

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CF, art. 226, § 3º: “§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. 25 CC, art. 1.724: “As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.” 26 CC, art. 1.566: “São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II - vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e consideração mútuos.” 27 CC, art. 1.725: “Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.”

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Aplicação do art. 1.641 do CC (regime de separação obrigatória) para a união estável? STJ = sim e a Súmula 377 do STF 28, com a necessidade de prova do esforço comum (Tese nº 6, Ed. 50 do Jurisprudência em Teses29 e EREsp 1.171.820/PR): “EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS (CC/1916, ART. 258, II; CC/2002, ART. 1.641, II). DISSOLUÇÃO. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE. PARTILHA. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PRESSUPOSTO DA PRETENSÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 1. Nos moldes do art. 258, II, do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos (matéria atualmente regida pelo art. 1.641, II, do Código Civil de 2002), à união estável de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens. 2. Nessa hipótese, apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha. 3. Embargos de divergência conhecidos e providos para negar seguimento ao recurso especial.” (EREsp 1.171.820, Rel. Min. Raul Araújo. Segunda Seção. Julgado em 26/08/2015. DJe 21/09/2015).

CONTINUAMOS NA PRÓXIMA AULA COM O TEMA DA UNIÃO ESTÁVEL.

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Súmula 377, STF: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.” Tese 6, Ed. 50: “Na união estável de pessoa maior de setenta anos (art. 1.641, II, do CC/02), impõe-se o regime da separação obrigatória, sendo possível a partilha de bens adquiridos na constância da relação, desde que comprovado o esforço comum.” 29

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MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS Flávio Tartuce Direito Civil Aula 8

ROTEIRO DE AULA

DIREITO DE FAMÍLIA: UNIÃO ESTÁVEL, PARENTESCO E FILIAÇÃO

5.2. Efeitos Pessoais e Patrimoniais da União Estável

I- O art. 1.725 do CC1 trata do regime patrimonial – Salvo contrato escrito, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens (regime legal ou supletório). O contrato escrito em questão é chamado de “contrato de convivência” por Francisco José Cahali, não obrigatório, que pode ser feito por escritura pública ou instrumento particular. Nele, pode-se escolher regime patrimonial diverso da comunhão parcial e, ainda, declarara existência da própria união estável.

II - Segundo o STJ, é nula a cláusula que atribui eficácia retroativa ao regime de bens pactuado em união estável: “Recurso Especial – Civil e Processual Civil – Direito de Família – Escritura pública de reconhecimento de união estável – Regime da separação de bens – Atribuição de eficácia retroativa – Não cabimento – Precedentes da Terceira Turma. 1. Ação de declaração e de dissolução de união estável, cumulada com partilha de bens, tendo o casal convivido por doze anos e gerado dois filhos. 2. No momento do rompimento da relação, em setembro de 2007, as partes celebraram, mediante escritura pública, um pacto de reconhecimento de união estável, elegendo retroativamente o regime da separação total de bens. 3. Controvérsia em torno da validade da cláusula referente à eficácia retroativa do regime de bens. 4. Consoante a disposição do art. 1.725 do Código Civil, “na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”. 5. Invalidade da cláusula que atribui eficácia retroativa ao regime de bens pactuado em escritura pública de reconhecimento de união 1

CC, art. 1.725: “Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber,

o regime da comunhão parcial de bens.”

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estável. 6. Prevalência do regime legal (comunhão parcial) no período anterior à lavratura da escritura. 7. Precedentes da Terceira Turma do STJ. 8. Voto divergente quanto à fundamentação. 9. Recurso Especial desprovido.” (STJ. REsp 1.597.675/SP. 3ª Turma. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Julg. 25/10/2016)

III - O art. 1.647 do CC2 (outorga conjugal), sob pena de nulidade (art. 1.649 do CC 3) aplica-se, por analogia, à união estável (outorga convivencial)? Segundo a jurisprudência do STJ, existem 3 correntes: •

1ª corrente: sim, diante de uma necessária equiparação das entidades familiares:

“PROCESSO CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA DE BEM IMÓVEL EM CONDOMÍNIO – EXIGÊNCIA DE CONSENTIMENTO DOS DEMAIS. 1. A lei civil exige, para alienação ou constituição de gravame de direito real sobre bem comum, o consentimento dos demais condôminos. 2. A necessidade é de tal modo imperiosa, que tal consentimento é, hoje, exigido da companheira ou convivente de união estável (art. 226, § 3º, da CF), nos termos da Lei 9.278/96. 3. Recurso especial improvido.” (REsp 755.830/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/11/2006, DJ 01/12/2006, p. 291). •

2ª corrente: não, pois a união estável não é totalmente igual ao casamento. Esse é o entendimento do professor. Outrossim, o art. 1.647 não admite analogia por ser norma restritiva de direitos:

“DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. DIREITO DE FAMÍLIA. CONTRATO DE LOCAÇÃO. FIANÇA. FIADORA QUE CONVIVIA EM UNIÃO ESTÁVEL. INEXISTÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA. DISPENSA. VALIDADE DA GARANTIA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N. 332/STJ. 1. Mostra-se de extrema relevância para a construção de uma jurisprudência consistente acerca da disciplina do casamento e da união estável saber, diante das naturais diferenças entre os dois institutos, quais os limites e possibilidades de tratamento jurídico diferenciado entre eles. 2. Toda e qualquer diferença entre casamento e união estável deve ser analisada a partir da dupla concepção do que seja casamento - por um lado, ato jurídico solene do qual decorre uma relação jurídica com efeitos tipificados pelo ordenamento jurídico, e, por outro, uma entidade familiar, dentre várias outras protegidas pela Constituição. 3. Assim, o casamento, tido por entidade familiar, não se difere em nenhum aspecto da união estável - também uma entidade familiar -, porquanto não há famílias timbradas como de "segunda classe" pela Constituição Federal de 1988, diferentemente do que ocorria nos diplomas constitucionais e legais superados. Apenas quando se analisa o casamento como ato jurídico formal e solene é que as diferenças entre este e a união estável se fazem visíveis, e somente em razão dessas diferenças entre casamento - ato jurídico - e união estável é que o tratamento legal ou jurisprudencial diferenciado se justifica. 4. A exigência de outorga uxória a determinados negócios jurídicos transita exatamente por este aspecto em que o tratamento diferenciado entre casamento e união estável é justificável. É por intermédio do ato jurídico cartorário e solene do casamento que se presume a publicidade do estado civil dos contratantes, de modo que, em sendo eles conviventes em união estável, hão de ser dispensadas as 2

CC, art. 1.647: “Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; III - prestar fiança ou aval; IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação. Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada.” 3 CC, Art. 1.649: “A falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária (art. 1.647), tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal”.

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vênias conjugais para a concessão de fiança. 5. Desse modo, não é nula nem anulável a fiança prestada por fiador convivente em união estável sem a outorga uxória do outro companheiro. Não incidência da Súmula n. 332/STJ à união estável. 6. Recurso especial provido.” (REsp 1.299.866/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/02/2014, DJe 21/03/2014). Enunciado 641, VIII Jornada de Direito Civil: “Art. 1.790: A decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil não importa equiparação absoluta entre o casamento e a união estável. Estendem-se à união estável apenas as regras aplicáveis ao casamento que tenham por fundamento a solidariedade familiar. Por outro lado, é constitucional a distinção entre os regimes, quando baseada na solenidade do ato jurídico que funda o casamento, ausente na união estável.” •

3ª corrente: depende. É a que prevalece atualmente no STJ. Aplica-se o art. 1.647 no caso de união estável feita por escritura pública e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, que protege o 3º de boa-fé:

“DIREITO CIVIL. ALIENAÇÃO, SEM CONSENTIMENTO DO COMPANHEIRO, DE BEM IMÓVEL ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. A invalidação da alienação de imóvel comum, fundada na falta de consentimento do companheiro, dependerá da publicidade conferida à união estável, mediante a averbação de contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência de união estável no Ofício do Registro de Imóveis em que cadastrados os bens comuns, ou da demonstração de má-fé do adquirente. A Lei 9.278/1996, em seu art. 5º, ao dispor acerca dos bens adquiridos na constância da união estável, estabeleceu serem eles considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos os conviventes, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito. Dispôs, ainda, que a administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, questão também submetida ao poder de disposição dos conviventes. Nessa perspectiva, conforme entendimento doutrinário, a alienação de bem co-titularizado por ambos os conviventes, na esteira do citado artigo, sem a anuência de um dos condôminos, representaria alienação - pelo menos em parte - de coisa alheia, caracterizando uma venda “a non domino”, ou seja, um ato ilícito. Por outro lado, inolvidável a aplicabilidade, em regra, da comunhão parcial de bens à união estável, consoante o disposto no caput do art. 1.725 do CC. E, especialmente acerca da disponibilidade dos bens, em se tratando de regime que não o da separação absoluta, consoante disciplinou o CC no seu art. 1.647, nenhum dos cônjuges poderá, sem autorização do outro, alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis. A interpretação dessas normas, ou seja, do art. 5º da Lei 9.278/1996 e dos já referidos arts. 1.725 e 1.647 do CC, fazendo-as alcançar a união estável, não fosse pela subsunção mesma, esteia-se, ainda, no fato de que a mesma ratio - que indisfarçavelmente imbuiu o legislador a estabelecer a outorga uxória e marital em relação ao casamento - mostra-se presente em relação à união estável; ou seja, a proteção da família (com a qual, aliás, compromete-se o Estado, seja legal, seja constitucionalmente). Todavia, levando-se em consideração os interesses de terceiros de boa-fé, bem como a segurança jurídica necessária para o fomento do comércio jurídico, os efeitos da inobservância da autorização conjugal em sede de união estável dependerão, para a sua produção (ou seja, para a eventual anulação da alienação do imóvel que integra o patrimônio comum) da existência de uma prévia e ampla notoriedade dessa união estável. No casamento, ante a sua peculiar conformação registral, até mesmo porque dele decorre a automática alteração de estado de pessoa e, assim, dos 3 www.g7juridico.com.br

documentos de identificação dos indivíduos, é ínsita essa ampla e irrestrita publicidade. Projetando-se tal publicidade à união estável, a anulação da alienação do imóvel dependerá da averbação do contrato de convivência ou do ato decisório que declara a união no Registro Imobiliário em que inscritos os imóveis adquiridos na constância da união. A necessidade de segurança jurídica, tão cara à dinâmica dos negócios na sociedade contemporânea, exige que os atos jurídicos celebrados de boa-fé sejam preservados. Em outras palavras, nas hipóteses em que os conviventes tornem pública e notória a sua relação, mediante averbação, no registro de imóveis em que cadastrados os bens comuns, do contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência da união estável, não se poderá considerar o terceiro adquirente do bem como de boa-fé, assim como não seria considerado caso se estivesse diante da venda de bem imóvel no curso do casamento. Contrariamente, não havendo o referido registro da relação na matrícula dos imóveis comuns, ou não se demonstrando a má-fé do adquirente, deve-se presumir a sua boa-fé, não sendo possível a invalidação do negócio que, à aparência, foi higidamente celebrado. Por fim, não se olvide que o direito do companheiro prejudicado pela alienação de bem que integrava o patrimônio comum remanesce sobre o valor obtido com a alienação, o que deverá ser objeto de análise em ação própria em que se discuta acerca da partilha do patrimônio do casal.” (REsp 1.424.275-MT, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 4/12/2014, DJe 16/12/2014)

IV – Art. 1.725, CC - O regime legal da união estável é a comunhão parcial. Em relação aos bens adquiridos durante a união estável, há meação, sem a necessidade da prova do esforço comum (Enunciado 115, I Jornada de Direito Civil 4).

V – Questão: a comunhão parcial já era o regime da união estável antes do CC/2002? O STJ afirma que já era comunhão parcial desde o art. 5º da Lei 9.278/1996. “RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL. INÍCIO ANTERIOR E DISSOLUÇÃO POSTERIOR À EDIÇÃO DA LEI 9.278/96. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE ANTES DA VIGÊNCIA DA NORMA LEGAL. 1. Não configura ofende o art. 535 do CPC a decisão que examina, de forma fundamentada, todas as questões submetidas à apreciação judicial. 2. Demonstrado que as instâncias de origem não apreciaram a efetiva contribuição de um dos conviventes para a construção do patrimônio comum, prova considerada irrelevante para o deslinde da controvérsia, mas entenderam aplicável a presunção legal do esforço comum prevista na Lei 9.278/96, também em relação aos bens adquiridos antes de sua entrada em vigor, não tem incidência, no caso presente, o óbice da Súmula 7/STJ. 3. A violação aos princípios do direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada encontra vedação em dispositivo constitucional (art. 5º XXXVI), mas seus conceitos são estabelecidos em lei ordinária (LINDB, art. 6º). Dessa forma, não havendo na Lei 9.278/96 comando que determine a sua retroatividade, mas decisão judicial acerca da aplicação da lei nova a determinada relação jurídica existente quando de sua entrada em vigor - hipótese dos autos - a questão será infraconstitucional, passível de exame mediante recurso especial. Precedentes do STF e deste Tribunal 4. A presunção legal de esforço comum na aquisição do patrimônio dos conviventes foi introduzida pela Lei 9.278/96, devendo os bens amealhados no período anterior a sua vigência,

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Enunciado 115, I Jornada de Direito Civil: “Há presunção de comunhão de aqüestos na constância da união extramatrimonial mantida entre os companheiros, sendo desnecessária a prova do esforço comum para se verificar a comunhão dos bens.”.

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portanto, serem divididos proporcionalmente ao esforço comprovado, direito ou indireto, de cada convivente, conforme disciplinado pelo ordenamento jurídico vigente quando da respectiva aquisição (Súmula 380/STF). 5. Os bens adquiridos anteriormente à Lei 9.278/96 têm a propriedade - e, consequentemente, a partilha ao cabo da união disciplinada pelo ordenamento jurídico vigente quando respectiva aquisição, que ocorre no momento em que se aperfeiçoam os requisitos legais para tanto e, por conseguinte, sua titularidade não pode ser alterada por lei posterior em prejuízo ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito (CF, art. 5, XXXVI e Lei de Introdução ao Código Civil, art. 6º). 6. Os princípios legais que regem a sucessão e a partilha de bens não se confundem: a sucessão é disciplinada pela lei em vigor na data do óbito; a partilha de bens, ao contrário, seja em razão do término, em vida, do relacionamento, seja em decorrência do óbito do companheiro ou cônjuge, deve observar o regime de bens e o ordenamento jurídico vigente ao tempo da aquisição de cada bem a partilhar. 7. A aplicação da lei vigente ao término do relacionamento a todo o período de união implicaria expropriação do patrimônio adquirido segundo a disciplina da lei anterior, em manifesta ofensa ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito. 8. Recurso especial parcialmente provido.” (REsp. 959.213/PR. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Rel. para Acórdão Min. Maria Isabel Gallotti. Quarta Turma. Julgado em 06/06/2013. DJe 10/06/2013). VI - Por sua vez, o art. 1.726 do CC5 trata da conversão da união estável em casamento, exigindo, para tal, uma ação judicial com posterior registro no Cartório de Registro Civil, em desobediência ao art. 226, § 3º da CF6.

VII - Na prática, em muitas unidades da Federação, a conversão é feita unicamente no Cartório de Registro Civil, como no estado de São Paulo, mediante normas da Corregedoria do Tribunal de Justiça, dispensada a ação judicial. “PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE CONVERSÃO DE UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO. OBRIGATORIEDADE DE FORMULAÇÃO EXCLUSIVAMENTE PELA VIA ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA. CONVERSÃO PELA VIA JUDICIAL. POSSIBILIDADE. I. O propósito recursal é reconhecer a existência de interesse de agir para a propositura de ação de conversão de união estável em casamento, considerando a possibilidade de tal procedimento ser efetuado extrajudicialmente. II. Os arts. 1726, do CC e 8º, da Lei 9278/96 não impõem a obrigatoriedade de que se formule pedido de conversão de união estável em casamento exclusivamente pela via administrativa. III. A interpretação sistemática dos dispositivos à luz do art. 226 § 3º da Constituição Federal confere a possibilidade de que as partes elejam a via mais conveniente para o pedido de conversão de união estável em casamento. IV. Recurso especial conhecido e provido”. (REsp. 1.685.937/RJ. Rel. Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em 17/08/2017. DJe 22/08/2017)

VIII – Art. 1.694, CC7 – Direito de alimentos dos companheiros (equiparados aos cônjuges).

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CC, art. 1.726: “A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.” 6 CF, art. 226, § 3º: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.” 7 CC, art. 1.694: “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. § 1o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. § 2 o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.”

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IX – Art. 1.790, CC – tratava da sucessão do companheiro/convivente, mas o Supremo já reconheceu que esse dispositivo é inconstitucional. Informativo 864 do STF, entendendo que o companheiro/convivente deve ser incluído ao lado do cônjuge no art. 1.829, I, II e III. “Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Aplicação do artigo 1.790 do Código Civil à sucessão em união estável homoafetiva. Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e companheiros. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável, hetero ou homoafetivas. O STF já reconheceu a “inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico”, aplicando-se a união estável entre pessoas do mesmo sexo as mesmas regras e mesas consequências da união estável heteroafetiva (ADI 4277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05.05.2011) 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nº 8.971/1994 e nº 9.278/1996 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente e da vedação do retrocesso. 3. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. 4. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”. (RE 646721, Relator Ministro: Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão: Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017, DJe 11/09/2017) “Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e companheiros. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável. 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. 3. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da vedação do retrocesso. 4. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. 5. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 6 www.g7juridico.com.br

1.829 do CC/2002”. (RE 878694, Relator Ministro: Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017, Dje 06/02/2018)

5.3. Diferenças entre união estável e concubinato

I - A união estável está prevista no art. 1.723, CC, e configura entidade familiar. Já o concubinato, previsto no art. 1.727 do CC8, não é entidade familiar, mas sociedade de fato.

II - Tabela comparativa entre os institutos, conforme Código Civil de 2002: União Estável – art. 1.723

Concubinato – art. 1.727

Entidade Familiar.

Não é família, mas sociedade de fato.

Conviventes ou companheiros

Concubinos

Pessoas solteiras, viúvas, divorciadas ou separadas (de Pessoas casadas não separadas ou havendo impedimento fato, judicialmente ou extrajudicialmente).

matrimonial decorrente de parentesco ou crime (art. 1.521 do CC).

Há direito à meação, alimentos e sucessão.

Não há meação, alimentos ou sucessão. Aplica-se a súmula 380 do STF9 - divisão dos bens adquiridos pelo esforço comum

Ação de reconhecimento e dissolução de união estável Ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato – (CPC/2015) – Vara da Família

Vara Cível

6. Relações de parentesco e reconhecimento de filhos (arts. 1.591 a 1.617 do CC)

6.1. Conceito de parentesco e modalidades I - Conceito doutrinário (Maria Helena Diniz): parentesco é o vínculo entre pessoas que têm a mesma origem biológica (tronco comum) entre um cônjuge ou companheiro e os parentes do outro ou pessoas que têm um vínculo de natureza civil (parentalidade socioafetiva) II - Portanto, existem 3 modalidades de parentesco: a) Parentesco consanguíneo, biológico ou natural: há um vínculo biológico ou de sangue. Decorre da presunção do casamento ou união estável e do exame de DNA.

b) Parentesco por afinidade (art. 1.595, CC10): existente entre um cônjuge ou companheiro e os parentes do outro. O parentesco por afinidade pode ser: 8

CC, art. 1.727: “As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.” Súmula 380, STF: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.” 9

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Na linha reta: ascendente (sogra, sogro e seus ascendentes) e descendente (enteado, enteada e seus descendentes). Há vínculo perpétuo, com impedimento matrimonial.



Na linha colateral: entre cunhados. O vínculo não é perpétuo e não há impedimento matrimonial.

c) Parentesco civil: aquele que tem “outra origem” (art. 1.593, CC11). Tradicionalmente, é o que ocorre na adoção. Porém, doutrina e jurisprudência reconhecem duas outras hipóteses de parentesco civil: •

Técnica de Reprodução Assistida Heteróloga (TRA): envolve material genético de terceiro. O vínculo será estabelecido com aquele que planejou e não com o doador do material genético.



Parentalidade socioafetiva (segundo doutrina amplamente majoritária): decorre da posse de estado de filho – “Filho de criação”. Origem = João Batista Villela, em 1979, “desbiologização da paternidade” = “pai é quem cria”. Luiz Edson Fachin, em 1992.

Enunciado 103, I JDC: “O Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho.” Enunciado 256, III JDC: “A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil.” Informativo 840 do STF: Repercussão geral da parentalidade socioafetiva. “Vínculo de filiação e reconhecimento de paternidade biológica”. “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica. No caso, a autora, ora recorrida, é filha biológica do recorrente, conforme demonstrado por exames de DNA. Por ocasião do seu nascimento, a autora foi registrada como filha de pai afetivo, que cuidara dela, por mais de vinte anos, como se sua filha biológica fosse. O Supremo Tribunal Federal afirmou que o sobreprincípio da dignidade humana, na sua dimensão de tutela da felicidade e realização pessoal dos indivíduos a partir de suas próprias configurações existenciais, impõe o reconhecimento, pelo ordenamento jurídico, de modelos familiares diversos da concepção tradicional. O espectro legal deve acolher tanto vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos quanto aqueles originados da ascendência biológica, por imposição do princípio da paternidade responsável, enunciado expressamente no art. 226, § 7º, da CF. Dessa forma, atualmente não cabe decidir entre a filiação afetiva e a biológica quando o melhor interesse do descendente é o reconhecimento jurídico de ambos os vínculos. A omissão do legislador brasileiro quanto ao reconhecimento dos mais diversos arranjos familiares não pode servir de escusa para a

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CC, art. 1.595: “Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade. § 1 o O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro. § 2o Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.” 11 CC, art. 1.593: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.”

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negativa de proteção a situações de pluriparentalidade. Portanto, é importante reconhecer os vínculos parentais de origem afetiva e biológica. Todos os pais devem assumir os encargos decorrentes do poder familiar, e o filho deve poder desfrutar de direitos com relação a todos não só no âmbito do direito das famílias, mas também em sede sucessória. A Corte reputou ainda ser imperioso o reconhecimento da dupla parentalidade e manteve o acórdão de origem, que reconheceu os efeitos jurídicos de vínculo genético relativo ao nome, aos alimentos e à herança. Vencido o Ministro Edson Fachin, que provia parcialmente o recurso, sob o argumento de que o parentesco socioafetivo não é prioritário ou subsidiário à paternidade biológica, tampouco um parentesco de segunda classe. Trata-se de fonte de paternidade, maternidade e filiação dotada da mesma dignidade jurídica da adoção constituída judicialmente, que afasta o parentesco jurídico daqueles que detêm apenas vínculo biológico. Dessa forma, segundo o ministro Edson Fachin, havendo vínculo socioafetivo com um pai e biológico com outro genitor, o vínculo socioafetivo se impõe juridicamente. O parentesco socioafetivo não é menos parentesco do que aquele estabelecido por adoção formal. Assim como o filho adotivo não pode constituir paternidade jurídica com outrem sob o fundamento biológico, também não pode o filho socioafetivo. Vencido, também, o Ministro Teori Zavascki, que provia integralmente o recurso, sob o fundamento de que a paternidade biológica não gera, necessariamente, a relação de paternidade do ponto de vista jurídico, com as consequências daí decorrentes. O ministro rememorou, ainda, que havia, no caso, uma paternidade socioafetiva que persistiu e persiste. E, como não pode ser considerada menos importante do que qualquer outra forma de paternidade, ela deve ser preservada. RE 898060/SC, rel. min. Luiz Fux, julgamento em 21 e 22-9-2016. [...]”

III - Tese: “a paternidade socioafetiva declarada ou não em registro não impede o reconhecimento de vínculo de filiação concomitante, com os efeitos jurídicos próprios” (alimentos, sucessão, filiação, etc.). Três repercussões importantes: ✓ Afetividade é valor jurídico + princípio. ✓ Parentalidade socioafetiva é forma de parentesco civil, em posição de igualdade com a parentalidade biológica. ✓ É possível a multiparentalidade, até contra a vontade dos pais e para todos os fins jurídicos.

IV – Critérios para a parentalidade socioafetiva: ✓ Tratamento = tractatio/Tractatus. ✓ Reputação = reputatio/fama. ✓ Nome = nominativo/nomen.

Regras quanto à Contagem de Parentesco (art. 1591, CC12 e art. 1.592, CC13). Contagem dos graus (art. 1.594, CC14): ✓ Na linha reta, os graus são contados pelo número de gerações na medida em que se sobe ou se desce na “escada parental”. 12

CC, art. 1.591: “São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes.” 13 CC, art. 1.592: “São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra.” 14 CC, art. 1.594: “Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente.”

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✓ Na linha colateral ou transversal, deve-se subir ao máximo até se encontrar o ancestral comum, para depois se descer e encontrar o outro parente. Existe apenas do 2º grau até o 4º grau!

6.2 Filiação (arts. 1.596 a 1.606 CC)

I - É a relação jurídica existente entre ascendentes e descendentes de 1º grau (entre pais e filhos).

II - Regida pelo princípio da igualdade entre os filhos, cuja repercussão é vista no Direito Sucessório (CC, art. 1.596 e CF, art. 227, §6º15). Não se pode mais utilizar as expressões “filhos ilegítimos, espúrios, adulterinos ou incestuosos”. CC, art. 1.596: “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” CC, art. 1.597: “Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga, V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.”

III - No art. 1.597 do CC, é trazida a antiga máxima: “Maternidade é certeza (?), paternidade é presunção que decorre da situação de casado” (pater is est). Esta máxima encontra-se enfraquecida = prova via exame de DNA. A presunção é relativa ou iuris tantum.

IV - Análise do art. 1.597, CC – Presunções de filiação decorrentes de casamento (e união estável): Inciso I e II- Início do casamento: 180 dias. Fim do casamento: 300 dias. 15

CF, art. 227, §6º: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”

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Inciso III, IV e V – TRA homóloga (material genético dos próprios cônjuges) e TRA heteróloga (com material genético de terceiro).

V – Existem dispositivos sobre filiação que são considerados ultrapassados pela doutrina (Rolf Madaleno): ➢ CC, art. 1.59916 - art. 1.60017 - art.1.60218 - art. 1.60319 - art. 1.60520 - art. 1.61121 - art. 1.61222

VI- Filiação = 3 ações judiciais básicas = em todas elas, deve se levar em conta a parentalidade socioafetiva: ✓ 1ª) Ação de Investigação de Paternidade. ✓ 2ª) Ação Negatória de Paternidade (art. 1.601). ✓ 3ª) Ação Vindicatória de Paternidade (art. 1.604).

O art. 1.601 do CC23 trata da Ação Negatória de Paternidade proposta pelo marido, que é imprescritível. Essa ação será julgada improcedente caso haja parentalidade socioafetiva ou TRA heteróloga.

O art. 1.604 do CC24 trata da Ação Vindicatória de Filho, proposta por terceiro, que pede o vínculo para si, alegando erro ou falsidade no registro. O STJ entende que essa ação não poder ser julgada procedente em detrimento da estabilidade familiar ou do melhor interesse do filho (vínculo socioafetivo).

6.3. Reconhecimento dos Filhos (art. 1.607 a 1.617 CC) + Lei n. 8.560/1992 = Lei da Investigação de Paternidade. Existem duas modalidades: •

Reconhecimento voluntário ou perfilhação (art. 1.609 CC);



Reconhecimento judicial ou forçado (Ação Investigatória).

6.3.1. Reconhecimento voluntário ou perfilhação I – Artigos 1.607 e 1.608, CC25. Hipóteses do art. 1.609, CC26:

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CC, art. 1.599: “A prova da impotência do cônjuge para gerar, à época da concepção, ilide a presunção da paternidade.” CC, art. 1.600: “Não basta o adultério da mulher, ainda que confessado, para ilidir a presunção legal da paternidade.” 18 CC, art. 1.602: “Não basta a confissão materna para excluir a paternidade.” 19 CC, art. 1.603: “A filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil.” 20 CC, art. 1.605: “Na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito: I - quando houver começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou separadamente; II - quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos.” 21 CC, art. 1.611: “O filho havido fora do casamento, reconhecido por um dos cônjuges, não poderá residir no lar conjugal sem o consentimento do outro.” 22 CC, art. 1.612: “O filho reconhecido, enquanto menor, ficará sob a guarda do genitor que o reconheceu, e, se ambos o reconheceram e não houver acordo, sob a de quem melhor atender aos interesses do menor. 23 CC, art. 1.601: “Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível. Parágrafo único. Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação.” 24 CC, art. 1.604: “Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro.” 25 CC, art. 1.607: “O filho havido fora do casamento pode ser reconhecido pelos pais, conjunta ou separadamente.” 17

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Inciso I – No registro de nascimento. Inciso II – Escritura Pública ou Escrito Particular. Inciso III – Testamento, legado ou codicilo. Inciso IV – Por manifestação direta e expressa a qualquer juiz, ainda que o reconhecimento não seja o objeto da ação.

II- É possível o reconhecimento anterior ao nascimento de nascituro (teoria concepcionista) ou posterior à morte do filho (post mortem), se o filho deixou descendentes (art. 1.609, parágrafo único, CC27).

III - O reconhecimento de filho é ato irrevogável, mesmo se constar em testamento, conforme art. 1.610 do CC28.

IV – Trata-se de ato jurídico stricto sensu unilateral, formal, não sujeito a condição (incondicional) ou a termo, que são considerados ineficazes (art. 1.613 do CC29). Exemplos: “Reconheço você como meu filho se você me pagar R$ 100 mil” (A partir do “se”, tudo é ineficaz e deve ser lido como apenas “reconheço você como filho”). “Reconheço você como meu filho, quando meu pai morrer (o termo é ineficaz). O reconhecimento do filho é válido e eficaz.

V - Art. 1.614 do CC30 - O filho maior só poder ser reconhecido com o seu consentimento. Passa, nesse caso, a ser ato bilateral? Não, trata-se de ato unilateral e receptício, que precisa da manifestação de vontade (Maria Helena Diniz e Silvio Rodrigues). “CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE MATERNIDADE SOCIOAFETIVA DE FILHO MAIOR POST MORTEM. INTERESSE PROCESSUAL E POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO EXISTENTES. VIABILIDADE DA PRETENSÃO EM TESE. RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO DE FILIAÇÃO APÓS O FALECIMENTO DO FILHO MAIOR E DE SUA GENITORA BIOLÓGICA. IMPRESCINDIBILIDADE DO CONSENTIMENTO PREVISTO NO ART. 1.614 DO CÓDIGO CIVIL. RESPEITO À MEMÓRIA E À IMAGEM PÓSTUMAS. 1- Ação distribuída em 11/01/2016. Recurso especial interposto em 09/02/2017 e atribuído à Relatora em 25/08/2017. 2- O propósito recursal é definir se é possível reconhecer a existência de maternidade socioafetiva entre a parte e filho maior, com genitora biológica conhecida, após a morte de ambos, especialmente para o fim de que a parte possa receber a pensão decorrente da morte do pretenso filho. 3- A pretensão de reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem de filho maior é, em tese, admissível, motivo pelo qual é

CC, art. 1.608: “Quando a maternidade constar do termo do nascimento do filho, a mãe só poderá contestá-la, provando a falsidade do termo, ou das declarações nele contidas.” 26 CC, art. 1.609: “O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito: I - no registro do nascimento; II por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado; IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém. Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.” 27 CC, art. 1.609, § único: “O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.” 28 CC, art. 1.610: “O reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo quando feito em testamento.” 29 CC, art. 1.613: “São ineficazes a condição e o termo apostos ao ato de reconhecimento do filho”. 30 CC, art. 1.614: “O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação.”

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inadequado extinguir o feito em que se pretenda discutir a interpretação e o alcance da regra contida no art. 1.614 do CC/2002 por ausência de interesse recursal ou impossibilidade jurídica do pedido. 4- A imprescindibilidade do consentimento do filho maior para o reconhecimento de filiação post mortem decorre da impossibilidade de se alterar, unilateralmente, a verdade biológica ou afetiva de alguém sem que lhe seja dada a oportunidade de se manifestar, devendo ser respeitadas a memória e a imagem póstumas de modo a preservar a história do filho e também de sua genitora biológica. 6- Recurso especial conhecido e desprovido, por fundamentação distinta, a fim de julgar improcedente o pedido com resolução de mérito.” (REsp 1.688.470, Rel. Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em 10/04/18. DJe 13/04/2018). ✓ A segunda parte do art. 1.614 está desatualizada, pois prevê que o filho menor poderá impugnar a paternidade no prazo decadencial de quatro anos que se seguirem à maioridade ou à emancipação. STJ = as ações fundadas em filiação são imprescritíveis.

“FAMÍLIA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. NEGATÓRIA DE FILIAÇÃO. PETIÇÃO DE HERANÇA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. PRESCRIÇÃO. DECADÊNCIA. ECA. - O filho nascido na constância do casamento, tem legitimidade para propor ação para identificar seu verdadeiro ancestral. A restrição contida no Art. 340 do Código Beviláqua foi mitigada pelo advento dos modernos exames de D.N.A. - A ação negatória de paternidade atribuída privativamente ao marido, não exclui a ação de investigação de paternidade proposta pelo filho contra o suposto pai ou seus sucessores. - A ação de investigação de paternidade independe do prévio ajuizamento da ação anulatória de filiação, cujo pedido é apenas conseqüência lógica da procedência da demanda investigatória. - A regra que impõe ao perfilhado o prazo de quatro anos para impugnar o reconhecimento, só é aplicável ao filho natural que visa afastar a paternidade por mero ato de vontade, a fim de desconstituir o reconhecimento da filiação, sem buscar constituir nova relação. - É imprescritível a ação de filho, mesmo maior, ajuizar negatória de paternidade. Não se aplica o prazo do Art. 178, § 9º, VI, do Código Beviláqua”. (STJ – REsp 765.479/RS, Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros, Data de Julgamento: 07/03/2006, T3 TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/04/2006).

6.3.2. Reconhecimento Judicial, Forçado ou Coativo

I- Pode ser exercido por meio da Ação de Investigação ou Investigatória: •

de Paternidade (mais comum).



de Maternidade (mais rara).

No CPC/1973, essas ações seguiam o rito ordinário. No CPC/2015, segue o procedimento especial das ações contenciosas de família (art. 693 a 699 do CPC/201531).

II - Principais Aspectos da Ação Investigatória 31

CPC/15, art. 693, caput: “As normas deste Capítulo aplicam-se aos processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação”.

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a) Prazo. A ação é imprescritível. Nesse sentido: art. 27, ECA32 e Súmula 149, STF33, pois é declaratória, fundada em Estado de Pessoas e na Dignidade da Pessoa Humana.

b) Foto competente = Em regra, ação pessoal, do domicílio do réu (art. 46, CPC/201534). ✓ Se cumulada com alimentos, será do domicílio ou residência do autor/alimentando (Súmula 1, STJ35);

c) Legitimidade Ativa = Ação Personalíssima. ✓ Em regra, proposta pelo suposto filho (representado ou assistido, quando menor, ou sozinho). ✓ Ministério Público = como substituto processual, conforme a Lei 8.560/1992. I - Aos que apoiam a teoria concepcionista, o nascituro também teria legitimidade. II - Quebrando o caráter personalíssimo desta ação, o STJ admite a Ação Avoenga, proposta pelo neto contra o avô: “Ação dos netos para identificar a relação avoenga. Precedente da Terceira Turma. 1. Precedente da Terceira Turma reconheceu a possibilidade da ação declaratória "para que diga o Judiciário existir ou não a relação material de parentesco com o suposto avô" (REsp nº 269/RS, Relator o Ministro Waldemar Zveiter, DJ de 7/5/90). 2. Recursos especiais conhecidos e providos”. (STJ, REsp 603.885/RS, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgamento 03/03/2005, Dje 11/04/2005)

d) Legitimidade Passiva = Em regra, suposto pai ou suposta mãe = ação personalíssima. Exceções: •

Em caso de falecimento do pai ou mãe, a ação será proposta contra os seus herdeiros e não contra o espólio. Se não houver herdeiros, poderá ser proposta contra o Município ou União (herança jacente vacante). Se inexistirem bens e o suposto filho só quiser o reconhecimento do nome, a ação será proposta contra o Estado;

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ECA, art. 27: “O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.” 33 Súmula 149 do STF: “É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança.” 34 CPC, art. 46: “A ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis será proposta, em regra, no foro de domicílio do réu. [...]” 35 Súmula 1 do STJ: “O foro do domicílio ou da residência do alimentando é o competente para a ação de investigação de paternidade, quando cumulada com a de alimentos.”

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No caso da Ação Avoenga, será proposta em face do avô.

e) Prova. Todos os meios são admitidos. O principal e mais efetivo meio de prova é o exame de DNA, cuja confiabilidade é quase absoluta. STJ = direito à verdade biológica é um direito fundamental. “Direito civil. Família. Recurso especial. Ação de investigação de paternidade e maternidade. Vínculo biológico. Vínculo socioafetivo. Peculiaridades. - A “adoção à brasileira”, inserida no contexto de filiação socioafetiva, caracteriza-se pelo reconhecimento voluntário da maternidade/paternidade, na qual, fugindo das exigências legais pertinentes ao procedimento de adoção, o casal (ou apenas um dos cônjuges/companheiros) simplesmente registra a criança como sua filha, sem as cautelas judiciais impostas pelo Estado, necessárias à proteção especial que deve recair sobre os interesses do menor. - O reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado sem qualquer restrição, em face dos pais ou seus herdeiros. - O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, estabelecido no art. 1º, inc. III, da CF/88, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, traz em seu bojo o direito à identidade biológica e pessoal. - Caracteriza violação ao princípio da dignidade da pessoa humana cercear o direito de conhecimento da origem genética, respeitando-se, por conseguinte, a necessidade psicológica de se conhecer a verdade biológica. - A investigante não pode ser penalizada pela conduta irrefletida dos pais biológicos, tampouco pela omissão dos pais registrais, apenas sanada, na hipótese, quando aquela já contava com 50 anos de idade. Não se pode, portanto, corroborar a ilicitude perpetrada, tanto pelos pais que registraram a investigante, como pelos pais que a conceberam e não quiseram ou não puderam dar-lhe o alento e o amparo decorrentes dos laços de sangue conjugados aos de afeto. - Dessa forma, conquanto tenha a investigante sido acolhida em lar “adotivo” e usufruído de uma relação socioafetiva, nada lhe retira o direito, em havendo sua insurgência ao tomar conhecimento de sua real história, de ter acesso à sua verdade biológica que lhe foi usurpada, desde o nascimento até a idade madura. Presente o dissenso, portanto, prevalecerá o direito ao reconhecimento do vínculo biológico. - Nas questões em que presente a dissociação entre os vínculos familiares biológico e socioafetivo, nas quais seja o Poder Judiciário chamado a se posicionar, deve o julgador, ao decidir, atentar de forma acurada para as peculiaridades do processo, cujos desdobramentos devem pautar as decisões. Recurso especial provido”. (STJ, REsp 833.712/RS, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgamento 17/05/2007, Dje 04/06/2007)

f) Contestação da ação (CC, art. 1.61536). A ação pode ser contestada por qualquer pessoa que tenha justo interesse. Além do suposto pai ou da suposta mãe: •

Cônjuge ou companheiro;



Herdeiros.

“AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. INTERESSE MORAL. JUSTO INTERESSE DA VIÚVA, NÃO HERDEIRA, DO SUPOSTO PAI, PARA CONTESTAR. ART. 365 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 E 1.615 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. 1. A ação de investigação de paternidade post mortem, em regra, é ajuizada em face dos herdeiros do suposto pai falecido. 2. 36

CC, art. 1.615: “Qualquer pessoa, que justo interesse tenha, pode contestar a ação de investigação de paternidade, ou maternidade”.

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Hipótese em que a viúva do suposto pai não ostenta a condição de herdeira, não sendo litisconsorte passiva necessária. Assiste-lhe, todavia, o direito de contestar a ação, uma vez que tem justo interesse moral, albergado pelo art. 365 do Código Civil de 1916 e 1.615 do Código Civil de 2002, recebendo o processo no estado em que se encontrava quando requereu a intervenção. 3. Recurso especial provido.” (REsp 1.466.423, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma. Julgado em 2/02/2016. DJe 02/03/2016).

g) Alimentos na Ação Investigatória Súmula 277 do STJ: “Julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação.” •

Igualdade entre filhos;



Art. 1.616, CC37 - A sentença na investigação deve ter efeitos iguais aos do reconhecimento voluntário.

h) Obrigatoriedade do exame de DNA e presunção de paternidade. Condução coercitiva. “INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - EXAME DNA - CONDUÇÃO DO RÉU "DEBAIXO DE VARA". Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas - preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer - provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, "debaixo de vara", para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídicoinstrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos”. (STF, HC 71.373/RS, Relator Ministro: Francisco Rezek, Relator p/ Acórdão: Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 10/11/1994, DJ 22-11-1996) ✓ Por maioria = não haveria obrigatoriedade para se fazer o exame de DNA, porém corre a presunção relativa de paternidade contra o suposto pai que se nega a fazer o exame. Isso gerou os arts. 231 e 232 do CC38, Súmula 301 do STJ39 e Lei n. 12.004/2009 que introduziu o art. 2º-A na Lei n. 8.560/1992.

i) Relativização da Coisa Julgada nas Ações Investigatórias julgadas improcedentes por ausência de prova quando não existia ainda o exame de DNA. ✓ STF e STJ = têm admitido. “PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REPETIÇÃO DE AÇÃO ANTERIORMENTE AJUIZADA, QUE TEVE SEU PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE POR FALTA DE PROVAS. COISA JULGADA. MITIGAÇÃO. DOUTRINA. PRECEDENTES. DIREITO DE FAMÍLIA. EVOLUÇÃO. RECURSO ACOLHIDO. I - Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de indícios suficientes a caraterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o 37

CC, art. 1.616: “A sentença que julgar procedente a ação de investigação produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento; mas poderá ordenar que o filho se crie e eduque fora da companhia dos pais ou daquele que lhe contestou essa qualidade.” 38 CC, art. 231: “Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa”. CC, art. 232: “A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame”. 39 Súmula 301 do STJ: “m ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”

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exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia notoriedade a seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido. II — Nos termos da orientação da Turma, "sempre recomendável a realização de perícia para investigação genética (HLA e DNA), porque permite ao julgador um juízo de fortíssima probabilidade, senão de certeza" na composição do conflito. Ademais, o progresso da ciência jurídica, em matéria de prova, está na substituição da verdade ficta pela verdade real. III - A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no reestudo do instituto, na busca sobretudo da realização do processo justo, "a coisa julgada existe como criação necessária à segurança prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de homens livres, a Justiça tem de estar acima da segurança, porque sem Justiça não há liberdade". IV - Este Tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, firmar posições que atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum”. (STJ, REsp 226.436/PR, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgamento 28/06/2001, Dje 04/02/2002)

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE DECLARADA EXTINTA, COM FUNDAMENTO EM COISA JULGADA, EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE ANTERIOR DEMANDA EM QUE NÃO FOI POSSÍVEL A REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA, POR SER O AUTOR BENEFICÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA E POR NÃO TER O ESTADO PROVIDENCIADO A SUA REALIZAÇÃO. REPROPOSITURA DA AÇÃO. POSSIBILIDADE, EM RESPEITO À PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA IDENTIDADE GENÉTICA DO SER, COMO EMANAÇÃO DE SEU DIREITO DE PERSONALIDADE. 1. É dotada de repercussão geral a matéria atinente à possibilidade da repropositura de ação de investigação de paternidade, quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, foi julgada improcedente, por falta de provas, em razão da parte interessada não dispor de condições econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova. 2. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo. 3. Não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável. 4. Hipótese em que não há disputa de paternidade de cunho biológico, em confronto com outra, de cunho afetivo. Busca-se o reconhecimento de paternidade com relação a pessoa identificada. 5. Recursos extraordinários conhecidos e providos”. (STF, RE 363.889, Relator Ministro: Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 02/06/2011, DJe 15-12-2011, Informativo 622).

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MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS Flávio Tartuce Direito Civil Aula 9

ROTEIRO DE AULA

DIREITO DE FAMÍLIA: ALIMENTOS 7. Alimentos (arts. 1.694 a 1.710 CC) 7.1. Conceito e Pressupostos da Obrigação Alimentar I - Alimentos familiares - são prestações devidas para a satisfação das necessidades pessoais daquele que não pode provê-las pelo trabalho próprio (definição de Orlando Gomes e Maria Helena Diniz).

II - Os alimentos estão previstos no art. 6º da Constituição Federal1. Fundamentos: ➢ Pacificação social. ➢ Tutela da dignidade humana; ➢ Manutenção do patrimônio mínimo (tese do Min. Luiz Edson Fachin). ➢ Solidariedade social (art. 3º, I, da CF). ➢ Direitos de Personalidade.

➢ Pressupostos ou requisitos (arts. 1.694, CC2 e 1695 CC3): a) Vínculo de casamento, união estável ou parentesco.

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CF, art. 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” 2 CC, art. 1.694: “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. § 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. § 2º Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.” 3 CC, art. 1.695: “São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.”

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I - Parentalidade socioafetiva: decisão publicada no Informativo 840 do STF (RE 898.060/SC, de relatoria do Min. Luiz Fux, em 21 e 22/09/2016). “Recurso Extraordinário. Repercussão Geral reconhecida. Direito Civil e Constitucional. Conflito entre paternidades socioafetiva e biológica. Paradigma do casamento. Superação pela Constituição de 1988. Eixo central do Direito de Família: deslocamento para o plano constitucional. Sobreprincípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB). Superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias. Direito à busca da felicidade. Princípio constitucional implícito. Indivíduo como centro do ordenamento jurídico-político. Impossibilidade de redução das realidades familiares a modelos pré-concebidos. Atipicidade constitucional do conceito de entidades familiares. União estável (art. 226, § 3º, CRFB) e família monoparental (art. 226, § 4º, CRFB).Vedação à discriminação e hierarquização entre espécies de filiação (art. 227, § 6º, CRFB). Parentalidade presuntiva, biológica ou afetiva. Necessidade de tutela jurídica ampla. Multiplicidade de vínculos parentais. Reconhecimento concomitante. Possibilidade. Pluriparentalidade. Princípio da paternidade responsável (art. 226, § 7º, CRFB). Recurso a que se nega provimento. Fixação de tese para aplicação a casos semelhantes. 1. O prequestionamento revela-se autorizado quando as instâncias inferiores abordam a matéria jurídica invocada no Recurso Extraordinário na fundamentação do julgado recorrido, tanto mais que a Súmula n. 279 desta Egrégia Corte indica que o apelo extremo deve ser apreciado à luz das assertivas fáticas estabelecidas na origem. 2. A família, à luz dos preceitos constitucionais introduzidos pela Carta de 1988, apartou-se definitivamente da vetusta distinção entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos que informava o sistema do Código Civil de 1916, cujo paradigma em matéria de filiação, por adotar presunção baseada na centralidade do casamento, desconsiderava tanto o critério biológico quanto o afetivo. 3. A família, objeto do deslocamento do eixo central de seu regramento normativo para o plano constitucional, reclama a reformulação do tratamento jurídico dos vínculos parentais à luz do sobreprincípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB) e da busca da felicidade. 4. A dignidade humana compreende o ser humano como um ser intelectual e moral, capaz de determinar-se e desenvolver-se em liberdade, de modo que a eleição individual dos próprios objetivos de vida tem preferência absoluta em relação a eventuais formulações legais definidoras de modelos preconcebidos, destinados a resultados eleitos a priori pelo legislador. Jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão (BVerfGE 45, 187). 5. A superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias construídas pelas relações afetivas interpessoais dos próprios indivíduos é corolário do sobreprincípio da dignidade humana. 6. O direito à busca da felicidade, implícito ao art. 1º, III, da Constituição, ao tempo que eleva o indivíduo à centralidade do ordenamento jurídico-político, reconhece as suas capacidades de autodeterminação, autossuficiência e liberdade de escolha dos próprios objetivos, proibindo que o governo se imiscua nos meios eleitos pelos cidadãos para a persecução das vontades particulares. Precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos da América e deste Egrégio Supremo Tribunal Federal: RE 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 26/08/2011; ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 14/10/2011. 7. O indivíduo jamais pode ser reduzido a mero instrumento de consecução das vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da felicidade protege o ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei. 8. A Constituição de 1988, em caráter meramente exemplificativo, reconhece como legítimos modelos de família independentes do casamento, como a união estável (art. 226, § 3º) e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, cognominada “família 2 www.g7juridico.com.br

monoparental” (art. 226, § 4º), além de enfatizar que espécies de filiação dissociadas do matrimônio entre os pais merecem equivalente tutela diante da lei, sendo vedada discriminação e, portanto, qualquer tipo de hierarquia entre elas (art. 227, § 6º). 9. As uniões estáveis homoafetivas, consideradas pela jurisprudência desta Corte como entidade familiar, conduziram à imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil (ADI nº. 4277, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011). 10. A compreensão jurídica cosmopolita das famílias exige a ampliação da tutela normativa a todas as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais, (ii) pela descendência biológica ou (iii) pela afetividade. 11. A evolução científica responsável pela popularização do exame de DNA conduziu ao reforço de importância do critério biológico, tanto para fins de filiação quanto para concretizar o direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser. 12. A afetividade enquanto critério, por sua vez, gozava de aplicação por doutrina e jurisprudência desde o Código Civil de 1916 para evitar situações de extrema injustiça, reconhecendo-se a posse do estado de filho, e consequentemente o vínculo parental, em favor daquele utilizasse o nome da família (nominatio), fosse tratado como filho pelo pai (tractatio) e gozasse do reconhecimento da sua condição de descendente pela comunidade (reputatio). 13. A paternidade responsável, enunciada expressamente no art. 226, § 7º, da Constituição, na perspectiva da dignidade humana e da busca pela felicidade, impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles originados da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um ou outro vínculo quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos. 14. A pluriparentalidade, no Direito Comparado, pode ser exemplificada pelo conceito de “dupla paternidade” (dual paternity), construído pela Suprema Corte do Estado da Louisiana, EUA, desde a década de 1980 para atender, ao mesmo tempo, ao melhor interesse da criança e ao direito do genitor à declaração da paternidade. Doutrina. 15. Os arranjos familiares alheios à regulação estatal, por omissão, não podem restar ao desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade, por isso que merecem tutela jurídica concomitante, para todos os fins de direito, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos, ante os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade responsável (art. 226, § 7º). 16. Recurso Extraordinário a que se nega provimento, fixando-se a seguinte tese jurídica para aplicação a casos semelhantes: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”. (STF, RE 898.060/SC, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 21/09/2016, DJe 24/08/2017) II - A tese firmada foi a seguinte: “a parentalidade socioafetiva declarada ou não em registro público, não constitui impedimento para o reconhecimento de filiação concomitante, baseado na origem biológica (permitindo, assim, a multiparentalidade), com os efeitos jurídicos próprios, inclusive familiares”. III - Nessa linha, o seguinte enunciado aprovado na IV Jornada de Direito Civil: Enunciado 341 da IV JDC: “Para os fins do art. 1.696, a relação socioafetiva pode ser elemento gerador de obrigação alimentar.”

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b) Necessidade do alimentando ou credor.

c) Possibilidade do alimentante ou devedor. ✓ Sobre o assunto, recomenda-se a leitura complementar do livro: “Direito Civil: Diálogos entre a Doutrina e Jurisprudência”. ✓ Além disso, recomenda-se o estudo das edições 65 e 77 do “Jurisprudência em Teses do STJ”, disponíveis nos respectivos links e no anexo deste material. Em período de pandemia do coronavírus, não é possível a prisão civil em regime fechado, sendo uma excepcionalidade para essas teses. I - Os itens “b” e “c” acima formam o binômio alimentar, que primeiro considera a necessidade do alimentando e, posteriormente, a possibilidade do alimentante. II - Alguns autores consideram a existência de um trinômio alimentar, formado por necessidade, possibilidade e um terceiro elemento: razoabilidade (Paulo Lôbo e o professor) ou proporcionalidade (Maria Berenice Dias). ✓ Exemplos jurisprudenciais da mudança do binômio para o trinômio alimentar. Exemplo 1: alteração no pleito de alimentos entre cônjuges ou companheiros – Caráter excepcional e temporário. •

Precedente: “Psicóloga dos Jardins” (REsp 93.355/SP).

“Direito civil. Família. Revisional de alimentos. Reconvenção com pedido de exoneração ou, sucessivamente, de redução do encargo. Dever de mútua assistência. Divórcio. Cessação. Caráter assistencial dos alimentos. Comprovação da necessidade de quem os pleiteia. Condição social. Análise ampla do julgador. Peculiaridades do proceo. - Sob a perspectiva do ordenamento jurídico brasileiro, o dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges, reveste-se de caráter assistencial, não apresentando características indenizatórias, tampouco fundando-se em qualquer traço de dependência econômica havida na constância do casamento. - O dever de mútua assistência que perdura ao longo da união, protraise no tempo, mesmo após o término da sociedade conjugal, assentado o dever de alimentar dos então separandos, ainda unidos pelo vínculo matrimonial, nos elementos dispostos nos arts. 1.694 e 1.695 do CC/02, sintetizados no amplamente difundido binômio - necessidades do reclamante e recursos da pessoa obrigada. - Ultrapassada essa etapa quando dissolvido o casamento válido pelo divórcio, tem-se a consequente extinção do dever de mútua assistência, não remanescendo qualquer vínculo entre os divorciados, tanto que desimpedidos de contrair novas núpcias. Dá-se, portanto, incontornável ruptura a quaisquer deveres e obrigações inerentes ao matrimônio cujo divórcio impôs definitivo termo. - Por força dos usualmente reconhecidos efeitos patrimoniais do matrimônio e também com vistas a não tolerar a perpetuação de injustas situações que reclamem solução no sentido de perenizar a assistência, optou-se por traçar limites para que a obrigação de prestar alimentos não seja utilizada ad aeternum em hipóteses que não demandem efetiva necessidade de quem os pleiteia. - Dessa forma, em paralelo ao raciocínio de que a decretação do divórcio cortaria toda e qualquer possibilidade de se postular alimentos, admite-se a possibilidade de prestação do encargo sob as diretrizes consignadas nos arts. 1.694 e ss. do CC/02, o que implica na decomposição do conceito de necessidade, à luz do disposto no art. 1.695 do CC/02, do qual é possível colher os requisitos caracterizadores: a ausência de bens suficientes para a manutenção daquele que preseguintes tende alimentos; (i) e (ii) a incapacidade do pretenso alimentando de prover, pelo seu trabalho, à própria mantença. - Partindo-se para uma análise socioeconômica, 4 www.g7juridico.com.br

cumpre circunscrever o debate relativo à necessidade a apenas um de seus aspectos: a existência de capacidade para o trabalho e a sua efetividade na mantença daquele que reclama alimentos, porquanto a primeira possibilidade legal que afasta a necessidade - existência de patrimônio suficiente à manutenção do ex-cônjuge -, agrega alto grau de objetividade, sofrendo poucas variações conjunturais, as quais mesmo quando ocorrem, são facilmente identificadas e sopesadas. - O principal subproduto da tão propalada igualdade de gêneros estatuída na Constituição Federal, foi a materialização legal da reciprocidade no direito a alimentos, condição reafirmada pelo atual Código Civil, o que significa situar a existência de novos paradigmas nas relações intrafamiliares, com os mais inusitados arranjos entre os entes que formam a família do século XXI, que coexistem, é claro, com as tradicionais figuras do pai/marido provedor e da mãe/mulher de afazeres domésticos. - O fosso fático entre a lei e a realidade social impõe ao julgador detida análise de todas as circunstâncias e peculiaridades passíveis de visualização ou intelecção do processo, para a imprescindível definição quanto à capacidade ou não de auto sustento daquele que pleiteia alimentos. - Seguindo os parâmetros probatórios estabelecidos no acórdão recorrido, não paira qualquer dúvida acerca da capacidade da alimentada de prover, nos exatos termos do art. 1.695 do CC/02, sua própria mantença, pelo seu trabalho e rendimentos auferidos do patrimônio de que é detentora. - No que toca à genérica disposição legal contida no art. 1.694, do CC/02, referente à compatibilidade dos alimentos prestados com a condição social do alimentado, é de todo inconcebível que ex-cônjuge, que pleiteie alimentos, exija-os com base no simplista cálculo aritmético que importe no rateio proporcional da renda integral da desfeita família; isto porque a condição social deve ser analisada à luz de padrões mais amplos, emergindo, mediante inevitável correlação com a divisão social em classes, critério que, conquanto impreciso, ao menos aponte norte ao julgador que deverá, a partir desses valores e das particularidades de cada processo, reconhecer ou não a necessidade dos alimentos pleiteados e, se for o caso, arbitrá-los. - Por restar fixado pelo Tribunal Estadual, de forma induvidosa, que a alimentanda não apenas apresenta plenas condições de inserção no mercado de trabalho como também efetivamente exerce atividade laboral, e mais, caracterizada essa atividade como potencialmente apta a mantêla com o mesmo status social que anteriormente gozava, ou ainda alavancá-la a patamares superiores, deve ser julgado procedente o pedido de exoneração deduzido pelo alimentante em sede de reconvenção e, por consequência, improcedente o pedido de revisão de alimentos formulado pela então alimentada. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ - REsp: 933355 SP 2007/0055175-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 25/03/2008, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 11.04.2008 p. 1). ✓ Os alimentos não podem provocar o “parasitismo social” (Flávio Tartuce). ✓ Jurisprudência em Teses do STJ, edição 65, tese 144. Exemplo 2: os alimentos podem ser fixados de forma diferente em relação a filhos que tenham necessidades e condições sociais distintas (REsp 1.624.050/MG). “CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE ALIMENTOS. DIFERENÇA DE VALOR OU DE PERCENTUAL NA FIXAÇÃO DOS ALIMENTOS ENTRE FILHOS. IMPOSSIBILIDADE, EM REGRA. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE ENTRE FILHOS,

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Tese 14, edição 65, JTSTS: “Os alimentos devidos entre ex-cônjuges devem ter caráter excepcional, transitório e devem ser fixados por prazo determinado, exceto quando um dos cônjuges não possua mais condições de reinserção no mercado do trabalho ou de readquirir sua autonomia financeira.”

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TODAVIA, QUE NÃO POSSUI CARÁTER ABSOLUTO. POSSIBILIDADE DE EXCEPCIONAR A REGRA QUANDO HOUVER NECESSIDADES DIFERENCIADAS ENTRE OS FILHOS OU CAPACIDADES DE CONTRIBUIÇÕES DIFERENCIADAS DOS GENITORES. DEVER DE CONTRIBUIR PARA A MANUTENÇÃO DOS FILHOS QUE ATINGE AMBOS OS CÔNJUGES. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COGNIÇÃO DIFERENCIADA ENTRE PARADIGMA E HIPÓTESE. PREMISSAS FÁTICAS DISTINTAS. 1- Ação distribuída em 06/03/2012. Recurso especial interposto em 22/04/2015 e atribuído à Relatora em 26/08/2016. 2- O propósito recursal consiste em definir se é ou não admissível a fixação de alimentos em valores ou em percentuais diferentes entre os filhos. 3- Do princípio da igualdade entre os filhos, previsto no art. 227, §6º, da Constituição Federal, deduz-se que não deverá haver, em regra, diferença no valor ou no percentual dos alimentos destinados a prole, pois se presume que, em tese, os filhos - indistintamente - possuem as mesmas demandas vitais, tenham as mesmas condições dignas de sobrevivência e igual acesso às necessidades mais elementares da pessoa humana. 4- A igualdade entre os filhos, todavia, não tem natureza absoluta e inflexível, devendo, de acordo com a concepção aristotélica de isonomia e justiça, tratar-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, de modo que é admissível a fixação de alimentos em valor ou percentual distinto entre os filhos se demonstrada a existência de necessidades diferenciadas entre eles ou, ainda, de capacidades contributivas diferenciadas dos genitores. 5- Na hipótese, tendo sido apurado que havia maior capacidade contributiva de uma das genitoras em relação a outra, é justificável que se estabeleçam percentuais diferenciados de alimentos entre os filhos, especialmente porque é dever de ambos os cônjuges contribuir para a manutenção dos filhos na proporção de seus recursos. 6- Não se conhece do recurso especial pelo dissídio jurisprudencial quando houver substancial diferença entre a cognição exercida no paradigma e a cognição exercida na hipótese, justamente porque são distintas as premissas fáticas em que se assentam os julgados sob comparação. Precedentes. 7- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.” (Resp 1.624.050, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/06/2018. DJe 22/06/18). 7.2. Principais características da obrigação de alimentos familiares. I - Trata-se de uma obrigação especial ou sui generis, com características próprias inexistentes em outras formas de obrigações, como a possibilidade de prisão civil (art. 5º, LXVII, da CF5). Conforme o art. 528 do CPC, essa prisão é em regime fechado, mas essa regra foi mitigada pela pandemia do coronavírus, com a fixação da prisão domiciliar. II – Possibilidade de penhora do bem de família (art. 3º, III, da Lei 8.009/19906). III – Possibilidade da penhora do FGTS (tese 12 da Edição 777 do “Jurisprudência em Teses” do STJ e enunciado 572 da VI Jornada de Direito Civil). Enunciado 572 da VI JDC: “Mediante ordem judicial, é admissível, para a satisfação do crédito alimentar atual, o levantamento do saldo de conta vinculada ao FGTS”. Em tempos pandêmicos, já existem julgados admitindo a penhora do auxílio emergencial.

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CF, art. 5º, LXVII: “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel” 6 Lei 8.009, art. 3º, III: “A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: [...]. III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;” 7 Tese 12, edição 77, JTSTJ: “Admite-se, na execução de alimentos, a penhora de valores decorrentes do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, bem como do Programa de Integração Social – PIS.”

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a) Obrigação que gera um direito personalíssimo (intuitu personae) do credor. O direito quanto aos alimentos não se transmite aos herdeiros do credor. Porém, transmite-se o dever quanto aos herdeiros do devedor. b) Reciprocidade A obrigação de alimentos é recíproca entre cônjuges e companheiros (art. 1.694, CC). Também é recíproca entre os parentes, havendo uma ordem prevista nos arts. 1.696 e 1.697 do CC8. ✓ Ordem de pleito dos alimentos entre parentes: 1º) Ascendentes: o grau mais próximo exclui o mais remoto; 2º) Descendentes: o grau mais próximo exclui o mais remoto; 3º) Irmãos: começando pelos bilaterais ou germanos (mesmo pai e mesma mãe), depois os unilaterais (mesmo pai ou mesma mãe). Observações: •

O entendimento que prevalece é de que não é possível pleitear alimentos dos demais colaterais (tios, sobrinhos, primos) e parentes por afinidade.



Quanto aos parentes por afinidade, havendo vínculo socioafetivo em relação a padrasto, madrasta e enteados, seria possível pleito alimentar (STF).

c) Irrenunciabilidade (art. 1.707, CC9). I – Esse artigo confirma a súmula 379, STF10 que vedava a renúncia no desquite (atual separação judicial). II – Porém, parte da doutrina entende que os alimentos podem ser renunciados entre cônjuges ou companheiros, (Francisco Cahali, Maria Berenice Dias e Rolf Madaleno). É o que atualmente prevalece no STJ: Enunciado 263 da III JDC: “O art. 1.707 do Código Civil não impede seja reconhecida válida e eficaz a renúncia manifestada por ocasião do divórcio (direto ou indireto) ou da dissolução da "união estável". A irrenunciabilidade do direito a alimentos somente é admitida enquanto subsistir vínculo de Direito de Família.” “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. RENÚNCIA. ALIMENTOS DECORRENTES DO CASAMENTO. VALIDADE. PARTILHA. POSSIBILIDADE DE PROCRASTINAÇÃO NA ENTREGA DE BENS. PARTICIPAÇÃO NA RENDA OBTIDA. REQUERIMENTO PELA VIA PRÓPRIA. 1. Admitem-se como agravo regimental embargos de declaração opostos a decisão monocrática proferida pelo relator do feito no Tribunal, em nome dos princípios da economia processual e da fungibilidade. 2. A renúncia aos alimentos decorrentes do matrimônio é válida e eficaz, não sendo permitido que o ex-cônjuge volte a pleitear o encargo, uma vez que a prestação alimentícia assenta-se na obrigação de mútua assistência, encerrada com a separação ou o divórcio. 3. A fixação de prestação alimentícia não serve para coibir eventual possibilidade de procrastinação da entrega de bens, devendo a parte pleitear, pelos maios adequados, a participação na renda auferida com a exploração de seu patrimônio. 4. Embargos de declaração recebidos 8

CC, arts. 1.696 e 1.697: “Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais. 9 CC, art. 1.707: “Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.” 10 Súmula 379, STF: “No acordo de desquite não se admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais.”

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como agravo regimental, a que se nega provimento. (STJ - EDcl no REsp: 832.902, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 06/10/2009, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/10/2009)” ✓ Pablo Stolze, Pamplona, Cristiano Chaves e Rosenvald utilizam o venire contra factum proprium non potest como argumento suplementar. “Direito civil e processual civil. Família. Recurso especial. Separação judicial. Acordo homologado. Cláusula de renúncia a alimentos. Posterior ajuizamento de ação de alimentos por ex-cônjuge. Carência de ação. Ilegitimidade ativa. - A cláusula de renúncia a alimentos, constante em acordo de separação devidamente homologado, é válida e eficaz, não permitindo ao ex-cônjuge que renunciou, a pretensão de ser pensionado ou voltar a pleitear o encargo. - Deve ser reconhecida a carência da ação, por ilegitimidade ativa do ex-cônjuge para postular em juízo o que anteriormente renunciara expressamente. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ - REsp: 701.902, Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 15/09/2005, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 03/10/2005 p. 249) ✓ Nesse sentido: Súmula 336 do STJ.11 d) Obrigação divisível, em regra ou solidária, como exceção. I - A divisibilidade, como regra, consta na parte final do art. 1.698 do CC12 - “proporção dos respectivos recursos”. II - Solidariedade – Exceção: idoso credor que pleiteia alimentos (arts. 11 e 12, Lei 10.741/200313), existindo opção de demanda. O idoso escolhe de quem ele vai cobrar. III - O art. 1.698 do CC consagra a responsabilidade subsidiária e complementar dos avós. Nesse sentido, REsp 658.139/RS, Súmula 596, STJ14 e tese 15, edição 65 do JTSTJ. “CIVIL. ALIMENTOS. RESPONSABILIDADE DOS AVÓS. OBRIGAÇÃO COMPLEMENTAR E SUCESSIVA. LITISCONSÓRCIO. SOLIDARIEDADE. AUSÊNCIA. 1 - A obrigação alimentar não tem caráter de solidariedade, no sentido que "sendo várias pessoas obrigadas a prestar alimentos todos devem concorrer na proporção dos respectivos recursos." 2 - O demandado, no entanto, terá direito de chamar ao processo os corresponsáveis da obrigação alimentar, caso não consiga suportar sozinho o encargo, para que se defina quanto caberá a cada um contribuir de acordo com as suas possibilidades financeiras. 3 - Neste contexto, à luz do novo Código Civil, frustrada a obrigação alimentar principal, de responsabilidade dos pais, a obrigação subsidiária deve ser diluída entre os avós paternos e maternos na medida de seus recursos, diante de sua divisibilidade e possibilidade de fracionamento. A necessidade alimentar não deve ser pautada por quem paga, mas sim por quem recebe, representando para o alimentado maior provisionamento tantos quantos coobrigados houver no polo passivo da demanda. 4 - Recurso especial conhecido e provido.” (STJ - REsp: 658.139,

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Súmula 336, STJ: “A mulher que renunciou aos alimentos na separação judicial tem direito à pensão previdenciária por morte do ex-marido, comprovada a necessidade econômica superveniente.” 12 CC, art. 1.698: “Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.” 13 Lei 10.741, arts. 11 e 12: “Art. 11. Os alimentos serão prestados ao idoso na forma da lei civil. Art. 12. A obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores.” 14 Súmula 596, STJ: “A obrigação alimentar dos avós tem natureza complementar e subsidiária, somente se configurando no caso de impossibilidade total ou parcial de seu cumprimento pelos pais.”

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Relator: Ministro FERNANDO GONÇALVES, Data de Julgamento: 11/10/2005, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 13/03/2006 p. 326RBDF vol. 37 p. 90RSTJ vol. 201 p. 474) IV - A ação de alimentos é proposta em face do pai/mãe que não tem condições de suportar totalmente o encargo. Serão chamados os avós paternos e maternos. Como e por quem? •

Prevalecia na jurisprudência do STJ que os réus deveriam fazer o chamamento dos cocredores, mediante “Chamamento ao Processo”. Entretanto, essa obrigação não é, em regra, solidária.



Enunciado 523 da V JDC: pode ser qualquer das partes ou o MP:

Enunciado 523 da V JDC: “O chamamento dos codevedores para integrar a lide, na forma do art. 1.698 do Código Civil, pode ser requerido por qualquer das partes, bem como pelo Ministério Público, quando legitimado.” ✓ Litisconsórcio sucessivo passivo ulterior (Mazzei, Didier). •

Resp. 1.715.438/RS – adotou a tese do Enunciado 523, V Jornada de Direito Civil.

“EMENTA: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE ALIMENTOS. INDIGNIDADE DA ALIMENTADA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. PAGAMENTO DE 13ª PARCELA DE ALIMENTOS. AUSÊNCIA DE DECISÃO E DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. MECANISMO DE INTEGRAÇÃO POSTERIOR DO POLO PASSIVO PELOS COOBRIGADOS A PRESTAR ALIMENTOS PREVISTO NO ART. 1.698 DO CÓDIGO CIVIL. LEGITIMADOS A PROVOCAR. EXCLUSIVIDADE DO AUTOR COM PLENA CAPACIDADE PROCESSUAL. CONCORDÂNCIA TÁCITA COM OS ALIMENTOS A SEREM PRESTADOS PELO COOBRIGADO RÉU. POSSIBILIDADE, TODAVIA, DE PROVOCAÇÃO DO RÉU OU DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUANDO SE TRATAR DE AUTOR INCAPAZ, SOBRETUDO SE PROCESSUALMENTE REPRESENTADO POR UM DOS COOBRIGADOS OU SE EXISTENTE RISCO AOS INTERESSES DO INCAPAZ. NATUREZA JURÍDICA DO MECANISMO. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO ULTERIOR SIMPLES, COM A PECULIARIDADE DE SER FORMADO NÃO APENAS PELO AUTOR, MAS TAMBÉM PELO RÉU OU PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. MOMENTO PROCESSUAL ADEQUADO. FASE POSTULATÓRIA, RESPEITADO A ESTABILIZAÇÃO OBJETIVA E SUBJETIVA DA LIDE APÓS O SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO. 1- Ação distribuída em 15/12/2016. Recurso especial interposto em 02/09/2017 e atribuído à Relatora em 03/01/2018. 2- O propósito recursal consiste em definir se deve cessar o pagamento dos alimentos provisórios em razão da alegada indignidade da alimentada, se o genitor que exerce atividade autônoma deve pagar 13ª parcela de alimentos e se a genitora deve ser chamada a compor o polo passivo da ação de alimentos ajuizada pelo filho apenas em face do pai. 3- O exame da questão relacionada ao reconhecimento da indignidade da alimentada, que o acórdão recorrido consignou não ter sido comprovada apenas pela prova documental, demandaria o revolvimento de fatos e provas, expediente vedado pela Súmula 7/STJ. 4- A questão relacionada ao pagamento da 13ª parcela de alimentos, além de não ter sido decidida e, portanto, não ter sido prequestionada, atraindo a incidência da Súmula 211/STJ, também não se encontra adequadamente fundamentada, motivo pelo qual incide à espécie a Súmula 284/STF. 5- A regra do art. 1.698 do CC/2002, por disciplinar questões de direito material e de direito processual, possui natureza híbrida, devendo ser interpretada à luz dos ditames da lei instrumental e, principalmente, sob a ótica de máxima efetividade da lei civil. 6- A definição acerca da natureza jurídica do mecanismo de integração posterior do polo passivo previsto no art. 1.698 do CC/2002, por meio da qual são convocados os coobrigados a prestar alimentos no mesmo processo judicial e que, segundo a doutrina, seria hipótese de intervenção 9 www.g7juridico.com.br

de terceiro atípica, de litisconsórcio facultativo, de litisconsórcio necessário ou de chamamento ao processo, é relevante para que sejam corretamente delimitados os poderes, ônus, faculdades, deveres e responsabilidades daqueles que vierem a compor o polo passivo, assim como é igualmente relevante para estabelecer a legitimação para provocar e o momento processual adequado para que possa ocorrer a ampliação subjetiva da lide na referida hipótese. 7- Quando se tratar de credor de alimentos que reúna plena capacidade processual, cabe a ele, exclusivamente, provocar a integração posterior do polo passivo, devendo a sua inércia ser interpretada como concordância tácita com os alimentos que puderem ser prestados pelo réu por ele indicado na petição inicial, sem prejuízo de eventual e futuro ajuizamento de ação autônoma de alimentos em face dos demais coobrigados. 8- Nas hipóteses em que for necessária a representação processual do credor de alimentos incapaz, cabe também ao devedor provocar a integração posterior do polo passivo, a fim de que os demais coobrigados também componham a lide, inclusive aquele que atua como representante processual do credor dos alimentos, bem como cabe provocação do Ministério Público, quando a ausência de manifestação de quaisquer dos legitimados no sentido de chamar ao processo possa causar prejuízos aos interesses do incapaz. 9- A natureza jurídica do mecanismo de integração posterior do polo passivo previsto no art. 1.698 do CC/2002 é de litisconsórcio facultativo ulterior simples, com a particularidade, decorrente da realidade do direito material, de que a formação dessa singular espécie de litisconsórcio não ocorre somente por iniciativa exclusiva do autor, mas também por provocação do réu ou do Ministério Público, quando o credor dos alimentos for incapaz. 10- No que tange ao momento processual adequado para a integração do polo passivo pelos coobrigados, cabe ao autor requerê-lo em sua réplica à contestação; ao réu, em sua contestação; e ao Ministério Público, após a prática dos referidos atos processuais pelas partes, respeitada, em todas as hipóteses, a impossibilidade de ampliação objetiva ou subjetiva da lide após o saneamento e organização do processo, em homenagem ao contraditório, à ampla defesa e à razoável duração do processo. 11- Na hipótese, a credora dos alimentos é menor emancipada, possui capacidade processual plena e optou livremente por ajuizar a ação somente em face do genitor, cabendo a ela, com exclusividade, provocar a integração posterior do polo passivo, devendo a sua inércia em fazê-lo ser interpretada como a abdicação, ao menos neste momento, da quota-parte que lhe seria devida pela genitora coobrigada, sem prejuízo de eventualmente ajuizar, no futuro, ação de alimentos autônoma em face da genitora. 12- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido, por fundamentação distinta.” (REsp. 1.715.438/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma. Julgado em 13/11/2018. DJe 21/11/2018). São 3 correntes doutrinárias a respeito do tema: 1ª) A convocação deveria ser feita pelo réu, por uma intervenção de terceiros sui generis (Daniel Neves) ou por chamamento ao processo (Cássio Scarpinella). 2ª) Feita pelo autor, por ser hipótese de litisconsórcio facultativo ulterior (Didier e Mazzei). 3ª) Autor, réu ou MP, quando legitimado (Enunciado 523, V, JDC e STJ REsp 1.715.438/RS). e) Obrigação Imprescritível. A ação de alimentos é imprescritível (não sujeita à prescrição ou à decadência), pois: •

Declaratória.



Envolve Direito de Família. 10 www.g7juridico.com.br



Envolve a Dignidade Humana.

Porém, prescreve em 2 anos a pretensão para cobrança de alimentos fixados em acordo ou sentença, contados a partir da data em que vencerem (art. 206, § 2º do CC15). ✓ Caso Prático: uma sentença fixou alimentos ao filho que tinha 12 anos de idade. O pai nunca pagou os alimentos, que se acumularam. Quando ocorrerá a prescrição da pretensão de cobrança de tais valores? Sobre o assunto, duas regras devem ser consideradas: •

Art. 198, I, CC: Não corre a prescrição contra absolutamente incapazes (menores de 16 anos).



Art. 197, II, CC: Não corre a prescrição entre ascendentes e descendentes durante o poder familiar (18 anos).

Prevalece a regra do art. 197, inciso II, do CC, o prazo fica impedido até os 18 anos do filho (caso não ocorra destituição do poder familiar ou emancipação antes), ou seja, mais 2 anos de prescrição, a prescrição ocorrerá quando o filho completar 20 anos de idade (em regra). f) Obrigação incessível e inalienável (art. 1.707 CC) I - Incessível: não pode ser objeto de cessão de crédito, de débito ou de contrato. II - Inalienável: não pode ser “vendida ou “doada”, sob pena de nulidade absoluta (art. 166, II, VI ou VII do CC). g) Obrigação impenhorável (arts. 1.707, CC; e art. 833, IV, CPC/201516) A prestação de alimentos pode se opor a outras impenhorabilidades, como a do bem de família e do salário. h) Obrigação incompensável (art. 1707, CC) Não pode ser objeto de compensação. Porém, tem-se admitido a compensação de valores pagos a mais para evitar o enriquecimento sem causa. Por exemplo: alimentos pagos a mais em um mês, compensados no seguinte (“Jurisprudência em Teses” do STJ, edição 77, tese 1317). i) Obrigação irrepetível Não cabe ação de repetição de indébito (actio in rem verso) para reaver o que indevidamente se pagou, diante de sua natureza satisfativa e presença de obrigação moral (Pontes de Miranda). Exemplo: engano quanto à prole. Não cabe repetição dos alimentos pagos, mas cabe indenização por dano moral. “RESPONSABILIDADE CIVIL. Dano moral. Marido enganado. Alimentos. Restituição. - A mulher não está obrigada a restituir ao marido os alimentos por ele pagos em favor da criança que, depois se soube, era filha de outro homem. - A intervenção do Tribunal para rever o valor da indenização pelo dano moral somente ocorre quando evidente o equívoco, o que não acontece no caso dos autos. Recurso não conhecido.” (STJ - REsp: 412.684/SP, Relator: Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Data de Julgamento: 20/08/2002, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 25.11.2002 p. 240). j) Obrigação transmissível aos herdeiros do devedor (art. 1.700, CC18) ✓ Art. 1.694, CC19. 15

CC, art. 206, §2º: “Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem”. CPC, art. 833, IV: “São impenhoráveis: IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;” 17 Tese 13, edição 77, JTSTJ: “Os valores pagos a título de alimentos são insuscetíveis de compensação, salvo quando configurado o enriquecimento sem causa do alimentando.” 18 CC, art. 1700: “A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694.” 16

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Segundo o entendimento majoritário, a transmissão somente se dá quanto às obrigações vencidas enquanto vivo o devedor e até os limites da herança, nos termos do art. 1.792 do CC20 (intra vires hereditatis). Enunciado 343 da IV JDC: “A transmissibilidade da obrigação alimentar é limitada às forças da herança.” ✓ Para que exista essa transmissão, há necessidade de condenação do devedor enquanto era vivo. Nesse sentido, REsp: 1.337.862 e REsp: 775.180 - e Tese 7, edição 77, Jurisprudência em Teses do STJ21. “AÇÃO DE ALIMENTOS. RECURSO ESPECIAL. EXAME DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. AÇÃO DE ALIMENTOS PROPOSTA POR DETENTA, EM FACE DOS ESPÓLIOS DE SEUS GENITORES. INEXISTÊNCIA DE ACORDO OU SENTENÇA FIXANDO ALIMENTOS POR OCASIÃO DO FALECIMENTO DO AUTOR DA HERANÇA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESPÓLIO.CONCESSÃO DE ALIMENTOS A MAIOR DE IDADE, SEM PROBLEMA FÍSICO OU MENTAL, OU QUE, POR OCASIÃO DO ATINGIMENTO DA MAIORIDADE ATÉ O AJUIZAMENTO DA AÇÃO DE ALIMENTOS, ESTIVESSE REGULAMENTE CURSANDO ENSINO TÉCNICO OU SUPERIOR. DESCABIMENTO. ALIMENTOS. CONCESSÃO, SEM CONSTATAÇÃO OU PRESUNÇÃO LEGAL DE NECESSIDADE, A QUEM PODE PROVÊ-LOS POR ESFORÇO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. A LEI DE EXECUÇÃO PENAL ESTABELECE O DIREITO/DEVER DO PRESO AO TRABALHO REMUNERADO. 1. Embora seja dever de todo magistrado velar a Constituição Federal, para que se evite supressão de competência do egrégio STF, não se admite apreciação, em sede de recurso especial, de matéria constitucional. 2. "Os alimentos ostentam caráter personalíssimo, por isso, no que tange à obrigação alimentar, não há falar em transmissão do dever jurídico (em abstrato) de prestá-los". (REsp 1130742/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 17/12/2012) 3. Assim, embora a jurisprudência desta Corte Superior admita, nos termos do artigo 23 da Lei do Divórcio e 1.700 do Código Civil, que, caso exista obrigação alimentar preestabelecida por acordo ou sentença - por ocasião do falecimento do autor da herança -, possa ser ajuizada ação de alimentos em face do Espólio de modo que o alimentando não fique à mercê do encerramento do inventário para que perceba as verbas alimentares , não há cogitar em transmissão do dever jurídico de prestar alimentos, em razão de seu caráter personalíssimo e, portanto, intransmissível. Precedentes das duas Turmas que compõem a Segunda Seção, mas com ressalvas por parte de integrantes da Quarta Turma. 4. Igualmente, ainda que não fosse ação de alimentos ajuizada em face de espólio, foi manejada quando a autora já havia alcançado a maioridade e extinto o poder familiar. Assim, não há cogitar em concessão dos alimentos vindicados, pois não há presunção de dependência da recorrente, nos moldes dos precedentes desta Corte Superior. 5. O art. 1.695 do CC/2002 dispõe que "[s]ão devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença". Nesse passo, o preso tem direito à alimentação suficiente, assistência material, saúde e ao vestuário, enquanto que a concessão de alimentos demanda a

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CC, art. 1.694: “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. § 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. § 2º Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.” 20 CC, art. 1.792: “O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados.” 21 Tese 7, edição 77, JTSTJ: “A obrigação de prestar alimentos é personalíssima, intransmissível e extingue-se com o óbito do alimentante, cabendo ao espólio saldar, tão somente, os débitos alimentares preestabelecidos mediante acordo ou sentença não adimplidos pelo devedor em vida, ressalvados os casos em que o alimentado seja herdeiro, hipóteses nas quais a prestação perdurará ao longo do inventário.”

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constatação ou presunção legal de necessidade daquele que os pleiteia; todavia, na exordial, em nenhum momento a autora afirma ter buscado trabalhar durante o período em que se encontra reclusa, não obstante a atribuição de trabalho e sua remuneração seja, conforme disposições da Lei de Execução Penal, simultaneamente um direito e um dever do preso (arts. 41, II e 39, V, c/c 50, VI, da LEP). 6. Recurso especial não provido.” (STJ - REsp: 1.337.862 SP, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 11/02/2014, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/03/2014). “DIREITO CIVIL. AÇÃO DE ALIMENTOS. ESPÓLIO. TRANSMISSÃO DO DEVER JURÍDICO DE ALIMENTAR. IMPOSSIBILIDADE. 1. Inexistindo condenação prévia do autor da herança, não há por que falar em transmissão do dever jurídico de prestar alimentos, em razão do seu caráter personalíssimo e, portanto, intransmissível. 2. Recurso especial provido.” (STJ - REsp: 775.180, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 15/12/2009, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/02/2010). 7.3. Extinção dos Alimentos Familiares a) Morte do credor: a obrigação é personalíssima ou intuito personae. b) Alteração substancial do binômio ou trinômio alimentar (art. 1.699 do CC22). Exemplos: credor ganhou na loteria ou doença grave do devedor, que não pode mais pagar aquele montante. A sentença de alimentos está submetida à cláusula de alteração das circunstâncias (rebus sic stantibus). c) No caso de filhos menores de idade, a obrigação é extinta com a maioridade, em regra. Ressalvas: •

A extinção não é automática (Súmula 358 do STJ23).



Exceção = filho universitário (Tese 4, edição 65, JTSTJ24). Essa obrigação não inclui cursos de pós-graduação, conforme a jurisprudência superior.

“PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ALIMENTOS. CURSOSUPERIOR CONCLUÍDO. NECESSIDADE. REALIZAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1 O advento da maioridade não extingue, de forma automática, o direito à percepção de alimentos, mas esses deixam de ser devidos em face do Poder Familiar e passam a ter fundamento nas relações de parentesco, em que se exige a prova da necessidade do alimentado. 2. É presumível, no entanto, - presunção iuris tantum -, a necessidade dos filhos de continuarem a receber alimentos após a maioridade, quando frequentam curso universitário ou técnico, por força do entendimento de que a obrigação parental de cuidar dos filhos inclui a outorga de adequada formação profissional. 3. Porém, o estímulo à qualificação profissional dos filhos não pode ser imposto aos pais de forma perene, sob pena de subverter o instituto da obrigação alimentar oriunda das relações de parentesco, que tem por objetivo, tão só, preservar as condições mínimas de sobrevida do alimentado. 4. Em rigor, a formação profissional se completa com a graduação, o que, de regra, permite ao bacharel o exercício da profissão para a qual se graduou, independentemente de posterior especialização, podendo assim, em tese, prover o 22

CC, art. 1.699: “Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.” 23 Súmula 358, STJ: “O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos.”. 24 Tese 4, edição 65, JTSTJ: “É devido alimentos ao filho maior quando comprovada a frequência em curso universitário ou técnico, por força da obrigação parental de promover adequada formação profissional.”

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próprio sustento, circunstância que afasta, por si só, a presunção iuris tantum de necessidade do filho estudante. 5. Persistem, a partir de então, as relações de parentesco, que ainda possibilitam a percepção de alimentos, tanto de descendentes quanto de ascendentes, porém desde que haja prova de efetiva necessidade do alimentado. 6. Recurso especial provido.” (REsp: 1.218.510, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 27/09/2011, T3 – Terceira Turma, Data de Publicação: DJe 03/10/2011). •

Se o filho for diagnosticado com problemas incapacitantes, a obrigação persiste (REsp: 1.642.323/MG):

“CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. POSSIBILIDADE. MAIORIDADE CIVIL. DOENÇA MENTAL. RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. O advento da maioridade não extingue, de forma automática, o direito à percepção de alimentos, mas esses deixam de ser devidos em face do Poder Familiar e passam a ter fundamento nas relações de parentesco, em que se exige a prova da necessidade do alimentado. No entanto, quando se trata de filho com doença mental incapacitante, a necessidade do alimentado se presume, e deve ser suprida nos mesmos moldes dos alimentos prestados em razão do Poder Familiar. Mesmo que haja variações positivas nos rendimentos do alimentado - in casu, recebimento de Benefício de Prestação Continuada - se o valor auferido não é suficiente para o suprimento das necessidades básicas de filho com doença mental, mantém-se a obrigação alimentar. Recurso especial provido. Acórdão reformado.” (REsp: 1.642.323/MG, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 28/03/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/03/2017) d) Dissolução do casamento ou união estável ✓ Fim do vínculo conjugal/convivencial. O novo casamento do devedor, por si só, não extingue a obrigação constante da sentença de divórcio (art. 1.709, CC25). Porém, o novo casamento, união estável ou concubinato do credor gera a extinção da obrigação (art. 1.708, caput, CC26). ✓ Sobre o concubinato: Enunciado 265 da III JDC: “Na hipótese de concubinato, haverá necessidade de demonstração da assistência material prestada pelo concubino a quem o credor de alimentos se uniu.” e) Comportamento indigno do credor em relação ao devedor (art. 1.708, parágrafo único, CC27) ✓ Cláusula geral (boa-fé objetiva) – preenchimento no caso concreto. Conceito aberto. •

Enunciado 264 da III JDC: “Na interpretação do que seja procedimento indigno do credor, apto a fazer cessar o direito a alimentos, aplicam-se, por analogia, as hipóteses dos incs. I e II do art. 1.814 do Código Civil28.” (indignidade sucessória = atentado contra a vida e crime contra a honra) (Rol exemplificativo: Pablo Stolze e Pamplona).

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CC, art. 1.709: “O novo casamento do cônjuge devedor não extingue a obrigação constante da sentença de divórcio.” CC, art. 1.708, caput: “Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar alimentos.” 27 CC, art. 1.708, parágrafo único: “[...] Com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor.” 28 CC, art. 1.814, I e II: “São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários: I - que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; [...]” 26

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Enunciado 345 da IV JDC: “O ‘procedimento indigno’ do credor em relação ao devedor, previsto no parágrafo único do art. 1.708 do Código Civil, pode ensejar a exoneração ou apenas a redução do valor da pensão alimentícia para quantia indispensável à sobrevivência do credor.”

7.4. Alimentos Compensatórios (categoria do Direito Espanhol, difundida no Brasil por Rolf Madaleno) I - São valores fixados entre cônjuges ou companheiros para afastar o desequilíbrio econômico-financeiro decorrente do fim da união, fixados por acordo ou imposição judicial. II - Exemplo: casamento ou união estável em que se adotou a separação convencional de bens. Com o divórcio, a mulher fica sem bens e desamparada. É possível a fixação de alimentos familiares provisórios e compensatórios para afastar o desequilíbrio – Princípios contratuais: boa-fé objetiva e função social do contrato. III – STJ = têm fixado, mas sem a natureza de alimentos familiares puros. Não há possibilidade de prisão civil do devedor desses alimentos. “RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. DEMANDA EXTINTA POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO E AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. 1. Pretensão da demandante, ora recorrente, de recebimento de alimentos compensatórios. 2. Inocorrência de violação do art. 535, II, do CPC/73 pelo acórdão recorrido. 3. Desnecessidade de realização de audiência inicial de tentativa de conciliação, tendo sido o processo extinto sem resolução do mérito (impossibilidade jurídica do pedido e falta de interesse processual). 4. Entendimento prevalente no Superior Tribunal de Justiça no sentido da natureza excepcional dos alimentos compensatórios no ordenamento jurídico brasileiro, em razão de seu caráter indenizatório. 5. Ausência de interesse processual, na espécie, pois não finalizada a partilha de bens, tendo a demandante, em seu nome, diversos bens que integravam o patrimônio comum. 6. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (STJ – REsp 1.655.689/RJ – T3 – Terceira Turma – Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO – Julg. 12/12/2017. DJe 19/12/2017). “RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. CASAMENTO SOB O REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. ALIMENTADA APTA AO TRABALHO. ACORDO DE SEPARAÇÃO EM QUE ASSUMIDA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. PACTO COM NATUREZA DE CONSTITUIÇÃO ONEROSA DE RENDA VITALÍCIA. INAPLICABILIDADE DO ART. 1.699 DO CÓDIGO CIVIL. 1. Tendo sido estabelecido, pela instância ordinária, que a prestação recebida pela ré, embora intitulada de alimentos, tem natureza de renda vitalícia (Código Civil arts. 803 e seguintes), ajustada, no acordo de separação, "como verdadeiro sucedâneo da partilha de bens" a que faria jus, não se lhe aplica a disciplina do art. 1.699 do Código Civil, segundo a qual os alimentos são estabelecidos conforme a necessidade do alimentado e a possibilidade do alimentante. 2. Igualmente não se confunde tal prestação com a construção doutrinária dos "alimentos compensatórios", cujo escopo, nos termos do decidido no Recurso Especial n° 1.290.313/AL (4ª Turma, relator Ministro Antônio Carlos Ferreira) volta-se a "corrigir ou atenuar eventual desequilíbrio econômico-financeiro decorrente da ruptura do vínculo conjugal, em relação ao cônjuge desprovido de bens e de meação." 3. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.330.020/SP - T4 - QUARTA TURMA – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – Julg. 04/10/2016 – DJe 23/11/2016). “PROCESSUAL

CIVIL.

DIREITO

CIVIL.

FAMÍLIA.

SEPARAÇÃO

JUDICIAL.

PENSÃO

ALIMENTÍCIA.

BINÔMIO

NECESSIDADE/POSSIBILIDADE. ART. 1.694 DO CC/2002. TERMO FINAL. ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS (PRESTAÇÃO 15 www.g7juridico.com.br

COMPENSATÓRIA). POSSIBILIDADE. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS CÔNJUGES. JULGAMENTO EXTRA PETITA NÃO CONFIGURADO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO DEMONSTRADA. 1. A violação do art. 535 do CPC não se configura na hipótese em que o Tribunal de origem, ainda que sucintamente, pronuncia-se sobre a questão controvertida nos autos, não incorrendo em omissão, contradição ou obscuridade. Ademais, a ausência de manifestação acerca de matéria não abordada em nenhum momento do iter processual, salvo em embargos de declaração, não configura ofensa ao art. 535 do CPC. 2. Na ação de alimentos, a sentença não se subordina ao princípio da adstrição, podendo o magistrado arbitrá-los com base nos elementos fáticos que integram o binômio necessidade/capacidade, sem que a decisão incorra em violação dos arts. 128 e 460 do CPC. Precedentes do STJ. 3. Ademais, no caso concreto, uma vez constatada a continência entre a ação de separação judicial e a de oferta de alimentos, ambas ajuizadas pelo cônjuge varão, os processos foram reunidos para julgamento conjunto dos pedidos. A sentença não se restringiu, portanto, ao exame exclusivo da pretensão deduzida na ação de oferta da prestação alimentar. 4. Em tais circunstâncias, a suposta contrariedade ao princípio da congruência não se revelou configurada, pois a condenação ao pagamento de alimentos e da prestação compensatória baseou-se nos pedidos também formulados na ação de separação judicial, nos limites delineados pelas partes no curso do processo judicial, conforme se infere da sentença. 5. Os chamados alimentos compensatórios, ou prestação compensatória, não têm por finalidade suprir as necessidades de subsistência do credor, tal como ocorre com a pensão alimentícia regulada pelo art. 1.694 do CC/2002, senão corrigir ou atenuar grave desequilíbrio econômico-financeiro ou abrupta alteração do padrão de vida do cônjuge desprovido de bens e de meação. 6. Os alimentos devidos entre ex-cônjuges devem, em regra, ser fixados com termo certo, assegurando-se ao alimentando tempo hábil para sua inserção, recolocação ou progressão no mercado de trabalho, que lhe possibilite manter, pelas próprias forças, o status social similar ao período do relacionamento. 7. O Tribunal estadual, com fundamento em ampla cognição fático-probatória, assentou que a recorrida, nada obstante ser pessoa jovem e com instrução de nível superior, não possui plenas condições de imediata inserção no mercado de trabalho, além de o rompimento do vínculo conjugal ter-lhe ocasionado nítido desequilíbrio econômico-financeiro. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido para fixar o termo final da obrigação alimentar.” (REsp 1.290.313/AL -QUARTA TURMA – Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira – Julg. 12/11/2013 – DJe 07/11/2014). ✓ Não confundir os alimentos compensatórios (criação doutrinária) com os alimentos indenizatórios, ressarcitórios ou de ato ilícito (art. 948, II, do CC29 – lucros cessantes), de acordo com a expectativa de vida. 7.5. Culpa no casamento/na união estável e alimentos (art. 1.694, §2º30; art. 1.70231; e art. 1.704, parágrafo único, CC32) I – O cônjuge inocente (não culpado) pode pleitear alimentos integrais (alimentos civis ou côngruos) do culpado.

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Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: [...] II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima. 30 CC, art. 1.694, §2º: “Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.” 31 CC, art. 1.702: “Na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no art. 1.694” 32 CC, art. 1.704, § único: “Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.”

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II – O cônjuge culpado somente pode pleitear do inocente os alimentos indispensáveis à sobrevivência (alimentos necessários), desde que: •

Não tenha aptidão para o trabalho e



Não tenha parentes em condições de prestar alimentos.

III – Duas correntes doutrinárias: •

A culpa ainda influencia nos alimentos, não estando os dispositivos revogados. Villaça, Simão, Cristiano Chaves, Rosenvald e o professor.



Esses dispositivos foram revogados pela EC 66. Os alimentos serão fixados de acordo com o binômio/trinômio alimentar. Maria Berenice Dias, Paulo Lôbo, Rolf Madaleno. É o entendimento majoritário.

Jurisprudência do STJ: “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL/DIVÓRCIO. IMPUTAÇÃO DE CULPA AO OUTRO CÔNJUGE. IRRELEVÂNCIA PARA O EFEITO DE ALIMENTOS, NO CASO CONCRETO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Não configura ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973 o fato de o col. Tribunal de origem, embora sem examinar individualmente cada um dos argumentos suscitados pela parte recorrente, adotar fundamentação contrária à pretensão da parte, suficiente para decidir integralmente a controvérsia. 2. Depreende-se do acórdão recorrido que a questão dos alimentos devidos ao cônjuge virago foi examinada, exclusivamente, diante do trinômio necessidade/possibilidade/proporcionalidade, sendo irrelevante, no caso concreto, para o efeito de alimentos, a culpa da mulher. 3. Esta Corte já se manifestou no sentido de que, no divórcio direto, nos termos do art. 40 da Lei 6.515/77, é irrelevante a culpa da mulher, para o efeito de alimentos (REsp 67.493/SC, Rel. Ministro PAULO COSTA LEITE, TERCEIRA TURMA, julgado em 30/10/1995, DJ de 26/08/1996, p. 29.681). 4. A verificação da ofensa ao art. 535 do CPC/73 decorre da especificidade de cada caso concreto, sendo impossível a demonstração da divergência jurisprudencial. 5. Agravo interno não provido.” (AgInt no AREsp 343.031, Ministro LÁZARO GUIMARÃES, Quarta Turma, Julgado em 22/03/2018. DJe 02/04/2018).

MATERIAL COMPLEMENTAR PARA ESTUDO. FERRAMENTA JURISPRUDÊNCIA EM TESES DO STJ. EDIÇÃO N. 65, DE 06 DE SETEMBRO DE 2016. ALIMENTOS I 1) Os créditos resultantes de honorários advocatícios têm natureza alimentar e equiparam- se aos trabalhistas para efeito de habilitação em falência, recuperação judicial e privilégio geral em concurso de credores nas execuções fiscais. (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC - Tema 637) 2) Na execução de alimentos, é possível o protesto (art. 526, § 3º do NCPC) e a inscrição do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito. 3) O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação/execução de alimentos em favor de criança ou adolescente, nos termos do art. 201, III, da Lei n. 8.069/90. (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/73 - Tema 717) 4) É devido alimentos ao filho maior quando comprovada a frequência em curso universitário ou técnico, por força da obrigação parental de promover adequada formação profissional. 5) O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo. (Súmula n. 309/STJ) (Art. 528, § 7º do NCPC) 17 www.g7juridico.com.br

6) O atraso de uma só prestação alimentícia, compreendida entre as três últimas atuais devidas, já é hábil a autorizar o pedido de prisão do devedor, nos termos do artigo 528, § 3º do NCPC (art. 733, § 1º do CPC/73). 7) É possível a modificação da forma da prestação alimentar (em espécie ou in natura), desde que demonstrada a razão pela qual a modalidade anterior não mais atende à finalidade da obrigação, ainda que não haja alteração na condição financeira das partes nem pretensão de modificação do valor da pensão. 8) O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos. (Súmula n. 358/STJ) 9) O pagamento parcial da obrigação alimentar não impede a prisão civil do devedor. 10) A base de cálculo da pensão alimentícia fixada sobre o percentual do vencimento do alimentante abrange o décimo terceiro salário e o terço constitucional de férias, salvo disposição expressa em contrário. (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/73 - Tema 192) 11) Cabe ao credor de prestação alimentícia a escolha pelo rito processual de execução a ser seguido. 12) A real capacidade econômico-financeira do alimentante não pode ser aferida por meio de habeas corpus. 13) A constituição de nova família pelo alimentante não acarreta a revisão automática da quantia estabelecida em favor dos filhos advindos de união anterior. 14) Os alimentos devidos entre ex-cônjuges devem ter caráter excepcional, transitório e devem ser fixados por prazo determinado, exceto quando um dos cônjuges não possua mais condições de reinserção no mercado do trabalho ou de readquirir sua autonomia financeira. 15) A responsabilidade dos avós de prestar alimentos aos netos apresenta natureza complementar e subsidiária, somente se configurando quando demonstrada a insuficiência de recursos do genitor. 16) Não é possível a compensação dos alimentos fixados em pecúnia com parcelas pagas in natura. 17) É possível a fixação da pensão alimentícia com base em determinado número de salário mínimo. 18) A fixação da verba alimentar tem como parâmetro o binômio necessidade do alimentando e possibilidade do alimentante, insusceptível de análise em sede de recurso especial por óbice da Súmula n. 7/STJ. 19) A mulher que renunciou aos alimentos na separação judicial tem direito à pensão previdenciária por morte do exmarido, comprovada a necessidade econômica superveniente. (Súmula n. 336/STJ)

EDIÇÃO N. 77, DE 22 DE MARÇO DE 2017: ALIMENTOS II 1) Os efeitos da sentença proferida em ação de revisão de alimentos - seja em caso de redução, majoração ou exoneração - retroagem à data da citação (Lei n. 5.478/68, art. 13, § 2º), ressalvada a irrepetibilidade dos valores adimplidos e a impossibilidade de compensação do excesso pago com prestações vincendas. 2) A pretensão creditícia ao reembolso de despesas alimentícias efetuadas por terceiro, no lugar de quem tinha a obrigação de prestar alimentos, por equiparar-se à gestão de negócios, é de direito comum e prescreve em 10 anos. 3) O descumprimento de acordo celebrado em ação de execução de prestação alimentícia pode ensejar o decreto de prisão civil do devedor.

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4) O cumprimento da prisão civil em regime semiaberto ou em prisão domiciliar é excepcionalmente autorizado quando demonstrada a idade avançada do devedor de alimentos ou a fragilidade de sua saúde. 5) O advogado que tenha contra si decretada prisão civil por inadimplemento de obrigação alimentícia não tem direito de cumprir a restrição em sala de Estado Maior ou em prisão domiciliar. 6) Não cabe prisão civil do inventariante em virtude do descumprimento pelo espólio do dever de prestar alimentos. 7) A obrigação de prestar alimentos é personalíssima, intransmissível e extingue-se com o óbito do alimentante, cabendo ao espólio saldar, tão somente, os débitos alimentares preestabelecidos mediante acordo ou sentença não adimplidos pelo devedor em vida, ressalvados os casos em que o alimentado seja herdeiro, hipóteses nas quais a prestação perdurará ao longo do inventário. 8) Ante a natureza alimentar do salário e o princípio da razoabilidade, os empréstimos com desconto em folha de pagamento (consignação facultativa/voluntária) devem limitar-se a 30% (trinta por cento) dos vencimentos do trabalhador. 9) Excepcionalmente, é possível penhorar parte dos honorários advocatícios - contratuais ou sucumbenciais - quando a verba devida ao advogado ultrapassar o razoável para o seu sustento e o de sua família. 10) Os honorários advocatícios - contratuais ou sucumbenciais - têm natureza alimentícia, razão pela qual é possível a penhora de verba salarial para seu pagamento. 11) As parcelas percebidas a título de participação nos lucros e resultados das empresas integram a base de cálculo da pensão alimentícia quando esta é fixada em percentual sobre os rendimentos, desde que não haja disposição transacional ou judicial em sentido contrário. 12) Admite-se, na execução de alimentos, a penhora de valores decorrentes do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS, bem como do Programa de Integração Social - PIS. 13) Os valores pagos a título de alimentos são insuscetíveis de compensação, salvo quando configurado o enriquecimento sem causa do alimentando. 14) Julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação. (Súmula n. 277/STJ) 15) A natureza do crédito alimentar não se altera com o mero decurso do tempo.

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MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS Direito Civil Prof. José Simão Aula 20

ROTEIRO DE AULA

Tema: DIREITO DAS SUCESSÕES I

O tema em tela se divide em três grandes blocos de estudo: sucessão legítima, sucessão testamentária e inventário e partilha. Para iniciarmos esses três grandes blocos, é necessário abordar antes as regras gerais relativas ao Direito das Sucessões, que permearão toda a análise e compreensão do sistema sucessório no CC/2002.

Na realidade, o vocábulo “sucessão” não é um vocábulo unívoco, ele pode ter mais de um sentido porque a ideia de suceder é de vir depois, pode se suceder no cargo quando alguém sai da presidência de uma empresa e outra pessoa é sua sucessora, pode se suceder em relações jurídicas inter vivos como o comprador que sucede o vendedor na titularidade do imóvel e pode se suceder em razão da morte, que é a que iremos trabalhar (mortis causa).

O fato jurídico que leva à abertura da sucessão é a morte, o fim da personalidade jurídica. Quando se ler na lei, na doutrina ou nos exames de concurso público “abertura da sucessão”, não confundir com a abertura do inventário, aquele procedimento de distribuição de bens entre os herdeiros.

A morte é o fato jurídico que leva à abertura da sucessão e, a partir do momento em que há morte do titular dos bens, além da extinção da personalidade do falecido (de cujus sucessione agitur), há transmissão dos bens aos herdeiros.

O sistema tinha uma opção a fazer: se transmitira os bens desde o momento da morte aos sucessores ou se esperaria que haja o procedimento do inventário e partilha para que se transfira os bens aos sucessores? O sistema opta, há séculos em transferir os bens aos sucessores a partir da morte porque o sistema não tolera que a herança fique acéfala, ou seja, sem cabeça, sem titular, porque, se o sistema assim permitisse, teríamos problemas nos bônus e nos ônus.

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Se alguém morre e deixa um cachorro sem titular e o cachorro morde alguém, quem responderia pelos danos causados pelo animal? Ou se deixasse um carro sem titular e o carro, por intermédio de alguém que o está dirigindo, causa dano, quem responderia pelos danos?

Se o de cujus deixasse a herança acéfala, sem titularidade, de quem seriam os bônus decorrentes da herança? Aquela casa que produz alugueis (frutos civis), aquele dinheiro que está investido no banco e produz juros (frutos civis), a quem pertenceriam? Por isso, o sistema adota há muito tempo o princípio da saisine que vem insculpido no primeiro artigo que cuida das sucessões, que é o art. 1.784.

Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

Pelo princípio da saisine, a herança não fica um segundo sem titularidade. “O último suspiro do morto é o primeiro sorriso do vivo”. Quando dizemos que a propriedade passa logo após a morte, isso é um fato inconteste. Morrendo o de cujus, os herdeiros são automaticamente proprietários dos bens.

No tocante à posse, temos os sucessores a título singular e temos os sucessores a título universal. Os sucessores a título universal são chamados de herdeiros e os sucessores a título singular são chamados de legatários. Quando alguém diz que deixa seus bens ou metade dos seus bens ao sobrinho Antônio, ele herdou uma universalidade, o ativo e o passivo, sendo, portanto, um herdeiro.

Contudo, se alguém deixar a casa de praia à sua sobrinha Maria, deixar as ações da empresa à prima Antônia, nesse momento se está estipulando um legado, porque os bens são determinados, individualizados. Quando morre o titular dos bens, herdeiro, que sucede a título universal e legatário, que sucede a título singular, ambos passam a ser proprietários dos bens, mas a posse, a apreensão direta, é apenas dos herdeiros.

Os legatários não têm a posse direta sobre os bens, eles precisam pedir ao inventariante que lhes dê a posse dos bens. Isso é assim porque existe dúvidas acerca da validade ou não do testamento, é dado uma chance para que esse testamento possa ser eventualmente impugnado por interessados.

Ainda, o de cujus pode ter falecido insolvente, deixando mais dívidas do que bens e, se ele faleceu insolvente, os bens legados podem ter que ser todos entregues aos credores do falecido. Primeiro se atinge os bens dos herdeiros e, se insuficientes, os bens dos legatários.

A abertura do inventário é um procedimento administrativo, seja em juízo seja extrajudicialmente, de descrição dos bens e indicação de quem ficará com cada bem, porque se o morto deixou dívidas e os herdeiros não as pagaram, os credores do morto vão demandar os herdeiros para receberem os créditos que tinham para com o morto e, nesse momento, o inventário vai separar o que já era do herdeiro antes da morte e o que passou a ser do herdeiro com a morte. 2 www.g7juridico.com.br

O inventário não atribui propriedade, a causa atributiva de propriedade aos herdeiros é a morte. Se demorar muitos anos entre a morte e o inventário, os bens já são de propriedade dos herdeiros desde o momento da morte.

Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados.

Esse artigo traz que, se um pai morre devendo R$ 1 milhão e não tem patrimônio, nenhum credor pode ir nos bens do filho para tomar esses bens a fim de pagar a dívida do morto, porque o patrimônio do morto responde pelas dívidas do morto, no limite do que chamamos das forças da herança.

Se por acaso, esse pai tinha dívidas e os filhos partilharam os bens do pai e não pagaram o credor, evidentemente que o credor virá em cima do patrimônio dos filhos porque eles dividiram sem partilha e esse dispositivo traz que, havendo inventário, o credor poderá penhorar nos limites daqueles bens que foram indicados aos herdeiros.

Art. 1.785. A sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido.

Art. 48 do CPC. O foro de domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade, a impugnação ou anulação de partilha extrajudicial e para todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro. Parágrafo único. Se o autor da herança não possuía domicílio certo, é competente: I - O foro de situação dos bens imóveis; II - Havendo bens imóveis em foros diferentes, qualquer destes; III - Não havendo bens imóveis, o foro do local de qualquer dos bens do espólio.

O CPC/1973, em 2007 foi alterado e essa alteração foi tão grande que permanece identicamente redigida no CPC/2015 para permitir a chamada abertura do inventário extrajudicial por meio de escritura pública. A lei trouxe isso para o sistema e hoje, não havendo menores e não havendo incapazes, podemos ter o inventário lavrado em cartório.

Se as partes maiores e capazes optarem pelo inventário extrajudicial, a lei de aplicação do inventário só pode ocorrer onde o morto tinha o seu último domicílio não terá aplicação, porque então a escritura pública de inventário pode ser lavrada em qualquer tabelionato de notas do Brasil.

Na opção pelo inventário extrajudicial, não há competência territorial legal para tanto. Geralmente, o extrajudicial é muito célere e não vale a pena aguentar a demora natural do processo se em aproximadamente 30 dias se pode liquidar o inventário por meio de escritura pública.

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O CPC/2015, copiando a redação original da Lei n. 11.441/07, disse que, em havendo testamento, não é possível que as partes se valham do inventário extrajudicial, ainda que todos os herdeiros sejam maiores e capazes. O testamento passa por um procedimento que é paralelo ao inventário.

Não se pode pegar um testamento e pedir que o juiz cumpra esse testamento. Existe um procedimento autônomo no CPC de registro do testamento, em que o juiz recebe o testamento apresentado por um dos interessados, analisa se o testamento está válido e manda o registrar.

Estando o testamento em ordem, o juiz manda o registrar e o interessado pega uma certidão desse procedimento de registro de testamento e junta no inventário para que a última vontade do de cujus seja cumprida. ➢ Seria possível registrar o testamento judicialmente e requerer o inventário extrajudicialmente? O registro será necessariamente judicial, mas o inventário poderia ser na modalidade extrajudicial. O professor tentou fazer isso por vários anos, pedindo autorização para o Judiciário e, somente recentemente, vários Estados da federação, dentre eles São Paulo e Rio de Janeiro, permitem que o interessado, quando promover o registro do testamento, peça ao juiz que fara o registro para deixar o inventário correr da forma extrajudicial, o que é permitido.

Art. 1.786. A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade.

Teremos a sucessão chamada de legítima, porque decorre da lei, e a sucessão chamada de testamentária, porque decorre do ato de última vontade. O termo “legítimo” pode dar alguma confusão com a ideia de ilegitimidade de filhos, mas, se não fosse legítima, essa sucessão seria legal?

Aí poderíamos imaginar que contrária a ela seria ilegal, no sentido de contrária à lei a ilícita. Então, sucessão legítima é um termo já incorporado ao Direito brasileiro, seguimos a ordem de vocação hereditária constante do art. 1.829.

Quando há ato de última vontade, seja testamento seja codicilo (testamento simplificado em que não se terá necessidade de testemunhas, mas só pode ter por objeto bens de pequeno valor ou bens móveis), se segue a vontade do de cujus e não o texto de lei, porque a lei é aplicada porque o de cujus não manifestou sua vontade quanto ao destino de seus bens.

No Brasil, em termos práticos, temos muito mais sucessões legítimas. Primeiro, analisamos se há ato de última vontade e, se houver, se aplica o ato de última vontade e não a lei, ou seja, a vontade declarada do falecido prevalece sobre a vontade presumida, que estaria na sucessão legítima.

Se temos um contrato em que diz que o vendedor não responde por vício redibitório e a lei dizendo que o vendedor responde por vício redibitório. Estando no campo da autonomia privada e testamentos e contratos são negócios jurídicos, a vontade prevalece sobre a norma dispositiva, sobre o texto da lei (que não seja de ordem pública). 4 www.g7juridico.com.br

Art. 1.788. Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo.

Havendo inexistência de testamento, não há o negócio jurídico unilateral mortis causa, os bens seguem a sucessão legítima. Mas a parte final do dispositivo completa a regra do art. 1.786.

Inexistindo o testamento, a sucessão é legítima. Se existir o testamento, mas ele for inválido, quer seja nulo quer seja anulável, se o juiz reconheceu um vício em nulificar ou anular o testamento, nessas duas hipóteses, a sucessão também será legítima, o que leva a um problema de redação do art. 1.788, porque a lei fala se o testamento for “julgado nulo”, mas ele também pode ter sido entendido como anulável e também desaparecido do mundo jurídico.

No segundo plano, se o testamento for nulo ou anulável, também a sucessão é legítima. O art. 1.788 ainda vai dizer que, se o testamento caducar (caducidade é um termo antigo das Ordenações do Reino que significa testamento ineficaz). Da mesma forma, se o testamento não abarcar todos os bens do falecido, também estamos diante de uma situação de ineficácia do testamento, porque os efeitos só atingem os bens pelo testador mencionados. ➢ Exemplo: alguém tem cinco casas, tem somente cinco sobrinhos como herdeiros facultativos e resolve deixar as quatro casas, descrevendo quais são, para seu sobrinho Antônio e não menciona o destino da quinta casa de sua propriedade. Nessa hipótese, a quinta casa, para ela, o testamento será ineficaz e a sucessão será legítima no tocante àquele imóvel e testamentária no tocante às quatro casas.

➢ Exemplo de caducidade ou ineficácia subjetiva do testamento: alguém tem cinco sobrinhos, deixa todos os seus bens à sua sobrinha Antônia, mas Antônia morre antes do testador. Se a herdeira morre antes do testador, o testamento caduca, é considerado subjetivamente ineficaz. Os bens não vão para os filhos de Antônia por representação? Não! Porque, na sucessão legítima, em que a lei presume a vontade do morto, existe o direito de representação, mas na sucessão testamentária não há direito de representação porque a vontade do de cujus é declarada e, se ele disse que deixa os bens para Antônia e não para os filhos de Antônia, se Antônia morre antes 5 www.g7juridico.com.br

do testador, o testamento caduca e a sucessão será a legítima. O testador poderia, contudo, mencionar que os filhos de Antônia ficariam com seus bens caso ela não quisesse ou não pudesse e isso não será direito de representação porque isso seria a chamada substituição testamentária. Não pode ser objeto de contrato herança de pessoa viva, são os chamados pactos sucessórios ou pacta corvina (art. 426). Essa é uma vedação de ordem pública, não se pode, com o pai vivo, vender sua herança porque herança não se tem, enquanto o pai está vivo. Se o pai está vivo, o que ele tem é patrimônio, herança só surge quando o pai morre.

A vedação contratual, portanto, dos pacta corvina, é importantíssima para concursos públicos. Em matéria sucessória, como o testamento é negócio jurídico, há também uma vedação à autonomia privada.

Art. 1.789. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança.

Quando a lei diz que só pode dispor, por testamento, da metade da herança, evidentemente que ela fala dos “meus” bens e não dos “nossos” bens. Se ele for casado por comunhão universal, tudo o que um tem, metade é seu e metade é do cônjuge e quando a lei diz que só pode dispor de metade, supõe-se que seja da metade dele. É considerado tudo que o casal tem e dividido por dois, 50% para cada. O pai só poderá testar sobre 25% dos bens do casal, mas metade dele.

Contudo, não se deve usar essa porcentagem porque se o casal era casado pelo regime de separação total de bens, todos os bens do pai, 100%, ele poderia testar 50%. Em suma, é metade dos bens do testador, excluída eventual meação, que dependerá do regime de bens.

Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.

O Direito Civil não se estuda por fatias, ele deve ser estudado como um sistema. “Um Código Civil não se lê artigo por artigo, mas se lê um artigo pelo outro artigo”. A compreensão deve ser sistemática e não isolada. Nesse sistema de leitura de um artigo pelo outro, quando há herdeiros necessários, só se pode dispor de metade dos bens. Quem são os herdeiros necessários? Descendentes, ascendentes (sem limite de graus) e o cônjuge. O artigo não menciona companheiro.

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694) I - Se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - Se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - Se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; 6 www.g7juridico.com.br

IV - Não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Quando há companheiro ou companheira, o sistema sucessório histórico no CC/2002 não equiparava, em matéria sucessória, cônjuges e companheiros tanto que, ao lermos o art. 1.790, trazia uma regra própria para a sucessão dos companheiros e era uma regra que distinguia companheiros de cônjuges em matéria sucessória.

Portanto, na concepção original do CC, eram regras distintas. Esse dispositivo foi reconhecido por inconstitucional na Repercussão Geral n. 809. Nessa Repercussão Geral n. 809, o STF não disse se o companheiro passaria a ser herdeiro necessário, se limitando a dizer que “morria” o art. 1.790, com efeitos ex nunc.

“Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e companheiros. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável. 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. 3. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nº 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da vedação do retrocesso. 4. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. 5. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”. (RE 878.694, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017).

O IBDFAM (Instituto Brasileiro do Direito de Família) era amicus curiae e propôs um esclarecimento ao julgado se os companheiros teriam passado à qualidade de herdeiros necessários por força da inconstitucionalidade do art. 1.790, usando a peça própria para isso: embargos de declaração. Depois de alguns meses, o STF rejeita os embargos de declaração nesse RE 878.694 porque não tinha tratado desse tema.

Apesar de o STF ter dito isso, a linha argumentativa do Ministro Barroso quando decidiu pela inconstitucionalidade do art. 1.790, ele começa o seu voto dizendo que união estável e casamento não têm hierarquia entre si, não há uma família mais importante do que a outra. Quando ele diz isso, aquele art. 226, § 3º da CF que vai dizer que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, ele não pode ser entendido por hierarquizar os dois institutos.

Contudo, o fato de colocar união estável e casamento lado a lado não quer dizer que são iguais. O Ministro Barroso disse que são diferentes porque, no momento de sua formação, casamento se forma a partir de um reconhecimento de 7 www.g7juridico.com.br

vontades declaradas perante uma autoridade, nascendo formalmente, porque vai para registro no Livro B do Registro Civil. A união estável, de outro modo, nasce como fato da vida, as pessoas se comportam como se casados fossem, sem passar pelo rito e controle estatal.

Uma segunda distinção que o Ministro Barroso diz respeito à prova, porque o casamento se prova por meio de certidão e a união estável se prova por qualquer meio de prova admitido em Direito, como por meio de testemunhas, página no Instagram, Facebook, etc. Pode até ter uma escritura pública criando a união estável, mas não é necessária.

E uma terceira distinção apontada pelo Ministro Barroso é quanto à extinção, porque a extinção entre vivos do casamento se dá pelo divórcio, já a extinção da união estável se dá no momento em que as partes não se comportam mais como se casados fossem. Não há necessidade de o Estado dizer que acabou a união estável. A sentença que põe fim à união estável só declara um fim que já ocorreu e, de outro modo, é o divórcio que põe fim ao casamento.

Em termos de eficácia, de efeitos, seria inconstitucional reconhecer que casamento e união estável são diferentes. Em termos eficaciais, casamento e união estável são iguais. Se assim o é, sob pena de inconstitucionalidade, podemos então pensar que, em uma visão mais restritiva segundo os argumentos trazidos pelo Ministro Barroso, pelo menos em matéria sucessória, a igualdade é completa.

Todos os dispositivos que tratam de cônjuge tratam também de companheiro e, por isso, podemos concluir que o companheiro é sim herdeiro necessário. A doutrina se inclina majoritariamente a reconhecer o companheiro como herdeiro necessário. Essa leitura é majoritária para os concursos públicos. Contudo, se cônjuges e companheiros são iguais em tudo, temos que transportar essa igualdade para o Direito de Família e isso gera alguns problemas, como à presunção de paternidade, mudar o regime de bens por meio de sentença para os cônjuges.

A Escola do Direito Civil Constitucional leu a decisão do Supremo, com o voto do Barroso, da seguinte maneira: nos aspectos existenciais mínimos de sobrevivência, companheiros e cônjuges têm os mesmos direitos por força do reconhecimento do STF, mas, nos demais aspectos não.

1ª Corrente: a igualdade é apenas sucessória; 2ª Corrente: a igualdade á para todo o Direito de Família; 3ª Corrente: a igualdade se dá apenas quanto ao mínimo existencial.

Depois dessas três decisões do STJ que consideraram companheiro como herdeiro necessário obter dictem, não como ratio decidendi, o professor tenderia a dizer que estamos a um passo de termos o companheiro reconhecido como sendo herdeiro necessário. Em uma prova de teste, não se deve dizer que companheiro é herdeiro necessário porque a lei assim não o diz, mas a tendência majoritária para prova dissertativa e oral é dizer que o companheiro é sim herdeiro necessário.

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DA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA

Quando não houver ato de última vontade, o CC vai tratar da capacidade sucessória no art. 1.798.

Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.

Quando da morte, as pessoas chamadas à sucessão, com capacidade sucessória, pela sucessão legítima, são os já nascidos (têm personalidade jurídica) e os concebidos. A noção de concepção não é uma concepção de nascituro, porque o nascituro é o embrião que já está implantado no ventre materno, sendo aquele em que já houve o encontro celular do gameta masculino e do gameta feminino e ele está implantado no útero materno.

É o caso em que o marido ou companheiro falece e a mulher estava grávida. Evidentemente que o nascituro, ao lado dos filhos já nascidos, é considerado herdeiro em matéria sucessória por sucessão legítima.

O problema é que podemos ter uma situação em que os embriões já tiveram o encontro do óvulo com o espermatozoide, mas esses embriões estão guardados, crio conservados, é a chamada vida extrauterina, fora do útero, pelas técnicas de reprodução humana assistida. A lei não garante sucessão legítima ao material genético do falecido (óvulo ou espermatozoide).

Aberto o inventário, já tem três filhos nascidos e tem três embriões crio conservados. Como se divide essa herança entre os três filhos já nascidos? Os embriões não teriam direito? Maria Helena Diniz traz que os embriões têm personalidade jurídica formal, como direitos de personalidade, mas não personalidade jurídica material, eles são herdeiros desde logo. Eles são herdeiros quando implantados no ventre materno e nascendo com vida.

Zeno Veloso e a própria Maria Helena Diniz trazem que, no momento em que os embriões são implantados no ventre materno e nascem com vida, eles têm direito à herança do seu pai já falecido. Então se deve esperar cada embrião nascer com vida para se fazer a partilha dos bens? Não, porque o Direito Civil trabalha com a ideia de que a lei não faz a ressalva de que o inventário para até que haja o nascimento com vida dos embriões excedentários.

Então, os três filhos nascidos dividirão a herança em três, só que, nascendo o embrião e ele maneja juridicamente seus direitos propondo uma ação de petição de herança no prazo de 10 anos do seu nascimento e vai encontrar os irmãos como herdeiros aparentes de ¼ dos bens, porque eles estavam em três e agora tem mais um.

De qualquer maneira, alguns autores entendem que essa ação de petição de herança sequer teria prazos e o embrião, agora nascido com vida, poderia pleitear essa herança 20 anos depois, 30 anos depois porque o que obsta a petição de herança não é o prazo de 10 anos, como decidido pelo próprio STF inclusive secundado pela doutrina majoritária.

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Giselda Hironaka, por exemplo, seguindo a linha de Orlando Gomes, eles entendem que não há prazo algum porque a hora em que o embrião, agora nascido com vida, pleitear a herança com relação aos seus irmãos, ele só teria uma forma de não entregar a herança, que é a chamada exceção da usucapião, ou seja, se os irmãos provassem que os bens já estão com eles há certo tempo a ponto de terem adquirido a propriedade de forma originária.

Para os bens imóveis, o maior prazo de usucapião é de 15 anos. Nos bens móveis, o maior prazo de usucapião é de 5 anos. Se imaginarmos que a petição de herança poderia ser proposta em 10 anos, teríamos uma vantagem para os herdeiros que, em 5 anos, seriam proprietários dos bens móveis.

Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I - Os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão; II - As pessoas jurídicas; III - As pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação.

Nessa hipótese de sucessão testamentária, o Código Civil admite para as pessoas jurídicas (que já devem existir no momento da morte) porque as pessoas jurídicas não herdam por sucessão legítima, que é a vocação hereditária e pressupõe parentesco (descendentes, ascendentes e cônjuge). O art. 1.829 vai demonstrar que não há o Município como herdeiro. O Município só será destinatário dos bens do falecido, no Brasil, na falta de herdeiros.

As pessoas jurídicas serão sucessoras, portanto, por testamento. Podemos nomear o Município como herdeiro, desde que o faça por testamento. Nenhuma pessoa jurídica de direito público ou privado herda por sucessão legítima. O inciso III vai dizer que as pessoas jurídicas cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação pode ter como herdeiros testamentários fundações que ainda não existem.

Portanto, as pessoas jurídicas devem existir para ter personalidade e poder serem herdeiras testamentárias. A única exceção das pessoas jurídicas chamadas de fundação em que o testador cria a fundação por testamento e diz que seus bens irão para essa futura fundação.

O inciso I diz que, na sucessão testamentária, podem, ainda serem chamados a suceder os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão. Teremos uma situação em que serão nomeados como sucessores a prole eventual, ou seja, pessoas não concebidas quando da morte. Isso significa que a pessoa deixa seus bens para o primeiro filho de Maria, alguém que ainda não está concebido quando da morte.

Essa ideia de prole eventual vai gerar um problema, porque quando essa pessoa morre e se ela deixou seus bens para o primeiro filho da sobrinha Maria, pode ocorrer de, quando da morte, esse filho já estar concebido e nascido com vida ou esse filho sequer estar concebido. São duas situações distintas.

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Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança serão confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz. § 1º Salvo disposição testamentária em contrário, a curatela caberá à pessoa cujo filho o testador esperava ter por herdeiro, e, sucessivamente, às pessoas indicadas no art. 1.775. § 2º Os poderes, deveres e responsabilidades do curador, assim nomeado, regem-se pelas disposições concernentes à curatela dos incapazes, no que couber. § 3º Nascendo com vida o herdeiro esperado, ser-lhe-á deferida a sucessão, com os frutos e rendimentos relativos à deixa, a partir da morte do testador. § 4º Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos.

Se quando a pessoa falece, o primeiro filho de Maria já está nascido e tem personalidade jurídica, evidentemente que ele já é um herdeiro e recebe os bens desde o momento da morte, com todos os efeitos, bônus e ônus, sendo o que está disposto no § 3º do art. 1.800.

Mas, o § 1º vai dizer que, salvo disposição testamentária em contrário, a curatela caberá à pessoa cujo filho o testador esperava ter por herdeiro. Alguém morre, Maria tem 25 anos, não está grávida e não tem outro filho. Neste caso, por uma autorização legal, a herança fica sem titularidade – mas cuidados, administrados por Maria – porque o primeiro filho de Maria ainda não nasceu. É por isso que o § 1º fala em curatela.

O § 2º vai dizer que a responsabilidade e dever do curador se rege pelas disposições concernentes à curatela dos incapazes, no que couber. Aqui, a curatela não é da pessoa, porque a prole eventual não nasceu ainda. A curatela é exclusivamente patrimonial, é a chamada cura rei. A herança fica acéfala, contrariando a lógica da saisine.

O último parágrafo vai trazer uma questão de até quando se pode esperar a concepção ou nascimento dessa prole eventual e o § 4º vai dizer que, se decorridos 2 anos (o que parece, ao professor, que é norma de ordem pública em que o testador não pode aumentar esse prazo, apenas reduzir) após a abertura da sucessão e não for concebido herdeiro esperado, os bens reservados caberão aos herdeiros legítimos, salvo de o testador tiver disposição em sentido contrário.

DA ACEITAÇÃO E RENÚNCIA DA HERANÇA

É um dos temas mais relevantes para concurso público porque é um tema absolutamente técnico. Aceitação também é chamada de adição e renúncia não tem outra nomenclatura. Quando tratamos desse tema, estamos diante de atos jurídicos em sentido estrito porque, para o Direito Civil brasileiro, não se pode aceitar ou renunciar herança nem a termo nem sob condição. Também não se pode aceitar ou renunciar a herança em partes.

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Quando alguém é chamado a suceder a dois títulos, herdeiro e legatário, essa pessoa pode aceitar um e renunciar o outro, pode aceitar os dois ou pode renunciar os dois. O art. 1.808 vai dizer que se alguém é herdeiro necessário do seu pai e o pai disponibilizou um legado em seu favor, ele pode aceitar a herança como herdeiro necessário e repudiar o legado, pode aceitar o legado e repudiar a herança, pode aceitar os dois ou repudiar os dois.

Isso quer dizer que, no sistema brasileiro, não se aceita em partes, não se renuncia em partes porque, se assim fosse, estaríamos diante de uma situação no mínimo curiosa em que se aceita o que herda de bom e renunciar as dívidas. Ou se aceita o legado por inteiro, ou se aceita a herança por inteiro, não se pode fatiar.

Art. 1.808. Não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte, sob condição ou a termo. § 1º O herdeiro, a quem se testarem legados, pode aceitá-los, renunciando a herança; ou, aceitando-a, repudiá-los. § 2º O herdeiro, chamado, na mesma sucessão, a mais de um quinhão hereditário, sob títulos sucessórios diversos, pode livremente deliberar quanto aos quinhões que aceita e aos que renuncia.

Quando se fala em aceitação da herança, podemos ter a chamada aceitação expressa, em que se aceita pessoalmente ou se dá procuração para o advogado para que ele aceite o representando em juízo, ou pode ter a aceitação tácita em que se pratica atos que indiquem a aceitação.

Art. 1.805. A aceitação da herança, quando expressa, faz-se por declaração escrita; quando tácita, há de resultar tãosomente de atos próprios da qualidade de herdeiro. § 1º Não exprimem aceitação de herança os atos oficiosos, como o funeral do finado, os meramente conservatórios, ou os de administração e guarda provisória. § 2º Não importa igualmente aceitação a cessão gratuita, pura e simples, da herança, aos demais co-herdeiros.

A aceitação tácita se dá de forma retroativa e quando se pratica atos que indiquem que essa pessoa está exercendo qualidade de proprietário, afinal, se o pai morreu e é herdeiro, passa a ser proprietário e pratica atos indicando que proprietário é. O CC vai dizer, no § 1º, que os atos de cuidado com os bens ou com a pessoa do morto (cuidar do funeral) não indicam necessariamente que está aceitando a herança.

Art. 1.806. A renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial.

Para a aceitação da herança, a forma é livre. Para a renúncia, como ela é incomum, não é o que ocorre na prática, na maioria dos casos, a lei vai exigir segurança jurídica e, portanto, a renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou de termo judicial. Não existe renúncia tácita ou verbal no Direito brasileiro.

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➢ Ao se renunciar à herança, os efeitos são ex nunc ou ex tunc? Os efeitos são ex tunc, retroagem ao momento da morte e não só a partir do momento em que se renunciou. O renunciante, por ficção, apaga a saisine. Ele nunca foi proprietário dos bens.

Aceitação e renúncia são irrevogáveis, se já aceitou não se pode renunciar e se já renunciou não se pode aceitar. Isto quer dizer que, ao se praticar atos tácitos de aceitação, não se pode, no inventário, renunciar, porque já é proprietário, já confirmou a saisine. Se renunciou, não cabe arrependimento para posterior aceitação dos bens.

Dizem os autores que a renúncia pode ser:

a) In favorem (translativa): não é renúncia, é uma cessão de direitos hereditários. Significa passar o seu próprio quinhão para Maria. O problema é que, aqui, se paga duas vezes o ITCMD (morte e cessão); b) Pura e simples (abdicativa): é a renúncia, sendo um ato jurídico unilateral. Os bens vão seguir a ordem de vocação hereditária. Aqui, se paga apenas um ITCMD, da morte para o sucessor.

DA ORDEM DA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA

A sucessão legítima tem duas regras de ouro:

1ª) A existência de herdeiros de uma classe exclui os da classe seguinte/subsequente. A exceção à essa regra diz respeito ao cônjuge e companheiro, que estão na terceira classe, mas concorrem com os herdeiros da primeira ou da segunda classe, de acordo com os incisos I e II do art. 1.829. Se o falecido tiver filhos, eles serão chamados e não os pais do falecido;

São classes de herdeiros na sucessão legítima:

1. Descendentes – sem limite de graus; 2. Ascendentes – sem limite de graus; 3. Cônjuge ou companheiro (Repercussão Geral n. 809 do STF); 4. Colaterais – até o quarto grau.

Art. 1.839. Se não houver cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no art. 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau.

2ª) Dentro de uma classe, os herdeiros de grau mais próximo excluem os de grau mais remoto. Por exemplo, os filhos excluem os netos. A exceção à essa regra é o chamado direito de representação (vai permitir que parentes

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de grau mais remoto concorram com parentes de grau mais próximo). Graus são os chamados graus de parentesco. Não existem graus sucessórios, são os graus de parentesco. Vejamos:

A primeira classe que iremos estudar é a sucessão na classe dos descendentes.

Primeiro caso: A falece e deixa o seu pai, sua mãe, seu filho B e seu filho C. A não tem cônjuge e nem companheiro porque iremos trabalhar oportunamente essa hipótese. Nesse exemplo, pai e mãe estão na segunda classe e filhos estão na primeira classe. Uma classe de herdeiros exclui a classe subsequente.

Logo, pai e mãe estarão fora do debate, ficando apenas os filhos. Se os filhos são da primeira classe, vamos à regra de que grau mais próximo exclui grau mais remoto. Ambos os filhos, B e C são de primeiro grau em relação ao falecido A. Sendo assim, a herança será dividida em partes iguais, metade para cada.

Segundo caso: A falece, tem o filho B, o filho C. O filho B tem o filho b1 e b2 e C tem filho c1. Ocorre que o filho B é prémorto, ou seja, o filho B morreu antes de A. Quando A falece, vivos estão b1, b2, C e c1. Contando graus, considerando os vivos, C é de primeiro grau e b1, b2 e c1 são de segundo grau.

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Nesta hipótese, o filho c1 está excluído porque seu pai C está vivo, mas os netos b1 e b2 herdam por representação. Isso quer dizer que 50% da herança fica com C, 50% que seria de B é dividido entre b1 e b2, sendo 25% para cada um. Em frações, seria ¼ para cada neto e ½ para o filho C, partilhando por estirpe.

Art. 1.851. Dá-se o direito de representação, quando a lei chama certos parentes do falecido a suceder em todos os direitos, em que ele sucederia, se vivo fosse.

Art. 1.852. O direito de representação dá-se na linha reta descendente, mas nunca na ascendente.

Art. 1.855. O quinhão do representado partir-se-á por igual entre os representantes.

Terceiro caso: A falece, tem o filho B, o filho C. O filho B tem o filho b1 e b2 e C tem filho c1. Ocorre que os filhos B e C são pré-mortos, ou seja, os filhos B e C morreram antes de A. Os herdeiros são os três netos, sendo todos os netos vivos igualmente de segundo grau. Estão todos na mesma classe e são todos do mesmo grau. A herança se divide em partes iguais, 1/3 para cada um dos netos, todos herdam por direito próprio e partilham por cabeça.

Não se divide metade para B e metade para C porque, na primeira linha, os descendentes de primeiro grau já eram todos pré-mortos, falecidos e, assim sendo, o cálculo começa na linha de baixo. Só há representação quando estivermos na mesma classe concorrendo com herdeiros de graus diversos, filho com neto, como no segundo caso. NÃO HÁ REPRESENTAÇÃO QUANDO TODOS OS HERDEIROS DE UMA CLASSE SÃO DE MESMO GRAU.

Quarto caso: A falece, deixando seus filhos B e C (sendo C pré-morto). C tem como filhos D e E (sendo E pré-morto) e E tem como filhos F e G. B e C são de primeiro grau. D e E são de segundo grau. F e G são de terceiro grau. Nesta hipótese, B fica com 50%. A metade que seria de C fica 25% para D e 25% para E. Os 25% de E ficam 12,5% para F e 12,5% para G. Temos 1/2 para B, 1/4 para D e 1/8 para F e G.

Art. 1.833. Entre os descendentes, os em grau mais próximo excluem os mais remotos, salvo o direito de representação.

Art. 1.834. Os descendentes da mesma classe têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes.

Art. 1.835. Na linha descendente, os filhos sucedem por cabeça [por direito próprio], e os outros descendentes, por cabeça ou por estirpe, conforme se achem ou não no mesmo grau.

Analisando, agora, a sucessão da segunda classe, a classe dos ascendentes. Teremos que os graus mais próximos excluindo graus mais remotos.

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Primeiro caso: A falece sem descendentes, sem cônjuge e sem companheiro e deixa seu pai e sua mãe. São ambos parentes de primeiro grau e da mesma classe. 50% para cada um.

Segundo caso: A falece sem descendentes, sem cônjuge e sem companheiro e deixa seu pai, sua mãe, seu avô e avó paternos e seu avô e avó materna. A mãe é pré-morta. O pai é parente de primeiro grau e os avós de segundo grau. Como o grau mais próximo exclui grau mais remoto, os avós nada herdam e o pai recebe, por direito próprio, 100% da herança. Não tem representação na classe dos ascendentes? Não, segundo o art. 1.852, segunda parte.

Terceiro caso: A falece sem descendentes, sem cônjuge e sem companheiro e deixa seu pai, sua mãe, seu avô paterno, seu avô e avó maternos. O pai e mãe são pré-mortos. Os avós são de segundo grau. O avô paterno recebe 50% e os avós maternos recebem 25% cada um. Eles herdam por direito próprio e partilham por linha (estirpe é própria do direito da representação, típica dos descendentes). Fundamento:

Art. 1.836. Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente. § 1º Na classe dos ascendentes, o grau mais próximo exclui o mais remoto, sem distinção de linhas. § 2º Havendo igualdade em grau e diversidade em linha, os ascendentes da linha paterna herdam a metade, cabendo a outra aos da linha materna.

O art. 1.829 deve ser lido e estudado com bastante calma.

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694) I - Aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - Aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - Ao cônjuge sobrevivente; IV - Aos colaterais.

Sempre que o professor mencionar “cônjuge”, de agora em diante leia-se “cônjuge/companheiro”. Os descendentes concorrem com o cônjuge sobrevivente. Concorrer é igual a dividir a herança. A regra no sistema brasileiro é que, quando alguém morre e era casado ou em união estável, a herança vai para os filhos e também para o cônjuge/companheiro. Em certas situações, o cônjuge/companheiro não concorrem e tudo vai para os descendentes.

No caso do cônjuge/companheiro que falece e deixa o outro cônjuge e seus descendentes, a concorrência se dá sempre, sem ressalvas. Para se entender quando o cônjuge/companheiro concorre, há uma pergunta anterior. Para concorrer, o 16 www.g7juridico.com.br

cônjuge/companheiro deve ser herdeiro e, para saber se ele é herdeiro, não podemos começar com o art. 1.829, porque o art. 1.830 traz a regra do quando o cônjuge/companheiro é herdeiro.

Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

O artigo diz quando o CÔNJUGE/COMPANHEIRO NÃO É HERDEIRO, nas seguintes hipóteses:

 Se for divorciado e o divórcio põe fim ao vínculo conjugal;  Se eles forem separados judicialmente/extrajudicialmente, em que temos uma situação onde não há mais sociedade conjugal, não há mais regime de bens. Logo, não há relação sucessória entre os separados judicialmente/extrajudicialmente;  Separado de fato há mais de dois anos (acaba a convivência more uxorio, não há mais o animus familae entre esse antigo casal).

Portanto, o CÔNJUGE/COMPANHEIRO É HERDEIRO quando: ✓ Se estiverem casados e convivendo, não há separação de fato, existe convivência more uxorio; ✓ Se estiverem casados, mas separados de fato há menos de dois anos; ✓ Se estiverem casados, separados de fato há mais de dois anos sem culpa do sobrevivente, ou seja, é a situação em que o marido praticava contra a mulher violência doméstica, sendo o culpado pela separação de fato e ela sai de casa para preservar sua própria vida. Nesta hipótese, apesar de o cônjuge estar separado de fato há mais de dois anos, como a culpa foi do falecido, o sobrevivente prossegue herdeiro → culpa mortuária.

Esse dispositivo que traz de volta a culpa para fins sucessórios vai gerar alguns problemas. O primeiro problema é que alguém abra o inventário de seu pai. Essa pessoa e seus irmãos são os herdeiros porque, apesar de ele estar casado com Joana, eles já estão separados de fato há mais de dois anos.

Entra Joana no inventário e diz que estavam mesmo separados de fato há mais de dois anos, mas ela estava separada de fato do pai desses herdeiros porque ele batia nela ou traía nela e, portanto, ela mantém a qualidade de herdeira concorrendo com os descendentes.

Terá que se suspender o inventário ou, no mínimo, reservar um quinhão para essa viúva para resolver essa outra questão não comprovada documentalmente e terá que se discutir a culpa em uma ação própria e que, nessa ação própria, Joana ganhando e provando que estava separada de fato há mais de dois anos por culpa do falecido, ela prossegue herdeira. Se ela não conseguir provar a culpa do falecido, ela perde a qualidade de herdeira. 17 www.g7juridico.com.br

A culpa mortuária é bastante cruel porque, no fundo, quem vai ter que defender os falecidos são os herdeiros dele contra o cônjuge/companheiro e muitas vezes esses herdeiros não terão prova da culpa mortuária nem para ajudar e nem para deixar de ajudar.

No fim, esse artigo acaba sendo um tanto quanto injusto porque ele impõe aos herdeiros a defesa do morto para afastar a culpa do morto em assuntos que, muitas vezes, os herdeiros desconhecem ou, mesmo conhecendo, não terão prova, enquanto o viúvo ou viúva litigante viveu a história, terá mais detalhes e provas a fornecer.

Há um segundo problema grave com relação ao dispositivo porque ele fala em culpa e o problema da culpa é porque, no sistema brasileiro, após a Emenda Constitucional n. 66/2010 que alterou o art. 226, § 6º da CF, a culpa foi abolida para fins de divórcio ou de separação. A culpa não mais pode ser aventada para debater o fim da conjugalidade.

A culpa mortuária para fins de manutenção da qualidade de herdeiro não dialoga com a Emenda Constitucional n. 66/2010 e a melhor interpretação é no sentido de que basta que haja separação de fato, independentemente de culpa ou de prazo, para que cesse a qualidade de herdeiro. A redação, de acordo com a Emenda Constitucional n. 66/2010 deveria ser:

“Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge/companheiro sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente ou extrajudicialmente, nem separados de fato.”

Se, passada a análise do art. 1.830, o cônjuge/companheiro for herdeiro, devemos analisar quando ele concorre com descendentes. A resposta está no art. 1.829, I.

Regra: o cônjuge concorre com os descendentes, dividindo a herança. Exceção: o cônjuge não concorre com os descendentes, nas seguintes situações:

1. Se o casamento se deu por comunhão universal, em que o cônjuge é meeiro de todos os bens. Meação não é herança, não havendo concorrência na herança; 2. Se o casamento se deu por comunhão parcial sem bens particulares (bem havido por herança/doação ou adquirido antes do casamento). Supondo que o marido tenha um apartamento que ele comprou já casado com ela, ela tem a metade (meação) e a metade dele vai para os filhos. Novamente aqui, todos os bens são comuns, ela já era meeira; 3. Se o casamento se deu por separação obrigatória de bens (art. 1.641). Com a morte de um, o outro não é herdeiro em concorrência e vai tudo para os eventuais filhos.

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I - Das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; 18 www.g7juridico.com.br

II – Da pessoa maior de 70 (setenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.344, de 2010) III - De todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

São regimes em que há concorrência do cônjuge e descendentes: regime de separação convencional de bens (aquela que nasce do pacto antenupcial), o regime de participação final nos aquestos e o regime de comunhão parcial de bens com bens particulares.

Nesse último caso (regime de comunhão parcial de bens com bens particulares), suponha que o marido tenha um carro, que é bem particular porque ele recebeu de herança do pai e que ele tem um apartamento que comprou junto com a mulher, já casado. O apartamento é bem comum, metade é dela e a outra metade vai para os filhos. No carro, ela não tem meação. Logo, ela e os filhos dividem a herança sobre os bens particulares.

Em outras palavras, o que o artigo quer dizer é que, quando o cônjuge é meeiro, não há concorrência, toda a herança vai para os descendentes. Quando o cônjuge não é meeiro, ele divide a herança com os descendentes, salvo na hipótese de separação obrigatória de bens.

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MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS Direito Civil Prof. José Simão Aula 21

ROTEIRO DE AULA

Tema: DIREITO DAS SUCESSÕES II

Como vimos na aula passada, o espírito do CC/2002, em termos de concorrência do cônjuge com os descendentes foi: em regra, cônjuge concorre com descendentes apenas quanto aos bens particulares do falecido e os bens em que o cônjuge já é meeiro não concorre com os descendentes; exceção, cônjuge não concorre com descendentes. Onde há meação não há concorrência e onde há concorrência é porque não havia, em vida, meação.

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694) I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

CUIDADO ao lerem jurisprudência do STJ porque, entre os anos de 2007 e 2015, o STJ entendeu por uma leitura capitaneada pela Ministra Nancy Andrighi no REsp 992.749/MS, a Ministra entendeu que a concorrência com os descendentes se dava só sobre os bens comuns, onde o cônjuge já era meeiro e nesse caso ele também concorreria com os descendentes, como se o regime de bens produzisse efeitos mortis causa e, portanto, o que é bem comum cada um tem a metade e, a mulher morrendo, se herda da metade dela junto com os filhos. Tendo bens particulares, esses bens vão só aos filhos e nada para a mulher.

“Direito civil. Família e Sucessões. Recurso especial. Inventário e partilha. Cônjuge sobrevivente casado pelo regime de separação convencional de bens, celebrado por meio de pacto antenupcial por escritura pública. Interpretação do art. 1.829, I, do CC/02. Direito de concorrência hereditária com descendentes do falecido. Não ocorrência. - Impositiva a 1 www.g7juridico.com.br

análise do art. 1.829, I, do CC/02, dentro do contexto do sistema jurídico, interpretando o dispositivo em harmonia com os demais que enfeixam a temática, em atenta observância dos princípios e diretrizes teóricas que lhe dão forma, marcadamente, a dignidade da pessoa humana, que se espraia, no plano da livre manifestação da vontade humana, por meio da autonomia da vontade, da autonomia privada e da consequente autorresponsabilidade, bem como da confiança legítima, da qual brota a boa fé; a eticidade, por fim, vem complementar o sustentáculo principiológico que deve delinear os contornos da norma jurídica. - Até o advento da Lei n.º 6.515/77 (Lei do Divórcio), vigeu no Direito brasileiro, como regime legal de bens, o da comunhão universal, no qual o cônjuge sobrevivente não concorre à herança, por já lhe ser conferida a meação sobre a totalidade do patrimônio do casal; a partir da vigência da Lei do Divórcio, contudo, o regime legal de bens no casamento passou a ser o da comunhão parcial, o que foi referendado pelo art. 1.640 do CC/02. Preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o postulado da autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito à meação, além da concorrência hereditária sobre os bens comuns, mesmo que haja bens particulares, os quais, em qualquer hipótese, são partilhados unicamente entre os descendentes. - O regime de separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.829, inc. I, do CC/02, é gênero que congrega duas espécies: (i) separação legal; (ii) separação convencional. Uma decorre da lei e a outra da vontade das partes, e ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime de separação de bens, à sua observância. - Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário. Entendimento em sentido diverso, suscitaria clara antinomia entre os arts. 1.829, inc. I, e 1.687, do CC/02, o que geraria uma quebra da unidade sistemática da lei codificada, e provocaria a morte do regime de separação de bens. Por isso, deve prevalecer a interpretação que conjuga e torna complementares os citados dispositivos. - No processo analisado, a situação fática vivenciada pelo casal – declarada desde já a insuscetibilidade de seu reexame nesta via recursal – é a seguinte: (i) não houve longa convivência, mas um casamento que durou meses, mais especificamente, 10 meses; (ii) quando desse segundo casamento, o autor da herança já havia formado todo seu patrimônio e padecia de doença incapacitante; (iii) os nubentes escolheram voluntariamente casar pelo regime da separação convencional, optando, por meio de pacto antenupcial lavrado em escritura pública, pela incomunicabilidade de todos os bens adquiridos antes e depois do casamento, inclusive frutos e rendimentos. - A ampla liberdade advinda da possibilidade de pactuação quanto ao regime matrimonial de bens, prevista pelo Direito Patrimonial de Família, não pode ser toldada pela imposição fleumática do Direito das Sucessões, porque o fenômeno sucessório “traduz a continuação da personalidade do morto pela projeção jurídica dos arranjos patrimoniais feitos em vida”. - Trata-se, pois, de um ato de liberdade conjuntamente exercido, ao qual o fenômeno sucessório não pode estabelecer limitações.. - Se o casal firmou pacto no sentido de não ter patrimônio comum e, se não requereu a alteração do regime estipulado, não houve doação de um cônjuge ao outro durante o casamento, tampouco foi deixado testamento ou legado para o cônjuge sobrevivente, quando seria livre e lícita qualquer dessas providências, não deve o intérprete da lei alçar o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário, concorrendo com os descendentes, sob pena de clara violação ao regime de bens pactuado. - Haveria, induvidosamente, em tais situações, a alteração do regime matrimonial de bens post mortem, ou seja, com o fim do casamento pela morte de um dos cônjuges, seria alterado o regime de separação convencional de bens pactuado em vida, permitindo ao cônjuge sobrevivente o recebimento de bens de exclusiva propriedade do autor da herança, patrimônio ao qual recusou, quando 2 www.g7juridico.com.br

do pacto antenupcial, por vontade própria. - Por fim, cumpre invocar a boa fé objetiva, como exigência de lealdade e honestidade na conduta das partes, no sentido de que o cônjuge sobrevivente, após manifestar de forma livre e lícita a sua vontade, não pode dela se esquivar e, por conseguinte, arvorar-se em direito do qual solenemente declinou, ao estipular, no processo de habilitação para o casamento, conjuntamente com o autor da herança, o regime de separação convencional de bens, em pacto antenupcial por escritura pública. - O princípio da exclusividade, que rege a vida do casal e veda a interferência de terceiros ou do próprio Estado nas opções feitas licitamente quanto aos aspectos patrimoniais e extrapatrimoniais da vida familiar, robustece a única interpretação viável do art. 1.829, inc. I, do CC/02, em consonância com o art. 1.687 do mesmo código, que assegura os efeitos práticos do regime de bens licitamente escolhido, bem como preserva a autonomia privada guindada pela eticidade. Recurso especial provido. Pedido cautelar incidental julgado prejudicado.” (STJ, REsp 992.749/MS, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, j: 01/12/2009, Dje: 05/02/2010).

Contudo, esse entendimento jurisprudencial é exatamente o contrário do que está no Código e o STJ decidia contra legem, tendo sido repetido por anos até que, no ano de 2015, houve uma reunião da Segunda Seção do STJ (Terceira e Quarta Turmas) e no REsp 1.472.945/RJ e no REsp 1.368.123/SP, a leitura do STJ muda, abandonando-se a leitura de 2007 da Ministra Nancy e adota-se uma nova leitura do sistema, exatamente nos termos do CC/2002.

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO DAS SUCESSÕES. INVENTÁRIO E PARTILHA. REGIME DE BENS. SEPARAÇÃO CONVENCIONAL. PACTO ANTENUPCIAL POR ESCRITURA PÚBLICA. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. CONCORRÊNCIA NA SUCESSÃO HEREDITÁRIA COM DESCENDENTES. CONDIÇÃO DE HERDEIRO. RECONHECIMENTO. EXEGESE DO ART. 1.829, I, DO CC/02. AVANÇO NO CAMPO SUCESSÓRIO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL. 1. O art. 1.829, I, do Código Civil de 2002 confere ao cônjuge casado sob a égide do regime de separação convencional a condição de herdeiro necessário, que concorre com os descendentes do falecido independentemente do período de duração do casamento, com vistas a garantir-lhe o mínimo necessário para uma sobrevivência digna. 2. O intuito de plena comunhão de vida entre os cônjuges (art. 1.511 do Código Civil) conduziu o legislador a incluir o cônjuge sobrevivente no rol dos herdeiros necessários (art. 1.845), o que reflete irrefutável avanço do Código Civil de 2002 no campo sucessório, à luz do princípio da vedação ao retrocesso social. 3. O pacto antenupcial celebrado no regime de separação convencional somente dispõe acerca da incomunicabilidade de bens e o seu modo de administração no curso do casamento, não produzindo efeitos após a morte por inexistir no ordenamento pátrio previsão de ultratividade do regime patrimonial apta a emprestar eficácia póstuma ao regime matrimonial. 4. O fato gerador no direito sucessório é a morte de um dos cônjuges e não, como cediço no direito de família, a vida em comum. As situações, porquanto distintas, não comportam tratamento homogêneo, à luz do princípio da especificidade, motivo pelo qual a intransmissibilidade patrimonial não se perpetua post mortem. 5. O concurso hereditário na separação convencional impõe-se como norma de ordem pública, sendo nula qualquer convenção em sentido contrário, especialmente porque o referido regime não foi arrolado como exceção à regra da concorrência posta no art. 1.829, I, do Código Civil. 6. O regime da separação convencional de bens escolhido livremente pelos nubentes à luz do princípio da autonomia de vontade (por meio do pacto antenupcial), não se confunde com o regime da separação legal ou obrigatória de bens, que é imposto de forma cogente pela legislação (art. 1.641 do Código Civil), e no qual efetivamente não há concorrência do cônjuge com o descendente. 7. Aplicação da máxima de 3 www.g7juridico.com.br

hermenêutica de que não pode o intérprete restringir onde a lei não excepcionou, sob pena de violação do dogma da separação dos Poderes (art. 2º da Constituição Federal de 1988). 8. O novo Código Civil, ao ampliar os direitos do cônjuge sobrevivente, assegurou ao casado pela comunhão parcial cota na herança dos bens particulares, ainda que os únicos deixados pelo falecido, direito que pelas mesmas razões deve ser conferido ao casado pela separação convencional, cujo patrimônio é, inexoravelmente, composto somente por acervo particular. 9. Recurso especial não provido.” (STJ, REsp 1.475.945/RJ, Relator Ministro Ricardo Villas Boas Cuêva, Terceira Turma, j: 23/10/2014, Dje: 19/11/2014).

“RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. HERDEIRO NECESSÁRIO. EXISTÊNCIA DE DESCENDENTES DO CÔNJUGE FALECIDO. CONCORRÊNCIA. ACERVO HEREDITÁRIO. EXISTÊNCIA DE BENS PARTICULARES DO DE CUJUS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.829, I, DO CÓDIGO CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. 1. Não se constata violação ao art. 535 do Código de Processo Civil quando a Corte de origem dirime, fundamentadamente, todas as questões que lhe foram submetidas. Havendo manifestação expressa acerca dos temas necessários à integral solução da lide, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte, fica afastada qualquer omissão, contradição ou obscuridade. 2. Nos termos do art. 1.829, I, do Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá com os descendentes do cônjuge falecido somente quando este tiver deixado bens particulares. 3. A referida concorrência dar-se-á exclusivamente quanto aos bens particulares constantes do acervo hereditário do de cujus. 4. Recurso especial provido”. (STJ, REsp 1.368.123/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, j: 22/04/2015, Dje: 08/06/2015). ➢ Quando o cônjuge é herdeiro? Vimos no art. 1.830. ➢ Quando o cônjuge concorre com descendentes? Vimos no art. 1.829, I.

➢ Quanto recebe o cônjuge ao concorrer com os descendentes? Art. 1.832. Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.

Temos, aqui, duas questões, a primeira questão é quando se têm até três descendentes e a outra questão é quando se têm quatro ou mais descendentes. O falecido deixou o cônjuge mais um filho, metade da herança para cada um. O falecido deixou o cônjuge mais dois filhos, 1/3 da herança para cada um. O falecido deixou o cônjuge mais três filhos, 1/4 da herança para cada um.

Contudo, se o falecido deixou o cônjuge mais quatro filhos comuns (do falecido e da viúva, do casal). Nesta hipótese, o cônjuge fica com 1/4 dos bens porque sua quota não pode ser inferior à quarta parte se a filiação for comum e os outros 3/4 são divididos entre os filhos comuns. Se for a viúva e mais quatro filhos exclusivos, que são filhos só do falecido, nesta hipótese, ela continua recebendo quota igual à dos filhos. 4 www.g7juridico.com.br

➢ E se houver filhos comuns e filhos exclusivos? A professora Giselda Hironaka deu o nome de filiação híbrida e, nesses casos, teremos a não reserva da quarta parte do cônjuge. Ou seja, em que pese o debate que surgiu na doutrina, entende-se hoje por doutrina majoritária e por vários julgados que não há a reserva da quarta parte. Então, se tiver quatro filhos, sendo dois comuns e dois exclusivos mais o cônjuge, a herança se divide em cinco. Se tiver cinco filhos, sendo um comum e quatro exclusivos mais o cônjuge, a herança se divide em seis.

V Jornada de Direito Civil - Enunciado 527 - Na concorrência entre o cônjuge e os herdeiros do de cujus, não será reservada a quarta parte da herança para o sobrevivente no caso de filiação híbrida.

➢ Quando concorrem com ascendentes? Art. 1.829, II.

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694) (...) II - Aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

O inciso II é muito curto e direto, só causando confusão se o aluno misturar com os descendentes. Esse inciso quer dizer que, quando há apenas ascendentes e o cônjuge, a concorrência existe independentemente do regime de bens. E aquela regra de que quando tem meação não tem concorrência? Isso é para os descendentes. Não traga essa regra para os ascendentes, porque o cônjuge concorre sempre.

➢ Quanto recebe em concorrência com cônjuge? Art. 1.836 e 1.837.

Art. 1.836. Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente. § 1º Na classe dos ascendentes, o grau mais próximo exclui o mais remoto, sem distinção de linhas. § 2º Havendo igualdade em grau e diversidade em linha, os ascendentes da linha paterna herdam a metade, cabendo a outra aos da linha materna.

Art. 1.837. Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau.

a) Esposa do falecido + pai do falecido + mãe do falecido = 1/3; b) Esposa do falecido + pai do falecido = 1/2; c) Esposa do falecido + mãe do falecido = 1/2; d) Avós, qualquer que seja o número + esposa do falecido = metade para cada. 5 www.g7juridico.com.br

Um debate interessante aqui é se por acaso o falecido deixou um pai biológico mais um pai socioafetivo, mais a mãe e mais o cônjuge. O que ocorre nessa hipótese? O CC/2002 fala no art. 1.837 que concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança. Então, em tese, se poderia dizer que o cônjuge receberia 1/3 e 2/3 seriam divididos entre os dois pais e a mãe, mas essa é a leitura literal do Código que grande parte doutrina não faz.

Quando o CC/2002 foi concebido, imaginava-se apenas que cada pessoa tinha um pai e uma mãe, então seria 1/3 para cada. Essa primeira parte do art. 1.837 só quer dizer que haverá 1/3 para o pai, 1/3 para a mãe e 1/3 para o cônjuge. Logo, se estivermos em uma situação em que o falecido deixou dois pais e uma mãe e o cônjuge (multiparentalidade), a doutrina entende majoritariamente que a herança se divide em quatro partes, 1/4 para cada um. Para Luís Paulo de Carvalho, minoritário, haverá reserva de 1/3 para o cônjuge e os outros 2/3 se dividem em três partes.

Na concorrência com os ascendentes, o regime de bens do casamento é irrelevante. Por que o CC/2002 usou o regime de bens como critério na concorrência com os descendentes e não usa na concorrência com os ascendentes? Porque a lei, quando traz a ordem de vocação hereditária, traz a chamada vontade presumida do falecido e ainda presume o Código que o falecido tenha mais afetividade pelos seus descendentes do que pelos seus ascendentes.

Com isso fica claro que, mesmo se alguém for casado por regime de separação convencional de bens ou por comunhão universal de bens, se não deixa descendentes, o cônjuge/companheiro concorrem com os ascendentes sobre os bens comuns e sobre os bens particulares também, concorrendo sobre toda a massa patrimonial.

Art. 1.838. Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente.

O CC diz que não havendo descendentes (filhos, netos ou bisnetos...) ou ascendentes (pais, avós, bisavós, trisavós...), os bens vão em sua totalidade para o cônjuge sobrevivente. Os irmãos do morto, os sobrinhos do morto – que são colaterais – perdem para o cônjuge/companheiro sobrevivente? Sim, porque, na ordem de vocação hereditária, pela regra de número um, existindo herdeiros de uma classe, são excluídos os da classe subsequente, ou seja, havendo cônjuge/companheiro, excluem-se os colaterais.

➢ Isso é em qualquer regime de bens, até naquele regime de bens de separação absoluta de bens? Sim, em todo e qualquer regime de bens.

Art. 1.839. Se não houver cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no art. 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau.

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No Brasil, até 1907, com a chamada lei Feliciano Pena, no tempo das Ordenações Filipinas, o cônjuge estava atrás do colateral até décimo grau. Esse senador faz essa reforma em 1907 e essa reforma foi tão bem aceita que Clóvis Beviláqua, em seu projeto, incorpora ao CC/1916 essa ordem de vocação hereditária em que o cônjuge afasta colaterais.

A herança só chega na classe dos colaterais pelo art. 1.839 se não houver descendentes, ascendentes, cônjuge/companheiro. Se houver qualquer um desses parentes, a herança não chega até os colaterais e, se chegar até os colaterais, somente será até o quarto grau.

Os colaterais podem ser de segundo grau, que são os irmãos; de terceiro grau, que são os tios e os sobrinhos do falecido; e de quarto grau que é o primo-irmão, o tio-avô e o sobrinho-neto. As duas regras de ouro se aplicam aqui na classe dos colaterais: [1] existindo herdeiro de uma classe, não se chama a classe seguinte; e que [2] grau mais próximo exclui grau mais remoto. A exceção à essa última regra é o direito de representação.

Art. 1.840. Na classe dos colaterais, os mais próximos excluem os mais remotos, salvo o direito de representação concedido aos filhos de irmãos.

Primeiro caso: A falece, deixa um irmão e uma irmã. Para essa conta ser feita, ou esses irmãos são bilaterais (mesmo pai e mesma mãe) ou são unilaterais (só de pai ou só de mãe). Nesse caso, ambos são bilaterais e de segundo grau. Sendo o mesmo grau, dividimos a herança ao meio. Aqui, seguimos as duas regras de ouro.

Segundo caso: A falece, deixa uma irmã pré-morta, um irmão vivo e a irmã deixa dois filhos, o sobrinho 1 e o sobrinho 2. Não misture bilateral com unilateral nunca. Os irmãos são de segundo grau e os sobrinhos de terceiro grau. Temos grau mais próximo concorrendo com grau mais remoto. Pela regra de ouro número dois, grau mais próximo exclui grau mais remoto. Contudo, aqui há a exceção, que é o direito de representação. O irmão herda por direito próprio e os sobrinhos herdam por representação e partilham por estirpe.

Art. 1.853. Na linha transversal, somente se dá o direito de representação em favor dos filhos de irmãos do falecido, quando com irmãos deste concorrerem.

Na linha colateral ou transversal, só há uma hipótese de direito de representação, quando os irmãos do morto concorrem com sobrinhos do morto.

Terceiro caso: A falece, seu pai já é falecido e tem o irmão e a irmã, ambos pré-mortos. Esse irmão tem um filho, sobrinho 3 e a irmã tem dois filhos, sobrinhos 1 e 2. Os irmãos são de segundo grau e os sobrinhos de terceiro grau. Mesma classe e mesmo grau, a herança será dividia em partes iguais. Não há direito de representação entre parentes de mesma classe e mesmo grau. Os sobrinhos herdam por direito próprio e partilham por cabeça.

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Quarto caso: A falece e deixa seu irmão e sua irmã. A irmã é bilateral e o irmão é unilateral. Nessa hipótese, atribui-se 2x ao bilateral e 1x ao unilateral, somando tudo, temos 3x. Então é 1/3 para o unilateral e 2/3 para o bilateral. A falece, deixando dois irmãos bilaterais e dois irmãos unilaterais. Todos são de segundo grau. Teremos que atribuir 2 para cada bilateral e 1 para cada unilateral. 1/7 para cada unilateral e 2/7 para cada bilateral.

Art. 1.841. Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar.

Art. 1.843. Na falta de irmãos, herdarão os filhos destes e, não os havendo, os tios. § 1º Se concorrerem à herança somente filhos de irmãos falecidos, herdarão por cabeça. § 2º Se concorre filhos de irmãos bilaterais com filhos de irmãos unilaterais, cada um destes herdará a metade do que herdar cada um daqueles. § 3º Se todos forem filhos de irmãos bilaterais, ou todos de irmãos unilaterais, herdarão por igual.

Quinto caso: A falece, tem um irmão unilateral (um filho) pré-morto, uma irmã bilateral pré-morta (dois filhos). Os irmãos são de segundo grau e os sobrinhos são de terceiro grau. Como a segunda linha acabou com a morte dos irmãos, começamos a conta na terceira linha. 1 para o sobrinho unilateral e 2 para os sobrinhos bilaterais, a herança se divide em cinco. 2/5 para cada bilateral e 1/5 para cada unilateral.

Como já começamos pela linha três, a linha dois desaparece e começamos a dividir a partir da linha que tem parentes, que é a linha dos sobrinhos e a anterior é irrelevante.

Sexto caso: A falece, deixa uma irmã bilateral viva e um irmão unilateral que está morto e este deixa dois sobrinhos. Os irmãos são de segundo grau e os sobrinhos são de terceiro grau. Art. 1.853 e art. 1.843, caput. A irmã bilateral herda 2x, o irmão falecido herda 1x e, portanto, essa herança se divide em três partes. 2/3 para a irmã bilateral, que herda por direito próprio e partilha por cabeça, e 1/3 a ser dividido entre os dois sobrinhos, que herdam por representação e partilham por estirpe.

Sétimo caso: A falece, seu pai já é morto, seu avô já é morto e seu irmão também já é morto. Tendo essa situação, A vai ter vivo um tio e um sobrinho. Nessa hipótese, o irmão é de segundo grau, o sobrinho é de terceiro grau e o tio é de terceiro grau. Grau mais próximo exclui grau mais remoto. Mas aqui temos dois parentes de terceiro grau e não há grau mais próximo ou grau mais remoto.

Art. 1.843, caput. Na falta de irmãos, herdarão os filhos destes e, não os havendo, os tios.

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Os tios do morto, igualmente colaterais de terceiro grau, são excluídos pelo sobrinho do morto, igualmente colaterais de terceiro grau. Leitura simplificada do art. 1.843, caput: “Na falta de irmãos do morto, herdam os sobrinhos do morto e, não havendo sobrinhos do morto, herdam os tios do morto”.

O art. 1.840 vai dizer que grau mais próximo exclui grau mais remoto então, sendo de mesmo grau, em tese, o tio do morto e o sobrinho do morto herdariam, mas essa leitura é negada pelo art. 1.843. Para o Direito Romano, o tio do morto era parente de terceiro grau e recebia a herança por ser de terceiro grau.

O sobrinho do morto, para o Direito Romano, era parente de terceiro grau, mas que herdava por representação ao irmão do morto. Ele, apesar de ser de terceiro, o sobrinho estaria no lugar do irmão. Essa é a origem histórica e isso é assim no Brasil porque o legislador, seguindo uma tradição histórica, reproduz o modelo que não está mais de acordo com a lógica sucessória brasileira.

Oitavo caso: A falece, o pai do A já faleceu, o irmão já faleceu, o sobrinho já faleceu e ele tem um filho, que é o sobrinhoneto. Só está vivo o sobrinho-neto, que é de quarto grau. Nesta hipótese, ele herda a herança. Se, contudo, tivesse ainda uma irmã viva, que é de segundo grau. A tendência é dividir a herança por igual, mas está errado. A irmã herda 100% (art. 1.853). Sobrinho-neto só herdaria por direito próprio. Se houver qualquer colateral de grau menor, sobrinho-neto nada herdaria? Sim. Somente se chega no quarto grau quando só houver quarto grau.

Nono caso: A falece, o pai do A já faleceu, o irmão já faleceu, o sobrinho já faleceu e ele tem um filho, que é o sobrinhoneto. Só estão vivos o sobrinho-neto e um tio-avô. Ambos são parentes de quarto grau. Metade para cada um. O sobrinhoneto não exclui o tio-avô, herdando por direito próprio e a partilha se dá por cabeça.

DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

Na sucessão testamentária, ela se dá por vontade declarada do falecido, do de cujus que indica o destino de seus bens. O testamento e o codicilo são negócios jurídicos unilaterais mortis causa, que só produzem efeito após a morte do testador. O codicilo é o chamado de ato de última vontade simplificada porque não precisa de testemunhas, bastando que o autor da disposição codicilar diga o que quer, date e assine.

Art. 1.881. Toda pessoa capaz de testar poderá, mediante escrito particular seu, datado e assinado, fazer disposições especiais sobre o seu enterro, sobre esmolas de pouca monta a certas e determinadas pessoas, ou, indeterminadamente, aos pobres de certo lugar, assim como legar móveis, roupas ou joias, de pouco valor, de seu uso pessoal.

O codicilo, portanto, não pode ter por objeto bens imóveis e o Código fala em joias ou bens móveis de pequeno valor comparado ao patrimônio do de cujus. Um anel que custe R$ 100.000,00 em um patrimônio de R$ 1 bilhão é um bem móvel de pequeno valor e um livro que custe R$ 3.000,00 em um patrimônio de R$ 6.000,00 é um bem de grande valor. 9 www.g7juridico.com.br

Já o testamento, negócio jurídico unilateral porque só depende de uma vontade para existir, mortis causa porque só produz efeitos após a morte, revogável, personalíssimo, negócio jurídico formal porque no Brasil o que vale é a ideia de solenidade ou formalidade e, com essas características, o testamento pode ter por objeto disposições patrimoniais ou não patrimoniais (testamento para reconhecer filho havido fora do casamento ou educação a ser passada para os filhos).

O testamento é negócio jurídico, e sendo assim, a noção de planos do negócio jurídico de Pontes de Miranda para os contratos se aplica aos testamentos. O testamento também tem o plano da existência, o plano da validade e o plano da eficácia. A eficácia do testamento, diferentemente dos contratos, é uma eficácia mortis causa, mas o testamento existe e pode ser válido antes de a pessoa morrer.

Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte. § 1º A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento. § 2º São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado.

No testamento, se pode dispor da totalidade dos bens ou de parte deles para efeitos após a morte. Portanto, um dos requisitos de validade do testamento é a chamada capacidade. O sujeito tem que ter capacidade para testar, se não tiver, o testamento será inválido. Com 16 anos, o testamento é válido, mas ele não é relativamente incapaz? Sim, mas se ele é incapaz ele deveria ser assistido para testar? Não, porque a assistência põe em risco a vontade hígida do menor.

Art. 1.860. Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento. Parágrafo único. Podem testar os maiores de dezesseis anos.

O Código diz que, além dos incapazes – que não podem testar –, a doutrina traz uma nota no sentido de que, se estamos cuidando dos pródigos (art. 4º, relativamente incapazes), na leitura literal do sistema, o pródigo não pode testar. Porém, autores como Zeno Veloso e o professor entendem que o pródigo pode testar porque a proteção do pródigo é para ele em vida, para que ele, em vida, não dilapide o seu próprio patrimônio. A disposição post mortem que só produzirá efeitos 10 www.g7juridico.com.br

depois da morte do pródigo tem que ser completamente válida. Só se pode usar esse entendimento em fases mais avançadas do concurso, mantendo a literalidade da lei em questões de provas objetivas.

➢ E a pessoa com deficiência, que a partir do EPD passou a ser capaz, pode testar? O art. 1.857 diz que toda pessoa capaz pode testar e, se a pessoa com deficiência, após o EPD, é considerada capaz, ela pode testar. Contudo, uma pessoa que esteja completamente sem discernimento da realidade e ela chega no tabelionato de notas para testar. Nesse caso, o art. 1.860 diz que, além dos incapazes, não podem testar os que não tiverem discernimento pleno. Capaz sem discernimento pleno (embriagado ou com uso de substâncias tóxicas) não pode testar.

Art. 1.861. A incapacidade superveniente do testador não invalida o testamento, nem o testamento do incapaz se valida com a superveniência da capacidade.

Se a pessoa capaz faz um testamento e se torna incapaz, o testamento continua valendo porque quando ela fez, ela era capaz. Se a pessoa que é incapaz faz um testamento, ele não vale, ainda que depois ela vire capaz. O momento do testamento é uma fotografia, se ele nasce valendo, não é porque o testador perdeu a capacidade que ele deixa de valer e se o testamento nasce não valendo, não é porque o testador ganhou a capacidade que ele passa a valer.

➢ E se o sujeito tiver sido interditado e for incapaz, mas, no dia que ele faz testamento, ele está com o juízo perfeito, atestado por junta médica, ele pode testar sendo incapaz? Não, porque no Brasil prevalece a ideia de que os chamados intervalos lúcidos são desconsiderados e, portanto, ainda que ele esteja em seu melhor juízo, se ele for incapaz, o testamento não vale porque os intervalos lúcidos gerariam insegurança jurídica.

O § 1º do art. 1.857 vai dizer que a legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento. A legítima que estudamos anteriormente corresponde à metade dos bens do testador e o testador não pode dispor em testamento e se fizer doação também não pode.

Quando temos doação que invade a legítima (art. 5491), diz o Código que a doação é nula (plano da validade), quando temos testamento que invade a legítima, o testamento é válido, mas parcialmente eficaz, ou seja, o testamento é válido e produz efeitos no que não invadiu a legítima e no que invadiu não é eficaz (plano da eficácia).

Art. 1.858. O testamento é ato personalíssimo, podendo ser mudado a qualquer tempo.

Isso leva a uma questão interessantíssima, em que não se pode testar por procuração por ser ato personalíssimo. Se ele é personalíssimo e revogável, não se pode chegar no tabelionato de notas e dizer que quer deixar toda a parte disponível

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Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento. 11 www.g7juridico.com.br

para a sua esposa e a esposa quer deixar toda a parte disponível dela para ele. Esse testamento de mão comum, conjuntivo, é nulo porque se a cédula testamentária é assinada por duas pessoas, como ficaria a revogabilidade do que dois assinaram? Então, esse testamento feito na mesma cédula por duas pessoas é nulo.

Contudo, isso não quer dizer que não poderemos ter testamentos que João deixa a disponível para Maria e Maria deixa para João, dois testamentos espelhados no mesmo dia e esses testamentos são plenamente válidos, porque foram firmados em cédulas distintas. Ainda, o menor, aos dezesseis anos, pode testar, só que ele não vai ser assistido, sob pena de invalidade, afinal essa assistência feriria a ideia de ser personalíssimo.

Toda vez que a lei exige uma certa forma testamentária e a pessoa não a observa, o testamento será nulo, o problema será no plano da validade. O Código prevê formas ordinárias de se testar, em situações de normalidade. As formas especiais que são o marítimo, o aeronáutico e o militar são formas para quando não se pode testar ordinariamente.

Art. 1.862. São testamentos ordinários: I - O público; II - O cerrado; III - O particular.

O testamento público é a única forma em que o sistema admite o cego para testar, porque vai ter um controle a fim de que o cego não seja ludibriado, enganado. É por isso que o testamento do cego será lido em voz alta duas vezes, uma pelo tabelião ou por seu substituto e outra por uma das testemunhas designada pelo testador. Se a dupla leitura do testamento do cego não existir, uma formalidade testamentária é desobedecida e o testamento é nulo.

Art. 1.867. Ao cego só se permite o testamento público, que lhe será lido, em voz alta, duas vezes, uma pelo tabelião ou por seu substituto legal, e a outra por uma das testemunhas, designada pelo testador, fazendo-se de tudo circunstanciada menção no testamento.

O STJ tem flexibilizado o requisito de validade da forma, muitas vezes admitindo testamentos com vícios graves de forma que sejam admitidos porque aquela era a vontade do morto. Quando o STJ flexibiliza a forma testamentária para dar “força” à vontade do morto, o STJ esquece que a formalidade é essencial principalmente em um negócio jurídico mortis causa em que o testador não está mais aqui para se defender e dizer o que ele queria.

Art. 1.864. São requisitos essenciais do testamento público: I - Ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador, podendo este servir-se de minuta, notas ou apontamentos; II - Lavrado o instrumento, ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a duas testemunhas, a um só tempo; ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial; 12 www.g7juridico.com.br

III - Ser o instrumento, em seguida à leitura, assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião. Parágrafo único. O testamento público pode ser escrito manualmente ou mecanicamente, bem como ser feito pela inserção da declaração de vontade em partes impressas de livro de notas, desde que rubricadas todas as páginas pelo testador, se mais de uma.

Art. 1.868. O testamento escrito pelo testador, ou por outra pessoa, a seu rogo, e por aquele assinado, será válido se aprovado pelo tabelião ou seu substituto legal, observadas as seguintes formalidades: I - Que o testador o entregue ao tabelião em presença de duas testemunhas;

O testamento particular é chamado de ológrafo e vai exigir não duas, mas três testemunhas.

Art. 1.876. O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico. § 1º Se escrito de próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever.

Há flexibilização da forma testamentária no próprio CC:

Art. 1.879. Em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz.

A jurisprudência vem construindo exemplos desses testamentos, que são válidos, mesmo sem testemunhas, como o caso da pessoa doente que vai passar por uma cirurgia com risco de morte e acaba escrevendo em um papel, assinando e datando o seu testamento, deixando seus bens para o sobrinho João e para a sobrinha Maria, mas não para a sobrinha Antônia. Esse testamento tem sido validado a partir da leitura das circunstâncias do testamento e do que o testador efetivamente declarou e tem sido reconhecido como válido.

➢ Essa forma simplificada não sacrifica a segurança jurídica? Sim, mas aqui o Código intencionalmente opta por um sacrifício de formas e até da segurança para preservar a vontade do morto. Em tempos de COVID-19, em que as pessoas estavam literalmente presas em casa e que não podiam sair por conta das questões de saúde pública, esse testamento passou a ser de grande valia. Durante a pandemia, foi permitido em Provimento nº 100 do CNJ os testamentos à distância, com assinatura eletrônica do testador.

Art. 1.859. Extingue-se em cinco anos o direito de impugnar a validade do testamento, contado o prazo da data do seu registro.

Essa expressão “extingue-se o direito de impugnar a validade do testamento” tem validade tão ampla que devemos nos perguntar se o Código está tratando de impugnação por nulidade (não há como se convalidar) ou por anulabilidade. O 13 www.g7juridico.com.br

art. 1.859 é extremamente complexo para concursos públicos porque a leitura da doutrina, hoje pacífica, é de que o testamento é um negócio jurídico que, mesmo nulo, a nulidade se convalida após cinco anos e que, portanto, o art. 1.859 permite a convalidação do testamento nulo e do testamento anulável após cinco anos, excepcionando a Parte Geral.

Qualquer vício testamentário que não tenha prazo menor para seu reconhecimento judicial, o prazo será de cinco anos. O dispositivo em tela não tem correspondência no CC/1916, mas, no Código antigo, o casamento nulo, por defeito de autoridade celebrante, tornava-se válido após dois anos.

CUIDADO: quando houver uma cláusula testamentária eivada de erro, dolo ou coação, mesmo havendo invalidade das cláusulas, temos uma regra própria. São anuláveis, portanto, o prazo para essa hipótese é o prazo de quatro anos que está no parágrafo do artigo em questão.

Art. 1.909. São anuláveis as disposições testamentárias inquinadas de erro, dolo ou coação. Parágrafo único. Extingue-se em quatro anos o direito de anular a disposição, contados de quando o interessado tiver conhecimento do vício.

Temos um prazo geral de cinco anos para as invalidades do testamento, seja invalidade absoluta seja invalidade relativa (anulabilidade), mas um prazo de quatro anos para invalidade da cláusula testamentária por erro, dolo ou coação.

Como o testamento produz efeitos mortis causa, ele é revogável a qualquer tempo. A revogação do testamento é a retirada dos seus efeitos, se encontrando no plano da eficácia. Podemos ter uma revogação expressa, um testamento que diz expressamente que revoga o testamento anterior, ou uma revogação tácita, em que o testamento posterior tem conteúdo que se opõe à do testamento anterior.

Art. 1.969. O testamento pode ser revogado pelo mesmo modo e forma como pode ser feito.

Art. 1.972. O testamento cerrado que o testador abrir ou dilacerar, ou for aberto ou dilacerado com seu consentimento, haver-se-á como revogado.

Testamento que reconhece filho é irrevogável, e ainda que o faça a revogação do testamento porque nele tem outras cláusulas (disposições de bens), o fato de reconhecer filho não tem volta. Portanto, a revogação atinge a parte que fala sobre disposição patrimonial, mas não o reconhecimento de filho.

➢ Exemplo de ineficácia testamentária: caducidade subjetiva, em que se nomeia alguém herdeiro ou legatário e esse herdeiro ou legatário morre antes dessa pessoa. Deixa-se os bens para o sobrinho João, só que João morre em 2019 e o testador morre em 2020. Quando morre o testador, João já estava morto, houve caducidade subjetiva. Nesse caso, os bens vão para a sucessão legítima. 14 www.g7juridico.com.br

➢ Como evitar a caducidade subjetiva? Deixando os seus bens para João e cria no testamento a figura da substituição testamentária, que pode ser simples (deixa os bens para João, se ele não puder ou não quiser, deixa os bens para José, se ele não puder ou não quiser, para Antônia, se ela não puder ou não quiser, para Maria, que é sucessiva ou conjunta/simultânea quando se fala em deixar os bens para João, se ele não puder ou não quiser, eles vão para Maria e Pedro) ou fideicomissária (é limitado à prole eventual, sendo vedado deixar à prole já nascida, em que o testador que é o fideicomitente deixa os bens ao fiduciário – proprietário – e, por sua vez, os transmite ao fideicomissário). Se o fideicomitente quiser evitar que o fiduciário venda todos os bens sem transmitir ao fideicomissário, ele pode pôr uma cláusula de inalienabilidade. Se o bem for móvel, como o fideicomisso vai ser registrado na matrícula no imóvel e quem for comprar ou receber em doação esse imóvel saberá da existência do fideicomisso. Portanto, não serão terceiros de boa-fé. De qualquer maneira, em relação aos bens móveis não existirá essa proteção contra terceiros de má-fé.

Art. 1.951. Pode o testador instituir herdeiros ou legatários, estabelecendo que, por ocasião de sua morte, a herança ou o legado se transmita ao fiduciário, resolvendo-se o direito deste, por sua morte, a certo tempo ou sob certa condição, em favor de outrem, que se qualifica de fideicomissário.

Art. 1.952. A substituição fideicomissária somente se permite em favor dos não concebidos ao tempo da morte do testador. Parágrafo único. Se, ao tempo da morte do testador, já houver nascido o fideicomissário, adquirirá este a propriedade dos bens fideicometidos, convertendo-se em usufruto o direito do fiduciário.

Se, por acaso, eles já tiverem sendo concebidos, o que acontece é que se terá uma conversão do fideicomisso em usufruto, ou seja, o direito do fiduciário, porque quando se morre o fideicomissário já não é mais prole eventual, já está concebido, será um direito de usufrutuário e o fideicomissário assumirá a nua propriedade.

A ideia de passar os bens para o fiduciário e do fiduciário para o fideicomissário só se verificará se, quando da morte do fideicomitente (testador), a prole eventual não tiver sido concebida, se ela já foi nascida ao tempo da morte do testador, adquirir-se-á a propriedade dos bens convertentes em usufruto o direito do fiduciário.

A figura do rompimento do testamento é chamada por alguns de revogação legal porque a lei retira a eficácia do testamento em se verificando as condições dos arts. 1.973 e 1.974.

Art. 1.973. Sobrevindo descendente sucessível ao testador, que não o tinha ou não o conhecia quando testou, rompe-se o testamento em todas as suas disposições, se esse descendente sobreviver ao testador.

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Art. 1.974. Rompe-se também o testamento feito na ignorância de existirem outros herdeiros necessários.

Acontece uma circunstância em que o Código Civil vai presumir que, se o testador conhecesse essa circunstância, ele não teria feito testamento. A revogação é por um ato do testador, ele próprio diz que não que não quer mais esse testamento e quer outro. Na revogação tácita, um testamento recente é incompatível com testamento anterior. Já aqui, a lei é que vai dizer, e não o testador.

Ocorrendo o rompimento do testamento, os efeitos são revocatórios como na revogação e, portanto, o testamento não produz efeitos. Esse testamento simplesmente não produzirá efeito algum. Imagine que uma pessoa ignore a existência de um filho e diz que deixa todos os seus bens ao sobrinho João. Nessa hipótese, a lei presume que, se o testador soubesse da existência de seu filho, ele não teria sequer testado e o testamento teria nascido de uma falsa noção da realidade.

Se, depois de um testamento como esse, aparece uma menina movendo uma ação de paternidade e se descobre que ela era filha, o sobrinho não fica com metade e ela com metade. Essa filha fica com tudo e o sobrinho não herda nada, porque a lei imagina, na figura do rompimento, que se o testador soubesse, ele não teria testado.

Também no plano da eficácia, o testador tem um filho e deixa por testamento todos os bens ao sobrinho João. Ele não poderia fazer isso porque a legítima tem que ser preservada. Nessa hipótese, o testamento é válido e parcialmente eficaz. Se o testador já tinha um filho e testa em favor do sobrinho, o sobrinho fica com metade e o filho com metade. São as chamadas reduções das disposições testamentárias.

Art. 1.966. O remanescente pertencerá aos herdeiros legítimos, quando o testador só em parte dispuser da quota hereditária disponível.

Art. 1.967. As disposições que excederem a parte disponível reduzir-se-ão aos limites dela, de conformidade com o disposto nos parágrafos seguintes. § 1º Em se verificando excederem as disposições testamentárias a porção disponível, serão proporcionalmente reduzidas as quotas do herdeiro ou herdeiros instituídos, até onde baste, e, não bastando, também os legados, na proporção do seu valor. § 2º Se o testador, prevenindo o caso, dispuser que se inteirem, de preferência, certos herdeiros e legatários, a redução far-se-á nos outros quinhões ou legados, observando-se a seu respeito a ordem estabelecida no parágrafo antecedente.

Para o testamento existir, precisa ter parte, vontade, uma forma e um objeto. Para o testamento valer, tem que respeitar a capacidade das partes, a forma prescrita em lei e, havendo algum vício, teremos as regras próprias de invalidade no prazo geral de cinco anos ou no prazo próprio. A ineficácia total ou parcial tem três figuras: revogação, caducidade subjetiva (se resolve com substituição testamentária), rompimento e redução das disposições testamentárias.

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DOS LEGADOS

O legado é a sucessão a título singular, quando o proprietário dos bens, o testador, destaca alguns bens e indica o seu destinatário. Como o legatário sucede a título singular, ele não responde pelas dívidas da herança, quem responde é o herdeiro que herda a universalidade e responde com os bens herdados e não com os bens próprios anteriores à sucessão.

O legatário, portanto, vai receber o bem individualizado e o CC traz uma infinidade de espécies de legados. O primeiro artigo sobre o tema é o art. 1.912.

Art. 1.912. É ineficaz o legado de coisa certa que não pertença ao testador no momento da abertura da sucessão.

Quando alguém morre, se a coisa não estiver em seu patrimônio, o legado não produz efeitos. Então, não se pode legar, em tese, bens que pertencem a terceiros. O Código admite que se faça o testamento e que o objeto do legado seja um bem que não lhe pertence naquele momento em que testou. Entre o testamento ser feito e a morte, ele tem que adquirir aquele bem.

É válido o testamento em que o testador deixa a casa de Antônia para Maria, porque a casa de Antônia, sendo do testador quando de sua morte, o legado é eficaz. Portanto, a eficácia se verifica se, ao tempo da morte, aquele bem compunha o patrimônio do testador.

Art. 1.913. Se o testador ordenar que o herdeiro ou legatário entregue coisa de sua propriedade a outrem, não o cumprindo ele, entender-se-á que renunciou à herança ou ao legado.

O testador que deixa bens ou herança para João e que cria um sub-legado em favor de Maria, dizendo que deixa para João todos os seus bens, mas João transmitirá a sua casa de praia, a sua fazenda, o seu carro para Maria. Evidentemente que o herdeiro nomeado ou legatário nomeado não é obrigado a transferir coisa própria para terceiro porque alguém quer, mas o CC diz que se ele não transfere para o sub-legatário, o legado é tido por renunciado pelo legatário.

Art. 1.914. Se tão-somente em parte a coisa legada pertencer ao testador, ou, no caso do artigo antecedente, ao herdeiro ou ao legatário, só quanto a essa parte valerá o legado.

Supondo que o testador deixe sua fazenda para sua sobrinha Maria, só que essa fazenda ele tem em condomínio com sua irmã Juliana. O fato de deixar bem alheio, mas que em parte é seu, o legado é eficaz na sua parte porque ninguém pode transferir mais direitos do que tem. Podemos legar coisa certa ou um gênero (cabeças de boi, sacas de café).

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Nessa hipótese, se está legando coisa incerta. A tendência dos alunos é dizer que o testador tinha mil vacas no rebanho e, quando ele morreu, já tinha vendido todas as vacas, mas deixou mil vacas para a sobrinha Maria. Maria nada recebe porque ele, em vida, vendeu as vacas. Isso é um erro.

Art. 1.915. Se o legado for de coisa que se determine pelo gênero, será o mesmo cumprido, ainda que tal coisa não exista entre os bens deixados pelo testador.

Quando o testador deixa coisa genérica, como cabeças de boi, toneladas de soja, o fato daquilo estar ou não em seu patrimônio é irrelevante. O herdeiro deve comprar as sacas de soja e as cabeças de boi e entregar ao legatário. É diferente de testar que deixa cem vacas de seu rebanho à sobrinha Maria. A locução “do meu rebanho” muda tudo, porque não deixou cem vacas (obrigação genérica), e sim cem vacas do meu rebanho, o que é uma obrigação quase genérica.

No primeiro caso em que se deixa cem vacas e não reduz o gênero, existe a máxima genus non perit, o gênero não perece. Mas, se estamos diante de vacas do meu rebanho e quando ele morre, o rebanho tem 0 vacas, o gênero tinha sido limitado pela vontade do testador e não será entregue vaca alguma.

Art. 1.929. Se o legado consiste em coisa determinada pelo gênero, ao herdeiro tocará escolhê-la, guardando o meiotermo entre as congêneres da melhor e pior qualidade.

Essa regra é uma releitura da Teoria Geral das Obrigações, porque quem escolhe a coisa incerta é o devedor, no caso, o herdeiro e utiliza o critério de que não será nem o melhor e nem o pior do gênero, se valendo da coisa média.

Art. 1.931. Se a opção foi deixada ao legatário, este poderá escolher, do gênero determinado, a melhor coisa que houver na herança; e, se nesta não existir coisa de tal gênero, dar-lhe-á de outra congênere o herdeiro, observada a disposição na última parte do art. 1.929.

Quando o devedor escolhe, a lei dá o critério da coisa média. Quando o credor escolhe porque o testador deixou o credor escolher, aí ele escolhe o que ele quiser, podendo inclusive, escolher o melhor do gênero.

Art. 1.932. No legado alternativo, presume-se deixada ao herdeiro a opção.

O herdeiro, devedor, escolhe pela máxima favor debitoris. Nessa hipótese, o herdeiro, na qualidade de devedor, por esse artigo, é quem escolhe. Pela vontade do testador, a escolha pode ser do legatário.

Art. 1.917. O legado de coisa que deva encontrar-se em determinado lugar só terá eficácia se nele for achada, salvo se removida a título transitório.

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O legado de coisa localizada é bastante interessante porque se diz que se deixa os bens que estão dentro do cofre ou deixa os móveis que estão na sala. O primeiro problema é se foi retirada uma joia do cofre de maneira transitória para emprestar para a sobrinha Antônia ir ao casamento e ele falece sem que Antônia tenha devolvido e a joia que deveria estar no cofre, não está. O legado compreende essa joia, porque ela foi removida a título transitório.

Contudo, imagine uma sala com quadros bastante caros e alguém deixa os quadros dessa sala para a sobrinha Maria. Só que o testador, em vida, em pleno juízo, tira um quadro valiosíssimo que estava nessa sala e coloca em seu quarto a título definitivo. Neste caso, não haverá incidência do legado sobre esse quadro que foi retirado de maneira definitiva.

Imaginemos que o testador deixa os móveis da sala para a sobrinha Maria, ele está no hospital e um primo dele vai até a casa e muda os móveis de disposição. A vontade do testador não entrou nessa mudança, prevalece a disposição original, porque quem mudou foi terceiro e não o testador e isso não altera a vontade do morto, estando preservado o legado de coisa localizada na sua maneira original.

Art. 1.918. O legado de crédito, ou de quitação de dívida, terá eficácia somente até a importância desta, ou daquele, ao tempo da morte do testador. § 1º Cumpre-se o legado, entregando o herdeiro [devedor] ao legatário o título respectivo. § 2º Este legado não compreende as dívidas posteriores à data do testamento.

Pode se fazer um legado quitando a dívida anterior e a quitação, como sempre, tem que ser aceita pelo devedor. Existe, ainda, o legado de crédito que é diferente. O testador tem um crédito junto à fazenda pública, um precatório no Estado de São Paulo, no valor de R$ 3 milhões por uma desapropriação. No legado, o testador entrega ao Felipe esse crédito.

Alguns créditos representados em títulos, como a nota promissória, em que o devedor só paga quem portar o título. Imaginemos que o testador deixa o crédito que tem com Maria representado em trinta promissórias para Felipe. As promissórias têm que ser entregues a ele, porque ele vai apresentar como legatário para receber o crédito.

Alguém tem com relação a Maria créditos, Maria lhe deve várias dívidas. Ele faz o testamento hoje, 05/10/2020, levando para Felipe as dívidas que Maria tem consigo. Se Maria amanhã, no dia 06/10/2020 contrair uma nova dívida, essa dívida estará excluída porque a lei é expressa que o legado de crédito atinge dívidas existentes quando se testou. Pode, contudo, se dizer no legado que estão inclusas, também, todas a que vierem a se formar no futuro.

Art. 1.921. O legado de usufruto, sem fixação de tempo, entende-se deixado ao legatário por toda a sua vida.

No legado de usufruto, o Código vai trazer uma regra que dialoga diretamente com os direitos reais, porque o legado de usufruto, sem fixação de tempo, entende-se deixado ao legatário por toda a sua vida, o que significa que, se o legatário recebe um legado de usufruto com prazo – por 10 anos, por 5 anos – respeita-se o termo testamentário. Se termo não 19 www.g7juridico.com.br

houver, o usufruto é vitalício, como o é no Direitos Reais em Espécie. O usufrutuário pode ser uma pessoa jurídica e, se assim o for, não temos o “enquanto ele viver”.

Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis: (...) III - Pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer;

Se for criado um usufruto em favor de pessoa física e não der prazo para ele acabar, o legado se extingue quando morre a pessoa física. Quando der prazo, se cumpre o prazo. Se for criado um usufruto em favor de pessoa jurídica e não der prazo para ele acabar, o usufruto acaba com prazo máximo de trinta anos.

Existe uma regra muito interessante sobre a caducidade dos legados.

Art. 1.939. Caducará o legado: I – [OBJETIVA] Se, depois do testamento, o testador modificar a coisa legada, ao ponto de já não ter a forma nem lhe caber a denominação que possuía; ➢ Ao se deixar barra de ouro no testamento e, antes da morte, são feitas joias dessas barras de ouro (ou derreter as joias e transformá-las em barras de ouro). Joia é umbilicalmente distinto de barra de ouro e a transformação da coisa legada com a mudança de nome fazem com que caduque o legado e o objeto transformado seguirá, assim, a sucessão legítima.

II – [OBJETIVA] Se o testador, por qualquer título, alienar no todo ou em parte a coisa legada; nesse caso, caducará até onde ela deixou de pertencer ao testador;

➢ O testador deixa uma casa que já foi vendida e transformada em dinheiro. Não há troca e o dinheiro da venda da casa vai para Maria, na verdade caducou o legado.

III – [OBJETIVA] Se a coisa perecer ou for evicta, vivo ou morto o testador, sem culpa do herdeiro ou legatário incumbido do seu cumprimento; IV – [SUBJETIVA] Se o legatário for excluído da sucessão, nos termos do art. 1.815; V – [SUBJETIVA] Se o legatário falecer antes do testador.

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