Como Se Pode Ser Hitchcoko-hawksiano

June 26, 2019 | Author: Fabrício Gonçalves | Category: Verdade, Metafísica, Ciência Filosófica, Ciência
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COMO SE PODE SER HITCHCOKO-HAWKSIANO? André Bazin A edição que os Cahiers du Cinéma consagraram a Alfred Hitchcock provocou um certo ruído. Nos valeu, além de uma correspondência virulenta, ser violentamente criticados por alguns de nossos colegas (Georges Sadoul, Denis Marion...) e, recentemente, por Lindsay Anderson, em Sight and Sound . Trata-se, se o reconhecêssemos francamente, do fruto de uma pequena equipe de nossos colaboradores que não perdem a oportunidade, por sua vez, de levar às nuvens realizadores americanos, como Howard Hawks, Preminger, Nicholas Ray ou os Fritz Lang das “séries B”. Suas preferências chocam, é verdade, a opinião geral e como eles são tão menos zelosos de justificá-las por argumentos razoáveis quanto por escandalizar  por admirações e afirmações abruptas, a irritação de seus censores é, sob a ironia ou a indignação, tão apaixonada quanto os o s juízos incriminados. O fato de retomar mais uma vez a Hitchcock, por ocasião o casião dessa dessa entrevista, não é,  porém, uma provocação de nossa parte e desejaria aproveitar o ensejo ensejo para manifestar a  posição da redação-chefe redação-chefe dos Cahiers du Cinéma , neste caso, aos nossos leitores, aos quais essa entrevista pôde surpreender ou inquietar. Aqueles que honram em nos ler com muita atenção, puderam certamente  perceber que nenhum dos responsáveis desta revista compartilha os entusiasmos de Schérer 1, Truffaut, Rivette, Chabrol ou Lachenay 2 em relação aos diretores em questão e tampouco quanto ao sistema crítico implícito que, para além dessas admirações  pessoais, lhes dá coerência e solidariedade. É por isso que nós concordamos com eles sobre Renoir, Bresson ou Rossellini, por exemplo, sem que isso nos engaje a admirar Os homens preferem as loiras.

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Eu assinalo, talvez um pouco inutilmente, o fato, para que não se conclua em nossa conversão nem em nossa inconsciência, mas sobretudo para afirmar, em pleno 1

 Maurice Schérer é o verdadeiro nome de Eric Rohmer (N. do T.).  Robert Lachenay é, assim como François de Monferrand, um dos pseudônimos utilizados por François Truffaut, emprestado de um amigo de infância, que o acompanhava a companhava às salas de cinemas (N. do T.). 3 Gentlemen prefer blondes (EUA; 1953), dir: Howard Hawks, prod: 20th Century Fox (N. do T.). 2

2 conhecimento de causa, que deixamos essas opiniões paradoxais e “escandalosas” se expressarem nos Cahiers du Cinéma  e isso não por um liberalismo indiferente que abriria as nossas colunas não importa a que posição crítica. Mas, porque, apesar de tudo o que possa irritar alguns de nós e apesar das divergências que se opõem a esses jovens turcos, nós consideramos, com certeza, a sua opinião como respeitável e fecunda. Respeitável porque aqueles que os conhecem podem testemunhar, não digo naturalmente sobre sua sinceridade, mas sobre sua competência. Eu não gosto quando Lachenay me contradiz, afirmando o número de vezes que ele viu os filmes em questão. É um argumento de autoridade que se voltaria contra eles em relação aos filmes que eles desaprovam. Mas, é bem verdade, que se fala de forma diferente sobre um filme ao qual se assistiu umas cinco ou dez vezes. Como a erudição desses jovens não está fundada sobre os mesmos critérios de valor que a dos críticos experientes ou britânicos, do qual não se leva nada em sua eficácia. Eles falam do que conhecem e sempre há vantagem em se escutar os especialistas. É por isso também que a opinião deles é fecunda. Eu não creio, em matéria de crítica, na existência de verdades objetivas, ou mais exatamente, eu prefiro adotar os  juízos contrários que me constrangem a consolidar os meus antes que postular a confirmação de meus princípios por argumentos frágeis. Se eu mantenho o meu ceticismo em relação à obra de Hitchcock, pelo menos, é por melhores razões e não  posso mais ver um filme de Howard Hawks com os mesmos olhos. Agora, se nos demandam o que justifica essas opiniões se expressarem  justamente nos Cahiers, eu responderei, inicialmente, que as revistas de cinema não são tão numerosas quanto as literárias e que a dignidade em se expressar é já uma condição suficiente para que as publiquemos. Mas, eu ousaria adiantar que existe entre todos nós e, apesar de nossas disputas, alguma coisa em comum, eu não quero falar do amor pelo cinema, o que é evidente, mas sob todos os nossos juízos a recusa vigilante de jamais reduzir  o

cinema ao que ele expressa.

É verdade que os nossos lisonjeadores de um certo cinema americano aparentam dar a heresia contrária. Eu o lamento por eles, pois eles conservam um mal entendido que sua posição ganharia em elucidar e eu me desculpo, um pouco por minha culpa, de

3 me fazer, nesse instante, como advogado deles. Mas, se eles tomam nesse ponto a mise en scène, é porque eles discernem aí, em uma larga medida, a matéria mesma do filme,

uma organização dos seres e das coisas que é ela própria o seu sentido. Eu quero dizer tanto moral quanto estética. Isso que Sartre escrevia sobre o romance é verdade em todas as artes, do cinema à pintura. Toda técnica remete a uma metafísica. A unidade e a mensagem moral do expressionismo alemão não nos aparecem mais hoje em sua mise en scène

do que em seus temas ou, mais precisamente, não é isso que, de seu “projeto”

moral, se dissolveu perfeitamente no universo visual que permanece ao nosso espírito o mais significativo. Eu deploro, de minha parte como de muitas outras, a esterilização ideológica de Hollywood, sua timidez crescente em tratar com liberdade dos “grandes temas” e é por isso também que Os homens preferem as loiras   me faz lamentar Scarface, a vergonha de uma nação

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ou Paraíso infernal.5  Mas eu sou grato aos

admiradores de O rio da aventura 6  e de O inventor da mocidade 7  de descobrir, com os olhos da paixão, o que a inteligência formal da mise en scène   de Hawks esconde de inteligência, apesar da tolice explícita dos roteiristas. E se esses jovens estão errados de não ver ou não querer ver essa tolice, pelo menos, preferiremos, nos Cahiers, essa opinião ao seu contrário.

Cahiers du Cinéma . Paris. nº 44,

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fev. 1955. pp. 17-18. Tradução de Fabián Núñez

Scarface  (EUA; 1932), dir: Howard Hawks, prod: The Caddo Co (N. do T.). Only angels have wings (EUA; 1939), dir: Howard Hakws, prod: Columbia Pictures (N. do T.). 6 The big sky (EUA; 1952), dir: Howard Hakws, prod: Winchester Pictures Corporation (N. do T.). 7  Monkey business (EUA; 1952), dir: Howard Hakws, prod: 20th Century Fox (N. do T.). 5

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