Diagnóstico do nosso tempo – capítulo “Estratégia do Grupo Nazista”.pdf

April 24, 2017 | Author: CastanTN | Category: N/A
Share Embed Donate


Short Description

Download Diagnóstico do nosso tempo – capítulo “Estratégia do Grupo Nazista”.pdf...

Description

  

A Estratégia do Grupo Nazista

Capítulo do livro  “Diagnóstico do Nosso Tempo” por Karl Mannheim

Diagnóstico do nosso tempo – capítulo “A Estratégia do Grupo Nazista” Hitler inventou um novo método a que se pode dar o nome de estratégia  do   grupo   nazista.   O   ponto   capital   da   estratégia   psicológica   de   Hitler   é  jamais encarar o individuo como pessoa,mas sempre como membro de um  grupo   social.O   que   Hitler   faz   por   instinto   está   acorde   com   os  descobrimentos da moderna Sociologia, ou seja, de que o homem é mais  facilmente   influenciado   através   dos   vínculos   do   grupo;   o   que   é   mais  importante ainda, as reações dele variam conforme o grupo particular a  que pertence. O homem porta‐se diferentemente na família, no clube, no  exército, em seus negócios, ou como um cidadão em geral.  O grande Duque de Marlborough era comandante do exército, em seus  negócios e, no entanto, em casa vivia controlado pela esposa.   Cada grupo aparentemente possui suas próprias tradições, proibições e  formas  de expressão peculiares  e  enquanto  se conserva  intacto  apóia  e  orienta o comportamento de seus membros.

1. Desorganização Sistemática da Sociedade Hitler   sabia   instintivamente   que   enquanto   as   pessoas   se   sentem  abrigadas em seus próprios grupos sociais, ficam imunes à influência dele.  O   artifício   oculto   da   estratégia   de   Hitler,   por   conseguinte,   consiste   em  romper a resistência do espírito individual por meio da desorganização dos  grupos aos quais esses indivíduos pertencem. Ele sabe que um homem sem  laços   com   o   grupo   é   como   um   caranguejo   sem   a   carapaça.   Essa  desorganização, tal como sua tática de guerra‐relâmpago, tem de ser rápida  e   violenta   simultaneamente;   mesmo   assim,   porém,   seu   efeito   só   será  duradouro   se   conseguir   formar   imediatamente   novos   grupos   que  fomentem o gênero de comportamento aprovado pelo seu partido.  Assim,   há   duas   fases   principais   na   estratégia   do   grupo   de   Hitler:   a  decomposição dos grupos tradicionais da sociedade civilizada e uma rápida  reconstrução   baseada   em   um   padrão   de   grupos   inteiramente   novo.   No 

trabalho de desintegração inicial ele pode, está claro, confiar em grande  parte na ausência de planificação de nossa vida econômica. Por exemplo,  essa ausência é responsável pela condição mais desmoralizante de todas, o  desemprego crônico. Porém, quando essa desintegração espontânea não  avançou o suficiente para atender aos fins de Hitler, ele aplica seus próprios  métodos. São diversos os métodos de que dispõe para lidar com a família, a  Igreja, os partidos políticos e as nações. Os elementos dessa técnica ele os  aprendeu   com   os   comunistas,   mas   os   pormenores   foram   por   ele  elaborados   durantes   sua   própria   luta   na   selva   política   da   Alemanha   da  década   de   1920.   Aprendeu   como   dissolver   comícios   de   massa,   como  desmoralizar adeptos de outros partidos, como fingir que cooperava com  grupos   rivais   para,   a   seguir,   quando   o   momento   era   julgado   oportuno,  provocar  sua   queda.   Tudo   o   que   ele  fez   ultimamente   foi   transferir   essa  estratégia do grupo para o campo da política exterior.  Considere‐se o caso de nações. Nisso, sua primeira regra parece ser de  nunca   empregar   a   força   antes   de   haver   esgotado   as   possibilidades   de  desmoralização.   Ele   sabe   que   os   grupos,   especialmente   nações   inteiras,  com   uma   sólida   vida   de   grupo   e   moral   intacto,   reagem  desassombradamente a ameaças ostensivas e a ataques diretos; tornam‐se  mais unidos do que antes. Essa saudável vida  de grupo é o segredo da  inquebrantável   resistência   britânica   e   explica   a   hesitação   de   Hitler   para  atacar   este   país. Quando   ele   consegue   encontrar   traidores   e  colaboracionistas dentro dos grupos, recorre à técnica de penetração no  grupo.   Manda   emissários   como   turistas   e   sob   outros   disfarces   para  conquistar   para   seu   lado   os   adversários   do   regime   existente   e   os  desajustados e fracassados sociais. Tendo organizado os agentes de massa  dum movimento subterrâneo, procura isolar a nação do mundo exterior.  Flanqueamento, envolvimento e isolamento total são as principais etapas  desse processo. A essa altura, a vitima acha‐se inteiramente à sua mercê;  Hitler,   contudo,   ainda   evita   o   ataque   direto   e   prefere   o   sistema   de  desmoralização total vinda de dentro. Na tensão que então impera, são  difundidos boatos, insuflados temores, jogados grupos rivais uns contra os  outros e afinal é ministrada a assaz conhecida mistura nazista de ameaças e  promessas.   Tais   são   os   métodos   que   ele   empregou   na   Áustria,   Tcheco‐ Eslováquia,   Romênia,   Bulgária   e   outros   países.   Os   documentos   secretos  apreendidos   na   incursão   da   Lofoten,   na   Noruega,   mostram   claramente 

como   são   sistemáticos   esses   métodos:   as   instruções   do   exército   nazista  previam toda fonte possível de resistência e indicavam as contramedidas.

2. Efeitos sobre o individuo  Nessa   fase,   a   desmoralização   e   a   decomposição   dos   grupos   sociais  principiam   a   produzir   efeitos   no   individuo.   E,   o   que   é   pior,   em   vastos  números   de   indivíduos   simultaneamente.   A   explicação   psicológica   desse  fato é simplesmente a seguinte: o homem entregue a si mesmo não pode  oferecer resistência. Como os vínculos com seu grupo é que lhe dão apoio,  segurança e reconhecimento, para nada dizer dos valiosos laços de amizade  e confiança, a dissolução deles deixa‐o inerme. Ele se comporta como uma  criança que se extraviou ou que perdeu a pessoa amada; por isso sente‐se  inseguro, disposto a apegar‐se a quem quer que se apresente.  Além   de   tudo   isso,   os   métodos   modernos   de   guerra   total   ou   de  propaganda   total   não   dão   tempo   ao   homem   para   se   recobrar   nem  oportunidade para congregar‐se em torno de um chefe e correr o risco de  resistir. Particularmente em nações pequenas, surge do dia para a noite um  quase   completo   caos   social   e   anarquia.   Isso   tem   influencia   considerável  sobre   o   individuo   e   seu   ulterior   comportamento.   O   fato   é   que   a  desintegração do grupo tende a ser seguida dum colapso da consciência  moral   do   individuo.   Ele   se   vê   tentado   a   pensar   mais   ou   menos   assim:  “Afinal  de contas, tudo em que eu acreditava até agora talvez  estivesse  errado. Pode ser que a vida não passe de uma luta pela sobrevivência e  pela   supremacia.   A   escolha   que   tenho   é  entre   tornar‐me   um   mártir  ou  aderir à nova ordem; quiçá eu possa chegar a ser um membro destacado  dela. Ademais, se eu não aderir hoje, amanhã talvez seja demasiado tarde”.  É   nessa   disposição   de   espírito   que   as   pessoas   se   permitem   engolir  afirmações como a feita pelo Ministro da Justiça nazista:   “Antigamente   estávamos   acostumados   a   dizer:   “   Isto   está   certo   ou  errado?”  Hoje devemos  colocar  a   questão  nestes  termos:  “  Que   diria   o  Führer? ” É para este tipo de raciocínio que o cínico oportunismo de Hitler  apela, e ao qual é endereçado o seu evangelho de violência e lei do mais  forte.  

Tem sido bastante ressaltado o papel desempenhado pelo medo, pelo  ódio, pela insegurança e pela desconfiança no regime nazista. De minha  parte, quero acrescentar a este rol o elemento de desespero. No fundo de  todas as reações nazistas, encontra‐se o desespero. O mundo deles é um  em que todos se sentem traídos, isolados e não mais confiam no próximo. 

3. “A Nova Ordem”   Tendo   reduzido   a   comunidade   ao   pânico   e  ao   desespero,   Hitler   inicia  então o segundo movimento de sua estratégia.  Procura reconstruir uma nova ordem seguindo duas linhas distintas. Uma  destina‐se a escravizar as massas, a outra a entrincheirar sua liderança e o  terrorismo de seu Partido.  Para   aquela,   adota   uma   organização   militar   baseada   no   modelo  prussiano: aplica‐a a tudo, à organização da juventude, da indústria, dos  trabalhadores e da  opinião. Uma vez mais,  explora  o  medo, o ódio e o  terrorismo,   pois   é   muito   mais   fácil   encontrar   um   escoadouro   para   o  sentimento   de   hostilidade   dos   grupos   do   que   mobilizar   suas   energias  construtivas. Daí o uso de “ raças” e de indivíduos como bodes expiatórios.  As supostas inferioridade e perversidade dos judeus são transformadas em  desculpa para que se lhes cuspa nos rostos, bata‐se neles ou matem‐nos a  sangue   frio.   O   sistema   do   bode   expiatório   não   só   ajuda   a   libertar   a  comunidade de seu sentimento de culpa, mas impede que a hostilidade se  volte contra o chefe quando a insatisfação é despertada.  Está claro, o bode expiatório não precisa ser forçosamente um produto  interno. Os chefes de todos os países que se opõem ao nazismo podem ser  apontados como alvo para a hostilidade no lugar de Hitler. E assim o vemos  acusando Churchill de todos os pecados de sua própria cartilha.

4. Formação dos Novos Líderes 

A organização militar e a supressão, todavia, por si sós não bastariam.  Hitler sabe que para esse tipo de sociedade sobreviver é mister algo mais  dinâmico do que arregimentação; por isso, criou centros de fermentação  emocional de que as unidades das tropas de assalto constituem o modelo.  Elas   provém   diretamente   dos   bandos   militares   posteriores   à   I   Guerra  Mundial, que desde o começo ameaçaram e tentaram dissolver a sociedade  civil.   Mas   sua   organização   e   mentalidade   deveram   muito   também   aos  primeiros grupos de Juventude Alemã em sua fase Wandervogel.  O   fim   secreto   desses   grupos   é   perpetuar   a   atitude   psicológica   da  adolescência; isso explica muito do que aparece peculiar ao Estado nazista.  Assim como é possível tornar a influência da família tão dominadora que a  mentalidade de seus membros permaneça retardada e imatura, também o  é   utilizar   artifícios   do   grupo   para   manter   e   difundir   uma   infantilidade  irrestrita na sociedade em geral. Nas escolas de líderes (Führers) em que  eles treinam a liderança, tudo é feito para produzir uma mescla bizarra de  emotividade infantil e submissão cega. Os nazistas sabem que seu tipo de  líder   só   pode   florescer   em   grupos   do   tipo   bando.   É   sobretudo   a   esses  auditórios com um desenvolvimento emocional artificialmente tolhido que  atraem os gritos histéricos de Hitler. Quando Churchill diz: “ Nada tenho a  oferecer além de sangue, suor, labuta e lágrimas” ele está apelando para  uma nação de adultos.  A finalidade capital dessa análise é chamar a atenção para a necessidade  da   criação   de   uma   contra‐estratégia.   Em   remediar   os   efeitos  desintegradores   da   civilização   industrial   em   nossa   família   e   na   vida   da  comunidade. Mas elas tem de fazer mais do que se protegerem contra o  contágio.   O   que   há   de   verdadeiramente   promissor   no   novo   método   do  grupo   é   que   pode   ser   empregado   com   fins   construtivos.   Hitler   apenas  malbaratou   e   deturpou   uma   potencialidade   até   então   negligenciada:   as  forças criadoras da existência em grupo. A ocasião para a melhor utilização  dos métodos coletivos chegará quando nos defrontarmos com o problema  de   reorganizar   o   mundo   segundo   novos   traços   e   com   a   tarefa   de  recondicionar a mentalidade Nazista. 

View more...

Comments

Copyright ©2017 KUPDF Inc.
SUPPORT KUPDF