Casos Práticos resolvidos de Direito das Obrigações I
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Casos Práticos resolvidos de Direito das Obrigações I Assistente: Dr.ª Filipa Caldas Regente: Prof. Dr. Romano Martine...
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ANEXO 2 (RESPONSABILIDADE CIVIL) Por Filipe Mimoso e Patrícia Ganhão
CASOS PRÁTICOS DE RESPONSABILIDADE CIVIL (MAS COM OUTROS À MISTURA: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA, GESTÃO DE NEGÓCIOS, ETC.) CASO PRÁTICO 4 A contratou a empresa B para que esta procedesse à reparação das canalizações de sua casa que se encontravam deterioradas. B encarregou o seu empregado C para que leva-se a cabo a dita instalação. Ao proceder à instalação C deixou um dos canos mal vedados o que veio a provocar uma inundação em casa de A e infiltrações no piso inferior. Em virtude da inundação ficaram destruídos inutilizados alguns bens pertencentes a A, e em virtude das infiltrações no piso inferior ficaram destruídos alguns bens de propriedade de D. Ocorreu ainda que D ao perceber-se da água que caía no seu andar decidiu deslocar-se ao andar superior para se inteirar da situação. Ao subir as escadas, tropeçou, caiu e partiu uma perna. Quid iuris? Neste caso estamos perante uma situação de responsabilidade pelo risco, nos termos do art. 500. O comitente será responsável pelo risco quando se reunirem os seguintes requisitos: 1. Tenha escolhido o comissário 2. Este esteja a agora por conta do comitente, tendo na base uma relação de subordinação entre eles 3. O comissário tem que ser responsável pelo dano, ou seja, sobre ele recaia o dever de indemnização 4. O dano provocado pelo comissário terá que ter ocorrido durante o exercício das suas funções para justificar a responsabilidade objectiva do comissário existindo quatro teorias:
Culpa na escolha do comissário
Teoria da representação
Teoria da equidade
Teoria da garantia
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A teoria que se deve aplicar deverá ser a da equidade porque o comitente, terá maior poder económico do que o comissário, podendo depois exercer o direito de regresso quanto à sua vítima. Será responsável o comitente B (art. 500) pelos actos praticados pelo seu comissário C porque ele praticou os actos no decorrer das suas funções. É ele que vai indemnizar, porque é responsável pelo risco apesar de não ter tido culpa, os danos provocados a B e a D, sendo como não existe culpa na parte do comitente, não haverá responsabilidade solidária, nos termos do art. 497 porque o único responsável pelo dano é o comissário, logo o comitente poderá exercer o direito de regresso em relação ao comissário c base no art. 500/3. Em relação ao facto de D ter partido a perna, não está preenchido o nexo causal entre o facto e o dano, logo não existe obrigação de indemnizar da parte de B e na relação à perna de D. -----------------------------------------------------------------------------CASO PRÁTICO 5 A que conduzia um camião em excesso de velocidade atropelou algumas ovelhas de B, porque as mesmas, por descuido do pastor que estava, a atravessar a estrada. Seguidamente o camião já desgovernado foi atropelar dois ciclistas e por fim embateu numa árvore ficando quase destruído. O camião estava ao serviço de D de quem A era motorista. Em consequência do acidente a estrada esteve cortada ao trânsito durante uma hora e H não pode entregar naquele dia, que era o último do prazo, o imposto. Pergunta-se: 1. A quem pode B pedir a indemnização por danos sofridos? 2. A quem podem os ciclistas, que em virtude do acidente ficaram impedidos de participar na volta a Portugal, pedir uma indemnização pelos danos sofridos? Irão pedir a indemnização a F (art. 00) onde depois poderá exercer o direito de regresso nos termos do art. 500/3 e ainda podemos ir pelo art. 503/3. 3. Os apoiantes daqueles ciclistas podem pedir uma indemnização por danos morais? 4. A quem pode H exigir de indemnização o montante da multa que teve que pagar ao fisco pelo atraso da declaração de imposto. -----------------------------------------------------------------------------CASO PRÁTICO 6 Abílio deslocava-se para Lisboa pela marginal num automóvel ligeiro quando:
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1. Se despistou devido a um ataque cardíaco tendo ido atropelar no passeio Berta que apenas sofreu danos ligeiros. 2. Se despistou em virtude do rebentamento de uma vaga do mar que arrastou o automóvel para a faixa contrária, vindo a embater de frente num outro automóvel que seguia na direcção oposta e cujo condutor Bernardo vinha distraída com César que tinha pedido boleia. Do acidente resultou a morte de César e completa destruição dos dois veículos. 3. Ao desviar-se de uma criança que subitamente atravessou a estrada fugindo da mão da ama, foi embater num poste tendo resultado elevados danos no veículo Quid iuris? 1. O ataque cardíaco é um risco inerente ao funcionamento do veículo que o condutor conduz. O condutor tem a direcção efectiva do veículo, assim nos termos do art. 501/1 e nesse caso ele até a utiliza no seu próprio será ele a única responsabilidade pelas dívidas causadas a Berta que podem ser danos patrimoniais e morais. 2. Abilia era responsável nestes termos (art. 503/1), porém há uma exclusão da responsabilidade nos termos do art. 505. A vaga do mar é uma consequência de força maior estranha ao funcionamento do veículo em consequência da qual Abilia perde a direcção efectiva sendo assim excluída a responsabilidade pelo risco do Abilia pela conjunção do art. 503/1 e 505. Em relação aos danos dos veículos a responsabilidade é repartida na proposta do risco nos termos do art. 506/1. 4. Há uma presunção de culpa nos termos do art. 481 da ama cabe a esta provar a sua inocência. Se forem os pais da criança estes irão responder elo risco (art. 500). -------------------------------------------------------------------------------------------------------CASOS PRÁTICOS DO PROF. PEDRO MÚRIAS: Caso prático n.º 25 António odiava o Bobi, o cão de Bento, por ladrar alto com muita frequência. Por isso, deitou veneno num prato de arroz com carne que Bento tinha deixado ao Bobi. Foi porém um cão vadio — abandonado por Carlos há umas semanas — que comeu todo o arroz e que morreu envenenado. Bento veio a saber de tudo através de uma vizinha observadora e pretende exigir a António uma reparação pelo ilícito praticado. Quid juris? -----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 26 Parecendo adivinhar o ódio de António, o Bobi tentou morder-lhe. Ainda António não saíra do jardim quando o Bobi saltou da rua para o abocanhar. Mas o pobre cão calculou mal o salto e bateu violentamente
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contra as grades do portão do jardim de António, ferindo-se seriamente. Pode agora Bento exigir uma indemnização ao vizinho? -----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 27 Deolinda foi despedida, passando a receber o subsídio de desemprego, correspondente a 80% do salário que auferia. Poderá dizer-se que houve aqui um caso de responsabilidade civil? E no caso de os 20% restantes estarem cobertos por um contrato de seguro de que Deolinda beneficiasse? -----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 28 Como classifica a responsabilidade civil decorrente do art. 1349.º, n.º 3, CC? -----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 29 Etelvina era a única florista lá da terra até Frederica abrir o seu quiosque. Frederica teve o cuidado de fazer preços inferiores aos praticados por Etelvina, de modo que esta, em pouco tempo, perdeu mais de 50% do seu volume de vendas. Etelvina sabe que não tem direito a qualquer indemnização. Como fundamentá-lo em termos juridicamente correctos? -----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 30 Adaptado de ac. STJ 26 de Março de 1980 (RLJ 114, 1981, 35-40): Fernando demoliu um seu edifício com vista a construir de novo. Contíguo a esse é o também já antigo edifício de Guilherme, que ficou assim com uma parede exposta aos elementos. Ainda em Julho, Guilherme falou a Fernando da sua preocupação com as próximas chuvas, que decerto trariam danos significativos. Fernando disse-lhe que não se ralasse, porque as obras começariam nos dias seguintes, e depressa ficaria coberta aquela parede. As obras começaram, de facto, mas para se interromperem logo depois, devido a incompetência de Fernando e apesar das insistências do vizinho. Com as primeiras chuvas de Outono, que foram fortes, sucedeu o temido. Houve numerosas infiltrações, com danos no edifício de Guilherme. Quid juris? -----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 31 António conduzia o seu carro quando passou pelo Bobi, que estava caído por terra à beira da estrada. Vendo o Bobi gravemente ferido, António riu-se: «_ Bem feita! Deus escreve direito por linhas tortas!» E foi-se embora. Bento passou ali horas depois, e só então é que o Bobi foi socorrido. Mas Bento veio a saber o que se passara — foi o próprio António que lho contou — e pretende uma indemnização pelo agravamento do estado de saúde do Bobi, que a demora no auxílio lhe causou. Quid juris? Quid juris se, em vez do Bobi, fosse uma pessoa ali caída? Tenha em conta o art. 210.º do Código Penal, que pune o crime de «omissão de auxílio» a pessoas em situações como esta. Além da lei civil, tenha em conta ainda o art. 10.º do Código Penal, que reza: «1. Quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo como a omissão da acção adequada a evitá-lo, salvo se outra for a intenção da lei. 2. A comissão de um resultado por omissão só é punível quando sobre o
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omitente recair um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar esse resultado.». -----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 32 Na zona em que mora Hélder, há inúmeros gatos vadios que sujam as ruas e fazem barulho durante a noite. Hélder decidiu envenená-los, deixando acessível comida devidamente confeccionada.... Hélder pensou que, se calhar, algum gato com dono também comeria do veneno. Esperava que assim não acontecesse, mas «se acontecer, paciência, azar dos donos». Veio de facto a morrer também o gato da D. Ilse. Hélder está disposto a indemnizá-la, mas, custando aquele gato € 1743, sendo a D. Ilse riquíssima, tendo Hélder rendimentos muito baixos e não fazendo sequer a menor ideia de que houvesse gatos daquele preço, não pretende pagar o valor total do bicho. Quid juris? -----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 33 Joaquim dedica-se há 50 anos ao tratamento de lixo ou, como se diz hoje, de resíduos sólidos. Tentou sempre acompanhar as evoluções técnicas na sua área, mas a verdade é que agora, aos 75 anos, tem já dificuldade em fazer face a todas as exigências da sua profissão, apesar dos grandes esforços que faz. Recentemente, passou a tratar resíduos de uma fábrica de pesticidas. Apesar do seu cuidado, enganou-se no processo de empacotamento de alguns destes resíduos, de modo que, durante o transporte dos mesmos para as suas instalações, foi-se soltando uma poeira tóxica que afectou seriamente a saúde de vários transeuntes com quem se cruzou. Nenhuma pessoa fora do ramo se aperceberia dos extremos cuidados necessários àquele transporte. Será Joaquim civilmente responsável? -----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 34 Nélia divide um apartamento com Ofélia. Certo dia em que Ofélia estava fora, a outra chega a casa e encontra Paulo em pleno acto de furto. Paulo, que tem quinze anos, preparava-se para abandonar o sítio com duas garrafas de litro de cerveja que tirara do frigorífico. As garrafas eram de Ofélia. Nélia pegou no que ali estava à mão — uma garrafa de 33 cl., também de Ofélia — e atirou-a à cabeça de Paulo, causando-lhe lesões sérias. Paulo (representado pelos pais) pretende uma indemnização, e Ofélia quer que a outra lhe dê igual garrafa de 33 cl., para compensar a que se partira na ocasião. Quid juris? ------------------------------------------------------------------------------
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Caso prático n.º 35 Os pais de Quirino morreram, deixando-lhe um património significativo. Quirino, que é ainda uma criança de seis anos, ficou ao cuidado da avó, que vive com grandes dificuldades económicas. Certo dia, Quirino estava na rua e atirou uma pedra de calçada para a montra da loja de Rui. O estardalhaço assustou mais o miúdo do que o dono da loja — Quirino ficou numa choradeira enorme —, mas o certo é que Rui pretende ser ressarcido em mil euros, tal é o preço do vidro. A avó não tem possibilidade de pagar com o seu dinheiro, pois recebe uma reforma mínima, e acha que não deve usar o dinheiro que os pais deixaram a Quirino para pagar a despesa, pois o neto «não sabia o que fazia». Quid juris? -----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 36 Sónia e Teresa foram raptadas por malfeitores da pior espécie que pretendem obter um resgate. Para demonstrar as suas intenções aos familiares das vítimas, os raptores forçaram Sónia, mediante ameaças e agressões várias, a cortar um dedo a Teresa, que enviaram pelo correio aos irmãos desta. Mais tarde, a polícia acabou por prender os criminosos e libertar as pobres mulheres. Esses criminosos são insolventes. Teresa pretende que Sónia, muito mais abastada do que ela, a indemnize parcialmente pela lesão corporal. Quid juris? -----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 37 António guiava sob o efeito do álcool, de modo que se despistou, entrando pela montra de Luís adentro e destruindo-a. No dia seguinte, porém, um ataque terrorista fez ruir todo o edifício em que se situava a loja de Luís. Quid juris? ----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 38 Ilídio empurra negligentemente João de um andaime no vigésimo andar. Na queda, João leva um tiro na cabeça disparado por Lisandro, que o odiava. Assim, João aterra já morto em cima de um monte de vigas de aço que estavam no chão. Quid juris? -----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 39 Por falta grave da vigilância exigível, uma fábrica emite flúor durante vários meses em quantidade muito superior ao máximo legalmente permitido. Num viveiro de árvores das cercanias, o crescimento das plantas foi inferior ao esperável, com danos quantificados para o seu proprietário. Sucessivas equipas de peritos, escolhidas por acordo dos interessados, não chegaram a quaisquer conclusões sobre a relação, ou falta dela, entre a emissão de gás e o menor desenvolvimento das árvores. Os donos do viveiro e da fábrica, discutindo uma eventual indemnização, concordam que «a verdadeira causa» dos danos não pode ser determinada sem margem para dúvidas. Quid juris? -----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 40 Carlos dá negligentemente um tiro no pé de Daniel. Este vai parar ao hospital e, por negligência de um dos médicos, a ferida gangrena
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e tem de ser amputada toda a perna. Não era provável, à partida, que Daniel viesse a ficar sem perna. Que responsabilidade civil haverá? Quid juris se o tiro é dado numa zona de Angola em que não há hospitais nem meios de transporte eficazes e a perna gangrena antes de chegarem ao hospital? (considere relevante o direito português) -----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 41 A EDP instala postes de alta tensão numa zona de floresta de pinheiros. Os postes têm 10 metros de altura. Um decreto-lei sobre esta matéria estatui que os postes devem ter, em zona de floresta, 20 metros e, em zona sem árvores, 10 metros. Uma criança inimputável sobe a um poste na zona de floresta e morre electrocutada. Prova-se que, se o poste tivesse 20 metros, como a lei manda, a criança não conseguiria subir a ponto de morrer electrocutada. Quid juris? -----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 42 Joaquim atropela por negligência Luísa, de oito anos de idade, que seguia pela rua acompanhada da mãe. Luísa sofreu vários traumatismos, de modo que passou largo tempo hospitalizada e em grande sofrimento. A mãe de Luísa ficou em estado de choque e, tendo recuperado ao fim de alguns dias, passou a acompanhar todo o processo de cura da filha, com grande prejuízo da sua vida profissional — a mãe de Luísa era advogada. O pai de Luísa sofreu também imenso com o sucedido e pagou as intervenções dos melhores médicos com vista a conseguir a recuperação da filha. Depois da saída do hospital, o pai custeou ainda complicados processos de reabilitação psico-motora da filha, sempre perante as instituições mais famosas (e caras). Além dos pais, também a empregada doméstica destes sofreu significativamente com o acidente de Luísa, porque a acompanhava desde bebé e dela muito gostava. A empregada chegou a ter de receber acompanhamento psiquiátrico. Quais os danos indemnizáveis por Joaquim (e pela sua seguradora)? -----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 43 Dois ciclistas seguem à noite de luzes apagadas, um atrás do outro. Um automóvel que vem em sentido contrário, a meio de uma ultrapassagem, mata o ciclista que vai à frente, por não os ter visto. Pergunta-se se o ciclista que ia atrás é responsável, visto que, se ele levasse a sua luz acesa, o outro também seria visto e não morreria. -----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 44 O carro de Deolinda foi seriamente danificado num acidente devido a negligência de Efigénia. O carro era muito velhinho, de modo que Deolinda não o conseguiria vender por mais de 100 contos. Mas a verdade é que andava e não tinha problemas mecânicos! A reparação custa 200 contos. Como deverá Deolinda ser indemnizada por Efigénia (ou pela sua seguradora)?
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-----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 45 Fernando é electricista e estava a trabalhar no restaurante de Gilberto quando, por manifesta negligência, causou um curtocircuito que fez incendiar a máquina do café, destruindo-a. Gilberto só conseguiu receber uma máquina de café equivalente passados cinco dias, pela qual pagou 500 contos. Por dia, Gilberto costuma vender 400 cafés, a 80$ cada (400 x 80 = 32 contos; 32 x 5 = 160 contos). Tendo em conta a electricidade, a água e o café em grão, aquela máquina gastava 4 contos por dia. Nesse mesmo período, Gilberto vendeu 200 chávenas de chá (quarenta por dia), a 120 escudos cada (200 x 120 = 24 contos), quando não costumava vender mais de 5 por dia nessa época do ano (5 x 5 x 120 = 3 contos). Cada chávena de chá saía-lhe a 40 escudos (200 x 40 = 8 contos; 25 x 40 = um conto). Qual o valor da indemnização? Quid juris se estes valores diários tivessem sido apurados por uma auditora e, segundo a sua própria estimativa, permitissem uma margem de erro de 13%, não havendo outros dados? -----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 46 António não tinha qualquer família. Morreu instantaneamente num acidente de viação resultante de negligência de Berenice. O funeral foi modesto e acabou por ser pago com dinheiro que o próprio António tinha emprestado a Carlota. Será devida alguma indemnização? -----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 47 Kasparov, Kramnik, Anand e Leko — respectivamente, os primeiro a quarto mais bem classificados jogadores de xadrez da altura — iriam participar em Lisboa num torneio em que eram os únicos concorrentes. O torneio oferecia prémios aos quatro participantes: 40.000 contos para quem ganhasse, 20.000 para o segundo, 15.000 para o terceiro e 10.000 para o quarto. Suponha que Kasparov ganhou a grande maioria dos torneios em que participou nos últimos 10 anos (em torneios deste nível, ganhou 4 em cada 5) e nunca ficou abaixo do segundo lugar. Desta vez, porém, não ganhou prémio algum, já que, por dolo do cozinheiro de um restaurante em que ofereceram um banquete em sua honra, teve uma intoxicação alimentar que o deixou de cama durante os dias do torneio. Que indemnização deverá haver? [Por simplicidade, ignora-se a possibilidade de classificações ex æquo.] -----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 48 Num acidente devido a negligência de Dante, foi seriamente danificado o automóvel de Occam, que teve por isso de permanecer na oficina, em reparações, durante um mês. Dante (ou a sua seguradora) concede assumir a despesa da oficina, mas rejeita em absoluto a hipótese de pagar seja o que for pelo simples facto de Occam ter andado um mês a pé. Quid juris? ------------------------------------------------------------------------------
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Caso prático n.º 49 António era usufrutuário de um terreno, propriedade de Carlos, onde havia um pomar de laranjeiras. Um incêndio resultante de negligência de Bento destruiu-o. Nas árvores, estavam por colher laranjas no valor de € 5.000. Aferiu-se a perda de valor do terreno, por terem perecido as laranjeiras, em cerca de € 60.000. Passados dois anos, António morreu, deixando Dora como sua única sucessora. Que direitos indemnizatórios terão Dora e Carlos? -----------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 50 Elisa manobrava uma retroescavadora quando, por falta de atenção ao mapa das instalações da zona, cortou um importante cabo eléctrico. A energia só regressou passados alguns dias, o que causou sérios danos à sociedade Indústrias Fulano & Beltrano, Lda.: uma máquina avariou, tendo de ser reparada (€ 4.300) e causando perturbações na produção (perda de encomendas com o valor líquido de € 9.000). Uma outra máquina não avariou, mas o corte de energia impediu-a também de funcionar (perdas líquidas de € 10.000). Quid juris? ------------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 51 Uma empresa de consultoria, a CCC, fez uma avaliação errada do valor da sociedade comercial JJJ, L.da, cujos sócios estavam a pensar vendê-la. A CCC agiu nos termos de um contrato com a JJJ. António veio a comprar as quotas da JJJ, mas percebe agora que fez um péssimo negócio. Poderá pedir responsabilidades à CCC? ------------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 52 Gilberto é veterinário e dono de algum gado. O seu vizinho Hélio, também criador, teve os seus animais infectados com carbúnculo, mas não tomou as medidas necessárias para impedir a propagação da doença, nem sequer avisou Gilberto, de modo que vários animais do vizinho foram afectados. Gilberto administrou-lhes o tratamento adequado segundo os cânones da medicina veterinária, mas, porque se tratava de uma estirpe rara e não identificada da bactéria, esse tratamento veio a agravar a doença. Gilberto perdeu assim 50% do gado infectado, quando as mortes não costumam exceder 30%, se for aplicado o tratamento devido. Quid juris? ----------------------------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 53 Ivone passeava pela obra de Joaquim, com o consentimento deste. Sem sua autorização, porém, aventurou-se por uma zona onde viria a sofrer com a queda de um andaime, que fora deficientemente armado por Joaquim. Quid juris? -------------------------------------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 54 Zebedeu conduzia uma camioneta do seu patrão, Xavier. Certo dia, quando estava quase a chegar ao armazém de Xavier, aparece-lhe subitamente, a seguir a uma curva, uma pilha de caixas de
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mercadorias que um seu colega de trabalho (Vasco) ali tinha deixado, mesmo no meio do caminho. Zebedeu travou correctamente, e tudo teria corrido bem se os travões não tivessem avariado naquele preciso momento. Na verdade, veio depois a descobrir-se uma fragilidade impensável nos discos dos travões, que se partiram com a travagem brusca. A camioneta fora fabricada pela sociedade Automóveis de Portugal, S.A., e os discos dos travões, pela sociedade Trava a Fundo, Lda.. Zebedeu, contra ordens expressas de Xavier, tinha dado boleia a um amigo seu, Sérgio, que ali ia procurar emprego. O acidente foi sério. A camioneta despistou-se, destruindo as ditas caixas de mercadorias, cujo conteúdo pertencia a Quirino, um cliente de Xavier, e atropelando Rui, que ia a passar. Zebedeu ficou incólume, mas Sérgio deu uma grande cabeçada, de modo que teve de ser assistido no hospital, e ainda se lhe estragou a roupa nova que levava. A camioneta ficou seriamente danificada. Que responsabilidade civil haverá? -------------------------------------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 55 António e Bento chocaram ao cruzarem-se de automóvel numa rua estreita. Bento e António eram empregados de Carlos. Bento estava ao serviço, cumprindo as suas funções; António, pelo contrário, tinha «desviado» o carro para ir visitar a mãe. Não se apurou qual a exacta causa do acidente, mas é certo que um dos condutores se tinha aproximado demais do centro da via, se não o tivessem feito os dois. Bento e Carlos ficaram feridos, tal como o Bobi, o cão de Daniel, que acabou atropelado pela traseira do carro de António. Em que medida são civilmente responsáveis António, Bento e Carlos? -------------------------------------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 56 O Museu dos Museus, instituição particular de utilidade pública, é de visita gratuita. Nuno é seu empregado, acompanha os visitantes e dá-lhe explicações do que vêem. Odete, electricista, foi contratada pelo museu para uma série de arranjos previamente definidos. Nuno não era um moço especialmente honesto: muitas carteiras de visitantes foram desaparecendo até se descobrir que era ele o autor dos furtos. Odete não era muito cuidadosa: estava em cima do telhado quando deixou escorregar a mala das ferramentas, que atingiu um transeunte que não tinha nada a ver com o museu. Será o museu responsável por estes danos? -------------------------------------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 57 Certo docente de uma universidade privada, a pretexto de resolver dúvidas, convenceu uma aluna a ir ao seu gabinete nas instalações da faculdade já fora do horário das aulas. Aí, abusando da sua posição de docente e de um certo temor reverencial da aluna, constrangeu-a a ter relações sexuais consigo. É a universidade responsável pelos danos daí resultantes? Quid juris se o abuso tiver ocorrido fora das instalações da universidade?
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-------------------------------------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 58 A Padaria X contratou António para distribuir o seu pão, todos os dias de madrugada. A distribuição era feita no carro de António, que não era empregado da Padaria. Certo dia, António não podia fazer o serviço, tendo pedido a seu irmão, Bento, que o substituísse. Assim aconteceu. Bento, porém, conduzindo com pouco cuidado, veio a ter um acidente. Quid juris? --------------------------------------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 59 Isabel e Joana são vizinhas. Isabel é dona do Bobi, um cãozinho; Joana, do Cérbero, um canzarrão. Os bichos costumavam brincar e lutar nas cercanias — enfim, o Bobi tentava sobretudo fugir... — sem nunca terem feito mal a ninguém. Ali perto passa a A-13. Nos termos da lei, as «auto-estradas devem ser vedadas, em toda a sua extensão, de modo a impedir a entrada de animais ou pessoas», e as concessionárias devem assegurar constantemente o bom estado de conservação das vedações. Kramer é dono de um terreno vizinho dos de Isabel e Joana e contíguo à A-13, ao longo de 1 km. Kramer não costuma encontrarse nesse terreno. Mesmo junto à vedação da auto-estrada, havia um enorme e velho eucalipto que, desde o último temporal, ameaçava claramente cair. Kramer ordenou a Manuel, seu empregado, que abatesse a árvore, mas este, por preguiça, andava a adiar o trabalho, dizendo ao patrão que já o fizera. Pois o eucalipto veio a cair por si, deitando abaixo a vedação naquele sítio. A Lisa, S.A., concessionária da A-13, exigiu a Kramer que consertasse a rede. Perante a sua recusa, aquela propôs uma acção em tribunal pedindo que Kramer fosse condenado à reparação. Entretanto, o buraco mantém-se, com conhecimento de todos. Em mais uma sessão de «morde e foge», o Cérbero perseguiu o Bobi através do buraco aberto. O Cérbero não chegou à faixa de rodagem, mas o Bobi entrou por ali a correr. Nélia conduzia a cerca de 135 km/h quando o Bobi se lhe atravessou à frente. Nélia atropelou-o antes de o ver, perdeu o controlo do carro, bateu no carro de Patrícia, que ia a uma velocidade semelhante, e capotou. O carro de Nélia saiu dali para o ferro-velho. O carro de Patrícia ficou ligeiramente danificado. Patrícia seguia sem cinto de segurança, foi cuspida do automóvel através do pára-brisas e morreu ao bater com a cabeça numa pedra. Não há qualquer indício de que os danos fossem menores se Nélia ou Patrícia seguissem a 120 km/h. Onofre, médico, parou o carro na berma para socorrer Nélia. Tirou-a do carro, que se incendiou pouco depois, e telefonou para o 112. Nesse momento, porém, Onofre lembrou-se de que estava quase na hora do SPORTEM / Real Madrid, pelo que continuou viagem em busca de uma televisão, deixando Nélia sozinha à espera da ambulância. Nélia sofreu lesões muito graves, cujos resultados finais ainda estão por determinar. Patrícia não tinha parentes nem cônjuge, mas vivia com uma amiga, Quitéria, a quem deixou todos os seus bens por testamento.
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Que responsabilidade civil haverá? ---------------------------------------------------------------------------------------------------------Nota: Os casos práticos que se seguem, excepto o primeiro,elaborado pela Dra. Maria de Lurdes Pereira, são da autoria do Dr.Pedro Múrias. Caso prático n.º 22 António conduzia o automóvel que o seu irmão, Gabriel, lhe havia emprestado, quando surgiu à sua frente, de forma totalmente inesperada, Bárbara, criança de dois anos idade. António circulava com cuidado e respeitando os limites legais de velocidade, mas, para evitar uma colisão com a criança, de outra forma inevitável, mudou bruscamente de direcçãopara a direita, vindo a embaterviolentamente contra a traseira do carro de César que se encontrava ilegalmente estacionado em segunda fila. Os automóveis ficaram seriamente danificados e António sofreu um traumatismo cranianoprofundo que o pôs em estado de coma durante dois meses. Bárbara encontrava-se à guarda da ama,Dora, que havia sidocuidadosamente escolhida pelos seus pais, Elsa e Fernando. No momento do acidente, porém, Dora conversava distraídamente com Helena, ama de outra criança, dado que esta a havia informado que àquela hora raramente passavam carros pela rua. Na realidade,contudo, tratava-se de uma rua bastante movimentada. a) António pretende pedir uma indemnização pelos danosdecorrentes do acidente. A quem e em que termos poderá fazê-lo?Considere apenas aplicáveis as regras da responsabilidade civil. b) Isabel, mulher de António e proprietária de um pequeno café, foi obrigada a fechá-lo durante os dois meses em que o seu marido esteve internado. Os médicos asseguraram-lhe que a presença de um familiar próximo auxiliaria a recuperação. Isabel pretende agora saber se pode exigir uma compensação pelos danos que sofreu com o encerramento temporário do café. Que resposta lhe daria? c) César verificou que os custos da reparação do seu carro ascendem a 10.000,00€. Esses custos são excepcionalmente altos, já que aquele carro, ao contrário da generalidade dos veículos da mesma espécie, tem o motor na parte traseira. Tendo em conta que o valor de mercado actual do automóvel é de 3.000,00€, a quem e em que termos poderá César exigir o pagamento da reparação? -------------------------------------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 23 O carro de Deolinda foi seriamente danificado num acidente devido a negligência de Efigénia. O carro era muito velhinho, de modo que Deolinda não o conseguiria vender por mais de 100 contos. Mas a verdade é que andava e não tinha problemas mecânicos! A reparação custa 200 contos. Como deverá Deolinda ser indemnizada por Efigénia(ou pela sua seguradora)? --------------------------------------------------------------------------------------------------------
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Caso prático n.º 24 Uma empresa de consultoria, a CCC, fez uma avaliação errada do valor da sociedade comercial JJJ, L.da, cujos sócios estavam a pensar vendê-la. A CCC agiu nos termos de um contrato com a JJJ. António veio a comprar as quotas da JJJ, mas percebe agora que fez umpéssimo negócio. Poderá pedir responsabilidades à CCC? -------------------------------------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 25 Gilberto é veterinário e dono de algum gado. O seu vizinho Hélio, também criador, teve os seus animais infectados comcarbúnculo, mas não tomou as medidas necessárias para impedir a propagação da doença, nem sequer avisou Gilberto, de modo que vários animais do vizinho foram afectados. Gilberto administrou-lhes o tratamento adequado segundo os cânones da medicina veterinária,mas, porque se tratava de uma estirpe rara e não identificada da bactéria, esse tratamento veio a agravar a doença. Gilberto perdeu assim 50% do gado infectado, quando as mortes não costumamexceder 30%, se for aplicado o tratamento devido. Quid juris? -------------------------------------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 26 Zebedeu conduzia uma camioneta do seu patrão, Xavier. Certodia, quando estava quase a chegar ao armazém de Xavier, aparece-lhe subitamente, a seguir a uma curva, uma pilha de caixas de mercadorias que um seu colega de trabalho (Vasco) ali tinha deixado, mesmo no meio do caminho. Zebedeu travou correctamente, e tudo teria corrido bem se os travões não tivessem avariado naquele preciso momento. Na verdade, veio depois a descobrir-se uma fragilidade impensável nos discos dos travões, que se partiram com a travagem brusca. A camioneta fora fabricada pela sociedade Automóveis dePortugal, S.A., e os discos dos travões, pela sociedade Trava a Fundo,Lda.. Zebedeu, contra ordens expressas de Xavier, tinha dado boleia aum amigo seu, Sérgio, que ali ia procurar emprego. O acidente foi sério. A camioneta despistou-se, destruindo as ditas caixas de mercadorias, cujo conteúdo pertencia a Quirino, um cliente de Xavier, e atropelando Rui, que ia a passar. Zebedeu ficou incólume, mas Sérgio deu uma grande cabeçada, de modo que teve de ser assistido no hospital, e ainda se lhe estragou a roupa nova que levava.A camioneta ficou seriamente danificada. Queresponsabilidade civil haverá? -------------------------------------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 27 O Museu dos Museus, instituição particular de utilidade pública, é de visita gratuita. Nuno é seu empregado, acompanha os visitantese dá-lhe explicações do que vêem. Odete, electricista, foi contratada pelo museu para uma série de arranjos previamente definidos. Nuno não era um moço especialmente honesto: muitas carteiras de visitantes foram desaparecendo até se descobrir que era ele o autor dos furtos. Odete não era muito cuidadosa: estava em cima do telhado quando deixou escorregar a mala
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das ferramentas, que atingiu um transeunte que não tinha nada a ver com o museu. Será o museu responsável por estes danos? -------------------------------------------------------------------------------------------------------Caso prático n.º 28 Isabel e Joana são vizinhas. Isabel é dona do Bobi, um cãozinho; Joana, do Cérbero, um canzarrão. Os bichos costumavam brincar elutar nas cercanias — enfim, o Bobi tentava sobretudo fugir... — sem nunca terem feito mal a ninguém. Ali perto passa a A-13. Nos termos da lei, as «auto-estradas devem ser vedadas, em toda a sua extensão, de modo a impedir a entrada de animais ou pessoas», e as concessionárias devem assegurar constantemente o bom estado de conservação das vedações. Kramer é dono de um terreno vizinho dos de Isabel e Joana e contíguo à A-13, ao longo de 1 km. Kramer não costuma encontrar-se nesse terreno. Mesmo junto à vedação da auto-estrada, havia um enorme e velho eucalipto que, desde o último temporal, ameaçava claramente cair. Kramer ordenou a Manuel, seu empregado, que abatesse a árvore, mas este, por preguiça, andava a adiar o trabalho, dizendo ao patrão que já o fizera. Pois o eucalipto veio a cair por si, deitando abaixo a vedação naquele sítio. A Lisa, S.A., concessionária da A-13, exigiu a Kramer que consertasse a rede. Perante a suarecusa, aquela propôs uma acção em tribunal pedindo que Kramer fosse condenado à reparação. Entretanto, o buraco mantém-se, com conhecimento de todos. Em mais uma sessão de «morde e foge», o Cérbero perseguiu o Bobi através do buraco aberto. O Cérbero não chegou à faixa de rodagem, mas o Bobi entrou por ali a correr. Nélia conduzia a cerca de 135 km/h quando o Bobi se lhe atravessou à frente. Nélia atropelou-o antes de o ver, perdeu ocontrolo do carro, bateu no carro de Patrícia, que ia a uma velocidade semelhante, e capotou. O carro de Nélia saiu dali para o ferro-velho. O carro de Patrícia ficou ligeiramente danificado. Patrícia seguia semcinto de segurança, foi cuspida do automóvel através do pára-brisas e morreu ao bater com a cabeça numa pedra. Não há qualquer indício de que os danos fossem menores se Nélia ou Patrícia seguissem a 120km/h. Onofre, médico, parou o carro na berma para socorrer Nélia. Tirou-a do carro, que se incendiou pouco depois, e telefonou para o 112. Nesse momento, porém, Onofre lembrou-se de que estava quase na hora do SPORTEM / Real Madrid, pelo que continuou viagem em busca de uma televisão, deixando Nélia sozinha à espera daambulância. Nélia sofreu lesões muito graves, cujos resultados finais ainda estão por determinar. Patrícia não tinha parentes nem cônjuge, mas vivia com uma amiga, Quitéria, a quem deixou todos os seus bens por testamento. Que responsabilidade civil haverá? ---------------------------------------------------------------------------------------------------------Testes do Prof. Pedro Múrias DIREITO DAS OBRIGAÇÕES – TESTE DE AVALIAÇÃO CONTÍNUA TURMA DA NOITE – SUBTURMAS 1 E 2 24-1-2002 – 1h 45 de duração 1. Antónia estava em casa, ao computador, a realizar movimentos na sua conta bancária através da Internet. Subitamente, teve de se levantar
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para tratar do almoço. A sua filha de 6 anos decidiu «substituir» a mãe na tarefa informática e, sem saber como, fez uma transferência de 100 mil euros da conta de Antónia para a de Beatriz. O acidente foi descoberto só alguns meses depois, e Antónia só conseguiu contactar Beatriz já um ano após a transferência. Beatriz não se apercebera de nada antes, pois o dinheiro foi parar a uma conta a prazo em que nunca mexia. A conta de Antónia é remunerada a 1% ao ano; a de Beatriz, a 3%. Quid juris? 2. Os terrenos de Carlota e Diana são contíguos e cobertos por floresta. Por falta de cuidado das donas, estão ambos cheios de mato, designadamente nos espaços que, nos termos da lei, deviam servir de corta-fogos. Preocupada com o perigo de incêndio a que o seu terreno estava sujeito, Carlota aproveitou a ausência de Diana para limpar ambos e contratou Eduarda para fazer o serviço, a quem pagou à hora. O que Carlota não sabia era que Diana pretendia mudar de exploração: uns dias depois, Diana mandou deitar abaixo todas as suas árvores e iniciar a construção de uma instalação pecuária. Já tinham começado os trabalhos quando Diana soube da intervenção de Carlota, que pretende ser «indemnizada». Quid juris? 3. Joana furtou gasolina de uma estação de serviço, consumindo-a depois. Tente fundamentar cuidadosamente as obrigações civis de Joana que daí advêm. 4. O art. 500.º do Código Civil estabelece verdadeiramente uma «responsabilidade civil pelo risco»? Direito das Obrigações Turma da noite – subturmas 1 e 2: correcção do teste de 24 de Janeiro de 2002 1. Antónia não realiza uma prestação no sentido que interessa em sede de ESC. Embora haja uma atribuição patrimonial (a própria transferência do dinheiro), faltam os elementos cognitivo-volitivo (Antónia não quer fazer uma atribuição nem sabe que a faz) e final (não é estipulado nenhum fim, designadamente o cumprimento de uma obrigação, para a transferência feita). Logo, não há aqui um caso de repetição do indevido (o art. 476.º/1 prevê que algo seja prestado «com intenção de....»). Temos, sim, um enriquecimento por dispêndios doutrem. É certo que a actuação é da criança, mas o dinheiro (que é o bem despendido) pertencia a Antónia: no ESC por dispêndios, pode bem ocorrer que o empobrecido não seja quem age (p. ex., art. 1342.º/1). Trata-se, porém, de um caso sem disposição legal específica (note-se ainda que não se trata de dispêndios com aumento do valor de coisa alheia nem com pagamento de dívidas alheias), a resolver portanto nos termos do art. 473.º/1. E, na verdade, há aqui enriquecimento (o património de Beatriz cresce com a transferência) à custa de outrem (a diminuição do saldo de Antónia) sem causa (não há qualquer negócio jurídico nem outra relação entre Antónia e Beatriz que legitimasse, que determinasse a transferência). Além disso, este caso, embora consubstanciando um enriquecimento por dispêndios, tem manifesta analogia (talvez até por maioria de razão) com o disposto no art. 476.º/1. Não há dúvida de que se constitui uma obrigação de restituir. Falta saber quanto. Nos termos do art. 479.º/1, deve restituir-se tudo o que foi obtido à custa doutrem. Não releva o art. 479.º/2 (porque o enri-
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quecimento não decresce nunca) nem o art. 480.º (porque a boa fé de Beatriz só cessa no último momento do caso). Quanto aos € 100.000, não há quaisquer dúvidas. Também não as pode haver quanto aos € 3.000 entretanto gerados. É certo que estes 3% surgiram por acaso e que Antónia, se nada se tivesse passado, apenas teria ganho 1%. Mas foram ainda os € 100.000 de Antónia que geraram, por si, os 3%. Uma conta a prazo «frutifica» na estrita medida em que lá se deposite dinheiro. Beatriz continuaria enriquecida sem causa se mantivesse os 2% da diferença. Em termos reais-individuais, o que Antónia produziu com o seu dispêndio foi a permanência de € 100.000, durante um ano, numa conta remunerada a 3%. Em termos reais-individuais, como o art. 479.º/1 exige, o que se deve devolver são € 103.000. A mesma solução decorre, por analogia, do disposto quanto a frutos pendentes no art. 1270.º/2. Veja-se ainda, também em termos analógicos, o art. 476.º/3. 2. Carlota parece agir em GN imprópria, pois a sua intenção é proteger o seu próprio terreno. Em termos subjectivos, Carlota não age no interesse doutrem. Ainda que assim não fosse, falta a absentia domini. Carlota aproveita-se da ausência de Diana, que sempre pôde agir por si, numa intervenção contra vontade que o direito não pode aceitar. Não se preenche, portanto, o disposto no art. 464.º. Ainda se assim não fosse, e devido ao mesmo «aproveitar-se», a gestão seria irregular (art. 468.º/1). Deve, no entanto, sujeitar-se o caso, por analogia, ao disposto no art. 472.º, que abrange outras conjunturas que, por falta do requisito subjectivo da GN, não seguem os arts. 464.º e ss.. Porque não houve qualquer «aprovação» de Diana, cabe decidir em termos de ESC. Esta disposição específica torna praticamente desnecessária a utilização do art. 473.º/1. É um caso de enriquecimento por dispêndios (aumento do valor de coisa alheia). A obrigação de restituir reger-se-ia pelo art. 479.º/1. Nesses termos, o seu montante não seria o valor efectivamente pago por Carlota a Eduarda e correspondente ao tempo gasto no terreno de Diana, mas sim (por força da ideia de restituição em espécie ou no valor correspondente, isto é, de restituição do enriquecimento real-individual) o valor de mercado desse trabalho. O negócio entre C. e E. pode ter sido melhor para uma delas do que aquilo que resultaria desse valor de mercado, mas isso não pode favorecer nem prejudicar Diana. O art. 479.º/2 não tem relevância, dado que Diana sabe do ESC ainda no começo dos trabalhos que viriam a destruí-lo. Contudo, e como é comum nas situações de dispêndios, há aqui um enriquecimento forçado. Diana não tem qualquer colaboração no comportamento de Carlota. E Diana está de boa fé. Pelo contrário, não pode deixar de notar-se que Carlota age «de má fé», ou melhor, sabendo que enriquece Diana: nessa medida, Carlota assume conscientemente um certo risco. As indicações legais para o problema são algo oscilantes. Confronte-se o art. 1214.º/2 com as regras da acessão. Havendo, porém, boa fé do enriquecido e «má fé» do empobrecido, não se pode deixar de dar plena aplicação à ideia de que o titular tem liberdade de disposição do seu património: nestes casos de enriquecimento forçado, o enriquecimento tem de ser avaliado tendo em conta a planificação subjectiva do enriquecido. Ora Diana pretendia arrasar toda a floresta (e o mato), pelo que a limpeza promovida por Carlota se revela de valor nulo. Acaba por não haver enriquecimento e, por conseguinte, não há qualquer obrigação de restituir.
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3. Joana incorre em responsabilidade civil, pois viola dolosamente a propriedade alheia (sobre a gasolina), sem qualquer causa de exclusão da culpa (art. 483.º/1). Nos termos do art. 566.º/2, a indemnização corresponderia ao custo de aquisição da gasolina pela gasolineira, pois, evidentemente, é só essa a sua diminuição patrimonial. Salvo, é claro, se o furto originasse um decréscimo das vendas (o que seria pouco provável e não é referido no caso), pois então teríamos lucros cessantes (art. 564.º/1, em conjunto com o art. 566.º/2). Sucede, porém, que Joana tem um ESC por intervenção. Esta modalidade consagrada apoia-se na cláusula geral do art. 473.º/1 e desenvolve a reserva de utilidades que certas situações jurídicas atribuem ao seu titular (conforme ensina a teoria do conteúdo da destinação). Ora o consumo da gasolina é, por excelência, uma utilização reservada ao respectivo proprietário (cf. o art. 1305.º). E a obrigação de restituir, por força do conceito real-individual de enriquecimento acolhido no art. 479.º/1, mede-se pelo valor de mercado da gasolina, o que, em regra, irá além do montante da indemnização referida no parágrafo anterior. O art. 474.º não oferece aqui qualquer dificuldade: quanto ao custo da gasolina, a obrigação de indemnizar é pura responsabilidade civil (obedecendo ao art. 474.º). Já quanto ao montante remanescente (até ao valor de mercado) não há «outro meio de ser indemnizado ou restituído» além do ESC. Portanto, neste caso há lugar à aplicação de ambos os institutos, embora a respeito de valores diferentes. Pode porém acontecer1[1] que aquela gasolineira venda a gasolina a um preço superior ao seu valor de mercado. Se a obrigação de Joana resultasse apenas do disposto em sede de ESC, a ladra teria conseguido adquirir a gasolina a um custo inferior ao dos clientes normais. E, com isso, violaríamos o direito de exclusivo (a propriedade) da gasolineira, que se manifesta em ter determinado só vender a gasolina àquele preço. Não se lhe pode negar essa faculdade e, portanto, devemos encontrar fundamento para que Joana pague todo o preço exigido. A doutrina das relações contratuais de facto (G. HAUPT, 1941) tentaria abranger a situação; teríamos aqui, possivelmente, um caso de relações geradas pelo «contacto social». Alguns autores dariam relevância a tratar-se do «tráfico de massas». Em boa verdade, porém, aquela «doutrina» não dá fundamento para a solução dos casos que abrange, limitando-se a verificar o surgimento de relações equivalentes a contratos sem que contrato haja. E a referência ao «tráfico de massas» também em nada nos ajuda, já que a solução não poderia variar se o aproveitamento de Joana respeitasse a bens de oferta restrita, não massificada.
1[1]
É, porém, uma situação improvável, dadas as constrições legais neste ramo de actividade.
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A solução, segundo nos parece 2[2], há-de ser encontrada no reconhecimento de que os titulares de direitos de exclusivo têm uma faculdade de regulação do aproveitamento dos seus bens por terceiros, a faculdade de produzir «regulações do dono». Se lhes é possibilitado proibir o aproveitamento por terceiros (cf. art. 1305.º), também lhes é facultado determinar sob que pressupostos esse aproveitamento é lícito. No nosso caso, o pressuposto é o pagamento do preço marcado. Joana aproveita-se da gasolina conhecendo o pressuposto desse aproveitamento, que foi validamente determinado pela gasolineira. Logo, Joana sujeita-se à obrigação que dele resulta, a obrigação de pagar o preço determinado. As regulações do dono são figuras do dia-a-dia, destinadas maioritariamente a disciplinar o modo de aproveitamento dos bens por terceiros, e integram-se no conteúdo de direitos de exclusivo como a propriedade, o direito de autor, os direitos de personalidade, etc., etc.. São um significativo elemento de poder jurídico-privado. 4. Não, de modo algum. Na RC pelo risco, o facto responsabilizador é uma situação aproveitada por certa pessoa, que será o responsável, e perigosa para terceiros. A RC pelo risco é uma simples concretização da ideia ubi commoda, ibi incommoda, no sentido de os danos (para outrem) serem um incommodum necessariamente associado a certas situações (as situações perigosas). Isto, claro, sem embargo do art. 483.º/2. Vejam-se as facti species dos arts. 502.º, 503.º e 509.º, bem como a variada legislação extravagante. Ora uma relação de comissão não envolve, em si mesma, qualquer perigo para terceiros. Não há mais riscos se a lida da casa for feita por uma empregada doméstica do que se for feita pelo dono da casa. A fundamentação, a compreensão dogmática do art. 500.º é difícil, mas não andará longe da ideia de impedir a desresponsabilização através da actuação de outrem, nos casos em que a actividade desenvolvida pertence ao comitente. É certo que o art. 500.º surge na subsecção «Responsabilidade pelo risco», mas as qualificações legais não têm em si nenhuma relevância para a construção dogmática doutrinal. Quando o Código foi feito, ainda não se interiorizara plenamente a diferença entre «responsabilidade objectiva» (caso do art. 500.º) e «responsabilidade pelo risco», que é apenas uma das suas modalidades. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------DIREITO DAS OBRIGAÇÕES – TESTE DE AVALIAÇÃO CONTÍNUA TURMA DA NOITE – SUBTURMA 1 19-12-2001 – 55 minutos de duração 2[2]
Defendemo-lo em Regulações do dono. Uma fonte de obrigações, in Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, vol. II, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 255-293. LUÍS MENEZES LEITÃO (Direito das Obrigações, vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2003), a propósito do enriquecimento por intervenção em serviços oferecidos remuneradamente, contesta a eficácia das regulações do dono na falta de uma aceitação dos destinatários, porque as regulações do dono assentariam na autonomia privada. No entanto, as regulações não assentam na permissão genérica (rectius, na competência genérica) da autonomia privada, mas sim numa competência específica dos titulares de direitos de exclusivo, a competência de excluir terceiros do aproveitamento do bem reservado. E esta faculdade dos proprietários e restantes donos vale independentemente de aceitação. As regulações do dono não são actos de autonomia privada, mas sim imposições heterónomas, ainda que evitáveis (vide o estudo citado, pp. 282-283 e passim).
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António participou numa corrida de modelos (miniaturas) telecomandados de aviões. Tal como aconteceu com quase metade dos concorrentes, o modelo de António despenhou-se antes do fim da corrida. Acabou-se-lhe prematuramente o combustível devido a um furo no depósito, causado por sua vez por enferrujamento. O modelo não obedece a quaisquer comandos com o motor desligado. O modelo de António era velhote e fora produzido pela Minivoos, SA. Hoje em dia, a Minivoos e as suas concorrentes fabricam os depósitos com ligas que não enferrujam, mas não o faziam ao tempo em que aquele modelo saiu. Ao cair, o aviãozito atingiu o carro de Bento, entrando por uma das janelas (que se partiu) e ferindo o próprio condutor, Carlos, a quem Bento tinha emprestado o carro por umas horas. Com o susto e a dor, Carlos perdeu o controlo do automóvel, que bateu na cerca do jardim de Daniel e a danificou. Carlos não quis ir ao hospital, apesar de a ferida ser significativa. Em consequência, a cicatrização demorou mais tempo, prolongando as dores e incómodos. O carro de Bento esteve na oficina durante cinco dias. Como, por razões profissionais, não lhe convinha ficar a pé, Bento alugou um carro durante os primeiros três dias. Mas, não estando bem de finanças, nos dois dias restantes optou por andar de táxi e de transportes públicos, o que sempre saiu mais barato, embora menos confortável. Que responsabilidade civil haverá? ---------------------------------------------------------------------------------------------------------DIREITO DAS OBRIGAÇÕES – TESTE DE AVALIAÇÃO CONTÍNUA TURMA DA NOITE – SUBTURMA 2 19-12-2001 – 55 minutos de duração António é empregado da É-viadutos, S.A., e estava em pleno e correcto trabalho, à martelada, quando a cabeça do martelo saltou. Por baixo daquele viaduto passa uma estrada e, por não haver protecção contra a queda de objectos — ao contrário do que a lei impõe —, a cabeça do martelo caiu em cheio no vidro da frente dum carro, partindo-o e ferindo o seu condutor e dono, Bento. A função de António é apenas martelar, e não escolher nem montar protecções contra a queda de objectos. Com o susto e a dor, Bento perdeu o controlo do automóvel, que bateu na cerca do jardim de Daniel e a danificou. Aquele martelo era novo, tendo sido comprado (o cabo e a cabeça juntamente) à Martelando, S.A.. Bento não quis ir ao hospital, apesar de a ferida ser significativa. Em consequência, a cicatrização demorou mais tempo, prolongando as dores e incómodos. O carro de Bento esteve na oficina durante cinco dias. Como, por razões profissionais, não lhe convinha ficar a pé, Bento alugou um carro equivalente ao seu durante os primeiros três dias. Mas descobriu depois que uma empresa de aluguer de carros ali ao lado fazia preços inferiores, de modo que, pelo mesmo preço, alugou a esta um carro um bocadinho melhor nos dois dias seguintes.
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Que responsabilidade civil haverá? Direito das Obrigações Correcção do teste de avaliação contínua da turma da noite, subturma 2, de 19-12-2001 A. estava em «pleno e correcto» trabalho. O caso diz-nos, portanto, que A. cumpria todos os deveres (designadamente, de cuidado) associados à sua tarefa. Nessa medida, agiu com a diligência de um bonus pater familias (cf. art. 487.º/2), agiu portanto em termos subjectivamente lícitos, i.e., sem a «culpa» do art. 483.º/1, e não é obrigado a indemnizar nos termos deste preceito. Note-se, em especial, que a função de António não era «escolher nem montar protecções»; nem lhe seria admitido desobedecer à empregadora com o fundamento da falta dessas protecções. A. desempenhava uma actividade perigosa: é perigosa a actividade de construção civil e o trabalho de António; por isso mesmo dela se ocupa tanta legislação. Pelo que acabámos de ver, porém, a presunção do art. 493.º/2 está ilidida: A. empregou «todas as providências exigidas....». Aliás, o art. 493.º/2 não parece estabelecer um critério de diligência diferente do do art. 487.º/2: são as circunstâncias diferentes (mais perigosas) que obrigam o bonus pater a mais cuidados, ou seja, a tomar «todas as providências....». Sendo trabalhador da É., estando portanto às suas ordens, e desempenhando uma tarefa dela, que lha confia, A. é comissário dessa sociedade, mesmo segundo o mais rigoroso critério de interpretação desse termo do art. 500.º. A. causa danos no exercício e, inclusive, por causa da comissão (cf. 500.º/2). Porém, A. não é responsável, pelo que não opera a estatuição do art. 500.º/1, nos termos da sua parte final. Discutindo a responsabilidade civil da É., somos levados aos arts. 165.º (cf. 157.º) CC e 6.º/5 CSC. Porém, ambos remetem aos termos do art. 500.º, o que, como vimos, impede a responsabilização da sociedade. Contudo, esses dispositivos não esgotam as possibilidades: no nosso caso, a É. cai, directamente, no art. 483.º (através do art. 486.º; tratando-se, porém, da violação duma norma de protecção, o percurso é indiferente, pois qualquer dos arts. seria suficiente). Na verdade, também as pessoas colectivas, em si mesmas consideradas, podem preencher os pressupostos pessoais da responsabilidade subjectiva. Em casos como este, em que certo dever (o dever de montar protecções) incumbe directamente à pessoa colectiva, e não aos seus trabalhadores ou agentes, especialmente tratando-se de omissões, a responsabilidade da pessoa colectiva não depende da identificação de um acto desses trabalhadores que, em si mesmo, concretize a violação de uma regra 3[1]. A pessoa colectiva, em si mesma, age em termos objectivamente ilícitos. Por outro lado, a pessoa colectiva sabe ou tem o dever de saber dessa violação — em termos mais rigorosos: o conhecimento da violação é-lhe imputado —, havendo por isso ilicitude subjectiva (dolo ou negligência). Na falta de causas de exclusão da culpa, estão preenchidos os ditos pressupostos pessoais. A É. responde nos termos do art. 483.º/1 (e 486.º), se houver danos imputáveis à sua acção, como veremos ser o caso. Pese embora a pouca clareza do teste, a M. terá fabricado aquele martelo, caindo no art. 2.º da LRP (D.L. 383/89, alterado pelo D.L. 3[1]
Próxima — pelo menos — dessas situações é a «culpa de serviço», figura de D. Administrativo
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131/2001). E o martelo é um «produto» (art. 3.º). Quem compra um martelo pretende que ele não «perca a cabeça» logo ao fim de pouca utilização: é legítimo esperar que assim não aconteça. O mesmo era, portanto, defeituoso (art. 4.º), o que faz identificar mais um facto responsabilizador e mais uma responsável (cf. art. 1.º). B. causa danos sem ter agido negligente ou dolosamente. Com «o susto e a dor», qualquer bonus pater pode perder o controlo do automóvel. Basta isso para ilidir a presunção do 493.º/2 (que abrange a condução de veículos, embora não importe aqui desenvolver a questão) e, por maioria de razão, para afastar o 483.º/1. Contudo, B. tem a direcção efectiva (conduz e é proprietário) de um veículo de circulação terrestre, usando-o em interesse próprio (visto ser seu, e na falta de outra indicação), o que logo convoca o art. 503.º/1. Falta aferir se o acidente se deveu a «riscos próprios do veículo» ou, por outras palavras, se não terá se terá devido a «força maior....» ou a acto de terceiro (cf. art. 505.º). O art. 505.º concretiza pela negativa o conceito de «riscos próprios» do art. 503.º/1. Na verdade, o acidente deveu-se a um ilícito de terceiro (a É.), mas não exclusivamente. Deveu-se também aos riscos do veículo, em rigor, aos riscos próprios do binómio «veículo/condutor»: a momentânea perda de atenção ou do controlo dos movimentos, ainda que devida a um facto fortuito como o do teste, à entrada de um insecto perigoso no automóvel ou mesmo a um espirro súbito do condutor, é um risco próprio destes veículos. Há responsabilidade nos termos do art. 503.º/1. Neste caso há danos, e por isso se fala de RC. Danos patrimoniais e danos morais (a dor, o susto e a ferida de B.). Estes são também indemnizáveis, por força do art. 496.º; a avaliação do montante compensatório é feita nos termos do art. 496.º/3, 1.ª parte. Note-se que a natureza de pessoas colectivas com fim lucrativo da É. e da M. desaconselha fortemente qualquer intenção restritiva nesta avaliação. Estes danos são claramente imputáveis aos factos responsabilizadores atrás descritos. Para começar, porque foram por eles causados. Depois, os danos de B. decorrem da violação por É. de uma regra que tem justamente por finalidade (cf. a teoria do fim da norma violada) evitar os danos resultantes da queda de objectos. E decorrem ainda de um defeito do produto que é defeito precisamente porque possibilita este género de danos. A danificação da cerca de Daniel é obviamente imputável ao facto responsabilizador resultante do art. 503.º/1: é consequência directa do acidente; é por excelência um dano associado ao risco de acidente. Mas é também imputável à violação de É. e ao produto de M., apesar de os riscos próprios do veículo se intrometerem entre estes e aquele. Na verdade, um terceiro informado que assistisse à queda da cabeça do martelo anteveria, consideraria provável a pequena confusão gerada e os acidentes em série resultantes. Recorremos aqui à teoria da adequação, por parecer mais clara na dilucidação do caso. Há, portanto, três responsáveis perante Daniel: B., É. e M.. Ficam solidariamente obrigados a reconstruir a cerca, atenta a primazia da reconstituição natural (566.º/1). A solidariedade entre B. e É. resulta do art. 507.º. Entre B., É. e M., do art. 6.º/1 LRP. Aliás, trata-se de um princípio geral em sede de RC, consagrado também no art. 497.º. Note-se que o art. 507.º/2 permite um regresso total de B. sobre É. Mais duvidoso seria saber se B. teria regresso total sobre M.: o art. 6.º/2 LRP não parece permiti-lo. Interessantes e complexas serão as relações entre É. e M.. Note-se que o defeito do produto e a falta de protecções são concausais dos danos. A falta de protecções teria impedido por si o dano. Mas o mesmo também
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não teria ocorrido se o martelo não fosse defeituoso: por isso mesmo, não há qualquer motivo para que É., sob pretexto de responder subjectivamente, suporte todo o dano. Veja-se aliás o art. 6.º/2 LRP. São duas causas absolutamente independentes, e cada uma juridicamente desvalorada por si só. Para mais, a responsabilidade do produtor não é puramente objectiva, é uma responsabilidade quase subjectiva (cf. art. 5.º, e) ). Bento recusou-se a ir ao hospital. O seu comportamento desvia-se do padrão médio de correcção (cf. 487.º/2), que também releva, ainda que não absolutamente, neste tema da culpa do lesado (art. 570.º/1). O agravamento dos seus danos morais é imputável a B.. Em princípio, a redução a fazer seria no sentido de indemnizar Bento como se ele tivesse sofrido apenas os danos morais que sofreria se tivesse ido ao hospital. Não há lugar ao art. 570.º/2, pois não temos aqui presunções de «culpa», nem se justifica qualquer argumento de maioria de razão a partir desse preceito. Por fim, os danos patrimoniais de B.. Sublinhe-se que a indemnização por reconstituição natural, preferida pelo art. 566.º/1, já não é possível, porque B. procedeu ele próprio (em rigor, a suas expensas) a essa reconstituição. Sendo assim, temos de seguir a via pecuniária e meramente compensatória. O custo da oficina é uma diminuição patrimonial a ressarcir por aplicação simples do art. 566.º/2. Quanto ao valor dos alugueres, já esse preceito deixa algumas dificuldades, visto que, nos primeiros três dias, B. alugou um carro a um preço superior ao necessário; nos dois dias seguintes, alugou um carro de qualidade superior ao seu. Ora, qualquer uma das situações parece desconforme com o espírito geral do art. 562.º. E a primeira (os primeiros 3 dias) faz até pensar de novo no art. 570.º. Na verdade, o art. 566.º/2 não pode deixar de ser articulado com as restantes disposições em sede de «obrigação de indemnizar» e, até, com os princípios gerais da «imputação do dano ao facto responsabilizador». Designadamente, não seria indemnizável o custo do aluguer de um Ferrari, contratado com a empresa de alugueres mais cara do Reino Unido, para substituição de um Mini de um residente em Lisboa. Assim, o aluguer dos três primeiros dias é indemnizável na íntegra, enquanto diminuição patrimonial atendível pelo art. 566.º/2: B. escolheu uma empresa qualquer, que não lhe pareceria excessivamente cara. Não há indicação (cf. art. 572.º) de que tenha sido negligente na procura da locadora. Já quanto aos dois dias seguintes, depois de conhecer uma locadora menos careira, o comportamento de B. deixa-o numa posição melhor do que a que teria se não houvesse dano algum: ele escolhe um carro de nível superior. Isto opõe-se ao espírito do art. 562.º: só lhe pode ser indemnizado o valor do aluguer, nessa empresa, de um carro equivalente ao seu. O art. 566.º/2 é articulado com a disposição anterior. Sublinhe-se ainda que, no caso (improvável) de o preço dos alugueres incluírem todo o consumo de gasolina, terá de ser descontado na indemnização, por força do art. 566.º/2, o valor que o próprio B. teria gasto em gasolina se tivesse usado o seu carro. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------DIREITO DAS OBRIGAÇÕES – EXAME ESCRITO TURMA DA NOITE – ÉPOCA DE DEZEMBRO 4-12-2001 – 15h00 – duração: 3h I
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António, proprietário de um apartamento situado em Lisboa, prometeu vendê-lo a Beatriz, e esta prometeu comprar-lho, pelo preço de 28.000.000$00. Num documento escrito assinado por ambos, acordaram ainda que a escritura de compra e venda seria realizada no dia 31 de Novembro de 2001. Beatriz entregou a António a quantia de 5.000.000$00, a título de antecipação do pagamento do preço, e António permitiu, em contrapartida, que ela ocupasse imediatamente andar. Já instalada no novo apartamento, Beatriz incumbiu Carlos, dono de uma empresa de mudanças, do transporte de alguns móveis que ainda se encontravam na sua antiga casa. No dia fixado, David e Eduardo, empregados de Carlos, transportaram e descarregaram metade da mobília acordada. A outra metade ficou onde estava. David, tendo bebido umas cervejas durante o caminho, desequilibrou-se ao pousar uma das estantes e destruiu uma antiga peça de porcelana que Beatriz tinha em casa. No dia 31 de Novembro, dirigindo-se António no seu automóvel para o local onde deveria ser realizada a escritura, e embora conduzisse de forma prudente, não logrou evitar uma colisão frontal com o veículo conduzido por Francisco, que, no decurso de uma descuidada manobra de ultrapassagem, surgiu inesperadamente na sua faixa de rodagem. Ambos os condutores ficaram feridos e foram imediatamente hospitalizados. Por outro lado, o automóvel de António ficou abandonado durante alguns dias na berma da estrada, o que permitiu que um grupo de jovens larápios furtasse o valioso equipamento de som que nele se encontrava instalado. António não chegou a comparecer na escritura. Beatriz decidiu, por isso, escrever-lhe reclamando o pagamento de 10.000.000$00, a título de indemnização pelo não cumprimento. a) Com que argumentos poderá António recusar a pretensão formulada na carta enviada por Beatriz? (4 v.) b) Beatriz exige de Carlos uma quantia correspondente ao valor da peça de porcelana destruída por David e uma indemnização pelo sofrimento que lhe causou essa perda, já que se tratava de uma antiga herança de família, além de que se recusa a pagar o acordado pelo contrato de transporte, já que foi ela própria que acabou por transportar os móveis em falta e que, ainda que tivesse de pagar alguma coisa, não pretenderia fazê-lo antes de receber as indemnizações referidas. Terá sucesso? (6 v.) c) António entende que Francisco tem o dever de custear a reparação do seu automóvel, assim como o de lhe pagar o valor do equipamento de som furtado. Concorda?(3 v.) II a) Interprete e comente o art. 474.º do Código Civil. (3 v.) b) Discorra sobre a pluralidade e eventual unidade de fundo dos conceitos de risco em direito das obrigações, tendo em conta, por exemplo, os arts. 437.º, 499.º, 503.º, 796.º, 807.º e 851.º do Código Civil. (4 v.) ---------------------------------------------------------------------------------------------------------DIREITO DAS OBRIGAÇÕES – EXAME ESCRITO TURMA DA NOITE – ÉPOCA DE DEZEMBRO 3-12-2002 – 15h00 – duração: 3h
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1. O museu M. é de visita gratuita. Nuno é empregado do museu, acompanha os visitantes e dá-lhes explicações do que vêem. Odete, electricista, foi contratada pelo museu para uma série de arranjos previamente definidos. Nuno não era honesto: muitas carteiras de visitantes foram desaparecendo até se descobrir que era ele o autor dos furtos. Odete não era cuidadosa: estava em cima do telhado quando deixou escorregar a mala das ferramentas, que atingiu um transeunte que nem sequer ia visitar o museu. Será o museu M. responsável por estes danos? A que título? 2. O carro de Deolinda foi seriamente danificado num acidente devido a negligência de Efigénia. O carro era muito velho, de modo que Deolinda não o conseguiria vender por mais de 100 contos. Mas a verdade é que andava e não tinha problemas mecânicos! A reparação custa 200 contos. Como deverá Deolinda ser indemnizada? 3. Interprete e comente o art. 474.º do Código Civil, dando exemplos se achar conveniente. 4. Antonino vendeu e entregou quatro cavalos a Benedito, devendo o preço ser pago em prestações, cada uma até dia 1 de cada mês. Acordou-se que Antonino continuaria proprietário dos cavalos até ao fim dos pagamentos. Pouco depois da entrega, porém, uma alcateia de lobos comeu as quatro bestas. Deve Benedito pagar o preço restante? Ou pode reaver o já pago? 5. Pitágoras e Confúcio prometeram respectivamente vender e comprar certa casa de habitação, onde Confúcio planeava ficar a morar. A escritura realizar-se-ia até ao dia 1 de Julho, em data que Pitágoras marcasse. Confúcio entregou como sinal — assim o disseram as partes — a serpente Fídias. Pitágoras não marcou a escritura — não se sabe porquê — nem disse nada a Confúcio. Assim, no dia 20 de Novembro, Confúcio comprou outra casa e informou Pitágoras de que já não estava interessado no negócio, exigindo a entrega de Fídias e de outra serpente de igual valor. Quid juris? 6. Eduarda vendeu o seu automóvel a Filipa, com reserva da propriedade, devendo o preço ser pago daí a seis meses. Para não esperar tanto tempo, Eduarda vendeu o seu crédito a Gertrudes, por um preço pouco inferior ao seu valor nominal. Findos os seis meses, Gertrudes não conseguia que Filipa lhe pagasse e, por isso, pretende resolver o contrato de compra e venda do automóvel. Quid juris? ---------------------------------------------------------------------------------------------------------DIREITO DAS OBRIGAÇÕES – TESTE DE AVALIAÇÃO CONTÍNUA TURMA B - 6-3-2003 – 1h50 de duração 1. O jornal Púnico noticiou que, «nos aviários da Juncal Galinhas, L. da (JG), sitos na freguesia do Juncal de Almada, são usados nitrofuranos (produtos cancerígenos)» A notícia é falsa. O Púnico publicou-a pensando ser verdadeira, por tal lhe ter sido asseverado por Ofélia, uma maldosa concorrente da JG. Para o Púnico, Ofélia «tinha mesmo aspecto de pessoa séria!» O Púnico fez um desmentido no dia seguinte, mas a JG só recuperou nas vendas um mês depois, com perdas de € 100.000. Luísa, a gerente da JG, sofreu um colapso nervoso em consequência, o que lhe trouxe grande sofrimento e gastos com médicos (€ 8.000). A JuncAves, L.da (JA), também
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instalada no Juncal de Almada, teve um prejuízo de € 50.000, mercê de alguma confusão, nos clientes, entre aquelas duas empresas da mesma freguesia e, à parte isso, do medo de que a JA seguisse as técnicas da JG. A MM, empresa de um concelho vizinho, também registou perdas significativas (€ 25.000) e também recuperou no mês seguinte. A JG, Luísa, a JA e a MM pretendem ser indemnizadas pelo Púnico e por Ofélia. O Púnico sustenta que, em última análise, Ofélia é que tem de pagar tudo, inclusive o desmentido. Quid juris? [8 valores] 2. Adão e Eva instalaram a sua rulote das bifanas no jardim do Sr. Éden, aproveitando a sua ausência, durante todo o campeonato europeu (um mês). Combinaram que, dos proveitos e custos, 1/3 ficaria para Adão e 2/3 para Eva. Ocuparam, com isso, 30 m2. Naquela zona, os jardins são normalmente arrendados, para períodos curtos, a 10 contos/m 2/mês. Durante os primeiros 15 dias, Adão e Eva ganharam cerca 500 contos líquidos. Na segunda quinzena, porém, não terão lucrado mais de 50 contos. Eva está agora insolvente e Éden exige 550 contos a Adão. Quid juris? [5 valores] 3. Comente de modo sintético o art. 406.º/2 CC. Não se esqueça de dizer se, em sua opinião, o artigo vale para os direitos absolutos. [5 valores] 4. Aprecie sinteticamente o art. 1214.º/2 CC quanto ao trecho «nem a indemnização por enriquecimento sem causa». [2 valores] ---------------------------------------------------------------------------------------------------------DIREITO DAS OBRIGAÇÕES – EXAME ESCRITO TURMA DIA-B – ÉPOCA ESPECIAL DE DEZEMBRO 2-12-2003 – 15h00 – duração: 3h II – Diana seguia ao volante do seu automóvel quando lhe aparece pela frente, em contramão, a camioneta de Gertrudes. Gertrudes tinha perdido o controlo da camioneta numa curva apertada, por vir em excesso de velocidade. Diana conseguiu desviar-se, mas não pôde evitar que o seu carro se despistasse, descendo por uma ribanceira muito íngreme até bater numa árvore. Diana foi levada de urgência para o hospital. O carro ficou bastante danificado, embora fosse possível o conserto. Filipa é dona de um reboque e de um depósito de automóveis. Chegou ao local do acidente pouco depois de Diana ter sido levada e percebeu que encontrara mais uma «cliente». Na verdade, ali ao abandono, o carro ficaria sujeito ao mau tempo e a eventuais ladrões. Quando Filipa tinha começado a içar o automóvel, o cabo do reboque partiu-se. O carro voltou a cair pela ladeira, mas, desta vez, foi parar a um precipício, ficando totalmente destruído. Filipa prendeu um novo cabo ao reboque, recolheu os destroços e levou-os para o depósito. Diana sustenta agora que Gertrudes (ou a sua seguradora) e Filipa devem ser solidariamente condenadas a pagar-lhe o automóvel (€ 10.000). Filipa nega essa pretensão, exigindo, ao invés, que Diana lhe pague o preço normal do reboque (€ 100) e ainda a indemnize pelo valor do cabo partido (€ 200). Gertrudes diz apenas que não paga tudo. Quid juris? ---------------------------------------------------------------------------------------------------------DIREITO DAS OBRIGAÇÕES – TESTE DE AVALIAÇÃO CONTÍNUA
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TURMA B – SUBTURMAS 11, 13 E 14 17-12-2003 – 1h31 de duração 1. Enquanto Rita se encontrava nos EUA, trocou com Ricardo uma vintena de e-mails de conteúdo, por assim dizer, romântico (e confidencial). Logo que regressou — e quando Ricardo pensava que iriam encontrar-se para selar o seu amor — a moça dirigiu-se a Pedro, dono de uma editora de livros humorísticos, e celebrou com ele um contrato de edição dos emails em forma de livro. Por essa edição, Pedro pagou de imediato € 5.000 a Rita, no que foi, como é seu timbre, bastante generoso. Ricardo soube e exige que Rita lhe entregue metade. Quid juris? 2. Orfeu estava às portas da morte quando acordou com a ILUD (Igreja Livre da Ubiquidade Divina) que esta se obrigava a rezar 52 missas dominicais por sua alma, pagando Orfeu em contrapartida € 52.000. Depois da sua morte, a ILUD começou efectivamente a incluir nas missas de domingo a acordada referência a Orfeu, mas ainda só tinham passado 5 semanas quando os herdeiros do falecido vieram exigir a restituição dos € 52.000 invocando o instituto do enriquecimento sem causa. Quid juris? 3. Eurídice deixou cair um anel precioso enquanto nadava no rio Letes. Falou com António e Bento, mergulhadores profissionais. António pareceu-lhe mais capaz e, por isso, Eurídice contratou-o para procurar o anel. Acordaram que Eurídice lhe pagaria € 1000 se o encontrasse. Se o não encontrasse ao fim de 12 horas de mergulho, Eurídice pagaria, de qualquer modo, € 300. Findas as 12 horas, António desistiu. Então, Bento, que assistia de longe, mergulhou à procura, pois precisava de dinheiro. Acabou por encontrar o anel, entregando-o à dona e exigindo o pagamento dos € 700 acordados, pelo menos. Quid juris? 4. Dado o disposto nos arts. 468.º, 470.º e 479.º, o gestor irregular pode receber mais do que o gestor regular, sobretudo quando a actividade de gestão não implique o gasto de dinheiro nem de materiais, mas apenas de tempo e trabalho. Concorda? ------------------------------------------------------------------------------------------DIREITO DAS OBRIGAÇÕES – TESTE DE AVALIAÇÃO CONTÍNUA TURMA B – SUBTURMAS 14, 11 E 13 27-2-2004 – 1h39 de duração 1. António é campino e empregado de Benta. Ia António a cavalo, a conduzir uns quantos touros, quando cinco destes se tresmalharam e fugiram. António não conseguiu reagrupá-los, apesar de, nesse momento, ter feito todos os esforços. Embora António seja empregado apenas de Benta, os touros eram compropriedade de Benta e Célia, sua irmã.
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(1) Um dos touros tresmalhados colheu David, que recebeu tratamento hospitalar, ficou internado durante duas semanas e perdeu a mão direita. David é dextro e trabalha como contabilista. (2) O segundo touro alcançou uma povoação ali perto, onde foi abatido a tiro por um transeunte pouco antes de fazer mal a outro. (3) O terceiro foi atropelado mortalmente por Eduarda, que conduzia calmamente o seu carro quando o touro entrou de súbito na estrada, não tendo ela conseguido travar a tempo. O automóvel ficou um mês na oficina. (4) O quarto, que não se tinha afastado muito, foi furtado por Fernando e vendido a desconhecidos. Fernando é quase insolvente. (5) Gertrudes, vendedora de borboletas, apanhou o último touro, embora para isso tenha perdido todas as borboletas caçadas naquele dia. Quando o trazia de volta, o raio do bicho fugiu outra vez, indo causar danos a Hipócrates, que quer que alguém o indemnize, designadamente Gertrudes. Veio a descobrir-se que os cinco touros sofriam de uma doença neurológica que os tornava ligeiramente mais bravos do que o normal. Tinham sido comprados a Ilídio, em cuja quinta haviam nascido, mas Ilídio não sabia da doença. A responsabilidade civil de António perante Benta, a sua empregadora, rege-se apenas pelo Código Civil. Toda a gente quer ser indemnizada. Até Célia quer que a irmã a indemnize! Quid juris? [16 valores] 2. Discorra sobre a chamada culpa do lesado, atendendo, sobretudo, aos diferentes efeitos que a lei, em diferentes locais, parece atribuir-lhe. [4 valores] --------------------------------------------------------------------------------------TESTE António é dono do Zobi, um Grand Danois — um cão muito grande. António contratou a empresa Bentocães, L.da, para «levar o Zobi a passear todas as manhãs entre as nove e as treze horas». Na maioria dos dias, a Bentocães mandou o seu empregado Carlos levar o Zobi a passear. Carlos, quando levava o Zobi, parava quase sempre em frente à pastelaria de Daniela, ficando na conversa com Eduarda, empregada de Daniela. Como o Zobi ladra muito e gosta de fazer as suas necessidades no passeio, Daniela deixou de ter clientes durante as manhãs, com sérios prejuízos. Carlos nunca limpou do chão os dejectos do Zobi, o que constitui ilícito contra-ordenacional. Daniela só soube de tudo isto muito mais tarde. Certo dia, enquanto Carlos e Eduarda conversavam, o Zobi deu um safanão, fugiu com a trela atrás e foi morder Fernando. Carlos caiu com o safanão, rasgando o fato caro que trazia. Fernando foi parar ao hospital cheio de dores, perdeu uma entrevista para um emprego para que tinha praticamente as qualificações ideais, só veio depois a arranjar outro emprego em que ganha metade do que ganharia, e desperdiçou uma apresentação em Power Point que, como é comum
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na sua área profissional, preparara para aquela entrevista e pela qual pagara € 100. No hospital, Fernando apanhou uma doença de origem incerta que o deixou de cama durante quinze dias. Quid juris? (treze valores) Correcção do teste de Direito das Obrigações de 16 de Março de 2007. PRIMEIRO CASO PRÁTICO • O dano de Daniela não é indemnizável pelo art. 502.º. Não
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está em causa nenhum perigo próprio do cão, 4[1] mas sim um comportamento certo do Zobi, incómodo para os transeuntes — o que dificilmente valeria como dano e, de qualquer maneira, não é discutido no caso — e que se torna danoso para Daniela por causa de uma acção livre de Carlos. Nesta parte do caso, nada há relativo ao cão que não esteja absolutamente sob o controlo de Carlos. O art. 502.º visa as situações em que os animais escapam ao nosso controlo; daí a relevância do conceito de risco. Também não interessa o art. 493.º/1. Carlos tem ali o cão livre e intencionalmente. Logo, se o comportamento for ilícito é também culposo, e não o é no caso contrário. Não há nada que «presumir», o artigo é irrelevante para a solução. Também não está em causa nenhum dano causado por falta de vigilância. Eduarda é obrigacionalmente responsável perante Daniela (art. 798.º),5[3] dado o comportamento danoso de total desleixo em relação à pastelaria e à função a cumprir. Há violação de deveres contratuais, com lucros cessantes da credora, obviamente indemnizáveis (cf. art. 564.º/1). Esses mesmos lucros cessantes causados pela presença reiterada do cão não correspondem à violação por Carlos, nem de deveres obrigacionais para com Daniela, nem de direitos absolutos desta. Recusa-se, em especial, que seja aqui atingido algum «direito à empresa», figura ficciosa e redundante em face dos direitos que constituem o património afecto àquele estabelecimento. As infracções contra-ordenacionais de Carlos também não correspondem a uma norma cuja teleologia possa razoavelmente ser vista como incluindo a protecção de comerciantes eventualmente prejudicados pela falta de higiene. Essa norma tem preocupações de saúde pública e de respeito pelos transeuntes. Há, portanto, um dano patrimonial puro de Daniela, a perda de clientes. A causação de DPP não é uma forma de ilicitude expressa no art. 483.º. Dada, porém, a história do art. 483.º — sucede a um sistema claro de cláusula geral, de inspiração francesa, sem que tenha havido qualquer sinal de vontade de inovação pelo legislador — , a sua epígrafe — «princípio geral» —, a ausência de um complemento equiparável ao § 826 BGB, e a falta de argumentos substanciais em favor da delimitação dos casos de responsabilidade civil através da configuração do sistema de fontes — trata-se de uma mera técnica instrumental de regulação, variável de país para país — a falta de indicação expressa no art. 483.º é irrelevante.
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Evidentemente, isto não nos dispensa de aferir a ilicitude do comportamento de Carlos. O comportamento de Carlos é um desrespeito reiterado e sem justificação pelo património de Daniela. E, como princípio, não devem causar-se danos a outrem: neminem lædere. Aliás, Carlos é cúmplice da violação de deveres obrigacionais por Eduarda. Logo, há ilicitude, à luz do conjunto do sistema. Disposições como o art. 334.º, com a história que lhes subjaz, servem para corroborar este juízo. Dado o já visto antes, todas as exigências do art. 483.º estão satisfeitas, Carlos é obrigado a indemnizar. A Bentocães é responsável ex vi art. 500.º. A relação entre empregador e trabalhador é paradigmática para este preceito; os restantes pressupostos estão manifestamente preenchidos. António deve ser considerado comitente da Bentocães e do próprio Carlos. Não há aqui uma relação de subordinação, tradicionalmente exigida para a «comissão». Contudo, a interpretação conjunta do art. 500.º e de disposições paralelas — cf. não só os arts. 800.º e 1044.º, in fine, mas também os 501.º, 165.º e 998.º, ou o 6.º/5 CSC — justifica assumir como princípio que, designadamente, os deveres de um proprietário não podem ser transferidos a terceiros em termos exoneratórios da responsabilidade civil. E a letra do art. 500.º não exige qualquer subordinação. Perante potenciais lesados, António não se desresponsabiliza quanto ao modo de utilização do cão pondo-o nas mãos de terceiros. Carlos e Eduarda são solidariamente responsáveis. A diferença dos títulos de responsabilidade não afasta a ideia geral subjacente a artigos como o 497.º e o 507.º. Internamente, dividirão os custos por igual, por agirem de comum acordo e em termos idênticos (cf., aliás, art. 516.º). António tem direito de regresso sobre a Bentocães nos termos da relação obrigacional entre eles. A Bentocães tem regresso sobre Carlos, salvo alguma disposição relevante da sua relação contratual. Aliás, a violação por Carlos dos seus deveres obrigacionais é dolosa, pelo que não se vê alguma hipótese de exclusão deste regresso. António não tem regresso sobre Carlos, dado os contratos com a Bentocães, que se interpõem entre um e o outro, e o art. 406.º/2. 6[6] Note-se que o art. 500.º/3 não se sobrepõe às regras das relações em causa. Para a relação entre António e a Bentocães, o comportamento de Carlos é tido em conta pelo art. 800.º. Os danos resultantes da mordidela em Fernando são, em geral, indemnizáveis pelos arts. 502.º — que vincula António, quem retira do bicho utilidades afectivas ou outras — e 493.º/1 — os dados do caso não ilidem a «presunção» deste preceito, ficando Carlos responsável.7[9] Foi atingida a integridade física de Fernando, objecto de um direito de personalidade básico. Os direitos são expressamente tutelados pelo art. 483.º/1 (e art. 70.º), que ilumina as restantes disposições de responsabilidade extra-obrigacional (cf., aliás, o art. 499.º). A Bentocães responde pelo art. 500.º, como já vimos a propósito do dano da Daniela. As dores e outros sofrimentos são indemnizáveis pelo art. 496.º/1 (não há dados para quantificá-los aqui, mas cf. art. 496.º/3).
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Eventuais custos médicos também estão abrangidos (cf. art. 564.º; o art. 495.º não vem aqui ao caso, por atender a pretensões de terceiros). O art. 566.º/3 permite pensar que a falta de certeza absoluta quanto ao sucesso da entrevista deve levar a um montante indemnizatório multiplicando uma probabilidade razoável, que se estime para esse sucesso, pelo valor da perda (a diferença entre o salário num e no outro dos empregos, multiplicado por um período também razoável que permitisse ao lesado voltar a tentar outros trabalhos). O caso não permitia aferir os valores. Este é o problema da «perda de uma oportunidade». A não ida à entrevista é, em si, um dano atendível nos termos dos arts. 562.º e ss.. Contudo, o seu valor é instrumental de uma coisa que não se sabe se ocorreria ou não. Ora, este valor instrumental pode ser aferido como uma probabilidade do valor final, num raciocínio matemático elementar. O art. 566.º/3 apoia a solução. Outro dano peculiar é o desaproveitamento da despesa prévia com a apresentação em Power Point. Essa despesa não foi causada pela mordidela do Zobi, justamente porque foi prévia. Neste problema muito discutido do «desaproveitamento de despesas» — paralelo ao das indemnizações pelo «interesse contratual negativo» 8[10] — pode argumentar-se que o desaproveitamento é um dano em si, mas também que a despesa «comum naquela área profissional» justifica uma «presunção» de que ela seria compensada com os actos que não chegaram a realizar-se. Em qualquer caso, não pode é duplicarse a indemnização, somando o valor da despesa desaproveitada com o ganho que ela permitiria. Assim, Fernando teria direito a optar entre receber apenas o valor do Power Point — afastando-se a indemnização pela possível perda do emprego — e receber apenas o valor da perda da oportunidade, usando-se o valor do Power Point apenas como auxiliar para o juízo de equidade a fazer nos termos do art. 566.º/3. No caso, a segunda hipótese parece mais favorável. A doença que Fernando apanhou no hospital não seria indemnizável. Não se tratava, à partida, de um dano minimamente previsível, para usarmos os conceitos caros à «teoria da adequação», historicamente associada ao art. 563.º. Num raciocínio mais próximo do da teoria do fim da norma violada — que, de qualquer maneira, não é inteligível no âmbito de aplicação do art. 502.º — devemos dizer que não são estes os danos que se pretende evitar com os deveres de cuidado com o cão. As regras próprias da actividade médica é que lhes dizem respeito. O dano também não se relaciona com o perigo especial do cão (cf. art. 502.º). A Bentocães tem, em princípio, direito de regresso sobre Carlos, nos termos vistos. Dado, porém, ter-se tratado aqui de culpa presumida de Carlos, e não sendo nada certo que Carlos respondesse por culpa presumida no âmbito da sua relação laboral com a Bentocães, a procedência do regresso seria bastante menos provável. Mais uma vez, estas considerações não são afastadas pelo art. 500.º/3. António tem direito de regresso sobre a Bentocães. Nas relações internas, muitas vezes a «culpa afasta o risco» (cf. o paralelo do art. 507.º/2). Esta maneira de dizer não é rigorosa, mas, como a culpa
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do encarregado da vigilância de um cão é, justamente, a falta de cuidado com os riscos próprios do cão, a responsabilidade de António decorrente destes riscos tem de ser «transferida» para a pessoa que se obrigou perante António a ocupar-se deles, o que se inclui na obrigação de levar o cão a passear. • O dano na roupa de Carlos não é oponível a António, não só devido à culpa presumida de Carlos, que vimos (cf. ainda o art. 570.º), mas sobretudo porque os danos de Carlos têm de ser tratados no âmbito da sua relação contratual com a Bentocães. Nesta, é pensável a responsabilidade do empregador, como responsabilidade do beneficiário de uma actividade. Mas tudo dependeria da relação contratual, que o caso não descreve, e dos próprios direitos indemnizatórios da Bentocães contra Carlos, que já vimos. Em qualquer caso, levar um «fato caro» para aquela tarefa é «culpa do lesado» na origem dos danos (cf. art. 570.º), excluindo a indemnização se a relação entre empregador e trabalhador não determinar o contrário. -------------------------------------------------------------------------------------------------------DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II Casos práticos resolvidos. Aula de 16-10-2008 Tema: enriquecimento sem causa. 1.º Caso prático. António e Berta vivem em união de facto. O António adquiriu uma casa, cujo valor foi pago com metade do preço dessa casa com o dinheiro de Berta. António registou a casa em seu nome, e mais tarde doou-a ao filho de ambos, garantindo para si um direito de usufruto. Posteriormente verificouse uma ruptura da união de facto, e António expulsou Berta da casa, continuando aquele a viver sozinho no apartamento. Berta intentou uma acção, exigindo que o réu lhe devolvesse a quantia inteira (€ 150.000,00), acrescido dos juros legais, alegando como fundamento da causa o enriquecimento sem causa legitima que sustentasse esse enriquecimento. Quid iuris? Resolução: Para falarmos de enriquecimento sem causa temos que ter em consideração três pressupostos (art.º 473.º do CC). Existência de um enriquecimento; Obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; Ausência de causa justificativa. Devemos ter em atenção que este instituto é de natureza subsidiária (art.º 474.º). Por exemplo, se o regime das nulidades do art.º 289.º fosse aplicável, o instituto do enriquecimento sem causa não seria utilizado. Modalidades de enriquecimento sem causa: 1. Enriquecimento por prestação. Ex. Paguei a um trabalhador salários futuros; mas ele não veio trabalhar. Critério de indemnização: o montante
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entregue. 2. Enriquecimento por intervenção. Exige uma actuação do Gestão de bens de terceiros; agente; Apropriação de frutos. Critério de indemnização: Triplo limite: – Valor concreto; – Valor real; – Enriquecimento abstracto. Critério simples: é o valor real, o valor efectivo (art.º 473.º, n.º 1; art.º 468.º). 3. Despesas realizadas em beneficio de outrem e despesas com a coisa. Resultam com frequência em casos de gestão de negócios. São restituídos todos os direitos obtidos. Não entram ganhos potenciais. Voltemos ao caso prático. 1. Analise dos pressupostos do enriquecimento sem causa. 1.1. Há existência de enriquecimento sem causa? Há. Aqui existe uma atribuição patrimonial. O resultado dessa atribuição não é aqui relevante (ou seja, o elemento doação não interessa). 1.2. Houve um aumento do património de António às custas de Berta. 1.3. Não há causa que justifique este enriquecimento. Nota: o conceito de justiça no enriquecimento sem causa é um conceito normativo. Ex. O enriquecimento seria justo se a entrega do dinheiro, que Berta cedeu a António, se se tratasse de uma doação. Os pressupostos, neste caso 1, estão devidamente preenchidos. O Tribunal considerou haver um enriquecimento sem causa, por prestação. A Sr.ª Berta podia pedir juros? Para responder a essa questão temos que ter em conta os limites à aplicação deste instituto (n.º 1 do art.º 479.º). Ele enriqueceu 150.000. Ela empobreceu 150.000 mais juros. No caso de haver enriquecimento sem causa por prestação, deve valer o valor de mercado. Ao resolver um caso prático. 1. Justificar a aplicação de um determinado instituto. 2. Propor soluções. 2.º Caso prático. Alberto Almocreve Almoço intentou uma acção contra Belchior Bolacha Maria, alegando ter mutuado (emprestado dinheiro) a quantia de € 15.000,00. Esse contrato foi declarado, em 1.ª Instância, nulo, por falta de forma. Alberto vem agora exigir a devolução dessa quantia, com base no pressuposto do enriquecimento sem causa de Belchior, à luz do art.º 473.º do CC. Quid iuris? -------------------------------------------------------------------------------------------------------Aula de 23-10-2008 1.º Caso prático. A empresa Amoreiras Parque intentou uma acção judicial contra a empresa Amoreiras Imobiliário, SA, responsável pela construção de um empreendimento residencial na zona limítrofe ao Centro Comercial Amoreiras, em Lisboa. Na acção a Amoreiras Parque exigiu o pagamento de €500.000,00, pelo facto do valor do empreendimento realizado pela Amoreiras Imobiliário, SA ter beneficiado da publicidade da firma Amoreiras
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Parque, responsável pela gestão das denominadas Torres das Amoreiras e do Centro Comercial. A causa de pedir reporta-se à aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, dado que para a utilização dessa denominação não foi dada qualquer autorização. Quid Júris? Resolução: Os requisitos do enriquecimento sem causa estão preenchidos? A. Existência de um enriquecimento. Este enriquecimento não tem que ter correlação com um empobrecimento efectivo da outra parte. É o caso. Aqui há uma apropriação de uma utilidade que neste caso é o nome da firma. Ler bem i n.º 1 do art.º 473.º “…enriquecer à custa de outrem.” B. Obtenção desse enriquecimento à custa de outrem. C. Ausência de causa justificativa. (Neste caso prático estamos em presença de enriquecimento por intervenção. ) Ver o art.º 474.º, sobre a natureza subsidiária da aplicação deste instituto. Há responsabilidade civil? Na questão não estão descritos os requisitos para a aplicação deste instituto. Critérios: Violação de uma regra jurídica (um facto de natureza ilícita); Elemento volitivo (com dolo ou mera culpa). Produzir danos efectivos. Existência de nexo entre os danos e a acção. Neste caso concreto não foi descrito nenhum dano concreto à Amoreiras Parque. Assim, excluímos o instituto de responsabilidade civil. O art.º 474.º não é accionado. ——–//——– Enriquecimento sem causa por intervenção. Dá-se através da ingerência em¬ bens alheios, sem o consentimento do seu titular. Não é necessário que haja dano no património do lesado. Pretensão da autora: € 500.000,00. Este valor tem¬ a ver com a marca (nome da empresa). O titular de uma marca tem o direito de actuar contra o uso ilegítimo da marca, por parte de terceiros. O enriquecimento sem causa aplica-se muito a estes casos de apropriação de marcas. E agora em que medida a Amoreiras Imobiliária SA vai devolver à Amoreiras Parque? Critérios: art.º 479.º do CC. Nos termos deste artigo, temos que saber qual é o valor de mercado da marca. Quanto pagaria uma empresa para poder utilizar esta marca? Neste caso, não havendo empobrecimento da Amoreiras Parque, o valor da indemnização vai ser o valor objectivo que a empresa Amoreiras Imobiliários SA usufruiu por utilizar o nome. Se o valor de mercado for de €500.00,00, este será o montante da indemnização. 2.º Caso prático. Em Agosto, António, amigo de Belmiro, que se encontrava em França, vendo o estado e degradação da casa deste, decide tomar por sua conta, uma iniciativa para por cobro à situação. Contratou em nome de Belmiro a empresa Caramelos Construções, Lda, para efectuar as obras de reparação. O preço da obra foi de € 250.000,00, em virtude de António ter optado por um projecto de arquitectura assinado, pretendendo reformar o gosto tradicional de Belmiro (!). Regressado de França, Belmiro teve conhecimento dos actos de António. Após recuperar de um desmaio, não
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aprovou a restauração da casa, que considerou de péssimo gosto. Decide pô-la à venda. Até ao momento não foi pago o valor da dívida à empresa Caramelos Construções, Lda, imputando António e Belmiro reciprocamente essa responsabilidade. Quid júris? Resolução: Figura jurídica: gestão de negócios (art.º 464.º e ss). Requisitos da gestão de negócios (art.º 464.º). Direcção de um¬ negócio alheio (em regra são os actos de administração; às vezes podem ser os actos de disposição). O gestor age no interesse e por conta de interesse alheio. Falta de autorização. Quais os deveres do gestor? (art.º 465.º) Tem que conformar-se com a vontade do dono do negocio. Não pode interromper a gestão. (ver bem a alínea a). Deve fazer a entrega de valores e prestar Obrigação de aviso e informação do dono do negócio. (completar).
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