MARKETING: CINCO DÉCADAS DE MARKETING
MARKETING
C i n c o d é ca ca d a s de Ma r k et in g
O
exame da história h istória do marketin m arketing g no Brasil reve revela la um processo de adaptação às diferentes fases da economia e aos diferentes momentos do mundo empresarial. Com o tempo, abordagens centradas em vendas foram cedendo espaço a estratégias integradas de marketing. Hoje, as maiores influências sobre o desenvolvimento da atividade vêm das tecnologias de informação e telecomunicação, das mudanças no perfil dos consumidores e da redefinição das fron fronteiras teiras de merc m ercado. ado.
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por Sérgio Ricardo Góes Oliveira FGV- EAESP Uma disciplina, disciplina, em cinqüenta anos de existência, existência, pode p ode alegar história? Há dez anos, essa questão era formulada em um artigo publicado pela RAE RAE – Revista de Administração foco era a história d o marketing no n o Brasil. Brasil. de Empresas. O foco Seu autor, o professor Raimar Richers, da EAESP, um dos precursores do campo no país.
O Brasil que serviu de pano de fundo para o texto original do professor Richers mudou bastante nesta última década. O mesmo pode p ode ser dito com respeito r espeito à área de marketing, cujos desenvolvimentos mais recentes sugerem ter se transformado em uma força decisiva para a sobrevivência brevivência das emp resas.
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MARKETING: CINCO DÉCADAS DE MARKETING
Este artigo retoma e estend e o texto de Richers. Além
Marketing. Entre eles, Dole Anderson, Donald Taylor e
de relembrar os iniciadores da área e as principais in-
Leo Erickson. Anderson foi um dos responsáveis pela cria-
fluências sobre a formação de um conhecimento mercadológico no paí s, analisa as principais mudan ças dos ú lti-
ção do Centro de Pesquisa e Publica ções da EAESP, que gerou, além d a RAE , o primeiro livro-texto de Marketing
mos dez anos, levantando sete desafios para o futuro.
brasileiro: Administração Mercadológica: Princí pios e M ét odos. Os desafios desses precursores não foram pou cos. Eles
O s pr e c u r s o r e s . O nascimento da disciplina de Marke-
foram os responsáveis pela tradu ção, para a realidade lo-
ting no Brasil confund e-se com a pr ópria história da Escola
cal, de conceitos clássicos da área, os quais já eram prati-
de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP). Essa
cados nos Estados Unidos.
hist ória começa em 1954, quando a Fundação Getulio
Para os professores de vanguarda da EAESP – Affonso
Vargas firmou um convênio de cooperação com a Michigan
Arantes, Brun o Guerreiro, Gustavo de Sá e Silva, Orlando
State University, que resultou na vinda de uma equipe de
Figueiredo, Polia Lerner Hamburger e Raimar Richers –,
professores daquela instituição para o Brasil. Entre eles, es-
o marketing era um conjunto integrado de funções. Richers
tava o primeiro professor de Marketing da escola e do pr ó-
desenvolveu um modelo que relacionava a posi ção de
prio paí s, Olé Johnson.
marketing dentro da empresa com seu ambiente, resul-
Com o passar do tempo, ou tros professores norte-ame-
tando no conceito dos “4As” – an álise, adaptação, ativa-
ricanos vieram para o Brasil, com o intuito de contribuir
ção e avaliação –, um complemento do tradicional conceito de marketing, denominado “4Ps”, também d estinado a integrar as diversas fun ções mercadológicas.
com a formação de um corpo local de professores de
Dé c a d a s d e c i n qü e n t a e s e s s e n t a . O marketing nasceu no Brasil, na d écada de cinqü enta, em um contexto de baixa oferta de mercadorias, mercado restrito e nú mero pequeno de empresas. Os setores agrí cola e comercial dominavam a economia. O setor industrial era ainda p ouco desenvolvido e atendia basicamente às necessidades locais. O consumidor, por sua vez, não estava preparado para o consumo de produtos industriais sofisticados. Absorvia-se qualquer tipo d e mercadoria, sem questionar a qualidade. Nesse contexto, as empresas prosperavam mais devido a uma demanda pouco criteriosa e passiva do que em fun-
ção de uma estrat égia planejada de adaptação ao mercado. Essa condi çã o se manteve praticamente inalterada at é o governo Juscelino Kubitschek. A partir desse momento, o processo de industrialização tomou impulso. Tendo como base uma polí tica de substituição de importações e relativo protecionismo, deu-se a criação de uma infra-estrutura e a formação de ind ú strias de base, que passou a atrair investimentos estrangeiros.
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O crescimento foi impulsionado pelo enorme poten-
Nesse per í odo, o foco do marketing deixou de ser
cial de um mercado jovem. No final da d écada de sessen-
vendas e passou para a propaganda, realizada quase que
ta, o conceito de “obsolescência planejada” traduzia bem
exclusivamente por meio de m í dias eletr ônicas. De forma
o esp í rito da época: buscar incessantemente o desenvolvi-
complement ar, as empr esas começaram a definir seus p ú -
mento e o lan çamento de novos produtos, mesmo que os
blicos-alvos por meio de estrat égias de segmentação e com
consumidores ainda preferissem as versões antigas.
o apoio de pesquisas de mercado. A id éia dominante era
A industrialização levou ao aumento da oferta de pro-
que diferentes grupos de consum idores possuí am diferen-
dutos. Surgiram “produtos-vedete”, como os eletrodom és-
tes perfis e int eresses, e estes precisavam ser ident ificados
ticos, entre eles o aparelho de t elevisão. O mesmo proces-
e atendidos. A maneira de fazer isso era comun icando-lhe
so fez crescer a concorr ência, o que por sua vez levou os
a exist ência do produto certo, por meio da publicidade.
profissionais de mercado a se preocuparem cada vez mais com o consumidor. Apesar da evolu ção do contexto, nesse per í odo o conceito de
O m a r k e t i n g n a s ce u n o Br a s i l , n a d é ca d a d e c i n q ü e n t a , e m u m con t e x t o d e b a i x a ofe r t a
marketing integrado era ainda pouco praticado. A ênfase era na atividade de vendas. O pressuposto domin ante era que o sucesso da empresa relacionava-se fundamentalmente à sua capacidade de venda. Tal orientação para vendas era facilitada e incentivada pela existência de um mercado comprador,
d e m e r c a d or i a s , m e r c a d o r e s t r i t o e n ú m e r o p e qu e n o d e e m p r e s a s . Os s e t or e s a g r í cola e com e r ci a l d o m i n a v a m a e con om i a . O s e t o r i n d u s t r i a l e r a a i n d a p o u co d e s e n v ol v i do e a t e n d i a b a s i ca m e n t e à s n e ce s s i d a d e s l oca i s .
com consumidores ávidos pela aquisição de mercadorias, que at é h á pouco tempo sequer
Para as agências de publicidade, a d écada de setenta
imaginavam existir. Os produtos eram cada vez mais as-
foi um perí odo áureo, n o qual as empresas investiam gran-
sociados a sí mbolos de status e prest í gio, e o consumidor
des verbas e apostavam no retorno. A f órmula geral con-
n ão media esforços para adquiri-los, o qu e freqü entemente
sistia em ter um produto atraente, o que n ão era dif íc il,
o levava a contr air d í vidas.
em fun ção da d emanda aquecida; ter u ma mensagem que atingisse o consumid or, o que se tornou viável pela r ápida
Dé ca d a d e s e t e n t a . Uma situação de relativo equilí -
disseminação e popularização da TV; e ter uma agência
brio perdurou p raticamente por toda a d écada de sessenta
criativa, com bom domí nio de metodologias quantitativas
e avan çou até a d écada de setenta, o per í odo do “milagre
e conhecimento de mercado, capaz de produzir boas pe-
econ ômico”. A polí tica de afrouxamento fiscal e cambial do governo militar havia criado uma situa ção de relativo
ças publicitárias. Essa f órmula criou a fantasia da pr ática do marketing perfeito. O cen ário, entretanto, mu daria se-
conforto p ara as classes mais altas, que via seu p oder aqui-
veramente nos momentos posteriores.
sitivo crescer ininterruptamente. No entanto, o consumidor passou a agir de forma mais
Dé ca d a d e o i t e n t a . A profunda crise que ocorreu na
consciente; começou a comparar preços, a ficar mais atento
d écada de oitenta, tamb ém chamada de “d écada perdida”,
à qualidade dos produ tos e a cuidar d e forma mais atenta do orçamento familiar.
caracterizou-se por um regime de altas taxas inflacion árias com altern ância de momentos de crescimento e momen-
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tos de r ecessão, o que contribuiu para tornar o consumi-
nais e nacionais. O fen ômeno das aquisições s ó n ão foi
dor mais inseguro e desconfiado. Em um momento de
maior porque a legisla ção local restringiu o controle
altos í nd ices de inflação e corrosão salarial, a melhor es-
acion ário dos meios de comunicação de massa.
tratégia pessoal era economizar e direcionar muito bem
A propaganda, at é en t ão instrumento promocio-
o uso do (restrito) or çamento familiar. Assim, os consu-
nal hegem ô nico, sofreu grande evas ã o de recursos,
midores tornaram-se mais seletivos, o que representou
principalmente nas m í d ias tradicionais, o que culmi-
novo d esafio para as empresas.
nou com uma crise no setor. Em contrap artida, as ações de marketing promocional e de
Um g r a n d e d e s a f io d o m a r k e t i n g b r a s i le i r o r e f e r e - s e à i n c l u s ã o . N o s s o p a í s , co m o
ponto-de-venda cresceram expressivamente. Na d écada de noventa, come çou a ficar claro que a inte-
ou t r os g r a n d e s p a í s e s s u b d e s e n v o l v i d o s ,
gra çã o das açõ es de marketing
con t a c om e x p r e s s i v a p op u l a çã o q u e v i v e à
meno foi a perda de mercado
era vital. Exemplo desse fen ô que as agências de publicidade
m a r g e m d o con s u m o. As g r a n d e s e m p r e s a s p a r e ce m t e r s i do cr i a d a s e e s t r u t u r a d a s
sofreram. Acostumadas a uma realidade confort á vel, na qual bastava uma boa pe ça publicit ária em red e nacional d e TV al-
p a r a a t e n d e r à cl a s s e m é d i a .
can çar o consumidor, elas valorizavam pouco os diversos ins-
A crise levou a u ma dr á stica redu çã o na deman-
trumentos de comunicaçã o que se desenvolveram no
da de bens e no consumo. Em um ambiente de acir-
per í o do, como o marketing direto, a Internet e as de-
rada competitividade e escassez de recursos, o foco
mais m í dias digitais. Com isso, as ag ências de publi-
do marketing deslocou-se ent ã o da propaganda para
cidade perderam espa ço para novas empresas que se
o prod uto. As empr esas passaram tamb é m a dar mais
especializaram em pr áticas como marketing promo-
import ância às pr efer ências do consum idor. Com isso,
cional, marketing direto e marketing cultu ral.
ganharam popularidade as pesquisas de mercado. O
Enquanto isso, nas empresas, o conceito de marke-
foco era determinar como o prod uto p oderia ser mais
ting promocional passava a dominar as estrat égias de
bem aceito. O s esforços das empresas se voltaram par a
ação. O desafio para os profissionais de marketing pas-
a busca de solu çõ es de adaptabilidade e adequa çã o
sou a ser a int egração de um n ú mero cada vez maior de
ao uso.
instrumentos promocionais no desenho das estrat égias de relacionamento com o consumidor. Se, por um lado,
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Dé ca d a d e n o v en t a . Os anos noventa foram marca-
isso foi facilitado pela maior oferta de servi ços especiali-
dos por profundas transformações nos cen ários polí tico
zados, por outro trouxe um desafio adicional aos depar-
e econ ômico. A democracia se consolidou e o pa í s co-
tamentos de marketing, que passaram a ter de decidir
meçou a abrir suas fronteiras econ ômicas. Paralelamen-
com qu ais fornecedores deveriam criar e desenvolver suas
te, as pr ivatizações, fusões e aquisições mudaram forte-
ações. Dessa maneira, o esfor ço de gest ão de diferentes
mente e “ecologia empresarial”.
fornecedores e agências, e a integra ção desses prestado-
Grandes mudan ças tamb ém ocorreram nas empre-
res de serviços com as n ecessidades das emp resas, p as-
sas prestadoras de serviços de marketing, quando gran-
saram a ser preocupaçõ es priorit árias para os executi-
des grupos internacionais absorveram as empresas regio-
vos de marketing.
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Tr i l h a s p a r a o fu t u r o . Neste ponto, d evemos nos
nal de marketing, que dever á buscar o equilí brio entre
perguntar: que desafios deverão ser enfrentados pelos
máximo conhecimento do consumidor e mí nima percep-
profissionais brasileiros de marketing nos pr ó ximos
ção de invasão do espaço privado.
anos?
à complexidade. A gest ão mercadoló gica transformou -se, nos ú ltimos anos, em uma rede complexa, que envolve mercados m ú ltiplos, portf ó lios amplos de prod utos e uma grande maO quinto desafio relaciona-se
O p rimeiro d esafio relaciona-se à inclusão. O Brasil, como outros grandes paí ses subd esenvolvidos
– China,
Índia, Malásia, África do Sul etc. –, conta com expressiva população que vive à margem do con sumo. As gran-
lha de fornecedores e agentes de suporte. Hoje, deve-
des empresas parecem ter sido criadas e estrut urad as para
se gerenciar, simultaneamente, produtos, marcas, ca-
atender ao extrato da classe m édia. Seus profissionais
nais e relacionamentos. As ferramentas de apoio se so-
são capazes de identificar necessidades e desenvolver
fisticaram, por ém as compet ências para an álise e toma-
produtos e serviços para p ú blicos de m édio e alto poder
da de decis ão n ão acompanharam o aumento da com-
aquisitivo, por ém costumam ter dificuldades quando se
plexidade ambiental.
trata de compreender as necessidades de popula ções de
à sensibilidade. Profissionais de marketing são hoje o qu e o ex-secretário do trabalho norte-americano Robert B. Reich denominou “analistas simb ólicos”: indiví duos capazes de criar modelos abstratos para lidar com realidades complexas, que t êm
baixa renda e atend ê-las. O segund o desafio refere-se ao fen ômeno que alguns cr í t icos t ê m definido como “macdonaldiza çã o ” ou
“disneyficação”: a “colonização” das mais diversas atividades, inclusive espaços esportivos e cultu rais, pelos conceitos de produ ção e consumo r ápido (que transforma tudo em fast food ) e pela “sí ndrome do parque tem ático” (que transmuta lojas em espa ços teatrais). Essa tend ên-
O sexto desafio refere-se
a sensibilidade e os recur sos para d ecodificar as necessidades explí citas e implí citas do consumidor, além da capacidade d e desenvolver solu ções apropriadas. O sétimo desafio refere-se
à conduta ética. Os es-
cia, que pode parecer divertida no primeiro momento,
cândalos financeiros ocorridos em grandes empresas
encontr a seus limites pela pr ópria condição de falsidade
norte-americanas e europ éias colocaram a quest ão éti-
que carrega.
ca novamente na agenda d os executivos. Entretanto, o
O terceiro desafio refere-se
à saturação. Embora vi-
tema n ão deve ser tratado apenas no que se refere
à
vamos em um p aí s emergente, com m ercados ainda pouco
dimensão financeira. Toda decisão de negó cio, inclusi-
explorados e grandes oportunidades de crescimento, do
ve aquelas mercadológicas, deve contemplar u ma an á-
ponto de vista do consumidor h á um verdadeiro massa-
lise de impactos sobre os indiv í duos, a comunid ade e o
cre de mensagens de promo ção e vendas. A polui ção vi-
meio ambiente.
sual dos outdoors, a in vasão dos cinemas, das p raias e de
A mercadologia no mun do
é um campo adolescente,
outros espaços p ú blicos são sinais visí veis do fen ômeno.
talvez ainda imp ú bere no Brasil. Age, na maior parte das
à insensibilização do consumidor
vezes, com visão de curto prazo, visando à satisfação ime-
O excesso pode levar
ou at é mesmo criar certa antipatia pelas marcas que se prestam a tais pr áticas.
É incapaz de superar a mais tosca instrumentalidade e perceber impactos em m édio e longo prazos. Cabe diata.
O q uarto desafio refere-se à privacidade. A evolu ção
aos profissionais de marketing d as escolas e das empresas
da tecnologia levou ao desenvolvimento das ferramentas
responder aos desafios anotados e tra çar a agenda desse
de classificação e exploração de banco de dados, e estas
vigoroso campo para os pr óximos anos.
à sofisticação das ações de marketing. Tal passo provavelmente vai se chocar com a evolu ção dos instrumentos de defesa do consumidor e, em especial, com a tomada de consciência em relação ao direito
à privacidade. Esse
contexto deverá constituir um desafio para o profissio-
Sérgio Ricardo Góes Oli veira Doutorando em Marketing na FGV-EAESP E-mail:
[email protected]
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