Diferenças Entre a Ciência Antiga e a Moderna

May 14, 2019 | Author: Adam Reyes | Category: Física e matemática, Physics, Motion (Physics), Aristotle, Ciência
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filosofia da ciência...

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Diferenças entre a ciência antiga e a moderna

Os ideais de cientificidade, tanto o ideal racionalista quanto o empirista se iniciaram com os gregos. Isso, porém, não significa que a concepção antiga e a moderna (século XVII) de ciência sejam idênticas. Tomemos um exemplo que nos ajude a perceber algumas das diferenças entre antigos e modernos. Aristóteles escreveu uma Física. O objeto físico ou natural, diz Aristóteles, possui duas características principais: em  primeiro lugar, existe e opera independentemente independentemente da presença, da vontade e da ação humanas; em segundo lugar, é um ser em movimento, isto é, em devir, sofrendo alterações qualitativas, quantitativas e locais; nasce, vive e morre ou desaparece. A Física estuda, portanto, os seres naturais submetidos à mudança. O mundo, escreve Aristóteles, divide-se em duas grandes regiões naturais, cuja diferença é dada pelo tipo de substância, de matéria e de forma dos seres de cada uma delas. A região celeste, formada de Sete Céus ou Sete Esferas, onde estão os astros, tem como substância o éter, matéria sutil e diáfana, forma universal que não sofre mudanças qualitativas nem quantitativas, mas apenas a mudança ou movimento local, realizando eternamente o mais perfeito dos movimentos, o circular. A segunda região é a sublunar ou terrestre nosso mundo -, constituída por quatro substâncias ou elementos – terra, água, ar e fogo , de cujas combinações surgem todos os seres. São substâncias fortemente materiais e,  portanto (como vimos no estudo da metafísica aristotélica), fortemente potenciais ou virtuais, transformando-se sem cessar. A região sublunar é o mundo das mudanças de forma, ou da passagem contínua de uma forma a outra, para atualizar o que está em  potência na matéria. Os seres físicos não se movem da mesma maneira (não se transformam nem se deslocam da mesma maneira). Seus movimentos e mudanças dependem da qualidade de suas matérias e da quantidade em que cada um dos quatro elementos materiais existe combinado com os outros num corpo. Deixemos de lado todas as modalidades de movimentos estudadas por Aristóteles e examinemos apenas uma: o movimento local. Os corpos, diz o filósofo, procuram atualizar suas potências materiais, atualizando-se em formas diferentes. Cada modalidade de matéria realiza sua forma perfeita de maneira diferente das outras. No caso do movimento local, a matéria define lugares naturais, isto é, locais onde ela se atualiza ou se realiza melhor do que em outros. Assim, os corpos pesados (nos quais predomina o elemento terra) têm como lugar natural o centro da Terra e por isso o movimento local natural dos pesados é a queda. Os corpos leves (nos quais predomina o elemento fogo) têm como lugar natural

o céu e por isso seu movimento local natural é subir. Os corpos não inteiramente leves (nos quais predomina o elemento ar) buscam seu lugar natural no espaço rarefeito e por isso seu movimento local natural é flutuar. Enfim, os corpos não totalmente pesados (nos quais predomina o elemento água) buscam seu lugar natural no líquido e por isso seu movimento local natural é boiar nas águas. Além dos movimentos naturais, os corpos podem ser submetidos a movimentos violentos, isto é, àqueles que contrariam sua natureza e os impedem de alcançar seu lugar natural. Por exemplo, quando o arqueiro lança uma flecha, imprime nela um movimento violento, pois força-a a  permanecer no ar, embora seu lugar natural seja a terra e seu movimento natural seja a queda. Este pequeno resumo da Física aristotélica nos mostra algumas características marcantes da ciência antiga: é uma ciência baseada nas qualidades percebidas nos corpos (leve, pesado, líquido, sólido, etc.); é uma ciência baseada em distinções qualitativas do espaço (alto, baixo, longe, perto, celeste, sublunar); é uma ciência  baseada na metafísica da identidade e da mudança (perfeição imóvel, imperfeição móvel); é uma ciência que estabelece leis diferentes para os corpos segundo sua matéria e sua forma, ou segundo sua substância; como consequência das características anteriores, é uma ciência que concebe a realidade natural como um modelo hierárquico no qual os seres possuem um lugar natural de acordo com sua perfeição, hierarquizando-se em graus que vão dos inferiores aos superiores. Quando comparamos a física de Aristóteles com a moderna, isto é, a que foi elaborada por Galileu e Newton,  podemos notar as grandes diferenças: para a física moderna, o espaço é aquele definido  pela geometria, portanto, homogêneo, sem distinções qualitativas entre alto, baixo, frente, atrás, longe, perto. É um espaço onde todos os pontos são reversíveis ou equivalentes, de modo que não há “lugares naturais” qualitativamente diferenciados; os objetos físicos investigados pelo cientista começam por ser purificados de todas as qualidades sensoriais – cor, tamanho, odor, peso, matéria, forma, líquido, sólido, leve, grande, pequeno, etc. -, isto é, de todas as qualidades sensíveis, porque estas são meramente subjetivas. O objeto é definido por propriedades objetivas gerais, válidas  para todos os seres físicos: massa, volume, figura. Torna-se irrelevante o tipo de matéria, de forma ou de substância de um corpo, pois todos se comportam fisicamente da mesma maneira. Torna-se inútil a distinção entre um mundo celeste e um mundo sublunar, pois astros e corpos terrestres obedecem às mesmas leis universais da física; a física estuda o movimento não como alteração qualitativa e quantitativa dos corpos, mas como deslocamento espacial que altera a massa, o volume e a velocidade dos corpos. O

movimento e o repouso são as propriedades físicas objetivas de todos os corpos da  Natureza e todos eles obedecem às mesmas leis – aquelas que Galileu formulou com  base no princípio da inércia (um corpo se mantém em movimento indefinidamente, a menos que encontre um outro que lhe faça obstáculo ou que o desvie de seu trajeto); e aquelas formuladas por Newton, com base no princípio universal da gravitação (a toda ação corresponde uma reação que lhe é igual e contrária). Não há diferença entre movimento natural e movimento violento, pois todo e qualquer movimento obedece às mesmas leis; a Natureza é um complexo de corpos formados por proporções diferentes de movimento e de repouso, articulados por relações de causa e efeito, sem finalidade,  pois a ideia de finalidade só existe para os seres humanos dotados de razão e vontade. Os corpos não se movem, portanto, em busca de perfeição, mas porque a causa eficiente do movimento os faz moverem-se. A física é uma mecânica universal. A física da  Natureza se torna geométrica, experimental, quantitativa, causal ou mecânica (relações entre a causa eficiente e seus efeitos) e suas leis têm valor universal, independentemente das qualidades sensíveis das coisas. Terra, mar e ar obedecem às mesmas leis naturais. A Natureza é a mesma em toda parte e para todos os seres, não existindo hierarquias ou graus de imperfeição-perfeição, inferioridade-superioridade. Há, ainda, uma outra diferença profunda entre a ciência antiga e a moderna. A primeira era uma ciência teorética, isto é, apenas contemplava os seres naturais, sem jamais imaginar intervir neles ou sobre eles. A técnica era um saber empírico, ligado a práticas necessárias à vida e nada tinha a oferecer à ciência nem a receber dela. Numa sociedade escravista, que deixava tarefas, trabalhos e serviços aos escravos, a técnica era vista como uma forma menor de conhecimento. Duas afirmações mostram a diferença dos modernos em relação aos antigos: a afirmação do filósofo inglês Francis Bacon, para quem “saber é  poder”, e a afirmação de Descartes, para quem “a ciência deve tornar-nos senhores da  Natureza”. A ciência moderna nasce vinculada à ideia de intervir na Natureza, de conhecê-la para apropriar-se dela, para controlá-la e dominá-la. A ciência não é apenas contemplação da verdade, mas é sobretudo o exercício do poderio humano sobre a  Natureza. Numa sociedade em que o capitalismo está surgindo e, para acumular o capital, deve ampliar a capacidade do trabalho humano para modificar e explorar a  Natureza, a nova ciência será inseparável da técnica. Na verdade, é mais correto falar em tecnologia do que em técnica. De fato, a técnica é um conhecimento empírico, que, graças à observação, elabora um conjunto de receitas e práticas para agir sobre as coisas. A tecnologia, porém, é um saber teórico que se aplica praticamente. Por

exemplo, um relógio de sol é um objeto técnico que serve para marcar horas seguindo o movimento solar no céu. Um cronômetro, porém, é um objeto tecnológico: por um lado, sua construção pressupõe conhecimentos teóricos sobre as leis do movimento (as leis do  pêndulo) e, por outro lado, seu uso altera a percepção empírica e comum dos objetos,  pois serve para medir aquilo que nossa percepção não consegue perceber. Uma lente de aumento é um objeto técnico, mas o telescópio e o microscópio são objetos tecnológicos, pois sua construção pressupõe o conhecimento das leis científicas definidas pela óptica. Em outras palavras, um objeto é tecnológico quando sua construção pressupõe um saber científico e quando seu uso interfere nos resultados das  pesquisas científicas. A ciência moderna tornou-se inseparável da tecnologia.

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