CasomaiFinal - Dora

December 12, 2017 | Author: João Diogo Vedor | Category: Family, Time, Economics, Psychology & Cognitive Science, Philosophical Science
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Análise psicologia sistémica na óptica do modelo relacional simbólico sobre o filme italiano Casomai....

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Psicologia da Família

Prof.ª Doutora Fabrizia Raguso

Dora Pereira Fernandes

nº 221914013 Uma análise do filme CASOMAI

Casomai é uma palavra que provem do italiano e não tem tradução concreta, porém os significados em português variam entre “talvez”, “se por acaso” ou “na eventualidade”. Esta palavra é o título de um filme que foi lançado em 2002 e dirigido por Alessandro D’Alatri. A história retratada no filme relata a decisão de um jovem casal de realizar o desejo de matrimónio. Desta forma, a maquilhadora Stefania e o artista criativo Tommaso, procuram as raízes de Stefania e dirigem-se à paróquia da infância dela para poder preparar o casamento. No local os dois encontram Don Camillo, um pároco pouco comum que concede ao pedido do casal, ou seja, “efetuar um casamento diferente dos outros”. De forma a satisfazer o pedido, o pároco utiliza efetua métodos que evocam imagens representativas das dinâmicas conjugais. Inicialmente relembra a história do encontro e da transição para a conjugalidade e também confronta o casal, os familiares e os amigos com diversas dificuldades ilusórias pelas quais o casal poderia passar no decurso da sua união. O presente trabalho faz recurso a uma análise crítica do filme Casomai para representar e reflectir acerca de diversos conteúdos leccionados e presentes no trabalho de Scabini e Cigoli (2006), Family identity: Ties, symbols, and transitions, sobre as dinâmicas envolvidas na construção de uma relação conjugal e do pacto parental. Primeiramente de forma a inaugurar este trabalho é preciso perceber o que é uma família, para isso irei iniciar com um esboço do filme. Tommaso e o seu colega e amigo de trabalho, Rino, apresentam aos clientes e ao diretor as diferentes visões que criaram acerca de uma família para poder integra-la numa publicidade. Os criadores citam a família artificial; a família convencional em que é retratada a imagem ideal/de sonhos que os indivíduos têm, que se baseia numa paixão de certo modo fantasiosa, que é exemplificada pela equipa através de uma imagem que retrata o pai a brincar com os filhos onde todos estão alegres; da família living-life e da família hyper-real que é exemplificada por Tommaso através dos silêncios que existem na vida doméstica e que é capaz de retratar os momentos de intimidade mais simples e com um certo significado para a família. Isto também é retratado mais tarde no filme pelo casal de patinadores que com a sua arte e ao poderem contar um com o outro, criam algo tão belo e mesmo tempo 1

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tão intimo numa superfície tão instável e traiçoeira. Disto pode-se deduzir a ideia que paira sobre a sociedade contemporânea: a tendência de pensar na imagem da família como uma organização idílica. Porém esta imagem não é suficiente devido ao facto de ser demasiado linear e simplista e não abranger todas as particularidades que se englobam neste conceito. Para ter uma certa orientação do que é considerado uma família tem se recursado à definição que mais consenso reúne e que foi dada por Lévi-Strauss (1967/1969 cit. in Scabini & Cigoli, 2006). Este autor define a família como a união mais ou menos duradoura e socialmente aprovada entre um homem, uma mulher e os seus filhos. Tendo em conta esta definição destacam-se 2 pressupostos: um laço que se afirma numa dimensão temporal e a importância do reconhecimento social, o que me leva a analisar o paço que leva criação de uma nova família, a construção da relação conjugal. A construção da relação conjugal está baseada no pacto conjugal, a tarefa de transição para a vida conjugal. Uma transição pode ser considerada como uma nova etapa que implica uma transformação, um reajuste e uma redefinição individual. A finalidade deste é o mantimento e o desenvolvimento do vínculo comum, exclusivo e recíproco entre um homem e uma mulher (Scabini & Cigoli, 2014). É essa transição fundamental, que possibilitou a construção da relação conjugal de Tommaso e Stefania. Ambos, antes de se conhecerem, já tinham feitos esforços que se demonstram nos múltiplos namorados que poderiam se tornar um possível parceiro com o qual construir uma família, o que também destaca uma não-linearidade nas transições pessoais o que pode pressupor uma flexibilidade da entrega de si ao outro. O início da história em que ambos começam a conhecerem-se, alonga-se e ambos passaram algum tempo juntos antes de seguir para uma relação mais séria. O facto de este pacto ter fundamentos iniciais mais alongados, em que, como Tommaso indirectamente declarou, que o primeiro beijo se foi alongando, permite destacar o aumento de elementos primordiais para que haja a atracão mútua e o consenso de ambos para passar a terem uma relação. Após o facto de terem assumido perante eles próprios o namoro, passaram a assumir o compromisso perante as suas famílias e os seus amigos e passaram a viver juntos no apartamento de Stefania. Para Tommaso e Stefania esta fase teve alguns entraves na família, pois do lado de Tommaso, como já tinha apresentado varias namoradas aos pais, para eles, Stefania seria mais uma. Isto revela uma certa saturação 2

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dos planos pré-estabelecidos e o resguardo da possível passagem do legado. O mesmo aconteceu com Stefania e o pai. Este chegou a dizer a Tommaso que Stefania já brincou com tantos e que ele teria o mesmo fim que Alberto (ex namorado de Stefania), isto podia ter desencadeado uma crise conjugal. Todavia o facto Tommaso ter contado isto a Stefania é prova que ambos estabeleceram um pacto de confiança, em que existe abertura para a comunicação e em que ambos ambicionam o mesmo o bem-estar do outro o que não é possível quando existe um conflito interno por um ou ambos os parceiros (Scabini & Cigoli, 2014). Voltando ao aspecto familiar, este pacto manteve-se para além das reticências, que estavam relacionadas com o casal, mas que ficou claro que ambos tinham o mesmo objetivo nas vezes em que ambos falavam da possibilidade de constituírem família um com o outro e mais tarde com a mudança de ambos para uma casa. Estes dois aspectos são partes integrantes do pacto declarado e no pacto secreto (Scabini & Cigoli, 2014). Pode-se deduzir que o pacto declarado era assumido por ambos e que viviam num pacto secreto praticável em que ambos reconheciam a necessidade um do outro, sem necessidade de ter que receber algo em troca. Mas o pacto conjugal não se resume só pelos pactos declarados, secretos e de confiança. O pacto em si, exprime-se pelo pólo ético e a confiança estabelecida no pacto exprime-se pelo pólo afectivo. Os dois pólos interagem de forma complexa e equilibram todas as formas de relação na família. O pólo afectivo inclui várias formas expressivas de relação, como a vida emocional que Tommaso e Stefania expressam nas conversas a noite. Relativamente ao pólo ético, este, expressa-se através de normas e regras que são influenciadas pelos contextos culturais e engloba a Justiça, que por sua vez engloba aspectos de lealdade. Uma imagem que se pode correlacionar com este pólo é a de Tommaso que na noite reencontrou a sua parceira antes de Stefania, com quem mantinha uma relação aberta e lhe anunciou que estava a namorar. Isto prova a lealdade de Tommaso para com Stefania. O casal, no inicio da sua vida conjugal conseguia manter ambos os pólos em equilíbrio, mas como já vimos anteriormente também havia momentos de desequilíbrio/crises. Ambos estavam conscientes do compromisso assumido com o outro, havendo por parte deles flexibilidade pessoal, abertura e comunicação para com o outro. A relação de ambos não se focava só nos dois, havia abertura/espaço pessoal de ambos os lados para realizar actividades com os amigos individualmente e em conjunto. 3

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Mais tarde ambos decidiram casar e pouco depois Stefania estava grávida de Andrea. O que me leva a analisar a construção do pacto parental do casal. Quando existe um investimento no pacto conjugal, a consequência é a geratividade (a finalidade última da família), ou seja, transmitir conhecimentos e tradições às gerações futuras (Cigoli & Scabini, 2006). Sendo que o esqueleto da família são as relações e interações entre os seus elementos, é indispensável analisar as várias relações estabelecidas entre Stefania, Tommaso e os elementos das suas famílias através da dimensão simbólica, de temporalidade e de transição de passagem. Antes de se casar com Stefania, Tommaso e os seus pais tinham uma relação bastante próxima, se bem que não aprovavam certas atitudes. No entanto verifica-se que a sua relação sofre modificações ao longo do filme. No início do filme, vê-se Tommaso a ter refeições várias vezes com os seus pais, a presença destes na sua vida diminui cada vez mais à medida que Tommaso constitui família com Stefania. Isto demonstra que a família não é uma entidade fixa no tempo e que pode passar por transformações consoante o desenvolvimento de cada membro. Mais tarde, quando Stefania está grávida, vê-se Tommaso e os seus pais acompanhados por ela durante o almoço. Isto leva a deduzir uma simbólica que está ligada aos almoços/jantares familiares na família, ou seja, uma relação familiar está marcada pelo convívio, pela prestação de cuidados e pela atenção para com as gerações mais novas. Do lado de Stefania, a relação com os pais tem uma dinâmica disfuncional. Os pais estão divorciados (uma transição não-normativa) e as relações que mantém com ambos são bastante superficiais quer com o seu pai, quer com a mãe. O pai de Stefania reprova muitas das suas atitudes e não acredita no futuro da filha na sua vida profissional e familiar, mas aparenta uma necessária disposição para a ajudar. A mãe deixa a filha preocupada devido ao consumo de álcool e mais tarde a mãe fica ao encargo da filha (uma transição nãonormativa e que leva a dita geração sanduíche, em os uma geração cuida dos pais e dos filhos). Estes elementos levam a deduzir que, apesar de haver uma relação e interação, isso não é sinónimo de boas relações. Identifica-se ainda uma triangulação no papel de Stefania na regulação dos conflitos entre os seus pais, que apesar de divorciados, mantém um casamento implícito através de revoltas afetivas e crenças de outras mulheres na vida do seu ex-marido.

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O nascimento de Andrea, tornou-se num grande desafio ao nível do desenvolvimento psico-afetivo. Nesta fase, os pais tinham de responder às necessidades físicas e afetivas de Andrea, e a própria vida do casal mudou. A nível da vida conjugal procedeu uma transição para a parentalidade que mudou o vínculo conjugal e criou um período de desorganização. A situação familiar e laboral começa a tomar outro rumo e as responsabilidades (económicas, tratar do seu filho recém-nascido, sustentar os laços afetivos) passaram por cima da relação conjugal. Ao nível laboral Stefania deixa de trabalhar e Tommaso não sabe como organizar-se, mesmo querendo passar o máximo de tempo possível, não pode deixar a sua carreira para trás porque é o único sustento da familiar e isso exige imenso tempo da parte do artista criativo, como o seu desgaste e podendo levar a um bloqueio criativo. Ao nível familiar, as responsabilidades mudam, Stefania tem agora a seu cargo a mãe e o filho, o que leva a ter necessidade de apoio e a um período de instabilidade/ de procura de novas respostas. Tommaso para satisfazer a necessidade de apoio da mulher, ouvindo-a a cantar ao filho uma música relacionada com uma avó, lembra-se de voltar a San Michele para pedir apoio a Mena, a Senhora que ajudava Don Camillo na paróquia o que levou ao reencontro de equilibro ao nível da organização do tempo. Devido ao período de desorganização e de instabilidade, a intimidade inicial existente entre Stefania e Tommaso, deixou lugar à fadiga de Tommaso e à insatisfação de Stefania. Tommaso deixou de falar das suas preocupações, ambos reduziram imenso as suas saídas com os colegas e Stefania passava imenso tempo em casa com o filho e a mãe. Após a chegada de Mena, o casal tinha tempo para essas coisas, porém a exigência do trabalho de Tommaso causava novas repercussões. Graças à presença de Mena e a reorganização temporal ambos encontraram tempo para poder sair. Nessa saída Stefania era confrontada com uma realidade que não se enquadrava no seu ideal, a traição de conjugues com raparigas mais novas. Essa realidade veio fermentar o medo de Stefania, que a levou a confrontar o marido com o facto de ele não ter tempo para ela e de as coisas terem mudado. Nesta altura o pacto conjugal do casal que inicialmente era um pacto declarado assumido e um pacto secreto praticável, passou a tornar-se num pacto secreto rígido em que Stefania não incorporou as mudanças e em que Tommaso não encara as necessidades afetivas de Stefania. Nessa cena Stefania aparece varias vezes de costas para Tommaso o que leva a interpretar uma certa distância entre ambos. Desta situação

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conjugal também é possível deduzir que o equilíbrio que existia entre os dois pólos ético e afectivo, desvaneceu. Mais tarde no círculo amigável um casal separa-se e tanto Stefania como Tommaso são confrontados por terceiros dizendo que a separação de ambos seria benéfica ao nível económico e ao nível dos apoios. Esta realidade leva-nos a interpretar que o sistema económico está de tal forma formatado que o pacto conjugal hoje é visto como um entrave e que o “normal” para obter apoios/benefícios económicos o que aumenta o aspeto de uma dinâmica utilitária é o divórcio. A situação conjugal não melhora mesmo após Stefania ter voltado ao emprego devido ao facto de que Tommaso ainda continua extremamente envolvido no seu trabalho. Outro corte grande na intimidade conjugal foi quando Stefania decidiu abortar, apesar do consentimento de Tommaso. Esse aborto, que após declarações de Stefania, estava relacionado com questões económicas, mas que está intrinsecamente relacionado com questões afectivas e conflituosas não resolvidas na relação conjugal, é um corte muito grande na geratividade do casal e em que a dinâmica da trilogia: dar, receber e corresponder deixou de fazer sentido, dando lugar à degeneratividade (Scabini & Cigoli, 2014). Ao optar pelo aborto, Stefania rejeitou a possibilidade de criar um novo vínculo para talvez não querer prender Tommaso a ela, ou a própria organização social a assustou. No entanto, intrínseco a estes sentimentos, podem estar a instabilidade de comunhão afetiva entre o casal, que mais uma vez na analogia dos patinadores, não encontram a sua sinergia em solo instável. O que também é sustentado pela forma como Stefania rejeita o apoio de Tommaso e a sua preocupação. Essa quebra na geratividade também teve um impacto muito grande em Mena. Mena considera que um filho é uma dádiva e que deve ser acolhido com felicidade, tal como o pai dela o fazia. Mena tem noção que implica mudanças, porém considera que tudo tem solução. A perspetiva de Mena enquadra-se totalmente na dinâmica da trilogia: dar, receber e retribuir. O nascimento de um irmão na família de Mena era um dom reconhecido pelos pais e para cumprir a sua divida os pais retribuíam-lhe tudo o que era de necessidade primária para o seu desenvolvimento. Esta recordação é evocada com a imagem do pai a abrir uma garrafa de bom vinho, onde este objeto centralizava a família na receção dessa dádiva e renovava os votos de felicidade e geratividade.

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Por fim, o facto do grupo de amigos destacar os problemas das suas uniões, levou Tommaso a ter uma certa abertura para a possibilidade de infidelidade, mesmo que isso não fizesse no início parte dos valores dele. Talvez a procura de afeto e de compreensão por parte de alguém do género oposto o tivesse levado a sucumbir a essa tentação. Stefania veio a descobrir a traição devido à falta de cuidado dos amigos do casal. A infidelidade de Tommaso veio dar o último empurrão para o casal se divorciar, sendo que este, após o mal estar feito, não foi digerido no meio da acumulação dos problemas anteriormente abordados. O divórcio leva a acusações falsas e a uma concentração individual, impondo muitas vezes sentimentos corruptos no que o próprio deseja. Por fim a metáfora utilizada dos patinadores que viviam em harmonia e que podiam-se apoiar um no outro, largam as suas mãos e caem. Esta metáfora retrata o rompimento por completo do vínculo conjugal. Por fim, no exercício que o Padre Camillo realizou com todos, o próprio e os convidados afirmaram que, apesar de a família e os amigos fazerem parte integrante do meio em que o casal vive, a decisão por fim é sempre do casal. E que não são os convidados que se vão casar com os cônjuges mas é a escolha do casal de se dedicarem mutuamente e prioritariamente no matrimónio que ambos vão construir. Isso levou a que Tomasso e Stefania se casassem em privado. Para concluir este trabalho e após esta análise aprofundada do filme, pode-se afirmar que o filme em si leva a que tomemos noção de que a vida conjugal tem vários fatores influenciadores e que a comunicação é um elo importante no mantimento da relação e para a resolução de certas crises conjugais. Para além deste aspeto penso que o facto de relacionar a matéria lecionada no contexto de aula com um filme, dá-nos uma aproximação mais concreta da matéria com os casos práticos, tornando-se numa estimulação para o juízo crítico de cada um.

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Referências Cigoli, V., & Scabini, E. (2006). Family identity: Ties, symbols, and transitions. Routledge. D’Alatri, A. (realizador) (2002). Casomai . Italia: Rai Cinemafiction Scabini, E., & Cigoli, V. (2014). La identidad relacional de la familia. Biblioteca Autores Cristianos.

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