Celso Furtado - Formação Econômica [Resumo].pdf
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FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil . 30 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001 (Biblioteca Universitária. Série 2, Ciências sociais, v. 23). Primeira edição: 1959.* Primeira Parte – Fundamentos econômicos da ocupação territorial
Os primeiros capítulos do livro buscam apresentar as relações econômicas e políticas que apontaram os rumos da colonização portuguesa no Brasil e também os processos nas demais colônias da América, dos séculos XVI ao XVIII. Primeiro, trata de explicar as razões que levaram a estabelecer-se na América portuguesa uma empresa agrícola de larga escala. Assim como a Espanha, Portugal esperava que suas terras na América pudessem fornecer grandes quantidades de metais preciosos. Estava claro que a ocupação das terras seria necessária para garantir sua posse. No entanto, diferentemente da Espanha, que já havia conseguido explorar metais preciosos de forma a sustentar a ocupação, Portugal dispunha de recursos relativamente escassos para realizar essa mesma tarefa. Para tanto, Portugal contava com a experiência da produção de açúcar —uma especiaria em ascensão na Europa—em suas ilhas do Atlântico, detendo o conhecimento técnico que viabilizaria a ocupação com a exploração econômica. Além disso, o monopólio do comércio do açúcar, que no século XV era controlado pelos comerciantes das cidades italianas, foi rompido com a distribuição da produção portuguesa pelos comerciantes flamengos, que já era expressiva na segunda metade do século XVI. Essa participação dos holandeses no fluxo do açúcar por toda Europa não estava limitada à etapa de comercialização, pois eles também contribuíram com investimentos de capital nas instalações produtivas localizadas no Brasil. Quanto à questão da mão-de-obra, Portugal também detinha as condições para tornar o empreendimento agrícola da colônia economicamente viável. Tanto pela falta de mão-de-obra na metrópole, quanto pela falta de condições econômicas capazes de atrair colonos, o empreendimento poderia ter se tornado inviável devido ao custo da mão-de-obra. A possibilidade de reduzir custos, retribuindo com terras o trabalho que o colono realizasse durante um certo número de anos, não apresentava atrativo ou viabilidade, pois, sem grandes inversões de capital, as terras praticamente não tinham valia econômica (pp. 11-12). * Resumo
elaborado por Christina Andrews para uso em aula.
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Entretanto, Portugal já tinha experiência do comércio de escravos africanos, experiência essa que se desenvolveu consideravelmente a partir do século anterior, no reinado de Dom Henrique. Estava, assim, solucionado o problema do fornecimento de mão-de-obra barata para o empreendimento açucareiro da colônia. Enquanto isso, diferentemente da estratégia portuguesa, os espanhóis trataram de estabelecer os seus domínios nas terras americanas com um modelo que, além de pretender ser auto-suficiente em termos locais, também deveria ser capaz de fornecer um excedente líquido, na forma de metais preciosos. Houve, assim, uma expansão dos gastos públicos na Espanha—e também dos gastos privados subsidiados por recursos públicos—, o que acabou por resultar em uma inflação crônica que se propagou para o restante da Europa. Sem uma estrutura produtiva e suprindo suas necessidades de consumo por meio de importações, a Espanha acabou por transferir riqueza para os demais países europeus. Com isso, tanto a metrópole como as colônias espanholas encontraram a decadência econômica. “Cabe, portanto, admitir que um dos fatores do êxito da empresa colonizadora agrícola portuguesa foi a decadência mesma da economia espanhola, a qual se deveu principalmente à descoberta precoce dos metais preciosos.” (p. 15) No entanto, o processo que veio a desarticular o monopólio da produção de açúcar nos trópicos teve lugar após o apogeu alcançado na primeira metade do século XVII. A ocupação de Portugal pela Espanha seguiu-se de uma guerra entre Holanda e este segundo país, motivada pela intenção dos holandeses de manterem o controle do comércio de açúcar. Nesse contexto, a Holanda ocupa as regiões produtoras de açúcar no Brasil (1630 – 1654). Isso representa o fim do sistema cooperativo que existiu até então. A ocupação permitiu que os holandeses tivessem acesso às técnicas de produção do açúcar e a seu sistema organizacional. organizaciona l. Após a expulsão dos holandeses do Brasil, esses não tiveram dificuldade de estabelecer um sistema concorrente de produção de açúcar no Caribe. “A partir desse momento, estaria perdido o monopólio, que nos três quartos de século anteriores se assentara na identidade de interesses entre os produtores portugueses e os grupos financeiros holandeses que controlavam o comércio europeu” (p. 17). O sistema de produção de produtos tropicais no Caribe teve efeitos profundos na economia de toda a América. De um lado, o sistema de produção baseado na pequena propriedade nas ilhas do Caribe é desarticulado como a implantação da produção de açúcar que, assim com era o caso no Brasil, tinha sua viabilidade econômica em um sistema baseado na grande propriedade e na mão-de-obra escrava. Nesse caso,
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porém, os holandeses não ocuparam as regiões produtoras, mas se ocuparam de financiar e garantir know-how para a produção. Para isso contribuíram as dificuldades econômicas das colônias inglesas e francesas que se agravavam com o isolamento em relação às metrópoles. Dessa forma, menos de um decênio depois da expulsão dos holandeses do Brasil, operava na Antilhas uma economia açucareira de consideráveis proporções, cujos equipamentos eram totalmente novos, e que se beneficiava de mais favorável posição geográfica. (p. 26)
Esse novo sistema produtivo nas Antilhas também teve conseqüências para as colônias americanas do norte. Ali ainda foi possível manter-se uma colonização baseada na pequena propriedade. Inicialmente, a colonização baseada na auto-suficiência indicava um lento desenvolvimento. Como a produção açucareira no Caribe implicou a migração de pequenos produtores dessa região para as colônias do norte, estabelecese um contato mais próximo entre as duas regiões. Além disso, com a desarticulação da pequena propriedade, as ilhas caribenhas passaram a ser importadoras de alimentos, que passaram a ser fornecidos pelos pequenos produtores agrícolas do norte. Daí outras formas de comércio entre as regiões foram sendo estabelecidos, o que fez prosperar outros setores nas colônias setentrionais, como a produção naval e a produção de bebidas alcoólicas, a partir da matéria-prima produzida nas Antilhas, entre a segunda metade do século XVII e a primeira metade do século XVIII. Furtado destaca a importância da separação entre essas duas regiões, pois isso permitiu que nem todos os recursos disponíveis fossem canalizados para a produção de açúcar. Isso representou o aparecimento na América do Norte de um tipo de economia similar à da Europa na época, baseada em uma produção voltada tanto para o consumo interno como para a exportação. Fatores como a guerra civil inglesa no século XVII e as prolongadas guerras entre Inglaterra e França favoreceram o fortalecimento do sistema formado entre as Antilhas e colônias setentrionais, devido ao isolamento das colônias em relação às metrópoles. As tentativas empreendidas pela Inglaterra no século XVIII para coibir a relação comercial entre as suas colônias e as Antilhas só fez por acirrar os atritos de uma relação já deteriorada pela existência de um sistema econômico em flagrante contradição com a condição colonial. Com isso, precipitou-se a separação entre as colônias setentrionais e a Inglaterra. A diferença entre os sistemas econômicos entre a América tropical e a América do Norte estabeleceu também as diferenças entre os grupos sociais dominantes nessas
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regiões. Enquanto os interesses dos produtores das Antilhas inglesas permaneceram ligados a setores econômicos da Metrópole, nas colônias do norte os interesses econômicos já estavam internalizados, já que envolviam grupos comerciais situados em Boston e Nova York, que se encontravam freqüentemente em conflito com a Metrópole. Essa independência dos grupos dominantes vis-à-vis da Metrópole teria sido um fator de fundamental importância para o desenvolvimento da colônia [norte-americana], pois significava que nela havia órgãos políticos capazes de interpretar seus verdadeiros interesses e não apenas refletir as ocorrências do centro econômico dominante. (p. 31)
Após a independência em relação à Espanha, Portugal viu-se em uma situação frágil na segunda metade do século XVII. A perda dos entrepostos orientais e a ocupação holandesa no Brasil colocavam em cheque a permanência do pequeno reino de Portugal como Metrópole comercial. Era preciso buscar apoio em uma grande potência para garantir a colônia na América. Assim é que Portugal firma diversos acordos com a Inglaterra, garantindo amplas vantagens comerciais em troca de apoio político e proteção militar. Com isso, Portugal torna-se um “vassalo” comercial da Inglaterra. Essa medida, porém, não solucionava o problema econômico da Metrópole, ainda abalada pela desorganização do mercado de açúcar. Portugal chega a iniciar uma política para substituir importações, mas essa acaba não se consolidando. O início do ciclo do ouro no Brasil tornou viável a continuidade dos acordos entre Inglaterra e Portugal. Assim como havia sido o caso da Espanha, Portugal obtém os produtos de que necessita, para si e também para a colônia, por meio de importações, especialmente da Inglaterra, que se consolidava na Europa no século XVII como potência manufatureira. Como observou o Marquês de Pombal, “os próprios negros que trabalhavam nas minas tinham que ser vestidos pelos ingleses” (p. 35). Quando a mineração de ouro no Brasil entra em decadência, no último quartel do século XVII, a Inglaterra já se encontravam em plena revolução industrial. Para garantir os mercados para seus produtos manufaturados, a Inglaterra abandona a sua postura mercantilista, adotando uma posição liberal, com abolição de tarifas alfandegárias. Nesse contexto, Portugal, que tinha muito poucas vantagens comerciais segundo os tratados com a Inglaterra, se enfraquece ainda mais, com a abolição das vantagens na comercialização de vinho para a Inglaterra. A transferência da corte portuguesa para o Brasil contou com o apoio dos ingleses. Deste modo, o início século XIX mantém a relação de dependência de Portugal em
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relação à Inglaterra. Essa situação de dependência reproduz-se na emancipação do Brasil em relação a Portugal: a transição quase sem percalços é fator que favorece a continuidade da dependência da ex-colônia em relação à Inglaterra. A tentativa da coroa portuguesa em fazer com que a Inglaterra interpretasse a independência brasileira como um ato de agressão a Portugal foi infrutífera. A Inglaterra tinha interesse em manter suas vantagens comercias com o Brasil independente e, assim, decide trocar o reconhecimento da independência por acordos vantajosos para si. “Pelo tratado de 1827, o governo reconheceu à Inglaterra a situação de potência privilegiada, autolimitando sua própria soberania no campo econômico” (p. 37). No final do século XIX, o Brasil estabelece-se como principal fornecedor de café aos EUA, estabelecendo vínculos que iriam além das relações comerciais. Isso favorece uma posição mais independente em relação à Inglaterra. Quando expira em 1842 o acordo firmado com a Inglaterra, o Brasil revoga sua vassalagem ao não aceitar a renovação do mesmo. “Contudo, do ponto de vista de sua estrutura econômica, o Brasil da metade do século XIX não diferia muito do que fora nos três séculos anteriores” (p. 38). Mantivera-se a estrutura da economia na produção agrícola com base no trabalho escravo, o que retardou o processo de industrialização. A expansão cafeeira da segunda metade do século XIX, durante a qual se modificariam as bases do sistema econômico, constituiu uma etapa de transição econômica, assim como a primeira metade desse século significou uma fase de transição política. É das tensões internas da economia cafeeira em sua etapa de crise que surgirão os elementos de um sistema econômico autônomo, capaz de gerar o seu próprio impulso de crescimento, concluindo-se então definitivamente a etapa colonial da economia brasileira. (p. 38) Segunda Parte – Economia escravista de agricultura tropical: séculos XVI e XVII
O ponto-chave da economia escravista deste período corresponde à forma como são remunerados os fatores de produção. Em uma economia industrial, os investimentos se refletem diretamente na renda da coletividade por meio da remuneração dos fatores de produção. Assim, os investimentos em equipamentos e construções corres-
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pondem tanto à remuneração do capital utilizado, como ao pagamento da mão-deobra utilizada. “Esses pagamentos a fatores, que são uma criação da renda monetária ou de poder de compra, somados, reconstituem a valor inicial da inversão.” (p. 48). Como observa Furtado, a “inversão feita numa economia exportadoraescravista é fenômeno inteiramente diverso” (p. 48). Isto é porque uma parte desses investimentos é feita na forma de importações —materiais de construção, equipamentos e mão-de-obra escrava—, ou seja, pagamentos ao exterior e, por isso, não podem se refletir na renda da coletividade. Outra razão para a não conversão de investimentos em renda para a coletividade se deve à utilização de trabalho escravo. O lucro do empresário corresponde à diferença entre o valor da produção e o custo de reposição e manutenção da mão-de-obra escrava. Assim sendo, quando aumentam os investimentos, o único efeito corresponde ao aumento no lucro do empresário, que não representa, entretanto, fluxo de renda, uma vez que “não era objeto de nenhum pagamento” (p. 49). Nesse sentido, a mão-de-obra escrava pode ser comparada com os ativos fixos de uma fábrica. Utilizando-se o maquinário ou não, os custos são constantes (reposição e manutenção). Mesmo no caso em que o empresário utiliza a mão-de-obra para outras atividades que não diretamente a produção, ainda que as atividades aumentem o ativo do proprietário, também não há fluxo de renda monetária. O consumo também não representa um fluxo de renda, pois grande parte é feita por meio de importações de bens do exterior. O escravo, quando utilizado para serviços pessoais de ser proprietário, igualmente não representa fluxo de renda. Nesse exemplo, Furtado compara o escravo com um automóvel: o desembolso de um valor inicial para sua aquisição é o retorno pelo serviço prestado. Mas, mais uma vez, não há fluxo de renda. Assim sendo, da mesma forma que um carro parado não afeta a renda da coletividade, a renda não se altera “caso os escravos deixassem de prestar serviços pessoais a seus donos.” (p. 49) Assim sendo, no sistema escravista-exportador, a renda concentra-se em sua quase totalidade nas mãos do proprietário do engenho, correspondendo ao valor das exportações do açúcar produzido deduzido dos custos dos fatores de produção que, como vimos, têm sua origem nas importações. Assim sendo, a entrada líquida de capitais corresponde à diferença entre importações e exportações, resultando em um fluxo de recursos entre a unidade de produção e o exterior. Essa simplificação nos fluxos monetários corresponde a uma “natureza puramente contábil” dessa economia, o que não quer dizer que não seja uma economia monetária. Ela é, mas sua manifestação é
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restrita ao fluxo externo, por meio de importações e exportações. Furtado critica as análises que identificaram no sistema escravista-exportador um modelo de tipo semifeudal. Nesse modelo a economia está isolada e não é possível tirar partido da divisão do trabalho. Portanto, enquanto no sistema semifeudal a característica fundamental é a não-especialização, no sistema escravista-exportador trata-se de um caso extremo de especialização econômica que é totalmente voltada para o fluxo externo. Assim, Furtado chega ao argumento sobre a expansão e evolução estrutural do sistema escravista-exportador. Diferentemente do caso da produção de açúcar nas ilhas do Atlântico, que se viu limitada pela falta de capacidade de expansão dos mercados consumidores, a produção crescente do produto no Brasil logrou ser acompanhada de uma crescente expansão dos canais de distribuição. Ou seja, a produção realizada no Brasil colônia no século XVI não encontrou seus limites na superprodução. Assim sendo, a expansão pôde ter lugar apenas por meio da expansão dos fatores de produção. Considerando-se que a rentabilidade do sistema escravista-exportador era suficiente para auto-financiar a sua própria expansão, esta ocorreu principalmente pela ocupação crescente de terras, então bastante abundantes. Portanto, a expansão foi possível sem qualquer modificação da estrutura produtiva; um crescimento em extensão sem mudanças estruturais. Além disso, mesmo nos períodos de recessão econômica, o fato de que a erosão do nível de rentabilidade se dava de forma bastante lenta devido ao sistema escravista. A manutenção do escravo era feita pela utilização de sua própria mão-de-obra, ou seja, o escravo sustentava a si próprio e a família de seu senhoril com seu trabalho, permitindo que sistema sobrevivesse três séculos sem que isso resultasse em uma mudança na estrutura produtiva. “Não havia, portanto, nenhuma possibilidade de que o crescimento com base no impulso externo originasse um processo de desenvolvimento de autopropulsão” (p. 52). Tal estrutura permaneceu como forma latente até o século XIX, quando condições propícias deram-lhe novo impulso. Não obstante o caráter eminentemente externo do sistema escravistaexportador do século XVII, outra atividade econômica desenvolveu-se, de forma dependente, junto à produção açucareira. Trata-se da produção pecuária, que tinha na demanda dos engenhos por carne para alimentação e animais para tração uma forma de atividade econômica, em especial no Nordeste. Assim como no caso da produção de açúcar, trata-se de uma atividade que se expandia por ampliação da ocupação de terras. A rentabilidade da pecuária era muitas vezes menor do que a obtida na produção de açúcar. Assim sendo, a dominação da produção açucareira não só subordinou a produção pecuária a seu sistema, mas também implicou na penetração da ocupação
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para o interior do país. A incompatibilidade entre o plantio da cana e a criação de gado, fez com que a pecuária se expandisse com a utilização de terras do interior do território, o que implicava também uma correspondente queda de rentabilidade com o progressivo afastamento do litoral. Nesse sentido, nas suas origens, a atividade pecuária era principalmente uma atividade de subsistência, à qual se dedicavam colonos sem capital para investimentos e que também acabou por incorporar a mão-de-obra indígena. Furtado estima que a renda gerada pela atividade pecuária no século XVIII, quando já havia se expandido para a região sul, era cerca de 20 vezes menor do que a renda gerada pela exportação de açúcar. A atividade pecuária, embora atrelada à atividade açucareira, em longo prazo, teve um comportamento diverso da atividade exportadora. Como visto acima, no auge da rentabilidade do sistema escravista-exportador, na primeira metade do século XVII, o autofinanciamento tornava possível dobrar a produção no prazo de dois anos. No entanto, a expansão dessa produção dependia de importações. Com o fim do monopólio na produção de açúcar, a economia nordestina entra em lenta decadência. Ainda que os custos de produção não fossem totalmente monetários, a dependência das importações, principalmente devido à necessidade de mão-de-obra escrava, levou ao processo de declínio do sistema produtivo. Gradualmente, a mão-de-obra que não podia mais se manter na atividade econômica predominante no litoral ia sendo absorvida pelo setor pecuário. Com isso, a atividade pecuária aprofundou a sua característica de atividade de subsistência. O fato de que o produto da pecuária era também a fonte de alimentos e de matéria-prima para a produção artesanal, permitiu um crescimento vegetativo tanto dos rebanhos como da população vinculada a esse setor. Isso foi possível sem que a população emigrasse, considerando que a atividade pecuária podia se expandir para o interior e não havia escassez de terras para essa atividade extensiva. O crescimento demográfico, porém, foi acompanhado por um processo de regressão econômica, e o caráter não-monetário das atividades produtivas se aprofundava. A expansão da economia nordestina, durante esse longo período, consistiu, em última instância, num processo de involução econômica: o setor de alta produtividade ia perdendo importância relativa e a produtividade do setor pecuário declinava à medida que ele crescia. [...] Dessa forma, de sistema econômico de alta produtividade em meados do século XVII, o Nordeste se foi transformando progressivamente numa economia em que grande parte da população produzia apenas o necessário para subsistir. (p. 64)
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Em suma, o declínio econômico da colônia não representou uma retração da expansão territorial. Pelo contrário, as dificuldades enfrentadas pelos colonos no século XVII implicaram mesmo na penetração do território, em especial no Nordeste e Norte. Durante o período de prosperidade, foi possível povoar toda a costa brasileira. “A fins do século XVI praticamente todas as terras tropicais do continente —isto é, as terras potencialmente produtoras de açúcar— estavam em mãos de espanhóis e portugueses, por essa época unidos sob um só governo” (p. 65). A situação tornou-se difícil para os colonos após a ocupação de Pernambuco pela Holanda. A colônia do Maranhão ainda articulava-se com o sistema nordestino de produção de açúcar, mas o Pará ficou totalmente isolado. Nos dois casos, foi necessário lutar com seus próprios meios para garantir a sobrevivência. Uma vez que todos os meios de subsistência tinham que ser obtidos pelas unidades familiares, a captura de mão-de-obra indígena tornou-se fator decisivo de sobrevivência. Isso implicava penetrar cada vez mais fundo nas florestas tropicais, o que resultou em um maior conhecimento do potencial econômico das mesmas. Na primeira metade do século XVIII a região paraense progressivamente se transforma em centro exportador de produtos florestais: cacau, baunilha, canela, cravo, resinas aromáticas. A colheita desses produtos, entretanto, dependia de uma utilização intensiva da mão-de-obra indígena, a qual, trabalhando dispersa na floresta, dificilmente poderia submeter-se às formas correntes de organização do trabalho escravo. Coube aos jesuítas encontrar a solução adequada para esse problema. Conservando os índios em suas próprias estruturas comunitárias, tratavam eles de conseguir a cooperação voluntária dos mesmos. Dado o reduzido valor dos objetos que recebiam os índios, tornava-se rentável organizar a exploração florestal em forma extensiva, ligando pequenas comunidades disseminadas na imensa zona. Essa penetração em superfície apresentava a vantagem de que podia estender-se indefinidamente. Não se dependia de nenhum sistema coercitivo. (p. 67)
Ao se iniciar o século XVIII, a economia estava cada vez mais voltada para atividades de subsistência, resultando na reversão da divisão do trabalho, na retração da produtividade, na fragmentação das unidades produtivas e na “desaparição das formas mais complexas de convivência social, substituição da lei geral pela norma local, etc.” (p. 69)
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Terceira Parte – Economia escravista mineira: século XVIII
O processo de decadência da produção de açúcar fez com que Portugal chegasse à conclusão de que só a exploração de metais preciosos poderia representar uma saída para a situação. Para tanto, foi particularmente útil o conhecimento dos sertões que os habitantes de Piratininga dispunham. Mas esse conhecimento não era suficiente, e foi preciso enviar especialistas para que a exploração do ouro pudesse ter lugar. A técnica de exploração do ouro também foi determinante para as mudanças econômicas e sociais do século XVII. Em primeiro lugar, há a questão da escala de produção. Enquanto a exploração da prata na América espanhola acontecia por meio de grandes minas, no Brasil a extração do ouro era feita em pequena escala, nos sedimentos de aluvião. Com isso, a exploração do ouro no Brasil atraiu de Portugal indivíduos com posses modestas, compatíveis com o sistema de exploração, que incluía desde a utilização de mão-de-obra própria, até um nível empresarial com utilização de numerosos escravos. Com isso, a população de europeus aumentou consideravelmente na colônia, superando a população de escravos. Outro efeito econômico importante do ciclo do ouro foi o considerável impulso à produção pecuária. A forma de exploração do ouro —em regiões distantes dos portos de escoamentos, em áreas geograficamente acidentadas— implicou um aumento substancial da demanda por animais de carga. Considerando ainda que as regiões de exploração não podiam suprir as necessidades de alimentos daqueles envolvidos na atividade mineira, a necessidade de transporte de alimentos também demandava a utilização dos animais. Com isso, o rendimento da atividade pecuária cresceu, superando seu caráter de subsistência. O resultado foi uma sofisticação do sistema de produção, com o aparecimento de especializações nas diversas fases de produção pecuária. A produção pecuária do sul do país beneficiou-se especialmente da eclosão do ciclo do ouro, e a região de São Paulo tornou-se o entreposto de comercialização dos animais, cujos compradores vinham de regiões que hoje compreendem os estados de Minas, Goiás e Mato Grosso. Uma vez que a atividade mineira era menos concentradora de renda do que a produção de açúcar, o ciclo do ouro possibilitou a formação de núcleos urbanos com densidade populacional significativa. Isso possibilitou a ascensão social de homens livres sem propriedade rural, até então restrita aos donos de engenhos. No entanto, o desenvolvimento das atividades manufatureiras, que poderia dar dinâmica à economia local, não teve lugar. As razões para tal remontam o Tratado de Methuem firmado en-
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tre Portugal e Inglaterra em 1703 e que estabeleceu a dependência do primeiro em relação à produção manufatureira do segundo. Cabe lembrar que a tentativa de Portugal de desenvolver suas atividades manufatureiras teve vida breve e foi definitivamente sepultada pelo Tratado. O ciclo do ouro no Brasil é que forneceu as condições para que o tratado fosse mantido. Sem o afluxo de ouro da colônia, Portugal dificilmente teria tido condições de manter o acordo, uma vez que a exportação de vinho teria sido insuficiente para compensar as necessidades de importação de todo o tipo de manufaturas da Inglaterra. Assim, seria necessário algum tipo de protecionismo para fomentar a produção manufatureira. O ciclo do ouro no Brasil “resolveu” a questão mantendo o padrão de importações. Quanto à colônia, o não-desenvolvimento das atividades de manufatura não resultou apenas das tentativas de interdição impostas pela Metrópole. Faltavam conhecimentos técnicos que pudessem ser aplicados em atividades manufatureiras. O declínio da produção de ouro também não favoreceu as condições para o desenvolvimento de atividades mais dinâmicas. A exploração do ouro alimentava nos mineiros a esperança de fortuna rápida. Com o declínio da produção, os ativos utilizados na produção eram exauridos na manutenção da produção. Diferentemente do caso dos engenhos de açúcar, nos quais a rentabilidade, ainda que decrescente, ainda propiciava condições para a manutenção da produção, no caso da exploração do ouro a rentabilidade chegava rapidamente a zero, forçando a sobrevivência por meio de atividades de subsistência. Após o apogeu entre 1750 e 1760, a extração de ouro entrou em rápido declínio, fazendo retroceder, mais uma vez, toda a economia para o nível de subsistência. Uns poucos decênios foi o suficiente para que se desarticulasse toda a economia da mineração, decaindo os núcleos urbanos e dispersando-se grande parte de seus elementos numa economia de subsistência, espalhados por uma vasta região em que eram difíceis as comunidades e isolando-se os pequenos grupos uns dos outros. Essa população relativamente numerosa encontrará espaço para expandir-se dentro de um regime de subsistência e virá a constituir um dos principais núcleos demográficos do país. [...] Em nenhuma parte do continente americano houve um caso de involução tão rápida e tão completa de um sistema econômico constituído por população principalmente de origem européia (p. 85 -86)
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Quarta Parte – Economia de transição para o trabalho assalariado: século XIX
O final do século XVIII foi rico em acontecimentos políticos mundiais que repercutiram no Brasil. A guerra da independência na América do Norte e a revolução francesa alteraram a oferta de produtos tropicais e ofereceram novas oportunidades de desenvolvimento econômico para a colônia portuguesa. O Maranhão têm período de prosperidade, beneficiando-se do apoio do Marquês de Pombal para desenvolver a produção e o comércio de produtos em alta demanda devido à guerra da independência americana: arroz e algodão. Posteriormente, já no inicio do século XIX, com as guerras napoleônicas e a transferência da corte portuguesa para o Brasil, novo período de oportunidades econômicas tem lugar. A Metrópole deixa de ser o entreposto da produção da colônia e a abertura dos portos é uma consequência natural dos acontecimentos. A produção de açúcar ganha novo fôlego, devido à revolta no Haiti e a desarticulação da produção naquela ilha. O primeiro decênio da independência, no entanto, é marcado por dificuldades. Como já mencionado acima, o Brasil independente herdou de Portugal a submissão econômica à Inglaterra. Além disso, a partir da abdicação de Pedro I em 1831, os proprietários rurais se estabelecem definitivamente como a classe dominante que exerce o poder. O financiamento do governo central dependia das tarifas de importação, mas devido ao acordo firmado com a Inglaterra, essas não ultrapassavam o valor médio de 15% ad valorem. Uma alternativa seria a taxação das exportações, mas isso afetaria os lucros dos proprietários rurais. A saída foi cobrir o déficit com a emissão de papel moeda. Os perdedores nesse esquema foram as camadas médias urbanas, que empobreceram com a desvalorização da moeda local frente à libra-esterlina. Desta situação emergiram as primeiras revoltas sociais em núcleos urbanos. Um aspecto que Furtado procura destacar se refere às razões que levaram os EUA a ser tornarem uma potência industrial, enquanto o Brasil se manteve subdesenvolvido, com uma economia baseada na produção e exportação de produtos primários. Na sua análise, não foram os acordos comerciais de 1810 e 1827 com a Inglaterra que impediram a industrialização. O fator decisivo foi o desequilíbrio que o Brasil enfrentou com a queda dos preços dos produtos exportados. A isso se somou o fato de que, a partir da independência que implicou a eliminação da Metrópole como entreposto, as importações tornaram-se mais atrativas. Assim sendo, a queda no valor das exportações e o estímulo inicial às importações geraram o desequilíbrio que afetou a balança comercial. Como mencionado acima, a estratégia para contornar o déficit foi a expansão
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da emissão de moeda, o que resultou na desvalorização cambial e, finalmente, na redução da capacidade de importar, fator necessário para aquisição de maquinários. As diferenças entre Brasil e EUA remontam ao século XVII. Enquanto no Brasil a classe dominante era formada por grandes proprietários rurais de produtos exportáveis, nos EUA essa classe consistia de pequenos agricultores e de grandes comerciantes. O fator decisivo no desenvolvimento dos EUA teria sido o fato de que essa colônia desenvolveu algumas manufaturas que não competiam com as da Metrópole. Essa produção interna expandiu durante os anos da guerra da independência, quando foi cortado o fornecimento de produtos manufaturados da Inglaterra. Na fase de formação da nação, cada país teve sua própria interpretação do liberalismo. Para ilustrar essa questão, Furtado recorre às ideias de dois representantes das classes dominantes nos EUA e no Brasil: Alexander Hamilton e Visconde de Cairu. Ambos são discípulos de Adam Smith, cujas ideias absorveram diretamente e na mesma época na Inglaterra. Sem embargo, enquanto Hamilton se transforma em paladino da industrialização, mal compreendida pela classe de pequenos agricultores norte-americanos, advoga e promove uma decidida ação estatal de caráter positivo —estímulos diretos às indústrias e não apenas medidas passivas de caráter protecionista— Cairu crê superticiosamente na mão invisível e repete: deixai fazer, deixai passar, deixai vender . (p. 101)
Além das interpretações distintas de liberalismo, o fato de que as exportações brasileiras entraram em declínio dificultou a possibilidade de acúmulo de capital necessário para a industrialização. A frota mercantil dos EUA expandiu-se substancialmente durante o período dos conflitos na Europa, o que favoreceu o comércio com as Antilhas, isoladas da Inglaterra e França, o que contribuiu para favorecer o desenvolvimento dos EUA. A isso se soma a expansão da produção de algodão no território americano, que encontrou respaldo na revolução industrial em curso na Inglaterra. O resultado foi uma redução substancial nos preços dos tecidos, o que também acabou por ter consequências no Brasil. A princípio, a base da manufatura só poderia vir de um produto com alta demanda, no caso, os tecidos. No entanto, no Brasil não havia nenhuma base de produção manufatureira e essa não poderia desenvolver-se devido à queda dos preços dos produtos tropicais. Além disso, a classe dominante no Brasil era dos grandes proprietários rurais, sem qualquer interesse em fomentar a indústria. Com a baixa nos preços de tecidos importados da Inglaterra, seria ainda mais difícil estabelecer uma
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política protecionista. Como a queda nos valores exportados representou uma redução na renda per capita, percebe-se que não seria possível competir com os preços dos tecidos ingleses em um contexto social no qual a população urbana havia sofrido um empobrecimento significativo. Finalmente, cabe destacar o fato de que, se no início do século XIX os EUA apresentavam um déficit na balança comercial em relação à Inglaterra, mas a forma de financiamento deste déficit foi distinta. Em lugar de fazer uma expansão monetária, o os EUA emitiram bônus estaduais e federais que permitiram saldar as dívidas a médio e longo prazo. Formou-se assim, quase automaticamente, uma corrente de capitais que seria de importância fundamental para o desenvolvimento do país. Isto foi possível graças à política financeira do Estado, concebida por Hamilton, e à ação pioneira do governo central primeiro e estaduais depois na construção de uma infraestrutura econômica e no fomento direto de atividades básicas. (p. 105).
*** O processo de transformação econômica do Brasil só iria acontecer na segunda metade do século XIX, com o desenvolvimento da produção do café em uma escala capaz de reinserir o país no comércio internacional. Trata-se de atividade econômica que fazia uso especialmente do fator terra, o único capital em abundância no país, além de fazer uso de fatores então subutilizados, como a mão-de-obra escrava e o transporte animal. Mesmo com a redução dos preços médios do café, a expansão cafeeira continuou firme, favorecida pelo fato de que possuía custos monetários ainda menores do que a produção de açúcar, o que permitiu a sua expansão mesmo nos períodos de queda dos preços internacionais. Já cultivado para consumo interno desde o século XVIII, o café encontra condições favoráveis para a sua expansão na segunda metade do século XIX. Para isso contribuiu decididamente a emergência de uma nova classe empresarial. As mudanças sociais e políticas do início do século fizeram com que a cidade do Rio de Janeiro se tornasse um centro urbano com uma capacidade de consumo suficientemente grande para desenvolver atividades comerciais. Foi a partir desse núcleo de comerciantes urbanos que se formou a nova classe dirigente, tanto em termos econômicos como políticos. Enquanto os proprietários rurais na época da economia do açúcar estavam totalmente isolados das atividades comerciais !principalmente porque
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pertenciam a uma época em que as atividades comerciais eram monopólio da Holanda ou Portugal—, os empresários do café eram capazes de dominar todas as etapas do processo, da produção à comercialização. Isso foi decisivo para a mudança que viria representar a economia cafeeira. Desde o começo, sua vanguarda esteve formada por homens com experiência comercial. Em toda etapa da gestação os interesses da produção e do comércio estiveram entrelaçados. A nova classe dirigente formou-se numa luta que se estende em uma frente ampla: aquisição de terras, recrutamento da mãode-obra, organização e direção da produção, transporte interno, comercialização nos portos, contatos oficiais, interferência na política financeira e econômica. A proximidade da capital do país constituía, evidentemente, uma grande vantagem para os dirigentes da economia cafeeira. Desde cedo eles compreenderam a enorme importância que podia ter o governo como instrumento de ação econômica. Essa tendência de subordinação do instrumento político aos interesses de um grupo econômico alcançará sua plenitude com a conquista da autonomia estadual, ao proclamar-se a República. O governo central estava submetido a interesses demasiadamente heterogêneos para responder com a necessária prontidão e eficiência aos chamados dos interesses locais. A descentralização do poder permitirá uma integração ainda mais completa dos grupos que dirigiam a empresa cafeeira com a maquinaria político-administrativa. [...] É por essa consciência clara de seus próprios interesses que eles se diferenciam de outros grupos dominantes anteriores ou contemporâneos. (pp. 115-116).
Uma vez que o fator terra não era impedimento para a expansão da produção, as preocupações se voltaram para o problema da escassez da mão-de-obra. Em primeiro lugar, as condições em que a agricultura de subsistência se estabeleceu no país não permitiam a mobilização dessa mão-de-obra. Além disso, os grandes proprietários não tinham interesse em deslocar essa mão-de-obra para a iniciante atividade cafeeira. A mão-de-obra escrava também não se mostrava mais viável, uma vez que sua população, não se expandiu: a taxa de mortalidade superava a taxa de natalidade, indicando as condições precárias a que era submetida a população de negros africanos no Brasil. Ficou evidente, portanto, que a solução se encontrava na atração de imigrantes europeus.
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Ainda no período do império, a primeira tentativa do governo brasileiro de fomentar a imigração de europeus foi considerada um fracasso. Por causa da ausência de um mercado interno para absorver o excedente de produção das colônias formadas por imigrantes alemães, elas regrediram a uma agricultura de subsistência. Posteriormente, as tentativas feitas por cafeicultores para importar diretamente mão-de-obra, submetendo-a a uma forma de servidão, também fracassaram. Esses fracassos iniciais levaram ao estabelecimento de formas de contratação de mão-de-obra mais atrativas, como o pagamento de salários como uma parte fixa e outra variável. A imigração passou a contar com a ajuda do governo, que custeou a viagem dos imigrantes. Essas medidas coincidiram com as dificuldades econômicas da unificação italiana, que resultaram na depressão econômica no sul da Itália, com grande pressão sobre a terra, dado o excedente da população agrícola. Isso deu forte impulso à imigração italiana para o Brasil. Estavam, portanto, lançadas as bases para a formação da grande corrente imigratória que tornaria possível a expansão da produção cafeeira no Estado de São Paulo. O número de imigrantes europeus que entraram nesse estado sobe de 13 mil, nos anos setenta, para 184 mil no decênio seguinte e 609 mil no último decênio do século. O total para o último quartel do século foi 803 mil, sendo 577 mil provenientes da Itália. (p. 128)
Outros dois aspectos relativos à mão-de-obra são destacados por Furtado: referem-se ao deslocamento migratório do Nordeste para a região Amazônica e ao fim da escravidão e seu impacto na redistribuição de renda. Quanto à primeira questão, ela se refere ao ciclo da borracha, impulsionado pelos altos preços dessa matéria-prima no final do século XIX e início do século XX. Cabe destacar que o papel da produção de borracha na Amazônia, foi de caráter “emergencial,” para suprir a demanda internacional imediata até que fosse dada uma solução definitiva —que veio com a produção asiática. Apesar desse caráter quase provisório, o fluxo migratório foi um dos maiores da história do país, sendo que na última década do século XIX pelo menos 200 mil pessoas se deslocaram para a região amazônica. No entanto, como havia sido em outros ciclos de expansão econômica, passadas as condições favoráveis, a população ocupada nessa atividade retraiu-se a um nível extremamente básico de subsistência, enfrentando ainda as dificuldades de um ambiente de floresta tropical, sensivelmente mais inóspito do que aquele existente nas grandes propriedades cultivadas.
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Com relação ao fim da escravidão, Furtado destaca que duas alternativas extremas ilustrariam o efeito da abolição na atividade econômica. De um lado, a abolição não representaria nenhuma distribuição de renda, uma vez que a remuneração oferecida aos escravos libertos seria correspondente ao nível de subsistência já existente. Esse foi o caso de algumas ilhas inglesas nas Antilhas. No outro extremo, o fim da escravidão representaria uma real distribuição de renda aos trabalhadores libertados, correspondendo a um processo semelhante a uma reforma agrária, sendo que o ativo distribuído seria a própria mão-de-obra. Nesse caso, os ex-escravos receberiam uma remuneração consideravelmente superior ao nível de subsistência. No caso do Brasil, não teria ocorrido nem uma situação nem outra, mas no Nordeste, teria ocorrido uma aproximação do primeiro caso, e na produção de café em São Paulo, seria uma aproximação do segundo caso. No que se refere aos engenhos de açúcar, os deslocamentos de mão-de-obra devido à abolição foram pequenos, predominando a permanência na propriedade rural original, mediante uma remuneração mínima. No caso das fazendas de café, a possibilidade de retenção de mão-de-obra mediante remunerações mais altas encontrou barreiras em questões culturais. Depois de séculos de escravidão, era de se esperar que os escravos liberados não tivessem qualquer compreensão de um sistema que possibilitasse acumular rendimentos para usufruí-los no futuro. A concepção de trabalho estava contaminada com a ideia de opressão e a libertação significou também a libertação do trabalho que excedesse as necessidades de subsistência. De fato, essa era a única forma de sobrevivência que os escravos conheciam. Além disso, uma vez que a política de imigração de mão-de-obra europeia já estava em andamento, não havia razão, do ponto de vista econômico, para que fossem criadas condições para o aproveitamento da mão-de-obra dos ex-escravos. Assim é que a população descendente dos escravos africanos foi deixada à sua própria sorte e não houve alterações estruturais na distribuição de renda como consequência da abolição. Observada a abolição de uma perspectiva mais ampla, comprova-se que a mesma constitui uma medida de caráter mais político que econômico. A escravidão tinha mais importância como base de um sistema regional de poder que como forma de organização da produção. Abolido o trabalho escravo, praticamente em nenhuma parte houve modificações de real significação na forma de organização da produção e mesmo na distribuição da renda. Sem embargo, havia-se eliminado uma das vigas básicas do sistema de poder formado na época colonial e
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que, ao perpetua-se no século XIX, constituía um fator de entorpecimento do desenvolvimento econômico do país. (p. 141)
Apesar da permanência da estrutura econômica em suas formas gerais —ou se ja, economia de exportação de produtos primários, a eliminação do trabalho escravo e sua substituição pelo trabalho assalariado vieram modificar profundamente a economia brasileira. *** A expansão do setor exportador de café foi, na segunda metade do século XIX, responsável pelo crescimento da renda nacional. Entretanto, esse crescimento, como seria de se esperar, foi desigual nas regiões brasileiras. Os principais produtos de exportação do Nordeste, o açúcar e o algodão, não lograram obter os preços tão favoráveis quanto o café. Nesse ínterim, outros setores da economia brasileira seriam afetados pela grande expansão do setor cafeeiro. Para ilustrar essas mudanças, Furtado analisa o desenvolvimento de três setores da economia brasileira da época, a saber: 1) a economia do açúcar e do algodão e a economia de subsistência a ela associada; 2) a economia de subsistência do sul do país e 3) a economia cafeeira. Como já mencionado, o primeiro setor logrou uma expansão lenta, possivelmente abaixo da taxa de crescimento populacional, o que marca o início das diferenças de desenvolvimento regional que iriam se aprofundar nas décadas seguintes. O setor de subsistência do sul teve melhor destino. O trabalho assalariado permitiu que uma parte considerável da economia se integrasse à economia monetária, formando o embrião de um mercado interno. Os pequenos produtores rurais puderam aferir vantagens de uma melhora da produtividade, uma vez que o mercado interno se expandia. A produção pecuária no sul também encontrou novas oportunidades no aumento do consumo interno. Também o comércio urbano beneficiou-se com a chegada do poder de compra dos trabalhadores ligados ao setor cafeeiro. O resultado foi o desenvolvimento geral da economia e a expansão do setor urbano. Apesar dessa expansão na segunda metade do século XIX, a estagnação e mesmo o retrocesso observados na primeira metade desse mesmo século vieram a ter efeitos duradouros. Furtado estima que, se a taxa de crescimento da economia observada na segunda metade do século XIX tivesse sido observada também na primeira metade, o Brasil teria chegado a 1950 com uma renda per capita similar à observada nos países da Europa Ocidental. Os dados apresentados no parágrafo anterior projetam alguma luz sobre o problema do atraso relativo da economia brasileira
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na etapa atual. Esse atraso tem sua causa não no ritmo de desenvolvimento dos últimos cem anos, o qual parece haver sido razoavelmente intenso, mas no retrocesso ocorrido nos três quartos de século anteriores. Não conseguindo o Brasil integrar-se nas correntes em expansão do comércio mundial durante essa etapa de rápida transformação das estruturas econômicas dos países mais avançados, criaram-se profundas dissimilitudes entre seu sistema econômico e os daqueles países. (p. 150)
O desenvolvimento subsequente da economia brasileira será marcado, como foi mencionado acima, pelo surgimento do trabalho assalariado. Apesar do setor cafeeiro continuar dependente do comércio exterior, a introdução da mão-de-obra assalariada representou uma mudança fundamental. Daí em diante, os efeitos dos momentos de expansão e retração do setor exportador terão reflexos distintos nas rendas dos assalariados e na renda dos proprietários. No momento inicial de expansão do setor cafeeiro, o efeito é uma melhor utilização dos fatores já existentes no país, em especial a terra e a mão-de-obra. Como efeito paralelo, há o aumento da produtividade do setor de subsistência. A partir dessa primeira fase, a expansão do setor cafeeiro teve lugar mantendo-se os salários estáveis, pois não existiam pressões internas para um aumento real dos salários devido à emigração em massa; ainda assim, a remuneração da mão-deobra agrícola representou uma expansão da massa salarial e dos salários médios. A expansão também pôde acontecer pela existência de terras abundantes. Desse modo, a perda de produtividade devido ao esgotamento dos solos pôde ser contornada pela ocupação de novas terras, sem que para isso fosse necessário aumentar o capital por unidade de produção. Destarte, o fato de que o crescimento do setor exportador fosse extensivo não impedia que o salário médio do conjunto da economia se elevasse. Em síntese, como a população crescia muito mais intensamente no setor monetário que no conjunto da economia, a massa de salários monetários —base do mercado interno— aumentava mais rapidamente que o produto global (p. 153)
O funcionamento de todo o sistema tinha por base o fato de que o setor exportador podia reter todos os lucros nas fases de expansão e sofrer os menores prejuízos nas fases de retração. Isso era possível uma vez que a queda no preço internacional do café era compensada pela desvalorização cambial, uma vez que o setor exportador era
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também vendedor de reservas cambiais. Considerando que pelo menos parte do consumo de produtos importados pela massa assalariada tinham uma demanda inelástica —tratava-se de produtos ou matérias-primas de gêneros de primeira necessidade— a desvalorização cambial resultava em uma transferência de renda do setor assalariado para o setor exportador. Nos momentos de expansão, porém, não havia transferência de renda dos exportadores para os assalariados, e os primeiros logravam reter praticamente toda a renda relativa à expansão. No que se refere às políticas de equilíbrio, Furtado aponta para a ausência de uma compreensão pelas elites políticas do processo real da economia. A doutrina dominante na época era aquela que se aplicava aos processos de expansão e contração nas economias dos países desenvolvidos que, via de regra, eram pouco dependentes das importações. Nesse contexto, o pensamento econômico recomendava a aplicação do padrão-ouro, que pressuponha que cada país tivesse uma reserva nesse metal (ou em moeda conversível) para fazer frente aos períodos de desequilíbrio na balança de pagamentos. O problema é que tal modelo não poderia ser aplicável a uma economia como a cafeeira, com uma fonte de recursos externos variável, mas com pelo menos uma parte dos gastos em importações fixas. Para que o modelo do padrão-ouro pudesse ter algum efeito no desequilíbrio da balança de pagamentos no Brasil, seria necessária uma reserva de recursos enorme. Uma vantagem da economia cafeeira é que ela podia continuar a funcionar nos períodos de crise, justamente porque acumulava nos momentos de expansão e transferia suas perdas nos momentos de recessão para os assalariados. Com isso, a economia podia continuar em funcionamento, ainda que às custas das camadas dependentes do trabalho assalariado, em especial a população urbana. O processo de correção do desequilíbrio externo significava, em última instância, uma transferência de renda daqueles que pagavam as importações para aqueles que vendiam as exportações. Como as importações eram pagas pela coletividade em seu conjunto, os empresários exportadores estavam na realidade logrando socializar as perdas que os mecanismos econômicos tendiam a concentrar em seus lucros. (p. 165)
Como fator agravante da crise, no entanto, estava a entrada de capitais na forma de empréstimos o que, com a crise cambial, aumentava o peso relativo do serviço da dívida. Na última década do Império, visando controlar o processo inflacionário, o governo passou a financiar o déficit principalmente por meio de empréstimos externos,
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mantendo apertada a expansão da base monetária. Aprofundam-se, então, os conflitos de interesse entre os empresários do café e os políticos do império, esses últimos ainda ligados ao antigo setor escravista-exportador. O resultado será uma política de descentralização com o fim do Império e a constituição da República. A proclamação da República em 1889 toma, em consequência, a forma de um movimento de reivindicação da autonomia regional. Aos novos governos estaduais caberá, nos dois primeiros decênios da vida republicana, um papel fundamental no campo na política econômico-financeira. A reforma monetária de 1888, que o governo imperial não executou, na forma como foi aplicada posteriormente pelo governo provisório, concedeu o poder de emissão a inúmeros bancos regionais, provocando subitamente em todo o país uma grande expansão de crédito. (p. 171)
Essa medida provocou a depreciação cambial que veio a atingir fortemente os assalariados urbanos. A política monetária do governo federal, por sua vez, mostrouse totalmente inadequada, uma vez que se limitava a expandir a base monetária visando cobrir o déficit do governo, sem levar em consideração a expansão da economia que se verificava então. Trata-se de um período marcado por revoltas militares, que estavam vinculados às emergentes camadas médias urbanas. Assim têm início os conflitos que irão desafiar as esferas de poder da República Velha. Os interesses diretamente ligados à depreciação externa da moeda —grupos exportadores— terão a partir dessa época que enfrentar a resistência organizada de outros grupos. Entre estes se destacam a classe média urbana —empregados do governo, civis e militares, e do comércio— os assalariados urbanos e rurais, os produtores agrícolas ligados ao mercado interno, as empresas estrangeiras que exploram serviços públicos, das quais nem todas têm garantias de juros. Os nascentes grupos industriais, mais interessados em aumentar a capacidade produtiva (portanto nos preços dos equipamentos importados), que em proteção adicional, também se sentem prejudicados com a depreciação cambial. [...] Tem início assim um período de tensões entre os dois níveis de governo —estadual e federal— que se prolongará pelos primeiros decênios do século atual (pp. 172-173)
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Quinta Parte – Economia de transição para um sistema industrial (século XX)
A situação extremamente favorável à produção de café na última década do século XIX —com a diminuição da oferta da produção asiática e a descentralização política que possibilitou a expansão da política de emigração pelos estados produtores— veio a ser também, como não poderia deixar de ser, o início de seu declínio. Com o estímulo fornecido pelos preços externos atraentes, os investimentos na produção aumentaram. Paralelamente aos investimentos privados, eram investidos recursos públicos na expansão da infra-estrutura —estradas de ferro, portos e transporte marítimo. Uma vez que, da perspectiva do investidor privado, não se encontravam barreiras à expansão da produção, devido à abundância de terras ociosas e mão-de-obra, a produção cresceu substancialmente. Isso indicava, naturalmente, uma tendência à baixa dos preços internacionais, o que veio efetivamente a acontecer no final dos anos 1880. Em 1883, a saca de café era vendida por £ 4,09, mas em 1886 esse preço caiu para £ 2,91 e em 1899 para £ 1,48 . Diferentemente da estratégia anterior, porém, já não era mais possível compensar as perdas pela depreciação cambial, uma vez que se tornou politicamente inviável aumentar a pressão sobre os setores urbanos. A confortável situação dos produtores brasileiros, que forneciam cerca de três quartos da produção mundial, permitiu que fosse implementada uma política de manutenção de preços do café. Essa política, concebida pelos governos e produtores foi oficializada em 1906, por meio do “Acordo de Taubaté” que determinava: (a) caberia ao governo comprar os excedentes da produção, para restabelecer o equilíbrio entre oferta e demanda; (b) essa compra seria viabilizada por meio de empréstimos externos; (c) a amortização dos juros dos empréstimos seria realizada por meio de novo imposto sobre a saca de café (determinado no padrão-ouro); e (d) visando estabilizar o preço no longo prazo, o governo deveria desestimular a expansão de novas plantações. Inicialmente, o acordo foi posto em prática pelos governos estaduais, em especial o do estado de São Paulo. O mecanismo funcionou a contento, exceto no que se referia à questão de inibição da expansão da produção. Uma vez que os preços possibilitavam lucros atraentes e continuavam abundantes os fatores que possibilitavam a expansão da produção cafeeira, os investimentos continuaram e, com isso, a tendência de queda de preços no longo prazo. Esse mecanismo, entretanto, entrou em colapso com a crise de 1929. O aumento da produção correspondeu a um aumento dos estoques, mas a exportação se manteve estável, devido a uma certa inelásticidade da demanda pelo café. Com a Grande Depressão e a queda dos preços de todos os produtos
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primários (o preço do café entre setembro de 1929 e setembro de 1931 caiu cerca de 280%), a possibilidade de que a compra dos estoques pudesse continuar se afigurava ainda menor. Era perfeitamente óbvio que os estoques que se estavam acumulando não tinham nenhuma possibilidade de serem utilizados economicamente num futuro previsível. Mesmo que a economia mundial lograsse evitar nova depressão, após a grande expansão dos anos vinte, não havia nenhuma porta pela qual pudesse antever a saída daqueles estoques, pois a capacidade produtiva continuava a aumentar. A situação que se criara era, destarte, absolutamente insustentável. (p. 182)
Furtado observa que tal situação só poderia ter sido evitada se tivessem sido criados incentivos para o redirecionamento dos investimentos gerados pelo lucro na produção do café para outros setores igualmente ou mais lucrativos do que o setor cafeeiro. No entanto, fatores conjunturais vieram a encaminhar a questão para uma solução que, ainda que de forma absolutamente inconsciente e tendo em vista a defesa dos interesses dos produtores de café, correspondiam aos interesses da própria economia do país. Essa saída evitou o aprofundamento da crise e mesmo fomentou o desenvolvimento da produção industrial para o abastecimento do mercado interno. Para que seja compreendido o mecanismo que veio a ser implementado, é preciso inicialmente examinar alguns aspectos da conjuntura econômica da época. Uma vez que já haviam sido feitos investimentos para o aumento da produção nos dois anos anteriores à crise, com a maturação dos cafezais a produção atinge seu pico em 1933. Nesse momento, já não era mais possível expandir os estoques de café por meio de empréstimos externos, que se evaporaram como conseqüência da crise de 1929. As reservas cambiais do governo também se esgotaram rapidamente. Assim, a questão central passou a ser: o que fazer com a produção cafeeira. Esta deveria simplesmente apodrecer nos pés de café? Deveria ser colhida? Se colhida, qual seria o destino da produção: armazenamento ou destruição? A situação peculiar foi que, do lado do consumidor não houve uma queda tão acentuada dos preços e a demanda, apesar da crise, manteve-se relativamente constante. Na verdade, o prejuízo com a queda dos preços desta vez havia ficado com os produtores. Os setores compradores, percebendo a fragilidade dos fornecedores devido à grande quantidade de estoques, souberam impor os seus preços e recolher os lucros com o comércio. Em um primeiro momento, a crise cambial resultou na desvalorização
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na moeda, o que, mais uma vez, representou um alívio para o setor exportador. Aliado a isso, fez-se um esforço para aumentar as exportações, que cresceram 25% entre 1929 e 1937. No entanto, quando a queda de preços acabou por superar a depreciação da moeda, ficou patente que outra alternativa teria que ser apresentada para solucionar a crise. A destruição dos excedentes das colheitas se impunha, portanto, como uma conseqüência lógica da política de continuar colhendo mais café do que se poderia vender. A primeira vista parece um absurdo colher o produto para destruí-lo. Contudo, situações como essas se repetem todos os dias na economia dos mercados. Para induzir o produtor a não colher, os preços teriam que baixar muito mais, particularmente se se tem em conta que os efeitos da baixa de preços eram parcialmente anulados pela depreciação da moeda. Ora, como o que se tinha em vista era evitar que continuasse a baixa de preços, compreende-se que se retirasse do mercado parte do café colhido para destruílo. Obtinha-se, dessa forma, o equilíbrio entre a oferta e a procura a nível mais elevado de preços. (p 189)
A recuperação econômica mundial que se inicia a partir de 1934 não irá alterar o preço do café, que se mantém constante durante toda a década. Embora os preços de outros produtos primários, como o algodão, aumentaram substancialmente com a recuperação econômica, os preços do café em 1937 ainda eram inferiores aos preços praticados em 1932. No entanto, a política de manutenção de preços do café após a crise de 29 pode ser considerada um sucesso devido a seu efeito mais amplo. Uma vez que toda a dinâmica da economia estava ligada ao setor exportador de café, a política da continuidade da produção juntamente com a destruição do café excedente permitiu que a geração de renda fosse mantida no conjunto da economia. Assim, os trabalhadores rurais continuaram a receber seus salários e a consumir produtos manufaturados. O resultado global dessa política —ainda que não planejada— foi que a queda da renda monetária no Brasil no período mais agudo da crise foi entre 25 e 30%, enquanto nos EUA e outros países industrializados, essa queda ultrapassou os 50%. Isso em um contexto no qual a queda nos preços de atacado de manufaturas tinha sido consideravelmente menor que a queda dos preços dos produtos primários, em especial o café. A diferença está que nos EUA a baixa de preços acarretava enorme desemprego, ao contrário do que estava ocorrendo no Brasil, onde se mantinha o nível do emprego se bem que se ti-
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vesse de destruir o fruto da produção. O que importa ter em conta é que o valor do produto que se destruía era muito inferior ao montante da renda que se criava. Estávamos, em verdade, construindo as famosas pirâmides que anos depois preconizaria Keynes. (p. 192)
No novo contexto da crise, as condições sinalizavam para uma alteração no direcionamento dos investimentos. Era claro para os setores que detinham capital para investimento que o mesmo não deveria ser dirigido para o setor cafeeiro. Nos quinze anos após a crise de 29 foram contidos não só os investimentos na expansão dos cafezais, mas também na sua manutenção, o que acabou por reduzir a capacidade produtiva em 50% nesse período. Ao mesmo tempo, com a depreciação da moeda, os produtos manufaturados importados se tornaram demasiadamente caros para o consumo no mercado interno. Assim, criaram-se as condições para o estímulo à produção de manufaturados no Brasil. Esse processo foi possível devido à oferta a preços convidativos de equipamentos de empresas que fecharam suas portas nos países industrializados. Essa fase de expansão da indústria deu-se também por meio do uso mais intensivo da estrutura produtiva já instalada (como parece ter sido o caso do setor têxtil). Além disso, houve uma expansão da indústria de bens de capital, o que viabilizou a expansão da produção industrial mesmo com as substanciais reduções nas importações. Assim é que, de maneira totalmente inconsciente, implementara-se no país a primeira política de desenvolvimento industrial por meio da substituição de importações. A decisão de continuar financiando sem recursos externos a acumulação de estoques [isto é, sua eliminação física. C.A.], qualquer que fosse a repercussão sobre a balança de pagamentos, foi de conseqüências que não se podiam suspeitar. Mantinha-se assim a procura monetária em nível relativamente elevado no setor exportador. Esse fato, combinado ao encarecimento brusco das importações (conseqüência da depreciação cambial), à existência de capacidade ociosa em algumas indústrias que trabalhavam para o mercado interno e ao fato de que já existia no país um pequeno núcleo de indústrias de bens de capital, explica a rápida ascensão da produção industrial, que passa a ser o fator dinâmico principal no processo de criação de renda. (p. 202)
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Na década seguinte, o sistema econômico passa a apresentar elementos de desequilíbrio, que se manifesta no recrudescimento do processo inflacionário. As razões para isso se localizam nas restrições ao comércio externo resultantes da Segunda Guerra mundial. Como foi visto anteriormente, a economia brasileira logrou reduzir a queda na renda monetária por meio da política de manutenção do preço do café, destruindo seus estoques. Ao mesmo tempo, a expansão da produção para o mercado interno se acentua, graças à desvalorização da moeda que altera os preços relativos dos produtos manufaturados. Durante a Segunda Guerra, porém, as condições já não são tão favoráveis. As condições que favoreceram a expansão da indústria voltada para o mercado interno deixam de existir e a capacidade de produção atinge sua capacidade máxima. Ao mesmo tempo, o setor exportador continua a expandir-se: entre 1937 e 1942 o aumento da renda do setor de exportação foi de 45%. Assim sendo, há a acumulação de uma renda monetária que não pode ser utilizada, pois as importações eram contidas pelas restrições ao transporte marítimo e pela economia de guerra dos países exportadores. Ora, como a economia estava funcionando à plena utilização de sua capacidade produtiva, mesmo sem ter em conta os efeitos da baixa geral de produtividade, era inevitável que a pressão resultante do desequilíbrio entre o nível da renda monetária e o da oferta de bens e serviços se resolvesse numa alta de preços. (p. 209)
Como os países em desenvolvimento se recuperaram mais lentamente da crise dos anos 30, a situação de desequilíbrio teve um desenvolvimento mais lento, possibilitando a introdução de mecanismos para reorientar a utilização dos recursos excedentes. No caso do Brasil, a solução só foi encontrada com o fim da guerra, quando se tornou possível voltar às importações. Duas opções colocaram-se ao governo diante desse quadro: permitir a desvalorização da moeda e com isso o estabelecimento de um novo patamar de preços relativos ou manter estável a taxa de câmbio, mas impor uma política de restrição à importação de produtos manufaturados. A escolha pela segunda alternativa teve conseqüências importantes para o processo de desenvolvimento industrial. Na verdade, a escolha foi motivada mais pelo temor que a desvalorização teria sobre o custo de vida do que por uma política deliberada de incentivo ao setor industrial. De todo o modo,
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ao serem mantidas a taxa de câmbio e a restrição às importações criaram-se condições extremamente favoráveis aos investimentos na produção interna de manufaturados. Dessa forma, a conseqüência prática da política cambial destinada a combater a alta de preços foi uma redução relativa das importações de manufaturas acabadas de consumo, em benefício da de bens de capital e de matérias-primas. O setor industrial era assim favorecido duplamente: por um lado, porque a possibilidade de concorrência externa se reduzia ao mínimo através do controle das importações; por outro, porque as matérias-primas e os equipamentos podiam ser adquiridos a preços relativamente baixos. (p. 218)
Embora essa política não tenha sido totalmente bem sucedida no que se refere ao controle da inflação, teve pelo menos como efeito redistribuir parte dos ganhos em produtividade do setor industrial para a população como um todo. Assim é que, entre 1945 e 1953, a elevação dos preços do setor industrial foi de 60% enquanto que na economia como um todo foi de 130%. “Mesmo assim, o desnível entre os preços internos dos produtos industriais e os das importações continuava a ser substancial, comparativamente à paridade de 1939” (p. 219). Assim sendo, o setor que colheu maiores benefícios da política cambial foi o setor industrial. A política cambial acompanhada de controle seletivo de importações resultou, destarte, não somente em concentração, na mão do empresário industrial, de parte substancial do aumento de renda de que se beneficiava a economia, mas também em ampliação das oportunidades de inversões que se apresentavam a esse empresário. (p. 222)
A situação de desequilíbrio tendeu a agravar-se com uma melhora substancial no preço internacional do café em 1949. Com isso, o setor exportador voltava a aumentar a renda monetária interna sem que com isso houvesse um mecanismo capaz de restabelecer o equilíbrio entre essa renda e a oferta de bens de consumo internamente à economia. Furtado chama a atenção para o fato de que esse processo inflacionário é principalmente um mecanismo de distribuição da renda real. Entretanto, diferentemente do que havia ocorrido em situações anteriores, nas quais o setor claramente beneficiado foi o setor exportador, na situação mais complexa da economia industrial os ciclos de distribuição e redistribuição da renda tornaram-se mais curtos, tendo uma duração de um ano, levando à sugestão de que existiria uma inflação “neutra”, ou seja,
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à idéia de que todos preços aumentariam com a mesma taxa ao mesmo tempo. Essa situação teria dificultado a escolha de políticas de combate à inflação. A dificuldade que existe em deter a alta de preços, numa inflação neutra de circuito anual, está em que a estabilização teria como resultado aquilo contra o que o sistema econômico se está defendendo, isto é, a redistribuição da renda real. Em qualquer dia ou mês do ano existe um grupo que está na frente, na luta pela redistribuição da renda. Esse grupo seria o beneficiário da estabilização do nível de preços. Mesmo que fosse possível estabelecer a padrão médio de distribuição da renda no período de um ano, e que se pretendesse estabilizar os preços tomando com base esse padrão —vale dizer, introduzindo uma série de reajustamentos de preços e salários— dificilmente se lograria contentar todos os grupos. (p. 228)
É nesta parte final do livro que Furtado deixa de lado sua abordagem de interpretação histórica e apresenta, em breves linhas, o que seria uma alternativa para o Brasil nesse ponto de seu desenvolvimento. Sua visão está no desenvolvimento da indústria de bens de capital. A transformação estrutural mais importante que possivelmente ocorrerá no terceiro quartel do século XX será a redução progressiva da importância relativa do setor externo no processo de capitalização. Em outras palavras, as indústrias de bens de capital —particularmente as de equipamentos— terão de crescer com intensidade muito maior do que o conjunto do setor industrial. Essa nova modificação estrutural, que já se anuncia claramente nos anos cinqüenta, tornará possível evitar que os efeitos das flutuações da capacidade para importar se concentrem no processo de capitalização. É essa uma condição essencial para que a política econômica se permita visar ao duplo ob jetivo de defesa do nível de emprego e do ritmo de crescimento. Somente assim alcançará o sistema econômico uma maior flexibilidade, e estará em condições de tirar maiores vantagens do intercâmbio externo, pois poderá mais facilmente adaptar-se às modificações da procura que se exerce nos mercados internacionais. (p. 236)
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É também nesse ponto do livro que Furtado discorre sobre as desigualdades de desenvolvimento entre as regiões brasileiras. Na sua análise, a concentração do setor industrial —e, portanto, da renda— na região sudeste tem explicações no processo de desenvolvimento econômico e, deixada em seu rumo natural, tende a aprofundar-se. Ele sugere uma nova forma de integração nacional, que superaria a mera articulação entre as economias regionais como se observara no passado. Em outras palavras, a superação das desigualdades regionais e, em especial, do subdesenvolvimento do nordeste, deveria ser uma política deliberada, capaz de fomentar a industrialização nessa região e, ao mesmo tempo, garantir a oferta de alimentos para abastecer os centros urbanos em expansão.
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