Colecao Diplomata - Tomo I Geografia

March 29, 2017 | Author: maiconflops | Category: N/A
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ISBN 978850262400-9

Santos Junior, Washington Ramos dos Geografia I : epistemologia, política e meio ambiente / Washington Ramos dos Santos Junior. – São Paulo : Saraiva, 2016. – (Coleção diplomata / coordenador Fabiano Távora) 1. Geografia 2. Geografia - Concursos I. Távora, Fabiano. II. Título. III. Série. 14-13093 CDD-910.076

Índices para catálogo sistemático: 1. Geografia : Concursos 910.076

Diretor editorial Luiz Roberto Curia Gerente editorial Thaís de Camargo Rodrigues Gerência de concursos Roberto Navarro Editoria de conteúdo Iris Ferrão Assistente editorial Thiago Fraga | Verônica Pivisan Reis Coordenação geral Clarissa Boraschi Maria Preparação de originais Maria Izabel Barreiros Bitencourt Bressan e Ana Cristina Garcia (coords.) | Liana Ganiko Brito | Luciana Cordeiro Shirakawa Projeto gráfico Isabela Teles Veras Arte e diagramação Know-how editorial Revisão de provas Amélia Kassis Ward e Ana Beatriz Fraga Moreira (coords.) | Setsuko Araki Conversão para E-pub Guilherme Henrique Martins Salvador Serviços editoriais Elaine Cristina da Silva | Kelli Priscila Pinto Capa Aero Comunicação / Danilo Zanott

Data de fechamento da edição: 1-10-2015

Dúvidas? Acesse www.editorasaraiva.com.br/direito

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS PREFÁCIO APRESENTAÇÃO EVOLUÇÃO DAS QUESTÕES POR ANO 1 - HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO 1.1. A GEOGRAFIA, DOS GREGOS A HUMBOLDT E RITTER 1.2. GEOGRAFIA MODERNA, RATZEL E LA BLACHE 1.3. CORRENTES METODOLÓGICAS E CONCEITOS DA GEOGRAFIA 1.3.1. Correntes metodológicas da ciência geográfica 1.3.2. Paisagem 1.3.3. Território 1.3.4. Região e regionalização 1.3.5. Espaço 1.3.6. Lugar 2 - Geografia Política e Geopolítica 2.1. GEOGRAFIA POLÍTICA CLÁSSICA7 2.1.1. Geopolítica Clássica e seus desdobramentos I) Mahan II) Mackinder III) Haushofer IV) Spykman V) Mackinder e Spykman na Nova Ordem Mundial

2.2. GEOGRAFIA POLÍTICA E GEOPOLÍTICA CONTEMPORÂNEAS 2.2.1. Da Guerra Fria à Guerra ao Terror 2.2.2. Energia I) Eletricidade II) Petróleo III) Gás natural IV) Carvão V) Nuclear VI) Biocombustíveis VII) Outras renováveis 2.2.3. Logística 2.3. FRONTEIRAS 2.3.1. Fronteiras brasileiras 2.4. FORMAÇÃO TERRITORIAL BRASILEIRA27 3 - Meio Ambiente 3.1. GEOGRAFIA FÍSICA E NATUREZA 3.2. MARCOS JURÍDICOS INTERNACIONAIS E BRASILEIROS Referências Bibliográficas 1. história do pensamento geográfico 2. GEOGRAFIA POLÍTICA e geopolítica 3. MEIO AMBIENTE Questões do IRBr 1. HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO 2. GEOGRAFIA POLÍTICA E GEOPOLÍTICA 3. MEIO AMBIENTE

AUTOR Washington Ramos dos Santos Junior Professor-assistente temporário da Universidade do Estado do Piauí, campus de São Raimundo Nonato. Doutorando em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Geografia Humana pela USP. Bacharel em Geografia pela Universidade Federal Fluminense. Recebeu o auxílio à pesquisa do Instituto Rio Branco em conjunto com o CNPq, parte do Programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco.

Coordenador Fabiano Távora Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) – Turma do Centenário – 2003. Especialista em Gestão Empresarial pela Fundação Getulio Vargas (FGV) – 2005. Mestre em Direito dos Negócios pelo Ilustre Colégio de Advogados de Madri (ICAM) e pela Universidade Francisco de Vitória (UFV) – 2008. Mestre em Direito Constitucional aplicado às Relações Econômicas pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) – 2012. Advogado. Diretor-geral do Curso Diplomata – Fortaleza/CE. Foi Coordenador do único curso de graduação em Relações Internacionais do Estado do Ceará, pertencente à Faculdade Stella Maris. Professor de Direito Internacional para o Concurso de Admissão à Carreira Diplomática. Professor de Direito Internacional Público, Direito Internacional Privado, Direito do Comércio Exterior e Direito Constitucional em cursos de graduação e pós-graduação.

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer, ESPECIALMENTE, a Laura, Ivana, Rosi, Lilly, Lara, Vivi, e minha professora orientadora, pacientíssima, Yvette Piha Lehman – sem estas pessoas não haveria livro. Merecem nota, ainda, os amigos Florêncio, Thaís, Minoru e Marcos Fávaro. Aos colegas de trabalho da ETEC Guaracy Silveira Regiane, Kátia, Malu, Ana, Rosane, Sílvia, Fabiana, bem como os alunos que me trouxeram muita alegria – especialmente 3º ETQ, 3º ETFI, 3º ETE e 3º ETLÂMBDA, turmas das quais fui paraninfo. Agradeço, ainda, aos alunos que se prepararam comigo para o CACD, em especial aos queridos André e Rafaela. Agradeço aos meus colegas de São Raimundo Nonato, da UESPI e do PARFOR, em especial, Vanessa, Ana Stela, Críssula, Florentino, Waldirene, Werton, Maria Xavier e Judson, e aos meus orientandos e alunos do curso de Licenciatura em Geografia pelo aprimoramento acadêmico e pessoal. A Luciane Caleia, Marcos Paes, Rose, Almiro e Reinaldo. A Marlene e Adriana. Aos meus amigos do CEFET-RJ que me presentearam com o Atlas do The Times, inesquecível! A Priscila, minha primeira aluna. A Alessandra, Monique, Heloísa, Rodrigo e Rodrigo. Aos professores do Aníbal Freire e a Santos Filho (in memoriam). Aos meus pais, que tornaram livros e atlas passatempos da infância. A Maria de Xangô. W.

PREFÁCIO*

Dez anos atrás, recebi a notícia de que havia sido aprovado no concurso do Instituto Rio Branco para a carreira diplomática. Era difícil acreditar que meu nome estava na lista de aprovados, que o meu antigo sonho tornara-se realidade. Aquele momento deu-me a impressão de ser um divisor de águas, o primeiro passo da carreira que por tantos anos me fascinara. Hoje, percebo que o primeiro passo para a carreira diplomática havia sido dado em um momento anterior, quando comecei meus estudos de preparação para o concurso. A preparação para a carreira diplomática exige o desenvolvimento da capacidade de analisar politicamente a combinação de diferentes fatores da sociedade. Essa capacidade pode ser adquirida pela leitura atenta de diferentes pensadores e exposição a diferentes manifestações artísticas, o que requer uma caminhada de constantes descobertas. Essa caminhada é feita em direção às mais profundas e fundamentais características da sociedade brasileira, percorrendo a longa estrada que lentamente mostra as cores que delineiam o multifacetado cenário que é o Brasil. A preparação para a carreira diplomática requer este (re)encontro com o Brasil, este momento em que o futuro diplomata reflete sobre seu país e sobre seu povo. Eu diria que o processo de preparação é uma caminhada para dentro. Ao caminhar em direção às profundezas do Brasil, o futuro diplomata se defrontará com perspectivas históricas, geopolíticas, econômicas e jurídicas da realidade brasileira que lhe proporcionarão o arcabouço intelectual para sua contínua defesa dos interesses do Brasil e do povo brasileiro no exterior. Essa observação de quem somos como povo e como país é fundamental para o trabalho cotidiano dos diplomatas brasileiros, principalmente porque também pressupõe as relações do Brasil com outros países. Ao compreender a história política externa brasileira, o candidato poderá perceber características do Brasil que explicam como o país percebe sua inserção no mundo. É interessante notar que essa caminhada para dentro é o início de uma carreira feita para fora, em

contato com o mundo. Os diplomatas são os emissários que também contam para o mundo o que é o Brasil e o que é ser brasileiro. A aprovação no concurso do Instituto Rio Branco não é, portanto, o primeiro passo da carreira. É o momento em que a caminhada para dentro do Brasil se completou e passa a ser uma viagem para fora, para relatar ao mundo o que nós somos e o que pensamos. Devo confessar que a minha caminhada foi bem difícil. Quando comecei a me preparar para o concurso, poucas cidades brasileiras tinham estruturas que guiassem os estudos dos candidatos para o concurso. Apesar de ter certeza de que nunca nenhuma leitura é inútil, estou certo de que a imensidão de pensadores e artistas que conformam o pensamento brasileiro é difícil de ser abordada no momento de preparação para o concurso. Lembro-me de que sempre busquei obras que me guiassem os estudos, mas não tive a sorte de naquele momento haver publicações neste sentido. Foi com muita alegria que recebi o convite para escrever sobre minha experiência pessoal como jovem diplomata brasileiro em uma coleção que ajudará na caminhada preparatória dos futuros diplomatas. Esta coleção ajudará meus futuros colegas a seguir por caminhos mais rápidos e seguros para encontrar o sentido da brasilidade e a essência do Brasil. Congratulo-me com a Editora Saraiva, com os autores e com o organizador da coleção, Fabiano Távora, pela brilhante iniciativa e pelo excelente trabalho. Aos meus futuros colegas diplomatas, desejo boa sorte nessa caminhada. Espero que se aventurem a descobrir cada sabor deste vasto banquete que é a brasilidade e que se permitam vivenciar cada nota da sinfonia que é o Brasil. Espero também que possamos um dia sentar para tomar um café e conversar sobre o que vimos e, juntos, contar aos nossos amigos de outros países o que é o Brasil. Pequim, novembro de 2014. Romero Maia

APRESENTAÇÃO**

Indubitavelmente, o concurso para o Instituto Rio Branco, uma das escolas de formação de Diplomatas mais respeitadas do mundo, é o mais tradicional e difícil do Brasil. Todos os anos, milhares de candidatos, muito bem preparados, disputam as poucas vagas que são disponibilizadas. Passar nessa seleção não é só uma questão de quem estuda mais, envolve muitos outros fatores. Depois de muito observar essa seleção, nasceu a ideia de desenvolver um projeto ímpar, pioneiro, que possibilitasse aos candidatos o acesso a uma ferramenta que os ajudasse a entender melhor a banca examinadora, o histórico dos exames, o contexto das provas, o grau de dificuldade e aprofundamento teórico das disciplinas, de forma mais prática. Um grupo de professores com bastante experiência no concurso do IRBr formataria uma coleção para atender a esse objetivo. Os livros foram escritos com base nos editais e nas questões dos últimos 13 anos. Uma análise quantitativa e qualitativa do que foi abordado em prova foi realizada detalhadamente. Cada autor tinha a missão de construir uma obra que o aluno pudesse ler, estudar e ter como alicerce de sua preparação. Sabemos, e somos claros, que nenhum livro consegue abordar todo o conteúdo programático do IRBr, mas, nesta coleção, o candidato encontrará a melhor base disponível e pública para os seus estudos. A Coleção Diplomata é composta dos seguintes volumes: Direito internacional público; Direito interno I – Constituição, organização e responsabilidade do Estado brasileiro; Direito interno II – Estado, poder e direitos e garantias fundamentais (no prelo); Economia internacional e brasileira (no prelo); Espanhol (no prelo); Francês (no prelo); Geografia I – Epistemologia, política e meio ambiente; Geografia II – Geografia econômica; História do Brasil I – O tempo das Monarquias; História do Brasil II – O tempo das Repúblicas; História geral; Inglês; Macroeconomia; Microeconomia; Política internacional I – A política externa brasileira e os novos padrões de inserção no sistema internacional do século XXI; Política internacional II – Relações do Brasil com as economias emergentes e o diálogo com os países desenvolvidos; Português.

Todos os livros, excetuando os de língua portuguesa e inglesa, são separados por capítulos de acordo com o edital do concurso. Todos os itens do edital foram abordados, fundamentados numa doutrina ampla e atualizada, de acordo com as indicações do IRBr. Os doutrinadores que mais influenciam a banca do exame foram utilizados como base de cada obra. Juntem-se a isso a vivência e a sensibilidade de cada autor, que acumula experiências em sala de aula de vários locais (Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Curitiba, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Teresina...). Cada livro, antes da parte teórica, apresenta os estudos qualitativos e quantitativos das provas de seleção de 2003 até 2014. Por meio de gráficos, os candidatos têm acesso fácil aos temas mais e menos cobrados para o concurso de Diplomata. Acreditamos que esse instrumento é uma maneira inteligente de entender a banca examinadora, composta por doutrinadores renomados, bastante conceituados em suas áreas. No final de cada livro, os autores apresentam uma bibliografia completa e separada por assuntos. Assim, o candidato pode ampliar seus conhecimentos com a segurança de que parte de uma boa base e sem o percalço de ler textos ou obras que são de menor importância para o concurso. As questões são separadas por assunto, tudo em conformidade com o edital. Se desejar, o aluno pode fazer todas as questões dos últimos anos, de determinado assunto, logo após estudar a respectiva matéria. Dessa forma, poderá mensurar seu aprendizado. Portanto, apresentamos aos candidatos do IRBr, além de uma coleção que apresenta um conteúdo teórico muito rico, bastante pesquisado, uma verdadeira e forte estratégia para enfrentar o concurso mais difícil do Brasil. Seguindo esses passos, acreditamos, seguramente, que você poderá ser um DIPLOMATA. Fortaleza, 29 de julho de 2015. Fabiano Távora

EVOLUÇÃO DAS QUESTÕES POR ANO***

1 HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO

Este capítulo trata da História da Geografia como ciência. Apesar de não ser cobrado com muita frequência pelo concurso, cabe aqui explicitar o caminho percorrido pela Geografia na sua configuração científica. Não é porque é cobrado raramente que o futuro diplomata não deve saber do que trata a Geografia e de como esta aborda temas que estão em nosso cotidiano, especialmente se considerarmos que a Geografia, “serve, antes de tudo para fazer a guerra” (LACOSTE, 2001). Homens de Estado têm de saber Geografia muito bem, e para confirmar essa assertiva, basta lembrar o papel que o Barão do Rio Branco teve na definição das fronteiras brasileiras. Este capítulo está estruturado em quatro subcapítulos. O primeiro traça o caminho da Geografia dos gregos a Humboldt e Ritter; o segundo comenta sobre a Geografia Tradicional; o terceiro trata das correntes metodológicas e dos conceitos caros à Geografia – paisagem, território, região, espaço e lugar; ademais da regionalização do Brasil; o quarto traz exercícios do teste de pré-seleção comentados.

1.1. A GEOGRAFIA, DOS GREGOS A HUMBOLDT E RITTER A palavra Geografia foi adotada por Eratóstenes no século II a.C.; geo, significando terra, e grafia, descrição. Corografia era a descrição das diferenças e contrastes da Terra. Na Grécia antiga, havia uma disputa entre a Jônia, centro das colônias dos mares Egeu e Negro, e a Magna Grécia, áreas de ocupação decorrentes das expansões marítimas. A escola jônica, cujo centro era Mileto, e a escola pitagórica, cujo centro era Cróton ou Crotona (hoje sul da Itália), concorriam para obter o pioneirismo nas transformações políticas e filosóficas. Os primeiros consideravam a Terra cilíndrica, e os segundos, esférica. Estes, exatamente por essa concepção, dividiram a Terra em

zonas, por critério de temperatura. Hecateu de Mileto, jônico, traçou o primeiro mapa-múndi. Em seguida, Aristóteles introduziu a ideia de ecúmeno, enquanto Hiparco, em Alexandria, introduziu a noção de clima, estabelecendo a relação entre latitude e longitude, e inventou o astrolábio. Entre 275 a.C. e 194 a.C., Eratóstenes introduziu no seu mapa-múndi as coordenadas geográficas e mediu a circunferência da Terra; sua obra manteve-se viva até hoje devido a Estrabão (63? a.C.-24? d.C.). Este afirmou ter viajado da Armênia à Sardenha e do Ponto Euxino à Etiópia e sua Geografia descreve detalhadamente o mundo tal como era na Antiguidade. Para Sandra Lencioni (2003: 46), ele é [...] o marco inaugural da Geografia Regional, pois os recortes analíticos que elabora não são feitos a partir de parâmetros geométricos, embora considerasse a Geometria o fundamento da Geografia. Seus recortes são estabelecidos segundo a composição territorial das civilizações. Juntamente com Estrabão, Ptolomeu foi outro importantíssimo geógrafo para a época em que viveu, apesar de sua obra ter se tornado conhecida apenas no século XV. Distinguiu Cosmografia de Geografia e de Corografia, as quais, respectivamente, estudam o Universo, a Terra como um todo, e as partes da Terra. Este realizou suas observações entre 125 e 151 d.C. Com a Idade Média, o conhecimento astronômico foi sendo abandonado, e, com efeito, os erros cometidos por Ptolomeu foram se cristalizando. Entre estes, estavam o sistema astronômico geocêntrico e coordenadas distorcidas que alongaram a Ásia e a Europa, o que induziria Colombo a tentar uma rota para as Índias pelo oeste. Na Baixa Idade Média, as descrições de viajantes dos séculos XIII a XV foram a base do conhecimento geográfico desse período e também contribuíram para consolidar as informações acerca de diversas áreas do globo. Guillaume de Rubrouck percorreu a Crimeia e as estepes do sul da atual Rússia; Hayton de Corigos se aventurou pela Ásia Central, desde o Mar Negro até o Lago Baikal, e Marco Polo, talvez o mais famoso de todos, viajou pela Ásia oriental, tendo servido como informante do rei mongol no contemporâneo Subcontinente Indiano, na China, no Tibete e em Sumatra. A divulgação dos relatos dessas viagens e de estudos parciais sobre diversos lugares criou o desafio de formular generalizações. Dois fatos exigem nossa atenção, de acordo com Sandra

Lencioni (2003: 66) [...] o primeiro se refere às questões que os homens dedicados ao conhecimento enfrentavam; ou seja, o que deveria ser observado, como fazê-lo e como deveriam ser explanados, tanto em relação à natureza quanto em relação à organização social, aos hábitos e aos costumes dos povos, às cidades, às atividades econômicas, à história e à política; o segundo se refere ao fato de que esses estudos acabavam por colocar a questão entre o geral e o particular. Do século XIII ao século XVII, a Europa sofreu abalos no saber e na forma de pensar. São Tomás de Aquino (1225-1274) cristianizou a filosofia aristotélica; a imprensa surgiu em 1450; as Américas foram descobertas em 1492; Maquiavel (1469-1527) separou moral e política; Nicolau Copérnico (1473-1543) desenvolveu a teoria heliocêntrica do Universo, posteriormente comprovada por Galileu (1564-1642); Lutero (1483-1546) e Calvino (1509-1564) distanciaram-se da Igreja Católica; Francis Bacon (1561-1626) propôs o método ​experimental, fundamentado em observações e experimentações, a fim de chegar às formas universais e às generalizações; e, por fim, Kepler (1571-1630) demonstrou que as órbitas dos planetas eram elípticas. Esse pequeníssimo resumo ilustra as transformações profundas vivenciadas pela Europa em quatro séculos (LENCIONI, 2003). Paulo Cesar da Costa Gomes (2000) assegura haver duas direções dadas pelo Renascimento à Geografia: um novo modelo cosmológico, já que houve a ruptura do sistema geocêntrico consolidado por Ptolomeu e sustentado pelo dogma da Igreja; e a retirada dos modelos dessa geografia emergente da Antiguidade Clássica. Este autor revela que a geografia ptolomaica tinha por finalidade a cartografia e que esta, por sua vez, buscava oferecer, ao mesmo tempo, uma imagem e uma representação da Terra. Como considerava a unidade da Terra fundamento de seu pensamento, refutava qualquer descrição parcial, ou seja, rejeitava a Corografia. Ptolomeu, portanto, é precursor de uma geografia matemática, sob a forma de cosmografias, similares às da Antiguidade, que consistiam em análises sobre a origem e a forma da Terra, as zonas climáticas e as características físicas do globo. Por se tratarem de fenômenos naturais, esses trabalhos mantinham-se separados de interpretações medievais que lhes poderiam alterar a própria metodologia com que eram elaborados. A Geografia, assim, estava pronta a difundir sua cosmovisão; Estrabão, contudo, compunha uma imagem própria a cada região visitada,

diferenciando-se de Ptolomeu, uma vez que, para caracterizar cada região, Estrabão utilizava elementos econômicos, étnicos, históricos e naturais, possuindo caráter histórico-descritivo. Paulo Gomes (ibid.: 130) afirma que [...] estes dois autores fundaram então duas escolas de geografia, que conviveram lado a lado até a revolução científica. Certos geógrafos procuraram reunir ao mesmo tempo os princípios gerais cosmográficos e as descrições regionais corográficas, integrando assim, em uma mesma obra, essas duas abordagens até aí distintas. É então possível afirmar que existia já nessas tentativas de integração uma maneira de conceber a geografia como uma relação entre a organização geral do mundo e sua imagem, de um lado, e a fisionomia particular de algumas de suas partes, de outro. Esta concepção é talvez a origem da aproximação retida pelos manuais tradicionais de geografia moderna, que fazem figurar em geral uma cosmografia seguida de descrições regionais. Varenius (1622-1650), nesse sentido, foi o que melhor conciliou, à época, essas duas vertentes, distinguindo a Geografia Geral ou Universal da Geografia Especial ou Particular. A esta cabe o estudo da constituição de cada uma das regiões e se subdivide em Corografia e Topografia; aquela explica suas propriedades sem recorrer a particularidades de cada região. Em outras palavras, a Geografia Geral era essencialmente física, e a Geografia Especial tratava de interações entre o meio e o homem. De fato, essa dicotomia está presente na análise de diversos autores e não se restringe à Geografia. Ainda segundo Paulo Gomes (2000: 132), [...] de um lado, considera-se que o conhecimento repousa sobre a observação de fatos regulares, que levam a generalizações abstraindo-se todo contexto particular; ele se apoia sobre o raciocínio, o qual trabalha a partir de representações racionais. De outro lado, ​estima-se que o conhecimento se adquire através do estudo de casos específicos, únicos e não redutíveis, devendo ser apreendidos em todas as suas especificidades. Para compreender como essa dicotomia foi assimilada pela Geografia moderna, é necessário recorrer a Kant (1724-1804), que elaborou “o primeiro sistema filosófico capaz de definir o papel e o valor da geografia moderna” (ibid.: 138). Isso se deve, primeiramente, ao ensino de Geografia por Kant ao longo de 40 anos, entre 1756-1796, e, em segundo lugar, ao prestígio e reconhecimento do filósofo. Deve-se, portanto, situar os conceitos de empirismo, de natureza e de antropologia e de

geografia em sua realidade temporal. Àquela época, a ciência empírica não refutava categorias advindas do raciocínio e fundamentava-se na primazia da experiência. A Geografia recobria, desde fins do Novecentos, dois campos distintos em Kant, a antropologia e a geografia; e a natureza era composta pelos dados empíricos, cujos fenômenos eram ordenados por leis universais, não da própria natureza, mas depreendidas da razão humana. Nesse sentido, a Geografia, que produz um conhecimento sistemático da natureza, é uma ciência empírica; as ciências empíricas, do mesmo modo que as teóricas, não são opostas à abstração. Naquelas ciências, o conhecimento provém do contato entre sujeito e objeto real. Em consequência, como isso ocorre por meio de representações, tempo e espaço são apriorísticos, as únicas intuições1 puras, anteriores a toda experiência (GOMES, 2000); logo, moldam a ação do homem. Para Sandra Lencioni (2003), a origem da ideia de que o fundamento da Geografia é o espaço surge com Kant. Ao analisar o pensamento kantiano, essa autora diverge claramente de Ruy Moreira sobre a definição de Geografia Física. Segundo este, o filósofo “lecionou na Universidade de Koenigsberg o que hoje chamamos de ‘geografia física’” (MOREIRA, 1994: 23). Todavia, para a autora, “o nome Geografia Física, em Kant, não tem nada a ver com o que pensamos hoje em dia como Geografia Física” (LENCIONI, op. cit.: 78). Abordaremos a evolução desta no capítulo sobre Meio Ambiente. Ruy Moreira comenta sobre Kant em seu livro O que é Geografia (MOREIRA, op. cit.: 23-5). Diz que, para este filósofo, o conhecimento é dado pelos sentidos e, portanto, é empírico; ademais, advém da percepção ocasionada por estes. Assim sendo, [...] A percepção orienta a experiência, que, para isso, precisa ser sistematizada. À geografia cabe esta sistematização, no plano do espaço, cabendo-a à história no plano do tempo. Isto porque a sistematização passa por dois processos: a narrativa (história) e a descrição (geografia) [...] Como a geografia (a geografia física, lembremos) é a descrição geral da natureza, segue-se que ela subestrutura a história e a antecede. Substrato da história, a geografia física é a base de todas as “geografias”, isto é, os ramos em que pode ser dividida a geografia [...] Os precursores da geografia moderna não romperão com a “epistemologia geográfica” deixada por Kant. Assim, consolidarão a noção de geografia kantiana de conhecimento empírico, de síntese espacial, bem como as noções kantianas de espaço e de tempo, isto é, tempo e espaço como “lugares” [onde a

experiência se deposita]; tempo e espaço separados. Kant, porém, não foi o único a deixar legado para a Geografia. Johan Gottfried Von Herder (17441803) foi importante filósofo, cujas obras contribuíram para o surgimento do Romantismo alemão. Líder do movimento Sturm und Drang – Tormenta e Impulso, traduzido para o português –, que surgiu como reação ao valor atribuído pelo Iluminismo à civilização, ao intelecto e à razão, Herder forneceu outra abordagem à Geografia, ao incluir a nação como nível de análise em sua filosofia, nível intermediário entre o Estado e o indivíduo. A nação constitui-se por um povo ou por uma comunidade, sendo um e outra identificados com um organismo vivo, e possui três elementos que a compõem: as condições do ambiente, base do sistema; os gêneros de vida; e a tradição, conjunto de valores e costumes desenvolvidos ao longo da História. Desse modo, o espírito do povo seria percebido por intermédio das relações de cada cultura com o meio, o que demonstraria a capacidade daquele de se adaptar a este. Dessas relações, desenvolver-se-ia um gênero de vida próprio, o qual criaria tradições que definiriam a individualidade do povo. Para esse autor, por meio das comparações com outros povos é que se permite caracterizar o que há de comum com base na observação das diferenças. É necessário, porém, abster-se de valores fundamentados na cultura a que se pertence, a fim de evitar a hierarquização cultural. Esse relativismo originou perspectiva oposta à de Kant, e ambos os modelos serão frequentemente encontrados nas análises geográficas por meio da dupla filiação a essas correntes, que Paulo Gomes assegura ser característica da Modernidade. Assim sendo, será encontrada nas obras de Humboldt e de Ritter, fundadores da Geografia moderna. A Modernidade transformou o problema do conhecimento ao centralizá-lo no sujeito, questionando a existência do objeto. Assim, o critério para se ter certeza quanto ao pensamento que se tem do objeto dará origem a duas correntes filosóficas, o racionalismo e o empirismo. Enquanto o racionalismo circunscreve o homem à própria razão, tornando ocasional e secundária a experiência como fonte de conhecimento, o empirismo afirma que o trabalho da razão subordina-se ao experimento. Com efeito, os racionalistas acreditam na possibilidade de se alcançar verdades universais, enquanto os empiristas consideram o conhecimento parte de uma realidade em

permanente transformação, sempre relativa, contingente. Kant questiona, pois, se há razão pura, independente da experiência. Com o objetivo de superar a dicotomia entre racionalismo e empirismo, assevera que o conhecimento é constituído de matéria e de forma. A matéria é a coisa em si, e a forma é o sujeito, na medida em que a experiência é organizada pela sensibilidade dele. Como as formas da sensibilidade do sujeito são anteriores a toda experiência, e condição da própria experiência para efetivar o conhecimento sobre algo, deve-se organizá-lo a partir da intuição, ou seja, do tempo e do espaço. Por ambos serem atributos do sujeito, não existem como realidade externa. Assim sendo, é o sujeito que constrói o objeto de seu saber. Ao determinar o conhecimento pela consciência, Kant firmou-se, pois, como idealista, sem, contudo, romper com o racionalismo. Segundo a interpretação de Hartshorne sobre Kant (GOMES, 2000: 139), haveria, pois, dois tipos de geografia: [...] A primeira, definida como geral e sistemática, faria parte das ciências teóricas ao lado das ciências naturais; a segunda, empírica e regional, seria metodologicamente análoga à História. Para a geografia geral, a metodologia é analítica, objetiva e normativa. Para a ciência regional, ela é empírico-descritiva e seu objeto final é buscar um espírito de síntese. Como visto anteriormente, a ciência empírica não refutava o racionalismo, e após a crítica de Kant, ambos serão identificados a um dos polos epistemológicos da Geografia científica. O outro pilar será a contribuição dos pensadores que questionavam o racionalismo moderno, por meio de correntes que desconsideravam a universalidade da razão humana e privilegiavam o particular como fonte de conhecimento, entre estas o Romantismo, a Filosofia da natureza e a Hermenêutica. A Geografia moderna configurar-se-á quando esses pilares estiverem incorporados na mesma análise, o que ocorrerá com Humboldt e Ritter no final do século XIX. Neste momento, havia a necessidade de circunscrever o objeto e de sistematizar dados e informações coletados ao longo dos séculos anteriores. Desse modo, a Geografia (ibid.: 150) [...] conhecida na época como “física do mundo”, colocou sob sua responsabilidade a interpretação da dinâmica da natureza e de suas relações possíveis com a marcha histórica. [...] A temática escolhida, a saber, as relações entre homem e natureza, conduziu-a a se transformar também em um dos porta-vozes dos novos tempos e, de certa maneira, a exprimir o sentido desta

modernidade paradoxal e contraditória. Antonio Carlos Robert Moraes (2002: 15) alerta, contudo, que [...] desse processo de sistematização da Geografia, iniciado com a publicação das obras de Humboldt e Ritter, não emerge uma Geografia sistemática, isto é, um estudo voltado para a compreensão de um fenômeno (ou classe de fenômenos) particular. Emerge, isto sim, uma Geografia sistematizada que, apesar de assumir-se como campo autônomo de conhecimento científico, não chega a formular uma proposta de estudo sistemático, isolando um objeto especificamente seu. Ao contrário, tal Geografia toma como elemento de sua identidade esta característica assistemática, propondo como legitimação de sua especificidade a diferenciação introduzida pela perspectiva associativa ou sintética, que trabalha com uma variedade enorme de fenômenos estudados, cada um, pelas mais diferentes ciências.

Mapa 1: Primeiro mapa-múndi com o Novo Mundo, elaborado por Cantino em 1502.

Esse autor afirma ainda que a sistematização da Geografia moderna decorreu do conhecimento efetivo de todo o planeta, cuja consequência primeira foi a formação de acervos informativos sobre locais os mais recônditos. Além disso, o cálculo da longitude (1761) e o aprimoramento da cartografia possibilitaram a criação de uma cosmovisão moderna e precisa, facilmente perceptível ao se contrastarem mapas dos séculos XVIII e XIX com anteriores, da transição da Idade Média para o Renascimento, como bem ilustra Harvey (2005: 219-35) e os mapas 1 (ABRIL CULTURAL, 1971. v. 1, p. 253) e 2 (ibid., v. 2, p. 403). O fundamento desses avanços cartográficos encontra-se no pensamento cartesiano, já que os

gregos não tinham palavra para espaço. Segundo Stuart Elden (2001: 324), [...] a geometria grega – e, por conseguinte, a fundação da geometria moderna – não requer um conceito que seja equivalente a noção moderna de “espaço”. Nós podemos, portanto, conceber um entendimento de geometria sem a extensão cartesiana. Podemos conceber uma área sem espaço [...] Entretanto, o caminho em que estou mais interessado é em suas principais consequências políticas. A tecnologia moderna requer uma visão de espaço que possa ser mapeado [mappable] e controlado e útil à dominação. Isso não é encontrado no pensamento grego. O sistema moderno de Estados de territórios geográficos limitados por fronteiras surge da Paz de Westphalia em 1648 [...]. É sintomático que a justificativa filosófica para espaço demarcável, controlável e calculável é feita ao mesmo tempo em que esse sistema é colocado em prática.

Mapa 2: Mapa elaborado pelo governador britânico da Índia, James Rennel, publicado em 1782.

Sandra Lencioni (2003: 70) corrobora Stuart Elden afirmando que [...] o final do século XVIII se caracteriza pela afirmação do Estado Absolutista, fundado numa monarquia centralizadora em que a administração territorial passa a ser de interesse primordial do rei. Isso significa a elaboração de um conhecimento geográfico sobre os lugares de forma mais rigorosa em que se fazem presentes as estatísticas de aspectos econômicos e demográficos. Essa relação entre conhecimento geográfico e inventários precisos é que faz com que, nesse período, a fronteira entre Geografia e estatística seja bem estreita. David Harvey (2005: 225; 235) complementa o pensamento dos autores supracitados dizendo que, [...] se as experiências espaciais e temporais são veículos primários da codificação e reprodução de relações sociais (como sugere Bordieu), uma mudança no modo de representação daquelas certamente gera algum tipo de modificação nestas. Esse princípio ajuda a explicar o apoio que os mapas da Inglaterra renascentista deram ao individua​lismo, ao nacionalismo e à democracia parlamentar em detrimento dos privilégios dinásticos. Mas, como assinala Helgerson, os mapas podiam funcionar com a mesma facilidade como “um apoio imperturbável de um regime monárquico fortemente centralizado”. [...] todos os projetos iluministas tinham em comum uma concepção, com certo grau de unificação, da importância do espaço e do tempo e de sua ordenação racional. Essa base comum dependia em parte da disponibilidade popular de relógios, bem como da ​capacidade de difundir o conhecimento cartográfico por intermédio de técnicas de impressão mais baratas e mais eficientes. Mas também dependia do vínculo entre o perspectivismo da Renascença e um conceito do indivíduo como fonte e continente últimos do poder social, embora assimilado no interior da nação-Estado como um sistema coletivo de autoridade. O ordenamento da representação cartográfica e o acúmulo de informações de todo o planeta permitiram, pois, que “a física do mundo” recriasse e reproduzisse sua cosmovisão, articulando não só homem e meio, mas também a unidade da superfície terrestre e as particularidades de diferentes áreas do planeta. Assim, cabe-nos, agora, resgatar nas obras de Humboldt e de Ritter o modo pelo qual a Geografia tornou-se, definitivamente, moderna e científica. Alexander Von Humboldt (17691859), cuja obra mais importante é Cosmos (1845 a 1862, cinco volumes), tanto foi influenciado

pela intelectualidade francesa quanto pelo romantismo alemão. Humboldt resgatou a tradição dos relatos de viagens e das cosmografias, com os diferenciais de buscar um método próprio à Geografia e de realizar comparações entre fenômenos a fim de estabelecer encadeamentos gerais. Parte do talento de Humboldt consistia na sua formação enciclopédica – especialmente em Botânica, em Geologia e em Geografia –, o que era percebido como adequado a uma ciência cujo caráter era sintético. Um dos aspectos centrais na obra humboldtiana é a influência da Filosofia da Natureza de Schelling. Segundo Antonio Carlos Vitte (2006: 45), [...] a Naturphilosophie propunha a substituição de uma filosofia da natureza mecanicista por uma visão orgânica do universo [...] Pode-se dizer que a Naturphilosophie é a instituição dos princípios reguladores pelos quais as noções de continuidade e homogeneidade são transformados em princípios ontológicos. Isto porque a natureza é considerada como que sendo o passado inconsciente do Eu e o Homem, por sua vez, o auge do processo de evolução da natureza. Neste movimento geral, há uma continuidade entre os diversos graus do ser e é quando o real entra em homogeneidade inteligível. Essa homogeneidade está manifestada nas formas e em seus conteúdos e é decorrente de um processo que mantém a organização das formas naturais e no qual orgânico e inorgânico estão interconectados. Estas representam a síntese e a diferenciação da natureza e derivam da constante evolução dos organismos. Para Kant, ainda consoante Vitte (ibid.: 43), [...] os fenômenos da natureza são submetidos ao juízo reflexionante2, o que significa dizer que com a ação deste juízo as heterogeneidades e a multiplicidade da natureza imediatamente são submetidas ao conceito geral de natureza, não havendo necessidade de nenhum princípio particular. Com isto há uma esquematização a priori que se aplica a toda a síntese empírica. Desse modo, a razão atua sobre a natureza por meio da identificação das formas, as quais podem ser especificadas “como gêneros, espécies ou, em termos de geografia, como as formas de relevo” (loc. cit.). Com efeito, o pensamento kantiano, por meio de sua Geografia Física, forneceu elementos tanto da mecânica da natureza quanto da teleologia da natureza, com a incorporação do conceito de organismo, o qual encerra ambos os princípios de causalidade e finalidade, além de corresponder à

totalidade encontrada na própria natureza, por meio do conceito kantiano de juízo reflexionante, visto que somente com o uso do entendimento não seria possível conhecer a natureza como sistema. Assim (ibid.: 42), [...] a concepção de natureza não está mais associada às rígidas regras da matemática e da física, mas estrutura-se a partir da noção de organismo, como totalidade com uma finalidade técnica no mundo. A finalidade natural existiria apenas quando as partes se relacionam com um todo, sendo ao mesmo tempo causa e efeito de sua forma. Assim, a ideia de organismo é determinante da forma e da ligação de todas as partes em uma unidade sistemática, ou seja, o todo. Este princípio de finalidade, por sua vez, está necessariamente associado à faculdade de conhecer, que prescreve uma lei para a natureza. A metafísica do organismo que Kant abordou foi incorporada por Schelling. Além dos princípios de continuidade e de homogeneidade, este trata ainda do princípio da especificação da natureza, o qual possibilita o agrupamento em conjuntos homogêneos de formas que, na natureza, se apresentam diferenciadas, com base na relação forma-conteúdo. Quanto à sucessão dessas formas, é feita por meio de uma escala graduada, em que os fenômenos naturais corresponderiam a diferentes graus de um processo de criação das formas, tornando necessária a descrição da natureza, a qual permitiria a dedução deste processo. Humboldt utilizou-se desta metodologia, conforme nos diz Robert Moraes (2002: 113): [...] ao colocar como objeto de estudo da Geografia as conexões entre os fenômenos, apreendidas nas individualidades locais, enquanto manifestações da unidade da natureza, Humboldt necessita dotá-la de um instrumental ágil e múltiplo. Na verdade na proposta humboldtiana, objeto e método não são separados na exposição. O itinerário entre a análise de individualidade e a generalização traduz-se, ao nível do método, num jogo entre observaçãodescrição e reflexão-teorização [...] O método da Geografia, na concepção de Humboldt, deve articular a observação dos fenômenos e sua descrição com a reflexão e a possibilidade teórica que demanda seu objeto. Sua proposta vai tentar dar conta desse itinerário entre o levantamento empírico e a Filosofia da Natureza, que busca abranger todos os procedimentos e campos de investigação da Geografia. A observação é o princípio de todo o processo cognitivo, a objetividade do mundo exterior não sendo negada por Humboldt.

A articulação entre o percebido subjetivamente e o observado decorrente de medições e de classificações permitirá que haja a apreensão da realidade por meio das impressões que serão definidas com dados recolhidos por meio de investigação sistemática. Para Humboldt, o método geográfico deriva da observação da paisagem e é chamado de empirismo raciocinado. Esse método combina (ibid.: 117) [...] a observação, a medição e a descrição com a elaboração indutiva, a comparação e a generalização num procedimento de pesquisa que articula diversidade e unidade (assim estudos sistemáticos e sintéticos), e individualidade e universalidade (assim a escala local e a escala global), e ainda a subjetividade e a objetividade (assim as impressões e os dados empíricos). Essa proposta de método culminaria com a generalização, o estabelecimento de leis da distribuição e combinação espacial dos fenômenos da superfície da Terra. Esse empirismo raciocinado é uma mediação entre a Filosofia e as ciências sistemáticas. Contudo, a Geografia Física de Humboldt se aproximava destas quando buscava o estabelecimento de leis por meio de relações entre processos, sendo, portanto, uma geografia unitária e generalizadora. Cabe ressaltar que o adjetivo física conferido por Humboldt servia para denotar uma ciência de leis, exatamente como a Física. Outrossim, era uma ciência de síntese. Por fim, devese lembrar que a obra humboldtiana tem por objetivo construir uma experiência estética na esfera científica, com base na transformação em imagens das formas espaciais. Carl Ritter (1779-1859) foi contemporâneo a Humboldt e também possui em sua obra características iluministas e românticas. Semelhantemente a Humboldt, Ritter também considera a Geografia uma ciência de síntese e uma ciência empírica. Contudo, distingue a Terra da Natureza e do homem. Para Ritter, a natureza era obra divina modelada pelo ​Criador, e a Terra [...] foi organizada desde a origem para servir de teatro à Natureza e suas forças e para acolher os povos. É interessante assinalar nesta afirmação que Ritter trata a Terra e a Natureza distintas, criações diferenciadas, se bem que integradas num plano comum. Daí pode-se deduzir que a Terra é uma base para a Natureza e para o homem, também diferenciado desta. Entretanto, homem, Natureza e Terra unificar-se-iam ao nível da divindade, que a todos criou (MORAES, 2002: 163). Desta citação de Robert Moraes, podem-se inferir alguns aspectos da obra ritteriana: em primeiro

lugar, a teleologia e o pietismo existentes em seu pensamento; em segundo lugar, a distinção entre Terra e Natureza; e, por último, a distinção entre Natureza e homem. A teleologia, também presente em Humboldt, é influência de Schelling, que, como vimos, crê estar o sistema da natureza identificado ao do homem. Esta visão da natureza e do homem está presente, outrossim, no idealismo de Fichte e de Hegel, em que (ibid.: 157) [...] o conceito de conjunto relacionava-se com o conceito teleológico de universo. Schelling, por exemplo, afirmava que a natureza não era apenas uma unidade viva, mas que ela se desenvolvia para determinado fim. A natureza é o ego ou o eu no processo de existir, tal é o tema da Filosofia da Natureza de Schelling. Este conceito teleológico, aceito por Ritter, é reforçado por sua tendência ao pietismo (outra afinidade com Kant) [...] Humboldt partilhava com Ritter o conceito de unidade da natureza, concordando que demonstrar isso era o fim da Geografia Física... A concepção de unidade viva da natureza [...] havia sido revivida pelos idealistas. Constitui parte primordial do pensamento de Fichte, Schelling e Hegel e é expresso, de maneira admirável, na poesia de Goethe e Schiller. Esse pietismo é consequência da acepção de ciência de Ritter, para o qual esta tinha como objetivo (MORAES, 2002: 162) uma aproximação entre homem e divindade por intermédio da “observação e [do] entendimento da forma de ser das obras criadas. A contemplação da criatura (e das coisas criadas para acolhê-la) seria uma forma de adoração do criador”. O conhecimento se constituía como forma de adoração. Segundo Paulo Gomes (2000: 170-1), o pensamento ritteriano estava próximo ao cartesiano: [...] em primeiro lugar, há essa mesma busca de caução divina para fundar a racionalidade, o que coloca todo o problema da verdade na relação entre consciência e revelação. Em segundo lugar, poder-se-ia dizer que o Deus ritteriano é também geômetra, visto que manifesta sua vontade e mensagem através da perfeição lógica dos números. Ritter se ocupa muito do problema da aplicação das matemáticas à geografia. Contudo, a matemática não é considerada unicamente como um meio de representar os fenômenos, mas como sendo ela mesma a expressão de uma lógica viva3. Essa preocupação com a Matemática é baseada no pensamento da escola pitagórica, havendo, de acordo com este, uma analogia entre algarismos e formas geométricas. Estas, por sua vez, são

ordenadas e harmônicas, e conferem individualidade às formas terrestres. Outros fatores capazes de gerar equilíbrio e harmonia a estas formas é a proporcionalidade entre os elementos (água, terra, fogo e ar) constituintes da matéria, bem como sua distribuição pelo planeta. Desse modo, os legítimos indivíduos geográficos são os continentes, cujas personalidades e cujas leis que definirão o próprio desenvolvimento estão inseridas em suas formas (loc. cit.). Deve-se lembrar que Ritter concebe Natureza e Terra como duas totalidades distintas (MORAES, 2002: 178-80): [...] a Terra apresenta-se no real como um Todo, a “totalidade do sistema terrestre”, que “foi organizada desde a origem para servir de teatro à natureza e suas forças e para acolher os povos”. A Terra é tomada assim como “um sistema diversificado de fenômenos”. O conhecimento das leis que regem a harmonia telúrica, logo a unidade dessa totalidade, seria o objeto último da Geografia ritteriana. Essa totalidade-Terra, segundo Ritter, seria subdividida em outros todos menores, sendo a compreensão destes e da lógica de sua divisão o caminho para se chegar à compreensão da totalidade maior [...] Os conjuntos individuais poderiam ser de várias dimensões. Cada continente possuía diversos conjuntos, sendo entretanto, em si, um conjunto [...] Pesquisar e apresentar a individualidade da Terra constituía a maior tarefa da ciência geográfica [...] os continentes representam uma divisão primeira e fundamental do “Todo que é o globo terrestre enquanto forma de espaço”, sendo em si mesmo, cada um, um Todo. Outra separação evidente em Ritter é a que aparta o homem da Natureza, até então algo novo na Geografia. Isso decorre de seu pensamento religioso que concebe a Natureza em uma relação subordinada ao homem, tendo sido criada para o desenvolvimento deste. Assim sendo, a determinação da Natureza sobre o homem seria inversamente proporcional ao nível de civilização em que se encontrasse. Além disso, cabe ressaltar que a evolução humana estaria relacionada à predestinação dos lugares, de acordo com as condições físicas e as formas de cada continente. Nesse sentido, Ritter se aproxima de Herder sem, contudo, abster-se do eurocentrismo condenado por este filósofo. Com as especificidades de cada lugar, Ritter aproximará a Geografia das ciências históricas, cujo método objetivo ou dedutivo se aplica às relações entre fenômenos e se opõe ao método das ciências sistemáticas, chamado de subjetivo ou classificatório. Isso significa dizer que, em Ritter, não há distinção entre análises regionais ou globais, mas sim entre perspectivas sintéticas, cujo

método é o dedutivo, e perspectivas tópicas, que correspondem a classes de fenômenos. Por valorizar a dimensão histórica da Geografia, a Geografia Física para Ritter seria limitada por tratar apenas de características dos fenômenos naturais estudados por ciências específicas. Nesse sentido, Ritter proporá como objeto da Geografia a busca de leis telúricas, e, para tanto, o homem é imprescindível. A abordagem ritteriana para atingir este fim foi chamada de Geografia Geral Comparada, que titula sua mais importante obra, Geografia Comparada (1822 a 1859, dezenove volumes). Esta é assim chamada porque “está empenhada em explorar com a mesma atenção cada parte da Terra e cada uma de suas formas” (Ritter apud MORAES, 2002: 176) e também porque no “conhecimento dos distintos pontos da Terra nos defrontamos com fatos análogos e análogos modos de atuação” (loc. cit.). Embora concordem em definir a Geografia como ciência empírica e de síntese, as divergências entre as obras de ambos os geógrafos são consideráveis. Segundo Robert Moraes, as divergências são claras no que consideram o objeto da Geografia; na escala empregada, que é local e global, em Humboldt, e multiescalar, na análise ritteriana; a harmonia do universo em Humboldt é epifenomênica, em Ritter é primordial; em Humboldt, a intuição manifesta-se no início da pesquisa, em Ritter apenas quando ocorre a generalização; e, por fim, Humboldt tinha a Geografia como uma Filosofia da Natureza com base empírica, enquanto Ritter tornou-a científica (MORAES, 2002: 166; 199-201). Toda a Geografia pensada posteriormente terá Humboldt e Ritter como parâmetros, o que demonstra a importância dos dois autores para a ciência geográfica. Apesar de originarem perspectivas diferentes, a Geografia Tradicional, definida nas escolas geográficas francesa e alemã, assimilará e redefinirá questões tratadas por ambos os autores, como o determinismo ritteriano e a estética da paisagem humboldtiana.

1.2. GEOGRAFIA MODERNA, RATZEL E LA BLACHE Com Humboldt e com Ritter, as bases para que a Geografia se constituísse como ciência estavam dadas. O cartesianismo e o idealismo kantiano fundamentaram o surgimento da concepção de

espaço, o qual é substrato das ações humanas, e, desse modo, a Geografia, inicialmente sob a influência do positivismo, era uma Geografia Física. Não havia, ainda, a noção de Geografia Humana como conhecemos e esse adjetivo ‘física’ referia-se à generalização que os fenômenos físicos possibilitam, a qual se vincula ao princípio de Geografia Geral de La Blache (1896; 2002). Segundo Milton Santos (2002: 45), [...] tanto a respeito dos “primeiros geógrafos modernos de estatura”, como Fischer batizou os pioneiros, chamem-se Ritter, Humboldt ou Brun, como no que se refere aos que intitulamos “fundadores”, como Vidal de La Blache, Ratzel, ou Jean Brunhes, pode-se dizer que todos eram principistas. Lutavam para encontrar leis ou princípios que norteassem a disciplina geográfica nascente como ciência moderna. A Humboldt devemos o princípio da geografia geral que Vidal de La Blache devia, em seguida, retomar, paralelamente à ideia da unidade da terra (outro princípio famoso). Ratzel é o responsável pelo princípio da extensão e a Jean Brunhes devemos o de conexão. A Geografia Moderna, assim, revivia a tradição clássica percebida pelos renascentistas, a de duas correntes que, por um lado, retratam as experiências de viagens e as diferenças entre os lugares, cujo representante é Estrabão; e que, por outro, tende a encontrar uma linguagem abstrata e unificadora para a Geografia, cujo representante foi Ptolomeu. O discurso moderno da Geografia como ciência reproduziu essa dicotomia por meio da diferenciação entre Geografia Geral e Geografia Regional e entre Geografia Humana e Geografia Física, ressaltando que a Geografia Geral aproximava-se da Geografia Física e que a Geografia Humana aproximava-se da Geografia Regional. Segundo Thiago Macedo Alves de Brito (2008: 6-7), [...] esses dois ramos do conhecimento geográfico [geral-físico/regional-humano] ​retornariam à distinção proposta por Varenius entre geografia geral (sistemática) e geografia regional (especial). A primeira, fruto da física de Newton, das ciências naturais e do positivismo. A segunda, marcada pela filosofia da natureza, pelo pensamento de Kant e pelo romantismo alemão. Foi a partir da influência de Kant que se tornaram possíveis a institucionalização e a legitimação da moderna geografia regional. Kant distinguiu o conhecimento do espírito humano do conhecimento da matéria natural. Com isso, ele influenciou a distinção entre geografia humana e geografia física. A geografia humana, empírica e regional, valoriza a história dos fatos singulares

no espaço, das particularidades; e a geografia física, definida como geral e sistemática, baseada nas ciências naturais, é capaz de gerar normas, generalizações. Houve, na virada do século XIX para o século XX, a ascensão do historicismo, posteriormente incorporado ao discurso geográfico, em especial em sua corrente conservadora, como vemos em La Blache, e a do neokantismo. Nesse sentido, a Escola dos Annales e o conceito de civilização foram de grande importância para a Geografia (francesa), que adquiriu status científico por intermédio do conceito de região. Ainda, conforme Brito (ibid.: 8): [...]a geografia regional como ciência do singular tornou-se aceita, pois tinha suas bases no pensamento filosófico kantiano que distinguia as características lógicas das características físicas. As descrições geográficas da superfície da Terra localizariam o lugar da natureza em que aparecem os fenômenos naturais ou humanos. Já a ciência da lógica procuraria a constância desses fenômenos no intuito de criar generalizações, modelos e leis. A oposição entre ciências da natureza e ciências do espírito tornou a geografia dividida. Ante o desafio de unir a ciência geográfica, a geografia regional tornou-se o caminho promissor para assegurar à geografia o caráter de ciência. A ideia de unidade da Geografia é, pois, um dos pilares da Geografia Moderna. Além deste, os demais, como vimos no tópico anterior, são a unidade terrestre (juízo reflexionante kantiano; princípio da Geografia Geral lablachiano), a noção de espaço, uma nova cosmovisão e o surgimento do Estado-nação. Sobre este tema, arcabouço da Geografia alemã, falaremos com mais detalhes nos conceitos de território e no capítulo sobre Geografia Política. Outrossim, Massimo Quaini (1983) lembra que preocupações ideológicas prevaleceram nas tentativas de datar o surgimento da Geografia moderna e científica. Dessa forma, “a maior parte dos estudiosos estabelece uma ruptura ou descontinuidade entre os anos de 1850 e 1870, e a este período decisivo refere-se o nascimento da geografia moderna” (QUAINI, 1983: 32). Consoante Quaini (ibid.: 32; 22-3), [...] o divisor cultural, que separa os precursores ou pioneiros da geografia moderna como ciência constituída e sistemática, é representada pelo positivismo: de um lado estão Humboldt e Ritter ainda embebidos da herança iluminista ou do historicismo idealista, e, do outro lado, Darwin, Haekel, Ratzel, Vidal. [...] Se Humboldt é visto como aquele que antecipa todos os

princípios metodológicos da geografia sintética (também e principalmente pelo “caráter essencialmente naturalista” de sua obra), K. Ritter é interpretado como o representante de uma orientação em que [...] “a influência do ambiente natural é colocada em relevo através do desenvolvimento histórico dos povos que habitaram sucessivamente uma região: o elemento histórico adquire assim uma importância de primeira ordem, muitas vezes excessiva”. Apenas por esmero, lembramos que ainda há alguns que dividem o período positivista da Geografia moderna em dois momentos, sendo o segundo a ruptura (científica) constituída por Vidal de La Blache, especialmente entre autores franceses, e aqueles que afirmam ser científica a Geografia produzida pelos geógrafos quantitativos desde 1950. Retornaremos a esse tema mais à frente. Ainda sobre a Geografia moderna, cabe ressaltar que foi o Iluminismo que discutiu o princípio do Determinismo e formatou os problemas essenciais concernentes à Geo​grafia – gêneros de vida, distribuição da população, ação recíproca do homem e do ambiente. Faltava, entretanto, uma concepção evolucionista menos linear e mecanicista, somente possível após a contribuição do evolucionismo darwiniano. Com este, a análise geográfica passou a se tornar mais relevante, já que Darwin atestou o papel que o ambiente exerce nos mecanismos da evolução, por meio da adaptação. Assim, foi com Ratzel que o Positivismo e o Darwinismo imbricaram-se, mas antes de julgá-lo como determinista, cabe uma análise acerca da obra ratzeliana, importante também para a Antropologia e para a Ciência Política. Friedrich Ratzel (1844-1904) foi o responsável pela inserção do homem na Geografia científica, apesar de isso ocorrer sob uma análise focada na Biogeografia, ou seja, a abordagem ratzeliana vinculava o homem ao meio e se preocupava com a dispersão das sociedades humanas pelo globo. Assim, podemos afirmar que “a antropogeografia ratzeliana teria como núcleo o determinismo geográfico ou a concepção ambientalista ou ecológica da história” (ibid.: 41), mas devemos tomar o cuidado de não empobrecer a teoria ratzeliana com uma análise simplista. Segundo Quaini (ibid.: 23), [...] o estudo do ambiente, ou melhor, das características naturais de um Território habitado, é portanto de importância fundamental para explicar a distribuição do homem e as manifestações de sua atividade, à medida que possuem um interesse geográfico. [...] Ratzel pela primeira vez leva em consideração, sistematicamente, a difusão da humanidade na superfície terrestre na

dependência das condições ambientais. [...] Com ele a geografia humana conquista seu espaço em relação à geografia natural. Mas Ratzel, apesar da excepcional vastidão de informações, apesar de sua originária formação de naturalista, não escapou aos excessos do determinismo físico. Ele encerra a atividade humana em um quadro preestabelecido e a faz obedecer às leis impostas pelo espaço e pela situação. Outrossim, Ratzel, para alguns de forma contraditória, assegura a importância que a difusão técnica tem entre as sociedades humanas. Desse modo, se absorve o evolucionismo em sua teorização acerca do Estado, o geógrafo não o reproduz em relação ao homem, já que, [...] com seu agudo senso geográfico e histórico, foi capaz de ver e demonstrar que muitos paralelismos entre instrumentos, invenções, costumes e ideias devem ser explicados não com base no princípio de que, num determinado estágio da evolução, aparecem certas ​similaridades, mas com a demonstração do contato direto entre culturas e da extensão das invenções através das comunicações. Deste modo, a difusão, como é chamada a apropriação dos traços da cultura, se tornou o princípio fundamental da explicação etnográfica ​(QUAINI, 1983: 40). Ainda conforme Quaini, a base da Geografia Humana de Ratzel distingue três formas de influência da natureza sobre o homem – a primeira orienta a expansão das massas étnicas, determinando os limites e a amplitude desta. A segunda interfere no isolamento ou no contato entre os povos, dependendo das condições geográficas de um recorte espacial, e a terceira influencia diretamente a aquisição dos meios necessários à vida, em um primeiro estágio, e à indústria e ao comércio, posteriormente. Entre as funções da geografia ratzeliana estava a de legitimar a unificação alemã, ocorrida em 1871, no Palácio de Versalhes. Em contraponto, a Geografia lablachiana assegurava o direito francês sobre o território da Alsácia-Lorena, perdido na guerra franco-prussiana. O processo de unificação alemã é um episódio fundamental para a constituição da Geografia científica, tanto na própria Alemanha quanto na França, e seu início pode ser marcado quando o domínio napoleônico sobre a Europa cessou, momento este em que houve considerável redução no número de Estados germânicos, alguns dos quais, em 1834, constituíram uma união alfandegária, a Zollverein. Isso foi fundamental para a consolidação da Prússia na vanguarda do desenvolvimento capitalista, bem como na liderança entre os Estados germânicos, já que representou o fim dos entraves à

circulação interna e fortaleceu os laços comerciais entre os membros. Embora tenha se desenvolvido industrialmente com certo retardo, a Alemanha conseguiu sobressair-se no cenário europeu porque garantiu a primazia na Segunda Revolução Industrial, com uma boa infraestrutura de transportes e com características monopolistas já amadurecidas. Cabe ressaltar que a industrialização prussiana se deu sem alteração das estruturas agrárias existentes, o que tornou esse processo conhecido por modernização conservadora. Isso propiciou o fortalecimento dos proprietários de terras, de cunho político reacionário, conhecidos por junkers. Estes mantiveram-se no poder no Segundo Reich e podem ser responsabilizados pelo hiato entre desenvolvimento industrial e produção agrícola, o que tornou a economia alemã importadora de alimentos e justificou sua necessidade por espaço vital. Além disso, o Segundo Reich ficou para trás na corrida colonialista e, embora possuísse umas poucas colônias, conduziu sua Realpolitik de forma pragmática, com o intuito de evitar a convergência de interesses franceses e britânicos contra a nação alemã, sendo esse o motivo pelo qual Berlim sediou a conferência de partilha africana. Sob Bismarck, a Alemanha ateve-se a um imperialismo econômico e ao isolamento da França entre as nações europeias. Com a queda do chanceler, houve uma alteração na política externa alemã. Para a Weltpolitik, a ideia de Mitteleuropa – integração econômica centro-europeia – consistiria em um sistema comandado pela Alemanha. Se a Realpolitik orientava-se pela balança de poder, a Weltpolitik baseou-se sobremaneira na expansão do poder econômico alemão e adquiriu forte cunho nacionalista. Além da Mitteleuropa, (FISCHER, 1968), havia o projeto de um império mundial, com colônias ao redor do mundo, e de uma forte Marinha, capaz de competir com a britânica. O nacionalismo presente na Weltpolitik inflou-se com o desenvolvimento da economia e das instituições acadêmicas, apesar de as Guerras de Liberação funcionarem como estopim para que se criasse, por uma causa antifrancesa, uma comunidade de interesses entre as aristocracias germânicas. Entretanto, a transformação da Pátria e da honra nacionais em deidades terrenas as quais o povo devesse servir lhe é anterior, e vinculava-se ao pietismo e ao nacionalismo presentes no próprio pensamento germânico, em especial no de Fichte. A humanidade tornava-se realidade concreta por meio da nação, já que o povo exprimia uma

unidade espiritual e física comum, da mesma forma que o universal divino manifesta-se na existência particular desse povo. Assim, o patriotismo representaria a individualização do universal, o que significava, em amálgama com o pensamento pietista, transformar a totalidade da nação (alemã) em representação do divino. Culturalmente, isso se manifestou no pensamento romântico, o qual foi “nacionalizado” como peculiaridade do povo alemão, implicando uma identidade entre nação e povo (Volk) (GREENFELD, 1992). Consequentemente, esse pensamento tornou os alemães aqueles que melhor expressavam a humanidade (uma vez que individualidades equivalentes não poderiam existir), e a nação alemã aquela que melhor representaria a civilização europeia (pan-europeísmo). O Romantismo alemão, desse modo, contrapunha-se à modernidade ilustrada, a qual tinha forte influência francesa. Ademais, o Volk distinguia-se do Estado, representado como unidade interior e espírito do povo, ou seja, a corporificação dessa unidade e desse espírito. Essa distinção entre povo e Estado decorre das tensões existentes entre Estados germânicos do norte e o Império austríaco. Havia o questionamento acerca de qual Estado corporificaria a nação alemã, um problema cuja solução foi estabelecida apenas em 1866, com a guerra entre Prússia e Áustria. Derrotado, o Império Austríaco tornou-se dual, e passou a se chamar Império AustroHúngaro. Quatro anos mais tarde, a unificação alemã foi realizada sob a liderança prussiana, criando uma potência capaz de alterar em definitivo a balança de poder europeia. O desenvolvimento alemão coincidia, então, com o evolucionismo social, o qual acreditava que as sociedades humanas reproduziam o mesmo comportamento verificado biologicamente entre as espécies, de organismos simples para os mais complexos (politicamente, o Estado). Darwin introduziu a teoria da seleção natural no processo evolutivo e esse arcabouço teórico, por influência do positivismo, foi assimilado pelas ciências sociais. Isso possibilitou que a influência exercida pelo meio, por intermédio da adaptação, fosse trabalhada na Geografia, sendo o arcabouço da Geografia Tradicional – tanto na escola francesa ​quanto na alemã. A influência de Haeckel, professor de Ratzel e criador do termo ecologia, é perceptível por meio da ideia de competitividade entre todos os seres vivos no meio natural, o que ocasionaria a limitação espacial destes decorrente da luta pelo espaço. No homem, em particular, esse processo

refletir-se-ia em suas entidades políticas. A luta pelo espaço vital, tão comentada quando mencionamos a obra ratzeliana, tem origem nos ensinamentos de Haeckel. Comentaremos mais acerca da ecologia no capítulo sobre Meio Ambiente. Há, ainda, o historicismo conservador, o qual assevera que a manutenção da ordem tradicional é percebida como inevitável porque resulta de uma organicidade inerente ao processo constitutivo das instituições de determinada sociedade. É vinculado ao Romantismo, negação das doutrinas iluministas, e invoca a intuição e o nacionalismo, já que refuta o cosmopolitismo revolucionário e até mesmo o capitalismo. O historicismo contribuiu também para a separação entre as ciências naturais e as ciências humanas. Ratzel dividiu a Geografia em três grandes campos de pesquisa: a Geografia física, a Biogeografia e a Antropogeografia (MORAES, 1990: 9), todas concebidas como estudos sintéticos, buscando relações entre fenômenos diversificados e explicativos, gerando leis. Ainda segundo Moraes (loc. cit.), “a unidade do conhecimento geográfico estaria assegurada em uma abordagem telúrica, ou seja, a Terra associaria os fenômenos dos três reinos da realidade”. Isso tornou Ratzel o fundador da Antropogeografia, ou posteriormente Geografia Humana, já que se dedicou mais a esse campo. O objeto da Antropogeografia, segundo Ratzel, também apresentaria uma tríplice repartição – as condições que a natureza impõe à historia; a distribuição das sociedades humanas sobre o globo; e, por fim, o estudo da formação dos territórios. Essas três variáveis se inter-relacionam e estão calcadas na relação entre homem e natureza. Ratzel critica a ideia de predestinação dos lugares de Ritter, na qual há influência do determinismo de Montesquieu, encarado como simplista e sem base empírica pela Geografia ratzeliana (loc. cit.). O positivismo domina completamente o método assumido por sua Antropogeografia, pois na concepção ratzeliana havia a ideia de unidade do método científico, ou seja, um único método para todas as ciências. Ratzel se posicionou radicalmente contrário ao uso de procedimentos dedutivos, ao levantamento de hipóteses lógicas e à especulação em geral. A ideia – correta – de ver a natureza como estímulo ou limite para a ação humana passa a ser acoplada, pela opção metodológica, a um raciocínio de movimento reativo, isto é, passa a ser equacionada em uma visão de causa e efeito

(MORAES, 1990: 13). Assim, a Antropogeografia de Ratzel acaba por veicular uma perspectiva naturalista – em face da normatização mecanicista, as condições naturais passam a ser vistas como o locus da determinação, como o elemento de causação a partir do qual a história humana se movimenta. A perspectiva naturalizante tem origem positivista, mas também encontra respaldo na própria Geografia, já que para Humboldt “o homem era um elemento a mais da paisagem, sendo esta o objeto de interesse do geógrafo”. Ademais, Ratzel “minimizou os fenômenos especificamente sociais” da Geografia do homem (ibid.: 14-5). Na concepção kantiana, o estudo geográfico estava limitado à análise da natureza, na medida em que os fenômenos humanos constituiriam o campo da Antropologia. Para Ritter, a tese da predestinação dos lugares ocupava lugar essencial, evidenciando o determinismo natural ali defendido. Ratzel, por sua vez, propugna a unidade da espécie humana, contrapondo-se às teorias racistas (ibid.: 20). Para ele, as diferenças encontráveis entre os povos não adviriam de uma determinação genética do equipamento biopsíquico, sendo, ao contrário, frutos de uma história que se desenrola sobre a Terra. Desse modo, [...] posta a unidade da espécie humana, a civilização apareceria, segundo Ratzel, como o único critério absoluto diferenciador das várias sociedades. Dessarte, a divisão existente na humanidade seria aquela entre povos naturais e povos civilizados [...] O progresso é, dessa forma, apresentado como uma união mais íntima dos povos com as condições naturais por eles vivenciadas, na tradição dos juízos de Herder e de Ritter (ibid.: 21). O condicionamento natural também manifestar-se-ia, tomando um outro exemplo, através de estímulos como aqueles que demandam o trabalho coletivo e a divisão do trabalho que, para Ratzel, constituem necessidades benéficas à civilização. Nesse sentido, a base econômica dos lugares propiciaria uma diferenciação geográfica, a qual possibilitaria o desenvolvimento de maior rede de circulação e o aumento da coesão interna dos Estados. A partir da visão da sociabilidade como atributo natural dos homens, Ratzel concebe um movimento evolutivo marcado por formas cada vez mais complexas de associação, da família ao Estado. Assim, o território deveria ser dividido em propriedades, pois é do interesse individual que

nasce o interesse coletivo para a organização política do território. Território seria uma determinada porção da superfície terrestre apropriada por um grupo humano. Observa-se que a propriedade qualifica o território, em uma concepção que remonta às origens do termo na Zoologia e na Botânica – em que é concebido como área de dominância de uma espécie animal ou vegetal. Dessa forma, o território é posto como um espaço que alguém possui, é a posse que lhe atribui identidade. O espaço vital manifestaria a necessidade territorial de uma sociedade tendo em vista seu equipamento tecnológico, seu efetivo demográfico e seus recursos naturais disponíveis. Seria, portanto, uma relação de equilíbrio entre a população e os recursos naturais disponíveis, mediada pela técnica; seria a porção do planeta necessária para a reprodução de uma dada sociedade. O Estado é visto por Ratzel como ponto de inflexão na história humana. O seu surgimento demandaria já certo patrimônio cultural acumulado e teria por pressuposto a delimitação do território. Isso porque a defesa do espaço vital da sociedade seria a causa e a função precípua de sua existência. Ratzel afirma que, quando a sociedade se organiza para defender o seu território, ela se transforma em Estado. O aparecimento do Estado resulta em um aumento da coesão social do grupo. Ratzel elaborou um conjunto de sete leis geográficas com que pretendia explicar os processos de crescimento dos Estados, entidades políticas que descrevia, por analogia, em termos de organismos vivos, fixando, assim, a concepção organicista da Geografia política tradicional. As leis de crescimento dos Estados definem que o tamanho do Estado cresce com a sua cultura à medida que o vínculo da população com a terra torna-se continuamente mais estreito. Esse processo segue outras manifestações do crescimento dos povos que necessariamente devem preceder ao crescimento do Estado, como, por exemplo, o fortalecimento dos fluxos comerciais, que, segundo Ratzel, são anteriores à política. Esse crescimento se daria também pela anexação de membros menores a um aglomerado. Ainda conforme essas leis, as fronteiras são o órgão periférico do Estado, o suporte e a fortificação de seu crescimento, e participam de todas as transformações do organismo do Estado. Em seu crescimento, o Estado se empenha em obter posições politicamente vantajosas, e os primeiros estímulos para esse fim vêm-lhes do exterior4; e, finalmente, afirma que a tendência geral para a anexação e fusão

territoriais transmite-se de Estado a Estado, e cresce continuamente de intensidade. Há que se diferenciar, ainda, os conceitos de situação e posição. Ratzel, no seu texto “Sobre a situação geográfica” (RATZEL, 1906), vincula o termo “situação geográfica” ao sítio, às coordenadas geográficas; é, portanto, determinado pelas características da superfície terrestre em maior intensidade que o espaço que, em Ratzel, encerra caráter político. Quanto à posição geográfica, esta assume um caráter relativo: a Alemanha se posiciona a leste da França e a oeste da Rússia, por exemplo. Para Ratzel, a situação geográfica é contígua, não podendo ser separada do território de uma nação. Assim, os tchecos seriam apenas uma ilha dentro da nação alemã, uma estação da ferrovia Berlim-Viena. Quanto à presença de insularidade física, como no caso da Córsega, esta manterá sua população estritamente fechada, e dada à expansão. A diferença corsa é que esta emigração terá caráter individual, consequência do caráter do povo, isolado pelo mar e fragmentado pela montanha, o que favoreceu a manutenção de suas tradições. Um tal solo, com sua concentração e isolamento insulares, é base sólida de igualdade social e política. Assim sendo, as ilhas contribuiriam para a manutenção de uma identidade étnica e, se houvesse disputa por território, aquele grupo étnico com maior pujança acarretaria a assimilação dos outros povos, ou a difusão destes para outras áreas. Assim, mesmo que fosse criado um Estado polonês, a posição geográfica deste não permitiria alcançar autonomia ou peso econômico suficientes para se manter, independente de sua extensão. A Escola Francesa de Geografia, entretanto, exerce um contraponto às ideias de Ratzel. França e Alemanha disputavam a hegemonia continental europeia, situação temporariamente resolvida com a Guerra Franco-Prussiana. Esta tornou premente a necessidade da análise espacial sob a ótica francesa, a fim de legitimar a integridade territorial, comprometida com a perda da Alsácia-Lorena, e a supremacia intelectual francesa, já que as correntes racionalistas eram confrontadas pelo Romantismo alemão. Segundo Sérgio Nunes (2006), entre as influências da Escola Francesa, estão o positivismo, o historicismo e o espiritualismo francês. Esta corrente filosófica ia de encontro ao materialismo pósrevolucionário e resgatava o platonismo e a metafísica para criar um arcabouço filosófico eclético.

Embora seja paradoxal à ciência, essa corrente pode ser verificada nos conceitos vidalianos. O positivismo pregava a unidade de método entre as ciências naturais e as ciências humanas, tendo o historicismo função simultaneamente conservadora e renovadora. Por um lado, a ideia de gênero de vida conserva a tradição de modos de existência que já se perdiam com o desenvolvimento do capitalismo na França do século XIX, e, por outro, a crença na liberdade do homem e no domínio que exerce sobre a natureza rompem com um viés meramente ecológico. Todavia, as relações que os homens estabelecem entre si foram secundarizadas. Basta lembrar que Vidal de La Blache (1845-1918) afirmava que a Geografia era a ciência dos lugares e não dos homens. Estes, quando aparecem na obra de La Blache, “o fazem de uma maneira que reforça a harmonia natural da região, o nativo... faz parte da paisagem... num relacionamento de cenário” (THRIFT, 1996: 222). Vidal de La Blache também foi, segundo Milton Santos (2002: 136), o responsável pela longa separação entre Sociologia e Geografia, o que acarretou um empobrecimento da ciência geográfica justamente no momento de sua afirmação. De acordo com o geógrafo brasileiro, o [...] fundador da moderna geografia humana francesa repeliu de forma drástica a proposta de Durkheim para incluir a geografia numa classificação básica das ciências sociais. A ideia de uma morfologia social, isto é, de uma disciplina sociológica particular tratando das modalidades de transformação de sociedade em espaço geográfico, desagradou profundamente a Vidal de La Blache e provocou uma discussão cuja consequência maior foi uma separação prolongada entre a geografia e a sociologia. Entretanto, se Vidal rompeu com a Sociologia, não fez o mesmo com o historicismo. Como mencionamos, se há na obra de La Blache um caráter conservador presente no gênero de vida de uma região, em uma sociedade que experimentava a transição para o industrialismo, há também, e contraditoriamente, a assimilação da “ideia de liberdade como possibilidade do homem” (LENCIONI, 2003: 85). Segundo Sandra Lencioni (loc. cit.), [...] foi Émile Levasseur (1828-1911) que, em 1889, contrapôs claramente o determinismo físico à liberdade do homem. [...] Em aberto confronto com a ideia de que as atividades humanas eram determinadas pela natureza, o pensamento possibilista dizia que o meio físico oferecia

possibilidades ao homem para o exercício das atividades humanas e que o homem teria liberdade de escolha na sua relação com a natureza. [...] Como antípoda do positivismo, o historicismo, inspirado no romantismo, questionou a ideia de razão iluminista, incorporando a subjetividade no pensamento científico. Corroborando Paulo César da Costa Gomes (GOMES, 2000), Sandra Lencioni (2003: 87) lembra, ainda, que [...] positivismo e historicismo, determinismo e possibilismo, inspirados na filosofia iluminista, no idealismo alemão e no desenvolvimento do romantismo, constituem as trilhas de desenvolvimento da Geografia moderna. É preciso que fique bem claro, em primeiro lugar, que qualquer ideia de precedência nessas maneiras de pensar conduz a um grave equívoco, pois elas compartilham o mesmo tempo histórico. Em segundo, que as posições dominantes de cada pensamento não significam formas puras, pois podemos encontrar na posição possibilista conduções e raciocínios próprios do determinismo e vice-versa. Por ​último, como muito bem observou Paulo César da Costa Gomes, o fato de as propostas determinista e possibilista terem significado estratégias espaciais diversas e de terem sido identificadas com projetos nacionais, alemão e francês, respectivamente, podem conduzir a um simplismo indevido. Esclarece indicando que as pretensões dominadoras e ​expansionistas presentes na Geopolítica desse período foram uma combinação híbrida das propostas determinista e possibilista. Para Nigel Thrift (1996: 218), há duas características fundamentais na obra de Vidal de La Blache – a apreciação à França campesina e os modos pelos quais a França e os franceses poderiam ser definidos. Em relação ao primeiro aspecto, Thrift afirma que, para Vidal, [...] as paisagens camponesas da França eram uma prova do poder do ambiente físico como “um princípio subjacente de causação”. Ao mesmo tempo elas também mostravam o poder de grupos sociais de se adaptar ao ambiente físico e moldá-lo através dos séculos. Nas palavras de Vidal de La Blache (apud THRIFT, loc. cit.), [...] é o homem que revela a individualidade de um país ao moldá-lo para seu próprio uso. Ele estabelece um vínculo entre características não relacionadas, substituindo os efeitos aleatórios de circunstâncias locais por uma cooperação sistemática de forças. Só então é que um país adquire um caráter que o diferencia de outros, até que por fim ele se torna, por assim dizer, uma medalha

cunhada à semelhança do próprio povo. Essa individualidade manifestar-se-ia nos pays, que nem sempre eram oficializados pelo Estado em sua divisão interna, e que “eram um conjunto de lugares em que repetidas práticas agrícolas e outras mais (o que Vidal chamou uma ‘comunidade de costumes’), se apoderaram da terra” (loc. cit.). Contudo, [...] Vidal foi frequentemente censurado por sua ênfase sobre as “pequenas comunidades locais” que constituíam a França camponesa e certamente, com o benefício de nossa perspectiva atual, uma ênfase como essa parece mal colocada. Durante todo o tempo em que escreveu, os diferentes modos de vida dos camponeses franceses estavam se extinguindo aos poucos diante da violenta investida do capitalismo e do estado francês. Apenas três anos após o nascimento de Vidal, em 1848, aconteceu a última importante revolta dos camponeses em protesto contra o surgimento da agricultura privada capitalista, na defesa dos direitos comunitários tradicionais. A coesão dos camponeses franceses foi atacada por todos os lados: pela colonização de seu próprio povo por um Estado francês mais e mais intensamente racionalizado e centralizado (com seu serviço militar, seu sistema de educação de massa, e assim por diante) determinado em transformar le paysan em le Français (THRIFT, 1996: 219). Essa necessidade de afirmação do Estado francês não ocorria apenas em relação a seus cidadãos; ocorria, outrossim, em função da disputa pela hegemonia continental europeia. Ainda segundo Thrift (loc. cit.), [...] no rastro da derrota da França para os prussianos em 1870, ele [Vidal] foi um defensor entusiástico do “hábito da geografia” como instrumento no arsenal geopolítico da França. Não é nenhuma surpresa descobrir que ele apoiava ativamente a colonização. Os trabalhos posteriores de Vidal tenderam para um caráter ainda mais geopolítico. Especialmente em La France de l’Est, publicado em 1916 [...], Vidal fez um exame detalhado dos fatores geopolíticos. Tendo em vista a região que ele escolhera estudar – a Alsácia-Lorena – e a força simbólica que esta tirava das reivindicações concorrentes da França e da Alemanha à sua posse, dificilmente isto poderia ocorrer de outra maneira. Sandra Lencioni (2003: 101) corrobora Thrift, afirmando que [...] a França, com suas fronteiras consolidadas, diferentemente da Alemanha, ainda sob os

efeitos da recente unificação (1871), deparava-se com dois problemas marcantes nesse período. Um, relativo à ocupação prussiana da Alsácia e Lorena e outro, dizendo respeito à relação entre as classes sociais. Nesse último caso, tratava-se de reestruturar as forças sociais internas, aproximando a população urbana de Paris, alinhada aos interesses do capital industrial e financeiro, com a população de outras regiões, vinculadas à classe agrária e conservadora. Tratava-se, também, de minar o movimento operário que se manifestou na Comuna de Paris. A Geografia, nesse momento, cumpre o papel de elaborar ideologicamente a construção da nacionalidade francesa. [...] Face a diversidade do território francês, afirmar o regional era, também, afirmar a identidade nacional. O sentimento de pertencer a um local, a uma região, siginificava, também, a consciência de pertencer a um pedaço de um todo harmônico sob a direção do Estado. “Harmonia territorial, que refletia a ‘harmonia’ e a natureza do regime social dominante. ‘Harmonia’ rompida apenas pela perda da Alsácia e Lorena”. Harmonia essa derivada da noção de organismo. Esse conceito, segundo Sérgio Nunes (2006) e Paulo Gomes (2000: 192-222), esteve presente na obra de La Blache até porque havia se tornado verdadeiro lugar-comum no final do século XIX e era utilizado em diversas áreas do conhecimento. Era aplicável a qualquer escala de análise e indistintamente a fenômenos naturais e sociais, ademais de conciliar metafísica e positivismo, representados, respectivamente, pela autoevidência e pela autoexplicação, e por sua feição naturalizante. Outra noção que carrega essa dupla função é a de meio, tomado de empréstimo da biogeografia (Humboldt) e da ecologia (Haeckel), que a teriam evidenciado cientificamente. Ainda conforme os geógrafos (2006; 2000: 192-222), [...] esta “lei que rege a geografia dos seres vivos” é transformada em fundamento principal da geografia humana proposta por Vidal, que já teria conseguido reunir base empírica suficiente para se legitimar como ciência. Vidal desenvolve a noção de meio conciliando o ponto de partida assinalado, fundamentado no positivismo, com uma concepção carregada de espiritualismo e metafísica. Como resultado desse dualismo, o meio é entendido não apenas como um campo de forças de origens diversas e ação simultânea, mas também como algo definido por sua própria maneira de ser. Assim, ele é reconhecido ao mesmo tempo como uma manifestação real e concreta (o que lhe confere status de objeto científico); como possuidor de uma fisionomia particular (decorrente da singularidade de cada combinação de forças); e como expressão de uma essência invisível (a diversidade e o movimento dessas forças).

Sem a ação humana, contudo, o meio não teria significado. Em que pese a compreensão de que o meio é força dotada de movimento próprio, ele perderia sentido sem a transformação originada pelo homem, introduzindo-se, assim, a história e o conceito de civilização no ​estudo geográfico do meio. Para Sérgio Nunes e Paulo Gomes (loc. cit.), há na obra de La Blache uma aproximação com o conceito aristotélico de potência e ato, já que [...] somente a ação humana pode conferir um sentido à matéria, realizando a força (potencial) da natureza. É assim que se pode ler em Vidal que “uma região é um reservatório onde dormem energias das quais a natureza depositou o germe, mas das quais o emprego depende do homem. É ele quem, ao submetê-las ao seu uso, dá luz à sua individualidade”. Essa individualidade, pois, apresentar-se-ia no gênero de vida, caracterizado por certa subjetividade própria relacionada ao aparato técnico-cultural particular de cada grupo social, sendo assim, a força moldadora do meio, o qual é necessariamente harmônico e unificador da diversidade dos gêneros de vida. Cada um destes configuraria uma região, que, além de unificar aspectos humanos e físicos, resolveria o problema do status científico da Geografia, tomada como ciência de síntese. Segundo Lencioni (2003: 105; 107), [...] uma monografia regional deveria, na perspectiva lablachiana, conter uma análise detalhada do meio físico, das formas de ocupação, das atividades humanas e de como o homem se ajusta à natureza. O olhar sobre a natureza deveria conter uma perspectiva histórica na análise da relação homem-meio. Fundamentalmente, a monografia regional deveria estabelecer a integração dos elementos físicos e sociais e acrescentar uma visão sintética da região. [...] Paul Claval sintetizou o sentido que a região toma no pensamento lablachiano. A primeira consideração é a de que as regiões se evidenciam na superfície terrestre; a segunda, é a de que as regiões se traduzem na paisagem e nas realidades físicas e culturais; e, a terceira, a de que os agrupamentos humanos tomam consciência da divisão, a nomeiam e a utilizam na criação dos quadros administrativos. Vidal diferenciava, ainda, paisagem de fisionomia, esta encarada “como instrumental para a elaboração das distinções regionais” (LENCIONI, 2003: 106). Dessa forma, “a síntese ​regional” era [...] o objetivo último da tarefa do geógrafo, o único terreno sobre o qual ele se encontra a si mesmo. Ao compreender e explicar a lógica interna de um fragmento da superfície terrestre, o geógrafo destaca uma individualidade que não se encontra em nenhuma parte (ibid.: 107).

Com base no que foi exposto, pode-se inferir que a Escola Alemã seja menos “naturalizada” que a Escola Francesa: onde se lê meio nesta, lê-se solo naquela; região e paisagem, território; pays, Estado; grupo social, povo. Vejamos, a seguir, a evolução dos conceitos de região, paisagem e território e como espaço e lugar surgem para a ciência geográfica.

1.3. CORRENTES METODOLÓGICAS E CONCEITOS DA GEOGRAFIA Neste tópico, abordaremos as principais correntes metodológicas da Geografia e a evolução dos principais conceitos utilizados pela ciência geográfica – paisagem, território, região, espaço e lugar.

1.3.1. Correntes metodológicas da ciência geográfica Ratzel e La Blache, e as escolas geográficas alemã e francesa, representam o que ficou conhecido como Geografia Tradicional, ou, ainda, Geografia Positivista. Deve-se ressaltar que o desenvolvimento das ciências humanas foi acompanhado com certo retardo pela ​Geografia. As contribuições recebidas nesse processo ressignificaram seus conceitos e alteraram o papel que a ciência geográfica desempenhava e até mesmo interferiam na sua afirmação como ciência. A Geografia Tradicional teve como paradigma o conceito de organismo, seja na Geografia Política de Ratzel, seja na noção de meio lablachiano, ou, ainda, na Geografia Cultural de Carl Sauer. Isso ocorreu porque nesse momento histórico a Geografia se afirmava como ciência se utilizando de bases epistemológicas próprias das ciências naturais, como território e meio, cujas origens remontam à Biogeografia, à Botânica e à Zoologia. Abandonou-se, nas ciências de modo geral, o mecanicismo que prevalecera anteriormente. Entre as principais obras de Ratzel, destacam-se Antropogeografia, publicada em dois volumes, o primeiro em 1882, quando se firmava no meio acadêmico alemão, e o segundo em 1891; entre 1885 e 1888 publica As raças humanas; em 1894, publica o artigo “Sobre a situação geográfica”; em 1896, publicou o artigo “as leis do crescimento espacial dos Estados – contribuição para uma geografia política científica”, para no ano seguinte publicar um dos seus mais importantes trabalhos,

a ora sistematizada Geografia política; em 1898, publica O solo, a sociedade e o Estado e A córsega: estudo antropogeográfico. Entre os mais importantes trabalhos de La Blache, estão Quadro de geografia da França, publicado primeiramente em 1903 e eternizado como trabalho modelo; a obra póstuma Princípios de geografia humana de 1922; o polêmico trabalho sobre a França do Leste, de 1917, sobre a Alsácia-Lorena; e os escritos definidores do projeto científico da escola francesa de Geografia – O princípio de geografia geral, de 1896; A geografia política a propósito dos escritos de Friedrich Ratzel, de 1898; Les conditions géographiques des faits sociaux, de 1902; no ano seguinte, publicou La géographie humaine, sés rapportes avec la géographie de la vie; Des caractères distinctifs de la geographie, de 1913. Com o conceito de região lablachiano, acreditou-se ter encontrado o objeto próprio da Geografia, que superava as dicotomias Geografia Geral-Geografia Regional e ciências naturais-ciências humanas. Na Alemanha, o neokantismo, corrente filosófica importante do último quartel do século XIX até as três primeiras décadas do século XX, rompeu em definitivo com o positivismo. Desse modo, natureza e homem receberam tratamentos epistemológicos diferentes. Wildelband substituiu a divisão entre ciências naturais e humanas em ciências nomotéticas e ciências idiográficas, estas as que tratam das particularidades e aquelas abordando generalizações. Essa classificação não impedia que determinado fato pudesse ser objeto tanto de investigação nomotética quanto idiográfica. Segundo Ruy Moreira (2006: 33-4), a redução do discurso geográfico a uma dicotomia possibilismo versus determinismo elaborada por Lucien Febvre [...] obscureceu o verdadeiro contraponto então surgido na virada do século XIX para o XX na geografia, aquele estabelecido entre o olhar regional fracionário de La Blache, inspirado numa concepção isolacionista de região, um caso de singularidade, e o olhar diferencial e corológico de Hettner, inspirado na região como uma diferenciação de áreas, bem analisado por Hartshorne. [...] Hettner retoma e inova a corologia de Ritterm clarificando seu caráter e precisando seu método. Em Ritter, a corologia é o efeito do método comparativo, que desemboca no individualismo regional. Com Hettner, estamos de novo diante da abordagem dos recortamentos, do processo de arrumação da superfície terrestre pelo movimento interativo e entrecruzado dos fenômenos físicos e humanos, cuja tradução é o entendimento da geografia como o estudo da

superfície terrestre por sua diferenciação de áreas. Mas, se em Ritter, o recortamento é um estado e a região um recurso de método, em Hettner tudo é um processo de diferenciação. Tal como em Ritter, em Hettner desaparece a possibilidade de a geografia dividir-se em sistemática e regional. Tema que em Hettner parece encontrar solução definitiva: os recortamentos espaciais são o resultado da diferenciação areal dos fenômenos sistemáticos em seus movimentos pelo todo da superfície terrestre. Desse modo, a diferenciação de áreas e a região seriam inerentes ao discurso geográfico, outras perspectivas tornando-se secundárias e, até mesmo, taxadas de não científicas. Contudo, essa estabilidade epistemológica acabaria com a assimilação, no discurso científico, do paradigma dos sistemas e do neopositivismo. Essa Nova Geografia foi denominada, outrossim, Geografia Teorética ou Quantitativa, e reforçou, enfim, a utilidade do conceito de região, agora sob o enfoque dado pelo Planejamento Regional, imprescindível no pós-guerra. Segundo José Camargo e Dante Reis Junior (2006: 84), [...] denomina-se Geografia “Teorética e Quantitativa” ou Geografia “Neopositivista” a corrente que começou a se formar logo após a Segunda Guerra Mundial e que terminou por trazer profundas transformações teóricas e metodológicas. Esta escola se caracterizou pelo emprego maciço das técnicas matemático-estatísticas na geografia, provocando uma verdadeira “revolução” no seio dessa ciência, fato muito enfatizado, aliás, pelo geógrafo americano Ian Burton, que afirma [em 1977]: “A revolução quantitativa na Geografia começou no fim da década de 1940 ou início da década de 1950, atingiu seu máximo no período de 1957 a 1960 e agora está terminada”. Entre as proposições neopositivistas estavam a matematização de todas as ciências; o descarte da metafísica para que se alcançasse o conhecimento científico; a extensão do empirismo a todos os domínios do pensamento e a consideração de que tudo o que é intuído não pode ser científico. Além disso, somente seriam válidas proposições que pudessem ser verificadas e mensuradas e a ciência só estudaria dados da experiência mediada por instrumentos ou pelos sentidos, e não leis da natureza. O neopositivismo, assim, mantinha o monismo metodológico, ou seja, um único método a ser utilizado em todas as ciências, mas o renovava com o auxílio da análise lógica. Ademais, incorporou enunciados protocolares ou axiomas, cuja fundamentação decorre do princípio da

verificabilidade. Segundo Camargo & Reis Junior (2006: 90; 93), [...] verificar é tomar um enunciado significativo e reduzi-lo a enunciados protocolares, isto é, ao conjunto de dados empíricos imediatos a fim de constatar se esses ocorrem ou não no mundo real. Em não havendo compatibilidade entre enunciado e dado empírico, se dirá que o primeiro é falso. [...] o neopositivismo tem méritos incontestáveis. A reflexão escrupulosa sobre a estrutura da investigação científica é um exemplo. Outra herança sua foi a ideia de ordem circunscrita, detalhe que até hoje muito auxilia a atividade daqueles campos científicos voltados para a análise de questões do tipo “indivíduo-grupo”. Noções de hierarquia e sistema (sistemas de relações parte/todo, por exemplo) encontraram-se imersas na fraseologia de ciências dedicadas a estudos de planejamento ou que pressupõem pensamento ecológico. A Geografia incorporou diversos termos relacionados à Física devido à Geografia Quantitativa, como sistema aberto, difusão, equilíbrio e atração-repulsão. Houve quantificação maciça de dados e a criação de modelos. Deve-se a esta Geografia diversos esforços de elaboração de teorias como a de lugares centrais, que deu origem à região de influência das cidades, bem como a de localização industrial e a de localização agrícola. As principais obras de Geografia Quantitativa foram Exceptionalism in geography: a methodological examination, de Schaefer, publicada em 1953, em que se questiona o excepcionalismo na Geografia, propondo-se os parâmetros neopositivistas para validá-la como ciência; e Locational Analysis in Human Geography, de Peter Haggett, escrita em 1965, na qual o autor afirmava que [...] “a ordem não depende da geometria do objeto que vemos”, [...] “mas da estrutura organizacional em que o colocamos”. Para Haggett, era a própria estrutura que era geométrica, e ao longo dos próximos vinte e cinco anos ou mais, ele procurou resgatar a tradição geométrica – um interesse por “estrutura espacial” que costumava ser um lugar-comum na geografia clássica grega e acomodá-la em um lugar central dentro da moderna disciplina. A análise locacional foi assim organizada em torno da decomposição de um sistema regional numa série de geometrias abstratas: movimentos, redes, nódulos, hierarquias e superfícies (GREGORY, 1996: 97). Cabe lembrar que é esse movimento iniciado pelos teoréticos que valorizarão o uso do conceito de espaço como próprio da Geografia. Segundo José Carlos Godoy Camargo e Dante Flávio da Costa Reis Junior (2006: 96-97),

[...] os geógrafos da corrente neopositivista ocuparam-se com estudos de processo e difusão espacial a partir do momento em que, mais ou menos consensualmente, a geografia foi assumindo a tarefa de lidar com a “organização espacial” dos fenômenos. Em vista disso, o próprio conceito de espaço mereceu um aprimoramento funcional, praticamente tomando o lugar até então ocupado pelo de “região geográfica” (um vestígio preservado da geografia tradicional francesa). A fim de melhor compreender as organizações verificadas no espaço, os geógrafos neopositivistas assimilaram prontamente a Teoria Geral dos Sistemas, mesclando-a, tanto quanto possível, com um instrumental teórico e/ou quantitativo ora trivial (Teoria dos Conjuntos), ora mais aprimorado (Teoria dos Jogos, Teoria da Complexidade). [...] Todo esse arsenal teórico-quantitativo acolhido pela Nova Geografia terminou por converter a disciplina de ciência tradicional, empírica e descritiva (e, talvez, para alguns, simplesmente uma “não ciência”) em uma ciência de fato. O rigor linguístico preconizado pelos filósofos do Círculo de Viena tendo se transmutado, a partir (originariamente) da ​física, nas demais ciências, não poupou a nossa. No Brasil, o desenvolvimento da Geografia Quantitativa culminou com o regime militar, embora o planejamento tenha sido uma constante nos órgãos de decisão política desde a década de 1950. Assim, desde esse período, houve uma preocupação cientificista da tecnoburocracia estatal, por meio do fortalecimento de órgãos como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), equipados com modernas tecnologias, e também por meio do aprimoramento dos seus quadros técnicos. Nos países desenvolvidos, a Geografia Quantitativa consolidou-se com o planejamento de reconstrução de guerra até fins da década de 1960. Os principais difusores da Geografia Quantitativa foram os EUA, berço das principais inovações técnico-científico-informacionais. Segundo Guilherme Matos (2005: 23), [...] a Nova Geografia do início do século [nos EUA] evolui até a Segunda Guerra Mundial dando origem a uma nova corrente do pensamento geográfico denominada Geografia Teorérica Quantitativa, ou Geografia Espacialista. Esta geografia surgiu após 1950, tendo origem no grupo de alunos de William Garrison, na universidade de Washington, conhecidos como Cadetes de Washington ou Cadetes da Geografia Quantitativa. De acordo com Abreu (2003), os geógrafos da escola europeia têm a tendência de nomear a Geografia Teorética Quantitativa de “Nova Geografia”. Entretanto, a “New Geography”, denominada pelos americanos como a geografia exercida antes da I Guerra Mundial, precedeu a Geografia Espacialista e foi marcada pela criação

dos departamentos de Geografia nas universidades americanas (Chicago e Michigan) e pela criação da AAG em 1903. [...] Os geógrafos da Geografia Teorética Quantitativa tinham a preocupação de utilizar uma abordagem sistêmica e exploravam outras áreas do conhecimento como a Economia Regional e a Geografia Urbana. Após a II Guerra, os Cadetes de Washington, juntamente com o grupo de Iowa e os pesquisadores de Sociologia Urbana e Economia Regional participaram da disseminação da Geografia Quantitativa. O uso da matemática e da computação como ferramentas essenciais para análise do espaço e resolução de problemas é uma marca constante dessa Geografia Espacialista. No Brasil, os centros difusores foram Rio Claro (UNESP) e Rio de Janeiro (IBGE). Entre os principais nomes brasileiros dessa corrente metodológica estão Antonio Christofoletti, Antonio Olívio Ceron, José Alexandre F. Diniz, Miguel César Sanchez e Lucia Helena de Oliveira Gerardi, de Rio Claro; e Fani R. Davidovich, Elza Keller, Marília Galvão, Speridião Faissol, Pedro Geiger, Roberto Lobato Corrêa e Bertha Becker, do IBGE. A Geografia neopositivista lançou as bases, contudo, para mais uma transformação nas bases epistemológicas utilizadas na ciência geográfica. Vimos que houve a paulatina substituição da região pelo espaço, e o desencantamento gerado pela incapacidade de a Geografia dar conta da realidade social desde fins da década de 1960 fez com que os geógrafos buscassem novos instrumentais. Isso não ocorreu de forma homogênea, e a fragmentação teórica desse momento se refletiu também nessas escolhas. Originaram-se, assim, duas correntes distintas, embora bastante próximas – a Geografia Crítica ou Radical e a Geografia Humanística, ou Cultural-Humanista, ou, ainda, Humanista, preferencialmente este termo, da qual a Geografia da Percepção foi uma das vertentes. Ambas incorporam três tradições filosóficas que ainda se mantinham afastadas da ciência geográfica, o marxismo, a fenomenologia e o existencialismo, respectivamente. O surgimento dessas correntes geográficas deveu-se às contradições internas do capitalismo mundial e suas manifestações políticas. Essas contradições e manifestações podem ser enumeradas pelo surgimento do movimento dos Direitos Civis nos EUA, pela crítica causada em decorrência da Guerra do Vietnã, pelos movimentos estudantis e de contracultura após as décadas de ouro do crescimento econômico e da melhoria na qualidade de vida das sociedades de consumo no pós-guerra, em oposição ao resto do

mundo. No Brasil, essas correntes desenvolvem-se um pouco depois, coincidindo com o momento de reabertura do regime militar e como oposição a ele. Na ciência geográfica, a maior insatisfação com seu período neopositivista foi o fato de nem sempre os modelos matemáticos e de raiz econômica condizerem com a realidade, dificultando sua compreensão e prejudicando o desenvolvimento da teoria geográfica. Se considerarmos a teoria dos lugares centrais, esta [...] havia criado um conjunto de axiomas acerca do comportamento humano que limitava a capacidade de eleição entre as diversas alternativas espaciais e debilitava as possibilidades de compreensão e explicação da organização espacial da sociedade. [...] [Precisava-se] de um aprofundamento [teórico sobre] o comportamento humano ante o espaço, criando, inclusive, uma Geografia do comportamento (Behavioural Geography), já que se pretendia encontrar uma alternativa, ou alternativas, ao neopositivismo dos modelos normativos próprios da “Geografia Quantitativa” (MAUREL, 1986: 271). Por volta de 1957, Herbert Simon desempenhou um papel importante ao tentar criar uma teoria sobre a formação de decisões e sobre o comportamento humano. Estudos geográficos logo se seguiram ao trabalho de Simon, destacando-se os do grupo de pesquisadores de Chicago, que já acumulavam importância desde o primeiro quartel do século XX, os de Wolpert e os de Hagerstrand. Para esses autores, o problema [...] fundamental nesta “Geografia do Comportamento” era a informação que, recebida pelo homem, determinava uma imagem da realidade a partir da qual se produz a tomada de decisões por parte do indivíduo. Dessa maneira, a percepção do espaço passa a ocupar um lugar essencial nos problemas do comportamento, justificando-se, assim, sua transcendência atual nos estudos geográficos. [...] [Assim,] reorientava-se a Geografia até uma instância mais humanística e, inclusive, no começo da década de 1970, produziu-se certo retorno “ao estudo dos fatos únicos em lugar de uma generalização espúria”. Poder-se-ia falar até de certo idealismo científico (loc. cit.). Esta vertente foi bastante importante para os estudos urbanos. Entre seus principais teóricos estão Horacio Capel, Kevin Lynch e Roger Ledrut. Segundo Joaquín Bosque ​Maurel (ibid.: 272), [...] a vivência, individual ou coletiva, do espaço e mais ainda do espaço urbano, pode assim

converter-se, de alguma maneira, em um fator decisivo do comportamento espacial dos cidadãos tanto propriamente à cidade quanto nos espaços exteriores a ela. Assim sendo, a imagem da vida e o comportamento espacial de seus habitantes são fundamentais na compreensão do fenômeno urbano, na análise do crescimento e expansão das cidades, no conhecimento dos elementos formais, funcionais e estruturais da realidade urbana e de sua área de influência e, finalmente, no estabelecimento de uns princípios gerais que não apenas permitem entender o como e o porquê do uso urbano do solo, mas também possibilitam a previsão racional do futuro das cidades, em geral e em particular. A percepção e o comportamento são, portanto, indispensáveis no ordenamento do espaço, mas, como assinala Brunet, sempre que não se esqueça de um problema fundamental: a racionalidade da ordenação depende tanto da percepção e do comportamento dos meios de decisão, daqueles que tem capacidade decisória, como, e talvez em maior medida, da percepção e de suas exigências que do objeto a ordenar tem seus usuários, todos seus usuários. A imagem urbana per se, todavia, implica certa falta de explicação acerca dos mecanismos perceptórios e dos fatores determinantes das imagens, o que aproximou a Geografia da Percepção ou do Comportamento à semiótica urbana e ao estudo das desigualdades presentes entre diversas áreas intraurbanas, perceptíveis por meio de suas paisagens. Essas desigualdades, contudo, não foram tratadas pela primeira vez apenas na década de 1960. A divisão social e a segregação espacial foram trabalhadas primeiramente na Escola de Chicago, sob um enfoque ecológico. Esse tema foi reapropriado no momento de descontentamento com a clivagem social que as sociedades de consumo mascaravam e para a qual as ciências, em especial a Geografia, não encontraram explicações. Para alterar esse quadro, diversos geógrafos de esquerda, identificados ao marxismo, fundaram a revista Antipode, em 1969. Derek Gregory (1996: 101-3) afirma compreender que [...] essa explosão de interesse pelo marxismo pode parecer estranha para muitos, talvez para a maioria dos leitores atualmente, mas a geografia humana foi provavelmente a última das humanidades e ciências sociais a levar o marxismo a sério [...]. E ainda assim não podemos reduzir esse movimento político-intelectual a seu contexto: a transição para o marxismo também foi influenciada pelo momento intelectual do programa dominante de pesquisa que a precedeu. Harvey, que desempenhou um papel tão destacado na reorientação e na radicalização da geografia humana, desencantou-se por completo com a ciência espacial – com sua incapacidade “de dizer

algo realmente significativo acerca dos acontecimentos à medida que eles se desenrolavam à nossa volta” – mas manteve também uma firme adesão a uma geografia científica que pudesse analisar a estrutura da economia espacial. [...] Em suma, a economia permaneceu no centro desta recente geografia radical, como o estivera em relação à ciência espacial. [...] A geografia humana analisava agora panoramas de acumulação de capital produzidos por processos sociais em espaços concretos; [...] o equilíbrio [econômico] era agora considerado problemático, ilusório até; crise e contradição eram conectadas à produção e reprodução de espaço; e as transformações não eram mais meras operações topológicas mas as complexas consequências de processos sociais e conflitos sociais. Milton Santos é o mais eminente geógrafo brasileiro e se filia à Geografia Crítica. Ao longo de sua obra, este geógrafo tratou da especificidade da urbanização nos países subdesenvolvidos e no Brasil (Economia espacial, 1979; A urbanização brasileira, 1993; O espaço dividido, 1979), da formação territorial brasileira (Brasil no século XXI, 2003, com Maria Laura Silveira), de questões teórico-metodológicas da Geografia (Por uma geografia nova, 1979; Espaço e método, 1985; A natureza do espaço, 2002); e da globalização (Por uma outra globalização, 2000). David Harvey é outro geógrafo crítico que se destaca, e acusa a Geografia neopositivista de separar as relações sociais das estruturas espaciais. A fim de resgatar essa unidade entre relações sociais e espaço, o autor se utiliza do materialismo histórico. Para Gregory (1996: 102-104), [...] quando Harvey tão cuidadosamente delineou The Limits to Capital, ele não estava apenas apontando os contornos demarcadores do desenvolvimento econômico – as maneiras pelas quais o capitalismo foi constrangido pelas paisagens sedimentadas depositadas por meio de sucessivos ciclos de acumulação – mas também uma importante lacuna na magistral obra de Marx. Na realidade, o marxismo não se limita estritamente aos escritos do próprio Marx, mas à exceção de alguns vultos solitários tais como Walter Benjamin e Henri ​Lefebvre, o marxismo ocidental do século XX manteve o mesmo silêncio estratégico com relação à espacialidade do capitalismo. [...] [Preocupava-se] com as temporalidades do capitalismo, com os diferentes e frequentemente discordantes ritmos de seus planos econômico, político e ideológico, não com suas espacialidades. [Desse modo,] [...] as transformações [socio-espaciais] não eram mais meras operações topológicas [como na Geografia neopositivista], mas as complexas consequências de processos sociais e conflitos sociais [...] A dinâmica geográfica foi amplamente removida dos

laboratórios das ciências físicas e colocada nos campos abarrotados da história humana. Embora houvesse outros atores envolvidos – inclusive os que estabeleciam uma geografia humanística, que, pelo menos em algumas versões, se superpunha a diversas tradições de materialismo histórico – não há dúvida que o interesse sem precedentes no materialismo histórico desempenhou um papel importante neste processo de relocalização. Essas mudanças não poderiam ser analisadas de modo adequado sem que houvesse, paralelamente, a reformulação do conceito de cultura, já que as práticas espaciais vinham sempre carregadas de valores e de símbolos característicos de seus habitantes. Nesse sentido, houve forte aproximação entre as vertentes humanista, cultural e crítica. Segundo Linda McDowell (1996: 164), [...] um dos resultados da guinada da Geografia em direção às ciências sociais e às humanidades a partir dos anos [19]70 foi uma nova compreensão de como as culturas são produzidas e reproduzidas por meio de práticas sociais que ocorrem em uma variedade de escalas espaciais. Ao mesmo tempo que ocorria esta reorientação intelectual, as próprias práticas e pressupostos culturais eram contestados numa diversidade de movimentos esquerdistas ou de “contracultura” da metade dos anos [19]60 em diante. Os significados aceitos de cultura como “um sistema partilhado de valores e significados” começavam a se dispersar e perder legitimidade. Tornou-se necessário acrescentar o adjetivo “alto” para distinguir a particular, dominante definição de cultura, das noções concorrentes de cultura: por exemplo, alta cultura, de cultura popular, cultura de massa ou cultura jovem. O termo cultura, outrossim, tornou-se mais abrangente, dificultando a especificação de uma geografia propriamente cultural, já que [...] os significados e as práticas culturais são particulares a determinados grupos da sociedade. Significados dominantes ou hegemônicos podem ser subvertidos, contestados ou derrubados. Este reconhecimento de significados contestáveis e divergentes, e que o conhecimento em si mesmo é temporário e contestável é a característica-chave que diferencia os “novos geógrafos” dos geógrafos sauerianos (loc. cit.). Toda essa mudança não seria possível, contudo, sem o espraiamento do fenômeno da urbanização e da constituição das metrópoles. Outra importante escola a escrever a respeito desse tema é a dos teóricos franceses, não necessariamente geógrafos, Michel de Certeau, Guy Debord e Henri

Lefebvre desde a década de 1950. Ainda conforme Linda McDowell (1996: 166; 168), [...] estimulada por seu argumento de que as relações e as disposições espaciais não são fixas mas mudam e são diferencialmente vivenciadas por grupos sociais e indivíduos​ ao longo do tempo, esta “escola” francesa estabelece uma ponte aos argumentos do pós-modernismo contemporâneo quanto à particularidade do conhecimento e da vivência. [...] O trabalho desses teóricos franceses é importante, visto que ele distingue uma visão racional, científica do espaço, a do planejamento urbano e a análise geográfica convencional, e uma ideia de espaço como algo que é vivenciado ou imaginado, um conceito mais ambivalente que não é possível representar, seja no discurso científico seja em conjuntos de estatísticas oficiais. [...] Um dos aspectos mais úteis da obra de Certeau e Lefebvre é a sua ênfase nas relações sociais de poder alojadas nas diferentes ideias de espaço. O discurso científico racional dos planejadores urbanos inclui noções de uso “apropriado” do solo, o que no sistema inglês de planejamento de cidades é denominado de usos de solo ‘não condizentes’. De Certeau chamou a atenção para as maneiras como a cidade é descrita como um organismo em retórica de planejamento, de um modo tal que pobreza, doenças e divergência social podiam ser vistas mais como um aspecto inevitável de um mau funcionamento orgânico do que como o resultado de desigualdades sociais e econômicas. É recente a inclusão de autores como Harvey, Lefebvre e De Certeau no rol da ​Geografia cultural, mas na medida em que o materialismo histórico resulta em formas espaciais é cada vez mais difícil separar a abordagem econômica da cultural. O próprio Milton Santos, ao tratar do cotidiano e do lugar (2002: 327), comenta sobre cultura e referencia Lefebvre: [...] as classes médias amolecidas deixam absorver-se pela cultura de massa e dela retiram argumento para racionalizar sua existência empobrecida. Os carentes, sobretudo os mais pobres, estão isentos dessa absorção, mesmo porque não dispõem dos recursos para adquirir aquelas coisas que transmitem e asseguram essa cultura de massa. É por isso que as cidades, crescentemente inegualitárias, tendem a abrigar, ao mesmo tempo, uma cultura de massa e uma cultura popular, que colaboram e se atritam, interferem e se excluem, somam-se e se subtraem num jogo dialético sem fim. A cultura de massa é indiferente à ecologização social. Ela responde afirmativamente à vontade de uniformização e indiferenciação. A cultura popular tem raízes na terra em que se vive, simboliza o homem e seu entorno, encarna a vontade de enfrentar o mundo sem romper com o lugar, e de ali obter a continuidade, através da mudança. Seu quadro e seu

limite são as relações profundas que se estabelecem entre o homem e o seu meio, mas seu alcance é o mundo. Essa busca de caminhos é, também, visão iluminada do futuro e não apenas prisão em um presente subalternizado pela lógica instrumental ou aprisionado num cotidiano vivido como preconceito. É a vitória da individualidade refortalecida, que ultrapassa a barreira das práxis repetitivas e se instala em uma práxis libertadora, a práxis inventiva de que fala H. Lefebvre. Por tratar do cotidiano e da vivência humanos, essa corrente marxista dialogará, por vezes, com a Geografia Humanista, já que as bases epistemológicas desta são a fenomenologia e o existencialismo, este presente também na obra de Milton Santos. Entretanto, apesar de alguns casos de proximidade, humanistas e críticos tendem a certo distanciamento. Edward Gibson (1974: 47-48) lembra que [...] existencialismo é um movimento de filosofias relacionadas com visões subjetivas da vida e do mundo enquanto fenomenologia é uma filosofia sistemática e um método de análise. Enquanto a maioria dos existencialistas contemporâneos é também fenomenóloga, muitos fenomenólogos não são existencialistas. [...] Com exceção de Heidegger e de ​Merleau-Ponty, existencialistas trabalham temas como o da liberdade humana, o da culpa pessoal, o da alienação [o que possibilita diretamente o diálogo com Marx], angústia e morte em um modo autocentrado, quase anti-intelectual. O estilo existencialista é mais certamente inclinado à liberdade individual que à intersubjetividade [...]. Desse modo, à Geografia Humanista cabe “destacar os aspectos humanos no que têm de mais específico, em seus significados, em seus valores e em seus propósitos em relação a todas e a cada uma das ações humanas frente ao espaço” (MAUREL, 1986: 280). Para Yi-Fu Tuan (CHRISTOFOLETTI, 1985: 143; 145), a Geografia Humanística [...] procura um entendimento do mundo humano através do estudo das relações das pessoas com a natureza, do seu comportamento geográfico bem como de seus sentimentos e ideias a respeito do espaço e do lugar. [...] A perspectiva humanista focaliza-se sobre as atividades e os seus produtos que são distintivos das espécies humanas. A Geografia Humanista tem por características o antropocentrismo e o holismo sintetizador, o qual se opõe [...] radicalmente a uma análise que pode artificialmente separar os diferentes fenômenos

espaciais do contexto em que se desenvolvem espontaneamente e no que as simplificações e as abstrações podem deformar ou destruir a mesma realidade. Em consequência, o objetivo do geógrafo é a compreensão do espaço através do contato ​direto com os fatos mesmos, o que implica uma abordagem deles que exclui até certo ponto a objetividade e implica certo nível de subjetivismo. Patrocina-se, assim, a observação participante, ou o trabalho de campo experimental, e, portanto, procura-se uma revalorização da indução e do empirismo, o qual demanda o recurso da observação, a procurar não levar ideias prévias e a deixar que os fatos falem por si próprios a fim de chegar a inferência dedutiva. Dessa forma, volta-se a conceder um importante papel ao historicismo, ao contingente e, inclusive, ao idealismo [...]. E, mais uma vez, o geógrafo voltará a se interessar pela raiz histórica dos problemas espaciais e vitais, já que, desde esse ponto de vista, não apenas é possível a compreensão do passado mas também a explicação do presente. Assim pode se explicar, por exemplo, o interesse que novamente se percebe até a Geografia Histórica e, inclusive, a Geografia Política, como também a crescente preocupação teórica e prática pelos centros históricos e sua reabilitação urbana (MAUREL, 1986: 280-1). Desse modo, podemos concluir este tópico recapitulando que os conceitos geográficos do período positivista eram paisagem, território e região. Com os neopositivistas, a região é paulatinamente substituída pelo espaço, reafirmado pelos geógrafos críticos. Os humanistas, contudo, garantem estatuto científico ao lugar. Lembramos, outrossim, que todos esses conceitos foram reapropriados por correntes metodológicas diferentes, sendo ressignificados. Vejamos a evolução desses conceitos a seguir.

1.3.2. Paisagem A função da paisagem na ciência geográfica consiste em descobrir, inventariar e diferenciar o espaço terrestre a partir, sobretudo, de seus elementos visíveis. A dimensão da paisagem é a dimensão da percepção, o que chega aos sentidos. Contudo, a paisagem é sempre um fragmento, e, por isso mesmo, sua percepção nos engana e não pode nos conduzir diretamente à compreensão do real. Segundo Milton Santos (1988: 22), [...] a percepção é sempre um processo seletivo de apreensão. Se a realidade é apenas uma,

cada pessoa a vê de forma diferenciada; dessa forma, a visão pelo homem das coisas materiais é sempre deformada. Nossa tarefa é a de ultrapassar a paisagem como aspecto, para chegar a seu significado. A percepção não é ainda o conhecimento, que depende de sua interpretação e esta será tanto mais válida quanto mais limitarmos o risco de tomar por verdadeiro o que é só aparência. A paisagem compreende dois elementos, os objetos naturais e os objetos sociais, os quais estão em íntimo e dinâmico inter-relacionamento. A principal controvérsia é se/como a descrição detalhada, ordenada e sistemática da morfologia da paisagem conduz concomitantemente a algum tipo de pensamento sobre a conexão dos fenômenos e aquilo que lhes está subjacente, quer sejam processos simbólicos ou relações de causa e efeito. O primado da forma como pré-requisito para explicar o mundo acarretou a reificação e consequente engessamento da descrição, apresentada em ordem pré-estabelecida e com potência explicativa empobrecida. Ademais, [...] contemplar a natureza não é uma atitude natural, biologicamente padronizada. Admirar pressupõe dirigir o olhar e interpretar de alguma maneira o que se vê. Trata-se de uma atitude hermenêutica, um dos caminhos que conduzem da forma ao significado (MACIEL, 2001: 101). Enquanto objeto filosófico, a paisagem pode ser considerada um dado pré-humano, mas a paisagem geográfica, consoante Odile Marcel (apud MACIEL, op. cit.: 100) é “uma configuração espacial em que as formas são suficientemente plurais para constituírem um conjunto cuja determinação interna é qualificável e descritível como singularidade morfológica”. Nesse sentido, a paisagem como objeto da Geografia constitui-se em uma associação de fenômenos múltiplos, e, portanto, é uma ciência de síntese. Esta é a primeira corrente interpretativa do estudo da paisagem, a morfológica. A morfologia da paisagem tem como fundamento a Estética, e incorpora aspectos subjetivos tanto do investigador quanto do próprio objeto de pesquisa. Paradoxalmente, está a fisiologia da paisagem, cuja análise está focada no seu funcionamento, como a de um organismo, filiando-se à Biologia. Por esse motivo, a paisagem acabou por tornar-se conceito da Geografia Física, já que a região assumiu a centralidade da análise na Geografia Humana. A paisagem manteve-se forte neste ramo na Geografia anglo-saxã, por influência da Escola de Chicago e de Carl Sauer. Segundo Héctor

Rucinque e Wellington Jiménez (2001: 12), no livro [...] Relation historique du voyage aux régions équinoxiales du nouveau continent, Humboldt enfatizou que sua pretensão não era apenas decrever o clima e a aparência da paisagem, variável de acordo com seus solos e cobertura vegetal, mas também a influência do clima sobre a vida orgânica [...] e as modificações que se encontram na condição dos povos situados em diferentes latitudes e em circunstâncias mais ou menos favoráveis para o desenvolvimento de suas faculdades. [...] Uma substancial parte da obra de Humboldt foi dedicada a debater as influências que a paisagem natural tem sobre a imaginação e a sensibilidade artística. Ele via em seus trabalhos – como observa Giacken – na paisagem multivariada da natureza ‘um campo comum compartido pela Geografia e a Estética’. [...] [Giacken] nota que somente desde a criação de tanta deformidade na paisagem, a partir da segunda metade do século XIX, que se tem tomado consciência da grande perda [que é para a] geografia [carecer] de uma forte cimentação em estética e história da arte. Essa perspectiva de Humboldt sobre a paisagem, em que há preocupação em resgatar valores estéticos é contrária à abordagem francesa, em que se busca a superação científica da Estética, tanto que Vidal opta por diferenciar paisagem de fisionomia e atribui a esta – e não àquela – o caráter de instrumento teórico. Além disso, estabelecer que a paisagem possui uma fisionomia significa atribuir-lhe valor ontológico e, assim, “o primado da forma é justificado através da teleologia que conduz necessariamente da diferenciação do visível à explicação” (MACIEL, 2001: 102). A Escola Francesa, embora não descarte a morfologia da paisagem, prefere avaliá-la em função da região, já que cada recorte regional apresentaria sua própria paisagem. Contrariamente, Carl Sauer afirmava que a paisagem era a unidade conceitual da Geografia. Segundo Linda McDowell (1996: 162), [...] os principais interesses de Sauer residiam nas maneiras como as pessoas deixavam sua marca na paisagem por intermédio de suas atividades produtivas e os seus assentamentos. [...] Através do estudo da “marca das atividades do homem sobre uma área” uma “maneira de considerar a cultura estritamente geográfica” seria facilitada. Sauer focalizou três pontos: primeiro, a reconstrução de forças ambientais e humanas que formaram a paisagem; segundo, a identificação de regiões culturais distintas e homogêneas definidas por artefatos materiais tais

como tipos de casas e por atributos culturais não materiais tais como linguagem ou religião; e o terceiro, o estudo da ecologia cultural histórica onde a atenção é concentrada em como as percepções humanas e os usos da paisagem são culturalmente condicionados. Para Sauer (1998: 22), [...] a tarefa da Geografia é concebida como o estabelecimento de um sistema crítico que envolva a fenomenologia da paisagem, de modo a captar em todo o seu significado e cor a variada cena terrestre. [...] Se os fenômenos de uma área são interdependentes e estão em associações, caberia à Geografia a tarefa de descobrir tais conexões e sua ordem implícita. Todavia, ainda na década de 1920, surgiu na Alemanha uma vertente que buscava encontrar a “alma da paisagem”, vinculada a determinado grupo e/ ou comportamento humano. Segundo HoltJensen (apud SCHIER, 2003: 83), [...] esta “psicologização” pode ser interpretada como uma certa volta ao entendimento da paisagem como representação, sendo claramente utilizada na interação dos habitantes com seu ambiente. Ewald Banse declarou que a geografia deve ser redefinida como arte e entende que a geografia real é uma apresentação de experiências e impressões espirituais. Até a década de 1960, o conceito de região teve a primazia nos estudos geográficos, quando, novamente na Alemanha, é consolidado o estudo da paisagem fundamentado em um conjunto específico de relações ecológicas, cuja ideia original foi elaborada por Carl Troll em 1939 – a ecologia da paisagem. Para Caio Maciel (2001: 104), [...] desde muito cedo o interesse por desenvolver a análise da morfologia da paisagem foi influenciado pelos instrumentos conceituais existentes no plano biológico, daí esta tradição ter estabelecido uma tenaz influência na construção do objeto geográfico. O relacionamento de forma com função, processo e estrutura, acompanhou e dialogou com os subsídios oferecidos pela biologia, principalmente pela ecologia, como nos trabalhos de Carl Troll, Hans Bobek e Josef Schmithusen e G. Bertrand. Nestas abordagens a apreensão da morfologia em unidades ao mesmo tempo espaciais e ecológicas conferiu maior atenção não às formas/estruturas propriamente ditas, mas aos processos que as engendram. [...] No que se pode chamar de ecologia da paisagem, em grande parte também herdeira de Siegfried Passarge, o objeto da geografia é o espaço lito-bioatmosférico, porém a ênfase recai não na descrição do visível, e sim nas relações íntimas entre os

fenômenos espaciais em três dimensões: físicas, biológicas e noóticas. Tal abordagem sistêmica inova ao centrar esforços no relacional, ao invés de apenas catalogar configurações territoriais. Se para os críticos da década de 1970 a paisagem não tinha valor como conceito para a Geografia Humana, já que apoiavam seus estudos em aspectos estruturais da sociedade, a Geografia Humanista reapropriou-se do conceito de paisagem e recolocou [...] a preocupação com a construção social do espaço, ao invés de privilegiar o “confinamento espacial de pessoas e povos”. Como produto social, incorporaria à memória pessoal e histórica uma materialidade real, fundadora das representações. Para a hermenêutica em especial o imaginário é nuclear, pois a incorporação do concreto se faz de forma indireta, a partir de códigos e símbolos instituídos coletivamente. [...] A paisagem é uma realidade objetiva, mas que somente adquire vida no pensamento e nas ações daqueles que a habitam. A vida da paisagem ao nível do pensamento brota da relação entre o “eu” e sua “circunstância”, neste caso tudo que foi dado previamente à existência e que se costuma denominar de natureza. Pois bem, o eu interage com os seus semelhantes (intersubjetividade), transforma e interpreta a natureza, donde resulta a ideia de mundo. Nesta concepção de existência a paisagem pode ser vista basicamente como uma circunstância interpretada (MACIEL, 2001: 109-10). Dessa forma, o estudo da paisagem, hoje, centra-se nessas duas perspectivas – a semiológica e a hermenêutica.

1.3.3. Território O conceito de território tem origem na Zoologia e na Botânica, e corresponde à área de dominância de uma espécie animal ou vegetal. Transposta para a Geografia, consiste na porção da superfície terrestre apropriada por um grupo humano. Em Ratzel, essa apropriação é realizada pelo Estado, organismo representativo do mais alto grau de evolução política do homem. Para o geógrafo alemão, a única entidade política efetiva de interesse científico para a Geografia seria o Estado. A concepção de poder presente na obra de Ratzel é substancialista, ou seja, poder é algo que se possui, como, por exemplo, nos recursos existentes de um Estado, seja população, seja algum minério, se lembrarmos que hoje a China é responsável pela produção de quase a totalidade das

terras raras. Assim, o território para Ratzel decorre das relações de poder de um agrupamento humano sobre determinado recorte espacial, sendo o território algo que se possui e, pela posse, atribui-se identidade, fundamento do espaço vital ratzeliano. Segundo Norberto Bobbio (2005: 77), [...] nas teorias substancialistas, o poder é concebido como uma coisa que se possui e se usa como um outro bem qualquer. Típica interpretação substancialista do poder é a de Hobbes, segundo a qual “o poder de um homem... consiste nos meios de que presentemente dispõe para obter qualquer visível bem futuro”. Que estes meios sejam dotes naturais, como a força e a inteligência, ou adquiridos, como a riqueza, não altera o significado precípuo do poder entendido como qualquer coisa que serve para alcançar aquilo que é o objeto próprio do desejo. Análoga é a conhecidíssima definição de Bertrand Russell [1938], segundo a qual o poder consiste na “produção dos efeitos desejados” e pode assumir ​enquanto tal três formas: poder físico e constritivo, que tem a sua expressão concreta mais visível no poder militar; poder psicológico à base de ameaças de punição ou de promessas de recompensas, em que consiste principalmente o domínio econômico; poder mental, que se exerce através da persuasão e da dissuasão e tem sua forma elementar, presente em todas as sociedades, na educação. A concepção subjetivista, diferentemente, baseia-se na predominância existente em uma relação. Ainda de acordo com Bobbio (loc. cit.), [...] típica interpretação subjetivista do poder é a exposta por Locke, que por “poder” entende não a coisa que serve para alcançar o objetivo mas a capacidade do sujeito de obter certos efeitos, donde se diz que “o fogo tem o poder de fundir os metais” do mesmo modo que o soberano tem o poder de fazer as leis e, fazendo as leis, de influir sobre a conduta de seus súditos. Este modo de entender o poder é o adotado pelos juristas para definir o direito subjetivo: que um sujeito tenha um direito subjetivo significa que o ordenamento jurídico lhe atribuiu o poder de obter certos efeitos. Essa concepção estará presente nos autores marxistas como Milton Santos. O território per se para o geógrafo brasileiro não é o mais relevante, mas sim o uso que dele é feito. Desse modo, o território conserva um caráter normativo importantíssimo para a economia, já que as relações de poder inscritas em um recorte espacial são materializadas em regulação. Na medida em que esse arcabouço jurídico atua no constrangimento do poder, em especial o econômico das grandes

corporações do mundo globalizado, [...] o território termina por ser a grande mediação entre o Mundo e a sociedade nacional e local, já que, em sua funcionalização, o “Mundo” necessita da mediação dos lugares, segundo as virtualidades destes para usos específicos. [...] É o lugar que oferece ao movimento do mundo a possibilidade de sua realização mais eficaz. Para se tornar espaço, o Mundo depende das virtualidades do Lugar. Nesse sentido pode-se dizer que, localmente, o espaço territorial age como norma (SANTOS, 2002: 338). Contemporaneamente, o discurso político mais aceito é o de que o poder é relacional, ou seja, “uma relação entre dois sujeitos, dos quais o primeiro obtém do segundo um comportamento que, em caso contrário, não ocorreria” (BOBBIO, 2005: 77). No discurso geográfico, esse poder é fundamento dos trabalhos de Raffestin, Marcelo Lopes de Souza e Rogério Haesbaert. Para o francês (1993: 144), [...] o território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. [...] Evidentemente, o território se apoia no espaço, mas não é o espaço. É uma produção, a partir do espaço. [...] Qualquer projeto no espaço que é expresso por uma representação revela a imagem desejada de um território, de um local de relações. Marcelo Lopes de Souza (2005: 97) critica, contudo, a abordagem de Raffestin, ao afirmar que este [...] praticamente reduz espaço ao espaço natural, enquanto que território de fato torna-se, automaticamente, quase que sinônimo de espaço social. Isto empobrece o arsenal conceitual à nossa disposição. Em que pese a sua crítica à unidimensionalidade do poder na Geografia Política clássica, Raffestin não chega a romper com a velha identificação do território com o seu substrato material [...]. A diferença é que Raffestin não se restringe ao “solo pátrio”, ao Boden ratzeliano. Essa materialização do território é tanto mais lamentável quando se tem em mente que Raffestin pretendeu desenvolver uma abordagem relacional adequada à sua Geografia do poder, entendida de modo frutiferamente mais abrangente do que como uma Geografia do Estado. Ao que parece, Raffestin não explorou suficientemente o veio oferecido por uma abordagem relacional, pois não discerniu que o território não é o substrato, o espaço social em si, mas sim um campo de

forças, as relações de poder espacialmente delimitadas e operando, destarte, sobre um substrato referencial. Outra concepção relacional de poder é a de Rogério Haesbaert (2004: 93), que afirma ser o território, “enquanto mediação espacial do poder”, resultado [...] da interação diferenciada entre as múltiplas dimensões desse poder, desde sua natureza mais estritamente política até seu caráter mais propriamente simbólico, passando pelas relações dentro do chamado poder econômico, indissociáveis da esfera jurídico-política. Desse modo, a apropriação do território implica uma mediação com outrem, e dessa relação surge a possibilidade de se territorializar. Nesse sentido, o território não se ​confunde com o substrato, e pode-se incluir territórios outros que não os do Estado, desde narcotráfico e prostituição às grandes corporações globalizadas. Ainda conforme Haesbaert (ibid.: 96-7), [...] mesmo se privilegiarmos a definição mais estrita de Sack, do território como controle de processos sociais pelo controle da acessibilidade através do espaço, é imprescindível verificar o quanto este “controle” muda de configuração e de sentido ao longo do tempo. Enquanto nas sociedades modernas “clássicas”, ou sociedades disciplinares, como afirmou Foucault, dominavam os territórios-zona que implicavam a dominação de áreas (a expansão imperialista pelo mundo até “fechar” o mapa-múndi em termos de um grande mosaico estatal é o exemplo de maior amplitude), o que vemos hoje é a importância de exercer controle sobre fluxos, redes, conexões (a “sociedade de controle” tal como denominada por Deleuze [...]. Territorializar-se, desta forma, significa criar mediações espaciais que nos proporcionem efetivo “poder” sobre nossa reprodução enquanto grupos sociais (para alguns também enquanto indivíduos), poder este que é sempre multiescalar e multidimensional, material e imaterial, de “dominação” e “apropriação” ao mesmo tempo. [...] Obviamente territorializar-se para um grupo indígena da Amazônia não é o mesmo que territorializar-se para os grandes executivos de uma empresa transnacional. Cada um desdobra relações com ou por meio do espaço de formas as mais diversas. [...] Uma das propostas mais interessantes é aquela que coloca a possibilidade, hoje, da construção de territórios no e pelo movimento, “territórios-rede” descontínuos e sobrepostos, superando em parte a lógica político-territorial zonal mais exclusivista do mundo moderno. Cabe ressaltar, ainda, que a rede não é um fenômeno novo, e que se antes era uma rede que

organizava o espaço, hoje, com o adensamento dos arranjos espaciais e com a mobilidade territorial, é este que se encontra organizado em rede, com as cidades constituindo os nós da trama que integra lugares descontínuos em todo o mundo.

1.3.4. Região e regionalização Neste tópico, trabalharemos o conceito de região nas diversas correntes fenomenológicas da Geografia, relacionado-os às diferentes regionalizações brasileiras. Acreditamos que esse procedimento facilite a memorização das diferentes divisões do território, sem, contudo, perder a fundamentação teórica de cada uma delas. Para a Escola Francesa, as regiões existem de fato e são dotadas de individualidade, cabendo ao geógrafo delimitá-las, descrevê-las e explicá-las. Inicialmente, a região fisiográfica era uma superposição de fenômenos naturais isolados. Consoante L. Gallois (apud CARVALHO, 1944: 12), [...] a noção de região natural é simplesmente a expressão de um fato, pouco a pouco posto em evidência pelas observações que vão sendo feitas de um século para cá; as causas que agem sobre a superfície do Globo não se distribuem ao acaso e se manifestam, a maior parte das vezes, sobre uma certa extensão: observações meteorológicas mostrando que as médias de temperaturas e de chuvas variam pouco numa região determinada; observações botânicas permitindo reconhecer, sob climas idênticos, as repetições de tipos vegetais; observações geológicas provando que, se é grande a variedade na constituição do solo, tudo isso, entretanto, não é desordem, e que o modo por que se depositaram os sedimentos e se produziram os movimentos da crosta terrestre revela uma certa regularidade de processos. Assim se acha, cada vez mais, justificada a noção de região natural e compreende-se que é o único princípio de divisão verdadeiramente racional, pois é o único a corresponder à continuidade das mesmas causas produtoras dos mesmos efeitos: continuidade do clima para as maiores regiões e para as menores, continuidade de certas formações geológicas, nitidamente percebidas pelos nossos primeiros geólogos, e que traduzem, em suma, os nomes regionais (noms de pays). Com base nessa definição, Delgado de Carvalho elaborou a sua própria, em 1913 e republicada em 1924, que serviu de base para a primeira regionalização brasileira. Para este geógrafo, região

natural é [...] uma subdivisão mais ou menos precisa e permanente que a observação e a investigação permitem criar numa área geográfica estudada, no intuito de salientar a importância respectiva das diferentes influências fisiográficas, respeitando o mais possível o jogo natural das forças em presença e colocando a síntese assim esboçada sob o ponto de vista especial do fator humano nela representado (ibid.: 13). Desse modo, Delgado de Carvalho, com base na escola determinista ambiental, dividiu o Brasil em cinco grandes unidades territoriais – Brasil setentrional ou amazônico (Acre, Amazonas e Pará); Brasil norte-oriental (Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas); Brasil oriental (Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Minas Gerais); Brasil meridional (São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul); e, por fim, Brasil central (Goiás e Mato Grosso). Segundo Sérgio Nunes (2006), o passo seguinte ao construir o conceito de região foi [...] a humanização [desta]. Para Vidal, “o encadeamento das relações que parte do terreno [...] desemboca no homem”, que também participa, como elemento externo, do jogo das forças naturais. Se, por um lado, é preciso considerar a existência de uma dinâmica que escapa à intervenção humana, por outro, esta é vista como força poderosa, capaz de potencializar ou despertar as forças naturais. [...] Chega-se, então, à região geográfica [humanizada], um decalque da história sobre a natureza. A noção, altamente idealizada, apresenta-se como solução para desafios epistemológicos da disciplina (dicotomia físico/humano) e confirma o que parece ser um dos principais leitmotivs do pensamento vidaliano: a celebração da obra geográfica do homem na Terra. Essa oposição inicial entre natural e geográfica estará presente na obra de Demangeon, que afirmava ser a Geografia a ciência das instalações humanas. Nesse período, ao longo da década de 1930, o regionalismo torna-se cada vez mais um discurso literário e político no Brasil, especialmente se lembrarmos que se trata de um período de forte centralização estatal e de constituição da moderna identidade brasileira. Isso dará origem a uma multiplicidade de regionalizações, de acordo com a função desejada. A base territorial do Estado Novo, contudo, foi definida pelo Conselho Nacional de Estatística

por meio do Decreto-lei n. 311, de 1938, mesmo ano de criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa divisão era utilizada pelo Ministério da Agricultura, e dividia o Brasil também em cinco regiões: Norte (AC, AM, PA, MA e PI); Nordeste (CE, RN, PB, PE e AL); Este (SE, BA, ES); Sul (RJ, DF, SP, PR, SC e RS); e Centro (MT, GO e MG). O IBGE realizou a primeira divisão oficial do Brasil em 1942. Esta teve por base a elaborada por Delgado de Carvalho em 1913, e cabe ressaltar que, [...] elogiada por não desmembrar as unidades políticas, a proposta de Fábio M. S. Guimarães, ainda de modo análogo à de Carvalho, ajustava-se às necessidades da administração pública em geral. Abre-se um parêntesis para ressaltar que ambos os autores reconheciam que tais limites não tinham existência real na natureza (MAGNAGO, 1995: 68). Essa primeira regionalização oficial difere da anterior também por razões políticas – a criação de territórios federais em 1942 e no ano subsequente, e a extinção de dois deles – Iguaçu (na região Sul) e Ponta Porã (na região Centro-Oeste) – em 1946. A divisão era da seguinte maneira: Norte (AM, PA, e territórios do Acre, do Amapá, do Rio Branco e do Guaporé, este originalmente parte do Mato Grosso); Nordeste – Ocidental (MA e PI) e Oriental (CE, RN, PB, PE, AL e território de Fernando de Noronha); Leste – Setentrional (SE e BA) e Meridional (MG, ES, RJ, DF); Sul (SP, SC, PR e RS); e Centro-Oeste (MT e GO). Ainda sobre essa divisão, Angélica Alves Magnago (ibid.: 69) afirma terem sido identificadas [...] cinco grandes regiões que, correspondendo aos espaços mais abrangentes, caracterizavamse pela dominância de um certo número de traços comuns, que as tornaram bem distintas umas das outras. Esses espaços foram subdivididos em 30 regiões que, seguindo a metodologia adotada, apresentavam características homogêneas quanto aos aspectos do meio físico. Na continuidade do procedimento metodológico, foram originadas 79 sub-regiões que foram, finalmente, subdivididas em 228 pequenas áreas, denominadas zonas fisiográficas. Essas zonas fisiográficas foram, todavia, delimitadas a partir de aspectos socioeconômicos. Desse modo, [...] quando se tratava das unidades de maior extensão, ou seja, das Grandes Regiões, regiões e sub-regiões, eram utilizados conceitos filtrados do determinismo ambiental, enquanto nas

unidades de menor hierarquia consideravam-se aspectos socioeconômicos, os quais transformaram as zonas fisiográficas em verdadeiras regiões geográficas dos possibilistas (MAGNAGO, 1995: 69). Quanto ao conceito de região e à ciência geográfica, Hettner propôs que a região fosse o plano de encontro do nomotetismo e do ideografismo. Richard Hartshorne, com base neste autor, assegurou que a Geografia não constituía uma ciência-domínio, mas uma ciência-método, ou seja, ela não se definia por aquilo que estudava, por seu objeto, mas pela abordagem utilizada para determinado estudo. Dessarte, a Geografia não deveria ser entendida como ciência da superfície da Terra, ou mesmo como ciência da superfície terrestre humanizada, como queriam os franceses. Desse modo, a Geografia seria simultaneamente nomotética e ideográfica, e atingiria o seu mais importante objetivo no estudo da diferenciação de áreas na superfície terrestre, por meio da corologia. Essa definição corológica não cede lugar para o debate entre determinismo e possibilismo, e os aspectos fisionômicos são relegados a um plano secundário. Todo o foco de atenção recai sobre as diferenças, as inter-relações e o conteúdo interno das unidades espaciais denominadas “áreas”. Estas seriam singulares devido à especificidade das inter-relações de fenômenos que apresentam. Na década de 1940, Max Sorre propõe que a Geografia seja a ciência do hábitat, e Le Lannou, na década de 1950, baseado nos trabalhos de Sorre, sugere que a Geografia seja a ciência do homem habitante. Nesse sentido, Pierre George, na década de 1960, afirmara que esse homem habitante é produtor e consumidor, o que torna a região um conceito fundamentalmente econômico, substituindo, assim, o caráter ecológico que lhe era atribuído. Essa consciência acerca da região como fenômeno econômico está diretamente relacionada ao adensamento das trocas comerciais e da industrialização nos países desenvolvidos. Segundo Juillard (1965: 227), [...] M. Sorre [em trabalho já no final da década de 1950] indica que o desenvolvimento econômico e social determina uma hierarquia dos espaços organizados, que “cada região tem sua função própria, ou antes, suas funções”: sugere que se pesquisem os centros de gravidade, as regiões de paisagem, os foyers de acumulação de homens e de meios. [...] Da mesma maneira que a justaposição de “gêneros de vida” deu lugar, nas economias mais desenvolvidas às estruturas socioprofissionais complexas, assim também o espaço humanizado, desde que seja ultrapassado o

estágio de uma economia de subsistência, vê superporem-se, ao mosaico das paisagens, correntes de trocas, formas diversas de vida de relações, que exprimem a coordenação das atividades, as quais se apoiam, consequentemente, sobre uma rede de centros organizadores – as cidades – que estruturam o espaço em novos conjuntos. [...] As migrações humanas, as correntes de mercadoria, os fluxos de capitais, as decisões administrativas, que fazem sua unidade, são elementos menos visíveis e menos duráveis que as paisagens. Nem por isso deixam de determinar formas de organização do espaço que, por nenhuma razão, devem deixar de ser consideradas geográficas. Desse modo, a divisão regional não estaria mais fundamentada em região natural e região geográfica. Ambas foram substituídas pelo termo homogênea, ao qual passou se opor o termo funcional. Ainda consoante Julliard (1965: 227), [...] desde que se conceba o espaço não mais como uma justaposição de áreas mais ou menos extensas, mas como o campo de ação de fluxos de toda ordem, uma quantidade de “estruturas” possíveis se apresentam ao espírito. Podem-se levar em consideração, sucessivamente, forças as mais diversas: polarização criada por uma indústria “motora” em torno da qual gravitam satélites (subempreiteiros, indústrias similares, indústrias derivadas); potência de atração migratória de um centro urbano, a qual se pode medir, tanto em efetivos, quanto em áreas de recrutamento; ligações criadas mediante relações comerciais, as quais se exprimem em termos de mercadoria de um produto, de zona, tributária de um porto, de área de irradiação de um atacadista; forças de coesão política, social, espiritual; relações de dependência financeira... Isso sem falar das forças de

inércia:

analfabetismo,

gerontocracia,

e

das

limitadoras:

especulação

fundiária,

malthusianismo demográfico ou econômico, etc. Desse modo, “a região é uma subdivisão territorial extensa que, na hierarquia, vem logo depois do Estado” (ibid.: 231), contanto que “a maior parte das funções e dos serviços aí estejam representados”. Assim, a região “confunde-se, então, com o espaço organizado pela metrópole e seus satélites” e, “se os critérios lembrados se ligam todos ao setor terciário da economia, a presença de uma base industrial poderosa é indispensável”. Nesse sentido, Bernard Kayser elaborou uma tipologia para a regionalização dos países subdesenvolvidos. Essa classificação era formada por cinco tipos de regiões, assim denominadas: 1) espaço indiferenciado – ausência total de fluxos organizados, raramente encontrados na atualidade, como

em partes do Saara e da Amazônia; 2) regiões de especulação – voltadas para o mundo exterior, fracamente integradas ao conjunto nacional, cujo exemplo é dado por áreas mineradoras; 3) bacias urbanas – áreas sob influência de uma cidade, na qual os fluxos econômicos correm de modo unilateral (da área para a cidade); 4) regiões de intervenção – objeto de programa de desenvolvimento, visando torná-la uma região organizada; 5) região organizada – áreas regionalizadas de países subdesenvolvidos, que conseguem certo nível de integração. Juillard (ibid.: 235) comenta, outrossim, que, nesses países, [...] as atividades tradicionais só comportam formas elementares de vida de relações. As únicas divisões possíveis do espaço correspondem seja às condições naturais [...], seja à área de extensão de um determinado gênero de vida, ao território de um certo grupo étnico, isto é, às “paisagens” naturais ou humanas. [...] “O desenvolvimento econômico e as exigências de uma administração moderna levam, atualmente, à elaboração de regiões com centro em cidades” e estas últimas, de idade recente, surgem sobre as margens das zonas homogêneas, irradiando sua influência sobre fragmentos complementares, de várias dentre elas. No Brasil, mantivemos a primeira regionalização oficial até 1970. Nesse ínterim, houve a mudança da capital para Brasília, com a criação de um novo Distrito Federal, e o antigo tornou-se Estado da Guanabara, ente da federação até 1975. Com a segunda regionalização de 1969, oficializada no ano seguinte, incorporou-se a evolução epistemológica do conceito de região, por intermédio do uso dos conceitos de região polarizada e região homogênea. Ademais, o planejamento regional era já uma realidade, com a criação da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), em 19665, e da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), de 1959. Conforme Magnago (1995: 76), [...] em 8 de maio de 1969, a resolução n. 1 da Comissão Nacional de Planejamento e Normas Geográfico-Cartográficas, considerando que a Divisão Regional então em vigor não mais satisfazia tanto para fins de tabulações estatísticas quanto para fins didáticos, resolveu aprovar uma nova divisão regional (em 1967 havia sido realizada a mesma, em caráter preliminar: a seguir, foi revista e oficializada, em 1969). O modelo oficializado identificava cinco novas Grandes Regiões (especialmente para fins didáticos) e unidades menores, as microrregiões homogêneas (para tabulações dos dados e estratos de amostragem do sistema estatístico,

agrupadas por estados). Desse modo, o Decreto n. 67.647, de 1970, determinava a seguinte divisão territorial: Norte (AC, AM, PA e territórios de Rondônia, Roraima (antigo Rio Branco) e Amapá); Nordeste (MA, PI, CE, RN, PB, PE, SE, AL, BA e território de Fernando de Noronha); Sudeste (RJ, GB, SP, MG e ES); Sul (PR, SC e RS); Centro-Oeste (MT, GO, DF). A metodologia empregada utilizava-se de unidades espaciais identificadas por processo indutivo de classificação, o agrupamento; e tinha como indicadores os domínios ecológicos, a distribuição espacial da população e as atividades econômicas (ibid.: 76-78). Essa divisão foi utilizada nos censos de 1970 e de 1980. Em 1972, Bertha Becker elaborou uma regionalização que incorporava a Teoria Geral dos Sistemas e a Teoria Centro-Periferia na análise. Nesse mesmo ano, o IBGE publicou, pela primeira vez, um estudo sobre regiões funcionais urbanas, posteriormente chamado de Região de Influência das Cidades, com atualizações em 1993 e 2007. Neste estudo é utilizada a Teoria dos Lugares Centrais, a fim de se estabelecer uma hierarquia da rede urbana brasileira, apesar de o processo de industrialização ser relativamente recente e muito concentrado no território brasileiro. Em 1976, foram incorporadas à regionalização brasileira as mesorregiões, unidades intermediárias entre as macrorregiões e as microrregiões homogêneas. Anos depois, em 1989, é finalmente incorporado o materialismo histórico como referência teórica no processo de divisão regional. Essa divisão foi utilizada nos censos subsequentes e manteve a divisão em macrorregiões, mesorregiões e microrregiões. De acordo com o censo do IBGE (2011: 26), [...] finalmente, em 1990, a Presidência do IBGE aprovou a atualização da Divisão Regional do Brasil em Microrregiões Geográficas, tendo por base um modelo conceitual fundamentado na premissa de que o desenvolvimento capitalista de produção teria afetado de maneira diferenciada o Território Nacional, com algumas áreas sofrendo grandes mudanças institucionais e avanços socioeconômicos, enquanto outras se manteriam estáveis ou apresentariam problemas acentuados. Define-se como Microrregião Geográfica um conjunto de municípios, contíguos e contidos na mesma Unidade da Federação, definidos com base em características do quadro natural, da organização da produção e de sua integração; e Mesorregião Geográfica como um conjunto de Microrregiões, contíguas e contidas na mesma Unidade da Federação, definidas com base no quadro natural, no processo social e na rede de comunicações e lugares.

Yves Lacoste criticava a região polarizada por centros e cita como exemplo o Saara, o qual seria “desconsiderado nessa abordagem porque não há uma região do Saara em termos de polarização, embora a existência dessa região geográfica seja inequívoca enquanto paisagem física e humana” (LENCIONI, 2003: 166). Para os marxistas, a região constitui-se parte de uma totalidade, vinculada que está ao materialismo histórico, aproximando-se à formação socioespacial. Contudo, uma formação social (utilizaremos este termo) não prescinde à materialidade das formas espaciais. Segundo Milton Santos (2002: 243-245), [...] a categoria de Formação Econômica e Social é [...] extremamente útil ao estudo de uma realidade nacional pelo fato de que não se aplica à Sociedade considerada em um sentido geral, mas a uma sociedade precisa, cuja especificidade e particularismos devem ser realçados para que o estudo concreto de suas realidades autorize depois uma ação igualmente concreta. [...] Os continuadores de Marx foram vítimas de um equívoco grave quando desenvolveram essa importante categoria de análise social [a formação social] sem tomar o espaço em considerações. Afirmamos que se trata muito mais de uma categoria de Formação Socioeconômica e Espacial, pois não há e jamais houve Formação Social independentemente do espaço. A sociedade não se pode tornar objetiva sem as formas geográficas. Por outro lado, os objetos que constituem a paisagem orientam, depois, a evolução da própria sociedade, fato que não tem sido suficientemente nem sistematicamente indicado. O estudo histórico da formação do espaço após a chegada do modo de produção capitalista dará as bases para a generalização indicada acima, e o estudo das formações econômicas e sociais constitui o melhor alicerce para um enfoque dessa natureza, pois sendo uma categoria teórica, as formações sociais não existem senão pelos seus aspectos concretos, entre os quais os modos de produção concretos que as constituem e que possibilitam chegar a compreender a especificidade de cada sociedade (sua evolução própria, suas relações externas e internas, combinação das condições tecnológicas, de capital e de trabalho), como realidade historicamente determinada com base territorial. Essa abordagem permitiria uma regionalização mundial, de modo que se pudesse falar em uma formação social latino-americana, ou africana. A escala de uma formação social pode equivaler tanto a um Estado quanto a um subcontinente. A regionalização mundial pouco sofreu alterações ao longo das últimas décadas, e é carregada de critérios políticos. Nesse sentido, lembramos que o Oriente Médio é a região entre o Mediterrâneo e a Índia, portanto, uma noção cunhada pelos

ingleses. Podemos, assim, definir a regionalização mundial, primeiramente, de acordo com os continentes, herança de Ritter, e, em seguida, em recortes que nem sempre são unânimes. Em geral, as Américas estão divididas em Norte, Central e Caribe, este podendo ser regionalizado separadamente do istmo centro-americano, e Sul. A Europa, por sua vez, dividir-se-ia em Ocidental, Norte, Central, Sul e Leste, este com ou sem os países do Cáucaso, incluídos, por vezes, no Oriente Médio. A África pode ser dividida primeiramente em Norte, com os países de influência árabe, e Subsaariana, predominantemente de população negra. Há, ainda, a divisão da África do Norte em duas áreas: Magrebe (Mauritânia à Tunísia) e Oriental (Líbia, Chad, Sudão, e Egito). A África Subsaariana poderia ser dividida em Ocidental (do Senegal à Nigéria), Central, Chifre da África, Oriental (Quênia a Moçambique) e Meridional (que também pode incluir Moçambique). A Ásia divide-se em Oriente Médio (com ou sem o Afeganistão), Subcontinente Indiano (do Paquistão a Myanmar, este podendo aparecer no Sudeste Asiático), Central (ex-Repúblicas Soviéticas), Sudeste (Indochina, Tailândia e Indonésia) e Oriental (extremo oriente russo, Mongólia, China, Japão, península coreana). A Oceania, por sua vez, apresentaria destaque para Austrália e Nova Zelândia, classificando as demais ilhas em Micronésia, Melanésia e Polinésia. Propriamente sobre o conceito de região, Milton Santos (2002: 247) lembra que não é o tempo de existência de uma região que garante a sua autenticidade, [...] mas a coerência funcional, que a distingue das outras entidades, vizinhas ou não. O fato de ter vida curta não muda a definição do recorte territorial. [...] No decorrer da história das civilizações, as regiões foram configurando-se por meio de processos orgânicos, expressos através da territorialidade absoluta de um grupo, onde prevaleciam suas características de identidade, exclusividade e limites, devidas à única presença desse grupo, sem outra mediação. A diferença entre áreas se devia a essa relação direta com o entorno. Podemos dizer que, então, a solidariedade característica da região ocorria, quase que exclusivamente, em função dos arranjos locais. Mas a velocidade das transformações mundiais deste século, aceleradas vertiginosamente no pós-guerra, fizeram com que a configuração regional do passado desmoronasse. [...] O tempo acelerado, acentuando a diferenciação dos eventos, aumenta a diferenciação dos lugares; [...] já que o espaço se torna mundial, o ecúmeno se redefine, com a extensão a todo ele do fenômeno de

região. As regiões são o suporte e a condição de relações globais que de outra forma não se realizariam. Assim, as macrorregiões estabelecidas por Milton Santos diferem da utilizada comumente para fins didáticos. O geógrafo dividiu o país em quatro Brasis, “uma divisão regional baseada, simultaneamente, numa atualidade marcada pela difusão diferencial do meio ​técnico-científicoinformacional e nas heranças do passado” (SANTOS & SILVEIRA, 2003: 268). Haveria, então, uma Região Concentrada, formada pelas regiões Sudeste e Sul; o Brasil do Nordeste; o Centro-Oeste, que abrange o Tocantins; e a Amazônia. Sobre a Região Concentrada, Milton Santos e Maria Laura Silveira (ibid.: 269) dizem que ela se caracteriza [...] pela implantação mais consolidada dos dados da ciência, da técnica e da informação. Nessa Região Concentrada do país, o meio técnico-científico-informacional se implantou sobre um meio mecanizado, portador de um denso sistema de relações, devido, em parte, a uma urbanização importante, ao padrão de consumo das empresas e das famílias, a uma vida comercial mais intensa. Em consequência, a distribuição da população e do trabalho em numerosos núcleos importantes é outro traço regional. Atividades ligadas à globalização que produzem novíssimas formas específicas de terciário superior, um quaternário e um quinquenário ligados à finança, à assistência técnica e política e à informação em suas diferentes modalidades vêm superpor-se às formas anteriores do terciário e testemunham as novas especializações do trabalho nessa região. Esse novo setor de serviços sustenta as novas classes médias que trabalham nos diversos setores financeiros, nas múltiplas ocupações técnicas, nas diversas formas de intermediação, marketing, publicidade etc. Quanto à região Centro-Oeste, Milton Santos (ibid.: 271) afirma que esta área é de ocupação periférica recente, na qual [...] o meio técnico-científico-informacional se estabelece sobre um território praticamente “natural”, ou melhor, “pré-técnico”, onde a vida de relações era rala e precária. Sobre essa herança de rarefação, os novos dados constitutivos do território são os do mundo da informação, da televisão, de uma rede de cidades assentada sobre uma produção agrícola moderna e suas necessidades relacionais. Acerca da Amazônia, lembra que esta “foi a última a ampliar a sua mecanização, tanto na

produção econômica quanto no próprio território” (SANTOS & SILVEIRA, 2003: 272). Ademais, “as cidades mais importantes acabam sendo o lugar da confluência entre esses sistemas locais e o traço de união com o mundo e com os centros dinâmicos do país”, embora suas relações com a hinterlândia sejam “esgarçadas, tardias e lentas”. Sobre o Nordeste, o geógrafo atesta sua ocupação antiga, cuja modernização propiciada pelo meio mecanizado foi pontual e pouco densa, com grande número de aglomerações urbanas, mas com taxa de urbanização relativamente mais baixa e “onde a respectiva circulação de pessoas, produtos, informação, ordens e dinheiro era precária, tanto em razão do tipo e da natureza das atividades (sobretudo uma agricultura pouco intensiva) como em virtude da estrutura da propriedade” (loc. cit.). Sob uma perspectiva fenomenológica, a região é uma construção mental e individualizada, mas sempre submetida à subjetividade coletiva de um grupo social (LENCIONI, 2003: 155). Segundo Lencioni (ibid.: 151), com a Geografia Humanista, [...] a discussão sobre o modo do espaço ser percebido e sobre os significados e valores modelados pela cultura e estrutura social atribuídos a este espaço passaram a ser analisados com o objetivo de compreender o sentimento de que os homens têm por pertencer a uma determinada região. Assim, procurou-se apreender os laços afetivos que criam uma identidade regional. A identidade dos homens com a região tornou-se, então, um problema central na Geografia Regional de inspiração fenomenológica. [...] Recuperou-se a vertente historicista da Geografia, à medida que a região passou a ser considerada como um produto da história e da cultura. [...] A Geografia passou então a se interessar por textos não diretamente relacionados à produção geográfica científica. Como resultado, a Geografia passou a utilizar-se, por exemplo, da literatura para trabalhar a díade sujeito vis-à-vis região. Estes estudos têm se tornado cada vez mais frequentes em Geografia, especialmente no Brasil, o qual apresenta uma grande diversidade de autores modernistaregionalistas que ilustram essas inúmeras regiões.

1.3.5. Espaço

Espaço é o conceito utilizado por Milton Santos como objeto de sua Geografia. Herança dos neopositivistas, o espaço manteve-se firme como conceito para os geógrafos críticos. Trabalharemos fundamentalmente com a definição de Milton Santos utilizada no livro A natureza do espaço (2002), principal obra do autor, em que há o amadurecimento de toda sua trajetória como intelectual. Este livro está estruturado em quatro partes: Ontologia do espaço; A produção das formasconteúdo; Por uma Geografia do presente; e A força do lugar. Na primeira parte, o autor busca definir o que é espaço; na segunda, demonstra que a materialidade do espaço é dotada de conteúdo técnico, e, portanto, caracteriza-se por formas historicamente determinadas, de onde decorre a ideia de meios de Milton Santos; na terceira parte, o autor trata do meio técnico-científico-informacional e da universalização da técnica; e no último trecho, o modo pelo qual o lugar oferece resistência ao Mundo. Para Milton Santos (ibid.: 29; 54; 58), a relação entre homem e natureza, mediada pelas técnicas, é criadora de espaço. Nesse sentido, “as técnicas possibilitam a qualificação precisa da materialidade sobre a qual as sociedades humanas trabalham”, assegurando a equivalência entre tempo e espaço. Essa empiricização da técnica pode ser sistematizada, de acordo com determinado período histórico, já que é o lugar “que atribui às técnicas o princípio de realidade histórica”, ao relativizar seu uso. O lugar “integra-as em um conjunto de vida, retirando-as de sua abstração empírica e lhes atribuindo efetividade histórica”, razão pela qual o cotidiano assume importância. Acerca do espaço, a primeira hipótese trabalhada por Milton Santos era a de fixos e fluxos, posteriormente abandonada em favor de configuração territorial e relações sociais. Essa definição ainda carecia de solidez, encontrada quando o geógrafo define espaço como um “conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ação”. Desse modo, “os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre os pré-existentes”. Embora os objetos não ajam, “podem nascer predestinados a certo tipo de ações, a cuja plena eficácia se tornam indispensáveis”, sobretudo no período histórico atual (ibid.: 61-63; 65; 86-87). Para Milton Santos (ibid.: 94; 100; 103), [...] são as ações que, em última análise, definem os objetos, dando-lhes sentido. Mas hoje, os objetos “valorizam” diferentemente as ações em virtude de seu conteúdo técnico. Assim,

considerar as ações separadamente ou os objetos separadamente não dá conta da sua realidade histórica. Uma geografia social deve encarar, de modo uno, isto é, não separado, objetos e ações “agindo” em concerto. As duas categorias, objeto e ação, materialidade e evento, devem ser tratadas separadamente [...] O espaço geográfico deve ser considerado como algo que participa igualmente da condição do social e do físico, um misto, um híbrido. Nesse sentido, não há significações independentes dos objetos. A ação é tanto mais eficaz quanto os objetos são mais adequados. Então, à intencionalidade da ação se conjuga a intencionalidade dos objetos, e ambas, hoje, são dependentes da respectiva carga de ciência e de técnica presente no território [...] A forma e o conteúdo somente existem separadamente como “verdades parciais”, abstrações que somente reencontram seu valor quando vistos em conjunto [...] A ideia de forma-conteúdo une o processo e o resultado, a função e a forma, o passado e o futuro, o objeto e o sujeito, o natural e o social. Essa ideia também supõe o tratamento analítico do espaço como um conjunto inseparável de sistemas de objetos e de sistemas de ações. Segundo Milton Santos (2002: 109-10; 103; 126), “quando a sociedade age sobre o espaço, ela não o faz sobre objetos como realidade física, mas como realidade social, formas-conteúdo”. Assim, “a dialética não é entre sociedade e paisagem, mas entre sociedade e espaço”, entendendo que paisagem é o “conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza”, enquanto o espaço é caracterizado por “essas formas mais a vida que as anima”, ou seja, “o espaço não é apenas um receptáculo da história, mas condição de sua realização qualificada”. O geógrafo afirma (ibid.: 1158; 128), outrossim, [...] que o movimento da sociedade, isto é, o movimento da totalidade (e do espaço) modifica a significação de todas as variáveis constitutivas, também a do símbolo, porque este não segue o movimento. [...] As partes que formam a Totalidade não bastam para explicá-la. Ao contrário, é a Totalidade que explica as partes [...] o todo é maior que a soma de suas partes [...] A totalidade é a realidade em sua integridade [...] a totalidade é o conjunto absoluto das partes em relação mútua [...] A primeira noção a levar em conta é a de que o conhecimento pressupõe análise e a segunda noção essencial é de que a análise pressupõe a divisão. Daí o interesse de compreender o processo pelo qual a totalidade é cindida [...] Totalidade e totalização, a primeira sendo o resultado e a segunda o processo (transtemporal) [...] Quando a sociedade, a cada movimento, é

cindida, o símbolo se destaca, se solta, do movimento geral e continua o mesmo que era no momento anterior. [...] O presente une as coisas, mas o momento seguinte as separa, o que permite distingui-las. Cada símbolo guarda a mesma identidade, não importa qual seja o contexto, mesmo em uma situação de movimento e de mudança. [...] A cada nova divisão do trabalho, a cada nova transformação social, há, paralelamente, para os fabricantes de significados, uma exigência de renovação das ideologias e dos universos simbólicos, ao mesmo tempo em que, aos outros, tornam-se possíveis o entendimento e a busca de um sentido. A diversidade das formas naturais está para a Natureza da mesma forma que a divisão do trabalho está para a História, propõe o professor Milton. Assim, a transformação da natureza é potencializada pela intervenção técnica humana, e, em relação à ​contemporaneidade, o “motor da divisão do trabalho, tornada claramente internacional, é a informação” (SANTOS, 2002: 131-32). O tempo dessa divisão do trabalho é o modo de produção, que distribui o trabalho vivo de acordo com a divisão territorial do trabalho. Aquilo que permanece no território como forma, espaço construído, é chamado de rugosidade. Esta é o que “resta do processo de supressão, acumulação, superposição, com que as coisas se substituem e acumulam em todos os lugares”. Por sua vez, as rugosidades explicitam o período técnico a que remetem, podendo-se, assim, distinguir entre os meios técnicos, que, em A natureza do espaço, são três: meio natural, meio técnico e meio técnico-científico-informacional. Há a possibilidade de um intermediário, o meio técnico-científico, anterior a este último (ibid.: 136; 13940). O meio natural apresentava uma conciliação entre técnicas e trabalho e as dádivas da natureza, com a qual ambos se relacionavam sem outra mediação. O Homo faber é característico desse período, em que a rotação de terras e a agricultura itinerante constituem, ao mesmo tempo, regras sociais e territoriais, conciliando, geralmente, uso e conservação da natureza. Havia sistemas técnicos sem objetos técnicos; nas palavras de Milton Santos (ibid.: 236): [...] a sociedade local era, ao mesmo tempo, criadora das técnicas utilizadas, comandante dos tempos sociais e dos limites de sua utilização. A harmonia socioespacial assim estabelecida era, desse modo, respeitosa da natureza herdada, no processo de criação de uma nova natureza. Produzindo-a, a sociedade territorial produzia, também, uma série de comportamentos, cuja razão

é a preservação e a continuidade do meio de vida. Exemplo disso são, entre outros, o pousio, a rotação de terras, a agricultura itinerante, que constituem, ao mesmo tempo, regras sociais e regras territoriais, tendentes a conciliar o uso e a “conservação” da natureza: para que ela possa ser outra vez, utilizada. Esses sistemas técnicos sem objetos técnicos não eram, pois, agressivos, pelo fato de serem indissolúveis em relação à Natureza que, em sua operação, ajudavam a reconstituir. O meio técnico apresenta “objetos técnicos, maquínicos, [que] juntam à razão natural sua própria razão, uma lógica instrumental que desafia as lógicas naturais, criando, nos lugares atingidos, mistos ou híbridos conflitivos”. Havia poucos países e regiões “em que o progresso técnico podia instalarse. E, mesmo nestes poucos, os sistemas técnicos vigentes eram geograficamente circunscritos, de modo que tanto seus efeitos estavam longe” (ibid.: 237-38) de generalizações quanto à percepção acerca deles também era limitada. O meio técnico-científico-informacional começa “praticamente após a Segunda Guerra Mundial, e sua afirmação, incluindo os países do Terceiro Mundo, vai realmente se dar nos anos 1970”, e há “profunda interação entre técnica e ciência” (SANTOS, 2002: 237). Para Milton Santos (ibid.: 239), [...] nesse período, os objetos técnicos tendem a ser ao mesmo tempo técnicos e informacionais, já que, graças à extrema intencionalidade de sua produção e de sua localização, eles já surgem como informação; e, na verdade, a energia principal de seu funcionamento é também a informação. [...] Podemos falar de uma cientifização e de uma tecnicização da paisagem. A informação não apenas está presente nas coisas, nos objetos técnicos, que formam o espaço, como ela é necessária à ação realizada sobre essas coisas. A informação é o vetor fundamental do processo social, e os territórios são, desse modo, equipados para facilitar a sua circulação. [...] O meio técnico-científico-informacional é a cara geográfica da globalização. Quanto às ações e seu sistema, o geógrafo lembra que o conhecimento empírico da simultaneidade das ações e de que estas só adquirem sentido quando relacionadas entre si são determinantes para a realização histórica. Isso permite a escolha dos lugares mais adequados para os atores hegemônicos, já que a empiricização da universalidade é consequência dos dois fatores apontados acima – interdependência e simultaneidade das ações, cabendo aos demais uma localização meramente residual. Mais uma vez de acordo com Milton Santos (ibid.: 144-49),

[...] se considerarmos o mundo como um conjunto de possibilidades, o evento é um veículo de uma ou de algumas dessas possibilidades existentes no mundo. Mas o evento também pode ser o vetor das possibilidades existentes em uma formação social, isto é, em um país, ou em uma região, ou em um lugar, considerados estes um conjunto circunscrito e mais limitado que o mundo [...] Os eventos são, todos, Presente. Eles acontecem em um dado instante, uma fração de tempo que eles qualificam [...] Os eventos dissolvem as coisas, eles dissolvem as identidades, propondo-nos outras, mostrando que não são fixas e, por isso, segundo Deleuze, submetendo-nos ao “teste do saber”. Diante da nova história e da nova geografia, é o nosso saber que também se dissolve, cabendo-nos reconstituí-lo como através da percepção do movimento conjunto das coisas e dos eventos. Não há evento sem sujeito [...] Distinguem-se em eventos naturais e históricos, os quais supõem a ação humana. De fato, evento e ação são sinônimos [...] O evento é sempre presente, mas o presente não é obrigatoriamente o instantâneo [...] Os eventos não se dão isoladamente, mas em conjuntos sistêmicos – verdadeiras situações – que cada vez mais são objeto de organização: na sua instalação, no seu funcionamento e no respectivo controle e regulação. Dessa organização vão depender, ao mesmo, tempo, a duração e a amplitude do evento. Do nível da organização depende a escala de sua regulação e a incidência sobre a área de ocorrência do evento [...] É importante notar, outrossim, que a escala se aplica aos eventos de duas formas – a primeira é a escala de origem dos eventos, a das forças operantes; a segunda é a escala dos impactos dos eventos, da área de ocorrência do fenômeno. Consoante Milton Santos (ibid.: 152; 154; 156-57), a escala [...] deveria ser reservada a essa área de ocorrência e é nesse sentido que se pode dizer que a escala é um dado temporal e não propriamente espacial; ou, ainda melhor, que a escala varia com o tempo, já que a área de ocorrência é dada pela extensão dos eventos [...] [Remetendo à ideia de totalidade, cumpre ressaltar que] os eventos se superpõem. Esse conjunto de eventos é também um evento, do qual os eventos singulares que o formam são elementos [...] Os eventos são atuais, absolutos, individualizados, finitos, sucessivos. Mas na medida em que se estendem um sobre os outros, eles estão criando a continuidade do mundo vivente e em movimento, ou, em outras palavras, a continuidade temporal e a coerência espacial. É assim que as situações geográficas se criam e recriam.

Após ter diferenciado paisagem de espaço, o autor acredita necessária a distinção entre região e lugar, embora esta seja menos relevante hoje que antes, [...] quando se trabalhava com uma concepção hierárquica e geométrica onde o lugar devia ocupar uma extensão do espaço geográfico menor do que a região. Na realidade, a região pode ser considerada como um lugar, desde que a regra da unidade, e da continuidade do acontecer histórico se verifique. E os lugares – veja-se o exemplo das cidades grandes – também podem ser regiões. Nos dois casos, trata-se de um acontecer solidário, que define um subespaço, região ou lugar [...] Esse acontecer solidário se apresenta sob três formas no território: um acontecer homólogo, um acontecer complementar e um acontecer hierárquico. O primeiro é aquele das áreas de produção agrícola ou urbana, que se modernizam mediante uma informação especializada, gerando contiguidades funcionais que dão os contornos da área assim definida. O acontecer complementar é aquele das relações entre cidade e campo e entre cidades, consequência igualmente de necessidades modernas da produção e do intercâmbio geograficamente próximo. Finalmente, o acontecer hierárquico é um dos resultados da tendência à racionalização das atividades e se faz sob um comando, uma organização, que tendem a ser concentrados [...] No acontecer homólogo e no acontecer complementar há a primazia das formas com a relevância das técnicas, e ambos supõem uma extensão contínua [horizontalidades]. No acontecer hierárquico, há a primazia das normas e a primazia é da política e não da técnica [verticalidades]. Ademais, neste as relações podem ser pontuais (SANTOS, 2002: 160; 166-68; 204). Essa é a base para a compreensão da natureza do espaço, como proposto por Milton Santos. Vejamos, agora, o último conceito caro à Geografia, o de lugar.

1.3.6. Lugar O humanismo e a fenomenologia são a base da Geografia Humanista, que tem no conceito de lugar o seu objeto de análise. Por sua vez, o lugar está referenciado no cotidiano e no espaço vivido pelo sujeito. Os primeiros trabalhos focalizaram-se nas relações entre o sujeito, coletivo ou individual, e o espaço em uma análise funcional, posteriormente substituída pelas relações sociais e afetivas. Desse modo, privilegiou-se “o interesse pelos fenômenos econômicos que se inscrevem no espaço

(constituindo, o espaço [vivido], o suporte e o espelho das atividades), com prejuízo do próprio espaço e das suas representações” (BETTANINI, 1982: 117), por meio das quais o espaço integra “um sistema de valores”. Há que se diferenciar, portanto, entre espaço de vida e espaço vivido, o primeiro pertencendo ao segundo e constituindo “uma visão redutora da totalidade das relações mantidas pelo homemhabitante com o seu espaço” (ibid.: 117-18). Assim, “estudar o espaço vivido significa superar a dimensão do espaço-extensão, ou espaço-suporte das atividades”, entendendo-o “como espaço construído através do olhar das pessoas que o vivem-habitam. Como espaço produzido pelos valores e pela ideologia (cultural, social, econômica)”. Tonino Bettanini (ibid.: 81-82) comenta que [...] através da dimensão da linguagem – entendida como faculdade simbólica – atra​vés da análise de um código que regula os três sistemas – o sintático, o semântico e o ​comportamental –, podemos reconstruir as regras que levam a produzir, no interior de uma cultura, os significados espaciais e que nos conduzem à percepção do espaço. A “nova sociologia” explora o território da comunicação interpessoal, da interação, procurando reconstruir os percursos de sentido que – ligados agora à lógica do senso comum da vida quotidiana – permitem o nosso “estar juntos”, para além e antes das normas invocadas por uma cultura e por uma sociedade historicamente sedimentada. É um aspecto da espacialização ligado à linguagem articulada, à dimensão dos gestos (cinésica), ao significado que as distâncias e a organização do próprio espaço assumem para nós. Redescobrir as regras deste comportamento significa, no fundo, recuperar a análise da dimensão atributiva referida por Harvey. Certamente a literatura sociológica não oferece ainda um material organizado, mas múltiplas observações. A dimensão prescritiva – dos “arquétipos espaciais” – permanece ainda mais atrasada. Está ligada a contribuições dispersas – da socioetnologia à história social e à das religiões [...]. Sandra Lencioni (2003: 153-54) acrescenta que [...] o espaço, por causa de sua dimensão abstrata, deixou de ser a referência central. A referência passou a ser o espaço vivido, aquele que é construído socialmente a partir da percepção das pessoas. Espaço vivido e, mais que isso, interpretado pelos indivíduos. Igualmente, espaço vivido como revelador das práticas sociais. Essa preocupação com o espaço vivido colocou no centro da análise o lugar. Isso porque é o lugar, mais que o espaço, que se

relaciona à existência real e à experiência vivida. [...] O lugar transcende sua realidade objetiva e é interpretado como um conjunto de significados. Milton Santos, todavia, alerta que, para ter efetividade, o estudo do lugar deve considerar que percepção não é conhecimento e que a práxis individual está subordinada à coletiva. Nas palavras do próprio geógrafo (2002: 93-96) [...] a percepção individual não é conhecimento; de outra forma, a coisa não seria objetiva e a própria teoria da percepção seria incompleta, senão inútil. [...] A simples apreensão da coisa, por seu aspecto ou sua estrutura externa, nos dá o objeto em si mesmo, o que ele apresenta mas não o que ele representa [ou significa] [...]. Existem práxis individuais e existem práxis sociais. O espaço, por suas características e por seu funcionamento, pelo que ele oferece a alguns e recusa a outros, pela seleção de localização feita entre as atividades e entre os homens, é o resultado de uma práxis coletiva que reproduz as relações sociais. Quando Sartre se refere à contrafinalidade da matéria inerte é disso mesmo que ele fala, quer dizer, da supremacia da práxis coletiva (que é de fato uma práxis roubada à coletividade pelos grupos que a exploram) sobre as práxis individuais [...]. Quando o indivíduo, exercitando o que lhe cabe de liberdade individual, contribui para o movimento social, a práxis individual pode influenciar o movimento do espaço. Sua influência, entretanto, será sempre limitada e subordinada à práxis coletiva6. Para Maria Laura Silveira, “o lugar não é um fragmento, é a própria totalidade em movimento que, através do evento, se afirma e se nega, modelando um subespaço do espaço global” (apud SANTOS, 2002: 125). De acordo com Ana Fani A. Carlos, “o lugar se produz na articulação contraditória entre o mundial que se anuncia e a especificidade histórica do particular” (loc. cit.). Milton Santos lembra ainda que o lugar não é apenas uma parte do todo, e, sim, uma totalidade, ademais de ter sua importância aumentada contemporaneamente. Para este autor (ibid.: 338-39), [...] a ordem global busca impor, a todos os lugares, uma única racionalidade. E os lugares respondem ao Mundo segundo os diversos modos de sua própria racionalidade. [...] A ordem global e a ordem local constituem duas situações geneticamente opostas, ainda que em cada uma se verifiquem aspectos da outra. A razão universal é organizacional, a razão local é orgânica. No primeiro caso, prima a informação que, aliás, é sinônimo de organização. No segundo caso, prima a comunicação. [...] A ordem global é “desterritorializada”, no sentido de que separa o centro da

ação e a sede da ação. Seu “espaço”, movediço e inconstante, é formado de pontos, cuja existência funcional é dependente de fatores externos. A ordem local, que “reterritorializa”, é a do espaço banal, espaço irredutível porque reúne numa mesma lógica interna todos os seus elementos: homens, empresas, instituições, formas sociais e jurídicas e formas geográficas. O cotidiano imediato, localmente vivido, traço de união de todos esses dados, é a garantia da comunicação. Cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente. Desse modo, na contemporaneidade, não será raro se deparar com o conceito de glocalidade, cujo viés geográfico encontra-se no ciberespaço. Segundo Ivaldo Lima (2005: 9), este é um [...] produto novo, um tipo de espaço ainda pouco (ou muito pouco) conhecido, mas instituído como resultado ou criação de um período histérico marcado pelo primado da técnica. [...] É no ciberespaço que alguns milhões de pessoas se encontram, permutam informações, da mesma forma que do ciberespaço milhões de pessoas estão fora. [...] A malha formada pelas infovias [...] configura um arranjo dotado de visibilidade restrita. Isso porque “o ciberespaço é uma forma nova de perspectiva. Não é simplesmente a perspectiva visual e auditiva que nós conhecemos”, de acordo com Virilio. Este sociólogo lembra ainda que o tempo do ciberespaço domina os tempos locais da atividade imediata das cidades, dos quarteirões. Nesta perspectiva, o ciberespaço proporciona (ou forja) uma interação/ contração [espaço-tempo] capaz de amalgamar o global e o local. Daí o surgimento de um neologismo: o “glocal”, forma contracta de global e local, que segundo Mattelart exprime as estratégias dos empresários japoneses de hoje. Mattelart lembra que a informação está no âmago desse ciberespaço, visto como um campo estratégico na competitividade mundial [...]. Rupturas escalares, virtualização, fronteiras e centro desconhecidos são, pois, alguns elementos que fazem do ciberespaço uma das perspectivas do “espaço crítico” (9-10). O futuro esclarecerá os caminhos pelos quais a Geografia seguirá, mas esperamos ter fornecido elementos de compreensão sobre a História do Pensamento Geográfico e acerca do uso de seus conceitos, de modo que o candidato saiba, adequadamente, qual conceito utilizar quando lhe for solicitado.

2 GEOGRAFIA POLÍTICA E GEOPOLÍTICA

A Geografia Política moderna, como vimos, é fundamentada originariamente na obra de Ratzel. Há uma distinção clara entre a Geografia Política anterior à 2ª Guerra Mundial e aquela nomeada Contemporânea, produzida após o maior conflito da História. Se foi relegada a segundo plano em decorrência de sua identificação ao nazismo – esta identificação também ideológica –, a Geografia Política ressurgiu com força na medida em que o exclusivismo estatal como fonte única de poder foi superado por meio das mudanças nas concepções de poder, como vimos no primeiro capítulo. Neste capítulo, distinguiremos Geografia Política de Geopolítica, bem como a supracitada diferença entre a Geografia Política Clássica (2.1) e a Geografia Política Contemporânea (2.2). Apresentaremos as principais teorias geopolíticas, ainda no subcapítulo sobre Geografia Política Clássica. Quanto à Geografia Política Contemporânea, apresentaremos questões atuais, da Guerra Fria à Guerra ao Terror (2.2.1), e tópicos sobre Energia (2.2.2) e Logística (2.2.3). Comentaremos, ainda, sobre Fronteiras (2.3) e acerca da Formação Territorial Brasileira (2.4).

2.1. GEOGRAFIA POLÍTICA CLÁSSICA7 Quem aprecia os romances de Júlio Verne não discute que a segunda metade do século XIX foi uma época de otimismo e de crença no progresso técnico. Os europeus, senhores do mundo de então, promoviam a 2ª Revolução Industrial, e fora da Europa o industrialismo só se manifestava nos então muito prósperos Estados Unidos da América e no Japão. Os contemporâneos de Verne, assim como ele, acreditavam que o progresso técnico trariam o progresso moral. Contudo, a névoa do otimismo impossibilitava os homens a pensar no pior dos extremos, o que não impediu a ocorrência da 1ª Guerra Mundial (1914-1918).

O domínio da indústria e a posse das colônias eram os signos do status quo entre os Estados e, evidentemente, a posse de grandes extensões territoriais era um objetivo comum a todo Estado da época. Mesmo os EUA, o único dos grandes que negava abertamente uma política colonial, haviam conquistado o oeste selvagem, massacrando suas populações tradicionais, e construído ferrovias que ligavam o Atlântico ao Pacífico. A Inglaterra e a França dominavam majoritariamente a África e a Ásia e o surgimento de novos Estados Europeus (Alemanha e Itália) trouxe nova concorrência para os grandes da corrida colonial. Esse contexto de competição viu surgir uma nova ciência cujo objetivo era estabelecer objetivos nacionais e delineamentos de grande estratégia a partir da configuração geográfica dos Estados: essa ciência era chamada de Geografia Política pelos geógrafos e, no século XX, passou a ser chamada de Geopolítica, nome dado pelo cientista político sueco Juan Rudolph Kjellen (1864-1922), com o claro objetivo de deslocar o eixo de discussão político-territorial da Geografia científica para a Ciência Política. De acordo com Wanderley Messias da Costa (2008: 17-18), [...] o Estado moderno [...] é geralmente o responsável, seja por delegação constitucional, seja por autoproclamação, pela condução dos chamados problemas territoriais. Problemas territoriais não se restringem aos segmentos militares dos Estados, nem mesmo para os notoriamente autoritários. A geografia política (ou geopolítica), como ideologia de Estado, não deve ser interpretada como algo gerado exclusivamente pelo Estado, pois ele pode ser formulado em múltiplos espaços de pesquisa, aí incluídas as universidades. A geografia política poderá, como tendência estrutural, tornar-se toda ela estatal-nacional. Distinções entre a geografia política e a geopolítica ficam acentuadamente marcadas pelas contradições de ser científica e de ter caráter nacional-estatal, a tal ponto que não são poucos os autores que preferem passar ao largo dela. Para o autor, Geografia Política é “o conjunto de estudos sistemáticos mais afetos à geo​grafia e restritos às relações entre o espaço e o Estado, questões relacionadas à posição, situação, características das fronteiras” (ibid.: 18). Geopolítica, por seu turno, é a “formulação de teorias e projetos de ação voltados às relações de poder entre Estados e estratégias de caráter geral para os territórios nacionais e estrangeiros” (loc. cit.), estando “mais próxima das ciências políticas aplicadas” (loc. cit.), com caráter interdisciplinar e utilitarista. Apesar de vincular-se a abordagens científicas, muitas vezes, ainda de acordo com Costa (ibid.: 19-20; 21),

[...] a geografia política, tendencialmente, acaba por assumir a priori uma dada concepção de Estado, em que este aparece desprovido de contradições internas e de movimento histórico, o que retira, por consequência, sua natureza humana, social e política e promovendo ao fim sua virtual coisificação. [...] [Na geopolítica,] os autores, em geral, não poupam esforços em esquadrinhar e buscar interpretações e mesmo soluções para os conflitos internacionais ou entre dois Estados específicos. [...] É preciso reconhecer que esse tema constitui, indubitavelmente, a questão central dos estudos da área. Ocorre, porém que, em geral, nesse tipo de conflito, participam preponderantemente as máquinas dos Estados, restando às sociedades nacionais a chance única de participarem como “soldados”, como combatentes de fato, como elementos civis de apoio, ou mesmo como recursos geralmente apropriados como fatores de pressão e dissuasão. No nível interno de cada país, os conflitos, quando reconhecidos, nunca são referenciados à estrutura de classes, partidos políticos etc., e quando o são, aparecem associados à “quebra de unidade ou coesão”, divisionismo frente ao inimigo e mesmo traição. Daí porque, do ponto de vista da geopolítica, Estado, nação e território constituem um todo indivisível. Essa unidade tem origem na obra do fundador da Geografia Política, o alemão Friedrich Ratzel (1844-1904). Em seu livro Politische Geographie (1897), Ratzel elaborou, com base em um profundo estudo de história da dinâmica territorial dos Estados (MORAES, 1990), as leis de crescimento territorial dos Estados, em que ficaram sintetizados os princípios do expansionismo territorial, como vimos no primeiro capítulo. Ademais, Ratzel reformulou o conceito de espaço vital (Lebensraum), que se tornou fundamento da máquina de propaganda nazista para sua política expansionista, a Marcha para o Leste. O espaço vital pode ser entendido como a área mínima do território que uma população necessita para se desenvolver. Quando um povo se sedentariza, torna-se imperativa a manutenção de um território, e o desenvolvimento técnico obriga a expansão territorial, sempre à custa de Estados menores ou povos menos desenvolvidos. Ratzel afirma que “o crescimento do Estado procede pela anexação dos membros menores ao agregado. Ao mesmo tempo a relação entre população e terra torna-se continuamente mais próxima” (ibid.: 182). O território, por sua vez, apresenta dinâmica semelhante à de um organismo, em que a luta pela preservação determina a expansão e a conquista de posições politicamente vantajosas, sendo a

fronteira o órgão periférico do Estado. A influência da Biologia darwinista é notória na lógica expansionista; o forte se expande à custa do fraco, os Estados de grande extensão territorial se expandem à custa dos menores, e a fronteira aparece como uma linha de equilíbrio entre duas pressões: [...] Quanto maior for o espaço, tanto maiores serão os contatos que podem evitar seu estancamento. Os povos mais expandidos são os que têm as relações mais variadas. Se o solo do território que ocupam é favorável para o desenvolvimento, então este passa a ser manifestadamente preponderante, assumindo distintas formas e características. Isso constitui uma regra de vida muito generalizada. Assim como o espaço acrescenta poder para os povos em crescimento, assim ocorre no campo da biogeografia em que a fauna setentrional desloca a meridional pela maior disponibilidade de espaço; de igual maneira, as raças do hemisfério norte se expandem até as costas do hemisfério oposto (RATZEL, 1975: 44). Ratzel legitima, desse modo, as pretensões territoriais em relação à Europa continental, como também dá significado ao discurso colonizador europeu, cuja ideologia assumiu diversas formas e pode ser encontrada até os nossos dias. Entre as mais famosas, estão o Destino Manifesto, o White Man’s Burden, a Mission Civilisatrice, a Marcha para o Leste, e, no Brasil, a Marcha para o Oeste e a retomada do território das favelas com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) na cidade do Rio de Janeiro. Quanto ao avanço colonizador imperialista, Milton Santos (2002: 31) assevera que: [...] a utilização da geografia como instrumento de conquista colonial não foi uma orientação isolada, particular a um país. Em todos os países colonizadores, houve geógrafos empenhados nessa tarefa, readaptada segundo as condições e renovada sob novos artifícios cada vez que a marcha da História conhecia uma inflexão. Freeman considera que existe mesmo uma relação entre a expansão da geografia e a colonização. O ímpeto dado à colonização e o papel nela representado por nossa disciplina teria sido um fator de seu desenvolvimento. Isso acontece porque “a ideologia engendrada pelo capitalismo quando da sua implantação tinha que ser adequada às suas necessidades de expansão nos países centrais e na periferia” (ibid.: 30). Fazia-se necessário “criar as condições para a expansão do comércio. [...] Era imperativo adaptar as estruturas espacial e econômica dos países pobres às novas tarefas que deviam assegurar sem

descontinuidade” (loc. cit.). Desse modo, “uma das grandes metas conceituais da geografia foi justamente, de um lado, esconder o papel do Estado bem como o das classes, na organização da sociedade e do espaço” (loc. cit.). De outro, foi justificar a obra colonial. Esse objetivo somente se tornou possível devido à conformação do Estado territorial moderno, cuja gênese ocorre “no processo de centralização do poder que objetiva na Europa as monarquias absolutistas”, superando a extraterritorialidade das entidades políticas dinásticas com base na teoria da soberania, de Jean Bodin. De acordo com Robert Moraes (2005: 54-56), [...] a apropriação de espaços e sua colocação na órbita de uma dada dominação política, que o qualifica como seu patrimônio, obedece sempre à lógica societária vigente, permitindo a identificação de padrões (historicamente delineados) de objetivação deste processo. Nesse sentido, o território estatal nacional é uma forma histórica específica. Trabalhando na escala global (isto é, tendo em vista a ótica de circulação no espaço planetário), Immanuel Wallerstein afirma que a lógica capitalista na sua objetivação trouxe uma inovação significativa, gerando em sua difusão uma nova forma de organização socioespacial que superou o modelo imperial, até então vigente nos movimentos de expansão territorial dos povos. A novidade introduzida pela forma economia-mundo residiria na convivência – no interior de um mesmo macroespaço de relações econômicas – de vários espaços de dominação política (cada um, em si mesmo, estruturado como um império). Isto induz um caráter policêntrico no comando político da expansão da economia-mundo capitalista. O que redundou num fortalecimento da identidade das unidades políticas no centro. [...] Esta concepção patrimonialista de Estado territorial-imperial é também reforçada pela própria experiência do estabelecimento de colônias. [...] A formação do império pode ajudar a sedimentar a estrutura estatal de seu centro difusor, atuando na consolidação de fronteiras e de identidades estatais de base territorial na Europa. As colônias são porções da economia-mundo, na qual se apresentam como partes subordinadas de um império, e, em conjunto, delimitam a verdadeira periferia do mundo capitalista. [...] Cabe reafirmar que o controle de espaços periféricos e coloniais retroalimenta o ideário nacionalista, reforçando a identidade e a potência estatal da metrópole, agora estruturada como um Estado nacional. Desse modo, compreende-se melhor a importância do colonialismo e do imperialismo para as ações territoriais empreendidas ao redor do mundo, associando-se a estas o componente religioso. Segundo Roland Oliver (1994: 188-89),

[...] o terceiro quarto do século XIX assistiu à passagem das caravanas conduzidas por europeus, que eram conhecidos em seus próprios países como “exploradores” da África Central – Livingstone, o missionário, subindo o caminho a partir do sul para, durante vinte anos, entrecruzar toda a região entre o Zambeze, o lago Malauí e o Alto Congo; Burton e Speke seguindo a via árabe suaíli para os lagos Tanganica e Vitória; Speke e Grant visitando os reinos interlacustres e retornando Nilo abaixo; Cameron seguindo as rotas de comércio através da savana meridional desde o lago Tanganica até Luanda; Stanley descendo o rio Congo através da grande floresta, para finalmente emergir em seu estuário. Para os africanos, por cujas terras eles passaram, há pouca diferença entre as caravanas dos homens brancos e aquelas de seus contemporâneos árabes suaílis. Ambas comerciavam tecidos e contas e, ocasionalmente, armas de fogo em troca de proteção, suprimentos alimentares e marfim. A diferença reside somente nas palavras que escreviam os exploradores em seus diários quando se instalavam em tendas ao cair da noite – palavras que, quando publicadas, seriam lidas avidamente por centenas de milhares de pessoas na Europa e na América, dentre as quais umas poucas se sentiriam atraídas para uma ação significativa. Em outro trecho, o autor (ibid.: 194-95) comenta sobre a colonização da Argélia: [...] a conquista francesa da Argélia, iniciada em 1830, foi um acontecimento anômalo. Não foi causada por nenhuma necessidade de colonizar, nem por qualquer outro objetivo estratégico bem considerado. Ela foi planejada como um coup de théatre, para persuadir os franceses de que o governo Bourbon era grande e glorioso; mas ainda que tenha completamente falhado em fazê-lo, nenhum governo sucessor até a Quinta República ousou enfrentar a desonra de retirar-se. [...] Mas não foi previsto que a verdadeira resistência não viria da casta militar turca, mas dos árabes e berberes do campo, e que seria inspirada religiosamente pelo horror que nutriam os muçulmanos de serem governados por cristãos. Para James Joll (1990: 101-102), [...] O imperialismo do período 1880-1914 foi um aspecto de uma revolução que estava desafiando as ideias de uma geração anterior. Assim como as virtudes do livre comércio estavam sendo questionadas e a necessidade de intervenção do Estado em diversas áreas estavam se tornando aceitas, também as relações entre Estados e os motivos para as políticas destes estavam agora baseadas em novas crenças acerca da natureza do homem e da sociedade, as quais afetaram

as políticas internas de muitos Estados, bem como de suas políticas externas. Enquanto é possível dar conta de cada ato específico do imperialismo em termos próprios – esperanças econômicas, prestígio nacional, necessidades estratégicas – um número de crenças gerais fundamentavam o movimento imperialista como um todo. Estas incluíam a crença em uma missão nacional e a frequentemente genuína, por vezes hipócrita, crença no dever de povos avançados trazer a civilização e a boa administração para os mais atrasados, para carregar, no mais famoso de todos os slogans imperialistas britânicos, “o fardo do homem branco”. Contudo, o mais profundo grupo de ideias que inspiravam o imperialismo eram aquelas que poderiam ser classificadas de darwinismo social. Joll (ibid.: 82) comenta ainda que foi apenas gradualmente que “os liberais britânicos, em vez de atacar instâncias particulares de mau governo na Índia, atacaram o direito da ​Grã-Bretanha de estar lá”. Para perceber isso, basta comparar as histórias de Kipling da década de 1890, especialmente seu poema The White Man’s Burden, com a obra A passage to India, de Forster, publicada na década de 1920. Poucas eram, ainda conforme Joll, “[as] f​amílias de classe média na Grã-Bretanha que não tinham algum contato com o Império Indiano por meio de um filho na administração indiana ou de um primo no Exército” (loc. cit.). A versão francesa da ideologia imperialista é a Mission Civilisatrice. Para a França, a ofensiva colonial, ademais de balancear sua inferioridade econômica e política em relação aos rivais, compensava também sua inferioridade demográfica e militar. Hobsbawn (2003: 107) conta que [...] a sensação de superioridade que uniu os brancos ocidentais – ricos, classe média e pobres – não se deveu apenas ao fato de todos eles desfrutarem de privilégios de governante, sobretudo quando efetivamente estavam nas colônias. Em Dacar ou Mombaça, o mais modesto funcionário era um amo e era aceito como gentleman por pessoas que nem teriam notado sua existência em Paris ou Londres; o operário branco era um comandante de negros. Mas mesmo onde a ideologia insistia numa igualdade, mesmo potencial, esta se transformava gradualmente em dominação. A França acreditava na transformação de seus súditos franceses, teoricamente descendentes de nos ancêtres, les gaulois (nossos ancestrais, os gauleses) – como os livros didáticos insistiam, tanto em Timbuctu como na Martinica e em Bordeaux – ao contrário dos britânicos, convencidos do caráter não inglês essencial e permanente dos bengalis e iorubás. Contudo, a existência mesma desses estratos de évolués nativos ressaltava a falta de “evolução” da grande maioria.

A Marcha para o Leste é recorrente na história alemã. Uma referência primeira é o Sacro Império Romano e a expansão para o leste dos Cavaleiros Teutônicos; no longo processo de unificação da Alemanha, cujo marco é a união aduaneira, prevê-se a possibilidade de expansão econômica para o Leste, ademais da percepção política de que o Leste constitui parte do espaço vital alemão, devido a existência de comunidades esparsas. Com a queda de Bismarck, em 1890, a política alemã foi conduzida de modo diferente. A Weltpolitik iniciou-se, de certo modo, com a ascensão da Alemanha à grande potência que, contudo, ainda não dispunha de colônias. Nesse sentido, um dos objetivos da nova orientação da política externa alemã era conseguir um Império Centro-Africano, além de desenvolver a Marinha para que fosse capaz de competir com a britânica – Wilhem II leu Mahan, que comentaremos a seguir –, e de estabelecer uma zona econômica europeia, a Mitteleuropa, o que envolveria a construção da ferrovia Berlim – Bagdá. Os nazistas também desenvolveram um projeto de dominação sobre o Leste, fundamentado na superioridade alemã sobre os povos vizinhos. De acordo com Aristotle Kallis (2003: 243), [...] A percepção biológica de Hitler sobre a vida nacional e a falta de considerações religiosas produziram uma explicação essencialmente racial da superioridade alemã, bem como a crença que os feitos históricos da civilização europeia foram sustentados pela superioridade biológica da raça ariana sobre os vizinhos do sul e do leste. Nesse sentido, uma Alemanha racialmente pura estava destinada a liderar a defesa dessa cultura ariana como um grupo de elite dentro de uma forma de civilização de elite. A ampliação da União Europeia para o leste também reforça a antiga Drang nach Osten, ao afirmar a pujança econômica alemã sobre a Europa de Leste e ao revalidar o caráter do bloco econômico que, apesar do discurso de cooperação, aplica a lógica de livre comércio entre desiguais, e não apenas na Europa, o que talvez justifique a crise econômica atual no bloco. Ademais, a hesitação em firmar acordos político-estratégicos tem favorecido a política de Washington para o Leste Europeu, como no caso da expansão da OTAN sobre essa região. Nos EUA, a ideologia de cunho territorial foi o Destino Manifesto. De acordo com Philippe Lemarchand (1999: 33-34; 96; 243),

[...] a ideologia nacional norte-americana, nascida da guerra de Independência e reforçada pela segunda guerra contra a Inglaterra [1812], adquiriu uma nova dimensão com a exploração e a conquista do espaço nacional. Em fins do século XIX, Frederick Jackson Turner descreveu a história dos EUA como, essencialmente, “a história da colonização do ‘Grande Oeste’, propiciada pela existência de uma zona de terras despovoada e pelo avanço contínuo e pela progressão dos pioneiros até o ocidente”. [...] No século XIX, impôs-se uma imagem idealizada dos grandes espaços forjada por escritores, artistas e homens de negócios. O sonho da terra prometida encarnou-se então na conquista do oeste, que apenas alcançada se viu elevada ao posto de mito fundador, o Destino Manifesto dos norte-americanos para chegar a dominar o conjunto do continente. [...] O início do imperialismo americano no Pacífico se apresenta com frequência como uma ruptura com a atitude isolacionista do século XIX. Ou, segundo alguns historiadores, o expansionismo dos EUA não seria mais que o prolongamento extracontinental da conquista do oeste. Em 1845, o publicista John O’Sullivan havia anunciado sob a fórmula Manifest Destiny a vocação da nação estadunidense de se estender por todo o continente. A ligação ferroviária transcontinental de 1869 possibilitou por fim a esta “missão”. De qualquer modo, o espírito messiânico norte-americano supera o marco estritamente continental. A criação de um império colonial no Pacífico não foi senão a continuidade desse impulso pioneiro no ultramar. No caso dos EUA, é importante lembrar que a expansão para o Oeste é marcada pela apropriação simbólica desse território antes mesmo de sua ocupação, o que fez Turner, em 1920, convertê-la em fundamento da identidade americana, na obra The frontier in American history. Para Kissinger (1994: 34), “até a virada do século XX, a política externa estadunidense foi basicamente bem simples: executar o destino manifesto do país e se manter livre de problemas além-mar”. De qualquer forma, a expansão para o oeste não se tornou um problema geopolítico para os EUA, ao contrário do que ocorreu com a Rússia em sua expansão para a Ásia Central. Para os homens que não participaram do movimento de expansão para o Oeste americano, restou tornarem-se, décadas depois, filibusters, mercenários que se envolviam em milícias privadas e que foram bastante comuns em meados do século XIX. Esses mercenários foram notórios, sobretudo, no norte mexicano e na Nicarágua, e entre suas motivações estavam “desde a expansão da escravidão até ganhos financeiros ou, ainda, glória pessoal e poder político” (SCHOULTZ, 2003: 63). Para Schoultz (loc. cit.), “todos nasceram um pouco tarde demais para participar na expansão para o

oeste, o que os fez mirar na América Latina como alvo para futuras conquistas territoriais”. Assim, [...] na América Central, os EUA haviam demonstrado que a expansão física da era do Destino Manifesto esteve combinada ao correspondente crescimento nas mentalidades dos oficiais americanos de uma nova concepção acerca da esfera de influência da nação. As recém-criadas repúblicas da América Central eram um sítio ideal para demonstrar esse pensamento: elas eram impotentes, estavam próximas de casa, e haviam se tornado uma importante rota de trânsito entre as duas costas da república continental, assegurando uma cada vez mais crescente presença dos EUA no Istmo (ibid.: 71-87). Apenas após a Guerra Civil Americana, isso seria colocado em prática, mesmo com a importância do Istmo sendo reduzida pela ferrovia transcontinental americana. Por volta de 1880, “virtualmente todos em Washington haviam concluído que se o problema das recessões cíclicas seria resolvido pela expansão das exportações, os EUA teriam de roubar os clientes da Grã-Bretanha” (SCHOULTZ, 2003: 85-86). Contudo, os EUA precisavam ainda de uma Marinha e, nesse sentido, Alfred Mahan desenvolverá a teoria geopolítica sobre o poder marítimo. Ademais, “a mera existência dessa nova Marinha começou a exercer uma influência sobre o pensamento colonialista estadunidense”, que se desenvolveu sobre o Pacífico e sobre a América Central (ibid.: 87). No Brasil, ocorreu processo semelhante, como veremos no subtópico de formação territorial brasileira, e a ocupação dos fundos territoriais em áreas de fronteira tem sido até hoje uma das maiores preocupações do Estado brasileiro. Acreditamos, igualmente, que esse processo foi formador do ser brasileiro8, ademais de propor que a apropriação do espaço atribui identidade ao sujeito (coletivo e individual). A Marcha para o Oeste foi um dentre diversos movimentos de expansão de fronteira na história brasileira, e a mesma subordinação dos habitantes de um território a um discurso territorialista pode ser encontrado na política de segurança implementada pelo Estado do Rio de Janeiro em algumas favelas da cidade, por meio das UPPs. Robert Moraes (2005: 98) lembra que [...] a imagem do “país em construção”, com uma formação territorial ainda inconclusa, estimula em muito os expedientes de controle social. Historicamente, sempre que a população aparece como empecilho à acumulação, a solução implementada se dá pela eliminação do elemento de atrito. Até hoje se reproduzem os mecanismos apontados por Florestan Fernandes, da

“reação tribal à conquista”: aniquilamento, fuga para oeste, ou submissão ao explorador. Assim, vai sedimentando-se uma ótica, ao nível das classes dominantes, de claro conteúdo anti-humano, onde o país é identificado com seu espaço, sendo a população um atributo dos lugares [grifo nosso]. Assim, percebe-se que uma das bases da Geografia Política clássica é o determinismo, na medida em que o sujeito é condicionado pelo ambiente, como no caso da ocupação das favelas pela polícia e por outras instituições do Estado. O objetivo primordial é retomar o território, e não garantir condições mínimas de sobrevivência àqueles favelados, reproduzindo a discriminação contra esses moradores. Cabe ressaltar aqui duas coisas: a primeira, a consciência acerca dos projetos sociais e da criação de infraestrutura em algumas das favelas “pacificadas”9. Em segundo lugar, deve-se mencionar que, na medida em que o sujeito é atributo de um lugar, a cidadania – o reconhecimento do outro como igual, reconhecimento esse que cria direitos iguais a todos – é vivenciada de modo muito precário, com forte presença do autoritarismo e dos privilégios. José Murilo de Carvalho (2007: 219-20) lembra que, no Brasil, [...] primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de supressão dos direitos políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que se tornou popular. Depois vieram os direitos políticos, de maneira também bizarra. A maior expansão do direito de voto deu-se em outro período ditatorial, em que os órgãos de representação política foram transformados em peça decorativa do regime. Finalmente, ainda hoje muitos direitos civis [...] continuam inacessíveis à maioria da população. Outro determinismo recorrente na Geografia Política clássica é o territorial. Nesse caso, o território, “com suas características físicas intrínsecas, será avaliado em suas potencialidades de penetração, organização e domínio como recurso geral para a política estatal” (COSTA, 2008: 22). Desse modo, caberia à Geografia Política tradicional, primeiramente, “relacionar fatores físicos à posição das fronteiras e dos territórios envolvidos nos estudos, tais como o relevo, a conformação do terreno, o clima etc., considerando-os sempre em sua potencialidade geopolítica” (loc. cit.). Em segundo lugar, essa potencialidade acarretaria a naturalização dos conceitos, sendo o Estado organismo vivo, caracterizando-o como continental, marítimo ou insular, ademais de instrumentais

teóricos como espaço vital, território-arquipélago, ou de ideologias como a Ilha-Brasil. Em terceiro lugar, “a capacidade que os Estados demonstram em construir sua unidade nacional interna do ponto de vista da organização política do território” (loc. cit.) é transformada “em poder de Estado, a fim de projetá-lo na sua política externa” (loc. cit). O determinismo territorial, portanto, pressupõe “não apenas o quadro natural e a dimensão absoluta do território, mas principalmente a relação entre potencialidades, isto é, espaço, posição, virtualidade e coesão organizada” (ibid.: 22-23), acarretando o equilíbrio de forças em escala macrorregional ou global. Outros fatores fundamentais para compreender a Geografia Política clássica, além do determinismo, são a busca por espaços autárquicos, o realismo político e o excepcionalismo nacional, ou seja, a única entidade política da ordem internacional é o Estadonação. Assim sendo, a Geografia Política e a Geopolítica clássicas são pensadas em função do capitalismo industrial e da consequente consolidação do Estado-nação e da busca de leis gerais sobre a relação entre Estado e espaço. Nesse sentido, o Estado é um fato espacial e seu crescimento depende de condições econômicas e da incorporação de novos espaços. Logo, a Geografia Política serviria de base para uma tecnologia espacial do poder do Estado. Desse modo, [...] a Geografia Política deveria ser um instrumento para os dirigentes que, em contrapartida, aprenderiam a instrumentalizá-la. [A obra de Ratzel] explica que, para compreender a natureza de um império, é necessário passar pela escola do espaço, isto é, de como tomar um terreno. Daí a importância atribuída à Geoestratégia e à concepção da situação geográfica como um dispositivo militar: para o geógrafo que analisa o comércio e as relações em geral, a economia, sempre configurada espacialmente, é a guerra; os fatos do espaço são sempre singulares, cada qual situado na interseção de processos diversos, onde precisamente devem atuar as estratégias. [...] O Estado tem, como propriedades mais importantes, o tamanho de seu espaço (raum), a sua situação ou posição (lage) em relação ao exterior – conceitos-chave da Geografia – e as fronteiras (BECKER, 2005: 283-84). Isso nos permitirá compreender as teorias geopolíticas clássicas, de Mahan, de Mackinder e de Haushofer. Apenas após a 2ª Guerra Mundial haveria alteração no pensamento geopolítico, apesar de Spykman ser bastante influenciado pelos teóricos citados.

2.1.1. Geopolítica Clássica e seus desdobramentos As principais teorias geopolíticas são a de Mahan, que defende o poder marítimo; a de Mackinder, que privilegia o poder terrestre; e a Geopolitik nazista, que, embora elaborada teoricamente por Haushofer, não foi seguida pelo 3º Reich. Spykman reelabora a teoria mackinderiana no pós-guerra e sustenta a estratégia geopolítica estadunidense desde então.

I) Mahan A necessidade da presença nos oceanos acaba sendo um imperativo para a defesa dos estadunidenses, pois, distantes tanto da Europa quanto da Ásia, os EUA precisam de um vetor poderoso que consiga projetar seu poder entre os principais Estados do mundo (LIPPMANN, 1943: 49-54). O grande mentor do poder marítimo estadunidense é o almirante e historiador Alfred Tayer Mahan (1840-1914), que vive na época em que os EUA gradualmente evoluem sua política externa, notadamente baseada em preocupações hemisféricas constantes da declaração de Monroe, para uma política externa de preocupações mundiais. O divisor de águas foi a Guerra Hispano-Americana, de 1898, ocasião em que a vitória estadunidense tirou da Espanha suas últimas colônias americanas. Além disso, as Filipinas saíram do jugo espanhol para pertencer ao domínio americano – os EUA, que antes apenas se preocupavam em manter como esfera de influência a América Latina, levaram suas bases para o arquipélago asiático, passando a concorrer nesta região com os interesses japoneses (ibid.: 42). Os EUA são, desde 1945, a potência marítima dominante. Com efeito, a capacidade militar norteamericana em muito está centrada em sua numerosa e forte esquadra, que fornece acesso militar a praticamente todas as partes do mundo. Essa capacidade, no entanto, somente se desenvolveu após a Guerra de Secessão (1860-1865), para chegar a um ponto de maturidade na 2ª Guerra Mundial, quando o tridente de Netuno passa da Inglaterra para os EUA. Estudioso da História, Mahan conclui que as potências mais poderosas foram as talassocracias. Com os olhos no passado, o autor vai usar a força do exemplo histórico para defender uma política navalista para os EUA. Outro fato que vai ajudar nos argumentos de Mahan diz respeito à projeção de poder yankee dentro da própria América do Norte – sem rivais terrestres compatíveis tanto ao

norte quanto ao sul de suas fronteiras, os EUA teriam um saldo de poder positivo, suficiente para que o país se aventurasse na corrida naval. Em fins do século XIX, os EUA passam por uma série de mudanças responsáveis por certa maturidade em termos de política de poder. Em primeiro lugar, o processo de expansão territorial, a Marcha para o Oeste, chegava ao seu termo, e o país ganhava uma frente para o Oceano Pacífico; uma complexa rede ferroviária cobria todo o país, sendo ela o componente de uma política territorial sólida; e, por fim, a Guerra de Secessão, como o próprio Mahan afirmava, havia homogeneizado o complexo produtivo do país antes dicotomizado pelo industrialismo nortista e o escravismo sulista. Para entender Mahan, uma distinção importante deve ser feita acerca das noções de poder marítimo e poder naval. O poder naval é, para Mahan, a capacidade de uma esquadra mensurada a partir de critérios quantitativos, ou seja, é o número de vasos de guerra com que conta um Estado. Já o poder marítimo é mais complexo e está mais ligado à vocação que um Estado tem para ser uma potência nos oceanos (LIPPMANN, 1943: 56). O poder marítimo demandaria um contexto que envolve características naturais de um território, recursos de infraestrutura e vocação social para que uma população se lance aos oceanos. Com base no que é definido por Octávio Tosta (1984: 40), essas características são: a posição geográfica, a extensão territorial, a natureza das costas, o tamanho da população, o caráter nacional, e a natureza das instituições – um bom exemplo de Geopolítica clássica. Entre as ações territoriais conduzidas pelo Estado norte-americano para o aperfeiçoamento do seu poder marítimo está a construção do Canal de Panamá entre 1904 e 1914, que propiciava a transferência de efetivos navais da costa atlântica para a costa pacífica. Ademais, a aquisição do Alasca (1867) e do Havaí (1898) pelos EUA propiciou o estabelecimento da primeira linha de defesa fora do território norte-americano, juntamente com o Panamá, sendo esses três vértices chamados por Mahan de Triângulo estratégico. Ao constatar que o segredo da supremacia mundial está na manutenção e controle das rotas do comércio internacional e, principalmente, de seus estreitos estratégicos, o autor formula o que é um dos fundamentos da política estadunidense até os dias de hoje.

Desse modo, além do envolvimento do Estado no comércio, a dimensão militar do poder marítimo está intimamente relacionada, também, à manutenção da marinha mercante e à indústria de construção naval, o que torna Mahan o precursor nos estudos do poder nacional [também conhecido como potencial de guerra, segundo Couto e Silva (1981)], noção essa muito cara aos estrategistas do século XX10.

II) Mackinder Na segunda metade do século XIX a Inglaterra era a maior potência do planeta. Sua grande e poderosa armada distribuída por um cinturão de bases de escala planetária davam ao império acesso militar a praticamente todas as regiões do mundo; seu relativamente pequeno, porém competente, exército profissional propiciava meios efetivos de intervir no continente europeu e impedir que esse se tornasse uma potência unificada. Foi nessa Inglaterra que nasceu sir Halford John Mackinder (1861- 1946), um notável estrategista e, certamente, quem melhor entendeu a decadência do império britânico e a instabilidade do concerto europeu. Cientista e burocrata a serviço da Coroa britânica, Mackinder participou da Conferência de Versalhes, em 1919. Chegou a ser vice-presidente da Real Sociedade Geográfica, indubitavelmente uma das instituições científicas mais importantes da época. O principal de sua obra foi expresso em forma de opúsculos, sendo o livro mais citado, Democratic ideals and reality (1919), uma derivação e aperfeiçoamento de ideias do texto The geographical pivot of history, proclamada em forma de conferência na Sociedade Geográfica Real em 1904, e posteriormente publicada em forma de artigo no periódico da instituição. Os esquemas mackinderianos, para usar uma expressão de Raymond Aron, consistem em depurar a lógica geográfica inerente à construção da modernidade capitalista. Reduzida aos seus elementos, a teoria mackinderiana vai defender que a história geral pode ser resumida à pugna constante entre os povos de vocação marítima (tais como os ingleses e os japoneses) e os povos de vocação terrestre (tais como os alemães e os russos). As civilizações terrestres, baseadas nas grandes massas continentais, sempre procurarão estabelecer-se nas margens dos continentes em que poderão ganhar sua dimensão marítima, tornando-se potências anfíbias. As potências marítimas, por sua vez, muito mais preocupadas com a manutenção do comércio e da

integridade de suas linhas de comunicação, tentarão estabelecer-se nas bordas dos continentes para conter o ímpeto expansionista das potências terrestres11. Se o antagonismo entre poder terrestre e poder marítimo corresponde ao âmago da dinâmica das disputas entre as grandes potências, o palco desta disputa será a Eurásia, maior massa terrestre do planeta, local em que se encontram grande parte da população mundial e dos recursos naturais e os principais poderes políticos do começo do século XX. Segundo Mackinder (1975: 74), [...] a concepção de Eurásia que assim chegamos, é a de uma terra contínua, limitada pelos gelos ao norte e pela água nas demais partes, que mede 21 milhões de milhas quadradas (54 milhões de quilômetros quadrados), ou seja, mais de três vezes a extensão da ​América do Norte, e cujo centro e o norte, que medem por volta de 9 milhões de milhas quadradas (23,3 milhões de quilômetros quadrados), ou seja, mais de duas vezes a extensão da Europa, não tem nenhum curso de água que chegue ao oceano, mas, por outro lado, excetuando-se a região dos bosques subárticos, são geralmente favoráveis a mobilidade de homens que montam cavalos ou camelos. Ao leste, sul e oeste deste coração terrestre se encontram regiões marginais, em forma de um amplo semicírculo, que são acessíveis aos navegantes. De acordo com sua conformação física, essas regiões são quatro, e não é extraordinário que em geral coincidam com as esferas de ação de quatro grandes religiões: budismo, bramanismo, islamismo e cristianismo (grifo nosso). No centro desta gigante massa terrestre se encontra a maior porção de terras baixas do mundo; a planície euro-asiática, drenada pelos rios Gobi, Volga e Yenissei, cuja posição central e riqueza de recursos naturais lhe dão significado estratégico maior. A expressão “coração terrestre” – definido no artigo de 1904 como Pivot area e, a partir de 1919, como Heartland12, como vemos nos mapas 3

(http://www.exploringgeopolitics.org/Publication_Boon_von_Ochssee_Timothy_Mackinder_and_Spy e 4 (http://www.biztonsagpolitika.hu/?id=16&aid=800&title=afganisztan-1979- 89-99-2009) – corresponde ao núcleo de ideias do pensamento mackinderiano. Devido a sua posição axial dentro da Eurásia e pela sua extensão, o Heartland dá acesso a todas as margens do grande continente. O Heartland é, além disso, uma fortaleza natural, inacessível ao poder terrestre pela disposição de seus rios, proibitiva a outros poderes terrestres pela sua área gigantesca, e autossuficiente em recursos minerais e agrícolas. Assim sendo, o poder político que dominar o Heartland e conseguir

dar vida aos seus recursos conseguirá projetar seu poder para as extremidades do continente, podendo construir um império que domine toda a Eurásia, com recursos suficientes para dominar o mundo. E esse Estado é a Rússia.

Mapa 3: Pivot Area.

Mapa 4: Diferença territorial entre Pivot Area e Heartland.

Tem-se, então, um modelo de círculos concêntricos, com o Heartland, base do maior poder terrestre do globo, ao centro. Na vizinhança imediata deste, está sua área de influência direta, em forma de semicírculo, que o autor chamou de Inner Crescent ou Marginal Crescente (ou, ainda,

Crescente Interno), onde fica a Europa, o Oriente Médio, a Índia e a China. Neste primeiro semicírculo, estão duas das principais potências marítimas do mundo – o Japão e a Inglaterra. A área de influência indireta do Heartland é o grande semicírculo insular que compreende as Américas e a Austrália, que o autor deu o nome de Outer Crescent (Crescente Externo ou Crescente Insular). Para esses continentes do Crescente Insular, foi dado o nome de Ilhas Continentais, enquanto o conjunto formado pela Eurásia e África recebeu o nome de World Island ou Ilha Mundial. Isso acarreta menor importância geopolítica a áreas como América do Sul e Austrália, já que o poder mundial concentra-se no Hemisfério Norte, seja no Heartland, seja nos EUA. A hipótese levantada pelo autor alerta quanto às possibilidades de a Rússia se expandir para toda a Eurásia, conquistando o Inner Crescent, e de constituir um império anfíbio de proporções colossais e com plenas condições de conquistar o Crescente Insular. Disso resulta a máxima que se tornou célebre: “Quem domina a Europa Oriental controla o Heartland; quem domina o Heartland controla a World Island; quem domina a World Island controla o mundo” (MACKINDER apud MELLO, 1999: 56). Mais do que um modelo regional do mundo, a teoria do poder terrestre consegue também ser uma teoria geográfica da história. Para o autor existe uma alternância histórica quanto à natureza da força dominante na política mundial: em algumas épocas as potências dominantes são de natureza marítima, em outras, de natureza terrestre. Assim, o argumento do geógrafo retorna à época das invasões asiáticas, e atenta para o fato de que as hordas bárbaras conseguiam penetrar na Europa pelas brechas dos Montes Urais, usando como retaguarda a vasta planície euro-asiática, que, tomada pela estepe, era propícia para a mobilidade da cavalaria. A linha de frente entre a cristandade ocidental e os nômades asiáticos, então, ficava na porção de terras situada entre o Mar Báltico e o Mar Negro. Para o autor, a identidade belicosa dos povos europeus foi forjada nesta época, entre as pressões dos povos nórdicos e nômades asiáticos; situação que se reverteu com as Grandes Navegações e a fundação do que Mackinder definiu como Era Colombiana. Entre os séculos XV e XVI dá-se a neutralização das pressões vindas do Heartland e a reviravolta europeia. Esta ocorre quando os soldados do pequeno principado de Moscóvia se lançam à conquista do

Leste para construir o Império Russo; precisavam de terras para o cultivo e, quanto mais terras conquistavam, empurrando os nômades de volta para a Ásia, maior também eram suas necessidades militares para defender o que já fora conquistado (GRAY, 1985: 570); no Ocidente, os marujos de Vasco da Gama fundaram a Era Colombiana quando cruzaram o Cabo da Boa Esperança e se lançaram à colonização da Ásia, posicionando-se, portanto, na retaguarda dos antigos povos invasores. Na Era Colombiana, o poder marítimo é o predominante; ele tem seu fulcro no cinturão de bases que contorna o planeta e seus detentores se revezaram na seguinte ordem: Portugal, Espanha, Holanda e, na época de Mackinder, Inglaterra. Nestes quatrocentos anos que separam a obra do geógrafo das Grandes Navegações, o poder terrestre permaneceu enclausurado no coração da Eurásia, inacessível ao poder marítimo e desejoso de romper seu isolamento mediterrâneo. Mackinder é um pensador da 2ª Revolução Industrial. Com efeito, a difusão pelo mundo das ferrovias ocorridas em fins do século XIX levou Mackinder a refletir sobre as novas capacidades do poder terrestre (ibid.: 567-68). A locomotiva a vapor, pois, foi o primeiro veículo terrestre a desenvolver uma velocidade maior que os navios, e a construção da ferrovia Transiberiana representou um atalho significativo em relação às tradicionais rotas marítimas que contornavam a grande Ilha Mundial, seja pela Cidade de Cabo, seja pelo canal de Suez. Essa teoria do poder terrestre serviu de base para todo pensamento geopolítico posterior, dentre os quais podemos citar renomados analistas de nossa época, como Zibgniew Brzezinski (1986)13 e Samuel Huntington (1992). Retornando a Mackinder, se fosse desenvolvido com êxito o plano de colonização russo, cujo ponto central era a construção das ferrovias, o Império Russo poderia não apenas explorar as riquezas potenciais do Heartland, como também teria acesso às regiões do Crescente Interno. Assim, [...] à medida que consideramos esta rápida revisão das principais correntes históricas, não se tem evidenciado certa persistência da relação geográfica? Não é essa região pivô da política mundial, essa extensa zona da Eurásia que é inacessível aos navios, mas que antigamente estava aberta aos ginetes nômades, e está hoje a ponto de ser coberta por uma rede de ferrovias? Têm existido e existem nesta zona as condições de uma mobilidade de poder militar e econômico que tem um caráter transcendente, ainda que potencial, a Rússia substituiu o império Mongol. Sua

pressão sobre Finlândia, Escandinávia, Polônia, Turquia, Pérsia, Índia e China substitui os ataques centrífugos dos homens das estepes (MACKINDER, 1975: 79). Nascido em uma época cuja política de defesa predominante era o navalismo, Mackinder enxergou as potencialidades do gigante russo enclausurado no coração da Eurásia; nascido em plena Pax britannica, é ele quem percebe que a hegemonia de seu país estava prestes a ruir. Ademais, Mackinder viveu em um mundo com um número muito menor de Estados independentes que o nosso. Parece razoável, portanto, acreditar que, em uma conjuntura como essa, um único Estado forte seja capaz de dominar o mundo. Uma suposta tomada pela Rússia das principais potências coloniais europeias não só representaria a anexação do continente europeu por Moscou como também representaria a transferência de um império colonial que dominava a maior parte da África e da Ásia. Até 1907, a Inglaterra rivalizava com a Rússia na Ásia Central pelo controle das extremidades meridionais da Eurásia e preocupava-se com suas colônias e com a manutenção de suas bases na região, enquanto os russos travavam na época, como ainda travam hoje sua secular batalha por mares quentes para a instalação de um complexo portuário. Na África, acontecia a tradicional rivalidade com os franceses por colônias e, a partir de 1870, a ação unificadora de Bismark não só fez surgir um novo inimigo para a Inglaterra como também fissurou de vez o concerto europeu, o que levou à 1ª Guerra Mundial. A Alemanha unificada, com sua demanda por colônias no ultramar, trazia novos problemas para o planejamento estratégico britânico. Potência demográfica e industrial, ela consistia em um obstáculo formidável para as maiores forças terrestres do mundo; não obstante, a poderosa esquadra alemã era capaz de fazer frente à armada britânica. A Inglaterra sempre seguiu uma velha receita em política: para garantir o seu império marítimo mundial, a Coroa britânica esforçava-se para impedir a vitória de uma potência terrestre sobre os demais Estados europeus, pois, no limite, sabia que tal ideal de conquista culminaria com a edificação de um Estado de proporções continentais na Europa ocidental capaz de transformar as Ilhas Britânicas em satélite. Para sedimentar nossa afirmação utilizamos as palavras de Winston Churchill (1977: 52-53):

[...] Por quatrocentos anos a política externa da Inglaterra tem sido de se opor ao mais forte, mais agressivo, mais dominador poder do continente, e, particularmente, prevenir que os países baixos não caiam na mão de tal poder. [...] Observem-se que a política da Inglaterra não leva em consideração qual é a nação que deseja dominar a Europa. A questão não é que se trate da Espanha, ou da monarquia francesa, ou do império francês, ou o império germânico, ou o regime de Hitler. Não tem nada a ver com os governantes ou com as nações; concerne somente qual é o mais forte ou o tirano dominante potencial. Assim sendo, não devemos nos importar de sermos acusados de pró-franceses ou antigermânicos. Se as circunstâncias fossem o reverso, poderíamos ser pró-germânicos e antifranceses. É uma lei de prática pública que estamos seguindo, e não mero expediente ditado por circunstâncias acidentais, afetos ou desafetos, ou quaisquer outros sentimentos. [...] Pois, acreditem-me, se qualquer daqueles poderes, Espanha, Luis XIV, Napoleão, Guilherme II, tivessem, com a nossa ajuda, se tornado os senhores absolutos da Europa, poderiam ter-nos despojado, nos reduzido à insignificância e a penúria no alvorecer de sua vitória (grifo nosso). Nos primeiros anos do século XX, a Inglaterra confrontava-se, portanto, com três potências terrestres europeias, que eram a França14, a Alemanha e o Império Russo. Contrapor essas forças era tarefa para um sistema de alianças, como já bem o fizera Bismarck, e isso permitiu pôr em prática a Teoria do Poder Terrestre, já que Mackinder defendia que o objetivo da política externa inglesa para a Europa deveria ser o de evitar a aproximação teuto-russa. Esta poderia acontecer pelo estabelecimento de uma aliança entre as duas potências ou mesmo pela conquista de uma pela outra, e tal união significaria a combinação das potencialidades geográficas russas com a capacidade industrial da Alemanha. Mello (1999: 58) diz que, na primeira década do século XX, providências por parte dos britânicos foram tomadas neste sentido, por meio da aliança anglo-russa de 1907, que perduraria até a 1ª Guerra Mundial. Mantinha-se, assim, a Alemanha confrontada entre o poder terrestre russo e o poder marítimo inglês e, mais do que isso, negava-se à Alemanha a parceria com o poderoso Estado do Leste. Com o fim da 1ª Guerra Mundial, novos esforços foram feitos para isolar a Alemanha da Rússia, agora já sob a liderança bolchevique. Foi criado o cordão sanitário, ou seja, a barreira de Estadostampões estabelecida entre essas duas potências a partir da dissolução do Império Austro Húngaro e

do Império Turco-Otomano. Estados como a Polônia, a então Tchecoslováquia e a Hungria tinham o propósito de dificultar o contato entre as duas potências. Criados com a mesma mentalidade da guerra de trincheiras do primeiro conflito mundial, o cordão sanitário deveria barrar qualquer iniciativa bélica tanto da Alemanha quanto da URSS, e dar tempo para os aliados ocidentais se prepararem para tomada de providências. A iniciativa não suportou o desenvolvimento da guerra mecanizada e o seu fracasso representou o início da 2ª Guerra Mundial (1939-1945). Ainda durante essa Guerra, em artigo endereçado a Foreign Affairs em 1943, Mackinder (1954) revisou sua teoria. Ao considerar o próximo momento do desenvolvimento histórico, propôs, em vez de uma era póscolombiana marcada pelo advento da potência terrestre russa, o surgimento da potência marítima substituta da Inglaterra: os EUA. Junto ao conceito de Heartland, surgia o conceito de Midland Ocean ou, simplesmente, Atlântico Norte. O autor passou a considerar que o equilíbrio de poder no Pós-Guerra estaria intimamente relacionado à situação de equilíbrio entre duas pressões: a potência terrestre russa, esforçando-se para romper seu isolamento dos mares navegáveis, e a união das potências marítimas do Ocidente: EUA, Inglaterra e França (MACKINDER, 1954: 83-84).

III) Haushofer A obra de Karl Haushofer, general do Exército alemão, é cercada de controvérsias, um pouco pela sua extensão, um pouco pelo seu alinhamento com o Partido Nazista15. Com formação em Geografia e História, Haushofer foi um dos oficiais do Exército alemão designado para a missão militar que tinha por objetivo o adestramento do Exército japonês em 1908. Seguindo a tradição germânica de estudos geográficos, o autor se tornou o especialista alemão em Geografia do Japão e da China. Depois da 1ª Guerra Mundial, entrou para a Universidade de Munique, na qual coordenou seu famoso Instituto de Estudos Avançados, iniciando um trabalho extenso pelo qual ganhou notoriedade a Zeitschrift für Geopolitik (Revista de Geopolítica), de difusão mundial e que se mostrou um notável veículo de propaganda. Cabe ressaltar que o Instituto de Munique cumpriu funções que transcendiam as ciências e se aproximavam da propaganda e até da espionagem. Haushofer baseou-se tanto na Geografia Política de Ratzel quanto nas ideias continentais de Mackinder, o qual influenciou Haushofer na elaboração das estratégias para a 2ª Guerra Mundial.

Nesse sentido, o general alemão estava convicto da invulnera​bilidade da Rússia; para ele o Estado pivô euro-asiático não deveria ser atacado. A alter​nativa encontrada seria a promoção da conquista do Império inglês por tropas japonesas e alemãs, que avançariam a partir do norte da África – em vez da operação Barbarossa, o Estado alemão deveria concentrar-se no apoio ao Afrika Korps do general de campo Erwin Rommel. De Ratzel, veio a concepção organicista baseada nos conceitos de espaço vital e de fronteira. Para Haushofer, a disputa pelo espaço vital reduziria o mundo a quatro entidades políticas de dimensões

continentais:

as

pan-regiões,

como

vemos

(http://geografiacacd.blogspot.com.br/2012/10/pan-regioes-e-rimland.html).

no

mapa

5

Estas

tinham

por

característica a autossuficiência de recursos naturais, confirmando a busca por espaços autárquicos. Cada pan-região seria produto da expansão de um Estado forte – EUA nas Américas; Alemanha na Europa e na África; Japão na Ásia e na Oceania; e Rússia, que manteria o controle sobre o Heartland.

Mapa 5: Pan-regiões.

IV) Spykman Os Estados Unidos tiveram como principal formulador de sua política de segurança no PósGuerra o holandês naturalizado norte-americano Nicholas John Spykman (1893-1943). Em seu livro America’s strategy in world politics: the United States and the balance of power, de 1942, encontra-se o núcleo doutrinário de suas ideias, também desenvolvidas na obra póstuma The geography of the peace, de 1944. Em termos práticos, o autor pode ser interpretado como um

seguidor das ideias navalistas de Alfred Tayer Mahan e um crítico das ideias de Mackinder. Houve, nos Estados Unidos da primeira metade do século XX, um grande debate que dividiu homens públicos e intelectuais a respeito da conduta dos EUA acerca da política internacional: era o debate entre isolacionistas e intervencionistas. Os primeiros defendiam que os EUA deveriam preocupar-se com questões referentes ao Hemisfério Ocidental e não intervir em assuntos europeus; enquanto os segundos, dentre os quais Spykman, defendiam a presença americana em assuntos do Velho Continente. Spykman defendeu a intervenção dos EUA em assuntos não só europeus, mas também asiáticos; tais intervenções possuem o objetivo de impedir a formação de Estados de proporções continentais nas extremidades da Eurásia capazes de hostilizar os EUA ou simplesmente deixá-los isolados no Hemisfério Ocidental. A crítica ao isolacionismo se justifica pelo elevado grau de desenvolvimento das máquinas de guerra no início da década de 1940. Além disso, o estrategista condena a ideia de fortaleza continental dos isolacionistas, os quais acreditavam na inviabilidade, para potências europeias e asiáticas, de sustentar uma guerra contra os Estados Unidos em solo americano. Como a maioria dos geopolíticos de sua época, filiou-se ao realismo político, isto é, concebeu os Estados como realidades autônomas, antagônicas entre si, carentes de uma autoridade suprema e viciadas pelos seus ideais de conquista. Desse modo, [...] a comunidade internacional carece de governo, de autoridade central que mantenha a ordem e a lei, e não há garantia aos estados membros nem integridade de seu território, nem a independência política, nem os direitos adquiridos ao amparo do direito internacional. Portanto, os Estados existem principalmente a conta de sua própria força ou da de seus ​estados protetores, e se desejam manter sua independência, devem orientar sua política exterior em primeiro lugar para conservar e melhorar sua situação de poder. As nações que renunciam a luta de poder e optam deliberadamente pela impotência, deixaram de influenciar nas relações internacionais, pelo bem ou pelo mal, e correrão o risco de ser com o tempo absorvidas pelos mais poderosos estados (SPYKMAN, 1944: 431). Ao consultar um planisfério de projeção azimutal centrada no Polo Norte, Spykman percebeu que a maior parte das terras do globo está no Hemisfério Norte, distribuídas entre a América do Norte e a Eurásia, como vemos no mapa 6 (IBGE, 2002: 61). Por essa perspectiva, os dois grandes

continentes se flanqueiam mutuamente e deixam clara a importância do Oceano Glacial Ártico na divisão das duas grandes massas terrestres, mostrando a proximidade relativa das superpotências da Guerra Fria.

Mapa 6: Projeção azimutal do Ártico.

Spykman também salientou o fato de a Eurásia possuir duas vezes o tamanho e sete vezes a população da América do Norte, o que tornava assombrosa a possibilidade de sua uni​ficação em um ou dois Estados de grandes proporções. E aí está a chave para a compreensão​ das ideias do autor: para ele a política externa dos EUA deve se pautar em impedir o surgimento de novos Estados territorialmente poderosos nas extremidades da Eurásia. Essa situação diminuiria o poder relativo dos EUA em face da sociedade internacional e os deixaria à mercê dos acontecimentos do Velho Mundo.

Assim como a política externa da Inglaterra consistia, como vimos no item anterior, em impedir que toda a Europa continental fosse unificada sob o jugo de um único Estado, Spykman pensou de maneira semelhante em relação ao continente euro-asiático. Transpondo essas ideias para o contexto exato que o autor escreve, ou seja, a 2ª Guerra Mundial, fica fácil entender o porquê de os objetivos de guerra dos Estados Unidos terem sido o de conter o expansionismo alemão na Europa e o japonês na Ásia-Oceania. O êxito do projeto nipo-germânico para a 2ª Guerra Mundial deixaria os EUA em situação estrategicamente embaraçosa: a vitória do Eixo levaria-os a serem vizinhos tanto da Europa conquistada pela Alemanha quanto da Ásia pelo Japão, isto é, duas potências ideologicamente hostis ao liberalismo estadunidense e detentoras da maior parte da população e dos recursos naturais do planeta. Tal situação exigiria dos EUA uma manobra de compensação territorial, a qual exigiria que toda a América Latina ficasse sob domínio estadunidense. O plano de ação que Spykman defendia consiste em duas etapas, das quais a segunda nos impacta até hoje: a primeira foi intervir no conflito que desestabilizava as extremidades da Eurásia na década de 1940 e, terminado o conflito, reconstruir essa região periférica – que o autor deu o nome de Rimland (mapa 7: http://geografiacacd.blogspot.com.br/2012/10/pan-regioes-e-rimland.html) – e levar até este a primeira linha de defesa da república estadunidense, ou seja, instalar suas bases militares nas bordas eurasianas com o objetivo de estabilizar o Velho Mundo.

Mapa 7: Rimland, de Spykman.

Isso evitaria o surgimento de novas potências expansionistas no Rimland, e, como se tornou imperativo no imediato Pós-Guerra, conter o expansionismo do grande Estado surgido na região que Mackinder chamou de Heartland, ou seja, a URSS. Segundo Spykman (1944: 53), [...] duas vezes no decurso de uma geração temos acudido em ajuda a Grã-Bretanha, a fim de que a pequena ilha costeira não visse a frente a um só estado militar gigantesco que domine a costa oposta do continente. Os Estados Unidos terão que adotar uma política semelhante com o Japão se quiserem manter hoje e amanhã, o equilíbrio de poder no extremo oriente. Em The geography of the peace (op. cit.), o autor endereça suas críticas ao trabalho do geógrafo inglês argumentando que a região mais importante do globo não é o coração da Eurásia, o Hertland, mas sim a região anfíbia imediata que o cerca, o Rimland. Refazendo a máxima mackinderiana sobre a planície euro-asiática, Spykman assegura que: “quem controlar os espaços periféricos (Rimland), dominará a Eurásia; quem dominar a Eurásia, controlará os destinos do mundo” (TOSTA, 1984: 77). Se para Mackinder o domínio da supremacia mundial estava em controlar a extensa planície euroasiática, para Spykman tal supremacia estaria garantida ao Estado que dominasse os seus entornos, isolando a potência terrestre dentro de um cinturão geoestratégico e se projetando para o Atlântico e para o Pacífico, a fim de hostilizar ou deixar em situação potencialmente desfavorável a potência marítima da América do Norte. Walter Lippmann (1943: 144-45) observou que a Rússia e os EUA estão irremediavelmente vinculados no ponto de vista estratégico: ambos seriam imensamente prejudicados pela unificação política do Rimland e podem, portanto, cobrir mutuamente a retaguarda do outro. A política de poder dos EUA pode, então, ser descrita tendo-se à mão o planisfério de Spykman: em épocas que as ameaças aos EUA estão localizadas no Rimland, estes procurarão apoio da potência do Heartland, como aconteceu na 2ª Guerra Mundial; quando a ameaça é oriunda do Heartland, como ocorreu na Guerra Fria, os EUA buscarão suporte nas potências do Rimland. O número e a distribuição das bases militares que os EUA sustentam fora de seu território (e esse número só tem aumentado) dá razão para quem afirma que a teoria de Spykman serve para balizar a política de segurança norte-americana. Essa política ganhou diferentes roupagens conforme a época, o colorido partidário de quem governava os EUA e, principalmente, o inimigo que se enfrentava. Ela

também ganhou derivações bastante criativas como se costuma atribuir à Containment de George Keenan ou a Teoria do Dominó de John Foster Dulles (RAPOPORT, 1983: 23). É notável a diferença, por exemplo, da interpretação desta teoria de Franklin Roosevelt para Harry Truman. Desde o início da 2ª Guerra Mundial e até Hiroshima e Nagasaki, em 1945, os objetivos de guerra dos EUA consistiram em derrotar as potências do Eixo para estabilizar o Rimland e nele se manterem presentes, garantindo que essa região permanecesse constituída por uma pluralidade de Estados menores e de poderes limitados. Quando acontece a primeira crise de Berlim, e torna-se patente que a hostilidade entre Leste e Oeste é inevitável e, até mesmo, estrutural, o Rimland ocupado pela potência marítima dominante se converteu em uma barreira de contenção, onde começaram a aparecer comunidades de segurança voltadas para o combate da URSS. Foi assim que surgiu a OTAN e as extintas Organização do Tratado do Sudeste Asiático (OTASE) e Organização do Tratado Central (CENTO, também conhecida como Pacto de Bagdá). Joseph Nye (2002: 136) deixa claro que as duas estratégias que orientaram a conduta de guerra nos Estados Unidos durante a Guerra Fria foram a dissuasão e a contenção. Enquanto a primeira consistia em ter um saldo positivo em armas nucleares, silos blindados e vetores para inibir a potência discordante por meio do medo de uma retaliação nuclear, a segunda baseava-se em organizar uma rede de aliados economicamente prósperos e politicamente estáveis na região do Rimland. A Contenção, aclamada por Ray Cline (1980: 70) como a então Nova Liga Ateniense, possuía vários propósitos: negar o acesso aos soviéticos de novos aliados ou de acesso para o mar aberto pela conquista; propiciar uma resposta organizada em caso de guerra; e, principalmente, colocar a economia soviética em constante esforço com a corrida armamentista – tese esta conhecida como declinista, que não explica sozinha o colapso soviético (SEGRILLO, 2000). Nesse sentido, o fundador da política de contenção, George Kennan, assegura que [...] seria um exagero afirmar que a atuação americana, sozinha e sem ajuda, seja capaz de exercer um poder de vida ou de morte sobre o movimento comunista e provocar a queda prematura do poder soviético na Rússia. Mas os Estados Unidos podem aumentar enormemente as

tensões sobre as quais a diplomacia soviética tem que atuar, de modo a forçar o Kremlin a um grau de moderação e circunspecção muito maior do que tem tido de observar nos últimos anos e desta forma promover tendências que encontrarão eventualmente o seu escoadouro no colapso ou no apodrecimento gradual do poder soviético (KENNAN apud NYE, 2002: 155). O fim da União Soviética não significou, contudo, o abandono das teorias geopolíticas clássicas.

V) Mackinder e Spykman na Nova Ordem Mundial A Guerra Fria, em tese, acabou há mais de vinte anos (BANDEIRA, 2013) e até hoje a comunidade científica vive a carência de consenso quanto à espécie de ordem internacional que vivemos. Nesse ínterim, o mundo acompanhou um avanço significativo no processo de globalização e de integração de mercados que alguns consideram os pacificadores da nova ordem. Junto a esse processo homogeneizador, verifica-se também uma série de intervenções militares de média envergadura levado a cabo pelos EUA e seus aliados da OTAN em países do Oriente Médio, Península Balcânica e África. Uma síntese das ideias de Mackinder e de Spykman deve ser tentada. Nesse caso, o choque entre potências marítimas e potências terrestres ainda persiste em nosso tempo. Ele se dá com o confronto de objetivos nacionais da Rússia e dos EUA, porém com intensidade menos violenta que há cinco décadas. Depois dos dez primeiros anos das reformas liberais que levaram ao colapso a URSS, a nova Rússia parece estar disposta a voltar para o jogo imperial, confrontando os EUA. Na década de 1990, os russos perderam sua zona de influência no Leste Europeu para a OTAN, sua marinha de guerra deteriorou e o separatismo fortaleceu-se. Na primeira década do século XXI, contudo, a potência terrestre recobrou forças. A partir do mandato de Vladimir Putin, os russos entraram na corrida pela delimitação de áreas de influência do Oceano Glacial Ártico. Ao tentar satelitizar os países da Ásia Central – Cazaquistão, Quirquistão, Tajiquistão, Turcomenistão e Usbequistão –, a Rússia reativou o Big Game, porém, agora, seus adversários não são mais os ingleses como no século XIX, mas sim os EUA e a China. As ex-repúblicas soviéticas, no começo da década de 1990, esforçaram-se por escapar do jugo russo, construindo oleodutos com apoio americano que não passavam por território russo, mas a iniciativa não foi tão exitosa. Ademais, a pressão russa se fez sentir com a instalação da base da 201ª Divisão de Infantaria

Motorizada do Exército russo no Tajiquistão em 1999, com a expulsão da base aérea estadunidense da cidade de Manas em 2005, e, de maneira culminante, com a intervenção na Geórgia em 2008 (GENTÉ,

2007:

http://www.diplomatique.org.br/

acervo.php?id=2175&tipo=acervo);

FRICKENSTEIN, 2010: 71). Deve-se ressaltar, ainda, a dependência europeia no abastecimento de petróleo e de gás russos. Apesar de estarem partindo do Iraque, que se situa entre dois Estados inimigos, a Síria e o Irã, os estadunidenses ainda mantêm tropas no Afeganistão, cuja posição estratégica é de fundamental interesse para os americanos. No mais, o apoio prestado por Washington à ofensiva franco-britânica na Líbia, por discreto que pareceu, é a prova mais atual do interesse norte-americano de acompanhar de perto os acontecimentos que maculam a paz no Rimland. Além das tradicionais potências, a terrestre (Rússia) e a marítima (EUA), aparecem no horizonte talvez duas novas de caráter anfíbio, a China e a União Europeia. Considerar essas duas últimas significa apostar na possibilidade de êxito do projeto geopolítico chinês e na perspicácia dos europeus de superar as atuais dificuldades pelas quais passa seu processo de unificação. Contudo, esse tema será tratado no tópico a seguir, Geografia Política e a Geopolítica contemporâneas.

2.2. GEOGRAFIA POLÍTICA E GEOPOLÍTICA CONTEMPORÂNEAS Com a 2ª Guerra Mundial, houve alteração na relação entre Estado e espaço. Desde fins do Oitocentos, este passou a ser instrumentalizado como meio de controle social, apesar de a posição geográfica e os recursos naturais do território terem perdido importância, já que o valor estratégico espacial fica atrelado à reprodução generalizada do capitalismo por meio do Estado intervencionista, o qual impõe sua racionalidade. Bertha Becker (2005: 287) assevera que [...] a revolução científico-tecnológica, especialmente na microeletrônica e na comunicação, é um processo de mudança caracterizado por uma nova forma de produção baseada na informação e no conhecimento como as maiores fontes de produtividade. Esse novo modo industrial baseado na inovação permanente não constitui apenas uma nova técnica de produção, mas sim uma nova forma de produção e, portanto, de organização social e política que ocorre no contexto da

reestruturação do sistema econômico. A essência do vetor tecnológico moderno é a velocidade acelerada, a inovação contínua, que se torna o elemento-chave da transformação, capaz de alterar não só o setor tecnoprodutivo civil e militar, como também as relações sociais e de poder. [...] A inovação tecnológica representada pelas redes transnacionais de circulação e comunicação permite a um só tempo a globalização como a diferenciação espacial, induzidas tanto pela lógica da acumulação como pela lógica cultural, resultando na valorização seletiva de territórios. Isso ocasiona uma transformação na própria relação entre o homem e a natureza. Ainda conforme Becker (2005: 288), [...] por um lado, [o novo modo industrial] tenta se independizar da base de recursos naturais utilizando menor volume de matérias-primas e de energia. Por outro, as novas tecnologias valorizam os elementos da natureza num outro patamar, como fonte de informação (codificação da vida) para a ciência e a tecnologia, e, portanto, como capital de realização atual ou futura. Assim, na geopolítica interna, o planejamento territorial assumirá função fundamental para a Política do Estado. Bertha Becker (ibid.: 290-91) assume a hipótese de “que a logística é a nova racionalidade capaz de explicar a simultaneidade da desordem/ordem, da globalização/ fragmentação, da complexidade da questão ambiental”, já que estaria na “base do poder: a inovação permanente aciona a economia e a guerra”. Paul Virilio, para a geógrafa, assume que “a velocidade é a essência da tecnologia, e que a logística é a nova fase da inteligência militar inerente à velocidade, superando a estratégia que a ela se torna subordinada” (loc. cit.). A logística deve ser entendida, pois, como a [...] preparação contínua dos meios para a guerra – ou para a competição – que se expressa num fluxograma de um sistema de vetores de produção, transporte e execução. A partir de então, o que conta é a seleção de veículos e vetores para garantir o movimento perene – envolvendo o controle do tempo presente e futuro – a seleção de lugares a ela se subordinando. [...] A logística é uma das raízes da (des)ordem e da globalização/ fragmentação. Pois que, se a nova racionalidade tende a se difundir pela sociedade e o espaço, ao nível operacional, concreto, ela é seletiva gerando uma geopolítica da inclusão – exclusão (loc. cit.). A apropriação do meio ambiente, este fonte de informação, torna-se, desse modo, “modelo logístico para ordenar o uso do território” (ibid.: 295), na medida em que o Estado perde sua

exclusividade como força política. Para dar conta do crescimento populacional e do consumo no Pós-Guerra, fez-se mister uma nova racionalidade no uso dos recursos naturais e de energia, por meio, inclusive, do reaproveitamento dos produtos. Isso estimula o movimento perene da reprodução econômica, não por zelo ambientalista, mas porque, ao ser reutilizado, pode ser “insumo ou matériaprima em novas linhas de produção” (BECKER, 2005: 295), ademais de ser útil à economia pósfordista calcada nos serviços. Embora o desenvolvimento sustentável seja, hoje, a abordagem mais recorrente na análise da relação entre sociedade e natureza, não é a única. Bertha Becker foca o desenvolvimento sustentável, mas Joan Font e Joan Rufí (2006) lembram que esta é apenas uma entre três interpretações possíveis: a ética ambiental, a segurança ambiental, além do desenvolvimento sustentável. Para os autores (ibid.: 253), “a partir destas perspectivas, e em relação às teorias das relações internacionais, reconstruíram-se as interpretações e práticas clássicas do sistema mundial: a realista, a liberal e a marxista”. Assim, [...] a primeira interpretação, a realista, daria lugar ao que já se conhece como “segurança ambiental” [...]. Quanto à perspectiva liberal, seria a que legitima o mercado como mecanismo de regulamentação do uso de recursos: se um recurso está escasso, ou é frágil, o preço levará segundo esta lógica, a uma diminuição do consumo. Esta visão passa por uma percepção dos problemas ambientais menos dramática que aquela que a comunidade científica – ou a maioria dela –, bem como os órgãos internacionais e as ONGs costumam dar a entender. Trata-se de um relativismo que com frequência tem a ver com um otimismo tecnológico, pelo qual, segundo seus defensores, o progresso superará as limitações de recursos ou a degradação [destes]. Finalmente, a visão marxista é a que considera a geopolítica do meio ambiente como um aspecto a mais do conflito Norte-Sul, enquanto exploração de recursos e de dependência, como resultado do sistema-mundo capitalista (ibid.: 253-54). Se tentarmos aproximar estes autores de Berta Becker (op. cit.), a utopia ecológica relacionar-seia ao realismo político; a ideologia ecológica, ao marxismo; a consciência política, ao desenvolvimento sustentável. Este seria calcado em três princípios – o da eficácia, o da diferença e o da descentralização. A eficácia é verificada na possibilidade de reutilização, em menor energia gasta e em menor consumo de matérias-primas; o princípio da diferença reside na “inovação

contínua pela diversidade de mercados e de recursos” e pela seletividade, a qual produz a geopolítica da exclusão; a descentralização decorre da “crise do planejamento centralizado associada à crise do Estado” (BECKER, 2005: 296). Segundo a geógrafa (loc. cit.), a gestão do território é definida como [...] a prática estratégica, científico-tecnológica do poder que dirige, no espaço e no tempo, a coerência de múltiplas decisões e ações para atingir uma finalidade e que expressa, igualmente, a nova racionalidade e a tentativa de controlar a ordem e a desordem. A gestão integra, assim, elementos de administração de empresas e elementos de governabilidade, constituindo-se como expressão da nova relação público-privada e da logística. Se constitui como o fundamento da possibilidade de competir, o que pode significar formas mais democráticas ou, pelo contrário, mais excludentes de representação e participação social e territorial. Logística e politização da natureza afetam profundamente o poder do Estado e a estrutura de poder mundial. Isso representa o novo papel que o Estado exerce, e reforça a função dos lugares no sistemamundo. O Estado, contudo, não deixou de ser fundamental para as relações internacionais. Estas, na contemporaneidade, também passaram por transformações consideráveis desde o Pós-Guerra. Podemos periodizá-las em Guerra Fria (1947-1991), o interregno entre esta e a Guerra ao Terror (1991-2001) e a fase que presenciamos (2001-2015), que se iniciou com os atentados terroristas perpetrados em território estadunidense em 2001, aos quais se seguiram outros em países aliados – em Madri, no ano de 2004, e em Londres, no ano seguinte. Posteriormente, retornaremos à logística.

2.2.1. Da Guerra Fria à Guerra ao Terror Do fim da guerra, em 1945, até a participação de George Kennan na Secretaria de Estado, em janeiro de 1947, o mundo vivenciou o fim de uma velha ordem internacional e a construção da bipolaridade. Nesse sentido, as conferências realizadas em 1943, em Moscou, no Cairo e em Teerã foram fundamentais, já que demonstravam as divergências entre EUA, Reino Unido e URSS. Em 1944, “os armistícios consagraram, de fato, a influência da União Soviética sobre a Europa Oriental” (SARAIVA, 2007: 191). O sistema de Yalta, forjado em conferência na mesma cidade em 1945, marcou “a divisão que se desenhara anteriormente entre os aliados ocidentais e a União

Soviética”, e “a política das áreas de influência na Europa se tornaria um modelo a ser aplicado à própria política mundial” (ibid.: 192). No mesmo ano, houve duas outras conferências, a de São Francisco, entre abril e junho, e a de Potsdam, entre julho e outubro, a qual reuniu apenas os três grandes. Em São Francisco foi criada a Organização das Nações Unidas, que, por meio do veto do Conselho de Segurança, garantia “o congelamento do poder e um compromisso de controle da segurança mundial” (ibid.: 193). Em Potsdam, os EUA haviam superado militarmente a URSS, uma vez que haviam explodido a primeira bomba atômica no Novo México. As divergências entre estadunidenses e soviéticos eram representadas nas discussões sobre a fronteira entre Alemanha e Polônia, sobre as reparações alemães e acerca de qual país teria a Itália em sua área de influência. O Tratado de Paz de Paris foi assinado em fevereiro de 1947, mas a tensão nas relações internacionais manteve-se relativamente forte até 196816, devido ao surgimento, naquele ano, da Doutrina Truman, que pregava o antagonismo intrínseco entre EUA e URSS, motivo pelo qual os americanos tentariam conter o expansionismo russo, em uma revalidação de Mackinder. Para Hobsbawn (2004: 230), Kennan, autor da política de contenção, [...] era apenas um especialista em Rússia da velha escola de política de potência – havia muitos desses nos ministérios das Relações Exteriores europeus – que via a Rússia, czarista ou bolchevique, como uma sociedade atrasada e bárbara, governada por homens movidos por um “tradicional e instintivo senso de insegurança russo”, sempre se isolando do mundo externo, sempre dirigida por autocratas, sempre buscando “segurança” apenas na luta paciente e mortal para a destruição total de uma potência rival, jamais em acordos ou compromissos com ela; sempre, em consequência, respondendo apenas à “lógica da força”, jamais à razão. O comunismo, claro, em sua opinião tornava a Rússia ainda mais perigosa, reforçando a mais brutal das grandes potências com a mais implacável das ideologias utópicas, ou seja, de conquista do mundo. Mas a implicação da tese era que a única “potência rival” da Rússia, ou seja, os EUA, teria de “conter” a pressão desta por uma resistência inflexível, mesmo que ela não fosse comunista. Assim, a primeira linha de defesa dos estadunidenses localizar-se-ia na borda eurasiana e, para tanto, foram criadas alianças militares multilaterais e acordos bilaterais. Entre as alianças com países anfíbios e insulares do Rimland estão a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN),

que perdura até hoje, e as extintas OTASE, firmada no Sudeste Asiático, e CENTO, estabelecida com países do Oriente Médio. Entre os acordos militares bilaterais, podemos citar os ainda vigentes com Japão, Coreia do Sul, Taiwan e Filipinas. Na impossibilidade de vencer militarmente uma guerra convencional contra a URSS, devido ao temor nuclear, instaurou-se o Game Plan, ou seja, o desafio de os americanos prevalecerem historicamente sobre os soviéticos. A URSS era, de fato, secundada pelos EUA na economia, na ciência e na tecnologia. A historiografia tradicional aponta a tese declinista como razão para o colapso soviético, que propugna ser o expansionismo responsável pelo militarismo, processo que conduz a economia à exaustão e debilita o poder estatal. Angelo Segrillo (2000: 122-27) critica esta tese ao lembrar que os dados utilizados eram os dados oficiais soviéticos e as estimativas da CIA, o que poderia vir a comprometer a análise. Além disso, “desde os anos [19]30, a economia da URSS foi planejada para assegurar convertibilidade das indústrias civis e militares para o caso de guerra” e, frequentemente, o setor militar “serviu para forçar a elevação do nível tecnológico da economia como um todo”. Ademais, “não existe correlação definitiva entre gastos militares e diminuição da atividade econômica entre os países do mundo” e “a lógica do Estado soviético não era guiada primariamente por considerações de racionalidade econômica de mercado”. Nesse sentido, “o Estado soviético, desde as origens leninistas, adotava suas decisões baseado em critérios de maximização de poder [...] que frequentemente entrava em choque com os princípios de eficiência microeconômica capitalista” (ibid.: 128; 134). Ainda consoante Segrillo (ibid.: 338; 192), [...] o fato de, ao contrário de alguns autores, não considerarmos o alto grau de dispêndios militares como um dos fatores que poderiam explicar per se a desaceleração econômica específica do período pré-perestroika na URSS não significa que não consideremos que as despesas militares representavam considerável fardo para o sistema econômico do país. O fardo da defesa era um dos principais fatores que explicavam por que a URSS, apesar de possuir um dos maiores PNBs do mundo, não conseguia prover seus cidadãos com um nível de vida condizente com a dimensão da renda nacional produzida. Entretanto, como enfatizamos anteriormente, este alto nível de despesas com defesa foi uma constante na maior parte do período soviético pós-década de 1930 e, portanto, não poderia servir de explicação para períodos específicos de desaceleração econômica (principalmente porque não é encontrada correlação

direta e inequívoca entre períodos de aumento de despesas militares e de desaceleração do crescimento econômico do país). [...] Na época da Terceira Revolução Tecnológica surgiram novos padrões organizacionais da produção industrial, baseados em flexibilidade, fluxos mais horizontais de informação e comando e ênfase na qualidade. Encontrando-se em permanente competição econômica com o Ocidente, a URSS (cujo sistema rígido, de fluxos verticais de informação e comando, e ênfase em quantidade e economias de escala, encaixava-se relativamente bem nas regras ditadas pelo fordismo ocidental nas décadas de 1930, 40, 50 e parte da de 60) não conseguiu se adaptar a estes princípios básicos dos novos paradigmas industriais mais avançados da economia mundial sem solapar os pilares de seu próprio sistema. Desse modo, com o fim do comunismo inspirado pelos soviéticos, os EUA tornaram-se a única grande potência mundial, apesar de financeiramente não possuírem mais o extrapoder dos primeiros momentos da Guerra Fria. Com efeito, após o colapso soviético, os EUA se fortaleceram como potência político-estratégica, segundo Berta Becker (2005), o que acarretou uma geopolítica plural e multipolar, em que a integração de fluxos e redes e o multilateralismo têm exercido papel crescente. Para os que acreditavam em uma superioridade absoluta norte-americana, Emir Sader (2011: http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=737) lembra que [...] dez anos depois, os EUA demonstram que não estão em condições de desenvolver duas guerras simultaneamente, mesmo com uma brutal superioridade militar, contra países virtualmente ocupados. Tanto no Iraque quanto no Afeganistão, a retirada das tropas não dá garantias de controle militar da situação, mesmo ainda com a presença dos EUA, fazendo prever novos adiamentos da retirada do Iraque. O mundo sob hegemonia imperial norte-americana não é um mundo mais seguro do que antes. A superioridade militar não é garantia de ordem política, como já indicava o velho preceito: Se pode fazer tudo com as baionetas, menos sentar em cima. Essa ilusão tiveram os Estados Unidos. Acreditavam que poderiam envolver o mundo inteiro na sua lógica de represálias contra “o terror” e que a ideologia de militarização dos conflitos seria hegemônica, a ponto de permitir um tranquilo bloco político de apoio. Se isso se deu no impacto imediato das ações, ainda em 2001, com a invasão do Afeganistão – mesmo sem prova alguma de que dali tinham sido articuladas as ações nos EUA –, a coalizão não resistiu à invasão do Iraque, sem provas e sem a aprovação do Conselho de Segurança. Mas o enfraquecimento das alianças foi efetivamente se dando conforme a guerra se prolongava e os desgastes – financeiros e de

baixas – foram se avolumando, incluindo Abu Graib e Guantánamo. A estratégia da “guerra ao terror” teve seus ganhos, serviu de álibi para que os EUA consolidassem sua liderança no mundo, ao privilegiar a esfera em que é mais forte – a militar. Mas chegam aos 10 anos desgastados militarmente, enfraquecidos na sua capacidade de liderança política e fragilizados economicamente. Um balanço duro para quem se erigia como senhor do mundo há uma década. A hegemonia norte-americana entrou em crise, sem que apareça outra força que possa substituí-la. O que se pode vislumbrar no horizonte é um mundo multipolar, que possibilite resolver os conflitos não pelo predomínio militar, mas pelas negociações políticas, em que a “guerra ao terror” possa ser substituída pelo terror à guerra. O mundo multipolar de hoje nasce sob duas confrontações específicas – a iniciada com a Doutrina Truman, em que Leste e Oeste se opunham, e, posteriormente, com a antítese entre Norte e Sul. A Guerra Fria instituiu o conflito ideológico entre comunistas e capitalistas, que deu origem à divisão do planeta elaborada por Alfred Sauvy, em 1952, que separou os países do mundo em Primeiro Mundo, Segundo Mundo e Terceiro Mundo. Assim sendo, este [...] correspond[ia] à totalidade do mundo menos o Primeiro (a América e seus aliados desenvolvidos) e o Segundo (a União Soviética e seus satélites comunistas). Em suma, os países de parte alguma, os esquecidos, que os dois blocos brevemente disputarão. Ao forjar o termo (estabelecido por analogia a “terceiro estado”) Alfred Sauvy estava longe de imaginar a riqueza que ele iria conhecer, e, muito menos, a extraordinária dinâmica política que ele deveria suscitar (CHESNAY, 1987: 20). Sobre a política externa brasileira da década de 1960, Gelson Fonseca Junior (1996: 306) lembra que, neste período e na década seguinte, “a estrutura do sistema internacional era bipolar, e a guerra fria dominava a agenda. Por outro lado, as questões Norte-Sul emergiam e definiam o segundo capítulo da agenda”, configurando os marcos estruturais da política externa brasileira e interferindo na política doméstica. Após a queda do comunismo soviético, o conflito Norte-Sul torna-se ainda mais visível, mas os primeiros passos na sua caracterização ocorreram ainda em 1961. Nesse ano, houve a realização da primeira conferência do Movimento Não Alinhado e o término da rodada do GATT iniciada em 1960. Na rodada do GATT de 1964-1967, explicitou-se ainda mais a divisão entre ricos e pobres,

culminando, ainda em 1964, na primeira Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD)17. Esta fase é marcada por uma plataforma única dos países do Sul, que após a primeira crise do petróleo passaria por um processo de diferenciação interna entre os integrantes. Isso possibilita, por exemplo, diferenciar países como o Brasil e o México, que conheceram processo de industrialização tardio, de outros que se mantiveram dependentes do setor primário, em especial, do agrícola. Hoje esses agrupamentos apresentam considerável fragmentação, o que é característico de uma geopolítica multipolar. Segundo L’Atlas 2010 (COLIN, 2009: 10), [...] o sistema internacional do século XXI será descentralizado e dotado de uma multiplicidade de polos de decisão. Esse reequilíbrio é, no plano histórico, uma revolução, que encerra o longo ciclo de dois séculos da preponderância ocidental. Ele marca o retorno, sob novas condições, à configuração mundial policêntrica que precedeu a “grande divergência” entre a Europa e o mundo extraeuropeu. O policentrismo varia tanto em posições econômicas quanto em agrupamentos estratégicos de poder. Entre os primeiros, o G-8, as maiores economias desenvolvidas mundiais – EUA, Canadá, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Japão – e a Rússia, que controlam as mais importantes instituições financeiras, como Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional; o G-20, possível sucessor do agrupamento anterior, que agrega, além desses países, Brasil, Índia, China, Coreia do Sul, Arábia Saudita, Indonésia, Argentina, África do Sul, Austrália, México, Turquia e União Europeia18; há, outrossim, os blocos econômicos de integração regional. Dentre as instituições políticas, citamos OTAN, Organização para a Cooperação de Xangai, União Africana, Liga Árabe, União Sul-Americana de Nações. A relevância estratégica dos países e dos continentes também foi consideravelmente alterada. Entre estes, destaca-se o Ártico, área que se abre para a exploração de minérios e de hidrocarbonetos e para o uso como rota marítima. Ampliou-se o período de utilização dessas rotas – Norte-Oeste e Norte-Leste –, que reduzem custos e distâncias, embora haja conflitos sobre o direito de uso soberano ou compartilhado das novas vias oceânicas. Outro grande problema refere-se aos direitos dos povos tradicionais dessas terras, que não compartilham dos interesses econômicos das empresas mineradoras ou dos interesses político-estratégicos estatais.

Em relação aos países da América do Norte, as principais questões geopolíticas são a migração para os EUA pela fronteira mexicana e o narcotráfico no México. Em relação ao Caribe e ao Istmo, destacam-se a reconstrução do Haiti, que tem gerado forte fluxo emigratório, inclusive para o Brasil; o futuro de Cuba, que tem vivenciado a liberalização do anacrônico regime dos irmãos Castro; e, por fim, a base de Guantánamo, a qual o presidente Barack Obama prometeu fechar, e que continua sendo um espaço de exceção. A importância geopolítica da América do Sul tem aumentado nos últimos anos. O narcotráfico é um dos principais problemas de segurança do continente, e na medida em que o Plano Colômbia prejudica a logística do tráfico neste país, as ações criminosas têm crescido no Peru e na Bolívia. O desenvolvimento recente da Colômbia pode torná-la a segunda maior economia da América do Sul, desbancando a Argentina e alterando o equilíbrio de poder nesta região. Devem ser ressaltadas as relações difíceis da Colômbia com a Venezuela, especialmente durante o governo de Chávez, uma vez que há a previsão de bases americanas no território colombiano, e possíveis contrariedades aos interesses brasileiros de integração econômica. Enquanto no norte e na América Central os oceanos são patrulhados diretamente pelos EUA, na América do Sul essa função pertence ao Reino Unido. Nesse sentido, pode-se entender o posicionamento estadunidense durante a Guerra das Malvinas, conflito que permanece latente e que pode ressurgir devido à descoberta de petróleo no arquipélago. Este é o único contencioso no Atlântico Sul, e com o objetivo de evitar a militarização e a presença de tropas estrangeiras nessa área, também por conta da Guerra Fria, o Brasil sugeriu a criação da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, aprovada pela ONU em 1986. O Brasil é a principal potência da América do Sul. Outros países que podem rivalizar estrategicamente com nosso país são a Venezuela, a Colômbia e a Argentina. O projeto de integração infraestrutural e econômica da América do Sul tende a beneficiar a economia brasileira, mas os acordos de livre comércio assinados por Chile, Peru e Colômbia e os acordos de regionalismo aberto, como a Asia-Pacific Economic Cooperation (APEC), podem esvaziar as iniciativas de integração e favorecer a falta de conexão logística entre os países sul-americanos. A Amazônia, controlada em grande parte pelo Brasil, é a grande área geopolítica do continente.

Seus recursos minerais, sua biodiversidade e a riqueza em água podem se tornar elementos de atritos em um futuro próximo. Em 1978, foi criado o Tratado de Cooperação Amazônica, hoje Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Esse tratado vincula-se à crença geopolítica, bastante difundida entre os militares brasileiros, de que a Amazônia deve ser analisada em sua totalidade, fora dos particularismos nacionais (MATTOS, 1980: 22). Há três fases na institucionalização da defesa da Amazônia – a primeira começa em 1978 e se estende a 1989, marcada pela afirmação do “pleno e inquestionável direito soberano dos países” (OTCA, 2004: 16) que a compartilham; a segunda, de 1989 a 1994, é de fortalecimento político, já que o desenvolvimento sustentável é um dos enfoques da agenda ​internacional; e a terceira, de 1994 a 2002, é caracterizada pelo amadurecimento institucional que cria a Secretaria Permanente da recém-instituída organização. Segundo o Plano Estratégico 2004-2012 (OTCA, 2004: 18), percebese que a OTCA, contemporaneamente, torna-se [...] um instrumento contemporâneo com uma ampla visão sobre a integração sul-americana, que fortalece a vocação de seus governos de construir sinergias com outras nações, organismos multilaterais, agências internacionais de fomento, movimentos sociais, comunidade científica, setores produtivos e sociedade civil, na defesa soberana da Amazônia e na busca por seu desenvolvimento sustentável. Outra área que tem ganhado bastante importância geopolítica para o Brasil é a costa oceânica, especialmente após a descoberta do pré-sal e da recriação da IV Frota estadunidense. Cunhou-se o termo Amazônia Azul para o território compreendido pelo mar territorial, pela zona econômica exclusiva e pela extensão da plataforma continental, como vemos na figura 1 (IBGE, 2011: 29). Essa área é regulada pela Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, em vigor desde 1994. A Marinha do Brasil aponta quatro vertentes para estudar esse grande território: a econômica, a ambiental, a científica e a soberania.

Figura 1: Limites marinhos brasileiros legais.

A vertente econômica assenta-se na possibilidade de extração de diversos minérios e do petróleo do pré-sal; a vertente ambiental aproxima-se da científica devido às enormes áreas com levantamento genético e conservação ainda esparsos, ademais de problemas ambientais como espécies invasoras e poluição; a vertente soberania busca resguardar a segurança ​nacional – incluindo a do patrimônio econômico-ambiental. Os estudos são fundamentais para que a ONU aprove o pleito brasileiro de extensão da plataforma continental. Em relação às outras áreas do globo, a África Subsaariana parece incorporar-se em definitivo ao sistema capitalista mundial, deixando de ser o continente esquecido. Isso decorre da crescente participação chinesa nos eixos logísticos africanos, fundamentalmente de matérias-primas agrícolas e minerais. Contudo, a estabilidade dos países ainda tende a ser relativamente fraca na maioria dos casos, e crises internas acabam por afetar países vizinhos, como no caso mais recente do Mali e do Chade, e no histórico de guerras locais – Libéria, Serra Leoa, Costa do Marfim, Somália e República Democrática do Congo, entre outros. O leste da RDC e o Chifre da África permanecem sendo hot spots no continente, e nesta região, nas costas somalis, sobretudo, há grande número de ocorrências de ataques piratas. Além disso, a regionalização do conflito na colapsada Somália tem exportado o terrorismo fundamentalista islâmico, presente também, cada vez mais, na Nigéria. A radicalização dos conflitos interétnicos e

interconfessionais tem tornado este país um dos locais de maior crescimento no mundo de ações terroristas, em grande parte devido ao ouro negro. Por fim, deve-se ressaltar a tentativa de fortalecer a União Africana, a qual tem como único ausente o Marrocos, por causa da indefinida situação saarauí. A África do Norte tornou-se o foco recente da mídia em razão das revoltas internas na Tunísia, na Líbia e no Egito que depuseram regimes ditatoriais. Na Líbia, a situação chegou à guerra civil, e Gaddafi foi assassinado pelos rebeldes, os quais receberam auxílio bélico da OTAN. O movimento denominado Primavera Árabe estendeu-se por outros países, como Bahrein e Síria. O principal questionamento acerca do futuro desses países é saber se a democracia a ser instaurada agradará ao Ocidente tanto quanto os ditadores laicizantes, já que a população, por meio de eleições, tem escolhido candidatos pró-islâmicos. Nesse sentido, o Oriente Médio tem passado por modificações consideráveis. Seu mais importante país, a Turquia, tem abandonado a posição secularista de Atatürk em favor do Islã, o que acarretou o esfriamento das relações com o Estado de Israel em decorrência de a Irmandade Muçulmana turca ter tentado furar o bloqueio a Gaza. Esse conflito entre Israel e a população palestina dos Territórios Ocupados permanece longe do fim. A desigualdade entre os dois lados é gritante, e a direita israelense parece despreocupada com a crise humanitária que assola a futura Palestina. Isso decorre porque Israel conseguiu reduzir praticamente a zero os atentados terroristas e os números de mísseis a atingir seu território sem qualquer compromisso de paz, apenas com o polêmico muro que separa áreas israelenses de palestinas e com incursões militares pontuais e desproporcionais. Contudo, a deposição de Mubarak no Egito reabriu a fronteira que este país mantém com a Faixa de Gaza. Esta área é controlada pelo Hamas, enquanto a Cisjordânia é controlada pela Autoridade Palestina, o que é outro complicador desse contencioso. O Iraque ainda permanece uma incógnita. O governo tripartite de sunitas, xiitas e curdos não tem sido muito eficiente na segurança e é banal a ocorrência de atentados terroristas, além da precariedade do equilíbrio de poder entre esses grupos. O cisma entre sunitas e xiitas nesse país assume grandes proporções, e a autonomia dos curdos preocupa todos os países que possuem esse

grupo étnico dentro de suas fronteiras, principalmente Irã e Turquia. Os EUA iniciaram a retirada das tropas, mas a invasão apenas favoreceu as grandes empresas petrolíferas que apoiaram as falsas acusações de que o governo de Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa. A Síria e o Irã constituem duas áreas de grave instabilidade para os próprios países da região. O conflito sírio-israelense pelo Golã não foi resolvido e a minoria alauíta que controla o país tem sido responsável pelo massacre da oposição que luta por mudanças políticas. O Irã dos aiatolás tem oprimido sua oposição e o governo de Ahmadinejad é ferrenho opositor de Israel. Contudo, o Irã xiita preocupa seus vizinhos sunitas do outro lado do Golfo Pérsico, ademais da Turquia, devido a exercícios militares e ao programa nuclear de beneficiamento de urânio. A Rússia, membro do Conselho de Segurança da ONU, é um importante aliado do Irã, especialmente por meio de cooperação tecnológica. Além disso, tem fortalecido laços com a África do Oeste, a Austrália, a Venezuela, Israel e Cuba. A aproximação com os países latino-americanos conserva um pouco da rivalidade que mantém com os EUA. A área geopolítica imediata da Rússia é a Europa, a qual abastece com seu gás natural, e as ex-repúblicas da Ásia Central, que ainda têm boa parte da infraestrutura vinculada à logística russa. As repúblicas da Ásia Central têm como principal preocupação atingir os mercados consumidores de suas riquezas minerais sem depender tanto da Rússia. Além disso, as instabilidades políticas referem-se a governos pró-Moscou ou de caráter mais nacionalista, os quais tendem a se aproximar dos EUA. Durante a guerra do Afeganistão, algumas dessas repúblicas autorizaram a instalação de bases militares americanas, tendo sido o Paquistão o local de maior importância para a logística do conflito. O Afeganistão está na área de contato de três regiões geopolíticas – Oriente Médio, Ásia Central e Subcontinente Indiano. O país foi invadido por forças da OTAN logo após o 11 de setembro, mas onze anos depois, o desfecho da guerra ainda é obscuro, em especial se considerarmos que o Paquistão defendeu seus interesses no conflito, o que significou ora apoiar os americanos, ora os talibãs. Irã e Paquistão tentam exercer influência mais forte no país, o que dita as regras das relações diplomáticas entre os países das regiões geopolíticas mencionadas. Assim, a Índia mantém laços com o Irã, enquanto a China investe no Paquistão. Como os EUA são

inimigos do Irã, e não conseguem criar e manter uma logística que direcione as riquezas afegãs, via Paquistão, têm de escoar a produção de petróleo e de gás da Ásia Central pelo Cáucaso. Para contrabalançar a relação sino-paquistanesa, aproximou-se da Índia, assinando até mesmo acordos nucleares com esse país, que não é membro do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). No Subcontinente Indiano, o Cachemira é a materialização das rivalidades entre Paquistão, Índia e China, em um conflito que data da independência indiana. A Índia e a China têm se aproximado, mas ambas não deixaram de ser rivais. A China busca garantir a segurança das rotas marítimas que abastecem o país, mas a Índia exerce controle sobre boa parte do Índico. O Sudeste Asiático, rota para os portos chineses, torna-se fundamental para a geopolítica chinesa, seja por meio das pretensões de soberania no Mar da China Meridional, seja por rotas que cortam essa região, tradicionalmente por mar, ou alternativas, como a prevista que cruza o território de Mianmar. Os países do Sudeste ​Asiático têm buscado se aproximar dos EUA para conter o assédio chinês. O terrorismo islâmico também é uma realidade nessa região, em especial nas Filipinas e na Indonésia, bem como a pirataria nas proximidades do Estreito de Málaca. O equilíbrio interno desses países está diretamente relacionado ao peso político que a diáspora chinesa exerce na política doméstica, não sendo raras as tensões de caráter étnico. As tensões étnicas envolvendo chineses não são, todavia, exclusividade de países que receberam fluxos emigratórios da China – elas acontecem fundamentalmente no Tibete e no Sinkiang-Uigur, partes do território chinês continental. Outros pontos de tensão no Extremo Oriente são a situação política de Taiwan; o último resquício da Guerra Fria, a separação entre as Coreias; e disputas territoriais que costumam azedar as já difíceis relações entre China, Coreia do Sul, Coreia do Norte e Japão, em parte decorrente da invasão japonesa desses países na primeira metade do século XX. A ascensão da economia chinesa como a segunda maior do mundo cria expectativas acerca de qual papel o Japão irá exercer nas próximas décadas no sistema internacional. Além disso, a China é percebida como um dos poucos Estados, talvez o único, capaz de rivalizar com a hegemonia americana neste século. A Oceania e o Pacífico estão sob supervisão direta dos EUA. Japão, Coreia do Sul, Filipinas,

Tailândia, Austrália e Nova Zelândia são aliados ou recebem grande suporte militar americano, além de autorizar a manutenção de bases dos EUA em seus territórios. Há a possibilidade de que o eixo geopolítico atlântico seja deslocado para o Pacífico, já que os asiáticos respondem cada vez mais pelos fluxos comerciais do mundo, sobretudo Japão, Coreia do Sul, China, Taiwan e Cingapura. Caso isso venha a ocorrer, será fundamental que o Brasil tenha tido êxito em conduzir a integração da infraestrutura sul-americana. A Europa, por fim, tem como principal questão geopolítica a imigração. Sem a imigração, alguns países teriam crescimento vegetativo nulo ou negativo, mas as diferenças culturais são percebidas como ameaças pelos governos de direita e de extrema-direita. Onde os setores não obtiveram vitória, estes têm recebido crescente votação nas eleições dos últimos anos. Destaca-se a crescente islamofobia, como nas Ligas de Defesa, nova roupagem do nazifascismo das décadas de 1930 e 1940. A xenofobia é alimentada, outrossim, pela grave crise econômica que assola diversos países europeus, como Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha, ameaçando, inclusive, o euro e a própria União Europeia.

2.2.2. Energia Neste subtópico, trataremos das principais fontes de energia utilizadas pelo homem em suas atividades. O debate sobre esse tema hoje é bastante caloroso devido aos questionamentos trazidos por um possível aquecimento global. Nesse sentido, a substituição dos combustíveis fósseis por alternativas energéticas torna-se mandatória. Contudo, fontes menos poluentes como a energia eólica e a energia solar tendem a ser mais caras e a trazer menor segurança ao sistema energético, devido a possíveis oscilações na geração. A energia nuclear foi bastante utilizada em substituição ao petróleo, mas os acidentes em Chernobyl e, mais recentemente, em Fukushima têm criado forte resistência nas ​sociedades civis ao redor do globo. A geração de hidroeletricidade tem-se tornado cada vez mais questionada por problemas ambientais e pelos impactos trazidos às populações atingidas por sua construção, como aconteceu em Cahora Basa, na represa de Três Gargantas e, agora, nas projetadas para a bacia hidrográfica amazônica.

A energia produzida por petróleo, por areias betuminosas ou por xisto gera grande emissão de poluentes na atmosfera, por meio da queima desses combustíveis, além de sérios impactos ambientais causados na extração e no transporte, sobretudo por petroleiros que se acidentam. Outro grave problema em relação a essas fontes é o uso político, bastando lembrar os choques do petróleo de 1973 e de 1979. Diversas são as tensões geradas por países produtores, como Rússia, Irã e Venezuela, além de a dependência energética dos EUA ser responsável por diversos golpes de Estado e por guerras, como a invasão do Iraque em 2003. De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, 2009: 16), “nos últimos 35 anos, o suprimento médio de energia global [...] per capita cresceu 0,5% por ano – bem menos que o PIB per capita global, o qual cresceu por volta de 1,5% ao ano”. Desse modo, “mesmo que o crescimento da economia mundial tenha sido menos intensivo em energia, o mundo precisa de mais energia per capita e em termos absolutos. Para satisfazer a demanda de uma população que cresceu 66%”, continua o relatório anual, “a produção global de energia cresceu em torno de 96%, de 6,3 bilhões de toneladas de óleo equivalente (Mtoe) em 1974 para 12,3 Mtoe em 2008”. O consumo per capita de energia é bastante desigual, como vemos no mapa 8 (BP, 2011: 43). Enquanto a maioria dos países africanos consome até 1,5 tonelada de óleo equivalente (ou tonelada equivalente de petróleo, tep) em um ano, Noruega, EUA, Canadá e Países Baixos, entre outros, consomem acima de 6 tep per capita por ano. A média mundial para 2010 é de 1,8 tep (71), enquanto a brasileira é de apenas 1,24 tep (ibid.: 8).

Mapa 8: Consumo per capita de energia, em tep, 2010.

Para melhor compreensão do tópico de energia, deve-se clarificar algo que confunde muitos candidatos – a matriz energética não se confunde com a fonte da energia elétrica. Nesse sentido, por exemplo, cabe lembrar que a matriz energética brasileira não é predominantemente hidrelétrica; nossa matriz energética é, em sua maior parte, composta por petróleo e derivados, enquanto a energia elétrica consumida no Brasil, sim, tem fundamentalmente fonte hidroelétrica. A figura 2 (EPE, 2007: 243) mostra como se estrutura uma matriz energética.

Figura 2: Estrutura de uma matriz energética.

De acordo com o estudo Matriz Energética Nacional 2030 (2007), essa estrutura é composta de quatro partes: energia primária, transformação, energia secundária e consumo final. Energia primária são todos os [...] produtos energéticos providos pela natureza na sua forma direta, como petróleo, gás natural, carvão mineral (vapor e metalúrgico), urânio (U3O8), energia hidráulica, lenha, produtos da cana (melaço, caldo de cana, bagaço e palha) e outras fontes primárias (resíduos vegetais e animais, resíduos industriais, resíduos urbanos, energia solar, eólica etc., utilizados na geração de energia elétrica, vapor e calor) (ibid.: 243). A transformação “agrupa todos os centros de transformação onde a energia que entra (primária e/ou secundária) se transforma em uma ou mais formas de energia secundária, com suas correspondentes perdas na transformação” (ibid.: 243). Energia secundária são todos os

[...] produtos energéticos resultantes dos diferentes centros de transformação que têm como destino os diversos setores de consumo e eventualmente outro centro de transformação. São fontes de energia secundária óleo diesel, óleo combustível, gasolina (automotiva e de aviação), GLP, nafta, querosene (iluminante e de aviação), gás (de cidade e de coqueria), coque de carvão mineral, urânio contido no UO2 dos elementos combustíveis, eletricidade, carvão vegetal, etanol e outras secundárias de petróleo (gás de refinaria, coque e outros), produtos não energéticos do petróleo, derivados de petróleo que, mesmo tendo significativo conteúdo energético, são utilizados para outros fins (graxas, lubrificantes, parafinas, asfaltos, solventes e outros) e alcatrão (alcatrão obtido na transformação do carvão metalúrgico em coque) (ibid.: 243-4). Consumo final [...] é a quantidade de energia consumida pelos diversos setores da economia, para atender às necessidades dos diferentes usos, como calor, força motriz, iluminação etc. Não inclui nenhuma quantidade de energia que seja utilizada como matéria-prima para produção de outra forma de energia (EPE, 2007: 244). A oferta interna de energia no Brasil em 2010, bem como projeções para 2020 e 2030, pode ser vista na tabela 1 (ibid.: 168) e a oferta interna de energia elétrica no gráfico 1 (EPE, 2011: 16). Para exemplificar de modo mais explícito, repare que a energia nuclear na matriz energética corresponde a 1,7%, enquanto no fornecimento de energia elétrica a mesma fonte apresenta percentual maior, 2,7%. Com petróleo e derivados, a diferença é ainda maior: 34,8% na matriz energética e 3,6% na oferta de energia elétrica. tabela-gravata 1: Estrutura da oferta interna de energia no Brasil (em %), com estimativas para 2020 e 2030.

2005

2010

2020

2030

Energia não renovável

55,5

57,0

54,2

53,4

Petróleo

38,7

34,8

29,9

28,0

Gás natural

9,4

13,4

14,2

15,5

Carvão mineral e derivados

6,3

7,2

7,6

6,9

Urânio (U308) e derivados

1,2

1,7

2,5

3,0

Energia renovável

44,5

43,0

45,8

46,6

Hidraúlica e eletricidade

14,8

13,5

13,7

13,5

Lenha e carvão vegetal

13,0

10,1

7,0

5,5

Cana-de-açúcar e derivados

13,8

14,1

17,4

18,5

Outras fontes primárias renováveis

2,9

5,3

7,6

9,1

TOTAL

100,0

100,0

100,0

100,0

Na matriz energética mundial também predomina o petróleo, embora a participação desta commodity tenha diminuído desde 1973. As fontes que tiveram crescimento desde esse ano foram carvão, nuclear e gás natural, de acordo com o gráfico 2 (IEA, 2011: 6). Cabe destacar que a produção total de energia quase duplicou entre o ano do primeiro choque do petróleo e 2009, e que, diferentemente do que ocorre no Brasil, o carvão, muitíssimo poluente, é uma fonte de energia com grande participação.

Gráfico 1: Fontes de energia elétrica no Brasil em 2010.

Gráfico 2: Produção de energia primária mundial nos anos de 1973 e 2009.

O documento Matriz Energética Nacional 2030 (2007) traz dados semelhantes e previsões para as décadas seguintes, conforme tabela 2 (ibid.: 72). A tendência apresentada é a de que não haja grandes alterações na matriz energética mundial, o que, considerando o aquecimento global de causa antrópica uma realidade, não traz um futuro animador. tabela-gravata 2: Evolução produtiva de energia primária mundial, por tipo, dos anos de 1971 a 2030.

(Mtep)

(%)

Energia primária 1971

2002

2010

2020

2030

1971

2002

2010

2020

2030

Carvão

1.407

2.389

2.763

3.193

3.601

25,4

23,4

22,7

22,2

21,8

Petróleo

2.413

3.530

4.308

5.074

5.766

43,6

34,6

35,3

35,2

35,0

Gás

892

2.190

2.703

3.451

4.130

16,1

21,5

22,2

24,0

25,1

Nuclear

29

692

778

776

764

0,5

6,8

6,4

5,4

4,6

Hidro

104

224

276

321

365

1,9

2,2

2,3

2,2

2,2

Biomassa

687

1.119

1.264

1.428

1.605

12,4

11,0

10,4

9,9

9,7

Renováveis

4

55

101

162

256

0,1

0,5

0,8

1,1

1,6

Total

5.536

10.199

12.193

14.405

16.487

100,0

100,0

100,0

100,0

100,0

Comentaremos, agora, acerca da eletricidade no mundo e no Brasil, bem como sobre as principais fontes de energia, nesta ordem: petróleo, gás natural, carvão, nuclear, biocombustíveis e outras fontes renováveis.

I) Eletricidade A produção de energia elétrica mundial mais que triplicou nos últimos 35 anos, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE) (IEA, 2009; 2011). Esse crescimento se deveu, nos países desenvolvidos, ao uso de eletrônicos e ao aquecimento elétrico, enquanto nos países pobres foi causado por programas de eletrificação rural e pela urbanização. Em 2009, os maiores produtores mundiais de eletricidade (incluindo todas as fontes) foram EUA, com 20,8% do total; a China, com 18,4%, registrou um enorme crescimento, já que representava apenas 3% da eletricidade gerada em 1974; o Japão está em terceiro lugar, com 5,2%; e a Rússia o segue em quarto, com 4,9% da produção mundial. A Índia ocupa a quinta colocação, com 4,5%. Ainda de acordo com a AIE (2009: 30), [...] o mix energético da produção de eletricidade global tem visto uma significativa mudança desde 1974, embora a participação de combustíveis fósseis tenha permanecido relativamente estável em pouco mais de 2/3. A percentagem de gás natural aumentou de 12% para 21%, e tem amplamente substituído o petróleo, cuja participação caiu de 23% para 6%. O carvão é, de longe, o maior contribuinte para a produção de energia elétrica. De fato, sua participação aumentou de 37% para 42%, refletindo o crescimento considerável da produção de eletricidade na China e na Índia. No quadro 1 (IEA, 2009: 25), vemos a produção de eletricidade por combustível fóssil, com dados de 2009. Em relação ao carvão, destacam-se China e EUA (mais da metade mundial); quanto ao petróleo, os países que mais dependem desse minério para produzir energia elétrica são Arábia Saudita e Japão (mais de 20% do total global). O uso de gás natural como fonte de eletricidade predomina nos EUA, na Rússia e no Japão. Quadro 1: Produção de energia elétrica por combustível fóssil no mundo, 2009.

Coal/peat

TWh

Oil

TWh

Natural Gas

TWh

People’s Rep. of China

2 913

Saudi Arabia

120

United States

950

United States

1 893

Japan

92

Russian Federation

469

India

617

Islamic Rep. of Iran

52

Japan

285

Japan

279

United States

50

United Kingdom

165

Germany

257

Mexico

46

Italy

147

South Africa

232

Iraq

43

Islamic Rep. of Iran

143

Korea

209

Kuwait

38

Mexico

138

Australia

203

Pakistan

36

India

111

Russian Federation

164

Indonesia

35

Spain

107

Poland

135

Egypt

30

Thailand

105

Rest of the world

1 217

Rest of the world

485

Rest of the world

1 681

World

8 119

World

1 027

World

4 301

Em relação à hidroeletricidade o Brasil é destaque mundial, figurando entre os maiores produtores mundiais, que são, nesta ordem, China, o nosso país, Canadá, EUA e Rússia, como no quadro 2 (IEA, 2009: 19). Esse mesmo quadro informa, ainda, a capacidade instalada e a porcentagem da hidroeletricidade na geração de energia ​elétrica. No Brasil, “importações líquidas de 35,9 TWh, somadas à geração interna, permitiram uma oferta interna de energia elétrica de 545,1 TWh” (EPE, 2011: 16), sendo que “o consumo final foi de 455,7 TWh”. Quanto à exportação de energia elétrica, os maiores ​exportadores mundiais são Paraguai, devido à hidrelétrica de Itaipu, Canadá e França. Os maiores importadores mundiais são Itália, Brasil e EUA, como vemos no quadro 3 (IEA, 2009: 27). Segundo o Balanço Energético Nacional 2011 (EPE, 2011), as centrais hidráulicas corresponderam a 71,2% da capacidade instalada de geração de energia elétrica brasileira, seguidas pelas centrais térmicas, com 26,2% do total, cuja localização no território nacional vemos nos mapas 9 (ANEEL, 2008: 114) e 10 (ibid.: 139). Há ainda, as usinas ​nucleares, correspondentes a 1,8% e as usinas eólicas, com 0,8%. A participação destas na produção de eletricidade representou

um aumento de 75,8% em relação a 2009. Quadro 2: Produção de energia hidrelétrica no mundo.

Producers

People’s

Rep.

TWh

% of world total

616

18.5

Brazil

391

11.7

Canada

364

United States

Installed capacity

People’s

Rep.

GW

of

Country (top-ten

% of hydro in total domestic

producers)

electricity generation

168

Norway

95.7

United States

100

Brazil

83.8

10.9

Brazil

78

Venezuela

72.8

298

9.0

Canada

75

Canada

60.3

176

5.3

Japan

47

Sweden

48.3

Norway

127

3.8

Russian Federation

47

India

107

3.2

India

37

Venezuela

90

2.7

Norway

30

India

11.9

Japan

82

2.5

France

25

Japan

7.8

Sweden

66

2.0

Italy

21

United States

7.1

30.4

Rest of the world

324

Rest of the world

13.9

100.0

World

952

World

16.5

of China

Russian Federation

Rest

of

world World

the 1 012 3 329

2009 data

China

2008 data Sources: IEA,

Russian

17.8

Federation People’s Rep. of China

16.7

2009 data

United Nations.

Quadro 3: Maiores exportadores e importadores mundiais líquidos de energia elétrica.

Net exporters

TWh

Net importers

TWh

Paraguay

45

Italy

45

Canada

34

Brazil

40

France

26

United States

34

Russian Federation

15

Finland

12

Czech Republic

14

India

10

Germany

12

Hong Kong (China)

8

Peoples Rep. of China

11

Argentina

6

Norway

9

Croatia

6

Spain

8

Iraq

6

Ukraine

6

Hungary

6

Others

50

Others

68

Total

230

Total

241

As termelétricas cuja fonte energética são os derivados de petróleo concentram-se na Amazônia Legal, parcialmente integrada ao Sistema Interligado Nacional (SIN), e nos Estados de São Paulo, Goiás, Bahia, Ceará, Pernambuco e Paraíba, enquanto as que funcionam com carvão mineral que atualmente operam encontram-se nos Estados do Sul. Há, ainda, outorga para termelétricas movidas a carvão nos Estados do Rio de Janeiro, Ceará, Maranhão e Amapá.

Mapa 9: Termelétricas em funcionamento no Brasil em 2008.

Mapa 10: Termelétricas a carvão, outorgadas e em funcionamento, no Brasil em 2008.

As energias renováveis ainda representam muito pouco na geração de energia elétrica mundial. De acordo com o Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2011 (EPE, 2011), em 1980 apenas 0,4% da eletricidade gerada provinha de biomassa, de energia geotérmica, eólica ou solar. Em 2008, esse percentual aumentou para 2,8%, sendo 1,1% para a energia eólica, 1,3% para biomassa, 0,3% para a energia geotérmica e 0,1% para a solar, de acordo com o gráfico 3 (ibid.: 7). No Brasil, a biomassa representa 4,9% da eletricidade, e a localização das plantas que a convertem em energia elétrica encontra-se no mapa 11 (ANEEL, 2008: 72).

Gráfico 3: Participação de energias renováveis na eletricidade mundial.

Mapa 11: Localização, no Brasil, das plantas de biomassa para geração de energia elétrica.

Em relação à energia nuclear, o percentual na eletricidade aumentou de 8,5% em 1980 para

13,6% em 2008. Os maiores produtores de energia elétrica de fonte nuclear foram EUA, com 30,8% do total mundial; França, com 15,2%; e Japão, com 10,4%. Entre os dez maiores ainda estão Rússia, Coreia do Sul, Alemanha, Canadá, Ucrânia, China e Reino Unido. No Brasil, 2,9% da produção de energia elétrica é de origem nuclear, enquanto na França atinge 77,5% e na Lituânia, 75,6% (ANEEL, 2008; IEA, 2011). No Brasil, o Operador Nacional do Sistema (ONS) é responsável “pela coordenação e controle da operação de geração e da transmissão de energia elétrica do Sis​tema Interligado Nacional” (EPE, 2011: 218). Esse sistema, contudo, não abarca a totalidade do território brasileiro, notadamente os Estados do Amazonas, de Roraima e do Amapá, ademais de parte do Estado do Acre. Disso decorre a utilização de termelétricas para gerar eletricidade, encarecendo o preço da energia, além de ser mais poluente. De acordo com o Atlas de Energia Elétrica (ANEEL, 2008: 32), [...] os Sistemas Isolados são predominantemente abastecidos por usinas térmicas movidas a óleo diesel e óleo combustível – embora também abriguem Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH), Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGH) e termelétricas movidas a biomassa. Estão localizados principalmente na região Norte. [...] Por ser predominantemente térmico, os Sistemas Isolados apresentam custos de geração superiores ao SIN. Além disso, as dificuldades de logística e de abastecimento dessas localidades pressionam o frete dos combustíveis (com destaque para o óleo diesel). Para assegurar à população atendida por esses sistemas os benefícios usufruídos pelos consumidores do SIN, o Governo Federal criou a Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis (CCC), encargo setorial que subsidia a compra do óleo diesel e óleo combustível usado na geração de energia por usinas termelétricas que atendem às áreas isoladas. Essa conta é paga por todos os consumidores de energia elétrica do país. Em 2008, o valor da CCC foi de R$ 3 bilhões. Em funcionamento hoje na Amazônia, há as hidrelétricas de Samuel, Balbina, Coaracy Nunes, Curuá-Una e Guaporé, além das represas situadas na bacia hidrográfica do Tocantins-Araguaia, como Tucuruí e Serra da Mesa. Prevê-se a construção de dezenas outras, entre as quais, com obras em andamento, estão Belo Monte, Jirau, Santo Antonio, Colíder e Teles Pires, e com projetos de construção há as represas de São Manoel, Sinop, Foz do Apiacás, Jamaxim e São Luiz dos Tapajós. Isso decorre do baixíssimo aproveitamento dos rios da Amazônia para exploração hidrelétrica, o

que a torna a fronteira de investimentos do setor. No mapa 12 (ANEEL, 2008: 58), vemos a utilização dos recursos hidrelétricos das bacias hidrográficas brasileiras. O potencial aproveitado refere-se às usinas existentes, em construção ou com concessão outorgada e o inventário “indica o nível mínimo de estudo do qual foi objeto o potencial”.

Mapa 12: Aproveitamento hidrelétrico das bacias hidrográficas brasileiras.

O SIN está ampliando a conexão entre as diversas geradoras de energia elétrica, e as principais obras em andamento são a interligação de Tucuruí a Manaus e a Macapá, e as linhas de transmissão do Madeira. Como vemos no mapa 13 (EPE, 2011: 98), Roraima conecta-se à Venezuela no

abastecimento de energia elétrica, e importamos quase toda a eletricidade pertencente ao Paraguai produzida pela usina de Itaipu. Nesse caso, a diplomacia brasileira renegociou recentemente os contratos que envolvem a compra de energia, além de se comprometer a construir uma linha de transmissão que ligue Itaipu à capital paraguaia.

Mapa 13: Sistema brasileiro de transmissão de energia elétrica.

Itaipu figura entre as maiores hidrelétricas do mundo, perdendo a liderança apenas para a de Três Gargantas na China. Na tabela 3 (ANEEL, 2008: 57) estão listadas as maiores represas brasileiras, com Tucuruí I e II à frente, seguidas pela parte brasileira de Itaipu, Xingó e Paulo Afonso IV, estas duas localizadas no rio São Francisco. Apesar do custo menor e de ser uma fonte renovável, a construção de hidrelétricas sofre resistências de ambientalistas por conta dos impactos ambientais na flora e na fauna, como desmatamento da área a ser alagada e alteração no processo reprodutivo de peixes, e impactos sociais nas populações ribeirinhas, que, por vezes, têm de ser realocadas.

Cabe destacar, ainda, o desequilíbrio na produção e no consumo de energia elétrica no Brasil. O gráfico 4 (EPE, 2011: 45) mostra a geração de energia elétrica por região brasileira e a tabela 4 (ibid.: 68) discrimina o consumo de eletricidade também por região brasileira. O Sudeste, por exemplo, produz 36,7% da energia elétrica brasileira, mas consome 53,5%.

tabela-gravata 3: Maiores hidrelétricas brasileiras.

Nome

Potência (kW)

Região

Tucuruí I e II

8370000

Norte

Itaipu (parte brasileia)

6300000

Sul

Ilha Solteira

3444000

Sudeste

Xingó

3162000

Nordeste

Paulo Afonso IV

2462400

Nordeste

Itumbiara

2082000

Sudeste

São Simão

1710000

Sudeste

Governador Bento Munhoz da Rocha Neto (Foz do Areia)

1676000

Sudeste

Jupiá (Eng. Souza Dias)

1551200

Sudeste

Porto Primavera (Eng. Sérgio Motta)

1540000

Sudeste

Gráfico 4: Geração de energia elétrica, no Brasil, por região geográfica.

tabela-gravata 4: Consumo de energia elétrica, no Brasil, por região geográfica.

2006

2007

2008

2009

2010

∆%(2010/2009)

Part. % (2010)

Brasil

356.129

377.030

388.472

384.306

415.277

8,1

100,0

Norte

21.552

22.850

23.873

24.083

26.237

8,9

6,3

Nordeste

59.060

62.367

65.103

65.244

71.190

9,1

17,1

Sudeste

195.131

206.785

209.944

204.555

221.976

8,5

53,5

Sul

59.694

62.996

65.900

65.528

69.563

6,2

16,8

Centro-Oeste

20.692

22.031

23.652

24.896

26.310

5,7

6,3

Para os próximos anos, os desafios do setor de energia elétrica no Brasil são o ganho de eficiência; o barateamento da energia; a sustentabilidade, em especial na hidroeletricidade; e o vencimento das licitações em um curto período de tempo. Em relação ao ganho de eficiência, os smart grids permitirão que qualquer produção de energia elétrica seja incorporada ao sistema, além de reduzir perdas. Genilson Cezar (2011: F11) lembra que [...] enquanto aguardam a definição das diretrizes governamentais para a adoção da rede inteligente (smart grid, em inglês) no país, fabricantes de sistemas e equipamentos, distribuidoras de energia e associações de classe ligadas ao setor elétrico aprofundam estudos, desenvolvem projetos pilotos e ampliam seus investimentos. O objetivo é introduzir novas tecnologias de informação e conceitos inovadores de gestão dos fluxos de energia elétrica que viabilizarão uma mudança radical no modelo de negócio das empresas. E na infraestrutura de atendimento de milhões de consumidores. [...] Afinal, a rede elétrica brasileira é hoje um sistema integrado que articula 2.335 unidades de geração com uma capacidade de 113.55 MW. Elas estão conectadas a 97 mil quilômetros de linhas de transmissão e 2,35 milhões de linhas de distribuição. Tudo isso para atender a 47 milhões de unidades consumidoras. Na prática, o smart grid consiste em implantar medidores inteligentes que vão mensurar e informar com precisão dados de consumo da rede elétrica. O barateamento da energia elétrica favoreceria a redução do custo Brasil, uma das principais reclamações da indústria nacional. No caso da siderurgia, por exemplo, o impacto do custo da energia é considerável, o que tem levado empresas eletrointensivas a investir cada vez mais em

autoprodução. Segundo Roberto Rockmann (2011: F4), [...] com uma matriz semelhante, o consumidor canadense tem uma tarifa 64% mais barata do que a brasileira. Na siderurgia, as usinas chinesas operam com preços da energia até 80% mais baixos do que os das produtoras nacionais de aço. Já o Paraguai, onde a energia é 60% inferior, começa a trair fabricantes de alumínio provenientes no Brasil. Uma das explicações para esse paradoxo é a carga tributária – encargos e tributos respondem por cerca de metade da conta de luz. [...] Desde 1985, o país não presencia a construção de nenhuma fábrica de alumínio primário. O problema está no preço da energia, principal custo de um setor eletrointensivo, para converter alumina (produto obtido do minério de bauxita) em alumínio. Sem estímulos, o país pode se transformar apenas em um grande exportador de produto básico. [...] As exportações de alumina estão em expansão. Em 2007, estavam em 3,8 milhões de toneladas. Em 2010, pularam para 6,4 milhões de toneladas. Poderão crescer ainda mais, já que a capacidade de produção do segmento, que em 2009 estava em 8,6 milhões de toneladas, pode passar para 13 milhões de toneladas em 2013, caso todos os projetos em andamento saiam do papel no cronograma. [...] A vilã é mesmo a carga tributária que incide sobre a energia. No final do governo Lula, em 30 de dezembro de 2010, a Reserva Global de Reversão (RGR), encargo que deveria ter sido extinto naquela ocasião, foi prorrogado até 2035. Criado em 1957 para cobrir custos de eventuais reversões de concessões do setor elétrico o encargo corresponde a 1,27% da tarifa de energia. Criada em 1973, a Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis (CCC) foi instituída para o financiamento de custos com a geração de energia à base de combustíveis fósseis, principalmente nos sistemas isolados situados basicamente na região Norte, isolada do resto do país. Quanto à sustentabilidade, a geração hidrelétrica traz duas técnicas que podem reduzir impactos: o de usina-plataforma e o de usinas a fio d’água. Aquela é inspirada “nas plataformas de petróleo, em que os operários são deslocados para longos turnos de trabalho em moradias temporárias” (ROCKMANN, 2011: F4), reduzindo consideravelmente os impactos durante a construção; as usinas a fio d’água permitem a diminuição de áreas alagadas, já que aproveitam a vazão do rio. Contudo, [...] reduzir o tamanho do reservatório significa também diminuir a energia armazenada, uma vez que no período de chuvas os grandes reservatórios acumulam água para geração posterior. Em períodos de estiagem, o trabalho é inverso, o que exige o acionamento de outras fontes para dar segurança ao sistema (RITTNER, 2011: F1).

O vencimento dos contratos de concessão já em 2015 tem deixado governo e empresas ansiosos sobre qual solução será tomada, e para isso há duas possibilidades – a prorrogação das concessões ou a relicitação destas. Para o primeiro caso, por um lado, há que se ajustar a legislação, já que concessões não podem ser prorrogadas, e haveria menor transparência no preço da energia se comparado ao constante em uma licitação. Por outro, facilitaria a manutenção dos investimentos previstos, e poderia reduzir o desequilíbrio entre mercado cativo e mercado livre. No caso de relicitação, haveria concordância com a legislação vigente. Contudo, seria necessário regulamentar a apuração das indenizações a serem pagas às concessionárias e quais entidades seriam responsáveis por esse levantamento. Poderia ocorrer a diminuição da competitividade e os ativos existentes poderiam reduzir “os recursos disponíveis para investimento na expansão da capacidade de geração” (RITTNER, 2011: A3).

II) Petróleo O petróleo é militarmente importante desde a 1ª Guerra Mundial. A Alemanha, após o armistício, tentou exercer maior influência sobre as repúblicas do Cáucaso, especialmente o Azerbaidjão, cuja capital, Baku, “era a maior cidade produtora de petróleo do Oriente Médio” (FROMKIN, 2008: 385) em 1918. De acordo com David Fromkin (loc. cit.), neste ano, [...] a importância militar do petróleo começava a ser reconhecida, de modo geral. Antes da guerra, o Almirantado de Churchill mudara o combustível dos navios da Marinha para petróleo e, durante a guerra, os Aliados passaram a contar com muitos caminhões também movidos a petróleo no transporte terrestre. Tanques e aeronaves tinham começado a receber a merecida fama nos últimos dias da guerra; também consumiam grandes quantidades de petróleo. Em 1918, o governo de Clemenceau na França e o Departamento da Marinha dos Estados Unidos reconheceram que o petróleo se tornara crucial. Desse modo, o petróleo foi assumindo o lugar do carvão como base energética industrial-militar. Contudo, para que isso ocorresse, houve, primeiramente, a necessidade de tornar a atividade petrolífera uma atividade industrial de larga escala, o que somente aconteceu com a [...] companhia Standard Oil, de John Rockfeller. A Standard Oil foi a companhia pioneira do padrão de grande organização industrial internacionalizada, que tão fundamental foi para o

desenvolvimento da economia capitalista moderna no século XX. [...] Quando da criação da Standard, havia diversas refinarias e companhias de E&P19 nos EUA, mais de duzentas companhias adicionando os dois segmentos da cadeia petrolífera. O monopólio da Standard Oil foi obtido através da busca de economias de escala, escopo e de integração na indústria de petróleo: a princípio a Standard Oil se tornou monopolista do refino de petróleo, via compra das demais refinarias e controle do transporte de derivados, tornando-se assim formadora de preços e de quantidades para a venda às companhias distribuidoras de derivados, e também monopsonista (única demandante) da compra de óleo bruto junto às companhias produtoras de óleo cru, em função de ser monopolista do refino. Logo, a Standard Oil se tornou monopolista integrada verticalmente em todos os segmentos da cadeia do petróleo (E&P, transporte de cru, refino, transporte de derivados e distribuição). A partir desta total integração, obteve grandes economias de escala, escopo e de custos de transação. [...] Dado seu enorme poder econômico, foi desmembrada em trinta e três companhias pela Suprema Corte dos EUA, em 1911, com base no Sherman Act, de 1890, que foi o início do que hoje se conhece como o aparato jurídico de defesa da concorrência. [...] A partir do desmembramento da Standard Oil, o desenvolvimento da indústria americana de petróleo prosseguiu baseado na coexistência de grandes majors, internacionalizadas e integradas verticalmente, com companhias menores, especializadas em apenas um dos segmentos da cadeia petrolífera (CANELAS, 2004: 15-16). Na década de 1920, após o petróleo ter seu uso militar confirmado, e em decorrência da disputa entre a Standard Oil of New Jersey (futura Exxon, e depois Exxon Mobil) e a Royal-Dutch Shell, foi firmado o Acordo de Achnacarry, que estabelecia a divisão do mercado mundial pelas grandes companhias petrolíferas, formando um dos mais poderosos cartéis da história do capitalismo mundial. As “sete irmãs” em 1928 eram Exxon; Texaco; Mobil Oil (que se juntou à Exxon); Gulf Oil; Standard Oil da Califórnia ou Chevron (que se fundiu à Texaco); Royal-Dutch Shell; e, por fim, British Petroleum (antiga Anglo Persian; comprou a americana Amoco)20. O primeiro revés sofrido pelo cartel foi a nacionalização da produção petrolífera mexicana, com a criação da PEMEX, em 1938. Isso desencadeou um processo semelhante em diversos outros países ao longo das duas décadas seguintes. O Brasil criou a Petrobras em 1953, em meio a um intenso debate ideológico marcado pela oposição entre capitalismo e comunismo e entre desenvolvimento nacionalista e desenvolvimento associado. No caso brasileiro, prevaleceu o

nacionalismo, e a Petrobras, décadas depois, tornou-se uma das maiores empresas mundiais do setor, com tecnologia de ponta em exploração em águas profundas. André Luís de Souza Canelas (2004: 18) lembra que, “em 1950, as majors já controlavam 48% das jazidas mundiais, 70% da capacidade de refino, e 66% da frota de petroleiros e dos mais importantes dutos”. Seu poder econômico se ampliava na medida em que a demanda por energia crescia exponencialmente – a reconstrução no pós-guerra da Europa e de outros países, o espraiamento da industrialização no mundo, e o uso dos automóveis e de motores a combustão interna como meio de transporte, também por conta da urbanização, fizeram com que o petróleo assumisse a liderança na composição da matriz energética mundial. O autor lembra que os primeiros a utilizar o petróleo como arma política foram os EUA e a GrãBretanha, no boicote às exportações iranianas ocorrido logo após a nacionalização do petróleo do Irã. Esse episódio culminou com o golpe patrocinado pelos EUA que instaurou o regime do xá, em 1953, e consolidou a hegemonia americana, ao manter “a Europa Ocidental dependente do fornecimento [de petróleo] por empresas dos Estados Unidos” (FUSER, 2008: 93). Outra consequência foi a vinculação de bancos e de fusões no setor às empresas petrolíferas. O controle dos preços internacionais da commodity trouxe forte descontentamento aos países produtores, resultando na criação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), em setembro de 1960. O governo americano, a fim de proteger seu mercado interno, forçou a queda do preço internacional, gerando insatisfação nos países produtores, em especial o Iraque, que optou pela nacionalização. Mais uma vez, os EUA optaram pelo golpe, e forneceram apoio ao Partido Baath, que recebeu da CIA a lista dos comunistas a serem executados. Anos depois, em 1967, a Guerra dos Seis Dias ocasionou o primeiro embargo – fracassado – dos países produtores do Oriente Médio, e o Iraque nacionalizou a produção de um grande campo ainda inexplorado, tendo recebido apoio técnico soviético. Contudo, mais importante que os processos de nacionalização foi a posição líbia em face da concorrência das companhias em seu território. A Occidental dependia fortemente do petróleo líbio e, por isso, viu-se obrigada a aceitar as exigências de Kaddafi, de 55% participação nos lucros e de aumento nos preços. Logo depois, a OPEP ratificaria esse percentual.

Em 1972, o Iraque havia nacionalizado sua produção e a Arábia Saudita, seguida pelas demais monarquias do Golfo Pérsico, havia adquirido participação em companhias petrolíferas. Contudo, em 1973, outra guerra entre países árabes e Israel alteraria o quadro da exploração do petróleo no Oriente Médio. A guerra do Yom Kippur fez com que a decisão do preço da commodity fosse unilateral pela primeira vez, e o petróleo passou de US$ 3,01 para US$ 5,12 por barril. Ademais, os níveis de produção também passaram a ser definidos pela OPEP. Outros fatores que possibilitaram o aumento dos preços foram a retirada de tropas britânicas do Oriente Médio em 1971, impedindo ação militar imediata; o fortalecimento da OPEP como instituição; e o aumento das importações de petróleo pelos EUA e sua incapacidade de aumentar a produção interna. Em dezembro de 1973, “os ministros dos países árabes e do Irã, reunidos em Teerã, aumentaram o preço para US$ 11,65 por barril – quatro vezes o valor vigente dois meses antes” (ibid.: 126), como mostra o gráfico 5 (BP, 2011: 15). O embargo inicialmente dirigiu-se apenas aos EUA, sendo estendido para outros países. O Brasil esteve entre os mais prejudicados, já que dependia quase totalmente do petróleo importado. Uma das consequências do embargo foi a estagflação. Marcio Garcia (2001) afirma que [...] choques negativos de oferta, ensinam os modelos macroeconômicos, causam queda no PIB e aumento de inflação. A estagflação dos anos 70, deflagrada pelo choque do petróleo, é um bom exemplo de tal combinação perversa. Não se deve confundir os efeitos de choques negativos de oferta com os efeitos de choques negativos de demanda (política monetária ou fiscal contracionistas, por exemplo), que são também a queda do PIB, mas acompanhados de queda da inflação. Ou seja, ambos os choques negativos causam queda no PIB, mas a inflação cai num caso (demanda) e sobe no outro (oferta).

Gráfico 5: Variação do valor do barril de petróleo – 1861-2011.

Outras consequências foram o desafio à hegemonia global americana, em uma década especialmente problemática para os estadunidenses; a aceleração das nacionalizações de companhias petrolíferas; o aumento substancial da renda dos países produtores de petróleo; e o fortalecimento do nacionalismo nos países do Oriente Médio (FUSER, 2008: 130-31). No Brasil, o primeiro choque do petróleo marca o fim do Milagre Econômico e o modelo de desenvolvimento econômico utilizado, bastante dependente das importações de bens de capital e de petróleo, contribuiu para “a dependência e a vulnerabilidade financeira externa da economia” (HERMANN, 2005: 95). Contudo, “diante do elevado coeficiente de importação do petróleo da economia brasileira à época, esse choque converteu uma situação de dependência externa em um quadro de restrição externa a partir de 1974” (HERMANN, 2005: 96). Além disso, houve forte deterioração da balança comercial brasileira, agravada pela recessão nos países industrializados, os quais passaram a importar menos. Segundo Jennifer Hermann (ibid.: 97), [...] as dificuldades dos países em desenvolvimento no comércio internacional foram aliviadas, paradoxalmente, por outro efeito do choque do petróleo: a forte entrada de petrodólares no mercado financeiro internacional. A partir de 1974, as receitas de exportação dos países membros

da OPEP começaram a migrar para os países industrializados [que haviam elevado os juros], em busca de retorno financeiro. O ingresso de capital estrangeiro nesses países promoveu forte expansão dos recursos à disposição dos bancos locais, estimulando seu “apetite” por investimentos de maior risco, já que, naquele período, a regulamentação financeira impunha “tetos” às taxas de juros das operações domésticas. Assim, os petrodólares acabaram financiando os déficits de conta corrente de países endividados, como o Brasil. A principal consequência política do primeiro choque do petróleo foi a utilização das Nações Unidas como forma de reverberar o conflito entre palestinos e israelenses, sendo este utilizado também no conflito Leste-Oeste. Em 1974, a Organização para a Libertação da Palestina foi reconhecida como observadora da ONU e foi assegurado o direito dos palestinos a um Estado soberano. Em 1975, houve a condenação do sionismo como uma forma de racismo e de discriminação, votação da qual o Brasil, obviamente, foi a favor. Anos depois, essa resolução foi revogada. As consequências para a matriz energética brasileira desse primeiro choque foram duas – o desenvolvimento do programa nuclear brasileiro, do qual trataremos no tópico sobre energia nuclear, e o desenvolvimento do Proálcool, que tornou o país referência mundial em biocombustíveis, que comentamos no tópico homônimo à frente. Para a economia e para a política, a derrota da Aliança Renovadora Nacional (ARENA) nas eleições de 1974 e os investimentos realizados durante o Milagre Econômico confirmaram a necessidade de manter o crescimento econômico, o que foi conseguido por meio da deterioração do balanço de pagamentos e de déficit constante na balança comercial. A política de controle dos preços de petróleo prolongou-se até meados da década de 1980, quando a Arábia Saudita, que funcionava como moderadora dos preços na OPEP, promoveu um contrachoque em 1986. Contudo, os projetos alternativos de energia ​desenvolvidos ao longo da instável década de 1970, quando houve os dois choques de oferta de petróleo, amadureceram e reduziram a dependência mundial por esta commodity. O resultado foi a progressiva redução dos preços, que culminariam na Guerra do Golfo, em 1990-1991. Uma das razões para o Iraque invadir o Kuwait foi a necessidade de recursos após a longa guerra contra o Irã, que transformou o Estado iraquiano de próspero em severamente endividado, situação

esta agravada pela queda nos preços internacionais do petróleo. A saída encontrada por Saddam Hussein foi invadir o Kuwait, que, acreditava o ditador, não receberia auxílio dos EUA. Para Igor Fuser (2008: 179), [...] o Iraque e o Kuwait possuíam, somados, 20% das reservas de petróleo do mundo. Se Saddam conseguisse consolidar a anexação do Kuwait, avaliaram os integrantes do CSN [Conselho de Segurança Nacional estadunidense], em pouco tempo estaria em condições de exercer forte influência sobre os preços e as condições de fornecimento do petróleo do Golfo Pérsico. Nessas circunstâncias, a correlação de forças no Oriente Médio se alteraria radicalmente, em prejuízo dos Estados Unidos e de seus aliados na região, principalmente Israel. No primeiro embate, os EUA sagraram-se vencedores da guerra, mas não viram suas expectativas se concretizarem na política interna e tampouco na política externa – Bill ​Clinton assumiu a presidência, e Saddam Hussein não foi deposto pelos iraquianos. Como as sanções econômicas não poderiam ser mantidas indefinidamente, e se fossem endurecidas correr-se-ia o risco de comprometer o mercado mundial de combustíveis, os EUA teriam de reformular sua política para o Iraque, que mantém a quarta maior reserva de petróleo do mundo. Os americanos precisariam, ainda, contrabalançar o peso saudita na produção e assegurar o controle sobre a commodity cada vez mais disputada por outros países além dos EUA, como Índia, China, Japão e União Europeia. Especulava-se sobre a cotação mundial de petróleo ser realizada em euro e havia, ainda, a hostilidade de países com reservas mundiais que estavam entre as maiores do mundo, como Venezuela, Irã e o próprio Iraque de Saddam Hussein. O curso da História todos sabemos: os EUA escolheram invadir este país sob a falsa alegação de que o regime ditatorial possuía armas de destruição em massa. As maiores reservas mundiais, hoje, localizam-se na Arábia Saudita (19,1% do total), na Venezuela (12,1%), no Irã (9,9%), no Iraque (8,3%), no Kuwait (7,3%) e nos Emirados Árabes Unidos (7,1%). O gráfico 6 (BP, 2011: 7) mostra a variação das reservas mundiais de petróleo nos anos 1990, 2000 e 2010. Ainda de acordo com o anuário da BP (2011: 7), “um aumento nas estimativas oficiais das reservas petrolíferas venezuelanas aumentou a relação entre reservas e produção para 93,9 anos – a mais alta do mundo, ultrapassando o Oriente Médio”.

Gráfico 6: Crescimento das reservas provadas de petróleo para os anos de 1990, 2000 e 2010.

Os maiores produtores mundiais de petróleo são Rússia (12,9% do total produzido no mundo), Arábia Saudita (12%), EUA (8,7%), Irã e China (5,2% cada), Canadá (4,2%), México (3,7%), EAU (3,3%), Venezuela (3,2%), Iraque e Kuwait (3,1% cada). Os maiores ​consumidores, por sua vez, são EUA (21,1% do total consumido no mundo), China e Hong Kong (11%), Japão (5%), Índia (3,9%), Rússia (3,7%), Arábia Saudita (3,1%), Brasil e Alemanha (2,9% cada), Coreia do Sul (2,6%) e Canadá (2,5%) (BP, 2011: 8-9). Se considerarmos o consumo per capita, como vemos no mapa 14 (ibid.: 12), a liderança mundial passa para Canadá, Arábia Saudita, EUA e alguns países europeus. O mapa 15 (ibid.: 19) mostra os principais fluxos de petróleo no globo, e o mapa 16 (ANP, 2011: 117), a rede brasileira de oleodutos.

Mapa 14: Consumo per capita de petróleo por países do mundo, em tep.

Mapa 15: Principais fluxos mundiais de petróleo.

No Brasil, as reservas de petróleo concentram-se no Estado do Rio de Janeiro, com 82,2% do total. O Espírito Santo possui 9,4% e os demais Estados, 8,4%. O país é o décimo segundo maior produtor de petróleo do mundo, com 750 milhões de barris/dia, e a produção de petróleo é liderada pelo Estado do Rio de Janeiro, com 79,3% do total produzido no ano de 2010. Seguem-no Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Bahia, Sergipe e Amazonas (ANP, 2011: 79-82). O consumo dessa commodity tem crescido no Brasil, mas hoje somos exportadores líquidos de petróleo, como mostra a tabela 5 (ibid.: 130). tabela-gravata 5: Dependência externa de petróleo e de seus derivados.

Dependência externa de petróleo e seus derivados (mil m3/dia) Especificação

10/09 % 2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

Produção de petróleo (a)

211,9

238,4

246,8

244,6

272,3

287,6

291,4

301,9

322,6

339,8

5,34

Importação líquida de petróleo (b)

48,7

23,1

16,2

36,9

16,6

–1,2

2,5

–3,9

–21,1

–46,5



Importação líquida de derivados (c)

7,2

5,0

–5,1

–11,1

–13,9

–9,0

–4,6

5,3

2,1

37,2



Consumo aparente (d)=(a)+(b)+(c)

267,8

266,4

257,9

270,5

275,0

277,4

289,3

303,3

303,7

330,5

8,85

Dependência externa (e)=(d)–(a)

55,8

28,0

11,1

25,9

2,7

–10,2

–2,1

1,4

–18,9

–9,3



Dependência externa (e)/(d)%

20,9

10,5

4,3

9,6

1,0

–3,7

–0,7

0,5

–6,2

–2,8



Quanto ao refino, os países que possuem as maiores capacidades de processar petróleo são os EUA (19,2% do total refinado no mundo), a China (11%), a Rússia (6,1%), o Japão (4,9%), a Índia (4%), a Coreia do Sul (3%), a Itália (2,6%) e o Brasil, a Alemanha e a Arábia Saudita (2,3% cada) (ibid.: 97-101; BP, 2011: 16). No Brasil, as unidades de refino de petróleo e gás, na legenda do mapa 17 (ANP, op. cit.: 105), são: UPGN – Unidade de Processamento de Gás

Mapa 16: Rede brasileira de oleodutos.

Mapa 17: Unidades de refino e processamento de petróleo e de gás natural em 2010.

Natural; UAPO – Unidade de Ajuste do Ponto de Orvalho; UFL – Unidade de Fracionamento de Líquidos de Gás Natural; UGN – Unidade de Gás Natural; UPCGN – Unidade de Processamento de Condensado de Gás Natural; URGN – Unidade de Recuperação de Gás Natural; URL – Unidade de

Recuperação de Líquidos de Gás Natural; e as formuladoras de outros produtos, como combustíveis. Ainda sobre a capacidade de refino no Brasil, de acordo com o anuário da ANP (2011: 109), [...] as [refinarias] localizadas no Estado de São Paulo foram responsáveis pela produção de 45,4 milhões m³ de derivados, o equivalente a 42,5% da produção nacional das refinarias em 2010. A Replan (SP) foi responsável pela produção de 19,3 milhões m³ de derivados, ou seja, 18,1% do total das refinarias, destacando-se também na produção de derivados energéticos (18,4%). Além disso, foi a refinaria que mais produziu gasolina A (17,7% do total), óleo diesel (24%) e coque (42,9%). A Revap (SP) foi a principal produtora de QAV (39,7%), enquanto a RPBC (SP) se destacou na produção de solventes (44,5%), e a Regap (MG) na de asfalto (22,8%). Já a Reduc (RJ) foi a maior produtora de derivados não energéticos (20,2%), destacando-se na produção de óleo lubrificante (76,2%). Por sua vez, a RLAM (BA) foi a refinaria que mais produziu GLP (17%), óleo combustível (30,7%), nafta (23,4%) e parafina (93,8%). Parte da produção de petróleo no mundo está associada à produção de gás natural, que se tornou alternativa menos poluente àquela fonte de energia. Falemos, agora, a respeito do gás natural.

III) Gás natural O gás natural é encontrado na natureza em uma composição que atinge 82% de gás metano, e, após passar por processos industriais, tem essa percentagem aumentada em até 95%, sendo chamado de gás natural liquefeito (GNL). Isso permite melhor aproveitamento energético da commodity, que tem como vantagens ser menos poluente que o petróleo e oferecer menos riscos de acidentes como explosões. O gráfico 7 (ANP, 2010: 38) evidencia a composição química dessa fonte energética.

Gráfico 7: Composição química do gás natural e do GNL.

A cadeia produtiva do GNL perfaz seis etapas: exploração, produção e processamento do gás

natural; transporte até a planta de liquefação, local em que é transformado em estado líquido; transporte; armazenamento; transporte até a planta de regaseificação, em que retorna ao estado gasoso; e, por fim, a distribuição ao consumidor final. A figura 3 (ANP, 2010: 12) exemplifica esse processo, cujo domínio técnico permite importar GNL de qualquer produtor e reduzir a dependência dos gasodutos terrestres.

Figura 3: Cadeia produtiva do GNL.

Isso aconteceu com o Brasil, que dependia fortemente do gás natural boliviano, mas que, com as plantas de regaseificação de Pecém e da Baía de Guanabara, não esteve mais tão vulnerável às instabilidades políticas de nosso vizinho. O gás natural também exerce forte apelo geopolítico na Europa, uma vez que a Rússia supre boa parte das necessidades dessa commodity e já utilizou o fornecimento de gás natural para criar tensões políticas envolvendo a vizinha Ucrânia. O controle das rotas de gás também é bastante disputado entre EUA, Europa, Rússia e países do Extremo Oriente. O gás natural tem participado mais na matriz energética mundial, com aumento de 7,4% desde 1984, embora o mercado desse produto seja “predominantemente regional, ou seja, os países exportadores se dedicam ao atendimento dos países importadores mais próximos, [mesmo com] as recentes reduções de custos nesta modalidade de transporte” (ANP, 2010: 25). As maiores reservas mundiais estão na Rússia, com 23,9% do total mundial; seguem-na Irã (15,8%); Qatar (13,5%);

Arábia Saudita e Turcomenistão (4,3% cada); EUA (4,1%); EAU (3,2%); Venezuela (2,9%); Nigéria (2,8%) e Argélia (2,4%) (BP, 2011: 20). Os maiores produtores são os EUA, com 19,3% da produção mundial, acompanhados por Rússia (18,4%); Canadá (5%); Irã (4,3%); Qatar (3,6%); Noruega (3,3%); China (3%); Arábia Saudita e Indonésia (2,6%); Argélia (2,5%); Holanda (2,2%) e Malásia (2,1%). Os EUA são os maiores consumidores, com 21,7% do total demandado; em seguida a Rússia (13%); Irã (4,3%); China (3,4%); Japão e Reino Unido (3% cada); Alemanha e Arábia Saudita (2,6%) e Itália (2,4%) (ibid.: 22-3). Quanto ao consumo per capita, destacam-se EUA, Rússia, Holanda, Turcomenistão e Arábia Saudita, como vemos no mapa 18 (ibid.: 26).

Mapa 18: Consumo per capita de gás natural por países do mundo, em tep.

O mapa 19 (ibid.: 29) detalha os principais fluxos mundiais de gás natural, por terra e por mar. A Rússia é o grande abastecedor de gás natural da Europa, destacando-se também o fluxo interno da América do Norte e o gasoduto Brasil-Bolívia. Por via marítima, destacam-se o Qatar, Trinidad e Tobago e Nigéria, além de alguns pontos de distribuição no Extremo Oriente. No Brasil, o mapa 20 (ANP, 2011: 118) mostra a rede de gasodutos no Brasil.

Mapa 19: Fluxo internacional de gás natural, por terra e por mar.

Mapa 20: Rede brasileira de gasodutos.

No Brasil, as maiores reservas provadas de gás natural encontram-se nos Estados do Rio de Janeiro, Amazonas, São Paulo, Espírito Santo e Bahia. Quanto à produção, essa ordem se inverte – o Rio de Janeiro e o Amazonas mantêm-se nos primeiros lugares, mas a terceira maior produção de gás, no Brasil, é da Bahia. Seguem-na Espírito Santo e Sergipe. O consumo, ou melhor, o processamento da commodity, ocorre nos Estados do Amazonas, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. O mapa 20 acima geografa essas unidades.

IV) Carvão O carvão foi de extrema importância para a Revolução Industrial. Hobsbawn (2004: 71) conta que “o carvão tinha a vantagem de ser não somente a principal fonte de energia industrial do século XIX, como também um importante combustível doméstico, graças em ​grande parte à relativa escassez de florestas na Grã-Bretanha”. Ainda segundo o autor (ibid.: 71-72), [...] o crescimento das cidades, especialmente de Londres, tinha causado uma rápida expansão da mineração do carvão desde o final do século XVI. Por volta de princípios do século XVIII, a

indústria do carvão era substancialmente uma moderna indústria primitiva, mesmo empregando as mais recentes máquinas a vapor (projetadas para fins semelhantes na mineração de metais não ferrosos, principalmente na Cornuália) nos processos de bombeamento. Portanto, a mineração do carvão quase não exigiu nem sofreu uma importante revolução tecnológica no período que focalizamos. Suas inovações foram antes melhorias que transformações da produção. Mas sua capacidade já era imensa e, pelos padrões mundiais, astronômica. Em 1880, a Grã-Bretanha deve ter produzido perto de 10 milhões de toneladas de carvão, ou cerca de 90% da produção mundial. Seu competidor mais próximo, a França, produziu menos de 1 milhão. Esta imensa indústria [...] era grande o bastante para estimular a invenção básica que iria transformar as indústrias de bens de capital: a ferrovia. [...] Tecnologicamente, a ferrovia é filha das minas e especialmente das minas de carvão do norte da Inglaterra. A mudança da produção nas cidades, do manual para a manufatura e, desta para “a produção fabril em larga escala[,] transformou as cidades industriais em sombrias colmeias, a fumegar ativamente, [...] algumas vezes durante as vinte e quatro horas [do dia]” (MUM​FORD: 1998: 483). Além disso, “a rotina escrava das minas, cujo trabalho constituía um castigo intencional para os criminosos, tornou-se o ambiente normal do novo trabalhador industrial” (loc. cit.). Juntamente às minas, a fábrica e a ferrovia tornaram-se “os agentes geradores da nova cidade” (loc. cit.), chamada de Coketown por Mumford. O carvão esteve na origem dos conflitos entre França e Alemanha desde o século XIX, já que a Alsácia-Lorena possui minas de carvão, de ferro e de potássio funda​mentais para a indústria. Outra área carbonífera importante é o Ruhr, na Alemanha, centro “dos esforços de guerra alemães durante as duas guerras mundiais. Este território, ocupado pela França de 1923 a 1925, era objeto de cobiça devido a sua capacidade de produção” (AGENCE..., 2008: 8). Ademais, esteve sob tutela da Autoridade Internacional do Ruhr de 1949 a 1952. Neste mesmo ano, foi criada a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA). Vinte anos depois, somente a Lorena21 (Lorraine) concentrava 26% do carvão, 94% do minério de ferro e 66% do aço de toda a França (ABRIL CULTURAL, 1971: 68), o que mostra a importância desse minério para a economia francesa nesse período. Contudo, outras fontes de energias, as limitações naturais, como poder calorífico baixo, e fatores econômicos como centros consumidores distantes e a isenção

de taxas causada pela CECA exigiram a reestruturação da matriz energética francesa. Essa reestruturação, contudo, não foi acompanhada globalmente e, de fato, o uso industrial do carvão aumentou em quantidade, mais de 70%, e em percentual, de 56% para 77%, quando comparamos com a década de 1970, segundo o gráfico 8 (IEA, 2011: 32). A produção de carvão mineral está concentrada em sete países: China, que produz 48,3% do total; EUA, com 14,8%; Austrália, com 6,3%; Índia, com 5,8%; Indonésia, 5%; Rússia, 4%; e, por fim, África do Sul, 3,8%. Este minério perfaz 27,2% da oferta mundial de energia, e atinge 40,6% quando consideramos apenas a geração de energia elétrica. O Brasil produz apenas 0,1% do total mundial, e o carvão mineral representa 5,1% da matriz energética brasileira e 1,3% da geração de energia elétrica no país. O Rio Grande do Sul é o maior produtor brasileiro, com 54,8% da produção de carvão, seguido por Santa Catarina, com 43,6% e pelo Paraná com o restante. Contudo, quando considerado o valor da produção, Santa Catarina assume a liderança com 65,7% do total, tendo o Rio Grande do Sul 32,1%, e o Paraná 3,3%. A importação destina-se fun​damentalmente às siderúrgicas, e os países que mais exportam para o Brasil são EUA, Austrália, Colômbia, Canadá e China (ANEEL, 2008; EPE, 2007; EPE, 2011a; EPE, 2011b).

Gráfico 8: Consumo mundial de carvão, segundo a finalidade, nos anos de 1973 e 2009.

Os principais exportadores mundiais de carvão são: Austrália, Indonésia, Rússia, Colômbia e

África do Sul, e os maiores importadores são: Japão, China, Coreia do Sul, Índia, Taiwan e Alemanha. As maiores reservas do minério estão nos EUA, que detêm 27,6% do total comprovado no mundo. Em seguida, estão Rússia (18,2%), China (13,3%), Austrália (8,9%), Índia (7%), Alemanha (4,7%), Cazaquistão e Ucrânia (3,9% cada) e África do Sul (3,5%) (BP, 2011: 32). Os maiores consumidores são a China, que importa 0,1% das necessidades domésticas, sendo responsável, portanto, por quase metade do consumo mundial de carvão (48,2%). Os EUA consomem 14,8%; a Índia, 7,8%; o Japão, 3,5%; Rússia, 2,6%; África do Sul, 2,5%; Alemanha, 2,2%; e a Coreia do Sul, 2,1% (ibid.: 33). Em relação ao consumo per capita, destacam-se EUA, Cazaquistão, República Tcheca, Polônia, China, Coreia do Sul, Japão, Rússia, Alemanha e Reino Unido, como mostra o mapa 21 (ibid.: 34).

Mapa 21: Consumo per capita de carvão por países do mundo, em tep.

V) Nuclear A energia nuclear para fins pacíficos é posterior ao seu uso bélico. O Projeto Manhattan, de fabricação da bomba atômica, culminou com as explosões nucleares de Hiroshima e Nagasaki. Após esse episódio da 2ª Guerra Mundial, a energia nuclear tornou-se uma possibilidade, apesar de a política praticada pelos EUA ser “uma cooperação de mão única, em que todos os países em condições de cooperar com tecnologias ou matérias-primas são convidados a fazê-lo” (CONANT & GOLD, 1981: 224), mas sem ter acesso aos resultados da energia nuclear. Hobsbawn (2004: 54)

lembra que [...] não fosse pela Segunda Guerra Mundial, e o medo de que a Alemanha nazista explorasse as descobertas da física nuclear, a bomba atômica certamente não teria sido feita, nem os enormes gastos necessários para produzir qualquer tipo de energia nuclear teriam sido empreendidos no século XX. Segundo Melvin Conant & Fern Racine Gold (loc. cit.), [...] de 1946 a 1953, a política norte-americana baseou-se na negativa total de cooperação mesmo para finalidades civis. O que se propunha no chamado “Plano Baruch”, em 1946, era a internacionalização de todas as atividades nucleares, até mesmo das minas de urânio, que passariam, sob a égide de uma agência internacional, ao controle de fato dos Estados Unidos. Com o rompimento pela Rússia e depois pela Inglaterra do monopólio norte-americano de armas nucleares, a posição dos Estados Unidos se flexibilizou. Em 1953, iniciou-se a política dos “Átomos para a Paz”, que limitava a cooperação ao fornecimento apenas de reatores de pesquisa ou de potência, e mesmo assim sob regime de salvaguardas internacionais que permitisse o controle dos materiais nucleares. O regime de salvaguardas, inicialmente bilateral, tornou-se multilateral, com a criação em 1957 da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), com o copatrocínio da Rússia. De acordo com Sombra Saraiva (2007: 204), “o avanço do projeto nuclear soviético” foi uma das reações de Stalin aos desafios iniciais da Guerra Fria. A então União Soviética adquiriu armas nucleares em 1949, no caso da bomba atômica, e em 1953, no caso da bomba de hidrogênio; “os britânicos conseguiram bombas próprias em 1952, por ironia com o objetivo de afrouxar sua dependência dos EUA” (HOBSBAWN, 2004: 233); franceses e chineses conseguiram bombas atômicas na década de 1960, embora ainda desenvolvessem seus projetos nucleares próprios nesse período. Ao fim deste decênio, “a erosão do monolitismo ideológico dos dois blocos atribuiu uma nova conotação às relações internacionais” (SARAIVA, op. cit.: 233). Para Sombra Saraiva (ibid.: 233-34), [...] a era da détente foi, sobretudo, associada às negociações para as limitações das armas nucleares. A nítida percepção da espiral do terror provocado pelos arsenais foi o lastro para a concertação dos gigantes. O primeiro marco desse novo tempo foi o Tratado de Não Proliferação

de Armas Nucleares (TNP), concluído em julho de 1968 [mas entrou em vigor em 1970]. [...] Todos os países que não haviam realizado experimentos nucleares até julho de 1967 deveriam cumprir com as obrigações estabelecidas no TNP na categoria de países não nucleares. A outra categoria, a dos países nucleares, congelava para si o poder nuclear. Os países não nucleares concordariam em renunciar ao desenvolvimento e à aquisição de armas nucleares em troca da tecnologia nuclear para fins pacíficos. Concordavam também em submeter seus programas nucleares à inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica, criada pela ONU em 1956. Assinado pelos Estados Unidos, pela União Soviética e pela Grã-Bretanha, o TNP foi imediatamente rejeitado pela China e pela França, engajadas na construção da bomba de hidrogênio e de políticas próprias de poder. O congelamento do poder mundial imposto pelo tratado foi criticado por países pobres. A posição brasileira foi de não aderir ao TNP por se recusar ao congelamento do poder mundial, embora negociasse juntamente com países latino-americanos o Tratado para a Proibição de Armas Nucleares na América Latina e no Caribe, ou Tratado de Tlatelolco22, em vigor desde abril de 1969, que “proscrevia as armas nucleares” na região, “mas facultava aos signatários a realização de experimentos que lhes abrissem caminho para o domínio próprio da tecnologia nuclear, considerada indispensável ao pleno desenvolvimento econômico” (SARAIVA, 2007: 234). Este tratado tem dois protocolos adicionais – um dirigido aos Estados responsáveis por territórios na zona de exclusão e outro às potências nucleares oficialmente reconhecidas pela comunidade internacional. Assim, EUA, Reino Unido, Holanda e França ratificaram o primeiro protocolo; e EUA, Rússia (na época URSS), China, França e Reino Unido, o segundo. Nesse sentido, entende-se a postura argentina recente de querer que o Reino Unido manifeste a ausência de armas nucleares no Atlântico Sul, em decorrência do conflito nas Falkland/Malvinas. Essa hostilidade, contudo, não se faz presente nas relações intrassistêmicas, uma vez que Brasil e Argentina transferiram “o controle de suas unidades de pesquisa para o setor civil [e] estabeleceram mecanismos próprios de inspeção por meio da Agência Argentino-Brasileira de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares [de 1991]” (ibid.: 235). Até 1998, ano em que o Brasil adere ao TNP, apenas Índia, Paquistão e Israel permaneciam sem tê-lo ratificado, realidade que se mantém hoje. A Coreia do Norte o denunciou em 2003. A atitude brasileira ocorreu “sem explicações mais

elaboradas do que uma retórica favorável ao pacifismo e ao respeito às normas internacionais” (ROCHA, 2006: 118). Desse modo, [...] o governo brasileiro simplesmente abriu mão de um importante instrumento de barganha (afinal, sempre interessou às grandes potências universalizar a adesão ao TNP) e, ao fazê-lo, esvaziou, logicamente, sua tradicional defesa de uma ordem internacional mais democrática, justa ou igualitária. [...] O País continuou tão pacífico e pouco ameaçador quanto antes e passou a ser percebido como menos coerente com suas próprias tradições de política externa (ibid.: 118-19). Em 1997, foi criado o Protocolo Adicional ao TNP, do qual o Brasil não faz parte, que autoriza a AIEA a inspecionar qualquer área de um país signatário que possa ser utilizada em programas nucleares e a ter acesso à tecnologia nuclear utilizada no país. Ao não permitir isso, o Brasil procura manter o foco das discussões do TNP no desarmamento nuclear e protege a tecnologia desenvolvida no país para enriquecimento de urânio. Esse é um dos motivos pelos quais mediamos a crise política causada pelo programa nuclear iraniano, juntamente com a Turquia. De acordo com a Marinha do Brasil (http://www.mar.mil.br/pnm/pnm.htm), [...] a tecnologia de enriquecimento de urânio é conhecida e aplicada, comercialmente, por apenas sete países, além do Brasil, a saber: EUA, França, Rússia, Grã-Bretanha, Alemanha, Japão e Holanda23. Desses países, os dois primeiros utilizam a difusão gasosa, que é considerada obsoleta, pois consome vinte e cinco vezes mais energia do que a tecnologia de ultracentrifugação, empregada pelo Brasil e demais países. Cabe ser mencionado que existe uma diferença marcante entre a tecnologia de ultracentrifugação desenvolvida no Brasil e aquela utilizada pelos outros cinco países supracitados. O rotor da ultracentrífuga desenvolvida nesses países gira apoiado em um mancal mecânico, enquanto o rotor desenvolvido no Brasil gira levitando por efeito eletromagnético, o que reduz o atrito e, consequentemente, os desgastes e a manutenção. Não existem informações de que algum outro país tenha desenvolvido tecnologia semelhante a nossa. O programa nuclear brasileiro tem como marco a criação do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) em 1951, sendo o almirante Álvaro Alberto da Mota e Silva o primeiro presidente dessa instituição e forte defensor da transferência de tecnologia nuclear ao Brasil pelos EUA, que importavam areia monazítica extraída em território nacional. O embate ideológico entre

americanistas e nacionalistas influenciou as medidas relacionadas ao minério, e no governo Café Filho as areias monazíticas eram exportadas em troca de trigo americano. Após a posse de Juscelino Kubitschek, foi criada a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), enquanto na Universidade de São Paulo foi criado o Instituto de Energia Atômica, atual Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN). Com o regime militar (JESUS, 2011: 26), [...] o governo brasileiro decidiu entrar no campo da produção da energia nucleoelétrica. A companhia americana Westinghouse forneceu o primeiro reator nacional a água pressurizada da Central Nacional Almirante Álvaro Alberto. Começou em 1972, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, a construção da usina de Angra I, cuja potência elétrica bruta é 640 megawatts hoje e cuja operação comercial foi iniciada em 1985. Logo após o início da construção de Angra I, o mundo sofreu o impacto do primeiro choque do petróleo. O aumento considerável no preço do combustível fóssil levou diversos países a buscar alternativas ao abastecimento energético, entre as quais a energia nuclear, como vemos no quadro 4 (COLIN, 2009: 101). No governo Geisel não foi diferente, e [...] sob o impacto da crise do petróleo de 1973 e da vulnerabilidade que representava a dependência externa em matéria de energia, decidiu-se por uma estratégia mais ampla e profunda que incluía não só um programa de centrais nucleoelétricas mas também todas as instalações do ciclo do combustível, com capacitação nacional em engenharia de processo e de projeto de instalações nucleares bem como na fabricação de componentes. Com essa finalidade foi organizada a Nuclebrás, como principal órgão de execução do Programa Nuclear Brasileiro, mediante a Lei n. 6.189, de 16 de dezembro de 1974 (CONANT & GOLD, 1981: 225-26). No ano seguinte, em 1975, a fim de romper com a dependência tecnológica na área nuclear, já que não era prevista a transferência de tecnologia pela Westinghouse, o Brasil assinou acordo nuclear com a República Federal da Alemanha, ao qual sucedeu uma série de manobras estadunidenses com o objetivo de impedir a cooperação tecnológica. Os problemas decorrentes desse acordo, de inviabilidade técnica a denúncias de corrupção, e a crise econômica posterior desmoralizaram o programa nuclear brasileiro.

Quadro 4: Evolução da capacidade nuclear mundial acumulada e evolução anual dessa fonte de energia.

Assim, devido ao fracasso deste, a Marinha, o CNEN e o IPEN deram início, em 1979, ao Programa Nuclear Paralelo, responsável pelo processo de enriquecimento de urânio no Brasil, que apresentava certa clandestinidade em suas operações. Estas são oficializadas, em 1988, pelo presidente José Sarney, e, nesse ínterim, a Nuclebrás passou a se chamar Indústrias Nucleares Brasileiras (INB). Logo depois, o local de testes nucleares criado pela Aeronáutica na Serra do Cachimbo é fechado pelo presidente Collor de Mello, enquanto a Marinha assumia posição de destaque

na

pesquisa

nuclear

brasileira.

Segundo

a

Marinha

do

Brasil

(http://www.mar.mil.br/pnm/pnm.htm), [...] ao final da década de 70, foram iniciados os estudos para desenvolver no Brasil a tecnologia da separação isotópica do urânio (enriquecimento), principal desafio tecnológico para a fabricação de combustível nuclear. Os resultados foram obtidos já em 1982, quando foi construída a primeira ultracentrífuga capaz de fazer a referida separação. Seis anos depois, foi inaugurada a primeira cascata de ultracentrífugas para a produção contínua de urânio enriquecido. Decorrente do domínio dessa tecnologia, a MB está fornecendo cascatas de enriquecimento de urânio para que a empresa Indústrias Nucleares do Brasil (INB) possa produzir, no País, o combustível para as usinas Angra I e II. À exceção da conversão, cuja tecnologia está dominada e depende, para a produção em escala industrial, da prontificação da Usina de Hexafluoreto de Urânio (USEXA), que encontra-se em fase final de construção, as demais etapas do ciclo do combustível (reconversão, fabricação de pastilhas, fabricação de elementos combustíveis e a capacidade para desenvolver o próprio combustível) também já estão dominadas e em operação.

A USEXA estava prevista para ser concluída em dezembro de 2001. [...] Cabe destacar o avanço que representará a prontificação da Unidade Piloto para Produção de Hexafluoreto de Urânio – USEXA – onde é feita a conversão do yellow cake em hexafluoreto de urânio (UF6), para que depois possa ser enriquecido e reconvertido em óxido de urânio, visando a fabricação de pastilhas e elementos combustíveis dos reatores de potência do tipo água pressurizada (PWR). Atualmente, essa conversão é feita na CAMECO, no Canadá (cerca de 350 t/ano), e, posteriormente, o enriquecimento é realizado no consórcio europeu URENCO, a um elevado custo em dólares (cerca de US$ 40 milhões/ano no total). Os produtores mundiais de urânio são Cazaquistão, Canadá, Austrália, Namíbia, Níger, Rússia, Usbequistão, EUA, Ucrânia, China, Malawi, África do Sul, Índia, República Tcheca, Brasil, Romênia, Paquistão e França. O urânio brasileiro é produzido em Caetité, na Bahia, pela INB. Essa mina começou a produzir em 1998, e tem capacidade de produção de 400 t/ano de concentrado de urânio (yellowcake), destinada às usinas de Angra 1 e Angra 2. Sobre essa área mineradora, descoberta na década de 1970, o diretor de recursos minerais da INB, Otto Bittencourt (SOUZA, 2011: B11) afirma que [...] na mina em operação em Caetité, o urânio tem 3 mil partes por milhão (PPM). Nas amostras que colhemos [em local próximo à área já explorada], o urânio tem 6 mil partes por milhão. No Brasil, nunca identificamos uma região tão rica quanto essa. [...] Se confirmada, a reserva poderá produzir o combustível para Angra 3 e para quatro das oito novas usinas que o governo pretende construir até 2030. [...] A mina de Caetité é a única que produz urânio não só no Brasil, mas em toda a América Latina. A reserva medida, indicada e inferida é de 100 mil toneladas de urânio – das quais 80 mil consideradas garantidas. Esse valor inclui as 34 áreas já identificadas além da área da mina em operação. Se a promessa se confirmar, são os 22 novos alvos que ampliarão as reservas para 200 mil toneladas. Com uma vantagem: com minério que tem o dobro de teor, a INB gastaria os mesmos recursos para produzir o dobro de concentrado, diz o diretor. Há projeto de iniciar a exploração da jazida de Itataia, em Santa Quitéria, no Ceará, em 2015. Nessa mina, o urânio vem associado ao fosfato, o que reduziria a necessidade de importação de fertilizantes. As reservas brasileiras ocupam a sétima posição mundial, com aproximadamente 309

mil toneladas, atrás de Austrália, Cazaquistão, Rússia, África do Sul, Canadá e EUA. Cabe ressaltar que apenas 25% do território nacional foi pesquisado e sabe-se da ocorrência desse minério no Amazonas, no Pará, no Paraná, em Goiás, em Minas Gerais, no Tocantins e na Paraíba. Acerca da segurança das operações nucleares existentes no Brasil, ISTO É (SEQUEIRA, 2011: 64) comenta sobre fatos recentemente divulgados, tornados públicos em decorrência do acidente em Fukushima: [...] [Odair Dias] Gonçalves [demitido da presidência da Comissão Nacional de Energia Nuclear], é responsabilizado [...] pelo atraso no licenciamento da usina de Caetité que paralisou a extração de urânio e obrigou o Brasil a comprar 220 toneladas do minério no Exterior, ao custo de R$ 40 milhões. [...] Mercadante [então ministro da Ciência e Tecnologia] ficou chocado ao saber que quatro reatores nucleares utilizados para pesquisa funcionam sem licença em três campi universitários. [...] Mas a gota d’água [para a demissão], para Mercadante, foi saber que Angra 2 opera há mais de uma década sem a “autorização de operação permanente”. [...] Nesse período, [Gonçalves] entrou em choque com autoridades do setor e com o corpo de fiscais nucleares. Nem o Itamaraty o tolera e pouco fez em defesa de sua candidatura para cargos na Agência Internacional de Energia Atômica. A falta de licenças de operação de reatores nucleares no Brasil não acarretou consequên​cias mais graves. A história das operações nucleares é marcada por acidentes, os mais graves listados na figura 4 (INES, 2009: 3). Nenhum foi mais grave que o de Chernobyl, devido à explosão do reator que incendiou por dez dias e lançou uma nuvem radioativa que contaminou vastas áreas da Europa e por volta de seis milhões de pessoas. Além disso, houve aumento no número de casos de câncer, especialmente de tireoide em crianças e adolescentes, má-formação de fetos, contaminação do solo e da água, e, o pior efeito de todos, o trauma em milhões de pessoas que sobreviveram ao acidente. O mais recente acidente nuclear ocorreu em Fukushima, no Japão, após um terremoto que gerou um tsunami. Não encontramos definição da AIEA para este acidente24, mas a tendência é de classificá-lo no nível 6. O mapa 22 (USDE, 2011) mostra a contaminação por material radioativo em suspensão em um raio de até 80 km de distância da planta de energia nuclear que foi danificada. Esse acidente trouxe forte questionamento dos japoneses acerca do uso da energia nuclear, e recentemente todas as centrais nucleares do país foram desligadas para manutenção e para a

checagem de medidas de emergência, em caso de novos terremotos ou tsunamis. Com Fukushima, mais uma vez o uso da energia nuclear foi questionado. Embora não emita carbono na atmosfera, os riscos possíveis em caso de acidentes são altíssimos. No Brasil, havia a previsão de construir de quatro a oito usinas nucleares até 2030, mas no Plano Decenal de Expansão de Energia 2020, já publicado, aparece apenas a construção de Angra III. Segundo este documento (EPE, 2011: 70),

Radiological

People and environment

Major accident Level 7

Chernobly,

1986.

barriers

and

controls

Defence in depth

Widespread

health and environmental effects. External release of a significant fraction of reactor core inventory. Kyshtym,

Russia,

1957.

Serious

Significant release of radioactive

accident

material to the environment from

Level 6

explosion of a high active waste tank.

Accident with Windscale

Pile,

UK,

1957.

wider

Release of radioactive material to

consequences

the environment following a fire in

Level 5

a reactor core.

Accident with Tokaimura,

Japan,

1999.

Fatal

local

exposures of workers following a

consequences

criticality

Level 4

facility.

event

at

a

nuclear

Severe damage to the reactor core.

Saint

Laurent

des

Eaux,

France, 1980. Melting of one channel of fuel in the reactor with no release outside the site. Sellafield, UK, 2005, Release

Serious incident

Three Mile Island, USA, 1979.

of large quantity of radioactive

No examples available

material contained within the

Level 3

installation. Atucha,

Argentina,

2005.

Incident

Overexposure of a worker at a

Level 2

power

reactor

annual limit.

exceeding

the

Cadarache,

France

1993.

Spread of contamination to an area not expected by design.

Vandellos, Spain, 1989. Near accident caused by fire, resulting in loss of safety system at the nuclear power station.

Forsmark. Sweden. 2006. Degraded safety functions with additional factors for common cause failure in emergency power supply system at nuclear power plant.

Anomaly

Breach of operating limits at a nuclear

Level 1

facillity.

Figura 4: Escala dos acidentes nucleares e alguns exemplos.

Mapa 22: Concentração de materiais radioativos em suspensão nas proximidades de Fukushima.

[...] no que se refere à geração termonuclear, a expansão no período decenal se dará pela implantação da usina de Angra 3. Esta usina, com capacidade instalada de 1.405 MW, cuja contratação já foi autorizada, está prevista de entrar em operação em janeiro de 2016, aumentando o parque nuclear atualmente existente em 70%, de 2.007 MW para 3.412 MW. O fato de a expansão do parque gerador com usinas nucleares ter ficado restrita à usina de Angra 3 deve-se basicamente aos prazos necessários para a implantação de novas centrais. Estes prazos são da ordem de dez anos, a partir da definição do sítio para localização da central nuclear e da decisão para o início das medidas efetivas para a sua implantação. Ressalta-se que estão em desenvolvimento os estudos para seleção de sítios propícios à implantação de centrais nucleares nas regiões Sudeste/Centro-Oeste, Sul e Nordeste. Conclui-se, então, considerando o tempo de maturação de um projeto nuclear, que a data provável para a participação efetiva desta fonte na expansão do parque gerador ultrapassa o horizonte deste Plano.

Cabe lembrar, por fim, que a Constituição brasileira permite o uso dessa energia apenas para fins pacíficos, como a geração de eletricidade e a medicina nuclear. Neste caso, especificamente, é fundamental a ampliação da pesquisa nesse setor a fim de melhorar e expandir os serviços de saúde pública brasileira.

VI) Biocombustíveis Em decorrência do debate acerca das mudanças climáticas, os biocombustíveis têm recebido maior atenção como alternativa aos combustíveis fósseis, mais poluentes e não renováveis. Os principais biocombustíveis são o etanol, produzido da cana-de-açúcar e do milho, e o biodiesel, cuja matéria-prima vai desde o dendê até o sebo bovino. Quando comparados à gasolina, a redução na emissão de gases de efeito estufa varia de 90% para o etanol de cana a 20% para o etanol de milho (IEA, 2009: 80). Cabe ressaltar, outrossim, que o [...] bioetanol tem apenas dois terços da capacidade energética da gasolina, e o biodiesel entre 90% a 95% da capacidade energética do diesel mineral. A distância percorrida por um veículo usando um litro de biocombustível é, assim, correspondentemente menor que se utilizado um litro de combustíveis derivados de petróleo (loc. cit.). Os maiores produtores mundiais de biocombustíveis são os EUA, com 42,8% do total produzido no mundo. O Brasil aparece em segundo lugar, com 26,3%; a Alemanha em terceiro, com 4,9%; França em quarto, com 3,9%; China em quinto, com 2,4%; e Espanha em sexto, com 2% (BP, 2011: 39). Quando consideramos apenas o etanol, o ranking dos maiores produtores é formado por EUA, Brasil, China, França, Canadá, Índia, Polônia, Alemanha, Tailândia e Jamaica (GLOBAL...: http://www.globalbiofuelscenter.com/nm_top5.aspx). Sobre a produção de biodiesel, a IEA (2009: 80) informa que o crescimento desse combustível na Alemanha, [...] usando principalmente oleaginosas locais, tem sido particularmente alta [...] desde 2000 devido a fortes incentivos governamentais, mas estes têm sido recentemente revistos. Como resultado, a mistura de biodiesel tem sido reduzida e o imposto sobre combustível aumentou; com efeito, a demanda começou a declinar significativamente. A produção de biodiesel nos EUA, basicamente de soja, tem crescido consideravelmente. A produção de etanol de milho nos EUA também cresceu rapidamente desde 2000, e ultrapassou a produção de etanol de cana no Brasil,

líder por bastante tempo. A lucratividade depende da relação entre o preço do milho e o preço do petróleo. O efeito dos altos preços do petróleo em 2007-8 reduziu o impacto dos altos preços do milho, o que manteve a lucratividade. Desde então, o preço do petróleo caiu além do preço do estoque do milho pago aos fazendeiros. Como resultado, diversas plantas processadoras de etanol têm fechado. [...] Muitos membros da IEA agora importam biocombustíveis para mistura local e consumo. Barreiras de importação e políticas de mistura do etanol em combustíveis têm provocado o debate internacional, assim como a sustentabilidade da produção de biocombustíveis e os impactos percebidos no preço dos alimentos devido à competição com estoques alimentares e ao uso da terra. No Brasil, os biocombustíveis consolidaram-se como fonte energética a partir de 1975, quando foi lançado o Proálcool. Vimos que como consequência do choque do petróleo, ​houve a necessidade de encontrar fonte de energia substituta, e o desenvolvimento do etanol a ​partir da cana-de-açúcar foi uma das opções utilizadas, inicialmente com o objetivo de produzir álcool anidro (AEAC) para misturá-lo à gasolina, reduzindo a necessidade de ​importação de petróleo. Contudo, o segundo choque do petróleo, a guerra Irã-Iraque e a deterioração da economia brasileira contribuíram para a utilização do álcool hidratado (AEHC), quando aumentou consideravelmente a produção deste (tabela 6: SCANDIFFIO, 2005: 41) e o número de carros movidos a álcool. tabela-gravata 6: Produção brasileira de álcool, por tipo, ao longo da década de 1980.

Ano/Safra

AEHC

% Total

AEAC

% Total

Total

1979/80

683,1

20,1

2.713,3

79,9

3.396,4

1980/81

1.602,3

43,2

2.104,0

56,8

3.706,4

1981/82

2.787,0

65,7

1.453,1

34,3

4.240,1

1983/84

5.394,7

68,6

2.469,4

31,4

7.864,2

1984/85

7.148,9

77,3

2.102,6

22,7

9.251,6

1985/86

8.621,1

72,9

3.199,6

27,1

11.820,7

1988/89

9.991,2

85,3

1.726,3

14,7

11.717,5

1989/90

10.579,4

88,7

1.350,5

11,3

11.929,9

Mirna Scandiffio (ibid.: 25-55) periodiza o Proálcool em três momentos: surgimento, de 1975 a 1979; auge, de 1980 a 1990; e estagnação, de 1991 a 2003. O surgimento foi apoiado pelo setor sucroalcooleiro em decorrência da queda dos preços do açúcar no mercado internacional, e a iniciativa recebeu apoio do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) e da Cooperativa Central dos Produtores de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (COPERSUCAR), além da forte presença estatal no desenvolvimento do Proálcool, por meio de investimentos (3/4 do total), de política de preços pagos ao produtor, de pesquisa tecnológica e de incentivos financeiros. O segundo período marca os estímulos à produção em série de veículos a álcool, como combustível e imposto mais baratos para estes e queda nos preços do açúcar, mas a redução de financiamentos para as usinas inaugurou o declínio do Proálcool. Além disso, em meados da década de 1980, houve redução nos preços internacionais do petróleo e na dependência desta commodity, extraída na bacia de Campos, o que prejudicou a competitividade do etanol, cujos preços atrelavamse ao da gasolina. Ressalta-se, ainda, a política anti-inflacionária do governo, que se utilizava da Petrobras, inibindo a continuidade do êxito do Programa. O início da década de 1990 foi marcado pela abertura econômica e pela desregulamentação do setor sucroalcooleiro, o qual se desestruturou com a extinção do IAA e com a ausência do Estado nas funções que exercera desde o primeiro governo Vargas, como formação de estoques e fixação de preços. Na tentativa de minimizar os impactos negativos, em 21 de agosto de 1997 foi criado o Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool (CIMA), presidido pelo Ministério da Indústria e Comércio até 1999 e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento a partir de 2000, com o Decreto n. 3.546, de 2000. Segundo Scandiffio (2005: 47), o CIMA [...] passou a ser o órgão responsável pela determinação do percentual de mistura de álcool anidro na gasolina. O Departamento de Açúcar e Álcool (DAA), também sob tutela do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), ficou responsável pelo controle das safras e da produção de açúcar e álcool, mas não apresentou uma atuação expressiva na organização e coordenação do setor sucroalcooleiro, nem houve a construção de mecanismos de gestão que substituíssem o planejamento estatal, [...] fato que se refletiu nas profundas oscilações do preço do álcool hidratado no final dos anos noventa. [...] A partir da safra 1998-9, o governo federal deixou de fixar os preços do álcool hidratado e da cana-de-açúcar.

Assim, ao final do período de estagnação apontado por esta autora, o setor sucroalcooleiro era definitivamente regulado pelo mercado e apresentava forte desenvolvimento tecnológico. Poder-seia cogitar um quarto período, iniciado em 2003 e que se estende aos dias de hoje, devido ao surgimento da tecnologia flex-fuel, a qual permite operar um automóvel tanto com etanol quanto com gasolina. A tabela 7 (SILVA, 2011: F4) mostra a quantidade de veículos licenciados por combustível utilizado entre 2003 e 2009. Essa tecnologia impactou consideravelmente o consumo de etanol, em princípio, mas a política governamental de controle de preços da gasolina e a escassez de investimentos nos últimos três anos, manteve a oferta do biocombustível estagnada. tabela-gravata 7: Produção de automóveis no Brasil, por combustível, 2003-2009.

Ano

Gasolina

Álcool

Flex-fuel

Total

2003

1.152.463

36.380

48.178

1.237.021

2004

1.077.945

50.949

328.379

1.457.273

2005

697.004

32.357

812.104

1.541.465

2006

316.561

1.863

1.430.334

1.748.758

2007

245.660

107

2.003.090

2.248.857

2008

217.021

84

2.329.247

2.546.352

2009

221.709

70

2.652.298

2.874.077

Para Fortuna (2011: F1), “a atual política de combustível no país, com a contenção dos preços da gasolina, é considerada um fator de desestímulo à produção”. De acordo com o Valor Econômico (loc. cit.), [...] [d]epois de dar um salto de quase 60% em apenas três safras, elevando a produção de etanol de menos de 17 bilhões para 27 bilhões de litros no ciclo 2008/2009, a indústria do setor passou a enfrentar virtual estagnação desde lá. “A produção não cresce de fato há três safras”, reforça o analista da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Ângelo Bressan Filho. O grande desafio, daqui para frente, resumem os presidentes da União da Indústria de Cana-deAçúcar (Única), Marcos Sawaya Jank, e da ETH Bioenergia, José Carlos Grubisich, será

desenvolver mecanismos adequados para restabelecer a competitividade do setor e recuperar a capacidade de crescimento, sabendo que haverá demanda firme pela frente. No curto prazo, os esforços têm sido direcionados, em conversas frequentes com o governo federal, para planejar o abastecimento ao longo da safra já em curso de forma a reduzir a volatilidade dos preços, especialmente no caso do anidro, utilizado na mistura com a gasolina, aponta Jank. [...] A competitividade da indústria brasileira de etanol esbarra num obstáculo conhecido, mas politicamente espinhoso. Os preços do etanol na bomba tornam-se vantajosos até o limite de 70% do valor do litro de gasolina, virtualmente congelado há seis anos. Mexer nos preços do combustível fóssil não é visto como uma opção tanto pela indústria, quanto pelo governo, que buscam outros caminhos para recuperar a capacidade de investimento de um setor que chegou a injetar mais de US$ 20 bilhões entre 2006 e 2009 na instalação de 120 novas destilarias, acumulando capacidade para processar perto de 630 milhões de toneladas de cana apenas na região Centro-Sul do país. Outros problemas apontados na cadeia do etanol são “o endividamento alto das usinas, [...] o aumento dos custos de produção, principalmente mecanização, mão de obra e insumos como fertilizantes e fungicidas” (CORDEIRO, 2011: F2) e os custos decorrentes da logística do setor. Uma importante mudança foi a transformação oficial do etanol em combustível, por meio da Medida Provisória n. 532, de 2011, que alterou a Lei do Petróleo, de 1997. Desse modo, caberá à Agência Nacional do Petróleo (ANP) fiscalizar o Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis. Biocombustível fica definido como toda [...] substância derivada de biomassa renovável que pode ser empregada diretamente ou mediante alterações em motores a combustão interna ou para outro tipo de geração de energia, podendo substituir parcial ou totalmente combustíveis de origem fóssil, tal como biodiesel, etanol e outras substâncias estabelecidas em regulamento da ANP (BRASIL, 2011). A tabela 8 (ANP, 2011: 172) mostra a produção de etanol no Brasil de 2001 a 2010, e o mapa 23 (EPE, 2011: 225) exibe a localização das plantas produtoras de etanol no país. São Paulo é o maior produtor de etanol do Brasil, seguido por Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Paraná. Entre 2009 e 2010, os únicos Estados do Nordeste a registrar crescimento foram Bahia e Maranhão. No Norte, há produção no Acre, em Rondônia, no Amazonas, no Pará e no Tocantins. As usinas

concentram-se nas principais áreas produtoras de cana-de-açúcar, como litoral nordestino e interior de São Paulo. A produção de cana em 2011 atingiu aproximadamente 625 milhões/t, das quais 283 milhões/t foram para a produção de açúcar e 343 milhões/t para o etanol. tabela-gravata 8: Produção brasileira de etanol, 2001-2010.

Grandes

Produção de etanol anidro e hidratado (mil m3)

Regiões e Unidades da

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

Federação Brasil Região

11.465,97 12.588,62 14.469,95 14.647,25 16.039,89 17.764,26 22.556,90 27.133,19 26.103,09 28.203,42 28,79

30,32

39,39

47,53

47,51

75,88

47,66

55,67

51,73

59,71

Acre



















1,49

Rondônia

















8,55

10,76

Amazonas

2,81

3,89

4,38

4,67

6,01

5,65

8,26

7,96

4,74

7,14

Pará

25,98

26,43

35,01

42,86

37,28

58,66

39,39

44,91

36,02

23,81

Tocantins









4,22

11,57



2,80

2,42

16,51

1.401,64

1.518,28

1.505,23

1.675,49

1.695,56

1.572,56

1.901,72

2.371,62

2.210,50

1.822,89

Maranhão

75,10

83,58

89,87

95,91

48,92

113,56

192,30

181,56

168,50

180,62

Piauí

18,68

22,83

22,37

19,45

19,93

65,66

36,17

44,55

40,95

35,50

Ceará

1,19

0,98

0,32

0,15

1,02

1,00

0,57

7,52

10,76

4,04

47,64

133,34

85,47

64,21

99,35

95,56

55,60

87,40

117,30

102,03

237,94

219,71

267,67

243,80

353,50

255,94

363,50

401,48

395,30

318,08

Pernambuco 284,87

300,27

339,20

397,02

380,18

311,95

395,39

558,92

469,03

396,01

Alagoas

629,31

639,22

589,83

729,65

620,27

572,32

681,45

892,64

790,99

575,53

Sergipe

52,36

59,18

61,49

62,47

67,64

62,79

35,49

57,56

101,12

80,91

Bahia

54,56

59,18

49,00

62,83

104,75

93,77

141,25

139,98

116,56

130,17

7.753,90

8.551,82

9.786,64

9.948,40

11.154,24

12.478,67 15.782,23 19.212,33 17,676,39 18.860,06

Norte

Região Nordeste

Rio Grande do Norte Paraíba

Região Sudeste

Minas

522,15

558,41

785,23

758,25

918,80

1.270,58

1.790,91

2.200,92

2.284,23

2.680,51

131,03

152,30

151,77

167,83

217,39

159,46

281,79

250,32

238,35

208,62

62,95

106,59

104,74

161,25

164,29

90,24

120,27

125,98

112,82

69,87

São Paulo

7.037,78

7.734,52

8.744,90

8.861,07

9.853,77

10.958,39 13.589,27 16.635,12 15.041,00 15.901,06

Região Sul

937,42

974,95

1.209,45

1.178,31

995,67

1.308,24

1.923,23

1.906,00

1.901,26

1.746,03

Paraná

932,12

968,54

1.203,40

1.173,49

992,33

1.302,74

1.916,23

1.899,68

1.898,80

1.740,23

5,31

6,41

6,05

4,82

3,34

5,50

7,00

6,32

2,46

5,81

1.344,21

1.513,27

1.929,26

1.797,52

2.146,91

2.328,92

2.902,06

3.587,57

4.263,22

5.714,73

do 384,65

422,64

472,11

413,61

619,92

644,55

873,64

945,27

1.331,48

1.881,51

580,13

657,82

795,38

792,63

723,78

811,80

863,59

898,52

809,92

853,53

379,43

432,80

661,77

591,28

803,21

872,57

1.164,83

1.743,78

2.121,83

2.979,69

Gerais Espírito Santo Rio

de

Janeiro

Rio Grande do Sul Região CentroOeste Mato Grosso Sul Mato Grosso Goiás

Mapa 23: Localização das plantas de etanol no Brasil.

As exportações brasileiras de etanol, após um pico em 2008, sofreram reduções consideráveis entre este ano e 2009, e, novamente, entre 2009 e 2010. Os principais destinos de exportação do nosso etanol foram Coreia do Sul (375.309 m3), EUA (313.394 m3), Japão (261.672 m3), Holanda (238.988 m3), Reino Unido (160.336 m3) e Jamaica (138.622 m3). Segundo a ANP (2011: 174), [...] o volume exportado de etanol anidro e hidratado atingiu 1,9 milhão m3, registrando queda de 42,8%, se comparado a 2009, por influência do aumento da taxa de câmbio, dos altos preços do açúcar no mercado internacional e de condições desfavoráveis da safra de cana-de-açúcar. Em 2010, inclusive, o País chegou a importar um pequeno volume de etanol, basicamente dos Estados Unidos. Em 2010, as exportações nacionais de etanol tiveram como principal destino a região Ásia-Pacífico, que absorveu 39,8% do total, apresentando uma queda em volume de 26,7% em relação ao ano anterior. O segundo lugar coube ao continente europeu, que adquiriu 25,1%, registrando um declínio de 49,1% em comparação a 2009. O terceiro foi ocupado pela América

do Norte, que concentrou 18,3%, uma queda de 2,9% em relação ao ano anterior. A quarta posição coube às Américas Central e do Sul, responsáveis pela compra de 10,5% das exportações brasileiras de etanol. No período analisado, estas sofreram uma redução de 74,4%. Em relação ao continente africano, verificou-se que sua participação foi de 6,2%, uma queda de 35% em relação ao ano anterior. Em 2010, não ocorreram exportações para o Oriente Médio. Cabe ressaltar um aumento na participação de grupos estrangeiros nas empresas do setor sucroalcooleiro. De acordo com Guilherme Meirelles (2011: F4), [...] em apenas quatro anos, a participação do capital estrangeiro no setor sucroenergético passou de 7% para 22%, surpreendendo até mesmo a Unica, entidade das empresas do setor, que projetava, em 2007, uma fatia de 12% até o final de 2012. A principal operação da história do setor foi sacramentada no início deste ano, com criação da Raízen, joint venture entre o grupo Cosan e a Shell. O acordo foi avaliado em US$ 12 bilhões e atinge todas as etapas do ciclo de produção, até mesmo a distribuição. A Raízen nasce com ativos de US$ 20 bilhões e aproximadamente 40 mil empregados, e uma capacidade de produção de 2,2 bilhões de litros de etanol por ano. Quanto aos biocombustíveis, devem-se ressaltar, ainda, as possibilidades de avanço tecnológico. Em reportagem do Valor Econômico, Carmem Nery (2011: F11) conta que [...] avançam no país os estudos para o desenvolvimento de novas técnicas para a produção de biocombustíveis de segunda geração, aqueles produzidos a partir de biomassa e não por meio da fermentação do açúcar da cana. Há duas rotas de desenvolvimento: os processos bioquímico e termoquímico. A mais avançada é a pesquisa de processos termoquímicos por meio da queima com pouco oxigênio do bagaço e da palha da cana. Universidade e institutos de pesquisas, como o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), a Universidade de São Paulo (USP) e o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), com apoio de empresas como Brasken, Oxiteno, Raízen (Shell e Cosan), Petrobras e Vale estão investindo em uma planta de gaseificação no campus da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, em Piracicaba. [...] Esta vai atuar na produção de biodiesel a partir do óleo de dendê cultivado na região do Vale do Acará e Baixo Tocantins, abrangendo sete municípios no estado do Pará. Em janeiro, a Vale adquiriu participação de 70% do controle da Biopalma por US$ 173,5 milhões. [...] A empresa já realizou a metade do plantio e a primeira das seis unidades de extração começa a operar no fim do ano. A planta de produção de

biodiesel começa a funcionar em 2014. A expectativa é de atingir a produção anual de 500 mil toneladas em 2019, quando a lavoura atingir sua maturidade. O B20 (mistura de 20% de biodiesel e 80% de diesel comum) será utilizada para alimentar a frota de locomotivas, máquinas e os equipamentos de grande porte da Petrobras no Brasil. Esse biocombustível tem mais biodiesel que a mistura padrão brasileira, de 5%. [...] [Na] produção de biocombustíveis de segunda geração pelo processo bioquímico enzimático e de síntese biológica[,] [...] uma das pesquisas mais avançadas é desenvolvida pela Coppe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com a Universidade de Tingshua, na China, para a criação de um novo processo de utilização de enzimas na produção de biodiesel. A tecnologia será testada em usina piloto, a ser instalada no Instituto Internacional de Mudanças Globais (IVIG), e os pesquisadores da Coppe avaliarão os custos de produção de biodiesel com o uso dessa tecnologia, com base na realidade brasileira. O biodiesel é outro importante biocombustível, utilizado na mistura com o diesel mineral, este bastante poluente. Entre os principais produtores mundiais de biodiesel, estão EUA, Alemanha, Espanha, Indonésia, Brasil, Malásia, China, Argentina, França e ​Tailândia (GLOBAL...: http://www.globalbiofuelscenter.com/nm_top5.aspx). No Brasil, a produção de biodiesel está concentrada nos Estados de Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, como vemos no mapa 25 (ANP, 2011: 185). Regionalmente, as maiores capacidades produtivas estão localizadas no Centro-Oeste e no Sul, ocupando o Sudeste apenas o terceiro lugar; no ano de 2010, a produção de biodiesel respeitou esse ranking, de acordo com o mapa 24 (ibid.: 186). Segundo a ANP (ibid.: 181), [...] em 2010, a capacidade nominal de produção de biodiesel (B100) foi de cerca de 5,8 milhões m³. Entretanto, a produção efetiva do Brasil foi de aproximadamente 2,4 milhões m³, o que correspondeu a 41,1% da capacidade total. Dentre os principais produtores de biodiesel, a Granol aparece em primeiro lugar, com 335,3 mil m³ em suas duas unidades (Anápolis/GO e Cachoeira do Sul/RS). Logo depois, vem a ADM (Rondonópolis/MT), com 237,5 mil m³, e, em seguida, a Petrobras, com 214,3 mil m³ em suas três unidades (Candeias/BA, Montes Claros/MG e Quixadá/CE). O óleo de soja continuou sendo a principal matéria-prima para a produção de biodiesel (B100). Foram consumidos cerca de dois milhões m3 ao longo de 2010. A segunda matéria-prima no ranking de produção das usinas foi o sebo bovino, seguido pelo óleo de

algodão.

Mapa 24: Capacidade nominal produtiva e produção efetuada de biodiesel, por região brasileira, em m³.

Mapa 25: Localização das plantas de etanol no Brasil.

Outras matérias-primas utilizadas na fabricação de biodiesel, mesmo que em pequenas quantidades, foram os óleos de dendê (palma), girassol, gergelim, amendoim e nabo forrageiro, bem como gordura de frango e de porco e óleo de fritura usado. Nos EUA, a principal matéria-prima também é o óleo de soja, enquanto na Malásia e na Indonésia o dendê assume a liderança. Na Europa, a canola, ou colza, é a principal fonte para a produção de biodiesel. Segundo relatório da FAO (2009: 20), [...] na União Europeia, estima-se que o setor de biodiesel deve ter absorvido aproximadamente 60% da produção de óleo de canola dos Estados-membros em 2007, perfazendo em torno de 25% da produção global e 70% do comércio mundial da commodity naquele ano. [...] Com exceção da produção do etanol de cana-de-açúcar no Brasil, a produção de biocombustíveis não é, hoje, economicamente viável sem subsídios ou outras formas de políticas de apoio. O biodiesel brasileiro de soja e o etanol estadunidense de milho têm os custos líquidos de produção mais baixos [depois do etanol brasileiro de cana], mas nos dois casos os custos excedem o preço de mercado de combustíveis fósseis. Os custos de produção do biodiesel europeu são mais que o

dobro daqueles do etanol brasileiro, refletindo custos mais altos da matéria-prima e do processamento desta. Tanto na Europa quanto no Brasil prevê-se o aumento da produção de biodiesel nos próximos anos. No caso brasileiro, desde 2006 tem havido a mistura do biodiesel no óleo diesel. Em 2006 e 2007, a mistura de 2% era opcional; em 2008, a mistura tornou-se obrigatória em 2% de janeiro a junho, e em 3% de julho a dezembro; em 2009, os percentuais foram elevados para 3% e 4%, respectivamente no primeiro e no segundo semestres; por fim, desde janeiro de 2010, a percentagem mínima ficou em 5%. A tabela 9 (EPE, 2007: 241) mostra a utilização de biodiesel em 2010 e as previsões para 2020 e 2030. tabela-gravata 9: Consumo de diesel e produção de biodiesel em 2010; projeções para 2020 e 2030.

2010

2020

2030

Consumo total de diesel (milhões m3)

51,2

69,1

97,9

% do consumo projetado de diesel

6%

11,5%

18,9%

Produção de biodiesel (milhões m3)

3,1

7,9

18,5

Produção de biodiesel (mil m3/dia)

8,4

21,7

50,5

VII) Outras renováveis Energia renovável deriva de fontes naturais regenerativas, que não se esgotam pelo consumo. Os maiores produtores mundiais de energia renovável, exceto biocombustíveis, são EUA, com 24,7% do total; Alemanha, com 11,7%; Espanha, com 7,8%; China, com 7,6%; Brasil, com 5%; Itália, com 3,5%; Índia e Japão, com 3,2% cada; Reino Unido, com 3,1%; Suécia, com 2,7%; e França e Canadá, com 2,1%. Regionalmente, a União Europeia produz 42,1% do total mundial (BP, 2011: 38). Os investimentos mundiais no setor têm crescido, sendo a energia eólica responsável por 43% do total investido em 2007, seguida por energia solar (24%), biocombustíveis (17%), biomassa e dejetos (9%) e eficiência energética (2%) (IEA, 2009; REN21, 2012). A energia eólica, gerada pela força dos ventos, teve um crescimento de 1.155% entre 1997 e 2007, chegando, neste ano, à capacidade instalada de 93,8 mil MW. Entre os argumentos a favor

desta fonte de energia, estão “perenidade, grande disponibilidade, independência de importações e custo zero para obtenção de suprimento (ao contrário do que ocorre com as fontes fósseis)” (IEA, op. cit.: 80). Contra a energia eólica, pesam os custos, embora decrescentes, e mais elevados na produção marítima; o ruído emitido pelas usinas; a poluição visual, bastante subjetiva; e o risco oferecido às aves e seus hábitats, mesmo que a mortalidade de aves seja relativamente fraca quando comparadas a outras infraestruturas. As maiores potências instaladas para a exploração eólica estavam, em 2007, na Alemanha (23,7%), nos EUA (17,9%), na Espanha (16,1%), na Índia (8,4%), na China (6,3%), na Dinamarca (3,3%), na Itália (2,9%), na França (2,6%), no Reino Unido (2,5%) e em Portugal (2,3%). Em 2010, a China havia assumido a liderança mundial na capacidade instalada, com 44.733 MW, ou 22,75% do total. Em segundo lugar, estavam os EUA com 40.180 MW, seguidos por Alemanha, Espanha, Índia, Itália, França, Reino Unido, Canadá e Dinamarca, como vemos na tabela 10 (WWEA, 2011: 19). O Brasil subiu da 25ª colocação para a 21ª, com 920 MW instalados em 2010 (REN21, 2012; WWEA, loc. cit.). tabela-gravata 10: Maiores produtores mundiais de energia eólica, entre os anos de 2006 e 2010.

Total Position 2010

Country/Region

capacity end 2010 [MW]

Added capacity 2010 [MW]

Growth

Total

Total

Total

Total

rate

Position

capacity

capacity

capacity

capacity

2010

2009

end 2009

end 2008

end 2007

end 2006

[MW]

[MW]

[MW]

[MW]

[%]

1

China

44.733,0

18.928,0

73,3

2

25.810,0

12.210,0

5.912,0

2.599,0

2

USA

40.180,0

5.600,0

15,9

1

35.159,0

25.237,0

16.823,0

11.575,0

3

Germany

27.215,0

1.551,0

6,0

3

25.777,0

23.897,0

22.247,4

20.622,0

4

Spain

20.676,0

1.527,2

8,0

4

19.149,0

16.689,0

15.145,1

11.630,0

5

India

13.065,8

1.258,8

10,7

5

11.807,0

9.587,0

7.850,0

6.270,0

6

Italy

5.797,0

950,0

19,6

6

4.850,0

3.736,0

2.726,1

2.123,4

7

France

5.660,0

1.086,0

23,7

7

4.574,0

3.404,0

2.455,0

1.567,0

5.203,8

1.111,8

27,2

8

4.092,0

3.195,0

2.389,0

1.962,9

4.008,0

690,0

20,8

11

3.319,0

2.369,0

1.846,0

1.460,0

8

9

United Kingdom Canada

10

Denmark

3.734,0

309,0

8,9

10

3.465,0

3.163,0

3.125,0

3.136,0

11

Portugal

3.702,0

345,0

10,3

9

3.357,0

2.862,0

2.130,0

1.716,0

12

Japan

2.304,0

211,0

10,1

13

2.083,0

1.880,0

1.528,0

1.309,0

2.237,0

15,0

0,7

12

2.223,0

2.235,0

1.747,0

1.559,0

13

The Netherlands

14

Sweden

2.052,0

603,8

41,7

15

1.448,2

1.066,9

831,0

571,2

15

Australia

1.880,0

3,0

0,2

14

1.877,0

1.494,0

817,3

817,3

No Brasil, as áreas mais propícias à exploração da energia eólica são o extremo Sul, próximo à Lagoa dos Patos, e o Nordeste brasileiro, do litoral do Piauí ao de Pernambuco, adentrando para o interior no leito do São Francisco, como mostra o mapa 26 (ANEEL, 2008: 96 – disponível em: www.aneel.gov.br/aplicacoes/atlas/pdf/06-energia_eolica(3).pdf). De acordo com o Atlas de Energia Elétrica (ANEEL, 2008: 81), [...] o Brasil é favorecido em termos de ventos, que se caracterizam por uma presença duas vezes superior à média mundial e pela volatilidade de 5% (oscilação da velocidade), o que dá maior previsibilidade ao volume a ser produzido. Além disso, como a velocidade costuma ser maior em períodos de estiagem, é possível operar as usinas eólicas em sistema complementar com as usinas hidrelétricas, de forma a preservar a água dos reservatórios em períodos de poucas chuvas. Sua operação permitiria, portanto, a “estocagem” da energia elétrica. [...] As regiões com maior potencial medido são Nordeste, principalmente no litoral (75 GW); Sudeste, particularmente no Vale do Jequitinhonha (29,7 GW); e Sul (22,8 GW), região em que está instalado o maior parque eólico do país, o de Osório, no Rio Grande do Sul, com 150 MW de potência. Mas, no país, o vento é utilizado principalmente para produzir energia mecânica utilizada no bombeamento de água na irrigação.

Mapa 26: Potencial eólico brasileiro.

Em 15 de julho de 2012, o Brasil contava com 79 parques eólicos que produziam 1.638.232,20 kW, distribuídos pelos Estados do Ceará, Paraná, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Piauí, Paraíba e Bahia. A crise internacional e o desenvolvimento da energia eólica na China favoreceram o crescimento do número de parques geradores no Brasil nos últimos três anos, e a indústria brasileira já se estrutura para a produção nacional. Conforme Genilson Cezar (2011: F12), [...] os bons ventos e a forte disputa entre os fornecedores internacionais de equipamentos

aceleram a implantação dos parques eólicos no Brasil. Com a crise na economia mundial, especialmente com a retração dos investimentos dos EUA e Europa em energia eólica, o Brasil atraiu recursos financeiros consideráveis de praticamente todos os grandes fabricantes de equipamentos de aerogeração e dos produtores independentes de energia, o que proporcionou uma incrível redução dos custos de implantação e da energia gerada. “De 2009 até [setembro de 2011], já foram investidos quase R$ 30 bilhões em geração de energia eólica no país”, informa Ricardo Simões, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica). “Considerando os cinco leilões realizados neste período, foram contratados 5.785 MW de potência instalada. Significa pouco menos de 1% da matriz de geração de energia no país. É uma participação ainda relativamente baixa, o que mostra que o setor tende a proporcionar muitas oportunidades de negócios para fabricantes e produtores independentes”, diz Simões. [...] São oito grandes fabricantes globais – Impsa (18,5%), Wobben/Enercon (18,1%), GE (15,4%), Vestas (14,9%), Suzlon (13,6%), Gamesa (5,6%), Alstom (4,7%), Siemens (3,1%) e outros 6% ainda sem contrato. O número de produtores independentes que vão vender a energia para as concessionárias brasileiras também cresceu – são 27 grupos – e envolve desde grandes estatais, como Petrobas, Chesf, CPFL, Eletrosul e Furnas, a construtoras (Odebrecht, Queiroz Galvão), bancos (Santander) e consórcios de empresas nacionais e globais, como Renova e Iberdrola Renováveis/Neoenergia. O Estado que mais concentrará investimentos é o Rio Grande do Norte, que deverá atrair um terço do valor investido em energia eólica. A previsão é que em 2014 haja 281 parques eólicos com capacidade de produzir 7.231 MW, consoante a tabela 11 (GOULART, 2011: B8). Como o Nordeste concentrará 76% de todas as plantas, Josette Goulart (loc. cit.) lembra que [...] mais de 150 mil hectares de terras, de pequenos e grandes proprietários, estão sendo ou já foram arrendadas no Nordeste afora por investidores do setor de energia que vão gerar eletricidade a partir dos ventos. Juntos, esses terrenos vão abrigar cerca de quatro mil torres eólicas com capacidade conjunta para gerar 5.400 megawatts (MW), toda essa energia já foi contratada pelo governo ou por grandes consumidores. Cada uma das torres renderá entre R$ 5 mil e R$ 8 mil por ano aos proprietários que estão arrendando pedaços de suas terras por 25 a 35 anos, prorrogáveis por igual período. Em alguns lugares, como na região do Seridó, no Rio Grande do Norte, o rendimento será ainda maior. [...] [Além disso,] [...] a escassez de água no

sertão do Sul da Bahia tem feito com que se multipliquem os poços artesianos na região para suprir entre os 40 e 60 mil litros de água necessários para fincar cada torre eólica nos parques geradores que começam a ser construídos na região. [...] O grande volume de água é necessário em obras para implantação de parque eólicos pela quantidade de concreto que é necessária para segurar em pé uma torre eólica que chega a medir 100 metros de altura, algo com um prédio de 27 andares. Além disso, ainda tem a pá eólica que forma o catavento. São mais 41 metros de altura. O peso pode chegar 900 toneladas. De acordo com a Renova, cada torre usa 40 mil litros de água para produção de concreto. Em outros parques, como da CPFL Energia que fica em Parazinho, no Rio Grande de Norte, cada torre consome 60 mil litros de água para ser fincada. Como a fornecedora da CPFL usa concreto também para fabricar a torre, esse volume chega a 120 mil litros. A região de Parazinho também é semiárida, mas menos seca que o sertão sul da Bahia. tabela-gravata 11: Previsão de parques eólicos no Brasil em 2014.

Estado

Número de parques

Potência (em MW)

Bahia

52

1.391

Ceará

54

1.489

Paraíba

13

65

Paraná

2

1,5

Pernambuco

8

99

Piauí

4

93,5

Rio de Janeiro

2

163

Rio Grande do Norte

83

2.383

Rio Grande do Sul

49

1.284

Santa Catarina

13

232

Sergipe

1

30

Total

281

7.231

Acerca da produção de energia solar, Daniela Chiaretti (2011: B1) informa que esta “recebeu um golpe nos Estados Unidos [...] com o anúncio sucessivo de três fabricantes de painéis fotovoltaicos

pedindo concordata. A crise econômica global e a forte agressividade chinesa estão por trás da insolvência”. Isso, contudo, não significa que o mercado americano colapsou, já que é o quinto maior do mundo, ou que os investimentos nesse setor cessaram. Ainda segundo Chiaretti (loc. cit.), [...] de 2009 até hoje, os preços dos painéis solares no mundo caíram 40%, puxados pelo vertiginoso aumento na capacidade de produção da China, diz o americano Christopher Flavin, especialista em energias renováveis. [...] “Os fabricantes nos EUA estão sob forte pressão provocada pelas empresas emergentes chinesas, que recebem considerável apoio financeiro do governo” [...]. “Este apoio, acoplado aos baixos custos de produção chineses criaram uma vantagem competitiva que os tornou líderes em preços. [...] Sua previsão é que, em 2013, a indústria de painéis solares no mundo tenha capacidade ​instalada de 100 mil megawatts (MW), mais do que a capacidade de energia nuclear dos EUA. Em 2010, diz, o mundo tinha capacidade para produzir 40 mil MW de energia solar e os EUA tinham cerca de 3 mil MW. Em 2011 a cifra global deverá ser de 60 mil MW. [...] O mercado é dominado por poucos países com fortes políticas para o setor, como a Alemanha, a Itália e República Tcheca. [...] A indústria mundial “olha com atenção para novos mercados como o brasileiro, pois precisa escoar sua capacidade de produção crescente frente a margens de retorno decrescentes”, diz Ricardo Rüther, professor da Universidade de Santa Catarina. “Ao mesmo tempo, no Brasil, o custo da energia convencional continua em tendência de alta e já se vislumbra a viabilidade econômica da geração fotovoltaica em diversas regiões do país”. [...] Este é o momento, sugere, para que o Brasil formule “políticas públicas bem pensadas, para incorporar esta tecnologia de forma progressiva e sustentável na matriz energética nacional”. O maior produtor mundial de energia solar em 2007 foi a Alemanha, que representou sozinha 49,3% da potência total instalada, que atingiu 7.841 MW. Em seguida, estavam Japão (24,5%), EUA (10,6%), Espanha (8,4%) e Itália (1,5%) (REN21, 2012; IEA, 2011a). Em 2011, a capacidade instalada atingiu 63.349 MW de acordo com o Photovoltaic Power Systems, da IEA (op. cit.). A Alemanha manteve a primeira posição, com 24.820 MW, dos quais 7.500 foram adicionados em 2011. Em seguida, vem Itália, com 12.803 MW; Japão, com 4.914 MW; Espanha, com 4.260 MW; EUA, com 3.966 MW; China, com 3.000 MW; França, com 2.831; Bélgica, com 1.997 MW; Austrália, com 1.408 MW; Reino Unido, com 976 MW; e Coreia do Sul, com 812 MW (REN21, 2012; IEA, op. cit.).

No Brasil, a energia solar não consta do Balanço Energético Nacional (EPE, 2011). Contudo, o Atlas de Energia Elétrica (ANEEL, 2008) menciona uma usina fotovoltaica no município de Nova Mamoré em Rondônia, com potência instalada de 20,48 kW. Outra versão desse Atlas assegura que, “entre os vários processos de aproveitamento da energia solar, os mais usados atualmente são o aquecimento de água e a geração fotovoltaica de energia elétrica” (ANEEL, 2002: 5). No Brasil, esta tende a prevalecer “nas regiões Norte e Nordeste, em comunidades isoladas da rede de energia elétrica”, enquanto o aquecimento de água é “mais encontrado nas regiões Sul e Sudeste, devido a características climáticas” (loc. cit.). Quanto ao aquecimento de água, o Renewables 2012 Global Status Report (REN21, 2012) coloca o Brasil na quinta posição mundial. Entretanto, a área mais apta à exploração da energia solar no Brasil fica entre os Estados do Ceará, do Rio Grande do Norte, da Paraíba e de Pernambuco, como vemos

no

mapa

27

(ANEEL,

2008:

34



www.aneel.gov.br/aplicacoes/atlas/pdf/03-

Energia_Solar(3).pdf), fora, portanto, dos centros de utilização da energia solar para esse fim. A captação desta pode ser transformada em energia térmica ou elétrica, e o que define qual dos dois tipos a ser obtido são os equipamentos utilizados. Ainda de acordo com o Atlas de Energia Elétrica 2008 (ibid.: 84), [...] se for utilizada uma superfície escura para a captação, a energia solar será transformada em calor. Se utilizadas células fotovoltaicas (painéis fotovoltaicos), o resultado será a eletricidade. Os equipamentos necessários à produção do calor são chamados de coletores e concentradores – pois, além de coletar, às vezes é necessário concentrar a radiação em um só ponto. Este é o princípio de muitos aquecedores solares de água. [...] Para a produção de energia elétrica existem dois sistemas: o heliotérmico e o fotovoltaico. No primeiro, a irradiação solar é convertida em calor que é utilizado em usinas termelétricas para a produção de eletricidade. O processo completo compreende quatro fases: coleta da irradiação, conversão em calor, transporte e armazenamento e, finalmente, conversão em eletricidade. Para o aproveitamento da energia heliotérmica é necessário um local com alta incidência de irradiação solar direta, o que implica pouca intensidade de nuvens e baixos índices pluviométricos, como ocorre no semiárido brasileiro. Já no sistema fotovoltaico, a transformação da radiação solar em eletricidade é direta. Para tanto, é necessário adaptar um material semicondutor (geralmente o silício) para que, na

medida em que é estimulado pela radiação, permita o fluxo eletrônico (partículas positivas e negativas).

Mapa 27: Radiação solar diária no território brasileiro.

Quanto à biomassa, 86% da energia produzida atende à produção de calor/resfriamento, para cozinhar ou para aplicações industriais, sendo que aproximadamente 3/4 desta percentagem são queimados em aparelhos ineficientes. Dos 14% restantes, também 3/4 são utiliza​dos para geração de eletricidade, e o outro 1/4 é destinado à produção de ​biocombustíveis líquidos. Deve-se lembrar que a biomassa é um tipo de biocombustível; mas, pelo fato de geralmente não estar vinculada ao mercado internacional, como o biodiesel e o etanol, preferimos considerá-la em separado. A exceção

são

as

pelotas

de

madeira,

como

na

figura

5

(http://www.mlive.com/grpress/business/index.ssf/2008/09/wood_pellet_sales_take_off_as.html.), com grandes exportações dos EUA para a União Europeia. Os fluxos internacionais de etanol e

biodiesel são mostrados no mapa 28 (REN21, 2012: 34).

Figura 5: Pelotas de biomassa (restos de madeira) para exportação.

Mapa 28: Fluxos internacionais de etanol, biodiesel e pellets.

Os biocombustíveis podem ser classificados em três tipos: biomassa oriunda de florestas nativas e plantadas; os não florestais; e os de resíduos urbanos. As pelotas de madeira enquadram-se no

primeiro tipo, que engloba lenha, carvão vegetal e resíduos sólidos do aproveitamentamento não energético da madeira, além de biocombustíveis derivados de processos de conversão da madeira, como metanol e gás de gaseificação. Os Estados com maior capacidade instalada desse tipo de energia derivada da biomassa são: em primeiro lugar, São Paulo, seguido por Paraná, Minas Gerais e Bahia, bem como os demais em que a silvicultura se faz presente. De acordo com o Atlas de Energia Elétrica 2008 (ANEEL, 2008: 66-67), há dificuldades na quantificação deste tipo de biomassa. Isso decorre da [...] a dispersão da matéria-prima – qualquer galho de árvore pode ser considerado biomassa, que é definida como matéria orgânica de origem vegetal ou animal passível de ser transformada em energia térmica ou elétrica. Outro [fator que impacta essa quantificação] é a pulverização do consumo, visto que ela é muito utilizada em unidades de pequeno porte, isoladas e distantes dos grandes centros, [ ademais d] a associação deste energético ao desflorestamento e à desertificação – um fato que ocorreu no passado mas que está bastante atenuado. [...] Nas regiões menos desenvolvidas, a biomassa mais utilizada é a de origem florestal. Além disso, os processos para a obtenção de energia se caracterizam pela baixa eficiência – ou necessidade de grande volume de matéria-prima para produção de pequenas quantidades. Uma exceção a essa regra é a utilização da biomassa florestal em processos de cogeração industrial. Do processamento da madeira no processo de extração da celulose é possível, por exemplo, extrair a lixívia negra (ou licor negro) usado como combustível em usinas de cogeração da própria indústria de celulose. O segundo tipo de biocombustível refere-se à agroindústria, produzindo tanto combustíveis como biomassa a ser utilizada para esse fim. Além do etanol e do biodiesel, há a biomassa oriunda dessas plantações como casca de arroz, palha de milho e de cana-de-açúcar e, na pecuária, o reaproveitamento de esterco animal. Quanto ao setor sucroalcooleiro, os Estados com maior capacidade de aproveitamento de biomassa são Alagoas, São Paulo, Mato Grosso, Pernambuco, Minas Gerais, Goiás e Paraná. A casca de arroz pode ser bem aproveitada no Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Maranhão, Goiás e Santa Catarina, entre outros; coco-da-baía, dendê e castanha de caju são culturas que podem ser utilizadas na produção de biomassa. O terceiro tipo de biocombustível refere-se aos resíduos provenientes de processamento dos esgotos e de resíduos industriais, comerciais e domésticos. Nesse caso, a biomassa dos dejetos

transforma-se [...] naturalmente do estado sólido para o gasoso por meio da ação de microorganismos que decompõem a matéria orgânica em um ambiente anaeróbico (sem ar). Neste caso, o biogás também é lançado à atmosfera e passa a contribuir para o aquecimento global, uma vez que é composto por metano (CH4), dióxido de carbono (CO2), nitrogênio (N2), hidrogênio (H2), oxigênio (O2) e gás sulfídrico (H2S). A utilização do lixo para produção de energia permite o direcionamento e utilização deste gás e a redução do volume dos dejetos em estado sólido. Existem três rotas tecnológicas para a utilização do lixo como energético. Uma delas, a mais simples e disseminada, é a combustão direta dos resíduos sólidos. Outra é a gaseificação por meio da termoquímica (produção de calor por meio de reações químicas). Finalmente, a terceira (mais utilizada para a produção do biogás) é a reprodução artificial do processo natural em que a ação de micro-organismos em um ambiente anaeróbico produz a decomposição da matéria orgânica e, em consequência, a emissão do biogás (http://www.aneel.gov.br/arquivos/PDF/ atlas_par2_cap5.pdf). China e Índia tem os maiores números de digestores domésticos no mundo, com 43 milhões e 4,4 milhões, respectivamente, e essa é uma alternativa útil em áreas rurais. Nos EUA, “operavam 186 plantas de biogás em fazendas comerciais de gado” (REN21, 2012: 33). O biometano, purificado do biogás comum, “é produzido em onze países europeus e em nove destes é injetado na rede de gás natural” (loc. cit.). No Brasil, o maior aterro sanitário do país foi fechado recentemente em Duque de Caxias, na região metropolitana do Rio de Janeiro, e produzirá biogás, experiência existente também em São Paulo, Bahia, Pernambuco e Santa Catarina, contabilizando, em 2008, 109 MW. A figura 6 (EPE, 2007: 126) explicita os processos de aproveitamento energético dos três tipos de biocombustíveis.

Figura 6: Processos de conservação energética da biomassa.

Os maiores produtores de biomassa, em capacidade instalada, são EUA, Brasil, Alemanha, China e Suécia, de acordo com o Renewables 2012 Global Status Report (REN21, 2012: 19). Cabe ressaltar que a biomassa perfaz em torno de 1/3 da matriz energética brasileira, e 4,7% da produção de energia elétrica. O mapa 29 (ANEEL, 2008: 72) mostra as usinas de biomassa no Brasil em 2008, classificando-as de acordo com o tipo de combustível. Entre os aspectos negativos para a utilização da energia de biomassa estão “a interferência no tipo natural do solo e a possibilidade da formação de monoculturas em grande extensão de terras – o que competiria com a produção de alimentos” (ibid.: 74).

Mapa 29: Localização das plantas de biomassa no Brasil, por tipo de combustíveis.

Segundo o Renewables 2012 Global Status Report (REN21, 2012: 45-46), depois de anos de projetos-pilotos pequenos, a capacidade de produção de energia oceânica quase dobrou em 2011, de 254 MW para 527 MW. O Reino Unido abriga importantes centros de pesquisa e produz 6,8 MW; outros países que também produzem este tipo de energia são Coreia do Sul, onde está Sihwa Plant, a maior usina do mundo, com 254 MW; França, com 240 MW; Canadá, com 20 MW; e China, com 3,9 MW. De acordo com o Atlas de Energia Elétrica 2008 (2008: 88), “o potencial de geração de energia elétrica a partir do mar inclui o aproveitamento das marés, correntes marítimas, ondas, energia térmica e gradientes de salinidade”. Nesse sentido, a energia térmica corresponde a movimentos de água entre superfície quente e águas profundas frias. Sobre as marés, o Ministério do

Meio Ambiente (http://www.mma.gov.br/clima/energia/energias-renovaveis/energia-maremotriz) diz que [...] a energia maremotriz é uma forma de produção de energia proveniente da movimentação das águas dos oceanos, por meio da utilização da energia contida no movimento de massas de água devido às marés. Dois tipos de energia maremotriz podem ser obtidas: energia cinética das correntes devido às marés; e energia potencial pela diferença de altura entre as marés alta e baixa. O sistema de maremotriz é aquele que aproveita o movimento regular de fluxo do nível do mar (elevação e abaixamento). Funciona de forma semelhante a uma hidrelétrica: uma barragem é construída, formando-se um reservatório junto ao mar; quando a maré enche, a água entra e fica armazenada no reservatório, e, quando baixa, a água sai, movimentando uma turbina diretamente ligada a um sistema de conversão, gerando assim eletricidade. Deve-se ressaltar que para a energia maremotriz ser viável são necessárias oscilações de marés entre 4 m e 10 m. Áreas aptas a essa energia são os litorais desde o Amapá até o Maranhão, locais em que são registradas as maiores amplitudes da maré, como vemos no mapa 30 (IBGE, 2011: 74). O Projeto Usina de Ondas, da Coppe/UFRJ, envolvendo energia oceânica, está sendo instalado no litoral de Fortaleza, com “tecnologia inovadora que gera energia elétrica a partir de ondulações no litoral brasileiro”. Quanto ao projeto (http://www.valor.com.br/brasil/1007188/coppe-testa-opotencial-das-ondas), “a primeira fase envolveu testes no tanque marítimo do LabOceano, o laboratório de tecnologia oceânica da UFRJ”, a fim de testar “a viabilidade econômica do projeto, que conta com a participação da belga Tracbel, concessionária de geração de energia”. Ainda de acordo com este jornal (http://www.valor.com.br/impresso/ambiente/pesquisa-explora-novasfronteiras), [...] estima-se que o potencial energético das ondas na costa brasileira chegue a 87 gigawatts, espalhados no litoral das regiões Sul, Sudeste e Nordeste. Testes realizados pela Coppe/UFRJ indicam que 20% desse total poderiam ser efetivamente convertidos em energia, o que equivale a 17% da capacidade total instalada no país hoje. Um projeto pioneiro nessa área vem sendo desenvolvido pela própria Coppe com financiamento da Tractbel Energia, do grupo GDF Suez, que investiu R$ 12,5 milhões em sua implementação. Trata-se da primeira usina movida pela força das ondas na América Latina, localizada no Porto de Pecém, em Fortaleza. O local foi

escolhido por suas ondas constantes, mas de pouca elevação. Por fim, a energia geotérmica é proveniente do calor oriundo do interior da Terra, e não há no Brasil nenhuma usina que a utilize ou nem sequer projetos de pesquisa. Oito países concentram a capacidade instalada das unidades de produção – EUA (3,1 GW), Filipinas (1,9 GW), Indonésia (1,2 GW), México (1 GW), Itália (0,8 GW), Islândia (0,7 GW), Nova Zelândia (0,6 GW) e Japão (0,5 GW). Quase 90% da demanda por aquecimento na Islândia é suprida por esta fonte, um dos países que mais se utilizam dessa energia (REN21, 2012: 40-2).

Mapa 30: Variação das marés no litoral brasileiro.

2.2.3. Logística Vimos que Logística é a preparação contínua dos meios para a guerra ou para a competição, fundada em um sistema de vetores de produção, de transporte e de gestão. Desse modo, a segurança de um país pode ser afetada devido a alguma interferência nesse sistema, o que nos permite compreender a preocupação, em especial das grandes potências do mundo, com as rotas que as suprem com mercadorias que não produzem ou o fazem em quantidade insuficiente e com determinados locais do globo estratégicos para o fornecimento de certos materiais. Nesse sentido, pode-se entender o porquê de o Plano Nacional de Logística e Transportes (DNIT & EXÉRCITO BRASILEIRO, 2007: 10) ter sido elaborado em conjunto pelos ministérios da Defesa e dos Transportes. Este trabalho teve como objetivo [...] a retomada do processo de planejamento no setor de transportes, [...] com base em um sistema de informações georreferenciadas, [...] [considerando] custos de toda a cadeia logística [...] entre as origens e os destinos dos fluxos de transporte. [...] A disponibilidade de uma infraestrutura de transportes eficiente de tal forma que propicie uma oferta de serviços aos menores custos possíveis, atenda à demanda mediante uma apropriada alocação de recursos normalmente escassos e apresente os melhores retornos possíveis para a sociedade, é uma das condicionantes indispensáveis para a obtenção de um crescimento econômico sustentável e para o efetivo desenvolvimento social de um país.

Quadro 5: Cadeia logística de suprimentos.

O Banco Mundial (2012) elabora o relatório Logistics Performance Index, que estima os custos logísticos em diversos países do mundo. Esse trabalho considera seis aspectos para sua elaboração: a eficiência da Alfândega e clareza em procedimentos fronteiriços; a ​qualidade da infraestrutura de transporte e de comércio; a facilidade em organizar carregamentos com preços competitivos; a qualidade dos serviços logísticos; a habilidade em rastrear mercadorias em consignação; e a frequência com que embarques cheguem dentro dos prazos estabelecidos. O quadro 5 (BANCO MUNDIAL, 2012: 7) ilustra a cadeia logística de suprimentos. O Banco Mundial, no LPI 2012, elege Cingapura como o mais eficiente hub logístico do planeta. O mapa 31 (BANCO MUNDIAL, 2012: B) exibe o desempenho dos países. Seguem as cidadesestado, Hong Kong, Finlândia, Alemanha, Holanda, Dinamarca, Bélgica, Japão, EUA e Reino Unido. O Brasil está na 45ª posição, e alcança 68,2% da performance cingapuriana. Nosso país está à frente, entre os BRICS, apenas da Índia, em 46ª e da Rússia, na 95ª colocação. África do Sul está no 23º lugar e a China no 26º. De acordo com o Plano CNT de Logística (CNT, 2011: 14), o Brasil possui “rede de infraestrutura que não opera de forma eficiente os modais em todas as Regiões, causando grave desequilíbrio na matriz de transporte”. Estima, ainda, os custos logísticos em 11,6% do PIB, ou R$ 349 bilhões, sendo R$ 207 bilhões, ou 6,9% do PIB, apenas com transportes. O PNLT espacializa o território brasileiro em sete vetores logísticos, como vemos no mapa 32 (DNIT & EXÉRCITO BRASILEIRO, 2007: 16). O Amazônico compreende os Estados de Roraima, Amazonas, Acre e Rondônia, o oeste do Pará e o noroeste de Mato Grosso; o Centro-Norte é constituído pelos Estados do Amapá, Maranhão e Tocantins, e pelo leste do Pará e do Mato Grosso e trechos do Piauí e de Goiás; o Nordeste Setentrional é formado por trechos de Sergipe e Bahia, a maior parte dos Estados do Piauí e de Pernambuco, bem como o Ceará, o Rio Grande do Norte, a Paraíba e Alagoas. O vetor logístico Nordeste Meridional é formado pela totalidade da Bahia e por regiões de Goiás, Piauí e Pernambuco, além da maior parte do Estado de Sergipe. O Leste compreende o Distrito Federal, o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, além de trechos de Goiás, o sul da Bahia e a maior parte de Minas Gerais; o Centro-Sudeste é constituído pelos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, e por regiões do sul de Mato Grosso e de Goiás, do

norte do Paraná e pelo oeste mineiro; o Sul compreende o sul do Paraná e os Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Os vetores logísticos brasileiros foram definidos com base em quatro características: impedâncias ambientais, similaridades socioeconômicas, perspectivas de integração e inter-relacionamento ou os chamados corredores de transporte, e funções de transporte decorrentes da análise de isocustos referentes aos principais portos de carga nacionais. Entre os produtos considerados relevantes, estavam minérios, siderúrgicos, complexo soja, complexo cana-de-açúcar, complexo fertilizante, complexo madeira e celulose, carnes, veículos, contêineres e carga geral. O centro de gravidade da economia brasileira se encontrava, em 2007, no município mineiro de Piumhi, aproximadamente entre Franca, em São Paulo, e Belo Horizonte, capital mineira. Disponibilizamos também o centro de gravidade da União Europeia, que mostra a sua trans​ferência do território francês para o território alemão, já em 2004, como vemos no mapa 33 (DNIT; EXÉRCITO BRASILEIRO, 2007: 155; LACOSTE, 2008: 92). De acordo com o PNLT (DNIT; EXÉRCITO BRASILEIRO, loc. cit.), o centro de gravidade brasileiro é:

Mapa 31: Logistics Performance Index, por países do mundo.

Mapa 32: Vetores logísticos brasileiros.

[...] dado pela latitude média e pela longitude média das capitais dos Estados, ponderando-se pela participação de cada Estado no PIB nacional. Para cada Estado, toma-se a latitude (em graus Sul) e a longitude (em graus Oeste) da capital estadual; a cada capital associa-se a participação do Estado no PIB nacional, usando essa participação como peso para o cálculo da latitude e da longitude médias. Assim, a longitude média ponderada obtida reflete tanto a localização geográfica das capitais quanto a participação relativa (importância) de cada Estado no PIB nacional. O valor obtido para um ano qualquer não apresenta informação relevante, posto que é influenciado pelo valor das coordenadas geográficas. Porém, as alterações temporais nos valores são altamente relevantes, porque constituem uma síntese dos crescimentos comparativos dos Estados ao longo do tempo. Desse modo, os deslocamentos dos centros de gravidade tornam-se indicadores do dinamismo econômico, podendo influenciar os investimentos dos setores público e privado e auxiliar no planejamento territorial dos eixos logísticos, já que permite, por exemplo, a identificação de áreas

de fronteira econômica. Tanto o PNLT (DNIT; EXÉRCITO BRASILEIRO, 2007) como o Plano CNT de Logística (CNT, 2011) ressaltam a necessidade de melhorias, especialmente na matriz brasileira de transportes. Conforme esse trabalho, 61,1% das cargas é transportada por rodovias, 21% por ferrovias, 14% por hidrovias, 3,9% por dutos e 0,4% por aviões. Quando comparada a matriz nacional de transportes com as de outros países com dimensões territoriais próximas à brasileira, percebe-se a diferença: nos EUA, 43% das cargas são transportadas por ferrovias, 32% por rodovias e 25% por hidrovias, dutos e pelo sistema aéreo; na Austrália, as percentagens, respectivamente, são de 43%, 53% e 4%; no Canadá, 46% da carga transportada é por ferrovias, 43% por rodovias e 11% pelos sistemas aquaviário, dutoviário e aéreo; na China, as respectivas percentagens são 37%, 50% e 13%; na Rússia, as ferrovias atingem 81% do transporte de cargas, restando às rodovias 8% e aos outros modais, 11% (DNIT; EXÉRCITO BRASILEIRO, 2007; CNT, 2011; www.ilos.com.br).

Mapa 33: Centros de gravidade da União Europeia em 2004 e do Brasil em 2007.

Vemos

no

mapa

34

(http://ops.fhwa.dot.gov/freight/freight_analysis/nat_freight_stats/docs/10factsfigures/figure3_14.htm) o transporte de carga nos EUA, segundo os modais e por tonelagem transportada. Na Europa, os eixos logísticos são predominantemente as áreas tradicionais de desenvolvimento econômico, como o Vale do Ruhr, a bacia do Rio Pó, as áreas industriais da Inglaterra e os portos do litoral e as capitais das nações europeias. O mapa 35 (SAMARCANDE, 2009: 84), elaborado pela Samarcande

Logistique, omite alguns países do Leste europeu. A hidrovia Reno-Danúbio é um dos mais importantes eixos logísticos europeus. A Banana Azul, a área que se estende de Liverpool a Roma e de Paris-Marselha a Hamburgo-Munique-Veneza, concentra a atividade econômica no continente e é a área core da União Europeia. No Brasil, o PNLT mostra os principais eixos logísticos nacionais, de acordo com os mapas 36 e 37. No mapa 36 (DNIT; EXÉRCITO BRASILEIRO, 2007: 53), em amarelo, consta o transporte de carga geral por rodovia; em vermelho, por ferrovia; e em azul, por hidrovia ou cabotagem. No mapa 37 (ibid.: 54), há o transporte de minérios, cuja matriz diferencia-se da carga geral devido à preferência do modal ferroviário. Dessa forma, no mapa, o fluxo de carga geral, bastante dependente da rodovia, não compromete a visualização dos demais fluxos.

Mapa 34: Eixos logísticos dos EUA.

Mapa 35: Espaços logísticos europeus.

Mapa 36: Carga geral transportada de acordo com o modal, 2007.

Mapa 37: Minérios transportados de acordo com o modal, 2007.

2.3. FRONTEIRAS A fronteira é um dos primeiros temas da Geografia Política. Sua importância decorre da conformação dos Estados nacionais modernos, quando os limites territoriais passaram a ser necessários à definição da soberania e da exclusividade do controle político interno. Seu uso é derivado das ciências biológicas, e [...] está sempre associada à “área de difusão” tanto das espécies vegetais e animais, quanto das províncias rochosas, de relevo ou de solo, ou mesmo climáticas, do mesmo modo como analogamente se pode falar, em termos sociais, das “áreas” ocupadas por determinados grupos étnicos, linguísticos, políticos e etc. Assim, essas áreas se originam de tudo que possui movimento, o qual em certas circunstâncias se vê obrigado a parar. É o que acontece, por

exemplo, com as árvores numa montanha, as quais a certa altitude desaparecem. Até o próprio homem, com toda sua enorme capacidade de adaptação se vê obrigado a deter-se diante de condições adversas, ainda que seja momentaneamente (MARTIN, 1998: 16). Ratzel afirma que “a fronteira é constituída pelos inumeráveis pontos sobre os quais um movimento orgânico é obrigado a parar” (ibid.: 14). Esse movimento, como vimos anteriormente, é estendido aos movimentos humanos, especialmente entre os gêneros de vida de grupos sociais mais vinculados ao meio, como indígenas. Nesse caso, as fronteiras serviam “de base à reprodução biológica e cultural do grupo[,] [...] não [...] por intermédio de linhas rígidas, [...] mas através de zonas mais ou menos fluidas que aceitavam, até certo ponto, uma interpenetração” (ibid.: 23). Esse padrão se manteve até o período medieval, quando [...] em função da própria necessidade de regularizar a propriedade da terra, se alcanç[ou] maior precisão na definição dos confins. Em decorrência das novas exigências do modo de produção mercantil, instaurava-se uma contradição entre dispersão geográfica e centralização política, implicando a construção de arcabouço institucional capaz de abarcar os conflitos surgidos. A topografia e a cartografia passam assim a ser impulsionadas pela apropriação privada do espaço. [...] Ocorre que, com o Renascimento, os progressos alcançados pela matemática, astronomia e os conhecimentos obtidos com as viagens, permitiram um avanço cartográfico extraordinário. Com os mapas, as fronteiras passavam a ser não apenas representadas, mas também projetadas, o que em decorrência tornava possível à introdução de traçados precisos entre soberanias (ibid.: 35-36). Desse modo, a fronteira linear surgiu, conforme o surgimento do Estado-nação e da noção de espaço. Uma das primeiras manifestações de linearização fronteiriça foi o estabelecimento da Linha de Tordesilhas, que separava o Novo Mundo entre Portugal e Espanha. Com efeito, esse processo será responsável pela tentativa de naturalização das fronteiras, já que os acidentes geográficos serão transformados em barreiras separadoras de agrupamentos étnico-culturais. André Martin (1998: 40) assevera, em Fronteiras e nações, que “todas as fronteiras são construções humanas, na medida em que são os grupos humanos que atribuem a esse ou aquele acidente geográfico a condição de divisão entre um espaço conquistado e outro não”. Posição esta também defendida por Costa (2008). Na indefinição, por critérios físicos, da fronteira entre Estados germânicos e França, os alemães

naturalizaram o idioma como fator cultural para a definição de limites fronteiriços. Assim, para Martin (op. cit.: 42), fundamentado em Ratzel, “o Estado é um organismo vivo e as fronteiras ou limites são parte integrante e inseparável desse organismo, [estando] sujeitas, portanto, a alterações permanentes”. Também com base na obra ratzeliana, Haushofer defendia que Estados em expansão não possuíam fronteiras fixas, e, por isso, preferia falar em “região de fronteira”. Camille Vallaux falava em zonas, e não em linhas formais. Essas zonas, de tão extensas, poderiam constituir-se em regiões glacis ou Estados-tampões, como o Uruguai entre Brasil e Argentina e os Estados do Leste Europeu surgidos ao fim da 1ª Guerra Mundial, entre Alemanha e União Soviética. Uma área de indefinição fronteiriça seria, também, a Alsácia-Lorena, na qual se vivenciaria o “espírito de fronteira” de La Blache, e que definiria as fronteiras dos Estados alemão e francês. Há certa confusão etimológica sobre os termos boundary, border e frontier, na língua inglesa, e as traduções para o português dos termos utilizados na Geografia Política, cuja origem é o latim, mantiverem essa indefinição. Fronteira (boundary) refere-se a Estados e são reguladas e definidas por tratados. Quando consultamos manuais de Direito Internacional na língua portuguesa, percebemos não apenas a manutenção das noções de fronteira natural e artificial, mas também a distinção entre limite e fronteira. Accioly & Silva (2002: 259) afirmam que, “rigorosamente falando, [...] [estes] não devem significar a mesma coisa: o limite é uma linha, ao passo que a fronteira é uma zona”. Mazzuoli (2007: 401) corrobora os autores, ao atestar que limites são “as linhas divisórias ou de separação (retas, curvas, sinuosas) que definem geograficamente a extensão precisa do território do Estado”, enquanto as fronteiras são [...] zonas espaciais (ou geográficas) bem menos precisas que os limites, [...] que correspondem a cada lado da linha estabelecida pelos limites geográficos dos Estados. Desse modo, mais do que linhas divisórias, as fronteiras são zonas que cristalizam os costumes sociais, econômicos e culturais das coletividades nacionais, representando, muitas vezes, o produto da força do meio natural em que vive determinada coletividade. Tratam-se das faixas que contornam o território do Estado, e que se estendem até a sequência de pontos formadores de linhas chamadas de limites. Sob uma ótica mais objetiva e menos metajurídica, poder-se-ia entender as fronteiras (strictu sensu) como sendo naturais, dependentes de definição métrica estabelecida por

meio dos limites (MAZZUOLI, 2007). Para Ratzel, boundary seria a abstração, enquanto border constituir-se-ia no concreto, no fato. Assim, haveria um limite secundário com maior ou menor largura, entendendo-se a fronteira como zona e não como linha abstrata. Por sua vez, essa zona implicaria uma especificidade cultural – sendo, portanto, a fronteira um órgão periférico do Estado – e, desse modo, a fronteira-boundary do Estado não coincidiria necessariamente com a fronteira-boundary nacional, como no caso da Álsácia-Lorena, território alemão no Estado francês ou vice-versa. Esse mesmo raciocínio poderia ser utilizado para explicar as fronteiras na África ou, ainda, o intricado recorte territorial da Federação Russa. Para Costa (2008: 281), Braudel se utiliza do conceito de “tempo social”, ao interpretar “as fronteiras como ‘disjuntores’ de tempos desiguais, como evoluções econômicas não paralelas, mutações não comparáveis na organização do espaço, ritmos desiguais etc”. Segundo Martin (1998), Braudel insistia na artificialidade das fronteiras francesas, que decorreram de sucessivos frontes de guerra. Essa artificialidade atingiria o auge durante a Geopolitik, que tornava as fronteiras apenas riscos no mapa, servindo, por conseguinte, ao expansionismo bélico nazista. Uma importante contribuição sobre o estudo das fronteiras foi elaborada por Hartshorne, Dervent Whittlesey e Stephen B. Jones. Os autores propuseram uma classificação genética das fronteiras, dividindo-as em quatro tipos (MARTIN, op. cit.: 57-58): [...] a) fronteiras antecedentes – quando antecederam o povoamento, ou melhor, quando ligamse a projetos exteriores aos povos autóctones. É o caso da América e da África e caracterizam-se pelas grandes linhas retas; b) fronteiras subsequentes – posteriores ou consequências de um desenvolvimento prévio. Por exemplo, germano-polonesa na Alta Silésia, assentada no período 1919-22, subsequente ao grande desenvolvimento industrial alemão da virada do século; c) fronteiras superimpostas – quando corta áreas em que há unidade cultural. Aparecem na Europa Central e no Oriente Médio sobretudo, chegando a dividir cidades e até propriedades privadas rurais ou urbanas; d) fronteiras consequentes – estabelecidas em regiões escassamente povoadas, ou até desabitadas, ou ainda onde barreiras físicas provoquem um “efeito de barreira” às comunicações, mantendo as populações isoladas. As montanhas da América Central e Meridional servem como exemplo, assim como na Europa se mencionam os Pirineus, além das montanhas e

desertos da Ásia e África. Frontier, também traduzido em português por fronteira, refere-se às áreas de expansão da atividade econômica capitalista sobre territórios ocupados por populações autóctones que vivenciam um modo de produção econômica distinto. O pioneiro nesse conceito foi Turner ao analisar a expansão estadunidense para o Oeste em sua obra The frontier in American history. No Brasil, Monbeig referiu-se a esse processo de ocupação dos fundos territoriais por meio da expressão “franja pioneira”. José de Souza Martins (1997; 1990) possui importantes trabalhos sobre o tema. Costa (2008: 281) lembra que Raffestin & Guichonnet e Foucher, por sua vez, distinguem boundary de frontier. Aqueles atribuem ao primeiro termo, “mais que a noção de ‘zona fronteiriça’ pouco rígida, a de ‘unificante’, ‘integradora’, movente, flutuante; quanto ao segundo [termo], a [noção] de ‘separadora’ e disjuntora” (loc. cit.). Camille Vallaux propôs a conceituação de fronteira por meio dos termos viva e morta, bastante utilizada hoje, cuja distinção “entre ambas dar-se-ia não só pela densidade do povoamento como também das relações de intercâmbio entre as duas populações limítrofes consideradas” (loc. cit.). No caso europeu, fronteiras vivas foram estimuladas até a sua parcial relativização por meio do Acordo de Schengen, enquanto em alguns países do Terceiro Mundo, para Foucher, as fronteiras acarretariam instabilidades políticas. A origem dessas instabilidades estaria na artificialidade dos traçados daqueles países que se descolonizaram, já que estes haviam sido impostos pelas antigas metrópoles coloniais, com 17,2% dos limites territoriais estabelecidos pelos franceses e 21,5% pelos ingleses. Contudo, Wolfgang Dopcke (1999: 78-97) questiona essa afirmação para a África Negra, ao apontar cinco “mitos” sobre as fronteiras aí traçadas: [...] o conceito de fronteira política é alheio às comunidades africanas pré-coloniais e foi “importado” do contexto cultural ocidental; as fronteiras coloniais – e, por consequên​cia, modernas – foram delimitadas na Conferência de Berlim de 1884/85. Naquela conferência, as potências coloniais concordaram, também, em estabelecer regras fixas e consensuais que depois orientariam a chamada Partilha da África; as fronteiras coloniais foram transformadas automaticamente e sem contestação em fronteiras dos Estados africanos independentes; por causa da sua artificialidade, as fronteiras modernas são ignoradas na vida cotidiana e na consciência

dos homens comuns. Ou, alternativamente: as fronteiras modernas inibem, efetivamente, o movimento de pessoas e, assim, acabaram com a tradição pré-colonial de migração, contato e intercâmbio das populações; a delimitação “artificial” das fronteiras na África representa uma das principais causas de conflito entre os Estados e dentro deles. Vimos que a classificação das fronteiras em natural e artificial não se aplica, embora Dopcke (1999) aparente ignorar o desuso desta classificação. Quanto aos mitos, este autor lembra que as sociedades africanas tinham noções claras de territorialidade, como nos casos do Califado de Sokoto e nos Emirados de Bauchi e Kano. Pierre Verger (2002: 15) lembra que [...] o Reverendo John Raban da Church Mission Society publicara, com o auxílio de Ajayi Crowther, um vocabulário que ele ainda denominava eyo, mas onde declarava que “Iorubá é a denominação geral de um grande país, com cinco regiões: Oyó, Egbwa, Ibarupa, Ijebu e Ijexá”. Eram mais de cinco divisões, porém havia interesse, por parte dos missionários, em não fracionar as publicações (da Bíblia em particular) destinadas a sustentar seus esforços de evangelização em tantas designações de uma mesma língua. Pareceu mais acertado reunir o conjunto sob o nome de iorubá, dado pelos haussa, unicamente ao povo de Oyó. A administração colonial britânica também achava vantajoso adotar este termo como um símbolo de reconciliação das diversas nações, outrora reunidas sob o comando de Aláàfin Òyó, todas elas falando o iorubá, e que se bateram em conflitos intertribais. Apesar desse esforço de unificação, algumas vezes subsistiram grandes diferenças dialetais, entre essas diferentes regiões, assim como um orgulho das origens e tradições acompanhado de certa desconfiança, ou mesmo desprezo recíproco, que o tempo não conseguiu extinguir completamente, pois cada um desses grupos prefere ser Egbá, Ifé, Ijebu ou Ijexá a ser Iorubá. Quanto à retórica sobre a Conferência de Berlim, Dopcke (op. cit.: 93) lembra que os três objetivos desta eram “a garantia de liberdade de comércio e da navegação nos rios Congo e Níger e a conclusão de um acordo sobre os critérios de futuras anexações na África”. As definições territoriais ocorreram após a Conferência, por meio de acordos bilaterais, e o princípio da ocupação efetiva não foi criado em Berlim, tampouco sendo utilizado pelas partes por recusa da Grã-Bretanha em 1884-1885. Além disso, houve uma série de alterações territoriais na África Negra, como em Camarões e na antiga África Ocidental Francesa, desmistificando o terceiro “mito”.

Ao refutar a impermeabilidade transfronteiriça, Dopcke (ibid.: 95; 100) cita o caso dos Chewa e dos Ngoni na fronteira compartilhada de Zâmbia, Malawi e Moçambique. Além disso, há fronteiras na África Subsaariana que correspondem a antigos traçados, ou ainda, as áreas de limites coloniais por vezes respeitavam acordos de proteção entre metrópole e grupos políticos. Outro aspecto a ser considerado é que a própria Europa apresenta fronteiras de Estado que não respeitam grupos étnicos – França e Espanha dividem os bascos; Albânia, Macedônia e o indefinido Kosovo dividem os albaneses, por exemplo. Ressalta-se, ainda, que [...] a maioria das 30 disputas fronteiriças na África entre 1958 e 1995, em torno de 25 casos, não envolveu nenhum tipo de violência. Nas outras ocorrências, com exceção dos casos de guerra [entre Marrocos e Argélia, entre Somália e Etiópia e entre Etiópia e Eritreia], a violência foi limitada (tratava-se, em geral, de incidentes fronteiriços menores) e/ou não partiu da ação de Estados. [...] A grande maioria das disputas fronteiriças foi resolvida por acordo. As causas destas disputas raramente são de origem étnica e, na sua maioria, são resultantes de interpretações adversas das delimitações feitas durante a época colonial. Com o trabalho de Dopcke (1999), pudemos perceber que o debate acerca das fronteiras é, de modo geral, bastante influenciado por mistificações. No caso da África Negra, pesa o eurocentrismo vulgar, como se africanos desconhecessem limites territoriais, e o determinismo político clássico que abordamos anteriormente. Quando transpomos a análise para o continente europeu, verificamos ora a pacificação de determinados conflitos territoriais, por meio da naturalização dos fenômenos históricos de assimilação de nacionalidades, ora o choque causado por novas ou recorrentes demandas étnico-culturais, como na Bélgica e nas extintas Iugoslávia e União Soviética. Vejamos, agora, o processo de formação das fronteiras brasileiras.

2.3.1. Fronteiras brasileiras Demétrio Magnoli (1997: 241-42) utiliza o termo horogênese para se referir ao processo de constituição da fronteira, cuja origem é Fronts et frontières: un tour du monde géopolitique, de Foucher (1991), o qual também se utiliza do termo díade para se referir às fronteiras comuns entre dois países. No caso brasileiro, os limites se estendem por 23.086 km, sendo 15.719 km terrestres e

7.367 km marítimos, com dez entidades políticas: Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai. Para Magnoli (ibid.: 242-43), pouco mais da metade dos limites terrestres, ou 7.948 km, foi estabelecida durante o Império, seguido pelo período Rio Branco com 32% ou 5.062 km e do período colonial com 17% ou 2.709 km. Neste período, apenas os limites com o Suriname (então colônia holandesa), com a Bolívia, no trecho em que o Rio Guaporé é a divisa, e com a Argentina, no trecho correspondente ao Rio Uruguai, foram estabelecidos. Sobre a Guiana Holandesa, o autor (ibid.: 245) afirma ser este [...] um caso curioso. Ela só foi delimitada oficial e juridicamente em 1906, por Rio Branco, após a solução arbitral dos complicados litígios guianenses com a França e a Grã-Bretanha. [...] O traçado dos limites, acompanhando a linha de cristas do divisor de águas da bacia amazônica, obedeceu a um entendimento comum que procedia dos tempos coloniais. Basicamente, um consenso sobre os limites pela Serra do Tucumaque se estabeleceu na Paz de Haia de 1661, firmada entre o conde de Miranda e Johan de Witte, que assinalou a desistência holandesa dos territórios no nordeste luso-brasileiro. Quanto aos rios Uruguai e Guaporé, apesar de o limite deste rio ter sido reconhecido apenas pelo tratado de limites de 1867 entre Brasil e Bolívia, ambas as divisas estavam presentes no Tratado de Madri, de 1750, segundo Magnoli (1997: 245). O marco inicial das fronteiras brasileiras é o Tratado de Madri, que, para Goes Filho (2001: 164), [...] legalizou a posse do Rio Grande do Sul, do Mato Grosso e da Amazônia, regiões situadas a ocidente da linha de Tordesilhas. Além de dar título jurídico a essa grande área ocupada pelos portugueses, o tratado permutou a Colônia do Sacramento pela região dos Sete Povos, aldeamento jesuítico situado no oeste do atual Rio Grande do Sul. Como dividiu um continente, fato sem precedente e sem consequente no Direito Internacional, ao fixar os ​limites brasileiros estava também estabelecendo as lindes terrestres básicas de todos os dez vizinhos do Brasil. [...] Assinado, ratificado e promulgado em 1750, já em 1761 era anulado pelo Tratado de El Pardo. Retomado quase integralmente, à exceção da fronteira sul, pelo Tratado de Santo Ildefonso, de 1777, foi de novo anulado em 1801, quando se desfechou mais uma das muitas guerras peninsulares. Ao se restabelecer a paz, nesse mesmo ano, pelo Tratado de Badajoz, não se

revalidou nenhum acordo anterior. [...] E, apesar dessa curta vigência formal, é na História do Brasil o texto fundamental para a fixação dos contornos do nosso território. Goes Filho (ibid.: 167) lembra, ainda, que “o principal artífice do Tratado de Madri” foi o santista Alexandre de Gusmão, que utilizou como princípios o uti possidetis ita possideatis – assim como possuís, continuareis a possuir – e as fronteiras naturais. Além disso, Madri gerou o Mapa das Cortes, “o primeiro mapa do Brasil, com a forma quase triangular hoje familiar a todos” (ibid.: 186). Como compensação das perdas no Ocidente, a Espanha solicitou a desistência portuguesa de qualquer reivindicação no Oriente, sepultando, em definitivo, Tordesilhas. A deterioração das relações luso-espanholas levaria à anulação do Tratado de Madri pelo Tratado de El Pardo, em 1761. O tratado de Santo Ildefonso, de 1777, mantém os ganhos portugueses ao norte e a oeste, mas impõe a perda de Sacramento sem a compensação dos Sete Povos. Nesse momento, deve-se lembrar, o Sul do Brasil estava ocupado por tropas portenhas. Ildefonso demonstra, assim, um momento de superioridade da Espanha sobre Portugal. Em 1801, ambos entraram em guerra novamente, com reflexos na América do Sul. Portugal perdeu Olivença, mas conquistou, na América do Sul, o território de Sete Povos das Missões, empurrando a fronteira até o Rio Quaraí. O mapa 38 (GOES FILHO, 2001: 195), mostra a definição de limites com o atual Uruguai, contrapondo Magnoli (1997) a Goes Filho (op. cit.). De acordo com este autor, “era o limite sul, estabelecido em 1750, que voltava a viger (descia do Ibicuí ao Quaraí no oeste, mas em compensação, subia de ‘Castillos Grandes’ ao Chuí no litoral)” (ibid.: 198). Como Badajoz não restabeleceu o statu quo ante bellum, as mudanças territoriais tornaram-se permanentes. Goes Filho cita Francisco Iglesias, afirmando que, “ao fim do período colonial, o mapa brasileiro estava quase definido” (loc. cit.). Contudo, Magnoli (op. cit.: 255) assegura que os limites uruguaios foram impostos “em troca da mobilização militar do Império contra Oribe, que mantinha sitiado o governo colorado, e da ajuda financeira concedida por intermédio do barão de Mauá”. Ademais, o tratado de fronteiras “ignorou Santo Ildefonso, Badajoz e a Convenção de 1819”. Cervo & Bueno (2002: 118) lembram que “os cinco tratados de 12 de outubro de 1851

estabeleceram sobre o Uruguai um semiprotetorado”. Além disso, o tratado de limites com o Uruguai inaugurou oficialmente a doutrina do uti possidetis conduzida por Duarte da Ponte Ribeiro25. Esses autores (ibid.: 87) afirmam que, para compreender os processos de constituição dos limites brasileiros,

Mapa 38: Limites meridionais brasileiros.

[...] é mister partir de certas constatações prévias: a) a experiência brasileira correspondeu a uma das experiências históricas mais significativas em termos comparativos, em função dos dados objetivos – cerca de 16 mil km de fronteiras com dez Estados limítrofes; b) em 1822, o Brasil herdou uma situação de facto confortável, de jure delicada; c) a expansão das fronteiras deu-se no período colonial, cedendo os textos jurídicos diante dos fatos: a Inter Coetera, os Tratados de Tordesilhas, de Madri (1750) e o tratado preliminar de Santo Ildefonso (1777); d) não houve nem preocupação política nem doutrina de limites para orientar de forma decisiva a ação brasileira até meados do século XIX; e) o método da história comparada, associando fronteira, sociedade, cultura e política não foi desenvolvido pela historiografia latino-americana. Já a política brasileira de limites iniciou-se de fato, como vimos, com o Uruguai. Ainda segundo Cervo & Bueno (ibid.: 96-97), esta se definiu por meio de [...] 1. Hesitações doutrinais e práticas até meados do século. 2. Definição de uma doutrina de limites, a do uti possidetis, pública e coerentemente mantida de 1851 a 1889. 3. Opção pela negociação bilateral como método de implementá-la. 4. Exclusão do arbitramento, a não ser em derradeira instância. 5. Determinação ocasional de corolários à doutrina: a) referência aos tratados coloniais, na ausência de ocupação efetiva; b) ocupação colonial prolongada à independência como geradora do direito; c) permuta, cessão ou transação de territórios em favor da fronteira mais natural e dos interesses do comércio e da navegação; d) vinculação da navegação e do incremento comercial à solução dos limites. 6. Defesa intransigente e unilateral do uti possidetis assim definido. Sucederam o tratado com o Uruguai os tratados de limites com o Peru, também em 1851; com o Paraguai, em 1856 e em 1872; com a Venezuela, em 185926; e com a Bolívia, em 1867. Em relação à Bolívia, ao Peru, ao Equador e à Colômbia houve dificuldades em definir os limites brasileiros devido às incertezas fronteiriças desses países entre si, que somente foram resolvidas durante o período Rio Branco. Goes Filho (2001: 217) aponta que a Convenção Especial de Comércio, Navegação Fluvial, Extradição e Limites celebrados com o Peru em 1851 [...] a) estabeleceu o padrão pelo qual todos os outros tratados de limites seriam negociados, introduzindo a praxe de trocar facilidades de navegação pelo rio Amazonas, a porta de saída de toda a bacia, por vantagens territoriais; b) adotou pela primeira vez, entre as nações sul-

americanas independentes, o princípio do uti possidetis, na versão brasileira, para o estabelecimento dos limites bilaterais; c) estabeleceu a prática salutar de se negociar apenas com uma república de cada vez, embora houvesse sempre mais de uma disputando a soberania sobre a região limitada; d) incorporou ao Brasil uma área de aproximadamente 76.500 km2 (os territórios somados da Paraíba e de Sergipe). Sobre o tratado com a Venezuela, Goes Filho (2001: 222) lembra que a definição da díade entre Colômbia e Venezuela ocorreu apenas em 1891, e, por esse motivo, além do período histórico da Grã-Colômbia, em que as duas nações estiveram unidas, era comum, no Império, tratar conjuntamente dos limites brasileiros com ambos os países. O Tratado de Limites e Navegação Fluvial foi, enfim, assinado com a Venezuela em 1859, utilizando-se “da mesma divisória do tratado de 1852, reconhecendo, portanto, posses portuguesas no alto Rio Negro (o Forte de São Carlos ficou, entretanto, em região venezuelana)”. Conforme Goes Filho (loc. cit.), [...] a divisa fixada começa a leste num ponto determinado do alto Rio Negro (a pedra de Cucuí, hoje a trijunção das fronteiras Brasil-Colômbia-Venezuela) e segue por curtas e quebradas linhas geodésicas até a Serra Imeri (onde está o Pico da Neblina [descoberto nas campanhas demarcatórias de 1964]); continua pela crista desta e das serras Parima e Pacaraima até o monte Roraima: basicamente a linha segue, pois, o divisor de águas Amazonas-Orinoco, já previsto em Madri. O Tratado de Amizade, Limites, Navegação, Comércio e Extradição assinado com a Bolívia em 1867 também se baseava no uti possidetis e foi assinado durante a Guerra do Paraguai, o que melindrou as negociações brasileiras. Todavia, isso não significou prejuízo para o Brasil, que incorporou 150 mil km2 ao seu território, apesar de não incorporar efetivamente a watershed doctrine. Magnoli (1997: 260-1) discorda, mais uma vez, de Goes Filho (op. cit.) ao assegurar que [...] a doutrina imperial de fronteiras subordinava o critério dos limites naturais ao do uti possidetis, naturalmente interpretado segundo as conveniências brasileiras. O exemplo mais nítido dessa atitude pode ser encontrado no modo como se delimitou, no tratado de 1867, o segmento do Pantanal da díade com a Bolívia. A franja de terras, de largura variável, na margem direita do Rio Paraguai, de alto valor estratégico, foi transferida para o Império em troca da concessão da divisão mais favorável à Bolívia no segmento do Acre (a célebre “linha verde” de

Duarte da Ponte Ribeiro). [...] Apenas três décadas antes, o visconde de São Leopoldo tinha se dedicado a deslindar na sua totalidade o problema dos limites com a Bolívia no segmento ao sul do rio Guaporé. A sua proposta – significativamente inspirada pela experiência de transposição realizada em 1772 – consistia em tomar como suporte da divisória os rios Alegre, Aguapeí, Jauru e o próprio Paraguai. O tratado de 1867, firmado no auge da Guerra do Paraguai, acabou por colocar o segmento da díade a ocidente de todos esses rios, a fim de assegurar ao Império o pleno controle das bases militares instaladas ou planejadas para a área e o completo domínio sobre a navegação no alto curso do Paraguai. O princípio operativo da negociação foi o do uti possidetis... futuro! Sobre o tratado assinado com o Paraguai, Goes Filho (2007: 250) lembra que o Brasil contrariou as determinações do Tratado da Tríplice Aliança, devido às posições argentinas, entre elas a de anexar territórios que impossibilitariam a existência do próprio Paraguai. Assinou, desse modo, a paz em separado, optando-se pelo limite que adotava uma solução intermediária para a questão fronteiriça, favorável ao Brasil, como vemos no mapa 39 (ibid.: 247). Para o autor (ibid.: 250), o tratado [...] não deixava na soberania brasileira regiões sobre as quais a reivindicação não tivesse alguma base em tratados ou no uti possidetis. O Brasil passou a opor-se às pretensões argentinas que, se atendidas, inviabilizariam o país guarani: concordava que ao sul a Argentina chegasse ao Pilcomaio e que a leste incorporasse o território de “Misiones” (na verdade, terra mais paraguaia que argentina); mas não que ocupasse o território ao norte do Pilcomaio até o rio Verde. Esta disputa foi afinal resolvida favoravelmente ao Paraguai, pelo arbitramento do Presidente Hayes, em 1879. O processo de delimitação das fronteiras brasileiras foi completado por Rio Branco, já no século XX, e antes mesmo de o diplomata se tornar ministro, como nos casos de Palmas e do Amapá. Outros casos que se seguiram, já como Ministro das Relações Exteriores, foram os litígios com a Guiana Inglesa, com o Acre, com a Colômbia e com o Peru, além de pequenos ajustes fronteiriços e de um tratado assinado com o Equador que se tornou sem efeito legal.

Mapa 39: Limites paraguaios com Brasil e Argentina após a guerra.

O litígio com a Argentina referia-se à comarca de Palmas. Goes Filho (2001: 263) lembra que o limite brasileiro com este país, à exceção de um pequeno trecho, é totalmente fluvial – rios Uruguai, Peperi, Santo Antônio e Iguaçu. Além disso, “essas divisas, como quase todas as outras do Brasil, vêm dos tempos coloniais, definidas que foram pelo art. V do tratado de Madri” (loc. cit.). Cabe ressaltar que o Tratado de Santo Ildefonso alterou as lindes no Sul, mas não as divisas dos rios Peperi e Santo Antônio, como vemos no mapa 40 (PEREIRA, 1945: 11).

Mapa 40: Território de Palmas, em litígio com a Argentina.

O tratado de limites de 1857 com a Confederação Argentina não foi por ela ratificado, e o motivo não foi Palmas. Em 1888, as reivindicações perfaziam territórios ainda mais a leste, chegando ao rio Jangada. No ano seguinte, foi assinado tratado entre ambos os países submetendo o caso ao arbitramento do Presidente estadunidense. Contudo, houve a Proclamação da República, e Quintino Bocaiúva assinou, em 1890, acordo dividindo a área em duas partes iguais, em nome da fraternidade. A repercussão negativa deste gesto levou-o à avaliação do Congresso, que refutou o tratado. O tratado Bocaiúva-Zeballos previa que a Argentina receberia o território compreendido entre as

divisas existentes e uma reta que ligaria a confluência dos rios Chopim e Iguaçu, ao norte, e Chapecó e Uruguai, ao sul. Magnoli (1997: 262-63) afirma que, durante o arbitramento, difundiu-se a crença de que a área tornou-se litigiosa em 1881, devido à instalação, pelos brasileiros, de postos militares. A sentença arbitral, proferida por Grover Cleveland, em 1895, foi favorável ao Brasil. Outro arbitramento favorável foi o que envolveu França e Brasil, no extremo norte brasileiro. Renato Pereira (1945: 189) lembra que o tratado de Utrecht, de 1713, “regulou a fronteira do Brasil colonial com a Guiana Francesa”, apesar de ter sofrido alterações “nos Tratados de Paris de 1797, no de Badajós de 1801, no de Madri também de 1801 e no de Amiens de 1802”. Em 1815, com o concerto de Viena, contudo, o tratado de 1713 foi restabelecido. Em 1897, o Presidente do Conselho Federal suíço foi escolhido como árbitro. O mapa 41 (ibid.: 20) mostra a área pretendida pela França. Assim como em Palmas, houve a necessidade de identificar um rio. No litígio argentino, era o Pepiri; no Amapá, era o Oiapoque. Mais uma vez, prevaleceu a naturalização da fronteira, já que este rio, e, deste “até a fronteira holandesa, a linha divisória das águas da bacia do Amazonas, que nessa região é constituída em sua quase totalidade pela cumeada dos montes de Tucumaque forma[ria] o limite interior” (PEREIRA, 1945: 208). A questão do Pirara, como ficou conhecido o litígio entre Grã-Bretanha e Brasil, diferenciou-se das demais porque a indefinição dos limites entre ambas as nações surgiu apenas no século XIX. Até então, reconhecia-se a sub-bacia do Rio Branco como brasileira, e as bacias do Essequibo e do Courantine como britânicas. Em 1898, houve proposta de Lord Salisbury de manter esta fronteira natural, o que não foi aceito pelo governo brasileiro, ademais de as relações terem-se complicado devido à ocupação de Trindade por forças britânicas. A área litigiosa aparece no mapa 42 (GOES FILHO, 2001: 283). Segundo Goes Filho (ibid.: 280),

Mapa 41: Disputas territoriais envolvendo França e Brasil.

[...] Grã-Bretanha e o Brasil decidiram pelo arbitramento, entregando a questão ao Rei da Itália, Vitor Emanuel III [em 1899]. [...] A defesa de Nabuco [...] [esteve] centrada em dois princípios: o do inchoate title (título nascente ou incompleto), que dá ao possessor ​temporário ou intermitente direito contra terceiros; e o do watershed (separação das vertentes), que dá ao ocupante de um rio certos direitos sobre seus afluentes. Expondo os fatos e os títulos da ocupação portuguesa dos rios Negro, Branco e afluentes, demonstra que a Inglaterra não tinha nenhuma razão válida para atravessar o Rupunini (afluente do Essequibo) e se estabelecer na Amazônia; quanto à pequena área entre o divisor de águas das bacias e a margem esquerda do Rupunini, justifica a reivindicação brasileira fundado na posse que Portugal exerceu por mais de um século.

Mapa 42: Disputa por territórios entre Inglaterra e Brasil no norte.

A decisão arbitral veio apenas em 1904, quando o Barão do Rio Branco já havia se tornado ministro, e foi desfavorável ao Brasil. O rei italiano dividiu o território, com a maior parte – 19.600 km2 – para os britânicos; ao Brasil couberam os 13.500 km2 restantes. Na decisão “a Inglaterra ganhou mais do que havia proposto anteriormente, em negociações diretas e levou os limites da Guiana aos rios Tacutu e Maú, da bacia amazônica”; assim, “a região do Pirara, origem do conflito, passou também à soberania inglesa” (GOES FILHO, 2001: 281). Esta é considerada a única derrota brasileira em matéria de limites territoriais. O episódio mais complexo em relação às fronteiras brasileiras diz respeito ao Acre. Magnoli (1997) considera a totalidade da fronteira com o Peru produto do Império, mas devemos ressaltar

que o limite entre Brasil e Peru se estende até a nascente do rio Javari. Deste ponto até a confluência dos rios Beni e Madeira, o território que inclui o Acre, hoje brasileiro, apresentava indefinição quanto a sua soberania. Desde o século XIX, o Peru reclamava um território vastíssimo, como vemos na linha pontilhada do mapa 43 (PEREIRA, 1945: 229), e a Bolívia era o Estado limítrofe ao Brasil. Magnoli (ibid.: 269-70) atesta que [...] o Tratado de Ayacucho, firmado em 1867 com a Bolívia, havia delimitado, para o segmento setentrional, uma geodésica traçada entre as nascentes do Javari e a confluência do Beni com o Madeira. Contudo, o desconhecimento da localização das nascentes do Javari tinha produzido três linhas diferentes, nos mapas de Duarte da Ponte Ribeiro. Como se viu, a opção pela “linha verde” (depois conhecida como linha Cunha Gomes), fora uma contrapartida das reivindicações brasileiras ao sul, na margem direita do Paraguai. O povoamento da região do Rio Acre por seringueiros brasileiros provocou uma crise militar em 1899, com a proclamação do Estado Independente do Acre por Luis Galves e, como reação, o arrendamento boliviano da área ao Bolivian Syndicate em 1901. A revolta dos seringueiros, comandada pelo gaúcho José Plácido de Castro, detonou uma nova e mais grave crise, gerando a intervenção de Rio Branco. Cervo & Bueno (2002: 192) contam que o Barão do Rio Branco, pouco antes de assumir o ministério, “quando ainda chefiava a legação brasileira em Berlim, recebera de Assis Brasil a sugestão de afastar o Syndicate por meio de indenização, a fim de não se reforçar ainda mais a influência norte-americana”, que foi estipulada em 114 mil libras. Afastado esse problema, o Tratado de Petrópolis pôde ser negociado, tendo sido assinado em 1903. Desse modo, [...] o Brasil fez permuta, conforme estava previsto no tratado de 1867, de territórios com a Bolívia, cedendo-lhe cerca de 3200 quilômetros quadrados e a indenização de 2 milhões de libras-ouro (em duas prestações), em troca de 191 mil quilômetros quadrados. A incorporação do Acre foi, de fato, uma compra. Além da indenização e da compensação de território, o Brasil comprometeu-se a construir, em território brasileiro, a Ferrovia Madeira-Mamoré, na qual a Bolívia teria livre-trânsito, juntamente, com os rios, para acesso ao oceano, confirmando uma faculdade prevista em tratados anteriores. [...] A questão acriana, todavia, só foi encerrada após as difíceis negociações com o Peru, que culminaram no tratado de 8 de setembro de 1909, firmado no Itamaraty (ibid.: 193).

Isso foi possível somente após a arbitragem argentina do litígio entre Peru e Bolívia, que alterou a linha fronteiriça desses países um pouco mais a oeste, como vemos no mapa 43 (PEREIRA, 1945: 220). O acordo entre Peru e Brasil diminuiu o tamanho do Acre em 39 mil km2, atestando a soberania peruana sobre as zonas neutralizadas do Alto Juruá (conhecido como Breu) e do Alto Purus (ou Cataio), habitadas por peruanos, também exibidas no mapa 43. A Colômbia foi um dos últimos países a ter acordos fronteiriços com o Brasil e um dos mais renitentes à negociação, já que no século XIX defendia o uti possidetis juris. Não foi resolvido o litígio sobre a linha Tabatinga-Apapóris porque havia que se estabelecer os limites entre Peru e Colômbia, tendo este país aceitado a linde estabelecida com a Venezuela em 1859. Somente em 1922, Peru e Colômbia chegaram a uma solução, tendo os peruanos cedido o trapézio de Letícia. Desse modo, em 1928, os colombianos aceitaram o que havia sido acordado entre Brasil e Peru em 1851, ou seja, a linha Tabatinga-Apapóris tornou-se o limite entre Brasil e Colômbia, como vemos no mapa 44 (PEREIRA, 1945: 222).

Mapa 43: Disputas territoriais entre Bolívia, Brasil e Peru, e fronteiras do Acre.

Mapa 44: Definição das fronteiras entre Brasil e Colômbia.

O mapa 45 (PEREIRA, 1945: 213; 237) traz dois mapas que mostram compensações territoriais brasileiras à Bolívia em 1903 e cessão, para o Uruguai, em 1909, do condomínio sobre a Lagoa Mirim e sobre o rio Jaguarão, de forma espontânea e sem compensações. Por fim, deve-se mencionar o tratado de limites assinado entre Brasil e Equador, em 1904, que estabelecia, caso o litígio entre Peru e Equador fosse favorável a este, a díade nos termos do tratado assinado com o Peru em 1851 e de sua modificação em 1874. O Equador resolveu o litígio com a Colômbia em 1916 e com o Peru, apenas em 1998.

Mapa 45: Concessões territoriais do Brasil ao Uruguai e à Bolívia.

2.4. FORMAÇÃO TERRITORIAL BRASILEIRA27 Brasília é a inflexão de um povo que queria se recriar e que desejava encontrar meios para realizar este objetivo. Não sem sentido, o modelo urbano adotado para a cidade-capital reiterava sua presença sobre o planalto e seria por intermédio dela que desbravaríamos talvez o último eldorado do mundo – a Amazônia –, sem qualquer reminiscência de um encontro com o paraíso terrestre, a não ser que esse paraíso se constituísse em dinheiro e ganhos materiais. O processo foi conduzido por militares que não foram obsequiosos em realizar o seu projeto geopolítico – derrubar a mata, criar uma rede de rodovias que integrasse a Amazônia, explorar sua riqueza mineral, acabar com tensões sociais por meio de movimentos migratórios.

A expansão da fronteira foi fenômeno recorrente na história brasileira, do qual Brasília foi um dos episódios mais recentes, mas único em importância. Para fundamentar essa hipótese, cabe um breve histórico acerca do processo de formação territorial do nosso país e, para tanto, retrocederemos ao século XVI. Se primeiramente essa fronteira era apenas política – já que a definição das fronteiras, por vezes, foi anterior ao desenvolvimento econômico integrado dos territórios –, com o passar dos séculos foi-se transformando em fronteira econômica e, assim, reproduzindo o ethos do brasileiro. A incorporação dos fundos territoriais foi possibilitada pelo estabelecimento de postos avançados nas trilhas dos bandeirantes paulistas, que, posteriormente, se tornariam marcos para a demarcação territorial. O bandeirantismo teve inegável importância na expansão geográfica de grande parte do Brasil. Há, nesse sentido, que se distinguir entre as formas de bandeirantismo. A historiografia reconhece quatro tipos de bandeiras: as de apresamento, as de prospecção, as de monções e o sertanismo de contrato. Inicialmente, as de apresamento visavam à captura dos gentios, em uma clara rejeição ao exclusivo metropolitano que comercializava negros d’África, muito caros para a pobreza bandeirante; as de prospecção foram as que mais expandiram o conhecimento do território e constituir-se-iam em alternativa à atividade econômica existente caso fossem encontrados metais preciosos; uma vez encontrados e em decorrência de sua exploração, o bandeirantismo de monções visava ao abastecimento de vilas, como a de Cuiabá, fundada em 1719, e ao recolhimento desses metais; e, por fim, o sertanismo de contrato visava à destruição de quilombos e de tribos hostis ao longo do território. Jaime Cortesão (apud GÓES FILHO, 2001: 114) nos ensina que [...] seria errado [...] supor que todas as bandeiras e todos os bandeirantes obedecessem estritamente a objetivos econômicos, sem a menor consciência da política e das realizações geográficas que a expansão das bandeiras entranhava. Houve também, ora anterior ora conjuntamente com os ciclos de caça aos índios e da busca do ouro, aquilo que poderíamos chamar uma política de realização da ilha Brasil. Com as expansões, e por meio do contato com os indígenas, segundo Synesio Góes Filho (ibid.: 115), os colonizadores entraram em contato com o “mito” da Ilha Brasil, expressão divulgada por Cortesão, embora houvesse termo similar no século XIX. Esse autor crê que os portugueses

buscaram moldar sua colônia de acordo com uma forma geográfica orgânica, embora o bandeirantismo não tenha, provadamente, motivação política. O acontecimento político que permitiu que territórios fossem incorporados à América Portuguesa foi a união das Coroas lusitana e espanhola, em 1580. Esse espraiamento territorial é verificado na fundação de Belém, em 1616, o qual permitiu o domínio, especialmente por jesuítas, da foz do Amazonas e, a partir desta, do rio à montante, bem como na ocupação do sertão nordestino, com atividades econômicas ​vinculadas à agroexportação açucareira do litoral. Nesse ínterim, os holandeses começavam a ocupar parte do Nordeste brasileiro, inicialmente em 1624-1625, em Salvador, e depois, entre 1630 e 1654, em Olinda e Recife. Cabe ressaltar que, com base no episódio de expulsão dos holandeses, criou-se o “mito” das três raças, em virtude da utilização de indígenas e de negros, durante os combates, em apoio aos portugueses. Assim, ademais do “mito” do bandeirante, o “mito” das três raças também foi utilizado pelo Romantismo brasileiro como origem de nossa essência. Desse movimento também surgiriam outras manifestações ideológicas de caráter nacionalista no Império. No que se refere especificamente à Geografia, a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro serviu para a construção de um pensamento que vinculasse a História do país à constituição do seu território. Essa materialidade espacial foi consolidada por intermédio da assinatura entre Portugal e Espanha do Tratado de Madri, no século XVIII. A expansão física da fronteira, muitas das vezes mais que apenas um movimento migratório – as bandeiras não tiveram caráter povoador, embora estabelecessem postos avançados nas trilhas bandeirantes –, contribuiu para a preocupação da Espanha em proteger seus domínios e culminou na assinatura daquele tratado em 1750. Sucederam-se diversos outros, como os tratados de Santo Ildefonso, em 1777, e de Badajós, em 1801, com anulações e mudanças nos limites territoriais, cujas disputas foram herdadas pelas nações sul-americanas. Esses litígios prosseguiram até o Império, com a definição dos primeiros acordos fronteiriços entre o Brasil e as demais repúblicas do continente. O Tratado de Madri legou às negociações diplomáticas futuras, a favor do Brasil em quase todos

os casos, os princípios do uti possidetis e da naturalização das fronteiras. Dessa forma, houve incorporação de vastos domínios ao território brasileiro, com ocupação esparsa, que até recentemente se constituíam em áreas de fronteira, caso da região amazônica. A diplomacia brasileira, de Alexandre de Gusmão ao Barão do Rio Branco, conduziu com extrema eficácia a expansão do território nacional, o que criou enormes fundos territoriais, sem a necessidade de forjar nenhum inimigo externo. Antes de considerar as áreas de fronteira brasileiras, cabe uma breve definição acerca deste conceito. Considerar-se-á fronteira o processo de integração de um espaço geográfico à economia nacional, cujo correlato é o termo inglês frontier. O bandeirantismo consiste em uma expansão dos domínios territoriais, mas, na medida em que não implica movimento migratório fundado em bases econômicas e possui caráter bastante dispersivo, não pode ser considerado in totum área de fronteira. Nesse sentido, a primeira área de fronteira é o Sertão nordestino. Segundo Moniz Bandeira (2007: 627; 624), [...] de fato, ao contrário dos bandeirantes de S. Paulo, que apenas devassaram a terra, mas não se preocuparam fazê-la economicamente render, os senhores da Torre, ao longo de três séculos, ocuparam-na e trataram de a explorar, ou expandindo sua criação de gado ou arrendando sítios e fazendas, instituindo um senhorio, ao mesmo tempo em que se constituíam como poder político e militar, com seus próprios regimentos de milícias, o que dava ao seu domínio características de um feudo. [...] [A] ambição de localizar as minas de prata continuou a motivar as entradas no sertão, sob o pretexto de combater os índios, já não mais chamados gentios, mas bárbaros, que se insurgiam e atacavam vilas, engenhos e rebanhos de gado, inconformados com a apropriação de suas terras e adversos à escravização à qual os colonos os tratavam de submeter. A segunda área de fronteira no Brasil, deflagrada também por uma bandeira paulista, foi a região das Minas Gerais, a qual reestruturou a colônia com a descoberta do ouro. Em 1696 foi fundado o arraial de Nossa Senhora do Ribeirão do Carmo, o qual, em 1711, se tornou a primeira vila de Minas Gerais, núcleo original do atual município de Mariana. Vários arraiais foram surgindo e, com o passar dos anos, tornando-se vilas. A corrida pelo ouro fez com que as áreas mineiras originassem uma protourbanização, que instituiu definitivamente interligações entre diversas áreas da colônia. Houve, pois, interligação entre as produções pecuárias gaúcha e nordestina; melhoraram-se as

comunicações entre Minas e o Rio, principal rota de escoamento do ouro; houve considerável fluxo migratório do Nordeste açucareiro para as Gerais; e São Paulo foi-se firmando como entreposto entre o Sul e o Mato Grosso e a província mineira. Tudo isso causou o deslocamento do eixo econômico do Nordeste para o Centro-Sul; criou uma camada média, diminuindo a rigidez da hierarquia social, a qual passou a ter maior mobilidade; difundiu a escravidão negra; e causou maior dependência portuguesa das manufaturas inglesas. O florescimento dessas cidades mineiras mudou o caráter das cidades brasileiras que, até então, eram reles centros administrativos identificados à Coroa e à Igreja que pouco contribuíam para dinamizar as relações sociais na América Portuguesa. No século XVI havia apenas quatorze vilas – São Vicente, Porto Seguro, Igaraçu, Ilhéus, Santa Cruz Cabrália, Olinda, Santos, Espírito Santo, Vitória, São Paulo, Itanhaém, São Cristóvão, Natal e Cananeia – e três cidades, Salvador, Rio de Janeiro e João Pessoa. Isso ocorreu porque os donatários não tinham o direito de fundar cidades, que estava restrito à Coroa e em terras livres de encargos, como heranças e pensões. No século XVII, quatro novas cidades surgiram; Olinda, elevada a essa categoria em 1676, São Luís, Cabo Frio e Belém. Nessa centúria, o sertão nordestino fora incorporado à economia canavieira, e houve a fundação de vilas devido ao bandeirantismo. Uma cidade assumiu, enfim, esplendor cosmopolita – a Recife dos holandeses, coligada a Olinda, cuja população somada equivalia a três quartos do número de habitantes de Salvador. Apesar da expansão territorial e da fundação de 37 vilas, o número de cidades era muito baixo e o de vilas pequeno, e a atividade econômica não favorecia qualquer mudança nesse quadro, até o século XVIII. Surgem, nesse século, mais três cidades – São Paulo, Mariana e Oeiras –, e mais 118 vilas, fenômeno verificado pelo desenvolvimento da economia mineira, cujo auge ocorreu em 1750, mesmo ano do Tratado de Madri. Nas décadas subsequentes, muito se transformaria na colônia. A administração pombalina iniciou a extinção do regime de capitanias hereditárias e expulsou os jesuítas, cujas missões, usualmente, tornaram-se vilas. Outrossim, reunificou a América Portuguesa e transferiu sua capital, de Salvador para o Rio de Janeiro, não apenas para facilitar o controle e o escoamento das Minas, mas também em decorrência da criação do Vice-Reino do Prata e dos contenciosos envolvendo Sacramento.

O Brasil experimentou período um tanto prolongado de depressão econômica, à exceção da lavoura algodoeira do Maranhão, e foram proibidas todas as atividades manufatureiras. Somente a partir de 1790, há a retomada do crescimento econômico, vinculado, mais uma vez, a atividades agrárias. Socialmente, a Independência americana, a Revolução Francesa e a independência do Haiti influenciaram bastante a elite brasileira. Houve aumento populacional devido tanto à imigração de portugueses quanto ao tráfico de escravos negros; o número de habitantes mais que dobrou entre 1754 e 1808. Isso se reflete no povoamento do interior e na criação de municípios. A próxima fronteira a surgir e a dinamizar a economia colonial foi o café, que se manteve como mais importante atividade econômica até o segundo quartel do século XX. As áreas incorporadas foram o Vale do Paraíba, primeiramente, e a partir de 1870, o Oeste paulista. Ambas as áreas, devido ao ouro, já se conectavam à economia, funcionando, basicamente, como rotas ou entrepostos para o comércio. As classes dominantes que expandiram suas atividades econômicas para o Vale do Paraíba davam suporte ao regime monárquico e da escravidão. Uma vez declarada a Abolição da escravatura, a monarquia perdeu definitivamente a sustentação política, e, no ano seguinte, foi proclamada a República. Já na segunda metade do século XIX, a escravidão começa a ser substituída por outras formas de trabalho, como consequência da efetiva proibição do tráfico negreiro transatlântico e da Lei de Terras de 1850. Ao impedir o acesso da terra a posseiros e camponeses, mercadizando-a oficialmente, essa lei legitimou o controle dos estratos dominantes sobre a terra. Assim, consoante João Fragoso (2000:147), isso contribuiu [...] para a transformação ou confirmação do trabalhador, livre ou escravo, como produtor de sobretrabalho para outros. Com isso, garantia-se a modificação do regime de trabalho sem grandes perturbações para as estruturas preexistentes. [...] Se é certo que, ainda na virada do século XIX para o XX, a economia apresentava uma precária divisão social do trabalho e uma circulação limitada de mercadorias (baixos índices de mercantilização), por outro lado é nesta época que presenciamos o crescimento da população urbana, os primeiros passos da industrialização, com a formação de seu capital industrial e sua classe operária. O que importa sublinhar é o caráter lento e tenso de tais transformações. João Fragoso ainda reitera que a produção para o mercado interno tem um peso maior que o atribuído pela historiografia tradicional, ao afirmar que a economia brasileira era mais complexa

que uma plantation voltada para o mercado externo, o que pode ser comprovado pela permanente incorporação de áreas de fronteira. A tese de Fragoso primeiramente atesta que, contrariamente ao que acontece no capitalismo, “aqui a extorsão do sobretrabalho é mais o resultado de relações de poder (o produtor direto é cativo de outro homem) do que relações econômicas” (FRAGOSO, 2000: 149). O escravo, nesse sentido, além de ser propriedade de outrem, é também, ele próprio, mercadoria. Desse modo, o mercado reitera as relações sociais de subordinação porquanto depende da alienação das mercadorias produzidas pelo escravo. Assim sendo, a produção mercantil transforma-se em meio para a recriação dessas relações de poder e, ​consequentemente, das relações de produção. Como a riqueza é pouquíssimo distribuída, o sobretrabalho concentra-se em poucos proprietários e essa concentração produz um mercado restrito. Com efeito, haverá contínua reprodução de sistemas agrários escravistas mercantis em áreas de fronteira (loc. cit.). Essa constante criação de áreas de fronteira [...] amplia o mercado interno sem mudar seu caráter restrito. E quando essa criação renovada de sistemas agrários coincide com a montagem da agroexportação, além da ampliação da demanda para os segmentos escravistas ligados ao abastecimento interno, ocorre também a transferência, em última instância, do problema da realização do sobretrabalho contido na produção escravista colonial para outro mercado (o internacional), e para outros modos de produção. A partir disto, a expansão da agroexportação ganha um novo sentido, que é o de preservar a estrutura social interna da sociedade escravista. Daí que ela decorra, em tese, de pressões internas à sociedade e não externas a ela. [Desse modo,] [...] se consideramos que a nova criação de sistemas agrários escravistas se constitui em movimento que possibilita a reiteração de relações sociais de subordinação, estaremos frente a uma sociedade cuja reprodução simples (reiteração dos padrões sociais vigentes) depende da reprodução ampliada da economia. [...] Grosso modo, podemos desdobrar o tipo de reprodução econômica aqui abordado em dois movimentos: 1º) apropriação de parte do sobretrabalho, na circulação, assumindo a forma de uma acumulação mercantil; 2º) transformação parcial desta acumulação em produção (ibid., 149-50). A constante recriação dos sistemas agrários escravistas-mercantis em áreas de fronteira, por

conseguinte, [...] enquanto fenômeno vinculado à reprodução da sociedade escravista, encerra dois significados intimamente ligados. Em primeiro lugar, ele é um movimento que, através da reprodução ampliada da economia, viabiliza a reiteração da sociedade considerada. Em segundo lugar, esse fenômeno é a própria remontagem em escala regional daquela sociedade; isto é, de sua forma de extorsão de sobretrabalho (trabalho escravo), do predomínio da acumulação mercantil e das diferenciações presentes em sua estrutura social. [...] Em outras palavras, estamos frente a um sistema agrário cujo funcionamento se dá através da incorporação de mais terras e mais força de trabalho, sem o desenvolvimento técnico na lavoura (ibid.: 151). João Fragoso demonstra, assim, como a agricultura cafeeira no Sudeste reproduz o sistema agrário escravista-exportador e a própria sociedade brasileira. Por extensão, podemos aplicá-la à nossa abordagem, que define as áreas de fronteira como locus da reprodução da imago da sociedade brasileira. Em que pese a necessidade de mais pesquisas, acreditamos que a recriação de áreas de fronteira também ocorre nas áreas urbanas, como, por exemplo, se deu na Barra da Tijuca, parte do sertão carioca, que reproduziu a sociabilidade vinculada ao mar que vinha se repetindo havia décadas. Conta para isso a subordinação urbana ao campo no Brasil até meados do século XX. Ainda na segunda metade do século XIX, contudo, outras duas áreas de fronteira surgiram, uma no Sul e outra no Norte brasileiros. Esta área de expansão ocorreu na Amazônia, com a borracha, e levou à disputa territorial pelo Acre, cuja compra ocorreu em 1903. Os seringalistas eram latifundiários, muitos ocupando irregularmente as terras, e ainda desfrutavam de vantagens do governo, como o monopólio de navegação em determinados rios. Isso recriou toda a problemática da fronteira, e os seringueiros tornaram-se, via de regra, subjugados pelos seringalistas, por meio de dívidas e do controle dos meios coercitivos por estes. No Sul, com as políticas de imigração europeia e de embranquecimento populacional, houve fixação de diversas nacionalidades nas terras gaúchas e catarinenses. Posteriormente, o Paraná recebeu muitos desses imigrados. Embora com diferenças substanciais quando comparada às outras áreas de fronteira, fundamentada em lotes pequenos, vendidos por companhias de imigração ou pelo Estado, houve nessas áreas de expansão conflitos e disputas pela propriedade de terras, tanto entre colonos, incluindo-se a população anteriormente fixada, quanto entre estes e os agentes de

modernização do território. Esta propiciou paulatinamente a industrialização substitutiva de importações, a qual, por seu turno, estimulou a concentração espacial, favorecendo a expansão do tecido urbano, uma vez que tanto a modernização quanto a indústria impuseram rígida divisão territorial do trabalho e um intenso fluxo migratório às cidades. Isso possibilitou o surgimento das primeiras áreas metropolitanas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Nesse primeiro momento, ainda havia grande dependência do exterior para suprir necessidades industriais básicas e forte resistência dos tradicionais setores agrários à industrialização. Somente após a Segunda Guerra Mundial, estabeleceu-se uma base mínima para a indústria de bens de capital. Como decorrência da guerra, houve radical mudança da estratégia nacional, e desenvolver-se industrialmente, mais que necessidade de consumo e de reduzir déficits comerciais, tornou-se condição sine qua non para a soberania nacional. Esse projeto geopolítico resgatava, outrossim, a expansão das atividades produtivas não industriais no território brasileiro, bem como tentava atenuar as tensões agrárias e urbanas de uma democracia embrionária. A Marcha para o Oeste foi a estratégia de ocupação do interior do país, a fim de que houvesse o fortalecimento do Estado nacional, no primeiro período Vargas, sob fundamentos territorialistas. Embora tenha se concretizado, de alguma forma, anos depois, essa estratégia era mais ampla e coincidia com o Ideário Cívico dos Ibegeanos. As propostas desse grupo compreendiam a ocupação efetiva do território; a redivisão deste; a valorização do homem rural; o ordenamento administrativo dos municípios, a serem circunscritos em jurisdições municipais e em departamentos, os quais agregavam aqueles; o estabelecimento de rede rodoviária integradora da nacionalidade; a unidade nacional por meio da unidade da língua; e, por fim, a interiorização da metrópole federal. Transferiu-se, pois, a capital para Brasília, e o Centro-Oeste tornou-se a nova área de fronteira brasileira, nas décadas de 1960-1970, assim como as maiores cidades do país conquistavam seus fundos territoriais, que no Rio de Janeiro se deu por meio da urbanização da Barra da Tijuca. Carlos Eduardo Barbosa Sarmento (1998:10), afirma que [...] a idealização das relações do homem com o meio sertanejo contribui para a edificação de uma interpretação que qualifica o ambiente como o modelo de um espaço edênico, o paraíso

perdido no processo civilizatório. Desta forma, o autor afasta-se radicalmente do cânone euclidiano e começa a construir o seu modelo de sertão, abandonando os paradigmas científicos de análise e assumindo uma linguagem, em grande medida alegórica, que elabora uma representação idealizada deste espaço humano e físico específico. Nesse ínterim, São Paulo consolidou-se como centro industrial e hegemônico do país justamente por ter se tornado capaz de fornecer os meios necessários à integração do território. Deve-se lembrar que essa expansão urbana ainda está em curso, assim como não se completou a ocupação na Amazônia, que recebeu intenso fluxo migratório do paupérrimo Nordeste, para atividades econômicas as mais diversas. Durante o regime militar, foram iniciados projetos megalômanos que serviram de sustentáculo à ideologia oficial, como a construção da Transamazônica. Sobre as fronteiras das últimas décadas, deve-se lembrar que grande parte do fluxo migratório é de famílias do Sul do Brasil, desde os primórdios da ocupação do Centro-Oeste até a exploração econômica do Mapitoba – Maranhão, Piauí, Tocantins e oeste da Bahia, esta, até então, uma área relativamente estagnada. Os investimentos em infraestrutura tornam a integração irreversível, como as hidrelétricas em Rondônia e no Pará e as ferrovias no Nordeste e Centro-Oeste. A região amazônica ainda permanece com vastos fundos territoriais, razão pela qual há intenso debate sobre como utilizar seus recursos de modo a preservá-la. O mais grave nesse debate é a redução dessa fronteira à problemática exclusivamente ambiental, sem analisar o tipo de sociedade que se está construindo nessa expansão; basta perceber o número de conflitos nessa área de fronteira para se ter a certeza de que ainda se está longe de fundamentar o uso de seus recursos de forma racional e com ganhos para todos. Após séculos de movimentos de ocupação dos fundos territoriais em áreas de fronteiras, garantidos, em grande parte, sem guerras e violências externas, o território brasileiro tem atingido sua definitiva integração. Ao longo dos últimos trinta anos, o país alcançou altos patamares na produção industrial, urbanizou o território, garantiu tecnologia ao campo, mas não acabou com a clivagem entre ricos e pobres e há, ainda, gargalos logísticos. O território está a cada dia mais unificado e homogeneizado pelos centros de poder, reproduzindo ideologias, tendências e hábitos que, até certo ponto, influenciam o comportamento social. Programas como o Territórios da Cidadania e o Programa de

Aceleração do Crescimento têm investido pesadamente em diversas frentes com o objetivo de melhorar a qualidade de vida das populações atendidas. As desigualdades persistem, embora tenham sido reduzidas, e como não há outra área a deflagrar, as atenções governamentais voltam-se àquelas áreas que permaneceram marginalizadas dos processos de expansão das fronteiras, urbanas e agrárias. A expansão da fronteira está vinculada ao desrespeito à lei e reproduz, em certo grau, a mesma sociedade de séculos atrás. Segundo José de Souza Martins (1997: 40; 28), no caso brasileiro, [...] é evidente, na ausência expressa e direta das instituições do Estado, o domínio do poder pessoal e a ação de forças repressivas do privado se sobrepondo ao que é público e ao poder público, até mesmo pela sujeição dos agentes da lei aos ditames dos potentados locais. Portanto, um comprometimento radical de qualquer possibilidade de democracia, direito, liberdade e ordem. Não só a fronteira é o lugar privilegiado da violência privada, mas é também, em decorrência, o lugar privilegiado de regeneração até mesmo de relações escravistas de trabalho. [...] A situação de contato, a sociabilidade que demarca a convivência, dominada pela diferença e pelo desencontro étnicos, no espaço ainda indefinido de frente de expansão, constitui uma realidade sociológica sui generis. Embora marcada por uma transitoriedade notória e menor do que a das durações históricas das sociedades e grupos que ali se encontram e se confrontam, o calendário dessa convivência complicada é mais extenso do que parece. Sua durabilidade tem-se estendido por gerações e marca até profundamente a cultura peculiar que daí decorre. Não é surpresa, pois, que nas frentes de expansão de Goiás (e, agora, de Tocantins), do Mato Grosso, do Pará, do Maranhão, de Rondônia, do Acre, do Amazonas, o pesquisador se veja rotineiramente conversando com “civilizados” cujo discurso se apoia numa concepção dual dos seres humanos – cristãos (os civilizados) e caboclos (os índios), homens e pagãos, ou humanos e não humanos. Desse modo, a fronteira contemporânea na Amazônia permite estabelecer similitude ao Brasil Colônia: [...] Um sistema classificatório básico que nos remete imediatamente aos primeiros tempos do Brasil Colônia, e da expansão, em que essas categorias demarcavam com mortal severidade, como ainda hoje, de certo modo, os limites étnicos dos pertencentes e dos não pertencentes ao gênero humano (loc. cit.).

3 MEIO AMBIENTE

Vimos, no primeiro capítulo, as diversas correntes metodológicas que marcaram a evolução da Geografia Científica ao que hoje chamamos de Geografia Humana. Deve-se ressaltar que esse processo ocorreu também com a Geografia Física, e que essa aparente dicotomia não invalida a ciência geográfica. Neste capítulo, veremos, no item 7.1, como se deu o surgimento da Geografia Física e a evolução do conceito de natureza, fundamental para compreender a temática ambiental. Comentaremos, no item 7.2, sobre as duas correntes ambientais, o conservacionismo e o preservacionismo, e a relação de ambas com os marcos jurídicos do meio ambiente. Por fim, trazemos os exercícios cobrados nos certames dos últimos anos.

3.1. GEOGRAFIA FÍSICA E NATUREZA Antes de Ritter criar a primeira cátedra de Geografia em Berlim, em 1820, Kant introduzira seu estudo na universidade, por meio de 49 ciclos de Geografia Física entre 1755 e 1796, perdendo apenas para a lógica e a metafísica, que totalizaram 54 ciclos, e superando os de Ética, de Antropologia, de Matemática e de Direito, entre outros (VITTE, 2008: 57). Para Kant (loc. cit.), “a Natureza aparece como um problema [...] após a publicação da Crítica da razão pura em 1781”, em que esta “foi concebida como um mero ordenamento empírico de fenômenos e, o Espaço, como um a priori, portanto, intuitivo e sem relação com o empírico”. Desse modo,“nada tinha existência independente do sujeito e o amálgama era dado pelo mecanicismo newtoniano” (loc. cit.). O surgimento da noção de organismo na Biologia, de conservação das massas com Lavoisier na Química, e a contribuição de James Hutton na Geologia alteraram em definitivo o pensamento kantiano, como mostrado na Crítica da faculdade do juízo, em

1791, cujo objetivo era “mediar a relação entre o Empírico, a Imaginação e a Razão na produção do conhecimento” (ibid.: 59). Segundo Vitte (ibid.: 59-64), [...] a Geografia Física, a diversidade da natureza na superfície da Terra é a geratiz de toda a crise do sistema filosófico kantiano. Tanto, que o principal objetivo da Crítica da Faculdade do Juízo é construir uma regra que permita introduzir a unidade na Natureza, uma ordem na diversidade empírica que o entendimento não foi capaz de fornecer na Crítica da Razão Pura. É uma problematização geográfica, a de explicar a Natureza e sua diferenciação espacial, que leva Kant na Crítica da Faculdade do Juízo a desenvolver a noção de crítica da faculdade de julgar estética e teleológica, cujo eixo é o juízo reflexionante. O juízo reflexionante deve ser entendido como uma pressuposição transcendental que media a subsunção do particular ao universal, mas também o poder de encontrar no particular o universal. Diferentemente da Crítica da Razão Pura, a forma, a partir de então, a forma será o produto de uma totalidade, o que Kant diz ser o produto da ligação de todas as coisas enquanto causa. Assim, as partes não existem sem o todo, sendo a forma a demonstração da organização e da força formadora do todo, a epigênese. [...] A faculdade de julgar reflexionante subsume o particular ao universal, a uma regra, a um princípio ou a uma lei. Coloca-se, aqui um problema, que é o da subjetividade. Afinal, como mediante uma espontaneidade subjetiva, pode-se submeter algo que é dado a partir da sensibilidade a uma determinação que é válida universal e independentemente da experiência? Isto será possível somente com o uso da noção de conformidade a fins, ou seja, um universal que não surge da experiência que é descoberta por espontaneidade, mas que permite a intermediação entre o particular, os fenômenos que são constatados empiricamente e o universal, que é a suposição da totalidade. A conformidade a fins permite, então, a constituição nos juízos estéticos de uma unidade formal e estética da natureza e do organismo. [...] Com os trabalhos de Goethe e Alexander von Humboldt esta conformidade a fins da natureza tornar-se-á empírica e instrumentalizada. A partir de então, a Geografia Física que havia propiciado o fechamento do sistema cosmológico kantiano e a produção de uma nova estética no mundo ocidental será inserida em um quadro metafísico da Naturphilosophie que redefinirá a substância. Neste processo de redefinição, a própria noção de substância confunde-se com a Geografia Física, de tal maneira que se pode asseverar que a Geografia Física, como o produto de uma reflexão metafísica da natureza, passa a ser encarada pelos filósofos e naturalistas da Naturphilosophie, dentre eles Goethe e Humboldt, como a realização da substância, empiricamente determinada,

instrumentalizada e passível de ser cartografada. [...] É em Alexander von Humboldt [que] melhor se espelha o cruzamento do empirismo com a estética kantiana, agora retrabalhada por Goethe. Se a conformidade a fins de Kant estava sendo interpretada por Goethe como uma plasticidade das formas da natureza geradas a partir da sua relação com o todo; Humboldt irá instrumentalizar esta noção com a concepção de conexões entre os elementos da natureza, cujo produto será uma paisagem com plasticidade e produto de uma finalidade da natureza. É desta perspectiva que Humboldt irá compor Os Quadros da Natureza, de 1808, em que até no título expressa as influências de Kant e de Goethe e que, definitivamente, fundam a paisagem como sendo algo concreto nas pesquisas geográficas. Esta longa citação mostra como a paisagem se tornou o primeiro conceito utilizado pela Geografia Física e, com ela, a Natureza passou a “ser entendida como uma totalidade viva e organizada”, “estética e cientificamente operacionalizada” (VITTE, 2008: 64-65). Com Humboldt, a paisagem passou a ser delimitada por meio da combinação – única – de diversas características, como relevo, clima e solo, influência da Filosofia da Natureza. Daí a ​importância do empirismo raciocinado – era necessário observar, descrever e representar a paisagem, aproximando Estética e Geografia. Ruy Moreira (2006: 47) lembra que concebemos a natureza por meio da “nossa experiência sensível, cujo conhecimento organizamos numa linguagem geométrico-matemática. É uma totalidade fragmentária, que então só ganha unidade mediante suas ligações físico-matemáticas”. Assim sendo, a Geografia Física utiliza os fenômenos naturais como objeto de estudo, tomando por parâmetro o clássico Tratado de geografia física, de De Martonne, publicado em 1909. Este geógrafo inicia o referido trabalho pelo clima, mas a Escola Francesa tendeu a começar os estudos pelo relevo, porque este era o substrato sem o qual a ação humana jamais se desenvolveria e porque a Geografia era uma ciência dos lugares, e não dos homens. Esse padrão na escrita de trabalhos de Geografia Física é mostrado por Ruy Moreira, que apresenta a sequência desses estudos fragmentários: relevo (geomorfologia), geologia, clima, bacia fluvial, solo e vegetação. Para compreendermos essa fragmentação e o processo posterior que reintegrou esses fenômenos, precisamos retornar um pouco no tempo. Massimo Quaini (1983: 60) lembra do “projeto de uma nova história natural que foi fundada pelo iluminismo, integrando historicidade social e historicidade natural, partindo do pressuposto da centralidade do homem”. Para Kant (apud

QUAINI, op. cit.: 62), [...] nós damos geralmente aos termos “descrição da natureza” e “história natural” o mesmo significado. Está claro, porém, que o conhecimento das coisas naturais como atualmente são suscita, ainda, o desejo de conhecer como foram, e através de que série de modificações alcançaram, em todo lugar, seu estado atual. A história da natureza, de que temos ainda falta quase total, nos ensinaria quais foram as modificações das criaturas terrestres (plantas e animais) que sofreram por migrações naturais, além das variações do tronco primitivo da espécie que derivaram disto. Ela, provavelmente, reconduziria para a mesma espécie uma grande quantidade de tipos e de raças que atualmente parecem diversas, e transformaria a classificação escolástica da natureza, hoje geralmente aceita, em um sistema físico que responderia às exigências do intelecto. [...] A história da natureza [...] consiste em remontar a conexão entre as disposições atuais da natureza e suas causas no passado, conforme as leis da causalidade que não inventamos, mas deduzimos das forças da natureza e em continuar esta regressão no passado até o ponto consentido pela analogia. Kant (ibid.: 64), ao afirmar que “observar significa organizar metodicamente a experiên​cia”, supera a simples descrição na Geografia Física, e, além disso, efetua a separação entre natureza e história. Assim, o que o filósofo [...] nos apresenta é somente uma concepção que resulta da justaposição de antropologia [e de uma antropologia física, como vimos] e ética, isto é, homem como ser natural finito e do homem como sujeito moral. Em outras palavras, o criticismo kantiano permanece, mais do que outras correntes iluministas, no interior dos limites do humanismo burguês que consiste na progressiva separação, também a nível científico, entre o mundo natural e o mundo humano ou social: a análise da natureza, o mundo das ciências físico-naturais já é constituído como um mundo autônomo, emancipado da metafísica, e no qual é incluído na medida em que é ele mesmo um ser natural. Por outro lado, dado que esta naturalidade do homem ainda não é percebida em sua sociabilidade intrínseca, e portanto como produtora de história, o mundo moral continua sendo uma reserva da metafísica [...] O mundo natural já passou para a ciência, o mundo moral permanece ainda na metafísica (a “humanidade” liberal burguesa nada produzia além disso) (QUAINI, 1983: 65). Miriam Leite (1996: 39), sobre a concepção de natureza, afirma que

[...] os diversos sentidos em que se fala de Natureza têm relações de filiação e uma identidade fundamental – é a ideia de uma existência que se produz, ou pelo menos determina-se em todo ou em parte, sem necessidade de outra causa. Uma coisa é natural quando se opõe à reflexão, à obrigação, ao artifício, ao humano, ao divino e ao espiritual. A História Natural seria então a ciência da descrição e da classificação por oposição à procura de leis. O sentido da expressão História Natural concentra-se no estudo da Natureza, em todas as suas manifestações. O naturalista é quem vive no meio da Natureza, por oposição ao físico, que se fecha no laboratório. À medida que os estudos dessa ordem chegaram a generalizações e leis, o termo História tornouse inadequado, sendo substituído pelo de Ciências Naturais. A Encyclopaedia Britannica de 1771 atribui oito diferentes significações à Natureza, sendo a primeira a de Autor da Natureza, a quem os letrados chamam de Natura Naturans, que é o mesmo que Deus. Já na Encyclopédie ou Dictionnaire Raisonné des Sciences, des Arts et des Métiers, de 1778, a Natureza significa, às vezes, o sistema do mundo, a máquina do universo ou o conjunto de todas as coisas criadas. Nesse sentido é que dizemos autor da natureza, que chamamos o sol o olho da natureza, porque torna a terra fértil pelo aquecimento. Opõe-se à ideia de natureza a de todas as coisas que ocorrem no mundo por forças que não existem originalmente. A História Natural, em 1771, é apresentada como a ciência das descrições completas de produtos naturais em geral, mas que também ensina o método de organizá-los em Classes, Ordens, Gêneros, e Espécies. Esta definição inclui Zoologia, Botânica, Mineralogia etc. O método de investigação dos gêneros e espécies baseia-se na ordenação natural ou artificial. Quaini (op. cit.: 70) assegura que “as ciências do homem sem dúvida se beneficiaram do desenvolvimento das ciências físicas e naturais” já que “na origem da história natural e do evolucionismo está o desenvolvimento da historiografia e das ciências sociais”. O evolucionismo contribuiu, ainda, para que se constituísse a Geografia Humana, ademais de tornar científicas, por exemplo, a Geomorfologia e a História Natural, a qual também reivindicou o homem como seu objeto – “a Etnologia foi concebida no início como história natural do homem” (ibid.: 71). As viagens científicas, fundamentais no desenvolvimento da Geografia, tinham caráter fortemente naturalista. Nesse sentido, o papel exercido pelos viajantes, também chamados de naturalistas, foi de tamanha relevância que os tornou responsáveis pela moderna noção de região natural, no séc. XVIII. Destacaram-se “Guettard, Monet e Giraud-Soulavie, autor de uma Historie naturelle de la France

Meridionale (1780-1784)” (QUAINI, 1983: 77), obra na qual, “pela primeira vez, apõem-se, explicitamente, às divisões políticas, típicas da velha geografia política e da estatística, às divisões naturais” (loc. cit.). Ainda de acordo com Quaini (ibid.: 35), Claval afirma que [...] a geografia separa-se da etnologia analisando o papel do ambiente nas diferenciações da superfície terrestre e das obras humanas. Também estas bases naturalistas, assim como as etnológicas, formam-se no século XVIII: “No final do século XVIII há interesse pela diversidade das paisagens naturais; nota-se a repetição dos tipos, descreve-se a distribuição das formações naturais na superfície terrestre”, nasce “uma visão nova e enriquecida das coisas” que dá origem às primeiras análises da organização regional do espaço (Volney). Humboldt insere-se nesta linha com um sentido [...] mais agudo das tarefas explicativas da descrição naturalista do mundo. [...] O atraso do nascimento da geografia humana está ligado à história das curiosidades científicas, entre o final do século XVIII e os anos em torno de 1860. Nada tornava particularmente importante a análise geográfica antes que se descobrisse o papel do ambiente nos mecanismos da evolução. Isso contribuiu para o que o determinismo geográfico estivesse presente nas análises geográficas científicas, embora ocorresse desde os iluministas, com suas teorias que associavam meio natural a formas de governo ou ao caráter dos povos. De acordo com Saffo Binetti​ (BOBBIO, 2005: 607), [...] a natureza [...] é o fundamento da ética e da religião, assim como é o centro para o qual converge o conhecimento e do qual o conhecimento tem origem. Ela fornece as leis da lógica, como também da vida social, e unifica toda a ordem das relações e finalidades humanas. É baseando-se na natureza que o homem dirige seus interesses; ele sente que a sua realização e a sua possibilidade de aperfeiçoamento derivam do seu conhecimento da natureza, o que significa também de sua possibilidade de subtrair-se ao domínio da natureza e, até, de dominá-la. Sob este aspecto, o homem do Iluminismo é o herdeiro do renascimento. Se é verdade, então, que a natureza está ao centro dos interesses, é também verdade que tal interesse está em função do homem e do crescimento do seu poder. Nesse sentido, Sabine Wilke (2008) explica que “as ciências empíricas tratam a natureza como produto; adotam uma atitude de dominação e subjugação na relação delas com a natureza, o objeto das questões suscitadas por elas”. Por outro lado, “a teoria (isto é, a filosofia) lida com o aspecto produtivo da natureza como sujeito e acentua o papel ativo que esta pode exercer na criação da

realidade”. Assim, “ambos os aspectos, natureza como pura identidade e natureza como auto-objeto, precisam ser apreendidos uma vez que a natureza é sempre imbricada à história”. Referimo-nos aqui às ideias medievais de natura naturans (Deus, mundo do criador) e de natura naturata (mundo criado) (loc. cit.). Para Eduardo Chagas (2006: 82), [...] Por natura naturans (natureza original), entende Espinosa aquilo o que existe em si ou é concebido por si mesmo. Espinosa designa esta natureza como a natureza ativa, livre, causal ou autocriadora, isto é, como a natureza simples e indivisível, que significa, precisamente, a substância infinita (Deus). Por natura naturata (natureza originada, nascida, realizada), ele concebe, ao contrário, como natureza passiva, criada, como tudo o que segue necessariamente da natureza de Deus (da substância) e de seus atributos, isto é, todos os modos dos atributos de Deus, na medida em que estes foram considerados como coisas finitas, como qualidades determinadas, como compostos. A frase Deus sive substancia sive natura (Deus é tanto substância como natureza), isto é, natura naturans e natura naturata, ou seja, substância e modos (acidentes) simultaneamente, explicita Espinosa da seguinte maneira: Deus é a natureza (Natur) infinita, absoluta (naturans), e tudo o que é, isso foi tornado (naturata) por ele. Isto é, os modos (Modi), embora pertençam à natureza realizada, resultam da natureza divina. Se Deus é absolutamente infinito e tudo nele sumamente perfeito, pois tudo segue necessariamente de sua essência perfeita, são o mal e a imperfeição nada objetivo, real, por conseguinte a natureza das coisas é sempre perfeita e boa. Se tudo, no entanto, está determinado pela natureza perfeita de Deus, e se Deus é igual à natureza, de onde vem, pois, tanta imperfeição da natureza, como, por exemplo, a corrupção, a degenerescência das coisas, a fetidez, a fealdade repugnante, a confusão de todas as ordens, como os males, as dores e os padecimentos no mundo? Para Espinosa, as coisas, segundo sua natureza e sua essência, não se apresentam, na verdade, nem perfeitas nem imperfeitas, porque perfeição (o bom ou o bem) e imperfeição (o ruim ou o mal) dependem tão somente dos juízos dos homens. As falhas ou imperfeições da natureza pertencem, na filosofia espinosana, assim, não à natureza mesma, mas, pelo contrário, à representation e valorização humanas da natureza: sobre o fundamento de um juízo ou modelo, que os homens formam e preservam, em suas representações, como arquétipo das coisas, nomeiam eles as coisas da natureza perfeitas ou imperfeitas. Assim sendo, perfeição (Vollkommenheit) e imperfeição (Unvollkommenheit) são nada mais do que certos modos, maneiras determinadas de se pensar, por assim dizer, predicados, os quais os homens agregam à coisa.

Myriam Oliveira (2009: 51-2) assevera que a concepção grega de physis se manteve no pensamento medieval, mas que, em decorrência “da tradição bíblica veiculada pelo cristianismo, surg[iram] novos aspectos da concepção da natureza”, com seu duplo sentido – natura naturans, natura naturata. Para a autora (loc. cit.), “nessa representação, a natureza perde sua posição privilegiada e é colocada em segundo plano em relação à presença de um Deus criador de todas as coisas”; assim, “deixa de ser vista como uma realidade autônoma e intrínseca e passa a ser fruto de uma criação divina, cujo Deus está fora do mundo e da própria natureza”. Duas concepções se constituem: [...] a primeira concepção tinha a tendência de ver o mundo a partir de dois polos opostos – o corpo e a alma, o material e o artificial –, onde a natureza era vista como algo profano, onde reside o mal e, sendo assim, como algo menos nobre e elevado; tudo relacionado às forças naturais era considerado inferior e, por esse motivo, as inclinações naturais (associadas ao corporal, material, sensível, passional) deveriam ser controladas pela racionalidade e pelo espírito. Essa visão fundamentou a argumentação de que a natureza deveria ser dominada e transformada de algo ruim em algo melhor, baseando a antiga prática de uso predatório e destruidor. Na segunda concepção de natureza, a tendência era de ver os polos dentro de uma relação regida por princípios harmônicos e complementares. O mundo era considerado um ser vivo e sendo obra divina era admitido como bom; a natureza, da mesma forma, sendo um sistema do mundo, era igualmente tida como boa. A partir dessa visão, a divinização do mundo levava ao entendimento de que a natureza deveria ser preservada porque, assim como nas Escrituras Sagradas, nela o criador se revelava a si próprio. Sendo assim, tornou-se recorrente na época o uso da metáfora da natureza como um livro – o Livro da Natureza –, escrito ainda em linguagem cifrada. [...] Essa metáfora (também chamada de “analogia hermenêutica”), iniciada por Santo Agostinho, que compara o livro sagrado dos cristãos à natureza enquanto símbolo a ser decifrado reaparece várias vezes ao longo da história, tanto em obras de filósofos cristãos, quanto nas obras de cientistas renascentistas, como Galileu Galilei, por exemplo, que definiu a matemática, e, em específico, a geometria como ‘o alfabeto no qual Deus escreveu o universo’ (OLIVEIRA, 2009: 53). A partir do século XII, o uso da razão saiu “do âmbito exclusivo das questões teológicas e

pass[ou] a ser igualmente aplicado de modo sistemático na observação e na descrição da natureza” (ibid.: 54). Desse modo, a natureza foi entendida “como uma materialidade cuja estrutura e funcionamento obedecem a certa ordem”, a qual deve ser analisada, recuperando “seu antigo estatuto de totalidade organizada sobre a qual a razão humana pode agir” (loc. cit.). Esse distanciamento entre homem e natureza acentuou-se com o Renascimento, que passou a vê-la como uma máquina, já que os fenômenos naturais “poderiam ser explicados mediante a razão, uma vez que se remetiam a questões de movimento e cinética” (ibid.: 55). Sobre o Renascimento, nos fala Vicente Rahn Medaglia (2010: 77): [...] esse período é marcado pela revalorização do mundo material como objeto de conhecimento, sendo essa atitude, em parte, fruto da influência de textos de autores antigos (notadamente Platão) onde é dado papel particular à matemática. [...] Essa atitude será fundamental para a consolidação de uma Ciência Nova que passou a interpretar o mundo com referência a explicações matemáticas, utilizando-se da física (em primeiro momento da astronomia e, posteriormente, da mecânica) como paradigma. De fato, a “Revolução Copernicana” é um marco inaugural da Idade Moderna, na medida em que rompeu com o pensamento antigo/medieval sobre a forma como a verdade é entendida, passando de uma visão dogmática para a da experimentação científica. [...] Mantém-se, no início da modernidade, o papel central de Deus como o fundamento absoluto da existência, em continuidade com o teocentrismo medieval. [...] É de Deus, [ainda], que provêm “as leis da natureza”, tanto é que Descartes apelará para Ele para fundamentar seu sistema metafísico. [Além disso,] a transição da Idade Média para a Idade Moderna também é marcada por uma valorização moral do “indivíduo” em um sentido diferente do de “ovelha de Deus” que a moral medieval pregava [e para o que a Reforma contribuiu bastante]. [...] [Ao contrário da Idade Média,] na Idade Moderna e com a revalorização da realidade visível como algo digno de interesse, a arte passa a buscar um realismo, traduzido, na pintura, pelo desenho em perspectiva e de grande detalhe. Ainda segundo Myriam Oliveira (op. cit.: 55), a “representação mecânica do mundo, que ganhou mais ênfase ainda durante o Iluminismo, e a laicização completa da ciência moderna” reforçaram a separação entre homem e natureza, entre sujeito e objeto. Ruy Moreira (2006: 57) lembra que, com Galileu e Descartes, “a natureza não está propriamente dissociada de Deus. Se a natureza é um

grande relógio que funciona com a regularidade mecânica do movimento dos corpos celestes, Deus é o relojoeiro”. Assim, “continua sendo o demiurgo da natureza. Observa-se aqui, porém, um grande pacto entre a ciência e a religião: a ciência cuida da coisa física, deixando o homem para a metafísica” (loc. cit.). Prossegue o geógrafo (loc. cit.): [...] o início da modernidade acerta a relação dessacralizada e utilitária com a natureza instituída pela ciência, abrindo para a expansão da economia mundana que já começa a acontecer. Até o Renascimento, o natural e o não natural se entrecruzam, havendo entre ambos mil portas de entrada e saída. O natural pode ser a encarnação do sobrenatural e os acontecimentos acidentais e provocados por forças não naturais. Com o advento da ciência moderna, a natureza passa a ser um campo de forças racionais e lógicas, separando-se rigidamente o natural do não natural. A dessacralização é assim a passagem para a naturalização absoluta da natureza, sinônimo de desumanização, e a sua relação utilitária. O utilitarismo e a separação entre homem e natureza são as consequências desse processo, já que a natureza mecânica não comporta o homem; a natureza é auto-objeto, “externalizada a tudo o que não é físico-matemático e preditivo” (ibid.: 58). Desse modo, “a natureza torna-se, [...] no pensamento moderno, uma coleção de coisas físicas, como a rocha ou a chuva, que se interligam pelas relações espaciais externas” (ibid.: 60). Contudo, houve resistências a essa abordagem da natureza-objeto, como se percebe nos neoplatônicos da década de 1650 em Cambridge, na reação romântica ao Iluminismo, na Naturphilosophie, no transcendentalismo americano, no jovem Marx e nos vitalistas do século XIX (WILKE, 2008). No século XVIII, como relata Antonio Carlos Diegues (2004: 23-24) havia, na Europa Ocidental, a crença de que “a domesticação de animais era [...] o ponto mais alto de humanização”, e, por isso, entregava-se gado aos indígenas do Novo Mundo, e o campo de cultivo era valorizado em detrimento às áreas não antropizadas. O autor elenca quatro razões para a valorização do mundo selvagem – o avanço da História Natural, a degradação da vida urbana nas cidades da Revolução Industrial, a valorização das ilhas e dos ambientes marinhos como locais de contemplação da natureza e o papel exercido pelos escritores românticos. Essas duas abordagens, que se estendem ao Oitocentos e até os dias de hoje, contribuíram para a definição da relação entre o homem e a natureza: a primeira, em que esta “torna-se uma grande

máquina, uma engrenagem de movimentos precisos e perfeitos, que o homem pode controlar, transformar em artefatos técnicos e explorar para fins econômicos” (MOREIRA, 2006: 60); e a segunda, em que os românticos, nas obras de Goethe, Fichte, Schelling, por exemplo, resgatam a “síntese dinâmica do homem e do mundo, do sujeito e do objeto, como uma unidade ontológica da qual ambos se constituem” (WILKE, 2008). Goethe, uma das influências de Humboldt, se apropria, outrossim, da filosofia de Espinoza. Segundo Magali Moura (s/d), para o poeta, “no lugar de uma natureza em estado de absoluto repouso e ordem, surgia uma ideia de natureza em devir: da natura naturata passava-se à natura naturans”. Desse modo, “a natureza não está acabada, ela é um ser em processo de constante construção e destruição” (loc. cit.) e, por isso, “a natureza é o lugar do infinito e como o próprio homem também é um ser infinito, já que havia rompido com os limites teológicos pelo uso ilimitado de sua razão” (loc. cit). Ainda conforme a autora (loc. cit.), [...] essa natureza que Galileu havia separado do homem começa a voltar a se unir com o homem através de Espinosa. [...] O homem pode reunir-se com algo que lhe é parente em sua essência: o homem pode ser reconduzido à natureza, ser reintegrado no processo e, desse modo, também exteriorizar através de sua arte a própria essência da natureza. O homem por ser parte integrante da natureza não precisa imitá-la para apresentá-la ao mundo, basta que os princípios que estão nela também estejam presentes em sua arte. Para isso ele precisa entender a natureza fenomenicamente para apresentar ao mundo uma arte natural, que tem de se caracterizar por ser uma arte em devir, em processo e, assim, tornar-se ela também vivente. Portanto, a arte não necessita falar dos princípios divinos, ela tem de ser vivente. Outro fator a auxiliar na aproximação entre homem e natureza é a posterior ruptura com a concepção mecanicista da natureza, ainda no século XVIII. Newton, apoiado pelas pesquisas de Huyguens, percebe que luz e som não se adéquam à Física clássica, e o sistema de classificação de fauna e flora de Lineu e de Buffon prenuncia a Evolução, tampouco contemplada pelo mecanicismo da natureza. Lavoisier será importante na ideia de uma natureza “como produto que está constantemente se fazendo” (WILKE, op. cit.: 7) – “na natureza nada se perde, nada se cria; tudo se transforma”, o princípio de conservação das massas, atribuído a Lavoisier (MARTINS & MARTINS: 1993) – ao introduzir a “teoria atomística da composição química do ar e da água”

(MOREIRA: op. cit.: 64). Lamarck também contribuiu para o desenvolvimento da evolução das espécies, embora Darwin tenha refutado seus pressupostos posteriormente. Ernst Mayr (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, s/d) assim define o darwinismo: [...] FATO 1 – Todas as espécies têm um potencial tão grande de fertilidade, que a população cresceria exponencialmente se todos indivíduos que nascessem se reproduzissem com sucesso. FATO 2 – A maioria das populações são estáveis em tamanho, com pequenas variações sazonais. FATO 3 – Recursos naturais são limitados. Inferência 1 – A produção de mais indivíduos que o ambiente pode suportar leva a uma luta por sobrevivência que faz com que apenas uma fração dos descendentes sobreviva a cada geração. FATO 4 – Indivíduos dentro de uma população variam muito nas suas características. FATO 5 – Muita desta variação é transmitida para outras gerações. Inferência 2 – A sobrevivência na luta pela pela existência não é ao acaso, mas depende na constituição hereditária dos indivíduos que sobrevivem. As características herdadas que melhor se adaptam ao ambiente terão maiores chances de deixar descendentes em maior quantidade. Inferência 3 – Esta habilidade desigual dos indivíduos de sobreviver e reproduzir vai gerando gradativamente uma mudança na população, com um acúmulo de características favoráveis nas gerações posteriores. A seleção natural é meramente este diferencial de sucesso reprodutivo e o seu produto é a adaptação do organismo em seu ambiente. Sendo assim a seleção natural age através de uma interação entre o meio ambiente e a variabilidade inerente presente em todas as populações. Na média, os mais adaptados passam seus genes para uma quantidade maior de descendentes... Darwin achou evidências para este mecanismo identificando espécies que o ser humano foi selecionando por possuir melhores características de consumo (como legumes e frutas), ou até mesmo estéticas, como animais de estimação (cachorros e gatos). Com isto foi criado o conceito de seleção artificial. Spencer, em decorrência do darwinismo, reelabora o positivismo comteano ao estabelecer como paradigma o naturalismo orgânico de Darwin, “referenciando o discurso da natureza não nos corpos inorgânicos, mas nos organismos vivos” (MOREIRA, 2006: 67). O positivismo pregava o método experimental nas ciências, uma vez que “a vida social era governada por leis e princípios básicos que podiam ser descobertos através do uso e dos métodos mais comumente associados às ciências físicas” (JOHNSON, 1997: 179). Na Alemanha, com o neokantismo, questiona-se o positivismo

como método para as ciências do espírito, caminhando-se para “uma revolta contra a própria razão” (GARCIA, 2010: 22). Contudo, o positivismo manteve a primazia como fundamento científico, e com ele [...] o pensamento moderno se integrou num sistema completo de ciências que vai da matemática e da física à sociologia e à economia. Tal como no trabalho da indústria, no sistema das ciências, cada ciência tem a sua função parcelar. A separação dos fenômenos em esferas, em que antes apenas se indicavam diferenças e agora é tornada referência do sistema de ciências, plano no qual se movimentam as especializações, cada ciência se especializando numa porção de esferas, o todo das ciências traduzindo uma divisão científica do trabalho unida pelo sistema econômico. É quando, então, ganha, sua expressão máxima a relação utilitária e dessacralizada da natureza física do período do Renascimento, o arsenal da natureza virando o fator-terra da moderna economia e as ciências naturais, o seu inventariante. [...] Sob o termo terra, a economia clássica referia-se no passado ao solo agrícola, como meio de produção por excelência da economia agropastoril. Com o advento da indústria, terra passa a ser todo o arsenal dos recursos naturais de um lugar. E é esse conceito prático e utilitário da natureza, já embrionado no paradigma físico-matemático do século XVIII, o século da economia fisiocrata, que ganha sua expressão máxima com a ciência positivista dos séculos XIX-XX. A natureza e o homem são ambos amplamente transformados em fatores de produção, a boa ciência significando o uso econômico o mais racional possível – racional denotando custos e lucros – desses recursos, valorizando o papel do fator encarnador dessa racionalidade, o fator capital. Se a redução utilitária nascera antes, o pragmatismo máximo é atingido agora. Parte componente de um mundo de coisas, a natureza ganha o expressivo nome de minérios, solo agrícola ou fonte de energia. E é negociada no mesmo mercado no qual o capital fará negócio com a força de trabalho (MOREIRA, 2006: 69-70). Ainda no século XIX, a utilização dos recursos naturais é questionada, dando origem a duas formas de pensamento que se vinculam diretamente às concepções de natureza: o conservacionismo e o preservacionismo. Nos EUA, Stweard Udall foi um defensor da primeira corrente, advogando o uso racional, em vez do predatório, dos recursos naturais (WOODYARD, 2005). Junto a ele estava Gifford Pinchot, que defendia “o uso dos recursos naturais pela geração presente; a prevenção do desperdício; e o uso dos recursos naturais para benefício da maioria dos cidadãos” (DIEGUES,

2004: 29). Os preservacionistas, contudo, “acreditavam que a natureza tinha valor intrínseco”, caracterizado no “valor ético ou estético que não deveria ser destruído pela ação humana indiferente”, estando entre seus teóricos os transcendentalistas estadunidenses Ralph ​Waldo Emerson e Henry Thoreau (WEILAND, 1997: 278). Um livro utilizado como referência desta corrente é Man and Nature or Physical Geography as modified by human action, escrito por George Marsh em 1864, em que se analisa, “pela primeira vez nos Estados Unidos, os impactos negativos de nossa civilização sobre o meio ambiente” (DIEGUES, op. cit.: 30). Para Diegues (ibid.: 31), [...] no entanto, foi John Muir o teórico mais importante do preservacionismo, abraçando um organicismo pelo qual a base do respeito pela natureza era seu reconhecimento como parte de uma comunidade criada à qual os humanos também pertenciam. Para esse autor, não somente os animais, mas as plantas, e até as rochas e a água eram fagulhas da Alma Divina que permeava a natureza. Seu preservacionismo puro pode ser visto na frase: [...] se ocorresse uma guerra de raças entre os animais selvagens e o Senhor Homem, eu seria inclinado a me simpatizar com os ursos. Essas ideias, segundo as quais o homem não poderia ter direitos superiores aos animais (depois chamadas de biocêntricas), ganharam um apoio científico da História Natural, em particular da teoria da evolução, de Charles Darwin (1809-1882). De acordo com Nash, os livros de Darwin, Sobre a origem das espécies (1859) e Descendência do Homem (1871), colocando o homem de volta na natureza tornaram-se fontes importantes do ambientalismo e da ética ambiental. O preservacionismo teve também influências de ideias europeias, como a noção de ecologia, cunhada pelo darwinista alemão Ernest Haeckel, em 1866, segundo a qual os organismos vivos interagem entre si e com o meio ambiente. O conceito de ecologia retoma a visão holística do Iluminismo sobre a natureza e alimenta o discurso preservacionista, apesar de a prática científica no final do Novecentos ainda ser marcada pela fragmentação. O paradigma ecológico, que se estabelece entre esse momento e o século XXI, tende a superá-la, também pela formulação de novas noções, como ecossistema e cadeia trófica. Esse paradigma, para Ruy Moreira (2006: 72), é “mais aberto e plural em mediações que” o cartesiano-newtoniano, porque “converte o processo da natureza num movimento de seguidas novas sínteses, orientando as formas de movimento no sentido das ressintetizações”.

Cada uma dessas formas “participa da produção/ reprodução da vida, sem que uma elimine a outra, tudo convergindo para o aumento do leque de diferenciação da natureza no mundo, num crescendo de biodiversidade”. Assim, “além do inorgânico e do orgânico, o aspecto social participa da espiral das ressintetizações” (loc. cit.). Contudo, a limitação inicial do paradigma ecológico “ao plano biológico é ainda uma redução do sentido histórico de vida” (loc. cit.), fato que tem sido modificado pelo uso do termo Ecologia desde então. Além disso, neste paradigma, “a natureza tende a ser tomada na integralidade do circuito da sua diferenciação” (loc. cit.). Marilia Coutinho (1996: 144) listou pelo menos 30 significados diferentes para a palavra Ecologia: esta [...] surgiu no contexto da biologia evolutiva em 1869; foi tomada por agentes de fora deste campo para com ela constituir uma nova disciplina com seus objetos e problemáticas próprias entre o final do século passado e início deste [a autora refere-se aos séculos XIX e XX]; sofreu diversificação de significados no interior do campo científico desde então e finalmente, sobrepondo-se a esta, teve novos significados não científicos a ela adicionados por volta dos anos [19]60. Quanto à definição de Ecologia, Kormondy & Brown (2002: 29) comentam que o termo foi forjado por Hanns Reiter, mas foi Haeckel quem o imbuiu de significado: “por Ecologia entendemos o corpo científico que se preocupa com a economia da natureza – a investigação das relações totais dos animais, tanto com seu ambiente inorgânico quanto com o orgânico”. Marilia Coutinho (op. cit.: 125) acrescenta que Ecologia, segundo Haeckel, seria uma disciplina científica, que de fato foi instituída 30 anos depois, e “um estudo das ‘condições da luta pela existência’”, o qual subordina, por sua vez, outro estudo, o “das condições do processo evolutivo”. Enquanto Haeckel centrava a Ecologia nos animais, Cowles, ao utilizar o termo em 1909, referese a uma disciplina científica focada nas plantas, cuja problemática eram as questões fisiológicas, antes trabalho de laboratório que, em decorrência da disciplina, passou a ser também trabalho de campo. Assim sendo, “se suas feições são fisiológicas, então constitui um discurso caracterizado por explicações funcionais, favorecendo-as sobre as de natureza histórica” (COUTINHO, 1996: 125). A Ecologia institucionalizou-se com a criação das sociedades ecológicas britânica (1913) e americana (1915).

Outras definições relevantes são as de Charles Elton, de 1927, que a “definiu como ‘história natural científica’, preocupada com a ‘sociologia e ecologia dos animais’”; a de Eugene Odum, que, primeiramente, a “definiu como ‘o estudo das estruturas e funções da natureza’” e, depois, em 1962, “como ‘o estudo da estrutura e funções dos ecossistemas’”, esta permanecendo atual (loc. cit.). Por fim, Andrewartha (AUSTRALIAN ACADEMY OF SCIENCE, 1993) propôs, na década de 1950, que “a população de um animal (e, portanto, sua distribuição e abundância) depende da probabilidade de sua sobrevivência e de sua reprodução, o que, por sua vez, depende do ambiente em que o animal vive”. A definição de Odum para Ecologia depende de outro conceito, forjado em 1935 por Arthur Tansley, o de ecossistema. Apresentaremos, aqui, a história oficial desse conceito e a versão revisionista contemporânea sobre a sua formulação, presente no documentário All watched over by machines of loving grace, exibido pela BBC em 2011. Segundo este documentário, Tansley criou o conceito antes de ter evidência real que o validasse. Outrossim, Marshal Smuts, em 1926, desenvolveu uma filosofia a qual chamou de Holismo. Ponto em comum entre ambas era a necessidade de se manter a ordem natural existente, a fim de evitar desequilíbrios em um sistema autorregulado. Os desequilíbrios que culminaram na filosofia holista de Smuts referenciavam-se, ainda de acordo com o documentário, aos problemas que o Império Britânico enfrentava na África do Sul. E o equilíbrio vislumbrado por Tansley não representava a realidade da natureza, não sendo, portanto, uma verdade científica. Apropriando-se das noções apresentadas por ambos durante o início da 3ª Revolução Industrial, James Lovelock & Lynn Margulis (1974) propugnam a Teoria de Gaia. Segundo Marina Tavares e Charbel El-Hani (2001: 310), [...] ao chamar sua teoria de “Gaia” e colocar a Terra na condição de um ser vivo, Lovelock deixou a porta aberta para as mais diversas interpretações de suas ideias. Como Myrdene​Anderson observou, “Gaia” é um signo vazio com capacidade quase infinita de significação. O próprio Lovelock reconheceu que o termo “Gaia” se estendeu muito além de suas intenções, comparando-o a uma lata vazia deixada numa rua, sendo gradualmente enchida com um monte de lixo. Embora ele afirme que este é o destino de qualquer signo novo, é razoável pensar que um dos motivos para que isso tenha ocorrido foi a escolha do nome “Gaia”, que contribuiu tanto para

a rejeição da teoria por muitos cientistas como para a adesão entusiasmada de grupos ambientalistas e espiritualistas. Lovelock propôs um substituto para o termo “Gaia”, “Geofisiologia”, referindo-se àquele primeiro termo como uma “abreviação para a teoria”. Contudo, este neologismo não se tornou muito difundido, provavelmente porque é um termo muito menos atraente do que “Gaia”. O termo “Geofisiologia” preserva a ideia de que a Terra é um superorganismo. Considerando-se que o conceito de “superorganismo” é uma das noções mais polêmicas na história da Ecologia, a referência a ele torna a teoria Gaia ainda mais controversa. A inspiração para aquele neologismo se encontra em Hutton (para Lovelock, um precursor de sua hipótese), que concebia a Terra como um superorganismo e afirmou que seu estudo apropriado seria através da Fisiologia. Hutton chegou a propor uma analogia entre a circulação sanguínea e a circulação de nutrientes na Terra. Essa analogia mostra um problema que torna noções como a de “superorganismo” tão controversas:

embora analogias

e metáforas

sejam elementos

indispensáveis da teorização científica, elas se tornam problemáticas quando há mais diferenças do que semelhanças entre os elementos que colocam em relação. Lovelock lamenta que sua hipótese tenha sido colocada lado a lado com a filosofia da “Nova Era” e se preocupa com a possibilidade de que Gaia tenha dado apoio à anticiência. É preciso demonstrar que essa ideia pode ser justificada à luz do estado atual do conhecimento científico e, em particular, de alguma definição geralmente aceita dos conceitos de “vida” ou “ser vivo”. Retornemos ao ecossistema. De acordo com Kormondy & Brown (2002: 30), ecossistema é forma abreviada de sistema ecológico e tem por definição [...] “todo o sistema [...] incluindo não apenas o complexo-organismo, mas também todos os fatores físicos que formam o que chamamos de meio ambiente”. Em outras palavras, um ecossistema é uma unidade organizacional constituída por ambas as coisas vivas e não vivas que ocorrem em um espaço particular. Ecossistemas podem ser muito grandes, como uma floresta ou um deserto, ou muito mais circunscritos, como um aquário ou um tubo de ensaio. Determinar as fronteiras de um ecossistema é, de certa forma, arbitrário, mas não é aleatório. [...] Quaisquer que sejam as limitações carregadas pelo conceito de ecossistemas, sua aceitação marcou o aparecimento da ecologia moderna [...]. De forma mais abrangente, a predominância global do conceito de ecossistema reflete a influência poderosa da ecologia americana, bem como de seus estudos de graduados e pós-graduados, livros e jornais profissionais. [...] Os dois principais

componentes são o biótico (vivos) e o abiótico (não vivos). [...] O componente biótico é uma reunião particular de plantas, animais e micróbios existentes em um cenário abiótico. O último constitui-se de substâncias químicas, incluindo elementos inorgânicos e componentes como o cálcio e o oxigênio, água e dióxido de carbono​, carbonatos e fosfatos e uma série de compostos orgânicos que são, em sua maioria, produtos resultantes das atividades dos organismos. O componente abiótico também inclui fatores físicos e gradientes como umidade, vento, correntes, marés e radiação solar. O ecossistema se apoia em um elemento natural, e não em um recorte espacial; podemos falar de um oceano ou de um aquário; de uma espécie endêmica em um nicho ecológico ou de associações vegetais florestais em escala planetária (biomas). Sobre isso, Jurandyr Ross (2005: 26) afirma que, “no contexto da aplicação objetiva da ciência, para fins de desenvolvimento do Estado soviético”, “emerge, a partir da contribuição de Sotchava, o conceito de ‘geossistema’”, a fim de estabelecer um limite espacial. Entretanto, os geossistemas também têm escala variável, e “são fenômenos naturais, embora todos os fatores econômicos e sociais afetem sua estrutura e peculiariedades espaciais” (ibid.: 24-5). Além disso, [...] são uma classe peculiar de sistemas dinâmicos abertos e hierarquicamente organizados, de acordo com a definição de Bertalanffy: “A hierarquia de construção é a mais importante feição dos geossistemas”. Assim, tanto uma área elementar da superfície da Terra como o geossistema planetário, ou as subdivisões intermediárias do meio natural, representam uma unidade dinâmica, com uma organização geográfica a ela inerente. [...] As diversas categorias dimensionais do geossistema – planetário, regional, topológico e intermediários – obedecem a critérios da espacialização geográfica e submetem-se às suas próprias escalas e peculiaridades qualitativas da organização geográfica (loc. cit.). Flávio Nascimento e José Sampaio (2005) apresentam, na tabela 12 (ibid.: 170), as unidades de paisagem de acordo com as escalas de tempo e de espaço próprias. Vemos que não há menção específica a ecossistema, mas aparecem geossistema e domínio, este a escala utilizada por Jurandyr Ross (2006) em Ecogeografia do Brasil. O certame menciona tanto bioma quanto domínio, então apresentaremos ambos, nesta ordem. O bioma aproxima-se, em escala, da zona, devido às extensões de dimensões planetárias. Conforme Raven, Evert e Eichhorn (2007: 727),

[...] os biomas são as maiores subunidades da biosfera, sendo caracterizados por uma cobertura vegetal mais ou menos homogênea. As plantas e os animais que ocorrem nos biomas têm formas de vida características e outras adaptações que evoluíram em relação a climas específicos. É por causa dessas formas de vida comuns que se podem reconhecer os biomas, como pradaria ou desertos, onde quer que eles ocorram, mesmo que as espécies de um bioma em uma região sejam frequentemente diferentes das que ocorrem no mesmo bioma de outra região, tendo atingido características similares, como resultado de evolução paralela. Os biomas são moldados pelo clima – principalmente temperatura e precipitação pluvial – e assim os biomas são encontrados em todo o mundo nas regiões de climas similares. Os biomas se dividem em terrestres e aquáticos. Entre os biomas aquáticos, dividimo-los entre os de água doce e os marinhos. Por sua vez, os de água doce distinguem-se entre os sistemas lênticos, constituídos por águas paradas, e os lóticos, formados por águas correntes. tabela-gravata 12: Unidades da paisagem terrestre, por ordem de grandeza e de escala.

Escala Unidade da

espaçotemporal

paisagem

(CAILLEUX;

Exemplo tomado numa mesma série de paisagens

Relevo

Elementos fundamentais

TRICART) G.I (*) Zona

+

de

1.000.000 Intertropical



km 2 Domínio

Região natural

Geossistema

100.000 1.000.000 mm 2

a Das caatingas

Domínio

Climáticos

semiáridas

estrutural

estruturais

G. III-IV 1.000

a

100.000 Litoral do Nordeste brasileiro ou depres​​s ão sertaneja

km 2

Região estrutural

G. IV-V

Planície litorânea de Fortaleza ou depressão sertaneja Unidade

± 10 a 1 km 2

de Baturité

Geofácies

G. VI

Geótopo

G. VII

estrutural

Planície fluviomarinho



do Rio Ceará Salina

desativada,

e

en​c ostas,

elementos bem particulares

ravinas

ou

outros

Biogeográficos e antrópicos



Nota: (*) G= Grandeza. As grandezas entre as unidades são muito aproximativas e dadas somente a título de exemplo. Conforme A. Cailleux e J. Tricart; M. Sorre; R. Brunet.

A Universidade da Califórnia (2004) os separa em lagos e açudes; rios; e, por fim, wetlands. Quanto aos biomas marinhos como vemos na figura 7 (RICHERSON, s/d), são subdivididos em zona entremarés, zona pelágica, zona bêntica e zona abissal. Para Peter Richerson (loc. cit.), as dimensões importantes para a classificação desses biomas são “a coluna de água (pelágica), o leito marinho (bêntico) e a profundidade de água (plataforma continental, talude e morfologia continental e área abissal)”. Entre os terrestres, encontramos os florestais, o savânico, os campos, a tundra e os desertos. Nesta obra, para mantermos o foco, não comentaremos a respeito da tundra e dos desertos, uma vez que não ocorrem em território brasileiro, mas o candidato poderá acessar o blog http://geografiacacd.blogspot.com para mais informações. Entre os biomas florestais, de acordo com Jurandyr Ross (2005: 140-50), estão tropical úmido, tropical estacional ou decíduo, espinhosos de clima quente, esclerófilos, subtropical chuvoso, temperado decíduo e boreal de coníferas. Neste trabalho, ater-nos-emos àqueles biomas florestais encontrados no Brasil, como explicado pelo Serviço Florestal Brasileiro (2010), que, [...] no desenvolvimento de seus trabalhos e na elaboração dos relatórios nacionais e internacionais sobre os recursos florestais do país, tem considerado como floresta as tipologias de vegetação lenhosas que mais se aproximam da definição de florestas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). [...] Floresta – área medindo mais de 0,5 ha com árvores maiores que 5 metros de altura e cobertura de copa superior a 10%, ou árvores capazes de alcançar estes parâmetros in situ. Isso não inclui

Figura 7: Estruturação dos biomas marinhos.

terra que está predominantemente sob uso agrícola ou urbano. [...] Estas [tipologias] correspondem às seguintes categorias de vegetação do Sistema de Classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Ombrófila Mista; Floresta Estacional Semidecidual; Floresta

Estacional Decidual;

Campinarana

(florestada

e

arborizada);

Savana

(florestada e arborizada) – Cerradão e Campo-Cerrado; Savana Estépica (florestada e arborizada) – Caatinga arbórea; Estepe (arborizada); Vegetação com influência marinha, fluviomarinha (arbóreas); Vegetação remanescente em contatos em que pelo menos uma formação seja florestal; Vegetação secundária em áreas florestais; Reflorestamento. Quanto aos biomas terrestres, deve-se ressaltar que “a classificação fisionômica não pode ser considerada ecológica nem biogeográfica”. Por isso, como afirma Ross (2005: 138), “as florestas tropicais atlântica, amazônica, do Caribe ou da Indonésia diferem em muitos aspectos em sua estrutura e composição de espécies, mas pertencem ao mesmo bioma: Floresta Tropical Úmida”. Comumente, os biomas brasileiros são definidos como Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica,

Pantanal,

Pampa

ou

Campos

sulinos,

e

Costeiros

(mapa

46:

http://www.ibama.gov.br/ecossistemas/home.htm), mas lembramos que estas são, de fato, regiões naturais. Os biomas são florestal tropical úmido e semidecidual, savânico, campos etc. Feita essa ressalva, manteremos essa divisão, uma vez que é a utilizada no concurso.

A Amazônia ocupa 4.230.490,77 km2 no Brasil, ou 49,68% do território brasileiro, e 67% aproximadamente da floresta sul-americana. Um mapa detalhado da Amazônia pode ser encontrado em

http://mapas.mma.gov.br/geodados/brasil/vegetacao/vegetacao2002/amazonia/mapas_pdf/vegetacao/m Dessa área, 80,76% são ​remanescentes florestais; 4,23% são remanescentes não florestais; 2,97% são vegetações secundárias; 2,55% são água e 9,5% são áreas antropizadas. A tabela 13 (FUNCATE, 2006: 59) apresenta a área do bioma e dos remanescentes por Estado.

Mapa 46: Biomas brasileiros.

A área antropizada concentra-se nos Estados do Pará, Maranhão, Rondônia e Mato Grosso, os quais costumam aparecer no topo das listas dos desmatadores do bioma nos últimos anos, como vemos na tabela 14 (http://www.obt.inpe.br/prodes/index.php). O desmatamento tem diminuído ao longo dos anos – foram registrados 7.464 km2 em 2009, 7.000 km2 em 2010 e 6.418 km2 em 2011.

De acordo com a FUNCATE (2006: 63), 24% da área total de lavouras e pastagens do país encontra-se na área antropizada da Amazônia. A FUNCATE (ibid.: 57) também apresenta os dados de remanescentes florestais de acordo com a cobertura vegetal, como vemos na tabela 15 (loc. cit.). Predomina na Amazônia a floresta ombrófila densa, com 41,67% da área total, sendo seguida pela floresta ​ombrófila aberta, com 20,91%; áreas de tensão ecológica perfazem 14,43%; tabela-gravata 13: Bioma amazônico por Estado.

Remanescente Florestal

Área do Bioma no

Estado

Estado (km 2)

Área

% no Estado

Acre

158.899,37

141.792,66

89,23

Amazonas

1.601.940,62

1.487.211,51

92,84

Amapá

141.051,68

111.645,57

79,15

Maranhão

111.483,30

26.559,40

23,82

Mato Grosso

484.952,66

335.732,18

69,23

Pará

1.241.662,53

957.931,05

77,15

Roraima

226.371,09

166.435,41

79,31

Rondônia

239.928,13

179.530,24

69,61

Tocantins

24.863,01

9.553,23

38,42

tabela-gravata 14: Desmatamento da Amazônia por Estado – 2006-2011

Estado/Ano

2006

2007

2008

2009

2010

2011

Acre

398

184

254

167

259

280

Amazonas

788

610

604

405

595

502

Amapá

30

39

100

70

53

66

Maranhão

674

631

1.271

828

712

396

Mato Grosso

4.333

2.678

3.258

1.049

871

1.120

Pará

5.659

5.526

5.607

4.281

3.770

3.008

Rondônia

2.049

1.611

1.136

482

435

865

Roraima

231

309

574

121

256

141

Tocantins

124

63

107

61

49

40

Amazônia

14.286

11.651

12.911

7.464

7.000

6.418

campinarana, com 2,69%; e savana, com 2,5%. Essa divisão tornar-se-á mais clara quando tratarmos de domínios. De acordo com o IBGE (1991: 63), “o termo Floresta Ombrófila Densa, criado por Ellemberg & Mueller Dombois (1965/66), substitui Pluvial (de origem latina) por Ómbrofila (de origem grega)”, aplicando-se também à floresta atlântica. De acordo com Raven, Evert & Eichhorn (2007: 734), [...] faz sentido iniciar a exploração dos biomas perguntando que tipo de sistema é encontrado onde a menor quantidade de fatores é limitante – onde as temperaturas são relativamente constantes e nunca abaixo do ponto de congelamento, onde a chuva é constante e desta forma a umidade do solo se mantém ao longo do ano e onde a geologia e a topografia permitem a formação de solos profundos e a retenção de um suprimento pelo menos suficiente de nutrientes. Essas condições favorecem a fotossíntese elevada e constante e, desta forma, o crescimento vegetal máximo. As plantas podem expandir suas copas rapidamente e, sem as limitações de congelamento e seca, podem ter folhas largas ou finas, para a máxima absorção de luz. O resultado é uma forte competição pela luz. As plantas que são ultrapassadas na absorção de luz são rapidamente recobertas. [...] [Desse modo,] grande parte da radiação é absorvida pelo denso dossel, deixando relativamente pouca luz penetrar até o nível do solo. tabela-gravata 15: Região natural amazônica dividida por regiões fitoecológicas.

Região Fitoecológica

Área (km 2)

%

Floresta Ombrófila Densa

1.762.700,46

41,67

Floresta Ombrófila Aberta

884.680,70

20,91

Floresta Estacional Semidecidual

30.835,31

0,73

Floresta Estacional Decidual

877,47

0,02

Campinarana

113.971,44

2,69

Savana

105.730,83

2,50

Savana Estépica

7.639,01

0,18

Áreas de Formações Pioneiras

74.177,95

1,75

Áreas de Tensão Ecológica

610.354,59

14,43

Refúgios Vegetacionais

4.242,29

0,10

Áreas Antrópicas

527.490,84

12,47

Tipos de terreno

2,35

0,00

Água

107.787,52

2,55

Total

4.230.490,77

100,00

Kormondy & Brown (2002: 305) acrescentam que “em florestas tropicais pluviais a precipitação excede os 200 cm e é, geralmente, bem distribuída ao longo do ano”; quanto à temperatura e à umidade, ambas “são relativamente elevadas e variam pouco anualmente, a média da temperatura é de 25ºC”. Ademais, [...] a decomposição é muito rápida e os solos estão sujeitos à lixiviação pesada e, assim, tendem a ser muito ácidos e pobres em nutrientes. A perda potencial de nutrientes é compensada pela capacidade ótima das plantas de captá-los. O alto grau de lixiviação dos solos, associado à sua química peculiar, geralmente promove uma qualidade de rocha (laterito) quando exposto ao ar, o que impediu a agricultura do mundo ocidental de ser aplicada nas florestas tropicais. Embora [estas] ocupem apenas 7% da área de superfície da Terra, elas contêm cerca da metade das espécies de todos os biomas do mundo. A diferença entre a floresta ombrófila densa e a floresta ombrófila aberta está, visualmente, no dossel, já que nesta formação este sombreia menos de 20% do solo (ver figura 8: IBGE, 1991: 6869). Caracteriza-se também por um gradiente climático com mais de 60 dias secos. Por sua vez, as florestas ombrófilas distinguem-se das florestas estacionais decíduas e semidecíduas em razão de estas estarem condicionadas à dupla estacionalidade climática, ou seja, a presença de uma estação chuvosa e outra seca. Nas florestas estacionais semidecíduas, a perda de folhas do conjunto florestal situa-se entre 20% e 50%. Nas decíduas, esse percentual ultrapassa os 50% dos indivíduos.

Figura 8: Perfis esquemáticos das florestas ombrófilas densa e aberta.

Entre as regiões fitogeográficas da Amazônia, há a campinarana ou campina, ambos os termos “sinônimos [qu]e significam falsos campos. É o tipo de vegetação [característica] das bacias dos Rios Negro e Orinoco, região onde mais chove no Brasil (4.000 mm anuais)” (CARVALHO, 2003: 35). Ocorrem “nos terrenos arrasados e com solos degradados muito lixiviados”, com “endemismos a nível de gêneros e ecótipos” (IBGE, op. cit.: 83). Outro tipo identificado são as áreas de tensão ecológica, áreas de transição entre ecossistemas distintos. Há, também, as formações pioneiras, que, segundo o IBGE (ibid.: 97), são as restingas, os manguezais e os campos salinos, e as comunidades aluviais, as quais dependem de cheias periódicas. Estes ocorrem [...] ao longo do litoral, bem como nas planícies fluviais e mesmo ao redor das depressões aluvionares (pântanos, lagunas e lagoas), [...] [em] terrenos instáveis cobertos de vegetação, em constante sucessão [...]. Trata-se de uma vegetação de primeira ocupação de caráter edáfico, que ocupa os terrenos rejuvenescidos pelas seguidas deposições de areias marinhas nas praias e restingas, as aluviões fluviomarinhas nas embocaduras dos rios e os solos ribeirinhos aluviais e lacustres. São essas as formações que se consideraram como pertencendo ao “complexo vegetacional edáfico de primeira ocupação” (formações pioneiras) (loc. cit.). Ainda devemos comentar sobre os refúgios vegetacionais, que são [...] toda e qualquer vegetação [...] fisionômico-ecológica [...] diferente do contexto geral da flora dominante [...]. O refúgio muitas vezes constitui uma vegetação relíquia que persiste em

situações especialíssimas, como é o caso de comunidades localizadas em altitudes acima de 1800 m. O refúgio ecológico fazendo parte da vegetação regional é determinado por parâmetros ambientais mais ou menos constantes, contudo, quando um ou mais destes fatores físicos forem alterados provavelmente ocorrerão modificações na estrutura e mesmo na florística da vegetação clímax (IBGE, 1991: 103). Ainda sobre a Amazônia, há a possibilidade de classificar a floresta em dois tipos – florestas de inundação e florestas de terra firme. Quando são permanentemente inundadas, são chamadas de mata de igapó; quando a inundação é periódica, nomeiam-se matas de várzea. Além disso, ilhas de mata úmida podem prolongar-se desde as florestas tropicais pluviais, em locais em há condições adequadas, como solos específicos e altitude. Raven, Evert & Eichhorn (2007: 738) lembram que “corredores [dessas florestas] (chamados de florestas de galeria) se estendem para dentro das savanas ao longo dos rios”. O bioma savânico no Brasil é compreendido, fundamentalmente, pelo Cerrado e pela Caatinga, esta também chamada de Savana Estépica. Para Carvalho (2003: 36), o Cerrado, como vemos na imagem abaixo (figura 9), é caracterizado por “vegetação xeromorfa, de clima estacional e que reveste solos lixiviados aluminizados”. Kormondy & Brown (2002: 302) asseguram que “os ecossistemas de savana podem ser bem diferentes uns dos outros, mas todos compartilham um período seco que limita o crescimento das plantas”, entre 2,5 a 7,5 meses. Consoante Raven, Evert & Eichhorn (op. cit.: 737-8), nas savanas, [...] as árvores e os arbustos estão esparsos ou formam grupos dentro de uma matriz campestre, e em alguns casos, as árvores quase desaparecem. [...] A savana tem usualmente muito menor precipitação pluvial do que as florestas pluviais – frequentemente na faixa de 90 a 150 centímetros anuais. Também existe uma faixa mais ampla de variações de temperaturas médias mensais, devido à seca sazonal e à cobertura vegetal esparsa. Nos trópicos, as árvores das savanas são latifoliadas decíduas ou sempre-verdes, que podem ocorrer isoladamente ou em grupos, e algumas savanas são dominadas por arbustos. As savanas cobrem grande parte da África Oriental e são também encontradas em todos os continentes nas margens das florestas pluviais, onde as chuvas são sazonais e limitantes. [...] Devido à distribuição esparsa de plantas lenhosas altas, o solo é geralmente bem iluminado, e ervas perenes (principalmente gramíneas)

são comuns. [...] O fogo, que é comum em todas as savanas tropicais, exerce forte influência na abundância relativa das árvores, arbustos e gramíneas. Onde os solos e o clima permitem o desenvolvimento de uma cobertura graminosa densa, o fogo pode ser frequente, ocorrendo, algumas vezes, anualmente. No Cerrado, os índices pluviométricos variam de 1.300 mm a 1.800 mm por ano, e as temperaturas entre 10ºC e 32ºC. De modo geral, a fitofisionomia do Cerrado subdivide-se em campo limpo, campo sujo, campo cerrado, cerrado sensu stricto e cerradão, como vemos na figura 9 (CASTRO & KAUFFMAN, 1998). Essas formações estão ordenadas em altura e biomassa vegetal crescentes, sendo o cerradão a única florestal.

Figura 9: Formações vegetais do Cerrado.

O mapa 47 (IBAMA, 2011) mostra as áreas remanescentes do Cerrado brasileiro. A área original do bioma é 2.039.386 km2, ou 23,95% do território nacional, com 51,16% remanescente, ou 1.043.346,02 km2. O desmatamento atingiu 7.636 km2 entre 2008 e 2009, sendo os Estados do Maranhão, do Tocantins e da Bahia os maiores desmatadores. A tabela 16 (loc. cit.) mostra as áreas de Cerrado originais por Estado. Entre as causas do desmatamento estão as atividades agrícolas, em especial nos municípios de expansão desse setor econômico. tabela-gravata 16: Área original de Cerrado por Estado.

Nome

UF

Cerrado total (km2)

Maranhão

MA

212.092

Tocantins

TO

252.799

Bahia

BA

151.348

Mato Grosso

MT

358.837

Piauí

PI

93.424

Goiás

GO

329.595

Minas Gerais

MG

333.710

Mato Grosso do Sul

MS

216.015

São Paulo

SP

81.137

Paraná

PR

3.742

Distrito Federal

DF

5.802

Rondônia

RO

452

Mapa 47: Remanescentes de Cerrado.

Savana Estépica, segundo Carvalho (2003: 36), é o “termo empregado para generalizar a Caatinga

nordestina, os Campos de Roraima, o Chaco Sul-Matogrossense e o Parque do Espinilho, da Barra do Quaraí, no Rio Grande do Sul”. A Caatinga ocupa 844.453 km2 do território brasileiro, ou 9,91% do total. Carlos Rizzini (1997: 522) atesta que “a caatinga é excessivamente heterogênea quanto à fisionomia e estrutura. Sua composição, porém, é bastante uniforme, havendo um núcleo de espécies arbóreo-arbustivas e de cactáceas dispersas por toda a parte”. Ainda segundo o autor (RIZZINI, 1997: 522), [...] caatinga é o termo genérico para designar um complexo de vegetação decídua e xerófila constituída de vegetais lenhosos e mais ou menos rica em cactáceas e bromeliáceas rígidas. Ora dominam os primeiros, ora as segundas, exibindo misturas em proporção muito variada, conforme a natureza do substrato e a secura do clima. Há, pois, nela várias formações entrelaçadas, compondo diversos tipos de caatinga. É costumeira a divisão da caatinga [...] em duas faixas de vegetação que são também dois tipos de paisagem, com base nos graus de umidade: agreste, possuidor de maior umidade por estar próximo ao mar e solo mais profundo, com vegetação mais alta e densa; sertão, mais seco, com solo raso e/ou pedregoso, e vegetação mais baixa [...], ocupando enormes extensões para o interior. A precipitação média anual varia entre 240 mm a 1.500 mm. Metade da região recebe menos de 750 mm, com índices menores de 500 mm em algumas áreas centrais. Basicamente, as chuvas estão concentradas em três meses consecutivos, e há forte irregularidade na precipitação local, além de os longos períodos de seca serem frequentes. A chuva também é um fator definido em função da altitude – áreas mais elevadas tendem a apresentar maior precipitação. Os remanescentes da Caatinga “indicam uma área de cobertura vegetal da ordem de 518.635 km2, ou 62,69% do total”, sendo 35,9% savana estépica; 8,43% encraves de Cerrado e de Mata Atlântica e 18% áreas de tensão ecológica (APNE, 2006: 1). Os remanescentes mais bem preservados somaram 40,56% da área original da Caatinga. O IBAMA (2010: 17) apresenta uma taxa percentual de 53,62%, conforme mapa 48 (loc. cit.). Os Estados com as maiores áreas ainda preservadas são Ceará, Piauí e Bahia. Esta região natural é das mais desconhecidas do país, e urge a necessidade de maiores pesquisas, bem como de manejo adequado do potencial existente nos ecossistemas que a compõe. A fitofisionomia da Caatinga é compreendida de quatro categorias: savana estépica florestada, savana

estépica arborizada, savana estépica parque e savana estépica gramíneo-lenhosa, como vemos na figura 10 (IBGE, 1991: 90). Além da altitude, o solo também influencia bastante na fitofisionomia. Jurandyr Ross (2005: 176) fala em cinco tipos – caatinga seca não arbórea, caatinga seca arbórea, caatinga arbustiva densa, caatinga de relevo mais elevado e caatinga do chapadão do Moxotó, seguindo classificação elaborada por Walter Egler, em 1951, para a caatinga no território de Pernambuco. O bioma Mata Atlântica é o mais antropizado. Abrangia originalmente 1.103.961 km2, ou 12,97% do território brasileiro. Hoje, apenas 21,81% da mata permanece de pé, como mostra o mapa 49 (IBAMA, 2012); os remanescentes naturais atingem 26,97%. Deve-se lembrar que a população brasileira está concentrada nas áreas que pertencem a esta região natural. A tabela 17 (loc. cit.) mostra a área dos biomas em cada Estado e a área desmatada em 2009. Predomina o desmatamento nos Estados de Minas Gerais, Bahia, Santa Catarina, Paraná e São Paulo, destacando-se os municípios de Jequitinhonha e São João do Paraíso, em Minas, e Vitória da Conquista, na Bahia.

Mapa 48: Remanescentes da Caatinga (em verde).

Figura 10: Fitofisionomia da caatinga.

Mapa 49: Remanescentes de Mata Atlântica.

tabela-gravata 17: Área original da Mata Atlântica e desmatamento, por Estado.

UF

Área da Mata Atlântica no Estado

Área antropizada entre 2008-2009

% do bioma antropizado entre 2008-

(km 2)

(km 2)

2009

AL

14.382

0

0,00%

BA

108.128

65,8

0,06%

ES

45.247

2,1

0,00%

GO

10.493

1,6

0,02%

MG 241.713

115,8

0,05%

MS

50.392

9,7

0,02%

PB

4.571

0

0,00%

PE

16.424

0,3

0,00%

PR

194.011

14,1

0,01%

RJ

41.370

0,4

0,00%

RN

2.733

0

0,00%

RS

102.992

7,3

0,01%

SC

93.152

17,6

0,02%

SE

10.531

0,8

0,01%

SP

165.534

13,3

0,01%

A fitofisionomia da Mata Atlântica é semelhante à da Amazônia. Conforme o Instituto de Estudos Socioambientais do Sul da Bahia (IESB) (2007: 5), [...] a Floresta Ombrófila Densa ocupa a maior área de ocorrência das florestas ombrófilas, com a maior distribuição latitudinal dentro do bioma. Presente em toda a faixa litorânea, desde o Rio Grande do Norte até o Rio Grande do Sul, está associada ao clima quente úmido costeiro das regiões sul-sudeste, sem período seco sistemático e com amplitudes térmicas amenizadas por influência marítima. A Floresta Ombrófila Mista ou mata de Araucária, como também é conhecida, possuía a segunda maior distribuição original das florestas ombrófilas, com ocorrências desde o sul de São Paulo até o Rio Grande do Sul e disjunções na Serra da Mantiqueira entre o sul de Minas Gerais e São Paulo. Atualmente restaram poucos e dispersos remanescentes nas serras do Mar e da Mantiqueira e no Planalto Meridional. A Floresta Ombrófila Aberta é a fisionomia vegetal menos representativa do bioma e a segunda mais devastada, restando pouco mais de 9% da área original. Ocorre na faixa litorânea da Paraíba, Pernambuco e Alagoas, no nordeste/leste de Minas Gerais e centro sul do Espírito Santo. A distribuição original das Florestas Estacionais abrange regiões mais interiorizadas, afastadas da influência marítima, e que possuem, portanto, um clima mais sazonal. A Floresta Estacional Semidecidual é a fisionomia de maior distribuição original do bioma, ocorrendo em manchas isoladas no nordeste do país desde o Rio Grande do Norte até a Bahia; no Rio Grande do Sul; em

grandes extensões na faixa leste abrangendo Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo; a oeste, no noroeste do Paraná, sul do Mato Grosso do Sul e oeste de São Paulo, se estendendo ainda numa estreita faixa pelo vale do Rio Paranaíba, na divisa de Goiás com Minas Gerais. É também considerada a fisionomia mais devastada do bioma restando pouco mais de 4% da sua distribuição original. A Floresta Estacional Decidual ocorre na Bahia e nordeste de Minas Gerais na faixa de transição com o Bioma Caatinga e no sul do país, no oeste de Santa Catarina, noroeste e centro do Rio Grande do Sul. Por causa de sua ocorrência geográfica peculiar, definida por áreas limítrofes com biomas mais temperados ou mais secos, apresenta inserções disjuntas da Estepe e da Savana-Estépica. As formações pioneiras estão representadas pelas restingas, manguezais e formações herbáceas hidromórficas (comunidades aluviais), cobrindo [...] ao longo de todo o litoral e nos vales fluviais de maior porte. Já as comunidades relíquias, que compõem os refúgios vegetacionais, têm sua maior expressão nos campos de altitudes que cobrem montanhas altas de maciços como Itatiaia, Serra do Caparaó e Serra da Bocaina. Os encraves e áreas de contato aparecem em toda a extensão do bioma, ocorrendo disjunções Savana próximo ao litoral do nordeste, entre a foz do Rio São Francisco e Salvador, em Minas Gerais, São Paulo e sul do Mato Grosso do Sul e no Planalto Meridional, desde o Paraná até o Rio Grande do Sul. Fisionomias de Savana-Estépica aparecem em pequenas disjunções no nordeste de Minas Gerais. Rizzini (1997: 374) subdivide a floresta atlântica em quatro formações: floresta pluvial montana (entre 800 m e 1500/ 1700 m), floresta pluvial baixo-montana (entre 300 m e 800 m), floresta de araucária (floresta ombrófila mista; ver perfil esquemático na figura 11: IBGE, 1991: 74) e floresta pluvial ripária e em manchas (encraves, tensão ecológica). O autor (op. cit.) segrega a área florestal que se estende do Estado do Rio de Janeiro ao de Pernambuco, chamando-a de floresta dos tabuleiros. Ao longo da região natural da Mata Atlântica, são bastante variadas as condições climáticas e pedológicas, que serão comentadas quando abordarmos os domínios morfoclimáticos.

Figura 11: Perfil esquemático da Mata de Araucárias.

A tabela 18 (IESB, 2007: 38) mostra os percentuais remanescentes de acordo com a classe de formação – florestais, formações pioneiras, tensão ecológica e refúgio. Deve-se ressaltar que diversas formações florestais estão praticamente extintas, o que acentua a necessidade de medidas de preservação, especialmente quando se considera a biodiversidade dessa região natural, com grande ocorrência de endemismos. Parte considerável dos ​remanescentes está em unidades de conservação. tabela-gravata 18: Remanescentes de Mata Atlântica por classes de formações.

Classes de formações

Subgrupo de formações

km 2

%

Floresta Ombrófila Densa

96.400,96

9,10

Floresta Ombrófila Aberta

2.603,29

0,25

Floresta Ombrófila Mista

40.139,88

3,79

Floresta Estacional Decidual

21.600,00

2,04

Floresta Estacional Semidecidual

54.875,89

5,18

Savana Estépica Florestada

487,64

0,05

Savana Estépica Arborizada

1.056,15

0,10

Savana Florestada

2.962,10

0,28

Savana Arborizada

130,47

0,01

Estepe Arborizada

115,14

0,01

Formação Pioneira com Influência Fluvial e/ou Lacustre

5.949,04

0,56

Formação Pioneira com Influência Fluviomarinha

3.721,35

0,35

Formação Pioneira com Influência Marinha

4.079,72

0,39

Dunas

88,21

0,01

Contato Savana/Savana Estépica

56,57

0,01

Contato Savana/Floresta Ombrófila

724,53

0,07

Contato Savana Estépica/Floresta Estacional

1.510,80

0,14

Contato Savana/Floresta Estacional

3.471,33

0,33

Contato Savana/Floresta Ombrófila Mista

796,03

0,08

Florestas

Formações Pioneiras

Áreas de Tensão Ecológica (Ecótonos)

Áreas de Tensão Ecológica (Encraves)

Contato Savana/Formação Pioneira (Restinga)

13,70

0,00

Contato Estepe/Floresta Estacional

208,69

0,02

Contato Estepe/Floresta Ombrófila Mista

525,22

0,05

Contato Floresta Ombrófia Densa/Floresta Ombrófila Mista

1.262,48

0,12

Contato Floresta Ombrófila/Formações Pioneiras (Restinga)

660,65

0,06

Contato Floresta Estacional/Formações Pioneiras (Restinga)

0,43

0,00

Contato Floresta Estacional/Floresta Ombrófila Mista

1.258,52

0,12

Savana Estépica Gramíneo-Lenhosa

2.597,10

0,25

Savana Gramíneo-Lenhosa

7.828,85

0,74

Estepe Gramíneo-Lenhosa

28.484,09

2,69

Comunidades relíquias

1.767,19

0,17

Afloramentos rochosos

11,81

0,00

1.059.027,84

26,95

Refúgios Vegetacionais

Total da área do bioma mapeado

O Pampa ocupa uma superfície de 178.243,03 km2 no Estado do Rio Grande do Sul, sendo a segunda menor região natural brasileira, ocupando 2,09% do Brasil. Desta área, 9,98% são corpos d’água, 48,7% são áreas antropizadas e 41,32% são remanescentes, como vemos no mapa 50 (UFRGS, 2007). A tabela 19 (loc. cit.) complementa essas informações, mostrando em percentuais a caracterização do Pampa, de acordo com os usos do solo. Predomina o uso antrópico rural, com 47,93% da área total. As formações vegetais predominantes são as campestres, com 23,03%, havendo ainda 12,91% de áreas de transição e 5,38% de formações florestais, sobretudo às margens de rios. Os pampas recebem diversos nomes, como campos, estepes e pradarias, ocupando área significativa no planeta. Consoante Kormondy & Brown (2002: 300), “as pradarias de gramíneas baixas [...] do oeste americano e as pradarias de gramíneas altas ao leste encontram seus semelhantes nas estepes da Europa e da Ásia, nos llanos ou pampas da América do Sul e nos veldt ou savanas do leste africano”. Ainda de acordo com os autores,

Mapa 50: Remanescentes do Pampa gaúcho.

[...] este bioma é mais seco que as florestas decíduas e boreais, e mais úmido que os desertos. A maior parte de precipitação ocorre no final da primavera, no verão e no início do outono; as temperaturas variam, embora sejam mais baixas que 0o C no inverno, e muito quentes durante o verão, por toda a extensão do bioma. Os solos dos campos são mais ricos do que os de todos os biomas e, portanto, são mais férteis. A decomposição rápida da matéria orgânica é um dos principais fatores desta riqueza; além disso, a alta taxa de evaporação traz estes nutrientes para próximo da superfície e ao alcance das raízes das plantas. Estes nutrientes também executam o balanço com os ácidos orgânicos do solo, mais um fator do alto grau de fertilidade (KORMONDY & BROWN, 2002: 300). tabela-gravata 19: Composição do Pampa gaúcho, em percentuais.

VEGETAÇÃO NATURAL

ÁREA (km 2)

%

Campestre

41.054,610

23,03

Florestal

9.591,053

5,38

Transição

23.004,083

12,91

Total parcial

73.649,746

41,32

SUPERFÍCIE D’ÁGUA Total parcial

ÁREA (km 2) 17.804,576

USO ANTRÓPICO

% 9,98

ÁREA (km 2)

%

Antrópico rural

85.424,204

47,93

Antrópico urbano

1.364,509

0,77

Total parcial

85.788,713

48,70

TOTAL BIOMA PAMPA

178.243,035

A figura 12 (IBGE, 1991: 94) mostra os perfis esquemáticos das estepes sulinas. ​Ainda sobre o Pampa, o estudo elaborado pela UFRGS (2007) informa que [...] as áreas campestres ou florestais sem qualquer uso, no Bioma Pampa, são reduzidas (20.855,66 km2, 11,7% do Bioma). Mesmo unidades de conservação com predomínio de formações campestres como a Reserva Biológica do Ibirapuitã e o Parque Estadual do Espinilho apresentam algum tipo de pressão antrópica, especialmente por pecuária. Assim, foram considerados remanescentes também aquelas áreas cujo uso tenha mantido aspectos fisionômicos similares à condição original. Desta forma, os campos nativos com uso pecuário extensivo foram considerados remanescentes. Entretanto, áreas campestres que apresentam sinais de terem sido utilizadas em passado recente com atividade agrícola foram consideradas não remanescentes. Evidências deste uso agrícola são canais de drenagem/irrigação e taipas decorrentes do cultivo de arroz irrigado em áreas de banhados e campos úmidos, bem como terraços nos campos secos. Em áreas frágeis, também o ravinamento e voçorocamento em áreas de pecuária extensiva foram excluídas dos remanescentes em função do grau de degradação de corrente do excesso de pastoreio. Adicionalmente foi identificado um tipo de remanescente denominado transição. São áreas com presença de formação herbáceo-arbustiva nativa com uso pecuário e floresta nativa. Equivale, na classificação fitoecológica do IBGE (1992), às Áreas de Tensão Ecológica. Paisagem típica da região do Escudo Sul-Riograndense, ocorrendo sobre solos rasos com

afloramentos rochosos. Além do uso pecuário há cultivos de fumo e de subsistência numa matriz fundiária de pequenas e médias propriedades. Pela pequena extensão dos cultivos, nem sempre foi possível identificá-los na escala de interpretação.

Figura 12: Perfis esquemáticos das estepes brasileiras.

O Pantanal, Patrimônio Mundial Natural e Reserva da Biosfera, é a menor região natural do Brasil, ocupando 151.313 km2, ou 1,78% do território brasileiro. Abrange os Estados do Mato Grosso (40,3%) e do Mato Grosso do Sul (59,7%). A tabela 20 (IBAMA, 2011: 16) e o mapa 51 (ibid.: 16) mostram as áreas remanescentes do Pantanal, que se encontra mais bem preservado no Mato Grosso do Sul. Os corpos d’água perfazem 1,61% do bioma e as áreas antropizadas, 15,3%. Os municípios que mais alteraram a vegetação natural são Cáceres, Corumbá, Aquidauana, Porto Murtinho, Porto Espiridião e Santo Antônio do Leverger. Sobre o Pantanal, Rizzini (1997: 554-6) o descreve da seguinte forma:

Mapa 51: Remanescentes do Pantanal.

[...] descendo a serra das Araras, nos limites de Mato Grosso com a Bolívia e o Paraguai, o rio Paraguai lança-se numa imensa planície [...] conhecida sob a designação de [...] Pantanal. Estende-se muito mais pelos países vizinhos citados, sempre margeando o leito fluvial; essa porção extrabrasileira recebe a denominação de [...]

Chaco e possui uma vegetação e uma flora evidentemente aparentada com as da caatinga nordestina. [...] A planície aluvional dita Pantanal não tem mais de 100-200 m de altitude. É toda circundada, pelo lado brasileiro [...], pelo planalto cristalino (600-700 m) coberto de cerrado; logo, ela está numa depressão, costumeiramente mencionada como “depressão paraguaia”. Sua superfície, ​irregular pela presença de elevações e depressões, é percorrida por rica rede hidrográfica, formada por inúmeros tributários do gigantesco rio Paraguai. [...] As chuvas nessa região concentram-se de outubro a março. Não chove mais do que no cerrado do Brasil Central, mas os rios Paraguai e afluentes de tal modo avolumam-se que as águas se espraiam pela planície baixa cobrindo-a de um lençol contínuo de água que pode chegar a 2-3 m (raramente 4 m) de profundidade. Para o interior, longe dos rios, as inundações limitam-se às porções mais deprimidas do terreno, ditas “baías” [...]. Sendo o solo muito permeável e a região plana, rios mesmo volumosos dificilmente se mantêm se a seca se prolonga; suas águas descem pela areia a 10 m e mais abaixo da superfície. O período da cheia, de dezembro a maio, traz a fertilização das terras pela deposição de argila e detritos organizados que vieram em suspensão nas águas. Depois dele, vem o período da seca, que é intensa. tabela-gravata 20: Região natural por Estado e remanescentes.

UF

Pantanal Total nos

Área Desmatada até

% de Remanescente do

Estados (km 2)

2009 (km 2)

Pantanal na UF em 2009

MT

60.831

11.406

81,2%

MS

89.826

11.753

86,9%

Quanto a fitofisionomia, Rizzini (1997: 558) assegura que o Pantanal é dominado “por uma mistura complexa de vegetais e de comunidades, cuja flora” engloba “elementos xerófilos bolivianoparaguaios, elementos savanícolas centro-brasileiros, elementos silvestres do Brasil oriental e da Amazônia e elementos hidrófilos de ampla dispersão”. A tabela 21 (EMBRAPA, 2007: 27) apresenta a fitofisionomia pantaneira, um grande mosaico de formações vegetais. Predominam as

formações de Cerrado e os ecótonos. Aziz Ab’Saber (2006: 64-65) explica a diversidade ecológica por meio da teoria dos refúgios e redutos. Para o geógrafo (loc. cit.), [...] a teoria dos refúgios e redutos cuida das repercussões das mudanças climáticas quaternárias sobre o quadro distributivo de floras e faunas, em tempos determinados, ao longo de espaços fisiográficos, paisagística e ecologicamente mutantes. Tal como ela foi elaborada no Brasil, [...] [ess]a teoria [...] diz respeito, sobretudo, à identificação dos momentos de maior retração das florestas tropicais, por ocasião da desintegração de uma tropicalidade relativamente pré-existente. Nessa contingência, massas de vegetação outrora contínuas, ou mais ou menos contínuas, ficaram reduzidas a manchas regionais de florestas, em sítios privilegiados [...]. Na área nuclear das caatingas, os atuais sítios de “brejos” amarrados a ilhas locais de umidade constituem-se em um modelo vivo de redutos e refúgios florestais (Birot, Ab’Saber, Vanzolini, Andrade Lima). No caso do Pantanal [...] [a] invasão dos cerrados em expansão comportou uma colonização descendente pelo corpo geral do grande leque do Taquari [...]. Pelo lado norte, entraram massas de vegetação periamazônica, comportando padrões de florestas tropicais decíduas e semidecíduas [...]. Pelo extremo sudoeste e sul, a depressão pantaneira sofreu a penetração de componentes florísticos do Chaco Oriental, ela própria transicional [...]. A situação de contato entre ecossistemas diferenciados é uma constante desde os arredores de Corumbá até a planície meândrica do Rio Paraguai [...], Pantanais do Nabileque e encostas ocidentais da Serra da Bodoquena. Morros e serranias fronteiriças – Urucum-Santa Cruz e Fecho dos Morros – possuem cobertura florestal a partir de certo nível topográfico, com predomínio de matas densas, de altura limitada, sujeitas a uma condição decídua. tabela-gravata 21: Regiões fitoecológicas do Pantanal.

Área Região Fitoecológica e Área Antrópica km 2 (%) Área Natural

km 2 (%)

131.189,0 (86,77)

Floresta Estacional Semidecidual (F)

6.223,4 (4,12)

Floresta Estacional Decidual (C)

1.438,6 (0,95)

Savana (Cerrado) (S)

79.530,7 (52,60)

Savana Estépica (Chaco) (T)

12.145,1 (8,03)

Formações Pioneiras

5.216,2 (3,45)

Áreas de Tensão Ecológica ou Contatos Florísticos (CFlorísticos) Ecótono

25.349,9 (16,77)

Encrave

1.256,7 (0,83)

Refúgios Vegetacionais (Comunidades Relíquias) (r)

28,4 (0,02)

Áreas Antrópicas

17.439,9 (11,54)

Vegetação Secundária (Vs)

403,7 (0,27)

Agricultura (Ac)

391,6 (0,26)

Pecuária (Pastagem plantada) (Ap)

16.511,9 (10,92)

Outras Áreas Antrópicas (AO) Influência Urbana

108,9 (0,07)

Áreas degradadas por mineração

23,8 (0,02)

Outros (Natural) (Água)

2.557,3 (1,69)

Massas d’águas (rios, córregos,corixos, vazantes, baías, salinas) TOTAL

2.557,3 (1,69) 151.186,2

151.186,2

Outra definição utilizada para a Geografia Física é a de domínio morfoclimático e fitogeográfico. Ab’Saber (2010:11) o define como [...] um conjunto espacial de certa ordem de grandeza territorial – de centenas de milhares a milhões de quilômetros quadrados de área – onde haja um esquema coerente de feições de relevo, tipos de solos, formas de vegetação e condições climático-hidrológicas​. Tais domínios espaciais, de feições paisagísticas e ecológicas integradas, ocorrem em uma espécie de área principal, de certa dimensão e arranjo, em que as condições fisiográficas e biogeográficas formam um complexo relativamente homogêneo e extensivo. [...] Entre o corpo espacial nuclear de um domínio paisagístico e ecológico e as áreas nucleares de outros domínios vizinhos – totalmente diversos – existe sempre um interespaço de transição e de contato, que afeta de modo mais sensível os componentes da vegetação, os tipos de solos e sua forma de distribuição e, até certo ponto, as próprias feições de detalhe do relevo regional.

Ab’Saber (ibid.: 13) enumera seis domínios: 1. o domínio das terras baixas florestadas da Amazônia; 2. o domínio dos chapadões centrais recobertos por cerrados, cerradões e campestres; 3. o domínio das depressões interplanálticas semiáridas do Nordeste; 4. o domínio dos “mares de morros” florestados; 5. o domínio dos planaltos de araucárias; 6. o domínio das pradarias. Há, ainda, as áreas de transição entre os domínios anteriores. O mapa 52 (AB’ SABER, op. cit.) ilustra a compartimentação do território brasileiro por domínios elaborada pelo autor na década de 1960.

Mapa 52: Domínios morfoclimáticos e fitogeográficos por Ab’Saber, 1965.

Na década de 1970, de acordo com o mapa 53 (FORATTINI, 1980: 972), Ab’Saber amplia essa divisão para oito unidades no território brasileiro – 1. equatorial amazônico; 2. tropical atlântico; 3. dos cerrados; 4. Roraima-guianense; 5. das caatingas; 6. do Chaco central; 7. dos planaltos sulbrasileiros com araucárias; 8. das pradarias mistas subtropicais. Essa subdivisão do território em domínios foi atualizada por Jurandyr Ross (2006), em sua Ecogeografia do Brasil. Nesta obra, segundo o mapa 54 (ibid.: 88), Jurandyr Ross apresenta treze domínios, divididos entre sistemas

ambientais naturais pouco transformados e aqueles fortemente transformados. Entre os primeiros, há quatro domínios: 1. domínio dos enclaves de campos cerrados na floresta amazônica; 2. domínio da floresta amazônica densa; 3. domínio da floresta amazônica aberta; 4. domínio das planícies fluviais, marinhas e pantanais.

Mapa 53: Domínios no território brasileiro, segundo Ab’Saber, 1977.

Mapa 54: Domínios no território brasileiro, segundo Ross, 2006.

Entre os que foram bastante antropizados, estão: 5. domínio das florestas subtropicais – campos limpos naturais na bacia do Paraná em terrenos de basalto; 6. domínio da floresta tropical semidecidual na bacia do Paraná nos terrenos de basalto; 7. domínio da floresta de encosta e semidecidual do planalto brasileiro; 8. domínio de cerrados (savanas) tropicais semiúmidos nas chapadas das bacias sedimentares do Paraná, Parecis e Parnaíba; 9. domínio dos cerrados tropicais semiúmidos nos terrenos cristalinos; 10. domínio da caatinga de clima semiárido; 11. domínio dos campos naturais subtropicais – Campanha Gaúcha; 12. domínio das áreas de transição cerrado/floresta tropical amazônica; 13. domínio das áreas de transição mata atlântica – caatinga – cerrado. Os domínios da Floresta Amazônica relacionam-se à caracterização do dossel – floresta​ombrófila densa, domínio da floresta amazônica densa; floresta ombrófila aberta, domínio da floresta amazônica aberta. O Pantanal corresponde ao domínio das planícies pluviais; as formações

pioneiras também estão agrupadas neste domínio. Os domínios de campos cerrados​ de Roraima pertencem à savana estépica e, segundo Ross (2006: 91), devem sua ​característica à presença de relevos residuais que apresentam solos rasos, pedregosos e, até mesmo, afloramentos rochosos. Em relação à Mata Atlântica, há três domínios – o de florestas subtropicais, ou a área da Mata de Araucárias; a floresta semidecidual, no Paraná, em São Paulo e no curso dos rios Paraná, Grande e Paranaíba; e a floresta do Planalto Atlântico. Acerca do domínio da Mata de Araucárias, está localizado acima de 1.000 m de altitude; as temperaturas médias máximas situam-se entre 26ºC e 28ºC e as mínimas, entre 6ºC e 8ºC; a pluviosidade varia entre 1.500 mm e 2.200 mm. Ainda sobre as Araucárias, Mattos et al. (2006: 1) lembram que [...] a Floresta Ombrófila Mista apresenta grande importância ecológico-econômica, por sua característica única de abrigar a espécie de conífera mais expressiva da vegetação brasileira – Araucaria angustifolia. A Floresta Ombrófila Mista está inserida na área de domínio da Mata Atlântica, abrangendo cerca de 169.000 km². A ocorrência natural da A. angustifolia estende-se pelos Estados do Paraná e Santa Catarina e é abundante nas regiões montanhosas do planalto central e vertente interior da Serra do Mar. No Rio Grande do Sul, ocorre em regiões serranas nas vizinhanças do Estado de Santa Catarina. Ocorre, ainda, nos Estados de Minas Gerais e São Paulo, em regiões de maior altitude [...]. Hoje, estima-se que os remanescentes em estágio primário ou avançado no Paraná não ultrapassam 0,7% da área original, distribuídos em fragmentos, em geral, pequenos e dispersos. A alta qualidade da madeira e a grande disponibilidade e demanda da Araucaria angustifolia provenientes das Florestas Ombrófilas Mistas, no Sul do Brasil, foram fatores importantes que contribuíram para a drástica redução das Florestas com Araucária. Acerca do domínio da floresta semidecidual, Ross (2006: 93-4) afirma que sua área de ocorrência é em regiões com altitudes entre 400 m e 800 m; as temperaturas mínimas variam entre 10ºC e 14ºC, e as máximas entre 18ºC e 22ºC. Há 1.300 mm/ano de chuva em média, com período seco de três meses. Outrossim, é uma área propícia às atividades de agricultura mecanizada e pecuária de cria e corte. Sobre o domínio da floresta no Planalto Atlântico, as temperaturas se mantêm semelhantes à do domínio anterior, mas a pluviosidade é maior – entre 1.500 mm e 2.000 mm/ano de chuva em média, podendo ultrapassar 4.000 mm/ano nas áreas serranas escarpadas das

serras do Mar e da Mantiqueira. Quanto ao Cerrado, este apresenta dois domínios: o das bacias sedimentares (número 8 no mapa 95) e o dos terrenos cristalinos (número 9 no mesmo mapa). O primeiro apresenta temperaturas que variam entre 10ºC e 12ºC e 30ºC e 32ºC, com 1.500 mm a 1.800 mm de chuvas por ano, sendo 80% entre novembro e março. 70% deste domínio foi convertido em campos agrícolas. O segundo domínio apresenta temperaturas mínimas mais altas, entre 12ºC e 14ºC; as máximas atingem 30ºC e 32ºC. Há menor índice pluviométrico, entre 900 mm e 1.400 mm por ano, com déficit hídrico entre maio e setembro. Os solos são lixiviados, dominantemente ácidos, com alta concentração de alumínio e ferro residuais e muito deficientes de nutrientes. Já falamos sobre a Caatinga, mas o domínio corresponde, grosso modo, ao sertão, que mencionamos anteriormente. As chuvas variam entre 300 mm e 700 mm por ano, bastante irregulares e com período seco entre 6 e 9 meses. Ocorre em superfícies aplanadas baixas, entre 50 m e 300 m de altitude, e as temperaturas oscilam, em média, entre 20ºC e 22ºC e 30ºC e 36ºC. O domínio das áreas de transição da Caatinga para o Cerrado podem ser encontradas nas ecorregiões das florestas secas do Nordeste, das florestas de babaçu do Maranhão (Complexo de Campo Maior), do Complexo Ibiapaba-Araripe e da Chapada Diamantina; e a transição da Caatinga para a Mata Atlântica, nos Brejos Nordestinos, nos enclaves de Mata Atlântica (florestas interiores da Bahia e de Pernambuco), e, de modo geral, no Agreste. Segundo o Seminário de Planejamento Ecorregional da Caatinga (VELLOSO; SAMPAIO; PAREYN, 2002: 3), ecorregião é [...] uma unidade relativamente grande de terra e água delineada pelos fatores bióticos e abióticos que regulam a estrutura e a função das comunidades naturais que lá se encontram. É portanto um grande bloco geográfico que engloba diversos sistemas biológicos, que podem ser diversos entre si, mas que se diferenciam de outros por possuírem grandes processos bióticos (ex.: padrões de distribuição de taxa) e abióticos (ex.: clima, história geomorfológica) que os conectam de alguma maneira. As fronteiras entre ecorregiões correspondem a lugares onde fatores controladores mudam significativamente, por exemplo, padrões de precipitação, altitude ou relevo. Neste seminário, houve propostas de alteração da área da caatinga, como vemos no mapa 55 (ibid.: 9). Os enclaves de Mata Atlântica são: 1 – Serra da Ibiapabara; 2 – Sobral; 3 – Itapagé; 4 –

Serra de Baturité; 5 – Crato; 6 – Brejo Paraibano; 7 – Camalaú; 8 – Brejo da Madre de Deus e 9 – Serra da Jiboia. Isso demonstra a dificuldade de estabelecer os limites entre as grandes regiões naturais, e até mesmo entre as ecorregiões. Há 48 ecorregiões, mas há necessidade de o Ministério do Meio Ambiente atualizá-las. A tabela 22 (http://www.ibama.gov.br/ecossistemas/ecoregioes.htm) e o mapa 56 (GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, s/d) relacionam-nas. O domínio das áreas de transição entre cerrado e floresta amazônica também é compreendido por ecorregiões, como as florestas secas de Chiquitano e as florestas secas do Mato Grosso. De acordo com o Instituto Brasil PNUMA, as florestas semideciduais do Chiquitano estão bastante ameaçadas, restando apenas 20% da mata original. As florestas secas do Mato Grosso são definidas em função da incidência alta de endemismo, do solo poroso e das chuvas sazonais, que variam entre as áreas que as compõem; estendem-se de 6 a 8 meses úmidos na área core a até 8-9 meses úmidos, nas bordas da ecorregião. Por fim, resta comentar que os Pampas que citamos anteriormente coincidem com o domínio da Campanha Gaúcha mencionado por Ross (2006: 92-93). Segundo Pillar et al. (2009: 200), “o clima da região é subtropical úmido, com verões quentes, apresentando temperaturas médias de 19,4 °C, com mínima absoluta de 5,1 °C. A precipitação anual é superior a 1.300 mm e inferior a 1.800 mm”. Ademais, ocorrem chuvas abundantes nos meses de verão, de outubro a março, tornando-se menos intensas no restante do ano.

Mapa 55: Propostas de ajustes para a Caatinga, com enclaves e áreas de transição.

tabela-gravata 22: Ecorregiões brasileiras.

ECORREGIÕES 1. Sudoeste da Amazônia

26. Chaco Úmido

2. Várzeas de Iquitos

27. Campos Sulinos

3. Florestas do Caqueta

28. Florestas de Araucária

4. Campinaranas de Alto Rio Negro

29. Florestas do Interior do Paraná/Paranaíba

5. Interflúvio do Japurá/Solimões-Negro

30. Florestas Costeiras da Serra do Mar

6. Interflúvio do Solimões/Japurá

31. Campos Ruprestes

7. Várzeas do Purus

32. Florestas Costeiras da Bahia

8. Interflúvio do Juruá/Purus

33. Florestas do Interior da Bahia

9. Interflúvio do Purus/Madeira

34. Florestas Costeiras de Pernambuco

10. Várzeas de Monte Alegre

35. Florestas do Interior de Pernambuco

11. Interflúvio do Negro/Branco

36. Brejos Nordestinos

12. Florestas de Altitude das Guianas

37. Caatinga

13. Savanas das Guianas

38. Manguezais do Amapá

14. Florestas das Guianas

39. Manguezais do Pará

15. Tepuis

40. Restingas Costeiras do Nordeste

16. Interflúvio do Uamatá/Trombetas

41. Manguezais da Bahia

17. Interflúvio do Madeira/Tapajós

42. Manguezais do Maranhão

18. Interflúvio do Tapajós/Xingu

43. Restingas da Costa Atlântica

19. Várzeas do Gurupá

44. Manguezais da Ilha Grande

20. Interflúvio do Xingu/Tocantins-Araguaia

45. Manguezais do Rio Piranhas

21. Várzeas do Marajó

46. Manguezais do Rio São Francisco

22. Interflúvio do Tocantins-Araguaia/Maranhão

47. Florestas Secas do Mato Grosso

23. Florestas Secas de Chiquitano

48. Florestas Secas do Nordeste

24. Cerrado

49. Florestas de Babaçu do Maranhão

25. Pantanal

Mapa 56: Ecorregiões brasileiras.

3.2. MARCOS JURÍDICOS INTERNACIONAIS E BRASILEIROS

Georgette Nazo e Toshio Mukai (RIBEIRO, 2003: 109) afirmam que “o direito internacional ambiental é um dos aspectos do direito internacional que está em evolução, adquirindo aos poucos, certa autonomia”, e “sua sistematização adquiriu contornos mais severos quando a comunidade internacional passou a tomar consciência da ‘desordem global da biosfera’” – que vimos no tópico anterior sobre poluição. Mazzuoli (2007: 771) lembra que “a preocupação com o meio ambiente e a formação de um corpus juris de proteção ambiental são fenômenos bastante recentes na história da humanidade”. Ainda de acordo com este autor (loc. cit.), [...] diferentemente da ecologia, que é regida por leis científicas (por ser um ramo da biologia), o “meio ambiente” é regido por leis humanas, que variam segundo as opções do comportamento humano. Isto quer dizer que, ao contrário das leis científicas, que são governadas pela ciência, as leis decorrentes do comportamento humano são regidas pela liberdade de escolha do ser humano, em que não se faz presente o conceito de verdade. Sob esse último aspecto, não se cuidara de saber o que é verdadeiro e o que é falso, uma vez que a norma jurídica não determina com exatidão (como faz a biologia) a relação entre causa e efeito; apenas se trata de impor sanções pela violação das regras de conduta vigentes, elaboradas – repita-se – pela vontade do homem. Essas regras podem ser internas ou internacionais. [Estas fazem parte do] Direito Internacional do Meio Ambiente [que] pode ser definido como o conjunto de regras e princípios criadores de direitos e deveres de natureza ambiental para os Estados, para as organizações internacionais intergovernamentais e também para os indivíduos. Celso de Mello (2004: 1341) garante que “a proteção do meio ambiente tem sido uma das grandes preocupações do DIP moderno” e que “a poluição tem-se transformado em uma grande ameaça à humanidade”. Além disso, o autor comenta que “o direito florestal surgiu na Babilônia em 1900 a.C.”; que “o Código Hitita, redigido entre 1380 e 1340 a.C., tem norma proibindo a poluição da água”; e que, em 1370 a.C., Akenaton teria criado a primeira reserva natural. O Direito focado na área ambiental decorre da consideração que “um Estado não pode alterar as condições naturais de seu território, prejudicando a outro Estado”. Como o nascimento do Brasil é mais recente, Nazo e Mukai (RIBEIRO, 2003: 92-93) situam os antecedentes do Direito Ambiental brasileiro nas Ordenações Afonsinas, Manoelinas e Filipinas, arcabouço jurídico tanto de Portugal quanto de suas colônias. Nessas ordenações, proibia-se o corte

de árvores frutíferas; a caça de alguns animais, também nos períodos de procriação; o lançamento de materiais que sujassem ou viesse a matar peixes em corpos d’água. A manutenção perpétua do Bosque de Haia, determinada em 1576, também é encarada como uma atitude de cunho ambiental. Em 1605, o Regimento do Pau-Brasil tornou-se a primeira lei de proteção florestal brasileira. Havia outros ordenamentos jurídicos que previam o acompanhamento de naturalistas que circulassem por terras brasileiras desde a transmigração da Corte, que acarretou a criação de diversas instituições, como o Jardim Botânico do Rio de Janeiro. No Império, o Código Penal de 1830 criminalizava o corte ilegal de madeiras, e a Lei de Terras de 1850 previa punições pela derrubada das matas e por queimadas. Os bosques de Fontainebleau eram tratados como reserva natural, ainda em 1858. Qualquer medida que se vinculasse hoje ao que consideramos preocupação ambiental estava fundamentada no utilitarismo até o fim do século XIX, quando a exploração dos recursos naturais gerou questionamentos acerca da apropriação da natureza pelo homem, por meio do conservacionismo e do preservacionismo. A criação do Yellowstone National Park nos EUA inaugurou um período de criação de reservas naturais pelo mundo, em que a ideia de wilderness – natureza selvagem – prevaleceu. Isso significa que, nessas áreas, não haveria seres humanos, reforçando a separação entre homem e natureza. Contudo, [...] o primeiro parque nacional do mundo, Yellowstone, não foi criado em uma região vazia, em 1872, mas em território dos índios Crow, Blackfeet, e Shoshone-Bannock. [...] É importante observar também que pesquisas em sítios arqueológicos de sepulturas em Yellowstone, com mais de 1.000 anos [...], demonstram uma intensidade humana em áreas que depois se transformaram em parques nacionais. A ideia de parque como área selvagem e desabitada, típica dos primeiros conservacionistas norte-americanos, pode ter suas origens nos mitos do “paraíso terrestre”, próprios do Cristianismo. [...] Esse mito [...] e sua reconstrução [na América] parece estar na base da ideologia dos primeiros conservacionistas americanos. [...] Dessa forma, os primeiros conservacionistas pareciam recriar e reinterpretar o mito do paraíso terrestre mediante a criação dos parques nacionais desabitados, onde o homem poderia contemplar as belezas da Natureza. [...] Rodman afirma que a criação dos parques obedeceu a uma visão antropocêntrica, uma vez que beneficiava as populações urbanas e valorizava, principalmente, as motivações estéticas,

religiosas e culturais dos humanos, o que nos mostra o fato de que a natureza selvagem não foi considerada um valor em si, digno de ser protegido. [...] Esse modo de preservação por meio de áreas naturais protegidas é inadequado e injustamente seletivo, pois privilegia áreas naturais que são apelativas do ponto de vista estético, segundo valores ocidentais, como florestas, grandes rios, canyons, discriminando áreas naturais menos “nobres”, como pântanos, brejos etc., ainda que estas possam ser essenciais para o funcionamento dos ecossistemas (DIEGUES, 2004: 27-28; 35). Logo no início do século XX surgem “as primeiras tentativas de se estabelecer tratados internacionais que regulassem a ação humana sobre o ambiente” (RIBEIRO, 2005: 54). Assim sendo, em 1900, foi celebrada a Convenção para a Preservação de Animais, Pássaros e Peixes da África, entre Alemanha, Congo Belga, França, Inglaterra, Itália e Portugal, cuja finalidade foi estabelecer limites para a caça nesse continente. Em 1902, países europeus assinaram a Convenção para a Proteção dos Pássaros Úteis à Agricultura, com resultados pífios. Em 1923, o I Congresso Internacional para a Proteção da Natureza discutiu a preservação ambiental e, dez anos depois, em 1933, na Convenção para a Preservação da Fauna e da Flora em seu Estado Natural, as metrópoles europeias propuseram a replicação do modelo estadunidense no continente africano. No Brasil, durante a República Velha, surgiram leis setoriais que regulavam desde a exploração de minas até o uso do solo urbano, como a proibição, em 1923, da instalação de indústrias nocivas em áreas residenciais. Os projetos de saneamento urbano, contudo, retificavam rios, aterravam orlas e drenavam mangues, cujo maior exemplo é o ocorrido na capital federal. Para Luis Henrique Cunha e Maria Cecilia Coelho (2003: 46), o primeiro governo de Getúlio Vargas inaugura o período em que “a regulação ambiental ganha impulso no país”. Os autores identificam três períodos – o primeiro, de 1930 a 1971, “marcado pela construção de uma base de regulação dos usos dos recursos naturais”; o segundo, de 1972 a 1987, “em que a ação intervencionista do Estado chega ao ápice, ao mesmo tempo em que aumenta a percepção de uma crise ecológica global”; e o terceiro, de 1988 aos dias atuais, “marcado pelos processos de democratização e descentralização decisórias e pela rápida disseminação da noção de desenvolvimento sustentável”. Em 1934, foram promulgados os códigos de Águas, Florestal e de Minas, visando ao uso racional

desses recursos. Foram criados, neste ano, o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica e o Departamento Nacional de Produção Mineral. Esse primeiro Código Florestal considerou as florestas um bem de interesse comum a todos os habitantes. Em 1937, foi criado o primeiro parque nacional em território brasileiro, o de Itatiaia, no Estado do Rio de Janeiro, reproduzindo o modelo estadunidense de apropriação da natureza. Também neste ano foi organizada a proteção ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O primeiro Código de Caça é de 1943. Em 1940, ocorreu a Convenção Pan-americana de Proteção da Natureza e Preservação da Vida Selvagem do Hemisfério Oeste, em Washington. Anos depois, em 1948, ocorreu a Conferência Científica das Nações Unidas para a Conservação e Utilização dos Recursos (UNSCCUR), no âmbito da UNESCO, organização responsável por temas ambientais até 1973 quando o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) passou a funcionar. Na década de 1950, foi celebrado o Tratado da Antártida que apenas entrou em vigor no ano de 1961. Este tratado é importante porque obstou a discussão acerca de possíveis pleitos territoriais no continente e estimulou a pesquisa científica. Para Wagner Ribeiro (2005: 57), “a capacidade de produzir conhecimento a partir de bases científicas instaladas na Antártida passou a ser a medida para integrar-se aos países que tiveram o direito de ocupá-la”. Integram originalmente o tratado África do Sul, Argentina, Austrália, Bélgica, Chile, Estados Unidos, França, Inglaterra, Japão, Noruega, Nova Zelândia e URSS. Posteriormente, incorporaram-se como membros consultivos Alemanha Ocidental, Brasil, Índia e Polônia (MELLO, 2004: 1172). No Brasil, na década de 1950, houve a criação, pelo governo federal, da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (1958), filiada à União Internacional para a Conservação da Natureza, estabelecida por ocasião da UNSCCUR, com o objetivo de “defender a fauna marítima, a flora aquática e fiscalizar a pesca do litoral” (CUNHA & COELHO, 2003: 47). Na década seguinte, houve reformulação do arcabouço jurídico – foram promulgados o Código Florestal, em 1965; o Código da Pesca, em 1967; a Lei de Proteção à Fauna, em 1967; o Código de Mineração, também em 1967; a criação do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, nesse mesmo ano; em 1968, o Código de Trânsito “trouxe regra importante sobre o uso, nos veículos automotores, de

instrumentos que diminuam ou impeçam a poluição do ar” (RIBEIRO, 2003: 97). Na década de 1960, os impactos do desenvolvimento urbano e industrial se fizeram sentir. No Rio de Janeiro, a poluição chegou a níveis consideráveis, cujo exemplo é a degradação da Baía de Guanabara. A população crescera grandemente, não havia infraestrutura de saneamento para todos, tampouco moradias adequadas e as indústrias também eram agentes poluidores de peso, além de se utilizarem de lenha como fonte de energia. As obras de engenharia que aterraram o litoral e retificaram rios prejudicaram grandemente a qualidade das águas. Desse modo, a própria dinâmica ambiental atuou como mecanismo de valorização do solo. Os investimentos de saneamento básico concentraram-se na Zona Sul do Rio de Janeiro, enquanto o restante da cidade não os recebeu na mesma proporção. As políticas ambientais conheceram maior importância também devido à participação dos Estados e dos municípios na execução de diretrizes. O planejamento torna-se cada vez mais frequente na administração pública, ainda que seus efeitos sejam restritos e seu exercício questionável. O modelo adotado nos centros urbanos, decorrente do rodoviarismo, é bastante prejudicial ao meio ambiente e ao próprio ser humano, como vemos nos seus efeitos hoje, mas foi imprescindível à industrialização do país. Ademais surgem órgãos do Estado responsáveis por determinados setores, como o Centro Tecnológico de Saneamento Básico (CETESB), subordinado a uma autarquia estadual de São Paulo, e surgem convênios entre os entes federativos, como a Comissão Intermunicipal de Controle da Poluição das Águas e do Ar também em São Paulo. É na década de 1960, outrossim, que explode o movimento da contracultura, questionando a sociedade capitalista e a ameaça nuclear, especialmente com a Crise dos Mísseis. Diversos grupos estavam alijados do grande crescimento econômico verificado nos países de capitalismo avançado no pós-guerra – o movimento pelos Direitos Civis de negros nos EUA é bem ilustrativo. A pílula anticoncepcional foi um fator decisivo para a emancipação feminina, já que a mulher separava seu gozo da reprodução, ademais das substanciais diferenças de salário existentes – até hoje – entre homens e mulheres. Estudantes tornaram-se, definitivamente, em 1968, um grupo de pressão política. A comoção causada pela guerra do Vietnã também foi um fator crescente de revolta na opinião pública desses países, gerando um movimento pacifista dos quais os hippies são um dos

representantes. Sociedades alternativas que negavam o consumismo da sociedade industrial surgiram com mais frequência, pregando o começo da Nova Era e a integração do homem à natureza. A liberação da sexualidade, em decorrência da pílula, dos hippies, e da negação do modelo de sociedade vigente também atinge os homossexuais, que passam a sair dos guetos e a lutar também por sua cidadania. A crise do capitalismo nos países ricos, com taxas de lucro decrescentes, implicava a absorção dos grupos internos marginalizados e o espraiamento desse modo de produção pelo mundo. Nada disso seria possível sem que a sociedade de consumo e a comunicação de massas existissem. O movimento ecológico surgiu, também, da contracultura e inicialmente esteve bastante engajado em, pelo menos, reformar a sociedade capitalista, quando não criava comunidades alternativas em locais recônditos. O surgimento da Ecologia Social, cujo principal expoente é Murray Bookchin, com o livro Ecology and revolutionary thought (1964), reforça esse utopismo. Segundo Diegues (2004: 45), [...] a degradação ambiental é vista como diretamente ligada aos imperativos do capitalismo. Como os marxistas, vê na acumulação capitalista a força motriz da devastação do planeta. Os ecologistas sociais veem os seres humanos primeiramente como seres sociais; não como uma espécie diferenciada [...], mas constituída de grupos diferentes como: pobres e ricos; brancos e negros; jovens e velhos. Por outro lado, criticam a noção de Estado e propõem uma sociedade democrática, descentralizada e baseada na propriedade comunal de produção. São considerados anarquistas e utópicos, e nesse ponto se afastam dos marxistas clássicos a quem criticam. Além disso, na década de 1960, a poluição é uma realidade nos países desenvolvidos e nas relações internacionais. O Trail Smelter Case, entre EUA e Canadá, em que se julgava a poluição gerada por uma fundição canadense que contaminava o território norte-americano, é de 1941. Um fog londrino de quatro dias, ocorrido em 1952, causou a morte de quatro mil pessoas! Desde o decênio anterior, houve a preocupação com a poluição marítima, como no caso das sucessivas convenções “que se acham atualmente sob a égide da Organização Marítima Internacional (OMI), firmadas em 1954, 1962” (SILVA & ACCIOLY: 325) e 1969, além da Convenção de Genebra sobre o Alto-Mar, de 1958. Sucederam outras convenções posteriormente.

Houve o caso do “pesqueiro japonês ‘Fukuryo Maru’, que após experiências atômicas, em 1954, no Oceano Pacífico, foi atingido por uma chuva de cinzas” (MELLO, 2004: 1347). Os problemas jurídicos decorrentes do naufrágio do navio-tanque Torrey Canion, em 1967, foram importantes para o Direito Internacional, ao estabelecer a obrigatoriedade da responsabilização por danos causados. Neste caso, “o proprietário era norte-americano; o afretador era inglês; o navio tinha bandeira da Libéria; a tripulação era italiana” (ibid.: 1346), o que dificultava a identificação de um responsável. Desde 1969, passou a haver obrigatoriedade de seguro. Em 1968, em Paris, ocorreu a Conferência Intergovernamental de Especialistas sobre as Bases Científicas para Uso e Conservação Racionais dos Recursos da Biosfera, mais facilmente nomeada por Conferência da Biosfera, que discutiu os impactos que a ação humana causa sobre a Terra. Wagner Ribeiro (2005: 63-65; 67), acerca deste encontro que reuniu Estados, instituições multilaterais e organizações não governamentais, afirma que [...] seu produto mais importante foi o programa interdisciplinar O Homem e a Biosfera – criado em 1970 – que procurou reunir estudiosos dos sistemas naturais, a fim de estudarem as consequências das demandas econômicas em tais ambientes. [...] A ciência emerge como provedora da solução para os problemas ambientais. a racionalidade seria o elemento central na busca de alternativas de desenvolvimento que permitissem a proteção do ambiente natural. Acreditando que o conhecimento científico poderia resolver os problemas da espécie humana, os cientistas envolveram-se na investigação da natureza, buscando criar uma nova medida para a ação antrópica na Terra. Essa medida passaria pelo conhecimento da dinâmica de um sistema natural, gerando teorias e tecnologias que embasariam a instrumentalização dos recursos naturais. Tornadas também um recurso para a reprodução ampliada do capital, a ciência e a tecnologia serviram como legitimadoras da exploração dos ambientes naturais, isto é, foram transformadas em uma ideologia que embasaria outro tipo de ambientalismo, o ecocapitalismo, expressão cunhada por Bosquet e Gorz e reafirmada pelo francês Dupuy. Para os seguidores de tal vertente do ambientalismo, a ciência e a técnica podem trazer a redenção para os problemas humanos, assim como podem mover a reprodução do capital – se transformadas em seu bem mais valioso, o saber-fazer, que é comercializado, inclusive o saber-fazer ambiental ou ecologicamente correto, como ele tem sido chamado. [...] A grande marca do programa O Homem e a Biosfera foram as chamadas Reservas da Biosfera, áreas de preservação ambiental distribuídas pelos países-

membros da ONU, que deveriam apontar áreas que fossem de relevância ambiental em seu território, isto é, zonas que estivessem pouco alteradas, para que fosse estudada a dinâmica natural nelas presente. Na década de 1970, pois, as bases para um Direito Internacional do Meio Ambiente estavam dadas. Os princípios que o norteia são a indivisibilidade da Terra, o direito das gerações futuras de desfrutarem da herança do homem e de qualidade de vida e o caráter internacional da proteção do meio ambiente. Para Cançado Trindade (2002: 936), “a regulação internacional do domínio da proteção ambiental tem assumido a forma de respostas a desafios específicos”. De acordo com Celso de Mello (2004: 1342), [...] A. Sheikh já fala na existência de um “Direito Internacional Ecológico”; e Goldie fala de DI do Meio Ambiente, que a nosso ver ainda não é uma realidade mas que se encontra em gestação. [...] Para Kiss, o D.I. do Meio Ambiente apresenta duas características: a necessidade de interdisciplinaridade e a dificuldade de delimitar o seu domínio. [...] Alguns autores têm contestado a denominação de “DI do Meio Ambiente” porque ele não tem fontes e métodos próprios. A expressão mencionada seria utilizada apenas para reunir as normas relativas ao meio ambiente. Os próprios textos internacionais no âmbito universal não definem o que é meio ambiente. [...] Os tratados sobre o meio ambiente são geralmente tratados-moldura, sem normas precisas. Outros são do tipo umbrella (guarda-chuva), em que há uma convenção-moldura com vários protocolos vinculados a ela. Este direito se preocupa não apenas com a reparação, mas também com a prevenção. A tomada de consciência para a proteção do meio ambiente ocorreu no final da década de [19]60. Este ramo do Direito teria surgido em 1970, quando Nixon declarou que 1970 era o ano do Meio Ambiente. [Nixon não fez apenas esta declaração – o presidente estadunidense assinou a National Environmental Policy Act.] Na década de 1970, ocorreram diversas conferências ligadas ao meio ambiente: a Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional, em 1971, em Ramsar, no Irã; a Conferência das Nações Unidas para Meio Ambiente Humano (CNUMAH), em 1972, em Estocolmo, na Suécia; a Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies de Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção, em 1973, em Washington, nos EUA (em vigor em 1975); o Encontro de Belgrado, em 1975, na extinta Iugoslávia, a primeira conferência sobre Educação Ambiental; a I Conferência

Intergovernamental em Educação Ambiental, em 1977, em Tbilisi, Geórgia, então república soviética; a Conferência das Nações Unidas sobre Desertificação, em 1977, em Nairóbi, Quênia; a Convenção sobre Poluição Transfronteiriça de Longo Alcance, convocada em 1979, em Genebra, Suíça (em vigor em 1983). Há diversos acordos e convenções, ainda, sobre fauna e flora, não sendo esta uma lista final. A mais importante de todas, indubitavelmente, foi a CNUMAH. Propôs-se o conceito de ecodesenvolvimento, que considerava impossível pensar o desenvolvimento econômico em longo prazo, sem cuidar dos problemas ambientais em curto prazo. Entretanto, esse conceito foi vinculado à tese do crescimento zero – dever-se-ia congelar o crescimento econômico dos países pobres, pois o relatório Limites para o crescimento (MEADOWS, 1972), elaborado pelo Clube de Roma, apontava para o desequilíbrio entre o crescimento populacional e a ocorrência de recursos no planeta, assumindo caráter essencialmente neomalthusiano. A reação dos países subdesenvolvidos resultou na divisão internacional dos riscos técnicos do trabalho, consoante Maurício Waldmann (1992). Em decorrência da CNUMAH, foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), vinculado ao Conselho Econômico e Social (ECOSOC), que passou a centralizar as ações ambientais da ONU, extrapolando seus objetivos iniciais de implementar apenas o Plano de Ação elaborado durante a conferência. O resultado final de Estocolmo foi o fortalecimento dos países subdesenvolvidos nos fóruns multilaterais, ao garantir seu direito a crescer economicamente. Contudo, além de intensificarem os impactos sobre o meio ambiente, aumentaram a pressão por recursos naturais, que são finitos. Essa consciência foi acentuada pelas crises do petróleo, em 1973 e 1979, acarretando, por exemplo, uma reformulação na indústria automobilística, que teve de se adaptar aos novos tempos de “escassez” de energia, reduzindo o consumo de combustível dos veículos. Deve-se considerar, ainda, que estes recursos naturais são mercadorias, e, portanto, estão sujeitas aos preços de mercado, o que acentua a desigualdade entre os países no acesso a tecnologias, como as relacionadas à eficiência energética ou a fontes alternativas, já que tecnologias ambientalmente corretas são mais caras e submetidas à proteção intelectual.

Ainda na década de 1970, desenvolveram-se outras duas vertentes ecológicas – a Ecologia Profunda e o Ecomarxismo ou Ecossocialismo. Conforme Diegues (2004: 44), “o termo ecologia profunda foi cunhado por Arne Naess, filósofo norueguês, em 1972, com a intenção de ir além do simples nível factual da ecologia como ciência, para um nível mais profundo de consciência ecológica”. Deve-se ressaltar que esta corrente tem enfoque biocêntrico e é neomalthusiana, além de ser adequada à Teoria de Gaia, surgida posteriormente. Os ecomarxistas têm como base teórica o trabalho de Moscovici La societé contre la Nature, de 1969, e Hommes domestiques, homme sauvages, de 1974, no qual “destaca a importância dos trabalhos de juventude de Marx para o entendimento da relação homem/natureza” (DIEGUES, 2004: 48). Nestes trabalhos, Marx (2008) trata da alienação do ser humano em relação ao trabalho, já que não produz em função das próprias necessidades e não se reconhece nele; em relação à natureza, uma vez que é desenraizado da terra; em relação a si próprio, pois o trabalho o reduz à bestialidade – ganha para o mínimo da sobrevivência; e em relação a outrem, consequência final desse processo de alienação cuja origem é a propriedade privada. Outros que se destacam nesta vertente são Gutelman, que sugere “o conceito de forças produtivas da natureza (fotossíntese, cadeias tróficas), em contraposição à noção de forças produtivas históricas” (DIEGUES, op. cit.: 47), e Skibberg, que acredita na oposição entre forças produtivas históricas e forças produtivas da natureza (capacidade de depuração dos ecossistemas). Politicamente, no plano internacional, devemos destacar a fundação do Greenpeace em 1971, e do Partido Verde alemão, em 1979. Nesse período também surge o movimento ecológico no Brasil. Carlos Walter Porto Gonçalves (2000: 14) lembra que o desenvolvimento industrial “se fazia num país onde as elites dominantes não tinham por tradição respeito seja pela natureza, seja pelos que trabalham”. Ainda segundo o autor, [...] a herança escravocrata da elite brasileira se manifestava numa visão extremamente preconceituosa em relação ao povo, que seria “despreparado”. Quanto ao latifúndio, bastava o desmatamento e a ampliação da área cultivada para se obter o aumento da produção e isto nos levou a uma tradição de pouco respeito pela conservação dos recursos naturais, a não ser nas letras dos hinos e nos símbolos da nacionalidade. A distância entre o discurso e a prática é gritante: o próprio nome do país, Brasil, é o de uma madeira que não se encontra mais, a não ser

em museus e jardins botânicos (loc. cit.). Carlos Walter (ibid.: 16) situa, nessa década, três fontes principais de preocupações ecológicas – o Estado; os movimentos sociais, dos quais se destacam o gaúcho e o fluminense; e os exilados políticos que vivenciaram os movimentos ambientalistas europeus, retornando ao país após a Lei de Anistia, de 1979. Dentre os movimentos sociais, a Associação Gaúcha de Preservação Ambiental, que “reuniu ecologistas a partir da luta contra a Borregaarde, empresa multinacional que poluía as águas do Rio Guaíba” (loc. cit.), e José Lutzemberger destacaram-se no Rio Grande do Sul; Walter Lazarini liderou a Federação das Associações dos Engenheiros Agrônomos do Brasil, combatendo o uso indiscriminado de agrotóxicos; no Rio de Janeiro, destacam-se “algumas lutas ambientalistas, sobretudo no norte-fluminense (Campos e Macaé, por exemplo) e em Cabo Frio (luta para preservação das dunas)” (loc. cit.). Quanto ao Estado brasileiro, em decorrência da CNUMAH foi criada a Secretaria Especial do Meio Ambiente, em 1973, no âmbito do Ministério do Interior. Em 1974, foi criada a Comissão Interministerial dos Recursos do Mar. Além disso, as grandes obras de engenharia, como as hidrelétricas de Tucuruí e Sobradinho, que dependiam de financiamentos do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), tiveram de ser planejadas com a Avaliação de Impactos Ambientais (AIA). Aumentaram o número de unidades de conservação, parodoxalmente, no momento em que se vivenciava a euforia do Milagre Econômico do Brasil Potência, cujo regime militar ocupava-se com a integração do território amazônico por meio de projetos de industrialização, de colonização e da fracassada Transamazônica. As grandes obras de engenharia permitiram o desenvolvimento do setor da construção civil brasileiro, com reflexos na política habitacional e de transportes urbanos. Houve o aumento das manchas urbanas e a manutenção do rodoviarismo, mas o ambiente citadino já estava deteriorado e a situação não se alterou com os investimentos imobiliários, bastante restritos à maioria da população, o que fez surgir leis e decretos que tratavam da redução de poluentes emitidos por veículos, em 1975; que protegiam mananciais, em 1977; que estabeleciam padrões de potabilidade da água, também em 1977; e que dispunham sobre o parcelamento do solo urbano, em 1979. Neste ano, ainda, foram definidas a Política Nacional de Irrigação e a regulamentação dos parques nacionais, das

florestas nacionais e das reservas biológicas. Na década de 1980, estava consolidado também o mercado imobiliário de veraneio e o turismo em extensas áreas do litoral, criando ou intensificando conflitos com populações autóctones. Neste ano, foi instituída a Política Nacional de Recursos do Mar, e, em 1981, a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA). Esta, particularmente, é um bom exemplo da distensão do regime militar, de sua lenta e gradual abertura política rumo à democracia, já que reconhece o meio ambiente “como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo” (BRASIL, 1981). Sobre a política ambiental na década de 1980, Robert Moraes (2002: 23) afirma que essa área [...] conhece ao longo da década de oitenta [1980] uma boa ampliação de seu campo de atribuições e interesses. De uma visão essencialmente preservacionista passa a uma perspectiva bem mais ampla de intervenção que até ilustra bem o movimento de maturação teórica do próprio pensamento ambientalista no País (que de uma preocupação ecologista evolui para conceitos como qualidade de vida e desenvolvimento sustentado). Enfim, o setor ambiental cresce institucionalmente e em termos de competência de atuação, agregando órgãos afins e somando atribuições (fato bem ilustrado na própria criação do Ibama). Entretanto, numa característica o movimento acima descrito acompanha a tendência geral. A área ambiental foi montada como mais um setor do aparelho governamental, isto é, foi estruturada como gestora de um conjunto específico e próprio de políticas. [...] Assim, o planejamento ambiental está condenado à integração setorial e entre escalas de governo. Nesse sentido, os órgãos ambientais não podem ser vistos como mais um setor da administração, mas como um elemento de articulação e coordenação intersetorial, cujas ações perpassam diferentes políticas públicas. Sobre política ambiental, o geógrafo (ibid.: 25) a define da seguinte forma: é “a internalização do vetor ambiental nas várias políticas territoriais”, por meio de “modelos institucionais descentralizados. É impossível gerenciar o espaço sem interfaces sólidas com a sociedade civil e os governos locais”. O geógrafo sugere que os “órgãos ambientais estatais brasileiros”, também “deverão ser mais propositores, gerando soluções viáveis e ambientalmente mais adequadas em vez de permanecer com iniciativas restritivas e no campo do impedimento”, a fim de solucionar conflitos decorrentes dos usos do solo, como mencionado em capítulos anteriores.

Robert Moraes (2002: 53-5) estrutura a política ambiental de acordo com três posturas: naturalismo, tecnicismo e romantismo. A postura naturalista “toma a problemática ambiental numa perspectiva que perde totalmente a sua dimensão social”, já que considera o homem “apenas como fator de alteração do equilíbrio de um meio”, com “análises que não falam de sociedade mas apenas da ‘ação antrópica’, uma variável a mais num conjunto de fatores basicamente naturais”, sem a mediação das relações sociais existente na díade homem-natureza. O naturalismo enfraquece a dimensão social das políticas ambientais. O tecnicismo, por sua vez, enfraquece a dimensão política da temática ambiental, fazendo emergir “uma razão técnica e a lógica interna de sua autolegitimação”. A ciência, desse modo, estaria afastada da “sociedade que a gerou, pondo a técnica como algo acima dos conflitos e das disputas”, o que diferencia o tecnicismo do romantismo. Neste, há politização exacerbada, que pode ser manifestada “no preservacionismo radical que, no limite, pode veicular perspectivas antihumanísticas ao colocar a natureza como um valor maior que o homem” (loc. cit.). Nesse sentido, a PNMA é importante porque abarca uma opção conservacionista mais adequada à realidade brasileira, com considerável contingente de índios, de quilombolas e de outras populações tradicionais. Essa lei criou o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) e previu o funcionamento do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), criado em 1983, além de estabelecer “dois procedimentos importantes que forneceram as bases para a criação dos ‘custos de poluir’: a criação do Sistema de Licenciamento de Atividades Poluidoras (SLAP)” (CUNHA & COELHO, 2003: 51) na esfera estadual e os estudos de impacto ambiental (EIA). Estas duas medidas foram regulamentadas pelo CONAMA em 1986, quando foram definidos impacto

ambiental,

a

obrigatoriedade

de

licenciamento

ambiental

para

determinados

empreendimentos e a publicidade do Relatório de Impactos Ambientais (RIMA). Em 1985, com a Lei da Ação Civil Pública, e em 1988, com a Constituição Federal, as bases jurídicas da proteção ambiental estavam consolidadas. Pela primeira vez, houve um capítulo dedicado ao meio ambiente (artigo 225), que estabelece o direito a todos “ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL,

1988). Na Constituição Federal, está previsto o pagamento de royalties sobre a exploração de recursos naturais. Foram declarados com patrimônio nacional, em suas páginas, a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-grossense e a Zona Costeira. Para esta área, foi elaborado o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, também em 1988. No ano seguinte, ressalta-se a criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), unificando o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), a SEMA, a Superintendência de Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE) e a Superintendência da Borracha (SUDHEVEA); e do Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar (PRONAR). Outros dois fatos importantes aconteceram durante a década de 1980 no Brasil: a fundação do Partido Verde, em 1986, e o assassinato de Chico Mendes, em 1988. Por um lado, o Partido Verde brasileiro trazia em definitivo para o país uma pauta há muito existente na Europa, e que transcende as questões ambientais, como liberdades individuais, direitos da mulher, direitos reprodutivos, direitos sexuais e função social da mídia e apoio à produção cultural brasileira. Por outro, o Brasil defrontava-se com práticas enraizadas na sociedade brasileira, a de execuções no campo, e a de destruição do meio ambiente em decorrência do uso dos recursos naturais de forma predatória. Internacionalmente, destacaram-se as seguintes convenções: Convenção sobre Direito do Mar, em 1982, em Montego Bay, Jamaica; Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio, em 1985, na Áustria; Protocolo de Montreal sobre as Substâncias que Esgotam a Camada de Ozônio, em 1987, no Canadá; Convenção sobre Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos, também conhecida como Convenção da Basileia, em 1989, Suíça. A mais importante, certamente, foi a de Viena, que consagrou o caráter preventivo nas políticas ambientais, mas que necessitou do Protocolo posterior que propôs o banimento dos clorofluorcarbonetos. André Lago (2006: 45) conta que [...] a Convenção de Viena e o Protocolo de Montreal conseguiram envolver governos, comunidades científica e acadêmica, a indústria, a mídia e a opinião pública, e mostrar, igualmente, como aponta o professor canadense Philippe Le Prestre, “que um acordo ​preventivo era possível, mesmo na ausência de conhecimentos precisos. A incerteza científica pode até jogar

a favor da cooperação”. As substâncias destruidoras de ozônio (SDOs) têm sido menos comercializadas nos últimos anos de modo a cumprir as metas estabelecidas no Protocolo de Montreal. Quanto ao CFC, a halons e ao tetracloreto de carbono, a meta era que tivessem sido banidos definitivamente em 2010 no território brasileiro. A previsão para o banimento do brometo de metila (um agrotóxico) é 2015. De acordo com o MMA (http://www.mma.gov.br/clima/protecao-da-camada-de-ozonio/convencao-de-viena-eprotocolo-de-montreal), [...] em 1990 foi instituído o Fundo Multilateral para Implementação do Protocolo de Montreal (FML). O Fundo é administrado por um Comitê-Executivo e abastecido por países desenvolvidos. Os projetos que apoia são implementados em inúmeros países com a colaboração de agências internacionais como PNUD, PNUMA, Unido, Bird e GTZ (Agência Alemã de Cooperação Técnica]. O Brasil recebe aportes do FML desde 1993 para promover mudanças em processos industriais com ênfase no uso de tecnologias livres de SDOs. Desde então, mais de 200 projetos de conversão industrial foram aprovados para os setores de refrigeração comercial e doméstica, espumas e solventes. Com as ações adotadas pelos países no âmbito da Convenção de Viena e do Protocolo de Montreal, estima-se que, entre 2050 e 2075, a camada de ozônio sobre a Antártica retorne aos níveis que apresentava em 1980. Estimativas apontam que, sem as medidas globais desencadeadas pela Convenção e pelo Protocolo, a destruição da camada de ozônio teria crescido ao menos 50% no Hemisfério Norte e 70% no Hemisfério Sul – isto é, o dobro de raios ultravioleta alcançaria o norte da Terra e o quádruplo ao sul. A quantidade de SDOs na atmosfera seria cinco vezes maior. Também em 1987, outro fato contribuiu para o avanço nas discussões sobre meio ambiente – o lançamento do relatório Nosso Futuro Comum (UN, 1987), conhecido também como Relatório Brundtland, que desenvolveu a noção de desenvolvimento sustentável. Nas palavras do próprio relatório (loc. cit.): [...] Humanity has the ability to make development sustainable to ensure that it meets the needs of the present without compromising the ability of future generations to meet their own needs. The concept of sustainable development does imply limits – not absolute limits but limitations imposed by the present state of technology and social organization on environmental resources and by the

ability of the biosphere to absorb the effects of human activities. But technology and social organization can be both managed and improved to make way for a new era of economic growth. The Commission believes that widespread poverty is no longer inevitable. Poverty is not only an evil in itself, but sustainable development requires meeting the basic needs of all and extending to all the opportunity to fulfill their aspirations for a better life. A world in which poverty is endemic will always be prone to ecological and other catastrophes. […] Meeting essential needs requires not only a new era of economic growth for nations in which the majority are poor, but an assurance that those poor get their fair share of the resources required to sustain that growth. Such equity would be aided by political systems that secure effective citizen participation in decision making and by greater democracy in international decision making. […] Sustainable global develop​ment requires that those who are more affluent adopt life-styles within the planet’s ecological means – in their use of energy, for example. Further, rapidly growing populations can increase the pressure on resources and slow any rise in living standards; thus sustainable development can only be pursued if population size and growth are in harmony with the changing productive potential of the ecosystem. […] Yet in the end, sustainable development is not a fixed state of harmony, but rather a process of change in which the exploitation of resources, the direction of investments, the orientation of technological development, and institutional change are made consistent with future as well as present needs. We do not pretend that the process is easy or straightforward. Painful choices have to be made. Thus, in the final analysis, sustainable development must rest on political will. Na década de 1990, as principais convenções foram a Convenção Internacional sobre Poluição por Óleo, em 1990, em Londres, RUN; a Convenção sobre Avaliação de Impacto Ambiental em Contextos Transfronteiriços, em 1991, em Espoo, Finlândia; a Convenção sobre os Efeitos Transfronteiriços de Acidentes Industriais, em 1992, em Helsinki, Finlândia; a Convenção sobre Proibição de Desenvolvimento, Produção, Armazenamento e Uso de Armas Químicas e sobre sua Destruição, em 1993, em Paris, França; a Convenção Internacional de Combate à Desertificação nos Países afetados por Seca Grave e/ou Desertificação, principalmente na África, em 1994, em Paris; por fim, citamos a mais importante de todas as convenções de temática ambiental, a Convenção das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), ocorrida em 1992, na cidade do Rio de Janeiro, Brasil.

Durante “a década das conferências”, segundo Lindgreen Alves (2001), a CNUMAD marcou profunda diferença em comparação à CNUMAH, e é um importante marco na temática ambiental das Relações Internacionais. Nesta conferência, procurou-se enquadrar a atividade econômica dentro de mecanismos de proteção ambiental e/ou de restrição de atividades, propagando-se o desenvolvimento sustentável. Houve participação de vários chefes de Estado e milhares de organizações não governamentais estiveram no Rio de Janeiro durante o evento. Há cinco documentos fundamentais emanados da CNUMAD: a Agenda XXI, as declarações sobre Princípios Ambientais e sobre Princípios Florestais e as convenções sobre Mudanças Climáticas e sobre Biodiversidade. Segundo Wagner Ribeiro (2005: 127), a Agenda XXI “pretendia ser um plano de ação para os problemas ambientais de aplicação imediata” e a conciliação entre conservação ambiental e desenvolvimento foi orçada em US$ 600 bilhões. Recuperou-se a resolução da CNUMAH que previa o repasse de 0,7% do PIB dos países de capitalismo avançado para os países cuja economia era fortemente marcada por remessa de lucros, pagamento de dívidas e de royalties sobre o uso de tecnologias. Raros foram os momentos em que houve esse repasse na proporção indicada, acarretando o esvaziamento parcial, internacionalmente, das proposições constantes deste documento

(http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/agenda-21-

global), estruturado em 40 capítulos. Propuseram-se, entre outras ações, o combate à pobreza e ao desmatamento, a mudança nos padrões de consumo, a preservação da biodiversidade, o fortalecimento de populações tradicionais e dos trabalhadores e de seus sindicatos e o desenvolvimento de tecnologias ​assentadas na cooperação internacional. A Agenda XXI, por meio do grupo de trabalho TC-207, implementou o sistema de qualidade e de gestão ambientais conhecido como ISO 14000. Antes de comentarmos sobre esta certificação, devemos lembrar que ISO é a sigla de International Standardization Organization, fundada em 1947, com o objetivo de impedir que barreiras técnicas prejudicassem as trocas comerciais. Acerca do ISO 14000, Ana Luisa Guéron (2003: 42-46) informa que, por meio do Strategic Advisory Group (SAGE), firmado em 1991, o Comitê Técnico 207 – Gestão Ambiental (TC – 207)

foi estabelecido a fim de que fossem desenvolvidas normas internacionais de caráter ambiental. De acordo com a autora (loc. cit.), [...] o TC – 207 é composto por um Comitê Técnico Coordenador, secretariado pelo Canadá e por seis Subcomitês Técnicos (SC), cada um deles secretariado por um país [...]. As reuniões do Comitê Técnico 207 da ISO são realizadas anualmente e têm as finalidades de avaliar o desenvolvimento do processo de elaboração das normas da série ISO 14000, discutir a necessidade de elaboração de novos documentos na área ambiental, definir e propor projetos para atuação conjunta com outros organismos internacionais, tais como Organização das Nações Unidas (ONU) e OMC e avaliar e monitorar a implementação das normas ISO 14000 nos diversos países. A estrutura da ISO 14000 aborda, entre outras questões, basicamente aspectos relacionados à certificação dos sistemas de gestão ambiental das empresas e a forma como as informações ambientais são apresentadas aos consumidores, através da rotulagem de produtos. No que se refere à certificação de organizações, em 1996, foi publicada a norma ISO 14001 – Sistemas de gestão ambiental – Especificações e diretrizes para uso, porém antes disso algumas organizações já haviam sido certificadas por outras normas, anteriores a essa, como a norma inglesa BS 7750. A norma ISO 14001 tem como objetivo especificar os requisitos relativos a um sistema de gestão ambiental e aplica-se aos aspectos ambientais que possam ser controlados pela organização sobre os quais presume-se que [esta] tenha influência. Os requisitos do sistema de gestão dividem-se em requisitos gerais, política ambiental, planejamento, implementação e operação, verificação e ação corretiva e análise crítica pela administração. [Classificam-se em:] Tipo I – programas concedidos por terceira parte, ou seja, por órgãos independentes do fabricante ou do interessado na venda dos produtos, fundamentados em critérios voluntários, baseados em certos critérios ambientais ou normas, que permitem a utilização de rótulos ambientais em produtos, também denominados rótulos de conformidade aplicados na embalagem dos produtos. São baseados em análises de ciclo de vida (LCA, em inglês). Tipo II – consiste em autodeclarações ambientais espontâneas. Especialistas apontam essa alternativa como a mais desejável, pois assegura ao consumidor informações específicas e factuais sobre cada produto, não somente sobre os impactos no meio ambiente. A autodeclaração dá ao consumidor a oportunidade de aprender a respeito das características ambientais dos produtos, induzindo os fabricantes a inserir melhorias contínuas no produto como um todo. Tipo III – ainda estão em desenvolvimento, mas consistem essencialmente no estabelecimento de categorias de parâmetros,

a partir de uma avaliação do ciclo de vida e na divulgação dos dados quantitativos para esses parâmetros, para cada produto, verificados por terceira parte, discriminando, com minúcias, todo o impacto ambiental de um produto. É de difícil aplicação, pela impossibilidade de mostrar, na embalagem, tal impacto. Tipo IV – rótulos ambientais monocriteriosos, atribuídos por uma terceira parte, que se referem apenas a um aspecto ambiental. Não são baseados em considerações de ciclo de vida. A Declaração do Rio (http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf) elencou diversos princípios que norteariam a proteção ao meio ambiente, destacando-se o princípio da precaução, de número 15, o qual propugna que, no caso de danos graves ou irreversíveis, “a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”. A Declaração sobre Princípios Florestais (http://www.un.org/documents/ga/conf151/aconf15126-3annex3.htm) impediu a inclusão de propostas que poderiam servir de “janela” ao desrespeito à soberania dos Estados. Neste caso, o Brasil se destacou e os EUA se isolaram, já que estes buscavam fundamentalmente assegurar a manutenção de pesquisas biotecnológicas em território estrangeiro. A

Convenção

sobre

01/convencao_clima.pdf)

Mudança e

a

Climática Convenção

(http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/ sobre

Diversidade

Biológica

(http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/cdb_ptbr.pdf) saíram bastante esvaziadas e precisaram de protocolos posteriores – os protocolos de Quioto, de 1997, e o de Cartagena, de 1999, respectivamente. Sobre a convenção sobre clima, o Ministério da Ciência e Tecnologia (http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/convencao_clima.pdf) lembra que [...] o Comitê Intergovernamental de Negociação para a Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima (INC/FCCC) [...] preparou a redação da Convenção e adotou-a em 9 de maio de 1992 na sede das Nações Unidas em Nova York. A Convenção foi aberta a assinatura em junho de 1992 na Cúpula da Terra no Rio de Janeiro. Foi assinada durante o encontro por Chefes de Estado e outras autoridades de 154 países (e a Comunidade Europeia), entrando em vigor em 21 de março de 1994. A Conferência das Partes (COP) – o órgão supremo da Convenção – reuniu-se pela primeira vez no início de 1995 em Berlim. A COP 1 adotou 21 decisões, incluindo o Mandato de Berlim prevendo novas discussões sobre o fortalecimento da Convenção. A COP 2 aconteceu em

julho de 1996 nas Nações Unidas em Genebra. A terceira sessão será realizada em dezembro de 1997 em Quioto, Japão. Entre outras medidas, a COP 3 deve adotar um protocolo ou outro instrumento legal contendo compromissos mais fortes para as Partes países desenvolvidos para as primeiras décadas do século XXI. De fato, a COP 3 foi realizada em Quioto, onde foi celebrado o supracitado Protocolo de Quioto, que [...] estabelece metas de redução de gases de efeito estufa para os países desenvolvidos, chamados “Países do Anexo I” [muitos membros da OCDE]. De modo geral, as metas são de 5,2% das emissões de 1990 [entre 2008 e 2012], porém alguns países assumiram compromissos maiores: Japão – 6%, União Europeia – 8% e Estados Unidos, que acabaram não ratificando o acordo, 7%. A entrada em vigor do acordo estava vinculada à ratificação por no mínimo 55 países que somassem 55% das emissões globais de gases do efeito estufa, que aconteceu apenas em 16 de fevereiro de 2005, quando a Rússia decidiu se comprometer [em função das negociações para entrada na OMC]. Os Estados Unidos se retiraram do acordo em 2001 (http://www.brasil.gov.br/cop/panorama/o-que-esta-em-jogo/historico-das-cops/print). O Protocolo de Quioto estabelece Mecanismos de Flexibilidade, a fim de que os países sejam capazes de reduzir suas emissões. São quatro instrumentos: Implementação Conjunta (Joint Implementation) (IC), em países que possuem metas a cumprir; Bubble (Bolha); Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), em países que não estão obrigados a reduzir emissões; e Conselho Executivo (Executive Board). O termo IC, com o Protocolo, “mudou seu sentido e agora será usado apenas para projetos em Países do Anexo 1 com [Unidades de Redução de Emissão] ERUs provindas entre 2008 e 2012 (Art. 6)” (USP, 2004: 17). O mecanismo Bolha permite que países compartilhem uma meta conjunta de redução – a União Europeia foi o único grupo de países que estipulou um limite compartilhado. Quanto ao MDL, este tem por objetivo facilitar a implementação de atividades econômicas ambientalmente sustentáveis nos países que não integram o Anexo I, e possibilitar que investidores de países constantes do Anexo I cumpram com suas metas de redução de emissões em outros países, por intermédio dos créditos de carbono. O Conselho Executivo (CE) supervisiona o MDL. Segundo glossário elaborado pela USP (2004: 16),

[...] o CE é responsável pelo: cadastramento das Entidades Operacionais Designadas; manutenção do manual para a construção do MDL; desenvolvimento e manutenção das informações das atividades de projetos de MDL que devem ser disponibilizadas ao público; revisão da distribuição geográfica dos projetos de MDL; recomendação dos tipos de projetos que deverão ser inclusos ou excluídos do MDL; estabelecer os procedimentos do MDL; emitir Certicados de Redução de Emissões geradas pelos projetos de MDL. Deve-se lembrar, ainda, que há dois tipos de mercado de carbono: um que visa à redução de emissões em países do Anexo 1 (IC) e nos demais países (MDL); outro que se aplica apenas ao países do Anexo I, o mercado de permissões. Na década de 1990, houve mais duas COPs: a COP 4, em 1998, em Buenos Aires, Argentina; e a COP 5, em 1999, em Bonn, Alemanha. Conforme o governo federal brasileiro (http://www.brasil.gov.br/cop/panorama/o-que-esta-em-jogo/historicodas-cops/print), [...] a COP 4 centrou esforços para a implementar o Protocolo de Quioto. Foi o chamado Plano de Ação de Buenos, que levou para o debate internacional um programa de metas que levaram em consideração a análise de impactos da mudança do clima e alternativas de compensação, atividades implementadas conjuntamente (AIC), mecanismos financiadores e transferência de tecnologia. O destaque da COP 5 foi a implementação do Plano de Ações de Buenos Aires, mas também o início das discussões sobre o Uso da Terra, Mudança de Uso da Terra e Florestas. A quinta conferência discutiu ainda a execução das Atividades Implementadas Conjuntamente em caráter experimental e do auxílio para capacitação de países em desenvolvimento. Ainda decorrente da CNUMAD e da CDB, o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (http://bch.cbd.int/protocol/text/), de 2000, [...] visa assegurar um nível adequado de proteção no campo da transferência, da manipulação e do uso seguros dos organismos vivos modificados (OVMs) resultantes da biotecnologia moderna que possam ter efeitos adversos na conservação e no uso sustentável da ​diversidade biológica, levando em conta os riscos para a saúde humana, decorrentes do movimento transfronteiriço. O Protocolo entrou em vigor em 11 de setembro de 2003, noventa dias após a entrega do 50º instrumento de ratificação. [...] Cria uma instância internacional para discutir os procedimentos que deverão nortear a introdução de organismos vivos modificados em seus

territórios e estabelece procedimento para um acordo de aviso prévio para assegurar que os países tenham as informações necessárias para tomar decisões conscientes antes de aceitarem a importação de organismos geneticamente modificados (OGMs) para seu território. Neste contexto, cabe salientar que o Protocolo incorpora em artigos operativos o Princípio da Precaução, um dos pilares mais importantes desse instrumento e que deve nortear as ações políticas e administrativas dos governos. O Protocolo também estabelece um Mecanismo de Facilitação em Biossegurança (Biosafety Clearing-House) para facilitar a troca de informação sobre OGMs e para dar suporte aos países quanto à implementação do Protocolo. Dessa maneira, o Protocolo reflete o equilíbrio entre a necessária proteção da biodiversidade e a defesa do fluxo comercial dos OGMs. Será um instrumento essencial para a regulação do comércio internacional de produtos transgênicos em bases seguras. [...] MOP (Meeting of Parties) é a sigla utilizada, no âmbito da CDB, para designar a Reunião das Partes, ou seja, Reunião dos Países Membros do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança. Houve cinco reuniões entre as Partes: COP-MOP-1, realizada em Kuala Lampur, Malásia, de 23 a 27 de fevereiro de 2004; COP-MOP-2, em Montreal, Canadá, de 30 de maio a 3 de junho de 2005; COP-MOP-3, em Curitiba, Brasil, de 13 a 17 de março de 2006; COP-MOP-4, em Bonn, Alemanha, de 12 a 16 de maio de 2008; COP-MOP-5, em Nagoya, Japão, de 11 a 15 de outubro de 2010; COPMOP-6, de 1º a 5 de outubro de 2012, em Hyderabad, Índia. Cabe ressaltar, ainda, que a criação de patentes é uma das polêmicas envolvidas nessas reuniões, e que os EUA não ratificaram a CDB. Sucederam-se novas reuniões entre as Partes da UNFCCC: • COP 6 – 2000 (Haia, Holanda): Começam a surgir impasses mais acentuados entre as Partes e as negociações são suspensas pela falta de acordo entre, especificamente, a União Europeia e os Estados Unidos, em assuntos relacionados ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, mercado de carbono e financiamento de países em desenvolvimento, além de discordância sobre o tema Mudanças no Uso do Solo. • COP 6 ½ e COP 7 – 2001 (2ª fase da COP 6) (COP 7- Marrakech, Marrocos): Uma segunda fase da COP-6 foi então estabelecida em Bonn, na Alemanha, em julho de 2001, após a saída dos Estados Unidos do Protocolo de Quioto sob a alegação de que os custos para a redução de emissões seriam muito elevados para a economia americana. Os EUA também contestaram a inexistência de metas para os países em desenvolvimento. Foi então aprovado o uso de

sumidouros para cumprimento de metas de emissão, discutidos limites de emissão para países em desenvolvimento e a assistência financeira dos países desenvolvidos. Os Acordos de Marrakesh definiram os mecanismos de flexibilização, a decisão de limitar o uso de créditos de carbono gerados de projetos florestais do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e o estabelecimento de fundos de ajuda a países em desenvolvimento voltados a iniciativas de adaptação às mudanças climáticas. • COP 8 – 2002 (Nova Delhi, Índia): O ano de 2002 também foi marcado pela Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +10), encontro que influenciou a discussão durante a COP 8 sobre o estabelecimento de metas para uso de fontes renováveis na matriz energética dos países. Essa COP também marca a adesão da iniciativa privada e de organizações não governamentais ao Protocolo de Quioto e apresenta projetos para a criação de mercados de créditos de carbono. • COP 9 – 2003 (Milão, Itália): A COP 9 teve como centro dos debates a regulamentação de sumidouros de carbono no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, estabelecendo regras para a condução de projetos de reflorestamento que se tornam condição para a obtenção de créditos de carbono. • COP 10 – 2004 (Buenos Aires, Argentina): As Partes aprovam as regras para a implementação do Protocolo de Quioto e discutiram a regulamentação de projetos de MDL de pequena escala de reflorestamento/florestamento, o período pós-Quioto e a necessidade de metas mais rigorosas. Outro destaque foi a divulgação de inventários de emissão de gases do efeito estufa por alguns países em desenvolvimento, entre eles o Brasil. • COP 11 – 2005 (Montreal, Canadá): Primeira conferência realizada após a entrada em vigor do Protocolo de Quioto. Pela primeira vez, a questão das emissões oriundas do desmatamento tropical e mudanças no uso da terra é aceita oficialmente nas discussões no âmbito da Convenção. Também foi na COP 11 que aconteceu a primeira Conferência das Partes do Protocolo de Quioto (COP/MOP1). Na pauta, a discussão do segundo período do Protocolo, após 2012, para o qual instituições europeias defendem reduções de emissão na ordem de 20% a 30% até 2030 e entre 60% e 80% até 2050. • COP 12 – 2006 (Nairóbi, África): Financiamento de projetos de adaptação para países em desenvolvimento e a revisão do Protocolo de Quioto foram os destaques da COP 12. O governo brasileiro propõe oficialmente a criação de um mecanismo que promova efetivamente a redução de emissões de gases de efeito estufa oriundas do desmatamento em países em desenvolvimento,

que mais tarde se tornaria a proposta de Redução de Emissões para o Desmatamento e Degradação. • COP 13 – 2007 (Bali, Indonésia): Nessa reunião, foi criado o Bali Action Plan (Mapa do Caminho de Bali), no qual os países passam a ter prazo até dezembro de 2009 para elaborar os passos posteriores à expiração do primeiro período do Protocolo de Quioto (2012). A COP 13 estabeleceu compromissos mensuráveis, verificáveis e reportáveis para a redução de emissões causadas por desmatamento das florestas tropicais. Também foi aprovada a implementação efetiva do Fundo de Adaptação, para que países mais vulneráveis à mudança do clima possam enfrentar seus impactos. Diretrizes para financiamento e fornecimento de tecnologias limpas para países em desenvolvimento também entraram no texto final, mas não foram apontadas quais serão as fontes e o volume de recursos suficiente para essas e outras diretrizes destacadas pelo acordo, como o apoio para o combate ao desmatamento nos países em desenvolvimento e outras ações de mitigação. • COP 14 – 2008 (Poznan, Polônia): O encontro de Poznan ficou como um meio-termo político entre a COP 13 e a expectativa pela COP 15, tendo em vista o ​cenário político mundial, com a eleição do presidente americano Barack Obama. Um avanço em termos de compromisso partiu das nações em desenvolvimento, como Brasil, China, Índia, México e África do Sul que demonstraram abertura para assumir compromissos não obrigatórios para a redução das emissões de carbono. • COP 15 – 2009 (Copenhague, Dinamarca): A Conferência do Clima de Copenhague (COP 15) terminou sem grandes avanços em torno de um acordo climático global. No entanto, deixou abertos os trilhos de negociação e ainda conseguiu evoluir em temas de importância para os países em desenvolvimento, como a discussão sobre um mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD). Ao final do evento, a ONU “tomou nota” do Acordo de Copenhague, que reconhece a necessidade de limitar o aumento da temperatura global para não subir mais de 2ºC. Em relação a financiamento, os países desenvolvidos se comprometeram a fornecer US$ 30 bilhões entre 2010 e 2012 e que tem como objetivo mobilizar US$ 100 bilhões por ano em 2020, ambos os recursos para ações de mitigação e adaptação em países em desenvolvimento

(http://www.brasil.gov.br/cop/panorama/o-que-esta-em-jogo/historico-das-

cops/print). Acerca dos resultados da COP-16 (http://www.brasil.gov.br/linhadotempo/epocas/2010/cop-162013-cancun-mexico), realizada em Cancún, México, foi criado o Fundo Verde do Clima28 (FVC;

GCF, em inglês), manteve-se a meta da COP-15 “de limitar a um máximo de 2ºC a elevação da temperatura média em relação aos níveis pré-industriais” e foi aprovado o conceito Redd+. Adiouse para a COP-17 (https://unfccc.int/meetings/durban_nov_2011/meeting/6245.php), realizada em Durban, África do Sul, em 2011, o futuro do Protocolo de Quioto. Nesta conferência, foram aprovados os instrumentos de governança do FVC, e os acordos entre a COP e o FVC serão concluídos na próxima conferência, a COP-18, a ser realizada em Doha, Qatar, de 26 de novembro a 7 de dezembro de 2012. A Plataforma de Durban estipulou a extensão da validade do Protocolo de Quioto entre cinco e oito anos, embora Japão, Rússia e Canadá tenham se recusado a renová-lo. Estuda-se um instrumento legal que tenha efeito vinculante a partir de 2020, em que todos os Estados assumam compromissos de reduzir as emissões de gases do efeito estufa (GEE). Em princípio, até 2015 será definido esse novo instrumento jurídico. Mesmo com os avanços do FVC, ainda não há definição de onde virão os recursos – US$ 100 bilhões anuais –, especialmente se considerarmos a forte crise econômica vivenciada na Europa e a lenta recuperação econômica estadunidense. Além disso, o MDL passou a “incluir projetos que promovam a estocagem de carbono capturado da atmosfera” (MARQUES, 2012). Cogita-se o pagamento para reduções na emissão de carbono devidas ao controle do desmatamento. Ainda em relação ao meio ambiente, devemos comentar sobre duas conferências das Nações Unidas – a Rio +10, ocorrida em Johanesburgo, África do Sul, em 2002, e a Conferência das Nações Unidas Desenvolvimento Sustentável (CNUDS), no Rio de Janeiro, Brasil, em 2012. Sobre a Rio +10, Wagner Ribeiro (2002: 42) atesta que [...] combinando teses antigas, como o princípio da responsabilidade comum mas diferenciada e a repartição de benefícios com as comunidades locais, com objetivos socioambientais de médio prazo, o Plano de Implementação [da Conferência]29 deve ser interpretado politicamente. Seu maior mérito foi fornecer instrumentos de pressão sobre países ricos e organismos multilaterais pela sociedade civil internacional e por países emergentes e pobres. As metas foram estipuladas para que se possa mensurar avanços, estagnação e recuos em políticas sociais, que estão cada vez mais associadas à conservação ambiental. Em Johannesburgo não foi discutida uma ética de devir voltada à superação das desigualdades. Procurou-se estabelecer um diálogo para evitar o

confronto, a beligerância e a luta por recursos vitais do planeta, como a água doce. [...] As metas de Johannesburgo contemplam a realidade social brasileira e podem representar alternativas à captação de recursos para políticas sociais envolvendo o combate à pobreza, a melhoria das condições de moradia e o acesso à água de qualidade e ao saneamento básico. Além desses pontos, o país pode captar recursos para a conservação ambiental pela proteção da diversidade biológica e pela recuperação de áreas de pesca. Também pode obter recursos graças ao reconhecimento das comunidades tradicionais que vivem no país. Na CNUDS, foi marcante a participação do setor privado, por meio do United Nations Global Compact; das maiores cidades do mundo, que se reuniram a fim de estabelecer acordos para a redução das emissões de GEE; e da sociedade civil organizada, por intermédio da Cúpula dos Povos. Apesar de toda a celeuma causada durante o evento em função do documento final, O futuro que queremos30, houve a renovação dos compromissos políticos assumidos nas conferências anteriores, a preocupação em se estabelecer um instrumento de governança global do meio ambiente e a apresentação do conceito de economia verde, focada na erradicação da pobreza e no desenvolvimento sustentável. A economia verde está assentada em três princípios: baixo carbono, eficiência nos recursos naturais e inclusão social. Conforme Luciana Togeiro de Almeida (2012: 100), [...] a “Iniciativa Economia Verde”, numa perspectiva de análise teórica, é uma reiteração de “velhas ideias”; não é propriamente um novo conceito, mas sim a proposta de um conjunto de instrumentos para o alcance do desenvolvimento sustentável. Essencialmente propõe mudanças tecnológicas ambientais de larga escala por meio de parcerias público-privadas, mas com uma defesa enfática do ativismo de políticas para a indução das mudanças desejadas. Reconhece, portanto, que não se deve aguardar passivamente pela ​espontaneidade dos mercados para aportar essas mudanças tecnológicas necessárias; ao contrário, é preciso instituir uma diretriz ao nível macro e colocá-la em prática por meio de instrumentos apropriados. No plano da economia política internacional também se recoloca uma “velha questão”: como conciliar interesses de PD [países desenvolvidos] e PED [países em desenvolvimento]. Se, por um lado, esses têm motivos novamente para suspeitar de interesses comerciais disfarçados de causas ambientais, em especial no tocante ao comércio mundial de tecnologias ambientais, por outro, a “Rio +20” lhes coloca a oportunidade para negociar melhores condições de transferência de tecnologias ambientais. A

dificuldade para a conciliação entre PD e PED na transição para uma economia verde extrapola em muito o foco da discussão sobre interesses comerciais estratégicos no mercado mundial de tecnologias ambientais. A essência da controvérsia pode ser expressa como uma falácia de composição: ainda que seja possível realizar o desacoplamento entre crescimento econômico e depleção de recursos naturais e qualidade ambiental em um país ou grupo de países, essa não é uma possibilidade aberta a todos na economia mundial. Discute-se, ainda, o futuro do PNUMA 31. A ONU possui diversas agências especializadas, como OIT, FAO, UNESCO, OMT, UNIDO e IMO, entre outras, mas a temática ambiental não é contemplada por uma. Não há consenso, contudo, se o PNUMA deve ser fortalecido dentro do ECOSOC, ou se deve ser criada uma Organização Mundial do Meio Ambiente. Ressaltamos que esta é uma proposta europeia, e que o Brasil a contesta. De acordo com o chefe de negociação do Brasil, André Lago (2006: 45), “o que a maioria dos países em desenvolvimento acredita é que, quando criarmos uma nova estrutura de governança [internacional], ela terá que se concentrar no desenvolvimento sustentável”. De volta ao Brasil, nossa legislação ambiental conheceu avanços importantes durante a década de 1990, ao preencher lacunas consideráveis no setor. Em 1995, foi criada a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNTBio); em 1997, foi instituída a Política Nacional de Recursos Hídricos e criado o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; a Lei de Crimes Ambientais foi promulgada, em 1998. Houve, ainda, a criação do Ministério do Meio Ambiente em 1993 e a elaboração do Sistema de Vigilância da Amazônia e do Sistema de Proteção da Amazônia entre 1990 e 1992. Houve o lançamento, em 1992, do Programa Piloto para a Conservação das Florestas Tropicais Brasileiras, que auxiliou na elaboração do Zoneamento Ecológico-Econômico para a Amazônia e propôs a criação de corredores ecológicos. De acordo com o Banco Mundial (WORLD BANK, 2012), [...] os 43 milhões de hectares de terras indígenas demarcadas – ou metade das áreas indígenas da Amazônia – correspondem a apenas um entre os muitos legados deixados pela maior iniciativa ambiental já implementada no país: o Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil. Entre outras contribuições do programa, lançado durante a Rio-92, estão também a criação de políticas ambientais sólidas, a participação da sociedade civil, os novos conhecimentos sobre

as florestas brasileiras e as lições aplicadas a outros projetos. Desde o início, o programa uniu esforços e recursos vindos dos sete países mais ricos do mundo (vem daí a sigla PPG7 pela qual a iniciativa é conhecida), da sociedade e do governo brasileiros, do Banco Mundial e de ONGs internacionais. Nesse período, entre o fim dos anos 1980 e o começo da década de 1990, o Brasil vivia sob grande pressão global. “Revistas estrangeiras publicavam manchetes como Torching the Amazon (‘Incendiando a Amazônia’)”, lembra o gerente do PPG7 no Banco Mundial, Garo Batmanian. Também nessa época, o Ministério do Meio Ambiente era uma instituição recémcriada. Faltavam, no Brasil, políticas públicas para preservação e promoção de atividades sustentáveis na Amazônia. Além disso, o valor dos serviços ambientais das florestas brasileiras era pouco conhecido. O programa – financiado com US$ 428 milhões – se estruturou em torno de quatro componentes, que deram origem a 28 projetos. O primeiro desses componentes foi a criação de uma política nacional de manejo dos recursos naturais. Em segundo lugar, foram estabelecidas áreas de conservação e gerenciamento dos recursos naturais. A ideia era fortalecer a regulação sobre o uso das terras em regiões de floresta. Isso permitiu a demarcação de 2,1 milhões de hectares de floresta, monitorados por um sistema capaz de avisar sobre desmatamento e degradação nos nove estados da Amazônia. O PPG7 também incluiu um componente de ciência e tecnologia, que financiou importantes centros de pesquisa (como o Museu Paraense Emílio Goeldi) e 110 estudos sobre os ecossistemas florestais brasileiros. O quarto componente incentivou a criação de projetos inovadores para promover o desenvolvimento sustentável em comunidades da Amazônia. Resultado: 30 mil famílias e 70 mil produtores locais receberam apoio às próprias atividades econômicas. O PPG7 estabeleceu uma série de marcos nos últimos 20 anos. “O programa ajudou a criar, por exemplo, um marco regulatório para a pesca. Isso permitiu a preservação de diversas espécies como o pirarucu”, explica Batmanian. Igualmente importante, segundo ele, foi o fato de o PPG7 dar força à criação de instituições ambientais em quatro dos estados mais novos do Brasil: Rondônia, Amapá, Tocantins e Roraima. Com essas instituições, ficou bem mais fácil aplicar as leis de proteção ao meio ambiente. Finalmente, o programa deve uma boa parte de sua relevância à participação da sociedade civil brasileira. Isso era algo novo à época do lançamento do PPG7, quando o Brasil ainda retomava à democracia. A respeito do zoneamento econômico ecológico, Robert Moraes (2002: 24) lembra que “um zoneamento ecológico-econômico deve ser visto como um plano de desenvolvimento regional e não como uma ação exclusiva do ‘setor’ ambiental da administração pública”. Quanto à metodologia de

um ZEE, ressalta-se que este pode ser feito, tanto em um recorte político-territorial, como um Estado, quanto em determinado ecossistema, em unidade hidrográfica ou para um cultivo, como no caso

da

cana-de-açúcar

(lei

de

2009).

O

Ministério

do

Meio

Ambiente

(http://www.mma.gov.br/gestao-territorial/zoneamento-territorial/zoneamento-ecologicoeconomico/item/8188) elenca os tipos de zoneamento: • Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) – O ZEE é instrumento para planejar e ordenar o território brasileiro, harmonizando as relações econômicas, sociais e ambientais que nele acontecem. Demanda um efetivo esforço de compartilhamento institucional, voltado para a integração das ações e políticas públicas territoriais, bem como articulação com a sociedade civil, congregando seus interesses em torno de um pacto pela gestão do território. O ZEE é ponto central na discussão das questões fundamentais para o futuro do Brasil como, por exemplo, a questão da Amazônia, do Cerrado, do Semiárido Brasileiro, dos Biocombustíveis e das Mudanças Climáticas. Uma das suas características principais é sobrepor todos os outros tipos de zoneamento existentes. • Zoneamento Ambiental – é o zoneamento que leva em consideração, inicialmente, apenas o aspecto preservacionista. É elencado como um dos instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/1981). O termo, posteriormente, evolui para Zoneamento EcológicoEconômico, com a prerrogativa de englobar as questões social e econômica à ambiental. • Zoneamento Sócio-Ecológico-Econômico (ZSEE) – significa o mesmo que ZEE, a nomenclatura apenas tenta evidenciar a questão social que já faz parte do Zoneamento Ecológico-Econômico. • Zoneamento Geoambiental – zoneamento voltado para os elementos e aspectos naturais do meio físico e biótico. • Zoneamento Agroecológico (ZAE) – Com essa forma de zoneamento é possível determinar o que e onde será possível plantar; quais as limitações de uso do solo, em atividades agropecuárias; quais as causas da poluição ambiental e da erosão do solo, o que pode ser feito para combater esses problemas; e como reduzir os gastos com insumos agrícolas, aumentando a produtividade e mantendo a qualidade da produção, facilitando o rendimento da mão de obra. É realizado o estudo do uso do solo para a agricultura, pecuária, silvicultura, extrativismo, conservação e preservação ambiental, a partir da elaboração de mapas na escala de 1:100.000 com informações sobre caracterização climática, solos, aptidão agrícola, cobertura vegetal e

uso das terras, potencial para uso de máquinas, sustentabilidade à erosão, e potencial social para diferentes atividades. • Zoneamento Agrícola de Risco Climático – Útil para a agricultura, mostra meios para planejar os riscos climáticos, direcionar o crédito e o seguro à produção. A Secretaria de Política Agrícola (SPA) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) define o Zoneamento Agrícola de Risco Climático para o cultivo de algumas culturas. • Zoneamento Costeiro – ZEE aplicado à Zona Costeira. • Zoneamento Urbano – Zoneamento dos municípios de acordo com o Plano Diretor. • Zoneamento Industrial – Zoneamento de áreas destinadas à instalação de indústrias. São definidas em esquema de zoneamento urbano, aprovado por lei. Visa a compatibilização das atividades industriais com a proteção ambiental. • Zoneamento Etnoecológico – instrumento de gestão territorial para populações tradicionais e indígena. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, a Fundação SOS Mata Atlântica e a Conservação Internacional (2006: 10), o corredor ecológico corresponde [...] a uma grande área de extrema importância biológica, composta por uma rede de unidades de conservação entremeadas por áreas com variados graus de ocupação humana e diferentes formas de uso da terra, na qual o manejo é integrado para garantir a sobrevivência de todas as espécies, a manutenção de processos ecológicos e evolutivos e o desenvolvimento de uma economia regional forte, baseada no uso sustentável dos recursos naturais. [...] Os termos “corredor ecológico” e “corredor de biodiversidade” muitas vezes são usados para designar estratégias distintas. Alguns pesquisadores e conservacionistas utilizam o termo “corredor ecológico” referindo-se especificamente a trechos delimitados de vegetação nativa que conectam fragmentos. Os termos “corredor ecológico”, usado pelo Ministério do Meio Ambiente, e “corredor de biodiversidade”, usado pela Aliança para Conservação da Mata Atlântica, referemse à mesma estratégia de gestão da paisagem e são tratados como sinônimos neste documento. Nessa concepção, os corredores englobam as unidades de conservação e as áreas com diferentes usos da terra. Os cordões de vegetação nativa que conectam fragmentos são um dos componentes dos corredores, mas não o único. [...] Outros critérios técnicos, como a existência, o tamanho e o número de áreas protegidas, os tipos de uso do solo, a representatividade das comunidades bióticas, a diversidade de espécies, de ecossistemas e de hábitats e a presença de espécies

ameaçadas e endêmicas, são fundamentais e foram considerados para a seleção dos corredores no Brasil. Para a implantação dos corredores, são necessárias ações coordenadas que visem ao fortalecimento, à expansão e à conexão do sistema de áreas protegidas e que incentivem as formas de uso da terra de baixo impacto, como o adequado manejo florestal e os sistemas agroflorestais. O sucesso na implementação dos corredores requer um elevado grau de envolvimento e cooperação entre as diversas instituições governamentais e organizações da sociedade civil que atuam na região. Os corredores ecológicos propostos pelo PPG7 são: Central da Mata Atlântica; Serra do Mar; Ecótonos Sul-amazônicos; Oeste da Amazônia; Sul da Amazônia; Central da Amazônia e Norte da Amazônia. Os propostos pelo IBAMA são: Itenez-Guaporé; Araguaia-Bananal; Caatinga; Jalapão; Paraná-Pirineus; Cerrado-Pantanal e Biodiversidade do Rio Paraná. Esse conceito é novo e tem sido desenvolvido desde 1997, “com apoio do Banco Mundial, por meio do Fundo Fiduciário da Floresta Tropical (RFT – Rain Forest Trust Fund), no âmbito do Programa-Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais no Brasil (PPG-7)” (MMA, FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA, IC, 2006 :12). Um último instrumento de proteção ambiental deve ser mencionado: o Redd+, atrelado às preocupações constantes da UNFCCC. Acerca da evolução deste conceito, o Ministério do Meio Ambiente (http://www.mma.gov.br/redd/index.php/o-que-e-redd) comenta que [...] em 2005, um grupo de países – dentre os quais Costa Rica e Papua Nova Guiné – propuseram a criação de um mecanismo de mitigação baseado na Redução de Emissões por Desmatamento (Red). Com o amadurecimento dos debates, surgiu a necessidade de incluir a degradação florestal e, posteriormente, abranger países que detêm estoques florestais e não apenas os que possuem florestas sob determinado grau de ameaça. Com isso a sigla evoluiu para Redd. No ano de 2007, durante a 13ª Conferência das Partes da UNFCCC (COP-13), em Bali, foi adotado o Plano de Ação de Bali, que determinou o Redd como uma das potenciais ações de mitigação de mudanças climáticas. Ficou acertado que as premissas fariam parte de um novo acordo internacional, o qual deveria ser concluído na 15ª Conferência das Partes (COP-15), em Copenhague. Foi também durante a COP-13 que o conceito inicial foi ampliado pela segunda vez, e passou a ser conhecido como Redd+. Isso significa que, além das reduções por desmatamento e degradação, ele passou a abranger a tarefa da conservação florestal, do manejo sustentável e do

aumento dos estoques de carbono. [...] Muitas iniciativas [...] surgiram aleatoriamente em todo o mundo, de forma voluntária e em diversos casos desvinculada das negociações internacionais. No Brasil e em outros países, ainda não existe regulamentação específica para esse tipo de ação. Todas as iniciativas estão passando por processos de discussão e definição dos marcos regulatórios. Na 16ª Conferência das Partes (COP-16), realizada em Cancún, México, em 2010, o conceito Redd+ bem como suas diretrizes, salvaguardas e principais regras foram aprovados no âmbito do Acordo de Cancún. Redd+ é uma estratégia de mitigação da mudança do clima pelos países em desenvolvimento, de caráter voluntário, e contará com o apoio técnico e financeiro dos países desenvolvidos. O pilar da política brasileira de REDD+ é o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, estabelecido em 2004. Houve a integração de monitoramento da floresta, planejamento do uso do solo, fiscalização e verificação da titularidade das terras, entre outras medidas. Desenvolveram-se a detecção em tempo real das queimadas (DETER, do INPE), o fornecimento de dados sobre desmatamento atualizados anualmente (PRODES, Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia) e o financiamento de projetos de combate ao desflorestamento e de estímulo à conservação, com o Fundo da Amazônia, criado em 2008. Ainda no Executivo brasileiro, foi criada a Agência Nacional de Águas, em 2000; em 2001, foi instituído o Conselho Nacional de Recursos Genéticos; em 2006, o Serviço Florestal Brasileiro; e, em 2007, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Com a criação desse instituto, houve mudança na função organizacional do IBAMA. Compete a este órgão a autorização de uso dos recursos naturais, o licenciamento ambiental e o controle da qualidade ambiental. Ao ICMBio (http://www.icmbio.gov.br/portal/quem-somos/o-instituto.html), cabe “executar as ações do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, podendo propor, implantar, gerir, proteger, fiscalizar e monitorar as UCs instituídas pela União”. Em relação aos instrumentos jurídicos, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) foi criado em 2000; em 2006, foi instituída a Lei de Gestão de Florestas Públicas; a Política Nacional de Resíduos Sólidos foi promulgada em 2010. Desde a década de 1990, o CONAMA tem emitido uma série de resoluções sobre qualidade do ar e emissão de poluentes por veículos automotores. Destaca-se a Resolução n. 373, de 2006, que define a comercialização de diesel com

menores teores de enxofre a partir de 2012 (S50), sendo substituído por diesel menos poluente ainda (S10) a partir de 2013. Contudo, ainda será comercializado diesel S500, com alto teor de exofre. Sobre o SNUC, deve-se comentar que há dois tipos de unidades de conservação: as de proteção integral e as de uso sustentável. A lei (BRASIL, 2000) define proteção integral como a “manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana, admitindo apenas o uso indireto dos seus atributos naturais”. As UCs de proteção integral classificam-se em: Estação Ecológica, Reserva Biológica (REBIO), Parque Nacional (PARNA), Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre. Dentre essas categorias, o Refúgio de Vida Silvestre e o Monumento Natural podem ser constituídos em áreas particulares, estando os demais em áreas de posse e domínio públicos. A seguir vemos as características das UCs de proteção integral: [...] a Estação Ecológica tem como objetivo a preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas. [...] As áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei. É proibida a visitação pública, exceto quando um objetivo educacional, de acordo com o que dispuser o Plano de Manejo da unidade ou regulamento específico. [...] A Reserva Biológica tem como objetivo a preservação integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus limites, sem interferência humana direta ou modificações ambientais, excetuando-se as medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e as ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais. [...] O Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. As unidades dessa categoria, quando criadas pelo Estado ou Município, serão denominadas, respectivamente, Parque Estadual e Parque Natural Municipal. [...] O Monumento Natural tem como objetivo básico preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica. [...] O Refúgio de Vida Silvestre tem com objetivo proteger ambientes naturais onde se asseguram condições para a existência ou reprodução de espécies ou comunidades da flora local e da fauna residente ou migratória (BRASIL, 2000). Uso sustentável, na letra da lei (loc. cit.), é a “exploração do ambiente de maneira a garantir a

perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos”, de modo a garantir a justiça social e a viabilidade econômica. As UCs de uso sustentável são tipificadas em: Áreas de Proteção Ambiental (APA), Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE), Floresta Nacional (FLONA), Reserva Extrativista (RESEX), Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) e Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). As FLONAs e as Reservas de Fauna são de posse e domínio públicos; as APAs e as ARIEs podem ser constituídas em terras públicas e privadas; as RESEX e as RDS são áreas de domínio público com uso cedido e regulado em contrato para populações tradicionais. As RPPNs são áreas privadas gravadas com perpetuidade. Vejamos as características de cada unidade: [...] a Área de Proteção Ambiental é uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. [...] Nas áreas sob propriedade privada, cabe ao proprietário estabelecer as condições para pesquisa e visitação pelo público, observadas a exigência e restrição legal. A Área de Produção Ambiental disporá de um Conselho presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes dos órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e da população residente, conforme se dispuser no regulamento desta Lei. [...] A Área de Relevante Interesse Ecológico é uma área em geral de pequena extensão, com pouca ou nenhuma ocupação humana, com características naturais extraordinárias ou que abriga exemplares raros da biota regional, e tem como objetivo manter os ecossistemas naturais de importância regional ou local e regular o uso admissível dessas áreas, de modo a compatibilizá-lo com os objetivos de conservação da natureza. [...] A Floresta Nacional é uma área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para a exploração

sustentável de florestas nativas. [...] Nas Florestas Nacionais é admitida a permanência de populações tradicionais que a habitam quando de sua criação, em conformidade com o disposto em regulamento e no Plano de Manejo da unidade. A Floresta Nacional disporá de um Conselho Consultivo [...]. A unidade desta categoria, quando criada pelo Estado ou Município, será denominada, respectivamente, Floresta Estadual e Floresta Municipal. [...] A Reserva Extrativista é uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. A Reserva Extrativista será gerida por um Conselho Deliberativo [...]. São proibidas a exploração de recursos minerais e a caça amadorística ou profissional. A exploração comercial de recursos madeireiros só será admitida em bases sustentáveis e em situações especiais e complementares às demais atividades desenvolvidas na Reserva Extrativista, conforme disposto em regulamento e no Plano de Manejo da unidade. [...] A Reserva de Fauna é uma área natural com populações animais de espécies nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou migratórias, adequadas para estudos técnico-científicos sobre o manejo econômico sustentável de recursos faunísticos. É proibido o exercício da caça amadorística ou profissional. A comercialização dos produtos e subprodutos resultantes da pesquisa obedecerá ao disposto nas leis sobre fauna e regulamentos. [...] A Reserva de Desenvolvimento Sustentável é uma área natural que abriga populações tradicionais cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica. A Reserva de Desenvolvimento Sustentável tem como objetivo básico [...] assegurar as condições e os meios necessários para a reprodução e a melhoria dos modos e da qualidade de vida e exploração dos recursos naturais das populações tradicionais, bem como valorizar, conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente,

desenvolvido por estas populações. A Reserva de Desenvolvimento Sustentável será gerida por um Conselho Deliberativo [...]. Deve ser sempre considerado o equilíbrio dinâmico entre o tamanho da população e a conservação; e é admitida a exploração de componentes dos ecossistemas naturais em regime de manejo sustentável e a substituição da cobertura vegetal por espécies cultiváveis, desde que sujeitas ao zoneamento, às limitações legais e ao Plano Manejo da área [...]. [Este] definirá as zonas de proteção integral, de uso sustentável e de amortecimento e corredores ecológicos, e será aprovado pelo Conselho Deliberativo da unidade. [...] Só poderá ser permitida, na Reserva Particular do Patrimônio Natural, conforme se dispuser em regulamento: I – a pesquisa científica; II – a visitação com objetivos turísticos, recreativos e educacionais (BRASIL, 2000). A categoria de UC com maior representatividade na escala federal é a de PARNAs, com 32,1% do total, seguida pelas FLONAs, com 25%, como vemos no gráfico 9 (IBGE, 2010). Em relação aos biomas, 82,7% das UCs de proteção integral federais estão na Amazônia, e 12,2%, no Cerrado, conforme gráfico 10 (loc. cit.). Quando consideramos as UCs de uso sustentável federais, 81,9% delas estão na Amazônia e 6,6% na Caatinga (gráfico 11: loc. cit.). A tabela 23 (loc. cit.) mostra as áreas e os percentuais protegidos dos biomas brasileiros.

Gráfico 9: UCs federais por tipo.

Gráfico 10: UCs federais de proteção integral por bioma.

Gráfico 11: UCs federais de uso sustentável por bioma.

tabela-gravata 23: Áreas protegidas por bioma e por tipo, de acordo com a área territorial.

Unidades de conservação federais, por tipo de uso (1)

Área

Total

total Biomas

(km 2)

8

532

306

Amazonas

Caatinga

Pampas

Cerrado

3

688

960 736 831 171 377 1

967

761

Mata

1

Atlântica

266

Pantanal

106

136 845

Quantidade

Conservação ..

Área (km 2)

Participação relativa no

Quantidade

bioma (%)

(2) 304

117

(3)755 8,9

24

4

47

88

2

22

621 390 31 279 4 678

62 444 34 071 1 499

13 126

Área (km 2)

Participação

Participação relativa no

Quantidade

bioma (%)

131

354

32

4,2

7

2,7

2

3,2

19

3,1

38

1,1

2

..

8

292

4,2

173

66

4 847

0,65

8

1 480

0,86

1

2,2

23

0,91

35

1 499

1,1

..

1 784

..

14

43 388 10 167

(km 2)

bioma

401

4,8

131 7,9

849

relativa no

(2) (3)

230 16,8

Área

(%)

(2) (3)

361

Unidades de Marinhas

Uso sustentável

dos biomas

Total

Proteção integral

328 541 26 432 3 198

19 056 23 904 ..

11 342

8,9

3,6

1,9

0,96

2,2

..

..

Deixamos por último a revisão do Código Florestal, marcada pelo embate entre ruralistas e ambientalistas. É importante reter, sobre esta lei, os seguintes aspectos – limites da reserva legal; manutenção das áreas de preservação permanente (APPs); recuperação de áreas desmatadas e anistia a desmatadores. Reserva Legal32 é toda a [...] área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12 [a seguir], com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa. Art 12. Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação

Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel: I – localizado na Amazônia Legal: a) 80% (oitenta por cento), no imóvel situado em área de florestas; b) 35% (trinta e cinco por cento), no imóvel situado em área de cerrado; c) 20% (vinte por cento), no imóvel situado em área de campos gerais; II – localizado nas demais regiões do País: 20% (vinte por cento). § 1º Em caso de fracionamento do imóvel rural, a qualquer título, inclusive para assentamentos pelo Programa de Reforma Agrária, será considerada, para fins do disposto do caput, a área do imóvel antes do fracionamento. § 2º O percentual de Reserva Legal em imóvel situado em área de formações florestais, de cerrado ou de campos gerais na Amazônia Legal será definido considerando separadamente os índices contidos nas alíneas a, b e c do inciso I do caput. § 3º Após a implantação do [Cadastro Ambiental Rural] CAR, a supressão de novas áreas de floresta ou outras formas de vegetação nativa apenas será autorizada pelo órgão ambiental estadual integrante do Sisnama se o imóvel estiver inserido no mencionado cadastro, ressalvado o previsto no art. 30. § 4º Nos casos da alínea a do inciso I, o poder público poderá reduzir a Reserva Legal para até 50% (cinquenta por cento), para fins de recomposição, quando o Município tiver mais de 50% (cinquenta por cento) da área ocupada por unidades de conservação da natureza de domínio público e por terras indígenas homologadas. § 5º Nos casos da alínea a do inciso I, o poder público estadual, ouvido o Conselho Estadual de Meio Ambiente, poderá reduzir a Reserva Legal para até 50% (cinquenta por cento), quando o Estado tiver Zoneamento Ecológico-Econômico aprovado e mais de 65% (sessenta e cinco por cento) do seu território ocupado por unidades de conservação da natureza de domínio público, devidamente regularizadas, e por terras indígenas homologadas. § 6º Os empreendimentos de abastecimento público de água e tratamento de esgoto não estão sujeitos à constituição de Reserva Legal. § 7º Não será exigido Reserva Legal relativa às áreas adquiridas ou desapropriadas por detentor de concessão, permissão ou autorização para exploração de potencial de energia hidráulica, nas quais funcionem empreendimentos de geração de energia elétrica, subestações ou sejam instaladas linhas de transmissão e de distribuição de energia elétrica. § 8º Não será exigido Reserva Legal relativa às áreas adquiridas ou desapropriadas com o objetivo de implantação e ampliação de capacidade de rodovias e ferrovias. Houve, ainda, quem propusesse considerar as Áreas de Preservação Permanente no cômputo das Reservas Legais. De acordo com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (2011: 48),

[...] o maior objetivo dessa alteração é a redução do passivo ambiental, uma vez que esse mecanismo não deverá ser autorizado caso implique a supressão de novas áreas de vegetação nativa. Com essa alteração, uma propriedade (com mais de quatro módulos fiscais) que incluir 10% de APP só precisará manter mais 10% adicionais como RL; aquela que tiver mais de 20% de APP não terá de manter qualquer RL. Haveria assim uma substituição de RL por APP. Esse cálculo combinado não faz sentido em termos biológicos. Áreas de APP e RL possuem funções e características distintas, conservando diferentes espécies e serviços ecossistêmicos. Áreas de APP ripárias diferem das áreas entre rios mantidas como RL; analogamente, APPs em encostas íngremes não equivalem a áreas próximas em solos planos que ainda mantêm vegetação nativa, conservadas como RL. As APPs protegem áreas mais frágeis ou estratégicas, como aquelas com maior risco de erosão de solo ou que servem para recarga de aquífero, seja qual for a vegetação que as recobre, além de terem papel importante de conservação da biodiversidade. Por se localizarem fora das áreas frágeis que caracterizam as APPs, as RLs são um instrumento adicional que amplia o leque de ecossistemas e espécies nativas conservadas. São áreas complementares que devem coexistir nas paisagens para assegurar sua sustentabilidade biológica e ecológica em longo prazo. [...] [Assegura-se, ainda, haver] consenso entre os pesquisadores de que a garantia de manutenção das Áreas de Preservação Permanente (APP) ao longo das margens de rio e corpos d’água, de topos de morros e de encostas com declividade superior a 30 graus, bem como a conservação das áreas de Reserva Legal (RL) nos diferentes biomas são de fundamental importância para a conservação da biodiversidade brasileira. As APPs não podem ser manejadas pelos proprietários. Contudo, plantações de arroz, de café e de maçã, bem como a carcinicultura, poderiam estar prejudicadas em decorrência da manutenção dessas áreas como até então haviam sido conservadas, no posicionamento defendido por ruralistas. Este grupo é contrário à largura de 30 m a ser preservada ao redor dos rios com até cinco metros de largura, demandando a redução desta faixa para 15 m. A SBPC (2011: 12) contesta esse posicionamento: [...] uma possível alteração na definição da APP ripária, do nível mais alto do curso d’água – conforme determina o Código Florestal vigente – para a borda do leito menor, como é proposto no substitutivo, representaria grande perda de proteção para áreas sensíveis. Essa alteração proposta no bordo de referência significaria perda de até 60% de proteção para essas áreas na Amazônia,

por exemplo. Já a redução da faixa ripária de 30[m] para 15 m nos rios com até 5 m de largura, que compõem mais de 50% da rede de drenagem em extensão, resultaria numa redução de 31% na área protegida pelas APPs ripárias. Estudo recente constatou que as APPs ripárias representam, de acordo com o Código em vigor, somente 6,9% das áreas privadas. Quanto à anistia, os ruralistas a solicitam de forma irrestrita e sem a necessidade de recuperar áreas desmatadas até 2008, ano do Decreto n. 6.514, que dispõe sobre infrações e sanções administrativas decorrentes do desrespeito à legislação ambiental. Contudo, os ambientalistas defendem que sejam responsabilizados aqueles que desmataram desde a validação da Medida Provisória n. 2.166-67, de 2001, que institui a obrigatoriedade de restaurar ou reflorestar a área destinada à Reserva Legal, até completar o percentual exigido. Para Edson Luiz Peters (s/d) essa obrigatoriedade de reflorestar foi originada com a Lei da Política Agrícola de 1991. Outro ponto a ser comentado vincula-se à recuperação de áreas desmatadas. Três pontos sobressaem – o que prevê a possibilidade de recuperar até 50% da propriedade com espécies exóticas; a possibilidade de a compensação ser realizada em outra área; e a desobrigação de propriedades com extensão inferior a quatro módulos fiscais a recuperar áreas desmatadas. O primeiro ponto poderia ser uma forma de exploração comercial da reserva legal, que não contribuiria para a restauração de ecossistemas; o segundo tenderia à criação de um mercado de áreas protegidas; e o último garantiria a impunidade àqueles que desrespeitaram a lei.

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QUESTÕES DO IRBR

1. HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO 1. (Questão 43, TPS 2005 – p. 14) A localidade opõe-se à globalidade, mas também se confunde com ela. O mundo, todavia, é nosso estranho. Pela sua essência, ele pode esconder-se; não pode, entretanto, fazê-lo pela sua existência, que se dá nos lugares. No lugar, nosso Próximo, superpõem-se, dialeticamente, o eixo das sucessões, que transmite os tempos externos das escalas superiores, e o eixo dos tempos internos, que é o eixo das coexistências, onde tudo se funde, enlaçando, definitivamente, as noções e as realidades de espaço e de tempo. No lugar – um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas e instituições –, cooperação e conflito são a base da vida em comum. Porque cada qual exerce uma ação própria, a vida social individualiza-se; e, porque a contiguidade é criadora de comunhão, a política se territorializa, com o confronto entre organização e espontaneidade. O lugar é o quadro de uma referência pragmática ao mundo, do qual lhe vêm solicitações e ordens precisas de ações condicionadas, mas é também o teatro insubstituível das paixões humanas, responsáveis, por meio da ação comunicativa, pelas mais diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade. Milton Santos. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 2. ed. São Paulo: Hucitec, p. 258 (com adaptações). [...]. Tendo o texto [...] como referência inicial, assinale a opção incorreta. a) O entendimento do conteúdo geográfico permite perceber a relação entre o espaço e os movimentos sociais, construídos a partir dos objetos que nos cercam. b) Na atualidade, vive-se a mobilidade dos homens, que mudam de lugar, assim como de produtos, mercadorias, imagens e ideias, o que evidencia transformações na relação espaço-tempo. c) O entendimento de lugar como eixo de sucessões, eixo de tempos internos, de coexistências de tempo e espaço conduz às ideias de desterritorialização ou de desculturalização. d) O texto refere-se ao espaço cotidiano como marca identitária entre pessoas. Nesse sentido, o lugar, por se opor à globalidade, mantém a integridade, o que permite que sejam compostos espaços geográficos singulares. e) Enquanto a globalidade se identifica nos processos coletivos que se distribuem em diferentes espaços, o mundo é composto pela singularidade de cada local.

Resposta: Alternativa D: ERRO: Essa oposição não causa distanciamento entre lugar e globalidade; a integridade do lugar depende de sua relação dialética com a globalidade, e essa relação é sempre singular. 2. (Questão 62, TPS 2006 – p. 11) O geógrafo Milton Santos define espaço como acumulação desigual de tempos. Conforme sejam compatíveis com essa definição, julgue (C ou E) os itens a seguir. 1) O espaço é fixo e permanente. 2) O espaço atual não revela o passado – só o presente. 3) O espaço transcende o contexto social. 4) A cada momento da história, há um espaço diferente. Resposta: 1) ERRO: Não pode ser fixo, nem completamente permanente. 2) ERRO: As rugosidades são permanências de outras épocas, ainda que refuncionalizadas. 3) ERRO: O espaço é formado pelo contexto social, portanto não pode transcendê-lo. 4) CERTO. 3. (Questão 37, TPS 2010) Os primeiros anos da modernidade são marcados pela produção de uma enorme quantidade de dados e de informações dificilmente tratáveis de maneira sistemática pela ciência da época. A ausência de segmentação no seio da ciência impossibilitava a análise de certos temas particulares nascidos desses dados. Assim, a partir do início do século XIX, os domínios disciplinares específicos organizaram-se definindo seu objeto próprio em torno dessas questões. Paulo César da Costa Gomes. Geografia e modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 149 (com adaptações). A partir do texto acima, assinale a opção correta acerca da história do pensamento geográfico e da institucionalização da geografia como ciência. a) A institucionalização da geografia como disciplina acadêmica originou-se na França, com os estudos regionais empreendidos pelos herdeiros do Iluminismo do século XVIII, como Vidal de La Blache. b) A geografia firmou-se como domínio disciplinar específico na Antiguidade, com obras de geógrafos como Estrabão e Ptolomeu, que delimitaram o objeto de estudo próprio da nova disciplina que surgia: o espaço terrestre. c) Grande parte dos historiadores da geografia atribui a Alexander von Humboldt a responsabilidade pelo estabelecimento das novas regras do pensamento geográfico moderno, visto que ele rompeu com o enciclopedismo francês e abandonou as narrativas de viagens e as cosmografias. d) A geografia moderna tornou-se científica com a ascensão do possibilismo, cujos ideais, já em meados do século XIX, superaram as ideias deterministas e naturalistas em voga no início do século.

e) A geografia científica, que surgiu a partir do século XIX, com as obras de Alexander von Humboldt e Carl Ritter, foi influenciada pelo saber geográfico anteriormente produzido e pelo sistema filosófico de Emmanuel Kant, que considerava a geografia uma ciência ao mesmo tempo geral/sistemática e empírica/regional. Resposta: a) ERRO: A institucionalização ocorreu na Alemanha. b) ERRO: Os gregos não conheciam o conceito de espaço. c) ERRO: Humboldt tinha informação enciclopédica, e era, ele próprio, um viajante. d) ERRO: Anacronismo em referência ao possibilismo; não houve superação do determinismo na geografia científica. e) Alternativa correta. 4. (Questão 25, TPS 2011 – p. 09) Com relação à geografia moderna, estruturada no século XIX, julgue (C ou E) os itens subsequentes. a) A guerra franco-prussiana é considerada episódio central para o desenvolvimento da geografia na França, visto que a derrota francesa foi creditada, em parte, à superioridade da reflexão e do conhecimento geográfico alemães. b) O surgimento de escolas nacionais decorreu da necessidade de criação de identidades culturais no âmbito da geografia e da dificuldade de integração entre geógrafos de nacionalidades distintas. c) A motivação colonial foi uma das bases do desenvolvimento dos estudos de geografia, visto que cada metrópole pesquisava o espaço das respectivas colônias. d) A geografia moderna, desenvolvida principalmente por autores alemães (e prussianos), foi impulsionada pelo processo de unificação nacional tardio da Alemanha. Resposta: a) Alternativa correta. b) ERRO: Não houve essa dificuldade, um geógrafo lia outro de nacionalidade diferente, até mesmo para contestá-lo. c) Alternativa correta. d) Alternativa correta.

2. GEOGRAFIA POLÍTICA E GEOPOLÍTICA 1. (Questão 28, TPS 2005 – p. 09) Segundo Bertha Becker e Cláudio Egler, as premissas do projeto geopolítico do regime militar instaurado em 1964 não foram determinadas pela geografia do país nem se restringiram à apropriação física do território. O marco desse novo projeto foi a intencionalidade do domínio do vetor científico-tecnológico moderno para o controle do tempo e do espaço, entendido pelas Forças Armadas como condição para a constituição do Estado-nação na nova era mundial. Considerando as observações apresentadas no texto acima, julgue (C ou E) os itens a seguir, tendo em vista a modernização conservadora e a reestruturação do território brasileiro. 1) O projeto geopolítico de modernização brasileira, iniciado no pós-guerra, não atendia

prioritariamente ao plano de ação das Forças Armadas. 2) A integração territorial brasileira, na perspectiva da modernização conservadora, foi um recurso ideológico utilizado para ampliar o controle do território nacional e encobrir as políticas seletivas espaciais e sociais. 3) A modernização brasileira gerenciou a pobreza por meio de políticas sociais massificadas e qualidade nos serviços oferecidos. 4) A modernização conservadora reconheceu que eram necessárias a autonomia tecnológica e a instrumentalização do espaço como bases para a acumulação de riqueza e a legitimação do Estado; por isso, o espaço foi dotado de operacionalidade. Resposta: 1) Alternativa correta. 2) Alternativa correta. 3) ERRO: Houve aumento da desigualdade, e, ao longo das décadas, certo abandono da população pobre. 4) Alternativa correta. 2. (Questão 25, TPS 2005 – p. 09) Segundo Bertha Becker, “o rompimento da divisão do espaço e do poder mundiais em dois blocos e a distensão daí decorrente trouxeram à luz as diferenciações espaciais, significando a recuperação do político e da cultura expressos em conflitos pela definição de territórios”. Considerando essa análise e demais aspectos significativos do atual processo de globalização, julgue (C ou E) os itens que se seguem. 1) A globalização econômica ajuda a manter a unidade dos territórios nacionais rompida durante a Guerra Fria e marcada pelo esgotamento do padrão de acumulação e de relações de poder calcado tanto na centralização quanto na produção em larga escala. 2) Entre as causas de instabilidades no mundo atual, estão a revolução científico-tecnológica e a crise ambiental. 3) O Estado deixou de ser a principal representação política, e o território nacional tampouco é a única escala de referência de poder, lacunas que foram preenchidas pelo poder técnicoeconômico. 4) Nas novas relações geopolíticas entre Estado, território e movimentos sociais, estes, cujo expoente é o movimento ambientalista, apresentam-se como perenes. Resposta: 1) ERRO: A globalização fragmenta os territórios. 2) Alternativa correta. 3) Alternativa correta. 4) ERRO: A perenidade. 3. (Questão 33, TPS 2008 – p. 11) Todas as fontes devem ser aproveitadas, dentro de suas especificidades. [...] o Plano Nacional de Energia 2030 mostra exatamente isso: a existência de só uma ou duas fontes não significa uma solução. O Brasil necessita, principalmente, daquelas fontes que geram energia em grande escala e têm alta disponibilidade, dando segurança ao sistema e tranquilidade aos consumidores. Internet: .

Com relação a fontes de energia, julgue (C ou E) os próximos itens. 1) Em razão de ter-se tornado autossuficiente em petróleo em 2006, o Brasil deixou de importar esse produto e seus derivados. 2) A exploração de petróleo em águas profundas e ultraprofundas foi possível graças à tecnologia desenvolvida no Brasil, a qual, hoje, é exportada para outros países. 3) Sendo o etanol uma fonte de energia limpa, sua produção e seu consumo não acarretam danos ambientais ou sociais. 4) No Brasil, a biomassa tem sido bastante explorada para a geração de energia, o que resulta no fortalecimento da agroindústria brasileira. Resposta: 1) ERRO: O Brasil não deixou de importar petróleo e seus derivados. 2) Alternativa correta. 3) ERRO: Tendem a concentrar a propriedade pela intensidade de capitais; uso de fertilizantes, agrotóxicos e fungicidas pode trazer sérios danos ao meio ambiente. 4) Alternativa correta. 4. (Questão 23, TPS 2006 [PROVA ALFA – MANHÃ – PRIMEIRA ETAPA] – p. 06) Situação das Fronteiras quando da Independência. Diante do vai-e-volta das relações luso-hispânicas, o Brasil independente herdou de Portugal todas as suas questões de limites; com a agravante de que, enquanto Portugal teve que lidar apenas com a Espanha e a França, agora era necessário encetar negociações com a França, a Holanda e a Inglaterra, e com todas as nações sulamericanas, exceto o Chile, muitas das quais pretendiam confinar, simultaneamente, com o novo Império, nas mesmas regiões. Mauro Pereira de Mello. A questão dos limites entre os estados do Acre e de Rondônia (aspectos históricos e formação do território). In: Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro: IBGE, (52), n. 4. O parágrafo acima, de autoria de Mauro Pereira de Mello, especialista em fronteiras amazônicas, sintetiza o processo de constituição do território brasileiro até a Independência. Com relação à formação das fronteiras brasileiras nesse período e nas etapas históricas posteriores, assinale a opção correta. a) Os territórios delimitados pelas fronteiras setentrionais do país estavam reservados a Portugal desde o Tratado de Tordesilhas. b) Nos litígios territoriais com as grandes potências do século XIX, a única decisão arbitral desfavorável ao Brasil foi a disputa com a Inglaterra. c) Nas negociações com a França que envolviam a disputa entre a província do Grão-Pará e a Guiana, a solução veio logo após o reconhecimento da independência do Brasil por aquela potência europeia. d) O Brasil, ainda na condição de colônia, teve as fronteiras com os Vice-Reinos espanhóis

estabelecidas definitivamente pelo Tratado de Santo Ildefonso. e) O Brasil não conheceu alterações em suas fronteiras meridionais na situação pós-colonial. Resposta: a) ERRO: Não procede. Tordesilhas não serve de parâmetro para a formação de fronteiras. b) Alternativa correta. c) ERRO: A solução veio apenas durante o período Rio Branco. d) ERRO: O Brasil nunca reconheceu a validade desse tratado para validar suas fronteiras. e) ERRO: Obviamente houve alterações. 5. (Questão 28, TPS 2012 – p. 11) Julgue (C ou E) os próximos itens, relativos à formação histórica do território brasileiro. a) A formação histórica do território brasileiro iniciou-se com a assinatura do Tratado de Madri, que determinou, por meio da criação de uma linha imaginária, o primeiro limite territorial da colônia portuguesa nas Américas. b) No início do século XX, o governo brasileiro assegurou a posse de novas terras por meio de acordos diplomáticos que envolveram questões fronteiriças com a Argentina, Bolívia, Colômbia, Peru e Suriname, nos quais se destacou a figura do Barão do Rio Branco. c) Os séculos XVII e XVIII constituem marcos da exploração de imensas propriedades rurais, com limites mal definidos, doadas pela Coroa portuguesa a aristocratas portugueses. d) Mesmo após cinco séculos de ocupação e povoamento, a configuração atual do território brasileiro permanece conforme a implantação das capitanias hereditárias. Resposta: a) ERRO: Madri não foi o primeiro limite territorial, apesar de Tordesilhas não influenciar na formação das fronteiras, devido à União Ibérica. b) ERRO: Argentina foi arbitramento, o que já invalida a questão. c) Alternativa correta. d) ERRO: Obviamente, a alternativa está errada. 6. (Questão 34, TPS 2008 – p. 11) A figura [abaixo], que está relacionada à proposta de ligação entre as bacias do Amazonas e do Prata, mostra o istmo entre os rios Alegre e Aguapei, que quase se tocam, mas seguem separados, como cursos quase diametralmente opostos: o primeiro vai em direção ao norte, e o segundo, ao sul, unindo, dessa forma, as desembocaduras das duas grandes bacias a milhares de quilômetros uma da outra. Hilgard O’Reilly.Sternberg. Proposals for a South American Waterway. 48th International Congress of Americanists. University of Stockholm, 1995. A partir da análise da figura a seguir, referente à perspectiva de integração das bacias do Prata e do Amazonas, assinale a opção correta a respeito das implicações de tal intervenção no território brasileiro.

a) O estabelecimento da interconexão entre as bacias mencionadas deve ser visto como elemento de um sistema único de vias fluviais brasileiras, o que dispensa, portanto, acordos e cooperação internacionais. b) O sistema de navegação, uma vez implementado nesse território, poderá contribuir para o desenvolvimento econômico, provendo infraestrutura e servindo às atividades do bloco econômico regional do MERCOSUL. c) Os impactos ambientais relacionados à construção da hidrovia podem ser previamente identificados e cartografados, o que permite estabelecer medidas de mitigação e compensação dos possíveis efeitos deletérios ao meio ambiente. d) A perspectiva de realização de grandes investimentos nesse projeto, cujo objetivo é transportar apenas uma commodity, a soja, tem gerado dúvida quanto aos efetivos benefícios da construção da hidrovia. e) Uma vantagem identificável na implantação da hidrovia é o fato de ela não ameaçar ecossistemas florestais, visto que inexistentes naquela área, nem prejudicar outros biomas ricos em biodiversidade. Resposta: a) ERRO: São bacias internacionais, há a necessidade de acordo e de cooperação. b) Alternativa correta. c) ERRO: Nem todos podem ser identificados previamente, e dificilmente há a possibilidade de cartografá-los antes de sua ocorrência. d) ERRO: Apenas uma commodity. e) ERRO: Ameaça, sim, ecossistemas florestais da região de impacto da hidrovia. 7. (Questão 27, TPS 2014 – p. 10) Se necessário for definir um paradigma para a geo​política desde que se constituiu como disciplina, certamente este seria o do realismo, no campo das relações internacionais. A obra de Friedrich Ratzel, teorizando geograficamente​ o Estado (1897), constitui uma fonte crucial para a análise das relações

entre o Estado e o poder. B. Becker. A geopolítica na virada do milênio. In: Geografia: conceitos e temas, Castro et al. (Orgs.). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995, p. 273 e 277 (com adaptações). Acerca do paradigma mencionado no fragmento de texto acima e de suas relações com a obra político-geográfica de Friedrich Ratzel, julgue (C ou E) os itens a seguir. 1) As leis do crescimento espacial dos Estados enunciadas por Ratzel retificam os princípios básicos do realismo político. 2) A relação do Estado com o solo reforça a concepção ratzeliana do espaço vital como o espaço fundamental à expansão de um complexo povo. 3) Por reconhecer a exclusividade dos Estados como atores internacionais, o realismo político coaduna-se com os parâmetros da geopolítica clássica. 4) Por considerar o Estado como organismo vivo, a geografia política ratzeliana contradiz o paradigma do realismo político. Resposta: 1) Erro: O verbo “retificam” invalida a questão. 2) ANULADA. 3) Alternativa correta. 4) Erro: Não contradiz. 8. (Questão 28, TPS 2014 – p. 10) Karl Haushofer era militar de carreira, mas sua saúde frágil tornou-lhe difícil o exercício de comando na guerra. Ele se orientou, então, para as funções do Estado-Maior. E serve, por isso, de 1908 a 1910, como adido militar em Tóquio. Ele é, assim, iniciado à geopolítica dos militares e à dos diplomatas. P. Claval. Géopolitique et géoestratégie. Paris: Nathan, 1994, p. 25 (com adaptações). Em relação à hipótese geoestratégica do poder mundial elaborada por Karl Haushofer, julgue (C ou E) os itens subsequentes. 1) A pan-região da Euráfrica, sob liderança alemã, englobava a Rússia, subordinada aos imperativos geopolíticos das potências europeias. 2) A idealização de pan-regiões comandadas por potências específicas da Europa, Ásia e América estava associada à neutralização do Império britânico, concebido como pan-região fragmentada. 3) A formação das pan-regiões impedia a consolidação de espaços autárquicos, devido às diversas faixas latitudinais dessas áreas de influência estratégicas. 4) Segundo essa hipótese, o objetivo estratégico baseava-se na consolidação do poder marítimo e naval mundial sob o comando da Alemanha. Resposta: 1) Erro: Não englobava a Rússia, que tem sua própria pan-região. 2) Alternativa correta. 3) Erro: Pan-regiões constituem espaços autárquicos. 4) Erro: O mundo seria regionalizado em termos de poder, a fim de alcançar certo equilíbrio entre as potências (e ignorando a Inglaterra). 9. (Questão 29, TPS 2015 – p. 11) O Brasil, terceira maior potência mundial agropecuária, enfrenta desafios logísticos, de infraestrutura e legais para continuar a crescer nesse setor, competindo internacionalmente. No que se refere a esse assunto e aos

múltiplos aspectos a ele relacionados, julgue (C ou E) os itens a seguir. 1) Os investimentos em infraestrutura no território brasileiro, incluindo energia elétrica e transportes, mediante privatizações, concessões de serviços públicos a empresas privadas e parcerias público-privadas, estão se tornando, gradativamente, um problema para o governo federal em razão do desinteresse de grandes empresas nesse tipo de negócio. 2) As grandes distâncias entre as áreas produtoras de alimentos e os centros de industrialização, consumo, produção e portos, além de envolverem implicações de ordem local (ambiental, econômica, social, política), repercutem na escala nacional de uso do território brasileiro, dada a existência de fluxos de grande volume e baixo valor agregado entre regiões desprovidas de condições logísticas capazes de fazer frente às quantidades produzidas em larga escala. 3) O atual modelo de uso do território brasileiro é marcado por uma regulação híbrida, cabendo tanto à iniciativa privada quanto ao poder público as ações de planejamento e execução de obras para escoamento da produção, por exemplo. 4) Denominam-se demandas corporativas os investimentos públicos que, na visão política nacional, são destinados a superar as deficiências em transporte, conferir competitividade e promover o crescimento sustentável do país, a partir do investimento estatal no setor de logística, considerado área estratégica de segurança nacional. Resposta: 1) ERRO: não há desinteresse. 2) Alternativa correta. 3) Alternativa correta. 4) ERRO: Demanda corporativa é termo próprio à iniciativa privada.

3. MEIO AMBIENTE 1. (TPS 2004 – p. 11) A Amazônia que você aprendeu na escola não existe mais. Hoje, você procura uma aldeia de índios e encontra uma fábrica ou uma fazenda moderna. Onde só tinha mato 10 anos atrás, agora você pode ser atropelado. A partir das ideias do texto acima, julgue os seguintes itens. 1) Atualmente, ações como a demarcação de áreas de preservação ambiental e a implantação de projetos de exploração econômica ecologicamente viáveis na região comprovam a completa mudança na postura governamental e na iniciativa privada em relação ao que ocorria no passado na região amazônica. 2) Políticas territoriais levadas a efeito pelo Estado inibiram a formação de latifúndios na região amazônica, em razão dos projetos de colonização implantados na segunda metade do século passado.

3) A instabilidade política na Amazônia internacional impulsionou projetos voltados para a segurança da faixa de fronteiras na Amazônia brasileira. Resposta: 1) ERRO: Não houve muita mudança do setor privado, e pouca do governo. 2) ERRO: Latifúndios são realidade bem presente! 3) Alternativa correta. 2. (Questão 21, TPS 2003 – p. 09) A consciência ecológica desenvolvida nas últimas décadas trouxe novos desafios para as políticas e medidas a serem estabelecidas no Brasil. O desempenho ambiental do país tem fortes implicações em suas relações internacionais. Acerca desse tema, julgue os itens que se seguem. 1) Em face da necessidade de investimentos econômicos e de promoção da justiça social, o Brasil se vê diante do desafio de equacionar a contradição existente entre o desenvolvimento socioeconômico e a preservação ambiental. 2) Bacias hidrográficas no Brasil são temas de gestão ambiental e de planejamento em nível internacional, isto é, envolvendo países vizinhos. 3) A erosão no Brasil, entendida como um problema ambiental apenas pertinente ao espaço rural, tem-se agravado em razão de técnicas empregadas na agricultura de larga escala. 4) O disciplinamento, o uso racional da terra e o estabelecimento de limites territoriais são elementos significativos nas medidas de conservação da biodiversidade brasileira. 5) No que diz respeito ao gerenciamento de seus recursos hídricos, o Brasil apresenta-se vulnerável diante das prováveis mudanças climáticas globais, haja vista, por exemplo, o quadro de saneamento básico precário no país. Resposta: 1) ERRO: Essa contradição não existe. Desenvolvimento sustentável e economia verde conciliam-se. 2) Alternativa correta. 3) ERRO: Não apenas ao espaço rural, não há essa relação de causa e efeito obrigatória entre erosão e agricultura de larga escala, embora esta possa facilitar a ocorrência de processos erosivos em determinadas situações. 4) Alternativa correta. 5) Alternativa correta. 3. (Questão 05, TPS 2005 – p. 02) [...] julgue (C ou E)os itens seguintes, relativos à temática ambiental no Brasil. 1) O empobrecimento dos solos, o desequilíbrio ecológico e a perda da biodiversidade tiveram início no período colonial. 2) A rápida urbanização brasileira, principalmente a partir da metade do século passado, é um dos fatores que têm contribuído para a degradação ambiental em diferentes biomas brasileiros. 3) A reflexão sobre o meio ambiente, com o objetivo de se alcançar o desenvolvimento sustentável, exige o estabelecimento de paradigmas que alterem a relação homem/natureza verificada desde o período colonial.

4) A apropriação e a preservação de territórios e ambientes sem uso produtivo imediato é uma forma de controlar o capital natural para o futuro. Resposta: 1) Alternativa correta. 2) Alternativa correta. 3) Alternativa correta. 4) Alternativa correta. 4. (Questões 34 e 35)

Internet: www.ibge.gov.br.

(Questão 34, TPS 2010 – p. 14) Acerca dos domínios vegetacionais brasileiros, ilustrados no mapa acima, assinale a opção correta. a) O Cerrado brasileiro, formação do tipo bioma savana adaptada a clima com sazonalidade bem marcada, apresenta-se estratificado em fitofisionomias, com formações de campos (limpo e sujo), estruturas de campo cerrado e cerrado em senso estrito e formações florestais conhecidas como cerradão. b) A Mata de Araucárias, formação típica do sul do país, apresenta diversidade florestal bastante acentuada, caracterizada, principalmente, por indivíduos latifoliados (folhas largas) e

aciculifoliados (folhas pontiagudas). c) A Mata Tropical, também conhecida como Mata Atlântica, caracterizava-se, originalmente, por formações bastante espaçadas e de baixa densidade florestal, o que permitia considerá-la como formação ombrófila, associada a climas chuvosos. d) A hileia amazônica, formação estratificada, subdivide-se em mata de igapó, de várzea e de terra firme, definidas com base em tipos de embasamento, sendo os sedimentares associados à mata de igapó, e os rochosos, às demais. e) A Caatinga possui solos bastante intemperizados, principalmente por desagregação química dos minerais, decorrentes de suas características climáticas e de vegetação. Resposta: a) Alternativa correta. b) ERRO: Diversidade florestal. c) ERRO: Não eram bastante espaçadas e há alta densidade florestal. d) ERRO: As áreas de inundação permanente (igapó) e temporária (várzea) são sedimentares. e) ERRO: Predomina o intemperismo físico. (Questão 35, TPS 2010 – p. 14) A partir do mapa, assinale a opção correta com relação às características dos biomas existentes no Brasil. a) O bioma Cerrado, o segundo maior do Brasil, corresponde a cerca de 20% do território nacional; as atividades econômicas desenvolvidas nessa área, em sua maioria ligadas ao setor primário, não alteraram de forma significativa sua vegetação original. b) O bioma Amazônia, com mais de 4 milhões de km², é muito importante para a estabilidade ambiental do planeta, pois ali estão fixadas trilhões de toneladas de carbono, sua massa vegetal libera toneladas de água para a atmosfera, via evapotranspiração, e seus rios descarregam cerca de 20% de toda a água doce despejada nos oceanos pelos rios existentes no mundo. c) O bioma Caatinga, o único exclusivamente brasileiro, ocupa cerca de 7% do território, com área total de aproximadamente 1.100.000 km², caracteriza-se por índices pluviométricos muito baixos, vegetação xerófila e grande amplitude térmica ao longo do ano. d) O bioma Mata Atlântica é um dos ecossistemas mais ameaçados do planeta, restando, atualmente, menos de 10% de sua cobertura original; sua constante degradação está associada tanto ao fato de estar localizado em área de intensa ocupação humana e de concentração de atividades econômicas quanto ao da inexistência de medidas legais para sua preservação. e) O bioma Pantanal caracteriza-se por elevadas precipitações distribuídas regularmente ao longo do ano, o que contribui para a formação de lagoas e inundação de vastas porções do território pantaneiro. Resposta: a) ERRO: Alteraram bastante. b) Alternativa correta. c) ERRO: Não há grande amplitude térmica anual. d) ERRO: É um dos biomas mais monitorados, e há diversas medidas

legais para sua proteção. e) ERRO: Elevadas precipitações. 5. (Questão 29, TPS 2005 – p. 09) A respeito das bacias hidrográficas brasileiras e da água como recurso hídrico, julgue (C ou E) os itens subsequentes. 1) As bacias do Atlântico Nordeste, Leste e Sudeste drenam as áreas menos populosas do país. 2) As bacias hidrográficas brasileiras são dependentes das características ambientais dominantes relacionadas a precipitações no espaço e no tempo, tipo de geologia, solo dos terrenos e formas de ocupação que contribuem para o fornecimento de sedimentos para os rios. 3) No Brasil, a bacia Amazônica ocupa mais da metade do território e conta com os seguintes divisores topográficos: planalto das Guianas, cordilheira dos Andes e planalto Brasileiro. 4) A bacia do São Francisco atravessa os estados de Minas Gerais e Bahia e, apenas nas nascentes, registram-se médias pluviométricas anuais acima de 1.000 mm; no restante da bacia, as médias são bastante baixas. Resposta: 1) ERRO: Drenam as mais populosas. 2) Alternativa correta. 3) ERRO: Não ocupa mais da metade do território brasileiro. 4) ERRO: Não apenas nas nascentes! 6. (Questão 37, TPS 2010 – p. 15) Em relação à questão ambiental internacional, assinale a opção correta. a) As primeiras tentativas de estabelecimento de tratados internacionais que regulassem a ação humana sobre o ambiente remontam a 1900, quando se realizou, em Londres, a Convenção para a Preservação de Animais, Pássaros e Peixes da África, cujo objetivo era discutir a caça indiscriminada nas então colônias europeias no continente africano. b) O Tratado Antártico, firmado em 1º de dezembro de 1959, é exemplo de que os interesses voltados para a questão ambiental superaram a disputa geopolítica bipolar no âmbito da Guerra Fria, destacando-se o papel central da Organização das Nações Unidas, que mediou a assinatura do referido acordo. c) A Conferência de Estocolmo, realizada em 1972, marcou a inclusão da temática ambiental na pauta de interesse mundial, o que se confirmou pelo comparecimento de grande número de chefes de Estado àquela reunião. d) O chamado Clube de Roma, a partir de uma releitura de Malthus, segundo o qual a produção de alimentos cresce em escala maior que a população, defendeu medidas de planejamento familiar nas décadas de 70 e 80 do século XX. e) Estabelecido em 1972 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) passou a funcionar em 1973, tendo sua autonomia sido minada com a criação do Fundo Mundial para o Meio Ambiente, órgão independente que, sob

supervisão do Banco Mundial, arrecadaria recursos para a preservação ambiental. Resposta: a) Alternativa correta. b) ERRO: Não houve mediação da ONU. c) ERRO: A temática ambiental já estava presente. d) ERRO: A população que cresce mais que os alimentos. e) ERRO: O próprio PNUMA coordena o Fundo. 7. (Questão 37, TPS 2009 – p. 11) Uma das reservas da biosfera existentes no Brasil, reconhecida pela UNESCO em 1991, é a da Mata Atlântica, cuja área é de 350 mil km 2. Acerca das características desse bioma e da utilização de reservas da biosfera, julgue (C ou E) os itens subsequentes. 1) O conceito de reserva tem sido internacionalmente adotado, como forma de se destacar a necessidade de conservação, recuperação, desenvolvimento sustentável e, consequentemente, melhoria da qualidade de vida. 2) No Brasil, a política ambiental está voltada para a proteção legal de florestas tropicais e de outros biomas, incluindo-se áreas de grande interesse ecológico, como as chamadas paisagens de exceção, de que o Pantanal é exemplo. 3) O grau de devastação sofrido pela Mata Atlântica explica-se, em parte, pela sua localização, que favoreceu o desenvolvimento dos ciclos econômicos e, mais recentemente, a indústria madeireira. 4) Embora apresentem características comuns – como a densidade da cobertura vegetal e a grande biodiversidade – o bioma amazônico e a Mata Atlântica distinguem-se quanto à pluviosidade, uma vez que os índices pluviométricos daquele são muito superiores aos desta. Resposta: 1) Alternativa correta. 2) Alternativa correta. 3) Alternativa correta, apesar de “ciclos”. 4) ERRO: Ambos são florestas tropicais pluviais; assim, esses índices são próximos. 8. (Questão 31, TPS 2008 – p. 10) Acerca das transformações globais, nacionais e locais relacionadas ao desafio do desenvolvimento ambiental sustentável, julgue (C ou E) os itens a seguir. 1) A integração mundial do mercado dos produtos agropecuários favorece o comércio agroexportador do Brasil com outros países ou blocos de países, pois o mercado articula-se em torno de blocos que possuem interesses comerciais comuns. 2) Na Amazônia, o crescimento do agronegócio e a expansão das culturas de commodities têm sido observados em um grande número de pequenas propriedades, o que se justifica por serem tais empreendimentos prioritários para a desconcentração da propriedade da terra. 3) Influenciada pelo agronegócio, a agricultura familiar ou de subsistência praticada atualmente na Amazônia tem sido apoiada por inovações tecnológicas e pela utilização dos créditos ambientais subsidiados por políticas públicas de preservação, que objetivam recompensar o abandono da

prática de derrubada ou queimada da floresta ou da vegetação secundária. 4) Não é apenas a dimensão do desmatamento em curso na Amazônia que preocupa, mas também os prejuízos à biodiversidade advindos desse desmatamento, bem como o aumento da grilagem de terras públicas. Resposta: 1) ERRO: Não há essa integração do mercado, basta ver os entraves ao acesso a mercados da agropecuária brasileira. 2) ERRO: Agronegócio e minifúndio raramente caminham juntos; não é o caso da Amazônia. 3) ERRO: Agricultura familiar não é sinônimo de agricultura de subsistência; não são práticas comuns as mencionadas nesta alternativa. 4) Alternativa correta. 9. (Questão 30, TPS 2005 – p. 10) A cidade de Edo, atualmente Tóquio, tornou-se a capital do Japão em 1603. Sua população chegou a um milhão de habitantes ao redor de 1800, fazendo de Edo a maior cidade do mundo. Era uma cidade próspera, tanto do ponto de vista econômico como cultural, embora não dispusesse das tecnologias mais modernas da época. A razão desse sucesso pode ser, em parte, atribuída a movimentos de nutrientes entre o mar, a cidade e as áreas agrícolas, mediados pela ação humana. A baía de Edo recebia grandes quantidades de nutrientes provenientes dos rios que desciam das montanhas e das águas usadas pela população urbana. Entretanto, pescadores e agricultores contribuíram para que as águas da baía não se tornassem eutrofizadas. Os primeiros, ao trazerem peixe fresco, algas e outros produtos marinhos para a população de Edo, eficientemente deslocavam, contra a gravidade, materiais de volta para as partes altas da região. Os agricultores coletavam regularmente os excrementos da população urbana e os transportavam, também contra a gravidade, para as terras onde praticavam a agricultura. Embora o potencial dos excrementos humanos como fertilizante tivesse sido reconhecido ocasionalmente pelos agricultores japoneses na Idade Média, seu uso sistemático começou durante a era Edo. De fato, a população fazia contratos com os agricultores para que estes retirassem regularmente o material acumulado nas latrinas e o levassem para as montanhas e terraços. Como pagamento, recebia vegetais frescos, grãos ou dinheiro. Essa troca desempenhou papel fundamental tanto na higienização da maior cidade do mundo, mesmo sem sistema de coleta e tratamento de esgotos, como no enriquecimento dos solos suburbanos, que não tinham fertilidade significativa antes da era Edo. Com o auxílio do texto acima, julgue (C ou E) os itens seguintes. 1) Sustentabilidade é um conceito que envolve sinergia entre fenômenos naturais e ações humanas, como ilustra o desenvolvimento de Edo. Ali, ciclos naturais de nutrientes tornaram-se ativos parceiros nas atividades econômicas. 2) Práticas modernas de tratamento de esgoto, como, por exemplo, aquelas que envolvem a tecnologia do lodo ativado, em que a matéria orgânica é decomposta aerobicamente por microrganismos, permitem que os esgotos continuem a servir como fertilizantes de terras agrícolas.

3) De acordo com o texto, o processo de eutrofização, decorrente do aumento da concentração de nutrientes, ocorreu em Edo graças à ação de pescadores e de agricultores. 4) No texto, as referências à força da gravidade sugerem que processos como preparação do solo para agricultura, produção e distribuição de alimento requerem investimento de energia. Para realizar essas atividades, a agricultura moderna adota, em vez da energia obtida a partir da força muscular de homens e animais, a oriunda de combustíveis fósseis. Resposta: 1) Alternativa correta. 2) ERRO: Não são modernas, já eram utilizadas em Edo. Hoje há limitações para seu uso, em decorrência de poluentes como metais pesados. 3) ERRO: Foram eles que evitaram esse processo. 4) Alternativa correta. 10. (Questão 61, TPS 2006 [PROVA DELTA – TARDE – SEGUNDA ETAPA] – p. 10) A propósito do tratamento internacional ao tema do meio ambiente nas três últimas décadas do século XX, julgue (C ou E) os seguintes itens. a) Na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972, ganhou relevo a tese que atribuía a existência dos problemas ambientais do planeta à explosão demográfica dos países pobres. b) O documento “Nosso Futuro Comum”, produzido pela Comissão Mundial do Meio Ambiente e Desenvolvimento e publicado em 1987, procurou isolar o tratamento da temática ambiental das questões demográficas e sociais. c) O desenvolvimento sustentável é aquele em que a maior parte da população mundial se vê privada do atendimento de suas necessidades básicas – alimento, vestuário, moradia e saneamento – para sustentar elevados níveis de consumo de uma parcela da população, concentrada nos países desenvolvidos. d) A Agenda 21 – programa de ações de curto, médio e longo prazos aprovado pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992 – prevê, além da adequação ambiental dos novos investimentos produtivos, a recuperação de áreas degradadas pelo uso predatório dos recursos naturais. Resposta: a) Alternativa correta. b) ERRO: Associou a essas questões! c) ERRO: Obviamente, está errada. d) Alternativa correta. 11. (Questão 54, TPS 2007 – p. 8) A questão ambiental logrou inscrever-se na agenda do mundo contemporâneo e ocupar posição relevante no cenário da política internacional. Em meio a opiniões divididas quanto aos efeitos da degradação ambiental e às possíveis soluções para problema de tamanha magnitude, há consenso quanto ao fato de que o aquecimento global é real e preocupante. Relativamente a esse tema, assinale a opção incorreta.

a) A partir da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, ocorrida em 1992, chegou-se ao Protocolo de Kyoto, que, tendo sido assinado e ratificado pelo conjunto dos Estados integrantes da ONU, estabelece limites para a emissão de gases que ampliam o efeito estufa. b) O Brasil foi o autor da proposta conhecida como Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), estando relacionados a aterros sanitários os dois primeiros projetos aprovados pelo país para a obtenção de créditos internacionais em troca da redução da emissão de gases poluentes. c) Nos últimos anos, o processo de alteração climática decorrente do efeito estufa, que é um fenômeno natural, vem-se acelerando mediante a ação do homem, pelo aumento descontrolado da emissão de gases poluentes na atmosfera, sobretudo pela indústria e pelos automóveis. d) Dono de uma das mais ricas biodiversidades e da maior floresta tropical do planeta, o Brasil confirmou sua adesão a importantes convenções e protocolos internacionais, entre os quais se destacam os relativos ao comércio de substâncias tóxicas, ao banimento gradual de poluentes orgânicos nocivos ao meio ambiente e às normas para a utilização segura de produtos transgênicos. e) A aprovação pelo Congresso Nacional é condição indispensável para que sejam ratificados acordos internacionais negociados pelo Poder Executivo em matéria ambiental. Resposta: a) ERRO: Kyoto decorre de outra convenção, e não foi ratificado, por exemplo, pelos EUA. b) Alternativa correta. c) Alternativa correta. d) Alternativa correta. e) Alternativa correta. 12. (Questão 28, TPS 2011 – p. 10) Acerca das implicações e dos desdobramentos da questão ambiental em nível mundial, julgue (C ou E) os itens a seguir. a) A gestão ambiental pública no Brasil caracteriza-se, fundamentalmente, por uma perspectiva corretiva, voltada para o controle da poluição, cujas ações se desenvolvem por meio de diversos instrumentos previstos na legislação vigente, como penalidades disciplinares ao não cumprimento das medidas necessárias. b) Nas origens do conceito de desenvolvimento sustentável, que permeia acordos aprovados entre governos, percebe-se a influência de discussões acerca da relação entre crescimento econômico e meio ambiente, como as que resultaram no relatório conhecido como Limites do Crescimento. c) A gestão ambiental envolve a discussão relativa ao papel do Estado e à soberania das nações, tendo os Estados o direito soberano de explorar seus recursos, de acordo com as próprias políticas ambientais e desenvolvimentistas, e, ao mesmo tempo, a responsabilidade de assegurar que as atividades sob sua jurisdição ou controle não causem dano ao meio ambiente de outros

Estados. d) Embora a implantação de sistemas agropastoris e o reflorestamento contribuam para o alcance das metas do Protocolo de Quioto, considera-se mais importante para o alcance dessas metas o desenvolvimento de políticas públicas de incentivo à utilização de combustíveis provenientes de fontes renováveis, objeto da criação de um mecanismo de desenvolvimento limpo. Resposta: a) ERRO: É preventiva também. b) Alternativa correta. (Contudo, a postura mudou desde então!) c) Alternativa correta. d) ERRO: A implantação de sistemas agropastoris não contribui para redução das emissões de GEE e os MDL vão além de biocombustíveis. 13. (Questão 25, TPS 2012 – p. 10) A proteção à biodiversidade e aos ecossistemas ameaçados pela atividade humana tem mobilizado governos, agências multilaterais, organismos internacionais de financiamento e organizações não governamentais em direção à elaboração de políticas públicas e à definição de estratégias de conservação. Acerca dessa atual tendência da gestão ambiental, julgue (C ou E) os itens a seguir. a) Desde que a questão ecológica adquiriu importância econômica, as estratégias de gestão ambiental passaram a ser de competência exclusiva do Estado por meio de legislação pertinente, ressalvada a gestão de projetos de pesquisa e de conservação da natureza estabelecidos por agências de cooperação internacional sob a perspectiva do desenvolvimento sustentável. b)

Políticas

ambientais

internacionais

têm

estabelecido

direcionamentos

para

a

internacionalização de áreas de grande biodiversidade que se destinem à preservação da natureza, sob a gestão de instituição supranacional mantida com provisão de fundos oriundos de organismos internacionais. c) O modelo de gestão característico da política brasileira de recursos hídricos elegeu a bacia hidrográfica como unidade espacial de planejamento, visando à resolução de conflitos entre usuários, à solução de problemas de poluição das águas e à restrição, de modo a conservar a cobertura vegetal, do desmatamento de áreas de mananciais. d) A proteção do Cerrado, prevista nas metas do plano estratégico da Convenção sobre Diversidade Biológica, justifica-se pela necessidade de recuperação de áreas desmatadas ou degradadas pelas pastagens. Resposta: a) ERRO: Não é exclusiva do Estado a gestão ambiental. b) ERRO: Não há essa internacionalização. c) Alternativa correta. d) Alternativa correta.

* As opiniões deste Prefácio são de cunho pessoal, não refletindo necessariamente as posições do Ministério das Relações Exteriores. ** Os textos publicados nesta obra, bem como as informações fornecidas nas tabelas de incidência e nos seus respectivos gráficos, são de responsabilidade exclusiva dos autores e do coordenador da Coleção. A finalidade desta obra é publicar teoria e questões relevantes para os candidatos ao concurso de Diplomata, cabendo à Editora respeitar a liberdade de pensamento e manifestação de cada autor. *** Nas tabelas, o “0” significa que não foi cobrada nenhuma questão do assunto e o “-” significa que a disciplina não constava no Edital. Atenção! Muitas questões do Teste de Pré-seleção do IRBr abordam mais de um tópico do Edital. As questões de múltipla escolha foram consideradas como uma única questão e cada um dos itens das questões do tipo Certo ou Errado é contabilizado como uma questão.

1 Intuição, para Kant, é a percepção proporcionada à mente por si mesma. 2 O juízo reflexionante busca resolver a problemática em torno da finalidade da natureza. O particular é um dado e o universal tem de ser encontrado por intermédio da conexão entre fenômenos naturais, esta dada segundo leis empíricas. É um pressuposto transcendental “que medeia a subsunção do particular ao universal, mas também o poder de encontrar no particular o universal” (VITTE, 2006, loc. cit.). 3 Segundo Nicolas-Obadia apud Robert Moraes (2002: 156), Ritter está mais próximo aos platônicos (que não utilizam os números como essência do real) que aos pitagóricos. 4 Isso está relacionado à colonização, e Ratzel cita a África, dizendo que os fundadores dos Estados negros do interior do continente apresentam origem estrangeira (MORAES, 1990). 5 Criada em 1966 em substituição à Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), de 1953. 6 Uma crítica possível a Milton Santos é que a fenomenologia não trabalha com a dicotomia sujeito-objeto. 7 Este subcapítulo foi escrito em conjunto com Marcos Antônio Fávaro Martins. Meus agradecimentos! 8 SANTOS JUNIOR, Washington Ramos dos. Os filhos de Medusa e a involução urbana do Rio de Janeiro. São Paulo, 2011. Dissertação de Mestrado. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8136/tde-14022012-160524/pt-br.php. 9 Contudo, as principais obras realizadas em favelas na cidade do Rio de Janeiro são parte do PAC; no Alemão são anteriores à UPP; destacam-se também as obras em Manguinhos, que chegou a ficar conhecido por Faixa de Gaza e que não recebeu, ainda, uma UPP. Nota do editor: UPP implementada antes da edição deste trabalho. 10 O autor contemporâneo que melhor desenvolve a noção é Ray S. Cline, curiosamente, um seguidor confesso de Mahan e Mackinder (CLINE, 1980). 11 A distinção entre potências terrestres e potências marítimas, distinção essa mais bem trabalhada no livro de 1919, é um dos principais legados do autor e um dos valores conceituais mais importantes dos analistas do tempo da Guerra Fria. Partilham dessa distinção, também, intelectuais de grande estatura como Nicholas Spykman (de quem cuidaremos adiante) e Walter Lippmann. 12 A diferença fundamental entre a Pivot Area e o Heartland é o acesso russo a mares quentes. 13 Um dos clássicos da Geopolítica, o livro, lançado na metade da década de 1980, usa princípios formulados por Mackinder e por Spykman para uma análise conjuntural da confrontação Leste x Oeste. O trabalho é brilhante na medida em que constata as deficiências econômicas soviéticas para se sustentar perante os EUA. Quanto à análise territorial, Brzezinski faz uma regionalização das áreas de atrito em torno do Heartland – as frentes estratégicas basilares: Europa, Oriente Médio e Extremo Oriente. 14 Apesar de aliados na Grande Guerra, Inglaterra e França eram rivais na disputa colonial, sendo digno de nota realçar que a política naval inglesa era a do Two Power Standard, que vislumbrava, como quadro geral a possibilidade de uma aliança franco-alemã contra a Inglaterra. Tendo por base essa possibilidade, a armada britânica deveria ser suficiente em número para combater com vantagem essa possível coalizão. 15 A conexão com o Partido Nazista é motivo de controvérsias. Tem-se como certa a colaboração do general geógrafo com a máquina de propaganda nazista, o que aconteceu principalmente no período de entre guerras. O desentendimento com o regime, contudo, veio com a guerra, e teve consequências trágicas, já que seu filho, Albrecht Haushofer, foi um dos envolvidos no golpe de 20 de julho de 1944 que tentou derrubar Hitler e negociar a paz com os aliados. Em consequência do fracasso do golpe, Albrecht foi assassinado, e Haushofer, preso em um campo de concentração. Foi absolvido em Nuremberg, por suas funções meramente acadêmicas, mas acabou por cometer suicídio no ano de 1946.

16 José Flávio Sombra Saraiva (2007) aponta para a existência de um período quente da Guerra Fria até 1955, quando iniciaria a coexistência pacífica, a qual, por sua vez, estender-se-ia até 1968. Em A era dos extremos, Hobsbawn (2007) não faz referência direta à coexistência pacífica. 17 Em 1964, o GATT reconhece demanda da UNCTAD e aprova o princípio de não reciprocidade; neste mesmo ano, os países do Sul criam o G-77. 18 Não confundir com o G-20 criado pouco antes da ministerial de Cancún (OMC), em 2003, por liderança do Brasil, e que agrega os seguintes países em desenvolvimento: África do Sul, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, China, Cuba, Egito, Filipinas, Índia, Indonésia, México, Nigéria, Paquistão, Paraguai, Tailândia, Tanzânia, Venezuela e Zimbábue. 19 Estudos relacionados à exploração e perfuração de poços petrolíferos, como os da Geofísica. 20 Entre as majors mundiais contemporâneas, podem-se acrescentar as “europeias” Total Fina Elf e Repsol YPF. 21 Ressaltamos, contudo, que a Lorraine compreende áreas que não estiveram sob controle germânico, após a Unificação. 22 Para garantir o cumprimento desse Tratado, foi criada a Agência para a Proibição de Armas Nucleares na América Latina e Caribe (OPANAL). Mais informações: www.opanal.org/. 23 De acordo com a INB (http://www.inb.gov.br/pt-br/LeiAcesso/FAQ.pdf), são doze países: China, EUA, França, Japão, Rússia, Alemanha, Reino Unido, Holanda, Brasil, Índia, Paquistão e Irã. 24 Ver também: http://www-ns.iaea.org/tech-areas/emergency/ines.asp. 25 Cabe ressaltar que o tratado de 1841 com o Peru não foi ratificado e que Paulino José Soares de Sousa, o Visconde do Uruguai tornou-se chanceler em 1849. 26 Houve tratado celebrado em 1852, não ratificado pelo Congresso venezuelano, que pregava o uti possidetis juris. 27 Adaptado da dissertação de Mestrado Os filhos de Medusa e a involução urbana do Rio de Janeiro (SANTOS JUNIOR, 2011). 28 Disponível em: http://unfccc.int/cooperation_and_support/financial_mechanism/green_climate_fund/ items/5869.php. Acesso em: 15 set. 2012. 29 Disponível em: http://www.un.org/esa/sustdev/documents/WSSD_POI_PD/English/WSSD_PlanImpl. pdf. Acesso em: 15 set. 2012. 30 Disponível em: http://www.uncsd2012.org/content/documents/778futurewewant_spanish.pdf. Acesso em: 15 set. 2012. Ver também

a

contribuição

brasileira

para

a

CNUDS

disponível

em:

http://www.mma.gov.br/estruturas/182/_arquivos/rio20_propostabr_182.pdf. Acesso em: 15 set. 2012. 31

Disponível

em:

http://g1.globo.com/natureza/noticia/2012/02/brasil-contesta-organizacao-ambiental-mundial-proposta-pela-

europa.html. Acesso em: 15 set. 2012. 32 Lei n. 12.651, de 2012, ainda aguardando votação; os percentuais dificilmente serão alterados. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12651.htm#art83. Acesso em: 15 set. 2012.

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