Ficha Técnica Título original: No original: No Drama Discipl D iscipline ine Aut Aut or: Daniel J. Sieg Siegel; el; Tina Payne Bry son T raduzido do inglês inglês p or Maria João Camacho Henrique Frederico Revisão: Dulce Gonçalves Capa: Ideias com Peso Composição: José Domingues ISBN: 9789892333151
LUA DE PAPEL [Uma chancela do grupo Leya] Rua Cidade de Córdova, n.º 2 2610-038 Alfragide – Portugal Tel.. (+351) 21 427 22 00 Tel Fax.. (+351) 21 427 22 01 Fax © 2014, M ind Your Your Brain, Inc. e Bryson Creative Productions, Inc. Tradução licenciada por Bantam Books, uma chancela da Random House, Random House LLC Todos os direitos reservados de acordo com a legislação em vigor
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Toda a informação que possa identificar pessoas ou situações reais foi alterada, exceto a relacionada com o autor e sua família. Este livro não pretende substituir os conselhos consel hos de p rofissionai rofissionais. s.
Para os jovens de todo o mundo, nossos professores fundamentais. (DJS) Para os meus pais: meus primeiros professores e os meus primeiros pri meiros amores. amores. (TPB)
ANTES ANTES DE LER LE R ESTE LIV L IVRO RO
Uma questão Uma taça de cereais é atirada ao ar, salpicando a parede toda da cozinha. O cão entra em casa, vindo vi ndo do quintal quintal e, inex inexpli plicavelmen cavelmente, te, está todo pint pi ntado ado de azu azul.l. Um dos seus filhos ameaça o irmão mais novo. Pela terceir ter ceiraa vez este mês, recebe um umaa chamada chamada do diretor. di retor. O que faz perante cada uma dessas situações? Antes de responder, pedimos-lhe que esqueça tudo o que sabe sobre disciplina. Esqueça-se do significado da palavra e do que os outros pais acham que se deve fazer quando quando os filhos procedem procede m de forma forma in i ncorre correta. ta. Comece antes por perguntar: Será que estou disposto a pensar num método alternativo, no que diz respeito à disciplina? Um método que me ajude a atingir, não só os meus objetivos imediatos de levar os meus filhos a fazer o que está certo no momento certo, mas, também, os objetivos a longo prazo de os ajudar a serem boas pessoas, felizes, bem-sucedidas, generosas, responsáveis e, ainda, autodisciplinadas? Em caso afirmativo, este livro é para si.
INTRODUÇÃO
Disciplina sem Conflito Incentivar a cooperação enquanto se estrutura o cérebro de uma criança
Não está sozinho. Se já não sabe o que fazer para que os seus filhos discutam menos ou não lhe faltem ao respeito… Se não consegue arranjar maneira de o seu filho de dois anos parar de trepar para o beliche de cima ou que vista qualquer coisa antes de ir a correr abrir a porta a alguém…. Se está cansado de repetir a mesma frase vezes sem conta: Despacha-te! Vais chegar atrasado à escola!… Se está farto das mesmas cenas de sempre quando chega a hora de ir para a cama, de fazer os trabalhos de casa, ou de parar de ver televisão … Se já sentiu momentos de frustração desse género, saiba que não é o único. Pelo contrário, há muitos pais que passam pelo mesmo. Afinal, é isso que é ser mãe e é isso que é pai. É difícil saber qual a melhor forma de educar os filhos. É assim e pronto. A maior parte das vezes a história é esta: eles fazem qualquer coisa que não deviam, nós ficamos furiosos, eles amuam, alguém acaba a chorar (às vezes até são os miúdos). É cansativo. Desesperante. As cenas, a gritaria, as ofensas, a culpa, a angústia, a falta de comunicação. Depois de uma cena daquelas, não costuma ficar a matutar, a achar que tinha obrigação de fazer melhor, de se controlar e impor com calma em vez de piorar a situação? O seu desejo era conseguir acabar com o mau comportamento, mas sem complicar a relação com os seus filhos. Pelo contrário, gostava de melhorar, de aprofundar essa relação. O ideal era que houvesse menos conflitos e não mais. Pode ficar certo de que vai conseguir. Com efeito, essa é a mensagem principal deste livro: é mesmo possível disciplinar de uma forma que garanta o respeito e o carinho, mas que imponha, também, limites bem definidos e consistentes. Por outras palavras, é possível fazer melhor. Conseguirá disciplinar de forma a reforçar a relação, a aumentar o respeito e a diminuir o drama e o conflito. E, ao longo desse processo, fomentar um desenvolvimento que produza boas técnicas de relacionamento e melhore a capacidade de as suas crianças tomarem boas decisões, começarem a pensar nos outros e a agir de um modo que constitua uma preparação para que tenham sucesso e felicidade ao longo da vida. Falámos com milhares de pais por todo o mundo, transmitindo-lhes as noções básicas sobre o funcionamento do cérebro e de que modo ele afeta a nossa relação com as crianças, tendo constatado quão ávidos estavam por obter conhecimentos sobre a melhor forma de abordar o comportamento das crianças, com respeito e eficácia. Os pais revelaram-se saturados de tanto gritar, frustrados por verem os filhos ficarem tão magoados, mas, também, cansados do seu mau comportamento. Mostraram saber o tipo de disciplina que não queriam usar, simplesmente não dispunham de outras alternativas a que pudessem recorrer. Desejavam disciplinar os filhos de forma mais suave e carinhosa, mas sentiam-se exaustos e sobrecarregados quando chegava a altura de mandar os filhos cumprirem os deveres e as regras. Desejavam um método de disciplina que funcionasse e com o qual se sentissem bem. Neste livro, vamos introduzir o leitor numa abordagem àquilo que designamos por Disciplina sem Conflito e com a Totalidade do Cérebro, disponibilizando princípios e estratégias que irão pôr fim à
maioria dos dramas e das emoções fortes que tão tipicamente caraterizam o processo da disciplina. O objetivo é tornar mais fácil a sua vida enquanto pai ou mãe, assegurando uma parentalidade mais eficaz. E, mais importante ainda, irá estabelecer ligações no cérebro das suas crianças, desenvolvendo competências emocionais e sociais que lhes serão úteis agora e pela vida fora – tudo isto ao mesmo tempo que fortalece a sua relação com elas. O que desejamos que descubra é que os momentos que requerem disciplina são dos mais importantes no que toca à parentalidade, dado constituírem oportunidades para moldarmos as nossas crianças de forma mais eficaz. Quando estes desafios surgirem, e eles irão surgir, o leitor irá ser capaz de os encarar, não apenas como situações de disciplina, repletas de raiva, frustração e drama, mas, também, como uma oportunidade para interagir com os seus filhos e redirecioná-los para um comportamento mais adequado para eles e para toda a sua família. Seja o leitor um educador, um terapeuta ou um treinador, isto é, alguém responsável pelo desenvolvimento e bem-estar de crianças, irá constatar que estas técnicas resultam tanto para os seus alunos, como para os seus pacientes, clientes ou equipas. Estudos recentes acerca do cérebro revelam-nos profundas perceções das crianças de quem cuidamos, do que elas necessitam e de como discipliná-las de forma a promover o desenvolvimento ideal. Escrevemos este livro para todos aqueles que se preocupam com crianças e estão interessados em conhecer estratégias eficazes, afetuosas e cientificamente informadas que ajudem as crianças a crescer de forma saudável. Ao longo de todo o livro, utilizaremos a palavra pais, porém, se é um avô ou uma avó, um professor ou qualquer outra pessoa importante na vida de uma criança, este livro é igualmente para si. As nossas vidas ganham mais sentido quando trabalhamos em colaboração e esta união de esforços pode começar com os adultos que colaboram na formação de uma criança desde os seus primeiros dias de vida. Esperamos que todas as crianças tenham muitos cuidadores nas suas vidas, conscientes da forma como interagem com elas e, quando necessário, as disciplinem de modo a gerar competências e a reforçar a sua relação. Recuperar a palavra Disciplina
Comecemos com o verdadeiro objetivo da disciplina. Quando o seu filho se porta mal, o que deseja alcançar? O seu objetivo são as consequências desse comportamento? Por outras palavras, o objetivo é o castigo? Claro que não. Quando estamos aborrecidos, podemos sentir vontade de castigar o nosso filho. Que a situação desperte irritação, impaciência, frustração ou apenas insegurança, é perfeitamente natural, compreensível e até mesmo comum. Porém, uma vez calmos e com a cabeça arejada, sabemos que penalizar não é a nossa meta final. Então, o que queremos? Qual é o objetivo da disciplina? Comecemos com uma definição formal. A palavra disciplina deriva diretamente do vocábulo latino disciplina e a sua utilização remonta ao século XI, com o significado de ensinar, aprender e dar instrução. Assim, e desde a sua origem, disciplina significa ensino. Atualmente, a maioria das pessoas associa a prática de disciplina apenas ao castigo ou a penalizações. Foi o que aconteceu com a mãe de um bebé de dezoito meses que perguntou ao Dan: Tenho ensinado muitas coisas ao Sam, mas quando deverei começar a discipliná-lo?. A mãe notou que precisava de abordar o comportamento do filho e presumiu que disciplina se resumia a castigo. À medida que for lendo o livro, queremos que mantenha presente o que Dan explicou: que sempre que
disciplinamos os nossos filhos, o nosso principal objetivo não é castigar ou penalizar, mas ensinar. De referir, ainda, que a origem de disciplina é a palavra discípulo que significa aluno, pupilo e aprendiz. Um discípulo, a pessoa que é objeto de disciplina, não é um preso ou alguém que recebe castigos, mas sim alguém que está a aprender através da instrução. O castigo pode pôr fim a um comportamento a curto prazo, porém, ensinar, fornece competências que duram uma vida. Ponderámos muito sobre se realmente pretendíamos usar a palavra disciplina no título do nosso livro. Não tínhamos a certeza da designação a dar a esta prática de estabelecer limites, mantendo-nos, em simultâneo, emocionalmente ligados às nossas crianças; a esta abordagem que pretende ensinar e trabalhar com os nossos filhos no sentido de os ajudarmos a desenvolver as competências necessárias para fazerem boas escolhas. Decidimos que queremos recuperar a palavra disciplina, bem como o seu significado original. Pretendemos, igualmente, reenquadrar toda esta questão e distinguir disciplina de castigo. O nosso objetivo é, essencialmente, fazer com que os cuidadores comecem a encarar a disciplina como uma das coisas mais construtivas e afetuosas que podemos fazer pelas crianças. As nossas crianças precisam de aprender competências como inibir impulsos, gerir sentimentos agressivos e ter em consideração o impacto do seu comportamento nos outros. Aprender estas questões essenciais da vida e das relações humanas é o que mais necessitam, e se lhes conseguirmos assegurar essas competências, estaremos a conceder uma importante dádiva, não só aos nossos filhos, como a toda a família e, ainda, ao resto do mundo. Podemos garanti-lo. Não se trata de uma mera hipérbole. A Disciplina Sem Dramas ou Disciplina sem Conflito, tal como a descrevemos nas páginas seguintes, irá ajudar as suas crianças a tornarem-se nas pessoas que estão destinadas a ser, quer melhorando a sua capacidade de autocontrolo, quer ensinando o respeito pelos outros, a estabelecerem relações profundas e a viverem de acordo com os princípios éticos e morais. Imaginemos só o impacto geracional que os nossos filhos terão quando, tendo crescido com estas dádivas e estas competências, começarem a criar os seus filhos que, por sua vez, poderão transmitir estas mesmas dádivas às gerações futuras. O presente livro começa com uma reflexão sobre o verdadeiro significado da disciplina, reafirmando-o como um termo que não está relacionado com castigo ou controlo, mas antes com ensinar e formar competências e fazê-lo a partir de uma base de amor, respeito e ligação emocional. O duplo objetivo da Disciplina sem Conflito
Uma disciplina eficaz pretende alcançar dois objetivos básicos. O primeiro é, obviamente, conseguir que os nossos filhos colaborem e se comportem corretamente. Quando, por exemplo, um dos nossos filhos, em pleno restaurante, atira um brinquedo para o chão ou é malcriado ou se recusa a fazer os trabalhos de casa, apenas pretendemos que a criança faça o que é o correto. Pretendemos que deixe de atirar o brinquedo; pretendemos que nos trate com mais respeito; queremos que faça os trabalhos de casa. Com uma criança pequenina, alcançar o primeiro objetivo pode implicar ter de convencê-la a dar a mão para atravessar a rua ou ajudá-la a colocar a garrafa, que está a balançar como se fosse um taco de basebol, de novo na prateleira do supermercado. Com um filho mais velho, poderá significar descobrir uma forma de o levar a cumprir as suas tarefas a tempo e horas ou explicar-lhe o que sente a irmã sempre que este a chama gorda solitária. Ao longo do livro, iremos referir, repetidamente, que todas as crianças são diferentes e que nenhuma abordagem ou estratégia parental irá resultar sempre. Porém, o objetivo mais óbvio em todas as
situações é conseguir obter cooperação e ajudar a criança a comportar-se de forma aceitável (tal como, utilizar palavras simpáticas ou colocar a roupa suja no cesto) e evitar comportamentos inaceitáveis (como bater em alguém ou mexer na pastilha elástica que um estranho colou debaixo do tampo da mesa da biblioteca). Este é um objetivo da disciplina a curto prazo. Para muitas pessoas, porém, esse é o único objetivo: obter uma cooperação imediata. Querem que os filhos parem de fazer o que não devem ou comecem a fazer o que deveriam estar a fazer. É por essa razão que é tão frequente ouvirmos os pais proferirem frases como: Pára já com isso! e o eterno Porque eu mando! Mas, francamente, queremos mais do que a mera cooperação, não é verdade? Queremos impedir que a colher com que estão a comer os cereais do pequeno-almoço se torne numa arma. E é óbvio que pretendemos promover comportamentos agradáveis, respeitadores e reduzir os insultos e a beligerância. Há, com efeito, um segundo objetivo igualmente importante e, enquanto obter cooperação é um objetivo de curto prazo, este é de longo prazo. Consiste em disciplinar os nossos filhos de modo a desenvolverem competências e a capacidade de enfrentarem, com resiliência, situações difíceis, frustrações e tempestades emocionais que podem levá-los a perder o controlo. Estas são as competências internas que podem ser generalizadas para lá desse comportamento momentâneo e utilizadas, não só no imediato, mas, também, posteriormente e numa série de diferentes situações. Este segundo grande objetivo da disciplina, que é interno, pretende ajudar as crianças a desenvolverem o autocontrolo e a adquirir uma bússola moral, para que, mesmo quando não está presente uma figura de autoridade, sejam ponderadas e corretas. Trata-se de ajudar as crianças a crescerem e a tornarem-se pessoas cordiais e responsáveis que possam estabelecer relações pessoais bem sucedidas, usufruindo uma vida plena de significado. Designamos esta abordagem à disciplina como a Totalidade do Cérebro porque, tal como iremos explicar, quando nós, os pais, usamos a totalidade do cérebro, podemos concentrar-nos, simultaneamente, nos ensinamentos externos imediatos e nos ensinamentos internos de longo prazo. Do mesmo modo, quando as nossas crianças recebem esta forma de ensino intencional, também elas acabam por utilizar a totalidade do cérebro. Ao longo das gerações, foram inúmeras as teorias que surgiram sobre como ajudar os nossos filhos a crescer bem, desde a escola que considera que Quem poupa a vara, odeia o seu filho, até à que defende o individualismo, a tolerância e a neutralidade de género. Porém, nos últimos vinte anos, durante a designada década do cérebro, e nos anos subsequentes, os cientistas descobriram uma imensidão de dados sobre a forma como o cérebro funciona, informação essa que tem muito para nos dizer sobre disciplina consistente e eficaz, mas com amor e respeito. Sabemos, agora, que a forma a que podemos recorrer para ajudar uma criança a desenvolver-se o melhor possível, é ajudando-a a estabelecer ligações no seu cérebro – na totalidade do seu cérebro; ligações essas que desenvolvem competências que, por sua vez, conduzem a melhores relacionamentos, melhor saúde mental e a uma vida com mais significado. Podemos considerar isto como a tarefa de esculpir o cérebro, de o alimentar ou de o formar. Independentemente da expressão que preferirmos, a questão é fundamental e apaixonante: em resultado das palavras que usarmos e das atitudes que tivermos, o cérebro das crianças irá realmente mudar e ser edificado à medida que for submetido a novas experiências. Disciplina eficaz significa que não estamos apenas a pôr termo a um mau comportamento ou a promover um bom comportamento, mas, também, a ensinar competências e a alimentar as ligações no cérebro dos nossos filhos que os ajudarão a tomar melhores decisões e a lidarem bem consigo próprios no futuro. E de modo automático, porque terá sido dessa forma que o cérebro terá sido ligado.
Estamos, por conseguinte, a ajudá-los a compreender o que significa gerir emoções, a controlar impulsos, a ter em consideração os sentimentos dos outros, a ponderar as consequências, a tomar decisões responsáveis e muito mais. Estaremos a ajudá-los a desenvolver o seu cérebro e a torná-los pessoas que serão melhores como amigos, irmãos, filhos ou filhas, em suma, melhores seres humanos. E depois, um dia, eles próprios serão melhores pais. O grande bónus, porém, é que quanto mais ajudarmos a construir o cérebro dos nossos filhos, menos teremos de nos debater para alcançar o objetivo a curto prazo que é conquistar a sua cooperação. Encorajar a cooperação e desenvolver o cérebro: são estes os objetivos duplos – o externo e o interno – que orientam uma abordagem à disciplina com carinho, eficácia e envolvendo a totalidade do cérebro. É, afinal, educar os filhos tendo o cérebro em mente! Alcançar os nossos objetivos: dizer não ao comportamento, mas sim à criança
De que modo é que os pais costumam alcançar os seus objetivos de disciplina? O mais comum é através de ameaças e castigos. Os filhos portam-se mal e a reação imediata dos pais é ripostar. Os filhos agem, os pais reagem e, depois, os filhos reagem. É um círculo vicioso. E para muitos pais, provavelmente para a maioria dos pais, o resultado (juntamente com uma considerável dose de gritos) é, essencialmente, o recurso às estratégias básicas da disciplina: mandar a criança sentar-se a um canto para pensar, ou dar um par de palmadas, ou a suspensão de um privilégio, um castigo e por aí em diante. Não admira, pois, que haja tanto drama! Porém, tal como iremos explicar, é possível impor disciplina de uma forma que elimina muitas das razões que nos levaram a castigar. Com efeito, os castigos e as reações punitivas são, na verdade, frequentemente contraproducentes, não só no que toca a formar o cérebro, como, também, no que toca a conseguir que as crianças cooperem. Com base na nossa experiência pessoal e clínica, bem como nas últimas descobertas científicas sobre o cérebro em desenvolvimento, podemos referir que castigar automaticamente não é a melhor forma de alcançar os objetivos da disciplina.
Qual é, então a melhor forma? As bases da abordagem da Disciplina sem Conflito, resumem-se a uma simples expressão: estabelecer contacto e redirecionar.
Estabelecer contacto e redirecionar
Mais uma vez, é necessário lembrar que cada criança, tal como cada situação, é diferente. Porém, uma constante que se aplica a todos os momentos é que o primeiro passo a dar para se alcançar uma disciplina eficaz é estabelecer uma ligação emocional com os nossos filhos. A nossa relação com os nossos filhos deve estar no centro de tudo o que fazemos. Quer estejamos a brincar com eles, a conversar ou a rir ou, também, obviamente, a discipliná-los, é importante que eles sintam, a um nível muito profundo, toda a força do nosso amor e do nosso afeto, o que tanto se aplica durante o reconhecimento de uma atitude simpática, como durante uma chamada de atenção por mau comportamento. Ao estabelecermos uma ligação, transmitimos aos nossos filhos a certeza de lhes estarmos a prestar toda a nossa atenção, de os respeitarmos tanto que nos predispomos a ouvi-los, de valorizarmos o contributo deles na resolução de um problema e que estamos do lado deles – quer tenhamos gostado da atitude deles ou não. Quando disciplinamos, queremos unir-nos aos nossos filhos de uma forma muito profunda que demonstre quanto os amamos. Com efeito, os momentos em que os nossos filhos se portam mal são, frequentemente, aqueles em que mais precisam de estabelecer uma ligação connosco. As respostas, em termos de disciplina, devem diferir de acordo com a idade da criança, com o seu temperamento, estádio de desenvolvimento e, obviamente, com o contexto da situação. Contudo, há uma constante ao longo de toda a interação disciplinadora: a comunicação clara e a ligação profunda entre os pais e a criança. O relacionamento supera todo e qualquer comportamento. Contudo, ligação não é o mesmo que permissividade. Estabelecer uma ligação com os nossos filhos durante um ato disciplinador não significa deixá-los fazer tudo o que entenderem. Na verdade, é exatamente o oposto. Amar verdadeiramente os nossos filhos é dar- lhes o que necessitam; significa, em parte, impor-lhes limites claros e consistentes e, desse modo, dotar a sua vida de uma estrutura previsível, bem como manter elevadas expetativas relativamente a eles. As crianças precisam de compreender o funcionamento do mundo: o que é permissível e o que não é. Um conhecimento bem definido das regras e dos limites ajuda-os a obterem sucesso nas suas relações e em outras áreas da sua vida. Quando adquirem essa estrutura na segurança da sua casa, é-lhes mais fácil florescer nos ambientes exteriores: na escola, no trabalho, nos seus relacionamentos, onde serão numerosas as expetativas relativamente a um comportamento correto da sua parte. Os nossos filhos precisam de viver certas experiências repetidas vezes para conseguirem desenvolver aquelas ligações no cérebro que os ajudam a adiar a gratificação, a reprimir a urgência de reagir aos outros com agressividade e a lidar de uma forma flexível com o facto de nem sempre conseguirem o que querem. A ausência de limites e de fronteiras provoca, na verdade, muita tensão e uma criança tensa torna-se muito mais reativa. Como tal, quando dizemos não e estabelecemos limites, ajudamo as nossas crianças a descobrir a previsibilidade e a segurança num mundo que, de outra forma, seria caótico. E construímos ligações no cérebro que lhes permitem às crianças enfrentar bem as dificuldades com que se depararem no futuro. Por outras palavras, ligações profundas e empáticas podem e devem ser combinadas com limites claros e firmes que gerem a necessária estrutura na vida dos nossos filhos. É aqui que entra o redirecionamento. Assim que estabelecemos uma ligação com o nosso filho e o ajudamos a acalmarse, de modo a conseguir ouvir e compreender totalmente o que temos para lhe dizer, poderemos redirecioná-lo para um comportamento mais apropriado e ajudá-lo a encontrar uma forma melhor de lidar consigo próprio. Mantenha, no entanto, bem presente que o redirecionamento raramente resultará enquanto as emoções da criança estiverem elevadas. Os castigos e os sermões são ineficazes quando a criança está
perturbada e incapaz de ouvir os ensinamentos que lhes estiver a transmitir. É como tentar ensinar um cão a sentar-se quando ele está a lutar com outro. Um cão encolerizado não se vai sentar. Porém, se conseguir ajudar uma criança a acalmar-se, irá torná-la mais recetiva e permitir-lhe-á compreender o que está a tentar transmitir-lhe, muito mais rapidamente do que se optar, simplesmente, por castigá-la ou dar-lhe um sermão. É isso que explicamos quando as pessoas levantam a questão da dificuldade em estabelecer uma ligação com os filhos. Alguém poderá dizer: Essa parece ser uma forma de disciplinar cheia de respeito e carinho, e consigo ver em que medida ela poderia, a longo prazo, ajudar os meus filhos, ou até mesmo a facilitar o processo da disciplina. Mas, convenhamos, eu trabalho! Tenho outros filhos! E o jantar para preparar! E aulas de piano, ballet, treinos de futebol e centenas de outras coisas para fazer! Mal me consigo desdobrar por tanta coisa, como é possível ainda arranjar tempo para estabelecer uma ligação e redirecionar os meus filhos quando estou a discipliná-los? Percebemos tudo isso, perfeitamente, pois ambos trabalhamos, os nossos cônjuges trabalham e somos ambos pais empenhados. Sabemos que não é fácil; porém, aquilo que aprendemos à medida que fomos colocando em prática os princípios e as estratégias que apresentaremos nos próximos capítulos, é que a Disciplina sem Conflito não é um tipo de luxo apenas disponível a pessoas que dispõem de imenso tempo livre. Na verdade, nem nos parece possível que esse tipo de pais exista. A abordagem da Totalidade do Cérebro não requer que disponha de uma imensidão de tempo para envolver os seus filhos num debate sobre a forma correta de fazer as coisas. Com efeito, a Disciplina sem Conflito é uma abordagem que tem por objetivo aproveitar as situações com que os pais se depararam no dia-a-dia e usá-las como oportunidades para, no momento, estabelecerem contacto com os filhos, ensinando-lhes aquilo que é importante. Poderão considerar que gritar Parem com isso!, ou Pára de choramingar!, ou dar um castigo imediato será mais rápido, simples e eficaz do que tentar estabelecer uma ligação com os sentimentos da criança, mas tal como iremos explicar em breve, prestar atenção às emoções do nosso filho, permite-nos alcançar uma maior calma e cooperação por parte da criança, e consegui-lo com mais rapidez do que com uma explosão dramática de autoridade parental que só serve para aumentar as emoções à sua volta. E, agora, o aspeto mais importante: quando evitamos gerar mais caos e drama nas situações que envolvem disciplina (por outras palavras, quando aliamos a imposição de limites claros e consistentes com empatia e carinho), todos ficam a ganhar. Porquê? Por uma simples razão: a abordagem sem emoção, envolvendo a totalidade do cérebro torna a vida mais fácil, tanto para os pais, como para os filhos. Por exemplo, em momentos de elevada tensão, como quando o nosso filho ameaça lançar o comando remoto da televisão para dentro da sanita, segundos antes de começar o último episódio da temporada da nossa série preferida de televisão, podemos apelar à parte mais elevada e racional do seu cérebro, em lugar de estimular a parte inferior e mais reativa. (Explicamos esta estratégia, pormenorizadamente, no Capítulo 3.) Desta forma, seremos capazes de evitar grande parte da gritaria, do choro e da raiva que a disciplina tantas vezes provoca, já para não referir a importância de manter o comando a salvo e de conseguirmos sentar-nos a ver o episódio desde o início. Mais importante, ainda, e colocando a questão da forma mais simples possível, é o facto de que, ao estabelecermos uma ligação com os nossos filhos redirecionando-os, estaremos a ajudá-los a tornaremse pessoas melhores, tanto no presente, como ao longo de todo o processo de crescimento até à idade adulta. E estaremos a dotá-los das competências internas de que necessitarão ao longo da sua vida. Não só passarão de um estado mais reativo a um estado mais recetivo que lhes permitirá aprender realmente – esta é a parte externa, mais cooperativa –, como também estarão a estabelecer as ligações no seu
cérebro. Estas ligações permitir-lhes-ão ir crescendo e tornarem-se pessoas capazes de se controlar, de pensar nos outros, de regular as suas emoções e de fazer boas escolhas. Iremos ajudá-los a construir uma bússola interior na qual poderão aprender a confiar. Em lugar de nos limitarmos a dizer aos nossos filhos o que devem fazer e a exigir que se comportem como lhes pedimos, estaremos a dotá-los de experiências que reforçam as suas funções executivas e desenvolvem competências relacionadas com empatia, perceção pessoal e moral. Essa é a vertente interna e de edificação cerebral. A investigação é extremamente clara neste aspeto. As crianças que obtêm os melhores resultados na vida – a nível emocional, relacional e até mesmo educativo – têm pais que as educam com um elevado grau de ligação e estímulo, embora também transmitam e mantenham limites muito claros e expetativas elevadas. Os seus pais permanecem consistentes, mesmo quando interagem com elas de uma forma que transmite amor, respeito e compaixão. Em resultado disso, as crianças são mais felizes, têm um melhor desempenho na escola, envolvem-se em menos problemas e desfrutam de relacionamentos mais construtivos. Nem sempre o leitor será capaz de disciplinar de forma a estabelecer uma ligação e, simultaneamente, redirecionar. Também nós não conseguimos fazê-lo na perfeição com os nossos filhos. Contudo, quanto mais estabelecermos contacto e redirecionarmos, menos emoções extremadas veremos quando reagirmos ao comportamento dos nossos filhos. Além disso, e mais importante ainda, à medida que forem crescendo e se forem desenvolvendo, os nossos filhos aprenderão melhor e estabelecerão connosco uma relação ainda mais forte.
Acerca deste livro
O que é que envolve a conceção de uma estratégia de disciplina, que é elevada em relacionamento e baixa em emoções? É a resposta a esta pergunta que o resto do livro explica. O Capítulo 1, Repensar a disciplina, coloca algumas questões sobre o que é a disciplina, ajudando o leitor a identificar e a desenvolver a sua própria abordagem, tendo presente estas estratégias e evitando envolver a emoção. O Capítulo 2, O nosso cérebro em disciplina, apresenta o cérebro em desenvolvimento e o seu papel na disciplina. O Capítulo 3, Da birra à tranquilidade, concentra-se no aspeto da ligação que a disciplina pode estabelecer, dando ênfase à importância de transmitirmos à criança a certeza de que a amamos e a compreendemos tal como ela é, mesmo quando estamos a discipliná-la. No Capítulo 4, mantemo-nos neste tema, disponibilizando estratégias e sugestões específicas para o leitor estabelecer ligação com os seus filhos, de modo a acalmá-los o suficiente para que o consigam ouvir e aprender e, por conseguinte, possam tomar boas decisões, tanto a curto como a longo prazo. É depois altura de redirecionar, que é o tema central do Capítulo 5. O ênfase é dado na ajuda aos pais, para que se lembrem da única definição de disciplina (ensinar); nos dois princípios-chave (aguardar até que a criança esteja pronta e ser firme, mas não rígido); e nos três resultados desejados (perceção, empatia e reparação). O Capítulo 6 concentra-se, então, em estratégias específicas de redirecionamento que podemos usar para alcançar o objetivo imediato de suscitar a cooperação no momento e para ensinar os nossos filhos a fazerem introspeção, a estabelecerem uma empatia relacional e a darem os primeiros passos no sentido de fazerem boas escolhas. A Conclusão transmite quatro mensagens de esperança que pretendem ajudar o leitor a retirar a pressão de cima de si no momento em que estiver a disciplinar os seus filhos. Tal como iremos explicar, todos cometemos erros quando estamos a disciplinar. Todos somos humanos. Não existem pais perfeitos. Porém, se dispusermos de um modelo que nos oriente na forma como devemos resolver os nossos erros e reparar a relação, até mesmo as nossas respostas imperfeitas ao mau comportamento podem ser valiosas e dar aos nossos filhos a oportunidade de lidarem com situações difíceis, desenvolvendo novas competências. (Ufa!) A Disciplina sem Conflito não tem a ver com perfeição, mas antes com ligação pessoal e com reparação de ruturas quando elas inevitavelmente ocorrem. Tal como o leitor irá descobrir, incluímos, no final do livro, uma secção com Recursos Adicionais. Esperamos que este material adicional contribua para tornar ainda melhor a experiência de leitura do livro e para ajudá-lo a implementar, na sua própria casa, as estratégias de ligação e redirecionamento. O primeiro documento, a que damos o nome de Folha para o Frigorífico, contém os conceitos fundamentais referidos no livro, apresentados de uma forma que permite ao leitor recordar-se, facilmente, dos princípios e das estratégias essenciais da Disciplina sem Conflito. Esteja à vontade para copiar esta folha e afixá-la no seu frigorífico, colá-la ao tabliê do carro ou em outro lugar qualquer que lhe possa ser útil. Em seguida, encontrará uma secção intitulada Quando um perito em parentalidade perde o controlo, onde são relatadas situações em que nós, Dan e Tina, no desempenho dos nossos papéis enquanto pais, deixámos que nos saltasse a tampa, enveredando pelo caminho menos certo, em vez de disciplinarmos os nossos filhos numa abordagem sem emoção e envolvendo a totalidade do cérebro. Ao partilharmos estas histórias com o leitor, pretendemos apenas reconhecer que nenhum de nós é perfeito, e que todos nós cometemos erros com os nossos filhos. Esperamos que se ria connosco à medida que
for lendo e que não nos julgue com demasiada severidade. Segue-se uma Nota para quem cuida dos nossos filhos. Estas páginas são apenas aquilo que indicam: uma nota que o leitor poderá transmitir a outras pessoas que tomam conta dos seus filhos. A maioria de nós confia os filhos aos avós, a amas, a amigos e a outras pessoas para nos ajudarem a criálos. Esta nota apresenta, numa lista breve e simples, os princípios-chave da Disciplina Relacional. É semelhante à Folha para o Frigorífico, mas é escrita a pensar nas pessoas que não tenham lido o livro. Desta forma, o leitor não terá de pedir aos seus familiares que o comprem e leiam na íntegra (embora ninguém esteja a impedi-lo de o fazer, caso o deseje!). Depois da nota aos cuidadores, encontrará uma lista intitulada Vinte erros de disciplina que até os melhores pais cometem. Trata-se de mais um conjunto de recomendações para o ajudar a refletir sobre os princípios e questões que apresentamos nos capítulos que se seguem. O livro termina com um excerto da nossa obra anterior, The Whole-Brain Child. Com a leitura deste excerto, o leitor ficará com uma ideia mais clara sobre o que queremos dizer quando falamos em parentalidade, na perspetiva da totalidade do cérebro. Não é necessário que leia este excerto para compreender o que apresentamos aqui, mas fica incluído para o caso de pretender obter um conhecimento mais aprofundado destas ideias e aprender outros conceitos e estratégias para desenvolver o cérebro dos seus filhos, orientando-os no sentido de uma vida saudável, da felicidade e da resiliência. Neste livro, o nosso objetivo global é transmitir uma mensagem de esperança que transforme o modo como as pessoas entendem e colocam em prática a disciplina. Um dos aspetos que, por norma, é menos agradável no que toca ao trabalho com crianças – a disciplina – pode, na verdade, ser um dos mais importantes, não sendo forçoso que tenha de estar envolto em constante drama e cheio de de reação emotiva de ambas as partes. O mau comportamento dos seus filhos pode, com efeito, ser transformado em ligações mais positivas, não só na sua relação com eles, como no interior do cérebro das crianças. Disciplinar do ponto de vista da totalidade do cérebro irá permitir-lhe mudar completamente a forma como encara as interações com os seus filhos quando eles se portam mal e reconhecer esses momentos como oportunidades para dotá-los de competências que os ajudarão ao longo do seu crescimento, tornando a vida mais fácil e mais agradável para toda a família.
CAPÍTULO 1
RePENSAR a disciplina Apresento aqui alguns depoimentos de pais com quem trabalhámos. Identifica-se com alguma das situações? Estes comentários parecem-vos familiares? São muitos os pais que se sentem assim. Quando os filhos estão a esforçar-se por fazer as coisas bem, os progenitores querem agir corretamente; porém, são mais as vezes em que acabam por reagir à situação, do que aquelas em que agem de acordo com um conjunto de princípios e de estratégias bem definidas. Mudam para piloto automático, abandonando o controlo das decisões parentais mais decisivas.
Na verdade, um piloto automático pode ser muito útil quando estamos a viajar de avião – basta carregar no botão, recostar, descontrair e deixar que o computador nos leve para onde foi programado. Porém, no que toca a disciplinar crianças, trabalhar a partir de um piloto pré-programado, já não é tão fantástico. Pode conduzir-nos na direção de um qualquer banco de nuvens negras de tempestade que esteja a formar-se, o que significa que, tanto os pais como os filhos, vão deparar-se com um percurso acidentado. Em vez de sermos reativos, queremos ser dialogantes com os nossos filhos. Queremos ser determinados e tomar decisões conscientes, baseadas em princípios sobre os quais ponderámos e concordámos antecipadamente. Ser determinado significa considerar diversas opções e, depois, escolher aquela que implique uma abordagem ponderada dos resultados pretendidos. Pretendemos designar como Disciplina relacional sem emoções o resultado externo e de curto prazo dos limites e estrutura comportamentais e o resultado interno de longa duração do ensino de competências de vida. Imaginemos, por exemplo, que o nosso filho de quatro anos nos bate. Talvez por ter ficado zangado quando lhe dissemos que precisávamos de terminar um e-mail antes de podermos ir com ele fazer construções de Lego, dá-nos uma palmada nas costas. (É sempre uma surpresa constatar que um ser tão pequenino pode infligir tamanha dor, não é?) Que fazemos? Se estamos em modo de piloto automático, ou seja, se não estamos a funcionar de acordo com uma filosofia específica sobre a forma como devemos agir perante um mau comportamento, é possível que nos limitemos a reagir de imediato, sem grande reflexão ou intenção. Talvez seguremos no nosso filho, possivelmente com mais força do que necessário, e lhe digamos, entre dentes cerrados: «Bater é feio!». Em seguida, é possível que lhe apresentemos algum tipo de consequência, como mandálo para o quarto, de castigo. Será esta a pior reação parental possível? Não, não é. Mas poderia ser melhor? Sim, sem dúvida. O que é necessário é um claro entendimento do que pretendemos alcançar quando o nosso filho se porta mal. Este é o objetivo global deste capítulo: ajudar a compreender a importância de funcionar de acordo com uma filosofia intencional, dispondo de uma estratégia consistente para dar resposta a um comportamento incorreto. Tal como dissemos na Introdução, o duplo objetivo da disciplina é a promoção de um bom comportamento externo, a curto prazo, e a construção de uma estrutura interna do cérebro para garantir um melhor comportamento e competências de relacionamento a longo prazo. É importante termos presente que disciplinar é, em última análise, ensinar. Como tal, quando cerramos os dentes, cuspimos uma regra e apresentamos uma consequência, essa atitude vai ser eficaz no que toca a ensinar o nosso filho de que não deve bater? Bem, sim e não. Poderá ter, a curto prazo, o efeito de o levar a não nos bater. O medo e o castigo podem ser eficazes no momento, mas não resultam a longo prazo. E serão o medo, o castigo e o drama aquilo a que pretendemos, realmente, recorrer como principais motivadores dos nossos filhos? Em caso afirmativo, o que estaremos a ensinar é que a força e o controlo são as melhores ferramentas para levarmos os outros a fazerem o que queremos. Refiro, mais uma vez, que é perfeitamente normal reagirmos, simplesmente, quando ficamos zangados, em especial quando alguém nos inflige dor física ou emocional. Existem, porém, respostas mais positivas, respostas que podem atingir o mesmo objetivo a curto prazo, que é reduzir a probabilidade de aquele comportamento indesejado se repetir no futuro, ao
mesmo tempo que geram competências. Como tal, em vez de se limitar a temer a nossa reação ou inibir um impulso, o nosso filho irá ser submetido a uma experiência de aprendizagem geradora de uma competência interna que vai além de uma simples associação de medo. E toda esta aprendizagem pode ocorrer ao mesmo tempo que reduzimos a influência emocional da interação e reforçamos a nossa ligação com o nosso filho. Vejamos de que modo podemos tornar a disciplina, não tanto numa reação geradora de medo, mas antes uma resposta que dote a criança de competências. As três perguntas: Porquê? O quê? Como?
Antes de reagir a um mau comportamento, tire algum tempo para se colocar três simples perguntas: 1. Por que razão o meu filho reagiu desta forma?
No meio da nossa irritação, a nossa resposta poderá ser Porque é uma criança mimada ou Porque está a tentar ver até onde consegue ir!. Porém, quando abordamos a situação com curiosidade em vez de utilizarmos suposições, tentando perceber o que está subjacente a determinado comportamento, é frequente compreendermos que o nosso filho estava a tentar expressar ou alcançar alguma coisa, mas simplesmente não o fez da forma correta. Se compreendermos isto, podemos responder de forma mais eficaz e compassiva. 2. Que lição quero dar neste preciso momento? Mais uma vez, o objetivo da disciplina não é mostrar uma consequência. Pretendemos transmitir conhecimento, seja sobre autocontrolo, sobre a importância de partilhar, sobre agir com responsabilidade ou sobre qualquer outra competência. 3. Como posso transmitir esta lição da melhor forma? Tendo em conta a idade da criança e o estádio de desenvolvimento, assim como o contexto da situação (terá a criança percebido que o megafone estava ligado antes de o ter encostado à orelha do cão?), de que modo podemos comunicar de forma mais eficaz aquilo que pretendemos fazer entender? É com demasiada frequência que reagimos ao mau comportamento como se as consequências fossem o objetivo da disciplina. Por vezes, as consequências naturais resultam da decisão de uma criança e a lição é transmitida sem que tenhamos necessidade de fazer muita coisa. É frequente, porém, haver formas mais eficazes e carinhosas de ajudar os nossos filhos a compreenderem o que estamos a tentar comunicar-lhes, do que apresentarmos, de imediato, um castigo usado para todo o tipo de situações. Ao colocarmo-nos estas três perguntas – porquê, o quê e como – quando os nossos filhos fazem alguma coisa de que não gostamos, podemos mais facilmente sair do modo piloto-automático. Isso significa que será muito mais provável que reajamos de uma forma eficaz para travar o comportamento imediatamente, ao mesmo tempo que estaremos a transmitir lições e competências que durarão uma vida e contribuirão para a construção do caráter e para preparar os nossos filhos para tomarem boas decisões no futuro. Analisemos, mais atentamente, em que medida estas três perguntas nos podem ajudar a reagir a um filho de quatro anos que nos dá uma palmada quando estamos a escrever um e-mail. Quando ouvimos a pancada e sentimos nas costas uma dor em forma de mão, é possível que demoremos algum tempo a acalmar e a evitar deixarmo-nos levar pela reação. Nem sempre é fácil, pois não? Com efeito, o nosso cérebro está programado para interpretar a dor física como uma ameaça, ativando o circuito neural que nos pode deixar mais reativos e nos coloca em modo de combate. Por conseguinte, implica algum
esforço, por vezes um esforço intenso, conseguir manter o controlo e colocar em prática a Disciplina sem Conflito. Temos de dominar o nosso cérebro primitivo e reativo, quando isso acontece. Não é fácil. (A propósito, torna-se muito mais difícil fazer isto quando estamos com privação de sono, com fome, sobrecarregados ou não estamos a priorizar o cuidado connosco próprios.) Esta pausa entre reatividade e resposta é o início da escolha, da intenção e da competência enquanto pais. Por conseguinte, devemos tentar fazer uma pausa, com a maior brevidade possível, e colocar-nos as três perguntas. Então, conseguiremos ver, com maior clareza, o que está a acontecer na nossa interação com o nosso filho. Cada situação é diferente e depende de muitos e diversos fatores; porém, as respostas às perguntas poderão ser sensivelmente estas: 1. Por que razão se comportou o meu filho desta maneira?
Ele bateu-lhe porque queria a sua atenção e não estava a consegui-la. Esta é uma atitude típica numa criança de quatro anos, não é? É desejável? Não. É própria nesta fase de desenvolvimento? Absolutamente. Para uma criança desta idade, é difícil esperar, o que faz com que se manifestem sentimentos profundos que só pioram a situação. A criança ainda não tem idade suficiente para saber acalmar-se, de forma suficientemente consistente e rápida, de modo a evitar aquele tipo de atitudes. Desejaríamos que ela se acalmasse e declarasse, com compostura: Mãe, estou a sentir-me frustrada por me estar a pedir para continuar a esperar; e, neste momento, estou a sentir o impulso fortíssimo e agressivo de lhe bater – mas optei por não o fazer e, em vez disso, por manifestar-me por palavras. Contudo, não é isto que vai acontecer. Na verdade, seria muito estranho se acontecesse. Naquele momento, agredir é a estratégia pré-definida de que o seu filho dispõe para expressar os seus profundos sentimentos de frustração e impaciência; ele ainda precisa de algum tempo de prática para desenvolver as competências necessárias para aprender a lidar com a gratificação retardada e a gerir devidamente a cólera. Foi por essa razão que lhe bateu. Colocada nestes termos, a situação parece muito menos pessoal, não é? Por norma, os nossos filhos não nos batem simplesmente por serem malcriados ou por nós sermos uns pais incompetentes. Batem-nos porque ainda não dispõem da capacidade de regular os seus estados emocionais e de controlar os seus impulsos. E sentem-se suficientemente seguros connosco para saberem que não perderão o nosso amor, mesmo quando se encontram no seu pior. Com efeito, quando nos deparamos com uma criança de quatro anos que nunca bate e que se comporta sempre de modo perfeito, ficamos preocupados com o tipo de ligação que terá com os pais. Quando as crianças se sentem fortemente ligadas aos pais, sentem-se suficientemente seguras para testarem a sua relação. Ou seja, o mau comportamento dos nossos filhos é, frequentemente, um sinal da sua confiança e da sua segurança relativamente a nós. Muitos pais reparam que os seus filhos guardam tudo para eles, portando-se muito melhor na escola ou com outros adultos do que em casa. É esta a razão. As suas exaltações são, frequentemente, um sinal de segurança e confiança, e não apenas uma forma de rebelião. 2. Que lição pretendo dar neste momento? A lição não deverá ser a de que aquele mau comportamento merece um castigo, mas sim, de que há formas mais apropriadas para obter a sua atenção e gerir a cólera, do que recorrer à violência. Deverá querer que o seu filho aprenda que bater não é correto e que há muitas formas corretas de expressar os seus sentimentos. 3. Qual é a melhor forma de transmitir esta lição? Embora mandar o seu filho para o quarto, para ficar a refletir no que fez, possa, ou talvez não, levá-lo
a ponderar duas vezes antes de voltar a bater-lhe, há uma alternativa melhor. Que tal se estabelecer uma ligação com ele, puxando-o para si e mostrando-lhe que conseguiu obter toda a sua atenção? Nessa altura, poderá mostrar que compreende os sentimentos dele e ensiná-lo a comunicar essas emoções: Eu sei que é difícil esperar. Queres muito que vá brincar contigo e estás zangado porque e estou no computador. Não é verdade?. O mais provável é obter do seu filho um sim zangado. Isso não é nada mau; é sinal de que o seu filho sabe que obteve toda a sua atenção. E que o leitor também obteve a atenção dele. Nesse momento, já poderão conversar e, à medida que este se for acalmando e se torne mais recetivo, será possível estabelecer contacto visual, explicar que bater nunca é uma atitude correta e apresentar-lhe algumas alternativas, como usar as palavras para expressar a sua frustração, opção alcançável numa próxima situação.
Esta abordagem também funciona com crianças mais velhas. Vejamos uma das situações mais comuns com que os pais de todo o mundo se deparam: as guerras dos T.P.C. Imagine o leitor que a sua filha de 9 anos faz sempre uma guerra quando chega a altura de fazer os trabalhos de casa e entram os dois sistematicamente em choque, além de, pelo menos uma vez por semana, ela entrar em colapso. Fica tão frustrada que acaba lavada em lágrimas, gritando consigo e apelidando os professores de cruéis por mandarem trabalhos de casa tão difíceis, e considera-se estúpida, por ter tantas dificuldades. Depois destas declarações, enterra a cabeça na dobra do braço e desata num pranto, enchendo a mesa de lágrimas. Para um pai ou para uma mãe, esta situação pode ser tão exasperante quanto a de levar uma palmada nas costas dada por um filho de quatro anos. A resposta automática seria a de ceder à frustração e, no calor da indignação, discutir com a sua filha e dar-lhe um sermão por não saber gerir o tempo e por não estar atenta nas aulas. O leitor muito provavelmente estará familiarizado com este sermão: Se tivesses começado os T.P.C. mais cedo, quando eu te pedi, por esta altura já os terias terminado! Nunca ouvimos uma criança responder a esta reprimenda com um Tem razão, pai. Deveria mesmo ter começado quando me disse. Vou assumir a responsabilidade de não ter começado quando devia. Já aprendi a lição. Amanhã, vou agarrar-me aos trabalhos de casa bem mais cedo. Obrigada por me ter esclarecido nesta questão. Em vez do sermão, que tal colocar as perguntas porquê, o quê e como? 1. Por que razão o meu filho agiu desta maneira? De novo, as abordagens à disciplina devem mudar,
de acordo com a criança e com a sua personalidade. Talvez o trabalho de casa seja uma dificuldade para ela, uma batalha que nunca consegue vencer, e isso a deixe frustrada. Talvez haja qualquer coisa que lhe pareça demasiado pesada ou esmagadora e a faça sentir-se mal consigo própria ou, ainda, talvez esteja a precisar de mais atividade física. Neste caso concreto, os principais sentimentos poderão ser a frustração e o desalento. Talvez a escola não seja, por norma, tão difícil para ela, mas sucumbiu porque, neste dia, está particularmente cansada e a sentir-se sobrecarregada. Levantou-se cedo, esteve na escola durante seis horas, depois teve uma reunião dos escuteiros que durou até à hora do jantar. Agora que já jantou, será de esperar que se sente na mesa da cozinha e esteja a trabalhar em frações durante 45 minutos? Não é de admirar que se descontrole um pouco, pois é pedir muito a uma criança de 9 anos (ou até mesmo a um adulto!). Isto não significa que não continue a ter de fazer os trabalhos de casa, mas devemos mudar a nossa perspetiva e a nossa reação, assim que nos recordemos do que a criança esteve a fazer. 2. Que pretendo ensinar-lhe neste momento? Talvez queira ensinar a sua filha a gerir melhor o se tempo e as suas responsabilidades. Ou a fazer escolhas no que toca às atividades nas quais participa. Ou, ainda, como lidar com a frustração de forma mais flexível. 3. Qual será a melhor forma de transmitir esses ensinamentos? Independentemente da sua resposta à segunda questão, um sermão numa altura em que a criança já está perturbada, não será, de forma alguma, a melhor abordagem. Esse não é um momento pedagógico, porque partes emocionais e reativas do cérebro estão ao rubro, esmagando a parte mais calma, racional e recetiva do cérebro. Por conseguinte, poderá querer ajudar a criança com as frações e acabar depressa com aquela crise em particular: Sei que tens muito que fazer esta noite, e que já é muito tarde, mas consegues fazer isto. Vou sentar-me aqui contigo e, juntos, vamos acabar este trabalho. Assim, quando ela tiver acalmado e
estiverem os dois a saborear uma taça de gelado, ou até mesmo no dia seguinte, poderão verificar juntos se a sua filha estará com demasiadas atividades, tentar perceber se ela está a ter dificuldade em compreender algum conceito ou, ainda, explorar a possibilidade de ela estar mesmo a conversar com os colegas, durante as aulas, e a trazer para casa trabalhos que deveriam ter sido feitos na aula, acabando por ter mais trabalho extra. Deverá, por conseguinte, colocar-lhe questões, procurando conjuntamente soluções para os possíveis problemas, tentando descobrir o que estará realmente a passar-se. Pergunte-lhe o que está a impedi-la de concluir os trabalhos de casa, o que considera não estar a correr bem e quais são as suas sugestões. Encare toda esta situação como uma oportunidade para colaborar e contribuir para tornar a realização dos trabalhos de casa numa experiência mais agradável. A sua filha poderá estar a necessitar de ajuda para criar competências que lhe permitam encontrar soluções, mas envolva-a o mais possível nesse processo. Lembre-se de que é importante escolher uma altura em que estejam ambos num estado de espírito tranquilo e recetivo. Comece por lhe dizer qualquer coisa como: A questão dos trabalhos de casa não está a correr muito bem, pois não? Tenho a certeza de que seremos capazes de encontrar uma solução. Na tua opinião, o que poderá resultar? (A propósito: no Capítulo 6, onde debatemos as estratégias de redirecionamento da Disciplina sem Conflito, apresentamos uma série de sugestões específicas e práticas que ajudarão o leitor neste tipo de conversas.) Crianças diferentes requerem respostas diferentes às perguntas porquê, o quê, como, pelo que não podemos afirmar que estas respostas específicas se apliquem, necessariamente, aos seus filhos e num determinado momento. O objetivo é encarar a disciplina de uma forma totalmente diferente; é repensála. Depois disso, o leitor poderá ser conduzido por uma filosofia global quando estiver a interagir com os seus filhos, em lugar de se limitar a reagir de forma instintiva quando eles fizerem alguma coisa de que não goste. As perguntas porquê, o quê e como apresentam-nos uma forma de passarmos de uma atitude parental reativa a estratégias parentais recetivas e intencionais que envolvem todo o cérebro. É certo que nem sempre os pais terão tempo para colocar e ponderar as três perguntas. Quando uma disputa útil e bem-intencionada, travada na sala de estar, se transforma numa luta sangrenta numa arena, ou quando temos filhas gémeas que já estão atrasadas para o ballet , torna-se difícil seguir o protocolo das três perguntas. Nós sabemos. Pode parecer completamente irrealista que alguém possa ter tempo para estar tão consciente no calor do momento. Não estamos a insinuar que o leitor seja perfeito todas as vezes, ou que seja capaz de ponderar a sua resposta de imediato quando os seus filhos ficam perturbados. Porém, quanto mais considerar e praticar esta abordagem, mais natural e automática se tornará uma avaliação rápida e obter uma resposta intencional. Essa poderá, inclusivamente, tornar-se na sua resposta padrão, à qual recorrerá automaticamente. Com prática, estas perguntas poderão ajudá-lo a manter-se determinado e recetivo face a interações que, até então, induziam em si uma reação. Colocar as perguntas porquê, o quê e como pode ajudar a gerar um sentido interior de clareza, mesmo perante situações de caos.
Consequentemente, o leitor receberá o bónus de ter de disciplinar cada vez menos, não só porque estará a moldar o cérebro do seu filho de modo a que ele tome melhores decisões e aprenda a estabelecer a ligação entre os seus sentimentos e o seu comportamento, como também porque estará mais atento ao que estiver a acontecer com o seu filho – por que razão ele faz o que faz –, o que significa que estará mais apto a orientá-lo antes que a situação piore. Além disso, será capaz de ver as situações do ponto de vista da criança, reconhecendo os momentos em que o seu filho precisa da sua ajuda, não da sua ira. Não Conseguir vs. Não Querer: a disciplina não é uma medida única para todas as situações
De um modo simples, colocar as perguntas porquê, o quê e como ajuda-nos a recordar quem é que os nossos filhos são e do que precisam. As questões levam-nos a ter consciência da idade e das necessidades específicas de cada indivíduo. Afinal de contas, o que funciona para uma criança, pode ser o oposto do que outra precisa. E o que funciona com uma criança, numa determinada altura, pode não funcionar com ela dez minutos mais tarde. Por conseguinte, não considere a disciplina como sendo uma medida única para todas as situações. Em vez disso, tenha sempre presente a importância de disciplinar cada criança de acordo com cada situação. Ao disciplinarmos os nossos filhos no modo piloto automático, reagimos frequentemente muito mais em função do nosso estado de espírito do que em função das necessidades que o nosso filho está a sentir nesse preciso momento. É fácil esquecermo-nos de que as nossas crianças não passam disso mesmo, de crianças, e esperarmos que tenham um comportamento que fica além das capacidades do seu estádio de desenvolvimento. Não podemos esperar, por exemplo, que uma criança de quatro anos lide bem com as suas emoções quando está zangada porque a mãe nunca mais larga o computador; assim como não podemos esperar que uma criança de 9 anos não entre, ocasionalmente, em desespero por causa dos trabalhos de casa. Recentemente, Tina viu uma mãe e uma avó a fazerem compras. No seu carrinho das compras estava um rapazinho que aparentava ter cerca de quinze meses. Enquanto as mulheres circulavam, observando malas e sapatos, este chorava incessantemente, pretendendo, claramente, que o tirassem dali. Precisava de se mexer, de andar e de explorar. As cuidadoras iam-lhe dando, absortamente, objetos para o distraírem, o que o deixava ainda mais frustrado. A criança ainda não sabia falar, mas a sua mensagem era clara: Estão a exigir demasiado de mim! Preciso que vejam as minhas necessidades!. O seu comportamento e os seus lamentos eram totalmente compreensíveis.
Com efeito, deveríamos partir do princípio que as crianças irão, por vezes, sentir e manifestar reatividade emocional, bem como um comportamento de oposição. Em termos de desenvolvimento, ainda não estão a funcionar com o cérebro totalmente formado (tal como iremos explicar no Capítulo 2), pelo que se encontram literalmente incapazes de corresponder, constantemente, às nossas expetativas. Isso significa que, quando disciplinamos, devemos ter sempre em consideração a capacidade de desenvolvimento da criança, o seu temperamento pessoal e o estilo emocional, assim como o contexto da situação. Uma distinção importante é a ideia do não conseguir vs. não querer. A frustração dos pais diminui radical e drasticamente quando fazemos a distinção entre um não conseguir e um não querer. Por vezes, partimos do princípio de que os nossos filhos não querem portar-se da forma que pretendemos quando, na verdade, eles simplesmente não conseguem, pelo menos nesse momento em particular. A verdade é que uma enorme percentagem dos maus comportamentos devem-se mais a incapacidade do que a falta de vontade. Da próxima vez que o seu filho revelar dificuldade em controlar-se, perguntese: Será que o comportamento dele faz sentido, tendo em consideração a idade e as circunstâncias?. Na maioria das vezes, a resposta será Sim. Andar às voltas, durante horas, com uma criança de três anos dentro do carrinho das compras, obviamente que a deixará agitada. Uma criança de onze anos que tenha ficado a pé até tarde para ver o fogo-de-artifício, e tenha de se levantar cedo na manhã seguinte para uma atividade da Associação de Estudantes, terá, naturalmente, durante o dia, alguma quebra. Não porque não queira evitar, mas porque não consegue. Estamos sempre a reforçar esta questão junto dos pais, o que foi particularmente eficaz com um pai que procurou Tina no seu consultório. Encontrava-se esgotado porque o filho de cinco anos, embora demonstrasse capacidade para se comportar de modo apropriado e tomasse decisões acertadas, havia alturas em que se descontrolava pelos motivos mais insignificantes. Vejamos de que modo Tina abordou a conversa:
Comecei por tentar explicar a este pai que, por vezes, o filho não conseguia controlar-se, o que significava que não estava a escolher ser obstinado ou desafiador. Em termos de linguagem corporal, a resposta do pai à minha explicação foi muito clara: cruzou os braços e recostou-se na cadeira. Embora não tivesse declaradamente rolado os olhos, era notório que não iria criar um Clube de Fãs da Tina. Como tal, disse-lhe: Quer parecer-me que não concorda comigo neste ponto. Respondeu-me o pai: É que não me faz qualquer sentido, porque o meu filho, por vezes, é fantástico a lidar até mesmo com grandes desapontamentos, como aconteceu na semana passada, por exemplo, em que não conseguiu ir ao jogo de hóquei. Porém, há alturas em que perde simplesmente a cabeça porque não pode usar a caneca azul por estar na máquina de lavar louça! Não se trata aqui de coisas que não possa fazer. O problema dele é ser mimado e precisar de uma disciplina mais firme. Precisa de aprender a obedecer. E isso ele pode! Já deu provas de poder escolher como lidar consigo próprio. Decidi correr um risco terapêutico: fazer uma coisa fora do comum sem saber ao certo onde me levaria. Acenei com a cabeça e depois perguntei: Tenho a certeza de que, na maior parte do tempo, é um pai carinhoso e paciente, não é verdade? Resposta: Sim, na maior parte das vezes. Mas há outras em que não sou, obviamente. Tentei incutir algum humor ao tom da minha voz, dizendo: Ou seja, consegue ser paciente e carinhoso mas, por vezes, escolhe não o ser? Felizmente, aquele pai sorriu, começando a perceber onde eu queria chegar. Como tal, prossegui: Se amasse o seu filho, não faria melhores escolhas e não seria um melhor pai em todas as situações? Por que razão escolhe ser impaciente ou reativo? Ele começou a acenar e o rosto foi-se abrindo, num sorriso ainda mais rasgado, à medida que foi reconhecendo o meu tom de brincadeira e refletindo sobre a questão. Continuei: O que torna mais difícil, para si, ser paciente? Disse o pai: Bem, depende de como me estou a sentir; se estou cansado, por exemplo, ou se tive um dia difícil no trabalho. Sorri e perguntei-lhe: Sabe onde quero chegar com isto, não sabe? Claro que ele sabia. Tina continuou a explicar que a capacidade de uma pessoa para lidar bem com as situações e para tomar decisões acertadas, pode realmente flutuar de acordo com as circunstâncias e com o contexto de uma dada situação. Pelo simples facto de sermos humanos, a nossa capacidade de lidarmos connosco não é estável, nem constante. E esse é, certamente, o caso de uma criança de cinco anos. Aquele pai entendia claramente o que Tina estava a dizer: que era incorreto partir do princípio de que o filho, só porque conseguia gerir bem as suas emoções em determinados momentos, seria capaz de o fazer sempre. E que o facto de o filho, por vezes, não controlar os seus sentimentos e comportamentos, não era sinal de que, nesses momentos, estivesse a ser mimado e a precisar de ser disciplinado com mais firmeza. Pelo contrário, era sinal de que precisava de compreensão e ajuda, e que o pai, mediante uma ligação emocional e o estabelecimento de limites, poderia aumentar e expandir as capacidades do filho. A verdade é que, em todos nós, a nossa capacidade vai flutuando de acordo com o estado de espírito e o estado físico, e que estes estados são, por sua vez, influenciados por uma série de fatores – em especial quando se trata do cérebro em desenvolvimento de uma criança em crescimento. Tina e aquele pai continuaram a conversar e tornou-se óbvio que o pai captou perfeitamente o que Tina lhe transmitiu. Percebeu a diferença entre não poder e não querer, e reconheceu que estava a
colocar, relativamente ao filho, e também à filha, expetativas demasiado rígidas e inapropriadas em termos de desenvolvimento (não pode haver uma medida única para todas as situações). Esta nova perspetiva deu-lhe competências para desligar o seu piloto-automático parental e começar a trabalhar de forma a tomar decisões pensadas, de acordo com o momento e em função da personalidade dos filhos, pois cada um tinha a sua própria personalidade e as suas próprias necessidades, que variavam, também, em diferentes momentos. O pai não só constatou que poderia continuar a estabelecer limites claros e firmes, como verificou que o poderia fazer de forma ainda mais eficaz e com mais consideração, pois iria ter em conta o temperamento individual de cada filho, a flutuação da sua capacidade e o contexto de cada situação. Consequentemente, iria ser capaz de alcançar os dois objetivos da disciplina: assegurar menos situações de falta de cooperação do filho e ensinar-lhe importantes competências e lições de vida que iriam ajudá-lo ao longo de todo o seu crescimento, até à idade adulta. Este pai estava a aprender a desafiar determinados pressupostos em que sempre acreditara, tais como a ideia de que o mau comportamento era sempre uma atitude intencional de desafio, e não um momento em que a criança encontra dificuldade em gerir sentimentos e comportamentos. Posteriores conversas com Tina levaram-nos a questionar, não só este pressuposto, como a sua ênfase na necessidade de que os seus filhos lhe obedecessem incondicionalmente e sem exceção. Sim, era razoável e justificável que pretendesse que a sua disciplina encorajasse os filhos a cooperarem. Agora, obediência total e inquestionável? Pretenderia ele que os filhos crescessem a obedecer cegamente a toda a gente, e que continuassem a fazê-lo pela vida fora? Ou preferiria que desenvolvessem as suas personalidades e identidades individuais, aprendendo, ao longo do processo, o que significa entenderem-se com os outros, observar os limites, tomar boas decisões, serem autodisciplinados e atravessar situações difíceis pensando por si próprios? Mais uma vez, este pai percebeu a ideia e isso fez toda a diferença para os seus filhos. Outra ideia preconcebida que este progenitor começou a colocar em causa, foi a de que existe uma espécie de bala de prata ou varinha mágica que pode ser usada para resolver qualquer problema de comportamento ou qualquer preocupação. Gostaríamos que houvesse qualquer coisa que curasse tudo, mas não há. É tentador seguir um tipo de prática disciplinar que promete funcionar em todas as situações e mudar radicalmente uma criança em poucos dias. Porém, a dinâmica da interação com crianças é sempre muito mais complexa do que isso. Questões de comportamento não podem, simplesmente, ser resolvidas com uma abordagem única que apliquemos em todas as circunstâncias, em todos os ambientes, ou a todas as crianças. Tomemos agora alguns minutos para debater as duas técnicas de disciplina de medida única a que os pais recorrem mais frequentemente: palmadas e castigo no quarto. O castigo físico e o cérebro
Uma resposta automática a que alguns pais recorrem são as palmadas. Perguntam-nos com frequência qual é a nossa posição relativamente a esta questão. Embora sejamos grandes defensores dos limites, opomo-nos ambos fortemente ao castigo físico. Este é um tópico complexo e muito polémico, não estando no âmbito deste livro apresentar um debate aprofundado sobre a investigação, os vários contextos nos quais o castigo físico tem lugar, nem os seus efeitos negativos. Contudo, e com base na nossa perspetiva neurocientífica e na análise da literatura científica, acreditamos que o castigo físico é, muito provavelmente, contraproducente no que toca a estabelecer relações com os nossos filhos, que devem ser baseadas no respeito, ensinar às crianças as
lições que pretendemos que aprendam e garantir o melhor desenvolvimento possível. Acreditamos, ainda, que as crianças devem ter o direito de viver livres de qualquer forma de violência, especialmente por parte daqueles em quem mais confiam para as proteger. Sabemos que há todo o tipo de pais, todo o tipo de crianças e todo o tipo de contextos em que a disciplina tem lugar. E, obviamente, compreendemos que a frustração, juntamente com o desejo de se fazer pelos filhos o que é correto, levam alguns pais a recorrer ao castigo físico como estratégia de disciplina. A investigação, no entanto, tem vindo a revelar, consistentemente, que, mesmo quando os pais são calorosos, carinhosos e atentos, não só o castigo físico é menos eficaz, a longo prazo quando se pretende mudar comportamentos, como é associado a resultados negativos em muitos domínios. É certo que há muitas outras abordagens de disciplina que não implicam castigo físico, mas que podem ser tão ou mais nocivas. Deixar crianças isoladas por longos períodos de tempo, humilhá-las, aterrorizá-las gritando-lhes ameaças e utilizar outras formas de agressão verbal ou psicológica, são tudo exemplos de práticas disciplinares que provocam danos no espírito das crianças, mesmo naquelas em quem os progenitores nunca tocaram fisicamente. É por esta razão que aconselhamos os pais a evitarem todas as abordagens disciplinares que sejam agressivas, inflijam dor, suscitem medo ou terror. Por um lado, são contraproducentes. A atenção da criança é desviada do seu próprio comportamento e da forma de o modificar, para a reação do seu cuidador a esse comportamento, o que significa que a criança deixa por completo de considerar as suas próprias ações. Em vez disto, apenas se concentra num único pensamento: que, naquele momento, o pai ou a mãe foram injustos e maus por lhe terem batido, ou até mesmo assustadores. Desta forma, a resposta dos pais mina os objetivos básicos da disciplina – mudar os comportamentos e estruturar o cérebro, porque desperdiça uma excelente oportunidade de induzir a criança a pensar sobre o seu próprio comportamento e, até mesmo, sentir alguma culpa ou remorso saudáveis. Outro problema grave dos castigos físicos são as suas consequências nas crianças, quer em termos psicológicos, quer em termos neurológicos. O cérebro interpreta a dor como uma ameaça e, como tal, quando um pai inflige dor física num filho, a criança vê-se perante um paradoxo biológico sem solução. Com efeito, todos nascemos com o instinto de procurar proteção junto dos nossos cuidadores, quando estamos magoados ou assustados; contudo, se são também os cuidadores a fonte de dor e receio, isto é, se são o pai ou a mãe quem provoca o estado de terror na criança, essa situação pode tornar-se muito confusa para o cérebro infantil. Um circuito impele a criança a fugir do progenitor que está a infligir a dor; outro circuito impele-a para a figura de apego, em busca de segurança. Por conseguinte, quando o pai ou a mãe são a fonte de receio ou sofrimento, o cérebro pode ficar desorganizado no seu funcionamento, dado não haver solução. Designamos estas situações, no seu extremo, forma de apego desorganizado. O cortisol, que é a hormona do stresse, libertada em consequência de um tal estado de desorganização interna e de repetidas experiências interpessoais de raiva e terror, pode conduzir a impactos negativos de longa duração no desenvolvimento do cérebro, dado que o cortisol é tóxico para o cérebro e inibe um desenvolvimento saudável. Castigos severos e rigorosos podem, na verdade, dar origem a mudanças significativas no cérebro, tais como a morte de ligações cerebrais ou, até mesmo, de células cerebrais. Outro problema do castigo físico é o facto de transmitir às crianças a ideia de que os pais não dispõem de uma estratégia eficaz, além de infligir dor física. Esta é uma lição direta que todos os pais deveriam ponderar de forma mais aprofundada: pretendemos ensinar aos nossos filhos que a forma de resolver um conflito é infligindo dor física, em particular em alguém que é indefeso e não pode ripostar? Analisando a questão na perspetiva do cérebro e do corpo, sabemos que os seres humanos estão
instintivamente programados para evitar a dor, e que a parte do cérebro que medeia a dor física é, também, aquela que processa a rejeição social. Infligir dor física é, igualmente, gerar rejeição social no cérebro da criança. Dado que as crianças não podem ser perfeitas, consideramos importantes as descobertas que indicam que, embora o castigo físico trave um comportamento num determinado momento, não é eficaz a alterar, a longo prazo, essa espécie de comportamentos. Pelo contrário, o castigo físico apenas serve para tornar as crianças mais hábeis a esconderem aquilo que fazem. Ou seja, coloca o perigo de as crianças passarem a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para evitar a dor do castigo físico (e da rejeição social), o que, na maioria das situações, significará mais mentiras e omissões, em vez de uma maior comunicação e recetividade à aprendizagem. Um último aspeto sobre o castigo físico refere-se à parte do cérebro a que pretendemos apelar e desenvolver com a nossa disciplina. Tal como iremos explicar no próximo capítulo, os pais têm a opção de estimular a parte mais elevada e racional do cérebro inteligente da criança ou a parte inferior, mais reativa e reptiliana. Se ameaçarmos ou atacarmos fisicamente um réptil, que tipo de reação obteremos? Imaginemos uma serpente venenosa encurralada, cuspindo na nossa direção. Nessa situação, reagir não será nada sensato, nem benéfico. Quando somos fisicamente ameaçados ou atacados, a parte reptiliana ou primitiva do nosso cérebro assume o comando. Entramos em modo de sobrevivência e de adaptação, um estado muitas vezes apelidado de modo de luta, fuga ou imobilidade. Podemos, também, desmaiar, uma reação que sucede a alguns, quando se sentem totalmente impotentes. Do mesmo modo, quando provocamos nos nossos filhos situações de medo, dor ou revolta, acionamos um aumento no fluxo de energia e de informação para o cérebro primitivo e reativo, em lugar de direcionar esse fluxo para aquelas zonas do cérebro que são recetivas, racionais, mais sofisticadas e potencialmente mais sensatas, permitindo às crianças fazer escolhas mais saudáveis e flexíveis e gerir bem as suas emoções. Pretende o leitor despertar a reatividade no cérebro primitivo do seu filho, ou apelar ao lado racional do cérebro para que seja recetivo e declaradamente envolvido com o mundo? Quando ativamos os estados reativos do cérebro, perdemos a hipótese de desenvolver a sua parte racional. É uma oportunidade perdida. E o que é mais importante ainda, é que dispomos de tantas outras opções mais eficazes para disciplinar os nossos filhos, estratégias que conferem às crianças uma prática na utilização da parte superior do cérebro, tornando-o mais forte e desenvolvido, o que significa que as crianças ficam mais aptas a tornar-se pessoas responsáveis que, na maior parte das vezes, agem da forma correta. (Este tema é desenvolvido nos capítulos 3 a 6.) E no que toca a mandar as crianças para o quarto? Será uma ferramenta de disciplina eficaz?
Atualmente, a maior parte dos pais que opta por não impor castigos físicos aos filhos, considera que mandá-los para o quarto é a melhor opção disponível. Mas será? Esta estratégia ajuda-nos a atingir os objetivos de disciplina que pretendemos? Em termos gerais, não nos parece. Temos conhecimento de muitos pais carinhosos que recorrem ao castigo do quarto como a sua principal técnica de disciplina. Contudo, depois de termos explorado a investigação feita nesta área, de termos falado com milhares de pais e de termos criado os nossos próprios filhos, encontrámos várias razões de peso que nos levam a considerar que, mandar os filhos de castigo para o quarto, não é a melhor estratégia de disciplina. Por um lado, porque os pais recorrem a essa estratégia com muita frequência e movidos pela fúria
quando, na verdade, podem facultar aos filhos experiências mais positivas, construtivas e que permitem atingir melhor o nosso duplo objetivo: incentivar a cooperação e moldar o cérebro. Tal como iremos explicar com maior detalhe no próximo capítulo, as ligações cerebrais são formadas a partir de experiências repetidas. Que experiência pode um castigo no quarto fornecer à criança? Apenas a experiência do isolamento. Mesmo que possamos mandar a criança para o quarto de modo carinhoso, pretenderemos que a experiência repetida de uma criança, sempre que faz alguma asneira, seja ficar sozinha durante um determinado período de tempo, que é frequentemente sentido como uma rejeição, em especial por crianças mais pequenas? Não seria melhor se lhe proporcionássemos uma experiência que lhe ensinasse o significado de fazer as coisas corretamente? Neste sentido, em vez de mandá-la sozinha para o quarto, poderá pedir-lhe que experimente resolver uma situação de forma diferente. Se estiver a ser desrespeitadora, quer nas palavras, quer no tom em que está a falar, poderá pedir-lhe que repita o que está a tentar dizer, mas com bons modos. Se a criança está a ser má para o irmão, poderá pedir-lhe que faça três coisas simpáticas por ele até à hora de irem para a cama. Dessa forma, a experiência repetida de um comportamento positivo começa a ser fixada pelo cérebro. (Esta questão irá ser igualmente mais aprofundada nos capítulos seguintes.) Quando as crianças estão a refletir sobre a terrível sorte de terem um pai ou uma mãe tão injustos, estão a perder a oportunidade de desenvolver competência de introspeção, de empatia e de resolução de problemas. Colocá-las de castigo no quarto, priva-as da possibilidade de praticarem a ação, a empatia e a tomada de decisões, que são competências fundamentais para entenderem as situações. Queremos dar-lhes a oportunidade de serem capazes de resolver problemas, de tomarem boas decisões e de serem reconfortadas quando estão a desmoronar. Podemos fazer um grande bem pelos nossos filhos, pelo simples facto de lhes colocarmos a seguinte questão: Tens alguma ideia para resolver este problema e melhorar a situação? Se lhes for dada essa possibilidade, assim que conseguirem acalmar, as crianças farão o que é certo e aprenderão com a experiência. Além do mais, mandar os filhos de castigo para o quarto é uma estratégia que não está lógica e diretamente relacionada com um determinado comportamento, o que é crucial para uma aprendizagem eficaz. A construção de uma montanha de papel higiénico significa que têm de ajudar a limpar. Andar de bicicleta sem capacete, significa que, em vez de se limitarem a montar na bicicleta e começarem a andar, terão de ser submetidos, durante duas semanas, a uma inspeção obrigatória de segurança, de todas as vezes que tirarem a bicicleta da garagem. Esquecerem-se do taco de basebol no treino, implica terem de pedir um taco emprestado a um colega de equipa, até o deles aparecer. Estas são respostas parentais coerentes, uma vez que estão claramente ligadas ao comportamento. Não são, de forma alguma, respostas punitivas ou de retaliação. São respostas que revelam a preocupação dos pais em transmitir ensinamentos aos filhos e em ajudá-los a compreenderem como agir corretamente. Já mandar os filhos para o quarto, não estabelece uma ligação clara entre esse castigo e a má decisão ou a reação descontrolada da criança. Por conseguinte, é frequente não se revelarem tão eficazes no que toca a corrigir comportamentos.
Mesmo quando os pais têm boas intenções, é frequente usarem, de forma inapropriada, a estratégia de mandar os filhos de castigo para o quarto. Poderemos desejar optar pelo castigo no quarto, para dar aos nossos filhos a possibilidade de se acalmarem e restabelecerem do caos interior e, por conseguinte, cooperarem. Na maior parte das vezes, porém, os pais recorrem ao castigo no quarto como punição, uma medida que não revela a preocupação de ajudar a criança a acalmar-se ou de lhe transmitir uma lição importante, mas puni-la devido a um mau comportamento. Deste modo, o objetivo de acalmar e de ensinar, que deveria estar associado ao castigo, perde-se por completo. Contudo, a principal razão pela qual ambos questionamos a opção de mandar os filhos para o quarto, prende-se com o facto de as crianças terem uma profunda necessidade de ligação. É frequente o mau comportamento ser consequência de a criança se encontrar emocionalmente sobrecarregada e, como tal, a manifestação de uma necessidade ou de um sentimento muito forte, faz-se de uma forma agressiva, desrespeitadora ou nada cooperante. Esta poderá encontrar-se com fome ou cansada; ou talvez exista outra razão para que, naquele momento, se encontre incapaz de se controlar ou de tomar uma boa decisão. Talvez a explicação seja, tão simplesmente, o facto de a criança ter apenas três anos e de o seu cérebro ainda não ser suficientemente sofisticado para compreender e expressar, calmamente, aquilo que ela está a sentir. Como tal, em lugar de se esforçar por transmitir a sua enorme frustração e raiva, começa a atirar brinquedos contra o pai ou a mãe É nestas alturas que a criança mais precisa da nossa presença calmante e reconfortante. Obrigá-la a sair de junto de nós e ir sentar-se sozinha, pode fazê-la sentir-se abandonada, em especial se já estiver a sentir-se descontrolada. Esta atitude pode, inclusivamente, transmitir uma mensagem subtil: a de que, quando a criança não está a fazer o que é correto, não queremos estar perto dela. Não quereremos transmitir a ideia de que só queremos estabelecer contacto com os nossos filhos quando eles são bons ou estão felizes, mas que recusamos o nosso amor e o nosso afeto quando não estão nesse estado. Gostaria de manter uma relação destas com os seus filhos? Não estaremos a sugerir aos nossos filhos adolescentes que deverão evitar os amigos ou companheiros que os tratam assim quando cometem algum erro?
Não queremos com isto dizer que mandar os filhos para o quarto por um breve período de tempo seja a pior técnica de disciplina, ou que não há altura nenhuma em que se justifique recorrer a ela. Quando utilizada de forma adequada, e estabelecendo um contacto carinhoso, como sentarmo-nos com a criança, conversando com ela ou consolando-a (o que pode ser designado por tempo interno) algum tempo para acalmar, pode ser benéfica para ela. Com efeito, ensinar as crianças a fazerem uma pausa e a tirarem algum tempo para fazerem uma reflexão interior, algum tempo interno, é essencial para desenvolverem funções executivas que reduzem a impulsividade e tiram proveito do poder da atenção focada. Essa reflexão interior, porém, é gerada pelo contacto, não em total isolamento, especialmente no que toca às crianças mais jovens.
Na verdade, à medida que vão crescendo, podem beneficiar de uma introspeção, para concentrarem as suas atenções no seu mundo interior. É deste modo que aprendem a ver o mar de dentro e a desenvolver competências para acalmar as tempestades interiores. Esses tempos interiores são a base da visão da mente, da capacidade de vermos a nossa própria mente e a mente dos outros com discernimento e empatia. E a visão da mente engloba o processo de integração que permite que os estados interiores sejam alterados e passem do caos ou da rigidez a um estado interior de harmonia e flexibilidade. A visão da mente, discernimento, empatia e integração, é a base da inteligência social e emocional, por conseguinte, utilizar tempo interno para desenvolver competências de reflexão interior é o método que utilizamos para ajudar as crianças e os adolescentes a construírem os circuitos de tão importantes capacidades. A Disciplina sem Conflito utilizaria um tempo interior para travar determinado comportamento (primeiro objetivo) e para incentivar a reflexão interior que contribui para
desenvolver competências executivas (o nosso segundo objetivo). Uma estratégia proactiva que pode ser eficaz, consiste em ajudar a criança a criar uma zona calma – com brinquedos, livros ou o boneco de peluche preferido – onde possa recolher-se sempre que precise de um tempo e de um lugar para se acalmar. Isto é autorregulação interna, uma competência fundamental de função executiva. (Esta é, igualmente, uma excelente ideia para os pais! Talvez com algum chocolate, revistas, música, vinho tinto…) Não pretendemos castigar as crianças, nem fazê-las pagar pelos seus erros. O que se pretende é facultar-lhe uma oportunidade e um lugar onde possa autorregular-se e diminuir a reação aos impulsos, o que implica reduzir a sobrecarga emocional. Tal como o leitor irá comprovar nas páginas que se seguem, existem dezenas de formas, mais edificantes, construtivas e eficazes de reagir às crianças, do que a de mandá-las, automaticamente, de castigo para o quarto, como se esta fosse uma medida única para todo o tipo de comportamentos incorretos. O mesmo se aplica relativamente ao castigo físico e, até mesmo, aos castigos em geral. Felizmente, como em breve iremos explicar, existem alternativas melhores do que bater, mandar de castigo para o quarto ou retirar, automaticamente, um brinquedo ou um privilégio. Estas alternativas estão lógica e naturalmente relacionadas com o comportamento da criança e contribuem para o desenvolvimento do cérebro, mantendo uma forte ligação entre os pais e a criança. Qual é a sua filosofia de disciplina?
A principal questão que transmitimos neste capítulo é a necessidade de os pais serem coerentes na altura de reagirem a um mau comportamento de um filho. Em vez de reagir drástica e emocionalmente, ou reagir a todas as infrações com uma das estratégias de medida única que ignore o contexto da situação ou o estádio de desenvolvimento da criança, os pais podem trabalhar a partir de princípios e estratégias que, não só estejam de acordo com o seu sistema de crenças, como respeitem as crianças como indivíduos que são. A Disciplina sem Conflito pretende dar resposta a circunstâncias imediatas e a comportamentos de curto prazo, e, também, desenvolver competências e estabelecer ligações no cérebro que, a longo prazo, ajudarão a criança a tomar decisões ponderadas e a gerir bem e automaticamente as suas emoções, o que significa que as medidas disciplinares serão progressivamente menos necessárias. Como é que o leitor tem agido neste aspeto? Em que medida é coerente quando está a disciplinar os seus filhos? Faça uma pausa, neste preciso instante, e reveja a sua reação habitual aos comportamentos dos seus filhos. Costuma reagir automaticamente, dando palmadas, mandando de castigo para o quarto ou gritando? Dispõe de outras estratégias imediatas a que recorre quando os seus filhos se portam mal? Possivelmente, limita-se a fazer aquilo que os seus pais faziam, ou simplesmente o oposto. A questão essencial é: até que ponto a sua estratégia de disciplina advém de uma abordagem coerente e consistente, por oposição a uma simples reação ou ao recurso a velhos hábitos e a mecanismos predefinidos? Apresentamos aqui algumas questões que o leitor deverá colocar a si próprio, ao mesmo tempo que reflete sobre a sua filosofia geral de disciplina: 1. Será que disponho de uma filosofia de disciplina? Em que medida sou decidido e consistente
quando não estou a gostar da forma como os meus filhos estão a comportar-se? 2. O que tenho estado a fazer, está a resultar? A minha abordagem permite-me transmitir aos meus filhos os meus ensinamentos, tanto em relação ao comportamento imediato, como na forma como estão
a crescer e a desenvolver-se como seres humanos? Consigo diminuir as situações em que tenho de intervir devido a maus comportamentos ou vivo sempre na contingência de disciplinar os meus filhos devido a comportamentos que se repetem incessantemente? 3. Sinto-me bem com aquilo que tenho estado a fazer? A minha abordagem à disciplina ajuda-me a usufruir melhor da minha relação com os meus filhos? Tenho por hábito refletir sobre as situações que exigiram disciplina e sinto-me satisfeito com a forma como me comportei? É frequente questionar-me sobre se haverá uma forma mais acertada? 4. Os meus filhos sentem-se bem com a minha abordagem? Dificilmente os métodos de disciplina são populares, mas compreendem os meus filhos a minha abordagem e sentem eles o meu amor? Estarei a transmitir e a incutir respeito de uma forma que lhes permita continuarem a sentir-se bem consigo próprios? 5. Sinto-me bem com as mensagens que estou a transmitir aos meus filhos? Há alturas em que do lições que não quero que eles interiorizem? Por exemplo, que obedecerem ao que eu digo é mais importante do que aprenderem a tomar boas decisões e fazerem o que é certo? Ou que poder e controlo são a melhor forma de levar as pessoas a fazerem o que nós queremos? Ou que apenas quero estar na sua companhia se eles tiverem comportamentos agradáveis? 6. Em que medida a minha abordagem se assemelha à dos meus pais? Como é que os meus pais me disciplinavam? Consigo lembrar-me de alguma experiência em particular e de como ela me fez sentir? Estarei apenas a repetir velhos padrões? Estarei a rebelar-me contra eles? 7. A minha abordagem alguma vez levou os meus filhos a pedirem-me desculpa com sinceridade? Embora isto possa não acontecer com frequência, será que a minha abordagem deixa, ao menos, uma porta aberta para que isso aconteça? 8. A minha abordagem permite-me assumir a responsabilidade e pedir desculpa pelos meus atos? Até que ponto sou aberto com os meus filhos no que toca a revelar que também eu cometo erros? Estarei disposta(o) a constituir um modelo no que concerne o reconhecimento dos próprios erros? Como é que se sente agora o leitor, depois de se ter colocado a si próprio estas questões? Muitos pais sentem remorso, culpa, vergonha ou até mesmo impotência quando reconhecem o que não tem estado a funcionar bem e ficam preocupados com a possibilidade de não terem feito o melhor que lhes era possível. A verdade, porém, é que o leitor fez o melhor que podia. Se conseguisse fazer melhor, tê-loia feito. À medida que for conhecendo novos princípios e novas estratégias, o objetivo não será censurar-se pelas oportunidades perdidas, mas tentar criar novas oportunidades. Quando sabemos mais, fazemos melhor. Há aspetos que nós, os especialistas, fomos aprendendo ao longo dos anos, mas que desejávamos ter conhecido ou descoberto quando os nossos filhos eram bebés. O cérebro das crianças é extremamente plástico – altera a sua estrutura em resposta à experiência –, e as crianças conseguem responder a novas experiências de uma forma muito rápida e muito produtiva. Quanto maior for a compaixão que sente por si próprio, maior será a compaixão que sentirá pelos seus filhos. Até mesmo os melhores pais sabem que haverá sempre alturas em que constatarão que poderiam ter sido mais intencionais, eficazes e respeitadores relativamente à forma como disciplinaram os filhos. Nos restantes capítulos, o nosso objetivo é ajudar o leitor a refletir sobre aquilo que pretende para os seus filhos no que toca a orientar e a ensinar. Nenhum de nós alguma vez será perfeito; podemos, no entanto, dar alguns passos no sentido de exercitar calma e autocontrolo quando os nossos filhos fazem asneiras. Podemos colocar as questões do porquê, o quê, como. Podemos evitar as medidas de disciplina únicas para todas as situações. Podemos assegurar os dois objetivos de moldar os comportamentos exteriores e ensinar competências internas. E podemos trabalhar no sentido de