casos praticos - letras de câmbio
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DIREITO COMERCIAL Hipóteses práticas relativas aos títulos de crédito (letras de câmbio) Fabio Castro Russo
1. A sociedade “Maquinaria, S. A.” sacou uma letra de câmbio sobre a sociedade “Têxtil, Lda.” à ordem do Banco de Credito Industrial. Este saque teve por origem um contrato de compra e venda de teares, em que intervieram como vendedora a “Maquinaria, S. A.” e como compradora a “Têxtil, Lda.”, que aceitou a letra para pagar o preço dos teares. O saque foi dado à ordem do Banco porque este concedeu à “Maquinaria, S. A.” um empréstimo destinado a financiar o fornecimento de teares. Na data do vencimento, quando demandada para efectuar o pagamento, a “Têxtil, Lda.” recusase, alegando que o contrato de venda de teares não foi integralmente cumprido, facto do qual o Banco estava perfeitamente ciente, pelo que a excepção de não cumprimento do contrato lhe era oponível, nos termos do art. 17.º da LULL. Aprecie o argumento invocado pela sociedade “Têxtil, Lda.” à luz dos princípios e regras do direito cambiário. M(sacador)
B (tomador) T (aceitante)
A relação jurídica fundamental entre sacador e tomador tem que ver com um contrato de compra e venda (convenção executiva). O aceitante (T) recusa o pagamento: à partida, seria aplicável o art. 17.º/in fine LULL. Ainda que, por via de regra, haja uma inoponibilidade de excepções ao portador mediato, a parte final do art. supracitado exceptua o portador mediato que proceda “conscientemente em detrimento do devedor”. O cotejo com o art. 16.º permite concluir que por “proceder conscientemente em detrimento do devedor” deve entender-se não apenas estar “perfeitamente ciente” (“má fé”, cf. 16.º), não sendo de olvidar que tal é alegado apenas por T, aceitante, mas também querer prejudicar os direitos de invocação de oponibilidade que o devedor (aceitante) se arrogue, i. e., B teria assumido a posição de tomador com o propósito de prejudicar T, aceitante. (princípios da abstracção e da autonomia do direito cartular, conjugados com o princípio da incorporação). Ora, ainda que, de todo o modo, se entendesse que o “perfeitamente ciente” abrangia precisamente esta intenção de prejudicar o devedor, tal
teria de ocorrer em momento anterior à convenção executiva (no máximo, em momento contemporâneo): ora, pela sua própria natureza, e atendendo ao que é referido, a excepção de incumprimento contratual é superveniente em relação à convenção executiva, daí que apenas se pudesse afirmar: em rigor, B, tomador, nunca teria podido “proceder conscientemente em detrimento do devedor” na altura em que se constituiu nessa qualidade. Assim, a argumentação expendida pelo aceitante não procede. Haveria lugar a protesto por falta de pagamento (44.º/§ 3 LULL), aviso da falta de pagamento ao sacador (M) (45.º/§ 1 LULL) e acção de pagamento (cf. 28.º/§ 2, 43.º/§ 2 e 48.º/§ 1 LULL), havendo um regime de responsabilidade solidária do sacador (vide 47.º, tb. 9.º LULL) e aceitante. 2. O Banco X, portador de uma letra de câmbio no valor de 5 000 €, veio requerer uma execução para pagamento de quantia certa contra Bernardino Cruz e José Rocha, respectivamente sacador e aceitante da referida letra, proveniente de desconto bancário. Na data do seu vencimento a letra não foi paga, tendo o Banco X realizado o correspondente protesto. A quantia proveniente do desconto bancário destinava-se a ser investida no melhoramento e exploração de uma propriedade rústica que, no entanto, pouco tempo depois, ficou destruída num incêndio. Este facto veio impossibilitar o sacador da letra, Bernardino (que explorava a dita propriedade), de a pagar na data do seu vencimento. Bernardino e José embargaram o pedido do Banco X com os seguintes fundamentos: a) José alegou que, com o conhecimento e acordo do autor (o Banco X) se limitara a prestar um favor a Bernardino, não tendo qualquer intenção ou consciência de ficar daquele modo vinculado ao pagamento da referida quantia; b) Bernardino requereu a modificação da obrigação cambiária, com a alteração do prazo e forma de pagamento, em termos equitativos, conforme o art. 437.º do Código Civil. i.) Serão procedentes os argumentos invocados por José e Bernardino? ii.) Suponha agora, em alternativa, que Bernardino, tendo pago a dívida cambiária ao Banco X, pretende exercer o direito de regresso sobre José com base na letra por este subscrita na qualidade de aceitante. Poderá José recusar-se a pagar, com fundamento no carácter de favor da sua subscrição? B (sacador)
X (portador (mediato)) J (aceitante)
A título prévio, é de referir que o desconto bancário é a operação cambiária pela qual o portador obtém o pagamento da quantia inscrita na letra antes do seu FCR
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vencimento, mediante pagamento de comissão à entidade bancária, o que indicia, desde logo, a mobilidade do crédito. No que concerne à posição propugnada pelo favorecente (J) (visando embargar o pedido de execução de quantia certa deduzido por X, portador), dizer que a convenção de favor não pode ser oposta pelo favorecente ao portador, o que se relaciona com o princípio da abstracção (v. g., 17.º LULL): as excepções atinentes ao negócio fundamental (causa) ou sujeitos deste (pessoais) só podem ser invocadas pelos sujeitos cambiários que sejam sujeitos também da relação jurídica fundamental. Não há intenção de pagar, mas há intenção de garantir, de prestar o favor. Para além desta ausência de a) animus (quanto ao pagamento), a convenção de favor caracteriza-se pelo facto de b) não haver qualquer relação jurídica fundamental entre o favorecente (J) e favorecido (B). Assim, o argumento do favorecente é improcedente (cf. tb. ac. STJ de 26/04/1995). Relativamente à modificação do contrato por alteração superveniente das circunstâncias (437.º CC) pretendida pelo sacador, importa referir que não seria juridicamente atendível por força dos princípios da abstracção (17.º e, p. e., 1.º/2 LULL (“mandato puro e simples”, isto é, incondicionado e incondicionável)) e da literalidade (irrelevância das convenções extra-cartulares: quod non est in cambio, non est in mundo, cf., p. e., 14.º/§ 1 e 17.º LULL), já que se trata de uma excepção relativa à relação fundamental que não é oponível no plano das relações cambiárias mediatas (poderia opor ao tomador, mas não a X, portador mediato. Aliás, há uma imbricação entre os princípios da abstracção (“contempla a realidade na óptica dos subscritores”), da autonomia (“na óptica dos portadores) e da literalidade (visa reforçar aqueles), ainda que seja mais claro identificar haja maiores afloramentos legais do pr. da abstracção (art. 17.º). Por fim, a recusa do favorecente em pagar ao favorecido seria legítima, já que o princípio da abstracção apenas vale nas relações mediatas (17.º LULL), o mesmo é dizer que no plano imediato há oponibilidade de excepções pessoais e causais. Assim, o favorecido nunca pode exigir o pagamento ao favorecente (até por se tratar de uma relação de garantia, não respondendo o garante para com o “garantido”).
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3. António, gerente da sociedade por quotas X, a fim de garantir o pagamento do preço relativo ao trespasse de um estabelecimento de café e snack-bar, acordado entre a sociedade X e Carlos, subscreve uma letra “não à ordem” sobre Bernardo a favor do trespassante. Para garantir a dívida proveniente da compra de um automóvel, Carlos endossa a letra ao vendedor Daniel, que vem a falecer, deixando como único herdeiro o seu filho Ernesto. Suponha que na data do respectivo vencimento, Ernesto vem apresentar a letra a Bernardo que recusa o pagamento, e sucessivamente a Carlos, a António e à sociedade X. Esta recusa pagar a letra alegando que, contrariamente ao acordado, o estabelecimento fora entregue sem alguns objectos essenciais, tais como as mesas e cadeiras e a máquina do café. A/X (sacador)
(saque não à ordem)
C (tomador, cedente)
(cessão de créditos)
B (sacado)
(cessionário)
D (E)
É necessário esclarecer se o A, sacador, actua enquanto procurador (vd. 8.º LULL e 260.º CSC), sendo necessário que o especificasse na letra, sob pena de se vincular directamente (ainda que titulando uma dívida alheia). Trata-se de uma consequência do princípio da literalidade (ainda que o ac. uniformizador 1/2002 admita que haja vinculação da sociedade por via de declaração tácita, cf. 217.ºCC) Haveria um saque não à ordem, cf. 11.º LULL. Daí que a transmissão do direito de C ocorresse por via de uma cessão de créditos (tal não decorre directamente da lei, antes de boa doutrina: admitindo-se, nesta sede, a cessão ordinária de créditos, considerar que também aqui haveria uma vontade hipotética de cessão de créditos parece ser a solução mais conforme ao espírito da lei). Nos termos do art. 583.º/1 CC, o devedor (aceitante) teria que ser notificado ou aceitar (daí que este recuse o pagamento, já que se libera pagando ao cedente). Se aceitasse e depois recusasse pagar, já haveria lugar a protesto por falta de pagamento, podendo o portador E agir sobre A ou X (vd supra); ainda por se tratar de uma cessão de créditos, o cedente (C) apenas garante a existência e exigibilidade do crédito, já não o pagamento ou aceite (cf. 587.º/1 CC). Quanto ao sacador (A), este responde como cedente (o art. 11.º não excluiria a responsabilidade (totalmente) a responsabilidade do endossante não à ordem, investindo-o na qualidade de cedente de créditos), o que significa que pode opor ao portador mediato (E) as excepções que poderia opor ao tomador (C), e quanto a este
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poderia opor o incumprimento contratual com fundamento no art. 115.º/1/a) RAU (se estivessem preenchidos os pressupostos, obviamente). 4. A “Nortenha, Veículos Automóveis, S. A.” sacou sobre B, e a favor de C, uma letra a seis meses da vista. Quando apresentada ao aceite, a letra foi subscrita pelo sacado, cuja obrigação foi, inclusivamente, avalizada por D. Todavia, na data do vencimento, o aceitante recusou o pagamento. Decorrido o prazo para realizar o protesto sem que este tenha sido efectuado, o portador da letra pretende exercer o seu direito de acção contra o avalista do aceitante, D. Este defende-se, alegando não existir acção cambiária contra si, já que a letra de câmbio não fora protestada. Será procedente o argumento invocado por D? N (sacador)
C (tomador) B (aceitante), avalizado por D
Letra a certo termo de vista (33.º), prazo de um ano (de novo, 33.º); protesto nos termos do art. 45.º e 53.º No que concerne aos efeitos do protesto, estes são essencialmente dois: um comprovativo (certificativo), já que através do notário todos os intervenientes cambiários são notificados de que o título não foi pago) e outro conservatório (da responsabilidade dos obrigados cambiários). Havendo protesto, avalista e avalizado (pessoa afiançada) responderiam solidariamente (32.º LULL). Nos termos do art. 44.º/§ 3 (ex vi 32.º/§ 1) LULL, seria sempre necessário o protesto (a não ser na hipótese – não contemplada no enunciado – de haver cláusula que dispensasse o protesto, cf. 46.º LULL). Outra posição (mais favorável a C, tomador) propugna que o aceitante continua a ter que pagar a letra (já que o art. 53.º exceptua o aceitante, sendo aplicável o 43.º). Qualquer das teses parece sustentável. 5. António sacou e Bento aceitou uma letra no montante de 7 000 €, na sequência de um empréstimo de 5 000 € feito pelo primeiro ao segundo e que não foi reduzido a escrito. Carlos assinou na face anterior da letra uma declaração nos seguintes termos: “Bom para aval”. a) Na data do vencimento, A exige a B o pagamento da letra, mas este recusa com a alegação de que o empréstimo era nulo por falta de forma. Quid iuris?
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b) Admita que António havia endossado a letra a Daniel, seu filho, a fim de evitar que Bento pudesse invocar a falta de forma do mútuo. Poderia Bento excepcionar (sic) a falta de forma contra Daniel? c) Admita que Daniel obtém o desconto da letra num banco que, no vencimento, exige o pagamento a Bento. Poderá Bento opor ao banco a falta de forma? d) Se Bento não pagar, o banco poderá exigir imediatamente o pagamento a António, a Daniel e a Carlos? e) O avalista Carlos poderia invocar a nulidade de empréstimo face a António? E face ao banco? f)
Admita que o avalista Carlos pagou a letra ao banco. Terá algum direito contra António, Bento e Daniel? A (sacador)
A (tomador) (mais tarde D e E) B (aceitante), avalizado por C
Pressupõe-se que o saque é efectuado à ordem do próprio sacador, cf. 3.º/§ 1 LULL. a) Nas relações imediatas as excepções são oponíveis: art. 17.º LULL, por sacador e tomador serem a mesma pessoa (ou seja, haveria uma relação imediata, o que possibilitaria a oponibilidade de tal excepção (causal), prevista no art. 1143.º CC, cf. tb. 220.º CC). b) Não, porque o portador (D) não “procede conscientemente em detrimento do devedor” (17.º/in fine LULL), i. e., não tem conhecimento de estar a privar o devedor da faculdade de opor excepções. Quem procede de tal forma é A, tomador, e não D (a não ser que conseguisse provar que também D tinha tal propósito à altura em que se constituiu como endossado). c) Não, porque não se trata de uma relação imediata (17.º LULL), daí que haja inoponibilidade das excepções causais e pessoais. Apenas não seria assim se o banco agisse em detrimento do devedor, o que não acontece. d) Seria necessário lavrar protesto (53.º), havendo responsabilidade solidária dos obrigados cambiários (47.º LULL, vd. tb. 30.º): assim, o enunciado deveria dizer “a António, a Daniel ou a Carlos”, já que não vigora o regime da conjunção (513.º CC). FCR
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e) (?com dúvidas) O vício de forma diz respeito à relação fundamental, e não à letra de câmbio. Daí não ser aplicável o 32.º/§ 2. Assim, a excepção não seria oponível ao Banco (cf. 17.º, inoponibilidade das excepções nas relações mediatas). Já quanto ao avalizado há oponibilidade, cf. 32.º/§ 2 (?). f)
O avalista (C) “fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval [B] e contra os obrigados para com esta [A e D]”, cf. 32.º/§ 3 LULL.
6. Sara sacou à sua própria ordem uma letra sobre Artur, que a aceitou. Sara endossou a letra a favor de Eduardo que apôs a sua assinatura no verso da letra em seguida ao endosso. A letra foi-lhe furtada por Luís que, sem nada acrescentar na letra, a negociou com Paula. Esta não dispunha de quaisquer elementos que fizessem suspeitar do acto ilícito de Luís. No vencimento Paula protestou a letra por falta de pagamento. Contra quem pode Paula exercer os seus direitos cambiários? S (sacador)
S
14.º/2
E
L
P
A (aceitante) O primeiro endossante endossa em branco, nos termos do art. 14.º/2 LULL. Da parte do portador (P) não haveria má fé (conhecimento) nem falta grave (dever conhecer), daí que não lhe fosse oponível a parte final do art. 16.º LULL (prevalece a posse legítima e actual; os vícios anteriores não relevam), podendo provar uma série ininterrupta de endossos (porque o primeiro endosso tinha sido em branco). Daí que o portador, munido do protesto, pudesse exercer os seus direitos cambiários contra (?) o sacador (S), aceitante (A), endossantes (S e E), cf. 43.º e 47.º/§ 1 LULL, sem embargo da eventual responsabilidade penal de
L.
7. A, agricultor, resolveu comprar a B, representante português de uma conhecida empresa estrangeira de bombas hidráulicas, umas bombas de água para a rega dos seus terrenos. Como não dispusesse logo do dinheiro, ficou convencionado entre ambos que a dívida seria titulada por uma letra subscrita por A, a favor de B e a ser paga por C. Entretanto, a referida letra veio a ser endossada com a cláusula “sem regresso” a D, o qual endossou a E com cláusula “não à ordem”. Este, por seu turno, endossou-a a F. FCR
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Na data do vencimento respectivo, F apresentou a letra a pagamento sucessivamente: - a C, que apenas aceitou pagar metade da soma nela inscrita; - a A, que recusou o pagamento alegando defeito de origem das bombas recebidas; - e a B, D e E, que igualmente recusam o pagamento com base nas cláusulas apostas na letra. Aprecie as várias situações descritas. A (sacador)
B sem regresso
D
não à ordem
E
F
C (sacado) Quanto ao sacado (C), este apenas aceitou parcialmente (26.º/§ 1 LULL), daí que apenas haja protesto por falta de aceite relativamente ao montante que não haja sido objecto do aceite (cf. 29.º/§ 2/in fine e 44.º). O sacador, A, não se exonera, já que o princípio da abstracção impede a oponibilidade de excepções ao portador mediato, cf. 17.º LULL. O tomador (B) exonera-se, por força da cláusula sem garantia (15.º/§ 1) – desvio ao efeito constitutivo “normal”, i. e., constituição da obrigação de garantia da aceitação – mas já não os endossantes (ulteriores), já que também eles deveriam ter aposto a cláusula “sem regresso”. O primeiro endossado (D) não garante o pagamento face aos endossados mediatos, cf. 15.º/§ 2 LULL, mas o facto de não permitir o endosso não implica que a impossibilidade da cessão de créditos, daí que o direito transmitido por E a F seja relativo (e já não autónomo), ou seja, D responde como cedente perante F, podendo opor-lhe todas as excepções que seriam oponíveis ao cessionário (caso se acolha a tese da cessão de créditos; a fazer fé apenas no que directamente resulta da lei, D exonerar-se-ia, tout court). O segundo endossado (E) responde perante o portador, já que as cláusulas apostas não lhe aproveitam.
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