Choros 10 - Villa Lobos

February 8, 2018 | Author: Podoliffe Podologia | Category: Orchestras, Trumpet, Pop Culture, Language Interpretation, Trombone
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Choros 10/trompete...

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O TROMPETE NO CHOROS Nº10 DE VILLA-LOBOS UMA ABORDAGEM INTERPRETATIVA Antonio Marcos Souza Cardoso Nailson de Almeida Simões

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ocar em uma orquestra é participar de um amálgama de concepções interpretativas. Para o músico de orquestra a licença interpretativa, ou seja, a permissão para expor sua concepção interpretativa, é uma negociação sem palavras entre músicos e entre músicos e maestro. O resultado dessa negociação é a principal característica de uma orquestra: sua sonoridade. Michael Tree, violista do Quarteto Guarnieri afirma que, o fato de temos que coordenar e procurar um equilíbrio próprio, não significa que cada um de nós deve contribuir menos. Ao contrário, a recriação da obra de arte necessita do todo, da participação vital de cada um de nós1 (BLUM, 1986). Logo, a decisão do intérprete e as outras opiniões musicais são separadas por uma linha tênue, sobre a qual o músico deve saber se posicionar musicalmente, sempre contribuindo com a qualidade da música. O instrumentista de orquestra trabalha com duas abordagens para interpretação de suas partes. A primeira diz respeito aos solos e a segunda ao contexto textural das partes instrumentais e suas diversas relações de intensidade, articulação e ritmo. As duas abordagens possuem características interpretativas diferentes, “são desafios de ordem artística, física e pessoal” (SIMÕES, 1997. p. 12). Nos solos a intenção é ser ouvido e compreendido, com clareza nas articulações e de eficiência técnica liderando a orquestra naquele trecho. Nos soli, o intérprete deve estar a serviço da sonoridade de um soli, que é o resultado da interação das dinâmicas, articulação e timbres, escrita para cada um dos instrumentos envolvidos.

1 “(…) it should be remembered that a quartet is based on four individual voices. The fact that we have to coordinate and find a proper balance doesn’t mean that any one of us should become faceless. On the contrary; the re-creation of a masterpiece needs the full, vital participation of each of us.”

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Os problemas são menores quando a edição, ou o compositor, grafa tudo de forma que as dúvidas sejam apenas de concepção musical e não, como no caso de Villa-Lobos, decorrente de acentos e dinâmicas diferentes em um mesmo trecho. A solução para decidir questões dessa natureza é a adoção de uma postura crítica diante da partitura, que segundo o Maestro Roberto Duarte: “(...) é fundamental para qualquer coisa. A partitura é a fonte principal do pensamento do compositor. As outras coisas são fontes auxiliares2”. As decisões devem ser respaldadas por elementos de acústica, psicologia da música dentre outros que façam parte do contexto da obra, identificando os elementos musicais e extra-musicais, que poderiam influenciar em uma interpretação. A partir dessa premissa, estabeleceremos o trompete, ou o naipe de trompetes, como referencial para apresentarmos sugestões interpretativas, baseadas em análise gráfica do áudio dos trechos selecionados, da revisão da bibliografia sobre a obra e da análise da partitura em relação à orquestração. A utilização de ferramentas gráficas se justifica pela tendência do uso do computador em análises interpretativas corroborando as sugestões apresentadas: Estudos sobre expressividade musical têm demonstrado que músicos utilizam pequenas variações de duração, articulação, intensidade, altura e timbre para comunicar ao ouvinte, aspectos da música que eles interpretam (...) a análise da expressividade em performances musicais depende do desenvolvimento de ferramentas capazes de extrair e medir tais parâmetros, que por sua vez dependem da detecção precisa dos instantes de início e fim dos eventos a serem analisados, tais como notas musicais, grupos de notas, ou regiões específicas no âmbito de uma mesma nota (MAGALHÃES et al, 2008, p.1).

Assim, os gráficos representam a materialização das intensidades sonoras, dinâmicas e articulações. RECONHECENDO O OBJETO A obra sinfônica de Villa-Lobos, especialmente os Choros possui grande efetivo orquestral e densidade sonora. Segundo Neves:

2 Entrevista concedida por correio eletrônico em 03/11/2006 às 13h22min.

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(...) conhecimento profundo das possibilidades de cada instrumento, que ele soube explorar ao máximo, e pela maneira que ele os combinou entre si. Sua orquestração é densa, mas jamais carregada. (...) Não é fácil estabelecer as regras gerais da concepção orquestral do compositor, cada obra sendo uma nova experiência, nova busca de sonoridades raras (NEVES, 1977. p. 11).

As considerações de Neves sobre a orquestração de Villa-Lobos alerta ao intérprete sobre os desafios da interpretação das partes de cada instrumento, conforme observaremos na análise interpretativa que realizaremos da parte de trompete no Choros nº10. Mas o que são os Choros? Villa-Lobos descreve: expressão popular que define as tocatas típicas de pequenos conjuntos de cantores rurais, solistas ou de instrumentos, executados, geralmente, ao ar livre. Foi o título encontrado para denominar uma nova forma de composição musical, em que se acham sintetizadas várias modalidades da música indígena brasileira primitiva, civilizada ou popular, tendo como principais elementos, o ritmo e qualquer melodia típica popularizada, que aparece de quando em quando, incidentalmente. Os processos harmônicos e contrapontísticos são quase uma estilização do próprio original.3 Conclui Nóbrega: (...) essas obras trazem outro ingrediente muito pouco específico, porquanto geral e subjetivo, qual seja o de retratar psicologicamente aqueles tipos populares. Por essa via, ou a despeito dela, afirma-se a forte personalidade, que se impõe acima do exotismo ameríndio e da grata mensagem do popular-urbano (NOBREGA, 1974. p 10).

Especificamente sobre o Choros nº10: Vedete incontestável da série, (...) há motivos justos para tal celebridade: a concisão e caráter impressivo dos temas; a ambientação sugestiva para qual concorre alusões melódicas a cantos de pássaros e motivos carregados de da representatividade de verdadeiros símbolos da nossa psiquê musical; (...) a rítmica aliciadora (...); a participação coral, (...) tal é o elenco de fatores conjugados para fazer do Choros nº10 uma obra genial (NOBREGA, 1974. p. 89). 3 Texto encontrado na primeira folha do manuscrito do Choros nº11.

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A situação do intérprete em Villa-Lobos é complexa na medida em que temos que tocar dinâmicas e articulações com possibilidades de erro de grafia. Schlueter em seu livro não publicado diz: “Somos obrigados a tocar o que o compositor escreveu. Também somos obrigados a tocar o que o compositor não escreveu” (SCHLUETER, não publicado). Mas como podemos tocar o que compositor escreveu se as informações na partitura podem estar erradas ou incompletas? Ao intérprete, aquele que interpreta, resta buscar nas entrelinhas da partitura as respostas para suas próprias questões interpretativas. “Pressupõe por parte do executante a escolha das possibilidades musicais contidas nos limites formais do texto e a avaliação dessas possibilidades (LIMA, 2006. p.12).” A análise gráfica de alguns dos trechos visa corroborar a decisão interpretativa que tem como princípio a clareza do discurso musical. Partimos da premissa que tudo, simplesmente tudo que está escrito em uma partitura é para ser ouvido, seja como solo ou como soli. POSSIBILIDADES INTERPRETATIVAS NO CHOROS Nº10 Nos primeiros compassos do Choros nº10 observamos um bloco sonoro (Fig. 1), em fortissimo, com exceção da dinâmica forte escrita para pistons, ou trompetes4, fagotes e baixos. Essa diferença poderia determinar um erro de grafia ou uma opção do compositor para situar a intensidade de trompete um pouco menor, resultando em uma massa sonora homogênea, sem um instrumento líder.

4 Villa-Lobos escreveu para pistons in Lá e Si bemol que, doravante denominaremos de trompete(s).

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Fig. 1 – Relação entre dinâmicas

Para sugerirmos interpretações para a parte do trompete vamos analisar o áudio do trecho representado pela Fig.1. O áudio do trecho foi gravado5 com três possibilidades interpretativas: a) com os trompetes em dinâmica forte - Fig. 2; b) com os trompetes em dinâmica fortissimo – Fig. 3; c) com os trompetes utilizando vibrato e dinâmica forte – Fig. 4.

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Fig. 2 - Trompetes em forte

5 Para a gravação dos trechos utilizou-se a formação indicada na partitura na disposição da formação típica da orquestra sinfônica, com trompetes e trombones lado a lado. O áudio resultante foi observado através do software Cool Edit.

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Fig. 3 - Trompetes em fortíssimo

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Fig. 4 - Trompetes com vibrato e em forte

Observando os Fig. 2, Fig. 3 e Fig. 4, notamos que a presença do trompete no trecho não influencia a intensidade do todo, pois a partir do segundo compasso, sem os trompetes, não acontece diminuição da intensidade, pois a altura da área em preto não sofre redução quando comparada com o primeiro compasso. Diante dos fatos, a decisão interpretativa deve ser a resposta para dois questionamentos do intérprete: •



O compositor errou ao grafar forte para os trompetes e fortissimo para trompas e trombones? Em caso de resposta afirmativa o intérprete vai optar pela dinâmica fortissimo (Fig. 3). Se a dinâmica forte é intenção do compositor, mas desejando que o som do trompete seja audível no acorde, o vibrato atende

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à intenção do intérprete (Fig. 4). O vibrato segundo Schlueter é classificado como dinâmica. Sua aplicação projeta o som sem a necessidade de incremento da intensidade do som. A decisão final cabe ao intérprete. A Fig. 5 apresenta os metais a partir da letra A em um bloco, com diferenças na grafia das acentuações. Simultaneamente, oboés, clarinetes e todas as cordas tocam superposição de semicolcheias em ritmos ternários e quaternários em piano, mezzo piano e mezzo forte. O trecho é a parte central de um grande crescendo, desde o início da obra, e culmina com fortissimo um compasso antes da letra B. No primeiro compasso da letra A, a nota da 3ª trompa tem um rinforzando, sem acento, enquanto nos trombones a semínima é acentuada e forte. A articulação nos trombones ( - ) difere dos trompetes e trompas ( > ).

Fig. 5 - Articulações

Os gráficos (Fig. 6 e Fig. 7) nos mostram que diferentes articulações representadas pela Fig.5. Conforme grafado, as diferentes articulações tocadas ao mesmo tempo não proporcionam clareza, pois as notas de maior duração não permitem que as notas menores soem como sugere a partitura, assim sendo, uma nota com tenuta ( - ) se sobrepõe a uma nota com ( > ). A Fig.6 mostra o trecho conforme o compositor escreveu, com trombones em ( - ):

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Fig. 6 – Nota tocada com Tenuta

Na Fig.7 encontramos os trombones tocando com a articulação das trompas, deste modo, as notas ficam mais definidas. No gráfico, os sulcos representam a mudança de nota.

Fig. 7 – Identificação dos acentos

Com o objetivo de clareza no discurso musical e após análise de toda a partitura nesse trecho, não haveria motivos para copiar as articulações de trombones e 3ª trompa, ou seja, o trompetista pode confiar na articulação escrita. Observando mais de perto as duas situações, notamos que ao articular conforme o original (Fig. 8) e, ao igualar as acentuações (Fig. 9), a condição que melhor representa o caráter do trecho é representada pela Fig. 9, que traduz sonoramente e visualmente o sinal da acentuação: um decrescendo de intensidade ( > ).

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Fig. 8 - Nota com tenuto. Representação gráfica

Fig. 9 - Nota com acento. Representação gráfica

No trecho seguinte, com parte para trompete, localizado dez compassos depois da letra C6 de ensaio, encontraram novamente articulações e dinâmicas diferentes dentro de um mesmo motivo. Nos dois primeiros compassos da Figura 10, 3ª trompa se encontra em piano com staccato ( . ) e trompetes em forte com acento ( > ). Observando a parte da 3ª trompa (tpa 3), o trompetista (ptns) tem a possibilidade de mudar a articulação de seu instrumento para staccato ( . ) permanecendo em piano, pois o trecho continua até a letra D de ensaio, para as trompas, com a mesma indicação de dinâmicas e articulação.

6 Segundo Villa-Lobos em seu “Estudo Técnico, Estético e Psicológico”: (...) letra (C), Plus animé, os flautins e clarinetes, em flöterzung, iniciam um pitoresco ambiente de passarada que serve de pedal superior, ondulante, em bordaduras melódicas de segundas menores, combinadas em terças menores entres estes dois instrumentos para uma marcha harmônica de oito acordes bitonais que descrevem a exposição de um dos principais temas por aumentação, de caráter incaico.

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Fig. 10 - Articulação e dinâmicas

Verificando os dois compassos anteriores à entrada do trompete (Fig. 11) as articulações diferentes não trazem elementos concretos para a decisão interpretativa. De um lado fagotes e 1ª trompa acentuadas ( > ) e de outro, 2ª e 3ª trompas com staccato ( . ).

Fig. 11 - Diferentes articulações

A decisão vai ser tomada com base na articulação da 1ª trompa, o instrumento que lidera o bloco nesses dois compassos, ou seja, a parte para os trompetes na Fig.10 pode ser tocada conforme a indicação do compositor, visto que após a parte de trompete (Fig. 10), todas as trompas estão em staccato ( . ). Na letra D, os dois trompetes aparecem com indicação de surdina. Como demonstrado, notas maiores anulam a articulação de notas menores e, com oboé, clarineta e sax tocando com acento ( > ), os trompetes e fagotes com staccato ( . ), a opção interpretativa do trompete pode ser por acentuar suas notas ( > ) (Fig. 12):

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Fig. 12 - Justificando uma possibilidade de articulação

Na letra E, Villa-Lobos escreve um soli para trompetes, 2º violino e violoncelo (Fig. 13), segundo Neves: “(...) elemento novo, uma belíssima frase musical confiada aos trompetes, de leve gosto impressionista (...)” (NEVES, 1977, p. 68). Acompanhando o trecho encontramos piano, madeiras e trompas com colcheias com acentuações deslocadas em partes diferentes de tempo (Fig. 14):

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Fig. 13 - Interpretação de um soli

Fig. 14 - Acompanhamento do soli

A parte de 2º violino e violoncelo encontra-se com dinâmica forte, enquanto a parte do trompete em mezzo forte. A sugestão interpretativa para que o trompetista mantenha-se dentro da dinâmica mezzo forte, que não realize o crescendo no segundo compasso da letra E de ensaio, para que a audiência ouça o crescendo das cordas antes do crescendo do trompete que efetivamente começa no Fá sustenido com ênfase no agrupamento de notas, entre os colchetes, (THURMOND, 1991) (MCGILL, 2007) de acordo com a Fig.15:

Fig. 15 - Agrupamento de notas

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No sexto compasso da letra E a articulação mais adequada, seguindo o mesmo motivo encontrado dois compassos depois, será a inclusão do acento ( > ) no segundo Fá conforme Fig. 16. As articulações com funções diferentes: • •

o acento ( > ) denota um decrescendo rápido logo após o início da nota; o staccato ( . ) destaca (separa) duas notas, independente da duração do silêncio entre elas.

Fig. 16 - Inclusão de articulação

Para conseguir o efeito escrito pelo compositor é necessário que o intérprete faça o staccato ( . ) curto o suficiente para separar a nota da nota seguinte com acento. Caso esta articulação ( . ) seja branda, com uma maior duração, o acento ( > ) da nota seguinte perde a força devido à diminuição da distância entre as notas. Na letra H, encontramos 1º trompete e clarinetas em um soli com articulações e dinâmicas diferentes. Porém, nesse caso, as diferenças são justificáveis: clarinetas em fortissimo podem se equiparar em intensidade ao trompete em mezzo forte, e com a utilização de surdina o timbre do trompete fica mais brilhante, se aproximando da sonoridade da clarineta (Fig. 17).

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Fig. 17 - Trompete e Clarineta

As diferenças de dinâmicas entre as partes, muitas vezes consideradas como erro, revelam que Villa-Lobos era consciente das possibilidades orquestrais dos instrumentos. No terceiro compasso após a letra I o trompete e clarineta apresentam um mesmo motivo (Fig. 18). Como na Fig.17, o trompete utiliza surdina, mas agora com a mesma dinâmica da clarineta. Ao escrever soli para as clarinetas podemos acreditar que o compositor deseja que o instrumento apareça mais e que o trompete tenha mais liberdade para tocar o rinforzando.

Fig. 18 - Trompete e Clarineta com mesma dinâmica

Na letra K observamos o mesmo motivo, porém deslocado no tempo e incluindo agora o sax e com staccato ( . ) conforme a Fig.19. A presença de stacatti neste motivo faz com que a articulação receba um tratamento mais cuidadoso para que a intenção do compositor seja realçada. A segunda nota - a última da ligadura - deve ser interpretada como se houvesse um sinal de staccato ( . ) para que a separação entre as duas notas ligadas, e as que estão destacadas, seja bem percebida. Caso a segunda nota seja tocada longa, a ligadura pode se aproximar da terceira nota fazendo com que a

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articulação escrita seja alterada. Em termos de dinâmica o sax está em forte, assim, o trompete continua com liberdade para tocar rinforzando com mais intensidade sonora.

Fig. 19 - Uníssono com sax

No número 2, a tonalidade do trompete volta a ser Si bemol. O solo uníssono com 2º violinos e viola em mezzo forte faz parte de um “estranho colorido orquestral”. (NEVES, 1977, p. 69) Chamamos a atenção para as ligaduras - na Fig.20 substituídas por colchetes, fazem parte do desenho das tercinas e não ligaduras de expressão devido ao tenuto ( - ) nas semínimas. A dinâmica para o trompete, devido à orquestração pode ser um mezzo forte que destaque o solo.

Fig. 20 - Solo em uníssono com violinos e viola: Um estranho colorido

Nos cinco compassos antes do número 4 o trompete entra em fortissississimo com um motivo anteriormente utilizado por Villa-Lobos que, segundo Neves “consiste num jogo imitativo a partir de uma curta melodia, (...) numa lenta marcha para o agudo e com considerável aumento de intensidade (NEVES, 1977, p. 69)”. É nesse contexto que o trompete inicia sua parte, com a função de incremento de intensidade ao diálogo entre madeiras e metais. Do ponto de vista da dinâmica o fortissississimo deve ser definido dentro do caráter apresentado. As articulações escritas para os trompetes coincidem com as articulações escritas para os outros metais nesse trecho (Fig. 21).

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Fig. 21- Articulações idênticas

A análise do gráfico (Fig. 22) do áudio da gravação de trompas, trompetes e trombones nos mostra que:

Fig. 22 - Visualização das articulações

A intensidade de cada nota segue o desenho da articulação definida pelo compositor ( > ); Nesse caso especificamente, a última nota por ser a mais aguda foi tocada com maior intensidade sonora , ver a seta. O soli que se segue (Fig. 23) em fortississimo com articulação ( > ) finaliza a seção intermediária da obra. Trompas e trombones estão na mesma intensidade e neste caso é importante que o trompetista toque os acentos (

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> ) com clareza para que o trompete se faça presente em termos de timbre na massa sonora resultante.

Fig. 23 - Seguindo as instruções do compositor

Na parte final da obra o trompete, em Si bemol, apresenta um soli em uníssono com sax e 2º violino. Mais uma vez Villa-Lobos equilibra a dinâmica entre os três instrumentos. Os violinos têm dinâmica fortissimo enquanto trompetes e sax estão em forte. Ao trompetista cabe atentar para a expressão bem ritmado, ou seja, com as acentuações ( > ) bem definidas e a clareza na interpretação dos ritmos ternários. Sobre a dinâmica, o fortissimo dos violinos permite uma liberdade controlada da intensidade do trompete, sem exageros que superem o volume do sax (Fig. 24).

Fig. 24 - Soli

Um compasso antes do número 7, os trompetes estão marcando a sílaba forte da melodia do coro e, como o coro canta em semicolcheias o

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trompetista não deve alongar o tamanho da nota possibilitando mais clareza na letra do coro (Fig. 25), especialmente os segundos tenores que cantam o mesmo ritmo dos trompetes.

Fig. 25 - Reforço da parte coral

O motivo apresentado na Fig. 26 (quatro compassos depois do número 7 de ensaio) é a repetição (ver Fig. 18) do motivo apresentado na primeira parte da obra, porém, agora com dinâmica em fortissimo e em um bloco com metais e madeiras. O trompetista não necessita tocar o rinforzando com demasiada intensidade, pois o bloco já está com intensidade suficiente para se destacar na orquestração. Para que o trompete seja ouvido dentro do contexto é necessário que as notas sejam encurtadas, ou seja, os stacatti muito curtos. O mesmo vale para o motivo encontrado cinco compassos antes do número de ensaio 8 (Fig. 27), que deve ser pensado como um glissando, uma imitação de trompas e trombones.

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Fig. 26 - O rinforzando

Fig. 27 - Glissando

O motivo apresentado na Fig.28 possui caráter rítmico e é apresentado simultaneamente pela mão direita do piano. O mais importante para o trompetista na concepção deste trecho é observar as pausas de semicolcheias entre as notas reforçando a ideia de tocar notas muito curtas. Estas pausas mais que valores de silêncio são avisos para distanciar uma nota tocada da outra, ou seja, encurtá-las.

Fig. 28 - Significado das pausas

No número 12 Villa-Lobos escreve o famoso solo para trompete in Lá (Fig. 29). Existe a impossibilidade técnica de se tocar todas as notas escritas. Seriam trinta e seis notas por compasso, articuladas e em forte. Segundo Neves: “com gosto de improvisação popular (NEVES, 1977. p. 70)”.

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Fig. 29 - Famoso Solo

O gosto da improvisação aparece nos acentos no segundo compasso e na apogiatura no terceiro compasso. O arpejo no início deste último compasso é um glissando do Dó3 até o Si4, passando por várias síncopes e descendo, em outro glissando, até o Dó3 novamente. As tercinas devem ser tocadas com notas duplas e não com triplas, o que torna inviável a execução da obra. A Fig. 30 mostra os trompetes em partes distintas. Enquanto o primeiro trompete, nos dois primeiros compassos toca notas longas, o secundo dobra a melodia do coro. O primeiro trompete ao iniciar sua nota, Lá sustenido, deve diminuir para que a melodia do segundo trompete se destaque, decisão corroborada por Pablo Casals, transcrito por Blum: “(...) vai sair da nota permanecendo em seu valor, não somente por causa de sua intensidade especial, mas principalmente por causa do que se segue” (BLUM, 1977, p.51) No final deste compasso, o primeiro trompetista realiza um crescendo voltando à dinâmica forte até o final de sua parte.

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Fig. 30 - Decrescendo na nota longa

O final da obra é um tutti orquestral em fortissississimo com um pequeno crescendo e grande intensidade sonora (Fig. 31). Ao intérprete, recomendamos se situar dentro da dinâmica estabelecida pelo compositor.

Fig. 31 - Final

Após analisar interpretativamente as partes escritas para trompete por Villa-Lobos em seu Choros nº10, concluímos que a análise crítica da partitura é fundamental para entender as intenções do compositor e corroborar as decisões interpretativas do intérprete. Ao abordar a orquestração, suas relações internas em torno do naipe de trompetes, verificamos a validade e a “importância da aplicação de ferramentas analíticas capazes de subsidiar e oferecer soluções práticas para os problemas interpretativos” (AQUINO, 2003: p.3). A escrita de Villa-Lobos apresentam informações sem sentido, ou com duplo sentido, que segundo o maestro Roberto Duarte, “se não forem revistas, podem até comprometer uma correta interpretação do texto literário ou musical (DUARTE, 1989: p.18)”. Uma leitura cuidadosa dos elementos musicais que cercam o problema, amparado pelo computador, buscamos uma solução mais próxima

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daquilo que denominamos como ideal. É importante que o instrumentista tenha consciência da necessidade de abordagens musicológicas, etnomusicológicas e físicas para que a interpretação da obra, se não for a ideal, pelo menos seja verdadeira no âmbito da orquestra. Não objetivamos a afirmação da verdade absoluta em termos de concepções interpretativas, mas oferecemos opções baseadas em aspectos pertinentes ao intérprete e seus desafios musicais, que podem estimular o debate em Performance Musical.

REFERÊNCIAS AQUINO, Felipe. Práticas Interpretativas e a Pesquisa em Música: dilemas e propostas. OPUS - Revista Eletrônica da ANPPOM, Dez. 2003. BLUM, David. Casals and the Art of Interpretation. Los Angeles, Califórnia, EUA: University of California Press, 1977. ______. The Art of Quartet Playing. New York, USA: Alfred A. Knopf, Inc., 1986. DUARTE, Roberto. Revisão das obras orquestrais de Heitor Villa-Lobos Vol.I. Niterói: Eduff., 1989. MAGALHÃES, Tairone. et al. Segmentação automática de sinais musicais monofônicos para análise. Anais do XVIII Congresso da ANPPOM, Salvador: ANPPOM, 2008. MUSEU VILLA-LOBOS. Villa-Lobos, sua obra (3ª rev. atual. e aum. ed.). Rio de Janeiro, RJ, Brasil: MinC - SPHAN/Pró-Memória/Museu Villa-Lobos, 1989. NEVES, José Maria. Villa-Lobos, o Choro e os Choros (1ª ed.). São Paulo, SP, Brasil: Ricordi, 1977. NOBREGA, Adhemar. Os Choros de Villa-Lobos (2ª ed.). Rio de Janeiro, RJ, Brasil: MinC/Fundação Nacional Pró-Memória/Museu Villa-Lobos, 1974. SCHLUETER, Charles. (não publicado). Zen and the Art of the Trumpet.

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SIMÕES, Nailson. Uma abordagem Técnico-Interpretativa e Histórica da Escola de Trompete de Boston e sua influência no Brasil. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil: UNIRIO, 1997.

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