May 8, 2017 | Author: eversonlmatoso | Category: N/A
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CRISTIANE DERAN I
349.6 D443d 3. ed. AG Autor: Derani, Cristiane Títu lo: Direito ambiental econômico / N.Cham.
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"A presença de temas de política de meio ambiente permeando o direito, atuando sobre políticas públicas e empresariais e movimentos sociais, traz à superfície o que sempre existiu de fato: a indissociabilidade da natureza com a cultura." "A questão ambiental é, em essência, subversiva, posto que é obrigada a permear e questionar todo o procedimento moderno de produção e de relação homem-natureza. ( ... ) O direito ambiental apresenta-se com uma tarefa transversa], onde a decantada oposição entre economia e proteção ambiental deixa de existir, trazendo o relacionamento da economia com a natureza de uma forma integrativa para o objetivo do direito ambiental." "O direito exclusivamente como texto reflete uma 'idéia'. A realização ou deturpação desta 'idéia' se dá pela sua prática, pela sua concretização. (... )O direito escrito é parte da geração concreta do Direito, que se completa com a sua interpretação e aplicação." C'ristianl' lkrnni
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CRISTIANE DERANI Livre-Docente da Faculdade de Direito da USP
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Ruo Henrique Schoumonn, 270, Cerqueiro César - São Paulo - SP CEP 05413-909 PABX: 111) 3613 3000 SACJUR: OBOO 055 76BB De 2Q a 6Q, das 8:30 às 19:30
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ISBN 97B·85·02·06637·3 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileiro da Livro, SP, Brasil) Derani, Cristiane Direito ambiental econômico / Cristiane Derani. 3. ed. - São Paula : Saraiva, 200B. Bibliogmfia.
1. Oireho ambiental 2. Direito econômico 3. Meio ambiente 1. Título. 07-4856
CDU-34:502.7:33
Índice para catálogo sistemático: 1. Direito ambiental econômico 34:502.7:33
Diretor editorial Antonio Luiz de Toledo Pinto Diretor áe proáução eáitorial Luiz Roberto Curio Assistente eáitorial Rosano Simone Silvo Proáução eáitorial Ligia Alves Clarissa Boraschi Maria Coura Capo Conexão Editorial
Data de fechamento da edição· 16-7-2007
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A Gabriela que tanto me ensinou neste nosso primeiro ano juntas.
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ÁGRADECIMENTOS •••••. . . . Como seria de se esperar, durante a elaboração deste trabalho não fui alimentada por nenhuma inspiração miraculosa que me permitisse sozinha desenvolver todas as letras e pensamentos expressos neste escrito. Se apresento este trabalho hoje, livrando-me do triste destino de Sísifo ao qual me aproximava, é um mérito a ser dividido. O incentivo e a liberdade garantidos pelo meu orientador, professor Eros Roberto Grau, foram fundamentais para encorajar-me a alç;tr vôos que, várias vezes, duvidava poder empreender. Nisto incluo a busca por uma complementação das pesquisas na Alemanha. Lá fui acolhida pela paciência e interesse do professor Eckard Rehbinder, que me abriu as portas da Universidade J. W. Goethe, em flr1mkfurt, orientando-me na pesquisa bibliográfica e alertando-me contrn minha tendência a certa indisciplina na conclusão das pesquisas. Meu agradecimento deve estender-se aos professores Fábio Nusdeo (Faculdade de Direito da USP) e Jürgen Habermas (Faculdade de Filosofia da Universidade de Frankfurt) que me auxiliaram com indit,:dÇic Umbildung des Verfassungsgesetzes, in R. Dreier, Probleme der ; 11H,,1l•i11t1•r/iretation, p. 56). ti IMf '-•rnm11140, História do cerco de Lisboa, p.15.
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Diversidade, pluralidade, complexidade não significam perda de identidade. A existência da unidade da ordem jurídica é dada pela sua percepção no decorrer da vivência de uma sociedade, exatamente porque ela ·existe e se desenvolve no mesmo movimento das atividades sociais.
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"O Direito é nível da própria realidade, é elemento constitutivo do modo de produção social. Logo, no modo de produção capitalista tal qual em qualquer outro modo de produção, o direito atua também como instrumento de mudança social, interagindo em relação a todos os demais níveis - ou estruturas regionais - da estrutura social global. 12 (... ) O direito é sempre fruto de uma determinada cultura" •
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O direito, como agir em sociedade por meio de seu código pró. prio, é a verbalização dos elementos constitutivos de uma sociedade e de suas expectativas. Afinal, o direito é antes de tudo uma produção humana. É Friedrich Müller quem nos oferece a afirmação de Jellinek: "O direito surge definitivamente como parte do conteúdo da consciência humana" 13 • De outra forma, valendo-me de Friedrich Müller, "o direito é resultado da análise hermenêutica da normatividade jurídica"14. É o modo preciso com que este renomado jurista proclama a indissociabilidade do texto, sua interpretação e aplicação na formação do direito. A análise dos elementos normativos do direito (texto jurídico, jurisprudência) dentro do seu ambiente histórico-cultural, por pessoas, ou mesmo por expertos, constrói o direito. A norma, produto da combinação destes elementos, é nitidamente jurídica e política, pois altera necessariamente o ambiente social em que atua.
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1.1 A Civilização da Ordem
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A civilização moderna, cujas bases remontam ao século XIV na Europa, é especialmente marcada pela busca da ordem. Seu "desenvolvimento" percorre o trilho da organização, do estabelecimento de
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normas e da obediência a regras institucionalizadas. Não é a finalidade do desenvolvimento das potencialidades da personalidade do indivíduo, nem o alcance de algum ideal coletivo de felicidade e justiça, porém a manutenção da organização social em suas bases que impulsiona o surgimento das normas jurídicas nessas sociedades. A manutenção de determinado status quo motiva os meios. Uma estabilidade mantida dentro dos limites de variação previsível dos comportamentos é o objetivo máximo da civilização moderna, e, conseqüentemente, a razão de todo o direito. Esta desmistificação do direito moderno faz-se necessária, não para nos acomodarmos num determinismo atávico, mas para que possa ser verificada, sem fantasias, uma determinada prioridade no direito da sociedade moderna 15 • Sua finalidade máxima é a manutenção dos pilares necessários à realização das atividades que caracterizam esta sociedade. Contudo, tal não significa que o direito esteja impedido de realizar uma determinada justiça social e contribuir para o aumento da satisfação dos indivíduos. O que se coloca é que o direito moderno não é a simples tradução de justiça, não obstante esta seja, em determinada quantidade, necessária para a manutenção da ordem das relações sociais. Faz-se necessário apresentar este contexto, à medida que, ao trabalhar com a Constituição Federal, estarei sobretudo discutindo princípios e direitos fundamentais individuais ou coletivos. E, para melhor orientar esse exame, é meu mister desmistificar uma pretensa relação de causalidade entre normas constitucionais e justiça. O alvo do sistema jurídico é a ordem social, independente do seu teor de justiça. Naturalmente, uma sociedade estará tanto mais pacificada e melhor poderá desenvolver suas atividades à medida que exista um mínimo de eqüidade nas relações e posições de e entre seus membros, bem wmo quanto maior for a confiabilidade na justeza do quinhão de que cada indivíduo consegue usufruir em sua vida na sociedade. Para tanto, tem-se resguardado direitos fundamentais e coletivos, que rezam
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E. R. Grau, A ordem econômica, cit., p. 20. Friedrich Müller, Normstruktur und Normativitdt, p. 77. 14 Para Müller, é a "estrutura normativa" resultado de análise hermenêutica da normatividade do direito. Esta análise é conduzida com a confrontação do texto normativo e o ambiente histórico e cultural em que está imerso e do qual é fruto. Cf. F. Müller, Normstruktur, cit., p. 89.
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11 'foda referência ao "moderno" ou "modernização" adota o conceito de Haber11111s sobre este processo. Para ele, modernização - e por conseqüência o adjetivo Jr mesma raiz - refere-se à acumulação de capital e à mobilização de recursos; 110 desenvolvimento das forças produtivas e ao aumento da produtividade do trnhalho; à imposição de uma violência central política institucionalizada e à for11111~·iio de identidades nacionais; à expansão do direito de participação política, do modo de vida urbano, da formação escolar formal; à secularização de valores e normas etc. (Jürgen Habermas, Der philosophische Diskurs der Moderne, p. 10).
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melhor nível de vida à comunidade, não discriminação, garantia de privacidade e de livre manifestação, direito à propriedade etc. Porém, não há um único caminho e não nos é dado saber para onde estes instrumentos conduzem. O fato é que somente a revelação prática destas normas, ou seja, sua invocação, referência, declaração, por órgãos do Judiciário ou de qualquer outro poder do Estado, por requerimentos em peças processuais, pelos meios de comunicação, pelos atos dos cidadãos reclamando a concretização destes princípios - breve, pela prática da cidadania - conduz ao seu verdadeiro conteúdo e confere à ordem social seu real caráter. A escolha de um princípio em detrimento de algum outro, o seu conteúdo teleológico delimitado na interpretação, nada mais é que a opção por uma determinada ordem. O que nutre tal escolha é este · amálgama de aspirações individuais e coletivas por uma existência melhor e a busca de uma sociedade racionalmente eficiente, capaz de garantir o desenrolar de suas atividades. É uma escolha visando diminuir conflitos e garantir um equilíbrio das relações entre homens e destes com os objetos que permeiam estas relações, como os recursos naturais, propriedade, capital. Nesta composição, conforme acertadamente identificou Auguste Comte durante o revolucionário século XIX, na França, não há mais lugar para bases metafísicas de organização, como a religião, nem para poderes sem qualquer comprometimento com uma legitimação social, como o militar. A inexorabilidade destas conclusões conduz à redefinição por ele dos conceitos-chave da revolução burguesa de 1789 - liberdade, fraternidade e igualdade. A arcaica base da ordem social, a religião, não mais se ajusta a uma sociedade que vive de mudanças, "do progresso". Assim já se explicava Auguste Comte, ao defender sua máxima social "l'ordre et le progres'', em reação a meio século de crise revolucionária. Para ele, a desordem social daquele momento explicava-se pela insuficiente "teologia política" (religião e poder militar) que não conseguiu se sustentar perante "o progresso natural da inteligência e da sociedade"16. Desta forma, ilustra o "engenheiro social": "A ordem e o progresso, que a antigüidade olhava como essencialmente inconciliáveis, constituem cada vez mais, pela natureza da
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Auguste Comte, Cours de philosophie positive, v. IV, p. 17.
civilização moderna, duas condições igualmente imperiosas cujas íntimas e indissolúveis combinações caracterizam a dificuldade fundamental e o principal recurso de todo sistema político verdadeiro. Nenhuma ordem real pode se estabelecer, nem sobretudo durar, se ela não é plenamente compatível com o progresso; nenhum grande progresso se concretizará efetivamente se ele não tender finalmente à consolidação da ordem" 17 •
À antiga teologia social contrapõe-se o espírito científico que nos preserva de uma ressurreição real do espírito teológico ( "esprit cientifique que nous préserve à jamais d'aucune réssurection réelle de l'esprit theologique" ). O "esprit industriei" representaria a garantia mais eficaz contra o retorno do estático espírito teológico da civilização. Em se mantendo o "progresso" da sociedade unicamente movido pelo "esprit industriei", quer dizer, pelo desenvolvimento de tecnologias, pela expansão industrial e de mercados, e de tudo aquilo que assegure este movimento, insere-se todo o progresso moderno no interior de bases político-econômicas definidas que garantem o perfil de uma determinada sociedade. Por isso, não é sem mais a constatação do movimento da sociedade pelo seu modo de produção. Mais do que nunca a atividade de manutenção da vida e enriquecimento assume uma força caracterizadora da sociedade. Comte precisou muito bem a mudança de base do paradigma da ordem social - de uma ordem estática para uma postura dinâmica. No vácuo de diretrizes deixado pelo afastamento da religião como norteador dos valores sociais, o direito assume o papel de fonte moral e normativa, circunscrevendo os limites de mobilização social, numa orientação maleável, permitindo ações das mais diversas, fixando os pilares básicos da ordem social, a partir dos quais são possíveis os entendimentos mantenedores ou transformadores do cotidiano. Se, por um lado, a civilização moderna circunstanciou seu paradigma moral, por outro lado este mundo privatizado, laicizado e desencantado (quer
11 "L'ordre et !e progres, que l'antiquité regardait comme essentiellement inconciliables, constituem de plus en plus, par la nature de la civilisation moderne, deux conditions également impérieuses dont !'intime et indissoluble combinaisons caractérisent désormais la difficulté fondamentale et la principale ressource de tout véritable systeme politique. Aucun ordre réel ne peut plus s'etablir, ni surtout durer, s'il n'est pleinement compatible avec !e progres; aucun grand progres ne saurait effectivement s'accomplir, s'il ne tend finalement à l'évidante consolidation de l'ordre" (Cours, cit., p. 8).
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li1 dizer, que perdeu as bases públicas religiosas e semimágicas de outrora) manteve elementos capazes de impingir ao comportamento individual uma idéia de sacrifício e dedicação a ideais coletivos, além da mantença do ind\víduo. O equilíbrio entre estas duas espécies de valores (os individuais e os coletivos) molda os rumos de cada sociedade.
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1.2 A Ordem Jurídica é uma Escolha: A Escolha da Constituição Federal Brasileira de 1988
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Apesar de toda aparência de neutralidade ostentada pelo direito devido a seu revestimento formal, ele está profundamente imbricado na própria base das relações de produção, assume suas características e valores e reage às suas modificações. Seu funcionamento ajusta-se como uma engrenagem em uma máquina às relações de produção. E aqui reitero o caráter político do direito. No caso do Brasil, o modo de produção desenvolvido é o modo de produção capitalista, explicitado e garantido pela Constituição Federal ao proteger e defender em seus princípios fundamentais os elementos que o compõem. A economia de mercado é garantida constitucionalmente, pois seus elementos fundamentais estão resguardados na 2 Constituição Federal - livre iniciativa, trabalho assalariado (art. 1 , IV). A particularidade de cada direito é ainda mais acentuada à medida que não se pode falar de um modo de produção genérico para uma sociedade, no caso a brasileira. Não se trata de afirmar que cada modo de produção pressupõe a existência do seu direito, senão de afirmar que em cada sociedade manifesta-se um determinado direito, produto da coexistência de relações calcadas no modo de produção dominante nessa sociedade com as relações fruto de outros modos de produção que, 18 nessa sociedade, coexistam com o modo de produção dominante • Por isto que não podemos adotar o simplismo de tachar o modo de produção expresso no texto da Constituição Federal como modo de produção capitalista, nivelando-o com demais Estados capitalistas, sem compromisso com seu espaço e tempo. A descrição normativa do texto constitucional brasileiro identifica uma série de relações e aspirações inerentes a esta sociedade num determinado tempo histórico, aportando à economia capitalista, que reafirma novos matizes. Assim, um fator fundamental da produção econômica, a natureza, sub-
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E. R. Grau, A dupla desestruturação do direito e o direito pressuposto, p. 16.
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mete-se aos efeitos da normatização dos meios de sua apropriação. Ajusta-se, portanto, a exigências de razões econômicas, estéticas, culturais, ontológicas reguladas pelo ordenamento jurídico peculiar a cada formação social. A Constituição reelabora e dá contornos próprios ao capitalismo que declara, desenhando-o na forma de "capitalismo social", estruturado na Carta Magna, sobretudo nos seus arts. 5 2 e 170. Naquele, quando dispõe sobre a garantia da propriedade privada e sua vinculação ao desempenho de uma função social (art. 52 , XXII - "É garantido o direito de propriedade" e art. 52 , XXIII - "A propriedade atenderá a sua função social"). Ademais, o modo de produção capitalista, depurado pelos elementos da democracia social, é assegurado no artigo inaugural do capítulo que trata dos princípios gerais da atividade econômica, no título "Da Ordem Econômica e Financeira" (art. 170). A ordem econômica deve estar fundada na livre iniciativa (art. 170, caput) e na livre concorrência (inciso IV). Aqui está perfeitamente elencada a defesa dos três fatores da produção - capital, trabalho, natureza - representados respectivamente nos princípios inscritos nos incisos II - propriedade privada, VIII - busca do pleno emprego, VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação. Também é neste artigo que se encontra protegido o agente econômico nos seus dois momentos na sociedade: 1 - como trabalhador ou produtor - a ordem econômica deve estar fundada na "valorização do trabalho humano" (art. 170, caput) e a realização da ordem econômica deve atender à busca do pleno emprego (inciso VIII); 2 como consumidor (inciso V - defesa do consumidor). É fundamental a atuação do Estado para a materialização destes princípios e de todos os que visam a um maior equilíbrio nas relações sodais e integração de seus partícipes. Afinal, o Estado, ao longo dos dois últimos séculos, tem assumido um papel complementador das rdações de produção, pautadas originalmente na satisfação de interesses individuais. O Estado age a fim de melhor organizar a produçiio e para neutralizar tensões inerentes ao processo produtivo, entre 11 que seja público e privado, entre democracia e capitalismo, conforme já diagnosticou Habermas 19 •
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Carl Offe expressou o relacionamento tensionado entre capitalismo e democracia, sob o ponto de vista da concorrência, no seguinte paradoxo:
uma "ética de responsabilidade solidária da humanidade" 2 S, a qual trará efeitos nas atividades e conflitos humanos e será apta a conduzir à materialização de ideais sociais e democráticos.
"Sociedade capitalista diferencia-se de todas as demais não pelo seu problema de reprodução, mas pelo fato de apresentar para o problema de compatibilização da integração social, que todas as sociedades de uma certa maneira trabalham, ao mesmo tempo, dois caminhos de solução lógica que se excluem mutuamente: o de diferenciação, ou seja, privatização da produção, e o de sua socialização, ou seja, politização"2º.
Asseguradas a cidadania e a dignidade da pessoa humana, lançam-se as bases gerais para a igualdade entre os cidadãos, nas suas mais diversas atividades. Este nivelamento dos homens é ponto de partida de toda comunicação social que se desenrolará com base no ordenamento jurídico. O direito, enquanto norma editada, perfaz uma unidade organizada, é o sistema jurídico 26 , e, como tal, é discurso escrito mantendo sua unidade interna: não há contradições no texto enquanto puro verbo. Canaris chama este sistema jurídico de "ordem teleológica", um complexo a ser analisado em sua inteireza perscrutando-se por trás da lex e da ratio !ex a abrangente ratio iuris 27 (contraposição que visa voltar a atenção ao sentido material e não simplesmente à ordem formal do texto).
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A perseguição da realização do bem comum pelo Estado afasta a concepção liberal de lei, que se pautava numa igualdade fictícia, e .dirige-se para uma atividade em busca de concreta justiça distributiva. Nos papéis de produtor, repartidor e distribuidor de riquezas, o Estado de Direito torna-se um Estado Sociat de Direito 21 à medida que se volta à organização do trabalho, bens e recursos naturais. Retornando ao Título Ida Constituição Federal, "Dos Princípios Fundamentais", é possível afirmar que estes princípios traduzem opções políticas fundamentais sobre as quais se pauta o desenvolvimento das atividades nesta sociedade22 • É oportuno lembrar Jorge Miranda, que sublinha a função ordenadora dos princípios fundamentais, quando afirma serem eles que dão coerência geral ao sistema 23 • A ligação mais profunda que ocorre entre os princípios é uma ligação ética. É a fundamentação derradeira, a pedra fundamental (die Letztbegründung24 ). É aquele topos, liame de todo o texto, que, por representar um valor teleológico relevante, acaba se evidenciando pela tendência que mostra cada Constituição. É na manifestação desta ética que se tornou possível adjetivar generalizando uma Constituição como social, democrática etc. Não é por conter um ou outro princípio de caráter social ou democrático, mas porque seus princípios são expostos num conjunto, vinculando os sujeitos, consolidando
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º Apud J. Habermas, Theorie, cit., p.
O direito apresenta uma unidade racional, isto é, sua concepção corresponde a uma estrutura resultante de embates políticos, espelhando uma totalidade coerente dentro da diversidade e antagonismos de interesses que o formaram. Não significa a ordem desejada, porém uma organização possível, resultante das diferenças e embates inerentes a cada sociedade. O direito é a realidade com todas as dificuldades de expressão e todas as contradições. Cada formação social, cada elemento da sociedade, carrega toda a contradição imanente àquela sociedade. Cada forma de expressão social reflete a turbulência do todo. É por isso que afirmo, a despeito da coerência do ordenamento jurídico, ser o direito necessariamente contraditório e conflituoso. Tais contradições e conflitos, no entanto, não integram o texto, surgem no momento de realização do direito: pela sua interpretação e aplicação. P. nesta esfera que se localizam contradições, diferenças, lutas para manutenção e modificação de um determinado status no interior da 1nciedade. Situando-se o direito numa amplitude maior que a do texto
508. Cf. Hermann Heller, Rechtsstaat oder Diktatur, in Martin Drath et ai. (org.), Gesammelte Schriften, v. 1, p. 451. 22 José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 83. 23 Apud, José Afonso da Silva, Curso, cit., p. 85. 24 Expressão de Karl-Otto Apel, Diskurs und Verantwortung, p. 7.
jurldirn na concepção do texto normativo e na unidade interna que ele representa" (,~y•trmdenken und Systembegriff in der Jurisprudenz, p. 155). 1 • Ct. C. W. C:anaris, Systemdenken, cit., p. 46.
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do ~·onn·ito de sistema são ordem e unidade. Elas encontram sua correspondência
jurídico, tem-se que este não é qualquer ratio scripta, porém um produto, um resultado da história e é realizado por pessoas, acusando, como.tal, necessariamente contradições e insuficiências que são inconciliáveis com a i'magem de unidade interna e seqüência lógica. É preciso remarcar que no direito encontra-se um elemento antagônico à generalidade e abstração exigidas por um sistema: "a tendência individualizadora" da justiça, que reage contrariamente ao pensamento sistêmico nivelador, e tem como resultado a formação de normas, que afastam a priori um fatalismo textual indiferente à situação concreta. Assim, a conclusão de Canaris28 de que quebra de uniformidade e lacunas são portanto inafastáveis durante a prática do direito. O direito é comumente associado à noção de lei. Quanto a isto, alerta Grau: "O direito, assim, é concebido ~stritamente como conjunto de normas sancionadas e cada norma que o integra retira a sua 'essência' da circunstância de ser sancionada. Do Direito não cogitam os juristas - seu objeto de indagação é a norma jurídica, que se caracteriza como jurídica porque juridicamente sancionada. A norma jurídica, assim, na instância jurídica, se transforma em fetiche, tal qual a mercadoria é fetichizada na instância econômica" 29 •
O direito, porém, contém a lei, uma vez que ele é formado de outros elementos, e só se manifesta quando assentado neste conjunto de lei e fato interligados pela ação. O desvendar das linhas do "livro de leis", evocando a letra, seja pela instituição competente declarando determinada norma jurídica, seja por aquele que, em conhecimento do preceito, evoca-o e reclama sua aplicação, traz vida ao direito. O sistema de leis é um referencial, um instrumento para compor fatos da realidade. A força de sua presença na sociedade e seu efeito modificador, organizador, mantenedor das relações sociais resultam do sentido e valor que os sujeitos em sua prática diária atribuem à lei. A má compreensão da norma jurídica e sua redução a mero conceito lógico-hipotético, ou unicamente a um texto imperativo, levantam de forma aguda a questão sobre o modo apropriado da relação entre direito e realidade, exatamente no que diz respeito ao momento da concretização do direito.
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C. W. Canaris, Systemdenken, cit., p. 112. E. R. Grau, A ordem econômica, cit., p. 24.
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O direito como texto é um experimento, apresenta um potendal, delimita um campo de ação sobre o qual a sociedade se baseia para o estabelecimento de seus relacionamentos, na requisição devalidade e prevalência de interesses. Ele surge como articulador social e as normas de organização coletiva estão na sua origem e na base moderna do contratualismo privado, que tributa sua concreção ao desenvolvimento da organização da sociedade. Não se trata aqui de negar a dogmática ou de colocá-la como um incômodo, cuja existência não se pode negar, mas que se procura por todas as maneiras dissimular. Naturalmente, ela tem um papel fundamental, na formação do direito moderno, na medida em que é por ela que se tem uma ordem jurídica com o desenvolvimento e a positivação de normas gerais e organizatórias de uma sociedade. A interpretação do direito positivo com toda contribuição que possa e deva ter da filosofia, sociologia, história, é um trabalho de interpretação de texto, de esclarecimento e determinação de seu conteúdo, o que faz da dogmática jurídica uma "disciplina multidimensional" 3 º e, portanto, os limites da legitimidade da argumentação dogmática são definidos menos por uma metodologia, porém muito mais por um substrato social. Ao analisarmos a Constituição Federal, várias são suas normas que requerem mais de uma interpretação, e reclamam um preenchimento via implementação política. São portais que, uma vez transpostos, levam a um campo fértil que aceita a semente que se atirar. Esta figura utilizada é especificamente para argumentar que, muitas vezes, a norma jurídica na Constituição é uma permissão a um assunto, contudo o que se desenvolve a partir dela é uma surpresa fugindo dos lindes de seu texto. O portal permite a entrada, porém não se responsabiliza pelo que, quando transposto, é encontrado, nem pelo que se passa no interior do ambiente onde ele permite o ingresso. O sistema jurídico resume-se ao texto jurídico, como desenvolvimento de orações jurídicas, que expõem conceitos e definições, formando um conjunto abstrato que se deixa deduzir logicamente. Isto wmpõe apenas uma parte do direito que não se deixa reduzir a este sistema. O sistema jurídico em si é uma abstração, o direito é um nível da realidade e é composto por elementos mais complexos e dinâmi-
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Ralf Dreier, Zur Problematik und Situation der Verfassungsinterpretation, in l'rohleme der Verfassungsinterpretation, p. 21.
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cos, que são os fatos da realidade em contínua comunicação com o texto, tanto na sua formação como nos seus posteriores efeitos. A insuficiência da compreensão da norma despida de fatos é estendida diversas .vezes parq as bases metodológicas do tratamento do direito. Um dos erros básicos do atual positivismo jurídico, a concepção e o tratamento da norma jurídica como algo assentado em si mesmo, já dado, tem como pressuposto a separação entre norma e fatos e é esta separação que rejeito. Todo tratamento deste trabalho avalia o direito com "corpo e alma". Norma e fato são elementos constitutivos, indispensáveis ao estudo do direito. Esta base de interdependência do direito contribui para desmistificar o trancamento do direito, apresentando uma compreensão da norma jurídica voltada às manifestações de uma sociedade temporal e espacialmente definida, o que aliás é exigido de toda teoria que se pretende social. Abandona-se, portanto, o hábito de reduzir o direito a um conjunto de normas, exilado e condenàdo à solidão de um texto sem vida, pois lhe falta a humanidade só concedida com a presença do homem, sujeito participante de uma sociedade, formador, respeitador e modificador da norma. E é nesta complexidade dinâmica que se torna possível identificar em sua inteireza a escolha operada pela ordem jurídica para a manutenção da ordem social. Como já tive oportunidade de referir, baseada em Auguste Comte, esta é uma ordem de modo algum inerte, mas necessariamente voltada ao progresso. A ordem da modernidade.
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O direito está necessariamente ligado à linguagem e, num sistema de direito escrito, aparecem as normas jurídicas como texto normativo, isto é, como um pronunciamento oficial autorizado do direito em vigor. Segundo Müller, a ordem jurídica constitui um continuum de textos mediados por processos lingüísticos. O direito imposto pelo Estado trabalha minimamente com violência concreta - repressão policial e afins - , e muito mais com uma violência constitucional verbalmente formada, conciliada e controlável. Revt;la-se como representação de uma força efetiva, e esta virtualidade torna-se a própria
2.2 O Texto de Lei e sua Base Material Já afirmei que a sociedade moderna tem como premissa a declaração de igualdade entre os homens. Igualdade formal que emoldura toda ordem jurídica, tornando-a praticável. Igualdade na razão da lei faz do homem um cidadão, tornando possível a igualdade de tratamento, o que viabiliza a necessária aceitação do direito como lnstituição 33 •
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rriedrich Müller, ]uristische Methodik und politisches System, p. 95.
u Cf. F. Müller, Normstruktur, cit., p. 80. 11
Aqui aplico o conceito de "Instituição Jurídica" apresentado por Habermas, que compreende como um conjunto de normas jurídicas que não podem ser suficientemente legitimadas por meio de referências positivistas a processos. Tão logo a vialidade destas normas seja questionada na prática diária, não basta a referência i\ sua legalidade. Ela precisa de uma justificação material, porque ela própria pertence ao conjunto de organizações do mundo da vida e juntamente com normas Je agir informais constituem o pano de fundo do agir comunicativo. Conseqüentemente, o direito precisa estar assentado em valores socialmente aceitáveis, capazes dr justificar a sua prática (ver Jürgen Habermas, Theorie, cit., v. 2, p. 536).
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2.1 Direito como Linguagem
coerção social. Este modo de linguagem da ordem jurídica corresponde à ambição por racionalidade do moderno Estado Constitucional burguês. Esta racionalidade é ambígua no desempenho de sua função, pois ela é duplamente efetiva, na medida em que ela por um lado auxilia no processo de dominação, e por outro estabelece os pressupostos para um consenso. Isto se expressa numa dupla forma de linguagem do texto jurídico, como texto organizador e justificador31 • Este trabalho orienta-se por uma concepção do direito que analisa a norma por meio de sua interpretação e aplicação. Procura-se compreender a norma em seu movimento na sociedade e não a partir do abismo conceptual entre "norma" e "realidade". Não é possível, numa sociedade em constante modificação social, cultural, moral, tecnológica, que se conceba o ordenamento jurídico e os fatos, um com o outro, estáticos, perenes e confrontados como possuidores de um ser independente 32 • A condição humana não é uma determinante indiscutível, e o que Estado e casamento, comércio e dívida significam depende sempre de como o homem interpreta a si mesmo e seu mundo. O momento da compreensão, sua atualidade e ligação a preconcepções são fundamentais para o acabamento da norma.
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A norma jurídica representa uma força efetiva e exerce uma função reguladora na sociedade. É ela a encenação de uma força, a sua manifesta~ão em potencial. Havendo a possibilidade de um conflito de interesses, desponta ºem seu papel coercitivo. Não ocorrendo propriamente o conflito, ocorre uma generalização pelo consenso, dando lugar à manifestação da norma como indução, encorajamento, para que uma conduta seja realizada. Do encorajamento à persuasão, abre-se o lugar para todas as formas de influência do ordenamento jurídico. Lanço mão de Giannotti, ao falar de uma "dimensão semântica da representação" 34 • Acompanhando este autor, é possível compreender ser o texto normativo um fenômeno da sociedade, a representação semântica dos elementos presentes efetivamente nesta sociedade, a ela retornando como um todo. A medida d.a efetividade do direito positivó é dada na razão direta de sua capacidade de captar a sociedade como um todo. A generalidade da norma deve ser capaz de encenar a totalidade do grupo, da "comunidade", ao mesmo tempo que unifica 35 as ações estatais, informando o dever ser de seu comportamento • Esta norma não é um dado, mas uma "re-presentação" de condições materialmente existentes. O modo como isto se revela e o posterior trabalho desta mesma sociedade sobre o "re-presentado" é o que interessa ao trabalho jurídico. Retomando ainda uma vez o que já apresentei acima, afirmo que o estado material se dá como fundamento do estado formal, e a partir deste são desenvolvidas novas formas de ação material. Quando nos defrontamos com a norma jurídica, devemos ter em mente que não estão nela regulamentados meramente desejos e ambição por comportamentos ou programas. A norma incorpora a tarefa de procurar reter no tempo o que o cotidiano não é ou não foi capaz de perpetuar. Nela estão presentes valores e idéias que remetem a uma
José Arthur Giannotti, Trabalho, cit., p. 183. Explica ainda Giannotti: "Não é qualquer instituição centralizada que se diz estado; somente quando um chefe atua em vista duma comunidade, quando sua concreta re-presenta uma koinomia, como diziam os gregos, de sorte que o comportamento singular passa a encenar a totalidade do grupo e, dessa maneira, reivindica para si o direito de avaliar ações alheias, é que temos o estado propriamente dito. É neste monopólio da medida, seja qual for a sua forma, que detectamos a presença do estado. E neste ponto nossa concepção está muito próxima daquela de Kelsen, que igualmente se insurge contra as interpretações sociológicas do estado, insensíveis a seu lado normativo" (J. A. Giannotti, Trabalho, cit., p. 184).
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nostalgia coletiva por uma sociedade ideal. A perda real daquilo que prescreve a norma jurídica numa sociedade acarretaria nela profundas modificações estruturais e morais, difíceis de serem absorvidas sem a erupção de um choque desintegrador. Este movimento de retenção desempenhado pela norma jurídica pode desenvolver-se tanto no sentido de apreender o que está presente de forma ainda latente na sociedade, como também pode representar o último suspiro de determinados fatos que não mais encontram guarida na prática diária. O sistema jurídico estrutura um movimento que já ocorre na sociedade36 • Este movimento é o da relação entre os homens em sociedade e deles com a natureza, constituindo o modo de produção da vida social. O regime de produção econômica assegurado pela Constituição Federal não é fruto de elucubração dos legisladores. Este regime, seguramente o do modo de produção capitalista, resulta da constatação da prática econômica existente (para Eros Grau - do direito pressuposto )37 • Este direito positivo que o legislador não pode criar arbitrariamente acaba influenciando as próprias relações básicas que lhe deram origem. O processo de diversificação social leva a uma multiplicação funcional de tarefas especializadas, de papéis sociais e de interesses que a ação comunicativa liberta das estreitas ligações institucionais para um mais amplo campo de opções 38 • Esta "ação comunicativa" se faz necessária em ações que se expandem e que são coalhadas de interesses antagônicos. Nesta sociedade profana, a ordem normativa deve-se manter sem qualquer suporte metassocial, como o de forças divinas. Assim, transfere-se o fardo da integração social ao trabalho de compreensão entre os membros de uma sociedade. É de grande valia o diagnóstico de Habermas da sociedade profanada, que ele denomina pós-metafísica. Nesta organização social, o peoso da ordem normativa é intenso porque independe de garantias
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1 ~ Vi:r sobre "direito posto" e "direito pressuposto" em Eros R. Grau, A dupla 1l,11•struturação do direito e o direito pressuposto. " Eros Roberto Grau, O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiro~. 1996, p. 209. 11 Jtlr~t·n Habermas, Faktizitiit und Geltung, p. 42.
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metassociais, fazendo com que a compreensão entre os "atores" sociais seja o fiel da balança da estabilidade social. Uma vez que a estabilidade social e a concatenação (coerência, continuidade) da interação'social nã0 possam ser concretizadas com a simples sobreposição', de busca de interesses individuais, a sociedade precisa ser integrada 39 por uma ação comunicativa • Quando o contexto de interação não se deixa determinar pelo simples entendimento entre os indivíduos para se formar uma ordem estável, a sociedade precisa em última análise ser integrada por um instrumento estimulador da ação comunicativa. Nesta precisa necessidade encontramos a justificativa do direito por Habermas. A individualização de setores da sociedade, que passam a ser teorizados como sistemas, não os torna fragmentos isolados cujo conjunto constitui um todo. "No seu movimento de individualizar-se, uma sociedade constitui uma imagem de si mesma que passa então a 4 servir de parâmetro para as atividades políticas" º. Entretanto o poder, controle sobre uma sociedade, só ocorre com a capacidade de antepor-se a este ato um todo comum. Simplificadamente, é a capacidade de o timoneiro convencer a tripulação a agir sob suas ordens para um destino agradável a todos, visto que "estão todos num mesmo barco". A norma jurídica, que é representação semântica de uma sociedade, possui uma raiz real capaz de assegurar a sua efetividade. Essa raiz é dada por aquilo que se apresenta na qualidade do ser comum da sociedade, o bem comum. Valor supremo que legitima este instrumental normativo a ser movimentado, visando tanto a criação como a manutenção e a reparação do todo social. Esta dinâmica só pode ser compreendida quando avaliada a unidade representativa do direito positivo. "O texto de Lei é trabalhado na sua totalidade. Não se pode analisá-lo em tiras" 41 • O capítulo de meio ambiente da Constituição Federal não esgota as normas sobre meio ambiente e recursos naturais. Da mesma forma, o título da ordem econômica não forma uma constituição econômica independente das demais normas da Constituição Federal. É por isto que dificilmente me deterei em algum artigo
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Faktizitdt, cit., p. 43. 40 J. A. Giannotti, Trabalho, cit., p. 185. 41 E. R. Grau, A ordem econômica, cit., p. 181.
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específico da Constituição Federal para cumprir meu objetivo que peca conscientemente pela generalidade, pois o que pretendo evidenciar não é um conceito específico, mas um movimento. O que julgo apresentar é a dinâmica histórica, situando temporal e espacialmente o texto promulgado em 1988, evidenciando sua ideologia própria, assim como sua estrutura lógica, concentrando-me apenas no que tange especificamente à relação entre economia e meio ambiente.
2.3 Norma Jurídica e o "Âmbito Normativo" Normas são mecanismos estruturadores de determinada sociedade. A concretização de normas, ou, mais precisamente, o estabelecimento de normas decisórias (Entscheidungsnormen, como quer Müller), assentadas sobre normas gerais de direito preestabelecidas, é, em princípio, não somente interpretação do texto normativo, mas também análise do âmbito da norma 42 • Portanto, o trabalho jurídico não é tratado somente como um trabalho decisório no sentido funcional, mas também na sua sistemática de trabalho, comprometido imediatamente com a realidade social 43 • Destarte, a norma não pode mais ser entendida como apenas um texto que exprime uma regra normativa. A norma só pode ser completamente compreendida durante o processo de concretização. Seu sentido está neste processo. Tal processo, no entanto, sublinha Müller, não se limita àquele da hermenêutica tradicional, onde o aplicador é um ator social institucionalmente Investido de poder para tal. Por esta teoria, o trabalho de concretização possui um raio de abrangência muito mais amplo, abraçando todos os meios de trabalho mediante os quais se chega a concretizar a norma e a realizar o direito 44 •
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Expressão utilizada por F. Müller para designar todo campo de atuação e de Influência recebido e transmitido pelo direito, compondo-se de história, cultura, atividade política e prática da sociedade civil, instituições do Estado. O 1lmhito da norma não é mera soma de fatos, porém um complexo real e possível formulado com elementos estruturais retirados da realidade, que aparecem em toda HKrn. O âmbito da norma não congrega a totalidade dos fatos, ele se manifesta qunndo um programa de interpretação prática está em curso, aplicando-se normas jurfdil.:as que, tendo em vista o fato concreto, fazem emergir relevantes estruturas 1111:i11is básicas que delinearão o seu universo (F. Müller, Normstruktur, cit., p.
187-188). F. Müller, ]uristische Methodik, cit., p. 9.
• 1 Cf.
•• P11ulo Bonavides, Curso de direito constitucional, p. 456.
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Explicitando melhor, a prática do direito não obedece apenas ao cumprimento de uma função declaratória do lícito e ilícito, sentenciando com base nos imperativos genéricos da norma do "dever ser". Por intermédio de uma atividade prática perscrutadora do sentido da norrr;a, o direito em cada sociedade deve ser compreendido e analisado dentro do seu ser em sociedade, relacionado com a política, atendendo à delimitação formal das disposições da Constituição Federal que estruturam o quadro da "organização social". É por isso que afirmo ser também uma tarefa do direito traçar linhas gerais que delimitem o campo de ação das normas e princípios gerais previstos na Constituição. Por tais parâmetros, circunscreve-se o campo de ação da aplicação das normas genéricas da Constituição, dentro de um papel explicativo e não restritivo. O direito, enquanto doutrina, deve contextualizar as normas e procurar apresentar as faculdades abertas pela norma. Esta metodologia jurídica apresentada não se desenvolve ao bel-interesse de seus agentes, porém encontra suas bases e limites de ação nas normas constitucionais. A Constituição, como delimitadora de práticas na sociedade, atua coordenando estas ações ou, pelo menos, garantindo sua legitimidade. É a norma, seja no seu processo de elaboração, seja na sua aplicação, determinada histórica e socialmente. Assim, quando trato do âmbito da norma (elementos e situações do mundo da vida sobre as quais recai determinada norma), não me refiro a um tema metajurídico, porque história, cultura, enfim, as características de uma sociedade, são os próprios componentes da norma. A propalada característica de objetividade e generalidade do direito aplica erroneamente o "absoluto" utilizado pelos parâmetros das ciências naturais. Ademais, a norma não é uma obra acabada, que seria utilizável sem maiores dificuldades. Muito mais, permanecem as concepções normativas orientadoras no espaço de um campo de problemas que abrange o âmbito da norma e a estrutura do possível e dos casos concretos. Este é o motivo hermenêutico para a caracterização da estrutura fática normativa como âmbito da norma, que não é nenhum fato isolado, porém um quadro verbal que delimita o campo sobre o qual permanece imprescindível a concretização prática45 . A norma não pode ser entendida como limite da realidade, porém como elemento dela integrante 46 . Também o texto normativo não
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As possibilidades de interpretação sistemática mediante a consideração dos aspectos do âmbito da norma e do ordenamento jurídico47 aparecem em primeiro plano nesta tarefa de concretização. Nas normas constitucionais, especialmente nas prescrições dos direitos fundamentais e demais pertinentes aos objetivos do Estado, é a identificação do âmbito da norma especialmente produtiva, porque tais normas revelam-se sobremaneira abstratas e genéricas quando se tem apenas a perspectiva do texto normativo. Porém, só o texto normativo é abstrato. Na relação entre texto e decisão concreta da norma, trabalha-se a compreensão da norma dentro da esfera do âmbito normativo. O caráter da norma é definido quando de sua aplicação. A concretização da norma compreende tanto sua interpretação e aplicação como, com isto, a solução de um caso jurídico. Citando Theodor Geiger, afirma Müller que cada decisão de aplicação ou não da norma atribui, pelo menos em potencial, uma nova versão à "substância vinculadora da norma", isto é, ao fato e a todos os elementos que o constituem 48 .
47
Cf. F. Müller, Normstruktur, cit., p. 173-174.
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F. Müller, Normstruktur, cit., p. 168.
••E Müller, Normstruktur, cit., p. 192.
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Na verdade, a norma como cláusula geral é ainda inexistente, isto é, não se traduz de imediato num fato, pois é bem um meio. Ela precisa ser desenvolvida do programa normativo para o caso particular. Não há conformidade imediata, como uma roupa que se escolhe para determinada ocasião. A norma não é um objeto inerte, modificase e ajusta-se pela correlação de forças que imperam durante a sua utilização (concretização).
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O preceito jurídico é um material jurídico (Rechtsstoff), que precisa ser trabalhado. Ele recebe no decorrer de sua aplicação uma lapidação política e é provado durante o seu processo de realização. O essencial nesta lapidação e nesta prova está em que, pela aplicação de uma norma, todo o ordenamento jurídico é posto em discussão e são testadas suas finalidades e ideologias.
Entendo como "ordenamento jurídico" o conjunto de princípios e regras presentes na Constituição e demais normas e regulamentos a serem analisados. Toda interpretação normativa é uma interpretação do ordenamento jurídico e não de uma lei singular.
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é nenhum fato comprovável, nenhum dado coisificado, porém um possível ponto de vista, de qualquer modo reclamante de interpretação.
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zonte de uma respectiva pré-compreensão condutora da sociedade contemporânea. De tal arte que é a interpretação do direito também uma resposta, apreendida de uma maneira específica, às exigências de uma situação social5 1 •
É a aplicação da norma que permite a unificação da Constituição com o todo do sistema jurídico. Somente pela aplicação pode-se determinar a "justeza" de uma norma ao ordenamento, sobretudo sob o popto de vista das garantias e proteção dos direitos individuais, da aplicabilidade 'conforme as demais garantias constitucionais da norma individualizada ao caso específico.
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2.4 Interpretação
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Por ser o ordenamento jurídico formado e conformado pela realidade, temas que aparentemente se revelam contraditórios no texto normativo, como liberdade e restrição, individualismo e coletivismo, relevância e irrelevância, igualdade e diferença, devem ser compreendidos não como apresentando um antagonismo, mas conformando uma polaridade estrutural, uma vez que a existência simultânea desses opostos é inerente ao mundo da vida e estão essencialmente ligados entre si. Não resta dúvida que interpretar a Constituição é muito mais do que fazer-lhe claro o sentido: é sobretudo atualizá-la 53 • É por isto que toda concretização constitucional é aperfeiçoadora e criativa.
2.5 Princípios e Regras Tratei genericamente até o momento das normas jurídicas. Estas, no entanto, podem ser diferenciadas em duas espécies: os princípios e as regras.
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Tenho utilizado constantemente a palavra interpretação; cabe agora aclarar seu sentido. Adoto a distinção perspicaz de Friedrich Müller entre texto e norma jurídica. Texto jurídico é o que está escrito. A norma é o texto relacionado com situações de fato (âmbito nor)Tiativo) que se quer normatizar. Interpretação é a apuração do conteúdo verbal da norma. Argumentos da realidade podem servir somente para a apuração do sentido de normas, quando estes próprios elementos da realidade habitam a norma. Normas de direito não se esgotam nem em seu texto nem no mandamento ali expresso. A norma é sobretudo formulada tendo em vista um determinado estado da realidade social que ela pretende reforçar ou modificar. Este estado da realidade social normalmente não aparece no texto da norma. O texto é formulado, ao contrário, de modo abstrato e geral, isto é, sem referência a motivos e contexto real. Então, o aspecto da realidade referida pela norma não permanece alheio a ela, porém constitui conjuntamente seu sentido. O sentido não pode, a partir daí, ser perseguido apartado da realidade a ser regulamentada. Ela é tanto parte da norma quanto o texto. Somente a partir deste pressuposto torna-se compreensível que as mudanças da realidade repercutam sobre o sentido da norma. "Um dever-ser há de ser formulado somente em vista de um ser, de modo que elementos do mundo do ser sejam tomados para si (in sich)" 49 • "O teor da norma só se completa no ato interpretativo", reitera Hesse 50 • É, portanto, incisiva a afirmação de Habermas quando expõe que os expertos não interpretam a norma tendo em vista somente o contexto do corpo normativo como um todo, porém a partir do hori-
É a posição destes autores que adoto para o desenvolvimento deste trabalho. Este posicionamento procura evitar a antinomia de uma Constituição formal e uma material, repudiando a existência de dois mundos apartados, o do "ser" e o do "dever ser", e a discussão, que se tem revelado inócua na prática, sobre um confronto entre realidade e norma jurídica. Arguta é a síntese de Bonavides sobre este modo de ver o direito ao afirmar que "os métodos auxiliares da metodologia tradicional herdados a nossa época são incompletos, em face da latitude e da complexidade que toma na sociedade industrial o fato político, influenciando o Direito Constitucional, e ressaltandolhe esse aspecto, em detrimento da juridicidade, cujo colapso a metodologia concretista parece à primeira vista acelerar, dissolvendo a normatividade das Constituições" 52 •
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Dieter Grimm, Grundrechte und soziale Wirklichkeit, in Winfried Hassemer (org.), Grundrechte und soziale Wirklichkeit, p. 44.
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J. Habermas, Faktiziti:it, cit., p. 58.
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P. Bonavides, Curso, cit., p. 459. P. Bonavides, Curso, cit., p. 441.
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Apud P. Bonavides, Curso, cit., p. 439.
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Princípios são normas que dispõem a respeito de algo a ser realizado o mais amplamente possível dentro das relativas possibilidades do direito e dos fatos. Princípios são, portanto, mandados de otimização (Optimierungsgebote 54 ) com a característica de poderem ser preenchidos em diferentes graus. A medida deste preenchimento depende não somente dos fatos como também das possibilidades abertas pelo direito. A área das possibilidades do direito é delimitada pelo conjunto de princípios e regras vigentes. Em contrapartida, regras são normas, que podem ser ou não preenchidas, ficando descartada uma gradação de preenchimento. Quando uma norma vale há, então, um mandamento para fazer exatamente aquilo que ela exige, nada mais ou menos. As regras contêm, com isto, estipulações no âmbito do fático e juridicamente ·possível. Isto significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa e não uma distinção hierárquica em grau · de importância 55 • Nesta linha de argumentação, defende Eros Grau que os princípios positivos do direito reproduzem a estrutura peculiar das normas jurídicas:
1
"Quem o contestasse forçosamente teria de admitir, tomando-se a Constituição, que nela divisa enunciados que não são normas jurídicas. Assim, por exemplo, quem o fizesse haveria de admitir que o art. 52 , caput, da Constituição de 1988, não enuncia norma jurídica ao afirmar que todos são iguais perante a lei.[ ... ] Isso, no entanto, é insus2 2 tentável, visto que temos aí, nitidamente - tal como nos arts. 1 , 2 , 17, 18, 37 - autênticas espécies de norma jurídica. Ainda que a generalidade dos princípios seja diversa da generalidade das regras, tal como o demonstra Jean Boulanger, os primeiros portam em si pressuposto de fato (Tatbestand, hipótese, facti species), suficiente a sua caracterização como norma. Apenas o portam de modo a enunciar uma série indeterminada de facti species. Quanto à estatuição (Rechtsfolge, injunção), neles também comparece, embora de modo implícito, no extremo completável em outra ou outras normas jurídicas, tal como ocorre em relação a inúmeras normas jurídicas incompletas. Estas são aquelas que apenas explicitam ou o suposto de fato ou a estatuição de
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Expressão de Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, p, 75. R. Alexy, Theorie, cit., p. 76.
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outras normas jurídicas, não obstante configurando norma jurídica à medida que, como anota Larenz, existem em conexão com outras normas jurídicas, participando do sentido de validade delas. De resto, a necessidade de concretização dos princípios não é exclusiva deles, manifestando-se também no caso das normas programáticas propriamente ditas e das normas preceptivas. Estamos aí diante dos princípios que Larenz refere como 'princípio em forma de norma jurídica (Rechtsatzformige Prinzipien)' " 56 •
"Cumpre observar também que não se manifesta jamais antinomia jurídica entre princípios e regras jurídicas. Estas operam a concreção daqueles. Assim, quando em confronto dois princípios, um prevalece sobre o outro, as regras que dão concreção ao que foi desprezado são afastadas; não se dá a sua aplicação a determinada hipótese, ainda que permaneçam integradas, validamente, no ordenamento jurídico" 57 • O conteúdo dos princípios, sua real dimensão e alcance com todos os matizes da idéia que encerram, só é plenamente possível de ser determinado ao ser invocada sua aplicação num determinado contexto. Os princípios desenvolvem seu próprio conteúdo (Sinngehalt) somente quando compõem uma dinâmica conjunta de recíproca complementação e limitação (wechselseitiger Erganzung und Beschrankung). Portanto, deixa-se plenamente evidenciar o significado do princípio da livre iniciativa somente quando se compreendem os princípios que a ele reagem, impondo-lhe limites e delimitando o seu campo de atuação. Por exemplo, a existência da obrigação de contratar, a proteção à dispensa do empregado ou o direito a participação nos lucros da empresa são elementos que não contradizem o princípio da livre iniciativa, ao contrário, revelam-se como sustentadores do sistema para a afirmação da autonomia privada. Em outras palavras, a compreensão de um princípio é freqüentemente correspondente ao entendimento de seus limites, isto é, o conhecimento de um princípio é permitido pela contraposição a outros princípios e à realidade a que se refere 58 •
•• E. R. Grau, A ordem econômica, cit., p. 125-126. A ordem econômica, cit., p. 134. u Cf. C. W. Canaris, Systemdenken, cit., p. 56.
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2 .6 Colisão de Princípios e Conflito de Regras
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solidez constitucional resulta, sem dúvida, da necessidade de instaurar em toda ordem social os chamados direitos da segunda e da terceira geração, a saber, os direitos sociais, econômicos e culturais, a par dos direitos da comunidade, quais, por exemplo, a autonomia, a proteção ao meio ambiente, o desenvolvimento e a fraternidade " 61 •
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Çolisão de princípios e conflito de regras manifestam-se quando duas normas, utÍlizadas independentemente, trazem resultados inconciliáveis uma com a outra, ou seja, conduzem à concretização de dois juízos normativos que se contradizem. Estes dois confrontos diferenciam-se no modo de solucionamento.
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2. 7 Por que Legitimidade?
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Quando dois princípios colidem, um deles precisa dar lugar ao outro. Isto não significa, porém, nem que o princípio que se retirou é um princípio inválido, nem que esta colisão é uma exceção do direito. O que ocorre é a precedência de um sobre o outro dentro de definidas situações concretas. Em outras situações pode muito bem a precedência ser dada ao outro princípio. Isto ocorre porque os princípios no caso concreto têm diferentes pesos. O conflito entre as regras jurídicas desenvolve-se na dimensão da validade;. já a colisão de princípios, porque somente princípios válidos podem colidir, ocorre além da dimensão da validade, porém na esfera dos pesos 59 • Entretanto, quem atribui peso aos princípios? A história de uma sociedade, a decisão dos seus participantes segundo regras de poder e de ação. Isto significa que o direito estende seus braços às menores decisões da sociedade, quando esta, consciente ou inconscientemente, aplica algum princípio jurídico em suas decisões. A escolha de qual princípio terá um peso superior a outro cabe a esta sociedade, e o processo desta também se remete ao direito, à medida que se pretende que a comunicação e o entendimento social se desenvolvam encerrados na ordem social, que é assegurada pela ordem jurídica. Procurando a "justa medida" na aplicação dos princípios, a doutrina alemã tem se referido a um "princípio da proporcionalidade" (Verhaltnismassigkeit), procurando estabelecer um relacionamento entre meio e fim, para a aplicação dos princípios, para que se torne possível um controle do excesso (eine Übermasskontrolle) 60 • Por este princípio fica patente o caráter instrumental do direito regido por uma adequação entre fim e meio, dentro da relação no todo. Bonavides, seguindo Ermacora e Vasak, afirma com toda propriedade que "com esse princípio nasce também um novo Estado de Direito cuja
A norma jurídica possui uma dupla face: ao mesmo tempo que é um mandamento impositivo é também uma afirmação de liberdades . Segundo Habermas, o valor social da norma jurídica é determinado pelo grau de sua impregnação na sociedade. Diverso do valor convencional dos usos e costumes, sustenta-se o direito não sobre o crescimento da efetividade de formas de vida usuais e tradicionais, mas sobre uma produção artificial de facticidade - da imposição de sanções definidas na forma do direito e passíveis de serem requeridas em juízo. Em contrapartida, é medida a legitimidade das regras pela convertibilidade discursiva de uma expectativa de valor normativo - no caso de ser resultado de um processo racional legislativo - , ou caso se possa ter justificada a norma, pelo menos sob um ponto de vista pragmático, ético e moral 62 • Distende-se, portanto, a definição tautológica sobre a validade do direito positivo (vale como direito positivo o que obtém força jurídica mediante um procedimento juridicamente válido). Embora verdadeira, não se pode reduzir a norma jurídica a esta afirmação. O que Habermas chama de "impregnação na sociedade" é legitimidade da norma. A legitimidade de uma norma é independente de sua consecução fática. Ao contrário, os valores sociais e o cumprimento fático variam com a crença na legitimidade dos profissionais do direito, e esta crença sustenta-se por sua vez sobre a subordinação da legitimidade, isto é, da fundamentabilidade das respectivas normas. Outros fatores como intimidação, poder, costumes ou mero hábito precisam tanto mais contribuir para estabilizar uma ordem jurídica quanto menor for o seu grau de legitimidade6 3 •
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Curso, cit., p. 358.
J. Habermas, Faktiziti:it, cit., p. 48. 1 • Cf. J. Habermas, Faktiziti:it, cit., p. 48.
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R. Alexy, Theorie, cit., p. 77. 60 P. Bonavides, Curso, cit., p. 357.
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Fica justificado o fato de que trabalho muitas vezes com episódios do texto normativo, cuja aplicação ainda não foi reclamada, ou cujo tratamento se mostra ainda bastante débil, a despeito do tempo de edição do texto. A participação dos teóricos do direito procurando esclarecér o âmbit'o da norma, algumas das suas diversas possibilidades de manifestação no mundo da vida, revela-se de fundamental importância para a efetivação do direito. O princípio da democracia precisa preencher uma lacuna num sistema de direito, cujo cerne é o interesse privado e que, portanto, termina por representar um egoísmo juridicamente organizado. Destarte, este sistema não pode se reproduzir sobre si mesmo, porém mantémse embasado num consenso preliminar do "interesse do cidadão".
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Sem o amparo religioso ou metafísico pode o direito coercitivo, .que é constituído sobre o procedimento legal, somente garantir a sua força social integrativa, na medida em que chega a compreender cada endereçado da norma jurídica tanto imer'so na globalidade social como o titular individual desta norma 64 • Sob o céu de uma sociedade com valores pós-metafísicos, o direito vale somente como legítimo, quando oriundo de interesses e idéias de cidadãos iguais. Estes podem, por seu turno, mediante o seu direito democrático de participação, defender apropriadamente sua autonomia pública à medida que sua autonomia privada esteja garantida. Uma autonomia privada assegurada provê a consolidação (Entstehungssicherung = garantia de formação) da autonomia pública, da mesma forma que a garantia adequada da autonomia pública serve à consolidação da privada. Esta conexão circular se manifesta também na gênese do direito em vigor, pois direito legítimo reproduz-se somente na forma de uma regulação estatal de ciclo de poder, que se nutre das comunicações nas esferas privadas do mundo da vida de arraigada publicidade política. Por esta concepção de sociedade transfere-se o fardo das expectativas normativas da esfera das qualidades, competências e campos de ação dos autores para a esfera de formas de comunicação, com as quais transcorre o jogo completo da formação de opiniões e vontades informais e não institucionalizadas.
pública. Além disso, ela deve sua legitimidade às formas de comunicação com as quais ela pode externar e conservar esta autonomia 65 • O direito econômico, por excelência, trabalha com essa dupla perspectiva. O público e o privado estão de tal arte imbricados que, somente trazendo para o privado o interesse público e para o público considerações sobre o anima do sujeito econômico, pode-se assegurar a estabilidade da ordem econômica. Assim, o trabalho da ordem econômica diante dos desafios impostos pela necessidade de proteção ambiental não deve esquecer este relacionamento. Não é à toa que o desenvolvimento recente do direito ambiental segue a mesma melodia de complementação entre público e privado, trabalhando com normas dirigidas à abstenção privada como com determinantes de políticas públicas, uma vez que o objeto de sua atuação não pode perder de vista o objeto de que trata o direito econômico. Enfim, à pergunta "por que a preocupação com a legitimidade da ordem jurídica?'', responde-se afirmando que a legitimidade revela o grau de democracia vivenciado por uma sociedade. E o Estado Democrático de Direito não pode ignorar a democracia, este imperativo fundamental à sua constituição e esteio necessário à sua realização.
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Não se pode sobrestimar o direito na ilusão de sua onisciência e onipotência, tudo prevendo, tudo organizando. Porque nem toda atividade social se deixa organizar, e nem mesmo quando chega a ser organizada podem-se prever todas as suas peculiaridades. Homens, ilustra Hermann Heller, não podem ter toda sua vida organizada, não são tijolos, e mesmo estes, quando se quer ordená-los, precisam ver respeitadas propriedades de leis naturais 66 • Recebo a convicção de Heller. Sociedade não é uma convenção, pela qual pessoas se colocam ao lado de outras para um fim casualmente comum, como, por exemplo, numa sociedade por ações. Ao contrário, é a sociedade-comunidade um estar-com-o-outro e pelo-
Uma ordem jurídica é legítima, na forma de como ela igualmente assegura aos cidadãos as bases da autonomia da ação privada e
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DIREITO E A ÜRDEM SOCIAL
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64 ].
Habermas, Faktizitat, cit., p. 51-52.
5
].
Habermas, Faktizitat, cit., p. 492-493.
"Hermann Heller, Staatslehre, in Gesammelte Schriften, M. Drath et ai. (org.), v. 3, p. 185.
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outro. Pessoas são ligadas por laços menos conscientes, tais como terra, cultura, destinos, atuação conjunta e interdependente. Desta união desenvolve-se a existência individual. Basta lembrar que o eu e a sociedade somente existem e permanecem à medida que se nutrem um ao outro. "Assim, somente quando o indivíduo de antemão atua com e através da comunidade estando nela incorporado, e quando a comunidade, por sua vez, é reconhecida no e com os indivíduos como real e viva, fica diminuída a funcionalização (subsunção de um ao outro como um estando em função do outro) de um ao outro e fica clara a verdadeira estrutura da realidade social" 67 •
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O conceito de "ação comunicativa" de Habermas traz consigo a compreensão lingüística como mecanismo da coordenação da ação, e implica também a submissão dos atores, que orientam suas ações em pretensões de validade, à imediata relevância na construção e manutenção da ordem social. A tensão entre facticidade e validade existente na linguagem reproduz-se na integração comunicativa do indivíduo, e nela deve ser eliminada, pois parte-se da premissa de que a linguagem é a fonte primária de toda integração social 68 • A racionalidade de estruturas de comunicação - e por conseguinte de estruturas normativas - é capaz de integrar numa generalização e abstração ideológicas os conflitos sociais e reformulá-los numa composição racional pela linguagem. "Em contextos de ação social, a racionalização dos meios e da escolha dos mesmos significa um incremento das forças produtivas" 69 • Aqui Habermas acena que o direito, ao desenvolver uma normatização das atividades, dedica-se à regulamentação dos meios, deixando a escolha dos fins à gama de relacionamentos próprios ao mundo da vida. A ordem só é possível na escolha dos meios, não na determinação dos fins. A racionalização habermasiana cancela as relações de violência, pois, embora tencionada, a sociedade tende à composição e não à destruição. A sociedade em todas as suas contradições passa a ser administrada (verwaltete
67
Hermann Heller, Staatslehre, cit., p. 195: "Denn nur indem mandas Individuum von vornherein ais mit und durch die Gemeinschaft erweckt und in sie eingegliedert, die Gemeinschaft aber ais in und mit den Individuen lebendig und wirklich erkennt, vermeidet man die Funktionalisierung des einen durch das ander und wird der wahren Struktur der gesellschaftlichen Wirklichkeit gerecht". 68 69
Ver J. Habermas, Faktizitdt, cit., p. 33-41. J. Habermas, La reconstrucción de[ materialismo histórico, p. 32.
Gesellschaft) obtendo uma sociedade sem oposição e um espírito reificado, como observou seu colega Adorno 70 • Nesse contexto, o direito atua assegurando os instrumentos necessários a esta convivência. É válido apresentar mais uma passagem daquele filósofo sobre a racionalidade do direito moderno: "As estruturas de racionalidade do direito moderno [... ] se manifestam relacionadas com a racionalidade da ação dos sujeitos jurídicos e não com a racionalidade sistémica da circulação econômica, junto à qual este direito moderno desempenha funções" 71 • Assim, para Habermas, integração social é a base da ordem social, uma fusão estabilizadora de facticidade e validade 72 • Neste processo de integração a norma jurídica desenvolve seu papel juntamente com outros modos sociais de ação comunicativa. Para reconhecimento da norma jurídica como instrumento de integra-
711
Apud Olgária Matos, Os arcanos do inteiramente outro, p. 14.
71
"Así, las estructuras de racionalidad dei derecho moderno [... ] se manifiestan en relación con la racionalidad de la acción de los sujetos jurídicos y no con la racionalidad sistémica de la circulación económica, respecto a la cual cumple funciones este derecho moderno" (J. Habermas, La reconstrucción, cit., p. 233). 1
i "Stabilisierende Verschmelzung von Faktizitãt und Geltung" (J. Habermas, Faktizitdt, cit., p. 37). Nota sobre a palavra facticidade. Segundo o Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, "facticidade" é o caráter próprio da condição humana pelo qual cada homem se encontra sempre já comprometido com uma situação não escolhida. O Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa aproxima "factício" de "fato": coisa ou ação feita, o que realmente existe. A facticidade da norma refere-se às condições de realização da norma. Diz respeito a sua força injuntiva. Nota sobre a tradução da palavra "Geltung". Optei pelo substantivo "validade" e não vigência por aquele abranger este e não se reduzir à vigência formal da norma. Validade remete a valor. Este aqui também não é "Werte" - valor material - porém está voltado ao sentido abstrato de valoração (preocupação axiológica). Poderia bem ter utilizado o substantivo "valor" para afastar a redução do sentido de "validade", misturando-o com o de "Gültigkeit", que está voltado mais à preocupação de "surtir efeito", "ser válido". "Geltung" aqui contém também este último sentido, porém sobretudo remete à existência de valores que sustentam as normas e não apenas diz respeito à validade da norma como tradicionalmente é entendida - aquela norma que preenche os requisitos legais para produzir efeitos. Uma norma que apresenta "validade" (Geltung) deve conter, além dos requisitos formais, os valores legitimadores do conteúdo da norma. A ciência desta complexidade é essencial. Isto posto, quando me refiro a "validade da norma", adoto o sentido complexo acima referido.
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ção social, ou seja, do valor de uma pretensão normativa, além da pressão coercitiva da norma que age por fora restringindo os campos de ação numa função estabilizadora de expectativas do comportamento social, é necessário um contexto compatível à realização desse 'tex. to. A linguagem isolada, como no livro de um código jurídico, tem uma gama imensa de dissenso, necessitando a presença sempre mais enérgica de seu aspecto sancionador, para impor mediante força o preceituado. Seu grau de contextualização, ou seja, sua inserção no mundo da vida (Lebenswelt), fonte básica do trabalho interpretativo, é o que permite aferir o seu valor, que, em última análise, independe de seu grau de coerção, porém de sua aceitação e reclamo na sociedade.
A ordem social assenta seus alicerces no reconhecimento da pretensão de validade da norma jurídica. O sentido da norma constitucional, partindo-se da idéia de 1789, seria o da realização do Estado de Direito, com a devida fixação e organização do Estado Liberal na forma de uma lei. Somente com a submissão da organização do Estado à lei pôde-se oferecer a garantia da liberdade de acordo com a lei, baluarte do Estado de Direito. Esta função da Constituição aceita na forma de lei pode e pôde naturalmente ser eficaz, quando a forma de lei da Constituição é tomada com seriedade. Como lei, submete a Constituição seu conteúdo à interpretação. Com isto, pode-se comprovar o sentido da Constituição e controlar a sua execução. Sua estabilidade resulta dos limites extraídos da interpretação da norma constitucional pela análise de seu objeto 73 • Isto é, a sua aceitação e respeito na sociedade está vinculada à facticidade do texto normativo, quer dizer às condições objetivas que ele apresenta de efetivação na sociedade. O Estado de Direito burguês é realizado sobretudo nas suas estruturas74. O desenvolvimento das forças produtivas reclama uma previsibilidade e racionalidade nas estruturas que alimentam a circulação econômica. Este Estado regido pela Constituição escrita é cego a particularidades, e portanto não persegue esta ou aquela pessoa, porém tem como objetivo proteger os fatores dominantes da socieda-
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Cf. E. Forsthoff, Die Umbildung des Verfassungsgesetzes, in Ralf Dreier (org.),
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Probleme der Ver(assungsinterpretation, p. 52. 74 Estrutura social é formada pelas instituições e atividades sociais que atribuem a
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determinada sociedade seu caráter, tais como o regime econômico, o direito, a organização política. ·
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Embora seja tarefa essencial ao direito fixar as linhas das estruturas sociais, ele vem assumindo sempre com maior intensidade uma postura de ordenação de situações conjunturais, o que lhe impregna também uma função de instrumento implementador das políticas públicas, revelando atualmente o lado funcional do direito paralelamente ao seu conteúdo estrutural. Pois, se, por um lado, fixa e ordena as estruturas básicas de desenvolvimento de uma sociedade, por outro, impõe constantemente ações que visam a determinado objetivo social. Assim, Jeameaud: "Cumpre para tanto não nos contentarmos em determinar as funções estruturadoras e reguladoras do direito nas relações sociais, mas sim procurarmos compreender como os mecanismos e as representações jurídicas organizam e regulam as relações empíricas dos indivíduos, grupos específicos e classes dentro de sociedades históricas" 76 • Essa dupla instrumenta/idade do direito 77 engendra uma falsa imagem de crise do direito. Instrumento de implementação de políticas públicas, deixa ele, por um lado, de regular exclusivamente situações estruturais, passando a ordenar situações conjunturais. O direito é sempre fruto de determinada cultura. Ele é nível da própria realidade, é elemento constitutivo do modo de produção social. Logo, no modo de produção capitalista, tal qual em qualquer outro modo de produção, o direito atua também como instrumento de mudança social, interagindo com todos os demais níveis - ou estruturas regionais - da estrutura social global7 8 • Finalizando, o direito não pode levar o estigma de "xerife" da sociedade, pois tem uma atuação ambivalente apontada neste capítulo. Seja por cumprir um papel tanto na repressão como na garantia de liberdade, seja por atuar tanto na fixação de estruturas sociais como por realizar o mister de implementar políticas públicas. Esta ambivalência afasta a idéia de segmentação do direito, seu isolamento da sociedade, sua independência e total abstração e generalidade, sua inércia diante das realizações nas demais esferas da sociedade.
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de burguesa, a fim de que a sua dinâmica de desenvolvimento econômico não seja prejudicada 75 •
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71
Cf. Friedrich Müller, ]uristische Methodik, cit., p. 90.
'• Apud E. R. Grau, A ordem econômica, cit., p. 17. " Expressão utilizada por Eros R. Grau em A ordem econômica, cit., p. 30 e s. 11
E. R. Grau, A ordem econômica, cit., p. 20.
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O direito não é escrito para os seus profissionais, tanto que o conhecimento do direito por todos os integrantes da sociedade é um pressuposto fictício vital para sua atuação coercitiva. A realização da cidadania, em contrapartida, reclama um real conhecimento do direito, não.pelo temor ao seu poder repressivo, mas para a consciência da amplitude da ação modificadora e mobilizadora da vida social dos cidadãos. Determinadas normas, à medida que são apresentadas à sociedade, causam um impacto muito mais amplo que propriamente o temor ao seu desrespeito. Elas são capazes de instrumentalizar ações intersubjetivas pelo poder conscientizador que exercitam. Elas apresentam possibilidades. Traduzem a materialização de um pensamento e da vontade desta sociedade (seus grupos ou na sua totalidade) trazidas à administração (proteção) das instituições. A formação do texto normativo é reveladora, à medida que desvela anseios e expectativas .ao declarar e assegurar a proteção e o reconhecimento público de um interesse presente na sociedade.
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Imersa nesta globalidade, parto para o estudo do texto do capítulo do meio ambiente na Constituição Federal. Para melhor abalizar meu pensamento, abordo preliminarmente a relação entre direito econômico e direito ambiental, procurando argumentar pela indissociabilidade de ambos, especialmente no que concerne à interpretação da ordem econômica e da ordem ambiental descritas na Constituição de 1988. Analiso a estréia de um capítulo sobre o meio ambiente na Constituição brasileira, que traz consigo princípios inéditos no ordenamento jurídico, os quais são capazes de exercer modificações substanciais no desenvolvimento da ordem social, seja pela orientação de trabalhos legislativos complementares, seja na fundamentação de decisões judiciárias, seja também no seu papel declarador à sociedade de possibilidades asseguradas pelo direito. O exercício comunicativo de estabilização social conta com o direito, cabedal informativo dos atos sociais, que desenvolve uma trilha própria de discussão, via inclusive capaz de orientar novas éticas. Procuro com esta investida teórica situar o direito no conflito de nosso tempo, numa tentativa de superar as visões sistémicas compartimentadas79. A meu ver, é a única forma de convalidar uma ética
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Apel denuncia este desvio do pensamento humano: "Pela perspectiva de uma teoria sistêmico-funcional, orientada pela biologia, mostra-se que nos envenenamos
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presente na gênese das preocupações norteadoras do Estado Social de Direito: uma "ética de responsabilidade solidária da humanidade"80. A conscientização deste movimento global integrado do direito afasta o erro procedimental grave de observação do direito apartado da dinâmica social, especialmente quando se faz a análise dos problemas da área ecológica e procura-se decidir visando saná-los ou preveni-los. Como fator econômico ou como elemento constitutivo da personalidade dos indivíduos e da sociedade, as questões referentes aos recursos naturais estão inseridas nos conflitos sociais, e sem eles não podem ser tratadas. Desta evidência não se furta a norma ambiental. Sua aplicação deve considerar todo o ordenamento jurídico. A realização do capítulo sobre o meio ambiente na Constituição Federal está relacionada com a efetivação da ordem jurídica como um todo. Caso contrário, desenvolveremos discursos floridos de ideais metafísicos sem qualquer base concreta e pouca plausibilidade de realização, pairando no éter das idéias compostas tão-somente para não serem praticadas. Num intermezzo entre o estudo dos elementos constitutivos do direito econômico e do direito ambiental e sua interação, e os preceitos constitucionais propriamente ditos, procederei à abordagem, um tanto árida para os juristas, porém indispensável, de aspectos de economia e de suas particularidades reunidas na derivação denominada economia ambiental. Esta abordagem revela-se fundamental, pois de tais teorias econômicas são tomados conceitos e elementos constituidores das normas ambientais. Descreve o direito, a seu modo, a organização produtiva de uma sociedade. As normas jurídicas são a face coercitiva e incentivadora ou inibidora do desenvolvimento das relações econômicas e sociais,
lté o momento a fim de impor as finalidades construídas subjetivamente no relacionamento aos sistemas funcionais quase-finalistas, que sem a nossa participação pertencem à natureza e servem à vida da espécie humana''. "Aus der Perspektive einer biologisch orientierten funktionalen Systemtheorie aeigte sich, daR wir es bisher weitgehend versãumt haben, unsere subjektiven Zwecksetzungen selbst in Beziehung zu setzen zu den quasi-zweckmãfügen Funktions1y1temen, die ohne unserer Zutun in der Natur bestehen und das Leben der menschlichen Gattung mitbedingen. (Der Triumph des mechanistischen Denkens in der Neuzeit und die Verketzerung alies objektiv-teleologischen denkens dürfte an dieltm Versãumnis nicht unschuldig sein)" (Karl-Otto Apel, Diskurs, cit., p. 18). 11111-:xpressão de Karl-Otto Apel, Diskurs, cit., p. 16.
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bem como a sua linguagem jurídica. A compreensão dos princípios da ordem econômica e ambiental e a correta orientação para o desenvolvimento de políticas públicas apontadas pela norma jurídica encon-. tram nessas teorias rico manancial, possibilitando viabilizar a utiliza- · ção eficiente dos meios para se atingir os fins colimados. É do movimento das práticas econômicas lá identificadas que retiram inspiração os políticos e juristas na realização do direito ambiental, seja do ponto de vista da prática legislativa, seja daquele de elaboração de políticas públicas.
CAPÍTULO
Portanto, deixo-me persuadir a ousar uma viagem pelos aspectos da teoria econômica, porque mediante sua compreensão podem fluir com maior agilidade as normas jurídicas. O que opero é uma busca da raiz teórica que suporta os preceitos normativos, ao mesmo tempo que chamo a atenção para a complexidade de fatores que envolve uma acurada interpretação do texto normativo. Pois, para a prática interpretativa, deve-se ir além do texto cru que nada mais é que uma organização lógica - processo mental de organização de idéias. E a realidade não é lógica.
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II Direito Econômico e Direito Ambiental
DIREITO ECONÔMICO
1.1 Direito Econômico e Política Econômica Trazendo o fio da "ética de responsabilidade solidária" de Apel 81 para o direito econômico, procurando marcar no labirinto das teorias e opiniões um caminho próprio, verificarei em que sentido o moderno direito econômico brasileiro está comprometido com o interesse social e a consecução do bem-estar coletivo. Se se tomam como alavanca do surgimento do direito moderno os acontecimentos da Revolução Francesa, pode-se afirmar que, dentre os princípios fundadores desta sociedade burguesa, o dominante é o da liberdade de iniciativa econômica e o da propriedade privada dos meios de produção. Estes princípios conduziram à formação do direito positivo econômico. Toda teoria de direito é uma teoria política e toda teoria de direito econômico é uma teoria de política econômica. Direito econômico é a normatização da política econômica como meio de dirigir, implementar, organizar e coordenar práticas econômicas, tendo em vista uma finalidade ou várias e procurando compatibilizar fins conflituosos dentro de uma orientação macroeconômica. Em primeiro plano está o funcionamento do todo e não a regulamentação do comportamento individual isolado 82 • Nesse senti-
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Ver nota 80. Cf. Hans-Joachin Mertens et ai., Wirtschaftsrecht, p. 187-188.
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A contradição imanente ao sistema econômico capitalista tem sua redenção reivindicada no direito econômico, que, por meio de normas, procura ordenar os comportamentos dentro de um âmbito próprio (uma esfera comunicativa própria do direito). Assim, se não é possível prever os atos com que a realidade pode surpreender a teoria, delimita-se um campo com pilares definidos, restringindo-se as variáveis possíveis ao atendimento de princípios e valores de uma sociedade, previstos na norma jurídica. Tal não impede um uso inovador do direito, uma vez que a maleabilidade permitida pelo sistema tem de ~r necessariamente grande para não levá-lo a sua própria negação. O uso do direito poderá tanto reafirmar o sistema como agir subversivamente, produzindo um "discurso alternativo do direito" 83 • A plasticidade das normas jurídicas que dispõem sobre a ordem econômica assegura a inserção no âmbito jurídico do tratamento das tensões e divergências sociais. É uma escolha entre a mudança pela instituição social existente, ou seja, o direito, ou uma revolução (aqui compreendida como transformação da ordem reinante com a destruição de toda estrutura social preexistente). Tendo em mente esta capacidade de ajuste do direito, afirma Habermas que a relação entre direito e economia é comunicativa e livre em relação a instituições e parâmetros preexistentes, podendo tirar até conseqüências "anarquistas", no sentido de possibilitar mudanças das instituições com vistas a garantir uma verdadeira relação entre Estado de Direito e garantia de efetiva liberdade 84 • Política econômica e conseqüentemente direito econômico relacionam-se com a organização da economia e com a direção (orientação) do processo econômico. Por isso é tão fundamental a compreensão do nosso processo econômico como ponto de partida do estudo do direito
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econômico. Em outras palavras, impõe-se ao estudioso do direito econômico a compreensão da ordem econômica a que se refere o direito. ·,.~
Conforme afirma o professor Washington Albino Peluso de Souza, as normas de direito econômico versam obrigatoriamente sobre a realidade econômica, do ponto de vista da política econômica 85 • Esta relação da norma com a política, se por um lado confere à norma um caráter dinâmico e maleável, que ajusta e ao mesmo tempo é ajustado pela política, por outro lado, apresenta limites reciprocamente outorgados. A norma funda-se em base de valores constitucionalmente construídos, que respondem à estrutura do sistema econômico dominante na sociedade. Assim, a referência às normas de ordem econômica traz subjacente a afirmação de um determinado sistema econômico 86 , específico de um país, e necessariamente vinculado ao sistema econômico mundial no qual esse sistema específico se insere. Entende Mertens por ordem econômica as estruturas dominantes de um sistema econômico, independentemente do fato de ela estar ou não legalmente fixada 87 • Stober procura aclarar a idéia de ordem econômica. Seu significado pode estar ligado a determinações da ciência econômica, pode apresentar também um significado jurídico, sem afastar o conteúdo histórico-social. Sob o aspecto econômico, significa o relacionamento conjunto da produção de bens e prestação de serviços pensados como sistema econômico, estilo econômico ou está-
"' Washington Albino Peluso de Souza, Primeiras linhas de direito econômico, p. 36.
"Einen anarchistischen Kern hat freilich jenes Potential entfesselter kommunikativer Freiheiten, von dem die Institutionen des demokratischen Rechtsstaats zehren müssen, wenn sie gleiche subjektive Freiheiten effektiv gewãhrleisten sollen" (J. Habermas, Faktizitdt, cit., p.10). ·
'" Sistema econômico é caracterizado segundo a relação dos seus elementos na produção. Vital Moreira distingue forma econômica de sistema econômico, entendendo aquela em síntese como os aspectos conjunturais do sistema. Assim, "por forma econômica designam-se os modos típicos de manifestação de um determinado sistema diferenciados de acordo com vários critérios: forma e dimensão da unidade de produção, desenvolvimento das forças produtivas, organização dos sujeitos econômicos, modo de coordenação etc. [... ] A noção de forma econômica é, pois, uma qualificação do conceito de sistema econômico". Os sistemas são construções teóricas destacadas da realidade. A economia concretamente é a realização de um ou mais sistemas, de uma (ou mais) formas econômicas. "Efetivamente, uma economia concreta não é, em geral, a realização de um único sistema ou forma, antes é a combinação de vários, um dos quais contudo é dominante, subordinando os outros. E é nessa medida - enquanto 'expressão' de um sistema econômico ou forma econômica - que uma economia concreta possui uma estrutura ordenadora, uma ordem econômica" (Vital Moreira, Economia e Constituição, p. 48-49). 7 ' H.]. Mertens, Wirtschaftsrecht, cit., p. 193.
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A expressão é de E. R. Grau, A dupla desestruturação, cit., p. 2.
84
gio econômico. A ordem econômica no sentido jurídico é composta por determinações da Constituição (constituição econômica) ou de normas ordinárias, sobre a organização da vida econômica. Contudo, para construir a ordem econômica no sentido jurídico, não é decisivo que a's normas 'Se refiram de modo imediato à atividade econômica, ou que estejam necessariamente agrupadas em um capítulo específico do ordenamento jurídico que trate da ordem econômica. O que caracteriza as normas que dispõem sobre a ordem econômica é o seu conteúdo capaz de influenciar a vida econômica 88 • As normas do direito da ordem econômica deixam-se agrupar pela sua característica de conteúdo, fora do quadro jurídico esboçado. Isto é, não se encontram necessariamente normas sobre a ordem econômica apenas nas leis que se declaram como tal ou, no âmbito constitucional, no título denominado "da ordem econômica e financeira". É característico do conteúdo dessas normas a presença de elementos destinados a garantir o trânsito ·de bens e serviços, aptos a desempenhar a tarefa de assegurar a paz social, por intermédio da paz econômica. Desde pelo menos Max Weber, tem-se assentado que a relação entre economia e sociedade está amparada pela lei que, por sua vez, institui uma administração burocrática para seu devido funcionamento. É nesse sentido que se destaca a percuciente afirmação do professor Grau: "A igualdade (perante a lei) e a universalidade das formas jurídicas, arrematadas na sujeição de todos ao domínio da lei (legalidade), é fundamental à estruturação desse modo de produção [capitalista]". " ... as qualidades formais típicas do direito moderno são capazes de assegurar a calculabilidade reclamada pelo capitalismo" 89 • Esses regulamentos legais são os meios para redistribuição na sociedade industrial. A necessidade da sociedade industrial de regulamentação jurídica é enorme. O ajustamento destas normas às necessidades existentes é uma permanente busca do processo normativo 90 •
Nesse sentido, Pinto Antunes afirma que, "em verdade, em todos os tempos, o fator econômico constitui a força geradora de novas normas jurídicas" 91 • Acrescenta ainda o professor Grau: "A norma que surge dos fatos, acaba por condicioná-los. Por este raciocínio, encontramos também o professor Reale que afirma haver um processo de interação dialética entre o econômico e o jurídico" 92 • Direito econômico pode ser compreendido como instrumento de política econômica e como um direito político, quando se reconhece como política o esforço na realização efetiva da totalidade das relações sociais e, com isto, do conjunto das relações econômicas. Em suma, o direito econômico deixa-se definir como aquela parte da ordem jurídica que não se satisfaz em combater os problemas e infrações advindos da prática da ordem econômica existente, porém, muito mais, procura ele realizar aquela ordem econômica, especificamente visando à implementação dos objetivos de uma sociedade e a uma efetiva justiça, com isto afastando motivos de contenda 93 • A instrumentalidade do direito econômico em relação aos processos econômicos não deve conduzir a redução do direito econômico a mera condição de servidor da economia. O direito econômico não pode renunciar à realização da idéia de justiça e, conseqüentemente, a influir na conformação das relações sociais, neste caso da ordenação da economia 94 • Nesta corrente segue Steindorff, ao procurar afastar a falácia da subordinação do direito à economia, ou de sua posição como reflexo incondicional da realidade, e ao reiterar em contrapartida este processo de interação dialética entre o jurídico e as demais manifestações da sociedade (inclusive a econômica). Segundo ele, a ordem jurídica é nutrida pelos relacionamentos sociais. Porém, a ordem jurídica tem por mister, na resolução de casos conflitantes e no combate a situações irregulares, atuar também contra ações sociais para a realização da justiça 95 •
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Apud E. R. Grau, Direito: sua formação e os fatos econômicos, ]ustitia, v. 86,
p. 7-8. 88
Cf. Rolf Stober, Handbuch des Wirtschafts-verwaltungs- und Umweltrechts, p. 10-11. Sobre o conceito de constituição econômica, ver R. Stober, Handbuch, cit., p. 10-11. Ver também E. R. Grau, sobre distinção entre ordem econômica formal e material, A ordem econômica, cit., p. 80 e s. 89
E. R. Grau, A dupla desestruturação, cit., p. 4.
90
Ernst Forsthoff, Der Staat der Industriegesellschaft, p. 51.
40
u Direito, cit., p. 7-8. '·' Ernst Steindorff, Einführung in das Wirtschaftsrecht der Bundesrepublik Deutschland, p. 7. "" Eduardo Galán Corona no prólogo à edição espanhola, in Norbert Reich, Mercado y derecho, p. 15. •• E. Steindorff, Einführung, cit., p. 3.
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O direito econômico, condenado à dinâmica de ajustes exposta adrede, está constantemente exigindo seu redimensionamento social. Requer sempre renovadas regras de comportamento, delimitando a esfera de interesse individual, as realizações futuras de coordenação e organização de ações, orientando objetivos e apresentando meios para a resolução dos objetivos conflitantes. Nesse sentido ressalta Farjat a predominância do aspecto conjuntural do direito econômico. Segundo ele, o direito deve ser contingente a cada estágio do desenvolvimento e por isso temos o dever de reexaminar permanentemente a razão do nosso direito econômico positivo 96 • Não se deve confundir, reitero, a relação do sistema econômico com a formação do direito econômico como mera economização do direito. A análise dos aspectos econômicos de uma sociedade é importante para a identificação, em todas as suas conseqüências, do ponto de partida do direito econômico, o porquê e o para quê de sua existência. Sendo o direito econômico formado pela ordem econômica reinante numa sociedade, ao mesmo tempo em que a conforma, faz com que um direito econômico na antiga economia socialista não seja o mesmo de um país da Europa Ocidental, que, por sua vez, não se assemelha com o dos Estados Unidos, e, muito menos, com o direito econômico de um país tão cheio de contradições como o Brasil. Portanto, o direito que aqui se estuda é um específico direito envolvido com uma particular situação histórica que é o direito brasileiro. É por isso que afirmo que critérios político-econômicos podem influir de modo decisivo em questões aparentemente jurídicas. Decisões jurídicas, que não teriam nenhuma primeira intenção em política econômica, podem, porém, resultar em nítidos efeitos diretos sobre ela. Mertens chega a afirmar que: "Se se observa o conjunto de todas as ações no âmbito social como integrante de um sistema social, então pode-se falar que existe um subsistema economia no interior desse sistema. Cada regulamentação econômica deve ter em conta ao mesmo tempo o problema de integração das ações econômicas no conjunto das ações sociais" 97 • Da mesma forma que a produção não é possível de ser observada e modificada sob aspectos inteira e puramente econômicos - pois fatores culturais, históricos e naturais, ou seja, características específi-
cas das relações que envolvem a sociedade, hão de ser observados - , o direito econômico não deve ser visto como o direito da economia 98 • A produção econômica não é isolada da produção da vida social. É parte essencial de sua formação. Por isso, quando faço alusão à produção ou modo de produção de determinada sociedade não me refiro à mera elaboração e circulação de bens. Trata-se da produção da vida social como um todo, onde a produção de mercadorias desempenha um papel fundamental, porém não único, influenciando e sendo influenciada pelas demais atividades sociais. Não é demasiado reiterar que a realidade é um todo complexo inter-relacionado. O isolamento dos fenômenos sociais é uma simplificação mental que, enquanto fragmentada, não possui qualquer identidade com a realidade, pois o "concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso" 99 • O direito, logo o direito econômico, manifesta determinado modo de ser social compondo e sendo composto por este todo complexo que é a realidade.
1.2 A Dinâmica do Direito Econômico Direito econômico concretiza-se pelo constante esforço em direção à melhoria da organização e planejamento da economia, e por isso só pode ser concebível como um processo. Steindorff justifica a criação de um ramo específico do direito denominado direito econômico, por nele se agruparem normas que possuem a tarefa específica de fornecer o instrumental necessário para direcionar o mercado e a concorrência, como também de traçar disposições aptas a elaborar uma ordem na economia de mercado 100 • O direito econômico orienta-se em função dos princípios informadores do sistema econômico, dispondo, para a otimização deste, os instrumentos jurídicos apropriados. Esta instrumentalidade, que não converte as instituições jurídicas em instituições econômicas, dá lugar a uma frutífera inter-relação entre pensamento jurídico e pensamento econômico, o que põe de
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Gérard Farjat et Bernard Remiche, Liberté et droit économique, p. 15. H. J. Mertens, Wirtschaftsrecht, cit., p. 23.
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•H Sobre esta distinção ver Gérard Farjat, Droit économique, cit., p. 368. ••Karl Marx, Para a crítica da economia política, in Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos, p. 16. 11111
E. Steindorff, Einführung, cit., p. 4.
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manifesto a correspondência da realidade econômica com sua ordenação normativa. Este inter-relacionamento torna possível o avanço do direito, ao mesmo tempo em que obriga a pertinente reforma na atuação da economia, ou a formação de novas instituições jurídicas correspondentes: Pois o direito se nutre dos relacionamentos sociais, conseqüentemente das relações econômicas, e ele não apenas os reafirma como também os produz.
Vale citar a conclusão a que chega Steindorff quanto à linha filosófica que segue hoje o direito econômico: "Chego à conclusão que o direito econômico no seu estado atual, está apto a seguir uma via que poderia ser qualificada de hegeliana, na medida em que ele não garante simplesmente liberdades individuais, limitandoas perante liberdades concorrentes. Esta via visa, antes, uma definição endógena das liberdades com base na razão.[ ... ] É preciso admitir que as razões são múltiplas, o que implica na renúncia da idéia que um filósofo ou um comitê central possa definir a razão. A política, a ciência e a experiência devem aceitar que é preciso organizar sistemas racionais de direito econômico aos quais se submeterão as liberdades individuais. Mas estes sistemas devem não somente garantir mas exercer a liberdade de questionar os sistemas em vigor para os reformar. Podemos, como juristas, acordar sobre este ponto com Hegel, que nos ensina que o direito deve ser contingente a cada estado do desenvolvimento da história" (E. Steindorff, Liberté - égalité: opposition ou complémentarité?, in Gérard Farjat_ e B. Remiche, Liberté et droit économique, p. 80-81).
direito econômico deve, como uma norma social, que é a norma jurídica, garantir tais interesses. A natureza pública das suas normas e os poderes privados a que se dirigem formam os dois pólos do direito econômico. O direito é concebido na sua relação com a economia como um instrumento de sua efetivação e, ao mesmo tempo, como meio de seu direcionamento. O direito econômico, como garantidor das relações econômicas, apresenta os meios de realização da atividade econômica pelos seus sujeitos bem como regulamenta a relação entre eles. Como direcionador da atividade econômica, produz seus efeitos tanto num nível macroeconômico como na área mais imediata da atividade dos sujeitos. No cumprimento deste seu papel orientador da atividade econômica, atua o direito perseguindo duas finalidades gerais: por um lado defende os valores básicos do direito, expostos nos princípios constitucionais de liberdade, igualdade de oportunidades e justiça social; por outro, dispõe sobre objetivos de política e prática econômica, perseguindo principalmente eficiência da economia. Esta sua ligação com os processos econômicos permite que se estruture o direito econômico em parte geral e parte especial. Na parte geral, trata o direito econômico das bases, exigências e condições de desenvolvimento da política da ordem econômica. Num segundo momento, a parte especial, o direito concentra-se nos aspectos, mecanismos e instrumentos mais setoriais da política econômica. Em linguagem econômica, poderíamos afirmar que o direito econômico é composto por normas que tratam de microeconomia e de macroeconomia. O direito econômico, afirma Carl Ott, revela-se como um novo tipo de direito, aquele que fornece o instrumental para a aplicação de programas políticos e que dispõe sobre o direcionamento de processos organizacionais. Ele procura as condições para garantir a sua própria efetividade e, portanto, afasta-se progressivamente da base mais primitiva dos mecanismos de sanção e desata-se da dependência da tradicional estrutura de organização. O direito econômico organiza, no seu próprio âmbito, a sua forma imediata de implementação por meio de seus instrumentos e instituições administrativas e da interdependência organizacional entre os destinatários da norma. As tensões e incongruências resultantes do confronto de interesses entre o staff administrativo, de um lado, e os poderes priva-
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Aquela imanente dinâmica do direito econômico torna impossível a aplicação das teorias estáticas tradicionais que pretenderam fazer do direito um quadro de regras fixas num sistema próprio e independente101. O direito unicamente como um sistema de regras não se aplica ao direito econômico. Ele só realiza plenamente suas potencialidades à medida que trabalha com as normas de prática econômica, que, por sua vez, somente podem ser compreendidas como prática · social, pois aquela é parte deste todo. Como tal, a sua diversidade e necessidade de constante ajustamento é tão freqüente quanto as mudanças das relações sociais. Ou até mais, pois está na sua essência a função modificadora destas práticas econômicas, para eficácia de tais relações, atuando necessariamente com uma rapidez que as relações de mercado, por si, não permitem. Não se pode exigir que o mercado tenha uma visão social, pois a sua visão é preponderantemente de vantagem individual própria (lucro). Sem este anima não há mercado. Porém, não é a soma das vontades individuais que forma a vontade coletiva. São necessários instrumentos que resguardem e promovam uma atitude social. E o
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dos, de outro, conduzem ao encadeamento de um complexo sistema de direcionamento 102 • Assentando-se o direito econômico no quadro até o momento descrit9, torna-st; impossível enquadrá-lo na clássica divisão de direito público e privado, e também tornam-se inapropriadas as distinções clássicas entre direito civil e administrativo, como forma de delimitar juridicamente as relações entre Estado e cidadão. Devem-se retomar inclusive estas áreas clássicas e estudá-las na sua interação com as normas de direito econômico, o que lhes impregna uma nova forma de atuação social1°3 • Estas áreas misturam-se no direito econômico, seja na efetivação de objetivos de política econômica estatal ou nas medidas de coordenação de planos das empresas visando um efeito futuro. Por isso, é possível afirmar que a compartimentação apresentada, procurando definir um direito econômico, identificando as ca. racterísticas essenciais das normas que o compõem, trazendo os autores mais abalizados em sua defesa, são· bastante pertinentes por responderem a exigências didáticas e de organização teórica, porém uma rígida divisão não pode ser visualizada no mundo da vida. Destarte, não nos devemos surpreender ao termos de aplicar normas previamente classificadas em outros ramos do direito, como de direito administrativo, ou de direito ambiental, ou de direito do consumidor, a situações da ordem econômica.
1.3 Direito Econômico, Política Econômica e Ambiental O direito econômico, como tradução do que há de expresso ou latente numa sociedade, não desenrola uma rota sem conflitos. Ao espelhar as diferenças e divergências sociais ao mesmo tempo que incorpora seu papel político de objetivar o bem comum da sociedade, transita pelas mais distintas esferas de relacionamento social. Assim, justifica-se, e mais, torna-se imprescindível esta dupla dimensão do direito econômico: garantidor da iniciativa econômica privada e implementador do bem-estar social.
102
O direito, de um modo geral, ou o direito econômico especialmente, não se resume em prescrições normativas onde o ideal e o real se separam, constituindo respectivamente o mundo do "dever ser" e o mundo do "ser". Seu conteúdo se mostra muito mais rico. A sua estrutura revela essencialmente âmbitos de atuação, composição, orientação de ação. A moldura proposta por Kelsen, no seu modelo interpretativo, revela-se, nesse sentido, não como circunscrição das opções de adequação do mundo ideal ao real, mas como espaço comunicativo de concretização da norma. Aqui, direito privado e direito público unem-se necessariamente, o que é bastante evidente no campo do direito econômico, onde se torna impossível eleger a organização de direito privado como modelo de direito. É bastante exemplificativa a posição de Assmann: "O decisivo desafio para o direito está na crescente interdependência do Estado e economia, e no fortalecimento da atuação política por meio do direito" 104 • O direito, parte da estrutura social, absorve o que didaticamente se chamaria de âmbito político, ou econômico, realizando, mediante a sua aplicação, a necessária síntese do que nunca, em realidade, se separou. Conforme já argumentei, o direito visa primeiramente à ordem social. Além disso, a ordem da sociedade moderna afasta qualquer amarra porque se realiza, no progresso, um movimento. Pois bem, daqui tenho de admitir que, ao regulamentar as relações econômicas, o direito econômico está atuando sobre relações que trabalham obrigatoriamente com a expansão (lucro, desenvolvimento da produção). Logo, é no direito econômico que se faz mais nítida a necessária plasticidade das normas jurídicas, isto é, a sua capacidade de adaptação conjuntural. Se a finalidade do direito é a paz social, basicamente com a manutenção das estruturas do sistema produtivo com que se relaciona, é forçoso concluir que o direito deve fornecer as condições necessárias para o desenvolvimento. Assim, o direito econômico, ao visar à manutenção do sistema produtivo, trabalha necessariamente com institutos de implementação do desenvolvimento. O direito econômico é então o direito do desenvolvimento econômico.
Apud H.]. Mertens, Wirtschaftsrecht, cit., p. 187.
103
Ver a concepção do direito econômico como método, pçlo professor Eros R. Grau, A ordem econômica, cit., p. 166-167.
104 Heinz-Dieter Assmann et ai., Wirtschaftsrecht ais Kritik des Privatrechts, p. 340.
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O desenvolvimento, por sua vez, só é pensado e praticado sem que haja uma separação institucional da sociedade em uma esfera econômica e uma esfera política. Esta união é sublinhada por Assmann, quandp afirma que o direito econômico é um instrumento da política econômica. "Deve ser observado como um novo tipo de direito, que serve de instrumental à efetivação de programas de ação política" 105 • Houve uma tentativa de transformar a economia numa ciência exata, filtrando-a, para que permanecessem como seu objeto apenas os movimentos passíveis de serem traduzidos por operações matemáticas. A clássica economia política aparta-se da sociedade, dando lugar à ciência econômica. Ao contrário deste modelo matemático que se pretendeu construir, e que hoje, com as demandas macroeconômicas mais complexas, passa a ser contestado por não conseguir mostrar capacidade suficiente de abordar com eficiência os problemas sociais, dentro de suas equações, retorna-se à idéia de uma economia como prática política. Procura-se revitalizar a prática da política econômica, que tem seus pressupostos assentados nas necessidades dos indivíduos que integram uma sociedade. O direito trabalha com esta teoria, auxiliando a implementação de seus conceitos. Isto faz com que as normas do direito econômico e ambiental tenham na política econômica uma fonte fundamental. A política econômica trabalha necessariamente com a coordenação da atividade de mercado, com a concorrência, com a prestação de serviços do Estado. Ela abraça também questões de caráter ambiental, tais como: reaproveitamento de lixo, exigências de equipamento industrial para uma produção limpa, aproveitamento de recursos naturais, o quanto de reserva natural é desejável e qual seu regime social. São indissociáveis os fundamentos econômicos de uma política ambiental conseqüente e exeqüível. E uma política econômica conseqüente não ignora a necessidade de uma política de proteção dos recursos naturais. Para isto, a economia deve voltar aos seus pressupostos sociais e abandonar qualquer pretensão por uma ciência exata. Pois o que está em jogo não é só a otimização do uso privado de recursos, mas as "externalidades" decorrentes e o modo de como esses recursos são apropriados. A economia política deve distender-se para
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105
Heinz-Dieter Assmann et ai., Wirtschaftsrecht, cit., p. 288.
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uma política econômica, que na verdade deve ser denominada de modo mais abrangente como política social. Mediante uma política econômica, pode-se empreender macroplanejamentos que coordenem interesses privados e coletivos, evitando que a realização de um seja a negação do outro, reinserindo a produção dentro de uma finalidade de constituição de riqueza social, voltando-se à melhoria da vida em sociedade 106 • Aqui tenho por situado o direito econômico neste estudo. Passo à análise do que compreendo como direito ambiental.
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DIREITO E MEIO AMBIENTE
2.1 Premissas de Estudo do Direito Ambiental 2.1.1 Natureza e cultura O estudo da realidade social pressupõe a compreensão da inafastável unidade dialética entre natureza e cultura. Toda formação cultural é inseparável da natureza, com base na qual se desenvolve. Natureza conforma e é conformada pela cultura. De onde se conclui que tantas naturezas teremos quão diversificadas forem as culturas, e, naturalmente pelo raciocínio inverso, as culturas terão matizes diversos, visto que imersas em naturezas diferentes. A presença de temas de política de meio ambiente permeando o direito, atuando sobre políticas públicas e empresariais e movimentos sociais, traz à superfície o que sempre existiu de fato: a indissociabilidade da natureza com a cultura. Com base nisto, é possível compreender a realidade social pelo prisma das "forças socializantes da natureza" (die vergesellschaftende Krafte der Natur), ou seja, pelo modo como cada sociedade se apropria dos recursos naturais e transforma o ambiente em que vive. Não é sem mais que Hermano Heller, jurista da República de Weimar, ao estudar a diversidade de comunidades políticas, concluía poder atribuir-se aos complexos naturais
~ Nesse sentido expõe Jean Bart sobre um movimento dialético liberdade /intervenção, pois ao mesmo tempo que as normas de direito econômico procuram garantir a liberdade de ação individual, traçam medidas de economia dirigida (Perspectives historiques, in G. Farjat e B. Remiche, Liberté et droit économique, p. 31). 10
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um papel fundamental nas diferenças culturais. A cultura deve ser compreendida como gradual continuação da natureza 107, escreve o jurista. E continua: "Conti;a aquele racionalismo que pretende esclarecer qualquer realidade pela razão, precisa ser defendido o ponto de vista, pelo qual a realidade social sempre e acima de tudo é uma unidade dialética de natureza e cultura e permanece constantemente sendo nutrida por uma continuidade cósmica" 1º8 • Isto significa que os elementos da realidade não partem do intelecto humano puramente, mas de relacionamentos com o meio natural e social. Fatalidades naturais como nascimento e morte, fenômenos climáticos e meteorológicos também compõem o ser de uma sociedade. Porém, não somente por meio destes fenômenos naturais implacáveis relaciona-se o homem com a natureza. Muito mais presentes são as atividades sociais em que a natureza é posta a serviço do homem em sua participação social (socialização da natureza), o que não significa necessariamente que o homem a compreenda. Pois, na sociedade moderna, é a natureza um instrumento. Tanto aquilo que apresenta de matéria como suas exigências naturais são compreendidas na exata medida de sua utilidade imediata.
2.1.2 Natureza e meio ambiente A natureza apresenta duplo sentido na percepção humana, seja como fonte da sua produção e reprodução econômica, seja como fator de bem-estar - o homem encontra sua expansão física e psíquica no todo. Nas duas manifestações, a relação homem-natureza é uma relação parte e todo, em que não se pode apartar o homem da natureza, seja pela impossibilidade de sua existência material, seja para seu equilíbrio psíquico. Esse duplo relacionamento - que hoje em dia foi colocado em atrito, excluindo-se mutuamente, pois não coexistem num mesmo espaço área de lazer e área de produção 109 - não é em sua origem con-
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H. Heller, Staatslehre, cit., p. 168.
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Staatslehre, cit., p. 167. A relação homem-natureza como condição necessária para sobrevivência material humana e a relação homem-natureza ligada a uma necessidade de equilíbrio 109
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flitante, apenas dois aspectos de uma única relação homem-natureza 110 • Ao torná-los espacialmente excludentes um ao outro, forma-se uma necessidade de escolha e de disposição temporal das atividades designadas como de trabalho e lazer. Tomando-se o fato de que a espécie humana possui um espaço limitado para a expansão de suas atividades (a vontade incomensurável humana tem como última barreira os limites da Terra), a delimitação do que seria matéria (natureza) para o trabalho e matéria (natureza) para o lazer é feita dentro de um universo finito. A imanente necessidade de expansão produtiva da atividade econômica implica a subordinação de toda relação homem-natureza a uma única e suficiente ação apropriativa. Aqui a natureza passa a ser exclusivamente recurso, elemento da produção. E é esta natureza como objeto de apropriação humana que é abordada neste estudo, por isso ser freqüente a utilização da expressão "recurso natural" no seu lugar. Sobre a natureza como fonte de reprodução econômica concentra-se a grande maioria das preocupações, aí residindo as contribuições da economia ambiental ou economia de recursos. A economia ambiental focaliza o papel da natureza como fornecedora de matériaprima ou como receptora de materiais danosos. Dentro desta redu-
e desenvolvimento psíquicos foram dissociadas. Há um tempo e espaço para o trabalho, tradução da primeira relação homem-natureza, e um outro tempo e espaço para o lazer. 11 º Blõhbaum confronta de modo interessante duas palavras semelhantes e que hoje estão, em um meio retórico, apartadas. Diz ele: "Ecologia e economia são dois conceitos, um formado pelos radicais oikos e logos, enquanto que o outro é constituído pelos radicais oikos e nomos. Ambos tratam da casa (oikos). Sobre uma casa deixa-se informar, observar. Sobre a outra trata-se de analisar as regras e interrelações a que está submetida, introduzindo-lhe as leis que são capazes de traduzir seu comportamento. A casa reconhecida pela razão é a casa da natureza, a outra casa por outro lado relaciona-se puramente com o homem, o qual inserido nela necessita de regras e normas, a fim de obter, com o mínimo de dispêndio, o máximo de utilidade. O conceito de economia reporta-se a uma vida parcimoniosa do homem, enquanto que o conceito de ecologia abrange uma teoria ou conhecimento do ser vivo com a sua casa natureza. Nesta perspectiva, a análise inter-relacionada de ambos os conceitos esconde uma certa oposição, uma vez que um toma unicamente o homem e suas regras, normas e necessidade para análise, enquanto que o outro conceito toma todos os seres vivos, no meio dos quais o homem é apenas um deles a se relacionar com a natureza" (Helmut Blõhbaum, Zur Dialetik des ôkologiebegriffs - unter Berücksichtigung des Physisbegriffes bei Aristoteles, p. 17).
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ção, encontramos o sentido de meio ambiente 111 • Assim, meio ambiente deixa-se conceituar como um espaço onde se encontram os recursos naturais, inclusive aqueles já reproduzidos (transformados) ou degenerados (poluídos), como no caso do meio ambiente urbano. · Importante ressaltar que este conceito de meio ambiente não se reduz a ar, água, terra, mas deve ser definido como o conjunto das condições de existência humana, que integra e influencia o relacionamento entre os homens, sua saúde e seu desenvolvimento. O conceito de meio ambiente deriva do movimento da natureza dentro da sociedade moderna: como recurso-elemento e como recurso-local. Sintetizando, este conceito, extremamente novo, tem sua base na contemporânea relação social com a natureza. Justamente por refletir uma - dentre as inúmeras possíveis - relação com a natureza, seu conteúdo torna-se tão pantanoso e turvo, à proporção que as sociedades tornam-se mais complexas e diferenciadas. A possível universalização do conceito de meio ambiente deve-se ao fato de que as sociedades contemporâneas estão, de certo modo, unificadas culturalmente, sobretudo motivadas pela unificação da produção (produção internacionalizada), o que nivela a cultura - e logicamente o modo de relacionar-se com a natureza - das sociedades que integram o mercado mundial. Em resumo, um ponto em comum de onde parte toda sociedade contemporânea seria o seguinte: natureza é recurso (matéria a ser apropriada) natural, e o homem, sujeito apartado do objeto a ser apropriado, não é mais natureza. Sujeito e objeto vivem dois mundos: mundo social e mundo natural. Meio ambiente seria toda a entourage deste solitário sujeito. Não somente a natureza "bruta" em sua forma primitiva é meio ambiente, porém todo o momento de transformação do recurso natural, ou seja, todo movimento deste objeto que circunda o homem, quem sobre ele age com seu poder, querer e saber, construindo o meio ambiente. Meio ambiente é um conceito que deriva do homem e a ele está ligado, porém o homem não o integra. O fato de o homem não constituir o conceito de meio ambiente não significa que este conceito seja menos antropocêntrico, muito pelo contrário,
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Mesmo aquelas áreas especialmente destinadas a serem conservadas aparecem como uma exceção, um excepcional não-usar ou um usar especial. Sua definição, regulamentação e posição no ordenamento jurídico se realiza tendo como parâmetro a natureza enquanto "recurso para apropriação":
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ele mostra exatamente o poder de subordinação e dominação do "mundo exterior" objeto de ação do "eu ativo". Isto significa que o tratamento legal destinado ao meio ambiente permanece necessariamente numa visão antropocêntrica, porque essa visão está no cerne do conceito de meio ambiente.
2.1.3 A "razão" da norma ambiental A visão humana "homem-medida-máxima" não satisfaz; é ele também medida única, quando se trata de normas jurídicas. Há um total desprezo diante de qualquer dependência humana em relação a uma possível "ordem natural". Natureza como relação humana transforma-se numa subsunção humana, e exclusivamente como tal é tratada pelo direito. O fato de o homem criar conceitos permitiu-lhe o poder de ter a si como referência única - homem-medida-única de todas as coisas. Esta conseqüência da razão iluminista, que permite que o homem se coloque como centro do universo, numa direta substituição a Deus, por Este próprio permitido, ao lhe ter concedido diferencialmente a razão (anima rationales para Bacon), possibilitou-lhe desenvolver uma ética com a qual todo o seu meio pode e deve ser subjugado, para a finalidade de desenvolvimento da sociedade. A natureza, neste contexto já recurso natural, entrega sua substância para a apropriação e compreensão humana. Dá-se então a revolução de Prometeu 112 , que submete a energia divina à atividade dos mortais. Até a Revolução Industrial, as modificações da produção econômica estavam estreitamente ligadas ao grau de conhecimento dos movimentos da natureza - ponto de partida da transformação econômica. Entre os séculos XVI e XVIII, a investigação da natureza deixou o seu puro empirismo. A natureza como matéria em constante transformação, ativo devir, a ser reconhecido pela indagação científica, reduzse a matéria formada, estática. A partir do século XVIII, o conhecimento técnico abandona a investigação da natureza como unidade ativa. A razão técnica desenvolve a eficiência da apropriação e domesticação dos recursos naturais, não mais em sua dinâmica, porém na 1ua matéria formada. Todo movimento só existe agora após a sua
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Cf., infra, Capítulo IV-2.2.1. A ambivalência da técnica.
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"'T" apropriação. Natureza é matéria estática, seu movimento e integração na sociedade realiza-se na exata medida da eficiência da racionalização do uso dos recursos naturais. A sociedade só compreende um tipo de movimento de transformação dos recursos naturais, o proporcion'ado pela indústria, aquele da eficiência oferecido pelo desenvolvimento técnico 113 •
"So wie die von Menschen unabhangigen naturprozesse ihren Wesen nach stofflich-energetische Umsetzungen sind, so fallt auch die menschliche Produktion aus dem Naturzusammenhang nicht heraus. Natur und Gesellschaft sind einander nicht starr entgegengesetzt. Der gesellschaftlich tatige Mensch 'tritt dem Naturstoff selbst ais eine Naturmacht gegenüber.... Indem er durch diese Bewegung auf die Natur auRer ihm wirkt und sie verandert, verandert er zugleich seine eigene Natur'. Der Stoffwechsel hat zum Inhalt, daR die Natur humanisiert, die Menschen naturalisiert werden. Seine Form ist jeweils historisch bestimmt .... Wie die Menschen ihre Wesenskrafte den bearbeiteten Naturdingen einverleiben, so gewinnen umgekehrt die Naturdinge ais im Laufe der Geschichte immer reicher werdende Gebrauchswerte eine neue gesellschaftliche Qualitat" (A. Schmidt, Der Begriff der Natur in der Lehre von Marx, p. 64 ). ·
com o seu meio como um sujeito situado num plano apartado de seu objeto, mais a domesticação da natureza se transforma em pura atividade predatória (Ausbeutung). Neste cenário torna-se sempre maior a necessidade de normas de proteção do meio ambiente. Normas estas que são, evidentemente, sociais, humanas. Destinadas a moderar, racionalizar, enfim a buscar uma "justa medida" na relação do homem com a natureza. É necessário ficar assentado que as normas de proteção do meio ambiente não se destinam necessariamente a modificações radicais da relação homem-natureza. Na maior parte das vezes, tais normas contêm prescrições de caráter quantitativo. Isto é, a preocupação dominante gira em torno do quanto de poluente, quanto de abstenção ou de exploração etc. Retomando o acima exposto, o conceito de meio ambiente, e conseqüentemente a proteção do meio ambiente, só podem ser pensados e articulados dentro da base social onde se desenvolve a relação homem-natureza. É no interior do desenvolvimento industrial-tecnológico moderno que devem ser encontrados os meios de proteção e conservação dos recursos naturais. Pensar em proteção do meio ambiente é uma clara opção pela continuidade desta sociedade. A natureza continua recurso natural, permanece objeto estranho ao sujeito, por ele somente identificada mediante sua apropriação e transformação (a natureza como recurso é evidenciada na medida de sua utilidade). Quanto ao direito, é seu mister a manutenção da ordem social e, por conseguinte, da ordem produtiva. Normatizando-se o modo de apropriação dos recursos naturais, são traçadas as linhas mestras com as quais trabalhará a aplicação do direito. Por meio delas, será acertado o grau de transformação das atividades produtivas. Não se trata de estabelecer a priori uma idéia de modificação substancial da relação com a natureza, mas de fixar normas aptas a instrumentalizar uma ação comunicativa onde se desenvolverá a tensão entre apropriação e conservação dos recursos naturais. Esta dinâmica definida e assegurada pelo direito garante uma adaptabilidade às novas situações, requisito de uma sociedade extremamente instável, permitindo que ele acompanhe esta dinâmica, que efetivamente ocorre. Não se garantindo os meios para que o direito acompanhe a velocidade de mudanças da sociedade, fica ele condenado a caminhar constantemente atrás dos acontecimentos sociais, realizando apenas uma tarefa de polícia, recusando-se a cumprir seu papel político, no sentido de ação constituidora e não apenas corretora.
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Produção industrial é uma reprodução de elementos da natureza. As relações de produção de uma dada sociedade vão determinar como o meio ambiente será apropriado e como vai gerar riqueza. Não há produção sem recursos naturais. Não é privilégio do modo de produção capitalista a destruição das suas bases naturais de reprodução. Como exemplo posso citar a quase-total extinção das florestas primárias européias ainda na Baixa Idade Média, a ávida exploração do Novo Mundo no florescente mercantilismo, bem como a destruição das florestas de cedro ainda pelos navegadores fenícios de mil anos atrás. Quanto mais a relação com a niltureza se dissocia da compreensão de seu movimento intrínseco, quanto mais o homem se relaciona
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"O conceito de troca material entre homem e natureza desprezado pela razão iluminista é de modo tão rigoroso quanto poético aclarado pelo filósofo da Escola de Frankfurt, Alfred Schmidt. Assim como os processos naturais independentes dos homens são trocas materiais-energéticas, não se afasta a produção humana deste contexto natural. Natureza e sociedade não são rigidamente contrapostas. O homem social ativo contrapõe ao próprio material natural um poder natural. [... ] Na medida em que ele através deste movimento atua sobre a natureza externa a ele e a modifica, modifica ele simultaneamente sua própria natureza. A troca material tem como conteúdo que a natureza humanizada torna o homem naturalizado. Sua forma é determinada historicamenre. [... ] O modo como os homens incorporam os objetos naturais trabalhados, impõe em contrapartida aos objetos naturais no correr da história uma nova qualidade social por valores de uso sempre diversos".
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Aqui está devidamente vincado que a ordem social não se alcança com a imobilidade. Por isso, a explicação do direito como fixador da ordem estabelecida é imprópria. A ele é dado apenas a possibilidade de fixar os caminhos, as metas e os instrumentos fundamentais. 0 manejo dest'es elementos é dado aos integrantes da sociedade. Pois a ordem na sociedade moderna é múltipla, é a ordem do progresso, a que já me referi. O que torna inapropriada a visão da ordem como algo estático, imutável e imediatamente desmistificada pelo direito ambiental (como pelo direito econômico). Dentro da ordem do progresso, marcantes são os conceitos de crescimento e desenvolvimento. Abrangem uma idéia de espaço e tempo e por isso devem ser bem definidos sob pena de terem prejudicada a sua plausibilidade. O eterno e o vazio de sentido material, quando presentes nestas palavras, são uma armação retórica e não são capazes de descrever um movimento real e plausível. Desta forma, as palavras tornam-se ar a ser capturado com as mãos. Tudo pode ser e não ser, e jamais ser realmente compreendido. É preciso reconhecer que esses conceitos de crescimento e desenvolvimento carregam hoje características resultantes de movimentos geográficos que envolvem todos os continentes, tais como os revelados nas relações trabalho-capital, campo-cidade, mercado financeiromercado de mercadorias, natureza-transformação industrial. Todos estes movimentos devem ser analisados em seu contexto para que se possa conceituar desenvolvimento e crescimento, apontando suas premissas, perspectivas e barreiras. O direito ambiental é em si reformador, modificador, pois atinge toda a organização da sociedade atual,. cuja trajetória conduziu à ameaça da existência humana pela atividade do próprio homem, o que jamais ocorreu em toda história da humanidade. É um direito que surge para rever e redimensionar conceitos que dispõem sobre a convivência das atividades sociais. Finalmente, as normas ambientais são essencialmente voltadas a uma relação social e não a uma "assistência" à natureza. "O direito ambiental é um direito para o homem. É um direito que deve ver o homem em todas as dimensões de sua humanidade" 114 • Por isso, qualquer
estudo que pretenda analisar a relação entre processos econômicos, ambientais e jurídicos não pode valer-se de teorias abstratas e descompromissadas. O valor real da teoria está em sua realização - a partir do seu contato com a realidade. Assim, deve desenvolver-se dentro de dimensões reais (sociais), formando-se num todo de tempo e espaço. Como todo novo ramo normativo que surge, o direito ambiental responde a um conflito interno da sociedade, interpondo-se no desenvolvimento de seus atos. Dürrenmatt já nos lembrava que, quando uma sociedade entra em conflito com o seu presente, ela produz leis 115 • É exatamente o que ocorre com as normas chamadas de proteção ao meio ambiente. São elas reflexos de uma constatação social paradoxal resumida no seguinte dilema: a sociedade precisa agir dentro de seus pressupostos industriais, porém estes mesmos destinados ao prazer e ao bem-estar podem acarretar desconforto, doenças e miséria. Para o solucionamento deste conflito, desenha-se todo um novo cabedal legislativo, que, uma vez parte do ordenamento jurídico, produzirá efeitos em todos os seus ramos, sobretudo no direito econômico.
2.2 O Conceito de Qualidade de Vida unindo o Direito Econômico ao Direito Ambiental Direito econômico e ambiental não só se interceptam, como comportam, essencialmente, as mesmas preocupações, quais sejam:
totélica por pensadores como Michel Montaigne. Deste meio humano e esta medida humana, que a visão na necessidades pressupõe contínuo 'autolimite' (Illich), afastou-se muito o ser residual da cultura industrial, ruído pelo 'mito da máquina' (Mumford), tornado sem instinto o 'homem unidimensional' (Marcuse). Resgatar Cites meios e medidas humanas - não desprezado o caminho do direito ambiental - será nosso mister". 11
114 No dizer de Mayer-Tasch, "um direito que em grande parte tem sido pautado pela concentração humanista sobre os meios humanos e a medida humana, como foi tematizado na idade de ouro do humanismo europeu em remissão à ética aris
Ein Recht, das in stãrkeren Masse ais bislang geprãgt wird von der humanistischen konzentration auf die menschliche Mitte und das menschliche Mass, wie es in der hõhen Zeit des europãischen Humanismus im Rückgriff auf die Aristothelische lthik von Denkern wie Michel Montaigne in unüberhebarer Weise thematisiert worden ist. Von dieser menschlichen Mitte und diesem menchlichen Mass, dass die llnsicht in die Notwendigkeit stãndiger 'Selbstbegrãnzung' (Illich) voraussetzt, hat l!i:h der dem 'Mythos der Maschine' (Mumford) verfallene, instinktlos gewordene, 'tlndimensionale' (Marcuse) Residualmensch der Industriekultur weit entfernt. Sie lftkht zulezt im Medium des Umweltrechtes- wiederzugewinnen, wird unser aller ÂUfgabe sein" (Peter Cornelius Mayer-Tasch, Umweltrecht im Wandel, p. 22). ·11f Friedrich Dürrenmatt, Justiça, p. 17.
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buscar a melhoria do bem-estar das pessoas e a estabilidade do processo produtivo. O que os distingue é uma diferença de perspectiva adotada pela abordagem dos diferentes textos normativos. . O dir~ito econômico visa a dar cumprimento aos preceitos da ordem econômica constitucional. Ou seja, a estrutura normativa construída sob a designação de direito econômico objetiva assegurar a todos existência digna, perseguindo a realização da justiça social (CF, art. 170, caput). O direito ambiental tem como tronco o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, passível de fruição por toda coletividade (bem de uso comum do povo) (CF, art. 225, caput). Com fundamento nesse direito fundamental, desdobram-se as demais normas pertencentes ao ramo do chamado direito ambiental. A despeito da existência de dois fundamentos orientando a formação do direito econômico e direito ambiental, ambos almejam, em suma, atender àquele conjunto de atividades e estados 'humanos substantivados na expressão qualidade de vida. Tal expressão traz o condão de traduzir todo o necessário aparato interno e externo ao homem, dando-lhe condições de desenvolver suas potencialidades como indivíduo e como parte fundamental de uma sociedade. A presença da fórmula qualidade de vida, finalidade máxima da implementação dos preceitos normativos do direito ambiental, surgiu como complemento necessário ao sentido que anteriormente lhe era dado pelas teorias econômicas preocupadas com a consecução do bem-estar - encontradas sustentando as normas da ordem econômica constitucional brasileira, dentro da afirmação de que esta ordem tem por fim assegurar a todos existêncià digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170). A inserção de tal expressão no direito ambiental brasileiro acaba por denunciar a busca por um aspecto qualitativo, depois das decepções resultantes da adoção de um sentido unicamente quantitativo para designar qualidade de vida, traduzida que era apenas por conquistas materiais. O alargamento do sentido da expressão "qualidade de vida'', além de acrescentar esta necessária perspectiva de bem-estar relativo à saúde física e psíquica, referindo-se inclusive ao direito do homem fruir de um ar puro e de uma bela paisagem, vinca o fato de que o meio ambiente não diz respeito à natureza isolada, estática, porém integrada à vida do homem social nos aspectos relacionados à produção, ao trabalho como também no concernente ao seu lazer.
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Qualidade de vida, proposta na finalidade do direito econômico, deve ser coincidente com a qualidade de vida almejada nas normas de direito ambiental. Tal implica que nem pode ser entendida como apenas o conjunto de bens e comodidades materiais, nem como a tradução do ideal da volta à natureza, expressando uma reação e indiscriminado desprezo a toda elaboração técnica e industrial. Portanto, qualidade de vida no ordenamento jurídico brasileiro apresenta estes dois aspectos concomitantemente: o do nível de vida material e o do bem-estar físico e espiritual. Uma sadia qualidade de vida abrange esta globalidade, acatando o fato de que um mínimo material é sempre necessário para o deleite espiritual. Não é possível conceber, tanto na realização das normas de direito econômico como nas normas de direito ambiental, qualquer rompimento desta globalidade que compõe a expressão "qualidade de vida'', muitas vezes referida por sua expressão sinônima "bem-estar". Acrescento a estas duas expressões sinônimas - qualidade de vida e bem-estar - a expressão de Aristóteles "bem viver" 116 , encontrada na Política, quando trata do dinheiro e da insuficiência da sua conquista para a realização de um "bem viver". Este "bem viver" traduziria a possibilidade efetiva de o cidadão desenvolver suas potencialidades. Pode-se afirmar, em suma, que o conjunto de normas voltadas à consecução do bem-estar ou da melhoria da qualidade de vida atualmente procura uma aproximação da ética do "bem viver" de Aristóteles. A qualidade de vida coloca-se, para Hippel, "no nível dos superobjetivos da política informadora do direito, junto com os direitos, deveres e valores fundamentais". Segundo este mesmo autor, "a antiga questão da felicidade tem agora um renascimento mundial sob o novo título de qualidade de vida'', e aponta como especialmente importantes para a qualidade de vida os seguintes pontos: "liberdade, segurança, trabalho, educação, nível de vida, entorno físico, entorno social, saúde, justiça" 117 • O mundo jurídico não se aparta da realidade, e as exigências dos fatos informam as condições de realização da norma. Tendo como verdade o fato de que uma ampla discussão ambiental é mais
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Aristoteles, Politik, 1, 9, 1258a, p. 78, trad. F. Schwarz (livre tradução da expressão em alemão "das Gute Leben"). Cotejada com a tradução francesa: Aristote, La politique, trad. J. Tricot "bien vivre", I, 9, p. 62. 117
Apud Ramón Martín Mateo, Tratado de derecho ambiental, p. 101.
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profícua numa sociedade que seja capaz de resolver as necessidades básicas de fome, moradia e saúde, é óbvia a impossibilidade do divórcio entre as normas de incremento de práticas econômicas socialmente justas - destinadas à realização de uma justa distribuição de riq~ezas - e as normas destinadas à proteção do meio ambiente. A aceitação de que qualidade de vida corresponde tanto a um objetivo do processo econômico como a uma preocupação da política ambiental afasta a visão parcial de que as normas de proteção do meio ambiente seriam servas da obstrução de processos econômicos e tecnológicos. A partir deste enfoque, tais normas buscam uma compatibilidade desses processos com as novas e sempre crescentes exigências do meio ambiente. A Constituição Federal brasileira contém este caráter integrador da ordem econômica com a ordem ambiental, unidas pelo elo comum da finalidade de melhoria da qualidade de vida. O direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado pode ser caracterizado como um direito fundamental 118 , gozando do mesmo status daqueles descritos no art. 5Q dessa carta. Este bem jurídico, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, é um pressuposto para a concretização da qualidade de vida, a qual se afirma, por sua vez, como a finalidade máxima das normas do capítulo do meio ambiente. Este capítulo revela-se em normas destinadas a reformular a ação do homem sobre o seu meio. Devido a esta propriedade das normas ambientais, Caldwell conclui que a noção de qualidade de vida aparece associada ao processo de adaptação dos ordenamentos jurídicos às regras da Terra 119 • Após o exposto, há de se concluir pela fulcral importância do esclarecimento do conceito "qualidade de vida", podendo-se, sintetizando, dissecar dois níveis que o compõem: um geral, básico, e um particular, histórico. O aspecto basilar deste conceito consiste no seu ideal ético, assentado em valores de dignidade e bem-estar. O esclarecimento do que é materialmente necessário para a consubstanciação destes ideais é dado pela análise dos elementos da realidade que historicamente informam esses princípios.
118 Ver, infra, Capítulo V, n. 4 e parágrafos: Compreendendo os direitos fundamentais. 119 Apud R. M. Mateo, Tratado, cit., p. 99.
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Assim, é perfeitamente apropriado apresentar a definição de qualidade de vida criada na conferência de Estocolmo de 1973. Na declaração resultante deste encontro destaco os seguintes dizeres: "O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar e tem a solene obrigação de proteger e melhorar o meio para as gerações presentes e futuras" 120 •
Entretanto, sua utilidade para a interpretação do ordenamento jurídico brasileiro é relativa, pois lhe falta o conteúdo histórico-material, só recebido quando confrontado com as condições objetivas de cada sociedade capazes de informar os princípios subjacentes a esta definição, dando-lhes consistência. Abordando o aspecto histórico-material do conceito, é possível seccioná-lo nas seguintes partes: a) Aspecto físico
O conceito de qualidade de vida deve indicar as condições mínimas do meio físico - tanto no que pode ser quantitativamente é traduzido em normas que dispõem sobre os standards utilizados para medir o estado da pureza das águas, da atmosfera etc., como também no que concerne aos elementos qualitativos que traduzem sensações psicológicas, estéticas ou estados anímicos, beleza da paisagem, tranqüilidade do entorno, equilíbrio natural. b) Referência antropológica
As sociedades humanas desenvolvem-se e tomam seu caráter diferenciado também a partir de como se dá o acesso aos recursos naturais, e com que abundância eles as servem. Portanto, a qualidade de vida tem como pressuposto a presença dos recursos naturais adequados ao desenvolvimento desta sociedade, não somente no momento presente mas também no futuro, garantindo a necessária estabilidade do seu modo de ser às gerações posteriores. c) Tutela do bem-estar
O conceito de qualidade de vida deve prever a obtenção de fatores necessários que conduzam ao atendimento das necessidades bási-
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Apud R. M. Mateo, Tratado, cit., p. 99.
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cas - alimentação, habitação, saúde e educação. As políticas que fornecem o instrumental necessário à aquisição desses bens não se opõem à política ambiental. Ao contrário, elas se complementam. Não é possível uma política econômica sem a devida política de proteção dos recursos naturais. Da mesma forma que a criação de unidades de conservação, o incentivo à participação da sociedade na diminuição da produção de lixo urbano etc. tem melhor resultado numa sociedade com maior nível material de vida e educação. Em resumo, a vinculação da obtenção da qualidade de vida à efetivação das normas de direito ambiental é insofismável. Uma mais ampla qualidade de vida capaz de beneficiar toda uma comunidade e não apenas grupos isolados depende desta normatização 121 •
2.3 Conteúdo das Normas de Direito Ambiental Aquilo que chamamos de crise ambiental não se reduz a ameaças aos sistemas ecológicos como água, ar, florestas. Trata-se de uma concomitante, e também daquelas decorrente, ameaça às condições sociais de existência. A expressão "crise ambiental" remete ao perigo às bases de sustentação do sistema produtivo vigente. A tarefa do direito no ramo do direito ambiental é fazer com que as normas jurídicas possam orientar as ações humanas, influenciando seu conteúdo, no sentido de um relacionamento conseqüente com o meio ambiente. As ações humanas a serem influenciadas são especificamente aquelas relacionadas com os fatores de reprodução da existência humana. Isto significa que o direito ambiental permearia todo processo de produção e reprodução da vida social. Que aqui fique bem claro que produção social refere-se não apenas à produção de bens, mas a toda relação e comportamento do homem em sociedade, numa perspectiva de mediação com a natureza. Trabalho, lazer, pro-
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Cito o exemplo trazido por Mateo: "Poderia pensar-se que determinadas satisfações que produzem um plus de bem-estar podem, às vezes, contradizer os postulados ambientais, mas isto supõe uma visão circunscrita das condutas, ou seu tratamento fora do âmbito natural adequado. Assim, um indivíduo ou uma família podem extrair vantagens contaminando um álveo, porém perdem com o excesso desses benefícios particulares em escala de comunidade local, e o mesmo pode dizer-se de outras coletividades superiores até chega~ à comunidade mundial" (Tratado, cit., p.104).
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dução, consumo são atividades em sociedade e com a natureza, e é nesta relação que se localiza o campo de ação do direito ambiental. Portanto, aquilo que está disposto como direito ambiental pode estar também enquadrado no conteúdo do direito econômico. Como pretendo deixar claro no decorrer deste trabalho, tais definições do direito são classificações didáticas, cuja divisão não se opera na prática. Washington Albino de Souza, trazendo De Page, explica a razão da crescente especialização do direito, com o surgimento de novos ramos, devido a dois fatores: aumento da densidade social e divisão do trabalho. Segundo este autor belga, as regras em nossos dias não nos consideram mais apenas como membros de uma cidade, mas nos diferenciam dentro dela segundo a função que exercemos 122 • Partindo deste pensamento acrescento que, uma vez que a divisão do trabalho e a conseqüente especialização é uma realidade na sociedade moderna, só se podem evitar os malefícios decorrentes de raciocínios setorizados e que visualizam apenas parcelas da realidade, quando se procura desenvolver uma forma mais eficaz de entrosamento entre as diversas matérias, por meio da qual não se troque o todo pela parte, mas se saiba compreender todas as dimensões do conhecimento. Isto vale também para o direito, principalmente quando o ramo de direito em estudo envolve temas de uma abrangência social tão profunda, como é o caso do direito ambiental e do direito econômico. Pois, sem receio, posso afirmar que as relações do homem com a natureza e do homem com os processos produtivos que desenvolve refletem-se em todas as demais ações sociais, sobretudo porque a formação de uma cultura é indissociável do seu relacionamento com a natureza. A questão ambiental é, em essência, subversiva, visto que é obrigada a permear e a questionar todo o procedimento moderno de produção e de relação homem-natureza, estando envolvida com o cerne da conflituosidade da sociedade moderna. O economista Capra detectou esta força, diferenciando o pensamento ambiental superficial daquele mais profundamente comprometido com a proteção do meio ambiente. Segundo ele, o pensamento ambiental superficial preocupase, apenas, com um controle mais eficiente e um melhor gerenciamento do meio natural para utilização da humanidade. Enquanto um pensamento ambiental mais consistente reconhece que o equilíbrio
122
W. A. P. de Souza, Primeiras linhas, cit., p. 35.
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ecológico requer fortes mudanças sobre nossas concepções do papel do homem no ecossistema planetário 123 •
jurídica, superando, com isto, toda classificação tradicional sistemática do direito 127 •
Para Steiger, existem "situações-limite" (Grenzsituationen), em que a eficácia d~ solução dos conflitos no direito ambiental é bastante falha. Isto vale, sobretudo, porque o direito ambiental é um meio de transmitir modificações dos objetivos à realidade política mediante a regulamentação de atividades, sem necessariamente ter um impacto imediato coercitivo ou impositivo sobre as atividades cotidianas 124 •
Explica este autor que hoje não são poucas as leis que antes perseguiam outros objetivos e agora passam a adquirir um "tom ecológico". Seu objetivo final é uma suficiente "sustentabilidade ambiental da ordem jurídica como um todo" 128 • O direito ambiental é constituído por um conjunto normativo destinado a lidar com o problema de proteção da natureza, abraçando aquelas normas que já tradicionalmente protegiam isoladamente determinados recursos naturais como água, fauna, flora ou paisagem, procurando inclusive uma certa coordenação entre elas por meio da edição de normas que dispõem sobre políticas e princípios.
O direito ambiental reflete uma tensão política sem precedentes. Esta tensão deve ser, em primeiro lugar, resolvida pelo legislador ou agente normativo - aquele que dentro da sua competência será o tradutor das decisões políticas, dando-lhes as vestes da norma jurídica - , levada, então, à execução pela administração e particulares. O direito ambiental, por seu caráter reformador, mais do que qualquer direito, abriga proposições de um caráter finalista de estímulo a ações e comportamentos, até o momento de sua edição inéditos, alimentando uma dinâmica preventiva envolvida com prognósticos e incentivos, recriando as teias de comportamentos arraigados na sociedade. Seu agir, radicaliza Steiger, é exatamente oposto àquele baseado na mediação de argumentos publicamente reconhecidos, oriundos de uma razão jurídica institucionalizada, e com isto capaz de sustentar as ações estatais 125 •
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Steiger cognomina o direito ambiental "direito transversal" (Querschnittsrecht) 126 , pois ele não se deixa classificar dentro de uma das disciplinas clássicas do direito: direito civil, penal, público (direito constitucional e administrativo). Muito mais, normas de todas essas disciplinas podem compor o direito ambiental Klopfer, em consonância, afirma que é difícil a delimitação do direito ambiental, porque a proteção do meio ambiente apresenta-se como uma "tarefa transversal" (Querschnittaufgabe) para resolver problemas inter-relacionados e exige regras inter-relacionadas de proteção ambiental, permeando praticamente todo o conjunto da ordem
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A legislação ambiental confronta-se basicamente com uma dupla tarefa: Por um lado ela deve apresentar um arcabouço legislativo para uma luta eficiente contra a imensa variedade de problemas ambientais (viabilização da proteção ambiental). Por outro lado, ela precisa também trabalhar para uma coordenação entre interesses concorrentes e conflitantes, inclusive reescrevendo os conceitos que se encontram nos mais diversos ramos do direito (por exemplo, desenvolvimento econômico, alto nível de emprego, desenvolvimento tecnológico, expansão de áreas agrícolas). E sempre compreendendo e ampliando, como já acima exposto, os conceitos de bem-estar e qualidade de vida. As normas de proteção ao meio ambiente partem do conflito de interesses para poder estabelecer uma adequação dos interesses de poluidores e dos atingidos pela poluição ambiental, visando alcançar, dentro das atividades humanas, um equilíbrio ambiental (Umweltschutzausgleich) 129 • A potencialidade de efeitos que as normas de direito ambiental carregam faz deste direito não puramente um ramo do direito, mas uma classificação de normas que intencionam uma organização do meio como local (ambiente) e meios como instrumento - recurso natural e ambiental. A identificação entre estas normas está no seu objetivo final: assegurar a proteção do meio ambiente. Por seu caráter
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Apud H. Blohbaum, Zur Dialetik, cit., p. 49. Helmut Steiger, Begriff und Geltungsebene des Umweltrechts, in Jürgen Salzwedel (org.), Grundzüge des Umweltrechts, p. 17. 125 Cf. Begriff, cit., p. 49. 126 Begriff, cit., p. 9. 124
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Cf. Michael Klopfer, Umweltrecht, p. 26-27. Umweltrecht, cit., p. 27. Cf. Michael Klopfer, Umweltrecht, cit., p. 16-17.
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teleológico, pode-se ter normas de direito ambiental que são direcionadoras de regras originariamente pertencentes a determinados outros ramos do direito. Este é o movimento do direito ambiental, direito transversal. Ele perpassa todo ordenamento jurídico, não lhe cabe~do uma 'delimitação rígida e estática. A ele é característico o movimento próprio da sociedade que integra. Esta dinâmica do direito ambiental na persecução de seu objetivo de proteção ambiental, envolvendo os mais diversos campos da atividade humana, implica o desenvolvimento de uma "estratégia". Segundo Eckard Rehbinder: "Por uma estratégia de proteção ambiental pode-se compreender o conjunto das medidas legais existentes, que têm como meta realizar objetivos visados pelas normas de proteção ao meio ambiente. Especificamente, trata-se de responder à questão referente a quais as medidas a serem prescritas pela norma, necessárias à realização da proteção ambiental desejada. Estratégias configuram a ponte entre os objetivos legais e seus respectivos instrumentos de realização. Elas apresentam, por um lado, a possibilidade de concretização efetiva dos objetivos, por outro, determinadas estratégias se deixam apenas realizar estando disponíveis os instrumentos específicos" 130 • [grifei]
A proposição de Rehbinder, de caracterizar o direito ambiental como estratégia, coaduna-se com a afirmação de ser a prática do direito uma política. É precisamente neste momento - na prática do direito como prática política, ou, reiterando Rehbinder, como prática estratégica - que o direito ambiental se deixa analisar conjuntamente com o direito econômico. Na formulação de políticas públicas, mediante a interpretação de princípios constitucionais, e pela opção entre diversos desses princípios que disputam entre si a primazia, perfilam as normas tradicionalmente concebidas como de direito econômico e de direito ambiental, para esculpir o perfil único de uma política brasileira, que envolve, necessariamente, desenvolvimento
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econômico e o uso adequado de recursos naturais, bem-estar material e sadia qualidade de vida. É possível visualizar dois modos de tratamento pelo ordenamento jurídico da relação economia e meio ambiente. Um enfoque instrumental e outro estrutural. Dentro da perspectiva instrumental, encontram-se as normas que apontam para a necessidade de novas tecnologias, visando uma produção limpa e uma otimização da produção agrícola, dando ensejo a um novo ramo da indústria: o da indústria da proteção ambiental. Sob um aspecto estrutural, são enfocadas as políticas ambientais destinadas a garantir a manutenção de recursos naturais exigidos para a continuidade da produção econômica. De igual modo, a normatização estrutural procura orientar uma produção econômica comprometida com uma distribuição eqüitativa de bemestar, onde é vital a previsão de medidas de proteção ambiental. A decantada oposição entre economia e proteção ambiental1 31 - por conseqüência, oposição entre os objetivos do direito econômico e do direito ambiental - deixa de existir, plenamente, quando a política econômica adotada traz de volta o relacionamento da economia com a natureza de uma forma integrativa, e não por uma atuação de pilhagem. "Natureza precisa ser entendida economicamente; por que economia não poderia ser entendida em termos de reprodução da natureza?" - indaga Altvater 132 • 1
1.1 Os fundamentos desta oposição são encontrados na oposição entre natureza e cultura, a qual é uma construção do século XIX, prestando-se ao objetivo de tornar a natureza um dos muitos "instrumentos" da produção: a natureza dominar e ignorar, abandonando a máxima de Francis Bacon (cf. nota 217). Não obstante, o que foi afastado pela porta da frente, entra pelos fundos, expressão de que o homem não pode fugir de si mesmo (é o homem também natureza), conforme precisamente descreve Ulrich Beck: "Natur ist unterworfen und vernutzt am Ende des 20. Jahrhunderts und damit von einem AuBen - zu einem Innen - , von einem vorgegebenen zu einem hergestellten Phiinomen geworden. Im Zuge ihrer technischindustriellen Verwandlung und weltweiten Vermarktung wurde Natur in das Industriesystem hereingeholt. Zugleich ist sie auf diese Weise zur unüberwindlichen Voraussetzung der Lebensführung im Industriesystem geworden. Konsum- und Marktabhiingigkeit bedeutet nun auch wieder in neuer Weise 'Natur' abhãngigkeit, und diese immanente 'Natur' abhiingigkeit des Marktsystems wird in und mit dem Marktsystem zum Gesetz der Lebensführung in der industriellen Zivilisation" (Ulrich Beck, Risikogesellschaft-auf dem Wege in eine andere Moderne, p. 9).
"Unter einer Umweltschutzstrategie kann man die Gesamtheit der gesetzlich festgelegten MaBnahmen verstehen, die die Ziele des Umweltgesetzes verwirklichen sollen. Genauer geht es um die Frage, nach welchem MaBnahmenansatz vom Gesetz beabsichtigte Umweltschutz verwirklicht soll. Strategien bilden das Bindeglied zwischen gesetzlichen Zielen und Instrumente. Sie stellen einerseits eine Konkretisierung dar, anderseits lassen sich bestimmte Strategien nur mit bestimmten Instrumenten verwirklichen" (Eckard Rehbinder, Allgemeines l)mweltrecht, in J. Salzwedel (org.), Grundzüge des Umweltrechts, p. 90).
"Nature must be understood economically: why should not economics be understood in terms of reproduction of nature?" (Elmar Altvater, The Foundations of Life (Natur) and the Maintenance of Life (Work), in Martin Kronauer (org.), Risky business: ecology and economy, p. 12).
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Esta via de mão-dupla é vislumbrada na agudeza do inter-relacionamento do capítulo de meio ambiente com os princípios da ordem econômica fundamentalmente. Esta comunhão emerge, seja na fórmulação· de uma política macroeconômica, seja na orientação da formulação de normas de direito econômico (que tenham em seu cerne o conteúdo econômico do ponto de vista da política econômica) e de normas de direito ambiental (que estejam relacionadas com a proteção dos recursos naturais). A divisão da relação homem-natureza pela setorização de sua atividade produtiva, em apropriação de recursos, produção industrial, consumo e lazer, é uma divisão teórica, com algum efeito didático, mas que mesmo na mais simples relação prática perde sua razão de ser. São etapas de um mesmo e único processo. As normas e princípios que regulam emissão de poluentes de uma fábrica, por exemplo, estão garantindo em última instância a integridade de recursos da produção, e, portanto, podem ser consideradas normas com conteúdo econômico. Inclusive o cuidado com a saúde, refletido na preocupação com a salubridade do ar e do ambiente de trabalho, contribui para a qualidade do trabalho na produção. Igualmente, a proteção da qualidade de vida deve ser entendida dentro desta globalidade que caracteriza a produção. A regulamentação sobre emissão de poluentes, por exemplo, é uma medida de proteção da saúde, propugna também pela melhoria da qualidade de vida e atinge a conservação de recurso natural, simultaneamente. Uma política econômica conseqüente nunca despreza a relação da produção com o seu fator natureza. Por esse motivo, as normas que norteiam o direito ambiental não podem pretender limitar seus objetivos concretos. Qualquer norma que se dirija à relação homemnatureza traz conseqüências vastas o suficiente para não mais ser possível identificar se seu efeito é na política de proteção da natureza entendida esta como um recurso da produção, ou compreendida como a paisagem relacionada ao lazer - ou na política de desenvolvimento da atividade econômica. Até há pouco tempo, tinha-se por óbvio, de modo expresso ou implícito, que a função do direito ambiental não poderia seriamente influir no ritmo de expansão de uma sociedade assentada no crescimento, pois nesta idéia de expansão estaria o germe indiscutível da política econômica do Estado contemporâneo. Tal obstinação pela pregação da concepção de crescimento fez àele um mecanismo que se tornou totalitário, dogmático, sendo grandemente responsável pelo
Michelsen, Der Fischer ôkoalmanach 91/92, Ôko-Institut Freiburg, p. 26. como nefasto exemplo, a miopia de determinadas normas preocupadas tio-somente com aspectos quantitativos de certas substâncias - cuja concentração enseja níveis incompatíveis com a sanção e bem-estar humanos, ou seja, materiais poluidores - o caso da morte das florestas na Europa.
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constante fracasso da aplicação de uma política ambiental toda vez que atinge, ou procura atingir, algum ponto central de posições socioeconômicas - constata Mayer-Tasch 133 • Esta visão setorizada não deve prosperar, se se quer tornar efetivos os princípios da Constituição Federal, prescritos sobretudo nos seus arts. 170 e 225. Tanto a Constituição não pode ser interpretada aos pedaços como políticas econômicas e ambientais não são livros diferentes de uma biblioteca, manuseados, cada um a sua vez, segundo o interesse e conveniência de algum leitor. A diversidade do atual aparelhamento legislativo reflete atividades de política ambiental e também seu conceituai desamparo, reiterando o denunciado por Mayer-Tasch. Protegem-se os bens ambientais evidentemente ameaçados - ar, água, paisagem - por meio de leis especiais, nas quais a propagada conexão entre ecologia e economia mal aparece no campo de visão. Como exemplo, toma-se a poluição química da terra, água e ar. Assim, a limitação pelo estabelecimento de padrão de emissão de dejetos na atmosfera permite a contínua morte das florestas, pois não se observam os efeitos sinergéticos devido às várias autorizações isoladas para liberação de poluentes. Então, as normas de direito ambiental relativas a tais permissões acabam se tornando o portal para a ruína de terras cultiváveis e para a contaminação do lençol freático. A permissão para uso ilimitado de pesticidas e adubos químicos, sobre os quais recaem prescrições legais apenas voltadas à sua composição, porém não chegam a interferir no seu uso, garantindo a inobservância do conseqüente acúmulo, reação com outros materiais e inevitável contaminação da terra e água, peixes e animais, é uma mostra da inocuidade de normas isoladas que não procuram uma coordenação para atingir a finalidade a que são destinadas 134 • O efeito estufa, o extraordinário ritmo da extinção de espécies animais, a destruição da camada de ozônio ou a produção industrial genética de seres vivos estéreis são alguns exemplos de efeitos imediatos sobre as bases de reprodução social, e, por conseqüência, sobre a
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P. C. Mayer-Tasch, Umweltrecht, cit., p. 10.
4 U Cf.
Ele cita,
,, funcionabilidade da sociedade industrial propriamente dita. Danos ambientais não são produzidos por alguns ramos marginais de indústrias, porém têm suas raízes e garras mais potentes exatamente nas chamadas.indústrias de base ou naqueles setores-chefes da socied