Casos Clinicos Em Psiquiatria

March 3, 2019 | Author: Líbna Lima | Category: Delusion, Hiv/Aids, Thought, Reality, Car
Share Embed Donate


Short Description

Download Casos Clinicos Em Psiquiatria...

Description

Casos Clínicos em

Psiquiatria

Sumário

UMA PUB PUBLIC LICAÇÃO AÇÃO DO Depart Departamen amento to de de Psiquiatria e Neurologia da Faculdade de  Medicina - UFMG e da Residência de Psiquiatria do Hospital das Clínicas - UFMG

Editorial ..................................................................................................1

Editor Geral

Auto-relato

Maurício Viotti Daker Diretor Executivo

Geraldo Brasileiro Filho Comissão Editorial

Alfred Kraus • Antônio Márcio Ribeiro Teixeira • Betty Liseta de Castro Pires • Carlos Roberto Hojaij • Carol Sonenreich • Cassio Machado de Campos Bottino • Cleto Brasileiro Pontes • Erikson Felipe Furtado • Irismar Reis de Oliveira • Delcir Antônio da Costa • Eduardo Antônio de Queiroz • Eduardo Iacoponi • Fábio Lopes Rocha • Flávio Kapczinski • Francisco Baptista Assumpção Jr. • Francisco Lotufo Neto • Hélio Durães de Alkmin • Helio Elkis • Henrique Schützer Del Nero •  Jarbas Moacir Portela •  Jerson Laks •  John Christian Gillin •  Jorge Paprocki •  José Alberto Del Porto •  José Raimundo da Silva Lippi • Luis Guilherme Streb • Michael SchmidtDegenhard • Marco Antônio Marcolin • Maria Elizabeth Uchôa Demichelli • Mário Rodrigues Louzã Neto • Miguel Chalub • Miguel Roberto Jorge • Osvaldo Pereira de Almeida • Othon Coelho Bastos Filho • Paulo Dalgalarrondo • Paulo Mattos • Pedro Antônio Schmidt do Prado Lima • Pedro Gabriel Delgado • Ricardo Alberto Moreno • Roberto Piedade • Ronaldo Simões Coelho • Sérgio Paulo Rigonatti • Saulo Castel • Sylvio de Magalhães Velloso • Talvane Martins de Moraes • Tatiana Tcherbakowsky Nunes de Mourão Editora

Cooperativa Editora e de Cultura Médica Ltda (Coopmed)

Quinze delírios..........................................................................................2

Artigos Originais Síndrome de Kleine-Levin: consideraciones diagnósticas y terapéuticas................................................................................................10 Pilar Sierra San Miguel, Lorenzo Livianos Aldana, Luis Rojo Moreno

Discinesia tardia com predomínio de distonia ........................................13 Guilherme Assumpção Dias

Ataxia prolongada associada à intoxicação por lítio lítio ...............................18 Yara Azevedo, Cíntia de Azevedo Marques, Eduardo Iacoponi 

Cortical atrophy during treatment with lithium in therapeutic levels, perphenazine, and paroxetine: case report and literature review...........21  Luiz Renato Gazzola

Caso Literário

Sales ................................................................................................ ...........29

 Machado de Assis

Patografia

Patografia de Vincent Vincent van Gogh Gogh ..............................................................32

 Andrés Heerlein

Caso Histórico

Freud e o uso de cocaína: história e verdade...........................................42

 José Antônio Zago

Capa, projeto gráfico, composição eletrônica e produção

Folium Comunicação Ltda Periodicidade: semestral

Descrição Clássica/Homenagem

Heinroth e a melancolia: descrição, ordenação e conceito.....................48

 Michael Schmidt-Degenhard  Schmidt-Degenhard 

Tiragem: 5.000 exemplares  Assinatura e Publicidade

Seguimento...........................................................................................53

Coopmed Coopm ed 0800 315936 315936 Correspondência e artigos

Index CCP ............................................................................................54

Coopmed Casos Clínicos em Psiquiatria Av. Alfredo Balena, 190 30130-100 - Belo Horizonte - MG - Brasil Fone: (31) 3273 1955 1955 Fax: (31) 3226 7955 7955

Normas de Publicação ................................................................55

E-mail: [email protected]  Home page: http://www.medicina.ufmg.br/ccp Capa:

Montagem de auto-retrato de Vincent van Gogh com retrato de seu psiquatra Dr. Gachet.

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):1-55

Editorial Publicar uma revista de Casos Clínicos em Psiquiatria é uma iniciativa inspirada. Achamos que devemos nos empenhar para seu êxito. O estudo do caso constituiu sempre a base, o ponto de partida e o campo de desenvolvimento da atividade médica: conhecimento dos  fatos, formulação formulação da nosologia, nosologia, elaboração elaboração das teorias, etiologias, desenvolvimento dos tratamentos, ensino profissional. Na Introdução à Psiquiatria Clínica (1990) Kraepelin explica sua intenção: oferece sob forma de aulas escritas as apresentaçõ apresentações es de casos clínicos realizados com seus alunos. O caso observado, descrito, sendo selecionados os aspectos significativos para conceber um quadro clínico, um diagnóstico. É na medida em que analisa os casos que Kraepelin formula e classifica as doenças. Podemos seguir, com a leitura destas aulas, o nascimento das entidades psiquiátricas, conforme Kraepelin. Para identificar as alterações, lançar hipóteses etiológicas, tentativas de entender, explicar, a apresentação do caso clínico é procedimento clássico e, devido a sua importância, publicar em livros e revistas os casos também era procedimento clássico. Indagações, pesquisas de laboratório, hipóteses foram sugeridas e debatidas em torno do caso clínico. Sem falar do seu uso para exemplificar, classificar, argumentar a favor de teorias, de propostas terapêuticas. terapêuticas. Nomes de certos casos tornaramse emblemáticos: Ellen West, Suzan Urban. O caso Elliot (retomado  por Damasio Damasio em 1994, para para ilustrar suas teses) aparece em vários estudos neurológicos, neurocirúrgicos. neurocirúrgicos. O ensino da medicina interna usou muitas vezes a publicação de casos em revistas e mesmo em tratados de muitos tomos. Como exemplo, argumento, o caso clínico continua instrumento  precioso. Muitas Muitas revistas revistas lhe dedicam seções seções especiais. Na psiquiatria o espaço que lhe é dedicado é evidentemente pequeno. Não se trata aqui de uma "pesquisa", mas examinando alguns números de revistas psiquiátricas recentes, é óbvio: nos cinco primeiros números do ano 2000, o British Journal of Psychiatry não inclui nenhum artigo dedicado a "caso clínico". Nem o número de abril de 2000 dos  Archives of  General Psychiatry. O  American Journal of Psychiatry , em cada um dos números 7 e 8 deste ano, inclui um artigo de "clinical case conference", um relacionado com terapia cognitivo-comportamental, outro observando características de duas irmãs gêmeas.  A valiosa revista revista  Arquivos de Neuropsiquiatria (SP) dedica às apresentações de caso uma seção de proporções pouco comuns: no número de junho de 2000, 60 do total de 200 páginas, e no número de setembro 70 entre o total de 200 páginas. Trata-se de casos neurológicos. Nas revistas psiquiátricas predominam (ou são exclusivos) artigos dedicados à epidemiologia e pesquisas básicas, com amplo uso de estatísticas, quantificação. Não podemos afirmar que isto represente o interesse dos estudiosos, mas é claro que as revistas exigem tal orientação, e para os autores publicar se tornou quase uma questão de sobrevivência na carreira.  A quantificação, considerada critério de cientificidade, parece  pouco aplicável no "caso particular", embora o "caso único" seja recorecomendado como abordagem alternativa (Hersen M, p. 73-105) entre os métodos de Pesquisa em Psiquiatria (LKG Hsu, Research in Psychiatry, New York: Plenum Medical Book Company, 1992). Os módulos, o isolamento de elementos mínimos, (moléculas, neurotransmissores, rotransmi ssores, receptores) são parte importante das pesquisas atuais. Claro que a apresentação do caso leva a um nível complexo de estudo,  pouco compatível compatível com a abstratização abstratização estatística que os elementos ou as  funções isoladas constituem. O relacionamento com os outros, as condutas da pessoa, objetos da psiquiatria, não podem ser limitadas a registros quantitativos. Para pesquisá-los precisamos de conceitos e métodos que não são os praticados na maioria dos estudos publicados. Não consideramos que uma revista de casos clínicos pretenda corrigir as omissões de outras publicações. Mas com certeza, ela nos evoca a "complementaridade", da qual as ciências humanas e as da natureza tanto falam.

Publishing a magazine for Clinical Cases in Pschiatry is an inspired enterprise. We think that we should strive for its success. The case study is the basis, starting point and the development field of medical work: knowledge of facts, formulation of nosology, theory elaboration, etiology, treatment development and technical teaching. In his Introdução à Psiquiatria Clínica (1990) Kraepelin tells us his intention: offer the presentation of clinical cases carried on with his students as written lessons. The cases are observed, described and the main aspects are selected to form a clinical nosological picture, a diagnosis. While Kraepelin analyzes the cases, he formulates and classifies the diseases. The reading of those lessons has allowed us to follow the birth of psychiatric entities as Kraepelin. It’s a classical procedure the understanding trials and explanations of clinical cases, to identify their alterations and to start etiological hypothesis. Due to its importance, publishing books and magazines with cases was also a classical procedure. Questions, laboratorial researches, hypothesis were suggested and argued based upon clinical cases, besides its uses to exemplify, classify and argument in favor of theory and of therapeutical proposals. The names of some cases become emblematic: Ellen West, Susan Urban. The Elliot’s case (as described by Damasio in 1994 to enrich his thesis) appears in many neurological and neurosurgery studies. The internal medicine took advantage of published cases in magazines and even in tome books many times.  As an exemplification, as an argument the clinical case is still a  precious instrument. Many magazines have special section dedicated to them. In psychiatry the space dedicated to them is evidently small. This is not a "research" but if we observe few recent editions of psychiatric magazines, we will find that in the year 2000 the first five editions of  British Journal of Psychiatry have no clinical case. It hap pens even in the April 2000 edition of   Archives of General Psychiatry. The 7th and 8th editions of the  American Journal of  Psychiatry of this year include one clinical case conference related with cognitive behavioral therapy and another showing the characteristics of twin sisters. The very important magazine  Arquivos de Neuropsiquiatria (SP) dedicates an unusual large section to the presentation of cases: in the June edition, 60 out of a total of 200 pages, and in the September edition, 70 out of a total of 200 pages. They are neurological cases. In psychiatric magazines, articles about epidemiology and basic research resear ch predominate (or are exclusive), creating a wide use of statistical and quantifications methods. We cannot affirm that this represents the interest of the scholars but it is clear that magazines have such orientation, and for the authors, publishing is almost a survival problem in their career. The quantification as a scientific standard is not applicable in the "particular case” although the "single case" is recommended as alternative approach among methods from research in Psychiatry (LKG  Hsu, Research in Psychiatry, New York, Plenum Medical Book Company,, 1992) Company The modules, the isolation of minimum elements (molecules, neurotransmitters, rotransm itters, receptors) are important part of nowadays resear research. ch. It is known that the explanation of the case leads to a complex level of  study that is not compatible with the abstractive statistical data  formed by elements or the single functions. The relationship, the behavior of people, subject of psychiatry cannot be limited as quantitative records. To research them, we need to have concepts and methods that are not used in the majority of the published studies. We do not assume that a magazine for clinical cases will fulfill all the omissions of other publications. But certainly we can call the idea of "complementary", which is now widely spread by social and natural sciences.

Carol Sonenreich Diretor do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do Hospital do Servidor Público Estadual - São Paulo

Carol Sonenreich Director of the Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do Hospital do Servidor Público Estadual - São Paulo

 Auto-relato QUINZE DELÍRIOS FIFTEEN DELUSIONS

Luiz Ferri Barros

Na verdade não sou um bom contador de delírios. Isto porque segue-se às minhas crises maníacas uma amnésia a respeito das crises que vivi. Apenas com muita concentração e muito esforço de memória, fui capaz de reunir aqui lampejos de lembranças para relatar alguns momentos esparsos das grandes fantasias delirantes e alucinatórias que já vivi. Antes de relatá-los, no entanto, acho importante dizer como o delírio se estabelece. Ele não chega sem avisos. As crises são precedidas por uma grande inquietação. Ocorre intensa agitação motora e insônia durante dois ou três dias. Não sei onde ficar, nenhuma posição me acomoda. Depois, vem aos poucos de início e em seguida velozmente, tomando conta de tudo, uma incontrolável euforia. A euforia é uma sensação de bem estar, de poder, de plenitude. De força perante o mundo. A euforia faz com que no meio de toda a desgraça e sofrimento que é a loucura, ainda assim o mundo se apresente com inigualável grandiosidade e beleza. Com a euforia, o pensamento dispara e fica fora de controle. É quando se perde o nexo e idéias disparatadas começam a nos ocorrer. Mantém-se concentração absoluta num assunto ou dispersão total de pensamentos com a mente correndo solta entre os mais variados contextos. Ocorre o que Schreber muito bem definiu como “coação a pensar”. “A essência da coação a pensar consiste no fato de que o homem é forçado a pensar ininterruptamente” e em grande velocidade. Daí o pensamento começa cada vez mais a afastar-se da realidade, criando uma nova realidade delirante em que se acredita firmemente. Às vezes, esta realidade delirante não nos atinge por completo, justapondo-se à realidade de fato. Então, algumas coisas são interpretadas pela parte sadia de nosso cérebro, outras pela parte que está em delírio. Às vezes o delírio nos domina por completo. É quando perdemos a noção de nossos atos. Quando se entra em delírio, encasquetando-se que uma determinada coisa irreal está acontecendo, não é possível compreender que os outros não percebam a mesma realidade. O mesmo ocorre quando se alucina, ouvindo vozes ou enxergandose coisas inexistentes. -1-

De repente, uma manhã, achei que iria ser preso imediatamente. Mas eu não achava que era só a polícia que estava atrás de mim e nem que eu seria apenas preso.  Mestre e doutorando em Filosofia da Educação pela USP Presidente do Projeto Fênix - Associação Nacional Pró-Saúde  Mental Extrato do livro Anjo Carteiro Carteiro - A Correspond Correspondência ência da Psicose. Editora Imago, Rio de Janeiro, 1996, ps.297/324 (edição esgotada; no prelo segunda edição pelo Projeto Fênix - Associação Nacional Pró-Saúde Mental; reproduz reproduzido ido com autorização do autor)

Delirei que o próprio governador do Estado estava me perseguindo por minhas idéias políticas e que eu seria metralhado, minha família também seria morta a tiros e minha casa seria destruída por bombas. Então, alucinado, telefonei para o amigo com quem eu havia comprado maconha em sociedade e disse para ele: _ “O governador está atrás de mim. Eu vou embora daqui para ele não matar minha família.” Meu amigo falou-me para eu ficar em casa porque ele ia me levar um médico. Eu disse que não, de jeito nenhum, porque todos seríamos mortos. Desliguei o telefone, corri até a cômoda onde guardava a maconha, peguei o pacote, joguei na privada e dei descarga. Depois saí correndo, descendo a escada na embalada, fugindo de casa. Mônica tentou me segurar segurar,, eu não deixei. Eu achava que se saísse sozinho eu seria metralhado na rua e desta forma pouparia Mônica e as crianças. Mônica tentou segurar-me de todo o jeito e quando saí correndo pelo quintal e fui para a rua, ela saiu atrás de mim. Eu gritava: _ “Vai pra dentro. Fique em casa .” E ela: _ “O que foi? O que está acontecendo?” _ “Fique em casa. Vai para dentro .” Para mim era uma questão de vida ou morte. Se ela viesse atrás de mim, seria metralhada também. Isto não podia acontecer. Ela não podia morrer. O problema era apenas meu. Então eu gritei de novo pra ela, na frente dos vizinhos que já tinham saído à rua, para saber o que estava acontecendo: _ “Não venha atrás de mim. Eu não gosto de você. Deixe-me em paz. Eu tenho outra mulher. Eu tenho outra mulher, você  não entende?” Ela chocou-se e se paralisou. Imediatamente uma vizinha abraçou-a e ela acabou ficando parada, estupefata. Eu corri dez, quinze quarteirões, ou mais. Quando minha força acabou, fiquei andando ao léu, sem saber mais onde estava. Daí Mônica chegou de carro com meu cunhado, desesperada, e eles me puseram dentro do carro. Eu gritava alucinado: _ “ Deixem-me descer descer.. Eu vou me matar. matar. Eu quero quero morrer sozinho. Eles vão me pegar. Você não pode morrer comigo  Mônica, você precisa cuidar das crianças.” Mônica tinha chamado meu pai e ao chegarmos em casa ele  já estava me esperando para levar-me ao médico da família Endereço para correspondência: Projeto Fênix Travessa Dornelas França, 59 - Pompéia 05023-000 - São Paulo- SP 0800 10 9636 E-mail: [email protected]

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9

2

Quinze delírios

naquele tempo eu não tinha psiquiatra. Levei dez dias para sair do delírio. Naquele tempo eu e Mônica nos amávamos muito e ela, logo depois do choque, percebeu rápido que eu apenas dissera “ Eu tenho outra mulher ” para impedir que ela me seguisse. Então, desvencilhando-se da vizinha, tomou providências para me acudir. Com o passar do tempo o nosso amor sucumbiu às asperezas da vida, até mesmo por causa das constantes situações de xequemate em que eu a colocava nos meus delírios e depressões. Um dia, muitos anos depois, ela chegou-se a mim e perguntou: _ “ Luiz, daquela vez que você saiu correndo de casa, lembra-se, lembra-se, era mesmo verdade que você tinha outra mulher?” Não era verdade e ela sempre soube disto, mas ao relatar o caso à sua mãe, esta a manteve em eterna dúvida. -2-

Na praia, tive um delírio místico, religioso, em que eu me julgava um profeta. Eu estava em estado de beatitude e julgava que todas as coisas aconteciam porque eu as fazia acontecer. Se uma folha de árvore caísse ao vento era porque eu estava olhando para ela e ordenando-lhe que caísse. Se uma pessoa andasse era porque eu queria que andasse e assim por diante... Logo depois entrei a estrebuchar. Pensei ter tido uma convulsão. Muitos anos depois, meu irmão médico, que estava comigo na ocasião, disse que na verdade tive uma crise histérica. Eu balbuciava sons ininteligíveis e para mim, dentro de mim, eu estava falando com Deus em uma linguagem arcaica. Durante muito tempo eu julguei ter tido um contato com Deus, até que o tempo passou e essa impressão se dissipou. Acredito, no entanto, que muitas das experiências místicas, sobrenaturais, possam ser fruto de delírios e alucinações do entias. Assim como acredito que as religiões todas nada mais são do que uma resposta que o homem criou para sua maior dor psicológica: a solidão perante o destino e o universo. -3-

Houve uma ocasião em que passei dias brigando com um computador inexistente. Eu me alimentava muito mal. O computador se comunicava comigo em linguagem binária e eu assim respondia a ele dentro de meu cérebro. A uma determinada altura, a briga se tornou uma livre associação de palavras. As palavras me ocorriam em duplas, uma seguindo-se à outra em uma velocidade impressionante. Eu estava em Barra do Una e um dia meu irmão médico levou-me até o outro irmão, psicólogo, em Guaecá. Eu me alimentava muito mal. Não sei como foi, comecei o jogo de livre associação de palavras com meu irmão psicólogo. Eu dizia uma palavra, ele dizia outra. Para mim, cada palavra devia vencer a anterior, ser mais forte, dominá-la. E assim ficamos longo tempo. A uma determinada altura cheguei à palavra “ leite” e ele, sem me propor outra palavra, fixou-se na palavra “ leite”. Eu propunha outras palavras e ele repetia: “ leite”. Acabei também por me fixar na palavra leite e dizia: “ leite, leite, leite.” Ele me dizia: “ Isto, Luiz: leite.” Levantei-me da praia e, com ele ao meu lado, fui até dentro de casa na cozinha, onde encontrei leite.

3

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9 2(1):2-9

Bebi mais de um litro de leite enquanto meu irmão dizia: “ Isto,  Luiz: leite, leite, leite.” (Ele havia encontrado uma forma de me alimentar). -4-

Em meu trabalho eu usava uma calculadora HP 38C, considerada na época a melhor calculadora financeira existente e às vezes eu costumava carregá-la na cintura. Um dia cismei que minha calculadora era capaz de fazer tudo. Não ela sozinha, naturalmente. Julguei que ela estivesse acoplada por radiotransmissão a uma central de computação mundial, de espionagem estatal. Ela era um elo do Grande Irmão de Orwell em 1984. Primeiro falei com minha chefe, no alto escalão de uma Secretaria de Estado: _ “Sabe, eu tenho participado de reuniões sigilosas e se alguma informação importante vazar, a culpa não é minha, é de minha calculadora.” Ela era psicóloga, por coincidência, e logo percebeu que eu estava delirando. Telefonou Telefonou para minha mulher e ela veio me m e buscar no escritório, tendo já marcado hora no meu psiquiatra. Eu fui com ela ao médico e chegando lá, mostrei-lhe a calculadora. Que ele cuidasse dela porque ela é que era perigosa, estava desa justada; não eu. Depois saímos do médico e enquanto Mônica dirigia, na Avenida Paulista, eu encaixei a calculadora no lugar do cinzeiro do carro e lhe disse: _ “Pode largar do volante, de tudo isto de controle mecânico do carro que é obsoleto e desnecessário. Já programei a calculadora e em conexão com as centrais eletrônicas ela vai levar  nosso carro até em casa.” -5-

Um delírio que me perseguia sempre, em várias crises subseqüentes, era o delírio da espionagem eletrônica. Para mim todos os aparelhos eletrônicos, em especial os rádios e as televisões, estavam conectados entre si mandando informações para uma central nacional, às vezes mundial, de computação. Lá eu era observado pelos senhores do mundo, como se eu fosse espionado pelo Grande Irmão de Orwell. Quando eu estava na rua, ou às vezes à janela de minha casa, onde não havia aparelhos eletrônicos, eu estava sendo filmado a grandes altitudes por aviões ou satélites espiões que eu não via, mas tinha certeza que estavam lá. Nas televisões eu sempre via um botão qualquer ou uma luz que me filmavam. Então, a central de televisão podia me ver e escutar, da mesma forma que eu via e escutava o programa que estavam passando. Assim, durante dias, eu falava com o rádio ou a televisão, conversando ou com a emissora ou com os participantes do programa.  Já fiquei conversando, por este método delirante, com as grandes estrelas nacionais e internacionais de TV e também com Tatcher, Bush, Gorbatchov...

Naqueles momentos, então, que o entrevistado, ou o ator, olha para a câmera e fala para os telespectadores, ah, eles estavam falando diretamente para mim... Eles me olhavam no olho. Então, eu também olhava no olho deles e respondia. De noite, em meu quarto, eu achava que havia câmaras de filmagem escondidas, filmando o meu sexo com Mônica. -6-

De tarde, na praia, apareceu-me um relógio em visão. A visão me acompanhou o tempo todo. Não importa o que eu fizesse, para onde olhasse, o relógio _ sempre com a hora certa _ aparecia no fundo. Então, à noite, no apartamento de praia que meu irmão alugava, veio-me a explicação da visão: “ Vou morrer à meia-noite.” E fiquei com a idéia fixa de que ia morrer à meia noite. Mas não disse para ninguém. Às dez horas, por aí, Mônica, eu e as crianças saímos do apartamento e fomos para o rancho que tínhamos em Barra do Una antes de construir nossa casa. Arrumamos as camas e nos deitamos para dormir. A visão do relógio e a certeza de morrer à meianoite não me abandonavam, no entanto. Daí pensei: _ “Eu sou como Matraga, chegou minha hora e minha vez. Como ele, não vou esperar meu destino passivamente: vou enfrentá-lo.” Saí do rancho e fui para a rua onde fiquei andando, pronto para brigar pela vida com quem viesse me desafiar. A rua estava vazia e eu não sabia de onde viria v iria o inimigo. Eram onze e meia em meu “relógio-visão” quando pensei diferente: _ “ Se querem me matar, matar, vão ter de vir à minha toca. Me pegar  no meu lugar.” Voltei para o rancho, afastei a cama das crianças e a da Mônica e deitei-me num acolchoado bem em frente da porta. Antes de deitar, no entanto, peguei um facão de cozinha e segurei-o na mão direita, firme, pronto para dar o golpe se alguém invadisse o lar de minha família. De manhã cedo, Mônica encontrou-me dormindo no chão com a faca do lado. Enquanto eu esperava a meia-noite, dormi... E não morri. -7-

Fui a um churrasco no interior, na casa de um tio meu. Eu estava de bermuda curta, camiseta leve e um par de chinelos. Chegando lá havia aquela festa toda, todo mundo animado, festeiros mesmo, e eu me senti muito mal m al porque todos estavam vestidos muito bem, traje esporte fino e só eu de bermudas e chinelo. Como acontecia em outras crises, eu havia emagrecido em poucos dias mais de dez quilos. Percebi que as pessoas me evitavam na festa e às vezes olhavam para mim de soslaio. É claro que me olhavam de soslaio e evitavam vir falar comigo porque eu estava em delírio. Devia estar muito estranho. Mas eu achei que estavam me evitando porque eu estava com AIDS. Percebendo minha magreza, olhando

minhas pernas finas, logo concluí que de fato eu estava com AIDS. Chamei a Mônica para irmos embora. Enquanto ela e as crianças almoçavam rapidamente fui para fora da casa, esperá-los na rua. Minha tia quis me levar de volta para a festa, me dar comida e tal e eu nada. Queria ir embora pra casa, deitar na minha cama. Quando Mônica veio com as crianças, pegamos o carro e fomos embora. Havíamos andado uns vinte quilômetros talvez, sem falarmos nada um ao outro, quando cheguei-me ao ouvido dela e falei baixinho: _ “Eu estou com AIDS.” Ela me respondeu: _ “Fique quieto. Não fale uma palavra!” Dirigiu até um retorno que havia na pista, onde pode parar o carro num lugar seguro. Mandou as crianças brincarem num canto da praça e sentou-se comigo no meio de um gramado. Disse-me, então: _ “Fala Luiz. O que está acontecendo?” _ “Eu estou com AIDS, Mônica. Peguei AIDS.” _ “Você fez alguma coisa para achar que tenha pego AIDS? Você saiu com alguém, fez alguma coisa assim?” _ “Não. Eu juro que não fiz nada. Mas veja minha magreza. Veja como as pessoas me evitaram na festa...” _ “Você está magro porque está em crise, isto sempre acontece. Quanto às pessoas, foi você quem as evitou. Você quis vir  embora, não quis falar com ninguém.” _ “Eu estou com AIDS!” _ “E como você pegou?” _ “Pelos mosquitos, você sabe. Pela picada dos pernilongos.” _ “Luiz, AIDS não se pega assim, você sabe disso. Agora, vou lhe falar uma coisa e você preste muita atenção senão eu vou  ficar muito brava brava com você. você. Nós estamos estamos no meio meio da estrada. Faltam duas horas pra chegar em casa. Nós vamos entrar no carro e ir embora pra casa. Lá nós conversaremos com calma.  Mas, por favor favor,, ouça o que estou lhe dizendo; isto é uma coisa muito séria: você não vai falar mais neste assunto até chegarmos em casa. Nós temos dois filhos pequenos que não podem  ficar pensando que o pai deles está com AIDS apenas apenas porque você está delirando. Entendeu?” _ “Entendi.” _ “Então vamos embora. Vou chamar as crianças.” Viemos para São Paulo sem conversar uma palavra sequer durante a viagem. Passei quase uma semana obcecado pela idéia de AIDS e pernilongos. Às noites, eu ficava acordado com uma toalha de rosto na mão matando pernilongos no quarto das crianças. Minha obsessão era evitar o contágio das crianças e para mim, em meu delírio, as formas de contágio foram se multiplicando. Ao fim de alguns dias eu tinha separado para meu uso exclusivo copos, louças e talheres e não deixava ninguém usá-los além de mim. Estranhamente, o sexo, a própria forma de contágio da AIDS, não me incomodava. Eu não achava que a Mônica, minha parceira sexual, estivesse com AIDS. Apenas eu estava. Tinha pego dos pernilongos.

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9

4

Quinze delírios

Daí ela teve de pegar os livros que tínhamos em casa sobre AIDS e me fazer reler, explicando-me como se pegava a doença, como se eu nunca tivesse sabido. Depois me disse: _ “Se você está tão preocupado, vá fazer um exame de sangue.  Mas eu lhe proponho outro teste. Você sabe que eu não estou com AIDS. E que sou uma pessoa consciente, lúcida, que não quero pegar AIDS. Pois você também não tem, e para você  ter certeza disso eu lhe ofereço o meu corpo. Venha deitar  comigo.” -8-

De uma das vezes em que estive internado, lembro-me de estar amarrado na cama num dos quartos do Bezerra de Menezes e pensar que estava enterrado vivo numa espécie de catacumba que eu imaginava ser vizinha do cemitério do Araçá. Neste dia eu fiquei, talvez, amarrado das dez horas da manhã até quatro da tarde. O delírio evoluiu. Após algum tempo eu não estava mais enterrado vivo. Eu era um morto sem condições de ser enterrado. A catacumba onde eu estava era uma espécie de purgatório com objetivos de purificação. Era um lugar intermediário entre o Hospital das Clínicas e o Cemitério do Araçá para onde eram mandados os mortos de graves doenças infecciosas. Havia um pessoal burocrata que decidia quem podia ser enterrado, e quem podia subia pelo elevador até o cemitério. Quem não podia, continuava amarrado. (Não havia elevador no local). Meu corpo estava numa estranha transmutação e de repente eu não era mais eu. Perdi todas as esperanças de ser solto pois eu era, afinal, o vírus da AIDS que tinha sido isolado naquele estranho lugar para ser estudado pelos médicos. Eu era um vírus e tinha sido capturado. Meu corpo todo tinha sido envolto por uma película plástica para que não contaminasse ninguém. Após um tempo, perdi as esperanças de ser solto e parei de gritar. Foi quando, um tempo depois, fui solto da cama. Andei até a sala de televisão sem ver ninguém e fiquei sentado num dos bancos de madeira que havia no local. Os bancos estavam postos em L, como devem estar até hoje, e assim pareciam delimitar um espaço máximo de ação de cerca de dez metros quadrados. Daí eu vi ao meu lado, sentado, assistindo televisão, um companheiro paciente. Era um preto gordo, já um senhor, bonacheirão, com um gorro enfiado na cabeça. Eu não sabia que ele estava vendo televisão. Nem sabia que ali havia televisão - eu não a via, pendurada alta na parede. Para mim, eu continuava preso para toda a eternidade naquele quadrado delimitado pelos bancos e o preto era o meu vigia.

Neste delírio, após ser medicado em São Paulo, fui para a praia com Mônica e as crianças e também com meu irmão médico e sua família. Desta vez tive a maior impregnação de haldol de todas as minhas crises. Aliás, mesmo em minhas internações, nunca vi ninguém tão impregnado quanto eu fiquei. O akineton não foi suficiente para deter a impregnação. Primeiro meu corpo ficou todo rígido e eu só me movimentava muito lentamente, com o andar estranho dos robôs. Depois, uma tarde, fui acometido por um repuxamento muscular na nuca e no pescoço e eu ficava com o rosto de lado, com a musculatura toda estirada. Meu maxilar se travou e o trismo não permitia que eu abrisse a boca. Minha cunhada deitou-me numa esteira de taboa e me fez massagens. Assim fiquei sabendo que massagens não adiantam nada para isto. Meu irmão me pegou pelo braço, pôs-me no carro e levoume até a farmácia em Boissucanga. No caminho, havia enormes máquinas de terraplanagem que abriam naquele tempo o novo leito da Rio-Santos. Durante todo o percurso, eu achava que seríamos esmagados por aquelas máquinas imensas. Estava certo que elas estavam ali apenas para nos perseguir, triturando-nos entre suas pás e esteiras. Os barreiros que havia no caminho tinham sido feitos de propósito pelas máquinas para nos fazer atolar. Depois elas viriam e nos esmagariam enquanto estivéssemos atolados. Em Boissucanga, na farmácia, na calçada do lado de fora, lembro-me de uma mulher índia com um facão na mão que olhava para mim desconfiada. Eu tinha medo que ela me atacasse com o facão. De fato, como eu estava, com a cabeça estirada de lado, o maxilar teso, repuxando músculos faciais e andando feito robô acho que ela estava me estranhando. Lembro-me até hoje de seu olhar fixo e seu facão enorme seguro pelo braço direito, em posição de alerta. Na realidade, ela estava mesmo preparada para me atacar, tanto que meu irmão me puxou para dentro da farmácia, dizendo-me: _ “Cuidado com a índia. Você não vê o facão dela e que ela está   pronta para atacar? Ela está com medo de você. Fique comi go. Não vá mais lá.” Daí meu irmão me fez beber meio vidrinho de Fenergan e poucos minutos depois, como por milagre, toda minha musculatura se relaxou e eu me livrei da impregnação. O delírio com as máquinas de terraplanagem, no entanto, continuou e eu vivi na volta até Barra do Una o mesmo terror de que elas iriam nos triturar.

-9- 10 -

O haldol, assim como outros neurolépticos, causa efeitos colaterais, comumente chamados de “impregnação” e que consistem basicamente numa crescente robotização dos movimentos por uma rigidez muscular que se espalha pelo corpo todo. Para deter a impregnação usam-se outros remédios junto com os neurolépticos.

5

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9

Uma noite, na praia, fiquei de meia noite até sete horas da manhã condicionando um bagre num balde de água. Eu estava certo de estar progredindo em meu intento que era o seguinte: cada vez que eu batesse no balde três vezes “toc, toc, toc,” o bagre viria até a superfície falar comigo. Então eu batia

com um pau no balde “toc, toc, toc” e em seguida jogava comida de peixe na água. De manhã cedo, vendo-me na faina com o balde, depois de eu explicar o que estava fazendo, meu irmão me disse: “ Agora é  hora de escovar os dentes, olha a pasta para o bagre.” E eu, acreditando mesmo no que fazia, peguei um pouco de pasta de dente e “toc, toc, toc,” joguei nágua para ele. Nesta manhã meu irmão me trouxe para São Paulo para medicar-me e eu só concordei em vir depois que ensinei o pedreiro de minha obra a tomar conta do bagre. Foi assim: eu fui com ele até o rio, soltei o bagre na margem e ele logo sumiu na água funda. Eu disse para o Armando: _ “Você não se preocupe. Ele está logo num buraco ali. De tarde você vem até aqui e bate com este pauzinho na beira. Vai fazer toc, toc, toc. Daí ele vem e você dá comida pra ele. Vê se cuida bem do meu bagre enquanto eu estiver em São Paulo.” - 11 -

Estava em transcurso uma revolução separatista. São Paulo novamente lutava contra o Brasil. (Hoje acho engraçada esta versão, pois, como paulista, nunca aceitei a expressão “revolução separatista” e sim “revolução constitucionalista”). Sou paulista ferrenho. Desci a serra, com Mônica e as crianças, para Barra do Una. Minha missão era no litoral. À noite, antes de deitar, angustiado, eu disse à Mônica sentado na cama, dentro do rancho: _ “Se eu morrer, você diz ao Governador que eu morri por São Paulo?” Ela disse que sim. Eu insisti: _ “Você promete?” Ela prometeu. Dormi. Acordei com Mônica vestindo o biquini. Ela estava defronte à janela aberta, de costas para a cama, amarrando o sutiã do biquini. Eu comecei a chorar. Eu era um covarde. Minha mulher precisava ficar mostrando os peitos para o inimigo, pela janela, para que não bombardeassem o meu rancho. (A praia era deserta e entre o rancho e a praia havia uma touceira de bambu; Mônica não estava se exibindo, apenas estava à vontade, como o local permitia). Saí para levar meus filhos para a praia. Grudei o menor deles para atravessar o rio. (Entre meu terreno e a praia existe o Rio Una. Havia chovido muito e o rio estava com grande correnteza). Logo percebi que o inimigo, para me capturar, havia lançado mão de um interessante ardil: ele baixara o nível do mar para o rio correr ligeiro e eu me atrapalhar na correnteza. Vocês acham que isto é impossível porque não conhecem a astúcia e os recursos de meu inimigo: ele fazia isto com gigantescas bombas hidráulicas na barra do rio, onde o rio encontra o mar, escondido por trás da restinga de areia. Pus o menino no barquinho e saí remando em diagonal à correnteza. Dei risada. Era a força bruta deles contra a minha habilidade. Deixei o menino na praia e vim buscar o outro, do lado de cá do rio. (O barco era pequeno; o rio estava forte: não dava pra levar os dois ao mesmo tempo). No meio do rio o barco começou a afundar. Logo percebi o que houve. O ini-

migo tirara a tampa do barco com sensores remotos. Percebi a tempo que o barco estava destampado e voltei a tampá-lo. Sorri comigo mesmo. Eram os sensores remotos deles contra minha percepção e rapidez. Mudei de lugar no barco e controlei o nível d’água. Remei com vigor e cheguei à margem de casa, muito abaixo de meu terreno, devido à correnteza. Meu filho chorava, gritando do lado de lá do rio, na praia: _ “Paiê, Paiê, vem me buscar...” _ “Já vai, meu filho. Não sai daí. Não tenha medo, eu já vou voltar.” (Entre nós havia um rio de 40 m de largura, correndo em grande correnteza). Os vizinhos vieram me ajudar a esvaziar o barco. Eles estavam de óculos escuros: eram inimigos. Deixei-os fazer força sozinhos para esvaziar o barco, não sou besta, vou deixá-los cansados. Eles esvaziaram o barco e levaram-no até em frente a minha casa, no lugar de atravessar de novo. (Perderam a tampa do barco mas eu sabia que era espionagem, roubaram a minha tampa). _ “Paiê, Paiê, me tira daqui...” _ “Espera, espera. Não saia do lugar!” Corri até o rancho. Encontrei uma tampa de lata de spray e peguei a faca. Cortei um pedaço do plástico para ajustar no local, arranquei o pedaço com o dente - meu inimigo me olhando, vendo onde eu ia falhar para ele atacar - tapei o buraco do barco e atravessei de novo o rio. Peguei meu filho e voltei para casa. Falei para a Mônica: _ “ Não dá pra ir à praia hoje. Os inimigos estão todos por aí. Fizeram uma correnteza no rio que você precisa ver. Quase me pegaram.” - 12 -

Logo após a publicação de  Memórias do Delírio, de minha autoria, uma série de artigos e resenhas sobre o livro foram publicados pela imprensa. Para a resenha da revista Veja eu fui entrevistado. A reportagem que a revista publicou, com uma foto minha, ainda que de costas, deu-me uma sensação incrível de desconforto pela grande exposição a que eu me submetia e principalmente pelo fato de que considerei a matéria muito crua e dura, ainda que desse grande destaque ao livro. Logo comecei a desestabilizar-me. E em poucos dias eu estava em delírio. Semanas antes havia sido publicada uma resenha em Curitiba. Por um erro de composição do jornal, a matéria que saiu sob o título da resenha e ao lado de uma reprodução da capa do livro era uma notícia sobre o Cartel de Medellin. No dia seguinte é que o jornal publicou corretamente a resenha. Mas fiquei com este fato na cabeça e quando a reportagem da Veja me desestabilizou passei a achar que o jornal de Curitiba estava me mandando uma mensagem cifrada. Que como eu falava mal da maconha no livro eu seria alvo dos traficantes do Cartel. Passei uns quinze dias sendo perseguido pelo Cartel de Medellin. Para cada instante eu esperava um ataque. Minha família, como de hábito, de início lutou contra minha convicção delirante, mas, a partir do momento em que ficou claro que eu estava com o delírio estabelecido, em seguida entrou no jogo. Não me contrariavam e apenas diziam que para que os traficantes pudes-

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9

6

Quinze delírios

sem me pegar teriam de pegar todo mundo. Em que pese o ligeiro alívio em termos de segurança que eu sentia, passei a ficar muito preocupado com todos da família e a sentir-me culpado pela insegurança em que agora todos viviam. Apenas ao final de meu delírio, quando comecei a duvidar de minhas certezas, é que meus pais e irmãos fizeram força para me convencer de que ninguém me perseguia. Há sabedoria no ditado que diz que não se deve contrariar os loucos. Dá conforto ter gente a seu lado que “acredite” nas percepções desvairadas. Negar, fazer força contra na hora errada, além de nos tornar mais isolados, às vezes faz com que pensemos que quem está contrariando a evidência do delírio está do outro lado, faz parte dos “inimigos.” - 13 -

Em 1993, minha instabilidade era tão grande, eu entrando e saindo sucessivamente de crises alternadas de depressão e euforia que meu médico sugeriu-me e acabou por convencer-me e à minha família de que seria interessante tentar uma nova medicação. Havia também a conveniência de se tentar um novo neuroléptico, pois o uso a longo prazo que eu fazia do haldol estava dando sinais de estabelecimento da discinesia tardia. (A discinesia é um sintoma colateral da medicação e que se caracteriza por aqueles esgares de lábio tão marcantes da loucura. Em grande parte dos casos, é efeito de remédio e não sintoma da doença). Eu concordei, esperançoso, e entrei na “aventura de ser sujeito experimental de um medicamento que estava em teste no Brasil, antes de ser lançado no mercado”. Era a risperidona. O experimento foi conduzido na USP e na UNICAMP, entre outros centros de pesquisa, e eu fui inscrito no grupo piloto do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Quando iniciei com a medicação eu estava em leve crise, mas logo a seguir entrei em forte delírio. Um tipo novo de delírio que eu ainda não conhecia. Tive meu primeiro delírio cenestésico, que se caracterizava por fortes dores e sensações musculares e corporais. O que eu sentia era uma tremenda e insuportável dor toráxica e nas costas. Era uma dor aguda e lancinante que me atravessa em diagonal desde o peito até a base da coluna, verticalmente. Eu tinha certeza de que havia uma espada enorme, do tipo das que os cruzados usavam, afiadíssima, atravessada em m inhas costas e em meu peito, fincada de baixo para cima. E eu não podia me mexer, pois a cada movimento a espada cortava mais. Ficava horas sentado, parado numa mesma posição retorcida para tentar evitar a dor. Neste mesmo delírio eu quase explodi. Literalmente. Mexendo, um dia, com minha binga (aquele tipo de isqueiro antigo), eu, ao abastecê-la de fluido, derramei grande quantidade de líquido na mesa e sem me aperceber inalei todo o gás que se volatilizava. Quando me dei conta do sucedido, passei a ficar apavorado, achei que eu iria explodir. Principalmente porque, fumante inveterado, mesmo diante da minha absoluta convicção do risco de explosão, eu não deixava de acender um cigarro atrás do outro. Mas eu fumava com uma tremenda preocupação em não peidar, porque estava certo de que se eu peidasse ocorreria uma

7

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9

explosão. Eu me sentia uma bomba ambulante. O único cigarro que fumei tranqüilo, neste dia, foi no consultório de meu médico, que me garantiu que eu podia fumar e peidar o quanto quisesse que não explodiria. Lembro-me até hoje da esdrúxula conversa que tivemos, ele divertido e sério a me explicar que eu não corria o risco de explodir. A experiência com a risperidona não deu certo para mim; pelo contrário, foi aterradora por deflagrar minha fase de delírios cenestésicos. Tive notícias, no entanto, de que o uso do remédio foi aprovado e de que alguns doentes têm-se dado bem com ele. Mesmo sem questionar a competência e a ética dos médicos que conduziram este experimento, duvido, entretanto, que o protocolo final deste teste discorra sobre a possível interferência desta droga na instalação de delírios cenestésicos. Possivelmente, porque sou uma irrelevância estatística. - 14 -

O uso da risperidona, ainda que por pouco tempo, deixoume de herança os delírios cenestésicos que voltei a ter mesmo sem estar mais usando esta droga. Sei lá o que aconteceu, ela deve ter aberto algum novo tipo de sinapse patológica no meu repertório neurológico. Sei que um dia eu precisava ir a um cartório no centro da cidade para passar a escritura definitiva de um imóvel que eu havia vendido muitos anos antes. Peguei meu carro e fui. Ou, antes, tentei ir. Não pude lá chegar porque a meio caminho envolvi-me no centro de uma revolução. Era, para repetir o enredo, alguma coisa de confusão de São Paulo com o resto do país. Mas, de repente, a revolução virou uma guerra e eu de paulista virei brasileiro e tudo se tratava de defender o solo pátrio. Só que as forças armadas não se entendiam e o exército não se dava com a marinha e nem os dois com a aeronáutica. Eu era um agente de informações e espionagem da marinha. E quando estava passando pela Rua Santo Antônio, no Bexiga, em frente a um posto de gasolina, levei um tiro na perna, certamente desferido pelas forças da aeronáutica. A dor foi lancinante e tive uma tremenda contração. Sorte que o trânsito estava parado e então eu coloquei o pé sobre o painel do carro e então pude massagear a perna. O frentista do posto de gasolina me olhava com estranheza e o mesmo fazia um motoqueiro parado a meu lado e assim, logo que o farol abriu, eu saí dirigindo com dificuldade porque eles eram inimigos e eu não podia me expor mais, ainda mais agora que estava ferido. Desisti de ir ao cartório e resolvi dirigir-me de volta ao Pacaembu, para voltar para casa e buscar socorro. Minha perna direita doía violentamente e pesava uns quinze quilos. Eu tinha de fazer uma força enorme para não deixar meu pé afundar no acelerador. Observei que não havia sangue no lugar do tiro, mas isso não me surpreendeu, pois estava claro que eu havia sido atingido por uma arma nova que me introduzira na barriga da perna um projétil de chumbo líquido, razão pela qual eu também não localizava a bala quando nas paradas do trânsito voltava a massagear a perna.

Na Rua Maria Antônia havia um pedágio de calouros do Mackenzie. Perto da Rua Sergipe, com um trânsito novamente parado, chegou à minha janela um estudante em trote e pediu-me um trocado para o chope dos veteranos. Eu, sem querer e sem poder evitar, talvez passei-lhe o grande trote de sua entrada na faculdade. Eu precisava de socorro. Não achava que agüentaria chegar ao Pacaembu e, desesperado de dor, contei-lhe do tiro que eu levara, pedi socorro, que ele providenciasse um médico. Meu sofrimento e minha dor eram tão autênticos que ele, mesmo sem entender nada e mesmo sem o sangue que seria a evidência do tiro, parece de fato ter acreditado na história toda. Ao mesmo tempo que as manifestações cenestésicas se intensificavam, minha cabeça não parava e eu via naquilo tudo, de o calouro de engenharia do Mackenzie tentando me ajudar, a mim, um ex-estudante de Filosofia da USP, uma amostra de como o destino dá voltas e de como os inimigos de ontem podem ser os aliados de hoje na história das verdadeiras guerras. Tudo foi, afinal, tão rápido que sequer deu tempo de o rapazola sair da estupefação em que o coloquei, posto que em seguida achei que o melhor mesmo era eu ir até em casa e num ato reflexo, para despistá-lo, apontei com vivacidade para a esquina da frente e disse-lhe que visse... se ele não tinha visto aquele carro assim-assim atropelar a moça que atravessava a rua e ele, ao se virar para mais esta insuspeita ocorrência, distraiu-se de mim e saí  quase cantando pneu em direção à minha casa. Por rápido que tudo fosse, o tempo ainda foi suficiente para eu colocá-lo a par de importante mensagem, de cujo teor não lembro, que ele deveria por questão de vida ou morte fazer chegar a um alto líder nacional, depois de eu ter-lhe declinado minha patente, para o caso de eu ser morto no caminho. Sei dizer que pelo espelho vi o rapaz sair correndo para um grupinho de estudantes, tão logo meu carro se afastava. O que ele contou aos outros e o que pensou de mim e desta estranha guerra que eu travava eu não sei. Mas naquele momento eu dava de mim o melhor para minha causa e minha causa era o meu país. Ao chegar em casa, vi que eu estava isolado. Em casa não havia ninguém, e trabalhando ao longo dos fios telefônicos de minha rua, bem em frente de onde eu moro, havia m uitos homens fazendo reparos nos postes, erguidos por aquelas caçambas automáticas dos caminhões de serviço. Tudo aquilo nada mais era do que uma operação para interferir com minha linha telefônica de tal forma que eu estava incomunicável. Tanto isto era verdade que todos os números para os quais eu tentava ligar davam ocupado ou eram ligações para o número errado. Só conseguia falar com gente estranha que me desligava o telefone na cara. Um lampejo de lucidez alucinada me conduziu a procurar meu médico. Mas não sem antes render-me à dor e deitar-me na cama para não exaurir minhas forças. Minhas preocupações eram três, entre outras, durante os minutos em que descansei em meu quarto. Preocupava-me sobretudo a morte que adviria de duas formas certas. A primeira, inexorável se eu não conseguisse socorro médico imediato e não tivesse minha perna amputada, era que o chumbo líquido se solidificaria e causaria uma gangrena que se estenderia pelo meu corpo todo. A segunda preocupa-

ção com a morte era que eu poderia a qualquer momento ser atingido por um tiro de longa distância, disparado pelo vão da janela de meu quarto, razão porque eu precisava ficar deitado sem travesseiro para não deixar minha cabeça à mostra, na linha de tiro. A terceira grande preocupação era com meu seguro de vida para garantir a educação de meus filhos depois que eu morresse. Acabei, afinal, localizando meu psiquiatra por telefone, justamente para que ele me providenciasse a urgente remoção que eu necessitava para um centro cirúrgico, a fim de amputar minha perna. Ele acabou por convencer-me de que meu problema estava na cabeça e não na perna e de que eu precisava era de uma consulta e uma medicação com urgência. E a única alternativa rápida que havia para isto era eu ir até o seu consultório na Vila Mariana, pois de lá ele não tinha condições de sair naquela hora. Andei mancando o quarteirão que me separa da avenida e tomei um taxi. Para meu azar o motorista era inimigo. Pois a guerra continuava e durante dias ainda se estendeu. Mas eu sabia como lidar com este inimigo que estava no volante. Para não deixá-lo raciocinar resolvi contar-lhe piadas e assim fui durante a meia hora do trajeto. Não sei de onde minha memória foi sacar tanta piada, eu que não sou de contar piada. E as piadas se sucediam sem cessar, todas com duplo sentido e, ainda, por requinte, tenho a lembrança de que a maioria delas era de política e de caserna. Só que o cara não ria. E eu gargalhava sozinho, mas isso não importava porque cada piada que eu conseguia terminar representava uma vitória minha. Cheguei salvo ao consultório. E de lá saí, noitinha já, com minhas receitas e a recomendação expressa de meu médico de ir direto para a farmácia e para casa, sem parar em lugar nenhum, sem conversar com pessoa qualquer a respeito de assunto nenhum e principalmente sem contar piadas. O taxi que eu tomei na volta para casa era dirigido por um velho veterano da defesa civil, que também participava do esforço de guerra. Com ele não falei nada durante o trajeto, seguindo a orientação de meu médico, mas fiquei alarmado com as mutações que seu rosto assumiu durante a corrida, fruto de alucinações visuais que comecei a ter naquele instante. Era particularmente desagradável o fato de durante todo o caminho o velho vir pondo e tirando o céu da boca, enquanto dirigia. Para meu conforto, ao chegar em casa meus pais ali estavam e com eles e meus remédios reiniciei minha verdadeira e permanente guerra que é a luta contra a loucura. Ao cartório fui no dia seguinte, de Metrô, amparado por minha mãe que me guiou pelos labirintos das escadarias das estações e através das multidões do centro de São Paulo, porque compromisso de negócio não pode esperar a guerra acabar e eu mesmo, no fundo, sabia que honrar minha palavra numa transação comercial era mais importante do que continuar guerreando. Há anos atrás a venda daquele terreno ajudara a pagar meus remédios. Estes mesmos remédios de que depende a manutenção de minha sanidade, mas que até hoje não conheço nenhum sem algum tipo de efeitozinho colateral. O efeito colateral que a risperidona me deu foi este de me instalar na fase dos delírios cenestésicos. Justo ela, cuja vantagem alardeada era a de não ter efeito colateral algum. Hoje faz tempo que não tenho delírios e alucinações cenestésicos, mas justo no lugar em que levei o tiro de chum-

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9

8

Quinze delírios

bo líquido, na barriga da perna direita, costumo ter, agora, de vez em vez, uma cãibra feroz. Quando ouço falar de remédio psiquiátrico sem efeito colateral, hoje em dia, tenho um medo que me pélo. Penso que sejam efeitos desconhecidos ou não relatados na literatura médica. - 15 -

Ocorre-me que talvez mais útil seja eu encerrar este texto não com o relato de mais um delírio qualquer, mas com a reafirmação de que sou amnésico a respeito de meus delírios depois que eles se desfazem. Imagino que alguém possa achar estranha essa afirmação após ter lido várias páginas de relatos variados de delírios recentes e até bem antigos, alguns com diversos detalhes. Mas o fato é que o relatado corresponde à minha memória mais significativa em cada caso e os detalhes são mínimos comparados à multiplicidade dos episódios que se desenvolvem em cada momento do delírio e à complexidade das sensações e emoções que vivo numa crise. Principalmente no que se refere à intensidade das vivências. Relatar um delírio dando destaque ao lado humorístico das situações, como fiz em alguns casos, é importante para realçar o surrealismo das experiências e para tentar tornar a leitura mais agradável, mas pode levar à falsa impressão de que tudo não passa de uma grande curtição. Nada mais enganoso. A tônica onipresente em cada uma dessas situações é a de um medo tenebroso. Um pavor e uma angústia inenarráveis. Nada é vivido pelo lado engraçado, exceto nas pequenas tréguas de conversações com pessoas que me conhecem muito bem e sabem me acompanhar no desvario. A fase de bem estar nas crises corresponde, para mim, ao início do descontrole eufórico. Seria, como se diz, a fase pré-maníaca. Quando o delírio se estabelece em plenitude, a vivência é aterrorizante. O sofrimento é superlativo. Cada delírio destes, de que relatei passagens, durou muitos dias, às vezes até duas ou três semanas, e cada minuto desses dias foi um momento de pânico, de urgência, de situação emergencial, onde alguma ameaça fatal me assolava de forma acachapante. O medo de vir a morrer numa explosão causada por um peido de gases inflamáveis não é menor do que o de vir a ser esmagado por uma motoniveladora no canteiro de obras de uma estrada em construção. Nem a angústia é menor. Diante das situações intensa e ininterruptamente vividas ao longo de vários dias e noites, aquilo que minha memória retém não passa de fragmentos. De dezenas ou mesmo centenas de delírios não guardo a menor recordação. E de muitas das crises cujos fragmentos eu relatei, minha ex-mulher ou meus pais e irmãos talvez tenham melhor memória do que eu. Por isso não sou um bom contador de delírios. O que deles me lembro e o que consigo transmitir numa narrativa nem de longe se assemelham à reconstituição das situações que vivi.

9

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9

A única forma de saber o que é um delírio ou uma alucinação é passando pela própria experiência. Não desejo isso a ninguém, e que ninguém pense que esta é uma experiência que vale a pena. Não vale. O surrealismo vivido é a pior das realidades existentes. Conheço pessoas, no entanto, que admiram minha vivência. Creio que imaginam que me enriqueci espiritual ou existencialmente com ela. É ao contrário. Esse “enriquecimento” a que se referem, algum tipo de crescimento, só se dá ao nível da expansão da consciência, não com o contato patológico com o inconsciente. Se algum crescimento a doença me trouxe, este é referente a ela mesma e se constitui no desenvolvimento da consciência de minha fragilidade e no reforço de meu lado sadio para dar conta de suportar e conviver com as crises, tentando não destruir minha vida a cada novo episódio delirante. O contato com o sublime e com o tenebroso que existe no inconsciente é, de fato, uma fonte de crescimento e energia, e tanto mais quando nos apropriamos conscientemente de seus conteúdos. Mas com limites. Qualquer um pode fazer isso intensa e proficuamente se souber curtir seus sonhos. O lado tenebroso do inconsciente à solta na vida, dominando em delírio todas as ações e sensações, é literalmente uma loucura. É patológico e em qualquer instante, sem mais aviso, pode levar à morte num ato qualquer desvairado durante uma crise. Por isso nenhum delírio é engraçado, a despeito das situações hilariantes que possa criar. Quem quiser se aproximar da compreensão do que vem a ser um delírio, tome contato profundo com os seus próprios sonhos. Principalmente com os pesadelos. Experimente imaginar o que viria a ser o seu pior pesadelo e imagine o que seria de você vivendo este pesadelo ininterruptamente durante duas ou três semanas, acordado, enquanto tenta continuar dando conta da sua vida, trabalhando, cuidando dos filhos, se relacionando com as pessoas e com os fatos do mundo real. Misture as vicissitudes de seu cotidiano com o lado mais tenebroso de seu inconsciente e depois me diga que minha experiência ou a de qualquer outro psicótico é enriquecedora. Verdade é que, em momentos meus de desalento e desesperança perante o mundo e as pessoas, eu às vezes já fantasiei que seria muito instrutivo para alguns experimentar uma crisezinha psiquiátrica para largar mão de tanta onipotência ou de tanto chorar de barriga cheia. Mas isso não passa de meus rancores. Na verdade, volto a dizer que não desejo a experiência a ninguém, nem mesmo a meus desafetos. Quanto a meu próprio destino, acalanta-me a esperança de que Deus seja sábio. Talvez ele dê o frio conforme o cobertor. Comentários deste e de outro auto-relato de delírios por Othon  Bastos no próximo número de CPP.

 Artigos Originais SÍNDROME DE KLEINE-LEVIN: CONSIDERACIONES DIAGNÓSTICAS Y TERAPÉUTICAS KLEINE-LEVIN SYNDROME: DIAGNOSTIC AND THERAPEUTIC CONSIDERATIONS

Pilar Sierra San Miguel* Lorenzo Livianos Aldana** Luis Rojo Moreno**

Resumen

El síndrome de Kleine-Levin es un síndrome caracterizado por la  triada clásica de hipersomnia periódica, trastornos de la alimentación en forma de megafagia y diversos síntomas neuropsiquiátricos. Se  trata de un trastorno de difícil diagnóstico, que puede iniciarse con sintomatología muy inespecífica. Hasta el momento, se han descrito unos 100 casos. El presente artículo expone el caso de un hombre de 22 años inicialmente diagnosticado de trastorno de somatización y que finalmente lo fue de síndrome de Kleine-Levin, tras perfilarse la sintomalogía clásica de somnolencia excesiva, hiperfagia e hipersexualidad. En este trabajo, los autores exponen el cuadro clínico insis tiendo en los tratamientos utilizados y resultados obtenidos.

polifagia e hiperfagia. Orlosky 9 en una revisión de 33 casos, encontró como alteración más frecuente la confusión (73%), irritabilidad (58%), amnesia (39%), ilusiones (30%), letargia (24%), depresión (21%) y desinhibición sexual (18%). 10 La diversidad etiológica es notable. Por una parte, se ha postulado un trastorno funcional del sistema mesencéfalo-hipotálamo-límbico, al encontrar diferentes altera-ciones hormonales hipotálamo-hipofisarias y de neurotransmisores. Ademas, con frecuencia existen antecedentes de infecciones víricas o gripales los días previos al primer episodio, encontrando infiltrados de linfocitos que evocarían una encefalitis viral localizada. 11 Incluso se han descrito casos en los que los síntomas aparecieron despues de experiencias psicológicas estresantes o traumatismos craneoencefálicos. 12 Por otra parte, anomalías neuroendocrinológicas comunes podrían explicar la coexistencia entre el síndrome de Kleine-Levin y la enfermedad de Parkinson en algunos pacientes. 13 Caso clínico

Síndrome de Kleine-Levin; Hipersomno-lencia; Hiperfagia; Sexualidad Palabras-claves:

Satterley describió por primera vez en 1815 un caso con un perfil similar a lo que actualmente denominamos síndrome de Kleine-Levin. Posteriormente, Dana (1884), Anfimot (1898), Kleine (1925)1 y Levin2 (1929) aportaron casos con una sintomatología coincidente. El término de “síndrome de Kleine-Levin”, se debe a Critchley y Hoffmann 3,4 quienes lo propusieron en 1942. Aparece de forma más frecuente en varones, en la última etapa de la adolescencia y a partir de la segunda década de la vida, posteriormente se observa una disminución gradual tanto en la frecuencia como en la duración de los episodios. 5 También existen casos descritos con una clínica muy similar en mujeres, en relación con el periodo menstrual pudiendo ejercer un importante papel etiopatogénico la progesterona. 6 En cuanto a la hipersomnia, puede instaurarse de forma brusca o gradualmente, tiene un carácter recurrente y una duración variable, desde un día hasta seis semanas como caso extremo.7 Billiar,8 uno de los autores que más ha publicado en torno a este tema, escogió el término “sobrealimentación”, a la hora de describir los trastornos alimentarios, ya que incluyen megafagia,

* Médico Interno Residente de Psiquiatría, Hospital La Fe. ** Prof. Titular de Psiquiatría, Universidad de Valencia y Hospital La Fe.

Paciente varón de 22 años que acude al Centro de Salud Mental, derivado por su médico de familia refiriendo somnolencia excesiva y estado de ánimo depresivo. Embarazo, parto y desarrollo psico-motor normal. Sin antecedentes médicos, ni psiquiátricos propios o familiares. En cuanto a su biografía, segundo de tres hermanos, soltero, convive con sus padres. Obtuvo el Graduado Escolar y actualmente trabaja como taxista. Personalidad dependiente con tendencia a la introversión y retraimiento social. En el momento de la primera consulta, se mostraba empático y con conciencia de enfermedad. Según relataba, la enfermedad actual se había iniciado hacía dos años. En un principio, definía unos síntomas vagos consistentes en “sensación de mareo”, inestabilidad y parestesias en zona frontal y temporal derecha, de presentación matutina. La inespecificidad de estos síntomas, motivó un diagnóstico inicial de trastorno de somatización. Progresivamente el cuadro se fue agravando, llegando a interferir notablemente en su vida diaria, especialmente en el plano laboral, dada la imposibilidad de acudir a su trabajo como taxista en los turnos matutinos. El paciente refería episodios de hipersomnia matutina, despertándose solo mediante estímulos intensos, con amnesia posterior y sensación de extrañeza. La

Endereço para correspondência: Lorenzo Livianos Aldana Dpto. Medicina, U.D. Psiquiatría  Avd. Blasco Ibañez, 17 E-46010 Valencia España

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):10-12

10

Síndrome de Kleine-Levin: consideraciones diagnósticas y terapéuticas

evolución seguía un curso cíclico, pero sin relación con el periodo estacional. Al mismo tiempo, presentaba aumento del apetito con accesos compulsivos de hiperfagia, aumento de la líbido e hipersexualidad (traducidos en episodios de masturbación muy frecuentes) Según sus familiares, las fases en las que se reagudizaba la clínica se acompañaban de sintomatología afectiva, consistente en ánimo triste, pobre control emocional y apatía. En ningún momento se evidenciaron alteraciones psicopatológicas de otra índole. Exploraciones complementarias: • hemograma y bioquímica sin hallazgos patológicos; • función tiroidea dentro de valores normales; • electroencefalograma anodino; • registro poligráfico del sueño: Ha sido imposible su realización por la dificultad del paciente en acudir al hospital en los horarios previstos. Tratamiento

Ante la inespecificidad inicial del cuadro, instauramos tratamiento con antidepresivos inhibidores de la recaptación de serotonina, junto con sulpiride. Posteriormente, añadimos un antidepresivo dopaminérgico con marcado efecto estimulante como el amineptino. En ambos casos, no obtuvimos respuesta positiva. Una vez perfilado el diagnóstico, utilizamos carbonato de litio hasta llegar a niveles terapeúticos. Sin embargo, pese a considerarse el tratamiento de primera elección en la actualidad, en nuestro caso seguimos sin obtener el efecto previsto. Posteriormente, añadimos un psicoestimulante como el metilfenidato, los resultados fueron esperanzadores en un principio, mejorando el conjunto de la sintomatología de forma global y más específicamente la somnolencia matutina y la hiperfagia. No obstante, tras un periodo de cuatro meses, la clínica se reinstauró con las mismas características del principio. Por último, se añadió reboxetina a dosis de 4 mg al día, logrando una sustancial mejoría del cuadro clínico con una notable disminución del número de episodios hipersomnes, si bien no se ha logrado el blanqueo absoluto. Por medio de los registros diarios que lleva a cabo el paciente, observamos que la frecuencia de los episodios se ha reducido a un 10% de la original, no así la intensidad que permanece inalterable. Esta mejoría se mantiene desde hace unos seis meses, lo que permite abrigar unas ciertas esperanzas. Discursión

El diagnóstico del síndrome de Kleine-Levin puede verse oscurecido debido a la presencia de cambios comportamentales y psicológicos.14 Con gran frecuencia, dada la gran variedad de alteraciones neuropsiquiátricas posibles, los pacientes consultan por sintomatología afectiva, letargia, amnesia e incluso por trastornos psicóticos. Consecuentemente, los diagnósticos iniciales pueden ser trastorno de somatización, depresión, histeria, esquizofrenia15… lo que nos puede conducir a un tratamiento inadecuado. Ademas no debemos olvidar, que antecedentes de infecciones respiratorias de vías altas, encefalitis, accidentes cerebro-

11

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):10-12

vasculares, traumatismos craneoencefálicos, tumores de afectación supraselar, 16 síndromes de apnea-sueño, fármacos sedantes o anticomiciales, pueden estar presentes. Es decir, la etiología multifactorial puede retrasar un diagnóstico certero. Por lo que respecta al tratamiento, Hart 17,18 en 1985 destacó el papel del carbonato de litio debido a su acción sobre el metabolismo de la serotonina, que se encuentra aumentada en el líquido cefalorraquídeo de estos pacientes, con una renovación aumentada, al igual que la dopamina. Desde entonces, numerosos autores hecho notar su efecto beneficioso, 19 de modo que en la actualidad, el litio se considera la mejor opción terapeútica pudiendo resultar efectivo en la fase aguda y especialmente en la prevención de recaídas. Las dosis recomendadas son de 800 mg/d, hasta llegar a litemias estables de 0,4 mEq/l. Tras un periodo asintomático no concreto y con la normalización en el estudio polisomnográfico, la medicación puede ser retirada para evitar efectos secundarios, aunque con frecuencia se ha de reinstaurar. Se ha defencido el uso de eutimizantes del tipo de la carbamacepina20 o el ácido valpróico. Otra posibilidad terapeútica la constituyen los psicoestimulantes del tipo de la efedrina, anfetaminas o metilfenidato, que actúan sobre la hipersomnolencia, pero no sobre el resto de la sintomatología y que en ocasiones pueden servir para prevenir la recurrencia. Pese a que el acento se ha marcado, como hemos visto, en la participación de la serotonina y dopamina, los fármacos activos en estos sistemas no lograron efecto alguno en nuestro paciente. La respuesta ha aparecido única y exclusivamente con psicofármacos activos en la vía noradrenérgica. Así pues, conviene considerar esta vía como una alternativa terapeútica. Summary 

Kleine-Levin’s syndrome is characterised by the classic triad of periodic hypersomnia, hyperphagia and hypersexuality along with other  neuropsychiatric symptoms.The diagnosis is often difficult as it can begin with very vague simptomatology. About a hundred cases have been described worldwide.The present work exposes the case of a 22 year-old man initially diagnosed of somatization dysfunction and, after the classic triad of excessive drowsiness, hyperphagia and hypersexuality has been profiled, finally received the diagnose of  Kleine-Levin syndrome. In this work, the authors expose the clinical picture stressing the treatments used and the results obtained. Key-words: Kleine-Levin Syndrome; Hypersomnia; Hyperphagia;

Sex Behavior Bibliografía

1. Kleine W. Periodisch Schlafsucht. Monatsschur Psychiatry Neurol 1925; 57:285-320. 2. Levin M. Periodic somnolence and morbid hunger: a new syndrome. Brain 1936; 59:494-504.

resumo bula Efexor

3. Critchley M, Hoffmann HL. The syndrome of periodic somnolence and morbid hunger, Kleine-Levin syndrome. BMJ 1942; 1:137-139. 4. Critchley M. Periodic hypersomnia and megaphagia in adolescent males. Brain 1962; 85:627-656.  5. Talbot JA, Hales R. Tratado de Psiquiatría Segunda Edición. Ed Ancora, 1996. 6. Billiard M, Guilleminault, Dement. A menstruation-linked periodic hypersomnia Kleine-Levin syndrome or new clinical entity? Neurology 1975; 25:436-443. 7. Espinar J, Vela A. Las hipersomnias recurrentes: propuesta de clasificación. Psiquis 1987; 8(5):184-193. 8. Billiard M. The Kleine-Levin Syndrome. Sleep 1980. 5th Eur. Congr. Sleep Res. Amsterdam 1980:133-137. 9. Orlosky MJ. The Kleine-Levin Syndrome: A review. Psychosomatics 1982; 23:609-621. 10. De Burgos R, Cañadillas F. Síndrome de Kleine-Levin: revisión a propósito de un caso. Psiquiatría Biológica 1997; 4:127-129. 11. Doyle L. A case of fever, attended with inordinate appetite. J R Coll Physicians Lond 1994; 28:172-173. 12. Will R, Young J. Kleine-Levin syndrome: report of two cases  with onset of symptoms precipitated by head trauma. B J Psychiatry 1988; 152:410-412. 13. Muller T, Kuhn W, Bornke C, Bullner T, Przuntek H. KleineLevin syndrome and Parkinsonian symtoms. A case report. J Neurol Sci 1998; 157:214-216. 14. Mukaddes NM, Alyanak B, Kora ME, Polvan O. The psychiatric symptomatology in Kleine-Levin syndrome. Child Psychiatry Human Development 1999; 29:253-258. 15. Bonnet F. Kleine-Levin syndrome misdiagnosed as schizophrenia. European Psychiatry 1996; 11:104-105. 16. Jungheim K, Badenhoop K, Ottmann OG, Usadel KH. Kleine-Levin and Munchausen in a patient with recurrent acromegaly 1999; 40:140-142. 17. Hart EJ. Kleine-Levin syndrome: normal CSF monoamines and response to lithium therapy. Neurology 1985; 35:13951396. 18. Marcos A, Espinar J. Síndrome de Kleine-Levin. Presentación de tres casos y revisión de los aspectos etiopatogénicos, clínicos y terapéuticos. Arch Neurol 1993; 56:333-339. 19. Billiard M. Lithium carbonate: effects on sleep patterns of  normal and depressed subjects and its use in sleep wake pathology. Pharmacopsychiatry 1987; 20:195-196. 20. Mukaddes NM. Carbamazepine for Kleine-Levin syndrome.  J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 1999; 38:791-792.

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):10-12

12

DISCINESIA TARDIA COM PREDOMÍNIO DE DISTONIA TARDIVE DYSKINESIA WITH PREDOMINANT DYSTONIA

Guilherme Assumpção Dias

Resumo

A discinesia tardia é uma complicação do uso de antipsicóticos que ainda desafia os especialistas. É apresentado, após breve introdução ao tema, o caso de um paciente de 42 anos, sexo masculino, que depois de oito anos de uso de antipsicóticos desenvolveu forma grave de discinesia tardia com predomínio de sintomatologia distônica. Analisa-se a conduta terapêutica adotada e as diretrizes atuais para o tratamento da discinesia tardia, bem como as principais hipóteses fisiopatológicas.

Discinesia Tardia; Distonia Tardia; Patologia, Terapêutica; Agentes Antipsicóticos Palavras-chaves:

A discinesia tardia (DT) é um efeito colateral decorrente do uso prolongado de drogas bloqueadoras de receptores dopaminérgicos centrais, como os antipsicóticos e a metoclopramida. A síndrome caracteriza-se por movimentos repetitivos, involuntários, hipercinéticos, mais comumente afetando a região orofacial, manifestos como protusão da língua, movimento de beijar, mastigar, franzir. Esses movimentos são usualmente denominados de coreiformes na psiquiatria 1 e de estereotipias na neurologia. 2 Além de movimentos propriamente coréicos e de estereotipias, são descritos distonia, acatisia, mioclonias, tremores e tics. Embora freqüentemente coexistam, vários autores separam a DT em subformas correspondentes a esses movimentos, avaliando para cada uma delas os fatores de risco, a epidemiologia e a resposta a tratamentos. O termo geral discinesia tardia pode ser substituído pelos termos estereotipia tardia, distonia tardia, coréia tardia, etc. Conforme os critérios diagnósticos do DSM-IV, é necessário que os sinais e os sintomas se desenvolvam dentro de quatro semanas após a abstinência de um neuroléptico oral (oito semanas no caso de medicações de depósito) e que haja um período de exposição ao medicamento de pelo menos três meses (um mês se o indivíduo tem 60 anos ou mais). 3 Na população psiquiátrica que usa antipsicóticos típicos, a prevalência média gira em torno de 15% a 25% para a DT clássica; 1,5% a 13,4% para a distonia tardia. A acatisia tardia 4 possui a maior prevalência, de até 48%. 1 Em idosos, a prevalência

Residente do segundo ano da Residência de Psiquiatria do  HC-UFMG

13

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):13-17

pode chegar a 50%.3 Em geral, a DT instala-se lentamente, seu curso é bastante variado e freqüentemente estabiliza-se ao longo dos anos. Pode, em alguns casos, melhorar gradualmente, mesmo com o uso continuado de antipsicóticos. 5 Quando o antipsicótico é descontinuado, estima-se que 5% a 40% dos casos em geral, e  50% a 90% dos casos leves, regridam, 30% deles em três meses e mais de 50% em 12 a 18 meses. 3 Devido à presença de sintomas semelhantes em populações esquizofrênicas não tratadas, 6 e muitas vezes com taxa de incidência semelhante à dos pacientes que receberam antipsicóticos, alguns autores sugerem que a DT possa ser mais um sintoma tardio da esquizofrenia ao invés de um efeito de drogas. 7 Essas discinesias espontâneas, na verdade, assim como outros distúrbios de movimento, constituem importante diagnóstico diferencial da DT. Discinesias orais leves, por exemplo, podem ser observadas em idosos com próteses dentárias mal fixadas, que nunca receberam antipsicóticos. 5 O DSM-IV cita como principais diagnósticos diferenciais as seguintes condições: doença de Huntington, doença de Wilson, coréia de Sydenham, lupus eritematoso sistêmico, tireotoxicose, envenenamento por metais pesados, próteses dentárias mal fixadas, discinesias devidas a outros medicamentos, tais como L-dopa, bromocriptina ou amantadina, discinesias espontâneas e outros transtornos de movimento induzidos por neurolépticos (p.ex. distonia aguda e acatisia aguda). 3 São fatores de risco para DT: a idade,8 o sexo feminino quando acima de 65 anos,9 fatores genéticos possivelmente ligados ao metabolismo de drogas,1 o uso de álcool, de drogas ilícitas e de fumo,10 o diabetes mellitus,11 os transtornos de humor,12 os transtornos mentais orgânicos, a presença de alterações neurológicas ou estruturais 13 e, dentre os quadros esquizofrênicos, aqueles com predomínio de sintomas negativos. 14 O risco aumenta com a duração e gravidade da doença1 e com a dose acumulada de antipsicóticos,15 embora faltem mais dados empíricos elucidativos.9 A presença de sintomas extrapiramidais agudos é forte fator preditor de risco. 9 O tratamento intermitente parece aumentar o risco de DT.9 O emprego de eletroconvulsoterapia não predispõe à DT, ao contrário do que alguns estudos da década de 60 indicam.1 Embora alguns autores tenham sugerido um papel para os anticolinérgicos como fator de risco para DT, a maioria dos estudos encontrou ausência de relação causal. 1 Ghandirian et al (1996) mostraram que o uso de lítio com antipsicóticos aumenta o risco de DT. 13

Endereço para correspondência: Residência de Psiquiatria  Hospital das Clínicas - UFMG  Av. Prof. Alfredo Balena, 110 30130-100 - Belo Horizonte - MG

Caso Clínico

• antipsicóticos : 1990 tioridazina, depois haloperidol

Identificação

P.P.M., sexo masculino, 42 anos, leucoderma, solteiro, natural e procedente da grande Belo Horizonte, MG. Reside com a mãe. Há 10 anos afastado do trabalho (trabalhava com pintura de equipamentos).



História da Moléstia Atual 

O paciente foi atendido pela primeira vez no Ambulatório Bias Fortes do Hospital das Clínicas da UFMG (HC-UFMG) em 14/06/99, onde chegou acompanhado do irmão, com a queixa principal de “agitação”. Referia-se a uma série de movimentos involuntários que apresentava na cabeça, no tronco e nos membros, e que já sabia serem decorrentes do uso prévio de certos medicamentos. Tais movimentos se iniciaram há sete meses e eram generalizados e contínuos, embora de intensidade variável, apresentando diminuição com o decúbito. Interferiam com o sono e com a habilidade para execução de tarefas corriqueiras, posto que predominavam no membro superior dominante (direito). Produziam grande sofrimento, além de cansaço físico, pois lhe consumiam muita energia. Na época estava em uso de olanzapina (5 mg/d), clonazepam (2 mg à noite), flurazepam (30 mg à noite), biperideno (4 mg/d), prometazina e vitamina E (800 mg/d). A olanzapina fora introduzida há quatro meses, sem melhora do quadro. Sua história psiquiátrica se iniciou em 1990. Segundo o irmão, começou a apresentar tendência ao isolamento, dificuldade para dormir e absenteísmo ao emprego. Sempre fora trabalhador, responsável e tinha bom relacionamento, tanto em casa quanto no trabalho, apesar de mais reservado. Na época, foi lhe prescrito bromazepam para dormir. Em pouco tempo (algumas semanas), passou a “cismar” com as pessoas. Dizia que colegas de trabalho o estavam perseguindo, “pegando no seu pé”, “zombando” dele. Tinha medo de que os próprios familiares estivessem colocando veneno em sua comida. Ouvia vozes que identificava como de vizinhos ou de familiares, as quais “falavam mal” dele. Era comum baixar a cabeça, angustiado, tampando os ouvidos com as mãos. Mostrava-se extremamente incomodado com sons externos. Tornou-se recluso, relapso com cuidados pessoais, não se barbeava. Comia apenas arroz puro. De 1990 a 1997 fez controle ambulatorial, com o diagnóstico de esquizofrenia paranóide, apresentando períodos de exacerbação dos sintomas psicóticos (duas vezes por ano, em média) e períodos de melhora, nos quais chamava a atenção dos familiares sua falta de iniciativa e hipoatividade (conseguia ter cuidados básicos de higiene, apresentava boa interação com familiares, mas passava a maior parte do dia ocioso). Em nenhum momento conseguiu retornar ao trabalho. Nunca foi internado em hospitais psiquiátricos, pois possui bom suporte familiar e em suas crises não se tornava fisicamente agressivo. Seu último surto psicótico ocorreu em 1997. Desde então seu quadro psiquiátrico se encontra bem controlado. No período de 1990 a 1997 fez uso de diversas medicações psiquiátricas, conforme pôde ser observado em receitas antigas trazidas à consulta:

• • •

(5 mg/d); 1991 haloperidol + clorpromazina (50 a 100 mg/d); 1992 propericiazina (10 gotas/d), pimozida; 1993 propericiazina (10 gotas/d), depois trifluoperazina (5 mg/d); 1994 trifluorperazina (5 mg) + flufenazina IM, depois haloperidol (10 mg/d); 1995 tioridazina, depois risperidona (3 mg/d); 1996-1997 risperidona (3 mg/d), haloperidol; antidepressivos: 1990 fluoxetina (20 mg/d); 1991 amineptina, clormipramina (150 mg/d); 1992 nortriptilina, clormipramina (150 mg/d); 1993 maprotilina, moclobemida (300 mg/d), clormipramina, imipramina; 1994-95 imipramina (150 mg/d); benzodiazepínicos: 1990 bromazepam; 1991 diazepam; 19921993 nitrazepam; 1994-1999 flurazepam; estabilizadores do humor : 1992-94 carbonato de lítio (900 mg/d); anticolinérgico: 1990-99 biperideno.

História Pregressa

Nega outras doenças ou cirurgias prévias. História Familiar 

Negativa para doenças psiquiátricas. Pai falecido com silicose pulmonar. Irmão coronariopata. Exame Psíquico

Paciente cooperativo, higienizado, bem vestido. Usava sua blusa aberta até a metade devido a intensa transpiração. Bom contato interpessoal. Apresentava postura distônica acentuada de tronco, pescoço e membros superiores e movimentos involuntários coreiformes de membros superiores. Consciência clara. Orientado no tempo, no espaço e autopsiquicamente. Normovigil, normotenaz. Sem alteração da consciência do eu. Memória preservada. Pensamento de curso normal, organizado. Sem alteração do juízo de realidade. Sem alteração da sensopercepção. Sem alteração do humor. Afeto síntone. Angustiado com seus movimentos anormais. Hipobúlico. Inteligência normal. Hipóteses Diagnósticas

Esquizofrenia paranóide – remissão incompleta, CID10 – F20.04. Discinesia tardia, com predomínio de distonia (distonia tardia), CID10 – G24.8. Conduta

Avaliação conjunta com ambulatório de movimentos anormais da neurologia (HC-UFMG), o que se realizou no dia seguin-

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):13-17

14

Discinesia tardia com predomínio de distonia

te (15/06/99), sendo adotadas, em comum acordo, as seguintes estratégias: • suspensão da olanzapina; • introdução de clozapina (dose inicial de 12,5 mg, duas vezes ao dia); • introdução de reserpina (dose inicial de 0,25 mg/d); • aumento do biperideno para 6 mg/d; • redução lenta e progressiva do flurazepam; • manutenção do clonazepam 2 mg/d e vitamina E 400 mg duas vezes/dia. Escala Fahn-Marsden de Avaliação de Distonia (Burke et al, 1985)16 – 15/06/99: • I - escala de movimento (pontuação total de 0 a 120): olhos (0), boca (6), fala/deglutição (3), pescoço (6), MSD (12), MS E (8), tronco (8), MID (0), MIE (0), total (43); • II – escala de incapacidade (pontuação total de 0 a 28): fala (2), escrita (2), alimentação (1), engolir (0), higiene (1), vestirse (1), andar (1), total (8). Retornos

• 24/06/99: hemograma de base sem alterações. • 02/07/99: iniciada clozapina. • 12/07/99: fazendo uso diário de 50 mg clozapina, 1 mg de

• • • • •

• • •

• •

reserpina, 6 mg de biperideno, 2 mg de clonazepam, 15 mg de flurazepam, 800 mg de vitamina E. Relata certa redução dos movimentos anormais (de 20% em sua avaliação subjetiva). Queixa desânimo e “corpo ruim” desde o início do uso da reserpina. Ao exame observa-se certa diminuição dos movimentos coreiformes, mantendo-se postura distônica. Conduta: suspensão gradual da reserpina, aumento gradual da clozapina. Restante mantido. Leucograma semanal. 05/08/99: em uso de 75 mg/d de clozapina. 19/08/99: em uso de 150 mg/d de clozapina. Relata desânimo, apatia. 24/08/99: escala de Fahn-Marsden sem qualquer alteração com relação à primeira consulta. 06/09/99: clozapina aumentada para 200 mg/d, divididos em duas tomadas diárias. 04/11/99: não houve melhora substancial após o aumento para 200 mg/d. Sem sintomas psicóticos positivos. Boa interação com familiares. Angustiado com a movimentação. Hipobúlico, hipoativo. Sono preservado. Ao exame: postura distônica, poucos movimentos coreiformes. Conduta: dose mantida. Suspenso flurazepam. 04/01/00: escala de Fahn-Marsden, subescala de movimento 41. Aumentado clonazepam para 4 mg/d. 03/02/00 e 02/03/00: quadro mantido. 03/04/00: relata melhora da movimentação não superior a 20% a 30%, com relação ao início do uso da clozapina. Passa grande parte do dia deitado, corpo cansado. Prescrito aumento de dose para 250 mg/d e, após uma semana, 300 mg/d (100 mg às 8:00 + 200 mg às 20:00). 11/04/00: escala de Fahn-Marsden 37/8. 02/05/00: houve redução da movimentação em decúbito.

15

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):13-17

• 02/06/00: seu irmão tem observado melhora lenta mas progressiva desde o início do tratamento. Discussão

O paciente apresenta quadro grave de DT, manifesto por movimentos distônicos e coreiformes, mas com predomínio dos primeiros, podendo, assim, ser denominado distonia tardia. Esta caracterização traz implicações terapêuticas e prognósticas, conforme se evidenciará adiante. Do ponto de vista terminológico, notamos a tendência em psiquiatria de designar-se movimentos neurológicos estereotipados de “coreiformes”. Estereotipia: “is an involuntary, patterned, repetitive, continuous, coordinated, purposeless, or ritualistic movement, posture, or utterance. Stereotypy may be simple, as exemplified by a repetitive tongue protusion or body-rocking movements, or com plex, such as self-caressing, crossing and uncrossing of legs, marching in place, and pacing... Chorea consists of continuous, abrupt, brief, irregular movement that flow randomly from one body part to another”.2 A estereotipia tardia seria o tipo mais comum – 78% – de discinesia tardia na clínica de movimentos anormais do HCUFMG, seguida de distonia, acatisia, tremor, coréia – apenas 3% com base na definição acima – e mioclonos tardios. 2 Parece que no caso da discinesia tardia os psiquiatras preferem o termo “coreiforme” em vez de estereotipia devido a sua conotação nitidamente neurológica, enquanto que estereotipia nos remete a quadros endógenos ou funcionais e a descrições clássicas como estereotipias posturais, estereotipias do movimento ou maneirismo, além da estereotipia da fala (verbigeração), peculiares à catatonia. No caso do nosso paciente, predomina a distonia: “sustained and patterned contractions of muscles producing abnormal postures or repetitive twisting (eg, torticollis) or  squeezing (eg, blepharospasm) movements”.2 Durante um período de oito anos, P. fez uso de vários tipos de antipsicóticos típicos, antes de desenvolver DT – haloperidol, tioridazina, propericiazina, clorpromazina, trifluoperazina, pimozida, flufenazina – além da risperidona. Apresentou, segundo seus relatos, parkinsonismo farmacológico com o uso de haloperidol, trifluoperazina e risperidona. Até onde se pôde observar pelas receitas trazidas, este efeito ocorreu com apenas 3 mg/d de risperidona, o que indicaria uma maior susceptibilidade individual a sintomas extrapiramidais e, portanto, maior risco para DT.9 Desenvolveu acatisia com pimozida. Também fez uso associado de carbonato de lítio durante alguns meses, o que é considerado fator de risco para DT. 13 P. foi diagnosticado como portador de esquizofrenia paranóide. Alguns dados, no entanto, podem sugerir um componente de fundo afetivo, como a presença freqüente de sintomas depressivos associados a retraimento social; o uso freqüente de antidepressivos variados e de lítio; a certa ciclicidade de períodos de exacerbação e remissão de seus sintomas psicóticos; a grande preservação da personalidade e da afetividade; e a ausência atual de

sintomas psicóticos. Não apresentou sintomas de exaltação do humor, aceleração do pensamento, aumento da fluência do discurso ou realização excessiva de atividades. Este possível componente afetivo poderia influenciar, por um lado, na evolução menos deteriorante de sua esquizofrenia e, por outro, numa maior susceptibilidade para o desenvolvimento de DT.12 Durante discussão do caso em apresentação clínica na Residência de Psiquiatria do HC-UFMG, aventou-se a hipótese de acometimento orgânico, por solvente ou metal pesado, decorrente de sua atividade como pintor, o que também o predisporia à DT. A ausência de história familiar para transtornos mentais e seu quadro clínico até certo ponto incaracterístico falam a favor de tal acometimento. Esta hipótese está sendo avaliada (dados significativos, se existentes, serão comunicados nessa revista na seção “Seguimento”). Uma das estratégias para o manejo da DT grave é a substituição dos neurolépticos típicos por um atípico diferente da clozapina num primeiro momento e, posteriormente, em caso de resposta insatisfatória, pela própria clozapina. 9 Optou-se por substituir a olanzapina pela clozapina. Estudos têm mostrado que o desbalanço das vias dopaminérgicas estriatais está relacionado à gênese da DT. Os neurônios gabaérgicos estriatais de projeção se distribuem em duas vias. Na via direta, que desinibe o tálamo quando estimulada, predominam os receptores D1, enquanto na via indireta, que inibe o tálamo, predomina o tipo D2. Os movimentos discinéticos se dariam pela predominância da supersensibilidade de D1. 9 Drogas como a clozapina, que bloqueiam de modo balanceado receptores D1 e D2, teriam menor propensão para causar DT. Outra vantagem farmacodinâmica da clozapina seria o bloqueio de heterorreceptores pré-sinápticos 5-HT2 em neurônios dopaminérgicos nigrais, o que aumenta a liberação de dopamina na fenda sináptica por desinibição. 17  Jeste e Wyatt (1982), revisando oito estudos publicados com clozapina, encontraram melhora estatisticamente significativa em  51% dos pacientes.18 Tem sido considerada melhora significativa a redução de pelo menos 50% na intensidade dos movimentos involuntários, medido por escalas apropriadas. Esta consideração é imprescindível posto que pode haver flutuação espontânea da intensidade dos sintomas de até 30% ao longo do tempo. 18 Em estudo duplo-cego mais recente (1994), Tamminga et al encontraram melhora significativa em comparação com grupo-controle. 9 As taxas de melhora com placebo podem alcançar 37,3% dos pacientes.19 Quando possível a diminuição ou retirada do antipsicótico verifica-se fase inicial de exacerbação da sintomatologia, após a qual foram encontradas taxas de melhora de 37% 18 e  55%20 dos casos. Por outro lado, com o aumento da dose do antipsicótico típico, encontrou-se melhora inicial em 66,9% 18 e 44%20 dos pacientes, com o risco de agravamento subseqüente do quadro por aumento adicional da população de receptores dopaminérgicos. As terapêuticas coadjuvantes instituídas no presente caso foram a reserpina, a vitamina E, o clonazepam e o biperideno. A reserpina foi posteriormente suspensa em função de efeitos colaterais, descritos por P. como desânimo, apatia, sensação de “corpo ruim”. A partir da hipótese da supersensibilidade dopaminérgica, os depletores de dopamina passaram a ser avaliados no tratamento da DT. Jeste e Wyatt, em revisão de 1982, observa-

ram melhora em 64% dos pacientes com a reserpina, 68% com a tetrabenazina, 55% com a metildopa e 59% com a oxpertina. 18 Em estudo de 1992 da  American Psychiatric Association encontrou-se menos de 40% de melhora. 1 Evidências têm apontado efeito neurotóxico dos antipsicóticos, que, através de vários mecanismos, podem levar a aumento de radicais livres, o que estaria associado ao risco para DT. A vitamina E tem sido recomendada, pois, além de seu efeito antioxidante, poderia reduzir a supersensibilidade de D2 21 ou alterar o metabolismo de monoaminas.9 É geralmente segura e produz poucos efeitos colaterais. 9 Não há nos pacientes com DT níveis séricos baixos de vitamina E. 22 As taxas de melhora em estudos controlados variaram de 18,5% a 43% dos pacientes, sendo mais efetiva em casos com menos de cinco anos de evolução e com o emprego da dose de 1.600 mg/d, por um período de pelo menos oito semanas.9 É uma promessa também na profilaxia da DT. 23 O GABA é o neurotransmissor mais encontrado nos núcleos da base e tem íntimas relações com os sistemas dopaminérgicos. Foram encontradas evidências de diminuição da atividade das vias gabaérgicas estriatais na DT. Em 19 estudos com benzodiazepínicos e valproato, encontrou-se melhora em 54% dos pacientes.18 Em 1988, outra revisão mostrou melhora em 35% e altas taxas de tolerância farmacológica. 20 Soares, em metanálise, não encontrou utilidade para benzodiazepínicos e achou muitos efeitos colaterais com os demais agonistas. 19 Sintomas distônicos podem responder mais ao clonazepam do que movimentos coreoatetóicos.24 O biperideno foi utilizado por estar indicado nos casos de distonia tardia. Nas demais formas de DT os anticolinérgicos tendem a piorar o quadro, pois o bloqueio colinérgico nos núcleos da base aumenta a liberação de dopamina. 1,9 Para o manejo de casos com predomínio de distonia, Egan et al propuseram como seqüência a adição de anticolinérgicos, vitamina E e clonazepam ao antipsicótico em uso, seguida de mudança para antipsicótico de nova geração e, depois, para clozapina se o tratamento não for efetivo.9 Os próximos passos seriam bloqueadores de canal de cálcio e depletores de dopamina. Como medidas finais, sugerem o uso da toxina botulínica (para casos mais localizados) ou o aumento da dose de antipsicótico típico até se obter a supressão dos sintomas, seguido de redução bem gradual.9 Os bloqueadores de cálcio parecem mais efetivos em doses altas e principalmente para idosos com quadros graves. 25 Apesar de esses movimentos involuntários ainda serem fonte de grande angústia para o paciente, seu irmão e sua mãe têm observado melhora lenta, mas progressiva, proporcionando diferença significativa em relação a seu estado pré-tratamento. P. tem dormido melhor, pois sua movimentação diminuiu consideravelmente com o decúbito, tem conseguido pegar ônibus e ir às consultas sozinho e mostra grau ligeiramente maior de independência em tarefas diárias. Seu irmão relata, por exemplo, que P. sempre deixava seus óculos quebrarem ao caírem no chão, o que não tem acontecido mais. Quanto à pontuação na escala de FahnMarsden, de junho/99 a abril/00, houve redução de 43 para 37 na subescala de movimento e persistência dos valores na subescala de incapacidade. A resposta à terapêutica instituída tem sido, de qualquer forma, ainda insatisfatória. Esta constatação encontra suporte na literatura, posto que o processo de remissão é lento, podendo

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):13-17

16

Discinesia tardia com predomínio de distonia

demorar até três anos 1 e não atinge todos os pacientes. Além disto, os casos de distonia parecem ter menor taxa de remissão, com ou sem a retirada do antipsicótico. 26 Deveremos divulgar a evolução do quadro clínico nas próximas edições dessa revista. A falta de tratamento comprovadamente efetivo para a DT e a sua origem essencialmente iatrogênica reforçam a importância da sua prevenção, através do uso criterioso de antipsicóticos e do emprego das menores doses necessárias. Os antipsicóticos de nova geração despontam como grande promessa para se diminuir a incidência desta complicação. 12,27 Summary 

Tardive dyskinesia is a complication due to the use of antipsychotics and still represents a challenge to specialists. After a brief introduc tion to the theme, the author relates a case of a 42 year old male patient presenting a severe form of tardive dyskinesia with predominant dystonic symptomatology acquired eight years after the use of  antipsychotics. A discussion about the treatment of this patient and  the current guidance for treatment of tardive dyskinesia is developed, as well as about itts physiopathologic bases.

Tardive, Dyskinesia; Tardive Dystonia; Pathology; Therapeutics; Antipsychotics Agents Key-words:

 Agradecimentos

O autor e CCP agradecem ao Prof. Dr. Francisco Cardoso, Adjunto do Departamento de Psiquiatria e Neurologia da FMUFMG, pela contribuição na revisão do artigo. Referências Bibliográficas

1. Bassit DP, Louzã Neto MR. eds. Discinesia tardia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. 2. Stacy M, Cardoso F, Jankovic J. Tardive stereotypy and other movement disorders in tardive dyskinesias. Neurology 1993; 43:937-941. 3. American Psychiatric Association. eds. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 4th ed. Washington DC: American Psychiatric Association, 1994. 4. Dech H, Daker MV. Acatisia: enfoque clínico-descritivo e aprofundamento diagnóstico. J Bras Psiquiatria 1996; 45(12):685-688.  5. Kaplan HI, Sadock BJ. eds. Comprehensive textbook of  psychiatry. 6th ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1995. 6. Krapelin E. A dementia praecox. Tradução de Daker MV. Demência precoce. Casos Clin Psiquiatria 1999; 1:59-67. 7. Bazire S. Psychotropic drug directory - the professionals’pocket handbook and aide memorie. Quay Books, 1999. 8. Jeste DV, Lacro JP, Palmer B, Rockwell E, Harris MJ, Caligiuri MP. Incidence of tardive dyskinesia in early stages of low-dose treatment with typical neuroleptics in older patients. Am J Psychiatry 1999; 156(2):309-311. 9. Egan MF, Apud J, Wyatt RJ. Treatment of tardive dyskinesia. Schizoph Bull 1997; 23(4):583-609.

17

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):13-17

10. Duke PJ, Pantelis C, Barnes TRE. South Westminster schizophrenia survey: alcohol use and its relationship to symptoms, tardive dyskinesia and illness onset. B J Psychiatry 1994; 164:630-636. 11. Woerner MG, Saltz BL, Kane JM, Lieberman JA, Alvir JMJ. Diabetes and development of tardive dyskinesia. Am J Psychiatry 1993; 150:966-968. 12. Kane JM. Tardive dyskinesia in affective disorder. J Clin Psychiatry 1999; 60(5):43-47. 13. Ghadirian AM, Annable L, Bélanger MC, Chouinard G. A cross-sectional study of parkinsonism and tardive dyskinesia in lithium-treated affective disordered patients. J Clin Psychiatry 1996; 57:22-28. 14. Liddle PF, Barnes TR, Speller J, Kibel D. Negative symptoms as a risck factor for tardive dyskinesia in schizophrenia. B J Psychiatry 1993; 163:776-780. 15. Sweet RA, Mulsant BN, Gupta B et al. Duration of neuroleptic treatment and prevalence of tardive dyskinesia in late life. Arch Gen Psychiatry 1995; 52:478-486. 16. Burke RE, Fahn S, Marsden CD, Bressman SB, Moskowitz C, Friedman J. Validity and reliability of a rating scale for the primary torsion dystonias. Neurology 1985; 35(1):73-7. 17. Stahl SM. Essencial psychopharmacology-neuroscientific basis and clinical applications. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. 18. Jeste DV, Wyatt RJ. Therapeutic strategies against tardive diskinesia. Arch Gen Psychiatry 1999; 39:803-816. 19. Soares KV, McGrath JJ. A systematic review and meta-analysis. Schizophr Res 1999; 39(1):1-16. 20. Jeste DV, Lohr JB, Clark K, Wyatt RJ. Pharmacological treatments of tardive dyskinesia in the 1980s. J Clin Psychopharmacol 1988; 8(suppl):38S-48S. 21. Gattaz WF, Emrich A, Behrens S. Vitamin E attenuates the development of haloperidol induced dopaminergic hypersensitivity in rats: possible implications for tardive dyskinesia. J Neural Trams 1993; 92:197-201. 22. McCreadie R, MacDonald E, Wiles D, Campbell G, Paterson JR. The nithsdale schizophrenia surveys: plasma lipid peroxide and serum vitamin E levels in patients with and without tardive diskinesia, and normal subjects. B J Psychiatry 1995; 167:610-617. 23. Gupta S, Mosnik D, Black DW, Berry S, Masand PS. Tardive dyskinesia: review of treatments past, present and future. Ann Clin Psychiatry 1999; 11(4):257-266. 24. Thaker GK, Nguyen JA, Strauss ME, Jacobson R, Kaup BA, Tamminga CA. Clonazepam treatment of tardive dyskinesia: a practical GABAmimetic strategy. Am J Psychiatry 1990; 147:445-451. 25. Cates M, Lusk K, Wells BG. Are calcium channel blockers effective in the treatment of tardive dyskinesia? Ann Pharmacother 1993; 27(2):191-196. 26. Shaplesky J, McKay AP, McKena PJ. Successful treatment of  tardive dystonia with clozapine and clonazepan. Br J Psychiatry 1996; 168:516-518. 27. Jeste DV, Rockwell E, Harris MJ, Lohr JB, Lacro J. Conventional vs newer antipsychotics in elderly patients. Am  J Geriatr 1999; 7(1):70-76.

ATAXIA PROLONGADA ASSOCIADA À INTOXICAÇÃO POR LÍTIO LASTING ATAXIA ASSOCIATED WITH LITHIUM INTOXICATION

Yara Azevedo* Cíntia de Azevedo Marques** Eduardo Iacoponi***

Resumo

Relatado um caso de paciente portadora de transtorno afetivo bipolar tipo I que após quadro de intoxicação por lítio apresentou ataxia prolongada. Embora as complicações neurológicas na intoxicação pelo lítio sejam comuns e conhecidas na prática clínica, as seqüelas neurológicas permanentes são raras e desconhecidas da maioria dos psiquiatras. Foi realizada revisão dos relatos de casos publicados de seqüelas neurológicas associadas ao uso de lítio e seus fatores de risco aventados. Palavras-chaves: Ataxia;

Distúrbio Bipolar; Intoxicação por

Lítio Há quase 30 anos o lítio foi aprovado nos Estados Unidos pela Food and Drug Administration (FDA) como estabilizador de humor e para o tratamento da mania. Embora seja uma droga muito estudada, os seus mecanismos de ação não são totalmente conhecidos. No uso terapêutico do lítio, dentre as dificuldades encontradas, talvez a principal seja o manejo dos efeitos adversos, sendo que a maioria desses efeitos estão associados a doses elevadas e são de natureza transitória. Dentre os diversos sistemas susceptíveis aos efeitos colaterais, o sistema nervoso, justamente aquele onde se dá a ação terapêutica do lítio, é que é particularmente predisposto. Dos efeitos colaterais neurológicos mais notáveis no início do tratamento, tremor fino das mãos pode ocorrer em até 65% dos pacientes, associado à redução da coordenação motora, nistagmo e fraqueza muscular. São descritos também disforia e perda da espontaneidade. 1 A neurotoxicidade manifesta-se precocemente por disartria, ataxia e tremores grosseiros. Acompanhando o quadro de confusão metal aguda, pode haver mais freqüentemente fasciculações musculares e mioclonias, mas são descritos também blefaroespasmo e apraxia de abertura de pálpebras. 2 Estes quadros podem progredir para convulsões, coma e morte. A taxa de morte entre pacientes que tomam lítio é estimada em uma morte para cada 14 mil pacientes.3

* Coordenadora da Residência Médica do Departamento de Saúde  Mental da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. ** Médica Residente de Segundo Ano do Departamento de Saúde  Mental da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. *** Professor Adjunto do Departamento de Saúde Mental da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Após uso prolongado do lítio, podem aparecer distúrbios cognitivos, como diminuição da atenção e memória e rigidez muscular. 4 Alguns efeitos neurológicos decorrentes do uso de lítio podem ser permanentes. Entre esses, são descritos seqüelas cognitivas, incluindo prejuízo da memória, da atenção, do controle das funções executivas e déficits visuo-espaciais, sintomas esses compatíveis com a demência subcortical. 5 Tem sido raramente associado também à ataxia, o distúrbio neuromuscular bilateral, a polineuropatia periférica, uma síndrome semelhante à miastenia  gravis, a rabdomiólise e a hipertensão intracraniana benigna. 6,7 Os efeitos neurotóxicos do lítio geralmente ocorrem em concentrações séricas altas ou em pacientes que apresentam alguns fatores de risco.8 Os fatores de risco que predispõem a efeitos colaterais e toxicidade são diminuição da função renal, associada à idade avançada ou à doença renal, delirium, demência, doença física com vômitos e/ou diarréia, uso de diuréticos e/ou outro farmacoterápico, baixa ingestão de sódio e/ou aumento da excreção do sódio e gravidez. 4,9 Apresentaremos a seguir o relato de uma paciente portadora de transtorno bipolar I, segundo a quarta edição do  Diagnostic  and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV),10 que após um quadro de intoxicação por lítio apresentou ataxia prolongada, efeito comum durante quadros de intoxicação, porém pouco conhecido e potencialmente irreversível. Descrição do Caso

M.J.A.P. é uma paciente de 46 anos, do sexo feminino, com primeiro grau incompleto, casada, dona de casa, natural do Ceará, que mora em São Paulo há 25 anos. Em fevereiro de 1999 foi trazida ao serviço de emergência por familiares, pois apresentava há duas semanas sintomas compatíveis com mania psicótica. Ela fazia na época uso regular de 600 mg/dia de carbonato de lítio, 400 mg/dia de carbamazepina e 200 mg/dia de tioridazina. A paciente apresentara quadro semelhante de mania psicótica há 14 meses, quando foi tratada com 900 mg/dia de carbonato de lítio, 400 mg/dia de carbamazepina e dose não especificada de tioridazina, sendo que há 10 meses o lítio foi diminuído para 600 mg/dia. Dois meses antes dessa primeira consulta a paciente apresentou sonolência excessiva por um dia e, por isso, foi encaminhada a um pronto-socorro geral. Ao exame apresentava diminuição do nível de consciência, nistagmo e ataxia, com litemia de

Endereço para correspondência: Yara Azevedo Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental Departamento de Saúde Mental da Santa Casa de São Paulo Rua Major Maragliano, 241 04017-030 - São Paulo - SP E-mail: [email protected] Telefone: (11) 5087-7036

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):18-20

18

Ataxia prolongada associada à intoxicação por lítio

4,1 mEq/l, o que fez com que recebesse uma hipótese diagnóstica de delirium (intoxicação grave por lítio). M.J.A.P. recebeu alta melhorada após duas semanas em uso de lítio 600 mg/dia e também com os demais medicamentos já citados, embora mantendo dificuldade de deambulação por fracasso da coordenação muscular dos membros inferiores (marcha atáxica). No seu passado a paciente teve dois episódios depressivos maiores, um há 20 anos e outro há quatro anos, tendo sido tratada em ambas ocasiões com imipramina. Não tem antecedentes familiares de episódios depressivos ou maníacos, de suicídio, nem mesmo de dependência de álcool. Na primeira consulta a paciente apresentava-se com humor irritável, pensamento acelerado e idéias deliróides de conteúdo grandioso e religioso. Ao exame físico apresentava instabilidade da marcha com incoordenação dos movimentos dos membros inferiores. Foram feitas hipóteses diagnósticas de transtorno bipolar I, atual episódio de mania psicótica e ataxia cerebelar a esclarecer. Havendo possibilidade de ser cuidada pelos familiares, a paciente não foi internada e foi orientada a suspender a carbamazepina, aumentar o lítio para 900 mg/dia e aumentar a tioridazina para 400 mg/dia. Após alguns dias em casa apresentou quadro de início súbito de confusão mental, discurso mais acelerado, humor irritável e alucinações auditivas. Ao exame neurológico apresentava diminuição do nível de consciência, com força muscular normal nos quatro membros, mas com acentuação da marcha atáxica. Seus reflexos estavam vivos globalmente e não apresentava alterações na sensibilidade. Apresentava nistagmo vertical, fundo de olho sem edema de papila e não apresentava sinais meningeorradiculares. Feita hipótese diagnóstica de delirium (intoxicação por lítio?), a paciente fora internada, e todas medicações suspensas. Em seus exames evidenciou-se litemia de 0,7 mE/l, anemia normocítica e normocrômica, TGO e TGP discretamente aumentados, função renal normal, T 3 e T4 normais com TSH discretamente diminuído (0,2 mg/ml), anticorpos antitireóide negativos e tomografia computadorizada do encéfalo normal. Este quadro remitiu após duas semanas e a paciente recebeu alta hospitalar melhorada, eutímica, tomando clonazepam, 4 mg/dia, mas mantendo a mesma ataxia. Em março de 1999 voltou a ficar insone, com humor irritável, afeto lábil, choro fácil e idéias deliróides místicas. Feita hipótese de novo episódio de mania psicótica e optou-se por manter apenas o clonazepam e este quadro remitiu após uma semana. Para elucidação da causa da ataxia foi encaminhada para uma avaliação neurológica. Feitos estudo doppler-color do sistema carotídeo vertebral, ultra-som de carótida e nova tomografia de crânio normais. A ressonância magnética foi inconclusiva, pois paciente permaneceu agitada durante o exame. Assim, a causa da cerebelopatia não foi esclarecida, sendo aventados acidente vascular cerebral, degeneração subaguda da medula por déficit de B12 e doença aterosclerótica. Diagnosticou-se também hipertensão arterial sistêmica. Em abril de 1999 a paciente estava eutímica e o carbonato de lítio foi reintroduzido como estabilizador do humor na dose de 900 mg/dia. Após um mês, teve outro quadro semelhante de delirium com duração de dois dias, acompanhado de piora evidente da ataxia. Seus exames laboratoriais evidenciaram litemia de 0,8

19

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):18-20

mEq/l e restante sem alterações. Por isso, o estabilizador do humor foi trocado para valproato de sódio, na dose de 1.000 mg/dia. Desde então está eutímica e não teve mais quadros de delirium. Sua ataxia persiste há 11 meses. Discussão

As complicações neurológicas na intoxicação pelo lítio são comuns e conhecidas na prática clínica. Entretanto, as seqüelas neurológicas permanentes são raras e desconhecidas pela maioria dos psiquiatras e, embora existam relatos de casos há mais de 25 anos, não há descrições nos livros texto mais usados em nosso meio1,4,11 ou no Physician's Desk References. Alguns fatores de risco são aventados para desenvolvimento da seqüela neurológica. Schou 6 revisou mais de 40 relatos de casos de seqüelas neurológicas após quadros de intoxicação por lítio que foram publicados desde 1972, e encontrou doença clínica com febre (em 11 casos), uso concomitante de dieta hipossódica e diuréticos (em um caso), cirurgia (em um caso), baixa ingestão alimentar (em dois casos), início recente de lítio em dose alta (em quatro casos), superdosagem por suicídio (em quatro casos) ou acidental (em seis casos) e uso concomitante de dose alta de haloperidol e febre (quatro casos). Além desses, outros fatores de risco descritos são: idade avançada, sexo feminino, transtorno mental orgânico, uso crônico do lítio, litemia acima da faixa terapêutica, disfunção renal, febre e desidratação. 9,12-14 Dos psicotrópicos, os neurolépticos, a carbamazepina, os bloqueadores do canal de cálcio, os diuréticos e a metildopa são, especialmente, relacionados à neurotoxicidade do lítio. 15 A paciente descrita era do sexo feminino e usava, na ocasião do início da ataxia, dose baixa de carbamazepina e neuroléptico. A combinação do lítio com a carbamazepina é geralmente bem tolerada e o mecanismo do aumento da neurotoxicidade de ambas as drogas quando associadas é desconhecido. 16 O lítio parece ter afinidade especial pelo cerebelo e a ataxia é uma das seqüelas neurológicas mais freqüentemente relatada na literatura. Nagajara et al 12 relataram seis casos de seqüelas neurológicas entre 965 pacientes com diagnóstico de transtorno afetivo bipolar acompanhados por 10 anos, tomando lítio em doses terapêuticas. A ataxia teve início súbito em quatro casos e estava acompanhada de quadro confusional e tremores. Em dois pacientes, o início da ataxia foi insidioso. Todos mantiveram a ataxia pós-interrupção do uso de lítio. A observação desses casos sugere uma freqüência de 1,2% casos de ataxia em pacientes tomando lítio, entretanto este dado necessita de confirmação por outros estudos. Nos exames de diagnóstico por imagem pode-se evidenciar atrofia cortical e cerebelar em alguns casos e em outros a tomografia de crânio é normal. É difícil precisar se a alteração radiológica é devido à lesão ou pela idade dos pacientes estudados, 12 porém há relatos de pacientes jovens tomando lítio que após intoxicação apresentaram atrofia cerebelar grave. 14 O mecanismo exato de lesão neurológica é desconhecido, porém em biópsia  post mortem mais comumente descreve-se lesões das células de Purkinje cerebelares, gliose no núcleo dentado e desmielinização de axônios. 17

Conclusões

Os efeitos colaterais do lítio, embora sejam de difícil manejo, não tiram sua posição como tratamento de escolha para os transtornos bipolares em todas faixas etárias. Como a maioria desses efeitos é dependente da dose, deve-se averiguar periodicamente sua concentração plasmática e se servir dela para ajustar as dosagens. Na presença de fatores de risco, o lítio está associado a seqüelas neurológicas incapacitantes e permanentes. Por isso, deve-se minimizar o uso concomitante de outras drogas e, sempre que um fator de risco for identificado (p.ex. febre, desidratação, infecção, etc), sua dose deve ser apropriadamente reduzida ou suspensa. Summary 

This paper presents a case of a patient with type I bipolar mood disorder who developed lasting ataxia following lithium intoxication. Although neurological complications due to lithium intoxication are common and well knownin clinical practice, permanent neurological sequelae are rareand remain unknown to most psychiatrists. We review case reports concerning lithium-related neurological sequelae and risk factors associated with this clinical picture. Key-words: Ataxia;

Bipolar Disorder; Lithium, Intoxication

Referências Bibliográficas

1. Jeffreson JW, Greist JH. Lithium. In: Kaplan HI, Sadock BJ. eds. Comprehensive Textbook of Psychiatry. 2nd ed. Maryland: Williams & Wilkins, 1995:2022-2030. 2. Micheli F, Cersosimo G, Scorticati MC, Ledesma D, Molinos  J. Blepharospasm and apraxia of eyelid opening in lithium intoxication. Clin Neuropharmacol 1999; 22(3):176-179. 3. Cassidy S, Henry J. Fatal toxicity of antidepressant drugs in overdose. BMJ 1987; 295:1021-1024. 4. Lenox RH, Manji HK. Lithium. In: Schatzberg AF, Nemeroff CB. eds Textbook of Psychopharmaco-logy. 2nd

ed. Washington, DC: American Psychia-tric Press, 1998:379430.  5. Brumm VL, van Gorp WG, Wirshing W. Chronic neuropsychological sequelae in a case of severe lithium intoxication. Neuropsychiatry Neuropsychol Behav Neurol 1998; 11(4):245-249. 6. Schou M. Long-lasting neurological sequelae after lithium intoxication. Acta Psychiatr Scand 1984; 70: 594-602. 7. Su KP, Lee YJ, Lee MB. Severe peripheral polyneuropathy and rhabdomyolysis in lithium intoxication: a case report. Gen Hosp Psychiatry 1999; 21(2):136-137. 8. Moncrief J. Lithium: evidence reconsidered. B J Psychiatry 1997; 171:113-119. 9. Timmer RT, Sands JM. Lithium intoxication. J Am Soc Nephrol 1999;10 (3):666-674. 10. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Washington: American Psychiatric Association, 1994. 11. Loudon FB. Drug treatments. In: Kendell RE, Zealley AK. eds. Companion to Psychiatric Studies. 5th ed. London: Churchill Livingstone, 1995:817-847. 12. Nagaraja D, Taly AB, Sahu RN, Channabasavanna SM, Narayanan HS. Permanent neurological sequelae due to lithium toxicity. Clin Neuro Neurosurg 1987; 89(1):31-34. 13. Cookson J. Lithium: balancing risks and benefits. B J Psychiatry 1997; 171:120-124. 14. Roy M, Stip E, Black D, Lew V, Langlois R. Cerebellar degeneration following acute lithium intoxication. Rev Neurol 1998; 154(6-7):546-548. 15. Janinack PG, Davis JM, Prekorn SH, Ayd Jr JF. Principles and Practice of Psychopharmacotherapy. Baltimore: Williams & Wilkins, 1993:398. 16. Ciraulo DA, Slattery M. Anticonvulsants. In: Ciraulo DA, Shader RI, Greenblatt DJ, Creelman WL. eds. Drug Interactions in Psychiatry. Baltimore: Williams & Wilkins, 1995:252-267. 17. Naramoto A, Koizumi N, Itoh N, Shigematsu H. An autopsy case of cerebellar degeneration following lithium intoxication with neuroleptic malignant syndrome. Acta Pathologica  Japonica 1993; 43:55-58.

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):18-20

20

CORTICAL ATROPHY DURING TREATMENT WITH LITHIUM IN THERAPEUTIC LEVELS, PERPHENAZINE AND PAROXETINE: CASE REPORT AND LITERATURE REVIEW ATROFIA CORTICAL DURANTE TRATAMENTO COM LÍTIO EM NÍVEIS TERAPÊUTICOS, PERFENAZINA E PAROXETINA: RELATO DE CASO E REVISÃO DA LITERATURA

Luiz Renato Gazzola

Summary 

We present, in clinical case conference format, a case in which delirium developed and rapidly progressed to mild dementia in a previously healthy (from the neurological standpoint) 40 years old woman being treated with lithium, paroxetine, and perphenazine for  bipolar disorder I with psychotic features.The unusual aspect of the case is the fact that it was associated with de novo cor tical and cerebellar atrophy, as evidenced by two MRIs performed six months apart. We present our possible explanation for the findings as medication-induced toxic dementia, as well as the differential diagnosis (including a detailed discussion of the possible causes of dementia in  this age group).We discuss some unusual drug interactions, and offer  a review of the pertinent literature.

Cortex, Cerebral; Cerebellar Cortex; Atrophy; Dementia; Delirium; Drug Interactions, Drug Toxicity; Lithium; Perphenazine; Paroxetine Key-words:

We will present a clinical case and its differential diagnosis, followed by discussion and literature review. The format adopted for this article will be similar to a clinical case conference. It is important to clarify that we directly cared for Ms. A during her third hospitalization only, when she was admitted to a universityaffiliated hospital. The information included here concerning the first two hospitalizations and the outpatient follow-up was obtained through medical records and through the reports of her prior and subsequent physicians, who were not linked to the same university-affiliated practice. The patient whom we called Ms. A gave written consent to this publication. Some minor details were changed to protect confidentiality. Case Presentation

Ms. A was a 40 years old, single, white female, living alone,  with no prior psychiatric history. She was said to be a bright  woman holding a post-graduate degree and was functioning at a high level in a professional career until she was 39 years old. The

Visiting Professor at Universidade Federal de Minas Gerais. Written at the Department of Psychiatry of the College of  Physicians and Surgeons of Columbia University, New York, NY, U.S.A.

21

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28

patient had no family history of psychiatric illness, except for a great uncle with an unknown mental illness. She had a history of  parental emotional neglect during her childhood. She was a quiet and shy adolescent, did not date during her teens, and had very few romantic relationships as an adult. She was described as the model of strength and stability for her family. A boyfriend of  three years died in an accident, one year before the onset of the patient's psychiatric illness. Past medical history was unremarkable except for mild head injury, without loss of consciousness, sustained in a car accident when she was seven years old. The patient did not drink alcohol or abused substances but did smoke 1.5 packs a day. At age 39, she developed without apparent precipitant the erotomaniac delusion that her cousin loved her and wished to marry and have a child with her. She believed that he was communicating these thoughts through “subliminal messages.” She saw the bedcovers turned down in his home and interpreted this as a sign of his decision to become intimate with her. The severity of her delusional thinking became apparent that same night,  when she entered her cousin's bedroom by breaking through a  window, convinced that he had sent her messages to join him for a romantic encounter. Her cousin, amazed at her bizarre behavior and frightened, ordered her to leave at gunpoint. Ms. A went to a nearby bar from which she called her aunt to tell her that she  was receiving a message from the radio explaining that her cousin  wanted to meet her at the bar. Her aunt became appropriately alarmed and persuaded Ms. A to come to her house. Ms. A fell asleep at her aunt's house, but she awoke at 4 AM feeling energetic and refreshed, and she left. Later that day Ms. A showed up at a yard sale and took off all of her clothing, explaining that she  wanted to sell it as part of the yard sale. Her aunt took her to an emergency room, but Ms. A eloped before she could be evaluated. She was subsequently found showering at the maternity ward,  where she explained that her cousin had instructed her to do so in preparation for her giving birth to their baby. The patient seemed calm and objective and said that she was convinced that she was behaving rationally in an attempt to cope with what she called the upcoming changes in her life. Ms. A was then involuntarily admitted to a psychiatric hospital. She was alert and oriented, but in addition to her erotomania, had grandiose delusions that she was a superior person with many ideas ahead of her time, and that her picture had appeared on the front cover of several major magazines. She additionally

Endereço para correspondência: Luiz Renato Gazzola Fafich - Sala 4036 - Campus UFMG Pampulha  Av. Antônio Carlos, 6627 31270-901 - Belo Horizonte - MG

reported that people were using telepathy to control her thoughts and behavior, as well as that when she was alone, she  was convinced of the strong presence of someone nearby who  was not visible. While in the hospital, Ms. A inserted two pieces of metal into an electrical outlet in response to a subliminal message from her cousin. Her neurological examination at the time was entirely normal. A neuropsychological test battery reportedly revealed that she was very bright and had no signs of cognitive impairment. Projective personality tests were consistent with the diagnosis of bipolar disorder, manic, with psychotic features. Ms. A  was treated with 8 mg/day of perphenazine, and up to 1,500 mg/day of lithium carbonate (level 0.9 mEq/L). She began to show clinical improvement, and after 15 days on this dose of  lithium she was discharged. Ms. A continued to report feeling intense pressure, “just barely able to hang on,” and fear that she would never regain control of her mind. She felt unable to return to work and subsequently never did. Around two months after discharge she appeared stable to her outpatient psychiatrist who discontinued perphenazine while maintaining her on lithium carbonate, 1,500 mg/day. Several days later Ms. A began to complain of increasing anxiety and racing thoughts focused on her finances. She felt unable to make even simple decisions, e.g., where to place a chair in her room, and saw distorted faces on television. She heard her own voice carrying on a debate inside her head. Perphenazine was restarted but she did not improve. Shortly after her 40th birthday she  was readmitted to the same facility from which she had been discharged two and an half months before. At the time of her second hospitalization, she was anxious and dysphoric, distractible, and experiencing thought blocking. She was alert and oriented, and neurological examination did not show tremors or ataxia. All laboratory values, including thyroid function tests, were normal. Shortly after admission nursing staff  during the evening reported that she appeared confused and needed help finding her room. A MRI was ordered but was unremarkable; revealing only a few small areas of scattered  foci of increased signal in the central semiovale bilaterally on T2 weighted images, interpreted as representing only small ischemic gliotic changes, a normal finding for her age group. Medication at that time included lorazepam 3 mg/day perphenazine, 8 mg/day benztropine, 2 mg/day and lithium carbonate 1,500 mg/day (level 1.1 mEq/L). Ms. A was said to have depressed mood and constricted affect and paroxetine was started and increased to 20 mg/day. Ms. A showed “some improvement in mood” (clinical details such as time frame and specific mental status findings were not available to us – the patient was being treated in another service at the time and we only had access to a discharge summary). Although she complained of ongoing confusion and disorientation, she was discharged, and her mood symptoms and distractibility were attributed to a possible diagnosis of “chronic, delayed PTSD”, related to her childhood experiences and to the loss of her boyfriend. Ms. A continued to experience episodes of confusion and disorientation. She felt unable to leave alone any longer and, two months after discharge, relocated to another state so that she could live with her older sister. Another two months later a local

psychiatrist found her to be mildly depressed, with excessive somnolence in the afternoons, but without evidence of psychosis or gross cognitive impairment. Her sister, however, voiced concern that Ms. A was increasingly having memory problems and  was “less sharp” than before the hospitalizations. Perphenazine  was decreased to 2 mg/day. When thyroid function tests revealed a TSH elevation of less than two folds the upper range, Ms. A was started on 0.1 mg/day of levothyroxine. Her lithium level was 1.4 mEq/L, and her psychiatrist accordingly lowered her lithium to 1,200 mg/day. A month later, Ms. A presented to the evaluation service of  a university-affiliated hospital where we met her for the first time. She requested hospitalization because of her concerns about ongoing difficulty concentrating, disorientation, memory problems, and low energy. She said that on occasion she did not know what she was doing and could only remember “pieces of  things”. Her sister confirmed that she was confused and unable to remember where she had left her belongings during the day, and that she stayed up at night, pacing. Ms. A exhibited marked tongue and hand tremor and was found to have slow speech, depressed mood, impaired memory (0/3 in five minutes), and inability to perform even simple calculations, and to tell how many quarters make a dollar. At the time, she was receiving paroxetine 40 mg/day, perphenazine 2 mg/day, levothyroxine 0.1 mg/day, and lithium carbonate 1,200 mg/day, with a serum lithium level of 1.1 mEq/L. She was admitted to the psychiatric service where she showed activity varying from passivity to mild agitation, dysphoric mood, irritable affect, latency to answer and circumstantial speech, thought blocking, nonsensical conversation. She was quick to fatigue and easily dropped objects, was oriented only to name, repeatedly attempted to leave the unit and had an unstable gait. Her confusion appeared to be increased from day to day. A dementia work-up was performed. Routine laboratory tests of blood count and chemistry, HIV test, RPR, ESR, PT/PTT, folate, B12, fasting and post-prandial glucose, thyroid function tests, antinuclear antibodies, chest X-ray, EKG, and analysis of cerebrospinal fluid (CSF) including VDRL and cryptococcal antigens were all normal or negative. A repeat MRI was performed and compared with the original MRI from six months earlier (which was obtained from her former psychiatrist, by mail). The most recent exam revealed the presence of mild generalized cerebellar and cortical atrophy that  were not apparent before. On volumetric calculation, the cortex had decreased from 1,200 cc to 1,025 cc (a drop of about 15%), and the cerebellum had decreased from 154 cc to 137 cc. Both sets of films were seen at our university-affiliated Radiology Department, and the original reading of the first set was considered to be accurate. Very sensitive to medication, Ms. A developed deep confusional state after 1 mg of lorazepam used as pre-medication to MRI. She appeared to have marked EPS. All medications except for lithium were held for 48 hours, but this seemed to have no effect on the delirium, which continued to increase steadily. An EEG was then performed and showed abnormal intermittent diffuse theta-delta waves, slowing at times, rhythmic, with frontal predominance. Lithium was then discontinued. Within

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28

22

Cortical atrophy during treatment with lithium in therapeutic levels, perphenazine and paroxetine: case report and literature review

two days the patient began to partially recover her cognitive functions. Her behavior became less intrusive, with improved sociability and better eye contact. Her mood was brighter and her affect more appropriate. Her thought process was clearer and less disorganized. She became oriented to person, place and time and showed better attention span. While her psychotic and affective symptoms did not reoccur, some of Ms. A's cognitive deficits (e. g., impaired short-term memory) persisted. She was d ischarged to her sister's care on no medication. A repeat EEG shortly after discharge (about two weeks after lithium was discontinued) was found to be normal. Ms. A's blood and her water supply were tested for lead with negative results. Heavy metal screens in blood and hair were also negative. One year later, although Ms. A was oriented to person, place, and time, she continued to complain of memory problems and of “not being able to think efficiently.” Her sister similarly reported that Ms. A's thinking was not as clear as it had been prior to her illness, and that she exhibited difficulties with memory and sustained concentration. At a two-year follow-up, despite the absence of psychotic and affective symptoms, she was still unable to resume her previous professional career due to subtle but persistent cognitive deficits, consistent with mild dementia. She was able to obtain employment in a less demanding position. During the following year Ms. A experienced a two-month episode of major depression without psychotic features, which responded to outpatient treatment with fluvoxamine and valproate. She has been kept on these drugs to date (little more than three years after the third hospitalization) and remains stable both psychiatrically and neurologically, although with a persistent but stable cognitive deficit. For various external reasons, a third MRI and serial neuropsychological tests were not obtained. Discussion

We will now address our proposed diagnosis for this patient, as well as its limitations and possible alternatives. This patient came to us with a previous diagnosis of bipolar disorder with psychotic features. We do not entirely accept this diagnosis. The onset of the illness in Ms. A was not typical: 75% of women with bipolar I have a depressive episode first, and most of them have already had clear episodes by age 30. Late onset always suggests organic pathology or other causes, but still, Ms. A's onset is not unheard of: a good 20% of patients have their first episode in their late 30’s or early 40’s. There is also the possibility of mild to moderate undiagnosed earlier depressive episodes, which are often less spectacular to exterior observers than a full-blown mania. Ms. A's onset is also somewhat atypical for bipolar disorder in terms of the nature and intensity of her psychotic features, e.g., the marked erotomania, the command auditory hallucinations, the ideas of influence and the delusional interpretations that are all more commonly seen in other psychoses, but again, these symptoms do not exclude the diagnosis of  bipolar I with psychotic features. It is hard to judge the nature of  the first episode by discharge summary only, especially in regard to the actual degree of mania. She did have grandiose delusions, hypersexuality and manic behavior (e.g., taking off her clothing,

23

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28

increased energy) but these, on the other hand, are not exclusive to manic patients. Criterion D-2 of the DSM-IV in both schizophrenia and schizophreniform disorder is consistent with mood episodes during the course of these illnesses, as long as they have occurred during active phases and their total duration has been brief relative to the duration of the active and residual periods. Some descriptions of the patient's behavior, e.g., her calm and objective report of her delusional reasons for going to the maternity ward, do not strike us as particularly consistent  with mania. She was described at one point as having racing thoughts, although these were also said to be focused on one theme only (her finances), and to have occurred at the same time as she was considered to be anxious and dysphoric. Diagnoses like brief psychotic disorder without marked stressors, or schizophreniform disorder, cannot be ruled out for Ms. A's first episode. That was the rationale to discharge her from our service on no psychiatric medication with recommendation for a close outpatient follow-up. We had no proof of the recurrent nature of her illness. We were faced to a case that could be explained by a brief  psychosis followed by an organic syndrome. However, the latest information that we have now about Ms. A's course including a major depressive episode during the third year and the absence of  psychotic relapse in spite of a long period without neuroleptics rescues the possibility of a diagnosis of bipolar I disorder. Longer observation of her future course is needed to tell exactly what the long-term diagnosis is. In any case, however, it appears fairly clear _ and this is important to our line of thought _ that in spite of the relatively late onset, Ms. A's first episode did not have any neurological features and she had intact memory, orientation, and general cognition at that time. If we take a detailed look into the second and third admissions, including the period between these two hospitalizations,  we cannot really be certain that she subsequently presented clear symptoms of a so-called functional psychosis or even of a mood disorder. Granted that she appeared depressed on occasion, and had symptoms suggestive of psychosis such as the distorted faces on television and the impression of having her own voice in a constant debate in her mind, right at the beginning of the second hospitalization. However, what started to show very shortly thereafter, into the first few days of the second hospital stay, was a confusional state. One cannot rule out that her dysphoric, anxious mood, her experiences of being “just barely able to hang on”, her fear of losing control, her inability to decide where to place a chair in a room, her easy distractibility and even some hints of derealization, could fit perfectly the prodromic phases of  a very insidious delirium. What was read at the time as a thought process disorder with blocking could be the result of incipient cognitive impairment, and even the symptoms that motivated paroxetine to be started could have been due to mild confusion and not to depression. The “sundowning” and inability to find her way to her room in the ward without being escorted are highly indicative of  delirium. From this point on, while she continued to be seen as showing symptoms of a mood disorder, the patient persistently complained of having periods of confusion and disorientation and of not being able to think clearly, to the point of abandoning her career. She was in our view rather functionally impaired (and significantly so) than depressed.

On presentation to our service, other than low energy and disturbed night sleep, which can both be explained by mild chronic delirium, mood symptoms cannot be clearly identified. She  was at that point progressing to frank delirium. The longitudinal course of the memory disturbance called for a full dementia  work-up, and most of the major causes were ruled out, either by lack of any of the associated symptoms of these disorders 1 or by negative tests. Chronic infections of the central nervous system are usually associated with systemic manifestations, meningeal involvement, abnormal CSF, and abnormalities on MRI, which were all absent. Syphilis and both HIV and cryptococcus infections were screened out. Subacute sclerosing panencephalites by persistent replication of the measles virus virtually does not occur in the patient's age group. Other rare slow viruses and prions (papovavirus, Creutzfeldt-Jakob disease) could not be ruled out at the time but the subsequent course is incompatible with the one seen in these diseases. Curiously, Creutzfeldt-Jakob disease could have had the time line of Ms. A's rapidly progressive dementia, if it were not for the three-year follow-up. Some other features of this disease are missing, including myoclonus and the so-called periodic complexes in EEG, although these are not present in all cases. Interestingly enough, Finelli 2 proposes a diagnosis of drug-induced Creutzfeldt-Jakob-like syndrome to describe eight patients that presented several characteristics of this disease (their cases  were in various ways very similar to Ms. A’s) but who were finally diagnosed with delirium and dementia secondary to drug intoxication. Lithium alone or in combination with other medications (levodopa, nortriptyline and “polypharmacy”) was the drug considered responsible for the syndrome in six out of the eight patients. Serum drug levels were below the usual toxic range in half of these patients. Unfortunately neuroimaging studies were not carried out. Dementia secondary to underlying neurologic conditions such as Parkinson's disease and other movement disorders, amyotrophic lateral sclerosis and multiple sclerosis are unlikely due to the lack of the typical findings in our patient's neurological exam. Dementia in these cases is usually a late manifestation. The exception to that rule is that very occasionally dementia may be the presentation feature of Huntington's chorea, but in virtually all cases that come to the attention of a physician there is family history of the disease. Other secondary dementias related to mass lesions are promptly ruled out by MRI. Obstructive hydrocephalus by acqueductal stenosis may present occasionally in late adulthood with headaches, dementia and incontinence but the MRI will usually show an enlarged third ventricle with normal fourth ventricle. Communicating hydrocephalus in which intracranial hypertension is either absent or not recognized presents  with a subacute onset over weeks or months of progressive intellectual deterioration. This syndrome can occur after meningitis, head injury or subarachnoid hemorrhage, but the majority of  patients gives no history of such an illness and the hydrocephalus can be delayed. This diagnosis was in the realm of possibilities for Ms. A, but several clinical features were missing. It is usually accompanied by slowness and restriction of movements. Hyperreflexia in the legs and extensor plantar responses may be found, as well as urinary incontinence in one-half of the patients.

The gait disturbance resembles that seen in apraxia from frontal lobe diseases, with small, shuffling steps. In dementias secondary to diffuse brain damage the cause (such as head injury, anoxia, hypoglycemia or encephalitis) is usually obvious from the history. Most of the endocrine disorders and vitamin deficiencies as causes of dementia were equally ruled out by normal physical exam and laboratory values. Of these, hypothyroidism is the most common, but the slight, transient TSH elevation that our patient presented was far from enough to  warrant any consideration of this possibility. Tuberous sclerosis, progressive myoclonic epilepsy and metabolic diseases such as leukodystrophies, mitochondrial cytopathy, storage diseases, homocystinuria, etc, manifest much earlier in the life cycle. However, late presentation of Wilson's disease can occur in patients under the age of 40. Hepatic involvement occurs in only half of the patients, but virtually all patients that show psychiatric and neurologic disturbances as the first sign of  the disease do present the Kayser-Fleisher rings. The vasculitis group (lupus, polyarteritis nodosa, granulomatous angiitis, Behcet's disease) is accompanied by laboratorial evidence of  inflammatory phenomena and specific antibodies, which were absent in our patient, as well as numerous other clinical signs and symptoms. More difficult to rule out in our patient are the primary and vascular dementias. Pick's disease is highly unlikely due to her age and to the absence of circumscribed atrophy (anterior portions of the frontal and temporal lobes). The patient is also young for Alzheimer's disease, but this diagnosis, although very rare in her age group, is not unprecedented even in the absence of risk factors such as Down's syndrome. The fact that these dementias are inexorably progressive, however, seems inconsistent with Ms. A's course of cognitive stabilization for the last three years. As for the vascular dementias, it is true that our patient showed some of  the relevant MRI characteristics. Some of these dementias involve areas of low attenuation or abnormal signal in the deep white matter, particularly in the periventricular regions and centrum semiovale, referred to by the term “leukoaraiosis”. They are more characteristic of Biswanger's disease (subcortical arteriosclerotic encephalophaty), but are not at all specific, and are also seen in normal subjects (specially when they are not numerous, which  was Ms. A's case), in Alzheimer's disease, and in other vascular dementias. Ms. A lacked as well other neuroimaging signs of  these conditions and had no risk factors except for smoking. Her course was not consistent with multi-infarct dementia, which usually shows abrupt onset and subsequent fluctuation with periods of improvement and stepwise deterioration, together  with focal neurologic signs. It is true that nocturnal confusion, relative preservation of personality, emotional lability, and depression are common features of small-vessel disease, but it is unusual to find this condition at age 40 in the absence of hypertension, diabetes or vasculitis. This leaves us with the toxic dementias. Heavy metals and alcohol were not in the picture. The list of drugs that can lead to acute delirium (and some of them, when used chronically, to dementia) is extensive, including, other than the drugs of abuse, barbiturates, hypnotics, antidepressants, levodopa, anticholinergics, and anticonvulsants. Lithium carbonate is, of course, widely

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28

24

Cortical atrophy during treatment with lithium in therapeutic levels, perphenazine and paroxetine: case report and literature review

known to be associated with neurotoxicity at levels above 1.5 mEq/L. Levels above 3.0 are often associated with severe neurotoxicity with permanent neurological sequelae including cognitive dysfunction secondary to brain damage, 3-5 if not promptly treated as a medical emergency. Marked toxicity with delirium and ataxia ordinarily starts at least above 2.0 mEq/L, and the interval between 1.5 and 2.0 is usually filled with other signs of  milder toxicity such as gross tremors and diarrhea. It is less  widely recognized that lithium can lead to neurotoxicity, deli rium, and dementia even at levels below 1.5 mEq/L, and even in the absence of other signs of lithium toxicity. The highest documented level that we have for Ms. A was 1.4, which can be quite excessive for some patients, but is not particularly striking. All of  her other levels in several measurements throughout her treatment in different hospitals and clinics were always between 0.9 and 1.1 mEq/L. Numerous cases of lithium-induced delirium have been reported.6,7 Furthermore, there is an extensive literature on the question of the toxicity of lithium and neuroleptics in combination, starting with early reports in the mid and early 70's involving haloperidol and thioridazine, followed by numerous papers in the 80's and early 90's expressing either skepticism (such as comments on the difficulty to distinguish a combined toxicity syndrome from the toxicity to either agent alone) or confirmation (studies pointing to either higher frequency of NMS and EPS or to delirium and brain damage _ our patient in her third admission did have a degree of EPS that she had not experienced before). We refer the interested reader to a collection of these studies.8-23 Several neuroleptics have been implicated, including, most recently, risperidone. 24 An extensive review by Goldman 25 in 1996 identified 237 reported cases of toxicity, both with lithium/haloperidol and lithium/non-haloperidol neuroleptics. This number seems impressive, but when paired to the likely hundreds of thousands of patients on this kind of combination around the world, one can understand why some studies failed to demonstrate a toxic interaction: 26 this occurrence appears to be at least infrequent if not rare, although it may be dramatic when it does happen. Lithium neurotoxicity is poorly understood. In regard to risk factors, West and Meltzer 5 reported five cases of lithium toxicity  with levels between 0.75 and 1.7 mEq/L, and made a point that patients who developed neurotoxicity had markedly higher ratings on psychosis and on anxiety in the pre-toxic period compared to patients who never developed neurotoxicity. However, rather than increased vulnerability to the development of severe neurotoxicity, this may be associated with the fact that such patients are more likely to have neuroleptics added to their lithium regimen. Brown and Rosen 7 note that possible risk factors for the development of lithium-induced delirium include concomitant administration of neuroleptics, advanced age, and relapse of an acute psychotic or depressive illness. For our patient, who developed TSH elevation after being on lithium for a relatively short period of time, one can speculate that this too, may indicate that she was particularly prone to adverse effects of lithium. Her history of head trauma, which in certain cases increases sensitivity to psychoactive drugs, does not appear to have been significant enough.

25

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28

It is known that lithium has a diuretic effect, presumably by interfering with vasopressin-stimulated adenyl- cyclase, leading to lithium-induced polyuria and at times the development of nephrogenic diabetes insipidus. 27 Perhaps one mechanism underlying lithium delirium and dementia may result from changes in either secretion or absorption of CSF, leading to cortical atrophy. Barkai and Nelson28 reported that the formation of CSF in rats significantly decreased by 19% after chronic treatment with lithium. On the other hand, Ehle and Uebelhack 29 reported the occurrence of hydrocephalus in a case of lithium-haloperidol combined therapy, speculating on the role of the influence of lithium on Na+-K+ stimulated ATPase, on active transport and on adenyl cyclase as the basic mechanism for the findings. It is interesting to ask whether the drop in cortical volume on MRI in our patient is a consequence of hydrocephalus. On occasion it may be difficult to distinguish hydrocephalus due to abnormal CSF dynamics from hydrocephalus ex-vacuo secondary to atrophy, but usually even in normal pressure communicating hydrocephalus the ventricles rather than the subaracnoid spaces are enlarged, unlike our patient's case. Unfortunately we do not dispose of a third MRI to help clarify this point. Another mechanism that has been proposed for lithium-neuroleptic toxicity is increased lipid peroxidation in the cerebral cortex as seen in rats put on both drugs,  which was higher than the peroxidation induced by haloperidol alone and lithium alone. 30 One very interesting finding is the fact that phenothiazines seem to induce intracellular elevations of lithium and higher tissular distribution of Li + both in vitro and in vivo. Pandey, Goel and Davis suggested that this might explain neurotoxic side effects of lithium in these combinations. 31 This could account for the fact that even in the presence of therapeutic levels, more toxicity may occur (our patient was on a phenothiazine). Piperazine phenothiazines produced the most marked elevations o f intracellular lithium, doubling the red cell:plasma lithium ratio (LR) in vitro. The aminoalkyl phenothiazines and thioxanthenes were somewhat less active in this regard, while the non-phenothiazine antipsychotics, such as loxapine, haloperidol and molindone, produced only minor increases in the LR. Tricyclic antidepressants produced a 20% to 30% increase, while other antidepressants and benzodiazepines did not show any activity on the LR. 32 Anecdotal reports have linked numerous other medications  with the development of neurotoxicity without an apparent effect on the pharmacokinetic disposition of lithium. Anticonvulsants and calcium antagonists have all been implicated in a sufficient number of case reports to warrant concern. 33 As these medications have all been commonly coadministered with lithium, the relative risk of serious interactions appears to be quite low, but caution is advised. Our patient was on other drugs as well, including lorazepam, paroxetine and levothyroxine. It is unclear if these drugs played a role in the development of neurotoxicity. The literature in this regard is scattered. Reports on paroxetine-lithium toxicity were not found in our literature search, however interactions with other SSRIs have been addressed in some papers. Initial studies indicated that the combination of lithium and fluoxetine 34 fails to demonstrate any detrimental interaction, but some subsequent case reports contradict this. Austin, Arana and Melvin reported

two cases in which significant neurotoxicity developed in geriatric patients on lithium augmentation of antidepressant treatment, one involving nortriptyline and the other fluoxetine, despite therapeutic doses of all drugs. 35 One striking case of acute neurotoxicity in many aspects similar to our patient's state was published by Noveske, Hahn and Flynn. 36 The symptoms started  within 48 hours of the addition of fluoxetine to a regimen of  lithium and lorazepam. Isolated reports of other kinds of apparently detrimental interaction of lithium and fluoxetine have appeared in the literature as well. 37-39 In spite of the fact that our patient was already showing some mild signs of neurotoxicity before paroxetine was introduced, and despite the absence of formal reports of paroxetine-lithium toxicity at this point, the many similarities between SSRIs warrant that we at least consider that this drug may have participated in aggravating our patient's clinical picture. As for benzodiazepines and lithium, no maj or toxicity has been demonstrated, although the interaction with alprazolam carries a small rise in serum lithium concentrations. 40 We mentioned above another case in which lithium, a SSRI and lorazepam resulted in toxicity - the same benzodiazepine that our patient  was taking - but no data support that this last drug played any significant role. Levothyroxine as well does not appear to interfere  with lithium in our literature search. Much the opposite: we found a report of  delirium associated with lithium-induced hypothyroidism that seemed to have responded to levothyroxine.41 In this patient the TSH was eight times more elevated than the upper normal limit. Severe hypothyroidism is in itself enough to produce psychiatric manifestations. She was also briefly on thioridazine, which confounds the picture, although the peak of  the delirium occurred five to seven days after this drug was discontinued. Although our patient denied the use of other medications (including over-the-counter drugs), we should mention to the interested reader other potentially dangerous lithium interactions, related to pharmacokinetic changes rather than to direct neurotoxicity. In a good review such as the one proposed by Finley, Warner and Peabody in 1995, 42 we can be reminded that any medication that alters glomerular filtration rates or affects electrolyte exchange in the nephron may influence the pharmacokinetic disposition of lithium. Concomitant use of diuretics has long been associated with the development of lithium toxicity, but the risk of significant interactions vary with the site of pharmacological action of the diuretic in the renal tubule. Thiazide diuretics have demonstrated the greatest potential to increase lithium concentrations, with a 25% to 40% increase in concentrations often evident after initiation of therapy. Osmotic diuretics and methyl xanthines appear to have the opposite effect on lithium clearance and have been advocated historically as antidotes for lithium toxicity. Loop diuretics and potassium-sparing agents have minor variable effects. Nonsteroid anti-inflammatory drugs (NSAIDs) have also been associated with lithium toxicity, although the relative interactive potential of specific NSAIDs is difficult to determine. Small prospective studies have demonstrated large interindividual differences in lithium clearance values associated with different NSAIDs. A growing body of evidence also suggests that ACE inhibitors may impair lithium elimination, but further investigations are needed to identify patients at risk.

Conclusion

At the time of her third discharge, our diagnosis for this case,  which needs to be considered as tentative and provisional since  we have no formal confirmation for the causal relationship, was the following: Axis I -  Delirium due to lithium (and other drugs) intoxication. Dementia due to lithium (and other drugs) intoxication, mild. On the basis of previous discharge summaries from other services, probably bipolar I disorder with psychotic features, currently in remission, but other conditions such as schizophreniform disorder or brief psychotic disorder without marked stressors cannot be ruled out. Axis II - None. Axis III - Mild generalized cortical and cerebellar atrophy status post lithium (and other drugs) toxicity. Axis IV- Moderate psychosocial stressors - declining health, loss of job, death of boyfriend. Axis V - GAF score of 35 on admission and 65 on discharge. Does our case really document the causal relationship bet ween lithium intoxication in Ms. A and her mild dementia with cortical and cerebellar atrophy? No, this would be too strong to affirm. Granted that the normalization of the EEG and the partial recovery of the cognition after lithium discontinuation are very suggestive. Agreed that we may say that we have a relatively long follow up of three years (six times longer than the duration of Ms. A's lithium use) showing neither further progression nor full recovery of the dementia. The rapid decline of cognitive functioning during the six months of lithium treatment, including de novo atrophy documented by two MRI readings, followed by partial recovery then complete cognitive stability for three years is not consistent with the natural course of a dementia of neurologic rather than toxic etiology. Still, we have no third MRI to confirm the stability of the atrophy (as opposed to further deterioration due to an unrelated process or some degree of recovery due to possible changes in the dynamic of the CSF after lithium  was discontinued) and no serial and objective neuropsychiatric assessment of the dementia. Ms. A could have an insidious dementia process that was either missed or was not yet apparent in her first MRI (some small ischemic changes were noticed),  which might have accounted as well for her late and atypical onset of a mood disorder. Her current course does not favor this possibility, but the question is far from settled. Our report does not intend to deny the incontestable value of lithium in the management of bipolar disorder. Our findings are certainly rare in the large majority of successful lithium treatments. What this case argues for is the need to assess lithium-treated patients for changes in cognition, especially when other medications are prescribed simultaneously. In this era in which psychiatric treatments have moved from classical monotherapy to more complex multidrug regimens, this awareness seems particularly important. Another fundamental lesson of this case is the need for close monitoring of subtle cognitive signs even when they appear to be explained or masked by the common symptoms of psychoses and mood disorders. In our patient signs of cognitive impairment were apparently already present during the second hospitalization, but a long time passed by before they were ack-

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28

26

Cortical atrophy during treatment with lithium in therapeutic levels, perphenazine and paroxetine: case report and literature review

nowledged as such. This case, to a certain extent, also argues for more attention to the possibility of interactions between paroxetine (and other SSRIs) and lithium as risk factors for enhanced neurotoxicity, and for further research involving neuroimaging studies in patients with documented lithium neurotoxicity. Resumo

Apresenta-se caso de delirium que progrediu rapidamente para demência leve, em uma mulher de 40 anos previamente saudável do ponto de vista neurológico, em tratamento com lítio, paroxetina e perfenazina para transtorno bipolar tipo I, com manifestações psicóticas. A originalidade do caso é o fato de estar associado com o surgimento de atrofia cortical e cerebelar, conforme evidenciado por dois exames de ressonância magnética realizados com seis meses de intervalo. Apresenta-se explicações possíveis para os achados como sendo devidos a demência tóxica induzida por medicamentos, bem como diagnóstico diferencial, incluindo uma discussão detalhada sobre as possíveis causas de demência nessa faixa etária. Discute-se algumas interações medicamentosas não habituais com a revisão da literatura pertinente.

Córtex Cerebral; Córtex Cerebelar; Atrofia; Demência; Delírio; Interações de Drogas; Toxicidade de Drogas; Lítio, Perfenazina; Paroxetina Palavras-chaves:

 Agradecimentos The author thanks Lewis A. Opler, M.D., Ph.D., for his contri bution to the section regarding the mechanisms of lithium toxicity;  Jack Gorman, M.D., and Peter Bookstein, M.D., for reviewing the manuscript; and Sarah Lisanby, M.D., for calculating the cortical volumes through MRI films. References

1. Brown, MM, Hachinski, VC. Dementia. In: Isselbacher KJ, Braunwald E, Wilson JD, Martin JB, Fauci AS, Kasper DL. eds. Harrison's Principles of Internal Medicine. McGrawHill, New York, 1994:142-145. 2. Finelli PF. Drug-induced Creutzfeldt-Jakob like syndrome. J Psychiatry Neurosci 1992; 17(3):103-105. 3. Shopsin D, Johnson G, Gershon S. Neurotoxicity with lithium: differential drug responsiveness. Int Pharmacopsychiatry 1970; 5:170-182. 4. Cohen WJ, Cohen NH. Lithium carbonate, haloperidol and irreversible brain damage. JAMA 1974; 230:1283-1287.  5. West AP, Meltzer HY. Paradoxical lithium neurotoxicity: A report of five cases and a hypothesis about risk for neurotoxicity. Am J Psychiatry 1979; 136:963-966. 6. Ghadirian AM, Lehmann HE. Neurological side effects of  lithium: Organic brain syndrome, seizures, extrapyramidal side effects, and EEG changes. Compr Psychiatry 1980; 21:327-336.

27

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28

7. Brown AS, Rosen J. Lithium-induced delirium  with therapeutic serum lithium levels: A case report. J Geriatr Psychiatry Neurol 1992; 5:53-55. 8. Harvey NS, Merriman S. Review of clinically important drug interactions with lithium. Drug Safety 1994; 10(6):455-463. 9. Habib M, Khalil R, le Pensec-Bertrand D, Ali-Cherif A, Bongrand MC, Crevat A. Persistent neurological syndrome after treatment with lithium salts. Toxicity of the lithiumneuroleptic combination? Revue Neurolo-gique 1986; 142(1):61-64. 10. Baptista T. Lithium-neuroleptics combination and irreversible brain damage. Act Psychiatrica Scand 1986; 73(1):111. 11. Miller F, Menninger J. Correlation of neuroleptic dose and neurotoxicity in patients given lithium and a neuroleptic. Hosp Community Psychiatry 1987; 38(11):1219-1221. 12. Bailine SH, Doft M. Neurotoxicity induced by combined lithium-thioridazine treatment. Biol Psychiatry 1986; 21(89):834-837. 13. Yassa R. A case of lithium-chlorpromazine interaction. J Clin Psychiatry 1986; 47(2):90-91. 14. Jeffries J, Remington G, Wilkins J. The question of lithium/neuroleptic toxicity. Can J Psychiatry 1984; 29:601-604. 15. Prakash R. Lithium-haloperidol combination and brain damage. Lancet 1982; 1:1468-1469. 16. Serup J, Brun C. Interaction of lithium and neuroleptics. Ugeskrift for Laeger 1980; 142:2643-2644. 17. Boudouresques G, Poncet M, Ali Cherif A, Tafani B, Boudouresques J. Acute encephalopathy during combined phenothiazine and lithium treatment. A new case with low blood lithium. Nouvelle Presse Medicale 1980; 9:2580. 18. Puhringer W, Kocher R, Gastpar M. Incompatibility of lithium therapy with neuroleptics. a case report. Nervenarzt 1979; 50:124-127. 19. Loudon JB, Waring H. Toxic reactions to lithium and haloperidol. Lancet 1976; 2:1088. 20. Miller F, Menninger J, Whitcup SM. Lithium-neuroleptic neurotoxicity in the elderly bipolar patient. J Clin Psychopharmacol 1986; 6:176-178. 21. Spring GK. Neurotoxicity with combined use of lithium and thioridazine. J Clin Psychiatry 1979; 40(3):135-138. 22. Spring GK.  Delirium associated with lithium and thioridazine. Am J Psychiatry 1983; 140(9):1257-1258. 23. Fuller MA, Sajatovic M. Neurotoxicity resulting from a combination of lithium and loxapine. J Clin Psychiatry 1989;  50:187. 24. Chen B, Cardasis W.  Delirium induced by lithium and risperidone combination. Am J Psychiatry 1996; 153:12331234. 25. Goldman SA. Lithium and neuroleptics in combination: the spectrum of neurotoxicity. Psychopharmacol Bull 1996; 32(3):299-309. 26. Goldney RD, Spence ND. Safety of the combination of lithium and neuroleptic drugs. Am J Psychiatry, 1986; 143(7):882-884. 27. Pandey GN, Davis JM. Cyclic-amp and adenylate cyclase in psychiatric. In: Palmer GC. Neuropharma-cology of Cyclic

28.

29. 30.

31. 32. 33. 34.

Nucleotides. Baltimore: Urban & Scharzenberg, 1979:112151. Barkai AI, Nelson HD. Alterations by antidepressants of  cerebrospinal fluid formation and calcium distribution dynamics in the intact rat brain. Biol Psychiatry 1987; 22:892-898. Ehle G, Uebelhack R. Dangerous side effects of  lithium therapy. Psychiatrie, Neurologie und Medizi-nische Psychologie - Beihefte 1977; 22-23:177-182. Sawas AH, Gilbert JC. Lipid peroxidation as a possible mechanism for the neurotoxic and nephrotoxic effects of a combination of lithium carbonate and haloperidol. Arch Intern Pharacodynamt Therap 1985; 276:301-312. Pandey GN, Goel I, Davis JM. Effect of neuroleptic drugs on lithium uptake by the human erythrocyte. Clin Pharmacol Therap 1979; 26:96-102. Ostrow DG, Southam AS, Davis JM. Lithium-drug interactions altering the intracellular lithium level: an in vitro study. Biol Psychiatry 1980; 15:723-739. Shukla S, Godwin CD, Long LE, Miller MG. Lithium-carbamazepine neurotoxicity and risk factors. Am J Psychiatry 1984; 141:1604-1606. Breuel HP, Muller-Oerlinghausen B, Nickelsen T, Heine PR. Pharmacokinetic interactions between lithium and fluoxetine after single and repeated fluoxetine administration in

35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42.

young healthy volunteers. Int J Clin Pharmacol Therap 1995; 33:415-419. Austin LS, Arana GW, Melvin JA. Toxicity resulting from lithium augmentation of antidepressant treatment in elderly patients. J Clin Psychiatry 1990; 51(8):344-345. A Noveske FG, Hahn KR, Flynn RJ. Possible toxicity of  combined fluoxetine and lithium. Am J Psychiatry 1989; 146(11):1515. Ohman R, Spigset O. Serotonin syndrome induced by fluvoxamine-lithium interaction. Pharmacopsychiatry 1993; 26(6):263-264. Hadley A, Cason MP. Mania resulting from lithium-fluoxetine combination. Am J Psychiatry 1989; 146(12):1637-1638. Sacristan JA, Iglesias C, Arellano F, Lequerica J. Absence seizures induced by lithium: possible interaction with fluoxetine [letter]. Am J Psychiatry 1991 Jan;148(1):146-7. Evans RL, Nelson MV, Melethil S, Townsend R, Hornstra RK, Smith RB. Evaluation of the interaction of lithium and alprazolam. J Clin Psychopharmacol 1990; 10(5):355-359. Norris MS, Mathew RJ, Webb WW. Delirium associated with lithium-induced hypothyroidism: a case report. Am J Psychiatry 1983; 140:355-356. Finley PR, Warner MD, Peabody CA. Clinical relevance of  drug interactions with lithium. Clin Pharmacokinetics 1995; 29(3):172-191.

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28

28

Caso Literário SALES SALES

Machado de Assis* Ao certo, não se pode saber em que data teve Sales a sua primeira idéia. Sabe-se que, aos dezenove anos, em 1854, planeou transferir a capital do Brasil para o interior, e formulou alguma cousa a tal respeito; mas não se pode afirmar, com segurança, que tal fosse a primeira nem a segunda idéia do nosso homem. Atribuíram-lhe meia dúzia antes dessa, algumas evidentemente apócrifas, por desmentirem dos anos em flor, mas outras possíveis e engenhosas. Geralmente eram concepções vastas, brilhantes, inopináveis ou só complicadas. Cortava largo, sem poupar pano nem tesoura; e, quaisquer que fossem as objeções práticas, a imaginação estendia-lhe sempre um véu magnífico sobre o áspero e o aspérrimo. Ousaria tudo: pegaria de uma enxada ou de um cetro, se preciso fosse, para pôr qualquer idéia a caminho. Não digo cumpri-la, que é outra cousa. Casou aos vinte e cinco anos, em 1859, com a filha de um senhor de engenho de Pernambuco, chamado Melchior. O pai da moça ficara entusiasmado, ouvindo ao futuro genro certo plano de produção de açúcar, por meio de uma união de engenhos e de um mecanismo simplíssimo. Foi no Teatro de Santa Isabel, no Recife, que Melchior lhe ouviu expor os lineamentos principais da idéia. _ “Havemos de falar nisso outra vez, disse Melchior; por que não vai ao nosso engenho?” Sales foi ao engenho, conversou, escreveu, calculou, fascinou o homem. Uma vez acordados na idéia, saiu o moço a propagá-la por toda a comarca; achou tímidos, achou recalcitrantes, mas foi animando a uns e persuadindo a outros. Estudou a produção da zona, comparou a real à provável, e mostrou a diferença. Vivia no meio de mapas, cotações de preços, estatísticas, livros, cartas, muitas cartas. Ao cabo de quatro meses, adoeceu; o médico achou que a moléstia era filha do excesso de trabalho cerebral, e prescreveu-lhe grandes cautelas. Foi por esse tempo que a filha do senhor do engenho e uma irmã deste regressaram da Europa, aonde tinham ido nos meados de 1858. Es liegen einige gute Ideen in diesen Rock, dizia uma vez o alfaiate de Heine, mirando-lhe a sobrecasaca. Sales não desceria a achar semelhantes cousas numa sobrecasaca; mas, numa linda moça, por que não? Há nesta pequena algumas idéias boas, pensou ele olhando para Olegária, _ ou Legazinha, como se dizia no engenho. A moça era baixota, delgada, rosto alegre e bom. A influição foi recíproca e súbita. Melchior, não menos namorado

* Contos/Outros Contos Obra Completa Vol. II pp. 1072-7 [GN. 30 mai. 1887.]

29

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):29-31

do rapaz que a filha, não hesitou em casá-los; ligá-lo à família era assegurar a persistência de Sales na execução do plano. O casamento fez-se em agosto, indo os noivos passar a luade-mel no Recife. No fim de dous meses, não voltando eles ao engenho, e acumulando-se ali uma infinidade de respostas ao questionário que Sales organizara, e muitos outros papéis e opúsculos, Melchior escreveu ao genro que viesse; Sales respondeu que sim, mas que antes disso precisava dar uma chegadinha ao Rio de Janeiro, cousa de poucas semanas, dous meses, no máximo. Melchior correu ao Recife para impedir a viagem; em último caso, prometeu que, se esperassem até maio, ele viria também. Tudo foi inútil; Sales não podia esperar; tinha isto, tinha aquilo, era indispensável. _ “ Se houver necessidade de apressar a volta, escreva-me; mas descanse, a boa semente frutificará. Caiu em boa terra, concluiu enfaticamente.” Ênfase não exclui sinceridade. Sales era sincero, mas uma cousa é sê-lo de espírito, outra de vontade. A vontade estava agora na jovem consorte. Entrando no mar, esqueceu-lhe a terra; descendo à terra, olvidou as águas. A ocupação única do seu ser era amar esta moça, que ele nem sabia que existisse, quando foi para o engenho do sogro cuidar do açúcar. Meteram-se na Tijuca, em casa que era juntamente ninho e fortaleza; - ninho para eles, fortaleza para os estranhos, aliás inimigos. Vinham abaixo algumas vezes, _ ou a passeio, ou ao teatro; visitas raras e de cartão. Durou essa reclusão oito meses. Melchior escrevia ao genro que voltasse, que era tempo; ele respondia que sim, e ia ficando; começou a responder tarde, e acabou falando de outras cousas. Um dia, o sogro mandou-lhe dizer que todos os apalavrados tinham desistido da empresa. Sales leu a carta ao pé de Legazinha, e ficou longo tempo a olhar para ela. _ “Que mais? perguntou Legazinha.” Sales afirmou a vista; acabava de descobrir-lhe um cabelinho branco. Cãs aos vinte anos! Inclinou-se, e deu no cabelo um beijo de boas-vindas. Não cuidou de outra cousa em todo o dia. Chamava-lhe “minha velha.” Falava em comprar uma medalhinha de prata para guardar o cabelo, com a data, e só a abririam quando fizessem vinte e cinco anos de casados. Era uma idéia nova esse cabelo. Bem dizia ele que a moça tinha em si algumas idéias boas, como a sobrecasaca de Heine; não só as tinha boas, mas inesperadas. Um dia, reparou Legazinha que os olhos do marido andavam dispersos no ar, ou recolhidos em si. Nos dias seguintes observou a mesma cousa. Note-se que não eram olhos de qualquer. Tinham a cor indefinível, entre castanho e ouro; _ grandes, luminosos e

até quentes. Viviam em geral como os de toda a gente; e, para ela, como os de nenhuma pessoa, mas o fenômeno daqueles dias era novo e singular. Iam da profunda imobilidade à mobilidade súbita e quase demente. Legazinha falava-lhe, sem que ele a ouvisse; pega-va-lhe dos ombros ou das mãos, e ele acordava. _ “Hem? que foi?” Legazinha a princípio ria-se. _ “Este meu marido! Este meu marido! Onde anda você?” Sales ria também, levantava-se, acendia um charuto, e entrava a andar e a pensar; daí a pouco mergulhava outra vez em si. O fenômeno foi-se agravando. Sales passou a escrever horas e horas; às vezes, deixava a cama, alta noite, para ir tomar alguma nota. Legazinha supôs que era o negócio dos engenhos, e disse-lho, pendurando-se graciosamente do ombro: _ “Os engenhos? repetiu ele. E voltando a si: _ Ah! os engenhos...” Legazinha temia algum transtorno mental, e procurava distraí-lo. Já saíam a visitas, recebiam outras; Sales consentiu em ir a um baile, na Praia do Flamengo. Foi aí que ele teve um princípio de reputação epigramática, por uma resposta que deu distraidamente: _ “Que idade terá aquela feiosa, que vai casar? perguntou-lhe uma senhora com malignidade.” _ “Perto de duzentos contos, respondeu Sales. ” Era um cálculo que estava fazendo; mas o dito foi tomado à má parte, andou de boca em boca, e muita gente redobrou os carinhos com um homem capaz de dizer cousas tão perversas. Um dia, o estado dos olhos foi cedendo inteiramente da imobilidade para a mobilidade; entraram a rir, a derramarem-se-lhe pelo corpo todo, e a boca ria, as mãos riam, todo ele ria a espáduas despregadas. Não tardou, porém, o equilíbrio: Sales voltou ao ponto central, mas - ai dela! - trazia uma idéia nova. Consistia esta em obter de cada habitante da capital uma contribuição de quarenta réis por mês, - ou, anualmente, quatrocentos e oitenta réis. Em troca desta pensão tão módica, receberia o contribuinte durante a semana santa uma cousa que não posso dizer sem grandes refolhos de linguagem. Que ele há pessoas neste mundo que acham mais delicado comer peixe cozido, que lê-lo impresso. Pois era o pescado necessário à abstinência, que cada contribuinte receberia em casa durante a semana santa, a troco de quatrocentos e oitenta réis por ano. O corretor, a quem Sales confiou o plano, não o entendeu logo; mas o inventor explicou-lhe. _ “Nem todos pagarão só os quarenta réis; uma terça parte,  para receber maior porção e melhor peixe, pagará cem réis. Quantos habitantes haverá no Rio de Janeiro? Descontando os judeus, os protestantes, os mendigos, os vagabundos, etc., contemos trezentos mil. Dous terços, ou duzentos mil, a quarenta réis, são noventa e seis contos anuais. Os cem mil restantes, a cem réis, dão cento e vinte. Total: duzentos e dezesseis contos de réis. Compreendeu agora? ” _ “ Sim, mas...” Sales explicou o resto. O juro do capital, o preço das ações da companhia, porque era uma companhia anônima, número das ações, entradas, dividendo provável, fundo de reserva, tudo estava calculado, somado. Os algarismos caíam-lhe da boca, lúcidos e grossos, como uma chuva de diamantes; outros saltavam-lhe dos

olhos, à guisa de lágrimas, mas lágrimas de gozo único. Eram centenas de contos, que ele sacolejava nas algibeiras, passava às mãos e atirava ao tecto. Contos sobre contos; dava com eles na cara do corretor, em cheio; repelia-os de si, a pontapés; depois recolhiaos com amor. Já não eram lágrimas nem diamantes, mas uma ventania de algarismos, que torcia todas as idéias do corretor, por mais rijas e arraigadas que estivessem. _ “E as despesas?” disse este. Estavam previstas as despesas. As do primeiro ano é que seriam grandes. A companhia teria virtualmente o privilégio da pescaria, com pessoal seu, canoas suas, estações de paróquias, carroças de distribuição, impressos, licenças, escritório, diretoria, tudo. Deduzia as despesas, e mostrava lucro positivo, claro, numeroso. Vasto negócio, vasto e humano; arrancava a população aos preços fabulosos daqueles dias de preceito. Trataram do negócio; apalavraram algumas pessoas. Sales não olhava a despesa para pôr a idéia a caminho. Não tinha mais que o dote da mulher, uns oitenta contos, já muito cerceados; mas não olhava a nada. São despesas produtivas, dizia a si mesmo. Era preciso escritório; alugou casa na Rua da Alfândega, dando grossas luvas, e meteu lá um empregado de escrita e um porteiro fardado. Os botões da farda do porteiro eram de metal branco, e tinham, em relevo, um anzol e uma rede, emblema da companhia; na frente do bonet via-se o mesmo emblema, feito de galão de prata. Essa particularidade, tão estranha ao comércio, causou algum pasmo, e recolheu boa soma de acionistas. _ “ Lá vai o negócio a caminho!” dizia ele à mulher, esfregando as mãos.” Legazinha padecia calada. A orelha da necessidade começava a aparecer por trás da porta; não tardaria a ver-lhe o carão chupado e lívido, e o corpo em frangalhos. O dote, capital único, iase indo com o necessário e o hipotético. Sales, entretanto, não parava, acudia a tudo, à praça e à imprensa, o nde escreveu alguns artigos longos, muito longos, pecuniariamente longos, recheados de Cobden e Bastiat, para demonstrar que a companhia, trazia nas mãos “o lábaro da liberdade.” A doença de um conselheiro de Estado fez demorar os estatutos. Sales, impaciente nos primeiros dias, entrou a conformarse com as circunstâncias, e até a sair menos. Às vezes vestia-se para dar uma vista ao escritório; mas, apertado o colete, ruminava outra cousa e deixava-se ficar. Crendice do amor, a mulher também esperava os estatutos, rezava uma ave-maria, todas as noites, para que eles viessem, que se não demorassem muito. Vieram; ela leu, um dia de manhã, o despacho de indeferimento. Correu atônita ao marido. _ “Não entendem disto, respondeu Sales, tranqüilamente.  Descansa; não me abato assim com duas razões.” Legazinha enxugou os olhos. _ “Vais requerer outra vez?” perguntou-lhe. _ “Qual requerer!” Sales atirou a folha ao chão, levantou-se da rede em que estava, foi à mulher; pegou-lhe nas mãos, disse-lhe que nem cem governos o fariam desfalecer. A mulher, abanando a cabeça: _ “Você não acaba nada. Cansa-se à toa... No princípio tudo são prodígios; depois... Olha o negócio dos engenhos que  papai me contou...” _ “ Mas fui eu que me indeferi?”

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):29-31

30

Sales

_ “Não foi; mas há que tempos anda você pensando em outra cousa!” _ “Pois sim, e digo-te...” _ “Não digas nada, não quero saber nada ”, atalhou ela. Sales, rindo, disse-lhe que ainda havia de arrepender-se, mas que ele lhe daria um perdão “de rendas,” nova espécie de perdão, mais eficaz que nenhum outro. Desfez-se do escritório e dos empregados, sem tristeza; chegou a esquecer-se de pedir luvas ao novo inquilino da casa. Pensava em cousa diferente. Cálculos passados, esperanças ainda recentes, eram cousas em que parecia não haver cuidado nunca. Debruçava-se-lhe do olho luminoso uma idéia nova. Uma noite, estando em passeio com a mulher, confiou-lhe que era indispensável ir à Europa, viagem de seis meses apenas. Iriam ambos, com economia... Legazinha ficou fulminada. Em casa respondeu-lhe, que nem ela iria, nem consentiria que ele fosse. Para quê? Algum novo sonho. Sales afirmou-lhe que era uma simples viagem de estudo, França, Inglaterra, Bélgica, a indústria das rendas. Uma grande fábrica de rendas; o Brasil dando malinas e bruxelas. Não houve força que o detivesse, nem súplicas, nem lágrimas, nem ameaças de separação. As ameaças eram de boca. Melchior estava, desde muito, brigado com ambos; ela não abandonaria o marido. Sales embarcou, e não sem custo, porque amava deveras a mulher; mas era preciso, e embarcou. Em vez de seis meses, demorou-se sete; mas, em compensação, quando chegou, trazia o olhar seguro e radiante. A saudade, grande misericordiosa, fez com que a mulher esquecesse tantas desconsolações, e lhe perdoasse _ tudo. Poucos dias depois alcançou ele uma audiência do Ministro do Império. Levou-lhe um plano soberbo, nada menos que arrasar os prédios do Campo da Aclamação e substituí-los por edifícios públicos, de mármore. Onde está o quartel, ficaria o palácio da Assembléia Geral; na face oposta, em toda a extensão, o palácio do imperador. David cum Sibyla. Nas outras duas faces laterais ficariam os palácios dos sete ministérios, um para a Câmara Municipal e outro para o Diocesano. _ “ Repare V. Exa. que é toda a Constituição reunida, dizia ele rindo, para fazer rir o ministro; falta só o Ato Adicional. As  províncias que façam o mesmo.” Mas o ministro não se ria. Olhava para os planos desenrolados na mesa, feitos por um engenheiro belga, pedia explicações para dizer alguma cousa, e mais nada. Afinal disse-lhe que o governo não tinha recursos para obras tão gigantescas. _ “Nem eu lhos peço,” acudiu Sales. “Não preciso mais que de algumas concessões importantes. E o que não concederá o  governo para ver executar este primor?” Durou seis meses esta idéia. Veio outra, que durou oito; foi um colégio, em que pôs à prova certo plano de estudos. Depois vieram outras, mais outras... Em todas elas gastava alguma cousa,

31

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):29-31

e o dote da mulher desapareceu. Legazinha suportou com alma as necessidades; fazia balas e compotas para manter a casa. Entre duas idéias, Sales comovia-se, pedia perdão à consorte, e tentava ajudá-la na indústria doméstica. Chegou a arranjar um emprego ínfimo, no comércio; mas a imaginação vinha muita vez arrancálo ao solo triste e nu para as regiões magníficas, ao som dos guizos de algarismos e do tambor da celebridade. Assim correram os primeiros seis anos de casamento. Começando o sétimo, foi nosso amigo acometido de uma lesão cardíaca e de uma idéia. Cuidou logo desta, que era uma máquina de guerra para destruir Humaitá; mas a doença, máquina eterna, destruiu-o primeiro a ele. Sales caiu de cama, a morte veio vindo; a mulher, desenganada, tratou de o persuadir a que se sacramentasse. _ “Faço o que quiseres”, respondeu ele ofegante. Confessou-se, recebeu o viático e foi ungido. Para o fim, o aparelho eclesiástico, as cerimônias, as pessoas ajoelhadas, ainda lhe deram rebate à imaginação. A idéia de fundar uma igreja, quando sarasse, encheu-lhe o semblante de uma luz extraordinária. Os olhos reviveram. Vagamente, inventou um culto, sacerdote, milhares de fiéis. Teve reminiscências de Robespierre; faria um culto deísta, com cerimônias e festas originais, risonhas como o nosso céu... Murmurava palavras pias. _ “Que é?” Dizia Legazinha, ao pé da cama, com uma das mãos presa entre as suas, exausta de trabalho. Sales não via nem ouvia a mulher. Via um campo vastíssimo, um grande altar ao longe, de mármore, coberto de folhagens e flores. O sol batia em cheio na congregação religiosa. Ao pé do altar via-se a si mesmo, magno sacerdote, com uma túnica de linho e cabeção de púrpura. Diante dele, ajoelhadas, milhares e milhares de criaturas humanas, com os braços erguidos ao ar, esperando o pão da verdade e da justiça... que ele ia... distribuir...  Agradecimento e breve consideração diagnóstica

CCP agradece a Ramon M. Cosenza, professor sênior e doutor do Departamento de Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG e atual membro da Residência de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da UFMG, pelo envio desse conto a um tempo humano e trágico. Do ponto de vista psicopatológico, dada a disfunção ocupacional e social de Sales e seu quadro clínico, pode-se pensar em transtorno do espectro bipolar com traços narcísicos de personalidade. Indicação bibliográfica digna de nota é o livro de J. Leme Lopes “A Psiquiatria de Machado de Assis”; São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte: Agir, 1974.

Patografia PATOGRAFIA DE VINCENT VAN GOGH VINCENT VAN GOGH’ S PATHOGRAPHY

 Andrés Heerlein

Resumen

Mediante un análisis histórico-biográfico y psicopatológico de la vida y obra de Vincent van Gogh, el presente estudio intenta una aproximación longitudinal a los principales diagnósticos médicos y psiquiá tricos rotulados en este caso. Basado en múltiples estudios biográficos y psiquiátricos, se describen las principales etapas de la vida del pintor y su personalidad premórbida. Se analiza su producción pic tórica y su correspondencia con Theo van Gogh, poniendo especial atención a las interrogantes diagnósticas asociadas. Se describe el pródromo de su trastorno psicótico, la psicopatología y el trágico desenlace. Finalmente se discuten los aspectos diferenciales de los principales diagnósticos planteados, cuales son neurolúes, epilepsia o psicósis endógena, intentando poner especial énfasis en los aspectos longitudinales de su desarrollo biográfico y psicopatológico.

dio, tanto por la importancia del connotado paciente como por sus eventuales consecuencias para la mejor comprensión de los límites y fronteras de las posibilidades creativas de nuestros enfermos. Porque si bien van Gogh era un genio, a la vez se trataba de un paciente con un padecimiento muy similar al de múltiples personas que enfrentamos en nuestro diario vivir como psiquiatras. Y es por ello que la psiquiatría no puede quedar ajena al análisis y la comprensión de las complejas interacciones que puedan existir entre la anormalidad psíquica y el fenómeno de la genialidad. El presente estudio se basa en las revisiones histórico-biográficas de Tralbaut, 1 de Walther y Metzger 2 y de Nágera,3 como así  también en los estudios psicopatológicos de Karl Jaspers 4 y de Lemcke, 5 apoyados ambos en la correspondencia de Vincent a Theo van Gogh y a sus otros familiares. Se intenta además considerar los aspectos hereditarios, clínicos y diagnósticos postulados hasta ahora, efectuando un breve diagnóstico diferencial. Finalmente se discuten los principales argumentos sobre los que se debieran apoyar las teorías diagnósticas acerca del mal que afectara a Vincent van Gogh.

Desorden Mentales; Psicopatología; Historia; Neurosífilis; Epilepsia; Desorden Afectiva, Psicósis

Biografía

El estudio de la compleja vida de Vincent van Gogh y de su dramático desenlace constituyen uno de los desafíos mas interesantes y difíciles que un especialista proveniente de la medicina pueda emprender. Desde luego contamos con importantes patografías legadas por connotados psicopatólogos de la talla de Karl Jaspers, que casi hacen innecesaria una revisión del tema. Luego está la enorme cantidad de interpretaciones que se le han otorgado a cada una de las fases mórbidas de su existencia, así  como un sinnúmero de teorías explicativas acerca de su enfermedad. Finalmente queda el problema mas complejo, cual es, el intentar analizar la patografía de un genio que modificara significativamente el destino del arte y la pintura occidental. Porque al hablar de un genio nos referimos a una persona que, en diferentes dimensiones, escapa a los patrones de normalidad y adecuación que acostumbramos a usar en medicina y psicología. ¿Es acaso posible efectuar una exploración psicopatológica y aventurar u diagnóstico cuando se trata de un genio? Como podemos ver, el compenetrarse con este tema constituye un verdadero desafío, que no sólo exige la mayor concentración e ilustración posible sino que nos sitúa frente a preguntas insolubles. No obstante, creo que es importante asumir este estu-

La extensión del tema no nos permite adentrarnos en cada uno de los eventos conocidos de la vida de Vincent van Gogh, por lo que tendremos que concentrarnos en los aspectos mas relevantes o bien, los eventualmente asociados a su nosología. La Tabla 1 ordena en el tiempo las principales etapas de su vida. Podemos observar diferencias significativas en los distintos períodos de la vida de van Gogh. En honor al espacio, nos limitaremos a destacar los períodos mas relevantes del artista en relación a su desarrollo psicopatológico. Su infancia estuvo marcada por el duelo del primogénito y mortinato Vincent, fallecido un año antes del nacimiento del pintor. La muerte del primogénito Vincent afectó fuertemente a la pareja van Gogh-Carbentus, los que dejaron un recuerdo lapidario enfrente de la iglesia. Vincent, el pintor, tuvo en sus primeros años de vida frecuente contacto con esta lápida y la tumba de su hermano mayor, enfrentándose así precozmente al tema de la muerte. La adolescencia y juventud transcurren en una aparente normalidad y tranquilidad, destacando la extremada seriedad con que se describe al joven van Gogh desde sus inicios. Su buena adaptación inicial al rol profesional en al comercio artístico, particularmente en el período de La Haya, no permiten sospechar el dolo-

Palabras-claves:

Departamento de Psiquiatría y Salud Mental, Facultad de  Medicina, Campus Norte. Universidad de Chile.

Endereço para correspondência: Dept. de Psiquiatría y Salud Mental, Facultad de Medicina, Campus Norte. Universidad de Chile.  Av. La paz 1.003 - Santiago de Chile - Chile

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41

32

Patografia de Vincent van Gogh

roso camino que le deparaba el destino a Vincent. La estabilidad y adaptación laboral dura casi cinco años, desmoronándose en Inglaterra en relación a un amor no correspondido. Luego de su desilusión amorosa en Londres surge un cambio muy notorio en la vida del pintor, caracterizado por el inicio de los problemas laborales, la desorientación vocacional, el despido de parte de la Galería Goupil, el creciente interés religioso, la desadaptación social y la necesidad de desarrollar una actividad predicadora. Tabla 1 - Hitos biográficos en la vida de Vincent van Gogh 1852

Nacimiento (mortinato) del hermano mayor del pintor Vincent van Gogh, bautizado con el nombre de Vincent. Nacimiento de Vincent Willelm van Gogh, en Groot Zundert, Holanda. Nacimiento de Theo van Gogh. Primeros dibujos, apoyado por su madre. Estudios en el colegio-internado de Jan Provily en Zevenbergen. Estudios en Tilburg por 18 meses. Dependiente en la galería de arte Goupil, La Haya y Bruselas. Traslado a Londres por Goupil; desilusión amorosa con Ursula (Eugénie) Loyer; cambio psicopatológico y preocupaciones religiosas. Destinado a Goupil en Paris; conflictos laborales e inclinaciones bíblicas. Regreso a Londres. Despedido en Goupil, trabaja en Inglaterra como maestro de escuela en Ramsgate. Camina 110 km, de Ramsgate a Londres. “Ayudante” del reverendo de Isleworth. Primera prédica. Vuelta a la casa paterna a Etten, Holanda. Marcha a Amsterdam para ingresar al seminario de Teología. Abandono de sus estudios.Vuelta al hogar e inscripción en una escue evangelista en Bruselas. En Noviembre es enviado como evangelista voluntario a la región minera de Borinage. Pastor provisional en Wasmes (Borinage) hasta Julio; fervor desmedido, regala su ropa, cuida a los enfermos, duerme sobre tablas; lo tildan de “loco”; fracaso global en la misión; nuevo cambio psicopatológico. Vagabundea por los caminos. Continúa como misionero, por su cuenta. En Julio decide hacerse pintor y comienza sus estuidos de anatomía y perspectiva. Comienza ayuda económica de Theo. Nuevo drama sentimental con su prima Kee. Cambio a La Haya, donde el pintor Mauve. Relación sentimental con prostituta (Clasina) con quien convive por 20 meses; hospitalizado por infección gonocósica; intento serio de oficializar el vínculo y adoptar el hijo de Clasina; conflicto y rechazo familiar. Ruptura “forzada” con Clasina, vuelve con sus padres. Muerte de su padre; marcha a Amberes a estudiar a Rubens. Sífilis? Ingresa a regañadientes a una academia bajo la dirección de Siebert y Verlat, en Amberes; en marzo, cambio a Paris con la familia de Theo, inicio de contacto con pintores vanguardistas. Contacto con Toulouse-Lautrec, Pissarro, Degas, Serat, Signac y Gauguin. Inicio de etapa productiva. En Febrero, cambio a Arles (Provence); proyecto de una colonia de artistas. Intensa productividad; en Octubre llega Gauguin; el 24 de Diciembre intenta agredir a Gauguin, ruptura, mutilación y ofrenda de su hemioreja inferior; primera reclusión hospitalaria, por dos semanas. Alucinaciones intermitentes.Rehospitalización en Marzo,por un mes. Visita de Signac. Traslado al asilo de Saint-Rémy, cerca de Arles. Períodos de lucidez alternados con violentas crisis. Gran productividad pictórica. Nace el primer hijo de Theo; en Mayo traslado a Paris y luego a Auvers con el Doctor Gachet; continúa productivo, pero en crisis. Continúa escribiendo, pintando y leyendo literatura seria. El 27 de  julio se dispara un tiro en el pecho, muriendo a los dos días. Ultimas palabras:“La misére ne finira jamais ”. Internación a un asilo psiquiátrico y fallecimiento de Theo.

1853 1857 1864 1865 1867 1869 1873 1875 1876

1877 1878

1879

1880

1881 1882

1883 1885 1886

1887 1888

1889

1890

1891

33

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41

Entre 1876 y 1880 Vincent intenta estructurar sin resultado un destino religioso, primero como estudiante de teología y luego como pastor improvisado en la región del Borinage, regresando al hogar paterno en condiciones deplorables. A partir de 1880 van Gogh se distancia de la religión, regresando a sus inquietudes pictóricas. Intenta estructurar una carrera artística, lo que va ocurriendo sin un orden establecido. En el interin, surgen nuevas desilusiones amorosas e importantes diferencias familiares. El estrecho vínculo e irrestricto apoyo de su hermano Theo comienza a ser cada vez mas central en su biografía. Aunque mejor adaptado, en esta etapa van Gogh continúa caracterizandose por una tendencia al aislamiento, por los rasgos introvertidos, por sus evidentes dificultades en el relacionamiento social y cotidiano, por su desadaptación y por una probable inestabilidad emocional. Los estudios de Lemcke nos revelan la totalidad de las cartas de Vincent a Theo van Gogh, destacandose las cartas que presentan alteraciones psicopatológicas. 5 Podemos observar que en este período (1882-1884) surge un número considerable de cartas que presentan alteraciones psicopatológicas, si bien leves. En 1886 Vincent se traslada a Paris, disminuyendo significativamente la correspondencia con Theo. Por ende, desconocemos gran parte de la situación interna del pintor durante esta fase. A partir de Febrero de 1888 hay un repunte anímico evidente en la vida del pintor, evidenciado tanto por las cartas como por la productividad pictórica. Este período corresponde a la fase provenzal, donde Vincent intenta organizar una comunidad de artistas en la colorida ciudad de Arles. A mediados de 1888 aparecen los primeros signos psicopatológicos, relatados por el propio pintor, culminando en la primera crísis psicótica evidente a fines (Navidad) de 1888. Este período coincide con la visita y posterior distanciamiento de Paul Gaugin, con quién comparte casa, productividad y devenir por casi dos meses. Desde su llegada a Arles, Vincent trabaja en función de consolidar la comunidad de artistas. La visita de Gaugin es esperada largamente y con gran exitación. Gaugin no comparte las visiones artísticas y personales de Vincent, produciendose un desencuentro creciente. El 23 de Diciembre de 1888 se desencadena un primer episodio psicótico, el que coincide con el distanciamineto de Gaugin, la desilusión y el fracaso del proyecto comunitario en la Provence. A partir de este momento Vincent presenta múltiples crísis psicóticas intermitentes que ameritan rehospitalización. Los hallazgos psicopatológicos en sus cartas a Theo se hacen mas evidentes, requiriendo una estrecha vigilancia por parte de su hermano. A pesar de su reclusión voluntaria en el asilo de SaintRémy, cerca de Arles, la productividad pictórica se mantiene inalterada. En Mayo de 1890 se traslada a Auvers-sur-Oise para recibir un tratamiento de parte del doctor Gachet, donde mantiene su ritmo de gran producción pictórica. Fallece a fines de julio de 1890, sin un anuncio previo, explicación ni un signo de premeditación suicidal. Pocos días antes del trágico desenlace pinta sus últimas obras, manteniendo en líneas generales el estilo y las caracteristicas centrales de su obra. Durante este período, Vincent mantiene la correspondencia con

Theo y continúa leyendo a autores complejos como Voltaire y Zolá, entre otros.  Aspectos Médicos

 Antecedentes Familiares

La Tabla 2 revela en forma cronológica los antecedentes médico-psiquiátricos relacionados con la vida de Vincent van Gogh y su familia nuclear. Cabe destacar aquí el antecedente proporcionado por el propio pintor acerca de su familia materna (Carbentus), donde se sostiene que una tía habría sido epiléptica y que habrían habido múltiples desordenes mentales en su familia. En la historia familiar nuclear destaca el muy probable suicidio del hermano menor, Cornelius o ‘Cor’, acontecido en Sudáfrica, la psicosis crónica de Wilhelmine, su hermana predilecta y la enfermedad de Theo, quién fallece en un hospital psiquiátrico en Utrecht un año después del suicidio de Vincent. Se desconocen los detalles de la patología de Theo, pero se ha postulado un cuadro psicótico progresivo. Algunos autores han postulado una neurosífilis, la que también ha sido rotulada para su destacado protegido.6,7 No obstante, no hay suficientes elementos probatorios que apoyen la teoría de una neurolúes compartida por ambos hermanos, lo que será discutido posteriormente. Tabla 2 - Antecedentes médico-psiquátricos de Vincent van Gogh y de

la familia van Gogh - Carbentus 1882 1885 1886 1888 1889 1889 1890 1890 1890 1891 1892

Vincent es hospitalizado três semanas por una infección gonocósica. Eventual tratamiento de Vincent con yoduro de potasio: lúes? Eventual tratamiento de Theo con yoduro de potasio por lúes secundaria. Primera hospitalización en Arles. Mutilación de hemioreja inferior. Múltiples hospitalizaciones por episodios psicóticos transitorios. Intento de suicidio. Vincent declara que la hermana de su madre era epiléptica y que había muchos casos de desordenes mentales en la familia. Traslado a Auvers-sur-Oise; tratamiento por el Dr. Gachet. Posible suicidio de ‘Cor’, el hermano menor de Vincent, en Sudáfrica. Suicidio de Vincent. Muerte de Theo en Utrecht, en un sanatorio psiquiátrico. Ingreso de Willhelmien, la hermana preferida, a un asilo psiquiátrico, donde permanecerá recluida hasta su muerte, en 1941. Intentos de suicidio que requerirán contención ocasional.

Personalidad Premórbida

Las escasas descripciones existentes en relación al niño Vincent van Gogh coinciden en describirlo como un ‘niñoadulto’, serio, retraído, solitario, disciplinado, observador, inteligente y amante de la naturaleza. No hay antecedentes de la existencia de conflictos familiares gravitantes, pero podemos suponer que la muerte del primogénito Vincent y el constante recuerdo, a través de la visita ineludible a la tumba de su hermano, tuvieron una influencia considerable en el desarrollo temprano del artista. 7 Según su cuñada Johanna, ya en la infancia Vincent tenía un carácter difícil, pendenciero y obstinado. Se apasionaba por la

naturaleza, los animales, las flores, y coleccionaba toda clase de objetos. El contacto con los escolares de la aldea lo habría vuelto aún mas intranquilo, por lo que los van Gogh contratan una niñera. Esta describiría mas tarde al niño Vincent como ex traño, diferente a los demás. “Su comportamiento era raro y excéntrico, lo que le valía muchos castigos” . Vincent era para ella el menos agradable de los hijos. La descripción de la viuda de Bie-van Aalst, detalladas en el libro de Tralbaut, coinciden en señalar que, a diferencia de Theo. Vincent era un niño serio. Según su hermana Elizabeth, Vincent era un niño solitario y apartado. 1 No encontramos mayor información sobre la pubertad y la adolescencia de Vincent, pero nos parece probable que no haya diferido mucho de su infancia. A los 12 años es enviado al internado de Zevenbergen, donde no se habría adaptado bien. Tiempo despues Vincent le relata a Theo la gran nostalgia del hogar que sintiera durante este período, esperando con ansias las visitas de sus padres y añorando las escasas visitas al seno familiar. Segun Nágera, esta separación del hogar habría tenido gravitantes consecuencias para el desarrollo de van Gogh. El carácter solitario e introvertido se habría acentuado gracias a la vivencia sub jetiva de separación del hogar, la que nunca habría sido resuelta. 3 Posteriormente, en el período de La Haya, Vincent habría alcanzado un mejor nivel de adaptación social y laboral, revelando cierta estabilidad. No obstante, no contamos con información confiable acerca de su personalidad y sus vivencias en este período. Suponemos que el traslado a Londres, determinado por la galería Goupil, no fue bien recibido por Vincent, quien se alejaba aún mas del hogar. Sin embargo, no hay antecedentes que sugieran graves alteraciones durante el primer período de su estadía en Inglaterra. A los 20 años de edad, Vincent vive como pensionista en la casa de la señora Loyer, donde se enamora de su hija. Luego de la desilusión amorosa en Londres se produce un importante cambio de la personalidad de van Gogh, donde se evidencian rasgos de creciente excentricidad, introversión, tendencias proselitistas, rasgos fanáticos, desadapatación y tendencias al aislamiento. Estas características se mantendrán a lo largo de la vida del pintor. Vincent es descrito como excéntrico, individualista, romántico y contradictorio. En numerosas oportunidades lo describen como un ‘loco’, en particular durante el período religioso. No obstante, la excentricidad no aparece reflejada en la conducta general, sino en la forma de emprender sus proyectos. A los 24 años Vincent trabaja brevemente como librero en Dordrecht, donde un colega lo describe de la siguiente forma: “Es un muchacho poco atractivo, mas bien insociable y que rara vez habla con alguien en la tienda”.3 Se toma la vida muy en serio, la vive siempre en forma intensa y sin eludir los desafíos. Es una persona muy alejada de los intereses materiales y desde muy temprano tiene que ser apoyado económicamente por su familia. Solitario, sensible e introvertido, van Gogh no pierde tiempo en adaptaciones al orden establecido, manteniendo siempre una curiosa relación con un orden moral o estético superior. Las escasas descripciones de su relacionamiento social dejan entrever una clara inseguridad personal, particularmente en sus vínculos con el sexo opuesto. Simpatizante de los niños, de los pobres y débiles en general, Vincent no logra dar concreción a estos impulsos en su vida cotidiana, manteniéndose en un plano de soledad mas abstracto. La extrema sensibilidad, su introversión y la falta de

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41

34

Patografia de Vincent van Gogh

sentido realista le impiden establecer puentes sociales, quedando siempre en una profunda soledad. Como bien señalara Jaspers, van Gogh presenta una clara inclinación a la soledad y al ensimismamiento, aunque “está siempre suspirando por la amistad y el  trato de las gentes que tan obstinadamente rehuye”.4 En síntesis, los escritos permiten definir con cierta certeza la personalidad premórbida de van Gogh como sigue: introvertido, sensible, profundo, excéntrico, solitario, con rasgos fanáticos, amante de la naturaleza, con poca capacidad para tolerar frustraciones y una clara desadaptación social. Su funcionamiento cognitivo se caracteriza por una intensa emocionalidad, generalmente incierta e incongruente, con tendencias holísticas, rigidez y la escasa tolerancia a las frustraciones, en el marco de rasgos de neuroticismo e inestabilidad crecientes. Ocasionalmente se desprenden de su conducta y de sus cartas rasgos de psicoticismo, de depresividad, de tendencias autodestructivas y una evidente incapacidad de adecuación a la realidad social y económica. Pródromo del primer episodio psicótico

En Febrero de 1888 Vincent llega a Arles con la esperanza de constituir una comunidad de artistas. Desde un comienzo el pintor comienza a alabar las virtudes de esta soleada región del sur de Francia, mostrando en su productividad pictórica y en sus cartas una creciente satisfacción. Con la ayuda de Theo, Vincent se concentra plenamente en su obra y su proyecto, logrando consolidar un notable registro pictórico. A mediados de 1888 fallece el tío Vincent (Cent), quién originalmente favorecía y protegía al pintor, pero ahora lo deshereda. No obstante, desde su llegada a Arles, van Gogh se muestra optimista, productivo, creativo y esperanzado. Es posible pensar en la presencia de una alteración hipomaniacal, como veremos posteriormente. En Agosto de 1888, Vincent comienza a especular con la llegada de Gaugin, quién finalmente llega a regañadienetes en Octubre. Durante el período de espera, van Gogh se dedica a remozar la casa amarilla, pintando varios lienzos (Girasoles) con fines decorativos. Segun Jaspers, ya en ésta época se visualizan los primeros signos de una alteración psicopatológica. 4 Las espectativas de la llegada de Gaugin son poco realistas y surgen de la visión romantica del artista. Semanas antes de la llegada de Gaugin Vincent le escribe a su hermano Theo: “Si, es cierto me avergüenzo de ello, pero quisiera impresionar a Gauguin con mi trabajo...; su venida va a alterar mi manera de pintar... ”.1 Pocos dias antes de la llegada de Gauguin, Vincent escribe: “He intentado presionar mi propio trabajo lo máximo posible, en mi deseo de poder mostrarle algo novedoso, de no ser objeto de su influencia antes de poder mostrarle mi   propia individualidad...”. Durante este período, trabaja en forma febril, descuidando su alimentación, sueño y necesidad de reposo. En forma profética anuncia su devenir en su última carta antes de la ansiada llegada de Gauguin: “No estoy enfermo, pero sin duda pronto lo estaré si no consumo bastante alimento y dejo de pintar por algunos días.  De hecho, estoy muy próximo al estado de locura de Hugo van der Goes en el cuadro de Emil Wauters. Y si no fuera  porque yo tengo una doble naturaleza, una de monje y otra

35

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41

de pintor, ya hace mucho tiempo que debería estar reducido completa e irremediablemente a la condición antes mencionada. No obstante, no pienso que mi locura tomaría la  forma de manía de persecución, ya que en los estados de exitación mis sentimientos me conducen mas bien a la contem plación de la eternidad, y de la vida eterna. En todo caso, debo estar muy atento con mis nervios, etc...”.1

La excitación que Vincent siente con la llegada de Gaugin rápidamente se compromete con una compleja convivencia de ambos artistas. Sus visiones del arte y del mundo son enteramente disímiles, logrando sólo un encuentro superficial. Gaugin amenaza con irse, mientras van Gogh entra en un estado de creciente inestabilidad. De acuerdo con Gaugin, Vincent se torna irritable, agresivo, impulsivo, mutista e impredecible. Padece insomnio de continuación, y ocasionalmente lo habría espiado durante el sueño. Luego de una disputa van Gogh sigue a Gaugin por las calles de Arles con una navaja de afeitar, quien lo confronta. Dejemos que el mejor testigo del pródromo de la psicosis de Vincent, Paul Gauguin, nos relate los hechos: “Cuando llegué a Arles, Vincent estaba intentando encontrar su camino, mientras que yo, que era mucho mayor, ya era un hombre maduro... Durante el último período de mi  estancia, Vincent se convirtió en excesivamente brusco y ruidoso, y de repente silencioso. varias noches descubrí que, habiéndose despertado, estaba al pie de mi cama...  Invariablemente era suficiente que yo le dijera en tono  grave: ’Vincent ¿te pasa algo?’, para que volviera a la cama sin decir palabra y cayera en un sueño profundo. Tuve la idea de pintar su retrato mientras estaba pintando su bode gón favorito, girasoles. Y una vez terminado el retrato me dijo: ’Si que soy yo, pero me he vuelto loco’. La misma noche  fuimos al café, donde tomó un ajenjo ligero. De repente me tiró el vaso y su contenido a la cabeza. Eludí el golpe y tomándolo con fuerza en mis brazos, salí del café; pocos minutos después Vincent se encontraba en cama, donde durmió hasta la mañana siguiente. Al despertarse me dijo: ‘Querido Gauguin, me parece recordar vagamente que anoche te ofendí’ a lo que le contesté: ‘Con ganas te perdono,  pero el incidente de anoche podría repetirse, y si me alcanza un golpe podría perder los estribos y estrangularte. Permíteme pues, que le escriba a tu hermano y le anuncie mi regreso’. Al atardecer, y después de haber comido rápidamente mi cena, sentí la necesidad de salir solo y tomar aire. Había cruzado ya la plaza de Victor Hugo, cuando oí detrás mío un paso rápido e irregular, muy familiar. Di la vuelta  justo en el momento en que Vincent se abalanzaba hacia mí  con una navaja de afeitar abierta en la mano. Mi mirada en ese momento tiene que haber sido verdaderamente muy  poderosa, porque se paró y bajando la cabeza, se fue corriendo en dirección a nuestra casa...”8 Al día siguiente, el 24 de Diciembre de 1888, la policía lo encuentra inconsciente en su habitación. De acuerdo al reporte de un diario local, en la misma noche de la confrontación con Gauguin, Vincent vuelve a la casa amarilla y se mutila la hemioreja izquierda, entregando la pieza envuelta en un paño a una

conocida (Rachel) de un burdel vecino. A partir de este episodio, Vincent se convierte en paciente hospitalario recurrente, lo que no obsta que mantenga una febril productividad pictórica, hasta su muerte, ocurrida 18 meses después. Psicopatología y evolución

Lamentablemente, las descripciones clínicas de los diferentes epiodios psicóticos de Vincent van Gogh son muy escasas. En Navidad de 1888, después del episodio de automutilación de su hemioreja inferior, Theo viaja a Arles, donde describe el estado de su hermano como sigue: “Por momentos aparece lúcido, pero luego, subrepticiamente cae en una divagación filosófica o teológica. A veces, toda la miseria de su pasado resurge en el; el quiere llorar, pero no puede hacerlo” .1 El 1. de Enero de 1889 Vincent aparece mas recuperado, escribiendo a Theo: “Espero que Gauguin te reembolse completamente, también un poco en el negocio de la pintura. Espero comenzar pronto con mi trabajo” . Luego añade: “Escríbele una línea a mama por mi, para que nadie se preocupe” . En el reverso de dicha carta le envía un mensaje de amistad a Gauguin, hablando de “alta fiebre” y de “debilidad comparable”. El 2 de Enero su médico tratante, el Dr. Rey le escribe a Theo señalando que Vincent se recupera rápidamente y que el estado de sobreexcitación solo será temporal. 1 El 7 de Enero es dado de alta, con su cabeza aun vendada. Al regreso a la casa amarilla, Vincent le asegura a su hermana y su madre estar recuperado y que durante un buen tiempo estará libre de problemas. En este período, van Gogh pintó dos memorables cuadros, el  Retrato del   Dr. Rey y  Los Jardines del Hospital de Arles. Durante el mes de Enero, Vincent continúa pintando en forma solitaria. La gente de Arles se muestra hostil y agresiva contra el artista, y ya el 9 de Febrero es rehospitalizado, esta vez sin la espectacularidad anterior. A petición ciudadana, Vincent es confinado y la casa amarilla es clausurada. En su soledad, Vincent le escribe a Theo: “Si no cuento con tu amistad, me veré irremediablemente conducido al  suicidio, y, cobarde como soy, lo debiera cometer finalmente” .3 Cabe destacar aquí que Theo recientemente había contraído nupcias con Johanna. En el mes de Marzo Vincent se resigna a su condición de confinamiento. Theo relaciona su enfermedad con las malas condiciones materiales de la vida previa de Vincent, favoreciendo su reclusión. Mientras el Director del Hospital de Arles, el Dr. Urpar, le diagnostica una “manía aguda con delirium  generalizado”, el Dr. Rey habla de “crisis epilépticas”.1 En Mayo, Vincent es trasladado voluntariamente al hospicio del pueblo provenzal de Saint-Rémy, manifestando que un hombre en su condición tal vez debiera decidirse por la legión extranjera. La ficha clínica de Saint-Rémy describe en sus inicios un estado de “manía aguda, con alucinaciones visuales y auditivas, siendo necesario su observaciones por un período prolongado” . En SaintRémy se lo trata con una terapia hidropática, con baños dos veces a la semana. Van Gogh parece complacido con el tratamiento, reportando los pormenores de su condición en forma regular a su familia. En las cartas se habla de “ataques”, refiriéndose a las crisis psicóticas. Un día después de arribar al hospicio reinicia la pintura, teniendo a su disposición una segunda habitación para trabajar. Obviando las rejas, el artista desarrolla múltiples temas

que logra captar desde la breve ventana de su celda, consiguiéndolo con gran precisión. Es justamente desde esta situación que Vincent pinta su segunda noche estrellada ( Starry night), notablemente distinta a la del año anterior, fundiendo realidad y fantasía. Para muchos autores la presencia de las alucinaciones visuales, entre otros factores, permitieron dar el paso para el origen de dicho cuadro. La obra de van Gogh sufre, desde su celda del asilo de Saint-Rémy, un nuevo cambio, caracterizado por una gran liberación interna y una irrestricta expresión de su interioridad. En Mayo y Junio, van Gogh se adapta bien al asilo, pintando importantes obras. No obstante, tras una breve y frustrante visita a Arles a comienzos de Julio, donde no encuentra a un pastor amigo ni al Dr. Rey, vuelve a desencadenarse uno de los “ataques”, con clara sintomatología productiva y que durara hasta Agosto. De las cartas a Theo se desprenden tres fases psicóticas en Arles, del 24 de Diciembre de 1888 al 19 de Enero de 1889 la primera, del 4 al 18 de Febrero la segunda y del 26 de Febrero a mediados de Abril. En Saint-Rémy se describen cuatro episodios: del 9 de  Julio a mediados de Agosto, nueva y curiosamente del 24 de Diciembre de 1889 al 1. de Enero de 1890, del 23 al 30 de Enero y de mediados de Febrero a mediados de Abril. En algunos casos, la fase aguda duraba sólo unos días, en otros, varias semanas, quedando siempre una lenta remisión posterior. Durante la mayoría de las crisis se observa un delirio paranoídeo con elementos místico-religiosos. Se describen alucinaciones auditivas y visuales, con ocasionales momentos de confusión. En algunas ocasiones, van Gogh describe una amnesia posterior a las crisis. En otras, hay claros indicios de su plena lucidez durante las crísis psicóticas y los desajustes conductuales. Así, por ejemplo, estando en Saint-Rémy, van Gogh obtiene permiso para salir a pintar al campo, siempre en compañía de un gentil auxiliar, de nombre Poulet. En una oportunidad, estando en el camino de regreso y sin aviso, se da vuelta y golpea a Poulet en el abdómen. Al siguiente día, Vincent espontáneamente lamenta haberlo golpeado y le pide disculpas, señalando además que “me sentía perseguido por la policía de Arles”.1,3 En otra oportunidad lo encontraron intentando comerse sus pinturas, habiendo ingerido tres tubos de ellas.1 En el reporte de alta del Dr. Peyron se mencionan numerosos intentos de envenenamiento. Luego de un nuevo período de crisis en Diciembre de 1889, esta vez mas breve, van Gogh comienza a recuperar su impulso. En Enero de 1890 se ve optimista y productivo en sus cartas. No obstante, en estrecha relación con la noticia del nacimiento del primer hijo de Theo, se produce una recaída. En esta oportunidad Vincent habla de una melancolía. De hecho, muchas crisis estuvieron en relación a los cambios en la vida de su hermano, como el anuncio del compromiso (el mismo día de la primera crísis), el matrimonio y el nacimiento del hijo de Theo. El nuevo episodio le dura hasta Abril de 1890, a pesar que es  justamente en este período cuando consigue el tan anhelado deseo de vender su segundo cuadro. Se describe a si mismo como abatido, angustiado, desganado, triste. Habla de los “Antropófagos de Arles” y deja entrever una clara nostalgia por el norte.1,3 Theo, a través de Pissarro, establece un contacto con el Dr. Gachet, quien venía originalmente de Flandes y quien se muestra dispuesto a recibir al paciente.

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41

36

Patografia de Vincent van Gogh

Gachet no solo hablaba la lengua materna de Vincent, sino que era un profundo conocedor de la pintura y sus creadores, como Cézanne, Courbet y Monet. Tenía conocimientos artísticos y practicaba una medicina alternativa, incluyendo el uso de la homeopatía y la corriente eléctrica. Luego de una tensa espera, Vincent pasa por Paris en camino a Auvers-sur-Oise, donde reside el Dr. Gachet. Johanna, la esposa de Theo, escribe estar muy impresionada por la saludable y fornida apariencia de Vincent, quien esta perfectamente recuperado de su problema nervioso. Su seguridad, su autoestima y su confianza se habrían recuperado notablemente, y la m anía de persecución se habría desvanecido, escribe Johanna. 1 Estamos ahora a mediados de mayo, dos meses antes del suicidio. Luego de una breve y tranquila estadía en Paris Vincent se traslada a Auvers, desde donde le escribe a Theo que el Dr. Gachet le impresiona como un buen sujeto, aunque tanto o mas excentrico que el mismo. No obstante, en pocas semanas Vincent cambia su opinion sobre Gachet, cenando juntos y hablando en varias oportunidades sobre arte. En cuanto llega a Auvers, Vincent retoma su trabajo, buscando locaciones apropiadas, aumentando sus aventuras expresionistas. Trabajaba con mayor intensidad que antes, duerme de 9 P.M. a 5 A.M. y parece estar recuperado. No obstante, en algunas cartas deja entrever gran preocupación económ ica, frustración y desesperanza. Tras la visita de Theo y su familia, Vincent pasa un breve período de bienestar, volviendo a evidenciar signos depresivos a comienzos de Julio, viajando a Paris el 6 de Julio de 1890. Theo le prepara una abultada agenda social, que incluye a su antiguo amigo Toulouse- Lautrec y a su hermana querida Wilhelmien. No obstante, y antes de la llegada de su hermana, bruscamente y sin explicaciones interrumpe su visita y regresa a Auvers. En estos días, Vincent presenta una explosión agresiva en casa del Dr. Gachet, sin una causa justificada ni explicación posterior. El domingo 27 de Julio Vincent almuerza como de costumbre y sale luego a caminar (cazar cuervos?). Regresa mas tarde de lo común, inestable, y afirma que se atrasó porque estaba herido, restándole gravedad al hecho. Al visitarlo en su pieza, van Gogh le exhibe la herida al arrendatario diciendo: “me he disparado... sólo espero no haber fallado” . En presencia del Dr. Gachet, el moribundo se fuma una pipa y le afirma que en caso de salvarse lo va a repetir una y otra vez. Al llegar Theo Vincent le dice: “no llores, lo hice por todos nosotros”. Luego le pregunta a Theo acerca de su condición médica, quién le responde que puede ser favorable, a lo que Vincent responde: “De nada sirve... la miseria no terminará jamás”. Estas fueron sus últimas palabras, muriendo el 29 de Julio en la madrugada, a los 37 años. Los motivos del suicidio nunca se aclaran del todo. Se postulan las razones económicas, la inestabilidad emocional, una creciente conciencia de la declinación artística, el temor a otra crisis o una nueva desilusión amorosa, esta vez con la hija del Dr. Gachet, Marguerite. 7 En el lecho de muerte, Vincent no explica a nadie su conducta y se limita a fumar sin interrupciones su pipa. Seis meses después fallece su hermano Theo, en un asilo psiquiátrico de Utrecht. Diagnóstico

Ya desde la primera hospitalización de Vincent van Gogh en Arles, a fines de 1888, las teorías en torno al diagnóstico de su

37

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41

enfermedad han proliferado en progresión geométrica. La Tabla 3 nos resume los principales diagnósticos planteados hasta hoy. Tabla 3 - Vincent van Gogh: patologías neuro-psiquiátricas postuladas Síndrome de Méniere Intoxicación digitálica Oleo (terpentina) y luz solar Epilepsia Psicosis epiléptica Epilepsia temporal Estado crepuscular Psicosis maníaco-depresiva Esquizofrenia Lúes Neurastenia Psicopatía Tumor cerebral

Arenberg,1 Yasuda5 Lee9 Bonkowsky,10 Gachet5 Evensen, 11 Navratil,12 Doiteau1 Birnbaum,5 Meige,5 Minkowska 5 Müller,13 Gastaut1,14 Riese,15 Steiner5 Perry16  Jaspers,4 Schilder,1 Westermann-Holstijn, 17 Kerschbaumer,1 Rose,1 Bychowsky1 Springer,6 Wilkie7 Fels,1 Uhde5 Bolten1 Bader1

Si bien es posible afirmar que la influencia de algunos factores tóxicos como el alcohol y el absinto, 5 la terpentina o el digital, 5,9 sumados a la crónica desnutrición y al tabaquismo desmesurado, pudieran haber afectado el equilibrio psíquico del artista, no cabe duda que estos factores son sólo circunstanciales y no explican la totalidad del cuadro clínico. Incluso hay autores que han planteado la posibilidad de una porfiria. 10 Sin embargo, el estudio de sus cartas, de la personalidad premórbida y de su biografía (Tabla 1) nos ha demostrado que las manifestaciones iniciales de su trastorno hicieron su aparición mucho antes del consumo de dichas substancias. A su vez, el estudio del pródromo y de la mayoría de las manifestaciones clínicas nos revela que la psicopatología del cuadro psicótico no coincide con el diagnóstico de una psicosis exógena. Si bien hay períodos de confusión, van Gogh mantiene sus sunciones cognitivas intactas hasta su muerte, sin signos de deterioro. A su vez, en muchos pasajes de sus crisis psicóticas se describe una clara conciencia de sus actos. El diagnóstico de un síndrome de Méniere 5,18 tampoco parece muy probable, considerando al desarrollo longitudinal y la mayoría de los síntomas expuestos. En honor al tiempo, nos deberemos remitir aqui sólamente a los diagnósticos que parecen como los mas probables: • parálisis general (neurolúes encefálica); • epilepsia parcial compleja o psicomotora; • psicósis endógena. Neurolúes: la mayoría de los expertos en la biografía de V. van Gogh coinciden en documentar una hospitalización de dos semanas, en 1885, por una infección gonocósica. 1,3,6,7 Posteriormente, de acuerdo con Wilkie, Vincent habría tenido un cuadro lúetico por el que habría recibido tratamiento con yoduro de potasio.7 La infección se podría haber originado en su discutida relación con Classina, en La Haya, o bien, posteriormente, en 1985. Wilkie, entre otros, sostiene que no sólo Vincent sino tambien Theo habría padecido de una lúes, tal vez adquirida en Paris.7 La irregular vida llevada por el pintor y la alta prevalencia de dicha enfermedad en la Europa de fin de siglo hacen bastante

probable este diagnóstico, especialmente si consideramos la bastante bien documentada y segura infección gonocósica, la que frecuentemente se asocia a la entrada del Treponema pallidum. No obstante, cabe preguntarse si la enfermedad psiquiátrica de Vincent van Gogh puede explicarse sólo a través de una sífilis, y si cabe plantearse el diagnóstico de una parálisis general. No obstante, el cuadro psicótico iniciado en Diciembre de 1888 tras la disputa con Gauguin no parece estar relacionado con dicha enfermedad. Para demostrar esta afirmación deberemos considerar la personalidad premórbida (antes de 1888), la psicopatología, los antecedentes genéticos y la evolución. Como hemos demostrado previamente, Vincent van Gogh tuvo siempre una personalidad muy particular, caracterizada principalmente por introversión, escasa sociabilidad, seriedad extrema, neuroticismo, sensibilidad, fanatismo y problemas de identidad. En el período religioso, en 1880, mucho antes de sus contactos sexuales, el pintor evidenció conductas muy excéntricas, durmiendo en el piso, regalando su ropa e incluso vagabundeando, por lo que los mineros lo llamaban “el loco”. Vincent regresa a su casa en un estado lamentable, teniendo que ser recuperado y luego ser mantenido por su familia. Todo esto ocurre antes de la eventual infección venérea. Debemos considerar además que el tiempo que transcurre entre la infección gonocósica (eventuál contagio luético) y la primera fase psicóticas es de 1882 a 1888, osea, breve para la instalación de una parálisis general. En este lapso no se vislumbran indicios de la infección, ya sea en sus fases primaria o secundaria. Recordemos además que el pintor ya evidenciaba algunas alteraciones psicopatológicas en sus cartas iniciales, sugiriendo así un cuadro de inicio muy solapado, justo después de su primera desilusión amorosa en Londres (1873). El cambio experimentado por van Gogh tras esta desilusión fue muy marcado e irreversible. De ser un empleado relativamente exitoso e independiente, con un futuro promisorio en Goupil, van Gogh pasa a ser un sujeto desadaptado, incapaz de mantenerse y bastante marginal. Posteriormente, las descripciones psicopatológicas de la enfermedad de Vincent, a partir de 1888, y las cartas a Theo, señalan la presencia de una clara conciencia de enfermedad, de lucidez y de una inteligencia intacta, hasta su muerte. Vincent escribe normalmente, discute y lee sobre filosofía unas pocas semanas antes de su muerte. No hay ningún signo de deterioro cognitivo, como tampoco se registra alguna alteración neurológica. Lo mas llamativo de sus cartas continúa siendo la mantención de un estilo riguroso y preciso, con buena capacidad de memoria, pero con ciertas alteraciones psicopatológicas del tipo de la descripción de alucinaciones mixtas o delirios de persecución, de referencia, religiosos o de grandeza. Resulta difícil sostener la hipótesis de una parálisis general ante esta evidencia clínica. Al contrario, la gran productividad pictórica y epistolar, generalmente muy lúcida, tienden a rebatir fuertemente esta hipótesis. En síntesis, podemos afirmar que si bien van Gogh pudo padecer una infección luética, es muy poco probable que haya sido ésta la causa de su trastorno psiquiátrico. Si bien aceptamos la necesidad de encontrar una unidad diagnóstica, nos parece demasiado forzado intentar explicar todo el proceso psicótico del pintor a través de una neurolúes, que, como sabemos, evoluciona en etapas y con un cuadro clínico bastante diferente. Finalmente, no debemos olvidar los antecedentes psiquátricos

familiares, que nos alejan aún mas de la posibilidad exclusiva de una parálisis general, y nos orientan claramente a las dos posibilidades mas probables, cuales son, la de una epilepsia o de una psicósis endógena. Epilepsia: el diagnóstico de una epilépsia ha sido planteado por varios connotados especialistas. 11,13,19 Si bien este diagnóstico fue planteado inicialmente por Rey durante su hospitalización en Arles, no hay una descripción clínica clara de crísis tónico-clónicas, de algún tipo de crisis motora o sensitiva o de episodios ictales aislados. Si bien existirían algunos elementos sugerentes de este tipo de mal en los períodos finales de su enfermedad, quedan muchas preguntas pendientes. De acuerdo con Gastaut, existirían evidencias de crísis convulsivas durante la hospitalización en Saint-Rémy, donde por lo demás, dicho diagnóstico fue planteado por el Dr. Peyron, quién escribe lo siguiente: “Yo considero que el Sr. van Gogh es objeto de ataques de epilepsia”. Por lo mismo, se le trata con bromuros, muy usados en esa época para dicho mal. La eventual confusión descrita durante alguna de las crísis, la discutible amnesia posterior, las alucinaciones visuales y los delirios paranoídeos y religiosos han sido esgrimidos como evidencias claras de la presencia de un trastorno epiléptico. A su vez, se han descrito fenómenos de hipergrafia y de religiosidad, lo que se constituiría en un síndrome de Geschwind. En este caso, deberíamos inclinarnos mas bien por el diagnóstico de una epilepsia psicomotora, el que resulta muy controvertido dadas las características tanto de la biografía como de la psicopatología del pintor. Los registros de las fases psicóticas revelan que éstas cursaban muchas veces con lucidez y plena conciencia de enfermedad. No hay diferencias nítidas entre los períodos críticos y los intervalos asintomáticos, como tampoco un patrón sugerente de actividad ictal, ya sea breve o prolongado. Varios episodios guardan íntima relación con los acontecimientos biográficos, que alteran la vida del pintor, como son los conflictos con Gauguin, con la familia de Theo, con los ciudadanos de Arles, etc. Hay claros trastornos conductuales e impulsos agresivos subrepticios, inexplicables, y con demostrada conciencia posterior. Algunos se producen en plena actividad laboral. Aún dentro de las fases psicóticas, la mayoría de los síntomas y trastornos conductuales son experimentados concientemente y con claro registro mnésico. Si bien Vincent habla ocasionalemente de confusión y de amnesia posterior, no hay evidencias claras que apoyen este hecho. Al contrario, en la mayoría de los desajustes conductuales que involucran a terceras personas, como Gauguin, Poulet, Johanna o Theo, queda registrada nítidamente una conciencia lúcida, aún en presencia de alucinaciones o de ideas delirantes. Llama la atención el interés de Vincent en apoyar el diagnóstico de una epilepsia, lo que de acuerdo a sus cartas a Theo, parece complacerle. En algunas cartas Vincent habla de amnesia posterior, de total inconciencia, lo que no es siempre concordante con la descripción de terceros. No olvidemos el episodio descrito por el auxiliar de Saint-Rémy, Poulet, quien señalara a Tralbaut que Vincent lo habría atacado impulsivamente para disculparse al día siguiente, argumentando que “me sentía perseguido por la gente de Arles”. Queda claro que este episodio psicótico ocurrió con absoluta lucidez, y con claro recuerdo posterior. Al menos en este episodio, no nos parece apropiado hablar de epi-

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41

38

Patografia de Vincent van Gogh

lepsia. Debemos recordar tambien que en 1889 no existían aún las categorías diagnósticas de Kraepelin y Bleuler. Es importante discutir aquí el problema de la personalidad premorbida. Creemos que sería un error basar el diagnóstico de Vincent van Gogh sólo en el corte transversal de sus últimos 18 meses de vida. Hemos visto claros signos de alteración psicopatológica mucho antes de la eclosión psicótica de 1888, por lo que no podemos evitar un análisis longitudinal de la vida y la personalidad premórbida del artista. La mayoría de los autores interesados en describir una tipología particular asociada a la epilepsia, hablan de personalidad o comportamiento enequético, que se caracterizaría por un bio tipo displásico, cuyo psiquismo se muestra perseverante, viscoso e hipersocial.14 El epiléptico respondería con sincero agradecimiento a las muestras de afecto y las atenciones que pudiera recibir de otras personas. Segun Gastaut, el comportamiento enequético es una manifestación característica de la epilepsia psicomotora y que comprendería los siguientes rasgos: la escas actividad, la indolencia, la lentificación, la perseveración y el tipo vivencial coartado.14 Si bien no se ha podido demostrar fehacientemente que estos rasgos de la personalidad efectivamente sean mas prevalentes entre los pacientes epilépticos, debemos tenerlos en consideración. El lector podrá reconocer fácilmente que ninguno de estos rasgos son compatibles con la personalidad de van Gogh antes descrita. El análisis de la personalidad premórbida e intermórbida de Vincent apoya fuertemente los postulados de Jaspers, ale jándonos de la posibilidad de u diagnóstico de epilepsia. En síntesis, queremos sumarnos a la opinión de la m ayoría de los epileptólogos actuales, en el sentido de que no se puede hablar de epilepsia mientras no hayan crisis ictales o alguna clara evidencia clínica de actividad comicial. La hipótesis de una epilepsia nos parece muy atractiva, pero creemos que es insuficiente para explicar y comprender realmente la cabalidad de la triste y prolongada patografía de Vincent van Gogh. ¿Es acaso posible ignorar la personalidad premórbida del artista, su precoz quiebre emocional, sus extravagancias y graves desadaptaciones, su desinserción social, su intoversión, las asociaciones entre su biografía y los episodios psicóticos, el análisis de su correpondencia y su producción pictórica y los episodios psicóticos de los últimos 18 meses de su vida? ¿Cabe acaso plantearse un diagnóstico transversal que no respete los claros elementos longitudinales que afectan su biografía? Psicosis endógena: creemos que el único grupo de enfermedades que puede explicar la mayoría de los signos, síntomas y conductas de van Gogh, desde su infancia hasta su misteriosa muerte, lo constituye algún tipo de psicósis endógena. Recordemos que el concepto de psicósis endógena permite explicar la interacción entre la vulnerabilidad biológico-genética, la personalidad y los aspectos biográficos y ambientales. En este caso estamos frente a una psicósis generalmente lúcida, con una historia premórbida sugerente de una prediposición endógena, y con abundantes antecedentes hereditarios. Hay una personalidad premórbida anormal y un claro quiebre biográfico en la juventud. Posteriormente hay un desapego progresivo a las normas sociales, llegando a la marginalización total. A partir de los 21 años, hay una clara incapacidad de vivir en forma autóno-

39

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41

ma y adaptada, necesitando continuamente el apoyo y sustento familiar. Hay conductas anormales, sufrimiento e ideación suicida mucho antes de la eclosión de la primera fase psicótica productiva. Todos estos elementos hablan claramente a favor de una psicosis endógena, con elementos esquizomorfos. De acuerdo con Karl Jaspers, van Gogh sufrió de una esquizofrenia, lo que es apoyado por Schilder y WestermannHolstijn.4,5,17 Hay numerosos argumentos que apoyan fuertemente este diagnóstico, como son, por ejemplo, los antecedentes familiares (Wilhelmina?, Cornelius??), la personalidad premórbida, los conflictos de identidad, la incapacidad progresiva de autosustentarse, lo bizarro de su conducta, la inadecuación y el aislamiento social progresivo, la sintomatología crítica e intercrítica, la impulsividad irracional, la ambivalencia en sus relaciones personales, la introversión, etc. No cabe duda que hay importantes argumentos que favorecen el diagnóstico de una esquizofrenia, pero sin embargo cabe preguntarse si finalmente logramos entender la cabalidad del cuadro clínico con dicho diagnóstico. El análisis de las cartas, de la conducta y la psicopatología nos sugiere que éste diagnóstico no alcanza a explicar plenamente la globalidad de los fenómenos mórbidos y premórbidos que aquejaron al artista. La correspondencia de los hermanos van Gogh permite entrever claras fluctuaciones anímicas en el devenir del pintor. Asi por ejemplo, hay alusiones francamente depresivas y hasta suicidas en las cartas de 1880 y 1881, pasando posteriormente a contenidos francamente optimistas. Van Gogh frecuentemente hace mención de su ánimo melancólico y desesperanzado. Posteriormente, a su llegada a Arles, van Gogh pasa por una racha de furia de trabajo. Le escribe a Theo:... “Me encuentro cada día mejor... tengo una fiebre continua de trabajo... tengo menos necesidad de compañía que de trabajar desenfrenádamente... en algunos momentos no confío mas que en mi exaltación y entonces me dejo arrastrar a las mayores extravagancias.” Luego habla de “paisajes pintados a mayor velocidad que todo lo hecho anteriormente”. En todo este período, habla de “el montón de ideas que lo inudan”, diciendo: “ideas para mi trabajo se me ocurren de continuo, pintando soy una locomotora”. Luego del primer episodio psicótico, dice: “ya no podré alcanzar esas cimas hacia las que la enfermedad parecía arrastrarme. ¿Que vendrá después?” En las descripciones que Vincent hace a Theo sobre sus crisis, dice: “Tengo momentos en que me crispo de entusiasmo, de demencia o de espíritu profético, como un oráculo griego sobre un trípode. En tales momentos conservo una gran presencia de espíritu”. En otra carta acota: “... Voluntad no tengo ninguna; lo mismo me ocurre en cuanto a los deseos y a todas las cosas de la vida corriente, como, por ejemplo, el volver a ver a mis amigos, que me tienen casi sin cuidado... se diría que mi melancolía no ha variado ni un ápice” . Estas fluctuaciones están registradas en la correspondencia con Theo, y presentan un cierto patrón estacional. La mayoría de las crisis de desánimo se presentan en otoño-invierno, período en que se percibe un estado anímico y una productividad inhibida. Es posible que la nostalgia también influya sobre el desencadenamiento de sus crisis, ya que tanto en 1888 como en 1889 van Gogh debe ser hospitalizado el 24 de Diciembre. Hay entonces suficiente evidencia que apoya la tesis de un elemento anímico incorporado en la psicosis de van Gogh. No

pensamos, como Perry,16 que se trate de un trastorno bipolar aislado, ya que como señaláramos previamente, son demasiados los elementos que sugieren un trastorno esquizomorfo. Pero si hacemos abstracción de la dicotomía Kraepeliniana y nos sumamos a los supuestos de Griesinger o Janzarik, en el sentido de una psicosis endógena única con variantes dinámico-estructurales, encontramos el espacio y la flexibilidad necesaria para poder ordenar la patología de van Gogh en la confluencia de las dimensiones afectivas y esquizofrénicas. Sólo de esta forma puede ser explicada la evolución global de la enfermedad del pintor, su gran productividad durante los intervalos asintomáticos, las fluctuaciones anímicas y la escasa presencia de sintomatología residual. A su vez, este tipo de psicosis puede cursar con la florida sintomatología descrita, presentándose frecuentemente en una interacción muy estrecha con la propia biografía y las variabes psico-sociales. Van Gogh tiene la personalidad previa y el cuadro clínico de un individuo cercano al ámbito de lo equizofrénico, pero al momento de la eclosión psicótica claramente lo sobrepasa, presentando un dinamismo y una fuerza creadora enteramente compatible con un trastorno del ánimo. Cualquiera de estas dos entidades por separado son insuficientes para dar cuenta de las múltiples y controvertidas manifestaciones de la enfermedad de Vincent van Gogh. Sólo la suma de ambas, ya sea a través de la formulación de un diagnóstico multiaxial con un trastorno bipolar o esquizoafectivo en el primer eje y una personalidad esquizotípica en el segundo, o, a través de la formulación simple de un trastorno Eesquizoafectivo, pueden explicar satisfactoriamente las múltiples viscicitudes en la compleja enfermedad del artista. Creemos que el dejar fuera las evidentes oscilaciones anímicas, las claras fases de exaltación y euforia alternadas con fases de gran retraimiento, desilusión e inhibición, no permite entender plenamente la enfermedad de van Gogh. De hecho, el análisis cualitativo de su obra en los últimos años apoya fuertemente esta tesis. La inclusión de un elemento afectivo dentro del diagnóstico de una psicosis endógena permite explicar mejor las intervalos asintomáticos, las alucinaciones mixtas, la recuperación cabal después de las crisis, como asi también, las frecuentes oscilaciones anímicas, que a menudo se acercaban ya sea a las ideas de suicidio o a la euforia creativa. Pero tal vez lo mas importante en el planteamiento de un diagnóstico de una psicosis endógena esquizo-afectiva, es la posibilidad de explicar tanta creatividad, tanto fervor, tanta pasión y tanta productividad. De esta forma podemos entender también la relación íntima que el pintor establece con la naturaleza, sus matices, contrastes y fulminantes colores. Finalmente, un recorrido secuencial por la obra del autor en sus últimos 27 meses se correlaciona con los estados anímicos subyacentes, presentando gran luminosidad a su llegada a la Provence, y un progresivo oscurecimiento de sus tonos y, en particular, de los fondos de sus telas, en el período en Auvers, pocas semanas antes del suicidio. En resumen, concluímos que Vincent van Gogh probablemente padeció una psicósis endógena con elementos esquizomorfos y afectivos, que se inicia tempranamente en la vida, con un perfil mas bien esquizomorfo, para concluir en un cuadro psicótico compatible con un trastorno esquizoafectivo.

Discusion

El presente trabajo ha realizado un esfuerzo particular en destacar los aspectos longitudinales de la vida de Vincent van Gogh. Junto con tener en consideración los elementos prodrómicos y los síntomas y signos de su patología final, hemos puesto especial énfasis en recorrer el camino y la personalidad del artista desde su infancia. Mediante esta metodología, nos hemos encontrado con innumerables indicios que permiten comprender el posterior desenlace de su enfermedad. La sola consideración de los aspectos transversales de su patología psiquiátrica no habrían permitido concluir con certeza las posibilidades diagnósticas aquí señaladas. El caso de Vincent van Gogh nos permite ilustrar claramente en que forma la personalidad, la biografía y los eventos psicosociales relevantes interactúan con la vulnerabilidad estructural en el desencadenamiento de un trastorno psicótico de tipo endógeno. A su vez, hemos podido ver como estos elementos nos resultan fundamentales en la formulación de un adecuado diagnóstico diferencial. Cabe preguntarse, en base a la evidencia clínica aquí presentada, el tratamiento de mantención que elegiríamos en el caso de tener que tratarlo hoy. Creo que muchos colegas tenderían a incluir un agente estabilizador del ánimo en el tratamiento farmacológico de un cuadro semejante. Esta desición, por lo demás, resultaría muy afortunada. Imaginemos lo que habría ocurrido con la historia del arte moderno si van Gogh hubiese recibido en forma prolongada agentes neurolépticos en sus últimos dos años de vida. Creo que el presente caso debe invitar a todo psiquiatra a reflexionar acerca de la importancia de el establecimiento de un adecuado diagnóstico y de la elección terapéutica apropiada. La formulación de un diagnóstico equivocado y la consecuente elección equivocada de un determinado fármaco, especialmente cuando es de uso prolongado, puede no sólo cambiar irremediablemente un destino individual, sino alterar el curso de la historia. La presente discusión clínica no debe olvidar que estamos frente a la presencia de un persona extraordinaria. Las conclusiones que aquí se esbozan sólo corresponden a aproximaciones muy limitadas en nuestra escasa comprensión del genio humano, y no deben ser consideradas como verdades incuestionables. No obstante, creemos necesario destacar con este ejemplo las insospechadas posibilidades que puede presentar un paciente psiquiátrico, que en este caso, revolucionó el arte moderno occidental. Summary 

Since the death of Vincent van Gogh by suicide in 1890, his illness has been a controversial subject among biographers and psychiatrist.The present study is based upon his biography, his letters and paintings,  the premorbid personality profile and the psychopathological fea tures described before and after the onset of his psychosis. Based on  this data, the possible diagnosis of syphylis, epilepsy or endogenous psychosis are discussed.

Mental Disorder; Psycopathology; History; Neuroshyfillis; Epilepsy; Affective Disorder, Psychotic Key-words:

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41

40

Patografia de Vincent van Gogh

Referencias

1. Tralbant ME. Vincent van Gogh. Barcelona: Editorial Blume, 1973. 2. Walther Y, Metzger R. Van Gogh. The Complet Paintings. Köln:Benedict Taschen Verlag GmbM, 1993. 3. Nágera M. Vincent van Gogh. Un estudio psicológico. Barcelona:Editorial Blume, 1980. 4. Jaspers K. Genio y locura. 3. ed. Madrid:Aguilar S.A. Ediciones, 1961.  5. Lemke S, Lemke C. Über die psychische Krankheit Vincent Van Goghs. Nervenarzt 1993; 64:594-598. 6. Springer B. Die genialen syphylitiker. Berlin:Verlag der Neven Generationen, 1926. 7. Wilkie K. Viaje a Van Gogh, la luz enloquecida (1890-1990). Madrid:Espasa-Calpe, 1990. 8. Prather M, Stuckey C. Paul Gauguin. Köln: Könemann Verlag, 1994. 9. Lee CT. Van Goghs vision: digitalis intoxication. JAMA 1981; 245:727-729. 10. Bonkowsky ML, Cable EE, Cable JW et al. Porphyrogenic properties of the terapenes camphor, pinene and thujone (with a note on historic implications for absinth and the illness of Vincent van Gogh). Biochem-Pharmacol 1992;43:2359-2368.

41

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41

11. Evensen H. Die Geisteskrankheit Vincent van Gogh. Z Psychiatr Psych Ger Med 1926; 84:133-153. 12. Navrantil L. Woran litt Vincent? Zur Beurteilung der Krankheit Van Goghs aufgrund seines werkes. CibaSymposium 1959; 7:210-216. 13. Müller WK. Die Erkran Kung des Vincent van Gogh unter neveren psychiatrischen. Gesichtspunkten. Materia Med Nordmark 1959; XI(12):409-421. 14. Wofensen MM, Podgaitz L. Personalidade y epilepsia. La predisposición a los ataques convulsivos. Alcmeon. Rev Arg Clin Necropsiquiatria 1996; 5:170-179. 15. Riese WW. Vincent van Gogh in der Krankheit. Grenzfragen des Nerven-und Seelenlebens. München: Bergmann, 1926. 16. Perry JM. Vincent vvan Gogh’s illness - a case report. Bull History Med 1947; 21:146-174. 17. Westermann-Holstiun AJ. Die psychologische Ent-wicklung Vincent van Goghs. Imago 1959; 10:384-417. 18. Arenberg KJ, Coutryman LLF, Bernstein LM, Shambaugh GE. Vincent’s violent vertigo. Acta Otolaryngol (suppl) 1991; 485:84-103. 19. Minkowska F. Van Gogh, sa vie, sa maladie et son oeuvre. Presse du Temps Prèsent: L’evolution Psychiatrique. Paris, no. 1, 1932 (1963).

Caso Histórico FREUD E O USO DE COCAÍNA: HISTÓRIA E VERDADE FREUD AND THE COCAINE USE: HISTORY AND TRUTH

 José Antônio Zago

Resumo

É apresentado um estudo histórico sobre Freud e seu uso de cocaína. O objetivo é responder às insinuações ou afirmações de que Freud, durante sua vida, teria usado e prescrito cocaína a seus pacientes e que este uso teria também influenciado sua obra. Palavras-chaves: Desordens, Uso de Drogas; Usuário de Cocaína;

Psicoanálise; História da Medicina Introdução

A idéia deste texto surgiu a partir de algumas constatações práticas e teóricas a respeito de Freud e do uso de cocaína, quais sejam: • Na prática clínica não é incomum pacientes dependentes de cocaína, com determinada sofisticação intelectual, afirmarem que sabendo usar essa droga “ela não faz mal; pelo contrário.” Citam então como exemplo Freud que a consumiu e produziu uma obra praticamente universal, dando a entender que parte do sucesso de Freud foi conseguido graças ao uso da cocaína. • Também não é raro meios de comunicação social informarem que Freud, além de usar a cocaína, a prescrevia a seus pacientes, como no exemplo: “Muitas substâncias hoje consideradas ilegais ou de uso restrito já foram usadas no passado em larga escala como remédios ou fortificantes. A cocaína, por exemplo, era empregada até o início do século como anestésico em pequenas cirurgias. Sigmund Freud, o pai da psicanálise, receitava cocaína a seus pacientes, como estimulante. Ele mesmo era um consumidor fiel da droga.”1 • Frei Betto, com singular sensibilidade, mostra no romance O Vencedor ,2 como pensa um traficante; não o traficante que fica nas ruas e nas favelas, mas o traficante que manipula enormes quantias de droga e dinheiro e que raramente aparece. Aquele que manipula às escondidas, o qual podemos chamar em linguagem figurada de “lobo em pele de cordeiro.” No final do romance, o vilão da história fala a um antigo conhecido que conseguiu, com persistência e dinheiro, obter as cartas que

Psicólogo do Instituto Bairral de Psiquiatria - Itapira, SP e Mestre em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba, SP Instituto Bairral de Psiquiatria - Itapira, SP

Freud escrevera à Martha, sua noiva. O traficante explica a razão do grande interesse por essas cartas: “Nelas, o pai da psicanálise defende o uso da cocaína, que ele mesmo costumava ingerir. E, como você sabe, sempre fui   favorável à sua liberação. Assim, os grandes traficantes seriam tratados como respeitáveis empresários, como ocorre aos fabricantes de bebidas, solventes e cigarros, e não precisariam se esconder como bichos nem gastar fortunas para corromper policiais e políticos.” 2 O trabalho clínico diário em comunidade terapêutica com dependentes de substâncias psicoativas requer dos profissionais envolvidos uma constante reflexão. Não só no sentido de avaliar e aprimorar o próprio trabalho, mas também de transformar seus resultados em subsídios para a prevenção, cuja ação é mais do âmbito educativo. Ou seja, o trabalho do profissional deve transcender os limites de uma comunidade de tratamento, a fim de que esse saber adquirido no cotidiano não se encerre dentro desses limites e que seja, portanto, um saber vivo que a sociedade possa usufruir como fonte de informação ou como estratégia de melhoria da qualidade de vida. 3 Desse modo, rever os dados e os escritos de Freud, especialmente sobre sua relação com o uso de cocaína e se esta teve ou não influência em sua produção intelectual, torna-se imperativo como forma de esclarecimento e de transparência, de respeito ou de compreensão para com uma dificuldade humana. Anexo o leitor encontra breve biografia de Sigmund Freud.4-7 Freud e a Cocaína

Em sua autobiografia 6 Freud escreveu que em 1884 se interessou profundamente em estudar o alcalóide de cocaína, muito pouco conhecido. Trouxe de Merck certa quantidade de cocaína, a fim de estudar seus efeitos fisiológicos. Devido a uma viagem para visitar a noiva que não via há dois anos, deixou de lado a pesquisa, pedindo que Köenisgtein, médico oftalmologista, investigasse sobre as propriedades anestésicas da cocaína em sua especialidade. No seu retorno verificou que Carl Koller, com o qual conversara a respeito do alcalóide, empreendera decisivos experimentos sobre as propriedades anestésicas, comunicadas no Congresso de Oftalmologia de Heidelberg. Freud considerou Koller o descobridor da anestesia local por meio da cocaína, importante nas pequenas cirurgias. Considerou também que a

Endereço para correspondência: Rua Padre José Maurício, 11 13970-000 - Itapira - SP Fones: (19) 38633455 ou (19) 38639414 (Instituição) E-mail: [email protected]

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):42-47

42

Freud e o uso de cocaína: história e verdade

viagem o fez perder a oportunidade da descoberta e de se tornar famoso.6 Esse interesse sobre o alcalóide de cocaína também pode ser constatado em excertos de cartas que escreveu a sua noiva Martha: a) Viena, segunda-feira, 21 de abril de 1884: Freud escreveu que havia lido sobre cocaína, de tribos que mastigam suas folhas para aumentar a resistência à fome e ao cansaço. Soube também que um alemão deu esse produto a alguns soldados, o que os tornou mais fortes e resistentes. A idéia era elaborar uma experiência terapêutica com a cocaína em casos de doenças cardíacas e, depois, esgotamento nervoso. Citou que poderia ser aplicado no caso do Dr. Fleischl: “sobretudo no terrível estado que se produz quando deixa de tomar a morfina.”2 b) Viena, quinta-feira, 19 de junho de 1884: “Só ontem à noite terminei o artigo Über Coca; hoje, corrigi a primeira metade; terá a extensão de uma página e meia.” 2 c) Paris, 11 h da noite de segunda-feira, 18 de janeiro de 1886: Freud escreveu que Charcot o convidara, e a Ricchetti, para ir a sua casa no dia seguinte após o jantar. “Todo mundo estará  lá.” “Um pouco de cocaína para desatar-me a língua.”2 d) Paris, terça-feira, 2 de fevereiro de 1886: que seu cansaço é parecido com uma pequena enfermidade denominada neurastenia, resultante de esforços, preocupações e excitação dos últimos anos... “A pequena porção de cocaína que acabo de tomar me deixa loquaz, minha garota.” Sobre a noitada na casa de Charcot, escreveu na mesma carta às 2h30 da madrugada, que havia de quarenta a cinqüenta pessoas, das quais conhecia três ou quatro. E que isso era tão aborrecido e só não explodiu “... graças à cocaína.”2 e) Paris, quarta-feira, 10 de fevereiro de 1886: Freud vangloriouse de Knapp, principal oftalmologista de Nova York e que também escreveu sobre cocaína, em visita no hospital Salpêtrière, ter reconhecido que ele, Freud, havia sido o primeiro a escrever sobre o alcalóide. 2 Em  A Interpretação dos Sonhos,8 Freud fez a análise de dois sonhos seus onde aparece a questão da cocaína. Um deles é o sonho da monografia botânica que, entre outras associações, ele relacionou com seus estudos sobre cocaína e com a figura do Dr. Köenisgstein que pesquisou o uso da cocaína como anestésico.8 O outro, datado em 23-24 de julho de 1895, o sonho da injeção de Irma. Em suas associações e análise onírica Freud interpretou que as escaras na região nasal de Irma sugeriam uma preocupação com a sua própria saúde, pois na época estava usando com freqüência cocaína para curar uma rinite. Também, ouvira dizer, poucos dias antes, que uma paciente que utilizava o mesmo método terapêutico apresentava uma necrose na mucosa nasal. Freud escreveu que em 1885 prescrevia cocaína para esses casos e que por isso havia atraído severas censuras. Associava também o sonho à perda de um amigo em 1885 (Dr. Fleischl-Marxow), que morreu intoxicado por cocaína. 8 Durante um período de sua vida Freud pesquisou, usou e prescreveu cocaína a pacientes: “De 1884 a 1887, Freud fez algumas das primeiras pesquisas com cocaína. De início ficou impressionado com suas

43

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):42-47

 propriedades: ‘Eu mesmo experimentei uma dúzia de vezes o efeito da coca, que impede a fome, o sono e o cansaço e robustece o esforço intelectual.’ Ele escreveu a respeito de seus possíveis usos para os distúrbios tanto físicos como mentais. Por pouco tempo um defensor, tornou-se depois apreensivo em relação às suas propriedades viciantes e interrompeu a pesquisa.” 9

Freud experimentou cocaína e ficou fascinado com seus efeitos sobre o humor e o trabalho. Com a morte de um paciente seu por cocaína e por um amigo ter tido problemas com essa droga, Freud, com arrependimento, “encerrou este capítulo em seu trabalho”.10 Freud (1884) introduziu a cocaína no tratamento da neurastenia e para a crise de abstinência em pacientes adictos de morfina. Embora os resultados em pacientes psiquiátricos tenham sido desastrosos, abriu caminho para o uso da cocaína como anestésico em oftalmologia, na prática médica e na cirurgia geral. 11 Na tentativa de fazer uma grande descoberta e tornar-se famoso fez experiência com o alcalóide de cocaína. Publicou em 1884 um artigo em que recomendava o uso da cocaína para vômitos e distúrbios digestivos. Escreveu ainda mais cinco textos sobre o tema e, conforme referido atrás, sugeriu a Leopold Köenigstein e Carl Koller o uso de cocaína na oftalmologia, este sendo reconhecido como o pai da anestesia local. Freud também consumia considerável quantidade da droga para combater suas crises de neurastenia e a ofereceu a sua noiva Martha Bernays. 5 Gay12 afirma que Freud, temerariamente, recomendou e enviou cocaína a sua noiva, embora não se saiba sobre o uso dela. Em seu artigo Sobre Coca, Freud mesclou relatório científico com ardorosa defesa sobre as propriedades calmantes e estimulantes da cocaína. Como dito, fazia uso da cocaína para aumentar sensação de bem-estar, superar seus estados depressivos e a relaxar em eventos sociais.12 Fleischl-Marxow, fisiologista e amigo de Freud, teve que amputar três dedos da mão devido a um acidente num experimento. Como sentia fortes dores nos cotos, viciou-se em morfina. Freud tentou tratá-lo substituindo a morfina pela cocaína, da qual o paciente ficou dependente, morrendo aos 44 anos. 5 Em nota de rodapé, Gay refere que Fleischl-Marxow se injetava cocaína e que Freud, na época, não levantou objeções. Posteriormente, Freud negou que tenha defendido esse procedimento.12 Embora bem intencionado, Freud agiu no caso de FleischMarxow de forma irrefletida e a morte do amigo afetou-o de “sentimentos residuais de culpa,” que deram boas razões de autocrítica a Freud. É um dos episódios mais perturbadores da vida de Freud, embora tenha continuado a usar a cocaína em pequenas quantidades até meados de 1895. 12 Discussão

Uma melhor apreciação do tema é obtida, primeiramente, ao considerarmos a questão da cocaína numa perspectiva histórica, com foco na época de Freud.

A cocaína é extraída da planta Erythroxylon coca, nativa da Bolívia, Peru, Colômbia e Equador. Seu uso remonta há mais de 2.000 anos por tribos indígenas e civilizações americanas. Há indícios que tenha sido usada em cirurgias, como remédio para distúrbios físicos e como fonte de vitaminas. A inquisição espanhola associou o uso da coca ao pecado e coibiu seu uso pelos incas dominados. Mas, por outro lado, a cocaína teria sido utilizada como meio dos exploradores fazerem os explorados suportarem melhor a fadiga e a fome na exploração das minas de ouro. Mascar folhas de coca é uma prática ainda hoje utilizada por cam poneses andinos, mas apenas recentemente fumar pasta de coca se tornou um problema na América do Sul. Albert Newman, químico alemão, foi o primeiro a estudar cientificamente a planta da coca em 1882. 10 O extrato de cocaína foi utilizado em uma variedade de elixires, destacando o Vin  Mariani , fabricado pelo químico italiano Angelo Mariani. Esse vinho foi apreciado, por suas propriedades estimulantes e revigorantes, pelo Papa Leão XIII, Júlio Verne, Émile Zola, Victor Hugo, entre outros. Em 1885, John Styth Pemberton, farmacêutico em Atlanta, EUA, com o sucesso do vinho, desenvolveu um tônico para combater a melancolia, vendido em farmácias, com o nome de French Wine of Coca, Ideal and Tonic Stimulant, fórmula original da Coca-Cola. Médicos de renome se interessaram e publicaram estudos sobre os benefícios da cocaína como Hammond, Mortimer e Halstead. Muitos tornaram-se dependentes dessa droga, inclusive Halstead, o pai da cirurgia moderna. 2,10 A cocaína somente foi considerada narcótico ilegal nos EUA em 1914 pelo Decreto de Harrison. 10 e na Inglaterra com a “Lei de  Drogas Perigosas de 1920”.13 Na época em que Freud começou sua vida de pesquisador e médico havia um niilismo nos meios médicos de Viena quanto aos recursos terapêuticos disponíveis, como massagens, hidroterapia e eletroterapia, para aliviar o sofrimento dos doentes psíquicos. 5 Freud, ao despertar seu interesse pela cocaína, visava ganhar notoriedade superando o niilismo vigente com a descoberta de um método mais eficaz de tratamento para os distúrbios nervosos. Assim, não possuía interesse exclusivo na obtenção de prazer com a droga, mas, em especial, como medicamento para si (neurastenia) e para pacientes. Ernst Kris em Estudio Preliminar sobre  Los Origenes del psicoanalisis mostra que também no período antecedente à psicanálise Freud tomava a si mesmo como sujeito em repetidas experiências, inclusive quanto ao uso de cocaína (nota de rodapé -  Sobre la coca; 1883:84), e comunicava em seus trabalhos suas observações. 14 Freud usou cocaína de 1884 a meados de 1895, ano em que teve o sonho da injeção de Irma. Neste sonho Freud contou que havia feito uso recente de cocaína para curar uma intumescência nasal.12 A análise desse sonho, como já apontado, apareceu em  A  Interpretação dos Sonhos , publicada em 1899. Nessa obra Freud  já reconhecia que a cocaína provocava intoxicação grave, admitia que durante um tempo a prescreveu como medicamento, recebendo por isso severas censuras e que uma das associações do sonho era um questionamento a sua conduta profissional. 8 Sobretudo, ao descobrir graças a seu empenho, perseverança e dedicação de clínico e pesquisador a regra fundamental do seu método de tratamento, a livre associação, Freud abandonou todas as outras técnicas ou recursos de tratamento. A partir de

então o mais importante passou a ser o material comunicado pelo paciente.6 Se entendermos  A Interpretação dos Sonhos (1899) como marco da nova abordagem para o tratamento das neuroses, a obra de Freud, a psicanálise, está isenta de qualquer “ajuda” ou influência de suas experiências pessoais ou profissionais com cocaína. Há ainda outro aspecto a considerar que independe do contexto histórico. Hoje sabemos com mais precisão quais os transtornos decorrentes do uso, abuso e dependência de cocaína. Ela bloqueia a recepção neuronal da dopamina, serotonina e norepinefrina. A dopanima está ligada nos centros límbicos do prazer, incluindo alimentação e sexo. Uma superestimulação crônica das vias de dopamina pode resultar numa deficiência da mesma, ou seja, com o tempo há uma perda do controle quanto à quantidade de cocaína consumida, em razão da característica altamente reforçadora da droga. Assim, problemas clínicos como perda de peso severa, desnutrição e desidratação podem resultar de “porres” de cocaína. As alterações comportamentais mal-adaptativas incluem agressividade, hipomania, agitação psicomotora, vigilância excessiva, prejuízo do julgamento e prejuízo do funcionamento social.10 Também, o uso crônico de cocaína provoca transtornos de conduta social e moral, apatia, abandono das atividades normais e deterioração das funções intelectivas. 15 Freud, tanto no escritos anteriores ou posteriores a 1886, manteve sempre uma disposição muito grande para a família e para o trabalho, quer clínico, quer de produção científica. Além disso, essa disposição implicava numa produção científica cada vez mais qualificada, nem mesmo interrompida com todos os problemas que como judeu enfrentou na Segunda Guerra Mundial e com a descoberta em 1923 do tumor maligno e com sua evolução. Desse modo, se Freud fosse um usuário dependente ou crônico de cocaína, jamais manteria durante toda a sua vida as condições físicas, psicológicas e, principalmente, intelectivas para elaborar sua obra, a qual se desenvolveu tendo como base um árduo trabalho de clínica: “Aos oitenta anos, Freud ainda era capaz de amar, trabalhar e odiar.”12 Dentro das atuais diretrizes e critérios diagnósticos Freud foi um dependente do tabaco. Fliess aconselhara-o a deixar o vício, pois provocava freqüentes catarros nasais. Freud, em 1929, respondeu: “Comecei a fumar aos 24 anos, primeiro cigarros, e logo exclusivamente charutos... Penso que devo ao charuto um grande aumento da minha capacidade de trabalho e um melhor autocontrole.” 5 Entretanto, a consciência sobre o uso do tabaco associado a riscos de saúde começou a existir em 1950 e o tabagismo somente foi incluído como transtorno no DSM-III – R, 1987. 10 Conclusão

São infundadas as afirmações ou insinuações sugerindo que Freud tenha sido em sua vida um usuário de cocaína e que também, em todo seu trabalho clínico, prescrevia a referida substância aos seus pacientes. Freud fez uso de cocaína e a prescreveu a seus pacientes no período de 1884 a 1895. Contudo, vale ressaltar que nessa época havia um niilismo terapêutico e os pesquisa-

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):42-47

44

Freud e o uso de cocaína: história e verdade

dores buscavam novos caminhos e novas tentativas para a compreensão dos fenômenos psíquicos, principalmente a histeria, sendo que o alcalóide de cocaína era uma droga praticamente desconhecida quanto aos seus efeitos danosos à saúde. Toda a obra sobre psicanálise foi elaborada posteriormente ao uso da cocaína por Freud, ou seja, sem a “ajuda” dessa droga. Sim pela capacidade observadora, laboriosa e criativa de Freud. É possível que as afirmações ou insinuações de que Freud durante a sua vida usou e prescreveu cocaína a seus pacientes sejam resultantes de informações incompletas ou de um conhecimento muito superficial da vida e do trabalho de Freud. Contudo, afirmações ou insinuações assim não deixam de ser modos de enaltecer a cocaína e, ao mesmo tempo, diminuir a capacidade de Freud. Em outras palavras, afirmações ou insinuações dessa natureza podem revelar não apenas falta de responsabilidade e de compromisso com a verdade, mas a dificuldade de assumir seus próprios problemas. Summary 

This paper presents an historical study on Freud and his use of cocaine. The aim is to give an answer to the insinuations or statements about whether Freud, during his life, would have used and prescribed cocaine to his patients and that this would also have influenced on his work. Key-words: Disorder,

Drug User; Cocaine User; Psycho-analysis;

History of Medicine  Anexo - Breve Biografia de Sigmund Freud 

Em 1899 Freud escreveu esta nota autobiográfica, publicada em 1901 em alemão nas  Biographisches Lexicon hervorra gender Arzte des neunzehnten Jahrhunderts de J. L. Pagel: "FREUD, SIGMUND, Viena. Nascido a 6 de maio de 1856 em Freiberg, Moravia. Estudou em Viena. Aluno do fisiólogo Brücke. Promoção (título médico) em 1881.  Aluno de Charcot em Paris de 1885-1886. Habilitado em 1885 (designado Privatdozent). Tem trabalhado como médico e docente na Universidade de Viena, desde 1886. Proposto como Professor Extraordinário, em 1897.  Inicialmente os trabalhos de Freud trataram sobre histologia e anatomia do cérebro e posteriormente sobre temas clínicos de neuropatologia; tem traduzido os escritos de Charcot e de Bernheim. Über Coca, de 1884, é um trabalho introdutório da cocaína na Medicina. De 1891 é Zur   Auffassung der Aphasien. De 1891 e 1893 são as mono grafias sobre as paralisias infantis, que culminaram, em 1897, no volume sobre o tema Handbuch, de Nothnagel.  Studien über Hysterie, de 1895 (com o Dr. J. Breuer).  Desde então Freud tem-se dedicado ao estudo das psiconeuroses e especialmente a histeria, e em uma série de breves ensaios tem enfatizado o significado etiológico da vida sexual nas neuroses. Também tem desenvolvido

45

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):42-47

uma nova psicoterapia da histeria, do qual muito pouco se tem publicado. Um livro está no prelo: Die Traumdeutung (A Interpretação dos Sonhos)." 4

Nenhum dos textos anteriores ao ano de 1886 foi integrado às suas obras completas, por oposição de seus filhos e herdeiros Ernst e Anna Freud. Sua obra anterior aos textos de psicanálise, compreendendo o período de 1877 a 1886, é composta de 21 artigos sobre diversos temas: neurologia, medicina, histologia, cocaína. Sua obra sobre psicanálise é composta de 24 livros (dois dos quais com Josef Breuer, um com a colaboração de William Bullitt) e 123 artigos, além de comentários, prefácios, etc. e traduzida em cerca de 30 línguas. Nesta breve biografia destacamos algumas obras de Freud. Freud era o filho mais velho do terceiro casamento de  Jacob Freud, comerciante de tecidos. Jacob e Amalia Freud teriam ainda mais sete filhos. Devido a má situação econômica, após um ano em Leipzig, a família mudou-se para Viena, Áustria, onde o pai estabeleceu seu comércio no bairro judeu de Leopoldstrasse. Freud começou seus estudos médicos em outubro de 1873, dedicando-se ao positivismo e à biologia darwiniana, a qual serviria de modelo a todos os seus trabalhos. Em 1874, foi a Berlim freqüentar os cursos de Helmholtz. Depois de um ano, por meio de uma bolsa de estudos, foi a Triestre, Itália, onde estudou sobre as células nervosas das enguias machos de rio. Depois de diplomado médico, em 1882, noivou com Martha Bernays, ocorrendo o casamento em setembro de 1886. Nos três anos seguintes à sua formatura trabalhou no Hospital Geral de Viena, abandonando, por questões financeiras, a carreira de pesquisador. Querendo tornar-se famoso e se livrar da pobreza, começou a pesquisar sobre alcalóide de cocaína, acreditando nas virtudes dessa droga. Chegou a administrá-la em seu amigo Ernst von Fleischl-Marxow, desconhecendo sua ação anestesiante e a de provocar a dependência. O efeito anestesiante da cocaína seria descoberto pelo oftalmologista Carl Koller. Em 1885 foi nomeado Privatdozent e obteve uma bolsa de estudos para estudar em Paris onde foi conhecer o trabalho de Martin Charcot, fascinado por suas experiências sobre a histeria. Depois, foi a Berlim onde fez os cursos do pediatra Adolf  Baginsky. Retornando a Viena instalou-se como médico particular, dividindo três tardes por semana como neurologista na Clínica Steindlgasse. Em 1887, conheceu Wilhelm Fliess, médico judeu berlinense, com o qual trocou extensa correspondência íntima e científica, onde iniciou sua auto-análise, o intercâmbio sobre o caso Emma Eckstein e a publicação com Josef Breuer de Estudos sobre a histeria em 1895, onde são relatadas várias histórias clínicas de mulheres: Bertha Pappenheim (caso Anna O.), Fanny Moser (caso Emmy von N.), Anna von Lieben (caso Cäcilie M.), entre outras. Foi também durante essa amizade que Freud substituiu a teoria da sedução (toda neurose

derivaria de um trauma real) pela doutrina da fantasia, concebendo então uma nova teoria do sonho e do inconsciente, fundamentada no recalque e no complexo de Édipo, inspirado pela tragédia de Sófocles. Em 1891, mudou-se para um apartamento da Rua Berggasse 19, vivendo com sua esposa, seis filhos e a cunhada Minna Bernays, ali permanecendo até seu exílio em 1938. Freud tratava basicamente de mulheres da alta burguesia vienense que eram consideradas “doentes dos nervos.” A princípio utilizava os meios terapêuticos disponíveis e aceitos na época como massagens, hidroterapia e eletroterapia. Constatando que esses métodos não davam resultados satisfatórios, começou a utilizar a hipnose, conforme os métodos de sugestão de Hippolyte Bernheim. Entretanto, com Breuer, Freud foi também abandonando a hipnose, substituída com a criação do método da livre associação e, finalmente, a psicoanálise. Esse termo foi empregado pela primeira vez em 1896 e sua invenção foi atribuída a Breuer. Nessa época a doutrina das “localizações cerebrais” estava perdendo terreno para o associacionismo, que abriria caminho para a primeira formulação do conceito de “aparelho psíquico” também em 1896. Em novembro de 1899 publicou  A Interpretação dos  Sonhos, embora a edição tenha sido datada em 1900. De 1901 a 1905 publicou seu primeiro caso clínico (Dora),  A psicopatologia da vida cotidiana, O chiste e suas relações com o inconsciente e Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Fundou em 1902 a Sociedade Psicológica das QuartasFeiras, primeiro centro de estudos de psicanálise, juntamente com Alfred Adler, Wilhelm Stekel, Max Kahane e Rudolf  Reitler. Já na primeira década do século ampliou o círculo de adeptos da doutrina freudiana e no primeiro quarto do século também a psicanálise chegou a vários países, como a GrãBretanha, Hungria, Suíça e costa leste dos EUA. Na Suíça o médico Eugen Bleuler, chefe da clínica do Hospital Burghölzli de Zurique, iniciou a aplicação do método psicanalítico no tratamento das psicoses, desenvolvendo o conceito de esquizofrenia. No Brasil, as idéias de Freud foram divulgadas pela primeira vez pelo psiquiatra Juliano Moreira e, entre 1914 e 1930, outros médicos contribuíram para a implantação da psicanálise no Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia: Arthur Ramos,  Júlio Porto-Carrero e Francisco Franco da Rocha. Em 3 de março de 1907, Carl Gustav Jung, assistente de Bleuler, foi conhecer Freud em Viena. Freud publicou nesse mesmo ano Delírios e Sonhos na Gradiva de Jensen. Em 1909, em companhia de Jung e de Sandor Ferenzi, a convite de Stanley Hall, Freud pronunciou cinco conferências na Clark University de Worcester, Massachusetts, EUA, publicadas com o título de Cinco Lições de Psicanálise. Em 1908 ocorreu o primeiro congresso em Salzburgo e em 1910, com Ferenzi, criaram uma associação internacional, a  Internacionale Psychoanalytische Vereinigung (IPV) que em 1933 passaria a ser chamada de International Psychoanalytical   Association (IPA). Embora avesso à tradição e rituais judaicos, Freud nunca negou ser semita. E temendo que a psicanálise

fosse assimilada como uma “ciência judaica,” colocou Jung à testa do movimento psicanalítico. Entre 1909 e 1913 Freud publicou mais duas obras:  Leonardo da Vinci e uma Lembrança de sua Infância e Totem e Tabu . Desde 1910 começaram algumas dissidências e, posteriormente, as cisões, quer por questões pessoais, quer por questões teóricas; em 1911 foram Adler e Stekell, Jung em 1913. Não suportando as traições a sua doutrina, próximo à Primeira Guerra Mundial, Freud publicou  A História do  Movimento Psicanalítico, na qual aponta as traições de Adler e  Jung. De 1920 a 1923 mais três obras foram publicadas, por meio das quais Freud definiu sua segunda tópica:  Mais-além do Princípio do Prazer, Psicologia das Massas e Análise do Eu e O Eu e o Isso . A partir da segunda tópica, da questão do narcisismo, do dualismo pulsional e da oposição entre o eu e o isso emergiram diferentes correntes do freudismo, como o kleinismo, annafreudismo, lacanismo, independentes, Ego Psychology e Self Psychology. A oposição entre a escola inglesa e a escola vienense começara no interior da IPA, em 1924. Em fevereiro de 1923, foi descoberto um tumor maligno no lado direito do palato. Foi feita uma cirurgia com a ablação dos maxilares e da parte direita do palato. Freud tinha que usar, a partir de então, uma prótese. Sofreu ao todo, devido a essa enfermidade, 33 cirurgias. Tinha dificuldade para falar, mas mantinha contato com seus interlocutores e mantinha suas atividades de rotina, abandonando apenas os problemas do movimento psicanalítico, conduzido então por Ernest  Jones, que presidiu a IPA a partir de 1934. Teve encontro com Salvador Dali e manteve intercâmbio com Albert Eisntein. Freud também lidou com telepatia, dedicou estudos a esse fenômeno com Ferenzi entre 1921 e 1933, contrariando Jones que queria dar à psicanálise uma base mais racional e científica. Em 1926, depois de um processo contra Theodor Reik, Freud assumiu a defesa dos psicanalistas não-médicos publicando A Questão da Análise Leiga. Tinha grande estima e acolhia no seio desse movimento mulheres de vanguarda como Marie Bonaparte, Lou Andreas-Salomé, entre outras, contribuindo assim com a emancipação feminina. Em 1927, teve problemas de relacionamento com seu amigo o pastor Oskar Pfister ao publicar O Futuro de uma Ilusão, onde defendia a tese que a religião é uma neurose coletiva. Em 1930, com a publicação de O Mal-estar da Cultura, colocou em dúvida a capacidade das sociedades democráticas controlar as pulsões destrutivas. Em março de 1938, quando da invasão da Áustria pela Alemanha, com a intervenção do diplomata americano William Bullitt e de um resgate pago por Marie Bonaparte, Freud e sua família deixaram Viena rumo a Londres, residindo em Maresfield Gardes 20, hoje Freud Museum. Redigiu nesse país seu último texto  Moisés e o Monoteísmo . Freud faleceu em 23 de setembro de 1939 às três horas da madrugada, depois de dois dias de coma e de ter recebido de

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):42-47

46

Freud e o uso de cocaína: história e verdade

Max Schur, a seu pedido, com a concordância de Anna Freud, três injeções de três centigramas de morfina. Referências Bibliográficas

1. Wassermann R. Substâncias hoje ilegais já foram usadas como remédio no passado. O Estado de S. Paulo, 1999; 19 de set. (Caderno Especial - Drogas):14. 2. Frei Betto. O Vencedor. São Paulo:Ática, 1996: 153, 51-52, 67, 115, 137-138, 140-141, 156. 3. Zago JA. Drogadição; o tratamento na comunidade terapêutica. Inform Psiqu 1995; 14:133-137. 4. Freud S. Obras completas. 3ª ed. Madrid: Biblioteca Nueva; 1973: XLIII.  5. Roudinesco E, Plon M. Dicionário de psicanálise. Rio de  Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998: 272-279, 86-87, 438, 239, 274-275, 274. 6. Freud S. Autobiografia. In: Obras completas. 3ª ed. Madrid: Biblioteca Nueva, 1973: 2761-2799.

7. Hall CS, Lindzey G. Teorias da personalidade. São Paulo: Herder, EPU, 1974: 43-92. 8. Freud S. A Interpretação dos Sonhos. In: Obras Completas. 3ª ed. Madrid: Biblioteca Nueva; 1973: 343-752. 9. Fadiman J, Frager R. Teorias da personalidade. São Paulo: Harper & Row do Brasil, 1979: 4. 10. Frances RJ, Franklin Jr. JE. Transtornos por uso de álcool e outras substâncias. In: Talbott J, Hales R, Yudofsky S, eds. Tratado de Psiquiatria; 1992:234-266, 253, 253-254. 11. Mayer-Gross W, Slater E, Roth M. Psiquiatria Clínica. 2ª ed. São Paulo: Mestre Jou, 1976: 448. 12. Gay P. Freud: uma vida para o nosso tempo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989: 56-57, 281, 555. 13. Dunn J. O sistema de tratamento de usuários de drogas na Inglaterra; mudanças nos últimos 200 anos. Boletim de Psiquiatria 1995; 28:19-23. 14. Kris E. Estudio preliminar – Los Origenes del psicoanalisis. In: Obras Completas. 3ª ed. Madrid: Biblioteca Nueva; 1973: 3455. 15. Vallejo Nagera J A. Introducción a la Psiquiatria. 8ª ed. Barcelona: Científico-Médica; 1976:311.

anúncio Sonata

47

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):42-47

Descrição Clássica/Homenagem HEINROTH E A MELANCOLIA: DESCRIÇÃO, ORDENAÇÃO E CONCEITO HEINROTH AND MELANCHOLIA: DESCRIPTION, CLASSIFICATION AND CONCEPTION

 Michael Schmidt-Degenhard* Tradução: Maurício Viotti Daker**

Resumo

O período romântico de Heinroth e sua concepção de melancolia são analisados numa perspectiva trans-histórica, com vinculações ao pensamento filosófico-cultural da época e a outros períodos históricos, inclusive com ramificações atuais. São investigados aspectos descritivos, classificatórios e conceituais da melancolia segundo Heinroth. Citados originais de Heinroth enriquecem o presente trabalho.

Melancolia; Transtorno Depressivo; História da Medicina Palavras-chaves:

Procurarei expôr em seguida o conceito de melancolia de Heinroth, considerando, em especial, aspectos inerentes a problemas históricos. Gostaria sobretudo de mostrar quais diretrizes e tradições históricas de pensamento segue Heinroth em sua hermenêutica da vivência melancólica. A investigação de problemas históricos tem como tarefa o reconhecimento de “contínuas estruturas de problemas” que, derradeiramente, possuem por base uma “identidade trans-histórica”. Aqui a experiência antropológica fundamental da existência melancólica: a junção de cada tentativa de solução de problema, ou seja, das diversas teorias com seus respectivos fundos culturais e de pensamentos históricos, leva a ampliadas correlações de efeito. Nelas se mostra uma continuidade de idéias históricas que alcança a psiquiatria atual. Introdutoriamente, permito-me breve esclarecimento da problemática concernente ao conceito científico da psiquiatria romântica. O campo de interesse da psiquiatria no início do século 19 é dominado por veementes discussões daqueles dois grupos que, ainda hoje, são freqüentemente contrapostos (muito simplificadamente) como somáticos e psíquicos . O exame das fontes históricas deixa aquela confrontação transparecer de modo muito mais facetado: considerando a história do pensamento, esses grupos se mostram, a despeito de sua polaridade, como representantes de uma psiquiatria romântica sob a influência direta da filosofia do idealismo alemão, com seus expoentes Schelling, Fichte e Hegel. Precisamente Schelling se torna o mais significativo teórico dessa

* Especialista em psiquiatria, psicoterapia e neurologia. Livredocente pela Universidade de Heidelberg. Diretor da Clínica Psiquiátrica Carl-Friedrich-Flemming do Centro Médico de Schwerin, Alemanha. ** Prof. Adjunto Doutor do Departamento de Psiquiatria e Neurologia da Faculdade de Medicina da UFMG

época psiquiátrica, exercem profunda influência notadamente seus trabalhos filosóficos naturais. É necessário ressaltar com clareza que a diferenciação entre psíquicos e somáticos, em sua dimensão profunda, significa algo fundamentalmente diferente do que o moderno conflito entre os representantes de uma extrema somatogênese e os de uma psicosociogênese das psicoses endógenas: não se confrontam ideologias etiológicas, ambas as direções possuem origem filosófica . Tanto que não se verifica nenhuma genealogia direta dos somáticos sobre Griesinger e Wernicke. Antes pelo contrário, levanta-se o jovem Griesinger em crítica radical à principal obra de Jacobi e dos representantes da escola somática. Os psiquiatras românticos colocam com profunda seriedade, decerto com diferentes respostas, as questões fundamentais sobre a essência da alma e sua relação com o corpo. Essas questões culminam finalmente no essencial problema metafísico, se então a alma, tida como imortal no homem, adoece, ou seja, se poderia alienar-se. Veio a ser rotina na psiquiatria, um pensamento mecanizado, avaliar negativamente a influência da filosofia natural e antropologia romântica, como uma camisa de força no desenvolvimento da especialidade para uma disciplina empírica. A contemplação natural no sentido de Schelling, contudo, não exclui a empiria. Esta se torna, antes, a base, o fundamento da questão filosófica. Nesse mesmo sentido afirma Carl-Gustav Carus, em 1822, num discurso sobre “a exigência de um futuro trabalho nas ciências naturais”, “que abordagem natural e abordagem especulativa não  podem ser separadas”.1 Medida e avaliação cuidadosa de dados, associadas à observação e interpretação pressupõem, porém, a necessidade de uma formação equilibrada em ambos os caminhos de conhecimento, a fim de se atingir o verdadeiro sentido do conhecimento científico: a visão do homem ou do objeto a ser investigado. O conceito de visão se encontra no núcleo da doutrina científica romântica. Visão não significa registrar visualmente, encontra-se em contraposição ao simples ver. Aquele que visiona penetra na essência do investigado mediante ato de conhecimento em que pensamento, fantasia e sentimento confluem ativa e reciprocamente. Assim, manifesta-se também em Heinroth, como ponto alto da arquitetura interna de sua obra, uma doutrina da essência dos transtornos mentais. Entretanto, Heinroth não deixa de sublinhar, num artigo publicado em 1818 na  Revista para Médicos Psíquicos de Nasse, o especial valor da observação para a investigação dos transtornos mentais: “É uma tarefa urgente, portanto, conseguir reunir cuidado-

Endereço para correspondência:  Michael Schmidt - Degenhard Wismarsche Str. 393 D-19055 - Schwerin - Alemanha

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):48-52

48

Heinroth e a melancolia: descrição, ordenação e conceito

sas descrições de doenças. Principalmente assim se fez adiantar, de  fato, a medicina somática. A medicina psíquica tem que repousar  nessa mesma base”.2 O estudo das formas, isto é, a nosologia do compêndio de Heinroth oferece uma plenitude de cuidadosas observações clínicas e psicopatológicas. Seja, nesse contexto, pontuada a questão, se a psiquiatria atual pode abdicar inteiramente dos elementos do esboçado e para nós estranho conceito científico dos românticos, caso ela se proponha à investigação do psiquismo em todas as suas dimensões. Assim, recentemente, assinala Janzarik que também o pensamento do psiquiatra de orientação neopositivista não pode, sem participação especulativa, estabelecer nenhuma ordem superior.3  Johann Christian August Heinroth nasceu em 1773 em Leipzig e morreu nessa mesma cidade em 1843. Em 1818, foi nomeado professor catedrático em Leipzig na primeira cadeira alemã para “medicina psíquica”. Em 1818, publicou seu Compêndio dos Transtornos da Vida Psíquica , que ao lado das Contribuições para o Ensino das Doenças de 1810 oferece os principais esclarecimentos sobre sua versão do conceito de melancolia. Heinroth é amplamente cotado como o representante dos psíquicos, a seu nome é associado primeiramente, até hoje, a sua doutrina sumariamente recusada da essência dos transtornos mentais, tida freqüentemente como teoria moralizante de pecados. Seja apenas indicado que essas idéias tão mal entendidas representavam uma tentativa contemporânea apoiada em Schelling de se aproximar seriamente do inconcebível, do mistério do alienado, do psicótico. Na minuciosa introdução conceitual do compêndio, Heinroth desenvolve uma antropologia da pessoa como um todo, o que viria a ser pouco notado. Assim como mais tarde, de forma tão clara praticamente apenas a fenomenologia personalística de Max Scheler (assim como a antropologia fenomenológica de V. E. von Gebsattel), coloca Heinroth a experiência corpóreo-mental e histórica da existência da pessoa no ponto central de todas as discussões sobre o desenvolvimento dos transtornos mentais. Estes, em muitos pontos correspondentes a nossas psicoses endógenas, são descritos como crises de amadurecimento malsucedido na transição das idades da vida. Nelas torna-se “alienado” “o plano criador divino” do desenvolvimento humano. Dá a impressão de modernidade a formulação de que os transtornos mentais decorreriam de um “perturbado processo interno de organização para o desenvolvimento da vida com pleta, isto é, livre”. Assim, o transtorno mental é um estado de “duradoura falta de liberdade ou perda da razão”, sendo que a investigação da história de vida interior do doente se torna imprescindível. Impressionam, paralelamente a isso, seus princípios para delinear uma “ordem dos transtornos mentais fundada na  própria natureza”. Ele reconhece que “todas essas diversas formas não são imensuráveis, anárquicas, isto é, amorfas, senão que podem

ser determinadas com precisão conforme suas condições” .2 Heinroth fala em “formas de doença como plantas originadas do  primeiro broto e seus graduais desdobramentos até a plena formação e amadurecimento”, até apresentarem “claramente desfecho  final com variados resultados”.2 A tentativa de Heinroth de ordenação dos transtornos mentais orienta-se na tradicional doutrina, também mantida por Kant, dos poderes mentais, e distingue adoecimentos do pensamento (Geist), dos sentimentos ( Gemüt*) e da vontade ( Wille). Heinroth fala, aliás, de “energias da alma”. Essas espécies são diferenciadas conforme os estados de exaltação ou de depressão dos poderes mentais, sob influência da doutrina contemporânea de doenças do inglês William Cullen. 4 Observe-se que Heinroth utiliza pela primeira vez o conceito de “depressão”, originalmente pretendido como neuropatológico, como referente ao tônus dos vasos cerebrais, para a designação de humor psíquico. Essa transformação psicológica do conceito de depressão originalmente considerado orgânico funda uma duradoura mudança de significado, o qual, contudo, inicialmente não concorre com o conceito de melancolia. “Depressão ” circunscreve apenas o sintoma ubiqüitário da tristeza, da disforia depressiva, enquanto que “melancolia ” designa uma determinada doença, ou seja, representa um diagnóstico. A equiparação de ambos os conceitos e a conseqüente perda de significado da melancolia pertencem a uma época posterior. A doença melancolia aparece em Heinroth, portanto, como uma depressão dos sentimentos, como uma doença na qual os sentimentos são comovidos por uma “paixão deprimente”. Já na introdução, Heinroth retrata o quadro freqüentemente citado de “em si espantado** sentimento melancólico”, “como que corrói a si  mesmo”. Essa metáfora do mal ruminante e penetrante dos deprimidos ilustra o poder de expressão fisionômica de Heinroth e lembra trabalhos analíticos existenciais de uma época posterior. O outro pólo, o de exaltação dos transtornos dos sentimentos, forma o Wahnsinn***, o Ecstasis, no qual os “sentimentos em estado excitado, apaixonado, como que se subtraem de si mesmos, e vivem apenas no mundo de seus sonhos”. 5 A investigação do conceito heinrothiano de sentimento indica um aspecto central do problema histórico da questão da melancolia. Servem-nos como guia trechos na verdade periféricos do compêndio de 1818, que em parte surgem como observações. Heinroth descreve o homem como “ser sensível, como um ser que anseia a libertação das necessidades nele inatas e na emoção dessa ânsia surge como sentimento ou coração”. 5 Decisivo para nós é a identidade de significado de sentimento e coração. Logo designa sentimento novamente como aquilo “que nós habitualmente e de  forma expressiva denominamos coração ”. 5 Em trecho posterior

* Gemüt - pode ser traduzido também como afeto, além de ânimo, coração, mente, etc. Existe, porém, a palavra  Affekt em alemão, assim como outras palavras além de Gemüt para designar ânimo, mente, emoção, humor, paixão, etc.  Affekt possui conotação de acometimento emocioanal por curto tempo. Segundo o  Dicionário de Psiquiatria e Psicologia Médica de Peters, UH (Urban & Schwarzenberg, Munique - Viena - Baltimore, 1990) não há tradução de Gemüt para o inglês, embora usualmente seja traduzido como affect. Em português, parece-nos o termo sentimento(s) o mais adequado. (Nota do tradutor) ** ou amedrontado, assustado. (Nota do tradutor) *** Designação à época, em geral, para transtornos mentais com acometimento da capacidade intelectual, com perturbação do poder de julgamento, sem chegar a um estado propriamente demencial ou a um embotamento afetivo. (Nota do tradutor). Fonte: Peters UH. Wörterbuch der Psychiatrie und medizinischen Psychologie. Urban & Schwarzenberg, München - Wien - Baltimore, 1990).

49

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):48-52

encontramos a seguinte observação sobre o conceito de sentimento: “É então essa expressão provincial demais ou tão vaga e abstrata, ou de todo artificial, que não se pretende mais deixála servir com o mesmo significado que a representativa palavra coração ? Portanto aflição e desgosto, assim como alegria e esperança, não devem mais ter seu lugar no sentimento? Onde mais então?” 5  Melancolia como doença do sentimento, do coração. Aqui

Heinroth se envolve, porém, numa velha tradição ocidental: “coração” representa um conceito antropológico fundamental para designação do centro e unidade pessoal do homem, sua base dinâmica, a partir da qual ele procura encontrar a compreensão de si mesmo. A história de idéias do conceito filosófico-teológico de coração remete-nos até Augustinus e à teologia patrística. A akedia, a inércia do coração que Cassian descreve como uma doença e tentação condicionada à solidão dos monges cristãos isolados pertence a esse contexto. Sobre o misticismo alemão, lideram essa linha notadamente Hildegard von Bigen e Meister Eckhard, passando por Paracelsus e Pascal até a depressiva comoção de Kierkegaard. No contexto contemporâneo a Heinroth o jovem Hegel mantém atual a congruência de significado de coração e sentimento; ainda na “Fenomenologia da Mente” ele contrapõe ao “ Wahnsinn da presunção” a “lei do coração”. Portanto, coração e humor depressivo são essencialmente aparentados . A melancolia é para Heinroth a doença do âmago da pessoa humana. Ele a descreve como o contrário da perfeição, o “mais miserável estado”, no qual o sentimento seria arrancado de todo o mundo. Raramente convergem cultura e história médica da melancolia tão estreitamente como na psiquiatria do médico romântico Heinroth. A melancolia como a doença da pessoa se encontra, assim, no centro da doutrina das doenças psiquiátricas de Heinroth, o sentimento ou o coração representa para ele aquele centro do homem através do qual este “é direcionado à eternidade”. A interpretação teológica última de Heinroth do conceito de sentimento indica também, contudo, uma debilidade de sua concepção de melancolia. Esta não reconhece suficientemente o fenômeno clínico do sintoma cardinal da inibição vital da psicose depressiva. Numa observação ele chega a denominar claramente com um termo grego, thymos, a esfera vital do impulso, a psicomotricidade, que fará parte do conceito de ciclotimia de Kahlbaum. Heinrot não pretende que caiba a ele um papel decisivo e constitutivo na construção da sintomatologia da melancolia. 5 A “melancolia pura” é descrita como paralisia do sentimento, com “abatimento, ensimesmar-se em meditação sobre qualquer objeto da perda, da tristeza, da dor, do desespero”. “Ansiosa, apressada movimentação ou imutável fixidez, com insensibilidade ante cada outro interesse além daquele do perturbado sentimento, entre gemidos, choro e lamúrias” podem caracterizar o quadro da melancolia pura. 5 Heinroth conceitua formas agitadas e inibidas como expressão de uma melancolia una, ambas são manifestações do “humor  mental deprimido”  basal. Como subformas da melancolia são descritas ao lado da forma pura a “melancolia com idiotice” , a “melancolia com abulia” , a “melancolia geral” e como varieda-

des a saudade, a “nostalgia” e a “melancolia religiosa”. Todas essas formas indicam feições de nossa depressão endógena e ilustram especialmente o fenômeno da inibição psicomotora depressiva. A idéia de uma psicomotricidade basal, a se considerar ainda antes da diferenciação em cada um dos poderes mentais, permanece remota para Heinroth. Ela encontra sua incorporação na psiquiatria apenas sob a influência do pensamento histórico do sensualismo, que favorece o surgimento de modelos neurofisiológicos dos transtornos mentais, através de Jessen e Griesinger. A caracterização dogmática da melancolia como doença do sentimento impede que Heinroth considere com os mesmos direitos os transtornos do pensamento, da vontade e da atividade. Heinroth pode enfrentar esse aforismo apenas através da exposição de formas separadas no âmbito de outras espécies, que, no entanto, mostram aspectos essenciais de nossa depressão endógena. O nome melancolia permanece o único da depressão do sentimento. Assim descreve Heinroth 5 como transtorno depressivo do pensamento a “idiotia com melancolia” , a “anoia melancólica”. O doente sofre de uma “fraqueza da inteligência”, ele é incapaz de: “manter a ideação e formar julgamentos. Mas apesar disso ele sente seu estado, ele lamenta seu triste destino, cuja ori gem não entende, porque não entende a si mesmo.  Mas ele incorre logo a seguir em 'infatigável, inútil atividade', para ao menos mostrar que sua boa vontade de estar ativo existe. Em seqüência torna-se triste e abatido, para ocupar-se na solidão não mais que infrutiferamente consigo mesmo”. 5 Nos transtornos da vontade  interessa-nos uma “falta de vontade com tristeza”, a “abulia melancólica”, na qual o doente sofre de “total inatividade, originada da incapacidade de querer”. Sua vontade estaria “atada”. A “dor de sua incapacidade de agir” tornaria esses doentes tristes. O estado se transforma em completa melancolia, donde o desespero não raro substitui o lugar da vontade e impulsiona o doente ao suicídio. 5 A dificuldade de Heinroth de compreender os transtornos afetivos e psicomotores como constituintes em comum da melancolia indica com grande antecedência as dificuldades de futuras gerações até as modernas, para as quais a “inibição vital” cada vez mais se torna problema central da estrutura sintomatológica depressiva, na qual a alteração do humor pode mesmo parecer secundária. Estamos, portanto, no direito de caracterizar a depressão endógena como uma psicose puramente afetiva? Talvez ofereça a história de problemas da clínica, aqui, um auxílio valioso e inesperado. A configuração clínica da melancolia segundo Heinroth e a nossa “depressão endógena” divergem também em vários outros sentidos. Assim, a melancolia é antes considerada de prognóstico desfavorável. O Wahnsinn, pelo contrário, “promete a mais curta duração e o melhor desfecho” . Se como possível desfecho da melancolia temos que o “estado melancólico se torna um fardo, uma loucura que por fim se transforma em imbecilidade” ou o doente “no seu interior gradualmente naufraga em embotamento e idiotia”, então estaríamos nos movendo sobretudo no terreno das atuais psicoses esquizofrênicas. Surpreende-nos a descrição do estádio final da melancolia com idiotia, mais propriamente uma psicose esquizofrênica do nosso diagnóstico. Aqui:

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):48-52

50

Heinroth e a melancolia: descrição, ordenação e conceito

“reina no doente uma espécie de vida automática . Ele anda sem rumo e se deixa levar por afazeres mecânicos, mas faz tudo pela metade e causa mais estragos do que realiza, deixa logo as mãos penderem e permanece ali pueril-tolo. Nesse estado desandam furtivamente os dias restantes de sua vida, cuja fonte de energia está esgotada ”. 5

Um breve parêntesis é interessante para esclarecer como a intuição de Heinroth também reconhece aspectos essenciais da psicose por nós designada de esquizofrenia. Ele descreve o assim denominado “frenético Wahnwitz ****”. Este representa uma exaltação da mente em que está perturbada principalmente a percepção do mundo externo sensorial, inclusive do próprio corpo. Heinroth escreve: “A vida mental está aqui inteiramente fragmentada em seus elementos, sendo que cada qual atua como tóxico destrutivo. Nenhum vínculo mental, nenhum sentimento, nenhuma fantasia mantém juntos os elementos de toda atividade mental, pensamento e vontade, e separados aniquila-se cada eu e seu próprio ambiente: o pensamento, ordem e coesão das representações de um mundo real, a vontade, que apenas sempre ligação e dissolução, deixam-se atingir através de suas forças destruidoras” . 5 Encontramos uma indicação para a antinomia maníacodepressiva na descrição de uma subforma “melancolia com  Narrheit *****”, uma mistura de depressão do sentimento e exaltação do pensamento. Nela se alivia o sentimento deprimido, no fim da melancolia, “através de excitação e animação de representações agradáveis”. “Uma jocosidade febril apodera-se do doente e ele tende a imaginária bem-aventurança, a fim de escapar da tortura da tristeza melancólica”. Esse estado duraria semanas ou meses, até que a alma afundasse novamente em sua escuridão. Então surgiria mais uma vez a melancolia, que, no entanto, através de “reiterada tensão”, após “reunidas forças”, é de novo substituída pela tolice jocosa. Essa mudança repete-se constantemente, até que finalmente as “forças se esgotam”. O diagnóstico só poderia ser dado se fosse observada “toda a evolução da doença”, ou seja, a mudança em ambas as formas, “o parecer não deveria ser o de um estado monomaníaco do doente”. 5 Encontra-se em Heinroth, portanto, uma clara descrição da loucura circular como uma forma de doença una , não como mudança de duas diferentes  doenças. Em 1851, o francês Falret descreverá, sob outras condições históricas da ciência, fundamentalmente modificadas, a unidade de doença Folie circulaire e com isso estabelece o ponto de partida para o desenvolvimento clínico da psicose maníaco-depressiva de Kraepelin. A correta observação já encontramos no romântico Heinroth, tão freqüentemente rejeitado por suas especulações. Seu espírito de observação clí-

nica, que muito injustamente foi esquecido em meio à problemática metafísica de sua doutrina de essência, merece admiração. Finalmente, gostaria de citar sem comentários a teoria de essência da melancolia. Unicamente será referido à fala que, ao penetrá-la, deixa-nos supor algo do sofrimento da vivência melancólica: na melancolia “ torna-se a pessoa uma vítima das prementes forças” que invadem seu coração... “Apoderar-se de si e tornar-se novamente autônomo não é  mais uma possibilidade: o coração e seu objeto estão fundidos. E porque nesse estado o coração não é mais da pessoa, senão que do objeto, um infindável martírio toma a pessoa,  pois ela está numa infindável contradição, nesta: ela está  separada de si mesma e, no entanto, não pode separar-se de si mesma. Isso é verdadeiro suplício, pois a essência desse sofrimento é a visão e a sensação daquilo que em si é um como algo separado. Nessa auto-sensação do não pertencer  a si mesmo  perderam-se na melancolia os sentimentos, e essa é a essência da melancolia, que se encontra na base de todos os modos de manifestação da mesma”. 5 Mais de 120 anos depois falará V. E. von Gebsattel, 6 em sua penetração fenomenológica da vivência melancólica de alheamento, de “existência tornada inalcançável”, que só permite uma “existência no vazio”. Heinroth e von Gebsattel aspiram o conhecimento da essência da melancolia, da qual a investigação psiquiátrica, na verdade, julga por vezes poder prescindir, mas que sem ela não se consegue um verdadeiro encontro terapêutico com o doente mental. Summary 

Heinroth´s romantic cycle and his comception of melancholia are analysed in an historical perspective linking the philosophical and cul tural mening of his own time to another periods of time and to more recent works. Descriptive, classifiable and conceptual aspects of the melancholie according to Heinroth are investigated. Heinroth’s personal excerpts enrich the text. Key-words:

Melancholia; Depressive Disorder; History of 

Medicine Referências Bibliográficas

1. Carus CG. Natur und Seele (Auswahl). Jena: Diederichs, 1939:45. 2. Heinroth JCA. Krankheitsberichte. Nasses Z Psych Ärzte 1818; 2:231-233.

**** Conceito etimologicamente mais antigo que Wahnsinn, com significado semelhante: incompreensível, vazio em razão, sem sentido. Era usado em sentido leigo e amplo para todas as formas de transtornos mentais, como loucura. (Nota do tradutor) ***** Narrheit: termo genérico para loucura ou tolice. “Narr” significa tolo, doido, disparatado, insensato. Antigamente “Narr” era empregado no sentido de brincalhão, charlatão, farsista, como em comédias no teatro ou no papel de bobo da corte, com sua vestimenta colorida peculiar. Hoje ainda existem expressões que vinculam o termo a esse aspecto hilariante. “Narr” também significa carnavalesco. (Nota do tradutor). Fonte: DUDEN - Dicionário da Língua Alemã.

51

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):48-52

3. Janzarik W. Basisstörungen. Eine Revision mit strukturdynamischen Mitteln. Nervenarzt 1983; 54:122-130 4. Cullen W. Kurzer Begriff der medizinischen Nosologie. Leipzig, 1786.  5. Heinroth JCA. Lehrbuch der Störungen des Seelenle-bens oder der Seelenstörungen und ihrer Behandlung. Leipzig: Vogel, 1818. 6. Von Gebsattel VE. Zur Frage der Depersonalisation. In: Prolegomena einer medizinischen Anthropologie. Berlin: Springer, 1954. 7. Hartmann N. Zur Methode der Philosophiegeschichte. Kant-Studien 1910; 15:459-485. 8. Heinroth JCA. Beyträge zur Krankheitslehre. Gotha, 1810. 9. Heinroth JCA. Lehrbuch der Anthropologie. Leipzig, 1822. 10. Kindt H. Katatonie. Ein Modell Psychischer Krankheit. Stuttgart: Enke, 1980.

11. Leibbrand W, Wettley A. Der Wahnnsinn. Freiburg: Alber, 1961. 12. Lidl M. Johann Christian August Heinroth (1773-1843) und sein therapeutisches Konzept. Med Diss, Würzburg 1981. Horst Wellem Verlag, Pattensen (Han.). 13. Möbius PJ. Zum Andenken an J.Ch.A. Heinroth. Allg Z Psychiat 1898; 55:1-18. 14. Schmidt-Degenhard M. Melancholie und Depression. Zur Problemgeschichte der depressiven Erkrankungen in der deutschsprachigen Literatur seit beginn des 19.  Jahrhunderts. Stuttgart: Kohlhammer, 1983. 15. Schomerus HG. Gesundheit und Krankheit der Person in der medizinischen Anthopologie Johann Christian August Heinroths. Med Diss, Heidelberg 1965. 16. Tellenbach H. Melancholie. Problemgeschichte, Endogenität, Typologie, Pathogenese, Klinik, 2. Aufl. Berlin: Springer, 1974.

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):48-52

52

Seguimento

REVELAÇÕES – CCP 1999; 1(1): 3-11 Paulo B. Linhares (auto-relato anônimo) Continuo com ótima saúde, convivendo bem com todo mundo, principalmente com minha esposa e meus cinco filhos. Sou o responsável pela manutenção financeira da minha família e para quem quiser estudar e entender melhor meu caso, digo: “A partir de agosto de 1996 consegui adquirir um bom apartamento e um carro de passeio, zero km e, em fevereiro de 2000, consegui a quitação de ambas as aquisições. Entrei  de licença médica no INSS em 25/05/1982, sendo aposentado por invalidez em 01/08/1985. Cancelei a minha aposentadoria por invalidez em 10/02/1986, reduzindo assim os custos do INSS, e passei a ser novamente um contribuinte. Na atividade profissional exerço uma função de alto nível e responsabilidade. Quanto a minha saúde, informo que não tomo nenhum remédio psicotrópico há mais de seis anos”. O meu objetivo é ajudar àqueles que trabalham na área da saúde mental para que possam dar aos necessitados o auxílio necessário para que todos tenham uma vida digna e em abundância. Toda a base deste conhecimento, que muitos médicos e até psiquiatras já defendem, só será aceita cientificamente quando tornar-se um assunto de uma cadeira obrigatória em todas as universidades do mundo, deixando de ser um estudo paralelo e até considerado como “Ciências Ocultas”, o que causa, pelo nome, muito medo e apreensão. Por causa deste meu objetivo enviei um e-mail para o Doutor Hélio Elkis, o qual transcrevo aqui agora: “Dr. Hélio Elkis, Desejo-lhe muita paz. É necessário que a ciência, principalmente no ramo da psiquiatria e psicologia, evolua o mais rápido possível para que todos os elementos do gênero humano possam receber os  frutos positivos e válidos do conhecimento para viverem dignamente a VIDA.  Dr. Hélio Elkis, há 20 anos venho estudando tudo sobre a mente humana como um autodidata, só que nestes meus estudos e pesquisas tive que caminhar sozinho, pois nin guém teve a caridade e humildade de querer me entender. Nesta minha constante e firme disposição passei a com preender como funciona o “inconsciente”. Posso agora explicar esta incógnita do ser humano. Veja o que escrevi nos três  primeiros parágrafos do meu trabalho, que já é do seu conhecimento.  Dr. Hélio Elkis, o senhor já conhece um pouco sobre mim, mas ainda não sabe quem eu sou. Gostaria de saber se o senhor deseja estudar um pouco mais para compreender  melhor o meu caso. Assim o meu estudo e minhas descober-

53

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):53-53

tas poderiam ser bem mais úteis e benéficas a todos os interessados e necessitados. Eu sou o “Paulo B. Linhares” (nome fictício) do Auto Relato da revista “Casos Clínicos em Psiquiatria”, volume 1, número1. Caso o senhor queira conhecer-me mais, responda-me pelo E-mail:....... Cordialmente, despeço-me...”.

Para o Doutor Hélio Elkis eu me identifiquei, colocando-me a disposição para um diálogo. O mesmo faço aqui agora, só que o Doutor Maurício Viotti Daker julgou melhor que continue com o nome fictício e, se alguém quiser estudar mais o meu caso para que possa ser considerado como exemplo, entre com contato com a redação da revista – [email protected] - e o Doutor Maurício tomará as providências que julgar melhor. Terminando, desejo para todos muita paz e realmente uma PAZ PLENA.

TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR RESISTENTE E REVISÃO DE SEU TRATAMENTO COM CLOZAPINA – CCP 1999; 1(1):27-32 Costa EC, Miranda GV, Costa ALC, Daker MV  (contribuiu neste seguimento Malloy-Diniz L) Persiste estabilizado em monoterapia com 300 mg/dia de clozapina. Verificou-se queixas relacionadas a memória e funções executivas. O paciente foi submetido nos meses 1, 6 e 12 de uso da clozapina a avaliação neuropsicológica: Mini-Exame do Estado Mental, Teste de Sondagem Intelectual, Inventário de Inteligência Não-verbal, Token Test, Teste de Fluência Verbal, Teste Digit Span/de Aritmética/Construção com Cubos – Escala Wechler de Inteligência para Adultos, Teste de Aprendizagem Auditivo-verbal de Rey e Teste Gestáltico Visuomotor de Bender. Inicialmente, constatou-se dificuldades relacionadas às funções executivas (fluência verbal), memória auditivo-verbal e habilidades visuo-construtivas. Excetuando-se as dificuldades relacionadas à visuo-construção, que podem estar associadas ao uso de álcool, as demais alterações cognitivas podem ser exp licadas pelo quadro de transtorno afetivo bipolar. Aos seis meses verificamos melhora dos escores dos testes de funções executivas e memória auditivo-verbal, o que é compatível com os resultados obtidos em pacientes esquizofrênicos submetidos ao mesmo tratamento psicofarmacológico. A avaliação aos 12 meses demonstrou estabilidade da melhora cognitiva alcançada aos seis meses. Para detalhes: Costa E, Malloy-Diniz L, Costa DA, Miranda GV, Viotti-Daker M. Avaliação prospectiva de sintomas neuropsiquiátricos de um paciente portador de transtorno bipolar resistente tratado com clozapina. Psiquiatr Biol 2000; 8(1): 3-7.

Index CCP

Volume 1

Palavras-chaves

Acordares relacionados a esforços respiratórios...................45 Alopurinol....................................33 Ansiedade.....................................45 Antidepressivos............................12,45 Antipsicóticos ..............................12,33 Apnéia ..........................................45 Benzodiazepínicos .......................45 Catatonia......................................12 Clozapina .....................................27 Conduta hipernómica..................47 Delírio de infestação....................24 Demência .....................................12,45 Dementia praecox........................59 Depressão.....................................12 Depressão psicótica .....................47 Doença auto-induzida .................42 Esquizofrenia ...............................16 Esquizofrenia de início tardio.....21 Esquizofrenia paranóide.............. 3 Estabilizadores de humor............33 Hemingway ..................................47 Hipertiroidismo ...........................24 Hiperuricemia..............................33 História da psiquiatria.................59 Insônia..........................................45 Mania............................................33 Musicoterapia ..............................16 Parafrenia..................................... 3 Parafrenia tardia ..........................21 Patografia .....................................47 Psicose..........................................16 Psicose tardia ...............................21 Psicopatologia..............................12 Psiquiatria geriátrica....................24 Síndrome de apnéia hipopnéia obstrutiva do sono.......................45 Síndrome de Ekbom....................24 Síndrome de Munchausen...........42 Transtorno bipolar.......................33,47 Transtorno delirante .................... 3 Transtorno factício.......................42

Transtorno de humor bipolar......27 Transtorno obsessivo-compulsivo..36 Transtorno obsessivo-compulsivo psicótico .......................................36 Transtorno obsessivo-compulsivo resistente ......................................36 Transtorno psicótico.................... 3 Key-words

AD................................................43 Allopurinol...................................34 Antidepressants............................15 Antipsychotics..............................15,34 Anxiety.........................................43 Apnea ...........................................43 Artefactual disease.......................40 Benzodiazepines...........................43 Bipolar disorder......................32,34,53 Catatonia......................................15 Clozapine .....................................32 Dementia......................................15,43 Dementia praecox........................63 Delusional disorder .....................11 Delusion of infestation ................26 Depression ...................................15,43 Ekbom’s Syndrome......................26 Emil Kraepelin.............................63 Factitious disease.........................40 Geriatric psychiatry .....................26 Hemingway..................................53 Hipernomy...................................53 Hiperuricemia..............................34 History of psychiatry ...................63 Hyperthyroidism..........................26 Insomnia.......................................43 Late-onset schizophrenia.............23 Late-paraphrenia .........................23 Late-psychosis..............................23 Mania............................................34 Mood stabilizers...........................34 Munchausen’s syndrome .............40 Musical-therapy ...........................20 Obsessive-compulsive disorder...39 OSAHS ........................................43 Paranoid schizophrenia...............11 Paraphrenia..................................11

Pathography.................................53 Psicotic obsessive-compulsive disorder ........................................39 Psychopathology..........................15 Psychosis ......................................20 Psychotic depression ...................53 Psychotic disorder .......................11 RERA ...........................................43 Resistent obsessive-compulsive disorder ........................................39 Schizophrenia...............................20 Self-induced illness......................40  Autores clássicos e títulos especiais

Alzheimer.....................................13,22 Benjamin Rusch ...........................57 Bleuler ..........................................38 Bleuler, M.....................................22 Chiarugi........................................55 Conrad .........................................22 Crichton .......................................55,56 Cullen...........................................55 Ekbom..........................................24,25 Esquirol........................................10 Freud............................................9,10 Gebsattel......................................38 Haslen ..........................................55  Jaspers ..........................................38 Kraepelin ...................9,10,21,22,59,66 Mesmer.........................................58 Pinel .............................................55,57 Sauvages .......................................55,57 Schneider, Kurt ............................22 Schreber .......................................9,10 Westphal.......................................38 Títulos epeciais

Guimarães Rosa...........................46 Irmã Germana..............................54-58 Revelações....................................3-11

A edição anterior encontra-se na Home page: http://www.medicina.ufmg.br/ccp

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):54-54

54

View more...

Comments

Copyright ©2017 KUPDF Inc.
SUPPORT KUPDF