Darcy Como Chefe Da Casa Civil Do Governo Jango - Edi de Freitas
April 13, 2023 | Author: Anonymous | Category: N/A
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DARCY RIBEIRO NO GOVERNO JANGO: EMBATES E IDEAIS DE UM COMBATIVO MINISTRO-CHEFE MINISTRO-CHEFE DO GABINETE CIVIL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
Edi de Freitas Cardoso Júnior *
Examina-se, neste trabalho, aspectos da trajetória de Darcy Ribeiro como Ministro-Chefe do Gabinete Civil da Presidência da República de João Goulart. Sob o viés da história cultural do político, particularmente do conceito de culturas políticas (BERSTEIN, 1988; MOTTA; 2009), busca-se identificar e compreender práticas, representações, valores e ideais recorrentes em sua atuação. Tal abordagem esteia-se empiricamente nos diários “Correio da Manhã” e “Jornal do Brasil”, em textos autobiográficos, assim como, em documentos integrantes do acervo pessoal do personagem, disponível para consulta no Memorial Darcy Ribeiro (MDR), na Universidade de Brasília (UnB), sob guarda da Fundação Darcy Ribeiro (FUNDAR).1 Darcy Ribeiro fora dedicado militante do Partido Comunista (PC) quando jovem estudante universitário. Após graduar-se e obter emprego no Serviço de Proteção ao Índio (SPI) com atribuições de etnógrafo, passa a dedicar-se a pesquisas de campo junto a tribos indígenas, permanecendo a maior parte do tempo no interior do Brasil. Distancia-se, pois, da atividade política efetiva por cerca de uma década. Neste ínterim, adere ao trabalhismo, em detrimento do comunismo, sob impulso do suicídio de Getúlio Vargas (RIBEIRO, 1997). A partir do alvorecer dos anos 1960, protagoniza expressiva trajetória político-partidária como integrante do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Após 12 anos de exílio em decorrência da ditadura militar brasileira, beneficia-se da anistia e retorna para casa. Juntamente com Leonel * Docente do Instituto Federal do Norte de Minas (IFNMG), Campus Araçuaí. Mestre e doutorando em História pela Universidade Federal de Minas Minas Gerais (UFMG). Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Patto Sá Motta. 1 Para mais informações sobre sua trajetória, ver: CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)/FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV). RIBEIRO, Darcy. Disponível em: . . Acesso: 10 set. de 2016 e FUNDAÇÃO DARCY RIBEIRO (FUNDAR). BIOGRAFIA. Disponível em: . . Acesso: 10 set. de 2016.
Brizola e outros trabalhistas históricos, participa do movimento destinado a reorganizar a legenda extinta pela ditadura, que culmina na criação do Partido Democrático Trabalhista (PDT), ao qual então se filia f ilia e permanecerá vinculado até sua morte. Desse modo, observa-se a centralidade do trabalhismo em sua biografia. E, portanto, que esta se apresenta como um veio fecundo para a compreensão deste relevante fenômeno político (CARDOSO JR., 2017). A Chefia do Gabinete Civil da Presidência da República não foi a primeira função assumida por Darcy Ribeiro no governo de João Goulart. Quando este ainda exercia o mandato presidencial sob o regime parlamentarista, o ex-reitor da UnB estreou no cenário político nacional como Ministro da Educação (18 de setembro de 1962 a 24 de janeiro de 1963). Emblematicamente, uma de suas principais tarefas no cargo fora coordenar a campanha para restauração do presidencialismo, vitoriosa no plebiscito de seis de janeiro 1963. Então, 82% dos eleitores votaram pelo pelo fim do regime vigente desde setembro de 1961 e apenas 18% a favor de sua continuidade. Dias após a expressiva e relevante vitória do governo, no entanto, Darcy Ribeiro entrega a pasta. Reintegra-se a equipe de João Goulart como Ministro-Chefe do Gabinete Civil da Presidência da República em 18 de junho de 1963, mantendo-se no posto até a madrugada de dois de abril de 1964, quando o golpe já está definitivamente consolidado. É razoável inferir o peso de sua atuação na bem-sucedida campanha plebiscitária à escolha de seu nome para função de tamanho destaque, na qual, conforme Mattos (2007: 181 e 187), torna-se torna- se “um dos mais ativos e íntimos assessores do Presidente”, “um dos principais conselheiros” ou “um ideólogo do governo”. Nestas circunstâncias, observa Pinheiro (2006: 44), ele se identifica, “de fato, como um político trabalhista”. Some-se Some-se que, se concordamos com Reis (2014: 21), participa do governo “na conjuntura social mais quente que a história republicana conheceu, entre 1961 e 1964”, atuando ao lado do presidente na construção e encaminhamento das reformas ancoradas no trabalhismo, contra as quais se insurgem setores civis e militares golpistas. Em julho de 1963, Carlos Lacerda profere em cadeia nacional de TV e rádio sérias acusações e críticas a João Goulart e seu núcleo administrativo. Publica seu discurso, 2
intitulado “Carta ao Povo”, também na imprensa escrita.2 escrita. 2 O fato repercute amplamente no cenário político e noticiário nacionais. À frente do Gabinete Civil da Presidência da República, Darcy Ribeiro é o primeiro replicá-lo em nome de Brasília, recorrendo aos mesmos meios usados pelo acusador. acusador. Em seguida, o mesmo é feito por Waldir Pires, Ministro do Trabalho, e Abelardo Jurema, Ministro da Justiça, os quais, juntamente com Darcy Ribeiro, formariam “o tripé intelectual do Sr. João Goulart”.3 Goulart”. 3 Rapidamente, governos federal e carioca evoluem da oposição política ao confronto público marcado por exaltação de ânimos e polarização ideológica. Darcy Ribeiro e Carlos Lacerda, figura central da União Democrática Nacional (UDN), impõem-se como protagonistas do conflito. Encarnam seguimentos político-partidários historicamente antagônicos antagônicos que, mais uma vez, defrontam-se na arena política em momento crítico. No que se refere a Carlos Lacerda Lacerda,, importa i mporta destacar que sua trajetória perpassa o cerne de várias crises políticas nacionais ocorridas entre 1945 e 1964. Como um dos principais opositores de Getúlio Vargas e, igualmente, de seus herdeiros e aliados, ele faz da “Tribuna da Imprensa” púlpito para combatê-los combatê-los e defender golpes militares. Sua atuação e liderança dentro da UDN são notórias. Uma ala hegemônica desenvolve-se no interior da legenda, concatenando os principais incentivadores do golpe de 1964, sob a alcunha de lacerdistas (DELGADO, 2005). Desse modo, examina-se o embate político em questão, com foco principal em Darcy Ribeiro e Carlos Lacerda, na expectativa de se perceber nesta disputa, com alguma clareza, elementos da cultura política trabalhista.4 2 CARTA AO POVO. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, domingo, 7, e segunda-feira, 8 de julho de 1963. Disponível em: em: http://memoria.bn.br/DocReader/030015_08/41505. http://memoria.bn.br/DocReader/030015_08/41505. Acesso: 04.04.2018; CARTA AO POVO. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, domingo, 7 de julho de 1963. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/089842_07/41421. Acesso: http://memoria.bn.br/docreader/089842_07/41421. Acesso: 21.06.2018. Encontra-se no acervo pessoal de Darcy Ribeiro reprodução datilografada da versão que foi ao ar por rádio e TV. A comparação entre as versões impressa e audiovisual evidencia que esta é mais detalhada, extensa e difamatória. A outra nitidamente resumida e atenuada, embora ainda ofensiva. 3 LACERDA VAI PROCESSAR CHEFE DA CASA CIVIL. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, quarta-feira, 10 de 1963. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/030015_08/41641. em: http://memoria.bn.br/DocReader/030015_08/41641. Acesso: Acesso: 12.04.2018. 4 Acredita-se que, no Brasil, conforme sugeriu Motta (2009, p. 29), convém analisar a tradição trabalhista como cultura política. Para uma conceituação inicial de “cultura política trabalhista”, na qual se baseia este trabalho, ver: CARDOSO JR., 2017. 3
Carlos Lacerda inicia sua “Carta ao Povo”5 Povo”5 dizendo: “Denuncio ao povo carioca e a todos os brasileiros a corrupção dos desonestos”, “incompetentes”, “comunistas” e “seus auxiliares contra o esforço e a integridade de um Govêrno honrado, o governo da Guanabara”. Refere-se Referese ao “Govêrno Federal” que, segundo ele, “se atira contra a Guanabara com ímpeto de quem move uma guerra contra uma nação inimiga. A Guanabara é um Estado sitiado”, afirma. E acrescenta: “Desonestos e renegados, gente que nunca será capaz de dizer de onde lhes veio o dinheiro, filhos da ditadura e pais da podridão fantasiam-se fantasiam-se de acusadores”, “moralistas”, “democratas e nacionalistas para promover a desordem desordem e trair a Nação”. Ainda denomina “gatunos” e “incapazes” seus opositores de Brasília. Brasília. O udenista agrega que seu governo é vítima de “inimigos” “que o são do regime democrático”, os quais “ pregam a subversão e promovem, ativa e passivamente, passivamente, a desagregação da autoridade legítima, no Brasil”. Recorrem a “provocações”, “agressões” “agressões”,, aos “ardis mais baixos” e “manobras mais torpes” procurando “pretextos para intervir na Guanbara”. Causam desabastecimento, organizam “greves” e negam “verbas federais destinadas, no Orçamento da União, ao Estado”. Usam o Tribunal de Contas, cujos integrantes “participam do conluio, pois antes de juízes são políticos militantes”, praticantes de “tráfico de influência” que “inventam irregularidades que não existem” para desmoralizar as contas fluminenses. Querem, com isso, prossegue, “paralisar [su]a obra administrativa” e promover seu “impeachment”. “impeachment”. Assim, ressalta, os “agentes da subversão procuram destruir, a qualquer preço, o Govêrno do Estado”, objetivando, sobretudo, “destruir no povo a confiança no regime democrático, não no do roubo, não no do caudilhismo, não no do comunismo, não na politicagem”. E, reiteradamente, alerta: “O único prejudicado será você, cidadão carioca. Depois, todos os brasileiros”. Entretanto, apesar de poderoso, possuidor de armas
5 CARTA AO POVO. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, domingo, 7 de julho de 1963. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/089842_07/41421. Acesso: http://memoria.bn.br/docreader/089842_07/41421. Acesso: 21.06.2018. CARTA AO POVO. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, domingo, 7, e segunda-feira, 8 de julho de 1963. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/030015_08/41505. Acesso: http://memoria.bn.br/DocReader/030015_08/41505. Acesso: 04.04.2018. 4
desproporcionalmente superiores às que ele dispõe, pondera Carlos Lacerda, o adversário logo desproporcionalmente verá o jogo virar em favor de suas vítimas. Avisa: O mês de julho será decisivo. Pois, a partir de agôsto o Govêrno Federal terá que respeitar, ainda que não queira, a Constituição e as Leis. À partir de agôsto qualquer crise institucional terá solução prevista na própria Constituição. Se o Presidente da República ameaçar as instituições, elas terão – terão – a a partir de agôsto – agôsto – como como se defender legalmente. É por isto que, até lá, estamos ameaçados – e ameaçados estão os cidadãos que querem paz e progresso, lei e liberdade (grifos originais). 6
Carlos Lacerda conclui seu pronunciamento afirmando: “É por isto que nos querem destruir. É por isso que temos de resistir, com a sua ajuda e a proteção de Deus. Nem uma nem outra nos têm faltado. (...) Precisamos defender o que fazemos e o que ainda, juntos, podemos fazer”. fazer”. Darcy Ribeiro7 mostra-se ciente da longevidade do oposicionismo lacerdista. Procurando elucidar, ainda, sua obstinação e incompatibilidade à democracia, vincula o adversário ao dramático episódio do suicídio de Getúlio Vargas: Lembre-se cada um de qual era a sua atitude [e] a sua consciencia politica cinco minutos antes e cinco minutos depois do suicidio de Getulio Vargas. De como naquela época o maior bate-caixa publicitário convenceu o país de que estava num mar de lama quando estava realmente diante de um golpe ante-nacional (sic.) para desmontar da presidência da republica o homem que fizera a petrobrás [e] ia organizar a eletrobrás e que representava a garantia de defesa dos interesses 6 Na versão televisionada: televisionada: “É que, meus amigos, o mês de julho é para essa gente decisivo, po is que a partir de agôsto, quando se inicia a segunda metade do mandato presidencial, o Govêrno Federal terá que respeitar, ainda que não queira, ainda que não tenha vocação para o respeito à Constituição e as leis. Porque a partir de agôsto, quando se inicia a segunda metade do período presidencial, qualquer afastamento voluntário, ou involuntário, provocado ou desintencional, do Presidente da República terá te rá solução legal imediata, pois a Constituição manda que na segunda metade do mandato presidencial, vagando a presidência, o Presidente seja imediatamente eleito pelo Congresso, em 30 dias”. Ver: ADR. Série Governo João Goulart. Subsérie: Casa-Civil. Casa-Civil. Confronto Darcy RibeiroXCarlos Lacerda. 1963. FUNDAR. MDR. UnB. Esta documentação contém, ainda, documentos relativos a processo por calúnia e difamação impetrado pelo governador contra Darcy Ribeiro. Entretanto, os limites deste trabalho impõem aguardar momento mais oportuno ao exame ds desdobramentos jurídicos da contenda. 7 Entrevista, com data de 21.04.1963 manuscrita pelos organizadores do arquivo, todavia, inclusa em: ADR. Série Governo João Goulart. Subsérie: Casa-Civil. Confronto Darcy RibeiroXCarlos Lacerda. 1963. FUNDAR. MDR. UnB. Seria manifestação anterior do adversário ou a “Carta ao Povo”? Por que a data destoante do conjunto? Procurar-se-á responder a tais questões ao longo da pesquisa. 5
populares. Recorde-se também de que o arauto das fôrças anti-nacionais era o mesmo boquirreto hoje governador da Guanabara (grifos originais).
Para Darcy Ribeiro, portanto, o Brasil encontra-se encontra- se “efetivamente” dividido. João Goulart representa os que desejam as “reformas de base”, destinadas a “assegurar as condições do progresso do país” país” e seu “desenvolvimento pacifico”, preservando a “tranquilidade do povo” e as “liberdades democráticas”. Carlos Lacerda exponencia aqueles que preferem “o caminho da sedição, da aventura, do desespêro”. No entanto, estima, mostrando-se (ou pretendendo fazer-se fazer-se crer) otimista: “Oito em cada dez cidadãos”, ou seja, “a maioria esmagadora”, alinha-se alinha-se ao presidente. E completa, defendemos um país próspero, “cuja riqueza sirva ao nosso povo e não à rapina internacional e aos seus agentes internos”. internos”. Darcy Ribeiro também responde às críticas desferidas por Carlos Lacerda por meio me io de sua “Carta ao Povo” em cadeia nacional de rádio e televisão. 8 Diz ao telespectador que, “nos últimos dias”, “um esquema extremamente custoso”, “de divulgação pelo rádio”, “televisão” e “jornais” destinadestina-se a “repetir em nosso País uma outra 'agostada'” e “levar as instituições democráticas à subversão”. E que seu autor “é o mesmo conspirador contumaz”, “responsável pelas 'agostadas' de 1954 e 1961”, Carlos Lacerda. Ele se apresenta como “vítima”, pontua. Mas, questiona: “Quem é êle senão o responsável pelas responsável pelas maiores crises que êste País enfrentou?” Citando textualmente passagem da “Carta ao Povo” em que o adversário destaca as implicações de uma eventual interrupção do mandato presidencial a partir de agosto, indaga: Por que êsse refrão de agôsto? (…) por p or que volta exatamente o responsável por agôsto de 54, pelo agôsto do suicídio de Getúlio Vargas, ou do assassinato de Getúlio Vargas? Por que torna a se lembrar de agôsto agora? Por que, telespectador, volta-se a se lembrar agôsto de 61, agôsto da renúncia de Jânio Quadros, agôsto que quase conduziu êste País a uma convulsão social, que poderia durar por anos, se a 8GOVÊRNO FEDERAL AMEAÇA PUNIR LACERDA. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, terça-feira, 9 de julho de 1963. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/030015_08/41609. http://memoria.bn.br/docreader/030015_08/41609. Acesso: 10.04.2018. O GOVERNO DENUNCIA CONSPIRAÇÃO. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, terça-feira, 9 de julho de 1963. http://memoria.bn.br/docreader/089842_07/41498 e Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/089842_07/41498 http://memoria.bn.br/docreader/089842_07/41512. Acesso: 22.06.2018. Ambos abordam a fala do Ministro http://memoria.bn.br/docreader/089842_07/41512. Chefe do Gabinete Civil com chamadas de primeira página e detalhamento no corpo das edições. Este a reproduz integralmente. 6
tranqüilidade dos defensores da legalidade, dos cidadãos responsáveis, não pusesse têrmo a êsse conspirador contumaz, a êsse provocador, cujo destino tem sido intranquilizar a Nação[,] inquietar a Nação?
Diante das câmeras, Darcy Ribeiro ataca Carlos Lacerda: “Êste governador trêfego, êste governador frustrado”, “com essas ameaças” pretende, agora “depor o Presidente da República”, João Goulart. Goulart. Finalmente, destaca aquela que, em sua opinião, seria a razão principal da onda onda golpista liderada pelo rival, qual seja, barrar as reformas de base: (...) motivo profundo, o m motivo otivo real, por que êles êles precisam tentar agora, por que êles precisam tentar um golpe, é que agora se anuncia novamente a possibilidade de partir o País para as reformas institucionais que possibilitem alargar as perspectivas p erspectivas de levantarcheguem as condições de vida da (…) Édêste a possibilidade queprogresso, essas reformas a realizar-se. A população. intranqüilidade governador,dea intranqüilidade dos seus sequazes, é a intranqüilidade, é o mêdo, é o pavor do futuro do Brasil, é o mêdo de um Brasil independente, de um Brasil autônomo, de um Brasil rico, de um Brasil com um povo que se torne efetivamente herdeiro de todo o patrimônio da civilização moderna, de um Brasil em que êles não teriam lugar. l ugar. (…) A Nação se encontra hoje na mesma posição histórica em que se encontrava quando nossos avós tiveram a capacidade de mobilizar fôrças, de conciliar, de discutir, de debater para alcançar a abolição da escravatura.
Nesta e outras manifestações, Darcy Ribeiro enuncia vários elementos que, acredita-se, concernem à cultura política trabalhista (CARDOSO JR., 2017). Em geral, defende, expressa e/ou ecoa o direcionamento dos trabalhistas ao plano das reformas de base via Estado e legalidade, que marca o governo de João Goulart a partir de 1963. Idealiza a superação do atraso e da miséria mediante o desenvolvimento pacífico, democrático e socialmente justo do Brasil. Isto é, projeta um país moderno e próspero capaz de garantir ao “povo” acesso à moderna civilização industrial e suas conquistas, não mais o sacrificando para servir ao imperialismo. imperialismo. Portanto, quer-se quer-se revitalizar as relaç relações ões de trabalho, tornando-as mais justas, para elevar o padrão de vida dos trabalhadores. Especialmente, no tocante aos trabalhadores do campo, ainda não contemplados pela CLT. Ao interesse do governo pelo condicionamento da propriedade a um critério social associa-se outro aspecto de sua preocupaçãoo com o Brasil rural: a reforma agrária. Ainda no campo dos interesses populares, preocupaçã defende-se mais acesso à educação, saneamento básico e outros direitos sociais. 7
Por fim, verifica-se nas falas de Darcy Ribeiro reiteradas referências a 1954 (suicídio ou, no dizer do próprio personagem, “assassinato” de Getúlio Vargas), à 1961 (tentativa de golpe reacionário frustrada pela campanha da Legalidade), datas-chaves para a cultura política trabalhista. Assim como, a referenciais como a abolição da escravatura e a CLT (às quais equipara, em importância, as reformas de base), os interesses nacionais, a universidade a serviço do “progresso nacional”, o Brasil industrializado, independente, autônomo e rico, muitos destes centrais para os trabalhistas (CARDOSO JR., 2017). Acrescente-se que, em momento algum, Darcy Ribeiro, porta-voz do governo, fala em revolução. Pelo contrário, reitera, de modo até redundante, o compromisso do presidente com a manutenção da ordem democrática, sugerindo a inclusão desta ao repertório da cultura política em vista. As reformas, inclusive, justificam-se como necessárias também para isto: preservar a paz social e o regime. Os perigos de ruptura da lei que pairam sobre o atribulado cenário político provém, segundo ele, dos opositores de João Goulart, especialmente, Carlos Lacerda. Afastar tais ameaças requer realizar as reformas, afirma, cabendo à centro-esquerda a concretizar a perspectiva representada pelos trabalhistas.9 Referências Fontes
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CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)/FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV) ( FGV). RIBEIRO, Darcy. Disponível em: . Acesso em: 10 set. de 2016. FUNDAÇÃO DARCY RIBEIRO (FUNDAR). BIOGRAFIA. Disponível em: . Acesso em: 10 set. de 2016. FUNDAÇÃO DARCY RIBEIRO. Inventário dos arquivos pessoais de Darcy e Berta Ribeiro. Rio de Janeiro: FUNDAR, 2011. Disponível em: .. Acesso em: 06 fev. 2016. GOVÊRNO FEDERAL AMEAÇA PUNIR LACERDA. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, terça-feira, 9 de julho de 1963. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/030015_08/41609. Acesso: Acesso: 10.04.2018. LACERDA VAI PROCESSAR CHEFE DA CASA CIVIL. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, quarta-feira, 10 de 1963. Disponível em: em: http://memoria.bn.br/DocReader/030015_0 http://memoria.bn.br/DocReader/030015_08/41641. 8/41641. Acesso: 12.04.2018. O GOVERNO DENUNCIA CONSPIRAÇÃO. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, terçafeira, 9 de julho de 1963. Disponível em: em: http://memoria.bn.br/docreader/089842_07 http://memoria.bn.br/docreader/089842_07/41498 /41498 e http://memoria.bn.br/docreader/089842_07/41512. Acesso: Acesso: 22.06.2018. RIBEIRO, Darcy. Confissões. São Paulo: Companhia das Letras,1997. Bibliografia
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Ao Instituto Federal do Norte de Minas (IFNMG), pelo imprescindível apoio por meio de afastamento para qualificação e do Programa de Bolsas de Qualificação dos Servidores (PBQS). À Fundação Darcy Ribeiro (FUNDAR), pela permissão e apoio técnico para consultas ao acervo do Memorial Darcy Ribeiro (MDR). ( MDR). 10
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