Cesário e Pessoa
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CESÁRIO E PESSOA a) Carácter deambulatório das respetivas obras obras poéticas e centralidade da cidade de de Lisboa. b) O conflito entre o estatismo e o desejo de evasão e de reconhecimento, e consequentemente, a escrita como viagem interior , como criação, como
compensação (para Pessoa, a escrita era uma compulsão, escrevia em tudo o que encontrava; daí as mais de 25000 fol has da sua “arca”). “arca”) . c) A relação de atração/ repulsa em em relação à cidade. d) O sentimento de humilhação poética, social e histórica. e) O desalento desalento / sofrimento do poeta: poeta:
Cesário: “…desejo absurdo de sofrer” Pessoa: “E os que leem o que escreve/ Na dor lida sentem bem/Não as duas que ele teve/ Mas só a que eles não têm.”
f) São poetas de lisboa: seres errantes, errantes, solitários, poetas do isolamento (aliás, (aliás, necessário à escrita). g) Como Cesário, também Pessoa Pessoa viveu entre a sombra do do anonimato (em vida, apenas apenas foi reconhecido pelos seus pares e editou apenas a Mensagem - 1934) e a ambição de ser um o grande poeta português, um génio à altura de Camões. h) Também à semelhança semelhança de Cesário, também também o reconhecimento reconhecimento só chega chega após a morte.
Professora: Ana Maria Silva de Amaral
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Cesário, que conseguiu Ver claro, ver simples, ver puro, Ver o mundo nas suas coisas, Ser um olhar com uma alma por trás, e que vida tão breve! Criança alfacinha do Universo, Bendita sejas com tudo quanto está à vista! Enfeito, no meu coração, a Praça da Figueira para ti E não há recanto que não veja por ti, nos recantos de seus recantos. É deste modo, sintético, mas tão profundo, demonstrando o pleno entendimento da poesia de Cesário Verde, que Álvaro de Campos se refere ao autor de “O Sentimento dum Ocidental”, em 6 de Abril de 1930. A importância da obra de Cesário para toda a poesia portuguesa do século XX, e não apenas a modernista, é indiscutível, sendo muitos os poetas que lhe rendem homenagem e que entram em direta intertextualidade com ele. Por outro lado, em estrito sentido cronológico, o facto é que Cesário acaba por ser, historicamente, um autor do século XX: quando morreu, em 1886, os seus poemas estavam dispersamente editados em jornais e revistas e, um ano depois, em 1887, o seu amigo Silva Pinto edita O L ivr o d e Cesário Verd e , com um número de exemplares muito reduzidos, distribuídos por um círculo restrito; apenas no novo século, em 1901, surge uma segunda edição, esta para o público em geral. E, na verdade, será como um autor do século XX que os jovens modernistas vão ler e entender Cesário, considerandoo um mestre e um par. Neste sentido se entendem as palavras de Mário de Sá-Carneiro, em 1914, na resposta ao inquérito do jornal República sobre «O Mais Belo Livro dos Últimos Trinta Anos», quando elege o «livro do futurista Cesário Verde, ondulante decerto, intenso de Europa, ziguezagueante de Esforço.» Em 1912, Fernando Pessoa, nos artigos que constituem a sua estreia literária – A Nova Poesia Portuguesa –, refere Cesário para exemplificar uma característica da «objetividade
poética» – a plasticidade. Segundo ele: «entendemos por plasticidade a fixação expressiva do visto ou ouvido como exterior , não como uma sensação, mas como visão ou audição. (…) A perfeição da poesia plástica consiste em dar a impressão exa ta e nítida (…) do exterior como exterior, o que não impede de, ao mesmo tempo, o dar como interior, como emocionado.». Assim, a poesia cesárica seria perfeita e absolutamente inovadora: num apontamento, talvez da mesma altura, Cesário é considerado uma «força renovadora» da literatura porque «foi o
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primeiro a ver na poesia portuguesa», porque teve «a visão mais clara das coisas e da sua autêntica presença que é possível encontrar na literatura moderna.» Num outro texto, de 11 de Novembro de 1934, Pessoa une o nome de Cesário aos de Antero de Quental e de Camilo Pessanha, considerando-os os únicos poetas dos séculos XIX e XX que merecem a designação de mestres: «Concedo que se lhes anteponham outros quanto ao mérito geral; não concedo que algum outro se possa antepor a qualquer deles nesse abrir de um novo caminho, nessa revelação de um novo sentir, que em matéria literária propriamente constitui a mestria.» Cesário foi mestre porque «ensinou a observar em verso; descobriu-nos a verdade de que o ser cego (...) não é qualidade necessária a quem faz poemas.». A presença de Cesário na obra pessoana não se limita às considerações de índole ensaística sobre a sua relevância como precursor. Cesário é uma presença assídua nas obras de Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Bernardo Soares, constituindo um elemento que dá coerência ao sistema de relações entre as várias personagens do romance drama em gente. Os três assumem conscientemente a intertextualidade com Cesário. Bernardo Soares escreve, por exemplo: «Amo, pelas tardes demoradas de verão, o sossego da cidade baixa, e sobretudo aquele sossego que o contraste acentua na parte que o dia mergulha em mais bulício. A Rua do Arsenal, a Rua da Alfândega, o prolongamento das ruas tristes que se alastram para leste desde que a da Alfândega cessa, toda a linha separada dos cais quedos – tudo isso me conforta de tristeza, se me insiro, por essas tardes, na solidão do seu conjunto. Vivo uma era anterior àquela em que vivo; gozo de sentir-me coevo de Cesário Verde, e tenho em mim, não outros versos como os dele, mas a substância igual à dos versos que foram dele.» Alberto Caeiro, por seu turno, elogia em Cesário o modo de olhar, de reparar, de ter ensinado a ver, de ter sido um poeta do real exterior e objetivo, apesar de ter vivido aprisionado na cidade, como afirma no poema III de O Guardador de Rebanhos. Além disso, um prefácio para a obra de Caeiro, escrito por Ricardo Reis, termina com a seguinte frase: «Esta obra toda é dedicada por desejo do próprio autor à memória de Cesário Verde.». Quanto a Álvaro de Campos, existe uma identificação profunda com Cesário: ambos são poetas da cidade, do crepúsculo e da noite; ambos sentem a inquietação que chega com
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o crepúsculo; ambos percecionam o mistério para lá da realidade, como se constata no início do segundo poema de Dois excertos de odes, fins de duas odes, naturalmente : «Ah o crepúsculo, o cair da noite, o acender das luzes nas grandes cidades, E a mão de mistério que abafa o bulício, E o cansaço de tudo em nós que nos corrompe Para uma sensação exata e precisa e ativa da Vida! Cada rua é um canal de uma Veneza de tédios E que misterioso o fundo unânime das ruas, Das ruas ao cair da noite, ó Cesário Verde, ó Mestre, ó do «Sentimento de um Ocidental». Que inquietação profunda, que desejo de outras coisas, Que nem são países, nem momentos, nem vidas, Que desejo talvez de outros modos de estados de alma Humedece interiormente o instante lento e longínquo!» Cesário é igualmente mestre e par de Campos no que respeita ao sentir e ao saber a especificidade e importância da mínima coisa, por insignificante que possa parecer, valorizando o quotidiano e o prosaico. Neste sentido se entende a convocação do seu nome em plena Ode Marítima: «Com um grande prazer natural e direto percorro com a alma Todas as operações comerciais necessárias a um embarque de mercadorias. A minha época é o carimbo que levam todas as faturas, E sinto que todas as cartas de todos os escritórios Deviam ser endereçadas a mim. Um conhecimento de bordo tem tanta individualidade, E uma assinatura de comandante de navio é tão bela e moderna! Rigor comercial do princípio e do fim das cartas: Dear Sirs – Messieurs – Amigos e Snrs, Yours faithfully – … nos salutations empressées… Tudo isto é não só humano e limpo, mas também belo, E tem ao fim um destino marítimo, um vapor onde embarquem As mercadorias de que as cartas e as faturas tratam. Complexidade da vida! As faturas são feitas por gente Que tem amores, ódios, paixões políticas, às vezes crimes –
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E são tão bem escritas, tão alinhadas, tão independentes de tudo isso! Há quem olhe para uma fatura e não sinta isto. Com certeza que tu, Cesário Verde, o sentias. Eu é até às lágrimas que o sinto humanissimamente. Venham dizer-me que não há poesia no comércio, nos escritórios! Ora, ela entra por todos os poros… Neste ar marítimo respiro-a, Porque tudo isto vem a propósito dos vapores, da navegação moderna, Porque as faturas e as cartas comerciais são o princípio da história E os navios que levam as mercadorias pelo mar eterno são o fim.» Ainda antes de o Sensacionismo ter sido criado, Cesário foi um mestre sensacionista: «Se a avaliação dos movimentos literários se deve fazer pelo que trazem de novo, não se pode pôr em dúvida que o movimento Sensacionista português é o mais importante da atualidade. É tão pequeno de aderentes quanto grande em beleza e vida. Tem só 3 poetas e tem um precursor inconsciente. Esboçou-o levemente, sem querer, Cesário Verde. Fundou-o Alberto Caeiro, o mestre glorioso (…). Tornou-o, logicamente, neoclássico o Dr. Ricardo Reis. Moderniza-o, paroxiza-o (…) o estranho e intenso poeta que é Álvaro de Campos. Estes quatro – estes três nomes são todo o movimento. Mas estes três nomes valem toda uma época literária.» O rasto de Cesário em Campos não se restringe às referências explícitas, sendo detetável no ambiente poético e em características comuns: a relevância das notações sensoriais, a atenção ao real e a sua transfiguração, a valorização do quotidiano e do prosaico são características dos dois poetas. Outras afinidades se evidenciam ainda: os poemas de ambos apresentam um «eu» em situação, encenam monólogos interiores de um sujeito poético em deambulação, durando o poema, ficticiamente, o tempo de um percurso a pé ou o tempo de fumar um cigarro (veja-se, por exemplo, Passo na noite da rua suburbana, de Campos, e Contrariedades, de Cesário). A «plasticidade» de que Pessoa falava, em 1912, é, em ambos, dinâmica. Por outro lado ainda, e num outro plano ideológico, se Cesário evoca, em O Sentimento dum Ocidental , um passado mítico perdido, face à decadência do presente («E evoco, então, as crónicas navais: / Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado! / Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado! / Singram soberbas naus que eu não verei jamais!»), Campos, declara, em Opiário , pertencer «a um género de portugueses / Que depois de estar a Índia descoberta / Ficaram sem trabalho.»
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