Daniel Silva Regras Moscovo

August 13, 2017 | Author: capm56957 | Category: Moscow, Russia, International Politics, Bed
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1º Capítulo Edição/reimpressão: 2010 Páginas: 448 Editor: Bertrand Editora ISBN: 9789722520836 Colecção: Grandes Romances

Sinopse A morte de um jornalista leva Allon à Rússia, onde descobre que, em termos das artes do ofício da espionagem, até mesmo ele tem alguma coisa a aprender. Agora, está a jogar segundo as regras de Moscovo. E na cidade existe uma nova geração de estalinistas que conspiram para reivindicar um império perdido e desafiar o domínio global de um velho inimigo: os Estados Unidos da América. Um desses homens é Ivan Kharkov, um antigo coronel do KGB que construiu um império de investimento global sobre os escombros da União Soviética. No entanto, escondido no interior desse império, está um negócio lucrativo e mortífero. Kharkov é um negociante de armas - e está prestes a entregar as armas mais sofisticadas da Rússia à al-Qaeda. A não ser que Allon consiga descobrir a hora e o local da entrega, o mundo irá assistir aos ataques terroristas mais mortais desde o 09 de Setembro - e o tempo está a passar muito depressa. Cheio de prosa rica e de reviravoltas na trama de cortar a respiração, o livro As Regras de Moscovo é simultaneamente um entretenimento superior, uma cáustica história exemplar sobre as novas ameaças que estão a aparecer no Leste - e o melhor romance de Silva até ao momento.

1 COURCHEVEL, FRANÇA

A invasão começou, como acontecia sempre, nos últimos dias de Dezembro. Chegaram em caravanas de carros blindados, percorrendo a estrada sinuosa com início no fundo do Vale do Ródano, ou aterraram na pista no cume da montanha, vindos de helicóptero ou de avião privado. Bilionários e banqueiros, magnatas do petróleo e senhores do metal, supermodelos e crianças mimadas: a eli te abastada de uma Rússia em ressurgimento. Inundaram as suítes do Cheval Blanc e do Bvblos e requisitaram os grandes chalés privados ao longo da Rue de Bellecôte. Reservaram o clube nocturno Les Caves para festas privadas até de madrugada e saquearam as reluzentes lojas da Croisette. Deitaram a mão a todos os melhores professores de esqui e esvaziaram as lojas de bebidas dos seus melhores champanhes e conhaques. Na manhã do dia vinte e oito, não havia na povoação inteira um único cabeleireiro que aceitasse marcações e o Chalet de Pierres, o famoso restaurante na encosta da montanha, conhecido pela sua carne de vaca assada na brasa, já só aceitava reservas para jantar a partir de meados de Janeiro. Na véspera de Ano Novo, a conquista estava completa. Courchevel, a estância de esqui de luxo bem no alto dos Alpes Franceses, era uma vez mais uma povoação sob ocupação russa. Apenas o Hôtel Grand Courchevel conseguiu escapar ao ataque vindo de Leste. Pouco surpreendente, poderiam ter dito os seus hóspedes mais leais, já que no Grand os russos, tal como as pessoas com crianças, eram discretamente encorajados a encontrar aloja-

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mento noutro lado. Ao todo, havia trinta quartos de tamanho mo desto e mobília sóbria. Não se ia ao Grand à procura de instalações forradas a ouro e de suítes do tamanho de campos de futebol. Ia-se à procura de uma pequena amostra da Europa tal como ela era em tempos. Ia-se lá para se beber um Campari no bar do hotel com todo o tempo do mundo ou para se ficar a preguiçar na sala do pequeno--almoço, bebendo um café e lendo o Le Monde. Os cavalheiros usavam casacos ao jantar e esperavam pelo fim do pequenoalmoço para se mudarem e vestirem a roupa de esquiar. As conversas eram levadas a cabo num murmúrio próprio de um confessionário e com excessiva cortesia. A internet ainda não tinha chegado ao Grand e os telefones eram temperamentais. Mas os hóspedes não pareciam incomodar-se: eram tão distintos como o próprio Grand e, na sua maioria, começavam a aproximar-se da terceira idade. Um gracejo vindo de um dos hotéis mais ostensivos do Jardin Alpin descreveu uma vez a clientela do Grand como sendo «os idosos e os seus pais». O átrio era pequeno, limpo e aquecido por uma lareira bem cuidada. À direita, perto da entrada para a sala de jantar, ficava a recepção, um recanto apertado, com ganchos de latão onde se penduravam as chaves dos quartos e pequenas divisórias para se deixar o correio e mensagens. Ao lado da recepção, junto ao único elevador do Grand, que já funcionava com alguma dificuldade, ficava a secretária do concierge. Ao início da tarde do dia dois de Janeiro, estava ocupada por Philippe, um antigo pára-quedista francês bem constituído, que exibia as chaves douradas e cruzadas do International Concierge Institute na lapela imaculada e sonhava abandonar de vez o negócio da hotelaria e instalar-se para sempre na plantação de trufas da família no Périgord. Com um ar pensativo e sério, estava a olhar fixamente para a lista das próximas chegadas e partidas. Continha uma única entrada: Lubin, Alex. Chegada de carro, vindo de Genebra. Reservado Quarto 237. Aluguer de esquis solicitado. Phi lippe passou por um momento o seu olhar de concierge experimentado sobre o nome na lista. Tinha um talento para os nomes. Era algo que era preciso ter naquele tipo de trabalho. Alex... diminutivo para Alexander, pensou. Ou seria Aleksandr? Ou Aleksei? Desviou os

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olhos da lista e aclarou a voz discretamente. Uma cabeça impecavelmente penteada surgiu de repente saída da recepção. Pertencia a Ricardo, o gerente do período da tarde. — Acho que temos um problema — disse Phi lippe calmamente. Ricardo franziu o sobrolho. Era um espanhol do País Basco. Não gostava de problemas. — O que é? Philippe mostrou-lhe a folha das chegadas. — Lubin, Alex. Ricardo carregou numas quantas teclas do computador com um dedo indicador tratado por uma manicura. — Doze noites? Aluguer de esquis solicitado? Quem é que tratou desta reserva? — Penso que foi a Nadine. Nadine era a rapariga nova. Fazia o turno da madrugada. E, pelo crime de ter concedido um quarto a alguém chamado Alex Lubin sem consultar primeiro Ricardo, assim iria continuar por toda a eternidade. — Achas que ele é russo? — perguntou Ricardo. — Culpado de todas as acusações. Ricardo aceitou o veredicto sem interpor recurso. Apesar de ocupar uma posição superior, era vinte anos mais novo que Phi lippe e aprendera a confiar cegamente na experiência e opinião do colega mais velho. — Talvez possamos despachá-lo para a concorrência. — Não é possível. Não há um único quarto disponível daqui até Albertvi lle. — Então suponho que vamos ter de levar com ele, a não ser, claro, que se consiga convencê-lo a ir-se embora de livre vontade. — O que é que estás a sugerir? — O plano B, claro. — Isso é bastante radical, não achas? — Sim, mas é a única maneira. O antigo pára-quedista acatou as ordens com urn aceno firme da cabeça e começou a planear a operação. Operação que começou às

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16h12, quando um Mercedes grande e cinzento-escuro, com matrícula de Genebra, parou junto aos degraus da entrada e buzinou. Phi lippe deixou-se ficar no seu púlpito uns bons dois minutos antes de vestir o sobretudo com toda a calma e se dirigir lentamente para o exterior do hotel. Por essa altura, já o indesejado Monsieur Alex Lubin — doze noites, aluguer de esquis solicitado — tinha saído do carro e estava parado, com um ar zangado, junto ao porta bagagens aberto. Tinha uma cara de â ngulos bem vincados e cabelo louroclaro, cuidadosamente penteado a cobrir uma cabeça larga. Tinha os olhos estreitos virados para o porta- bagagens, na direcção de um par de malas grandes de nylon. O concierge franziu o sobrolho ao olhar para as malas, como se nunca tivesse visto objectos desse género antes, e a seguir cumprimentou o hóspede com um entusiasmo glacial. — Posso ajudá-lo, Monsieur? A pergunta foi feita em inglês. A resposta foi dada na mesma lingua, com um distinto sotaque eslavo. — Venho instalar-me no hotel. — Sim? Não fui informado de nenhuma chegada prevista para esta tarde. De certeza que foi apenas uma distracção. Porque é que não fala com o meu colega da recepção? Tenho a certeza de que ele poderá rectificar a situação. Lubin murmurou qualquer coisa baixinho e subiu os íngremes degraus pesadamente. Philippe pegou na primeira mala e quase deslocou uma vértebra ao tentar tirá-la da bagageira. É um vendedor de bigornas russo e trouxe com ele uma mala cheia de amostras. Quando conseguiu puxar as malas até ao átrio, Lubin estava a soletrar o número da sua reserva a Ricardo, que, exibindo um ar perplexo, por mais que tentasse, não tinha conseguido localizar a reserva em questão. O problema foi finalmente resolvido — Um pequeno engano de um membro do nosso pessoal, Monsieur Lubin. Vou ter uma conversa com ele sem falta —, mas logo de seguida surgiu outro. Devido a um descuido do pessoal da limpeza, o quarto ainda não estava pronto. — Serão apenas alguns minutos — disse Ricardo na sua voz mais sedosa. — O meu colega vai guardar-lhe as malas na arrecadação. Permita-me que o acompanhe até ao nosso bar. As bebidas não serão cobradas, claro.

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Na verdade, iriam ser cobradas — e com grande excesso —, mas Ricardo planeava avançar subitamente com essa surpresa quando as defesas de Monsieur Lubin estivessem no seu ponto mais frágil. Infelizmente, o optimismo de Ricardo, ao confiar que o atraso seria pequeno, revelou-se desajustado. De facto, passaram mais noventa minutos até que Lubin fosse levado, sem a bagagem, ao seu quarto. Em conformidade com o Plano B, não havia roupão para as idas ao wellness center, não havia vodca no minibar, nem comando para a televisão. O despertador em cima da mesade-cabeceira tinha sido programado para as 4h15. O aquecedor estava li gado no máximo. Às escondidas, Philippe tirou o último sabonete que havia na casa de banho e, a seguir, depois de não receber qualquer gorjeta, saiu porta fora, com a promessa de que as malas seriam entregues em pouco tempo. Quando saiu do elevador, Ricardo estava à sua espera. — Quantas vodcas é que ele bebeu no bar? — Sete — respondeu Ricardo. O concierge cerrou os dentes e silvou com desprezo. Só um russo poderia beber sete vodcas numa hora e meia e continuar em pé. — O que é achas? — perguntou Ricardo. — Mafioso, espião ou assassino profissional? Tanto fazia, pensou Philippe sorumbaticamente. Um russo tinha aberto brechas nas paredes do Grand. Resistência era a palavra de ordem naquela altura. Retiraram-se para os respectivos postos, Ricardo para a gruta que era a recepção, Philippe para o seu púlpito junto ao elevador. Dez minutos mais tarde, teve lugar o primeiro telefonema do Quarto 237. Ricardo aguentou uma longa diatribe estalinista, repreendendo-o, e a seguir murmurou umas quantas palavras apaziguadoras e desligou o telefone. Olhou para Philippe e sorriu. — O Monsieur Lubin queria saber quando é que prevíamos que as malas dele chegassem. — Vou já tratar disso — respondeu Philippe, abafando um bocejo. — Queria saber se podíamos fazer alguma coisa em relação ao a quecimento no quarto dele. Diz que está demasiado quente e parece que o termóstato não funciona.

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Philippe levantou o auscultador do telefone e ligou para a manutenção. — Aumentem o aquecimento no Quarto 237 — ordenou. — O Monsieur Lubin está com frio.

Se tivessem observado os primeiros momentos da estadia de Lubin, ter-se-iam sentido completamente seguros da sua crença de que havia um herege entre eles. De outra forma, como explicar que tivesse tirado todas as gavetas da cómoda e das mesas-de-cabeceira e desatarraxado todas as lâmpadas dos candeeiros e das estruturas de onde saía luz? Ou que tivesse arrancado por completo a roupa da cama grande e de luxo e forçado a tampa, até a abrir, do telefone com duas linhas e serviço de mensagens? Ou que tivesse despejado a garrafa de água mineral grátis na sanita e atirado dois chocolates Touvier de Genebra para o meio da rua cheia de neve? Ou que, depois de ter dado por finalizado o seu alvoroço, tivesse em seguida reposto o quarto no estado quase imaculado em que o encontrara? Foi por causa da sua profissão que tomou essas medidas bastante drásticas, mas a profissão dele não era nenhuma das sugeridas por Ricardo, o gerente. Aleksandr Viktorovich Lubin não era nem mafioso, nem espião, nem assassino profissional, apenas um praticante da actividade mais perigosa que se podia escolher na brava Nova Rússia: a actividade de jornalismo. E não apenas qualquer tipo de jornalismo: jornalismo independente. A sua revista, a Moskovsky Gazeta, era um dos últimos semanários de investigação do país e há muito que era uma persistente pedra no sapato do Kremlin. Os seus re pórteres e fotógrafos eram vigiados e hostilizados constantemente, não só pela polícia secreta como também pelos serviços de segurança priv ados dos poderosos oligarcas que tentavam cobrir. Nesse preciso momento, Courchevel estava apinhada de homens desse género. Homens que não tinham qualquer problema em espalhar transmissores e venenos por quartos de hotel. Homens que actuavam segundo a doutrina de Estaline: A morte resolve todos os problemas. Não havendo homem, não há problema. Com a certeza de que o quarto não sofrera interferências externas, Lubin telefonou novamente ao concierge para perguntar pela

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bagagem e foi informado de que chegaria a todo o momento. A seguir, depois de abrir por completo as portas da varanda, deixando entrar o ar frio do final da tarde, instalou-se à secretária e tirou uma pasta de arquivo da sua mala de couro já coçada. Tinha-lhe sido dada na noite anterior, por Boris Ostrovsky, o editor da Ga zeta. Tinham-se encontrado não no interior da Gaz eta, que se partia do princípio de que estava profusamente sob escuta, mas sim num banco da estação de metro de Arbatskaya. Vou só revelar-te parte da história, dissera Ostrovsky, entregando os documentos a Lubin com uma indiferença adquirida com a prática. para a tua própria protecção. Compreendes, Aleksandr? Lubin tinha compreendido perfeitamente. Ostrovsky estava a entregar-lhe uma missão que podia fazer com que ele fosse morto. Agora estava a abrir a pasta e a examinar a fotografia que estava em cima do arquivo. Mostrava um homem bem vestido, com cabelo escuro cortado curto e as feições marcadas de um pugilista, ao lado do presidente russo, numa recepção no Kremlin. Anexada à fotografia, havia uma biografia concisa — completamente desnecessária, já que Aleksandr Lubin, como qualquer outro jornalista em Moscovo, era capaz de enumerar todos os pormenores da formidável carreira de Ivan Borisovich Kharkov utilizando apenas a memória. Filho de um oficial superior do KGB... licenciado pela prestigiada Universidade Estatal de Moscovo... rapa maravilha do Quinto Directorado do KGB... Quando o império se estava a desmoronar, Kharkov abandonara o KGB e ganhara uma fortuna na banca durante os primeiros e anárquicos anos do capitalismo russo. Investira com inteligência em energia, matéria-prima e imobiliário, e, aquando da chegada do novo milénio, tinha-se juntado ao núcleo moscovita, cada vez maior, de multi-milionários novinhos em folha. Entre as suas muitas holdings, contava-se uma transportadora marítima e aérea com tentáculos que se estendiam ao longo do Médio Oriente, África e Ásia. Para um estranho, a verdadeira extensão do seu império financeiro era impossível de avaliar. Um relativo recém-chegado ao capitalismo, Ivan Kharkov dominara já a arte da empresa de fachada e da companhia fantasma. Lubin passou para a página seguinte do arquivo, onde havia urna fotografia em papel de lustro, usado nas revistas, do «Château

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Kharkov», o palácio de Inverno de Ivan, na Rue de Nogentil, em Courchevel. Passa as férias de Inverno lá, ao lado de todos os outros russos ricos e famosos, tinha dito Ostrovsky. Tem cuidado quando estiveres por perto da casa. Os capangas do Ivan são todos ex-Spetsnaz e OMON. Estás a ouvir o que te estou a diver, Aleksandr? Não quero que acabes como a Irina Chernova. Irina Chernova era a famosa jorna lista do principal rival da Gazeta, que tinha denunciado um dos investimentos mais suspeitos de Kharkov. Duas noites depois de o artigo ter surgido, tinha sido morta a tiro por dois assassinos contratados, no elevador do seu prédio em Moscovo. Ostrovsky, por razões que apenas ele conhecia, tinha incluído uma fotografia do corpo dela, pejado de balas, no arquivo. Nesse momento, tal como já fizera antes, Lubin virou-a rapidamente. Normalmente, o Ivan actua por trás de portas bem fechadas. Courchevel é um dos poucos sítios em que ele se chega a deslocar em público. Queremos que tu o sigas, Aleksandr. Queremos saber com quem é que ele se anda a encontrar. Com quem é que ele anda a esquiar. Com quem é que ele anda a almoçar. Tira fotografias quando puderes, mas nunca o abordes. E não digas a ninguém na povoação onde é que trabalhas. Os rapazes da segurança do Ivan são capazes de cheirar um repórter a um quilómetro de distância. A seguir, Ostrovsky entregara a Lubin um envelope com bilhetes de avião, uma reserva num rent-a-car e alojamento num hotel. Liga para a redacção regularmente, tinha dito Ostrovsky. E tenta divertir-te um pouco, Aleksandr. Os teus colegas estão todos cheios de inveja. Vais poder ir a Courchevel e andar na farra com os ricos e famosos, enquanto nós congelamos até aos ossos em Moscovo. Com isso, Ostrovsky tinha-se levantado e caminhado até à borda da plataforma. Lubin enfiou a pasta na mala e começou imediatamente a suar em catadupa. Agora estava a suar outra vez. O maldito aquecimento! A fornalha continuava a funcionar no máximo. Estava a começar a esticar-se para pegar no telefone e apresentar mais uma

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queixa quando ouviu alguém bater finalmente à porta. Atravessou o pequeno ha ll de entrada com duas passadas largas e cheias de ressentimento e abriu a porta com toda a força, sem se dar ao trabalho de perguntar quem estava do outro lado. Um erro, pensou de imediato, já que, na semiescuridão do corredor, estava parado um homem de estatura mediana, com um casaco de esquiar escuro, um gorro de lã e óculos espelhados. Lubin estava a tentar perceber por que razão usaria alguém óculos daqueles dentro de um hotel e à noite, quando surgiu o primeiro golpe, de lado e violento, que lhe pareceu esmagar a traqueia. O segundo golpe, um pontapé bem medido na virilha, fez-lhe o corpo dobrar-se ao meio pela cintura. Não conseguiu soltar qualquer protesto no momento em que o homem se enfiou no quarto e fechou a porta sem um único barulho. Tal como não foi capaz de resistir quando o homem o obrigou a deitar-se na cama e se escarranchou em cima das suas ancas. A faca que saiu do interior do casaco de esquiar era do tipo das que eram manuseadas por soldados de elite. Penetrou no abdómen de Lubin, logo abaixo das costelas, e foi-se enfiando cada vez mais para cima, até ao coração. À medida que a cavidade do peito se enchia de sangue, Lubin foi forçado a sofrer a humilhação adicional de assistir à própria morte no refl exo das lentes espelhadas dos óculos do seu assassino. Este soltou a mão da faca e, com a arma ainda enfiada no peito de Lubin, levantou-se da cama pegando no arquivo com toda a calma. Aleksandr Lubin sentiu o coração bater uma última vez, ao mesmo tempo que o seu assassino se escapulia do quarto em silêncio. O aquecimento, estava ele a pensar. O maldito aquecimento...

Passava pouco das sete da tarde quando Philippe foi buscar finalmente as malas de Monsieur Lubin à arrecadação e as colocou no elevador. Ao chegar ao Quarto 237, deparou-se com o sinal de NÃO PERTURBAR pendurado no trinco. De acordo com as convenções do Plano B, bateu três vezes à porta com uma força ribombante. Não recebendo resposta, tirou a chave-mestra do bolso e entrou, apenas o suficiente para ver logo o par de mocassins russos, de tamanho

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quarenta e cinco e meio, a sair uns centímetros para fora da cama. Deixou a bagagem no ha ll de entrada e regressou ao átrio, onde fez um relatório do que tinha encontrado a Ricardo. — Apagado de tão bêbado. O espanhol olhou de relance para o relógio. — É cedo, mesmo para um russo. E agora? — Vamos deixá-lo dormir e curar a bebedeira. De manhã, quando ele já estiver bom e de ressaca, vamos dar início à Fase Dois. O espanhol sorriu. Nenhum hóspede tinha conseguido ainda sobreviver à Fase Dois. A Fase Dois era sempre fatal.

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