Dissertação Sobre o Livro Ursula PDF

October 5, 2022 | Author: Anonymous | Category: N/A
Share Embed Donate


Short Description

Download Dissertação Sobre o Livro Ursula PDF...

Description

 

O ROMANCE ÚRSULA DE MARIA M ARIA FIRMINA DOS REIS: ESTÉTICA E IDEOLOGIA NO ROMANTISMO BRASILEIRO

JULIANO CARRUPT DO NASCIMENTO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas Vernác ulas da Universida Universidade de Federal do Rio de Janeiro como quesito para obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira). Orientador: Prof. Doutor Alcmeno Bastos

Rio de de Janeiro Junho 2009  

 

 

Livros Grátis http://www.livrosgratis.com.br http://www.livrosgratis.com.br   Milhares de livros grátis para download.

 

DEDICATÓRIA Para meus pais, Catarina Carrupt do Nascimento e José Francelino do Nascimento. Aos Mestres Destinados, Anazildo Vasconcelos da Silva e Christina Ramalho.

 

 

 NASCIMENTO, Juliano Carrupt do. O romance Úrsula de Maria Firmina dos Reis: estética e ideologia no Romantismo brasileiro. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras da UFRJ. 106 fl. fl. 2009. Dissertação de Mestrado em Literatura Literatura brasileira.

Resumo Úrsula  Esta dissertação desenvolve a crítica sobre a construção narrativa do romance   Úrsula  (1859), demonstrando que a mulher e o negro, como personagens, desorganizam o mandonismo patriarcal e escravocrata vigente na cultura e literatura brasileiras do século XIX. A contribuição de Maria Firmina dos Reis para a visibilidade feminina e a elaboração da identidade africana do negro escravo está ligada ao travejamento discursivo da estética romântica. A investigação se concentra no modo que o romance se constrói, na distribuição de vozes que tecem o encadeamento narrativo. A estratégia do deslocamento do poder efetuado pela narradora, através de seu recurso estilístico, cria o efeito estético que se harmoniza à concepção ideológica localizando a mulher e o negro como personagens não cordiais em relação aos senhores da terra.

 

 

 NASCIMENTO, Juliano Carrupt do. The novel Úrsula by Maria Firmina dos Reis: esthetic end ideology in the Romanticism Brazilian. Brazilian . Rio de Janeiro: Faculty’s Letter UFRJ 106 pages, 2009. Dissertation of master in Brazilian literature.

Abstract This dissertation develop a critical on the narrative construction of the novel Úrsula (1859),demonstring that the woman and the black, how character, disorganize the  patriarchal end slavocrat mandonism in vigour in the Brazilians culture end literature of the century XIX. The contribution by Maria Firmina dos Reis to female visibility end the elaboration of the african identity of the black slave be connected on the discourse warping of the romantic esthetics. The investigation to fix one attention on manner that the novel constructions, on distribution of voices that weave the narrative enchainment. The strategy’s displaced by power effectuate of narrator, through of your stylistic recourse,  breed the t he effect esthetic that t hat harmonize on ideology co conception nception localizing the woman end the black how character no amiable in the relation on the proprietor’s earth.

 

 

Sumário 1 Introdução ..........................................................................................................................1

2 A receptividade crítica da obra de Maria Firmina dos Reis: repetição e relatividade canônica ..................................................................................................................................8

3 Breve consideração sobre o Romantismo brasileiro e o romance como forma literária....27 Úrsula .............................31 3.1 Possibilidades estéticas e ideológicas na forma do romance Úrsula  .............................31

Úrsula ....................................56 4 A forma do relacionamento entre os gêneros no romance Úrsula  ....................................56 Úrsula .............................................82 5 A forma estética e ideológica do negro no romance Úrsula  .............................................82

6 Conclusão ........................................................................................................................100

7 Referência bibliográfica ..................................................................................................103

 

 

1 Introdução:

Durante o século XIX, foram produzidos no Brasil vários romances que certamente estão eternizados, devido ao trabalho crítico desenvolvido por historiadores, teóricos e críticos da Literatura. No entanto, outros vários romances sofreram o processo cultural da invisibilidade, seja pela ignorância do não conhecimento daqueles que constroem o cânone, seja (pior ainda) pela perspectiva autoritária da ideologia tradicionalista que limita a visão abrangente do fenômeno literário brasileiro. Para questionar a postura do autoritarismo impregnada na tradição canônica  brasileira acerca dos estudos literários, a professo professora ra e pesquisadora Elódia Xavier fez a seguinte pergunta: “Seria vválida, álida, hoje, em face da pluralidade em que vivemos, a  permanência do cânone com seu poder po der regulador e excludente? ” (1999). Tendo em vista a construção da flexibilidade crítica em face da literatura brasileira, Úrsula,   de este trabalho consiste em investigar a criação literária narrativa do romance Úrsula, Maria Firmina dos Reis, publicado em 1859, para constatar a construção ideológica e estética de sua forma narrativa.  Na urdidura do referido romance, duas manifestações de identidade cultural se impõem à caracterização das personagens: a condição crítica do negro africano e a situação subalterna da mulher. A ideologia e a estética formam a originalidade do romance como forma narrativa do século XIX no Brasil, devido ao posicionamento da instância de enunciação narrativa que se sintoniza com as identidades culturais inferiorizadas, realizando, na urdidura da narrativa, o pressuposto contraideológico, em relação, ao poder mandonista dos proprietários da terra e usando a estética do Romantismo brasileiro como

veículo contra a escravidão do negro e a submissão da mulher.  

 

Úrsula   aparece como o único romance romântico Dessa maneira, o romance Úrsula  brasileiro do século XIX que se solidariza criticamente com a originalidade literária por unir estética e ideologia na elaboração de suas personagens, fato que distorce a afirmação de Haroldo Paranhos, ao comentar o Romantism Romantismoo no Brasil: ““Se Se não foi iinteiramente nteiramente original, é porque não possuímos tradições nem organização étnica e sociológica que nos  permitisse alimentar tal pretensão” (1937). Úrsula pode O romance Úrsula  pode ser considerado uma construção irônica perspe perspectivada ctivada nos valores culturais do Brasil colonial, por três motivos: 1º - devido à consciência da autora (manifesta no prólogo do livro) de ser sua obra recebida como menor pelos homens letrados do século XIX, e, mesmo assim trazê-lo a lume; 2º - por construir de maneira excepcional a  persuasão da mulher sobre sua própria condição submissa, radicalizando a naturalização dos papéis femininos (ROCHA-COUTINHO: 1994, p. 39) para torná-los visíveis enquanto movimentação narrativa e características das personagens mulheres; 3º - por fazer com que o negro seja humanizado e sujeito do seu próprio pensar, sendo parte fundamental da trama narrativa através da articulação dos acontecimentos e pela sua própria fala. Úrsula se torna o primeiro romance brasileiro a desorganizar o poder mandonista dos proprietários da terra, pois além de eles serem personagens secundários, são punidos  pelo investimento literário, ao exercerem na narrativa apenas a função de antagonistas reacionários que impedem o desenvolvimento do amor e da plenitude da vida, fato que consolida a ironia em sua construção narrativa, não apenas como um tropo retórico, mas como construção de significado, pois os senhores da terra (os poderosos) passam a ser maus e execráveis no domínio da literatura.  No importante est estudo udo de Francisco Venceslau dos Santos (1990) há a revelação de

que muitas obras da literatura brasileira reduplicam o mandonismo cultural, através da  

 

conciliação, do jeito e da cordialidade, formas do poder dominante para manter sua Úrsula   não reduplica os valores, em geral, do vigência e perpetuação; o romance Úrsula  patriarcado escravocrata escravocr ata brasileiro, ao co contrário, ntrário, critica-os. Entretanto, para realizar r ealizar o efeito literário da contraideologia, os recursos utilizados pela autora foram os que formam a estética romântica: a descrição ufanista da natureza, o enredo simples do amor romântico, a sensibilidade humana integrada à natureza a ponto de o canto dos pássaros ondular conforme o ânimo das personagens, ou o tempo da natureza ambientar as ações amorosas ou violentas, tendo a confissão amorosa um clima ameno e o assassinato a noite soturna. Toda a estética do romance de Maria Firmina dos Reis manifesta a abundância sintagmática própria do Romantismo brasileiro, mas seus elementos característicos funcionam como camuflagem para o propósito ideológico da narrativa, funcionam como elementos determinantes da forma da obra ( EIKENBAUM: 1973, p. 157) que dão força à construção das personagens, ao encadeamento da trama narrativa, de modo que o enredo  passa a ser pouco significativo, cedendo lugar à trama que reduz o tom panfletário tipificado esteticamente com o princípio da subjetividade intrínseca (HEGEL: 1972, p. 169) gerador do mergulho revolucionário romântico. A trama da narrativa ultrapassa o enredo ingênuo, pois se organiza na distribuição das falas dos oprimidos, e na destruição  propriamente simbólica do poder mandonista, que pela força da imaginação romântica se torna descentrado tanto cultural quanto literariamente. Como a narrativa se rege pelo princípio da subjetividade intrínseca, por se solidarizar com as vozes oprimidas da configuração cultural do Brasil colônia e por esse  princípio ser a fonte do individualism individualismoo romântico que se fragmenta nas dimensões de cada identidade cultural manifesta nas personagens do romance, opta-se por usar o termo

 

 

narradora e não narrador quando a análise da obra exigir atenção à instância de enunciação narrativa. Úrsula se A urgência com que o romance Úrsula  se mostra no plano da Literatura Brasileira e a sua originalidade revolucionária, em relação ao cânone formulado ao longo dos anos, levam-no à imposição de se deslocar das taxionomias tradicionais e amarras epistemológicas. Para fixar a revolução literária e cultural de Maria Firmina dos Reis, torna-se necessário o conceito de narradora, mesmo pela época em que o romance fora  publicado e mesmo pelo fato de a autora se solidarizar com as identidades culturais subalternalizadas durante o processo escravocrata e patriarcal da moralidade mandonista. A análise que se efetua nesta dissertação se volta para a estrutura narrativa do romance, para que dela surjam as identidades culturais como caracterização das  personagens. A caracterização caracter ização das personagens do ro romance mance evidencia a formulação literária  baseada em elementos que se projetam para o campo cu cultural ltural e histó histórico, rico, que passam a ser Úrsula aparece como uma narrativa literária matéria literária do enredo da narrativa, pois pois   Úrsula aparece que desorganiza a formulação histórica e a contextualização tradicional da História Literária Brasileira, por ser um romance que destoa das considerações canônicas do século XIX e conter enunciações que sustentam a crítica feminina e do negro acerca de suas respectivas condições culturais e literárias. As citações do romance de Maria Firmina dos Reis foram tiradas da edição facsimilar vinda a lume em 1975 pelos esforços de Horácio de Almeida. Por que não usar edições mais recentes e atualizadas como a de 1988 organizada por Luiza Lobo ou a de 2004 organizada por Eduardo de Assis Duarte? Responde a essa pergunta Fausto Cunha:

 

 

A retórica do Romantismo brasileiro necessita de consulta direta ao texto primitivo, onde por vezes um travessão marca a cesura, assinala a  proximidade da metáfora, impede a sinalefa, indica a alusão a versos de outrem, ou a citação não especificada, ou o emprego incomum do vocábulo que se lhe segue. (1971: 89). O romance Úrsula romance Úrsula possui  possui uma pequena fortuna crítica que vem se consolidando ao longo do tempo, sua receptividade crítica abusa dos elementos inovadores e originais do  plano construtivo da narrativa. O romance parece ser concebido mais pela sua função histórica e ideológica que por suas qualidades estéticas, assim se formula a receptividade de historiadores, teóricos e críticos da Literatura Brasileira, que vêm valorizando mais as questões de ser Maria Firmina dos Reis a primeira mulher a publicar romance no Brasil, ou a situação da mulher na literatura, como também o negro como personagem de ficção literária. A este trabalho não cabe a panfletagem crítica da mulher ou do negro como  personagens históricas ou literár literárias, ias, nem a reivindicação de que Maria Firmina dos Reis tenha sido excluída das Histórias da Literatura Brasileira. Este trabalho visa a apenas estudar as manifestações estéticas e ideológicas que formam a forma do romance, a extensão da estética romântica às vozes de negros e mulheres sem os estereótipos próprios tanto dos estudos literários quanto culturais, uma vez que a literariedade estabelecida pelo cânone não passa de uma construção elaborada por razões de ordem histórico-cultural. (COUTINHO: 2003, 71). A realização das personagens como elemento constituinte da forma narrativa, os  procedimentos estéticos que geram a ideologia caract caracterizada erizada pelas personagens, a armação da urdidura narrativa como desenvolvimento do conflito entre senhores da terra, mulheres e generis  para a realização do romance Úrsula Úrsula   e foco da escravos são condições sui generis 

 

1

 

investigação deste trabalho. A diferença do investimento crítico, em relação aos estudos dedicados a Maria Firmina dos Reis, consiste em verificar, especificamente, no âmbito da estrutura narrativa, as tensões entre as personagens e o modo com o qual a narradora realiza os conflitos culturais imanentes na distribuição de suas vozes e a contribuição dos discursos da mulher e do negro para a feitura do romance. De um modo geral, os estudos extrapolam a estrutura narrativa para se deter em biografismos, historiar a presença do negro no Maranhão, identificar a influência de Sotero dos Reis sobre a escrita de Maria Firmina, escrever a história revolucionária da mulher; posturas que em muitos casos, acabam deixando, em segundo plano, a estrutura da narrativa e a realização interna da obra. Úrsula  Caberá a este trabalho estabelecer a forma com a qual o romance  romance   Úrsula  desorganiza a História Literária Brasileira, através de sua própria estrutura narrativa. Demonstrando, através da análise das personagens, como os negros e as mulheres se livram dos estereótipos culturais e de que maneira instauram, literariamente, seus próprios conceitos de liberdade, a fim de exaltar os aspectos específicos da narrativa e apontar para os recursos (devido à época de composição do romance) originais encaminhados por Maria Firmina dos Reis para literatura brasileira.

1

 

 

2 A receptividade crítica da obra de Maria Firmina dos Reis: repetição e relatividade canônica

Embora se tenha aprofundado a abordagem crítica acerca da obra de Maria Firmina dos Reis, as diretrizes que se impõem ainda hoje continuam sendo vinculá-la à produção de autoria feminina e à tematização do negro. Pouco ou nada foi feito que se proponha a examinar sua obra sob o ponto de vista interno da sua urdidura criativa, pois os trabalhos e ensaios ainda pagam tributo a circunstâncias levantadas pela produzida pelos jornais,  primeira receptora da obra, ainda no século XIX. Muito pouco foi feito para compreender os recursos poéticos utilizados pela autora na elaboração de sua narrativa. Há uma preocupação constante em reivindicar o lugar do negro na Literatura Brasileira e de situar o romance Úrsula Úrsula   como uma das obras que figuram nos primórdios do romance no Brasil e como obra fundadora da autoria feminina.

Entretanto, falta uma investigação que articule as manifestações do negro e da mulher  

1

 

enquanto personagens de ficção com características específicas da prática literária. Ou seja: Úrsula   possui uma poética interna digna de obra literária por sua urdidura o romance Úrsula construtiva, salvo o problema lingüístico (de o negro escravo se expressar oralmente através dos aspectos eruditos da língua portuguesa oitocentista), o romance apresenta elementos próprios da arte literária que ultrapassam a mera representação para alcançarem a altitude simbólica da cultura pensada e articulada, no romance, de maneira muito particular, original e específica; inclusive mostrando poeticamente os cancros sociais que fundamentam a sociedade mandonista brasileira. Em um movimento inverso, a originalidade da autora reside exatamente no que foi em princípio levantado pelos jornais da época, o que talvez lhe tenha custado a invisibilidade Histórica Histórica e Literária, mas que ao mesmo tem tempo po deu-lhe certa notoriedade na imprensa, por uma mulher ter publi publicado cado romance e o romance possuir como tema o negro negro . Vale rastear se houve ou não, de fato, um aprofundamento nas questões impostas pela autora, se a crítica modificou a postura primária dos jornais apenas ideologizando a mulher e o negro, chegando ao ponto de ratificar a obra e a autora em duas vertentes: estudo de autoria feminina e estudo de afro-descendência na literatura (ratificação desembocada nos dias atuais). Fora desses dois circuitos, não há um estudo que enobreça a obra da autora por seus méritos propriamente literários, mas pura e simplesmente por suas forças ideológicas, fato que, para o estudo de Literatura como arte, consiste em um vazio muitas vezes  preenchido por biografismo, aprofundamento excessivo na História do Maranhão, na situação cultural da mulher, e na condição do negro na sociedade escravista.  Não se pode afirmar, para a época, em termos de recepção crítica, que o romance Úrsula tenha estupefação no imaginário da população brasileira, ou que ele tenha sido lido Úrsula tenha

 por boa part partee dos leitores leitores da épo época, ca, po pois is ao que par parece, ece, o livro nasceu com sua pu publicação blicação 1

 

 

em 1859 e morreu na crítica dos jornais, em meados da década de sessenta, tendo ressuscitado na década de 70 do século XX. Contudo, ao decorrer do tempo não se pode afirmar sem cautela que o romance de Maria Firmina dos Reis e sua obra tenham passadas na mais completa invisibilidade crítica, uma vez que aqui e acolá encontram-se, ainda que de passagem, referências à autora. Quanto ao nível, ou à veracidade, ou à correspondência crítica com os fatos da história literária e principalmente com a obra da autora, não se pode concluir que as passagens, ou menções, ou citações fossem de fato capazes de perpetuar o nome da autora e de sua obra. A total invisibilidade crítica acerca da obra da autora (a meu ver inexistente) deve-se mais à crítica que mal soube apreciá-la que propriamente às qualidades poéticas manifestas em suas produções literárias. Perdeu-se muito tempo com divagações, devaneios, notas elogiosas e ao mesmo tempo cheias de preconceitos (como as matérias dos jornais próximas à publicação) ou mesmo a citação da citação citação vulgar de um Sil Silvio vio Romero (1980, p. 1115. v. VI), que deu Maranhense, poemas e apenas o nome da autora entre outros nomes propostos no Panteon Maranhense, autores coligidos por Antônio Leal Henriques; como também se perdeu tempo em afirmações e negações se Maria Firmina foi a primeira mulher a publicar no Brasil. O fato consiste no tempo perdido sem que se examinasse seriamente se há um discurso poético ou Úrsula,, ou se o não na obra, se há qualidade literária aliada à critica cultural no romance Úrsula romance se mostra apenas como um dramalhão onde mulheres e negros aparecem de forma exótica ou, no melhor dos casos, peculiar. A produção literária de Maria Firmina dos Reis recebeu atenção por parte da crítica Úrsula.. desde meados da década de sessenta do século XIX, especificamente, o romance Úrsula

 No entanto, o fato de ter merecido certa receptividade à época não fortificou o nome da 1

 

 

autora e, principalmente, a realização poética de sua obra, ao longo da evolução da crítica literária brasileira e também estrangeira. Em apenas um repente circunstancial dada à recente publicação do rromance, omance, os  Jornal do Comércio Comércio,,  A marmota, marmota , Verdadeira Marmota e Marmota e Jardim  Jardim dos Maranhenses Maranhenses    jornais: Jornal  jornais: anunciaram que um livro escrito por uma mulher estava em circulação. Do elogio sincero à velada manifestação do preconceito, em relação à mulher audaciosa que ousara produzir e  publicar literatura em um lugar e tempo inexoravelmente determinados pelo modelo  patriarcal, como num jogo intermitente entre a aceitação e o espanto daqueles que escreviam nos jornais, jornais, Maria Fi Firmina rmina e sua obra foram recebidas. Leiam-se algumas passagens em que se evidenciam ora o constrangimento camuflado por um “machismo galante”, ora o elogio espontâneo e incentivador, que por vezes se mostra como aconselhamento:

Convidamos aos nossos leitores a apreciarem essa obra original maranhense, que, conquanto não seja perfeita, revela muito talento na autora e mostra que se não lhe faltar animação poderá produzir trabalhos de maior mérito. (...) A não desanimar a autora na carreira que tão brilhantemente ensaiou,  poderá o futuro, dar-nos belos volumes. (04/08/1860)  Jornal do Comércio, na seção Noticiário. marmota   publica uma chamada publicitária a fim de Aos 11/08/1860, o jornal  A marmota levar os leitores à compra do livro, lançado em San’Luis, Na Typographia do Progresso,  Rua Sant’Anna, 49 — 1859: 1859:

Úrsula — Acha-se à venda na Typographia Progresso, este romance original brasileiro, produção da Exma. Maria Firmina dos Reis, professora  pública Saudamos nossa revela deem suaGuimarães. parte bastante ilustração (...) provinciana pelo seu ensaio, que

 

1

 

Em um apuro crítico à sociedade masculina e letrada brasileira consiste a marmota,, entretanto não sem estar livre à reportagem de 13/05/1861 do jornal A jornal A verdadeira marmota construção do estereótipo acerca da mulher, personificada na autora. Expressões corriqueiras à época evidenciam o tratamento “machista” a ela dado, como : “ente delicado, caprichoso e sentimental” e “belo sexo”. Cita-se, no entanto, a passagem mais interessante, na qual percebe-se o primórdio da aceitação da literatura produzida por mulheres entre nós culpa patriarcal do articulista em face daquela produção: e uma certa mea culpa patriarcal

Se é, pois, cousa peregrina ver na Europa, ou na América do Norte, uma mulher, que, o círculo de ferro traçado pela educação acanhada que lhe damos, nós os homens e, indo por diante de preconceito, apresentar-se ao mundo, servindo-se da pena, e tomar assento nos lugares mais proeminentes do banquete da inteligência, mais grato e singular é ainda ter de apreciar um talento formoso, e dotado de muitas imaginações, despontando no nosso céu do Brasil, onde a mulher não tem educação literária, onde a sociedade dos homens de letra é quase nula. Úrsula   na literatura pátria foi um O aparecimento do romance Úrsula acontecimento festejado por todo jornalismo, e pelos nossos homens de letras, não como por indulgência, mas como homenagem rendida a uma obra de mérito. O lampejo jornalístico de noticiar a publicação de um romance, excepcionalmente  publicado por uma mulher, cedeu lugar por parte da história literária a um profundo Úrsula,, já esquecimento. Embora jornalísticos, os escritos da época que versavam sobre Úrsula apontavam para elementos constituintes da narrativa, que no final do século XX e início do século XXI viriam a ser fundamentados, inclusive, pela produção da pesquisa acadêmica: a  presença do negro e da mulher na Literatura Brasileira. Tal dualidade, que ainda perdura, no campo da crítica literária em face do romance Úrsula originou-se de afirmações tais como: “Raro é ver o belo sexo entregar-se a trabalhos Úrsula originou-se

do espírito e deixando os prazeres fáceis do salão propor se aos afãs das lides literárias

A

1

 

 

Verdadeira Marmota” (Op. cit.). E: “É pena que o acanhamento mui desculpável da novela escrita não desse todo o desenvolvimento a algumas cenas tocantes , como as da Comércio” escravidão, que pecam pelo m modo odo abreviado a que são escritas”. “ Jornal do Comércio” (Op. cit).. cit)..  Mais de cem anos depois foi que a obra da autora maranhense começou a ganhar relevo por parte de pesquisas acadêmicas. José Nascimento Morais Filho deve ser considerado o estudioso que merece mais importância quando se trata da visibilidade que a obra de Maria Firmina dos Reis encontrou nas últimas décadas do século XX. A sua  publicação  Maria Firmina dos Reis: fragmentos de uma vida, vida, de 1975, de fato, tenta reconstituir por mosaicos históricos e literários tanto a vida quanto a obra da autora maranhense, inclusive revelando seus enigmas (formas de charadas), seu livro de poesia Cantos à beira-mar (1871 (1871)), fragmentos de um diário produzido pela autora entre o período de 9 de janeiro de 1853 e 1º de abril de 1903, o conto A conto A escrava (1887) e artigos dos jornais mencionados acima que versavam sobre a autora. Morais Filho não elabora nenhum juízo crítico, limita-se apenas a tirar do esquecimento as manifestações de Maria Firmina dos Reis, atitude que, por si mesma, o leva e o levará a ser sempre lembrado e apreciado. Segue-se seu depoimento acerca do achado que fizera:

Descobrimo-la, casualmente, em 1973, ao procurar nos polorentos do século XIX, na Biblioteca Pública Benedito Leite, textos natalinos de autores maranhenses para nossa obra “Esperando a Missa do Galo”. Embora  participasse ativamente at ivamente da vida intelectua intelectuall maranhense publicando livros ou colaborando quer em jornais quer em revistas literárias quer em antologias  — “Parnaso Maranhense” — cujos nomes foram relacionados; em nota, se exceção, por Sílvio Romero, em sua História da Literatura Brasileira, registrada no cartório intelectual de Sacramento Blake — o “Discionário Bibliográfico — comFirmina surpreendentes quasenotodas ratificadas porBrasileiro” pesquisa, Maria dos Reis,informações, lida e aplaudida seu

 

1

 

tempo, foi como que por amnésia coletiva totalmente esquecida: o nome e a obra. ( MORAES FILHO: 1975, s/p) Os anos de 1975 e 1976 foram muito importantes para a obra da autora maranhense em termos de visibilidade proporcionada pelas publicações fac-similares de sua obra. Além dos Fragmentos de uma vida, vida, José Nascimento Morais Filho publica Cantos à beira-mar   Úrsula em em 1976, e Horácio de Almeida publica o romance Úrsula  em 1975. 1975.  Úrsula,, certamente não perde O jornalismo no Brasil, no que tange ao romance Úrsula tempo. Pois no mesmo ano (1975) de sua edição fac-similar, aos 25 de dezembro, o Primeira  Crítica Crítica e  jornalista Marcílio Farias escreve uum m artigo intitulado Primeira  e um subtítulo com o título do livro. O valor de tal escrito consiste na consciência de seu autor de que o dito romance seja o primeiro entre brasileiros a levar o cunho de abolicionista. Talvez, Marcílio Freitas tenha sido o primeiro a observar as relações do negro no romance como de caráter ideológico, porém entra na inevitável discussão (levada ao extremo pelos estudiosos) sobre a primeira mulher que publicou no Brasil. No entanto, não alcançou a poeticidade do romance. Cita-se a passagem em que está, quem sabe, a primeira afirmação de que Maria Firmina dos Reis tenha categoricamente produzido um romance abolicionista, e portanto radicalmente destoante da produção romanesca do século XIX:

(...) Quando se constata, porém, que o livro é o primeiro romance (na exata concepção crítica do termo) abolicionista escrito no Brasil, e quando se evidencia de forma contundente que este romance é também o primeiro JORNAL. Jornal de Brasília, Distríto Federal: escrito por mulher (...) ( LUX ( LUX JORNAL. Jornal 25/12/1975.  No que ddiz iz respeito à inscrição do nome da autora e de sua obra em ddicionários icionários de  biografia de brasileiros e sobre Literatura Brasileira, Maria Firmina dos Reis aparece em

três. No primeiro deles e cuja autoria pertence a Sacramento Blake, há um dos primeiros 1

 

 

registros sobre a autora, que fundamentou a pesquisa bibliográfica feita por Horácio de Almeida. Sacramento Blake escreveu o seguinte verbete, publicado, ainda, em vida a autora:

D. Maria Firmina dos Reis — Filha de João Pedro Esteves e dona Leonor Felipa dos Reis, nasceu na cidade de S. Luiz do Maranhão a 11 de outubro de 1825. Dedicando-se ao magistério, regeu a cadeira de primeiras letras de S. José de Guimarães, desde agosto de 1847 até março de 1881, quando foi aposentada. Em 1880 fundou uma aula mista em Maçarico, termo de Guimarães, cujo ensino era gratuito para quase todos os alunos, e  por isso foi a pro professora fessora obrigada a suspendê-la depois de do dois is anos e mei meio. o. Cultiva a poesia, e tanto em verso, como em prosa escreveu algumas obras, de que as mais conhecidas são:  — Cantos à beira-mar: poesias. poes ias. S. Luis...  — Úrsula: romance. S. Luis...  — A escrava: romance. S. Luis... (BLAKE: 1900, 232)  No segundo dos dicionários, há uma maior abrangência acerca do levantamento feito por Sacramento Blake em relação à vida e à obra de Maria Firmina dos Reis. Deve-se sua autoria a Raimundo de Menezes, que não relevou o importante livro de José  Nascimento Moraes Filho e deu prioridade a Horácio de Almeida, tanto quanto ao es esforço forço de tornar Maria Firmina dos Reis conhecida do grande público. Embora longo, torna-se necessária a transcrição na íntegra do verbete, pois há a precisão de mostrar o  posicionamento que Raimundo Ra imundo de Menezes assumiu co com m a inserção da aut autora ora maranhense Brasileiro (1978, p. 570-571): em seu Dicionário seu Dicionário Literário Brasileiro (1978,

Reis (Maria Firmina Firmina dos) — N. em S. Luís (MA), a 11 de outubro de 1825, filha de João Pedro Esteves e D. Eleonora Felipa dos Reis. Dedicando-se ao magistério, regeu a cadeira de Primeiras Letras de S. José de Guimarães (interior do Maranhão) desde agosto de 1847 a março de 1881, quando se aposentou. Em 1880 fundou uma aula mista, escandalizando os círculos locais, em Maçarico, termo de Guimarães, cujo

ensino era gratuito para quase todos os alunos e por isso foi a professora a suspendê-la depois de dois anos e meio. Cultivou a poesia e tanto em prosa 1

 

 

como em versos, escreveu algumas obras. É considerada em seu Estado a  primeira mulher a escrever romances no Brasil. Seu romance Úrsula foi descoberto em 1962 por Horácio de Almeida numa casa de livros usados do Rio de Janeiro. Chamou a atenção do pesquisador porque, no lugar do nome maranhense. Depois de muitos estudos, do autor, estava assinado Uma maranhense. Horácio de Almeida, que nasceu na Paraíba, descobriu a identidade da autora: Maria Firmina dos Reis escreveu também o poema Cantos à beiramar e os romances Escrava e Gupeva Gupeva,, onde, além de casos de incesto, aborda as relações entre os brancos e os índios em seu Estado. A paulista Teresa Margarida da Silva e Orta é considerada a primeira brasileira a escrever romances, mas, segundo os maranhenses, sua obra  Aventuras de  Diófanes,, escrita em 1752, foi publicada em Portugal e trata da mitologia  Diófanes grega, um tema que nada tem a ver com o Brasil. Por isso, entendem, não ser considerada a primeira. É uma tese que encontra apoio em vários círculos intelectuais de outros Estados. Assim foi homenageada pelo governo do Maranhão, que deu seu nome a uma rua de São Luís e mandou colocar uma  placa na antiga a ntiga tipografia Progresso Progresso,, onde em 1958 foi impresso Úrsula Úrsula.. F., em data ignorada, com certeza na terra natal. Cantos à beira-mar (poesias), A Escrava (romance), S. Luis, ed.Bibliografia: fac-similar de fac-similar Úrsula, pelo governo m maranhense, aranhense, em 1975. Fontes: Sacramento Blake, Dic. Bibliog. Bras. 6º vol. p. 232. Arquivo de O Estado de São Paulo. Arqivo da Academia Maranhense de Letras, MA. (MENEZES: 1978, p. 570-571)  No terceiro, dirigido por Afrânio Coutinho e J. Galante de Souza, há uma  brevíssima síntese acerca da autora e suas produções, como ttambém ambém algumas referências de  pesquisa: REIS, Maria Firmina dos. ( São Luís, MA, 11 out. 1825 — Gumarães, MA, 11 nov. 1917), romancista, poeta, professora, Pseud.: Uma maranhense. BIBL.: Úrsula, 1859 (rom.); id. 1975 (ed. fac-sim., pref. De Horácio de Almeida); Cantos à beira-mar (poes.); versos em parnaso maranhense. S.d. p. 222-5. Colab.: Semanário maranhense, São Luís, MA, 1867-1868. REF: BLAKE Dic., VI, 232; Montello, Josué. A primeira romancista brasileira. J. Brasil, 11 nov. 1975. ( v. II: p. 1357, 2001) O prólogo de Horácio de Almeida (ALMEIDA, Horácio: 1975, I-VII) traz preciosas informações sobre sua pesquisa bibliográfica, no qual se percebe o esforço em rastear a obra e a autora no âmbito da literatura nacional, porém sua tentativa de pensar o livro

Úrsula como obra literária apresenta alguns equívocos, como por exemplo, as afirmativas Úrsula como

2

 

 

de que falta ao romance “o colorido das descrições” e de que “ as cenas acontecem sem qualquer preparação psicológica”. Tais afirmativas aparecem incertas em relação à estrutura da narrativa, porque as descrições se constituem como recurso fundamental para a fixação espacial das  personagens e estas possuem o efeito psicológico nelas próprias (seja por via de traições, vingança, até mesmo pela via cultural da diáspora), e tal efeito se estende ao leitor que se choca com os relatos de Tancredo, Luiza B., Preta Suzana e com as reações enfurecidas de Fernando P.; as personagens se sintonizam com a natureza descrita pela narrativa e os acontecimentos decorrem da articulação do que se narra pela narradora e do que se narra  pelas próprias personagens, de forma tal que personagens e descrição se articulam, intensamente, atingindo o leitor através de um efeito psicológico: exemplos são a descrição que Preta Suzana faz de África no IX capítulo e a primeira parte do romance, em que a narradora descreve o quadro natural cheio de significações e símbolos, logo no primeiro capítulo da obra. Horácio de Almeida motivado em saber qual o primeiro romance escrito no Brasil  por uma mulher funda a discussão de que Maria Firmina dos Reis teria sido a primeira mulher brasileira a escrever e publicar um romance no país com suas cores locais. Essa discussão foi retomada por inúmeros estudiosos, cada qual impondo sua perspectiva acerca da primeira obra romanesca advinda da mão feminina. Citam-se as considerações de Horácio, que são a mãe das discussões no Brasil acerca do pioneirismo de Maria Firmina dos Reis e embora longas, vale a pena lê-las, pelo seu caráter histórico e bibliográfico, segundo o lugar do romance Úrsula nas letras nacionais:

 

2

 

Úrsula,, de Maria As investigações feitas me levavam ao romance Úrsula Firmina dos Reis, dado a estampa em 1859. Antes, ninguém apontara outro. O que vale, no caso, é romance e não tradução de romance, como fez Nísia Floresta, em 1850, na relação que nos dá Sacramento Blake. Também não entra aqui, em linha de cogitação, o romance de Tereza Margarida da Silva e Orta — Aventuras de Diófanes — publicado em 1752,  porque esse romance, em verdade, não é brasileiro. Teresa nasceu em São Paulo, de onde se retirou aos cinco anos de idade, levada por seus pais para Portugal. Nunca mais voltou ao Brasil. O romance que lá escreveu e  publicou, enredado na fábula, foi, com efeito, o primeiro de mulher  brasileira, mas o que se quer é romance escrito no Brasil, com tema e cor locais, saído da pena de uma mulher. Úrsula.. É o primeiro de autoria feminina, surgido no  Neste caso está Úrsula Brasil, como o primeiro de autoria masculina, é O filho do pescador, de Teixeira e Souza, publicado em 1843. (Ibdem) Wilson Martins discorda dos argumentos de Horácio de Almeida e em um processo enciclopédico afirma outras possibilidades de outras autoras terem publicado antes que a maranhense, inclusive rebate a argumentação de Horácio de Almeida no que diz respeito a  Nísia Floresta, e nem cita qualquer valor da produção pr odução de Tereza Margarida da Silva e Orta, Ort a, no volume III de sua História sua  História da Inteligência Brasileira (1977, p. 94):

 No Maranhão, Maria Mar ia Firmina dos Reis (1825-1881), (1825-188 1), autora, ttambém ambém,,  A escrava esc rava,, publicou o romance Úrsula Úrsula,, apontado incorretamente como o de de A  primeiro do seu gênero escrito por mulher e impresso no Brasil ( cf.  Anais do Cenáculo Brasileiro de Letras e Artes, 1973, pp. 72 e s.) Antes dela (...) seria preciso considerar Nísia Floresta, com  Daciz  Daciz,, ou  A jovem completa amiga   (1850), ainda que excluíssemos da (1847) e  Dedicação de uma amiga competição, aliás sem maior interesse,  A filósofa por amor , de Eufrosina Barandas, no qual há páginas de ficção (1845), e Lição e Lição a meus filhos (1854), filhos  (1854), de Ildefonsa Laura, que são dois contos em versos. Temístocles Linhares nega a proposição de que Maria Firmina dos Reis tenha sido a  primeira mulher brasileira a publicar um romance no Brasil, ao contrário de Horácio de Almeida, e seguindo a esteira de Wilson Martins. Seus argumentos são repetitivos, porque como Martins, Temístocles nega a autora do Maranhão como primeira romancista brasileira

2

 

 

e, diferentemente dele, legitima Teresa Margarida da Silva e Orta como primeira brasileira a escrever romance. De qualquer forma, Temístocles difere tanto de Horácio de Almenda, quanto do crítico paulistano:

O equívoco por parte dos maranhenses, estava em considerar a autora a primeira romancista brasileira a tratar de tema brasileiro, excluindo assim a primeira brasileira na ordem cronológica a escrever romance, a santista Teresa Margarida da Silva e Orta, autora de Aventuras de  Aventuras de Diófanes Diófanes,, um romance que não se ocupava do Brasil e antes se preocupava com a mitologia grega. (...) esse livro tinha de ser analisado à luz de sua simbologia e nesta tanto entrava Portugal como o Brasil. Ainda, porém, que esse livro fosse excluído ou deixado de lado, houve outra autora brasileira, e também romancista, que se antecipou a Maria Firmina dos Reis, publicando nove amiga, de anos antes, em 1850 portanto, o romance  Dedicação de uma amiga, autoria de Nísia Floresta, que antes ainda, em 1847, publicara um romance  Daciz,, ou A Completa. didático, Daciz didático, ou A Jovem Completa. Desse tipo de engano está referta a história de nossas literaturas regionais, principalmente, de modo que sempre se impõe a correção. Quanto propriamente os dois romances de Maria Firmina, não se descobriu neles nada que pudesse chamar a atenção. Até há pouco tempo, eles eram de muito difícil alcance, quando o Governo do Maranhão tomou a iniciativa de republicá-los em um volume, mas a verdade é que eles continuaram a ser ignorados, pelo menos fora do Estado. (LINHARES: 1987, p. 392. V. 3). Dando continuidade à discussão sobre ser ou não ser Maria Firmina dos Reis a  primeira mulher a publicar romance no Brasil, que de fato possui por tema a realidade  brasileira, tem-se t em-se a voz de Josué Mo Montello ntello eem m um artigo publicado em 11 de novembro de 1975, e Republicado em Madri, Espanha em 1976, intitulado: La primera Novelista Brasileña: Maria Firmina dos Reis es, realmente, la primera novelista brasilenã. Porque si bien hay el antecedente de Teresa Margarida da Silva Orta, hermana de Matias Aires, autora famosa de las Aventuras de Diófones, libro  publicado por primeira vez em Lisboa en 1752 com el seudónimo de Dorotea Eugrassia Tavareda Dalmira, bajo el modelo de las Aventuras de

Telémaco tal y como sugiere su título esse libro no constituye materia

2

 

 

especifica en cuanto a su autor se refiere, y outra parte, como bien señala Antonio de Oliveira, no es un libro de temas brasileños. Todo lo que se sabía de Maria Firmina dos Reis antes de los estudios de estos dos investigadores marañenses se limitaba a una breve nota en el sexto volumen del Diccionario Bibliogáfico Brasileño, de Sacramento Blake. (La primera novelista brasileña: In Revista de Cultura Brasileña, Madri, n. 41, jun. 1976) Úrsula  Um determinado aspecto das manifestações críticas acerca do romance Úrsula  surgiu certamente da possibilidade de esse romance ter sido o primeiro saído das mãos de uma mulher brasileira, em terra brasileira e sobre a cultura brasileira. Muito se disse e se desdisse sobre tal possibilidade aberta à obra, porém esses estudos travaram a recepção  propriamente do romance, uma vez que se cogitou primeiro o registro canônico da obra, o seu lugar de autoria dentro da Literatura Brasileira. Essa discussão estabelecida por aqueles que bem ou mal se debruçaram sobre o romance Úrsula Úrsula torna-se  torna-se produtiva apenas para um determinado princípio crítico postulado pela fixação do texto enquanto produção exótica, inaugural, mas não desenrola os emaranhados do romance e não se debruça sobre o feito especificamente literário, quando muito, visa a certos determinismos ideológicos, tais quais: o negro e a mulher, sem situá-los como rigorosamente vigentes no âmbito estéticoliterário. abolição, Um exemplo desse determinismo, por um lado aparece no livro O tigre da abolição, no capítulo “Apoteose”, parte “A literatura da escravidão” (ORICO: 1977, p. 179-188), em que o autor situa os romances e poemas brasileiros que tratam da situação do negro no Brasil. O tratamento, apenas como de registro, evidencia o caráter puramente documental a que o livro passa a ser submetido:

essetem rolpor poderia juntar-se,aparecido antecipando-se todos em data, um romanceAque título Úrsula, em São aLuís do Maranhão, de

2

 

 

autoria de uma professora nascida na cidade de São Luís em onze de outubro de 1825, Dona Maria Firmina dos Reis. (Op. cit.) Por outro lado o determinismo se dá na publicação antológica intitulada  História das mulheres no Brasil Brasil,, organizado por Mary Del Priori, onde há um ensaio intitulado “Escritoras, escritas, escrituras” de autoria de Norma Telles (Op. cit. 2007, p. 401-442) que situa a autora do romance Úrsula no conjunto das escritoras brasileiras do século XIX, considerando o seu público leitor e o seu enredo, e claro, o fato de o livro ter sido escrito  por uma mulher: O romance, por mais inocente que fosse, era ainda um gênero literário malvisto, pernicioso para as moças, quando, em 1859, os jornais de Úrsula,,dodeProgresso. Úrsula São anunciavam autoria deLogo umasemaranhense, custohoje de dois Luís mil réis pela Typografia soube que oaolivro, considerado o primeiro romance de uma autora brasileira, era de Maria Firmina dos Reis. (Ibidem)

A tendência segmentária da crítica em situar o romance Úrsula Úrsula seja  seja no cânone, seja como manifestação da mulher, seja como manifestação do negro leva-me à crença de que a obra em questão nunca foi analisada por ela mesma, o olhar crítico apenas em momentos fugazes se deteve a observar e analisar sua conjuntura narrativa, sua urdidura construtiva, mesmo que sim, os aspectos poéticos do romance e sua literariedade foram subordinados aos temas que ele aborda. Parece-me que se estudou muito o negro e a mulher, e a autoria Úrsula,, fazendo com que a narrativa fosse apenas um espaço feminina, a partir do romance Úrsula em que motivos extrali extra literários terários existem. existe m. Aos poucos o romance de Maria Firmina dos Reis vêm sendo analisado em seus aspectos literários, ainda que o negro, a mulher e a autoria feminina determinem o enfoque

de estudo. Três trabalhos produzidos com comoo dissertação de mestrado e tese de doutorado de

2

 

 

universidades brasileiras da área de Letras vem introduzindo estudos estéticos ao aspecto ideológico do romance, fato que significa um certo avanço da criatividade e da produção acadêmica, pois há uma conciliação entre estética e ideologia, e não puramente o uso do Úrsula para romance Úrsula  para se pensar a condição da mulher e do negro no Brasil, e exaltá-lo como  primeiro romance escrito por mulher, no âmbito da literatura nacional. A dissertação de mestrado da pesquisadora Cristiane Maria Costa Oliveira cujo titulo consiste em  A escrita vanguarda de Maria Firmina dos Reis: Inscrição de uma diferença na Literatura do Século XIX (Rio de Janeiro: Faculdade de Letras, UFRJ, 2001. Mestrado em Teoria Literária) levanta aspectos relevantes para a comparação do romance Úrsula  com os romances canônicos do século XIX da tradição literária brasileira. O Úrsula  vanguardismo de Maria Firmina dos Reis consiste exatamente na relação do negro com as  personagens brancas e no fato de a maranhense ter ssido ido pioneira na pro produção dução romanesca da autoria feminina no Brasil. Embora ainda ligada a conceitos estabelecidos pela crítica dos jornais do século XIX e pelas ideias rasas (para o estudo específico de literatura) que sobrepõem ao texto literário a história do negro no Maranhão, por exemplo, Cristiane Maria Costa Oliveira avança a crítica acerca do romance de Maria Firmina dos Reis, ao menos por constatar as articulações da escrita firminiana, como na passagem a seguir:

Úrsula é escrito com a técnica de encaixes de narrativas com as  personagens contando suas vidas. Na primeira narrativa, fundamental para toda a estória, o escravo Túlio, salva a vida do jovem branco Tancredo e leva-o, moribundo para a casa de Úrsula, que cura seus ferimentos. Na segunda narrativa, o decepcionado Tancredo descreve sua vida repleta de acontecimentos tristes, decepções e amores traídos. Na terceira, a mãe de Úrsula, Luíza B., também conta sua vida de pobreza, represália e abandono,

decorrido do fato de seu casamento ter sido feito sem o consentimento da

 

2

 

família. E na quarta narrativa, a da velha africana Preta Susana, conta como era sua vida na África e sua triste transformação em escrava. (Ibidem: p. 79) Outra dissertação de mestrado sobre o romance Úrsula foi concluída em 2007, cujo título se dá: Gênero e etnicidade no romance Úrsula, de Maria Firmina dos Reis (Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários. Faculdade de Letras da UFMG, Linha de pesquisa: Literatura e Expressão da Alteridade) e sua autora chama-se Adriana Barbosa de Oliveira. Em seu trabalho há a atualização das idéias propostas pelo romance de Maria Firmina dos Reis e tão perseguidos pela crítica. Os temas de gênero e de etnia são localizados no âmbito da narrativa, que ao ser meio de comunicação, estabelece as intervenções na consciência cultural do leitor, como demonstram as passagens a seguir: O romance é estruturado segundo os moldes folhetinescos românticos, possuindo outros elementos próprios da estética romântica, como a linearidade; a donzela angelical disputada pelo mocinho e pelo vilão; a presença de elementos góticos, como cenários sombrios e tenebrosos; a  paixão incestuosa de Fernando P. po porr Úrsula.; o assassinato do herói à port portaa da igreja após o casamento; o amor eterno, a loucura e o remorso. Essa imitação dos padrões europeus era um fato comum, e também as raras escritoras mulheres e os negros, mesmo se opondo à ideologia dominante, se apropriam de elementos que pertencem ao código literário da época, pois a mesma elite branca, usandocomo sua literatura como modelo e, escrevem ao mesmopara tempo, entrando no sistema um elemento subversivo, à medida que, por meio de uma identificação do leitor com a obra, parece haver a intenção de desestabilizar a ordem estabelecida, ao fazer com que esse leitor pertencente às camadas senhoriais mude suas concepções e posturas com relação ao negro e à mulher. (Ibdem: p. 40-41)

Algemira Macêdo Mendes investiga a exclusão de Maria Firmina dos Reis das Histórias da Literatura Brasileira. Maria Brasileira.  Maria Firmina dos Reis e Amélia Beviláquia na História da Literatura Brasileira: Representação, Imagens, Memórias nos séculos XIX e XX (PUC -

Rio Grande do Sul: departamento de Teoria da Literatura, Tese de Doutorado, 2007) além

2

 

 

Úrsula,, de refletir sobre os conceitos canônicos examina os aspectos formais do romance Úrsula fazendo com que pela primeira vez as questões do negro e da mulher sejam examinados segundo o processo de criação literária da narrativa. O capítulo “Úrsula: A escrita de vanguarda” resulta em um trabalho de grande acuidade estética sem desconsiderar a  perspectiva ideológica vigente no romance:

Úrsula   é extradiegético, pois o enredo é narrado em O narrador de Úrsula terceira pessoa. Durante a narrativa, fazem-se descrições psicológicas e conjecturas sobre o modo de ser das personagens, o que conduz o leitor a uma reflexão sobre os conflitos enfrentados por elas. (...) Sabe tudo sobre as  personagens, no entanto, ao utilizar-se do discurso direto e indireto, e às vezes indireto livre, dá voz às personagens, as quais vão narrando suas histórias. Como o enredo é estruturado através de encaixes, as vozes andam em paralelas, mas mas todas se cruzam. (IBIDEM: p. 884-85) 4-85) Além do prefácio da edição fac-similar de Horácio de Almeida, existem uma liberdade, cuja autoria pertence a Charles Martin Introdução intitulada: Uma rara visão de liberdade, Úrsula   (Organização, Atuali e está na terceira edição do romance Úrsula Atualização zação e Notas, Luiza Lobo: 1988), e um Posfácio, cuja autoria se dá a Eduardo de Assis Duarte e se intitula:  Maria Firmina dos Reis e os Primórdios da Ficção Afro-Brasileira Afro-Brasileira,, localizado na quarta Úrsula   (2004). Ambos os textos valorizam o aspecto do negro no edição do romance Úrsula âmbito do romance, assumem a perspectiva inovadora de Maria Firmina dos Reis ao tratar o negro como como personagem de ficção dotado de humanidade humanidade e não reproduzido como mercadoria humana ou inferior à etnia branca. Úrsula   em rel Charles Martin eleva o romance Úrsula relação ação às obras produzidas no século XIX que tematizaram o negro e principalmente em relação ao romance  A cabana de Pai Tomás  (1853), uma vvez Tomás  ez que no romance de M Maria aria Firmina dos Reis os negros não

aparecem como inferiores aos brancos e servem, inclusive, para eles, de parâmetro moral,  

2

 

que conduz a realização do enredo da narrativa forjando a identidade africana do negro sem que este passe pelo processo do branqueamento, sem deixar de ressaltar também a originalidade da autora em face do relacionamento entre marido e esposa:

Úrsula  não se limita a repintar os negros de alma branca — como Úrsula  fazem muitos livros de sua época. Mostra como os escravos buscavam a estima de seus donos e tinham seus próprios padrões de comparação, os quais derivavam do passado africano. (...) Raramente os livros do século XIX trataram da mulher senão como  procriadoras ou amantes. É bastante surpreendente que Maria Firmina descreva a relação entre marido e mulher como “despótica” e “tirânica”. (1988: p. 9-14)

Eduardo de Assis Duarte funda a concepção de afro-descendência acerca da obra de Úrsula na Maria Firmina dos Reis, situa o romance Úrsula  na chamada literatura afro-brasileira e seus estudos nortearam a dissertação de mestrado de Adriana Barbosa de Oliveira, em termos de investigação étnica. O pesquisador atenta para o posicionamento da voz afro-descendente integrada a um ponto de vista interno no plano da narrativa, interno tanto quanto diegese enunciativa como voz da identidade cultural da mulher e do negro, habilitando o jogo autoral da autora com as respectivas identidades culturais das personagens: É, portanto, como mulher e como afro-brasileira que a autora põe-se a narrar o drama da jovem Úrsula e de sua desafortunada mãe, ao qual se acrescentam os infortúnios de Tancredo, traído pelo próprio pai, e a tragédia dos escravos Tulio, Susana e Antero, que receberam no texto um tratamento marcado pelo ponto de vista interno, pautado por uma profunda fidelidade à história oculta da diáspora africana em nosso país. (Ibidem: p. 268-267)

3 Breve consideração sobre o Romantismo brasileiro e o romance como forma literária

2

 

 

O Romantismo literário brasileiro surgiu a partir dos modelos europeus de se  produzir literatura, a forma do romance veio importada dos ingleses, franceses e dos alemães, o espírito sentimental e constituinte dos ideais nacionais derivara muito pouco da acepção portuguesa de se fazer literatura, pois a independência política do Brasil em relação a Portugal fez com que os ficcionistas brasileiros buscassem modelos literários fora da esfera lusitana, embora a cultura portuguesa prevalecesse ainda sobre as demais culturas européias, ao que diz respeito ao romance brasileiro. Os romances brasileiros produzidos sob a égide romântica, por uma questão de revelar a identidade nacional brasileira através de seus fundamentos históricos, trouxeram  para a nossa li literatura teratura personagens caracterizados culturalmente como portugueses, tais Guarany  e  Iracema  Iracema   de José de Alencar. No cunho da quais são as personagens de O Guarany  nacionalidade brasileira, em sua realização ideológica via estética literária, o português fezse presente na literatura brasileira apenas como personagem, pois a forma dessa literatura teve o seu modelo em Walter Scott, Cooper e Alexandre Dumas. As raízes europeias do romance brasileiro deram origem a uma nova forma de se expressar, elaboraram temas mais especificamente brasileiros. Devido à própria estrutura do romance, o escritor brasileiro pode, por meio de sua forma, se aproximar desde a realidade histórica do momento de formação da cultura brasileira, tendo como personagens o índio e o português, até a sociedade brasileira já um pouco mais adiantada em termos de localização cultural, como se nos apresentam os romances urbanos e de costumes  produzidos durante o nosso Romantismo. Ao assumir a função sócio-cultural de localizar a cultura brasileira desde os seus

mitos de formação até a consolidação primária da burguesia, o romance brasileiro, em um 3

 

 

 primeiro tempo, arraigado aos valores da estética romântica, desvelou a imaginação e os relacionamentos humanos do Brasil, servindo como forma literária cujo bojo cultural se  presta a revelar os aspectos aspecto s próprios do seu povo em formação. Por vezes, a concepção tradicionalíssima da crítica literária em perceber no romance Casmurro de Machado) apenas o sabor adocicado das do século XIX (que antecede o Dom o  Dom Casmurro de construções narrativas calcadas em enredos que apenas falam do ideal amoroso acaba deixando de perceber que o tema amoroso aparece apenas como motivo para se encaminhar questões próprias da realidade cultural brasileira, embora existam estudos eminentes como O Brasil não é longe daqui: o narrador, a viagem ,  de Flora Flora Süssekind (1990), que propõ propõee uma investigação sobre o nascimento do romance neste país abordando suas origens ficcionais calcadas na realidade daquilo que de fato aparece como amostragem da formação de um povo, a ponto de afirmar que:

 Não é, pois, a qualquer lugar que se pode chamar de Brasil, a qualquer literatura brasílica. É necessário que se submetam à malha fina da “originalidade”, da “natureza exuberante”, dos “costumes peculiares”. E, se no que se vê ou no que se lê não se acha a paisagem esperada, a reação não tarda, assim como a sensação de que, ou aquilo não é tipicamente brasileiro, ou, bem mais inquietante, que há um descompasso entre o que se define como Brasil e o que se vive como tal. (Ibidem: p.24) Ao lado da pesquisa de Flora Süssekind, o estudo de Silvana Carrizo (2001) intitulado Fronteiras da imaginação: os românticos brasileiros: mestiçagem e nação  nação   contribui para o entendimento do romance como forma artística que se constitui como modulação hegemônica da cultura e da literatura brasileiras, onde há a marcação definidora das classes sociais e raciais, sua localização e diferença como movimento próprio da constituição do romance configurado em narrativa literária e afirmação da cultura branca,

 patriarcal e escravocrat escravocrata; a; assim a pesquisadora formula um arcabouço teórico que

 

3

 

 possibilita a análise do romance romântico brasileiro através da tríade: raça / costumes /  paisagem, que a leva a pensar aquela produção literária literária sob a égide da razão racial, que segundo a autora consiste em uma categoria analítica que sustentou a forma de pensar a comunidade de nação que imaginavam nossos escritores românticos. (Ibidem: 41) A forma do amor romântico obscureceu o valor do romance como possibilidade de compreender a eficácia da revelação com que os romancistas brasileiros desvendaram os interstícios do imaginário cultural. O romance brasileiro constituiu-se como uma forma literária altamente violenta, mesmo que ao fim de sua narrativa geralmente se resolvam os conflitos por meio da conciliação e do final feliz; no entanto os caracteres mostram os conflitos das personagens em face de elementos oriundos da diferença, do preconceito, da ambição, da luta pelo poder. Vale ressaltar que tais elementos funcionam envoltos por uma estória de amor, entre homens e mulheres que almejam a realização do relacionamento impossível, que se mostra como o grande motivo da criação romanesca romântica, mas que traz temas, no mínimo, relacionados a uma certa violência simbólica, ou seja: os dominados aplicam categorias construídas do ponto de vista dos dominantes às relações de dominação, fazendo-se assim ser vistas como naturais. (BOURDIEU: 2003, p. 46). As personagens românticas simbolizam as contrariedades da personalidade  brasileira, as relações afetivas conduzem para conflitos culturais que se sustentam na sensibilidade, as diferenças de classes sociais se fundamentam na estrutura cultural que caracteriza as personagens no plano da ficção, os valores são propostos como divisíveis, antagonista e protagonista carregam marcas ideológicas e estéticas que fazem a prática literária dialogar com o momento histórico, com o desalinho real das cores, dos lugares, das maneiras de se conviver. Embora o discurso apareça carregado de descrições, de volumes

altos de adjetivação e peculiaridades levadas ao extremo, a ponto de sobrepor-se aos  

3

 

núcleos da trama e do enredo, o romance do século XIX apontou tanto para a realidade ficcional quanto para o imaginário histórico da vida brasileira. A fundação da identidade nacional posta pelo romance em termos mais abrangentes que vão do passado indígena até a “nascente formação” das estruturas sociais brasileiras construiu também uma série de estereótipos e categorias culturais de exclusão, uma vez que o negro como elemento constituinte da identidade cultural brasileira apareceu apenas como elemento corriqueiro, mais que secundário, inevitavelmente excluído das relações humanas que se processam dentro da própria estrutura do romance, de maneira a reforçar a idéia de o negro ser apenas escravo e mercadoria. A mulher, assim como o negro, mesmo que seja ela título de romance e mesmo a personagem principal, sempre está associada à idéia de serventia, que se torna abrandada pelo enredo que põe em foco a estória de amor. O romance no Brasil impõe a submissão de toda identidade cultural que não se enquadra dentro dos parâmetros branco-patriarcal-escravocrata, seja o índio, a mulher e o negro, no entanto os dois primeiros possuem a aura guardada seja pelo nacionalismo literário seja pela expressão sentimental a que são vinculados. Mesmo que o romance do século XIX tenha assumido deveras a função de ser um instrumento de descoberta e interpretação, assim como mostrou Antonio Candido (1959, p.109-118), a realidade da identidade cultural brasileira foi dilacerada pelo próprio romance, sendo este, meio de comunicação folhetinesca, obra literária da produção artística de um país, documento histórico que recebe tratamento estético ou mesmo mera obra literária de terceira categoria.

3.1 Possibilidades estéticas e ideológicas na forma do romance Úrsula Úrsula  

3

 

 

Úrsula,, não basta Para um entendimento razoavelmente aprofundado do romance Úrsula apenas considerar a sua estrutura em si mesma, a fim de estabelecer sua classificação como romance tipo folhetim ultraromântico (LOBO: 1993, p. 228), devido aos emaranhados que são desenvolvidos ao decorrer dos acontecimentos propostos por sua narrativa. Para uma compreensão que possibilite aproximar-se da totalidade do romance, torna-se necessário levantar aspectos que estão fora da narrativa, uma vez que a Úrsula,, sobre a sociedade colonial, visa à elaboração do representação, no romance Úrsula nacionalismo através das histórias das personagens que formam na narrativa o “instinto de nacionalidade”. A brasilidade que se manifesta na representação do modo de viver das personagens, que são tecidas conforme o olhar crítico da narradora, cuja exposição discursiva da atmosfera colonial impõe a desorganização da mentalidade mandonista dos proprietários da terra, elabora um nacionalismo às avessas, por tender a valorizar a representação do negro e da mulher, deslocando o poder dos senhores patriarcais, através de recursos próprios da criação literária. Úrsula,, o negro possui identidade africana e a mulher  Na nacionalidade do romance Úrsula aparece ironicamente subalternalizada; daí a expressão “instinto de nacionalidade às avessas”; pelo fato de o conceito de nacionalidade ganhar outra coloração e um aspecto mais aprofundado, a respeito da cultura e de literatura do século XIX no Brasil. Úrsula   são as histórias dos As histórias que formam a narrativa do romance Úrsula oprimidos da sociedade colonial, a exaltação ultrapassa os limites da natureza brasileira  para que as personagens falem e construam a sua própria per perspectiva spectiva ddoo que seja a Nação Brasil, a partir de seus próprios discursos que trazem sua vida íntima.

3

 

 

Assim a narradora constrói as identidades culturais dos sujeitos, revoluciona ao criar um nacionalismo que se fundamenta na história dos gêneros e da etnicidade, fundando a nacionalidade brasileira através das vivências das mulheres e dos negros, em confronto com a ideologia senhoril patriarcal escravocrata. Dá-se um importante confronto na trama da narrativa, pois sob tal organização e emaranhamento de detalhes o enredo da obra desorganiza a concepção usual dos senhores  patriarcais e escravocratas. A sua formação narrativa não corrobora com os aspectos dos romances tradicionais  brasileiros produzidos durante o século XIX, pois Maria Firmina dos Reis (como autora) representa a constituição da mulher como agente histórico por ser agente da escrita, e a representação da sociedade colonial imanente em sua obra propõe a revelação da  perspectiva de negros e mulheres sobre so bre a sociedade daquele tempo. Sabe-se que, ao longo da tradição literária brasileira, a voz da mulher como  produtora de texto literário sofreu um processo de emudecimento, seja por não ser  privilegiada nas principais Histórias da Literatura Brasileira, seja por suas obras serem consideradas menores, e portanto, não merecerem a devida atenção dos historiadores, e ainda hoje serem etiquetadas com estigmas de ordem cultural. O problema consiste em que a própria Maria Firmina dos Reis tinha consciência do lugar inferior a que a mulher era destinada, no século XIX, e magistralmente pensou o seu lugar (de mulher em uma sociedade patriarcal), o lugar da personagem feminina, e do negro como personagem de ficção, no âmbito das letras nacionais, em contraponto com  personagens que representam, no espaço narrativo da obra, os proprietários da terra; estes Úrsula,, uma vez que representam a são deslocados para um papel secundário, no romance Úrsula

Úrsula,, uma vez que representam a são deslocados para um papel secundário, no romance Úrsula

 

3

 

censura da liberdade tanto de negros quanto de mulheres e definem a moralidade conservadora dos homens de poder da época, que controlavam os latifúndios. Para Rita Schmidt (1995, p. 187): “A literatura feita por mulheres envolve dupla conquista: a conquista conquista da iidentidade dentidade e a conquista da escri escritura.” tura.” Identidade e escritura entrelaçadas na formação da mulher enquanto agente discursivo, deixando de ser, apenas, objeto do discurso masculino. A escritura da mulher fundamentou sua identidade através de  processos li literários terários sofisticados, como, por exemplo: imprimir no corpo da própria obra literária o jogo de submissão e transgressão, ambas sustentadas pelo entrelaçamento de sintagmas que formantes de um todo literário, altamente irônico.  No caso de Maria Firmina dos Reis, em pleno século XIX, momento em que o romance ainda estava se definindo enquanto forma literária, além das duas conquistas, há a elaboração de personagens femininas que entram em choque com os proprietários de terra, Úrsula,, e personagens cuja identidade se define como propriamente dentro do romance Úrsula africana, que são verdadeiros exemplos de humanidade, fato que destoa de toda construção  perjorativa acerca do negro escravo, sendo que africano fica além de escravo, por se constituir imaginariamente dentro de sua própria concepção de cultura, ou seja: o negro  possui sua própria voz, constrói sua própria identidade, tornandotornando-se se livre por sua própria imaginação, que elabora a imagem da África sem cair no colonialismo, porque o seu discurso transporta-o às suas origens ancestrais. As conquistas de Maria Firmina dos Reis vão mais além daquelas duas, muito bem apresentadas pela pesquisadora, pois as suas personagens femininas, ainda que envoltas  pelo jogo ambíguo da submissão/transgressão, superam, de certa maneira, o papel

secundário da mulher como personagem de literatura. Superam, porque suas identidades não são forjadas pelo outro, mas pelo olhar da própria mulher, lançado, criticamente, sobre 3

 

 

o feminino. E tais personagens entram em conflito com a autoridade patenteada culturalmente pelo masculino, formando um choque, de identidades culturais, representado  pelas vivências dos do s ho homens mens e da dass mulheres e seus respectivos papé papéis is sociais, literariezados no plano da obra. Pode-se dizer que existem três conquistas: a conquista da identidade, a conquista da escritura e a conquista das iidentidades dentidades buscadas pelas personagens femininas, que efetuam em suas caracterizações e vozes a sua persuasão acerca dos personagens masculinos autoritários, que representam o poder em forma de opressão. Por outro lado, há uma quarta conquista: o negro manifesto como ser humano, o negro em sua plena dignidade, o negro construído africanamente, como crítico do sistema escravocrata, seja por sua caracterização, por seus atos, pensamentos e voz, que o definem também como sujeito, passando ele de ser representado apenas como a vítima de um sistema economicamente perverso a pensador de sua condição servil e de sua liberdade (como acontece na caracterização de Preta Suzana e de Túlio). Entretanto, para veicular tais conquistas, a Maria Firmina dos Reis/narradora  precisou (no ( no dup duplo lo sentido do verbo) art articular icular a linguagem em uma eescrita scrita que camuflasse as suas conquistas e as conquistas por ela dada, em geral, às mulheres e aos negros. A estética romântica, com todos os seus floreios, como forma de expressão artística européia, serviu para a autora maranhense como veículo, e ambiguamente, como camuflagem para as suas investidas ideológicas em defesa das mulheres e dos negros.

 Na sociedade duramente estratificada, submetida à brutalidade de uma dominação baseada na escravidão, se de um lado os escritores e

intelectuais reforçaram impostos, muitas vezes, usar a ambigüidade do os seuvalores instrumento e depuderam sua posição para fazerdeo outro, que é

 

3

 

 possível nesses casos: dar a sua voz aos que não poderiam nem saberiam falar em tais níveis de expressão. ( CANDIDO: 2003, 178) Úrsula   propõe uma leitura que deve ser realizada nas A narrativa do romance Úrsula entrelinhas, o leitor necessita desbravar os exageros românticos, para também conquistar o significado da obra, escondido por trás do amor romântico entre Tancredo e a personagem homônima: ao enfrentar e vencer os excessos de significantes, o leitor se aprazerá com uma narrativa que interpreta e questiona o processo da opressão colonial estendido a seus herdeiros, e encontrará as mulheres e os negros emergindo como sujeitos dotados de humanidade, como protesto à coisificação imposta a eles pelos proprietários da terra, que lhes endureciam a identidade cultural e como consequência, a identidade literária.  Não que apareçam meramente idealizados, vivendo em um paraíso onde a cordialidade representa a falta de conflitos; ao contrário, negros e mulheres surgem como  personagens históricos, histór icos, representantes de uma Nação imaginada e construída pela literatura, cuja vigência evidencia suas respectivas identidades culturais desenvolvendo-se de maneira discrepante à tradição narrativa literária brasileira, que se consolidará tradicionalmente duas Úrsula.. Primordialmente, Maria ou três décadas depois da publicação em 1859 do romance Úrsula Firmina dos Reis destoa da tradição narrativa literária brasileira, antes mesmo de ela se consolidar, funda aspectos de literariedade que produzem pressupostos ideológicos, que não foram assumidos pelos grandes autores da época. Extraordinariamente, a autora maranhense explorou as possibilidades do romance, a vulnerabilidade fundamental de sua abertura quase indiscriminada a muitas outras formas discursivas (BASTOS: 2007, p. 83), pois diversas classificações que caracterizam a forma

Úrsula encontrar romanesca podem na narrativa do romance Úrsula  encontrar respaldo: romance romântico,  pelo seu caráter indubitavelmente sentimentalizado; romance histórico pe pelas las passage passagens ns em 3

 

 

que o negro expressa a sua voz africana, como persuasora do sistema escravocrata  brasileiro; romance de costume, por conta do discurso se aprofundar e discutir o relacionamento entre os senhores patriarcais escravocratas com negros e mulheres; do romance psicológico, pelo mergulho no universo íntimo das personagens e analises dos sentimentos morais como o amor, o ódio; e romance gótico, pelos momentos de ambientalização taciturna, sombria e suspensa; mesmo caracteres do romance político, cuja crítica tradicional estabelece como expressão vinculada aos acontecimentos políticos  brasileiros (das décadas de 6600 e 70 do sécu século lo XX), estão presentes na narrativa do romance Úrsula,, pois a narradora imprime em seu discurso, claramente, a ideologia da abolição da Úrsula escravidão dos negros e o fim da  da   escravatura dos brancos; assume, ora conectada aos  personagens, ora em sua própria enunciação o rasgo ideológico de mulheres, negros, senhores patriarcais. A representação das personagens revela a observação da narradora sobre os Úrsula   figura como uma narrativa que pensa os tempos mecanismos de poder vigentes. Úrsula coloniais e suas consequências em períodos posteriores da vida brasileira. No romance, surge a cultura criticada, são desveladas as relações de poder, entre as mulheres e os homens, entre a africanidade e os senhores de escravos, entre o amor romântico e a estrutura do poder colonial, regulada e mantida pelos senhores patriarcais; todo o romance estabelece uma perspectiva crítica sobre a realidade histórica, sem deixar de se preocupar com a amarração estética, que serve de veículo às indagações impressas nos caracteres de valor literário, como, por exemplo: a forte participação do espaço e as movimentações das  personagens seja no plano da ação, ação , seja no plano da imaginação.

A construção de personagens e suas histórias são fontes para a trama da narrativa, a sua manifestação maior e mais contundente consiste nas identidades presentificadas pela 3

 

 

memória das personagens e a memória da narradora. Tais memórias não se circunscrevem em uma mentalidade elitista, e muito menos corrobora para a manutenção do poder  patriarcal e escravocrat escravocrata. a. A não relação entre tais memórias, contraditoriamente, move o encadeamento dos acontecimentos, através do dialogismo das personagens e das intervenções da narradora. Úrsula uma As identidades culturais postas na narrativa fazem do romance Úrsula  uma escritura revolucionária, porque são presentificadas em uma memória poética que traz a mulher e o negro como sujeitos ativos por suas mentalidades no âmbito do processo histórico e da série literária, e a memória torna-se o fator primordial na constituição daquelas  personagens, pois suas caracterizações surgem de suas próprias reminiscências e da memória da narradora, que constrói poeticamente as mentalidades, as identidades, os acontecimentos que gerenciam a imagem de mundo de uma cultura propriamente colonial.

A poeticidade da memória, que subage na formação cultural dos  povos de outrora e de agora, constitui o objeto privilegiado de uma poética generalizada da cultura, que inclui e transcende a poética restrita das artes compaginadas nos tratados estéticos. A poética cultural corresponde à memória criadora, (...), comparece nas manifestações criativas do espírito humano. (MELO E SOUZA: 2001/2002, p. 10) Úrsula,,  está a construção de identidades que convivem em conflitos e  No romance Úrsula que se afirmam na contradição, gerando um universo que corresponde, poeticamente, à história cultural brasileira, porém não reitera ou reproduz a ideologia vigente, naqueles Úrsula   assume a tempos, dos herdeiros do colonizador português, ou seja: o romance Úrsula descontinuidade do poder dos colonos brasileiros, agride o código convencional da tradição literária, por não ser um elogio aos senhores patriarcais, e nem fazer com que seus dramas

topos   principal do romance; não continua, pelo viés literário, a sejam propostos como topos

4

 

 

opressão dos colonos recaída sobre os marginalizados, e denuncia o processo colonizador ao registrar as suas marcas deixadas na mentalidade e nos corpos das mulheres e dos negros. Ao contrário, o romance Úrsula Úrsula colabora  colabora para a mudança de paradigma moral, ao apresentar e representar os proprietários da terra como criminosos e exploradores de mulheres e negros, que mesmo sob o julgo dos senhores patriarcais são capazes de construírem suas identidades por suas próprias palavras e ações, reconstituídas por suas memórias e pela memória da narradora, que se afasta temporalmente dos acontecimentos, dando um caráter analítico à narrativa, ao mesmo tempo, cria a literariedade, que produzida com recursos específicos da preocupação estética, revela a perspectiva dos oprimidos. Os acontecimentos aparecem como motivos que desencadeiam as identidades, tecendo o papel social a que as personagens são destinadas, nos acontecimentos surgem os elementos da cultura do imaginário da formação brasileira baseada no mandonismo  patriarcal, pois as ações das personagens estão ligadas à construção de suas respectivas identidades culturais. Ação e inação, a palavra da fala das personagens e da narradora  presentifica os acontecimentos já acontecidos, acontec idos, a narração não se impõe no mesm mesmoo momento em que o fato acontece, o relato das instâncias narrativas (narradora e personagens posteriori  ao fato acontecido, daí a forte presença da memória no narradoras) surge a posteriori  âmbito da narrativa. O espaço, elaborado a partir de uma natureza ruralizada, possui aspectos reveladores em relação aos acontecimentos e caracterizações das personagens, com seus campos, suas fazendas, e elementos de arquitetura colonial que formam a ambientalização

 para que as identidades se manifestem com toda a riqueza de detalhes: seja no plano  psicológico, em que a natureza está em ssintonia intonia ccom om ooss sofrimentos das personagens; seja 4

 

 

no plano da descrição física em que a natureza aparece localizada como espaço geográfico; seja a natureza como criação de Deus; seja também a cultura dentro da natureza, cultura esta que se identifica com os padrões coloniais, e que transpõe a atmosfera medieval com os seus assombros, presença da noite, senso llúgubre úgubre do m mistério istério presentifica presentificados dos nos aspectos de ruína e abandono das construções arquitetônicas transportadas para a natureza  brasileira. Úrsula,, A atmosfera do espaço reproduz elementos da narrativa gótica, no romance Úrsula só não há o Castelo, Castelo, porém o Cemitério de ***, o Convento de ***, a Mata vivenciam os acontecimentos, por coagirem com as personagens, servindo a elas como abrigo, como espaço de meditação, como espaço de prisão, torneados por um clima de ruína conforme uma atmosfera macabra, que ao mesmo tempo convive com o ambiente colorido proposto natura brasileira,  pela natura  brasileira, fazendo com que esta comporte a construção do mistério, do terror, aliada às construções arquitetônicas. Maria Conceição Monteiro (2004), ao investigar o romance gótico inglês, constatou que o convento, entre outras funções dentro daquele tipo de narrativa, “fornece refúgio contra a violência masculina, garantindo assim relativa independência para as mulheres” (p. 66). Na narrativa do romance Úrsula Úrsula,, a personagem homônima se refugia das perseguições de seu tio Fernando P, justamente no convento de Nossa Senhora da*** . Conforme a descrição do convento, e por ele ser um dos elementos que oferecem à narrativa do romance Úrsula característica que se coadune com uma tradição romanesca ocidental marginalizada, como o caso do romance cortês e gótico, Maria Firmina dos Reis/narradora usou de recursos para dramatizar a condição feminina, dentro de uma cultura colonial que

traz em si os resquícios medievais:

4

 

 

Meia legua fora da cidade erguiam-se denegridas pelo tempo as velhas paredes de antigo convento, com suas gelogias também esfumaçadas  pelo tempo, e que escondiam zellosas às vistas indiscretas as puras virgens dedicadas ao senhor. Era um edificio antigo na sua fundação, grave e melancholico no seo aspecto: era a casa do Senhor sem ostentação. (REIS: 1975, p. 142) A construção do espaço natural serve como pano de fundo para a localização das identidades inferiorizadas pelo proprietário da terra, que, por outro lado, possui sua subalternidade calcada pelo divino da Criação, ou seja: a natureza aparece no romance também como criação criação de Deus, pondo em cheque o valor de propri propriedade, edade, que gera as corrupções e as desigualdades sociais, e hierarquias identitárias geradas pela cultura. Tanto que a narradora elogia a natureza e o sentimento de solidão nela encontrado,  para efetivar a crítica à cultura colonial, que constrói sua moralidade materializada em  propriedades. A narradora originariamente busca a natureza como criação e morada de Deus, para que haja a desapropriação econômica da natureza, e para que a humanidade, em comunhão com ela, (se viva e a vi viva) va) em total pleni plenitude, tude, sem que valorize o dogmatismo religioso:

Quemparamos haverá ahi se nãodosinta aoda lançar esses vastos ao que alvorecer dia,transportado ou ao arrebol tarde,a vista e nãopor se deixe levar por um deleitoso scimar, como o que escuta o gemer da onda sobre areiaes de prata, ou o can canto to matutino de uma ave melodiosa!!... A vista expande-se e deleita-se, e o coração volve-se a Deos, e curva-se em respeitosa veneração; porque ahi está Elle. O campo, o mar, a aboboda celeste ensinam a adorar o supremo Auctor da naturesa, e a bemdizer-lhe a mão; porque é generosa, sabia e  previdente. Eu amo a solidão; porque a voz do Senhor ahi impera; porque ahi despe-se-nos o coração do orgulho da sociedade, que o embota, que o apodrece, e livre d’essa vergonhosa cadeia, volve a Deos e o busca — e o encontra; porque com o dom da ubiquidade Elle ahi está! (REIS: 1975, p. 9)

 

4

 

Entretanto, para Fernando P. representante, dos proprietários da terra, a natureza nunca assume o vigor de ser criação sagrada. A cor local perde todo o seu sentido de  brasilidade e manifestação divina, toda a sua descrição pormenorizada feita pe pela la narrado narradora ra aparece como um espaço deslocado da caracterização de Fernando P., como se ele não fizesse parte do espaço, por não experimentá-lo. O proprietário da terra não se presentifica como parte da natureza, por não comungá-la, ele e a natureza são separados pela narradora, para demonstrar que Fernando P. representa a cultura materialista colonial, diante do quadro paisagístico esboçado pelos elementos naturais, ele parece estar fora de lugar. Por estar preso em seus próprios interesses, não há sintonia entre a natureza e ele, ela não ref reforça orça a sua caracterização,  porque ele se define como co mo seu dono, seu pro proprietário. prietário. Acima de Deus e da própria pró pria natureza, Fernando P. se reduz à sua própria existência, deixando entrever a narradora que entre a natureza e o herdeiro da colonização não há sentimentalidade e nem comunhão:

Brilhavam ainda no ocaso os últimos raios do sol. A parda tarde embelesava a naturesa com essas melancholicas côres, que trasem ao coração do homem a saudade e a tristesa. em um de banco seo jardim, commendador não via,Sentado nem curava todadoessa bellesa oarrebatadora, queFernando enebria P... os sentidos, e eleva a alma até Deos. A essa hora magica em que a flôr singela e seductora escuta enlevada o suspiroso segredo da brisa, que a festeja; em que o colibri furtando-lhe um mimoso e feiticeiro beijo adeja e sussurra-lhe em volta; em que lláá no bosque o ven vento to suspira harmonioso, e os cantores das selvas soltam seo trinar melodioso e terno; em que o mar na praia é  pacifico e manso, e perde a altivez com que bramia; em que a virgem entregue a um vago, indefinivel e magico scismar recende mais casto, mais enlevador perfume, como o aroma de uma flor celeste; a essa hora mesma Fernando P..., aguilhoado pelos remorsos, só via horridos phantasmas, que o cercavam. (REIS: 1975, p. 186-7)

A cor local busca dar autenticidade à forma literária que se instaura na tradição, como obra especificamente dotada de brasilidade, pela apreensão do meio que serve à 4

 

 

narrativa como espaço dos acontecimentos, lugar onde se põe a representação dos dramas Úrsula não humanos, articulados com o tempo histórico manifesto. A cor local em Úrsula  não se reduz apenas aos espaços narrados, mas se amplia à extensão das personagens, à maneira com que as suas respectivas identidades culturais se relacionam e entram em conflito, o imaginário não se prende tão-somente nas descrições do tempo meteorológico, da fauna e flora, da cor verde das matas, mas na extensão ampla do humano submetido a leis culturais em convívio com a natureza.  natureza.  A natureza, como objeto da exaltação nacionalista, além de representar a grandiosidade das terras brasileiras, o templo das personagens ali inseridas, surge  personificada, em e m uma similaridade co com m os estados físicos e espirituais humanos, co como mo as aves que emitindo seus sons reforçam a enfermidade de Tancredo, velado por seu amigo Túlio, e a noite dando um tom melancólico à voz da narradora para reforçar o sofrimento do mancebo:

Violenta, terrivel, espantosa tinha sido a crise, e Tulio velava à cabeceira do enfermo. A noite há muito que tinha desdobrado sobre a terra seo pesado manto de escuridão, animando des’arte o profundo silêncio dos  bosques, apenas triste interrompido pelonotibó, roçar ou do vento nos longiquos ou pelo gemido de sentido os agoureiros pios dopalmares, acahuan. (REIS: 1975, p. 21) A referência à cultura européia diluída por comparações com a natureza brasileira gera um movimento em que há a apreciação da literatura francesa romântica e um empobrecimento da imagem plástica dos pintores do Renascimento italiano. Pois em um momento digressivo em que a narradora descreve o crepúsculo, a natureza brasileira se torna não representável pela arte pictórica renascentista, ao mesmo tempo em que nas

 páginas da li literatura teratura francesa, a narradora encontra o seu ideal de descrição. Bernadin de

4

 

 

Saint-Pierre aparece como modelo superior à narradora, pois a natureza recriada por ele, em Virgínia, torna-se inigualável, porque pintada com as penas da sua narrativa Paulo e Virgínia, imaginação romântica que a narradora de Úrsula tanto exalta, tomando-a como estratagema  para tratar de questões específicas espec íficas da realidade brasileira:

Era uma d’essas tardes, que parecem resumir em si quanto de bello, de luxuriante, e de poetico ostenta o firmamento no equador; era uma d’essas tardes, que só Bernadin de Saint-Pierre soube pintar no delicioso Paulo e Virgínia, Virgínia, que deleita a alma, e a transporta a essas regiões aereas, que só a imaginação comprehende, e que divinisando as nossas ideias, nos torna superiores a nós mesmos. Era pois uma dessas tardes em que o sol no seo descambar para o ocaso recebe mil e cambiamtes côres, invejadas pela palheta dos Raphaeis, e que se confundem com o sorriso da triste amante, a lua, que resurge pallida na orla do horisonte. Os ultimos raios de um sol vivido misturavam-se com os raios prateados de uma lua de agosto. (REIS: 1975, p. 124)   Úrsula,, constrói a natureza animada, A cor local posta, na estrutura do romance Úrsula dinâmica, em um movimento que vai da personificação à pintura paisagística do espaço rural. Em meio à descrição da natureza, a narradora insere sua digressão, a respeito de sua crítica à moralidade patriarcal, elaborando o sol e a flor como similares ao posicionamento explorador do homem sobre a mulher:

Era apenas o alvorecer do dia, ainda as aves entoavam seus meigos cantos de arrebatadora melodia, ainda a viração era tênue e mansa, ainda a flor desabrochada apenas não sentira a tepida e vivificadora acção do astro do dia, que sempre amante, mas sempre ingrato, desdenhoso, e cruel áfaga-a,  bebe-lhe o perfume, e depo depois is deixa-a murchar, e desfolhar-se, sem ao menos dar-lhe uma lagrima de saudade!... Oh! o sol é como o homem maligno e  perverso, que bafeja bafe ja com halito impuro a donzella des desvalida, valida, e foge, e deixade ixaa entregue à vergonha, à desesperação, à morte! — e depois, ri-se e busca outra, e mais outra victima! A donzella e a flor choram em silêncio, e o seo choro ninguem o

comprehende!... (REIS: 1975, p.-11-12)

 

4

 

As mulheres como representação das variadas posições culturais de uma cultura colonial, os negros representados conforme sua própria mentalidade africana, e não a que foi construída pelo sistema escravocrata de ser ele o mero objeto; a figura de um padre, como homem santo, que não pode interferir nas crueldades do antagonista Fernando P., e este como representação dos proprietários de terra, mas sendo, no romance Úrsula a encarnação do mal, o déspota, sobre o qual recai todo o sentimento de culpa, toda imoralidade, e logo: toda a imperfeição moral. A caracterização dada a Fernando P. demonstra o quanto a narradora perverteu a moralidade da época, pois construir uma personagem que represente o máximo do poder colonial, atribuindo a ela todas as características do preconceito, da inveja, do ciúme, do crime, do descontrole, elevando-a apenas pelo seu porte senhorial, pelo seu poder econômico, consiste em uma crítica metafórica a todos os representantes do poder concentrado, nas propriedades de terra do Brasil colonial. Sua valorização consiste apenas na caracterização física, sendo Fernando P. apenas um corpo de aparência aristocrática, apenas uma beleza conservada pela posição que ocupa:

Esse homem não estava no verdor dos anos; mas sua physionomia, supposto que severa e pouco sympatica, n’essa hora crespucular, que dá certa sombra a toda natureza, não senunciava a sua edade. A pelle sem rugas, os olhos negros e scintilantes, tinham um que de bello; mas que não attrahia. Era de estatura acima da mediocre, esbelto, e bem conformado; e as feições finas davam-lhe um ar aristocratico, que, quando não attrahe, sempre agrada. (REIS: 1975, p. 1001) Ao fim da narrativa, o mesmo senhor patriarcal, de porte esbelto, saudável, possui sua caracterização física denegrida, os sofrimentos recaem sobre ele como pendor

moralizante que a narradora a ele imprime. Sua aparência jovial, seu ar aristocrático estatelam na amargura, no cansaço, na metáfora do despoder, na fraqueza que não pode ser 4

 

 

superada apenas porque se põe como o todo poderoso da terra. Sua fisionomia representa o declínio do status mandonista patriarcal; sua caracterização anímica, manifesta no corpo, recebe o desvanecer produzido pela culpa, pelo desgosto, pelo sentimento de ser menor, embora senhor de terras:

 No rosto pallido e desfeito as lagrymas escavavam-lhe profundos sulcos; os olhos encovados, e vermelhos, e pisados denunciavam a insomnia febricitante. Já não era o mesmo, senão no seu amor e na sua desesperação. A dor enrugou-lhe as faces, os remorsos alvejaram-lhe os cabellos. Tão poucos dias de afflicção transformaram-n’o em um velho fraco e abattido. (REIS: 1975, p. 186). A formação formação narrativa, entendida como as formas com que o discurso expressa a construção de personagens, espaços, tempo, acontecimentos, instância de enunciação e temas, gera a narrativa como manifestação e representação da cultura, desdobrada pelo olhar crítico e interpretativo da autora, que se apropriou largamente do amor idealizado, como tendência estética romântica, para introduzir, no espaço romanesco, a resistência a modelos cristalizados pelo poder vigente. Úrsula   possui a complexidade dos textos veiculados por jornais do O romance Úrsula século XIX, quando articulados para comporem o livro, sua estrutura narrativa obedece ao molde do folhetim. Estruturalmente, ele começa com um prólogo e termina com um epílogo, que amarram os seus XX capítulos, sendo que o epílogo funciona como balanço feito pela narradora, conforme os acontecimentos que movimentaram a narrativa, e o  prólogo como reflexão da autora acerca de sua condição de pro produtora dutora de ttexto exto literário, eem m  pleno século XIX.  Nos elementos que geram a formação narrativa, encontra-se a ideologia do texto,

acobertada por uma exagerada apreensão da estética romântica, que assume a função de

 

4

 

estratagema para a transgressão da autoria feminina, em denunciar os preconceitos morais da cultura colonial, patriarcal e escravocrata. O amor romântico aparece como acontecimento principal, porém circundados a ele, existem temas que são aparentemente transversais ou menores. O rendimento literário desses temas faz com que a narrativa do romance Úrsula seja importante dentro da literatura brasileira, uma vez que a mulher e o negro são trabalhados como temas emergentes, logo precisam aparecer na literatura problematizados, ou seja: levanta-se a situação dos oprimidos, cujas angústias são reveladas, cujos posicionamentos de resistência à dominação são são desenvolvidos; quando por outro lado: secundários são os hhomens omens que detém o poder, os proprietários da terra, comendadores e fazendeiros são relegados ao  papel de antagonistas, suas vozes e ações

questionadas, são responsabilizados pela

condição subumana das mulheres e dos negros, não aparecem como modelos para a sociedade, mas como aqueles que impedem a humanidade de ser moralmente elevada. O amor surge como sentimento moral. Em uma digressão da narradora, há a comparação entre o fenômeno amoroso sentido por homens de índoles diferentes. O amor como sentimento moral revela o caráter desses homens, que se confrontam na disputa do amor de Úrsula. A sentimentalidade e a devoção do homem à mulher aparecem como marcas que separam os homens que escravizam daqueles que libertam. Trata-se do modelo moral do amor de Tancredo: libertador e apaixonante; em contraste com o amor de Fernando P: mesquinho e egoísta. A alegoria do amor como representação social de dois tipos distintos de homens que desejam a mesma mulher aparece em um multiperspectivismo narrativo acerca de um mesmo sentimento moral, que embora

 bipartido, não se manifesta em tom maniqueísta, mas como representação anímica dos homens: 4

 

 

O amor que se nutre no coração do homem generoso, é puro e nobre, leal e sancto, profundo e immenso, e capaz de quanta virtude o mundo pode conhecer, de quanta dedicação se possa conceber. Elle o eleva acima de si  próprio, as suas acções são odo per perfume fume embriagador d’esse sent sentimento, imento, que o anima:emas o amor no peito homem feroz e concupicente é uma paixão funesta, que conduz ao crime, que lhe mata a alma e a despenha no inferno. (REIS: 1975, p. 181) O amor de Tancredo e Úrsula não passa de um engano para o leitor habituado ao romance romântico, pois a idealização amorosa, no romance de Maria Firmina dos Reis, serve como desvio de atenção para a censura do século XIX. Em relação a textos literários  produzidos por mulheres, a ditadura patriarcal escravocrat escravocrataa daquela época foi ludibriada  pela inteligência e sensibilidade da autora maranhense. O exagero confessional de personagens, as excessivas descrições, a peculiaridade da  pontuação firminiana, a movimentação repentina e curta dos acontecimentos que se deslocam dentro de uma temporalidade que se distingue apenas pela narração da memória das personagens e da narradora, fazendo com que a linearidade seja construída pela não linearidade de acontecimentos que são aglutinados, formando pequenas narrativas dentro de uma grande narrativa que expressa o amor romântico que se origina como veículo e camuflagem de problemas culturais. São elementos exemplares da técnica discursiva da autora para viabilizar e veicular denúncias acerca da condição cultural que alicerçava homens e mulheres negros e brancos dentro de uma organização social que restringia o  poder aos proprietários da terra, estes eram também os donos das pessoas sem posses territoriais.

Todos os elementos do romance que se manifestam em sua forma encaminham para uma leitura tradicional do romance romântico, porém a forma de expressão romântica do

5

 

 

Úrsula camufla romance Úrsula  camufla a sua verdadeira originalidade, a sua relevância para os estudos de literatura brasileira. Nele aparecem pela primeira vez mulheres e negros articulando a crítica ao mandonismo patriarcal escravocrata através da dicção imaginária de mulheres e negros; nas entrelinhas, nos subentendidos do discurso surgem levantes simbólicos da transgressão a um silenciamento histórico cultural que pretendia manter emudecidos negros e mulheres. A forma de expressão romântica e seus elementos de cunho sentimentalóide podem até ser a subordinação da criação literária à estética epocal, no entanto, evidencia-se na narrativa de Úrsula um rasgo contínuo à moral estabelecida pelos senhores de propriedades latifundiárias; a figura deles sugerida simbolicamente pela semiosis do discurso narrativo, que usa elementos da realidade histórica para dar-lhes um tom de denúncia, converte-se em malefício cultural, ou seja: os senhores latifundiários, donos de engenho, escravocratas, machistas, mandonistas, opressores de mulheres e negros são postos como tais, e sua representação não se torna gloriosa, ela passa a representar a maldade a que eles submetem os seus oprimidos. O romance tematiza não o poder de Fernando P. e do pai de Tancredo, mas a reação daqueles que sofrem por serem subordinados aos seus costumes morais. As características românticas da narrativa do romance Úrsula Úrsula   podem ser consideradas como um emaranhado folhetinesco e ultrassensível de complicações impostas  pelos acontecimentos, cuja fabulação foi intencionalmente proposta para que o seu conteúdo fosse veiculado de maneira não explícita. Como se a narradora quisesse ocultar a denúncia, a resistência e a transgressão latentes na forma, que aparentemente demonstra apenas um amontoar de acontecimentos, que existem apenas em função do amor romântico.

O fato consiste no peso dos preconceitos culturais que cairiam sobre Maria Fi Firmina rmina dos Reis, caso ela fizesse simplesmente o panfletarismo em prol da mulher e do negro. 5

 

 

Úrsula,,  Todos os exageros e possíveis deslizes contidos, na formação narrativa do romance Úrsula são formas de obnubilar o genuíno propósito do romance: romper com os padrões morais impostos pelo colonialismo patriarcal e escravocrata vigentes no Brasil, através da estética romântica, vigente na época, e estabelecer a crítica à cultura excludente dos patriarcas  brancos e escravocratas por meio de uma forma de expressão estética do literário que amenizasse a transgressão: no caso, a forma do romance romântico com seu alto grau de sentimentalismo e lógica estruturante submetida às experiências da expressão subjetiva da  personagem. (SILVA: 1984, p. 64) A subversão da autora maranhense, entendida ao longo da tradição literária como “sub versão”, “versão menor”, aparece como subversão revolucionária, que revê a própria época a que está contextualizada, para transformá-la através da literatura, sem deixar de usar seus elementos esteticamente tradicionais. Ou foi por extrema ignorância: ignorância: os historiadores não sabiam da existência existência da obra de Maria Firmina dos Reis; ou foi por uma concepção altamente reacionária de mantê-la muda, que os historiadores da literatura brasileira não deram ao romance Úrsula a devida atenção que merece. Seja por uma ou outra negligência, a beleza estética e o apuro ideológico do romance não foram devidamente estudados pela crítica que fundou tradição no campo dos estudos da literatura brasileira. A instância de enunciação narrativa se manifesta como fala de personagens narradoras que contam suas histórias a outras personagens, cujas impressões acerca da  personagem que fala surge através da memória que constrói a narrativa, assim tem-se o  plano dialógico da narrativa: na confissão amorosa de Tancredo Ta ncredo à per personagem sonagem ho homônima mônima o

relato de sua vida; na conversa de Luísa B. com Tancredo, ela relata a ele sua pesada

5

 

 

existência, preta Susana relata sua vida a Túlio, que por sua vez, descreve sua condição de escravo a Tancredo. Assim a formação narrativa comporta desde a digressão à ação. A primeira, no  plano dialógico fundamentado na memória; a segunda no plano das peripécias fundamentadas pelos acontecimentos, que movimentam as personagens nos espaços. Ação e inação se coadunam no tecido da narrativa: ação expressa nos acontecimentos e inação expressa na memória como digressão das personagens e da narradora aos fatos passados que dão substância ao relato, e fazem mesmo o discurso narrativo se movimentar. Todos os acontecimentos ligam-se à memória convertida em discurso pela fala das personagens ou  pelas intervenções digressivas ou descritivas descr itivas da narradora. Em alguns momentos da narrativa, a narradora mergulha no universo psicológico das personagens, mesmo que aparentemente esteja focalizando apenas os seus aspectos físicos e circunstanciais, como a expressão do rosto, os gestos. Na digressão da narradora, existem críticas respaldadas por uma consciência ideológica de grande apuro, que persuade os aspectos mais sutis da dominação política do Brasil colonial. As personagens representam a encarnação de papéis sociais remanescentes do Brasil colônia, o romance Úrsula Úrsula   visa a questionar a estrutura do poder, com base na ficcionalização de personagens representantes das esferas culturais: Casa Grande e Senzala, demonstrando que os oprimidos, além de estarem no espaço destinado a escravos, estavam também dentro da Casa Grande, as mulheres representam outro tipo de escravidão acontecida na cultura colonial: a subordinação ao proprietário da terra, da casa. A  pluralidade se demonstra no romance Úrsula Úrsula através  através da não fixação acerca do masculino e

do feminino e da construção do negro como sujeito, seja em Túlio, seja em Preta Susana.

 

5

 

As diferenças são postas de maneira a elaborar uma espécie de cosmovisão da cultura brasileira, ao que tange na esfera do cotidiano das fazendas, das províncias; o imaginário colonial em termos de dominação na história da vida privada torna-se revelado  pela narrativa, de modo a construir a escondida pluralidade não manifesta em uma sociedade inexoravelmente definida no seguinte esquema: Homem, mulher; homem branco, Úrsula   altera o mero conhecimento histórico e abre caminho homem negro. O romance Úrsula  para:    para:  Na realidade, existem muitos gêneros, mui muito toss “femininos” e “masculinos”, e temos que reconhecer a diferença dentro da diferença. Desse modo, “mulher” e “homem” não constituem simples aglomerados; elementos como cultura, classe, etnia, geração e ocupação devem ser  ponderados e intercruzados numa tentat tentativa iva de desvendamento mais frutífera, através de pesquisas específicas que evitem tendências a generalizações e  premissas preestabelecidas. Sobrevem a preocupação em desfazer noções abstratas de “mulher” e “homem”, enquanto identidades únicas, a-históricas e essencialistas, para pensar a mulher e o homem enquanto diversidade no  bojo da historicidade de suas inter-relações. inter-r elações. (MATOS: 86, 1997) Úrsula para A importância do rom romance ance Úrsula  para a literatura brasileira  brasileira consiste no não uso de estereótipos ao tratar das mulheres e dos negros, que são vitimados, mas que resistem, e de certa maneira superam o poder inexorável dos senhores patriarcais, estes sim, são caricaturalizados, são levados ao ridículo como punição à sua maldade: o fim de Fernando P representa sua ridicularização camuflada no arrependimento dos crimes que cometera, o  pai de Tancredo morre em desgosto, como punição ao mal feito à sua esposa e a seu filho, e Paulo B pai de Úrsula nem consegue redimir-se, plenamente, pela maternidade; enquanto o fim de Úrsula, Tancredo, Túlio, Luísa B, preta Suzana, representa a morte por redenção e sublimação; a morte como resultado de uma resistência simbólica ao poder do opressor.

5

 

 

Úrsula,, a Há uma perspectiva ideológica muito distinta, na estrutura do romance Úrsula  perspectiva de punir os assassinos, os algozes, de levar ao des-poder os poderosos, e dar voz aos que na sociedade eram tratados com vilipêndio, como se fossem objetos. O romance de Maria Firmina dos Reis torna-se uma espécie de texto que visa à conscientização dos leitores, afirmando as identidades culturais subalternalizadas e desautorizando o mandonismo patriarcal e escravocrata, — através da denúncia de suas  práticas opressivas —, que exercem a função de manter o poder sob o controle de fazendeiros e comendadores, legitimando-os como donos da terra e dos seres humanos ali sitiados. Construindo a identidade cultural de negros e m mulheres, ulheres, como confronto aos mesmos donos da terra; dando um movimento singular à literatura brasileira produzida no século XIX, pois através de uma narrativa que aparentemente tematiza o amor romântico e cria a estrutura tradicional romancesca entre mocinhos e vilões, propõe o desvelar cultural e simbólico da vida privada de negros africanos, de esposas humilhadas, amantes ambiciosas, donzelas solitárias, crimes por ambição territorial, impotência da igreja diante dos crimes motivados por paixões materiais e espirituais; uma série de caracteres da vida brasileira são multiperspectivados dentro de um enredo que leva ao extremo a estória romântica de um  jovem casal enamorado.

 

5

 

Úrsula   4 A forma do relacionamento entre os gêneros no romance Úrsula

Os gêneros (concebidos aqui como uma construção cultural que especifica comportamentos e atitudes atribuídos aos sexos masculino e feminino) ganham aspectos universais, na sociedade maranhense do século XIX, pelo fato de que o tratamento estético dado ao tema, embora camufle a ideologia proposta pela narradora, faz com que essa ideologia ultrapasse os limites do localismo e propõe a reflexão do papel submisso imposto à mulher pelo mandonismo patriarcal: desde o relacionamento entre marido e esposa a senhor de escravos e escrava. A partir de uma visão particular que elabora a crítica e a resistência e, por isto, transgride a vigência da cultura colonial enraizada no Brasil. Os gêneros como tema assumido por Maria Firmina dos Reis aparecem como força motriz do

 projeto ficcional da autora em dar visibilidade à mulher, em uuma ma sociedade dominada por homens. 5

 

 

Úrsula   abarca em sua estrutura a consciência da mulher acerca do O romance Úrsula feminino, e essa perspectiva alcança a denúncia. Pois as imposições culturais provindas de um sistema cultural em que o homem assume posição superior à mulher, dentro da sociedade, aparecem desveladas pelo personagem Tancredo, pela caracterização das  personagens femininas: mãe de Tancredo, Adelaide, Luísa B e Preta Susana, e pelas digressões da narradora. Personagens e voz narrativa se unem para fundar, na literatura  brasileira, a ficcionalidade do drama vivenciado por mulheres. A articulação poética da narrativa mostra características originais no tratamento da mulher enquanto matéria e produto ficcionais, pois na aparente submissão a que estão sujeitas no plano da obra existe uma intenção transgressora, uma grande metáfora-irônica construída através de uma urdidura cheia de símbolos e significados: do emaranhado em que a narrativa se estrutura nasce a armação poética do romance, em que o aparente da submissão revela o ato transgressor da resistência, claro que uma resistência fundamentada no imaginário, e não na violência desvelada. Úrsula,, são símbolos de resistência à moral patriarcal, e pela sua As mulheres, em Úrsula construção metafórica e irônica, entendeu-se que elas apenas reproduziam a submissão das mulheres da sociedade do século XIX , porque não há entrega ou consentimento, a  paralisação feminina se dá pelas pe las forças culturais do d o patriarcado e não ppor or sua vontade, daí a resistência, e a submissão que metaforiza ironicamente o seu oposto: a liberdade extrema. A caracterização gótica do personagem Fernando P, que se constrói no plano narrativo como a encarnação maldosa da autoridade, corrobora com a crítica sobre a situação da mulher, na cultura colonial. Fernando, o tio da personagem principal do

romance e o seu antagonista por excelência, representa toda a opressão resultante resu ltante do abuso do poder, o lado sombrio e perverso dos comendadores da época, suas práticas opressivas 5

 

 

são determinantes para a obediência, calcada no engendramento do medo pela prática da violência.  Não há na estrutura do ro romance, mance, meramente, um jogo maniqueísta, onde homens e mulheres disputam o poder, sendo que as mulheres são boazinhas e os homens maus, há o desenvolvimento literário de condições culturais a que eram submetidos homens e mulheres durante o século XIX. As personagens representam tanto as relações do amor ideal, como representam os conflitos que impediam a plenitude da felicidade de homens e mulheres que viveram sob a cultura do patriarcalismo escravocrata. O relacionamento entre homens e mulheres se dá de maneira em que seus papéis Úrsula   sociais são bem definidos no plano sociológico do romance, como se a narrativa de Úrsula  pudesse ser característica do romance de costumes, onde os personagens representam a sociedade na qual estão inseridos e as relações de poder estabelecidas entre eles e elas. Maria Firmina dos Reis denunciou o aspecto opressivo pelo qual se fundavam as relações entre os gêneros, levando-as para o espaço romanesco, através da observação do que tenha sido a sociedade da época em que o romance foi escrito. A caracterização moral das personagens aparece no enredo como a manifestação da resistência da narradora às imposições a que eram submetidas às mulheres, e o romance Úrsula, ao assumir como um de seus temas a questão dos gêneros, assume também a Úrsula, resistência ao modelo senhoril, patriarcal e escravocrata, que solidifica o mandonismo do homem. Sua proposta em discutir os patamares de relacionamentos entre os gêneros,  próprios daquela época, abrange um universo que vai desde o amor romântico da

 personagem principal Úrsula e o mocinho Tancredo, desde a decadente estrutura familiar dos pais de Tancredo, que se torna falida pela traição patriarcal ao modelo familiar 5

 

 

convencionalmente aceito; passando pelo relacionamento adúltero vivenciado por Adelaide e o pai de Tancredo; passando pela desventura do mocinho de perder Adelaide para o  próprio pai; até o relacionamento entre irmão e irmã protagonizado por Luísa B e Fernando P.; passando pela integridade m moral oral do genro junto à sogra, m manifesta anifesta nas conversas entre Luísa B e Tancredo; até o relacionamento desumano do senhor de escravos com a escrava, manifesto em Fernando P. e Preta Susana. Úrsula fazem Essas tensões propostas pelo romance Úrsula  fazem dessa narrativa um exemplo de que o olhar crítico feminino já vinha amadurecendo e se consolidando, no âmbito da ficção  brasileira de autoria feminina, de desde sde o século XI XIX. X. Tanto que estudos contemporâneos do final do século XX, que visam às encenações e transgressões de mulheres sendo produtoras de literatura como Heloísa Maranhão e Zulmira Ribeiro Tavares, servem também para o romance de Maria Firmina dos Reis. Como a designação da categoria gênero elaborada pela  pesquisadora Geysa Silva (1999, p.203): Masculino e feminino, enfrentando-se ou caminhando lado a lado,  procurando dar sentido às próprias vidas, eis a questão dos gêneros, que merece nossa reflexão, não só no plano da literatura, como também na História das Idéias, pois esse assunto implica um debruçar-se sobre a condição humana, em que o importante é percorrer situações de união e de conflito, ou seja redelinear a trajetória das relações entre homens e mulheres, através dos séculos. O gênero, portanto, é uma noção que não abrange apenas o domínio do literário, a expressão de um enunciado, o significado de uma palavra. Ele nos convida a pensar costumes e convenções, o aceito e o interdito, dores e prazeres, amor e ódio, tristeza e alegrias. Úrsula   e as Ao considerar a época em que Maria Firmina dos Reis escreveu Úrsula condições a que as mulheres eram submetidas, em relação à vida intelectual e à formulação de idéias acerca da sociedade, a autora maranhense está em um nível superior às autoras do

século XX e XXI. Pois, mesmo presa a amarras que limitavam a prática literária feminina e que impediam a mulher de pronunciar sua própria opinião sobre qualquer assunto que  

5

 

ultrapassasse os limites domésticos, Maria Firmina dos Reis criticou, resistiu, e criou, através da prática literária, uma visão individual que ultrapassou as limitações da sociedade Úrsula.. e do tempo em que viveu, pelo aspecto de denúncia manifesto no romance Úrsula As digressões da narradora e a fala do personagem Tancredo, mesmo as vozes das  personagens femininas e suas caracterizações criticam as imposições do doss personagens que representam os comendadores e fazendeiros da época. Estes, antagonistas do romance Úrsula, por imporem sua moralidade às demais personagens, moralidade, aliás, calcada na Úrsula, hipocrisia e em interesses puramente econômicos e sexuais. Expressões da manutenção do  poder do homem, em uum m espaço romanesco que aabsorve bsorve a situação de homens e mulheres daquela época, condicionados por uma moralidade rígida, onde a voz feminina supera o emudecimento, tanto na condição de produtora de texto literário, como de personagem de ficção. Úrsula representam As personagens femininas presentes no romance Úrsula  representam a resistência à submissão, e a voz da narradora formula a crítica aos mandos e desmandos de fazendeiros e comendadores representados, principalmente por Fernando P. A inovação existente no tratamento do tema consiste no desenho da mulher  proposto pela imagem literária das personagens femininas que, mesmo submetidas à subalternidade, superam as imposições culturais. Sua ideologia visa ao deslocamento da centralização masculina e traduz a relação de  poder não apenas dentro do espaço doméstico, porque a extensão espacial do romance elabora todo um processo cultural de universalidade particularizado na sociedade colonial  brasileira, expresso por metonímia em: “uma das melh melhores ores e mais ricas províncias do

norte” (REIS: 1975, P. 10). Esta localização enunciada pela narradora possibilita a afirmativa de o romance se inserir como um ancestral do romance de trinta da literatura 6

 

 

 brasileira, porque tal qual um Vidas secas (1938), por exemplo, os dramas da humanidade são postos em um espaço particularizado. A perspectiva do olhar feminino se manifesta como o refletir sobre a diferença entre homens e mulheres e, como o representar das tensões geradas por essa diferença que se construiu por meio da ideologia cultural proposta e imposta pelo pensamento dominante dos homens. A ideologia desse olhar não quer postular que a mulher se diferencia do homem, mas denunciar os pressupostos culturais que construíram os estereótipos mantenedores dessa diferença. A narrativa do romance Úrsula não reitera a dominação masculina, mas a questiona através da proposta reflexiva, imanente na estrutura do enredo, indo do individual para o universal: conforme a particularidade das relações entre os gêneros localizados em uma determinada província do Brasil (a do Maranhão) se estendendo à problemática da cultura humana, em um determinado período histórico (o século XIX). A maneira com que as personagens femininas são criadas pela narradora em situações de submissão/transgressão revela o multiperspectivismo narrativo, cujo foco caleidoscópico situa a mulher dentro da atmosfera cultural: ora lutando pela sua realização, ora sendo vitimada pelo mandonismo patriarcal. A narrativa que fragmenta o feminino em diversas posições culturais demonstra a intensidade com que foi construída, a preocupação da narradora em abarcar as variáveis do comportamento feminino, no âmbito da sociedade colonial brasileira, elabora o feminino não apenas como objeto de idealização amorosa, contrariando o romance romântico adocicado, que construía a imagem do feminino, como projeção da ideologia masculina em

mantê-la dentro de um quadro social conveniente. Tal pintura colorava-se tão meramente

6

 

 

com as cores do amor, que na época era o único nobre lugar em que o feminino poderia ser  posto. Úrsula se  Na literatura brasileira, o romance Úrsula  se põe e se inscreve contra as imposições  patriarcais, mesmo que suas personagens perso nagens femininas sejam punidas po porr suas oousadias, usadias, como a mãe de Tancredo e o próprio, que, embora seja culturalmente designado como homem, assume para si a reivindicação do casamento fora da mera conveniência de castas e dotes, tanto em relação a Adelaide quanto em relação a Úrsula. Tancredo se inscreve como um defensor dos direitos femininos, dada a sua crítica ao comportamento do próprio pai, e por aliar-se às personagens femininas, desobedecendo a confraria do poder masculino. Os desenhos sociais e psicológicos das personagens do romance Úrsula aparecem em linhas estéticas que fazem as personagens serem caracterizadas como heroínas românticas, contudo sua perspectiva ideológica formula um proto-feminismo, uma vez que são feitas críticas muito severas aos relacionamentos, que buscam a todo custo manter a mulher submissa ao homem. Ao longo de toda a narrativa, a tensão entre o posicionamento cultural de homens e mulheres se constrói, através de acontecimentos que são tecidos para revelarem a maldade, a ruindade do senhor patriarcal Fernando P, e esses acontecimentos revelam ora a submissão, ora a resistência, chegando à transgressão das mulheres. O papel secundário cabido a elas no plano cultural torna-se destoado no plano narrativo, pois a representação crítica do modelo cultural do relacionamento entre os gêneros condena o mandonismo mandonismo masculino que se apoia na na prática da vi violência olência como ato

de vingança do Fernando P, e no senso luxuriante do pai de Tancredo.

6

 

 

As personagens femininas superam o mandonismo destes personagens, mesmo que sua relação com eles seja de submissão, pois elas, cada qual a seu modo, assumem, seja  pela representação a elas dada, seja pela própr própria ia voz, a consciência de serem oprimidas,  pelos proprietários da terra, e a partir da manifestação dessa consciência, a narrativa constitui o feminino como sujeito. Cada uma das personagens femininas identifica-se dentro de um condicionamento cultural, elas trazem as feridas abertas pelo mandonismo, cada uma representando as várias formas de poder exercidas sobre a mulher. Mesmo a construção feita da personagem  principal Úrsula, que como centro do fio narrativo, mobili mobiliza za todas as outras personage personagens ns (sejam homens ou mulheres) dentro de um aparato estético altamente voltado para a idealização ingênua. Sua presença no romance também representa a transgressão das mulheres, e sua condição feminina se impõe por não ceder à vontade de Fernando P.: Úrsula prefere a loucura e a morte, a ser esposa de seu próprio tio. As personagens femininas representam o olhar crítico da narradora acerca das condições em que vivia a mulher durante o século XIX, no Brasil. Observa-se que há a apreensão de vários aspectos da dimensão mulher/sociedade que são discutidos de maneira muito séria, e que são postos através de um aprofundamento estético que, embora hiberbolize os sofrimentos de tais personagens, camufla a problemática ideológica levantada. Deve-se a camuflagem a um recurso estratégico de que lançou mão a autora para que sua crítica aos costumes da época fosse eufemístico, daí o exagero romântico. A estética romântica esconde, com sutileza, a reflexão a que se propõe o discurso narrativo,  para não escandalizar em e m demasia os/as leitores/as folhetinescos/as.

Por trás dos exageros românticos, dos arrufos pormenorizados que buscam disfarçar o conteúdo por meio de descrições excessivas e diálogos dramáticos, vigem as dinâmicas 6

 

 

sócio-cultural e psicológica do feminino, investigadas por uma escritora que está muito Úrsula  o feminino não aparece cristalizado em além do seu tempo, porque no romance Úrsula  apenas uma dimensão sócio-cultural, como o fez José de Alencar em seus perfis de mulher. O escritor romântico, considerado por muitos como o patriarca da literatura  brasileira, não foi solidário solidár io com suas personagens fe femininas, mininas, por não tê tê-las -las feito transgredir às imposições culturais. Suas personagens femininas não passam de reduplicações da moral  patriarcalista, “passageiras “passage iras da voz aalheia, lheia, Lucíola, Diva, Aurélia ou Amália circulam co como mo  protótipos do amor de abnegação, cego desaparecimento no espelho de seus heróis” (BRANDÃO: 2004, p. 13). Enquanto, Maria Firmina dos Reis em um único romance consolidou a transgressão de várias personagens femininas, representando-as, ainda que submissas, mas resistentes às determinações culturais, e ainda se antecipou  Lucíola   (1862),  Diva  Diva   (1864), cronologicamente, ao que diz respeito à publicação de  Lucíola Senhora (1875) e Encarnação Senhora (1875) Encarnação (1893).  (1893). Úrsula,, as personagem representam mulheres de distintas camadas  No romance Úrsula sociais, sua construção não se fixa em apenas um modelo de identidade cultural da mulher, que represente apenas um tipo de submissão no contexto do patriarcado do século XIX, mas a pluralidade pluralidade do feminino construída por identidades culturais que abrangem situações de mulheres submetidas à conduta imposta pelo homem, na tentativa de superá-la. Ressalvando as devidas proporções, esposas e escravas são postas em um mesmo condicionamento cultural que unifica o gênero feminino, mas as diferenças culturais revelam o feminino multiperspectivado pela narradora. A narradora critica a situação imposta à mulher, mesmo as próprias personagens

refletem sobre suas condições submissas e tentam ultrapassá-las seja por meio do devaneio, seja por ações que acabam fracassando, seja pela loucura e até mesmo pela morte. O 6

 

 

Úrsula   representa criticamente o feminino, como também insere, na literatura romance Úrsula  brasileira, a reflexão crítica produzida pela mulher sobre as situações sócio-cu sócio-cultural ltural e  psicológica que subjugaram-na. As caracterizações das personagens femininas que definem não um padrão convencional da imagem literária e sócio-cultural da mulher, mas mostram várias faces dos tipos femininos existentes dentro de identidades culturais, começam com a mãe do jovem Tancredo, o par romântico de Úrsula. O foco narrativo que caracteriza aquela personagem aparece pela voz do próprio filho. Tancredo descreve a situação cultural de submissão de sua mãe em relação ao seu  pai. Sua perspect perspectiva iva filial manifesta-se em discordância com a maneira que se forma o mandonismo, ou seja: o jovem põe-se contra o relacionamento do marido e da esposa, por aquele não não val valorizáorizá-la la como ser-humano e lhe iimpor mpor um comport comportamento amento subserviente. O relacionamento entre marido e esposa visto pelo ponto de vista filial tende a ser solidário à condição da mãe e a condenar a perspectiva masculina patriarcalizada do pai.  Não nomeados na narrativa, narrat iva, o pai e a mãe de Ta Tancredo ncredo apare aparecem cem como o modelo do casal provinciano, cujos conflitos são impostos pelo mandonismo do senhor patriarcal. Seu comportamento autoritário resulta da posse de terras (comendador), e por isso determina tudo que está presente nos espaços que pertencem a eles, inclusive entes humanos. O fato de esses personagens não serem nomeados demanda um posicionamento por  parte da narradora de que sua visão particularizada ultrapassa fronteiras geográficas, encontrando o universal no particular, levando a reflexão sobre o relacionamento marido/esposa a toda uma época, e não apenas casos isolados em que se evidenciam a

exploração do homem sobre a mulher.

6

 

 

A partir dos inícios do século XIX, estaria consolidado o poderio econômico dos chefes de parentela, podendo a estruturação de dominação da sociedade brasileira ser caracterizada como tendente para o tipo patrimonial patriarcal que, subjacentemente, se vinha formando desde os princípios da colonização. (SAFFIOTI. 1976: p. 161) Úrsula,, uma vez que a moral do “chefe de parentela” A hipocrisia revela-se no livro Úrsula se baseia em seu poder econômico e em sua sexualidade pervertida, condenada segundo a LEI (Latifúndio, Estado, Igreja)1 por ele mesmo sustentada.  Na fala do personagem T Tancredo ancredo se de desenham senham aass características do relacionamento entre marido e mulher que diz respeito a seus pais, a traição adúltera de seu pai, que troca sua mãe por Adelaide, a idealização desta e o vínculo com a luxúria da mesma personagem. A narradora usa a mãe de Tancredo para criticar a falência do casamento postulado  por dotes e co conveniências, nveniências, e principalmente cr critica itica a manutenção do modelo patriarcal, em manter o poder econômico em família . A caracterização dessa personagem manifesta sim a submissão da esposa à vontade do marido, no entanto, através de Tancredo há a revelação das injustiças impostas à mulher/esposa. Considerando a época em que o romance foi escrito e sua autoria feminina, pode-se afirmar que existe na mãe de Tancredo a denúncia ao comportamento do marido em relação à sua esposa, dentro do desenrolar dos acontecimentos que a envolvem e muito mais na  própria fala de Tancredo. Há muito de resistência e mesmo de crítica à instituição (casamento) calcada na submissão da mulher ao homem. Lê-se a fala de Tancredo, em um momento em que relembra sua infância:  Não sei porque; mas nunca pude dedicar a meu pae amor filial que rivalisasse com aquelle que sentia por minha mãe, e sabeis por que? E’ que

1 V  Ver: er: Sigla e sua significa significação elaboradas por Jorge Jorge Fernandes da Sililveira. veira. Nota Nota de rodapé 128 do livro livro

A soli solidão dão

tropical: o Bras Brasil de Alenca Alencar e da modernidade. De De autoria toria de Lucia Helena. 

6

 

 

entre elle e sua esposa estava collocado o mais despotico poder: meo pae era o tyranno de sua mulher; e ella, triste victima, chorava em silencio, e resignava-se com sublime brandura. Meo pae era para com ella um homem desapiedado e orgulhoso — minha mãe era uma santa e humilde mulher. Quantas vezes na einfancia, grado meo, dolorosas que magoavam, de loucamao prepotencia, que testemunhei revoltavam! Escenas meo coração alvoraçava-se n’essas occasiões apesar das prudentes admoestações de minha pobre mãe. E’ que as lagrymas da infeliz, e os desgostos, que a minavam, tocavam o fundo da minha alma. (1975:46-7) A narradora, ao usar a fala de um personagem masculino para denunciar as humilhações sofridas por uma personagem que representa a esposa dentro do espaço doméstico, ameniza a crítica sobre o patriarcalismo. O filho tomando as dores da mãe torna-se muito mais aceitável, no plano da verossimilhança, que se a própria mãe de Tancredo refletisse sobre sua condição de silenciada, de humilhada. A cultura patriarcal tem seu desmoronamento na gestualidade do discurso. A mãe de Tancredo serve de objeto para a crítica desenvolvida acerca da situação da mulher dentro do espaço doméstico, uma vez que a fala de Tancredo claramente se dirige em favor da mãe, e ataca as atitudes do pai. O ponto de vista do filho defende a mulher/mãe, e claramente dentro da voz de Tancredo e, mesmo na sua construção de bom mocinho, há muito da voz feminina da narradora que usa um personagem masculino, criado ao molde do herói romântico, para resistir e criticar abertamente o modo de tratam tratamento ento do marido machista, típico típico no século XIX, nas províncias do Brasil. Essa perspectiva apresenta um aspecto original, no âmbito do romance brasileiro,

 posto que o filho, natur natural al herde herdeiro iro do senhor patriarcal, ao invés de lhe ser fiel até mesm mesmoo

6

 

 

em suas atrocidades, para eternizar a cultura do patriarca no espaço doméstico, denuncia e condena a exploração da mulher/mãe pelo homem/pai. Quando Tancredo vai “para San’ Paulo cursar as aulas de di direito” reito” (REIS: 1975, p. 44), suas preocupações são o lugar onde nascera, os amigos de infância e, principalmente, não abandonar a mãe, deixando-a desprotegida do algoz que vivia dentro de casa. “N’um dia recebi o grau de bacharel e n’outro segui para minha terra natal” (REIS: 1975, P.45). Ao retornar, o mancebo encontra sua mãe com uma sobrinha que havia ficado órfã, apaixona-se, então, por Adelaide. Porém, seu casamento com a bela donzela embarga-se  por conta de suas diferenças econômicas: eco nômicas:

Aprasia-me ver Adelaide, no arrebol da vida, tão casta, tão encantadora, compartilhando ora a dôr, que nos opprimia, ora o praser que enchia os nossos corações. Em Adelaide minha mãe encontrara uma desvelada amiga; a sua estrema belleza, e a dedicação àquela mulher, que eu tanto amava, attrahiam-me incessantemente para ella; e a primeira vez que a vi, o meo coração adevinhou que havia de amal-a. Sim, amei-a loucamente, amei-a com todas as forças de um primeiro amor, e quando um dia lhe revelei o profundo affecto que me inspirava, conheci que era correspondido, não obstante o ella dizer-me:  — Tancredo, sou pobre, e teo pae se há de oppor a semelhante união. (REIS: 1975, p. 48) Adelaide começa a narrativa como uma pobre órfã abandonada, virgem sem pai e mãe, amada por Tancredo e acolhida por sua tia, a mãe do mancebo, e se torna mulher do  pai do mocinho. A construção dessa personagem sofre uma gradação negativa, pois suas características vão se transformando: de órfã,

para vi virgem rgem iidealizada; dealizada; de mulher

 promíscua, para mulher que sofre e morre arrependida. A narradora faz a caracterização de Adelaide, ao trazer à tona o delírio de Tancredo.

O aspecto onisciente oscila com a voz do próprio personagem, pois a sua fala resulta do

6

 

 

delírio que a narradora descreve, deixando que o próprio delirante expresse o conteúdo de seu delírio, que organiza as características de Adelaide, como mulher idealizada e como mulher que condena o homem à desgraça:

 — Eu a vi — «exclamou, erguendo a voz, n’um transporte de satisfação» — vi-a, era bella como a rosa a desacrochar, e em sua puresa simelhava-se a assucena candida e vaporosa! E eu amei-a!... Maldição!... não... nunca a amei... E calou-se. Depois um gemido lhe veio do coração; cobrio os olhos com as mãos ambas, e repetio:  — Oh! Não, nunca a amei!... Seguiram-se palavras entrecortadas, gemidos, e gesticulações desordenadas para ao depois cahir em inercia. Era o delirio assustador que se manifestava!... (REIS: 1975, p.22) A fala irônica de Adelaide: “Tancredo, respeitai a esposa de vosso pae!” (REIS: 1975, P. 69) encerra-a digna de boas páginas de uma narrativa que foge ao tema da idealização amorosa, pois seu corpo, seus gestos estão completamente desligados de qualquer candura, sublimidade e elevação espiritual, próprias da personagem típica das narrativas em que o amor idealizado subordina a personagem feminina. Ao ser aproximada da luxúria, Adelaide encarna a fruição realizável da mulher objeto, seu corpo passa a representar a carne sexualizada, os prazeres oferecidos pelo corpo feminino ao homem, sua caracterização se aproxima muito da luxúria que aparecerá em mulheres construídas por narrativas realistas e naturalistas, porque na literatura romântica a mulher poderia ser representada como mãe, filha, religiosa, mas nunca como amante. Até o espaço, onde Adelaide se situa não mais como a virgem idealizada por Tancredo, aparece transgressor às exigências estéticas românticas: a luminosidade, as jóias,

o leque como elemento da sensualização e metonímia de suas intenções, o seio nu, a maneira provocante de se sentar, a sua distração simulada, os aparatos que a adornam dão 

6

 

lhe, ao fundo do salão, uma imagem espantosa, cujo efeito contrasta com qualquer sentimentalidade romântica e ela nem mesmo se inibe por seus seios estarem descobertos:

 No sophá, salão havia luzes; nobellesa. fundo, Figurou-sereclinada em  primoroso estava um umaturbilhão mulher dedeextremada Figurou-se-me me um anjo. A explendente claridade, que illuminava esse salão dourado, dando-lhe de chapa sobre a fronte larga e limpida circundava-a de voluptuoso encanto. Era Adelaide. Adornava-a um rico vestido de seda côr de perolas, e no seio nú ondeava-lhe um precioso collar de brilhantes e perolas, e os cabellos estavam enastrados de joias de não menor valor. Destrahida, no meio de tão opulento explendor, afagava meigamente as pennas de seo leque dourado.(REIS, 1975: p. 68-9). Mesmo que Adelaide apareça redimida pelo sofrimento e pela morte, ao final do romance, no capítulo Epílogo, momento em que a narradora encerra a narrativa com um tom discursivo de balanço sobre os acontecimentos que deram movimento ao romance. A força da sua caracterização de órfã carente a objeto do afeto de Tancredo e depois esposa do pai de Tancredo não permite que o leitor ou a leitora se entristeça por ela, uma vez que fica cristalizada na narrativa a sua imagem promíscua.  No ponto de vista ideológico que permeia a narrativa, em Adelaide também há a resistência feminina aos mandos do senhor patriarcal. Sua diferença em relação às outras  personagens femininas se constrói no fato de ela ser posta pela narradora como mulher  promíscua. Através da promiscuidade de Adelaide a narradora pune o pai de Tancredo: “Ella ludibriara o decrepito velho, que a roubara ao filho; e elle em seos momentos de ciume impotente almaldiçoava a hora em que a amara.” (REIS: 1975, P.198) A resistência ao casamento casamento como negócio se m manifesta anifesta em Luísa B B.... Em conversa

com Tancredo, lembra-se da vez em que desacatou a vontade do irmão, para casar-se com um homem mais pobre: 7

 

 

Mais tarde, um amor irresistivel levou-me a desposar um homem, que meo irmão no seo orgulho julgou inferior a nós pelo nascimento e pela fortuna. Chamava-se Paulo B... Ah! senhor! — «continuou a infeliz mulher» — este desgraçado consorcio, que attrahio tão vivamente sobre os dous esposos a colera de um irmão offendido, fez toda a desgraça de minha vida. (REIS, 1975: p. 80) A narradora empresta voz à mulher velha, pobre e paralítica. O problema da senescência aparece encarnado na personagem Luísa B (mãe da personagem homônima), e a reboque, a narradora constrói uma personagem completamente debilitada pelo galvinismo, fazendo com que exista, na literatura brasileira, uma personagem que  problematiza a deficiência física, por sua própria pró pria caracterização ficcional. A voz de Luísa B. traz consigo a perspectiva da mulher idosa e com problemas de saúde, e nem mesmo a uma personagem tão frágil fisicamente escapa à ruindade do senhor  patriarcal, representado, em relação a essa personagem, pelo seu marido Paulo B e seu irmão Fernando P. Luísa B como personagem de ficção representa o limite extremo da opressão do homem sobre a mulher. Ela encarna o próprio sofrimento, sua imagem toda construída pela imobilidade, pela prostração em uma cama por motivos de saúde debilitada, sua falência econômica, seu desamparo, apenas aliviado pela filha são elementos que denunciam os resultados da opressão masculina e seus efeitos sobre o corpo feminino, o corpo físico, como também o corpo sócio-cultural e psicológico, que lavam-na a dizer: “eu nada peço  para mim nada mais que a sepultura;” (REIS: 1975: p.77) p.7 7) Leiam-se as passagens em que a narradora descreve o encontro de Luísa B com

Tancredo, a caracterização da personagem feminina como metáfora extrema das mazelas decorrentes do mandonismo masculino: 7

 

 

O mancebo resentia-se ainda dos efeitos de uma longa enfermidade; e o seo rosto conservava morbida pallidez, que n’ess’ora sobresahia-lhe, augmentando a gravidade do seo porte, em presença d’essa mulher, que semelhava o proprio soffrimento. E elle entrou; mas ao aproximar-se do leito de Luísa B. uma commoção de pesar lhe ferio a alma. E’ que n’esse esqueleto vivo, que a custo meneava os braços, o mancebo não podia descobrir sem grande custo os resto de uma penosa existencia, que se finava lenta e dolorosamente. Estremeceo de compaixão ao vel-a; porque em seo rosto estavam estampados os sofrimentos profundos, pungentes, e inezprimiveis da sua alma. E os labios lividos e tremulos, e a fronte palida, e descarnada, e os olhos negros, e alquebrados diziam bem quanta dôr, quanto sofrimento lhe retalhava o peito. (REIS: 1975, p. 76) A narradora leva o discurso narrativo a um posicionamento multiperspectivado, ao mostrar que nas profundezas de uma caracterização de enfermidade, de dor e sofrimento, havia os restos de uma beleza que foi se transformando em ruína ao longo da vida, por vivenciar as experiências sacrificiais a que a mulher fora submetida. A continuidade da  beleza e do sofrimento so frimento e sua per permanência manência no mundo fora legada a Úrsula, que co como mo a mãe, outrora bela, padecerá, e terá ao fim do romance sua beleza sacrificada pela loucura e pela morte. O tom de ruína torna-se eufemizado pela descrição da narradora, que leva a enunciação narrativa para o tempo em que a mãe de Úrsula era jovem, e compara mãe e filha. Porém, a imobilidade de Luísa B. volta a ser perspectivada logo em seguida pela narradora, que finaliza a apresentação da senhora paralítica a Tancredo, reforçando os seus aspectos mórbidos e degradantes:

Luisa B... fora bella na sua mocidade, e ainda no fundo de sua enfermidade podia descobrir-se leves traços de uma passada formosura.

Ursula com herdara as doces feições de sentiu sua mãe. Então od’esse mancebo contemplou-a religioso respeito, e o que em presença leito de tão apuradas dôres mal podia dizer.

7

 

 

Semelhava um cadaver a quem o galvinismo imprestara movimento limitado as extremidades superiores, myrrhadas e pallidas, e brilho a uns olhos negros, mas encovados. (Ibdem) A taciturnidade se manifesta como característica materializada e idealizada dos sofrimentos vividos pela mulher em uma sociedade machista. O esgotamento da força leva a voz de Luísa B. a se arrastar pela narrativa. Os espaços em que a narradora a situa são o quarto onde Luísa B. está entrevada na cama e o cemitério. Estes espaços em que a  personagem habita, por estar literalmente literalmente prostrada, manifestam bem a perspectiva  patriarcal do lugar cabível ao feminino, e ilustram o emudecimento, o confinamento em seus limites e aspectos extremos. Mesmo sob a forte caracterização do aprisionamento, Luísa B. possui voz para denunciar não só as mazelas de sua condição de abandonada e doente, como também para denunciar a impunidade aos crimes praticados pelos senhores patriarcais:

 Ninguem, a não ser eu, sentio a morte de meo esposo. A justiça adormeceo sobre o facto, e eu, pobre mulher, chorei a orphandade de minha fulha, que apenas sahia do berço, sem uma esperença, sem um arrimo, e alguns mezes depois, veio a paralisia — essa meia morte — roubar-me o movimento e tirar-me até o goso ao menos de seguir os primeiros passos desta menina, que o céo me confiou. (REIS: 1975, P. 81) Todo o discurso da personagem Luísa B. surge de uma situação dialógica com Tancredo. No entanto, permeia esse diálogo a digressão da narradora, que constrói a partir do discurso indireto livre as caracterizações da mãe de Úrsula. A narradora desvenda suas intenções, os seus gestos, a sua sabedoria em caracterizar o feminino em múltiplos aspectos.

7

 

 

O tom moribundo do discurso faz com que a imagem de Luísa B. represente uma mulher traumatizada. E as vozes da narradora e da personagem se entrelaçam, para revelarem os desvelos de uma mãe cuja filha se torna indefesa pela falta da presença do pai:  — Ha dose annos a nnos — «co «começou meçou Luisa B... suspirando aquele suspiro, suspiro , que vem do fundo da alma, não para comover a outrem, e captar a sua attenção, ou a sua bondade; mas aquelle suspiro, que é o momentaneo, mas triste alivio de um soffrimento apurado e baldo de toda esperança» — Ha dose annos que arrasto a custo esta penosa existencia. Deus conhece o socrifício, que hei feito para concerval-a. Parece-vos isto incomprehensivel?  — « interrogou ella ao mancebo, que attento a escutava» — Sou mãe, senhor! Vede minha pobre filha! é um anjo de doçura e bondade, e abandonal-a, e deixal-a só sobre este mundo, que ella mal conhece, é a maior dôr de quantas dores hei provado na vida. Sim, é a maior dôr —«continuou ella com amargo acento» — porque então perderá o unico apoio que ainda lhe resta! Ao menos se meo irmão podesse esquecer o seo odio, e protegela!... (REIS: 1975, p. 79) Luísa B. caracteriza-se como uma personagem de ficção que traz em si a mulher esposa, idosa, a mulher viúva, a mulher com deficiência física, a mãe, a sogra, a irmã. A dimensão feminina, vista pela narradora dentro de um multiperspectivismo narrativo, situa uma única personagem em vários papéis sociais e levanta a crítica sobre a situação feminina em vários aspectos. A construção da personagem multifaceada revela o feminino fora de uma fixação  baseada em estereótipos, problematiza-o de maneira inovadora, compondo-o, de modo a demonstrar os diversos papéis sociais a que uma única mulher poderia ser enquadrada no âmbito cultural do século XIX. A preocupação de mãe, com o bem-estar da filha, leva Luísa B. a duvidar até mesmo de Tancredo, e não legitima passivamente a união dele com Úrsula. A precaução da

 personagem em e m não aceitar de pronto o casamento do par romântico caract caracteriza-a eriza-a fora do doss  padrões interesseiros, que norteavam os casamentos na época em que o romance fora  

7

 

escrito. Por sua condição economicamente decadente, por Úrsula não possuir dotes, Luísa B. se constrange ao saber que um mancebo distinto deseja desposar sua filha, mesmo que esta esteja apaixonada por ele, e mesmo que o amor entre os dois seja recíproco:

Luisa B... redusida a ultima miseria, e descobrindo nas maneiras de seu hospede os signaes de um nascimento destincto, assim como o explendor de uma prospera fortuna, jugou-se vivamente offendida por aquellas palavras proferidas com tanto arrebatamento, e que aos seos ouvidos pareceram insultuosa offensa; e resentida, invergonhada, e quasi que desesperada, abandonada já de forças, cahio quasi que completamente desmaiada nos braços de Ursula, que lhe brandava: — Minha mãe... minha mãe!... (REIS: 1975, p. 83-4) A elevação moral se manifesta em uma mulher cujo corpo representa o resultado extremo do poder patriarcal sobre o feminino. As palavras que ouvira eram a confissão de Tancredo, dizendo que cuidaria de Úrsula, porque a amava. Não foi pelo amor de Tancredo a sua filha, ou pelo tom eloquente com que o mancebo jurou amor à sua amada, em  presença de Luísa B., que esta se afeto afetou, u, mas pelo fato de tter er percebido através da fala de Tancredo a posição social do mocinho, e tê-lo igualado a Fernando P.. Um sintoma do trauma de uma mulher que passou parte da vida sendo submetida aos mandos e desmandos do poder masculino, não desejando à sua filha o mesmo destino. Sua doença, sua condição de pobreza, os infortúnios sofridos não impedem que Luísa B. tenha elevação moral, portanto ela se constrange com a união de sua filha com um homem melhor situado na sociedade. Essa não aceitação imediata confere à personagem uma autonomia em relação aos personagens patriarcalizados, pois a sua perspectiva não faz de Úrsula uma mercadoria, que pode ser comprada com dinheiro, ou com a promessa da

felicidade domesticada, ou simplesmente porque um homem afortunado deseja desposá-la e  portanto ela deve aceitar, apenas para fazer-lhe a vontade.

7

 

 

Úrsula não Ao sabor do acaso, o romance Úrsula  não deixa de pagar tributo ao casamento de castas, entretanto o recurso da narradora em aproximá-los como consangüíneos, não passa de uma estratégia (bem realizada) para as intrigas que fazem a narrativa ser bem movimentada, quer em seu plano de ação, quer em seu plano estético. Úrsula, ao saber-se prima pobre de Tancredo também se abate, e revela, com seu comportamento, a dignidade de uma virgem pura e desinteressada em bens materiais, que almeja para sua existência o amor ideal, o amor ao amor, e não o interesse escondido por detrás de cortesias que visam à subida na escala social, através do casamento com um homem rico:

Então uma viva pallidez tingio as faces avermelhadas da pobre Ursula, que na sua ingenuidade nunca tinha indagado do nobre cavalheiro o seo sobrenome. Sabia de seo nome, que era Tancredo, e esse lhe bastou; seo nascimento, sua posição social, não lhe lembraram ao menos. Ella amou o mancebo desconhecido, seo amor era por tanto desinteressado, mas agora que um nome illustre lhe soara aos ouvidos, agora que ella acabava de reconhecer no mancebo seo primo, de destincto nascimento, sua fonte curvou-se abatida, como a flor que, no arrebol da manhan ostentando beleza e sedução, vai rastear na terra, quebrada a haste por furacão violento. (REIS: 1975, p. 85) Tancredo precisa de esforçar-se para convencer Luísa B. de que suas intenções são das mais nobres possíveis, de que não faz parte da cultura patriarcal calcada no mandonismo e na opressão sobre a mulher. Sua atitude passa a ser a de reconquista, pois a dignidade de Luisa B. e de Úrsula determina-lhe a exclusão de qualquer ranço patriarcal, em sua conduta. Tal circunstância do romance revela o poder da mulher sobre o homem, homem, e reforça o seu caráter ideológico de reconhecer no feminino a sua força, o seu vigor, mesmo

dentro de um condicionamento cultural favorável ao homem, e mesmo que a imposição a Tancredo venha de uma velha, paralítica, paralítica, sofredora e sem prestígio econômico:

7

 

 

 — Perdoai, senhor, se não tenho bastante confiança em vós. Bem vedes a que estado me vejo redusida... e eu nunca aspirei a mão de um homem como vós para minha filha. Tancredo de*** quem vos não conhece? sois grande, sois rico, sois respeitado; e nós, senhor? nós que somos?! Ah! vós nãoera podeis desejar para vossa esposae sem a minha pobre Ursula. Seo pae, senhor, um pobre lavrador sem nome, fortuna. O mancebo sorrio-se, e redarguiu-lhe:  — Então recusais-me a mão de vossa filha?  — Oh! senhor — « tornou Luiza» — minha filha é uma pobre orphan, que só tem a seo favor a innocencia, e a puresa de sua alma.  — Ursula, — «disse o mancebo, voltando-se para a donzella» —  pelo amor do Céo, fazei conhecer à vossa mãe a lealdade dos meos sentimentos. (REIS: 1975, p. 86) O consentimento de Luísa B. ao casamento de Tancredo e Úrsula não se manifesta sem crítica, sem ressalvas, pois sua legitimação de mãe vem carregada de forte consciência sobre sua situação cultural e de sua filha. O posicionamento subalterno da mulher na sociedade provinciana dos tempos coloniais coloca-se questionado por Luísa B., sua capacidade reflexiva problematiza o casamento que se constrói como prática das escolhas masculinas impostas pelo feminino.  Nas passagens do romance Úrsula Úrsula   em que Luísa B. induz Tancredo a revelar sua identidade cultural, a mulher se põe em um patamar superior ao mandonismo patriarcal, e segue o seu destino através de escolhas próprias, fazendo-se não mandada, não subordinada, mas com que valha a sua opinião e não a que se lhe impõe. Preta Susana, em condição de escrava, sofre as mazelas do mandonismo patriarcal. Através dessa personagem, o romance Úrsula Úrsula denuncia  denuncia não apenas a violência da cultura colonial praticada sobre a mulher branca, mas inclui em sua defesa a voz da escrava africana, o direito à liberdade. Como na fala em que a personagem caracteriza o esposo de

Luísa B.: “Seo marido era um homem mau, e eu suportei em silencio o peso do seo rigor” (REIS: 1975, p.94). 7

 

 

Fernando P., ao não conseguir arrancar de Preta Susana o paradeiro de Úrsula e Tancredo, condena-a ao aprisionamento, e a escrava resigna-se, mas com um gesto irônico.

 — Levem-na!— «tornou accenando para Susana» — Miseravel! Pretendeste iludir-me... saberei vingar-me. Encerrem-na em a mais humida  prisão desta casa, ponha-se-lhe po nha-se-lhe corrente corr ente aos pés, e à ccintura, intura, e a comida sejalhe permittida quanto baste para que eu a encontre viva. Susana ouviu tudo isto com a cabeça baixa; depois ergueo-a, fitou os céos, onde a aurora começava a pintar-se, como se intentasse dar à luz seo derradeiro adeos, e de novo volvendo para o chão, exclamou:  — Paciencia! (REIS: 1975, p. 138)  Nesta passagem passag em da narrativa há a última ap aparição arição de Pr Preta eta S Susana usana viva. Sua última fala revela que, mesmo sob o jugo escravocrata, indefesa, em meio ao senhor de escravos e seus capangas, a personagem preservou sua integridade moral. Na palavra “paciência”, ao mesmo tempo em que há a submissão (imposta e não escolhida) há a transgressão, que se sustenta na ironia. A imagem não se constrói por estereótipos, onde o desespero da escrava  poderia vir ao rasgo, pelo contrário, sua imagem se constrói a revelar a sua serenidade, a resignação sábia, em um tom meditativo que, em si mesmo, forma um ato de resistência. Sua última aparição na narrativa vem com a descrição de seu cadáver, enrolado em uma mortalha. Mesmo morta, Preta Susana perturba Fernando P., sua força como  personagem de ficção apresenta-se como o abalo que sua voz possui, no âmbito da narrativa. Seus restos mortais assombram o senhor patriarcal, e sua voz permanece fantasmagoricamente transfigurada no remorso do senhor de escravos, perturbando sua consciência:

—é «Susana! lhe disse apontando com o dedo na direcção do  poente» — — Vêdes? E’ ella,— O commendador levantou maquinalmente a cabeça e olhou.

7

 

 

Em uma rede velha levavam dous pretos um cadaver involto em grosseira mortalha; hiam-no sepultar! Então Fernando P... estremeceo; porque aos ouvidos echoou-lhe uma voz tremenda e horrivel que o gelou de medo. Era a voz do remorso  pungente e agudo, que sem treguas nem pausa acicalava o seo coração febera por febera. (REIS: 1975. P. 187) O par romântico Tancredo e Úrsula não se inclui no rol dos relacionamentos onde se concretiza o poder do homem sobre a mulher por conta do poder econômico. Embora este casal não inove no aspecto ideológico, seu envolvimento resulta do motivo encontrado  pela narradora para tirar o véu do doss relacionamentos que evidenciam o abuso de poder dos fazendeiros e comendadores em relação às suas irmã, esposa, sobrinha, enteada, escrava. O relacionamento do casal romântico serve como modelo do amor ideal, que foge ao autoritarismo e se funda no respeito recíproco entre homem e mulher, que buscam juntos a felicidade e a liberdade, e se impõem juntos ao mandonismo, mesmo que sua plena realização seja por ele impossibilitada.

7

 

 

5 A forma estética e ideológica do negro no romance Úrsula Úrsula   A narrativa romântica com seus exageros sentimentais, por vezes, excede a idealização ingênua para desembocar nos aspectos mais contundentes da realidade histórica. O Romantismo, com comoo acepção estética e locali localizado zado no âmbi âmbito to da li literatura teratura  brasileira, assumiu, pelo viés da marginalização, o aspecto narrativo que focaliza as  personagens dando a elas originalidade, e deslocando o cânone literário de sua circunferência tradicional ao que diz respeito a formas literárias da estética construtiva e dos seus conteúdos ideológicos evidentes na caracterização do negro como personagem da narrativa literária. Úrsula,, ao que tange à construção de Assim se deu o processo narrativo do romance Úrsula  personagens negras como elemento fundamental da urdidura do enredo, diferentemente da dificuldade em dar conta da presença tão incômoda qual fosse o negro, tão pouco propício a idealizações, tão ameaçadora em seu quase silêncio reservado, como atesta Heloísa Toller Gomes (TOLLER: 1988), em seu estudo sobre as manifestações do negro no Romantismo  brasileiro. Túlio, Preta Suzana e Antero são personagens cujas identidades culturais se destacam no plano construtivo do romance Úrsula Úrsula por  por suas vozes elaborarem a crítica ao

 processo escravocrata, escravocr ata, subsidiando a realidade histór histórica ica ao processo da criação da narrativa literária, e sendo personagens fundamentais na trama da narrativa, por apresentarem papéis 8

 

 

importantes no desenrolar do enredo, papéis que funcionam como dispositivos para a articulação dos acontecimentos. Tais personagens, consideradas ssecundárias, ecundárias, por aqueles  Úrsula,, aparecem, ao contrário, em um que se debruçaram criticamente sobre o romance romance Úrsula  plano muito relevante no âmbito da narrativa, tanto para a sua organização literária literária como  para o seu fundo ideológico. Túlio, Preta Susana e Antero agregam caracterizações morais que os diferem dos estereótipos articulados pelos processos culturais e literários do século XIX, sua função de  personagens impõe à narrativa acontecimentos que não seriam possíveis caso fossem construídos de outra maneira. Sua existência na narrativa revela a movimentação descritiva em face dos acontecimentos do enredo e sua caracterização se dá muito além do que disse brasiliano: Giorgio Mariotti, em seu livro Il livro  Il negro nel romanzo brasiliano:

Gli schiavi descritti in Ursula rientrano anch’essi nella regola: Túlio è lo schiavo buono che anche dopo esser stato liberato sceglie di continuare a servire Tancredo, il nuovo padrone; Susana è la buona vecchia negra, la mãe preta, preta, la mamma negra, che si sacrifica pe salvar ela sua padroncina. 2 (1982: 11). Dessa maneira, suas vozes aparecem em dissonância com os discursos histórico e literário tradicionais, porque as vozes se caracterizam como africanas e persuasoras, e não aparecem apenas como vozes de escravos, que aceitam a subordinação ao poder patriarcal e escravocrata, são os próprios negros que se pensam, que se expressam. Do ponto de vista da enunciação narrativa, são eles que se manifestam sem que sejam mediados por um narrador que se harmoniza com os valores tradicionais do patriarcado brasileiro escravagista. Porém

uinte regra: Túl Túlio io é o escravo bom, mesmo depois depois de ser Os escravos descrito itos s em Úrsula  fazem parte da seguinte liberto escolhe continua liberto continuar a servir Tancredo, seu novo novo senhor; Susana é a boa velha negra, a mãe ãepre preta, que se sacrifica sacrif ica parasalvar suasenhorinha. senhorinha. Tradu Tradução deJuliano uliano Carrupt do Nascimento.



8

 

 

existem diferenças específicas tanto na manifestação das respectivas identidades culturais quanto na construção de Preta Susana, Túlio e Antero enquanto personagens literários. As diferenças das identidades culturais aparecem no desenvolvimento do papel assumido por eles no plano da narrativa, fazendo com que Preta Susana e Antero sejam africanos de origem e Túlio seja africano por descendência. E mesmo entre a Velha africana e o ancião há diferenças ideológicas impregnadas na construção narrativa dessas  personagens, uma vez que Antero aparece na urdidura do texto como um fracassado, alcoólatra, derrotado pelo processo colonial instituído no Brasil. Segue-se a sua caracterização no plano da narrativa, caracterização esta que se alinha aos estereótipos fixados acerca do negro, na cultura e literatura brasileiras, do negro indolente e viciado, incapaz de assumir responsabilidade: “Antero era um escravo velho, que guardava a casa, e cujo maior deffeito era a affeição que tinha a todas as bebidas alcoholisada.” (REIS: 170) Sua participação na trama do romance se dá inclusive ao lado do poder dominante, como serviçal de Fernando P., sua função na peripécia do enredo consiste em tomar conta de Túlio, que está aprisionado em uma ruína arquitetônica, para que não avise a Tancredo que o algoz quer matá-lo. O fracasso de Antero se dá pelo seu vício no álcool, pois, embriagado deixa que Túlio fuja.  Na construção narrativa de Antero há uma volubilidade, pois, quando sintonizado ao poder dominante, como escravo fiel e subordinado aos mandos e desmandos de Fernando P. ele se mostra como um capataz:

Em presença dos dous homens de má catadura e feições horrendas,

Em presença dos dous homens de má catadura e feições horrendas, elle mostrou-see rigido, atirou com ovivamente prisioneiroem para um quarto humido nauseabundo, mostroue interessar-se cumprir as ordens, quee recebera. Depois collocou-se à porta, qual fiel cão de fila à quem o dono deixou de guarda à sua propriedade ameaçada por ladrões. (REIS: Ibidem) 8

 

 

Porém, ao encontrar-se só com com Túli Túlioo se alinha aos sentimentos do jjovem ovem escravo, tenta inclusive consolá-lo: “Antero, que tambem soffria, quis destrahil-o de seos  pensamentos dolorosos, e murmurou: ― Meo filho, não que a noite assim vae tão lenta e

fastidiosa?” (Ibidem:171). A consternação que Antero sente ao perceber Túlio aflito por estar prisioneiro quando Tancredo corre perigo, faz com que o Velho africano deixe fluir o outro lado de sua caracterização, pois se compadece de Túlio, demonstrando que não se faz de completamente mau, e mostrando alguma nobreza em sua moralidade. Assim Antero se mostra compadecido com o sofrimento de Túlio:

A tristesa e o abattimento, que se debuxavam n’aquele rosto nobre, contristaram ao seu guarda, que attento o considerava. ― Coitado! ― ‹ dizia elle lá consigo› ― sua pobre mãe acabou sob os tractos de meo senhor!... e elle, sabe Deos que sorte o aguarda! Pobre Tulio!... (Ibidem:) Antero chega ao ponto de ser consciente do seu vício no álcool, e faz dele um refúgio para os tormentos de ser um africano escravizado no Brasil, sua evasão se dá no  plano anímico, com a ajuda da cachaça e, no plano cultural, através da memória. Vê-se a angústia que o envolve pela falta de aguardente: O velho esteve por algum tempo recolhido em si mesmo; depois levantou-se pegou de uma cuia e tractou de lançar-lhe dentro o que quer que era que estava em uma cabaça. Mas esta estava completamente vazia. Antero arremessou-a longe de si com certo àr de despreso, suspirou e depois disse: ― Maldicto vicio é este! Eque não possa eu vencer semilhante desejo!

Oh! Acredita me, Tulio

, estala me a garganta de seccura. E como

não haArre! de assim ser?uma Desde chegou senhoruuma que não de mato o  bicho. e nem pingaque de aqui cachaça! nemmeo ao menos ma isca fumo siquer para o caximbo. (Ibidem: 171-2)

 

8

 

Túlio, ao perceber que Antero possui a fraqueza do vício, resolve dar-lhe uma lição de moral, porém surpreendentemente o Velho africano situa o conceito de vício em álcool no Brasil e a sua diferença em África. A bebida tomada por um escravo e a bebida tomada  por um homem trabalhador trabalhado r e livre situa-a como “válvula de eescape” scape” para a sua condição de escravo, e no passado remoto como costume sustentado pela moral do trabalho:

E’ o unico vicio que tenho; e ainda por conserva-lo não prejudiquei a ninguem. Que te importa que beba, ― ‹acrescentou com voz que queria dizer: não tens coração› ― por ventura pedi-te algum dinheiro para fumo ou

cachaça? — e dizendo afagava a cabaça vazia com um desvelo todo  paternal, como que arrependido de tel-a despresado, a ella, a sua companheira constante. Pois bem ―‹continuou o velho› ― no meo tempo bebia muitas

vezes; embriagava-me, e ninguem me lançava isso em rosto; porque para sustentar meo vicio não me faltavam meios. Trabalhava, e trabalhava muito, o dinheiro era meo, não o esmolei. Entendes? (Ibidem: 172) O Velho africano traz para o romance Úrsula a originalidade de sua identidade cultural, ao evocar por meio da cachaça a África, sua evasão se justifica ideologicamente  pela dignidade do trabalho e dele vir o sustento para o vício do álcool. Há uma contraposição de valores em sua fala, onde o Brasil aparece como espaço da escravidão, e a África como lugar da liberdade humana. Tal armação ideológica se desenvolve através da qualidade da cachaça e da possibilidade de sua compra ― no no Brasil, Brasil, de péssima qualidade, e efeito da alienação do hhomem, omem, símbolo do ffracasso racasso e do vício; vício; em África, de boa qualidade e vinculada aos momentos de lazer, símbolo de descanso e fruição do homem

trabalhador ligado à Terra :

 

8

 

― Pois ouça-me, senhor conselheiro: na minha terra ha um dia em

cada semana, que se dedica à festa do ffetixe, etixe, e n’esse dia, com comoo não se trabalha, a gente diverte-se, brinca, e bebe. Oh! lá então é vinho de palmeira mil vezes melhor que cachaça, e ainda que tiquira. (Ibidem: 172-3) A voz dessas personagens negras elabora a identidade cultural do negro como  personagem principal, em determinados momentos da narrativa. Suas vozes e, consequentemente, suas caracterizações assumem autonomia dentro do plano narrativo, seja pelo fato de construírem elementos estéticos inovadores ou porque representam o negro do século XIX como sujeitos identitários e não como objetos forjados pelos discursos histórico e literário, ou pelo fato de se instaurar, pelo viés da originalidade, o negro como  personagem de ficção capaz de reagir às mazelas históricas que o impediram de aparecer como herói no romance brasileiro. Há neles uma reivindicação estética e outra ideológica de visibilidade literária, humana e social. Muito diferentemente das narrativas tradicionais Úrsula   há originalidade que abordaram o negro no século XIX no Brasil, no romance Úrsula expressiva, por eles (os negros) aparecerem ligados à identidade africana e não apenas como mercadoria ou escravo sofredor das imposições escravocratas. Brasil, contextualiza algumas Antonio Candido, em seu livro O Romantismo no Brasil, obras e autores que inscreveram o nnegro egro no âmbito âmbito daquele período li literário, terário, e que assumiram ou não a abolição da escravatura. Maria Firmina dos Reis difere de todos eles  pela originalidade o riginalidade da obra e por ser mulher pro produzindo duzindo eem m um momento histórico em que os homens predominam do universo intelectual. Eis as considerações do crítico em relação ao negro na narrativa brasileira do século XIX:

Sem ter assumido posição abolicionista, José de Alencar, que morreu quando começava a fase aguda do movimento, se preocupava entretanto com os efeitos morais negativos da escravidão e as iniquidades que ela 8

 

 

gerava, e sobre isso produziu uma comédia e um drama: O demônio  familiar (1857) e  Mãe  Mãe   (1859). Joaquim Manuel de Macedo escreveu no mesmo sentido algumas narrativas reunidas no livro  As vítimas algozes (1869), e abertamente abolicionista foi o famoso romance de Bernardo  A escrava Isaura (1875), que é muito ruim mas causou grande Guimarães, A Guimarães, efeito, pois descreve a situação extrema de uma jovem que é branca no aspecto, mas de condição servil, podendo ser comprada e vendida. (2004: 68-9) Considerando apenas a sua manifestação no plano geral da narrativa, percebe-se a voz tríplice da personagem negra e não apenas o discurso autoritário do senhor patriarcal,  pois apenas o tecer da identidade africana: or oraa como da mulher escrava, oora ra do negro como  parâmetro moral, e ora como do negro ancestralizado e vilipendiado,

já confere

autenticidade ao discurso estético e ideológico: estético porque se utiliza de estruturas  próprias do discurso literário; ideológico por porque que se manifesta co como mo a voz que rompe ro mpe com a opressão escravocrata e senhoril. O romance apresenta em sua estrutura narrativa o desenvolvimento da memória como elemento construtivo, e ela se articula no plano discursivo através de diálogos das  personagens. A narrativa em si mesma cede lugar para formas dialógicas e se apresenta apenas como localização espacial, caracterização de tempo e personagens, ou apenas para indicar que a personagem tal, em um momento tal, disse ou pensou isso ou aquilo. Úrsula,, a instância Várias narrativas são compostas no corpo estrutural do romance Úrsula de enunciação narrativa apenas costura o gesto discursivo das personagens, entremeando os elementos estruturais do discurso com as falas das personagens. A escrita de Maria Firmina dos Reis não obedece a apenas um fio narrativo, ela se faz múltipla, e como parte dessa

multiplicidade está a voz da identidade africana, construída literariamente pela narradora. Como exemplo da força da caracterização do sujeito africano, cita-se a passagem em que Preta Susana aparece pela primeira vez no discurso. Uma descrição brevíssima, 8

 

 

apenas para que a personagem seja situada no corpo estrutural da narrativa. Tanto que a descrição física da personagem, contrasta com a sua fala e consciência que a definem mais amplamente, pela riqueza de sua constituição africana, desdobrada em miséria material e riqueza cultural: Susana, chamava-se ella, trajava uma saia de grosseiro tecido de algodão preto, cuja orla chegava-lhe ao meio das pernas magras, e descarnadas como todo o seu corpo: na cabeça tinha cingido um lenço encarnado e amarello, que mal lhe occultava as alvissimas cans. (REIS: 1975, p. 89). Úrsula   obedece a emaranhados discursivos que se A narrativa do romance Úrsula conectam e formam tanto o enredo quanto a trama vinculando a mesma personagem a diferentes aspectos de caracterização. Isso acontece com Preta Susana, pois fisicamente ela se apresenta de determinada maneira, e cultural e animicamente de outra, muito mais abrangente que aquela citada acima. A consistência dos elementos que dão uma coerente formulação do relato impõe à trama uma urdidura que faz a narrativa propor as personagens de maneira muito variada,  porque a técnica discursiva que articula art icula o emaranhado de vozes, a localização e as situações das personagens possibilita a apreensão estética e ideológica explodindo na construção histórica do negro sendo reelaborada pelo discurso da literatura. O negro não deixa de ser escravo, mas sua articulação enquanto personagem arma-se dentro de uma estética muito  peculiar, por apresentá-lo como sujeito importante para o desenvolvimento da trama literária, e não como uma mera personagem secundária. A trama,

sendo o centro do di discurso, scurso, enquanto organização dos elementos

construtivos da narrativa, forja a inserção do negro através da voz de sua identidade cultural mostrada por si mesma, sem o intermédio da diferença ou da inferiorização: o negro no  

8

 

leitmotiv   formal, que articula a romance Úrsula, apenas se manifesta. Uma espécie de leitmotiv manifestação de temas e ideologias expressos no enredo. A trama possibilita a construtividade literária da narrativa de Maria Firmina dos Reis, pois ela torna complexa a vulgaridade romântica demasiadamente trabalhada pela autora. Assim, o negro se impõe como personagem relevante e não como antagonista, ou simplesmente figura secundária no âmbito do plano narrativo, se impõe enquanto sujeito identitário cuja identidade se intensifica por suas próprias carcterísticas que se constróem a partir da criação narrativa. O negro passa a ser a voz de sua própria narrativa seja literária, seja histórica. A memória atua como força propulsora à exortação que Preta Suzana faz a Túlio; só o fato de uma personagem mais velha aconselhar uma personagem mais nova dá o indício de que costumes da cultura africana se manifestam na caracterização das personagens, já que o velho possui a guarda da memória e da ancestralidade das tradições. Tal aconselhamento se dá pela experiência, pela sabedoria daquele que conta estórias, Preta Suzana encarna o Griott , ao evocar a sua vida em África antes de ser tornada escrava, o  processo de aculturação dentro do navio negreiro e a conservação da memória africana em  pleno processo histórico da escravidão no Brasil. Brasil.   O discurso de Preta Suzana, sendo motivado pela memória e com a finalidade de mostrar a africanidade do conceito de liberdade ao jovem Túlio, produz o que Jaques Le Goff (2003: p. 423-6) denominou de memória étnica. A memória étnica se caracteriza nos povos sem escrita como elemento que dá um fundamento à existência das etnias ou das famílias, isto é, dos mitos de origem. O domínio coletivo de um fato arraigado

historicamente nos indivíduos, de uma determinada sociedade, destinado à transmissão de saberes quea identificam-nos como pertencentes a estamais ou aquela identidade cultural, memória étnica ou coletiva se apresenta como criadora que repetitiva. (Ibidem)

8

 

 

A velha africana, ao trazer para a presença de Túlio a sua terra de origem, a ancestralidade do povo africano, propõe uma outra visão acerca da mulher negra no plano literário brasileiro do século XIX, porque a atuação da memória manifesta em Preta Suzana faz emergir a negra africana crítica, dotada de sentimentos e reflexão, e não o estereótipo cristalizado pela literatura dos oitocentos, onde a m mulher ulher negra aparece como mucama, mãe de leite e mero pasto sexual para os senhores de escravos, ou simplesmente uma criatura que tem vilipendiadas a sua humanidade e a sua constituição de sujeito sem identidade cultural própria. Preta Suzana, como personagem, reflete a crítica ao  posicionamento preconceituoso e tradicional da época, em que se concebia as pessoas trazidas da África como mercadoria. A resistência ao estereótipo e a busca à identidade cultural africana são as principais caracterizações da personagem em estudo, ela aparece no plano da narrativa como voz da África que se quer permanente, autêntica, viva e resistente à opressão escravocrata. Sua memória a transporta para o seu lugar de origem, recria a vida que fora interrompida pelo  processo colonizador; a memória memór ia atua como humanidade para par a diferenciar a ppersonagem ersonagem das concepções puramente objetivas do sistema escravocrata, que tratava a mulher negra como objeto. A proposição ideológica emerge da forma estética com que a voz de Preta Suzana se realiza. Preta Suzana faz de sua própria experiência um ensinamento para o jovem negro escravo Túlio, que pensa a liberdade como alforria. Em um momento do diálogo entre os dois, Preta Suzana ironiza a concepção de liberdade de Túlio: “— Tu! tu livre? ah não me

illudas! — exclamou a velha africana abrindo uns grandes olhos. Meo filho, tu és já livre?...” (p. 91). Em outro momento da fala de Preta Suzana, ela diz claramente que o  jovem negro está tro trocando cando um cativeiro ((regime regime po polí lítico tico da escravidão) por ooutro utro cativeiro 8

 

 

(ser fiel escudeiro de Tancredo), por este ter dado dinheiro a Túlio para que o negro comprasse a liberdade. “Que te adianta trocares um captiveiro por outro!” (p. 90), são as  palavras de Preta Suzana. Liberdade para ela consiste em ser livre em África, estar integrada à própria terra e não ser alforriada, ter a liberdade segundo as leis do sistema escravocrata não possui o verdadeiro sentido de liberdade. Preta Suzana descreve para Túlio o sentido africano da liberdade, discurso que discrepa da alforria ou manumissão, porque estes dois conceitos de liberdade foram forjados pelo sistema escravocrata que dá tratamento de mercadoria ao negro, a imagem da lágrima em Preta Susana se dá como manifestação da consciência ideológica, e não como mero sentimentalismo, pois a sentimentalidade que impregna o discurso da velha escrava veicula a concepção original de liberdade essencialmente ligada à identidade cultural africana:

 — Sim, para que estas lágrimas?!... Dizes bem! Ellas são inuteis, meo Deos; mas é um tributo de saudade, que não posso deixar de render a tudo quanto me foi caro! Liberdade! liberdade... ah! eu a gosei na minha mocidade! — « continuou Susana com amargura » —. Tulio, meo filho, ninguem a gozou ampla, não houve mulher alguma ditosa do que eu. Tranquilla no mais seio da felicidade, via despontar o sol mais rutilante e ardente do meu paiz, e louca de prazer a essa hora matinal, em que tudo ahi respira amor, eu corria as descarnadas e arenosas praias, e ahi com minhas jovens companheiras, brincando alegres, com o sorriso nos labios, a paz no coração, divagavamos em busca das mil conchinhas, que bordam as brancas areias d’aquellas vastas praias. Ah! meo filho! mais tarde deram-me em matrimônio a um homem, que amei como a luz dos meus olhos, e como  penhor dessa união veio uma filha querida, em quem me revia, em quem tinha depositado todo o amor da minha alma: — uma filha, que era a minha vida, as minhas ambições, a minha suprema ventura, veio sellar a nossa tão sancta união. E esse paiz de minhas afeições, e esse esposo querido, e essa

filha tão extremamente amada, ah Tulio! Tudo me obrigaram os bárbaros a deixar! Oh! tudo, tudo até a própria liberdade! (p. 91-92)

9

 

 

A fala de Preta Suzana funda na literatura brasileira a africanidade elaborada pelo  próprio africano. a fricano. As caracter características ísticas ro românticas mânticas da fugacidade e da evasão, do rretorno etorno a um tempo passado, a idealização de como o mundo deveria ser enquanto crítica à realidade servem de veículo para a caracterização de uma velha africana que culturalmente se aproxima de sua identidade, criticando, dentro da literatura, o estado escravocrata da realidade histórica brasileira. Preta Susana aparece como uma personagem romântica que busca o exotismo para fugir de determinada realidade opressora, no entanto, mais que ser uma personagem caracterizada como romântica, ela usa o procedimento estético do exótico como padrão literário, a fim de se impor exatamente como personagem histórica despatriada e elaborar a cor local da África como elemento da descrição narrada e dizer que o Brasil vigente no Úrsula consiste romance Úrsula  consiste em um espaço opressor. A força da memória como presença do passado traz para a linguagem literária a  perspectiva do próprio negro sobre a sua situação em terr terras as brasileira. Sendo Preta Suzana mulher e negra, são duas fronteiras que se tornam ultrapassadas: o dizer da mulher a respeito de sua construção identitária e o dizer da mulher negra voltado para as suas  próprias origens: a África. Assim Preta Suzana assume para si a coletividade, a interrupção de milhões de vidas que foram tiradas de suas nações, costumes, experiências dilaceradas pelo processo colonizador; a personagem simboliza a voz que se ergue para reviver as tradições de um espaço mítico estereotipado pelo regime escravocrata, funda a essência da identidade

cultural africana por dentro, constrói o imaginário destoante à imagem que a mulher negra recebeu tanto do discurso histórico quanto do discurso literário, por estudiosos como Gilberto Freire e literatos como Aluízio de Azevedo. 9

 

 

O processo de idealização não obedece ao espaço brasileiro, este se torna ultrapassado pela memória da personagem, e aí está a inovação estética, porque se utiliza de um processo estilístico que caracteriza a dicção romântica para elaborar uma percepção ideológica pertinente no plano da obra e persuasora no plano da cultura. Preta Suzana inova medieva   européia ou ao passado de a velha reminiscência de se retornar ou à cultura medieva Pindorama dos índios brasileiro, pois a África passa a ser o espaço da idealização, dos sonhos, da integração humana com a natureza e com a cultura, e principalmente, da liberdade. A crítica à realidade histórica e aos costumes brasileiros não paga tributo à Idade Média européia, nem tenta fundar o passado “pré-cabralino” do Brasil. A realidade do  presente histórico histó rico manifesto na narrativa ppermea-se ermea-se de africanidade africanidade;; Preta Suzana integra a África na cultura brasileira sem apelar para o exotismo, ou melhor, integra a cultura  brasileira à África, a uma África ancestral, ainda não destruída pela invasão do colonialismo europeu. Mesmo ao que toca o bom tratamento di dispensado spensado a ela por Úrsula e por Luíza B. (suas senhoras) não diminui a perda dos elementos que constituem seu senso de nação, de identidade cultural, Preta Suzana não aceita o cativeiro, ainda que ele seja amenizado pela  bondade de suas senhoras: senhor as: O senhor Paulo B... morreo, e sua esposa, e sua filha procuraram em sua extrema bondade fazer-nos esquecer nossas desditas! Tulio, meo filho, eu as amo de todo o coração, e lhes agradeço: mas a dor, que tenho no coração, só a morte poderá apagar! — meu marido, minha filha, minha terra... minha liberdade... (p. 94-95)

Seguindo o itinerário da memória étnica ou coletiva, a velha africana narra a violência a que os mercadores de escravos submetiam os negros desde o momento da  

9

 

captura até o desembarcar em terras brasileiras. Vale lembrar, que estas passagens em que constam a fala de Preta Suzana se referem à sua exortação a Túlio, para ensinar a ele o conceito de liberdade elaborado pela africanidade. Tais passagens são expressões dialógicas importantes para a construção do romance Úrsula Úrsula,, as que se seguem possuem uma dicendi proposta indicação dicendi  proposta pela própria personagem “Vou contar-te o meo captiveiro” (p. 92) e realizam a atrocidade com que os negros eram submetidos na captura em terras africanas e na travessia do navio negreiro pelo Atlântico. Há a evidência da conversão humana em mercadoria de troca e mão de obra barata.  Neste caso há também a antecipação da proposta de Castro Alves, quando se propôs a  poetizar a situação do negro escravo, e, uma diferença fundamental o distancia da originalidade firminiana, pois, em sua lírica os poemas são narrativos e a sua voz enunciativa não vem da identidade africana, em sua lírica o negro não fala, aparece apenas narrado e descrito, não possui a internalidade do ponto de vista que há na longa passagem a Escravos (1864) do poeta baiano, seguir, que sozinha desconstrói toda a poética do livro Os Escravos (1864)  por ser a narração da própria escrava, e de maneira nenhuma a prática autoritária da descrição pura e simples armada por um processo distanciado (de fora) sobre o negro como figura literária:

Tinha chegado o tempo da colheita, e o milho e o inhame e o mendobim eram em abundancia nas nossas roças. Era um destes dias em que a naturesa parece entregar-se toda a brandos folgares, era uma manhã risonha, e bella, como o rosto de um infante, entretanto eu tinha um peso enorme no coração. Sim, eu estava triste, e não sabia a que atribuir minha tristesa. Era a primeira vez que me affligia tão incomprehensivel pesar.

Minha filha sorria-se para mim! Deixei-a nos braços de minha mãe, e fui-me à roça colher milho. Ah! nunca mais devia eu vel-a. ....................................................................................................... Ainda não tinha vencido cem braças de caminho, quando um assobio, que repescutio nas matas, me veio orientar acerca do perigo  

9

 

eminente, que ahi me aguardava. E logo dous homens appareceram, e amarraram-me com cordas. Era uma prisioneira — era uma escrava! Foi em  balde que supliquei em nome de minha filha, que me restituissem a liberdade: os barbaros sorriam-se das minhas lagrimas, e olhavam-me sem compaixão. Julguei enlouquecer, julguei morrer, mas não me foi possivel... a sorte me reservava ainda longos combates. Quando me arrancaram d’aquelles lugares, onde tudo me ficava — patria, esposo, mãe e filha, e liberdade! meo Deos! O que se passou no fundo de minha alma, só vós o  podestes avaliar!... Meteram-me a mim e a mais tresentos companheiro de infortunio e de captiveiro no estreito e infecto porão de um navio. Trinta dias de crueis tormentos, e de falta absoluta de tudo quanto é mais necessário à vida  passamos n’essa sepultura até que abosdamos às praias brasileiras. Para caber a mercadoria humana no porão fomos amarrados em pé e para que não houvesse receio de revolta, acorrentados como os animais ferozes das nossas mattas, que se levam para recreio dos potentados da Europa. Davamnos a agua immunda, podre dada com mesquinhez, a comida má e ainda mais porca: vimos morrer a nosso lado muitos companheiros à falta de ar, de alimento e de agua. E’ horrivel lembrar que creaturas humanas tractem a seos semelhantes assim e que não lhes doa a consciencia de leval-os à sepultura asphixiados e famintos! Muitos não deixavam chegar esse extremo — davam-se a morte.  Nos dous ultimos ddias ias não houve mais alimento. Os mais insofridos entraram a vozear. Grande Deos! Da escotilha lançaram sobre nós agua e  breu fervendo, que escaldo-nos e veio a dar a morte ao aoss cabeças do motim. A dor da perda da patria, dos entes caros, da liberdade foram suffocadas n’essa viagem pelo horror constante de tamanhas atrocidades.  Não sei ainda como resisti — é que Deos quis poupar-me po upar-me para provar a paciencia de sua serva com novos tormentos que aqui me aguardavam. (p.92-93-94)

 Neste trecho da narração, Preta Suzana caracteriza sua africanidade através do trabalho de cultivar a própria terra, uma metáfora do trabalho como auto-sustento, do trabalho livre dissociado do trabalho escravo imposto pelo colonizador. A negra africana aparece dotada de maternidade, fato que a difere, da mucama mãe de leite que tinha por obrigação amamentar os filhos dos brancos. A noção de mãe aparece sob duas acepções: a

mãe que da à luz a criança, a protege, que a ama, que cuida, a educa; e a mãe Terra que

9

 

 

oferece seus frutos a seus habitantes, a mãe África com sua esplêndida natureza e espaço da evasão pela qual passa Preta Suzana. A premonição sugere o estado de espírito que será imposto à mulher negra africana. A mãe, esposa, filha tornar-se-á meramente escrava. O fato de Preta Suzana narrar como era sua situação humana antes da chegada do colonizador em África torna-se importante  porque tira a mulher negra dos estereótipos conseqüentes do discurso do colonizador, dá a ela um passado humano e cultural, diverso do que vige ainda hoje no Brasil acerca da mulher negra, como se ela tivesse nascido a bordo do navio negreiro. Preta Suzana elabora a sua condição humana, sugere e ao mesmo tempo intensifica a noção de que as mulheres africanas tornadas escravas em terras brasileiras eram, em África pessoas livres, que tinham uma existência calcada em seus próprios princípios culturais, e exerciam papeis importantes dentro de suas respectivas sociedades. A mulher negra como metáfora, segundo a caracterização de si mesma feita por Preta Suzana em tempos “não coloniais africanos por antecedência ao processo histórico ocidental” traz a mulher africana como dado de humanidade, como sujeito atuante em uma sociedade, como elemento fundamental para o funcionamento de determinada cultura. A negra africana se expropria da exploração, a ela dão-se a vida, a dignidade, a consciência da liberdade. O tom gradativo da narração de Preta Suzana se torna angustiante, desesperado; a sua fala se torna pesada, reflexiva, contundente. Á proporção em que a voz voz da personagem revela os aspectos atrozes da memória étnica, quando entra em cena   a presença dos

mercadores de escravos, que capturam-na em terras africanas, converte-se a identidade essencialmente africana em uma espécie de reflexão do sujeito da africanidade sendo

 

9

 

aculturado dentro do navio negreiro, situação-preâmbulo do que viria a ser sua vida em terras brasileira.

6 Conclusão Úrsula,,  de Maria Firmina dos Reis, inaugurou, no âmbito da literatura O romance Úrsula  brasileira, a construção das identidades cu culturais lturais a partir do ponto de vista do doss oprimidos. 9

 

 

Sua narrativa, embora tenha como fundamento construtivo a estética romântica, usa a  principal manifestação do Romantismo, a idealização amorosa, como desvio de atenção, a fim de ludibriar o patriarcalismo escravocrata em torno das questões levantadas sobre o negro africano e a mulher. Procurou-se, por meio desta dissertação, demonstrar de que maneira acontece, na narrativa, a articulação estética da ideologia investida pela narradora, na urdidura do texto literáario. O levantamento acerca da crítica que visa a estudar a obra de Maria Firmina dos Reis levou à compreensão de que invisibilidade e cânone são conceitos relativos, caso aplicados ao romance Úrsula Úrsula,, já que existe um número razoável de estudos sobre a autora. Percebeu-se que a sua receptividade crítica se orientou basicamente pelos elementos ideológicos manifestos no romance, o negro e a mulher são os focos da crítica literária,  juntamente, com o pioneirismo de Maria Firmina F irmina dos Reis em relação à autoria auto ria feminina do romance brasileiro. Os capítulos desta dissertação se consolidaram a partir das relações entre estética e ideologia, visaram ao estabelecimento da forma como veículo ideológico na construção do discurso literário. Neles foram desenvolvidas idéias de como a narrativa comportou o discurso da mulher e do negro, de que maneira o encadeamento da trama formou os acontecimentos e as relações entre as personagens, visando sempre apreciar a revolução literária produzida por Maria Firmina dos Reis, não apenas no plano da autoria feminina como também no plano geral da literatura brasileira, por ironicamente radicalizar a naturalização submissa da mulher e também dar consciência étnica ao negro.

As estratégias usadas pela autora maranhense, para veicular ideais libertários, foram realizadas a partir da concepção romântica do discurso narrativo literário. Os pontos mais Úrsula são altos da realização estética presentes no romance Úrsula  são aqueles em que a radicalidade 9

 

 

da submissão feminina aparece como ironia à naturalização do emudecimento feminino, como também, aqueles em que a africanidade se manifesta como caracterização cultural do negro. O romance cria uma atmosfera, na literatura brasileira, em que os mitos de origem surgem efetuados fora dos padrões tradicionais, pois os heróis são os mandados, não os que mandam. O mandonismo se torna alvo de crítica para o olhar da narradora, que descoisifica a mulher e o negro, deslocando o poder para o próprio processo da escrita que se transforma em instrumento estético de observação e crítica aos costumes patriarcais e escravocratas. A função estética da narrativa possibilita ler o romance pelo ângulo da sentimentalidade romântica, do amor impossível entre o mocinho e a personagem homônima, da natureza como cenário do drama humano, dos assassinatos como sublimação para compensar o peso da existência; assim como sua função ideológica possibilita ler a narrativa como fundação da voz do negro africano na literatura brasileira, como crítica radical à escravidão do negro e à submissão feminina ao homem. Porém, a leitura que o romance merece, a meu ver, consiste na leitura de suas articulações estéticas e ideológicas. Essas duas categorias se harmonizam na estrutura narrativa, confluem para a realização literária e social da arte de escrever, simulam armadilhas que capturam leituras tendenciosas e tornam o romance literariamente rico. Este estudo está longe de ser uma conclusão abrangente do fenômeno narrativo que envolve a autora e sua obra, mas espero ter contribuído, pelo menos em partes, para que a Úrsula   se dissemine entre leitores de fruição e leitores de discussão sobre o romance Úrsula

fruição acadêmica.

 

9

 

7 Referência bibliográfica:

 In: Ursula: romance original brasileiro brasileiro.. ed. fac-similar. ALMEIDA, Horácio. “Prólogo”.  In: Rio de Janeiro: Gráfica Olímpica Editora LTDA, 1975. histórico. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2007. BASTOS, Alcmeno. Introdução Alcmeno. Introdução ao romance histórico. Rio BOURDIEU, Pierre. Pierre. A dominação masculina. masculina. trad. Maria Helena Kühner. 3º ed. Rio de Janeiro: Betrand Brasil, 2003. escrita.. Rio de Janeiro: BRANDÃO, Ruth Silviano. BRANCO, Lucia Castello.  A mulher escrita Lamparina editora, 2004. decisivos.. São Paulo: CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos Livraria Martins Editora v. 2, 1964. ensaios. São  ________. “Literatura de dois gumes.”  In: A educação pela noite e outros ensaios. Paulo: Ática, 2003. Brasil. São Paulo: Humanitas, FFLCH/USP, 2004.  ________. O Romantismo no Brasil. CARRIZO, Silvana. Fronteiras da imaginação: os românticos brasileiros: mestiçagem e nação.. Niterói: EdUFF, 2001. nação Brasileira. 2ª ed. COUTINHO, Afrânio; J. Galante de Sousa. Enciclopédia de Literatura Brasileira. rev., ampl., atual. e il. Sob a coordenação de Graça Coutinho e Rita M Moutinho. outinho. São Paulo: Global; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional: Academia Brasileira de Letras, 2001, V. II, p. 1357. COUTINHO, Eduardo. “Fronteiras imaginadas: o comparatismo e suas relações com a Teoria, a Crítica e a Historiografia literárias.” In literárias.” In:: Literatura comparada na América Latina: ensaios. Rio ensaios.  Rio de Janeiro: EdUERJ, 2003. CUNHA, Fausto. O Romantismo no Brasil: de Castro Alves a Sousândrade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra/ MEC-INL, 1971. DUARTE, Eduardo de Assis. “Pósfacio: Maria Firmina dos Reis e os primórdios da ficção Úrsula.. Atualização do texto e pósfacio IDEM. Florianópolis: Ed. afro-brasileira.” In: Úrsula MULHERES; Belo Horizonte: PUC Minas 2004.

EIKHENBAUM, Boris. Sobre a teoria da prosa.  In:  In:   Teoria da literatura: formalistas russos. Porto Alegre: Globo, 1976. russos. romântica . Trad. Orlando Vitorino. 2ª ed.. HEGEL. Estética: a arte clássica e a arte romântica. Lisboa: Guimarães Editores, 1972.  

9

 

HELENA, Lucia. A solidão tropical: o Brasil de Alencar e da modernidade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006. Memória.. Trad. Bernardo Leitão, Irene Ferreira, Suzana LE GOFF, Jaques.  História e Memória Ferreira Borges 5º ed. Campinas: editora da UNICAMP, 2003. 1728-1981.. Belo LINHARES, Temístocles.  História crítica do romance brasileiro: 1728-1981 Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da USP, 1987. v.3  In:: LOBO, Luiza. Crítica sem LOBO, Luiza. Auto-retrato de uma pioneira abolicionista.  In  juízo.. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1993.  juízo brasiliano. Roma: Bulzoni Editore, 1982. MAROTTI, Giorgio. Il Giorgio. Il negro nel romanzo brasiliano. Úrsula.. 3ª ed. Atualização, MARTIN, Charles. Introdução: uma rara visão de liberdade. In liberdade. In:: Úrsula organização e notas Luiza Lobo. Rio de Janeiro: Presença Edições; Brasília: INL, 1988. brasileira. v. III São Paulo: CULTRIX, 1977. MARTINS, Wilson. História Wilson. História da inteligência brasileira. MATOS, Maria Izilda Santos de. Gênero e história: percursos e possibilidades.  In: Gênero sem fronteiras: oito olhares sobre mulheres e relações de gênero. SCHPUN, Mônica Raisa (Org.). Florianópolis: Editora Mulheres, 1997. MELO E SOUZA, Ronaldes de. A criatividade da memória.  In: Prismas: historicidade da memória. SANTOS, Francisco Venceslau dos (org). Rio de Janeiro: Centro de Observação do Contemporâneo / Caetés, 2001/2002. doss Reis e Amélia Beviláqua na história da MENDES, Algemira Macêdo. Maria Macêdo.  Maria Firmina do literatura brasileira: representação, imagens e memórias nos séculos XIX e XX . Rio Grande do Sul: PUC-RGS, 2007. Tese de Doutorado em Teoria Literária. MENEZES, Raimundo de.  Dicionário literário brasileiro brasileiro.. Prefácio de Antonio Candido; apresentação de José Ederaldo Castello. 2ª. ed. ver. aum. E atualizada. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1978, p. 570-571. MONTEIRO, Conceição Monteiro. Monteiro. Na aurora da modernidade: a ascensão dos romances gótico e cortês na literatura inglesa. Rio inglesa. Rio de Janeiro: Caetés, 2004. vida.. MORAES FILHO, José Nascimento.  Maria Firmina dos Reis, fragmentos de uma vida São Luís: COSCN, 1975.

OLIVEIRA, Adriana Barbosa de. Gênero e etnicidade no romance Úrsula, de Maria Firmina dos Reis. Reis. Belo Horizonte: UFMG, Faculdade de Letras, 2007. 107 fls. Dissertação de Mestrado em Literatura Brasileira.

 

10

 

OLIVEIRA, Cristiane Maria Costa de. A de.  A escritura vanguarda de Maria Firmina dos Reis: inscrição de uma diferença na literatura do século XIX . Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2001. 104 fls. Mimeo. Dissertação de Mestrado em Teoria Literária. abolição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira:; Brasília: ORICO, Osvaldo. O tigre da abolição. INL, 1977. (1830-1850 PARANHOS, Haroldo.  História do Romantismo no Brasil (18301850)). São Paulo: Edições Cultura Brasileira S/A, 1937. Úrsula.. (1859). 2º ed. impressão fac-similar. Prólogo de Horácio REIS, Maria Firmina dos. Úrsula de Almeida. Rio de Janeiro: Gráfica Olímpica Editora LTDA, 1975. ROCHA-COUTINHO, Maria Lúcia.. Tecendo por trás dos panos: a mulher brasileira nas relações familiares. familiares. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. ROMERO, Sílvio.  História da literatura brasileira brasileira.. (1888) Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio: Brasília: INL/MEC, 1980. realidade.. SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. A Bongiovani.  A mulher na sociedade de classes: mito e realidade Prefácio de Antonio Candido de Mello e Souza. Petrópolis: Vozes, 1976. brasileiro. Rio de SACRAMENTO BLAKE. Augusto Vitorino.  Dicionário bibliográfico brasileiro. Janeiro: Imprensa Nacional, 1900, p. 232. SANTOS, Francisco Venceslau dos.  Autoritarismo e solidão: o roteiro da conciliação, esboço crítico para uma teoria do mandonismo na literatura brasileira . Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990. SCHMIDT, Rita Terezinha. Repensando a cultura, a literatura e o espaço da autoria  In: Rompendo o silêncio: gênerodae Universidade literatura na UFRGS, América 1995.  Latina. feminina. In: feminina.    NAVARRO, Márcia Hoppe (Org.). Porto Alegre: Editora 1995. discurso. Rio de Janeiro. Elo. SILVA, Anazildo Vasconcelos da. Semiotização literária do discurso. 1984. SILVA, Geisa. A subjetividade feminina entre o humor e a memória. In: RAMALHO, Christina (org). Literatura e feminismo: propostas teóricas e reflexões críticas. Rio de Janeiro: Elo, 1999. viagem . São Paulo: SÜSSEKIND, Flora. O Brasil não é longe daqui: o narrador, a viagem. Companhia das Letras, 1990.  1990. 

 In:: DEL PRIORE, Mary (org.)  História TELLES, Norma. Escritoras, escritas, escrituras.  In das mulheres no Brasil. 9º Brasil. 9º ed. São Paulo: Contexto, 2007.  2007.   TOLLER, Heloisa Gomes. O negro e o Romantismo brasileiro. São Paulo: Atual, 1988.  

10

 

 In:  Literatura e Feminismo: propostas teóricas e XAVIER, Elódia. Para além do cânone.  In: reflexões críticas. críticas. Christina Ramalho (org.) Rio de Janeiro: Elo, 1999. Úrsula:: Publicação em artigos de jornal sobre o romance Úrsula  Jornal do Comércio, Comércio, Rio de Janeiro, seção Noticiário: 04/08/1860.  A Marmota, Marmota, São Luiz do Maranhão: 11/08/1860.  A verdadeira marmota, marmota, São Luiz do Maranhão: 13/05/1861. Úrsula..  LUX JORNAL JORNAL,, Jornal de Brasília, Distrito FREITAS, Marcílio. Primeira crítica: Úrsula Federal: 25/12/1975.

 

10

View more...

Comments

Copyright ©2017 KUPDF Inc.
SUPPORT KUPDF