Deleuze Gilles Sobre o Teatro

October 14, 2022 | Author: Anonymous | Category: N/A
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   V     '     '

GILLES DELEUZE

   e     d    o     ã    ç    u     d    o    r    t    n     i

   o     t    r    e      b    o

   o      d    a      h    c    a

    R     M

SOBRE O TEATRO    e     d    a    r     b    o    a    e    r     b    o    s

   o     l    e    m    e    r    n    a    e

    C     B

UM MANIFESTO DE MENOS sobre a obra de

) ESGOTADO

Sa m u e l Be c k e t t

 

 Sobr e o teatro teatro  reúne

em uma mesma publicação os

dois únicos textos de Deleuze sobre a arte cênica, que analisam o pensamento e obras de dois grandes nomes: Carmelo Bene e Samuel Beckett. Sucintos e inspirados, "Um manifesto de menos" e "0 esgotado" são excelentes exemplos do projeto filosófico de Deleuze, mostrando como, ao interpretar esses dramaturgos, ele cria o seu próprio pensamento da diferença.

“ Em c o n t i n u i d a d e c o m

os

e s c r it o s

de D e le u z e

S O B RE A R T E E L I T E R A T U R A , E S SE S D O IS T E X T O S M O S T R A M M U I T O B EM C O M O A L G U N S C O N C E I T O S D DE E: S EU EU S I S T E M A F I L O S Ó F I C O S Ã O S U S C I T A D O S P E L O E X E R C Í C IO IO D E P E N S A M E N T O N Ã O C O N C E I T U A L Q U E E N C O N T R A M O S N O S S AB E R ES N Ã O F I L O S Ó F I C O S .”

da Introdução de Roberto Machado, autor de  DeU  D eU u/ e. a ar arte te e a fi lo s o f ia

BSP ISBN 978-85-378-0203-8

Leia tamt

6

 Francis  Fra ncis Bac

D3 4 248802

dr .A .Abr breu eu   U o bm o M ac acll i i i dn

 

O

  esgotado é m uito mai maiss que o cansado. cansado. “Nã o é um simples cansaço, não estou simplesmente cansa

do, apesar da subid subida.” a.” 1 O cansado nã o dispõe d ispõe mais de qua lquer possibil possibilidade idade (subjeti (subjetiva) va) - não pod e, portanto, realizar a mín im a possibili possibilidade dade (objet (objetiva) iva).. Mas esta per

manece, porque nunca se realiza todo o possível; ele é at atéé m esm o criado à medida que é realiza realizado. do. O cans cansado ado apenass esgoto u a reali apena realização, zação, enquanto o esgotado esgo esgota ta tod o o possí possível. vel. O cansado não pod e m ais rreal ealiz izar, ar, mas 0 esgotado não pode mais possibilitar. “Peçam-me o impossíve imposs ível, l, mu ito bem , que m ai aiss m e pod eriam pedi pedir. r.”2 ”2 1  No  Nouv uvelle elless e text te xtes es p pou ou r rien, rien , Paris, Minuit, p.128. Beckett traduziu alguns de seus textos do francês para o inglês ou d o inglês para o francês francês,, o utros foram traduzidos sem sua part partic icipa ipação. ção. Co m o D eleu ze leu e citou ttodos odos os textos e m francês, para evitar algum a possível discrepância entre entre as ci cita ta ções e sua iinterpretação, nterpretação, trad uzim os sem pre a partir do francês. francês. ((N.T. N.T.)) 2 Lln  L lnno no m m ab le, le ,  Paris, Minuit, p.104.

 

Não há mais possível: um espinosismo obstinado. Ele esgotaria o possível porque está esgotado ou estaria esgotado porque esgotou o possível? Ele se esgota ao esgotar o possível, e inversamente. Esgota o que não se  se  realiza no realiza  no possível possível.. Ele acaba co m o possível, possível, para além de todo cansaço, cansaço, “para “para novam ente acabar” acabar” . D eus é o originário originário ou o conjun to de toda possibi possibi lidade. O possível só se se realiza no derivado, n o cansaço, enquanto que se está esgotado antes de nascer, antes de se realizar realizar ou de realizar realizar qua lquer coisa (“renu nciei antes ant es de nascer” nascer” ). ).33 Q uan do se realiza realiza um possív possível, el, é em fun ção de certos objetivos, projetos e preferênci preferências: as: calço sapatos para sair e chinelos para ficar em casa.

Q uan do falo, falo, quando digo, po r exemplo, “é dia” dia” , o inter inter locutor responde: “é possível...”, pois ele espera saber o q ue preten do faz er do dia: dia: vo u sair sair po rqu e é d ia.. ,4A ,4A lingu li ngu age m enuncia o possível possível,, m as o faz preparando-o preparando-o para um a realização. realização. E, sem dúvida, posso utilizar o dia dia para ficar ficar em casa casa;; ou posso fi ficar car em casa casa graças a um ou tro po ssível (“é no ite” ). Mas a realização realização do possível pro cede sempre por e xclusão, xclusão, pois pois ela ela supõ e preferên preferên cias e objetivos que variam, sempre substituindo os

3 Po  P o u r fi fin n ir encore enco re etau et au tres tr es foir fo ira a de s, s,   Paris, Minuit, p.38. 4Cf. Brice Parain,  Su r la dialec dia lectiq tique: ue:   a linguagem "não diz o que é, diz o que pod e ser... Vo cê diz que está trovej trovejando, ando, e alguém lhe responde no cam po: é possível possível,, pode ser... Q ua nd o digo que é dia, dia, não é porqu e seja seja dia.. [mas] [mas] porqu e tenho algum a coisa coisa para real realiz izar ar,, à qual o dia dia só só ser ser  ve  v e c o m o o c a s iã o , p r e te x to o u a r g u m e n t o ” (P (Par aris is,, G a ll im a r d , p . 6 1 , 130). 130).

Sobre 0 teatro

 

precedentes. São essas variações, essas substituições, todas essas disjunções exclusivas (a noite/o dia, sair/  v  voo l t a r . . .) q u e a c a b a m can ca n san sa n d o . Bem diferente é o esgotamento: combina-se o conjunto das variáveis de uma situação, com a con dição de renunciar a qualquer ordem de preferência e a qualquer objetivo, a qualquer significação. Não é mais para sair nem para ficar, e não se utilizam mais dias e noites. Não mais se realiza, mesmo que se con

clua algo.5Sapatos: fica-se; chinelos: sai-se. Não se cai, entretanto, no indiferenciado, ou na famosa unidade dos contraditórios, e não se é passivo: está-se em ati  v  vid id a d e , m as p a r a n ada ad a . E stav st avaa-se se c a n s a d o d e a lg u m a coisa, mas esgotado de nada. As disjunções subsistem, e até m esm o a distinção distinção entre term os é cada vez maior, mas os termos disjuntos afirmam-se em sua distância indecom ponível, pois só servem para permutar. permutar. Sobre um acontecimento basta dizer que ele é possível, pois ele só ocorre confundindo-se com nada e abolindo o real ao qual pretende. Só há existência possível. E noite, não é noite; chove, não chove. “Sim, fui meu pai e m eu filho.” filho.” 6A disj disjunção unção tornatorna-se se inclusa, inclusa, tudo  tudo se divide div ide - mas em si m esmo - , e Deus, o conjunto do

5Para dar conta da distinção terminológica que Deleuze estabelece en tre réaliser réaliser   e accomplir, accomplir,   traduzimos sempre o primeiro termo por "reali zar” e o segundo por "concluir”. (N.T.) 6 Nou  N ou ve lk lkss et tex tes pou po u r rrien ien,,  op.cit., p.134.

O esgotado

 

possível possí vel,, con funde-se co m Nada , do qu al cada coisa coisa é um a m odifica odificação. ção. "Simples "Simples brincade brincadeir iras as do tem po com o espaço, espaço, ora com uns brinquedos brinquedos,, ora co m outros.”7 outros.”7 Os personagens de B eckett brincam co m o possível possível sem sem reali rea lizá-l zá-lo; o; eles têm têm m uito a fazer, fazer, co m um possível cada cada

 ve  v e z m a is r e s tr trit itoo e m s e u g ê n e r o , p a ra a in ind d a se p r e o c u  parem com o que ocorre. A p erm utação das "pedras "pedras de de chupar” em  Mo  Molloy lloy é  é um a das passagens m ais célebres. célebres. Desde  Mu  Murpk rpky, y,   o herói se dedica à combinatória dos cinco bolinhos, mas com a condição de ter eliminado qualquer ordem de preferência e ter, assim, conquista do os 120 modos da permutabilidade total: "Ofuscado po r essas essas perspect perspectiva ivas, s, M urp hy caiu caiu estatelado sobre a gra m a, ao lado dos biscoitos dos quais se se pode ria dize dizer, r, co m tanta jus teza quan to po de ser dito das das estre estrela las, s, que o brilho de um era diferente do brilho do outro, e de cuja essência essência ele ele só pod eria dar conta com a condição de não mais preferir um a outro .”81 woulâ prefer not   to to   [Preferiria não], segundo a fórmula beckettiana de Bartleby. E toda a obra de Beckett será percorrida por séries exaustivas, isto é, esgotantes, principalmente Watt, c Watt,  c om sua séri sériee de equipamentos (meia curta-m eia longa, botina-sapato-chinelo), de móveis (cômodapenteadeira-toucador, de pé-de patas para o ar-no  ve  v e n t r e - n a s c o s t a s - d e la lad d o , c a m a -p o r ta - ja n e la -fo g ã o : 7 Watt, Watt,   Paris, Minuit, p.75. 8 Mur  M urph ph y, y,   Paris, Minuit, p.73.

Sobre o teatro

 

quinze mil disposições).9 Watt é o  o   grande romance

serial seri al onde o sr sr.. Kn ott, co m a ún ica necessidade de não ter necess necessid idade ade,, não reserva reserva qualquer co mbinação a um uso particular que excluiria os outros, e do qual seria preciso esperar as circunstâncias circunstâncias..  A c o m b in a tó tórr ia é a ar arte te o u a c iê iên n c ia d e e s g o ta r o possível,, po possível porr disjunções in inclus clusas. as. Mas apenas o esgotad e sgotad o pode esgotar o possível, pois renunciou a toda necessi dade, preferência, finalidade ou significação. Apenas o esgotado esgo tado é bastante desintere desinteressado, ssado, bastante escru escrupuloso. puloso. Ele é forçado a subs substit tituir uir ooss projetos por tabela tabelass e pro gra  mas sem sent sentid ido. o. O que conta para para ele é em que ord em fazer o que deve e segundo quais combinações fazer duas cois coisas as ao m esm o tem po, qquan uan do ai ainda nda necess necessári ário, o, só por faze fazer. r. A grand e contribuição contribuição de Beckett à lógica é m ostrar ostrar que o esgotam ento (exaus (exausti tivi vidade dade)) exige um certo esgotamento fisiológico, mais ou menos como Nietzsche mostrava que o ideal científico exige uma espécie de degenerescência vital, como, por exemplo, no H om em da Sangue Sanguessug ssuga, a, o conscienci consciencioso oso de espíri espírito to que tudo queria conhece r do cérebro da sa sangues nguessuga suga.. A com binatória esgota seu objeto, m as por porqu quee seu sujeito sujeito (exhausted ). ). Seria estáá esgotado. est esgotado. O exausti exaustivo vo e o exausto (exhausted 

9 Watt, Watt,   op .cit .cit., ., p p.2 .208 08-9 -9,, 21 2122-4 4. François M arte l fez um rigoro so estud o da ciência ciência com binatória, das séri séries es e disj disjunções unções em Watt: Watt:   "Jeux formeis dans W att", Poétiqu Poétiquee  10,1972. Cf.  M  Malo alone ne m eur eurt, t,   Paris, Minuit, p.13: "Tudo se divi divide de em si m esm o.”

O esgotado

 

preciso estar esgotado para se dedicar à combinatória, ou seria a combinatória que nos esgota, que nos leva ao esgotamento, ou os dois juntos, a combinatória e o esgotam ento? Mais um a vez, disj disjunções unções iincl nclusas usas.. T alvez seja como o avesso e o direito de uma mesma coisa: u m sentido sentido ou um a ciênci ciênciaa aguda do poss possíve ível, l, junta, ou melhor, disjunta a uma fantástica decomposição do eu. O que Blanchot Blanc hot dis disse se de Musil se aapli plica ca perfeitame per feitamente nte a Beckett: a mais elevada exatidão e a mais extrema disso lução; a troca indefinida das formulações matemáticas e a busca d o inform e o u d o info inform rm ulad o.10Estes o.10Estes são ooss doiss sentidos do esg otam ento, e os doi doi doiss são necessá necessários rios para abolir o real. real. Mu itos autores são polido s demais, e se contentam em proclamar a obra integral e a morte do eu. Mas se permanece no abstrato enquanto não se mostraa “como é ", mostr ",   co m o se faz um “inventár “inventário” io” , incl incluin uin do os err erros, os, e com o o eu se decom põe, incluindo o mau cheiro e a agonia: como em  Malo  Malone ne meurt. meurt.   Uma dupla inocência, pois, como diz o esgotado (ou a esgotada), "a arte de combinar ou a combinatória não é minha culpa, é um castigo do céu. Quanto ao resto, eu diria não culpável.”11 Mais do que uma arte, trata-se de uma ciência que exige longos estudos. estudos. O com binado r es está tá ssent entado ado

10M aurice Blan chot,  Le livre à venir, venir, Paris,  Paris, Gallimard, p. p.211. 211. A exac erbaçã o do sentido do possível possível é um tem a constant constantee em 0   homem sem qualidades. qualidades. 11 As se z, z,   in Tàes-mortes, Tàes-mortes, Pa  Pa ris, Min uit, p.3 p.36. 6.

Sobre o teatro

 

à escrivaninha: “Numa douta escola/ Até a ruína do corpo / Alenta decomposição do sangue/ O astucio so delír delírio/ io/ O u a tedi tediosa osa decre pitud e...” 12 N ão qu e a decrepitude decrepi tude ou a rruína uína vvenham enham interrom per o est estudo. udo.  A o c o n tr tráá ri rioo , el elas as o c o n c lu e m ta n t o q u a n to o c o n d i cionam e o acompanham: o esgotado continua senta do à escrivaninha, “cabeça inclinada apoiando-se nas m ãos” , m ãos na mesa e cabeça na nass mãos, cabeça rrente ente à mesa. Postura do esgotado, que  N  Nac acht ht und un d Trãume Trãume   retoma, desdobrando. Os danad danados os d dee Beck ett form am a mais impressionante galeria de posturas, de passos e de posições desde Dante. E, sem dúvida, Macmann observava que se sentia "melhor sentado do que em pé e m elhor deitado do que sentado” .13 .13 Mas er eraa um a fórmula que convinha mais ao cansaço que ao esgo tam ento . D eit eitar-se ar-se nunca é o fi fim m , a últi últim m a pal palavra avra:: é a penúltima. Pois corre-se o grande risco de descan sar demais se não para se levantar, ao menos, para  vir  v iraa r - s e o u r a st stee ja jar. r. P a r a d e t e r o r a s t e j a n t e , é p r e c is o colocá-loo nu m bu raco, pla colocá-l plantá ntá-l -loo num vaso, onde, não podendo mais mover seus membros, revolverá, no entanto, algumas lembranças. Mas o esgotamento não se deita e, quando chega a noite, continua sen

tado à mesa, cabeça esvaziada em mãos prisioneiras, 12 Cf. o p oem a de Yeats [[“Th “Th e tow er” , 19 1927 27]] que inspira a peç a para tele  vis  v is ã o .. . que nuages... 13 Mal  M alon on e me meurt, urt,   op.cit., p.129.

O esgotado

 

“cabeça incli inclinada nada em m ãos atrof atrofiadas iadas”” , “sentado uma noite à m esa com a cabeça nas nas m ão s... s... levantava sua sua cabeça desfalecida para ver suas desfalecidas mãos”, “crânio sozinho no escuro lugar fechado posto sobre um a táb ua ...” ...” , “as “as duas dua s m ãos e a cabeça form am um peq uen o m on te” .1 .144 É a m ais horrível po sição para se se esperar a m orte: sentado, sem p ode r se se levantar nem se deit deitar, ar, espreitando o go lpe que n os fará ficar ficar de pé um a últim últim a vez e nos deitar deitar para sempre. sempre. Sentado não tem volta, não se pod e revolver sequer um a lembrança.  A e s s e r e s p e ito it o , a c a n ç ã o d e n i n a r é a in d a i m p e r fe it itaa : é preciso qu e ela pare. T alve z seja preciso distinguir a ob ra deitada de Beck ett e a ob ra sentada, a ún ica que é últim últi m a. Pois entre entre o esgotam ento sentado e o cansaço deitado, deit ado, rastejant rastejantee ou plantado, há um a diferença diferença de natureza. O cansaço afeta a ação em todos os seus estados, est ados, enquan to o esg otam ento diz respeito apenas apenas à testemunha amnésica. O sentado é a testemunha em torn o da qual qu al o outro gira, ao d esenvolver todos todos

os grau s de seu can saço. E le está al ali antes de nascer, e antt es que o outro an outro com ece. “H ouv e um tem po em que eu tam bém girava assi assim? m? Não, estive estive sem pre sentado neste m esm o lu g ar .. ,” 15M as po r que o sen tado está à espreita das palavras, das vozes, dos sons?

14 Cap au pire,  pire,   Paris, Minuit, p.15;  Sou  Soubre bresaut sauts, s,   Paris, Minuit, p.7, 13;  Pou  Pourr    f  fin in ir encore encor e et au autre tresfo sfoira irades des,,  op.cit., p.9, 48. 15 VInnommable, VInnommable, op.cit.,  op.cit., p.12.

Sobre 0 teatro

 

 A lin li n g u a g e m n o m e i a o p o ss ssív ívee l. C o m o o q u e n ã o tem nome, o objeto = X, poderia ser combinado? M olloy encontra-se encontra-se diant diantee de um a pequ ena coisa coisa insó lita, feita de “dois X reunidos, no nível da intersecção, po r um a barra” igualm ente estáve estávell e indiscerní indiscernível vel sobre sobre suas qua tro ba ses.1* ses.1*5É provável prováv el que os arq ue ólog os f u  turos, se o encontrarem em nossas ruínas, verão nele, conform e é seu seu costume, um objeto de culto culto ut util ilizado izado nas preces ou nos sacrifícios. Como ele entraria numa com bina tória se não se tem seu no m e, descansa-t descansa-talhe alher? r? N o entanto, entanto, se se a combinatória tem tem a am am bição de esgotar o possível possível co m palavras, palavras, é preciso preciso qu e ela constitua constitua um a m etalingua gem , um a língua língua tão especial especial que as as relações entre os ob jetos seja m idênticas às relaçõ es en tre as as pa  lavras lavr as e que, desde então, as palavras nã o m ais rem etam o possível possível a um a realização, realização, mas d eem ao possíve possívell um a

realidade real idade q ue lhe seja seja própria, própria, precisam ente esgotável, esgotável, “minimamente menor, não mais direcionada para a inexistê inexi stênci nciaa co m o o infinit infinitoo para ze ro ” .1 .177 Ch am em os língua I,  I,  em Beckett, a língua atômica, disjuntiva, re cortada, retalhada, em que a enumeração substitui as proposições, e as relações combinatórias, as relações sintáticas: uma língua dos nomes. Mas, caso se espere, assim, esgotar o possível com palavras, também é pre ciso ter esperança de esgotar as próprias palavras; daí 16 Mo  Mollo lloy, y, Paris,  Paris, Minuit, p. 83. 17 M a l vu v u ma mall dit, d it,   Paris, Minuit, p.69.

O esgotado

 

a necessidade de uma outra metalinguagem, de uma língua II, q II, q ue não é mais a dos nom es, m as a das das voze s, que não p rocede mais po r átom os combináveis, combináveis, mas por fluxos misturáveis. As vozes são as ondas ou os fluxos que dirigem e distribuem os corpúsculos lingüísticos. Q uan do se esgota o possível possível com palavr palavras, as, abrem-se abrem-se e racham-se átomos, quando as próprias palavras são es gotadas, interromp gotadas, interromp em -se os fluxos. fluxos. D esde Lln esde  Llnnom nomma mable ble,,  é esse problema de eliminar as palavras que domina: um verdadeiro silêncio, não um simples cansaço de fala falar, r, po is “não se trata absolutam abso lutam en te de faz er silêncio, silêncio, é preciso ver tam bém o tipo de silêncio que se fa z .. ,” 18 Qual seria a última palavra, e como reconhecê-la?

Para esgotar o possível possível,, é preciso rem eter os possibilia os possibilia   (objetos ou “coisas”) às palavras que os designam por disjunções inclusas, no âmbito de uma combinatória. Para esgotar as palavras, é preciso remetê-las aos Ou tros que as pronunciam, ou melhor, que as emitem, as secretam, seguindo fluxos que às vezes se misturam e às vezes se disti distinguem. nguem. Esse Esse segundo m om en to, m uito complexo, não deixa de ter relação com o primeiro: é sempre um Ou tro que fala fala,, um a vez que as palavr palavras as não não esperaram po r mim e só há língua língua estrangei estrangeira; ra; é sempre um Outro, o “proprietário” dos objetos que ele possui

18 Ulnnommable, Ulnnommable,   op.cit., p.44. Cf. Edit Fournier, in  Sam ue uell Becke Be ckett, tt, Re Revue vue   d’esthétique,   p.24: "Beckett vai direto ao ponto, nem a frase nem a pala d’esthétique,  v r a , m a s s e u jo j o r r o ; su a g r a n d e z a é t e r sa bi d o e s t a n c á - lo ..

Sobre o teatro

 

ao falar. Trata-se sempre do possível, mas de uma nova maneira: os Outros são mundos possíveis,  possíveis,  aos quai quaiss as as v o  zes conferem um a realida realidade de sempre variá variável vel,, conform e a força que elas têm têm , e revogável, revogável, con form e os silênci silêncios os quee elas fazem . Elas são ora fortes, qu fortes, o ra fracas, fracas, até que se cala ca lam, m, por um m om ento (com (com um si silê lênci ncioo de cansa cansaço ço). ). O ra elas elas se se separam e até até me sm o se opõem , ora se con  fundem.. Os Outros, isto fundem isto é, os mund os possí possívei veiss co m seus seus objetos, co m suas suas vo zes, que lhes dão a única realidade realidade

à qual eles podem pretender, constituem “histórias”. Os Outros só têm a realidade que suas vozes lhes dão, em seus m und os possíveis.1 possíveis.19São 9São Murphy, W att, M ercier e todos os outros, "Mahood e consortes”, Mahood e companhia: como acabar com eles, suas vozes e suas histórias? Para esgotar o possível, nesse novo sentido, deve-se novamente enfrentar o problema das séries exaustivas, mesmo se arriscando a cair numa "aporia”. Seria preciso falar deles, mas como conseguir sem se introduzir na série, sem “prolongar” suas vozes, sem passar po r eles eles,, se m ser, ser, alternadame alternada mente, nte, Murphy, Mollo M olloy, y, M alone, W at t... etc. e recai recairr no inesgotável Mahood? Ou Ou   então,   seri então, seriaa preciso preciso que eu chegasse chegasse a m im, não co m o a um term o da séri série, e, mas co m o a seu li limite, mite, eu, o esgotado, esgotado, o inominável, inominável, eu só, só, sentado no escuro, escuro, tornado W orm ,

15 É então que a gra nd e “teo ria” de VInnommable VInnommable parece  parece cai cairr num círculo. círculo. Da í a iideia deia de que as vo zes dos personagens talvez remetam a “senhores" “senhores" diferentes difer entes dos próprios personagen s.

O esgotado

 

"o anti-Mahood” , totalmen te sem voz , aind aindaa que eu não pudesse fal falar ar de mim com a vo z de M ahoo d e só pude pudes s se ser ser W orm também m e tornando M ahood .20A apo apori riaa consiste na série inesgotável de todos esses esgotados. “Q uan tos som os afin inal al?? E qu em fa fala la nesse nesse m om ento? E

para quem? E de quê?” Como imaginar um todo que faça companhia? Como formar um todo com a série, subindo, descendo, e com dois, se um fala ao outro, ou co m três três,, se um fala ao o ut utro ro ainda de outro?2 outro?211 A aporia terá solução caso se considere que o limite da série não está no infinito dos termos, mas talvez em qualquer lugar, entre dois termos, entre duas vozes ou variações da vo z, no fl fluxo, uxo, já a tingido bem antes antes que se sa saib ibaa que a série esgotou-se, bem antes que se compreenda que, há m uito, nã nãoo há m ais possível, nã nãoo há m ais história.22 Esgotado, há muito tempo, sem que se saiba, sem que ele sa saib iba. a. O inesgotável inesgotável M ah ood e o esgotado W orm , o O utro e eu eu,, são o me sm o personagem, a mesm a llín íngua gua estrangeira, morta. Há, portanto, uma língua III,  III,  que não mais reme te a linguagem a objetos enumeráveis e combináveis, nem a vozes emissoras, mas a limites imanentes que não cessam de se deslocar, hiatos, buracos ou rasgões, dos quais não se daria conta, atribuindo-os ao simples

20 L’In  L ’Innom nom ma mable ble,,  op.cit., p.icgs. 21 Comment c ’est, ’est,   Paris, Minuit, p.146, e Compagnie. 22 Ulnnommable, Ulnnommable,   op.cit., p.169.

Sobre o teatro

 

cansaço, cans aço, se eles não crescessem crescessem de u m a vez, de man eira a acolher alguma coisa que vem de fora ou de outro

lugar: “Hiatos para quando as palavras desaparecidas. Quando não há mais como. Então tudo visto como então somente. Desobscurecido. Desobscurecido de tudo o que as palavras obscurecem. Tudo assim visto não dito.” dito.” 23 Esse algo, algo, visto, ou o uv ido , chama-se Ima  gem, visual ou sonora, desde que liberada das cadeias em que as duas outras línguas a mantinham. Não se trataa mais de im trat im agina r um todo da séri sériee com a língua I (imaginação (imaginação com binatória “manchad “manchad a de razão” ), nem de inventar inventar histórias histórias ou de inventariar inventariar lem brança s co m a língua II (imaginação manchada de memória), ainda que a crueldade das vozes não deixe de nos traspassar com lembranças insuportáveis, histórias absurdas ou com panhias indesejáveis.2 indesejáveis.24 É m uito difícil difícil despedaçar todas essas essas aderências da im age m p ara atingir o pon to “Imaginação Morta Imaginem”. E muito difícil criar uma imagem pura, não manchada, apenas uma ima gem , atingindo atingindo o p onto em q ue ela surge em toda sua sua 23 Cap aupire, o aupire, o p.cit., p.5 p.533. Já em 19 1937 37 u m a c arta, es crita em alem ão, dizia dizia:: "Já que não podemos eliminar a linguagem de uma vez, devemos pelo menos não negligenciar nada que possa contribuir para seu descrédito. Esburacá-la, sem cessar, até que aquilo que está por trás, seja alguma coisa ou simplesmente nada, se manifeste através” ( D ( D i s j e c t a Londres, Calder). (Ca (Cap p au pire pire di  dirá, rá, ao contrário: "nada de m anifestação” .) 24Em geral geral,, a imagem dif difici icilmente lmente con segue se desprender de um a imag e m - le le m b r a nç a , not aad d a m e nt e e m Compagnie. Compagnie.   E, às vezes, a vo z é tom a da po r um a vontade perversa de iim m por um a lembrança partic particularmente ularmente c r u e l - c om o na p e ç a p a r a t eell ev e v is is ã o  D  Dis is Joe Jo e  (in Com édie e actes di divers vers). ).

O esgotado

 

singularidade sem nada guardar de pessoal, nem de racional, e tendo acesso ao indefinido como ao estado celestial. Uma Uma mulher,  mulher, uma m ão ão,, um uma a boca, o lho s..., az azul ul e bra n co..., um pouco de verde com m anchas d dee br branco anco e de vermelho, um pedaço de prado com papoulas e ovelhas...:: "pequenas cena ovelhas... cenass sim na luz sim mas não com frequência não como se isso se acendesse sim como se sim ... ele chama isso a vida lá em cima sim ... não são m em órias n ã o .. ,”25 Criar   uma imagem, de tempos em tempos ("está Criar feita, criei a imagem”). A arte, a pintura, a música po deriam ter outra finalidade, mesmo que o conteúdo da ima gem se seja ja pobre, m edíocre edíocre?2 ?26 6 Um a escu ltura de porcelana de Lichtenstein, de uns 6o centímetros, cria um a árvore de tronco m arrom , com copa esf esféri érica ca ver de, ladeada, à direita e à esquerda, por uma pequena nu vem e po r um p edaço de céu, em alt alturas uras di dife fere rente ntes. s. Que força! Não se exige mais nada, nem a Bram van  V e ld e n e m a B e e t h o v e n . A i m a g e m é u m p e q u e n o ritornelo, rit ornelo, visual ou son oro, qu ando é chegad a a hor hora: a: "a hora preciosa ...” Em Watt, Watt, as  as três rãs misturam suas canções, cada uma com sua cadência própria, Krak, K rek e Kri Krik. k. As ima gens-ritornel gens-ritorneloo perco rrem os li livros vros

25 Comment c’est,  c’est,  op.cit. op.cit.,, p. p.11 119 9 (s (sobre obre um po uco de azul, um po uco de  b r a n c o e a " v id a lá e m c im a " , cf cf.. p.8 p.88, 8, 93, 96). 26 L ’lma ’lmage, ge,   Paris, Minuit, p.18. Cf. também Comment c’est,  c’est,  op.cit., p.33: " u m a b e la l a im i m a g e m b e l a q u e rroo d i z e r p e l o m o v i m e n t o a c o r . .

Sobre o teatro

 

de Beckett Beckett.. E m  Prem  Premier ier amour,  amour,  el elee vê um pedaço de céu estrelado estrel ado balançar, balançar, e ela canta canta bai baixinho. xinho. É que a im ag em não se define pelo sublime do seu conteúdo, mas por sua forma, isto é, por sua “tensão interna”, ou pela força que mobiliza para esvaziar ou esburacar, aliviar a opressão das palavras, interromper a manifestação das vozes, para se desprender da da m em ória e da razão, razão, peq uen a ima gem alógica, alógica, am nésica, nésica, quase afás afásiica, ca, ora se sustentando no va zio, ora estrem ecen do n o ab erto.27 erto.27  A im a g e m n ã o é u m o b jet je t o , m a s u m " p r o c e s s o ” . Nã N ã o se sabe a potência de tais imagens, por mais simples que sejam sej am do po nto de vista vista do objeto. Trata-se Trata-se da lí língua ngua III, não mais a dos nomes ou das vozes, mas a das ima gens, sonantes, colorantes. O que há de entediante na linguagem das palavras é que ela está sobrecarregada de cálculos, de lembranças e de histórias: não se pode evitá-lo. No entanto, é preciso que a imagem pura se insira na linguagem, nos nomes e nas vozes. As vezes será se rá no si silê lênc ncio io,, por um sil silênc êncio io comu m , n o m om ento em que as vozes parecem ter se calado. Mas às vezes tam bém será será pelo sina sinall de um term o indutor, indutor, na corren corren te da voz, Bing. Bing. "B ing imagem quase quase nunca um segu segundo ndo tem po sideral sideral azul e bran co no ven to.” 28Às ve zes é um a 27 L  Lee mon monde de et le p anta an talo lon, n,   Paris, Minuit, p.2,0 (sobre as duas espécies de imagens, nas nas obr obras as de Bram e Ge er van Velde Velde,, imag em congelada e ima

gem trê trêmula) mula).. 28 Bin  Bing, g,   in Tães-mortes. Tães-mortes.   B i n g d e ssee n ccaa d eeii a u m m u r m ú r i o o u u m s il il ên ên c iioo f rree q u e n t e m e n t e a ccoo m p a n h a d o d e u m a iim m agem.

O esgotado

 

 v o z f r a c a m u it itoo p a r ti ticc u la lar, r, c o m o se p r e d e t e r m in a d a , preexistente, a de um Iniciador ou Apresentador que descreve todos os elementos da imagem por vir, mas à qual falta ainda ainda a form a.29Às a.29Às vezes, finalm ente, a vo z consegue vencer suas repugnâncias, suas aderências, sua m á von tade e, arrastada pela m úsica, torna-se fal fala, a, capaz de criar ar,, por sua vez, um a im agem verbal, verbal, com o n u m lied,  ou de criar criar a m úsica e a cor de um a ima gem , co m o nu m po em a.30Portanto, a língua língua III III pod e reunir as palavras e as vozes às imagens, mas segundo uma combinação especial: a língua I era a dos romances, culminando com Watt;  a língua II traça caminhos múl tiplos através dos romances ( L  Lln lnno nom m m able ab le), ), impregna o teatro, impõe-se na rádio. Mas a língua III, nascida no romance (Comment c ’est ’est), ),  atravessando o teatro (Oh (Oh   les beauxjours, Actes sansparoles, Catastrophe), Catastrophe), encontra na televisão o segredo de sua reunião, uma voz prégravada grav ada para um a ima gem que a cad cadaa vez tom a forma. forma. H á um a especificidade especificidade da obra-televisão.31 obra-televisão.31 29Cf. a vo z n a peç a para televisão, Trio du Fantôme.  Fantôme.  E m Catastrophe, Catastrophe,   a v o z

da Assistente e a do Diretor se revezam para descrever a imagem a ser criada, e criá-la. 30 E m  Paro as  Paroles les et musiques, musiques,  peça radiofônica (in Coméâie et actes divers),  divers),  as siste-se à má vontade de Falas, ligada demais à repetição da lembrança pessoal, qu e se recusa a seguir a música. 31 A obra de Be ckett para televisão com põe-se das quatro peças pu bli cadas em Quad et autres pièces pour la télévision  télévision   (Trio du Fantôme,  Fantôme,  1975; ... que nuages...,  nuages...,  1976;  Nach  Nachtt und Trãume,  Trãume,  1983; Quad, Quad,   1982), e de  Dis  DisJoe, Joe,   1965, publicada publi cada em Coméâie et actes divers. V e r e m o s p o r q u e es sa p r im e ir a p e ç a divers.   V não é republicada com as outras na edição francesa. francesa.

Sobre 0 teatro

 

Essee de-fora Ess de-fora da linguag linguag em não é apenas apenas a ima gem , m as a “vastidã o” , o espaço. Essa língua III III não p roced e apenas por imagens, mas por espaços. E, do mesmo modo que a imagem deve ter acesso ao indefinido, mesmo sendo completamente determinada, o espaço deve ser sempre um espaço qualquer, sem função, ou que perdeu perdeu a função, em bora sej seja, em termos g eo m é tricos, totalmente determinado (um quadrado, com tais lados e diagonais, um círculo com tais zonas, um cilindro cil indro co m “50 “50 m etros de pe rím etro e 16 16 de altura” ). O espaço qualquer é povoado, percorrido; é ele, ele, inclu sive, que povoamos e percorremos, mas ele se opõe a todas as nossas nossas extensõ es pseudoqu alifi alificadas cadas e se define "sem aqui nem ali de onde nunca se aproximarão nem se afastarão afastarão u m m ilímetro to do s os passos da terra” .32 Do mesmo modo que a imagem aparece àquele que a cria como um ritornelo visual ou sonoro, o espaço

aparece àquele que o percorre como um ritornelo motor, posturas, posições e maneiras de andar. Todas essa es sass imagens com põem -se e se dec om põ em .33 Ao s Bing, Bi ng, que desen cadeiam imagens, m isturam-se isturam-se os Hop, 32 Po  Pour ur en fi fin n ir encore et autr au tresf esfoir oirad ades es,,  op.cit., p.16. 33Já entre os animais, os ritorn elos nã o são feitos apenas de grito s e de cantos, mas de cores, posturas e movimentos, como vemos nas marca ções de território e nos ritos nupciais. Ocorre o mesmo com os ritor nelos humanos. Félix Guattari estudou o papel dos ritornelos na obra de Proust (“Os ritornelos do tempo perdido”, UInconscient machinique,  machinique,  Paris, Pari s, Enc Encre res) s):: por exem plo, a com binação da peq uen a fras frasee de Vm teuil com cores, posturas e movimentos.

O esgotado

 

que desencadeiam estranhos estranhos m ovim entos em direçõe direçõess espaciais. Uma forma de andar é tanto um ritornelo quanto uma canção ou uma pequena visão colorida: co m o a form a de andar de W att, att, que vai em direçã direçãoo ao leste, girando o busto em direção ao norte e jogando a pe rna dire direit itaa em direção ao sul e, depoi depois, s, o busto e m direção ao sul e a perna pe rna esquerd a em direção ao no rte.3 rte.34 4  V  Vêê-se se q u e e ssa ss a m a n e ir iraa d e a n d a r é e x a u s ti tivv a , p o is e la envolve todos os pon tos card cardea eais is,, o qua rto po nto sendo, sendo, evid entem ente, a direção de ond e se ve m sem se aafa fast star ar.. Trata-se de cobrir todas as direções possíveis, indo, no entanto, em li linha nha reta reta.. Igualdade entre a reta e o plano, entre o plano e o volum e. Es Essa sa consideração do espa espaço ço

dá um novo sen senti tido do e um novo o bjeto bjeto ao esgotamento: esgotamento: esgotar as potencialidades de um espaço qualquer. O espaço goza de potencialidades na medida em que torna possível a realização de acontecimentos: portanto, ele precede a realização, e a potencialidade pe rten ce ao possí possível vel.. M as não ser seráá es esse se ttam am bé m o caso da imag em , que já propu nha um a form a específ específica ica de esgotar o possível? Pode-se dizer, desta vez, que uma imagem, tal como ela se sustenta no vazio fora do es paço, paç o, m as tam bé bém m à distância das palavras, das históri histórias as e das lembranças, armazena uma fantástica energia potencial que ela detona ao se dissipar. O que conta

34 Watt, Watt,   op.cit., p.32.

Sobre o teatro

 

na imagem não é o conteúdo pobre, mas a prodigiosa energia captada, prestes a explodir, fazendo com que as imagens nunca durem muito tempo. Elas se con fundem com a detonação, a combustão, a dissipação de sua energia condensada. Como partículas últimas, elas nunca duram muito tempo, e o Bing desencadeia “imagem apenas quase nunca um segundo”. Quando o personagem diz “Basta, basta, as imagens”, não é só porqu e está eno jado delas delas,, mas porqu e ela elass só têm um a existência exist ência efêm era. “Nad a de azul acabo u o azul” .35Nã o

se inventará uma entidade que seria a Arte, capaz de fazer durar a imagem : a im agem dura o temp o furtivo furtivo de nosso prazer, de nosso olhar (“fiquei três minutos diante do sorriso do P rofessor Pater, a olhá-lo” olhá-lo” ). ).336 H á um tempo para as as imagens, magens, um m om ento certo certo em que elas elas po de m aparecer aparecer,, inse inseri rirr-se se,, ro m pe r a com binação das palavras e o fluxo das vozes, há uma hora para as imagens, image ns, quando W innie sente que pode cantar a H ora preciosa, mas é um momento bem próximo do fim, uma hora próxima da última. A canção de ninar é um ri ritornelo tornelo m oto r que tende para seu próprio fim, fim, e nele precipita todo o possível, indo “cada vez mais rápido", rápido",   sendo “ cada ve z m ais breve” , até a brusca parada, parada, logo mais.37 A ene rgia da im age m é dissipador dissipadora. a. A im ag em

35 N  Nou ouve velle lleset settex tex tespo tes pourr urrien ien,, o p.cit., p.11 p.119-21 9-21,, e Commentc’est, Commentc’est, op.cit.,  op.cit., p.12.5-9. 36 Le mo monde nde et le lep p an ta talo lon, n, op.cit.,  op.cit., p.20. 37   Murp  Mu rphy hy,,  op.cit., p.181.

O esgotado

 

acaba rápido e se dissipa, uma vez que ela própria é o m eio de terminar. terminar. Ela capta todo o possível para fazê-lo fazê-lo salt sa ltar ar.. Q ua nd o se diz “criei a im ag em ” é que, dessa dessa vez, terminou, não há mais possível. A possível. A única iincerteza ncerteza que nos faz continuar é que até m esm o os pinto pintores, res, até até mesm o os mú sicos nunca estão seguros de ter conseguido cria criarr a

ima gem . Q ue g rande pintor não se diss disse, e, ao morrer, morrer, que não tinha conseguido criar uma única imagem, ainda que pequena e bem simples? Então, é antes de tudo o fim, o fim de toda possibilidade, que nos ensina que a tínham os criado criado,, q ue tínham os acabado de cri criar ar a ima gem . E o m esm o vale para para o espaç espaço: o: se a ima gem tem, por natureza, uma duração muito pequena, o espaço talvez tenha um lug ar m uito restr restrit ito, o, tão restrito restrito quanto o q ue aperta W innie, no sentido sentido em que W innie dirá dirá:: “a terra é justa” , e Godard: Godard: "justo "justo um a ima gem ” . O espaço espaço tão log o criado criado se se contrai nu m “bura co d e agulha” , ta tall com o a imagem, num microtempo: microtempo: um a m esma es escu curi ri dão, “ enfim esta esta certa escuridão que ap enas certa ci cinza nza po de ” ; "Bin g silêncio silêncio Ho p acab ado” .38 Há, portanto, quatro modos de esgotar o possível: • formar séries exaustivas de coisas, • estancar estancar os fluxos de v oz, • extenua r as potencialidades d o espaço, espaço, • dissi dissipar par a po tência da imag em . 38 Pou  P ou rf inir in iren en co core re et autr a utr esfo es foira ira de des, s, op.cit.,  op.cit., p.iõ, e Bi e  Bing ng,,  in Têtes-mortes, Têtes-mortes,   P a  ris, Minuit, p.66.

Sobre o teatro

 

O esgo tado é o exausti exaustivo, vo, o estancado, estancado, o extenuado, o dissi dissipado pado.. O s dois último s m od os unem -se na língu língu a III, língua das imagens e dos espaços. Ela permanece

em relação relação co m a li linguagem nguagem , mas se ergue ergue ou se est estir iraa em seus buracos, seus desvios ou seus silêncios. Ora ela ela opera e m silêncio, silêncio, ora serve-se serve-se de de um a vo z gravad a que a apresenta e, bem mais q ue isso, isso, força força as palavras a se tornarem im agem , mo vim ento, canção, canção, poem a. Ela Ela nasce, sem dúvida, nos romances e nas novelas, passa pelo teatro, mas é na televisão que conclui sua opera ção, distinta das duas primeiras. Quad  será  será Espaço Espaço com silêncio e, eventualmente, música. Trio du Fantôme será Fantôme será Espaço Esp aço com v o z apresenta apresentadora dora e m ú sica .. ..... qu quee nuages... nuag es...   será se rá Imagem com vo z e poema.  N  Nac acht ht und u nd Trãume Trã ume será  será Imagem com silêncio, canção e música. ★





Quad,  sem palavras, sem voz, é um Quad,  um   quadrilátero, um um   quadrado. Ele é, no entanto, perfeitam perfeitam ente determinado, determ inado, tem cert certas as dimensões dimensões,, mas só tem com o determinações suas singularidades formais, vértices equidistantes e cent ce ntro, ro, só só tem com o co nteúdos o u ocupantes os os quatro personagens semelhantes que o percorrem sem parar. É um espaço qualquer fechado, globalmente definido. Os próprios personagens, baixos e m agros, assexuad assexuados, os, encapuzados, só têm com o singula singulari ridade dade part partir ir cada um de um vértice, vértice, com o de um pon to ca carde rdeal al,, personagens personagens O esgotado

 

quaisquer quais quer que percorrem o quadra quadrado, do, cada um seg seguind uindoo um percurso e em determinadas direções. Sempre se pode lhes dar uma luz, uma cor, uma percussão, um ruído de passos que os distingam. Mas isso seria uma maneira de reconhecê-los; eles só estão determinados espacialmente, só são definidos por sua ordem e sua posição. São personagens indefinidos [innajfectés [innajfectés]] num espaço indefinível [innaffectable [innaffectable]. Quad   é um ritornelo essencialmente motor, tendo por música o roçar dos chinel chi nelos. os. C om o se fossem ra ratos tos.. A form a do ritornelo é a série, que aqui não diz mais respeito série, respeito a objetos objeto s a combinar, mas apenas a percursos sem objeto.39A séri série tem um a ordem,  pela qual ela cresce e decresce, volta a crescer e a decresc decr escer, er, segund segund o o ap arecimento e o desaparecimento desaparecime nto dos personagens nos qu atro cantos do quadrado: é um cânone. câno ne. Ela Ela tem tem u m curso contínuo, segundo a sucessão dos segmentos percorridos: um lado, a diagonal, outro lad o .. .... etc. etc. Ela Ela forma um conjunto que B eckett ecke tt caracteriza caracteriza assim: ass im: “qua “ quatro tro solos possívei possíveis, s, todos tod os assim esgotados; seis seis duo s possí possívei veis, s, todos assim assim esgotados e sgotados (dos quais dois por  por  duas vezes);  qua tro trios possíveis possíveis duas vezes,  tod todos os assim assim esgotados", um quarteto quatro vezes. vezes. A ordem , o curso e o conjunto tornam o m ovim ento tão mais mais inexor inexorável ável quanto ele é sem o bjeto, bjeto, c om o um a esteir esteiraa rolante rolante que fizesse aparecer aparec er e desaparecer os móveis. 39 N o s r o m an ce s co m o Watt, Watt,   é possível que a sé série rie já colocasse m ovi m e n t o s e m jjoo g o , m as e m r e lação lação a o b je je ttoo s o u co m p o r t am e n t o s .

Sobre o teatro

 

O texto d e B eckett é perfeitamen te claro claro:: trata-s trata-see de esgotarr o espaço. esgota espaço. N ão há d úvida de que os personagens se cansam, e seus passos se tornarão cada vez mais ar rastados. rast ados. N o entanto, en tanto, o cansaço can saço diz respeito, respeito, sobretu do, a um aspecto menor do empreendimento: o número de vezes em que um a com binação possível possível é reali realizada zada (por exemp lo, dois dos duos são realizados realizados duas vezes; os quatro trios, duas vezes; o quarteto, quatro vezes). Os personagens cansam-se de acordo com o número de realizações. Mas o possível é con cluído indep en den  temente desse número, pelos personagens esgotados e que o esgotam. O problema é: em relação a que vai se definir o esgotamento, que não se confunde com o cansaço? Os personagens se realizam e se cansam nos quatro cantos do quadrado, nos lados e nas diagonais. Mas eles eles conclu em e se esgotam no centro do quadrado, onde as diagonais se cruzam. Aí está, dir-se-ia, a poten cialidade do quadrado. A potencialidade é um duplo possível. É a possibilidade de que um acontecimento, ele próprio possível, se realize no espaço considerado.  A p o s s ib ilid il id a d e d e q u e a lg u m a c o is isaa se se  realize, e de q ue algum lugar o real  realize. ize. A potencialidade do quadrad o é a possibilidade de que os quatro corpos em movimento que o po vo am se encontrem , a dois, dois, a três três ou a quatro,

segun do a ord em e o curso da série.4 série.40O cen tro é o lug ar 40 M  Moll olloy oy e  e Ulnnommable Ulnnommable   comportam, desde suas primeiras páginas, uma meditação sobre o encontro de dois corpos.

O esgotado

 

em que eles podem se encontrar; e seu encontro, sua colisão, não é um acontecimento entre outros, mas a única possibilidade de acontecimento, isto é, a poten cialidade do espaço correspondente. Esgotar o espaço é exaurir sua possibilidade, tornando todo encontro impossível. Desde então, a solução do problema está nesse leve recu o e m relação ao centro, nesse esguei esgueirarrarse, nesse desvio, nesse hiato, nessa pontuação, nessa síncope, nessa rápida esquiva ou pequeno salto, que prevê o encontro e o conjura. A repetição não retira nada do caráter decisivo, absoluto, desse gesto. Os corp os evit evitam-se am-se res respecti pectivamente, vamente, m as evitam o centro absolutamente. Eles se se esgueiram em relação ao centro para evitar evitar um ao outro, m as ca cada da um se esgueira, em solo, para solo,  para evitar evitar o centro. O que é despotencializado despotencializado é o espaço. "Pista "Pista apenas apenas suficientem ente larga para que um ún ico co rpo n unca dois aí aí se cru ze m .”41 .”41 Quad  está   está próxim o de um bal balé. é. As concordâncias geraiss da obr gerai obraa de Beckett com o balé balé m od erno sã sãoo nu merosas: o abando no do privilég io da estat estatura ura vert vertica ical; l; a aglutinação dos corpos para se manterem em pé; a

substituição das das extensões q uali ualific ficadas adas po r um espaço qualquer; a substituição de toda história ou narração p o r u m “gestus gestus”” como lógica das posturas e posições; a busca de um m inimali inimalismo smo ; a aapropri propriação, ação, pela dan

41 Po  P o u rfin rf in ir enco encore re et au autre tresfo sfoira irade des, s, op.cit.,  op.cit., p.53.

Sobre 0 teatro

 

ça, da caminhada e de seus acidentes; a conquista de dissonânc dis sonâncias ias ge stu ais... É no rm al que B eckett exija exija dos dos caminhantes de Quad   “algum a experiência da da dança". Não apenas as caminhadas o exigem, mas também o hiato, hiat o, a po ntu ação , a dissonânci dissonância. a. Tam bém está está próximo de um a obra music musical al.. Um a obra de Beethoven, Trio du Fantôme,  Fantôme,  aparece em outra peça de Be ckett para televisão televisão e lhe serve de título. título. O ra, o segundo segundo m ovim ento do Trio, Trio, que  que Beckett utiliza, nos apresenta a composição, decomposição, recomposição de um tem a co m doi doiss motivos, motivos, dois dois ritor ritornel nelos. os. É co m o o crescimento crescimento e o decresci decrescimento mento de u m com posto m ais ais ou m enos denso, sobre sobre li linhas nhas melódicas e harmônicas, superfície sonora percorrida por um movimento con tí tínuo, nuo, obsedante, obsess obsessivo ivo.. M as há tamb ém algo bem difere dife rente nte:: um u m a espécie esp écie de erosão erosã o central cen tral que se apresent apresenta, a,

antes ant es de de tudo, c om o u m a am eaça nos baix baixos, os, e se se expri expri m e no trinado ou na tremu tremu lação do piano, piano, com o se a to nalida nal idade de fosse fosse ser abandonada po r um a outra o u por nada, nada,   perfurando a superfície, mergulhando numa dimensão fantasmática onde ond e as dissonânc dissonâncias ias viriam apenas pontu po ntuar ar o silênci silêncio. o. É o qu e Beckett B eckett salienta, salienta, a cada cada vez q ue fala de Beethoven: u m a arte das dissonâncias dissonâncias inaudita até então, então, um a oscilaçã oscilação, o, um hiato hiato,, “um a pontu ação de deisc deiscênci ência” a” , uma acentuação dada pelo que se abre, se esquiva e se abisma, um desvio que só pontua pelo silêncio de um O esgotado

 

fim ú ltim ltim o.42 Mas po r que, se tem efetivamen te esse essess traços, Trio Trio não  não acompanha Quaâ, Quaâ,   com o qual combina tão bem? Por que ele vai pontuar outra peça? Talvez porque, ao desenvolver diferentemente sua dimensão fantasmática, Quaâ Quaâ não  não tenha que ilustrar uma música que desem penha um papel em outro lug lugar ar..

Trio dofantas Trio fan tasma ma c  com om põe-se de vo z e música. música. Tam bém diz respeito ao espaço, para esgotar suas potenciali dades, dade s, m as de um a m aneira inteiram inteiram ente diferente diferente de Quad. A Quad.  A princípio, princípio, seria seria possível possível pensa r num a extensão qualifi quali ficada cada pelos elem entos que o ocupam : o chão, as as paredes, a porta, a jan ela, o catre. catre. M as esses eleme ntos

são desfuncionalizados, e a voz os nomeia sucessiva m ente enquanto a câm era os mostra em cl close, ose, par parte tess cinzas retangulares homogêneas, homólogas de um m esm o espaço, espaço, que se distinguem distinguem apenas apenas pelas nuances de cinza: na ordem de sucessão, um um   pedaço de chão, um   pedaço de parede, uma um uma   porta sem maçaneta, uma uma    ja  j a n e la o p a c a , um um catre  catre visto de cima. Esses objetos no

n   Cf. “D ream o f Fai Fairr to Midd ling W om en ” , de 119 932, e a carta de 119 937 a  A x e l K a u n (Disjecta). (Disjecta).   Be cket ssali alienta enta em B eethoven "um a pontuação de deiscência, oscilações, a coerência desfeita...” André Bernold comentou esses esses textos de Beckett sobr sobree Beethoven em um belí belíssi ssim m o arti artigo, go, "Cu pio dissolvi, dissol vi, note sur Beck ett m usicien” , Dé ta tail  il  n.  n.34, 34, Ate lier de La Fondation Roy aum ont, 19 1991 91.. Os mu sicólogos que ana anali lisam sam o segundo m ovim ento do trio de Beethoven assinalam as figurações em tremolo tremolo   do piano, às quais se se sucede u m fi final, nal, "que se preci precipita pita diretamen te para a tonalidade inadequada e aí se de tém ...” (An thony Burton) Burton)..

Sobre o teatro

 

espaço são estritamente idênticos a partes de espaço. Trata-se, pois, de um espaço qualquer, no sentido já definido, inteiramente determinado, embora seja determinado localmente, e não globalmente, como e m Quad: uma sucessão de faixas cinzas iguais. Tratase de um espaço qualquer, fragmentado por closes, com o R obe rt Bress Bresson on ind indic icava ava com o sen sendo do a vocação cinematográfica: a fragmentação “é indispensável se não se quiser cair na representação... Isolar as partes.

Torná-las independentes a fim de lhes dar uma nova depend ência” .43 Desconectá-las em p rol de um a nova conexão. conexã o. A fragmentação é o primeiro pas passo so para para um a despoten cial cialização ização do espaço, espaço, po r via local local.. Certam ente o esp espaço aço global global aparec apareceu eu pri prim m eir eiroo em plano geral. geral. Mas, Mas, mesm o então, não é com o em Quad, Quad,   onde a câm era está fixa fixa e sobrelevada, ex terior ao espa ço plano fechado, fechado, e opera necessariam necessariam ente de m aneira contín cont ínua. ua. C ertam ente um espaço global pode ser esgo tado unicam ente pela força força de um a câm era ffiixa xa,, imóv el e contínua, operando com zoom. Um caso célebre é Wavelenght,   d e Michael SSnow: Wavelenght, now: o zo o m de 4455 m inut inutos os explora um espaço retangular qualquer e descarta os acontecim entos à medida que ava avança, nça, dota dotando-os ndo-os tão som ente de um a exist existênci ênciaa fantas fantasmática, mática, po r exem plo por superposição negativa, até encontrar a parede do

43 Ro be rt Bresson , Notei sur le cinématographe,  cinématographe,  Paris, Gallimard, p.95-6.

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fundo, coberta com uma imagem de mar vazio para ond e tod o o espaço se precipi precipita. ta. Pode-se dizer que se tra ta da “história “história da dim inuição progressiva de um a pura po tencialidad e” .44Mas, além de Beck ett não g ostar dos pro cedim entos especi especiais ais,, as condições do problem a, do

po n to de vi vista sta de um a reconstrução local, local, exige m que a câm era sej sejaa m óvel, óvel, com travellings, travellings, e  e descontínua, com cortes livre livres: s: tud o está an otado e quantificado. quantificado. É que o espaço de Trio Trio est  estáá determ inado apenas apenas por três três lados lados leste, norte e oeste, sendo o sul constituído pela câme ra como parede móvel. Não é mais o espaço fechado d e Quaâ, Quaâ,   com uma única potencialidade central, mas um espaço com três potencialidades: a porta a leste, a  ja  j a n e la a o n o r t e , o c a tre tr e a o e s te . E, c o m o s ã o p a rte rt e s de espaço, os movimentos de câmera e os cortes consti tue m a passag em de um a à outra, e sua sua sucessão, su suas as substituições, todas essas faixas cinzas que compõem o espaço segundo as exigências do tratamento local. Mas também (e isso é o mais profundo de Trio Trio)) todas essass partes merg ulham no va zio, cada um a a seu modo , essa cada uma aumentando o vazio no qual mergulham, a porta entreabrindo-se para um corredor escuro, a 44C f., sob re o filme d e Snow, P.A. Si Sitne tney, y, "L e film stru ctu rel” , in Cinéma, Cinéma,   théorie, lectures, Paris lectures, Paris,, K lincksiek, p.34 p.342. 2. An tes d e Snow, B ec kett tinha fei to uma operação análoga, mas em condições puramente radiofônicas: Cenâres.   O personagem, que ouvimos andando sobre os seixos perto do Cenâres. mar, evoca ruídos-lembranças ruídos-lembranças que respond em a seu chamado . M as eles eles logo deixam de responder, pois se esgota a potencialidade do espaço sonoro, e o barulho do m ar engole tudo tudo..

Sobre o teatro

 

 ja n e la d a n d o p a r a u m a n o ite it e c h u v o s a , o c a tre tr e in t e ir a 

mente raso que mostra seu próprio vazio. De modo que a passagem e a sucessão de uma parte a outra só só    fazem, conect c onectar ar ou ju jun n tar ta r inson insondáveis dáveis vazio vazios. s. Essa  Essa é a no va conexão, propriamente fantasmática, ou o segundo passo da despotencialização. Passo que corresponde à música de Beethoven, quand o ela pon tua o silê silêncio ncio,, e quando uma “passarela de sons” só conecta “abismos Trio,   de silênci silêncios os insondávei insondáveis” s” ,45 pa rticularmen te e m Trio, em que a oscilação e o tremolo tremolo  já in indic dicam am os buracos de silêncio sobre os quais, à custa de dissonâncias, se dá a conex ão sonora.  A s itu it u a ç ã o é a s e g u inte in te:: u m a v o z d e m u lh e r , g r a   va  v a d a , p r é - d e t e r m in a d a , p r o f e t iz a d o r a , c u ja f o n t e es está tá foraa de ca for cam m po, anunc anunciia, murm urando, que o persona gem “vai acreditar que ouve a mulher aproximar-se”. Sentado num banco, perto da porta e carregando um gravador, o personagem levanta-se, larga o aparelho e, com o u m guarda-notur guarda-noturno no ou u m a sent sentine inela la fant fantas as mática, aproxima-se da po rta, da jan ela e dep ois do catre. Há recomeços, retornos à posição sentada, e a música só sai do gravador quando o personagem está sentado, inclinado inclinado sobre o aparelho. Essa situação gera l não deixa de ter semelhança com  D  Dis is Joe, Joe,   a primeira peça de Beckett para televisão. Mas as diferenças em 45 Cf .  Di  Disje sjecta cta .  Sobre a pontuação, a conexão musical dos silêncios e a conversão da música ao silêncio, cf. André Bernold, op.cit., p.26, 28.

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relação a Trio Trio são  são ainda ainda maiores. É que a v o z feminina não apresent apresentava ava os objetos, e es esse sess não se confun diam com partes planas e equivalentes do espaço: além da porta e da janela, havia um armário que dava uma profundidade interior ao quarto, e a cama, em vez de ser um catre apoiado diretamente no chão, tinha pés. O personagem estava acuado, e a voz não tinha po r ffun un ção no m ear e anunci anunciar, ar, mas lembrar, ameaçar ameaçar,, perseguir. E ra ainda a língu a IIII. A v o z tinha intenções, enton ações, evocava lem branças pessoais insuportáveis insuportáveis ao personagem e mergulhava na dimensão memorial, sem poder se elevar à dimensão fantasmática de um impessoal indefinido. Apenas Trio Trio   atinge esse ponto: um a mulh mulher er,, um h om em e uma cr crii an ança ça,, sem nenhuma coordenada pessoal. De  D  Dis is Joe  Joe  a Trio Trio   produz-se uma espécie de depuração vo cal e es espac pacial ial,, que faz c om que a primeira peça tenha antes de tudo um valor prepa ratório e introduz à obra de televisão, televisão, mais do qu e faz plenamente parte dela. Em Trio, Trio,   a voz murmurante tornou-se neutra, sem timbre, timbre, sem intenção, sem resso nância, nânci a, e o espaç espaçoo tornou -se um espaço qualquer, sem parte de baixo nem profundidade, ttendo endo c om o outros objetos som ente suas própri próprias as par partes tes.. É o ú ltim o pass passoo da despotencialização, um duplo passo, pois a voz es tancaa o pos tanc possí sível vel ao m esm o tem po qu e o espaço exaur exauree suass pot sua potencial encialidades. idades. Tu do indi indica ca que a mu lher q ue fal falaa de fora é a mesm a que p oderia surgi surgirr n ness essee espaço. No

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entanto, entant o, entre a vo z fora de cam po e o puro cam po de espaço há cisão, linha de separação, como no teatro grego, no Nô japonês ou no cinema dos Straub e de M arguerite arguerite D uras.46E uras.46E com o se foss fossee sim ultaneamen te uma peça radiofônica e um filme mudo: nova forma de disj disjunção unção inclu inclusa. sa. O u m elhor, é com o um plano de separação em que se inscrevem, inscrevem, d e um lado, lado, os silêncios silêncios da voz, e, do o utro, os vaz ios d o esp aço (cortes livre livres). s). É sobre esse plano do fantasma que se eleva a música, con ectan do os vazios e os silênci silêncios, os, segundo um a linha linha de crista, como um limite ao infinito. Os trios são num erosos: a vo z, o espaço, a música; a mulher, o h om em e a crianç criança; a; as três três posições principais principais da câmera; a po rta a leste, leste, a jan ela ao norte, o catre a oeste, oest e, três três potencialidades potencialidades do e sp aç o... A v oz diz: diz: “Ele agora vai acreditar que ouve a mulher aproximar-se." Mas não devemos pensar que ele tem medo e se sinta ameaçado; isso é verdade quanto a  D  Dis is Joe, Joe,   mas não mais aqui. Ele tampouco deseja e espera a mulher; ao contrário. Ele só espera o fim, o fim último. Todo o Trio es Trio  está tá orga nizad o para termina r; o fim fim tão desejado está muito próximo: a música (ausente em  D  Dis is JJoe), oe),   a 46 A cisão cisão voz/ im ag em visual pode ter conseqüências conseqüências opos opostas tas:: em Be ckett, trata-s trata-see de um a despoten cialização cialização d o espaço, mas, nos Straub e em Margueritee D uras, é, ao contrário, Marguerit contrário, um a potencialização potencialização da matéria. matéria. Um a

 v o z elev el evaa- se p a r a fa la r d o q u e se p a ss o u so b o e sp a ç o v a z io , a tu a lm e n t e mostrado. Vo zes elevam-se para falar falar de um antigo baile baile que oc orreu n o m esmo salão salão do baile mud o hoje mostrado. A vo z elevaeleva-se se para evocar o que está enterrado na terra com o u m potencial ainda ati ativo vo..

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mú sica sica de Beethoven é inseparáv inseparável el d dee um a conversão ao silênci silêncio, o, de um a tendên cia à abolição abolição nos vazios que el elaa conecta. N a verdade, verdade, o p ersonag em exauriu ttodas odas as possibilidades do espaço, na medida em que tratou as três três fontes co m o simples partes partes sem elhantes e cegas flutuando no vazio: ele tornou impossível a chegada da  da  mulher. A mulher.  A té m esm o o catre catre é tão tão baixo baixo que dá tes testem tem u nh o de seu vazio. Por que, no entanto, entanto, o person agem recom eça m uito temp o após a vo z ter se cal calado, ado, por que  vo  v o lt ltaa á p o r ta , à j a n e la , à c a b e c e ir iraa d o ca catr tre? e? Já o v im o s : é que o fim fim terá se dado m dado m uito antes que ele possa saber: saber: "Tudo continuará só até que chegue a ordem de parar tud o.” 47E, quando o peq uen o m ensag eiro m ud o surge, surge, não é para anunciar que a mulher não virá, como se fosse uma notícia ruim, mas para trazer a ordem tão esperada de tudo para parar, r, tudo tend o acabado. A o m enos, o personagem tinha um meio de pressentir que o fim estava est ava próxi próxim m o. A lí língu ngu a II III não se com põ e apen apenas as do espaço, espa ço, mas tam tam bém da imagem. Ora, a peça tem um espelho, que desempenha um papel importante, e se distingue dist ingue da sé séri riee porta-jan ela-catre, um a vez que el elee

não é visível a partir da “posição câmera plano geral” e não in terv ém nas apresentações do início; ele estará, estará, aliás, junto do gravador (“pequeno retângulo cinza, com as mesmas dimensões que o gravador”), e não

47 Cf. VInnommable, VInnommable, op.cit.,  op.cit., p.169.

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das três coisas. Melhor ainda, quando o personagem se inclina inclina sobre ele pela prime ira vez, sem que se possa ainda vê-lo, é a única vez em que a voz profetizadora ê surpreendida, pega desprevenida: “Ah!”; e quando se  vê  v ê , e n f im , o e s p e lh lhoo , n a p o s iç ã o m a is p r ó x im a d a c â  mera, surge a Imagem, isto é, o rosto do personagem abominável. abomináve l. A Im agem deixará deixará seu suporte e se se tornará flutuante, em close, enquanto o segundo movimento d o Trio Trio con  con clui seus últimos com passos am plifi plificados cados.. O rosto se põe a sorrir, surpreendente sorriso, velhaco e ardil ard iloso oso,, de algu ém que atinge a me ta de seu “astucioso delírio” : ele criou criou a  a im ag em .48 Trio vai Trio  vai do espaço à ima gem . O espaço qualquer já pertence à categoria de possibilidade, pois suas poten cialiidades cial dades perm item a reali realização zação de u m acontecime nto ele próprio possível. Mas a imagem é mais profunda, pois ela ela se descola de seu o bjeto pa ra ser um processo,

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