Casamentos Prematuros em Moçambique

April 30, 2018 | Author: Nelda Vilanculo | Category: Family, Marriage, Sexual Intercourse, Ethnicity, Race & Gender, Feminism
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Casamentos prematuros em Moçambique Contextos, tendências e realidades Sónia Nhantumbo-Divage; José Divage & Miguel Marrengula

Maio de 2010

ÍNDICE Conteúdo

pág.

LISTA DE ABREVIATURA ................................................................................................................................ 2 RESUMO ........................................................................................................................................................ 3 I.

INTRODUÇÃO INTRODU ÇÃO .................................. ................. .................................. ................................... ................................... ................................... .................................... ................................ .............. 4 I.1 Contexto ............................................................................................................................................... 4 I.2 Âmbito .................................................................................................................................................. 7

II.

OBJECTIVOS OBJECTIV OS.................................. ................. ................................... ................................... ................................... ................................... ................................... ................................... ................. 9

III.

METODOLOGIA METODOL OGIA ................................. ................ .................................. ................................... ................................... ................................... .................................... ........................ ...... 10

IV.

RESULTADOS RESULT ADOS .................................. ................. .................................. ................................... ................................... ................................... .................................... ........................... ......... 12

V.

DISCUSSÃO ................................... .................. ................................... ................................... ................................... ................................... ................................... ................................. ............... 17 V.1 Definição, motivações e influências do Casamento Prematuro ................................................... 17 V.2 Casamento prematuro, infância, Género e relações de poder. .................................................... 22 V.3 Aspectos jurídicos e político estratégicos envolvidos no casamento Prematuro ...................... 24

VI.

CONSIDERAÇÕES CONSIDER AÇÕES FINAIS ................................. ................ ................................... ................................... ................................... ................................... ........................... .......... 26

VII.

RECOMENDAÇÕES RECOMEND AÇÕES .................................. ................. .................................. ................................... ................................... ................................... .................................... .................. 28

VIII.

REFERÊNCIAS REFERÊN CIAS.................................. ................. .................................. ................................... ................................... ................................... .................................... ........................... ......... 30

IX.

VIII.1.

Obras Consultadas ................................................................................................................. 30

VIII.2.

Legislação Consultada ........................................................................................................... 32

VIII.3.

Documentos Consultados ..................................................................................................... 34

ANEXOS ................................. ................ ................................... ................................... ................................... ................................... ................................... ................................... ................... 35

1

ÍNDICE Conteúdo

pág.

LISTA DE ABREVIATURA ................................................................................................................................ 2 RESUMO ........................................................................................................................................................ 3 I.

INTRODUÇÃO INTRODU ÇÃO .................................. ................. .................................. ................................... ................................... ................................... .................................... ................................ .............. 4 I.1 Contexto ............................................................................................................................................... 4 I.2 Âmbito .................................................................................................................................................. 7

II.

OBJECTIVOS OBJECTIV OS.................................. ................. ................................... ................................... ................................... ................................... ................................... ................................... ................. 9

III.

METODOLOGIA METODOL OGIA ................................. ................ .................................. ................................... ................................... ................................... .................................... ........................ ...... 10

IV.

RESULTADOS RESULT ADOS .................................. ................. .................................. ................................... ................................... ................................... .................................... ........................... ......... 12

V.

DISCUSSÃO ................................... .................. ................................... ................................... ................................... ................................... ................................... ................................. ............... 17 V.1 Definição, motivações e influências do Casamento Prematuro ................................................... 17 V.2 Casamento prematuro, infância, Género e relações de poder. .................................................... 22 V.3 Aspectos jurídicos e político estratégicos envolvidos no casamento Prematuro ...................... 24

VI.

CONSIDERAÇÕES CONSIDER AÇÕES FINAIS ................................. ................ ................................... ................................... ................................... ................................... ........................... .......... 26

VII.

RECOMENDAÇÕES RECOMEND AÇÕES .................................. ................. .................................. ................................... ................................... ................................... .................................... .................. 28

VIII.

REFERÊNCIAS REFERÊN CIAS.................................. ................. .................................. ................................... ................................... ................................... .................................... ........................... ......... 30

IX.

VIII.1.

Obras Consultadas ................................................................................................................. 30

VIII.2.

Legislação Consultada ........................................................................................................... 32

VIII.3.

Documentos Consultados ..................................................................................................... 34

ANEXOS ................................. ................ ................................... ................................... ................................... ................................... ................................... ................................... ................... 35

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LISTA DE ABREVIATURA CP

Casamento Prematuro

CDC

Convenção Internacional dos Direitos da Criança

CEDAW

Committee on the Elimination of Discrimination against Women

DUDC

Declaração Universal dos Direitos da Criança

DUDH

Declaração Universal dos Direitos Humanos

FDC

Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade

FNUAP

Fundo das Nações Unidas para a População

HIV

Vírus de Imunodeficiência Imunodeficiência Adquirida

IDS

Inquérito Demográfico em Saúde

INE

Instituto Nacional de Estatística

ISRI

Instituto Superior de Relações Internacionais

MISAU

Ministério da Saúde

MMAS

Ministério da Mulher e Da Acção Social

OMS

Organização Mundial da Saúde

PACOV

Plano Nacional para Criança Órfã e Vulnerável

PNAC

Plano Nacional de Acção para Criança

SIDA

Sindroma de Imunodeficiência Imunodeficiência Adquirida

UEM

Universidade Eduardo Mondlane

UNDP

United Nations Development Programme

UNICEF

The United Nations Children's Fund

WLSA – Moçambique

Women and Law in Southern Africa – Moçambique

2

RESUMO Este artigo aborda o casamento prematuro como uma das expressões pouco percebida de abuso sexual e da violação dos direitos sexuais e reprodutivos da rapariga. Através da análise documental e de depoimentos “vítimas” e representantes de instituições que actuam na área dos direitos da criança, pretende-se identificar áreas e mecanismos para a realização de acções estratégicas que, a curto e médio prazos inibam e, a longo prazo, banam esta prática. Espera-se que o resultado do cruzamento das percepções dos entrevistados sobre esta prática com as normas jurídicas fundamentadas pelas convenções internacionais e políticas, que visam proteger e promover os direitos da criança, seja mobilizar os actores do sector no sentido de promoção da saúde sexual e reprodutiva da rapariga. Para que tal mobilização se efective torna-se pertinente que, os direitos humanos da rapariga sejam abordados de forma holística, integrando aspectos específicos na abordagem de género, desenvolvida nos “estudos feministas”, e em estudos sobre criança/ infância onde se destacam a sociologia da família e a sociologia da infância. Acredita-se que a mudança de estratégia de abordagem das intervenções que visam a promoção e protecção dos direitos da criança e da rapariga, em particular, permitirá criar bases para que, no futuro, a criança de hoje se torne num cidadão física, psicológica e politicamente capaz de exercer e cumprir, de forma plena, os seus direitos e deveres de cidadania. O artigo pretende alertar para os impactos sociais para saúde psicológica e física das vítimas. Por isso, são apresentadas recomendações atinentes a adopção de estratégias de carácter participativo e multi-sectorial que visam promover o envolvimento das comunidades, das autoridades administrativas e das próprias raparigas na promoção e protecção dos direitos da rapariga. Palavras-chave: casamento prematuro, criança /infância; direitos da criança; relações de género e poder

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I.

INTRODUÇÃO

I.1 Contexto

O Casamento Prematuro (CP) em Moçambique, tal como em outros países da região austral de África, é uma das principais formas de abuso e violação dos direitos da rapariga (UNICEF, 2006: 2). De acordo com dados apresentados pelo UNICEF e FNUAP (2005) é entre os países da África Austral e do Sul da Ásia onde se registam as maiores taxas de ocorrência deste fenómeno que afecta 36 por cento das mulheres entre os 20-24 anos casadas ou em união de facto que afirmam ter casado antes de atingirem os 18 anos de idade1. Sendo prática cultural reiterada e aceite um pouco por todo o país, Moçambique é um dos países do mundo com os maiores índices de ocorrência de CP que tendem a ocorrer com maior incidência nas zonas rurais. Em 1987, 66.7 por cento da população feminina da zona rural que contraiu o primeiro matrimónio tinha menos de 19 anos de idade enquanto nas zonas urbanas a percentagem era de 41.5 por cento (MISAU, UEM & FNUAP 1987, p.2). De lá para cá este cenário pouco mudou como demonstram os dados do Inquérito Demográfico e de Saúde de 2003 que indicam que 74 por cento da população feminina casada entre os 20 e 24 de idade no ano da realização do inquérito tinha contraído o matrimónio antes da idade núbil 2(IDS, 2003). As motivações para esta prática estão associadas a factores socioculturais que, na nossa sociedade, promovem o casamento das raparigas logo após a primeira menstruação e antes da primeira relação sexual (SARDC, ISRI, INE &UNDP 2006). Por outro lado, a análise jurídica do Casamento Prematuro remete-nos à discussão sobre as implicações decorrentes da adesão do Estado de Moçambique às convenções internacionais que protegem e promovem os direitos das crianças. Partindo do pressuposto que ao aderir à convenções como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, a convenção Internacional dos Direitos da Criança, a Carta Africana dos Direitos e BemEstar da Criança, entre outras convenções, o Estado Moçambicano reconhece o princípio de universalidade dos direitos, assim como, a igualdade dos seres humanos. Torna-se, então, legítimo considerar como refere o artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) que em Moçambique todos os indivíduos têm a liberdade para contrair matrimónio desde que seja observado o princípio da consagração da idade núbil, Artigo 30 da Lei da Família consubstanciado ao artigo 122 do Código Civil. Esta declaração estabelece, ainda, o princípio da liberdade de escolha e consentimento de cônjuges. A legislação moçambicana defende o princípio de eliminação de qualquer forma de discriminação e exploração contra a criança pois , ao ratificar as convenções que protegem e promovem os direitos da criança, o Estado moçambicano aderiu ao princípio de liberdade e igualdade no tratamento dos direitos humanos das crianças. Considera-se assim, que as uniões de carácter 1

United Nations Children’s Fund, the State of the World’s Children 2006, UNICEF, New York, 2005, p. 131.

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Fernando A. P. de Lima & João de M. Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume IV (art. 1576 a 1795), Coimbra Editora, limitada 1975. pág. 66. Entende que este limite de idade é destinado a assegurar o desenvolvimento psicológico essencial para a contracção do vínculo matrimonial e varia de legislação para legislação. O artigo 30, n.º 1, alínea a) da Lei da Família estipula, 18 anos como idade mínima para contrair casamento.

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matrimonial envolvendo menores de idade, sendo promovidas por adultos não têm enquadramento no ordenamento jurídico moçambicano (Ex: Código Civil, Lei da Família), é pois, neste âmbito que torna-se importante ter em consideração que neste artigo o CP resume-se a relações de carácter matrimonial envolvendo indivíduo adulto de sexo masculino e menor de sexo feminino.

A magnitude dos efeitos do CP não é conhecida no país, porém, reconhece-se que o seu impacto está directamente relacionado com aumento: Da incidência da gravidez precoce e consequente aumento das taxas de morte materna (antes, durante ou nos 42 dias subsequentes ao parto) 3; Dos índices de abandono escolar entre as raparigas; Dos índices de pobreza entre a população feminina; e Do índice de contaminação pelo HIV entre a população feminina na faixa etária 15-24 anos de idade (UNICEF 2008; WLSA2007; SARDC, ISRI, INE &UNDP 2006; Tvedten et al. 2008). De acordo com o UNICEF, o CP é definido como sendo uma união de carácter matrimonial que envolve pelo menos um indivíduo menor de idade (UNICEF & MISA 2008, p.9). Em Moçambique, o CP envolve, maioritariamente, raparigas com idades inferiores a 18 anos e indivíduos adultos de sexo masculino. Este facto realça as relações de dominação e subordinação que, no contexto moçambicano, orientam as relações entre adultos e crianças e entre indivíduos do sexo masculino e do sexo feminino. Contudo, por se tratar de casamento que envolve indivíduo menor de idade, o CP não tem cobertura legal no âmbito do ordenamento jurídico moçambicano. Assim, este ocorre na esfera do casamento costumeiro que é compreendido como troca de serviços e bens entre famílias onde o lobolo (WLSA 2004, p.66). Na acepção de Granjo 2005, p.27), o lobo reveste-se de significado material e simbólico porque a idade da rapariga é irrelevante para a concretização daquela relação. Ao efectivar a união entre duas famílias (WLSA 2004, p.66) o lobolo, também, apresenta-se como o mecanismo de legitimação de uniões de carácter matrimonial envolvendo indivíduos adultos de sexo masculino e menores do sexo feminino. Os interesses que motivam estas uniões são definidos na esfera familiar, de acordo com as hierarquias estabelecidas pela estrutura familiar que reserava lugares subalternos para os indivíduos de sexo feminino e para os menores de idade. Na sociedade moçambicana, o adulto tem o domínio sobre a criança e o homem sobre a mulher, afectando as relações conjugais e familiares decorrentes do CP. O lugar subalterno que a rapariga casada prematuramente ocupa na relação conjugal e na família impede-a de negociar relações sexuais seguras (UNICEF, 2008 p.10); fazer opções acerca das suas necessidades de saúde reprodutiva; recorrer aos serviços de saúde e (WLSA 2008, p. 13; Loforte 2007, p.22), ainda, de optar pelo não abandono da escola (SARDC, ISRI, INE&PNUD 2006, p.52). Assim, em Moçambique, o CP constitui prática comum legitimada por factores culturais, sociais, económicos, religiosos, psicológicos e morais que violam os direitos da criança consagrados na Convenção Internacional dos Direitos da Criança (CDC).

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Com base nos parâmetros estipulados pelo MISAU e OMS

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Apesar do impacto que o CP tem na vida de 20% das raparigas mais pobres do país (UNICEF & MISA 2008, p.9) com idade inferior a 19 anos, este continua à margem das prioridades de intervenção das instituições e organizações que militam em prol da promoção e protecção dos direitos da criança. Entretanto, o tráfico e a exploração sexual, consideradas práticas nas quais a dimensão mercantil é destacada (De Barros & Tajú 2001, p. 23, UNICEF & MISA 2008, p.9) tem merecido destaque dos actores envolvidos na promoção dos direitos da criança bem como da imprensa. A última década (2000 -2010), foi caracterizada pelo aumento de intervenções do Governo e a sociedade civil para a promoção dos direitos da criança, abordadas como veículo para a redução do abuso contra a criança. Durante este período, o Governo adoptou políticas nacionais que visam a protecção e promoção dos direitos da criança como seja a Estratégia da Acção Social sobre a Criança 4, o Plano Nacional de Acção para a Criança (PNAC) 5, e o Plano Nacional de Acção para as Crianças Órfãs e Vulneráveis (PACOV)6. Os resultados destas intervenções na revisão da Lei da Família; na aprovação da Lei contra a violência doméstica; na promoção do acesso da rapariga à educação; aprovação da Lei de promoção e protecção dos direitos das crianças; na instituição e institucionalização dos centros de denúncia de actos de abuso e violência contra a criança não obstante os recursos alocados nesta área se mostrarem exíguos7. Como consequência, as áreas que pela sua função são consideradas chave para o desenvolvimento da criança vêm diminuídas a sua eficiência e eficácia nas intervenções programadas. Esta constrição de recursos tem impacto directo nas abordagens adoptadas, na determinação das prioridades de intervenção para esta área (FDC & UNICEF 2008) 8. No actual contexto sociopolítico, o investimento na análise de factores socioculturais que determinam a maneira como os direitos, deveres e obrigações da criança são abordados na família e na comunidade pode resultar na identificação de boas práticas aplicáveis à inibição do CP e promoção dos direitos da rapariga previstos na Constituição da República e nos instrumentos internacionais de que Moçambique é parte. A maneira como a sociedade concebe as categorias criança (actor) e infância, enquanto espaço de construção social, torna o CP numa das expressões pouco percebida do abuso e da violação dos direitos sexuais e reprodutivos da rapariga, que reflecte a estrutura de poder que orienta as relações entre criança e adulto e homem e mulher. Deste modo, neste artigo a infância e o género apresentam-se como categorias sociais que espelham a dinâmica das relações assimétricas de poder e acção

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MMAS, (2008). Estratégia da Acção Social sobre a Criança. Ministério da Mulher e Acção Social, Maputo. MMAS (2006). Plano Nacional de Acção para a Criança (2006-2010). Ministério da Mulher e Acção Social, Maputo. 6 MMAS (2006). Plano Nacional de Acção para a Criança Órfã e Vulnerável 2006-2010. Ministério da Mulher e Acção Social, Maputo. 7 Os dados sobre a distribuição do orçamento para a área da mulher e acção social por áreas não é muito esclarecedora sobre as percentagens do orçamento global deste sector que é destinada a área de promoção e protecção dos direitos da criança. Entretanto, durante os últimos 3 anos coube a este sector menos de 1% do Orçamento do Estado. (ver anexo 2). Ver http://www.dno.gov.mz 8 FDC & UNICEF (2008). O que diz a proposta de orçamento do Estado 2009 sobre a previsão de recursos no sector de acção social? Parceria para os direitos da criança em Moçambique. Informe 6, Novembro. Fundação para o Desenvolvimento para a 5

Comunidade: Maputo. Ver  http://www.unicef.org/mozambique/Brief_nr_6_Social_Action_in_2009_State_Budget.pdf 

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(consubstanciada na relação de dependência adulto/criança e homem/mulher) que estruturam e aproximam os seus universos sociais (Marchi 2008, p. 5). O CP pode constituir-se veículo de análise da posição que a mulher (rapariga) ocupa na estrutura familiar e as suas implicações, partindo do princípio que a família, como agente primário de socialização, produz e reproduz os elementos que integram o sistema sexo/género que fundamentam as sociedades tradicionais. O entendimento do CP como mecanismo de representação da mulher (rapariga) (papéis e funções) na estrutura familiar permitirá palmilhar o caminho que se espera que culmine na identificação de estratégias e acções conducentes à inibição e; em última análise, erradicação do CP sem que se ponham em causa os elementos fundamentais dessa mesma estrutura familiar. Os conceitos de poder e género, são abordados como variáreis que, quando associadas à categoria criança/ infância, produzem argumentos para o melhor entendimento do CP, aqui entendido como uma prática imposta à criança (rapariga) e legitimada pelos princípios da sociedade de base patriarcal e reproduzida através do processo de socialização abordado na perspectiva durkheimiana9. É nesta perspectiva, que as conclusões deste artigo são produto de uma releitura crítica do conceito de socialização na perspectiva estrutural-funcionalista que nos leva a compreender o carácter essencialmente político que envolve este conceito como processo que manipula o poder para assegurar a constituição e manutenção da ordem social. Por isso, tendo em conta que, na estrutura familiar e na comunidade, o casamento de raparigas tem uma função político-estratégica na integração e negociação de espaços sociais de acção na esfera privada e pública, este artigo sugere recomendações, estratégias para a sua inibição e erradicação desta prática. I.2 Âmbito O enfoque deste artigo centra-se no impacto das políticas e dos instrumentos jurídicos de promoção e protecção dos direitos da criança. Partindo da premissa de que a exploração e o abuso sexual são considerados formas de violência contra a criança pelos actores de diversos segmentos sociais, políticos e económicos que promovem intervenções visando a protecção e promoção dos direitos da criança, torna-se importante incluir o CP na lista de práticas que atentam contra tais direitos. Autores que abordam o CP na perspectiva da pedagogia de desenvolvimento, da psicologia e feminista concordam em afirmar que no contexto moçambicano a prevalência desta prática é legitimada por valores de ordem cultural. Os mesmos são usados para justificar tal prática com motivações intra-familiar que

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Para Emile Durkheim, o homem é apenas um animal selvagem que só se tornou Humano porque se tornou sociável, ou seja, foi capaz de aprender hábitos e costumes característicos de seu grupo social para poder conviver no meio deste. Durkheim chama este processo de aprendizagem “socialização”. A consciência colectiva seria então formada durante a nossa socialização e seria composta por tudo aquilo que habita nossas mentes e que serve para nos orientar como devemos ser, sentir e nos comportar José Albertino (org.) (1991). Durkheim: Sociologia. Colecção Grandes Cientistas. Rio de Janeiro: Editora Ática. .

7

evocam a dimensão material (por parte dos promotores) e a dimensão simbólico moral (por parte da vítima), WILSA, 2001 p. 68-69. São insuficientes as intervenções realizadas com o objectivo de inibir o casamento prematuro, apesar da valiosa contribuição no debate produzido pela corrente feminista que aborda o CP no âmbito da promoção dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher. De facto, a perspectiva feminista permite, como refere Faleiros (2000, p.17), perspectivar o CP como uma prática que viola os direitos da mulher enquadrada num contexto histórico, sociocultural, económico e ético - moral. Considera-se, porém, que a perspectiva feminista apresenta limitações ao não abordar o CP como um fenómeno autónomo que reflecte a violência estrutural característica das sociedades marcadas pela distribuição desigual de riqueza e pela relação assimétrica de poder. Os autores que representam os estudos feminista eximem-se de abordar a complexidade das relações de subordinação que caracterizam as relações estabelecidas entre a criança e o adulto e; a infância e o mundo do adulto que em contexto de CP são severamente influenciadas pelas dimensões de género, classe social, etnia, geração e, até, raça (Leal 2001, p.23; De Barro & Tajú 2001, p.7). Assim, a estratégia recomendável para analisar o casamento prematuro como prática que atenta contra os direitos humanos é abordar a criança como actor social e a infância como construção social com características específicas e não como objectos submissos, invisíveis e em trânsito para a fase adulta, por isso, confinadas ao espaço doméstico ou às instituições escolares (De Barros & Tajú, 2001) como defendem as teorias de socialização e do desenvolvimento social.

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II.

OBJECTIVOS

O objectivo geral deste artigo é analisar o casamento prematuro como prática cultural legitimada com funções sociais que, por um lado, promove e formaliza o abuso e violação dos direitos da criança (rapariga) como estratégia de produção e reprodução da estrutura familiar tradicional. Por outro, produz e reforça o lugar subalterno que a mulher ocupa na estrutura familiar. Desta forma, os objectivos específicos definidos para este artigo são os seguintes: 1. Delimitar termo casamento prematuro com base na literatura existente, alistando o seu significado com base na legislação, incluindo as convenções internacionais e políticas nacionais direccionadas à promoção e protecção dos direitos da criança. 2. Analisar o termo casamento prematuro com base nas inferências relacionadas ao termo, produzidas como resultado de vivências social e culturalmente definidas. 3. Apresentar a situação dos casamentos prematuros nos demais contextos sociais (nacional, regional e internacional). 4. Identificar os factores motivadores e suas implicações na vida das crianças vítimas. Finalmente, 5. Apresentar recomendações que possam ser integradas em estratégias para promoção de acções direccionadas a inibição do casamento prematuro.

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III.

METODOLOGIA

Este artigo resulta da identificação e análise bibliográfica realizadas sobre o tema em instituições vocacionadas e interessadas na promoção dos direitos da criança, com enfoque para os direitos da rapariga. A informação recolhida foi apresentada em resenha acompanhada das fichas de leitura elaboradas para cada um dos documentos consultados. Porém, com o objectivo de enriquecer e actualizar a informação recolhida foram realizadas entrevistas a “vítimas”do CP, representantes de instituições da sociedade civil e de instituição do Estado responsável pela área de promoção e protecção dos direitos da criança. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, com base no guião de perguntas. Esta estratégia permitiu que os entrevistados participassem apresentando seus depoimentos. Os depoimentos foram seguidos de modo a cruzar os conteúdos organizados a partir da análise de conteúdo e apresentados na resenha com os conteúdos trazidos pelos entrevistados (organizados de acordo com o guião de perguntas. Entretanto, para realizar as entrevistas foi necessário estabelecer um clima de interacção e aceitação entre os entrevistadores e os entrevistados porque segundo Ludcke (1986, 10

p.33) .

Sendo um dos efeitos do CP a gravidez na adolescência, para a identificação das vítimas CP, foi adoptado o critério da Organização Mundial de Saúde (OMS)11 que considera mães na adolescência, aquelas com idades entre os 10 e 19 anos. O guião de entrevista considerou a experiência de vida de cada entrevistado tendo como referência, a idade e motivações que levaram ao casamento, idade e número de filhos na data da entrevista, habilitações literárias e profissão. Foram explorados, ainda, os conceitos de criança e de CP destacando as suas motivações e seu impacto como fenómeno com motivações socioculturais no âmbito da promoção dos direitos da criança. Todas as entrevistas foram realizadas com o consentimento dos envolvidos, gravadas em cassete e transcritas em papel A4, conforme a declaração de livre consentimento devidamente assinada pelos participantes. A identificação de representantes de instituições que militam na área da promoção dos direitos da criança foi realizada por indicação da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC). O guião de perguntas para este grupo incluiu, além dos acima referidos, conteúdos relativos a estratégias de abordagem do CP; avaliação da eficiência e eficácia das políticas e estratégias de promoção da saúde sexual e reprodutiva da rapariga, no âmbito da promoção dos direitos da criança; identificação de experiências bem sucedidas de adiamento do casamento, papel da sociedade civil e da comunidade.

10 Especialmente nas entrevistas não totalmente estruturadas, onde não há uma imposição de uma ordem rígida de questões, o entrevistado discorre sobre o tema proposto com base nas informações que ele detém e que no fundo são a verdadeira razão da entrevista. Na medida em que houver um clima de estímulo e aceitação mútua, as informações fluirão de maneira notável e auténtica (Ludcke & André: 1986, p.33). 11 Organización Mundial de La Salud - Necesidades de salud de los adolescentes. Informe de un Comité de Expertos de la OMS. Ginebra, OMS: 1977, 55 páginas. (Série de Informes Técnicos n. º 609).

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A informação bibliográfica e dos documentos consultados foi cruzada com a recolhida nos depoimentos e organizada nos seguintes conteúdos a serem discutidos posteriormente: Casamento Prematuro (CP), delimitação do conceito (aspectos socioculturais e jurídicos) motivações e impacto no exercício dos direitos da criança; CP como estratégia de abordagem de aspectos teóricos relacionados com os conceitos criança/infância, género e relações de poder; Papel da família, comunidade, governo e sociedade civil; Importa ressalvar, porém, que a produção deste documento não foi isenta de dificuldades relacionadas com a inexistência de informação considerada pertinente para o conhecimento mais profundo do tema. Por outro lado, a dificuldade de identificar vítimas do CP dispostas a contribuir com a sua história de vida bem como a limitação do tempo imposto para a recolha de depoimentos, tornam este artigo uma análise preliminar do casamento prematuro com o intuito de incitar a condução de uma pesquisa de campo que envolva as diferentes matrizes socioculturais que compõem a sociedade moçambicana.

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IV.

RESULTADOS

Para a análise do CP como fenómeno com motivações internas à estrutura da família, o artigo considera três categorias sociais que se fazem reflectir nas relações de parentesco que contribuem para a ocorrência deste fenómeno. As categorias apresentam-se hierarquizadas, e espelham papéis sociais e espaços de negociação que resultam em redes sociais de solidariedade, a saber: no topo da hierarquia, o homem, no escalão intermédio a mulher e na base a criança. Esta estrutura reflecte o predomínio da ideologia patriarcal na organização social; na forma como se estruturam as relações sociais no seio da família; no modo como se constroem as identidades e se distribui e se concebe o trabalho e o afecto. Por sua vez, estes aspectos determinam o lugar subalterno da mulher na estrutura familiar e a inferiorização da criança como ser social. Por isso, combinadas as asserções que exploram a posição da mulher na estrutura familiar com a asserção feita, por actores como Marchi (2008, p.8) e Barros & Tajú (2001, p. 20-4) sobre o lugar que a criança ocupa na estrutura familiar, assume-se que existe uma dificuldade de delimitação do conceito de criança que se reflecte na dificuldade de se colocar os conceitos criança / infância em equidade conceptual a outras categorias sociais como o género. Esta dificuldade acaba afectando a discussão em torno do CP uma vez que o consideramos como fenómeno com motivações e impacto na estrutura da sociedade que envolve duas dimensões. A dimensão que tem como referência a criança como categoria social e a infância como espaço de actuação desta permite-nos identificar as motivações relacionadas com a  possível massificação do CP e, ao mesmo tempo, analisar as motivações que alimentam o movimento para a sua inibição. Neste âmbito, a partir da compreensão de referências sociais e culturais é possível inferir que os ritos de iniciação determinam a passagem para a idade adulta, e o casamento tradicional 12, no caso das raparigas, determinam a sua emancipação e a atribuição de um status económico e social na estrutura familiar e na comunidade. Estes dois factores aliados à capacidade de geração de rendimentos da família e o acesso aos serviços sociais básicos como sejam a educação, serviços de saúde, saneamento básico e a água potável; determinam o lugar da criança, neste caso a rapariga, na estrutura familiar e o seu espaço de actuação e capacidade de negociação de seus interesses em relação aos do grupo a que pertence. Os factores transversais como os altos índices de pobreza entre a população das zonas rurais; os baixos índices de escolarização; as representações culturais, constituem os principais motivadores do CP como prática culturalmente reiterada, e estes não bastam para a análise do CP como fenómeno com

12

Neste artigo considera-se casamento tradicional (costumeiro) aquele que é resultado de acordo/ consentimento das famílias dos noivos como refere Arnaldo (2007, p. 154-156). A sua consumação é representada pelo pagamento do dote (lobolo) à família da noiva pelo noivo (grupos patrilineares). Nos grupos matrilineares o dote não é solicitado. Neste tipo de casamento a poligamia é permitida e recomendada como estratégia para a procriação e aumento de mão-de-obra disponível para a agricultura familiar. Permite ainda a união matrimonial entre raparigas menores de idade e adultos.

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influências sociais e económicas micro intra familiar e extra familiar. A distribuição desigual de poder e recursos a crianças de sexo feminino e masculino; os constrangimentos enfrentados pelos actores envolvidos na promoção dos direitos da criança e da rapariga em elaborar estratégias e políticas sensíveis à harmonização dos casamentos tradicionais e, a conivência dos líderes comunitários no processo que culmina com os casamentos, envolvendo raparigas menores de idade e, o mais grave, o interesse das raparigas em se tornarem económica e socialmente independentes são alguns dos factores identificados como motivadores do CP. O aparente interesse das raparigas pelo casamento pode estar relacionado com o facto da integração do indivíduo na vida adulta ter como referência eventos fisiológicos e culturais considerados relevantes para os indivíduos pertencentes ao mesmo grupo sócio-cultural como refere Airhihenbwa (2004 & 1995). Assim, entende-se que, no caso das raparigas, a menarca13 (ainda que precoce), como um evento fisiológico de referência, indica que a mulher está preparada para o casamento. Por sua vez, o casamento é determina a passagem do indivíduo para idade adulta e, o nascimento do primeiro filho e efectiva o processo que formação da identidade e de pertença ao grupo. Os autores consultados que abordam a infância como uma das áreas de estudos sociais não consideram existir uma infância/criança universal. Por isso, tendo em mente a não existência de um conceito Universal de criança/infância apoiamo-nos nas asserções feitas por Mucavel et al. 200 2; De Barros & Tajú 2001. Estes autores, ao afirmarem que os papéis e espaços sociais de actuação das crianças são determinados em função das referências culturais do grupo no qual estas se encontram inseridas (De Barro & Tajú 2001, p. 7), remetem-nos à discussão sobre a capacidade que as crianças têm para negociar seus interesses nos espaços que lhes são socialmente. Como já foi acima referido, no ordenamento  jurídico moçambicano a categoria criança refere-se a indivíduos com idade não superior a 18 anos e a maioridade atinge-se aos 21 anos de Idade14. Em termos práticos, os indivíduos até aos 18 anos dependem de um indivíduo adulto para negociar os seus interesses e espaços de actuação cabendo a estes proteger os seus direitos. Entretanto, no contexto sócio-antroplógico esta dependência torna-se mais visível uma vez que a idade cronológica do indivíduo é menos relevante que os eventos vividos como parte do grupo a que pertence (nascimento, ritos de iniciação, casamento, viuvez, catástrofes, etc.) e que marcam os estágios cronológicos da sua vida. (Airhihenbuwa 1995, p.10; Meneses 2003, p.349). Relativamente à capacidade de negociação de papéis e espaços, os autores consultados e a informação colhida através dos entrevistados afirmam que a infância como espaço de actuação social não permite diálogo entre crianças e adultos. É neste contexto que torna-se importante, que as referências elencadas no ordenamento jurídico sejam disseminadas na comunidade como referências para o exercício de direitos de cidadania e, consequentemente, para protecção dos direitos das crianças. Como é referido pelos nossos entrevistados, nas comunidades, a escola não é considerada uma instituição importante de preparação 13

O aparecimento da primeira menstruação nas adolescentes a chamada menarca, é sempre um evento muito esperado entre as adolescentes depois dos 12 anos de idade, podendo ocorrer precocemente antes dos 10 anos de idade. 14 Cf. Artigo 124 do Código Civil

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da rapariga para a vida adulta, o casamento tradicional, representa a efectivação da sua inserção na vida adulta. Sobre este facto a nossa entrevistada NA representante da  Action AID refere-se nos seguintes termos: Pelo facto de ser criança (…) direito da rapariga não é respeitado. Ela não tem opções. Ela não

escolhe, ela não decide. Quem decide são os pais, é a família (…) ela é considerada como um objecto, como um instrumento, uma propriedade dos pais.

A confrontação entre a informação recolhida da bibliografia consultada e das entrevistas às duas vítimas do CP permitiu constatar que: da aparente violência que caracteriza o processo que leva ao CP que inicia com a primeira menstruação, passando pelos ritos de iniciação, nas zonas rurais as raparigas relacionam a apresentação do futuro marido pela família como o momento de emancipação para a vida adulta. 2. As iniciativas legislativas, omitem a matéria do casamento envolvendo crianças e adolescentes permitindo aferir que existe pouca sensibilidade político estratégica e sócio-cultural sobre o CP, apesar de seu impacto sócio económico. 3. As intervenções no âmbito de políticas e estratégias vocacionadas para incidir sobre este fenómeno só ocorre, ou melhor começa a ocorrer a partir do momento em que a sociedade civil assume que este fenómeno influencia, negativamente, na preservação dos direitos fundamentais criança. 1.  Apesar 

Moçambique assumiu o compromisso de adequar as normas de direito interno às da Convenção, para salvaguardar e promover eficazmente os direitos e liberdades nela consagrados. A partir deste vínculo  jurídico ratifica a Convenção dos Direitos da Criança (CDC)15, instrumento que enuncia um amplo conjunto de direitos – os direitos civis e políticos, sociais e culturais – de todas as crianças, bem como as respectivas disposições para que sejam aplicados. Por outro lado, ao considerar a dimensão que envolve o género, como indicador do carácter social das diferenças baseadas no sexo, concluiu-se que associação do género à categoria criança e infância permite perceber que, em Moçambique como em outras sociedades de ideologia patriarcal, as crianças são consideradas culturalmente inferiores e posicionam-se na base da hierarquia social. O CP é, por isso,  justificado a partir do processo de socialização, assumindo o marco de integração da rapariga ao grupo (família e comunidade a que pertence). O CP acaba sendo definido como uma estratégia de emancipação económica e social da rapariga e o mecanismo de estabelecimento de redes de solidariedade intra e inter-familiar. Doravante, surge a questão da identificação de estratégias que inibam o CP. Assim, o primeiro ponto de convergência identificado como resultado da confrontação da informação contida na bibliografia, documentação e depoimentos refere-se ao facto do CP constituir prática comum nas zonas rurais, especialmente nas províncias da região centro e norte. Em alguns casos, faz-se 15

Moçambique ratificou a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) em 1990.

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referência aos casamentos herdados, quando a rapariga é prometida pelos progenitores, ao pretenso marido (adulto), antes do seu nascimento (MISAU, UEM & FNUAP 1987, p.2 -3). A primeira motivação apontada, quer na bibliografia consultada como na documentação e relatórios, está relacionada com a prática de ritos de iniciação 16. A segunda motivação tem a ver com interesses económicos da família da rapariga que pode optar pela troca da rapariga pelo dote lobolo . Este pode ser pago previamente em gado, bens ou em dinheiro, uma vez que esta tem valor económico como mão-de-obra e reprodutora. Torna-se muito importante referir que devido ao alto índice de pobreza nas zonas rurais, algumas raparigas aceitam o casamento prematuro como estratégia para adquirir estabilidade e status social uma vez que a mulher casada é protegida pela família do marido. A terceira motivação está relacionada com o baixo índice de escolarização da população feminina jovem residente nas zonas rurais que limita as alternativas de sobrevivência na idade adulta, sendo, por isso, o casamento - uma das únicas saídas, aparentemente, viáveis legitimadas pela família e comunidade. Finalmente, o CP pode ser constituído como uma das consequências da gravidez na adolescência, uma vez que é comum os pais exigirem responsabilidade por parte do pai e sua família em cuidar da criança e da jovem. Nestes casos, o casamento é realizado mesmo sem o consentimento da jovem que se sente obrigada a casar. No tocante as estratégias para a inibição do CP, constatou-se que mais do que efectuar campanhas de advocacia para inibir o casamento prematuro, torna-se prioritário melhorar o acesso das raparigas à educação, criando incentivos para a família de modo a que a permanência desta na escola resulte em benefícios imediatos para a família. Isto é justificado pelo facto, de muitas vezes, os líderes comunitários participarem, junto com as famílias, na identificação de possíveis pretendentes para as suas filhas menores almejando resolver suas expectativas, em termos de ganhos decorrentes da sua participação neste processo. Deste modo, constata-se que existe uma relação directa entre a prática dos ritos de iniciação e a incidência de CP. Finalmente, o fraco acesso aos serviços primários básicos (preventivos) no âmbito da saúde sexual e reprodutiva da rapariga é também apontado como uma das causas motivadoras da alta incidência do CP entre raparigas residentes nas zonas rurais. Por outro lado, o facto de no ordenamento jurídico moçambicano o casamento prematuro não ser apresentado de forma clara torna difícil sanciona-lo não permitindo enquadra-lo como infracção. Por outro lado, dificulta a harmonização de intervenções atinentes ao seu controle e inibição e a consequente penalização dos danos decorrentes da prática relações sexuais com menor de idade quando ocorram no âmbito da união do tipo matrimonial (CP). Em termos estratégicos e jurídicos considera-se importante explorar a Lei contra a violência doméstica, recentemente aprovada pela Assembleia da República, pode apresentar-se como instrumento útil para inibir do casamento prematuro se este for considerado uma forma de violência doméstica contra a criança praticada no meio familiar. Entretanto é prioritário que em termos estratégicos as intervenções dos actores envolvidos na promoção e protecção dos direitos da criança e da mulher sejam delineadas de modo a apresentem subsídios que justifiquem a inclusão do CP nesta lei.

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Cerimónia onde se transmitem conhecimentos e valores morais incluindo educação sexual, que marcam a entrada das raparigas (e rapazes) de idades entre 10 e 13 anos na vida adulta. A referência para as raparigas é o aparecimento a primeira menstruação que pode ocorrer em raparigas de apenas 9 anos de idade.

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Para finalizar, deve-se considerar que, pela natureza do estudo realizado, que culminou com a redacção deste artigo, os resultados acima apresentados são de carácter orientativo e devem constituir base para a realização de estudos aprofundados que abranjam as três regiões do país. O estudo, que deverá incluir uma pesquisa de campo, deve actualizar os dados estatísticos disponíveis sobre as áreas de maior incidência, papel da comunidade, impacto das políticas e estratégias, uma vez que a maior parte da informação existente é anterior à instituição do Plano Nacional de Acção para a Criança pelo MMAS. Este documento aponta estratégias e áreas prioritárias para a promoção e preservação dos direitos da rapariga.

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V.

DISCUSSÃO

Como foi anteriormente referido, o artigo tem como objectivo discutir as várias formas de abordagem do CP tendo como referência a Convenção Internacional dos Direitos da Criança (CDC). Não se pode, por isso, esquecer que ao abordar o CP tem-se em vista um fenómeno que, mais do que uma prática culturalmente reiterada, constitui objecto de estudo deste artigo. Esta prática é merecedora de ser analisada pelas relações que o CP tem com o processo de integração da rapariga na vida adulta; pela influência que este acaba tendo no processo de organização e distribuição de poder entre as categorias sociais que constituem a estrutura familiar, no estabelecimento de alianças e redes de solidariedade intra e extra familiar. Finalmente, pelo seu impacto negativo na qualidade de vida dos cidadãos, o CP é analisado como um fenómeno social complexo. A discussão em torno deste fenómeno vai, por isso, passar pela exploração das referências teóricas e jurídicas que devem orientar este debate.

V.1 Definição, motivações e influências do Casamento Prematuro Na análise de bibliografia e documentação de referência foram identificadas duas grandes abordagens teórico-metodológica consideradas úteis para o entendimento do CP. A primeira analisa o grau de implementação das recomendações da CDC a partir da análise culturalista e estrutural funcionalista da criança como categoria social. Esta abordagem é representada por autores como De B arros & Tajú 2001; 2006 Save the Children (UK) 2002; Tvedten et al. 2008; Mucavele et al. 2002, MISA & UNICEF Moçambique (2008); MICAS, (1999). Ao analisarem o grau de implementação das convenções internacionais e do estabelecido no ordenamento jurídico-legal, atinente à promoção dos direitos da criança, estes autores fazem referência a factores socioculturais para explicar os constrangimentos enfrentados pelos actores que militam na área da protecção e promoção dos direitos da criança. A ideia de que a condição da criança, em termos do exercício dos seus direitos, obrigações e direitos reflecte os papéis funcionais ou competências culturais prescritas e esperadas pela sociedade (De Barros & Tajú 2001, p.31) refere-se a um ser imaturo que precisa ser preparado para a vida adulta, prevalece criando condições para a exploração da noção do CP. Isto, se tivermos presente o grau de aplicabilidade das convenções internacionais e iniciativas legislativas internas sobre protecção e promoção dos direitos da Criança. Esta perspectiva permite afirmar que o CP é fundamentado pelo processo de socialização, na perspectiva durkheimiana, que aborda a infância como espaço social de preparação do indivíduo para a vida adulta. Neste espaço, estão sempre presentes interesses políticos estratégicos das estruturas familiares que asseguram a organização das mesmas e sua relação com o meio exterior. Por isso, a partir da compreensão das lógicas que determinam o lugar que a criança ocupa na estrutura familiar e o seu espaço de actuação torna-se, a nosso ver, fácil compreender os factores que tornam o CP um fenómeno que ocorre em regiões específicas do país com impacto severo na qualidade de vida da população feminina das zonas rurais.

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Os autores consultados que abordam a infância como uma das áreas de estudos sociais não consideram existir uma infância/criança universal. Por isso, tendo consciência da não existência de um conceito Universal de criança/infância apoiamo-nos nas asserções feitas por Mucavel et al. 200 2; De Barros & Tajú 2001. Estes autores, que afirmam que os papéis e espaços sociais de actuação das crianças são determinados em função das referências culturais do grupo no qual estas se encontram inseridas (De Barro & Tajú 2001, p. 7). Esse posicionamento remete-nos à discussão sobre a capacidade que as crianças têm para negociar seus interesses nos espaços que lhes são socialmente prescritos. Por isso, como refere a nossa Entrevistada PS, Psicóloga e representante da Save the Children, não basta apontar factores transversais como os altos índices de pobreza entre a população das zonas rurais, os baixos índices de escolarização, as representações culturais como sendo os principais motivadores do CP como prática culturalmente reiterada. O ponto de partida para a delimitação da noção de CP passa pela harmonização do conceito criança. Sendo uma categoria social importante no processo de produção e reprodução de valores, normas e práticas culturais; a criança, conceitualmente apreendida e compreendida é vivenciada de maneira diversificada em função das representações e lógicas de vida dos grupos nos quais ela se encontra inserida. Sendo que o CP constitui um fenómeno caracterizado pelo casamento tradicional entre indivíduos adultos do sexo masculino e raparigas na adolescência e pré-adolescência, que vivem em contextos socioculturais específicos. Pretende-se iniciar um debate que discuta o conceito de criança sem ignorar as possíveis diferenças que possam existir no tratamento da criança do sexo feminino e masculino em função do princípio que orienta a organização da estrutura das sociedades de ideologia patriarcal como é o caso da moçambicana. Sobre o conceito de criança PS, a representante da Save the Children referiu que o maior constrangimento enfrentado pelos actores que militam em prol da promoção e preservação dos direitos da criança em Moçambique está relacionado com a necessidade de harmonização do conceito de criança porque: Quando entramos na comunidade e a falar da criança, (…) coloca -se logo a primeira barreira: O que é criança? Esta é a primeira barreira que está lá. (…) Então quando falamos no CP temos que começar por

falar na criança. A questão da percepção do que é criança é uma questão de fundo que ainda não se conseguiu resolver. Não se conseguiu resolver porque uma coisa é (…) o que está dito na Convenção da

Criança, e o que está dito nas políticas e estratégias do Governo e, outra coisa é aquilo que as comunidades acham que é criança. Porque (…) em grande parte do País os ritos de iniciação continuam e eles preparam a criança para a vida adulta. (…) Por outro lado, a própria criança na adolescência já não quer ser tratada como criança.

Esta questão é crucial, pois, considera-se que a aplicação dos preceitos consagrados nas convenções internacionais sobre a protecção da criança e do estipulado nas nossas normas jurídica internas depende da harmonização de conceitos chave como é caso do conceito criança. Pela sua natureza, as normas jurídicas instituídas pelo Estado moçambicano, relegam para segundo plano as percepções costumeiras de conceitos importantes como criança e casamento. Por Exemplo, ao estipular 18 anos como idade núbil, é ignorada a existência do CP, que é enquadrado, como casamento tradicional, prática aceite, com motivações legitimadas pelos valores ético morais da ordem social estabelecida nos

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diferentes grupos etnolinguísticos que constituem a matriz sociocultural moçambicana. Esta prática é organizada por adultos envolvendo raparigas menores de idade. A lei da família acaba sendo omissa ao casamento costumeiro envolvendo menores ao reconhecer apenas acordos matrimoniais envolvendo maiores de idade.

Ao recuperarmos o conceito de criança estrutural funcionalista que apreende criança como ser cultural e socialmente inferior, necessitando de ser preparado para a vida adulta (Zanoni 2005, p.23), procura-se explorar como os autores consultados e os entrevistados envolvidos neste estudo analisam a capacidade e oportunidade que a criança (como categoria social) tem para negociar papéis e espaços de actuação. Chegou-se à conclusão, que parece óbvia, de que no contexto moçambicano, a infância, como espaço de actuação social, não permite diálogo entre crianças e adultos. A criança apresenta-se como um ser  dependente que precisa ser cuidada (por um adulto) de modo a ser preparada para a sua inserção como adulto. É esse adulto que determina o que é bom e mau, quais as prioridades, como agir, como comportar-se, como demonstrar os sentimentos, como relacionar-se com os outros (fora e dentro da estrutura familiar), como afirma a nossa entrevistada PM: Ser criança é não ter ideias, é viver por viver. A pessoa quando ainda é criança vive sem saber o que está fazer. Faz aquilo que lhe mandam, não sabe das consequências. Na minha terra as crianças são educadas, obedecem aos mais velhos, sabem pedir autorização e fazer tudo o que l he mandam. Não é como aqui, as crianças não trabalham, só dormem e abusam os pais. Os pais têm que trabalhar para eles …. Eu não cresci assim. Havia tarefas das meninas e dos rapazes, cada um

sabia qual a sua tarefa.

No caso da rapariga, a escola não é considerada uma instituição importante para a sua preparação para a vida adulta. O casamento tradicional 17  representa a efectivação da sua inserção na vida adulta. Como se referiu a nossa entrevistada NA representante da Action AID: Pelo facto de ser criança (…) direito da rapariga não é respeitado. Ela não tem opções. Ela não escolhe, ela não decide. Quem decide são os pais é a família (…) ela é considerada como um objecto como um instrumento, uma propriedade dos pais. (…) Encontramos várias situações de crianças (rap arigas) que

infelizmente foram retiradas da escola. Principalmente na idade compreendida entre os 9 e 15 anos. Esta faixa etária concentra muito, naquilo que é, no Sistema Nacional de Educação, o nível EP1 e EP2, principalmente no EP2 que estão na 5ª, 6ª e 7ª Classes.

A confrontação entre a informação recolhida da bibliografia consultada e das entrevistas às duas vítimas do CP permitiu constatar que, apesar  da aparente violência que caracteriza o processo que leva ao CP que inicia com a primeira menstruação, passado pelos ritos de iniciação, nas zonas rurais as raparigas

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Para os fins deste artigo considera-se casamento tradicional (costumeiro) aquele que é resultado de acordo/ consentimento das famílias dos noivos como refere Arnaldo (2007, p. 154-156). A sua consumação é representada pelo pagamento do dote (lobolo) à família da noiva pelo noivo (grupos patrilineares). Nos grupos matrilineares o dote não é solicitado. Neste tipo de casamento a poligamia é permitida e recomendada como estratégia para a procriação e aumento de mão-de-obra disponível para a agricultura familiar. Permite ainda a união matrimonial entre raparigas menores de idade e adultos.

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relacionam a apresentação do futuro marido pela família como o momento de emancipação para a vida adulta. Quando a minha primeira menstruação apareceu eu sabia que já era uma pessoa grande. As minhas tias ensinaram-me que estava preparada para ter marido e ter os meus filhos. Eu já podia ter a minha casa só tinha que esperar. Só não sabia quem iria casar comigo mas sabia que os meus pais queriam que eu casasse com uma pessoa grande que pudesse cuidar de mim e dos meus pais. Eu não achei mal porque na minha terra é assim. Quando o período começa as meninas devem casar. Quem não casa é porque tem problemas. Essa pessoa é maltratada pelos pais, irmãos e pela f amília toda. Ninguém quer passar por is so (AP Entristada Vítima)

O depoimento acima, mostra o quão limitado é o espaço que as crianças dispõem para negociar papeis e estabelecer redes de inter-ajuda que as favoreçam quando, abordadas como uma categoria social. O casamento prematuro acaba, por isso, sendo reflexo dessa limitação enfrentada pelas crianças dentro da estrutura familiar e da comunidade. O casamento Prematuro é o reconhecimento das competências culturais e da capacidade do indivíduo exercer papeis sociais prescritos pelo grupo, como refere a nossa entrevistada P.M, psicóloga e representante da Save de Children ao afirmar que: Não se pode abordar o CP como uma prática exterior às referências socioculturais das comunidades porque ele acaba sendo um elemento estruturante das relações que são estabelecidas na família e entre os diferentes grupos familiares que constituem estas co munidades.

Entende-se por isso, que se deve ter em conta que, como prática cultural reiterada, o CP não é visto pela comunidade como uma forma de violação dos direitos da criança emanados pelas convenções internacionais e pelas normas jurídicas internas instituídas para o efeito. Como refere AJ 18, entrevistada como vítima do CP, afirma que: As pessoas lá do mato não sabem isso dos direitos da criança. O meu pai? Quando viu que eu já tinha crescido (...) quando apanhei a primeira menstruação disse que já não podia ir á escola porque eu tinha que casar. Eu até gostei porque a escola é muito longe. As meninas não podem ficar muito tempo em casa porque (…) ninguém vai cuidar de ti.

Estes depoimentos remetem-nos a uma reflexão sobre o conceito criança, entendido como categoria social e infância como espaço social de actuação desta categoria. A análise dos argumentos apresentados pelos autores que se dedicam aos estudos sobre criança/infância no contexto moçambicano, percebe-se que estes tendem a assumir princípios ditados pelas normas costumeiras (socioculturais) e pelo direito instituído pelo Estado para delimitar o conceito de criança/infância. Entretanto, conclui-se que o casamento prematuro é um fenómeno que, ao ser definido apenas com base nos princípios e referências formais (políticas e estratégias sobre criança, normas jurídicas), não produz eco entre as comunidades que o praticam sob a capa de casamento tradicional ou costumeiro. As questões ligadas aos direitos humanos da criança (neste caso da rapariga) passam a ser omissas, limitando os espaços para a sua promoção. Entender o casamento prematuro considerando que as práticas como os ritos de iniciação podem ser relevantes para a definição do conceito de criança e, 18

Entrevistada como vítima de CP

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consequentemente, promover mudanças no processo de prescrição de papéis e espaços de actuação específicos para as crianças e adolescentes vivendo em zonas rurais. Em termos jurídicos o CP pode ser abordado no âmbito da protecção dos direitos Humanos das mulheres. A Rapariga/ rapaz é levado/a a contrair matrimónio como reflexo da sua dupla subalternidade (Criança /menino/a). Carlos Serra (2006), Conceição Osório (2000ª), a UNICEF (1994; 2000), entre outros, fazem menção à Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), focalizando o Artigo 1 que refere que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos...”. Mas

torna-se importante referir que no contexto moçambicano onde a sociedade é organizada com base em princípios patriarcais Homens e mulheres são socialmente diferentes e são-lhes atribuídos papéis e espaços sociais diferentes. Esta realidade contraria o artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948 que prescreve liberdade de escolha, igualdade de direitos para contrair e dissolver casamento. A realidade moçambicana monstra que o casamento pode ser arranjado pela família e, nem sempre os nubentes podem decidir sobre quando e com quem vão contrair matrimónio. Por outro lado, a definição de criança como categoria social é divergente e não obedece referências cronológicas. A idade de um indivíduo africano tem a ver com a capacidade de responder às expectativas em termos de papéis e referências culturais do grupo (Mariano 2004, p.9). As convenções internacionais sobre os direitos da criança e, especificamente, a Carta Africana dos Direitos e Bem-estar da Criança (pp.1970-180) r atificada por Moçambique através da Resolução nº.20/98 de 26 de Maio do Conselho de Ministros refere que o conceito de criança é consentâneo com a definição da Declaração Universal dos Direitos da Criança (DUDC) (Artigo 2) e, defende o princípio de prioridade nas acções relacionadas com a criança (Artigo 4). Este documento exige a protecção da privacidade da criança (artigo 10), a necessidade de protecção contra o abuso infantil (artigo 16), a proibição de casamentos prematuros e a promessa de casamentos a menores (artigo 21 nr.2) e insta os Estados a tomarem medidas contra todas as formas de exploração e abuso sexual (artigo 27). Entretanto, as nossas políticas e estratégias têm-se provado pouco eficientes para inibir o CP. Muitas das raparigas vítimas do CP são forçadas a casar em idade muito precoce ou são muito jovens para tomar uma decisão informada sobre o seu cônjuge ou sobre as implicações do próprio casamento. O depoimento de AP é prova disso. Quando fiz 10 anos começou a menstruação e os maus pais mandaram-me ficar em casa. Não podia ir para escola que também ficava muito longe. Um dia veio um senhor adulto e disse que estava a precisar de alguém para cuidar dos filhos dele. A mulher tinha morrido e ele trabalhava na África do Sul. Os meus pais autorizaram-me e eu fui ficar na casa dele (….) fiquei lá tinha tudo, um dia ele voltou e dormiu comigo (…. ) tinha 12 anos. Não sabia muita coisa (…) fiquei assustada e ele deu -me muitas coisas e passamos a dormir  juntos (….) o meu pai não sabia. (…) Fui visitar a minha família, não sabia que estava grávida. A minha mãe viu e perguntou… Chamaram o Vasco e disseram que ele tinha que assumir. Fez lobolo e fui viver de Vez na casa dele.

Ao analisar este depoimento saltam à vista questões como a informação da rapariga sobre os riscos do casamento na adolescência e dos riscos que este representa para a saúde reprodutiva e sexual da rapariga em contextos influenciados pelo HIV e SIDA, especialmente em sociedade onde os valores

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tradicionais da sua sobrevivência da criança e da mulher estão fortemente enraizadas. Por outro lado (UNICEF, 2004: 93). Torna-se, necessário frisar a importância da integração de elementos que promovam a revisão dos instrumentos legais de modo a permitir que estes acolham questões relativas a prevenção do casamento envolvendo menores e inibam a sua promoção.

V.2 Casamento prematuro, infância, Género e relações de poder. O CP ainda não constitui objecto de estudo de pesquisas feministas em Moçambique, ele é abordado integrado pesquisas sobre relações de género e poder de forma abrangente onde este é apresentado como uma dos factores que limitam os direitos humanos da mulher. As contribuições trazidas pelos “estudos feministas”, ao analisarem a violência e abuso sexual contra mulher, permitem enquadrar o CP como reflexo das relações desiguais de poder e dominação entre homens e mulheres nas sociedades de ideologia patriarcal. Foi referido, anteriormente, que a criança, categoria social, é considerada um ser subalterno que ocupa um lugar específico na estrutura da família e da comunidade (James 2004, p.41; De Barros e Tajú 2001, 7p.). Pretende-se agora analisar se o facto das crianças do sexo masculino e feminino receberem tratamento diferenciado pode influenciar a ocorrência de CP e se este fenómeno se reflecte na vida das raparigas e famílias envolvidas. Procura-se, explorar até que ponto o CP pode apresentar-se como reflexo da distribuição desigual de recursos e serviços entre crianças do sexo masculino e feminino e, ao mesmo tempo identificar os efeitos do CP no exercício dos direitos de cidadania das raparigas afectadas. Osório (2000, p.36), ao analisar o grau de aplicabilidade dos direitos humanos e das mulheres, considera as dificuldades interpretação, aplicação e promoção dos direitos humanos das mulheres têm origem no facto da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) ter sido instituída em 1948, com base em modelo patriarcal como é o caso de todas as formas de violência exercidas no âmbito da família explicadas do ponto de vista da tradição cultural e do respeito à privacidade. Nesta perspectiva, o CP é entendida como forma de violência da rapariga com efeitos directos no exercício da sua saúde sexual e reprodutiva. Deste modo pode-se abordar o CP no âmbito da protecção dos direitos Humanos das mulheres, ainda que este artigo verse sobre os direitos da rapariga. Na abordagem de Osório (2000) destaca-se o facto de esta considerar que na DUDH a privacidade ser concebida como um campo de não intervenção do Estado, por isso, passível de ser regulada por práticas e valores sociais em conflito com o público. Daí que segundo ela, a integridade física, moral da mulheres (raparigas Vs Casamentos prematuros) poder ser violada sem sanção social ou legal (Osório, 2000:35). Esta afirmação é crucial para entendermos até que ponto se podem desenvolver acções e estratégias conducentes à inibição do CP tendo como suporte o sistema jurídico que, como foi anteriormente anotado, não reflecte as práticas costumeiras relacionadas com a integração das crianças na estrutura familiar.

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Em Moçambique, o âmbito do privado constitui-se em torno de uma rede de parentesco alargada e complexa que fixa cada um dos seus membros a normas e posições rígidas (no sentido de não permeabilidade à mobilidade social) assumindo-se a privacidade como valor quase estruturante da organização social. A privacidade, passa a ser um valor referente ao grupo que é orientado por padrões masculinos que determinam e legitimam a discriminação das mulheres nas relações sociais que estabelecem (Arnaldo 2007, p.154). Acrescido à discriminação da mulher, está o facto da criança ocupar um lugar paralelo na estrutura familiar justificado pelo facto de não ser ainda considerada membro efectivo do grupo familiar a que pertence (Marchi 2008, p. 11). Em suma, a rapariga, como mulher e criança é duplamente discriminada. Como criança, ela não existe socialmente e, como mulher ocupa uma posição subalterna na estrutura familiar. Por isso, considera-se que o CP é reflexo da sua dupla subalternidade (Criança /rapariga). Por outro lado, sendo o CP o marco de ingresso na vida adulta que legitima os laços de pertença ao grupo familiar e comunidade, torna-se possível apoiarmo-nos nos autores dos estudos feministas para afirmar que o CP constitui fenómeno que se desenvolve directamente ligado ao processo de construção da identidade feminina que salienta a subalternização da mulher. Isto pelo facto de esta ser mulher, e da rapariga pelo facto de ser “criança”. Porque como refere a entrevistada da Action AID. Nas comunidades (…) a criança mulher, no (…) processo de socialização portanto, e desde qu e ela nasce ela é orientada para casar, ter filhos, ser boa mãe, ser boa doméstica, cuidar bem do marido, etc. …, E ela cresce com este conceito de que ser mulher é isto. E, efectivamente o que nós encontramos foram várias situações destas, para além de, em termos económicos as famílias usarem esta prática (…) para assegura benefícios económicos para a família e (…) não para a criança.

Para explorarmos este depoimento na perspectiva de analisarmos factores motivadores do PC pode-se recorrer ao que afirma Ranjany (1992), ao ser citado por Osório (2000), que em muitas sociedades as mulheres são consideradas socialmente inúteis (a não ser como reprodutoras de filhos homens). Por isso, desde cedo são-lhes negadas o gozo de benefícios materiais básicos com educação, saúde, alimentação. O depoimento acima faz referência ao facto da rapariga ser usada como meio de troca que deve resultar em ganhos para a sua família através do dote e para a família de seu marido através da procriação. Por isso, ser frequente raparigas tornarem-se vítimas do CP, como estratégia de redução de gastos e de aumento de rendimentos da sua família. Se abordamos o CP como forma de violência e abuso sexual contra rapariga pode-se considerar que mesmo que a rapariga seja esclarecida apresentam-se poucas possibilidades desta tomar iniciativa em usar as instâncias jurídicas, na defesa de seus direitos. Como ocorre entre as mulheres adultas, as humilhações públicas tendem a atingir as vítimas como reflexo das normas social e culturalmente estabelecidas na sociedade (Osório 2000, p41). Neste âmbito, considera-se que as raparigas dispõem de espaço e instrumentos limitados e aceites para se protegerem dos casamentos prematuros. Assim, Osório (2000) e Meija et. al. (2004) concluem que, a violação dos direitos das raparigas é um assunto abordado como um fenómeno secundário e é tratado com recurso a instrumentos legais e sociais que limitam a capacidade desta e seus representantes de usarem as instituições formais de protecção de seus direitos. Este facto é fundamentado pela permanência da ideologia patriarcal que se 23

matem nas estratégias de organização, distribuição, representação e controlo do papel e da função social da mulher na estrutura familiar.

V.3 Aspectos jurídicos e político estratégicos envolvidos no casamento Prematuro A análise jurídica do casamento prematuro remete-nos não só à relação paradoxal, a ser explorada na vertente sócio cultural que influenciam e promovem o CP como prática culturalmente reiterada, que existe entre o ordenamento moçambicana e as normas costumeiras que orientam as relações estabelecidas dentro da estrutura familiar nos diferentes grupos sociolinguísticos que compõem a matriz sócio cultural moçambicana como também à discussão sobre as implicações decorrentes da adesão do Estado de Moçambique às convenções internacionais que protegem e promovem os direitos das crianças. NA, (representante da ACTION AID) afirma tornar-se muito difícil desenvolver acções direccionadas, especificamente, para a inibição do casamento prematuro, por que, segundo a nossa interlocutora, Não existem políticas ou estratégias que abordem de forma específica esta prática que tem impacto directo na qualidade de vida das mulheres, especificamente da aquelas residentes nas zonas rurais. O governo tem feito muito em parceria com as ONGs, um exemplo disso são as acções atinentes à promoção e protecção dos direitos humanos da rapariga (P.ex acesso à educação), mas essas acções precisam ser melhor concertadas em termos de instrumentos orientativos que abordem a questão CP de forma objectiva e holística no âmbito da promoção dos direitos da criança e dos direitos sexuais e r eprodutivos da rapariga.

Tendo em conta o carácter específico no qual o CP ocorre (relacionamento de carácter matrimonial entre homens adultos e raparigas menores de idade), a análise cruzada das políticas e estratégias do Governo que versam sobre a promoção e protecção dos direitos da criança e daquelas referentes a protecção e promoção dos direitos da mulher são cruciais para a identificação de elementos úteis para a inibição desta prática. Nas políticas e estratégias que orientam as intervenções do Estado e das Organizações da Sociedade Civil para a promoção dos direitos da rapariga, as referências para as condições nas quais o casamento pode correr têm como referência a Constituição da República, o Código Civil, e a Lei da Família. Entretanto, as questões relacionadas com o sexo e etnia, consideradas relevantes nas relações de parentesco, na abordagem a partir de factores socioculturais, não são reconhecidas. Por exemplo, enquanto no contexto das normas costumeiras são eventos fisiológicos, e culturais e não a idade cronológica que determinam da idade núbil da rapariga, na ordem jurídica moçambicana 18 anos é o marco do início da idade adulta onde, por exemplo, o casamento é reconhecido (Artigo 30, nº. 1, alínea a) da Lei de Família, a maioridade do indivíduo só ocorre aos 21 anos (artigo 122 do Código Civil). Este facto torna o casamento que envolva indivíduos com idade inferior a 18, legalmente inváido. Entretanto, sendo uma prática reconhecida e promovida por diferentes grupos sócios culturais, identificada pelas autoridades político-administrativas como atentatória dos direitos humanos da 24

rapariga, os documentos políticos estratégicos que orientam as intervenções do Governo não tratam o CP como uma das formas de violação dos direitos da criança e/ou da rapariga (mulher). Por exemplo o PNAC, Estratégia da Acção social; Plano Estratégico da Educação e Cultura (PEEC) etc.) não comportam elementos que permitam orientar acções com vista a inibição das uniões matrimoniais entre indivíduos adultos e menores de idade. Se por um lado, as estratégias e políticas para a promoção e protecção dos direitos da mulher apresentam subsídios para a penalização de todas as formas de violência e abusos contra a mulher, pouco é referido para os casos onde essa “mulher” é apenas uma rapariga menor de idade (muitas vezes

com mais de dois filhos antes dos 18 anos de idade) vítima do casamento prematuro. Por outro lado, a O casamento prematuro não é elencado, de forma clara, na Lei contra a violência doméstica, como uma das formas de violência praticadas pelos membros adultos da família contra a criança. Conclui-se deste modo que o CP fundamenta-se no processo de distribuição desigual de poder entre homens e mulheres. Para além dos factores considerados evidentes como motivadores como sejam referem-se aos altos índices de pobreza entre a população onde o fenómeno tende a ocorrer com mais frequência, baixo indicies de escolarização entre a população feminina das zonas rurais, dificuldades de acesso a serviços socais básicos, a atenção recai para aqueles que têm impacto nas estratégias de abordagem do fenómeno quadrados na promoção dos direitos da criança e da rapariga, podendo mencionar os seguintes: 1. Dificuldade de integração de questões sobre protecção dos direitos da criança específicas para a rapariga nas políticas e estratégia para a protecção e promoção dos direitos da rapariga; 2. Dificuldade de harmonização de conceitos (ritos de iniciação e casamento) chave no processo de emancipação da rapariga para a vida adulta partindo de referências socioculturais e com base nas referências formais emanadas pela legislação de trata de questões relacionadas com os direitos da criança; 3. Dificuldade de envolvimento das autoridades locais e líderes comunitários (médicos tradicionais, madrinhas dos ritos, etc.) no processo de promoção dos direitos da criança; 4. Dificuldade de criação de incentivos, que tenham impacto imediato nos rendimento, para as famílias que apoiem a permanência da rapariga na escola, permitindo o adiamento do casamento;

25

VI.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O fenómeno do CP analisado na perspectiva de promoção e protecção dos direitos da criança levanta, como se demonstrou, problemas ao nível da articulação entre as lógicas de representação dos papéis e de limitação dos espaços de actuação das crianças, como uma das categorias sociais da estrutura familiar e, as normas jurídicas instituídas pelo Estado moçambicano para a promoção e protecção dos direitos da criança. A dificuldade de harmonização da perspectiva  formal  dos conceitos como criança e infância com aquela resultante das representações e lógicas socioculturais das comunidades onde o CP ocorre é considerada uma das causas dos constrangimentos experimentados pelas instituições que envolvidas em acções para protecção e promoção dos direitos da rapariga. Conclui-se, deste modo que os factores que motivam a ocorrência do CP, estão relacionados com o facto de nas instâncias sociais, principalmente na família e comunidade, ocorrer um processo dinâmico e contínuo de atribuição de papéis e modelos de feminilidade e masculinidade que produzem e reproduzem as relações assimétricas de poder entre adultos e crianças e entre homens e mulheres. Mais do que apontar factores transversais como os altos índices de pobreza entre a população rural, o fraco acesso aos serviços sociais básicos, como a saúde, educação, água potável o CP deve ser analisado partindo da premissa da distribuição desigual de recursos e serviços atribuídos as crianças em função do seu sexo. O CP espelha, deste modo, as estratégias de manutenção e reprodução do poder dentro e fora da estrutura familiar e destaca o modo como a produção e distribuição de recursos ocorre entre as categorias sociais (criança, homem e mulher) que constituem a estrutura familiar e, ao mesmo tempo orientam as redes sociais inter-familiares que asseguram e reproduzem status e poder. Portanto, as acções visando o seu controlo e/ou inibição devem ser desenvolvidas usando modelos participativos que integrem referências desenvolvidas no interior das estruturas familiares de modo a alongar o processo de emancipação para a vida adulta que no caso das raparigas é representado pelo casamento. É relevante o papel desenvolvido pelos líderes comunitários e autoridades locais que, em muitos casos promovem o CP como estratégia para a aquisição de rendimento alternativo. Porém, destaca-se o facto do impacto económico do CP ser relativamente reduzido se comparado com o efeitos negativos que esta prática tem na qualidade de vida da rapariga. A degradação da saúde da rapariga causada pela prática de relações sexuais em idade precoce tem efeitos no aumento dos índices da mortalidade materna originada pela gravidez precoce e no aumento dos índices de prevalência do HIV e SIDA entre a população feminina na faixa etária 15 e 29 anos de idade. Entretanto, não é conhecida a magnitude dos efeitos psicológicos do CP para a rapariga mas, reconhece-se que este possa apresentar-se como um motivador para a violência doméstica. Finalmente, em termos teóricos e metodológicos, a abordagem do CP partindo de perspectivas tradicionais estrutural-funcionalista limita a possibilidade de exploração das diferentes nuances que este pode apresentar. A análise deste fenómeno partindo do pressuposto de inferioridade social da categoria criança dificulta a identificação de potenciais recursos de que a criança dispõe para negociar seus 26

interesses e relacionar-se no interior da estrutura familiar. Conclui-se assim, que capacidade da rapariga

ver os seus direitos elementares respeitados depende, fundamentalmente, do meio em que se encontra, do status da sua família e do interesse desta em melhorar a qualidade de vida da rapariga ao permitir que esta tenha acesso à educação. Por outro lado a capacidade de persuasão, e disponibilidade para colaborar com a família na criação de estratégias que permitam que a sua presença garanta rendimento económico e status social para a sua família podem constituir estratégia para o controle, inibição e, quiçá, o banimento do CP.

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VII.

RECOMENDAÇÕES

As instituições envolvidas na protecção e promoção dos direitos da rapariga vêm desenvolvendo acções com o objectivo de assegurar-lhe o acesso aos recursos e serviços que permitam a melhorar as suas estratégias de sobrevivência. Todavia, como prática que enfatiza o papel subalterno da rapariga (criança e mulher) na estrutura familiar, o CP é abordado como um fenómeno com motivações intra e extrafamiliares que reflecte o papel da família como agente socializador com a função de definir regras de conduta, dependentes do sexo /género e idade. O Processo de definição de lugares na hierarquia familiar e de reprodução de valores e comportamentos construídos com base no direito costumeiro tende a atentar contra os direitos humanos convencionados pelas normas jurídicas instituídas pelos Estado moçambicano. A pesquisa elaborada pela FIDH-LDH (2007, p.16-7) ao abordar questões relacionadas com a violência contra mulher, aponta o abuso sexual e molestamento como factores com impacto no aumento da incidência dos índices do casamento precoce contribui e, consequentemente do casamento prematuro, uma vez que a gravidez na adolescência influencia o índice dos casamentos na adolescência. É por isso que reconhecendo os efeitos negativos do CP para o desenvolvimento da rapariga e na qualidade de vida das comunidade onde este o corre são apresentadas as seguintes recomendações: 1. Envolvimento dos conselhos comunitários nas Intervenções para a promoção dos direitos da criança visando inibir e mitigar o CP: Promover a participação das madrinhas (ritos de iniciação) dos representantes da medicina tradicionais, líderes em acções de promoção dos direitos da rapariga visando o adiamento da primeira relação sexual e assegurando a sua permanência na escola 2. Efectuar um estudo sobre incidência, áreas de ocorrência e perfil das comunidades e famílias que praticam o Casamento prematuro, de modo a identificar estratégia para a sua inclusão na Lei sobre violência doméstica de modo a penaliza-lo: Uma estratégia que pode contribuir para a inibição do CP é a integração de possíveis eventos relacionados com a promoção do CP como forma de violência doméstica punível por lei. 3. Para permitir que a família se transforme num agente de protecção e promoção dos direitos da criança (rapariga), harmonizar conceitos, estratégias de intervenção: O governo e sociedade civil devem harmonizar conceitos e estratégias de intervenção de modo a identificar áreas prioritárias de intervenção que permitam o reconhecimento de referências socioculturais que determinam a evolução comportamental e cronológica dos indivíduos. 4. Estimular a sociedade civil para fazer advocacia para aprovação de instrumentos jurídicos que desencorajam o CP. 5. Desenvolver programas que atribuam incentivos às famílias que assegurem a permanência da rapariga na escola, pelo menos até a conclusão do Ensino Secundário Básico: Permitir que,

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através da alocação de recursos com impacto directo no rendimento familiar, a presença da rapariga na escola signifique status e acesso às fontes alternativas de rendimento. 6. Alargar os serviços de assistência aos adolescentes e jovens para a assegurar que a rapariga tenha acesso a informação sobre saúde sexual e reprodutiva.

29

VIII.

REFERÊNCIAS

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VIII.2. Legislação Consultada Constituição da República Popular de Moçambique de 1975, aprovada pelo Comité Central da Frente de Libertação de Moçambique, ao 20 de Junho de 1975 Constituição da República de Moçambique de 1990, aprovada pela Assembleia Popular aos 2 de Novembro de 1990 Constituição da República de Moçambique de 2004, aprovada pela A ssembleia da República ao 16 de Novembro de 2004 32

Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, ao 10 de Dezembro de 1948 Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, ratificada pela Resolução nº 9/88 de 25 de Agosto (Assembleia Popular) Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pela Resolução nº. 19/90 de 23 de Outubro (Conselho de Ministros) Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, ratificada pela Resolução nº 4/93 de 2 de Junho (Conselho de Ministros) Carta Africana dos Direitos e do Bem- Estar da Criança, ratificada pela Resolução nº 20/98 de 26 de Maio (Conselho de Ministros) Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pela Resolução n º. 43/2002 de 28 de Maio (Conselho de Ministros) Convenção sobre a Idade Mínima de Admissão ao Emprego, ratificada pela Resolução n º. 5/2003 de 23 de Abril (Conselho de Ministros) Convenção sobre a Proibição e Eliminação das Piores Formas de Trabalho Infantil, ratificada pela Resolução nº 6/2003 de 23 de Abril (Conselho de Ministros) Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n º 47344, de 25 de Novembro de 1966 Lei da Família, aprovada pela Lei nº 10/2004 de 25 de Agosto (Assembleia da República) Lei que estabelece o Regime Jurídico aplicável à prevenção e combate ao Tráfico de pessoas, em particular Mulheres e Crianças, aprovada pela Lei n º 6/2008 de 9 de Julho (Assembleia da República) Lei da Promoção e Protecção dos Direitos da Criança, aprovada pela Lei nº 7/2008 de 9 de Julho (Assembleia da República) Lei da Organização Tutelar de Menores, aprovada pela Lei n º 8/2008 de 15 de Julho (Assembleia da República) Lei de Violência Doméstica Contra a Mulher, aprovada pela Lei n º 29/ 2009 de 29 de Setembro (Assembleia da República)

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VIII.3. Documentos Consultados FDC & UNICEF. O que diz a proposta de orçamento do Estado 2009 sobre a previsão de recursos no sector de acção social? Parceria para os direitos da criança em Moçambique. Informe 6, Novembro. Maputo:

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