Cléa Gois e Silva - Liberdade e Consciência No Existencialismo de Jean-Paul Sartre (TXT) (Rev)
December 28, 2022 | Author: Anonymous | Category: N/A
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LIBERDADE E CONSCIÊNCIA NO EXISTENCIALISMO DE JEAN-PAUL SARTRE http://groups.google.com.br/group/digitalsource
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Editora da Universidade Estadual de Londrina Corpo Editorial Leonardo Prota - Editor-Chefe Isaac A. Camargo - Editor Ronaldo Baltar - Editor Campus Universitário Caixa Postal 6001 Fone/Fax: (043) 371-4674 Londrina - PR - 86051-990 CLÉA GOIS E SILVA
LIBERDADE E CONSCIÊNCIA NO EXISTENCIALISMO DE JEAN-PAUL SARTRE
EDITORA UEL LONDRINA 1997 Capa Isaac Antônio Camargo Revisão Patrícia Azoline Soares Corrêa Composição Eletrônica/Arte Final Maria de Lourdes Monteiro Montagem e Acabamento Aparício Lopes Júnior
Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional Bibliotecária Responsável - Ilza Almeida de Andrade CRB 9/882 S586L Silva, C Cl léa G Go ois e Liberdade e consciência no existencialismo de Jean Paul Sartre / Cléa Gois e Silva; prefácio Creusa Capalbo. - Londrina : Ed. da UEL, 1997. 135p. ; 21 cm. ISBN 85-7216-069-8 1. Fenomenologia existencial. 2. Liberdade. 3. Consciência. 4. Sartre, Jean Paul, 1905-1980. I. Título. CDU 141.32
ISBN 85-7216-069-8 Depósito Legal na Biblioteca Nacional Impresso no Brasil / Printed in Brazil 1997
À minha mãe Maria Gois e Silva (In Memoriam) Agradecimentos da Autora
À Professora Creusa Capalbo, a grande amiga, não só por ter me sugerido o tema, ma s também por me haver contagiado com o sentimento de paixão verdadeira, pela verdade ira filosofia, e por ter sido um exemplo a seguir. Ao Professor Sérgio Luiz de Castilho Fernandes, meu orientador, encorajador, a migo e conselheiro. Ao Professor Emanuel Ângelo da Rocha Fragoso, por seu entusiasmo e dedicação na re visão final, sem o qual este trabalho não seria possível. À Sandra Maria Gois e Silva, pela paciência. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pela ajuda fina nceira recebida durante o curso. E agradeço aos céus pelo amor, sobretudo pelo teu amor SUMÁRIO
PREFÁCIO INTRODUÇÃO SARTRE E O EXISTENCIALISMO CAPÍTULO 1 O SER E O NADA CAPÍTULO 2 O SER DO PARA-SI E SUAS ESTRUTURAS IMEDIATAS: A INTERIORIDADE DA CONSCIÊNCIA CAPÍTULO 3 TEMPORALIDADE E O PARA-SI COMO TRANSCENDÊNCIA
CAPÍTULO 4 A LIBERDADE
CAPÍTULO 5 A CONSCIÊNCIA CO CONC NCLU LUSÕ SÕES ES REFERÊ REF ERÊNCI NCIAS AS BIB BIBLIO LIOGRÁ GRÁFIC FICAS AS BIBLIOGRAFIA
PREFÁCIO
Esta obra de Cléa Gois e Silva examina uma figura representativa da corrente d e pensamento da fenomenologia existencial e do marxismo, célebre por seus trabalho s profundos e notáveis sobre a filosofia, a existência, a literatura, a política, a étic a. Este homem é Jean-Paul Sartre. Cléa teve o cuidado de delimitar um setor de pesqu isa em torno da questão da liberdade e da consciência, na obra de Jean-Paul Sartre O Ser e o Nada. Se examinar este autor já é uma tarefa exaustiva e ousada, a ousadia de Cléa ainda é maior se pensarmos que em nossa época atual não se quer mais falar de co nsciência ou de sujeito, mas de regras e sistemas; nega-se o homem sujeito que faz significado pois afirma-se que o significado advém ao homem estrutural pelas estr
uturas sociolingüísticas; Sartre está fora de moda para uns e é mais atual que nunca par a outros. Examinar o existencialismo é uma ousadia intelectual que Cléa Gois e Silva percorreu com brilhantismo e clareza de exposição, neste livro que certamente enriq uecerá os leitores brasileiros. Sartre subentende um otimismo que se esconde sob sua concepção da história e da li berdade, pois ele é um arauto do humanismo conforme nos revela sua concepção reflexiva do sujeito, e que tão bem foi tratado por Cléa em seu livro. Sabemos que Sartre rec usa a pretensão das ciências, mesmo a das ciências humanas, de substituir a filosofia. A pretensão dos lingüistas, dos psicanalistas e antropólogos estruturalistas, do behaviorismo etc, de livrarem-se do sujeito, é por ele refutada pois a história é, para Sartre, um movimento de totalização cujo agente totalizador é ele próprio totalizad o enquanto parte de sua própria história, é o homem consciente e livre. "O importante, diz Sartre, não é o quede semaneira fez do homem, mas o queque elenão fazédo se fez dele". Cléa nos esclarece, extraordinária, a que partir de uma teoria do c onhecimento que se fundamenta o Ser, pois a consciência não é, inicialmente, um modo d e conhecimento: ela é ela mesma o sujeito conhecedor, ou como diz o próprio Sartre, em O Ser e o Nada, a consciência "é ela mesma um modo de ser" que já está prisioneira da aventura, do ato que a faz conhecer algo. Assim Sartre entende, com Husserl, qu e "toda consciência é consciência de algo" e isto implica, como bem observa Cléa, que el a se reconhece outra que este algo ou seja, que a consciência nega de si mesma que ela seja este outro para o qual ela se dirige para conhecer, ou que aí está present e para o seu conhecimento. Assim só pode haver consciência para um Sujeito situado à d istância de seu objeto, em posição de interrogar sobre o que é ou não é este objeto. A expos ição feita pela autora deste livro é importante para nos fazer compreender que a consc iência, no instante mesmo em que ela surge ela apreende o que ela não é, ou seja, o Se r em si que lá está, ou um "pleno de ser opaco", enquanto que ela, consciência, é transp arência.
de Sartre esta "distância" entre a consciência o Ser Nada. "distânc ia Nada"denomina que se desliza entre a consciência e o Ser em esi. É ode Nada que Éé uma "distância de nada" que separa a consciência do ser maciço e opaco. Assim vê-se que o Nada não é cont rário ao Ser mas, como o diz Sartre, o seu contraditório, e por isto é que o Ser é inces santemente neantizado pela consciência ou o Para-si, a realidade humana. Cléa Gois e Silva expõe claramente como o Nada é relação ao Ser, no surgimento mesmo da co nsciência em seu distanciamento do ser. É este distanciamento, mostra-nos a autora deste livro, que permite que a consciência interrogue o Ser, que o conheça, o julgue; que permite a consciência de escolher entre objetos, de escolher entre si tuações, de se dar um objeto irreal ou imaginário ou uma emoção. A negatividade do espírito é a maneira de se entender a vida do pensamento e da própria existência. E é por isto qu e Sartre nos diz que o "Para-si não é ser, ele existe". E Cléa nos esclarece que por e xistir é preciso entender esta perpétua explosão do ser que se desintrega, que se esti lhaça, mas que leva a consciência à ultrapassagem, a esta infatigável força da consciência q ue se distancia de seu objeto para se projetar sobre ele e para além dele. E por p rojeto, Cléa nos esclarece, que além deste movimento em direção ao objeto, visando organ izá-lo para um futuro que ainda não veio, a realidade humana, ela própria, se projeta para satisfazer suas necessidades e para realizar-se. É por isto que Sartre escrev e que "o homem se define por seu projeto". O livro de Cléa Gois e Silva destaca ainda como a liberdade se confunde com a negatividade, ou seja, que o "Para-si e a liberdade" são um só, que não podem ser dist inguidos um do outro. É a liberdade que permite ao homem de empreender e de realiz ar a sua essência. Diante da imprevisibilidade da sua própria liberdade, a consciência se angustia, ou, dito de outro modo, conforme observa a Cléa, a angústia não é outra co isa que esta apreensão da consciência diante de seu futuro que ainda não é, que ela vai fazer e que ela é totalmente livre de fazer. A consciência se angustia, por consegui nte, diante da sua própria liberdade. O livro de Cléa Gois e Silva é oportuno e atual, não só para os que se dedicam ao c cu u ltivo da filosofia, mas para todos aqueles leitores que se interessam pelas ques tões que giram em tomo da Subjetividade, da Consciência e da Liberdade.
Creusa Capalb
INTRODUÇÃO SARTRE E O EXISTENCIALISMO No Existencialismo é um Humanismo, manifesto onde Sartre pretendeu mostrar a q uintessência teóricacontra de O Ser o Nada, o filósofo tenta umauma saída para as numerosas críti cas que se dirigiam seuepensamento: a de apresentar visão demasiadament e sombria da vida; a de acentuar um pessimismo negro e desumano; a de escandaliz ar com seu naturalismo, similar, aliás, ao dos novelistas da época, complacentes com tudo o que fosse "feio" na vida humana. Daí o ensaio ter um título que precisa defe nder o "humanismo", ressaltando algumas teses principais de sua visão do mundo, de uma maneira que pretende ser menos pessimista. O pensamento de Sartre reflete a preocupação, dita "existencial", de que o homem , posto no mundo pela sociedade, política, família, educação, ou hábitos adquiridos, está se mpre, não num corredor estreito, ou num curral, mas numa encruzilhada de múltiplos c aminhos. A escolha, pelo ser humano, dentre os vários caminhos, deve revestir-se d a responsabilidade de uma opção, atuante, participante, por mais que isto possa pare cer inquietante, ou incômodo. Sartre entende por "existencialismo" um ideário, ou uma posição filosófica, que torn a possível dar um sentido à vida humana. Por outro lado, declara que toda a verdade, e toda a ação, implicam um meio humano, e uma subjetividade humana. O existencialismo afirma que a "existência precede a essência". Esta fórmula ou "t ese" ontológica, tem miríades de implicações, dentre as quais a de que temos que partir da subjetividade, para entender a existência. Para o existencialismo, tal como Sar tre o entende, o homem primeiramente existe, descobre-se a si, surge no mundo, e , só depois, define-se. O homem é, não apenas como ele se concebe, mas como ele quer q ue seja, ou como ele se concebe após a existência. Não somos mais do que o que fazemos . Ficou famosa sua resposta aos estruturalistas, no sentido de que não importa o q ue as estruturas fazem de nós, mas, sim, o que nós fazemos disso que elas fazem de nós . A primazia, ou anterioridade da existência, é o princípio fundamental do Existenci alismo. Seu primeiro esforço é, portanto, o de analisar o homem, na situação em que ele se encontra, e o de atribuir-lhe a total responsabilidade por aquilo que ele se torna, não só individual mas coletivamente. Pois, se a existência precede a essência, e se queremos existir, ao construirmos nossa imagem, esta imagem será "válida" para to dos: escolhendo-me, "escolho" a humanidade. Essa arqui-responsabilidade dá origem, como seria de se esperar, a uma "angústia". Não podemos escapar dessa responsabilid ade total. Para Sartre, a inexistência de Deus é um pressuposto "de fundo". Não se trata de p rová-lo: o homem está abandonado. Não encontra, nem em si, nem fora de si, realidade a lguma que o sustente. Se Deus não existe, não podemos encontrar, fora de nós, valores ou imposições que nos legitimem o comportamento. Somos livres, mas absolutamente sós, e sem desculpas. Para Sartre, não é tanto Deus que está morto, mas um conjunto de valo res intermediários, entre Deus e o homem, um conjunto de mitos e semideuses, que o s filósofos denominaram de "valores". Tudo é gratuito. No entanto, pelo próprio fato de existir, o homem tem que sobre pujar essa gratuidade. A capacidade de ser "bom" não é um "dever": encontra-se na próp ria vida. Mas o que posso fazer com minha liberdade? A liberdade, sendo basicamente projeto, tarefa, já que não tem essência, deve faze r-se, criar-se. Já que é espontaneidade pura, é invenção constante. Ser é agir. Enquanto pro jeto, a consciência se lança adiante, no futuro. O homem se distancia do seu passado
..., e do determinismo, ao projetar-se para o seu futuro. O "novo humanismo" de Sartre pretende mostrar que é possível uma liberdade para todos, uma liberdade que não seja um "ideal moral", mas que seja estrutura ontológic a da própria ação humana. Essa obra orienta-se pela fidelidade ao pensamento original de Sartre. Para tanto, devo deixá-lo manifestar-se em sua linguagem própria. Pretendo discutir quatr o de seus conceitos fundamentais: o de "liberdade", o de "consciência", o de "ser" , e o de "nada", tal como aparecem na trama de sua obra monumental, O Ser e o Na da, de 1943. O leitor não encontrará, aqui, uma "discussão de literatura pertinente ao tema", m as um mergulho direto, expositivo e analítico, no texto de O Ser e o Nada. Trata-s e de uma opção pela qual dividimos, meu orientador e eu, a responsabilidade. Por um lado, julgamos a "literatura pertinente" em geral, vaga, no sentido de que, mesm e não debruçar-s o realmente quando é significativa, abranger o conjunto da obraque de seria Sartredemasiadame e sobre O Ser e otenta Nada. Por outro lado, julgamos nte extenso, além dos limites de uma dissertação de mestrado, tentar situar O Ser e o Nada na trama histórica de suas inúmeras filiações, de Descartes a Hegel, de Kant a Huss erl, de Nietzsche a Heidegger etc, para não falar dos momentos em que Sartre se mo stra, simplesmente, "aristotélico"... Seria discutir praticamente toda a história da filosofia, toda a história da Antropologia Filosófica, e toda a história das ciências h umanas (p.ex. a "psicanálise existencial" que Sartre defende no seu livro, em diálog o... com Freud!). Isto, para não falar de literatura, do teatro, e dos contrastes entre os diversos "existencialismos", e entre o que é ainda mais amplo as diversas "filosofias da existência".
Pode parecer pretensioso enfrentar-se, numa dissertação de mestrado, uma das obr as principais da filosofia contemporânea, de maneira direta, em diálogo direto com o autor, e não indiretamente, em diálogo compretendo intermediários. não pretendo a t otalidade do pensamento Sartreano. Sequer fazer umaMas exegese completaestudar do texto d'O Ser e o Nada. O que pretendo é revisitá-lo, relê-lo, realçar certos aspectos, estabelecer certas correlações, trazer à luz, talvez, com alguma nitidez, alguns cont ornos da trama, por vezes absurda, de pensamento, em que se debate, internamente , o existencialismo sartreano. Terei atingido meu objetivo se, nesta dissertação, logrei apresentar, com alguma objetividade e algum rigor, as teses principais de Sartre acerca do Ser, do Nad a, da Liberdade e da Consciência, expondo suas implicações imediatas da maneira mais c lara possível. Começo pela análise dos conceitos de "Ser" e de "nada", e suas relações imediatas co m outros conceitos. A seguir, examino o conceito de "ser-para-si" na sua estrutu ra, que é a inferioridade da consciência. Esta tem um caráter paradoxal. O cogito sart reano tem tal natureza, que só tem "ser" na medida em que se ponha "fora de si" me smo. "O ser da consciência", afirma Sartre, "não coincide consigo mesmo em uma adequ ação plena" 1. Trata-se do "para-si", porque se trata da subjetividade, compreendida em si mesma. Essas análises são ainda parciais, e exigem a sua complementação, indispensável quando se trata do ser do homem, que é o estudo da dialética imanência/transcendê imanência/transcendência. ncia. Tudo, n o entanto, impõe-se a partir das análises precedentes. É preciso, assim, que me detenh a na análise sartreana da temporalidade, pois é ela que vai permitir o acesso à dialétic a da transcendência e da imanência. O homem é, para Sartre, liberdade, em seu próprio ser. Por isso, o estudo da liberda de resume todas as análises anteriores. Quando Sartre define a realidade humana o para-si , através das fórmulas que apresenta, está definindo a própria liberdade. Detenho -me, também, portanto, no exame das relações entre a liberdade e a facticidade, a situ ação, a moral e o valor. Finalmente, enfoco a consciência, e sua relação com a liberdade e a incomunicabili dade dos dois "reinos", o do ser-em-si, e o do ser-para-si. Minha intenção, além de traçar um esboço das grandes linhas do pensamento sartreano, n
'O Ser e o Nada, é também apontar para as contradições desse pensamento. Haverá, então, mome ntos, em que o leitor estará diante de uma fusão entre o expositor e o pensamento ex posto. Mas haverá outros momentos, sobretudo no terço final da dissertação, em que se po derá notar o distanciamento, gradativo, tão necessário à atitude crítica.
CAPÍTULO 1
O SER E O NADA Quando Sartre publicou, em 1943, o O Ser e o Nada, "Ensaio de Ontologia Feno menológica", o seu pensamento existencialista já estava plenamente elaborado. Por is so, julgo suficiente analisar somente esta obra. Pois, é nela que o tema por mim e scolhido liberdade e consciência foi por ele tratado com maior profundidade e abra ngência. Neste capítulo, apresentarei os conceitos principais do existencialismo de Sartre e exporei suas implicações imediatas, tornando certas idéias mais claras, para facilitar a inteligibilidade de minhas análises subseqüentes. Sartre nos remete à análise do subtítulo da obra, para dizer-nos o que pretende: O pensamento moderno progrediu consideravelmente, ao reduzir o existente à série das aparições que o manifestam. Pretendeu-se, assim, suprimir certo número de dualismos, que enredavam a filosofia, e que foram substituídos pelo monismo do fenômeno. Ter-se -á atingido o objetivo? 2 Ou seja, o que aparece constitui o que se chama de fenômeno. E o ponto de vist a ontológico de Sartre será justamente uma crítica à dicotomia fenômeno e coisa em si; ou essência e aparência. Já não temos que distinguir, no existente, um "fora" e um "dentro", uma aparência acessível à observação, e uma natureza escondida atrás dela, como se houvesse entre ambas uma cortina. O "Ser" de um existente é exatamente aquilo que ele mostra. A aparência , a objetividade do fenômeno, é a realidade completa da coisa. O fenômeno, ou aquilo que se manifesta, consiste em ser plena positividade, sua essência é um aparecer que já não se opõe ao ser, pois que é, ao con trário, a sua medida. Porque o ser de um existente reside precisamente no fato de que ele aparece 3 É um relativo-absoluto; "relativo", enquanto se relaciona com aquele a quem ap arece; "absoluto", enquanto não se refere a mais nada senão a si mesmo. O que o fenôme no é, e o é absolutamente; mostra-se como é. Podemos, então, descrevê-lo como tal, pois é ab solutamente indicativo de si mesmo. A sua descrição constituirá, por isso, uma "ontolo gia", porque visará o próprio ser; mas uma ontologia "fenomenológica", uma vez que o s er é a objetividade do fenômeno. O que o fenômeno é, ele o é absolutamente, tal como é; o fenômeno é absolutamente indica tivo de si mesmo. Dessa maneira, desaparece também o dualismo de potência e ato, que , desde Aristóteles, estava ligado ao dualismo do fenômeno, ou acidente, e da essência , ou substância. "Tudo está em ato", pois o fenômeno encerra toda a realidade do ser, e, a aparência, toda a essência: atrás do ato, nada há, nem potência, nem virtualidade. O ser é necessariamente, constantemente e absolutamente tudo o que é, e a essência é a lig ação entre as sucessivas aparições do existente, isto é, é ela própria aparição.
Entretanto, Sartre diz que não podemos aceitar o idealismo que, apesar de ter reduzido o ser ao fenômeno e tê-lo suposto coextensivo a ele, errou ao "subjetivar" o próprio fenômeno e, com ele, o ser. Para Sartre, o ser do fenômeno é verdadeiramente u ma aparição de ser, e como tal deve ser descrita. Há um fenômeno de ser, que é o ser do ap arecer, e que a ontologia descreverá, tal como se manifesta. Mas, nesta descrição, não s e descobrirá no fenômeno, no existente, um ser com o qual estamos selecionados de qu alquer modo, como se o objeto recebesse ou possuísse seu ser por participação ou criação. O objeto "é", e nada mais pode ser dito. Como ser, ele é que se indica a si mesmo, c omo sendo um conjunto organizado de qualidades, a condição para qualquer revelação, serpara-desvendar e não-ser-desvendado: o ser do fenômeno é a condição e o fundamento do ser, e não o ser o fundamento do fenômeno. Segue-se que o "ser do fenômeno" não pode reduzir -se ao "fenômeno de ser"; "o ser do fenômeno excede e funda, simultaneamente o conhe cimento que se tem dele". O fenômeno sartreano revela uma dimensão ontológica, no sentido de que ele é um apelo de ser; ele exige, enquanto fenômeno, um fundamento que seja transfenomenal. O fenômeno de ser exige a transfenomenalidade do ser 4. Sartre está empenhado em salvar o ser do subjetivismo e, no entanto, situa-se numa perspectiva que parte da subjetividade; a partir dela, deve-se atingir a af irmação de uma existência objetiva estabelecida. A argumentação ontológica de Sartre é elaborada a partir do ser pré-reflexivo do perci piens, do ser "percipiente". E eis a evidência: "Toda consciência é consciência de algum a coisa". Não se pode entender a consciência como princípio constitutivo do ser do objeto; então, entende-se que a consciência, em sua natureza mais profunda, é relação a um ser transcendente. A razão é lógica: ter consciência de alguma oisa é estar diante de uma presença concreta e plena, que não é a consciência. E o signifi cado que possa ter a consciência lhe advém desse outro que não ela mesma. Assim sendo, é a própria estrutura da consciência humana que garante o ser objetivo do fenômeno: "a consciência nasce conduzida por um ser que não é ela mesma. Isso é o que chamamos de pro va ontológica". O que Sartre deseja é explicitar o próprio fundamento da consciência, is to é, a consciência explicada como um vazio total. Sartre determina o ser do fenômeno de uma maneira negativa; busca atingir o pleno ser; e diz que "o ser está em todos os lugares" 5. Mas a determinação do ser permanece "indeterminada" (sic), isto é, ela é determinada por uma "indeterminação" radical, a saber, pela consciência que, esta sim , é uma aparência absoluta, ao passo que o aparecer do fenômeno descansa na plenitude do ser. Sartre cinde o ser da consciência, a ponto de definir a consciência da segui nte maneira: a consciência é um ser para o qual, em seu próprio ser, ergue-se a questão de seu ser, e nquanto este implica em ser outro que não ele mesmo" 6. Sartre afirma a tese: "a consciência é consciência de alguma coisa: isto significa que a transcendência é a estrutura constitutiva da consciência" 7. Partindo do fenômeno , Sartre determina, por um lado, qual é o fundamento do fenômeno que, enquanto em si , define-se como totalmente outro, que não a consciência. Por outro lado, Sartre per gunta pelo fundamento da consciência. E também pretende resolver o problema da relação e xistente entre estes dois reinos, que parecem opor-se de maneira radical, a saber, o ser do em-si e o ser do para-si. Descobre Sartre o ser no pleno sentido do termo, o em-si. Examina a fórmula de Berkeley: "ser é ser percebido ou perceber", e não a aceita integralmente, a partir da seguinte análise: o ser não pode reduzir-se, nem a um, nem a outro. Não se reduz a o que percebe, ou à consciência, pois esta, como tal, é um ser: há um ser do conheciment o, que requer ele próprio um fundamento, e na falta do qual o conjunto "percepção-perc ebido" desfaz-se no nada. Sendo assim, o ser-fundamento do percipere deve ser el e próprio transfenomenal. O ser não se reduz ao fato de ser percebido, porque nos co nduz primeiramente ao que percebe, cujo ser nos é revelado como consciência. Sartre rechaça a imanência do ser na consciência, falando-nos da prova ontológica, à m
aneira de Descartes, para mostrar a realidade transubjetiva do ser do fenômeno. "A consciência é consciência de alguma coisa, isto significa que a transcendência é a estrut ura constitutiva da consciência". A consciência nasce dirigida para um ser que não é ela . Eis o que ele chama de "prova ontológica". Pois dizer que a consciência é consciência de alguma coisa é dizer que ela se produz como revelação-revelada de um ser que não é ela mesma e que se dá como existente, já quando ela o revela. Exige que o ser do que apa rece não exista somente enquanto aparece. O ser transfenomenal do que é para a consc iência é o mesmo que em si. De resto, a consciência é sempre consciência de qualquer coisa , e não pura espontaneidade: supor que o ser se reduz ao ser-percebido será supor qu e a consciência dá o ser num nada exterior a ela, conservando-lhe o seu nada de ser. Mas, segundo Sartre, isto é absurdo. Torna-se forçoso admitir, então, que o conhecime nto exige simultaneamente o ser transfenomenal da consciência e o ser transfenomen al do fenômeno. Portanto, "o ser transfenomenal daquilo que é para a consciência é ele m esmo em si". Há o ser da consciência, ou ser-para-si, e há o ser-em-si. Partindo dos fenômenos, Sartre postula dois tipos de ser: o ser-em-si e o serpara-si. Esta é a divisão sartreana das duas categorias fundamentais do ser, que pas samos agora a analisar. O ser-em-si, a coisa, é o sentido do ser da existência, implicado no fenômeno e re velado pela consciência. O ser-para-si, ou consciência, é o ser dotado de consciência, q ue se opõe ao ser objeto. Sartre procede a uma primeira caracterização do ser-em-si, porque sua completa e lucidação resultará de suas relações com o para-si. De um ente, somente podemos dizer: o s er é, o ser é em si, o ser é o que ele é. Portanto, o em-si é o ser. "O ser é" significa simples afirmação e plena positividade, que não envolve nenhuma negação: pura identidade de si consigo mesmo. É o SER que se encontra isolado em seu s er, e que não mantém nenhuma relação com o que não é ele. A passagem, o devenir, tudo o que
permite dizer que o ser não é o que será, tudo Isto é negado a princípio. Porque o ser já é o ser do devenir, e por ele é que se encontra, mais adiante, o devenir. Não conhece en tão a alteridade, não pode sustentar relação alguma com o outro. É "si mesmo" indefinidame nte, e se esgota no ser. Por isto escapa, também, à temporalidade. "O ser é em-si", significa que é Inchado. Não poderia explicar-se por uma criação ex-n ihilo, pois tal idéia é contraditória. Um ser criado, que emanasse de Deus, permanecer ia imanente à consciência divina, como um ser intra-subjetivo; ou se o concebermos e xistindo fora de Deus, não teria consistência frente a Ele, como ser em si, senão se e ncontraria fundido n'Ele. Se o ser existe frente a Deus, é porque ele é seu próprio su porte, e não conserva o mínimo rastro de criação divina. Mas isto não implica que o ser se cria a si mesmo, o que suporia que o ser é anterior a si. O ser não poderia ser cau sa sui à maneira da consciência. O ser é "si". Isto significa que não é atividade nem pass ividade. Estas noções são humanas, e designam condutas humanas, ou instrumentos de condutas humanas. A consistência em si do ser está além do ativo e do passivo. "O ser é o qu que e ele é": este é o pr princípio incípio da i identidade, dentidade, que se aplica aos juízos analít icos, mas que, aqui, é um princípio "regional", sintético, do ser. Significa o contrário do ser da consciência, como sendo aquele que não era e que deve chegar a ser o que é; e, portanto, que não poderia não ser o que ele não é. Designa a opacidade do ser em si, que não tem um "dentro", que possa opor-se a um "fora". Por isso, diz Sartre: "o ser-em-si não tem segredo: ele é maciço. O ser é opaco a si mesmo, precisamente porque e stá cheio de si mesmo" 8. Este ser-em-si não pode ser, nem derivado do possível, nem r eferido ao necessário. Um existente não pode ser derivado de outro existente. É o que Sartre denomina de "a contingência do ser-em-si" 9. O ser-em-si não é, nem possível, nem impossível: ele é. É o que se expressa dizendo que ele é "por excesso", ou seja, que não pode derivar-se de nada, nem de outro ser, nem de um possível, nem de uma lei nece ssária. Conclui-se que o ser é inchado, como nos diz Sartre: "Inchado, sem razão de se r, o ser-em-si é demais para a eternidade" 10. Assim, o ser-em-si resolve-se como contingência radical e a consciência dirá que o ser-em-si é "demais"; ela não pode absolutamente derivá-lo de nada, nem de outro ser,
nem de um possível e nem de uma lei necessária. O ser-em-si é pleno, maciço, compacto, sem vícios, nem fissuras. Na descrição sartrean a, o ser-em-si parece o ser imóvel de Parmênides, o princípio da identidade perfeita. O ser é uma adequação plena. Não há no em-si uma parcela de ser que esteja em relação a si pr ia, sem distância. Não há no ser, assim concebido, a dualidade: "a densidade do ser do em-si é infinita. É o pleno". O em-si é plenamente indeterminado; ele sofre determinação quando é posto em relação com um sujeito, e na condição de fenômeno. Dando-se a uma consciência, ele recebe uma deter minação. "O ser-em-si se dá e põe-se em relevo". Porém, Sartre entende o conhecimento como "negatividade pura"; isto é, quando o homem conhece, nada acrescenta ao em-si, po is o ato de conhecer não é criador, e, portanto, não afeta o em-si. O ato de conhecer
faz com que haja ser; masrealiza este ser não no é aquilo que e simalgo uma determinação . A "negatividade pura" o ser, sentido deele queé, coloca em relevo, negativa que é o fenômeno. E, portanto, o ser só é admitido como aderência total ao fenômeno. Não há e icações a partir de princípios transcendentais. E, surpreendentemente, a análise feita p or Sartre das características do em-si é sucinta: restringe-se a revelar o em-si num aspecto puramente formal, excluindo qualquer abertura para um possível conteúdo de sua realidade. Continuando, Sartre procede à investigação do problema do Nada, que é o terceiro com ponente do real, tão fundamental na ontologia sartreana, que marca a transição ao exam e do ser-para-si. Em-si e para-si são os dois termos irredutíveis, os dois tipos de ser que contin uamos a analisar. Entre ambos, não há, diz Sartre, qualquer ação real. Existem relações, cuj o estudo pertence à ontologia, como a que pretende resolver a seguinte questão: o qu e se passará no homem, e no mundo, para que possam vir a correlacionar-se? A respo sta é que tudo se passa como se o em-si, que é a realidade humana, para se fundar e justificar a si mesmo, para remediar a sua contingência e gratuidade estruturais, se transformasse no para-si, ou seja, na consciência, efetuando a descompressão da d ensidade maciça e plena de que é feito, como em-si, e introduzindo no seu ser uma fa lha de nada. Sartre define contingência "como ausência de razão de ser". Portanto, nes te ser, que se chama o "conhecente", o único ser que se mostra
acessível é o que está sempre aí, isto é, o conhecido. O conhecente, como tal, não existe, e ninguém pode apreendê-lo: nada mais é do que aquilo pelo qual há um estar-aí do conhecido , uma presença. Porque, de si mesmo, o conhecido, nem é presente, nem ausente: é o emsi que, como tal, não tem relação com nada, nem consigo, nem com qualquer outra coisa. Essa presença do conhecido está presente a nada. O surgimento deste nada constitui a condição para que haja um mundo, e este nada é a própria realidade humana, que é, ao mes mo tempo, posição e negação do mundo, com seu fundamento em nós. Só vale como aparição do mun porque o mundo, na qualidade de em-si, não é afetado pela representação que nós temos del e. O mundo, o em-si, está para além da sua absolutidade absurda. Por isso diz Sartre "que no estudo da realidade-humana, encontraremos sempre este par irredutível e i ndissolúvel: o Ser e o Nada" 11. Na relação homem-mundo, todo o ser está do lado do mundo, ou do Em-si, e não do lado da consciência, ou do Para-si. O Para-si é a pura relação com o Em-si; o para-si não pode ser concebido como existindo primeiramente, para depois atingir o ser. Pois, se a consciência é necessariamente consciência de qualquer coisa, não pode haver consciência , senão através dessa qualquer coisa, antes da qual nada há senão o em-si, que não é consciên ia mas, pura objetividade. O para-si tampouco poderá ser compreendido como ser dot ado, por si mesmo, de certas tendências, que se atualizariam em uma relação com um obj eto, pois isto equivaleria a constituir o Para-si em Em-si, portanto à supressão da consciência como consciência. O Para-si é, e só pode ser, relação com o Em-si. E afirma Sart re: "O Para-si é, portanto, o fundamento da negatividade e de qualquer relação; é a própri a relação" 12. Sendo o Para-si nadificação original, é, portanto, constitutivamente, relação o em-si: em
seu próprio fundamento relaciona-se necessariamente ao em-si. Eu como negação interna, faz-se habitar por uma "fome de ser", de afirmação de si no ser, mas de um ser no q ual jamais consegue incidir. Neste momento, o tema da intencionalidade adquire a dimensão ontológica. O Para-si é relação ao em-si, como já dissemos: ele se confunde com se u próprio nada, e permanece separado do em-si, por nada. Mas qual é a origem do Nada ? O Nada, o não-ser, aparece sempre que interrogamos sobre o ser, porque as resp ostas sugerem juízos negativos, alguma limitação ou parte do não-ser. A interrogação nos rev ela que nos encontramos rodeados de negações, de nadas. É a possibilidade permanente d o não-ser, fora de nós mesmos, e em nós mesmos, que condiciona nossas questões sobre o s er. O que o ser seja deve surgir necessariamente sobre o fundo do que não é. Será na n egação, como estrutura do juízo negativo, que se encontra a origem do nada, ou, ao con trário, é o Nada, como estrutura do real, a origem e fundamento da negação? Sartre opta
pela segunda tese: as negações somente fazem cortes donecessária "não-ser no seio o ser" 13, pois do ser não se derivará nunca descobrir a negação.os A condição para qued seja p ssível dizer "não" é que o não-ser seja presença perpétua, em nós mesmos, e fora de nós mesmo ou seja, que o Nada seja interior ao ser. Desde que a negação nos leva ao nada, como sua origem e fundamento, torna-se nec essário que o Nada seja dado de qualquer maneira. Mas se não pode haver nada fora do ser, se não pode haver nada a partir do ser, pois o ser-em-si não contém o nada de fo rma alguma, nem como coisa, visto que ele é pleno e sem fissuras, nem como estrutu ra de si mesmo, pois exclui absolutamente o nada e se, finalmente, o nada, sendo não-ser, não pode aniquilar-se, isto é, produzir-se a ele mesmo, de onde vem o Nada? Se o Nada não pode aniquilar-se é porque, para aniquilar-se, é necessário ser. E som ente o Ser pode aniquilar-se: o nada é aniquilado e é pelo ser que o nada entra nas coisas. Para Sartre, o nada só pode surgir tendo "como fundo o ser". Mas como isto será possível? Em primeiro lugar, é de se notar que o ser, pelo qual o nada vem às cois as, não pode receber o nada, porque, em tal caso, o Nada só poderia entrar nesse ser através de outro ser, que, por sua vez, exigiria um terceiro ser que lhe transmit isse o nada. Isto nos levaria ao infinito de seres, o que é, para Sartre, absurdo. Em segundo lugar, o Ser, que é positividade pura, não pode produzir, e fazer existi r fora de si, um Nada de ser transcendente, porque um Nada transcendente é um nada de transcendência. É necessário, portanto, que o Ser aniquile o Nada, isto é, faça surgir o nada, no próprio Ser que o constitui. Parece-nos, assim, que o nada deve vir de dentro do ser. Mas que ser é esse? Esse Nada intramundano não poderia ser produzido pelo Ser-em-si; pois ele é fechado em si, totalmente opaco, plena positividade, não se poderia emprestar dele o nada, nem mesmo relacionar o nada ao ser. E a força n adificadora do nada revela-se no negativo. O processo de nadificação supõe de algum mo do o ser, visto que o processo de nadificação não poderia jamais ser atribuído ao próprio nada, que não é, segundo Sartre: "O Nada não se nadifica, o Nada é nadificado". Deve, po rtanto, existir um Ser, que, como vimos, não poderia ser o Em-si, e que tenha a pr opriedade de nadificar o Nada, "um ser pelo qual o nada venha às coisas coisas" " 14. Assi m sendo, o nada não pode proceder de si mesmo, pois o nada não é, e só pode proceder de algo que é; mas o nada também não deriva do em-si. Em conseqüência, o nada só pode vir de um ser que traga o nada dentro de si; se o nada não pode proceder do em-si, visto qu e ele é pleno, então deve vir de um ser que não seja pleno. Portanto, o nada se manife sta no mundo através daquele ser que se pergunta sobre o nada de seu m: "o homem é o ser Segundo Sartre, ntido. Mas qual é o
próprio ser, ou que deve ser o seu próprio nada. Esse ser é o home pelo qual o nada vem ao mundo" 15. o nada não se reduz a um mero conceito vazio, desprovido de se lugar desse nada?
O nada só se pode nadificar sobre um fundo de ser; se o nada pode ser dado, não é, nem antes, nem depois do ser, fora do ser, mas deve ser dado no seio mesmo do ser, no seu coração, como um verme 16. O elemento que vai possibilitar essa negação será o homem. E Sartre transfere o pr
oblema para a realidade humana. O nada é algo como uma "secreção" do homem, possibilit ada pela consciência. O paradoxo da realidade humana advém da unidade entre o ser e o nada. O homem é um ser habitado pelo seu próprio nada, e que permanece em sua nega tividade. Daí Sartre conclui que o homem tem "a faculdade de enfraquecer a estrutu ra de ser do ser". Mas esse enfraquecimento, esse "verme", segundo Sartre, rói a r ealidade humana, no sentido de que a atividade nadificadora do nada resulta em u ma autonadificação. Portanto, a nadificação não poderia atingir a "massa" de ser que é posta em face dela, não poderia nadificar a estrutura do em-si. Deste modo, pertence à re alidade humana o poder de produzir um nada que a isola. O processo nadificador é investigado por Sartre em duas direções. Na primeira, o e m-si é nadificado, mas somente na medida em que há um recuo nadificador por parte do para-si; isto é, o para-si recolhe-se a si quando tenta relacionar-se ao em-si, e este relacionamento é, constantemente, nadificação. Assim, qualquer determinismo caus
al válido para as coisas deixaria o para-si ileso, pois qualquer tentativa de relacionar-se ignoraria o p rocesso nadificador. Na segunda direção é que o processo nadificador atinge a própria re alidade do para-si: "o para-si se arranca ao ser para fazer sair de si a possibi lidade de um não-ser" 17. Desta forma, o para-si é auto-nadificador, e distingue-se pela contínua liberação que realiza em relação a si mesmo. O que importa para Sartre é que, na primeira direção, salvaguardou-se a dicotomia do em-si e do para-si; e, na segund a direção, não se pode verificar relação causal entre o para-si e o em-si. A noção de causali ade não existe no para-si. O binômio causa-efeito é exterior ao processo nadificador: "Todo processo nadificador só pode tirar sua origem de si próprio". Realmente, o nad a não poderia motivar o nada, e, por isso mesmo, é a origem absoluta de si mesmo. Temos, a partir daqui, outra questão: o que é o homem em seu ser, para que por e le o nada venha a ser? A resposta é a possibilidade que tem o homem de produzir o nada que o isola da transcendência. Isto se chama liberdade. O homem, em seu ser, "é" liberdade. Mas o que é liberdade para Sartre, neste momento da análise do nada? Se o homem não é estruturado por nenhuma constituição interna, a determinação da liberdade per manece ontologicamente negativa, pois qualquer tentativa de determinação incide na i ndeterminação. Portanto, a liberdade é indeterminação absoluta. Talvez se possa, então, comp reender porque Sartre se refere à liberdade como desprendimento do passado. "Esta liberdade, que se descobre a nós na angústia, pode caracterizar-se pela existência des se nada, que se insinua entre os motivos e o ato" 18. A liberação do passado torna-s e impossível porque todo o reconhecimento da vigência do passado resultaria em demar car o homem por um em-si; portanto, o passado, determinando a liberdade, assumir ia características do em- si, e infringiria o ato livre, pois Instauraria a relação causa-efeito. O reconhecimento do passado deve dar-se a partir do nada; o reconhecimento da liberdade implica o reconhecimento do nada como sua raiz geradora. O homem tem a tendência de se enc ontrar a si próprio, na coincidência com o ser, quando, na realidade, enfrentar o próp rio nada coincide com a humanidade radical do homem. Daí a angústia, pois olhar o na da nos olhos é admitir o homem naquilo que ele é em seu fundamento. Como já dissemos, é preciso que o homem se coloque fora do ser, que se isole, se gregando o nada. Colocar-se, assim, à distância, desembaraçar-se do ser, segregando um nada que o isole, é o que, justamente, no homem, chama-se a "liberdade". A liberdade é essencialmente humana. Mas, não devemos concebê-la como uma propried ade da essência do homem, como se, a essa essência já constituída, a liberdade se viesse juntar, a título de determinação. A liberdade precede a essência e a torna possível, porq ue a essência do homem está suspensa da sua liberdade: "não se pode separar a liberdad e do ser do homem, e não há qualquer diferença entre o ser-do-homem e o seu ser-livre" . Tentando esclarecer, ainda, a questão da liberdade e sua relação com o Nada, averi guaremos como, e em que medida, a liberdade condiciona a aparição do nada. Em primeiro lugar, verificamos que a realidade humana não pode destacar-se do mundo, uma vez que é, por natureza, "arrancamento de si própria", "fuga de si". Aqui , supõe-se que o ser humano se arranca do seio do ser, onde, primeiramente, repous a, "por meio de um recuo aniquilante", mas de tal forma que a aniquilação seja condi
cionada por uma relação a si, no decurso de um processo temporal, que constitui prop riamente a consciência. Mas, para que esta consciência seja possível, renunciamos à conc epção que a reduz a um encadeamento causai, no qual cada estado determinaria o segui nte. Pois, isso equivaleria a transformá-la em uma plenitude de ser, ou fazer dela "coisa", e, então, seria impossível destacá-la da totalidade ilimitada do s er, colocá-la à parte. A consciência, assim concebida, nada mais seria do que o mundo das coisas, estaria aglutinada no ser. E como explicar esse deslocamento da consciência, que condiciona qualquer negação? A explicação não pode ser dada por um estado anterior à consciência, porque nada se pode introduzir entre esse estado e o estado presente. O que os separa é precisamente n ada, mas um nada que é absolutamente intransponível, precisamente precisamente porque não é nada. Est e corte, esta fissura, este nada, é propriamente a separação entre o meu passado psíquic o imediato e oomeu presente: semdaesta separação, negação alguma seriaseguinte, possível,num pois, já dissemos, estado anterior consciência determinaria o estado r como itmo segundo o qual apenas poderia haver ser e plenitude. A consciência é, portanto, corte de ser, e consciência deste corte, como estrutura essencial própria do ser co nsciente, como condição absoluta, pela qual a consciência prova continuamente a si mes ma, que é aniquilação do seu próprio passado. Esta consciência de aniquilação, se existe, deve ser consciência de liberdade, por q ue a capacidade de se deslocar do ser, segregando o nada, constitui a própria cond ição da liberdade. A forma pela qual esta consciência de liberdade se apresentará, é, segu ndo Sartre, na angústia. A angústia é o modo de ser da liberdade como consciência de ser ; é "na angústia que a liberdade constitui no seu ser questão para si mesma". O eu que eu sou depende efetivamente, em si mesmo, do eu que ainda não sou; como o eu que ainda não sou depende do eu que já sou. Eu sou o meu próprio futuro "sob o modo do não-s er". Assim sendo, Sartre determina que, para ser aquilo através do qual o nada vem ao mundo, o homem deve ser livre: de outro modo, e pertencendo inteiramente ao determinismo próprio do ser-em-si, não poderia manifestar esse não-ser, que é o nada. A seguir,
determina que, para ser aquilo através do qual o nada se manifesta, a liberdade de ve ser, no homem, angústia: ela é, de fato, o dar conta da existência desse nada, que é o meu futuro como série das minhas ações possíveis, e que, portanto, ainda não-são. E um Eu que eu não-sou ainda deverá decidir autonomamente. O homem tem horror a esta indeter minação, a esta disponibilidade, a este vazio, que é o próprio nada: "Na angústia, a liber dade angustia-se perante si mesma, na medida em que nunca é solicitada ou limitada por nada" 19. Mas a descoberta verdadeiramente angustiante é que este vazio, este não ser, não e stá perante ou fora de nós; ele está em nós mesmos. O homem não tarda a descobrir que esta inquietante liberdade não está neste ou naquele ato contingente, que, enquanto tal, pode ser evitado; mas está, precisamente, nele próprio. Esta liberdade, que, na angústia, se descobre em nós, é caracterizada pela existênci a desse nada, que se introduz entre os motivos e o ato, graças à ineficiência essencia l dos motivos. Não é por eu ser livre que os motivos são ineficazes, mas porque eles são ineficazes é que eu sou livre. Quanto a esse nada, que serve de fundamento à liberd ade, é impossível descrevê-lo, uma vez que ele não é. Como Sartre adota, como método de análi e filosófica, os princípios básicos da fenomenologia, admite a característica fundamenta l da consciência, que é a intencionalidade: a consciência é sempre consciência de qualquer coisa. Conseqüentemente, o motivo não pode aparecer senão como correlação de uma consciênci a de motivo, isto é, o motivo não está nunca na consciência. Nunca há nada na consciência: e le existe apenas pela consciência. E, justamente porque o motivo não pode surgir, se não como aparição, é que ele se constitui a si mesmo como ineficaz: a sua transcendência, ou objetividade, está, por natureza, compreendida e incluída na consciência. Sendo ass im, a consciência escapa-lhe ao estabelecer o motivo. É, portanto, enquanto consciência, que a consciência faz surgir o nada, que o separa do motivo, ou seja, que aniquila o motivo como transcendente. A consciência, na verd ade aniquila-se a si mesma como transcendência. Este mesmo nada, como condição de qual quer negação transcendente, só se compreende desde que se baseie nos dois aniquilament
os: a consciência, como tal, está vazia de qualquer conteúdo, não é o seu próprio motivo; a consciência está diante do seu passado e do seu futuro, "como diante de si que ela é n o modo de não-ser". Livre, uma vez que se desprende do ser, e tornado assim um Eu na angústia, o h omem não conquista a liberdade de uma vez para sempre. Pelo contrário, ele precisa r efazer constantemente aquilo que constitui o ser-livre, isto é, precisa refazer a sua própria essência. Esta essência, ou este eu, com o seu conteúdo a priori, é tudo aquil o que eu sou, como ]á tendo sido, tudo aquilo que está atrás de mim. Eu devo arrancarme incessantemente a esse passado-presente, para que me possa fazer existir; do contrário, eu me tornaria em-si. Eu devo estar sempre para além, para diante de mim, e, como tal, cortado por um nada da essência que eu, existindo, realizo. Daqui na sce a angústia, que é o sentimento do meu abandono e da minha liberdade absoluta. Es ta angústia se reveste de um caráter moral, quando me considero na minha relação origina l com osconstituído valores. Ospelo valores mas este fundamento nunca pod erá ser ser.exigem Pois, um todofundamento, efeito é determinado por uma causa, e perde, assim, sua autonomia e o seu valor. O fundamento só pode revelar-se a uma liberdad e ativa, que o fez existir como valor, unicamente porque a liberdade o reconhece como tal. É assim, portanto, que a minha liberdade constitui o único fundamento dos valore s, e nada, absolutamente nada, justifica que eu adote este ou aquele valor, esta ou aquela escala de valores. "Sou o fundamento sem fundamento dos valores, é isto que eu experimento na angústia" 20.
Dizer que "o homem é angústia" significa dizer que ele está ligado por um compromi sso, e se dá conta de que não é apenas aquele que escolhe ser; é também um legislador, pro nto a escolher, ao mesmo tempo que a si próprio, a humanidade inteira, e não poderia escapar ao sentimento da sua total e profunda responsabilidade. Esta angústia não n os separa da ação, mas faz parte da própria ação. A angústia é a tomada de consciência da pos ilidade perpétua de transformação radical de si. Ontologicamente destinado a agir e a transcender o ser e, portanto, toda a rotina determinista, o homem dá-se conta de estar "condenado à liberdade", a qual se identifica, precisamente, por este urgent e impulso interior para transcender o existente. É nesta base que se instala a ten dência do homem para fugir de si próprio, para fugir da sua própria e angustiante aber tura interior ao não-ser. A fuga de si próprio, como pensamento humano, é definida por Sartre como "má-fé". Tendo em vista que a liberdade é a fonte de angústia do para-si, o homem tentará escapar do paradoxo de estar condenado à liberdade, através do comporta mento de "má-fé". A "má-fé" consiste, numa primeira aproximação, em mentir a si próprio, em construir um a imagem de si ou uma situação mesmo intersubjetiva que não-é. Analisando bem, a má-fé nã m poderia ser, uma verdadeira mentira. Impede-o o fato de que a consciência humana é substancialmente una. É devido a tal fato que "esse eu que se procura enganar faz parte do eu que engana" 21. A má-fé "é" mentir a si mesmo. Entretanto, não é uma pura e s imples mentira: o mentiroso nega aquilo que tem como verdade para si: nega para si mesmo a negação que enuncia. Na má-fé, acontece o contrário: eu minto a mim mesmo, e cr eio na mentira que a mim mesmo digo. Eu sou, portanto, simultaneamente enganador e enganado: como enganador, conheço a verdade que dissimulo a mim mesmo, como enganado. Isto significa que a consciência possui a propriedade de ser em si mesma o seu próprio nada, e que o nada vive nela. Neste ponto, Sartre marca sua posição perante a psicanálise e a concepção freudiana do inconsciente que lhe serve de fundamento. Freud, diz Sartre, recorrendo ao inco nsciente, apresenta a noção de mentira sem mentiroso, que substitui a noção de "má-fé". O in consciente permite compreender como eu posso não mentir a mim mesmo, mas "ser ment ido", pois coloca-me, em relação a mim, na situação de um outro postado em frente a mim próprio; substitui a dualidade do enganador e do enganado, condição essencial da menti ra, pela do "isto" e do "eu", introduzindo na subjetividade a estrutura intersub jetiva do "ser-com". Nesta hipótese, Sartre objeta, a censura, admitindo-se que el a se exerce com discernimento, deve conhecer o que recalca, para não sermos obriga dos a considerar o recalcamento como um entrechoque de forças cegas. A censura dev
e, portanto, escolher e, por isso, conhecer, isto é, há uma consciência do recalcament o, que tem a particularidade de se apresentar a si mesma como não sendo consciência. É a consciência que está de "má-fé". A má-fé é, na realidade, qualquer coisa de mais complex profundo, considerada para além de qualquer reprovação moralista. Ela fornece alguns elementos decisivos quanto à natureza e ao ser do homem. Sartre procede à análise da sinceridade, dizendo que a consciência, porque jamais pode coincidir consigo mesma, se torna por esse motivo incapaz de sinceridade. P ara a sinceridade poderá tender, mas nunca conseguirá alcançá-la, porque a sinceridade só poderia ser realizada se a consciência existisse como em-si, o que é contraditório. Po rtanto, ser, para a consciência, é, necessariamente, ser-de-má-fé. A sinceridade reduz-s e a um incessante jogo de espelhos, ou seja, a uma passagem contínua "do ser que é a quilo que é ao ser que não é aquilo que é, e inversamente". O comportamento da "má-fé" é priv legiado: advém de permitir o acesso à negatividade fundamental que é o homem. E o que se entende afinal por "má-fé"? Dentre os casos considerados por Sartre, deter-me-ei em três, que são particularmente significativos. O primeiro exemplo é que, encurralado por perguntas e provas irrefutáveis, o homossexual reconhece ter come tido certas ações, mas recusa ser considerado ou condenado como um verdadeiro pedera sta. Procura, então, evidenciar o caráter excepcional do seu caso, invoca mil descul pas e atenuantes, propõe interpretações menos claras para o seu comportamento. Tudo is to pode parecer ridículo ou reprovável, mas por trás desta atitude está a tentativa do h omossexual de se desidentificar com um certo ser, para se subtrair a um destino unívoco, para se sentir ainda livre para ser de um "outro" modo: "ele não se quer de ixar considerar como uma coisa: tem a vaga, mas forte consciência de que um homoss exual não é homossexual como esta mesa é mesa, ou como este homem ruivo é ruivo". Através da sua própria "má-fé", o homossexual exprime, em suma, a fundamental verdade de que o para-si não é o em-si, e que o homem não é uma coisa passiva e unívoca. Demonstra ainda, ao agir de uma certa maneira, que a irredutível peculiaridade do ser humano se man ifesta na angustiante forma da constante evasão, isto é, de um difícil e precário transc ender do próprio ser, em direção a um problemático não-ser. O segundo exemplo é o do garçom do café. Manifesta ele um interesse exagerado pelo s próprios clientes, comporta-se de um modo demasiado eficiente e preciso, movimen ta-se com demasiada rapidez e destreza, parece mais um autômato do que um homem. E tudo isto soa falso. Que jogo estará aquele garçom a jogar? "Não é necessário observar mu lto para dele nos darmos conta: finge ser empregado". Representa como representa todos os homens: como o comerciante, o alfaiate, o médico. Cada um deles represen ta um papel para realizá-lo. Todo homem se esforça por entrar o mais possível na sua p rópria função, porque sente estar sempre à beira de perdê-la, à beira de deixar escapar o em -si
dessa função: na medida em que o para-si do próprio ser-homem não se lhe adapta, ou não pe rmite o seu encerramento, ele tende a ultrapassá-la em direção a outro, em direção a algo que transcenda a sua função e condição, em direção a um não-ser. A "má-fé" do garçom revela a lidade fundamental da existência humana: a tendência para desenvolver, do modo mais sério, um certo papel, no qual se pode apegar-se a um em-si, sólido e permanente. Es sa tendência é, no entanto, sempre acompanhada, no homem, pela consciência. No caso do homossexual, do seu próprio excesso relativamente a tal papel e, portanto, dos se us limites em relação à infinitude do Eu. Mais ainda do que a do homossexual, a "má-fé" do garçom revela-nos a natureza fundamental do homem: a sua dramática cisão e a sua cons eqüente infelicidade: "O homem aspira à consistência e à presença do ser e, em vez disso, é fundamentalmente transcendência transcendência e falta" 22. Nascido com o nada, o para-si que o h omem é afirma-se no próprio momento em que age como negação e como transcendência, em direção ao não-ser. A profissão que exerce se assemelha a um destino, a uma espécie de fatalid ade. O garçom, o para-si, toma-se um ser-para-outro, isto é, comporta-se conforme os freqüentadores do café o vêem. Vê a si mesmo pelos olhos dos outros, e age de acordo co m essa "linguagem". O para-si, diante do olhar do outro, assume uma postura de e m-si. O terceiro exemplo da conduta de "má-fé", relatado por Sartre, é o da mulher que s
ai pela primeira vez com um homem. Ao aceitar o convite, ela sabe perfeitamente das intenções de seu acompanhante. Sabe também que, por isso mesmo, cedo ou tarde terá d e tomar uma decisão. Procura, contudo, adiá-la. Enquanto isso, prefere ater-se às atit udes de respeito e discrição de seu interlocutor, buscando vê-las conforme se lhes apr esentam naquele momento, ou seja, procurando ignorar o que ocorrerá mais adiante. Dessa forma, extrai das frases que lhe são dirigidas unicamente seu sentido explícito, objetivo, imediato. Se alguma apresenta conotação sexual, finge ignorar, faz-se de desentendid a. Seu acompanhante lhe parece respeitoso, como as paredes são azuis ou cinza, ou a mesa é quadrada ou redonda. Sabe do desejo que provoca no companheiro, mas se re cusa a admitir isso de maneira crua, o que lhe causaria nojo. Contudo, não lhe agr adaria ser alvo apenas do mero respeito. Para que se sinta satisfeita, é necessário um as sentimento seja inteiramente dirigido à suao pessoa. Quando homem lhe segu ra mãos, elaque consente, mas finge não perceber gesto. Leva seuocompanheiro a env eredar por devaneios sentimentais, enquanto ela retarda sua decisão. Deixa sua mão e ntre as dele, sem consentir, nem resistir a esse ato. Almeja, desta maneira, res guardar sua liberdade de escolher, fazendo com que ela desapareça, sem ser percebi da. Deixa que o outro escolha em seu lugar: guarda assim, o segredo de sua liber dade. Com esse abandono, essa metamorfose em coisa, livramo-nos da exigência de de cisão: deixamos que o outro escolha por nós. Segundo Sartre, trata-se de uma escamot eação. No exemplo do garçom, que representa um papel, Sartre nos chama atenção para o pro blema central: "o que somos nós, se temos a constante obrigação de nos fazer ser o que somos, se somos segundo o modo de ser do dever ser o que somos?" 23. O homem de ve ser algo com o qual consegue realmente coincidir; se represento uma função, não a s ou, permaneço dela separado, como o objeto do sujeito. Separado por nada, mas esse nada me isola daquela função, de tal maneira que só posso imaginar que sou o que ele representa. O garçom tenta "dar corpo" a um ser-em-si de garçom do café. O paradoxo es tá em que o homem busca ser algo sem poder de fato sê-lo: o homem não pode ser um serem-si. Como diz Sartre: "o homem só consegue realizar um em-si
negativamente, conforme o modo de ser o que não sou" 24. O homem se mantém distante daquilo que deve ser: isso é válido para todo o comportamento humano. Não estou neste bar, no mesmo sentido que o copo de chopp está sobre a mesa; eu permaneço necessaria mente separado desse modo de ser. Separado por nada, mas um nada que me impeça tod a e qualquer possibilidade de aderir a coisas ou a situações. O homem é, mas é de tal ma neira que escapa ao ser. Reconheçamos assim dois fatos importantes. O primeiro: o homem não coincide plen amente com o ser. O segundo: o homem tende necessariamente ao ser. Nunca pode in cidir no outro que não ele mesmo, e, no entanto, só pode viver em função desse outro. Sa rtre define assim a "má-fé": Fazer que eu seja o qu que e so sou u se segundo gundo o modo de "não ser o q que ue s se e é", ou que eu n não ão seja o que sou segundo o modo de "não ser o que se é" ou que não seja o que sou segund o o modo "de ser o que se é" 25. No plano do comportamento imediato, a condição de possibilidade da má-fé irá repousar no fato de que a realidade humana procura ser o que ela não é, e não ser o que é. Assim sendo, a imensidão da vida é a imensidão do nada, e a existência fica para sempre embria gada de uma ausência que não consegue preencher. A "má-fé" constitui a primeira das condutas humanas, imersa na fuga da angústia e da liberdade. A má-fé, que é o engano consciente de si mesmo, consiste em fugir daquil o de que não se pode fugir: fugir do que se é. A consciência oculta em seu ser um risc o permanente da má-fé, cuja origem reside em que a consciência, ao mesmo tempo, e em s eu próprio ser, é o que ela não é, e não é o que é. Esta má-fé existencial aponta já para a e a do ser-para-si da consciência, que analisarei no próximo capítulo.
CAPÍTULO 2 O SER DO PARA-SI E SUAS ESTRUTURAS IMEDIATAS: A INTERIORIDADE DA CONSCIÊNCIA Sartre analisa o mundo do sujeito, o homem, ou seja, o para-si. E desenvolve seu pensamento de modo análogo às suas reflexões sobre o em-si: busca o fundamento do para-si, que é o nada. A análise é feita a partir da compreensão do homem, como ser-no-mundo. Não aborda a consciência enquanto confinada a seus limites, e presa a si. É certo que, num determ inado sentido, ela vivenada voltada si própria,étanto que Sartre a designa de "pa ra-si": "A consciência tem para de substancial: uma pura aparência, no sentido de qu e só existe na medida em que se aparece" 26. Neste ponto, podemos dizer que a consciência permanece presa a si, sem consegu ir abandonar-se. Por outro lado, o ser da consciência é a intencionalidade, isto é, a consciência se experimenta como relação a si própria, e, ao mesmo tempo, se relaciona ao em-si. Essa duplicidade deve, no entanto, ser explicitada em sua unidade mais p rofunda. Se a consciência é para-si, opõe-se ao outro que não ela, opõe-se ao em-si. Se es sa oposição é radical, e se o em-si é o ser, então o para-si, sendo fundamentalmente outro que não o em-si, só pode ser nada, e um nada elucidado num plano ontológico, como fundamen to do para-si. Sartre desenvolve o tema da seguinte maneira: a concretude mundana da consciên cia põe em relevo um fato capital: o homem enfrenta o negativo, encontra-o em dive rsas modalidades de comportamento. A análise do concreto deve, pois, conduzir à orig em do negativo. Sartre dá o primeiro exemplo de comportamento, a interrogação. "Este homem que eu sou, se o apreendo tal como é neste momento no mundo, constato que se mantém diante do ser, numa atitude interrogativa" 27. A pergunta supõe um ser que pergunta, e um ser que é o objeto de pergunta; a pergunta denota uma "relação primitiva" do homem co m o em-si, uma "relação original da consciência com o ser". Mas esta relação é ambígua, pois dmite duas respostas, a afirmativa e a negativa; coloca-se a possibilidade de um a resposta negativa, em princípio, pois a situação daquele que pergunta configura-se c omo não-determinada: ele não sabe se a resposta será negativa ou afirmativa. Assim, "a pergunta é uma ponte lançada entre dois não-seres: não-ser do saber, no homem, possibil idade de não-ser, no ser transcendente". Em conseqüência, a pergunta encontra a negação no sujeito, ou seja, o "nada de saber" do sujeito, visto que este pergunta; e a pe rgunta também se depara com a negação, no ser transcendente, ou objeto: pergunto "Se o céu está coberto de nuvens, e apuro que não, que há um nada de nuvens". Em terceiro lug ar, a pergunta implica a existência da verdade; aqui encontramos a negação, ou o que S artre chama "o não-ser da limitação": quando afirmo que tal objeto apresenta tais e ta is atributos, nego-lhe todas as demais características. Parece que o pressuposto de toda pergunta é o ser e sua afirmação, de modo que, qu ando perguntamos, instalamo-nos no próprio seio do ser. Mas a análise de Sartre reve la o contrário: a pergunta manifesta o nada. A pergunta sobre o ser fica condicionada pela possibilidade permanente do não-ser, no sujeito e no ob jeto; "e é também o não-ser que circunscreverá a resposta: o que o ser será, manifestar-se -á necessariamente sobre o fundo daquilo que ele não é". Enquanto que o ser-em-si é pleno, maciço e idêntico a si mesmo, o ser-para-si está o co, nele há um vazio, ou negação de ser. O ser da consciência, enquanto consciência, consi ste em existir distanciado de si, como presença ante si e para si, e esta distância é o Nada. Assim, o Nada é esse vazio de ser, essa queda do em-si para o si, que se c onstitui em para-si. Tal é, para Sartre, a realidade humana enquanto é em seu ser a fundamentação da negação, nada no qual ser. o nada advém ao mundo. Não porque O homem seúnica converte, assim, ou no do ente pelo seja capaz de aniquilar, mas porque todas as suas possíveis relações com o si consiste
m em nihilizar o ser-em-si. O para-si é inteiramente "relação", e surge como resultado da aniquilação do real, pro duzida pela consciência. É o que não é. Surge como liberdade e evasão da consciência, com re speito ao que é. O Para-si define-se como a ambigüidade, que foge ao em-si, e que, a o mesmo tempo, a persegue: ele é o que não é; e não é o que é; é o ser dotado de consciência, e se opõe ao ser objeto, ao em-si. O em-si é a coisa, o objeto, o sentido do ser da existência, implicado no fenômeno e revelado pela consciência. As análises que Sartre passa a fazer, da negação e da má-fé, conduzem-nos à investigação ser da consciência, do para-si. Ele pretende definir o para-si rigorosamente, nas suas diferentes estruturas internas. Analisamos anteriormente como, para Sartre, a negação nos conduziu à liberdade, se m a qual é inexplicável. E como a liberdade nos conduziu à má-fé. Esta consiste em fugir d o que não se pode fugir, fugir do que se é. Isto revela uma "íntima desagregação" no ser, uma possibilidade permanente de não-ser-o-que-eu-sou, ou de ser-o-que-eu-não-sou. A boa-
fé corresponde a um esforço de coincidência consigo próprio, isto é, um esforço de oposição à gregação íntima do ser. A má-fé aceita essa desagregação, e nela se refugia, mas negando-a. N entanto, estes dois comportamentos, o da boa-fé e o da má-fé, revelam-nos que consist e em coincidir consigo, ao contrário do em-si, que é o pleno absoluto, a adaptação total entre o conteúdo e o continente. A consciência aparece-nos como uma "descompressão de ser". Não é possível defini-la co mo coincidência consigo, pois, na sua própria estrutura, há sempre dualidade. Na sua f orma mais primitiva, essa dualidade corresponde a um jogo de reflexos, porque a consciência é um reflexo, e o reflexo que ela é constitui, ao mesmo tempo, a sua própria reflexão. É esta a razão porque, algumas vezes, somos induzidos a supor que o regress o a nós mesmos corresponde a um processo de progresso Interminável. Mas no caso de o reflexo terminar, contudo, a consciência não poderia existir, pois seria reduzida a um em-si. A realidade é outra: esse reflexo-refletidor, que é a consciência, é um modo de ser completamente diferente do em-si; é uma dualidade que é unidade. O reflexo, a o tentarmos compreendê-lo, nos levará imediatamente ao refletidor, e, este, ao fenômen o total. Analisemos essa idéia da seguinte forma. Consideremos a consciência pré-refíexiva co mo consciência (de) si. Este '(de)' designa a consciência como pura consciência (de) q ualquer coisa ou consciência refletida. Assim a consideraremos, por definição, conform e Sartre. Compreenderemos que o si, aqui, não possa ser uma "propriedade" do em-si ; terá que ser um reflexo, uma vez que nos remete a um sujeito, implicando com est e uma relação de dualidade. Dualidade que é essencial, pois o si não pode ser, nem o suj eito, senão se coagularia na identidade do em-si; nem um objeto, uma vez que é indic ação do próprio sujeito. Se fizermos do si um sujeito, ou um objeto, ele desaparecerá co mo "si". Nesse caso, o em-si não poderia ser apreendido como um existente real. Já a possibilidade de apreensão significa uma distância ideal no próprio seio do sujeito e em relação a ele mesmo; é uma maneira de fugir à pura identidade , de não ser a sua própria coincidência, de estar num equilíbrio permanentemente instável, entre a identidade como pleno absoluto e a unidade como síntese do múltiplo. Eis o que é designado por "presença a si" ou "para-si". Nota-se, assim, como o fato de ser "presente a" implica dualidade, e, portan to, separação. Trata-se do deslocamento do ser em relação a si. "Uma fissura se abriu no ser: para ser presente a si, é preciso ser si, completa e absolutamente". Esta fi ssura, que separa o sujeito de si mesmo, é o nada; é o puro negativo, e não uma realid ade qualificada: nem distância espacial, nem lapso de tempo, nem conflito interior etc. Em parte nenhuma apreendemos o nada na sua pureza, porque ele é simultaneame nte nada de ser e poder de aniquilação. Mas hipostariamos o nada; o nada que surge n o seio da consciência não é: é ser feito, isto é, "o para-si constitui o seu próprio nada". Pela consciência, eu me coloco à distância do que sou, e constituo-me como não sendo o q ue sou, ou como sendo o que não sou. O para-si é um perpétuo retorno de si para si, na da ser, vem serdo pelo próprio ser, isto "pela realidade humana, fundamen to de único doque nada noao seio ser" 28. Portanto, o é, fundamento da presença de si está no nada.
É o para-si que origina os valores e os possíveis. O para-si é presença-ao-mundo, um a vez que há nele algo de que ele não é o fundamento, isto é, uma vez que há nele o contin gente. "Este contingente é o próprio ser que ele é, o em-si, que ele aniquila, para fa zê-lo existir para-si, e que a consciência não pode dar a si nem receber de outro". Neste caso, pode-se dizer que a consciência é o seu próprio fundamento, pois ela f unda-se a si, como falha de ser. No entanto, é sempre contingente que haja consciênc ia. E não podemos sequer admitir o em-si infinito, sem o para-si; isto é, o para-si é um "acontecimento absoluto", contingente no seu próprio ser: tal c omo a totalidade aniquilada do refletido-refletidor, ele está sustentado no seu se r pela contingência, em perpétuo esvaimento do em-si; e contingente, por sua vez, de ssa mesma contingência que constitui a sua "facticidade". O para-si é necessário, uma vez que funda a si próprio, não é mais do que um fato puro e simples - contingência - um
a vezde que, tal comoisto é, poderia não ser. A aparição do para-si à tentativa m-si se fundar, é, de remover a sua contingência. Mas corresponde esta tentativa leva à ando e iquilação do em-si, à sua degradação em para-si. "O para-si é, portanto, uma descompressão ou uma desestruturação do em-si. É uma doença do ser" 29. "O para-si, consciente da sua fac ticidade, sente que é inteiramente gratuito, que existe para nada, como sendo dema siado" 30. O para-si fundamenta-se a si próprio, como falta de ser: está determinado no seu ser por um ser que não é ele. Nenhuma negação pode ter tanta profundidade, como a que s e exprime por falta ou deficiência. A falta, que não pode fazer parte da natureza do em-si, também não pode surgir no mundo, senão pela realidade humana: a falta só aparece no mundo humano. Neste caso, o que é objeto de intuição é o deficiente, isto é, o existen te, a quem falta qualquer coisa. Este existente, em si, será sempre o que é: para o definir como deficiente em qualquer coisa, é preciso que eu ultrapasse o dado, em direção ã totalidade realizada. O exemplo que Sartre nos fornece é o da lua crescente, c omo lua incompleta, ou, ainda, não-cheia, em relação ao disco da lua cheia, para que, a partir dessa totalidade, eu constitua o dado como deficiente, como lua crescen te, ou incompleta. Portanto, é aquilo que falta que determina o existente; ou, "o que não é determina o que é". Se a falta não pode vir ao mundo senão pela realidade humana, a realidade humana tem que ser em si mesma uma falta, ao negar intuitivamente que determinado ser constitua uma totalidade. No exemplo citado por Sartre, o que eu vejo é apenas uma lua incompleta, isto é, na minha representação falta qualquer coisa; essa representação m e conduz a uma totalidade que não existe para mim. Esta falta pode ser apreendida na própria estrutura do para-si. O para-si se funda, negando de si um si, o ser-em -si. Mas o ser-em-si, assim aniquilado, não pode ser, senão si, o em-si que eu sou. O para-si é presença a "si"; mas esse "si" não deve ser apreendido como se fosse um se r plenamente real. O sujeito não pode ser ele mesmo, porque a coincidência total con sigo destruiria o si do para-si. E o sujeito não pode não ser ele mesmo, porque, pel o "si" do para-si, o sujeito se indica a "si" mesmo. Portanto, como já disse acima : o si representa uma distância ideal na imanência do sujeito em relação a si mesmo, um mo do de não ser sua própria coincidência, de escapar à identidade colocando-a ao mesmo tem po como unidade 31. A realidade humana é o seu próprio nada: é, propriamente, um si-como-ser-em-si-def iciente, uma vez que o para-si é um esforço que não consegue ultimar-se, para se fazer coincidir com o que é. Este insucesso define o ser do para-si, visto que ele mesm o se apreende como fracasso em presença do "si", que ele não conseguiu ser, com o qu al não logrou coincidir. A realidade humana só existe, portanto, como carência: não começa primeiro a existir , para depois vir a ser a falha disto ou daquilo; é essencialmente carência e, desde a origem, encontra-se sinteticamente ligada com o que lhe falta, "como sendo, e nquanto não é, ou como não sendo, enquanto é". A realidade humana tenta, portanto, incessantemente, chegar a uma coincidência consi
go mesma, sem que, no entanto, a consiga realizar: enquanto para-si, isto é, enqua nto ser que não é, senão o fundamento do seu nada, ela se ultrapassa indefinidamente e m direção ao ser, ao em-si, que é fundamento do seu ser. Sartre afirma que o ser, em d ireção ao qual se transcende a realidade humana "está no seu próprio coração; não é senão ela a, como totalidade. Porém, esta totalidade, ou identidade consigo, nunca se pode d ar, pois é contraditória em si mesma: "os caracteres do em-si e do para-si são inconci liáveis". A partir desta análise, Sartre definirá o valor. O valor não poderia ser um ser-em -si: "O seu ser é de ser valor, isto é, de não ser. Assim, o ser do valor enquanto val or é o ser daquilo que não tem ser" 32. Porém, em algum sentido o ser pertence ao valo r. Esse sentido advém da realidade humana. O para-si tende a algo, e, ao tender, v ai além de si mesmo, orienta-se a uma totalidade. O para-si busca a coincidência com o valor; assim sendo, o valor surge como o ser absoluto do "si" do para-si, e s
e apresenta como identidade, permanência, ou como estabilidade fundante doé, "si" para-si. A consecução da coincidência se frustra, já que o valor, ou não ou édoum em-si et rnamente ausente, que persegue o sendo para-si. Sartre então define o valor como " totalidade falha". Enquanto orientado a tal totalidade é que o para-si se faz ser. Desta maneira, temos, de um lado, que o para-si procura o ser do valor, como se buscasse seu fundamento. Por outro lado, esta busca revela-se inútil, visto que o valor não é. Mas o importante é que, dessas ambigüidades, nasce como que um ato positiv o para a realidade humana: o para-si se fundamenta a si próprio, como liberdade, e não como ser. Como diz Sartre "o valor é o ser que o para-si deve ser, enquanto é o f undamento de seu nada de ser". O valor significa o ser que eu não sou, mas que ten ho de me fazer ser. Como tal, este ser não pode existir, senão pela liberdade, e a liberdade é, por sua vez, aq uilo que me faz existir a mim mesmo. O valor não está posto como um objeto, perante o para-si. O valor constitui, com o para-si, uma só "coisa" e, como tal, não pode se r conhecido, mas vivido. Poderá ser objetivado pela consciência reflexiva, ao procur ar esta livrar-se da falta que em si experimenta. Segue-se que o-ser-para-o-valo r é totalmente contingente, pois não pode assentar senão na liberdade: a moral torna-s e inteiramente relativa. Desde que o para-si, não pode ser, senão nada aniquilador, pelo fato de o em-si absorver toda a positividade do ser, também o valor não pode aparecer, senão como um n ada, ou uma falta de ser. Porque o ser, sendo o que é e não sendo senão o que é, exclui a idéia de valor, pelo mesmo motivo que exclui qualquer relação consigo, ou com outra coisa além de si. Desta maneira, o valor vem a ser uma propriedade do nada: surge desse nada, que é o para-si, e traduz o esforço requerido pela impossível ultra-passag em do para-si, em direção ao em-si, com o fim de se identificar com ele. O valor é con tingente, como o para-si, e, simultaneamente necessário, como o esforço vão para conse guir a identidade. O em-si é um ato, destituído de qualquer potencialidade, o que o torna coisa maciça e plena, matéria pura. Através do para-si, chegamos à definição da realidade humana, como falta de coincidênc ia com ela mesma. O deficiente é, portanto, transcendente em relação ao existente. No exemplo dado por Sartre, a lua cheia, como totalidade, é o deficiente, que está para lá do crescente da lua e que, por algum motivo, o transcende. Da mesma forma, o " si", como identidade do em-si com o para-si, é, como deficiente, perpetuamente tra nscendente, em relação ao para-si. Este deficiente, transcendente em relação a cada para -si, é o que se chama o possível do para-si. O possível surge, simultaneamente com o p ara-si, isto é, surge da "descompressão" do ser. É, propriamente, uma maneira de ser, à distância de si, aquilo que se é. O para-si não pode ser, portanto, sem ser seguido pelo valor e sem ser projetado no sentido dos seus própr ios possíveis, ou seja, no sentido daquilo que ele é sob o modo de não ser. A possibilidade que define o deficiente transcendente apresenta-se como pert encendo a um ser individual, como um poder. Não se reduz à realidade subjetiva. Cont udo, também não é anterior ao real e ao verdadeiro; não há mundo dos possíveis, exterior e s uperior ao ser. O possível não é nada, se não for o possível de um existente, que sustenta no seu ser o não ser do seu estado futuro. resultado O possível de dentro do nadificador do para-si, e aparece como um dasurge "descompressão" doprocesso ser, como já assinalamos. Mas esta rígida doutrina do em-si faz com que Sartre exclua a noção de possibilidade do mundo objetivo, consi
derado em si mesmo. A noção do possível é inserida em um contexto que nos aponta para duas direções. De um l ado, o possível indica que a realidade humana é opção em relação a seu ser, embora, sendo na da, permaneça separada daquilo pelo qual opta. De outro lado, para que haja o possív el, é necessário que a realidade humana seja outra coisa que não ela mesma, isto é, uma fenda num mundo do qual o homem se conserva separado. Com esta distinção entre as du as direções, o para-si se constitui em problema, em seu próprio ser. Tendo em vista qu e o homem é o que não é, e não é o que é, projeta-se para fora de si, tendendo a um sentido, que lhe permanece inalcançável, que veda qualquer tentativa de reduzir o possível a u ma representação subjetiva e imanente. Se considerado negativamente, "o possível é uma ausência constitutiva da consciência , enquanto ela se faz a si própria"; sendo que o para-si se explica pela privação, ele reclama o possível. O para-si está separado "por nada", da presença a si, que lhe fal ta, que éo omundo, seu próprio possível. Mas, o considerarmos o possível ap ontaepara para a "totalidade do se existente no mundo,positivamente, no sentido de que o para-si se torna "presença a um certo estado do mundo". É óbvio que eu também permaneço separado do mundo pois "o que procuro, em fac e do mundo, é a coincidência com um para-si que eu sou, e que é consciência do mundo". Para que haja possibilidade, é preciso que a realidade humana, enquanto é ela me sma, seja outra coisa diferente dela, uma vez que o em-si não pode ter possíveis. A sua relação com a possibilidade só pode ser estabelecida de fora, "por um ser colocado perante as próprias possibilidades" 33, e que seja as suas possibilidades, isto é, que seja definido por elas como "fuga de si em direção a..." 34. O possível é a falta do para-si, e uma falta que o constitui; é o para-si deficiente, isto é, é o que falta a o para-si para ser "si"; o para-si, fazendo-se ser, determina a localização do nada que ele é, para além de si mesmo. Encontramos, mais uma vez, o postulado do em-si. O em-si, sendo ato, maciço e pleno de si mesmo, não pode ter possíveis. Como conseqüência, admite-se que os possíveis e stão para além do ser, donde o ser não pode ser o seu possível senão como nada. O possível é sse nada que é, como para-si, a realidade humana. Sartre admite a existência, ou a r ealidade, de um mundo de possíveis, regulados pelas leis de não-contradição. Mas esse un iverso de possíveis não tem assento no ser. Se o ser é absurdo, conforme assevera Sart re, como é que ele poderá, então, fundar a exclusão do absurdo, e ser o lugar dos possívei s, definidos pela não-contradição e pela inteligibilidade? O possível é anterior ao ser, u ma vez que serve para decidir o ser. E Sartre afirma que o "absurdo é impossível". Há pouca coerência neste postulado. Enquanto o para-si se fundamenta, através de seu ato, ele se faz necessário, emb ora sua necessidade coincida com sua contingência radical. A contingência deve ser p ensada em sua relação com o cogito. Claro que a consciência não é
algo que se acrescente ao para-si: ele é consciência congenitamente. Sabemos que a r evelação do nada dá-se na interioridade do próprio cogito. "O para-si sustenta a nadific ação, determinando-se a si próprio como falha do ser" 35. Ou seja, o para-si se determ ina perpetuamente a não ser o em-si. O processo autofundante se realiza a partir, e contra o em-si. Porque o para-si é consciência, descobre essa presença total e inati ngível que é o em-si. Então, conseguimos abandonar o cogito: ele se torna transcendência . E o fundamento dessa transcendência está na falha do ser que é o para-si: o para-si se determina em seu ser por um ser que ele não é. Sartre tenta elucidar o que chama de "privação". A privação é exclusiva da realidade h umana; não tem sentido atribuir privação ao em-si: uma lua crescente é incompleta, em re lação ao homem. A privação é constitutiva do homem: "A realidade humana, pela qual a privação aparece no mundo, deve ela mesma ser uma privação". É deste modo que podemos compreender a dialética do desejo. Qualquer desejo tem em vista um possível, e aspira a ter-se satisfeito. Pela completa satisfação do desejo , o para-si, unindo-se ao seu possível, viria a constituir com ele uma só coisa, ist o é, realizar-se-ia como ser-em-si. Observa-se, no entanto, que o desejo nunca ten de para a sua supressão; subsistir, mesmo no ser mesma, saciado: sede, ato comopel de sejo de beber, no estado pretende irrefletido, quer gozar-se a si no apróprio o qual é saciada, sob a forma de consciência de beber. Isto explica a decepção, que acom
panha a satisfação do desejo. A coincidência do desejo, para-si, com a saciedade, em-s i, é impossível: esta coincidência frustra-se constantemente; a realização do possível faz s urgir um novo horizonte de possíveis. "O para-si está continuamente a escapar-se par a lá do em-si". Após a análise das estruturas imediatas do para-si, a saber: a "presença a si", a facticidade, a contingência e o ser dos possíveis, Sartre nos introduz no chamado "c ircuito da ipseidade". O para-si está separado do seu próprio possível, ou da presença a si, por Nada. Mas, em outro sentido, este nada interposto constitui a totalidad e do que existe no mundo, pois o para-si deficiente, ou possível, é, como tal, prese nça a um certo estado do mundo: o mundo é o ser para o qual o homem se lança incessant emente, a fim de coincidir com o seu possível. "O circuito da ipseidade" não é mais do que a relação do para-si com o possível que ele é". Quanto ao mundo, ele corresponde à to talidade do existente, atravessada pelo circuito da ipseidade, ou seja, pelo par a-si em busca de um possível que, escapando-lhe sempre, reduz incessantemente o si ao para-si. O Ego, para Sartre, é transcendente, isto é, existe, de certo modo, como pólo unif icador das experiências do para-si e, como tal, é em si-si (sic), e não para-si. Se el e fosse consciência, seria, com efeito, inteira e imediatamente transparente a si mesmo, sendo ainda o seu próprio fundamento. Mas se ele fosse consciência, deveria e xistir como distância a si, isto é, deveria ser o que não é e não ser o que é. Mas nenhuma d as duas condições se verifica. Por um lado, o Ego exclui, de um modo absoluto, essa duplicidade que é essencial à consciência, pois exige ao mesmo tempo unidade e unicida de. Por outro lado, a consciência, que eu tomo do "Eu", não o esgota nunca, nem o fa z vir ã existência: O Eu já existia antes dela, e mostra possuir tais profundezas, que a consciência só po uco a pouco é que as pode Ir penetrando. Sendo assim, não se pode tomar o Eu como co nsciência, e teremos de concluir que ele se mostra a esta como um Em-si transcende nte do mundo humano36. Sartre diz que, considerando-se o para-si como em-si, ou Ego, tornar-se-ia i mpossível qualquer movimento de reflexão sobre si. Neste caso, a consciência não seria s enão puro retorno ao Ego, que passaria a constituir o seu "si"; mas o Ego, sendo, por hipótese, em-si, não pode remeter a nada, uma vez que nenhum retorno é possível, e q ue o movimento centrípeto detém-se e concentra-se neste centro opaco que é ele próprio o Ego. Se é verdade que n não ão é pela consciência que o Ego vem ao s ser, er, também é verdade que não é por efeito da ipseidade essencial da consciência que o Ego aparece como sendo o f enômeno transcendente dessa ipseidade. No entanto, a consciência é, pela própria definição, uma reflexão sobre si; faz-se para-si presença a si, isto é, consciência pessoal, e o Eg o vem a ser, para ela, a marca distintiva da sua personalidade. Ao mesmo tempo q ue, desta forma, se funda o para-si pré-reflexivo, ou espontâneo, a consciência apreen de o possível que a constitui, não como uma pura presença, mas como uma presença-ausente . Isso mostra, de um modo ainda mais claro, que o retorno é constitutivo da estrut ura do para-si. O para-si é "si", lá no fundo. Eis o que é, propriamente, a ipseidade, ou o segundo aspecto essencial da pessoa. Sartre pretende elucidar a dimensão ontológica do para-si voltando agora à questão d o sentido dessa ipseidade, formulando o problema do Ego transcendental. Se enten dido como pólo unificador das vivências, o Ego não pertence ao domínio do para-si pois e le seria um em-si. E as análises feitas por Sartre não autorizam a compreender essas vivências que povoam o eu a partir de uma ipseidade fundamental. O eu, quando hipostasiado num em-si transcendental, destrói, segundo Sartre, a intencionalidade da consciência que é sua característica. Por isso, a ipseidade deve ter um teor que não coincida com uma suposta aparição do Ego transcendental. O fundame nto da ipseidade, que não é uma ilusão substancialista do eu, reside no que Sartre cha ma de
"circuito". A ipseidade é esse circuito, só compreensível a partir da intencionalidade da consciência: "sem mundo não há ipseidade, não há pessoa; sem ipseidade, sem pessoa, não há mundo" 37. Sartre explicita, ontologicamente, a tessitura do para-si. O que possibilita este discurso é a definição de realidade humana: o para-si é o que não é, e não é o que é. O i é unívoco. Para ele, é válido o princípio da identidade. Ao para-si, ao contrário, é válido princípio da contradição: deve ser explicado através de duas vertentes contrapostas: aqu ilo que ele é em si mesmo, e que não é ser; e aquilo que ele é enquanto é outro que não ele mesmo, que é ser, mas que o para-si não pode ser. O para-si deve ser analisado enqua nto subjetividade e transcendência, isto é, enquanto presença a si, e enquanto presença ao que transcende a subjetividade. A tentativa de entender-se a subjetividade co mo presença a si requer o estudo da transcendência. Mas, antes de analisar o para-si como transcendência, Sartre detém-se no problem a m o a
da o acesso à transcendência. Segundo Sartre, "a orige do temporalidade, tempo reside nopois nadapermitirá que separa a realidade humana de si própria". E "através d tempo, os possíveis aparecem no horizonte do mundo". Passemos, portanto, à análise d temporalidade e do para-si como transcendência.
CAPÍTULO 3 TEMPORALIDADE E O PARA-SI COMO TRANSCENDÊNCIA A concepção sartreana da temporalidade assenta, sobretudo, nos pontos que se seg uem. O tempo, que nasce com o homem, não pode ser compreendido através de uma análise meramente objetiva e quantitativa. Deve ser visto essencialmente no modo como é es pecificamente vivido por um sujeito determinado. Não existe o tempo "em geral", o tempo "universal". A intenção de Sartre é a seguinte: se explicarmos o tempo de um mod o exterior, como elemento objetivo no qual o homem está inserido, teremos a falsif icação do para-si; pois, se o tempo condiciona a realidade humana, o para-si se tran sforma num em-si, tornando-se fatal que a liberdade seja substituída pelo determin ismo. Então o tempo deve ser reduzido à "temporalidade", isto é, a uma estrutura do próp rio para-si. As dimensões que compõem o tempo, passado, presente e futuro, são "moment os estruturados de uma síntese original", isto é, a temporalidade entendida como car acterística original do para-si. Sartre afirma que as três dimensões do tempo devem ser entendidas a partir de um a "síntese original"; fora dessa perspectiva, o passado, o presente e o futuro serão reificados, e assumirão as características do em-si. Analisaremos a seguir as três di mensões do tempo. A pergunta é a seguinte: como poderemos compreender que o passado seja meu, qu e seja originalmente o passado deste presente que eu sou? É evidente que só o homem pode ter um passado, porque não há passado senão para um para-si. De algum modo, eu de vo ser o meu passado, porque, se assim não fosse, o meu passado não existiria, de fo rma alguma, nem para mim, nem para ninguém. Isto quer dizer que o meu passado só exi ste por mim: não que eu lhe dê o ser ao representá-lo a mim mesmo, mas porque é por mim, como sendo o meu passado, que ele entra no mundo, podendo eu representá-lo a mim mesmo a partir do meu ser-no-mundo. O meu passado é, portanto, o que eu sou; sou o brigado a ser o passado que sou, sem qualquer possibilidade de não sê-lo. Dele assum o, portanto, a responsabilidade total sem que o possa modificar de qualquer form a. No entanto, o meu passado é tudo aquilo que eu sou, no modo do ser-em-si, dens o e compacto: sou professor, sou nervoso; mas tudo isso fica atrás de mim, tudo is
so é o que eu sou por trás, e o que apreendo colocando-me à distância. O meu passado "é o em-si que eu sou como ultrapassado, ou seja, a minha facticidade". O passado é vivido no presente: eu sou o meu passado. Este meu passado, de fat o, eu o vivo como parte integrante de mim, e sem possibilidade de modificá-lo, uma vez que ele já foi, e, por isso, está ali, com as características da Imutabilidade e da invariância. Mas, ao mesmo tempo, eu não sou o meu passado tal como o era. Isto s ignifica não que o tempo passado não existe mais, não está mais em mim, mas sim, que eu me coloco relativamente a ele no modo da negação e da transcendência, precisamente, co mo o para-si se coloca frente ao em-si. E o que mais é, de fato, o passado, senão o em-si, uma facticidade? Entende-se então o passado como uma "pesada plenitude de s er". O para-si tem um passado; mas trata-se de saber o sentido desse "ter". Anali sado o sentido desse "ter", a tentativa de reificação do passado é ilusória. Se o que é próp
rio do para-si reside em seu poder nadificante, o homem não pode ser seu passado, posto q ue ele já o foi. O passado enquanto em-si foi deixado para trás, "há uma distância que o corta de mim e o faz recair fora de meu alcance, sem contato, sem aderências". As sim, como já dissemos, o homem só pode assumir seu ser-passado pondo-o à distância. Quan do o para-si pretende ser seu passado-em-si, isto implica, em sua própria natureza , uma negação: "o passado é o em-si que eu sou enquanto ultrapassado". Por mais que eu queira viver o passado como uma espécie de essência que me determine, permaneço sendo um passado sem poder vivê-lo. Portanto, a fórmula do cogito cartesiano deveria ser; penso, logo fui. O importante é compreender que todas as transformações do para-si pertencem, também elas, a um passado que subsiste à distância. A separação entre o para-si e seu passado d ecorre de uma razão ontológica. A fórmula, o para-si "é o que não é, e não é o que é, na unid e um perpétuo reenvio" 38, é aplicada também ao passado. Então, eu sou meu passado, e ne ssa exata medida não posso sê-lo; eu não sou meu passado, e nessa exata medida posso sêlo. A "perpétua ausência de si" atinge a relação do para-si como passado. Assim sendo, o para-si é presença a si, o que nos leva ao problema do presente. Quando se analisa a realidade humana, seja qual for a perspectiva adotada, d epara-se com a contradição básica, o ser e o nada. O meu presente é ser presente ao em-s i de um modo geral; sendo assim, o para-si define-se como presença ao ser, mas não n o sentido de que a presença se acrescenta à realidade humana: "o para-si se faz pres ença ao ser ao se fazer ser para-si". Ora, se o para-si se faz constitutivamente p resença, então o presente entra no mundo pelo homem. O homem é presente ao em-si; o em -si não é presente ao homem; a presença pressupõe o ser que traz o nada em si. Por isso, o em-si não pode ser presente, nem passado: o em-si apenas é. A presença própria do para-si é entendida por Sartre da seguinte forma: "o par a-si é originariamente presente ao ser" 39. Esse "ser presente a" vem acompanhado de distância ou de separação: "a presença ao ser do para-si implica que o para-si é testem unho de si em presença do ser, como não sendo o ser". De um lado, portanto, o presente é presença ao ser; de outro lado, constitui-se como fuga perpétua em face do ser. O para-si se faz enquanto instaurador de presen te. Como para-si, o presente tem o seu ser atrás e adiante de si: atrás, ele foi o s eu passado; adiante, ele será o seu futuro; quer dizer, "ele não é o que é (passado) e, simultaneamente, é o que não é (futuro)" 40. E o "presente é precisamente esta negação do se r, esta evasão para fora do ser enquanto o ser está lá, tal como aquilo de que se evad e" 41. Assim, chegamos ao futuro, que é prerrogativa do para-si: "o futuro é o que devo ser enquanto não posso sê-lo" 42. A presença ao futuro aparece como fuga. Fuga nos do is sentidos: primeiro, a presença foge ao ser que ela não é; segundo, foge ao ser que era. O futuro se compreende a partir da privação própria do para-si. Pode-se dizer que o futuro funciona como um em-si, pois ele brota como possibilidade, embora irre alizável enquanto de meu futuro "Ele pelo é nada queeu sou, um se nada ue me condena a serem-si. livre.Estou Eis separado a definição do futuro: o que seria euqnão fo sse livre, e é o que devo ser porque sou livre" 43. A tentativa de considerar o fu
turo objetivamente, como homogêneo e cronológico, feito de instantes que virão, é inócua, e fadada ao fracasso. Como já dissemos, o futuro não-é, mas assume para o para-si as características do em -si: um ser acabado, imóvel, não modificável. E ele não se encontra absolutamente separado do sujeito: a consciência vive-o como parte de si própria, na sua presencialidade, ainda que se aperceba da sua ausência. O futuro é o modo de ser da consciência, ligado à característica de ser-em-f alta, de ser-desejante, sempre projetado em busca dos possíveis. Como tal, o sujei to tem uma permanente tendência para negar o insatisfatório determinismo do seu própri o ser, voltando-se, cheio de esperança, para o não-ser futuro, não necessário mas possível : O futuro é o ser determinado, que o para-si deve ser para lá do ser. Existe um futur
o, porque o para-si ser ocomo seuaquilo ser, em vez o sernão pura e simplesmente... futuro revela-se aodeve para-si que o de para-si é... Mas o futuro nãoO é apena s presença do para-si perante um ser situado para além do ser. É algo que espera o par a-si que eu sou. Este algo sou eu próprio... Assim, o futuro sou eu próprio do ponto de vista em que me espero como presença perante um ser, para além do ser. Projeto-m e no futuro, para me juntar àquilo que me falta e que, sinteticamente acrescentado no meu presente, fará com que eu seja aquilo que sou 44. Este objetivo ambicionado pelo sujeito nunca será atingido. Constituído de negat ividade, o para-si em nenhum futuro encontrará o seu completamente, por isso volta ndo-se para um futuro possível. Constituído ele próprio de vazio, de falta e de não-ser, o para-si deve viver nesta continua procura de um completamente, nesta contínua p rojeção espacio-temporal em direção a realidades e a situações que não as suas. Esta liberdad de realizar possibilidades, ou seja, de presentificar o futuro, sem jamais enco ntrar um apaziguamento, é o Inquietante destino do homem: "Ser livre significa est ar condenado a ser livre" 45. O homem está condenado a um infindo e extenuante, ai nda que livre, agir.
Uma condenação que parece acentuar a dimensão temporal. Se é verdade que agir é agir no te mpo. Mas isso é apenas uma aparência. Na realidade, este homem, reduzido ao ato, inca paz de pausa e permanência, vive a temporalidade de um modo absolutamente negativo como simples força dissolvente. Ainda que como experiência interior, o tempo manife sta-se como mera aniquilação ou nadificação; passado, como algo que é perpetuamente negado ; presente, como fuga; futuro, como falta. E assim encontramos um sujeito que, d e várias maneiras, nega o tempo, tendendo a apresentar-se como ato absoluto. Exporemos agora a ontologia da temporalidade, implícita nestas análises do passa do, presente e futuro, distinguindo a temporalidade sob o ponto de vista estático e dinâmico. Estaticamente, a temporalidade não pode ser concebida como tempo universal, su scetível de conter todos os seres e, de um modo especial, os homens. Se assim foss e, os seres, no seu ser, nada teriam com o tempo. Os seres o veriam de fora, sem apreender-lhe o sentido, exatamente como um cão que olha para um relógio que vai re gistrando os momentos da duração. É claro que o tempo, com a sua tríplice dimensão, poderi a deixar de ser considerado estranho aos seres intra-mundanos desde que o aceitáss emos como lei do desenvolvimento dos seres. O cão que olha para o relógio não sabe do que se trata; mas se o relógio regular o próprio desenvolvimento do cão segundo uma le i de sucessão, imutável em si mesma, o tempo, ainda que lhe venha de fora, não se torn a constitutivo da sua própria realidade? Mas, neste caso, o tempo seria abolido. P orque o tempo não poderá ser justaposição estática do antes com o depois: é uma organização t que esse depois se torna um antes, esse presente torna-se passado e o futuro, t orna-se futuro-passado ou futuro anterior: "o futuro do para-si é sempre futuro pa ssado, um futuro impossível de atingir, que penetra no passado, ao mesmo tempo que se futuriza ou se possibiliza". Esta ordem de sucessão é totalmente irreversível. A t emporalidade não é o ser, porque o ser nada tem em si mesmo que possa explicar essa descompressão int
erna, esse espraiamento dinâmico do ser na duração, segundo o ritmo do antes e do depo is. A temporalidade só pode, efetivamente, compreender-se referida ao para-si: terá de ser a estrutura interna do ser que se aniquila a si mesmo e que é a sua própria a niquilação, isto é, o modo de ser próprio do para-si: o para-si é o ser sob a forma tridim ensional estática da temporalidade. É, portanto, temporal, unicamente porque se aniq uila. Dinamicamente, sob o ponto de vista da sucessão, podemos dizer que o tempo da consciência é "a realidade-humana que se temporaliza como totalidade e que, em si me sma, é o seu próprio inacabamento". Nesta totalidade, constantemente procurada e jam ais realizada, penetra o nada, sob a forma de tempo, a fim de destotalizá-la, isto é, de dispersar o ser do para-si nas três dimensões do presente, do futuro e do passa do. A realidade-humana é uma totalidade que corre atrás de si e, como tal, dá origem a o tempo: enquanto se recusa, constitui o passado; enquanto ultrapassa a si mesma , é futuro. Pode-se definir precisamente como recusa dosó instante, queespontaneidade, levaria a ag lutinar a existência num em-si puntiforme, mortal, não para a sua c omo para a totalidade, necessariamente desejada e fatalmente inatingida do seu a cabamento. Não há instante em que se possa dizer que o para-si é, porque, justamente, o para-si não é nunca. A temporalidade, pelo contrário, "temporaliza-se completamente como recusa do instante". O para-si é essencialmente temporal, ou o que se temporaliza necessariamente. Na sua origem, esta temporalização faz um só todo com a consciência (de) durar. Entretan to, é possível que eu sinta correr o tempo, que eu me apreenda a mim mesma como unid ade de sucessão e que, pela reflexão, faça dessa duração uma espécie de objeto do conhecimen to. O que nos interessa, nesta parte da análise, é saber que relação haverá entre a tempor alidade original, ou
consciência (de) durar, e a temporalidade psíquica ou consciência de durar. O problema reduz-se àquele que trata da natureza e dos direitos da reflexão, uma vez que a con sciência de duração não é mais do que a consciência de uma consciência (de) duração, ou seja, consciência reflexiva. Já explicamos a consciência refletida, ou consciência não-posicional (de) si. A cons ciência, qualquer que seja, é, por definição, refletida, mas não necessariamente reflexiva . Esta é a consciência que, volvendo-se sobre-si, apreende-se e se estabelece como c onsciência de qualquer coisa, por oposição ao "(de)" que designa a consciência como pura consciência (de) qualquer coisa ou consciência refletida. A reflexão é o para-si que é consciente de si. Mas de onde vem esta espécie de super consciência, que Sartre deixa aparecer? Como não se poderá dizer que aparece ex-nihilo , o que não teria sentido, temos que considerá-la como constituindo uma única coisa co m a consciência refletida ou consciência (de) si. Mas, que valor poderia ter a consc iência reflexiva sem esta unidade? Sem ela, não poderia haver, entre as duas consciênc ias, união que não fosse exterior e que fatalmente haveria de levantar, na própria con sciência, os mesmos problemas que levanta o conhecimento das coisas. Entretanto, a s duas consciências não podem ser totalmente idênticas entre si, porque, se o reflexiv o se identificasse absolutamente com o refletido, já não haveria reflexão. Uma vez que o refletido se torna objeto para o reflexivo, é necessário que entre eles haja uma separação aniquilante. Deve-se dizer que o reflexivo é, e não é, o refletido. E é esta preci samente a estrutura ontológica do para-si. Já sabemos que o para-si é o ser que existe como testemunha do ser, o que significa, aqui, que o refletido é aparência para o r eflexivo, continuando este a ser testemunha (de) si, e que o reflexivo é testemunh a do refletido, que continua a ser em si mesmo aparência. Entretanto, porque refle tido e reflexivo tendem, ambos, para a autonomia, qualquer consciência refletida t erá de ser uma consciência alterada e dividida, que o para-si realiza por uma aniquilação, que não lhe vem de fora, mas "que ele mesmo tem de ser". É o que passamos a explicar através de uma análise da estrutura do para-si. Já vimos que ode aparecimento do para-si implicava uma dispersão, e, sob ponto vista, constituía o fracasso da imediatamente primeira tentativa do em-si para se este funda r: o para-si perde-se de fora, não só em direção ao em-si, com o qual tenta em vão identif
icar-se, mas ainda nas três dimensões da temporalidade. O para-si, é, portanto, consti tucionalmente estático, isto é, tende, como tal, a procurar o seu ser algures, quer no refletidor, quando se faz reflexo; quer no reflexo, quando se faz refletidor. Sob este aspecto, a reflexão aparece como um segundo esforço do para-si para recupe rar o seu ser ou para se interiorizar e se fundar, sendo por si mesmo o que é; o p ara-si tenta realizar essa coisa impossível que é fazer do ser, que se escapa entre os seus próprios dedos, e que é o seu ser, uma espécie de dado que, finalmente, seja o que é, uma totalidade recuperada na dispersão extática. Tal é a razão de ser da reflexão: c onsiste numa dupla e simultânea tentativa de objetivação e de interiorização. O fracasso é uma necessidade, e constitui a própria reflexão, porquanto a tentativ a do para-si para se apreender, voltando-se sobre si mesmo, não consegue fazer que o para-si apareça ao para-si. Deste modo, a reflexão mostra que o "para-si, que que r fundar-se no ser, não é senão fundamento do seu próprio nada". Ao mesmo tempo, a refle xão põe evidência a existência de duas formas de temporalidade: a temporalidade origi nal, queem define a estrutura do para-si como temporalização, ou historicidade, e a te mporalidade psíquica, que é uma série concreta de unidades ou fatos psíquicos que se suc edem, à maneira de coisas. E como se poderá compreender que a reflexão sendo, como tal , apreensão pura e simples da historicidade, na qual está o seu ser, possa constitui r esse tempo psíquico, feito de uma multiplicidade de objetos que são exteriores uns aos outros?
Sartre faz a distinção entre reflexão pura, que é a reflexão ontológica, se assim se pod e dizer, e a reflexão impura, que constitui a psique, isto é, a série entrelaçada dos fa tos psíquicos: o Ego, os seus estados, qualidades e atos e, ao mesmo tempo, a coleção dos objetos temporais. A reflexão impura, própria da vida quotidiana, terá de envolver em si, como estrutura fundamental, a reflexão pura. Todavia, esta só pode ser alcança da por uma purificação. Na sua manifestação espontânea, o psiquismo, produzido pela reflexão impura, engloba evidentemente dois modos de ser contraditórios: por um lado, no o bjeto psíquico, a psique já está feita, pois se apresenta como organismo ou totalidade acabada, num presente que conserva todo o Passado, e determina o Futuro, um pre sente que, como tal, já é, opondo-se a que tudo se reduza ao passado; por outro lado , a psique não pode existir senão sob o modo composto de sucessivos "agoras", cada u m dos quais tende a fixar-se em em-si, isolado e independente. Sartre, finalmente, dá-nos a resposta à pergunta formulada acerca das relações exist entes entre as duas temporalidades. Afirma que, em virtude de a consciência reflex iva se constituir como consciência de duração, a duração psíquica deve aparecer à consciência la, com efeito, não é senão uma espécie de acompanhamento da temporalização estática fundamen al do para-si, uma espécie de ser virtual que é como que um alinhamento de agoras pu ntiformes e sucessivos no perpétuo ultrapassar do para-si em direção a um em-si impossív el de atingir. Como tal, o tempo psíquico é, enquanto o tempo original da reflexão pur a temporaliza-se. O tempo psíquico é constituído apenas pelo passado, isto é, reduz-se a o mundo como presença virtual ou objeto possível da minha intenção conhecedora. Como obj etivação em em-si da temporalidade original, fornece o "primeiro esboço de um "fora", que não passa de virtual, mas ao qual o ser-para-outro virá a dar-lhe a "realidade" que ainda não tem". Sabemos que o para-si se define como um ser que deve ser o seu ser; e "a reflexão é um tipo de ser em que o para-si é, para ser a si mesmo o que ele é. O significado da reflexão é, pois, o seu ser-para". No "para" está a força qu e motiva a reflexão impura, que objetiva o complexo mundo psicológico que povoa a te mporalidade. "A reflexão impura é um esforço abstado do para-si para ser outro, perman ecendo ele mesmo". Como já dissemos, desse modo estabelece-se um "ser virtual", um "mundo fantasma". Pela reflexão impura, o para-si tenta projetar-se como um em-si , buscando assim dar determinação ao ser que eu sou. Mas este esforço é ilusório, e se des faz na purificação da reflexão impura: "Esse mundo fantasma existe como situação real do p ara-si", embora sua existência seja puramente ideal: aparece como se fosse minha s ombra.é. Incidindo numa reflexão impura, o para-si procura evitar a nadificação que ele mesmo A reflexão impura fornece uma dimensão essencial do para-si. A constituição do mundo
psíquico, embora seja virtual, elabora um primeiro esboço de transcendência: nele o p ara-si tende a tornar-se exterior a si mesmo, a captar-se como objetividade. A a nálise das estruturas imediatas do para-si deve ser complementada com a análise da t ranscendência. Não se trata de um acréscimo. O para-si é constitutivamente transcendênc transcendência, ia, já que ele é o que não é, e não é o que é. Analisaremos essa nova dimensão da realidade huma Abordaremos o problema que consiste em saber qual é a relação original da realidad e humana com o ser dos fenômenos, ou com o ser-em-si. Já sabemos que o ser do fenômeno , sendo a plenitude de um em-si, que é o que é, permanece confinado à sua própria comple tude; o em-si só se refere a si próprio, e desconhece qualquer modalidade de relação. Po rtanto, o problema da relação passa a ser prerrogativa exclusiva do reino humano: "O para-si é responsável, em seu ser, por sua relação com o em-si ou, se se preferir, ele se produz originariamente sobre o fundamento de uma relação ao em-si" 46. A questão bási ca, aqui, é a do conhecimento, e, nessa medida, a relação se retrai a um plano gnosiológico, embora, po r outro lado, esse gnosiológico decorra da dimensão ontológica do real; o para-si, em seu próprio ser, é conhecimento do em-si; na relação gnosiológica o para-si como que se pr oduz ontologicamente. Desse modo compreendemos a definição sartreana da consciência: e la é "um ser para o qual se trata, em seu ser, do problema de seu ser, enquanto es se ser implica um ser outro que não ele" 47. Assim, com a transcendência se incide n a questão do próprio ser do para-si. O problema pode ser formulado da seguinte maneira: sendo o em-si aquilo que é, como e por que razão o para-si tem de ser, no seu ser, conhecimento do em-si? O c onhecimento deve ser entendido como "presença a...". Esta presença não pode ser atribuíd a ao em-si; o em-si não se faz presente a nada, porquanto a presença é atributo e priv ilégio da consciência humana. Assim, o conhecimento se verifica na presença da consciênc ia à coisa. Retomemos a análise do para-si: ele só pode existir como consciência de qual quer coisa, isto é, como reflexo de um ser que não é ele e que a si mesmo se qualifica como não sendo esse ser, o que equivale dizer que ele se qualifica como fora de s i. Transcendência e negação andam, portanto, juntas, e são, igualmente, originais. Não se trata de uma negação externa, como aquela pela qual eu distingue dois objetos estes lápis não é o tinteiro e que, como tal, não está fundada nos objetos sobre os quais incide . Trata-se de uma negação interna, isto é, tal que o ser negado venha, com a sua própria ausência, a qualificar o outro, no mais íntimo da sua essência. Esta negação interna não po de encontrar-se no em-si. Unicamente poderá pertencer ao para-si, cujo ser é determi nado por outro ser que não é ele. Isto assinala o ato de conhecer, sendo o para-si o único ser capaz de se apresentar como não sendo aquilo a que ele se faz presente. N este sentido, o para-si faz-se aparecer lá-no-fundo
do próprio ser que ele se apreendeu como não sendo. Sartre retoma o tema da intencionalidade da consciência. "O em-si não tem segred os: é maciço" 48; o homem, ao contrário, é segredo em seu próprio ser. Contraditoriamente, a consciência não passa de um vazio transparente que se alimenta de sua intencional idade, e isso de um modo radical: o tema da intencionalidade ostenta a dimensão on tológica. A consciência é consciência de..., ela é intencional, e, nesse sentido, o para-s i é o que não é, e não é o que é. A vida da consciência consiste em tender a algo que ela não uscando como que coincidir plenamente com o outro que não ela mesma, com um intenc ionado; assim, ela é o que não é. Mas ela não é o outro, não é aquilo do qual tem consciência isto que, sendo consciência, esgota-se na distância e não consegue abandonar-se; e, as sim, ela não é o que é, enquanto intencional. A característica fundamental da consciência é a intencionalidade, é a tendência de estar voltada para fora. Nesse sentido, a consc iência é o nada, o que lhe propicia a capacidade de imaginar, de transcender, de ir além da situação presente, dos fatos imediatos. É a imaginação que possibilita à consciência ar mentalmente as coisas e reconstituí-las quando elas não se encontram presentes fi sicamente. Daí, a afirmação de Sartre de que é o para-si que faz com que exista um mundo . É através da consciência que o mundo adquire significado. Sem o para-si, toda a real idade se reduziria em-si. É o nadade que fundamenta a liberdade. Realmente, uma c onsciência que não ao fosse consciência algo seria consciência do nada. Se, no entanto, a intencionalidade se mostra necessária à consciência, é indispensável
o esclarecimento da estrutura essencial possibilitadora da presença. "A presença im plica uma negação radical como presença àquilo que não se é. É presente a mim o que não sou e O elemento essencial reside nesse "não-ser". A relação é determinada de modo negativo; antes de ser atingida por qualquer atividade que lhe seja constituinte , a coisa é o que é, presente à consciência como não sendo a consciência. O fundamento do co nhecimento, a relação original instaurada, permanece negativo. Como já dissemos, a neg ação vem ao mundo pelo para-si; pela negação original, o para-si se constitui como não sen do a coisa. O conhecimento constitui o próprio ser do para-si, enquanto ele é, constitutivam ente, presença a..., "enquanto ele deve ser o seu ser fazendo-se não ser um certo se r ao qual ele é presente". A intencionalidade só é possível a partir de uma negação original ; o para-si aparece a si mesmo, originária e constitutivamente, como não sendo o que
ele não é, a coisa conhecida. Neste ponto, o para-si está fora de si; a origem da neg ação interna reside no em-si: o conteúdo da negação que eu sou, advém-me da coisa que conheço e que não posso ser. O para-si define-se de modo contraditório, por aquilo que ele não é; ele é o vazio em que se destaca o em si. Ainda é impossível apreender o sujeito; o cognoscente é tão-só o que permite que haja um ser-aí do conhecido, uma presença. Afirma Sartre: "A presença do conhecido é presença a nada, pois o cognoscente é puro reflexo de um não ser". A presença do para-si ao em-s i, além da caracterização de ausência e privação, é pura identidade negada; o em-si dá-se e p de relevo sobre um fundo de nada. Sartre designa o conhecimento como sendo a "p ura solidão do conhecido". Se o para-si é pura presença, ele nada acrescenta ao ser, e também não cria nada, visto que o conhecimento surge da negatividade. Sartre analisa, a partir da negatividade, o conceito de "mundo". A relação do pa ra-si ao em-si não se verifica indistintamente, com este ou aquele ser: a presença d o para-si põe em relevo este ser, e não um outro ser; essa presença faz com que haja u m "isto", mais do que um "aquilo": "isto" e "aquilo" se destacam sobre um fundo de totalidade. Afirmo este ser aqui como sendo este ser a partir da presença de todo o ser. A totalidade é presença, e, enquanto presença, só pode ser instaurada pelo para-si. A presença ao mundo do para-si não pode realizar-se senão por sua presença a uma ou mais coisas particulares, e, reciprocamente, sua presença a uma coisa particular só se pode realizar sobre o fundo de uma presença ao mundo 49. A percepção é articulada a partir desse fundo ontológico, que é a presença ao mundo, e o mundo se desvela concretamente, como fundo de cada percepção particular. O conceito de totalidade sofre uma determinação negativa. Em relação ao em-si partic ular, o para-si é o que ele não é; assim impossibilitado de fixar-se no particular, su a relação com o em-si remete-o à uma totalidade que o para-si igualmente não pode ser. I sto é feito através da temporalização. A totalidade permanece totalidade destotalizada, e o ser mantém-se diante do para-si, como tudo aquilo que o para-si não é. A negação origi nal é negação radical: o para-si, "sendo o todo da negação, é negação do todo". O mundo apare como aquilo que faz com que o para-si se anuncie a si próprio como totalidade, mas na medida em que o para-si deve ser a sua própria totalidade no modo de ser da de stotalização; o conhecimento, então, é o mundo. A realidade humana se impõe, como negação rad cal, pela qual o mundo se desvela. O mundo se limita a ser qualquer coisa, como um limite ideal e negativo do ser. Este limite é explicado a partir do para-si, en quanto ele se apreende, excluído do ser, em transação com o nada. A realidade humana d esvela o ser como mundo, e esse mundo surge como a possibilidade que o para-si d eve ser sem poder sê-la. A realidade do mundo, vai manifestar-se de dois modos; no primeiro, ele se m anifesta como totalidade sintética; no segundo, como coleção de todos os "istos", de t odos os emsi. Sua realidade é ambígua: Enquanto o mundo é uma totalidade que se desvela como aquilo sobre o qual o para-s i deve ser radicalmente o seu próprio nada, o mundo se oferece como sincretismo de
indefinição, enquanto nadificação está sempre além para de uma nadificação concr e presente, oMas mundo apareceesta sempre pronto a radical se abrir como uma caixa deixar aparecer um ou mais "isto" que já eram, no seio da indiferenciação do fundo, o que el
es são agora como forma indiferenciada 50. Sendo totalidade destotalizadora, o mundo aparece como totalidade efêmera; con stitui limitação ideal; é o fundo negativo que possibilita a manifestação da coisa. Com esta acepção do mundo, Sartre determina o que seja o espaço. Assim como o temp o, o espaço também não apresenta teor objetivo: "não poderia ser um ser. Ele é uma relação mó entre seres que não mantêm nenhuma relação". Compreende-se que o em-si é explicitado como uma realidade fechada em si mesma, sendo impossível um contínuo que relacione um em -si aos demais. O espaço, também, vem ao mundo pelo para-si: o ser espacializante é o para-si enquanto co-presente ao todo e ao Isto; o espaço não é o mundo, mas é a instabilidade do mundo apreendido como totalidade, na medida em q ue ele sempre se pode desagreg desagregar ar em multiplicidade externa 51 51. .
O espaço é idealidade do fundo que se pode desagregar em formas; é a passagem perm anente do contínuo ao descontínuo. O espaço não é nada, não passa de relação externa, que não a a atingir aquilo que une; deve ser entendido como o lugar que a coisa ocupa em relação ao fundo. O espaço só se explica pela negação, como "relação de coisas que não têm n relação, o nada de relação apreendido como relação pelo ser que é a sua própria relação", enquanto apreendido pelo para -si. Sartre organiza os modos como o para-si se relaciona ao em-si, ao "isto". A relação pressupõe a negatividade, o para-si com o ser no mundo. Assim, determina-se o que seja a qualidade: "Para que haja qualidade é necessário que haja um ser para um nada que, por natureza, não seja o ser. O ser não é em si qualidade" 52. "A relação do par a-si à qualidade é relação ontológica". A quantidade, "sendo pura relação de exterioridade en re os isto, é ela mesma exterior ao isto e exterior a si própria. Ela é a indiferença do ser". A beleza representa um estado ideal do mundo, correlativo de uma realização ideal do para-si, onde a essência e a existência das coisas se desvelariam como identidade a um ser q ue, neste mesmo desvelamento, fundar-se-ia consigo próprio na unidade absoluta do em-si 53. Do mesmo modo, a permanência, a probabilidade, e a coisa utensílio. O que permit e compreender esses modos de envolver o em-si está no para-si; a realidade humana está sempre além daquilo que ela é, ela já está desde sempre relacionada a um isto; e "o i sto ao qual eu sou presente me aparece como alguma coisa que eu ultrapasso em di reção a mim mesmo". O ultrapassar como que determina o em-si sem realmente determiná-l o; o que verificamos é a perpétua tentativa de autodeterminação do para-si como um em-si , tentativa perpetuamente frustrada pela negação que caracteriza a minha presença à cois a. O para-si nada acrescenta ao em-si. O ser me cerca por todos os lados, mas d ele permaneço separado, separado por nada, e um nada que não pode ser transposto. De um lado, o para-si é presença imediata do ser, e, do outro lado, há uma distância infin ita entre o para-si e o ser. O mundo é constituído desta ambigüidade radical; "em tudo eu me reconheço entre mim e o ser como o nada que não é o ser". Por isso, o mundo é humano; quando quero apreender o ser só en contro a mim mesmo, e aquilo que eu faço do ser. A transcendência é a transcendência da consciência aos objetos. Dentro do mundo, os objetos, encarados como "isto" e "aquilo", emergem de um "fundo de mundo como to talidade Indiferenciada". Não se trata de uma transcendência supramundana, mas da co nsciência aos objetos. A relação própria do para-si ao em-si é do tipo do conhecimento; a chave de sua relação ao ser é o que se chama "conhecimento", e parte do princípio já exposto, de que toda c onsciência é consciência de alguma coisa. Portanto, conhecer, para Sartre, será sempre p resença é do"o objeto conhecido. Mas o em-si não pode que em é nenhum caso ser presença; o ser ppo resente modelo do ser estático do para-si", a consciência. O conhecimento, r isto, não é uma relação estabelecida entre dois seres, nem uma atividade de um desses
dois seres. É o ser mesmo do para-si enquanto presente a, isto é, enquanto ele vai s er seu ser, realizando-se como não sendo um ser particular, diante de quem está pres ente. A relação é de um refletido, o conhecido, em seu reflexo, que é a consciência cognos cente. Mas se este reflexo for alguma coisa, será então o reflexo do em-si, será o emsi. O fenômeno do conhecimento é apresentado como fusão da consciência com o objeto. Mas esta presença do conhecido é presença diante de nada, já que o cognoscente é puro reflexo de um não-ser. Trata-se de uma presença absoluta. Sartre designa, através dos termos "não-ser" e "nada", a consciência humana como reflexo do ser. E "finalmente, o conhe cimento e o cognoscente mesmo não são nada, senão o fato de que há ser, de que o em-si s e dá e se levanta em relevo sobre o fundo desse nada"54. A partir da concepção nihilizante da consciência do para-si, que se resolve em sim
ples reflexo ou presença do ser, a pergunta que se faz é: a que ser o para-si está pre sente? Sartre responde-nos que "a totalidade não pode ser dada aos seres, senão por um ser que deve chegar a ser em sua presença sua totalidade" 55. E o para-si é defin ido como "presença de todo ao ser" "totalidade destotalizada que se temporaliza em um inacabamento perpétuo" 56. Assim, a totalidade acabada, ou mundo, desvela-se c omo constitutiva do ser da totalidade inacabada, pela qual o ser da totalidade s urge ao ser. Com isso Sartre quer dizer que "o nada é a realidade humana mesma, co mo a negação radical pela qual o mundo se desvela" 57. A transcendência sartreana apresenta uma "síntese contraditória se é que pode haver tal coisa entre o idealismo e o realismo: o objeto não existe senão enquanto é pensado , mas é em-si, independente do pensamento. A realidade ou existência humana é resolvid a no nada e sua função é niilizante. A existência como nada é designada por Sartre com o tít ulo "O Ser e o Nada", ou o duplo ser em-si e para-si, sendo o em-si pleno, e o p ara-si reduzido a um contínuo nadificar. A seguir analisaremos o problema da atividade humana. O ser-para-si é o ser qu e se define pela ação, que está no domínio do fazer. A análise da ação se condensa no exame d s relações entre o fazer e o ser, e do ter como derivação intermediária. Mas a liberdade é o fazer-se do homem; é esta análise da liberdade que farei a seguir.
CAPÍTULO 4 A LIBERDADE
A aventura da consciência em busca do seu próprio complemento, através da conciliação do para-si com o em-si, veio revelar a característica de que o ser do homem se con figura sempre como um fazer, um agir. Sartre propõe descobrir a condição em que se fun da esta característica que é, para ele, a liberdade, e examinar as estruturas das su as manifestações, no interior do horizonte mundano. Sartre analisa a liberdade e o a gir humano, a partir da teoria segundo a qual o homem é um ser que escapa a todo o rígido determinismo exterior e interior, um ser imediata e integralmente responsáve l por todas as suas ações. O homem é intrínseca e ontologicamente livre. O objetivo de Sartre consiste em desacreditar a idéia de uma necessidade exter ior a nós, que derivaria de uma estabilidade das coisas ou de uma ordem moral obje tiva. Os indivíduos já não são tributários de um caráter determinado ou de uma essência defin da, donde resultariam todas as suas propriedades e todos os seus atos, nem dos c onstrangimentos que lhes vêm de fora, isto é, da sociedade ou de Deus. O princípio pri meiro da existência concreta dos indivíduos tem que se situar numa opção profunda, absol utamente qualobjetiva eles seoescolhem absolutamente. Já emgratuita, A Náusea,pela Sartre estudo da liberdade,
que continua em O Ser e o Nada, Retomarei só o conceito de liberdade na obra A Náuse a, pois Sartre se refere a ela em O Ser e o Nada. Duas atitudes se tornam possíveis, frente à escolha absoluta: resistir àquelas imp ressões, tendências ou impulsos, que os chamados "normais" julgam estar obrigados a repelir, censurando-se interiormente por não o fazerem, ou, então, entregar-se total mente a esses impulsos, tendências ou impressões, na firme decisão de se fazer coincid ir com eles. Esta segunda atitude, Sartre designa por "trapaça", pelo que encerra de voluntário e de resoluto e, por isso mesmo, de inquietante e de suspeito aos ol hos dos "normais": as regras comuns são contestadas e renegadas. Os trapaceiros, p rocurando mergulhar a fundo na náusea, distinguem-se, assim, dos outros indivíduos, ditos "normais", que não trapaceiam, que são os guardiões da ordem e da moral, os fant oches produzidos em série. Há duas condições para a trapaça: primeiro, teremos de renunciar à nossa personalidade , à consciência pretensamente clara, que só turva a espontaneidade da existência e a sua livre expansão; isso, fazemos renunciando à vontade, ao dever, que apenas têm por efe ito impor aos nossos pensamentos e sentimentos uma ordem artificial e um constra ngimento arbitrário e, de fato, exterior. O resultado desta "despersonalização" será eli minar do pensamento tudo o que nele houver de "ponderado", ou tudo o que represe nte constrangimento social, obediência a imperativos estranhos. Elimina-se, assim, a cortina que nos esconde o nada e nos protege da Náusea. A segunda condição consiste em renunciar ao passado. O passado é o meu eu solidificado, objetivado: tenho que arrastá-lo atrás de mim como uma coisa morta. A experiência da trapaça faz deslizar no seu nada esse mundo confeccionado geome tricamente. Diante da existência reconduzida a si mesma, diante do derramamento pa stoso, eu experimento, ao mesmo tempo, um profundo desânimo. Nada mais há do que a existência, ou seja, qualquer coisa que é absolutamente continge nte e gratuita, que está aí, sem se saber porque, sem nada que lhe exija ou explique o aparecimento; qualquer coisa que é essencialmente absurda, "qualquer coisa que é demais para a eternidade" 58. A certa altura do relato da novela, o que parecia uma seqüência insuportável de vi vências psíquicas adquire um valor ontológico, na intuição reveladora da personagem: Mas eu não posso mais, eu sufoco: a existência me penetra por todos os lados, pelos olhos, pelo nariz, pela boca... A Náusea não me abandonou e eu não creio que ela me ab andone tão cedo; mas já não sofro, eu sou a náusea 59. A náusea, sou eu mesmo, qualquer coisa de constitutivo daquilo que o homem é. A liberdade evidencia-se como estando implicada na própria possibilidade da tr apaça. Por ela, entrevejo a existência na sua estrutural absurdidade: a existência exi ste sem qualquer razão. A Náusea é o sentimento de sufocação produzido por esta revelação da xistência, conforme já dissemos; como qualquer coisa que nos invade bruscamente. A a ngústia revela-me a mim mesmo como consciência, convencendo-me de que há artifício no se r, de que o nada acompanha o ser da existência. A liberdade assenta sobre este nada: é este mesmo nada, isto é, a minha possibil idade de ser, pela consciência, o ser que eu não sou, e de não ser o ser que eu sou. P ode-se dizer que eu sou constrangido a ser livre, uma vez que não posso ser tal, s enão escolhendo-me a mim mesmo; e não posso deixar de me escolher, pois não escolher é a inda uma escolha. Lançado na existência sem o meu consentimento, eu devo assumir ess a existência, fazendo-me ser o que eu quero, e sem poder contar com mais ninguém senão comigo mesmo. Por isso, a trapaça corresponde a um meio que conduz à liberdade e, através del a, ao valor que é propriamente o efeito da sua escolha, isto é, eu mesmo tal como li vremente me escolhi. Eu posso renunciar à liberdade, mas só posso fazê-lo de má-fé, pois, só usando da minha liberdade, é que eu posso renunciar à liberdade. Os termos "pastoso", "viscoso" e "pegajoso" desempenham papel importante par a Sartre: são metáforasemdocoisa, homemeque, liberdade, e instalando-se retende transmutar-se logorenunciando se prende, à torna-se pastoso. A viscosidadna má-fé, p e é o estado intermediário entre o nada, ou a fluidez da liberdade, e o pleno, maciço
e opaco do em-si, ou da coisa. A consciência desliza na viscosidade, como no sono. O homem nunca se sente à vontade neste estado. "O próprio viscoso, quando compreend e o seu estado, é o primeiro a experimentar um sentimento de horror, porque, para uma consciência, será sempre uma coisa pavorosa sentir-se presa na viscosidade" 60. A liberdade é pesada. Tem caráter opressivo ao sobrecarregar os meus ombros com o peso do meu ser, e com o peso do mundo. Mas é o único valor, porque não se apóia senão e m si, e é o valor absoluto porque só através da liberdade pode haver valor. Retomando O Ser e o Nada, o para-si tem aparecido, até agora, como estando con tinuamente expulso de si mesmo, em busca de um em-si inatingível, com o qual prete nde coincidir. Mas este empenho do para-si ocorre no mundo, e, como tal, é um agir que está sempre a modificar a configuração do mundo, na sua própria materialidade. Anal isemos este agir. Antes, porém, de explicar a ação precisamos conhecer a sua condição primeira, que é a li berdade. E qual é o fundamento da liberdade? O homem é livre precisamente porque não é. O que é, não é livre: "é", sem mais nada, e não pode deixar de ser, nem ser o que não é. O homem, pelo contrário, não é "si" nem pode sê-lo: é pura presença a si. É justamente o nada, feito ser no coração do homem, que o constitui livre e que é a sua liberdade, obrigando-o a fazer-se em lugar de ser. Por esta r azão, para o homem, ser é necessariamente escolher-se: não se trata, para ele, de rece ber ou de aceitar, mas de fazer-se por uma escolha que tem caráter inteiramente gr atuito. Desde que é, enquanto é, ele é necessária e totalmente livre. Dessa forma, a lib erdade é propriamente o ser do homem, isto é, "o seu nada de ser" 61. Com esta análise, Sartre quer, em primeiro lugar, por de lado o determinismo, incluindo o que pretende associar a liberdade humana ao determinismo do querer, isto é, ao imperialismo das paixões. As paixões não têm qualquer poder sobre a vontade, po rque então teríamos de reconhecer no homem dois existentes, dos quais um, dominado p elas paixões, seria para o outro um puro transcendente, um de-fora. O homem, ou é in teiramente determinado, o que não tem sentido, pois uma consciência, motivada pelo d e-fora, torna-se imediatamente um de-fora e deixa de ser consciencial, ou é totalm ente livre. Em segundo lugar, a vontade só pode exercer-se baseando-se numa liberdade orig inal, que lhe permite constituir-se como vontade, isto é, como decisão definida, rel ativamente a certos fins que ela deliberadamente se propõe atingir com determinado s meios. A vontade não pode, portanto, exercer-se senão dentro do quadro dos fins préestabelecidos pelo homem. Esses fins, não é ela quem os cria; são os que a realidade h umana a si se dá como projeção dos seus possíveis, nos quais pretende completar-se em em -si-para-si. Não podem ser concebidos, nem como dados vindos de fora provindos de uma decisão que, de antemão, traçasse ao homem as vias do seu destino; nem tampouco co mo expressões de uma pretensa natureza interior, que o homem devesse completar por sua ação. O homem escolhe os seus fins, e, porque os esc olhe, dá-lhes uma existência transcendente, que é como o termo limite dos seus projeto s. Aqui, a existência precede e determina a essência, isto é, o homem, com o seu apare cimento, define o seu ser, mediante os fins que a si próprio se confere. É como brot a originalmente a minha liberdade. Este brotar é fundamentalmente existência, "porqu anto o fundamento dos fins que intento, quer pela minha vontade, quer pelas minh as paixões, não é senão a minha própria liberdade" 62. Para melhor compreensão, é necessário uma análise do que Sartre denomina "motivos" e "móveis" da ação. O motivo é a razão que justifica um ato, ou seja, a apreensão objetiva de uma relação entre meio e fim; o móvel, pelo contrário, é subjetivo porque traduz o impuls o dos desejos, das emoções e das paixões. Esta distinção envolve várias dificuldades, porque , quando motivo e móvel se juntam na mesma decisão, não se chega a dar conta da relação qu e possa haver entre eles. Convém esclarecer que não pode haver motivação ou motivo em si mas somente em relação ao projeto de uma ação, e, conseqüentemente, em relação aos fins que consciência já se deu a si mesma, aos quais ela se prende e dos quais se suspende s ob porque a formaé, dapara afetividade. Esta,consciência que corresponde aomais móvel, é irraciona l, o homem, pura (de) rigorosamente si como projeto ou menos firme , ou apaixonado, em direção a um fim. O móvel, o motivo e o fim são, portanto, três aspect
os inseparáveis de uma consciência vivente e livre, projetando-se para as suas possi bilidades. Os motivos só podem compreender-se em função de um móvel, ou seja, de um fim ou de um projeto À os motivos e o móvel não se encontram no mesmo piano, como termos e m conflito. Mas creio que Sartre erra, quando faz do móvel, do projeto ou do fim, um puro irracional, a expressão de uma absoluta contingência na liberdade. O motivo de agir traduz o fim escolhido. Mas o fim pode ser concebido como possível, e excluído como contrário à lei moral, e, neste caso, os m otivos que o teriam justificado se ele tivesse sido escolhido transformam-se em móveis, isto é, em simples atrativo sensível. Esta liberdade aparece, segundo Sartre, como "totalidade insuscetível de ser a nalisada". Motivos, móveis e fins não são senão o local dessa liberdade. Mas isto não impl ica que a liberdade tenha de ser concebida como uma série de lances arbitrários. Se, de fato, cada um dos meus atos é totalmente livre, não poderá, entretanto, ser um ato qualquer, nem mesmo imprevisível, porque ele terá de ser sempre e necessariamente a expressão do meu projeto, ou da escolha fundamental que fiz de mim mesmo. Quando Sartre define a realidade humana, o para-si deve ser o que ele é: ele é o que não é e não é o que é. Com essas fórmulas, Sartre define a liberdade. Se a intencionali dade da consciência apresenta uma tessitura ontológica, isto significa que o para-si , em seu ser mesmo, é intencional, e, ao estudar a ação humana, partimos da seguinte fór mula: "todo ato humano é, por princípio, intencional" 63. Como a consciência, a ação human a sofre de um nada. O poder nadificante do para-si inaugura toda a ação humana; e di zer que a ação se determina peto nada é o mesmo que dizer que é ela pura indeterminação. A liberdade e a consciência se circunscrevem reciprocamente. A consciência, send o um poder nadificador, repele o determinismo. Nenhum estado de fato motiva por si mesmo qualquer ato, nenhum ato pode levar a consciência a se definir e a se det erminar. Isto porque o estado de fato só é, só vem a ser, através do poder nadificador d o para-si. Posta a consciência, abandona-se o ser para invadir-se o terreno do não-s er. "É o ato que decide de seus fins e de seus móveis, e o ato é a expressão da liberdade". A liberdade se instaura desprovida de necessida de lógica. A existência precede a essência, e a demarcação da liberdade torna-se contraditór ia, uma vez que a liberdade se explica como fundamento de todas as essências. Trat a-se do interior de meu ser, e, analogamente à consciência, deve-se ver na consciência a necessidade de fato, uma contingência radical. Não podemos tocar o fundo da consc iência, pois a liberdade coincide com a autonadificação do para-si. Sendo o homem livr e, ele escapa ao seu próprio ser, faz-se sempre outra coisa do que aquilo que se p ode dele fazer. Qualquer tentativa de colocar a liberdade sob a tutela do ser te rmina provocando a angústia, pois revelará a insuficiência de ser, que é a realidade hum ana. Tendo em vista que o para-si habita em sua raiz o nada, não pode ser, e perma nece condenado a se fazer-se abandonada, a realidade humana deve escolher-se. Di zer que o ser do homem reside na liberdade é o mesmo que afirmar que ele só se apóia e m seu nada de ser. Sendo assim, ou o homem é absolutamente livre ou não é. Sartre é semp re radical: ou determinismo absoluto ou liberdade absoluta; ou a plenitude do em -si ou o nada no coração do para-si: "a liberdade coincide em seu fundo com o nada q ue está no coração do para-si; a liberdade coincide em seu fundo com o nada que está no coração do homem" 64. A liberdade revela um sentido original e ontológico: o para-si, resolve-se na contingência absoluta e na gratuidade fundamental. Compreende-se a escolha original como algo anterior a tudo o que possa motivála. A escolha coincide com a consciência que temos de nós mesmos: é "consciência-nós", ten do em vista que não se distingue de nosso ser. Nosso ser se faz pela escolha origi nal: "É necessário ser consciente para escolher e é necessário escolher para ser conscie nte. Escolha e consciência são uma e a mesma coisa" 65. A consciência da escolha que nós somos é plena, e, por essa razão, nossa escolha não deriva de nenhuma realidade anter ior, é
fundamento si mesma;que a escolha é fonte das significações que irão a realid ade. Essa éde a doutrina deve ser, entendido pela característica doconstituir para-si, isto é, pela negação interna. É lógico que a consciência é intencional, e não poderia existir sem um
dado: ela tem ser, existe a partir do dado. Mas já que a consciência é negação do dado e, portanto, o dado não a condiciona então pela negação, o projeto de condicionamento irá res ultar em incondicionamento. Temos, como conseqüência, que "a liberdade é o fato de que a escolha termina sempre incondicionada", decorrendo disso o absurdo da escolha . A liberdade é absurda porque é escolha de seu ser sem ser o seu fundamento; ela não tem razão de ser pois instaura toda razão de ser e todo fundamento. A compreensão do ato está centrada na minha última e total possibilidade, na qual se exprime a escolha que eu fiz de mim. Este ato de me escolher não pode ser disti nguido do meu ser. É, simultaneamente, escolha de mim mesmo no mundo e descoberta do mundo. É, portanto, o fundamento de todas as deliberações. Como já disse, a escolha, quando é profunda, identifica-se com a consciência que eu tenho de mim: "escolha e c onsciência são uma e a mesma coisa". Assim sendo, estamos sempre inteiramente presentes a nós mesmos; somos, vivend o-a, a solução que damos ao problema da nossa existência e, de uma forma geral, ao pro blema do ser. Sob este ponto de vista, o mundo, tal como o vemos, dá-nos a imagem do que somos; escolhendo-nos, escolhemos o mundo, não como um em-si que nos escapa , mas no seu verdadeiro significado. "O mundo é a minha escolha". Para ilustrar esta doutrina Sartre descreve a seguinte situação: Resolvo fazer uma excursão, durante a qual, sentindo-me fatigado e já sem poder resi stir por mais tempo ao desejo de desistir da caminhada, deixo-me cair por terra. Poder-me-ão censurar a desistência, alegando que eu deveria ter-me esforçado por atingir o termo do percurso. Defender-me-ei entretanto, invocando a minha enorme fadiga 66. Sartre não deixa claro se essa dupla escolha, que de fato é uma só, funda-se sobre si mesma, ou se tem as suas razões. Pois, a fadiga é suportável ou não segundo eu mesma . Eu defino o seu valor e isso me define a mim, no meu ser a fadiga é uma realidad e vivida; eu existo na minha fadiga ou existo na minha resistência à fadiga, conform e a escolha que faço de mim. Sartre afirma que as razões ou os motivos são simples ref lexo da escolha original. Mas qual é a natureza dessa escolha? Ela pode ser racion al ou afetiva. Pois eu sempre sou devolvida a mim mesma, na dualidade interna de um ser que tem não somente de se escolher a si mesmo, mas também de "me" escolher, em "mim" mesma, dentre as diversas possibilidades da minha própria realização. A consciência de me escolher traduz-se, em mim, pelo sentimento da angustia e da responsabilidade. De um lado, os meus possíveis são continuamente ameaçados pela mi nha liberdade futura e, por outro lado, apreendo a minha escolha, isto é, apreendo -me a mim mesma como injustificável, desde que o meu ser é radicalmente contingente e pela minha liberdade assumo necessariamente essa contingência. A minha escolha não se funda em nenhuma realidade anterior, como já disse. Pelo contrário, ela é que deve rácompromisso fundar, para mim, o sentido do meu sercontingente e do mundo. que Assim, não só d o necessário e absolutamente pesatenho sobreconsciência, mim, como tenh o consciência da ameaça sob a qual me encontro, de me poder escolher como não sou. "Ab andono, angústia e responsabilidade são os sentimentos que assaltam permanentemente a minha consciência, ora às escuras, ora às claras, enquanto me experimento como pura e simples liberdade" 67. É este o sentido da tese sartreana de que a essência do homem é posterior à sua exis tência. O homem define-se, isto é, realiza a sua essência pela escolha dos seus fins. Aquilo que denuncia a sua pessoa não está no passado, como se a essência, já estabelecid a, pré-determinasse a sua existência mas no futuro. Os possíveis não existem antes da su a realização; o possível só existe enquanto se possibilita, ao projetar-se de novo em di reção a um outro mundo, isto é, em direção a um outro aspecto do mundo. Este mesmo projeto é sempre uma escolha incondicionada, e os motivos que essa escolha dá a si mesma fa zem parte ainda uma escolha necessária, porqueaseser, eu oposso escolh er-me comointegrante quero, nãodela. possoÉdeixar de me escolher nem recusar-me que não pa ssaria de outra maneira de escolher e de ser.
O homem, pelo ser que é, como existência, e que não foi por ele escolhido, partici pa da contingência radical de tudo o que existe e, por esse mesmo motivo, da "absu rdidade" total do ser. "A liberdade é absurda porque se a escolha é razão do ser-escol hido, já não o poderá ser de um escolher aquilo de que a liberdade de forma alguma se poderá eximir" 68. Aqui, entendo que a liberdade, como Sartre a postula, é uma criação e x nihilo, uma vez que, por ela, o para-si faz-se aquilo que quer, e de forma tão a bsoluta que o para-si se identifica com a liberdade. Liberdade e para-si são uma e a mesma coisa. O para-si surge sem razão do em-si; o para-si não pode de forma algu ma ser emanação do em-si, que o exclui absolutamente; de modo que o para-si se faz s urgir a si mesmo do seu próprio nada:
Eu estou condenado a ser livre, pelo fato de me ter sido dado o ser sem meu cons entimento, e sem razão, e por me ver obrigado a assumi-lo ao fazer-me. Todas as mi nhas razões mergulham nesta absurdidade fundamental 69. Sartre acrescenta que é pelo seu próprio aparecimento que a liberdade se determi na a um fazer, sendo que esse fazer será sempre o aniquilar de uma coisa. Então, seg ue-se que a liberdade é a falta de ser: eu sou livre enquanto não sou, e pelo mesmo fato de não ser. A liberdade pode ser definida como um "buraco no ser" ou um "nada ser", uma vez que surge como arrancamento ao ser, isto é, "como aniquilação do ser qu e ela é, no meio do qual ela está, e ao qual deve subtrair-se projetando um fim". En tendo que projetar um fim é modificar ou aniquilar uma situação, e apreender-me como f alta desse ser que eu projeto. Por isto, terei de apreender a minha liberdade co mo facticidade, ou seja, como puro dado, única realidade que eu posso compreender. Mas o dado não pode ser causa da liberdade; a causa só é entendida no plano do par a-si. O dado não pode ser sua razão, já que ele perde significado sem a liberdade. E c omo entender a relação do dado com o ato livre que é condicionamento ontológico? Se o pa ra-si é pura contingência, então não faz sentido pretender que o dado seja condição necessári do ato livre. Sendo a liberdade negação interna do dado, o dado não poderia ser indis pensável ao ser exercício. Sartre afirma: O leitor compreendeu que esse dado não é outra coisa do que o em-si nadificado pelo para-si que deve ser, do que o corpo como ponto de vista sobre o mundo, do que o passado como essência que o para-si foi 70. O ser envolve a liberdade; se o para-si deve ser, então o ser resulta sendo o compromisso e a ameaça do ato livre. Isto significa que o dado se desvela como mot ivo, submetido à um fim que o determina. Estamos condenados à liberdade e abandonados nela. Por isso, nossa liberdade e stá "em situação" e não podemos modificar nossa situação o nosso arbítrio. "Denominaremos sit ação a contingência da liberdade no plenum do ser do mundo e enquanto é dado, que não está a
li mais que para constranger a liberdade". O para-sioseestado descobre como marcado no ser, cercado pelo ser, ameaçado pelo ser; descobre de coisas que o rodei a como motivo para uma reação de defesa e ataque. O paradoxo da liberdade é que "não há li berdade senão em situação, e que não há situação senão pela liberdade" 71. Esta situação é de contingência da liberdade e da contingência do em-si: é pela situação que o em-si se tran sforma em motivo. A situação aparece como resultado do que o ato livre faz com o emsi; a situação é o modo como o para-si nadifica o em-si. Se a realidade humana encontr a resistências e obstáculos, que não foram inventados por ela, estas resistências e obstác ulos só adquirem sentido na livre escolha, e através da livre escolha que a realidad e humana é. Embora a escolha seja fundamental, a situação é estabelecida pela facticidad e: "a liberdade é a apreensão de minha facticidade". Sartre descreve diversos tipos de situação: "meu sítio; situação espacial e geográfica; meu passado; meu corpo; meu próximo" Em todas elas o resultado é o mesmo: tudo é entendido a partir do poder nadificador do para-si. Não se pode descrever ou definir o "algo" da facticidade em si mesmo, antes que a liberdade a tenha apreendido; e sem liberdade, não haveria situação. É importante ressaltar o poder nadificador do para-si; ser habita que envolve a rea s lidade humana só será admitido se for condicionado pelo nadao que o para-si; e o ser me
envolve, dele permaneço distanciado, e essa separação não poderá ser suprimida. Sendo assi m, o condicionamento ontológico pelo ser se dá no condicionamento ontológico pelo nada , isto é, o condicionamento ontológico se torna, também ele, condicionado. Como já disse , há uma preeminência ontológica absoluta do em-si: o em-si é o ser; mas a dimensão ontológi ca do em-si é instaurada "pelo nada que eu segrego e que eu sou". Sartre, nos diz que
somos separados das coisas por nada, apenas por nossa liberdade; é ela que faz com que haja coisas com toda a sua indiferença, sua imprevisibilidade e sua adversida de, e que nós sejamos inelutavelmente separados delas, pois é sobre um fundo de nadi ficação que elas aparecem e se revelam como ligados umas às outras 72. É claro que o para-si nada acrescenta às coisas; não poderia jamais ser princípio co nstituinte das coisas, posto que a realidade humana constitui-se como projeto de si; e, pelo projeto da liberdade, a facticidade é trazida para dentro da esfera d a realidade humana, determinando, assim, a ambigüidade da situação. Se o homem se faz absolutamente livre e responsável por sua situação, ele só é livre em situação. Isso acontece de tal forma que é como se o projeto da liberdade conseguisse lançar o nada, de tal modo que o mesmo nada passasse a ser anterior ao em-si; a facticidade é a projeção nad ificadora. Dizer que o homem está condenado a ser livre é o mesmo que afirmar que el e está obrigado a nadificar a tudo e a todos. Desde que a liberdade é necessária, total e infinita, o homem terá que suportar so bre os ombros o peso do mundo inteiro. É responsável por si e pelo mundo, não na sua e xistência, mas na sua maneira de ser, visto que não pode deixar de ter consciência da sua imputabilidade quanto aos acontecimentos e à configuração do mundo. Imensa
responsabilidade, pois, reconhecendo-se abandonado e livre, o homem apreende-se como sendo aquilo que se faz ser. Desta maneira, não se admite qualquer lamentação, po rque nenhuma potência estranha pode determinar aquilo que eu sou. Tudo o que acont ece é meu, e o mundo, tal como é, apenas reflete a minha imagem. A responsabilidade não é aceitação, é a reivindicação lógica da minha liberdade, e de todas as conseqüências que manam. Compreende-se a afirmação de Sartre de que "eu, em certo sentido, escolho ter nascido". O fato de meu nascimento não me aparece em estado bruto; o nascimento é m ostrado como reconstrução projetiva do meu para-si: posso ter vergonha de ter nascid o. Sem razão, nem explicação, vejo-me lançado ao mundo sem saber porquê. Sou responsável por tudo, menos pela minha responsabilidade, uma vez que não sou o fundamento do meu ser. Dizer que estou condenado a ser livre é também dizer que sou obrigado a ser res ponsável. Estou no meio de um mundo e assumo a responsabilidade por esse mundo, já q ue, por mais que faça, terei sempre que me escolher, e não posso escolher-me senão com o ser-no-mundo. Assim sendo, se não nasci por escolha, terei que me escolher como ser-nascido, e, dentro desta perspectiva, o mundo inteiro não será para mim senão o co njunto probabilidades ou deentão ocasiões que me oferecidas para realizar esse ser que eude tive de assumir dando sentido ao são mundo. Esta é a minha condição, da qual só "escaparei" sem consegui-lo, recorrendo à má-fé. Mas ealizo na angústia essa minha condição. Descobrindo na angústia a minha liberdade e, sim ultaneamente, o nada que a angústia encerra, passo a não ter remorso ou desculpa: "s ou essa mesma liberdade, cujo ser se afirma no ato pelo qual eu a descubro". Sar tre diz que a liberdade é "autonomia de escolha". Cabe esclarecer que, se essa aut onomia não tem nenhum limite que a torne impotente, não há uma facticidade radical que à liberdade se imponha como fronteira. Sartre reconhece que há o que ele chama d e "situação-limite", isto é, os limites externos da situação se tornam "situação-limite". Trata-se da morte e do nascimento, ou do absurdo da morte e do absurdo do nascimento. Absurdo porque ambos são fatos con tingentes. A morte é simplesmente um fato puro ou facticidade derivada de minha co ntingência e de ser nada. Como o nascimento, é afetada do mesmo absurdo. É absurdo que tenhamos nascido, como édeabsurdo que devamos morrer. Esseé absurdo apresenta co É uma esp mo alienação permanente meu ser-possibilidade que não já minhase possibilidade. era enganosa que isenta toda a significação da vida. Eu sou "espera de esperas" de e
spera que a morte suprime totalmente. Mas não traço limites à minha liberdade. Trata-s e, pois, de um limite permanente aos meus projetos, e, como tal, deve ser assumi do este limite. Não há diferença, no fundo, entre a escolha pela qual a liberdade assu me sua morte como limite inacessível de sua subjetividade e aquela pela qual escol heu ser liberdade limitada. A morte, para Sartre, é o signo mais claro da negativi dade do ser-para-si. E por serem fatos puros e contingentes, fica claro que não po dem ter dimensão ontológica: são subtraídos ao poder nadificador do para-si. Então, a mort e não lhe poderia pertencer como estrutura ontológica. Não há lugar para a morte no para -si, ela é o dado como tal, em estado absoluto; e sendo estranha ao para-si, não pod e constranger a liberdade: "a liberdade que é minha liberdade permanece total e in finita". O que Sartre pretende é manter a autonomia do ato livre, de maneira radic al, como recusa a toda e qualquer possibilidade de condicionamento. O homem sart reano desenvolve uma incessante atividade no mundo e, no entanto, permanece inca paz de com o mundo instituir relações duráveis e positivas, saindo do seu abstrato iso lamento. É com o objetivo de eliminar esse isolamento que Sartre elaborou a noção de " situação", que já expliquei. Procurou, através da noção de "situação", transformar a abstraçã do para-si nessa realidade mais concreta que é o "homem-em-situação". Do ponto de vis ta geral, a "situação" designa o complexo dos determinismos
e das estruturas que condicionam o homem enquanto sujeito agente. Mas não se pense que a situação coincide simplesmente com o ser-em-si opaco do mundo, ser que de div ersos modos limita a minha liberdade. Ela é, antes, a intersecção entre esse ser-em-si e os meus livres projetos. A situação define-se e configura-se apenas em relação aos pr ojetos elaborados pelo ser humano. O importante a ser ressaltado é que, ao aprofundar a noção de situação, Sartre desenvo lverá o seu próprio pensamento na direção de um existencialismo consciente da presença ati va e condicionante da história e da sociedade em relação à vida do indivíduo. Nesta elabor ação do conceito de situação não haverá, contudo, uma superação convincente da abstração e da ontológica do sujeito. Saliento o fato de que a situação surge como estruturada pelo s ujeito e, em última análise, depende dos seus projetos. Tudo o que condiciona o suje ito constitui uma situação apenas se, e enquanto seja assumida e vivida como tal. É ne cessário observar que a situação não chega a condicionar a liberdade humana. Mesmo reali zando-se apenas no interior de uma situação, ela permanece um absoluto, um incondici onado, permanece algo de intrínseco e ontologicamente independente da realidade ob jetiva, até mesmo a ela se contrapondo. Com base nesta tese, não é fácil estabelecer uma efetiva mediação entre sujeito e mund o. A situação, longe de se assumir como esta mediação, é apresentada por Sartre como corre lação indispensável à liberdade, isto é, como conjunto de "resistências" e "obstáculos", na m dida em que sejam assumidos e tornados significantes pela livre escolha do sujei to". Esta tentativa de fazer com que o sujeito supere o seu próprio isolamento surg e como sendo substancialmente parte Enquanto a realidade deve esperar que a envolvam numefetuada projetona para quesubjetiva. adquira uma "presença" significan te sua, o sujeito permanece como o efetivo e solitário protagonista e realizador da sua própria vivência no mundo. Já vimos que o para-si é o ser que existe como testemunho do seu ser, fazendo-se anunciar o que é, pelo possível que ele projeta ser, e que toma o aspecto de valor, ou seja, do que está faltando ao para-si para ser a totalidade que pretende ser. A liberdade é outro nome deste processo característico do para-si. O para-si só escolh e porque é falho de ser, e a liberdade, como foi estabelecida, não é outra coisa senão e ssa falta, ou a maneira de ser que se exprime em e por essa falta. Segue-se que, sob o ponto de vista ontológico, é válido dizer que o possível e o valor surgem como li mites em direção aos quais uma falta de ser se projeta com o fim de se anular, ou a liberdade pelo seu aparecimento faz surgir seus possíveis, ao mesmo tempo definind o-os como valores. Pergunto qualSartre será oresponde possívelque último, é, o este valorvalor absoluto, em de direção do qual se pr ojeta o para-si? só se isto revelará através uma psicanális e existencial que "procura determinar a escolha original" realizada individualme
nte. Essa escolha "é o centro de referências de uma infinitude de significações polivale ntes", e constitui o projeto fundamental do homem. O homem opera ao determinar a sua posição no mundo. Em função dessa opção, anterior a toda lógica, é que se poderá, interr o a multitude concreta das atitudes empíricas, decifrar o sentido ontológico que ela s implicam e, simultaneamente, exprimem, fixando-as, depois, sob a forma de conc eitos. Este método apóia-se, efetivamente, no princípio que admite "o homem como um to do e não como coleção", encarando-o como um todo inteiro, no seu comportamento concret o, por mais insignificante que este seja. Em outro capítulo, já disse que Sartre rej eita o postulado do inconsciente: o fato psíquico é coextensivo à consciência. Mas embor a o homem saiba em que consiste seu projeto fundamental, embora esse projeto sej a vivido plenamente por ele, e embora seja, portanto, totalmente consciente, iss o não quer dizer que ele seja conhecido; a psicanálise existencial propõe-se a tornar conhecido o que todo para-si compreende desde sempre. É imposta, assim, a transformação do homem, no sentido de qu e se lhe torne acessível "a intuição final do sujeito". Dessa forma, a ontologia encon tra o seu significado último no que se propõe a psicanálise existencial. Diante desta proposta, "a ontologia nos abandona: ela nos permite simplesmente determinar os fins últimos da realidade humana, seus possíveis fundamentais e o valor que a perseg ue" 73. A estrutura da obra O Ser e o Nada desemboca, necessariamente, em uma Ética. E ssa Ética não foi escrita, mas nessa obra temos dois tipos fundamentais de relação. A pr imeira é a relação do sujeito consigo mesmo, visto que o para-si se manifesta antes de mais nada como presença a si; toda moral só pode descobrir seu fundamento na subjet ividade do sujeito. A segunda relação é a de sujeito-objeto, pois, em última instância, não há uma relação intersubjetiva no existencialismo. O conflito que preside ao relacionam ento com o outro termina por frustrar qualquer tentativa de superar a categoria do objeto. A relação sujeito-objeto, no entanto, Sartre analisa nas relações concretas c om o outro, sem dedicar a isto um capítulo específico. Se a negação determina a r relação elação com o outro, a ri rigor gor a re relação lação se nega a s si i pr própria: ópria: uma relação negativamente determinada não chega a ser propriamente uma "relação". Os dois tipo s de relação consigo mesmo e com o outro Ä constituem o lugar onde se desenvolve o com portamento moral do homem, e em que se apresentam os conceitos da ética: liberdade , valor, compromisso, responsabilidade, de um modo geral, a ação humana. Sendo o para-si a liberdade compreendida como autonomia de escolha, por ela é determinado um dos conceitos principais da ética: o valor. Se a liberdade é absoluta , o valor brota da subjetividade. A ontologia e a psicanálise existencial devem mostrar ao homem que "ele é o ser pelo qual os valores existem" 74. Entendase "homem" como individualidade subjetiva. Assim sendo, o valor exige um fundame nto; mas o fundamento não pode ser o ser, pois se o fosse, desde que o homem é norte ado por valores, todo comportamento instauraria a má-fé e, conseqüentemente, destruiri a a liberdade. Então: a liberdade é o único fundamento dos valores e ... nada, absolutamente nada, me just ifica ao adotar tal ou tal valor, tal ou tal escala de valores. Enquanto ser pel o qual os valores existem eu sou injustificável. E minha liberdade se angústia de se r o fundamento sem fundamento dos valores 75. Como não há uma natureza humana que determine o que o homem deve fazer, também não há uma ordem pré-estabelecida de valores. Desse modo, o valor encontra a sua criação no a to livre, e é absolutamente indeterminado: escolher é inventar. Portanto, partindo da experiência, e baseando a investigação que revela a escolha original, na concepção pré-ontológica ou espontânea que o homem tem de si mesmo, descobrese que o projeto fundamental ou escolha originai do homem não pode ser senão o proje to-de-ser, pois é evidentemente impossível ir para lá do ser. Não há, porém, qualquer difere nça entre possível, valor, projeto-de-ser, e ser. Fundamentalmente, o homem é desejo d e ser. E isto quer dizer que o para-si é nele mesmo a sua própria falta de ser, e qu e ser que lhecolocado falta écontinuamente o em-si, na busca qual ele continuamente . o Deste modo, entredoo em-si queanda ele aniquila, por empenhado definição, e o em-si que projeta ser, o para-si é nada. O em-si corresponde verdadeiramente a
o fim da aniquilação que me constitui. O homem é desejo de ser-em-si, isto é, desejo de ser ele mesmo o seu próprio fundamento. No entanto, o para-si, que é, como tal, negação do em-si, não pode desejar fundir-se na opacidade bruta do em-si: o que ele preten de é realizar essa união paradoxal que Sartre designa pelo "em-si-para-si". Quer ser uma consciência, mas possuir, como consciência, a densidade plena e inteira do em-s i. Sob este aspecto, os possíveis projetados pelo para-si correspondem apenas àquilo que lhe permitiria transformar-se nesse em-si-para-si que é, para ele, o valor su premo. A este ser ideal que, pela pura consciência que tivesse de si mesmo, viesse a ser fundamento do seu próprio ser, é que Sartre chama de "Deus". E, no fim das co ntas, "o projeto fundamental do homem é ser Deus" 76. Neste caso, poderá haver ainda liberdade? Já mostrei que não haveria liberdade se o homem fosse primeiramente uma essência, ou uma natureza a que ele, depois, viess e a dar existência. Essa essência definiria, logo no princípio, os caminhos aos quais o homem se teria que cingir, abolindo, portanto, a sua liberdade. Definindo-se o homem como aquele que deseja ser Deus, não haveria como conferir-lhe um substitut o dessa essência, que corromperia a sua liberdade? Sartre diz que esta objeção não proce de porque, se é certo que o desejo do homem, no seu verdadeiro sentido, só se compre ende como projeto de ser Deus, também é certo que esse desejo, de fato, nunca se exp licita sob essa forma; serve-se sempre de modalidades de realização que o implicam o u o simbolizam, sem o manifestar, e que correspondem também sempre a uma situação empíri ca determinada. O desejo de ser exprime-se e atualiza-se como desejo de tal mane ira específica de ser, e, como tal, abre e impõe simultaneamente à liberdade um campo absolutamente ilimitado. O desejo exprime uma estrutura de ser universal, pela q ual virá a ser definida "a realidade humana da pessoa". Sartre esforça-se por desfazer a idéia de qualquer semelhança entre realidade huma na, que é fundamentalmente desejo de ser Deus, e uma natureza ou essência. Não há semelhança possível, porquanto o de sejo identifica-se com a falta de ser, e isto implica que eu seja inicialmente f alho dessa essência em-si-para-si, que ambiciono vir a ser. Não se poderá admitir esta estrutura abstrata como essência da liberdade. A liberdade não tem essência, não é propri edade de uma substância ou natureza que seria antes dela. Ao contrário, ela funda a natureza ou essência, isto é, ela é existência, aparecimento imediatamente concreto que se identifica com a sua escolha, ou seja, com a pessoa. Sartre pensa que essência poderia ser, antes da existência, uma estrutura concreta. É claro que ela não é senão uma estrutura abstrata, e só pode tornar-se concreta e singular pelo ato de existir, o qual é, como tal, "aparecimento imediatamente concreto". Mas, mesmo neste caso, t al como Sartre a concebe, a essência conserva uma certa precedência lógica em relação à exis tência, uma vez que, sejam quais forem as formas simbólicas e concretas da sua reali zação,quadro o desejo fundamental define, para Sartre, a realidadeSartre, humana,aoestá dado, aí, como dentro do qual aque existência deverá manifestar-se. que já parece admite, aqui, um substituto para uma "natureza". Mas também não é solução admitir que o h omem, não sendo nem o em-si, nem o em-si-para-si, nem Deus, pode-se tornar como qu e um puro esforço para ser Deus, esforço que não tem o que o leve a esforçar-se. Dentro desta concepção do para-si, o que se vê é que, de qualquer forma, a pura relação vivida do e m-si original com o valor o nada que constitui o homem é esse próprio esforço que ele despende para se tornar substância, uma causa de si. Esse esforço é realmente uma natu reza. Porque nada exige que uma essência seja uma substância dada de antemão. A noção de s ubstância conduz ao existente, que é o ser. A essência, pelo contrário, é propriamente rel ativa ao ser, e não uma coisa ou um sujeito. Onde nos conduzirão estas concepções da lib erdade e do valor? Sartre adverte que elas devem, antes de tudo, eliminar "esprit de sérieux" 77. Somos "sérios", quando tomamos o mundo como primeir o ponto de ouentão, ponto de apoio, assim, por prioridade re alidade do partida, mundo; ou, quando "nãoestabelecendo, atribuímos a nós mesmos realidade eavalor, senão na medida em que fazemos parte do mundo". Não é por acaso que os ricos e revolucionári
os são "sérios": tanto uns como outros só se conhecem em função do mundo, que enriquece un s e esmaga outros. "Marx foi quem primeiro afirmou o dogma do sério quando deu pri oridade ao objeto sobre o sujeito, e o homem é sério quando se toma por um objeto". Esta seriedade define a má-fé, que bloqueia a espontaneidade inventiva dos atos. Por isso, Sartre recusa toda moral tradicional que é livre para o mal e não para o bem, que é livre para o erro e não para a verdade. De fato, o pensamento sério "torna-se espesso pelo mundo"; "coagula". "O homem demite-se a favor do mundo", do qual já nem mesmo lhe parece possível sair. Desta f orma, "o homem do mundo" passa a ter a existência do rochedo; tem a espessura, a d ensidade e a opacidade das coisas do mundo. Esta situação tem como símbolo a viscosida de. O viscoso é a desforra do em-si, isto é, a morte do para-si, morte açucarada, "a v espa que se atola no doce e fica nele submersa". O pastoso poderá ter o mesmo aspe cto que o viscoso, mas não fascina, não compromete, porque é inerte. No viscoso a subs tância é pegajosa, comprometedora e sem equilíbrio, semelhante à metamorfose. Tocar no v iscoso é arriscarmo-nos a sermos diluídos em viscosidade. Esta diluição, por si mesma, já é horrorosa, porque corresponde à absorção do para-si pelo em-si, como se tratasse de ti nta absorvida pelo mata-borrão. Mas, além disso, é tanto mais horrorosa quando, podend o metamorfosear-nos em coisa, vamo-nos metamorfosear em viscosidade. Tornar-se v iscoso é em si horrível para uma consciência. "E é este temor que, no plano ontológico, tr aduz a fuga do para-si diante do em-si da facticidade" 78. Entretanto o homem jamais poderá instalar-se tranqüilamente ness a dimensão de si: o para-si que o constitui não cessará de se insurgir contra esse emp astamento, contra esse deslizar na viscosidade, contra essa solidificação petrificad a em coisa. "A má-fé não é um refúgio de completo repouso, e o artifício em que ela incorre nos traz sempre mergulhados num Irremediável mal-estar". Este mal-estar nasce do h orror pelo viscoso, isto é, no plano ontológico do temor, que experimenta o para-si perante o risco de naufragar na facticidade do em-si. Este tipo de ser, de fato, não existe, senão como em-si-para-si, e é representado unicamente pelo viscoso. É um ser ideal que eu repilo com todas as minhas forças, mas que me acompanha como o valor me acompanha no meu ser; um ser ideal, em que o em-si não fundado tem prior idade sobre o para-si, e a que chamaremos Antivalor 79. O sério não é apresentado como uma pura ilusão da subjetividade. O valor, tal como e le o concebe e busca, como se fosse um dado transcendente, uma coisa ou um objet o que se tratasse de atingir e possuir, "tal valor não é senão uma miragem". A liberda de, apreedendo-se a si mesma como nada de ser, uma vez que nela se exprime o ser que não é, e não se exprime o que é, renuncia, portanto, a coincidir consigo, procurand o estar sempre distante de si mesma. Deste modo, "por uma conversão radical que é um a absoluta renúncia ao espírito do sério, ela desejar-se-á si mesma, e tornar-se-á o seu p róprio fundamento". Daqui em diante, o homem passará a aparecer verdadeiramente como o ser por quem osovalores existem,aesia liberdade como o nada pelo qual o mundo existe. Como tal, homem basta-se mesmo e pelo sentimento desse nada criad or de ser faz-se Deus. Nestas condições, não se deve considerar a ação, uma vez que o homem age e comprometese, sem ter a menor ilusão sobre os fins a que se propõe. O espírito do sério é que leva a o desespero, pois acaba sempre por nos mostrar como são vãs e destinadas ao fracasso todas as atividades do homem. Conduzir povos ou embebedar-se solitariamente são, assim, atitudes equiparáveis. Se, na realidade, uma pode prevalecer sobre a outra, nunca é em razão do seu fim concreto, como se uma escala de valores objetivos permi tisse diferenciar esses fins, mas unicamente em razão do grau de consciência que cad a uma das atitudes possui em relação ao seu termo ideal. Neste caso, "poderá acontecer que a quietude do bêbado solitário domine a inútil agitação do condutor de povos". Porque a única verdade é que o homem see perde como homem, para que Deus possa nascer. Mas80. a idéia de Deus é contr aditória nos perdemos em vão. O homem é uma paixão inútil
Bem e mal, verdade e erro devem ser invenções do homem. Nesse sentido, Sartre di z que liberdade é sinônimo de libertação. É libertação de tudo o que não se confunde com a pr subjetividade. A recusa à lei é total, e tanto a recusa como a lei devem ser compre endidas do modo mais amplo possível: nem a concessão e nem a reserva podem ser resgu ardadas. Todo homem que se refugia na desculpa de suas paixões, todo homem que inv enta um determinismo é um homem de má-fé. Mas, trata-se, aqui, também, de libertação de si m esmo. Inventar um determinismo é como introduzir o em-si no fundamento do para-si, numa tentativa de coincidir consigo mesmo e, como conseqüência, de justificar-se na condição de objetividade. No entanto, a liberdade é fuga de si, é manter-se à distância de si próprio, e haver-se com a angústia de não poder ser. Uma liberdade que se quer como liberdade é um ser-que-não-é-o-que-ele-é e que-é-o-que-el e-não-é que escolhe, como ideal de ser, o ser-o-que-ele-não-é e o não-ser-o-que-ele-é 81. Isto significa que a realidade humana nunca se está realizando, e quando pensa que está, incide na má-fé. O homem se habita a si mesmo perpetuamente, como um estran ho. Tendo em vista a concepção da liberdade e do valor, Sartre pretende erigir a sua moral da responsabilidade e do compromisso. Definido o valor como criação da subjet ividade, diz o que é a responsabilidade: "Tornamos a palavra responsabilidade em s eu sentido banal, como consciência (de) ser (o para-si), o autor incontestável de um acontecimento ou de um objeto". Condenado a ser livre, o homem carrega o peso d o mundo; ele se torna responsável pelo mundo e por si mesmo enquanto maneira de se r. Sartre revela o subjetivismo de maneira radical: "tudo o que me acontece é meu" , "tudo o que me acontece me acontece por mim", se "cada pessoa é uma escolha abso luta de si, eu sou responsável por tudo, salvo por minha própria responsabilidade, p orque eu não sou o fundamento de meu ser". Assim, o fundamento da responsabilidade permanece determinado de um modo negativo, e ficamos sem entender como o homem pode ser responsável pelos outros. Mas trata-se de uma criação de imagens, e dizer que o homem é responsável por todos é o mesmo que dizer que só é responsável por si próprio: "so responsável por mim mesmo e por todos, e crio uma certa imagem do homem que eu es colho; escolhendo a mim, escolho o homem" 82. A concepção sartreana do compromisso é que "cada vez que o homem escolhe seu compr omisso e seu projeto com toda sinceridade, e com toda lucidez, qualquer que seja esse projeto, torna-se-lhe impossível preferir um outro. Tenho que retomar citações do panfleto O Existencialismo é um Humanismo, porque Sa rtre o cita em O Ser e o Nada. O fundamento do compromisso também sofre uma determ inação negativa, pois só é esclarecida a partir da subjetividade instauradora. Neste cas o, não há como verificar o compromisso; se a possível objetividade do valor é determinad a pelo para-si, então o homem só se compromete consigo mesmo; dizer que o homem pode julgar o outro não é suficiente para justificar o compromisso a responsabilidade. A concepção sartreana do homem não permite ao para-si aderir aenada porque ele só é, só tem ser, pelo nada, e seu desenraizamento termina sendo total. Feita a a análise nálise da liberdade, temos que: o em-si é o s ser er q que ue é o qu que e é; a c consciência onsciência não é objeto; o ser é pleno e completo; a consciência é vazia de ser; é possibilidade; a pos sibilidade não é realidade; a consciência é liberdade. Resta-nos, então, perguntar: Qual é a relação entre consciência e liberdade? Qual a solução para a dicotomia do em-si e do para -si, duas "regiões" ontológicas incomunicáveis?
CAPÍTULO 5
A CONSCIÊNCIA O que Sartre propõe é analisar os problemas e as dificuldades implícitas na teoria fenomenológica. Propõe-se reexaminar a relação sujeito-objeto e consciência-mundo. Uma ve z estabelecido que o objeto é essencialmente fenômeno, ou melhor, fenômeno-de-consciênci a, trata-se de ver se o ser deste fenômeno está todo nesta sua fenomenalidade depend ente da consciência. E, ainda, uma vez estabelecido que a consciência é essencialmente consciência-de-alguma-coisa, trata-se de averiguar se o ser desta consciência está to do neste ato intencional. As respostas não podem, na verdade, ser senão negativas. É claro, pois se o ser do fenômeno objetivo fosse fenonêmico, dependesse da consciência, Sartre cairia, sem dúvid a, no "idealismo". E é evidente que, se o ser da consciência dependesse completament e do objeto, Sartre cairia no "realismo". Para não cair em nenhuma das duas corren tes, Sartre as conserva como dois pólos, embora estreitamente relacionados mas ind ependentes. É necessário que o ser do fenômeno seja irredutível ao seu percipi fenomênico, e qu que e o ser da c consciência onsciência se configure como capacidade intrínseca de transcender o fenômeno.
Surpreendentemente, Sartre conclui, de saída, que "partimos da aparência pura e cheg amos ao pleno ser" 83. Desde as primeiras considerações acerca do ser, encontramos uma apresentação e uma d escrição ontológica do ser do fenômeno e do ser da consciência. O ser do fenômeno é apresenta o como algo incriado, autônomo, para além da atividade e da passividade, da afirmação e da negação, que são todas categorias, ou pontos de vista da consciência. É apresentado tam bém como algo maciço, opaco, existente de modo bruto. É o "ser-em-si". O ser-em-si não é nunca nem possível, nem impossível, ele é... O se ser r é. O s ser er é em si. O er é aquilo que é. Eis as três características que o exame provisório do fenômeno do ser nos permite atribuir ao ser dos fenômenos 84. Este ser-em-si, como já disse no Capítulo 1, é surpreendentemente parecido com o s er imóvel de Parmênides. E recebe, por parte de Sartre, primazia na ontologia o prob lema de como pode dar-se o movimento e o devenir num mundo tão rígido. Sartre o reso lve dentro de uma espécie de "determinismo" que, aliás, ele tanto combateu. Ao ser-em-si, que é o ser do fenômeno, contrapõe-se o ser-para-si, que é o ser da co nsciência. Eles são radicalmente opostos. Enquanto o "em-si" é incriado e atemporal, o "para-si" autocria-se continuamente no tempo. Enquanto o "em-si" é sempre idêntico a si próprio, o "para-si" não pode coincidir consigo. O "em-si" é estático e inerte; o " para-si" é a ação e movimento: "é obrigação do para-si existir apenas sob a forma de um outr o em relação a si". Mas é ainda necessário fundamentar e justificar a existência do para-s i. No campo ontológico, não existe, rigorosamente, senão o ser-em-si, sendo o para-si absolutamente antitético ao em-si, configurando-se claramente como não-ser. É neste ponto que entra em cena o Nada. O n ada é condição necessária e absoluta do para-si, é aquilo que arranca o ser do seu próprio i nterior, uma experiência radical de não-ser, que o sujeito experimenta no seu próprio ser, e no seu agir concreto. O nada se apresenta ao sujeito sob as formas mais d iversas e inesperadas. A análise da negação mostra-nos que a condição necessária para que se ja possível dizer "não" é que o não-ser seja uma presença permanente, tanto em nós como fora de nós, ou seja, é preciso que o nada penetre continuamente o ser. O ser é uma massa compacta e positiva. Não pode produzir o seu próprio contrário. O nada, na realidade, é gerado pelo próprio sujeito. A prova disso é a possibilidade de interrogação: "o ser para o qual o nada se produz no mundo é um ser no qual, no seu se r, o nada do seu ser se torna questão". Eis que Sartre determina, em primeiro luga r, que para ser aquilo através do qual o nada vem ao mundo, o homem deve ser livre : depoderia outro modo, e pertencendo inteiramente ao determinismo do ser em-si, não manifestar esse não-ser que é nada. Para evitar apróprio contradição, Sartre acrescen ta logo a seguir que, para ser aquilo através do qual o nada se manifesta, a liber
dade deve ser, no homem, angústia. A angústia é, de fato, o dar-se conta da existência d esse nada que é o meu futuro, como série das minhas ações possíveis e, portanto, que ainda não-são, e sobre as quais um Eu que eu ainda não-sou deverá decidir autonomamente. O ho mem não suporta a indeterminação, esta disponibilidade, este vazio que é o próprio nada: " Na angústia, a liberdade angustia-se perante si mesma na medida em que nunca é solic itada ou limitada por nada". Mas a descoberta verdadeiramente angustiante é que este vazio, este não ser, não e stá perante ou fora de nós, ele está em nós mesmos. O homem descobre que essa inquietant e liberdade está nele próprio. Ontologicamente destinado a agir e a transcender o se r e, portanto, a
transcender toda a confortável rotina determinista, o homem dá-se conta de estar "co ndenado à liberdade" que se identifica precisamente com este urgente impulso inter ior para transcender o existente. É nesta base que se instala a irresistível tendência do homem para fugir de si próprio, para fugir da sua própria e angustiante abertura interior ao não-ser. A fuga de si próprio como permanente comportamento humano é a má-fé. É necessário retomarmos esses conceitos para que possamos concluir nossa análise. A partir da natureza do para-si, e de que seu ponto de emergência é o ser humano , Sartre inicia a caracterização de tal ser. O ponto fundamental é o seu caráter "in-fun dado". Habitado pelo nada, o ser-para-si do sujeito não tem qualquer solidez, qual quer espessura ôntica. É "descompressão de ser", é desagregação. Contendo não ser, ou sendo n ser, o sujeito encontra-se num estado de contínuo movimento, de contínua instabilida de. Este modo constitutivo da existência humana é designado como "presença a si". A na tureza ou essência constitutiva do homem é a de ser "um ser que não é aquilo que é, e que é aquilo que não é" 85. A instabilidade da consciência resulta de um estado de radical i mperfeição, a que Sartre denomina de "falta". Destituída de um fundamento invariante, a consciência humana é contingência absoluta, lançada na contínua procura de uma base de a poio: o complemento necessário, o em-si que, por si só, poderia instaurar a totalida de. Impossibilidade pura, "pois que em si reúne as características incompatíveis do em -si e do para-si". Sartre conduz sua análise da consciência de modo a tornar seu próprio projeto filo sófico inexeqüível. O em-si é o ser; a o fundamento do para-si, na medida em que ele se especifica pelo poder nadificador que o constitui, é o nada; o para-si nasce pelo nada que o habita, pois sem o nada o seu ser seria em-si. Sartre multiplica dual ismos circulares, circulares, viciosos, de maneira ad hoc para ir mantendo suas próprias tese s anteriores. De contradição em contradição, acaba reconhecendo a gravidade da questão que e le acabou de criar, como se surpreendesse a si próprio emaranhado na teia que ele mesmo teceu. A radicalidade com que ele implementa a dualidade dos dois "reinos"
, o em-si e o passa para-si força-o a rever problema da relação eles. Surpreendentem ente, Sartre a compreender o serocomo "categoria geralentre à qual pertencem todo s os existentes". Sendo o dualismo insuperável, o para-si ficaria ilhado em si mes mo, e não se poderia mais "dizer" o ser, o ser seria "mudo". Portanto, impõe-se que o dualismo, de algum modo, seja transcendido. Mais uma vez Sartre lança mão de suas fórmulas dialéticas: "o para-si e o em-si são re unidos por uma ligação sintética que não é outra senão o próprio para-si" 86. Mas se o para-s nasce pelo nada que o habita, só poderia ter ligação com o em-si se o nada não "existis se" mais. A fórmula de Sartre derivaria da subjetividade do sujeito, de modo que o para-si seria o princípio de reunião do que estava separado. Mas como? Sartre tenta ainda outra fórmula: "o para-si não é outra coisa que a pura nadificação do em-si; ele é co mo um buraco de ser no seio do Ser" 87. Mas se a reunião se faz através do poder nad ificador do para-si, na medida em que o poder nadificador atinge o em-si, fica m ais complicado ainda entender de onde vem esse poder nadificador, essa força nadif icadora! toma Outra contradição: afirma que Então "o para-si como uma mínima, q ue a sua origem no Sartre seio do ser" 88. temos,aparece de um lado, quenadificação a reunião entr e o em-si e o para-si encontra seu fundamento no nada e, de outro, que o nada to
ma a sua origem do ser. Para resolver mais esse, dentre inúmeros impasses, Sartre analisa a noção de ser, e afirma: "o para-si não tem outra realidade que ser a nadificação do ser". O para-si, então, não pode ser o nada "em geral". Trata-se de uma " privação singular", privação neste ser "aqui". O que Sartre entende como "privação singular" é o seguinte: Não precisamos nos interrogar sobre a maneira pela qual o para-si pode unir-se ao em-si porque o para-si não é de forma alguma uma substância autônoma 89. Com esta resposta, Sartre pretende eliminar o problema da cisão entre os dois reinos ontológicos. O dualismo se resolveria, como se fosse um pseudoproblema. Ten do em vista que o para-si não passa de um derivado do em-si, nada haveria para reu nir. A consciência é uma encosta escorregadia e seria impossível instalar-se ou agarra r-se à ela. Pois a consciência se devolve imediatamente ao em-si: nós sempre apreendem os o em-si. Assim sendo, eu não me posso fixar, em nenhum sentido, em qualquer coi sa como uma subjetividade absoluta ou transcendental; o cogito conduz necessaria mente para fora de si. A consciência "devolve desde sempre à coisa". Desde a sua ori gem ela tende para o ser. Não existe ser da consciência, do para-si. E Sartre preten de resolver o problema, na medida em que não pode haver ligação entre o em-si e o para -si, porque a consciência, sendo nada de ser, busca o ser e se liga ao ser. Na ver dade, desse modo o problema é suprimido. No decorrer do primeiro capítulo de O Ser e o Nada, faz uma descrição fenomenológica da negação, e afirmou que a "negação, encarada mais de perto, nos levou ao Nada, como s ua origem e seu fundamento". Eis como Sartre ingressou na dimensão ontológica do nad a, que não consegue ser elucidada, e se revela agora como um pseudoproblema. Porta nto, a passagem ao plano ontológico é injustificável: não há como o nada ser legitimamente afirmado como fundamento e origem do que quer que seja. Seguindo a linha de raciocínio de Sartre, o para-si toma a sua origem do em-si , o fundamento do para-si está no em-si. Dessa maneira, Sartre justifica que o par a-si esteja constitutivamente "fora" de si. Desde o seu fundo último, a realidade humana é intencionalidade. Mas se tende ao em-si, é porque o para-si não é, e não pode ser , o em-si. O para-si participaria do em-si? Por participar do em-si, não se confun diria com o em-si? Nesse caso não haveria identidade: o para-si se conserva outro que não o em-si. E essa separação permanece no plano ôntico. Tendo em vista todos esses problemas, insisto: Qual é o fundamento do para-si, na medida em que ele é diferente do em-si? Para Sartre, o fundamento é o em-si, e o "diferente" desse fundamento não tem fundamentação. Em Sartre, parece que todas as questões tornam-se paradoxais. Ele deveria pode r constituir uma ontologia do em-si, enquanto possibilidade de fundamento do par
a-si. Mas a ontologia acaba por ser inútil,pode poissertoda a afirmação sobreaoanálise ser do existen em-si é necessariamente tautológica. O para-si "dito". Aliás, toda cial de Sartre se resume num discurso monumental sobre o para-si que se define p ela contradição: "ele é o que não é, e não é o que é". A afirmação só acontece no plano da co sse modo, a pergunta pelo fundamento do para-si é frustrada. O que eu quero dizer é que não se logra a fundamentação ontológica do para-si se, além d e o considerarmos distinto do em-si, ainda o quisermos fundamentar no em-si. Se o "homem é uma paixão inútil", pois "a idéia de Deus é contraditória", então o "ensaio de ont logia fenomenológica" de Sartre também é inútil, pois é contraditório, do começo ao fim: é co se ele fosse um "afásico"específico, a querer falar de Deus (o "contraditório"), do co meço ao fim, sem conseguir. Sartre pretende que a cisão ontológica dos dois reinos do real seja num pseudopr oblema. Se o para-si não tem as características de uma substância autônoma, nada há para ser conciliado, visto que o para-si só é pelo em-si. Assim, Sartre acaba afirmando a primazia domaneira, ser sobre o nada enão negando primazia do nada não sobre o ser. Mas, dessa o para-si pode uma ser possível pensado ontologicamente, tendo senti do falar-se em "o ser e o nada". Se Sartre quisesse, de fato, atingir o fundamen
to do para-si, teria que admitir, além da primazia do ser sobre o nada, uma primaz ia do nada sobre o ser, só assim poderíamos "pensar" a contradição, que é o "para-si". Se o em-si apresenta-se como fundamento do para-si, o que é fundado não pode ser confun dido com o fundamento, e permanece irredutível ao fundamento, na medida em que não é o fundamento. Há uma dimensão, presente no para-si, que se revela irredutível ao fundam ento, do contrário teríamos uma identidade. Portanto, na medida em que o para-si é out ro que não o em-si, ou é diferente do em-si, o para-si não tem fundamento pois não se po de pensar a diferença do diferente do em-si. Mas Sartre afirma que o para-si é tal "que ele tem o direito de se voltar sobr e a sua própria origem". Segundo Sartre, isto é possível porque o para-si é interrogação, el e é um "por que?". A interrogação encontra no nada a sua origem e fundamento. Ora, se se afirma que o nada pode ser origem e fundamento, a justificativa ontológica do p ara-si depende não só do pensamento do ser, mas também do pensamento do nada. Sartre, de fato, aponta o nada como uma das "vertentes" do para-si. Portanto, mais uma v ez a ontologia do para-si é vedada. Pois, de um lado, o em-si não pode ser dito e, d e outro, o próprio Sartre teria que elaborar uma "ontologia do nada", para explica r a origem, o elemento original do para-si. O problema é que Sartre deveria explicar ontologicamente a ambigüidade radical d o para-si. Ora, se o para-si deriva do em-si, reconhece-se no ser o seu fundamen to; mas a fundamentação não pode ser desenvolvida já que o em-si não pode ser dito. Portan to, nem sequer uma "participação" pode ser estabelecida a partir do fundamento. O im portante seria encontrar um fundamento do fundamento; mas a fundamentação não pode ser desenvolvida, já que o em-si não pode ser dit o. Portanto, nem sequer uma "participação" pode ser estabelecida a partir do fundame nto. O importante seria encontrar um fundamento do para-si, na medida em que ele é "o diferente" do em-si. Deveríamos poder pensar o para-si no que ele tem de próprio . A conseqüência disso é que o problema do fundamento do para-si, enquanto o para-si é "fundamentável", e é por isso mesmo outro que não o em-si, não pode sequer ser formulad o. O outro que não o mesmo, ou o outro que não o em-si, na medida em que é outro, não te m fundamento, é nada de fundamento. Terá Sartre escrito um livro de mais de setecent as páginas sobre um "pseudo-problema"? Ou sobre um autêntico problema, mas que ele f racassa em resolver? Voltemos ao ponto de partida. O nada como fundamento se explicaria pelo "pod er nadificador" que define o para-si. Mas de onde vem o nada? Se esta pergunta f icar sem resposta, é o para-si que deixa de ter fundamento, e a ontologia do nada torna-se impossível. Pois, se o ser é o em-si, o para-si só pode ser alcançado na ontolo gia do nada. E, mais uma vez, Sartre encobre o problema ao explicar o nada, como já disse como "privação singular". Se o nada se define como privação de ser, o fundamento do para-si só pode ser buscado no em-si, o fundamento do homem se resolve no cont exto da ontologia do ser. Se o ser não pode ser dito, muito menos se pode esclarec er como possa o nada surgir do no fundamento seio do ser. Concluo que o problema do para-si, na medida em que o para-si é outro que não o em-si, é "interditado" por Sartre. Tudo se entrava em impasses. Sart re não pensa o nada, na medida em que é outro que não o ser; se o nada se define pela privação, o pensamento do ser deve ser pelo menos condição preliminar para que se possa pensar o nada. Sartre condena, portanto, ao fracasso a tentativa de dizer ontolo gicamente o que é a contradição que define o para-si, no seio do ser. Ficamos no nível das metáforas. A partir dessa minha leitura de O Ser e o Nada, qual é a r relação, elação, se é que existe, e ntre consciência e liberdade? Ao ser-em-si, que é o ser do fenômeno, contrapõe-se o ser-para-si, que é o ser da co nsciência. Já fiz, no Capítulo anterior, a análise da liberdade de modo que vou me limit ar à relação entre a consciência e a liberdade. É na psicanálise existencial, esboçada por Sartre, que ele pretende dar novo funda mento especificidade dos fenômenos psíquicos, livre e recuperar a consciência como livre olha eàlivre projeção. Para-si, ontologicamente e projetivo, a consciência podeesc produzir toda a espécie de desejos. Toda a consciência constitui, de um modo autônomo
e indecomponível, a sua teia de desejos e projetos próprios, de faltas e de escolhas próprias. Diz Sartre: a "liberdade não é um ser, ela é o ser do homem, isto é, o seu nada de s er". Portanto, a liberdade é constitutiva da consciência, "eu estou condenado a ser livre". Isto significa que não se pode encontrar limites para a minha liberdade, a lém da própria liberdade, ou seja, não somos livres para deixar de ser livres. Uma vez lançado à vida, o homem é responsável por tudo o que faz do projeto fundamental, isto é, da sua vida. Se a consciência é nada, e projeto, isto significa que ela não é nada, e que tudo es tá na sua frente. A consciência nunca é um dado, e a liberdade humana, a angustiante e total liberdade, é projeto. Sendo a liberdade projeto, isto é, projeto de libertarse, ela se descobre na unidade do próprio ato de libertar-se. A consciência, para Sa rtre, ao invés de ser, uma vez que não tem essência, deve fazer-se, criar-se, é invenção con stante por ser espontaneidade pura. Mas fazer-se é fazer-se outro, é auto-transformação. O recuar nadificante da consciênc ia não pode ser uma atitude de contemplação, Consciência, para Sartre, significa projeto de retomada e de transformação. A nadificação é intenção de transformação do mundo, ou a int se transformar a si próprio, pois o eu faz parte do mundo. O recuar nadificante, em Sartre, signi fica a maneira pela qual nos retiramos de uma situação para vê-la, compreendê-la e trans formá-la. A consciência é projeto, ela se lança adiante, no futuro. Podemos compreendê-la em f unção daquilo que será. A redução fenomenológica significa, para Sartre, que o homem se dist ancia do seu passado e do determinismo da causalidade eficiente que vai do passa do ao presente e se projeta para o seu futuro. Se sondarmos nossa consciência, ver emos que é vazia, há nela somente o futuro. Mas o projeto é movimento do futuro para o presente. O homem é o ser que vem a si próprio, a partir do futuro, que se define p or seus fins. Estes fins refletem-se na minha vida, na minha situação presente, e me proporcio nam meios para transformá-la. Se temos consciência do presente, é em função da distância que assumimos em direção ao projeto para o futuro. Feita a redução fenomenológica, chegamos à l iberdade, libertação do determinismo do passado, e retomada a partir do futuro. E Sa rtre usa os dois "momentos" fenomenológicos: "posição" do passado e intencionalidade e a consciência do presente, a partir desse duplo movimento. Em Sartre, não existe o já dado. Sua redução vai até o nada. A intenção visa o que ainda é. Visa o que é futuro. É por isso que a consciência, como projeto, só desvenda valores. Cria-os na liberdade, que vai ser ação. Não há valores dados, ou latentes. O valor não é jam ais. O homem é aquilo que faz no presente. Face à liberdade e à ação, o homem não se explica rá, a partir do mundo e dos outros domínios de antes do mundo. A consciência nadificad ora do mundo é pura existência, sem essência, pura subjetividade, e suporta por si tod a a humanidade. É só por causa dela que somos humanos. Mas do essa consciência não é distinta do mundo, é virado inteiramente intencionalidade do mundo, qual ela se "arranca". Seu próprio nadaela está inteiramente para o mundo, pela intencionalidade que a define especificamente, tanto como o seu nada , como a sua liberdade. A consciência não é objeto, é projeto. Isto quer dizer que o hom em se define por seus empreendimentos no mundo, através da ação. Entretanto, se Sartre "arranca" o homem da natureza, mesmo da natureza anima l, para salvaguardar sua liberdade de ação, não o faz para lançá-lo nos braços de Deus. Pois , se a consciência tem realmente tudo fora dela, se ela não é interioridade, não há sequer nela recalque, pois é toda translúcida, um fundo que repousaria sobre um além do home m, sobre uma transcendência a respeito da qual nada descobriremos. O homem se defi ne sem Deus. A mesma redução fenomenológica que Sartre fez do eu e do mundo para conse rvar a consciência em seu puro nada, como pretensão de liberdade, agora opera com re speito a Deus. Para descobrir a humanidade do homem, a consciência "arranca-se" de "seu" Deus como foi "arrancada" de seu eu e do mundo. Para definir o homem. Deu s será colocado não entre parênteses. A questão não se Sartre acredita ouonão na se existência de eus. O problema está aí, na "existência" de éDeus. É necessário que homem reencontre a si próprio, e que saiba de que nada pode salvá-lo de si mesmo, de sua liberdade. É
aqui que encontramos a relação entre consciência e liberdade, na doutrina sartreana da ação. Como ele diz, "só a ação é realmente libertadora; só ela é a verdadeira medida do home Sartre sabe que tudo o que acontece no mundo acontece através do homem, e que cad a um é um homem total e, ao mesmo tempo, toma consciência de que existimos só enquanto agimos.
CONCLUSÕES
Ao longo deste trabalho, tentei formular o problema complexo do "ser-para-si " com relação à liberdade. Tentei apresentar, com objetividade, as teses principais do existencialismo de Sartre, tal como expostos em O Ser e o Nada e expus suas imp licações imediatas, em cada capítulo, para facilitar minhas análises subseqüentes. A título de conclusões, farei o levantamento das teses de Sartre sobre o "ser-em -si", o "ser-para-si" e a liberdade, tentando, mais uma vez, tornar sua articulação inteligível. Ao perguntarmos o que é em si mesmo o ser, tal como se revela à consciência, a res posta de Sartre é, surpreendentemente, a mesma da Filosofia de Parmênides: O ser é; o ser é em si; o ser é o que é; o ser é opaco, maciço: "é", simplesmente. Como fundamento do e xistente não pode ser negado. Consideremos uma mesa: esta aí, à parte das demais coisa s, como mesa que é, e não como outra coisa, como apta para tal fim, e não para outro f im, e assim por diante. Mas à consciência ela aparece como uma mesa, precisamente po rque os seres humanos lhe dão um significado, um sentido, "intencionam-na" de um d eterminado modo. Ou seja, a consciência faz com que "isso" apareça como uma mesa. A consciência não cria o objeto, o objeto é o que existe, e é o que é. O objeto adquire um s ignificado instrumental, que vem a constituí-lo em tal coisa e não em outra coisa, s omente em relação à consciência. Em geral, o mundo, considerado como um sistema de coisas inter-relacionadas, com significação in strumental, aparece por, e para, a consciência. Para Sartre, o "ser-em-si" é logicamente anterior ao não-ser, e não se identifica com o não-ser. No exemplo, a mesa é constituída como mesa mediante uma negação: é uma mesa, e não outra coisa qualquer. Toda diferenciação dentro do ser é devida à consciência que faz com que algo apareça, diferenciando-se no, ou para seu emergir e, neste sentido, n egando esse emergir. Para a consciência, aparece o mundo como um sistema inteligível de coisas distin tas e inter-relacionadas. Se abstrairmos tudo o que é atividade da consciência, fica -nos somente o ser-em-si, opaco, macio, indiferenciado, fora do qual o mundo apa rece. Esse "ser-em-si", assegura-nos Sartre, última e simplesmente "é". Disso não se s egue que o ser seja causa de si mesmo. Pois, para Sartre, esta é uma noção sem sentido . O ser simplesmente é. Sartre, n'O Ser e o Nada argüi que o perguntar-se por que há ser é sem sentido, po is a pergunta pressupõe o ser. Mas ao afirmar isto, é óbvio que Sartre não pode estar se referindo aos seres, posto que ele já havia dito que é a consciência que faz com que os seres apareçam como tal, como distintos. O que Sartre quer dizer é que não faz sent ido o perguntar por que há ser, posto que o ser, o existir, está "demais". Desaprova a pergunta sobre "por que há ser", porque acha que ela já pressupõe o ser. Não está claro o porque dessa desaprovação de Sartre, a menos que o ser em questão se entenda no sen tido do ser transfenomenal e último, o Absoluto. Sua postura parece ser o resultad o um abstrair doé objeto, que ele considera que é à consciência e, depoi s,de declarar que otudo resto o Absoluto, o "em-si", opaco e,devido em si mesmo, ininteligível .
Como vimos há dois "tipos" de ser opostos: "o ser-em-si" e o "ser-para-si". O em-si é a coisa material. A coisa material é o ser propriamente dito, o único ser que pode ser chamado
de ser. É "cheia de si", é densidade compacta, é perfeita. É o que ele é, idêntico a si mesm o. Não mantém relação alguma com o que ele não é, não é negatividade, não se coloca como dife de qualquer coisa e, quando desaparece, não se pode dizer que não é mais. Não é criado, e não tem razão de ser: é apenas "contingente demais", por toda a eternidade. O em-si d e Sartre não é um ser consciente. O em-si não tem consciência. Portanto, o em-si não mantém relações, não tendo razão de ser. Sendo o em-si auto-suficiente, e sendo o que ele é, o "ser-para-si", a consciênc ia, precisa sempre do em-si para poder ser consciência. Como Sartre admite a inten cionalidade da consciência, toda consciência é sempre consciência de alguma coisa, que não a própria consciência. Sem essa alguma coisa a consciência não é consciência. Portanto, a c onsciência é relativa ao em-si, dirige-se ao em-si, é intencional. Para "esclarecer" o que significa estar consciente de algo, Sartre afirma qu e, quando tenho consciência de alguma coisa, "anulo-a". Tenho consciência, por exemp lo, deste caderno; isto significa que aniquilo o caderno, tenho consciência de que não sou idêntica ao caderno. Portanto, a consciência é sempre consciência do em-si e, com o tal, é aniquilação. Admitindo-se que essa descrição só é válida para a consciência de um objeto do mundo, pe rgunta-se em que momento me afirmo, tendo consciência de mim mesma? Sartre continu a com a idéia de que a consciência é pura aniquilação, exprime a não-identidade, embora eu t enha consciência de mim mesma. Suponhamos que tenho consciência de mim mesma como pr ofessora, isto é, tenho a consciência de não ser idêntica à professora, pois, amanhã, deixo de ser professora. Portanto, quando tenho consciência de mim mesma, aniquilo minha identidade. Só o em-si é idêntico a si mesmo, não a consciência. A consciência equivale sem pre à distância, a não-ser aquilo de que a consciência é consciência. A densidade compacta do em-si é quebrada pela consciência. No em-si não há negativid ade; pois é perfeito consigo mesmo; o em-si é totalidade do ser. Só há negatividade quan do se trata da consciência. A consciência não é outra coisa senão aniquilação. Sartre só explicita os momentos negativos da consciência. Segundo ele, não resta n ada da dignidade que os filósofos atribuíram à consciência. O único ser que merece o nome de ser é o em-si; o para-si é uma "doença do ser". O ser da consciência é o Nada; é o ser pe lo qual a negatividade entra no mundo, e este ser deve ser seu próprio nada. Sartre tem razão ao afirmar que toda consciência é consciência de algo, de alguma co isa, e que nela está contido um momento negativo. Quando tenho consciência de alguma coisa, tenho consciência da distância em relação a essa coisa, da não-identidade com ela. Não sou idêntica a esta caneta e não me identifico com a professora que sou. Mas será q ue isso significaaque a consciência não émomentos mais que aniquilação? Se concordo, consciência não terá "positivos", e é o que Sartre diz; se a consciência é pura aniquilação, não posso mais dizer que, quando tenho consciência de algo, afirmo esse algo, afirmo a professora, o ser, a realidade de tudo. Portanto, o que afirmo como coisa, não é aniquilação. Agora, analisando o momento negativo na afirmação, teremos que, se afirmo o ser deste cinzeiro, isto implica que tenho consciência de que este cinzeiro não é a caneta e de que não sou o cinzeiro. Então, como é possível a negação, como posso dizer que não sou cinzeiro se não afirmo mais, originariamente, o meu próprio ser, o meu ser-conscien te? Como posso dizer que o cinzeiro não é caneta, se a negação não for "preenchida" pela a firmação do cinzeiro como cinzeiro e da caneta como caneta? A estas perguntas, surpr eendentemente, e contraditoriamente, Sartre responde que a consciência é, originaria mente, dizer-é, como dizer não-é. Sartre supera a tendência "à coisa", recusando exprimir em termos de coisa. "ser" oNão que se hápode de próprio na subjetividade. Reserva o termo "ser" para o ser de uma mais dizer da subjetividade que ela é. Para expressa r que a subjetividade não é uma coisa, e não é coisa alguma, Sartre recorreu ao Nada. Ex
prime tudo o que é especificamente humano em termos de não-ser. Sartre afirma que es se não-ser não é positivo; portanto, não conseguimos discernir nenhum momento de afirmação n a subjetividade. Para Sartre, toda positividade é, per se, uma identidade "coisal". Por isso, n unca posso afirmar a professora sem me adjudicar o modo de ser de uma coisa e, p ortanto, sem estar de má-fé. Julga Sartre que mesmo a tentativa de ser sincero está em luta com a essência da consciência. Afirmar que fui injusta significa, para Sartre, que concebo meu próprio ser co mo o ser de uma coisa podre, segundo suas próprias palavras, "de uma couve-flor ap odrecida". A negatividade está na existência humana, no para-si; o em-si é a perfeita positiv idade. O em-si é a coisa. O ser de uma caneta é um ser-em-si. Mas Sartre concebe o s er-em-si como realidade bruta. Uma caneta é algo diverso de um prato, alteridade q ue só pode ser verificada pela consciência. Sem minha consciência, a caneta e o prato são nada-para-mim. Mas Sartre sustenta que o em-si não é diferente de qualquer coisa, pois a alteridade supõe sempre a consciência, ao passo que o em-si não tem consciência. Portanto, o em-si não é diferente de qualquer outra coisa. Parece que Sartre esquece que o em-si não tem fenômeno, pois alteridade supõe cons ciência. A consciência existe: minha consciência existe e não posso me abstrair dela. Um prato é o diverso de um cinzeiro, para a minha consciência. Embora o em-si não tenha consciência, não posso pensá-lo sem minha consciência. Sartre afirma que o em-si não mantém "relações com...", sendo que uma "relação com..." s upõe necessariamente uma consciência; o em-si não difere de qualquer coisa, não tem fund amento. Mas ele admite descrever um campo de presença fora da presença da consciência. Pressupõe que pode conhecer alguma coisa, e deixar de lado o próprio pensamento. Ora, isso contradiz o princípio fundamental da fenomenologia, segundo o qual a consciência é intencional, o que Sartre admite, mas só quando fala do para-si. Quando Sartre fala do correlato noemático, não sei como, retira a direção, que é a consciência, e continua "falando"..., mas de quê? Sartre percebe que só pela intencionalidade da consciência o mundo-para-o-homem chega a ser e tem um significado. O valor desse significado é ilusório, enquanto o e m-si não for descoberto. Mas como falar do em-si sem a aderência do para-si? Sartre sentencia: o em-si é absurdo. Absurdo, ao meu ver, é falar sobre o em-si, separado do para-si; na fenomenologia, a coisa, o objeto (NOEMA) não pode ser sep arado de quem o percebe (NOESIS). Mas Sartre os separa! Com a explicação do para-si que é a consciência, para Sartre, ele passa a interessar -se pela realidade humana; insiste na liberdade humana, que é essencial para sua f ilosofia; e sua teoria da liberdade está baseada nas análises do para-si. Como já vimos, Sartre diz que a consciência é seu próprio nada; mas ele também se refe re à consciência como um ser que é em verdade existente, posto que a descreve como exe rcendo a ela atribuída. se compreende o uma que galeria, Sartre quer at ribuir a à atividade consciência um processo de Até nihilização. Se, em fixodizer, minhaaoatenção num determinado quadro, relego os demais a um impreciso "fundo". Com o mesmo direito , aliás, poderia recalcar-se a atividade positiva que implica um ato intencional, Mas, pelo contrário, se suponho que o ser é em si, o que Sartre diz que ele é, e se ao ser se faz aparecer como objeto da consciência, então como pode a consciência do ser conter a distinção, ou separação de que ele fala e, neste sentido, implicar o não-ser? Com o surge a consciência? Tentei entender como o ser-em-si, supondo-se que seja como Sartre o descreve , pode dar origem a alguma coisa, ou à sua própria negação. É igualmente difícil entender co mo pode a consciência auto-originar-se como causa sui. Quanto ao eu-sujeito, este surge, no nível da consciência pré-reflexiva, senão no da consciência reflexiva. Vem a ser mediante a reflexão da consciência sobre si mesma e aparece, assim, como objeto. Ne ste caso, não há nenhum eusurge. transcendental que pudesse como dar origem à consciência. Mas"fi é indu bitável que a consciência E Sartre a apresenta surgindo através de uma ssura" que se produz no ser, de um rompimento cujo resultado é a distância essencial
à consciência. Não é clara a explicação da origem da consciência que nos oferece Sartre. No entanto, admitindo-se que a consciência surja ao produzir-se uma "fissura" ou "um buraco" n o ser-em-si, ela haverá de sair, de um modo ou de outro, para fora do ser, ainda q ue seja mediante um processo de negação e será, portanto, algo "derivado". Mas Sartre exclui a questão de "por que há ser", em troca da pergunta "por que há consciência?" Rel ega as hipóteses explicativas à esfera da metafísica e diz que a ontologia fenomenológic a não pode responder a esta questão. Mas sugere que tudo ocorre "como se" o em-si, e m projeto de fundar-se, se transformasse em para-si. Como pode ter o em-si tal p rojeto, não fica, de modo nenhum, esclarecido. Mas a Imagem é a do Absoluto, o ser-e m-si sofrendo um processo ou realizando um ato de auto-desgarramento, pelo qual se origina a consciência. É como se o ser-em-si tomasse a "forma" de consciência, sem deixar de ser em-si. Mas esta aspiração não pode ser nunca satisfeita porque a consciênc ia existe somente mediante uma contínua separação ou distanciamento do próprio ser, uma contínua nadificação que a separa de seu objeto. O ser-em-si e a consciência não podem estar unidos em um. Somente podem unir-se pelo reincidir do para-si no em-si, se o para-si deixar de ser para-si. A consciên cia
somente existe por um processo de negação ou "aniquilação". É uma relação ao ser, mas é disti do ser. Surge do ser-em-si por um processo de "auto-desgarramento" no ser, faze ndo aparecer os seres, um mundo. O ser-em-si é maciço, opaco, e sem consciência, portanto, não é livre. Pelo contrário, o ser-para-si, como separado do ser, ainda que pelo nada, não pode ser determinado pelo ser: escapa da determinação do ser-em-si e é essencialmente livre. A liberdade, s egundo Sartre, não é uma propriedade da natureza, ou essência humana. Pertence à estrutu ra do ser consciente. A justificativa é que, em contraste com os demais entes, o h omem primeiro existe e depois faz sua essência. Aqui, Sartre nos diz que o homem é o não-já-feito, ele se faz a si mesmo, não desde logo, no sentido de que se cria a si mesmo do nada, senão que depende de sua própria escolha. O que vem primeiro, a existência ou a essência? Sartre dirá que o que vem primeiro é uma realidade capaz de fazer-se a si mesma, de definir sua própria essência. Muito bem, mas será que essa realidade não tem outras características, além da liberdade? Que haja ou não uma natureza, ou essência humana, que seja fixa, imutável, estática, é outra c oisa. Mas supor que não há natureza humana em nenhum sentido, distinto ao menos da n atureza dos outros animais, resulta muito difícil de se compreender. É claro que Sar tre diz que os seres humanos têm uma certa essência ou natureza comum, a saber, que são os seres que chegaram a ser o que eles mesmos se fizeram. Afinal, Sartre põe-se a falar da "realidade humana" ou dos seres humanos com a certeza de que saberemo s do que ele está falando. Está bastante claro que ele propõe ser o homem inteiramente livre, que suas ações resultam todas elas de sua livre escolha, e que o homem chega a ser dependente integralmente de si mesmo. Ainda que rechacemos o determinismo, e admitamos a liberdade, temos de recon hecer que as pessoas tendem a atuar de acordo com suas características, e que ao menos cremos poder predizer com o atuarão em determinadas circunstâncias. Às vezes, as pessoas atuam de maneiras inesp eradas. Então, concluiremos que essas pessoas não eram conhecidas, na realidade, tão b em como pensávamos, e que se as tivéssemos conhecido melhor teríamos feito predições melho res. Acabamos de restringir nossa atenção a atos que podem ser atribuídos ao para-si, à c onsciência. A pretensão de que somos totalmente ou absolutamente livres parecerá incom patível com os fatos. Nossa liberdade está limitada por toda classe de fatores inter nos e externos. A tese de que o ser humano é total e absolutamente livre está em des acordo com os fatos da experiência, e com nossos modos ordinários de falar e pensar. Mas, apesar disso, Sartreetem preparada apara resposta; ele concebe o para-si co mo projetando sua meta ideal esforçando-se alcançá-la. À luz deste projeto, algum as coisas aparecem como obstáculos. Mas depende inteiramente de minha escolha o qu
e aparece, ou como obstáculos que deverão ser superados, ou como obstáculos insuperáveis , que obstruem o meu caminho. Por exemplo: desejo passar minhas férias na China; não tenho o dinheiro necessário, não posso ir. Minha falta de dinheiro me parece um obs táculo insuperável, tão somente porque escolhi livremente o projeto de passar minhas fér ias na China. Se livremente escolhi ir a São Pedro D'Aldeia, viagem para a qual se i que tenho dinheiro, minha situação financeira já não me parece um obstáculo, pelo menos não insuperável, Para Sartre, o em-si não é temporal; a temporalidade é característica do para-si; is to é, o para-si é um perpétuo fugir do que foi para o que será, como algo por fazer. Na reflexão, esta fuga fundamenta os conceitos de passado, presente como presente ao em-si e futuro. O eu está mais além de seu passado. O que separa o eu na sua fuga de si mesmo, como já disse, é o nada. Dizer isso equivale a dizer que o eu se nega como fato e, assim, sobrepassa-o, e está mais além dele. O eu recai na condição do em-si e, ao morrer, o para-si se transforma inteiramente em algo já feito. No entanto, existe. O para-si está diante de si como passado e, portanto, não po de ser determinado por si mesmo como passado, como essência. Observe-se que o eu não pode alterar seu passado, no sentido de fazer com que o que sucedeu não haja suce dido, ou que as ações efetuadas não tenham sido efetuadas; mas depende de sua própria es colha o significado que o eu der ao seu passado. Toda influência exercida pelo pas sado é exercida porque se escolhe que o seja. A liberdade, segundo Sartre, pertence à estrutura mesma do para-si. Neste sent ido está-se "condenado a ser livre": somos livres pelo fato de que somos consciência , não podemos escolher entre ser livres ou não. Mas, se podemos escolher, e até mesmo nos enganarmos, o homem é totalmente livre; não pode o homem deixar de escolher. Com prometer-se de algum modo, seja qual for, compromete idealmente a todos os seres humanos. A responsabilidade é inteiramente sua. O dar-se conta desta total liberd ade e responsabilidade vem acompanhado da "angústia", um estado de ânimo que nos col oca à beira de um abismo, que nos atrai ou repele. O homem pode, pois, enganar-se, adotando alguma forma de determinismo, assumindo a responsabilidade sobre algo alheio à sua própria escolha Deus, sua formação, qualquer coisa. Mas se assim o faz está d e má-fé, isto é, a estrutura do para-si é tal que o homem pode estar em um estado, como o de conhecimento, e num estado como o de desconhecimento, simultaneamente! Quanto mais radicalmente se têm consciência da liberdade, mais podemos ver a nós m esmos, como sendo o que não somos (nosso passado). Então, o homem cobre com um véu, pa ra si mesmo, a total liberdade, e dá origem à angústia. A impressão que se tem é que, para Sartre, todas as ações humanas são absolutamente impredizíveis, como se na vida do homem não houvesse padrão algum de inteligibilidade. Ao juízo de Sartre, o para-si faz uma escolha original, ou primitiva, projetan do seu eu ideal, projeção que implica um conjunto de valores; e as escolhas particul ares sãodiferente todas informadas livre projeção. Mas É claro idealem efetivo de um O homem p ode ser do idealpela por ele professado. istoque se orevela suas ações. p rojeto original pode ser mudado, mas requer uma mudança radical. Como não se dá tal mu dança radical, as ações particulares de um homem cumprem e revelam sua escolha, o proj eto original. Assim é que as ações de um homem são livres, por estarem contidas em sua e scolha original de ser livre. Parece-me que Sartre sentencia: o homem escolhe ou vir o que deseja ouvir! "Eu sou responsável por mim e por todos". Com esta tese, Sartre crê poder susten tar que ele não está preconizando escolhas irresponsáveis. Mas a validade dessa tese, de que ao escolher um valor escolhe-se-o idealmente por todos os homens, não é tão cla ra como quer Sartre. Seria logicamente inadmissível, para mim, comprometer-me a at uar de um certo modo, sem pretender que qualquer outra pessoa, que se ache em ig ual situação deva comprometer-se do mesmo modo? Pode até ser, mas o apropriado seria d iscutir a atitude a ser tomada. Uma ética filosófica, que partisse das premissas de Sartre tenderia, sem dúvida, a consistir em uma análise e do juízo moral enquanto tal. É inegável que, dentrododojuízo marcodedevalor, referência de seus valores, pessoalmente escolh idos, poderia Sartre desenvolver uma moral, com conteúdo concreto. E, a partir des
te marco, poderia ajuizar as atitudes e as ações das demais pessoas. Mas isto não pode ria ser legitimamente apresentado como uma exigência do existencialismo, pois o ex istencialismo apenas estabelece possibilidades de escolha, e Sartre deixa inteir amente a cada indivíduo a escolha de fato. A verdade é que Sartre considera, no final das contas, a liberdade como absoluta, um valor absoluto, e as premissas existencialistas po deriam ser deduzidas de um sistema ético. Neste caso, o seu existencialismo necess itaria de uma revisão para que reaparecesse a idéia de que há uma natureza humana comu m. Se Sartre negasse que considera a liberdade como um valor absoluto, a liberd ade possibilitaria a criação ou a escolha de valores, porque a liberdade mesma não é um valor. Mas só conseguimos obter de Sartre afirmações que implicam que o reconhecimento , pelo para-si, de sua total liberdade, e a realização desta liberdade em ação, são intrin secamente valiosos. Ao final desta conclusão, sobre a liberdade e a consciência no existencialismo d e Jean-Paul Sartre, devo ressaltar que, apesar de não ter erigido a Ética, posterior mente a sua obra fundamental O Ser e o Nada, postumamente foi editado na França o Cahiers pour une Morale, que é a Ética sartreana. Onde Sartre apresenta os conceitos e os estudos basilares da ética: liberdade, valor, compromisso, responsabilidade e a ação humana, que promoverá a transformação do homem.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS E BIBLIOGRAFIA
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14 Op. cit., p. 60. 15 Ibidem. 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30
Op.cit., p.57. Op. cit., p. 60. Op.cit., p.71. Op. cit., p. 59. Op. cit., p. 76. Op. Cit., pp. 88-89 Op. cit., p. 102. Op.cit., p.98. Op. cit., p. 100. Op. Cit., p. 106. Op. cit., p. 23. Op.cit., p. 38. Op.cit., p.121. Op. cit., p. 127. Ibidem.
31 32 33 34 35 36 37 38
Op. Op. Op. Op. Op. Op. Op. Op.
39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51
Op. cit., p.167. Op. cit., p.172. Op. cit., p.170. Op. cit., p.173. Op.cit., pp. 175 e 177. Op.cit., p. 179. Op. cit., p. 220. Ibidem. Op. cit., p. 33. Op. cit., p.229. Op.cit., p.232. Op.cit., p.241.
Cit., cit., cit., cit., Cit., cit., cit., cit.,
p. 119. p. 32. p.149. p. 148. p. 128. p. 148. p. 149. p. 215.
52 Op. cit., p. 235 53 54 Op. Op. cit., cit., p. p. 244. 230. 55 Op. cit., p. 232. 56 Op. cit., p. 230. 57 Op. cit., p. 132. 58 Sartre, Jean-Paul. La Nausée. Paris. Gallimard, 1938. P. 113. 59 Op. cit., p. 160. 60 Sartre, Jean-Paul, L'Étre et le N'éant - Essai d'Ontologíe Phénomenologique. Paris, G allimard, 1943. P. 698. 61 Op. cit., p. 508. 62 Op. cit., p. 521. 63 Op. cit., p. 508. 64 Op. cit., p. 516. 65 Op. cit., p. 540. 66 Op. cit., p. 542. 67 Op. cit., p. 543. 68 Op. cit., p. 515. 69 Op. cit., p. 561.
70 Op. cit., p. 567. 71 Op. cit., p. 574. 72 Op. Cit., p. 591. 73 Op. Cit., p. 707. 74 Op. cit., p.772. 75 Op. cit., p. 76. 76 Op. cit., p. 654. 77 Op. cit., p. 609. 78 Op. cit., p. 702. 79 Op. cit., p. 703. 80 Op. cit., p.738. 81 Op. cit., p.722. 82 Sartre, Jean-Paul. L'Existentialisme est un Humanisme. Paris, Nagel, 1954. P 27. 83 Sartre, Jean-Paul, L'Être et le N'éant - Essai d'Ontologie Phénomenohgique. Paris, Gallimarcl,1943. P.28. 84 Op.cit. pp. 32-33. 85 Op. cit., p. 123. 86 Op. cit., p. 710. 87 Op. cit., p. 711. 88 Op. cit., pp. 711-712. 89 Op. cit., p, 712. ---------------
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