Dissertações e Notas de Santo Afonso

February 27, 2023 | Author: Anonymous | Category: N/A
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  DISSERTAÇÕES E NOTAS DE SANTO AFONSO SOBRE A PROBABILIDADE E A CONSCIÊNCIA, DE 1748 A 1763.  Domenico Capone

Falar de casuística e de  sistemas morais pode parecer trabalho de arqueólogo. Estaríamos tratando de concepções da vida moral fora das grandes virtudes da caridade e da prudência que, por sua vez, devem ser inspiração e chave de uma vida moral autenticamente cristã. Apesar disso, Santo Afonso entrou no campo conturbado da casuística e tomou  parte na controvérsia sobre a dialética das probabilidades em âmbito de consciência. Fez isso, para indicar às almas o caminho da prudência nas deliberações e promover nelas uma conversão aberta ao dinamismo da caridade teocristocêntrica. Ele estava convencido de que a verdade da salvação em Cristo, objeto da  prudência e da caridade, exigia, por um lado, elaboração e defesa de uma Teologia Moral casuísta, não juridicista, mas prudencial, caracterizada pelo equilíbrio humanodivino da Encarnação; e, por outro lado, também exigia uma correta resolução da controvérsia sobre a natureza e valor da probabilidade das regras morais em âmbito da consciência. Estudioso, missionário e, sobretudo, santo em estreita comunhão com Cristo, com o Cristo total, Afonso sentia que, nem o juridicismo de cunho nominalístico e humanístico, nem a rigidez da ontologia formal, for mal, mas apenas a ontologia do ser intensivo do homem novo em Cristo, podia fundar e desenvolver uma doutrina da verdade moral verdadeiramente Assim, colocou de lado o rigorismo e o laxismo, e conduziu as almas pela via salvífica. cristã da encarnação. Falando da probabilidade moral, tema que nos interessa aqui, ele escreve: Há três anos atrás, em 1762, me obriguei  a publicar uma  Dissertação  que escrevi sobre o uso moderado da opinião provável, precisamente para não ver enredadas as consciências de muitas almas, com grande perigo de sua salvação eterna, pela obrigação que alguns escritores atualmente defendem, conforme o sistema rígido que seguem, de constituir preceito grave que, em todas as ações humanas, apenas é possível seguir em favor da liberdade as sentenças que forem moralmente certas. Penso que nessa minha Dissertação provei claramente a sentença que defendo (a saber: a dos lei não obriga se não estiver do promulgada e tornada certa) com a autoridade teólogos e especialmente angélico Santo Tomás...

 

Declaro que, em tudo o que escrevi sobre a matéria, minha única intenção foi encontrar a verdade nessa grande controvérsia, da qual depende a boa ou má orientação das consciências de todos os fiéis1.

É difícil pensar que o santo tenha se enganado tanto ao dar toda essa importância  para a solução do que, no dizer de alguns, seria apenas mais uma entre várias técnicas, mais um entre os muitos sistemas para formar as consciências que, por deixar de lado a  prudência, hoje interessaria no máximo ao arquivista, mas não mais ao teólogo. teólo go. Contudo, a história da Igreja do século XIX documenta que a doutrina afonsiana se tornou vida autenticamente cristã nos fiéis e nos santos; santos ; ora, uma simples técnica não  poderia ter se tornado defesa da verdade e vida de caridade. Certamente, os termos da problemática teológica podem mudar. Hoje nos tornamos mais sensíveis a outros aspectos e valores da verdade salvífica revelada. O Espírito Santo renova continuamente a vida dos fiéis e o kairós sempre se oferece ao homem como vocação atual da vontade do Pai, por meio de Cristo, para que atue vitalmente enquanto membro de Cristo nas situações pessoais e eclesiais e, dessa forma, o Cristo total cresça em cada membro e em toda a humanidade, rumo ao dia de Cristo, quando Deus será tudo em todos. É o Pentecostes que continua acontecendo. Sendo assim, também não podemos acreditar que houve séculos sem a presença de Cristo na vida pessoal-eclesial, vida que é una e indivisível em seu duplo aspecto, e o fundo do  problema da verdade salvífica, que deve se tornar vida cristã, será sempre o que testemunham, afirmam e defendem os Padres e Santos da Igreja, em comunhão com o Vigário de Cristo.  Nos séculos XVIII e XIX, Santo Afonso foi um desses testemunhos e mestres. Poderiam discordar os que reduzem a história da verdade revelada a simples processo de pura elaboração conceitual, passível de ser raciocinada racionalmente; mas a verdade revelada não é dada para ser contemplada como objeto, mas para ser encarnada em  bondade, em vida, em Cristo; por isso, somente  pastores  a podem colher e lhe dar autenticidade. Portanto, não achamos estar fazendo trabalho de escavação ou arqueologia quando estudamos a “grande controvérsia de que depende a boa ou má orientação das consciências de todos os fiéis”, tal tal como a entendia Santo Afonso, testemunha e pastor.

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moderato dell'opinione probabile.  Napoli, ALFONSO, S.  Dell'uso 1764,nem “Dedicatória Clemente XIII”. razões razõdas es críticas e porque os opúsculos não são publicados a mais deNapoli, um século, facilmenteaacessíveis, citarei (Por a partir edições originais, indicando a página. Por uniformização, farei o mesmo com as citações de Amort e de Santo Tomás).

 

Também nos parece um trabalho oportuno, porque as obras que o santo dedicou à questão são quase completamente desconhecidas, visto não serem publicadas há mais de um século. Sua atividade na controvérsia sobre a probabilidade moral na dialética em âmbito da consciência vai de 1748 a 1777, e está expressa em mais de vinte obras. Aqui, nos limitaremos às obras escritas entre 1748 e 1763, período em que a atenção do santo sobre problema alcança clareza de pensamento e terminologia que não sofrerão mais variações substanciais.

1 Comentários a Busenbaum: sobre a consciência especulativamente duvidosa 1748. Em 1748, Santo Afonso, imitando La Croix e outros autores, publica uma edição do Compêndio de Teologia Moral  do  do jesuíta Hermann Busenbaum, com o acréscimo de seus próprios Comentários2. Mais tarde, em 1753, falando dessa edição, Afonso declarará que publicou tais Comentários  contra a sua vontade e sem muito cuidado científico: A obra foi realizada, mas, como foi mandada para o editor muito depressa para satisfazer aos outros, terminou que eu mesmo não fiquei satisfeito. Na verdade, muitas questões não saíram bem explicadas ou acabaram apresentadas de um  jeito confuso. Sendo assim, percebendo que tais questões precisavam de uma análise mais cuidadosa e apresentação mais clara, realizei tal t al trabalho para esta segunda edição, onde procurei reescrever tudo com melhor organização3.

Já na na primeira página, Afonso se encontra com a questão: “Como agir quando a consciência está especulativamente duvidosa?” Busenbaum defendia que era permitido usar a probabilidade simples favorável à liberdade de escolha moral, mesmo que a determinação da lei fosse “especulativamente” mais provável:  probabilior   (col. 5). Então, é precisamente nesse ponto que Santo Afonso inserirá seu primeiro comentário sobre o uso da probabilidade. Para evitar polêmicas contra sua Congregação, que estava nascendo em meio a muitas dificuldades, Afonso não tomou posição sobre o probabilismo de Busenbaum, limitando-se limitandose a declarar ilícito o uso da opinião “provavelmente provável” porque,  baseada na “provavelmente provável”, não seria uma ação prudente, ou seja, para 2 BUSENBAUM, H. Medulla 3 Opus

Theologiae Moralis cum adnotationibus per R. P. D D.. Alphonsum De Ligorio. Neapoli, 1748.

absolvi; sed quia nimis festinanter fuit illud typis demandatum, ut aliis satisfacerem mihi non satisfeci: plura enim

in eo velmethodo non beneindigere excussaanimadvertissem, exciderunt, vel confuso fuerunt exposita. Idcircoapplicui, cum ea diligentiore examineordinem necnon clariore animumordine ad hanc secundam editionem in qua ad meliorem omnia redigere curavi. ALPHONSUS, S. Theologia Moralis. T. I, Neapoli, 1753: “ad “ad lectorem”. lectorem”.  

 

Afonso nessa situação não seria mais possível mais  possível usar o princípio reflexo: “Quem age de maneira provável, provável, age de maneira prudente”.  prudente”.  Como notava, o princípio supõe que realmente a probabilidade tenha fundamento grave e certo, “de outra forma, essa falibilidade nos deixa muito mais na dúvida, com a qual demonstramos estar agindo imprudentemente” (col. 8). (col. 8). Portanto, ele admite a diferença entre, de um lado, dúvida especulativa sobre a verdade objetiva e, do outro, certeza prática reflexa fundada sobre um princípio certo não direto, mas reflexo. Através desse princípio reflexo se alcança a certeza moral absoluta sobre a honestidade prática práti ca e concreta da ação. Afonso ainda não fala de cert certeza eza moral larga, que admite um certo temor de errar. Para ele, aqui só há uma certeza: certeza que não admite temor de errar. Mas é necessário notar que, depois de afirmar que ao conferir sacramentos não  podemos escolher seguir uma opinião probabilíssima favorável à liberdade, mas devemos ficar do lado da probabilidade favorável à lei, a menos que a oposta não seja mais que probabilíssima, isto é, não seja certa em sentido estreito; Afonso acrescenta que, em ecircunstâncias particulares, é lícita a “certamente mais provável” (col. 10-11) cita La Croix, falando também de “certamente mais provável” com o opinião como “moralmente certa”4.  –   Sublinhamos Sublinhamos isso por provar que, já desde 1748, Afonso tem  presente o conceito de uma opinião “certamente mais provável” qualitativamente distinta da simples “mais provável”. A partir de 1762 essa distinção será o ponto chave em seu pensamento sobre a dialética das probabilidades em âmbito de consciência.

2 Dissertação escolástico-moral em favor do uso moderado da opinião provável diante da opinião mais provável - 1749. É uma  Dissertação em defesa do probabilismo, contra o probabiliorismo. Para evitar polêmicas, a  Dissertação é anônima; mas o nome do santo vem indicado, tanto no pedido ao tipógrafo Alessio Pellecchia para autorização da impressão, quanto na aprovação eclesiástica, que diz: “Aprovamos a correta doutrina sobre a probabilidade apresentada em sua dissertação pelo competente Padre Afonso de Ligório” Ligório”5. Trata-se uma obra em 16º (15 x 9 cm) com 48 páginas, em letras muito pequenas.

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BUSENBAUM, H. Theologia Moralis nunc pluribus partibus aucta a R. P. Cl. La Croix,  Lib. VI, e, 108, Mediolani,

1724; cf. também o Lib. I, n. 178-181. [ALFONSO, S.].  Dissertatio scholastico-moralis pro usu moderato opinionis probabilis in concursu probabilioris.   Neapoli, 1749, p. 47.

 

Em dois parágrafos, responde afirmativamente duas questões: “É lícito o uso da opinião provável diante da mais provável?” (p. 55 -36); “A probabilidade extrínseca às vezes constitui verdadeira probabilidade?” (p. 37-46). 37 -46). Afonso defende o probabilismo  baseado em dois princípios: “Quem age de maneira provável, age de maneira prudente” (p. 8); “Em caso de dúvida sobre a lei, a posse fica com a liberdade” (p. 17).   Do conceito de de prudência, que é “a regra próxima das nossas ações” (p. 12), ligada li gada à “cogitativa” (ibid.) e condicionada pela “ambiguidade das coisas a fazer” (p. 11), deduz que “agir pela opinião provável” é “agir de maneira prudente” e que, por isso, não se exige a certeza direta da verdade. Contudo, apesar do que já notamos sobre a “certamente mais provável”, ele não distingue entre certeza que não admite temor de errar e certeza provável; e identifica o agir “com opinião objetiva” com o agir “com prudência”. Contudo, Contudo, não está convencido sobre esse ponto, e logo apresentará seu verdadeiro pensamento. Quanto ao princípio de posse da liberdade frente à lei duvidosa, precisamos notar que essa posse é concebida, não como título para dirimir uma espécie de disputa entre lei e liberdade mas ante auma escolha moral de pensar muito ematravés outros  probabilistas), concebe como valor(maneira primordial dado por Deusfrequente ao homem, do qual o homem tem domínio sobre o próprio ato; como exigência de sua própria “natureza retíssima” (p. 18, 20). Assim sendo, s endo, por meio de uma fórmula jur jurídica, ídica, se faz  presente em Afonso um valor ontológico e ético: aquele que Santo Tomás coloca no  prólogo da parte moral da Suma Teológica, ou seja, pela liberdade o homem é e age como imagem de Deus.  No entanto, nesse primeiro trabalho Santo Afonso ainda depende muito de La Croix e de outros probabilistas, e por isso, apresenta o pensamento de outros autores e não o seu próprio; de fato, ele hesita.  Não causa espanto tai s hesitações h esitações doutrina do utrina da qualsedependia a salvação s alvação das almas, que para ele que era tais a razão de suaem vida, acabassem transformando em agitações pessoais. E as temos documentadas nas notas de seu diário. Alguns biógrafos que, prestando atenção apenas na forma das agitações, e não considerando a gravidade de suas motivações, acham que podem penetrar nas  profundidades psicológicas do santo, concluem que Afonso tinha tendência ao escrúpulo. Ora, o escrupuloso acredita que sombras são reais. Mas Afonso, muito pelo contrário, não estava hesitando diante de sombras, mas diante de uma doutrina que realmente se apresentava como laxismo em alguns autores, e era motivo de desvio para

 

as consciências. Para quem ama a Deus nas pessoas, e as pessoas em Deus, tal  pensamento é um tormento6.

3 Dissertação em favor do uso moderado da opinião provável - 1753. Trata-se da  Dissertação  inserida na segunda edição da Teologia Moral , em substituição ao Comentário de 1748. Consta de 12 páginas (p. 15- 27) em 8º (25 x 19 cm). Como continuava necessário evitar as polêmicas, mas já era impossível  permanecer anônimo, Afonso não formula sua doutrina como defesa do probabilismo, mas como refutação do tuciorismo mitigado, divulgado em sua época sob a forma de  probabiliorismo. Contudo, a argumentação apenas expõe a mesma doutrina da  Dissertação de 1749, e com as mesmas razões.  Nesse contexto, apresenta sua tese: “A sentença, que é nossa e comum, sustenta s ustenta ser lícito usar a opinião que for ao menos [note-se a restrição] mais provável, ainda que a contrária, favorável à lei, seja mais provável” (p. 17).  17).  Continua dando como principal razão, para a licitude da opinião mais provável em favor da liberdade, o princípio: “quem age de maneira provável, age de maneira  prudente” e retoma a análise do conceito de prudência tal como co mo o havia apresentado na  Dissertação anterior (p. 18-19).  Na defesa da mais provável  Afonso  Afonso segue Gerson, e apresenta como razão o valor de certeza provável ; afirmando que Deus não exige de nós a certeza absoluta, ou maior que a certeza provável, para podermos seguir a liberdade de decisão nas escolhas morais (p. 17-18). Certamente, era um conceito já desenvolvido; mas, para Gerson, a “certeza  provável”, enquanto “conjectura provável”, era única e em um único sentido; para Santo Afonso, o conjecturar tem dois pólos: essa diferença não ajudou no esclarecimento da questão. Como a Dissertação é contra o tuciorismo, apresenta o princípio de posse como objeção à tese do tuciorismo que diz: “na dúvida sobre a verdade, a posse está com a lei natural” (p. 19-20). 19-20).

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Historicum CSSR, Sobre do santoseriam em idade senil, por indicamos do Dr. Goglia Gennaro, in Spicilegium VI, p. as 76.agitações Tais agitações causadas reflexosa nota vegetativos e psíquicos de alterações orgânicas causadas pela artrose lombar. Os futuros biógrafos precisarão levar em conta esses dados.

 

O santo se limita a responder que a lei que for menos provável não está suficientemente promulgada e, portanto, não pode obrigar (p. 20). Respondendo às objeções, renova a distinção da  Dissertação  anterior, entre verdade objetiva, ou seja, “verdade da coisa”, e coisa”,  e honestidade da ação (p. 20), mas faz a honestidade da ação depender da não violação da “razão”. Se entendesse entende sse razão como “razão na deliberação”, então estaríamos estaríamos na plena definição de prudência, que é exatamente a “reta razão no agir”. Contudo, analisando analisando todo o contexto, precisamos afirmar que Afonso está entendendo “razão” como “razão provável” e, portanto, ainda não estamos no justo conceito de prudência. Apesar disso, eis como se coloca uma dificuldade da Sagrada Escritura e apresenta a solução, baseado na exegese de Calmet  para Eclo 37,20:  Antes de todas as tuas obras vá adiante de ti a palavra verídica, e antes de toda a ação, um conselho estável. –  Dizem  Dizem que essas palavras afirmam que só

é lícito agir depois de termos assegurada a verdade sobre a ação. Responde-se com o texto grego apresentado por Calmet, cuja tradução é: “A razão é o início de toda ação; antes que faças algo, é necessário refletir”. Portanto, não é sobre a verdade que precisamos estar certos para agir, mas sobre a razão ou honestidade da ação (p. 19).

Para compreendermos corretamente todas as regras que Afonso deduz e determina em sua Teologia Moral , que adquire forma acabada precisamente nesse  período (1753-1755), é interessante notar que nessa  Dissertação  ele apresenta a definição das diferentes opiniões, conforme os diferentes graus de probabilidade que apresentam. Foi com essas definições que classificou as probabilidades das regras analisadas na Teologia Moral . E não mudou mais a classificação, a não ser em alguns detalhes. Conforme tais definições, é possível opor à “mais provável” uma outra opinião Conforme que seja “verdadeiramente provável ou gravemente verossímil” (p. 15).  15).   Em 1763 retocará levemente essas definições que, assumidas na sexta edição da Teologia Moral, de 1767, não serão mais modificadas. Contudo, sempre sustentará com firmeza que, as opiniões julgadas na Teologia Moral   como “mais prováveis” não excluem a grave probabilidade das opiniões opostas.

4 Dissertação escolástico-moral em favor do uso moderado da opinião provável diante da presença de uma opinião mais provável - 1755.

É uma pequena obra de 14 páginas em 16º (15 x 9 cm), publicada em Nápoles, em 1755, pelo tipógrafo Benedetto Gessari.

 

Embora seja anônima, estamos certos da autoria de Afonso, por se tratar de reelaboração do texto da Dissertação de 1749 que, bastante ampliada e com oportunas variações, será inserida na terceira edição de sua Teologia Moral  de   de 1757. Antes da  Dissertação ele insere uma introdução:  Não sejas muito justo   ( Ecle  Ecle 7, 17), e logo em seguida acrescenta uma sentença que caracteriza seu pensamento, tanto que já se encontrava na  Dissertação de 1749 (p. 39), na de 1753 (p. 27) e, depois, nos escritos  posteriores a 17557: Cuidado com a consciência muito larga ou muito estreita, pois a primeira gera a presunção, a segunda gera o desespero: frequentemente, a primeira salva quem deve ser condenado; mas a segunda, condena quem deve ser salvo.

Quem pensa poder identificar minimalismo em Afonso, lembre-se lembre -se de que também é dele a seguinte máxima: “Quem  “Quem se contenta com o menos bom está próximo do mal” 8; e é justamente para evitar o minimalismo que ele combate o rigorismo e se coloca na via da benignidade como introdução no dinamismo da caridade. A sua doutrina é assim enunciada: “É lícito usar a opinião  provável diante da  presença da opinião mais provável em favor da lei, sempre que a opinião provável tiver um fundamento grave e certo” (n. (n. 3). A demonstração se desenvolve em três capítulos, com provas tiradas da autoridade, da razão e da resolução de dificuldades. O quarto capítulo repete literalmente o que havia escrito na  Dissertação  de 1749 sobre a probabilidade extrínseca. Também aqui, a primeira razão a favor do probabilismo se fundamenta no  princípio: “Quem age de maneira provável, age de maneira prudente” (n. 13); mas ele apresenta e desenvolve essa razão como sendo de outros autores, e não como sua, terminando em uma inesperada declaração:  Nunca consegui concordar com o argumento anteriormente apresentado, ou seja, de que quem age de maneira provável, age de maneira prudente; pois não  parece, falando em tese, que age de maneira prudente quem, julgando a verdade mais para o lado da sentença mais segura, queira abraçar a sentença oposta que é menos provável (n. 14).

Logo, se ele nunca esteve convencido do princípio citado, precisamos concluir que também em 1749 e em 1753 ele mais estava citando, do que concordando com o referido princípio; como já dissemos. Coerentemente, afirma que a probabilidade não tem maior valor de motivação para o juízo prático, mas apenas valor como prova de que 7

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Cavenda est conscientia nimis larga et nimis stricta, nam prima generat praesumptionem, secunda desperationem: prima saepe salvat damnandum, secunda contra damnat salvandum.  Afonso toma de Cabassut essa sentença e, com ele, atribui a São Boaventura (cf. Theologia Moralis. I, Romae, 1907, 1. I, tr. I, n. 89, p. 70); é uma sentença retirada do célebre e muito difundido Compendium theologicae veritatis  l. II, 52, compilato por Ugo de Strasburgo por volta de 1265, e

 

atribuída depois asacrae Santo theologiae Alberto Magno, às vezes a Santo Tomás e, na edição do século XIV de Jean Rigaud, sob o título de Compendium pauperis,  atribuída a São Boaventura.  ALFONSO, S. Massime di spirito per un sacerdote. In: Selva di materie predicabili,... Venezia, 1760, p. 441. 

 

a verdade pode estar do seu lado e, assim, gera a dúvida no sujeito. Portanto, para Afonso a probabilidade não é valor maior constitutivo e objetivo, diante do qual a consciência seria passiva, ou seja, valor semelhante ao da probabilidade jurídica. Para ele, a probabilidade tem principalmente valor funcional em relação ao sujeito, de modo que as probabilidades opostas se cancelam e, se uma delas se tornar “um argumento convincente”, então gerará uma “opinião mais provável” com “notável excesso”, e a oposta se tornará “improvável ou não mais gravemente e certamente provável” (n. ( n. 13). Mas, do lado contrário, se uma das probabilidades não se apresentar como “argumento convincente”, então as duas probabilidades opostas não se cancelam o bjetivamente, apenas se cancelam negativamente no sujeito, já que a presença de uma impede o sujeito de aderir à outra, e as duas geram a dúvida (n. 17 e 13). Essa evolução do pensamento afonsiano é verdadeiramente fundamental: ele se afasta de uma corrente muito forte entre os probabilistas, e abre a possibilidade para o esclarecimento definitivo, que se dará em 1759-1762, quando vai distinguir entre certeza moral absoluta e certeza moral larga; contudo, aqui já parece se aproximar desse esclarecimento, quando quando fala de “certeza provável” (n. 52).  52).  Coerentemente, ele coloca de lado a análise da prudência como virtude da parte opinativa - cogitativa - que, desde 1753, vinha usando para defender que qu e é prudente agir fundamentado sobre uma “razão reta”, identificada identificada com a opinião objetivamente  provável. Afasta-se desse conceito, que tornava a prudência uma espécie de jurisprudência e, como diz na declaração que lemos, afirma que a prudência exige o seguimento da  probabilidade como se apresenta ao sujeito, de modo que não seria prudência fazer violência ao próprio juízo. Mas, nota Afonso, não é por isso que está se afastando de sua concepção de  probabilismo para aderir ao probabiliorismo, porque, mesmo sendo verdade que em situação é preciso agir conforme a verdade, precisamos distinguir duas verdades: a verdade do ato como ele é em si mesmo e a verdade do ato como ele se apresenta na escolha moral concreta da pessoa: Sempre é necessário distinguir (no que diz respeito à ação) entre duas verdades: uma especulativa, da coisa; outra, prática, da honestidade da ação (n. 15).

Quando estamos na dúvida gerada pela presença de uma opinião “segura mais  provável”,, que não cancela objetivamente a gravidade certa da opinião oposta “menos  provável”  provável”, então não conhecemos a verdad verdadee objetiva da lei e, consequentemente, não  podemos determinar diretamente  a verdade capaz de tornar a escolha formalmente honesta.

 

Mas, como não é prudente motivar diretamente a escolha com uma razão que se mostra apenas provável, inclusive menos provável, então, nesse caso, a prudência deverá motivar diretamente a verdade da escolha pessoal usando outras razões, outros  princípios, chamados impropriamente de princípios reflexos. Dessa maneira, mesmo quem age usando a opinião “menos provável”, se estiver agindo agi ndo motivado pela  prudência, sua “menos provável” é integrada e se torna, no plano da verdade moral última, uma opinião “mais provável”, inclusive, “moralmente certa” (n. 14. 15, 16,17, 26, 53, 54, 55 etc.). Com essa doutrina da possibilidade de chegar à verdade da escolha moral em situação, mesmo quando há dúvida sobre a verdade do ato considerado objetivamente, Santo Afonso encontra o pensamento de Santo Tomás. O Angélico, de fato, ensina que a verdade própria da prudência em situação está na sintonia da escolha com a intenção reta do fim; sintonia que não é alterada quando alguém cai em erro involuntário sobre a verdade objetiva (I-II, 57, 5 ad 3). A partir dessa doutrina, Santo Afonso conclui que, mesmo quem erra sobre a verdade objetiva, mas não erra sobre a verdade formalmente moral, que faz a escolha ser honesta, não comete pecado, nem mesmo materialmente, materi almente, porque sua escolha está de acordo com a vontade divina “consequente” (n. 23, 26), ou, como dirá melhor mais adiante, de acordo com a vontade divina que quer que tudo aquilo que nós fizermos, o façamos na intenção de um fim honesto, relacionado com o fim supremo.  Naturalmente, os adversários afirmavam que, na dúvida positiva, não se pode dizer que há ignorância invencível da lei, especialmente especial mente quando a lei tiver em seu favor fa vor uma opinião mais provável . Mas Santo Afonso está muito decidido sobre a questão, e sobre ela concentrará toda a atividade de defesa de seu probabilismo a partir de 1759. Para ele, a promulgação é certeza da lei; uma lei que não foi intimada ao súdito como lei certa, não é lei; consequentemente, tal lei não produz seu efeito formal que é a obrigação: “A lei deve ser aplicada aos súditos através da promulgação, de outra maneira, nem pode obrigar, nem pode  pode ser chamada de lei” (n. 37). E 37). E então ele pergunta: “E como poderia ser chamada de lei, verdadeiramente aplicada ou intimada, quando é  provável que a lei de fato nem exista?” (n. 37).  37).  Isto posto, conclui: Então, fica claro a partir de ... Santo Tomás, que a lei não pode ser chamada de intimada apenas com a opinião mais provável. Pois, como a opinião mais  provável necessariamente inclui i nclui o temor em relação à opinião oposta, como mostramos acima, jamais pode ser chamada de ciência. Logo, mesmo que para alguém se mostre mais provável que há uma lei proibindo, ainda não se pode dizer que tal pessoa tenha ciência da lei, na medida em que ainda, de maneira  provável, acha que que ela não existe, e talvez nem exista mesmo. Porém, co como mo a  promulgação da lei pertence à essência da lei, havendo dúvida sobre sua

 

 promulgação, também há dúvida sobre a lei; por isso, assim como a lei deve ser certa para que possa obrigar, da mesma forma deve ser certa a promulgação, que é parte constitutiva da lei ... Logo, quando o homem não está certo da existência de uma lei que proíba, pode fazer o que achar melhor, questão sobre a qual Santo Tomás não tem dúvidas... (n. 38).

Os adversários dirão que a lei é promulgada ontologicamente, na própria constituição da seja, natureza e, dessa vão deduzir que étem inútil recorrer um outro argumento, ou de que, entreafirmação, a lei e a liberdade, quem a posse é a aliberdade,  porque tais adversários identificam a lei com a glória de Deus. De fato, os adversários confundem promulgação ontológica na natureza  e  promulgação formalmente moral à  pessoa, como imagem de Deus, no agir; confusão entre as leis particulares, que regulam a ordem horizontal, e a lei suprema de finalidade e de caridade, que resolve a ordem horizontal na ordem vertical ver tical em espiral, tendo como valor de todos os valores o ser enquanto participação de Deus em Cristo. O pensamento de Afonso a esse respeito será esclarecido na disputa com Patuzzi, em 1764-1765. Por fim, notamos que não é possível compreender corretamente o pensamento afonsiano se ficarmos apenas na análise dos graus internos da probabilidade, de forma que, por uma opinião ser “mais provável”, apenas por isso, já seria promulgação da lei. A  Dissertação  de 1755 torna necessário afirmar muito mais o contrário, ou seja, a natureza da promulgação da lei, enquanto lei e enquanto obrigante, exige que a opinião seja tão mais provável, que se apresente ao sujeito como “argumento convincente”, capaz de fazer a opinião oposta, favorável à liberdade de escolha, cair na improbabilidade e, por outro lado, a opinião favorável à lei se colocar como certeza  provável e suficiente promulgação da lei, e não mais como opinião provável. Também quanto a esse ponto, o pensamento de Afonso se esclarecerá definitivamente entre 1759 e 1765; mas depois será obrigado a escondê-lo, entre 1767 e 1777, ano em que, com 81 anos, encerrará toda sua atividade literária. Sobre o valor da posse da lei ou da liberdade, Afonso reproduz o texto de 1749, onde sublinha mais o valor ontológico que o jurídico da posse da liberdade e acrescenta que a liberdade não está sendo considerada como concessão da lei, de modo que então seria lícito apenas o permitido pela lei; mas, muito mais que isso, a lei está sendo considerada como limitação da liberdade nas escolhas morais: o homem foi criado para se autodeterminar, exceto nos casos em que a determinação já estiver indicada e  prescrita pela lei (n. 28).

5 Resposta a um autor anônimo que censurou a Obra Moral (de Santo Afonso).

 

Essa obra foi publicada como apêndice à segunda edição das Glórias de Maria, em resposta a G. F. Soli que, sob o pseudônimo de Lamindo Pritânio, tinha criticado algumas ideias defendidas por Afonso nas Glórias de Maria e na Teologia Moral . O título inteiro da obra é: Resposta a um anônimo que censurou o que o autor escreveu no capítulo V, parágrafo 1º, da primeira parte; e também a Obra Moral do mesmo autor . É um livro em 16º (15 x 9 cm), consta const a de 24 páginas, das quais, 15 são dedicadas à defesa da doutrina moral. Como Afonso também era criticado por imprudência ao dar sua Teologia Moral    para seus congregados lerem, e em ter seguido princípios e autores probabilistas, o santo viu-se obrigado a se defender. Afirma, então, que compôs a obra, que lhe “custou 10 anos de excessivo e insuportável cansaço”, exatamente para formar bons confessores confes sores entre os redentoristas; “pois não tive a intenção de dar aos jovens outros livros livr os de Moral,  porque, ou eram muito curtos ou ou muito volumosos; ou muito rígidos ou muito benignos” (p. XI). Quando fala dos princípios defendidos pelos autores probabilistas, escreve uma  página muito interessante, que continua atual, mesmo depois de duzentos anos:

Mas, alguém me dirá: Tu usaste princípios errados, princípios probabilísticos. Eu não quero saber se os princípios que segui são probabilísticos ou anti probabilísticos. Gostaria, apenas, que este alguém me dissesse onde devo  procurar os princípios princípios para determinar determinar as questões.  Nas Sagradas Escrituras eu encontro muitos princípios para decidir as controvérsias morais, mas não todos. Nem os posso encontrar, como sabiamente me ensina o meu falecido Pritânio, ou seja, Ludovico Muratori, em seu douto tratado, que li, sobre a jurisprudência; onde fala precisamente que na Escritura não há princípios claros para decidir todas as questões da Moral. Depois, também não encontro todos esses princípios nos Santos Padres, que, em seus livros trataram pouco de casos morais, preocupados como estavam em

determinar os dogmas fé emDameio a tantas heresias que serpenteavam naqueles começos da da Igreja. mesma forma, os sagrados Cânones estabelecem poucas coisas acerca dos costumes. Por outro lado, a ciência moral é tão vasta e tão obscura que, uma razão que  para alguns doutos doutos se mostra ccerta, erta, para outros parece sem fundamento fundamento ... Até  para nós mesmos, uma uma razão que certa época nos con convenceu, venceu, em outro tempo não mais nos persuade. Ora, em uma ciência tão obscura e intrincada... parece não haver um caminho mais seguro para não errar que o de seguir a regra aprovada por todos os sábios, ou seja, que nas ciências devem ser seguidos aqueles princípios que forem os mais aceitos pelos doutos... Portanto, tenho motivos para acreditar que não errei em me regular com  princípios que, por um lado, me pareceram mais conformes, antes, completamente conformes à razão, e por outro, que vi comumente, ou ao

 

menos, muito mais comumente, aprovados por teólogos antigos e modernos (p. XIV-XVI).

Isto quanto aos princípios; quanto às opiniões particulares, ele declara:  Na escolha das opiniões, procurei sempre preferir a razão à autoridade. Quando eu encontrei uma razão convincente, jamais hesitei em considerar a opinião contrária como provável, mesmo que fosse defendida por mais autores, coisa que me causou descrédito da parte de alguns. Mas, onde não encontrei tal razão convincente, não ousei condenar opiniões opostas à minha, como muito facilmente fazem alguns... Depois, não tive dificuldade em chamar de provável certas opiniões, mesmo que a minha me parecesse mais provável, porque tenho como certa a  possibilidade de haver, ao menos especulativamente especulativamente falando, opiniões que sejam verdadeiramente prováveis, mesmo na presença de opiniões mais  prováveis (p. XIIXII- XIII).

Tudo isso está em perfeita harmonia com o que já havia dito na  Dissertação de 1755, e se trata de probabilismo moderado. Para não nos afastarmos do método histórico-crítico, é necessário acrescentar que o santo, de 10 a 17 de abril de 1756, ficou doente e esteve para morrer. mor rer. Gaudè e Delerue,  para provar que ele nunca foi um probabilista convicto, tiveram o trabalho de recordar uma declaração onde o redentorista Melchionna Giuseppe refere que, no final de sua vida, Afonso teria ficado angustiado por haver defendido o probabilismo. Mas, se não Gaudè, Delerue conhecia uma carta do santo, encontrada em 1899.  Nessa carta, com data dat a de 12 de outubro de 1758, Afonso Afons o declarava ser lícito, mais que lícito, “seguir a opinião provável diante da mais provável que se apresenta a favor do  preceito”. Portanto, é necessário concluir que, depois da mudança de 1756, ele teria voltado ao probabilismo por novas e mais fortes razões, a ponto de não levar mais em conta as agitações no final da vida9. Evidentemente, Melchionna entendeu mal.

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GAUDÉ, L. De morali morali syste systemate mate s. Alfonsi M. M. De Ligorio. Romae, 1894, c. I, n. 5, p. 17;  DELERUE, F. Le système système m moral oral de St. Alphonse de Liguori.  St. Etienne, 1929, c. 4, p. 42. Eis o texto da carta: M. Rev. Padre, senhor e superior respeitadíssimo, recebi suas estimadíssimas questões e brevemente, para servi-lo, respondo às dificuldades propostas. Primeiramente, Primeiram ente, por enquanto digo que não posso dar uma regra geral sobre as opiniões do Pe. Busenbaum, porque preciso ler toda a obra e examinar se verdadeiramente são ou não são prováveis; por ora, apenas respondo que umas são prováveis, outras não. Em segundo lugar, digo que é lícito, e mais que lícito, seguir a opinião provável, sólida, com fundamento  provável, diante diante da mais provável favorável favorável ao ao preceito; da mesma mesma forma, é muito muito lícito seguir a opinião verdadeiramente verdadeiramente  provável diante da opinião igualmente igualmente provável, provável, mesmo que seja favorável favorável à liberdade e não à lei. E a razão razão fundamental de tudo isso é que, sendo nesses casos a lei sempre duvidosa (como se supõe), não temos motivo que estritamente obrigue a seguir a sentença que favorece à lei; mas podemos sempre seguir a contrária que favorece a liberdade, desde que seja solidamente provável. De resto, para torná-lo mais convencido do meu pensamento, lhe remeto essa minha dissertação,

 

na qual mee expliquei muitoque, maiscom claramente que na obra grande da minha Teologia Moral; e fizdaisso para fugir das línguas de tantos tantos literatos ardor excessivamente grande, atualmente atacam o uso opinião provável diante da mais provável. E assim, para não entediá-lo mais, termino, colocando-me à disposição para qualquer veneradíssima

 

 

7 Dissertação sobre o uso moderado da opinião opini ão provável - 1757. Essa dissertação, de 16 páginas in folio (42 x 26 cm), foi inserida no primeiro tomo da terceira edição da Teologia Moral   de 1757, p. 8-24, em substituição da  Dissertação de 1753. Trata-se de reimpressão da  Dissertação anônima de 1755; mas, como seu nome não podia mais ser omitido, e além disso, era preciso evitar polêmicas, também aqui o santo transformou a tese antiprobabiliorista em tese antituciorista, afirmando que não é necessária a probabilíssima para seguir a livre autodeterminação, mas basta a  probabilidade sólida ou, ao menos, a mais provável. Contudo, Afonso faz essa transformação apenas substituindo o termo mais  provável  pelo  pelo termo probabilíssima, e eliminando alguns parágrafos muito favoráveis à  probabilidade simples. Como foi um umaa substituição mecânica, alguns termos não foram fo ram modificados acabaram gerando incoerências O leitor fica ainda mais confusoeporque a argumentação continua bastante sendo a evidentes. da  Dissertação  de 1755, que defende a licitude da provável ante a mais provável . Tudo isso comprova a falta de liberdade de expressão do santo e atenua muito a importância da obra em questão.

7 Sobre a consciência provável - 1757. É um parágrafo do compêndio italiano da Teologia Moral , publicado em 1757 com o título:  Instrução e Prática para o confessor , editado pelo tipógrafo Alessio Pellecchia; consta de 10 páginas (p. 14-23) em 16º (18 x 11 cm). Pela brevidade e caráter expositivo, Afonso apresenta apenas os princípios gerais, com breves demonstrações, e remete para a  Dissertação  antituciorista da Teologia  Moral . Também aqui, acena para a suficiência da “certeza pr ovável, ovável, ou seja, como explica (Gerson), conjectura provável”; mas parece que Afonso volta atrás na

ordem, e recomendando-me fervorosasdo orações, assino. Nocera dei Pagani, 12 de outubro de 1758. Vosso humilde servidor, Afonso de Ligório,às dasuas Congregação Santíssimo Redentor.

 

intepretação da “certeza moral” como certeza verdadeira, dada na Dissertação de 1755,  para identificá-la agora com a simples opinião provável (n. 31). Essa obra é muito importante por ser a primeira vez que o santo anuncia o  princípio de flexibilidade das regras de casuística, que propõe como princípio pri ncípio último de sua doutrina sobre a dialética das probabilidades 10. Por força do princípio de flexibilidade, a última palavra sobre a verdade moral da escolha em situação é dada pela prudência, que deve assumir a exigência de a pessoa viver na graça, ou seja, em Cristo, como princípio e valor supremo de verdade e,  portanto, de probabilidade. É um princípio com valor tão ggrande rande que é capaz de inverter a forma como as probabilidades se apresentam em âmbito teórico. De fato, após apresentar sua doutrina sobre as determinações e dialética das  probabilidades, Afonso escreve: Isso acontece no âmbito teórico; mas, na prática de escolher as opiniões, na dúvida se devem ser escolhidas as rígidas e não as benignas, ou vice-versa, eu respondo assim: quando se trata de eximir o penitente do perigo de pecado formal, o confessor deve utilizar, na medida permitida pela prudência as opiniões mais benignas. Mas quando as opiniões benignas tornaremcristã, mais  próximo o perigo de pecado formal, formal, como são algumas opiniões do doss doutores sobre a obrigação de fugir das ocasiões próximas e semelhantes, então é sempre melhor que o confessor utilize, digo mais, que ele, como médico das almas, é obrigado a utilizar, as opiniões rígidas, que melhor promovem a conservação do penitente na graça divina (n. 38).

Estamos convencidos de que basta este princípio para dar caráter sintético e  prudencial para a Teologia Moral  afonsiana  afonsiana e ao seu, assim chamado,  sistema moral . E não somos nós que colocamos em evidência esse princípio, que até agora parece ter sido considerado como uma simples nota marginal. O próprio santo o repetirá quase textualmente em suas Dissertações posteriores, mesmo quando modifica o texto dessas  Dissertações. Nós o assinalaremos na medida em que examinarmos seus outros trabalhos. Por fim, notamos que em 1758 esse compêndio da Teologia Moral  foi  foi traduzido em latim, para ser impresso em Veneza em 1759 com o título:  Homem apostólico instruído em sua vocação de ouvir as confissões. Ou: prática e instrução para uso dos 10

O conceito de flexibilidade é afirmado por Aristóteles no campo da lei que precisa ser moderada pela equidade na aplicação particular ( Ethica  Ethica Nicomachea,  Lib. V. 1137b,19-1138a,3). G. B. Vico retoma esse conceito e o aplica romanamente à prudência civil em sua famosa dissertação  De nostri tempore studiorum ratione, proferida em 18 de outubro de 1708 como abertura do ano acadêmico universitário de Nápoles. Seria normal que entre seus ouvintes se encontrasse o recém matriculado Afonso de Ligório, que deveria receber precisamente de G. B. Vico o “atestado de

 

retórica” paraabordado ser admitido à Universidade. Mais tarde, aplicari a magistralmente à consciência o princípio de flexibilidade pelo orador filósofo. (Sobre SantoAfonso Afonso aplicaria universitário, consultar a obra colaborativa: S. Alfonso  Alfonso de’ Liguori. Contributi bio-bibliografici. bio-bibliografici. Brescia, 1940).

 

confessores. Também nesse novo texto, o parágrafo que examinamos não sofreu

nenhuma modificação.

8 Notas de Santo Afonso ao Tratado sobre a regra das ações humanas na escolha das opiniões, de Patuzzi - 1759. Em 1758, o erudito tomista, Vincenzo Patuzzi, publicava em Veneza, e depois, em segunda edição de Nápoles, em 1759, o Tratado sobre a regra próxima das ações humanas na escolha das opiniões. Nessa obra, o autor, que era probabiliorista rígido, impugnava fortemente o probabilismo. Santo Afonso, depois de ler a obra na edição de Veneza, pensou em rebatê-la em um de seus pontos fundamentais, ou seja, a promulgação da lei. Mas a resposta  permaneceu no estado de esboço muito avançado. avançado. Não sabemos se ele a concebeu assim, no estado em que a possuímos, para divulgá-la como opúsculo anônimo, ou se, por outras porentregues exemplo,para paraa publicação evitar polêmicas, decidiu publica-la e a hipótese utilizou em trêsrazões, trabalhos pub licação em 1760, 1761,não 1762. Essa última nos parece a mais verossímil, porque é um fato que as  Notas a Patuzzi, de 1759, estão amplamente presentes nos três trabalhos posteriores citados. Propomos 1759 como ano da composição, porque, como veremos, em julho de 1760 elas já estavam a muito tempo bastante reelaboradas e absorvidas absorvid as parcialmente em outro texto. Além disso, o Tratado de Patuzzi, com mais de novecentas páginas, é de 1758. A análise comparativo de uma cópia original das  Notas, talvez a única que nos resta11, com uma Dissertação publicada em 1762, em Nápoles, pelo tipógrafo Giuseppe Di Domenico, nos faz pela identidade dos caracteres, caracter es, que Di Domenico também tenha sido o editor daspensar,  Notas a Patuzzi. O opúsculo não tem título e nem frontispício. Consta de 51 páginas em 14º (14,5 x 9 cm). Também não tem introdução, nem tampouco ta mpouco o estado da questão, mas começa com a apresentação da tese a demonstrar : “A lei incerta não pode levar a uma obrigação ce certa”. rta”. Segue a demonstração (p. 1-32), 1 -32), e então, em um segundo parágrafo, são dadas “Respostas a algumas oposições dos adversários” (p. 33-51). 33-51). Os bibliógrafos afonsianos 11

Encontra-se no Arquivo Geral dos Padres Redentoristas em Roma, no vol. V das obras apresentadas no final do século XIX à Sagrada Congregação dos Ritos, para exame em vista do processo de beatificação e canonização de Santo Afonso. Esta circunstância explica a pesquisa e conservação deste e de outros opúsculos muitíssimos pequenos que, de outra maneira, teriam sido perdidos. Note-se que o santo tinha a prática de manter ordenadamente suas cartas, escritos e

 

documentos; que, depois da sua morte, foi possível encontrá-los conservá-los. Sobre o costume Afonso fazer precederdea modo publicação definitiva por uma publicação de poucas cópias,e com impressores mais próximos,desobre as quais corrigia o texto, cf. AFONSO, S.  Lettere III. Roma, 1890, n. 133, 135, 161, etc. 

 

costumam intitular essas  Notas  com a tese apresentada no início do primeiro  parágrafo12: “A lei incerta não pode levar a uma obrigação certa”.  certa”.  A importância da obra é grande, porque ajuda a estabelecer o tempo, causas e apresentação da evolução do pensamento afonsiano, que parte de um probabilismo genérico até chegar ao probabilismo moderado, onde a probabilidade válida em âmbito de consciência é caracterizada pela equiprobabilidade qualitativa moral-psicológica, mais intensiva que a equiprobabilidade apenas lógica. Os estudiosos do pensamento afonsiano, apesar de datarem como de 1760 a  primeira clarificação equiprobabilista, não prestaram atenção às  Notas de Patuzzi de 1759, por considerarem compostas depois de 1764, perdendo assim o contexto histórico-crítico da clarificação afonsiana, ou seja, a leitura da obra de Patuzzi. Entrando, no exame das Notas, dentro do permitido pelo objetivo do nosso estudo, estud o, é significativo como o santo concentra sua atenção principal sobre so bre cinco, das novecentas

Os bibliógrafos afonsianos levantaram diversas hipóteses sobre o período de composição dessas  Notas, que costumam intitular pelo tema do primeiro parágrafo:  A lei incerta não pode induzir a uma obrigação certa. O opúsculo não pode ter sido composto depois de 1764, porque se relaciona estreitamente só com o Tratado de Patuzzi de 1758, sem nenhuma referência a outra obra do autor dominicano. Em 1764, Patuzzi atacava diretamente a doutrina do santo, portanto, se as  Notas fossem de 1765, não se explica porque tratem do livro de 1758, sem levar em conta o que o adversário vinha escrevendo na polêmica dirigida contra o santo no período de 1764-1765. As citações apresentadas (por exemplo, na p. 33 encontramos: o P. Patuzzi, to 2, p. 212 opõe ...; na p. 36 encontramos: opõe o P. Patuzzi to il 2, p.225... sem nunca dar o título da obra de que são tiradas as citações), manifestam claramente o caráter de esboço provisório e pessoal da  publicação. Assim sendo, não causa estranheza que faça referência explícita ao nome de Patuzzi, enquanto nas obras destinadas ao público, Afonso o esconde sob o termo “um autor moderno”, “os contrários”. Pela carta de 12 de outubro de 1758, apresentada acima, na nota n. 9, sabemos então que, para evitar contra si e contra sua Congregação as “línguas dos literatos”, literatos”, ocultava inclusive seu próprio nome. Quando nome. Quando pensamos que exatamente através da leitura do Tratado de Patuzzi, o princípio: “A lei incerta não pode induzir a uma obrigação certa”, se torna expressão espontâne espontâneaa para Afonso, e mais ainda, a fórmula equiprobabilista se torna fórmula do seu probabilismo, precisamos concluir que em 12 de outubro de 1758, quando escrevia a carta citada, Afonso ainda não tinha lido Patuzzi; porque transcreve os princípios, mas não  junta as fórmulas, fórmulas, e porque expressa a mesma ideia do axioma, mas mas com outras palavras. Portanto, Portanto, a data de composição das Notas vai de outubro de 1758 a março de 1764, quando fica sabendo da obra de Patuzzi dirigida contra si e pede um exemplar a Remondini (cf. S. ALFONSO.  Lettere III. Roma, 1890, p. 205), enquanto já em junho, fala que está lendo “as obras latinas de Patuzzi (enviadas por Remondini) e que são muito boas” (ibid. p. 211). Mas podemos conseguir uma determinação mais precisa. Falamos acima, no n. 7, sobre a obra  Instrução e Prática , de 1757. Em setembro de 1758, Afonso envia por carta algumas correções e acréscimos para a segunda edição da obra. Nesta, não aparece nenhuma modificação na doutrina da probabilidade. Em julho de 1760, como diremos no n. 9 do texto, Afonso manda correções e acréscimos para uma nova edição veneziana da mesma obra e aqui encontramos uma nova longa exposição sobre a doutrina da probabilidade que absorve grande parte das  Notas, das quais procuramos a data: então, esta pode ser fixada entre outubro de 1758 e julho julho de 1760. Como o santo “já as tinha recolhidas” as correções e acréscimos enviados em  julho de 1760, precisamos retroceder a 1759, ano que propomos no texto quando falamos em  Notas a Patuzzi de 1759 . Ficamos tentados a colocar a data de composição das  Notas entre dezembro e julho de 1760, porque em dezembro de 1759 foi impressa em Nápoles a terceira (Remondi, por erro, a considerará a quarta) edição da Instrução e Prática, e nela não se encontra nenhuma correção. Mas o santo diz abertamente que tal edição foi realizada sem sua intervenção ( Lettere.  Lettere.  ibid. p. 106). Que estas  Notas precedem, e não seguem, o texto de 1760, fica claro pelo exame interno dos dois textos colocadas em comparação: o texto de 1760 é a forma mais longa e mais perfeita das  Notas, que em si mesmas têm uma forma mais breve e doutrinalmente menos perfeita. Basta, por exemplo, comparar os n. 39-42 do texto de 1760 (Istruzione

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e Pratica, Venezia 1761, I, p. 25-29) com o respectivo texto das Notas, p. 29-39. Além disso, como já notamos, as Notas  são verdadeiros Comentários cujo horizonte é determinado por poucas páginas centrais do livro de Patuzzi, conforme

diremos no texto; a elaboração de 1760 tem a amplidão da doutrina que expõe e defende.

 

 páginas da obra, precisamente onde Patuzzi ataca “o primeiro princípio reflexo dos  probabilistas tomado da incerteza da lei”13. Isso confirma o que vimos destacando, ou seja, que no pensamento afonsiano o  ponto cardeal na dialética das probabilidades não está no cálculo lógico dos graus de  probabilidade, mas na exigência de que a lei seja promulgada de modo a ser certa: uma  probabilidade que não determina a certeza moral não é moralmente válida para a  promulgação. A razão apresentada na  Dissertação de 1755 era dupla: primeiro, a lei deve ser regra, medida, norma: uma medida incerta não é medida; segundo, a lei é uma limitação da liberdade, e a liberdade possui valor ontológico querido por Deus: “O homem foi criado na liberdade”, diz o santo nas  Notas  a Patuzzi (p. 14). Patuzzi resumia a argumentação de seus adversários probabilistas da seguinte forma: “A lei incerta in certa não  pode levar a uma obrigação certa. Portanto, na dúvida provável, não pode haver o brigação de obedecer a lei”14. A premissa expressava o que Santo Afonso vinha afirmando desde 1753; mas a fórmula nova para ele; agradou-se dela e a tomou como enunciação de sua tese nas  Notas  deera 1759. Para compor a parte demonstrativa, o santo reutiliza o que tinha escrito dois anos antes, quando tratou sobre a consciência provável na  Instrução e Prática para um confessor ; mas notamos um maior estudo de Santo Sant o Tomás, talvez por causa do tomism tomismoo de seu adversário, Patuzzi. Esse estudo de Santo Sant o Tomás será cada vez mais intenso para Afonso. Depois da demonstração direta da tese, segue a confutação dos argumentos de Patuzzi contra a promulgação das leis, e outros pontos de interesse teórico e histórico. Mas, a grande importância dessas  Notas  está no fato de Afonso afirmar pela  primeira vez seu equiprobabilismo. De fato, ele escreve: O nosso sistema não é poder seguir a opinião menos provável diante da mais  provável; mas de poder seguir a opinião benigna, quando for igualmente  provável à rígida; já que, como concordam todos os antiprobabilistas, e conforme diz o próprio Pe. Patuzzi, quando é pouca a preponderância entre uma e outra opinião, de modo que o excesso seja duvidoso, então bem se pode chamá-las de igualmente prováveis, porque  pouco é considerado como nada ; enquanto, por outro lado, mesmo quando a preponderância for grande, a

PATUZZI, G.V. Trattato della regola prossima delle azioni umane nella scelta delle opinioni.  Venezia, 1748, pars I, c.

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14

 

  IV, n. 2, p. 232-237. PATUZZI, G.V. Trattato della regola prossima delle azioni umane nella scelta delle opinioni. Venezia, 1748, pars I, c. IV, n. 18, p. 235.

 

opinião contrária continua tenuamente ou, ao menos, duvidosamente provável (p. 35-38).

Eis a página de Patuzzi a que Santo Afonso faz referência: Para que alguém possa seguir a sentença favorável à liberdade, contra a lei, não basta que a sentença pela lei seja mais provável, ou mais verossímil para quem age, com excesso exíguo ou duvidoso: porque pouco é considerado como nada; mas se requer que seja manifestamente mais verossímil, com excesso notório, para quem age: e por isso, julgada por ele, com juízo firme, como verdadeira (Gonzalez). Esta proposição, que é comumente ensinada pelos antiprobabilistas, deve ser  bem observada pelos nossos adversários; já que o Pe. Ghezzi e outros apresentam a nossa sentença quase como se, para agir honestamente seguindo a opinião benigna, ficássemos satisfeitos com qualquer maior probabilidade que ela apresente, mesmo que o excesso seja tênue. Isso não é verdade. Pelo contrário, nós queremos que a proeminência da  probabilidade seja certa e manifesta para quem age; de modo que, se ela for tênue e duvidosa, ainda que tal opinião possa, absolutamente e em  sentido lógico, ser chamada de mais provável , não possa ser chamada de moralmente  igualmente provável , e, mais provável, mais deva ser chamada  portanto, incapamas incapaz z demuito determinar o hhomem omem prudentede a segui-la” segui-la”15.

Para Patuzzi, então, ou temos probabilioridade pela liberdade tão excedente a  ponto de tornar tênue e duvidosa a probabilidade a favor da lei, e então será lícito seguir a liberdade; ou não temos essa probabilioridade em favor da liberdade e então a equiprobabilidade será sempre em favor da lei, porque a lei tem te m valor ontológico e moral absoluto e, portanto, inviolável. Essa equiprobabilidade não é eliminada pela presença de uma probabilioridade que seja apenas lógica: é necessário uma probabilioridade com valor moral decisivo, capaz de nos tornar certos de que a lei não existe. Patuzziaéconcepção equiprobabilista, mas de um favorável à lei. Santo Portanto, Afonso assume e terminologia deequiprobabilismo seu adversário, mas em função antitética: se não temos probabilioridade excedente em favor da lei, permanecemos na esfera da equiprobabilidade e esta é favorável à liberdade. A antítese antítes e do santo não é por simples razão polêmica; Patuzzi se move pela ontologia formal das essências, Afonso se move pela ontologia participativa do ser intensivo e, portanto, da pessoa. A evolução marcada na terminologia se nota nesta outra afirmação de Afonso: “Nós, como já dissemos várias vezes acima, não defendemos a opinião provável diante da opinião mais provável, mas dizemos que é lícito seguir a opinião igualmente provável pr ovável

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PATUZZI, G.V. Trattato della regola prossima delle azioni umane nella scelta delle opinioni. Venezia, 1748, pars I, c. II, n. 5, p. 13-14.

 

 

diante da opinião mais segura, onde estamos, de fato, fora da probabilidade tênue” (p. 45-46). Portanto, ele rejeita a fórmula que defendeu nas duas  Dissertações anônimas, de 1749 e de 1755, onde manifestou com liberdade seu verdadeiro pensamento; rejeita a fórmula de seu probabilismo, sustentada e proposta até um ano antes da composição composi ção das  Notas  a Patuzzi; ou seja, 12 dee outubro 1758, seguir quandoa escreveu ao camaldolense D. Roberto: “Digo que éaté lícito, mais quedelícito, opinião provável: provável : sólida,

fundamentada, provável, diante da mais provável pela parte do preceito ”. E, apesar disso, depois, nas Notas, afirma que o probabilismo não foi só s ó condenado por Inocêncio XI, mas também foi confirmado, na medida em que o Papa condenou algumas  proposições  prop osições “porque elas se chamavam prováveis, quando não tinham fundamento com grave probabilidade” (p. 44); e, portanto, “tendo o Papa condenado tais proposições, com tais circunstâncias, muito mais deu autoridade para o probabilismo, já que a exceção confirma confirma a regra” (p. 46).  46).  Portanto, ele mantém sempre a validade da verdadeira e sólida probabilidade, probabili dade, que é a razão de ser do probabilismo; assim sendo, send o, não muda nada em todo o grande trabalho de classificação das probabilidades das regras morais determinadas, que já tinha feito em sua Teologia Moral   desde 1753. Mas a leitura de Patuzzi provocou nele a reconsideração da terminologia do sistema: Afonso descobre que a equiprobabilidade moral, qualitativa, é a característica de toda probabilidade que se coloca na dialética com a outra contrária: quando saímos da equiprobabilidade moral, uma das opiniões se torna certeza moral e a outra se torna tenuamente ou, ao menos, duvidosamente,  provável; ou seja, moralmente infraprovável. É por isso que o termo “menos provável” pode gerar confusão, pois pode significar uma probabilidade apenas lógica, que resulta moralmente infraprovável; assim sendo, na formulação de seu sistema, Afonso deixará de lado o termo “menos  provável”.    provável”.

9 Sobre a consciência provável - 1760. Em 1759 havia sido publicada em Nápoles a terceira edição da  Instrução e  Prática para os confessores  sem que o santo tivesse sido avisado disso 16; a edição reproduzia o texto antigo, sem variações quanto quant o à doutrina sobre a consciência provável. Mas, em 2 de julho de 1760, Afonso escreve a Remondini em Veneza para lhe dizer que, em uma cópia dessa dessa terceira edição, está acrescentando notas, “que já tinha 16

ALFONSO, S. Lettere III. Roma, (1890), n. 61, p. 106.

 

 

 preparadas”. “Especialmente no início do primeiro tomo”  preparadas” tomo”, são suas palavras, “coloquei um belíssimo acréscimo um pouco longo, em um caderno à parte, que não apareceu ainda em nenhum livro das minhas Morais; mas peço que as confie a um bom revisor,  pois todas essas notas foram escritas à mão, e com letras bem pequenas” 17. Em 10 de julho de 1760, escreve: “Estou enviando enviand o a referida Prática com todos os acréscimos que fiz, talque como lhe escrevi a alguns dias ou atrás. uma atenção especial aos acréscimos, já inseri no lugar adequado, seja,Peço na página 19 do  primeiro tomo. Peço que o senhor entregue a revisão para alguém entendido; porque, esteja seguro, é um belo trabalho e custou muita fadiga. Falo sobre o acréscimo que compõe um caderno à parte”18. Comparando a edição da Instrução e Prática enviada pelo santo, com a edição de Remondini de 1761, podemos constatar que a página 19 da primeira, corresponde à  página 18 da segunda, e que o texto muda a partir do n. 32 e se desenvolve em 14 páginas (p. 18-31) em 16º (16,5 x 9 cm) com letras bem pequenas e compactas. Portanto, estamos diante do “belo acréscimo”, “que custou muita fadiga”.  fadiga”.   Dedefato, é aporque melhornos parte do parágrafo “sobre a consciência que que nós datamos 1760, interessa o ano da composição e não oprovável”, da impressão, é 176119. Comparando esse novo trabalho de Santo Afonso com as Notas a Patuzzi de 1759, fica claro que tais notas foram parcialmente reelaboradas e absorvidas.

ALFONSO, S. Lettere III, Roma (1890), n. 69, p. 115.  ALFONSO, S. Lettere III. Roma (1890), n. 70, p. 116.  A edição remondiniana de 1761 vem indicada no frontispício como quinta edição; a edição napolitana de 1760, impressa  por Di Domenico, Domenico, é indicada como terceira edição (a segunda segunda é de 1759, de Remondini Remondini de Veneza; a primeira primeira é de 1757, de Alessio Pellecchia, de Nápoles). O Pe. Gaudè ( op. cit. p. 20, nota 1) afirma não ter conseguido localizar a quarta edição. A nós interessa saber se a edição enviada por Santo Afonso a Remondini em 10 de julho de 1760 é a terceira. Parece certo que seja a terceira, porque, no final do primeiro tomo dessa edição, o último caderno traz uma página com advertência citando uma Bula de Bento XIV de 20 de dezembro de 1759. Portanto, em janeiro de 1760 terminava a  publicação do primeiro tomo dessa dessa terceira edição; e então é dessa edição que o santo fala quando quando escreve a Remondini em 17 de janeiro de 1760: “Sim, senhor, está sendo publicada a  Prática, e está no segundo tomo ( Lettere  Lettere III. n. 62, p. 107). Como nas cartas sucessivas se fala sempre dessa edição, enviada a Remondini em 10 de julho de 1760 e recebida dele em 4 de outubro de 1760 ( Lettere. III, n. 73, p. 120), estamos certos de que os acréscimos do santo de que estamos tratamos no texto foram feitos sobre a terceira edição napolitana; e com essa, portanto, deve ser confrontada a quinta edição, para analisar as variantes e o desenvolvimento do pensamento afonsiano e sua cronologia. Mas, houve uma quarta edição? Para admitir sua existência seria necessário pensar que os impressores napolitanos, entre julho de 1760 e 4 de  junho de 1761, quando a edição veneziana já está impressa ( Lettere  Lettere III. n. 77, p. 125), tenham ao menos iniciado a impressão da terceira edição, e Remondini, conhecido o fato, indicado a sua como quinta, ou seja, última edição. De fato, essa Instrução e Prática napolitana de 1760 apresenta variantes no frontispício: alguns exemplares indicam o editor: “A spese di Cristoforo Migliaccio, e dal medesimo si vendono nella sua libraria a s. Biagio de’ librari”. librari”. Todavia, apesar dessas variantes, a edição é sempre indicada como terceira edição. Além disso, é preciso levar em conta que, quando a

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impressão dessa edição napolitana já tinha sido começada, acrescenta-se a Migliaccio um outro editor: Stasi Michele ( Lettere  Lettere III. n. 67, p. 113). Portanto, uma verdadeira nova edição, com acréscimos e correções entre a terceira napolitana e a quinta veneziana nos parece que deve ser excluída em base ao epistolário afonsiano com Remondini.

 

Aqui encontramos o “estado da questão” que faltava nas  Notas: assunto de suma importância, porque confirma, desenvolve e precisa as ideias novas apresentadas nas  Notas: Afirmamos... que é lícito usar a opinião gravemente provável em favor da liberdade, sempre que ela não for menos provável, mas sim, ou mais provável, ou ao menos, igualmente provável, à contrária em favor da lei.

 Nesse ponto é necessário advertir que, quando as duas opiniões opostas forem ambas gravemente prováveis e fundamentadas, sempre serão igualmente prováveis, ou quase igualmente prováveis. O que dá no mesmo, já que, como dizem os próprios antiprobabilistas, quando é pouca a preponderância entre uma e outra opinião, sendo o excedente muito tênue e duvidoso, então ambas as opiniões serão consideradas igualmente prováveis, conforme o axioma que diz:  pouco é considerado como nada . É diferente quando a preponderância de uma opinião for notável, porque então a opinião contrária resultará, ou improvável, ou tenuamente provável (n. 32). Destacamos uma afirmação que, por si só, caracteriza e precisa o equiprobabilismo afonsiano: “Quando duas opiniões opostas forem ambas gravemente  prováveis e fundadas, sempre também serão igualmente prováveis ou quase igualmente  prováveis”.    prováveis”. Portanto, se uma opinião mais provável  não  não for mais provável  a  a ponto de tornar a opinião oposta improvável ou tenuemente provável, as duas serão equiprováveis. Na verdade, Afonso já tinha ensinado isso na Dissertação de 1755, quando escreveu: A opinião mais provável só é moralmente certa quando exceder a  probabilidade da da outra, de m modo odo a demon demonstrar strar que esta outra outra é improvável improvável ou, ao menos, tenuemente provável. Mas, dá-se o contrário, se a opinião mais  provável ainda conservar conservar um motivo grave, pelo qual possa possa ser verdadeira (n. 13).

Isso explica porque Afonso, depois de ter anunciado o seu novo “estado da questão”,, que rejeita a menos provável e afirma o equiprobabilismo, escreveu questão” textualmente:  Nós já provamos com muitas autoridades e razões essa sentença, em uma  Dissertação que inserimos em nossa obra grande, especialmente, com a razão que considero a mais forte de todas, ou seja, de que a lei duvidosa não pode levar a uma obrigação certa (n. 32).

É verdade que já encontramos essa nota na terceira edição, de 1760 20, e mesmo,  já na primeira edição da  Instrução e Prática, de 1757 (n. 32); mas o fato é que Afonso a transcreveu e conservou no novo texto. Ora, a  Dissertação que refere é a de 1755, 20

ALPHONSUS, S. Theologia Moralis. Romae, 1757, t. I, tr. I, c. 2, n. 47, p. 9.

 

 

depois mecanicamente transformada na dissertação antituciorista, e inserida na terceira edição da Teologia Moral   de 1757. Nessa, Ness a, defende que é “lícito o uso da opinião absolutamente provável ou, ao menos, mais provável, provável , ainda que a contrária em favor da lei seja pr ovável”. ovável”. E toda a parte argumentativa é em favor da probabilidade sólida, mesmo que tenha contra si uma probabilioridade. ele nãosólida mudae probabilioridade, o sistema; só muda terminologia declarar que, quandoPortanto, probabilidade queanão seja certezapara moral, estiverem frente à frente, elas devem ser chamadas de moralmente equiprováveis. Trata-se de uma simplificação para tirar dos sistemas morais as sutilezas lógicas que favoreciam, tanto o laxismo, quanto o rigorismo, e reduziam o papel da consciência consci ência a mera calculadora de graus de probabilidade lógica. Não podemos entrar na análise do novo trabalho afonsiano, mas notemos alguns detalhes.  No texto em questão, é possível constatar a presença da nova fórmula fór mula tomada da leitura de Patuzzi e que depois depois será constante em Afonso: “A lei duvidosa não pode levar a uma obrigação certa”. Contudo, a segunda edição veneziana, revista em setembro de 1758, dizia:e obrigar  “A lei duvidosa, nãoe suficientemente  porque a lei, para ligar , deve ser ou certa manifesta”21. intimada, não obriga, Falando sobre a liberdade, ele declara que “o homem nasce realmente subordinado ao domínio de Deus, já que nasce certamente obrigado a obedecer a todos os preceitos que Deus lhe impuser; mas não nasce já j á ligado a nenhum preceito particular   acerca de suas ações” (n. 35). A distinção entre a obrigação ontológica para com Deus e a obrigação para com as leis particulares é de grande importância, e será desenvolvida em seguida. Por fim, encontramos também, sem qualquer mudança, o cânone de flexibilidade que já destacamos na edição de 1757.

10 Sobre a consciência provável - 1761. 1 761. Em 20 de julho de 1761, Santo Afonso envia a Remondini uma cópia de seu  Homem Apostólico para a segunda edição. Anuncia que há muitos acréscimos; entre os quais, um que, como diz, “está colocado no início [e que lhe custou] cus tou] mais fadiga que os outros”22.

21 22

ALFONSO, S. Istruzione e Pratica per per li confessori. Venezia, 1759, parte I, c. I, n. 32.  ALFONSO, S. Lettere. III, n. 81, p. 133.   

 

O exame paralelo da segunda edição, publicada com atraso em 1763, e da  primeira, de 1759, nos mostra que o acréscimo tem por tema a questão da consciência  provável, que o santo então modifica e amplia conforme suas novas posições. O assunto se desenvolve em nove páginas e meia, em 8º (24 x 17,5 cm) indo da p. 12 col. b, n. 32, até a p. 17. As letras são bem pequenas e muito compactas. datamos es seotrabalho esse em 1761,alguns ano daestudiosos composição. terem considerado o ano Nós da edição, e não da composição, do Por pensamento afonsiano encontraram problemas que não existem, pois não tomaram o desenvolvimento do  pensamento dentro de sua realidade histórica. Esse novo trabalho absorveu parte das  Notas de 1759 e do novo texto sobre a consciência provável de 1760, mas assume amplitude maior. Eis a enunciação da doutrina: Afirmamos que não é lícito usar a opinião menos provável e menos segura contra a mais provável favorável a lei; então, quem a utiliza não demonstra estar agindo muito segura e prudentemente. Porém, dizemos que é lícito seguir afundamento opinião favorável à liberdade, esta opinião estiver fundamentada em um grave, pelo qual sejasejulgada como verdadeiramente provável (n. 32).

Também aqui a primeira parte da tese poderia parecer negar o que vinha ensinando desde outubro de 1758, quando disse ao camaldolense D. Roberto, Roberto , que é lícito seguir uma opinião provável mesmo diante de uma mais provável  favorável  favorável à lei. Mas a enunciação da tese está estreitamente ligada às novas definições que ele apresentou antes; e temos uma prova explícita da presença pres ença de Patuzzi determinando decisiva reação em Afonso. Patuzzi, na página que lemos, não apenas tinha definido a equiprovável moral mais distinguindo-a da probabilidade mas,com comtermos Gonzalez, definido acom   necessária para seguir alógica, liberdade que atinha identificavam a  provável   probabilíssima. Ele exigia que a mais provável  se mostrasse “ao agente agente manifestamente

mais verossímil com excesso notório, através do qual fosse julgada verdadeira com juízo firme e não titubeante”.  titubeante”.  Compreende-se a posição de Patuzzi, porque ele considera necessário evitar qualquer erro objetivo, já que, mesmo errando com a mais provável   definida dessa forma, e mesmo que o erro dependa de alguma negligência passada não advertida, tal erro ainda será imputável23. Opinião esta, que Santo Afonso chama de “completamente

23

PATUZZI, G. V. Trattato della regola prossima delle azioni umane nella scelta delle opinioni.  parte  I., c. 2, n. 15, p. 23-24.

 

 

improvável” (n. 60), mas que ajuda a explicar  porque  porque Patuzzi quase identifique a mais  provável  com  com a probabilíssima, e se aproxime do tuciorismo mitigado. Pela antítese ontológica já sublinhada, Afonso assume o conceito patuzziano de mais provável , mas defende que, como as leis particulares não são cronologicamente, mas ontologicamente e axiologicamente posteriores ao ser da pessoa, que recebe de Deus o dom liberdade, nãomais é a liberdade, masse a lei particular que deve ser promulgada à pessoa comdauma sentença provável  que  que aproxime da probabilíssima . De modo que, quando a liberdade tem em seu favor uma opinião menos provável, e pela lei há uma opinião fortemente e certamente mais provável no sentido indicado, então a prudência pede que se siga a lei. Mas, quando permanecemos no campo da  probabilidade, de modo que a opinião a favor da liberdade não deixe de ser verdadeiramente provável, então é possível estar do lado da liberdade. Esta é a doutrina doutri na constante de Santo Afonso, e ele não diz nada além disso na enunciação da nova definição de mais provável, que referimos acima, Eis as novas definições do santo: É preciso distinguir: opinião tenuemente provável, provável, mais provável e moralmente certa. A opinião tenuemente provável é a que se baseia em um fundamento que não consegue atrair para seu favor o consentimento dos homens prudentes. A opinião provável é a que se baseia em um fundamento grave. A opinião mais provável é que se baseia em um fundamento mais grave; mas,  para ser considerada verdadeirame verdadeiramente nte mais provável, requer-se que, como dizem Gonzalez e Patuzzi, com outros antiprobabilistas comumente (GONZAL. Tract. de Prob; PATUZIUS. Tract. De Reg. prox. hum. act . par. I; cap. 2), que a opinião seja manifestamente mais verdadeira para quem age, com excesso notório, pois se o excesso ou preponderância for tênue e duvidoso, então tal opinião é considerada, moralmente falando, igualmente  provável à oposta, porque pouco é considerado como nada (o destaque é nosso).

Por fim, a opinião ou sentença moralmente certa é aquela cuja oposta se mostra de todo improvável (n. 29).

 Note-se como Afonso não dá a definição de probabilíssima; essa, de fato, fica absorvida pela nova mais provável . De resto, o santo, imediatamente depois, no n. 31, escreve: “Afirmamos como fora de dúvida que é lícito agir com opinião probabilíssima probabilíss ima ou mais provável, explicada acima”.  acima”.  Assim sendo, o estado da consciência frente a duas opiniões prováveis é duplo (excetuando o estado de certeza, quando o juízo se apresenta como  sentença, que tem mais contra si, uma proposição de todoouimprovável): ou ssima, uma delas é verdadeiramente  provável  ou seja, probabilíssima quase probabilíssima, probabilí e então a oposta é tenuemente

 

 provável ; ou se coloca no estado de verdadeira probabilidade, e então as duas opiniões

se mostram moralmente equiprováveis. Essa simplificação dos termos torna muito mais fácil a dialética das  probabilidades e faz do  sistema  moral expressão, não de cálculo lógico de graus de  probabilidade, mas de avaliação aval iação psicológica e moral; mor al; ou seja, expressão express ão da virtude da  prudência. O esclarecimento na terminologia teria sido ainda mais perfeito se Afonso também distinguisse a certeza moral da  sentença, da certeza moral larga, que admite algum temor, mas não a ponto de impedir o consentimento de um homem prudente: ou seja, de um homem que não exija a certeza absoluta em matéria moral; e se ele tivesse atribuído tal certeza moral larga à  probabilíssima e à certamente mais provável . Esse  posterior esclarecimento o santo dará logo depois, na obra que examinaremos em seguida. Contudo, notamos que o esclarecimento vem sendo preparado no texto que examinamos aqui, porque, a uma objeção de Antoine, que negava a necessidade da certeza para Afonso a lei, pois de outraque maneira poucos casos em quecom a leiuma natural seria obrigatória, responde bastahaveria que a lei seja promulgada sentença “notavelmente mais provável”, porque então a lei se torna “certa, ou, de alguma maneira, moralmente certa” (n. 44).  44).  Com as novas definições, a menos provável , ou conserva a probabilidade moralmente válida, e então é equiprovável; ou não a conserva e então se torna tenuemente ou, no máximo, duvidosamente, provável e, como tal, cai no campo da infraprobabilidade moral, ainda que logicamente conserve algum grau de probabilidade. probabili dade. Por isso, de agora em diante, Afonso rejeitará o termo menos provável , e até poderá dizer que é probabiliorista, mas em sentido contrário ao probabiliorismo de Patuzzi. ***  Na terceira edição ediç ão do  Homem Apostólico, de 1770, Afonso voltará às definições costumeiras; mas então já fazia três anos que vinha sendo objeto de pressões, inclusive violências políticas, sobre sua doutrina moral, e será obrigado a modificar a terminologia. Apesar disso, Gaudè diz que o santo fez bem em eliminar a definição patuzziana de mais provável , porque seria “ambígua e, se quisermos falar com rigor, falsa”, já que

 

é possível haver uma verdadeira probabilioridade por motivação mais grave e, todavia, não muito excedente”24. Mas isso seria verdade se déssemos só valor lógico para as definições morais; ora, Santo Afonso quer reagir contra o logicismo que reduz a dialética das probabilidades a cálculo quase matemático de graus de probabilidade e, por outro lado, abre caminho, tanto para o rigorismo, quanto para o laxismo. Contudo, cremos que Afonso, mesmo mantendo sempre a doutrina da necessidade de um excedente forte para constituir verdadeira probabilidade requerida  para a promulgação da lei, pelo motivo que vimos não chamou mais de probabilíssima ou quase probabilíssima a notavelmente mais provável . De fato, a probabilíssima é ambivalente, pois pode significar o mínimo incontornável que Inocêncio XI determinou ao condenar a opinião “tenuamente  provável” (Denzinger 1153). De fato, indo contra os laxistas que queriam apenar se curvar diante da certeza absoluta da lei, a condenação do Papa diz que uma lei  probabilíssima obriga, mesmo que tenha contra si uma opinião tenuamente provável. Mas a probabilíssima de Santo Afonso queria ser mais restrita, coexistindo e se opondo, não só à probabilidade tênue, mas também a uma probabilidade que seria válida, mas é duvidosa ou apenas lógica, enfim, que é moralmente infraprovável: “menos provável”.  provável”.  Desde 1748, em sua atividade literária Afonso vinha rejeitando a “provavelmente  provável” e identificava com a probabilidade tênue, condenada por Inocêncio XI, a  probabilidade duvidosa, porque queria evitar, não apenas o minimalismo laxista, mas também o caminho que levava ao laxismo. Ora, concebida a probabilidade como equiprobabilidade, a “menos provável”, ou era verdadeiramente provável e, então era equiprovável, ou era “menos provável” e então, infraprovável. De modo que, a nova  probabilíssima ou quase probabilíssima afonsiana queria poder coexistir e tornar inválida, não apenas a tênue probabilidade, mas também essa ess a “menos provável”, na medida em que era “duvidosamente provável”, “provavelmente provável”, infraprovável moralmente. Então, dada essa ambivalência do termo  probabilíssima, o santo na sequência indicará sua quase probabilíssima com os termos notavelmente mais provável , certamente mais provável , razão convincente, mais provável sem hesitação. Infelizmente, também o termo mais provável  é  é ambivalente, porque pode indicar a mais provável   lógica, que permanece na esfera da equiprobabilidade moral, e a notavelmente mais provável   que qualitativamente está fora da probabilidade e já é 24

GAUDÉ, L. De morali systemate s. Alphonsi M. De Ligorio, Romae, 1894, c. I, n. 10, p. 24-25.

 

 

certeza. Essa ambivalência pesa sobre a história secular dos sistemas morais e determinou, ao menos, duas correntes na interpretação do pensamento afonsiano. Pode-se objetar que a distinção entre probabilíssima e quase probabilíssima, ou entre mais provável   ee certamente mais provável , notavelmente mais provável  faz  faz recair a dialética das probabilidades no logicismo e na indeterminação, porque os termos quase, certamente, notavelmente são termos elásticos e muito relativos.

Isso é verdade; mas Santo Afonso tem cuidado em insistir em um termo com valor valo r semântico moralmente e psicologicamente claro; ele afirma que existe a notavelmente   quando a probabilioridade é dada por uma razão convincente. E é certo mais provável  quando que na deliberação moral cada um experimenta exper imenta e reconhece quando uma razão é ou não é convincente. Naturalmente, isso supõe que a sensibilidade da pessoa esteja desenvolvida e bem orientada. Mas, é aí que se encontra a superação do logicismo que  buscava fazer da deliberação moral uma equação cerebral ou jurídica; pelo contrário, contrár io, é  preciso considerar a deliberação como escolha e empenho de toda a pessoa, consciente de seu valor de imagem cristã de Deus em Cristo. A deliberação moral não em é outra coisaAque a expressão da preparação ontológicoética da pessoa fundamentada Cristo. convicção é exatamente a reveladora   da opinião a ser aprovada, dokimàzein, diz São Paulo, porque ela torna a nossa escolha moral um aprofundamento da nossa pessoa em Cristo; quer seja convicção de que a escolha deve ser feita conforme a lei certa, quer seja convicção de que a escolha deve ser feita conforme a liberdade certa. Vejamos, então, na obra que estamos examinando, como Santo Afonso destaca em Santo Agostinho o valor e necessidade da convicção na deliberação: Também confirma muito a nossa sentença (ou seja, de que a lei deve ser certa) es tiver o que escreveu Santo Agostinho em breves palavras:  pois o que não estiver convencido seja contra a(S.féAUGUST. ou contra Epist. os bons costumes considerado que indiferentemente 54 ad Januar .deve cap. ser 2).  Note-se a palavra convencido  (não imposto, mas convencido, como os

eruditíssimos Padres Maurinos julgam que deve ser lido) 25.

Logo, algo é ilícito quando estivermos moral e certamente convencidos de que vai contra a fé ou os bons costumes; se não nã o for esse o caso, o homem é livre para sseguir eguir a opinião que quiser (n. 56). Mas, a necessidade de que a mais provável   se apresente como argumento convincente, Afonso já tinha afirmado em 1755, como vimos acima, no n. 20. Portanto,

25

Cf. PL 33, 200; CSEL 34, 160, 14.

 

 

não muda de ideia, mas determina cada vez melhor a expressão de seu pensamento, empregando uma terminologia mais precisa. *** Outro grande progresso, agora em ponto mais fundamental da dialética das  probabilidades, se refere a um princípio de valor, que também é critério de verdade para todas as nossas escolhas morais:  sintonizar todos os atos da nossa vontade com a conform idade a partir vontade de Deus. A conformidade, antes, a uniformidade, ou seja, conformidade de dentro, por meio da qual a lei, mais que como lei, é sentida como princípio e liberdade, é a ideia base de todo o pensamento moral de Santo Afonso, da casuística à mística. Já na  Dissertação  de 1755, frente à objeção de que seguir a opinião menos  provável é não se conformar com a vontade de Deus identificada com a observância das leis particulares em sua objetividade, ele respondia, com Terill, distinguindo em Deus,  por um lado, a lei constitutiva constitutiv a da ordem moral objetiva e em si (lei antecedente) e, por outro, a lei realizadora da ordem moral nas situações concretas dos homens, mesmo que em erro (lei consequente). Então, ele afirma que, segundo a lei realizadora, “Deus quer que os homens sejam obrigados às suas leis na medida em que estas estejam na consciência deles” (n. 23). Consequentemente, Consequen temente, a não execução da lei antecedente não é  pecado, nem mesmo material, porque o homem reto está sempre em conformidade com a vontade realizadora de Deus (n. 26). A distinção, e a consequente solução, está fundamentada; mas, da maneira como foi apresentada, pode ainda parecer um pouco artificial, pré-moldada sob medida. Talvez por isso, o santo não retorne mais a ela, ao menos como fórmula, e a substituirá  por outra fórmula em 1763, como veremos. Aqui precisamos notar que vontade de Deus e lei eterna absoluta coincidem; mas os seus adversários concebiam a lei eterna como arquétipo, em Deus, de todas as leis naturais tomadas em sua particularidade e, portanto, tomadas na ordem horizontal e múltipla. A simplicidade da lei eterna deveria então ser concebida como ponto-origem de projeção, que em si é simples, mas na projeção é múltiplo; de modo que, violar as leis particulares em suas particularidades seria violar formalmente a lei eterna e,  portanto, a vontade de Deus. Disso provém o princípio fundamental dos d os adversários de Santo Afonso: nas dúvidas deve ser seguida a parte mais segura ; também provém a negação da distinção entre violação material e violação formal da lei; a negação da distinção entre juízo direto sobre a verdade da coisa e juízo formalmente prático sobre a verdade da honestidade da ação.

 

Pensando assim, esqueciam que a lei eterna em Deus é vontade, mas não como acontece no homem, que com sua vontade põe em execução uma forma. Em Deus, vontade é bondade que participa intimamente o seu ser e está presente no participado. Tal presença dinâmica determina a ordem vertical das coisas, que é simples, una e unificante: o múltiplo, por sua vez, vem da finitude da criatura. Mas também a criatura, sendo imagem espiritual de Deus, ou seja, sendo pessoa, tende a superar o múltiplo que lhe advém da finitude, através do valor de unidade radical, da espiritualidade que lhe vem de Deus. Em outros termos, a lei eterna é, sobretudo, e antes de mais nada, fundamento de verdade-valor, de finalidade vertical; é fundamento da caridade, da caridade cristã, já que a ontologia do espírito, de fato, é aquela que Deus Pai fundamentou no mistério de Cristo, e que é inexprimível em categorias filosóficas humanas. Essa lei eterna, que supera o particularismo cosmológico, é graça pela qual entramos no ritmo do ser de Cristo, qualquer que seja a condição de membros em seu corpo místico. E é lei que supera, não só o particularismo das causas e das leis da ordem horizontal, mas redime e valoriza mesmo a defectibilidade, seja essa particular, enquanto criatura; seja individual, indivi dual, como a de Tício ou de Caio, nesta ou naquela situação. Somente em tal dimensão vertical o mal encontra explicação; de outra forma, ele seria um escândalo insuperável, capaz de fazer desmoronar, não só a vida moral, mas inclusive a realidade reali dade cósmica. Não haveria solução para o enigma da história, inclusive incl usive para o enigma do ser, que se revela no existir, mas para superá-lo rumo ao Ser! A concepção que faz da lei eterna apenas o arquétipo e versão condensada de todas as leis particulares, introduz o antropomorfismo na teologia (a eterna insídia de fazer Deus à imagem do homem!) e supõe uma ontologia modal das essências múltiplas. Assim sendo, violar essa lei em sua razão particular, seria violar o valor ontológico de toda a realidade e, portanto, violar a lei eterna, que fundamenta essa mesma realidade. Mas a ontologia é aquela do ser como participação intensiva do ser de Deus; ontologia que, na ordem sobrenatural, repetimos, é participação partici pação no ser de Cristo, tornado nossa cabeça, nosso espírito, nossa caridade. Assim, Ele se torna a nossa lei: ou seja, graça e liberdade. E essa lei eterna do Verbo de Deus só instrumentalmente se exprime e exige leis particulares. Dessa forma, também compreendemos como, e por que, a lei eterna apenas é violada quando nossa ação particular, singular, se coloca como negação da caridade; fato que só se verifica quando nossa intenção int enção se apresenta como desleal diante de Deus. Tal verdade é sabida por qualquer cristão, mesmo por qualquer homem simples; mas,  precisamente por isso, revela revel a o verdadeiro valor da lei que fundamenta a ordem moral; todo homem deve saber viver em Deus e saber se vive ou não vive em Deus. O  pois fundamento da verdade moral deve ser intuitiva para todos, mesmo para os analfabetos!

 

A degradação conceitual que faz a lei eterna à imagem das leis humanas, depende, além, da ontologia do múltiplo, própria do estoicismo quando se apresenta como ética, também, por razões opostas, do juridicismo que atomiza nominalisticamente a vida moral e torna positiva a lei eterna, ou seja, torna-a formalmente pluralística. Santo Afonso reage contra essa concepção de lei eterna, e olha com simpatia alguns quemenquanto a lei eterna é propriamente lei, mas razão de todas as“vários leis (n. autores” 40). Isso para é verdade neganão o caráter particularístico na lei eterna e, digamos, simplesmente juridicista das leis humanas; mas não é verdade se quisermos afirmar que a lei eterna não é lei que obriga. Contudo, mesmo esse conceito de obrigação é impróprio aqui, e deveríamos falar de fundamentação dos valores morais em sua ordem vertical: esta é a fundamentação que está na origem da pessoa, da liberdade, da autodeterminação e, apenas instrumentalmente, na origem dos modos de agir  particulares e suas leis. A intuição de Santo Afonso era de que a fundamentação ontológica da pessoa não deveria ser confundida com a obrigação particularística das leis. Além disso, sua insatisfação com o conceito antropomórfico da lei eterna prova como sentia a impossibilidade de reduzir a lei da pessoa e da liberdade às leis  particulares entendidas de maneira essencialística e juridicista. Já se disse que uma hora de metafísica teria feito Santo Afonso mudar de concepção moral. Não parece que já tenhamos efeito essa hora de metafísica, excetuando algum tomista contemporâneo, contempor âneo, por exemplo, Cornélio Fabro, em um campo mais fundamental; e pensamos que, se o tomismo do século XVIII a tivesse feito, Santo Afonso teria encontrado nele a máxima confirmação e pleno esclarecimento do seu pensamento moral. *** Mas, ainda que lentamente, Afonso chega a essa clarificação por outro caminho; ou seja, seguindo o que diz Santo Tomás sobre a conformidade com a vontade de Deus, considerada mais em seu objeto, que em sua razão de lei. Depois da leitura de Patuzzi, em 1759, ficou mais vivo o problema da conformidade com a vontade de Deus na relação com a dialética das probabilidades eem m âmbito de consciência. Afonso tinha lido no erudito tomista: “o argumento nascido da obrigação que tem o homem de conformar suas operações com a vontade e lei de Deus é um argumento... que destrói destró i desde os fundamentos o sistema dos probabilistas” 26.

26

PATUZZI, G. V. Trattato della regola prossima delle azioni umane nella scelta delle opinioni. Venezia, 1748, parte II, c. I, n. 14, p. 127.

 

 

Em todas as suas obras de espiritualidade, Afonso vinha afirmando que a conformidade com a vontade de Deus levada à uniformidade perfeita é a mola mestra de toda a vida espiritual. Mas, será que, com seu probabilismo moderado, então estaria destruindo com a mão esquerda o que vinha construindo com a direita?  Nas Notas a Patuzzi, de 1759, Afonso escreve: Agindo conforme a opinião benigna... não estaríamos agindo contra a vontade de Deus? A resposta é não; não estaríamos ofendendo a lei porque estaríamos agindo contra uma lei que, por ser duvidosa, não obriga... nem agindo contra a vontade de Deus. Mas, nesse caso, como dizer que somos obrigados a uniformizar nossa vontade com a vontade de Deus, quando não sabemos se Deus quer, ou não quer, que evitemos uma ação?

Santo Tomás ensina que, nos casos em que não sabemos o que Deus quer, não somos obrigados a nos conformar com a vontade divina, pois ela não nos é suficientemente conhecida: “Por isso quem quer alguma coisa sob qualquer razão de bem possui a vontade em conformidade com a vontade divina, quanto à razão do que quer. Mas, em particular [note-se], desconhecemos o que Deus quer. Sob este aspecto, não somos obrigados a conformar nossa vontade com a vontade divina. (I-II, 19, 10 ad 1) (p. 19-20).

Santo Afonso sublinha que, no texto de Santo Tomás, a vontade de Deus com a qual devemos nos conformar é a vontade notificada e conhecida com certeza. Na verdade, o texto de Santo Tomás é muito mais rico; mas Afonso se limita a destacar o que lhe interessa imediatamente para a discussão, pois os adversários defendiam que se violava a lei mesmo quando a lei fosse duvidosa pela presença de duas opiniões  prováveis opostas, ou seja, equiprováveis. Em 1760, no parágrafo sobre a consciência provável, examinado acima por nós, no n. 9, repete o que havia escrito nas  Notas de 1759. Mas, entre julho de 1760 e julho de 1761, Afonso aprofunda a questão e, no texto que estamos examinando, apresenta um desenvolvimento fundamental para a dialética das probabilidades em âmbito de consciência. Depois de examinar mais longamente e com mais citações de Santo Tomás a relação entre lei eterna e liberdade, sempre do ponto de vista que assinalamos (n. 3842), passa à conformidade com a vontade de Deus considerada em seu objeto (n. 43). Devido à controvérsia, destaca mais uma vez que a conformidade exige conhecimento certo do que Deus quer. Mas agora, com Santo Tomás, distingue entre as coisas que Deus quer em particular (volitum particulare) e a razão, ou valor, que Deus quer nas coisas particulares (volitum formale) que, por sua vez, é constituído pela razão ou valor de bem comum, assumido como fim.

 

Ora, a conformidade que torna reta nossa escolha moral é a conformidade pela qual nós também tendemos para o “desejo do bem comum”, ou seja, como declara Santo Tomás, o “bem total”, que é a glória de Deus.  Deus.   Em outra passagem, Santo Afonso também dirá que todos os nossos atos, para serem bons, devem ser conformados pela intenção virtual da glória de Deus. Mas, por necessidade lógica controvérsia, insiste sobre a razão pela qual escolha moral, mesmo que da erre sobre a “verdade da coisa”, nãoformal erra sobre a verdade veardade da honestidade da ação quando tal escolha estiver conforme à vontade de Deus no desejo do bem comum. Por isso, afirma que estamos em sintonia com o desejo do bem comum querido por Deus sempre que nossa intenção tiver como objetivo um bem na medida em que é um bem honesto. E, como é honesto tudo o que é honesto por natureza e não  particularmente proibido por Deus e, por outro lado, a livre autodeterminação é dom natural dado por Deus, Afonso conclui que toda livre escolha de bem, querido como honesto, é sempre conforme à vontade de Deus. Eis o raciocínio do santo, que nós tentamos tornar mais evidente: Replicam: nadaagirmos nos é lícito, a não ser que seja permitido vontade que de Deus. Portanto, para licitamente, devemos primeiro pela reconhecer uma coisa é conforme à vontade de Deus. Responde-se:: Realmente, o homem deve se conformar com a vontade de Deus, Responde-se mas com qual vontade? Afirmamos: com a vontade conhecida e manifestada. Assim ensina Santo Tomás (I-II, (I-II, 19, 10) quando diz: “Portanto, a vontade humana é obrigada a se conformar com a vontade divina formalmente, mas não materialmente...”  materialmente...”  E explica a palavra formalmente, isto é, no desejo do bem comum. Ou seja, que em toda ação tenhamos como intenção o bem honesto, na medida em que cada um pode usar honestamente a liberdade que lhe foi dada por Deus; pois tudo o que está de acordo com a ordem natural, e não é proibido por Deus, é honesto (n. 43).

Depois dessa premissa, Afonso continua comentando como a vontade de Deus, se não for conhecida em determinação particular, não obriga e nem incide sobre a conformidade que constitui a honestidade da escolha moral. Mas o texto citado nos interessa por ser exatamente através dele que Afonso chega substancialmente ao ponto fundamental da dialética das probabilidades, quando determina o princípio de valor de toda escolha moral e, portanto, o princípio formal pelo qual a escolha se apresenta como conclusão moral  na  na dialética das probabilidades. Esse princípio é a conformidade com a vontade de Deus enquanto estabelecedora da ordem vertical, que deve constituir a retidão formal da intenção reta e leal, mesmo que não seja conservado o particularismo da ordem horizontal.

 

De resto, o princípio de valor, assumido como princípio formal da dialética das  probabilidades, já tinha sido afirmado por Afonso no princípio de flexibilidade em 1757; e é esse princípio que retorna e também conclui seu trabalho de 1761 (n. 62).

11 Breve dissertação sobre o uso moderado da opinião provável - 1762. A obra que acabamos de examinar, no n. 10, embora publicada em 1763, foi composta em 1761. Nesse intervalo de tempo, no final de 1762, foi publicada na tipografia de Giuseppe Di Domenico, em Nápoles, a  Dissertação  que passamos a examinar agora. É um opúsculo em 24º (14,5 x 9 cm) com 96 páginas. Mas vimos algumas algum as cópias que, entre as páginas 2 e 3, apresentam quatro páginas não numeradas, evidentemente acrescentadas depois de fevereiro de 1763, com as aprovações dos revisores, cuja última é de 21 de fevereiro de 1763. Agora, tendo sido consagrado bispo em 1762, Santo Afonso achava que poderia defender melhor a Congregação dos ataques políticos baseados em sua doutrina sobre o  probabilismo; por isso, a obra traz seu nome e a qualificação como bispo de Santa Águeda dos Godos. Mas também achava que, por ter deixado de defender a opinião menos provável, as possíveis polêmicas não seriam mais tão acesas. Para a história do pensamento afonsiano, notamos que pela primeira vez é citado Eusébio Amort com sua Theologia Eclectica Moralis et Scholastica publicada em 1752 em Augsburg. Amort é equiprobabilista e Santo Afonso lhe dirá em 23 de abril de 1765 que tinha composto sua dissertação de 1762 “conforme os teus textos” 27. Como a  publicação de 1761, que estudamos no parágrafo precedente, foi considerada consid erada como de 1763, ano de sua publicação, pensou-se que a evolução de Santo Afonso na direção do equiprobabilismo teria dependido muito de Amort. Mas, a evolução já estava nas  Notas a Patuzzi, de 1759, onde não há nenhum aceno a Amort, autor que continua a estar ausente das publicações afonsianas de 1760 e de 1761; dada a sua importância para Afonso, certamente teria sido citado se ele o tivesse lido antes de 1762. Por tudo o que vimos dizendo, fica claro que o equiprobabilismo afonsiano é expressão de seu pensamento pessoal e constante. Tal pensamento encontra sua terminologia na leitura de Patuzzi, com quem se coloca em antítese ética gerada pela antítese ontológica que fundamenta o pensamento teológico dos dois autores. Além 27

ALFONSO, S. Lettere III. n. 151, p. 246.

 

 

disso, veremos que o equiprobabilismo de Amort está muito distante do equiprobabilismo de Santo Afonso. Contudo, precisamos reconhecer que Afonso leva Amort em consideração quando compõe a  Dissertação de 1762, onde absorve e melhora suas  Notas de 1759. Por exemplo, as  Notas de 1759 só acenavam para a condenação do probabilismo pela 28

Assembleia do Clero de 1700, fato de queque Patuzzi opunha aos bispos probabilistas ,e Afonso a resolvia comGalicano a observação genérica “há tantos outros e teólogos teólo gos que a aprovam, e por isso não era necessário que escrevessem e nem que fizessem sínodos” (p. 42), mas, por sua vez, a  Dissertação de 1762 se detém longamente sobre essa Assembleia e cita Amort em seu favor (p. 52-55). A doutrina exposta na dissertação é sempre antiprobabiliorista, embora renove mais claramente suas declarações equiprobabilistas.  No antiprobabiliorismo, ele insiste sempre sobre a doutrina básica: Afirmamos que, quando a opinião menos segura é igualmente provável, pode ser seguida licitamente, porque então a lei é duvidosa e por isso não obriga, em razão do princípio certo... de que uma lei duvidosa não pode induzir a uma obrigação certa (p. 5).

Retorna a sua doutrina sobre a promulgação da lei em geral, da lei eterna. Com Amort, afirma que, enquanto a opinião favorável à lei não se mostrar evidente e notavelmente mais provável, é moralmente certo que não há lei que obrigue (p. 19); com Santo Agostinho repete que “toda ação nos é lícita enquanto não estivermos convencidos  e moralmente certos de que ela seja contra a fé ou contra os bons costumes” costumes” (p. 24).  24).  Quanto à lei eterna, afirma que deve ser promulgada. Afirma que a liberdade é anterior à lei. Para a conformidade com a vontade de Deus, repete o que disse na obra anterior (p. 40-43). Retoma a distinção fundamental entre verdade objetiva da coisa e verdade da honestidade da ação: a primeira, a ser determinada com o juízo direto; a segunda, com o juízo reflexo, que ele também chama de concomitante (p. 53-58), termo usado por Amort29. Por fim, o santo trata muito longamente o princípio: nas dúvidas deve-se seguir a parte mais segura (p. 58-80), que é ponto central do probabiliorismo, na medida em que é decorrência de sua ontologia puramente essencialística formal.

28

29

PATUZZI, G. V. Trattato della regola prossima delle azioni umane nella scelta delle opinioni. Venezia, 1748, parte II, c. 5, n. 2, p. 246-247.  AMORT, E. Theologia Eclectica Moralis et Scholastica t. I, Augustae Vindelicorum et Wirceburgi 1752, Tr. de Actibus humanis, disp. 2, quaestiunculae prolegomenae et synopticae 4, quaeritur 10, p. 87; Quaestio disp. II, Notandum 3, p. 102 et passim (não é possível fornecer outras passagens porque Amort multiplica as subdivisões e séries de paginação no mesmo tomo, e se torna muito complicado). Na sequência, citaremos no texto a página da  Disputatio De Conscientia, que citamos aqui por extenso dentro do possível.

 

 

Portanto, chegamos ao equiprobabilismo. É útil considerar sinopticamente as  posições de Afonso desde 1759:

 

1759

1760

1761

1762

O nosso sistema não é a  possibilidade de seguir a opinião menos  provável diante da mais  provável, mas a  possibilidade de seguir a opinião benigna, quando for igualmente  provável à opinião rígida; porque, como concordam todos os antiprobabilistas, segundo diz o próprio Pe. Patuzzi, quando for  pouca a preponderância entre uma e outra opinião, de modo que o excesso seja tênue e duvidoso, então muito  bem podem ser consideradas igualmente prováveis,  porque o pouco é

Afirmamos que é lícito usar a opinião gravemente provável a favor da liberdade, sempre que ela não for menos provável, mas sim, ou mais provável,

Afirmamos que não é lícito usar a opinião menos provável e menos segura, contra a mais provável [ou seja: quase probabilíssima] em favor da lei; pois nesse caso quem a usa não demonstra estar agindo de maneira segura e prudente. Mas afirmamos que é lícito seguir a opinião favorável à liberdade quando estiver baseada em fundamento grave, que verdadeiramente a torne provável [e,  portanto: equiprovável

Afirmamos que não é lícito seguir a opinião menos  provável, quando a opinião que está pela lei for notavelmente e certamente mais provável; porque então a opinião mais segura já não

considerado como nada; enquanto, por

outro lado, quando a  preponderância for grande, a opinião contrária se torna tenuamente, ou ao menos, duvidosamente  provável.

ou, ao menos, igualmente provável à contrária que é favorável à lei. E aqui é necessário advertir que, quando as duas opiniões opostas forem ambas gravemente  prováveis e fundamentadas, sempre serão igualmente ou quase igualmente  prováveis; o que dá no em relação à opinião mesmo, porque, como oposta]. dizem os próprios antriprobabilistas, (Sobre a Consciência

é duvidosa (entendida como dúvida estreita, como diremos na segunda questão), mas é moralmente, ou quase moralmente certa, tendo em seu favor um fundamento certo de que é verdadeira; quando, do lado contrário, a opinião menos segura, e muito menos provável, não tem tal fundamento certo de ser verdadeira.  Nessa situação, a opinião menos segura permanece tenuamente, ou ao menos, duvidosamente, provável em

quando é poucaentrea  provável , p. 8, n. 32)  preponderância uma e outra opinião, de modo que o excesso seja muito tênue e duvidoso, então ambas as opiniões são consideradas igualmente prováveis, conforme o axioma de que  pouco é

comparação comisso, a opinião mais segura; por querer segui-la não é prudência, mas imprudência grave. Isso  porque, quando o intelecto vê com certeza que a verdade está muito mais a favor da lei que da liberdade, então a vontade não pode,  prudentemente e sem culpa, abraçar o lado menos seguro; nesse caso, o homem não estaria agindo por juízo  próprio, ou seja, pela própria crença, mas sim por um esforço de vontade que o

 porque contráriaentãosea opinião torna improvável ou tenuamente ou duvidosamente  provável.

intelecto faz considera para se afastar da parte que muito mais verossímil e, então, escolher a parte que, além de não se mostrar verdadeira, nem mesmo tem fundamento certo de poder ser verdadeira.  Nessa situação, situação, etará fazendo fazendo o que condena o apóstolo:

( Notas  Notas  a Patuzzi, de considerado como 1769, p. 35-36). nada. Será diferente quando a  preponderância de uma opinião for notável,

(Sobre a consciência  provável   –  –  1760,   1760, p. 18, n. 32).

Tudo o que não é pela fé, é  pecado ( Rm  Rm 14,23).

( Breve  Breve dissertação, 1762, p. 3-4).

 

1759

1760

Il nostro sistema non è di potersi seguire l’opinione meno propro babile in concorso della  probabiliore, ma di  poter seguire la opinione benigna, quando è egualmente  probabile alla rigida;  poiché, come accordano tutti gli antiprobabilisti, secondo dice lo stesso P. Patuzzi, quando è  poca la preponderanza tra la una e l'altra opinione, sicché tenue e dubbiosoo sia l’eccesso, dubbios allora ben può dirsi egualmente probabile,  poiché  parum pro nihilo

mentre

Diciamo esser lecito il servirsi dell’opinione dell’opinione gravemente probabile a favor della libertà, sempre ch’ella ch’ella non è già meno probabile, ma è o  più probabile o almeno egualmente probabile che la contraria a favor della legge. E qui  bisogna avvertire, che quando le due opinioni opposte sono ambedue gravemente probabili e fondate, sempre sono egualmente o quasi egualmente probabili; il che importa lo stesso, mentre secondo dicono i medesimi antiprobabilisti, quando reputatur; è poca la preponderanza all'incontro, tra l’una e la altra

allorché preponderanza è lagrande, l'o pinione contraria resta tenuamente o almeno dubbiamente probabile.

1761

1762

Dicimus non licere uti opinione minus  probabili et minus tuta adversus probabiliorem [cioè: quasi  probabilissimam] pro lege; tunc enim qui illa utitur, non videtur satis tute et prudenter operari. Licere autem dicimus sequi opinionem pro libertate, si opinio illa innititur adeo gravi fundamento, ut vere probabilis indicetur [e quindi: 

Diciamo che non è lecito di seguitare la opinione meno  proba bile, quando l’opiniol’opinione che sta per la legge è notabilmente e certamente  più probabile; perché perché allora l’opinione più tuta non è già dubbia (intendendo con dubbio stretto, siccome si dirà nella seconda questione), ma è moralmente o quasi moralmente certa, avendo per sé un fondamento certo d’esser vera; dove all'incontro all'incon tro l’opinione aequiprobabilis ac op- meno tuta, e molto meno  posita].  probabile, non ha tal fondamento certo di esser (De Conscientia pro- vera.  babili, p. 8, n. 32). Ond'è che allora questa rimane tenuemente, o

opinione, che moltoè tenue e sìdubbioso l’eccesso, allora allora ambedue le opinioni si reputano egualmente  probabili, giusta (Note al Patuzzi del l'assioma che  parum 1769, pp. 35-36).  pro nihilo reputatur . Altrimenti poi sarebbe quando la preponderanza d’una opinione opinione fosse notabile, perché allora l’opinione l’opinione contraria resta o improbabile o pure tenuamente o sia

almeno a confronto dubbiamente  probabile della opinione più tuta; e perciò non è prudenza, ma imprudenza grave il volerla seguire. Poiché quando apparisce all’intelletto con certezza che la verità sta molto più per la legge che  per la libertà, allora non  può la volontà  prudentemente e senza colpa abbracciare ia parte men tuta; perché in tal caso l’uomo non o prerebbe per giudizio proprio, o sia

dubbiamente probabile.  Della coscienza pro( Della babile - 1760, p. 18, n. 32).

 propria credulità, ma sua per uno sforzo che colla volontà farebbe all’intelletto in rimuoversi rimuoversi dalla parte che gli apparisce molto più verosimile, ed appigliandosi alla parte che non sola non gli apparisce vera, ma che neppure ha fondamento certo di poter esser vera. E qui fa quello che dice l’apostolo: Omne quod non est ex fide  peccatum est. Rom. Rom. 14, 23. ( Breve  Breve Dissert. 1762, p. 34).

 

  Basta a última nota do texto de 1759 para dar o caráter qualitativo do equiprobabilismo, ao afirmar que não estamos no âmbito da probabilidade, e então da equiprobabilidade, quando a opinião favorável à liberdade cair no campo de infraprobabilidade moral. O motivo, que não é dito explicitamente, expl icitamente, écerteza que, quando isso acontece, opinião favorável lei entraque, no quando campo da moral larga. De fato, aa obra inteira procuraà provar há duas opiniões que são equiprováveis, não há a certeza necessária para que a lei obrigue. De resto, o texto de 1759 tem como contexto a página de Patuzzi de que já tratamos quando vimos que o equiprobabilismo legalista do erudito tomista é qualitativo e não quantitativo, pois as alternativas do equiprobabilismo de Patuzzi são: forte certeza moral pela liberdade ou equiprobabilidade sempre favorável à lei. Reagindo contra isso, Santo Afonso afirma: ou forte certeza moral pela lei ou equiprobabilidade sempre favorável à livre autodeterminação. O texto de 1760 repete o texto de 1759, mas integrando uma regra verdadeiramente fundamental: a equiprobabilidade qualitativa não é mais definida externamente, através dos limites de infraprobabilidade, por um lado e, portanto, dos limites da certeza, por outro lado. Agora a equiprobabilidade qualitativa é definida internamente, pelo constitutivo formal da probabilidade, que não está na igualdade dos graus lógicos da  probabilidade, mas na simultânea gravidade e fundamentação das  probabilidades: “Quando as duas opiniões opostas forem ambas gravemente  prováveis e fundamentadas, sempre serão igualmente ou quase igualmente  prováveis”.   prováveis”.  Portanto,

característica da probabilidade comparativa é a equiprobabilidade; se as duas opiniões não forem equiprováveis, não  poderão ser duas opiniões prováveis, mas, uma delas será infraprovável e a outra será moralmente certa. O texto de 1761 é ainda mais simples e perfeito, quando lido, por um lado, com a nova definição de mais provável   identificada com a quase  probabilíssima, que Patuzzi identifica abertamente com a certeza moral larga; e, por outro, com a posição de que a provável sólida é a opinião que, comparada com a oposta, é equiprovável.

 

Por isso, o texto é simples: ou se está na liberdade, l iberdade, e então a iniciativa está pela liberdade, ou se está fora da probabilidade, na certeza da mais  provável favorável à lei, e então é necessário estar pela lei. O texto de 1762, na primeira parte, repete as fórmulas precedentes; pr ecedentes; na segunda, introduz o princípio do “seguir a mais verossímil”. Examinaremos Examin aremos as duas partes.

***

A primeira parte repete e aperfeiçoa as fórmulas precedentes e então apresenta a terminologia completa da mais provável , pois, além de notavelmente  mais provável, também é denominada certamente  mais  provável; também é apresentado o motivo formal: tornar a lei ao menos quase moralmente certa, eliminando a dúvida estreita que a equiprobabilidade poderia causar no sujeito. De certa maneira, Santo Afonso já tinha referido várias vezes o conceito de certeza moral larga  como quase certeza moral ; todavia, nas  Notas a Patuzzi de 1759, encontramos esta expressão: “A nossa sentença, se não for moralmente certa, ao menos é probabilíssima, de que se possa seguir a opinião igualmente provável”  provável” (p. 44).  44).  Portanto, pode haver uma opinião probabilíssima que não determine uma certeza moral larga! Evidentemente, em 1759 ele ainda considera como certeza moral apenas a certeza que exclui todo temor de errar: certeza demonstrativa. Mas encontrou em Patuzzi uma concepção de certeza moral larga que não exclui completamente o temor, mesmo em um homem prudente, pr udente, ou seja, não é temor de escrupuloso e, mesmo assim, temor que não impede a firmeza do juízo. Patuzzi atribui essa certeza moral larga ( certeza provável ) à opinião “notavelmente e certamente mais provável” que, por sua vez, é inferior à  probabilíssima. Penso que Afonso quis meditar um pouco mais antes de aceitar o conceito de certeza moral larga de Patuzzi, que, finalmente, aparece nessa  Dissertação afonsiana de 1762 como expressão do estado da questão. De fato, era pelo conceito de certeza moral larga que Patuzzi quase se tornava tuciorista mitigado30 e, portanto, como reação, Afonso corria o risco de cair

30

ALFONSO, S. Lettere III. n. 168, p. 275; n. 217, p. 344.  

 

 

em um probabilismo aberto ao laxismo. Era justamente esse medo que o fizera hesitar sobre a licitude da menos provável  reconhecida  reconhecida como tal. Mas, elevando agora o limite da infraprobabilidade moral, de tênue  probabilidade para “certamente e notavelmente  notavelmente   menos provável”, Afonso ficou seguro de não acentuar demais a necessidade da certeza moral larga  para que a lei pudesse obrigar,  probabilismo excessivamente aberto.fechando, então, a estrada para um Chegando a esse ponto, Afonso já podia “fixar” seu sistema sistema moral31.  Na fórmula de 1762, o conceito de dúvida larga, que ele toma de Amort, é comparado ao conceito de certeza moral larga. Como a originalidade e extensão do equiprobabilismo afonsiano dependem desse conceito de certeza moral larga, e como Amort também defende uma concepção equiprobabilística, precisamos comparar os dois autores. Realmente, defendem, como verdade históricadepende criticamente demonstrada, que alguns o equiprobabilismo de Afonso do equiprobabilismo de Amort; ainda mais porque o próprio Afonso chamou Amort de “meu mestre”32. Amort, no início de seu tratado Sobre a Consciência, apresenta duas definições: Consciência certa é o ditame da razão sobre a conformidade ou oposição das próprias ações em relação à lei de Deus, sem temor  prudente da opinião oposta. Do lado contrário, consciência duvidosa é o ditame sobre a conformidade ou oposição das  próprias ações ações em relação à lei de De Deus, us, mas com temor prudente da opinião oposta (p. 76a).

Como se vê, Amort define certeza e dúvida na relação do ato com a lei; mas, como explicar a existência de “temor” mesmo quando o juízo for favorável à lei? Também não é fácil conceber a dúvida como “ditame da consciência”. Sobre a dúvida, Amort dá estas outras definições: Consciência estreitamente duvidosa é o ditame suspensivo de qualquer juízo por uma das partes da contradição a respeito da 31

32

ALFONSO , S.  Dichiarazione Dichiarazione del sistema che tiene l’autore l’autore intorno alla regola delle azioni morali, e morali, e si risponde ad alcune nuove opposizioni che gli vengono fatte. In: Traduzione dei salmi.  Napoli,  Napoli, 1774, n. 49.  ALFONSO, S. Lettere III. n. 151, p. 246.    

 

conformidade ou oposição das próprias ações em relação à lei de Deus. Consciência largamente largamente duvidosa é o ditame da razão pelo qual o homem julga que, mais provavelmente, exista conformidade ou oposição das próprias ações com a lei, contudo, ainda com temor  prudente da opinião opinião oposta.

Portanto, o conceito de “temor” apresentado na definição geral não se encontra na definição de consciência estreitamente duvidosa e, assim, a questão não fica clara. Além disso, também precisamos perguntar se, no caso de dúvida estreita, haveria realmente “ditame suspensivo” ou seria melhor dizer, com Santo Tomás, que não há nem mesmo simples inclinação para uma parte ( De  De Verit. 14,1). Para compreender bem os conceitos de certeza cert eza e de dúvida em Amort,  precisamos analisar seu pensamento sobre a deliberação moral. Amort afirma que, por dezesseis séculos, não se ouviu falar na Igreja na distinção entre juízo especulativo e juízo prático (p. 86b); portanto, seria só um o juízo que dirige a escolha moral e, consequentemente, haveria uma única verdade: a verdade objetiva da lei ou da não lei. Por outro lado, com todos os teólogos, Amort admite que o juízo último que determina a escolha deve ser absolutamente certo, sem nenhum temor da possibilidade de errar (p. 102-103). Então, como se chega a essa certeza sobre a verdade objetiva da lei ou da não lei? A questão não se aplica quando a verdade verd ade objetiva for evidente, já que todos admitem que então o juízo direto sobre tal verdade determina imediatamente o juízo prático da escolha moral (p. 85d). Bem diferente será o caso, quando a verdade objetiva apresentar evidência imperfeita, e os motivos não forem demonstrativos, mas apenas  prováveis. Amort considera o estado de probabilidade da verdade como “dúvida”: “Toda probabilidade é, intrinsecamente, verdadeira dúvida da mente” (p. 103b). E, como já tinha afirmado, essa dúvida pode ser larga ou estreita: será larga se a conformidade ou oposição com a lei for notavelmente mais provável em relação à opinião oposta; acrescentando que não deve haver possibilidade de colocar em dúvida tal probabilioridade (p. 112b) e,

 

contudo, é acompanhada pelo temor prudente da opinião oposta, que  permanece “certamente, verdadeir amente, amente, teologicamente e comparativamente provável” (p. 112b). Temos, portanto, “dúvida estreita” quando a probabilidade da lei e a probabilidade da não lei forem iguais. Mas, então, como chegamos à certeza moral quando estamos em dúvida? Amort  pensa que toda verdade objetiva pode ser alcançada “através da apreensão simples e nua, ou conceito intuitivo concomitante da mente”, sem necessidade de juízo reflexo sobre o primeiro juízo direto (p. 102a-b).  No caso de dúvida larga, quando a lei se apresenta notavelmente mais  provável em relação à não lei “não notavelmente mais provável em si mesma”, ao mesmo tempo, revela para a intuição concomitante que possui valor de lei suficientemente promulgada promul gada e, portanto, obrigante. De modo que a verdade objetiva integral é dada por um só juízo. Isso é possível na questão da luz da razão inata e “presentíssima” em todas as nossas ações que devemos fazer (p. 102b). De modo que, junto com o juízo direto que apresenta a lei como notavelmente mais provável em relação à não lei, ocorre a intuição de um juízo geral afirmando que “há uma lei universal reflexa dizendo para seguir uma lei que em si mesma é a mais acreditável” acredit ável” (p. 147a).  147a).  Mas, no caso de dúvida estreita, o juízo direto sobre a equiprobabilidade da lei e da não lei gera a dúvida; no entanto, tal dúvida  pode ser tirada por força do princípio geral intuitivo: a Providência divina age de modo a fazer com que, para quem está bem-disposto, a lei se mostre sempre como “mais acreditável em si mesma”. Por força desse princípio geral, a dúvida se transforma automaticamente em um outro juízo especulativo, a saber: “mais provavelmente não se dá uma lei direta” (p. 161a). Este último juízo fornece a certeza moral absoluta sobre a nossa escolha por força de outro princípio reflexo: “quando “quando houver duas  probabilidades concorrendo, muito dificilmente, uma ou duas vezes em mil, a própria situação em si mesma não confirmará a existência da lei; porque é caráter próprio das leis o dever e o costume de serem mais acreditáveis por si mesmas” (p. (p. 163b). Essa é a concepção de deliberação moral de Amort. Em sua base há um acentuado objetivismo da verdade moral, seja enquanto valor, seja enquanto manifestação adequada de si mesma ao sujeito. Como valor: a lei tem um valor quase sacramental para a glória de Deus. Assim se explica como, por um lado, ele aproxima a natureza da promulgação da lei moral: da revelação da verdadeira religião (p. 87a, 85b), da lei em matéria de

 

sacramentos, da medicina, da justiça (p. 122a, 147b); por outro lado, nega o valor de posse para a liberdade, porque a liberdade é um direito concedido  por contrato gratuito da parte part e de Deus, e Deus, na n a disputa di sputa entre sua lei e a liberdade, é autor no contrato, de modo que a liberdade não pode prevalecer sobre o direito do “príncipe” (p. 148a) e, ainda que o homem “vença no juízo  possessório” é preciso reconhecer que sempre “Deus vence no juízo  petitório” (p. 147a).  147a).  Acentuado objetivismo da verdade como adequada manifestação à inteligência. Para tanto, Amort recorre à Providência divina que não deixa faltar sua luz a quem estiver bem-disposto; assim sendo, leis que forem verdadeiramente leis, sempre se apresentarão caracterizadas como leis evidentemente mais prováveis; por isso, a ignorância vencível torna-se muito mais frequente. Por fim, também explica o recurso de Amort à intuição concomitante, à “luz da razão infusa em todos os homens e presentíssima a todas as ações humanas” (p. 102b). Como se vê, há uma certa presença de Descartes, talvez através de Malebranche. Mas, além desse objetivismo e intuicionismo que caracterizam o equiprobabilismo de Amort, também precisamos colocar em evidência outras concepções de fundo, pois também por elas o equiprobabilismo de Amort não pode concordar com o probabilismo de Afonso que, não sendo tão complicado, é mais moral, porque mais simples. *** 1) Só há um tipo de certeza, a certeza que não admite temor de erro. É verdade que Amort também fala de certeza larga, mas como diferente da certeza moral estreita, não pelo elemento subjetivo do temor, mas pelo elemento objetivo causa do temor; causa que, não sendo percebida, não gera o temor. Assim, subjetivamente essa ignorância larga também se reduz à ignorância estreita, como afirma o próprio Amort (p. 103a, cf. p. 101b-102a). Mas: a) como Amort diz que quando a lei está em situação de equiprobabilidade com a não lei, na verdade não existe a lei, porque, quando a lei verdadeiramente existe, a Providência faz que sempre se mostre como “mais acreditável em si mesma”; e: e: b) como Amort também diz que, sempre que o homem está bem disposto intui a verdadeira lei, de modo que, em mil casos, somente pode errar em um; por tudo isso, devemos deduzir que, se objetivamente houver temor da possibilidade de errar, mas não percebermos

 

tal motivo, essa atitude então dependerá de ignorância quase sempre vencível. Com isso, entendemos porque Amort não admite uma certeza moral que, sendo verdadeiramente certeza moral, ainda esteja acompanhada pelo temor de errar: porque seria um caso de ignorância vencível. Com temor desse tipo não tipo prudência, que ele define como: interno e voluntário dahaveria alma, que atua e conhece todas as coisas“Movimento nas quais agir” (p. 103b). Esse conceito de prudência até pode estar de acordo com a doutrina de Concina, mas não com a de Santo Tomás. Também fica clara a coerência de Amort quando afirma que apenas há temor com a probabilidade e, portanto, quando concebe a probabilidade como “dúvida”. De fato, em Amort há uma específica diferença de vocabulário entre certeza larga e dúvida larga, por isso, precisamos reconhecer que Santo Afonso foi muito benigno ao interpretá-lo segundo seu  próprio vocabulário, a ponto de poder chamá-lo chamá-lo de “meu mestre”.  mestre”.  2) Caracterizando a probabilidade como “dúvida” [não confundir com a dúvida-incerteza de Santo Tomás, que não impede o assentimento imediato ( De  De Verit . 1, 14; II-II, 1, 4) e pode coexistir com a certeza provável], e afirmando que a certeza moral é uma só e está sempre em relação com a verdade objetiva, conhecida com juízo direto e com intuição concomitante, Amort fica obrigado a dar aos seus princípios reflexos um conteúdo objetivo, que prescinde do sujeito. De fato, vimos como ele recorre à “luz infusa”, à intuição essencialmente ordenada à evidência do sujeito, à promulgação como característica da lei que que a Providência apresenta sempre como “mais  provável em si mesma” para quem está “corretamente disposto às iluminações divinas” (p. 161a), da mesma forma como Deus também dispõe objetivamente as coisas para tornar sua religião “em si mesma mais acreditável” acreditáve l” (85b) a quem estiver moralmente bem-disposto. bem -disposto. Dessa forma, a intuição concomitante e os princípios princí pios gerais evidentes, que emanam da própria natureza da lei que, por sua vez, se apresenta ao juízo como equiprovável ou como “notavelmente mais provável”, nada nada mais fazem que colocar em evidência plena a verdade objetiva; e, sendo assim, o  juízo direto incerto (por dúvida estreita ou larga) se transforma em juízo absolutamente certo.

 

 Na determinação d eterminação do valor de seus s eus princípios reflexos, Amort não dá nenhuma importância para a dúvida compreendida subjetivamente e,  portanto, para suas consequências sobre a liberdade e outros valores  pessoais. E aqui está es tá a diferença mais profunda em relação r elação a Santo Afonso, Afons o, mesmo que concordem em algumas afirmações como, por exemplo, quando os dois rejeitam aspectos do probabilismo mais livre e do probabiliorismo mais rígido. 3) Além da diferença na concepção de liberdade, que para Amort o homem  possui  por contrato gratuito da parte de Deus, enquanto para Santo Afonso é dom de Deus, com o qual o homem pode honestamente se ordenar ao diretamente próprio Deus, sem ser determinado por leis duvidosas e,  portanto, que não obrigam; também devemos destacar como Amort rejeita um princípio fundamental para o equiprobabilismo afonsiano, ou seja: “Não é conveniente impor uma obrigação certa por causa de uma lei incerta”; “não se segue um efeito certo de uma causa incerta” (p. 147b).  147b).  Amort rejeita esse princípio porque o bem universal da glória de Deus extrínseca, o bem do gênero humano, o bem da Igreja, exigem que a lei duvidosa obrigue; da mesma forma como, apesar de ser incerta, a lei obriga quando há perigo para valores objetivos da religião, sacramentos, justiça, direitos dos príncipes (p. 147b-148a). Portanto, Amort tem um conceito sacramental da ordem horizontal pluralística em relação com a ordem intensiva e finalística. O pensamento de Santo Afonso se move em concepções totalmente diferentes. Afonso se fundamenta na distinção entre verdade objetiva e verdade da ação julgada pela aconsciência. Por isso, distingueformalmente entre, por um moral lado, juízo especulat especulativo ivo sobre verdade objetiva, que  pode ser apenas provável ou, inclusive, ser suspendido pela equiprobabilidade de razões opostas e, por outro lado, juízo prático, que pode estar fundamentado em motivações que são extrínsecas extrí nsecas em relação à verdade objetiva, mas que são intrínsecas quanto à verdade prática da prudência. Além disso, Afonso admite a certeza moral estreita, que exclui todo temor, e a certeza moral larga, que não exclui o temor de errar, mesmo em um homem sábio, não escrupuloso. Mas esse temor não depende da  probabilidade moral   da opinião oposta, porque, como a oposta tem um fundamento não certo de poder ser verdadeira, é moralmente infraprovável, menos provável ; o temor depende do tênue valor da probabilidade lógica, que a opinião oposta conserva. Enquanto não tinha conseguido chegar a essa

 

clara compreensão qualitativa de probabilidade, Santo Afonso sempre hesitou em formular seu sistema; mas quando terminou aceitando-a, depois de ler e meditar longamente a página de Patuzzi, mas, invertendo a função ontológica patuzziana, então pode “fixar” seu sistema.  sistema.   Amort, no entanto, identifica a opinião oposta à “notavelmente mais  provável” como “verdadeiramente, certamente, teologicamente teologicamente e também comparativamente provável”; e assim, precisa conceber a “notavelmente mais provável”, não como certeza, mas como “dúvida”: “toda probabilidade é intrinsecamente verdadeira dúvida da mente” (p. 103b).  103b).   *** Essa diferença de compreensão sobre s obre a “notavelmente mais provável” e, portanto, sobre a certeza moral larga, explica a abordagem diferente dos dois autores frente ao princípio: “a lei incerta inc erta não pode levar a uma obrigação certa”.   certa”. Para Amort, esse princípio também levaria à exclusão da “notavelmente mais provável”, porque, para ele, ela seria incerta, e consequentemente, afirmando-a, estaríamos afirmando a licitude da “notavelmente menos provável”. Para evitar isso, Amort nega absolutamente o princípio e, portanto, depois não poderá fundamentar sobre ele a licitude da equiprovável em favor da liberdade. Mas, para Afonso, o princípio “a lei incerta não pode levar a uma obrigação certa” não se aplica à “notavelmente mais provável” porque esta trata é certeza moral larga, capaz de determinar diretamente a escolha moral  por si mesma e, portanto, nesse caso não há necessidade de princípios reflexos. Por outro lado, o princípio citado se aplica muito bem ao caso da dúvida estreita que surge da equiprobabilidade. É evidente que a probabilidade pura é menos ampla em Santo Afonso que em Amort e, além disso, é qualitativamente distinta da probabilioridade notável e certa, que pertence ao campo da certeza moral. Consequentemente, em Santo Afonso as razões ou princípios reflexos têm menor campo de aplicação que em Amort. Por isso, Amort, que parece muito próximo do  probabiliorismo, se aproxima do probabilismo precisamente onde surge a fraqueza que ele quer combater: a extensão da “dúvida” a todo o campo da  probabilidade, que só retrocede diante da certeza moral que não admite temor de erro.

 

Santo Afonso, que é substancialmente probabilista, se afasta desse  ponto fraco do probabilismo por força da compreensão de Santo Tomás sobre a certeza provável. A presença de Patuzzi foi dialeticamente muito  benéfica e fecunda para o probabilismo afonsiano.

*** O equiprobabilismo afonsiano pode ser mais facilmente caracterizado qualitativamente porque dá menor extensão à probabilidade probab ilidade pura e, portanto, menor extensão à equiprobabilidade, qualitativamente diferente da certeza moral larga. De fato, veremos que para Santo Afonso a certeza moral é determinada pelo conceito de promulgação da lei, entendida como aplicação à pessoa moral, sendo, portanto, condicionada por um elemento subjetivo: a convicção, a consciência de que os valores fundamentais da pessoa estão envolvidos. Amort, por sua vez, concebe como certeza moral apenas a certeza absoluta, portanto, estende a probabilidade até o limite da certeza absoluta. Por outro lado, admite que, mesmo permanecendo no campo da  probabilidade, haja uma equiprovável que não vincule à lei, e haja uma mais  provável que vincule à lei. Surge então o problema espinhoso: como determinar os limites entre equiprobabilidade e probabilioridade? Evidentemente, o único critério é o grau de probabilidade, ou seja, de mais ou menos “dúvida” ou de verossimilhança lógica. Caímos, então, no equiprobabilismo lógico, quantitativo, contra o qual Santo Afonso reagiu com seu equiprobabilismo qualitativo-moral.  Nesse ponto, vemos claramente que a concordância entre Amort e Santo Afonso é apenas material, periférica. Precisamos reconhecer que Santo Afonso foi generoso ao assumir a terminologia de dúvida estreita e dúvida larga, coisa que não lhe ajudou a clarear o problema. A menos que a dúvida larga não fosse fosse tomada como “dúvida” no sentido de Santo Tomás,  Tomás,   no entanto, a “dúvida” tomista é um movimento da alma, um “temor” e não tem nada a ver com a dúvida de Amort. Quanto à promulgação, tanto Afonso, quanto Amort, admitem que, enquanto se estiver na equiprobabilidade, a lei não obriga, porque não está  promulgada: nisso estão de acordo; e Santo Afonso o sublinha na  Dissertação de 1762, embora interprete o texto de Amort gramaticalmente gramati calmente e doutrinariamente conforme o seu pensamento (p. 19-21).

 

Mas para Afonso a lei não promulgada não obriga, não só porque o homem é certamente livre e, portanto, a lei incerta não pode impor uma obrigação certa, coisa que Amort não admite; mas também porque Afonso concebe a promulgação como aplicação; por isso, ainda que a lei existisse, se não fosse aplicada à pessoa  por meio do conhecimento que aflora naturalmente e se coloca como consciência certa da lei, esta não obrigaria. Amort, por sua vez, concebe a promulgação como característica totalmente objetiva da lei, determinada por uma particular assistência de Deus, que faz com que a lei se manifeste como “notavelmente mais provável em si mesma” a quem se dispõe  dispõe   retamente. Também vimos como Amort organiza a faculdade cognoscitiva do homem de modo a que, pela via da intuição e da luz natural, “presentíssima a todas as ações a deliberar e determinar”, o homem compreenda como “notavelmente mais provável” a lei que Deus lhe apresenta como “notavelmente mais provável”.  provável”.   Vimos também que, para Amort, no caso da equiprobabilidade, quando o homem subjetivamente está na dúvida, também a lei não existe objetivamente, porque, se existisse, se apresentaria como “notavelmente mais provável”. Apenas em um ou dois casos de mil se poderia errar estimando como simplesmente equiprovável uma lei que Deus objetivamente apresenta e promulga como “notavelmente mais provável”.  provável”.   Mas não se explica como Deus permite esses “um ou dois casos” errados em mil, tanto mais porque Amort dá um caráter, direi, sacramental à lei, de forma que, violando a lei, é violada a glória de Deus. Além disso, havendo essa possibilidade de erro, não se entende como a intuição concomitante possa transformar a equiprovável em certeza absoluta, absol uta, ou seja, uma certeza capaz de excluir todo temor de errar. Depois, se negarmos essa espécie de iluminação divina e intuicionismo, e sem dúvida é preciso negá-los, cresce a possibilidade de erro; e então, ou será necessário ir para posições tucioristas e jansenizantes que atribuem à ignorância vencível todo erro contra a lei natural, ou será necessário negar a necessidade da certeza absoluta de não errar ao concluir a deliberação moral com juízo último prático, “juízo sobre a honestidade hone stidade da ação”, como costumam dizer os moralistas. Mas o teólogo católico precisa católico  precisa excluir, tanto uma, quanto outra alternativa. Por outro lado, aceitando o conceito tomista e afonsiano de  promulgação da lei à pessoa moral   através da consciência certa, então nenhuma escolha moral pode errar em relação à lei quando está promulgada

 

como certa, ao menos, com certeza moral larga, nem mesmo em um só caso entre mil. Portanto, fica garantida a estabilidade da vida moral, mesmo admitindo a possibilidade de erro material; ou melhor, como agudamente nota várias vezes o santo, mesmo admitindo a possibilidade daquilo que seria matéria de ...erro, mas que, no caso, de nenhuma maneira é erro (cf.  Dissertação 1755, n. 23).  Na base da diferença entre o equiprobabilismo afonsiano e o de Amort está a diferença na concepção de vida moral: Amort é objetivista-pluralista,  pensa que o homem está imerso na ordem do múltiplo e sua vida moral consiste em se harmonizar com todas as outras causas particulares, de modo a conservar objetivamente a ordem cósmica e a glória de Deus externa. Amort também pensa que só assim seria possível conservar a glória formal de Deus, autor e causa eficiente da ordem cósmica. Para Santo Afonso, a glória de Deus, como fim supremo, se põe na intenção reta da pessoa moral, que usa da ordem cósmica como de um instrumento falível, e não sacramentalmente relacionado com a glória formal de Deus. Por isso, Afonso respeita os valores da pessoa e, portanto, a liberdade da consciência, da intenção reta. Por isso, ele vê presentes esses valores no conceito de promulgação, certeza moral, dialética das probabilidades,  prudência: valores valore s ontológicos que caracterizam a pessoa como imagem de Deus. Por isso, enfim, apresenta um objetivismo; objetivismo ; mas objetivismo do ser, do ser em Cristo e, só em segundo lugar, objetivismo essencialístico, formal e  pluralístico. ***  Notamos acima, na p. 55, que quando quan do a Dissertação de 1762 formula o equiprobabilismo afonsiano, precisamente onde se afasta dos textos  precedentes, que apresentamos comparativamente nas p. 52-54, é que então introduz o princípio de “seguir o mais verossímil”.  verossímil”.   Acredito que também nisso haja influência de Amort; embora ainda nesse ponto precisemos notar as diferenças. Como o princípio de “seguir o mais verossímil” tem grande importância na dialética das probabilidades, e como estará sempre mais presente na expressão do pensamento afonsiano depois de 1764, achamos necessário insistir um pouco sobre esse princípio.

 

Amort coloca em primeiro plano o valor da verdade objetiva da lei ou não lei, e considera determinante, na escolha moral, o juízo sobre essa verdade que, de resto, é o único juízo em sua doutrina. Sendo assim, necessariamente precisa considerar como princípio fundamental de sua dialética das probabilidades o referido princípio: deve-se seguir o mais versossímil . De fato, o terceiro dos cinco parágrafos de sua  Disputa sobre a Consciência  é dedicado a seguinte “questão”: O intelecto pode julgar verdadeiro o que, mais provavelmente ou igualmente provavelmente, é  falso? (p. 106-112).

 Naturalmente, Amort nega que o intelecto possa julgar verdadeiro o que se mostra provavelmente falso. Isso acontece porque o intelecto julga que algo é verdadeiro ou falso somente por força da “razão de verdadeiro” (p. 107); de modo que não seria prudência concentrar a atenção apenas nos motivos de verossimilhança, deixando de considerar os motivos opostos, a menos que tais motivos fossem inválidos na situação (p. 107b). E, mesmo a “razão de bem”, que move a vontade ao consentimento, não pode influir sobre a “razão de verdadeiro”, verdadeiro” , que move o intelecto a concordar, pois sempre é a “razão de verdadeiro” que precede e determina a “razão de bem” (p. 111). Portanto, é a “razão de verdadeiro” que deve dominar a escolha, ou seja, “deve ser seguido o mais verossímil”.  verossímil”.   Tudo isso está correto para bem determinar a natureza da verdade moral. Mas faltou examinar a natureza do d o “verdadeiro moral prático”, objeto da prudência, mais rico que a “verdade moral teorética”, teorética” , puramente objetiva. Isso, Amort não podia fazer, porque apenas reconhece como verdade moral a verdade objetiva, conhecida com juízo direto e, consequentemente, nega a distinção entre juízo especulativo e juízo prático, falando da prudência apenas em tese, ao repetir o que se costuma dizer, mas sem aprofundar o ensinamento de Santo Tomás. A leitura da Theologia eclectica moralis et scholastica  de Amort talvez tenha determinado em Santo Afonso uma maior atenção ao princípio de “seguir a mais verossímil”; já que, ao enunciar o seu equiprobabilismo qualitativo, afirma que a vontade não pode forçar o intelecto a deixar de lado aquilo que se lhe mostra muito mais verossímil, e aderir à parte oposta. Todavia, mesmo notando em Afonso uma evolução evol ução entre 1749 e 1755, sua adesão ao princípio de “seguir o mais verossímil” verossímil ” não depende de Amort.  Amort. 

 

 Na dissertação de 1749, onde, mais que ensinar, está expondo o probabilismo simples, Afonso vê na verossimilhança, não tanto a evidência imperfeita de verdade, mas sim a não evidência de verdade e, portanto, a possibilidade de erro: “ao mesmo tempo em que a opinião mais provável aparece verossimilmente verdadeira, aparece também verossimilmente falsa e, ao mesmo tempo, a opinião oposta aparece provavelmente verdadeira” (p. 14).  Nesse caso, já que em 1749 Afonso pensava que o intelecto fosse determinado apenas pela verdade conhecida com certeza, a vontade então  poderia determinar a concordância do intelecto com uma das duas partes,  pelo fato de ser verdadeiramente provável (p. 13). Quando pensamos que em 1749 Santo Afonso identifica a certeza apenas com a certeza moral que exclui todo temor, podemos compreender como essa doutrina fica aberta ao probabilismo mais livre e perigoso; assim se explicam as fortes agitações internas do santo que, portanto, tinham  justificativa e não eram escrúpulos de personalidade doentia, como já foi dito de maneira pouco feliz. Em 1755, Afonso se torna mais pessoal em seu probabilismo moderado e, não apenas rejeita o princípio de quem age de maneira provável, age de maneira prudente, entendido na probabilidade objetiva e separada da  pessoa que julga, mas também assume o princípio princípio do “seguir a mais verossímil”, de maneira mais perfeita que aquela que mais tarde, em 1762, vai ler em Amort. De fato, Afonso admite a diferença entre “verdade da coisa” e “verdade da honestidade da ação”, ou seja, entre juízo especulativo e juízo  prático e, consequentemente, cons equentemente, o princípio de “seguir o mais verossímil” vai adquirir valor diferente conforme emanar da “verdade da coisa” ou da “verdade da honestidade da ação”.  ação”.  Penso que seja melhor ler diretamente a página do santo: Sempre é necessário distinguir duas verdades a respeito da ação: uma verdade especulativa, da coisa em si, e uma verdade prática, da honestidade da ação. Verdade da coisa: se verdadeiramente há uma lei que proíbe ou não proíbe. Verdade da  honestidade da ação: se a ação, conforme a opinião menos provável, é lícita ou não é lícita. Assim sendo, afirmamos que não é por ser mais  provável que algo seja proibido pela lei que, por isso, não será lícito usar a opinião favorável à liberdade; porque, mesmo  parecendo mais pprovável, rovável, por algu algum m argumento, argumento, que a verdade verdade da coisa está pela lei, pode ser mais provável, por outros motivos que  provem diretamente diretamente a honestida honestidade, de, que a verdade da honestidade

 

esteja pela liberdade, por exemplo: porque a lei duvidosa não obriga por então não se mostrar suficientemente intimada; porque não é possível haver a observância uniforme da lei; porque  perturbaria a ordem de sujeição; porque a lei de Deus se tornaria intolerável, e outros motivos que mais baixo vamos expor separadamente. Portanto, em nada obsta a paridade colocada na balança, que, de longe, difere da mente do homem. Pois na balança, qualquer peso um pouco maior de matéria, não apenas inclina, mas necessariamente necessariamen te atrai todo o ponteiro da balança unicamente para si; mas na mente humana a maior aparência da verdade da coisa não necessariamente traz unicamente para si a concordância do intelecto. Pois nesse caso, ainda que o intelecto esteja inclinado  para ela, ainda assim não atrai o entendimento entendimento totalmente para si quando, pela outra parte, urge uma razão grave para acreditar que a verdade também possa estar em seu favor. f avor.  Nas opiniões igualmente prováveis, o homem necessariamente necessariamente deve suspender o juízo sobre a verdade da coisa, justamente  porque é incerta, e quando há esse tipo de suspensão, pecaria se abraçasse a opinião favorável à liberdade, mesmo mais provável [note-se que Afonso afirma isso antesque de fosse ter lidoa Amort] porque estaria agindo na dúvida, a não ser que, por outros argumentos, formasse para si um outro juízo moralmente certo sobre o uso de sua opinião. Portanto, é fato que, assim como o maior peso traz para si o  ponteiro da balança, da mesma forma acontece com a  probabilidade, que traz para si o consentimento; e então?  Então, nós dizemos que, quando a pergunta for sobre a verdade da coisa, c oisa, devemos nos inclinar para o que se mostrar mais provável; mas quando a pergunta for pela honestidade da ação, só devemos  seguir o que for, além de mais provável, ainda mais, o que se mostrar moralmente certo. Dessa forma, abraçaremos sempre o que se mostrar mais propriamente próximo da verdade (n. 15-16;

a destaque é nosso).

Portanto, Afonso afirma o princípio de “seguir o mais verossímil”, mas como princípio sobre a verdade de prudência prudênci a e não como princípio sobre a verdade lógica. Na verdade, estamos na definição da própria prudência que,  por sua vez, quer uma ação reta na situação, ou seja, ação de acordo com a verdade. Mas, a verdade da prudência e a “verdade moral prática”, como ensina Santo Tomás (I-II, (I-II, 57, 5 ad 3) é a “verdade da honestidade da ação”, como ensina Santo Afonso. A verdade da honestidade da ação pode coincidir com a “verdade da coisa”, mas também pode não coincidir. Por isso, o princípio

 

“seguir o mais verossímil” apenas em relação à “verdade da coisa” deve ser assumido e integrado segundo a verdade própria da prudência. Tal é a doutrina de Santo Afonso no texto citado. Na continuação, dirá que a “notavelmente menos provável” não pode ser assumida pela prudência como “verdade da honestidade da ação” e, portanto, está fora dos dois âmbitos do  princípio “seguir o mais verossímil”; mas o princípio permanecerá intacto int acto e válido, porque Afonso sempre resolverá a “verdade da coisa” na “verdade da honestidade da ação”.  ação”.  Amort, pelo contrário, inclinado ao objetivismo essencialístico e  pluralístico, necessariamente resolve a “verdade da honestidade” na “verdade da coisa”; por isso, transforma a prudência de Santo Tomás na  prudência de Scoto ou de Concina, e insere o logicismo na moral.  Na  Dissertação  de 1762 o princípio do “seguir o mais verossímil” retorna, mas para Santo Afonso mudou o campo de sua aplicação. Com todos os autores, ele admite que, quando a verdade objetiva for certa, a prudência deve dirigir a verdade da escolha moral conforme a verdade objetiva, portanto, coincidem: juízo especulativo e juízo prático, “verdade da coisa” e “verdade da honestidade da ação”.  ação”.  Mas, enquanto em 1755 ele achava que a certeza da lei devia nascer da evidência e então exigia para a promulgação a certeza moral estreita; já em 1762 bastará para a promulgação a certeza moral larga, que nasce da verossimilhança objetiva. Sendo assim, podemos concluir que em 1762 Afonso está propondo o  princípio “seguir o mais verossímil” entendido entendi do em sentido absoluto? absoluto?   Certamente. E é por isso que ele coloca tal princípio na enunciação do seu equiprobabilismo. Podemos então concluir que Afonso mudou seu sistema entre 1755 e 1762? Há autores que afirmam que sim. si m. Nós achamos que não. Tudo depende da natureza da verossimilhança exigida pelo santo para a certeza moral larga necessária à promulgação da lei. De fato, o valor do princípio depende da natureza da verossimilhança. Se afirmarmos que essa verossimilhança existe mesmo quando encontramos probabilioridade de apenas um grau lógico, e entendermos certeza moral larga apenas como adesão intelectual a um dado verossímil, levando em conta que o intelecto adere logicamente ao que se lhe apresente

 

como clara probabilioridade, ou seja, verossimilhança lógica, então  precisaremos afirmar que, no princípio “seguir o mais verossímil”, o valor moral é mensurado pelo seu valor lógico. Consequentemente, se houver apenas um grau de probabilioridade lógica do lado da opinião favorável à lei, tornará a lei moralmente certa e, portanto, promulgada e obrigatória. se fosse esse se o valor dadodizer por Santo ao princípio princípi o “seguir o maisMas, verossímil”, precisaríamos que Afonso estaria se afastando quase completamente do probabilismo moderado que ensinou desde outubro de 1758, quando, com tanta segurança, escreveu ao camaldolense Dom Roberto: “É lícito, e mais que lícito, seguir a opinião provável, opinião provável, fundada como  provável, diante da mais provável que se tem da parte do preceito”.  preceito”.  Também precisaríamos concluir que, sempre que Afonso caracteriza uma opinião favorável à lei como “mais “m ais provável”, ela, por força do princípio “seguir o mais verossímil” interpretado inte rpretado logicamente, também em moral se tornaria uma lei promulgada. Se fosse assim, Afonso precisaria rever todas as regras de sua Teologia Moral , qualificando as prováveis de acordo com esse novo e mais rígido conceito de probabilidade lógica. Isso porque, se fosse verdadeira essa nova caracterização lógica, a mais provável  afonsiana  afonsiana de 1762, além de se afastar da mais  provável-probabilíssima  estabelecida com Patuzzi em 1761, também se afastaria da estabelecida antes, quando disse que, por si mesma a mais provável  não  não priva de probabilidade grave a opinião oposta: “Opinião provável é a que se baseia em fundamento grave, quer intrínseco da razão, quer extrínseco da autoridade, que consegue trazer  para si o consentimento do homem prudente, mesmo com medo da oposta. –  oposta. –   Opinião mais provável é a que se baseia em fundamento mais grave, mas também com medo prudente da oposta, de modo que a contrária ainda seja 33

considerada provável” . Portanto, se em 1762, Santo Afonso considerasse como certeza moral larga a “mais provável” lógica, porque, do outro lado, ele considera a opinião oposta à certeza moral larga como duvidosamente provável e, portanto, sem fundamento certo, é claro que, à nova “mais provável” de 1762 se oporia uma opinião duvidosamente provável que, para o santo, é moralmente infraprovável. Consequentemente, Afonso precisaria retirar a antiga definição e apresentar uma nova. Mas, pelo contrário, ele nem retirou a definição antiga, nem revisou a classificação das regras de sua Teologia

33

ALPHONSUS, S. Theologia Moralis. T. I, Romae, 1905, L. I, tr. I, c. III, n. 40, p. 21. 

 

 

 Moral  pelo   pelo suposto novo conceito de probabilidade que se lhe gostaria de

atribuir. Como se não bastasse, também teríamos que admitir uma contínua mudança de sistemas morais em Santo Afonso: do probabiliorismo, aprendido nos livros quando era jovem, teria mudado para o probabilismo, experienciado como verdadeiro próximo na pastoral; depois, em 1759-1761 teria aderido a um equiprobabilismo do probabilismo para, em 1762, através do princípio de “seguir o mais verossímil”, interpretado com valor lógico, passar finalmente para um equiprobabilismo fortemente limitado  pelas exigências do probabiliorismo. E essa contínua transmigração ainda continuaria nos anos seguintes, com acentuação cada vez mais forte do logicismo e objetivismo  probabiliorísticos, tanto mais que as pressões políticas o obrigarão a formulações mais elásticas a partir de 1767. Sem falarmos na dignidade intelectual do santo, afirmamos que a simples meditação crítica dos documentos que temos sobre seu pensamento, nos convencem de que ele não mudou, mas, com o tempo, apenas aperfeiçoou a expressão de seu probabilismo moderado pela prudência. Isso valerá também para o período compreendido entre 1767 e 1777, do qual nos ocuparemos mais tarde. De resto, o contexto histórico-crítico da evolução afonsiana de 1759 a 1763 é a meditação de Afonso sobre sobr e o Tratado da Regra das ações humanas   de Patuzzi. É nesse contexto, até agora ignorado, que precisamos considerar sua evolução. Ora, Patuzzi afirma resolutamente que a probabilioridade lógica não se confunde com a probabilioridade moral, onde o pouco é considerado como nada; porque a probabilioridade moral não é especificada pelo mais ou menos lógico, mas pela certeza de não violar moralmente as leis estabelecidas por Deus, ou seja, de não ofender a Deus e então colocar em grave perigo moral a pessoa. Não se trata, portanto, de simples afirmação ou negação lógica do intelecto, mas da consciência de violar ou não violar a glória de Deus, violando ou não violando as leis morais. Trata-se, portanto, de um valor ontológico-moral e não de um valor apenas lógico. Fundamentar ontologicamente a moral é a melhor coisa do método de Patuzzi. Santo Afonso aceita sua proposta precisamente quanto ao método; mas se opõe quanto ao valor, porque opõe à ontologia essencialística e

 

 pluralística de Patuzzi uma concepção de ontologia do ser intensivo  participado que, como já dissemos, na ordem sobrenatural é o ser de Cristo em nós. Consequentemente, para Santo Afonso, o objeto da vida moral é a  pessoa livre, li vre, imagem de Deus. Dessa forma, as leis  particulares exprimem um valor derivado e instrumental diante cristã, desse aprofunda valor fundamental manifestado na pessoa que, com a livre caridade seu ser em Deus; e a consciência, por usa vez, lhe revela tal aprofundamento, se a pessoa vive em Cristo com o padrão de Cristo, e não com o minimalismo juridicista. juridicista . Se é assim, Afonso conserva o ótimo método com que Patuzzi edifica a moral sobre a ontologia; mas a certeza, que dá valor   e força à  probabilioridade moral, em e m Afonso é dada, não pela soberania das leis, lei s, mas  pela exigência existencial e ética de não limitar na pessoa moral a característica pela qual é imagem de Deus: ou seja, a livre autodeterminação, a espontânea escolha dos valores derivados e dos meios com que tende por amor ao “Fim dos fins”, conforme c onforme o padrão que vive e age no ser de Cristo em nós, situação por situação. Dessa maneira, as leis particulares são absorvidas pela caridade e pela prudência no interior da consciência, onde se dá o encontro da pessoa com Deus. Portanto, se a liberdade é mais moral  que  que as leis particulares, então é necessário que as leis particulares se apresentem à pessoa livre com certeza moral larga, mas forte; de modo que, não baste a simples probabilioridade lógica. Portanto, o conteúdo do princípio “seguir o mais verossímil” não é lógico, mas moral; é valor que emana, não da dialética formal do mais e do menos evidente lógico, mas da instância de um valor ontológico-espiritual certo, que não pode ser vinculado por uma lei particular que seja só logicamente “mais provável”; a fortiori, de uma lei equiprovável.  equiprovável.   Por isso, de 1755 em diante, Santo Afonso desenvolveu todas as suas dissertações e trabalhos sobre a dialética das probabilidades colocando como  base o princípio de que a lei particular, se não for certa, não pode obrigar,  porque a liberdade é um valor primordial, um dom de Deus. De resto, se o princípio do “seguir o mais verossímil”, que Afonso estabelece no texto de 1762, colocasse o valor lógico como critério de  probabilioridade moral, já que o “mais verossímil” lógico acontece mesmo com um só grau de probabilioridade, o santo então não deveria dever ia exigir o “mais verossímil” intensivo, mas apenas exigir uma diferença certa nos graus de  probabilidade. No entanto, Afonso fala de opinião favorável à lei “muito  mais verossímil”, verossímil”, e de opinião oposta “que, além de não se mostrar

 

verdadeira, nem mesmo tem fundamento certo de poder ser verdadeira” (cf. acima, p. 308-309). Precisamos considerar com atenção essas últimas palavras porque manifestam o constitutivo formal do “mais verossímil” segundo Santo Afonso. É certo que, um ou dois graus de maior verossimilhança verossimil hança lógica, mesmo determinando a adesão do intelecto, não privam a opinião oposta de sua  probabilidade. Por exemplo, quando Santo Tomás fala sobre a natureza da luz, acena para cinco opiniões: a primeira primei ra é absurda; a segunda é rejeitada; a terceira tem sua razão, mas é rejeitada; a quarta é para ele “muito provável”, mas, mesmo assim, declara que deve aderir à quinta: “me parece que se deve concordar” ( II  II Sent ., ., d. 13, 1, 3). Portanto, apesar de concordar  com   com uma opinião, o mesmo sujeito ainda pode avaliar a oposta como “muito  provável”.    provável”. Aqui, no entanto, Santo Afonso, declara que a opinião oposta opost a à opinião muito verossímil , além de não se mostrar verossímil, nem mesmo tem

fundamento certo de verossimilhança. Ora, na primeira parte desse texto que estamos analisando, Afonso tinha declarado que a opinião muito menos  provável não tem fundamento, ou seja, a oposta é “notavelmente e certamente” mais provável.  provável.  Os dois últimos termos são entendidos no contexto crítico-histórico imediato, ou seja, o contexto patuzziano onde possuem valor preciso e decisivo: com eles Patuzzi quer afirmar que a verossimilhança lógica não  basta para a probabilioridade probabi lioridade moral favorável favo rável à liberdade contra co ntra a lei, e que q ue a verossimilhança moralmente válida deve ser grande a ponto de tornar vazio otãotemor violaçãoque da majestade da lei moral: uma verossimilhança verossimilhan ça certadee notável torne moralmente certadeve a nãoser violação da lei. Então, o princípio princípio “seguir o mais verossímil”, estabelecido por Santo Afonso em 1762, apenas significa que, quando a lei possui maior verossimilhança moral , é moralmente certa com certeza larga, e então deve ser seguida, porque nesse caso a livre autodeterminação, além de ser menos verossímil logicamente, também nivela moralmente moralment e tão por baixo a ponto de nem mesmo apresentar fundamento certo da possibilidade de ser moralmente verossímil. Em outras palavras, entre verossimilhança lógica e verossimilhança moral há uma diferenciação qualitativa, por isso, nem toda razão com valor lógico será automaticamente razão com valor moral.

 

Se tomarmos a primeira nota de Santo Afonso sobre a dialética das  probabilidades, no comentário a Busenbaum em 1748, lemos esta declaração, onde o Santo Santo discorda de La Croix: “Para formar... o juízo reflexo certo se mostra necessário que o fundamento da probabilidade seja certo, porém, não apenas provável e, por isso, falível; se não for assim, esta falibilidade mais nos deixa na dúvida, com a qual estaríamos agindo de forma imprudente”34. Portanto, já em 1748 ele discordava do probabilismo simples, que dizia ser possível seguir uma opinião “provavelmente provável” e, portanto, Afonso afirmava que, quando uma opinião não tem fundamento certo, é necessárioo seguir a parte oposta, ou seja: “devenecessári “deve -se seguir o mais verossímil”; mas é um “mais verossímil” moral.  moral.  Portanto, em todo o período que analisamos, Santo Afonso nunca mudou de sistema. Porém, reconhecemos que os termos verdade, verossimilhança, certeza, dúvida, em si mesmos apresentam um conteúdo imediatamente

lógico, ligado, portanto, às leis formais da lógica, que possuem algo de matemático. Assim sendo, é natural que se insinuem na discussão as sutilezas exigidas pela lógica-formal no discurso sobre os valores morais, e a lógica tente se firmar como ontologia e como moral. De fato, parece que a longa história de discussões sobre a dialética das probabilidades em âmbito de consciência depende, em grande parte, dessa contaminação da moral com o logicismo. Por outro lado, tanto a severidade lógica, quanto a fundamentação ontológica, são necessárias para evitar que a doutrina moral se torne uma espécie de aspiração vaga, caracterizada mais pela estética que pela moral. A moral se fundamenta na ontologia, e a ontologia tem seu rigor lógico. Especialmente a moral fundamentada sobre a ontologia do ser em Cristo: verdade encarnada. Tudo isso, desde que não se caia no logicismo. Esse é  precisamente o mérito de Santo Afonso: ele evitou o logicismo e, por extensão, o juridicismo, que é uma forma de logicismo com conceitos  jurídicos. *** Dissemos que Santo Afonso, seguindo Patuzzi, caracteriza a certeza  provável, ou seja, a certeza moral larga, com termos como: certamente, notavelmente, acrescentados à qualificação de mais provável   e,  BUSENBAUM, H. Medula theologiae Moralis Moralis cum adnotationib adnotationibus us per R. P. D. Alphonsum De Ligorio.  Neapoli, 1748, L. I, tr. I, c. c. 2, dub. 2, col. 8.

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consequentemente, também à qualificação da opinião oposta, menos  provável . Insistir nesses termos poderá parecer concessão ao logicismo, e não escondemos o fastio que por muito tempo experimentamos ao encontrar tais termos, como se a vida moral, tão profunda e espiritual, pudesse ser representada com advérbios, adjetivos, ecomparativos e superlativos. muitos não gostam do termo sistema preferem falar de prudência.Por isso, Contudo, precisamos nos expressar, e esses são os termos de que dispomos. De fato, por séculos as discussões giraram precisamente sobre os diferentes significados de tais termos. Mas a história também nos diz que Santo Afonso, em momento de pressões políticas externas, conseguiu consegui u manter a continuidade de seu pensamento moral sobre a dialética das probabilidades apenas com o termo certamente, ou seja, certamente mais provável . Portanto, é necessário considerar esse ponto.  Nas  Notas  de 1759 ele fala de “opinião menos provável diante da  presença da mais provável”. Mas precisamos precisamos lembrar que Afonso está  pensando na “mais provável” de Patuzzi, que é “notavelmente e certamente mais provável”.  provável”.  Em Sobre a consciência provável , de 1760, Afonso fala de “preponderância notável”; e, expondo o probabiliorismo de seu tempo, fala de “mais  provável que chega a ser moralmente certa ou, ao menos,  probabilíssima” (p. 21, n. 35).  35).  Em Sobre a consciência provável , de 1761, ensina que a verdadeira “mais provável” é “manifestamente mais provável com excesso notável”; cita expressamente Patuzzi e González, que apresentam essa definição, e identifica essa essa “mais provável” com a “probabilíssima” (p. 8, n. 29, 31). Em resposta a uma objeção de Antoine, declara que a opinião favorável à lei obriga quando tem uma “preponderância grande e certa”, quando é “notavelmente mais provável, ainda que não evidente”, de modo a tornar a lei “certa (ou de alguma maneira certa) moralmente” (p. 12, n. 45). Finalmente, no texto da  Dissertação  de 1762, que aqui examinamos, ele chama a “mais provável”, que determina a escolha moral, de “opinião notavelmente e certamente mais provável”, e a opinião oposta é chamada de “muito menos provável”.  provável”.  Como se vê, a expressão “certamente  mais provável” caracteriza a opinião necessária para que a lei seja promulgada como certa para a pessoa

 

que se encontra em situação e, por sua vez, precisa escolher entre determinação segundo a lei ou autodeterminação. Como não devemos confundir a certeza moral da probabilioridade com a certeza da lei, porque a certeza da lei nasce da certeza moral da  probabilioridade, surge então uma questão que, embora pareça sutil, é de muita importância,oupois dela depende seAoquestão equiprobabilismo afonsiano moral-qualitativo lógico-quantitativo. é: quando Afonso falaé em “certamente mais provável”, o termo certamente  entra na  probabilioridade da opinião enquanto estado opinativo do sujeito, ou entra na probabilioridade da opinião enquanto presença da lei no sujeito em estado de lei que se promulga à pessoa? Se entra na opinião enquanto opinião, essa certeza também poderia ser alcançada mesmo com um só grau de probabilioridade; mas se entra na opinião como lei que se promulga à pessoa, então claramente não é a simples inteligência que precisa dizer “sim”, mas é toda a pessoa moral que deve dizer “sim”; não se tr ata ata de simples opinião, mas de responsabilidade. Sendo assim, já não será suficiente apenas um simples grau de probabilioridade lógica, mas haverá a clara e certa presença de um valor moral, diante do qual a pessoa moral livre deverá dizer “sim”. Portanto, por natureza a  probabilioridade lógica é diferente da probabilioridade moral, e também é diferente a intensidade com que se apresenta a certeza de uma e de outra:  para a probabilioridade lógica, basta um simples grau de probabilioridade, que não elimina a probabilidade contrária: já o vimos na apresentação de Santo Tomás da questão científica sobre a natureza da luz; mas, para a  probabilioridade moral, mor al, se requer uma probabilioridade probabilior idade mais intensa, i ntensa, capaz de reduzir a probabilidade oposta ao nível de infraprobabilidade moral. Ora, Santo Afonso, antes de insistir sobre o certamente, insiste sobre notavelmente, sobre notório excesso, e em seguida falará de mais provável  sem hesitação35. E, sobretudo, declara que à certeza da probabilioridade corresponde a queda da certeza sobre o fundamento da probabilidade contrária. Vimos que exatamente nesse ponto está um motivo para a forte diferenciação entre o equiprobabilismo lógico-quantitativo de Amort e o equiprobabilismo moral-qualitativo de Santo Afonso. Portanto, precisamos concluir que, quando o termo certamente  qualifica a “mais provável”, não está expressando certeza por simples clareza 35

ALFONSO, S. Theologia Moralis. t. I, Romae, 1767, L. I, tr. 2, c. 3, n. 55, p. 10.  

 

 

lógica de maior ou menor probabilidade, ou seja, opinião, mas que está expressando certeza por intensidade da notificação da lei; certeza que se apresenta, não apenas ao intelecto que raciocina, mas sim à inteira  pessoa que delibera e, portanto, se torna convicção moral de dever observar a lei. Se não fosse assim, o valor de pessoa em Cristo seria violado. Em 1769, disputa com o redentorista Blasucci, sustentava bastar depois um só da graulonga de probabilioridade para a opinião pela leique ser verdadeiramente mais provável e obrigar, Afonso, para encerrar a disputa, escreverá: “Sim, senhor, basta que a sentença seja mais provável por po r um único grau; mas entendamos bem: esse grau deve ser tal que me torne certo de que a sentença seja mais provável e me faça ver moralmente, ou seja,  suficientemente, a lei como promulgada; [itálico nosso]; e com isso não falemos mais dessa matéria”36. Mas, a prova decisiva de que a “ certamente  mais provável” é entendida Mas, intensivamente e não logicamente como o equivalente de “quase“quase  probabilíssima”, a encontramos, mais uma vez, no no contexto crítico crítico-histórico -histórico sobre o qual se desenvolveu o equiprobabilismo afonsiano, ou seja, no texto de Patuzzi que estudamos nas p. 32-33 e mais ainda nas p. 39-41. Por outro lado, sabemos que precisamente a página de Patuzzi estudada por nós foi aceita por Santo Afonso no Sobre a consciência provável  de   de 1761, embora em sentido antitético, onde Afonso identifica a “mais provável” com a “manifestamente verossímil”, “notavelmente mais provável”, e mesmo com a simplesmente “mais provável” e, por isso, considera a lei conhecida com essa probabilioridade como “certa ou quase-certa quase-certa mor almente”.  almente”.  Com isso, a dialética das probabilidades deixa de ser sistema complicado de cálculos quantitativos de probabilidades, e passa a avaliação simples, digna da prudência enquanto virtude da pessoa livre que vive no ser de Cristo: depois de considerar as motivações e razões da escolha a fazer, estando convencido de que a lei existe, e se impõe à consciência como única via em que se apresenta o amor a Deus, torna-se necessário estar pela lei e segui-la  por amor, percebendo que a lei está preservando nossa nos sa liberdade de deslizar  para a falsa liberdade; se tal convicção não se apresenta, o amor pode seguir a autodeterminação quando a liberdade não tem temor de errar.  No fundo, o equiprobabilismo qualitativo-mor qualitativo-moral al de Santo Afonso, eliminando a selva de opiniões prováveis que pretendem se colocar como leis, restitui a iniciativa ao amor que, quando é livre, é mais puro e educa 36

ALFONSO, S. Lettere III, n. 219, p. 351. 

 

 

melhor a consciência. Por sua vez, a consciência não é um microfone mi crofone interno das leis, mas sim a “reveladora” do encontro da alma com Deus. Deus. *** Eis agora como ele termina a Dissertação:

Eu, da minha parte, confesso que é verdade que quando comecei a estudar a Teologia Moral, por ter sido orientado no início desse estudo por um mestre da sentença rígida, comecei a defender com muito empenho a mesma sentença rígida. Mas, depois, considerando melhor a questão, me pareceu moralmente certa a sentença que está pela opinião igualmente provável, levado pelo mesmo princípio aqui provado, de que a lei duvidosa não pode levar a uma obrigação certa... Além disso, confesso diante de Deus que, nestes últimos tempos, vendo tão duramente combatida a nossa sentença, (que anteriormente, durante muitos anos, sem dúvida tinha sido a sentença de todos); mais e diligência, mais vezes deixando procurei examinar de novo comum esse ponto com maior de lado qualquer propensão e lendo e relendo os autores modernos da rígida sentença que caíram em minhas mãos; preparado para abandonar a minha posição, imediatamente a reconhecesse como não suficientemente certa... Entretanto, quanto mais examinava as razões, mais ainda as minhas se mostravam certas e seguras” (p. 90-92).

Portanto, o próprio santo nos diz: que passou ao equiprobabilismo assim que se distanciou do probabiliorismo; probabil iorismo; que até 1762 não havia mudado seu pensamento, mas ficou ainda mais confirmado nele; que seu pensamento é o que foi comum “por muitos anos”. Portanto, seu equiprobabilismo não é outro que o probabilismo moderado pela prudência; e Afonso o chama de equiprobabilismo porque, entre 1759 e 1762 conseguiu estabelecer que a verdadeira probabilidade, quando não está isolada, deve ser equiprobabilidade, porque se não for, será, ou certeza moral larga, ou infraprobabilidade moral sem fundamento certo, mesmo que ainda possa ser considerada probabilidade lógica. Por outro lado, não é probabilismo moderado pela prudência, e Santo Afonso nunca o professou, o probabilismo que defende para a probabilidade probabi lidade moral a simples probabilidade lógica e jurídica. O probabilismo de Afonso é aberto à prudência e, portanto, à caridade. Por isso, prevaleceu no século XIX, e continua sempre válido.

 

 

12 Dissertação sobre o uso da opinião provável - 1763. Em julho de 1763, Santo Afonso traduziu, ou mandou traduzir, para o 37

latim a  Dissertação , enviando a Remondini, em Veneza, no mês 38 de outubro , para  de ser 1762 publicada na iminente quinta edição da Teologia  Moral,  como substituição da  Dissertação  antituciorista de 1757. Mas a quinta edição saiu em 1763, e a versão latina da  Dissertação só chegou em Veneza em janeiro-fevereiro de 176439, quando o santo ainda não sabia que a quinta edição já tinha sido publicada; apenas em 1º de março de 1764 recebeu a notícia da publicação da quinta edição da Teologia Moral  sem   sem a nova Dissertação40. Remondini tinha colocado a nova  Dissertação  como apêndice em outra obra do santo: O confessor dirigido para as confissões das pessoas do campo. Ao recebê-la, em junho de 1764, Afonso escreveu a Remondini: “Não gostei de ter sido inserida também a Dissertação latina; porque a latina é inútil para os sacerdotes de pouca formação, para quem foi feito este livro”41. Essa  Dissertação, de 50 páginas (p. 455-504), em 16º (17 x 9,5 cm), apesar de ser tradução literal da precedente, apresenta valor próprio em dois  pontos que vamos indicar. Já notamos que, na  Dissertação  de 1762, Afonso repete, sobre a conformidade de todas as nossas escolhas com a vontade de Deus, o que já havia escrito em Sobre a consciência provável  de   de 1761: distinguindo, com Santo entre por Deus emqueiramos, particular (querer e valorTomás, supremo que coisa Deus querida quer, e quer qu e nós que em todasparticular) as coisa coisass  particulares (querer formal), Afonso afirmava que a lei fundamental da conformidade de todas as nossas escolhas com a vontade de Deus exige que tenhamos a intenção da honestidade em todo bem particular. Tínhamos acrescentado que, em outra passagem, Afonso declara que essa razão da honestidade não é apenas uma razão genérica e formal, mas um valor ontológico concreto: a glória de Deus 42. De modo que, o princípio 37 38 39 40 41 42

ALFONSO, S. Lettere III. n. 106, p. 174, n. 109, p. 181.  ALFONSO, S. Lettere III. n. 114, p. 190.    ALFONSO, S. Lettere III. n. 120, p. 198.  ALFONSO, S. Lettere III. n. 122, p. 201.    ALFONSO, S. Lettere III. n, 127, p. 210.    ALPHONSUS, S. Theologia Moralis. t. II, Romae, 1907, l. V. Tr. De actibus humanis, n. 44, p. 703.  

 

de conformidade com a vontade de Deus se apresenta para Afonso como  princípio de caridade, e assim, ele fundamenta sua concepção moral sobre um princípio supremo de valor absoluto, que é religioso e moral ao mesmo tempo.  Na tradução latina é precisamente a esse ponto que ele retorna e acrescenta ao texto italiano uma distinção ainda mais esclarecedora de seu  pensamento. Em 1755 já havia distinguido entre a vontade de Deus, ou melhor, a lei eterna de Deus antecedente, e a lei eterna de Deus consequente. Depois, tinha deixado essa distinção, substituindo-a substituindo- a com a distinção entre “querer material” e “querer formal”.  formal”.  Uniformizando-se à distinção de Santo Tomás, ele agora distingue na vontade de Deus dois atos de vontade: um geral (vontade geral), e outro  particular (vontade particular): Vontade geral  se  se chama aquela pela qual, nas nossas ações, temos

intenção da honestidade da coisa, ou seja, de não fazermos nada que não se mostre como honesto e lícito, de modo a ser lícito e honesto utilizar a liberdade que recebemos de Deus. Vontade particular  é   é aquela pela qual o Senhor, proibindo que usemos a nossa liberdade, nos mostra em particular o que em  particular deve ser ser feito ou evitado por por nós. Isto posto, afirmamos que, enquanto a vontade de Deus nos for desconhecida em algo particular, é suficiente que nos conformemos à vontade divina geral, ou seja, é suficiente agirmos acreditando que estamos agindo honestamente honestamente (p. 472, n. 16).

Portanto, temos aqui um morais notávelem progresso ponto maisOfundamental da dialética das probabilidades sede deno consciência. ato volitivo de Deus, ou seja, a lei eterna, não deve ser considerada como simples arquétipo de todas as leis  particulares que determinam a ordem horizontal dos fins e, portanto, dos meios para esses fins particulares, ordem múltipla que se multiplica ao infinito nas conhecidíssimas situações. Forma e valor unitário de todas estas particularizações e consequentes singularizações é a lei unitária e suprema, que é lei de todas as leis e estabelece o Valor de to todos dos os valores, o Fim de todos os fins: a lei ou vontade geral , diz Santo Afonso. E com isso ele chega até a ontologia do ser como participação no Ser imparticipado e subsistente, do qual todo ser provém e ao qual tende por

 

dinamismo finalístico íntimo. Dinamismo que se apresenta à pessoa como nossa participação desejada, consciente e livre no ser filial e no amor sacerdotal de Cristo pelo Pai, na medida em que o ser do Cristo glorioso é o nosso ser. Também é significativo como Santo Afonso leva nossa liberdade até a fonte dessa participação no ser, até a vontade geral de Deus que doa. Daí, sua insistência em defender a prioridade da liberdade sobre as leis, mesmo sobre a lei eterna, se estas forem entendidas como arquétipo de leis  particulares e situações singulares. De fato, a particularidade depende do modo de ser, da forma, da essência entendida como concretude que distingue e limita; enquanto, por outro lado, a essência de abertura da criatura ao dinamismo intensivo do ser é liberdade, é personalidade: ou seja, amplitude e tensão de amor para com Deus. Infelizmente, quando discutiu diretamente a lei eterna, o santo não aplicou, em sede própria, essa distinção entre a vontade geral que determina oinstrumentais valor absoluto do ser, e a vontade particular que determina os valores do múltiplo. Mas, para fazer isso, seria necessário se desvincular da ontologia da forma, e das armadilhas do logicismo, que nascem dessa ontologia e  penetram em nossas “ciências”, terminando por fazê fazê-las -las áridas e sem ligação com a sabedoria. Na realidade realidade “em ato vivido” Santo Afonso, como de resto todo verdadeiro pensador, devia sentir a urgência dessa ligação superior; mas, para a ciência verdadeira, seria necessária uma resolução “em ato significado”. Infelizmente, isso não era feito nem pelos metaf ísicos, ísicos, que não conseguiam conceber outra ontologia além daquela da categoria da substância aristotélica, onde a pessoa é reduzida a simples substância; o ser, na lógica, vem degradado ao estado de acidente predicável ; e esta degradação domina também a ontologia. Consequentemente, todos os valores de ser que, por si são intensivos em relação ao divino, ficam reduzidos a razões concretas, necessariamente particularizantes. Dessa forma, chegavam à afirmação da impossibilidade de nos conformarmos à vontade de Deus sem conformarmos nossa escolha moral, também materialmente e inviolavelmente, às leis do múltiplo. A glória de Deus, que é o valor de toda a vida moral, fica dependente da ação em si mesma  das leis da ordem horizontal, que vem considerada apenas como ordem objetiva. Sim, certamente é ordem objetiva; mas é ordem dos meios, não ordem ord em vertical do “Fim dos fins”, mais objetiva que a primeira e que se põe na

 

espontaneidade da pessoa livre e consciente, quando esta é dominada pela caridade, e se expressa na intenção reta e leal para com Deus. É um erro confundir o objetivismo do ser intensivo com o objetivismo concreto; e, analogamente, é erro confundir o personalismo enquanto subjetivismo individual autônomo com o personalismo enquanto afirmação da pessoa como imagem de Deus no agir moral.

Santo Afonso defende a consciência e a liberdade como valores da  pessoa orientada para Deus através da caridade; por isso, contra os objetivistas rígidos, gosta de ser manso e compreensivo; compreensi vo; mas, por outro lado, é decidido contra o laxismo que dilata a liberdade e a pessoa a ponto de violar a ascensão na espiral da ordem vertical ver tical rumo a Deus, na força da caridade no Cristo. Outro ponto a assinalar na Dissertação latina que estamos examinando é dado por uma nota não presente no original italiano (p. 480-482).  No Sobre as disciplinas teológicas  de Berti, o santo tinha lido a confutação do probabilismo, como se fosse fundamentado sobre o princípio: “Quem age de maneira provável, age de maneira prudente”, e sobre a doutrina que afirmava ser lícito, em caso de duas probabilidades opostas, usar a vontade para suspender o juízo contrário à liberdade, baseando-se apenas no juízo favorável, para aceitá-lo, e segui-lo. Santo Afonso confirma sua rejeição ao primeiro princípio, e reprova também o segundo, porque, aceitando-o e aplicando-o, além da ignorância vencível, haveria ainda ignorância afetada, com a qual a escolha moral sempre seria culpável. Então, acrescenta uma nota de caráter histórico-crítico: está convencido de que muitos rejeitam o probabilismo ou a sentença “igualmente provável”, como ele chama sem distinção, porque acreditam que ela se fundamente sobre esses dois princípios, que para ele são falsos. Mas lamenta que os adversários não considerem o princípio que considera fundamental: fundamental: “A lei duvidosa não pode levar a uma obrigação obri gação certa” (p. 482, n. 24). Por fim, precisamos assinalar o princípio de flexibilidade; com ele, encerra bem essa  Dissertação  latina. No original italiano, destinado a ser uma obra independente, esse princípio não tinha razão de ser, pois fazia parte

 

do tratado sobre a consciência como regra próxima das escolhas morais e,  portanto, relacionado com todas as regras estabelecidas teoreticamente na teologia casuística. Mas a versão latina era destinada desti nada a fazer parte do tratado da Consciência na quinta edição da Teologia Moral , e devia então exprimir o princípio que é regra fundamental da prudência para fazer da verdade de ciência uma verdade de consciência.

13 Sobre a consciência provável - 1763. Vimos como Santo Afonso compôs em 1763 um compêndio da sua Teologia Moral , mais breve que o publicado em 1757. O seu título é: Confessor dirigido para as confissões do povo do campo . Deixando de lado seu caráter de compêndio, podemos analisa-lo destacando seu caráter teológico, mesmo que seja uma breve e destinada a “sacerdotes com pouca formação”. Quando fala da consciência provável, o santo declara 43 que resumiu o que era necessário da  Dissertação de 1762. Queremos nos deter sobre esse extrato, de apenas 10 páginas (p. 29-39) em 16º (17 x 9,5 cm). É um texto interessante para conhecer as razões que o santo considerava mais  pastoralmente evidentes na “debatida questão”.  questão”.   A enunciação do equiprobabilismo segue a dissertação de 1762, mas sem acenar para o princípio do “seguir o mais verossímil”, apenas acenando  para a necessidade da certeza de fundamento fundame nto da probabilidade, certeza cer teza que qu e não existe em caso de opinião muito menos provável. A necessidade da certeza moral da lei é provada sempre pela natureza de lei, que pressu põe a liberdade no homem: “o homem hom em está est á em liberdade, até que não seja ligado pela lei que se lhe promulga”; mas, estar “livre” da lei, não significa ser “independente” de Deus; a lei que não lhe é manifestada, segundo Santo Afonso, não é lei; ao menos, não nã o é lei que obriga” (p. 34-35, 34 -35, n. 23-24). Das objeções, apresenta apenas duas, uma tirada do princípio base do  probabiliorismo: “Nas dúvidas deve ser escolhida a via mais segura”; e outra, de que, na dúvida, é necessário observar a lei para não agir contra a vontade de Deus. 43

ALFONSO, S. Lettere III, n. 127, p. 210.

 

 

Esta última é resolvida com a distinção entre vontade formal e vontade vont ade material, segundo o conhecido texto de Santo Tomás: “a vontade humana é obrigada a se conformar à vontade divina formalmente, mas não materialmente” (I-II, (I-II, 19, 10). Contudo, ao explicar o conceito de vontade formal, Afonso não recorre ao princípio de finalidade finali dade suprema, mas ao modo de nosso querer enquanto determinado pela vontade de Deus; e esse modo é ter consciência clara do que Deus ordena ou proíbe. O que se entende por vontade formal? Entende-se a vontade com a qual Deus quer que o homem queira o que Deus lhe ordena. De forma que o homem não é obrigado a querer tudo aquilo que Deus quer, como está na mente divina; mas apenas aquilo que Deus quer que o homem queira, depois que isso lhe for manifestado pelos preceitos divinos (p. 38, n. 26). Certamente, pela necessidade de brevidade e facilidade para os “sacerdotes de pouca formação”, Afonso achou melhor deixar de lado o  princípio de finalidade, que é a verdadeira razão da conformidade formal de nossa com com a vontade de Deus; consequente: de forma que pelo nessemodo texto adovontade formalvontade é definida um elemento nosso querer, para que possamos tender ao fim que Deus quer. Mas não se pode negar que esse elemento consequente estava diretamente relacionado com a solução da dificuldade que os adversários apresentavam ao santo. Afirmavam que, violar uma lei particular, mesmo sem ter clara consciência dela, é se colocar em contraste com a vontade de Deus. E ele respondia que, se Deus quer que nós, o que queremos como sua vontade, o queiramos conscientemente, é claro que, faltando essa certeza e clareza, nós não discordamos da vontade de Deus. Portanto, segundo Afonso, a vontade de Deus nem que mesmo não se apresenta na pessoa comoSanto consciência certa, não se apresenta como vontade de Deus a qual devamos nos conformar. Parece-nos que esse seja também o conceito básico de toda a segunda  parte da Suma de Santo Tomás, quando, no prólogo, afirma que o homem se conforma a Deus como sua imagem, quando age como pessoa: ou seja, quando age com livre consciência em ordem ao fim último (I-II, Prólogo e q. 1, a. 1-3). Realmente é possível aceitar como interpretação extensiva válida a que Santo Afonso dá para o seguinte texto te xto tomista: “Ainda que o homem não seja obrigado a querer o que Deus quer; sempre é obrigado a querer o que

 

Deus quer que ele queira, e que revela ao homem sobretudo através dos  preceitos divinos” (II-II (II-II 104, 4 ad 3). Santo Afonso acredita que deve colocar o acento sobre o revela, para deduzir que, quando os preceitos não são promulgados à pessoa com certeza de consciência, Deus não quer que nós os queiramos. Embora o ponto de vista de Santo Tomás seja outro, a dedução afonsiana não é excluída e, para o santo, isso era suficiente para as inteligências com pouca formação. De qualquer forma, aqui nos interessa estabelecer a doutrina afonsiana, que também tem valor por si só; e devemos notar que, o que Afonso afirma, já o havia ensinado categoricamente categoricam ente na Dissertação de 1755: “Deus quer obrigar os homens às suas leis conforme estiverem na consciência deles” (p. 29, n. 23).  23).   De modo que, para Santo Afonso, a consciência não é a presença da lei particular no interior da pessoa que, encontrando-se em uma situação,  precisa escolher em conformidade inviolável i nviolável com essa es sa lei: lei que, somente soment e se observada objetivamente, portaria sacramentalmente a afirmação da glória formal de Deus. A consciência é, muito mais, a presença de Deus na pessoa; presença dinâmica, paterna, que chama a pessoa a agir como sua imagem, como seu filho inserido no ser filial e sacerdotal de Cristo. Como vocação que revela em si mesmo Jesus como imagem do Pai; o que é, portanto, santificar o  Nome de Deus; é fazer a vontade do Pai, se esta vontade não for simplesmente emanação de leis a serem seguidas, mas Presença de Deus que ordena e age por amor; e com Ele, age o Cristo até o dia de Cristo. Com a intenção reta e leal, o homem se coloca como pessoa em Deus por Cristo; e aintenção; escolhaé moral em situação só pode ser a encarnação concreta dessa a comprovação do amor . Mas, exatamente porque a escolha moral concreta é comprovação do amor, e o amor verdadeiro não vive de exclamações, mas de fatos, a liberdade e a consciência formada pela caridade e pela prudência, ou seja,  pela mente do Cristo, levam a escolher: seguindo a direção assinalada pela lei particular, se esta emerge com clareza; seguindo a completa autodeterminação, se a lei não se coloca com clareza.  Não é verdade que a via do rigor é a via da caridade, da santidade. Eis o que escreve Santo Afonso, a propósito de um seu amigo que o “chorava como condenado”, porque não seguia a “sentença rígida”:

 

Estes antiprobabilistas acreditam que estão zelando pela honra de Deus e não querem ver que zelam pela própria opinião e a própria estima quando desprezam os probabilistas, como se não fosse  possível ser santo quem não segue o seu rigor e não reduz as almas ao desespero ou até ao relaxamento; porque é fácil relaxar quem se vê tão angustiado pelas obrigações de consciência44.

A consciência das leis é consciência de um dos meios para responder à presença de Deus que chama a pessoa a uma mais profunda participação em seu ser paterno em Cristo. Se o nosso modo de ser vinculado aos outros modos de ser, condiciona em uma dada situação o nosso ser como  participação do ser de Deus no Cristo, então temos a lei particular. Mas então, a consciência, exatamente porque é sensível à presença de Deus, é sensível à lei particular, e esta é sentida em sintonia perfeita com a sua liberdade, que só pode se mover na caridade. E ninguém é mais sensível à inviolabilidade das leis particulares do que alguém que imerge a própria liberdade na caridade e a consciência na prudência. Dessa forma, toda a verdade moral não se esgota no cálculo das  probabilidades de leis particulares, segundo suas razões particulares, como valor em si mesmas. Se nós ficássemos neste cálculo, a vida moral seria uma técnica espiritual. A verdade moral está na consciente assimilação da pessoa com Deus Pai por meio de Cristo. E é necessário recordar que a  pessoa  é mais que natureza, mesmo na ordem natural. Na ordem da graça, as categorias cristãs que formam a pessoa no Cristo, não são reduzíveis à classificações mais ou menos aristotélicas: a graça, pela qual a pessoa  participa do ser filial e sacerdotal de Cristo, não é apenas qualidade: é o Cristo vivo em nós. E então a sua lei não é apenas norma extrínseca que se segue; é princípio interior que se exprime em vida cristã autêntica, quando esta responde à vocação interior do Cristo no Kayrós; isto é, no instante, nos milhares de instantes do nosso existir que Deus, a vontade de Deus, quer transformar em ser; no ser do seu s eu Filho em nós, se nós lhe dissermos: si sim. m. E é a consciência, iluminada pela prudência e animada pela caridade, que ouve a voz de Cristo no Kayrós, na situação. Por tudo isso, Santo Afonso defendeu a originalidade da consciência.

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ALFONSO, S. Lettere III. n. 159, p. 258.

 

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