Coulon, Alain. Etnometodologia.

August 1, 2017 | Author: veveveve | Category: Sociology, Linguistics, Science, Max Weber, Émile Durkheim
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Coulon, Alain. Etnometodologia....

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Alain Coulon 30 - 3k

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ETNOMETODOLOG1A. Tradução de Ephraim Ferreira Alves

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Petrópolis 1995

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Presses Universitaires de France, 1987 108, boulevard Saint-Germain 75006 Paris

Sumário

Título do original francês: liethnométhodologie Direitos de publicação em língua portuguesa no Brasil: Editora Vozes Ltda. Rua. Frei Luís, 100 25689-9'00 Petrópolis, RJ Brasil FICHA TÉCNICA; COORDENAÇÃO EDITORIAL:



Avelino Grosai

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EDITOR: Antônio De Paulo

COORDENAÇÃO INDUSTRIAL:

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José Luiz Castro 1 ) =

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EDITOR DE ARTE:

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EDITORAÇÃO: Editoração e organização literária: JaimeA. Clasen Revisão gráfica: Revitec S/C Diagramação:Josione Furiati Supervisão gráfica: Valderes Rodrigues

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ISBN 2 13 04356-4 (edição francesa) ISBN 85.326.1411-6 (edição brasileira)

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Este livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luís, 100. Petrópolis, RJ — Brasil — CEP 25689-900 Tel.: (0242)43.5112 — Fax.: (0242)42-0692 — Caixa Postal 90023 End. Telegráfico: VOZES — Inscr. Est. 80.647.050 CGC 31.127.301/0001-04, em abril de 1995.

Introdução

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Capítulo I — Os Precursores 1. Parsons e a teoria da ação 2. Schütz 3. O interacionismo simbólico

9 9 10 14

Capítulo II — História do Movimento Etnometodológico 1. 1949: crimes inter-raciais e definição da situação 2. 1952: a tese de Garfinkel 3. Cicourel e a constituição da "rede" 4. A difusão intelectual 5. 1967: o livro fundador 6. O crescimento do movimento 7. A difusão no exterior

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Capítulo III — Os Conceitos-chave da Etnometodologia. 1. Prática, realização 2. A indicialidade 3. A reflexividade 4. A accountability 5. A noção de membro Capítulo IV — Sociologia Leiga e Sociologia Profissional 1. Conhecimento prático e conhecimento científico 2. O ator social não é um idiota cultural 3. Objetivismo e subjetivismo 4. O método documentário de interpretação 5. Um experimento

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25 27 29 29

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v. rx yi utiett pf011881Unal 7. O raciocínio sociológico prático e a análise de conversação

Capítulo V

Questão de Método



1. A postura de "indiferença etnometodológica" 2. A provocação experimental 3. A contribuição metodológica de Cicourel 4. Etnometodologia, etnografia constitutiva e so iologia qualitativa

c

Capítulo VI



O Trabalho de Campo

1. A educação 2. A delinqüência juvenil 3. A vida de laboratório 4. A burocracia

Capítulo VII



Críticave Convergências

1. Um ataque violento 2. Um contra-senso 3. Uma seita? 4. Tentativa de síntese 5. Marxismo e etnometodologia

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.

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Introdução

79 79 82 83 85 93 96 104 109 112 115 116 119 122 125 126

Conclusão

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Bibliografia

131 (ft, sio

A etnometodologia é uma corrente da sociologia ame-

ricana, surgida nos anos 60, que se instalou inicialmente nos campi da Califórnia. Conquistou em seguida outras universidades americanas e européias, particularmente inglesas e alemãs. No entanto, a etnometologia era praticamente desconhecida do públi -co francês até a difusão de alguns textos fundadores e de comentários que começam a se multiplicar. Todavia, mais de vinte e cinco anos depois da publicação da obra fundadora de Harold Garfinkel, Stuties in Ethnomethodology, ainda não se acha traduzida em francês. As raras traduções de textos etnometodológicos estão dispersas em algumas revistas. A importância teórica e epistemológica da etnometodologia se deve ao fato de efetuar uma ruptura radical com modos de pensamento da sociologia tradicional. Mais que teoria constituída, ela é uma perspectiva de pesquisa, uma nova postura intelectual. A entrada da etnometodologia em nossa cultura anuncia uma verdadeira reviravolta de nossa tradição sociológica. Essa mudança ocorre com uma ampliação do pensamento social. Dá-se hoje maior importância à compreensão que à explicação, à abordagem qualitativa do social que à quantofrenia das pesquisas sociológicas anteriores.

A pesquisa etnometodológica se organiza em torno da idéia segundo a qual todos nós somos "sociólogos em estado prático", segundo a bela fórmula de Alfred Schütz. O real já se acha descrito pelas pessoas. A 7

def

linguagem comum diz a realidade social, descreve-a e ao mesmo tempo a constitui. Contra a definição dtirkheimiana da sociologia construída a partir da ruptura com o senso comum, a etnometodologia mostra que temos à nossa disposição a possibilidade de apreender de maneira adequada aquilo que fazeinos para organizar a nossa existência social. Analisando as práticas ordinárias no aqui e agora sempre localitado das interações, ela vem somar-se a outras correntes mantidas à margem da sociologia oficial, em particular a sociologia de intervenção que leva também em conta o fato de todo o grupo social ser capaz de se compreender a si mesmo, comentar-se, analisar-se. A corrente que vamos aqui apresentar não é uma escola marginal. Segundo Richard Hilbert, existe mesmo um vínculo muito estreito entre a etnometodologia e as sociologias de Durkheim e de Weber'. A etnometodologia não é um ramo separado do conjunto da pesquisa em ciências sociais. Pelo contrário, acha-se em relação, mediante múltiplas ligações, com outras correntes que, como o marxismo, a fenomenologia, o existencialismo e o interacionismo, alimentam a reflexão contemporânea sobre a nossa sociedade. 2

Capítulo I

Os Precursores

Admite-se de modo geral que as duas fontes principais da obra de Garfinkel, mas não de todos os etnometodólogos, sejam as obras de Talcott Parsons e Alfred Schütz. Estes são dois autores mais ou menos contemporâneos, mas com itinerários diferentes. Parsons nasce nos EUA e desenvolve uma imponente obra que rapidamente influencia o pensamento social americano. Schütz, ao contrário, emigra para os EUA quando já tinha quarenta anos, em 1939, e exerce por vinte anos, até falecer em 1959, influência bem mais discreta. Não é universitário, salvo no fim da vida. Mas dá conferências, publica muitos artigos, e hoje se avalia sempre mais o seu papel na sociologia contemporânea. A isto vem somar-se a influência do interacionismo

simbólico. 1. Parsons e a teoria da ação

Parsons foi uma figura dominante da sociologia americana do século XX'. Em oposição à corrente geral do seu tempo, reabilitou a _sociologia teórica de matriz européia integrando em sua teoria dã_Wáo Os trabaliiOs deDiik -heim,, Weber, Pareto, etc. nra- ao mesmo ..

1. Richard A. Hilbert, The Classical Roais of Ethnomethodology. Durkheim, Weber, and Garfinkel, Chapel. Hill, University of North Carolina Press, 1992. 2. As traduções, salvo indicação em contrário, são de minha lavra. Agradeço a Harold Garflnkel a autorização para traduzir certas passagens de Studies In Ethnomethodology, bem como, pela mesma razão, a Basil

-131ackwell-LtcL, editor-da-segunda-ediç-ão dessa-obra.

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1. Para uma exposição do seu pensamento, consulte-se particularmente T. Parsons et alii, 1951: 7btuards a General Theory of Action, Cambridge,

Masa., Harvard University Presa; T. Parsons 1963: The Structure of Social Action, Nova York, Free Press; em francês: Eléments pour une sociologie de l'action, Paris, Plon 1955.

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elaborar a sua primeira obra publicada em 19322 .

deBLEadapresentava •ar particularmente a vantagem de reunir a sociologia propriamente dita, a psicologia social é a antropologia. Ali se formou toda uma geração de sociólogos americanooãiqúiiiiii_g. Segundo Parsons,as motivações dos atores sociais são integradas em moleRa normativos_ que regulam _ as condutas e as apreciações recíprocas. Assim se explica a estabilidade dáordem social e sua reprodução em cada encontro entre os indivíduos. Compartilhamos valores ue nos transcendem e_ governam.. Temos a tendência, para ,evitar angústia e castigos, a nos conformarmos com as regras da vida em comum. Mas como é que acontece que respeitemos em geral essas regras da vida em comum sem refletir sequer? Parsons recorreu ,a Freud para explicar essa regularidade da vida social. Freud mostrou que no decurso da educação as regras da vida em sociedade são interiorizadas pelo indiViduo e constituem o que ele denomina o "super-ego", isto é, uma espécie de tribunal interior. Esse sistema interiorizado governa, segundo Freud e Parsons, os nossos comportamentos e até mesmo os nossos pensamentos. Para a nossa co.m_unicação sempre nos servimos de sím6-6-1-6-s, que tomam sentido ., em totalidades como a linguagem, que preexiste a nossos encontros, como sistema_de-referência e'corrio recurso eterno, inekaurf; vel e estável. A etnometodologia vá'i colocar o probFein -ii de outro modo: a_relação entre ator e situação não se culturais nem a regras , mas será od-è-V---=ã--i1.CaTeúdos ei produzida por .processps_de . interpretação. Dá-se aí uma mudança de paradigma sociológico: com a etno: inetodologia_se_passa__de um paradigma normativo para um paradigma interpretativo.

usserl que lhe propôs o cargo de assistente. Schütz declinou a oferta, mas conservou relações de trabalho com Husserl até sair definitivamente do país, em 1938, fugindo do regime nazista. Depois de passar um ano em Paris, instala-se definitivamente nos EUA, onde morre em 1959. Somente após a morte é que se tornou um clássico da sociologia, mas desde os anos 40 ele ministra conferências em Nova Iorque, onde conta entre seus ouvintes Peter Berger, Thomas Lückmann. Voltemos porém à obra de 1932 _que funda a fenornenobj— ja social. Max Weber, embora lhe tenha sublinhado a importância, não clarificou a noção de Verstehen - o compreender em contraste com o explicar, Erkltiren - que se refere ora ao conhecimento do senso comum, ora a um método específico das ciências sociais. Schütz vai desenyolyer o primei ro . significado do Verstehen-P p roo estudo dos processos de interp_tetação_que_utilir__ zamos em nossa vidã- de-vs6--"Cria para dar sentido a noss~s e às dos outros. Aqui reside provavelmente a idéia central, o aporte essencial de Schütz. Como o sublinha Patrick Pharo, é "a idéia simples que se encontra em Schütz, mas também de certo modo em Wittgenstein", segundo a qual "a compreensão se acha sempre já realizada nas. _atividA.U8—mais_urric~s da vida ordinária" (p. 160) 3. Como o observa Schütz, "a linguagem cotidiana çsconde_tado_um__tesoura_de_tipQs_ e características pré-constituídos, de essência social, que abrigam 65nteu os.inexploradasr. O mu-RO social de Schütz é o da vida cotidiana:vivida por pessoas que

2. Schütz

2. At Schütz, 1932: Der Sinnhafte Aufbau der sozialen Welt, Wien, Springer

Alfred Sch estudou ciências sociais na Universidade deiena no começo deste século. Tomou como ponto de 'partida uma reflexão sobre Max 'Weber, para

( 1960); trad. ingl.: The Phenomenology of the Social World. Evanston, Illinois, Northwestern University Press 1967, e Londres, Heinemann 1972. 3. E Pharo, 1985: "La description des etructures formelles de l'activité sociale", em: Décrire: un impératif?, Paris, EHESS, t. 2, p. 159-174.

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não têm interesse teórico, a priori, pela constituição do mundo. Este murtdo_sociaLémminuiidPiiiriiiiibje- tio, mundo de rotinas, em que a maioria dos aiiii -dirrida cotidiana são em geral ,realizados maquinalmente. A realidade parece mattiral e sem problemas. Para Schütz a realidade social é "a soma total dos objetos e dos acontecimentos do mundo cultural e social, vivido pelo pensamento de senso comum de homens que vivem juntos numerosas relações de interação. É o mundo dos objetos culturais e das instituições sociais em que nascemos todos nós, onde nos reconhecemos... 'Desde o princípio,n6s, os atores no çenário social, vivemos o mundo como um mundo a-O mesmo tempo de a.tura naturali-, -fião como um mundO15-fiV----a-db--iiiás-iiitesübretiVo, ou seja, que nos é cornum_,que nos 6dad -6-6ü -i¡iie é potencialmente acessível a cada um deriéS. E" isso implica a intercomunicação, ea Os homens nunca têm, seja lá no que for, Qxperiências idênticas, mas supõem ,que elas sejam idênticas, ?azem como se fossem idênticas, para todos os fins práticos. A experiênçia subjetiva de um indivíduo é inacessível a outro indivíduo. Os próprios atores ordinários, que no entanto não são filósofos, sabem que não vêem jamais os mesmos, objetos de maneira comum: não se colocam no mesmo ponto de observação desses objetos e não têm as mesmas motivações ou os mesmos objetivos, as mesmas intenções, para observá-los. Ninguém vê a mesma coisa, quando vai assistir a uma partida de futebol, quer esteja sentado nas tribunas centrais quer nas arquibancadas. Todo mundo sabe tão bem disso que se aceita, para assistir a uma mesma partida, que os preços sejam diferentes porque a qualidade do espetáculo, ou Mais exatamente a qualidade

4. A. Schütz, 1962: Concept and Theory Formation in the Social Sciences, em: Colleeted Papem p. 48-66, Ten Haag, Martinus Nijhoff. Trechos da obra de Schütz foram coligidos e traduzidos em francês: A. Schütz, 1987: chercheur et le quoddieis, Paris, Méridien, Klincksieck.

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do olhar, difere conforme o ponto de vista. No entanto, estarão todos de acordo em dizer que todos os espectadores acompanharam a mesma partida. Em princípio, o fato de os atores não verem a mesma coisa deveria impedir toda possibilidade de um real conhecimento intersubjetivo. Este, porém, não é o caso graças a duas "idealizações" usadas pelos atores: a da possibilidade da troca de pontos de vista de um lado (pode-se trocar de lugar e mudar assim os ângulos de visão) e da conformidade do sistema de pertinência de outra parte (todos os espectadores supõem que os outros tenham vindo assistir à partida pelas mesmas razões que eles, que se interessam por ela do mesmo jeito ou pelo menos se interessam por ela empiricamente, de modo idêntico, e isto apesar de suas diferenças biográficas). Consideradas em conjunto, essas duas idealizações compõem "a_tese_gP_ral_da reciproctdade_das_perspediva.s" que marca o caráter social da estrutura do mundo-vida de cada um. Essa. çiescrição de Schütz __permite compreender como mundos experienciais "privados", singulares, podem ser transcendidos em um mundo comum: é mediante esSaid-UitSid-eilliz4ões que vejO- a mesma coisa que meus companheiros de partida, inclusive aqueles que, não tendo ido até o estádio, assistem o jogo pela televisão. Vemos juntos a mesma partida, a despeito de nossos lugares diferentes, de nossas diferenças de sexo, de idade, de condição social, etc. Igualmente, "nós dois vemos o mesmo pássaro voando, apesar. de.nosias diferenças de posição no espaço, nossas diferenças de Sexo e de idade, e a despeito do fato de você ter a intenção de caçá-lo ao passo que eu quero simplesmente admirá-lo". Por este processo de permanente ajuste, expresso nessas duas idealizações, os atores são capazes de dissipar as suas divergências de percepção do mundo. A "atitude natural" esconde uma extraordinária capacidade de tratar os objetos e, de modo mais geral, as ações e os acontecimentos da vida. social, em vista de

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inanuer um mundo comum. Ela implica igualmente uma capacidade de interpretação tal que o mundo já se acha descrito par seiis membros. 3. O interacionismo simbólico

01drafonta-da-striqmetodologia,é o inter_acionig19 simbólico. Encontra a sua primeira origem na "Escola de Chicago" 6, cujos principais representantes são Robert Park, Ernest ,Burgess e William Thomas 6. Essa corrente de pensamento popularizou o uso.dos métodos . qualitativos na pesquisa de campo, método_s_ade.quadospara estudar a realidade social, em particular as reviravoltas sociais rápidas provoCadas pelo crescimento urbano de Chicago. O interacionismo simbólico' se move na'contracorrente da concepção durkheimiana do autor. Durkheirn, embora reconhecesse a capacidade do ator para desérever os fatos sociais que o cercam, acha que essas descriçõàs são por demais gagas, muito ambíguas, para que o pesquisador possa usá-las de modo científico, sendo tais manifestações subjetivas não subordinadas aliás ao domínio da sociologia. Ao invés, o,interacionismo simbólico afirma que a concepção que os . atores fazem ,para si domundo social constítui em última análise o objeto essencial da pesquisa sociológica. 5. Cf. Alain Coulon, L'Ecole de Chicago, Paris, PUF (1992], 2 1993 ("Que saia-je?", n. 2639). 6. R.E. Park e E.W. Burgess 1921: Introduction to the sciences of Sociology, Chicago, University of Chicago Presa; W.I. Thomas e F. Znaniecki, 1918 1920: The Polish Peasant in Europe and America. Chicago, Chicago University Presa (New , Yrkk, Knopf, 1927). W. Thomas foi um dos primeiros a usar em sociologia materiais biográficos e autobiográficos em seu monumental estudo (mais de 2.200 páginas) feito em conjunto com F. Znaniecki, sobre os camponeses poloneses exilados na Europa e na América. 7. Quem pela primeira vez formulou a expressão "interação simbólica" foi Blumer (1937). Sobre o interacionismo, cf. H. Blumer, 1969: Symbolic Interactionism. Perspective and Method, Chicago, University of Chicago Presa. Em francês, cf. Arlitelm Strauss: Miroirs et masques. Une introduction à l'interactioniàme. Paria, A.M. Métailié 1992. -

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As criticas. metodológicas_dos sinteracionistas-são radicais. Rejeitam o modelo da pesquisa quantitativa e suas conseqüências sobre a concepção do -Figni.—eda causalidade nas ciências -S-Oeiais. Um confieClinento Sociológico adequado não1Yeíd-e-fia ser elaborado pela observação de princípios metodológicos que procurem extrair dados de seu contexto a fim de torná-los objetivos. A utilização de questionários, de entrevistas, de escalas de atitude, de cálculos, de tabelas estatísticas etc., tudo isso cria uma certa distância, afasta o pesquisador, em nome da própria objetividade, do mundo social que deseja estudar. Esta concepção cientificista produz evidentemente um curioso modelo do ator, sem relação com a realidade social natural em que este KJ vive.

() autêntico conhecimento sociológica_nos_é_conce: dido na experiência imediata, nas interações de todos Os- aias. Deve:sé-iiii primeiro lugar levar em conta o ponto de vista dos atores, seja qual for o objeto de estudo, ois é através do sentido que eles_a_trauLem_aos_ objetos,___saituações, aos árnbol9s que os_cercam, que os atores constroem seu mundo social. No conjunto, a sociologia negligenciou a importância dos aportes metodológicos e teóricos do interacionismo simbólico, visto em geral com certo desprezo, como uma empreitada de tipo jornalístico', sem um verdadeiro estatuto científico. Quando muito lhe reconheceram uma utilidade eventual de pesquisa preli-

8. Robert Park, um dos primeiros fundadores da Escola de Chicago, era um ex-jornalista. É primeiramente um aluno de Simmel, em Berlim. Tem quarenta e nove anos quando começa a lecionar Sociologia na Universidade (1913). Mas não renega o seu passado de jornalista. A seu ver, o sociólogo é uma "espécie de super-repórter, informa de maneira um pouco mais precisa e com um pouco mais de distância que a média". As pesquisas e sondagens sociológicas não são para ele, em seu conteúdo e em suas técnicas, mais que formas superiores de jornalismo: "A ciência é simplesmente um pouco mais persistente em sua curiosidade, um pouco mais exigente e exata em suas observaç5es do que o senso comum" (Park e Burgess, 1921: op. cit,, p. 188).

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minar. Tbdavia o interacionismo se acha bem ancorado na tradição de pesquisa anglo-sax8nia, e continua exercendo. Uma certa influência, como se pode ver em particular nos estudos: sobre o desvio social. É considerável o interesse do interacionismo simbólico, não apenas porque insiste..no_papel. criativo desempenhado pelot atores na_construção.de sua vida C."oti --""-ca, ranmas também pela sua atenção aos porm—eriores dessa construção, Também não se deveria crer que o interacionismo não passe afinal de uma "sociologia selvagem", sem hipóteses teóricas. Ela tem, seu apoio em uma tradi ão teórica bem .viva, segundoa__qual os obj e. os sociais são.construidos. O signifiàaasociaLdos objetos se deve ao 1a- to de lhes darmos sentido no decurso de nossas interações. E se alguns desses ifg: nificados gozam de estabilidade no tempo, devem ser renegociados a cada nova interação. Define-se a interação como uma ordem negociada, temporária, frágil, que deve ser permanentemenieieConstruídka.fim_de interp retar o mundo. Este cou nstr tiv.Luno, que tem afinidaes com o ramento de K. Marx, vai aparecer tanto na fenomenolOgia social como sob uma outra forma na etnometodologia. A teoria da atribdção de rótulos — labeling theory — que faz parte, do interacionismo simbólico, leva ao extremo essa orientação segundo a qual o mundo social não é dado mas construído "aqui e agora". Os indivíduos são por exemplo "rotulados" como desviantes. O desvio não é mais considerado como uma "qualidade", uma característica própria da pessoa, ou ainda como algo produzido pelo desviante. Pensa-se que o desvio é ao contrário criado por um conjunto de definições instituídas, pela reação do social a atos mais ou menos marginais, em suma, acredita-se que o desvio é o resultado ou a conseqüência de um juízo social. E o que sublinha Howard Becker: "O desvio não é a qualidade do ato cometido por alguém, mas antes a conseqüência da aplicação, por outros, de

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regras e sanções a um `ofensor'. O desviante é uma pessoa a quem este rótulo , pôde ser aplicado com suces-

so. O comportamento desviante é o comportamento designado como tal"9. Noutras palavras, um indivíduo não vem a ser um desviante pelo mero fato de realizar uma certa ação. O

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desvio não é inerente ao comportamento. O desviante é aquele que é assumido, definido, isolado, designado e estigmatizado. Esta é uma das idéias mais fortes da teoria da designação: pensar que as forças do controle social, designando certas pessoas como desviantes, as confirmam como desviantes por causa do estigma que se apega a essa designação. A tal ponto que se chegou a dizer que o controle social, paradoxalmente, gerava e reforçava os comportamentos desviantes, ao passo que foi instituído para originalmente combatê-los, canalizá-los e reprimi-los: a

pessoa se torna assim como á descrevem'''. Para os etnometodólogos, que às vezes se vão inspirar na teoria da atribuição de rótulos, o desvio não se definirá unilateralmente como desobediência a normas. Nele se há de ver o efeito de uma construção social, uma produção ao mesmo tempo daqueles que se ocupam com os desviantes e os rotulam e dos próprios desviantes que se rotulam como tais, confirmando por seus comp "rtamentos ulteriores a. atribuição social

inicial do rótulo. desviantes?!?!?!?!?!

9. Howard Becker, 1963: Outsiders: Studies in the Sociology aí Deviance. Nova York. The Free Press, p. 9 (Trad. francesa: Outsiders. Etudes de Sociologie de la déviance, prefácio de.J.-M. Chapoulie, Paris, A.-M Métailié 1985. 10. Este fenómeno tem alguma semelhança com o da predição em fa mil ia, aplicando-se ao desempenho escolar dos filhos e ao nível escolar que se supõe que serão capazes de alcançar. Trata-se em muitos casos de uma verdadeira atribuição, e os filhos não fazem mais que realizar a predição-proclamação dos pais: "...ele não vai passar do Primeiro Grau...". O mesmo se aplica sem dúvida quando se diz por exemplo a respeito de um aluno: "não é bom em matemática". A criança logo fica convencida disso, e seu desempenho logo alcança efetivamente o nível atribuído, realizando assim a profecia familiar.

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Capítulo: II

História do Movimento Etnometodológico

A. etnometodologia começa com os trabalhos do sociólogo Har9.1.d.Garfinkel, Nascido em 1917, faz os seus estudos doutorais em 1946, na Universidade..de_Haryard, sob a direção de Talcott Earsons, Ao mesmo tempo se inicia na fenomenologia, lê Edmund Husserl, Aaron Gurwitsch, Alfred Schütz e Maurice Merleau : Ponty,quesbrlvãxcnomeifluêa. 1. 1949: crimes inter-raciais e definição da situação

Publica o seu primeiro trabalho em 1949'. Trata-se de um artigo sobre os homicídios inter e intra-raciais e sobre OE processos e condenações que lhes estão relacionados. Garfinkel toma emprestada de William Thomas a idéia segundo a qual os atores tomam parte ativa na "definição da situação". Dizer que os atores de um fato social, por ocasião de suas interações, "definem a situação" significa que definem sempre em sua vida cotidiana as instituições em que vivem. Como irá sublinhar mais tarde Ervin Goffman, deve-se definir o "quadro"para compreendê-lo e agir. Contrariamente

1. H. Garfinkel, 1949: Research Note on Inter- and Intra-Racial Homicides, Social Forces, 27, p. 370-381.

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à sociologia, que procura saber como os indivíduos agem em situações já definidas fora deles e preexistentes a suas interações, á etnometodologia vaLtentar. 1 compreender_como_é..queros individuoa vêern, descra- / y_em e_propãem_eni_conju'into uma definição da. situa- !" 242—

2. 1952: a tese de Garfinkel Em 192, Garfinkel defende a sua tese de doutoramento'. Parsons exerceu sobre ele uma influência decisiva e ele jamais deixará de reconhecê-lo. No entanto, de modo algum pode ser chamado "discípulo" de Parsons, no sentido de seguimento que geralmente se liga a esta noção. Mas sempre reconhecerá a sua dívida, como escreverá mais' tarde lembrando que seus trabalhos "encontram a sua origem na leitura dos escritos de Talcott Parsons, Alfred Schütz, Aaron Gurwitsch e Edmund Husserl... O'trabalho de Parsons de modo particular até hoje impressiona pela profundidade e pela precisão do seu raciocínio sociológico prático quanto às tarefas constitutivas do problema da ordem social e de sua solução" (Studies, p.

Depois de ter defendido a tese, Garfinkel obtém um cargo na Universidade de Ohio e depois, em 1954, na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), onde sempre lecionará. Entre esses dois cargos, tem

2. D.H. Zimmerman e D.L. Wieder, 1970: Ethnomethodology and the Problem of Order: Comment on Denzin, in J.D. Douglas (Ed.), Under. standing Eueryday Life, Lorkdres, Routledge & Kegan Paul, p. 285.295. 3. H. Garfinkel, 1952: The Perception of the Other: A Study in Social Order, Ph.D. Dissertation, Harvard University. 4. H. Garfinkel, 1957: Studies in Ethnomethodology, Englewood Cliffs, NJ, Prentice Hall. Esta obra, considerada "a Bíblia" da etnometodologia, foi reeditada em 1984 em Cambridge, Polity Press. Doravante será citada como Studiet. Dela se encontrara alguns extratos traduzidos em Argumente ethnométodologiques, Problèmes d'dpientmologie en seieneee aoeía• te" III, Paris, CEMS-EHESS, s.d. (1984], 174 p., obra que daqui em diante será mencionada como argumenta.

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ensejo de efetuar uma pesquisa sobre os jurados de. tribunais. Na UCLA, Garfinkel fiea conheCendo Dell Hymes, que é um dos fundadores da etnologia da comunicação. Trabalha nessa altura no Instituto Nacional das Doenças Mentais e se consagra a trabalhos no contexto da Escola de Medicina da UCLA. Ali é levado a se interessar pelo "caso Inês", um transexual que constituirá o objeto de um dos estudos mais célebres de Garfinkel. Influencia nesse período um pequeno grupo de estudantes da UCLA. Em 1956, Garfinkel publica um estudo sobre as "cerimônias. de. degradação" 5 . Encontra - se nesta publicação uma orientação que evoca um tema desenvolvido já por Jean-Paul Sartre, quando ele opunha filosofia essencialista e filosofia existencialista. Com efeito, Garfinkel critica o conceito das "essências" que, diz ele, não &conceito científico mas um construto da. vida cotidiana. Esse construtivismo, que tem íntima relação com o e o interacionismo simbólico, torna:-se a. esta. altura um tema central da etnométodologikem_astado_nascente. Em 1959, Garfinkel toma parte no IV Congresso Mundial de Sociologia de Stresa, onde faz uma comunicação que será publicada, e cujo título deixa ver claramente as suas preocupações intelectuais 6. 3. Cicourel e a constituição da "rede"

Em 1955, Aarão Qicourel, que irá desempenhar um pap el_decisiv_o_na_história_sla-etnometadologi a, obém seu título de Mestre na UCLA. Mais tarde publica, em 1963, com John Kitsuse, um estudo sobre os decisores

5. H. Garlinkel, 1956: Conditions of Successfull Degradation Ceremonies, American Journal of Sociology,

61, p. 420-424: trad. francesa em

Socié•

tés, Paris, Masson 1985, 5, vol. I. 6. H. Garfinkel, 1969: Aspecto of the Problem of Common Seno e Knowledge of Social Structures, em: 7)-arutactions of the Fourth World Congress of Sociology, Milão, Stresa 4, p. 51-65.

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em matéria de educação'. No ano seguinte vem a público a sua nova obra sobre o método e a medida em sociologias. Em 1965 anima, com Garfinkel, um seminário informal. Ali se encontram Harvey Sacks, Lawrence Wieder, Don H. Zimmermann, bem como diversos etnólogos, entre os quais Michael Moerman, Bennetta Jules-Rosette e Carlos Castaileda. De 1965 a 1966 se acha em Berkeley, onde forma um bom grupo de estudantes como Roy Turner, David Sudnow. Fica então alternando seu magistério entre Berkeley e Los Angeles onde continua lecionando Garfinkel. Nesse mesmo período, Harvey Sacks começa a desempenhar um importante papJ.Ein 1962-1963 organiza o grupo de_Berkeley, que se dedica a trabalhar.em cima. das publicapes de Garfinkel. Neste grupo se encontram el Schegloff, David Sudnow e Roy Turner. Todos se deslocam, na Califórnia, de um campus para o outro, formando aquilo de Nicolas Mullins (p. 192-193) vai apresentar corno uma, "rede" 9. Todavia o centro dessa rede, sempre segundo Mullins, parece que está na UCLA, em torno de Garfinkel, apesar dos talentos organizacionais de, Cicourel, cujo centro de Santa Bárbara ganha sempre mais importância. Don H. Zimmermann vem unir-se a este centro com Sudnow em 1965; faz a sua defesa de tese doutoral no ano seguinte.

cularmente com o funcionalismo-estrutural de Talcott Parsons e de Robert Merton que dominara a geração . precedente de sociólogos. No entanto, a etnometodologia se desenvolve sempre no seio dos departamentos a s_universidades-e até, de modo mais_de.socilgã amplo, das organizações nacionais e internacionais da

No_ final_.dos anos 60, o -caráter aparentemente anti-sociológicoda.etn.omatodologia,começa a manifestar-se mais claramente, em um consfeVEiTecrise da sociologia e de um movimento estudantil contestador e de contracultura.''Torna-se visível a ruptura,_Parti-

sociologia, com suas revistas, seus congressos, ainda que a etnometodolo a continue em • osi 7. mente marginaLno_s_e_u_feudo_californiano. Nesse momento os caminhos intelectuais da etnometodologia começa m a il saraurapúblico_mais_amplo, com a ascensão concomitante_dalenomenologia_social. Alfred Schütz morrera em 1959. Deixou uma obra relativamente dispersa. Acha-se reunida nos Collected Papers, editados por Maurice Natanson em 1962 compondo o primeiro volume. Peter Berger e Thomas Luckmann publicam a sua famosa obra sobre a construção social da realidade em 1966, traduzida em francês vinte anos depois w. Os mesmos autores continuam a publicação dos Collected Papers em 1968. Ao mesmo tempo se vai desenvolver em torno de Cicourel uma orientação cognitivista fortemente marcanPelas pesquisas lingüísticas. Cicourel trabalha principalmente_com_JohuGumperz, um Pf-nnlingiliata Empreendem-se estudos sobre a aquisição da linguagem e da copmpetência interpretativa das crianças. Sacks, por seu turno, dedica-se a trabalhos que vão levar à v_ertente, conv ers cioni s ta dg_ etnom_e_to dologi a Segundo Mullins a r- . - • *e etodoR5 logia compreezde, PM 1964, _ Ao mesmo tempo, Garfinkel publica artigos importantes, entre os quais "Trust", um artigo sobre a con-

7. A. Cicourel e J. Kitsuse, 1963' The Educational Decision.Makers, Indianapolis, Bobbs-Merrill. 8. A. Cicourel, 1964: Method and Measurement in Sociology, Nova York, Free Press. 9. N. Mullins, 1975: Theories and Theory Groups in Contemporary Anaerican Sociology, Nova York, Harper & Row.

10. E Berger e T. Luckmann, 1986: La construction sociale de la réalité, Paris, Méridiens Klincksieck, trad. de The Social Construction of Reality, Garden City, Doubleday 1966. Tradução brasileira: Petrópolis, Vozes 8 1990.

4. A difusão intelectual

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fiança, em 1963 11 . Alguns de seus trabalhos, dispersos, vão ser coligidos nos Studies in Ethnomethodology que Garfinkel resolve publicar sob a pressão, dizem, de circunstâncias universitárias e do seu círculo em 1967.

6. O crescimento do movimento

No final dos anos 60, forma-se uma nova geração nos campi californianos e começam a se multiplicar as. defesas_de_tese, sobretudo em Santa Bárbara_emtorns de Ci_w_ur_e Lawrence Wieder defende sua tese em 1969; Hugh Mehan em 1971 defende tese sobre as

5. 1967: o livro fundador

interações educativas em uma sala de aula 13 ; Marshall Shumsky, no ano seguinte, uma tese sobre os grupos de encontro californianos (encounter groups) a partir da experiência que tem desses grupos enquanto animador"; Robert McKay defende a sua simultaneamente, bem como Kenneth Leiter, Kenneth Jennings, Schwartz, David Roth e outros. Segundo Pierce Flynn (1991, p. 44), dezesseis teses de orientação etnometodológica foram defendidas em Santã-13 r entre etnOnietodólogosse acham, 1 67 e 197215. Em1972-, 5-0 — recenseadoS;

No Prefácio dos Studies, Garfinkel revela q_ue inversão de perspectivaá as suas pesquisas o levaram: "Contrariamente a certas formulações de Durkheim, que ensina que'a realidade objetiva dos fatos sociais é o principio fundamental di sociologia, iremos titulo de programa de pesquisa, que para os membros que fazem sociologia o fenômeno fundamental é_a_reali :_ dade objetiva dos._latos_upiajs, enusggo_realização contínua das atividades combinadas da vida cotidiana dos membros que utilizam, coriSiabranda-os como conhecidos e eçrlinnTií, processos ordinários e engenhosos, para essa realização" (p. VII). Os fatos sociais não se nos impõem a nós, contrariamente ao que afirma Durkheim, como realidade objetiva. O postulado da sociologia vem a ser então, com Garfinkel: devem-se considerar os fatos sociais como realizações práticas. Çlâtgisocial não é um objeto estável, mas o produtn (In rontínua_atividade dos_.hp.n. meus, que aplicam,seuR conhecimentos, processos,.re 7.

Esses anos de expansão e de florescimento do movimento são da mesma forma caracterizados por importantes publicações. Não é possível citar todas. Mencionemos, quanto ao essencial, além dos Studies, a obra de David Sudnow sobre a administração hospitalar da morte 16 , a de Cicourel sobre a delinqüência juvenil" e no mesmo ano a de Peter McHugh sobre a definição da situação 18 . Deve-se acrescentar o apareci-

grasdecomptni„_sua,metodlgi leiga cuja análise constitui a verdadeira tarefa do sociólogo. No ano seguinte, a Crítica e a contra-ofensiva dos sociólogos principiain com um artigo de J.S. Coleman 12 .

11. H. Garfinkel, 1963: A Conception of, and Experimenta with. "Trust" as a Condition of Stable, Concerted Actions, em: O.J. Harvey (Ed.), Motivation and Social Interaction, Nova York, Ronald Press. 12. J.S. Coleman, 1968: Review Symposium on H. Garfinkel's Studies in Ethnornethodology, American Soclological Reuiew, 33, p. 122.130.

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13. H. Mehan, 1971: Accomplishing Understanding in Educational Settings, Unpublished Ph.D., University of California, Santa Bárbara. 14. M. Shumsky, 1972: Encounter Groups: A Forensie Scene. Unpublished Ph. D. University of California, Santa Bárbara. 15. P. Flynn, 1991: The Ethnomethodological Movement. Semiotic Interpretations, Berlin, Nova York, Mouton-de Gruyter. Nesta obra, Pierce Flynn distingue quatro gerações de etnometodólogos entre 1950 e os anos '80. 16. D. Sudnow, 1957: Passing on: The Social Organization of Dying, Englewood Cliffs, NJ. Prentice Hall. 17. A. Cicourel, 1968: The Social Organization of Juvenile Justice, Nova York, Wiley. 18. P. McHugh, 1968: Defining the Situation, Indianapolis, Bobbs•Merrill.

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mento em 197U de um importante artigo de Don Zimmermann e Melvin Pollner sobre o mundo cotidiano como fenômeno", artigo às vezes considerado como a apresentação mais sistemática, para aquela época, da postura etnometodológica, em oposição à da sociologia padrão. Esses autores mostram que a sociologia profissional tem suas raízes na sociologia leiga, que aí vai buscar seus "recursos" que usa de maneira não crítica e que toma até como temas (topics) de seus trabalhos. Elaboram depois a noção de corpus contingente (occasional corpus), que define o conjunto das práticas instituintes que caracterizam uma situação localizada. A partir dosanos "70, a etnometodologia começa a cindir-se ernidbil---griipos: o dos analistas de conversação que tentam descobrir em nossas conversas as grupos reconstruções contextuais que perMitem lhes dar um dois de etnometodo sentido e dar-lhes continuidade; e o dos sociólogos para osq-iia-i-i-ii-S--fronteiras reconhecidas de sua dis-ciplina se acham circunscritas aos objetos mais tradicionais que a sociologia estuda, como a educação, a justiça, as organizações, as administrações, a ciência. A despeito de ou talvez por causa desses vínculos mantidos com a atividade sociológica habitual, a_e_tn.o, metodologia' vai constituir o ob'eto em 1975 de novo ataque espetacular da parte dectewrs os então Presidente da Associação Americana U -S-d-ciologia20 . Ele vai apresentar a coj -rente etnorretodolóa_como uma s-eita. --dujo desenv—Olvimento poderia a-nie_ago o futuro-a-é-lb- da as,ociplogia americana. A esses ataques Don Zimmerman de um rc-i-croeHugh Mehan e Houston Wood, de outro, vão responder no ano seguinte. 21

19. D.H. Zimmermann e M. Pollner, 1970: The Everyday World as a Phenomenon, em: J.D. Douglas (Ed.), Understanding Everyday Life, Londres, Routledge & Kegan Paul, p. 80-103. 20. L.A. Coser, 1975: Presidential Address: Two Methods in Search o!' a Substance, American Sociological Reuiew, 406 (dez.), p. 691-700. 21. H. Mehan e 1-1. Wood, De-secting Ethnomethodology, p. 13-21; D.H. Zimmerman, A Reply to Professor Coser, The American Sociologist, 11 (fev.), 1976, p. 4-13.

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7. A difusão no exterior A partir desse momento a etnometodologia começaalém da Califórnia. Vai instalara____Im_realimpacto ter i se na costa te com uma nova geração (Alan Blum, McHug , Robert McKay, George Psathas, Jeff Coulter) que conquista postos universitários nos departamentos de sociologia das Universidades de Nova Iorque ou de Boston. Vai ultrapassar também as fronteiras dos EUA, chegando à Inglaterra, em Londres e Manchester, onde se concentra um número importante de_etno, metodólogos, entre os quais Rod Watson, John Heritage, Douglas Benson, John Hughes, Wesley Scharrock, Bob Anderson, John Lee; na Alemanha encontramos o grupo da Universidade de Bielefeld. O avanço é bem mais lento em países como a Itália onde se observa no entanto o lançamento em 1984 de uma coletânea de textos traduzidos 22. Na França, foi preciso esperar dez anos para que a etnometologia encontrasse o seu lugar na paisagem cultural francesa. As primeiras publicações vão surgir ern 1973 23 . Em 1981, Christian Bachmann, Jacqueline Lindenfeld e Jacky Simonin publicam uma obra intitulada Langage et communications sociales (Hatier) que consagra um capítulo à etnometodologia. Somente dez anos depois é que são defendidas algumas teses de inspiração etnometodológica 24 . E recentemente, fora das grandes publicações sociológicas oficiais, algumas

22. P.P. Giglioli e A. Dal Lago, 1983: Etnometodologia, Bologna, Il Molino. 23. N. Herpin, 1973: Les sociologues américains et le siècle, Paris, PUF, "Sup"; E. Veron, 1973: Vers une logique naturelle des mondes soxiaux, Communications, 20. 24. P. Paperman, 1982: Le travou!: routines et ruptures du sens cornmun, tese de doutorado de 3 2 ciclo, Université de Paris VIII; L. Pierrot, 1983: Interactions sociales et procédures cognitiues de production de sens. Le trauail pour les femmes immigrées, tese de doutorado de 3 9 ciclo, Université de Provence; A. Ogien, 1984: Positiuité de la pratique. L'interuention en psychiatrie comme argumentation, tese de doutorado de 3' ciclo,

Université de Paris VIII. BIBLIOTECA DE CIÊNCIAS HUMANAS E •

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revistas dedicam um dossiê à Etnometodologia (cf. Bibliografia no fim do volume), A partir dos meados dos anos '80, ela é ensinada na Maison des Sciences de l'Homme, em Paris, e em várias universidades, particularmente Paris VII (Etnologia) e Paris VIII (Ciências da Educação e Sociologia), 'Dolosa e Nice.

Capítulo III

Os Conceitos-chave da Etnometodologia

A etilnletadologialorjou para si, com Garfinkel,

um

vocabulário particular. Mas nem sempre é novo, pois ora toma de empréstimo alguns de seus tersos_ alhures: a indicialidade da lingiUstica, a reflexividade da fenomenologig, a noção de -membro de Parsons: ora retoma termos da linguagem corrente modificandolhes o sentido. É o que acontece, por exemplo, com as noções de prática ou de accountability. Mas o que acima de tudo impressiona, na etnometodologia, é a complementaridade e a solidariedade de seus conceitos. Vamos apresentar aqUi - os mais acessíveis para quem descobre a etnometodologia. 1. Prática, realização Desde as primeiras linhaá do Primeiro Capítulo dos Studies, intitulado "O que é a etnometodologia?", Garfinkel nos indica que seus, estudos "abordam as atividades rá_tigas, as circunstânciaspráficas e o raciocmo sociológico prático, como ternale en-do às atividades corriqueiras e—stUdoempíïiéc-i:C-o-n-c-ed— --

da vida cotidiana a mesma atenção que habitualmente se presta aos acontecimentos extraordinários, tentaremos compreendê-los como fenômenos de direito pleno".

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atividades práticas e, em particular, o raciocínio prático, quer seja profissional ou não. Let_nonetedologia é a pesquisa empírica dos mé__ _ todos que os indivíduos utilizampar-aTdar sentido e _ ao mesmo tempo realizar as suas ações de todos os dias: comunicar-se, tomar decisCies, racioéinar."12-araPietnometodblUg-os, a etnometodologia será, portanto, o estudo dessas atividades cotidianas, quer sejam triviais ou eruditas, considerando que a própria sociologia deve ser considerada como uma atividade prática. Como observa Georgersathas, a etnometodologia se apresenta como "uma práticasbcial reflexiva que procura explicar os métodos,cle todas as práticas sociais, inclucIL:ere)sive_os_seus_próprias n-iétoros" 1 .if o-s nisto dos sociólogos qüe geralmente consideram o saber do senso comum como.:j.~-ia dologi —r----iiiriWirsTp_re=as. _a___Eu e: vo- : -e-bitip ortamento s-cl esenso comum_como os constituintes necessários . de "todo_comportamento socialmente organizado". Os etnometodólogos têm a pretensão de estar mais perto das realidades correntes da vida social que os ouro s 5-rna-se necessária uma volta à experiência, e isto exige modificar os métodos e as técnicas de coleta , dos dados bem como da construção teórica. Os etnometociólogos trabalham efetivamente com a hipótese que os fenômenos cotidianos se deformam quando exarninadps através da "grade da descri: ção científica". As descrições sociológicas ignoram a experiência prática do ator, considerado como um ser irracional. Os-etnometodólngos rejeitam as hipóteses tradicionaio• da sociologia—sobre a .realidade„_social, Segundo eles, os sociólogosupõem a priori que um sistema estável de normas e significações partilhadas pelos atores governa toda sistema social. Os conceitos

1. G. Paatha.s, 1980: Approaches to the Study of the World of Everyday Life, Human Studies, 3, p. 3-17.

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sociologia "antiga"

da sociologia, assim como as normas, as regras, as estruturas, provêm do fato de que a construção do dispositivo sociológico pressupõe a existência de um_ mundo significante exterior e indepenente rapes ..sopais. --P--ara-a sociologia essas hipóteses se tornam -de fato recursos implícitos. O que a saciologia chama de "modelos" é considerado pela etnometodologia como "as realiza_ções_contínuas. dos .atores". Para a etnometodologia, mesmo quando os fatos os contradizem, os sociólogos dão um jeito para encontrar explicações que se conformem a suas hipóteses preestabelecidas, em particular a da "constância do objeto". A etnometodologia substitui esta hipótese da "constância do obj_etQ" pela de "processo". "Onde outros vêem dados, fatos, coisas, a etnometodologia vê um processo através do qual os traços da aparente estabilidade da organização social são continuamente criados" 2. Em um artigo que se tornaria célebre, Garfinkel e Sacks afirmam (p.__353)_que__"os. fatos _sociais_,são_ as realizações dos membros".. A realidade social é constantemente criada pelos atores,.não_é_um..dado_pree ; xlstente. dor esse motivo, por exemplo, a etno~agia dá tanta atenção ao modo como os membrostomar deEiões. Em vez de fazer a hipótese, que os atores seguem regras, o interesse da etnometodologia é pôr em evidência os_métodospelsts_quais nq }-1f.nríN9 "atualizam". essaoregras. E o que as faz observáveis e descritíveis. As atividades práticas dos membros, em

2. M. Pollner, 1974: Sociological and Common-Sense Modele of the Labeling Process, in: R. Urner (Ed.), Ethnomethodology, Harmondsworth, Penguin Books, p. 27-40. H. 3. Garfinkel e H. Sacks, 1970: On Formal Structures of Practical Action, em: J.C. McKinney e E.A. Tiryakian (Eds.), Theoretical Sociology: Perspectives and Deuelopments, Nova York, Appleton-Century-Crofts, p. 337-366.

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suas atividades concretas, revelam as regras e os modos de proceder. Noutras palavras,. a observação atenciosa e a análise dos _processos apli cados nas ações permitiriarri'Or em evidAiiCia os modos..de. proceder pelos quais os..at-o-i'es. interpretam constantemente a realidade social, inventam a vida em uma.permanente briélaagm,...~rtanto de importância capital observar como os atores de senso comum o produzem e tratam a informação nos seus contatos e como utilizam a linguagem como um recurso. Em suma, como fabricam um mundo "racional" a fim de nele poderem viver. ti

:- 2. A indicialidade.

A vida sociaLse constitui através_dalinagen: não a dos gramáticos, e dos lingüistas, mas a da vida de todos os dias. Uma pessoa =versa com as outras, recebe ordens, respondaa perguntas, ensina, descreve livros de sociologia, vai ao mercado para as compras, compra e vende, .mente e trapaceia, toma parte em reuniões, faz entrevistas, tudo isso usando a mesma lingua. A partir dessa constatação é que se desenvolve a interrogação etnometodológica sobre a linguagem. Os sociólogos usam em suas pesquisas, em suas descrições e interpretações da realidade social, os mesmos recursos lingüísticos que o homem ordinário, a linguagem comum. Os sociólogos passam o tempo "à procura de remédios para as propriedades indiciais do discurso prático" 4 . Epta idéia, as expressões da linguagem ordinária são indiciais, não encontra sua origem na etnometodologia. As expressões indiciais são expressões, como por exemplo "isto", "eu", "você", etc., que tiram o seu sentido do próprio contexto. Constituíram já há muito tempo o objeto da preocupação dos

lógicos e dos lingüistas. Podem-se definir como indicialidade todas as determinaçõeS que se ligam a uma palavra, a uma situação. Indicialidade é um termo técnico, adaptado da lingüística. Isto significa que, embora uma palavra tenha uma significação trans-situacional, tem igualmente um significado distinto em toda situação particular em que é usada Sua compreensão profunda passa por "características indicati• dos indivíduos que "vão além da informação vas »5 e exige que lhes é dada". Isto designa portanto a incompletude natural das palavras, que só ganham o seu sentido "completo" no seu contexto deprodução,quando são "indexadas" a uma situação de intercâmbio lingüístico. E ainda: a indexação não esgota a integralidade do seu sentido potencial. A significação de uma palavra ou de uma expressão provém de fatores contextuais como a biogr~o_locutor, sua intenção imediata, a relação única que mantém com seu ouvinte, suas conversações passadas. O mesmo se diga quanto às conversas ou quanto aos questionários utilizados em sociologia: as palavras e as frases não têm o mesmo sentido para todos, e no entanto o tratamento "científico" que o sociólogo é levado a fazer dessas conversas faz como se existisse uma homogeneidade semântica das palavras e uma adesão comum dos indivíduos ao seu sentido. A linguagem natural é um recurso obrigatório de toda pesquisa sociológica. Para Garfinkel, as características das expressões indiciais devem ser estendidas ao conjunto da linguagem. Segundo a sua convicção, o conjunto da linguagem natural é profundamente indiciai, na medida em que, para cada membro, o significado de sua linguagem cotidiana depende do contexto em que esta lingua-

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4. Garfinkel e Sacks, 1970: On Formal Structures of Practical Action, op. cit., p. 339.

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5. Y. Bar Binai, 1954 (abril): Indexical Expressions, Mind 63, 250, p. 359-387.

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sentido independentemente das suas condições de uso e de enunciação. Wilson e Zimmerman (p. 57-58) 6 dão o exemplo desta palavra enigmática, rosebud, pronunciada por Kane em seu leito de morte, em Citizen Kane, o filme de Orson WelleS. O filme é inteiramente construído em torno da buscado significado dessa palavra, o autor do roteiro nos arrasta para diversos caminhos que logo se verificam serem impasses e, no momento em que se vai renunciar, como as personagens do filme, a compreender, pode-se entrever, nos últimos segundos do filme, apalavra escrita .no-pequeno--trenó.-de Kane, quando criança que acaba de ser lançado ao fogo pelos encarresad.Qs_darmiciEi4a.-Só então é que se pode compreender o sentido ç o caráter pungente dessa última palavra de Kane, depois de se perder em interpretações intermináveis e não satisfatórias, presos nos meandros do caráter irremediavelmente indicial do discurso e da ação'. Essa noção de indicialidade foi transposta pela etnometodologia para as ciências sociais. Ela, quer dizer que todas as formas simbólicas, como os enunciados, os gestos, as regras, as ações, comportam uma "margem de incompletude" que s6 desaparece quando elas se produzem, embora as próprias compleções anunciem um "horizonte de incompletude" 8. As situa-

6. T.P. Wilson e D.H. Zirnmerman, 1979-1980: Ethnomethodology, Sociology and Theory, Humboldt Journal of Social Relations, 7, 1, p. 752-88. 7. Observemos que as obras-primas de ficção, quer sejam cinematográficas ou literárias, exploram sempre a indicialidade imensa, irredutível, da linguagem e das situações. Aqueles que são considerados ,como os melhores cineastas, ou os melhores escritores, parecem saber explorar melhor esses fenômenos de indicialidade, isto é, aqueles que nos permitem, não saturando o seu relato, pôr em cena o nosso imaginário. 8. H. Mehan e H. Wood, 1975: The Reality of Ethnomethodology, New York, Wiley-Interscience, p. 90.

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ções sociais, aquelas que fazem a vida de todos os dias, têm uma interminável indicialidade, e o sociólogo se acha diante de "uma tarefa infinita de substituição por expressões objetivas das expressões indiciais" 9 . Por isso Garfinkel cita Husserl que falava "de expressões cujo sentido não pode ser decidido por um ouvinte sem que necessariamente saiba ou presuma alguma coisa sobre a biografia e os objetivos do usuário da expressão, das circunstâncias do enunciado, do curso anterior da conversação ou da relação particular da interação atual ou potencial que existe entre o locutor e o ouvinte" (Studies, p. 4).

Assim, diz-nos P. Pharo, "A indicialidade não se relaciona s6 com esses termos, chamados pelos lingüistas de dêicticos (isto é, indicadores de pessoa, de tempo e lugar envolvidos na interação), mas de modo mais geral com todas as expressões da linguagem ordinária cujo sentido, enquanto ocorrência de palavras-tipos, não se pode nunca reduzir pura e simplesmente à significação 'objetiva' das palavras da expressão".

Uma expressão da linguagem corrente foi minuciosamente analisada por diversos etnometodólogos m : trata-se da expressão "et caetera".. Ela desempenha muitas vezes a função de complemento de demonstração, subentende: "Você sabe muito bem o que quero dizer, não preciso insistir, definir com precisão tudo

9. P. Pharo, 1984: L'éthnométhodologie et la question de l'interprétation, em: "Argumento ethnométhodologiques". Problèmes d'épistémologie en sciences sociales, III, Paris, CEMS-EHESS, p. 145-169. 10. E. Bittner, 1963: Radicalism: A Study of the Sociology of Knowledge, Americam Sociological Reuiew, 28, p. 928.940; A. Cicourel, 1970: The Acquisition of Social Structure: lbward a Developmental Sociology of Language and Meaning, em: J.D. Douglas (Ed.), Understanding Euery• day Life, Londres, Rotledge & Kegan Paul, p. 136.168; H. Sacks, 1963: Sociological Description, Berkeley Journal of Sociology, 8, p. 1.16; trad. franc. Jacqueline Robert e Alain Coulon. Cahiers de recherche Ethno. méthodologique, n. 1, abril de 1993, Laboratoire de recherche ethnométhodologique, Université de Paris VIII.

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aquilo que se relaciona com aquilo que acabo de dizer, você pode facilmente completar por si mesmo, continuar a minha demonstração, encontrar outros exemplos para a miniia enumeração, et caetera". A regra do "et caetera" exige que um locutor e um ouvinte aceitem tacitamente e assumam juntos a existência de significações e de compreensões comuns daquilo que se diz quando as descrições são consideradas evidentes, e mesmo que não, sejam imediatamente evidentes. Isso manifesta a idéia de existir um saber comum socialmente distribuído. A isso Cicourel deu o nome de "caráter retrospectivo-prospectivo dos acontecimentos", que se acha bem "significado" na regra do "et caetera" e de suas sub-rotinas: "Expressões vagas, ambíguas ou truncadas, são identificadas pelos membros, que lhes dão significações contextuais e transcontextuais, graças ao caráter retrospectivo-prospectivo os acontecimentos que essas expressões descrevem. Os enunciados presentes dos fatos descritos, que comportam nuances ambíguas ou previsíveis, podem ser examinados prospectivamente pelo locutor-ouvinte em seus sentidos potenciais futuros, supondo assim que a completude das significações e das intenções presentes se manifestará mais tarde. Ou então comentários passados podem de repente clarificar enunciados presentes. Os princípios de completude e de conexão permitem ao ator manter um sentido da estrutura social, além do tempo dos relógios e do da experiência, a despeito-Ido caráter deliberadamente vago, ou considerado tal, da informação transmitida pelos atores no decorrer de seus intercâmbios" 11 .

Para os ló 'cos as ex ressões indiciais_ são vistas como In nvenientes, pois não permitem enunciar proposições gerais, 'ou decidir acerca da verdade d.e- urna coisa quandiá-iignoram as circunstâncias contextuais de sua préaiifflO.,Daí, mulids vezes, os sociólogos tentarem, e de modo ainda mais geral os que se dedicam • 11. A. Cicourel, 1972: Cognitivo Sociology: Language and Meaning in Social Interaction, Nova York, Free Prese, p. 87; a obra está disponível em tradução francesa: La sociologie cognitiue, Paris, PUF, 1979.

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às ciências antropo-sociais, extirpar as expressões indiciais, a fim de substituf-lás por expressões objetivas.

Mas trata-se de uma tarefa muito difícil, e mesmo impossível, pois como decidir que esta expressão é indiciai, ao passo que aquela é objetiva? Por isso Garfinkel,

mesmo que não tenha certamente introduzido o conceito de indicialidade, sugere que se examine de maneira diferente: as expressões indiciais não constituem expressões parasitas no &Correr de nossas conversas de-cada-diltr-SkTgel t5--rriesCOi n r rios e en isdtuUvos desse discurso cons ilTi25 graças ao seu uso. A linguagem cotidiana tem um. senirdo ordinárioTiiie as pessoas não sentem dificuldade para compreender. A inteligibilidade de nossos diálogos, mais do que sofrer por sua natureza indiciai, dela depende, e é o conhecimento das circunstâncias do` enunciado que nos permite atribuir-lhes um sentido preciso. E assim, ao invés de criticar a linguagem ordinária porque seria incapaz de explicar um certo númerO de princípios metodológicos, Q.arfualceLse_propõe-esturlá-in considerando o seu

caráter indiciai não como um defeito, mas

como uma

de..s. uaiiirilicipaTãcaractgrísticas,procurando como é que_usamma linguagem ordinária dando sentido, de

uma maneira rotineira.abanal,..à&expLes 'sães Falar de indicialidade significa igualmente que o sentido é sempre local e não tem generalização possível, contrariamente ao que nos desejariam fazer crer as ciências antropo-sociais. Isto quer dizer que uma palavra, por suas condições de enunciação, uma instituição, por suas condições de existência, só podem ser analisadas tomando em conta as suas situações. Por conseguinte, a análise dessas situações indiciais nunca termina: "Atentativa de limpar o mundo das expressões indiciais, que é uma tentativa de substituir por expressões objetivas as expressões indiciais, torna-se um tema de descrição e análise ao invés de um esforço para resolver o problema" 12.

12. D. Benson e J.A. Hughes, 1983: The Perspective of Ethnomethodology: Londres e Nova York, Longman, p. 115.

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3. A reflexividade Pablo se 'acha internado em um estabelecimento de readaptação`para toxicômanos. Ume represálias da parte de um outro detento recentemente posto em liberdade coridiçional e que em breve chegará também ao centro. Pablo entra em pânico diante da idéia de o outro achar que ele é um delator. Alguns anos antes, eles consumiam e vendiam drogas juntos. Ambos foram detidos, mas, somente o outro foi condenado. Assim, Pablo acha que o outro deve pensar que ele o denunciou, mas não é verdade. Quer deixar o estabelecimento, para evitar represálias, inclusive dos seus atuais companheiros que, sabendo de sua propalada delação, poderão agredi-lo, talvez até mesmo assassiná-lo. Sua "confissão" coloca Lawrence Wieder 13 na pista do código implícito em vigor entre os detentos. Wieder certamente já descobrira, desde o começo do seu estudo sobre o centro, a existência de tal código, como existe em todos os centros de detenção, mas jamais tivera a ocasião, exceto no "caso Pablo", de analisar casos de, delação, de ver funcionando esse código. Mas Rabio, durante uma conversa, diz a um educador do centro: "Você sabe muito bem que não sou um delator". Os detidos falavam facilmente desse código, verdadeira ordem moral que regia seus comportamentos cotidianos, bem como dos castigos aplicados aos "puxasacos, delatores e aos maricas". Esse código, constantemente aplicado mas não formalizado dessa•maneira pelos detidos, se referia portanto em primeiro lugar à delação, mas também por exemplo ao fato de não se queixar dos roubos de que se é vítima, compartilhar ou vender aos outros detidos a droga que se conseguiu, ,

ajudar os outros a satisfazer o seu comportamento desviante, nunca confiar nos educadores, etc. As regras do código se tornam aos olhos dos internados máximas de conduta: por exemplo, nunca delatar é sempre ficar longe e em atitude desafiadora em face dos guardas, para mostrar claramente aos outros que não há perigo de algum dia delatar os outros tendo logo adotado uma atitude de proximidade ou simples cordialidade para com os guardas. Trata-se de um modo não verbal de dizer o código. Wieder ilustra aquilo que denomina uma formulação reflexiva (p. 152), repetindo a expressão de Pablo: "Você sabe muito bem que não sou um delator". A análise desse enunciado faz aparecer diversos elementos: —Enuncia o que acaba de se passar, por exemplo: "Você me convidou a delatar". — Formula aquilo que o jovem faz quando diz: "Minha resposta é não responder". — Formula o "motivo" da não resposta, a saber, a lei do "silêncio. —Indica a distância permanente e institucionalizada entre um detido e um educador, um vigilante ou um sociólogo. —Corta de saída a possibilidade da solicitação potencial daquele que faz as perguntas, que está do outro lado da barreira.

Pode-se dizer que os primeiros elementos fazem referência à interação; os segundos, ao contexto institucional que funda, segundo Parsons, as relações entre os papéis. Mas se estes aspectos, como observa Widmer 14 postos em destaque pela análise de Wieder, podem levar a pensar em uma demarche de análise ,

14. J. Widmer, 1986: Langage et action sociale. Aspects philosophiques et 13. D.L. Wieder, 1974: IbIling the Code, em: R. '111rner (Ed.), Ethnomethodology, op. cit., p:'144472.

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séntiotiques du langage dans la perspective de l'ethnométhodologie, Tese

de doutorado em Letras, Universidade de Friburgo, Suíça.

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sociológica, na realidade estamos sempre no terreno da etnometodologia. Com efeito, admite-se que tudo aquilo que é realçado pela análise permanece amplamente implícitorna resposta do jovem interno. É uma maneira de atualizar o código em uma fórmula que é exigida pela situação presente, pela interação. Como a codificação do saber mágico de Don Juan, descrito por Castafieda", é uma tradução analítica de um conhecimento vernacular, a análise da lei do silêncio, da mesma forma é também um discurso erudito, analítico, sobre uma espécie de linguagem secreta do interdito que traduzi a lei implacável do grupo de delinqüentes. Lei que não se formula na realidade a não ser em situação e em uma interação concreta. Wieder apresenta de início a lei do silêncio dos jovens do centro como o faria um sociólogo descrevendo leis informais em "subculturas desviantes". Mas a seguir ele acentua o aspecto reflexivo e interacional dessaa.formulações. ic-rérao silêncio" é constitutiva da situação. A linguagem constitui o mundo, no decorrer das atividades indiciais. Não existe um lugar a partir do qual o mundo seria produzido; ele se auto_produz. O código não é uma coisa exterior à situação. É algo de prático, com enunciados indiciais. A interação "diz" o código. Não se pode separar o código daquilo que está codificado, isto é, o interdito constantemente ativado nas ações, no momento em que surge o perigo de transgressão do interdito. Pablo corre o perigo da transgressão. O código emerge porque Pablo teme que o código lhe seja aplicado. O código não é o objeto de conversações, de comentários mundanos entre os detentos; ele é vivido. O código é geralmente tácito, mas

ao mesmo tempo estrutura a situação. Pode aflorar à linguagem. Não se deve confundir a reflexividade com a reflexão. Quando se diz que as pessoas têm práticas reflexivas, isto significa que refletem sobre aquilo que fazem. Os membros não têm evidentemente consciência do caráter reflexivo de suas ações. Seriam incapazes, caso disso tomassem consciência, de dar prosseguimento às ações práticas a que se entregam. Como o frisa Garfinkel, os membros se desinteressam pelas circunstâncias práticas e ações práticas enquanto temas. Não se preocupam em teorizar e "consideram essa reflexividade como algo evidente. Mas reconhecem, demonstram 'e tornam observável a cada um dos outros membros o caráter racional de suas práticas concretas — o que significa ocasionais — embora / considerando essa reflexividade como uma condição inalterável e inevitável de suas pesquisas" (Studies, p. 9, e "Arguments", p. 61-65). Em vez de considerar a reflexividade_ comc _um cama-m-116 para a manufeijão: e a compreensão c.ta _ ordem social,GarfinkeLa torna ao cOntrário como uma condição primeira. Areflexividade designa portanto aspráticas que ao, mesmo descreveme constituem eo quadro social. . ._ tempo __. É a propriedade dío.1" —SITVICWesque pressupõem' ao mesmo tempo que tornam observável a mesma coisa. No decorrer de nossas atividades ordinárias, não prestamos atenção ao fato de que ao falar construímos ao mesmo tempo, enquanto fazemos nossos enunciados, o sentido, a ordem, a racionalidade daquilo que estamos fazendo naquele momento. As descrições do social se tornam, assim que proferidas, partes constitutivas

daquilo que descrevem:

15. C. Castafieda, 1972: A Journey to 'aliem, Nova York, Simon & Schuster.

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"Para os membros da sociedade, o conhecimento de senso comum dos fatos da vida social é institucionalizado como conhecimento do mundo real. O conhecimento de senso comum não pinta apenas uma sociedade real para os membros, mas, à maneira de uma profecia que

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se realiza, as características da sociedade real são produzidas pela aquiescência motivada das pessoas que já alimentam essas perspectivas" (Studies, p. 55).

.escrever iim A AituaçÃo é constitui -la,A reflexividade designa a. equivalência entre descrever e produiii.— interação, entre a compreensão e a expressão uma dess_ac.ompreensão .. E vamos ver que Garfinkel chama cle-acount o suporte, b vetor, o veículo dessa equivalência. "Fazer" uma interação é o mesmo que "dizer" a interação: &reflexividade pressupõe "que as atividades pelas quais os membros produzem e administram as situações de sua vida organizada de todos os dias sãO idênticas aos procedimentos usados ra tornar essas situações descritíveis" (Studies, p. 1).

4. A accountability No prefácio aos Studies, escreve Garfinkel: "Os estudos etnometodológicos analisam as atividades cotidianas dos.membros como também dos métodos que fazem essas mesmas atividades visivelmente racionais e relatáveis a, todos os fins práticos, isto é, descritíveis (accountable), enquanto organização ordinária das atividades de todos os dias".

Louis Quéré 6, sublinha "duas características importantes da accountability: ela é reflexiva, é racional. Dizer que ela é reflexiva é o mesmo que sublinhar que a accountability' de uma atividade e de suas circuns-

tâncias é... um elemento constitutivo dessas atividades". Dizer que é 'racional significa "sublinhar que ela é metodicamente produzida em situação, e que as atividades são inteligíveis, podem ser descritas, e avaliadas sob o aspecto de sua racionalidade". Quéré vai pedir emprestados de Garfinkel quatro exemplos de accountability: o estudo do Centro de Prevenção do

16. L. Quéré, 1984: L'argument sociologique de Garfinkel, em: 'Argumente ethnométhodologiquee", p. 100-137.

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Suicídio de Los Angeles (SPC em inglês), o caso Inês, a. descoberta do pulsar ótico e enfim uma conversação ordinária relatada e analisada nos Studies. Examinaremos os dois primeiros exemplos neste capítulo; vamos nos encontrar de novo com os dois outros quando apresentarmos os terrenos de aplicação da etnometodologia. O estudo das atividades do SPC aparece no primeiro capítulo dos Studies. Este Centro realiza, a pedido do juiz, pesqUisas sobre casos de morte não natural. Deve estabelecer se • se trata de suicídio ou de outra coisa. Garfinkel quer saber se as sondagens do pessoal do SPC são comparáveis, por seu procedimento de senso comum e de sociologia leiga, às deliberações do júri de um tribunal, à seleção dos doentes para um tratamento psiquiátrico ou aos procedimentos de codificação do conteúdo de dossiês médicos por estudantes

de sociologia, bem como "aos procedimentos profissionais, dos mais diversos, aplicados na realização de uma sondagem antropológica, lingüística, psiquiátrica ou sociológica". Na conclusão deste mesmo capítulo, Garfinkel enuncia algumas recomendações que constituem um elemento importante de metodologia em matéria de pesquisa etnometodológica. Quéré comenta essas recomendações sublinhando que existem dois níveis de análise: o da auto-organização do Centro de Pesquisas — o SPC — e o dos accounts, ou da representação do outro: "No primeiro nível o SPC se auto-organiza comorealidade objetiva ordenada, finalizada, dotada de nacionalidade e coerência. Esta auto-organização se traduz por arranjos materiais, por uma divisão do trabalho, pela definição de procedimentos de pesquisa, de procedimentos de constituição e de revisão de dossiês, de métodos de arquivamento, pelo acúmulo de recursos (informações, redes de informações, agendas com endereços, etc.). No segundo nível, o organismo constrói, mediante práticas de investigação e interpretação sobre si mesmo, accounts em que ele se lança no palco como se fosse realidade

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objetiva, dotada de lidentidade, finalidade e estrutura de ordem (racionalidade, coerência, eficiência, clareza...). Os membros têm à sua disposição, a partir dos accounts, que lhes são fornecidos e que contribuem para produzir, uma representação do organismo como realidade objetiva, racionalmente ordenada em função de fins ou de razões sociais. Esses accounts, deste modo, são parte integrante de suas circunstâncias práticas e informam a sua atividade de pesquisa; fornecem-lhes recursos para ao mesmo tempo garantir a inteligibilidade, a descritibilidade e a racionalidade de suas práticas e produzi-las q6Mo práticas ordenadas e racionais" (Quéré, p. 104). Aqui se pode compreender que os etnometodólogos procuram definir e teorizar a accountability, dizer em que os accounts são "informantes" ou "estruturantes" ,

da situação de enunciação". O segundo exemplo proposto por Quéré é a história de Inês, que ocupa todo o quinto capítulo dos Studies. Inês é um transpxual que decidiu tornar-se mulher e pediu para ser operado na clínica da UCLA, onde se apresentou em 1958, quando tinha 19 anos. Mandou extrair o pênis e substituí-lo por uma vagina..Garfinkel invervém no caso a título de perito no contexto de _uma pesquisa sobre a transexualidade, organizada pela clínica. Durante 35 horas ele conversa com Inês, que a esta altura trabalha como secretária. Ele a descreve como "uma moça bonita, com medidas impressionantes, uma pele feminina, totalmente imberbe, maquiagem discre-

mal". Essa produção do seu ser-mulher é uma tarefa prática que não cessa, jamais acabada, pois ela não possui um domínio rotineiro da feminilidade. Ela deve ao contrário controlar continuamente as próprias atitudes, quando come, quando vai à praia ou quando dissimula a sua anatomia dia.nte da amiga com a qual partilha o apartamento. Mostra assim, segundo a fórmula cara a Simone de Beauvoir: "Ninguém nasce mulher; torna-se". Em geral se nasce em um corpo de varão ou de mulher, mas em seguida é preciso tornarse culturalmente um rapaz ou uma moça e mostrar ao mesmo tempo para o próprio círculo o caráter efetivo da masculinidade ou da feminilidade. A accountability, aqui, é esta "exibição" da personalidade sexual nas atividades e nos comportamentos de cada dia. É sua declaração constantemente renovada, ao passo que de modo geral ela se vive como natural por ser rotineira. Mas Inês deve tomar cuidado no modo como faz essa "auto-apresentação", a fim de se mostrar corno um "caso da coisa real". O trabalho de instituição da sexualidade em cada um de nós é geralmente escondido e olvidado, mais ou menos como em Karl Marx os produtores esquecem a produção da mercadoria no processo da reificação". Essa reificação e esse esquecimento surgem como efeito das "disposições mediante as quais a sociedade esconde de seus membros as suas atividades de organização e os leva assim a apreender os seus traços como objetos determinados e independentes" (Studies, p. 182).

Garfinkel mostra que Inês deve continuamente exibir, em todas; as atividades da vida cotidiana, as características ctilturais da mulher considerada "nor-

Dizer_que-o_mundo_soci RI é _CLCCO untable__signifi c a que ele é algo disponívetást_oLdescritível tinteligível, relatámgL_aualiaáxd, Essa analisabilidade do mundo social, a sua descritibilidade e sua objetividade se mostram nas ações práticas dos atores. O mundo não

1'7. D.H. Zimmermann e M. Pollner, 1970: Londres, Routledge & Kegan Paul.

18. Sobre este processo de reificação, cf. J. Cabal, 1962: ce. Paris, Minuit.

ta, de porte fino, 'com pés um pouquinho grandes, voz doce, feminina, m ias grave".



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Understanding Everyday Life.

La fausse conscien-

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F ui

uuuas. cale se realiza em nossos

atos práticos. Então a etnometodologia "aborda os relatos do mundo social feitos pelos seus membros como realizações em situação, não como indícios daquilo que se passa verdadeiramente. A etnometodologia, de modo geral, se preocupa em elucidar a maneira, como os relatórios ou relatos, ou as descrições de um acontecimento, de uma relação ou de uma coisa, são produzidos em interação, de tal modo que atingem um estatuto metodológico claro, por exemplo estabelecido ou ilusório, objetivo ou subjetivo etc."

Contrariamente ao que às vezes se pretende, os etnometodólogos não tomam como descrições da realidade social os relatórios dos seus atores. A análise desses relatos ou relatórios não lhes é útil a não ser na medida em que mostra como os atores reconstituem permanentemente uma ordem social frágil e precária, a fim de se compreenderem e serem capazes de intercâmbio. A propriedade dessas descrições não é a de descrever o mundo, mas de lhes mostrar sem cessar a constituição. É o, sentido que se deve dar, em todos os estudos etnometodológicos, à expressão, tão repetitiva e tão misteriosa, de account: se eu descrevo uma cena da minha vida cotidiana, não o faço enquanto ela me "diria" o mundo que minha descrição pode interessar a um etnometodólogo, mas enquanto essa descrição, em se realizando, "fabrica" o mundo, o constrói. Tornar o mundo visível significa tornar a minha ação compreensível, descrevendo-a, pois eu mostro o seu sentido pela revelação a outrem dos processos pelos quais eu a relato.

5. A noção de membro No vocabulário etnometodológico a noção de membro não se refere à pertença social mas ao domínio da linguagem natural;_ "A noção de membro constitui o fundo do problema. Não usamos o termo em referência a uma pessoa. Refere se sobretudo ao domínio da linguagem comum, que ouvimos da maneira seguinte. Afirmamos que as pessoas, por causa do fato de falarem uma linguagem natural, acham-se de certa forma empenhadas na produção e na apresentação objetivas do saber de senso comum de seus negócios cotidianos enquanto fenômenos observáveis e relatáveis. Com uma freqüência e uma insistência universais, os membros empregam fórmulas destinadas a remediar o caráter indicial de suas expressões e, concretamente, procuram substituir as expressões indiciais por expressões objetivas" 2° . Parece até que Garfinkel teria passado da concepção parsoniana da noção de membro, que insistia na collectivity membership 21 , isto é, o fato de pertencer a uma comunidade, àquela, mais "lingüística", que sublinha o domínio da linguagem natural. Mais recentemente, conversando com Bennetta Jules-Rosette 22 , Garfinkel volta a usar o conceito de membro e rejeita mais nitidamente ainda que em 1970 a definição parsoniana do "membro": "Em uma fórmula-manifesto, falo da produção local e do caráter naturalmente `disponível-e-favorável' da ordem social. Nossas pesquisas nos remetem fatalmente a Merleau-Ponty, para reaprender o que ele nos ensinou: a nossa familiaridade com a sociedade é um milagre sem -

20. H. Garfinkel e H. Sacks, 1970: Ori Formal Structures of Practical Action, op. cit., p. 342. 21. Garfinkel indica mui claramente, nas notas das páginas 57 e 76 dos Studies, que a expressão collectivity membership deve ser tomada exatamente no sentido que lhe é atribuído por T. Parsons, em The Social System

19. D.H. Zimmerman, 1976: A Reply to Professor Coser, The American Saciologist 11 (fev.), p. 4-13.

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particularmente.

22. B. Jules-Rosette, 1985: Entretien avec Harold Garfinkel, Sociétés, n. 5, setembro, vol. I, p. 35-39.

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cessar renovado. Essa familiaridade, tal como a concebemoé, abrange o conjunto das realizações da vida cotidiana como práticas que se acham na base de toda forma de colaboração e de interação. Temos que falar das aptidões que, enquanto competência vulgar, são necessárias para as produções constitutivas do fenômeno cotidiano da ordem social. Resumimos essas competências introduzindo a noção de 'membros'. Usar a noção de 'membros' é algo que envolve

Capitulo IV

Sociologia Leiga e Sociologia Profissional

'

riscos. Na sua acepção mais comum, para nós ela é pior que inútil. O mesmo se diga quanto aos conceitos de `pessoas párticulares' ou 'indivíduos'. Certos sociólogos insistem, e segundo eles em harmonia conosco, que temos de conceber membros como indivíduos coletivamente organizados. Nós rejeitamos redondamente essa alegação. Para nós, as 'pessoas', 'pessoas particulares' e 'indivíduos' não passam de aspectos observáveis de atividades ordinárias". 'Ibrnar-se um membro significa filiar-se a um gru-, po a uma instituição, o que exige o progressivo domínio da linguagem institu.cionalcomum.. riãrriliãgõ repousa sobre a particularidade de cada um, sua maneira singular de enfrentar o mundo, de 'esfar-ncimunasanstituições soCiaié da vida cotidiana. Uma v—e-Frigados à coletividade, os membros não têm necessidade. de se interrogar sobre o que fazem. Conhecem auregtaaimplicitas_ de seus comportamentos e aceitam as rotinas inscritas nas práticas sociais. dom isso não se é um,estranho à própria cultura e, ao invés, os codiPortamenos e as perguntas de um estrangeiro podem nos parecer estranhos. Um membro não é portanto apenas uma pessoa que respira e pensa. É uma pessoa dotada de um . . conjunto_sle.modos de agir, de métodos, de atividades, de savoirfairq, que a fazem capaz de inventar disposi-CiWí.-ae adaptação para dar sentido ao mundo que a cerca. É alguém que, tendo incorporado-os etnométo, dochturn grtipo social considerado, exibe "natural-. men " a..-competência social que o_agrega_a_esse grupo —elite permite fazer-se reconhecer e aceitar.

Em 1967, um encontro organizado em Purdue reuniu durante dois dias cerca de duas dezenas de sociólogos,

que lá estavam para discutir sobre a etnometodologia. Durante esse colóquio Harold Garfinkel foi convidado pelo Presidente da sessão a precisar as relações entre a etnometodologia e a etnociência, e a se explicar assim sobre as origens da palavra'. Ele então contou como, em 1954, fora levado a trabalhar com Fred Strodtbeck e Saul Mendlovitz, que então lecionavam na Faculdade de Direito de Chicago, sobre urna pesquisa que estavam efetuando acerca dos jurados dos tribunais. Strodtbeck tinha secretamente instalado microfones na sala de deliberações do tribunal de Wichita, a fim de gravar as deliberações dos . jurados. Garfinkel se deixara impressionar pelo fato de que os jurados, sem serem formados nas técnicas jurídicas, eram capazes de examinar um crime e pro-

1. As atas deste colóquio foram publicacks por Richard J. Hill e Cuthlecn Stones Crittenden (Eds.), 1968: Proceedings of the Purdue Symposium on Ethnomethodology, Institute Monograph Series, n. 1, Insti tu te for the Study of Social Change: Purdue University (Review Symposium in American. Sociological Review, 33, 1968). A entrevista do Garfinkel (p. 5.11) foi depois parcialmente reproduzida em Ilumer, 1974, op. cit., p. 15-18. Esse extrato foi por sua vez traduzido em "Argumenta ethnométodologiques", p. 60-70, assim como em Sociétés n. 4,1985 vol. 1,p. 5-6.

,

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I

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nunciar-se sobre a culpabilidade dos seus autores. Para faztgo, lançavam mão de procedimentos e de

etnometodologia ou o termo etnometodologia eram to-

uma lágicia,de senso comum, como por exemplo distinguir o verdadeiro do falso, o provável do verossímil, eram capaies de avaliar a pertinência dos argumentos aduzidos.,do decurso do processo: "Eles samostravam preocupados com a exatidão de suas descriçõeS, de suas explicações e de seus argumentos. Não pretendiam estar usando o 'senso comum', quando utilizavam noções de 'senso comum'. Queriam agir no espírito da lei, e ao mesmo tempo queriam ser justos. Se você os pressionasse, no sentido de dizerem o que entendiam por estar no espírito da lei, a sua atitude mudava imediatamente e respondiam: 'Não sou um jurista. Ninguém pode verdadeiramente esperar de mim que eu saiba o que é legal e dizer-lhe. O jurista, afinal, é o senhor!" Havia ali práticas de avaliação, de certo modo, e de julgamento, passíveis de descrição, mas que Garfinkel não conseguia ainda designar por um termo adequado. Ele encontrou o termo etnometodologia um pouco mais tarde, em 1955, parece, e conta como o "acaso" o ajudou, não mais trabalhando com as deliberações dos jurados, mas lendo documentos etnográficos: "Eu estava trabalhando com o fichário das áreas trensculturais de Yale. Folheei por acaso o catálogo sem a intenção de encontrar esta palavra. Fui percorrendo os títulos e cheguei à secção etnobotânica, etnofisiologia e etnofísica. Ora, eu estava pesquisando jurados que aplicavam uma metodologia... Mas como dar um nome a essa habilidade, mesmo que fosse apenas para me recordar de sua substância?" "E foi assim.que a palavra etnometodologia foi usada no início. Etno sugeria de uma forma ou de outra que um membro dispõe do saber de senso comum de sua sociedade enquanto saber 'do que quer que seja'. Se se tratasse de etnobotânica, estaríamos lidando, de uma maneira ou de outra, com o conhecimento e com a compreensão que os membros têm daquilo que, para eles, constituem métodos adequados para abordar questões de botânica. É tão simples assim, e a noção de

Os jurados utilizam portanto etnométodos, isto é, uma 16gica do senso comum que "têm dentro de si mesmos", que é "encarnada" e que não é uma lógica

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mados neste sentido".

jurídica especializada tomada de empréstimo não se sabe de onde para as necessidades da causa: "Eu tinha encontrado jurados que agiam de uma maneira muito semelhante à dos habitantes das Ilhas Molucas, provavelmente quando se servem da sua terminologia etnomédica para seus problemas de etnomedicina... Pensei que eram situações aparentadas... No caso dos jurados, o bom senso das investigações de cada um dava na vista, era para todos observável e reconhecível. Era disponível, de uma maneira ou de outra, ao olhar singular de cada membro". Isto leva Garfinkel a discernir dois sentidos, não contraditórios, mas ao contrário complementares, da palavra etnometodologia: a) Ele faz expressamente a aproximação entre este termo novo — etnométodos — que ele tem que inventar para "colar um rótulo" no fenômeno que observou em seu estudo sobre o trabalho dos jurados, e de outras expressões bem definidas, tomadas de empréstimo do campo da antropologia, como a etnomedicina e a etnobotânica. Da mesma maneira que a botânica é tratada como um corpus na expressão etnobotânica, assim a metodologia, na expressão etnometodologia, é considerada como um tema de estudos e não é reduzida a uma aparelhagem científica. As metodologias — que Garfinkel designa como "raciocínio sociológico prático" — empregadas pelos membros comuns da sociedade, observados na gestão corrente dos seus negócios cotidianos, vêm a ser o corpus da pesquisa etnometodológica. Ela vai portanto interessar-se pelos métodos que eu e meus semelhantes empregamos, que nos permitem reconhecer-nos como vivendo no mesmo mundo. b) Sem terem previamente recebido alguma formação jurídica, os jurados estão de posse dos métodos

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adequados, enquanto os membros de sua sociedade conhecedores da moral de sua vida cotidiana, para comprovar a 'sua competência para julgar questões judiciárias. Esses métodos são locais, particulares de uma "tribo", e não são logo de início legíveis para um estranho. Designá-los como "etnométodos" significa marcar a pertença desses métodos a um grupo particular, a uma organização ou instituição local. A etnometodologia vem então a ser o estudo dos etnométodos que os atores utilizam no dia-a-dia, que lhes permitem viver juntos„inclusive de maneira conflitiva, e que regem as relações sociais que eles mantêm entre si. 1. Conhecimento prático e conhecimento científico 'ç A produção deluma visibilidade do social passa por uma objetivação que não é monopólio da atividade científica. Para a etnometodologia, a atividade científica é, como tal, o produto de um modo de conhecimento prático que pode, ele mesmo, tornar-se objeto de pesquisa para a sociologia, ser por sua vez cientificamente interrogado. A sociologia de Garfinkel "se institui sobre o reconhecimento da capacidade reflexiva e interpretativa própria de todo ator social" 2 . O modo de conhecimento prático é "esta faculdade de interpretação que todo indivíduo, erudito ou comum, possui e aplica na rotina de suas atividades iiiáticas cotidianas... Procedimento regido pelo senso comum, a interpretação se põe como indissociável da ação e como igualmente compartilhada pelo conjunto dos atores sociais... O modo de conhecimento científico não se distingue em nada do modo de conhecimento prático quando se considera que se acham confrontados com um problema de elucidação similar:

2. A. Ogien, 1984: Positioité de Ia pratique. L'interuention en psychiatrie comine argumentation, tese doutoral do 3 9 ciclo, Univereitá de Paris VIII, g. 62.

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nenhum deles se pode desenrolar fora do domínio de uma 'linguagem natural' e sem aplicar toda uma série de propriedades indiciais que lhe não aferentes" (ibidem , p. 70). Para os etnometodólogos, o corte epistemológico

entre conhecimenta_prático e conhecimento científico

habitualmentenãoédamesturzqoc admitido pelos sociólogos. 2. O ator social não é um idiota cultural Garfinkel subverte a relação do ator com seu meio; ele solapa a tendência sociológica que consiste em opor o desconhecido e o manifesto. Para a sociologia, com efeito, o sentido das ações dos membros só é acessível ao sociólogo profissional. Só ele, como o psicanalista diante do seu cliente, é capaz de elucidar o segredo social dos comportamentos humanos. O ator ignora a fonte de suas ações cotidianas, não sabe que vai ao museu ou que bate fotografias por ser um membro da classe média. O sociólogo cientista o trata assim, segundo a insolente fórmula de Garfinkel, como "um idiota cultural":

"Os sociólogos concebem o homem em sociedade como um idiota desprovido da capacidade de julgar... O ator social dos sociólogos é um 'idiota cultural' que produz a estabilidade da sociedade agindo em conformidade com alternativas de ação preestabelecidas e legítimas que a cultura lhe fornece" (citado em "Arguments").

3. Objetivismo e subjetivismo Podemos formalizar essa reviravolta utilizando termos que não são de Garfinkel, nem os da etnometodologia, mas que nos parecem pertinentes para indicar o lugar polêmico da etnometodologia, assim como de outras correntes contemporâneas, na sociologia: — O objetivismo isola o objetivo da pesquisa, introduz uma separação entre observadores e observados,

relega o pesquisador a uma posição de exterioridade, ,

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WIii(0.1 1

sendo este corte epistemológico julgado necessário à "objetividade" da observação; nega-se a subjetividade do pesquisador, deixa-se em suspenso, é colocada entre parêntesis, durante o tempo da pesquisa. É sempre considerada em nome da objetividade, como parasita do processo de pesquisa. A tradição objetivista vai à procura de objetos de pesquisa que aceitam as pressões dos métodos de observação e de produção que são geralmente baseados na quantificação, ou ao menos na obsessão metronômica de tudo medir; a concepção global do quadro de análise tem como base a idéia de que uma ordem ideal se reproduz, ordem na qual o ator não tem consciência do significado dos seus atos. Eis af a "fixidade", a universalidade, a estabilidade relativa desta ordem, que a faz analisável. — O subjetivismo opera na contracorrente dessas concepções: o objeto não é mais uma entidade isolada, está sempre eyi inter-relação com a pessoa que o estuda; não existe corte epistemológico, a necessária objetivação da prática leva em conta as implicações de todo o gênero ,do pesquisador, cuja subjetividade é restabelecida e analisada como um fenômeno pertencente de pleno direito ao terreno considerado, que é heuristicamente levado em conta; os métodos usados dependem mais da análise qualitativa, a única que pode ser significativa, assim como o não-mensurável; os quadros sociais resultam de uma contínua construção, de uma permanente criação das normas pelos próprios atores; 'o subjetivismo reabilita o transitório, o tendencial o,singular. Fundamentalmente, objetivismo e subjetivismo não estão de acordo quanto à natureza da ação social e quanto ao papel atribuído ao ator. Será ele manipulado, sem o saber, por determinismos que o superam? O trabalho do sociólogo consistiria, então, em mostrar os significados ocultos, em tirar para fora do seu esconderijo o trabalho clandestino dos determinismos sodais. Ou, ao contrário, como o pretende a etnometodologia, durante suas atividades cotidianas, não será

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ele capaz de raciocínio, de compreensão e de interpretação de suas ações? O papel do sociólogo, nestas condições, ficaria modificado, tendo neste caso que analisar as racionalidades demonstradas pelo ator no decurso de suas atividades correntes. Numa palavra, o ator age ou é agido? Podem - se adivinhar as conseqüências de tamanho antagonismo no campo da sociologia. São dois pontos de vista opostos, a respeito das instituições, um ligado ao objetivismo e o outro ao subjetivismo: um definirá a instituição como uma forma social definida fora dos atores, como um conjunto de normas que se impõem a eles; o outro inverterá a relação que os membros mantêm com suas instituições, que contribuem ao contrário para fabricar em uma permanente bricolagem institucional. Sem dúvida, essas questões têm sempre uma importância capital. A oposição epistemológica que encerram não é nova. Ela perpassa a reflexão sociológica desde as suas origens, com duas concepções da ciência, da prática, da racionalidade, da relação do ator com essa racionalidade e com o que significam as suas ações. Para os etnometodólogos não existe diferença de natureza entre, de um lado, os métodos empregados pelos membros de uma sociedade para se compreenderem e compreenderem o seu mundo social e, de outro lado, os métodos usados pelos sociólogos profissionais para chegarem a um conhecimento com pretensões científicas deste mesmo mundo. Garfinkel demonstra essa identidade de métodos entre sociologia leiga e profissional por um experimento ao qual consagra um capítulo dos Studies. 4. O método documentário de interpretação Garfinkel toma emprestado de Mannheim o conceito de "método documentário de interpretação" que o Autor dos Ensaios sobre a teoria do conhecimento

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reservava para o conhecimento científico s. Ele mostra que esse "método dbcumentário" já opera na sociologia leiga, isto é, nos procedimentos pelos quais as pessoas se compreendem reciprocamente e pesquisam o próprio mundo cotidiano: "O método documentário de interpretação contrasta com o método de observação literal, mas leva em conta aquilo que muitos pesquisadores em sociologia, amadores ou profissionais, fazem realmente. Segundo Mannheim, o método documentário de interpretação implica a busca de tim 'padrão idêntico homólogo subjacente a uma enorme variedade de realizações totalmente diferentes de sentido'. O método consiste em tratar uma aparência de fato como `um documento de', como capaz de 'designar' ('mostrar'), como 'sendo em nome de' um suposto, modelo subjacente. Este modelo subjacente é não apenas derivado das evidências documentárias individuais, mesas evidências documentárias individuais pOr sua vez. são interpretadas na base do que é 'conheeido' desse padrão subjacente. Cada um é utilizado para elaborar o outro" (Studies, p. 78). Wilson, por seu lado, resume o método documentário da seguinte maneira (p. 68): "É um processo que consiste em identificar um 'pattern' (padrão) subjacente a uma série-de-aparências, de tal modo que cada aparência seja considerada como referente a, como Sendo uma expressão ou um 'documento' do padrão subjacente. No entanto, o padrão subjacente como tal se identifica através de suas aparências individuais concretas, de tal sorte que as aparências que refletem o padrão e o próprio padrão se determinam reciprocamente"4 .

Deve-se compreender "pattern" como aquilo que é "accountable", isto é, relatável-observável-descritivel, que remete a um sentido, e, portanto, a um processo

3. J. Gabei, 1987: Mannheim et le marxisme hongrois. Paris. Méridiens Klincksieck. 4. T.P. Wilson, 1970: Normative and Interpretative Paradigma in Sociology, em: J.D. Douglas (Ed.), Understanding Everyday Life, Londres, Routledge & Kegan Paul, p. 57-79.

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de interpretação. Como o sublinha Jacqueline Signorini (p. 78): "O pattern é o tema, mas é também o procedimento de enunciação—dizer e como dizer: os elementos de biografia comuns a duas pessoas, a inquietude, a cumplicidade, o modo de tonduzir—a—vida—familiar..._0 pattern pertence aos elementos do conhecimento do senso comum, aos fatos socialmente sancionados. A accountability do pattern é algo que se supõe conhecido de todos. Eis por que, na organização de uma atividade prática como a conversação, continuamente se faz referência a um pattern para compreender os elementos de detalhe, os indiciais da conversação. A linguagem é deste ponto de vista o meio natural de exibição e de confecção dos patterns"5 .

Com efeito, sempre se está à procura de patterns na elaboração de nossas conversas cotidianas, caso contrário nossas trocas de idéias não teriam sentido. Os patterns subjacentes devem imperativamente ser convocados para compensar e "colocar em xeque" a irremediável indicialidade da linguagem. Mas isto não é verdade só relativamente à linguagem. O método documentário de interpretação permite ver as ações dos outros como a expressão de "patterns", e esses atterns" permitem-ver—o-que-são-as_ações. Os indivíduos desvelam para si a realidade social, eles a tornam "legível", construindo "patterns" visíveis. Sem cessar são as ações interpretadas em termos de contexto, e o contexto por sua vez compreendido como sendo o que é através dessas ações. Com isso podemos reinterpretar posteriormente certas cenas vividas, modificar nossos juízos sobre as coisas, sobre os acontecimentos.

Garfinkel pretende que esse "método" permite saber aquilo de que uma outra pessoa fala, dado que ela nunca diz exatamente o que deseja exprimir. E igualmente aplicado pelos sociólogos profissionais: 5. J. Signorini, 1985: De Garfinkel à ia communauté électronique Géocub. essai de méthodologie (et recherche dee fondements), DEA de etnologia,

Univeraité de Paris VII.

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"O método documentário é utilizado toda vez que o pesquisador constrói uma história de vida ou uma 'história natural'. A tarefa de historicização da biografia de uma pessoa repousa sobre o uso do método documentário para sele6ionar e ordenar os acontecimentos passados, de sorte que se atribua às circunstâncias presentes a sua pertinência passada e suas perspectivas futuras, O uso do método documentário não está reservado aos casos de procedimentos 'suaves' e 'descrições parciais'. Intervém igualmente em casos de procedimentos rigorosos onde se imagina que as descrições esgotam um conjunto definido de possíveis observáveis" (Studies, p. 95).

5. Um experimento O funcionamento do método documentário de interpretação se torna visível mediante uma experiência de laboratório. Garfinkel convida dez estudantes voluntários parai participarem de uma experiência que "consistia em estudar métodos alternativos de psicoterapia como um meio de aconselhar as pessoas sobre os seus problemas individuais". Cada estudante é visto individualmente por um experimentador, que lhe é apresentado como um conselheiro e orientador. Depois de ter exposto o contexto do problema sobre o qual deseja ser aconselhado, deve o estudante apresentar ao "conselheiro" ao menos dez perguntas, de tal modo que o experimentador possa responder-lhe, dizendo sim ou não, e aconselhá-lo assim do melhor modo possível. À. primeira pergunta apresentada o experimentador, que se encontra num cômodo vizinho, responde sim ou não por um interfone. O estudante deve então desligar o sistema de comunicação de sorte que o conselheiro :não possa ouvir suas observações" e registrar num megafone os comentários que faz da conversação que acaba de ter, e claro da resposta que acaba de obter. Terminado o comentário, ele de novo liga o sistema e faz a pergunta seguinte, e assim por diante até que termina a conversação. Em seguida, o

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estudante deve resumir suas impressões sobre o diáinteiro, e depois é entrevistado. As respostas "sim" ou "não" dos "conselheiros" eram de fato determinadas de antemão, graças a uma tabela de números aleatórios. No entanto, elas foram sempre consideradas pelos estudantes, mesmo quando eram surpreendentes ou contraditórias, como respostas às perguntas feitas, como se vai ver nos trechos seguintes (Studies, p. 80-88, e Signorini, 1985, p. 41logo

54).

"SUJEITO: Eis a situação em que me encontro. Sou de religião judaica, e já faz agora uns dois meses que estou saindo com uma moça que não é judia. Meu pai não se opõe abertamente a essa situação, mas eu sinto ao mesmo tempo que ela não lhe agrada verdadeiramente. Mamãe pensa que enquanto papai não se opõe abertamente a essa situação, eu deveria continuar saindo com essa moça até que ele diga explicitamente ser contra. A razão pela qual eu penso que ele não está gostando é que nunca diz: não saia com ela; mas ao mesmo tempo ele insinua e sugere algumas coisas que me deixam mal quando vou sair com essa moça. Pergunto então: você pensa que nessas circunstâncias devo continuar ou parar de sair com essa moça? Digamos, de modo mais preciso: pensa que eu deveria continuar a sair com essa moça? "EXPERIMENTADOR: Minha resposta é não. "SUJEITO: Não. Ora, é interessante. Não me parece que haja uma grande animosidade entre papai e mim mas, então, talvez ele sinta que dessa situação poderá surgir um desacordo mais profundo. Suponho, ou talvez seja mais fácil para uma pessoa de fora ver certas coisas para as quais sou cego no momento. • "Eu gostaria de fazer agora a minha segunda pergunta.

"EXPERIMENTADOR: Pois não. "SUJEITO: Você acha que eu deveria ter uma nova conversa com papai sobre esta situação, ou não? Eu 59

r: 4Csom * is

"Se, depois de ter conversado com meu pai, ele me diz para continuar a sair com essa moça, mas ao mesmo tempo ele me der a impressão de ser contra, de não querer que eu saia com ela, mas se comporta assim porque pensa em ser um bom pai, devo nessas condições continuar a sair com esta moça?

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"EXPERIMENTADOR: Minha resposta é sim.

2,61 it) 1114

_fr

deveria discutir com papai sobre o fato de sair ou não com esta moça que não é judia? "EXPERIMENTADOR: Minha resposta é sim. "SUJEITO: Bom, penso que isto é razoável mas não sei na verdade o que lhe dizer. Quero dizer que ele não parece muito compreensivo. Noutros termos, ele parece ter medo de discutir explicitamente a situação. Ao menos é o que me parece no momento. Mas imagino que valeria a pena ter uma conversa com papai, se quero de fato continuar saindo com. ela. Não estou apaixonado de verdade por ela, mas não sei verdadeiramente o ,que pode acontecer. Penso que deveríamos discutir o assunto e ver quais as futuras possibilidades e como é que ele se situa com relação a isto. Pode ser que ele não esteja tão firmemente contra porque por enquanto à6 estamos saindo juntos, mas talvez ele veja complicações futuras sobre as quais gostaria de dizer o que verdadeiramente pensa. Estou pronto para a minha terceira pergunta.

"SUJEITO: Ah! Sua resposta me causa verdadeira surpresa. Eu espprava uma resposta negativa. Isto se explica talvez pelo fato de você não conhecer meu pai e suas reações, e jele parece uma pessoa sensível e, por conseguinte, presta muita atenção à sua maneira de se comportar. Embora ele pudesse ter dito: — continue saindo com esta moça, — eu poderia talvez me sentir culpado, sabendo que ele não queria de verdade que eu continuasse saindo com ela. De fato, eu não sei o que esclareceria realmente a situação. Portanto, vamos

talvez examinar mais amplamente este ponto e isto 60

constitui o objeto de outra pergunta. Estou pronto para

a quarta pergunta, agora. "Se, depois de ter discutido isso com papai e recebido uma resposta positiva, mas percebendo ao mesmo tempo que a sua opinião não é sincera, você acha que seria bom para mim fazer minha mãe intervir, a fim de discutir seriamente com ele e tentar por conseguinte obter a verdadeira opinião de papai sobre a situação? "EXPERIMENTADOR: Minha resposta é sim. "SUJEITO: Parece-me correto. Penso que ele será talvez mais honesto com mamãe a este respeito. Com certeza, poderia haver ainda um problema. Mamãe será completamente sincera comigo? Ela parece mais liberal que papai, o que não quer dizer que mamãe mentiria, mas ela poderia ser um pouco mais liberal sobre coisas corno estas e talvez durante a conversa com papai ela se esforçasse para me apoiar e, por conseguinte, mais uma vez eu obteria duas respostas. Se continuo pensando assim, creio que não vou chegar a um primeiro elemento de resposta, mas apesar de tudo sinto que avançamos um pouco. Estou pronto para a minha quinta pergunta. "Você pensa que devo dizer a esta moça não judia, com quem estou saindo, o problema que tenho com meus pais em casa, ou deveria esperar até... mas esta é outra pergunta. Você pensa que eu deveria falar com esta moça, com quem estou saindo, sobre os problemas que tenho em casa a respeito de sua religião? ,

"EXPERIMENTADOR: Minha resposta é não. "SUJEITO: Pois bem, mais uma vez fico surpreendido. Com certeza, isso pode depender do apego que se pode ter a uma moça e do tempo que espero sair com ela. Mas pessoalmente penso que é correto, simplesmente, falar sobre o problema, pois se ela está mais comprometida que eu poderia... seria melhor para nós compreendermos a situação em sua totalidade, e se ela

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pensa que isto será um obstáculo, penso então que isso poria fim à situação, diretamente, sem que eu lhe falasse. Pareceme que eu manifestarei isto de várias maneiras e ela não ficará a par da situação verdadeira e talvez reaja contra mim de uma certa maneira, estragandO a nossa relação e todo o resto... Estou pronto para a minha sexta pergunta. "Se eu estivesse apaixonado por essa moça e desejasse fazer projetos de casamento, você acha que seria correto lhe pedir que trocasse a sua religião e adotasse a minha? • "EXPERIMENTADOR: Minha resposta é não. "SUJEITO: Então, não. Ora, estou num impasse. Não. Afinal, penso sinceramente que fui educado de uma certa maneira e creio que ela também, e acho que sou bastante apegado à minha crença. Não que eu seja totalmente ortodoxo ou algo semelhante, mas com toda a certeza sempre há pressões familiares. E estou mais ou menos certo quanto ao que ela sente, infelizmente nunca vi uma família com diferenças confessionais ter êxito realmente na sua superação. Então, não sei. Penso que eu seria talvez tentado a pedir-lhe que mudasse. Mas não acho que seria verdadeiramente capaz. Estou pronto para o número sete. "Você pensa que a situação melhoraria se fôssemos casados e se nenhum de nós desejasse falar das diferenças confessionais, ou adotar esta ou aquela opinião, e se educássemos nossos filhos em uma religião neutra, diferente daquelas em que nós dois acreditamos? "EXPERIMENTADOR: Minha resposta é sim. "SUJEITO: Então, talvez isto fosse uma solução. Se pudéssemos encontrar uma religião que integre as nossas duas crenças até um certo ponto... Percebo que isto seria quase impossível de conseguir. Talvez, em certo sentido, esta religião neutra seria uma coisa feita quase por nós mesmos. Pois eu penso honestamente que a educação religiosa, seja qual for a confissão, se

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não for levada a seus extremos, é boa. Cada pessoa deveria receber uma certa dose de educação religiosa ministrada dessa maneira. Talvez constituísse uma solução para o problema. Parece-me que eu deveria prosseguir neste sentido um pouco mais a ver exatamente o que acontece. Estou pronto para o número oito. "Se fosse para nos casarmos, seria preferível para nós vivermos em uma nova comunidade onde não teríamos contato com nossos pais, se tivéssemos que suportar muitas pressões familiares por causa de nossas diferenças religiosas? "EXPERIMENTADOR: Minha resposta é não. "SUJEITO: Ora, sinto-me tentado a concordar com esta resposta. Penso que não adianta muito fugir de um problema e talvez seria uma das coisas que acabaríamos aceitando a longo prazo, e assim nossas famílias e nós poderíamos continuar vivendo juntos em harmonia. Ao menos desejo que isso ocorresse assim, se a situação chegasse a esse ponto. Penso que será preferível para as duas famílias saber que não vamos resolver o problema se fugirmos dele. Então, o melhor é que fiquemos aqui e procuremos resolvê-lo. Estou pronto para o número nove. "Caso chegássemos a nos casar, e educar nossos filhos, você acha que deveríamos explicar e dizer a nossos filhos que tivemos outrora esta diferença religiosa, ou deveríamos nos contentar em educá - los nessa nova religião, que seria a religião deles, de que falamos, e deixá-los acreditar que era aquela na qual nós mesmos havíamos crido? "EXPERIMENTADOR: Minha resposta é não.

• "SUJEITO: Mais uma vez, estou mais ou menos de acordo com você. Penso que seria preciso dizer - lhes, pois eles o descobririam sem dúvida alguma. E se descobrirem a diferença que havia entre nós antigamente, poderão pensar que dissimulamos ou tentamos 63

esconder-lhes alguma coisa e esta não seria a melhor situação tampouco. Por isso eu creio que esta seria a melhor situação. Estou pronto para o número dez. "Você pensa que nossos filhos, se os tivermos, teriam também eles problemas religiosos por causa de n6s, seus paia,_e_de nossas dificuldades? "EXPERIMENTADOR: Minha resposta é não. "SUJEITO: Ah! não sei na verdade se devo ou não concordar com isto. Talvez tenham dificuldades, caso se estabeleça a confusão, caso se vejam numa situação em que não sabem o que é verdadeiro e o que é falso, ou que partido tomar se não querem ser bloqueados por sua religião,, Mas ao que me parece, se a religião deles fosse uma religião completa, que suprisse as necessidades de uma religião, que essa religião o garantisse, não deveria haver problemas com eles. Mas suponho que o tempo será capaz de dizer se vão aparecer tais problemas. Terminei agora meus comentários. "EXPERIMENTADOR: Pois não, também termino". Depois que o experimentador lhe entregou uma lista de pontos que poderia comentar, se quisesse, o sujeito fez o seguinte comentário após a conversação. "Ora, a conversação me pareceu unilateral pois era eu sozinho que a realizava. Mas penso que era extremamente difícil para M. McHugh responder plenamente a essas perguntas sem conhecer completamente as personalidades das diferentes pessoas envolvidas, nem como era a própria situação. As respostas que recebi, devo diier que a maioria delas era formulada talvez de maneira idêntica àquela que eu teria usado para responder, conhecendo os diferentes tipos de pessoas. Uma ou duas delas tiveram em mim o efeito de uma surpresa, e penso que a razão pela qual ele talvez respondeu desse modo a estas perguntas vem do fato de não conhecer as personalidades envolvidas e como 64

essas personalidades reagiriam ou teriam reagido a essa situação. As respostas que recebi indicavam na maioria, pelo que percebi, que ele estava bem cônscio da situação à medida que íamos avançando, no sentido

em que eu interpretava suas respostas, embora sendo por sim ou por não, como plenamente refletidas com base nas situações que eu ia lhe apresentando e tinham bastante sentido para mim. Senti que suas respostas no conjunto eram muito úteis e que ele se interessava pela situação na maior parte do tempo e não em reduzi-la ou diminuí-la deste ou daquele modo. Ouvi o que desejava ouvir na maior parte das situações apresentadas naquele momento. Talvez eu não tenha ouvido o que desejava realmente ouvir. Mas, talvez, de

um ponto de vista objetivo, fossem as melhores respostas, porque uma pessoa envolvida em uma situação é

em parte cega e não pode ter este ponto de vista objetivo... A conversação e as respostas dadas tinham, creio eu, muito sentido para mim. Creio que talvez fosse o que eu teria ouvido de alguém que conhecesse integralmente a situação. E penso que isso tinha muito sentido para mim e significava muito. Ademais, penso que as perguntas que eu fazia eram muito pertinentes e ajudavam a compreender a situação dos dois-lados, que eu mesmo, o experimentador e a minha reação às respostas, como já disse acima, estávamos de acordo a maior parte do tempo".

Trata-se aqui de um experimento extremamente rico. Mostra claramente que o sujeito não tem nenhuma dificuldade para dar continuidade ao diálogo, para ir até ao fim da série de perguntas que fora prevista. Por outro lado, embora as respostas fossem aleatórias, vê-se que o sujeito escuta as respostas do experimentador, como se fossem respostas a suas perguntas. Ele compreende "aquilo que o conselheiro tem em mente", entende "de imediato" aquilo de que fala, ou seja, o que significa. lbdos os estudantes que participaram na experiência consideraram que tinham sido realmente

"aconselhados". 65

Não houve evidentemente perguntas pré-programadas. "A pergunta que se seguia era motivada pelas possibilidades retrospectivas-prospectivas da situação presente, possibilidades modificadas por cada intercâmbio efetivo" (p. 89). "Durante a conversação, os sujeitos modificavam o sentido precedente de sua pergunta para adaptá-la à resposta em vista de uma pergunta retrospectivamente revista". "O mesmo enunciado era utilizado para responder a diversas perguntas diferentes escalonadas no tempo. Os sujeitos qualificavam isso de "clarificação nova" sobre o passado". Quando as respostas lhes pareciam insatisfatórias, os sujeitos esperavam as respostas seguintes a fim de decidirem quanto ao sentido a atribuir às precedentes. "As respostas incongruentes eram resolvidas atribuindo conhecimento e intenção ao conselheiro. Os sujeitos pressupunham aspectos conhecidos-em-comum da coldtividade como um corpo de conhecimento de senso comum admitido por cada pessoa. E referiam a esses pressupostos-padrão o que ouviam das respostas do conselheiro". O trabalho' de "documentação" consiste, aqui, em "procurar e determinar um padrão, em considerar as respostas do conselheiro como sendo motivadas pelo sentido implicado na pergunta, em esperar as respostas seguintes para clarificar o significado das precedentes, em achar respostas para as perguntas não feitas". "Os valores ¡ normais percebidos daquilo que fora aconselhado eram verificados, reconsiderados, mantidos, restabelecidos, em uma palavra, produzidos. É falso pensar, por conseguinte, no método documentário como um procedimento pelo qual as proposições são relacionadas com um corpus científico. Pelo contrário, o método documentário desenvolveu o conselho, de modo a continuamente 'reconsiderá-lo'" (p. 94).

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Falar de "método documentário de interpretação" significa, portanto, que os atores utilizam os acontecimentos em curso como recursos para interpretar as ações passadas e para descobrir e atribuir-lhes novos significados. Esse procedimento apresenta diversas características bem significativas. Por um lado, o estudante vai criando sentido a partir da interpretação que faz dos 'sim' e dos 'não' do experimentador, vividos como conselhos efetivos. Por outro lado, escolhe a cada passo elementos do contexto para dar prosseguimento à pesquisa de interpretação. Enfim, vai a cada instante construindo o quadro de referência do padrão. Assim, o que preocupa o estudante no início da sua conversa com o experimentador é que a moça, com quem está saindo, não pertence, como ele, à religião judaica. E os elementos do contexto que ele vai documentar pelo conselho são as atitudes e as intenções que ele atribui a seus progenitores, em particular ao pai. São elementos que oferecem um terreno para a interpretação. É o caráter interpretado da desaprovação do pai que a documenta como um fato percebido ao qual o estudante atribui realidade, tornando o seu problema descritivel. Observa-se desde o começo que o estudante supõe conhecidos ao experimentador os elementos do conhecimento de sentido comum que lhe permitem apreender logo o problema apresentado. O estudante acha que ele conhece a preocupação religiosa das famílias judaicas, os pormenores quase etnológicos de suas relações familiares, por exemplo, os papéis respectivos do pai e da mãe. Supõe-se que o experimentador, independentemente de suas competências científicas, compartilhe conhecimentos comuns com o estudante. Isso lhe permite considerar o conselho como resposta a seu problema. Desde a primeira pergunta, que se relaciona com o fato de continuar a sua relação com esta moça, à qual o experimentador responde não, vê-se como funciona

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a interpretação. Em vez de ouvir esse não como referente à sua namorada, em vez de relacioná-lo com a pergunta que ele mesmo fez, o estudante o interpreta como referindo-se à suposta desaprovação de seu pai. Esse não se converte em um sim que documenta o receio dos sentimentos-do-pai.—E--então começa a sondagem sobre o pai documentário, e não sobre a moça, momentaneamente posta de lado. Utilizam-se as suposições para tornar possível a interpretação: "Se depois que eu tiver falado com papai... Se eu continuo pensando assim... Se ela estiver mais apaixonnan que eu... Se eu estivesse mesmo apaixonado por esta moça..." O fato interpretado ganha no futuro a realidade que ainda não adquiriu no presente. Como se pode ver claramente pelos comentários

feitos pelo estudante, após a conversação, este caso mostra que a pesquisa realizada pelo estudante para analisar, interpretar, documentar os diversos aspectos do seu problema repousa sobre o uso implícito de um conhecimento'de senso comum que supõe compartilhado pelo experimentador. Isto mostra igualmente, como já havíamos aprendido com a psicanálise, que os conselho's são construídos pelo sujeito. Trata-se de inter:se- em - -- • pr-

classificar ou eliminar, eventualmente, "organizar" os elementos do contexto. O sujeito consulta o que ele supõe dos significados das respostas do conselheiro, e dá interminavelMente um sentido a respostas aleatórias. O sujeito é que é o operador do conselho, e não o conselheiro.

Este conhecimerito comum que supostamente é compartilhado pelo conselheiro e pelo sujeito é denominado por Garfinkel esquema de interpretação. É constituído pelos fatos sancionados socialmente. Referir-se implicitamente a esses fatos organizados do sistema social é a prova para os atores de que pertencem a uma comunidade cultural e social, que autoriza e legitima a documentação sobre certos problemas, e oferece_ca recursos de senti perm item interpre68

tar esses problemas. O conhecimento comum deve ser compreendido como um conjunto estruturado de fatos. "A arquitetura estrutural do conhecimento é transmitida com e pelos fatos... Não existe fato sancionado socialmente, e seu modo de operação ou sua descritibilidade. O fato é um dado_estrutural„constituído e constitutivo do dado"6. Nós usamos com muita freqüência este "método" nas conversas de nossa vida cotidiana. E não o encontramos apenas nas situações experimentais como no caso anteriormente estudado. Mostra aliás Garfinkel (Studies, p. 38-39) que o "método" funciona constantemente em nossa vida comum, nas conversas corriqueiras entre marido e mulher, por exemplo (ver o ponto 7 deste capítulo). Esse método nos permite reconstituir o sentido de uma conversação da qual não se pegou o início, que dá um sentido a mímicas, a gestos etc. Temos também oportunidade para aplicá-lo constantemente na linguagem cotidiana, nas conversas triviais que se têm todos os dias. A pessoa se empenha nesse trabalho de documentação cada vez que tem que decidir a respeito do sentido de uma palavra em função de um contexto. Selecionamos, modificamos, ordenamos as potencialidades de seus significados à medida que progride a conversa, que se alimenta com nossas infinitas interpretações. Aqui cada um se empenha em um trabalho interminável: em outras experiências os estudantes se confessavam incapazes de conseguir, fossem quais fossem o nível de elaboração e a sofisticação de seus comentários, dar uma descrição completamente unívoca e significante daquilo que se achava compreendido em um fragmento da conversação que lhes fora dado manter.

6. Jacqueline Signorini (op. cit., p. 102) mostra bem como funciona este fenómeno ao nos falar de seu trabalho de programação em informática: "Programar é produzir a estrutura do pensamento. Não há portanto diferença entredizer 'eu' e 'eu tenho urna idéia'. O pensamento e o objeto do pensamento são a mesma coisa. Não se pode chegar ao pensamento, o seu', mas sempre a produtos estruturados".

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6. A prática profissional Pode-se, fora de dúvida, generalizar estas reflexões e estender esta, análise ao raciocínio e à prática sociológicos. Garfinkel estima (p. 94-95) que "em toda a parte onde se pratica a pesquisa em sociologia se encontram exemplos que ilustram o uso do método documentário"'. "Seu uso se manifesta nas inúmeras oportunidades de exploração de sondagens de opinião, quando o pesquipador, voltando às notas que tomou na entrevista mi relatando as respostas de um questionário, deve decidir, o que é que o entrevistado tinha em mente.,. Quando um pesquisador se interroga sobre "o caráter motivado" de uma ação, ou sobre uma teoria, ou sobre a adesão de uma pessoa a uma justa causa, e outras coisas parecidas, ele utiliza o que de fato observou para 'documentar' um padrão subjacente. O método documentário é utilizado para resumir o objeto"8. E Garfinkel continua: "Muitas situações de pesquisas sociológicas profissionais têm as mesmas características que as situações vividas pelos estudantes" (na simulação do conselho)... Assim, por exemplo, nas entrevistas, o pesquisador recorre a "um conjunto de táticas ad hoc para adaptar se à oportunidade presente, táticas geralmente decididas em vista daquilo que o pesquisador desejaria ter achado no final da conversa. Nessas circunstâncias, mais correto seria falar de -

um pesquisador agindo em vista de satisfazer suas esperanças (p. 98)... Ocorre muitas vezes que o pesqui-

7. Na nota da p. 94, Garfinkel indica que, no seu artigo "On the Interpretation of Weltanschauung", Mannheim afirma que o método documentário é próprio das ciências sociais. Existem nas ciências sociais numerosas expressões que se referem a isso, tais como "o método compreensivo", "a introspecção compadecente", "o método analítico", "o método de intuição", "o método interpretativo", "o método clínico", "a compreensão empática", etc. As tentativas dos sociólogos para identificar uma coisa chamada "a sociologia interpretativa" implicam a referência ao método documentário com a base para encontrar e legitimar seus resultados. 8. O grifo é meu.

sador... reconsidera as seqüências passadas em uma pesquisa retrospectiva do seu caráter conclusivo... Essas características são tão facilmente reconhecíveis nas atividades cotidianas que podem ser denominadas com razão "situações de escolha dependentes do senso

comum". A idéia é: quando pesquisadores recorrem ao "caráter racional" atribuindo o estatuto de conclusões a resultados de pesquisas, encorajam o uso de tais características como contexto de interpretação para decidir acerca da racionalidade e da validade. As conclusões, enquanto resultados do método documentário, decididas nas circunstâncias de situações de escolhas do senso comum, definem a expressão de "conclusões racionais" (p. 99-100). "Uma grande parte daquilo que se pode denominar `o coração da sociologia' consiste em 'conclusões racionais'. Muitas, se não a maioria, das situações de pesquisas sociológicas são situações de escolhas que dependem do senso comum". Nós usamos sem cessar essas características, no decorrer de nossas "pesquisas", para compreender o que foi dito. Um acontecimento real é logo interpretado para documentar as circunstâncias presentes da situação. O trabalho de documentação estabelece uma correspondência de sentido entre uma ocorrência real e a ocorrência hipotética, a fim de que esta ganhe evidência, como a verificação daquilo que se quer estudar. Assim não seria o fato em si mesmo, tal como se nos apresenta, que seria submetido à análise, mas ocorrências passadas do mesmo fato ou de fatos próximos e semelhantes, dos "documentos" racionais, de senso comum, desses

fatos. Por isso acontece, como o ressalta Garfinkel, que se pode decidir esperar os desenvolvimentos futuros de uma situação para verificar que esses futuros são informados pela situação presente. Deste modo o pesquisador se entrega ao trabalho de sondagem retrospectiva que confia ao futuro a tarefa de legitimar o presente. Esse trabalho evidentemente evoca aquele a que se entrega Inês: tendo mudado de sexo, ela se serve

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das aparências presentes como de um recurso para interpretar o passado e descobrir novos significados utilizáveis no futuro de sua aprendizagem, jamais terminada, de "ser-mulher". O trabalho do método documentário é esse esforço incessante-de-ver as coisas em perspectiva, de avaliar possibilidades oferecidas, de levar em conta as condições temporais, ao qual o ator se entrega permanentemente para compreender os seus atos bem como os dos outros.

7. O raciocínio-, sociológico prático e a análise

de conversação

Um dos campos mais desenvolvidos e mais ricos da etnometodologia é sem dúvida o denominado análise de conversação 9 . A tal ponto que foi possível considerálo como um campo autônomo, separado da etnometodologia, porque se afasta da problemática habitual da sociologia. Mas, por outro lado, pode-se considerar a análise de conversação como o programa mais completo da etnometodologia. Esta prática, fundada por Harvey Sacks em meados dos anos '60, é evidentemente central pois ela_se—refera rpelo próprio objet pesquisas sobre os intercâmbios verbais, sobre as conversas corriqueiras, ao conjunto dos outros campos pelos quais a etnometodologia se interessou, mas tam-

9. Para urna apresentação mais completa da análise de conversação, cf. a obra de John Heritage, 1984: Garfinkel and Ethnomethodology, Cembridge, Polity Prese, especialmente o Capítulo 8. Há que se consultar sobretudo os cursos de Harvey Sacks, enfim publicados: Harvey Sacks, 1992: Lectures on Conversation, 2 vol., Oxford, Basil Blackwell. Em francês, apontamentos de Gail Jefferson em conferências dadas por Harvey Sacks entre 1964 e 1972 são publicados em "Argumente... op. cit., p. 138-144. Cf. também, no mesmo volume, o artigo de B. Conein, L'enquête sociologique et l'analyse du langage: les formes linguistiques de la connaieeance eociale, p. 6 30; ou ainda B. Conein, 1983: Langage ordlnaire et convereation: reeherchee socio/ogiquea en analyse du diacouro, Mote, 7, p. 124.142; e B. Conein, 1987: Les intime polltiques sont -

aceomplies locador:tent et tatuporellement. Raison présente. 82. p. 59-83.

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bém aborda outros domínios das ciências sociais e humanas. Embora a linguagem esteja constantemente no coração do problema da coleta dos dados, a sociologia não fez dela um dos seus temas de estudo. H. Sacks, pelo contrário, faz da conversação o tema central de

suas pesquisas. A análise de conversação é o estudo das estruturas e das propriedades formais da linguagem. Para poderem desenvolver-se, as nossas conversações são organizadas, respeitam uma ordem, que não temos necessidade de explicitar durante o decurso de nossas conversas, mas que é necessária para tornar inteligíveis as nossas conversações. Noutras palavras, demonstramos, no decorrer de nossas conversações, a nossa competência social para conversar com nossos semelhantes, de um lado expondo, tornando compreensíveis aos outros o nosso comportamento e, de outro lado, interpretando o comportamento dos outros. Pode-se, com John Heritage, resumir as três hipóteses principais da análise de conversação da seguinte maneira: a) a interação é estruturalmente organizada; b) as contribuições dos participantes dessa interação são contextualmente orientadas: o procedimento de indicação dos enunciados a um contexto é inevitável; c) essas duas propriedades se realizam em cada detalhe da interação, de tal sorte que nenhum detalhe pode ser posto de lado, como se fosse acidental ou não pertinente. -Garfinkel ilustrou essas propriedades pedindo a seus estudantes que transcrevessem um trecho de sua conversação familiar corriqueira e desenvolvessem o seu sentido comentando a conversação escolhida. Eis esse trecho, mostrando à esquerda a conversação tal como efetivamente ocorreu (há de se observar que o sentido é relativamente inacessível a um terceiro); à direita o comentário do estudante que "explicita" o sentido dessas conversas (Studies, p. 25-26): 73

MARIDO: Dana conseguiu colocar uma moeda no parquímetro hoje, sem que eu precisasse levantá-lo.

Hoje à tarde, quando eu ia levando Dana, nosso filho de quatro anos, para casa, ele conseguiu ficar bastante alto para pôr uma moeda no parquímetro quando paramos em uma área de estacionamento pago, enquanto até agora tinha sido preciso levantá-lo para isso.

ESPOSA: Você o levou à loja de discos?

Se ele pôs uma moeda no parquímetro, isso quer dizer que você fez uma parada com ele. Sei que você

parou na loja de discos, quando foi buscá-lo ou na volta. Era na volta, quando ele já estava contigo ou você parou em algum lugar quando ia buscá-lo ou ao voltar?

MARIDO: Não, no sapateiro.

Não, eu parei na loja de discos quando fui buscá-lo e no sapateiro quando voltava para casa com ele.

ESPOSA: Para quê?

Sei de algum motivo para você parar no sapateiro.

Qual exatamente? MARIDO: Comprei cadarços novos para os sapatos.

ESPOSA: Teus sapatos bem que precisam de saltos novos.

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Você se lembra. Outro dia arrebentei um dos cadarços dos meus sapatos marrons, e então parei para comprar novos. Eu achava que você poderia ter feito outra coisa. Podia levar os sapatos pretos que precisam de urna boa reforma. Seria bom que você cuidasse logo disso.

Os estudantes acharam que dizer, da maneira mais completa possível, o sentido de suas conversações banais da vida cotidiana é coisa bem difícil! No entanto, os protagonistas da conversa real não tinham dificuldade alguma para se compreenderem um ao outro, por meias-palavras como se diz, graças ao arranjo das seqüências, por exemplo o fato de as perguntas e as respostas serem associadas aos pares, que Sacks denominou pares adjacentes. O que significa que os enunciados são localmente organizados graças ao emprego de dispositivos como os pares adjacentes, que nos dão a trama da conversação, permite-nos compreendê-la e dar prosseguimento à conversa. Utilizamos constantemente esses procedimentos em nossas conversações. Não são os únicos: falamos por exemplo cada um em seu turno. Usamos outros ainda quando apresentamos convites, ou quando cumprimentamos alguém ou quando queremos encurtar uma conversa poderia ir longe demais. Sacks mostra a importância de conhecer o contexto no exemplo seguinte: A: Tenho um filho de catorze anos. B: Muito bem. A: Tenho também um cachorro. B: Oh! sinto muito! Não se pode compreender essa conversa, a não ser qu'e se saiba que A é um locatário potencial, e negocia com B, o proprietário de um apartamento. O tema da conversa é constituído pelos parceiros. O contexto é que torna a conversa coerente e inteligível.

O acordo sobre a construção do sentido, porém, nem sempre é tão simples assim. Pode dar margem a muitas negociações. Don Zimmerman o mostrou, por

ocasião de uma conferência que deu em Paris, em junho de 1987, analisando os mal-entendidos e o conflito que se seguiu, durante um chamado telefônico de

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urgência": um homem chama os bombeiros de Dallas (Texas) e pede que eles enviem com urgência uma ambulância porque sua mãe, diz, "está com dificuldade para respirar". Discussão, logo tensa, com o recepcionista, depois coma enfermeira que deseja falar com a mulher doente e só com ela, depois com o oficial-de--

serviço no momento. Mas a doente não pode se deslocar e, seja como' for, não está em condições de falar ao telefone. A conversa se torna um drama de incompreensão: diversas vezes o filho diz que a situação é grave, é absolutamente necessário que mandem logo uma ambulância. Nada a fazer. Ele desliga. Alguns minutos depois, torna a chamar, não é imediatamente reconhecido, e recomeça suas explicações. Quando vem finalmente a ambulância, treze minutos depois da primeira chamada, é tarde demais. A análise da conversação, automaticamente registrada nesse serviço de urgência, permite compreender como a situação de disputa e de incompreensão é construída. A discussão é uma luta de influência. Sua análise mostra as rotinas burocráticas do serviço de urgência, mas 'também as expectativas do filho, que pensa sem dúvida estar pedindo um serviço não condicional, que se deve satisfazer imediatamente—sem maiores delongas. Com o pânico a acossá-lo, ele se comporta, observa Zimmerman, como se estivesse pedindo uma pizza pelo telefone: poderia então legitimamente esperar que ninguém lhe perguntasse por quê. O serviço de urgência, sim. Por outro lado, escutando a fita e as tonalidaqes de voz dos protagonistas, podese supor, diz Zimmerman, que a enfermeira é negra e o homem que ligou é homossexual. Esses elementos

10. J. Whalen, D. Zimmerman e M.R. Whaken, 1988: When Words Fail: A Single Case Analysia, Social Problema, 35, 4, p. 336.362; trad. francesa: Une conversation fatale, Rimou, 1992, n. 55, p. 145-178; cf. também: D. Zimmerman, 1987: 8equential and Institutional Contexto in Calle for

Help,

76

The Social Psychology Quarterly,

50, 2 (junho), p. 172-185.

podem ter contribuído para documentar a conversa. Outras gravações de chamadas a esse mesmo serviço mostram que os mesmos empregados se comportam de maneira totalmente diferente, conforme o modo como lhes é apresentado o caso de urgência. Por exemplo, se a primeira frase da conversa for: "Mandem-depressa uma ambulância! Há uma crise cardíaca!", a única pergunta é esta: "Qual é o endereço?", e a ambulância parte sem demora. Isso significa que as formas da conversa determinam a sua compreensão, que é intersubjetivamente construída. No campo da linguagem como também nos outros, acha-se na análise da conversação a preocupação permanente da etnometodologia: aquela de descrever os processos que usamos para construir a ordem social. B. Conein il o mostrou em um domínio bem diverso, analisando as conversas que ocorrem durante um "comitê de greve", na época do "movimento" estudantil de dezembro de 1986, na França: "Uma gramática da ação pode realçar a competência dos participantes para produzir ações políticas (p. 59)... A competência política faz parte do conhecimento comum da estrutura social, esta competência deve ser descrita e não construída" (p. 63).

11. B. Conein, 1987: Les actions politiques sont accomplies localement et temporellement, Raison • résente 82 59-63.

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Capítulo V

Questão de Método

Um contra-senso, que se deve a uma divisão mal feita do termo, constitui muitas vezes um obstáculo para a compreensão do termo etnometodologia. Há quem pense que a etnometodologia se define como uma nova metodologia da etnologia. De modo algum. Já se viu que é preciso dividir o termo de outro modo e recordar com Garfinkel que a etnometodologia se definiu desde a origem como a "ciência" (logos) dos "etnométodos", isto é, dos procedimentos que constituem aquilo que Garfinkel denomina "o raciocínio sociológico prático". Mas, como abordar o estudo dos etnométodos, se este é o objeto da etnometodologia? Existirá uma "metodologia" nova? 1. A postura de "indiferença etnometodológica"

Os etnometodólogos não acreditam que os comportamentos e as atividades de um indivíduo sejam diretamente induzidos por sua posição social. Eles pensam que os sociólogos até agora "super-socializaram" o comp6rtamento dos atores sociais e que sua hipótese sobre a internalização das normas, provocando comportamentos "automáticos" e impensados, não explica a maneira como os atores percebem e interpretam o mundo, reconhecem o familiar e constroem o aceitável, e também não explica como as regras governam concretamente as interações.

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Como já observava Garfinkel em sua tese: "o mundo empírico do sociólogo é povoado_ por tipos" p. r— 222). O homem observo pelo soei logo uma construção _ cuja ra ciOn . ali dade_não-tem-outroobj ativo senão verificar_a_pertinênciandPlo O homem do sociólog_o_não_temliografia, não , tem história, não tem p~ -sobretudo incapaz de juizo. Qarfinkel -fazumacrítivlenj")P,comsviu ó-

log5s-j---f3ro is-si-orialii-e os atores de senso comum constroem os seus mundos da mesma maneira. A análise "não é monopólio dos filósofos nem dos sociólogos profissionais. Os membros da sociedade se envolvem na conduta social dos seus negócios e assuntos cotidianos. O estudo das atividades de senso comum consiste em considerar como fenômenos problemáticos os métodos pelos quais os membros de uma sociedade, ao fazerem sociologia, leiga ou profissional, tornam observáveis as estruturas sociais das atividades de todos os dias" (Studies, p. 75).

4 1

e 5

11

A sociologia profissional é uma atividade prática como outra qualquer e pode-se analisá-la enquanto prática. Foi isso que permitiu dizer que a etnometodologia não era nada mais nada menos que a sociologia da sociologia, o que não está errado, mas é certamente redutor. O projeto da etnometodologia é mais sutil. Insistindo nos_fundamentoà-de senso-comum-da-sociologia 'profissional, tomando-os como uma "folk discipline", ela começa a fazer parte da realidade que se propõe estudar. A pesquisa sociológica repousa em cima de uma visão do mundo tácita, de senso comum. Até as estatísticas, muitas vezes consideradas e utilizadas como limites fiáveis, indicadores seguros, não escapam a esta observação: elas dependem diretamente das capacidades de julgamento dos atores que coletam os dados, verificam, cotejam etc.' A sociologia ,

supõe que a realidade social exista, de certo modo, independentemente das pesquisas das quais é objeto. Esta é a razão pela qual os estudos sociológicos descobrem sobretudo "coisas racionais" e produzem "trabalho documentário" (Studies, p. 99-100). Para os etnometodólogos, a sociologia praticamente não ultrapassou ainda a fase da "atitude natural" da fenomenologia, sua prática ainda continua "ingênua". Mas como observa Garfinkel no Prefácio dos Studies: "Não há razão para se querelar em torno do raciocínio sociológico prático, pois as pesquisas sociológicas são práticas de ponta a ponta. Assim, essas querelas não precisam ser levadas a sério, salvo se forem consideradas como fenômenos interessantes para estudos etnometodológicos. Os estudos etnometodológicos não se destinam a trazer ou a demonstrar corretivos. São inúteis se conduzidos como ironias. Embora se destinem à preparação de manuais sobre os métodos da sociologia, não são de maneira alguma suplementos aos procedimentos estandardizados, mas distinguem-se deles" (p. VIII).

Garfinkel e Sacks definiram o que se devia entender por essa "indiferença etnometodológica": "Os estudos etnometodológicos sobre as estruturas formais se destinam ao estudo de fenômenos como, por

exemplo, suas descrições pelos-membros,quaisquer que sejam, abstendo-se de todo juízo sobre a sua pertinência, seu valor, sua importância, sua necessidade, sua "praticalidade", seu sucesso ou conseqüência. Damos a esse modo de proceder o nome de "indiferença metodológica". Nosso trabalho não consiste em modificar, elaborar, crimes que já existiam antes, mas não eram "contabilizados" da mesma maneira? As estatísticas se referem sempre às mesmas categorias de delitos? Não há agora controles mais numerosos? Trata-se de furtos, de tigressbes ou mais simplesmente de usuários que viajam sem ticket? É preciso, para responder a essas perguntas, pesquisar as pesquisas. Isso

tentam fazer em alguns de seus trabalhos J. P. Briand, J. M. Chapoulie e E. Peretz, Les atatistiques acolaires comme représentation et comme réalité, Revue française de Sociologie, XX, 4, out.-dez. de 1979, p. 669 702; J. Peneff, La fabrication statistique ou le métier du père, -

1. Os usuários do metrô parisiense podem perguntar qual o crédito que se deve dar às inúmeras declarações dos políticos, batidas com a insistência que se conhece pela grande imprensa, a respeito do "aumento da delinquancia no metrô de Paris". Como é que são fabricadas as estatísticas dos crimes, e quem sa faz? Pelos agente* da RATP, por policiais, por juízes? Será que náckhouve uma mudança na maneira de ver certos

80

-

-

2, 1984, p. 195-211; D. Merllié, 1983: Une nomenclature et sa mise en oeuvre. Les statistiquea sur ]'origine sociale des ét-udianta, Actee de la recherche en eciences sociales, 50, nov. de 1983,

Sociologie du nuvail,

"Qu'est-ce que elasserr, p. 3-47.

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contribuir, detalhar, dividir, explicar, fundamentar a relação ao raciocínio sociológico profissional, como tampouco a nossa indiferença a essas tarefas. A nossa indiferença se refere sobretudo ao conjunto do raciocínio sociológico prático, e esse raciocínio implica inevitavelmente para'nós, sejam quais forem as suas formas, o domínio da linguagem natural. O raciocínio sociológico profissional não se distingue de maneira alguma como fenômeno que chama a atenção de nossa pesquisa. As pessoas ao realizarem estudos etnometodológicos podem preocupar-se nem mais nem menos com o raciocínio sociológico profissional do que com práticas do raciocínio jurídico, do raciocínio das conversações, do raciocínio divinatório ou psiquiátrico, e assim por diante" 2 .

2. A provocação experimental Nos Studies se acham muitas observações, experiências e mesmo experimentos, como aquelas do famoso breaching que consiste em "desarrumar" as nossas rotinas. Essas rotinas se fundamentam, como observara Parsons, em uma ordem moral que é necessária para a realização de nossas ações. Essa necessidade de uma ordem moral como garantia para o bom êxito das interações acha a sua transposição etnometodológica na noção garfinkeliana da confiança, noção que dá até o título a um artigo de Garfinkel 3. Neste artigo, o Autor toma como ponto de apoio a análise de rupturas experirnentais em jogos de sociedade para mostrar, pela desarrumação (breaching), o pano-defundo moral das atividades comuns. Mas se em Parsons os parceiros se conformam a regras sociais que lhes são exteriores, embora internalizadas pela educação, em Garfinkel, pelo contrário, é graças aos modelos de último plano que se poderão interpretar as ações

2. H. Garfinkel e R. Sacks, 1970: On Formal Structures of Practical Action, op. cit., p. 345-346. 3. H. Garfinkel, 1963:A Conception of, and Experimenta with 1'rust" as a Condition of Stable, Concerted Actions, in: O.J. Harvey (Ed.), Motivation and Social Interaction, Nova York, Ronald Press.

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dos parceiros. Por exemplo, Garfinkel vai mostrar que se você e eu estamos jogando cartas, estamos a par das regras do jogo que aceitamos de comum acordo preliminar. Se saio da sala, as regras ficam simplesmente suspensas até que eu volte, e estamos sempre na relação de confiança. Mas se eu saio das regras de maneira provocadora — e posso fazê-lo para pôr à prova o último plano de confiança — produzo um escândalo que revela o a priori de confiança sem o qual as relações sociais não poderiam manter-se de forma duradoura. O escândalo não reside tanto no fato de romper a regra do jogo, mas antes, principalmente, no ter atentado contra a confiança que é a condição fundamental mas habitualmente escondida do jogo com suas regras combinadas. Todavia, o conjunto desses procedimentos não constitui um novo estoque de técnicas de campo. As técnicas aplicadas por Garfinkel, e depois por seus discípulos, fazem parte do patrimônio da sociologia qualitativa moderna. Seria inútil por conseguinte procurar aqui preceitos para estudar os fatos sociais. Aliás, o próprio Garfinkel nos adverte a esse respeito: não se trata de corrigir os procedimentos da sociologia standard, nem de escrever um novo capítulo de metodologia para os manuais de sociologia em circulação. Mas em compensação a crítica dos métodos da sociologia tradicional, e mais particularmente dos métodos quantitath os, ocupa lugar importante nas obras fundadoras da etnometodologia. A primeira delas, e a mais famosa, é aquela que Cicourel consagra em 1964 ao método e à medida nas ciências sociais. 3. A contribuição metodológica de Cicourel Aaron Cicourel foi o primeiro discípulo importante de Garfinkel. Em 1964, publica uma obra importante, intitulada Method and Measurement in Sociology 4 4. A. Cicourel, 1964: Method and Measurement in Sociology, Nova York, •• Free Presa.

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Esta obra constitui uma base epistemológica capital, pois ambiciona mostrar as interações entre teoria, métodos e dados. Cicourel tem como propósito abordar a pesquisa sociológica examinando de um ponto de vista crítico os fundamentos do método e da medida, não perdendo de vista, como o afirma MacIvers, que "a estrutura social 'é, quanto ao essencial, criada". De inicio, Cicourel precisa que ele pressupõe que as decisões metodológicas tomadas na pesquisa em ciências sociais têm as suas contrapartidas teóricas e, por outro lado, que os pressupostos teóricos dos métodos e da medida em sociologia não podem ser separados da linguagem que os sociólogos usam em sua teorização e em sua pesquisa. A primeira tarefa do sociólogo será por conseguinte esclarecer a linguagem que utiliza. A pesquisa sociológica exige uma teoria da instrumentação e uma teoria dos dados, de tal sorte que se possa distinguir entre o que depende dos procedimentos e da intervenção do observador e o material que ele denomina dados. Uma outra questão é suscitada nesse livro: a da utilização freqüente dos sistemas matemáticos e dos „sistemas de medida na pesquisa em ciências sociais. Cicourel diz não_ querer afirmar que os-fatos-socioculturais não possam ser medidos, com o auxílio das funções matemáticas existentes, mas os fatos fundamentais da ação social deveriam ser clarificados antes de impor postulados de medida que não lhes correspondem. O primeiro capítulo examina detalhadamente o problema da medida. O argumento principal é que os atuais dispositivos de medida não são válidos pois representam a imposição de procedimentos numéricos que são exteriores tanto ao mundo social observável descrito pelos sociólogos como às conceitualizações baseadas nessas descrições. Levada a seu extremo, essa

5. R.M. Maclver, Social Caueation, Boston, Ginn. 1942, p. 20-21.

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reflexão poderia sugerir que, como os conceitos sobre os quais se baseiam as teorias sociológicas não têm, por essência, propriedades numéricas, não se pode saber que propriedades numéricas procurar na realidade. Cicourel não adota uma posição tão categórica nos •capítulos seguintes, consagrados sucessivamente à observação participante, aos diálogos, aos questionários, à múltipla escolha, ao método demográfico, à análise de conteúdo, à pesquisa experimental e finalmente à lingüística. Ele não propõe aos sociólogos que cessem toda a pesquisa e toda a medida até que consigam clarificar todas as categorias fundamentais da vida cotidiana. No entanto, não se trata de tentar aperfeiçoar os sistemas de medida a fim de torná-los "melhores", mas de consolidar as fundações metodológicas da pesquisa sociológica. Os sociólogos não atribuem, segundo Cicourel, suficiente importância ao estudo das variáveis "subjetivas", em particular as que contribuem para o caráter contingente da vida cotidiana. 4. Etnometodologia, etnografia constitutiva e

sociologia qualitativa Na prática, e quando vão para uma pesquisa de campo, os etnometodólogos — corno não produziram uma tecnologia original — se vêem obrigados a usar instrumentos de pesquisa. Tomam esses instrumentos emprestados da etnografia. Para ilustrar este ponto, vamos apresentar duas contribuições: a de Hugh Mehan relativa à etnografia constitutiva, aplicada mais especialmente ao domínio da educação, ao qual ainda voltaremos, mas que vale também para o conjunto dos domínios. A ela Don Zimmerman dá o nome de tracking. A) A etnografia constitutiva Hugh Mehan propõe novo enfoque, inspirado na etnometodologia, que denomina "etnografia constitutiva". Eis em que consiste esse enfoque:

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"Os estudos de etnografia constitutiva funcionam em cima da hipótese interacionista segundo a qual as estruturas sociais são construções sociais"'. Aí se reconhece um dos princípios fundamentais da etnometodologia, segundo a qual "os fatos sociais são construções práticas". "A convicção central dos estudos constitutivos sobre a escola é que os 'fatos sociais objetivos', assim como a inteligência dos estudantes, as suas performances escolares ou seus planos de carreira, bem como as bases rotineiras do comportamento, como a organização da classe, se realizam nas interações entre professores e alunos, aplicadores de testes e estudantes, diretores e professores... A etnografia constitutiva é o estudo das atividades estruturantes que constroem os fatos sociais da educação" (p. 36).

Além dessa orientação teórica, há quatro grandes princípios característicos da etnografia constitutiva: —a disponibilidade dos dados consultáveis (documentos em áudio ou vídeo, por exemplo, ou transcrição integral); —a exaustividade do tratamento dos dados, que é um meio de luta contra a tendência a só explorar elementos favoráveis às hipóteses dos pesquisadores; — a convergência entre os pesquisadores e os participantes sobre a visão dos acontecimentos, com os pesquisadores tendo a certeza de que a estrutura que descobrem nas ações é a mesma que orienta os participantes nessas ações. Usam-se "dispositivos de verificação", como o pedido de confirmação, junto aos pesquisados, que os quadros de análise estão corretos; —a análise interacional, que evita ao mesmo tempo a redução psicológica e a reificação sociológica. Como a organização dos acontecimentos é socialmente construída, há de se procurar essa estruturação nas expressões e nos gestos dos participantes. 6. H. Mehan, 1978: Structit'tri ng School Structure, Harvard Educational Reuiew, 48, I (fev.), p. 32-64.

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Na pesquisa de campo os etnometodólogos adotam os métodos empregados por outras sociologias qualitativas ou clínicas. Os instrumentos para a coleta dos dados usados pelos etnometodólogos são extremamente variados: observação direta nas salas de aula, observação participante , diálogos, estudos dos dossiês administrativos e escolares, dos resultados aos testes, gravações em vídeo dos cursos ou das conversações de orientação, projeção do material gravado para os próprios atores, gravações dos comentários feitos no decorrer dessas projeções. Esses métodos dependem do método etnográfico que tem como indicação metodológica primeira a observação de campo, a observação dos atores em situação. Além dessas técnicas de coleta dos materiais, existe uma postura particular de pesquisa adotada pelos pesquisadores dessa corrente. Pode-se resumir pela posição expressa por Hugh Meham em sua tese: como as condições institucionais da pesquisa têm grande influência sobre a própria pesquisa, constituem um dos materiais de pesquisa: "Os problemas encontrados pela equipe de pesquisa se tornaram parte integrante da pesquisa. As interações que tivemos com os funcionários da escola, para recolher o material, não podem separar-se do próprio materiar s .

Este princípio não é tão trivial como parece à primeira vista, pois instaura o reconhecimento do caráter indicial, isto é, contextual, de todo fato social, traço que a análise deveria, em vista dessa indicialidade, evidentemente, levar em conta.

7. Esta noção de observação participante — aliás corrente na tradição sociológica, tem alguma semelhança com a noção de "competência única", ou melhor, "competência implicada" (unique adequacy) proposta por Garfinkel. Ela indica que o pesquisador deve adquirir familiaridade com o meio sobre o qual vai dirigir a sua sondagem. Garfinkel desenvolve esse ponto de vista especialmente na conversação com B. Jules-Rosette publicada em: Sociétés, n. 5. 8. H. Mehan, 1971, Ph.D., op. cit., p. 22.

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Isso foi bem observado também por outro pesquisador, Steve Woolgar que, no seu estudo em parceria com Bruno latour sobre a vida em um laboratório de pesquisa 9, levou a termo, inspirando-se na etnometodologia, o que ele 'chama de "etnografia reflexiva". A etn- grafia—refièxiva tem como propósito explicar simultaneamente o objeto da pesquisa e a demarche empregada durante a pesquisa, a partir desta hipótese: tanto aquele como esta se acham não apenas ligados, mas o conhecimento de um permite igualmente apreender melhor a outra. Vamos encontrar a mesma demarche na tese doutoral, de Carlos Castafieda, tese constituída em parte pelo "diário de viagem" do pesquisador em busca do segredo das plantas alucinógenas 19. Outra particularidade impressionante no trabalho de pesquisa que Mehan refere em sua tese: o abandono das famosas "hipóteses-de-antes-da-ida-ao campo". A equipe de pesquisa, dirigida por A. Cicourel n, não sabia

9. B. Latour e S. Woolgar, 1979: Laboratory Life, the Social Construction of Scientific Facta, Beverly Hills. Ensaio. O título (completo) da obra deles evoca evidentementeco da P. Berger e T. Luckmann (1966), The Social Construction of Reality, op. cit. 10. C. Castafieda, 1972: L'herbe du diable et la petite fumée, Paris, Plon. Em razão das normas universitárias, C. Castafieda separou nessa obra o "diário de viagem" e a análise estrutural de inspiração muito etnometodológica que lhe segue. Mas apresentou e publicou os dois ao mesmo tempo, contra a tradição etnológica que separa os géneros, como o faz por exemplo Michel Leiria ao publicar de um lado seu diário sob o título de L'Afrique fantônie , Paria, Gallimard 1934 e, de outro, memórias científicas como o trabalho consagrado à possessão e seus aspectos teatrais nos Etíopes de Gondar, em: L'Homme, Plon, 1958. René Lourau comenta, o diário . de Castafieda em Journal de terrain, journal de recherche, "account", Pratiques de formation, 11-12, p. 124-127. 11. A equipe de pesquisa era composta de Hugh Mehan, Robert MficKny, Marshall. Shumsky, Kenneth Leiter, David Roth, Kenneth e Sybillin Jennings, todos alunos de Cicourel, e trabalhando em cima de aspectos diferentes. O conjunto dessas pesquisas, realizadas em 1968 e 1969, no decorrer das quais cada um foi o "assistente" doa outros, produziu tantas teses doutorais — todas originais e defendidas em Santa Bárbara — quanto& eram os pesquisadores. Este trabalho coletivo deu também ensejo a uma obra coletiva, em 1974: A. Cicourel et alii, 1974: Language Use and School Performance, Nova York, Academic Press.

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muito bem o que procurar no início. Queriam estudar as lições nas classes, mas como o diz Mehan: "Nós não podíamos nos servir a não ser de vagos termos descritivos, como por exemplo: 'queremos observar a maneira como vocês ensinam as crianças, o tipo de estilo que usam; como decidem que uma resposta está correta ou não; queremos ver se o vocabulário de vocês coincide com o empregado pelas crianças na classe'. Essas descrições vagas eram necessárias porque não éramos de fato capazes de dizer à professora o que queríamos antes de tê-la visto, e também porque receávamos que o seu comportamento fosse influenciado por isso" (p. 26). Traço essencial da etnometodologia é exigir a descrição. Como a etnometodologia fixa para si o objetivo de mostrar os meios utilizados pelos membros para organizar a sua vida social em comum, a primeira tarefa de uma estratégia de pesquisa etnometodológica é descrever o que os membros fazem. Isto implica também a escolha deliberada de um certo localismo, que não é uma contra-indicação para uma prática científica da sociologia.

B) O tracking

Proponho que se-traduza como "espreita" termo que evoca a leitura dos romances policiais — a noção de tracking, assim como é usada por Don Zimmerman 12 uma acepção muito diferente do uso que lhe dão no em sistema educacional americano, onde esse termo designa habitualmente uma classificação dos alunos, ao mesmo tempo em grupos de nível e em grupos de currículo. Zimmerman toma o termo tracking no sentido corrente de "seguir a pista de alguém, caminhar seguindo os vestígios de alguém" 13 .

12. Documento comunicado pelo Autor, intitulado Fieldwork as a Qualttative Method. 13. Harrap's, 1984.

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Segundo Zimmerman, para se situar na posição de um indivíduo da coletividade, o pesquisador necessita levar em conta suas próprias implicações na estratégia de pesquisa. Por outro lado, adquirir "uma visão íntima de um mundo social particular" supõe compartilhar com os membros uma linguagem comum, a fim de evitar os erros de interpretação. Captar o ponto de vista dos membros não consiste simplesmente em escutar o que dizem nem mesmo em pedir-lhes que explicitem o que fazem. Isto implica situar as descrições deles em seu contexto, e considerar os relatos dos membros como instruções de pesquisa. O interesse dedicado ao ponto de vista dos membros é muitas vezes considerado o sinal de um enfoque subjetivo. Recorda Zimmerman que a noção de membro deve ser interpretada no sentido etnometodológico: chama-se de membro aquele que possui: "o domínio da linguagem natural", a competência social da coletividade em que vive. Não se deve perder de vista o princípio do diálogo etnográfico que consiste em obter de uminformante o saber socialmente sancionado de sua comunidade: suas descrições e suas explicações são reconhecidas como válidas, apropriadas, pelos outros membros competentes da comunidade. As informações recolhidas devem constituir o objeto de uma "validação intersubjetiva". Mas isto não significa de modo algum,' insiste Zimmerman, que haja qualquer transferência de competência da "autoridade analítica para os sujeitos da pesquisa". Para penetrena comunidade que se quer estudar, deve-se ter uma estratégia de ingresso, que irá variar com o campo e a pêsquisa. Mas é preciso acima de tudo prestar atenção, acha Zimmerman, ao aplicar o que eu chamaria de dispositivo de observação e pesquisa: "O etnógrafo deve encontrar os meios para estar onde tem necessidade de estar, ver e ouvir o que pode, desenvolver a confiança entre ele e os sujeitos a estudar, e

fazer muitas perguntas".

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Sem dúvida, deve-se chegar a extrair das informações coletadas o significado dos acontecimentos observados. Para tanto, o recurso evidente se encontra naquilo que dizem os indivíduos. Comentam sem cessar as suas atividades. Por exemplo, em uma universidade os estudantes falam constantemente dos seus cursos, dos professores, do trabalho universitário, mas também dos seus fins-de-semana. Deve-se portanto descrever os acontecimentos repetitivos e as atividades que constituem as rotinas do grupo que se estuda. Deve-se estar ao mesmo tempo em posição exterior para escutar e ser um participante das conversações naturais onde emergem as significações das rotinas dos participantes. "Pôr-se à espreita" (tracking) é um dos traços da observação participante. Isto consiste em observar o maior número de situações possíveis no decorrer da pesquisa de campo. Pela "espreita", o pesquisador tenta ver aquilo que o sujeito vê. A pesquisa assume a forma de reportagem quando, por exemplo, se refere às atividades da polícia, quando se pode mostrar que elas são de fato atividades rotineiras "espreitando" os policiais, como o fez Raymond Depardon em Faits divers, título evocador de um filme que se pode considerar como excelente ilustração da problemática etnometodológica. A "espreita" etnográfica é uma solução para o problema da posição do observador face à diversidade dos comportamentos sociais. Permite não apenas observá-los, mas também descobrir o que os participantes dizem a esse respeito. Naturalmente, supõe-se aqui que o pesquisador possa deslocar-se livremente no interior do seu quadro de pesquisa.

Esta estratégia de pesquisa tem como base esta idéia: "a vida social é metodicamente realizada pelos membros. Nas características dessas realizações residem as h),00-A- propriedades dos fatos sociais da vida cotidiana: o cará- th- , ter repetitivo, rotineiro, padronizado, transpessoal e

trans-situacional dos modelos da atividade social do ponto de vista do membro".

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A construção do mundo social pelos membros é metódica. Apóia-se nos recursos culturais comuns que permitem não somente construí-lo mas reconhecê-lo: "Uma compreensão detalhada dos métodos dos membros para produzir e reconhecer os seus objetos sociais, acontecimentos, atividades... serve também para impor uma disciplina aos analistas da atividade social... Só quando se sabe como os membros constroem as suas atividades é que se pode ter razoável certeza do que são realmente essas atividades".

Este último trecho constitui um resumo feliz da doutrina etnometodológica: é uma doutrina, como diz Mehan. fundamentalmente ,•enstrutivista 14 . O segredo da aglutinação social não reside nas estatísticas produzidas por membros "peritos" e utilizadas ppr. outros "especialistas sociais" que se esqueceram 'do seu caráter reificado. Ele se desvela ao contrário pela análise dos etnométodos, isto é, dos procedimentos que os membros de uma forma social usam para produzir e reconhecer o seu mundo, para torná-lo familiar aglutinando-o.

Capítulo VI

O Trabalho de Campo

construtivista

Os etnometodólogos consagraram, desde a origem do movimento, a maioria dos seus estudos a problemas de sociedade. Já, como se viu, nos escritos juvenis do seu período pré-etnometodológico, Garfmkel se ocupa com tribunais e criminologia. Ele continua com estudos sobre as decisões tomadas pelos jurados, ou as pesquisas a respeito de suicídios... Todas as teses defendidas na corrente etnometodológica têm como objeto um problema social e como demarche a abordagem qualitativa de campo, segundo procedimentos geralmente tomados de empréstimo à etnografia, como se acaba de ver. Mas a ruptura com a sociologia positivista ocorre alhures, não nas técnicas de campo: ela reside no fato de que, para cada domínio estudado, os etnometodólogos põem ênfase nas atividades interacionais que constituem os fatos sociais. Os fatos sociais não são coisas, mas realizações práticas: eis, enunciado na linguagem de Garfinkel, o novo paradigma sociológico que é, como se viu, o resultado de toda uma corrente da sociologia americana e que servirá de fio condutor para cada

pesquisa de campo. 14. H. Mehan, 1982: Le constructivisme social en psychologie et en sociologia, Sociologiee et Sociétés, XIV, 2, p. 77-95.

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Esses campos ou terrenos correspondem a alguns dos grandes domínios de pesquisa da sociologia, entre os quais: 93

— a educação que deu lugar a numerosas pesquisas': descreveram-se as interações nas classes e a organização das lições, as práticas dos testes e de exames, os procedimentos de conselho e orientação 2 , a "desigualdade em ato" 3 ou ainda, no campo do ensino superior, a aprendizagem da "profissão" de estudante': —o sistema judiciário, os tribunais e as prisões, bem como as práticas policiais que são um terreno particularmente explorado pela etnometodologia; devese destac'ar aqui os trabalhos de Bittner, de Garfinkel (Studies, p. 104-115), de Cicourel, de Emerson, de Sacks, de Wieder, de Pollner 5 . Esses Autores descreveram as práticas empregadas pela Polícia para estabelecer os "fatos criminosos" e pelos juízes e pelos tribunais, bem como pelos homens da lei, para constituir os "fatos judiciários"; —as práticas médicas, e sobretudo a gestão da morte nos hospitais,5, as categorizações formais e informais dos pacientes. (Studies, p. 186-207), as práticas de

1. Cf. A. Coulon, 1993: Ethnométhodologie et éducation, Paris, PUF. Traduzido pela Vozes (1995). 2. Além dos já citados trabalhos de Hugh Mehan e Cicourel, convém mencionar outro artigo importante de H. Mehan, 1980: The Competent Student, Anthropology and Education Quarterly, XI, 3, p. 131.152. 3. J.E. Rosenbaum, 1976: Making Inequality, Nova York, Wiley. 4. A. Coulon, 1990: Le métier d'étudiant. Approches ethnométhodologique et institutionnelle de l'entrée dans la uie uniuersitaire, Use de doutorado de Estado, Université de Paris VIII, 3 vol. 1130 p. 5. E. Bittner, 1967: The pOlice, on skid-row, American Sociological Reuiew, 32, p. 699.715; A. Cicourel, 1968: The Social Organization of Juuenile Justice, Nova York, Wiley; R. Emerson, 1969: Judging Delinquents, Chicago, Aldine; H. Sacks, 1972: Notes on Police Assessment of Moral Character, in D. Sudnow (Ed.), Studies in Interaction, Nova York, The Free Press, p. 280-293;t.L. Wieder, 1974: IbIling the Code, in R. Turner (Ed.), Ethnomethodology, Harmondsworth, Penguin Books, p. 144-172; M. Pollner, 1974: Socio)ogical and Common-Senses Modele of the Labelling Process, in R. Turner (Ed.), Ethnomethodology, Harmondsworth, Penguin Books, p. 27-4Q. 6. D. Sudnow, 1967: Passing on: The Social Organization of Dying, Englewood CEM, N.J. Prentice Hall.

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diagnóstico, de atendimento, de tratamento e de trabalho social nos hospitais psiquiátricos e os serviços hospitalares para as doenças mentais': — os processos organizacionais. Bittner submeteu o conceito de organização e o ideal-tipo weberiano a uma análise crítica. Zimmerman estudou as interações no interior do sistema organizacional 5 ; —a pesquisa científica: Garfinkel se interessou, com diversos pesquisadores trabalhando sob a sua direção, como Michael Lynch e Eric Livingstone, pelas atividades de laboratório da pesquisa científica. E Livingstone fez a sua tese sobre o trabalho dos matemáticos. Lynch consagrou a sua tese ao problema do artefato num laboratório científico s . Além disso: —diversos etnólogos não demoraram a se interessar pela orientação etnometodológica. Podem-se citar,

7. A. Ogien, 1984: Positivité de la pratique. L'interuention en psychiatrie comme argumentation, tese de doutorado do 3 2 ciclo, Université de Paris VIII. 8. E. Bittner, 1965: The Concept of Organization, in R. Turner (Ed.), 1974: Ethnomethodology, Harmondsworth, Penguin Books, p. 69-81. D.H. Zimmerman, 1969: Fact as a Practical Accomplishment, in R. Turner (Ed.), 1974: Ethnomethodology, Harmondsworth, Penguin Books, p. 128-143. 9. H. Garfinkel, M. Lynch e E. Livingston, 1981: The Work of a Discovering Science Construed with Materiais from the Optically Discovered Pulsar, Philosophy of Social Sciences, 11, p. 131-158; E. Livingston, 1978: An Ethnomethodological Inuestigation of the Foundations of Mathematics, Ph.D. dissertation, University of California at Los Angeles; M. Lynch, 1979: Art and Artefact in Laboratory Science: a Study of Shop Work and Shop Tolk in a Research Laboratory, Ph.D. dissertation, University of California at Irvine. Também se pode consultar a este respeito D. Bloor, 1976:Knowledge and Social Imagery, Londres, Routledge & Kegan Paul (trad. francesa 1982: Socio(logie) (de la) logique, les limites de l'épistémologie, Paris, coll. 8Pandore", bem como a obra já citada de B. Latour e S. Woolgar, 1979: Laboratory Life, op. cit.

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entre outros, Moerman, Bellman, Jules-Rosette, Castafieda"; — Bittner se interessou pelos movimentos políticos radicais. Em época mais recente, Georges Lapassade, Bernard Conein e Louis Quéré tentaram definir as bases etnometodológicas de um estudo sobre o movimento estudantil do outono de 1986 11 . Apresentar-se-ão agora, a titulo de ilustração, alguns dos assuntotá abordados em uma perspectiva etnometodológica. 1. A educação A maior parte dos estudos de sociologia da educação, segundo acredita Mehan, aborda as estruturas sociais como se fossem "fatos sociais", obrigatórios e objetivos: "Procurando relações estatísticas entre essas estruturas, esses estudos não chegam a considerar a maneira pela qual,,esses fatos sociais são produzidos" 12 .

Tudo se passa como se a educação, como processo, fosse tratada como uma "caixa-preta", que se esquece propositalmente de analisar, para se interessar apenas pela entrada e pela saída. Colocam-se, na entrada do sistema, variáveis "input" (sexo, idade, CSP dos

1

10. M. Moerman, 1968: Accomplishing Ethnicity, in R. nirner (Ed.), Ethnomethodology, Harmondsworth, Penguin Books, p. 54-68; B. Bellman, 1975: Village of Curers anui Assassina, La Haye, Mounton; B. Bellman, 1984: The Language ofSebrecy, New Brunswick, NJ, Rutgera University Press; B. Jules-Rosette, 1975: African Apostles: Ritual and Conuersion in the Church of John Maranke, Ithaca, Nova York, Cornell University Press; C. CastaSeda, 1068: The Teaching of Don Juan, Berkeley, University of California Press (trad. franc. 1972: L'herbe du diable et la petite fumée, Paris, Plon, "10-18" (há tradução brasileira). 11. E. Bittner, 1963: Radicalism: A Study of the SociolOgy of Knowledge, American Sociological Review, 28, p. 928-940; G. Lapassade, B. Conein e L. Quéré, 1987: Comment comprendre le mouvement?, Raison présen • te, 82, p. 9-16. 12. H. Mehan, 1978: Structuring School Structure, Harvard Educational Review, 48, 1 (fev.), p. 32 .

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pais, pertença étnica); e obtêm-se, na saída, fracasso escolar, desistências, de maneira que "o filho terá a mesma profissão do pai" e a desigualdade se reproduz. Mas não se vê como é que essa reprodução é fabricada dentro da "caixa-preta", ou seja, a escola. Embora a educação seja uma variável muito importante em suas próprias teorias, os sociólogos da educação não examinaram diretamente os processos educacionais. Acredita Mehan que o estudo das condições concretas em que se desenrola cotidianamente o processo educativo é indispensável para quem quer compreender a influência da escola sobre a vida futura das pessoas. Ele quer mostrar concretamente como fatores tais como o número de alunos por sala de aula, os métodos pedagógicos ou ainda o tamanho das salas dos cursos, "operam em situações educativas práticas". Da mesma forma, a influência de fatores como a classe social, a raça, a atitude do/a professor/a, deve ser mostrada em sitliação, nas interações entre os parceiros do ato educativo: "As performances dos alunos na escola não são independentes dos procedimentos avaliativos produzidos pelos accounts dos sucessos, das capacidades e dos progressos dos alunos. Análises sobre a estruturação da estrutura escolar foram realizadas em dispositivos particularmente importantes na orientação dos alunos: em classe ou no momento dos exames ou nos encontros com conselheiros de orientação. Todas elas mostraram que os fatos educativos próprios desses dispositivos se aglutinam nas interações entre os participantes... O estudo das sessões de orientação mostrou como as escolhas de orientação dos estudantes são estruturadas na interação entre os orientadores e os alunos no decorrer de suas entrevistas" (p. 40).

A) As interações na sala de aula

Quando se observa uma classe, diz Mehan, ela nos parece organizada: os professores e os alunos falam cada um em sua vez, em momentos bem precisos. Os alunos escrevem, fazem trabalhos em pequenos grupos 97

ou lêem em silêncio. Em suma, estamos diante de uma verdadeira organização social. Trata-se, é claro, de uma ordem instituída. É a maneira como nascem e se estruturam essas instituições que se trata de analisar. Mehan e seus colaboradores "videoscopiaram" uma sala de aula, com alunos de etnias e idades diferentes, durante um ano escolar. Analisaram nove cursos e mostraram que é o trabalho de interação entre os professores e os alunos que produz esta organização da classe. Os professores e os alunos marcam as fronteiras das seqüências interacionais, dos intercâmbios temáticos, das fases e até das lições, por modificações dos seus comportamentos gestuais, paralingüísticos e verbais. Essas mudanças de comportamento têm como função indicar aos interlocutores onde é que estão no decurso de suas intercomunicações. Essas mudanças estruturam a situação de intercâmbio. Pode-se dizer que eles são marcadores ou delimitadores das situações. Permitem a cada um situar-se na temporalidade da sala de aula. Centrando-se nas interações durante a aula, Mehan" mostra que boa quantidade de atividades aí se desenrola simultaneamente. Os alunos desenvolvem conscientemente as suas próprias estratégias a fim de levar a bom termo objetivos independentes daqueles do professor e governar assim os seus próprios assuntos. Nisso mostram os alunos a sua "competência interacional". Um certo número de regras gerais é baixado pelo professor, como por exemplo: "não correr na sala de aula", "ser limpo", "respeitar os outros", mas nenhuma dessas regras diz quando e como devem ser aplicadas. Os alunos devem descobrir em cada situação, nas interações que realizam entre si mesmos e com o professor, a significação e o funcionamento dessas reconstrução do senso comum das regras sociais

13. H. Mehan, 1979: Learning Lessons, Cambridge, Masa., Harvard Univereity Press, cf. também H. Mehan, 1980: The Competent Student, Anthropology and Education Quarterly, XI, 3, p. 131.152.

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Bras. Um aluno competente será portanto

aquele que conseguir realizar a síntese entre o conteúdo acadêmico e as formas interacionais necessárias à realização de uma tarefa. Toda separação da forma e do conteúdo será imediatamente interpretada pelo professor como o sinal de uma incompetência. Isso deveria levar-nos a uma nova definição da capacidade de um aluno, como o mostraram aliás as pesquisas dos etnometodólogos da educação sobre os exames, de um lado, e os diálogos de orientação, de outro. B) Os testes e os exames Mehan estudou a maneira como as respostas são produzidas no decurso da aplicação dos testes. Já se mostrou que a significação das perguntas, contrariamente a uma das hipóteses fundadoras do próprio princípio dos testes, não é a mesma para todos. O sentido deles não é compartilhado, bem longe disso, entre os adultos que aplicam os testes e os alunos testados. As respostas falhas provêm no mais das vezes de uma interpretação diferente do material conceitual utilizado, e não de uma falta de conhecimentos ou de incapacidade para raciocinar corretamente. Vê-se então claramente que tratar os resultados nos testes como fatos objetivos dissimula os processos mediante os quais os alunos chegam a elaborar suas respostas. Entretanto essa elaboração deveria ser julgada fundamental pelos educadores, pois o seu exame permitiria avaliar as capacidades reais de raciocínio dos alunos. Mehan registra com o auxílio de um magnetoscópio a aplicação do WISC 14 a crianças da zona rural de Indiana. Normalmente, os aplicadores do teste devem anotar, assim que o aluno respondeu, O, 1 ou 2, em função da qualidade da resposta do aluno, e passar logo à pergunta seguinte. De fato, a análise do filme mostra

14. Weschler Intelligence Scale for Children (WISC).

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■•••■••••114MR,

que, dentre 65 perguntas, 21 foram "parasitadas" por intervenções do aplicador do teste, que ora repetia a pergunta, ora dava indicações ou incitava o aluno a dar uma segunda resposta, o que tinha como efeito aumentar o seu escore de 1 para 2 em 50% dos casos. O escore final de um aluno pôde assim ser 27% superior ao que teria sido se ele não tivesse sido ajudado pelo aplicador do teste. Em Outro teste, as crianças solicitadas pela pessoa que aplicava o teste aumentaram 44% o número de suas respostas corretas. Tomar os resultados de um teste como um fato objetivo dissim;ffla portanto três tipos de mecanismos: — aquele pelo qual os alunos interpretam as perguntas

e o material apresentado, para chegar a uma resposta; —aqiiele pelo qual o aplicador do teste interpráta e escolhe aquilo que, entre muitos comportamentos, constitui uma resposta válida; —enfim, aquele pelo qual os aplicadores dos testes e os alunos produzein conjuntamente as respostas no decorrer da aplicação do teste.

C) Os orientadores escolares

Erikson examinou o papel desempenhado

-

pelo;,

orientadores no processo de seleção dos alunos'''. ièndo trabalhado como orientadores em um bairro negro de uma grande cidade americana, a seleção e a discriminação racial de que foi testemunha cotidiana durante três anos o levaram a interrogar-se sobre o papel desses orientadores de todos os tipos, encarregados de manter a ordem social branca. Mais tarde, tendo-se tornado professor universitário, decidiu analisar os encontros que os alunos dos liceus têm com esses orientadores, cuja influência é muito grande. O papel desses orientadores é ambíguo: são ao mesmo tempo os defensores dos alunos e os juízes empregados pela administração: "A certos estudantes a sociedade e a escola são apresen-

tadas como uma estrutura aberta, em que podem escolher o que querem e agir efetivamente para atingirem o seu fim. A outros são apresentadas como uma estrutura fechada, em que os indivíduos não escolhem por si mesmos e onde há muitos obstáculos a transpor. Segundo a atitude que os conselheiros decidem adotar, os estudantes vivem os conselhos recebidos como estímulos positivos ou como restrições" (p. 46).

Os orientadores desempenham um papel importante no aconselhamento dos alunos particularmente no segundo grau. Cicourel e Kitsuse ig mostraram como decisões arbitrárias, com base no racismo e em preconceitos sócio-econômicos ligados às suas representações, podiam ser tomadas pelos orientadores dos liceus a propósito da passagem para o ensino superior. Os trabalhos etnometodológicos em educação têm como propósito analisar como é que são tomadas essas decisões, capitais para o futuro dos estudantes.

Os orientadores não tratam os alunos da mesma maneira. Supõe-se que as entrevistas se desenrolem na base de critérios objetivos e universais mas, de fato, os participantes deixam escapar constantemente, no decurso das interações, informações particulares que são de fato "sinais" que fundamentam a orientação. Assim pôde Erikson constatar que os alunos que estabelecem um bom grau de comunicação — falando de si mesmos, de suas atividades esportivas, dos interesses comuns com o orientador — beneficiam-se de conselhos mais positivos. Ele mesmo descobriu, analisando minuciosamente as gravações dos diálogos, que havia às

15. A. Cicourel e J. Kitause, 1963: The Educational Decision Makers, Indianapolis, Bobbs-Merrill.

16. F. Erikson, 1975: Gatekeeping and the Melting Pot: Interaction in Counselin Encounters Harvard Ed ai' • nal

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• • 1

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vezes um verdadeiro acordo corporal — respiração no mesmo ritmo, vozes macias e harmoniosas, gestos sincronizados — entre o orientador e o estudante. As decisões de orientação, tomadas no decorrer das interações, dependem portanto do juízo subjetivo do orientador, das representações que ele se faz do aluno. Utilizam-se algumas características, outras não. Constituem o objeto de uma triagem totalmente subjetiva, arbitrária: às vezes se dá ênfase às notas escolares, à maneira de se vestir, ao porte atlético. Ora se dará preferência à raça, ao sexo, à beleza física, à maneira de falar. Ora ainda ao poder aquisitivo, à provável classe social, à distinção etc. Muitos desses atributos são determinados pelo acaso do nascimento e nada têm a ver com qualquer mérito escolar. Mas o processo real dessa seleção desaparece por trás do diagnóstico do orientador. Assim os estudos etnometodológicos da classe e das instituições escolares nos ajudam a compreender os mecanismos cotidianos, ordinários, pelos quais se organiza e se produz localmente a seleção social. Esses mecanismos da "desigualdade em ato" 17 são encarnados nas situações interacionais, inúmeras, da escola no dia-a-dia. A seleção escolar que alimenta a reprodução social não se faz simplesmente sozinha. A demonstração etnometodológica não tem evidentemente como intuito acusar ou culpabilizar o corpo docente, o dos orientadores ou o , dos administradores escolares. Muito ao contrário, permitindo o acesso aos mecanismos dessas interações'e à sua compreensão, poderia contribuir para modificá-los. Os trabalhos de sociologia da educação raramente fogem a um certo fisicalismo objetivista, que tendp a representar-se o mundo como constituído de uma série de classificações objetivas, independentes da intervenção do sociólogo. Por isso a

17. J.E. Rosenbatun, 1976: Making Inequality, Nova York, Wiley.

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etnometodologia nos parece extremamente fecunda. Abrindo a "caixa-preta" da instituição escolar, a etnometodologia permite que se veja, segundo a expressão de Mehan, toda uma maquinaria interacional habitualmente dissimulada, feita de relações verbais e não verbais. Ela mostra como os fatos educativos "objetivos" emergem das atividades estruturantes que são a seguir escondidas por um processo de reificação.

D) A profissão de estudante Este fenômeno é particularmente visível quando se examinam as práticas de filiação graças às quais um calouro, durante as primeiras semanas de seu ingresso na vida universitária, deve aprender aquilo que designei como a sua "profissão", quando passa do grau de calouro para o de universitário u . A filiação é um processo que consiste em descobrir e apropriar-se das rotinas e das evidências — os etnométodos — dissimuladas nas práticas do ensino superior, sem o que o calouro não poderá agregar-se ao seu novo grupo, e logo estará em situação de fracasso ou abandono. Mostrei que não reconhecer, decifrar e depois incorporar os códigos clandestinos que governam os intercâmbios sociais universitários constitui uma das principais razões dos abandonos e dos fracassos que ocorrem tantas vezes no decurso do primeiro ano de universidade. Para ter sucesso na Universidade, é necessário mostrar a sua competência de estudante, tendo aprendido a manipular a praticalidade das regras fundadoras do trabalho universitário e fazer uso metafórico dessas regras. Um estudante faz que se reconheça a sua competência mostrando socialmente que se tornou membro, isto é, que agora consegue categorizar o mundo da mesma forma que a comunidade universitária.

18. A. Coulon, 1990: Le métier d'étudiant, op. cit.

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2. A delinqüência juvenil Entre os estudos etnometodológicos já mencionados, sobre a delinqüência juvenil,' vamos deter-nos, para uma apresentação mais detalhada, no estudo que Cicourel realizou em duas cidades da Califórnia durante quatro anos". Este estudo tinha como finalidade mostrar que a delinqüência juvenil, enquanto fenômeno social, constitui o objeto de uma construção social. Mais precisamente, tratava-se de mostrar como a Polícia, os juizes de menores, os tribunais, mas também os próprios pesquisadores, transformam as ações dos jovens em dnrumentos, textos e relatórios escritos, que são depois usados como uma evidência para caracterizar determinados ou atividades como delinqüentes, ilegais, perigosos ou suspeitos. Cicourel vai, portanto, conduzir uma pesquisa sobre as investigações dos policiais, dos educadores e dos magistrados, pois são as investigações destes, com seus aspectos contingentes, que estabelecem as classificações sociais que designam e permitem reconhecer as categorias de desvio e de conformidade. Cicourel apresenta em primeiro lugar um certo número de estatísticas, cuja pertinência para explicar os delitos deveria, segundo ele, ser questionada, pois particularrnente as categorias não são adequadas, ou são ambíguas, ou mesmo heterogêneas. Trata-se de categorias ad hoc, muito distantes das noções de precisão e lucidez habitualmente associadas à idéia que se faz do trabalho da justiça. Algumas dessas categorias são até mesmo curiosas, como por exemplo as "badernas" e "brigas" de adolescentes. Cicourel mostra

.

19. Em um quadro que não apenas o da delinqüência juvenil, mas que aborda a criminalidade em geral, consulte igualmente Jack Katz, 1988: Seductions of Crime. Moral and Sensual Attractions in Doing Buil, Nova York, Basic Books. 20. A. Cieourel, 1988: The Social Organization of Juvenile Justice, Nova York, Wiley.

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em seguida a estrutura da justiça para menores, as representações verbais que fazem dela os educadores especializados, os adolescentes e os pais. Em seguida, ele nos apresenta diversos casos de delinqüência que teve ocasião de conhecer durante a sua pesquisa. Eis dois exemplos, o de Audrey e o de Linda: Audrey, jovem negra de 15 anos, cometeu pequenos furtos de dinheiro, sendo seus colegas de classe as vítimas. Audrey pertence a uma família da classe média, vive numa casa "muito bem construída", mas os pais não exercem, diz a Polícia, nenhuma vigilância sobre ela. Além do mais, ela teve relações sexuais "com ao menos dois rapazes", dizem os policiais, que acrescentam ser ela muito "atraente e simpática", "não é nem anti-social nem psicótica". Embora tenha cometido muitos pequenos furtos, Audrey não responde ao perfil habitual dos ladrões crônicos. Sua aparência, tanto física como comportamental — sua ausência de insolência, por exemplo — não podem servir como "documento" para explicar seus furtos. Ibrna-se assim uma candidata às interpretações clínicas. Um relatório psiquiátrico sugere que ela é "emocionalmente perturbada". A jovem é internada para observação no hospital psiquiátrico durante três meses, e depois é entregue novamente ao convívio da família. Tendo sido assim "rotulada", seus futuros comportamentos serão sempre interpretados em função desse rótulo pela polícia ou pelos assistentes sociais, como por exemplo uma ligeira briga na escola, em que ela se viu envolvida para defender uma colega. Cada incidente, mesmo de pouca monta, é utilizado para confirmar o diagnóstico social e psicológico inicial, servindo essa categorização para de fato construir a identidade delinqüente de Audrey. Cicourel mostra em outros casos como essas ocorrências de delinqüência são negociadas no decurso das audiências perante o tribunal. A sorte dos adolescentes vai depender de um grande número de fatores, como por-exemplo-as-descrições-do-caso pela políciaa atitu-

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de dos pais .e do/,a adolescente, a presença ou não de um advogado etc.

Linda tem treze anos. Sua mãe a leva a uma soirée dançante organizada para a festa do Natal por seu colégio. De fato, ela não vai ao baile, sai com outros três rapazes, e só volta para casa dois dias depois. Seus pais, preocupados com essa fuga, procuram a polícia. Linda saiu da colégio na companhia de três rapazes, se embriagou éom uísque roubado por um dos rapazes, manteve relações sexuais com eles, e não voltou para casa enquanto durou a bebedeira. A polícia descreve o caso como "apimentado", o relatório, detalhado, ocupa várias páginas. Os inspetores do esquadrão de menores, diz-nos Cicourel, se interessaram especialmente pelas atividades sexuais de Linda. Robert, treze anos, um dos rapazes, desde o começo foi visto como o organizador desse encontro. Seu comportamento na escola o tinha feito aparecer como um delinqüente potencial. Na escola é considerado como aluno incorrigível. Robert com efeito se viu envolvido em quinze "incidentes" escolares, por exemplo: "fumar", "tagarelar continuamente", "sair da classe sem permissão", "perturbar as outras salas de aula", "puxar um canivete para um dos colegas", "exibir sempre um ar desafiador" e assim por diante... Segundo o relatório policial, ele é o único dos três rapazes que teve relações sexuais com Linda, descrita como "mais experiente". Os garotos a descrevem aliás como'"uma putinha que só pensa naquilo". Mas o relatório policial, ao contrário, descreve Linda como uma mocinha bonita, bem vestida, com o cabelo e o modo de falar, mostrando pertencer a uma família de classe média. Linda transmite a impressão de ser "uma boa moça". O caso se complica, dois meses depois, quando o pai de Linda vai à delegacia e declara que Linda não voltou para casa desde a noite anterior, quando tinha ido a uma festa que, segundo ele, era "regada a álcool". Quando os pais de Linda, acompanhados pela polícia, chegam ao endereço indicado, 30 pessoas, entre rapa106

zes e moças, fogem saltando a cerca. Dentro da casa, totalmente embriagada, Linda está se vestindo e declara que acaba de fazer amor com dez dos rapazes, entre os quais Robert. O relatório policial indica, segundo as declarações de Linda, que todos se teriam feito passar por Robert. Para os rapazes do colégio, Linda, depois daquele incidente anterior, se tornara "presa fácil". Bastava dar-lhe bebida. A delegada da liberdade condicional, no decorrer de sua investigação, interroga Linda sobre a sua escolaridade, as notas obtidas, sua primeira relação sexual, seus sentimentos religiosos etc. Todas essas informações documentam a opinião da delegada. Linda coopera bastante bem com a investigação, responde "bem" a todas as perguntas, parece mostrar-se culpada. Ela diz lamentar os seus atos, não vai fazer mais "até se casar", os rapazes estão enganados a seu respeito, diz ela. Protesta porque agora toda a escola acha que é uma "moça sem-vergonha", desde que Robert contou para todo o colégio que ela "tinha tirado toda a roupa e deixara os colegas fazerem o que quisessem". Não se trata bem de uma negação do ato cometido, diz Cicourel, mas ela se mostra bastante preocupada com a sua reputação. Essa conversa nos mostra que a delegada a princípio tem uma boa opinião a respeito de Linda. As perguntas que ela vai fazendo constituem de certa forma um roteiro para que Linda dê respostas "boas", aquelas que mostram a sua vontade de mudar, de apagar seus comportamentos "acidentais": "Você acha que Deus vai perdoá-la? Então, você acha que se comportou mal?... Você agora vai esperar até o casamento?... E agora, você vai mudar?" A delegada procura também na vida dos pais, e mesmo dos avós, os fatores de estabilidade ou instabilidade que poderiam ter alguma relação com a conduta de Linda. Em conversas ulteriores, Linda declara que o pai lhe dá bebidas alcoólicas em casa e a mandou descrever detalhadamente as suas experiências sexuais com os colegas. Assim o pai começa a ser suspeito de responsável

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por tudo aquilo que aconteceria a Linda. Ele é, dizem, apaixonado por Psicologia. Teria mesmo certa vez hipnotizado Linda. Ela é submetida a diversos testes psicológicos. As duas delegadas que trabalham n',) caso chegam a um acordo sobre este ponto: recomendar ao tribunal que Linda fique internada em hospital psiquiátrico, de três a seis meses, com terapia intensiva e depois ser mandada de volta para casa. Multiplicamse as conversas com Linda e com os pais, com o diretor da liberdade condicional, o juiz de menores, os professores de Linda. Os primeiros relatórios das delegadas pendiam pela criminalização do caso. Depois, os elementos colhidos a respeito do pai fizeram progressivamente de Linda um caso psiquiátrico. O diálogo que se estabelece no decorrer da audiência mostra que o juiz se utiliza, no dossiê, de elementos já "julgados" de certo modo no decurso das conversas que instruíram o caso. Os pais aceitaram a sentença do tribunal: Linda foi internada no Hospital psiquiátrico, onde passou um mês, antes de voltar para casa. Como não havia nenhuma acusação pesando sobre ela, não foi mais acompanhada. Três meses mais tarde, Linda fugia de novo de casa, por ocasião de outra "festa"... Segundo Cicourel, esses casos mostram, entre outras coisas, como é administrado e negociado o processo de instrução judiciária por atividades socialmente organizadas para lidar com casos de delinqüência. Os policiais e os juízes, como todos os outros membros da sociedade, fazem o seu trabalho com "expectativas de último plano e normas da estrutura social" que lhes permitam decidir sobre o que é normal e o que não o é, distinguir um "bom rapaz" de um delinqüente, definir "o desafio à autoridade" ou então o que é uma "boa família": "Um delinqüente é um produto emergente, transformado no tempo por uma série de encontros, de relatórios escritos e orais, de leituras prospectivas e retrospectivas daquilo 'que aconteceu', e das circunstâncias práticas

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em que o caso vem à tona no decurso cotidiano das questões judiciárias" (p. 333). Contrariamente ao que parecem indicar-nos a atividade policial e as estatísticas judiciárias, os delin-

qüentes não são tipos sociais naturais que se poderiam encontrar ao nosso redor. A delinqüência é o produto de uma negociação social.

3. A vida de laboratório Já se teve ocasião de insistir neste ponto mais de uma vez: para a etnometodologia, os fatos sociais são produtos, mas costuma-se "esquecer" as atividades práticas que os constituíram. H. Garfinkel e dois de seus estudantes, M. Lynch e E. Livingston, voltam a abordar a questão a propósito da atividade científica''. A problemática da "ciência em ato" já fora abordada anteriormente, em trabalhos que confessam a sua dívida para com a etnometodologia 22. A abordagem etnometodológica renova com efeito a problemática da sociologia da ciência, que se interessava por exemplo pela influência dos fatores sociais sobre as descobertas e as produções científicas. O fim das pesquisas dos etnometodólogos sobre a ciência não é mostrar como as estruturas sociais agem sobre a atividade científica. Elas se interessam pelo trabalho científico em si mesmo. Garfinkel e seus colaboradores relatam a descoberta do pulsar ótico, feita por quatro astrofísicos americanos no dia 16/01/69. Eles trabalharam em cima das gravações das conversações entre os pesquisadores

21.H. Garfinkel, M. Lynch e E. Livingston, 1981:The Work of a Discoveri n g Science Construed with Materiais from the Optically Discovered Pulsar, Philosophy of Social Sciences, 11, p. 131-158. 22. Cf. as obras já citadas de Bloor, de um lado, e de Latour e Woolgar, de outro. O próprio Steve Woolgar também trabalhou a partir de 1975 em torno dos pulsares, como o atesta o doutorado que defendeu em 1976: The Ernergence and Growth of Research Áreas in Science with Special Referente to Research on Pulsar, Ph.D. dissertation, Emmanuel College,

Cambridge.

109

durante a noite em que fizeram a descoberta, sobre seus blocos de apontamentos manuscritos e sobre a publicação em uma revista especializada de um artigo que refere os seus resultados. A pergunta que fazem então Garfinkel e seus colaboradores é esta: em que consiste a descoberta do pulsar ótico? Eles usam uma metáfora "gestaltista" para explicá-la: "A sua descoberta e a sua ciência consistem em encontrar astronomicamente 'o animal no meio da folhagem'. A 'folhagem' é a historicidade local de suas práticas de pesquisadores. O 'animal' é esta historicidade local realizada, reconhecida e compreendida como um procedimento metódico competente... A sua ciência consiste na descoberta do pulsar ótico enquanto produção da observabilidade prática do seu trabalho noturno ordinário" (p. 132). É evidente, nas conversas registradas e em seus apontamentos, mas não no artigo científico, que eles somente obtiveram o resultado no decorrer de uma série de observações historicizadas, feitas em tempo real e em uma ordem precisa. Assim, no decurso das observações n. 18, 19 e 20, eles precisam ajustar a regulagem do telescópio, regular a abertura do diafragma, lançar o programa informático, verificar as informaçbes dadas pelo osciloscópio. Para que enfim fosse registrada a pulsação de uma estrela, no decorrer das observações n. 21, 22 e 23. Essa pulsação, depois, vai cessar, enquanto o trabalho vai prosseguir até a observação de n. 37. O objeto desse trabalho é exatamente isto: ele é discernido através de uma série de gestos, palavras ; deduções, dúvidas, incertezas, estados de excitação mgntal. O trabalho científico é precisamente o objeto de uma construção localizada. Na sua publicação científica, diz Garfinkel:

"o pulsar é descrito como a causa de tudo aquilo que é visto e dito a seu respeito; é descrito como se existisse ant e s e independentemente de todo método para detectá-lo; os fenômenos tecnicamente detalhados do pulsar parecem (na publicação) estranhos a Cocke e Disney que

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os testemunham e dos quais são autores; as práticas dos observadores são `naturalizadas'; no artigo, os detalhes que identificam o pulsar são dados pela voz de um analista transcendente. A`voz do analista' nos relatórios científicos corresponde à do narrador na obra de ficção... O pulsar ótico, enquanto fenômeno astronômico, não é diferente das atividades que levaram a descobri-lo" (p. 138). Aos olhos de um terceiro, o trabalho de descoberta dos cientistas parece um conjunto de práticas competentes analisáveis. A descoberta deles consiste em extrair "um objeto cultural": o pulsar. Mas isto não significa de modo algum, insiste Garfinkel, que este objeto, o pulsar, seja um account; ele permite que o trabalho de descoberta seja accountable: "o pulsar não se encontra nas palavras, mas não pode ser encontrado sem as palavras. O pulsar fica ligado à natureza através do account" (p. 142). Para Garfinkel, a astronomia, enquanto "ciência capaz de descobrir" objetos do mundo real, é uma ciência da ação prática. Com a etnometodologia, o problema examinado pela sociologia da ciência já não é, portanto, avaliar as influências socioculturais que atravessam os pesquisadores, nem saber se a ciência é uma atividade social como uma outra. A intenção da etnometodologia no campo científico é afinal mais ambiciosa. Ela tenta mostrar que os cientistas utilizam, em suas pesquisas, um certo número de recursos que lhes parecem naturais (teorias, raciocínio lógico, resultados de experiências anteriores), de cujo caráter objetivado se esquecem, que não relacionam mais com a atividade prática de laboratório que as construiu. O trabalho científico não é transmissível a não ser sob a condição desta ocultação, como o mostram todos os artigos de revistas científicas relatando alguma descoberta.

Este campo de pesquisas sobre a ciência, aberto pela etnometodologia, parece extremamente fecundo e promissor. Terá certamente no futuro boa chance de chegar a aplicações concretas. Pois, caso se chegue a

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analisar as atividades pelas quais os pesquisadores encontram os seus resultados fundamentais, pode-se

titui um dos critérios de validade do requerimento. Como o frisa Zimmerman24, a Administração Pública

pensar que essa nova inteligência provoque maior produtividade científica. No domínio das ciências e das técnicas aplicadas também se vislumbra qual poderia ser o objeto de um trabalho etnometodológico: basta pensar em algumas das grandes catástrofes, mais ou menos recentes, em que falhas humanas caracterizadas foram detectadas: nucleares (Three Mile Island e Tchernobyl); marítirhas (marés-negras, ferry-bóat do Mar do Norte ou o navio do Mar Negro); aéreas (Tenerife, Washington, Madri, entre outras); ecológicas (poluições químicas graves, Bhopal, Seveso, etc.). Tanto nesse domínio como em outros, as pesquisas etnometodológicas poderiam ter efeitos de formação e prevenção.

estabelece sua ação em cima de provas objetivas. Mas o que é que confere a uma folha de papel validade oficial? Como é que os funcionários reconhecem, nesse documento, um suficiente valor probante e, ao contrário, o que lhes serve de base para recusarem outro documento, cujo conteúdo é no entanto igual ao do primeiro? Estudando os processos trabalhistas e os argumentos usados em um órgão de assistência social de uma cidade grande do Oeste americano, Zimmerman constata que, pára ne funcionários da agência, os documentos têm em geral um caráter evidente. São para eles naturalmente pertinentes para estabelecer a validade de um dossiê, por exemplo. No entanto, malgrado a existência de uma lista precisa de elementos a fornecer, há sem cessar negociação para julgar se um requerimento pode ser favoravelmente despachado, entre o funcionário e o cliente. Há um "efeito recíproco" entre as rotinas e os obstáculos, entre a utilização "evidente", não questionada dos documentos com caráter administrativo, e os incidentes permanentes que fazem essa utilização observável como dependente de processos racionais. O caráter "evidente" de um documento depende com efeito da representação do mundo que se fazem tanto o funcionário como o cliente. O reconhecimento pelo funcionário do caráter evidente de um documento é sinal de sua competência profissional. Quando um documento desperta algum problema, dá margem à análise das regras e dos procedimentos pelos quais se tomaram as decisões sobre a recusa ou aceitação.

4. A burocracia A teoria moderna da burocracia começa com Max Weber. Mas conforme Bittner", Max Weber "não percebeu que a significação e as justificações do conjunto das propriedades da burocracia estão inseparavelmente inseridas naquilo que Alfred Schütz denominava as atitudes da vida de todos os dias e em tipificações de senso comum socialmente consagradas" (p. 74).

Não basta, para provar a sua data de nascimento, escrevê-la em uma' folha de papel qualquer, sobretudo se esta prova for necessária para instruir um processo administrativo, em vista de obter algum auxílio social, uma bolsa de estudo, uma pensão por invalidez, uma aposentadoria etc. Deve-se em geral apresentar uma prova mais sólida da própria idade, quando isso cons-

23. E. Bittner, 1966, em: R. Turner (Ed.): worth, Penguin Books, p. 69-81.

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24. Ethnomethodology, Harmonds-

D.H. Zimmerman, 1969, Fact as a Practical Accomplishment, em: Turner (Ed.), 1974: Ethnomethodology, Harmondsworth, Penguin

Books, p. 128-143.

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Em outra publicação, fruto da mesma pesquisa de campo 25 , Zimmerman analisa esta aplicação prática das regras que devem ser obedecidas pelos funcionários encarregados de receber e orientar em diferentes serviços os clientes do órgão de assistência social. Devem de imediato avaliar o problema, a fim de orientar eficazmente as pessoas em seus requerimentos. Os funcionários usam um conjunto de regras rotineiras para fazer o trabalho. Trata-se para eles de uma escolha "em situações de senso comum". O uso competente de uma regra particular se baseia no modo como os funcionários compreendem o caso. Eles devem decidir quanto a usar esta regra de preferência a uma outra, para resolver de maneira "normal" o problema suscitado. Este uso, que é o "saber" do funcionário, se baseia em sua experiência, sua capacidade de aplicar ou adaptar as regras ou até inventar novas regras ad hoc que permitam tratar o caso "sem problema", de "dar um jeito". Esse desvio eventual não é sinal de uma transgressão das regras, mas pelo contrário a prova da competência do funcionário, de sua capacidade de avaliar a situação e produzir soluções "racionais" em relação às regras e ao problema surgido.

C apít

Críticas e Convergências

O caráter radical da etnometodologia não poderia deixar de lhe atrair a hostilidade da sociologia estabelecida. Como escreve Patrick Pharo: "Por esta maneira de designar a especificidade do seu tema de estudos, não se apresentando como um subramo da sociologia (...), mas declarando sobretudo que 'as pesquisas sociológicas profissionais são práticas de ponta a ponta' (Studies, p. VIII), a etnometodologia se coloca desde o princípio em posição delicada (...). Tudo acontece como se pelo mero fato de proclamar a identidade formal dos raciocínios sociológicos provenientes dos leigos e dos profissionais, residindo esta identidade em seu comum caráter de realizações práticas, a etnometodologia começasse a serrar o galho no qual a sociologia está sentada" 1 . Em outros termos: no meio sociológico, o rumo proposto nos Studies era urna declaração de guerra. Jamais, provavelmente, houvera um questionamento tão radical da sociologia.

E estourou a guerra. Começou em 1968, com a célebre publicação da recensão que J.S. Coleman con-

25. D.H. Zimmerman, 1970: Tho Practicalities of Rule Use, em: J.D. Douglas (Ed.), Understanding Everyday Life, Londres, Routledge & Kegan Paul, p. 221-238.,

1. P. Pharo, 1984: L'ethométhodologie et la question de l'interprétation, em: Argumenta, op. cit., p. 145 169. -

114

115

sagrou na American Sociological Revim aos Studies 2 . A guerra atingiu o ponto culminante em 1975 com o ataque de Lewis Coser na Associação Americana de Sociologia. 1. Um ataque violento it Qin ,--0 ,-te, vc-i\

t

Em ‘osto de 1975, Lewis Coser, então Presidente da poderosa Associação Americana de Sociologia 3 , atacou violentamente no discurso de abertura pronunciado, por ocasião do Congresso Anual da Associação, aquilo que considerava como as duas grandes tendênn• cias que punham em perigo a sociologia análise quantitativa, de um lado, e a etnometodologia, do outro lado. Desde o inícioda sua intervenção, Coser se declara "inquieto com os atuais desenvolvimentos da sociologia americana que parecem favorecer o crescimento ao mesmo tempo de atividades estreitas e rotineiras, e de ruminações esotéricas e sectárias". Essas duas tendências são "a expressão de uma crise e de uma lassitude no seio da disciplina e de seus fundamentos teóricos'''.

Passemos rapidamente em vista a crítica que ele

faz à corrente da sociologia Quantitativa, cuja excessiva sofisticação lamenta, cujo credo modernista se

2. J.S. Coleman, 1968: Review Symposium on H. Garfinkel's Studies in Ethnomethodology, American Sociological Review 33, 1 (fev.), p. 122130. 3. A Associação Americana de Sociologia é muito poderosa graças ao grande número de sociólogos profissionais que congrega, e não só os universitários. Contava em 1975 cerca de oito mil membros e mais de dez mil em 1992. Publica diversas revistas (entre as quais as mais conhecidas são The American Sociological Review, Contemporary Sociology, Sociological Theory), exerce controle sobre o seu conteúdo, recebe e administra fundos de pesquisa, facilita a obtenção de empregos para seus membros, bolsas para os seus pesquisadores, em suma, exerce um verdadeiro domínio, ideológico principalmente, sobre a profissão de sociólogo. 4. L. Coser, 1975: Presidentia,1 Addreas: 'nvo Methods in Search of Substance, American Sociological Reuiew, 40, 6 (dez.), p. 691-700.

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apóia sobre a regressão linear e a análise multivariad a considerando até que os outros métodos quantitativos estão ultrapassados: "Fascinados pelo uso de novos instrumentos de pesquisa, assim como o computador eletrônico, esquecem nossos colegas que a medida é apenas um meio de análise e de explicação" (p. 692).

A fraqueza dos conceitos e das noções teóricas não poderia ser reparada pela medida, por mais precisa que pareça. A utilização desses métodos lhe parece abusiva, muitas vezes guiada pela preocupação de uma carreira rápida. Depois ele se volta para a etnometodologia: "Os fins que a etnometodologia persegue são agressivamente desprovidos de qualquer conteúdo teórico relacionado com a sociologia. Ela mesma se limita à observação concreta dos códigos de comunicação, das categorias subjetivas, dos gestos que acompanham uma conversação...

"Ignorando os fatores institucionais em geral, e a cen. &alidade do poder na interação social em particular, ela se restringe a descrever as formas pelas quais os atores individuais e os estudantes explicam suas ações... "Ela sustenta que nenhuma abordagem objetiva generalizante é possível nas ciências sociais que, por sua própria natureza, só são capazes de fornecer descrições ideográficas. Em certas versões da etnometodologia a intersubjetividade é conscientemente negada, de sorte que se acaba pensando os indivíduos como simples mônadas sem janelas, fechadas em um universo de significações privado e não compartilhável..."

Coser censura ainda a etnometodologia por não ter jamais procurado se fazer aceitar na sociologia, limitando pelo contrário de prop6sito "o seu apelo a alguns fiéis devotos, unidos na crença de possuir uma particular perspicácia, é claro, negada aos outros" (p. 696). A linguagem esotérica empregada, cuja função é conhecida como delimitadora de fronteiras e de aliena-

ção dos membros 117

1

"nas comunidades de crentes"... "camufla idéias relativamente triviais"... "Uma outra característica é o hábito dos etnometodólogos de limitar suas notas de referência quase exclusivamente aos membros pertencentes ao grupo ou a não sociólogos... Além disso mostram particular propensão a remeter a manuscritos não publicados, a apontamentos de cursos, ou a diários de pesquisa" (p. 697).

Esses últimos traços mostram a escola etnometodológica como uma seita: "O leitor há de ter reconhecido nas características que sublinhei os traços de uma seita, mais que as de um campo especializado. As seitas são tipicamente sistemas fechados, gel'almente dirigidas por líderes carismáticos e seus discípulos imediatos. Procuram reduzir ao máximo a comunicação com o mundo exterior, intensificando porém as interações entre os fiéis".

Coser argumenta a partir das diferenças entre Garfinkel, Sacks, Blum e Cicourel para "demonstrar" que existe uma organização sectária: alguns "admitem a existência de regras e modos de proceder invariantes que transcendem as situações, outros negam a possibilidade de analisar uma situação que não seja específica". Em suma: existe entre os etnometodólogos uma enorme variedade de fontes e pontos de vista, mas todos eles seriam "idealistas": "A única coisa que eles parecem ainda compartilhar é a recusa da possibilidade de estudo e explicação objetivos da sociedade e de sua história, bem como a celebração deste velho cavalo de batalha alemão que é a filosofia idealista" (p. 698). Todavia, apesar da "hipertrofia da verborréia da etnometodologia, é possível que algumas idéias fecundas se desenvolvam em meios sectários, como aconteceu muitas vezes, do começo do puritanismo até a emergência da psicanálise na seita vienense dos discípulos imediatos de Freud".

Todavia, diz - nos Coser, não se pode deixar de ficar impressionado com a "trivialidade" dos problemas pe`

los quais a etnometodologia se interessa. Sudnow pergunta por exemplo como atravessar a rua sem ser

atropelado s, o que o leva desenvolver toda uma "sociologia do golpe de vista". Schegloff consagra uma parte importante de sua vida de pesquisador para estabelecer a maneira como começam e terminam as nossas conversas telefônicas'''. Alguns estudos excelentes não compensam "a enorme tagarelice que cerca a etnometodologia, que acaba caindo em uma orgia de subjetivismo, uma empresa auto-indulgente na qual análises metodológicas sem fim e auto-análises conduzem a uma regressão infinita, onde a descoberta das inefáveis qualidades do analista e de suas construções particulares da realidade serve para mascarar as qualidades tangíveis do mundo... Tentando descrever o conteúdo manifesto das experiências dos indivíduos, os etnometodólogos negligenciam esta área central da análise sociológica que são as estruturas latentes"... "Excluem de propósito do seu campo a maioria dos domínios que a sociologia costuma explorar desde Augusto Comte". 'Ibmos que tomar cuidado, conclui Coser, senão "vamos aprender cada vez mais sobre cada vez menos'. Os termos empregados nesse ataque de Coser eram particularmente severos para com a etnometodologia. Suas observações provocaram, no ano seguinte, um acalorado debate no seio da sociologia americana, não somente com os etnometodólogos mas também com os "quantitativistas", pois o discurso de Coser foi sentido por alguns como um "terremoto".

2. Um contra - senso Na réplica publicada no ano seguinte, Zimmerman7 acha pouco convincente, e mesmo confusa, a 5. D. Sudnow (Ed.), 1972: Studies in Social Interaction, Nova York, Free Press. 6. E. Schegloff, 1968: Sequencing in Conversational Openings, American Anthropologist, 70 (dez.), p. 1075-1095. 7. D.H. Zimmerman, 1976: A Reply to Professor Coser, The American Sociologist, 11 (fev.), p. 4-13.

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118

119

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argumentação de Coser sobre "a crise da disciplina". Sua alusão a trabalhos consagrados à sociologia da Ciência é mais "cerimonial" do que propriamente orientada por uma preocupação científica. Coser que, digase de passagem, reduz a idéia de medida às técnicas estatísticas, não apresenta nenhuma razão séria para fazer crer que a sociologia americana esteja em crise. Ele consagra urna parte importante do seu discurso à afirmação segundo a qual a etnometodologia seria uma seita, com o intuit9, diz Zimmerman, de demonstrar o seu papel no declínio da disciplina. Este ato falho ' se fundamenta em citações truncadas, tiradas do contexto. Por outro lado, Coser "dá o exemplo do erro cometido por muito's dos comentadores da etnometoque confundem o problema estudado e o seu quadro de ocorrência". Assim houve quem pudesse censurar Garfinkel, no seu estudo sobre Inês, que ele se havia interessado por um caso de transexualidade ao invés do problema da tomada de decisão no hospital. O mesmo se diga quanto aos processos que Coser usa para desacreditar o artigo de Sudnow sobre as interações entre motoristas e pedestres, que pretendia mostrar que as duas partes, com um simples "golpe de vista", decodificam a situação para determinar como se comportarão. A"condensação" produzida pela extração de uma ou duas frases do seu contexto leva o leitor a acreditar que Sudnow, e portanto a etnometodologia, só se interessa com efeito por coisas muito triviais, como esses "golpes de vista". Coser transpõe isto, observa Zimmerman, para "os conselhos que os pais dão aos filhos para que sempre tomem cuidado e prestem atenção aos carros antes de atravessar uma rua". Com isso Coser se lança ao ataque para mostrar a "trivialidade" das preocupações etnometodológicas. "Entregou-se a uma caricatura, selecionando ainda por cima dois exemplos bastante especializados entre uma enorme variedade de estudos etnometodológicos". Pode-se, portanto, ter alguma razão em suspeitar das acusações de trivialidade de que sofreriam os

120

estudos etnometodológicos. E Zimmerman responde, não sem alguma insolência: "Não cabe a uma autoridade incerta legislar sobre aquilo que convém estudar no mundo social". De fato, conclui Zimmerman, Coser não compreendeu a etnometodologia. Não percebeu por exemplo a distinção entre o conteúdo de uma interação social, assim como a podem apreender os participantes ou o sociólogo observador, e a forma desta interação, que só pode ser claramente percebida se o nosso interesse pelo quê os indivíduos fazem for substituído pelo de descrever como o fazem. A isso aliás, Zimmerman denomina "redução etnometodológica' s . O subjetivismo "que agita tanto o Professor Coser parece ser compreendido como o interesse único para com aquilo que os membros têm em mente, a descrição desses conteúdos constituindo a tarefa principal. Além disso, insinua-se que a etnometodologia aborda essas descrições como se elas constituíssem a própria realidade social". Mas isso é um contra-senso, com efeito: "As formulações dos membros não constituem o objeto de uma abordagem particular, nem são tampouco consideradas como descrições de, ou proposições de algum campo (Que os membros assim acreditem é outra questão). A nosso ver, as formulações são traços constitutivos dos quadros em que são produzidas".

Esta resposta de Zimmerman é capital para melhor compreendermos a etnometodologia que "aborda os relatórios do mundo social, feitos pelos membros, como realizações em situação, não como indícios daquilo que acontece na verdade. A preocupação da etnometodologia em geral é elucidar a maneira como os relatórios, ou as descrições de um acontecimento, de uma relação ou de uma coisa, são produzidos em inte7 .

1

cno8. D.H. Zimmerman e M. Pollner, 1970: The Everyday World as a menon, em: J.D. Douglas (Ed.), Understancting Everyday Life, Chicago, AIdine, p. 80-103. Esta fórmula é evidentemente derivada da célebre redução fenomenológica de Husserl.

121

ração, de tal modo que cheguem a um estatuto metodológico claro, por exemplo, confirmado ou ilusório, objetivo ou subjetivo etc."

3. Uma seita? Coser, já se viu, firmava que a etnometodologia é uma seita em viáta da existência de líderes carismáticos, de uma linguagem esotérica que une os seus adeptos, de sua ignorância da comunidade sociológica, de seu estilhaçamento em facções. Mas a história do pensamento intelectual ocidental, respondem Mehan e Wood 9, não passa de uma enorme sucessão de grupos que se comportam como seitas. A etnometodologia é um movimento intelectual que, como os outros, nasce na obscuridade e acaba sendo conhecido por um público mais amplo. A despeito de pretenso esoterismo de sua linguagem, ela produziu, no decorrer destes últimos anos, diversas compilações que lhe asseguraram a difusão dos trabalhos. A institucionalização das idéias etnometodológicas acha-se agora bem adiantada, contrariando as alegações de Coser quanto ao seu pretenso aspecto confidencial. Quanto às "cisões" são de fato correntes que se desenvolvem no seio da etnometodologia. Não são sinais de fraqueza, mas ao contrário de uma diversidade e de força sempre maiores. Se for real a crise da sociologia, sua fonte' não está na etnometodologia. Na realidade o verme já está dentro da fruta, a crise é endógena, é provocada pelo conformismo que Coser gostaria de impor à sociologia.

A etnometodologia se interessa pelos mesmos fenômenos que a sociologia mas com perspectiva diferente:

9. H. Mehan e H. Wood, 1976: De-secting ethnomethodology, The American Sociologist, 11 (fev.), p. 13-21.

122

"A sociologia aborda as estruturas sociais como 'fatos sociais objetivos e peremptórios'. Os etnometodólogos afirmam, ao contrário, que as estruturas sociais objetivas e peremptórias são constituídas por 'atividades sociais estruturantes' que se denominam práticas, métodos, modos de proceder — atividades estruturantes que a sociologia ignora. A etnometodologia estuda as atividades estruturantes que aglutinam as estruturas

sociais". Esta concepção tem sua origem na fenomenologia, mais precisamente na leitura que Garfinkel faz de Hursserl, de Schütz e de Gurwitsch. Esses fenomenólogos consideravam o mundo da vida de todos os dias como um complexo de "atos mentais de consciência". Garfinkel transformou esses atos mentais em atividades públicas, interativas: "A realidade dos fatos sociais é abordada (pela etnometodologia) como uma contínua realização de atividades combinadas da vida de todos os dias" (Studies, p. VII). As atividades sociais, enquanto interações, constituem os fatos sociais, que não existem independentemente das práticas que os constituem. Os etnometodólogos analisaram os procedimentos pelos quais os pesquisadores em ciências sociais coletam na vida diária ou nas estatísticas oficiais informações que vão transformar em dados com o auxílio de práticas de codificação, e depois manipulam esses dados objetivados, para apresentá-los sob a forma de matrizes de correlação. Esses trabalhos mostram a construção social da pesquisa em ciências sociais. Os pesquisadores decidem sobre a verdade de alguma coisa através das discussões que fazem juntos, dos argumentos que trocam entre si. Um consenso organizado decide acerca da verdade do conhecimento científico: "Nas ciências sociais a verdade não é revelada, mas argumentada". Coser afirma que a etnometodologia tende a ignorar nas suas pesquisas "o mundo real". Mas, para ele, "o mundo real" é o reino dos "grupos sócio-econômicos, dos mecanismos políticos, das funções e disfunções, do

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manifesto e do latente", independentemente das ações

4. Tentativa de síntese

cotidianas das pessoas concretas. Esses conceitos captam apenas uma parte da vida social. A etnometodolo-

Pierre Bourdieu tenta estabelecer uma síntese entre os dois grandes pólos da sociologia contemporânea. Pretende superar, ao que parece, o processo contra a etnometodologia, embora dirigindo-lhe uma crítica fundamental. Por ocasião de uma conferência proferida em março de 1986, na Universidade da Califórnia (San Diego) 1° , ele volta a abordar um certo número de perguntas capitais da sociologia, e explica suas opções teóricas fundamentais. Se ele tivesse, diz, de caracterizar o seu trabalho em duas palavras, apor-lhe uma etiqueta, falaria de constructivist structuralism ou de

gia procura dar mais significado a essas noções, procurando compreender como noções, por exemplo, de "poder político", "fatores institucionais" trabalham nas conexões da vida cotidiana. A noção de prática constitutiva não reduz, contrariamente ao que diz Coser, o problema da ordem social à psicologia. A etnometodologia, através da análise das atividades humanas, tprocura estudar os fenômenos sociais incorporados , em nossos discursos e em nossas ações.

structuralist constructivism il : "Com o termo estruturalismo quero dizer que há no mundo social, no próprio mundo e não apenas nos sistemas simbólicos, linguagem, mito etc., estruturas objeti-

A etnometodologia não se reduz tampouco à redução fenomenológica. Métodos muito variados são de fato empregados; experimentações em laboratório, etnografias e estudos de campo, sondagens, utilização de filmes ou vídeos: Todos esses métodos são utilizados com o maior rigor. Coser pretende ainda que a etnometodologia não nos ensina muita coisa. De fato, respondem substancialmente Mehan e Wood, se alguns de nós nos voltamos para a etnometodologia, é precisamente porque a sociologia tradicional não esclarecm coisa alguma as práticas sociais que pretende compreender, ao passo que a etnometodologia pode chegar a isso pondo a nu as práticas que estruturam a vida cotidiana, inclusive "a opressão, o dogmatismo, o absolutismo". Saber como é que essas estruturas sociais operam na vida de todos os dias permite aos atores mudá-las. Conclusão: a sociologia de Coser é um pouco anacrônica, repousa sobre a crença segundo a qual os métodos das ciências naturais são os mais adequados ao estudo dos fatos sociais. A sociologia tradicional foi construída na época do positivismo triunfante. Deve agora ser reinventada, a fim de adaptar-se a uma nova imagem da pesquisa rigorosa, que apareceu com filósofos como Sartre, Merleau-Ponty, Heidegger ou Wittgenstein.

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vas, independentes da consciência e da vontade dos agentes... Com o termo construtivismo quero dizer que há uma gênese social, de um lado, dos esquemas de percepção, de pensamento e ação que são constitutivos daquilo que denomino habitus e, de outro lado, das estruturas sociais e em particular daquilo que denomino campos e grupos, particularmente daquilo que em geral proposta interpretativa da etnometodologia

se chama de classes sociais" (p. 147). A ciência social, afirma Bourdieu, oscila entre duas posições aparentemente inconciliáveis, o objetivismo e o subjetivismo: "De um lado ela pode 'tratar os fatos sociais como coisas' — segundo a velha máxima durkheimiana — e deixar assim de lado tudo aquilo que devem ao fato de serem

objetos de conhecimento na existência social. De outro lado, pode reduzir o mundo social às representações que dele se fazem os agentes, consistindo então a tarefa da ciência social em produzir 'um relatório dos relatórios'

10. P. Bourdieu, 1987: Choses dites, Paris, Editions de Minuit, p. 147-166. Aaron Cirourel e Hugh Mehan lecionam atualmente na Universidade da Califórnia (San Diego), no Departamento de Sociologia.

11. Em inglês no texto.

125

(account of :4 accounts) produzidos pelos sujeitos sociais" (p. 1444

Na obra de Schütz e nos trabalhos dos etnometodólogos Bourdieu percebe "a expressão mais pura da visão subjetivista". Segundo ele, o problema nesta visão é que o conhecimento científico "está em continuidade com q conhecimento de senso comum, pois não passa de uma construção das construções". Por outro lado, o objetivismo se caracteriza por "uma ruptura com as representações primeiras". E Bourdieu pretende ultrapassar essa oposição, entre objetivismo e subjetivismo, por considerá-la artificial. A este respeito escreve: "Eu poderia dar em uma frase um resumo de toda a análise que proponho: de um lado, as estruturas objetivas que o sociólogo constrói no momento objetivista, descartando as representações subjetivas dos agentes, são o fundamento das representações subjetivas e elas constituem as leis estruturais que pesam sobre as interações; mas, de outro lado, essas representações devem também ser levadas em conta, caso se queira compreender em particular as lutas cotidianas, individuais ou coletivas, que visam transformar ou conservar essas estruturas. Isto quer dizer que os dois momentos, objetivista e subjetivista, se acham em relação dialética e mesmo que, por exemplo, o momento subjetivista pareça muito próximo, quando tomado em separado, das análises interacionistas ou etnometodológicas, acha-se separado delas por uma diferença radical: os pontos de vista são apreendidos como tais e relacionados com as posições na estrutura dos agentes correspondentes" (p. 150).

5. Marxismo e etnometodologia Seria de se esperar um antagonismo mais violento ainda entre marxismo e etnometodologia. Ora, constata-se que tanto de um lado como do outro existem tentativas de ajiroximação. Mehan e Wood dedicam

126

algumas páginas a essa questão 12. Zimmerman concluiu o seu artigo de 1978 na mesma perspectiva de aproximação 13 . Chua realça alguns pontos de convergência importantes, como: a etnometodologia pode ser considerada como uma prática de desmistificação e de "desobjetivação" das categorias reificadas da "atitude natural". Ela põe à mostra a realidade enquanto a realização social na sociedade capitalista contemporânea 14 . Tpdavia, segundo Jean-Marie Brohm, as relações sociais parecem reduzir-se, para a etnometodologia, a: "um pulular de iniciativas práticas individuais, um arranjo de ações conscientes, livres e autônomas de agen-

tes que têm a possibilidade de escolher entre múltiplas alternativas ou variantes lingüísticas ou pragmáticas._ Até a noção de estrutura e de relação social parece totalmente ausente da abordagem etnometodológica" 15 .

Com efeito, existe um fundo comum às obras de Marx e Garfinkel. Há uma dupla convergência: ela diz respeito, de um lado, à construção permanente da sociedade por si mesma; e implica, de outro lado, o esquecimento dessa construção e a transformação, em linguagem sartriana, das obras da atividade prática em mundo prático-inerte". J. - P. Sartre criticava o "fetichismo da totalidade" em Kurt Lewin. Lewin — escrevia Sartre — esquece a produção do grupo enquanto totalidade que se dá como natural e completa, como um organismo unificado. Ora, diversamente do organismo que serve de modelo

12. H, Mehan e H. Wood, 1975: The Reality of Ethnomethodology, Nova York, Wiley-Interscience. 13. D.H. Zimmerman, 1978: Ethnomethodology, The American Sociologist, 13. 14. B.H. Chua, 1977: Delineating a Marxist Intetest in Ethnomethodology, The American Sociologist, 12, p. 24-32. 15. J.M. Brohm, 1986: L'ethnométhodologie en débat, Quel corps?, 32-33, p, 2-9. N. J.-P. Sartre, 1960: Critique de la raison dialectique, Paris, Galli mard.

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para o funcionalismo estrutural, nunca se dá totalidade grupal mas sempre totalização em curso. Essa análise fenomenológica de Sartre não se achava muito distante daquilo que Garfinkel escrevia na mesma época. Em 1965, Cornelius Castoriadis, a partir de uma orientação ao mesmo tempo marxista e fenomenológica, opõe a "sociedade instituinte" e a "sociedade institufda" 17 . Louis Quéré propôs que se desse início a um cotejo entre essa orientação e a etnometodologia indicando que esta última, sem usar os termos, se dá ela também como objeto o "trabalho de instituição" 18. Enquanto a sociologia tradicional vê nas instituições o quadro já pronto e regra inevitável de nossas práticas, a etnometodologia insiste sobre o instituinte ordinário operando na vida cotidiana, sobre o trabalho de instituição no dia-a-dia. Ela capta a instituição no sentido ativo de instituir, e não em sua estabilidade reificada.

Conclusão

No dia 30 de setembro de 1987, no contexto de um c_ —1. -1 •-■ rPnli7rIn n c.ry, Pnr;o 1 pi viecolóquio realizado _ riu uma conferência intitulada: "A estranha seriedade da sociologia profissional", que celebrava o 50° aniversário do lançamento da obra de Taicott Parsons The Structure of Social Action. Durante a conferência, que também coincidia com o 20 9 aniversário da publicação dos seus Studies, Garfinkel lembrou que a etnometodologia nascera de uma releitura daquilo que denomino o aforismo de Durkheim, segundo o qual "a realidade objetiva dos fatos sociais é o princípio fundamental da sociologia". Repetindo em Paris, vinte anos depois, a sua célebre ca..k

definição que se encontra já nas primeiras

linhas do

prefácio dos Studies, mostra Garfinkel que aí está o slogan, ou seja, a fórmula-chave que dá o acesso mais direto e mais profundo à empreitada etnometodológica. "A análise de conversação e a etnometodologia, diz-nos Garfinkel, fazem novo exame desse aforismo que se deve interpretar de outro modo e reler de tal sorte que se possa compreender do que ele falava". Passa a soar então deste modo:

17. C. Castoriaiis, 1975: L'institution imaginaire de la société, Paris, Seuil. 18. L. Quéré, 1986: Comprendre l'ethnométhodologie, Pratiques de FormaNon, 11.12.

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1. Este Colóquio, conjuntamente organizado pelo CNRS e o CNET (PUCES, Greco n. 100), intitulava-se: Análise da ação e análise da conversação. 'ave lugar na Maieon des Sciences de l'Homme, em Paris, do dia 28 ao dia 30 de setembro de 1987.

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"A realidade objetiva dos fatos sociais, enquanto toda sociedade é produzida localmente, naturalmente organizada e reflèxivamente descritfvel, é uma realização contínua e pratica, enquanto esta realidade objetiva é em toda a parte, sqmpre, apenas, exata e inteiramente o trabalho dos membros, constitui o fenômeno fundamental da sociologia".

Bibliografia

Mas atenção, conclui Garfinkel, é necessário não se apegar somente às palavras desse slogan, que deve

constituir antes;de tudo um conjunto de instruções de pesquisa. É mister fazê-lo funcionar em pesquisas concretas de campo que justifiquem plenamente este modo de falar a respeito da sociologia. É o que mostra Garfinkel na última parte de sua conferência em Paris. Lembra ele que vinte anos após a publicação dos Studies ainda existe "um vasto corpus de estudos empíricos das ações práticas". Cita alguns desses trabalhos etnometodológicos que exploram o conjunto do campo sociológico e demonstram que a ordem social é 9ocal e interacionalmente produzida, naturalmente organizada e reflexivamente descritíver. Esses estudos, diz Garfinkel, revelaram fenômenos de que nem mesmo se suspeitava a existência. Caracterizam-se e se distinguem radicalmente dos estudos clássicos de sociologia pela sua insistência sobre a produção e a descritibilidade da ordem social. Somente esses estudos são capazes de mostrar como os membros de uma sociedade "produzem e mostram, juntos, na sua vida ordinária, a coerência, a força, o caráter ordenado, a significação, a razão e os métodos da ordem social".

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A maioria dos trabalhos etnometodológicos propria-

mente ditos se acha publicada em inglês. Há poucos textos traduzidos. Todavia, indicamos aqui algumas revistas francesas que lhes consagraram todo ou parte de um número especial. As obras que foram traduzidas para o francês foram privilegiadas. Mencionam-se, todavia, algumas obras fundamentais em inglês. 1) Obras de introdução

BACHMANN, C., LINDENFELD, J. et SIMONIN, J., 1981: Langage et communications sociales, Paris, Hatier. BENSON, D. e HUGHES, J.A., 1983: The Perspective of Ethnomethodology, Londres, Longman. BLUMER, H. 1969: Symbolic Interactionism: Perspective and Method, Englewood Cliffs, NJ. PrenticeHall. DOUGLAS, J. (ed.), 1970: Understanding Everyday Life, Londres, Routledge and Kegan Paul. FLYNN, P., 1991: The Ethnomethodological Move. ment. Semiotic Interpretations, Berlin, Nova York, Mouton-de-Gruyter. HANDEL, W., 1982: Ethnomethodology, how people make sense, Englewood Cliffs , NJ, Prentice-Hall, HERITAGE, J., 1984: Garfinkel and Ethnomethodology, Cambridge, Polity Press.

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