Chaui - Marx e a Democracia b

March 9, 2019 | Author: raúl | Category: Karl Marx, Baruch Spinoza, Communism, Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Liberty
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tivos” tivos” numa maquina auto-regulada da  produgao e a taxa de  juros no  Deus-ex-machina do movimento da  produgao capitalista

MARX  E  A  DEMOCRACIA

Um “deus menor ” concebido  para regular  uma Vmaquina desregulada*' e que se revela impotente ante a forga destruidora de um sistema em expansao esquizofrSnica. O lucro com origem na maisvalia que requer  a “unidade das orbitas” orbitas” torna-se uma ficgao  porque o movimento real do capital as separa. O  jure como  prego do capicapi“fetiche” que nao  pode medir-se nem regutal e-a manifestagao do “fetiche” lar-se a si mesmo. O real (do capitalismo contemporSneo) nao e racional, e apenas inteligivel, negando a sua “razao” teorica e historica. O irracional emerge e faz valer  outro  poder. O  poder  do Estado.  Nao o Estado-Razao de Hegel, mas o seu contrario: a Razao de Estado.

(O  JOVEM   MARX   LEITOR  LEITOR  DE  ESPINOSA)

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RELAgAO DO PENSAMENTO

de Marx com a democracia 6 con-

tro^rtido, como atestam as divergencias entre os interpretes da obra

23. Em materia de modelos  formats  prefiro os que tomam a taxa de  juros”  juros” como  Deus-ex-mach  Deus-ex-machina, ina,  ja que  pelo menos sao  passiveis de uma inter pretagao ironica como a que Ricardo Tolipan acaba de fazer  em seu ensaio Capital C'Taxa de Juros em Sraffa”, a ser  publicado em Pesquisa e Plane jamento  Econdmico, margo de 1979.  Naturalmente que em mat6ria de economia  poli'tica”  prefiro Schumpeter, Keynes e Kalecki que nunca tomaram a taxa de  juros como centra de andlise mas,  pelo contrario, a submeteram & determinagao de movimento do capital na concorrSneia intercapitalista. ‘

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marxiana nesse assunto. Para alguns, Marx abandona a  perspectiva democratica a  partir  do momento em que abandona as questSes  poli'ticas  pelas sociais, de sorte que a democracia, na qualidade de abstragao  poHtica, cede lugar  ao tema e a  pratica do comunismo revoluciondrio;  para outros, o mesmo abandon© deve ocorrer  a  partir  do momento em que Marx  passa da filosofia  para a crftica da economia  politjca e  particularmente quando descobre o segredo da sociedade civil (burguesa), isto e, o modo de  produgao capitalista. Alguns consideram nao haver  propriamente abandono das  preocupagoes democrdticas, mas transigao delas, enquanto exclusivamente  politicas,  para as comunistas, enquanto concregao social que subordina a esfera  politica como um de seus momentos'  particulares.  particulares. Enfim,  para outros, ha continuidade entre as teses democr^ticas do

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* Professora de Historia da Filosofia e Filosofia Politica da Faculdade de Filosofia, Letras e CiSneias Humanaa da Universidade de SP.

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 jpvem,Mai* e as comunistas do velho Marx,  pa inedida em que  b inetrca decisiva das primeiras, pelo metios desde a Critica  da  Filoso jia  do  Dirfdfo  de  Hegel, e a critioa de duas abstra^oes gdmeas  —  o estado 'soci^ade civil  —  em nome da socializag&o da  pblltica. Mudari^m os sujeitos da democracia  —  no  joyeiri Marx da Cntida, o “ povd  rbal”, no Marx do  Manifesto, o  profetariado como classe i^iversal revolu^on^a  — ) nao mudaria a finalidade  —  ultra-*  passw o formafismo .juridico da democracia  burp;pesa  pelo materia|i^o social da'democracia comunista^.  ,

A -hipdtese 'de continuidade 6  tentadora  pelb mcnos  por  dois Piotivos. Em  primeiro lugar,  porque se considerarmos como sintese ■'das  pieodupa^des do  jovem Marx na Critica  da  Filosofia  do  Direito  de  Hegel  e na QuestSo  Judaica, a concepgao apresentada na Tese  nP 10 Contra Feuerbach — “O  ponto de vista do materialismo antigo '• e a sociedade civil, p do materidismo modemo, a sociedade humana ou humanidade social” — , entao, a id6ia desenvolvida na maturidade sobre o tcino da liberdade e da igualdade concretas como advento da  histdria  humana, isto 6, depois que o sujeito “o capital” e seus  predicados ‘*o capitalista” e “o oper^io” tiverem 'desenvoMdo todos os seus  pressupostos  para que em seu lugar  suija o yerdadeiro su;  jeitb, o homem social,  por  mais que iniplique uma reviravblta coippleta face ao comunismb tiumanista da  juveii tude guarda urn  jjonto que ]i era nuclear  neste Tiltimo, qual seja, o do homem como 1. Cf. Maximilien Rubel  —   Marx critique du  Marxisme, Paris, Payot, 1974; Michel Lowy  —  La Tkiorie de la  Rivoluthn chet.le  feune  Marx, Paris, M^spero, 1970; Shlomo Avineri, —  The Social and  Political Thought  of  Karl Mari, Cambridge, The University Press, 1968; Jean Hyppolite  —   Etudes^sur   Marx et   Hegel, Paris, Marcel RiviSrc et Cie., 1965;' G. Mende  —  Karl  Marx  Erifwicklung von  Revolutionaren .Demokraten  zum Komuniste, Berlim, Dietz yeriag, 1960;  piaude Lefort  —   As Formas da  Histdria, SSo Paulo,. Editora Brasiliense, 1981; Claude Lefort  —  ^Invention  Dimocratique, Paris, Fayard, .^1980; Herbeit Marcuse  —   Reason arid   Revolution-Hegel and  the  Rise df  Social-Theory,  Boston, Beacon Press, 1960; Bert Andreas  —  Marx,  Engles et  .la gauche hegelienne, Milao, Giaccomo'Feltrinelli, 1964. 2. Stobre as,abstrafSes  —  o homem a liberdade, a igualdade, a.prpprie —  do modo de  produ$ao capitalista, sua reflexSo, nega$ao da negagSo e  passagem ao reino da liberdade  —  o comunismo como histdria e como. humanismo real, vcja-se Rny Faiisto -r  Dialitica marxista, antropologismo e antiantropologismo, in Revista- Discurso, n.° 8, SSo Paulo, 1978.

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agente-padente de^sua  prbpria histdria e,  portantp, da exjstfincia social e da  pr^tica  politi ca. Em outras  palavras, a afinnagao da CHtica  da  Filosofia  do  Direito  de  Hegel, segundo a qual “6 o  povo quern cria a.-lejc nao a lei que cria-o  povo”, a,do Terceiro  Manus^  crito  Ec,ondrrdco-Filosdfico  de 1844, segundo a qual *‘um scr  s6 se considera autbnomo quando d ^nhor  si mesmo e  s6  6  senhor  d^ si quando deve a->i mesmo -seu modo de existincia** ®, e a afirma^So do fragmento (Ja se^ao VII do livro III de O Capital, segundo. a qual “na verdade, o reino da liberdade comega somente a  partir  do mometito em que cessa  b trabalho ditado  pela necessi,dade e  ps fins exteraos; situa-s.e,  portanto,,  por  sua'prbpria natureza,  para al6m da esfera material  propriamente dita (-..)■  Nesse dommio, a libero daite s6 pode consistir  no seguinte; os  produ tor'es as^ciados homem socializado.regulam de maneira racional suas trocas org&nicas com a-natureza e as submet^ ao seu contrple comum, em lug^ de serem dominados  pela  pot^cia'‘cega dessas -trocas (...). Mas o imp6rio da hecessidade nao deixa-de subsistir. fi  para alem que comega o des^brochar  da  potfinc ia humana que e seu. prbprib ^ Isao afiimagoes cuiog fim, o verdadeiro reino da liberdade  pressupostos sao diferentes e cuio d^envolvimento conceitu^ e tam b^m diferente, mas que  possuem Ta mesma finalidade: a autonomia oq  auto-emancipagao  pela critica e supressao  prdtica da .heterononiia (teglogia, alienagao,  propriedade  privada e dinheiro, nq  jovem Mar^; modo de  prbdugao capitalista, fetichismo da mercadoria, luta de classes, no velho Marx).. Em segundo lugar,, a continuidade 6  tentadora  porque, em 1869, o  Programa  de  Eisenach (dos marxistas no  partido sOcial-deniocrata alemao)' e, em 1875,  B.CrUicaido.PTograma  de Gotha recolocam a democracia em discussao e neles 6  possive l  perceber .a presenga dos temas da Questdo  Judaica.  particulannente  .Critica'do  Programa ’

 de Gotha. O item 4 do  Programa  de  Eisenach declara: “A liberdade  politica e a condigao mais indispensAvel da . emancifiagao econbimca Murx __  Manuscritos  Economicos-Filos'dficos, Terceiro  Manuscrito  —  3 sao Paulo, Abril Cultural, 1974,  p. 20. Tradu^ao Ios6 Carlos Bruni. 4. Marx  —   Le Capital, in Oeuvres de Karl  Marx.  Economxe, vol. 11, fragmcnto “En mani^re de conclusiori", Paris. Pldiade, 1968,  p. 1486.

das classes trabalhadoras. A questao social i,  pois, insepar^vel da questao  politica, a solu9ao da  primeira esti ligada a da segunda e nao e  possivel senao num Estado democritico” Comparado a Critica  da  Filosofia  do  Direito  de  Hegel  e a Questao  Judaica, evidentemente o  Programa  de  Eisenach apresenta duas grandes diferen?as:  por  um lado, seu sujeito riao e o  povo da CFDH  nem o homem generico da QJ, mas os trabalhadores, c estes nao aparecem, como na  Introdugdo  a CFDH, recebendo  passivamente a teoria liberadora, mas como autores de sua  prdpria emancipafao;  por  outro lado, e, sobretudo, no  PE a emancipa 9ao  politica nao 6 a finalidade, como na CFDH, nem e descartada como ilusoria, como na QJ, mas e  posta como condigao  para a emancipa 9ao economica. Sem duvida, numa  perspectiva marxista, o que e  posto como condigao ope ra como  pressuposto e o desenvolvimento histdrico e supressao do  pressupostb, gramas  h. sua reflexSo.  Nesse sentido, o lugar  ocupado  pela democracia na CFDH  e no  PE e semelhante,  pois o segundo, tendo como horizonte um alem do  Estado democratico,  posto apenas como condigao  politica da emancipa^ao economica e social, reencontra a tese da  primeira, isto e, a supressao do  Estado  politico  pela democracia. £, todavia, na Critica do  Programa  de Gotha que a situa^ao da democracia melhor  se oferece. Em  primeiro lugar, alem da cri tica ao lassallismo do  PG, Marx o critica de tal modo que a critica alcanna tambdm o  PE,  pois o considera a expressao “questao social” um eufemisnio  burgu^s  para a luta de classes e analisa os itens do  PG considerando-os “ladainhas democraticas” no melhor  estilo dos  partidos  populates  burgueses Csufrdgio universal, direito do  povo, millcias  populates, legislagao direta, instrugao dada  pelo Estado), e que eram exatamente as reivindicagoes de 1869 (cablveis apenas num  pals como a Alemanha, em atraso face aos demais  palses capitalistas). Porem, os  pontos mais altos da Critica  do  Programa  de Gotha sao as discussoes sobre a natureza do direito (I, 3) e do democratismo (III e IV).

mem” e o “cidadao” sob a figura do  burguis (isto 6, da  pessoa como  proprietdrio egolsta e da sociedade como  civil,  aglomerado  monddico), comandava a analise, marcando, como na CFDH, o vinculo necess^io entre direito e  propriedade  privada. Em contrapartida, na Critica do  PG, e o vinculo entre direito e trabalho que e discutido, Marx afirmando que tomar  o direito do  ponto de vista  determinado do trabalhador  e uma abstra§ao que recai no direito  burguis. Em outras  palavras, uma emancipagao social e  politica' que tome o tra  balhador  enquanto trabalhador  (do modo de  produgao capitalista,  proletdrio) conserva a  divisao  burguesa constitutiva da sociedade  civil: “o  direito igual  e,  pois, aqui, em seu  princlpio, o  direito  bur  guis'' e,  pior  ainda, na sua forma anacronica,  pois 6  tornado a  partir  do trabalho como medida, quando o modo de  produgao capitalista fez da mercadoria o criterio da medida. Os aspqctos mais interessantes da critica de Marx estao na retomada da questao  politica cldssica da igualdade como devendo ser  posta  por  um  metron social ou  pela  medida  dos equivalentes, sendo o direito a igualizagao dos desiguais  por  meio de uma nova desigualdade,  por6m  justa, mas que  para se-lo exige aquilo que o  Programa  d^ Gotha nao  percebe, isto 6, que o trabalho tenha mudado inteiramente de forma, de conteudo e de sentido  para conv ter-se em medida de  justiga numa  palavra, o que  propoe o fragmento da segao VII do livro lH de O Capital. Assim, um elemento decisive das discussoes demoerdticas, desde a antiguidade,  —  a liberdade  politica como medida da igualdade dos cidadaos  —  e retomado  por  Marx sob a  perspectiva social do comunismp, isto 6, a emancipagao do trabalho €  condigao e nao finalidade do reino da liberdade (o que toma radical sua cri tica a Lasalle, como na  juventude fora radical a critica ao comunismo grosseiro).

A critica  k concepgao  burguesa do direito, mantida  pelo  PG, ultrapassa a que fora feita na QJ.  Nesta, a divisao entre o “ho-

A critica ao democratismo do  PG nao se limita a mostrar  que as reivindicagoes estacionam nos limites  burgueses do “estado demo cratico” e do que “6  permitido  pela  pollcia e  proibido  pela Idgica” mas atinge o cerne do  problema  porque critica a concepgao de “li  berdade”  presente no  Programa. Com efeito, este invoca o “livre

5. Programe des marxistes,  Eisenach 1869i in Marx, Engels  —  Critique des Programes de Gotha et   Erfurt, Paris, Editions Sociales, 1972,  p. 145.

6. Marx, Engels  —  Critique du Programe du Gotha, in Marx Engels  — Critique des Programes de Gotha et  Erfurt, op. cit.,  p. 45.

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fundamento do Estado” -e Marx cpmenta essa expressao mostrando que ela reafirma a ideologia  burguesa- do Estado como organismo separado da- spcied^de civil e a ideologia alema do Estado tutelar  e demitirgico,  pois o  Programa reivindica o que J»iarx considera- uma atrocidade extremamente prejudicial  prdxis  proletdri^: a educa^ao •pelo Estado e as cooperativas de trabalhadores sustentadas  pelo Es tado. *0  PG 6  incapaz de  perceber  que “ a liberdade consiste em tfansformar  o Estado,'organismo-posto acima da sociedade, em Um organismo inteiramente subordinado a ela (...), em lugar  de.^atar  a sociedade  presente (e isto vale  para toda sociedade futura) como  jundaniehto do Estado  presente (ou futuro  para a sociedade futura), tf  Programa tlaia o Estado como redidade independente  possuindo A conseus  pfdpribs  fundamento^ iht'electuais,  morais e livre^ clusap  d^ Criticti  do PG serd  a afirma§ao-da necessidade de uma fase de  trarisigdo ha qual sd  instala a ditadura revoluciondria do  proleta■riado, encarregada de subordinar  o' Estado as necessidades socials, no momentd  em que o novo ainda est^ emergindp dos escpinbros dov'Velhp. Essa cbnclusao, que marca a distincia definitiva enti^ o  jovem e, o yelhb Marx, no entanto,  prpvdm de uma andlise 'que fo'fa efetuada com todos os detalhes na CFDH, isto 6, a dndlise da inversao Wistica-mistificadora Ppferada.  por  Hegel, que atribuira ao Estado “fun^mehtos intelectUais, morais e livres”' (restando saber  o que Marx'pensaria dds'atuais regimes socialistas,...)  Na CFDH_,, a fesposta de MarX  k- transcenddiicia ou univers^idade abstrata do ^Estado era a deinocracia.  Na Critica  do  PG, a crftica do democratisqio reencontra,  por  outras vias, o  problema anterior  que^ democracia'enfrentava no texto de  juventude, isto €, tendo demonstrado a. ficcao da uniyersalidade  poUtica tentada  por  Hegel, mostrando os  particplarismos que defini^ cada um dos “m.ediadores ” hegelianos (mona^a,  burocracia, aristocrada fundiaria, coipora9oes), o  jovem ’







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Mani wnbima qiie o “o Estado constitucional €  o Estado^ da  pro priedade  privada ’, mas sua definipao da democracia como verdade da relagao entre sociedade e .polftica retomava apenas  pelo angulo da autocqnsciencia a questao  posta  pelo Estado constitucional, critkado agora no democratismo de Gotha,  k luz da luta de classes. 7.

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Idem, ibidem,  p. 43.

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Em resumo, a tenta^ao de estabelecer  uma continuidade entre o humanismo democrdtico e comunismo humanista  juvenis eocomunismo revoluciondno da matimdade ^dv6m das duas descobertas  principals, do'jovem Mar^ no-campo da, polftica: a da determinapao; spcial do  poder  (que,o levava a declarar  a democracia “o enijhia.. resolvido de todas as constituipoes) e a da  polftica .como .esfera  particular  da vida social genbrica (que o levava. a declarar  o co munismo “o enigma resolvido da histdria que se .conhece como. essa solupSp”). Sem "^dlavida; sao  ponderdveis os argumentos sobre a r-yptura na obra de Marx  —  seja a ruptura  polftica- no contato com os movimentos  proletdrios, a  partir  de, 1844, seja a ruptura tedrica.com a descoberta do modo de  produoao capitalista, seja a  passagem do  papel iiberador  da iilosofia  para o da  praxis revoluciondria --r- e Critica  da.  Filosofia seria ingenuo considerar  que 6 simples fato  do  Direito  de  Hegel  discutir  a necessidade da democracia como  poIftica transformada em atividade social e da. Questdo  Judaica di^ cutir  a auto-emancipa^ao do homem gendrico^pela  passagem da sociedade civil  k condigao. de  sociedade. seria suficiente  para desfazer  a enorme disttocia que separa as  primeiras idbfas de, Marx das liltimas. Essa discussao, que nao €  nosso- intentd  reali^ar  aqui,  poderia, entretanto, coriduzir  a certos temas inesperadoS) freqiientemente negligenciados  pelbs exegetas do marxismo. A.'tftulo de exeniplo, mencionaremos apenas um texto que ainda nao vimos suficientemente comentado  pelos intbrpretes. Sabemos que Marx_ criticard, a  partiV do 1844,'as vdrias modalidades de comunismo existentes nos movimentos  pperdrios: o' co munismo grosseiro (baseado na inveja e no desejo de le^essao ap “homem  pobre”, ampliando a categoria de opefdno  para todos', em lugar  de suprimi-la, uma “forma fenom6nica. da infdmia da  pfopriedade  privada, que se quer  instaurar  como 'coletividade  posidva”, diz 6 Terceirb  Manifesto  Ecofidniicd-Filosdfico) ,  o comunismo de natureza'^polftica, democrd^ca ou despdtica (que  pretende superar  o Es-' tado,. mas ainda  preso  k aliena^ao da  propriedade  privada, nao ten do ainda compreendido a natureza  humhna do carOcimehto, apreendendo seu conceito, mas nao sua essSncia), o comunismo filosdfico (suficiente  para abolir  a idSiq da  propriedade  privada, mds nap sua realidade) e o comunismo utdpico (que  b nostilgico-e nao  procura ’





a superagao da  propriedade  privada a  partir  de suas contradi^oes  presentes). Essas criticas operam a  partir  das analises sobre a aliena?ao, a essSncia da  propriedade  privada, do dinheiro e de seus resultados, a sociedade civil ou  burguesa, assim como sobre a  passagem da abstragao alienadora  —  “a sociedade”  —  para a ess6ncia humana concreta  —  o homem como ser  e vida socials  — , de sorte que o comunismo e “superagao  positiva da  propriedade^ privada enquanto  auto-alienagao  do  homem, e  por  isso  apropriagao efetiva da essencia humana atraves do homem e  para ele; retomo acabado, consciente e que veio a ser  no interior  de toda a riqueza do desenvolvimento at6 o  presente. Este comunismo 6, como acabado, naturalismo = humanismo, como acabado humanismo = naturalismo; 6  a verdadeira sOlugao do antagonismo entre o homem e a natureza, entre o homem e o homem, a resolugao definitiva do conflito entre essdncia e exist^ncia, entre objetivagao e auto-afirmagao, entre necessidade e liberdade, entre individuo e gSnero ”  Numa  palavra, enquanto acabado, isto e,  desenvolvido, o comunismo 6 reconciliagao entre o ind;viduo e o ser  generico (Gattungswesen) e entre os  proprios individuos como seres comunitarios (Gemeinwesen), gragas a realizagao da essencia social do homem que, agora, se sabe  produtor  e  produzido  pela Vida social. Ora, o surpreendente e raramente analisado  pelos comentadores e que o comunismo assim apresentado  pelo  jovem Marx nao e ainda o reino da liberdade. fi uma etapa ate ele. “O comunismo e a  posigao como negagao da negagao e,  pois, o momento da emancipagao e recuperagao humanas, momento ejetivo e necessdrio  para o movimento histdrico seguinte. O  comunismo 6  a configuragao necess^ria e o  principio energetico do futuro  prdximo, mas o comu nismo nao d, como tal, o objetivo do desenvolvimento humano, a configuragao da sociedade humana ®. ”

Sem duvida,  pode-se argumentar  que esse texto  pertence ainda a fase ,do humanismo filosdfico, que Marx ainda nao elaborou o ^conceito de  praxis revolucionaria e nem, muito menos, o de modo de  produgao capitalista. Que sua analise estando ainda  presa & da 8. 9.

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Marx  —  Manuscritos. Idem, ibidem,  p. 22.

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op. cit.,  p. 14.

alienagao, .a da  propriedade  privada e do dinheiro, ^ id6ia de emancipagao do genero humano  pela  parte “sofredora” desse genero (o  proletariado como  base material  passiva que recebe a consciSncia vinda de fora, trazida  pela atividade espiritual ou  pela teoria), o conceito de comunismo ainda nao  poderia ser  claramente compreendido como resultado do desenvolvimento e da supressao do capitalismo,  permanecendo apenas como negagao da negagao e ainda nao sendo  plena afirmagao de uma nova ordem.

 No entanto, quando levamos em conta a critica do economicismo  presente na concepgao do direito no  Programa  de Gotha e sobretudo o- fragmento da secgao VII do livro III de O Capital   podemos indagar  se esses textos, al6m de serem a resposta  para os  pro blemas da superagao do homem abstrato como  zoon  politikon {CFDH, QJ) e como  animal  laborans (Manuscritos  de 44), nao reafirmariam o texto  paradoxal do Terceiro  Manuscrito. Afinal, a segao VII declara que o reino da liberdade comega  depots que os  produtores associados regularam as trocas sem fetichismo e sem alienagao, isto e, sem heteronomia. Ou, se se quiser, depois que se cumpre a  reflexdo  capitalista, fazendo o homem atravessar  a negagao de si (na existSncia  parti cular  contr^ria a si;  burgues, operdrio)  porque ele 6  apenas  pressuposto  pelo modo de  produgao capitalista que o faz  passar  nos seus contrdrios determinados (nao homem, nao cidadao, nao livre, nao igual, nao  pensante ), a revolugao comunista o faria negar  essa negagao e o comunismo seria, agora, o  pressuposto  para que o ho mem, como essincia  humana, seja  posto com determinagoes  positivas, e  portanto, como livre, igual,  pensante, cidadao etc.  Neste caso, ainda que nao fosse  possfvel retomar  a tese  juvenil do comu nismo como etapa  para o reino da liberdade e da igualdade,  porquanto, agora, ele seria o  pressuposto delas, no entanto, o que se  poderia retomar  6 uma outra tese da  juventude, qual seja: assim como no modo de  produgao capitalista a sociedade 6 sociedade  civil  (portanto,  burguesa ou nao sociedade) e a democracia 4 estado democrdtico (portanto,  juridico-formal, nao democracia), no comunisnio a sociedade seria social e a democracia, democrdtica, os  predicados e os sujeitos finalmente identificados numa realizagao histdrica concreta da liberdade e da igualdade humanas que o  jovem

Marx  buscara e que o fizera considerar  o comiinismo a mediagao e nao o'fim. Por6]ji, mais sigi^cativas. para essa discus'sSo  politica seriaim as andlises da revotu9ao 'de 1-848'e Sbbfetudo da Conmna de Paris. A  primeifa, como limite da rfepdbUca  biurguesa ou como verdade do Estado doristitucional^enquajltd  “maquifia de guerr^ do capital con tra'd.trabalho”,-levando ks ultimas conseqiiSricias, na  pi^ica, aquilo que, na teoria, a CFDH  expusera. A segunda, c6mo ^assalto ao c^u” que, no entanto,-trouxe .uma altera^ao  profunda ,ap isto 6, a certeza de que nao  basta tomar  o Estado  burguSs constitjifdd, mas 6.  preciso destrui-lo como “condigao  primeira de toda revoluglo gopidar  real” ’



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A .Comuria, criagao de uma republica que nao visava apenas a abolir'^ a fonna m'ondrquica da dominagao de classe, mas a  pf6 pria dominagao de classe, comegahdo  pela aboligao desse imenso drgao  parasita e^ repressive  —  o Estado centtalizado,  burocratico e militarizado  —  se realiza como  revolugao  politica e ibstauragao demoerdtjea. As ^crfticas de Marx ao fomaUsmo do estado democratico. enconltam-se efetixadas  pela  prdtica^ dos ..“communards : su pres^p do ;ex4rcitb  permanente, supressao do  parlamentarisipo  pelo estabelecimento da elegibilidade, do mandate imperative e revog^vel dos repfesentantes e, Sbbretudo, desti^gao da “republique  pr^tre” istp a, da .burocracia,  pela ^eigao" dos administi’adores e  por  seu saiarjo, no nlwl do “salarip operario”. A Comima, na interpretagao de Mara, des.trdi a democracia  burg u^a  pela instauragao da demobrgeia  tout  court, isto a, tal como a definita a CFDH,  poder  real :do,povo red  que faz e executa a lei. ’



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Mais do que isso. Se nos lembrarmos de que na CFDH  Mara criticava a  jmpossibilidade de Hegel  para resolver  ’o  probleina da representagao  politica (representagao inexistente na CImara Alta, “medieval”, encamagao de si'niesma;-representagao invi^vel.^para a Gamara Baixa, ‘’modema”,  porque a mobilidade, a  particularidade dos’interesses e o nlimero impossibilitam  k “classe formal” represen tor  tpdo o  povo e a si mesma), a Comima 6  a resposta democrdtica (prol^tOija  popular) a, essa impossibilidade  burguesa, na medida em que “nao era um orgaijismo  parlamentar, mas o corpo ativo, executivo.e legislative ao mesmb tempo” Govemo dos homens e .

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administragao das coisas; a Comuna^ e a “forma  politica enfim encontrada”  pela revolugao  pfoletOria. Se a democracia €   o “enigma resolvido de todas as constituigoes”, a. Comuna e o enigma resolvido da  prbpria democracia’ o Gemeinwesen 'que revolugao  burguesa alguma f*oderia realizar. Como supressao do Estado, a Comuna efetiva uma-forma social da  politica na qual esta illtima ociipa o lugar que Mara Ihe atribuira: esfera  particular  da atividade social gen^rica.

 Nao 6  nosso intuito discutir  a diferenga entire as id6ias da  juventude e da maturidade de Marx.  Nossa  preocupagao,  bastante limitada, estarO voltada apenas  para alguns aspectos do 'conceito de democracia na Critica  da  Filosofia  do  Direito  de  Hegel  e, mesmo aqui, nossa an^ise tamb6m seri limitada,  buscando apenas acompanhar  a  presenga de algumas iddias de Espinosa nessa elaborqgao. do  jbvem Mara.

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Entire os marxistas, costuma-se invocar  Espinosa contra Hegel quando se  pretende encontrar  um  predecessor  ilustre  para o  pensamento de Mara, seja  porque o espinosismo funcionaria como um antidotb contra  b misticismo dialetico, seja  porque a defesa da de mocracia  por  Espinosa iluminaria, a critica de Mmit  k filosofia politica he^liana^^. Embora essa segunda hipbtese nao seja descabida, 10. Essa hipdtese 6  levantada  por  .Maximilien Rubel, op. cit. “Marx encontrou em Espinosa o que havia verdadeiramente. pedido a Hegel, ou ao Rousseau do Contrat  Social: .a  possibilidade  para o individuo de reconciliar' a existencia social e o direito natural,  possibilidade que-a carta dos direitos do homem e do cidadao nao concedia senao em virtude de uma fic^ao  juridica. O Traiado de Espinosa 6, a esse respeito, inequivoco: “A democracia nasce da uniao de homens gozando, enquanto sociedade organizada, de um direito soberano sobre tudo o que estd  em seu-poder”.”  p. 173. Quanto ao ‘espino sismo de 'Marx, Althusser  foi, depois de *Plekhanbv, quern levoU mais ,longe a identificagao (cf. Pour   Marx e  Lire le ^Capital), embora acabasse numa  Autocritica a esse respeito. Althusser  interessou-se  particularmente  pela concepgao espinosana da verdade como index sui et   falsi (o que, na realidade, nao 6  anti-hegeliano,  pois Hegel desenvolve- essa concepgSo espinosana),  pe)a

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cremos que a  busca de uma tradi^ao de  pensamento nao-hegeliana  para a obra de Marx  pode ter  como conseqU^ncia a anulaqao do  papel decisive da dial6tica de e em ^arx  podendo levar,  por  cxem plo, a abandonar  a contradigao  pela oposi?ao real ^antiana (como em Colletti) ou  pela “causalidade estrutural ' supostamente espinosana (como em Althusser). A16m disso, tal  procedimento arri^ase a neutralizar o trabalho do  pensamento de Marx conquistando seu campo  proprio de expressao, substituindo-o  por  um mosaico mec^nico de “influfincias” variadas.  pelo menos duas objepoes de vulto ^ tentativa de encontrar  iddias espinosanas na obra de Marx  —  ainda que do  jovem Marx, na dpoca em que realizava a critica filosdfica da religiao e da  politica e em que  passava gradativamente, no conlato com os movimentos oper^rios, do humanismo democrStico  para um comunismo filosdfico e deste  para o comunismo  propriamente dito. ’

A  primeira objegao, mais imediata, 6 a de que o espinosismo 6  uma filosofia da afirma^ao absoluta, recusando qualquer  estatuto ontoldgico e epistemologico  k negagao  —  coisa que Marx nao ignorava,  pois era o leitmotiv da critica hegeliana a Espinosa e  porque conhecia a carta 21 de Espinosa a Blyenbergh, dedicada  k critica da causalidade eficiente imanente,  por  ele chamada de “causalidade estrutural” e que teria a vantagem de eliminar  o expressionismo da totalidade hegeliana (embora o termo “estrutural" nSo seja muito adequado  para a imanfencia espinosana)> e  pelo fato de a filosofia de Espinosa nao scr  uma filosofia da subjetividade ou do sujeito (o que 6 verdade, mas Althusser  nao considerou as  peculiaridades da antropologia espinosana, o que Ihe teria  permitido, se n§o estivesse tao empenhado em negar  o humanismo de Marx,  perceber  que a essSneia humana, em Espinosa, encontra seu  ponto real de concresao apenas no final da £iica, depois da dedugao das  paixdes e da razSo como abstragoes, 0 homem estando localizado, exatamente como em Marx, ap6s a  passagem  pela servidSo). De qualquer  modo, 6  grande a tentagao de comparar  Espinosa e Marx: os  prefScios do TTP e do livro IV da £tica,  bem como o ApSndice do livro lea  Ideologia  Alemd; as cartas a Albert Burgh e a Luis Meijer  assim como os capitulos XTV, XV, XVI do TTP e a  Introdugao d  Critica da Filosofia do  Direito de  Hegel; os livros I e V da Fiica e os textos esparsos de Marx sobre a liberdade e a necessidade; o capitulo X do Tratado Politico t  as andlises sobre o 18   Brumdrio e a Comuna de Paris etc. Mas uma comparagao, como diz Espinosa, i um conhecimento inadequado, imaginativo e abstrato que apanha semelhangas e diferengas imediatas, sem alcangar  a essSneia da coisa.

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negagao como realidade em si ou  para o  pensamento  Nao hadial6tica em Espinosa  —  nele, como dissera vendo negagao, nao Hegel, o  positivo €  intrinsecamente indestrutlvel, a contradi^ao i considerada imposslvel e a substEncia ainda nao 6 s\ijeito, desconhecendo a reflexao e o desenvolvimento.  No limiar  entre a Idgica do ser  e a da essencia,  prisioneiro do entendimento abstrato, o espinosismo i inerte.  Nao cabe aqui examinarmos a corregao ou incorregSo das inter pretagoes hegelianas,, embora  possamos,  brevemente,. lembrar  que Espinosa nao recusa a negagao e a contradigao, mas^as  pensa como agao reclproca de contr^rios' cuja forga 6 desigual> acarretando a destruigao de um dos termos, al6m de considerd-las um acontecimento vindo do exterior  e nao  prOduzido  pela  prdpria essSneia singular, ou. melhor, como aquilo que adv6m  a, essencia e que ela nao Queremos,  por6m, observar  que nao sendo nossa  pode tolerar  intengao transformar Marx num espinosano, a objegao nao .impede a -presenga de algumas id6ias espinosanas na elaboragao da critica polltica feita pelo  jovem Marx. Pelo contrdrio, num  pensador que estava, na ocasiao, interessado em apanhar  o lastro teoldgico do  poder  11. Essa carta foi transcrita  por  Marx num caderno de notas de 1841, sobre o qual falaremos adiante. O trecho sobre a negagao €   o seguinte: "A  privagao nao consiste no ato de  privar, mas  pura e simplesmente numa carSneia (simpUcem et meram carentiam), que nada 6  em si mesma; nao se trata senao de um ser  de razao (ens rationis), de um modo de  pensar  (modus edgitandi) que formamos quando comparamos as coisas umas com as outras. Dizemos,  por ' exemplo, que um cego €   um homem  privado da visa©  porque o imaginamos sem esforgo vidente  por  comparagao com outros homens que v8em ou com o tempo  passado, quando via (...), Mas, se em troca, tomamos sua essSneia atual, a visao nao Ihe  pertence como nao  pertence & .pedra e seria contraditdrio que Ihe  pertencesse como h.  pedra (...) neste caso nao hi a nSo-visao deste homem, como hao hd  a nSo-visSo da  pedra e 6  precise falar. aqui em negagao  pura e simples (mera est negatio) (...) Em suma, hd  privagao quando o que cremos  pertencer  k  natureza de uma coisa & negado dessa coisa e negagao quando 6 negado de uma coisa o que nSo  per tence k  sua natureza”. B. de S. Opera quotquot  reperta sunt, Haia, Van Vloten e Land, Martinus Nijhoff, 1923, T. Ill,  pp. 87, 88. 12. A esse respeito tomo a liberdade de enviar  o leitor  a Marilena Chaui  —   Maumdtica,  Experiincia e Politica, in Almanaque, revista de literatdra e ensaios, n.° 9, Sao Paulo; e  A -Nervura do  ReaUEspinosa e a questdo da  Liberdade, tese de livre-docencia, mimeo., USP 1976, cap. Ill, T. II.

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 politico e em defender  uma  perspectiva democratica, a companhia das id6ias espinosanas nao  $ impossivel. A segunda objegao, mais especifica, 6 a de que a filosofia.poUtica espinosana 4  jusnaturaliSta e,  pdrtantp, alvo das criticas de Hegel e Maix ao  jusnafuralismo. Alem disso, Espinosa concebe o direito de marieira  bastante djferente da de Hobbes,  pois  julga nao haver  ruptura entre direito natural e direito civil, aquele considerado uma abstragad  tedrica enquanto  pensado ^m a sociedade e a  politica, e o dltimo  pensado ‘como- forma sdcio-politica do  primeiro. Assim, tanto face a 'Hegel e Marx como face a Ifdbbes, Espinosa^parece  pennanecer  aqu4m da moderhidade, .uma vez que- tiao trabalha com a separagao sociedade civil-Estado,.como os dois  primeiros, nem cpm a Qposigao direito natural  — .-;4iieito civil, cdmo o segunda. ,

Tambem aqui nao* cabe. nos alongarmos sobre as concepgoes espiriosafa&s do direito e da sociedade civil (para'ele, socie4ade poli  tica), xonsiderada o momento no qual os hdinens  passam’a ter'uiha vida vefdadeiramente humana, “nao d6finida apbnas  pela digestao e  pela circutagao do sangue ”. Entretanto, seria conveniente lembiar  q'iie'Espinosa define o direito (natural e civil) como  podQt-(potentia individual e  potestas coletiva), o estado de natureza como impotSncia ou abstragao (a  potentia individual temerosa e vitima de todas as outras que a rodeiam), ,o^tS3o civil como racionalidade operante' no seio das  paixoes ou car^ncias naturals e nao como ^roduto de um  pacto social racional entre homens livres  porque os homens nao nascem liVres, mas se toimam livres, e  porque em estado de natureza nao  hA libe^dade, uma vez que esta (exatamente como a definira o  jovem Marx no  Xerceiro  Manuscrito  Econdtnico-Filosofi co) e ser  autdnomo, senhor  de si, autodeterminado e apto  para o multiple simult^eo, impossiveis em estado natural.  Nao distingue os regimes  politicos  pelo numero de govemantes nem  pelo cardter eletivo ou nao dos dirigentes, mas  pela  proporcionalidade interna estabelecida entre a  potentia dos cidadaos e a  potestas  politica, de tal modo que a tirania €  ausencia de  proporgao, a monarquia, despro porgao, e a democracia,  plena  proporcionalidade, nela ningu6m  podendo identificar-se com o  prdprio  poder, que e incomensur^vel a  potentia de cada Tim e de todos somados, cada um “'penhan^cendo livre e, igual, tal como era antes da constituigao da soberania” Enfim, seja qual for  o regiihe  politico, o momento de sua fundagao .

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tern como sujeito o  povo, que  pode alienar  seu  prdprio  poder  para um ou  para alguns, ou conservd-lo como  poder  social coletivo ou democratico, as variagoes dependendo das condigoes, historicas determinadas nas quais a fuftdagao. polidca tem lugar, a Cidade  podendo nascer  do desejo da'vida (fazendo-se livre) ou do temor  da morte (fazendo-se escrava de um ou de alguns). Dado, o sentido muito  peculiar  que  possui a  Natureza np  pensamento espinosano (forga infinita imanente autoprodutora e  produtora dc diferengas fisicas e animicas ou- de individualidades e singularidades finitas corporal^ e  psiquica^ que agem  por  causalidade eficiente- im^ente e  padecem  por  fraqueza  para realizar  essa agao) e a ‘  peciiliaridade de seu “ jusnaturalismo ” (a realidade do direito natural dependendo da constituigao da sociedade  politica na qual opera simultaneamentg como medida do direito civibe,  paradoxalmente, como guardiao da liberdade  politica e como ameaga  para ela), seria dificil enquadrar  Espinosa iniediatamente nas criticas de Marx ao jusna; turalismo. ‘

Enfim, um dltimo aspecto que conviria lembrar  diz respeito a, duas caracteristicas da democracia espinosana. Espinosa a define como 0 “mais natural dos regimes  politicos” (e  ]k vimos- como 6  peculiar  o “natural” em sua filosofia),  pois aldm de' conservar  os homens livres e iguais, atendendo os motivos  pelos quais’instituem a vida  politica, sobretudo e o linico regime que atende ao  principal desejo do direito 'natural ou da essencia humana enquanto  potentia  agendi: o desejo de governar  e nao ser  governado. Em se^ndo lugar, a democracia 4 o unico regime  politico dO qual a natureza especifica da  politica se realiza, isto e, ela evidencra que a  politica e realizagao humana sem qualquer  fundamento transcendente (este sendo sempre uma superstigao ou uma mistificagad  de origem teologica), de sorte que nela a-liberdade se realiza nao so como algo garantido  pelo- regime  politico, mas sobretudo como causa da funda gao  politica.  Na democracia, contrariamente aos outros regimes  politicos, os cidadaos nao-  sdo  parte da sociedade  politica, mas  tomam  parte nela. Por  isso Espinosa a define -como  dbsolutum imperium,  poder  absoluto. Esses dpis aspeetos da democracia  —  ipstituigao humana sem fundamento imaginario transcendente e  absolutum imperium  —  reaparecem na analise feita  por  Marx.na Critica  da  Filosofia  do  Direito  de  Hegel: a lei como criagao real do  povo

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real e o  poder  como  poder  real; a “constituigao do  povo” e nao o “ povo da constituigao,' ’.

Tamb6m vale a  pena recordar  duas teses que perpassam toda a filosofia  politica de Espinosa. A  primeira delas, e a de que. os homens frequentemente nao sabem a quern cabe a soberania, nao  por  falha intelectual, mas  porque a teia das relagoes sociais e  politicas sendo tecida com os fios da  paixao e da imaginagao, os homens tendem a identificar os ocupantes do  poder com a  prdpria soberania.  Na CFDH, Marx indaga: “soberania do monarca ou soberania do  povo?”, e na  Ideologia  Alema o tema da dissimulagao da origem do  poder  €   uma constante. A segunda tese e a de que um regime  poli tico nao deScamba  para a tirania, nao se torna,  por  acidente ou  por  desvio, tiranico, mas  jd  nasce dessa maneira. A filosofia espinosana recusa a causalidade eficiente transitiva ou mec&nica (para a qual causa e efeito sao termos  positives independentes e autosubsistentes ),  pois opera com a causalidade eficiente imanente (a causa se modifica num efeito  particula» ou se exprime num efeito determinado que a manifesta como seu desdobramento interne necess^rio, a causa  persiste e existe no efeito). Sendo a causa instituinte de uma forma  politica uma causa imanente, cada uma das instituigoes e cada um dos acontecimentos a exprimem de modo deter minado. Por  isso um re^me  politico nao se toma tir^ico ou autoritario, mas e assim instituido, ainda que no inicio os efeitos da tirania nao sejam visiveis. Donde a critica espinosana ao reformismo  politico, uma vez que nao  basta agir  sobre os efeitos  para modificar  a natureza da forma  politica e social, sendo necessario,  para muda-la, destruir  sua causa originaria. Porque os homens costumam • ignorar  a quern cabe o  poder  e  porque a tirania fica dissimulada apenas em seus efeitos, diz Espinosa, sempre se considera mais f^cil trocar  um tirano  por  outro do que eliminar  a causa da tirania. A economia  politica burguesa, diria Marx, nao vai alem da substituigao de um tirano  por  outro. A revolugao  proletdria, dird  ele analisando a Comuna de Paris, nao pode apenas tomar  o Estado  burgues constituido: tern que destrui-lo.  Nao sendo nosso intuito fazer  de Marx um espinosano, esses  poucos indicios  justificam que  busquemos algumas ideias de Espinosa em sua obra, mormente quando nos lembramos do lugar  central ocupado  pelo pensamento espinosano na filosofia alema, sobretudo a 272

 partir  da ^lustragao Goethe assinando vdrios de seus textos como “um espinosista nao-kantiano” e Hegel escrevendo: “ou Espinosa ou nenhuma filosofia ”,  propondo-se a transforraar  a substincia espinosana em sujeito e faze-la desenvolver-se. Heine chegard  mesmo a escrever que “todos os nossos fildsofos contemporineos olham, talvez sem o saber, atrav6s das lentes que um dia Espinosa  poliu” e, mais significativamente, Feuerbach: “Mas o carater, a verdade e a religiao so existem sob ■ a condigao de que a teoria nao negue a  pratica, nem a  pratica aiiteoria. Espinosa e o Moists dos livres pensadores e dos materiaiistas. O panteismo e a negagao da teologia teorica, o empirismo, a negagao da teologia  pratica; o  panteismo nega o  principio, o empirismo, as  conseqiiincias da teologia” 13. A discussao que atravessa todo o idealismo alemao sobre a liberdade como autonomia e autodetermina^ao. levando & separaflo entre homem e natureza, consciencia e mundo, sujeito e objeto  para garantir  a independSneia do  primeiro termo face ao segundo, colOcou Espinosa no centre das querelas entre ilustrados e entusiastas e rominticos, os  primeiros afirmando o dogmatismo  pre-critico do espinosismo, ateu e filosdfico da necessidade natural absoluta, incompativel com a liberdade, e os segundos enfatizando o “mergulho” mistico do homem em Deus e na  Natureza, o  panteismo como integragSo totalizadora cuja expressao mais alta seria o espinosismo. De todo modo, a  polemica do  Atheismus e o Pantheismusstreit, os combates entre  Aufklarung e Schwdrmerei nao sao filosoficos apenas, mas  politicos, desde que nao-nos esquejamos de que a Alemanha e um  pais teologico-politico. Os combates Jacobi-Mendelsohn, Jacobi-Lessing, Kant-Jacobi, Kant-Svhelling, Hegel-kantianos transcorrem num clima semelhante ao que a obra espinosana conhecera na Holanda do s6culo XVII e na Franga do s6cuIo XVIII, suscitando era todos esses casos “uma oposigao  passional, comparavel ^uela que  pode suscitar  o comunismo 'em certas nagoes ocidentais modernas”  —  Jean-Louis Bruch —  introdugao a Kant-Lettres sur  la  Morale et  la  Religion, Paris, AubierMontaigne, 1969.  No swulo XVII', Leibniz dissera ser  Espinosa “Sata encarnado”, merecendo ser  posto a ferros e vergastado at6 Ji morte.  No s6culo XVIII, Mendelsohn chamard  Espinosa “cao morto”. Ser  considerado “espi nosista” era crime e foi  para livrar-se dessa acusagao que Kant escreveu O que i orientar-se  pelo  pensamento? Seria interessante observar  que'a obra espinosana  passa  por  tres . representagoes sucessivas: ateia (s^ulo XVII e Ilustragao), mistico-panteista (Romantismo  —  Espinosa, “o homem 6brio de Deus”), racionalista absoluta (Hegel, s6culo XX). 14. Citado  por  Maximilien Rubel', in  Marx d  la  Rencontre de Spinoza, Cahiers Spinoza, n.° I, Paris, Editions' Replique, 1977. 15.  Ludwig Feuerbach  —  Principes de la Philosophic de  I  Avenir  (1843), Paris, Presses Universitaires de France, 1973,  p. 148. £  possivel avaliar  o  peso dessa afirmagao quando a confrontamos com um texto de 1839, CrU  ’

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Mapc menciona Espinosa  poucas vezes,. as referencias mais conheddas sendo “a ignorSncia nao argumento” (inspirada no ApSndice do Livro I da  jS’f/co que critica as causas finais imaginativas e o fecursoi vontade divina  para explicar  o inexplicdvel  porque mal conhecido) er  o c61ebre  dmnis  determinatio  negatio est (retirado.da cart^ 35 da Espinosa a Hudde), embora interpretado  por  Marx num seritido muito mais hegeliano do que espinosano ^

tica da Filosofia de  Hegel'. “A  Nature za se ergue apenas'contra a liberdade do imagin^rio, mas nao contradiz a liberdade racional. Todo copo de vinho que tomamos em demasia 6  uma  prova  pat^tica e mesmo “ peripatfitica” que a sujeifSo a  paixao revolta o sangue;  prova que a sophrosyne grega vai inteiramente no rumo da  Natureza. Sabe>se que mesmo os estdicos, os rigbrosos estdicos, esses espantalhos dos moralistas cristSos, tinham  por   princfpio: viver  conforme a natureza”. PUF, op. cit.,  p. 56. A iddia de que a libwdade. so contraria a natureza  para a imagina$ao e  jamais  para a razao 6 a tese central de Espinosa. Para ele, a oposi$ao liberdade-natureza - desliza  para a  pposifSo liberdade-necessidade e esse deslizamento ocorre  porque a imagem da-liberdade,-a imagem da natureza e a imagem da. necessidade  possuem conteddos 'precisos contrdrios ks suas essencias: liberdade,  para a imagina^So, significa “ter   poder  sobre outrem” e “escolher  voluntariamente”; natureza!  para a imaginasao, significa “sucessacy mecanica de causas e efeitos  por  semeIhanga e 'contiguidade*'; necessidade,  para a imagina?ao, significa “decreto riecessirib. de origem desconhecida”, “autoridade”. fi o deslizamento da liber dade  para-a dominasSo e d a necessidade  para a autoridade o-que as opoe. Para Espinosa a  Natureza 6  forga infinita imanente que se autoproduz ap  produzir  todos os seres; a necessidade 6  o desdobramento interno de u ma forpa ou causa imanente; a liberdade,, .forpa interna de autodeterminagSo  para realizar  o/desdobramento necess^io da essSncia de um ser  singular  e, sobretudo, ^ liberdade do corpo e da alma (e nao apenas desta), definindorse como aptidao  para o mdltiplp simultaneo ou  para o  plural.  Nesse sentido, ela- 6  a definipao da  prbpria democracia como  pluralidade simultanea. 16. A?  principals citapoes de Espinosa-  por  Marx encontram-se em: Cadernos soFre a  filosofia de  Epicuro, in Marx-Engels Werke, volume suplementqr, Berlim, 1968^,  pp. 219, 225, 286;  Notas sobre a recente ordem  prussiana sobre a censura.  publicada  , Anedokt a...,  por  Ruge, in Karl Marx•Friedrich Engels Werke Dietz Verlag, Berlim, 1969, Band  1,  pp. 7, 9.; O  Artigo de Fundo do nP 179 -da Gazeta de Coldnia na Gazeta  Renana (Der  leitende* Artikep, in Werke, op. cjt;,  p. 103;  A Sagrada Pamilia. 'm Werke, Rand  II, op. cit.,  pp. 131,135, 139, -141;  A. Ideologic  Alema, in Werke, Band  nl op/ cit., .p. 82, ,132 304; Carta de Marx a Adolf  Cluss de 30 de  julho de 1852 e Carta de Marx a Lassalle de 31 de maio de 1858, ainbas citadas  por  Maximilien Rubel, op. cit.,  pp. 24, 25. A expnsslo omnis determinaiio est  negatio encontra-se 'na- Critica d  Economic Politico,  Introdugao: A  produfa o, enquanto e • imediatamente idSntica ao consumo, o consume, ’

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todavia, uma razao  ponderavel  pwa- acompanharmos a  presenga de-Espinosa no .pensamento-de Marx. Em novembro de 1,841, aparece a  primeira edigao de  A  Essincia  4o Cristianismo, de Feuerbach. Em abril desse mesmo ano, Marx recebera o titulo de doutor  em filosofia  pela universidade de lena com uma tese que infelizmente nao chegou at6 n6s  por  inteiro,  A  diferenga entre  as  jilosoOra, e ainda desse  fias  dq  Natureza  de,  Demdefito e  Epicuro mesmo ano de 1841 um’ ciirioso caderno de Marx eni cuja capa se IS: Spinoza Thtologisch-PjoUtischer Tratakt von  Karl   Heinrich  Marx. O “von Karl Heinrich Marx” 6   bastante significativo,  pois de fato enquanto coincide imediatamente com a  produgao, chamam de consumo  produtivo. Esta identidade de  prodii$ao e coii^umo nos leva & 'proposifao de Espinosa: determinatio est  negatio”. Abril Cultural, op. cit.,  p.- 115; 'Werke, Band  Xin, op.-cit.,  p. 622. E em 0 Capital'. ”0 economista vulgar  nunca fez essa simples reflexao; que toda- apao humana.pode ser  encarada como uma “abstengao” de seu contrdrio. Comer  e abster-se de  jejuar; andar  6 abster-se de ficar  no lugar; trabalhar, abster-se da ociosidade; ficar  bcioso 6  abster-se de trabalhar  etc. Estes senhores  bem  poderiam raeditar  sobre esta  proposigao de Espinosa: determinatio est- negatio”. Oeuvres, Plliade,  bp. cit., T. I,  p. 1103. Essa expressao e mencionada  por  Hegel nas  Ligdes de  Histdria da Filosofia, no capitulo  Espinosa como “a grande fra^se dfc ^pinosa”, mas  para logo em seguida comentar: “O entendimento  possui determinafSes que nao se contradizem: A negagao da negacao 6  contradigao; ela nega a negaffao; assim ela e afirmagao e, no entanto, ek  tamb6m 6  negajao em geral. Essa contradigao o entendimento nao  pode suportar, ela e o racional. Esse  ponto falta em Espinosa, e nisto estS sua cardneia”. Coment^io retomado na  E'dgica: “Espinosa  perman ece'na negapao como determina?ao ou qualidade;' nao vai at6 o conhecimento dessa mesma negagao como negajao absoluta, isto 6, negagao se negando; assim, sua subst^ncia nao cont^m ela  propria sua forga absoluta e o conhbeer  dessa mesma' subst&ncia nSo um conhecer  imanente”. E ainda: “A determinagao 6 a negagao considerada do  ponto de vista da afirmagao. £ a  prbposigao de Espinosa: omnis determinatio est negatio”. E tamb6m na  Enciclopidia I, § 91. £ essa interpretagao hegeliana que encontramos nas citagSes de Marx. Sobre a interpretagao- hegeliana da negagao espinosana veja-se: G6rard  Lebrun  —  La Patience du Concept, Paris, Gallimard, 1972; Kant  et  la  fin de la  Mitaphysique, Paris, Armand  Colin, 1970; Paulo 'Eduardo Arantes  —   IJegel:'  a Ordem do Tempo, Sao Paulo, Pblis, 1981; Martial -Gu6roult  —  Spinoza, Paris, Aubier  Montaigne, 1968, ■f. L; Pierre Machefay  —  Hegel ou Spinoza, Paris,'Masp6ro, 1979; Marilena Chaui  —  A  Nervura do  Real. ., op. cit. 17. Veja-se a  bela edigSo  brasileira organizada  por  Jos^ Am6rico Pessanha. Global Editora, Sao Paulo, 1979. .

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Marx nao copia ou simplesrflente transcreve o Tratado -Teologico Politico, mas o reescreve: muda a ordem dos capitulos, corta trechos, encadeia outros com novos conectivos. A16m do TTP, o cademo traz uma sele5§io de cartas de Espinosa relativas a religiao,  k  polftica e ao infinito Se considerarmos que, na Questao  Judaica, Marx leva as dltimas consegii^ncias ideias expostas na Critica  d   Filosofia  do  Direito  de  Hegel  e na  Introdugdo de 1844, entre as quais  predomina a criti ca do carater  teoldgico-polltico da  pr^tica e da teoria  pollticas na Alemanha (que sequer  conseguira alcangar  a constituigao  plenamente  polltica do Estado, mantendo-o fundado nos  pilares do cristianismo), a leitura do Tratado Teoldgico-PolUico e sua reescrita passam a ter  um significado importante  para a elaboragao do  pensamento  politico de Marx, nessa epoca. Ousarlamos dizer  que, assim como Feuerbach oferece a Marx a  possibilidade da critica filosdfica a religiao, Espinosa Ihe oferece a  possibilidade da critica filosdfica ^  polltica. 18. O Tratado Teoldgico-PolUico e reescrito na seguinte ordem: cap. VI, sobre os milagres; XIV, sobre a fe; XV, sobre a razao e a teologia; XX sobre a liberdade de expressao; XIX, sobre o direito no dominio do sagrado; XVIII, sobre alguns ensinamentos politicos derivados da organizagao do estado dos hebreus; XVII, sobre o estado hebraico; XVI, sobre os fundamentos do Estado; VII, sobre a interpretagao da Sagrada Escritura; VIII, sobre os autores do Penlateuco; IX, sobre o trabalho de Esdras e a ligao das notas mar  ginals; X, sobre os outros livros do A.T.; XI, sgbre o  papel dos apdsfolos nas epistolas; XII, sobre a Escritura Sagrada como  palavra de Deus; XIII, sobre a simplicidade dos ensinamentos da Escritura Sagrada; I, sobre a  profecia; II, sobre os  profetas; II, sobre a vocagao  prof^tica dos hebreus; V, sobre as cerimonias religiosas e a f6 nos relatos. Um estudo dessa  prova ordem nos daria resultados extraordinarios,  pois toma o texto segundo um ,fio condutor  no qual historia e interpretagao da historia se cruzam como metodo logico e critico a  partir  da  politica. As cartas transcritas  por  Marx sao em ndmero de 15: 1 a Blyenbergh, 9 a Oldenburg, 2 a Simon de Vries, 1 a Pieter  Balling, 1 a Albert Burgh, 1 a Luis Meijer. Essa selegao mostra que Marx escolheu as cartas de critica a teologia  judaico-crista e a metafisica cartesiana, todas elas com implicagoes na sua teoria  politica.  Nao vamos comentar  essas cartas, mas um comentario revelaria que Marx selecionou aquelas nas quais Espinosa critica o cristianismo como suporte do  poder  teoldgico-politico, excegao  para a carta a Meijer, a celebre carta 12 sobre o infinito, uma das mais importantes da correspondencia espinosana. .

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Ainda no  perlodo de  jornalismo da Gazeta  Renana,  pelo menos ties artigos 'sobre a liberdade de imprensa e contra a censura mencionam o nome' de Espinosa, que escrevera o TTP, como atestam p subtltulo da obra e uma das cartas a Oldenburg (transcrita no caderno de Marx),  para demonstrar  que a liberdade de  pensamento e de expressao 6  essencial  para a  paz e seguranga  pollticas,  pois as leis da censura, nasddas da “sanha dos tedlogos”, longe de garantirem esses dois valores, eilcaminham a repdblica  para a violeneia e a irracionalidade e,  portanto,  para a autodestruigao.  Nos artigos de Marx, al6m da' mengao expllcita de Espinosa, “ para quern, a moral repousa sobre a autonomia e a religiao sobre a heteronomia do esplrito humano” e  para o qual, como  para Marx, “filosofar  e agao da livre razao” encontramos uma id6ia do Tratado Teoldgico-PolUico que, em seu •caderno, Marx redige isoladamente, quase como se fora um aforisma: “A verdadeira finalidade da republica e,  pois, a liber dade”. 6u, como ’lemos na Gazeta  Renana: “tereis que reconhecer  que o Estado deve ser  construldo nao segundo a religiao, mas segundo a livre razao ®®. E, no caderno de 1841, Espinosa-Marx: “Admitamos que seja  posslvel abafar  a liberdade dos homens e Ihes impor  o  jugo a tal  ponto que nao ousem sequer  murmurar  algumas  palavras sem o consentimento da autoridade suprema, mesmo assim serd  imposslvel impedi-los de  pensar  o que qudram e como o queiram (...) conseqiientemente, as leis que concernem as opinioes sao dirigidas nao contra celerados (noutro trecho, escreve Espinosa: “os que querem ter  a  panga e o  bau empanturrados ”), mas contra homens livres e, em lugar de  punir  os malignos, irritam aos honestos, nao  podendo ser  defendidas senao com grande dano e  perigo  para a republica” ”

Essa ideia, que servira a Espinosa  para argumentar  contra a violencia e irracionalidade da censura (pois a marca essencial da  polltica e a visibilidade do 'espago social, de sorte que os governados, cidadaos,  possam  julgar, aprovar, condenar  e opinar  sobre as agoes 19.  Nota sobre a recente. op. cit., loc. cit. 20.  Der   Leitende  Artikel... op. cit.,. loc. cit. 21. Caderno de 1841  —   Espinosa Tratado Teoldgico'  Politico  por  Karl  Heinrich  Marx, in Cahiers Spinoza, nP 1, op. cit.,  p. 45. Marx reescreve em latira de onde fizemos a tradugao,  porquanto a versao francesa “moderniza” o texto espinosano levando a vdrios contra-sensos.

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dos governantes, sendo a  polftica incompativel com a invisibilidade do  poder ), tinha como alvo uma forma hibrida da  poHtica, ou melhor, a impossibilidade da  politica como ^fera aut6noma da  prdtica,  pois subordinada ao poder  teol6gico, cujo suporte e for?a repousam,justameate, na invisibilidade sagrada da autoridade. A critica de. Marx aos censores,  k. tibieza dos libeirais,-  k subservi&icia dos intelectuais, assim como a critica geral  k  politica .alema e a filosofia  pol;tica hegeliana, retoma o  problema da heteronomia  politica, t&nto m^or  quando nos lembramos do significadq  que.os tedricos alemaes haviam dado  k revolugao francesa, at6 mesmo quando, como Hegel, lamentavam que nao houvesse cumprido sua finalidade, isto 6, o advento da  politica como atividade racional humana sem suportes transoendentes.  No.jovem Marx, a critica a heteronomia tinha como  pressuposto- a confianja que depositava numa  politica entendida como exercicio  prdtico da razao e, conseqiientemente, na aboli^ao de toda referencia externa e transcendente ao  poder. Em resumo, o ataque de Marx, como  jomalista e como fildsofo,  k monarquia constitucional alema retoma a afirmagao que abre o Teoldgico-PolUico: nao hd  meio mais eficaz  para dominar  a massa do que- a supemtigao amparada  pelo aparelho da religiao e cuja expressao  politica 6  a monar  quia, na qual os cidadaos, transformados em suditos, sao levados a “adorar  os reis como se fossem deuses’\  Na Critica d  Filosofia  do  Direito  de  Hegel: “Outra conseqUSncia dessa especulagao mistica consiste no fato de uma unica existencia  particular, empirica, oposta ^s outras, ser  conoebida como existencia da ideia. Uma vez mais se sente a  profunda impressao mistica que resulta de se ver  a id6ia dar  origem a uma existencia  particutar  e de encontrar  uma encamagao de Deus (...) Hegel estd  interessado em apresentar  o monarca como “Homem-Deus”, como verdadeira encamagao da id6ia”  Nessa  perspectiva critica, 6  possivel compreender  a  peculiar  modificagao impressa  por  Marx na ordem dos capitulos do Teologico Politico, fazendo-o comegar  pelo capitulo VI, sobre os milagres.  Na transcrigao de Marx lemos: ‘‘nada  prova melhor  aos olbos do vulgo a ^istSncia de Deus do que, subitamente, a natureza nao seguir  sua ordem  prdpria. Em outras  palavras, enquanto a natureza segue sua 22. Kritik  des  Hegelschen Staatsrechts, in Werke Band  I, op. cit.,  p. 225; Critique of   Hegel's Philosophy of   Right, Cambridge, University Press, 1977,  p. 24; Critica da Filosofia do  Direito de  Hegel, Editorial Presenga, s.p.,  p. 37.

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■ordem, supoem que Deus nSo age e, em contrapartida, quando Deus age, supoem que as  potSncias e causas naturals estao ociosas. Por  isso o vulgo chama de milagres os acontecimentos insdlitos danatureza. Pois o dnico meio de adorar  a Deus e referir  todas as coisas  k sua vontade e ao seu  poder  6 suprimir  as causas naturals, subyertendo imaginariamente a ordem natural; e a  potencia de Deus i  pelo vulgo tantq  mais admirada quanto mais imagina a  potdncia da natu reza acorfentada  por  Deus”'^. O milagre, invergao imagindria da ordem natural dos eventos, nao 6 contranatureza  por  ser  um acontecimento extraordindrio; mas  porque revela o  pressuposto da imaginagao religiosa e teoldgica, isto 6, a admissao da  passividade da natu reza submetida  k atividade de uma vontade externa, transcendente, onipotente e sobretudo insonddyel. Tanto a iraagem est^ril da natu reza quanto a imagem volUntariosa da divindade desdenham o essencial, - ou seja, a necMsidade imanente da atividade natural e divina,  pois  Deus  sive  Nature. Se,  por  sua essSneia (os atributos  pensamento'e extensao inodificados), a natureza 6  imanente ^ ^ubstancia infinitamente infinita,  por  sua  potSneia ou causalidade eficiente, a substdneia infinitamente infinita 6  imanente  k natureza  —  como demostram as  proposigoes do livro I* da  Ftica. Todavia, a crenga no milagre  possui ainda outras dimensoes. Fundamentalmente antro pomdrfica, a imaginagao, isto 6, o conhecimento  pdr  meio de representagoes abstratas ou imagens, confunde atividade e arbitrariedade,  passividade e necessidade, criando-obstdculos  poderosos  para a compreensao da autbnomia da natureza, da substdneia infinitamente infinita e do homem.  Numa  palavra, a imagjnagao, enquanto co nhecimento inadequado ou abstrato, 6 o lugar   por  excelfincia d^ heteronomia, confundindo necessidade e decreto, liberdade fe acaso ou capricho.  Nada surpreendente,  portanto, quando essas. ima^ns regressam ao  ponto de onde  partiram, isto 6, a imagem do  poder, que a vontade do monarca aparega como tendo forga de lei,  Na Critica  da  Filosofia  do  Direito  de  Hegel, denunciando as inversoes mistico-imagindrias do sujeito e dos  predicados nas ideias hegelianas, Marx dird  que Hegel, apos ter  acompanhado o  processo de separagao entre sociedade civil e Estado, os reunifica gragas  k vontade do , monarca, sem contudo demonstrar. a necessidade deste ultimo senao 23. Caderno de 1^41, op. cit., loc, cit.,  p. 33.

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recorrendo a “natureza”, que, milagrosamente, faz algumas criaturas nascerem cavalos e outras, reis. Espinosa nao e iluminista  —  para ele a religiao nao 6  absurda  —  nem e especulativo  —   para ele a verdade e racionalidade da religiao nao se encontram nela mesma. A16m disso, diferindo  profundamente de Feuerbach, nao considera, como este, a religiao forma da alienagao da essencia  humana exteriorizada e  projetada na essin cia  fantdstica  de  Deus. Para ele, a religiao cristaliza os efeitos da su'perstigao, que  projeta uma imagem  do  homem numa imdgem  fantdstica  de  Deus;  portanto, igualmente distante da essSncia de ambos. Por  outro lado, a antropologia espinosana,  pondo o homem como modificagao finita de atributos infinitos da subst^ncia, nao 6 um humanismo, como o 6 a filosofia feuerbachiana. A origem da superstigab nao e um erro do entendimento nem uma ampliagao desvairada da sensibilidade, mas a  paixao: o medo (de males que advenham ou de que  bens nao ocorram) e a esperanga (de  bens que advenham e de que males nao ocorram),  paixoes  produzidas  pela dispersao dos acontecimentos cujas causas  permanecem ignoradas e  pela fragmentagao temporal que os homens nao  podem dominar. Essa  passividade diante de forgas que nao compreendem e nao controlam os leva a invocar  finalidades ocultas, a crer  numa raciona lidade insondivel e numa atividade externa cujo suporte e a vontade transcendente de Deus,  asylum ignorantiae. Inversao abstrata das causas e dos efeitos, do condicionante e do condicionado, ampliagao antropomorfica da imagem humana na divina, o suporte da superstigao e o finalisino: imagina os homens agindo' tendo em vista fins (e nao  por  agao de causas eficientes imanentes ao desejo),  projeta essa forma de atividade na natureza, “fazendo-a delirar  com os homens”, e, a seguir, langa essa dupla imagem  para -a. divindade, arquiteto,  juiz e monarca do universe. “Tanto e o medo que ensandece os homens”, transcreve Marx em seu caderno. A religiao tern origem heterdnoma  —  a  paixao do medo e da esperanga  —  e tern uma finalidade heterdnoma  —  o  poderio sdcio-politico. Eis  porque, reescrevendo o TTP, Marx  passa do capltulo VI ao capitulo XIV  —  a distingao entre fe e tazao  — , ao capltulo XV  —  a diferenga entre filosofia e teologia  —  e dai ao capitulo XX  —  sobre a liberdade de  pensamento e de expressao. A 16  ensina 280

uma unica coisa: a.obediencia a dogmas e verdades reveladas. Sendo obedidneia, e essencialmente heterdnoma, diferindo da razao, essencialmente autdnoma. A teologia,  por  seu turno, manipulando textos considerados revelados, ensina a manter  a fe, enquanto a filo sofia desenvolve livremente a razao, gragas  k forga nativa do intelecto (modo do atributo infinite  pensamento). Portanto, toda tentativa  para elaborar  uma teologia  racional  e uma contradigao nos termos, fazendo com que “o teologo enlouquega sem a razao e o fildsofo com ela”  —  contradigao que, mostrard  Marx,  perpassa a filosofia  politica hegeliana, a inversao do sujeito e dos  predicados redundando em misticismo e mistificagao filosoficos. A diferenga entre f6 e saber, teologia e filosofia (diferenga que Hegel nao s6 conhecia  perfeitamente, mas sobre a qual escrevera desde a  juventude), sendo diferenga entre autonomia e heteronomia, faz com que uma  politica fundada em  pilares religiosos seja tiranica, dird  Espino sa, e anacfonica, dira Marx. “A constituigao  politica tern sido a esfera religiosa, a religiao, da vida  popular  e os cdus da sua universalidade tem-se oposto a existencia terrestre de sua realidade”, escreve Marx. Enfim, a diferenga entre teologia e  politica mostra nao set casual que os regimes teoibgico-politicos pratiquem a censura, temam acima de tudo a liberdade de  pensamento e de expressao e impegam a  paz e seguranga dos cidadaos.  Nao e impossivel compreender,  portanto, a enorme dificuldade da  Filosofia  do Direito face  k “opiniSo  pdblica” que, segund.o Hegel, deve ser  respeitada  porque manifesta algo-essencial da  politica, mas deve ser  desprezada como  barb^rie ou incultura  politica daninha  para o Estado. Enfim, compreende-se  por  que, na Questao  Judaica, Marx discute a  posigao de Bauer  e considera ilusoria a luta dos  judeus pela emancipagao religiosa num estado que e teolbgico-politico e,  portanto, no qual sequer  a  politica emancipou-se, ainda que tal emancipagao seja, ela tambbm,  problematica em decorrSneia da cisao “homem”-“cidadao”  produzida  pela sociedade  burguesa. Somente apbs aquele  percurso, Marx  passa aos capitulos XIX  —  sobre o direito no campo do sagrado  — , XVIII  —  sobre alguns ensinamentos da  politica hebraica  — , XVII  —  sobre o Estado hebraico  —  e ao capitulo XVI, destinado a demonstragao da origem e do significado da democracia. Percebe-se  por  essa seqtiSncia e  pela seguinte que Marx coloca no centre de sua reescrita a democra281

fa-se'para retomar  a si e ser  exatametite o que realmenie i. Onde se' encontra o inisticismo? Onde a teologia 'dessa operagao? A relagao real, diz Marx, transfigurada  pela especulagapj converte-se em. manifestagao da Ideia, isto-e, em fenomeno  —  a mediagao 'real se transfigura em fendmdno da mediagao que a'id6ia (o Estado)

cia, fazendo-a anteceder  pelos capitulos gbrais sobre a relagao .entre teologia e  polftica, que encontra-expressao-na teocracia hebraica, e suCeder  pelos capitulos histdricos sobre a constituis§o  politica dos hebreus. ^ interessante observar  que, logo ap
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