Cinema

March 27, 2019 | Author: Cibbbs | Category: Image, Argument
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cinema e criação 2017...

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 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos  cinematográfcos 

As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos Profa. Dra. Cristina Fonseca Silva Rennó 1

 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos  cinematográfcos 

Sumário Introdução

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Ideias, criatividade e realização

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Roteiro: uma história contada por imagens e sons

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Roteiro: forma e conteúdo

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Roteiro e direção

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Cinema: o início de tudo

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 Argumento - a sinopse - storyline

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 Argumento

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Sinopse

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Storyline

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Os gêneros cinematográcos

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 Aventura

:

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Comédia:

18

:

18

Crime

Melodrama

:

18

Drama:

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Outros. Nessa categoria realmente cabe tudo:

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Um roteiro exemplar

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 A criação do roteiro

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Tratamentos de roteiro para cinema

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Pré-roteiro, roteiro e roteiro técnico de edição

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Imagens - diálogo - narração

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Estrutura física do roteiro

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Os diálogos

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 As diferentes funções dramáticas numa história

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Projeção e identicação

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Os aliados do protagonista

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Os conselheiros além do bem e do mal

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 A função dramática do perigo oculto, da surpresa surpresa ou do fato omitido

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 Ainda o antagonista e o protagonista

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Protagonistas X antagonistas

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Enquadramentos e movimentos de câmera - etapas de um roteiro ideal

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Movimentos de câmera e enquadramento

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Movimentos de câmera

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Movimentos internos de câmera

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Enquadramento

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Passo a passo de um roteiro ideal

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Parte I: escrevendo o roteiro

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Conclusão

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Referências

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Nesse tipo de narrativa, a divisão em cenas, que por sua vez se dividirão em texto, diálogo e imagem, é constante. E, ainda, a preocupação com tempo e espaço, uma necessidade, assim como com o áudio, dividido em sons e silêncios, trilhas e ruídos ambientais.

Introdução O roteiro é fundamental para qualquer obra audiovisual, seja ela de cinema, publicidade ou de televisão, não importa se for cc cional, documental, de cunho comercial ou artístico. O roteiro, ao lado do argumento, é o início de todo processo de criação cinematográco e televisivo. tel evisivo. Trata-se Trata-se da concepção de uma ideia no papel: as ideias transformadas em texto para que possam, adiante, se transformar em imagens. O início de todo e qualquer processo fílmico.

Tudo isso faz do roteiro uma espécie de novo idioma e do roteirista um escritor de índole diferente, pois escreve textos pensando em imagens. Semelhante ao dramaturgo, que desenvolve narrativas para teatro, o roteirista desenvolve textos para o lme: uma Mas, considerando que argumento é uma trama verbal sonora e visual. história feita especialmente para cinema, Portanto, numa denição muito particular o que enm seria um roteiro? Roteiro, em francês, se diz scénario, em espanhol, guión, de roteiro, diria que: em inglês, screenplay ou master scene. Não importam as variadas nomenclaturas, mas Roteiro é uma espécie de arquitetura sim o que signica em todos os idiomas: linguística estruturada para a imagem. O uma escritura desenvolvida em cenas para roteirista é um tipo singular de escritor, cinema e TV. pois ele pensa e escreve com palavras mas está, na verdade, enxergando imagens. Para alguns especialistas e escritores, tra- Para ele, o universo verbal é tão importanta-se de um primo pobre da literatura; para te quanto o não verbal, e ele sabe “pensar” outros, uma curiosa forma dessa arte, já que imageticamente. Isto é: sabe estruturar o a estrutura é fundamental. mundo da narrativa verbal de forma que se transformem em representações plásticas O que se pode depreender de um longo em movimento. debate que existe entre literatos e roteiristas é que considerar um roteiro literatura l iteratura em parte dependerá da visão que se tem da pró- Ideias, criatividade e realização pria literatura. Para quem considera a forma literária tão importante quanto o conteúdo, Para o leigo, criar é visto como um dom ou melhor, melhor, um tipo e um conteúdo, ca mais que faz parte de um processo quase místico fácil compreender que roteiros são de fato de inspiração. Isto é: trata-se de uma espécie uma forma curiosa, única e “arquitetônica” de centelha divina, que só alguns iluminados de literatura. são capazes de receber receber.. Mas, para os artistas 5

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reais, as coisas não funcionam bem assim. Talvez haja algum exagero nessa colocaNos meios de criação mais sérios, tem-se ção se pensarmos em todas as categorias de como norma que criar é 90% de esforço e arte existentes, pois algumas, mais do que apenas 10% de inspiração. outras, dependem sim de certo dom preexistente. Por exemplo, anação para o canto, facilidade para o desenho, exibilidade para a dança etc. Mas, quando falamos em cinema e principalmente em roteiro, isso não se aplica, já que um roteirista aprende a ser roteirista. Ter um bom texto e gostar de literatura e cinema faz parte da formação de um bom roteirista. Mas, sem aprender algumas reClaro que, na prática, todo artista sabe gras básicas de roteiro, ele não irá longe. E, que de nada adiantaria essa quota gigantes- sem dedicação para desenvolvê-las no papel, ca de esforço se ao lado dela não existisse o também não. que chamamos de talento. Sim, talento é a Escrever um roteiro é contar uma história palavra mágica que pode substituir de forma mais racional e democrática a ideia de dom. para alguém. Essa história surgirá das boas Ele pode vir do berço ou da forma como al- ideias, que não podem ser desperdiçadas. gumas crianças são educadas, pode preexis- Por isso, cada uma que surgir deve ser anotatir ou não, com a vantagem de que também da pelo roteirista. Esses escritores de índole pode ser conquistado, descoberto, desenvol- diferente estão sempre atentos às pessoas e aos ambientes que podem ser úteis ao seu vido. processo de criação. Talento desperdiçado não é nada; esforço direcionado pode vir a se transformar em criação. Uma pessoa pode nascer, por exemplo, com uma bela voz e muita anação, mas nem por isso se transformará numa cantora. No entanto, uma pessoa sem grande voz, mas com muita vontade de cantar, garra e estudo, pode alcançar patamares tão altos Quando temos uma ideia, ela pode surde desenvolvimento artístico que de fato se tornará até mesmo uma grande prossional gir por pura inspiração ou ter sido trabalhada intencionalmente, integrada a um objetivo. da área. 6

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Neste último caso, partimos do desejo ou da Roteiro: uma história contada por obrigação de nos debruçarmos sobre um deimagens e sons terminado projeto. Como já vimos até aqui, ninguém vira roteirista apenas com uma grande ideia. É necessária a prática de saber colocá-la num papel a partir de regras básicas que de fato a transformem numa obra de cção audiovisual. Um roteiro é um projeto audiovisual, portanto suas histórias são contadas com imagens e sons, que surgem em forma de cenas, sequências e montagens. As imagens são parte integrante do processo de criação de um roteirista, portanto, não se deve esQuase todos os roteiros são encomendas, e, tranhar se uma boa narrativa surgir a parnesses casos, o roteirista está a serviço do ato tir de uma imagem, uma cena qualquer que de criar e pensar em direção a determinado a memória apreende nas ruas, em casa ou tema. mesmo nos sonhos. É quando somos contratados, por exemplo, para desenvolver uma adaptação, uma peça publicitária ou um lme institucional, ou até mesmo um roteiro para um determinado produtor. Nessas horas, não vale dizer que se está sem inspiração, pois o roteiro terá que sair de qualquer maneira. Por isso, o exercício de estar sempre com papel em punho e anotar tudo de interessante que surgir ao redor pode ser uma boa medida para as horas de escassez criativa. O fundamental é não deixar aquele importante momento de inspiração se perder, pois ele poderá signicar o início de uma bela história para cinema ou televisão. E, se o pedi- Cena de Esta noite encarnarei no seu cadáver, lme de Zé do Caixão, do cineasta José Mojica Marins. Fonte: do de roteiro vier por contrato num momento personagem http://files.myopera.com/el99porciento/albums/12290812/mojica_  sem inspiração, vá para o computador e co- marins_galeriaRetrato.jpg mece a escrever tudo o que vier na cabeça. Mesmo que seja nada, pois uma hora a boa O cineasta José Mojica Marins, por exemideia surgirá. plo, nunca escondeu que seu famigerado 7

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monstro Zé do Caixão surgiu primeiramente em sonhos. Ou melhor, é fruto de um pesadelo terrível que ele teve ainda na adolescência. Ao acordar, já estava com todo o argumento de seu primeiro lme na cabeça. O lme Esta noite encarnarei no seu cadáver, de 1967, fez o diretor Glauber Rocha, presente na plateia em sua estreia, levantar-se gritando:  “Gênio! É um gênio! Estamos diante de um gênio!”, além de despertar atenção de produtores e cineastas norte-americanos, anos mais tarde, surpresos com a inventividade de Marins. O cineasta José Mojica Marins nasceu em 13 de março de 1936. Conhecido no Brasil e no exterior, é considerado nosso maior nome do cinema no gênero terror. Além de diretor, também é ator principal e roteirista de seus próprios lmes e animador na televisão de programas famosos sobre terror e de entrevistas no gênero. Marins cou conhecido como “Zé do Caixão”, seu mais famoso personagem do cinema, um agente funerário que sonha conquistar o mundo.

Roteiro: forma e conteúdo

Sem forma, não existe roteiro. E pouco importa se a narrativa a desenvolver for clássica ou experimental, a necessidade de saber formatar um roteiro será a mesma para ambos os casos. O escritor terá que conhecer certas regras básicas para conseguir desenvolver seu trabalho de maneira que seja aceito em qualquer padrão europeu, americano ou asiático. Cinema é uma linguagem universal, e o roteiro que o precede, e que de fato é sua forma escrita, deve ser também, consequentemente, uma linguagem universal.

 A falta de uniformidade do roteiro impedirá que o roteirista participe de qualquer diálogo inicial com o exterior. Tanto faz se em Japão, China, Mongólia, Estados Unidos ou países europeus, a atenção dada à formatação de um roteiro é total, padronizada, ao contrário do que ocorre no Brasil, em que muitas vezes a falta de conhecimentos técnicos faz com que cada autor escreva do jeito que quiser, e o diretor que se vire para compreender. Apesar de ainda hoje acontecer assim, isso em geral não funciona; pelo contrário, atrapalha o desenvolvimento da própria trama da história.

Marins vestido como Zé do Caixão. Fonte: http://imagem.band.com. br/f_24092.jpg

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Desmentindo certa mítica corrente no país, que os franceses – de fato os inventores do roteiro não é uma camisa de força que exis- cinema - chegam a chamar o roteiro de “cete para restringir a criatividade do escritor, nário”, para que isso que muito claro. e sim serve para ajudar na criação do texto. Para eles, a narrativa cinematográca é principalmente o suporte da imagem, pois não trabalha a favor da linguagem verbal, como a poesia, o conto, os romances, mas para que os lmes se façam com imagens. Mas é lógico que devemos desconar dessa visão francesa tão radical de que um roteiro seja apenas uma moldura para os lmes, na medida em que, mesmo nele, a literatura existe: como no teatro, ela está nos diálogos, e a poesia, nas imagens. A arte do roteirista está no entrelaçamento perfeito entre esses dois universos, o verbal e o não verbal, que se dá a partir da montagem.

 Assim como o pintor deve dominar tintas e pincéis para pintar, o chef, suas receitas e seus apetrechos de cozinha, e o músico, um instrumento musical, partituras etc. para compor, um roteirista, além de dominar normas gramaticais de seu idioma para escrever, terá que dominar certas regras básicas de formatação de um roteiro para desenvolver sua história.

 A arte cinematográca é uma arte industrial e madura, feita por uma equipe de prossionais, por isso o autor que se aventurar nela como roteirista terá que de fato aprender esse “novo idioma”, complexo, icônico e absolutamente necessário para o desenvolvimento de sua narrativa. Sem isso, ele se O certo é que um roteirista deve ser mais distanciará de sua própria função, que é a de contar uma história sem perder o parâmetro do que um cinélo. Deve adorar a literatura imagético de que ela necessita para se de- tanto quando adora a fotograa e as imagens em movimento. E quem não gostar de senvolver. ler e escrever que não se aventure nessa No roteiro, a importância da integração arte e prossão, pois seus parâmetros de entre texto e imagem é fundamental. E o construção narrativa e montagem são todos texto está a serviço da imagem a tal ponto baseados na arte literária. 9

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Foi isso que encantou alguns dos grandes escritores do século XX, que souberam ver o cinema não só como uma arte próxima da pintura, mas também como a mais próxima do sonho e da literatura, o que para muitos dá no mesmo.

Roteiro e direção O importante diretor japonês Akira Kurosawa, que tantos lmes realizou, encantando o mundo com suas obras densas e repletas de humanidade, costumava dizer:

Nenhuma outra arte, além da literatura, soube unir com tanta perfeição sonho e realidade quanto o cinema. Na medida em que o roteirista escreve um texto pensando nas imagens, bem poderíamos deni-lo como um narrador que trama fatos para virar “realidade virtual” na sala escura. Dessa forma, não seria estranho armar que o roteirista em processo de criação é um tipo de escritor que “sonha acordado”.

Com um bom roteiro, um grande diretor pode fazer excelentes lmes, um diretor medíocre pode fazer um lme razoável. Mas, com um mau roteiro, mesmo um grande diretor não consegue fazer nada (FONSECA, 2005, p. 91).

Por essa colocação, pode-se ter a noção da importância do roteiro para um lme e Inspiração, transpiração e conhecimento da relação de estreita dependência entre o diretor e o roteirista - naturalmente, quando técnico são a fórmula do bom roteiro. o diretor não for o próprio roteirista. Para desenvolver trabalhos prossionais na área de roteiros, sejam eles de cção, documentais, institucionais, para televisão, produtoras etc., sempre teremos que seguir suas regras básicas de estrutura, que envolvem a divisão em introdução, desenvolvimento, clímax e conclusão. Teremos ainda que desenvolver um bom enredo e as etapas básicas de qualquer roteiro, a saber: o argumento, a sinopse, o storyline e os três tratamentos de roteiro.

Cinema é um trabalho de equipe; nesse aspecto, todos os seus membros - técnicos, fotógrafos, atores, produtores, contrarregras, montadores, cenógrafos, gurinistas etc. - são fundamentais. Mas a base de tudo é de fato o casamento perfeito entre diretor e roteirista, uma vez que um lme começa sempre, e antes de qualquer outra coisa, no papel. Para realizar um bom produto audiovisual, é necessário ter em mãos um bom roteiro. Dito dessa forma, a coisa parece um tanto óbvia, no entanto, não é tão fácil encontrar bons roteiros e, consequentemente, bons roteiristas. Muitas vezes, temos bons argumentos, mas nem sempre eles se transformam

No audiovisual, a questão do conito é fundamental, pois tem uma enorme importância para o surgimento de uma história. É a partir do enredo que se pode pensar no storyline, no argumento e no roteiro propriamente dito. 10

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em bons lmes. É comum, ainda que assustador, que, ao chegarmos ao desenvolvimento de uma história, alguma coisa se perca.  A verdade é uma só: não existe uma fórmula mágica, uma receita de bolo, para o bom roteiro. Dessa forma, é inútil nos apegarmos a livros, como os de Syd Fields, que ensinam um rígido controle do timing das ações e das viradas que prendem e surpreendem a audiência, procurando garantir o sucesso de público das produções, pois a arte de escrever roteiros é muito mais complexa do que isso.  A necessidade de planejamento e de ordenamento coerente e sistemático da história a se desenvolver é inegável. Não há como refutar a necessidade de um ritmo e da criação de núcleos dramáticos no roteiro, assim como de etapas a ser cumpridas pelo protagonista, mesmo que só haja uma. Há que existir uma trama, um conito, e a história terá que seguir uma lógica, por mais surrealista que seja, como nos lmes nonsense dos Irmãos Marx ou do Gordo e do Magro  – anal, o ilógico também caracteriza um estilo cinematográco e tem trazido alegrias ao espectador. O fundamental para iniciar qualquer história audiovisual, pelo menos em se tratando de conteúdo, é ter uma premissa inicial - ou seja, ao que veio essa narrativa que se pretende desenvolver, um ponto de vista, ainda que ele se confunda com a “moral da história” - e persegui-la até o m. Esse será o norte a seguir. Ter a premissa em mente ajudará a desenvolver o roteiro e será o gerador do argumento. Não devemos esquecer que um lme começa no argumento e termina na montagem. Portanto, entre uma ponta e outra dessa corda, há um longo percurso a seguir.

Os irmãos Marx protagonizaram, nos anos 1940, um dos grupos mais felizes do cinema nonsense. Seus lmes com roteiros hilários e inteligentes foram um marco no cinema. Fonte: http://www.idadecerta.com.br/blog/wp-content/uploads/2010/10/IRM%C3%83OS-MARX-01.bmp

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1) Silêncio para a música é som. 2) Mesmo o chamado “cinema silencioso”, que remete aos primórdios até a década de 1910-1920, era orquestrado ao vivo nas sessões públicas. Nunca houve, nesse sentido, um cinema rigorosamente mudo, sem trilha ou sonoplastia. O que ocorre é que o som ainda não estava mixado no próprio rolo dos lmes. Relógio O Gordo e o Magro feito em vinil. O Gordo e o Magro

Quando, em Paris, em 1895, no Salão Indiano do Grand Café, no Bulevard dos Capuchinhos, ocorreu a primeira exibição de um lme, 33 espectadores maravilhados viram-se diante de um espetáculo até o momento impossível de se conceber: o cinema. Sobre uma pequena tela, a vida das ruas ganhava movimento.

foram outra dupla famosa do cinema nos anos 1940 que irradiava alegria a partir de roteiros nonsense. Pareciam mesmo cartuns vivos. Seus gestos e movimentos eram parecidos com uma espécie de desenhos em animação. Fonte:http://img.elo7.com. br/product/zoom/7B24A5/relogio-gordo-e-o-magro.jpg

Cinema: o início de tudo

Carros, cavalos, pedestres começaram a se mover na tela diante dos olhos dos boquiabertos convidados. Não se pode duvidar que, diante do miraculoso evento, ao se deparar com aquelas imagens movendo-se, os espectadores chegassem a ouvir, ainda que só na imaginação, o ruidoso som das ruas. Cada gesto da tela, ainda que mudo, indica um som. Isso porque cinema é uma arte indicial, por isso tem a capacidade de revelar ao O cinema, uma invenção dos irmãos Lu- espectador mesmo o que não esta na tela: mière, nasceu na França, em 28 de dezem- aspectos do lme apenas sugeridos pela hisbro de 1895. Desde seu surgimento, sempre tória, uma característica do cinema que faz parte do próprio roteiro. foi uma arte verbal, sonora e visual.

Não podemos pensar em audiovisual sem lembrar que o cinema é o início de tudo. Vindo da fotograa, cinema é na verdade fotograa em movimento, por isso película. Já a televisão é banda de som, portanto, está mais para a música do que para a fotograa.  Ainda assim, toda a base imagética da TV vem do cinema: planos, movimento de câmera e enquadramentos.

Nesse ponto, pode-se indagar: - mas, se  Além das imagens, o roteirista indica tamo cinema surgiu mudo, como se pode falar bém os sons que participarão do lme. Imaem sonoro? E eu responderia que por duas gens e sons são aspectos de construção de um roteiro que serão parte integrante dos razões: 12

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lmes. Nesse aspecto, o “cinema falado” foi uma conquista aguardada desde o início, quando os lmes ainda eram mudos.

Primeiras fotos coloridas dos irmãos Lumière, inventores do cinema ao lado do prestigitador Meliès. Fonte: http://i44.servimg.com/u/f44/11/44/86/39/premi-13.jpg

 Algumas das primeiras fotos coloridas dos irmãos Lumière, franceses inventores do cinema, ao lado de Meliès. Fonte: http://

É curioso pensar que ocorreu na França, um dos países mais literários e logocêntricos do mundo, o nascimento do cinema. Isso só vem reforçar a constatação de parentesco entre literatura e cinema, independentemente de outras grandes diferenças que comportam essas duas linguagens.

www.carent.com/pps/early_color_photos/slide4.jpg

Lá, os roteiros chamam-se scénario, pois considera-se que eles sejam um verdadeiro cenário verbal do lme. Dizem eles aos roteiristas mettre em scène, querendo dizer que o texto de um roteiro deverá se “disposer pour la représentation théâtrale ou la prise de vues cinématographiques”. Traduzindo, no roteiro, o texto deverá “se colocar em cena para representação teatral ou cinematográca”. Eles deixam claro, com isso, a própria função do roteirista, que é a de formatar um texto para cinema sabendo dispor as diferentes ações de uma história em cenas sequenciais. Reforçam a ideia de que fazer roteiro é escrever textos pensando em imagens, sons, diálogos, ações e ruídos, efeitos e fatos.

Nessas fotos, já se percebe o talento de grandes documentaristas que eles foram. Fonte: http://www.carent.com/pps/early_color_photos/slide5.jpg

Suas fotos fazem lembrar que cinema é fotograa em movimento. Fonte: http://1.bp.blogspot.com/_KwmddgO-H0I/SsIogA5gLaI/AAAAAAAALDs/c_nuBWl-Sz4/s1600-h/6.png 13

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Como no teatro ou na prosa literária os diálogos são as falas e a personalidade dos personagens. No cinema, como no teatro, a criatividade literária encontra-se neles, e a poesia da obra, na somatória de texto e imagem. Quanto aos sons, que muitas vezes emprestam alma a um lme (no suspense, por exemplo, ou mesmo no gênero de terror), eles sempre estão presentes, ainda que as imagens estejam envolvidas apenas em silêncios. Isto é, se assistimos a um lme mudo e vemos uma cena de sinos badalando, por exemplo, ou o mar batendo numa encosta, já temos esses sons internalizados no inconsciente. Imediatamente, por isso, eles voltam à memória, que reconstrói internamente os ruídos de badaladas ou de águas em choque.

multimídia, principalmente os audiovisuais. E o roteiro, no qual tudo principia, tornou-se necessário na construção de todos esses meios. Isto é, faz-se roteiro para rádio, para televisão e para as artes do vídeo. Ainda mais, até para as novas mídias que surgiram, como videoarte, lmes publicitários, sites de internet, artes eletrônicas em geral, artes de computador, como os games etc. O roteirista tornou-se o elo de todas essas artes, pois o roteiro é parte fundamental do instrumental de construção de todas elas e tem características e formatações básicas que se mantêm nas diferentes mídias. Só que, diferente do escritor de papel, o roteirista de audiovisual, seja dos chamados multimeios, seja do cinema, precisa ter domínio de mais de uma linguagem. Isso porque sua escritura deverá conter todos os sons, falas e imagens que compõem as lmagens ou ainda as gravações de TV. Todo roteirista deve saber que, por ser película, o cinema lma as cenas, pois é fotograa; por ser banda de som, a TV grava as cenas. TV é tela pequena, comporta principalmente planos médios e primeiro plano; cinema é tela grande, feita para grandes planos gerais e planos de detalhes.

Por ser uma arte intersemiótica, isto é, que transita e dialoga com outras artes, como a fotograa, a arquitetura, a literatura e a música, para não falar de gurino, teatro e design, a natureza do cinema é intrinsecamente multimídia.

Um roteirista deve saber que cinema está para a fotograa e a pintura assim como a televisão está para o rádio e o teatro. Independentemente de se gravado ou lmado, o roteirista deverá ter consciência do caráter multimídia e formal de sua arte. De qualquer Cinema é uma arte que resulta da soma- maneira, para esta disciplina, interessa o rotória de outras artes. Daí sua vocação ins- teiro de cinema, de fato o princípio de toda a tantânea de matriz de todos os outros meios história do audiovisual. 14

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portanto, ele não deve desenvolver histórias paralelas que jamais serão mencionadas no lme.

Argumento - a sinopse - storyline   Argumento

O argumento é uma história preparada especialmente para o cinema. Contém no seu desenvolvimento o enredo, o tema, os conitos, o clímax, os antagonistas e protagonistas da narrativa e os envolvimentos emocionais. Pode conter alguns diálogos, que serão mais bem desenvolvidos no roteiro. Um argumento evita subjetivismos e ad jetivações desnecessárias e desenvolve uma espécie de quadros de ações muito claras que possam se transformar em cenas. Sua narrativa tem começo, meio e m.  Está ali todo o conteúdo que será desenvolvido em roteiro, inclusive a mensagem do lme, ao que ele veio e até o público que irá atingir. Estão nele seu estilo e seu gênero,  A diferença entre um argumento e uma se terror, suspense, ação, romance ou drahistória para literatura é que aquele não tra- ma e todas as variantes que um lme pode balha para a linguagem verbal e nem para o permitir. suporte livro e sim para o meio audiovisual. Portanto, não se detém nas complexidades O argumento, na verdade, é a ideia gerada escrita. Deve usar uma linguagem direta, dora do lme, o assunto que levará ao desenenxuta e objetiva. Não coloca nada que pos- volvimento de um roteiro. Por isso mesmo, sa fugir do conteúdo de um lme, e, nesse muitas vezes, mesmo que um diretor não aspecto, seus personagens são descritivos, saiba ou não queira desenvolver seu próprio pincelados nos seus aspectos físicos e psico- roteiro, é dele o argumento, ou pelo menos a lógicos. Funcionam com ações claras e não ideia inicial, que poderá ser desenvolvida por têm passado, a não ser aquele que poderá um argumentista. se converter em imagem. Sobre essa questão, um argumentista deve lembrar, ao criar O argumentista é a pessoa que escreve seu enredo e seus personagens, que um l- argumentos. Essa é uma prossão autônome não tem passado e nem futuro. Só tem ma, nem sempre desenvolvida pelo próprio presente, pois tudo se presentica na tela; roteirista. 15

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Em Hollywood, por exemplo, ou mesmo na televisão, temos prossionais que ganham a vida com isso, criando argumentos para lmes de entretenimento, que serão produzidos em baciadas e distribuídos pelo mundo sem nenhuma preocupação com a grande arte ou com o que existe de mais singular no cinema. O argumento pode ser proposto pelos patrocinadores de uma obra, pelo diretor de programação de TV ou pelo diretor de cinema.

ela contenha todos os parâmetros de sua realização, isto é: o que, como, onde e por que do projeto, o gênero, se histórico, antropológico, cultural, biográco etc., além de especicar se é um projeto único ou uma série, se para cinema ou para TV. Sinopse

Sinopse, como o nome já diz, é uma visão de conjunto de uma obra. Em cinema, signica uma breve narrativa, um resumo, sumário ou síntese de um lme, sua apresentação concisa, tanto faz se for uma cção ou um documentário. Sinopses, ainda que muitas vezes malfeitas, são aqueles resumos de lme que vêm atrás de um vídeo nas locadoras, com a diferença de que ali o resumo do enredo não está completo, pois o suspense do nal cria a expectativa de se querer ver a produção. Na sinopse feita para cinema, ao contrário, temos o resumo completo de uma história, seu começo, meio e m. Um lme completo tem argumento, sinopse e roteiro.  A sinopse tem várias utilidades. Além de servir como resumo da contracapa dos lmes, é apresentada para o patrocinador ou o diretor de programação e serve à divulgação. É de praxe que, na divulgação de um novo lançamento, as redações de jornais e revistas recebam o release do lme contendo uma sinopse da obra em questão.

No documentário, o argumento não é o desenvolvimento de uma história, mas a  justicativa de um tema, sua estrutura e o desenvolvimento do projeto. É fundamental que no argumento de documentário esteja o raciocínio pelo qual se tirará uma consequência ou se fará uma dedução sobre o tema proposto. Nesse gênero de realização, funciona como a palavra sugere: uma argumentação que poderá ou não levar a cabo o desenvolvimento do projeto. Para que essa argumentação seja sólida, é necessário que

Nas novelas em geral, apresenta-se a sinopse e não o argumento de um novo projeto. Isso porque novela não é uma história fe16

 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

chada, mas uma obra em processo, na qual o desenvolvimento dos capítulos e das tramas paralelas está comprometido com audiência, a ponto de haver mais de uma opção de nal, que até o último capítulo ainda poder ser mudado. Por tudo isso e pela agilidade da obra, uma novela costuma ter os primeiros capítulos desenvolvidos logo depois da apresentação da sinopse e de sua aprovação.

com desenvoltura, mas em geral eles acabam abraçando um só, especializando-se nele e fazendo nome. Por isso, temos grandes roteiristas de terror, outros de suspense, outros de western etc. Stephen King, por exemplo, um dos mais bem-sucedidos roteiristas da atualidade, é um escritor de terror, mas isso não o impediu de fazer uma ou outra obra em outros gêneros.

Storyline 

Existe uma classicação bem sistemática dos gêneros cinematográcos e suas subdiStoryline  é o resumo em cinco linhas de visões. Os principais são basicamente cinco, um roteiro ou argumento. Além de uma ideia que acabam se desdobrando em novos gêneou conceito, é também a história-problema ros ou subgêneros. resolvida, sem que os detalhes dessa resolução estejam completamente desenvolvidos. São eles: Storylines são muito usadas nas pequenas

•  Aventura.

narrativas, nos videoclipes ou nos lmes publicitários, pois, como são espécie de miniargumentos, são perfeitamente adequados a obras de curta duração.

• Comédia. • Crime. • Melodrama.

Um lme publicitário tem uma duração que varia de 26 segundos a 20 minutos, no máximo, se for institucional; portanto, o storyline é mais do que suciente para conter tudo o que for necessário para sua produção.

• Drama. • Outros. Naturalmente, se esses são os gêneros básicos, é comum o hibridismo entre eles. Você pode ter uma aventura que seja um melodrama ou um melodrama de ação. Pode ter também um lme de humor negro ou ainda uma tragicomédia etc. O melodrama, por sua vez, também abre um grande leque de possibilidades e é de grande importância no cinema americano. Ele começou com a inserção de diálogos na música, num processo que derivou também para a ópera. Foi adotado por

Os gêneros cinematográfcos Uma das principais coisas que um roteirista deve saber ao desenvolver sua narrativa é situá-la dentro de um gênero cinematográco. A partir, daí poderá trabalhar com mais tranquilidade seu roteiro. Os gêneros são muitos, e os roteiristas podem ser ecléticos, mudando de um para outro 17

 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

Hollywood em seu potencial e seus elementos •  Ação. de função dramática (não confundir apenas • Mistério. com os musicais). Portanto, dentro de todas • Musical. as variantes possíveis e cabíveis dos gêneros, o roteirista deve abraçar um deles e criar, a  A aventura também aparece como subgêpartir desse norte, os artifícios e códigos ne- nero na subdivisão do melodrama. cessários para transmitir a ideia pretendida com aquele roteiro. Comédia:

• Romântica. • Musical. • Infanto-juvenil. Crime:

• Psicológico. •  Ação. • Social. Se se vai trabalhar num musical, sabe-se que Melodrama: as matérias-primas serão obviamente a músi•  Ação. ca, a dança, a coreograa, os bailarinos etc. Se •  Aventura. se vai para o terror, haverá o suspense, a luz e também o desenho sonoro como aliados. • Juvenil. • Detetives e mistério.

Qual será a melhor maneira de criar clímax dentro deles?

• Social.

• Romântico.  Vai-se entregar, de imediato, o antagonista da ação ou vai-se confundir o espectador, • Guerra. mostrando um personagem sonso que aos • Musical. poucos se revelará? Vai depender só do roteirista o modo como usará suas estratégias. • Psicológico e mistério. Isso é realmente o que importa. Vamos anali• Psicológico. sar agora como cam os desdobramentos dos principais gêneros em subgêneros: Drama: • Romântico. Aventura:



• Biográfico. • Social.

Western. 18

 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

• Musical.

ma brasileiro. Esse lme, uma cção passada no sertão brasileiro narrando a saga dos • Comédia. cangaceiros, criou uma espécie de western •  Ação. sertanejo, que logo se tornaria um gênero nosso. Vencedor do Festival Internacional de • Religioso. Cannes, na década de 1950, como melhor • Psicológico. lme de aventura e melhor trilha sonora, foi divisor de águas do cinema nacional. A par• Histórico. tir daí, muitos lmes e séries foram criados Outros. Nessa categoria realmente dentro desse gênero, entre eles, uma obracabe tudo: -prima: Deus e o Diabo na terra do sol, de • Fantasia. Glauber Rocha (1964). • Farsa. • Terror. • Documentário. • Semidocumentário. •  Animação. • Histórico. • Séries. • Educativo. • Propaganda. • Mudo. • Erótico. Cangaço: um gênero tipicamente brasileiro.No Brasil, o cinema criou um gênero único, que só se enquadra entre nós, mas que é legítimo e perfeito para nossa cultura: o lme de cangaço.

Cartaz do premiado lme O cangaceiro (1953), que inaugurou o gênero de cangaço no cinema brasileiro, um gênero cinematográco tipicamente nosso. Fonte: Reprodução de cartaz pertencente à autora. http://www.conoceralautor.com/cheros/images/06599_gv.jpg

Com diálogos desenvolvidos pela escritora Um roteiro exemplar cearense Rachel de Queiroz, o lme O canNas próximas páginas, você encontrará gaceiro (1953), dirigido por Lima Barreto, foi a primeira obra sobre cangaço do cine- um trecho exemplar de um roteiro do gêne19

 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

ro cangaço. Trata-se de um dos lmes mais importantes da história do cinema brasileiro, aplaudido mundialmente pelos festivais de cinema internacionais: Deus e o Diabo na terra do sol, de 1964. O lme teve direção e roteiro de Glauber Rocha, que encabeçaria, a partir dele, um movimento de cinema de vanguarda conhecido por “Cinema Novo”. O movimento lançava uma nova estética cinematográca, que se Imagem do lme Deus e o Diabo na terra do sol De Glauber Rocha. do cangaceiro Corisco e o boiadeiro Manuel. Fonte: http:// propunha a compensar nossas deciências Cena coisasdaarquitetura.les.wordpress.com/2011/12/deus-e-o-diabo.jpg técnicas com muita criatividade e lançaria a proposta “uma câmera na mão e uma ideia Observe que o roteiro está escrito em fonna cabeça”. O Cinema Novo desenvolveria te Courier New, tamanho 12, pois essa é a também uma linha muito especíca de rotei- fonte correta para se escrever um lme. ros com temática social, que Glauber Rocha  Vamos à leitura: chamaria de “Roteiros do Terceiro Mundo”. Roteiro 1

Leia e releia quantas vezes for necessário este roteiro, para começar a se familiarizar com essa Ficha Técnica: nova forma de escrita. Em seguida, procure assistir em DVD a esses trechos do lme. A partir Título original: Deus e o Diabo na terra do daí, observe de que forma se dá a passagem de sol. uma estrutura verbal para uma estrutura audiovisual. Por enquanto, vamos ao roteiro simples, Duração: 110 minutos - preto e branco. sem os cabeçalhos, para que a familiarização  Ano de realização: 1964, com esse tipo de texto seja mais fácil. Roteiro e direção: Glauber Rocha.  Argumento e diálogos: Glauber Rocha e Paulo Gil Soares. Filmado no sertão da Bahia. Sinopse: História do vaqueiro Manuel e de sua mulher Rosa, que vivem num latifúndio explorado pelo Coronel. Um dia, num acesso de ira e revolta, Manuel mata o patrão. Perseguidos, ele e Rosa fogem pelo sertão adentro, indo unir-se primeiro com o beato

O famoso cartaz do lme Deus e o Diabo na terra do sol, feito pelo designer tropicalista Rogério Duarte. Fonte: http://3.bp.blogspot. com/_qsHfv-2B0RM/TKOOrSfRqEI/AAAAAAAAADE/ubiHH35-BoY/s1600/ sem+t%C3%ADtulo.bmp

20

 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

bondade nos olhos, / Jesus no coração.”

Sebastião (alusão a Antônio Conselheiro, líder da Revolta de Canudos) e depois com o bando do cangaceiro Corisco (sobrevivente do massacre de Angico e braço direito de Lampião). A saga termina com Manuel abandonando o sertão em direção ao litoral, pois conclui que “a terra é do homem, nem de Deus, nem do Diabo”. Um dos lmes mais aclamados do Brasil no exterior, revelando Glauber Rocha como diretor; passou a constar na lista internacional de cinema entre os 100 maiores lmes de todos os tempos.

TÍTULO DO “DEUS E O BO NA TERRA SEQUÊNCIA CENA 2

FILME APARECE NA TELA DIADO SOL” 1

MANUEL ENCONTRA O SANTO SEBASTIÃO COM UM GRUPO DE BEATOS ANDANDO PELO AGRESTE E CANTANDO. MANUEL E SEBASTIÃO OLHAM-SE NOS OLHOS, LONGAMENTE. BEATOS (CANTAM)

Página 1 – Capa do roteiro: “DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL” UM FILME DE GLAUBER ROCHA

“As ovelhas desgarradas / que andam em pastos perdidos/ procurando o seu rebanho / e o Senhor da Boa Morte. / Quero deixar este mundo / com a minha triste sina, / procurando seu rebanho / e o Senhor da Boa Morte.”

Página 2 – O roteiro desenvolvido: INTRODUÇÃO

SEQUÊNCIA 2

CENA 1

CENA 3 MANUEL CHEGA EM CASA, SALTA DO CAVALO E DIRIGE-SE À SUA MULHER ROSA, QUE ESTÁ BATENDO PILÃO NO TERREIRO. MANUEL - Rosa, eu vi o Santo Sebastião! Ele disse que évem um milagre salvar todo mundo. Tinha uma porção de

O SERTÃO SECO, O GADO MORTO. O VAQUEIRO MANUEL OBSERVA O GADO MORTO, MONTA EM SEU CAVALO E AFASTA-SE DO LOCAL. CANTADOR

“Manuel e Rosa viviam no Sertão / trabalhando a terra com as pró- gente atrás dele e os éis tudo prias mãos./ Até que um dia, pelo cantando... e rezando...» sim e pelo não, / entro na vida ROSA NÃO INTERROMPE O TRABALHO; deles o Santo Sebastião. / Trazia CONTINUA PILANDO MILHO, NÃO RES21

 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

PONDE. MANUEL DIRIGE-SE À SUA MÃE, QUE ESTA SENTADA À SOMBRA, JUNTO À PORTA DA CASA. MANUEL RETORNA PARA PERTO DE ROSA. MANUEL - Mãe também num acredita... Mas eu vi. Ele me olhou aqui dentro... É o milagre, Rosa, é o milagre! CENA 4 CASA DA FARINHA. MANUEL CORTA E RALA MANDIOCA. ROSA MOVIMENTA A RODA QUE FAZ GIRAR O RALADOR. SEQUÊNCIA 3 CENA 5 FEIRA NA CIDADE. MANUEL VENDE A FARINHA QUE PRODUZIU COM ROSA. ANDA PELA FEIRA. ESCUTA UM VIOLEIRO. VIOLEIRO (CANTA) “Sebastião nasceu do fogo / mês de fevereiro / anunciando que a desgraça / ia acabar com o mundo inteiro, / mas que ele podia salvar quem estivesse ao lado dele, que era santo, que era santo, / era santo milagreiro.” CENA 6 MANUEL ANDA PELAS RUAS DA PEQUENA CIDADE OLHANDO AS CASAS COMERCIAIS, CRUZA A ZONA DA COMPRA E VENDA DE ANIMAIS, EXAMINA UM CAVALO. CHEGA NUM CURRAL ONDE ESTA O CORONEL MORAIS. MANUEL - Bom dia, Coronel Morais. MORAIS -Bom dia. MANUEL

- Já trouxe as vaca, mas morreram quatro. MORAIS - Beberam no açude do norte? MANUEL - Sim, sinhô. Era onde tinha água... Foi mordida de cobra... Truxe doze vacas... Queria fazer a partilha pra ajustar as contas... MORAIS - Num tem conta pra acerta. As vacas que morreram eram todas suas. MANUEL - Mas seu Morais, as vacas tinham o ferro do sinhô...Num pode ser logo as minha... que sou um home pobre. Foi azar, mas é verdade! Cobra mordeu as rês do sinhô... MORAIS - Já disse, tá dito. A lei tá comigo... MANUEL - Dá licença outra vez, seu Morais... Mas que lei é essa? MORAIS - Quer discutir? MANUEL - Não, sinhô... Só tou querendo saber que lei é essa que num protege o que é meu. MORAIS - Já disse, tá dito... Cê num tem direito a vaca nenhuma. MANUEL - Mas, seu Morais... o sinhô num pode tirar o que é meu!

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 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

MORAIS - Tá me chamando de ladrão? MANUEL - Quem tá falando é o sinhô... O CORONEL MORAIS CHICOTEIA MANUEL. MORAIS - Pra você aprender, ordinário! MANUEL PUXA O FACÃO E MATA O CORONEL MORAIS. SEQUÊNCIA 4 CENA 7 PERSEGUIDO POR DOIS JAGUNÇOS, MANUEL CHEGA A GALOPE EM SUA CASA. TIROTEIO NO TERREIRO DA CASA. UM DOS JAGUNÇOS MATA A MÃE DE MANUEL. MANUEL MATA OS DOIS JAGUNÇOS E ABRAÇA ROSA. MANUEL BAIXA AS PÁLPEBRAS DA MÃE MORTA. CANTADOR (OFF)

Exercício 1 Depois de ler atentamente e observar toda a estrutura desses dois roteiros, procure assistir ao lme, seja online ou alugando em uma locadora, e compare o que está escrito no texto com o que foi realizado na tela. Com isso, você aprenderá muita coisa.

Meu lho, tua mãe morreu/Não foi

Glauber Rocha, um dos mais polêmicos de morte de Deus,/ foi da briga no e importantes cineastas brasileiros, nasceu sertão/ de tiro que jagunço deu. em 14 de março de 1936 em Vitória da CENA 8 ROSA E MANUEL ENTERRAM O CORPO Conquista (BA) e morreu em 22 de agosto de 1981, aos 42 anos. Com premiações DA MÃE. internacionais, foi também um dos cineastas MANUEL - Eu sabia, Rosa. Você num quis mais conhecidos e reconhecidos no exterior. acreditar, mas foi a mão de Deus  Além de Deus e o Diabo na terra do sol, me chamando pelo caminho da des- Terra em transe, de 1967, e O dragão da graça... Agora num tem jeito se- maldade contra o santo guerreiro, de 1968, não ir para Monte Santo pedir pra estão entre seus melhores lmes. Sebastião proteger a gente... vambora logo... num temo nada pra Observações necessárias levar a num ser nosso destino.

 Ao ler o roteiro proposto, perceba como tudo, nos mínimos detalhes de um lme, já está no roteiro.

[...] 23

 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

1.

Veja a precisão com que as cenas são transpostas para a película, desde um diálogo até o som e os ruídos, falas que incluem trechos de músicas cantadas e mesmo os suspiros, choros, expressões idiomáticas ou o que vier dos personagens. Com isso, você compreenderá melhor a integração total entre roteiro e sua transformação em cinema.

A criação do roteiro Por esse modelo, você já pode pensar em criar um roteiro, seguindo, naturalmente, todas as etapas de criação, que são de caráter estrutural. Essas etapas são: A ideia:

ela pode ou não ser involuntária, fruto de pura inspiração ou de exercício apurado diariamente, individualmente ou em conjunto, ou pela concentração sobre determinado tema. O ideal é que venha fechada em si mesma, com princípio, meio e m. Veja que essa noção de nal da história não precisa ser rígida. Ela poderá mudar no desenvolvimento da trama, mas é muito bom começar seu roteiro tendo uma linha a seguir. Essa ideia poderá ou não gerar uma premissa, uma moral da história.

2.

Compare e constate como se dá a marcação do roteiro quando se trata da divisão em cenas e também a utilização de letras em caixa alta ou baixa.

3.

Aprenda com isso que, num roteiro, até o formato das letras é importante. Roteiros se escrevem com fonte Courier New, 12 pontos, 10 pitch. Nunca se usa itálico e negrito.

4.

Tamanho do papel – carta (27,94 cm x 21,59 cm).

5.

Numeração acima à direita, seguida de ponto.

6.

Margens: em cima 2,5 cm; embaixo 2,5 cm - 3 cm.

7.

Diálogos justicados e ação alinhada à esquerda.

8.

Capa: texto centralizado com o título entre aspas e abaixo escrito – UM ROO conflito ou enredo: com a ideia, surge TEIRO DE (e o nome do roteirista). naturalmente o conito. É preciso estabeleNum roteiro ainda sem cabeçalho e cer o conito, pois sem ele não há história, apenas com numeração de cena, os não há movimento. O conito são as contradiálogos podem vir em caixa baixa, e dições da trama que levam à ação. Começaa descrição das cenas, em caixa alta, mos a pensar em algo, e logo nos vem uma ideia que se contrapõe e se antagoniza a isso. ou vice-versa.

9.

24

 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

Storyline: estabelecido o conito, é preciso desenvolver quase que imediatamente a storyline. Isso é, como já foi dito anteriormente, o resumo da história em cinco linhas, nem mais e nem menos.

Hegel desenvolveu toda uma teoria baseada na constante evolução da história como um processo vivo dialético, gerado no conito e no choque dos acontecimentos. Mais tarde, Engels e Marx conceituaram o conito de interesses entre as diferentes classes. Não existiria história se nos contentássemos em ser ou estar exatamente como estamos. Schopenhauer pondera que mesmo uma pedra tem a vontade de movimento adormecida e, se lhe é dada a chance, ela rola. O conito é a vontade de mudança aplicada. É a necessidade de algo, a motivação de um crime, uma paixão, a fé extremada, o ódio, ou coisas mais amenas, como a felicidade, o amor ou simplesmente a paz. Portanto, o conito é o elemento que trará a dinâmica e o movimento a sua história. Ele será o contraponto que quebrará a rotina do dia a dia de sua personagem principal, de seu protagonista:

É nessa hora que você pensará em três momentos cruciais da história da sua personagem: o início, o clímax e o nal. Para fazê-lo, você terá que pensar seriamente num desfecho da história e, pensando nisso, obviamente estará selando o destino de seu protagonista e das personagens a sua volta. Devo repetir que o ideal é que você faça sua storyline em no máximo cinco linhas. Claro que nada é denitivo e se pode até mudar o seu nal, mas trabalhar apoiado numa linha traçada é bem mais fácil.  Argumento: é a etapa em que a história começa a ser contada de maneira mais detalhada. É quando aparecerão as personagens e as locações. Você ainda não a estará dividindo por sequências e por cenas, mas já indicará as ações. Estas ainda não obedecem necessariamente a um ordenamento cronológico. Ainda assim, você pode até colocar alguns diálogos. Por exemplo:  “Naquela época, Manuel costumava viajar pelo sertão atrás do gado, voltando para casa de tardezinha. Lá, sua mulher estava sempre moendo o milho e preparando os afazeres da casa, e sua mãe muito velhinha cava sentada numa cadeira na soleira da porta. Mas naquele dia algo aconteceu. Manuel, que sempre estava sozinho pelas veredas e caatingas do sertão, encontrou-se com o santo Sebastião e seus beatos.” 

Manuel era um vaqueiro pacato que vivia com sua mulher, Rosa, e sua mãe em plena miséria conformista. Mas um dia, ao encontrar o Coronel que o explorava na feira, em função de uma partilha do gado, surge o... conito! 25

 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

 Você pode perceber que há nesse trecho de argumento a indicação de alguns personagens, duas locações e um hábito que é interrompido. Mais tarde no roteiro, esse texto será desdobrado em sequências que detalham as ações das personagens.

ira e revolta. A maioria das histórias tem clímax, e, se você acha que a sua deve ter um ou mais, escolha o melhor lugar para eles. Em geral, as histórias de cinema têm vários pequenos clímax até chegar ao principal, que se trata normalmente da revelação de algo conclusivo ou não.

 Antes de continuar, vamos lembrar o que é um argumento: é uma história desenvolvida especialmente para cinema. Isso signica que essa história tem que ser muito imagética, conter imagens que, no roteiro, se desdobrarão em cenas.

Mas, voltando ao argumento, você deverá especicar a época, as locações e as personagens de sua história. Assim ela passará a ser mais concreta diante de seus olhos, e sua viabilidade se tornará mais analisável.

Um argumento não deve ser muito extenso. Imagine-se sentado lendo-o para alguém. Você o faria de modo curto e objetivo ou caria horas com detalhes? Argumentos têm padrão, e, para um bom argumento, podemos pensar em duas laudas com quatro parágrafos. O primeiro, você vai usar para apresentação da personagem e seu conito, o segundo, para o desenvolvimento do conito e possível clímax, o terceiro, para desenvolver boa parte de sua história, aprofundando-se na personalidade da personagem, seus medos, suas dores, seus desaos etc., e o quarto, para a preparação do nal, com clímax ou não.

No argumento, devem ser tratados também os núcleos dramáticos. No entanto, é importante que se diga que, no curto espaço temporal de um longa- metragem, dicilmente há espaço para que haja histórias paralelas à do protagonista; quando muito, faz-se um aprofundamento da personalidade do seu antagonista para enriquecer o próprio conito. Trabalhar com vários núcleos é típico da dramaturgia de novelas, minisséries, séries e ans e requer um trabalho cuidadoso, geralmente de várias mãos, para que a lógica da estrutura não seja perdida. Existem exemplos de longas, como Short cuts (1993, 187 min.), de Robert Altman, ou ainda Les uns et les autres (1981, 184min.) de ClauPlot: o clímax ou plot é a virada da história. de Lelouch, que se desdobraram em vários Pode-se pensar em lmes experimentais que núcleos, mas esses lmes estendem-se por nem sempre têm uma virada da história, um mais de três horas de narrativa. clímax, mas, em geral, quase toda história têm: seja Romeu achando que Julieta está Escaleta:  algumas escolas não dão immorta e matando-se ou Macbeth vendo a o- portância à escaleta, mas é importante que resta movimentar-se pouco antes de perder se saiba o que é, pois muitas vezes ela pode a batalha, ou ainda Manuel esfaqueando seu ser fundamental para que se tenha a visão patrão, o Coronel Morais, num momento de de um ordenamento cronológico do roteiro, 26

 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

Na escaleta, você já estará bem perto do ou seja, em que ordem as ações se darão.  Veja que esse ordenamento respeita a noção roteiro: de tempo e espaço diegéticos, ou seja, espaço e tempo dramáticos. Cena 1: Imagens do sertão com gado morto e Manuel observando a paisagem. Cena 2: Manuel encontra-se com o beato

Sebastião e seus seguidores. Cena 3: Manuel chega impressionado

em sua casa anunciando a sua mulher e sua mãe que viu o beato Sebastião. Elas não dão atenção a ele. Cena 4: Manuel trabalhando na casa de

farinha.

Lembre-se de Pulp ction ou de Amnésia, nos quais a linearidade temporal usual é desconstruída ou invertida pelo roteiro. Isso quer dizer que o tempo em seu lme avança da maneira que você concebe. Se é de trás para frente, se salta em elipses, se avança e recua em ashbacks, o roteirista é quem sabe. Por isso mesmo, a escaleta já tem, mais ou menos, o mesmo tamanho do roteiro, ocupa o mesmo tempo.

Cena 5: Manuel anda pela feira da cidade.

E assim por diante, cena a cena.  Você pode se perguntar: qual a diferença para o roteiro? Neste, a divisão seria em sequências e bem mais detalhada. No entanto, na escaleta, a ordem de entrada da história já está presente, é dessa forma que o roteirista vê o lme. Portanto, entre um e outro, há pouca diferença. É bom ressaltar que, com a crescente prossionalização, existem pessoas que se dedicam exclusivamente à preparação da escaleta e apresentam-na como apoio ao roteirista.

Ela será dividida em cenas que mais tarde, no roteiro, serão transformadas em sequências acrescidas de diálogos. A escaleta é de uso exclusivo do roteirista, não precisa ser mostrada para ninguém. Use-a como um instrumento de trabalho para que possa perNum roteiro, um trecho da escaleta que ceber o ritmo de seu roteiro e a ação de suas personagens. Ela é sua estrutura dramática. foi montada poderia estar representado da  A escaleta é a espinha dorsal do roteiro. seguinte maneira: Pegue um trecho de um lme, ou mesmo SEQ. 1 - EXT./ DIA/ SERTÃO esse trecho de Deus e o Diabo na terra do CENA 2 sol, e transforme numa pequena escaleta, MANUEL ENCONTRA O SANTO SEBASTIÃO veja como ca. Brinque com ela antes de coCOM UM GRUPO DE BEATOS ANDANDO meçar a montá-lo. 27

 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

PELO AGRESTE E CANTANDO. MANUEL E SEBASTIÃO OLHAM-SE NOS OLHOS, LONGAMENTE. BEATOS (CANTAM) “As ovelhas desgarradas/ que andam em pastos perdidos/ procurando o seu rebanho/ e o Senhor da Boa Morte./ Quero deixar este mundo/ com a minha triste sina, / procurando seu rebanho/ e o Senhor da Boa Morte.” SEQ. 2 - EXT./ DIA/ TERREIRO DA CASA

CENA 3 MANUEL CHEGA EM CASA, SALTA DO CAVALO E DIRIGE-SE À SUA MULHER ROSA, QUE ESTÁ BATENDO PILÃO NO TERREIRO. MANUEL - Rosa, eu vi o Santo Sebastião! Ele disse que évem um milagre salvar todo mundo. Tinha uma porção de

SEQ. 3 - EXT./ DIA/ FEIRA DA CIDADE

CENA 5 FEIRA NA CIDADE. MANUEL VENDE A FARINHA QUE PRODUZIU COM ROSA. ANDA PELA FEIRA. ESCUTA UM VIOLEIRO. VIOLEIRO (CANTA) “Sebastião nasceu do fogo/ mês de fevereiro/anunciando que a desgraça/ ia acabar com o mundo inteiro,/ mas que ele podia salvar quem estivesse ao lado dele, que era santo, que era santo, / era santo milagreiro.” CENA 6 MANUEL ANDA PELAS RUAS DA PEQUENA CIDADE OLHANDO AS CASAS COMERCIAIS, CRUZA A ZONA DA COMPRA E VENDA DE ANIMAIS, EXAMINA UM CAVALO. CHEGA A UM CURRAL ONDE ESTÁ O CORONEL MORAIS. MANUEL - Bom dia, Coronel Morais.

gente atrás dele e os éis tudo

cantando... e rezando...» ROSA NÃO INTERROMPE O TRABALHO; CONTINUA PILANDO MILHO, NÃO RESPONDE. MANUEL DIRIGE-SE À SUA MÃE, QUE ESTA SENTADA À SOMBRA, JUNTO À PORTA DA CASA. MANUEL RETORNA PARA PERTO DE ROSA. MANUEL - Mãe também num acredita... Mas eu vi. Ele me olhou aqui dentro... É o milagre, Rosa, é o milagre! CENA 4 CASA DA FARINHA. MANUEL CORTA E RALA MANDIOCA. ROSA MOVIMENTA A RODA QUE FAZ GIRAR O RALADOR. 28

Tratamentos de roteiro para cinema Os roteiros de cinema são desenvolvidos em três tratamentos distintos, corrigidos, ajustados e modicados até chegar ao texto denitivo. São eles: 1.

2.

Primeiro tratamento: o roteirista coloca toda a história no papel, dividida apenas em cenas, sem grande preocupação de ajuste e coerência da trama, personagens e divisão precisa de texto e imagem. Segundo tratamento: a história já se coloca no papel com as divisões cor-

 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

retas das cenas, separação em texto e imagem e personagens bem desenvolvidos Entram apenas aqueles que realmente participarão da trama, com seus diálogos prontos. Nesse segundo tratamento, é possível haver muitas versões de roteiro até que de fato o roteirista o considere bom. Nessa etapa, ele pode incluir ou retirar personagens, determinar melhor sua psicologia e seu perl, desenvolver os diálogos e os personagens secundários, a sonoplastia e os ruídos, mudar cenas ou ainda as locações. E mesmo modicar toda a história, incluindo troca de cenas e de nal. Essa é a etapa mais demorada de um roteiro, por isso pode levar de três meses a muitos anos para car pronta. O roteirista só passará desse tratamento para o próximo quando considerar resolvidas todas as soluções da história. 3.

uma barra no lugar do tracinho, ainda que não seja a melhor alternativa. INTER. (interior), EXT. (exterior) ou ainda INTER./EXTER. (interior/exterior) e vice-versa. O segundo cabeçalho é uma indicação curta do lugar, e o terceiro reete o tempo: pode ser DIA ou NOITE. Exemplo 1: INT. - CASA DE CAMPO - NOITE Exemplo 2: EXT. - CASA DE CAMPO - QUINTAL – DIA– MANHÃ Ou EXT. - CASA DE CAMPO - QUINTAL – DIA  – FINAL DA TARDE Um novo cabeçalho é necessário cada vez que muda o lugar ou o tempo. Toda cena tem seu cabeçalho. Lembre-se de que roteiro se escreve com fonte Courier New 12 pontos.

8.1. Pré-roteiro, roteiro e roteiro Terceiro tratamento: é a conclusão do roteiro, com todos os ajustes rea- técnico de edição lizados. É denitivo. Depois dele nada No documentário, ao invés de passar pode ser mudado e alterado, pois enpor tratamentos, os roteiros costumam ser trará na etapa técnica de lmagem ou divididos em três etapas de realização: gravação e de montagem ou edição. Nesse tratamento entram, os cabeça1) Pré-roteiro: projeto desenvolvido com lhos, que vocês já sabem como são, aproximações de tempo, personagens escritos em maiúscula e que deverão e locação. dar três informações básicas: onde, precisamente onde e quando. São se2) Roteiro de gravação: feito nas locaparados por um espaço, um tracinho ções determinadas pelo projeto, já com e outro espaço, segundo a convenção as entrevistas marcadas (se houver eninternacional. No entanto, algumas trevistado) e perguntas desenvolvidas, variações da norma são aceitáveis, assim como as planilhas de produção, e alguns roteiristas no Brasil utilizam locação e gravação denidas; o ma29

 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

modicado, pois se trata do roteiro de terial iconográco pesquisado (fotos, edição. Ainda assim, por se tratar de documentos, objetos etc. que entrarão documentário, um obra sempre tem no documentário); e indicação das ceque lidar com o acaso e mesmo na ilha nas externas e das internas, quando de edição pode sofrer ajustes. necessário, além das devidas autorizações, uma parte importante do proces- Imagens - diálogo - narração so de realização.  Vamos lembrar que um roteiro se traduz Lembre-se de que um documentário não em imagens. Dito dessa forma, parece bem pode ser gravado ou lmado sem as autori- simples, mas, na verdade, a maioria das peszações por escrito das entrevistas, do mate- soas, quando têm suas primeiras experiênrial iconográco a ser utilizado e das locações cias escrevendo para dramaturgia, tendem a expressar “coisas”, afetos e emoções que dipúblicas que aparecerão. cilmente podem ser traduzidas em imagens. Deve-se atentar para esse erro tão comum.  Além disso, é necessária uma autorização por escrito de familiares, herdeiros, autoridaMuitas vezes as pessoas escrevem sem des e todos os envolvidos no tema, principalperceber o quanto estão sendo negligentes mente quando o documentário for sobre bioquanto à informação imagética concernente graas, temáticas históricas e antropológicas a sua história, aproximando-se do romance, ou bens públicos. da prosa, do conto e até mesmo da poesia, mas passando longe do roteiro. Sem autorizações, o documentarista corre um grande risco de ter seu trabalho vetado Reetem mais uma ação imediata, tratam para apresentação nas TVs e salas de exibi- mais de uma sensação interiorizada do que ção. de uma presenticação de ação. 3.

Roteiro definitivo  (para

edição): é a somatória do pré-roteiro e do roteiro de gravação. Resulta num terceiro e denitivo roteiro, que só é feito depois de todas as tas gravadas, decupadas e selecionadas, textos da narração prontos e gravados pelo narrador, todo o áudio preparado.

Esse último tratamento, em geral, deMuitos escritores, como Jorge Amado, espois de concluído, não costuma ser crevem de forma muito imagética, por isso 30

 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

SEQ.1/ INT/NOITE/CASA de ANA

seus textos são fáceis de ser adaptados para roteiro. O escritor, na condição de roteirista, só pode escrever dessa forma. É preciso treinar, mudar os vícios de falar mais de sensações do que de ações que possam se traduzir em cenas e imagens.

Ou SEQ.1/EXT/DIA/ESTRADA Ou SEQ.1/EXT/NOITE/ESTRADA

Estrutura física do roteiro

Um roteiro pronto para ser lido deve ter frases curtas e denir ações e diálogos. Mas essa regra, como qualquer outra, também pode ser quebrada. Um roteiro pode ter um parágrafo inteiro descrevendo um plano-sequência e não deixará de ser excelente por causa disso. De qualquer forma, ele deverá ser o mais direto possível. O que se houver tirado de bom na escaleta em termos de ritmo e estrutura será passado para ele. Uma página de Courier New tamanho 12 é considerada como tendo um minuto de lme. Mais uma vez, estamos generalizando, e portanto temos que considerar todas as variáveis, como números de planos, movimentos de câmera etc. Mas, se você mantiver isso como parâmetro, terá uma referência.

Geralmente, uma sequência comporta uma locação. No entanto, temos que ter cuidado com esse conceito porque podemos começar a ação de um personagem numa locação e só interrompê-la em outra, sem no entanto mudar de sequência. Mais tarde, na decupagem, veremos que uma sequência é dividida em planos. Quando ocorre de uma sequência ter um único plano, chamamos de plano-sequência. No entanto, para o roteirista, isso não tem a menor importância. Esse aspecto só interessa para produtores ou diretores. Quando o roteirista cria a sequência, ele não pensa quantos planos terá, a menos que seja o diretor do lme. Assim mesmo, se ele pensar em termos de planos, estará antecipando um trabalho que deverá ser feito mais tarde.  Assim, talvez seja importante segmentar os dois tipos de abordagem. É preciso pensar primeiro como roteirista para depois pensar como diretor.

Os roteiros são divididos em sequências. Em cada uma, está especicado se se trata de uma sequência exterior ou interior, a ser Os diálogos realizada a noite ou de dia e em que locação. Criar diálogos talvez seja a etapa mais  Dessa forma, teremos assim: difícil de um roteiro, em primeiro lugar porque eles pedem um grau de espontaneidade SEQ. 1 / INT/DIA /CASA de ANA que requer muita prática em sua elaboração.  Além disso, em muitos casos, pertencem a Ou personagens que utilizam um vocabulário mais peculiar. Por isso mesmo, cada vez mais, 31

 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

 Agora você já tem elementos sucientes para entender e até mesmo criar um pequeno roteiro. Por exemplo, uma pequena história em cinco sequências com um diálogo entre as personagens inserido. Tente.

recorre-se a roteiristas assistentes, especializados nessas particularidades. De qualquer forma, o diálogo é sempre uma etapa que deve ser relida inúmeras vezes, e é possível que a cada vez ele seja modicado. O mais difícil é conseguir associar as palavras certas às pessoas e ao contexto. Às vezes, há muita formalidade e erudição, em outras, escracho demais.

Estrutura básica de uma narrativa

Escrever um roteiro é trabalho para um escritor. Não se esqueça disso ao se aventurar nesse ofício e arte. Escrever é mergulhar numa aventura de erros e acertos, mas ainda assim persistir até que a história completa se faça.

O que se procura é a expressão correta na voz daquela certa personagem para aquela determinada ocasião, e isso não é fácil de ser alcançado. A melhor maneira é sempre voltar a eles e relê-los em voz alta. Quando viajar ou se distanciar do lugar onde mora, abra os Todo escritor que pretende fazer um roouvidos e escute. Faz bem para alma e para teiro sabe que, no início, deve ter em mena prossão. te o que vai colocar nele. Às vezes, a base pode ser uma ideia adormecida por anos no Existe uma maneira corrente de se escreinconsciente, ou então uma inspiração que ver diálogos num roteiro de cinema: o nome acaba de surgir. Pode ser até que já haja um da personagem é centralizado em caixa alta, e o texto vem abaixo, começando com tra- roteiro guardado e se esteja apenas esperando a hora de tirá-lo da gaveta e torná-lo vessão. Podemos ver isso no roteiro dado: público. Mas isso não permite que se fuja de certas características que podem ou não ser CENA 5 EXTERNA / DIA / FEIRA DA CIDADE empregadas no desenvolvimento das históFEIRA NA CIDADE. MANUEL VENDE A rias. São elas: personagens, conitos e desFARINHA QUE PRODUZIU COM ROSA. ANDA fecho. PELA FEIRA. ESCUTA UM VIOLEIRO. VIOLEIRO (CANTA) “Sebastião nasceu do fogo/ mês de fevereiro/anunciando que a desgraça/ ia acabar com o mundo inteiro,/ mas que ele podia salvar quem estivesse ao lado dele, que era santo, que era santo, / era santo milagreiro”.

 A maioria das histórias contadas desde sempre seguem determinados padrões e cumprem determinadas etapas preexistentes. Personagens podem ser arquétipos com características universais e por isso existirem de forma paralela em diferentes sociedades e culturas ao longo do tempo, desde o início das civilizações até os dias de hoje.

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Infeliz e revoltado com toda a exploração Com isso, vericaremos que toda história tem protagonistas, antagonistas e mentores. a que está submetido, Manuel procura cami Vamos ver como eles funcionam nos roteiros. nhos que o salvem: primeiro, busca uma saída seguindo o beato Sebastião, ouvindo o que se Toda história, desde os primórdios da hu- pode considerar um chamado de Deus; mas, manidade, tem protagonistas, ou seja, perso- vendo que não há solução no caminho das nagens principais. São eles os responsáveis rezas e da beatitude, é empurrado para o lado pelas ações e acontecimentos, aqueles que oposto, indo para a bandidagem – caminho fazem a história girar. Para que uma perso- do Diabo -, tornando-se um cangaceiro e o nagem se torne protagonista, basta não ter principal parceiro de Corisco, último sobrevimedo de jogá-la no turbilhão de eventos fruto vente do grupo de Lampião. Mas, diante de da criatividade do autor, do qual ela só esca- toda a violência a que assiste e que é obrigapará no desfecho. A isso denominamos coni- do a fazer, resolve ir para o caminho do meio: to.Além do conito, toda trama tem um come- nem de Deus, nem do Diabo, mas do homem. ço, que deve estar claramente delineado na E foge daquele inferno na “terra do sol”, o sercabeça do autor. Alguma coisa desencadeou tão, para o litoral e a cidade grande. o conito e jogou o protagonista dentro dele. Entramos nos meandros dessa trama acomCabe ao roteirista criá-lo. Mas veremos tudo panhando a trajetória de Manuel, que é seu isso bem melhor nos próximos capítulos. protagonista. Podemos dizer que ele é a porta de entrada para a história. Com isso, podeExercício 2 mos observar que a primeira função dramátiTente fazer isso agora. Escolha uma perso- ca do protagonista no roteiro é servir de porta nagem. Crie um evento, um fato que quebre de entrada e ciceronear sua própria história. sua rotina, estabelecendo um conito que a O protagonista não é necessariamente um  jogue em eventos e fatos que ela terá que trilhar, mesmo que seja por breves momen- herói, embora seja interessante que ele tenha algumas características que provoquem uma tos. Desenvolva uma storyline  a partir daí. empatia com a maioria das pessoas. Essa personagem que nos prende e nos carrega lme adentro deve ser carismática e compartilhar As diferentes funções dramáticas dos mesmos desejos que as pessoas comuns. numa história Ela ama, odeia, é carente, prepotente, tem Protagonista:  aquela personagem em medo e luta para ter coragem, por vezes é torno da qual toda a história vai girar. Ma- vingativa e nisso pode ser perversa, anseia nuel, por exemplo, é o protagonista de Deus por liberdade, é capaz de matar, é boa, sane o Diabo na terra do sol. Em função dele, ta, diabólica, é suicida, viciada, é egoísta, toda a trama desenvolve-se. sovina, mão aberta, ingênua, desconada 33

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etc. Enm, pode ser tudo que contenha o humano, inclusive o próprio autor, com seus medos, alegrias e vida, mas numa visão dramatizada.

um pouco como ele, e muitas vezes o público passa a ver o mundo através de seus olhos. Por isso mesmo, quanto mais complexo for o seu protagonista, melhor será seu roteiro. Personagens simples produzem roteiros O protagonista é aquele que se movimen- muitas vezes simplistas, vazios e estereotipata junto com o conito, então é uma per- dos. Com isso, ca difícil que possam reetir sonagem transformadora. Lembre-se de que ações interessantes. conito é dialética, é movimento, então será transformador. O protagonista é reconhecido  À medida que sua trajetória progride, o pelo seu movimento; ele é aquele que mais protagonista vai cumprindo etapas. Quase sofrerá e mais transformará a ação de sua todo roteiro tem um início, que se liga a uma história. No entanto, existe uma linha tênue etapa em que a trama se desenvolve e caque deve mantê-lo um pouco além da norminha para um momento de incerteza, no malidade. Vamos chamar essa transposição de dramatização. Não nos esqueçamos de qual tudo pode acontecer. Essa etapa vai ser que se trata de dramaturgia aquilo que faze- resolvida no desfecho. Claro está que muitas mos. Se o protagonista for demasiado banal, vezes podemos ter um nal aberto, e isso o roteiro corre o risco de também o ser; e, não invalida o roteiro, mas é um estilo e uma se for assim, para que escrevê-lo e rodá-lo? opção. O importante é ter em mente que, muito provavelmente, seu protagonista terá Projeção e identifcação participado, mesmo que implicitamente, de todas as etapas de seu roteiro. Portanto, se existe uma moral da história, uma premissa, ele será o responsável por cumpri-la ou, ao contrário, acabar com ela. Ele estará num lme para consertar ou destruir. Ser o protagonista não signica que seja um herói, embora possa ser facilmente confundido com um, porque é ele quem vai arriscar tudo, até a própria pele, para alcançar a vitória. Acima de tudo, é fundamental que as pessoas se interessem por essa personagem, sofram, riam, conquistem, vençam, fracassem ou se amargurem com ela, como já foi dito. Mesmo Em todo roteiro que se preze, há uma sendo um herói atrapalhado ou imperfeito, transferência pessoal para a vida do protago- deve provocar empatia, pois as pessoas nista, e, de um modo ou de outro, sentimos adoram transferir e importar emoções. 34

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Fabiano, protagonista do lme Vidas secas, é um exemplo de herói imperfeito: fraco, atrapalhado, submisso. Não sabe fazer contas, deixa-se enganar.

Cena do lme Vidas secas. Fonte:http://www.thehindu.com/multimedia/dynamic/01039/01cp_outtakes_barr_1039589g.jpg

Cena do lme Vidas secas. Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-xm7q8cXDsGg/TfYDKHZ3SbI/AAAAAAAAAC4/uZXy_lWs9aw/s1600/ Sem+t%25C3%25ADtulo3.jpg

Em Vidas secas, a cadelinha Baleia, do menino lho dos retirantes Fabiano e Sinha  Vitória, é um dos personagens mais humanos e centrais da saga.

Baleia é exemplo perfeito de outros persoO lme Vidas secas, de 1963, do diretor Nelson Pereira dos Santos, um clássico do nagens que compõem os elementos dramáticinema brasileiro, é uma adaptação do im- cos de um lme, muito importantes em toda portante livro de Graciliano Ramos, de 1938, a trama e que não precisam sequer ser gente. que narra, de forma contundente, a vida de Os quadros com Baleia, Vidas secas, são uma família de retirantes do sertão brasileiro. dos mais pungentes. A função emotiva da cachorrinha é muito singular: enquanto ela, um animal absolutamente el, mesmo na negra miséria, vai subindo cada vez mais no conceito de humanidade, os outros personagens, em função do inferno de suas vidas, vão descendo dramaticamente à categoria animal. Esse é um dos exemplos mais belos da força de uma boa construção de personagens. Outros elementos dramáticos: o antagonista, o companheiro de estrada e o anti-herói

Livro Vidas secas. Fonte: https://fbcdn-sphotos-g-a.akamaihd.net/ hphotos-ak-ash3/1470272_438764712889822_1260830952_n.jpg

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efêmeras, e cabe ao roteirista emprestar o peso dramático que achar conveniente a essas situações.

Existe um lme de western de 1966, feito pelo excelente diretor italiano Sergio Leone, chamado O bom, o mau e o feio ou ainda Três homens em conito, que ilustra bem a questão de personagens importantes que giram em torno de todo protagonista e que compõem os outros elementos dramáticos de um roteiro, podendo até, às vezes, serem mais carismáticos do que o herói. Ocorrendo ou não essa inversão de “apreços”, são eles que, ao lado do personagem principal, fazem o lme acontecer.

Por outro lado, existem aquelas personagens avessas a tudo que se refere ao protagonista. Ao invés de aliadas, trabalham contra ele. São os inimigos, que aparecem como sendo os antagonistas. Se existe um herói, esse certamente será o vilão.  Aqui é importantíssimo que se diga: trata-se de algo muito além do bem e do mal. Anal, você pode ter um protagonista que seja amoral, imoral, mau etc. e cujo antagonista seja um “mocinho”, um personagem do bem, às vezes até inexpressivo ou aborrecido, o que aparentemente cria um paradoxo, pois teríamos um vilão bonzinho e um herói maldoso.

O protagonismo pode aparentemente mudar de mãos por alguns momentos na história. Algumas das características do protagonista indicadas no texto anterior podem ser encontradas em outras personagens no decorrer da narrativa, mas por apenas algumas sequências. Isso se deve ao fato de o protagonista raramente ser uma personagem que anda sozinha; em sua caminhada ao longo  As personagens de um roteiro, quer sejam das etapas de desenvolvimento da trama, ele protagonistas ou antagonistas, podem ser alia-se a outras que o auxiliam, o acompa- muito complexas, e, quanto mais o forem, nham ou apenas surgem como simples partí- melhor será a história. cipes de sua saga. Existe, assim, a gura do anti-herói – uma No caso de Deus e o Diabo na terra do personalidade complexa, paradoxal, cheia de sol, por exemplo, quem sempre acompanha conitos, alguém que luta contra um sistema o protagonista Manuel em sua saga entre o viciado e injusto e é vitima dos representanbem e o mal, o conformismo e a violência, tes inescrupulosos desse sistema. é sua mulher Rosa. É uma personagem que É o caso de Corisco, sobrevivente do canestá sempre ao seu lado. gaço e que foi braço direito de Lampião. As Assim como Rosa, muitas personagens, sim como existe a gura do anti-herói, exispor vezes assumem uma posição de destaque tem as personagens que jogam a favor da que as aproxima do protagonista principal, trama e as que jogam contra. Num roteiro, especialmente os acompanhantes mais liga- é o roteirista quem criará fatos que poderão dos a ele. De qualquer forma, são situações auxiliar ou atrapalhar o protagonista. 36

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Cena do lme O bom, o mau e o feio. Fonte: http://2.bp.blogspot. com/-_FY4WtQ2ueM/Tz_d3r7J0-I/AAAAAAAAAnY/4YcA61nyWwc/s1600/ good-bad-ugly-800-75.jpg

O feio é seu companheiro de estrada, também ele totalmente imperfeito e absurdo. É uma espécie de protagonista pouco acabado, o lado B do mocinho principal, que está sempre querendo passar a perna no herói.

Cartaz do lme O bom, o mau e o feio. Fonte: http://iacom. s8.com.br/produtos/01/00/item/7307/1/7307105SZ.jpg

No sensacional lme de Sergio Leone O bom, o mau e o feio, todos os três personagens são imperfeitos. O protagonista, o bom, interpretado por Clint Eastwood, é o mais imperfeito de todos, verdadeiro anti-herói que consegue deixar todos identicados com seus golpes quase perfeitos.

Cena do lme O bom, o mau e o feio. Fonte: http://www. gonemovies.com/WWW/WanadooFilms/Western/GoodBAdUgly4.jpg

E o mau é um tipo muito singular de vilão, pois, como diz o ditado: “ladrão que rouba ladrão...”. Apesar de ser o antagonista, está sempre esbarrando com o herói, e tem-se a impressão de que quase poderiam ser amigos, não fosse um conito que a todos se-

Cena do lme O bom, o mau e o feio. Fonte: http://ibvn.les. wordpress.com/2011/07/clint.jpg

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para nesse lme em que ninguém, a rigor, é amigo de ninguém, apesar de se relacionarem: todos querem roubar o ouro e car sozinhos com ele.

ou seja, um aliado conselheiro em seu roteiro. Seu protagonista é autossuciente, portanto, não precisa desse suporte. Mas cuide que mesmo assim ele mantenha um potencial dramático interessante.

No roteiro, os elementos dramáticos devem ser pensados como instrumentos que você pode ou não utilizar para pontuar a sua narrativa. Dessa forma, um cangaceiro, por exemplo, precisa de sua vingança, e uma protagonista talvez precise de um amante. O certo é que fatos e pessoas podem ocorrer na vida de sua personagem principal. São muitas as possibilidades e os elementos dramáticos existentes. Vamos aqui citar alguns exemplos.

No entanto, se o protagonista for uma pessoa cheia de dúvidas, como a maioria das pessoas normais, com suas limitações naturais, é quase certo de que lhe viria bem um amigo: um aliado especial que que a seu lado em momentos críticos, quando podem ser tomadas algumas importantes decisões ou vencidos alguns momentos difíceis. Podemos considerar que nem todos os obstáculos a ser vencidos são externos.

 A) O aliado conselheiro: o mentor

Muitas vezes são criados pelos próprios protagonistas, que enfrentam problemas psicológicos e têm que vencer o medo, a culpa, a paranoia, a neurose, enm, suas limitações e inimigos internos, numa longa jornada solitária. Mesmo assim, nesses casos, não é raro que encontrem apoio na personagem de um terapeuta ou mesmo de um aliado acometido dos mesmos males. De qualquer modo, esse aliado, esse amigo conselheiro, tem uma função dramática de muito peso na narrativa de um roteiro. Ele pode ser encontrado em várias histórias de diferentes gêneros.

No horóscopo chinês, não se acredita no que o zodíaco ocidental chama de ascendente, mas sim no que os orientais denominam de “companheiro de estrada”. Dizem eles que todo ser humano tem seu companheiro de estrada: aquele que está com uma pessoa completando-a ou mesmo infernizando-a. Na vida real, nem sempre esse personagem existe, pois muita gente é realmente só, mas, num roteiro, ele fará parte da trama ajudando a dar força às ações e à própria existência do protagonista.

Sua importância não se restringe à do simples aliado, de quem falaremos mais tarde, mas é a daquele que traz algo de espacial, acrescentando “poder” à capacidade de luta do protagonista. No caso de Deus e o Diabo na terra do sol, Manuel, no momento em que adere ao cangaço, apesar de ser o personagem principal, não deixa de fazer a vez de

Se o protagonista de um roteiro for uma personalidade formada e mostrar-se sempre seguro em seus atos, uma personagem que toma suas atitudes sem titubear e tem as armas necessárias para lutar e vencer os desaos que você vai criar para ele, esqueça a necessidade de um companheiro de estrada, 38

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 “companheiro de estrada” de Corisco. Ob- até o desfecho. É o caso de Manuel, quando serve e perceberá claramente os dados que vira cangaceiro, que se vê num conito ético determinam isso. pessoal quando recebe de Corisco a missão de matar. Nesse lme, a genialidade de GlauB) A função interna ber Rocha está mesmo em transformar em  “companheiro de estrada” de Corisco, mais Pode ser que o protagonista seja mesmo do que o vaqueiro Manuel, o próprio espírito um solitário e permaneça dessa forma du- de Lampião, que, numa espécie de transe, rante todo o roteiro. Teríamos então a au- ocupa a cabeça de Corisco. Este se diz um sência do conselheiro? É óbvio que isso vai homem com duas cabeças, pois ora incordepender do que for criado, mas sem tirar o pora a si mesmo, ora incorpora Lampião. O caráter solitário da personagem. lme é baseado no ensaio Os sertões, de Euclides da Cunha. Ele poderia ser abordado em sonhos, pensamentos ou lembranças por alguém que Corisco, que, no lme de Glauber Rocha, zesse o papel do aliado especial. Poderia ser se torna um homem de duas cabeças depois seu próprio alter ego, ou ainda seu amigo da morte de seu capitão e mentor, tem que imaginário – muito comum em lmes com lidar com os próprios demônios internos, personagens infantis. apesar de bravo cangaceiro. De qualquer forma, esse tipo de aborda-  Aí esta toda a beleza do lme: esse cenário gem dicilmente não empresta um forte peso de fragilidade e perigo certamente faz com psicológico à trama e, em alguns casos, pode que ele cresça e adquira humanidade. Essa é derivar para o suspense ou o terror. uma condição psicológica de forte apelo dramático na criação de qualquer personagem. Também é encontrado em lmes onde o protagonista procura uma vingança e busNa Poética de Aristóteles, ao analisar a ca apoio nas lembranças de sua infância ou tragédia, o autor pondera que, embora o teadolescência. Estas podem, até, promover a atro grego objetivasse a catarse das dores e cura ou o fortalecimento da personalidade do do medo por intermédio da beleza cênica e protagonista. do coro, havia também, no contexto, o peso da compaixão. Nesses casos, quanto mais solitário for o   Esta criava a empatia do público com a processo, melhor cará o roteiro. personagem atingida pela trama. Ou seja, o que for atribuído a uma personagem, na Essa caminhada também pode ser repre- medida em que o aproxime do cotidiano visentada numa narrativa em off que exprima venciado pelo público, será positivo. Quem os pensamentos da personagem principal, não sofreu com conitos internos e teve que acompanhando todo o seu processo evolutivo superá-los? 39

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no cinema, de ser sua mentora e companheira de estrada.O lme Baile perfumado, de 1996, dirigido por Lívio Ferreira e Paulo Caldas, foi um marco, inaugurando um novo ciclo do cinema pernambucano.

Lampião e sua mulher, Maria Bonita. Fonte: http://www.infonet.com.br/ sysinfonet/images/secretarias/Cultura/grande-lampiao_maria_bonita_  divulgacao.jpg

Lampião, personagem mítica brasileira, foi em vida e no cinema um exemplo de antiherói que todos amam, principalmente os cineastas.

Cena de Baile perfumado, de 1996, com o ator Luís Carlos Vasconcelos como Lampião. Fonte: http://f.i.uol.com.br/folha/ilustrada/images/13298340.jpeg

Exemplo de um roteiro inteligente, em Baile perfumado, os diretores retomam de forma singular as cenas do cangaço e sobretudo de Lampião, deslocando o personagem principal do famoso cangaceiro, que seria óbvio, para o imigrante libanês Benjamim  Abrahão, fotógrafo que registrou as únicas cenas existentes do cangaço.

Lampião e Maria Bonita num momento de descontração. Fonte:http:// static.recantodasletras.com.br/users/64463/fotos/808280.jpg Cena verdadeira de Benjamin Abrahão dirigindo o bando de Lampião, que aparece no lme Baile perfumado, misto de cção e documental. Fonte:http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/sobrecultura/2013/05/ entre-deus-e-o-diabo-1/image

 A companheira de Lampião, Maria Bonita, também nunca deixou, nem em vida, nem 40

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O singular roteiro de Lívio Ferreira contrapõe a história do corajoso libanês, que enfrentou políticos, coronéis e o próprio Lampião, e sua ousadia à do próprio Rei do Cangaço, numa das retomadas mais belas e inteligentes do velho tema. O cinema brasileiro sempre minimizou, nos roteiros, a dura vida exagerada e estrambótica do Rei do Cangaço, salpicada de tragédias insólitas e retrato do que foi de fato a existência dos cangaceiros no brasileiro. No cinema, tudo parece apenas uma grande aventura humana, o que também, sob certos aspectos dialéticos dessa mítica história, não deixou de ser. Lampião e Maria Bonita, no cinema e na vida real, não deixam de ser uma linda história de amor.

Cena de Baile perfumado. Fonte: http://analisando-o-oeste.blogspot.com.br/2013/02/retrospectiva-cangaco-critica-baile.html. http://2.bp.blogspot.com/-xQOR0MNqUoE/URbNZieWlHI/AAAAAAAAAfU/hAxBSLKHRPs/s1600/135+FOTO1..jpg

Lampião e Maria Bonita. Fonte:http://1.bp.blogspot.com/-iTyCR46ZW98/UgFfRtSD9mI/AAAAAAAAAAw/7ZB_oEtgaM0/s1600/lampiao.jpg

Lampião e Maria Bonita, assim como outros casais míticos transformados em lmes, como os foragidos Bonnie e Clyde, na época da depressão norte-americana, são exemplo perfei41

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to de que a arte sempre tenta imitar a vida, mais experiente e o protagonista, ampliam mesmo que para isso tenha que falsear a re- a resistência, transformam sua personagem alidade dos fatos. principal num cabeça dura, um teimoso que não vê, por exemplo, que aquela amiga do trabalho na verdade está apaixonada por ele. Ou então, em outra situação, a protagonista que não quer acreditar que tem potencial de sobra para melhorar de emprego. Muitas vezes, um roteiro trata de coisas simples, do dia a dia, mas de maneira especial. Então, o conselheiro pode aparecer na gura de uma colega de trabalho, com mais experiência na área, ou ainda na do amigo sedutor que coBonnie e Clyde, lme norte-americano de 1967, produzido e idealizado nhece bem as mulheres. por Warren Beatty e dirigido por Arthur Penn. Fonte: http://i1.ytimg. com/vi/KdMhbnhfHJk/maxresdefault.jpg

Esses conselheiros são os que têm as armas e ensinam os protagonistas. O velho sursta ou pescador olhando o mar e falando do tempo, o experiente escritor, o motorista de caminhão que tira da roubada e ensina o atalho, o amigo que sabe das coisas, o pai, a mãe, o irmão ou irmã mais velho ou mais novo, o mestre de kung fu, o ex-presidiário, o professor, o mago, enm, todo aquele que se imaginar como sendo alguém capaz de acrescentar algo à vida do protagonista, nem que seja por uma sequência de seu roteiro.

Bonnie e Clyde na vida real. Fonte: http://blog.roadtrippers.com/ wp-content/uploads/2014/01/Fotos-Bonnie-e-Clyde.jpg

C) O conselheiro externo Existem determinados tipos de personagem que servem naturalmente à gura de conselheiros e que aparecem em vários roteiros como os que ajudam o protagonista.  Agora não estamos mais tratando de um processo interno e solitário. A ajuda virá na forma de um amigo que fará pensar, aprender e reetir, mesmo que seja sobre seus erros, mesmo que o protagonista relute. Muitos roteiristas acabam valorizando muito essa etapa: priorizando o embate entre o amigo

Cabe ao roteirista decidir o quanto quer valorizá-lo. Um bom conselheiro pode estar do início ao desfecho da trama ou permanecer o tempo necessário para transmitir seus ensinamentos, deixando o protagonista seguir sozinho ou acompanhado de outros aliados. O importante, e o que vai diferenciá-lo dos outros amigos, é que sua personagem terá que ensinar alguma coisa, ou seja, terá que dar alguma coisa ao protagonista. 42

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Em Deus e o Diabo na terra do sol, Rosa, quanto mais importância e peso dramático a mulher de Manuel, faz a vez desse conse- a intervenção desse aliado tiver na história, lheiro externo. mais relevante será sua atuação. Ela é lúcida, desconada e cética. A partir de um profundo e natural niilismo, vai questionando o marido e duvidando de todos os  “mestres” que o ingênuo Manuel busca e nos quais acredita, tanto o santo Sebastião quanto o diabo Corisco. Desde o início da história, ela tenta mostrar ao marido que a solução para eles seria deixar aquele inferno dominado pela seca e pela escravidão e tentar a cidade grande. Por m, depois de todas as peripécias fracassadas do herói, ele se convence de que ela está com a razão, pois “a terra é do homem, nem de Deus, nem do Diabo”. Então, desesperado, ele foge em direção ao mar, numa das sequências mais belas do cinema brasileiro.

Muitas vezes, essa personagem será aquela que, ao invés de falar diretamente ao protagonista, servirá de exemplo a este com suas ações e atitudes. No roteiro pode-se colocá-lo como alguém que pode ser admirado à distância, na gura de um ídolo. É possível criar também a personagem mais velha ou mais experiente. Nesse caso, o “algo a oferecer” é tipicamente o aconselhamento.

 A gura do sábio conselheiro é bastante usada, mas, novamente, é preciso que se diga, não que imaginando um velho índio à beira de uma fogueira falando por metáforas a seu protagonista. Pode ser que seja apenas Os aliados do protagonista um avô assistindo, ao lado dele, um jogo de futebol em frente à TV, ambos sentados no Mas anal, quem seria esse aliado? sofá tomando cerveja. Nem por isso uma perCom todos esses poderes de persuasão, sonagem mítica não pode ser usada; essas seria fácil imaginarmos que os conselheiros sempre são interessantes. externos - esses verdadeiros aliados do protagonista - são seres especiais, mágicos, saídos No lme Assassinos por natureza, roteirizade algum conto de fadas, como na saga Se- do por Quentin Tarantino, ele surge aos pronhor dos Anéis, ou mesmo de uma realidade tagonistas exatamente na forma de um xamã de exceção. Mas, na verdade, eles são muito mais simples e próximos de nossa realidade. indígena, que encarna a sabedoria primitiva Um conselheiro especial pode ser um amigo num mundo urbano e dentro de um contexto no emprego ou um caminhoneiro numa es- atual acompanhado por uma atmosfera crua. trada deserta, que tem a oferecer, ao invés de Será essa personagem que, ao surgir, trará uma espada mágica, um bom conselho ou um consigo uma carga de magia responsável por incentivo que estava faltando para que uma uma virada de 180 graus na trama. determinada atitude fosse tomada. Claro que 43

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Por mais estranho que possa parecer, o insólito muitas vezes faz parte da concepção da história. Um roteirista não pode ter medo de ousar. Dramaturgia é criação.  Agora que vocês já conhecem essa estrutura, saibam que as funções dramáticas, com suas personagens, sempre existiram, muito antes de Shakespeare, muito antes de Homero. Cabe a você torná-las mais verossimilhantes para os dias de hoje. O fundamental nessa relação é que seu protagonista saia carregando conseguido algum presente, algo que lhe foi dado por seu amigo conselheiro. E o conselheiro, por sua vez, depois da expansão da internet, pode ser até mesmo um computador. Transformar essa mídia numa aliada conselheira e personagem de um roteiro é cada vez mais comum. Muitas vezes, representam-se computadores inteligentes, ou mesmo robôs. Existem lmes que trazem na trama personagens cibernéticas etc.

Cartaz do lme 2001: uma odisseia no espaço. Fonte:http://st-listas.20minutos.es/images/2012-02/320717/3397069_640px.  jpg?1329540515 44

 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

No lendário lme de Stanley Kubrick 2001, uma odisseia no espaço, por exemplo, o antagonista é o próprio computador HAL 9000, que antagoniza o dr. David Bowman, tornando-se seu inimigo, quando deveria servi-lo. Uma máquina que ganha status humano e se revolta contra os homens.

onde o diabo (Robert de Niro) que defronta o protagonista – o detetive Harry Angel (Mickey Rourke) – transforma-se em seu conselheiro ao contratá-lo para resolver um caso de desaparecimento. Durante toda a trama, o demônio leva o detetive, por meio de pistas montadas, a uma armadilha sem saída.

Muitas vezes, você vai encontrar tramas em que tanto o protagonista quanto o antagonisÉ claro que, seguindo os mesmo parâme- ta possuem aliados conselheiros, exercendo tros adotados na criação de seu protagonis- sua função em embate direto ou não. ta, se pensarmos em termos éticos, não devemos restringir as atitudes do conselheiro  A questão moral, ao ser adotada no roteiro, a determinado padrão de comportamento. pode jogar o desenvolvimento de um conito É bem possível que você queira criar uma nos desdobramentos das funções dramáticas, personagem que leve seu protagonista por como nos exemplos vistos. Uma personagem caminhos pouco usuais. do tipo conselheiro sempre carrega consigo uma quantidade considerável de reexões; Dessa forma ele pode ser aconselhado, existe sempre um “recado a ser dado”, algo a por exemplo, pelo demônio, ou por um serial ser ensinado ou transmitido. killer, ou ainda por um matador prossional. Quem viu O prossional? A personagem de Não podemos deixar de pensar que até Jean Reno – um matador por encomenda ensina os truques de sua prossão à meni- mesmo um lme simples e “pipoca” como na interpretada por Natalie Portman. O lme Pretty woman carrega consigo uma troca de preocupa-se em justicar um motivo ético experiências por parte de seus personagens, para isso, no entanto, no fundo, trata-se de que acabam servindo de conselheiros mútuos um homem ensinando uma menina a matar. durante sua relação. O lme é muito bom, o conito é muito bem  O que dizer então dos dois amigos em O estabelecido. homem que copiava? O que dizer então de O demônio surge muitas vezes na forma Zorba, o grego, de Michael Cacoyannis, ou de possessão ou na de uma criança de rosto de Derzu Uzala, de Akira Kurosawa, em que inocente e sorriso sinistro. Em outras, na de os protagonistas são seguidos em suas históum homem poderoso e bem-sucedido, por rias por personagens conselheiras, mas acaexemplo, em O advogado do diabo, com Al bam, pela força de suas personalidades, inPacino. Interessante foi o caminho encon- uenciando mais do que sendo inuenciados? trado por Alan Parker em Coração satânico, Existem vários casos clássicos, bem ao gosto

Os conselheiros além do bem e do mal

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 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

de Hollywood, da relação entre conselheiros e ções e deixando que ele desenvolva suas próprias teorias. protagonistas. O processo de traição, tanto quanto a personagem que irá surpreender o protagonista, A função dramática do perigo oculto, pode se revelar para o público já na primeira da surpresa ou do fato omitido sequência e para o protagonista apenas no desfecho. O lme, portanto, seria o desenOs roteiros estão repletos de traição e mo- rolar da revelação dessa traição. Por outro mentos de surpresa. Ao longo da história da lado, pode ser que seu roteiro já comece dramaturgia, personagens e situações que são com uma pergunta, um conito que suscite criadas para dicultar a vida de um protago- uma investigação, e que tudo só se revele nista habitam o imaginário. Existe um enorme mesmo para o público no nal. potencial na força da função dramática do perigo oculto, e isso pode e deve ser explorado. Ainda o antagonista e o protagonista O trabalho do roteirista, nesse sentido, é o de manter uma integração à parte com o espectador, ou seja, estabelecer uma cumplicidade por meio da qual vai revelando, no desenrolar da narrativa, informações que são omitidas ao protagonista. Esse artifício é fundamental nos lmes de suspense, crime, terror, espionagem etc. e até mesmo em romances nos quais aparece a traição nos relacionamentos amorosos.

é a função que tem o peso dramático de ser oposta diretamente ao protagonista. Ela talvez seja, no roteiro, a representação direta da existência do conito, aquela que fará de tudo para que a personagem principal não chegue ao nal vitoriosa. O antagonista é a personagem que se representa no inimigo. Ela aparece em diferentes graus de intensidade e periculosidade, dependendo da natureza e do gênero da história. Pode ser desde aquele que disputará com o protagonista a pessoa amada até o que tentará por todos os meios acabar com sua vida. Pode ter origem externa ou interAntagonista:

O interessante é manipular esse jogo de o quanto se entrega ao espectador e quando. Existem lmes em que o público chega ao desfecho sem saber o verdadeiro culpado de um crime. Por outro lado, há roteiros que deixam as personagens sem ter a menor ideia sobre uma determinada identidade secreta da qual o público já está mais do que informado. Quanto mais você surpreender seu protagonista, melhor, mas também é bom que você cative o espectador retendo algumas informa46

 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

na, mas sempre será uma ameaça, seja se mostrando às claras ou de maneira disfarçada, muitas vezes até na gura de um aliado conselheiro. Veja O advogado do diabo.

visão bem mais simplista, entre heróis e vilões. No entanto, é preciso lembrar que essa dualidade, como já vimos, nem sempre é facilmente identicável. Por vezes, a força dramática da personagem antagonista pode superar a do protagonista. Quando essa estratégia é intencional por parte do roteirista, é bem interessante; no entanto, quando é acidental, compromete a narrativa. Em 2001, uma odisseia no espaço, o computador HAL 9000, que antagoniza o dr. David Bowman, quase enviando-o literalmente para o espaço, rouba a cena e por muito pouco não faz o mesmo com o lme. Já o Coringa interpretado por Heath Ledger no lme Batman, o Cavaleiro das Trevas, pela força da personagem, põe o Batman no bolso, o que, aliás, todos os Coringas do cinema zeram.

Muitas vezes, o maior inimigo de seu protagonista será ele mesmo. Isso se dará na forma de uma paixão desenfreada, uma neurose, uma paranoia ou um vício contra o qual ele terá que lutar desesperadamente para sobreviver. Já vimos, na análise da função do protagonista, o peso dessas lutas internas. Os inimigos externos são muitos e reetem-se até mesmo nas forças da natureza. Muitas vezes, podem estar representados por um rio e sua correnteza ou por um defeito num carro. O fato é que tudo aquilo que impede a ação do protagonista em direção a seu objetivo principal antagoniza-o. É claro que podemos identicar um antagonista principal em seu roteiro, no entanto, muitas vezes, essa gura encontra-se diluída em várias pequenas personagens e acontecimentos que agem em conjunto, sem uma coordenação especíca, sem uma intenção, apenas como fruto do acaso, para atrapalhar a vida de seu “herói”.

De qualquer forma, grandes protagonistas sempre suscitaram antagonistas à altura. Muitas vezes, esse inimigo é o próprio sistema. Essa fórmula foi muito usada nos lmes dos anos 1960 e 1970, quando o protagonista enfrentava grandes conglomerados e cartéis ou simplesmente a lei que servia a poucos. Havia a personagem do rebelde que surgia solitário procurando justiça ou simplesmente desestruturação. Geralmente era um marginal, um desajustado, alguém que vivia fora do esquema enquadrado pela sociedade. Podemos encontrá-los nos lmes underground dos anos 1970. Com a vitória do paradigma consumista como forma de sustentação da estrutura macroeconômica, personagens como essas caram meio anacrônicas e, infelizmente, são, em sua maioria, consideradas aborrecidas.

Se nada atrapalha e impede que seu protagonista chegue a seu objetivo, nem ele mesmo, você estará criando uma história fora do tempo e do espaço. Protagonistas X antagonistas

 A história da literatura e do cinema está repleta de exemplos da relação entre protagonistas e antagonistas, ou ainda, numa 47

 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

Tendo agora terminado de analisar algu- Enquadramentos e movimentos de mas funções dramáticas de personagens que câmera - etapas de um roteiro ideal computo de relevância, poderíamos enveredar por outras, mas considero que seria ex Agora que já vimos basicamente tudo que cessivo, visto que esse aprofundamento seé importante ao roteirista, vamos fazer um ria interminável à luz da criatividade. passo a passo de todas as etapas de um roteiro até chegarmos à decupagem e ao rotei Acredito que, tendo estudado o protagoro técnico desenvolvido pelo diretor. nista, seu conselheiro, o inimigo oculto (juntamente com elementos de surpresa) e o Um roteirista não precisa saber movimenantagonista, qualquer um que tenha a intentos de câmera ou enquadramento para deção de escrever um roteiro já terá as funções senvolver seu roteiro. Mas algumas noções dramáticas das personagens necessárias a sobre esses aspectos fundamentais da estrucriação de uma história. tura cinematográca ajudam a compreender melhor a linguagem do cinema e a enorme importância que deverá ser dada, no roteiro, para a transposição de texto em imagem. Por isso, antes do passo a passo, vamos ver alguns planos e enquadramentos básicos que sempre farão parte dos roteiros.

Movimentos de câmera e enquadramento Essa parte do roteiro, com planos e enquadramentos, é totalmente a cargo da direção, mas um roteirista tem que saber minimamente o que vem a ser isso para melhor atender às expectativas do diretor em relaOutras surgirão na medida em que forem ção ao que cabe a ele desenvolver. sendo escritos os trabalhos; acredito que nomeá-los agora seria um exercício um tanto Movimentos de câmera conceitual, o que nos aproximaria demais de Syd Field ou Christopher Vogler, o que disseQuando se trata de imagem, um lme fazmos a priori que não faríamos. -se a partir de cenas e planos. De qualquer forma, ca a sugestão do nome desses autores para quem desejar coCena é um conjunto de ações, e plano é nhecê-los. o que está entre um corte e outro de uma 48

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cena. Existem duas maneiras de denir o enquadramento de um plano: o movimento de câmera e o movimento de lente.

rizontal, ou de cima para baixo, na pan vertical. 3)

Travelling: quando a câmera se desloca do eixo e parece viajar por entre árvores e paisagens. O travelling pode ser feito com carrinho próprio ou com uma câmera xa posicionada na janela de um trem, carro, navio etc., lmando a paisagem que passa.

Recursos de lente O movimento de câmera comporta basicamente dois tipos, a saber:

1)

Zoom in: aproximação de uma ima-

gem.

Câmera subjetiva: quando a câmera, 2) Zoom out: distanciamento de uma imagem. numa cena, é colocada em posição que permite lmar do ponto de vista 3) Grande angular : imagem capturada de um personagem em ação. Repreem ângulo amplo. senta o ponto de vista de quem olha. Por exemplo, numa cena de carro em Movimentos internos de câmera alta velocidade, quando se mostra a estrada, as tomadas estão sendo feitas 1) Plongée: câmera posicionada de cima segundo a visão do motorista. para baixo. Pode ser feito com uma grua ou ainda de cima de um lugar 2) Câmera objetiva: quando a câmera alto, por exemplo, no alto de um préestá na posição em que o ponto de visdio. ta é de um público imaginário, o ponto de vista do espectador. 2)  Contra-plongée: câmera posicionada de baixo para cima. Os movimentos de câmera habituais são: 3) Câmera aérea: tomada aérea de 1) Corte: mudança em corte de uma imauma cena, realizada com helicópteros. gem para outra. 1)

Enquadramento

2)

Pan: é uma panorâmica, quando a câmera gira sobre seu próprio eixo, para Os lmes são um conjunto de cenas. Para a esquerda e para a direita, na pan ho- lmá-las, a câmera pode estar posicionada 49

 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

em uma ou várias posições. Essas posições chamam-se ângulos de câmera, que compõem um ou mais planos em cada cena. São eles: 1)

2)

mostra uma grande área de ação lmada de longa distância. Pode ser feito de um ponto de vista mais elevado, com a câmera inclinada para baixo e usando lente grande angular. Esse plano é usado para lmar desertos, montanhas ao longe, mar bravio, navios em alto mar, arenas de lutas ou jogos etc.

PA - plano americano:

5)

PP - primeiro plano:

6)

Close up: é um plano de aproximação. Trata-se de um dos recursos mais enfáticos no cinema e também muito usado na televisão, pois fecha a câmera em ombro, rosto e cabeça do personagem. Nesse plano, o cenário onde a ação se desenvolve é praticamente eliminado, o que interessa são as expressões de rosto do ator, que se tornam mais nítidas para o espectador. Na TV, os atores que se saem bem nesse plano são aqueles que sabem representar inclusive com os movimentos de sobrancelha, pois ele exige muita expressão facial.

7)

Super close: é uma variação mais radical do close up. Nesse enquadramento, somente a cabeça do ator domina a tela. Apesar de ser um plano de aproximação, não funciona na TV, porque nela o rosto do ator não pode cobrir toda a telinha, correndo o risco de provocar estranhamento. Mas é um

GPG - grande plano geral:

PG - plano geral: mostra uma grande

área de ação, lmada também à distância, mas com enquadramento muito menor do que o GPG. Abrange uma área especíca, onde se desenvolve a ação do lme. Por exemplo, uma sala completa, na qual se veem as entradas e saídas dos personagens e toda a amplitude de ações que ocorrerem ali dentro. Pode, por exemplo, mostrar uma montanha, mas já próxima, com uma casa no sopé, ou ainda um navio dentro do oceano, mas próximo da margem. 3)

4)

PM - plano médio:

chama-se plano médio pois é uma média do que cabe dentro da tela. Deve enquadrar quatro personagens em pé, de corpo inteiro, dos pés à cabeça, dentro de um plano, ou ainda qualquer outra imagem que se encaixe nessa proporção.

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enquadra os personagens do joelho para cima. Chama-se americano pois foi muito usado nos lmes de western, ao dar o corte do revólver na cartucheira do cowboy para cima. Um plano  americano pode mostrar, por exemplo, dois atores dialogando de perl para a câmera. enquadra os personagens da cintura para cima. É um enquadramento muito usado na TV, pois é útil para lmar diálogos.

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plano que, ao lado do plano detalhe, sempre foi muito útil à plasticidade do Premissa: goiaba madura na beira da escinema trada... 8)

Plano detalhe:

enquadra somente os detalhes a ser valorizados numa cena. Por isso mesmo, é um plano muito enfático no cinema e pouco explorado na televisão. Pode enquadrar, por exemplo, os olhos do personagem, um anel no dedo, uma bolsa em cima de um móvel etc.

Storyline :  Alceu,

um boia-fria, encontra o corpo de um homem caído no mato. Defunto com relógio de ouro vale dinheiro se for devolvido à família. O único problema é arrastá-lo pelo caminho. Esse é um risco que vale a pena, a menos que o defunto volte à vida e comece a dar problemas, ainda mais se ele devia e quem estiver com ele se transformar em queima de arquivo.

Passo a passo de um roteiro ideal Sinopse:  Alceu

é um boia-fria, trabalhador itinerante que passa diculdades até mesmo para comer a maior parte do tempo de sua vida miserável. Para sua sorte, ou azar, um belo dia, voltando para seu vilarejo, ele encontra o corpo de Pedro. Relógio de ouro, terno e gravata, o defunto tem todas as características de um homem rico. Para o pobre trabalhador rural, aquela podia ser a chance de ganhar algum dinheiro, anal, alguém deveria ser dono daquele patrão.

 Agora que você já viu detalhadamente todas as etapas de um roteiro, como desenvolvimento interno, personagens e conito, e já conhece um pouco dos movimentos de câmera e dos enquadramentos, vamos analisar um exemplo de um passo a passo da criação de um roteiro até sua decupagem. É apenas uma simulação, mas, a partir dela, será possível compreender todo o processo criativo de um lme até chegar às lmagens, além de ter um modelo a seguir na hora de desenvolver os próprios trabalhos.

Numa macabra peregrinação, a estranha dupla segue pelos caminhos empoeirados do Usemos como exemplo o roteiro Leve, do sertão. professor e cineasta Luiz Ignacio Moreno Gama Filho, cujos direitos autorais, sinopse No entanto, um pouco depois de enfrene decupagem estão devidamente registrados tar os veementes protestos de um padre que na sessão de direitos autorais da Biblioteca cruzara seu caminho intimando-o a chamar Nacional. as autoridades, o boia-fria, ao cair da tarde, num recanto ermo e solitário de um grotão, é, para seu desespero, sacudido pelos gritos de Parte I: escrevendo o roteiro Pedro, que ressuscitara e agora clamava para A ideia: homem vê num corpo abandona- ser enterrado. do a chance de ganhar dinheiro. 51

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 A princípio, Alceu se desespera e sai desembestado correndo mato adentro com o defunto agarrado às suas costas, mas, aos poucos, vai recobrando a calma, e a “fome” fala mais alto. Ele mesmo diz: de um jeito ou de outro, tem carne nesse defunto. Começa então um embate de forças entre o boia-fria e o endinheirado cadáver.

SEQ.2- EXT./DIA/CAMINHO DE TERRA

O suor escorre pelo rosto de Alceu, que vai subindo uma ladeira íngreme, cortando a mata. A tiracolo, o embornal. Ele arrasta, amarrado a uma corda, o corpo de um homem. Um defunto com sapatos de couro, terno e gravata, relógio de ouro e o rosto triste. Alceu com as roupas rasgadas, pés Um lutando para lucrar com a carne alheia descalços e o rosto marcado por anos de trae o outro querendo acabar com a dor de uma balho pesado. morte vivenciada. No entanto, um fator vem desequilibrar o el dessa balança: Pedro não SEQ.3 - EXT./DIA/VELHO CRUZEIRO era santo e devia muito a pessoas poderosas. Não havia morrido de morte matada por acaUm padre está sentado, encostado a um so, pois já estava encomendado, e quem estava atrás dele agora queria vê-lo bem enter- cruzeiro. Ele tem a seu lado uma mulher de rado. O mesmo devia se dar a quem pudesse seios fartos e generoso decote. De repente ele vê Alceu, que passa ao longe, carregando saber demais. o defunto. Sendo assim, o destino já está selado. Em PADRE seu caminho, os perseguidores de Pedro de-...Minha nossa senho... valha... ei... ô. param-se com o boia-fria e seu defunto a poucos quilômetros da cidade. O padre caminha apressado na direção de  Alceu, que olha contrariado e tenta apressar  Agora só resta a Alceu dividir uma cova o passo. com o corrupto empresário, que agora o abraça com um macabro sorriso no rosto. PADRE - Mas o que é isso homem, de Deus, isso lá é jeito... pra onde você tá levando essa pobre alma?

Parte II: o roteiro ROTEIRO

 ALCEU

SEQ.1- EXT./DIA/SERTÃO

- Pobre alma é a minha, esse aí já foi.

Uma Cova Sendo Aberta E O Som Cadenciado De Uma Pá Cavando. Um Tanto De Terra É Atirada Cobrindo A Tela.

PADRE -... Em nome de Deus meu lho, para!...

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 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

Para com esse desatino, homem, em nome escuros de lentes grossas e chapéu de palha. da Santíssima Virgem para! O cavalo carregado: alforje, cantil, facão, pá de campanha e uma Winchester na cartu Alceu para contrariado, de modo que o cheira. Em silêncio, ele segue seu caminho, defunto abre a boca. Alceu olha o padre e entrando numa estradinha de terra próxima retoma sua caminhada. Sua atenção agora ao carro. vai para a mulher de seios fartos que lava roupas numa bacia próxima ao cruzeiro. CaSEQ.5 - EXT./ENTARDECER-NOITE/TRIbelos longos e encaracolados, ela retribui ao LHA ACIDENTADA olhar de alceu lhe dirigindo um sorriso sedutor. Seu decote exibe um crucixo que balanO defunto é arrastado pela trilha acidentaça entre os seios. da e, à medida que vai batendo nos galhos e pedras do caminho, sua expressão facial vai  ALCEU mudando. Ora alegre, ora triste, ora preocu- Tava caído na picada, é rico, num tem pado, olhos abertos ou fechados, o caminho furo no corpo, passou foi mal...deve ter pa- vai lhe dando vida. rente em Cardozinho. Lá eles pagam por ele.  Alceu, por sua vez, pena para carregar seu fardo. Pisando rme sobre as pedras do caPADRE minho ele vai cantando baixo uma ladainha. -Mas você não pode sair por ai arrastando Numa curva ele chega a um descampado. um defunto, meu lho... é contra a lei dos Uma brisa movimenta a vegetação a sua volta e traz uma voz distante. homens...é contra a lei de Deus.  Alceu vai passando e olhando para a mu-  VOZ lher. Entre os dois, um jogo de sedução. - Alceu... ô, Alceu.  ALCEU Ele anda em direção ao centro da clareira, - Mas é da lei da fome. De um jeito ou de sempre arrastando o defunto e olhando em outro tem carne neste defunto... Daqui uns volta. O mato se mexe e ele percebe alguma coisa andando entre a vegetação. dias eu volto pra contar pro senhor.  Alceu reforça o olhar na mulher. Ela sorri.

 VOZ

SEQ.4 - EXT./DIA/ESTRADA ASFALTADA

- Ô, Alceu.  ALCEU

Um carro importado abandonado na estrada. Capô aberto, saindo vapor. Passando por ele, vai um homem; rosto magro, óculos

- Quem é?... Tô pra brincadeira. 53

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 Alceu puxa uma peixeira e, girando, olha  ALCEU assustado para a margem da clareira. O defunto sorri sendo arrastado de um lado para - Tu não existe... Tu não existe, é miração outro. do demônio... PEDRO  ALCEU - Miração é o cacete, caipira burro! Não tá - Quem é ?... Se não falá quem é... sentindo meu bafo no teu cangote... PEDRO

 ALCEU

- É Pedro!

- O que tu quer de mim, desconjurado?

Pedro aparição está agarrado nas costas de Alceu e fala com a boca grudada em seu ouvido.

PEDRO

- O que eu quero de você, babaca?... O que eu quero de você?... Adivinha? Uma  Alceu, desesperado, berra enquanto atin- casinha no campo?... A tua bunda ralada?... ge Pedro aparição com sua peixeira. Este Será?... Será? apenas sorri mostrando os dentes. Alceu sai correndo, arrastando Pedro defunto. Pedro Pedro se aproxima ainda mais e sussurra aparição continua agarrado em seu cangote. no ouvido de Alceu.  ALCEU PEDRO - Me larga... Sai de cima, alma maldita, vai - Pois então me escuta porque eu vou falar queimar no inferno que é teu lugar. baixinho só pra você ouvir... (AOS BERROS) EU QUERO QUE VOCÊ ME ENTERRE, PORRA!  Alceu gira, pula e rola no chão, levanta-se e corre mata adentro. Batendo em arvores,  Alceu olha para Pedro aparição e apagam tropeçando em desespero, levando sua exausto. carga, até cair de joelhos com pedro aparição falando em seu ouvido. Parte III - decupagem PEDRO

LEVE - ROTEIRO TÉCNICO

- Você tava achando, criatura, que eu ia  Abertura: créditos sobre tela preta. Música me deixar arrastar por aí que nem um saco tema vai até o m dos créditos. Ainda sobre a tela entra som de pá cavando. Corte sec de merda... 54

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PLANO 1  – (SEQ.1). EXT./DIA/SERTÃO:

PLANO 8 – (SEQ.3).EXT./DIA/VELHO CRU-

Câmara baixa em PLANO PRÓXIMO (PP) de ZEIRO: PLANO PRÓXIMO em CP SUAVE do PAuma pá abrindo uma sepultura. 50mm. DRE, que para, olhando a direita de câmara, na direção de ALCEU. D-PAD...minha nossa...ô. PLANO 2  – (SEQ.2).EXT./DIA/LADEIRA: 85 mm. TRAVELLING recuando mostrando CLOSE FRONTAL de ALCEU. 85 mm. PLANO 9 – (SEQ.3).EXT./DIA/VELHO CRUZEIRO: PLANO PRÓXIMO EM CP de ALCEU. Ele PLANO 3  – (SEQ.2).EXT./DIA/LADEIRA: está chegando ao nal da ladeira puxando PETRAVELLING - esquerda em PLANO DRO e olha para a esquerda de quadro, olhanCONJUNTO acompanhado ALCEU subindo a do contrariado na direção do PADRE. Câmara ladeira, puxando o corpo de PEDRO. 24 mm. gira em CHICOTE para a esquerda até encontrar o PADRE, que começa a andar na direção PLANO 4  – (SEQ.2).EXT./DIA/LADEIRA: de ALCEU, indo para a direita de quadro. CâTRAVELLING - esquerda acompanhando em mara recua acompanhando o PADRE em TRAPLANO DETALHE a mão de ALCEU puxando  VELLING para mostrar a aproximação entre os a corda que vai presa ao punho de PEDRO. dois. D-PAD...mas o que...alma? TRAVELLING O TRAVELLING para, e o quadro abre para continua recuando enquanto os dois avançam. um PLANO CONJUNTO que vai revelando o O diálogo continua. D-ALC... pobre... foi. Dcorpo de PEDRO sendo puxado ladeira acima. -PAD... em nome... para!... para... homem,... PEDRO sai à esquerda de quadro. ZOOM 32 mm. PLANO 5  – (SEQ.2).EXT./DIA/LADEIRA: TRAVELLING - esquerda avançando em câmaPLANO 10  - (SEQ.3).EXT./DIA/VELHO ra baixa, em PLANO PRÓXIMO FRONTAL do rosto de PEDRO em primeiro plano e das solas CRUZEIRO: TRAVELLING - esquerda em PLAdos pés de ALCEU em segundo plano. 24 mm. NO PRÓXIMO de PEDRO sendo arrastado. O movimento para bruscamente. Os olhos de PEPLANO 6  – (SEQ.2).EXT./DIA/LADEIRA: DRO se abrem. 85 mm. PLANO GERAL em que aparece toda a monPLANO 11  - (SEQ.3).EXT./DIA/VELHO tanha e a ladeira. À distância, ALCEU arrasta CRUZEIRO: PLANO DETALHE FIXO - Os olhos PEDRO para a esquerda de quadro. 50 mm. de PEDRO se abrem. D – PAD... em nome.. PLANO 7 – (SEQ.2).EXT./DIA/VELHO CRU- .para! 50 mm. ZEIRO: PLANO MÉDIO do PADRE com o CRUPLANO 12  - (SEQ.3).EXT./DIA/VELHO ZEIRO e a MULHER GOSTOSA ao fundo. O PADRE dirige-se em direção à direita de câmara, CRUZEIRO: ROMP.EIXO. PLANO CONJUNTOavançando olhando para a direita de câmara. -PADRE-ALCEU-PEDRO. ALCEU retoma a cami50 mm. nhada. Câmara acompanha em TRAVELLING 55

 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

 – DIREITA. CHICOTE para direita até MULHER PLANO 17  – (SEQ. 4). EXT./DIA/ESTRAGOSTOSA. D-ALC... tava...ele. 50 mm. DA ASFALTADA: TRAVELLING muito lento, na mesma direção que o anterior, em PLAPLANO 13  – (SEQ.3).EXT./DIA/VELHO NO PRÓXIMO do MATADOR. Ele olha para a CRUZEIRO: PLANO SUBJETIVO de ALCEU câmara, que passa a ser subjetiva (embora aproximando-se da gostosa. Vamos de PLA- não represente personagem algum). Vemos NO MÉDIO até PLANO PRÓXIMO que realça os o rosto marcado, os óculos quadradões, de seios e o crucixo balançando. MULHER abre armação grossa e de lentes verdes, fundo de sorriso. D-PAD... mas... Deus. 50 mm. garrafa. (SOM INCIDENTAL). 100 mm. PLANO 14 – (SEQ.3). EXT./DIA/VELHO CRU-

PLANO 18  – (SEQ.4).EXT./DIA/ESTRA-

ZEIRO: TRAVELLING recuando de PLANO PRÓXIMO EM CP de ALCEU, que sorri para MULHER. D – ALC... mas... senhor. Movimento para, e ALCEU sai pela esquerda de quadro. 85 mm.

DA ASFALTADA: PLANO CONJUNTO de MATADOR rondando um carro importado, talvez um conversível vermelho, que está com o capô aberto e fervendo. O PLANO é feito com uma TELE 800 mm para dar uma ideia de observação a distância. O asfalto deverá estar fervendo e a imagem, tremeluzindo. O MATADOR dá vários rodopios com seu cavalo, observa o chão procurando por algo. Encontra e instiga seu cavalo, entrando por uma trilha mato a dentro. (SOM INCIDENTAL). 800 mm.

PLANO 15  – (SEQ.3). EXT./DIA/VELHO

CRUZEIRO: PLANO PRÓXIMO da MULHER olhando para a direita de quadro, acompanhando ALCEU, que está fora de quadro. Ela enxuga o suor do rosto e do colo, o crucixo balançando e um belo sorriso realça seus lábios cor de mel. 50 mm. PLANO 16 – (SEQ. 4). EXT./DIA/ESTRADA ASFALTADA: TRAVELLING avançando pela estrada até encontrar cavaleiro (MATADOR). O movimento acompanha o personagem por alguns instantes. Tempo necessário para perceber os paramentos; rie na cartucheira da sela texana, revólver na cintura, chapéu de palha tipo vaqueiro, bota etc.

PLANOS

19-20-21-22-23-25-26-27

(INSERÇÕES PARA O PLANO ANTERIOR) – (SEQ.4). EXT./DIA/ ESTRADA ASFALTADA:  Vários PLANOS PRÓXIMOS EM CP do MATADOR (TRÊS PLANOS).

PLANOS PRÓXIMOS (TRÊS PLANOS) das patas do cavalo, que resfolegam de um lado para o outro. PLANO PRÓXIMO do chanfro do  O cavalo é fundamentalmente belo; um ala- animal. É importante salientar o olhar arisco zão, crinas claras e longas e de garupa larga. do cavalo com um PLANO DETALHE. (SOM 50 mm. (SOM INCIDENTAL). Obs. O MATADOR INCIDENTAL). 85 mm. está no acostamento da contramão do movimento, para que o revólver e o rie na sela, PLANO 28  - (SEQ.5) EXT./ENTARDECERusualmente na direita, possam ser vistos. -NOITE/ TRILHA ÍNGREME E ACIDENTADA: TRAVELLING avançando PLANO DETALHE 56

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frontal dos olhos de PEDRO, que estão abertos, mas, à medida que ele vai sendo puxado e sua cabeça vai esbarrando em pedras, galhos etc., sua expressão facial vai mudando; olhos abrem e fecham, lábios sorriem ou choram e assim por diante. 50 mm. (SOM SURDO das PANCADAS).

PLANO 34 – (SEQ.6) EXT./ENTARDECER-

-NOITE/ CLAREIRA: PLANO MÉDIO lateral e FIXO de ALCEU e PEDRO. ALCEU está aturdido, peixeira na mão, escuta mais uma vez chamarem seu nome. Lentamente vira-se para direita de câmara, exibindo as costas e olha na direção de PEDRO, que está inerte à PLANO 29 – (SEQ.5) EXT./ENTARDECER- direita. ALCEU relaxa e olha para frente. 50 -NOITE/ TRILHA ÍNGREME E ACIDENTADA: À mm. D. ALCEU...quem é? distância, em PLANO GERAL, vemos a silhueta de ALCEU puxando PEDRO morro acima. PLANO 35 - (SEQ.6) EXT./ENTARDECER Ambos somem por trás de alguns arbustos. -NOITE/ CLAREIRA: PLANO PRÓXIMO de PE50 mm. D. VOZ-... Alceu... Alceu... (SOM de VEN- DRO, que tem o rosto inerte virado para a esquerda de câmara. Tem um sorriso pláciTO). do. D. ALCEU... quem é? 50 mm. PLANO 30 – (SEQ.6) EXT./ENTARDECER-NOITE/ CLAREIRA: PLANO MÉDIO FIXO de PLANO 36 – (SEQ.6) EXT/ENTARDECER ALCEU, que, no centro da clareira, para ao escutar seu nome. Venta forte. ALCEU dá uma -NOITE/ CLAREIRA: PLANO PRÓXIMO lateral girada, PEDRO é arrastado de um lado para de ALCEU. Ligeiro ar às suas costas (SOM de VENTO). PEDRO surge rápido num susto, outro. D.VOZ-... Ô, Alceu... 50 mm. PLANO 31- (SEQ.6) EXT./ENTARDECER- agarrado ao cangote de ALCEU. D.PEDRO... -NOITE/ CLAREIRA: PLANO AMERICANO, é PEDRO. 50 mm. muito próximo, em PC de ALCEU. Ele puxa a PLANO 37 – (SEQ.7) EXT/ENTARDECERpeixeira. 18 mm. -NOITE/ CLAREIRA: PLANO PRÓXIMO de PLANO 32 – (SEQ.6) EXT./ENTARDECER-  ALCEU e PEDRO a. em LONGO TRAVELLING -NOITE/ CLAREIRA: TRAVELLING lento e para esquerda. ALCEU vai embrenhandoavançando em direção ao cangote de ALCEU. -se mata adentro pela trilha levando PEDRO Ele vira-se em direção à câmara. Temos um a. em suas costas. Em primeiríssimo plano, CLOSE. D. ALCEU-... quem é ?... não... 18 passam galhos e árvores desfocados. A ideia deste plano está contida em duas palavras: mm. velocidade e desespero. PLANO 33 – (SEQ.6) EXT./ENTARDECER-

D. ALCEU... Me larga... lugar. D. PEDRO... Você... merda D. ALCEU... Tu...d emônio.

-NOITE/ CLAREIRA: TRAVELLING muito rápido (não é speed motion), avança em direção ao cangote de ALCEU. 18 mm. 57

 As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográfcos 

D. PEDRO... Miração... cangote. D. ALCEU... O que.... desconjurado. D. PEDRO... O que eu quero... Será?... ME ENTERRE PORRA! PLANO 38 - PLANO MÉDIO em TRA-

 VELLING FRONTAL recuando em CONTRA-PLONGÉ de ALCEU e PEDRO a. ALCEU tropeça vem escorregando com a cara no chão a poucos centímetros da câmara. Ele desmaia. 35 mm.

Conclusão

aulas. No roteiro, Alceu segue sua vida, até que algo surge, acenando com a possibilidade de tirá-lo, mesmo que por algum tempo, de sua vida miserável. O conito está no desao de ter que sair pela estrada carregando um defunto. Surpreendentemente, este desperta e transforma-se no antagonista da história, mas o inimigo oculto surgirá na forma do próprio passado de Pedro, algo a que o boiafria não atentou e que acabará por selar seu destino. E, com o desfecho do roteiro, terminamos nosso curso. Espero que essas informações sejam úteis para que você possa desenvolver seus trabalhos. Agora é arriscar. Bom roteiro e feliz desenvolvimento de ideias, histórias e argumentos para todos nós. Lembrando sempre que, sem roteiro, não existe lme, e, sem lme, não existe cinema. Portanto, a responsabilidade do roteirista é muito grande.  Às vezes, em lmes de produção, chega a ser maior do que a do próprio diretor.

Referências Pronto. Agora você teve todas as informaCOMPARATO, Doc. O roteiro para TV. 4ª ções necessárias para começar a esboçar o ed. São Paulo: Globo, 2009. próprio roteiro. FIELD, Syd. Os fundamentos do roteista. Curitiba: Arte & Letra, 2009.

Como pudemos observar em todo o processo de aprendizado desta apostila, existe uma considerável diferença entre o roteiro literário e a decupagem técnica, mesmo quando ambas são feitas pela mesma pessoa.  A título de ilustração, o trecho de roteiro demonstrado no nal da apostila e suas etapas de storyline, sinopse, desenvolvimento de roteiro e decupagem servem bem como parâmetro para o que foi exposto no texto das

FONSECA, Cristina. Documentário: ensaio e experimentação. Tese de doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. 200 p. GARCIA, Othon. Comunicação em prosa moderna. São Paulo: EDUSP, 2010. 58

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