Contos Do Mundo

May 22, 2019 | Author: paulalavajo | Category: Short Stories
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O bilhete emendado Cabo Verde

Havia um homem muito pobre que vivia perto da casa do rei. Uma noite, a mulher teve um filho e ele foi ao palácio pedir alguma coisa para a mulher. O rei perguntou: - Foi um rapaz ou uma rapariga? - foi apenas o que perguntou. E correu o homem sem o ajudar. É que o rei tinha sonhado que o rapaz, filho daquele homem pobre, havia de ser marido da princesa que a rainha, sua mulher, tivera nessa noite. E ficou muito aborrecido com a resposta…

Na manhã seguinte, o rei foi a casa do pobre pedir-lhe que lhe vendesse o menino. - Não, não posso vender o meu filho!  – disse o homem.

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- Então dá-mo para o criar com a minha filha, pois nasceram no mesmo dia e à mesma hora. Com estas palavras mansas, o rei enganou-os. O menino foi-lhe confiado. O rei meteu-o numa caixa e atirou-o ao mar.  A caixa boiou e deu a terra, num rio onde havia um moinho. O moleiro viu a caixa mexer, abriu-a e encontrou o menino. Ficou contente porque era casado e não tinha filhos. O moleiro e a mulher criaram o menino como se fosse seu e mandaram-no à escola. Passou o tempo. Um dia, quando ele tinha dezassete anos, aconteceu que o rei passou por ali a cavalo. Falou com o moleiro e perguntou-lhe se tinha filhos. O moleiro respondeu: - Não tenho filhos, mas tenho um rapaz na escola, que encontrei há dezassete anos numa caixa, a boiar no rio. O rei lembrou-se, nesse momento, do menino que tinha atirado ao mar. Nessa altura, entrou o rapaz. O rei perguntou ao moleiro se deixava que o moço levasse um bilhete à sua cidade. No bilhete estava escrito: «Logo que este rapaz chegue, cortai-lhe a cabeça.» O rapaz caminhou o dia todo. À noite, viu na mata uma luz e dirigiu-se para ela. Na casa estava uma velha que lhe disse: - É melhor continuares, rapaz! Esta é uma casa de ladrões. Se te encontram aqui, matam-te. Ele respondeu: - Se me quiserem matar, que matem! Se eu continuar através da mata, serei morto pelas feras. Estava cansado, deitou-se num banco e adormeceu. Mais tarde chegaram os ladrões. Um quis matá-lo. Outro disse: - Não, vamos ver o que tem nos bolsos. Revistaram-no e encontram o bilhete que dizia: 2 | 13

«Logo que este rapaz chegue, cortai-lhe a cabeça.» Estava assinado pelo rei. - Bom, vamos salvar a vida deste rapaz  – disseram os ladrões. Rasparam «cortai-lhe a cabeça» e, em seu lugar, escreveram: «casem-no imediatamente com a princesa». Na manhã seguinte, o rapaz chegou à cidade, à casa do rei.  A rainha abriu a carta, chamou o padre e o rapaz e a princesa casaram-se logo ali. Quando o rei voltou, em vez do rapaz já morto, encontrou-o casado com a princesa. Ficou tão furioso que morreu de raiva. O rapaz tornou-se rei e a princesa rainha daquele país.

Informante: Veríssimo Brito, da Boa Vista Maria Margarida Oliveira, Histórias Tradicionais da República de Cabo Verde

In Contos, Lendas e Fábulas daqui e dali , Texto Editora

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A cabacinha Comunidade cigana

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Era uma velha que tinha uma filha para casar. Mas no sítio onde ia casar a filha, havia muitos bichos. Se havia muitos bichos, como passar para o casamento? - Ai, eu tenho que ir, mas tenho tanto medo que me comam! Aqueles bichinhos comem gente…

Lá foi. Pouco andou, encontrou uma raposa que disse: - Ah, minha boa velhinha, agora é que te como! - Não me comas que vou à boda da minha filha e de lá trago-te um bolo. Deixou-a passar, encontrou um cão: - Ah, minha boa velhinha, agora é qu’eu te como! - Não me comas que da boda da minha filha trago-te um bolo. Não me comas… Deixou-a passar também. Encontrou o lobo: - Ah, agora é qu’eu te como, minha boa velhinha… - Não me comas, homem, qu’eu vou à boda da minha filha e trago-te um bolo. Não me comas… Deixou-a passar. Chegou lá à boda da sua filha, comeu, bebeu, esqueceu-se dos bolos, acabou a comida, tudo o que estava na mesa. Disse para a comadre: - Ai comadre, vou passar p’ra lá e agora é que me comem. Disse assim a comadre: - Olhe, meta-se dentro desta cabacinha e se lhe perguntarem «minha boa cabacinha, viste  p’raí uma velhinha» você diz «não vi velha nem velhão, corre corre cabacinha, corre corre cabação». E comece a correr. Ela assim fez: meteu-se na cabaça e começou a arrebolar . Encontrou a raposa: - Oh, minha boa cabacinha, viste por aí a velhinha? - Não vi velha nem velhão, corre corre cabacinha, corre corre cabação. E começou a correr; encontrou o cão: - Oh, minha boa cabacinha, viste por aí a velhinha? - Não vi velha nem velhão, corre corre cabacinha, corre corre cabação. 5 | 13

Começou a correr, encontrou o lobo, e diz assim o lobo: - Ah, boa cabacinha, viste  p’raí uma velhinha? - Eu não vi velha nem velhão, corre corre cabacinha, corre corre cabação. No tempo que ia a correr, deu contra uma pedra, partiu a cabacinha, veio o lobo e comeu-a. Conto tradicional (versão cigana), contado por Maria Carminda Botas – 85 anos, Histórias de Longe e de Perto

In Contos, Lendas e Fábulas daqui e dali , Texto Editora

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O menino e o crocodilo Guiné-Bissau

Um crocodilo, andando a passear, encontrou-se com um menino e disse-lhe: - Ensina-me o caminho do rio porque eu perdi-me. O menino respondeu: - Para te levar até à beira do rio, não tenho confiança em ti. Respondeu-lhe o crocodilo: - Não duvides de mim porque não estou a enganar-te, mas, se não acreditas, amarra-me as mãos e as patas. O menino assim fez e depois carregou com o crocodilo à cabeça. Quando estavam perto do rio, o menino disse ao crocodilo: - Como já chegámos, vou pôr-te no chão. A seguir, desatou as cordas com que o amarrara. 7 | 13

Logo que o menino voltou costas, o crocodilo apanhou-o. - O que me queres fazer?  – interrogou o menino. - Quero comer-te  – respondeu o crocodilo e, carregando com o rapazinho, marchou para o rio. Encontraram uma mulher de idade. Então o pequeno disse: - Tenho a certeza de que me vais comer, mas deixa-me chamar esta mulher de idade para eu lhe contar o bem que te fiz e a paga que tu me dás. O pequeno falou assim à velha: - Tratei bem este crocodilo e ele quer matar-me.  A velha retorquiu: - Isso não tem importância, porque no mundo, hoje em dia, quem faz bem só recebe ingratidões. Repara no que sucede comigo. Quando eu era nova, bonita, todos me requestavam; hoje, que estou velha e cansada, ninguém me ajuda. Virando-se para o crocodilo, continuou: - O mundo é assim, leva-o! O crocodilo entrou na água com a criança. Ao mesmo tempo, apareceu, na margem do rio, uma lebre. O menino disse ao crocodilo: - Espera. Eu vou chamar a lebre para ela ser também testemunha do que me fizeste. Novamente o menino relatou à lebre o que se passara.  A lebre, surpreendida com o que lhe disse o pequeno, respondeu: - Tu tens muita coragem. Como é que te atreveste a ajudar o crocodilo? O pequeno ripostou: - Andei com precaução, porque, quando o transportei até ao rio, lhe amarrei as patas e as mãos. Volta a lebre a falar: - Não! Isso que me dizes, eu não acredito. Explica-me bem como é que fizeste. O crocodilo tornou a pôr as mãos e as patas para trás e o menino amarrouo. - Como é que o carregaste? – perguntou a lebre. 8 | 13

O menino arranjou uma rodilha e pôs o crocodilo à cabeça. Fez tudo isto sentado e só depois de ter a carga à cabeça é que se levantou. Nessa altura, a lebre voltou a indagar: - Então teu pai nunca comeu crocodilo? E a tua mãe? - Gostam, respondeu o pequeno, e costumam comer. - Então carrega com ele e leva-o para casa, insistiu a lebre, e terminou: quem procedeu como o crocodilo é a paga que merece. É bem verdade que a astúcia domina a força.

Conto tradicional guineense (adaptado), Histórias de Longe e de Perto

In Contos, Lendas e Fábulas daqui e dali , Texto Editora

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O brâmane que ficou branco em sua cama Comunidade Indiana

Em certa cidade morava um brâmane chamado Svabacripana, dono de um grande pote. Recebendo generosas esmolas, pôde encher aquela vasilha com farinha. Pendurou-a, então, acima de sua cama, e gostava de ficar deitado, contemplando sua fortuna e sonhando com uma porção de coisas. Uma noite,  já deitado, o brâmane começou a pensar: - Já tenho o pote cheio de farinha. Se viesse uma carestia, eu conseguiria por ele cem moedas de prata, com as quais poderia comprar um par de boas cabras. Como as cabras têm filhotes de seis em seis meses, quase sempre, em pouco tempo estaria formado um grande rebanho. Vendendo as cabras, poderia comprar muitas vacas; com as vacas, compraria búfalas; com as búfalas, compraria éguas. As éguas teriam muitos cavalos, que eu venderia, tendo um bom lucro em ouro. Com o ouro, construiria uma casa com q uatro salas1. Então, sem dúvida alguma, algum brâmane virá oferecer-me a filha em 10 | 13

casamento, e eu aceitarei, se for bonita e rica, está claro. Do casamento terei um filho, ao qual darei o nome de Somazarman. Quando ele estiver em condições de saltar sobre os meus joelhos, eu estarei, certo dia, sentado atrás da cavalariça, lendo um livro, e Somazarman me verá. Deixará a companhia da mãe e, desejoso de saltar sobre os meus joelhos, virá ter comigo, aproximando-se dos cascos dos cavalos. Então, zangado, direi à minha esposa: - Segura esse menino. Ela, que estará ocupada nos afazeres da casa, não me ouvirá. Então, eu me levantarei e lhe darei um pontapé! Tão mergulhado estava o brâmane em seus pensamentos, que, desses, sem o perceber, passou à ação, de forma que, ao erguer a perna para o imaginário pontapé, partiu o pote, recebendo em plena face toda a farinha. Quem concebe um projeto irrealizável e impossível, pode ficar branco em sua cama, como aconteceu ao pai imaginoso do inexistente Somazarman.

Fábula Indiana, Histórias de Longe e de Perto

In Contos, Lendas e Fábulas daqui e dali , Texto Editora 1

Isto é, a casa com o pátio no centro e quatro salas aos lados. Esse é o plano que se adota

na construção de casas na Índia.

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Os dois amigos Lenda árabe Dois amigos viajavam pelo deserto, caminhando em amena conversa, apesar do Sol abrasador. Um deles, porém, sentindo-se contrariado pelo outro, encetou uma discussão. Erguia a voz, gesticulava e pouco faltou para insultar o companheiro. Em dado momento da contenda, não resistiu e esbofeteou-o.  Admirado e ofendido, mas sem nada dizer, o amigo baixou-se e escreveu na areia: Hoje, o meu melhor amigo bateu-me no rosto . Seguiram viagem, tristes e em silêncio. Absortos nos seus pensamentos, fixavam os olhos num ondulante horizonte de dunas e já caminhavam com dificuldade sob o ardor do Sol. Até que avistaram um oásis verde, emergindo da areia escaldante do deserto. Mais aliviados à sombra das tamareiras, resolveram banhar-se, comer e pernoitar no local.  Afastou-se um para recolher galhos com que pretendia acender um pequeno fogo. E o que tinha sido esbofeteado despiu-se, mergulhou na lagoa do oásis e principiou a refrescar-se. Contudo, passados minutos, perdeu o pé. E em breve se afogaria, não fosse a ajuda do amigo que, ao escutar os gritos, largou tudo e acorreu ao chamamento, mergulhando na lagoa e arrastando o companheiro para a margem. Quando, ao fim de algum tempo, este se sentiu recuperado, pegou num estilete, dirigiu-se a uma pedra e nela escreveu: Hoje, o meu melhor amigo salvou-me a vida.

Intrigado, o outro perguntou: - Porque é que, depois de te bater, escreveste na areia, e agora, que te salvei, foste escrever na pedra?  A sorrir, o primeiro respondeu: - Quando um grande amigo nos ofende, devemos escrever na areia, onde o vento do esquecimento e do perdão se encarrega de apagar as palavras. Quando, porém, faz por nós alguma coisa de verdadeiramente nobre, ah... aí devemos gravar as palavras que o recordam na pedra da memória e do coração, onde nenhum vento do mundo as poderá apagar. 12 | 13

E assim se acharam reconciliados. E comeram, beberam e conversaram alegremente. Depois puseram-se a contemplar a Lua e as estrelas até o cansaço os vencer. E mergulharam, por fim, num sono profundo e retemperador.

In Contos e Lendas de Portugal e do Mundo de João Pedro Mésseder, Isabel Ramalhete, Porto Editora

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