Carlos Serra Direito Do Ambiente

February 19, 2023 | Author: Anonymous | Category: N/A
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CARLOS SERRA FERNANDO CUNHA MANUAL DE DIREITO DO AMBIENTE

Centro de Formação Jurídica e Judiciária Maputo, Novembro de 2003 Agradecimentos e dedicatórias Este trabalho é dedicado a todos os formandos dos cursos de capacitação em Direito da Terra, do Ambiente e de Florestas e Fauna Bravia para magistrados judiciais e do Ministério Público, pela valiosa contribuição prestada ao longo dos debates acesos que caracterizaram cada sessão de formação, permitindo a realização do sonho de elaborar  um Manual de Direito Moçambicano do Ambiente. Dirigimos ainda agradecimentos à FAO, pelo apoio técnico; ao Dr. Ivon Pires Filho, que, desde o primeiro momento, contribuiu moral e cientificamente para a materialização do  presente projecto; à Dra. Zélia Mendonça, pela dedicação, dedicaç ão, simpatia e apoio pedagógico; ao Dr. André da Silva, pela contribuição prestada no arranque do presente Manual; e a todos os colegas do Centro de Formação Jurídica, e Judiciária que colaboraram, corpo e alma, nos Cursos de Formação e na preparação dos materiais pedagógicos.

NOTAS PRÉVIAS Este Manual começou a esboçar-se em meados de 2001, com o início de um projecto de apoio ao Judiciário, no domínio dos Direitos da Terra, do Ambiente e de Florestas e Fauna Bravia, coordenado e desenvolvido pelo Centro de Formação Jurídica e Judiciária, com o apoio ténico da FAO. Para além da elaboração de manuais de Direito da Terra, do Ambiente e de Florestas e Fauna Bravia, o projecto tem como objectivos a formação de magistrados judiciais e do Ministério Público nos direitos acima referidos, a elaboração de comentários e anotações às leis da Terra, do Ambiente e de Florestas e Fauna Bravia, e a realização de um trabalho de investigação que, entre outros aspectos, visa aferir a eficácia dos cursos de 1

 

formação no desempenho profissional dos magistrados. A ideia inicialmente pretendida pela FAO pressupunha apenas a elaboração de brochuras ou textos de apoio para uso nos cursos de formação. Contudo, o CFJJ decidiu avançar   para a publicação de um verdadeiro manual que pudesse, mais tarde, ser utilizado u tilizado nos cursos de ingresso às carreiras de Magistrado Judicial e do MP e, ainda, como instrumento pedagógico nos estabelecimentos de ensino superior. Foram criadas equipas para a elaboração de cada um dos manuais, que imediatamente se entregaram à preparação da primeira versão, utilizada no primeiro curso de formação, dirigido a magistrados de nível distrital, que teve lugar em Chimoio, em Setembro de 2001. Outras tantas versões foram utilizadas nas acções seguintes: Maputo (2001),  Nampula (2002), Maputo (2002), Chimoio (2002), (2002) , Maputo (2003) e Beira (2003). A formação e a escrita do presente manual estiveram, desde a primeira hora, indissocialvelmente, interligadas. Foi intenção dos autores, mais do que elaborar um trabalho meramente académico, contribuir humildemente para a análise crítica, desenvolvimento e aplicação do Direito Moçambicano do Ambiente. A protecção e conservação do ambiente têm vindo a conquistar cada vez mais adeptos no mundo, em geral, e no nosso país, em particular. Os atentados ambientais persistem a um ritmo assustador, pondo em causa a subsistência do Homem na Terra. O Direito do Ambiente é hoje, indiscutivelmente, um direito autónomo em relação aos demais ramos de direito. O nosso país iniciou, a partir da Constituição de 1990, um movimento legislativo na área do ambiente. Tornava-se necessário proceder a uma análise e sistematização do nosso ordenamento jurídico-ambiental, tendo presente a emergência de eventuais acções nos tribunais nacionais e a falta de uma capacidade de resposta por parte do judiciário. E assim nasceu este Manual... Os autores estão ainda conscientes que este contributo está longe de constituir um  produto acabado, primeiro por tratar de um manual generalista (muitas das questões aí abordadas necessitam de ser melhor trabalhadas no futuro), depois porque são aqui apresentadas muitas ideias de cunho subjectivo, decorrentes de posições pessoais dos mesmos. Esperamos que este constitua um prenúncio para que se possa vir a falar, um dia, numa Doutrina Ambiental Moçambicana.

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Maputo, Novembro de 2003 Os autores LISTA DE ABREVIATURAS • AIA – Avaliação de Impacto Ambiental; • AP – Administração Pública; • AR – Assembleia da República; • CC – Código Civil; • CDS – Centro de Desenvolvimento Sustentável; • CDS10 – Comissão de Desenvolvimento Sustentável; • CFJJ – Centro de Formação Jurídica e Judiciária; • CM – Conselho Municipal; • CONDES – Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável; • CP – Código Penal; • CPC – Código de Processo Civil; • CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa; • CRM – Constituição da República de Moçambique; • EIA – Estudo de Impacto Ambiental; • EUA – Estados Unidos da América; • FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura; • FUNAB – Fundo do Ambiente; • LFFB – Lei de Florestas e Fauna Bravia; • LOLE – Lei dos Órgãos Locais do Estado; • LOTA – Lei Orgânica do Tribunal Administrativo; • LPAC – Lei do Processo Administrativo Contencioso; • LT – Lei da Terra; • MADER – Ministério de Agricultura e Desenvolvimento Rural; • MICOA – Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental; • MP - Ministério Público; • OCDE – Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico; • OMS – Organização Mundial de Saúde; 3

 

• ONG – Organização Não Governamental; • ONU – Organização das Nações Unidas; • OUA – Organização da Unidade Africana; • PNA – Política Nacional do Ambiente; • PNGA – Programa Nacional de Gestão Ambiental; • PNUDE – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; • PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente; • PPP – Princípio do Poluidor Pagador; • RSU – Resíduos Sólidos Urbanos; • SADC – Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral. • TA – Tribunal Administrativo; • TVM – Televisão de Moçambique; • UA – União Africana; • UICN – União Internacional para a Conservação da Natureza; • URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas; • UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

ÍNDICE LISTA DE ABREVIATURAS Capítulo I - Introdução 1.1. A tomada de consciência da Questão Ambiental 1.1.1 Os primórdios da Consciência Ambiental 1.1.2. A Conferência de Estocolmo 1.1.3. De Estocolmo ao Rio 1.1.4. A Conferência do Rio 1.1.5. Do Rio a Joanesburgo 1.1.6. A Conferência de Joanesburgo 1.1.7. Depois de Joanesburgo 1.1.8. O caso particular de Moçambique 1.2. A emergência do Direito do Ambiente 4

 

1.2.1. Evolução Histórica do Direito do Ambiente 1.2.2. A constitucionalização do Ambiente 1.2.3.Características do Direito do Ambiente 1.2.3.1. Globalidade ou universalidade 1.2.3.2. Autonomia 1.2.3.3. Interdisciplinaridade 1.2.3.4. Horizontalidade ou transversalidade 1.3. O Direito do Ambiente em Moçambique 1.3.1. A Constituição Ambiental 1.3.2. Adesão a tratados e convenções de âmbito internacional, continental e regional 1.3.3. O movimento legislativo ambiental em Moçambique 1.3.4. Noção jurídica de Ambiente 12

Capítulo II – Princípios ambientais 2.1. A importância dos princípios ambientais 2.2. Os princípios ambientais no ordenamento jurídico moçambicano 2.2.1. À luz da Lei do Ambiente 2.2.1.1. Princípio da utilização e gestão racionais dos componentes ambientais 2.2.1.2. Princípio do reconhecimento e valorização das tradições e do saber das comunidades locais 2.2.1.3. Princípio da precaução 2.2.1.4. Princípio da visão global e integrada do ambiente 2.2.1.5. Princípio da ampla participação dos cidadãos 2.2.1.6. Princípio da igualdade 2.2.1.7. Princípio da responsabilização 2.2.1.8. Princípio da cooperação internacional 2.2.2. À luz de outros instrumentos normativos 2.2.2.1. Princípio da prevenção 2.2.2.2. Princípio do poluidor pagador  2.2.2.3. Princípio da correcção na fonte

Capítulo III – Órgãos de gestão ambiental 5

 

3.1. Notas introdutórias 3.2. Órgãos de gestão ambiental e suas competências 3.2.1. O Governo 3.2.1.1. Competência do MICOA 3.2.1.2. Competência dos demais Ministérios 3.2.2. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável 3.2.3. Os Órgãos Locais 3.2.3.1. Autarquias locais 3.2.3.2. Órgãos da Administração Pública de distrito 3.2.4. O papel das autoridades comunitárias em matéria ambiental

Capítulo IV – Instrumentos de prevenção ambiental 4.1. Notas introdutórias 4.2. O Licenciamento Ambiental 4.2.1. Definição de Licenciamento Ambiental e Licença Ambiental 4.2.2. Surgimento, essência e princípios 4.2.3. O sistema de licenciamento duplo 4.2.4. Órgão competente para a emissão da Licença Ambiental 4.3. A Avaliação do Impacto Ambiental (AIA) 4.3.1. Surgimento, essência e princípios 4.3.2. O processo de Avaliação do Impacto Ambiental 4.3.2.1. A instauração do processo junto do MICOA 4.3.2.2. A pré-avaliação 4.3.2.3. O Estudo de Impacto Ambiental 4.3.2.4. A consulta pública 4.3.2.5. A revisão técnica do EIA 4.3.2.6. O Licenciamento Ambiental 4.3.3. Responsabilidade por danos 4.4. Auditoria Ambiental 4.4.1. Origem, importância e conceito legal 4.4.2. Âmbito de aplicação 4.4.3. Objecto da Auditoria Ambiental 6

 

4.4.4. Órgãos e entidades competentes 4.4.5. Modalidades e objectivos da Auditoria Ambiental 4.4.5.1. Auditoria Ambiental Pública 4.4.5.2. Auditoria Ambiental Privada 4.5. Monitorização ambiental

Capítulo V – Principais problemas ambientais em Moçambique 5.1. Considerações gerais 5.2. A Poluição 5.2.1. Tipos de poluição 5.2.1.1. A poluição dos solos 5.2.1.2. A poluição das águas interiores 5.2.1.3. A poluição marinha 5.2.1.4. A poluição atmosférica 5.2.1.5. A poluição sonora 5.2.2. A necessidade urgente e crucial de mudarmos o nosso comportamento 5.2.3. A proibição legal de poluir  5.2.4. A proibição de importação de lixos ou resíduos tóxicos 5.2.6. Padrões de qualidade ambiental 5.3. A erosão 5.3.1. Conceito e contextualização do problema 5.3.2. A erosão em Moçambique 5.3.3. O combate à erosão na Política Nacional do Ambiente 5.3.3.1. Gestão costeira e marinha 5.3.3.2. Gestão do ambiente urbano 5.3.4. A protecção legal contra a erosão 5.3.4.1. As zonas de protecção 5.3.4.2. Autorização das administrações regionais de águas para determinadas actividades 5.3.4.3. Obrigação de saneamento 5.3.4.4. Proibição de implantar infra-estruturas em zonas ameaçadas de erosão 5.3.4.5. A obrigação de sujeição a E.I.A 7

 

5.3.4.6. Plantações florestais para fins de conservação 5.3.5. O urbanismo e o ordenamento do território como políticas e intrumentos fundamentais de prevenção e combate ao fenómeno da erosão 5.3.5.1. Problemática, conceitos e finalidades 5.3.5.2. O plano como instrumento fundamental do urbanismo e ordenamento do território e de combate à erosão 5.3.5.3. O urbanismo e o ordenamento do território enquanto políticas governamentais 5.3.5.4. Os órgãos competentes no domínio do planeamento 5.3.5.4.1. Notas prévias 5.3.5.4.2. Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental 5.3.5.4.3. Ministério das Obras Públicas e Habitação 5.3.5.4.4. Autarquias Locais 5.3.5.4.5. Governos Distritais Capítulo VI – O Direito do Ambiente e o Direito Administrativo 6.1. A Administração Pública e o ambiente 6.1.1. A actuação da Administração Pública na observância do princípio da prevenção 6.1.2. O papel da Administração Pública na danificação do meio ambiente 6.2. O Acto administrativo e o ambiente 6.3. O procedimento administrativo e a protecção do ambiente 6.4. O Contencioso Administrativo e a protecção do ambiente 6.4.1. A consagração da ordem jurídica administrativa 6.4.2. O acesso à justiça administrativa 6.4.2.1. Âmbito e funções do Tribunal Administrativo 6.4.2.2. Mecanismos processuais de acesso à justiça administrativa 6.4.3. Espécies de processos à luz da Lei do Processo Contencioso Administrativo 6.4.3.1. Recurso contencioso 6.4.3.2. Acções 6.4.3.2.1. Acções sobre contratos administrativos 6.4.3.2.2. Acções sobre a responsabilidade civil da Administração Pública 6.4.3.2.3. Acções de reconhecimentos de direitos ou interesses legalmente 8

 

reconhecidos 6.4.3.3. Meios processuais acessórios 6.4.3.3.1. Suspensão de eficácia de actos administrativos 6.4.3.3.2. Intimação a órgão administrativo a particular ou a concessionário para adoptar ou abster-se de determinada conduta 6.4.3.3.3. Intimação para informação, consulta de documento ou passagem de certidão

Capítulo VII - Responsabilidade ambiental e legitimidade processual 7.1. A responsabilidade civil 7.1.1. A responsabilidade civil clássica 7.1.2. A responsabilidade pelo risco ou objectiva 7.1.3. Formas de reparação do dano 7.1.4. Dificuldades de accionar o instituto da responsabilidade civil por danos no ambiente 7.1.5. A protecção eficaz do ambiente 7.2. A responsabilidade penal 7.2.1. Dos crimes contra a propriedade 7.2.2. Dos crimes contra a ordem e a tranquilidade pública 7.2.3. Da tutela indirecta à tutela directa do ambiente 7.2.4. Enquadramento dos ilícitos penais ambientais 7.2.5. O direito penal na protecção do ambiente 7.3. A legitimidade processual e o ambiente 7.3.1. Titularidade individual e supra-individual 7.3.2. Casos de legitimidade individual 7.3.3. A questão da legitimidade difusa

Capítulo VIII – Direitos e deveres dos cidadãos 8.1. O papel do cidadão em relação ao ambiente 8.2. Direitos dos cidadãos 8.2.1. Direito à participação no processo de tomada de decisões 8.2.2. Direito à informação 8.2.3. Direito à educação 9

 

8.2.4. Direito de acesso à justiça 8.2.4.1. Barreiras no acesso à justiça no domínio da protecção do meio ambiente 8.2.4.1.1. Barreiras objectivas 8.2.4.1.2. Barreiras subjectivas 8.2.4.2. Mecanismos de concretização do direito de acesso à justiça 8.2.4.2.1. Direito de petição, queixa ou reclamação 8.2.4.2.2. A arbitragem, a conciliação e a mediação como meios alternativos de resolução de conflitos 8.2.4.2.3. O projecto-lei da acção popular  8.3. Deveres dos cidadãos 8.3.1. Dever de participação das obrigações 8.3.2. Dever de utilização responsável dos recursos

Capítulo IX – Fiscalização Ambiental 9.1. A importância da fiscalização ambiental 9.2. Os órgãos competentes 9.2.1. O papel do Ministério da Coordenação da Acção Ambiental 9.2.2. A fiscalização sectorial 9.2.3. A fiscalização e o princípio da coordenação inter-institucional 9.3. A criação de um corpo de agentes fiscalizadores

BIBLIOGRAFIA ANEXOS - Declaração de Estocolmo, 1972; - Declaração do Rio, 1992; - Declaração de Joanesburgo, 2002.  “MUITOS DOS ESFORÇOS ACTUAIS PARA SALVAGUARDAR E MANTER O PROGRESSO HUMANO, PARA SATISFAZER AS  NECESSIDADES HUMANAS E PARA REALIZAR AS AMBIÇÕES HUMANAS SÃO SIMPLESMENTE INSUSTENTÁVEIS --- NOS PAÍSES RICOS E NOS PAÍSES POBRES. SÃO UMA CARGA DEMASIADO PESADA, DEMASIADO BRUTAL, 10

 

SOBRE RECURSOS AMBIENTAIS JÁ MUITO SUJEITOS A ESFORÇO. (...) PODERÃO SER CONTABILIZADOS COMO LUCROS NAS FOLHAS DE BALANÇO DA NOSSA GERAÇÃO, MAS OS PREJUÍZOS P REJUÍZOS SERÃO A HERANÇA DOS NOSSOS FILHOS.” COMISSÃO MUNDIAL PARA O AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (1987)  

CAPÍTULO I – A problemática ambiental 1.1. O Homem e o ambiente A relação entre o Homem e a Natureza passa necessariamente pelo equacionamento filosófico dessa relação. No início da humanização da Terra, o Homem exercia sobre a  Natureza um impacto relativamente moderado, que não punha punh a em causa, em termos substanciais, o equilíbrio ecológico ou a existência, para as gerações futuras, dos recursos naturais indispensáveis ao sustento da espécie humana1. Subjacente a tal comportamento encontrávamos o sentimento místico ou religioso que o Homem nutria pela Natureza, retirando desta o estritamente necessário para a sua subs subsiistên stênci cia. a. Pro rova va di diss ssoo é o fa fact ctoo de a ár árvo vore re e o an anim imal al co cons nsti tittuí uíre rem, m, em inúmerasculturas e civilizações, verdadeiras divindades, personificação do além ou outras entidades espirituais. Pode-se daí falar da existência de uma relação de equilíbrio entre os seres humanos e respectivo meio. Contudo, à medida que o tempo foi decorrendo, e com a evolução do conhecimento, novos meios de transformação do ambiente físico foram sendo testados e confirmados,  propiciando um aumento da capacidade de exploração ex ploração dos recursos naturais, conduzindo à ocorrência das primeiras alterações climáticas de causa não natural. O tempo foi decorrendo, civilizações sucederam outras, novas descobertas científicas foram efectuadas, e a intensidade da exploração dos recursos naturais foi aumentando a um ritmo imparável, com especial ênfase para os últimos seis séculos. Veja-se que a partir do século XV, a Europa enveredou na epopeia da “descoberta” de novos horizontes, dandose 11

 

início à exploração massiva dos recursos naturais encontrados nas Américas, em África e na Ásia. 1 Discordamos assim com os autores que consideram consideram que o Homem que antecedeu antecedeu a era da industrialização exercia para com a Natureza uma relação religiosa, respeitando ao máximo o ambiente. Sobre o impacto do Ser Humano na biodiversidade do Planeta ao longo da sua evolução, recomenda-se ROSA, Humberto, Conserva Cons ervação ção da Bio Biodiv diversi ersidad dade: e: Sig Signif nifica icado, do, Val Valori orizaçã zaçãoo e Impl Implica icações ções Éti Éticas cas,, In. Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 14, IDUAL, Almedina, Coimbra, Dezembro, 2000, pp. 9 –  34. Porém, a ideia de que o Homem antigo era simplesmente puro na relação com a Natureza não passa de um mito, assente em fundamentos totalmente erróneos. Há registos de que muito estragos se têm vindo a cometer desde os primórdios da humanidade um pouco por  todo o mundo e em todos os tempos2. O que acontece hoje é tão só vivermos hoje na era da informação e da tecnologia, na qual o conhecimento do impacto da acção humana tem vindo a apresentar resultados cada vez mais elucidativos e cientificamente comprovados, o que não acontecia até há poucas décadas atrás. Tal impacto era diminuto quando comparado com aquele que se verifica na actualidade e que despertou a atenção global para as questões ambientais. Nos últimos séculos,  principalmente após a Revolução Industrial3, esta relação r elação veio a conhecer uma mudança,  podendo até falar-se de uma quebra q uebra radical: munindo-se sempre de nov novas as técnicas e meios, julgando erroneamente dominar a Natureza, o Homem desencadeou uma devastação cega dos diversos recursos naturais, a um ritmo simplesmente assustador. A sede de lucro fácil e imediato levou ao cometimento de excessos dificilmente sanáveis, o que se materializou num quadro a todos os níveis insustentável, e até catastrófico4.

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2 Viriato Soromenho Marques escreveu que “a actividade humana, desde os primórdios da história conhecida, implica uma alteração directa da biosfera. Ao procurar adaptar o meio às suas necessidades a humanidade alterou a paisagem física e modificou os equilíbrios dos reinos vegetal e animal. As grandes muta mu taçõ ções es clim climát átic icas as que co cond nduze uzem m à est esteri erili lidad dadee de re regi giõe õess on onde de ant anteri eriorm ormen ente te floresceram culturas  brilhantes, desde o Norte de África ao Egipto, sem esquecer e squecer as terras banhadas pelo Tigre e o Eufrates, não  podem ser compreendidas sem o equacionar da acção destrutiva da praxis social”. MARQUES, Viriato Ambiente,, Fim de Soromenho, Regressar à Terra – Consciência Ecológica e Política de Ambiente Soromenho, Regressar Século, Lisboa, 1994, p. 17. 3 Conform Conformee ilu ilustra stra Andrés Rodriguez Rodriguez,, “el impacto impacto ambine ambinetal tal de la Revolu Revolució ciónn es innegable. Aqui se sentaron las bases del crescimiento económico basado em la utilización masiva de combustibles fósiles. Pêro también se estableció la utilización de la técnica para alcanzar mayores cotas de crescimiento econó eco nómi mico co,, sin sin im impo port rtar ar el co cost stoo ambi ambine neta tall qu quee suponí suponíaa porqu porquee la natura naturale leza za er eraa concebida como el gran almacén que todo lo acumulaba (recursos) y todo lo recebía (resíduos). RODRIGUEZ, Andrés Betancor,  Instituciones de Derecho Ambiental , La Ley, Madrid, 2001, p. 502. 4 Neste domínio, Gomes e Sousa já dizia, comentando a crescente destruição das florestas moçambicanas, corria o longínquo ano de 1949, o seguinte: “Triste mentalidade revela, pois, a geração que, julgando criar 

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riqueza à custa da destruição da floresta – isto é, sem o fazer racionalmente, e sem  praticar o necessário repovoamento, no anseio de lucros imediatos – deixa os vindouros desprevenidos em madeiras e lenhas e em luta com as crises económicas, sempre graves, que a desarborização acarreta”. Cfr. GOMES e SOUSA, Anttónio An ónio de Fi Figu guei eire redo do Gom omes es,,  Aspectos Económicos e Sociais da Silvicultura (continuação), In. Moçambique – Documentário Trimestral, n.º 67, Imprensa Nacional de Moçambique, Lourenço Marques, Setembro, 1949, p. 77. Conta-nos Maria Aragão que, com “a passagem de uma economia de subsistência para uma economia de mercado e o avanço verificado nos conhecimentos científicos e técnicos após a Revolução Industrial, representaram um salto qualitativo nos meios ao dispor do Homem para controlar e utilizar economicamente os recursos naturais. Dá-se um crescimento exponencial da intensidade e da extensão de exploração económica dos recursos ambientais. (...) Os papéis inverteram-se e agora é a Natureza que carece de  protecção contra a acção devastadora d evastadora do Homem5. Assim, o Homem limitou-se, conforme o espírito liberal pós Revolução Industrial, a explorar os recursos naturais até à exaustão, segundo as regras de acumulação primitiva de capitais, e a desenvolver a actividade de exploração económica sem perspectivar o impacto daquela acção na Natureza. O crescimento económico era a finalidade suprema deste raciocínio, sendo obtido à custa de prejuízos irreparáveis no ambiente. Segundo o raciocínio dominante, o crescimento e a protecção do ambiente eram encarados como duas metas ou objectivos insusceptíveis de compatibilização. Nestes termos, “múltiplas são, ainda, as situações aberrantes e mesmo escandalosas de poluição industrial, numa agressão permanente e violenta ao equilíbrio ecológico e ao bem estar  das populações. O preço de se respirar, v.g. v.g.,, uma atmosfera envenenada é, muitas vezes, a contrapartida do trabalho e da subsistência para muitas famílias, como se se tratasse de uma fatalidade sem solução. A viabilidade económica das indústrias poluidoras é 14

 

apresentada, frequentemente, como incompatível com o custo de equipamentos que  permitiriam minimizar os efeitos devastadores da sua actividade sobre s obre o meio ambiente”6. Agindo de semelhante modo, o Homem assumiu uma filosofia egoísta de ser e de viver. Pensou no hoje, no imediato, no momentâneo; ignorou o amanhã, o mediato, o eterno. Subestimou a capacidade de regeneração dos recursos contidos na Natureza, tendo-os 5 ARA ARAGÃO GÃO,, Mar Maria ia Alexa Alexandra ndra de Sous Sousaa Aragão, Aragão, O Princípio do Poluidor Pagador , Studia Ivridica, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1997, pp. 18 - 19. 6 MART MARTINS INS,, An Antó tóni nioo Carva Carvalh lhoo Ma Mart rtin ins, s,  A Política de Ambiente da Comunidade  Económica Europeia, Europeia, Coimbra Editora, 1990, p. 22. explorado até à exaustão. Marginalizou a capacidade de as gerações vindouras satisfazer  as suas próprias necessidades. A esse respeito, escreveu um ilustre político e ambientalista americano que “a nossa  perspectiva é (...) muitíssimo limitada de um outro modo. Recusamo-nos Recusamo- nos com demasiada frequência a olhar para além de nós próprios para ver o efeito das nossas acções presentes nos nossos filhos e netos. (...) Mas seja qual for a sua origem, o desejo de ignorar as consequências das nossas acções juntou-se à crença de que estamos separados da natureza, produzindo uma verdadeira crise no modo como nos relacionamos com o mundo à nossa volta”7. É precisamente no tipo de relacionamento actualmente existente entre o Homem e a  Natureza, ou ainda, entre a civilização e a Terra, Terra , que reside a chave da pres presente ente  problemática. Comprometemos drasticamente em apenas pouco pouc o mais de um século uma relação que permaneceu relativamente harmónica durante milhares de anos. A lista dos estragos é infinita e bastante alarmante. Passamos de seguida a apresentar as principais questões ambientais da actualidade, acompanhadas, sem que possível, com dados elucidativos, ainda que, advirta-se, susceptíveis de rápida desactualização.

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1.2. Os dados da destruição 1.2.1. Aquecimento global O aquecimento global do planeta foi, durante quase todo o século XX, simplesmente ignorado, não obstante alguns estudo que constatavam a gravidade do problema. Contudo, devido à emissão de gases para a atmosfera, principalmente dióxido de carbono e metano, a temperatura da terra tem vindo a subir assustadoramente nas últimas décadas,  passando a constituir uma das maiores preocupações da Comunidade Internacional, no geral, e dos Estados, em particular. 7 GORE, Al, A Al, A Terra à procura de Equilíbrio – ecologia e espírito humano humano,, Incursões, Incursões, Editorial Presença, 1.ª Edição, Lisboa, 1993, p. 20.

Há que entender em que consiste o aquecimento global, tantas vezes reportado, mas sem que haja a preocupação explicar a essência, manifestações e consequências do fenómeno. Para o efeito, devemos ter em conta que a vida na Terra existe por acção da energia solar, visto que uma parte da radiação infravermelha emitida pelo Sol é retida pela atmosfera, mantendo as temperaturas globalmente amenas. Contudo, devido à emissão crescente de uma série de gases com efeito estufa em consequência da actividade humana, com destaque para o dióxido de carbono, a fina camada da atmosfera está a tornar-se cada vez mais espessa, retendo quantidades cada vez maiores de radiação infravermelha, o que contribui o aumento da temperatura da atmosfera e dos oceanos8. Um dos maiores indicadores de tal aquecimento ocorreu recentemente, mais concretamente em 2003, no hemisfério Norte, após um dos Invernos mais frios de que há memória, quando alguns países enfrentaram o pior verão desde sempre. Na Europa, por  exemplo, foram atingidos máximos absolutos em vários países9. Por outro lado, só em França, calcula-se que mais de 14800 pessoas, maioritariamente idosas, tenham falecido devido às temperaturas excepcionalmente elevadas que atingiram este país10. Em outros  países europeus, o cenário cenár io foi também bastante desolador: na Itália, o número de mortos ascendeu a 4 00011; em Espanha, foram oficialmente reconhecidas 100 vítimas mortais; em Portugal, foram anunciados 1300 mortos; e na Inglaterra, registaram-se 900 óbitos12. 16

 

O aquecimento global é hoje, portanto, uma realidade cientificamente incontestável. Recuando um pouco no tempo, apercebemo-nos que a tendência firma-se no sentido do agravamento da situação. Ao aludir-se ao ano de 2002, o nosso “Notícias” informava que “as temperaturas registadas (...) em diferentes zonas do planeta são 0,5 graus centígrados superiores à média das últimas décadas, alertam peritos da Organização Meteorológica 8 GORE, Al,

Uma Verdade Inconvenient Inconveniente e –

A emergência planetária do aquecimento

 global e o que  podemos fazer em relação a isso, isso , 2.ª Edição, Esfera do Caos, Lisboa, 2006, pp. 26 – 27. 9 Na Inglaterra, por exemplo, foi atingido o marco histórico de 38,1 graus Celsius. Cfr. Artigo intitulado Calor mata 900 pessoas na Grã-Bretanha, Grã-Bretanha, publicado no jornal “Notícias”, do dia 27 de Agosto de 2003. 10 Cfr. www.cnn.com. Dia 25/09/2003. Itália , publicado no 11 Veja-se o artigo intitulado Calor mata mais de 4000 pessoas na Itália,  jornal “Notícias, de 13 de Setembro de 2003. 12 Veja-se o artigo intitulado Calor mata 900 pessoas na Grã-Bretanha, Grã-Bretanha, publicado no  jornal “Notícias”, do dia 27 de Agosto de 2003. Mundial (OMM)”13. Aliás, está cientificamente provado que os anos mais quentes do século XX aconteceram todos nas duas últimas décadas, sendo que “nos últimos 100 anos a temperatura média do planeta subiu tanto como nos últimos 10 000 anos”14. Segundo estudos realizados, o ano de 2005 foi o mais quente da história, desde que ocorrem medições, tendo sido superado o anterior recorde de 1998. Este dado foi anunciado pela agência espacial norte-americano NASA no início de 2006. O estudo imputa a causa de tal aumento à emissão de gases com efeito estufa para a atmosfera resultantes das inúmeras actividades humanas15. Outro aspecto importante a tomar em consideração é o facto do aquecimento global se estar a verificar com maior intensidade nos pólos, o que contribui para o problema a 17

 

analisar de seguida - o degelo. Segundo a revista National revista National Geographic, Geographic, O,6° Celsius foi a média de subida da temperatura do planeta ao longo do século XX; por seu turno, 5,5° Celsius foi a média de subida da temperatura do Inverno na Antárctica só nos últimos 30 anos16. Como prova da consciência da gravidade do problema a Organização das Nações Unidas veio a aprovar, em 1992, um importante instrumento de direito internacional – a Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. Anos mais tarde, em 1997, deu-se um passo assinalável em frente com a aprovação do respectivo protocolo, que ficou para a história conhecido como Protocolo de Kyoto, em alusão ao nome da cidade  japonesa onde decorreu a conferência que conduziu à sua aprovação. ap rovação. 13 Veja-se o artigo intitulado Temperatura mundial cresceu este ano, ano, publicado no jornal “Notícias” de 27 de Dezembro de 2002. Ambiente,, Livraria Almedina, Junho, 14 CON CONDES DESSO, SO, Ferna Fernando ndo dos Reis, Reis,  Direito do Ambiente 2001, p. 45. 15 Veja-se artigo intitulado “2005 “2005 foi ao ano mais quente em mais de um século ”,  publicado no jornal “Notícias”, do dia 6 de Fevereiro. 16 Cfr. National Cfr. National Geographic, Geographic, Fevereiro, 2004.

1.2.2.Degelo e subida do nível das águas do mar Uma das principais consequências do fenómeno acima referido é precisamente o degelo que se tem vindo a verificar nos principais glaciares da Terra, existentes não apenas no  pólos Norte e Sul, como também nas principais cumes ou picos gelados dos diversos continentes. Como efeito, temos que a subida das águas do mar se tem vindo a tornar uma realidade, intensificando o fenómeno da erosão, a perda de áreas terrestres ao longo da costa e a salitração de áreas agrícolas. Veja-se que, desde 1978, a área de gelo marinho permanente do Árctico reduz 9% anualmente; contudo, a diminuição da sua espessura é bem mais difícil de avaliar, calculando-se que varie entre os 15 a 40 % nos últimos 30 anos17. Aliás, quanto a este 18

 

 problema, a imprensa portuguesa reportou, r eportou, em 2001, que “o oceano Árctico per perde, de, em media, por ano, uma área de gelo equivalente à superfície da Holanda”18. Os dados são efectivamente assustadores, visto que, no Verão de 2002, constatou-se que os glaciares da Gronelândia e do Árctico reduziram em um milhão de quilómetros quadrados, sendo a maior redução jamais registada19.  No entanto, para a subida das águas do mar concorre essencialmente o derretimento der retimento de gelo proveniente dos glaciares continentais e não, como podemos ser levados a pensar, aquele que existe nos oceanos, tal como o oceano Árctico, isto é, o gelo marinho. Basta que tenhamos em mente o efeito do cubo de gelo em um copo de uísque20. O maior   problema constitui antes o gelo continental existente na maior reserva de água doce do mundo, a Antárctica, bem como nos glaciares localizados nos diversos continentes, pois, uma vez derretido, contribui substancialmente para a subida da água do mar.  No início de 2006, a imprensa citou dados constantes num estudo da Universidade de Corolado, segundo o qual, devido ao aquecimento global, a Antártida estaria a sofrer uma 17 Idem. 18 Artigo publicado no jornal português “Público”, do dia 24 de Maio de 2001. 19 FLANNERY, Tim, Os Senhores do Tempo – O Impacto do Homem nas Alterações Climáticas e no  Futuro do Planeta, Planeta, Editorial Presença, Lisboa, 2006, p. 167.  perda de gelo na ordem de 150 15 0 quilómetros cúbicos por ano, muito mais do que os 4,1 quilómetros cúbicos de água que a cidade de Los Angeles, nos Estados Unidos de América, utiliza anualmente21. Segundo a imprensa, os cientistas referiram, em 2001, que o degelo estava também a afectar a maior parte dos glaciares e cumes de gelo existentes nos trópicos deverão desaparecer em 20 anos. As neves “eternas” do Kilimanjaro são hoje 82% menos volumosas do que no ano de 191222. Segundo os cientistas, não haverá neves eternas neste pico dentro de dez anos, o que traduzirá um impacto económico profundo na região, com particular incidência para o sector do turismo23. Como consequência do degelo, verifica-se o aumento do nível das águas do mar. Sobre 19

 

este problema, veja-se que se registou um aumento global do nível médio do mar de 10 a 20 centímetros nos últimos 100 anos, mais do que metade do que havia subido nos 2000 anos anteriores24. Isto coloca em estado de risco eminente uma série de ilhas localizadas um pouco por todo o mundo e também as zonas costeiras localizadas abaixo ou pouco acima do nível das águas do mar25. Sabendo que uma parte significativa da população mundial se encontra fixada na zona costeira, e que os números tendem a aumentar, com o afluxo de populações do interior para o litoral em busca de melhores condições de vida nas cidades costeiras, podermos equacionar um cenário bastante problemático a médio e longo prazo. A este respeito, a imprensa reportou em 2006 que o nível da água dos mares poderá subir  até seis metros até 2100, caso a temperatura global continue a subir ao ritmo actual, na 20 Idem. 21 Vej Veja-se a-se o art artigo igo inti intitul tulado ado  Antárctica Perde Gelo e Desertos Africanos Crescem Crescem,,  publicado no jornal  Notícias, de 7 de Março de 2006. 22 Artigo publicado no jornal português “Público”, do dia 24 de Maio de 2001. 23 GORE, Al, Uma Verdade Inconveniente, Inconveniente, ob. cit. , p. 45. 24 UMA (Universidade Livre da Mata Atlântica) /WORDWATCH, Estado /WORDWATCH,  Estado do Mundo 2004,, In. 2004 www.wordwatcs.org.br. 25 O caso mais dramático ocorre em Tuvalu, pequeno país situado numa pequena ilha do oceano Pacífico, e que já enfrent enfrentaa actualment actualmentee problemas sérios com a subida das águas do mar, tendo sido obrigado a elaborar um plano de emergência e a celebrar um acordo com a Nova Zelândia para transferência das suas  populações. Teremos assim uma Nação sem s em Terra. sequência do degelo dos glaciares existentes, segundo um estudo publicado na revista “Science”. Este cenário é bem mais assustador do que a previsão estabelecida pelo Painel 20

 

Intergovernamental para as Alterações Climáticas das Nações Unidas, e que indicava uma subida da águas dos mares na ordem dos oitenta e oito centímetros até 210026.

1.2.3. Destruição da camada do ozono Um outro problema ambiental que tem vindo progressivamente a despertar atenção no mundo científico, para, lentamente, induzir inúmeros Estados à adopção de algumas medidas de contenção, é a destruição que a concentração de alguns gases de natureza tóxica estão a exercer na camada de ozono que protege a terra contra os raios ultravioleta. Tal como em relação ao aquecimento global, este problema também tem como causa a  poluição atmosférica através das mais diversas divers as fontes. A título de curiosidade, segue-se a listagem dos seis principais gases prejudiciais ao ambiente CO2 (dióxido de carbono), que resulta da combustão do carvão, petróleo e gás natural; CH4 (metano), proveniente das lixeiras a céu aberto e dos arrozais; N20 (óxido nitroso); PFC (perfluorcarbonetos), SF6 (hexafluoreto de enxofre), todos resultantes de algumas actividades industriais; e CFC (clorofluorcarbonetos), presente em alguns sprays e frigoríficos antigos27.

Uma dos mais importantes feitos da Comunidade Internacional foi efectivamente a celebração da Convenção de Viena sobre a Protecção da Camada de Ozono (de 22 de Março de 1985), complementada pelo Protocolo de Montreal sobre Substâncias que destroem a Camada de Ozono (de 16 de Setembro e 1987) e as respectivas emendas (Londres – 1990; Copenhaga - 1992). 26 Veja-se artigo publicado no jornal “Notícias”, do dia 5 de Abril de 2006, intitulado  Nível de Água dos  Mares Sobe Seis Metros até 2100. 2100 . Humana,, 27 Dad Dados os retira retirados dos de um artig artigoo intit intitulad uladoo  Efeito de Estufa – A Armadilha Humana  publicado na revista “Visão”, de 24 de Maio de 2001. Contudo, as últimas notícias são bastante preocupantes, caso não se consiga travar o actual processo de degradação da camada de ozono: em finais de 2006, revelava a 21

 

imprensa, com base na informação veiculada pela Agência Espacial Europeia, que o  buraco de ozono sobre a Antártida bateu o seu recorde nesse ano, superando as expectativas dos cientistas. Este recorde não foi fixado em termos de extensão, foi deu-se efectivamente um igualar da meta máxima jamais registada (28,5 milhões de quilómetros quadrados no ano de 2000), mas sim quanto à redução do número de moléculas de ozono  presentes no “buraco”, sendo o défice calculado em 39,8 milhões de toneladas28.

1.2.4. Destruição da biodiversidade Focando a questão da desflorestação, François Ramade afirmou: “ao longo dos séculos a madeira tem sido utilizada como fonte de energia, como material de construção e como matéria-prima. Pelo menos 80 por cento da desflorestação do Terceiro Mundo destina-se à produção de combustível. A exploração de madeiras como material de construção  provoca um desperdício enorme, porque p orque 90 por cento das árvores árvor es abatidas, sem valor  comercial, são abandonadas ou queimadas no próprio local do corte. Iniciada pelas  potências europeias, a exploração excessiva da floresta prosseguiu prosseg uiu e até aumentou, após a independência dos países tropicais. Na Costa do Marfim, a superfície florestada diminuiu 75 por cento entre 1970 e 1990. E, no mesmo período, desapareceram 80 por cento das florestas do Gana e 70 por cento das de Madagáscar. Alguns países, outrora exportadores, como a Nigéria ou a Tailândia, hoje, vêem-se obrigados a importar madeira”29. Vejam-se, ainda, as palavras de Ian G. Simões, segundo o qual: “Nas economias agrícolas, a madeira destina-se a ser utilizada como combustível, na construção, para vedações, ferramentas e inúmeros outros objectivos; nas nações industriais, a construção e o mobiliário são as principais utilizações, mas a exigência predominante é para o papel e produtos derivados de todos os tipos. Os pesos destas exigências levaram ao ponto de a Recorde,, publicado no jornal 28 Ve Veja ja-se -se o ar arti tigo go in inti titu tula lado do  Buraco de Ozono bate Recorde “Notícias”, do dia 6 de Outubro de 2006. desflorestação se dar a um ritmo de 10-20 vezes a taxa de reflorestação; nos últimos 10 000 anos é provável que 33 por cento das florestas de folha larga e 25 por cento dos 22

 

 bosques da savana e das da s florestas caducas subtropicais húmidas tenham sido s ido destruídas  pelas mãos do ser humano (...)”30. ( ...)”30. Um artigo publicado no Relatório Estado do Mundo 2003 refere que “as florestas tropicais primárias, em geral os mais diversificados ecossistemas do planeta, estão desaparecendo num ritmo que, provavelmente, excede 140 mil quilómetros quadrados  por ano – uma área quase quas e do tamanho do Nepal”31. Ora, as consequências de tal conduta humana assumem um carácter irreversível, isto  porque, em algumas zonas do mundo, mundo , as florestas cortadas regener regeneram-se am-se bastante lentamente, tendo em conta principalmente o rigor do clima. Aliás, “em certos casos, a floresta é uma aquisição de climas passados e a reflorestação pode ser impossível sob o clima actual”32. A destruição das florestas acarreta consigo inevitavelmente a destruição das espécies. Daí que um e outro problema não possam ser vistos de uma forma separada ou estanque. O desaparecimento de florestas inteiras um pouco por todo o mundo conduziu ao desaparecimento ou redução a números ínfimos de uma percentagem dificilmente calculável de organismos vivos, muitos dos quais permanecerão completamente desconhecidos para sempre. O número exacto da destruição das espécies ainda ninguém sabe, temos apenas as projecções elaboradas pelos cientistas, e que, nalguns casos, apontam para uma taxa 1000 a 10000 vezes superior aquela que se registava antes da intervenção do Homem33. 29 RAMADE, François, Florestas François,  Florestas Tropicais. Uma Regres Regressão são Acelerada Acelerada,, In: “Estado do Ambiente no Mundo Mu ndo”, ”, Di Dire recçã cçãoo de Mi Miche chell e Ga Gall llio iope pe Be Beaud aud e de Moha Mohame medd La Larb rbii Boug Bougue uerra rra,, Perspectivas Ecológicas, Instituto Piaget, p. 66. 30 SIMMONS, Ian G.,  Humanidade e Meio Ambiente. Uma Ecologia Cultural . Perspectivas Ecológicas, Instituto Piaget, p. 135. 31 BR BRIG IGHT HT,, Ch Chri ris, s, Uma História do Nosso Futuro, Futuro , In. “Estado do Mundo 2003”, Publicações UMA / 23

 

Worldwatch, disponível em www.worldwatch.org.mz. Ameaçada,, In. “Terra Património Comum”, 32 BERGERON, Yves, et. al., A al.,  A Floresta Ameaçada Instituto Piaget, p. 63.  Biodiversidade,, Edit 33 WI WILS LSON ON,, E. O. (c (coo oord rden enaç ação ão), ),  Biodiversidade Editor oraa Nova Nova Fr Fron onte teir ira, a, 2. 2.ªª Impressão, Rio de Janeiro, 1997, p. 17. Independentemente da destruição global da biodiversidade como consequência do desaparecimento das florestas, temos a acção humana directa sobre inúmeras e precisas espécies animais, com as mais variadas intenções. Sobre este aspecto, sublinhamos Pierre Pfeffer, ao dizer-nos que “Entre 1950 e 1992, perto de 80 por cento da fauna africana de grande porte extinguiu-se, com a consequente diminuição da sua área de distribuição! (...). As causas desta destruição em grande escala estão, como é evidente, na introdução de armas de fogo modernas e, mais recentemente, dos veículos todo o terreno, bem como dos aviões e dos helicópteros (...)”34. Ainda o mesmo autor refere que “as causas da destruição dos mamíferos (em todo o mundo), como de resto das aves e dos répteis de grande porte, são múltiplas. Umas são directamente perpetradas pelo Homem, o predador mais eficaz e mais bem armado que caça ainda, por vezes, para se alimentar, mas que outras vezes caça para se distrair e, sobretudo, para fins comerciais. Outras são indirectas e decorrem de arroteamentos e melhoramentos dos terrenos e da destruição dos Ecossistemas pela poluição. Há ainda o caso da introdução de espécies, quer de predadores que vão competir com a fauna selvagem, quer de gado importado causador de epizootias como a peste bovina ou a febre aftosa, que há um século vêm dizimando os ungulados africanos. No entanto a caça e as armadilhas são as actividades que mais dizimam os animais corpulentos”35. Prosseguindo-se semelhante ritmo de destruição sem haver qualquer investimento sério e sistemático no repovoamento, o Homem depressa passará da condição de “dominador” da  Natureza para a de eterna vítima do seu próprio p róprio comportamento. O que, aliás, já tem vindo a acontecer um pouco por todo o Mundo. Basta evidenciar as inúmeras catástrofes naturais que são, segundo as mais recentes investigações científicas, consequência dos mais diversos impactos ambientais causados pelo Homem. 24

 

Perigo,, In: “Estado do Ambiente no Mundo” 34 PFEFFER, Pierre, Espécies Pierre, Espécies Animais em Perigo (...), p. 371. caça , In: “Estado do Ambiente 35 PFEFFER, Pierre, Os mamíferos de grande porte e a caça, no Mundo” (...), p. 96.  Neste sentido, escreveu Fernando Fernand o Condesso: “O género humano, hoje, já é muito  poderoso. E continuará, pelas suas su as descobertas e pelo aumento da população, popu lação, a exercer  uma hegemonia, cada vez maior, sobre a natureza. Acontece que o seu comportamento e o saber acumulado podem destruir os outros seres vivos, condenando a sua própria subsistência”36. Ainda no tocante à destruição da biodiversidade, sabe-se hoje que, ao longo dos últimos 50 anos, os oceanos perderam 27 % dos corais, 16 % dos quais durante 1998. Os corais são importantes santuários de biodiversidade marinha37. Um estudo publicado recentemente divulgou que a destruição de corais de

1.2.5. A problemática da água A água é um recurso vital para a subsistência de qualquer forma de vida no planeta Terra, apresentando-se, no entanto, como um recurso bastante mal distribuído, por um lado, e nem sempre revelando a qualidade desejável, por outro lado. “A água é o recurso mais abundante à face da Terra, ocupando 71 % da sua superfície, mas acontece que, para o homem, essa abundância é relativa, já que 97 % da água se encontra nos oceanos e nos mares interiores, e só os restantes 3 % correspondem a água doce”38. Contudo, da percentagem de água doce acima referida, “cerca de 70 % é água que se encontra nos glaciares e calotas polares (cuja exploração, do ponto de vista económico, se não mostra ainda rentável), sendo que, apenas, 0,65 % constituem reserva de recursos hídricos potenciais para o Homem”39. Assim, para além da questão da quantidade de recursos hídricos disponíveis, não descurando o facto de este importante recurso se encontrar distribuído de uma forma

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36 CONDESSO, Fernando dos Reis, Direito Reis, Direito do Ambiente, Ambiente, Almedina – Coimbra, 2001, p. 187. 37 In. National In. National Geographic, Setembro, 2002.  Direito do Ambiente Ambiente,, Almedina, Coimbra, 2001, p. 38 CONDESSO, Fernando Fernando dos Reis, Reis, Direito 56. 39 FO FOLH LHAD ADEL ELA, A, In Inês ês,, o Direi Direito to Pú Públ blic icoo das das Ág Água uass no Or Orden denam amen ento to Jur Juríd ídic icoo  Português,, sebenta  Português  policopiada do CEDOUA, Coimbra, 1999, p. 2.  bastante desigual40 um pouco por todo o Planeta41 42, e estar a ser sujeito a uma exploração cada vez mais intensiva, há que realçar a problemática da qualidade da água, cada vez mais comprometida pelas inúmeras e complexas formas de poluição. E, quanto a este aspecto, calcula-se que, no presente momento, cerca de 1200 milhões de pessoas  bebam água poluída e que aproximadamente 2500 milhões de pessoas não tenham acess acessoo a sistemas básicos de saneamento43. Por outro lado, mais de cinco milhões de pessoas morrem todos os anos devido a doenças relacionadas com água, como a cólera e a disenteria44. Vários estudos apontam para que a questão da água seja uma das principais preocupações da humanidade num futuro próximo, podendo significar o ocasionar de sérios conflitos à escala nacional e, eventualmente, regional. À medida que este recurso vai escasseando em vasta regiões, principalmente em consequência da desertificação, do seu uso insustentável e do crescimento populacional, as populações vão-se deslocando, invadindo novas terras, entrando em conflito com os residentes. Um conflito recente e que consideramos paradigmático é o que ocorre em Darfur, no Sudão, e que tem na sua génese causas ambientais: com a desertificação provocada pelo aquecimento global, e  portanto o desaparecimento progressivo progres sivo do precioso líquido que é a água, as comunidades nómadas que se dedicam à criação de camelos, viram-se forçadas a  procurar novas terras, terras , tendo invadido áreas agrícolas e entrado eem m conflito com as comunidades agricultoras45.

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40 O Canadá tem 10 % da água de todo o Planeta, mas menos de 1% da população. In.  National  Geographic, Setembro, 2002. 41 Calcula-se que cerca de 18 por cento da população mundial não tenha acesso a água  potável, segundo dadoss anu dado anunci nciados ados na Cimeir Cimeiraa de Joanesbu Joanesburgo rgo sobre sobre Desenvo Desenvolvi lvimen mento to Sustent Sustentável ável,, realizada entre os dias 26 de Agosto e 4 de Setembro. 42 Segundo a revista MoçAmbiente, Moçambique é considerado um dos países com uma das taxas mais  baixas de acesso à água servida pelo Estado ou por privados. “No campo as mulheres  percorrem quilómetros até às fontes de água e carregam-na penosamente de volta às suas habitações.  Nas áreas  periurbanas onde a água não chega canalizada, compram-na por alto preço a operadores o peradores  privados”. In.  privados”.  In. Revista MoçAmbiente, n.º 44, MICOA, Julho/Setembro, 2002, p. 9. 43 MONTAIGNE, Fen, Á Fen, Á Agua – Um Desafio Desafio,, revista “National Geographic”, Vol. 18, versão portuguesa, Setembro, 2002, p. 67. 44 In. National In. National Geographic, Setembro, 2002. 45 FLANNERY, Tim, Os Senhores do Tempo – O Impacto do Homem nas Alterações Climáticas e no  Futuro do Planeta, Planeta, Editorial Presença, Lisboa, 2006, p. 149. Associada a esta questão encontra-se a política de construção de grandes barragens e represas, prosseguida por diversos Estados, com o apoio de grandes organismos financeiros internacionais, com vista fundamentalmente à obtenção de energia eléctrica  para a atracção e materialização de grandes g randes projectos de investimento. Segundo especialistas, o impacto ambiental e social destes empreendimentos é demasiado elevado e pesado para não ser tomado em consideração. A construção de barragens em alguns 27

 

locais significou, para as populações locais, a escassez de água, caracterizada por séries dificuldades no acesso a tão importante recursos, e, para o ambiente, danos ecológicos extraordinariamente onerosos46.

1.2.6. Energia e ambiente A questão energética tem vindo a tornar-se um assunto cada vez mais predominante nas agendas dos principais encontros internacionais, tendo presente o aumento das necessidades de consumo, associado às tendências planetária de crescimento  populacional e desenvolvimento económico. A este respeito res peito referiu um autor o seguinte: “o problema energético mundial é dos mais complexos, sem a sua solução de capital importância. Se até ao final do século XVIII a humanidade viveu sustentada na energia renovável da tracção animal e da lenha, a partir da revolução industrial começou a corrida  para as energias naturais não renováveis, primeiro o carvão, depois o petróleo. Em pouco mais de dois séculos dissipou-se a energia acumulada por processo naturais que requereram milhões de anos!”47.  Nos últimos tempos, particularmente, e com a subida do preço do petróleo no mercado internacional, em consequência do aumento da procura, a questão ganhou envergadura, despoletando a necessidade de equacionar seriamente o problema energético, buscando soluções para as necessidades crescentes, bem como para a ruptura que se avizinha quanto ao stock de energias fósseis. 46 COM COMISS ISSÃO ÃO MUN MUNDIAL DIAL DE BAR BARRAG RAGENS ENS,,  Barragens e Desenvolvimento – Um  Novo Modelo para Tomada de Decisões – Decisões – Sumário, Novembro de 2000. 47 SOROME SOROMENHO-MA NHO-MARQUES RQUES,, Viriato, Viriato,  Regressar à Terra – Consciência Ecológica e  Política de  Ambiente,, Fim de Século, Lisboa, 1994, p. 20.  Ambiente As escolhas energéticas que um país realiza reflectem-se necessariamente no respectivo estado do ambiente. A opção por uma energia não renovável e substanciais impactos ambientais provoca necessariamente a descida da qualidade ambiental de uma

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determinada região ou território. O que realmente se tem vindo a verificar,  principalmente no pós Revolução Industrial, é o predomínio p redomínio quase total da energia extraída de fontes fósseis, nomeadamente o carvão (a energia do Século XIX) e o  petróleo (a energia do Século XX). Quer uma quer outra constituem energias não renováveis e bastante poluidoras, sendo o seu uso abusivo e crescente responsável pelo agudizar da situação ambiental à escala planetária48. Contudo, não obstante já existirem imensos estudos comprovando a viabilidade económica e ecológica das energias alternativas (eólica, solar, térmica, biomassa, adequado uso dos recursos hídricos), bem como demonstrando o impacto ambiental gigantesco do uso abusivo das energias fósseis, muitos dos governos continuam a apostar  na busca de novos poços de petróleo, bem como, incrível, na abertura de novas centrais energéticas movidas a carvão mineral, e, consequentemente, na continuação da exploração de minas de carvão um pouco por todo o mundo49. Mais, tudo isto acontece quando se sabe que quer uma quer uma quer a outra se irão esgotar num futuro próximo. Tal deve-se fundamentalmente ao poder que as grandes multinacionais do petróleo e carvão possuem, sendo capazes de desempenhar um bloco de força capaz de condicionar  a política de inúmeros Estados, chegando inclusive a bloquear o alcançar de compromissos internacionais no domínio das energias alternativas. Exemplo  paradigmático foi o insucesso registado na n a Cimeira das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em Joanesburgo, no ano de 2002, no decurso da qual foi inviabilizada uma proposta apresentada pelo Brasil e pela União Europeia, 48 A queima de carvão mineral liberta, entre outros, um gás altamente tóxico para toda e qualquer forma de vida: o dióxido de enxofre, responsável pela morte de milhões de pessoas em todo o mundo, principalmente  por doenças cancerígenas. 49 Veja-se o projecto de exploração de carvão mineral em curso no distrito de Moatize,  província de Tete. conforme veremos adiante, e que teria constituído um precedente de enorme importância

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e que tornaria o Século XXI, muito provavelmente, o Século da Energia Renovável. Segundo o relatório Estado do Mundo 2003, “os custos ambientais adicionais na  produção e consumo de energia en ergia convencional incluem a destruição oriunda de actividades extractivas; poluição do ar, solo e água; chuva ácida; e perda de  biodiversidade. A energia convencional requer req uer imensas quantidades de água doce. A mineração e a perfuração afectam o meio de vida e a própria existência de povos indígenas em todo o mundo”. Este trabalho vai mais longe ao acrescentar também os custos das alterações climáticas e as perdas globais por desastres naturais decorrentes do aquecimento global.50 Continuamos a apostar em energia com um pesado ónus não somente ambiental (factor  ambiental), mas também económico, veja-se que se estima que os países africanos despendam aproximadamente 80 % das suas receitas de exportação na importação de  petróleo (factor económico)51. Além do mais, a realidade demonstra que, através do investimento em energias renováveis, se conseguem criar mais postos de emprego do que aqueles criados pelas energias convencionais (factor social)52.

1.2.7. População e ambiente Até há bem pouco tempo a questão populacional permanecia algo relegada para segundo  plano nas grandes questões ambientais. Com a Conferência de Joanesburgo, Joanesburg o, em 2002, tal ciclo inverteu-se, passando o problema do crescimento populacional a ser encarado num  perspectiva ambiental, na medida em que quanto maior for o número da população mundial maior será a pressão sobre os recursos naturais. Energético, In. Estado do Mundo 2003, 50 SAWIN, Janet, Traçando um Novo Futuro Energético, UMA (Universidade Livr Livree da Mat Mata At Atllân ânttica) ca) /W /WOR ORDW DWAT ATCH CH,, pp pp.. 99 – 10 100, 0, Di Disp spon onííve vell em: em: www.wordwatcs.org.br. 51 Idem, p. 100. 52 Ibidem, pp. 102 – 103. Veja-se que, quando o século XX iniciou, a população mundial andava à volta de pouco

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mais de um bilião de pessoas. Cem anos depois, este número atingiu e superou a cifra dos seis biliões de pessoas, cada uma a consumir muito mais recursos do que os seus antepassados cem anos antes53.

1.2.8. Consumismo e resíduos Vários autores têm vindo a demonstrar, de uma forma bem clarividente, como a mudança de padrões de consumo, associada a uma política publicitária cada vez mais agressiva, tem vindo a reflectir-se no aumento da produção de resíduos e no próprio impacto que tal aumento acarreta no ambiente. O ritmo de crescimento da economia mundial tem, como umas das dimensões, o aumento do consumismo, para muitos visto como um fim em si mesmo, o que, por seu turno, conduz-nos ao dilema de saber o que fazer com os resíduos resultantes do processo de fabrico, por um lado, e do culminar da visa útil dos produtos,  por outro lado. Para além do problema espacial propriamente dito, isto é, inerente à ocupação de espaço vital para outros fins, coloca-se a questão da enorme perigosidade que alguns destes resíduos significam para o ambiente e para a saúde humana.

1.2.9. As catástrofes naturais Como resultado de todos os problemas ambientais anteriormente referidos, conforme comprovam inúmeras pesquisas científicas realizadas, a Natureza tem vindo a reagir  violentamente, traduzindo-se no elevado número de catástrofes naturais, associado ao gigantismo danos pessoais e patrimoniais por estas provocados. Como catástrofes naturais temos os tufões, ciclones, furacões, terramotos, maremotos, inundações, desabamentos de terras, incêndios florestais e secas prolongadas. A imprensa 53 FLANNERY, Tim, ob. cit., p. 99. internacional e, em especial, nacional, tem vindo a reportar com cada vez mais frequência a ocorrência de tais catástrofes um pouco por todo o Mundo. Um artigo publicado no jornal notícias reportava que, ao longo da década de noventa, segundo a ONU, cerca de 880 mil perderam a vida, sendo que noventa por cento do

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desastres ocorreram nos países em vias de desenvolvimento, onde as medidas de  prevenção são muito menores54. Só nos últimos anos, permanecem vivas na memória de muitos de nós as imagens chocantes de inúmeras tragédias, amplamente divulgadas pelo órgãos de informação: as cheias de 2000 em Moçambique; ``

1.3. A tomada de consciência da questão ambiental 1.3.1. Os primórdios da consciência ambiental  Na Inglaterra, dá-se a Revolução Industrial, que marca o início oficial da era da industrialização55, e novos problemas ambientais surgem, derivados essencialmente da 54 In. Jornal “Notícias”, do dia 10 de Agosto de 2002. 55 Um autor escreveu um dia e nós sublinhamos que “Até ao Séc. XIX, a maior parte das calamidades que afligiam os homens tinham uma origem natural. A Revolução Industrial veio alterar a situação, na medida em que as ameaças passaram sobretudo a surgir no interior das próprias sociedades. Desta forma, a partir de mead me ados os do Séc Séc.. XI XIX, X, o Ho Home mem m ci civi vili lizad zadoo tr tran ansfo sform rmouou-se se numa numa força força ge geol ológ ógic icaa  planetária, capaz de desencad dese ncadear ear reac reacçõe çõess em cad cadeia eia susc suscept eptíve íveis is de o destrui destruir. r. Tratou-s Tratou-see de um corte corte definitivo na história da humanidade pois, desde então, é a própria sobrevivência da Humanidade que tem estado em jogo”. Cfr. Umaa No Nova va Er Eraa de Pe Peri rigo gos, s, In POULAI POU LAIN-CO N-COLOM LOMBIE BIER, R, Jacquel Jacqueline ine,, Um In.. “E “Est stado ado do Ambiente no Mundo”, Perspectivas Ecológicas, Instituto Piaget, Lisboa, 1995, p. 23.  presença de grandes fábricas f ábricas nos principais aglomerados ur urbanos. banos. A população foi abandonando os campos agrícolas e rumando em direcção às cidades, na busca incansável de melhores oportunidades. Surgiram gradualmente os chamados bairros operários, onde viviam, com as respectivas famílias, os trabalhadores das unidades fabris.

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Estes bairros eram dotados de péssimas condições de higiene e salubridade, sendo, consequentemente, a esperança de vida dos seus habitantes muito reduzida. Emergiu, no contexto histórico do Liberalismo Económico, o modelo individualista de relacionamento com a natureza, segundo o qual a Natureza só fazia sentido na  perspectiva de objecto susceptível de apropriação apropr iação pelos particulares, sendo que o ambiente era concebido como “bem livre e ilimitadamente renovável, disponível a toda e qualquer forma de consumo dos particulares, que a intervenção do homem nunca conseguia esgotar”56. A partir do século XIX, começaram a aparecer os primeiros movimentos e associações de  protecção das espécies animais e vegetais ou da natureza no seu todo. Foi também na segunda metade desse Século que surgiram os primeiros parques nacionais57. A  perspectiva dominante era assumidamente antropocêntrica, antropocêntr ica, isto é, defendia a protecção dos recursos naturais na medida em que eles eram indispensáveis à subsistência do  próprio Homem. Assumiram especial relevo ao longo do Século XIX e princípios do Século XX  preocupações lúdicas e culturais, no sentido de que a contemplação da Natureza e o conhecimento das inúmeras espécies animais e vegetais que a compõem ganhou especial relevo e campo de actuação. Temos assim, o surgimento, conforme afloramos adiante, das primeiras áreas de conservação, inseridas num movimento naturalista que caracterizou o pensamento ocidental pós Revolução Industrial. 56 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Meneses, A Meneses,  A Tutela T utela Civil do Ambiente Ambiente,, In. Revista de Direito do Ambiente e Ordenamento do Território, números 4 e 5, Associação Portuguesa para o Direito do Ambiente, Lisboa, Dezembro, 1999, p. 11. Um dos grandes nomes deste movimento foi, sem margem para dúvidas, o americano Henry David Thoreau (1817 - 1862), para muitos considerado um dos grandes pais do movimento ambientalista moderno. Este autor nutria um sentimento de amor pela  Natureza, sobre a qual a sua obra ob ra literária tanto incidiu, e que, segundo o mesmo, se

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encontrava à mercê dos malefícios da urbanização. “A Natureza para Thoreau, assim como para aqueles que o antecederam, é o modelo de uma utopia. É o modelo da harmonia possível para os seres humanos”58. È precisamente no século XIA que emerge assim a corrente do preservacionismo, que defende a manutenção de espaços naturais em termos intactos e livres de qualquer  intervenção humana. Nesses locais, a Natureza permaneceria assim como que intacta ou virgem, no estado pré civilizacional. Assim, ao contrário do conservacionismo, que veremos adiante, o preservacionismo parte do pressuposto de que as demais espécies têm também o direito à existência, não devendo constituir meros recursos para a satisfação das inúmeras necessidades humanas. Porém, só com a segunda metade do século XX, depois da 2.ª Guerra Mundial, é que surgiram os grandes movimentos mundiais de protecção do ambiente e de defesa da ecologia, baseando-se numa filosofia em que a protecção da Natureza deve ser feita em função da própria natureza e não apenas enquanto objecto útil ao Homem e tendo  presente o pressuposto que qu e a causa ambiental é verdadeiramente global, isto é, não  podemos apenas cingir-nos à perspectiva do tratamento do caso isolado. Foram, as assim, sim, lançadas as bases da corrente ecocêntrica, defensora da protecção do ambiente enquanto tal, independentemente do proveito que o Homem dele retira. Em 1948, é criada a União Internacional para a Protecção da Natureza (UIPN), que se tornou, em 1954, na União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) e dos seus Recursos Naturais, sob a égide da UNESCO. Encontrando-se sedeada na cidade de 57 O Pa Parqu rquee Na Naci cion onal al de Yello Yellowst wstone one,, cr cria iado do em 18 1872 72,, nos Es Esta tados dos Unido Unidos, s, é considerado o primeiro. Seguiram-se o das Cataratas do Niáraga e de Yosemite, ambos em 1885. 58 AN ANTU TUNE NES, S, Paulo Paulo de Be Bessa ssa,, Da Dano no Am Ambi bien enta tal: l: Uma Abordagem Conceitual , 1.ª Edição, Lúmen Juris, Rio de Janeiro, 2002, p. 51. Gland, na Suiça, esta organização internacional tem vindo a desempenhar um papel deveras importante na elaboração e implementação de políticas e estratégias

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internacionais e nacionais para a protecção e conservação da Natureza. A sua missão traduz-se em “influenciar, encorajar e assistir as sociedades a nível mundial a conservar a integridade e diversidade da natureza e assegurar que qualquer uso de recursos naturais seja equitativo e ecologicamente sustentável”59. Foi a responsável pela elaboração da  primeira lista das espécies a proteger – a Red Data Book, e da estratégia mundial para a conservação60. Em 1952, na cidade de Londres, capital da Grã-Bretanha, deu-se o “smog”, designação atribuída a um dos primeiros grandes desastres ambientais que preencheram o séc. XX , (combinação das palavras smoke palavras smoke,, fumo, e fog  e fog , nevoeiro): um longo período de pressões elevadas no Inverno, associado a nevoeiros intensos e prolongados, provocou a acumulação de enormes quantidades de fumo no ar, levando à morte aproximadamente 1600 pessoas. Em 1961 foi criada, na Suiça, uma outra importante organização para a protecção do ambiente - a World Wide Fund for Nature (WWF), cuja missão é parar a degradação do ambiente natural do Planeta e construir um futuro em que os Humanos vivam em harmonia com a Natureza, através da conservação da diversidade biológica no Mundo, assegurando a sustentabilidade da utilização dos recursos naturais e promovendo a redução da poluição e desperdícios necessários”61. Em 1962, Rachel Carson (1907-1964)62, bióloga americana de renome internacional, chamou a atenção da humanidade para o facto de que, se se prosseguisse a tendência para 59 Folheto elaborado pela IUCN Moçambique. Note-se que entre os seus membros  podemos encontrar   países, agências governamentais e organizações o rganizações não governamentais. 60 DRO DRON, N, Dom Domini inique que,,  Ambiente e Escolhas Políticas, Biblioteca Básica de Ciência e Cultura, Instituto Piaget, Lisboa, 1998, p. 25. 61 Apresentação feita por Helena Mota, sobre as actividades da WWF Moçambique, no Seminário de Capac Ca pacit itaçã açãoo de De Depu puta tado doss da Asse Assemb mble leia ia da Repúb Repúbli lica ca em Le Legi gisl slaç ação ão e Gest Gestão ão Ambiental, que teve lugar 

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em Maputo, nos dias 10 e 11 de Outubro de 2006. 62 In: Silent Spring , 1962; existe tradução em língua portuguesa da Editorial Pórtico. Rachel Carson "foi violentamente ameaçada com processos judiciais e vítima de maledicência, incluindo de sugestões de que esta cientista meticulosa era uma “histérica” sem qualificações para escrever tal livro. Foi então, a destruição dos recursos e do equilíbrio ecológico, as consequências seriam desastrosas  para a Humanidade. A sua obra mais conhecida, aa Primavera  Primavera Silenciosa, Silenciosa, é, para muitos, considerada como o início da consciencialização geral da opinião pública63. É assim que, na década de 60, surge a problemática do ambiente, decorrente da tomada de consciência das proporções alarmantes que caracterizavam a degradação do meio ambiente, devido, essencialmente, a três factores: a urbanização acelerada, a rapidez do crescimento económico e a utilização insustentável de novas técnicas de produção e de novos produtos64. Entre os novos produtos, destaque-se o petróleo, que tem estado associado, pela negativa, a inúmeras catástrofes ambientais em diversos pontos do mundo, como consequência de acidentes com navios petroleiros. Um dos grandes problemas ambientais, decorrentes do crescimento económico rápido e desequilibrado, surge-nos do mundo industrializado, mais concretamente do Japão, onde, em 1965, foi oficialmente reconhecida a doença de Minamata, resultante do despejo, ao longo de várias décadas (1932 - 1968), de produtos contaminados com mercúrio nas águas da baía de Minamata, junto a uma cidade industrializada com o mesmo nome, pela empresa Chisso Corporation. Largos milhares de pessoas que se alimentaram do peixe  proveniente de tais águas acabaram por ficar gravemente doentes65.  No dia 18 de Março de 1967, ocorreu ocorr eu um enorme acidente envolvendo o petroleiro liberiano Torrey Nanyon, Nanyon, que encalhou ao largo da Cornualha, derramando 50 mil toneladas de petróleo ao longo de 100 quilómetros de costa, em França e na GrãBretanha. Este acidente alarmou a opinião pública internacional, chocada com as imagens

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organizado um enorme contra-ataque da indústria química – devidamente apoiado pelo Ministério da Agricultura, bem como por alguma comunicação social", in: revista “Visão”, n.º 333, 5/8/99, II parte.  Neste livro, Rachel Carson , chamou a atenção para o perigo de extinção que corria a águia constante no escudo dos EUA, de um enorme valor simbólico para os americanos. Cfr. PÚBLICO/EL PAÍS, “Século XX – Homens, Mulheres e Factos que Mudaram a História”. 63 DRO DRON, N, Dom Domini inique que,,  Ambiente e Escolhas Políticas, Biblioteca Básica de Ciência e Cultura, Instituto Piaget, Lisboa, 1998, p. 20.  A Política de Ambiente da Comunidade Económica 64 MARTINS, António Carvalho, Carvalho, A  Europeia, Coimbra  Europeia, Editora, Coimbra, 1990, p. 23. 65 Para mais desenvolvimentos, veja-se ANTUNES, Paulo de Bessa, Dano Bessa,  Dano Ambiental: Uma abordagem Conceitual , Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2002, pp. 252 – 262. que as televisões transmitiram, mostrando a costa e as aves cobertas de petróleo. Contudo, contribuiu para o desencadear de um movimento político e legislativo de luta contra a poluição nos mares66. Em 1968, registaram-se dois marcos que importa reter: o primeiro foi quando a OUA aprovou a Convenção Africana sobre a Conservação da Natureza e dos Recursos  Naturais, que tem por objectivo assegurar a conservação, utilização e o desenvolvimento dos solos, das águas, dos recursos florestais e faunísticos dos Estados Membros, tendo  presente os princípios gerais da conservação con servação da natureza e os interesses das próprias  populações67; o segundo foi a realização, r ealização, em França e na Alemanha, de um enorme movimento de protesto estudantil, que ficou conhecido para a história como o Maio o  Maio de 68 68,, tendo a problemática ambiental sido um dos principais temas das reivindicações. Entretanto, alguns conceitos, vindos do mundo das ciências exactas, começam

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gradualmente a ganhar expressão jurídica, passando a fazer parte do vocabulário universal. Salientamos, a título de exemplo, os termos biosfera68, ecologia69, ecossistema70 e biodiversidade71. 66 RÉM RÉMOND OND-GO -GOUIL UILLOU LOUD, D, Mar Martin tine, e, Os Mares Podem Naufragar , In. “Estado do Ambiente do Mundo,” sob Direcção de Michel e Calliope Beaud e de Moahamad Larbi Bouguerra, Perspectivas Ecológicas, Instituto Piaget, Lisboa, 1995, p. 158 - 162. 67 Foi ratificada, pela AR, através da Resolução da  Resolução n.º 18/81, de 30 de Dezembro. Dezembro . 68 Se Segu gund ndoo Do Vale Vale,, ci cita tado do po porr So Sove vera rall Ma Mart rtin ins, s, “o te term rmoo bios biosfe fera ra deve deve-se -se ao naturalista francês J. B. Lamaeck (1744 - 1829), mas foi o geólogo russo V. I. Verdadki (1963 - 1945) que o introduziu para designar concretamente a zona da Terra na qual tem lugar o fenómeno da vida, que se desenvolve do seguinte modo: no exterior, a fonte de energia representada pela radiação solar e, mais internamente, a  biomassa com seus fenómenos metabólicos, seguidos, sucessivamente, da morte de uns organismos, do nascimento de outros e dos processos formando cadeias alimentares através de um  permanente ciclo em que há formação de matéria e energia, que se transmitem de uns seres vivos para outros”. Cfr. DO VALE, Cardoso, Card oso, citado citado por MAR MARTIN TINS, S, Soveral Soveral,,  Ambiente e Associações de Defesa Defesa,, Fora do Texto (Centelha), Coimbra, 1988. 69 O termo ecologia foi construído por Ernest Haeckel (1834 - 1919), biólogo alemão, em 1866, tendo conhecido, ao longo dos anos seguintes, diversos melhoramentos. Este vocábulo foi criado a partir das

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 palavras gregas “oikos”, que significa habitat ou casa, e “logos “logos”. ”. Actualmente, entende-se que a ecologia é a ciência que se dedica ao estudo das interacções dos seres vivos com o meio que os cerca. 70 A noção de ecossistema foi introduzida introduzida na biologia, em 1935, por Tansley. Tansley. A Lei do Ambiente definiu estee conc est concei eito to com comoo “c “com ompl plexo exo di dinâm nâmic icoo de comuni comunida dades des veg veget etai ais, s, an anim imai aiss e de microorganismos e o seu ambiente não vivo que interagem como uma unidade funcional”. Cfr . Cfr . Artigo 1.°/12, deste instrumento legal. 71 O conceito de biodiversidade é definido pela Lei do Ambiente como “a variedade e variabilidade entre os org organ anis ismo moss vi vivo voss de to todas das as orige origens ns in incl clui uind ndo, o, en entr tree ou outr tros, os, os ec ecoss ossis iste tema mass terrestres, marinhos e

1.3.2. A Conferência de Estocolmo Em 1968, a ONU tomou a decisão de convocar, para quatro anos mais tarde, uma conferência internacional sobre o Homem e o seu Ambiente. Assim, em 1972, na cidade de Estocolmo, capital da Suécia, as Nações Unidas realizaram a Conferência sobre o Meio Ambiente Humano (conhecida como Conferência de Estocolmo), subordinada ao tema “O homem e o seu meio: as bases de uma vida melhor”, e que contou com a  presença de 113 países. Foram Fo ram aprovados dois documentos chave: chave : uma Declaração de Princípios e o Plano de Acção para o Ambiente, composto por 109 recomendações, dirigidas aos Estados e às Organizações Internacionais.  Na Declaração adoptada, que comporta um u m total de vinte e seis princípios, proclamou-se que “a protecção e melhoria do ambiente são questões de grande importância que afectam o bem-estar dos povos e o desenvolvimento económico do globo; correspondem aos votos ardentes dos povos do mundo inteiro e constituem o dever de todos os governos”. Já quanto aos princípios fixados pela Declaração, instituiu-se que: “A pessoa humana tem direito fundamental à liberdade, à igualdade e a condições de vida satisfatórias, num

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ambiente cuja qualidade lhe permita viver com dignidade e bem-estar. Cabe-lhe porém o dever solene de proteger e melhorar o ambiente para as gerações actuais e vindouras (...)”72. É neste princípio que encontramos a fundamentação para o processo de constitucionalização do direito fundamental ao ambiente, iniciado, em muitos Estados, após a realização da Conferência de Estocolmo. Estabelece-se, por outro lado, que os recursos naturais do globo deveriam ser explorados tendo em conta o interesse das gerações presentes e futuras, tornando-se necessário realizar um “planeamento e gestão convenientes”73. Foi, neste princípio, que outros ecossistemas aquáticos, assim como os complexos ecológicos dos quais fazem  parte; compreende a diversidade dentro de cada espécie, entre as espécies e de ecossistemas”. Cfr . Cfr . 1.°/6, deste instrumento legal. 72 Cfr. Princípio I da Declaração de Estocolmo. 73 Cfr. Princípio II, da Declaração de Estocolmo. encontramos, muito provavelmente, o esboço do conceito de desenvolvimento sustentável, que viria a ter a sua aparição oficial no Relatório Bruntland, ao qual nos referiremos adiante. A Declaração de Estocolmo teceu ainda, sob a forma de princípios, algumas recomendações nos domínios da exploração de recursos não renováveis, poluição atmosférica, poluição marinha, política de preços, planeamento económico, planeamento físico, políticas demográficas, investigação científica, educação e sensibilização ambientais, responsabilidade civil por danos no ambiente e cooperação internacional74. Outro dos aspectos importantes da Declaração de Estocolmo foi a previsão expressa da urgência da transferência de recursos financeiros e tecnológicos dos países desenvolvidos  para os países em vias de desenvolvimento, des envolvimento, como forma de pôr cobro à exploraçã exploraçãoo insustentável dos recursos naturais que aí se tem verificado75. Tal assunto voltaria a estar  na mesa de discussão nas Conferências do Rio e de Joanesburgo. Destaque-se a recomendação aos Estados para que estes iniciassem um processo de criação de instituições vocacionadas para a protecção e conservação do ambiente, o que

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se traduziu no surgimento dos primeiros ministérios do ambiente (ou, então, departamentos ministeriais especializados em questões ambientais), principalmente, numa primeira fase, em diversos países europeus76. O princípio XXI, por seu turno, proclama que “os Estados têm o direito de explorar os seus próprios recursos de acordo com as suas próprias políticas de ambiente, e o dever de assegurar que as actividades exercidas nos limites da sua jurisdição ou sob seu controle, não prejudiquem o ambiente dos outros Estados ou regiões situadas fora dos limites de  jurisdição nacional”. Este princípio é a prova de que, q ue, nessa altura, a protecção e conservação do ambiente centrava-se essencialmente na iniciativa de actuação dos Estados “vizinhos”, não se podendo falar numa verdadeira comunidade internacional para 74 Cfr. Princípios V, VI, VII, X, XIII a XVI, XVIII a XX , XXII e XXIV. 75 Cfr. Princípio IX, da Declaração de Estocolmo. as questões ambientais77. Os Estados eram, então, os principais sujeitos e o centro de todas as questões emergentes no âmbito do Direito Internacional do Ambiente. A Declaração foi acompanhada de um Programa de Acção composto por cento e nove resoluções, que orientou a acção dos Estados e das organizações internacionais nos vinte anos seguintes. Note-se que, conforme Kiss, “num primeiro período, a actividade legislativa internacional – mas também nacional – visava essencialmente a optimização do estado do ambiente em sectores precisos: a protecção do mar contra a poluição, das águas continentais e da atmosfera, e a preservação da fauna e da flora selvagens. No final dos anos setenta, regras adoptadas segundo outro método sobrepuseram-se às que  procuravam salvaguardar o ambiente nestes sectores: será o método transver transversal, sal, que caracteriza uma segunda etapa na evolução do Direito Internacional do Ambiente”78. Sendo assim, com o novo método, os componentes ambientais deixaram de ser   perspectivados e regidos isoladamente, porque interdependentes, passando a fazer parte de um todo – a biosfera, como verdadeiro objecto do Direito do Ambiente79. A Conferência de Estocolmo teve uma baixa de vulto por motivos essencialmente  políticos – a URSS, o qual veio, mais tarde, com o colapso e posterior p osterior desintegração, a revelar os seus graves e infindáveis problemas ambientais80.

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76 Cfr. Princípio XVII, da Declaração de Estocolmo. 77 Ve Veja ja-s -see CA CAST STRO RO,, Pa Paul uloo Jo Jorg rgee Ca Cane nela las, s,  Mutações e Constâncias do Direito  Internacional do Ambiente, Ambiente, Revista Revi sta Jurí Jurídic dicaa do Urbani Urbanismo smo e do Ambien Ambiente, te, n.º 2, IDUAL, IDUAL, Liv Livrari rariaa Almedi Almedina, na, Dezembro, 1994, pp. 145 - 183. 78 KISS, Alexandre, Direito Alexandre, Direito Internacional do Ambiente, Textos – Ambiente e Consumo, Vol. I, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1996, p. 81. 79 Neste sentido, veja-se CASTRO, Paulo Jorge Canelas de, Mutações de,  Mutações (...), p. 176. 80 Talvez o exemplo mais elucidativo dos erros cometidos na ex-URSS, no domínio da  protecção do ambiente, seja o do mar Aral. Este mar não é mais do que um lago que, em virtude da sua dimensão, ganhou a designação popular de mar. Chegou a ser o quarto maior lago do mundo, mas,  porém, a partir dos anoss ses ano sesse sent nta, a, as ág águas uas do doss ri rios os qu quee o al alim iment entav avam am (o Amud Amudávi áviaa e o Si Sirdá rdávi via) a) começaram a ser desviadas  para irrigar os campos de algodão do Casaquistão, do Urbequistão e do Turcomenistão. Resultado: o Aral  perdeu aproximadamente 70 % do seu volume inicial. Em consequência, milhares de famílias que viviam da pesca viram o seu sustento ficar grave e irreversivelmente prejudicado. O impacto ambiental do empreendimento agrícola foi enorme: alterações climáticas (verões mais quentes e secos e os Invernos mais frios e longos); poluição dos solos devido à utilização indevida e exaustiva de adubos e  pesticidas e a destr des trui uiçã çãoo de esp espéc écie iess an anim imai aiss e ve vege geta tais is.. In. Um Pla Planet netaa Vio Violen lento to,, Selecções do Reader’s Digest, Lisboa,

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1999, p. 133.  No final do evento, foi criado o Programa Progr ama das Nações Unidas para o Ambiente, sob a égide da ONU, encontrando-se o respectivo secretariado sedeado em Nairobi, no Quénia. Tem como principais objectivos a vigia do estado do ambiente no Mundo, a coordenação de práticas ecologicamente racionais e a prossecução de acções de educação e sensibilização ambientais. Integra o Sistema Mundial de Vigilância Contínua do Meio Ambiente (GEMS), o Registo Internacional das Substâncias Químicas Potencialmente Tóxicas (RISCPT) e um Serviço Mundial de Dados (INFORTERRA)81. Este organismo teve um papel extremamente importante na celebração de uma série de acordos internacionais nas décadas de setenta e de oitenta82. A Conferência de Estocolmo, para além de ter unido, pela primeira vez, os países industrializados e em vias de desenvolvimento, deu início a uma série de conferências, sob a égide da ONU, sob os mais variados temas: alimentação, agricultura, habitação,  população, direitos humanos, género, etc.83.

1.3.3. De Estocolmo ao Rio Ganha, assim, corpo a consciência de que nenhum país do mundo é capaz de resolver  sozinho problemas com tal dimensão e gravidade. Ainda segundo Kiss, “é doravante indispensável a cooperação da Terra inteira. Ora, a Terra compreende também e sobretudo as populações que vivem nos países não industrializados, as quais são pobres e querem desenvolver-se. Assim, o problema do desenvolvimento nas suas relações com o ambiente pôs-se em toda a sua amplitude e de modo definitivo”84. 81 Cfr. ALLAIS, Catherine, Os Princi Principais pais Organismos Internacio Internacionais nais e Programa Programass em  Matéria do Meio  Ambiente e de Desenvolvimento Desenvolvimento,, In. “Terra, Património Comum” (sob a direcção de Martine Barrere), Instituto Piaget, Lisboa, 1993, p. 177. 82 São os casos da Convenção de Viena sobre a Protecção da Camada de Ozono (22 de Março de 1985), da

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Convenção de Basileia sobre o Controlo de Movimentos Transfronteiriços Perigosos e sua Eliminação (22 de Março de 1989) e da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica (Junho de 1992). 83 Cfr. De Cfr. De Estocolmo 1972 a Joanesburgo 2002 200 2, www.inscut.org.br. 84 KISS, Alexandre, Direito Alexandre, Direito Internacional do Ambiente (...), p. 82. Em 1973, foi adoptada a Convenção Internacional sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção (CITES), que tem como finalidade essencial “a criação de um sistema de licenças de importação e exportação, capaz de impedir a exploração excessiva de determinadas espécies em perigo”85 86.  No dia 16 de Março de 1978, um navio cisterna liberiano, oo Almon  Almon Cariz, Cariz, encalhou no norte de França, originando uma catástrofe ecológica de grandes proporções. O navio transportava cerca de 221 561 toneladas de petróleo bruto, que derramaram ao longo de vastas extensões da costa francesa, causando sérios danos ambientais (paralisação das actividades turística e pesqueira) e danos no próprio ambiente (destruição de habitats e ecossistemas)87. Em 1982, foi realizada, em Nairobi, uma avaliação do período de dez anos pós Conferência de Estocolmo, sob a égide do PNUMA, dando origem à Comissão Mundial do Meio Ambiente, implementada no ano seguinte e que seria, mais tarde, responsável  pelo relatório Brundtland. Ainda em 1982, mais concretamente no dia 28 de Outubro, foi aprovada, através da Resolução n.º 37/7, da Assembleia Geral da ONU, a Carta Mundial da Natureza, que regulamentou, com especial detalhe, os princípios constantes na Declaração de Estocolmo.  No mesmo ano, foi adoptada a Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar. Esta Convenção “tende a instaurar um novo enquadramento jurídico relativamente a tudo o que diz respeito aos mares e aos oceanos. Além disso, ela prevê um certo número de disposições legais para a protecção do ambiente marinho e pretende estabelecer os 85 OZAFO, Seth, Os Acordos Internacionais sobre o Ambiente, Ambiente , In. “Estado do Ambiente do Mundo”, sob a

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direcção de Michel e Calliope Beaud e de Moahamad Larbi Bouguerra, Perspectivas Ecológicas, Instituto Piaget, Lisboa, 1995, p. 475. 86 Esta Esta Con Conven venção ção foi rat ratifi ificad cadaa pel pelaa AR atrav através és da  Resolução n.º 20/81, de 30 de  Dezembro.  Dezembro. 87 Veja-se REMOND-GOUILLOUD, Martine, Os Mares podem Naufragar , In. “Estado do Ambiente no Mundo”, sob a direcção de Michel e Calliope Beaud e de Moahamad Larbi Bouguerra, Instituto Piaget, Perspectivas Ecológicas, Lisboa, 1995, pp. 158 – 162. regulamentos em matéria de poluição marinha, assim como os meios de os fazer  cumprir”88 89. Em Dezembro de 1984, ocorreu uma explosão dum reservatório de uma fábrica de  pesticidas de uma empresa americana localizada em Bophal, na Índia, conduzindo à libertação de cerca de quarenta toneladas de um gás denominado isocianeto de metilo (MIC), que se propagou numa região imensa, causando a morte, num período de 48 horas, a cerca de 3000 pessoas, tendo condenado outras 500 000 a viver até ao resto das suas vidas com graves problemas de saúde. Note-se que ainda hoje continuam a morrer   pessoas devido aos efeitos cancerígenos can cerígenos e mutagénicos provocados pelo MIC90. Entretanto, após quatro anos de trabalho, são lançadas as premissas, em 1985, dum acordo sobre a protecção da camada de ozono, o qual viria a constituir a base da Convenção de Viena, assinada e ratificada, em 1988, por vinte países do mundo industrializado. Esta Convenção tem por objectivo fundamental “proteger a saúde do homem e o ambiente contra os efeitos nocivos resultantes das modificações da camada de ozono”91. A adopção desse instrumento de vital importância coincide com a descoberta, nesse mesmo ano, da redução da espessura da camada de ozono sobre o Continente Antárctico. Ora, a destruição desta camada, que protege a Terra contra os raios ultravioleta, é resultado do lançamento, para a estratosfera, de milhões de toneladas de clofluorcarbonetos, vulgo CFC (gases utilizados em aparelhos de ar condicionado, embalagens de aerosol e espumas plásticas). Calcula-se que, “nas últimas três décadas, a

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quantidade de ozono na atmosfera terá baixado 2 a 3% nas latitudes médias e 40 % sobre o Pólo Sul”92 93. Ambiente, In. “Estado do 88 Cfr . OZ OZAF AFO, O, Seth Seth,, Os Acordos Internacionais sobre o Ambiente, Ambiente do Mundo”, sob sob a di dire recç cção ão de Mi Mich chel el e Call Callio iope pe Be Beau audd e de Mo Moah aham amad ad La Larb rbii Boug Bougue uerr rra, a, Perspectivas Ecológicas, Instituto Piaget, Lisboa, 1995, pp. 474 – 476. 89 Esta Convenção foi ratificada pela AR através da Resolução n.º 21/96, de 26 de  Novembro. 90 DIAS, Claurence, A Claurence, A Incerteza das Previsões Previsões,, In. “Estado do Ambiente do Mundo”, sob a direcção de Michel e Calliope Beaud e de Moahamad Larbi Bouguerra, Perspectivas Ecológicas, Instituto Piaget, Lisboa, 1995, pp. 351 – 352. 91 OZAFO, Seth, Os Acordos Internacionais sobre o Ambiente , In. Estado (...), p. 475. 92 CONDESSO, Fernando dos Reis, Direito Reis,  Direito do Ambiente Ambiente,, Livraria Almedina, Coimbra, Junho, 2001. 93 A Convenção de Viena foi ratificada pela AR através da  Resolução n.º 8/93, de 8 de  Dezembro de 1993.

 No dia 26 de Abril de 1986, dá-se uma explosão ex plosão no reactor n.º 4 da central nnuclear uclear de Chernobyl, localizada na Ucrânia, então parte da extinta URSS, cujos efeitos se repercutiram rapidamente em vários países da Europa do norte e central. A poluição radioactiva causou a morte a um número indeterminado de pessoas, tendo provocado sequelas na saúde de muitas mais94. Os efeitos no ambiente foram extremamente graves. Esta catástrofe alarmou a opinião pública internacional para os perigos da energia nuclear. É neste contexto que a ONU nomeou uma comissão, chefiada por Gro Harlen Bruntland95, na altura primeira ministro da Noruega, a qual se encarregou de efectuar um estudo aprofundado sobre os principais problemas ambientais que ameaçam e obstam ao

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desenvolvimento da maioria dos países do Sul, tendo referido, no relatório que resultou da pesquisa, entre outros, os seguintes96: crescimento demográfico; esgotamento dos solos provocado pela criação de gado e pela agricultura em excesso; desflorestação; destruição das espécies; e a alteração da composição química da atmosfera, que destabiliza o clima mundial. O relatório foi publicado em 1987, com o título de “Futuro de Todos Nós”, tendo definido as seguintes prioridades: (1) a diminuição do consumo dos recursos nos países industrializados, principalmente os energéticos; (2) a revisão e redução da dívida externa dos países em vias de desenvolvimento; (3) e o encaminhamento dos recursos dos orçamentos militares para acções no domínio do desenvolvimento. Grande parte do conteúdo constante em tal documento revelou-se de especial importância para a  preparação da Conferência Confer ência do Rio. 94 Segundo o artigo Chernobyl: 15 anos depois persistem graves sequelas, sequelas , publicado no  jornal “Notícias”, de 27 de Abril de 2001, não obstante o balanço oficial que as autoridades soviéticas fizeram após o aciden aci dente, te, ao anu anunci nciar ar apenas apenas 31 mortos mortos e 237 feridos, feridos, fontes fontes não oficiais oficiais referem actualmente números na ordem dos 1500 a 3000 mortos, para além de vários milhões de indivídu indivíduos os que padecem de graves  problemas de saúde. 95 Gro Harlen Bruntland é actualmente directora da OMS. Planetária,, In. 96 Veja-se DELÉAGE, Jean-Paul, A Jean-Paul,  A Ecologia Política e a Consciência Planetária “Estado do Ambiente no Mundo”, sob a direcção de Michel e Calliope Beaud e de Moahamad Larbi Bouguerra, Instituto Piaget, Perspectivas Ecológicas, Lisboa, 1985, pp. 42 – 47. Foi precisamente no Relatório Brundlant que o conceito de desenvolvimento sustentável se oficializou, tornando-se mundialmente conhecido e aplicado. Este conceito foi

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formulado, pela primeira vez, em 1980, sendo da autoria da UICN.

1.3.4. A Conferência do Rio Assim, vinte anos depois da Conferência de Estocolmo, as Nações Unidas voltam a reunir-se, entre os dias 3 e 14 de Junho de 1992, para abordar a problemática ambiental, realizando a Conferência sobre o Ambiente e Desenvolvimento, que ficou conhecida,  para a posterioridade, como Conferência Confer ência do Rio, por ter tido lugar na cidade do Rio de Janeiro, situada no Brasil. Foi, até esse momento, a maior reunião internacional jamais realizada, tendo estado representados 172 estados, 116 deles na pessoa do respectivo chefe de Estado ou de Governo. Em termos de produtividade, o registo foi bastante positivo: foram adoptados cinco instrumentos a saber: a Convenção sobre a Diversidade Biológica, a Convenção sobre as Alterações Climáticas, uma declaração de princípios gerais (conhecida como Declaração do Rio, a qual agrega vinte e sete princípios), uma Declaração sobre a Gestão, Conservação e Exploração Ecologicamente Viável das Florestas e a Agenda 21, que se traduz num enorme plano de acção, incorporando 115 acções a realizar em concreto, e respectivo financiamento. Ao mesmo tempo, foram iniciadas as negociações referentes à Convenção sobre a Desertificação, que entrou em vigor em 1996.  Na Declaração do Rio, a Terra é reconhecida reco nhecida como nosso lar, de natureza interdependente e integral, e proclama-se que os seres humanos estão no centro das  preocupações com o desenvolvimento des envolvimento sustentável, tendo direito a uma vida saudável e  produtiva em harmonia com a natureza97, ao mesmo tempo que é reconhecido o papel fundamental que as mulheres desempenham na gestão do meio ambiente e no desenvolvimento. nos quais a sua participação plena é essencial98. 97 Cfr. Princípio I, da Declaração do Rio. 98 Cfr. Princípio X, da Declaração do Rio. Foi também na Declaração do Rio que o conceito de desenvolvimento sustentável ganha definitivamente expressão ao nível internacional, surgindo, com especial destaque, nos  princípios III, IV, V, VIII e IX deste d este documento. Evidenciamos o princípio V, segundo o

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qual “todos os Estados e todos os povos cooperarão na tarefa fundamental de erradicar a  pobreza como condição indispensável indispensáv el ao desenvolvimento sustentável, por forma a reduzir as disparidades nos níveis de vida e melhor satisfazer as necessidades da maioria dos povos do mundo”. Tornou-se, portanto, praticamente assente que o sucesso de qualquer política de protecção do ambiente pressupõe, necessariamente, não apenas a abordagem séria dos enormes desequilíbrios na distribuição da riqueza à escala mundial, regional ou nacional, como também a definição e materialização de estratégias eficazes e realistas para o combate a tal problema. Por outro lado, a Declaração proclamou que “para se alcançar um desenvolvimento sustentável e uma qualidade de vida mais elevada para todos os povos, os Estados deverão reduzir e eliminar padrões insustentáveis de produção e de consumo e promover   políticas demográficas adequadas”. Tratou-se Tra tou-se de uma chamada de atenção pa para ra o consumismo exacerbado que domina os países desenvolvidos, o qual contribui sobremaneira para o intensificar do ritmo de exploração dos recursos naturais, muitos dos quais não renováveis. Mas traduziu, ainda, um aviso aos países em vias de desenvolvimento para que passassem a adoptar, em termos correctos e adequados,  políticas demográficas, de modo a estabilizar o impressionante impressionan te crescimento populacional em muitas regiões do Globo, não acompanhado pelo aumento proporcional da qualidade de vida, contribuindo, consequentemente, para a utilização insustentável dos recursos naturais. Aos Estados cabem responsabilidades no domínio da sua jurisdição no sentido de assegurarem que as actividades desenvolvidas não causem danos ao meio ambiente além dos limites da jurisdição nacional99. Foi, portanto, reproduzido o postulado da soberania dos Estados na exploração dos recursos naturais existentes no interior das suas fronteiras, 99 Cfr. Princípio II, da Declaração do Rio. constante na Declaração de Estocolmo, com a limitação de respeitar o espaço territorial externo, seja ou não pertencente a outros Estados. Constituíram novidades importantes da Declaração do Rio as questões da participação dos cidadãos no processo de tomada de decisões, por um lado, e do acesso às fontes de

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informação, por outro100. Este documento integra ainda uma recomendação aos Estados  para que enveredassem seriamente no processo de elaboração de legislação ambiental, com particular ênfase para a matéria de responsabilidade civil por danos no ambiente101. Foi também na Declaração do Rio que os princípios da precaução, do poluidor pagador  (PPP) e da avaliação do impacto ambiental foram definitivamente consagrados no Direito Internacional do Ambiente, e, em consequência, começaram a ser recebidos nos ordenamentos jurídicos estaduais102. Finalmente, foi acordada, na Conferência do Rio, a criação de uma nova instituição das  Nações Unidas – a Comissão de Desenvolvimento Desenvo lvimento Sustentável (conhecida pela sigla CDS10), que se materializou no ano seguinte. É formada por representantes de 53 países, eleitos entre os Estados membros das Nações Unidas, segundo uma base geográfica. Tem como finalidades essenciais: a monitorização da implementação da Agenda 21, o desenvolvimento de parcerias entre a ONU e organizações não governamentais, o incentivo à criação de comissões nacionais de desenvolvimento sustentável103 e a definição de políticas e estratégias de desenvolvimento sustentável. Realiza, pelo menos, uma reunião anual, na cidade de Nova Iorque.

1.3.5. Do Rio a Joanesburgo

100 Cfr. Princípio X, da Declaração do Rio. 101 Cfr. Princípios XI e XIII, da Declaração do Rio. 102 Cfr. Princípios XV, XVI e XVII, da Declaração do Rio. 103 Destaque-se, no nosso país, a criação recente dos Centros de Desenvolvimento Sustentável para as Zonas Costeiras (através do Decreto n.º 5/2003, de 18 de Fevereiro), para as Zonas Urbanas (através do Decreto n.º 6/2003, de 18 de Fevereiro) e para os Recursos Naturais (através (através do Decret Decretoo n.º 7/2003, de 18

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de Fe Fever verei eiro) ro),, to todo doss subord subordin inad ados os ao Mi Mini nist stéri érioo pa para ra a Co Coord orden enaçã açãoo da Acçã Acçãoo Ambiental.  Não obstante todos os esforços que a Comunidade Internacional tem vindo a realizar para assegurar uma maior qualidade de vida aos povos da Terra, por um lado, e a melhoria do  próprio Planeta, por outro, os problemas pr oblemas identificados no início da década de 90, continuam a colocar em causa a defesa e o equilíbrio do ambiente, e, consequentemente, o próprio desenvolvimento das próximas gerações de seres humanos. Agravou-se o  problema do aquecimento global, registou-se uma diminuição da camada de ozono estratosférico, agudizou-se a questão da insegurança alimentar, intensificou-se o ritmo de destruição da biodiversidade, entre outros problemas. O tradicional conceito de soberania absoluta dos Estados, interpretada como a capacidade de utilizar livremente os seus recursos, é igualmente equacionado, porquanto, dessa livre actuação e utilização resultam disfunções e problemas para toda a Humanidade. Há, sem margem para dúvidas, dois blocos de Estados na percepção das questões do desenvolvimento e da protecção do meio ambiente: os países industrializados e os países em vias de desenvolvimento. Foi o cenário acima retratado que justificou as inúmeras dificuldades surgidas no decurso da implantação da Agenda 21, que resultou da Conferência do Rio. Alguns Estados, principalmente os industrializados, não dão sinais de pretender uma verdadeira mudança, evitando assumir a causa ambiental em termos verdadeiramente sérios e honrando os compromissos assumidos internacionalmente104. Em 1997 1997,, real realiizo zouu-se se,, na ci cida dade de do Ri Rioo de Ja Jane neiiro ro,, uma uma se sess ssão ão es espe peci cial al da Assembleiageral das Nações Unidas, mais conhecida como Rio+5, com a finalidade essencial de avaliar e acelerar a implementação da Agenda 21, e que contou com a presença de 53 chefes de Estado. “O encontro identificou importantes lacunas, em especial no que se refere à busca de equidade social e à redução da pobreza. Identificou, ainda, a necessidade de tornar mais eficiente a implementação da Agenda 21 e convenções relativas ao meio ambiente e desenvolvimento”105.

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104 Exemplo paradigmático constitui a atitude dos EUA de não ratificar o Protocolo de Quioto, conforme aludiremos adiante, com maior profundidade. Locais,, Relatório 105 LOR LORENZ ENZETT ETTI, I, Mar Maria ia Sílvia Sílvia Barros, Barros,  A Rio+10 e os Governos Locais Especial, Câmara dos Deputados, Consultoria Legislativa, Brasília, Novembro, 2002. Em 1997, foi celebrado o Protocolo de Quioto, na cidade japonesa do mesmo nome, como mecanismo de implementação da Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. Com o Protocolo visou-se essencialmente prosseguir uma redução das emissões de diversos gases prejudiciais ao meio ambiente (sobretudo o dióxido de carbono), por parte dos países industrializados. Segundo este instrumento, os países desenvolvidos comprometeram-se a reduzir, até 2008 – 2012, as emissões de gases com efeito de estufa em 5,2 % em relação aos níveis de 1990. Para que este Protocolo entrasse em vigor, era necessário que 55 países o ratificassem, incluindo os países desenvolvidos, de modo a perfazerem 55 % das emissões de 1990106. Contudo, os Estados Unidos, responsáveis por 25 % das emissões de dióxido de carbono a nível global, é de longe os maiores poluidores do Planeta, decidiram abandonar o Protocolo de Quioto, em Março de 2001, na voz do seu presidente, George W. Bush, por  considerarem o mesmo prejudicial aos interesses da economia americana. A Austrália enveredou pelo mesmo caminho. Até meados do mês de Julho de 2001, apenas 34 países de todo o mundo tinham ratificado o protocolo, sendo que, com excepção da Roménia, todos pertenciam ao grupo dos países em vias de desenvolvimento107. Tal situação só veio a ser superada depois de muitos esforços realizados fundamentalmente pela União Europeia108. Entretanto, o quadro para o futuro não é nada animador. Bem pelo contrário, diversos estudos realizados apontam para uma deterioração da situação ambiental à escala  planetária, com particular incidência para a ocorrência ocorr ência de catástrofes naturais, como 106

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107 Dados retirados do artigo intitulado Futuro intitulado  Futuro do Protocolo de Quioto decide-se até  Domingo,, do jornal  Domingo “Público”, de 19 de Julho de 2001. 108 Em risco de não passar de mera letra morta, dado o abandono da única super potência mundial, este tratado acabou por ser “salvo” num grande encontro, que contou com a presença de representantes de 179  países, destinado a discutir os respectivos mecanismos de funcionamento, realizado na cidade alemã de Bona, entre os dias 19 e 27 de Julho de 2001. O sucesso deveu-se, em larga medida, aos esforços realizados  pela União Europeia no sentido de convencer os restantes países industrializados a aderir  ao Protocolo de Quioto, em especial o Japão, a Rússia e a China. O resultado do encontro foi a concretização de uma solução de carácter compromissório, que, não obstante estar longe das inúmeras metas delineadas por altura da celebração do Protocolo de Quioto, Quioto, constitui constituiu, u, sem dúvida, uma grande vitória para a humanidade e uma enorme derrota para os EUA108.

resultado das inúmeras alterações climáticas que se têm vindo a verificar nas últimas décadas. Segundo o jornal português “Público”, a Associação World Wildlife Fund (WWF) anunciou que “o aumento das emissões dos gases que provocam o efeito de estufa na atmosfera vai traduzir-se num maior número de tempestades, dilúvios, secas e outras catástrofes naturais” (...). Haverá um aumento das chuvas torrenciais e das tempestades, alternando com curtos períodos de seca em algumas regiões109, e de períodos longos de seca seguidos de fortes chuvas em outras”110. A título de exemplo, os anos noventa foram marcados por uma série de inundações. Os  primeiros anos da década presente pres ente confirmaram tal tendência. Segundo dados publicados pu blicados

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na imprensa nacional, o número de vítimas causadas por este tipo de desastres, que ocorrem em todos os cantos do Planeta, subiu em mais do dobro de 1990 para 1999111. As inundações mais graves de sempre ocorreram em 1991, no Bangladesh, tendo provocado a morte a cerca de 140 000 pessoas112. É assim que, chegados ao ano 2000, a CDS10 sugeriu a realização de uma nova conferência mundial, desta vez subordinada ao Desenvolvimento Sustentável. Em Dezembro de 2000, a Assembleia-geral das Nações Unidas deliberou, por resolução, a realização da Cimeira das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (conhecida  por Rio+10), na cidade de Joanesburgo, Joanes burgo, na África do Sul, cabendo à CDS10 a sua organização113. 109 Quanto às secas, veja-se a situação que a Austrália passou em 2002. A Imprensa reportou que “perto de oito milhões de animais de criação foram abatidos na Austrália nos últimos seis meses, como consequência da maior seca a atingir o país nos últimos 100 anos (...). A penosa seca tornou  praticamente impossível consegu cons eguir ir água e ali alimen mentos tos suficie suficiente ntess para perm permiti itirr a subsist subsistênci ênciaa de mil milhare haress de animais, levando os  produtores a optar por matá-los pela sua carne, comercializando-os antes do tempo devido”109. 110 Cfr. Jornal “Público”, de 1 de Outubro de 2000. vítimas,, 111 Veja-se artigo intitulado Inundações intitulado Inundações cada vez mais frequentes e com mais vítimas  publicado no jornal “Notícias”, de 4 de Setembro de 2001. 112 Cfr. Artigo intitulado Metade intitulado  Metade da População Mundial sob a Ameaça de In Inundações undações e Secas,, publicado Secas no jornal “Notícias”, de 1 de Janeiro de 2003. 113 Cfr. Do Estocolmo 1972 a Joanesburgo 2002, www.inscut.org.br.

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A CDS10 deu início a um amplo processo de preparação a diversos níveis: local, nacional, sub regional, regional e global. Quanto ao último nível, destacamos a realização de quatro reuniões preparatórias, a última das quais, decorreu em Bali, na Indonésia, entre os dias 27 de Maio e 7 de Junho de 2002, envolvendo delegações ministeriais de diversos países.  Nas vésperas da Cimeira de Joanesburgo, Joan esburgo, um facto é dado como certo, ddecorreram ecorreram dez anos após a Conferência do Rio sem que os Estados cumprissem a quase totalidade dos com comprom promiiss ssos os aí as assu sumi mido dos1 s114 14.. Era Era impe imperi rios osoo in inve vert rter er o ac acttua uall ru rum mo do doss acontecimentos, sob risco de virmos, num futuro breve, a sofrer seriamente as consequências dos erros cometidos no presente. Esperava-se que Joanesburgo fosse o palco das grandes decisões que viriam a propiciar, em termos irreversíveis, o caminho em direcção a um mundo em que os direitos ao desenvolvimento e ao ambiente não fossem meros privilégios de uma minoria de Estados ou cidadãos. Como bem referiu Kofi Annan, na fase preparatória da Cimeira de Joanesburgo, “não deveríamos continuar a pensar que um quinto da população pode gozar indefinidamente de prosperidade, enquanto a maioria dos seres humanos tem uma existência marcada pela  privação e pela miséria, ou que os padrões de produção e de consumo cons umo que destroem o ambiente podem gerar uma prosperidade duradoura”115. Assim, foram criadas expectativas no sentido da elaboração, em Joanesburgo, de um programa verdadeiramente orientado para a acção.

1.3.6. A Conferência de Joanesburgo Realizou-se, entre os dias 26 de Agosto a 5 de Setembro, na cidade de Joanesburgo, na vizinha África do Sul, a Cimeira das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. Em linhas gerais, este evento superou, em termos de adesão, o anterior, na medida em 114 Veja-se Veja-se o art artigo igo intitul intitulado ado  Dez anos depois do Rio quase tudo está por fazer ,  publicado no jornal “Notícias”, do dia 28 de Agosto de 2002.

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115 115 AN ANNA NAN, N, Kof ofii, Um Umaa Op Opor ortu tuni nida dade de de Ga Garan ranti tirm rmos os o No Nosso sso Fu Futu turo ro,, artig artigoo  publicado no jornal “Demos”, do dia 12 de Junho de 2002.

que contou com a presença de 105 chefes de Estado e de Governo, de delegações  provenientes de 195 países do mundo, num total de aproximadamente 50 000 delegados. Estiveram ainda representadas 58 organizações internacionais. Esta Cimeira teve como primeiro grande objectivo o fortalecimento do compromisso  político de desenvolvimento sustentável. Em seguida, pretendeu-se pretendeu- se fazer o balanço dos resultados decorrentes da Conferência do Rio e procurar a busca de consensos para se conseguir uma maior justiça na distribuição dos recursos naturais e financeiros entre  países desenvolvidos e países em vias de desenvolvimento116. Foram produzidos dois documentos a saber: uma Declaração Política e o Plano de Implementação. A Declaração de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável encontra-se estruturada em seis capítulos fundamentais, designadamente: (1) Das Origens ao Futuro; (2) De Estocolmo ao Rio de Janeiro e do Rio a Joanesburgo; (3) Os Desafios que Enfrentamos; (4) Nosso Compromisso com o Desenvolvimento Sustentável; (5) O Multilateralismo é o Futuro; (6) Fazendo Acontecer!.  Na Declaração, os Estados assumiram o compromisso co mpromisso de construir uma sociedade global humanitária, equitativa e solidária, assente no valor da dignidade humana, e de fortalecer  os chamados três pilares do desenvolvimento sustentável – desenvolvimento económico, desenvolvimento social e protecção ambiental – nos âmbitos local, nacional, regional e global117. Por outro lado, reconheceram, como desafio, que a erradicação da pobreza, a mudança dos padrões de consumo e produção e a protecção e gestão da base de recursos naturais  para o desenvolvimento económico e social constituem cons tituem “objectivos fundamentais e requisitos essenciais do desenvolvimento sustentável”118. 116 Cfr. www.onuportugal.pt. 117 Cfr. Parágrafos 2 e 5, da Declaração de Joanesburgo.

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118 Cfr. Parágrafo 11, da Declaração de Joanesburgo. Aceitaram o compromisso de, por um lado, realizar esforços para garantir o acesso a requisitos básicos, como água potável, saneamento, habitação adequada, energia, assistência médica, segurança alimentar e protecção da biodiversidade; e, por outro, de trabalhar em conjunto para ter acesso aos recursos financeiros, à tecnologia, aos  benefícios da abertura dos mercados mercado s e à educação e desenvolvimento desenvo lvimento dos recursos humanos119. Por seu turno, o Plano de Aplicação contém mais de trinta objectivos a alcançar no futuro (não determinado). O destaque vai para o conjunto de temas denominado WEHAB (água e saneamento, energia, saúde, agricultura e biodiversidade), identificados pelo SecretárioGeral da ONU, Kofi Annan120. Contudo, é de referir a inclusão, com particular destaque, dos temas da pobreza121 e da globalização122, que até à Cimeira de Joanesburgo não tinham merecido semelhante tratamento em eventos internacionais. Foram depositadas enormes expectativas neste evento, contudo, é praticamente consensual que os resultados alcançados ficaram longe daquilo que se esperava. Os trabalhos culminaram num plano de acção (ou de implementação), com 153 parágrafos, de carácter não obrigatório, que se materializou em recomendações aos Estados, os quais 119 Cfr. Parágrafo 18, da Declaração de Joanesburgo. 120 120 AN ANNA NAN, N, Kof ofii, Um Umaa Op Opor ortu tuni nida dade de de Ga Garan ranti tirm rmos os o No Nosso sso Fu Futu turo ro,, artig artigoo  publicado no jornal “Demos”, do dia 12 de Junho de 2002. Pobreza,, do Plano de 121 Veja-se o parágrafo 6, do capítulo intitulado Erradicação intitulado  Erradicação da Pobreza Implementação, segundo o qual “A erradicação erradicação da pobreza representa o maior desafio do mundo actual e é um requisito indispensável para se alcançar o desenvolvimento sustentável, particularmente para os  países em desenvolvimento. Mesmo sabendo que cada país é o principal responsável pelo próprio desenvolvimento

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sustentável e pela erradicação da própria pobreza, e que não se deve deixar de enfatizar o  papel das  políticas nacionais e das estratégias de desenvolvimento, faz-se necessário adoptar  medidas concretas, em todos os níveis, para que os países em desenvolvimento possam alcançar as metas estabelecidas para o desenvolvimento sustentável (...)”. 122 Veja-se o parágrafo 45, do capítulo intitulado O Desenvolvimento Sustentável em um  Mundo Voltado  para a Globalização Globalização,, do Plano de Implementação, segundo o qual “A globalização oferece a oportunidade e desafios para o desenvolvimento sustentável. Reconhecemos que a globalização e a interdependência vêm oferecendo novas oportunidades para o comércio, investimento e fluxo de capital, bem como avanços na tecnologia de informação, para o crescimento da economia mundial, e melhorando o nível de vida em todo o mundo. Ao mesmo tempo, persistem sérios desafios, tais como as severas crises financeiras, insegurança,  pobreza, exclusão e desigualdade dentro e entre as sociedades. Os países em desenvolvimento e os países com economias em transição enfrentam dificuldades especiais para responder a esses desafios e oportunidades. oportun idades. A global globalização ização deveria ser total totalmente mente inclusiv inclusivaa e equitativa; equitativa; no entanto, entanto, há uma carência de  políticas e medidas a níveis nacional e internacional, elaboradas e implementadas com a total e efectiva são livres de as respeitar ou não. Por outro lado, não houve praticamente imposição de quaisquer metas, delegando-se nos Estados e Organizações Internacionais a sua determinação em data por estes a fixar. A desresponsabilização foi, sem dúvida, a

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característica dominante. Além do mais, assistiu-se ao reforço do papel da Organização Mundial do Comércio, defensora dos ideais do liberalismo económico e do livre acesso aos mercados dos países em vias de desenvolvimento. Boaventura Sousa Santos escreveu, quanto a isso, que “a Cimeira da Terra, realizada há dez anos, foi a Cimeira dos bons propósitos (...). Como os dez anos que se seguiram foram a quase sistemática negação destes propósitos, esperava-se que a Cimeira de Joanesburgo fosse a Cimeira dos compromissos vinculativos, dos objectivos concretos e dos prazos definidos. Em vez disso, a Cimeira foi dominada pela aversão a prazos e objectivos e pela preferência por compromissos voluntariamente assumidos”123. A ideia da criação de uma Organização Mundial do Ambiente, que agrupasse numa única entidade o conjunto de agências e responsabilidades dispersas, visando fundamentalmente assegurar o cumprimento dos tratados e convenções em matéria ambiental, não foi materializada, o mesmo acontecendo em relação à hipótese de um Tribunal Internacional para os Crimes Ambientais. Tais propostas foram apresentadas  pela União Europeia. O quadro124 em baixo ajuda-nos a ter a noção do que se consegui conseguiuu alcançar em matéria de compromissos na Cimeira de Joanesburgo.

Tema Problema Decisão Energia Um terço da população mundial não tem acesso a fontes modernas de energia, utilizando lenha, estrume, etc. Compromisso de alargar o acesso às fontes modernas de energia, sem a fixação de quaisquer metas ou prazos  participação dos países em desenvolvimento e países com economias em transição, que ajudem esses países

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a responder de maneira eficaz a tais desafios e oportunidades”. Sequestrada,, artigo publicado na revista 123 SANTOS, Boaventura Boaventura Sousa Sousa,,  A Cimeira Sequestrada “Visão”, do dia 5 de Setembro de 2002. 124 Cfr. www.agenda21local.com.br. Clima As previsões apontam para uma subida da temperatura média da atmosfera em 5, 8.° C até ao ano de 2100, caso não se actue na  prevenção O Canadá, a Rússia e a China anunciaram que deverão ratificar  o Protocolo de Quioto Água Se, até 2025, nada for feito, metade da população mundial não terá acesso a água e saneamento básico Reduzir pela metade, até ao ano 2015, o número de pessoas que não tem acesso a água potável e saneamento básico Biodiversidade Até ao final do séc. XXI, metade das espécies poderão desaparecer  ou correr o risco de extinção Reduzir até ao ano de 2004 o ritmo de extinção de espécies, mas sem se terem fixado metas específicas Pesca Vastas regiões tradicionais de  pesca entraram em colapso

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Manter ou restaurar as reservas em níveis sustentáveis até 2015 e estabelecer áreas de protecção marinha até 2012 Agricultura Subsídios governamentais à agricultura nos países desenvolvidos, com graves repercussões nas exportações dos  países pobres Apoio à eliminação dos subsídios agrícolas, sem se ter avançado  para a fixação de quaisquer metas ou prazos Ajuda ao Desenvolvimento A ajuda aos países em vias de desenvolvimento caiu em 0,22% desde 1992 Reafirmar o compromisso da Conferência do Rio de os países desenvolvidos destinarem 0,7% do seu PIB para Assistência Oficial ao Desenvolvimento (ODA) O acordo alcançado em matéria de energia é prova paradigmática do retrocesso desta Cimeira em relação aos resultados obtidos na Conferência do Rio, dez anos antes. O Brasil e a União Europeia apresentaram, em Joanesburgo, uma proposta no sentido de que, dez por cento da energia global produzida em 2010, devesse corresponder a combustíveis renováveis125 (energias eólica, hidráulica e solar), substituindo a utilização intensiva de fontes não renováveis (petróleo e gás). Contudo, tal proposta não foi aprovada devido à oposição dos EUA e do conjunto dos países da OPEP (liderados pela

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Arábia Saudita, Kuwait e Qatar). 125 Energia renovável é a “força energética obtida de uma fonte cuja a matéria prima não é eliminada pelo facto de se facto serr tran transfo sform rmad ada”. a”. Cf Cfr. r.  Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea Contemporânea,, Academia das Ciências de Lisboa / Fundação Calouste Gulbenkian , A – F, Editorial Verbo, Lisboa, 2001, p. 1408.

1.3.7. Depois de Joanesburgo Depois da lição de Joanesburgo, é realmente muito difícil prever o que vai ser o futuro do nosso Planeta nos próximos tempos. A grande maioria dos estudos aponta para uma deterioração das condições ambientais à escala global, não obstante os inúmeros esforços que estão a ser feitos em alguns países e por algumas organizações internacionais. Apesar  de todas as conferências internacionais realizadas nos últimas três décadas, de todas as convenções e tratados elaborados nas mais diversas áreas ambientais, de todas as instituições internacionais e nacionais criadas para a área do ambiente, muito está ainda  por fazer para que cessem os atentados ambientais, responsáveis pela p ela actual situação de desequilíbrio ecológico à escala mundial. Entre avanços e recuos, a comunidade internacional não passa ainda de uma sombra ou esboço, se assim se pode dizer, daquilo que devia ou poderia ser – uma entidade que represente a vontade de melhorar verdadeiramente o mundo em que vivemos, que tenha em conta a diversidade económica, cultural, política, social, religiosa e ambiental, que se sobreponha, nas questões fundamentais em que se chegou a um consenso mundial (como é o caso dos direitos do Homem, do património mundial cultural e ambiental, dos  princípios internacionais do ambiente), à vontade dos próprios Estados. Por outras  palavras, não é mais do que uma mera soma de interesses estaduais por vezes conflituantes e, porventura, incompatíveis.  Não há ainda, na realidade, um consenso consens o quanto às grandes questões ambientais da actualidade. O argumento do desenvolvimento económico é normalmente invocado para  justificar que o ambiente raramente seja tomado em conta no momento da tomada das

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grandes decisões. O conceito de desenvolvimento sustentável surge-nos como esvaziado de parte do seu conteúdo útil, pois, para além do pilar do desenvolvimento económico, ele pressupõe a realização de mais dois pilares fundamentais, sem os quais efectivamente não se realiza – e que são o desenvolvimento social, por um lado, e a protecção do ambiente, por outro lado. 66 Os países desenvolvidos, com um elevado nível de industrialização das suas economias e,  por consequência, altamente poluidores e danificadores, assumem uma política excessivamente proteccionista ao impedir a entrada, nos respectivos mercados, de  produtos manufacturados provenientes pr ovenientes do Sul, e contribuindo, assim, para a criação de entraves ao exercício do direito ao desenvolvimento por parte dos chamados países  pobres. Aos países em vias de desenvolvimento d esenvolvimento nada mais resta, muitas vezes, do que continuar a explorar os seus recursos naturais para os exportar posteriormente na forma  bruta. Por outro lado, associada à nova no va ordem económica mundial, caracterizada pelo  poder e monopólio das multinacionais, são bem reais os o s entraves à exportação dos conhecimentos científicos e tecnológicos para os países do Sul, tornando-se estes últimos meros receptadores de produtos manufacturados126. Por outro lado, há uma tendência,  por parte deste conjunto de países, de d e condicionar qualquer “ajuda” aos países pobres à assimilação, por parte destes últimos, dos modelos político-económicos em vigor  naqueles, mesmo que totalmente desfasados da realidade local. Por seu turno, os países em vias de desenvolvimento, onde se encontra a maior parte dos santuários da biodiversidade mundial, dificilmente assumem a via do desenvolvimento sustentável. A extrema pobreza em que vive grande parte da população, o crescimento demográfico desenfreado, os elevados índices de endividamento externo, a corrupção que grassa na classe dirigente, as guerras e clima de instabilidade, o baixo nível educacional da maioria dos cidadãos, a pressão de interesses pouco transparentes por parte das grandes multinacionais, acrescidos aos factores anunciados nos parágrafos anteriores, contribuem para que a pressão sobre os recursos naturais seja, a todos os níveis, insustentável.

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126 Escreveu um autor, sobre este assunto, o seguinte: “Uma acção social é, todavia, necessária para restituir um mínimo de ordem aos mercados mundiais para dotar o sistema internacional de instituições capazes de assegurar uma sinergia entre os esforços de uns e de outros, enfim, para pôr  em pé um sistema de gestão nacional daquilo que constitui um património comum da humanidade: os oceanos, os climas, a  biodiversidade e, porque não, uma parte importante da ciência e da técnica. Este último  ponto é objecto de uma violenta controvérsia entre os países do Norte que querem, através da extensão dos direitos de  propriedade intelectual, privatizar integralmente as ciências e as técnicas, e os países do Sul que exigem  justamente ter acesso a um mercado que consideram como fazendo parte do património comum da humanidade”. Cfr. SACHS, Ignacy, Que Desenvolvimento para o Séc. XXI ?, ?, In. “Terra, Património Comum” (sob a direcção de Martine Barrere), Instituto Piaget, Lisboa, 1993, p. 97. Tudo isto para confirmar que o contexto internacional mudou bastante desde a Conferência do Rio. Segundo vozes brasileiras, “a globalização comercial, a instabilidade e votalidade financeira, a imposição de ajustes fiscais e económicos pelo FMI e de regras da OMC aos países em desenvolvimento, estão associados ao aumento da degradação ambiental e aumento da pobreza”127. O próprio Direito Internacional do Ambiente, ao qual nos referiremos adiante, padece de um problema de enorme grandeza e que obsta à sua eficácia – o da sua aplicação. Sendo uma característica inerente a todo o direito internacional, assume uma dimensão especial no domínio do ambiente, tendo presente o carácter global dos principais problemas ambientais e, como consequência, a imperiosidade de uma acção verdadeiramente integrada. Segundo um autor, “não se trata (...) apenas de lamentar que certos textos não

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sejam aplicados; trata-se também de lamentar que os Estados adoptem, em nome das  pessoas ou da Humanidade, textos que qu e sabem constituírem antecipadamente declarações sem força obrigatória e, sobretudo, sem possibilidade de intervenção judicial”128. Entretanto, continuam a acontecer, no momento em que nos encontramos a concluir este trabalho, factos que comprovam o agravamento das alterações climáticas à escala  planetária, atingindo-se, em algumas zonas, variações var iações de temperatura tão bruscas como antes nunca verificadas. A Índia viveu, entre Dezembro de 2002 e Janeiro de 2003, um dos Invernos mais rigorosos das últimas décadas. Centenas de pessoas morreram devido às temperaturas demasiado baixas que se fizeram sentir129. Alguns meses mais tarde, o mesmo país foi assolado por uma onda de calor sem precedentes, tendo em conta a sua duração e máximos de temperatura atingidos. Segundo a nossa imprensa, mais de mil 127 Cfr. www.agenda21local.com.br. 128 RUSSBACH, Olivier, O Direito ao Direito Internacional do Ambiente, Ambiente , In. “Terra, Património Comum” (sob a direcção de Martine Barrere), Instituto Piaget, Lisboa, 1993, p. 154. 129 O jornal “Notícias”, no dia 20 de Janeiro de 2003, num artigo intitulado Vítimas de  frio já chegam a 1250 mortos, mortos, reportou que, segundo as autoridades indianas, que se tratou da pior onda de frio que assolou a Índia desde 1962. Três dias mais tarde (23/1/2003), o mesmo jornal actualizou o número de mortes, no Sul da Ásia, em 1500 pessoas.  pessoas terão morrido em virtude de não terem resistido a níveis tão elevados de temperatura130. Contudo, a mensagem a reter passa necessariamente pela continuidade e intensificação da luta dos povos por um Planeta melhor, em que o Homem possa viver em harmonia com o ambiente, por um lado, e em que todos tenhamos acesso a um ambiente saudável e equilibrado, por outro. Não podemos desistir, muito menos continuarmos acomodados. Um exemplo positivo da mudança que lentamente está a acontecer pode ser extraído da

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intervenção activa dos movimentos da sociedade civil nas Conferências do Rio e de Joanesburgo.

1.1.8. O caso particular de Moçambique  Não obstante Moçambique possuir uma situação ambiental relativamente melhor quando quan do comparada com a de uma parte considerável dos restantes países, não há razões para eventuais conformismos, deixando simplesmente a história correr o seu rumo. Não só são inúmeras e inquantificáveis as agressões provocadas ao nosso ambiente, como também abundam consequências resultantes do desequilíbrio do ecossistema global.  No primeiro caso, em linhas muito gerais, podemos identificar as seguintes preocupações ambientais da actualidade: erosão dos solos e da costa; desflorestamento e consequente desertificação; destruição da biodiversidade; escassez de água em qualidade e quantidade suficiente; saneamento inadequado, poluição nas suas diversas variantes nos principais aglomerados urbanos131. Estes problemas encontram-se previstos no Programa Nacional de Gestão Ambiental (PNGA), elaborado pelo Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental, e que foi o primeiro grande estudo sobre a situação ambiental, constituindo a  base para a elaboração da Política Nacional do Ambiente (PNA) e legislação subsequente. Este Programa, apresentado em 1996, teve como objectivos; “definir as 130 Veja-s Veja-see o ar arti tigo go Vítimas de calor chegam a 1150 e população reza pela chuva ,  publicado no “Notícias” de 5 de Junho de 2003. Os “Notícia “Notícias” s” dos dias 26/5/20 26/5/2003, 03, 28/5/2003 e 3/6/2003 também  publicaram artigos sobre semelhante tragédia.  prioridades nacionais da acção ambiental, estabelecer uma política e estratégia ambientais  para a gestão ambiental, promover a coordenação coor denação inter-sectorial, elaborar um conceito conce ito global de sustentabilidade e promover e desenvolver uma consciência e cultura ambientais em Moçambique”132.  No segundo caso, veja-se o rastro de destruição deixado pelas cheias dos d os anos 2000 e 2001, não somente em termos da perda de vidas humanas como também em estragos

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materiais. Segundo Aniceto de Muchangos, “uma informação oficial produzida em 2001, indicava que Moçambique acumulou prejuízos avaliados em mais de 750 milhões de dólares americanos durante os dois anos anteriores, só em consequência das inundações. (...) Para além dos custos económicos directos há ainda que acrescentar os custos sociais. Por exemplo, as intensas chuvas inviabilizaram, momentaneamente, os programas de emergência, sobretudo os trabalhos de reparação de estradas, dificultaram o trabalho de comercialização e a distribuição de víveres, destruíram repetidas vezes a Estrada  Nacional n.º 1 (EN - 1) e a Estrada Nacional n.º 6 (EN - 6) , entre outras, prov provocando ocando o encarecimento dos produtos nos centros urbanos dependentes da circulação rodoviária, contribuído para uma maior depauperação dos pobres”133. Ora, para alguns especialistas, tais catástrofes naturais não são mais do que decorrência lógica das alterações climáticas à escala mundial. Assim, segundo o vice ministro para a Coordenação da Acção Ambiental, Francisco Mabjaia, num programa emitido, em 2002, pela TVM: “muitas vezes (...) levados por  esta necessidade de crescimento rápido que estamos todos comprometidos - temos que combater a pobreza, temos que desenvolver o país o mais rápido possível - muitas vezes temos a tendência de esquecer que há questões básicas como esta do meio ambiente que temos que tomar em consideração. No caso contrário, vamos crescer rapidamente hoje, 131 Ao longo do presente Manual desenvolveremos alguns destes problemas, aludindo ao tratamento merecido no ordenamento jurídico-ambiental. 132 MICOA, Programa Nacional de Gestão Ambiental, Maputo, Maio, 1996, p. 3. No que toca aos  principais problemas ambientais do país, vejam-se as páginas 43 a 62. 133 MUCHANGOS, MUCHANGOS, Aniceto dos, no artigo intitulado intitulado  Redução dos desastres nacionais  – Um dos desafios do desenvolvimento sustentável , publicado no jornal “Savana”, do dia 6 de Setembro de 2002. mas, daqui a 10/15 anos, vamos começar a decrescer e aí é que nós nos vamos aperceber 

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dos erros que cometemos”134. Para enfrentar o problema da pobreza absoluta em que vive a maioria da população, urge que se introduzam princípios, metodologias e práticas de desenvolvimento sustentável no  país. Por outro lado, importa analisar como é que os princípios internacionais têm sido recebidos na ordem jurídica interna, quer seja no domínio constitucional, quer no da legislação ordinária, e de que meios e mecanismos dispõem os cidadãos para fazerem valer os seus direitos, sem perder de vista a realidade, as necessidades e as capacidades do nosso país. E neste sentido importa ter em consideração que “os problemas e as necessidades dos  países em desenvolvimento em matéria de legislação e administração ambientais diferem d iferem amiudadas vezes dos das regiões industriais do mundo. Ainda que seja sempre útil fundamentar-se em soluções ensaiadas em outros lugares, os "modelos" jurídicos e institucionais não podem transferir-se indiscriminadamente e sem uma adaptação apropriada” segundo recomendação do próprio PNUMA135.  Não obstante os inúmeros problemas atrás registados, concluímos recorrendo ao PNGA: “o País possui, felizmente e contrariamente ao que se verifica em muitos outros países subdesenvolvidos, uma base de recursos naturais ainda quase intacta, sendo esta, por isso mesmo, a oportunidade única de, desde já, basear o seu desenvolvimento numa gestão ambiental sustentável dos seus recursos naturais”136. 134 PROMARTE / TVM – Co-produção para a União Mundial para a Natureza (UICN), Colecção Recursos e Vida, Painel 12 – Programa 28 (Ambiente e Governação), Tema: Implementação Tema:  Implementação das  Leis,, intervenção de  Leis Francisco Mabjaia, vice-ministro para a Coordenação da Acção Ambiental, Moçambique, 2002. 135  In: Estu Estudo do re rela lati tivo vo a " Novas Direcções da Legislação e da Administração  Ambientais,, particularmente  Ambientais em países em desenvolvimento", Departamento do Direito Ambiental, Nairobi, 1989, p. 4 (tradução livre). 136 MICOA, Programa MICOA, Programa Nacional de Gestão Ambiental , Maputo, Maio, 1996, pp. 8 – 9.

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1.2. A emergência do Direito do Ambiente 1.2.1. A evolução histórica do Direito do Ambiente “O Homem tomou a consciência de que não é mais senhor absoluto da Natureza. Bem  pelo contrário, deve-lhe respeito total, sob pena de colocar em risco a própria subsistência subs istência humana e a de todos os seres vivos, o que pressupõe a assunção de um comportamento radicalmente oposto à actual relação com o ambiente, optando-se por uma exploração sustentável e equilibrada dos diversos componentes ambientais”137. Uma das manifestações de semelhante tomada de consciência foi a construção de um direito específico para as questões ambientais, quer no plano internacional, quer ao nível dos ordenamentos jurídicos dos diversos Estados que constituem a comunidade internacional. Este direito foi munido, conforme veremos ao longo do presente Manual, de princípios e normas de cariz específico, assentes no primado da protecção e conservação do ambiente. O ano de 1968 é apontado por uma parte representativa da doutrina como o ano do surgimento oficial do Direito Internacional do Ambiente, isto por diversos motivos: é o ano das regras da OCDE, da Convenção Africana para Protecção da Natureza e dos Recursos Naturais, da convocação, para 1972, da célebre Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente Humano, da Carta da Europeia da Água e da Declaração de Princípios sobre o Controlo da Poluição Aérea, adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa138. Contudo, conforme vimos anteriormente, este direito caracteriza-se pela existência de sérios entraves quanto à sua implementação ou aplicação. Pois, “a incompatibilidade e o conflito fundamental, por um lado, entre a protecção da pessoa humana ou do património 137 SERRA, Carlos, O Projecto-Lei da Acção Popular e a Tutela do Meio Ambiente , In. Revista MoçAmbiente, n.° 44, MICOA, Julho/Setembro, 1992, p. 14. 138 CASTRO, Paulo Jorge Canelas de, Mutações de, Mutações e Constâncias do Direito Internacional  do Ambiente, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.° 2, Dezembro, 1994, pp. 145 - 148.

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comum da Humanidade e, por outro, a protecção das soberanias e interesses industriais ou estratégicos dos Estados está, na sua essência, no centro de qualquer análise do direito internacional”139. A superação de tal obstáculo constitui, sem margem para dúvidas, um sério desafio para a comunidade internacional na luta por um ambiente global, regional e local melhor. Os princípios e normas do Direito Internacional do Ambiente começaram a ser recebidos na ordem interna de inúmeros Estados, principalmente após a realização da Conferência de Estocolmo, em 1972, dando origem a um novo e autónomo ramo de Direito, com características próprias e que passou a ser leccionado, em meados da década de setenta, nas universidades.  Neste âmbito, o Direito do Ambiente pode ser definido como “o sistema de normas n ormas  jurídicas que, tendo especialmente em vista as relações do homem com o meio, prossegue os objectivos de conservação da natureza, manutenção dos equilíbrios ecológicos, salvaguarda do património genético, protecção aos recursos naturais e combate às diversas formas de poluição”140.  Nos tempos que decorrem e em função fun ção de toda uma ideologia ambiental por  contraposição às ideologias tradicionais, associada à falta de informação e de formação de consciência na sociedade civil, depara-se-nos uma falsa ideia de que o Direito do Ambiente pretenda inviabilizar a economia de mercado, com particular incidência no domínio da livre iniciativa e do direito de propriedade. O que está em causa é a definição de um regime jurídico que assente na política de desenvolvimento sustentável, tendo presente, por um lado, as necessidades de protecção e conservação do ambiente, estabelecendo-se um quadro legal que previna e combata os danos sérios e irreversíveis no ambiente, e, por outro, as necessidades de 139 RUSSBACH, Olivier, O Direito ao Direito Internacional do Ambiente, Ambiente , In. “Terra, Património Comum” (sob a direcção de Martine Barrere), Instituto Piaget, Lisboa, 1993, p. 154. 140 140 RE REIS IS,, João João Pe Pere reiira, ra, Co Cont ntri ribu buto toss par paraa um umaa Teo Teori riaa do Di Direi reito to do Am Ambi bien ente te,, MPTA/SEARN, Lisboa,

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1987, p. 21-22. desenvolvimento económico nos inúmeros Estados e regiões. Tal regime pressupõe uma nova filosofia na relação entre o Homem e a Natureza, baseada nos postulados da razão, do equilíbrio, da sustentabilidade e da equidade.  No caso concreto do nosso país, está fora de questão a adesão a qualquer espécie de ecocentrismo fundamentalista (que coloca o ambiente num patamar de intocabilidade, defendendo a proibição de qualquer actividade susceptível de alterar, ainda que de uma forma insignificante, as condições ambientais), muito menos se recomenda que se leve às últimas consequências a corrente do antropocentrismo (a natureza como santuário de recursos livremente disponíveis para as mais diversas finalidades humanas). O Homem moçambicano necessita imperiosamente dos recursos disponíveis na Natureza  para sobreviver, ou melhor, para par a que possa atingir um patamar de existência condigna, de reconhecida qualidade de vida. Daí que qualquer política ambiental a implementar no nosso país pressuponha, necessariamente, a utilização dos recursos naturais, na busca da “criação do bem estar material e espiritual dos cidadãos”141. A questão prende-se, sim, com o modelo de utilização ao qual aderiremos. O Direito Moçambicano do Ambiente deve reflectir o ideal da concordância óptima das necessidades aparentemente antagónicas da protecção da natureza e de desenvolvimento económico. Por conseguinte, o regime jurídico de protecção ambiental não seguirá a via  preservacionista (o ambiente deve ser s er totalmente preservado da acção humana), mas sim conservacionista (os componentes ambientais naturais deverão ser explorados, segundo critérios de sustentabilidade, isto é, com apelo a limites rigorosamente definidos, com vista à satisfação das necessidades das gerações presentes e futuras). . Estas considerações são válidas quer a nível global, quer a nível regional e local. Todavia, a nível local há que ter em conta que, uma política nacional do ambiente  baseada nos preceitos constitucionais, cons titucionais, deve estabelecer as linhas de desenvolvimento sustentável e equilibrado e zelar pela qualidade e bem-estar ambiental. Uma política do 141 Cfr. Artigo 6.° c), da CRM.

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género carece de legislação que controle os efeitos ambientais dos investimentos de grande envergadura e ao mesmo tempo reguladora dos conflitos dos diversos interesses, tendo presente que é na área dos recursos naturais renováveis que urge a manutenção dos ecossistemas, com vista a garantir o presente e o futuro das gerações vindouras de Moçambique.

1.2.2. A constitucionalização do Ambiente Como vimos, o princípio I da Declaração de Estocolmo determinou que “a pessoa humana tem direito fundamental à liberdade, à igualdade e a condições de vida satisfatórias, num ambiente cuja qualidade lhe permita viver com dignidade e bem-estar. Cabe-lhe porém o dever solene de proteger e melhorar o ambiente para as gerações actuais e vindouras (...)”.  No entender de Alexandre Kiss, «a comunidade internacional reconheceu, com a  proclamação deste princípio, o direito dos homens a “serem protegidos também através da protecção do seu ambiente”. Isto porque o ambiente que circunda o homem é talvez o “meio” mais importante que lhe consente “viver com dignidade e bem-estar” e, assim, exprimir a sua própria personalidade. Por isso, o direito ao ambiente é mais do que um si simp mple less di dire reit itoo a nã nãoo so sofr frer er re rest stri riçõ ções es da pe pers rson onal alid idad ade: e: ad adqu quir iree o ca cará ráct cter er de “direitodever” de intervenção positiva a favor da comunidade humana para a salvaguarda dos seus bens essenciais»142. A Polónia foi o primeiro Estado a consagrar o direito ao ambiente como direito fundamental, na Constituição de 21 de Fevereiro de 1952. Segundo esta, “os cidadãos da República têm direito ao aproveitamento dos valores do ambiente natural e o dever de os defender”143. Não obstante tal facto, somente na década de 70, depois da histórica 142 TORRES, Mário José de Araújo, Princípios Araújo,  Princípios Fundamentais do Direito do Ambiente Ambiente,, Textos Ambiente e Consumo, Vol. II, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1996, p. 241.

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143 Veja-se MATEO, Ramón Martín, Manual Martín,  Manual de Derecho Ambiental, Segunda Edición, Editorial Triviun, Madrid, 1998, p. 68. Tradução nossa.

Conferência de Estocolmo, é que se iniciou o movimento de constitucionalização do direito ao ambiente. Assim, a Jugoslávia, em 1974, Portugal144, em 1976, Espanha,145 em 1978, e, daí em diante, muitos outros países, consagraram o direito ao ambiente como direito fundamental. No espaço político-jurídico geográfico da CPLP, destacamos o Brasil146, em 1988, São Tomé e Príncipe147 e Moçambique, ambos em 1990, Cabo-Verde148 e Angola149, no ano de 1992. Tratou-se, portanto, de uma perspectiva que poderemos considerar de subjectivista, isto é, que se baseia no cidadão enquanto sujeito de direitos e deveres, constitucionalmente consagrados. Esta perspectiva reconhece a existência de um direito subjectivo ao ambiente, com assento constitucional, autónomo e distinto de outros direitos também constitucionalmente consagrados. Por outro lado, verificou-se uma tendência de atribuir ao Estado a obrigação de proteger  o ambiente, numa perspectiva que poderíamos denominar de objectivista, em contraposição à anterior. Surge-nos, portanto, a protecção do ambiente como fim ou tarefa do Estado. Podemos referir, a título de exemplo, as constituições da Checoslováquia, de 1960, da Bulgária, de 1971, da Hungria, de 1972, e da Grécia, de 1975150. 144 Cfr. Artigo 66.°, segundo o qual “Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”. 145 Cfr. Artigo 45.°, segundo o qual “Todos tienem derecho a disfrutar de un Medio Ambiente adecuado  para el desarrolo de la persona, pers ona, así como el deber de conservalo”. 146 146 Cfr. Cfr. Ar Arti tigo go 22 225. 5.°, °, segu segund ndoo o qu qual al “Tod “Todos os tê têm m di dire reit itoo ao meio meio am ambi bien ente te ecologicamente equilibrado,

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 bem de d e us usoo comum do po povo vo e essencial à sa sadia dia qualidade de vida, impondo-se ao Poder  Pod er  Público e à colectividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. 147 Cfr. Artigo 48.°, segundo o qual “Todos têm direito à habitação habitação e a um ambiente de vida humana e o dever de o proteger”. 148 Cfr. Artigo 70.°, segundo o qual “Todos têm direito a um ambiente de vida sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender e conservar”. 149 Cfr. Artigo 24.°, segundo o qual “Todos os cidadãos têm o direito de viver num meio ambiente sadio e não poluído”. 150 MATEO, Ramón Martín, Manual Martín, Manual de Derecho Ambiental, Segunda Edición, Editorial Triviun, Madrid, 1998, p. 68. A segunda perspectiva fundamenta-se no valor colectivo ou público do bem jurídico ambi am bien ente te.. O qu qual al “r “rev eves estte cada cada ve vezz mai aior or imp mpor orttân ânci ciaa pa para ra a co com mun uniida dade de  jurídicopoliticamente organizada”151. Além do mais, funda-se no facto de estarem essencialmente em causa interesses públicos ou colectivos, isto é, da colectividade no seu todo e não de cidadãos individualmente considerados. Esta fase do Movimento Constitucionalista, ao fazer a consagração expressa do direito ao ambiente, liga-o “a um largo conjunto de incumbências do Estado e da Sociedade”, inserindo-o, em plenitude, no âmbito da Constituição material como um dos elementos da sua ideia de direito”152. Sendo assim, conforme afirma Munch, “é hoje muito claro que a questão que se coloca ao legislador constituinte moderno já não é a questão de saber se a protecção do meio ambiente deve fazer parte do texto da Constituição, mas apenas a questão de como tal se deve fazer. A resposta a esta questão confronta-se com a seguinte alternativa: inclusão da  protecção do meio ambiente na Constituição sob a forma for ma de fim do Estado ou sob a

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forma de direito fundamental?”153. Veremos, mais adiante, como resolverá o Legislador  constitucional moçambicano tal dilema. Alguns autores avançam para a ideia de um verdadeiro Estado Constitucional Ecológico, associado à ideia de democracia sustentada. Conforme Gomes Canotilho, “o que se  pretende com estes enunciados ou fórmulas é isto: (1) o Estado constitucional, além de ser e dever ser um Estado de Direito democrático e social, deve ser também um Estado regido por princípios ecológicos; (2) o Estado ecológico aponta para formas novas de  participação política sugestivamente condensadas na expressão democracia sustentada”154. 151 CAN CANOTI OTILHO LHO,, José Joaqu Joaquim im Gom Gomes es (co (coorde ordenaçã nação), o),  Introdução ao Direito do  Ambiente,, Universidade  Ambiente Aberta, Lisboa, 1998, p. 26. 152 MIRANDA, Jorge, Direito Jorge, Direito do Ambiente (...), p. 354. Pr otecção do Ambiente na Constituição Constituição,, Revista Jurídica do 153 MUNCH, Igon Von, A Von,  A Protecção Urbanismo e do Ambiente, n.° 1, IDUAL, Almedina, Coimbra, Junho, 1994, p. 48. Segundo José Pureza, “para o Estado Ambiental a questão decisiva não é (como sucedia com o Estado liberal e com o Estado social) a intensidade da intervenção económica do Estado mas sim o primado do princípio do destino universal dos bens no espaço e no tempo, o que impõe como tarefa fundamental a subtracção de certas actividades e de certos recursos ao domínio da economicidade e o controlo jurídico do uso racional do  património natural. Em suma, o Estado ambiental já não se contenta com a lógica limitativa transportada pelos modelos anteriores e assume abertamente o património natural e o ambiente como bens públicos, objecto de utilização racional”155.  No mesmo sentido, diz-nos Maria Elizabeth Fernandez que “a introdução da hipótese constitucional de um Estado de Direito Ambiental potenciou este estado de coisas entregando às funções do Estado, e em especial à função legislativa, tarefas e incumbências adicionais com que anteriormente não contava. Com efeito, a introdução da  protecção do ambiente elevado à qualidade de bem público ambiental e com honras

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constitucionais de direito fundamental, promoveu, inexpugnavelmente, a introdução de uma ponderação de interesses acrescentada”156.

1.2.3. Características do Direito do Ambiente Conforme vimos anteriormente, o Direito do Ambiente possui características próprias, que o distinguem dos demais ramos do direito. Passaremos a enunciar e a desenvolver as características que a doutrina reconhece em termos quase consensuais, designadamente: a globalidade ou universalidade; a autonomia; a interdisciplinaridade; a horizontalidade ou transversalidade. 154 154 CA CANO NOTI TILH LHO, O, Jo José sé Go Gome mes, s,  Estado Constitucional Ecológico e Democracia Sustentada,, Revista do Sustentada CEDOUA, n.° 8, CEDOUA, Coimbra, 2001, p. 9. 155 155 PU PURE REZA ZA,, Jo José sé,, Tri Tribun bunais, ais, Nat Nature ureza za e Soc Socied iedade ade:: O Direito do Ambiente em  Portugal , Cadernos do CEJ, Centro de Estudos Judiciários, pp. 27 – 28. 156 FE FERN RNAN ANDE DEZ, Z, Mari Mariaa El Elis isab abet ethh Morei Moreira, ra,  Direito ao Ambiente e Propriedade  Privada (Aproximação ao  Estudo da Estrutura e das Consequências das “Leis-Reserva” Portadoras de Vínculos  Ambientais),, Stvdia  Ambientais) Ivridica, n.° 57, Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, p. 57.

1.2.3.1. Globalidade ou universalidade O Direito do Ambiente é, para começar, um direito global ou universalista, isto é, que ultrapassa, em larga medida, a visão local ou regional. Grande parte dos problemas ambientais têm um impacto que transborda o local da sua ocorrência, não podendo jamais ser encarados numa mera óptica casuística ou isolacionista157. O impacto de uma indústria poluente sobre um rio pode exercer os seus efeitos a centenas de quilómetros de distância, numa outra região ou até num outro país. A poluição gerada

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 pelos países do chamado primeiro mundo é substancialmente responsável por alguns dos desequilíbrios e desastres ecológicos de que temos ouvido falar e que têm ocorrido em muitos cantos da Terra, alguns dos quais sem qualquer actividade industrial digna de referência. A destruição das florestas tropicais contribui, em termos cientificamente  provados, para o aquecimento global e, consequentemente, para uma série de  perturbações ambientais que se tem verificado um pouco por todos os lados.  Nesse sentido, escreveu Alexandre Kiss: “nenhum continente do mundo é capaz de resolver sozinho o problema da camada de ozono, da alteração do clima global ou do empobrecimento dos nossos recursos genéticos. É doravante indispensável a cooperação da Terra inteira. Ora, a Terra compreende também e sobretudo as populações que vivem nos países não industrializados, as quais são pobres e querem desenvolver-se”158. Daí que, quando falamos na problemática do ambiente, seja imperioso levantar a questão do desenvolvimento, principalmente num país como o nosso, em que a situação da  pobreza, que afecta a maioria da população, assume ainda contornos bastante bas tante  preocupantes. 157 Esta característica é descrita com bastante objectividade e humor nos seguintes termos: “La globalidad nos indica que el fin ambiental de protección, conservación y mejora de los elementos que hacen posible la vida en el Planeta tiene una dimensión mundial, que los danõs al medio ambiente afectan al conjunto de los seres humanos, tal como se decía con el símil de que el batir de las alas de una mariposa en el Japón puede desencadenar un huracán en la costa norteamericana del Pacífico”. Cfr . Cfr . ÁLVAREZ, Luis  Lecciones Ortega, Lecciones Ortega, de Derecho del Medio Ambiente, Ambiente, 2.ª Editión, Editorial Lex Nova, Valladolid, 2000, p. 49. 158 KISS, Alexandre Alexandre,,  Direito Internacional do Ambiente Ambiente,, Textos – Ambiente, Vol. I, Centro de Estudos Judiciários, Vol. I, Lisboa, 1996, p. 82.

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1.2.3.2. Autonomia Assume-se, ainda, como um direito autónomo, ou seja, detentor de uma identidade  própria, comprovada pela existência de novos princípios e instrumentos jurídicos, nascidos no contexto da problemática ambiental. Contudo, conforme alguns autores reiteram, trata-se de uma autonomia relativa, no sentido “de que este Direito implica necessariamente a revisão dos institutos, das técnicas e dos instrumentos dogmáticos clássicos de outros ramos do Direito, aqui basicamente orientados pelas ideias de  protecção e de promoção de um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado”159.  No nosso país, esta autonomia tem vindo a consolidar-se, consolidar- se, principalmente no meio académico. Veja-se que o Direito do Ambiente constitui actualmente disciplina obrigatória no Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Moçambique (ISCTM), na Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico da Universidade Eduardo Mondlane e no Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ). Sabe-se também que será, em breve, leccionada na Faculdade de Direito da UEM.

1.2.3.3. Interdisciplinaridade Este direito apela aos conhecimentos das restantes ciências sociais e das ciências naturais. Está, portanto, fortemente associado às mais diversas áreas do saber, designadamente: economia, sociologia, geografia, química, física, biologia, ecologia, etc. O jurista tem que assumir necessariamente uma postura aberta e interdisciplinar, sob pena de não conseguir  compreender o objecto do seu estudo. A título de exemplo, veja-se que a determinação e a avaliação dos danos no ambiente só é possível com recurso a conhecimentos que extravazam o direito160. 159 159 CAN ANOT OTIL ILHO HO,, Jo José sé Jo Joaq aqui uim m Go Gome mes, s,  Introdução ao Direito do Ambiente (coordenação), Universidade Aberta, Lisboa, 1998, p. 36. 160 160 DI DIAS AS,, José José Ed Edua uard rdoo Fi Figu guei eire redo do,,  Direito Constitucional e Administrativo do  Ambiente,, Cadernos  Ambiente

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CEDOUA, CEDOUA, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Almedina, Coimbra, 2002, p. 14.

1.2.3.4. Horizontalidade ou transversalidade Traduz-se na “importância dos conceitos, meios, institutos e instrumentos dos diferentes ramos clássicos do direito na ordenação jurídica do ambiente”161. Daí que a doutrina tenha identificado e desenvolvido diversos sub-direitos do ambiente, designadamente: o direito constitucional do ambiente, o direito administrativo do ambiente, o direito civil do ambiente, o direito penal do ambiente, o direito internacional do ambiente e o direito fiscal do ambiente. É, portanto, um direito que apela ao conhecimento de quase todos os ramos clássicos, exigindo do aplicador a percepção de tal horizontalidade.

1.3. Direito do Ambiente em Moçambique 1.3.1. A Constituição Ambiental A designação “Constituição Ambiental” mais não significa do que o conjunto de normas constitucionais alusivas, directa ou indirectamente, ao ambiente, consubstanciando a consagração do ambiente como bem jurídico com dignidade constitucional.

1.3.1.1. A Constituição de 1990 O primeiro texto constitucional que Moçambique conheceu após a Independência, a Constituição da República Popular de Moçambique, de 1975, não fazia qualquer alusão directa ao ambiente. Em 1990, entrou em vigor um novo texto constitucional, a Constituição da República de Moçambique, que significou um marco muito importante na construção da ordem  jurídico-ambiental moçambicana, ao ponto de se poder pode r falar numa autêntica “Constituição Ambiental”, que assenta fundamentalmente em dois dispositivos: os artigos 72 e 37. 161 Idem 161  Idem,, p. 15. Segundo o artigo 72, da CRM, “todo o cidadão tem o direito de viver num meio ambiente equilibrado e o dever de o defender”. Urge salientar que este direito foi incluído no

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capítulo I, do título II, respeitante aos direitos, deveres e liberdades fundamentais. Por seu turno, nos termos do artigo 37, da CRM, “o Estado promove iniciativas para garantir o equilíbrio ecológico e a conservação e preservação do meio ambiente visando a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos”. Sendo assim, compete ao Estado tomar as iniciativas necessárias à efectiva tutela do meio ambiente, quer em termos positivos, garantindo o exercício do direito fundamental ao ambiente por parte de todos os cidadãos, como em termos negativos, abstendo-se de praticar acções ou omissões que ponham em causa o equilíbrio ambiental, constituindo a sua protecção uma garantia da norma  jurídico-constitucional. Podemos, assim, afirmar que o nosso Legislador constitucional optou por um modelo híbrido de tratamento da questão ambiental, reconhecendo o direito ao ambiente como direito fundamental dos cidadãos, por um lado, e a protecção do ambiente como fim do Estado, por outro lado. É facto indiscutível a elevação, e correspondente autonomização, do ambiente à categoria de bem jurídico fundamental, ao lado da vida, da saúde ou da propriedade. É ainda inquestionável que tal se deveu, antes de mais, à dimensão colectiva ou pública deste  bem. Note-se que, “com a noção de bem jurídico pretende aludir-se a valores ou interesses que se apresentam em estrita conexão com os interesses gerais da sociedade, tomados enquanto tais e não enquanto valores de cunho estritamente individual; o bem  jurídico, ainda que possua (como é o caso) dimensões individuais, deve ser visto como  bem jurídico da colectividade”162. Contudo, “importa em todo o caso ainda demonstrar que essa sua natureza não prejudica (mas, pelo contrário, reforça) a circunstância de o ambiente dever ser também assumido como direito subjectivo de todo e qualquer cidadão individualmente considerado. Isto será claro se compreendermos que o ambiente, apesar de ser um bem social unitário, é dotado de uma indiscutível dimensão pessoal”163. As atribuições do Estado em matéria ambiental são acrescidas pelo facto de caber a este a  propriedade dos recursos recurs os naturais situados no solo e no subsolo, subs olo, nas águas interiores, no mar territorial, na plataforma continental e na zona económica exclusiva, conforme dispõe o artigo 35, da CRM. Ainda nos termos do artigo acima referido, a zona marítima, o espaço aéreo, o património

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arqueológico, as zonas de protecção da natureza, o potencial hidráulico e o potencial energético, constituem domínio público do Estado, assim como os demais bens classificados como tal pela lei.  Nestes termos, compete ao Estado a realização da inventariação destes recursos natura naturais is e determinar as condições do seu uso e aproveitamento, salvaguardando-se os interesses nacionais de acordo com o instituído pelo já referido artigo 36, da CRM. Porém, a protecção e conservação do ambiente não é só função do Estado, uma vez que, a sociedade no seu todo, e o cidadão em particular, têm uma missão fundamental para que o direito ao ambiente se traduza num direito objectivo, real e efectivo. É assim que a Constituição, ao estabelecer os direitos fundamentais, determina igualmente os correspondentes deveres. Ao direito de viver num ambiente equilibrado corresponde o dever de o defender. Por outro lado, para se defender o ambiente, tem-se de trabalhar pelo próprio ambiente. Por isso é que, ao se garantir o direito ao trabalho, estabelece-se igualmente o dever de trabalhar164. 162 162 DI DIAS AS,, José José Ed Edua uard rdoo Fi Figu guei eire redo do,,  Direito Constitucional e Administrativo do  Ambiente,, Cadernos  Ambiente CEDOUA, Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, Almedina, Janeiro, 2002, p. 12. 163 CA CANO NOTI TILH LHO, O, José José Joa Joaqu quim im Go Gome mess (co (coor orden denaç ação ão), ),  Introdução ao Estudo do  Ambiente, Universidade  Ambiente, Aberta, Lisboa, 1998, p. 26. 164 Cfr. Artigo 88, da CRM. Pelo que, somente com a harmonização entre o trabalho e o ambiente, se poderá garantir  o desenvolvimento económico-social, a criação de um bem-estar material e espiritual, o que constitui um dos fundamentos constitucionais da República de Moçambique, fazendo-se jus fazendo-se  jus ao então denominado Estado de Justiça Social165. Por isso, se o Homem é, por natureza, um ser eminentemente social, deverá saber  encontrar as forças mais adequadas para, em conjunto com os seus semelhantes, enfrentar 

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os desafios suscitados pelas mais diversas questões ambientais. Por outro lado, para agir  em colectivo, são necessárias normas que, não só reconheçam esse direito, como  permitam a actuação dos órgãos criados cr iados ou que vierem a ser criados par paraa esse fim. O direito de associação está consagrado no artigo 76, da CRM, e já se encontra regulamentado desde 1991166, pelo que, as associações, como pessoas colectivas dotadas de personalidade jurídica própria, podem prosseguir os seus fins, criar instituições e usufruir de património próprio167. A garantia destes direitos pressupõe necessariamente a sua defesa para o caso de se verificarem irregularidades por parte da administração pública, incumprimento do próprio Estado ou violações cometidas por terceiros, em relação ao seu normal exercício. Deste modo, o cidadão moçambicano gozava, nos termos da CRM de 1990, dos direitos de petição, queixa e reclamação168, do direito de impugnação169, e do direito à acção  judicial170, quer para defesa dos direitos, quer para defesa do interess interessee geral, de que o ambiente é parte integrante. 165 Cfr. Artigos 1.º e 6.º, ambos da CRM. 166 Veja-se a Lei n.º 8/91, de 18 de Julho, que regulamenta o exercício do direito à livre associação. 167 Cfr. Artigo 76/2, da CRM. 168 Cfr. Artigo 81, da CRM, regulamentado pela Lei n.º 2/96, de 2 Janeiro de 1996. 169 Cfr . Artigo 81, da CRM. 170 Cfr. Artigo 82, da CRM. `

3.1.2. A Constituição de 2004 Foi recentemente aprovada a nova Constituição da República de Moçambique (2004), tendo esta entrado em vigor no dia 20 de Janeiro de 2005, quando o Concelho Constitucional validou os resultados das últimas eleições legislativas e presidenciais. Esta constituição, que constitui a terceira na história de Moçambique independente, contém importantes aspectos em matéria ambiental em relação à antecedente, e que importa

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referir de modo a dar a conhecer a todos os interessados a linha de evolução em matéria  jurídico-ambiental do legislador constitucional e projectar as principais consequências no  plano do ordenamento jurídico moçambicano. Para Par a começar, importa referir que houve lugar a um reforço do modelo híbrido, representado pelos artigos 90, que consagra o direito ao ambiente, e 117, o qual, com a epígrafe “ambiente e qualidade de vida”, atribui ao Estado a obrigação de levar a cabo um conjunto bastante significativo de acções de  protecção e valorização do ambiente. É hoje indiscutível a elevação e correspondente autonomização, no ordenamento jurídico moçambicano, do ambiente à categoria de bem jurídico fundamental, ao lado da vida, da saúde ou da propriedade. Tal opção foi consequência do reconhecimento político e  jurídico da dimensão colectiva ou pública deste bem, isto é, enquanto valor ou interesses de carácter geral, que pertence à sociedade como um todo, sem contudo descurar a não menos importante dimensão individualista deste bem em termos de reconhecimento a todo e a qualquer cidadão de um direito fundamental ao ambiente. Posto isto, passamos a referir as mais importantes normas jurídico-ambientais da Constituição da República de Moçambique de 2004. Em primeiro lugar, urge que se tenha em conta o artigo 11 referente aos objectivos fundamentais do Estado moçambicano. E aqui destacamos em primeiro lugar a alínea c) –  “edificação de uma sociedade de justiça social e a criação do bem-estar material, espiritual e qualidade de vida dos cidadãos”. Esta alínea começa por determinar que a República de Moçambique visa edificar uma sociedade de justiça social. Ora, é facto assente que qualquer reflexão que se faça no domínio do ambiente não pode descurar a realidade social, económica, política e cultural do país, principalmente o facto de grande  parte dos principais problemas ambientais estarem fortemente associados ao nível elevado de pobreza que aflige a maioria da população moçambicana. O legislador constitucional assumiu, tal como já o tinha feito em 1990, a justiça social como prioridade, o que pressupõe necessariamente o combate às desigualdades de ordem social e económica. Nesses termos, pretende-se prosseguir, ao nível políticoprogramático, o modelo de Estado de Direito Social, em que o Estado intervém profunda e abertamente na sociedade para promover a justiça social. Veja-se, aliás, que o próprio artigo 1. ° da Constituição determina que “a República de Moçambique é um Estado

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independente, soberano, democrático e de justiça social”. Por outro lado, já novidade do legislador constitucional aconteceu em relação à clara alusão ao conceito de qualidade de vida, que não constava no artigo 6. ° da Constituição de 1990. Este conceito está intrinsecamente associado à noção do ambiente, tendo presente que uma das componentes fundamentais da qualidade de vida é, sem dúvida, a existência de condições ambientais minimamente satisfatórias. Já a alínea d) consagra como outro objectivo fundamental do Estado moçambicano “a  promoção do desenvolvimento equilibrado, económico, social e regional do país”. Nesta alínea encontramos implícita a preocupação com o ordenamento do território, que  promova acima de tudo uma harmonia e equilíbrio na implantação dos projectos económico e sociais em todo o território nacional, de modo a lutar contra as assimetrias  Norte/Sul, Interior/Litoral e Cidade/Campo. Tal entendimento pressupõe necessariamente n ecessariamente a integração da componente protecção do ambiente no próprio desenvolvimento, sem a qual não se poderá falar de sustentabilidade ou equilíbrio em termos de ordenamento do território. O legislador constitucional moçambicano reforçou significativamente a responsabilização do cidadão em relação ao ambiente, o que acontece desde logo com a integração do artigo 45, que não tem qualquer correspondência no texto constitucional anterior, o qual consagrou, para além de outros, três deveres essenciais de todo e qualquer cidadão para com a comunidade, designadamente nas alíneas e) - defender e promover a saúde, f) defender e promover a saúde e g) - defender e conservar o bem público e comunitário. Assiste-se, por conseguinte, a um fortalecimento da componente responsabilidade  partilhada, isto é, não obstante caber ao Estado moçambicano, moçambicano , sem margem para dúvida, o papel crucial de promoção, protecção, valorização destes bens, é indiscutível que sem o envolvimento e adesão do cidadão individualmente considerado, por um lado, e da comunidade no seu todo, por outro lado, não haverá qualquer sucesso significativo no que toca à implementação das políticas públicas. O cidadão é, portanto, não apenas um mero destinatário das políticas, normas e decisões do Estado, mas, fundamentalmente, sujeito determinante na respectiva implementação. Por seu turno, o artigo 52 consagrou a liberdade de associação, reconhecendo-se consequentemente um espaço amplo de actuação ao movimento associativo no domínio

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da protecção do ambiente. Este artigo, que se encontra integrado no capítulo II (direitos, deveres e liberdades) do Título III (direitos, deveres e liberdades fundamentais), corresponde quase na íntegra ao artigo 76 da Constituição de 1990. Sendo assim, podem ser criadas associações, como pessoas colectivas dotadas de personalidade jurídica  própria, para prosseguir prosseg uir fins no domínio do ambiente, nas diversas vertentes: protecção, pr otecção, consciencialização, educação, promoção, etc. Uma das consequências da constituição de uma associação ambientalista como nova pessoa jurídica é a possibilidade de esta poder  aceder à justiça com vista à tutela judicial dos direitos e interesses prosseguidos pela mesma e que, em determinado momento, possam estar a ser postos em causa por outrem. Falamos, neste caso, do pressuposto personalidade judiciária, isto é, a “susceptibilidade de ser parte” enquanto decorrência da personalidade jurídica. Posto isto, emerge no texto constitucional de 2004 uma importante inovação, que foi a consagração do direito de acção popular. Este artigo encontra-se integrado no capítulo IV (direitos, liberdades e garantias de participação política) do Título III (direitos, deveres e liberdades fundamentais), constituindo um passo digno de elogio por parte do legislador  fundamental. Note-se que, a título de curiosidade, existe um projecto-lei sobre o direito de acção popular depositado na Assembleia da República, desde 2001. Nos termos do número 1 do artigo 81, “todos os cidadãos têm, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos termos da lei”. A acção  popular, como instrumento processual processu al (civil e/ou administrativo), visa reforçar a tutela dos chamados direitos e interesses colectivos ou difusos, os quais incidem bens jurídicos cuja titularidade pertence a toda a colectividade e a ninguém particularmente: são os casos do ambiente, do património cultural, dos direitos dos consumidores, da saúde  pública, da qualidade de vida e do domínio público. Para a defesa de tais bens, assiste-se a uma ruptura expressa com a configuração clássica da legitimidade processual prevista no Código de Processo Civil moçambicano, que  permitia que apenas aqueles que tivessem sofrido sof rido danos directos e imediatos na sua  pessoa ou no seu património é que podiam recorrer aos tribunais, passando-se passan do-se para um modelo em que a legitimidade é extensiva a toda a colectividade, isto é, a todo e qualquer  cidadão na defesa de um bem jurídico difuso ou colectivo, independentemente de sofrer  ou não danos na sua esfera jurídica.

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A acção popular apresenta uma dupla vertente: por um lado, preventiva, no sentido de  permitir a qualquer pessoa (singular ou o u colectiva), o recurso a instrumentos de natureza naturez a cautelar, de modo a obstar à ocorrência de danos nos bens jurídicos tutelados por  semelhante instrumento; por outro, reparadora, na medida em que, no caso da ocorrência de danos, se confere o direito a qualquer pessoa de buscar, através das instâncias competentes, a reparação dos mesmos. Importa ainda referir que este instrumento actuará em dois níveis: um nível processual (traduzido no acesso aos tribunais propriamente dito) e um nível procedimental (que consiste na participação dos cidadãos no procedimento de tomada de decisões susceptíveis de acarretar consequências ambientais). O artigo 89 consagrou o direito à saúde, nos seguintes termos: “todos os cidadãos têm o direito à assistência médica e sanitária, nos termos da lei, bem como o dever de promover  e defender a saúde pública”. Integrado no capítulo V (direitos e deveres económicos, sociais e culturais) do Título III (direitos, deveres e liberdades fundamentais), este artigo corresponde quase na íntegra ao artigo 94 da Constituição de 1990. A diferença prende-se com a alusão à saúde pública em vez de tão-somente saúde. O enfoque não foi aleatório,  bem pelo contrário, espelha a dimensão da realidade nacional moçambicana, em que  problemas como a cólera e a malária, associadas ass ociadas a um estado ambientalmente  preocupante em muitos pontos do país, assumem ass umem contornos bastante preocupantes. Buscou-se, na segunda parte do artigo, a responsabilização do cidadão pelo estado do meio onde se encontra, isto é, pelas condições ambientais da sua casa, rua, bairro, local de trabalho, etc. Assim, saúde pública e ambiente constituem valores indissociavelmente ligados que, grande parte das vezes, merecem um tratamento conjunto e verdadeiramente coeso. A saúde pública é considerada, em muitos ordenamentos, um autêntico bem  jurídico de carácter difuso, conjuntamente com o ambiente, a mbiente, o património cultural, os direitos dos consumidores, etc. O artigo 90, referente ao direito ao ambiente, representa, juntamente com o artigo 117, que consubstancia o dever do Estado em proteger o ambiente, um dos dois pilares do regime jurídico-constitucional moçambicano de protecção do ambiente. Este artigo encontra-se integrado no capítulo V (direitos e deveres económicos, sociais e culturais) do Título III (direitos, deveres e liberdades fundamentais), correspondendo parcialmente ao artigo 72 da Constituição de 1990.

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O número 1 determinou que “todo o cidadão tem o direito de viver num ambiente equilibrado e o dever de o defender”. A implicação de tal construção é bastante relevante, tendo presente que o reconhecimento de um determinado valor como um direito fundamental pressupõe a consideração de que a protecção do bem jurídico ambiente como pressuposto essencial para uma existência livre e condigna. O reconhecimento do direito fundamental ao ambiente assume uma dupla dimensão: negativa, enquanto direito à abstenção, por parte de sujeitos terceiros, Estado ou particulares, de quaisquer actos de carácter nocivo susceptíveis de lesar o bem jurídico ambiente; em segundo lugar, e dimensão positiva, como um direito à realização de uma série de prestações positivas por   parte do Estado. Por seu turno, o número 2 do artigo 90 veio reforçar a componente objectivista do regime de protecção jurídico-constitucional do ambiente, ao determinar que “o Estado e as autarquias locais com a colaboração das associações na defesa do ambiente, adoptam  políticas de defesa do ambiente e velam pela utilização racional de todos os recursos naturais”.Trata-se de atribuir ao Estado a obrigação de tomar todas as iniciativas necessárias à efectiva tutela do ambiente, quer em termos positivos, garantindo o exercício do direito fundamental ao ambiente por parte de todos os cidadãos, como em termos negativos, abstendo-se de praticar acções ou omissões que ponham em causa o equi equilí líbr briio am ambi bien enttal al,, co cons nsttit itui uind ndoo a sua sua pr prot otec ecçã çãoo uma uma ga gara rant ntiia da no norm rmaa  jurídicoconstitucional. O artigo 98 corresponde parcialmente ao artigo 35 da Constituição de 1990 e quanto ao mesmo pouco há a dizer. Integra actualmente o capítulo I (princípios gerais) do Título IV (organização económica, social, financeira e fiscal). É, basicamente, sequência do  princípio enunciado no artigo 97, segundo o qual “a organização económica e social da República de Moçambique visa a satisfação das necessidades essenciais da população e a  promoção do bem-estar e assenta ass enta nos seguintes princípios fundamentais: (...) ff)) na  propriedade pública dos recursos recurs os naturais e de meios de produção, de acordo com o interesse social”. O número 1 deste artigo consagrou o princípio da propriedade do Estado sobre os recursos naturais situados no solo e no subsolo, nas águas interiores, no mar territorial, na plataforma continental e na zona económica exclusiva. Já o número 2 do referido artigo determinou constituir domínio público do Estado, entre outros bens: a

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zona marítima; as zonas de protecção da natureza; o potencial hidráulico; e o potencial energético O artigo 102, com a epígrafe “recursos naturais” corresponde na totalidade ao artigo 36 da Constituição de 1990, integrando actualmente o capítulo I (princípios gerais) do Título IV (organização económica, social, financeira e fiscal). Aí, o legislador determinou que o “Estado promove o conhecimento, a inventariação e a valorização dos recursos naturais e determina as condições do seu uso e aproveitamento com salvaguarda dos interesses nacionais. O artigo 117 é, conforme vimos anteriormente, o outro grande eixo do regime de  protecção jurídico-constitucional do ambiente. Com a epígrafe “ambiente e qualidade de vida”, encontra-se integrado no capítulo III (organização social) do Título IV (organização económica, social, financeira e fiscal). Este artigo correspondia, na Constituição de 1990, ao artigo 37, mas sem comparação alguma, dado o reforço substancial de normas fim ou normas tarefa realizado pelo legislador constitucional . À luz do número 1, “o Estado promove iniciativas para garantir o equilíbrio ecológico e a conservação e preservação do ambiente visando a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos”. Por seu turno, todo o número 2 do presente artigo constituiu uma consolidação das atribuições do Estado no domínio da protecção e conservação do ambiente. Assim, o legislador adoptou uma técnica meramente exemplificativa ou indicativa quanto às acções que poderão vir a ser desenvolvidas pelo Estado, isto é, não taxativa, tendo em conta que quer os problemas ambientais quer as tarefas a levar a cabo pelos órgãos da Administração Pública estão longe de se esgotar naquele elenco. Assim, previu, em termos exemplificativos, e com o fim de garantir o direito ao ambiente no quadro de um desenvolvimento sustentável, a obrigação do Estado de adoptar políticas visando:  prevenir e controlar a poluição e a erosão; er osão; integrar os objectivos ambientais nas políticas sectoriais; promover a integração dos valores do ambiente nas políticas e programas educacionais; garantir o aproveitamento racional dos recursos naturais com salvaguarda da sua capacidade de renovação, da estabilidade ecológica e dos direitos das gerações vindouras; e promover o ordenamento do território com vista a uma correcta localização das actividades e a um desenvolvimento sócio-económico equilibrado. Os artigos atrás assinalados não esgotam todo regime constitucional de protecção e

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conservação do ambiente. O conjunto de normas seleccionado partiu de uma linha meramente pessoal, perfeitamente discutível e, portanto, não isenta de críticas. Ficaram  por mencionar alguns artigos importantes, referentes r eferentes aos órgãos que podem po dem desempenhar  uma importante função ambiental, que, uma vez incluídos, tornariam demasiado extensa a Constituição Ambiental. Assim, não nos podemos esquecer do importante papel desempenhado pelo Ministério Público na defesa dos direitos e interesses difusos ou colectivos, constituindo, em muitos ordenamentos jurídicos, o seu principal garante. Todo o título X (artigos 234 a 240) da Constituição de 2004 é dedicado a tão importante magistratura. Por outro lado, há uma importante inovação em termos constitucionais com a criação da figura do Provedor de Justiça, prevista e regida no capítulo III do título XII da Constituição de 2004. Segundo o artigo 256 este “é um órgão que tem como função a garantia dos direitos dos cidadãos, a defesa da legalidade e da justiça na actuação da Administração”. Por conseguinte, o cidadão tem actualmente mais um importante canal de acesso à justiça, podendo assim fazer chegar ao Provedor de Justiça situações em que esteja em causa a violação do direito fundamental ao ambiente. Ficaram ainda por aflorar os artigos referentes ao acesso à justiça que, para a defesa do ambiente, pode acontecer pela via procedimental, através das garantias graciosas junto dos órgãos administrativos, ou processual, através do recurso aos tribunais, quer comuns quer o próprio Tribunal Administrativo. Vejam-se a esse respeito os artigo 62 (Acesso aos tribunais) 69 (direito de impugnação), o 70 (direito de recorrer aos tribunais) e 79 (direito de petição, queixa e reclamação). Por consequente, na sequência da configuração do direito ao ambiente como direito subjectivo fundamental, integrado no título III respeitante aos direitos, deveres e liberdades fundamentais, abrem-se as vias procedimental e judicial para a tutela das  posições jurídicas ameaçadas ou efectivamente ef ectivamente lesadas, quer na componente intrinsecamente individual (ter o cidadão sofrido directamente danos na sua pessoa ou  bens) mas também comunitária (os danos ocorrerem no próprio bem jurídico ambiente enquanto bem difuso, colectivo ou comunitário). A título de conclusão, pode-se dizer que o legislador constitucional deu um passo assinalável na consolidação do ordenamento jurídico-ambiental, através da incorporação de novas normas no ordenamento jurídico ambiental, as quais vão, sem dúvida, enfermar 

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desenvolvimentos a nível legislativo e regulamentar. O ambiente é actualmente um bem caracterizado por uma indiscutível dignidade jurídico-constitucional, o qual deverá determinar positivamente a actuação do legislador e dos órgãos da Administração Pública. A consagração do direito ao ambiente como direito fundamental dos cidadãos converte-o num direito de aplicação directa, de sentido perceptivo e não apenas programático, isto é, vale por si mesmo, sem dependência da lei, pelo que, a ele estão vinculadas todas as entidades públicas e privadas.

1.3.2. Adesão a tratados e convenções de âmbito internacional, continental e regional  No seguimento da consolidação do Direito Internacional do d o Ambiente, Moçambique iniciou, poucos anos após a Independência, um processo de adesão a tratados e convenções internacionais sobre diversas matérias ambientais, sendo o âmbito de aplicação variado: internacional (tendo normalmente as Nações Unidas como organização promotora), continental (tendo como principal sujeito a Organização da Unidade Africana, que deu lugar à actual União Africana) e regional (da autoria da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral). O primeiro instrumento a ser ratificado foi no domínio da protecção e conservação da  Natureza, referimo-nos à Convenção Conven ção Africana sobre a Conserv Conservação ação da Natureza e dos Recursos Naturais, ratificado pela Comissão Permanente da Assembleia Popular, através da Resolução n.º 18/81, de 30 de Dezembro. Esta Convenção foi celebrada na cidade de Argel, no ano de 1968, o qual constituiu, conforme vimos, um marco importante na história da conservação do continente africano, no período em que grande parte dos estados africanos já tinha alcançado a Independência, tendo aquela como objectivo fundamental assegurar a conservação, utilização e o desenvolvimento dos solos, das águas, dos recursos florestais e faunísticos dos Estados Membros, tendo presente os  princípios gerais da conservação da Natureza e os interesses das próprias pr óprias populações. Ainda em 1981, há a registar a adesão à Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção (ratificada pelo Conselho de Ministros, através da Resolução n.º 20/81, de 30 de Dezembro), celebrada no ano 1973,

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em Washington. Este instrumento de um enorme movimento de pressão realizado por  diversas organizações não governamentais de âmbito nacional e internacional junto dos governos e organizações internacionais no sentido de tomarem medidas concretas e eficientes contra o comércio de espécies de flora e fauna ameaçadas de extinção. Em relação à fauna, veja-se que, não obstante o rigoroso controlo que é realizado em locais estratégicos, principalmente nos lugares de destino de tais espécies, este comércio continua a verificar-se, associado a autênticas redes de crime organizado, dirigindo-se,  principalmente, a abastecer lojas de venda de d e animais exóticos, jardins zoológicos, coleccionadores privados ou investigação científica nos países desenvolvidos171. Tais redes conseguem contornar os esquemas de segurança montados, contando para o efeito com cumplicidade de alguns agentes desonestos das autoridades policiais e aduaneiras. O nosso país aderiu a este importante instrumento através da Resolução da  Resolução n.º 20/81, de 30 de  Dezembro,, do Conselho de Ministros.  Dezembro  No mesmo, o nosso país aderiu à União Internacional Interna cional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (UICN), ratificando o respectivo acto de inscrição, através da Resolução n.º 21/81, de 30 de Dezembro, do Conselho de Ministros. Tal iniciativa, complementada com a aprovação de legislação interna, comprova o esforço realizado pelo então Governo na materialização de uma política de protecção da flora e fauna nacionais. Contudo, este esforço foi gradualmente destruído devido ao impacto devastador da Guerra Civil em praticamente todo o país. Importa recordar que, à excepção da Reserva do Niassa, todos os restantes parques e reservas nacionais sofreram em termos substanciais as consequências do conflito172. 171 SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento (…), p. 115. 172 O caso, porventura, mais triste aconteceu com o Parque Nacional da Gorongosa que, em meados da década de setenta, chegou a receber, por ano, aproximadamente onze mil turistas, sendo considerado uma das mais importantes áreas de conservação do continente africano. A guerra conduziu ao abandono do

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Parque, à destruição das suas infra-estruturas e à redução do efectivo faunístico a números ínfimos, devido à caça ind indisc iscrim rimina inada. da. Alg Alguma umass espé espécie ciess fora foram m recent recenteme emente nte dadas dadas como como ext extint intas, as, designadamente, o Um ano depois, a Comissão Permanente da Assembleia Popular ratificou, através da Resolução n.º 17/82, de 13 de Novembro, a Convenção para a Protecção do Património Cultural e Natural do Mundo, elaborada pela UNESCO, assinada em Paris, a 23 de  Novembro de 1972, sob a égide da Organização das Nações Unidas. A ideia que es está tá na génese deste instrumento prende-se com o entendimento de que certos bens possuem um valor extraordinariamente rico que extravasa os limites fronteiriços do Estado onde os mesmos se encontram, pertencendo a toda a humanidade. Foi necessário esperar mais de dez anos, designadamente após a participação do nosso  país na Conferência do Rio, para que q ue novos instrumentos internacionais, de carácter  ambiental, fossem ratificados. Assim, a Assembleia da República ratificou, em 1993, através da Resolução n.º 8/93, de 8 de Dezembro, a Convenção de Viena sobre a Protecção da Camada de Ozono (de 22 de Março de 1985), o Protocolo de Montreal sobre Substâncias que destroem a Camada de Ozono (de 16 de Setembro e 1987) e as respectivas emendas (Londres – 1990; Copenhaga - 1992). Em 1994, a AR ratificou dois instrumentos internacionais que emergiram da Conferência do Rio, nomeadamente a Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas e a Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica, através, respectivamente, da Resolução n.º 1/94, de 24 de Agosto e da Resolução n.º 2/94, de 24 de Agosto. O ano de 1996 foi, sem margem para dúvidas, memorável em matéria de adesão a convenções internacionais de protecção do ambiente. Foram cinco os instrumentos ratificados pela AR, que a seguir passamos a mencionar. O primeiro foi a Convenção para a Protecção, Gestão e Desenvolvimento Marinho e Costeiro da Região Oriental de África, que tinha sido assinada na cidade de Nairobi, no Quénia, no dia 21 de Junho de 1985, e daí ser também conhecida como Convenção de rinoceronte e o boi-cavalo. Cfr. Artigo intitulado População intitulado  População animal continua a crescer ,  publicado no jornal

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“Notícias”, do dia 19 de Setembro de 2003.  Nairobi. Este instrumento foi ratificado por Moçambique através da Resolução n.º 17/96, de 26 de Novembro. O segundo e o terceiro instrumentos são alusivos a problemática da movimentação de resíduos sólidos. Referimo-nos, primeiro, à Convenção de Basileia sobre o Controlo de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Eliminação, ratificada por  Moçambique através da Resolução n.º 18/96, de 26 de Novembro; e, depois, à Convenção de Bamako relativa à Importação de Lixos Perigosos e ao Controlo da Movimentação Transfronteiriços desses lixos em África, ratificada por Moçambique através da Resolução n.º 19/96, de 26 de Novembro. Em seguida temos a Convenção das Nações Unidas sobre o Combate à Desertificação nos Países Afectados pela Seca e/ou Desertificação, ratificada pela república de Moçambique através da Resolução n.º 20/96, de 26 de Novembro. E, finalmente, ainda em 1996, destaque-se a ratificação por Moçambique da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, através da Resolução n.º 21/96, de 26 de  Novembro. Em 2001, destacamos a ratificação, pela AR, através da Resolução n.º 11/2003, de 20 de Dezembro, do Protocolo de Cartagena sobre Bio-Segurança, que surgiu na sequência da Convenção da Biodiversidade, visando “contribuir para assegurar um nível adequado de  protecção no domínio da transferência segura, manuseamento e utilização de organismos vivos modificados resultantes da biotecnologia moderna que possam ter efeitos adversos na conservação e utilização sustentável da diversidade biológica, tomando também em consideração os riscos para a saúde humana e com particular enfoque no movimento transfronteiriço”173. 173 Cfr. Artigo 1. ° do Protocolo de Cartagena sobre Bio-Segurança. Em 2003, a República de Moçambique aderiu à Convenção sobre Terras Húmidas de Importância Internacional – Especialmente as que servem de Habitat de Aves Aquáticas, assinada a 2 de Fevereiro de 1971, em Ramsar, no Irão, e ao respectivo Protocolo de Paris de 3 de Dezembro de 1982 e Emenda de Regina, Canadá, através da Resolução n.º 45/2003, de 5 de Novembro, do Conselho de Ministros, tendo para o efeito, na sequência dos termos da referida convenção, indicado o Complexo de Marromeu como local a ser 

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incluído na lista de terras húmidas de importância internacional. É curioso notar que, em termos históricos, as zonas húmidas chegaram a ser consideradas, principalmente pela classe de engenheiros, como áreas a ser totalmente erradicadas, com fundamento em argumentos de ordem sanitária ou então com vista à recuperação de zonas para outros fins. A importância das zonas húmidas, outrora consideradas insalubres, inóspitas ou indesejáveis, foi finalmente reconhecida internacionalmente174. Já em 2004, dá-se a adesão da República de Moçambique ao Protocolo de Kyoto das  Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que foi aprovado na cidade japonesa de Kyoto, no dia 11 de Dezembro de 1997, durante a 3.ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, através da Resolução n.º 10/2004, de 28 de Julho, da Assembleia da República. Ao nível regional, Moçambique é membro da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), tendo o respectivo Tratado sido assinado em Agosto de 1992 e ratificado um ano mais tarde pela Assembleia da República, através da Resolução n.º 3/93, de 1 de Junho. Ora, um dos oito grandes objectivos do Tratado da SADC é  precisamente “conseguir a utilização sustentável dos d os recursos naturais e a protecção efectiva do meio-ambiente”175. Em consequência, foram elaborados diversos protocolos, imediatamente ratificados pelo Conselho de Ministros, com importância directa ou indirecta para a protecção do ambiente dos Estados membros, designadamente: o Protocolo de Cooperação no

174 A título de curiosidade, veja-se que parte substancial das cidades de Maputo e Beira foi construída sobre terras húmidas, conquistadas à custa de um grandiosos aterros. Domínio da Energia da SADC (através da Resolução n.º 52/98, de 15 de Setembro); o Protocolo sobre o Sector Mineiro da SADC (através da Resolução n.º 53/98, de 15 de Setembro); o Protocolo Revisto sobre Cursos de Água Compartilhados na Região da SADC (através da Resolução n.º 31/2000, de 27 de Dezembro); o Protocolo sobre o Desenvolvimento do Turismo da SADC (através da Resolução n.º 12/2001, de 20 de Março); o Protocolo relativo à Conservação da Fauna e Aplicação da Lei na SADC

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(através da Resolução n.º 14/2002, de 5 de Março); e, mais recentemente, o Protocolo sobre as Pescas da SADC (através da Resolução n.º 39/2002, de 30 de Ab ril )).. Ao nível regional, destaque-se a celebração em Maputo, no dia 18 de Agosto de 1999, do Protocolo relativo à Conservação da Fauna e Aplicação da Lei na Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), que veio a ser aprovado através da Resolução n.º 14/2002, de 5 de Março. Este protocolo tem como objectivos fundamentais: promover o sustentável da fauna; facilitar a harmonização dos instrumentos jurídicos inerentes ao regulamento do uso e conservação da fauna;  promover a aplicação das leis inerentes à fauna dentro e entre as Partes; facilitar f acilitar a troca de informações concernentes a gestão, ao uso e à aplicação das leis relativas à fauna; apoiar na formação de capacidade nacional e regional de gestão, conservação da fauna e da aplicação das leis relativas à fauna; promover a conservação dos recursos faunísticos comuns através da criação de áreas inter fronteiriças de conservação; e facilitar práticas de gestão comunitária dos recursos sobre a fauna. Começa-se, assim, a esboçar um Direito Regional do Ambiente ao nível da SADC, o qual  poderá revelar-se, num nu m futuro próximo, de extrema importância para a pr protecção otecção e conservação do ambiente dos Estados membros. Moçambique é ainda estado membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), tendo ratificado a Declaração da respectiva Constituição através da Resolução n.º 3/93, de 1 de Junho, do Conselho de Ministros, sendo que um dos objectivos desta organização internacional, entre muitos, é precisamente “incentivar a cooperação bilateral 175 Cfr. Artigo 5.°/1 g) do Tratado da SADC e multilateral para a protecção e preservação do meio ambiente nos Países Membros, com vista à promoção do desenvolvimento sustentável” Há que ter ainda presente, a médio e longo prazo, a eventual emergência de um Direito Continental do Ambiente, ao nível da União Africana, apesar de a protecção do ambiente não fazer, estranhamente, parte do elenco de objectivos constante no artigo 3. ° do respectivo Tratado, ratificado pela AR, através da Resolução n.º 44/2001, de 2 de Maio.

1.3.3. O movimento legislativo ambiental em Moçambique 1.3.3.1. Período Colonial

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Moçambique, ainda como colónia portuguesa, não constituiu excepção, e há indícios da existência de legislação florestal e faunística desde os primórdios do século XX. Os  portugueses realizaram inúmeros e exaustivos estudos científicos sobre a extraordinariamente rica flora e fauna do território nacional, muitos dos quais ainda hoje se encontram disponíveis em diversos centros de documentação, mantendo uma actualidade assinalável. Tais trabalhos recomendaram por vezes a necessidade de se introduzirem medidas de protecção ou preservação de algumas espécies, em função do grau de importância, raridade, endemismo ou ameaça que sobre as mesmas incidiria.  No domínio da fauna bravia, importa, antes de mais, referir r eferir que o mais antigo Regulamento de Caça conhecido é datado de 1883, dizendo respeitos aos então territórios de Manica e Sofala, tendo sido aprovado por Decreto de 27 de Junho, publicado no Boletim Oficial n.º 40. Mais tarde, veio a ser aprovado o Regulamento de Caça do Distrito de Lourenço Marques, aprovado por decreto de 28 de Dezembro de 1903,  publicado no Boletim Oficial n.º 9, de 27 de Fevereiro de 1904176. 1 904176. 176 RO ROSIN SINHA HA,, Ar Arma mando ndo,, Al Algun gunss Da Dado doss Hi Hist stóri órico coss sobre sobre o Pa Parqu rquee Nacio Naciona nall da Gorongosa, Palestra  proferida pelo Autor no dia 9 de Dezembro de 1981, durante a 1.ª Reunião Nacional sobre Fauna Bravia, realizada no Parque Nacional da Gorongosa, Arquivo Histórico, Maputo, 1989, p. 212.

O último regulamento referido no parágrafo acima veio a ser modificado e posto em vigor para toda a província de Moçambique (Regulamento para o Exercício da Caça na Província de Moçambique), através de Decreto de 2 de Junho de 1909, publicado no Boletim Oficial n.º 33, de 14 de Agosto de 1909177. Em 1955, dá-se um passo importante com a aprovação do Decreto n.º 40 040, de 20 de Janeiro de 1955, que estabeleceu preceitos gerais a observar nas províncias ultramarinas referentes à protecção do solo, flora e fauna. Foi uma primeira e interessante abordagem integrada de tais componentes ambientais, bastante moderna em função da época em causa, a qual viria a ser de seguida abandonada, aquando do processo de regulamentação

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subsequente178. subsequen te178. Segundo os autores A. Rosinha e Travasso Dias, “tal reunião fez-se cm o objectivo de traduzir em lei a unidade que no campo da Natureza existe entre o solo, o seu revestimento vegetal e os animais selvagens, prevendo, ainda, a merecida protecção de lugares e objectivos de especial beleza natural ou interesse estético e científico”179. Uma das consequências deste Decreto foi de ordem institucional, isto é, o Governo Colonial entregou aos Serviços de Veterinária e Industria Animal todos os assuntos respeitantes à fauna bravia. Armando Rosinha escreveu a este respeito que “isto equivale a dizer que, ao tempo, os serviços oficiais responsáveis pela Pecuária – e pela Fauna também, portanto – apoiados decididamente pela opinião publica generalizada, aceitavam com bons olhos, e desejavam mesmo, o extermínio puro e simples da enorme riqueza constituída pelos animais selvagens que habitavam ainda (…) grande parte do território da então colónia de Moçambique. E se os Serviços oficiais responsáveis pela fauna  bravia, pensavam assim, não é de estranhar e stranhar que os restantes – Administrativos, de Saúde, Saú de, etc. – ainda fossem mais extremistas, daí resultando as enormes dificuldades pelas quais a 177 Idem, p. 213. 178 Outro aspecto curioso foi a inclusão do solo como objecto de tratamento jurídico normativo em conjunto com a flora e fauna bravia. Tal visão não perdurou no tempo, pouco se equacionando mesmo nos tempos que correm, levando-nos a pensar o quão necessária é. O mesmo se diga em relação a outros componentes ambientais, como são a água e os recursos minerais. A tendência ao nível políticoadministrativo é, não obstante a emergência do princípio da visão global e integrada do ambiente, ao nível da legislação do ambiente, ambien te, perspectiva perspectivarr cada componente ambient ambiental al de uma forma estanque e demasiado demasiado isolado, encontrando-se estes sob tutela de diferentes entidades ministeriais.

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179 ROSINHA, A. J. /DIAS, J. Travasso, Preparação Travasso,  Preparação do IV Plano de Fomento Fomento,, Capítulo IV – Animais Selvagens, Direcção dos Serviços de Planeamento e Integração Económica, Lourenço Marques, 1972. conservação teve que passar sempre, sendo portanto a causa de muitas situações desagradáveis verificadas”180.  Note-se que o Decreto n.º 40 040, 04 0, de 20 de Janeiro de 1955 foi objecto de regulamentação em Moçambique por intermédio de inúmeros diplomas específicos, o resultou numa abordagem parcelar de cada componente natural. Quanto à fauna bravia, começaríamos por salientar o Diploma Legislativo n.º 2496, de 4 de Julho de 1964, que definiu preceitos gerais referentes à protecção da fauna selvagem. Este Decreto estabeleceu, entre outras coisas, o elenco de “zonas de protecção da fauna selvagem”, constituindo estas em parques nacionais, reservas naturais integrais, reservas parciais, reservas especiais e zonas sujeitas a regime de vigilância especial. Contudo, uma série de acontecimentos suscitou a necessidade de o Governo Colonial fazer aprovar nova legislação para proteger a fauna bravia de Moçambique, que enfrentava a sua maior ameaça desde sempre, conforme relataremos de seguida.  Na sequência do investimento massivo no sector da d a agricultura nas províncias de Cabo Delgado, Nampula e Zambézia, através da criação de grandes plantações de coqueiros, sisal, açúcar e chá, levantou-se o problema da necessidade de promover a alimentação dos milhares de trabalhadores rurais contratados para nelas trabalharem. Tendo presente o impacto devastador da mosca tsé-tsé na regiões em causa na criação de gado, começou a emergir a actividade realizada por caçadores profissionais, que passaram a abastecer em carne de caça os proprietários das plantações. Ora, como era extremamente fácil obter  uma licença de caçador profissional, sendo o regime de protecção da fauna bravia,  bastante incipiente, desde logo porque rareavam rareav am as proibições e restrições legais. O negocio começou a prosperar, conduzindo a que, em dada altura, eram mais de cem os 180 RO ROSIN SINHA HA,, Ar Arma mando ndo,, Al Algun gunss Da Dado doss Hi Hist stóri órico coss sobre sobre o Pa Parqu rquee Nacio Naciona nall da Gorongosa, Palestra

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 proferida pelo Autor no dia 9 de Dezembro de 1981, durante a 1.ª Reunião Nacional sobre Fauna Bravia, realizada no Parque Nacional da Gorongosa, Arquivo Histórico, Maputo, 1989, p. 219.

caçadores profissionais, cada um dos quais com a sua brigada de moçambicanos que para aqueles caçavam181. Em poucos anos foi drasticamente dizimada toda fauna bravia de grande e médio porte fora das áreas protegidas existentes. O problema foi analisado profundamente pelo Governo Colonial, que fez aprovar de seguida o Diploma Legislativo n.º 1982, de 8 de Junho de 1960, o Regime Jurídico das Actividades Cinegéticas, contendo dezoito anexos, que substituiu o Regulamento de Caça de 1909. Três anos depois, foi publicado o Diploma Legislativo n.º 2427, de 7 de Dezembro de 1963, que permitiu o aproveitamento racional de carne de animais bravios como fonte de abastecimento de proteínas e de matérias industrializáveis, através da sua pecuarização. Entretanto, o regime aprovado através do Diploma Legislativo n.º 1982, de 8 de Junho de 1960 veio a revelar algum desajustamento em relação à realidade, na sequência da sua execução nos dois anos subsequentes, o que conduziu à necessidade de se introduzirem alterações e inovações, optando-se pelo seu desdobramento em diversos regulamentos especiais.  Na sequência de tal opção, foram aprovados apro vados os seguintes diplomas: o Diploma Legislativo n.º 2627 (que aprovou o Regulamento da Caça); o Diploma Legislativo n.º 2628 (que aprovou o Regulamento do Caçador Guia), o Diploma Legislativo n.º 2629 (que aprovou o Regulamento das Coutadas), o Diploma Legislativo n.º 2630 (que aprovou o Regime de vigilância da Fauna Selvagem) e o Diploma Legislativo n.º 2631 (que aprovou o Regulamento dos Troféus e Despojos), todos de 7 de Agosto de 1965. Um pouco mais tarde, foram aprovados o Diploma legislativo n.º 2977, de 6 de Junho de 1970, que definiu as bases da criação e exploração de animais selvagens, e a Portaria n.º 23 406, de 2 de Setembro de 1970, que aprovou o Regulamento da Criação e Exploração de Animais Selvagens.

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181 SPENCE, C. F., Moçambique F., Moçambique – África Oriental Portuguesa Portuguesa,, Lisboa, 1965, pp. 27 –  37.  No domínio das florestas, urge que façamos f açamos referência ao Regulamento Florestal, aprovado pelo Diploma Legislativo n.º 2622, de 20 de Setembro de 1965. Importa assim referir que, ao nível legislativo e até de certo ponto sectorial, os componentes flora e fauna foram tratados de uma forma isolada e separadamente, isto é, enquanto objectos de políticas distintas e autónomas entre si. Existia legislação que debruçava exclusivamente no componente ambiental fauna, legislação que tinha a fauna  bravia como objecto de regulamentação. Esta Es ta perspectiva dominou os poderes executivo e legislativo do território durante largas dezenas de anos, tendo vindo a ser superada já em finais da década de noventa com o início de um novo ciclo legislativo, assente no conceito de protecção integrada, conforme veremos adiante.

1.3.1.2. Período Pós Independência 1.3.1.2.1. Os primeiros passos O movimento legislativo no domínio do ambiente de Moçambique Independente não iniciou com a Lei do Ambiente, como alguns podem ser levados a pensar. Foi no domínio da protecção da flora e fauna que surgiram os primeiros diplomas legais. Referimo-nos ao Decreto n.º 7/78, de 18 de Abril (que regulamenta as modalidades de caça a serem  praticadas na República Popular de Moçambique), à Portaria n.º 117/78, de 16 de Maio (que regulamenta o Decreto n.º 7/78, de 18 de Abril) e ao Decreto n.º 12/81, de 25 de Julho (que determinou que fossem classificadas como madeiras preciosas todas as que,  pelas suas qualidades, raridade, utilização e valor que possuam no mercado internacional, devessem ser protegidas de forma especial). Mais tarde, foi aprovada a Lei n.º 10/88, de 22 de Dezembro, que determinou a protecção legal dos bens materiais e imateriais do património cultural moçambicano. Este instrumento legal fixou as bases do regime de protecção do património cultural, incluindo também bens naturais. É assim que, em relação aos bens culturais imóveis, o Legislador   prevê, para além dos monumentos, os conjuntos e os locais ou sítios, os chamados 103elementos naturais, que são “as formações geológicas e fisiográficas e áreas que

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constituam o habitat de espécies ameaçadas de animais ou plantas de grande valor do  ponto de vista da ciência ou da conservação conser vação da natureza” e “as áreas delimitadas de reconhecido valor sob o ponto de vista da ciência ou da conservação da natureza, nomeadamente os parques e reservas”182. Contudo, esta Lei tem vindo a ter muito pouca implementação prática, por razões que desconhecemos.

1.3.1.2.1. A Lei do Ambiente e seus regulamentos O ano de 1997 foi caracterizado   por um importante importante marcos legislat legislativo: ivo: foi aprovada a Lein.º 20/97, de 1 de Outubro – Lei do Ambiente, que se configura actualmente coo uma espécie de lei-quadro, fixando as bases do regime de protecção jurídico-legal do ambiente. Esta lei tem vindo a sofrer um processo de regulamentação, passando nós a destacar os seguintes diplomas: Decreto n. º 39/2000, de 17 de Outubro (Aprova o

Estatuto Orgânico do Fundo do Ambiente ); Decreto n.º 40/2000, de 17 de Outubro (Aprova o Estatuto Orgânico do Conselho Nacional de Desenvolvimento   Sustentável); Decreto n.º 8/2003, de 18 de Fevereiro  (que aprovou o Regulamento sobre a Gestão dos Lixos Biomédicos); Decreto n.º 32/2003, de 12 de Agosto (que aprovou o Regulamento relativo ao Processo de Auditoria Ambiental); Decreto n.º 18/2004, de 2 de Junho (que aprovo apr ovouu o Re Regu gula lame ment ntoo so sobre bre Padrõ Padrões es de Qu Qual alid idad adee Ambi Ambien enta tall e de Emis Emissão são de Efluentes); Decreto n.º 45/2004, de 29 de Setembro (que aprovou o Regulamento sobre o Processo de Avaliação do Impacto Ambiental); Decreto n.º 11/2006, de 15 de Junho (que aprovou o Regulamento sobre a Inspecção Ambiental); Decreto n.º 13/2006, de 15 de Junho (que aprovou o Regulamento sobre a Gestão de Resíduos); e o Decreto _____ (que aprovou o Regulamento da Prevenção da Poluição e Protecção do Ambiente Marinho e Costeiro). 182 Cfr. Artigo 3. °/4 d), da Lei n.º 10/88, de 22 de Dezembro. 104 Conforme de poderá verifica, diversos aspectos da Lei do Ambiente ainda carecem de regulamentação, como são exemplos paradigmáticos: a responsabilidade civil objectiva, o seguro ambiental, os crimes ambientais, o acesso às fontes de informação, entre outras.

1.3.1.2.3. Legislação Ambiental Complementar

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Para além da Lei do Ambiente propriamente dita, podemos encontrar no nosso ordenamento jurídico diversa legislação complementar contendo normas jurídicas de  protecção e conservação do ambiente. Faremos uma breve alusão aos principais diplomas legais, sem pretender esgotar o já vasto rol legislativo em vigor no País, em função da classificação por temas Quanto à legislação referente ao uso e aproveitamento dos inúmeros recursos naturais,  passamos aludir aos principais diplomas, obedecendo obed ecendo à classificação por recurso recurs o natural, o qual, note-se, constitui, à luz da Lei do Ambiente, um componente ambiental, isto é,  parte integrante da noção jurídico-legal de ambiente183. • Terras – Temos a Lei n.º 19/97, de 1 de Outubro (Lei ( Lei da Terra) e o seu Regulamento, aprovado pelo Decreto n.º 66/98, de 8 de Dezembro. Esta legislação estabeleceu as chamadas zonas de protecção total e parcial, criadas, em muitos casos, com o intuito de protecção e conservação ambiental. • Águas – Vigora neste domínio a Lei n.º 16/91, de 3 de Agosto Agos to (adiante designada  por Lei de Águas), que definiu as bases b ases do regime de uso e aproveitamento dos d os recursos hídricos, possuindo uma forte componente de protecção e sustentabilidade ecológica em relação a tão importante componente ambiental, que se configura como verdadeira fonte de toda e qualquer espécie de vida. Esta Lei possui alguns regulamentos, aprovados pelos seguintes diplomas: Decreto n.º 180/2004, de 15 de Setembro (que aprovou o Regulamento sobre a Qualidade de Água para o Consumo Humano); 183 Cfr. Artigo 1/2, da Lei do Ambiente. 105 • Florestas e Fauna Bravia – Neste domínio vigora essencialmente a Lei n.º 10/99, de 22 de Dezembro (Lei de Florestas e Fauna Bravia) e seus Regulamentos, aprovados pelos seguintes diplomas: Decreto n.º 12/2002, de 6 de Junho (que aprovou o Regulamento da Lei de Florestas e Fauna Bravia); Diploma Ministerial n.º 271/2004, de 31 de Dezembro (que estabeleceu o regime de importação, exportação e reexportação de espécies de fauna e flora ameaçadas de extinção); Diploma Ministerial n.º 128/2006, de 12 de Julho (aprova o Estatuto dos Fiscais de Florestas e Fauna Bravia). Esta legislação estabelece os princípios

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e normas básicas sobre a protecção, conservação e utilização sustentável dos recursos florestais e faunísticos, no quadro de uma gestão integrada para o desenvolvimento económico e social do pais. • Pescas - A legislação que rege as pescas está, em primeiro lugar, representada  pela Lei n.º 3/90, de 26 de Setembro (Lei das Pescas), a qual foi regulamentada através de diversos diplomas: Decreto n.º 16/96, de 28 de Maio (que aprovou o Regulamento da Pesca Desportiva e Recreativa); Decreto n.º 35/2001, de 13 de  Novembro (que aprovou o Regulamento Regu lamento Geral da Aquacultura); Decreto n.º 43/2003, de 10 de Dezembro (que aprovou o Regulamento Geral de Pesca Marítima - REPMAR). Esta legislação fixa uma série de medidas de protecção conservação dos recursos pesqueiros. • Minas – Neste domínio temos, em primeiro lugar, a Lei n.º 14/2002, de 26 de Junho (Lei de Minas), que sofreu um processo de regulamentação, do qual destacamos os seguintes diplomas: Decreto n.º 28/2003, de 17 de Junho (que aprovou o Regulamento da Lei de Minas); Decreto n.º 26/2004, de 20 de Agosto (que aprovou o Regulamento Ambiental para a Actividade Mineira). Esta legislação regula os termos do exercício dos direitos e deveres relativos ao uso e aproveitamento dos recursos minerais, com respeito pelo ambiente, com vista à sua utilização racional e em benefício da economia nacional. • Energia - Ainda com importantes disposições de protecção ambiental, podemos referir a Lei n.º 21/97, de 1 de Outubro (que regula a actividade de produção, transporte, distribuição e comercialização de energia eléctrica) e a Lei n.º 3/2001, de 21 de Fevereiro (Lei dos Petróleos). Relativamente à legislação sobre o exercício de actividades económicas, importa tomar  em consideração alguns diplomas legais com relevância jurídico-ambiental. Para o efeito, recorreremos ao classificação por sector de actividade. Obviamente que se deve fazer a leitura desta listagem em estreita articulação com a listagem resultante da aplicação da classificação que atende ao recurso natural, pois toda a legislação ai constante se relaciona com o exercício de actividades económicas. • Turismo – Neste domínio temos a Lei n.º 4/2004, de 17 de Junho (Lei do Turismo). Esta Lei possui uma componente de protecção e conservação do

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ambiente digna de menção, fundamentada no conceito de turismo sustentável, enquanto aquele “baseado numa gestão ambiental que satisfaz as necessidades da geração presente, sem comprometer o equilíbrio do ambiente e a  possibilidade das gerações futuras satisfazerem também as suas necessidades”. necess idades”. Esta Lei foi recentemente regulamentada, destacando nós o Regulamento de Alojamento Turístico, Restauração e Bebidas, aprovado pelo Decreto n.° 40/2005, de 30 de Agosto. • Construção - Destacamos o Regime de Licenciamento de Obras Particulares, aprovado pelo Decreto n.° 2/2004, de 31 de Março. • Indústria – Invocamos aqui o Regulamento de Licenciamento da Actividade Industrial, aprovado pelo Decreto n.° 39/2003, de 26 de Setembro.

1.3.4 . Noção jurídica de Ambiente  Note-se que é possível, em traços gerais, identificar no Direito Comparado, duas tendências de construção do conceito de ambiente184: 184 CAN CANOTI OTILHO LHO,, José Joaqu Joaquim im Gom Gomes es (co (coorde ordenaçã nação), o),  Introdução ao Direito do  Ambiente,, Universidade  Ambiente Aberta, Lisboa, 1998, pp. 21 – 24. - conceito amplo de ambiente, que inclui, para além dos chamados componentes ambientais naturais (a água, o ar, o solo, o subsolo, a flora e a fauna), também os componentes ambientais humanos (o ambiente “construído”, isto é, produto da acção do Homem); - conceito estrito de ambiente, cingido apenas aos componentes ambientais naturais, correspondendo à ideia de Natureza. Posto isto, vejamos alguns exemplos de conceitos elaborados na legislação dos países de língua oficial portuguesa. Assim, no Brasil, ambiente é entendido como “o conjunto de condições, leis, influências e interacções de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”, sendo considerado como “um património público a ser 

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necess nec essari ariam amen ente te ass asseg egura urado do e prote protegi gido do,, te tend ndoo em vi vist staa o uso co cole lect ctiv ivo”1 o”185 85.. No entender  de Paulo Machado, trata-se de uma definição ampla que abrange tudo aquilo que permite a vida, que a abriga e rege, incluindo as comunidades, os ecossistemas e a biosfera186. Em Portugal, o ambiente é tido como “o conjunto dos sistemas físicos, químicos,  biológicos e suas relações e dos factores económicos, sociais e culturais com efeito directo ou indirecto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida do homem”187. Para João P. Reis, a definição de ambiente pela lei portuguesa atinge contornos bastante amplos, sendo que, para além dos elementos naturais, abarca igualmente os factores económicos e sociais188. Freitas do Amaral considera que esta lei  preocupa-se “em proteger a vida do Homem, em garantir a qualidade de vida do Homem, em assegurar a saúde e o bem-estar do Homem, em garantir a utilização dos recursos naturais como pressuposto básico do desenvolvimento do Homem”, e como tal, é uma lei 6938/81. 185 Cfr. Artigos 3.º/1 e 2.º/1, da Lei Federal Brasileira – Lei –  Lei n.° 6938/81. 186 MAC MACHAD HADO, O, Paul Paulo, o,  Direito Ambiental Brasileiro Brasileiro,, 6.ª edição, Malheiros Editores, São Paulo, Brasil, 1996, p. 72. 187 Cfr. Artigo 5.º/2, a), da Lei da  Lei n.º 11/87, de 7 de Abril . 188 REIS, João Pereira Pereira,,  Lei de Bases do Ambiente – Anotada e Comentada Comentada,, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, pp. 24 e 25. que “soa já um pouco ultrapassada e, porventura, demasiado subordinada às necessidades do Homem”189. Em Angola, a Lei de Bases do Ambiente remete a definição de ambiente para o glossário, sendo que: “ambiente é o conjunto de sistemas físicos, químicos, biológicos e suas relações e dos factores económicos, sociais e culturais com efeito directo ou indirecto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida dos seres humanos”190. Em Cabo Verde, a Lei de Bases da Política de Ambiente define ambiente como “o conjunto dos sistemas físicos, químicos, biológicos e suas relações e dos factores

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económicos, sociais e culturais com efeito directo ou indirecto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida do homem”191. Em Moçambique, o Legislador constitucional não definiu o conceito de ambiente, tendo deixado tal tarefa para o plano ordinário, o que veio a acontecer com a Lei do Ambiente. Segundo esta, ambiente é “o meio em que o homem e outros seres vivem e interagem entre si e com o próprio meio, incluindo o ar, a luz, a terra e a água; os ecossistemas, a  biodiversidade e as relações ecológicas, eco lógicas, toda a matéria orgânica e inorgânica, todas as condições sócio-culturais e económicas que afectam a vida das comunidades”192. Le Leva vant ntaa-se se a qu ques estã tãoo de sabe saberr o qu quee o Legi Legisl slad ador or qu quis is di dize zerr co com m “c “con ondi diçõ ções es sócioculturais e económicas que afectam a vida das comunidades”, visto tratar-se de uma formulação demasiado vaga e susceptível de dar azo às mais diversas interpretações. Recorrendo a João Pereira Reis, concluiremos que o conceito de ambiente, ao abranger  não somente os componentes naturais, mas também as condições sociais, culturais e económicas, traduz-se em “tudo aquilo que nos rodeia (...) e que influencia, directa ou indirectamente, a nossa qualidade de vida e os seres vivos que constituem a biosfera”193. 189 In: Apresentação, Direito Apresentação, Direito do Ambiente, Ambiente, INA, Oeiras, p. 17. 190 Cfr. Artigo 2.°, da Lei da  Lei n.º 5/98 5/98,, de 19 de Julho de 1998, Diário da República de Angola n.º 27, IS. 191 Cfr . Art Artigo igo 5.°/2 5.°/2 a), da  Lei n.º 86/IV/93 86/IV/93,, B.O. de Cabo Verde, n.º 27, IS, de 26 de Julho de 1993. 192 Cfr . Artigo 1.º/2, da Lei da Lei n.º 2/96, de 1 de Janeiro de 1996 . Comemtada,, Livraria 193 REIS, João Pereira, Lei Pereira,  Lei de Bases do Ambiente – Anotada e Comemtada Almedina, Coimbra, 1992, p. 25. Poder-se-á dizer, então, que o Legislador moçambicano enveredou pela delimitação de um conceito amplo de ambiente, o qual integra duas espécies de componentes: os componentes ambientais naturais, designadamente o ar, a luz, a água, o solo, o subsolo, a flora e a fauna; e os componentes ambientais humanos, que compreendem o património

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cultural construído e a paisagem. .  “COMO É POSSÍVEL QUE NÓS, SERES HUMANOS, QUE  NOS CONSIDERAMOS RACIONAIS, INTELIGENTES E TECNOLOGICAMENTE AVANÇADOS, NÃO SEJAMOS COMPATÍVEIS COM O RESTO DA BIOSFERA? É PRECISO RECTIFICAR OS ERROS COMETIDOS E ENFRENTAR  OS PROBLEMAS. NÃO QUEREMOS RENUNCIAR A TUDO O QUE CONQUISTÁMOS, MAS HÁ QUE EXIGIR UMA GESTÃO VIÁVEL, QUE INCLUA OS CUSTOS AMBIENTAIS NOS CUSTOS GERAIS”. TOHARIA, Manuel,  A Explosão Ecologista e o Meio Ambiente, Ambiente, In: “Século XX – Homens, mulheres e factos que mudaram a história”, Público/El País, p. 789.

Capítulo Segundo – Princípios básicos 2.1. A importância dos princípios ambientais Os princípios, não constituíndo propriamente normas jurídicas, e, consequentemente, não sendo directamente aplicáveis aos casos concretos, não deixam de revestir uma importância crucial, pois, segundo Gomes Canotilho194: representam padrões que  permitem aferir a validade das leis, conduzindo à inconstitucionalidade ou ilegalidade de normas ou actos administrativos que as contrariem; desempenham um papel crucial como auxiliares da interpretação de outras normas jurídicas195; e, por último, revelam-se instrumentos de carácter valioso na integração de lacunas. Para Paulo Antunes, “a importância dos princípios jurídicos está no facto de que eles espelham os pensamentos basilares sobre uma regulamentação jurídica positiva ou que  possa vir a ser positivada. Eles, em si s i próprios, não podem ser aplicados directamente, mas, sim, podem transformar-se em regras aptas a serem aplicadas. São princípios materiais quando remetem a um conteúdo intelectivo que indica uma regulamentação

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legal. Eles apontam o caminho para a descoberta da norma jurídica aplicável e de como aplicá-la”196. 194 CANOTILHO, José Joaquim Gomes (coordenação científica), Introdução científica),  Introdução ao Direito do Ambiente, Ambiente, Universidade Aberta, Lisboa, 1998, p. 43. 195 Andrés Betanc Betancor or Rodríguez Rodríguez escreveu, a respeit respeitoo do papel dos princípios princípios ambientais ambientais na questão da interpretação das normas jurídicas, que “Cuando la realidad a la que se refiere (la naturaleza y los recursos naturales) y el objectivo a alcanzar se resisten a ser  fotografiados  por la norma, cobra importancia la  práctica regulatoria, la aplicación; al igual que cobra importancia cuando la norma utiliza conceptos más o menos amplios que han de ser concretados en una fase o momento posterior. Es lógico que en este contexto las mismas normas establezcan pautas, criterios, reglas sucintas que orienten el mismo  proceso de creación de no norm rmas as si sing ngul ular ares es a ap apli lica carr en ca caso soss es espe pecí cífi fico coss a la vi vist staa de la lass co conc ncre reta tass circunstancias. Estas pautas, critérios critér ios o reglas son los princípio princípios. s. Su positivización positivización está directamente directamente relacionada relacionada con la falta (inevitable) de complitud de las normas ambientales; a menor complitud mayor necesidad de que las normas, cuando menos, definan criterios que reduzcan el ya de por sí amplio margen de aplicacíoncreación normativa singular que el aplicador tiene reconecida como consecuencia de la recreación de su tradicional función ejecut eje cutiva iva en func función ión normati normativa. va. Por est estaa razón, razón, los más import important antes es princí princípio pioss los encontramos recogidos,

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como hemos expuesto, en las normas jurídicas, como en el artículo. Cfr. RODRÍGUEZ, Andrés Betancor,  Instituiciones de Derecho Ambiental , La Ley, Madrid, 2001, pp. 144 – 145. 196 ANTUN ANTUNES ES,, Paul Pauloo de Be Bessa ssa,,  Dano Ambiental – Uma Abordagem Conceptual , Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2002, p.278. Para os magistrados em particular, convém reter o seguinte: se, para o magistrado  judicial, o domínio e assunção do alcance, significado e importância dos princípios ambientais revelar-se-á essencial na tomada e fundamentação da decisão em face de cada caso ambiental que tiver diante de si; para o magistrado do Ministério Público, aquele domínio apresenta-se como crucial para a própria iniciativa de acção na defesa do bem  jurídico ambiente. Ora, o artigo 4.º da Lei do Ambiente estabelece um leque de princípios fundamentais do Direito do Ambiente que serão analisados em seguida. Contudo, os princípios ambientais não se esgotam no enunciado do diploma referido, pois, da leitura de outros instrumentos legais, quer nacionais quer internacionais (em relação aos quais Moçambique aderiu), é  possível identificar outros princípios não menos importantes e dignos de referência.

2.2. Os princípios ambientais no ordenamento jurídico moçambicano 2.2.1. À luz da Lei do Ambiente 2.2.1.1. O princípio da utilização e gestão racionais dos componentes ambientais Este princípio não é mais do que a concretização e densificação do princípio do desenvolvimento sustentável, consagrado no Direito Internacional do Ambiente. Neste sentido, a Declaração do Rio determinou que “o direito ao desenvolvimento deverá ser  exercido por forma a atender equitativamente as necessidades, em termos de desenvolvimento e de ambiente, das gerações actuais e futuras”197. O nosso Legislador adoptou tal conceito, definindo desenvolvimento sustentável como “o desenvolvimento baseado numa gestão ambiental que satisfaz as necessidades da geração  presente sem comprometer o equilíbrio do ambiente e a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem também as suas necessidades”198.

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197 Cfr . Princípio III, da Declaração do Rio. 198 Cfr . Artigo 1.°/10, da Lei do Ambiente. O princípio da utilização e gestão racionais dos componentes ambientais começou por ser  delineado na Política Nacional do Ambiente, segundo a qual “a utilização dos recursos naturais deve ser optimizada”199. Progressivamente, conceitos como a racionalidade, sustentabilidade e equidade tornaram-se obrigatórios na definição de políticas governamentais referentes ao uso e aproveitamento que o Homem possa fazer dos recursos naturais. Um dos factores a ter em conta na aplicação do presente princípio prende-se com a consciência da insustentabilidade do actual ritmo de crescimento populacional, o que muito contribui para a consolidação da tese da necessidade imperiosa de uma mudança, senão “revolução”, de mentalidades. Os números falam por si: em 1920, a Terra contava com 2 biliões de habitantes; em 1960, com 3 biliões; e, em 2000, com 6 biliões. Ora, tal número ascenderá a 8 biliões por volta do ano 2020, segundo os prognósticos científicos mais recentes. Assim sendo, a manterem-se os actuais padrões de crescimento demográfico, os recursos naturais esgotar-se-ão muito depressa.  Nesse sentido, os Estados proclamaram, na n a Declaração de Estocolmo, que “nas regiões em que a taxa de crescimento da população ou a sua concentração excessiva possam exercer influência nefasta no ambiente ou no desenvolvimento (...) devem pôr em prática  políticas demográficas que respeitem os direitos fundamentais fun damentais da pessoa humana e sejam  julgadas convenientes pelos governos governo s interessados”200. A utilização e gestão racionais constituem condição necessária para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, quer no contexto actual, referente às gerações presentes, quer no futuro, no que concerne às gerações futuras. Constituem, portanto, ferramentas indispensáveis à protecção e conservação da biodiversidade e dos ecossistemas e, consequentemente, à própria subsistência do Homem.

199 Cfr. Ponto 2.2. da PNA. 200 Cfr. Princípio XVI, da Declaração de Estocolmo.

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2.2.1.2. O princípio do reconhecimento e valorização das tradições e do saber das comunidades locais A inclusão deste princípio na Lei do Ambiente deriva, desde logo, do princípio XXII da Declaração do Rio, segundo o qual “As populações indígenas e suas comunidades e outras comunidades locais desempenham um papel vital na gestão e desenvolvimento do ambiente devido aos conhecimentos e práticas tradicionais. Os Estados deverão apoiar e reconhecer devidamente a sua identidade, cultura e interesses e tornar possível a sua  participação efectiva na concretização de d e um desenvolvimento sustentável”. A PNA veio a consagrá-lo no elenco de princípios fundamentais. Frisando, logo a seguir, que “a sustentabilidade da gestão dos recursos naturais e do ambiente só poderá ser eficaz através de uma directa e activa participação das comunidades, valorizando e utilizando as suas tradições e experiências”201. O conhecimento e saber das comunidades locais é condição primeira para uma convivência harmoniosa com o ambiente. Sendo que esta convivência passa necessariamente pela utilização responsável dos recursos naturais, isto é, pela sua conservação202. Importa termos presente o conceito de comunidade local, de cariz eminentemente sociológico, expresso na Lei de Terras (LT): “Agrupamento de famílias e indivíduos, vivendo numa circunscrição territorial de nível de localidade ou inferior, que visa a salvaguarda de interesses comuns através da protecção de áreas habitacionais, áreas 201 Cfr. Ponto 2.3.10, da Política Nacional do Ambiente. 202 202 En Ente tend ndem emos os con conse serva rvaçã çãoo com comoo utiliz utilização ação raci racional onal e sustent sustentáve ávell dos recu recursos rsos naturais, tendo presente as necessidades das gerações futuras de utilizarem aqueles mesmos recursos. Não se deve confundir tal conceito com o vocábulo preservação da natureza, pois este significa precisamente a não utilização de tais

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recursos recu rsos,, de mod modoo a mantêmantê-los los ina inalte lterado radoss e limita limitados dos a finali finalidad dades es recreat recreativa ivass ou educacionais. Cfr. ANTUNES, Paulo de Bessa , Bessa , Dano Ambiental – Uma Abordagem Conceitual , Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2002, p. 139 – 142. agrícolas, sejam cultivadas ou em pousio, florestas, sítios de importância cultural, pastagens, fontes de água e áreas de expansão”203.  Note-se que o seu papel tem vindo a ser gradualmente reconhecido e valorizado pelo Legislador nacional nos últimos anos. Ao nível jurídico, por exemplo, as comunidades locais são, agora, autênticos sujeitos de direitos e deveres, o que pressupõe um desvio substancial do conceito tradicional de personalidade jurídica previsto na lei civil.

2.2.1.3. O princípio da precaução Antes de mais, começaríamos por dizer que este princípio não deve ser confundido com o  princípio da prevenção, apesar da proximidade em termos terminológicos, como sucede em alguns sectores da doutrina e da jurisprudência comparadas. Somos, portanto, da opinião que estes princípios, não obstante partirem de uma base comum (um momento anterior à própria ocorrência de danos no ambiente), traduzem duas realidades distintas. O princípio da precaução é originário do direito alemão, onde surgiu nos primórdios da década de 70, num contexto de ampla consciencialização do agravamento do problema da  poluição (principalmente, a atmosférica), o que conduziu con duziu à necessidade de reforçar, refor çar, em termos qualitativos, o próprio entendimento que se fazia da prevenção deste tipo de danos. Mais tarde recebeu afirmação internacional, mais concretamente na Segunda Conferência Ministerial do Mar do Norte, em 1987, sobre poluição marítima. Em 1990, foi adoptado  pela Declaração da Conferência de Bergen sobre Desenvolvimento Sustentado. Em 1992, 203 Cfr. Artigo 1.°/1, da LT.

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foi incl incluí uído do ex expre pressa ssame ment ntee na De Decl clar araç ação ão do Ri Rio2 o204 04.. Fo Foii ai aind ndaa consa consagra grado do na Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas205. O seu aparecimento e afirmação decorrem, desde logo, da consciencialização da insegurança crescente, que retrata a presente era, em relação ao impacto das diversas actividades humanas. Ou seja, “o mito da segurança existencial, assente no progresso e na tecnologia, deu lugar ao medo do risco. A complexidade técnica deixou de ser uma  promessa de tranquilidade e é, hoje, um factor de desassossego. O risco, qu quee era uma ideia quase sem expressão – tão natural e inerente que era o progresso e tão insignificante, quando comparado com os custos do não progresso (a doença, o subdesenvolvimento, o desemprego, a rudeza das condições de vida pré-industriais, etc.)”206. O conhecimento científico é susceptível de uma aplicação paradoxal: pode ser canalizado não somente para as melhores realizações (a descoberta de um medicamento ou vacina susceptível de curar uma doença fatal) como para os piores feitos (a invenção da bomba atómica e das armas químicas e bacteriológicas). Cada vez menos se tem a certeza científica em relação ao tipo, densidade e alcance (a curto, médio e longo prazos) dos impactos que possam resultar das diversas actividades humanas para o ambiente e para o próprio Homem. Chegou-se, portanto, à conclusão de que o mero controlo preventivo dos chamados  perigos (riscos certos e conhecidos), con hecidos), prosseguido pelo princípio da pr prevenção, evenção, não é 204 Veja-se o princípio XV, da Declaração, segundo o qual: “De modo a proteger o meio ambiente, o  princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com as suas capacidades. capaci dades. Onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversívei irreversíveiss não será utilizada utilizada a falta de certeza científica total como razão para o adiamento de medidas eficazes em termos de custos  para evitar a degradação ambiental”.

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205 Segundo o artigo 3.°, da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, “As partes deverão tomar medidas de precaução para antecipar, prevenir e minimizar as causas das variações climáticas e mitigar os seus efeitos adversos. Onde existam ameaças de danos sérios e irreversíveis, a ausência completa de certeza científica científica não deverá ser usada como razão para adiar tais medidas (...)”. Esta Convenção foi ratificada pela Assembleia da República, através da Resolução da Resolução n.° 1/94, de 24 de Agosto. adequado para fazer face às novas exigências de protecção ambiental. Isto, porque, existem certos riscos que, dada a inexistência de certeza científica da sua susceptibilidade de causar danos no meio ambiente, não eram muitas vezes tomados em consideração, mas que vinham, mais tarde, a revelar-se nefastos. Ora, são sete as ideias fundamentais que são normalmente imputados ao princípio da  precaução207: - No caso de ameaça de danos sérios e irreversíveis ao ambiente, devem ser tomadas as medidas necessárias para impedir a sua ocorrência, mesmo que não existam provas científicas que estabeleçam um nexo de causalidade entre determinada actividade e os seus efeitos; - Cabe aos potenciais poluidores ou danificadores a demonstração ou prova de que uma determinada acção não apresenta quaisquer riscos sérios e irreversíveis para o ambiente, isto é, assiste-se, neste domínio, a uma inversão do ónus da prova; - Em caso de se constatarem sérias dúvidas em relação ao grau de perigosidade que uma actividade possa representar, em termos sérios e irreversíveis, para o ambiente, ambiente”); deve-se decidir a favor do ambiente (fala-se num princípio “ in dubio pro ambiente”); - Salvaguarda da capacidade de carga dos sistemas ecológicos, garantindo-se a mais ampla margem de segurança na fixação dos chamados padrões de qualidade ambiental, de modo a realizar a precaução contra riscos ainda não certos e conhecidos; - Exigência de desenvolvimento e introdução das melhores técnicas e disponíveis, ou

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seja, este princípio pressupõe a utilização das chamadas tecnologias limpas; - A criação e desenvolvimento de zonas de protecção ambiental, isto é, “o princípio da  precaução requer que qu e seja concedida uma margem de manobra aos sistemas ecológicos para funcionarem em total liberdade, de forma a salvaguardar  determinadas funções e potencialidades e garantir a preservação da diversidade. 206 MARTIN MARTINS, S, An Anaa Gouve Gouveia ia e Fr Frei eita tas, s, O Princípio da Precaução no Direito do  Ambiente,, Associação  Ambiente Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 2002, p. 14. 207 Idem 207  Idem,, pp. 54 – 60. genética dos processos ecológicos essenciais e dos sistemas em que se sustenta a vida na Terra”208 209; - Promoção e desenvolvimento da investigação científica e realização de estudos rigorosos e exaustivos sobre os efeitos e riscos potenciais de uma actividade. Se, por  um lado, a ciência deve estar ao serviço da protecção do ambiente, por outro, impõese a sujeição das políticas, planos e actividades susceptíveis de causar danos sérios e irreversíveis ao ambiente a estudos prévios de impacto ambiental (EIA). Assim sendo, a precaução actua num momento anterior à própria prevenção, isto é, “a  precaução exige uma actuação mesmo antes de se impor qualquer acção pr preventiva, eventiva, uma vez que as medidas destinadas a precaver danos ambientais devem ser tomadas antes de ser estabelecida qualquer relação causal por intermédio de provas científicas absolutamente claras”210. Contudo, devemos ter presente a necessidade de não se buscar uma interpretação literal do princípio da precaução, ou seja, que ocasione simplesmente a paralisação de qualquer  iniciativa económica perante a existência de um risco de impacto ambiental, por mais residual que seja. Trata-se de uma posição extrema, defensora do risco zero e que, na  prática, constitui um obstáculo para qualquer aspiração de desenvolvimento. A decisão de não levar avante determinado empreendimento económico não se funda na mera suspeita de qualquer risco, muitas vezes não fundamentado em termos científicos. Pelo contrário, deve basear-se somente nos riscos que suscitem dúvidas legítimas e

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fundadas quanto à possibilidade de ocorrência de danos sérios e irreversíveis no meio ambiente. 208 MARTIN MARTINS, S, An Anaa Gouve Gouveia ia e Fr Frei eita tas, s, O Princípio da Precaução no Direito do  Ambiente (...) p. 58. 209 A Lei de Florestas e Fauna Bravia prevê, no artigo 10.°, três tipos de zonas de  protecção, com regimes de protecção diferenciados: os parques nacionais, as reservas nacionais e as zonas de uso e de valor  histórico-cultural. Existem, em Moçambique, 6 parques nacionais (Banhine, Arquipélego de Bazaruto, Gorongosa, Zinave, Limpopo e Arquipélago das Quirimbas) e 6 reservas nacionais (Maputo, Niassa, Pomene, Marromeu, Gilé e Ximanimani). 210 210 DI DIAS AS,, José José Ed Edua uard rdoo Fi Figu guei eire redo do,,  Direito Constitucional e Administrativo do  Ambiente,, Cadernos  Ambiente CEDOUA CED OUA,, CED CEDOUA OUA,, Faculd Faculdade ade de Dir Direit eitoo da Uni Univers versida idade de de Coi Coimbr mbra, a, Livrari Livrariaa Almedina, Coimbra, Janeiro , 2002, p. 19. Por fim, sublinhamos Ana Martins ao afirmar que “o princípio da precaução consubstancia (...) a manifestação jurídica desta nova apreensão do mundo, da demanda social de segurança, de uma atitude de profunda humildade quanto aos potenciais e limites da ciência e das novas reflexões filosóficas sobre o Homem com a natureza e sua responsabilidade face às gerações vindouras e à Vida na Terra211”.

2.2.1.4. O princípio da visão global e integrada do ambiente Este princípio decorre, em primeiro lugar, da alteração substancial que ocorreu no direito internacional do ambiente no que toca ao seu objecto: este não é mais qualquer um dos componentes naturais individualmente considerados (água, ar, luz, solo, subsolo, flora, fauna), mas sim a própria biosfera globalmente considerada e analisada212.

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As preocupações ambientais não se resumem já ao problema da poluição de um determinado rio, da emissão de gases poluentes de determinada fábrica ou da destruição e extinção de determinadas espécies animais ou vegetais, defendendo-se actualmente um dever dev er a cargo cargo da co comu muni nida dade de in inte terna rnaci ciona onall de melh melhori oriaa subst substan anci cial al do própri próprioo Planeta213. O ambiente passou a ser considerado como um verdadeiro todo, constituído pelos seus diversos componentes naturais, pelo conjunto de relações de interdependência mútua existentes entre aqueles e pelo próprio meio onde estas últimas se concretizam. Este entendimento foi consagrado pelo nosso Legislador ao incluir na noção de ambiente “o ar, a luz, a terra e a água”, “os ecossistemas, a biodiversidade e as relações ecológicas” e “toda a matéria orgânica e inorgânica”214.

211 MARTIN MARTINS, S, An Anaa Gouve Gouveia ia e Fr Frei eita tas, s, O Princípio da Precaução no Direito do  Ambiente, Associação  Ambiente, Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 2002, p. 23. 212 Veja-se, neste sentido, CASTRO, Paulo Jorge Canelas de, Mutações de,  Mutações e Constâncias do Direito  Internacional do Ambiente. 213 Idem, 213  Idem, p.  p. 177. 214 Cfr. Artigo 1.°/2, a), b) e c), da Lei do Ambiente. Porém, este princípio significa ainda que o ambiente não se resume aos chamados componentes ambientais naturais acima referidos, mas, também, aos componentes ambientais culturais, tais como a paisagem e o património construído, conforme vimos anteriormente.

2.2.1.5. O princípio da ampla participação dos cidadãos Este princípio foi acolhido na Declaração do Rio, segundo a qual “a melhor forma de tratar as questões ambientais é assegurar a participação de todos os cidadãos interessados, ao nível mais conveniente”215. Veio a ser adoptado pela PNA, ao preceituar que “deve ser garantida a participação

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 pública na tomada de decisões com impactos ambientais”216. A Lei do d o Ambiente considerou-o como “aspecto crucial da execução do Programa Nacional de Gestão Ambiental”, tendo ido mais longe na concretização ao atribuir ao Governo a obrigação de “criar mecanismos adequados para envolver os diversos sectores da sociedade civil, comunidades locais, em particular as associações de defesa do ambiente, na elaboração de políticas e legislação relativa à gestão dos recursos naturais do país, assim como no desenvolvimento das actividades de implementação do Programa Nacional de Gestão Ambiental”217. Segundo Antonieta Coelho, “o princípio da participação está intrinsecamente ligado à natureza indevísivel de fruição difusa do ambiente, que tem como consequência que as decisões em matérias ambientais interessam e tem impacto na vida de todos. Também,  para motivar comportamentos que contribuam para p ara a protecção do ambiente, é necessár necessário io envolver na tomada de decisões todos os interessados”218. 215 Cfr. Princípio X, da Declaração do Rio. 216 Cfr. Ponto 2.2. , da PNA. 217 Cfr. Artigo 8.º, da Lei do Ambiente. 218 COELHO, Antonieta, Lei Antonieta, Lei de Bases do Ambiente – Anotada, Anotada, colaboração de Maria do Carmo Medina, Colecção Faculdade de Direito UAN, Luanda, 2001, p. 64. O princípio da participação corresponde ao entendimento segundo o qual a participação dos cidadãos é a condição para o sucesso das políticas de protecção e conservação ambientais. Ora, tal participação assume várias dimensões, como é possível deduzir da análise de diversos diplomas legais: - Em primeiro lugar, a participação dos cidadãos no procedimento de tomada de decisões com relevância para o meio ambiente (planos de urbanismo e ordenamento do território, actos administrativos)219; - Em segundo lugar, a participação no processo de elaboração de legislação de relevância ambiental, através, por exemplo, de audiências públicas220; - Em terceiro lugar, a participação do cidadão na própria gestão dos recursos

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naturais, designadamente a terra, a água, as florestas, a fauna bravia, etc221. O sucesso da sua efectivação começa pela participação dos cidadãos na definição da  própria política ambiental, na execução do programa progr ama nacional de gestão ambiental e na consulta pública no decurso do processo de avaliação do impacto ambiental222. Porém, não pode haver participação dos cidadãos na definição e implementação da  política ambiental sem que haja informação cabal por parte das entidades estatais competentes. Este entendimento encontra-se bem patente no Projecto de Lei de Acção Popular, o qual contém alguns artigos destinados a regulamentar a obrigação de informar   por parte da Administração Pública223. 219 Veja-se o procedi procedimento mento de avaliação de impac impacto to ambiental, ambiental, no qual os cidadãos cidadãos são chamados a  participar, na fase de consulta c onsulta pública, apresentando propos propostas, tas, sugestões e preocupações preocupações,, o que em muito contribui para a tomada de uma decisão por parte do órgão licenciador – o MICOA. 220 Exe Exempl mploo para paradig digmát mático ico desta desta mod modali alidade dade de partic participa ipação ção foi o Seminá Seminário rio de Ascultação sobre o Projecto de Lei de Acção Popular, realizado na Assembleia da República, no dia 22 de Fevereiro de 2002, e que foi amplamente divulgado nos órgãos de informação, sendo o convite dirigido a todos os cidadãos interessados. 221 Chamamos a atenção para a criação, através da Lei de Florestas e Fauna Bravia, dos Conselhos Locais de Gestão de Recursos, “constituídos por representantes das comunidades locais, do sector privado, das associações e das autoridades locais do Estado visando protecção, conservação e a  promoção do uso sustentável dos recursos florestais e faunísticos”. Cfr. Artigo 31/1.°. 222 Cfr . Artigo 7.º, do Decreto do Decreto n. º 76/98, de 29 de Dezembro. Dezembro .

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223 Vejam-se os artigos 22.° a 26.° do Projecto de Lei de Acção Popular, reunidos no capítulo IV, intitulado “Direito de participação democrática na vida pública”.  Neste sentido, a Declaração do Rio proclamou que “ao nível nacional cada pessoa terá acesso adequado às informações relativas ao ambiente detidas pelas autoridades, incluindo informações sobre produtos e actividades perigosas nas suas comunidades, e a oportunidade de participar em processos de tomada de decisão. Os Estados deverão facilitar e incentivar a sensibilização e a participação do público, disponibilizando amplamente as informações”224.

2.2.5. O princípio da igualdade Segundo a Lei do Ambiente, este princípio parece assumir relevância unicamente segundo uma pespectiva de género (“oportunidades iguais de acesso e uso de recursos naturais a homens e a mulheres”225), cuja importância não questionamos. Tal percepção surge na sequência da Declaração do Rio, ao ter proclamado que “as mulheres desempenham um papel vital na gestão e desenvolvimento do ambiente. A sua  participação plena é portanto essencial para par a alcançar um desenvolvimento sustentável”. Este entendimento veio a ser recebido na Política Nacional do Ambiente, que se refere expressamente ao papel da mulher na gestão ambiental226. Contudo, entendemos que este princípio deve ser interpretado de uma forma mais aberta, ampla e profunda, no seguimento da delimitação de igualdade constante no artigo 66.° da Constituição da República de Moçambique, segundo o qual “todos os cidadãos são iguais  perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais ou profissão”. Em termos gerais, este princípio prende-se, a nosso ver, com a questão de que, em matéria ambiental, não há cidadãos de primeira ou de segunda, isto é, todos têm igualmente o direito fundamental ao ambiente e o correspectivo dever de o defender. 224 Veja-se o princípio X, da Declaração do Rio.

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225 Cfr. Artigo 4.° f), da Lei do Ambiente. 226 Cfr. Ponto 2.3.10., da PNA. Assim, a oportunidade de se ter acesso a um ambiente salubre e equilibrado deve ser  acessível não somente aos cidadãos que pertencem às classes sociais média e elevada, normalmente residentes em alguns bairros “elite” dotados de todos os equipamentos colectivos essenciais para que haja qualidade de vida, como também às populações mais desfavorecidas, que residem nos bairros mais pobres e degradados das urbes ou nos seus subúrbios, nos quais reina a desordem e a carência das condições mais elementares de vida. A questão da igualdade no acesso ao exercício do direito ao ambiente deve também  prevalecer no momento da tomada das grandes gr andes decisões nos processos proces sos de investimento. Pois, veja-se, pode imperar a tendência de impor às comunidades locais ou residentes dos  bairros pobres das vilas e cidades do país a proximidade de um empreendimento altamente poluidor, a troco de promessas ou compensações insignificantes, e, ainda, dando azo ao não cumprimento do dever de prestar devidamente informações a todos os interessados quanto ao impacto ambiental da actividade proposta. Este princípio pode também determinar que a população de um bairro ou localidade que viva numa situação marginal quanto ao acesso às condições ambientais mínimas possa accionar os mecanismos necessários para repor a igualdade ausente, quer sejam de natureza procedimental, quer sejam de natureza contenciosa.

2.2.1.6. O princípio da responsabilização É ponto consensual que os princípios da prevenção e da precaução assumem no Direito do Ambiente uma relevância especial. Contudo, é importante não descurar a importância que o princípio da responsabilidade tem vindo a ganhar nos últimos anos. Não só por  razões de justiça social, tendo presente a necessidade de imputar aos responsáveis os danos eventualmente causados e de sancionar as inúmeras violações à legislação ambiental em vigor, mas também por causa da chamada vertente preventiva do princípio da responsabilização. Em relação ao aspecto acima referido em último lugar, os agentes económicos, sabendo

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que incorrem em responsabilidade sempre que desrespeitarem as normas ambientais, farão, certamente, um esforço de investimento em tecnologias menos poluentes, de realização de comportamentos mais benéficos em relação ao meio ambiente, de assunção de uma autêntica postura “verde”. Trata-se de um princípio de responsabilização geral dos danos causados no ambiente ou às pessoas e bens através do ambiente. Ora, esta responsabilidade pode assumir três naturezas a saber: penal, administrativa ou civil.  Neste âmbito, veja-se o princípio XIII, da Declaração do Rio, segundo o qual “os Estados deverão elaborar legislação nacional relativa à responsabilidade civil e à compensação das vítimas da poluição e de outros prejuízos ambientais (...)”. Em Moçambique, a Política Nacional do Ambiente incluíu a responsabilização como  princípio fundamental a prosseguir, determinando que “o poluidor deve repor a qualidade do ambiente danificado (...)”227.  No seguimento do preceituado no instrumento acima referido, refer ido, a Lei do Ambiente estabeleceu que “quem polui ou de qualquer forma degrada o ambiente, tem sempre a obrigação de reparar ou compensar os danos daí decorrentes”228. Por seu turno, este  princípio foi também consagrado na LFFB229 e na Lei deÁguas230.  Note-se que se em vista não somente os danos causados nas pessoas e bens através do ambiente (danos ambientais), mas, fundamentalmente, a responsabilização pelos danos 227 Cfr . Ponto 2.2. , da PNA. 228 Cfr. Artigo 4.º, g), da Lei do Ambiente. 229 Cfr. Artigo 3.°, d), da LFFB, segundo o qual “Todo aquele que causar danos em recursos florestais e faunísticos é obrigado a proceder à respectiva recomposição ou compensar a degradação,  bem como os  prejuízos causados a terceiros, independentemente de outras consequências legais”. 230 Cfr. Artigo 55.°, da Lei de Águas, segundo o qual “Quem para além dos limites consentidos provocar a contaminação ou degrada contaminação degradação ção do domínio domínio públic públicoo hídrico, hídrico, independente independentemente mente da sanção aplicável,

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constitui-se na obrigação de, à sua custa, reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. causados ao próprio ambiente (danos no ambiente), tendo presente a superação da  perspectiva meramente antropocêntrica do direito do ambiente.

2.2.1.7. O princípio da cooperação internacional Através deste princípio procura-se a obtenção de soluções harmoniosas dos problemas ambientais, reconhecidas que são as suas dimensões transfronteiriças e globais. Parte-se do entendimento segundo o qual grande parte dos problemas ambientais não dizem respeito apenas ao Estado X ou Y, mas sim de todos, a um nível regional, continental ou até global. Como muito bem afirma Fernando Condesso, “o ambiente é, hoje, um património de toda a humanidade. Já não aceitamos que qualquer país ou empresa nos ponha em perigo um  património que se torna cada vez mais escasso, escas so, e, portanto, mais precioso. Nesta  perspectiva, a cooperação parece p arece ser a alternativa para resolver os problemas em conjunto e para que os países, que agora começaram o seu desenvolvimento, não repitam os mesmos erros que os chamados países desenvolvidos já cometeram no passado”231. Veja-se, neste sentido, o princípio XIX, da Declaração do Rio, segundo o qual “os Estados deverão notificar, prévia e atempadamente, os Estados potencialmente afectados e fornecer-lhes todas as informações pertinentes sobre as actividades que possam ter um efeito transfronteiriço adverso significativo sobre o ambiente, e deverão estabelecer  consultas atempadamente e de boa fé com esses Estados”. O princípio da cooperação internacional possui diversas dimensões importantes, das quai quaiss pode podemo moss de desc scat atar ar,, pe pelo loss meno menos, s, as se segu guin inte tes: s: (1 (1)) o ap apoi oioo fina financ ncei eiro ro e científicotecnológico  prestado pelos países desenvolvidos aos países pobres, para acções acçõe s de  protecção e conservação do ambiente no interior do respectivos espaços territoriais; (2) o intercâmbio ou colaboração na prestação de informações; (3) e a criação de projectos transfronteiriços de protecção e conservação da natureza.

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128 Concluíndo, diremos que, para problemas ambientais que se sabem verdadeiramente globais, urge encontrar soluções também globais, procurando-se promover a cooperação efectiva entre todos os Estados, organizações internacionais, organizações não governamentais e até os próprios cidadãos, na busca incansável da melhoria do Planeta.

2.2.2.2. À luz de outros instrumentos normativos 2.2.2.1. Princípio da prevenção O princípio da prevenção equivale ao ditado popular “mais vale prevenir do que remediar”. E, segundo Maria Aragão, por três razões fundamentais: - “Mais vale prevenir, primeiro, porque em muitos casos é impossível remover a  poluição ou o dano real, ficando precludida prec ludida a reconstituição natural da situação anterior à poluição; - Mais vale prevenir, em segundo lugar, porque, mesmo sendo possível a reconstituição in natura, natura, frequentemente ela é de tal modo onerosa, que não  pode ser exigível um tal esforço ao poluidor; po luidor; - Mais vale prevenir, por fim, porque economicamente é muito mais dispendioso remediar do que prevenir. Com efeito, o custo das medidas necessárias a evitar a ocorrência da poluição é, em geral, muito inferior ao custo das medidas de despoluição após a ocorrência do dano”232. Este princípio “traduz-se em que, na iminência de uma actuação humana, a qual comprovadamente lesará, de forma grave e irreversível, bens ambientais, essa intervenção deve ser travada”233. Mais ainda, “legitima medidas cautelares, políticas, Ambiente, Livraria Almedina, Coimbra, 231 CONDESSO, Fernando dos Reis, Direito Reis,  Direito do Ambiente, Junho, 2001. 232 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa, O Princípio do Poluidor Pagador, Boletim da Faculdade de Direito, Stvdia Ivridica, n.° 23, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, Coimbra, Janeiro, 1997, pp.

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116 - 117. Ambiente,, Coimbra 233 GOMES, GOMES, Carla Amado Amado,,  A Prevenção à Prova no Direito do Ambiente Editora, Coimbra, 2000, p. 22. administrativas, ou mesmo judiciais, tendentes a evitar quer o início quer a manutenção de actividades lesivas do ambiente”234. Contrapõe-se, portanto, ao princípio da precaução, na medida em que lida com os chamados perigos, ou seja, aqueles riscos certos e conhecidos, em relação aos quais existe, portanto, certeza científica do seu impacto junto do ambiente. Este princípio fundamenta que as entidades competentes, seja o MP, sejam os órgãos da Administração Pública, actuem imediata e prontamente, recorrendo aos meios legalmente disponíveis, quando tomem conhecimento que se encontra eminente a ocorrência de um atentado à legislação ambiental. Não tendo havido ainda lugar à ocorrência de danos ambientais ou danos no ambiente, torna-se, portanto, imperioso actuar em moldes  preventivos, lançando mão de todos os esforços para impedir a sua consumação. cons umação. Como exemplo concreto de implementação do princípio da prevenção no âmbito do acesso à justiça, temos o caso em que, em face da constatação do início do desbravamento de uma área florestal extremamente rica em termos de biodiversidade, levado por determinada empresa, contra a legislação ambiental e contra o próprio conteúdo das licenças concedidas à proponente, o Ministério Público (ou uma associação de defesa do meio ambiente ou, ainda, qualquer cidadão) intenta uma providência cautelar não especificada, requerendo, por um lado, a suspensão de tais trabalhos, e, por  outro, a não audiência da requerida com fundamento naquele princípio fundamental do ordenamento jurídico ambiental, segundo o artigo 381.°/B do Código de Processo Civil, Março . aditado pela Lei pela Lei n.° 10/2002, de 12 de Março. Este princípio fundamenta ainda que os orgãos licenciadores tomem em consideração a necessidade de proteger o meio ambiente, recusando-se a emitir a licença requerida sempre que houver certeza de que determinada actividade possa vir a causar danos sérios e irreversíveis junto do meio ambiente. O mesmo se diga à possibilidade de condicionar a

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234 SOVERAL, Martins , Legislação Anotada sobre Ambiente e Associações de Defesa Defesa,, Fora do Texto (Centelha), Coimbra, 1988, p. 18. 130 emissão da licença à alteração do projecto inicial ou à introdução de medidas de  protecção ambiental.

2.2.2.2. Princípio do poluidor pagador O princípio do poluidor pagador, vulgarmente conhecido pelas iniciais PPP, antes de assumir importância como princípio fundamental do direito internacional do ambiente e dos direitos nacionais de inúmeros Estados, começou por evidenciar-se no domínio da economia. O seu aparecimento formal teve lugar no dia 26 de Maio de 1972, no âmbito de uma Recomendação da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) sobre Política do Ambiente na Europa. Mais tarde, é consagrado como princípio do Direito Internacional do Ambiente, através da sua inclusão expressa na Declaração do Rio235 , segundo a qual “as autoridades nacionais deverão esforçar-se por promover a internalização dos custos ambientais e utilização de instrumentos económicos, tendo em conta o princípio de que o poluidor  deverá, em princípio, suportar o custo da poluição, com o devido respeito pelo interesse  público e sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais”. Em Moçambique, o princípio do poluidor pagador foi expressamente contemplado na Política Nacional do Ambiente. Segundo esta, “o poluidor deve repor a qualidade do ambiente danificado e/ou pagar os custos para a prevenção e eliminação da poluição por  si causada”. Porém, já antes era possível encontrar resquícios do mesmo na Lei de Águas, segundo a qual “toda a actividade susceptível de provocar a contaminação e degradação do domínio  público hídrico e em particular o despejo de águas residuais, dejectos ou outras substâncias nas águas do domínio público fica dependente de autorização especial (..) e do pagamento de uma taxa”236. 235 Cfr. Princípio XVI, da Declaração do Rio.

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236 Cfr . Artigo 54.°/1, da Lei de Águas. Contudo, por razões que desconhecemos, o Legislador não integrou este princípio no elenco de princípios fundamentais previsto na Lei do Ambiente, mais a mais tratando-se de um poderoso instrumento de prevenção ambiental. O PPP emergiu da constatação do facto de as chamadas externalidades ambientais negativas, decorrentes da actividade de produção, não constarem nos cálculos económicos realizados pelos produtores, ao lado dos demais factores de produção, designadamente: o capital, o trabalho e a matéria-prima. Tais externalidades traduzem-se no impacto ambiental negativo causado em terceiros  pelas diversas actividades económicas, o qual, muitas vezes, acarreta custos sociais elevadíssimos, independentemente da vontade de tais terceiros e, muitas vezes, dos  próprios promotores daquelas actividades. Segundo Bessa Antunes, “uma externalidade ocorre quando a produção ou o consumo de um determinado bem, por um indivíduo ou empresa afecta directamente os interesses de outro indivíduo ou empresa. O dano ambiental é um caso típico de externalidade, pois, na sua incidência sobre terceiros, inexiste qualquer mediação; ela é directa, sem qualquer  mecanismo de mercado ou jurídico237. Daí que haja lugar à necessidade de se proceder a uma internalização destas externalidades, para “fazer com que os prejuízos, que para a colectividade advêm da actividade desenvolvida pelos poluidores, sejam suportados por estes como verdadeiros custos de produção, de tal modo que as decisões dos agentes económicos acerca do nível de produção o situem num ponto mais próximo do ponto socialmente óptimo, que é inferior”238. 237 ANTUNES, Paulo de Bessa, Dano Bessa,  Dano Ambiental – Uma Abordagem Conceitual , Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2002, p. 214. 238 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa, O Princípio do Poluidor Pagador , Boletim da Faculdade de

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Direito, Stvdia Ivridica, n.° 23, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, Coimbra, Janeiro, 1997, p. 36.   “O prin princí cípi pioo do polui poluido dorr pa paga gador dor dec decorr orree da co consi nsider deraç ação ão de qu quee os sujei sujeito toss económicos, que são beneficiários de uma determinada actividade poluente, devem igualmente ser  responsáveis, pela via fiscal, no que respeita à compensação dos prejuízos que resultam  para toda a comunidade do exercício dessa actividade. Em nossos dias, o alcance do  princípio do poluidor pagador tem vindo a ser alargado no sentido de se considerar que uma tal compensação financeira não se deve apenas referir aos prejuízos efectivamente causados, mas também aos custos da reconstituição da situação, assim como às medidas de prevenção que é necessário tomar para impedir, ou minimizar, similares comportamentos de risco para o meio-ambiente”239. Para melhor ilustrar o papel do PPP, recorremo-nos às palavras do presidente do Instituto Wordwatch, segundo o qual “o problema é que o mercado não reflecte o custo real das coisas. Por exemplo, quando alguém compra um litro de gasolina, está a pagar para que o  petróleo seja extraído, refinado e transportado, transpo rtado, já como combustível, até ao posto. No entanto, não paga nada pelo custo da poluição do ar e da emissão dos combustíveis na atmosfera. É por isso que precisamos de um imposto sobre o carbono, que reflicta, junto da sociedade, o que representa, realmente, queimar um litro de gasolina”240. Ora, o princípio do poluidor pagador tem como finalidades fundamentais a prevenção e  precaução dos danos ao ambiente, por um lado, e a justiça na redistribuição dos custos das medidas públicas de luta contra a degradação do ambiente, por outro241. A primeira das finalidades acima mencionadas assume importância para distinguir o  princípio do poluidor do princípio da responsabilização. responsa bilização. Isto porque um e outro são inúmeras vezes confundidos por alguns autores, principalmente tendo presente a própria designação poluidor-pagador, a qual conduz-nos, num primeiro momento, a pensarmos 239 SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor do Direito, Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina, Coimbra, Fevereiro, 2001.

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240 Entrevista a Lester Brown, publicada na revista portuguesa “Visão”, n.° 439, no dia 9 de Agosto de 2001. 241 CAN CANOTI OTILHO LHO,, José Joaqu Joaquim im Gom Gomes es (co (coorde ordenaçã nação), o),  Introdução ao Direito do  Ambiente, Universidade  Ambiente, Aberta, Lisboa, 1998, pp. 50 e seguintes. 133 na obrigação que cabe ao poluidor de reparar/indemnizar os danos por si causados no meio ambiente ou à saúde ou interesses patrimoniais das pessoas. Realce-se que “o elemento diferencial do PPP em relação à responsabilidade tradicional é que ele busca afastar o ónus do custo económico das costas da coletividade e dirigi-lo directamente ao utilizador dos recursos ambientais, mesmo que inexista dano plenamente caracterizado. Logo, ele não está fundado no princípio da responsabilidade, mas, sim, na solidariedade social e na prevenção, mediante a imposição da carga pelos custos ambientais nos produtores e consumidores”242. Por conseguinte, o PPP não se resume numa mera intervenção a posteriori, posteriori, uma vez consumada a lesão no bem jurídico do ambiente. Bem pelo contrário, a sua verdadeira importância e força reside precisamente na antecipação e independência em relação àquelas lesões, pressupondo a contribuição do poluidor para a realização de iniciativas,  públicas ou privadas, no domínio da prevenção prev enção ambiental. Daí que se diga e se defenda que “o PPP é o princípio que, com maior eficácia ecológica, com maior economia e equidade social, consegue realizar o objectivo de protecção do ambiente”243. Logo, “o fim da prevenção-precaução do PPP significa (...) que os poluidores devem suportar os custos de todas as medidas, adoptadas por si próprios ou pelos poderes  públicos, necessárias para precaver p recaver e prevenir a poluição normal e acidental, e ainda os custos da actualização dessas medidas244”. A imputação dos custos da actualização das medidas de prevenção e precaução ao  poluidor justifica-se, desde logo, porque, porqu e, este pode ter agido em conformidade com imposições normativas e administrativas e, mesmo assim, ocorrerem danos no ambiente, o que significa, na prática, a inadequação das medidas de prevenção e precaução

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242 ANTUNES, Paulo de Bessa, Dano Bessa,  Dano Ambiental – Uma Abordagem Conceitual , Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2002, p. 221. 243 CANOTILHO, José Joaquim Gomes (coordenação), Introdução (coordenação), Introdução (...), p. (...),  p. 51. 244 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa, O Princípio do Poluidor Pagador, Boletim da Faculdade de Direito, Stvdia Ivridica, n.° 23, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, Coimbra, Janeiro, 1997, pp. 123 - 124. adoptadas em relação às finalidades públicas de protecção ambiental (por exemplo, os  padrões de qualidade ambiental fixados para o uso de determinado componente ambiental natural pecaram por defeito). Por conseguinte, torna-se necessário proceder à actualização daquelas medidas, imputando-se ao poluidor os custos de tal actualização. É neste sentido que se fala na vertente dinâmica deste princípio, impondo “a adaptação e aperfeiçoamento das medidas de concretização do PPP em função (...) dos resultados  práticos alcançados com a sua aplicação”245. aplicação”2 45.  Note-se que as novas medidas não assumem um carácter sancionatório, isto é, não são s ão fixadas em função dos danos concretos produzidos no ambiente ou na esfera jurídica dos cidadãos, mas sim, sublinhe-se, em função das necessidades de prevenção e precaução determinadas pelo interesse público de protecção do meio ambiente. “O que se pretende com as novas medidas não é responsabilizar o poluidor (penal, administrativa ou civilmente) mas sim corrigir medidas de protecção do ambiente inadequadas, cuja planificação pelos poderes públicos foi, por algum motivo, incorrecta”246. Já em relação à finalidade da promoção da equidade na redistribuição dos custos das medidas públicas, esta significará, tão somente, que os poluidores deverão arcar também com os custos das medidas públicas de restauração e compensação ecológicas (ou, quando tais medidas não forem realizáveis, da compensação monetária dos danos no ambiente, a qual reverterá para o Fundo do Ambiente247), e com os custos da

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indemnização de danos provocados na esfera jurídica dos cidadãos. Trata-se, no fundo, da vertente reparadora do PPP.  Idem,, p. 120. 245 Idem 245 246 Ibidem,, p. 121. 246 Ibidem 247 Criado pelo Decreto pelo Decreto n.° 39/2000, de 17 de Outubro. Outubro . Como instrumentos de carácter financeiro de realização deste princípio temos os impostos248 e as taxas249. Ora, “estes, se forem fixados de forma correcta, contribuem  para a internalização dos custos externos negativos das actividades poluentes reflectindoos nos preços dos bens e serviços produzidos, enviando, por essa forma, sinais ao mercado e induzindo os produtores e consumidores à adopção de comportamentos económicos mais sustentáveis em termos ambientais”250. Como exemplo vigente em Moçambique da aplicação do PPP temos a criação, no munícipio de Maputo (e em mais alguns dos municípios do país), da chamada taxa do lixo, que é paga pelos munícipes, através da factura da EDM. Assim, munícipes, que  podem, de certo modo, ser considerados cons iderados poluidores, na medida em que produ produzem zem diferentes tipos de resíduos, passam a contribuir para a gestão dos mesmos. Entendemos que vigoram, neste caso, as ideias da prevenção de danos no ambiente (pretende-se, através da contribuição geral, montar um sistema eficaz de gestão de resíduos, com o objectivo fundamental de diminuir substancialmente o seu impacto junto do ambiente, no geral, e da saúde das pessoas, em particular) e de justiça distribuitiva (onde todos os custos decorrentes do funcionamento do sistema de gestão dos resíduos são distribuídos equitativamente por todos os produtores de resíduos, quer sejam empresas quer pessoas singulares). Podemos encontrar outros exemplos na estipulação das taxas de utilização de alguns recursos naturais, como são os casos das tarifas pagas pelo uso e aproveitamento de água e ainda as taxas da utilização dos recursos florestais e faunísticos. No primeiro caso, o consumidor acarreta os custos da utilização e, consequentemente, da poluição do recurso

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248 Entende-se por imposto ambiental “todo o tributo que é aplicado a bens que  provoquem poluição quando são produzidos, consumidos ou eliminados ou a actividades que geram um impacte ambiental negativo, visando modificar o preço relativo daqueles ou os custos associados a estas e/ou obter receita para financi fin anciar ar prog program ramas as de prot protecçã ecçãoo ou de recu recupera peração ção do equilí equilíbri brioo ecológi ecológico” co”.. Cfr. SOARES, Carla Dias, O  Imposto Ambiental – Direito Fiscal do Ambiente Ambiente,, Caderno Cadernoss CEDOUA CEDOUA,, CED CEDOUA OUA,, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Livraria Almedina,Combra, Janeiro, 2002, p. 12. 249 A taxa “traduz-se numa contraprest contraprestação ação de uma vantagem individ individual ual proporcionada proporcionada  pelo Estado que incumbe a quem dela aproveita” Cfr. SOARES, Carla Dias, O Imposto Ambiental (...), p. 75. 250 SILVA, Isabel Marques, O Princípio do Polui Poluidor dor Pagador , In. “Estudos de Direito do Ambiente, Publicações Universidade Católica, Porto, 2003, p. 116. natural água, que é, como sabemos, escasso, não somente segundo o critério da quantidade, como também da qualidade251.  No segundo caso, o sujeito que explore legalmente recursos florestais ou faunísiticos vem a pagar uma taxa pela exploração destes recursos, que inclui uma sobretaxa destinada ao repovoamento florestal e faunístico. Assim, o proponente de uma actividade económica virá a contribuir não somente com uma quota parte como contrapartida pela exploração de determinados recursos naturais, mas também uma percentagem necessária ao repovoamento das espécies252. Uma hipótese a ponderar, seguindo o exemplo da vizinha África do Sul, seria a criação de um imposto especial sobre o consumo de sacos plásticos, tendo presente o respectivo impacto ambiental, designadamente nas nossas cidades, onde constituem uma verdadeira  praga. Tal aplicação conduziria, muito provavelmente, a uma u ma maior sustentabilidade no

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uso de sacos de plástico, na medida em que, na qualidade de consumidores, passaríamos a adquirir apenas os estritamente necessários. Realçamos a institucionalização recente do Fundo do Ambiente (abreviadamente Outubro , o qual é uma conhecido por FUNAB), através do Decreto do Decreto n.° 39/2000, de 17 de Outubro,  pessoa colectiva de direito público, com personalidade jurídica, dotado de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, tutelada pelo Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental. São atribuições do FUNAB253: a) Apoiar actividades de gestão de recursos naturais que contribuam para um ambiente mais saudável ao nível local (...); 251 Veja-se a alínea c) do artigo 30.° da Lei de Águas, segundo a qual é, entre outras, obrigação geral dos uten ut ente tess “proc “proced eder er ao pa pagam gament entoo po pont ntua uall das ta tari rifas fas e do doss en enca cargo rgoss fi fina nanc ncei eiro ross estipulados”. 252 Cfr. Artigos 100.° e 101.° do Decreto n.° 12/2002, de 6 de Junho (que aprova o Regulamento da Lei de Florestas e Fauna Bravia). 253 Cfr. Artigo 2.°, Estatuto Orgânico do Fundo do Ambiente, constante em anexo do  Decreto n.° 39/2000, de 17 de Outubro. Outubro.  b) Contribuir para o fomento de actividades relacionadas com a gestão de áreas de protecção ambiental ou sensíveis, reabilitação ou recuperação de áreas degradadas; c) Apoiar a realização de actividades técnico-científicas tendentes à introdução de tecnologias ou boas práticas para um desenvolvimento sustentável; d) O fomento de actividades relacionadas com os estudos de impacto ambiental  bem como outras actividades relacionadas com co m a avaliação de impactos ambientais resultantes de acções de natureza ou de actividades de desenvolvimento;

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e) Contribuir para a realização de empreendimentos económicos que pretendam utilizar tecnologias e processos produtivos ambientalmente sãos; f) Promover a aprovação de taxas para a manutenção do ambiente. Ora, o Estatuto Orgânico do FUNAB determina serem receitas deste, entre outras, “os valores cobrados nos termos da legislação em vigor no país destinados à preservação e conservação do ambiente”254. O Legislador não foi muito claro e preciso com tal formulação. Porém, é nesta alínea que encontramos o verdadeiro espaço de acção do PPP. Urge, contudo, que se regulamente a forma como tal princípio virá a ser implementado.

2.2.2.3. Princípio da correcção na fonte Este princípio é também conhecido como princípio do produtor-eliminador, princípio da auto-suficiência ou princípio da proximidade. Constitui um corolário do princípio do  poluidor pagador. Tem o seu campo especial de acção no domínio da investigação científica. Visa  pesquisar, em termos científicos, as causas dos diversos danos no ambiente, com c om especial ênfase para os problemas da poluição, de modo a eliminá-los, de raíz, e a promover  esforços para evitar que os mesmos se repitam. 254 Cfr. Artigo 11.°, f), Estatuto Orgânico do Fundo do Ambiente, constante em anexo do Decreto do Decreto n.° 39/2000, de 17 de Outubro. Outubro.  “Corrigir na fonte os danos causados ao ambiente decorre da ideia de prevenção dos danos actuando na origem, tanto num sentido espacial como temporal, e deve redundar na imposição ao poluidor – fonte da poluição – dos custos de correcção pela utilização de tecnologias menos poluentes, de produtos menos perigosos, e em geral, de comportamentos mais favoráveis ao ambiente, em vez de simples medidas consistindo num "tratamento de fim de linha" (nomeadamente aplicação de filtros aos efluentes, incineração de resíduos, etc.)”255.  Note-se, portanto, a importância que assume a prevenção p revenção no âmbito da materialização

deste princípio.

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(...), p. 71. 255 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa, O Princípio (...),  “A COORDENAÇÃO ENTRE OS SECTORES É UMA CONDIÇÃO INDISPENSÁVEL E FUNDAMENTAL PARA UMA GESTÃO AMBIENTAL EFICIENTE. O GRAU DE ENVOLVIMENTO DOS DIFERENTES INTERVENIENTES NA GESTÃO AMBIENTAL PASSA PELA CAPACIDADE DO MINISTÉRIO PARA A COORDENAÇÃO DA ACÇÃO AMBIENTAL REALIZAR O PROCESSO DE COORDENAÇÃO, POR VIA DA COMPETÊNCIA E ASSISTÊNCIA TÉCNICA”.  In. Política Nacional do Ambiente, aprovada pela Resolução pela Resolução n.° 5/95, de 6 de Dezembro. Dezembro.

Capítulo Terceiro – Órgãos de gestão ambiental 3.1. Notas introdutórias A mobilização institucional de um órgão ambiental no país, remonta a meados da década 80, nomeadamente a 1982, com a institucionalização da Unidade de Gestão Ambiental, como parte da estrutura do extinto Instituto Nacional de Planeamento Físico. Paralelamente a este processo, com a adopção do novo texto constitucional em 1990, incluíram-se nestes preceitos que vieram dar corpo à chamada “Constituição Ambiental”. Referimo-nos, em especial, ao direito fundamental que todos os cidadãos têm de viverem num ambiente são e equilibrado e à obrigação que o Estado tem de materializar tal direito através da promoção de iniciativas em prol do equilíbrio ecológico, bem como a conservação e preservação da natureza256. Posteriormente, em 1992, é criada a Comissão Nacional do Meio Ambiente (CNA), como  parte das recomendações saídas da primeira Conferência Nacional sobre o Meio Ambiente257. A sua criação aconteceu no âmbito da preparação do relatório sobre o ambiente no país, para apresentação na Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e Desenvolvimento, que se realizou na Cidade do Rio de Janeiro, entre os dias 3 e 14 de

Junho de 1992.

135

 

Esta instituição foi, posteriormente, elevada à categoria ministerial, integrando o governo saído das primeiras eleições gerais multipartidárias, realizadas em 1994, através do  Decreto Presidencial n.º 2/94, de 16 de Novembro Novembr o com a designação de Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental (MICOA). O MICOA tem como um dos principais desafios a contribuição para a inversão da tendência de desenvolvimento que se observa nos países considerados do terceiro mundo, 256 Cfr . Artigos 72.º e 37.º, respectivamente, da CRM. em que os modelos económicos a estes aplicados são normalmente parciais e  padronizados, visando satisfazer basicamente os interesses dos países indus industrializados trializados e de pequenas elites nacionais, em detrimento das largas maiorias de desfavorecidos. Estes modelos acabam por alterar bruscamente as diversas formas de organização das  bases produtivas, provocam uma rápida e descontrolada exploração dos recursos naturais e comprometem as capacidades e potenciais elementares dos países, inclusive o da  produção de alimentos, o que os torna económica e culturalmente mais pobres e dependentes. Por outro lado, é dado adquirido que o desenvolvimento sustentável (durável, justo e equitativo) de um país só é possível se os esforços de desenvolvimento forem direccionados prioritariamente à satisfação das necessidades da sociedade como um todo, sem descurar as necessidades das suas gerações futuras, o que passa necessariamente por  uma utilização e gestão correcta dos recursos naturais.  Não se pretende, além do mais, uma protecção cega e irrealista dos recursos naturais, conforme invocam algumas vozes da corrente preservacionista, defensora dos habitats e ecossistemas livres de qualquer intervenção humana, com excepção das finalidades lúdicas, culturais ou científicas. Assim, o programa do Governo, que foi aprovado pela Assembleia da República para o quinquénio 1995/99, reconheceu de forma categórica que os recursos naturais, a par dos recursos humanos, são a base para o desenvolvimento económico e social do país, necessitando, por isso, de ser adequadamente geridos, com vista a obstar à sua

degradação e ao consequente comprometimento do futuro das gerações presentes e

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vindouras.  Neste âmbito, é aprovada a Política Nacional do Ambiente, que constitui o instrumento 257 A Comissão Nacional do Meio Ambiente foi criada pelo Decreto pelo  Decreto Presidencial n.° 2/92, de 3 de Junho, Junho, que também aprovou o respectivo Estatuto Orgânico. através do qual o Governo reconhece claramente a interdependência entre o desenvolvimento e o ambiente. Isto é, esta política traduz-se no mecanismo adequado  para a execução, no país, das opções de desenvolvimento sócio e macro – económicas ambientalmente aceitáveis, visando promover e impulsionar um crescimento económico que se baseie nos preceitos universais do desenvolvimento sustentável. Precisamente com o intuito de implementar tal política, foi aprovada a Lei do Ambiente. Tendo por base este diploma de importância crucial, inicia-se, em Moçambique, um  processo de reforma legislativa, com vista a harmonizar a legislação que regula o acesso acess o e gestão dos recursos naturais ao novo quadro jurídico por aquele diploma,  principalmente no que diz respeito à necessidade desta legislação assimilar os princípios ambientais e a visão da sustentabilidade na utilização dos recursos naturais.

3.2. Órgãos de gestão ambiental e suas competências À luz do capítulo II da Lei do Ambiente são definidos, como responsáveis pela gestão ambiental no ordenamento jurídico moçambicano os seguintes órgãos: - Governo; - Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável; - Órgãos locais.

3.2.1. O Governo

3.2.1.1. Competência do MICOA

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 Nos termos do disposto no artigo 5.º, da Lei do Ambiente, o Governo é a entidade responsável por elaborar e executar o Programa Nacional de Gestão Ambiental258, que é um processo nacional e integrado a longo prazo de gestão ambiental, tendo como 258 Edição do Minis Ministério tério para a Coordena Coordenação ção da Acção Ambient Ambiental, al, Publicita Publicita – Maputo, Maputo, Maio de 1996. objectivos principais: - estabelecer uma política e estratégia ambientais para direccionar a gestão ambiental; - definir as prioridades nacionais de acção ambiental; - integrar os aspectos ambientais no processo de desenvolvimento; - contribuir para a erradicação progressiva da pobreza; - promover a coordenação inter-sectorial; - elaborar um conceito global de sustentabilidade para uma melhor  compreensão dos problemas ambientais e definir directrizes a curto, médio e longo prazos; - promover e desenvolver uma consciência e cultura ambientais em todos os níveis da sociedade. O processo de elaboração e execução deste Programa, porque se requer bastante  participativo, envolvendo, por um lado, todas as entidades governamentais com competências no domínio da gestão de recursos naturais e, por outro, a sociedade civil, é coordenado pelo órgão governamental que tutela a área do ambiente – o Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental (MICOA), criado pelo Decreto pelo Decreto Presidencial n.º 2/94, de 21 de Dezembro, Dezembro, cujos objectivos e funções foram posteriormente definidos pelo  Decreto Presidencial n.º 6/95, de 16 de Novembro Novembr o. Posto isto, o MICOA foi definido, pelo seu instrumento de criação, como sendo o órgão central do Aparelho de Estado que, de acordo com os princípios, objectivos e tarefas definidos pelo Conselho de Ministros, dirige: - a execução da política do ambiente; - coordena, assessora, controla e incentiva uma correcta planificação e

utilização dos recursos naturais do país.

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Assim, para a implementação dos objectivos acima indicados, compete ao MICOA, nos Novembro , a prossecução das termos do Decreto do Decreto Presidencial n.º 6/95, de 16 de Novembro, seguintes funções, entre outras:

No plano do desenvolvimento do sector: - preparar políticas de desenvolvimento sustentável e a correspondente legislação, e coordenar a sua implementação pelos diferentes sectores; - capacitar os diversos sectores, de modo a incluírem e observarem princípios ambientais nas suas actividades projectos e programas de trabalho; - normar, regular e fiscalizar, através de mecanismos legais apropriados todas as actividades relacionadas com a exploração dos recursos naturais; - manter a qualidade do ambiente e proceder à sua monitorização; - estabelecer, manter e desenvolver relações de cooperação a nível regional e internacional com instituições congéneres.

No domínio da coordenação: - garantir, através dos diferentes sectores e organismos, a promoção de incentivos na gestão ambiental e utilização dos recursos naturais; - assegurar a coordenação inter-institucional nos diferentes níveis entre os diferentes agentes e intervenientes na planificação e utilização dos recursos naturais; - assegurar a revisão e actualização da legislação existente em todos os sectores em matéria de utilização dos recursos naturais; - definir um quadro legal adequado à gestão ambiental, incluíndo critérios e directrizes para a avaliação do impacto ambiental das actividades de desenvolvimento; - assegurar a preparação de planos físicos para o enquadramento do uso sustentável dos recursos naturais ao nível municipal e provincial.

No domínio da assessoria:

- propor ao Conselho de Ministros políticas e estratégias de desenvolvimento a

139

 

seguir em matéria ambiental; - emitir pareceres técnicos sobre projectos económicos e sociais com repercussões ambientais; - prestar assistência técnica aos órgãos locais no âmbito da gestão descentralizada dos recursos naturais.

No domínio do controlo: - estabelecer mecanismos de controlo e aplicação dos dispositivos legais vigentes; - exercer o controlo e a fiscalização sobre as actividades económicas e sociais no que se refere às suas implicações ambientais.

No domínio da avaliação: - proceder à avaliação do impacto ambiental das actividades dos sectores; - realizar auditorias e inspecções ambientais junto dos diferentes sectores; - avaliar as necessidades do país em matérias de legislação ambiental; - determinar o estado do ambiente no país e propor os padrões admissíveis na exploração dos recursos naturais; - aprovar as avaliações dos projectos submetidos à aprovação do MICOA.

No domínio da direcção e execução da política definida pelo governo para o sector: - decidir sobre os estudos de impacto ambiental inerentes à realização de actividades sócio económicas no âmbito dos projectos de desenvolvimento dos sectores; - decidir sobre a qualidade técnica das avaliações dos impactos ambientais; - realizar auditorias ambientais e proceder à activação dos devidos  procedimentos legais sempre que se registem r egistem infracções previstas na lei do ambiente; - recomendar ao governo a criação de incentivos ambientais. Em termos de estrutura orgânica, o MICOA encontra-se, a nível central, organizado da

seguinte forma259:

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- Inspecção-Geral; - Direcção Nacional de Avaliação de Impacto Ambiental; - Direcção Nacional de Gestão Ambiental; - Direcção Nacional de Planeamento e Ordenamento Territorial; - Direcção Nacional de Promoção Ambiental; - Direcção de Planificação; - Departamento de Recursos Humanos; - Departamento de Administração e Finanças; - Departamento de Cooperação Internacional; - Gabinete do Ministro; - Gabinete Jurídico. A nível local, o MICOA encontra-se representado através das Direcções Provinciais e Distritais para a Coordenação da Acção Ambiental. Ao abrigo do artigo 2.°/3, do Estatuto Orgânico do MICOA, foram criados, em Fevereiro de 2003, os chamados Centros de Desenvolvimento Sustentável (CDS), subordinados ao MICOA, sendo dotados de autonomia administrativa, designadamente: - O CDS para as Zonas Costeiras, sediado em Xai-Xai, que “tem como objecto a coordenação e promoção de estudos e sua divulgação, assessoria técnica, 259 Cf Cfr. r. Art Artig igoo 2.° 2.°,, do Esta Estatu tuto to Or Orgân gânic icoo do MICO MICOA, A, apr aprov ovado ado pel peloo Di Dipl plom omaa Ministerial n.° 133/2000, de 27 de Setembro. formação, bem como o desenvolvimento de actividades piloto de gestão do ambiente costeiro, marinho, e lacustre que contribuam para a elaboração de  políticas e formulação de legislação que promovam o desenvolvimento das zonas costeiras”260; - O CDS para as Zonas Urbanas, sediado em Nampula, que “tem por objecto a coordenação e promoção de estudos e sua divulgação, assessoria técnica, formação, bem como o desenvolvimento de actividades piloto de gestão do

ambiente urbano que contribuam para a elaboração e políticas e formulação de

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legislação que promovam o desenvolvimento das zonas urbanas261”; - O CDS para os Recursos Naturais, sediado em Chimoio, que “tem por objecto a coordenação e promoção de estudos e sua divulgação, assessoria técnica, formação, bem como o desenvolvimento de actividades piloto de gestão dos recursos naturais que contribuam para a elaboração de políticas e formulação de legislação que promovam o uso sustentável dos recursos naturais”262. Entretanto, importa referir que, apesar de o MICOA ser o órgão da Administração Pública investido dos poderes funcionais acima descritos, ele é acima de tudo um órgão que detém as competências para poder coordenar a implementação das políticas e medidas ambientais correctas com vista a garantir uma utilização sustentável dos recursos naturais. Isto porque, como se sabe, este órgão não detém a tutela objectiva de quaisquer  recursos naturais, o que se traduz no facto de não autorizar ou licenciar o acesso e utilização aos mesmos.  No âmbito da estrutura administrativa actualmente em vigor no país, a tutela objectiva dos recursos naturais está a cargo de uma série de diferentes ministérios, designadamente: água – Ministério das Obras Públicas e Habitação; terra, recursos florestais e faunísticos  – Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural; recursos minerais e energéticos e nergéticos do 260 Cfr. Artigo 2.° do Estatuto Orgânico do Centro de Desenvolvimento Sustentável para as Zonas Costeiras, aprovado pelo Decreto pelo Decreto n.° 5/2003, de 18 de Fevereiro. Fe vereiro. 261 Cfr. Artigo 2.° do Estatuto Orgânico do Centro de Desenvolvimento Sustentável para as Zonas Urbanas, Fe vereiro. aprovado pelo Decreto pelo Decreto n.° 6/2003, de 18 de Fevereiro. 262 Cfr. Artigo 2.° do Estatuto Orgânico do Centro de Desenvolvimento Sustentável para os Recursos  Naturais, aprovado pelo Decreto pelo  Decreto n.° 7/2003, de 18 de Fevereiro. Fe vereiro. subsolo – Ministério dos Recursos Minerais e Energia; recursos pesqueiros – Ministério das Pescas, etc.

 Nestes termos, a acção do MICOA, no âmbito da gestão dos recursos naturais, centra-se centra-s e

142

 

fundamentalmente em procurar garantir que as respectivas formas de utilização, autorizadas pelos correspondentes sectores de tutela, são as mais correctas possíveis, não apresentando grandes implicações negativas junto do meio ambiente, e, mesmo quando é manifestamente impossível evitar a ocorrência de tais implicações, sejam adoptadas as medidas adequadas para controlar ou minimizar os efeitos danosos daquelas, salvaguardando-se assim a sanidade do ambiente. Contudo, importa sublinhar que, perante a verificação de uma violação à legislação ambiental, deve o MICOA apresentar-se também como um órgão de acção, lançando mão de todos os instrumentos legais de natureza procedimental e contenciosa para repor a situação da legalidade, em prol do primado da protecção do ambiente. Um exemplo  paradigmático de tal papel, consubstanciado, em nosso entender, num autêntico “poderdever”,  prende-se com a constatação do d o início da construção de um empreendimento turístico, após a emissão de uma mera licença sectorial, numa zona de cenário único junto à orla marítima, em solo municipal, como tal, obrigatoriamente sujeito a EIA263, sem que tenha sido dada entrada de qualquer documentação no MICOA. Ora, uma vez esgotados quaisquer hipóteses de, junto do conselho municipal responsável, repor a situação no estado anterior à ilegalidade, pode (e deve) o MICOA recorrer ao mecanismo do embargo administrativo, previsto no artigo 22.° da Lei do Ambiente. Discordamos, assim, com algumas vozes que consideram que o papel deste orgão deve, tão só, esgotar-se na mera função da coordenação da acção ambiental. A defesa e conservação do meio ambiente pressupõe a construção de um MICOA verdadeiramente empenhado na causa ambiental, por um lado, e firme no modo de actuar, não receando, 263 Segundo a alínea j) do n.° 21 do Anexo do Regulamento do Processo de Avaliação de Impacto Ambi Am bien enttal al,, apro aprova vado do pe pello  Decreto n.° 76/98, de 29 de Dezembro Dezembro,, qu qual alqu quer  er  empreendimento que se  pretenda construir numa ““zona zona de cenário único” deve obrigatoriamente ser submetido a

um EIA.

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de modo algum, o confronto com outros órgãos da Administração Pública que venham a violar princípios e normas ambientais. O conflito entre diferentes órgãos administrativos é perfeitamente normal ao funcionamento de um Estado de Direito.

3.2.1.2. Competência dos demais Ministérios Importa reter que, ao nível do Governo, quase todos os ministérios possuem um papel relevante na prossecução das políticas de protecção do meio ambiente, caracterizado não apenas pela atribuição de competências directas no domínio ambiental, tendo em conta a responsabilidade na gestão dos recursos naturais, mas também pelas respectivas incumbências na realização de actividades susceptíveis de causar maior ou menor  impacto ambiental. Pelo que faremos uma abordagem generalista e algo resumida das competências ambientais de alguns dos ministérios que constituem o Governo de Moçambique. Contudo, e antes de iniciar tal tarefa, importa refutar a tendência de alguns ministérios de se considerarem senhores absolutos de determinados recursos naturais, demonstrando resistência à participação de outras entidades ministeriais nas discussões sobre políticas,  princípios e regras sobre o uso e aproveitamento destes. Acima de tudo, a protecção do ambiente não se compadece com discursos estritamente sectoriais e economicistas, susceptíveis de perspectivas cada recursos como um compartimento estanque totalmente desprovido de qualquer roupagem ecológica. Os recursos naturais constituem, acima de tudo, componentes ambientais, os quais estabelecem entre si complexas relações ecológicas. Posto isto, passamos a referir o papel de cada ministério no domínio do ambiente, tendo  presente as alterações introduzidas pelo último Governo democraticamente eleito. • Ministério da Agricultura – constitui a entidade governamental directamente responsável por alguns dos componentes ambientais naturais, designadamente a 151 terra264, as florestas e a fauna bravia265. Daí que seja praticamente indiscutível a sua competência no domínio do ambiente;

• Ministério das Obras Públicas e Habitação – é o Ministério responsável pela tutela

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de outro componente ambiental fundamental – a água266 267. Além do mais, urge referir as suas competências no âmbito das obras públicas, sector de inquestionável impacto ambiental; • Ministério dos Recursos Minerais – constitui o órgão responsável pela tutela dos componentes ambientais naturais denominados de recursos minerais268. Relativamente a estes, é facto assente que a respectiva exploração acarreta consequências ambientais bastante significativas, daí os cuidados acrescidos em relação ao respeito pela legislação ambiental269. • Ministério da Energia - Quanto a este Ministério270 importa destacar a importância da problemática das energias poluentes e a necessidade de equacionar  o uso de energias novas e renováveis, designadamente que sejam limpas271. O seu

264 Vejam-se a Política Nacional de Terras e a Política Agrária, aprovadas pelo Conselho de Ministros, através da Resolução n.º 10/95, de 17 de Outubro, e Resolução n.º 11/95, de 31 de Outubro, respectivamente. 265 Vejam-se o Decreto Presidencial n.º 24/2005, de 27 de Abril (que define as atribuições e competências do Ministério da Agricultura) e o Diploma Ministerial n.º 202/2005, de 29 de Agosto (que aprova o respectivo Estatuto Orgânico). 266 Na estrutura orgânica do Ministério das Obras Públicas e Habitação, a entidade competente no sector  das águas é a Direcção Nacional de Águas. Vejam-se o Diploma Ministerial n.º 217, de 23 de Dezembro, que aprova o Estatuto Orgânico do Ministério das Obras Públicas e Habitação e o Diploma Ministerial n.º 78/2001, de 23 de Maio, que aprova o Regulamento Interno da Direcção Nacional de Águas.

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267 Veja-se a Polít Política ica Nacional de Águas, aprovada pelo Conselho de Ministros através da Resolução n.º 7/95, de 8 de Agosto, do Conselho de Ministros. 268 Vejam-se os seguintes diplomas: Decreto Presidencial n.º 20/2005, de 31 de Março (que define as at atri ribu buiç ições ões e as co comp mpet etênc ência iass do Mini Minist stéri érioo do doss Recur Recursos sos Natu Natura rais is), ), o Di Dipl plom omaa Ministerial n.º 201/2005, de 23 de Agosto (que aprova o Estatuto Orgânico do Ministério) e o Diploma Ministerial n.º 57/2001, de 11 de Abril (que aprova o Regulamento Interno da Direcção Nacional de Minas). 269 Veja-se a Política Geológica e Mineira, aprovada pelo Conselho de Ministros através da Resolução n.º 4/98, de 24 de Fevereiro. 270 Ve Veja ja-se -se o De Decre creto to Pr Presi esiden denci cial al n. n.ºº 21 21/2 /200 005, 5, de 31 de Març Marçoo (q (que ue de defi fine ne as atribuições e competências do Ministério da Energia) e o Diploma Ministerial n.º 195/2005, de 14 de Setembro (que aprova o respectivo Estatuto Orgânico). 271 Chamamos a atenção para a Política Energética, aprovada pela Resolução n.º 5/98, de 3 de Março, e  para a sua Estratégia, aprovada pela Resolução n.º 24/2000, de 3 de Outubro, ambas do Conselho de Ministros.  papel é actualmente chave tendo presente o actual ac tual contexto de crise energética, caracterizado pelo aumento crescente dos preços dos combustíveis no mercado internacional e, consequentemente, no país. Em consequência, veja-se que, na estrutura orgânica deste ministério, foi criada a Direcção Nacional de Energias  Novas e Renováveis. • Ministério da Indústria e Comércio – constitui o órgão responsável pela tutela dos

sectores de actividade da indústria e do comércio272. Quanto ao primeiro273, urge

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referir o impacto da actividade industrial junto do meio ambiente e a necessidade de introduzir no processo produtivo, privilegiando, o uso de tecnologias limpas. Já no que toca ao segundo274, pensemos na problemática das normas de qualidade dos produtos275 e na questão da saúde pública. • Ministério dos Transportes e Comunicações – enquanto órgão competente no domínio dos transportes276, deve assumir seriamente a causa ambiental, tendo  presente o impacto do sector em termos de poluição, po luição, principalmente a atmosférica, e no efeito provocado por alguns dos gases libertados pelos diversos motores no ambiente, em geral, e na saúde das pessoas, em particular277; 272 Vejam-se o Decreto Presidencial n.º 15/2000, de 19 de Setembro (que define as atribuições e competências do Ministério da Indústria e Comércio) e o Diploma Ministerial n.º 161 –  A/2000, de 21 de  Novembro (que aprova o respectivo res pectivo Estatuto Orgânico). 273 Nesta matéria, tenha-se presente a Política e Estratégia Industrial, aprovada pelo Conselho de Ministros através da Resolução n.º 23/97, de 19 de Agosto. 274 Veja-se a Política e Estratégia Comercial, aprovada pelo Conselho de Ministros através da Resolução n.º 25/98, de 1 de Junho. 275 Veja-se o Decreto n.º 12/82, de 23 de Junho (que estabelece os requisitos higiénicos e sanitários de  produção, transporte e comercialização de géner géneros os alimentícios, as regras de inspecção inspec ção e fiscalização e as infracções contravencionais) e o Diploma Ministerial n.º 51/84, de 3 de Outubro (que aprova o Regulamento sobre os Requisitos Higiénicos dos Estabelecimentos Alimentares). 276 Este Ministério rege-se pelos seguintes diplomas: Decreto Presidencial n.º 3/97, de 11 de Novembro

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(que (que defi define ne os ob obje ject ctiv ivos os e as co comp mpet etên ênci cias as do Mi Mini nist stér ério io do doss Tr Tran ansp spor orte tess e Comunicações) e o Diploma Ministerial n.º 211/98, de 2 de Dezembro (que aprova o respectivo Estatuto Orgânico). 277 Neste domínio, tenha-se presente a Política Nacional dos Transportes, aprovada pelo Conselho de Ministros através da Resolução n.º 5/96, de 2 de Abril. • Ministério das Pescas – tutela o sector dos recursos pesqueiros, que assume uma importância vital para a economia nacional278. Estes recursos têm vindo a ser, nos últimos anos, objecto de uma exploração insustentável no mundo em geral, não constituindo Moçambique uma excepção, levando à extinção de algumas espécies ou sua redução para números ínfimos279. Recordamos ainda que a actividade  pesqueira propriamente dita, quando conduzida con duzida em moldes pouco cuidados e racionais, exerce um impacto ambiental nefasto. Pensemos, a título de exemplo, na implicação do uso de explosivos, técnica proibida pelo Legislador280, nos habitats e ecossistemas marinhos; • Ministério do Turismo – este ministério foi criado281 tendo presente a emergência do sector no panorama económico nacional282. Uma parte significativa das áreas com valor e interesse paisagístico têm vindo a ser alvo das mais diversas actividades turísticas, levando à necessidade de cultivar uma política de eco turismo. É também a entidade responsável pela tutela e gestão dos parques e reservas nacionais; 278 Vejam-se o Decreto Presidencial n.º 6/2000, de 4 de Abril (que define os objectivos, as atribuições e as competências do Ministério das Pescas), o Diploma Ministerial n.º 55/2000, de 7 de Junho (que publica o Estatuto Orgânico do Ministério das Pescas), o Diploma Ministerial n.º 75/2001, de 9 de Maio (que aprova o Regulamento Interno da Direcção Nacional das Pescas) e o Despacho do Ministro das

Pescas, datado do

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dia 23 de Abril de 2002, e publicad publicadoo no BR n.º 24, I Série, de 12 de Junho de 2002 (que interdita a pesca do coral e do peixe de ornamentação nas águas sob jurisdição de Moçambique e a aquisição, transporte, manipulação, processamento, armazenamento, exportação e comercialização do coral e do peixe de ornamentação). 279 Vej Vejaa-se se a Po Polí líti tica ca Pesqu Pesquei eira ra e Estr Estrat atég égia iass de Impl Implem emen enta tação ção,, ap aprov rovad adaa pe pelo lo Conselho de Ministros através da Resolução n.º 11/96, de 28 de Maio. 280 Cfr. Artigo 36/1, da Lei n.º 3/90, de 26 de Setembro, que aprova a Lei das Pescas. 281 O Ministério do Turismo foi criado pelo Decreto Presidencial n.º 1/2000, de 17 de Janeiro. Vejam-se o Decreto Presidencial n.º 9/2000, de 23 de Maio (que define os objectivos e competências do Ministério do Turismo), o Diploma Ministerial n.º 133/2000, de 27 de Setembro (que publica o Estatuto Orgânico do Ministério do Turismo) e o Diploma Ministerial n.º 101/2002, de 3 de Junho (que aprova o Regulamento Interno da Direcção Nacional do Turismo). 282 Veja-se a Política do Turismo e a Estratégia para a sua Implementação, aprovada  pela Resolução n.º 14/2003, de 4 de Abril, do Conselho de Ministros. • Ministério da Educação e Cultura – Resultou da fusão de dois ministérios, designadamente o da Educação e o da Cultura283. Realce-se, em primeiro lugar, o  papel que este órgão pode desempenhar des empenhar no domínio da educação ambiental, a qual deve começar a ser incluída nos programas escolares dos primeiros anos da escolaridade obrigatória. Quanto à cultura pode-se eventualmente questionar a relevância do seu destaque, contudo, não nos podemos esquecer da relação estrita

existente entre os conceitos de cultura e ambiente. Além do mais, encontra-se

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 prevista na legislação nacional284 e internacional285 a possibilidade p ossibilidade de se classificarem determinados bens naturais como culturais; • Ministério da Ciência e Tecnologia – referimos este ministério pelo mesmo motivo do que o anterior. Além do mais, veja-se a importância da investigação científica em prol da protecção e valorização do ambiente286 287; • Ministério da Saúde – pensemos, desde logo, no valor da saúde pública, estritamente associado às questões ambientais288. Repare-se que o combate a determinadas doenças passa necessariamente pela realização de campanhas de educação e sensibilização ambientais. Este órgão assume importantes competências no domínio da qualidade da água, gestão de resíduos hospitalares e higiene alimentar289.

283 Vejam-se o Decreto Presidencial n.º 18/2005, de 31 de Março (que define as atribuições e competências do Ministério da Educação) e o Diploma Ministerial n.º 181/2005, de 7 de Setembro (que aprova o respectivo Estatuto Orgânico). 284 Veja-se a Lei n.º 10/88, de 22 de Dezembro, que determina a protecção legal dos  bens culturais materiais e imateriais do património cultural moçambicano. 285 Exemplo paradigmático é a Convenção para a Protecção do Património Cultural e  Natural do Mundo, da autoria da UNESCO, ratificada, pela AR, através da Resolução n.º 17/82, de 13 de  Novembro. 286 Vejam-se o Decreto Presidencial n.º 17/2005, de 31 de Março (que define as atribuições e competências do Ministério da Ciência e Tecnologia) e o Diploma Ministerial n.º 153/2005, de 2 de Agosto (que aprova o respectivo Estatuto Orgânico). 287 Veja-se a Polít Política ica de Ciência Ciência e Tecnol Tecnologia ogia e a Estratégia para a sua Implementação, Implementação,

aprovada pelo

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Conselho de Ministros através da Resolução n.º 23/2003, de 22 de Julho. 288 Vejam-se o Decreto Presidencial n.º 11/95, de 29 de Dezembro (que define as atribuições e competências do Ministério da Saúde) e o Diploma Ministerial n.º 94/97, de 22 de Outubro (que aprova o respectivo Estatuto Orgânico). 289 Veja-se a Política do Sector da Saúde para 1995/1999, aprovada pelo Conselho de Ministros através da Resolução n.º 4/95, de 11 de Julho.

3.2.1. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável “Para fazer frente aos desafios do ambiente e do desenvolvimento, os Estados decidiram estabelecer uma nova parceria global. Esta parceria compromete todos os Estados a envolverem-se num diálogo contínuo e construtivo, inspirado pela necessidade de alcançar uma economia mundial mais eficiente e equitativa, tendo em mente a interdependência crescente da comunidade de nações e que o desenvolvimento sustentável se deve tornar assunto prioritário na ordem de trabalhos da comunidade internacional. Reconhece-se que, para que esta nova parceria seja bem sucedida, é importante ultrapassar os confrontos e encorajar um clima de genuína cooperação e solidariedade. É igualmente importante reforçar as políticas nacionais e internacionais e a cooperação multinacional para as adaptar às novas realidades”290. Como forma de garantir o comprometimento do nosso país com a Agenda 21, documento que pretende introduzir uma nova ordem de desenvolvimento económico social no mundo, a Lei do Ambiente criou o Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável (CONDES), tendo como objectivo garantir uma efectiva e correcta coordenação e integração dos princípios e das actividades de gestão ambiental no processo de desenvolvimento do país, funcionando como órgão consultivo do Conselho de Ministros e de fórum de auscultação da opinião pública sobre as questões ambientais291 . Isto é, cabe ao CONDES aconselhar o governo sobre as questões ligadas ao ambiente. Por outro lado, este organismo funcionará como interlocutor privilegiado da sociedade

civil, sendo que sobre o mesmo serão depositadas as preocupações ambientais com vista

151

 

à sua consideração pelo Governo. 290 Cfr. Agenda 21, p. 15, extracto do Capítulo II – Cooperação internacional para acelerar o desenvolvimento sustentável nos países em desenvolvimento e as políticas nacionais conexas. 291 Cfr. Artigo 6.°/1 e 2, da Lei do Ambiente.

3.2.2.1. Competência do CONDES em gestão ambiental O artigo 6.°/3, da Lei do Ambiente, estabelece que o Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável tem as seguintes competências: - pronunciar-se sobre as políticas sectoriais relacionadas com a gestão de recursos naturais; - emitir parecer sobre propostas de legislação complementar à Lei do Ambiente, incluíndo as propostas criadoras ou de revisão de legislação sectorial relacionada com a gestão de recursos naturais do país; - pronunciar-se sobre as propostas de ratificação de convenções internacionais relativas ao ambiente; - elaborar propostas de criação de incentivos financeiros ou de outra natureza  para estimular os agentes económicos para p ara a adopção de procedimentos ambientalmente sãos na utilização quotidiana dos recursos naturais do país; - propor mecanismos de simplificação e agilização do processo de licenciamento de actividades relacionadas com o uso de recursos naturais; - formular recomendações aos ministros das diversas áreas de gestão de recursos naturais sobre aspectos relevantes das respectivas áreas; - servir como foro de resolução de diferendos institucionais relacionados com a utilização e gestão de recursos naturais; - exercer as demais funções que lhe forem cometidas pela presente Lei e pela demais legislação ambiental. Salienta-se que a composição e o funcionamento do Conselho Nacional de

Desenvolvimento Sustentável foram estabelecidos pelo pelo Decreto  Decreto n.º 40/2000, de 17 de

152

 

Outubro,, que aprovou também o respectivo Regulamento de Funcionamento. Assim, o Outubro CONDES é constituído pelo Primeiro-Ministro (Presidente) e pelos Ministros para a Coordenação da Acção Ambiental (Vice-Presidente), do Plano e Finanças, dos Transportes e Comunicações, da Agricultura e Desenvolvimento Rural, das Obras 157 Públicas e Habitação, da Indústria e Comércio, dos Recursos Minerais e Energia, do Turismo e das Pescas292. Por outro lado, “poderão ser convidados para as secções de trabalho do Conselho  Nacional de Desenvolvimento Sustentável, membros da sociedade civil, especialistas ou técnicos cuja representatividade social ou económica, ou capacidade técnica justifique que sejam consultados”293. Em relação ao Regulamento de Funcionamento do CONDES, não poderíamos deixar de fazer um pequeno reparo em relação ao respectivo artigo 2.°, que reproduziu as competências fixadas pela Lei do Ambiente com uma única excepção: não há qualquer  alusão à competência de “servir como foro de resolução de diferendos institucionais relacionados com a utilização e gestão de recursos naturais”. Não sabemos, no entanto, se a omissão foi intencional ou se correspondeu a um simples lapso.

3.2.3. Órgãos Locais A Constituição da República de Moçambique, com as alterações introduzidas pela Lei pela  Lei n.º  9/96, de 22 de Novembro, Novembro, estabeleceu que “os órgãos locais de Estado têm como função a representação do Estado ao nível local para a administração e desenvolvimento do respectivo território e contribuem para a integração e unidades nacionais”294. Assim, estes órgãos “garantem, no respectivo território, sem prejuízo da autonomia das autarquias locais, a realização de tarefas e programas económicos, culturais e sociais de interesse local e nacional, observando o estabelecido na Constituição, as deliberações da Assembleia da República, do Conselho de Ministros e dos órgãos do Estado do escalão superior”295.

292 Cfr. Artigo 1.°/1, do Decreto do  Decreto n.° 40/2000, de 17 de Outubro. Outubro .

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293 Cfr. Artigo 1.°/2, do Decreto do  Decreto n.° 40/2000, de 17 de Outubro. Outubro . 294 Cfr. Artigo 185.º, da CRM. 295 Cfr. Artigo 186.º/1, da CRM. O artigo 7.°, da Lei do Ambiente estabelece que serão criados, a nível local, serviços que irão garantir a implementação da legislação ambiental, visando o aproveitamento adequado das iniciativas e conhecimentos locais sobre gestão ambiental. É de realçar que, no momento em que se aprovou a Lei do Ambiente, o país se encontrava a braços com o  processo de reforma dos d os órgãos locais do Estado, que culminou com a adopção da lei quadro para a implantação das autarquias locais e consequente criação de municípios em algumas cidades e vilas do país. Como órgãos locais, veremos as competências das autarquias locais, por um lado, e dos órgãos de Administração Pública de província e distrito, por outro.

3.2.3.1. Autarquias locais A CRM, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 9/96, de 22 de Novembro, determinou que o “poder local tem como objectivos organizar a participação dos cidadãos na solução dos problemas próprios da sua comunidade, promover o desenvolvimento local, o aprofundamento e a consolidação da democracia, no quadro da unidade do Estado moçambicano”296. Ora, segundo o Legislador constitucional, este poder  compreende as autarquias locais, que “são pessoas colectivas públicas, dotadas de órgãos representativos próprios, que visam a prossecução dos interesses das populações respectivas, sem prejuízo dos interesses nacionais e da participação do Estado”297. São autarquias locais, ainda segundo a CRM, os municípios (que correspondem à circunscrição territorial das cidades e vilas) e as povoações (correspondendo à circunscrição territorial da sede do posto administrativo)298. A Lei n. ° 2/97, de 18 de Fevereiro (adiante designada por Lei das Autarquias Locais), aprovou o quadro jurídico para a implantação das autarquias locais, atribuindo aos órgãos autárquicos certas competências para a prossecução de interesses ambientais próprios,

296 Cfr. Artigo 188.º/1, da CRM.

154

 

297 Cfr. Artigo 189.º/1 e 2, da CRM. comuns e específicos das populações residentes ao nível das áreas sob a sua jurisdição, nomeadamente relacionados com o desenvolvimento económico e social local; o meio ambiente, saneamento básico e qualidade de vida; e a urbanização, construção e habitação299. Iremo-nos referir unicamente às competências dos municípios em matéria ambiental, visto que não se deu início ao processo de implantação das povoações. Ora, constituem órgãos dos municípios a Assembleia Municipal, o Presidente do Conselho Municipal e o Conselho Municipal300. Quanto à Assembleia Municipal, a Lei das Autarquais Locais foi bastante longe na definição de competências ambientais, determinando, no artigo 46.°, caber a este órgão, mediante proposta do Conselho Municipal, aprovar: - o plano ambiental e zonamento ecológico do município; - programas de incentivo a actividades protectoras ou reconstituintes das condições ambientais; - programas de uso de energia alternativa; - processos para a remoção, tratamento e depósito de resíduos sólidos, incluíndo os dos hospitais; - programas de florestamento, plantio e conservação de árvores de sombra; - programas locais de gestão de recursos naturais; - normas definidoras de multas e outras sanções ou encargos que onerem actividades especialmente poluidoras na área do município; - programas de difusão de meios de transporte não poluentes; - o estabelecimento de reservas municipais; - propostas e pareceres sobre a definição e estabelecimento de zonas protegidas. 298 Cfr. Artigo 190.º/1 e 2, da CRM. 299 Cfr. Artigo 6.°/1 a), b) e h), da Lei das Autarquias Locais. 300 Cfr. Artigo 32.°, da Lei das Autarquias Locais.

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Em relação ao Conselho Municipal, para além da elaboração das propostas referidas no artigo 46.° da Lei das Autarquias Locais, compete, entre outras301: - pedir à instância competente a declaração de utilidade pública; - conceder licenças para estabelecimentos insalubres, incómodos, perigosos ou tóxicos nos termos da lei; - deliberar sobre a administração das águas públicas sob a sua jurisdição. Segundo o artigo 6.°/2, da Lei das Autarquias Locais, em conjugação com o artigo 7.°, da Lei do Ambiente, para a prossecução destas atribuições, é necessário que existam recursos financeiros ao alcance dos municípios. Além do mais, pressupõe-se que as competências neste âmbito estejam distribuídas entre os órgãos das autarquias e os de outras pessoas colectivas públicas. Assim, a participação das autarquias locais, como órgãos responsáveis pela gestão ambiental a nível local, caracteriza-se pelo conjunto de poderes funcionais conferidos  pelas leis que regem o seu funcionamento. Destaque-se a Lei a Lei n.º 11/97, de 31 de Maio (Lei das Finanças e Património Autárquico), que, nos termos do respectivo artigo 25.°, confere às autarquias locais competências para proceder ao investimento público nas seguintes áreas ligadas à gestão ambiental: a) Equipamento rural e urbano: - espaços verdes, incluíndo jardins e viveiros das autarquias; - rodovias, incluíndo passeios; - habitação económica.  b) Saneamento básico: - sistemas autárquicos de abastecimento de água; - sistemas de esgotos; - sistemas de tratamento e recolha de lixos e limpeza pública. 301 Cfr. Artigo 56.°/1 j), n) e o) da Lei das Autarquias Locais. 161 c) Gestão ambiental: - protecção ou recuperação do meio ambiente; - florestamento, plantio e conservação de árvores;

- estabelecimento de reservas municipais.

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Concluíndo, cabe aos municípios um conjunto de competências fundamentais no domínio da prevenção ambiental, das quais destacamos o poder normativo (elaboração de posturas municipais, regulamentando os diversos componentes ambientais), o poder licenciador  (tendo presente, no momento da atribuição de uma autorização ou licença, o princípio da  prevenção) e o poder fiscalizador (exercendo tais competências com zelo – vocações  pedagógica e sancionatória).

3.2.3.2. Órgãos da Administração Pública de província e distrito Foi aprovada recentemente a Lei a Lei n.° 8/2003, de 19 de Maio, Maio, que estabeleceu os  princípios, competências e funcionamento dos órgãos ó rgãos locais do Estado de escalões de  província, distrito, posto administrativo e de localidade. Este instrumento revogou a Lei n.° 5/78 e a Lei n.° 7/78, ambas de 22 de Abril, que, nos respectivos textos, se encontravam completamente desprovidas de qualquer tipo de preocupação de teor  ambiental. Será adiante designada pelas iniciais LOLE (Lei dos Orgãos Locais de Estado). A LOLE não foi clara quanto às competências dos órgãos da administração pública de  província, designadamente o Governador Provincial e o Governo Provincial. Em relação ao primeiro, compete “dirigir a preparação, execução e controlo do Programa do Governo, do Plano Económico e Social e do Orçamento do Estado na província”302, sendo a protecção e conservação do ambiente um dos domínios obrigatoriamente contemplados. Quanto ao Governo Provincial, importa apenas frisar que deste fazem  parte os directores provinciais, a quem compete dirigir as diversas direcções provinciais, 302 Cfr. Artigo 17.°/1 d), da LOLE.  pelo que fazemos uma remissão genérica gen érica para a abordagem das competências do MICOA e dos demais ministérios em matéria ambiental303. Relativamente aos órgãos da administração pública do distrito, que são o Administrador  Distrital e o Governo Distrital304, importa referir que desempenham um papel fundamental no domínio ambiental, mais a mais tendo presente que a gestão municipal abrange uma percentagem reduzida do país. Fora da área de jurisdição municipal, entramos no domínio das competências dos órgãos locais de distrito. O seu papel tem

entramos no domínio das competências dos órgãos locais de distrito. O seu papel tem vindo a ser reforçado no decurso do processo de descentralização de poderes que se está a

157

 

efectuar ao nível do Administração Pública. Sobre as competências em matéria ambiental do Administrador Distrital, note-se que este representa a administração central do Estado no respectivo território305, aplica e faz aplicar as leis, regulamentos e outros actos administrativos306, manda levantar autos de transgressão e decide em conformidade com a legislação vigente307, entre outras competências fixadas por Lei.  No que concerne às competências do Governo Distrital no mesmo domínio308, o Legislador foi bastante minucioso, pois compete a este órgão, entre outras: - aprovar as propostas do plano de estrutura, do ordenamento do território, compreendendo zonas ecológicas e outras áreas de protecção; - elaborar propostas sobre definição e estabelecimento de zonas protegidas, submetendo-as às entidades competentes; - aprovar e executar programas de fomento de actividades de manutenção,  protecção e reconstituintes do meio ambiente; 303 Cfr. Artigos 20.° c) e 26.°, da LOLE. 304 Cfr. Artigo 33.°, da LOLE. 305 Cfr. Artigo 35.°/ a), da LOLE. 306 Cfr. Artigo 35.°/2 g), da LOLE. 307 Cfr. Artigo 35.°/2 j), da LOLE. 308 Cfr . Artigo 39.°, da LOLE. - aprovar e incentivar programas de aplicação de energa alternativa à energia lenhosa e de carvão vegetal; - definir o modo e os meios de recolha, transporte, depósito e tratamento de resíduos sólidos, em especial os dos hospitais e outros tóxicos; - prestar serviços e realizar investimentos de interesse público nos domínios do reflorestamento, plantio e conservação de árvores de sombra, gestão de resíduos de parques e jardins públicos.

3.2.4. O papel das autoridades comunitárias em matéria ambiental

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Antes do início do processo de descentralização, já existia, em Moçambique, a figura da autoridade tradicional, que vinha a desempenhar um papel informal importante, em várias zonas do país, nos mais diversos domínios: cultural, religioso, económico, social, jurídico e político. Com a implementação do processo de descentralização, constatou-se a necessidade de se estabelecerem mecanismos de comunicação e colaboração entre os órgãos locais do Estado e as autoridades comunitárias que, até aí, vinham colmatando, na gestão dos interesses colectivos, a ausência do Estado em vastas áreas do país. É, neste âmbito, que foi aprovado o Decreto o Decreto n. ° 15/2000, de 20 de Junho, Junho, que estabeleceu as formas de articulação entre os órgãos locais do Estado e as autoridades comunitárias. Independentemente do entendimento que se faça sobre a legitimidade do Governo, através de decreto, em enveredar por uma espécie de “legitimação” ou “oficialização” das autoridades comunitárias existentes no país, pretendendo como que formalizar o informal, urge referir a importante alusão que este diploma e seu regulamento fizeram à necessidade de protecção do meio ambiente309. 309 309 Ve Veja ja-s -se, e, nest nestee do domí míni nio, o, o co cont nteú eúdo do do ar arti tigo go 11 11.° .°/1 /1,, se segu gund ndoo o qu qual al “o reconhecimento formal das autoridades comunitárias será feito pelo competente representante do Estado mediante identificação, registo e entrega de fardamento ou distintivo ao lider comunitário já legitimado”. Assim, nos termos do Decreto do Decreto n.° 15/2000, de 20 de Junho, Junho , é imposto aos órgãos locais do Estado o dever de articulação com as autoridades comunitárias, “auscultando opiniões sobre a melhor maneira de mobilizar e organizar a participação das comunidade locais, na concepção e implementação de programas e planos económicos, sociais e culturais, em  prol do desenvolvimento local”310. Isto é, os órgãos locais do Estado devem procurar  articular-se com as autoridades comunitárias nas questões referentes à gestão ambiental do território sob influência destas, principalmente no que toca aos domínios do direito de

uso e aproveitamento da terra, segurança alimentar, saúde pública e meio ambiente311. Ainda nesta área, veja-se o artigo 28.°/2, da Lei das Autarquias Locais, segundo o qual:

159

 

“No desempenho das suas funções, os órgãos das autarquias locais poderão auscultar as opiniões e sugestões das autoridades tradicionais reconhecidas pelas comunidades como tais, de modo a coordenar com elas a realização de actividades que visem a satisfação das necessidades específicas das referidas comunidades”. Posto isto, são autoridades comunitárias, para efeitos deste Decreto, “os chefes tradicionais, os secretários de bairro ou aldeia e outros líderes legitimados como tais pelas respectivas comunidades locais”312. O Diploma Ministerial n. ° 107 – A/2000, de 25 de Agosto, Agosto , aprovado pelo Ministério da Administração Estatal, desenvolveu as bases fixadas pelo Decreto acima referido. Estabelece como deveres em geral das autoridades comunitárias, entre outros313: - Divulgar as leis, deliberações dos órgãos do Estado e outras informações úteis à comunidade; - Participar às autoridades administrativas a exploração, circulação ou comercialização não licenciada de madeira, lenha, carvão, minérios, areias, etc.; 310 Cfr . Artigo 2.°, do Decreto do Decreto n.º 15/2000, de 20 de Junho. Junho . 311 Cfr. Artigo 4.°, do Decreto do Decreto n.º 15/2000, de 20 de Junho. Junho . 312 Cfr. A Cfr. Artigo rtigo 1.°, do Decreto do Decreto n.º 15/2000, de 20 de Junho. Junho . 313 Cfr. Artigo 5.° a), e), k) e o), do Diploma do  Diploma Ministerial n. ° 107 – A/2000, A/2000, de 25 de  Agosto..  Agosto - Participar na educação das comunidades sobre formas de uso sustentável e gestão dos recursos naturais, incluindo a prevenção de queimadas não controladas, caça, corte de madeira, lenha e carvão para fins comerciais sem autorização; - Mobilizar e organizar as comunidades para participarem em campanhas de saneamento do meio ambiente. Já quanto aos deveres em especial dos chefes tradionais e secretários de bairro ou aldeia,

destacamos o dever de mobilizar a população para actividades de limpeza e saneamento do meio e educá-la sobre as melhores formas de preservação do ambiente”314.

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Face a estes imperativos legais, já se começam a desenhar na estrutura administrativa local do nosso país algumas iniciativas que visam tornar ainda mais efectiva a tendência de descentralização, como é o caso da previsão de criação dos Conselhos Locais de Gestão de Recursos, pela LFFB, com vista a articularem a gestão dos recursos naturais a nível comunitário. 314 Cfr. Artigo 7.° m), do Diploma do  Diploma Ministerial n.° 107 – A/2000, de 15 de Agosto. Agosto .

ERA UMA VEZ O MAR  “ESTA HISTÓRIA COMEÇA MESMO ASSIM. ESTES HOMENS TINHAM UM MAR. NAVEGAVAM-NO. PESCAVAM NELE. BEBIAM-NO. ERA LÁ QUE APRENDIAM A NADAR, E A SER A ÚNICA COISA QUE SABIAM SER: HOMENS DO MAR, MESMO QUANDO ESTAVAM EM TERRA FIRME. ERA O MAR ARAL. ERA O MAR DELES. AGORA TÊM UM DESERTO SEM NOME. ERAM 50 MIL QUILÓMETROS QUADRADOS DE ÁGUA SALGADA. AGORA NÃO É NADA. QUANDO ERA UM LAGO TÃO GRANDE QUE LHE CHAMAVAM MAR, O ARAL BANHAVA O CAZAQUISTÃO E O UZBEQUISTÃO. MAS DEPOIS FOI ENCOLHENDO. DO RIO AMU DARYA, QUE O ALIMENTAVA, FIZERAM-SE FI ZERAM-SE CANAIS PARA ERRIGAR AS ENORMES PLANTAÇÕES DE ALGODÃO COM QUE DEPOIS SE VESTIAM OS HOMENS DO EXÉRCITO SOVIÉTICO. O MAR FOI SECANDO, E A POUCA ÁGUA QUE VINHA CHEGAVA CARREGADA DE PESTICIDAS.  NUM DIA DE 1964 ESTES HOMENS VIRAM A MARÉ FUGIR. E DESDE AÍ FOI SEMPRE ASSIM, MEIO METRO POR ANO, ATÉ NÃO HAVER MAR À VISTA. AGORA UNS MORREM DE DOENÇAS QUE NÃO EXISTIAM QUANDO HAVIA ÁGUA POR PERTO. OUTROS MORREM DE SAUDADES. SAUDADES DO MAR”. In. “Grande “Grande Reportagem”, n.° 120, Lisboa, Março, p. 8.

CAPÍTULO IV – A Prevenção Ambiental

4.1. Notas introdutórias O Capítulo V, da Lei do Ambiente, versa sobre os instrumentos fundamentais de

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 prevenção de danos ambientais reconhecidos reco nhecidos no nosso ordenamento jurídico, nomeadamente o licenciamento ambiental, o processo de avaliação de impacto ambiental (AIA) e a auditoria ambiental. Estes instrumentos encontram o seu fundamento na importância crucial que a prevenção assume na tutela do ambiente. É, sem dúvida, mais viável (quer em termos económicos quer para ambiente propriamente dito) evitar a ocorrência de danos ambientais, do que, uma vez verificada a lesão, procurar remediar ou corrigir algo que é, na maior parte das vezes, insusceptível de remédio ou correcção. Indo mais longe, sublinhando palavras de Maria Aragão, “é uma regra de bom senso que, em vez de contabilizar os estragos e tentar repará-los, se tente, sobretudo, evitar os danos”315. E, ainda, “Prevenir o que poderá não ser remediável é a ideia não só  primordial e central, como também catalisadora e unificadora, aquela de onde partem e onde se reconduzem todas as orientações, determinações e intervenções políticas, legislativas, administrativas ou materiais de tutela ambiental”316. Sabe-se que, para prosseguir o desenvolvimento de uma região, província ou país, é necessário utilizar os recursos naturais existentes: solos, água, madeiras, minerais, fauna  bravia, etc. Contudo, esta utilização não deverá ser s er conduzida de um modo irracional e desregado, sob risco de, não apenas perdermos irreversivelmente tais recursos, como também de afectarmos gravemente o estado do ambiente. 315 ARAGÃO, Maria Alexandra Alexandra de Sousa, O Princípio do Poluidor Pagador , STVDIA IVRIDICA n.º 23, Universidade de Coimbra, Coimbra, 1997, p. 69. Ou seja, “os componentes ambientais e os recursos naturais, em geral, não podem ser  agredidos ou usados, para além de certos limites, em que os gastos e danos se tornem irreversíveis. Isto é, podem apenas ser usados dentro de um determinado limite, que não  ponha em causa a capacidade de regeneração dos recurs recursos”317. os”317.

Sendo assim, há que privilegiar a adopção de instrumentos susceptíveis de prevenir a ocorrência de lesões de carácter sério e irreversível no ambiente, em detrimento das

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soluções de reparação ou compensação dos danos ambientais, o que pode ser feito, nos termos do ordenamento jurídico moçambicano, através de três instrumentos: o licenciamento ambiental, o processo de avaliação do impacto ambiental e a auditoria ambiental.

4.2. O Licenciamento Ambiental 4.2.1. Definições de Licenciamento Ambiental e Licença Ambiental O licenciamento ambiental encontra-se previsto no número 1 do artigo 15, da Lei do Ambiente, segundo o qual “o licenciamento e o registo das actividades que, pela sua natureza, localização ou dimensão, sejam susceptíveis de provocar impactos significativos sobre o ambiente, são feitos de acordo com o regime a estabelecer pelo governo, por regulamento específico”. O processo de licenciamento ambiental tem em vista a obtenção de uma licença com um conteúdo específico e característico, para além de licenças ou autorizações que há muito tempo eram obrigatórias à luz da legislação vigente. Mas o que é afinal uma licença ambiental? O Regulamento do Processo de Avaliação de Impacto Ambiental (RAIA), aprovado pelo Decreto n.º 45/2004, de 29 de Setembro, pode 316 ARAGÃO, Maria / DIAS, José Eduardo Figueiredo / BARRADAS, Maria Ana,  Presente e Futuro da  AIA em Portugal: notas sobre uma “reforma anunciada” anunciada”,, Revista do Centro de Estudos Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, CEDOUA, Coimbra, n.º 1, 1998, p. 89.  Direito do Ambiente Ambiente,, Almedina – Coimbra, 2001, 317 CONDESSO, Fernando Fernando dos Reis, Reis, Direito  p. 619. dar-nos uma ajuda valiosa na resposta a esta questão, definindo licença ambiental como “o certificado confirmativo da viabilidade ambiental de uma actividade proposta, emitido  pelo Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental, através dos órgãos competentes

 para o efeito .318 Mais ainda, entendemos que q ue a licença possui a natureza jurídica de um acto administrativo, enquanto “decisão com força obrigatória e dotada de exequibilidade

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sobre um determinado assunto, tomada por um órgão de uma pessoa colectiva de direito  público”, nos termos da alínea a) do artigo ar tigo 1. °, do Decreto n.º 30/2001, de 15 de Outubro. Tal foi aliás o entendimento de Vasco Pereira da Silva ao afirmar, em relação ao sistema  jurídico-legal português de licenciamento ambiental, que apresenta bastantes ba stantes semelhanças ao nosso, que a licença ambiental possui natureza de acto administrativo, enquanto “decisão de realização do interesse público produtora de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”319. Assim, podemos concluir que estamos perante uma modalidade de licenciamento completamente nova quanto à finalidade, conteúdo e procedimento para a respectiva obtenção.

4.2.2. Surgimento, essência e princípios Interessa-nos, antes de mais, perceber as razões do surgimento desta nova modalidade de licenciamento, pois, assim, compreenderemos a sua importância e papel no quadro da  política de protecção do ambiente. Até há bem pouco tempo, na história do nosso país (e no resto do mundo), as  preocupações ambientais não eram tidas em conta durante o processo de licenciamento ou concessão de actividades económicas, independentemente do ramo ao qual estas 318 Cfr . Artigo 1. ° f), do Regulamento do Processo de Avaliação do Impacto Ambiental. 319 319 SI SILV LVA, A, Va Vasc scoo Pe Pere reir ira, a, Ve Verde rde Co Corr do Di Dire reit itoo, Livrari Livrariaa Almedi Almedina, na, Coimbra Coimbra,, Fevereiro, 2002, p. 207.  pertencessem. Ou se eram, o peso pe so concedido a tais preocupações rrevelava-se evelava-se bastante diminuto. Conforme vimos anteriormente, o conceito de desenvolvimento sustentável320 só muito recentemente passou a fazer parte dos quadros de raciocínio dos diversos Estados e organizações internacionais, com a tomada da consciência da necessidade de mudar  radicalmente a forma como os seres humanos encaravam a natureza e o ambiente.

Qualquer projecto público ou privado era licenciado apenas se se traduzisse ou contabilizasse em crescimento económico para o país, a criação de postos de trabalho, o

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desenvolvimento de determinada região, etc. A natureza constituía, única e exclusivamente, fonte inesgotável de recursos ao serviço da ganância e cegueira dos homens. Não havia, portanto, uma perspectiva de futuro, a médio e longo prazo, ou ainda, que tomasse em consideração as necessidades das gerações futuras, isto é, uma  perspectiva inter-geracional321. Vejamos, por exemplo, o caso do nosso país. As actividades económicas encontravam-se (e ainda se encontram) distribuídas em vários ramos de actividade, sob a alçada de diversos ministérios ou entidades estatais. Tendo em conta a essência ou natureza da actividade, era apenas necessário requerer a respectiva licença ou licenças (à qual chamaremos de sectorial) junto do ministério ou entidade tutelar competente. 320 320 Veja-s -see a defi finnição con onsstante na Lei do Ambi bieente, se seggundo a qual o “desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento baseado numa gestão ambiental que satisfaz as necessidades da geração  presente sem compro com prome mete terr o eq equi uilí líbri brioo do ambi ambien ente te e a po possi ssibi bili lida dade de de as ge geraç raçõe õess futura futurass satisfazerem também as suas necessidades” (Cfr. artigo 1. °/12). 321 Neste domínio, damos destaque à distinção entre os conceitos de crescimento e desenvolvimento apresentada por António Sousa Franco. Para este autor, “o crescimento não tem uma componente ambiental, ambien tal, o que é preciso é acumular mais capital e produzir mais riqueza. É inevitável inevitável que essa acumulação e que essa produção de riqueza consumam recursos naturais”. Por outro lado, “o desenvolvimento significa (...) mais riqueza material, melhor justiça na sua repartição, melhor satisfação de acordo com os valores da comunidade, das necessidades de qualidade de vida, e,

nomeadamente de

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qualidade ambiental da comunidade, mas tudo isto projectado no longuíssimo prazo, no  prazo que cobre não apenas as gerações presentes mas também a sua responsabilidade de um património valorizado, se  possível, mas no mínimo intacto e não desbaratado para as gerações futuras”. Cfr . FRANCO, António Sousa, Ambiente Sousa,  Ambiente e Desenvolvimento Desenvolvimento,, In. Textos – Ambiente e Consumo, Vol. I, CEJ, 1996, pp. 9-25. Se estivéssemos perante um projecto de construção de uma fábrica, era necessário obter a respectiva licença junto do Ministério da Indústria e Comércio. Se se tratasse de um  projecto de exploração de uma mina ou de instalação de uma linha de transporte de energia eléctrica, já a instituição competente para o respectivo licenciamento (ou concessão) seria o Ministério dos Recursos Minerais. Caso estivesse em causa um  projecto agro-pecuário, teríamos tão somente so mente o Ministério da Agricultura como responsável pelo licenciamento da respectiva actividade, e por aí adiante. Com a tomada da consciência da necessidade de se proteger e conservar o meio ambiente, como condição imperiosa para a própria sobrevivência do Homem, foi consagrado, na Constituição da República de Moçambique, em 1990, o direito fundamental ao ambiente e a obrigação, a cargo do Estado, de promover acções no sentido da protecção do bem jurídico ambiente, conforme vimos anteriormente. Posto isto, foi criado, por um lado, um órgão especializado em questões ambientais e, por outro, deu-se início a um ciclo de publicação de diversos diplomas de carácter ambiental. Por conseguinte, em face da actual percepção da realidade, o entendimento acima descrito, segundo o qual a instalação das diversas actividades económicas era apenas condicionada, para além de outros requisitos de ordem meramente formal, à emissão de uma licença (ou concessão) sectorial ou mais, dependendo da natureza do projecto, revelou-se completamente desajustado. Para a decisão de repensar totalmente o quadro existente de condicionamento das

actividades económicas, há a contribuir um outro aspecto. Trata-se, aliás, de uma

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imposição do chamado princípio da coordenação inter-institucional322 que, apesar de não se encontrar expressamente consagrado na Lei do Ambiente, assume uma importância fundamental em toda a génese do Direito do Ambiente. Este princípio pressupõe a necessidade de uma visão concertada entre todos os sectores de actividade do Estado em relação às preocupações ambientais. Ora, até há bem pouco 322 Veja-se o artigo 16, da Lei de Águas. 174 tempo, tal visão ou perspectiva global do problema ambiental simplesmente não existia. Daí que cada ministério, entidade ou organismo do Estado agisse independentemente das demais em matéria de uso e aproveitamento dos recursos naturais.  Não havia, por conseguinte, qualquer padrão uniforme de licenciamento das diversas actividades económicas. E era possível identificar, em termos bastante nítidos, imensas disparidades na actuação dos diversos organismos estatais. Aliás, o licenciamento sectorial, salvo raras excepções, não se encontrava condicionado à observância das regras mais básicas e elementares de protecção e conservação do ambiente. Ora, para o ambiente, este sistema revelou-se muitas vezes prejudicial. A título de exemplo, ainda hoje temos, no nosso país, imensas fábricas a laborar em condições extremamente nocivas para o ambiente, qualidade de vida e saúde pública, isto porque o respectivo licenciamento não foi condicionado à observância de qualquer processo de avaliação do impacto ambiental, sendo, de todo, impossível quantificar os danos no ambiente causados desde o início da sua laboração. Daí que o princípio da prevenção, que se encontra em toda a génese do direito do ambiente, impusesse uma forma nova de  pensar o controle e condicionamento da instalação das actividades económicas.

4.2.3. O sistema do duplo nível de licenciamento 4.2.2.1. A licença ambiental como pressuposto da licença sectorial Com a publicação da Lei do Ambiente, impôs-se a figura verdadeiramente nova do licenciamento ambiental, que, sem margem para dúvidas, passou a constituir um

instrumento fundamental de prevenção de danos no bem jurídico ambiente. Basicamente, a novidade foi condicionar as actividades susceptíveis de causar um impacto ambiental

167

 

nocivo à emissão de uma licença ambiental, a cargo do Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental. A licença ambiental deverá ser solicitada num momento necessariamente anterior ao  processo de obtenção da licença sectorial, assumindo, esta última, um carácter  essencialmente técnico. Sendo que, note-se, a sua emissão é, regra geral, condição para a emissão da licença sectorial. A tal conclusão chegamos da leitura do artigo 15 da Lei do Ambiente, segundo o qual “a emissão de licença ambiental é baseada numa avaliação do impacto ambiental da proposta de actividade e precede a emissão de quaisquer outras licenças legalmente exigidas para cada caso”. Temos portanto dois níveis de licenciamento, o ambiental, que acontece em primeiro lugar, e o sectorial, que reúne o conjunto de licenças ou autorizações de natureza técnica necessárias à entrada em funcionamento da actividade económica. Ora, nos termos do Estatuto Orgânico do Ministério da Coordenação da Acção Ambiental, aprovado pelo Diploma Ministerial n.º (), cabe à Direcção Nacional de Avaliação do Impacto Ambiental a emissão de licenças ambientais323. Isto é, antes do início de qualquer actividade de construção do empreendimento proposto, torna-se necessário iniciar os procedimentos legais de obtenção da licença ambiental  junto do MICOA, e só então, uma vez obtida tal licença, (tendo ou não havido estudo de impacto ambiental, conforme o preceituado no RAIA), é que se requererá a licença sectorial de conteúdo técnico, a ser emitida pelos mais diversos órgãos ministeriais, tendo em conta o sector de actividade em causa, conforme os exemplos a seguir apresentados: • Projecto de construção de uma fábrica _ Ministério da Indústria e Comércio ou

Governador da Província (se estiver em causa um estabelecimento industrial de 1. ª ou 2.ª classe, respectivamente); • Projecto de exploração de uma mina de tantalite _ Ministério dos Recursos

Minerais; • Projecto de construção de uma unidade hoteleira _ Ministério do Turismo. • Projecto de natureza agro-pecuária _ Ministério da Agricultura. Por isso reiteramos as palavras de Raquel Carvalho, segundo a qual “a licença ambiental,

enquanto acto administrativo, funciona (...) como condição em relação a outros  procedimentos administrativos. Na verdade, a licença ambiental é (...) ( ...) requisito,

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 pressuposto de validade desses procedimentos”324. Contudo, a experiência testemunha-nos o contrário, ou seja, na prática nem sempre se está a processar de facto assim, traduzindo o esvaziamento do significado útil da licença ambiental, com a eventual ocorrência de graves prejuízos para o ambiente. Há, por enquanto, algumas dificuldades ao nível da interpretação da nova legislação ambiental por parte dos diferentes sectores de actividade do Aparelho do Estado. Sendo assim, por vezes acontece que a licença ambiental é requerida quando o empreendimento  proposto já se encontra em fase de construção, ou, mais grave, em plena labora laboração, ção, tendo havido, para o efeito, em primeiro lugar, a obtenção da respectiva licença sectorial. Outras vezes, não há sequer pedido de licenciamento ambiental, como sucede no caso que a seguir descrevemos em termos sumários. Contudo, esta tendência tem vindo a reduzir nos últimos anos à medida que a nova legislação tem vindo a ser divulgada junto dos diversos sectores de actividade económica, por um lado, e com o reforço institucional do próprio MICOA, por outro lado. In, em plena cidade de Maputo, constitui A construção há poucos anos do hotel Holliday hotel Holliday In, um caso paradigmático de desrespeito à legislação ambiental. As obras iniciaram e terminaram, chegando inclusivamente a entrar em funcionamento, sem ter sido instaurado qualquer processo de obtenção da licença ambiental junto do MICOA. O caso foi demasiado sério para passar despercebido pelas razões a seguir descritas: • Houve, desde logo, violação da legislação da terra, isto porque a construção desta unidade hoteleira realizou-se numa zona de protecção parcial, onde não podia haver  323 Cfr. Artigo 4. ° c), do Diploma Ministerial n.º. atribuição de direitos de uso e aproveitamento da terra, designadamente dentro da faixa da orla marítima medida da linha das máximas preia-mares até 100 metros para o interior do território325; • Além do mais, à luz do anexo do Regulamento do Processo de Avaliação do Impacto Ambiental então em vigor, a construção desta unidade está obrigatoriamente sujeita a um estudo de impacto ambiental326; • A obra foi licenciada pelas autoridades competentes antes da existência de uma

licença ambiental. Ouve assim apenas um nível de licenciamento e não dois, como seria de exigir por lei;

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• Diversas autoridades com dever de agir perante tal ilegalidade não o fizeram na devida altura. Estamos a falar, desde logo, do próprio MICOA que, não obstante a visibilidade da situação (a unidade constitui uma obra demasiado monumental para  passar despercebida), não n ão lançou mão de alguns dos meios legais que tem ao ddispor, ispor, designadamente o embargo administrativo da obra. É ainda o caso do Ministério Público a quem cabe, nos termos da Constituição da República de Moçambique e da Lei n.º 6/89, de 19 de Setembro, a defesa da legalidade; possuindo por outro lado legitimidade expressa em matéria ambiental à luz do n.º 4 do artigo 21, da Lei do Ambiente. Um quadro superior do MICOA, quando confrontado com este caso e outros semelhantes, em que órgãos da Administração Pública licenciam projectos ou actividades sem que tenha havido qualquer intervenção por parte daquele ministério, violando, consequentemente, a legislação em vigor no país, afirmou que tal problema é produto da falta de coordenação inter-institucional. Disse ainda que, para corrigir o facto de não ter  sido feito qualquer EIA, iria ser realizada uma auditoria ambiental ao abrigo do artigo 18, 324 CARVA CARVALH LHO, O, Raqu Raquel el,,  Licença Ambiental como Procedimento Administrativo Administrativo,, Estudos de Direito do Ambiente, Publicações Universidade Católica, Porto, 2003, p.254. 325 Cfr . Artigo 8. ° c), da Lei n.º 19/97, de 1 de Outubro (Lei da Terra). da Lei do Ambiente, num período a determinar, de modo a recomendar, por exemplo, medidas de mitigação dos efeitos ambientais nocivos327. Há, portanto, que inverter o actual estado das coisas. Se, por um lado, se exige uma melhor cooperação inter-institucional, por outro, urge que os órgãos a quem cabia a responsabilidade de actuar neste domínio assumam uma postura dinâmica, de intervenção, de verdadeira acção. O Ministério Público moçambicano deve tomar imediatamente a iniciativa de agir e não actuar, única e exclusivamente, por iniciativa de outrem. Este órgão deve funcionar como um verdadeiro guardião da legalidade e dos direitos fundamentais do cidadão. A sociedade necessita de um Ministério Público institucionalmente forte, susceptível de

merecer a confiança dos cidadãos enquanto uma das instâncias fundamentais a quem recorrer no caso de ilegalidades praticadas , principalmente quando se vive um período de

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crise no acesso à justiça, questão que abordaremos adiante. O MICOA vive, julgamos nós, uma certa crise de identidade ou afirmação, fenómeno que não é exclusivo do nosso país, sucedendo um pouco por todos os ordenamentos jurídicos onde surgiu uma entidade governamental exclusivamente direccionada para os assuntos ambientais. Tal conclusão transparece do visionamento de um programa que a TVM emitiu em 2002, no qual foram entrevistados dois destacados funcionários deste ministério, sendo um deles, quando colocado perante o caso do Holliday In, não foi muito claro quanto à função deste órgão ministerial em face de uma ilegalidade. Referiu, sim, que o embargo, previsto no artigo 22, da Lei do Ambiente, seria a última alternativa no caso de uma actividade obrigatoriamente sujeita a AIA, e que teria sido levada a cabo sem que o MICOA emitisse a necessária licença ambiental328. 326 Cfr .  Números 20 e 2 e), j) e g) do Anexo do Regulamento do Processo de AIA, aprovado pelo Decreto n.º 76/98, de 29 de Dezembro. . 327 PROMARTE / TVM – Co-produção para a União Mundial para a Natureza (UICN), Colecção Recursos e Vida, Painel 12 – Programa 28 (Ambiente e Governação), Tema: Implementação Tema:  Implementação das  Leis,, Moçambique,  Leis 2002. 328 PROMARTE / TVM – Co-produção para a União Mundial para a Natureza (UICN), Colecção Recursos e Vida, Painel 12 – Programa 28 (Ambiente e Governação), Tema: Implementação Tema:  Implementação das  Leis,, Intervenção de  Leis Francisco Francis co Mabja Mabjaia, ia, vice-minist vice-ministro ro para a coordenação coordenação da acção ambiental, ambiental, Moçambique, Moçambique, 2002.

6.2.3.2. Referência à licença ambiental na legislação sectorial O novo Regulamento da Actividade Industrial, aprovado pelo Decreto n.º  No domínio dos recursos minerais, a Lei de Minas (Lei n.º 14/2002, de 26 de Junho

trouxe-nos algumas novidades importantes no domínio da protecção ambiental e, também, a prova de que ainda há algum trabalho a realizar para se alcançar a tão desejada

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harmonização entre a legislação que rege os diferentes sectores de actividade, com especial destaque para o regime de licenciamento.  Nos termos deste instrumento, exige-se, em relação às concessões mineiras, que, antes do início de qualquer trabalho de mineração, seja obtida a licença ambiental. Ora, o respectivo titular tem o prazo de três anos para obter a licença ambiental, contados a  partir da data da emissão da concessão concess ão mineira329. Assim, condicionou-se o início da actividade mineira, e não a emissão de licença sectorial, à obtenção de licença ambiental.  Não deixámos, portanto, de ter um sistema de duplo nível n ível de licenciamento, nem há  propriamente um desvirtuar do papel da licença ambiental. Houve, sim, uma mudança quanto à ordem das licenças: primeiro a sectorial, depois a ambiental, sendo esta última condição do início da actividade. O Regulamento da Lei de Florestas e Fauna Bravia, aprovado pelo Decreto n.º 12/2002, de 6 de Junho, veio também reforçar a existência de um sistema de duplo nível de licenciamento no nosso país. Este Regulamento condiciona o exercício, a título excepcional, de quaisquer actividades nos parques e reservas nacionais à emissão de uma licença ambiental330. 329 Cfr. Artigo 15/2, da Lei de Minas. 330 Veja-se o artigo 3. °, do Regul Regulamento amento da Lei de Florest Florestas as e Fauna Bravia, aprovado aprovado  pelo Decreto n.º 12/2002, de 6 de Junho. Note-se que o artigo 11, da LFFB, é referente aos parques nacionais. Contudo, o regime aí estabelecido, em virtude do n.º 2 do artigo 12, aplica-se também às reservas nacionais. A concluir, chamamos a atenção para o facto de o licenciamento ambiental ser o culminar  do chamado processo de avaliação do impacto ambiental, que analisaremos já de seguida. Sendo que cada um destes instrumentos de prevenção ambiental não pode ser analisado independentemente do outro. Um e outro instrumento não são mais do que duas faces de

uma mesma realidade.

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4.3. A Avaliação do Impacto Ambiental 4.3.1. Surgimento, essência, princípios A Avaliação do Impacto Ambiental (A.I.A) foi oficialmente consagrada pela primeira vez nos Estados Unidos da América, através da elaboração do “ National “ National Environmental   Protection Act ” (NEPA), que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1970, tendo sido,  progressivamente, adoptada um pouco pouc o por todo o mundo, inicialmente, como nova técnica jurídica, e, actualmente, como autêntico princípio jurídico-ambiental331. Trata-se, portanto, de um dos instrumentos verdadeiramente genuínos do Direito do Ambiente, isto é, que não foi “copiado” ou transposto de nenhum dos ramos clássicos do direito, mas sim criado na génese deste novo direito, contribuindo para a tese da autonomia deste novo Direito. A Declaração do Rio sobre o Ambiente e Desenvolvimento consagrou-a definitivamente no plano do Direito Internacional do Ambiente ao determinar que “a avaliação do impacto ambiental, como instrumento nacional, deve ser efectuada em relação a determinadas actividades que possam vir a ter um impacto adverso significativo sobre o ambiente e estejam dependentes de uma decisão de uma autoridade nacional competente”332. 331 ROCHA, Mário de Melo, A Melo,  A Avaliação do Impacto Ambiental como Princípio do  Direito do Ambiente nos Quadros Internacional e Europeu, Europeu , Publicações Publicações Universidade Universidade Católica, Católica, Porto, 2000,  pp. 117-120. Em Moçambique, a sua introdução dá-se com a Lei de Águas. Este diploma, ao versar  sobre os princípios de gestão de águas, determinou que “as obras hidráulicas não poderão ser aprovadas sem prévia análise dos seus efeitos e impactos sociais, económicos e ambientais”, sendo que “os estudos sobre os efeitos referidos no número anterior  constituirão encargo dos donos das obras de grande envergadura”333. Mais tarde, com a publicação da Lei n.º 3/93, de 24 de Junho (Lei dos Investimentos), o

legislador nacional volta a referir-se à obrigação de submeter, em termos condicionais, determinados empreendimentos a um prévio processo de avaliação de impacto ambiental.

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Sendo assim, “os investidores, e subsequentemente, as respectivas empresas, deverão, no  processo de elaboração, implementação e exploração dos respectivos projectos, pr ojectos,  providenciar o estudo e avaliação do impacto ambiental e dos problemas de poluição e sanidade susceptíveis de resultar das actividades, desperdícios e/ou resíduos dos seus empreendimentos, incluindo os efeitos potenciais e outras eventuais implicações sobre os recursos florestais e faunísticos, geológicos e hídricos, tanto nas suas áreas de concessão como

na

periferia

das

áreas

de

implementação

e

exploração

desses

empreendimentos”334. Com a entrada em vigor da Lei do Ambiente, o processo de avaliação do impacto ambiental foi definitivamente consagrado no ordenamento jurídico moçambicano335 e, como prova da preocupação do legislador nacional em assumir a necessidade de submeter  as actividades humanas potencialmente lesivas do meio ambiente a um processo prévio de controlo do respectivo impacto ambiental, foi aprovado, através do Decreto n.º 76/98, de 29 de Dezembro, o Regulamento de Avaliação do Impacto Ambiental, que veio a ser  revisto, conforme veremos, em 2004, tendo presente a necessidade de introduzir algumas modificações e inovações no regime então em vigor. 332 Cfr. Princípio XVII, da Declaração do Rio sobre o Ambiente e Desenvolvimento, aprovada na Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, realizada na cidade do Rio de Janeiro, no Brasil, no mês de Junho de 1992. 333 Cfr. Artigo 7.°/2 e 3, da Lei n.º 16/91, de 3 de Agosto. 334 Cfr. Artigo 26. °/1, da Lei n.º 3/93, de 24 de Junho. 335 O artigo 1. °/5, da Lei do Ambiente, define a avaliação de impacto ambiental nos seguintes termos: “um instrumento de gestão ambiental preventiva e consiste na identificação e análise prévia, qualitativa e quantitativa, dos efeitos ambientais benéficos e perniciosos de uma actividade proposta”.

A avaliação do impacto ambiental consiste, fundamentalmente, na submissão preventiva

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dos projectos de actividades susceptíveis de causar efeitos mais ou menos nocivos no ambiente a um processo de averiguação e análise, de carácter técnico-científico, daqueles mesmos efeitos. Assim, “concebida como procedimento prévio e de apoio à decisão de autorização ou licenciamento de projectos susceptíveis de ter impactos ambientais significativos, a AIA tem por objectivo primordial fornecer à entidade competente para proferir aquela decisão as informações e os elementos necessários ao conhecimento e à ponderação dos efeitos ambientais do projecto”336. É um expediente no qual se visa, em termos de fundo, a ponderação entre dois direitos aparentemente antagónicos ou tendencialmente colidentes – o direito ao desenvolvimento e o direito ao ambiente. Por isso se fala em “colisão de direitos”337. A finalidade essencial da AIA é procurar a compatibilização óptima entre tais direitos, sem perder de rumo a noção de desenvolvimento sustentável. No momento da tomada de decisão sobre o licenciamento de determinado empreendimento, no âmbito de um processo de AIA, deve o órgão decisor ter em conta não somente as condições ambientais hoje, mas, fundamentalmente, no futuro; por outras palavras, deve atender não somente às necessidades em matéria ambiental das gerações presentes como das futuras. E, vejamos, se se chegar à conclusão de que o empreendimento acarreta uma sobrecarga excessiva e insustentável das condições ambientais, a solução passa por não emitir a necessária licença ambiental. O desenvolvimento prosseguido à custa da degradação das condições ambientais, pode, é certo, traduzir-se em benefícios económicos a curto prazo; contudo, não é menos certo que, a médio e longo prazo, teremos, em vez de benefícios económicos, teremos um ambiente mais poluído, menos qualidade de vida, mais riscos  para a saúde humana, e assistiremos, as sistiremos, consequentemente, a uma degradação das condições sócio-económicas dos cidadãos. 336 ARAGÃO, Maria / DIAS, José Eduardo Figueiredo/ BARRADAS, Maria Ana,  Presente e Futuro da

 AIA em Portugal: notas sobre uma “reforma anunciada” anunciada”,, Revista do Centro de Estudos Estudos de Direito do

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Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, CEDOUA, Coimbra, n. ° 2, 1998, p. 89. Daí que defendamos não constituir a AIA um mero procedimento formal ou burocrático, com vista a apoiar a decisão final de levar a cabo determinado empreendimento, como entende um certo sector da nossa sociedade, mas, antes, um instrumento fundamental de  protecção do ambiente, de carácter essencialmente e ssencialmente preventivo e democrático, e susceptível de condicionar actividades ou projectos que não se encontrem ao serviço do desenvolvimento sustentável, isto é, que não realizem integralmente os três pilares deste conceito: protecção do ambiente, desenvolvimento social e desenvolvimento económico, não apenas para as gerações presentes como também, note-se, para as gerações futuras. De modo algum podemos aceitar que haja lugar ao esvaziamento do conteúdo útil da AIA, quando este instrumento é perspectivado como mera formalidade burocrática legalmente instituída e, para muitos, como um verdadeiro entrave ao desenvolvimento económico do País. Bem pelo contrário, há que a assumir como motor de desenvolvimento sustentável, uma vez que acresce às necessidades económicas as igualmente importantes necessidades sociais e ambientais. A AIA apresenta uma série de vantagens indicadas na doutrina com as quais nos identificamos totalmente338: • Identificam-se os problemas numa fase precoce do processo decisório, permitindo a correcção atempada, com custos mínimos, das actividades propostas; • Garante-se o adequado estudo de problemas controversos, permitindo tomar  decisões com conhecimento de causa; • Contribui-se decisivamente para uma maior equidade social e económica e uma melhor gestão dos recursos naturais; 337 GASPAR, Pedro Portugal, A Portugal,  A Avaliação de Impacto Ambiental , In. Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 14, IDUAL, Almedina, Dezembro, 2000, pp. 87 – 88. 338 MELO, João Joanaz, Metodologias Joanaz, Metodologias de Avaliação de Impactos Ambientais, Ambientais , In. Textos

 – Ambiente e Consumo, Vol. II, CEJ, 1996, p. 300.

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• Evitam-se problemas graves e reduzem-se os custos de protecção ambiental, através de medidas preventivas, muito menos dispendiosas do que as medidas correctivas; • Assegura-se um processo transitório transparente e participado pelos interessados. Segundo Fernando Condesso, a AIA “aparece como uma técnica privilegiada para  precaver agressões ambientais, por parte dos agentes do desen desenvolvimento volvimento económico e territorial e, portanto, para promover o desenvolvimento sustentável, através da gestão equilibrada dos recursos naturais, assegurando a defesa adequada da qualidade de vida do homem”339. Constitui, assim, não só corolário do princípio da prevenção, como também do princípio da precaução, na medida em que se surgirem dúvidas, no decurso de um processo de avaliação de impacto ambiental, em relação à viabilidade ambiental de determinada actividade, decide-se a favor do ambiente.

4.3.2. O processo de Avaliação do Impacto Ambiental Conforme vimos anteriormente, o processo de avaliação do impacto ambiental começou  por ser regulado através do Decreto n.º 76/98, de 29 de Dezembro, o qual veio a ser  submetido a alterações significativas, materializadas através do Decreto n.º 45/2005, de 29 de Setembro, na sequências das ilações extraídas dos cinco anos de vigência. Faremos alusão às principais alterações e inovações introduzidas por aquele decreto à medida que for sendo apresentada cada uma das principais fases que compõe o processo de avaliação do impacto ambiental. Começamos por referir que, no novo regime do processo de avaliação do impacto ambiental, não obstante a alterações das designações de algumas das fases, foi mantida a estrutura de seis fases fundamentais: 339 CONDESSO, Fernando Fernando dos Reis, Reis, Direito  Direito do Ambiente Ambiente,, Almedina – Coimbra, 2001,  p. 620.

1) A instrução do processo junto do MICOA;

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2) A pré-avaliação da actividade; 3) A elaboração do estudo de impacto ambiental (em sentido amplo); 4) A participação pública; 5) A revisão técnica do estudo de impacto ambiental; 6) O licenciamento ambiental. Passamos a analisar, de seguida, cada uma destas fases, tendo sempre presente, quando necessário, a comparação entre o antigo e o actual regime de AIA .

4.3.2.1. A instrução do processo de AIA junto do Ministério da Coordenação da Acção Ambiental A primeira questão a colocar é saber como se dá início ao processo de avaliação do impacto ambiental. O processo decorre, nos termos do artigo 6 do novo RAIA, da obrigação em que incorrem os proponentes de actividades económicas de, numa fase anterior ao início do respectivo projecto, reunir e remeter um conjunto de documentos ao Ministério da Coordenação da Acção Ambiental (MICOA), representado a nível central ou a nível local, conforme os casos, designadamente: • Memória descritiva da actividade: • Descrição da actividade; • Justificação da actividade; • Enquadramento legal da actividade; • Breve informação biofísica e sócio-económica da área; • Uso actual da terra na área da actividade; • Informação sobre o ambiente da área de implementação da actividade; • Informação sobre as etapas de realização da AIA; • Ficha de Informação Ambiental Preliminar disponível no MICOA devidamente  preenchida.  Note-se que houve o cuidado de, no novo RAIA, acrescer um conjunto de documentos do cumentos

que anteriormente não eram exigíveis. A instrução do processo tornou-se fundamental  para o processo de tomada de d e decisões, devendo contribuir para o fornecimento de todos

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os elementos necessários a ajudar o MICOA enquanto órgão decisório na definição da solução que se revele sustentavelmente mais adequada. Veja-se que são três as finalidades essenciais desta obrigação legal: • Dar início ao processo de AIA, quando esteja em causa uma das actividades constantes nos anexos do RAIA; RAIA; • Promover a pré-avaliação (que tem como objectivo saber se determinada actividade deverá ou não sujeitar-se a estudo de impacto ambiental), quando não esteja em causa uma actividade não constante naquele anexo; • Formular os termos de referência específicos com vista a orientar o estudo do impacto ambiental. Chamamos a atenção para a elaboração dos termos de referência, que se traduzem, segundo o diploma analisado, num “documento que contém os parâmetros e informações específicas que deverão presidir à elaboração do EIA ou EAS de uma actividade. Deve ser apresentado pelo proponente para a aprovação do Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental (MICOA), antes de iniciar o EIA ou EAS”340. Veremos, adiante, como o não respeito por tais termos de referência pode determinar a rejeição do estudo do impacto ambiental.

4.3.2.2. A pré-avaliação  Nos termos do novo RAIA, a pré-avaliação pré-ava liação é o “processo de análise ambiental preliminar  que tem como principal objectivo a categorização da actividade e a determinação do tipo de avaliação ambiental a efectuar”341. Esta fase tem, à luz do n.º 2 do artigo 7, do novo RAIA, três resultados fundamentais: 340 Cfr. Artigo 1. °/33, do novo RAIA. 341 Cfr. Artigo 1. °/28, do novo RAIA. . • Rejeição da implementação da actividade, quando, por exemplo, este contenha em termos flagrantes sérias deficiências de natureza técnica ou, à partida, impactos ambientais ou sociais de grande envergadura já conhecidos;

• Categorização da actividade e, por conseguinte, do tipo de avaliação ambiental a realizar;

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• Isenção de EIA ou EAS, quando se trate de uma actividade de categoria C, ou ainda quando esteja em causa uma das situações de isenção de estudo ambiental  previstas no artigo 4, do novo RAIA. Assim, o novo RAIA procedeu, no artigo 3.°, à classificação das actividades em três categorias: A, B e C. • Categoria (A) - compreende as actividades constantes no Anexo I, e que estão sujeitas à realização de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Constam em list listag agem em bast bastan ante te lo long nga, a, a qu qual al se su subd bdiv ivid idee em qu quat atro ro ár área eass de ac acti tivi vida dade de:: infraestruturas, exploração florestal, agricultura e indústria; • Categoria (B) - compreende as actividades incluídas no anexo II e que estão sujeitas à realização de um Estudo de Impacto Ambiental Simplificado (EAS). Segundo o próprio Anexo II, “são em geral as actividades que não afectam significativamente populações humanas nem área ambientalmente sensíveis”. Os impactos negativos são de menor duração, intensidade, extensão, magnitude e/ou significância que as de categoria A e poucos são irreversíveis”. Aqui o legislador  não estabeleceu qualquer listagem, dai que se trate de uma espécie de categoria residual, isto é, que abrange todas as actividades que não constem nos Anexos I e III, correspondendo respectivamente às categorias A e C; • Categoria (C) - compreende as actividades contidas no Anexo III, para as quais “não é normalmente necessária a realização de nenhum EIA ou EAS uma vez que os impactos são negligenciáveis, insignificantes, mínimos ou mesmo não existentes”, daí que estejam apenas sujeitas à observância das normas constantes de directivas específicas de boa gestão ambiental. Tal como no regime anterior, as actividades que não constem nos Anexos II e III (correspondendo às actividades de categoria A ou B, respectivamente) não estão automaticamente dispensadas de estudo de impacto ambiental (em sentido amplo). Se assim o fosse, as consequências para o ambiente poderiam ser, em muitos casos, catastróficas. Basta pensarmos que, por vezes, pequenos empreendimentos podem ser 

responsáveis por danos sérios e irreversíveis nos componentes ambientais, mais não seja com o decurso do tempo. Ora, segundo o n.º 1 do artigo 7 do novo RAIA, “todas as

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actividades susceptíveis de causar impactos sobre o ambiente, não constantes nos Anexos I e III, deverão ser objecto de pré-avaliação a ser efectuada pelo MICOA”. Ainda segundo o mesmo artigo, tais actividades podem muito bem vir a ser categorizadas como de categoria A ou B, e, como tal, sujeitas, respectivamente, a EIA ou a EAS. O classificador deverá trabalhar com toda a atenção nos três anexos, devendo para o efeito correr as listagens, com o propósito de não cometer nenhum erro na classificação das actividades. Passamos, por isso, a apresentar alguns exemplos para facilitar a compreensão quanto ao funcionamento na classificação. • Exemplo I - Começando uma actividade que consiste na construção e exploração de uma fábrica de bolachas, massas, biscoitos e doces, trata-se à partida de uma actividade de categoria C, para a qual é somente exigível a observância de normas constantes de directivas específicas de boa gestão ambiental [Cfr. Anexo III m)]. Contudo, se se pretender levar a cabo esta actividade em áreas densamente povoadas implicando níveis inaceitáveis de poluição ou outro tipo de distúrbio que afecte significativamente a vida das populações, então deverá ser  classificada como actividade de categoria A, para a qual é obrigatória a realização de um EIA [Cfr. Anexo I c)] . • Exemplo II – No caso de uma actividade de construção e exploração de um hotel  junto à orla marítima, em plenas dunas, estaremos perante per ante uma actividade de

categoria A, pressupondo a obrigatoriedade de realização de um EIA [Cfr. Anexo I a)]. Contudo, se a intenção do proponente for a construção e exploração do 189 mesmo hotel numa determinada cidade ou vila, tratar-se-á de uma actividade de

categoria C, exigindo a mera observância de normas constantes de directivas específicas de boa gestão ambiental [Cfr. Anexo III c)]. O cenário mudará caso a intenção do proponente traduzir-se na construção e exploração do referido hotel em zona rural, pois ai, por exclusão, não constando a referida actividade nem no Anexo I nem no Anexo III, estaremos perante uma actividade de categoria B,  para a qual é obrigatória a realização de um EAS.

• Exemplo III – Estando em causa uma actividade de construção e exploração de uma fábrica de produção de rações, há que abrir três hipóteses:

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 _ Se estiver em causa a produção de 2000 toneladas ou mais de ração por  p or  mês, trata-se de uma actividade de categoria A, exigindo-se EIA [Cfr. Anexo I, 4.3. Alimentar, a)];  _ Se estiver em causa a produção de até 1000 toneladas de ração por mês, trata-se de uma actividade de categoria C, para a qual se exige apenas a mera observância de normas constantes de directivas específicas de boa gestão ambiental [Cfr. Anexo III, t)];  _ Se estiver em causa a produção de 1500 toneladas de ração por mês, tratase,  por exclusão, de uma actividade de categoria B, exigindo-se EAS. Posto isto, segundo o n.º 4 do artigo 7, do novo RAIA, para as actividades que se encontrem isentas da realização de estudo de EIA ou EAS, deverá o MICOA emitir  imediatamente a respectiva declaração de isenção no prazo de cinco dias úteis, encontrando-se o proponente obrigado a respeitar as directivas específicas de boa gestão ambiental durante a implementação da actividade. Os prazos para a realização da pré-avaliação encontram-se previstos no artigo 18, do novo RAIA, variando entre os cinco dias úteis, para o nível central, e oito dias úteis, para o nível provincial. Por seu turno, estes prazos poderão ser excepcionalmente prorrogados  pelo MICOA, mediante proposta devidamente fundamentada, por período a determinar  em função das características específicas de cada caso342. 342 Cfr. Artigos 18/1 a) e 2 a), respectivamente, do novo RAIA.

4.3.2.3. O estudo de impacto ambiental (em sentido amplo) À luz do novo RAIA, o estudo de avaliação do impacto ambiental, compreendendo não apenas o EIA, mas também o EAS e o EPDA, é a peça documental, de carácter  fundamental, da AIA. Consiste, portanto, num documento, no qual constam as informações necessárias sobre determinada actividade, com vista a informar o público em geral e a apoiar a decisão da entidade competente sobre a viabilidade ambiental dessa mesma actividade343. A preparação do estudo de impacto ambiental (em sentido amplo) é orientada

fundamentalmente para o apoio à decisão de implantar determinado projecto ou actividade. Por outro lado, este não se destina a ser lido apenas por especialistas da

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matéria, pois, é com base neste estudo que as diversas entidades interessadas, o público e os sujeitos decisores se vão basear para tomar decisões sobre aquele projecto ou actividade. Por seu turno, nos termos do número 1 dos artigos 10, 12 e 13, a realização de estudos de impacto ambiental (em sentido amplo) é uma obrigação da inteira responsabilidade dos  proponentes da actividade e não, sublinhe-se, sub linhe-se, do Governo. Para tal, os prop proponentes onentes recorrerão aos serviços de consultores ambientais, sejam individuais, sociedades de consultoria ou consórcios de sociedades de consultoria, desde que devidamente registados no MICOA, nos termos do artigo 21, do novo RAIA. Este registo já vinha a ser realizado desde o dia 25 de Março de 2002, conforme consta num anúncio publicado na imprensa em meados do mês de Março do ano em causa. No mesmo anúncio, foi tornado público que, a partir do dia 1 de Maio de 2002, só serão aceites estudos de impacto ambiental efectuados por consultores inscritos no MICOA. 343 MELO, João Joanaz, Metodologia Joanaz,  Metodologia de Avaliação de Impactes Ambientais, In. Textos  – Ambiente e Consumo, Vol. II, CEJ, 1996, p. 304. Pretende-se, através de semelhante sistema de registo, controlar a idoneidade, independência e competência técnica dos responsáveis pela elaboração dos estudos de impacto ambiental. Sendo assim, os interessados em desenvolver tal actividade deverão obrigatoriamente, junto do MICOA, requerer a emissão de certificado de registo. Tal requerimento deverá ser acompanhado pelos elementos previstos no número 7 do artigo 21, do novo RAIA344.  Note-se que o Legislador previu expressamente expr essamente que “os consultores credenciados creden ciados para a realização de avaliações de impacto ambiental são civil e criminalmente responsáveis  pelas informações fornecidas e contidas nos relatórios de EPDA, EIA ou EAS, bem como solidariamente pelas consequências e danos resultantes da implantação de certa actividade pelo proponente, de acordo com as recomendações técnicas por eles

formuladas”345. Com semelhante previsão pretende-se contemplar os casos de falsificação de dados, no

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âmbito da realização de um estudo de impacto ambiental (em sentido amplo), encomendados pelo proponente do projecto, com o objectivo de vir a influenciar a tomada de decisão por parte do MICOA, enquanto entidade certificadora da viabilidade ambiental do empreendimento pretendido. Por seu turno, urge tomar em consideração a Directiva Geral para Estudos de Impacto Ambiental, aprovada pelo Diploma Ministerial n.º 129/2006, de 19 de Julho, que funciona como verdadeiro guião no processo de feitura dos estudos de avaliação de impacto ambiental. 344 Designadamente: a) “Nome, nacionalidade, profissão, local de trabalho, residência habitual;  b) Certificado de qualificação académica superior super ior para o técnico superior e certificado de qualificação técnica para o técnico médio; c) Curricu Curriculum lum vitae vitae,, demonstrativo da sua experiência e conhecimento da área do ambiente; d) O consultor individual deverá ainda apresentar o número de contribuinte para efeitos de impostos e uma declaração de que não é funcionário ou contratado do MICOA; e) No caso de sociedade, além das informações relativas aos seus consultores (...) a mesma deverá submeter ainda o número de matrícula no registo comercial e o número de registo como contribuinte para efeitos de impostos; f) Prova de seguro profissional ou singular colectivo”.

4.3.2.3.1. Estudo de Pré-Viabilidade Ambiental e Definição do Âmbito (EPDA)  No caso de actividades de categoria A, temos actualmente o Estudo de Pré-Viabilidade Ambiental e Definição do Âmbito (EPDA), o qual constitui uma novidade ao abrigo do novo RAIA, traduzindo-se no “processo obrigatório para as actividades classificadas como sendo de categoria A que visa identificar, avaliar os principais impactos, analisar as

alternativas de mitigação, bem como, definir o âmbito do EIA, através da selecção das componentes ambientais que podem ser afectadas pela actividades em análise e sobre as

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quais o EIA deve incidir”346.  Nos termos do n.º 1 do artigo 10, do novo no vo RAIA, o EPDA tem como dois objectivos fundamentais: (1) determinar as questões fatais relativamente à implementação da actividade; (2) determinar o âmbito de EIA e o desenho dos Termos de Referência, nos casos em que não existam questões fatais que inviabilizem a actividade. Segundo o 2 do artigo 10, do novo RAIA, o EPDA pressupõe a realização de um relatório contendo a seguinte informação mínima: • Resumo não técnico com as principais questões abordadas, conclusões e  propostas; • Identificação e endereço do proponente e da equipa multidisciplinar responsável  pela elaboração do EIA; • Limites da área de influência indirecta da actividade e os padrões do uso da terra na área de influência directa e indirecta; • Descrição da actividade e das diferentes acções nela previstas, e ainda as alternativas nas diferentes etapas da actividade; • Descrição biofísica e sócio-económica do local; • Identificação e avaliação das questões fatais da actividade; 345 Cfr . Artigo 23/4, do novo RAIA. 346 Cfr. Artigo 1.°/14, do novo RAIA. • identificação dos potenciais impactos ambientais da actividade; • Identificação e descrição dos aspectos a investigar em detalhe durante o EIA. Este estudo deverá ser entregue à Direcção Nacional de Avaliação do Impacto Ambiental (DNAIA), juntamente com os Termos de Referência para o EIA, nos termos do n.º 3 do artigo 3, do novo RAIA. Esta entidade tem o prazo até trinta dias úteis para a comunicação da decisão sobre o EPDA347.

4.3.2.3.2. Estudo de Impacto Ambiental (EIA)

À luz do novo RAIA, mantém-se a figura do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), no sentido estrito do termo, enquanto “componente do processo de avaliação de impacto

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ambiental que analisa técnica e cientificamente as consequências da implantação de actividades de desenvolvimento sobre o ambiente”348. Segundo o n.º do artigo 12, do novo RAIA, o relatório do EIA deverá conter, pelo menos, os seguintes elementos: • Resumo não técnico com as principais questões abordadas, conclusões e

propostas. A ideia subjacente é incluir um resumo redigido numa linguagem clara, objectiva e acessível a todos os cidadãos, contendo as questões fundamentais abordadas e as conclusões propostas, com vista a servir de base ao processo de  participação pública. É com base neste documento que qu e a sociedade civil será chamada a intervir para dar a sua opinião em relação à actividade proposta. • Enquadramento legal da actividade e sua inserção nos planos de ordenamento

territorial. Este elemento constitui também uma importante novidade em termos de conteúdo do relatório do EIA, tendo presente o interesse público no ordenamento do território constitucionalmente consagrado349; 347 Cfr. Artigo 18/1 b), do novo RAIA. 348 Cfr. Artigo 1/15, do RAIA. 349 Cfr. Artigo 117/2, da CRM. • Descrição das actividades e das diferentes acções nela previstas nas suas

diferentes etapas, designadamente na planificação, na construção e na exploração,  bem como na desactivação, quando se tratar de actividade temporária; • Delimitação e representação geográfica, bem como a situação ambiental de

referência da área de influência da actividade. O diagnóstico da situação ambiental do local onde decorrerá a actividade revela-se de especial importância para que se  possa comparar com a previsível pr evisível situação ambiental a acontecer após o início daquela mesma actividade; • Descrição e comparação detalhada das diferentes alternativas, para além da

previsão da situação ambiental futura da área de influência, com ou sem

medidas de mitigação. Chamamos a atenção para o facto de o EIA ser, na prática, um instrumento de ponderação de hipóteses, isto é, traduz-se numa análise descritiva

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e comparativa das diferentes alternativas ao projecto em causa, tendo presente os efeitos de cada alternativa junto do ambiente. Por outras palavras, o EIA não tem somente em vista o projecto concretamente sujeito a AIA, mas também todas as eventuais alternativas, que, na prática, se poderão revelar menos danosas em termos ambientais. Há ainda a realçar a análise científica da previsível evolução ambiental na área de instalação do projecto ou actividade, a curto, médio e longo prazo. Este ponto revela-se essencial no momento da decisão final do processo da AIA, tendo presente os princípios ambientais fundamentais da prevenção e da precaução. • Plano de gestão ambiental da actividade, incluindo a monitorização dos

impactos, programa de educação ambiental e planos de contingência de acidentes. Deve-se sublinhar a obrigação de o EIA incluir e prever medidas susceptíveis de minorar o impacto negativo do projecto ou actividade junto do ambiente, integradas no chamado plano de gestão ambiental. Todos os projectos  produzem, directa ou indirectamente, consequências consequên cias junto do ambiente. O processo de AIA não pretende obstar que as diversas actividades venham a ter lugar apenas por   produzirem impacto ambiental, diminuto que seja. Se assim o fosse, o objectivo de  promover o desenvolvimento económico seria s eria profundamente prejudicado. Pretendese, antes, assegurar, com o recurso a todas as medidas científicas e tecnológicas, reduzir ao mínimo razoável o impacto ambiental nocivo de qualquer projecto ou actividade. Nesta ordem de ideias, surge a necessidade de o EIA conter um plano de gestão ambiental, que pressupõe a monitorização dos impactos e os planos de  prevenção e contingência de acidentes. • Identificação da equipa multidisciplinar que elaborou o EIA  – Veja-se que à  partida qualquer estudo de impacto ambiental pressupõe pressup õe a criação de uma equipa integrando especialistas de diferentes áreas do saber, tendo em consideração também a natureza diversificada dos componentes a estudar; • Relatório da participação pública – Este relatório deverá incluir não apenas aspectos extraídos nas audiências públicas realizadas, como também em todas as consultas que tenham sido levadas a cabo, dentro e fora do MICOA.

Um aspecto realça imediatamente à vista da análise do conteúdo mínimo do EIA– a total ausência de um tratamento dos principais aspectos económicos, sociais e culturais do

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local onde se pretende realizar determinado projecto ou actividade. Isto é, se não se tiver  o cuidado acrescido em atender ao contexto da implementação do investimento  pretendido, corre-se o risco r isco de se elaborar um estudo completamente desfasado desf asado da realidade vigente no local. Veja-se ainda que a DNAIA tem o prazo até quarenta e cinco dias úteis para a comunicação da decisão sobre o EIA350.

4.3.2.3.3. Estudo Ambiental Simplificado (EAS) Este estudo também constitui uma importante novidade do novo regime de AIA, traduzindo-se na “componente do processo de avaliação de impacto ambiental que analisa técnica e cientificamente as consequências da implantação de actividades de desenvolvimento sobre o ambiente para as actividades classificadas como sendo de categoria B”, que são aquelas que não afectam significativamente populações humanas nem áreas ambientalmente sensíveis351. 350 Cfr. Artigo 18/1 c), do novo RAIA. 351 Cfr. Artigo 1/16, do RAIA. Ora, tendo presente a tendência de descentralização que tem vindo a caracterizar a reforma da Administração Pública no país, e ainda a necessidade de agilizar o próprio  processo de licenciamento de actividades económicas, foi criada uma nova modalidade de estudo de impacto – o Estudo Ambiental Simplificado (EAS), o qual decorre sob coordenação da Direcção Provincial para a Coordenação da Acção Ambiental (DPCA). A submissão de todas as actividades à realização de um EIA, coordenado a nível central, através da Direcção Nacional de Impacto Ambiental, com sede na capital do país, revelava-se um processo extraordinariamente complexo, quando por vezes já existia capacidade técnica a nível provincial ou quando, pela natureza de actividade, não seria imperiosa a necessidade de realizar um estudo de elevado grau de exigência técnica como é o EIA.

Segundo o n.º 3 do artigo 13, o relatório do EAS deverá conter no mínimo os seguintes elementos:

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• Resumo não técnico com as principais questões abordadas e conclusões  propostas; • Localização e descrição da actividade; • Enquadramento legal da actividade e sua inserção nos planos de ordenamento do território existentes para a área de influência directa da actividade; • Diagnóstico ambiental contendo uma breve descrição da situação ambiental de referência; • Identificação e avaliação dos impactos ambientais da actividade; • Plano de gestão ambiental, incluindo a monitorização dos impactos, programa de educação ambiental e planos de contingência de acidentes; • Identificação da equipa multidisciplinar que realizou o EAS; • Relatório da participação pública, quando necessária. 197  Note-se que as Direcções Provinciais Prov inciais para a Coordenação da Acção Ambiental têm o  prazo até dias úteis para a comunicação da decisão sobre o EAS352.

4.3.2.4. A participação pública Uma das importante novidades do novo RAIA sucedeu ao nível da participação pública, expressão que veio substituir a anterior – consulta pública. Isto porque, segundo entendimento do legislador, a participação pública integra a consulta (que se prolonga ao longo de todo o processo de AIA, assumindo as mais diversas formas) e a audiência  pública (que se realizada em momentos temporalmente definidos). def inidos). A participação pública no âmbito do processo de avaliação do impacto ambiental encontra-se regulada no artigo 14, do novo RAIA. Constitui corolário do princípio da  participação, que, como vimos, traduz-se num n um dos princípios ambientais de carácter  fundamental. A política de desenvolvimento sustentável pressupõe a participação de todos os cidadãos no processo da tomada de decisões políticas susceptíveis de produzir  consequências no ambiente. Segundo o n.º 1 do mesmo artigo, a participação pública “implica o fornecimento de

informação e auscultação a todas as partes interessadas e afectadas, directa ou indirectamente, por uma actividade, o pedido de esclarecimento, a formulação de

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sugestões, devendo realizar-se em conformidade com a respectiva directiva a emitir pelo MICOA”. Quanto a este último ponto, veja-se a Directiva Geral para a Participação Pública, no Processo de Avaliação de Impacto Ambiental, aprovada pelo Diploma Ministerial n.º 130/2006, de 19 de Julho, a qual estabeleceu, com o objectivo de proceder “à definição e harmonização das normas e procedimentos que deverão orientar o processo de  participação pública”. Nesta Directiva foram estabelecidos os princípios básicos, as 352 Cfr. Artigo 18/2 c), do novo RAIA. metodologias para uma participação pública eficaz e as fases do processo propriamente dito de participação pública, incluindo a consulta e a audiência pública.  Neste domínio, João de Melo disse que: “Tradicionalmente, as decisões dec isões sobre grandes empreendimentos eram tomadas apenas com base em critérios políticos ou económicos, ou mesmo sem quaisquer critérios formais (...). As pessoas afectadas não eram informadas nem ouvidas, e muitas vezes os próprios decisores não tinham a consciência das consequências dos seus actos. Ao tornar o processo decisório transparente, a avaliação de impactes ambientais proporciona a participação dos cidadãos nas decisões que os afectam (...). Como tal, a AIA é um meio importante de estimular a democracia  participativa e a proximidade entre os cidadãos e o Estado”353. Es tado”353. Porém, para que haja participação dos cidadãos, deve-se promover uma informação ampla, atempada e objectiva do processo de participação pública. Isto é, sublinhe-se, sem informação não pode haver participação dos cidadãos, ou ainda, por outras palavras, o direito de participação dos cidadãos nas questões respeitantes à protecção do ambiente implica o direito à informação. A este respeito, a Directiva Geral para o Processo de Participação Pública no processo de Avaliação do Impacto Ambiental, refere que “os mecanismos de participação devem propiciar a divulgação das informações sobre a actividade, o acesso ao processo de licenciamento ambiental e de todo o processo de AIA, a apresentação e incorporação dos anseios e opiniões dos interessados e afectados, a

livre discussão da actividade e de seus impactos ambientais, a informação sobre a decisão tomada, e o acompanhamento das consequências ambientais relativas à implementação e

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operação da actividade”. Compete ao MICOA, desde logo, a obrigação de adoptar e fazer adoptar os métodos que, tendo em conta as circunstâncias de cada caso concreto, se revelem mais adequados para a prossecução dos objectivos pretendidos. Como tal, consagrou-se um dever a cargo deste órgão de garantir o acesso aos relatórios técnicos produzidos no âmbito da AIA, tendo 353 MELO, João Joanaz, Metodologia Joanaz,  Metodologia de Avaliação de Impactes Ambientais Ambientais,, In. Textos Textos  – Ambiente e Consumo, Vol. II, CEJ, 1996, pp. 301 e 302.  presente o objectivo de garantir a ampla divulgação e participação de todas as partes interessadas ou, directa ou indirectamente, afectadas pela actividade354. Outro dos aspectos inovadores do novo RAIA foi a partilha de responsabilidades em matéria de participação pública entre o proponente e o MICOA: o proponente é responsável da fase de concepção até à submissão dos relatórios de EIA e EAS; o MICOA é responsável da fase da revisão dos Termos de Referência até ao licenciamento ambiental355. Cabe a estes a responsabilidade de promover, em termos amplos, a informação dos cidadãos. Trata-se de um verdadeiro dever de informar, sem o qual não haveria  participação do público no processo de d e tomada da decisão por parte do MICOA. Constitui um momento crucial para o cumprimento dos objectivos delineados para a fase da participação pública, pelo que requer particular atenção. A participação pública deve ser publicitada nos principais órgãos de comunicação, mas não basta, há que atender à realidade sócio-económica do país. Tendo presente que a uma  parte substancial da população moçambicana não tem acesso às fontes de informação, torna-se imperioso que se equacione seriamente a forma como tal informação deverá ser   prestada, sob risco de se desvirtuar d esvirtuar totalmente o mérito do processo de avaliação de impacto ambiental. Quantas pessoas têm acesso aos jornais? Quantas pessoas têm rádio ou até pilhas para o poder utilizar? Quantas pessoas sabem falar a língua oficial? Estas e

outras questões, em função do caso concreto, deverão ser sempre colocadas, mais a mais, visando-se instalar o empreendimento numa zona rural.

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O MICOA, através dos órgãos competentes, conforme os casos, deverá garantir que o  proponente realize a participação pública356. Este Es te último deverá utilizar, para o efeito, as 354 Cfr . Artigo 14/10, do novo RAIA. 355 Cfr . Artigo 14/1e e 3, do novo RAIA. 356 Cfr . Artigo 14/4, do novo RAIA. técnicas de informação e de participação mais adequadas para a sua publicitação em função de cada caso concreto357 358. São várias as técnicas de informação conhecidas: “briefings”, reportagens, envio de estudos ambientais pelo correio, conferências de imprensa, boletins informativos, artigos  periódicos em jornais, comunicados de imprensa, imprens a, anúncios pagos, apresentação a grupos civis e técnicos, dossiers de informação e informação gratuita na comunicação social359. Com vista a integrar o público no processo da tomada da decisão política sobre a viabilidade de um determinado projecto económico, devemos ter em conta diversas técnicas de participação, designadamente: as comissões de acompanhamento, os grupos representativos, a utilização de uma linha telefónica dedicada, entrevistas, palestras, conferências, workshops, plebiscitos e inquéritos360.  No caso particular do nosso país, é altamente aconselhável o envolvimento das autoridades tradicionais na fase da consulta pública, de modo a permitir um cabal cumprimento do dever de informar, por um lado, e a participação efectiva das populações que possam vir a sofrer o impacto ambiental do empreendimento361. A este respeito, os relatórios técnicos produzidos no âmbito da AIA deverão estar  disponíveis para apreciação no âmbito da consulta pública362. Um aspecto menos positivo do novo regime de AIA foi a atribuição do carácter  facultativo à realização de participação pública para as actividades de categoria B, em 357 Cfr . Artigo 14/6, do novo RAIA. 358 A Directiva Geral para o Processo de Participação Pública no processo de Avaliação

do Impacto

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Ambiental estabeleceu três princípios de gestão para a divulgação de informação de uma actividade : • Deposição de documentos em locais públicos. • Redacção da informação da forma simples, clara e acessível, privilegiando o uso da língua local; • Facilidades de acesso à informação. 359 MELO, João Joanaz, Metodologia Joanaz, Metodologia (...), (...), pp. 314 a 318. 360 Idem. 360  Idem.,, pp. 318 a 320. 361 Veja-se o Decreto n.º 15/2000, de 20 de Junho (que define as formas de articulação dos órgãos locais do Estado com as autoridades comunitárias) e o Diploma Ministerial n.º 107 – A/2000, de 25 de Agosto (seu Regulamento). contraposição às actividades de categoria A, cuja participação pública é obrigatória363. Pretendendo tornar mais simplificado o processo de AIA ao nível provincial, incorreu-se na tendência de o tornar menos democrático, com todas as desvantagens daí inerentes. Ora, por vezes, a diferença entre uma actividade de categoria A e outra de categoria B  pode ser bastante ténue em termos de envergadura do projecto ou área a afectar, sendo de todo impensável o relegar para decisão das Direcções Provinciais para a Coordenação de Acção Ambiental a realização ou não de participação pública. De qualquer modo, segundo o n.º 5 do artigo 14, do novo RAIA, a participação pública será sempre obrigatória quando implicar: (1) “a deslocação permanente ou temporária das  populações ou comunidades”; (2) “a deslocação de bens ou restrição res trição no uso dos recursos naturais”. Sempre que a natureza da actividade, suas características, e seus efeitos o justifiquem,  poderá ter lugar uma audiência pública, por solicitação de cidadãos, organizações ambientais legalmente constituídas ou entidades públicas ou privadas, directa ou indirectamente afectadas pela actividade em causa364.

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4.3.2.5. A revisão técnica do estudo do impacto ambiental Uma vez recebido o estudo de impacto ambiental e verificado o cumprimento das disposições constantes no RAIA, segue-se a fase da revisão técnica, enquanto “processo de análise técnica e científica do conteúdo dos documentos elaborados no âmbito do  processo de AIA, para verificar ver ificar a sua qualidade técnica, e informações nela contidas, de acordo com as directivas emitidas para o efeito”365. Uma das maiores novidades do novo RAIA foi a previsão da chamada Comissão Técnica de Avaliação. Segundo o legislador, este é um “comité inter-sectorial de análise dos 362 Cfr . Artigo 14/10, do novo RAIA. 363 Cfr . Artigo 14/5, do novo RAIA. 364 Cfr . Artigo 14/8, do novo RAIA. 365 Cfr . Artigo 1.º/31, do novo RAIA. documentos técnicos elaborados no âmbito da AIA”366. As funções destas comissões estão consignadas no artigo 9, do novo RAIA. Estas comissões serão sempre presididas por um representante do MICOA, integrando, no mínimo, um representante do Ministério que tutela a actividade proposta, um representante da autarquia local da área de inserção da actividade, um ou mais representantes de entidades governamentais, instituições de ensino ou de centros de investigação na área do ambiente e um ou mais técnicos especializados na área da respectiva actividade, solicitados ou contratados pelo MICOA, ao nível central ou local367.  Na revisão dos estudos de impacto ambiental (em sentido s entido amplo), serão tidos em conta os critérios de avaliação estabelecidos no artigo 8. °, do RAIA: • Número de pessoas e comunidades abrangidas; • Ecossistemas, plantas e animais afectados; • Localização e extensão da área afectada; • Probabilidade, natureza, duração, intensidade e significância dos impactos;

• Efeitos directos, indirectos, potenciais, globais e cumulativos do impacto; • Reversibilidade ou irreversibilidade do impacto.

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Serão tomadas em consideração, para efeitos de decisão da Comissão Técnica de Avaliação, todas as manifestações e exposições por escrito e orais feitas no âmbito do  processo de participação pública, púb lica, apresentadas aos órgãos locais e/ou ao proponente, até dez dias antes do período de revisão dos estudos de impacto ambiental (em sentido amplo), desde que relacionadas com os impactos ambientais da actividade368. Por outro lado, a elaboração do estudos de impacto ambiental (em sentido amplo) deverá ser conduzida em referência permanente aos padrões de qualidade ambiental e aos níveis 366 Cfr . Artigo 1.º/6, do novo RAIA. 367 Cfr . Artigos 15/1, 16/6 e 17/5, do novo RAIA. máximos toleráveis de contaminação relativamente ao ar, água, solo e ecossistemas naturais, que tenham sido estabelecidos por decreto do Conselho de Ministros.  Note-se que, uma vez concluída a apreciação apreciaçã o final do estudo de impacto ambiental em sentido amplo, a Comissão Técnica de Avaliação elaborará o relatório técnico de revisão, ao qual se acresce o respectivo parecer técnico devidamente fundamentado, emitindo em seguida uma declaração final de avaliação, e lavrada uma acta que deverá ser assinada  por todos os elementos integrantes da comissão369. Esta acta deverá fazer parte integrante do processo de licenciamento da actividade e constituirá a fundamentação da decisão sobre o licenciamento ambiental da actividade proposta370.

4.3.2.6. A decisão sobre a viabilidade ambiental Uma vez findas as formalidades previstas no novo RAIA, o MICOA, através do órgão competente a nível central ou local, proferirá uma decisão sobre a viabilidade ambiental da actividade proposta. Assim, quando for comprovada a viabilidade ambiental da actividade proposta, O MICOA procederá de imediato à notificação do proponente e emitirá a licença ambiental  para a actividade proposta, no prazo de oito dias úteis a contar, após o pagamento das

taxas devidas ao abrigo do RAIA371.  Note-se, ainda, que a licença ambiental tem um prazo de validade de cinco anos, nos

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casos de actividades de categoria A, e de dois anos, no caso de actividades de categoria B e C, a contar da respectiva emissão, findo o qual caducará, caso o proponente não tenha dado início à actividade proposta372. 368 Cfr . Artigos 15/3, 16/2 e 17/3, do novo RAIA. 369 Cfr . Artigos 15/4, 16/7 e 17/7, do novo RAIA. 370 Cfr .. Artigos 16/8 e 17/8, do novo RAIA. 371 Cfr . Artigo 19/1, do novo RAIA. 372 Cfr. Artigo 20, do novo RAIA. Se o MICOA identificar um ou mais impedimentos susceptíveis de causar efeitos sérios e irreversíveis no ambiente, traduzidos em “objecção grave que impossibilite a aceitação da actividade proposta”, deverá recusar-se a licenciar a actividade proposta. Pode, à luz do n.º 2 do artigo 19, do novo RAIA, assumir uma de duas posturas: • Rejeitar total e liminarmente a implementação da actividade proposta, fundamentando a decisão em termos técnico-científicos e legais, fazendo acompanhar do relatório e declaração final de avaliação – Não licenciamento da actividade proposta; • Rejeitar parcialmente a implementação da actividade proposta, fundamentando a decisão em termos técnico-científicos e legais, fazendo acompanhar do relatório e declaração final de avaliação. O MICOA pode condicionar o licenciamento ambiental à realização de alterações e/ou à reformulação da actividade, findas as quais haverá lugar a uma nova avaliação e posterior decisão373.

4.3.3. Responsabilidade do proponente À luz do novo RAIA, o proponente que não tiver observado o disposto na lei durante o  processo de avaliação do impacto ambiental, incorre incorr e em três formas de responsabilidade: respons abilidade: civil, criminal e administrativa. Se as duas primeiras formas não constituem novidade em relação ao anterior regime, já a terceira é uma importante inovação, produto das sérias

dificuldades sentidas pelo MICOA quanto às lacunas do primeiro RAIA no domínio das infracções e sanções administrativas.

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O legislador nacional contemplou expressamente a responsabilidade civil e criminal do  proponente do projecto em seis situações distintas (mais três do que no anterior  RAIA)374: • Não sujeição do actividade ao processo prévio de licenciamento ambiental; 373 Cfr. Artigo 20/4, do novo RAIA. 374 Cfr. Artigo 21/4, do novo RAIA. • Sujeição do actividade ao processo de licenciamento ambiental após o início da sua implementação; • Alterar a actividade inicial após a emissão de licença sem prévia autorização da entidade competente; • Apresentar informação fraudulenta, adulterada ou omissa durante o processo de AIA; • Não implementar as medidas propostas nos estudos técnicos e não observar as condições do licenciamento ambiental; • Não proceder à actualização da licença ambiental. O novo RAIA veio estabelecer, através do artigo 26, um conjunto de infracções e respectivas sanções, no âmbito da responsabilidade administrativa:

Infracção Sanção Obstrução ou embaraço sem justa causa à realização das atribuições do RAIA Multa de 20 000,00 a 50 000,00 MTn  Não actualização da licença ambiental Multa de 10 000,00 a 20 000,00 00 0,00 MTn Implementação da actividade não licenciada em termos ambientais Multa no valor igual ao dobro do licenciamento e paralisação imediata da actividade Exercício ilegal de consultoria

ambiental Submissão da actividade ao

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licenciamento ambiental após o inicio de actividade Alteração inicial e implementação de nova após a emissão da licença ambiental Apresentação de informação fraudulenta, adulterada, desactualiza ou omissa  Não implementação das medidas  propostas nos estudos técnicos e não observância das condições de licenciamento Reincidência Multa entre 24 000,00 e 240 000,00 MTn Importa ainda reter que o novo RAIA, através do artigo 27, previu também um mecanismo de graduação das multas, no qual se encontram reflectidas, ainda que não nos moldes clássicos, um conjunto de circunstâncias atenuantes e agravantes. Este artigo exige dos serviços de Inspecção Ambiental a máxima cautela e atenção, de modo a não cometer qualquer erro no preenchimento dos autos de infracção.

4.3.4. Responsabilidade dos consultores ambientais De forma a salvaguardar a credibilidade dos estudos de impacto ambiental (em sentido amplo), sabendo que estes estudos são encomendados pelos proponentes da actividade a consultores ambientais, sendo estes últimos pagos pelos primeiros, questionando-se à  partida eventuais jogos de interesse, o novo n ovo RAIA previu a responsabilidade dos  proponentes dos consultores ambientais em moldes amplos: civil, penal375 e administrativa376. O artigo 23, do novo RAIA, vincou expressamente que o consultor ambiental actua em representação do proponente da actividade, sendo responsável por assegurar uma série de

requisitos aí previstos, dos quais destacamos idoneidade, a competência técnica, a imparcialidade, a dedicação, a abertura e a transparência na prossecução da actividade

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 profissional de consultoria ambiental377. Aliás, o novo RAIA vai mais longe ao exigir do consultor ambiental uma declaração por  escrito em como nunca não têm ou nunca tiveram qualquer conflito de interesses relacionado directa ou indirectamente com a actividade em causa, bem como não  pertencem a grupos de pressão pres são com ligações a actividades concorrentes, concorren tes, devendo esta declaração ser elaborada e entregue em momento anterior à sua própria contratação378. 375 Segundo o n.º 4, do artigo 23, do novo RAIA, “os consultores credenciados para a realização de avali ava liaçõ ações es de im impa pact ctoo am ambi bien enta tall são são ci civi vill e cr crim imin inal alme ment ntee re respo spons nsáve áveis is pe pela lass informações fornecidas e conti con tida dass nos nos rela relató tóri rios os de EPDA EPDA,, EIA ou EA EAS, S, be bem m co como mo so soli lidar daria iame ment ntee pe pela lass consequências e danos resultantes da implementação de certa actividade pelo proponente, de acordo com as recomendações técnicas por ele formuladas”. , 376 A responsabilidade administrativa do consultor ambiental encontra-se prevista em traços gerais, na alínea d), do n.º 4, do artigo 26, do novo RAIA, segundo a qual constitui infracção  punível com pena de multa entre 24 000,00 a 240 000,00 MTn “a apresentação de informação fraudulenta, adulterada, desactualizada ou omissa durante o processo de AIA”. 377 Cfr. Artigo 23/1 e 2, do novo RAIA. 378 Cfr. Artigo 23/3, do novo RAIA

4.4. Auditoria Ambiental 4.4.1. Origem, importância, conceito legal e órgão competente A auditoria ambiental foi originariamente desenvolvida nos anos setenta nos Estados

Unidos de América como ferramenta de gestão para avaliar o cumprimento das leis ambientais cada dia mais complexas, numerosas e exigentes379.

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O processo de Avaliação do Impacto Ambiental só por si não garante a cabal prevenção de eventuais danos junto do ambiente. Isto porque nada impede que determinado projecto de actividade, tendo sido sujeita a AIA e, seguidamente, licenciada pelo MICOA, possa vir causar danos sérios e irreversíveis após a entrada em funcionamento do mesmo nos diversos componentes ambientais. Além do mais, não nos esqueçamos que o próprio processo de AIA é recente na história do país, sendo, por enquanto, reduzidos os empreendimentos que se sujeitaram a tal mecanismo de prevenção ambiental. Uma percentagem esmagadora das indústrias nacionais continua a utilizar máquinas e métodos de produção com vinte, trinta ou quarenta anos, de uma eficácia altamente poluente. Sendo assim, torna-se necessário recorrer a instrumentos de controlo permanente e flexível, não se bastando, única e exclusivamente, com aqueles que actuam somente na fase anterior à implantação do projecto. É, portanto, fundamental acompanhar a actividade ao longo de todo o período de laboração, analisando-se, periodicamente, o respectivo impacto junto do ambiente. E neste campo a auditoria ambiental constitui, sem dúvida, um mecanismo crucial de controlo dos efeitos da actividade nos diversos componentes ambientais, controle este 379 RODRÍGUEZ RODRÍGUEZ,, Andrés Andrés Betan Betancor, cor,  Instituiciones de Derecho Ambiental , La Ley, Madrid, 2001, pp. 1035 e 1036. que assume carácter sistemático, objectivo, independente e periódico da actividade visada380. Para a Lei do Ambiente, a auditoria ambiental “é um instrumento de gestão e de avaliação sistemática, documentada e objectiva do funcionamento e organização do sistema de gestão e dos processos de controlo e protecção do ambiente”381 382. Esta definição foi literalmente acolhida no Regulamento relativo ao Processo de Auditoria Ambiental, aprovado pelo Conselho de Ministros, através do Decreto n.º 32/2003, de 12

de Agosto, que analisaremos de seguida. Cabe, portanto, ao MICOA a responsabilidade institucional, dentro do Aparelho de

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Estado, na promoção de auditorias ambientais públicas383. O órgão competente, na estrutura orgânica deste órgão ministerial, para a promoção e realização de auditorias ambientais de carácter público, é a Direcção Nacional de Avaliação do Impacto Ambiental384. Compete ainda ao MICOA “emitir directivas específicas para a orientação dos processos de auditoria ambiental que terão carácter vinculativo, para as auditorias  privadas” e “registar os auditores ambientais”385. Porém, conforme veremos, a auditoria ambiental pode ser determinada e promovida pela  própria empresa, constituindo, neste caso, um instrumento de gestão empresarial de  bastante importância na tutela do ambiente. 380 RODRÍGUEZ, Andrés Betancor, Instituiciones Betancor, Instituiciones (...), p. 1034. 381 Cfr. Artigo 1. °/4, da Lei do Ambiente. 382 Esta defini definição ção foi adoptada adoptada pela Câmara de Comérci Comércioo Internacional Internacional,, tendo como tal servido para inspirar o Legislador Nacional. “Herramienta de gestión que comprende uma evaluación sistemática, documen docu mentad tada, a, peri periódi ódica ca y obj objeti etiva va de cóm cómoo est estáá actuan actuando do la organiz organizaci ación ón com el  propósito de ayudar a  proteger el medio ambiente: 1.° facilitando el control de gestión de las práticas medioambientales. 2. ° Evaluando el cumplimento de la política de la compañía, que debe alcanzar el grado exigido por la legislación”. Cfr. RODRÍGUEZ, Andrés Betancor, Instituiciones Betancor, Instituiciones (...), p. 1034. 383 Cfr. Artigo 5. ° a), do Decreto n.º 32/2003, de 12 de Agosto. 384 Cfr. Artigo ___ do Estatuto Orgânico do Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental, aprovado  pelo Diploma Ministerial n.º ___________.

4.4.2. Âmbito de aplicação

Segundo o número 1 do artigo 18, da Lei do Ambiente, “todas as actividades que à data da entrada em vigor desta Lei se encontrem em funcionamento sem a aplicação de

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tecnologias ou processos apropriados e, por consequência disso, resultem ou possam resultar em danos para o ambiente, são objecto de auditorias ambientais”. Contudo, tal formulação não impede a realização de auditorias noutros casos, bem pelo contrário, como, aliás, comprova a leitura do n.º 1 do artigo 24, do RAIA, segundo o qual o MICOA poderá solicitar a realização de auditorias ambientais “quando a complexidade das questões de controlo ambiental assim o justificar”. Note-se que tais auditorias podem ser realizadas em relação a todas as actividades – tenham ou não sido submetidas ao  processo de avaliação do impacto ambiental, sendo se ndo que o contrário não se justificaria. A este entendimento chegados da leitura articulada dos dois números do referido artigo 24,  pois, para o n.º 2 o legislador é bem mais explicito aludindo à realização de auditorias ambientais para as actividades já em curso e que não tenham sido submetidas ao processo de AIA e das quais possam resultar danos para o ambiente.

4.4.3. Objecto da Auditoria Ambiental O Regulamento relativo ao Processo de Auditoria Ambiental determinou constituir  objecto deste instrumento de prevenção ambiental a avaliação do seguinte386: • Impactos provocados pelas actividades de rotina sobre o ambiente; • Riscos de acidentes e os planos de contingência para a evacuação dos trabalhadores e das populações situadas na área de influência da actividade; • Grau de conformação do exercício das actividades de desenvolvimento com os  parâmetros definidos, para a sua implementação, no processo de licenciamento ambiental e sua conformação com os regulamentos e normas técnicas em vigor; 385 Artigo 5. ° b) e c), respectivamente, do Decreto n.º 32/2003, de 12 de Agosto. 386 Cfr . Artigo 4. °, do Decreto n.º 32/2003, de 12 de Agosto. • Níveis efectivos ou potenciais de poluição ou de degradação ambiental resultantes da implementação de actividades de desenvolvimento;

Condições de operação e de manutenção dos equipamentos e sistemas de controlo da  poluição; • Medidas a serem tomadas para restaurar o ambiente e proteger a saúde humana;

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• Capacitação dos responsáveis pela operação e manutenção dos sistemas, rotinas, instalações e equipamentos de protecção do ambiente e da saúde humana; • Gestão e conservação das fontes de energia, matéria-prima e água; • Reutilização, reciclagem, redução, transporte e eliminação de resíduos; • Ruídos e vibrações dentro e fora das instalações; • Selecção de novos métodos de produção e alteração dos existentes, inclusive de  processo industrial e sistemas de monitoramento contínuo con tínuo para a redução dos níveis de poluentes; • Medidas de prevenção e limitação dos acidentes ambientais.

4.4.4. Modalidades e objectivos da Auditoria Ambiental Existem, segundo o Regulamento da Auditoria Ambiental, dois tipos de auditoria ambiental, consoante o estatuto dos sujeitos que a promovam: a auditoria ambiental  pública (realizada pelo órgão estatal competente para par a o efeito) e a auditoria ambiental  privada (realizada pelas próprias próp rias empresas cuja actividade seja potencialmente poluidora ou degradadora do ambiente)387. Passaremos a analisar, em termos sumários, cada um dos tipos.

4.4.4.1. Auditoria Ambiental Pública Segundo o Decreto n.º 32/2003, de 12 de Agosto, “a auditoria ambiental privada será realizada sempre que o Estado julgar necessária para as actividades em laboração constantes da lista anexa ao Regulamento sobre o Processo de Avaliação do Impacto Ambiental (...)”. Discordamos com a redacção que o legislador escolheu por uma razão muito simples:  parece colocar fora do d o campo de acção das auditorias ambientais todas as actividades não constantes nos Anexos do RAIA, o que colide manifestamente com o espírito e a letra da Lei do Ambiente. O artigo 18 não obsta a que actividades não constantes em tal anexo não possam ser submetidas a um processo de AIA; apenas coloca dois requisitos: (1)

inexistência de tecnologias ou processos apropriados (2) e, por consequência disso, resultem ou possam resultar em danos para o ambiente. O facto de uma actividade não se encontrar inserida no anexo, não pressupõe que não

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venha a causar um impacto ambiental em termos sérios e irreversíveis. Daí que se encontre prevista, à luz do RAIA, a fase da pré-avaliação, na qual o MICOA vai verificar  se, não obstante o facto de determinada actividade não constar nos Anexos, esta não deva ser submetida à realização de um estudo de impacto ambiental. Este instrumento deve ser normalmente utilizado nos sectores produtivos que acarretam maiores riscos e danos junto do ambiente, tais como: instalações portuárias; instalações de armazenagem de substâncias tóxicas e perigosas; instalações de processamento de resíduos tóxicos ou perigosos; unidades de produção de energia eléctrica; instalações de tratamento e sistemas de utilização de esgotos domésticos; indústrias petroquímicas e siderúrgicas; indústrias químicas e metalúrgicas; indústrias de celulose e papel; lixo hospitalar; indústria extractiva388. Segundo Andrés Rodríguez389, é possível identificar nas auditorias ambientais públicas certas notas comuns, designadamente: • Constituem um instrumento ou ferramenta de gestão; 387 Cfr . Artigo 3. °, do Decreto n.º 32/2003, de 12 de Agosto. 388 MAC MACHAD HADO, O, Paul Paulo, o,  Direito Ambiental Brasileiro Brasileiro,, 6.ª edição, revista, atualizada e ampliada, Malheiros Editores, São Paulo, pp. 210 e seguintes. 389 RODRÍGUEZ, Andrés Betancor, Instituiciones Betancor, Instituiciones (...), p. 1035. • Consistem num processo de avaliação ou verificação sistemática, objectiva, documentada e periódica; • A actividade de auditoria ambiental deve realizar-se de uma forma objectiva e ser  reduzida a escrito, por pessoal técnico qualificado, independentemente dos resultados; • A guia, critério ou parâmetro da avaliação, exame ou verificação pode ser tanto de natureza normativa (normas públicas ou privadas previamente estabelecidas), como tendo por referência objectivos, políticas e programas previamente estabelecidos;

A finalidade da auditoria é contribuir para que a organização e suas actividades se ajustem aos objectivos de protecção ambiental previamente estabelecidos e, em  particular, à legislação ambiental.

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Segundo Antonieta Coelho “as auditorias constituem (...) um procedimento de recolha de informação necessária à tomada de decisão ambiental e, em especial, ao controlo  permanente”390. Chamamos, assim, a atenção para esta função essencial, visto que, ddee facto, a auditoria ambiental (pública) culmina, grande parte das vezes, na tomada de uma decisão por parte do MICOA, através da Direcção Nacional de Avaliação do Impacto Ambiental, que se pode traduzir em ordenar à empresa inspeccionada que proceda a alterações, pontuais ou não, na respectiva actividade económica, de modo a torná-la conforme os padrões de qualidade ambiental em vigor no país. A decisão pode também, em última análise, em função da gravidade dos factos constatados durante a realização da auditoria, passar pela suspensão temporária ou definitiva da actividade. O Regulamento da Auditoria Ambiental fixou um dever de colaboração a cargo das entidades que constituirão objecto da auditoria ambiental, que se traduz não apenas na obrigação de facultar toda a documentação e informação solicitadas, como também em facultar o livre acesso às instalações e locais a auditar391. A violação do dever de colaboração faz incorrer o responsável numa pena de multa a fixar entre os 20 000,00 MTn e os 60 000,00 MTn392. 390 COELHO, Antonieta, Lei Antonieta, Lei de Bases do Ambiente – Anotada, Anotada, colaboração de Maria do Carmo Medina, Colecção Faculdade de Direito UAN, Luanda, 2001, p. 223. 391 Cfr . Artigo 8. °, do Regulamento da Auditoria Ambiental. 392 Cfr . Artigo 14/1, do Regulamento da Auditoria Ambiental. Os auditores deverão elaborar um relatório completo (um dos exemplares será entregue ao MICOA e outro à entidade auditada), contendo, entre outros elementos, a indicação do nível de conformidade da actividade auditada em relação ao respectivo plano de gestão ambiental e um conjunto de recomendações393. Segundo o Regulamento em análise, “as recomendações da auditoria são de cumprimento

obrigatório para a entidade auditada e a sua não observância será sancionada nos termos da legislação em vigor”394. Isto é, haverá lugar a responsabilidade civil e criminal dos sujeitos que desrespeitarem as recomendações constantes no relatório da auditoria.

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4.4.5.2. Auditoria Ambiental Privada Como vimos, a auditoria não constitui instrumento de utilização exclusivo do MICOA. As empresas existentes em Moçambique podem também realizar, a título voluntário, auditorias ambientais, com a regularidade que entenderem adequada, para melhor  alcançar os respectivos desígnios. O Regulamento da Auditoria Ambiental determina que “a auditoria ambiental privada será utilizada pelos empreendedores, visando conformar  os seus processos laborais e funcionais do seu empreendimento, com o plano de gestão ambiental aprovado para o efeito e com as imposições legais em vigor”395. Os objectivos da auditoria ambiental privada poderão ser, entre outros, os seguintes: • Cumprir os requisitos legalmente impostos com vista a prevenir danos ambientais e ao próprio ambiente; • Usufruir de eventuais benefícios legais; • Procura de um melhor entendimento com as autoridades públicas e com a comunidade. 393 Cfr . Artigo 10/1 e 2, do Regulamento da Auditoria Ambiental. 394 Cfr . Artigo 10/5, do Regulamento da Auditoria Ambiental.

4.5. Monitorização Ambiental  Nos termos do novo RAIA, a monitorização traduz-se traduz- se na medição regular e periódica das variáveis ambientais representativas da evolução dos impactos ambientais da actividade após o início da implementação do mesmo para documentar as alterações que foram causadas, com o objectivo de verificar a ocorrência dos impactos previstos e a eficácia das respectivas medidas mitigadoras396. Constitui, portanto, um instrumento de medição e de registo do nível de emissões e de descarga de efluentes, no âmbito da empresa, ao longo de todo o respectivo período de laboração, ou em momentos pontuais pré-determinados.

Pretende-se, com tal mecanismo de prevenção ambiental, constatar, periódica e regularmente, o bom curso das medidas de tutela e conservação ambiental previstas aquando do processo de AIA e a ocorrência de eventuais desvios ao quadro inicialmente

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traçado. Trata-se de um sistema de acompanhamento do funcionamento e exploração do projecto, de forma a fornecer dados que, entre outros objectivos, permitam o controlo das condições estabelecidas no processo de AIA. A sua utilização assume, também, especial importância no decurso da realização de auditorias ambientais. Além do mais, tal como a auditoria ambiental, pode resultar quer da iniciativa do MICOA, quer da própria empresa. 395 Cfr . Artigo 7. °, do Regulamento da Auditoria Ambiental. 396 Cfr. Artigo 1. °/24 , do novo RAIA. “AO ESGOTAR E DESPERDIÇAR OS RECURSOS SEM S EM QUALQUER  CRITÉRIO, AO CONTAMINAR E DESTABILIZAR O QUE OS NOSSOS CONTEMPORÂNEOS CADA VEZ MAIS DENOMINAM POR "O AMBIENTE", AO REJEITAR E DIFUNDIR UMA LARGA GAMA DE PRODUTOS DURAVELMENTE PERIGOSOS PARA A VIDA, OS HOMENS CAUSAM PREJUÍZOS AOS SERES VIVOS, COLOCANDOSE ELES PRÓPRIOS EM PERIGO E CRIAM FACTORES DE RISCO E DE MORTE, QUE AFECTARÃO OS SERES VIVOS E A HUMANIDADE POR MUITO TEMPO”. Michel e Caliope Beaud/Mohamed Bouguerra, Estado Bouguerra,  Estado do Ambiente no  Mundo, Perspectivas Ecológicas,  Mundo, Instituto Piaget, Lisboa, p. 11

Capítulo Quinto – Problemas ambientais em Moçambique 5.1. Considerações gerais Relativamente aos problemas ambientais, vamo-nos cingir, neste capítulo, àqueles que afectam directa ou indirectamente o nosso país, descurando todos os que assumam um

carácter global, isto é, que constituam motivo de preocupação de todos os Estados do Planeta, pressupondo acções concertadas, como é o caso do aquecimento global do Planeta ou a destruição da camada de ozono.

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É possível identificar em Moçambique inúmeros problemas ambientais dignos de destaque, designadamente: a poluição, a erosão, o desflorestamento, a destruição das espécies animais e a desertificação. Faremos alusão, neste trabalho, aos dois primeiros, tendo presente que os restantes constituem objecto de estudo no Manual de Florestas e Fauna Bravia.

5.2. A poluição O regime geral da poluição encontra-se delineado no capítulo terceiro, da Lei do Ambiente, no qual constam dois preceitos de importância fundamental, que passarão a receber, adiante, tratamento e desenvolvimento específico em sub-capítulos separados. O termo poluição é, desde logo, definido, segundo o legislador nacional, como “a deposição, no ambiente, de substâncias ou resíduos, independentemente da sua forma,  bem como a emissão de luz, som e outras formas de energia, de tal modo e em quantidade tal que o afecta negativamente”397. Assim, a poluição decorre da introdução, directa ou indirecta, de substâncias poluentes no meio ambiente que, ao atingir determinado volume de concentração, começam 397 Cfr. Artigo 1.°/21, da Lei do Ambiente.  progressivamente a destruí-lo ou a degradá-lo. d egradá-lo. Trata-se, portanto, de um conceito con ceito  bastante genérico, susceptível de integrar as mais diversas e complexas modalidades de lesão ao meio ambiente (designadamente, as formas de poluição sonora, dos solos, das águas interiores, dos mares, atmosférica, etc.). A poluição constitui, sem dúvida, um problema de carácter fundamental, que, de uma forma ou de outra, atinge-nos a todos particularmente. É algo que faz parte da nossa rotina, do nosso dia a dia, que nos incomoda e afecta, por vezes sem termos consciência disso. Quem ainda não se sentiu incomodado com as diferentes modalidades de ruído, cada vez

mais frequentes, nos aglomerados urbanos? Além do mais, é ponto assente a necessidade de tomar cuidados acrescidos com a água que bebemos, pois, muitas vezes, não é potável ou apta para consumo, por causa da tão nefasta acção humana, traduzida no despejo de

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resíduos das fábricas para os cursos de água sem qualquer tipo de tratamento prévio. E quantas vezes nos queixamos da qualidade do ar que respiramos no dia a dia,  principalmente nas zonas de grande concentração populacional, derivada do intenso trânsito automóvel que congestiona as diversas vias rodoviárias existentes, alguns dos quais com largos anos no activo, ou, então, em estado adiantado de deterioração? Para já não falar nas toneladas de lixo que têm vindo a inundar cada canto das nossas vilas e cidades, causando um profundo mal estar junto da maioria dos cidadãos, quer residentes quer em passagem. Estes são apenas alguns exemplos que servem para ilustrar o facto de a palavra “poluição” não significar, afinal, algo que nos seja completamente desconhecido ou estranho. Bem pelo contrário, lidamos diariamente, e com cada vez mais frequência, com as suas mais diversas formas. É, ainda, um problema global, isto é, que afecta o mundo no geral e, como tal, exige que se tomem medidas de resposta de carácter e abrangência também globais. Sublinhando, neste campo, Carlos Pimenta: “Mesmo baseados no pressuposto que conhecemos alguns dados fundamentais do funcionamento do planeta, afirmo que no mínimo é inconsciência, no máximo crime por inacção dos agentes políticos, os países não tomarem medidas de facto que impeçam aquilo que é hoje um dado objectivo, a  poluição e a destruição do ambiente deixou de ser s er problema localizado, passou a pôr em causa o funcionamento da máquina global do planeta398. A questão que se coloca é como diminuir substancialmente os efeitos da poluição junto do meio ambiente e dos seres humanos, de modo a obstar que se atinjam, qualquer dia, índices capazes de comprometer a subsistência do Homem e de qualquer outra forma de vida. Isto porque devemos ter a consciência de que o ser humano não pode continuar a poluir  eternamente a Terra como tem vindo a fazer até agora, visto estar, indubitavelmente, a comprometer a vida das gerações futuras. Há que colocar barreiras e limites à poluição (e a todos os demais tipos de danos no ambiente), o que pode ser conseguido através de

diversos mecanismos, entre os quais se destacam, precisamente, a proibição genérica de  poluir para além de determinados níveis e o estabelecimento es tabelecimento de padrões de qualidade ambiental399.

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Deve-se também ter em conta ser de todo impossível ou inviável reduzir a poluição ao chamado grau zero, tendo em conta que quase todas as actividades humanas pressupõem, directa ou indirectamente, danos no meio ambiente. O que se pretende, sim, é reduzir os índi índice cess de polu poluiç ição ão a ní níve veis is su sust sten entá táve veis is ou to tole lerá ráve veis is,, ca capa paze zess de pe perm rmit itir ir a autoregeneração dos diversos componentes ambientais (ar, água, solo, florestas, fauna bravia, etc.). Aliás, “actualmente já não se tem a esperança de restaurar o equilíbrio dinâmico que a natureza teve ao longo de milénios, mas apenas a aspiração de conviver com o 398 PIM PIMENT ENTA, A, Car Carlos, los, Século XXI – Uma Política de Ambiente, Ambiente , Textos, Ambiente e Consumo, Vol. I, CEJ, 1996, pp. 39-40. 399 Cfr. Artigos 9.° e 10.°, da Lei do Ambiente. nível de poluição aceitável, ou seja, que ainda não se torne impeditiva duma qualidade de vida que permita a realização integral do Homem”400. Há, portanto, que assumir a problemática da poluição em termos verdadeiramente sérios, antes que seja demasiado tarde. Sendo um problema global, deve-se, ainda, procurar o envolvimento de todos os cidadãos no combate aos diversos tipos de poluição, independentemente das respectivas categorias, funções, origem, sexo, idade, etc.. Daí que sublinhamos a importância da educação e sensibilização ambientais.

5.2.1. Tipos de poluição 5.2.2.1. Poluição dos solos O solo, um dos componentes ambientais naturais, possui uma importância digna de menção: “A vida da Terra está aí estritamente ligada. Caminha-se sobre o solo, as plantas alimentam-se dele, muitos animais vivem aí, as águas transformam-se aí, a composição e a atmosfera dependem dele”401.

A sua importância pode definir-se em quatro funções essenciais402: (1) biológica, enquanto habitat de imensas espécies animais e vegetais responsáveis pela actividade  biológica do solo enquanto pressuposto pressupos to da própria fertilidade; (2) alimentar, pois o solo

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constitui reservatório de uma série de elementos essenciais à vida, designadamente o cálcio, o potássio, o azoto e o fósforo; (3) função de filtro exercida pelo solo, enquanto meio poroso que permite a circulação da água e dos gases, a penetração de raízes e o fornecimento de elementos nutritivos; (4) por último, como fonte de fornecimento de materiais para a construção e de minerais para as mais variadas actividades humanas. Mas os solos têm vindo a ser, ao longo dos tempos, alvo de um processo complexo e intenso de degradação, como resultado da pressão que o Homem exerce sobre os 400 400 RE REDI DINH NHA, A, An Antó tóni nioo Si Simõ mões es,,  Direito Administrativo do Ambiente Ambiente,, Textos –  Ambiente, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1994, p. 350. 401 RU RUEL ELLA LAN, N, Al Alai ainn / TARG TARGAL ALIA IAN, N, Vi Vict ctor, or,  Degradação dos Solos Solos,, In. “Terra, Património Comum”, sob direcção de Martine Barrere, Instituto Piaget, Lisboa, 1993, p. 36. mesmos. A poluição é, precisamente, uma das grandes causas da degradação destes, decorrendo, desde logo, da prática da agricultura, em regime intensivo, com o recurso constante e desmesurado a adubos e pesticidas (herbicidas, fungicidas e insecticidas agrícolas), de alto teor químico, provocando, por conseguinte, não apenas o empobrecimento e envenenamento dos solos, como a poluição das águas e também a  própria contaminação da cadeia alimentar dos seres s eres vivos403. Por outro lado, a irrigação mal conduzida dos solos agrícolas pode conduzir aos fenómenos da salinização e de alcalinização e, consequentemente, ao abandono destes  para a prática de agricultura404. A existência de enormes lixeiras a céu aberto também produz a ocorrência de efeitos nefastos nos solos das áreas da sua respectiva localização, contribuíndo ainda para a  poluição atmosférica através da libertação de gases, g ases, com especial ênfase para o chamado gás metano, decorrente da incineração dos resíduos e detritos aí existentes.

Um exemplo flagrante deste tipo de poluição é o caso da lixeira a céu aberto do Hulene, situada nos arredores da cidade de Maputo, cujos efeitos ambientais são particularmente  preocupantes, sendo agravados, agrav ados, aliás, pela presença de imensos moradores morad ores nas

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redondezas circundantes405 406. Contudo, não é necessário deslocarmo-nos ao bairro do 402 Idem 402  Idem,, pp. 36 – 37. 403 MUCHANGOS, Aniceto dos, Consciencialização Ambiental e Ambientalismo, Ambientalismo, artigo  publicado no  jornal “Savana”, no dia 11 de Maio de 2001. 20 01. 404 RUELLAN, Alain / TARGALIAN, Victor, Degradação Victor, Degradação dos Solos (...), p. 36. 405 A lixeira do Hulene sofreu recentemente obras de beneficiação, que se traduziram na construção de um muro frontal, na colocação de postes de iluminação, na criação de arruamentos, na delimitação de uma área  para os resíduos recicláveis e reutilizáveis e na fumigação de toda a lixeira. Para o efeito, o Conselho Municipal de Maputo contou com um financiamento do Governo da Dinamarca, no montante de 100 000 USD. A situação melhorou significativamente, mas encontra-se ainda longe do aceitável em termos de  protecção e segurança ambiental. Sobre as obras realizadas, realizadas , vejam-se os seguintes artigos  publicados no  jornal “Notícias”:  Disponíveis 103 mil USD para ordenar lixeira do Hulene Hulene,, do dia 23/01/2003 e Lixeira e Lixeira do Hulene com nova face, face, do dia 01/04/2003. Ainda sobre a lixeira, podemos referir  como principais  problemas da actualidade: a falta de vedação lateral e traseira, permitindo o acesso de qualquer pessoa, inclusive crianças em busca de algo aproveitável; a proximidade das habitações do bairro circundante; a existência de todo o tipo de resíduos (mesmo os de carácter tóxico e hospitalares); a

queima de tais resíduos e as consequências daí decorrentes para o ambiente, e, em particular, para a saúde das pessoas que

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habitam nos arredores; etc.. Antes de a lixeira beneficiar de tais melhoramentos, a imprensa, por diversas vezes, alertou a opinião pública para os sérios problemas ambientais e no domínio da saúde pública aí exist exi sten ente tes. s. Re Reco come mend ndamo amoss a le leit itura ura dos seg segui uint ntes es ar arti tigo gos, s, to todos dos pub publi licad cados os no “Notícias”: Centenas de Hulene para verificar a gravidade da situação, pois é possível identificar diversas lixeiras de carácter não oficial um pouco por toda a cidade capital e seus arredores. Entre as causas, podemos apontar a inoperância das autoridades competentes em promover a recolha dos resíduos e, particularmente, a falta de consciência ambiental dos munícipes407. E, nesta ordem de ideias, surge-nos o problema de saber o que fazer com os resíduos que o Homem produz diariamente, com especial destaque para os aglomerados urbanos. Um vereador do Conselho Municipal disse, num programa que a TVM emitiu em 2002, que são produzidas diariamente cerca de 600 toneladas de resíduos só na cidade de Maputo,  pessoas em risco no Hulene Hulene,, publicado no jornal “Notícias”, do dia 27 de Fevereiro de 2002; Hulene 2002;  Hulene e  Laulane pedem fumigação fumigação,, do dia 12 de Agosto de 2003; e Reduz e  Reduz vaga de moscas em  Hulene e Laulane, Laulane, do dia 5 de Setembro de 2003. 406 Note-se que a resolução do problema da lixeira do Hulene passa necessariamente por  ter presente as eventuais implicações sociais na vida das largas centenas de populares cujo sustento depende da recolha de resíduos resí duos (ent (entre re os qua quais is se enc encont ontram ram os deno denomin minados ados “catad “catadores ores”, ”, na linguag linguagem em comum, que são jovens

que vivem na lixeira, retirando daí, inclusive, os alimentos com que confeccionam as suas refeições) e na

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identificação de alternativas credíveis. Recomendamos, neste domínio, a leitura de um trabalho de João Carlos Colaço, sobre as pessoas que vivem daquilo que encontram no lixo – COLAÇO, João Carlos,  Lixeiros da Cidade de d e Map Maputo uto,, In. “Estudos “Estudos Moçambicanos”, Moçambicanos”, n.° 18, Centro de Estudos Estudos Africanos, UEM, Maputo, 2001. Veja-se também SERRA, Carlos, Em Carlos, Em cima de uma lâmina, lâmina, Um estudo sobre a precaridade social em três cidades de Moçambique, Imprensa Universitária, Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, Abril, 2003, pp. 38 – 44. 407 Vejam-se os títulos títulos de alguns artigos artigos publicados na impre imprensa nsa nacional, que são bem elucidativos quanto ao problema que se vive no domínio da gestão dos resíduos sólidos urbanos na cidade de Maputo: Se o lixo  fosse pão eramos ricos (Zambe (Zambeze, ze, 17/07/ 17/07/03); 03);  Lixo volta a tomar conta da cidade de  Maputo (Notícias, 31/01/03), E 31/01/03),  E o lixo volta a atacar! (Notícias, 17/10/02), Acumulação 17/10/02), Acumulação de lixo em Maputo  – Serviços de Salubri Sal ubridad dadee inc incapaz apazes es de mud mudar ar a sit situaç uação ão (No (Notí tícia cias, s, 16/10/ 16/10/02), 02), Simplesmente uma aberração (Notícias, 05/08/02), 05/08/ 02),  Maputo volta a ser a capital de imundície (Not (Notíci ícias, as, 09/07/ 09/07/02), 02),  Lixo na capital – Grave  problema sem solução à vista (Notícias, 17/05/02), Assembleia 17/05/02), Assembleia de Maputo cansada de  justificações geografia ia da rebeldia (Domingo, 05/05/02),  Protestando (Notícias, 13/05/02), O lixo na geograf 05/05/02), Protestando  falta de recolha –   Populares inviabilizam trânsito com lixo na Rua Irmãos Roby (Notícias, 26/04/02);

Cidade Pestilenta (Notícias, (Notíc ias, 27/03/02), 27/03/02), E  E o lixo está de volta! (Notí (Notícias, cias, 16/03/02), 16/03/02), Lixo  Lixo de Maputo – Má  gestão e opulência

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(Demo (De mos, s, 20/0 20/02/ 2/02 02), ),  Escassez de meios “lixa” Maputo (N (Not otíc ícia ias, s, 23 23/0 /01/ 1/02) 02),,  Novo ano...novo lixo...novos contentores content ores ... novas perspectiva perspectivass (Savana, 18/01/02 18/01/02), ),  Lixo de Maputo – Má gestão e opulência (Metical, 27/12/01), Solução para o lixo passa por cerca de nove milhões de dólares (Notícias, 20/11/2001) Situação do lixo deixa AM à beira de um ataque de nervos (Domingo, 11/11/01), Lixo “saúda” aniversário de Maputo (Notícias, (Notícias, 09/11/0 09/11/01), 1),  Procissão de lixeiras (Notíc (Notícias, ias, 12/10/01), 12/10/01), Simplesmente vergonhoso... (Notícias, (Notíc ias, 11/10/01 11/10/01), ),  Lixo virou fenómeno.... (Notícias, 10/10/01), Maputo 10/10/01), Maputo só cheira a imúndicie (Notícias, 05/10/01), Investimento para limpeza da cidade - Edilidade necessita de oito milhões de 05/10/01), Investimento dólares (Notícias, peri rigo go do lixo. lixo..... (No 18/08/ 18/ 08/01), 01), O pe (Notíc tícias ias,, 15/08/ 15/08/01), 01),  Lixo continua a infestar Maputo (Notícias, 24/07/01), Um problem problemaa ins insolú olúvel vel... ... (No (Notíc tícias ias,, 04/05/ 04/05/01), 01),  Maputo: candidato único ao prémio nobel do lixo (Notícias, 18/04/01), CM precisa de investir seis milhões de dólares (Notíc (Notícias, ias, 1704/2001), 1704/2001), Quem ajuda a combater o lixo na cidade de Maputo (Notícias, 05/04/01); e o Lixo o  Lixo continua “pão” dos munícipes (Notícias, 23/03/01). havendo capacidade municipal para proceder à recolha de menos de metade daquele total408. Mas antes de aludirmos à problemática da gestão dos resíduos propriamente dita, duas questões se colocam: Primeiro, o que se entende por resíduo? Este é, segundo uma

difinição que nos parece certa, “toda a substância resultante das actividades de produção e de consumo, a que não se dá qualquer valor económico no contexto em que é  produzido”409.

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Segundo, quais os principais tipos de resíduos produzidos pelas mais diversas actividades humanas? Sublinhando um sector da doutrina410, à qual aderimos, há, pelo menos, quatro grandes grupos de resíduos produzidos pelo Homem: - resíduos industriais – São os resíduos provenientes da actividade industrial, ou mais rigorosamente, traduzem-se no “conjunto de substâncias, produtos ou materiais que se apresentam no estado sólido, semi-sólido ou líquido, resultantes da laboração de estabelecimentos industriais que não possam ser  lançados nos sistemas de tratamento de resíduos ou efluentes nem sejam considerados subprodutos”411; - resíduos sólidos urbanos (RSU) – São os resíduos de carácter doméstico (resíduos de cozinha, objectos inúteis, resíduos provenientes da limpeza do lar, etc.), dos estabelecimentos comerciais, de algumas indústriais pequenas,  provenientes da limpeza dos espaços públicos, restos de demolições ou rejeições de obras, veículos abandonados, restos de podas de árvores do  parque arbóreo urbano, urbano , etc; 408 PROMARTE / TVM – Co-produção para a União Mundial para a Natureza (UICN), Colecção Recursos e Vida, Painel 2 – Programa 4 (Saúde Públi Pública), ca), Tema: Ambiente Tema:  Ambiente Urbano, Urbano , intervenção de Zacarias Cossa, vereador para a área do meio ambiente do Conselho Municpal da cidade de Maputo, Moçambique, 2002. Geografia, Editor 409 409 GA GARR RRID IDO, O, Du Dulc lcee / CO COST STA, A, Ru Rui, i,  Dicionário Breve de Geografia, Editorial ial Presença, Lisboa, Setembro, 1996, p. 158. 410 AFONSO, Armando da Silva / ARAGÃO, Maria Alexandra, Apontamentos Alexandra,  Apontamentos sobre  Direito dos Resíduos, Resíduos,

Curso de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, ano lectivo 1998/1999, CEDOUA, Coimbra, 1998, p. 46.

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411 411 GA GARR RRID IDO, O, Du Dulc lcee / CO COST STA, A, Ru Rui, i,  Dicionário Breve de Geografia, Geografia, Editor Editorial ial Presença, Lisboa, Setembro, 1996, p. 158. - florestais e agro-industriais – como o próprio nome indica, este grupo é constituído pelos resíduos provenientes das actividades florestais (exploração dos recursos florestais) e agro-industriais (resíduos resultantes de actividades como a moagem de cereais, descasque e branqueamento de arroz, extracção de óleos, etc.); - tóxicos ou perigosos – A Lei do Ambiente define estes resíduos como sendo “substâncias ou objectos que se eliminam, que se tem a intenção de eliminar, ou que se é obrigado por lei a eliminar e que contêm características de risco  por serem inflamáveis, explosivos, corrosivos, cor rosivos, tóxicos, infecciosos ou radioactivos, ou por apresentarem qualquer outra característica que constitua  perigo para a vida ou saúde do homem e de outros seres vivos e par paraa a qualidade do ambiente”412. Dentro da categoria dos resíduos tóxicos ou perigosos, podemos encontrar os resíduos hospitalares, que foram objecto de regulamentação através do Regulamento sobre a Gestão dos Lixos-Biomédicos, aprovado pelo Conselho de Ministros, através do Decreto do Decreto n.° 8/2003, de 18 de Fevereiro, e os pesticidas absoletos, cujo tratamento encontra-se  previsto no Regulamento sobre os Pesticidas, Pes ticidas, aprovado pelo pelo Diploma  Diploma Ministerial n.° 153/2002, de 11 de Setembro, Setembro, da autoria de três ministérios, que são o MICOA, o Ministério para a Agricultura e Desenvolvimento Rural e o Ministério da Saúde. Trata-se de dois tipos de resíduos que têm suscitado particular atenção por parte da sociedade civil, tendo em conta a sua especial perigosidade para o ambiente, no geral, e  para a saúde dos seres ser es humanos, em particular. Veja-se o papel que uma associação de defesa do meio ambiente, a Livaningo, tem vindo a ter na consciencialização dos órgãos da Administração Pública e do público em geral quanto aos cuidados especiais a

implementar nos sistemas de gestão de tais resíduos. Salvo os diplomas acima indicados, é necessário que o Legislador prossiga afincadamente com os esforço de legislar no domínio da gestão dos resíduos, tendo

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412 Cfr . Artigo 1.°/23, da Lei do Ambiente.

 presente as modalidades diferenciadas acima referidas e os cuidados especiais a ter com cada uma das mesmas. Urge, portanto, que se elabore uma política e estratégia para a gestão dos resíduos, uma lei que fixe as bases de tal legislação e, por último, os regulamentos necessários à execução de tal lei. Atenda-se que a gestão deve ser analisada como um sistema que comporta diversos componentes, designadamente: a deposição, a recolha, o transporte, o despejo e o destino final. Cada um destes componentes deve ser tratado cuidadosamente, tendo presente critérios como: o contexto (rural ou urbano), as condições sócio-económicas do país (onde, à partida, dominam as dificuldades financeiras de inúmera ordem, susceptíveis de dificultar a aplicação de qualquer plano de gestão de resíduos) e o tipo de resíduo (os cuidados a ter em matéria de gestão serão necessariamente mais rigorosos no caso dos resíduos tóxicos ou perigosos do que em relação aos resíduos sólidos urbanos). A problemática da gestão dos resíduos é, sem dúvida, um dos principais problemas que afecta a vida da população urbana. A solução deste passa certamente pela implementação de uma política de redução da quantidade de resíduos produzidos e pela reutilização ou reciclagem de parte destes. A doutrina refere-se, a esse respeito, ao princípio dos 3 R  (designação derivada dos verbos reduzir, reciclar e reutilizar). Ora, até ao presente momento, muito pouco foi feito no nosso país quanto ao aproveitamento do potencial económico dos resíduos. Existem apenas alguns exemplos paradigmáticos que podem constituir ponto de partida para algo mais organizado e sistemático na área do aproveitamento dos resíduos. Basta pensarmos na rede “informal” de reaproveitamento da mais variada gama de “lixos”: frascos, garrafas, sacos plásticos, metais, latas, etc. O destino final a dar aos resíduos é um dos maiores problemas que os nossos conselhos municipais e governos distritais enfrentam. Não há solução à vista, mas estudos elaborados em diversos pontos do mundo apontam para as desvantagens que a solução da

incineração (queima de resíduos) implica para o ambiente e para a saúde pública dos seres humanos e outras espécies, devido à emissão de gases prejudiciais, estando a ser  utilizada quer oficial quer não oficialmente em todo o país. Solução mais vantajosa será,

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quase certamente, depois de exploradas ao máximo as potencialidades do princípio dos 3 R (adoptando políticas de redução, reutilização e reciclagem), a construção de aterros sanitários. Estes consistem em locais especialmente preparados para o depósito e tratamento prévio dos resíduos, normalmente construídos com recurso a células com cumprimento e largura variável, onde aqueles são descarregados e espalhados em faixas de pequena expessura e, posteriormente, compactados, sendo colocada diariamente terra sobre cada célula. Além do mais, há a referir, em seu abono, o facto de se tratar de uma solução pouco complexa em termos técnicos e com custos relativamente reduzidos413.

5.2.2.2. Poluição das águas interiores “A água é o recurso mais abundante à face da Terra, ocupando 71 % da sua superfície, mas acontece que, para o homem, essa abundância é relativa, já que 97 % da água se encontra nos oceanos e nos mares interiores, e só os restantes 3 % correspondem a água doce”414. Contudo, da percentagem de água doce acima referida, “cerca de 70 % é água que se encontra nos glaciares e calotas polares (cuja exploração, do ponto de vista económico, se não mostra ainda rentável), sendo que, apenas, 0,65 % constituem reserva de recursos hídricos potenciais para o Homem”415. Assim, para além da questão da quantidade de recursos hídricos disponíveis, não descurando o facto de este importante recurso se encontrar distribuído de uma forma  bastante desigual um pouco por todo o Planeta416 417, e estar a ser sujeito a uma exploração cada vez mais intensiva, há que realçar a problemática da qualidade da água, 413 AFONSO, Armando da Silva / ARAGÃO, Maria Alexandra, Apontamentos Alexandra,  Apontamentos sobre  Direito dos Resíduos, Resíduos, Curso de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, ano lectivo 1998/1999, CEDOUA, Coimbra, 1998, p. 76. 414 CONDESSO, Fernando Fernando dos Reis, Reis, Direito  Direito do Ambiente Ambiente,, Almedina – Coimbra, 2001,

 p. 56. 415 415 FO FOLH LHAD ADEL ELA, A, In Inês ês,, o Direi Direito to Pú Públ blic icoo das das Ág Água uass no Ord Orden enam ament entoo Jur Juríd ídic icoo  Português,, sebenta  Português

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 policopiada do CEDOUA, Coimbra, 1999, p. 2. 416 Calcula-se que cerca de 18 por cento da popula população ção mundial não tenha acesso a água  potável, segundo dados anu dados anunci nciados ados na Cimeir Cimeiraa de Joanesbu Joanesburgo rgo sobre sobre Desenvo Desenvolvi lvimen mento to Sustent Sustentável ável,, realizada entre os dias 26 de Agosto e 4 de Setembro. 417 Segundo a revista MoçAmbiente, Moçambique é considerado um dos países com uma das taxas mais  baixas de acesso à água servida pelo Estado ou por privados. “No campo as mulheres  percorrem quilómetros até às fontes de água e carregam-na penosamente de volta às suas habitações.  Nas áreas cada vez mais comprometida pelas inúmeras e complexas formas de poluição. E, quanto a este aspecto, calcula-se que, no presente momento, cerca de 1200 milhões de pessoas  bebam água poluída e que aproximadamente 2500 milhões de pessoas não tenham acess acessoo a sistemas básicos de saneamento418. A poluição das águas interiores traduz-se, assim, na descarga, directa ou indirecta, nas mesmas de substâncias poluentes susceptíveis de alterar as respectivas qualidades,  provocando efeitos nocivos de difícil quantificação e qualificação, isto quer em relação às águas superficiais, quer subterrâneas (que compõem os chamados aquíferos subterrâneos). As principais fontes de poluição das águas interiores são fundamentalmente: a actividade industrial, a actividade agro-pecuária e as diversas actividades domésticas. A indústria é o sector de actividade que mais polui os recursos hídricos, pois a água é aí utilizada como dissolvente ou reagente químico, na lavagem, no arrefecimento e na tinturaria, acabando por se tornar absolutamente imprópria para outros usos. Uma vez finalizada a respectiva utilização, tal água é despejada nas lagoas, lagos, ribeiros, rios e

albufeiras, carregada de substâncias altamente tóxicas, o que conduz inevitavelmente à ocorrência de desequilíbrios ecológicos graves e ao envenenamento das próprias águas subterrâneas.

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A moderna actividade agro-pecuária pressupõe a utilização de fertilizantes químicos e  pesticidas que, para além da degradação degrada ção dos recursos hídricos, quer que r superficiais quer  subterrâneos, provoca a poluição dos solos, conforme vimos anteriormente. Por outro lado, esta actividade é responsável pelo grosso do consumo total de água - cerca de 70 %, mas precisamente, mas com um enorme desperdício. Daí que seja “retirar o máximo  possível de cada gota de água porque, por que, à medida que a população mundial vai crescend crescendoo e  periurbanas onde a água não chega canalizada, compram-na por alto preço a operadores o peradores  privados”. In.  privados”.  In. Revista MoçAmbiente, n.° 44, MICOA, Julho/Setembro, 2002, p. 9. 418 MONTAIGNE, Fen, Á Fen, Á Agua – Um Desafio Desafio,, revista “National Geographic”, Vol. 18, versão portuguesa, Setembro, 2002, p. 67. aumenta a procura de alimento, a irrigação não controlada constitui uma ameaça grave sobre os rios, as zonas húmidas e os lagos”419. As diversas actividades de carácter doméstico conduzem ao despejo de enormes quantidades de substâncias poluentes nos recursos hídricos sem qualquer tipo de tratamento prévio, sendo as consequências, como tal, particularmente graves.  No caso particular do nosso país, a questão do deficiente saneamento nos aglomerados urbanos é bastante preocupante. Segundo a MoçAmbiente, “nas áreas urbanas os sistemas de saneamento e drenagem não funcionam. Mesmo que a água fornecida pela rede seja de  boa qualidade, não o será por muito tempo, pois corre o risco de contaminação pelos esgotos em qualquer ponto do percurso”420. Como resultado de todos estes factores que afectam a possibilidade de a maioria dos cidadãos terem acesso a água em qualidade e quantidade minimamente aceitável, assistimos a um despontar de diversos surtos epidémicos, com particular destaque para a malária e a cólera. A cólera, por exemplo, tornou-se numa doença endémica a partir do

ano de 1982, afectando, essencialmente, as províncias de Cabo Delgado, Maputo e Zambézia. Está associada ao enorme problema da ausência de sistemas eficazes de saneamento nos locais de implantação de pessoas. Além do mais, as latrinas são, muitas

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vezes, erguidas em terrenos impróprios, causando a contaminação das águas subterrâneas contribuindo também para a emergência da cólera e de diarreias. Talvez o exemplo mais próximo de poluição de um curso de água seja o do rio Infulene, que atravessa, na cidade capital, áreas residenciais, industriais e agrícolas, até desaguar na  baía de Maputo. Já foram feitas diversas análises à qualidade das respectivas águas, águas , sendo os resultados bastantes preocupantes. As diversas actividades humanas têm contribuído para que o rio apresente elevados níveis de poluentes diferenciados. Há três grandes causas: (1) falta de saneamento básico; (2) prática de agricultura em moldes 419 Idem, 419  Idem, p.  p. 67. 420 In. 420  In. Revista MoçAmbiente, n.° 44, MICOA, Julho/Setembro, 2002, p. 9.  pouco sustentáveis nas margens do rio; (3) despejo de águas residuais provenientes das diversas industrias instaladas nas respectivas margens. Os riscos para a saúde humana são imensuráveis, principalmente por parte daquelas pessoas que se alimentam de verduras  provenientes do vale do Influlene em estado es tado cru ou que bebam directamente a água do rio421.

5.2.2.3. Poluição marítima Todos os dias são lançados para os mares, voluntária ou involuntariamente, enormes quantidades de resíduos e substâncias que conduzem à poluição das águas marinhas e à contaminação e morte dos seres vivos. Segundo Fernando Condesso, “a poluição dos oceanos repercute-se, com frequência, a grande distância da fonte efectiva de poluição. Calcula-se que cerca de metade de todos os poluentes marítimos são lançados no mar a partir da terra, quer directamente através de descargas, quer através dos rios. Cerca de um terço dos poluentes têm origem at atmo mosfé sféri rica ca e ape apena nass cerca cerca de um quart quartoo pro prové vém m de fonte fontess exist existen ente tess no pr própr óprio io mar”422.

Quanto aos resíduos lançados para o mar a partir da terra, destacamos como causas: a descarga de substâncias nutritivas (fosfatos e nitratos), decorrente da utilização de adubos, conduzindo à proliferação de algas e, consequentemente, à redução do óxigéneo

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e morte das espécies marinhas; o não tratamento das águas residuais; e a descarga de metais pesados como resultado da actividade industrial423. Também as mais diversas actividades de carácter doméstico contribuem para a poluição dos mares. Basta deslocarmo-nos às nossas praias e testemunhar as quantidades 421 Para mais desenvolvimentos sobre o estado da qualidade da água no rio Infulene, veja-se o artigo intitulado Infulene intitulado  Infulene poluído, poluído, publicado na revista MoçAmbiente, n.° 19, MICOA, Maputo, Outubro, 1997,  pp. 17 – 19. Veja-se ainda o filme intitulado  A Poluição Poluição,, da PROMARTE / TVM, Co –   produção para o Minist Min istéri érioo para a Coo Coorden rdenação ação da Acç Acção ão Amb Ambien iental tal,, colecçã colecçãoo ABC do Ambien Ambiente, te, realizado por Chico Carneiro, com base num texto de Felicidade Munguambe, Moçambique, 1999. Ambiente, Almedina, Coimbra, 2001, p. 422 CONDESSO, Fernando dos Reis, Direito Reis,  Direito do Ambiente, 931. 423 Idem 423  Idem,, p. 931. impressionantes de lixo que os respectivos utentes aí depositam ou, então, que as ondas do mar trazem consigo para a costa dos mais longínquos locais. Sobre a poluição directa no alto mar, salientamos, como uma das principais causas, o derrame de petróleo proveniente dos acidentes envolvendo navios petroleiros, causando a destruição em massa dos ecossistemas marinhos e terrestres (nas zonas litorais). A história dos desastres envolvendo este tipo de navios é bastante triste. Os casos mais famosos foram os acidentes envolvendo com os seguintes barcos: Torrey-Canyon, em 1967; Amoco-Cadiz, em 1978; Exxon-Valdez, em 1989; e, mais recentemente, o Prestige, em 2002. Qualquer um destes acidentes provocou estragos no meio ambiente de valor incalculável.

Em Moçambique, muitos de nós ainda retêm na memória o caso do acidente do petroleiro grego “Katina P”, cujo acidente constituíu um aviso sério para a necessidade de reforçar  os sistemas de prevenção ambiental. Mais recentemente, a imprensa noticiou a ocorrência

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de um acidente devido ao rompimento de uma conduta de óleo na terminal de combustíveis da Matola, pertencente à empresa PETROMOC, e que conduziu à formação de uma “maré negra” na baía de Maputo, causando, imediatamente, prejuízos na comunidade de pescadores artesanais, que ficaram vários dias sem pescar, em virtude dos danos provocados nas respectivas redes, para além de se terem queixado da morte de quantidades não determinadas de peixe. Não foram tornados públicos os danos  provocados ao ambiente propriamente dito. De qualquer q ualquer modo, este acidente chama-nos à atenção para a necessidade de reforçar as medidas de segurança contra eventuais acidentes no caso de actividades especialmente perigosas424. Destaque-se que a Assembleia da República ratificou, através da Resolução da Resolução n.° 21/96, de 26 de Novembro, Novembro, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e o Acordo relativo à Implantação da Parte XI da mesma Convenção. O tratamento concedido, neste instrumento de carácter internacional, à prevenção e ressarcimento de danos provocados 424 Veja-se a seguinte sequência de artigos, todos publicados no jornal “Notícias”:  Em avaliação impacto do óleo na baia de Maputo, Maputo, do di diaa 1/ 1/11 11/0 /02; 2;  Pescadores impedidos de pescar – em consequência do derrame do “fuel-óleo”, “fuel-óleo”, do dia 30 30/1 /10/ 0/02; 02; Conduta de combustível rompe no cais da  Matola,, do dia  Matola 30/10/02.  pela poluição das águas do mar é bastante ba stante extenso.

5.2.2.4. Poluição atmosférica O Homem tem vindo a emitir para a atmosfera índices cada vez mais elevados de gases  prejudiciais ao meio ambiente, principalmente devido à actividade industrial, circulação de diferentes meios de transporte e queima de resíduos, provocando diversos fenómenos

de carácter danoso, como são os casos do “efeito de estufa” (que se traduz no aumento da temperatura da Terra, produto da elevada concentração de determinados gases  provenientes das actividades humanas) e da destruição da camada de ozono (que protege

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o planeta contra o risco da radiação ultravioleta, também por efeito de certos gases). A título de curiosidade, segue-se a listagem dos seis principais gases prejudiciais ao ambiente425: - CO2 (dióxido de carbono) – resulta da combustão do carvão, petróleo e gás natural; - CH4 (metano) – proveniente das lixeiras a céu aberto e dos arrozais; - N20 (óxido nitroso), PFC (perfluorcarbonetos) e SF6 (hexafluoreto de enxofre) – resultantes de algumas actividades industriais; - CFC (clorofluorcarbonetos) – presente em alguns sprays e frigoríficos antigos.  Neste capítulo, há que fazer uma referência ref erência ao Protocolo de Quioto, celebrado em 1997, na cidade japonesa de Quioto. Com o Protocolo visou-se essencialmente prosseguir uma redução das emissões de diversos gases prejudiciais ao meio ambiente (sobretudo o dióxido de carbono), por parte dos países industrializados. Segundo este instrumento, os  países desenvolvidos comprometeram-se comprometeram-s e a reduzir, até 2008 – 2012, as emissõ emissões es de gases com efeito de estufa em 5,2 % em relação aos níveis de 1990. 425 Dados retirados retirados de um art artigo igo intitul intitulado ado  Efeito de Estufa - A Armadilha Humana Humana,,  publicado na revista “Visão”, de 24 de Maio de 2001. 232 Para poder entrar em vigor, este tratado precisava de ter sido ratificado por 55 nações, incluíndo os países desenvolvidos, de modo a perfazerem 55 % das emissões de 1990. Porém, os Estados Unidos da América, responsáveis por 25 % das emissões de dióxido de carbono a nível global, é de longe os maiores poluidores do Planeta, decidiram abandonar o Protocolo de Quioto, em Março de 2001, na voz do seu presidente, George W. Bush, por considerarem o mesmo prejudicial aos interesses da economia americana. Até meados do mês de Julho de 2001, apenas 34 países de todo o mundo tinham ratificado o protocolo, sendo que, com excepção da Roménia, todos pertenciam ao grupo

dos países em vias de desenvolvimento426. Em risco de não passar de mera letra morta, dado o abandono da única super-potência mundial, este tratado acabou por ser “salvo” num grande encontro, que contou com a

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 presença de representantes represen tantes de 179 países, destinado a discutir os respectivos r espectivos mecanismos de funcionamento, realizado na cidade alemã de Bona, entre os dias 19 e 27 de Julho de 2001. O sucesso deveu-se, em larga medida, aos esforços realizados pela União Europeia no sentido de convencer os restantes países industrializados a aderir ao Protocolo de Quioto, em especial o Japão, a Rússia e a China. O resultado do encontro foi a concretização de uma solução de carácter compromissório, que, não obstante estar longe das inúmeras metas delineadas por altura da celebração do Protocolo de Quioto, constituíu, sem dúvida, uma grande vitória para a humanidade e uma enorme derrota para os EUA427.  Note-se que os EUA apresentaram, em 2002, um plano alternativo ao Protocolo de Quioto, que, segundo o próprio George Bush, não prejudicaria a economia do seu  país428. 426 Dados retirados do artigo intitulado Futuro intitulado  Futuro do Protocolo de Quioto decide-se até  Domingo,, do jornal  Domingo “Público”, de 19 de Julho de 2001. 427 A reuni reunião ão de Bo Bona, na, intit intitul ulad adaa de Sexta Conferência das Partes da ConvençãoQuadro para as  Alterações Climáticas Climáticas,, não foi mais do que a continuação de um encontro realizado (e suspenso por  unanimidade) em Haia, em Novembro unanimidade) Novembro de 2000, que redundou num enorme fracasso, em virtude de inúmeras divergências insanáveis existentes entre os EUA, por um lado, e a União Europeia, por outro. 428 Veja-se o artigo intitulado Bush intitulado Bush apresenta plano alternativo ao Protocolo de Quioto Quioto,,  publicado no  jornal “Notícias”, de 18 de Abril de 2002.

Ora, a ONU lançou recentemente o alerta de que a emissão de gases susceptíveis de  provocar o efeito estufa deverá dever á aumentar em cerca de 10 % até 2010, ap apesar esar das medidas determinadas pelo Protocolo de Quioto para controlar tais emissões. As causas apontadas

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 prendem-se com as dificuldades de d e implementação que este protocolo tem vindo a enfrentar e à recusa dos EUA em aderir ao mesmo, sendo, como vimos anteriormente, o  principal poluidor do Planeta429 Sobre a poluição atmosférica, salientamos o papel que a imprensa nacional tem vindo a desempenhar nos últimos tempos na denúncia de casos de empresas que poluem o ar,  provocando, principalmente, um mal estar geral junto da população p opulação vizinha. É o caso da fábrica de óleo alimentar Ginwala, sita na baixa de Maputo; da fábrica de cimentos da Matola; da fábrica de bebidas alcoólicas Comercial Portuguesa, na Machava; de uma fábrica de sacos plásticos localizada na Machava e de uma fábrica de castanha de caju, situada em Laulane, na cidade de Maputo430.

5.2.2.5. Poluição sonora O ruído é também considerado uma forma de poluição segundo o direito do ambiente. Este problema, que a imprensa nacional tem dedicado alguma atenção431, atinge 429 Veja-se o art artigo igo intit intitula ulado do Gases de “efeito estufa” voltam a subir , publicado no  jornal Notícias, do dia 14 de Junho de 2003. 430 Vejam-se, respectivamente, os seguintes artigos: Ginwala acusada de poluir baixa da cidade, cidade, publicado no jor jornal nal Savan Savana, a, de 16/05/ 16/05/2003 2003;;  Poluição da Cimentos da Matola – Finalmente, o Governo desperta, desperta,  publicado no jornal “Média Fax” do dia 30/01/2003;  Resíduos de indústria de álcool  causam mal-estar na  Machava,, publicado no Notícias, de 04/09/2002; Produção  Machava 04/09/2002;  Produção de sacos plásticos razão de  ser de poluição ambiental , publicado no jornal Notícias de 28/03/2002; e Fabriqueta e Fabriqueta de castanha de caju apontada como

 poluidora do ambiente, ambiente, publicado no jornal Notícias de 12/02/2002. 431 Veja-se a sequência de artigos, da autoria de Vicente Chiláule, alusivos à poluição sonora, publicados no

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 jornal “Notícias”, dos dias 23/05/2003, 24/05/2003, 25/05/2003 e 29/05/2003. Veja-se também o caso concreto da poluição sonora provocada pelas obras do centro comercial chinês construído na avenida  particularmente os habitantes dos aglomerados urbanos u rbanos (por causa da circulação automóvel intensa e do ruído proveniente de locais de diversão) e os residentes de determinadas áreas industrializadas, aeroportos, portos, vias de comunicação, etc. Investigações científicas levadas a cabo nos últimos anos demonstraram que podem ocorrer no Homem diversas consequências negativas, tanto do foro fisiológico (designadamente, no que toca ao aparelho auditivo, dores, traumatismos auditivos, perda de audição, ocorrência de zumbidos, perturbação do equilíbrio, etc.; e em outros órgãos e funções do corpo, como as funções respiratória, cardíaca e circulatória, provocando fadiga, dores de cabeça, anemias, perda de apetite, etc.) como do foro psíquico (por  exemplo, produção de sentimentos tais como o medo, incómodo geral, perturbações na memória, perdas de concentração, diminuição no rendimento do trabalho, etc.)432. São também conhecidas as implicações do ruído em edifícios e monumentos, ao provocar  nos mesmos danos susceptíveis de assumir repercussões algo nefastas. Em Moçambique, a iniciativa de legislar no domínio do combate à poluição sonora tem, até ao momento, partido essencialmente das autarquias locais, com base nas prerrogativas gerais que são atribuídas por lei433.

5.2.3. A necessidade urgente e crucial de mudarmos o nosso comportamento Vladimir Lenine, na cidade de Maputo. Aconselhamos a leitura dos artigos intitulados  Poluição sonora castiga moradores do “Isolado”, “Isolado”, publicado no jornal “Notícias”, “Notícias”, de 12 de Dezembro Dezembro de 2001, e

 Encontrado antídoto para minimizar poluição sonora sonora,, publicado no mesmo jornal, do dia 4 de Janeiro de 2002.

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432 432 Para mais desen senvolvimentos, veja-s -see GARCÍA ÍA,, Consu sueelo Alonso so,,  La Contaminación Acústica, Acústica, In. Lecciones de Derecho del Medio Ambiente, Editorial Lex Nova, sob a direcção de ORTEGA ÁLVAREZ, Luís, Valladolid, 2000, pp. 309 – 331. 433 A imprensa noticiou, em 2001, a aprovação de uma postura pela Assembleia Municipal de Maputo referente à poluição sonora. Segundo o Jornal “Demos”, tal postura “visa limitar a emissão dos ruídos que  perturbem, de certo modo, o direito que o cidadão tem ao sosseg sossegoo e descanso, afectando a saúde e o seu  bem estar. Serão proibidos os sinais sonoros e todo o tipo de ruídos que perturbam o  público, entre as 21.00 e as 06.00 horas”. Cfr . Artigo intitulado “AM aprova duas posturas”, posturas”, jornal “Demos”, de 20 de Junho de 2001, p. 12. Posto isto, chegamos à conclusão que é necessário inverter de uma vez por todas o actual estado das coisas. Devemos, todos nós, procurar modificar radicalmente a nossa conduta  para com o ambiente e os recursos recurso s naturais, sob risco de caminharmos par paraa a nossa  própria extinção e de todas as demais formas de vida. E um dos caminhos a tomar nesse ness e sentido é precisamente apostarmos na educação e sensibilização ambientais. Há como que uma responsabilidade partilhada na protecção e conservação do nosso Planeta. Isto é, cabe-nos, quer individual quer colectivamente, contribuir para não causar  mais danos à Natureza do que aqueles absolutamente inevitáveis. O egoísmo é, sem margem para dúvidas, inimigo perigoso do ambiente. Para tal, deve-se, obviamente, consolidar a noção do ambiente enquanto bem comum da humanidade, tendo em conta que cada lesão pontual ou individual acaba, na prática, por nos afectar, directa ou

indirectamente, a todos nós. O ideal da acção humana em relação ao meio ambiente é, precisamente, não poluir (o que sabemos ser de todo impossível, sob risco de negarmos a nossa capacidade de

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sobrevivência), ou então, reduzir drasticamente os níveis de poluição, tendo, claro, a consciência da certeza de semelhante opção. Além do mais, há, realmente, que enveredar   por um aproveitamento o mais racional possível dos recursos naturais, e isso pressupõe press upõe a aderência às políticas de reciclagem e reutilização no âmbito das diversas actividades económicas.  Nos termos da PNA, “O esforço e o sucesso s ucesso nacionais de desenvolvimento sustentável  passam por uma educação ambiental de boa qualidade e extensiva a todos os sectores de actividade. Para tal, é urgente a promoção de actividades de informação, formação, consciencialização e sensibilização de todos os cidadãos para o seu maior envolvimento na identificação das causas da degradação do meio ambiente, bem como na busca de soluções dos problemas no interesse do desenvolvimento sustentável434.  Numa entrevista concedida em 2001, o Ministro da Coordenação Coordena ção e Acção Ambiental, Jorge Katchamila, evidenciou a importância da educação ambiental a partir dos bancos da 434 Cfr . Ponto 3.3., da Política Nacional do Ambiente. escola, focando, a título de exemplo, o envolvimento dos alunos e professores em acções concretas, tais como a jardinagem, a limpeza e a plantação de árvores e flores nos espaços pertencentes à escola435.  No seguimento desta ordem de ideias, sublinhamos as palavras de Aniceto dos Muchangos: “para se produzirem mudanças de atitudes e comportamentos humanos a favor da promoção de uma gestão ambiental sustentável, deve ser dada maior prioridade ao desenvolvimento da consciencialização, da educação e da formação ambientais”436. Mas não só, pois, segundo o mesmo, “a educação e consciencialização ambientais devem ser acompanhadas por uma melhoria generalizada do acesso ao conhecimento, que  permita aos cidadãos tomar decisões responsáveis, r esponsáveis, no pleno conhecimento das causas caus as e  possíveis efeitos das suas acções, acçõ es, quer ao nível nacional, quer internacional e em termos do presente e do futuro”437.

Por último, o Programa Quinquenal do Governo para 2000 – 2004 confirma a tendência de investimento na área de educação ambiental, quer formal quer informal, como ponto nuclear na política estatal de protecção ambiental438.

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A título de conclusão, sublinhamos as seguintes palavras: “O esforço para diminuir os níveis de poluição em todo o mundo depende, um pouco, de cada um de nós. E esse esforço começa através de educação e pela limpeza da nossa própria casa, nossa rua, nosso bairro, nossa cidade e nosso país. A limpeza do ambiente em que vivemos é a garantia de as próximas gerações continuarão tendo uma casa limpa para habitação – o  planeta Terra”439. 435 Veja-se o artigo intitulado Micoa intitulado Micoa – 2001 até 2005. Erosão, Orden Ordenamento amento Territorial  e Núcleos  Ambientalistas são Prioridades Prioridades,, revista revista “MoçAmbien “MoçAmbiente”, te”, MICOA, MICOA, Outubro Outubro/Novem /Novembro, bro, Maputo, 2000, p.3. 436 Veja-se Veja-se o art artigo igo de Anicet Anicetoo dos Mucha Muchangos ngos,, intit intitula ulado do Urgência da Educação  Ambiental , publicado no  jornal “Savana”, do dia 13 de Abril de 2001. 200 1.  Idem.. 437 Idem 437 438 Cfr. Ponto 2.7., da Resolução da  Resolução n.° 4/2000, de 22 de Março Março,, que aprova o Programa Quinquenal do Governo para 2000 – 2004. 439 PROMARTE / TVM, Co – produção para o Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental, A Ambiental,  A  Poluição, colecção ABC do Ambiente, realizado por Chico Carneiro, com base num  Poluição, texto de Felicidade Munguambe, Moçambique, 1999.

5.2.4. A proibição de poluir A Lei do Ambiente decreta que: “não é permitida, no território nacional, a produção, o depósito para a água ou para a atmosfera, de quaisquer substâncias tóxicas e poluidoras, assim como a prática de actividades que acelerem a erosão, a desertificação, o

desflorestamento ou qualquer outra forma de degradação do ambiente, fora dos limites legalmente estabelecidos”440. Trata-se de uma proibição genérica de poluir, dado o carácter da Lei do Ambiente como

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lei-quadro. Por conseguinte, tal proibição é concretizada e tratada especificamente na diversa legislação sectorial de teor ambiental vigente e a publicar futuramente no nosso  país, tendo em conta as particularidades de cada cad a sector de actividade e as corresp correspondentes ondentes formas específicas de poluição.  Neste domínio, urge fazer uma alusão ao Decreto ao  Decreto n.° 495/73, de 6 de Outubro, Outubro , que estabeleceu várias medidas de protecção contra a poluição das águas, praias e margens do então Ultramar, numa fase embrionária do direito do ambiente. Segundo o artigo 1.°/1, do diploma citado, “é proibido, salvo licença especial, o lançamento ou o despejo na zona contígua e no mar territorial, nas províncias ultramarinas, bem como nos portos, docas, caideiras, leitos e braços dos rios, navegáveis ou não navegáveis, praias, margens e demais áreas da jurisdição das autoridades marítimas, de quaisquer águas nocivas e substâncias residuais, bem como de quaisquer  outras substâncias ou resíduos que de algum modo possam poluir águas, praias ou margens, tais como produtos petrolíferos ou misturas que os contenham”. Por seu turno, o artigo 2.° determina que “é proibida aos navios nacionais a descarga de óleos persistentes (petróleo bruto, fuclóleo, óleo Diesel pesado e óleos de lubrificação) ou 440 Cfr. Artigo 9.°/1, da Lei do Ambiente. de misturas que os contenham, nas condições constantes nas convenções internacionais que vigoram ou venham a vigorar como direito interno português”.  Note-se que, na falta de diploma revogatório específico, es pecífico, este decreto mantém-se em vigor, até porque a Lei de Águas não foi regulamentada, principalmente na sua parte sancionatória.  Nos termos do artigo 53.°, da Lei de Águas, são consideradas actividades interditas: - Efectuar directa ou indirectamente despejos que contaminem as águas; - Acumular resíduos sólidos, desperdícios ou quaisquer substâncias que contaminem ou criem perigo de contaminação das águas;

- Actuar sobre o meio físico ou biológico afecto à água de modo a degradá-lo ou a criar perigo da sua degradação; - Exercer, nas zonas de protecção estabelecidas nos planos de ordenamento de

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águas, quaisquer actividades que envolvam ou possam envolver perigo de contaminação ou degradação do domínio público hídrico. Já no caso da LFFB, que estabeleceu os princípios e normas básicas sobre a protecção, conservação e utilização sustentáveis dos recursos florestais e faunísticos, foi estabelecida uma proibição especial de poluir as águas existentes nos parques e reservas nacionais441. Destacamos, ainda, a Lei a Lei n.º 3/2001, de 21 de Fevereiro (vulgarmente denominada por  Lei dos Petróleos) que, apesar de não conter, em termos directos e expressos, uma  proibição especial e directa de não poluir no n o decurso de actividades petrolíferas, determina que os titulares dos direitos de pesquisa e produção devem actuar em 441 Cfr . Artigo 11.°/2 d), da LFFB, segundo o qual é estritamente interdito, nos parques nacionais, “provocar a poluição das águas e, dum modo geral, todo o acto que, pela sua natureza,  possa causar   perturbações à flora e à fauna (...)”. Esta disposição é também aplicável às reservas nacionais por força do artigo 12.°/2 do diploma citado. conformidade com a legislação ambiental em vigor no país, com vista a, entre outros objectivos442: - assegurar que não haja danos ou destruições ecológicas causadas pelas operações petrolíferas e que, quando inevitáveis, estejam em conformidade com padrões internacionalmente aceites, devendo para este efeito realizar e submeter às entidades competentes, para aprovação, estudos de impacto ambiental, incluindo medidas de mitigação deste impacto; - controlar o fluxo e evitar a perda ou petróleo descoberto ou produzido na área do contrato;

- evitar a destruição de terrenos, do lençol freático, árvores (...). Além do mais, o titular de direito ao abrigo da Lei dos Petróleos, “deverá actuar na condução de operações petrolíferas de forma segura e efectiva com o fim de garantir que

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seja dado um destino às águas poluídas e ao desperdício de petróleo de acordo com os métodos aprovados, bem como o encerramento seguro de todos os furos e poços antes do seu abandono”443. Temos ainda a Lei a Lei n.° 14/2002, de 26 de Junho (intitulada como Lei de Minas), que, no domínio da protecção ambiental, significou um salto qualitativo em relação à anterior. Este instrumento contém, na sua estrutura orgânica, um capítulo específico dedicado à gestão ambiental da actividade mineira. Realçamos o dever que cabe aos titulares das diferentes licenças sectoriais previstas para a exploração de recursos minerais (designadamente a concessão mineira, o certificado mineiro e a senha mineira) de cumprir com as exigências de protecção, gestão e restauração ambiental, nos termos da legislação em vigor444. Fevereiro . 442 Cfr . Artigo 23.º/1, a), b) e d), da Lei da  Lei n.º 3/2001, de 21 de Fevereiro. 443 Cfr. Artigo 23.º/2, da Lei da  Lei n.º 3/2001, de 21 de Fevereiro. Fevereiro . 444 Cfr . Artigos 15.º/6 h), 18.º/2 d) e 22.º/1 c), da Lei de Minas. Em último lugar, referimos o Regulamento de Sanidade Pecuária, aprovado pelo MADER, através do Diploma do Diploma Ministerial n.º 219/2002, de 5 de Dezembro, Dezembro , o qual decreta ser “proibido manter insepultos por mais de vinte e quatro horas ou lançar em quaisquer  linhas ou coleções de água animais mortos por acidente ou doença, seja lá qual for”445.

5.2.5. Proibição de importação de resíduos ou lixos tóxicos Por outro lado, a Lei do Ambiente determina ser “expressamente proibida a importação  para o território nacional de resíduos ou o u lixos perigosos, salvo o que vier estabelecido em legislação específica”446. Para efeitos deste diploma, “lixos ou resíduos perigosos são substâncias ou objectos que se eliminam, que se tem a intenção de eliminar, ou que se é obrigado por lei a eliminar e que contêm características de risco por serem inflamáveis, explosivos, corrosivos,

tóxicos, infecciosos ou radioactivos, ou por apresentarem qualquer outra característica que constitua perigo para a vida ou saúde do homem e de outros seres vivos e para a qualidade do ambiente”447.

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Trata-se, desde logo, de uma decorrência lógica da ratificação, pela Assembleia da República, das Convenções Internacionais de Basileia448 e de Bamako449. Este preceito tem a sua razão de ser dada a tendência de os chamados países industrializados procurarem libertar-se dos respectivos lixos ou resíduos tóxicos exportando-os para os países em vias de desenvolvimento, mediante o pagamento de quantias avultadas, com consequente prejuízo para o meio ambiente destes últimos, tendo 445 Cfr. Artigo 100.°/ 100.°/1, 1, do Regul Regulamento amento de Sanidade Sanitária Sanitária,, aprovado pelo Diploma pelo  Diploma  Ministerial n.º  219/2002, de 5 de Dezembro. Dezembro. 446 Cfr. Artigo 9.º/2, da Lei do Ambiente. 447 Cfr. Artigo 1.º/23, da Lei do Ambiente. 448 A Convenç Convenção ão de Basileia, relativa relativa ao Controle de Movimentos Movimentos Transfronte Transfronteiriço iriçoss de Resíduos Perigosos e sua Elimi Eliminação nação foi ratificada, pela Assembleia Assembleia da República, República, através da  Resolução n.° 18/96, de 26 de  Novembro..  Novembro 449 A Convenção de Bamako, referente à Interdição da Importação de Lixos Perigosos e ao Controlo da Movimentaçã Movime ntaçãoo Transfro Transfronteiri nteiriça ça desses Lixos em África África,, foi ratificada, ratificada, pela AR, através através da Resolução da Resolução n.° 19/96, de 26 de Novembro. Novembro. em conta a respectiva incapacidade económica e tecnológica de eliminação dos mesmos.

5.2.6. Padrões de qualidade ambiental O artigo 10.°, da Lei do Ambiente vincula o Governo no dever de estabelecer padrões de qualidade ambiental, com vista a promover-se e assegurar-se a utilização sustentável dos

qualidade ambiental, com vista a promover se e assegurar se a utilização sustentável dos recursos naturais. Cabe, ainda, ao Governo decretar normas e prazos para a adequação dos equipamentos de produção e transporte às novas exigências de protecção e conservação do meio ambiente.

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Os padrões de qualidade ambiental “traduzem regras de protecção, num aspecto qualitativo mínimo, preventivo, que vai evoluindo de acordo com o avanço dos conhecimentos científicos e técnicos, visando a medição dos riscos em termos que  permitam o controlo dos objectivos ambientais e a repressão repress ão de comportamentos indimplentes450.  Nos termos da Lei do Ambiente, os padrões de qualidade ambiental “são os níveis admissíveis de concentração de poluentes prescritos por lei para os componentes ambientais com vista a adequá-los a determinado fim”451. Trata-se, sem dúvida, de uma obrigação de carácter fundamental, que tem vindo a ser  implementada um pouco por todo o mundo. Pretende-se, assim, diminuir os índices de  poluição a níveis toleráveis, vinculando-se todos os proponentes de projectos ou actividades a respeitar os padrões de qualidade ambiental legalmente prescritos. Assim, segundo Carlos Medeiros, é possível correr-se um risco calculado, formulando-se  padrões de qualidade do ambiente baseados bas eados nos resultados duma análise de cus custos tos e  benefícios. Os custos da aplicação dos padrões (custos administrativos, aumento dos  preços dos bens de consumo cons umo resultantes dos limites postos à indústria, emprego de mão450 450 CO COND NDES ESSO SO,, Fe Fern rnan ando do do doss Reis Reis,,  Direito do Ambiente Ambiente,, Li Livra vrari riaa Al Alme medi dina na –  Coimbra, 2001, p. 561. 451 Cfr. Artigo 1.º/19, da Lei do Ambiente. de-obra qualificada), comparados com os benefícios daí resultantes (redução de morbidez, melhoria da saúde e da qualidade global do meio), torna possível a escolha dos  padrões mais adoptáveis tendo presente pres ente a situação social, económica e técnica452. Possuindo a Lei do Ambiente o carácter de lei-quadro, cada sector de actividade terá o seu conjunto de padrões de qualidade ambiental, tendo presente os níveis máximos de contaminação toleráveis em relação ao ar, água, solos e ecossistemas naturais. Ora, tais

 padrões deverão ser revistos regularmente, de modo a se manterem ajustados à evolução dos conhecimentos técnico-científicos sobre o impacto das inúmeras actividades humanas sobre o ambiente453.  Neste campo, deve-se ter em conta o estatuído e statuído no artigo 8.°/3, do Regulamento da AIA,

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segundo o qual “até que sejam adoptados padrões específicos nacionais, deverão ser  observados os padrões estabelecidos pelos organismos internacionais e as convenções internacionais ratificadas por Moçambique”.

5.3. A erosão 5.3.1. Conceito e contextualização do problema Outro dos problemas ambientais que assume particular relevo no nosso país é o fenómeno da erosão. Qualquer cidadão minimamente atento em relação aos órgãos de informação apercebe-se, muito rapidamente, do destaque que este mal tem vindo a ganhar, de dia para dia, e do seu impacto junto das populações. Daí o realce que lhe faremos no presente Manual. A Lei do Ambiente define a erosão como “despreendimento da superfície do solo pela acção natural dos ventos ou das águas, que muitas vezes é intensificado por práticas humanas de retirada de vegetação”. Ambiente,, In. 452 MEDEIROS, Carlos Alberto Baptista, Padrões Baptista,  Padrões Técnicos e Direito do Ambiente Textos – Ambiente, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1994, p. 167. 243 Segundo Anselmo Gaspar, “a erosão é definida como sendo o processo de separação/quebra de partículas rochosas relativamente grandes em partículas de solo que são susceptíveis de ser removidas por vento, água ou gelo”454. Assim sendo, podemos dizer que a erosão é um fenómeno natural de carácter geológico que desde sempre tem vindo a afectar os solos um pouco por todo o mundo, mesmo antes do surgimento do primeiro Homem. Os solos, como tal, estão permanentemente sujeitos a  profundas alterações em virtude da acção natural do vento e da água, o que origina a diminuição da espessura do solo produtivo e, consequentemente, a diminuição da fertilidade.

Contudo, poucos sabem que a erosão realiza um papel de extrema importância para o enriquecimento dos solos, pois “é, com efeito, graças a um bom equilíbrio entre a formação do solo, a partir da rocha, e a erosão, que ele não se torna demasiado compacto:  por isso, permanece naturalmente fértil, fé rtil, porque é alimentado com regularidade em

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superfície, por meio das actividades biológicas, a partir de elementos libertados da  profundidade pela alteração das rochas”455. O problema acontece quando a erosão avança mais rapidamente do que a própria formação do solo, traduzindo-se no arrastamento das camadas superficiais pela acção do vento e da água, que deixa de se infiltrar no solo, conduzindo ao seu empobrecimento  progressivo456. Porém, com o crescimento da população mundial e o aumento gigantesco das diversas actividades humanas, este mal tem vindo a assumir dimensões assustadoras. Neste sentido, a erosão está profundamente associada ao fenómeno da desarborização, devido essencialmente a três ordens de factores: primeiro, em virtude do exercício da agricultura 453 Idem 453  Idem,, p. 167. Moçambicana,, boletim informativo 454 GASPA GASPAR, R, Mel Melo, o,  Erosão da Zona Costeira Moçambicana “MoçAmbiente”, n.º 5, Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental, 1996, p. 10. 455 RU RUEL ELLA LAN, N, Al Alai ainn / TARG TARGAL ALIA IAN, N, Vi Vict ctor, or,  Degradação dos Solos Solos,, In. “Terra, Património Comum”, sob direcção de Martine Barrere, Instituto Piaget, Lisboa, 1993, p. 41. 456 Idem 456  Idem,, p. 41.

e pastorícia em moldes não sustentáveis457; depois, pela procura de combustíveis lenhosos e madeira para os mais variados fins; e, por último, como produto das mais diferentes actividades económicas dos tempos modernos: indústria, habitação, turismo, etc. Ora, como bem afirmou um dia Gomes e Sousa, “a floresta exerce acção importantíssima na conservação do solo. Na maior parte dos casos, o revestimento arbóreo de qualquer  espaço de terreno constitui um obstáculo à erosão”458.

A erosão e o desflorestamento constituem, assim, problemas ambientais indissocialvelmente ligados. Após o desaparecimento das florestas nas zonas inclinadas, os solos onde se erguiam tornam-se bastante vulneráveis à chuva e ao vento, por  deixarem de estar protegidos pela copa das árvores ou seguros pelas raízes, sendo

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arrastados em direcção aos cursos de água. Isto provoca muitas vezes o atolamento dos rios, contribuindo para o aumento do risco de inundações ao longo das margens459.

457 Segundo GOMES e SOUSA: “Desde que o homem teve a consciência precisa para obter os seus meios de sustento, no que passou a distinguir-se dos outros animais; desde o dia em que semeou a primeira semente, imitando assim a natureza, iniciou um trabalho de erosão do solo que nunca mais acabou, antes tem prosseguido e variado de intensidade com o andar das civilizações”. Cfr . SOUSA, António de Figuei Fig ueiredo redo Gom Gomes es e,  Aspectos Económicos e Sociais da Sivilcultura Sivilcultura,, Moçambique –  Documentário Trimestral, Imprensa Nacional de Moçambique, Lourenço Marques, Dezembro, 1948, p. 8. 458 GOMES E SOUSA, SOUSA, Antó António nio de Fig Figuei ueiredo redo,,  Aspectos Económicos e Sociais da Sivilcultura,, Sivilcultura Moçambique – Documentário Trimestral, Imprensa Nacional de Moçambique, Lourenço Marques, Dezembro, 1948, pp. 8 e 9. 459 Neste domínio, achamos relevante citar uma passagem de uma obra de Al Gore sobre os efeitos da erosão: “Outro tipo de terreno igualmente igualmente vulnerável vulnerável à degradação degradação encontra-se nas áreas montanhosas dos  países em desenvolvimento. Também aí as populações em crescimento exercem pressão sobre a delicada mas vital cobertura vegetativa, que há milénios protege os solos finos da erosão. A

absorção de água da chuva pela vegetação é especialmente importante nestas áreas porque os escoamentos  podem aumentar 

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rapidamente de velocidade e força se não encontrarem obstáculos nas longas e abrutas encostas, abrindo fundas ravinas e arrastando o frágil solo arável. Como nas áreas áridas, a densidade  populacional nestas zonas marginais tem tendência para ser um pouco mais baixa do que noutras regiões. Contudo, taxas de natal nat alida idade de em asce ascensã nsãoo ex expl plosi osiva va em to todos dos os pa país íses es em de desen senvol volvi vime ment ntoo tê têm m empurrado cada vez mais  pessoas para estas terras menos produtivas, que se tornam, por seu turno, altamente vulneráveis à erosão. Os piores danos ocorrem nos países dos Himalaias, como o Nepal, o Butão, o Tibete e certas áreas da Índia, incluindo o Siquim e Caxemira. Estas terras montanhosas, que se orgulham de possuírem as mais belas  paisagens da Terra, estão a ser destruídas para aplacar por pouco tempo as necessidades de uma única geração. Esta degradação tem efeitos a longo prazo. Os enormes rios que recebem as águas do degelo dos Himalaias estão a encher-se de sedimentos e a perder a sua capacidade de transportar o mesmo volume de água que em tempos transportam facilmente para a baía de Benguela e para o mar da China. Como já não há escoamento suficiente, estas áreas estão agora periodicamente sujeitas a horríveis cheias, como as que há  pouco tempo reclamaram centenas de milhares de vida no Bangladesh ”. Cfr. GORE, Al,  A Terra à procura de equilíbrio – ecologia e espírito humano, humano, Incursões, Editorial Presença, pp. 138-139.

É vital, portanto, planear cuidadosamente o assentamento humano em locais sensíveis ao fenómeno da erosão, sob pena de se estar a contribuir para a aceleração deste. Além do mais, é imperiosa a realização de estudos de impacto ambiental no caso de planos de

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ocupação territorial, como aliás determina o Regulamento da AIA. Sublinhando os ensinamentos de Gomes e Sousa: “A erosão é um fenómeno geológico que não pode evitar-se. É o fenómeno do nivelamento. Não pode evitar-se mas pode regular-se, para que o seu excesso não provoque a ruína do solo e, consequentemente, a miséria das populações”460.

5.3.2. A erosão em Moçambique A erosão não é um problema ambiental desconhecido dos moçambicanos, bem pelo contrário, é-lhes bastante familiar desde que há memória461. Contudo, tem vindo a agudizar-se nos últimos anos, assumindo proporções algo preocupantes. Desde logo porque a guerra civil provocou a fuga em massa das populações do interior   para as diversas cidades e vilas do país, o que se concretizou na ocupação ocu pação arbitrária de todos os espaços livres ou devolutos encontrados, muitos dos quais não indicados para a construção de habitações ou para a prática de outras actividades humanas. É o caso das encostas, dos leitos dos rios ou lagos e da faixa costeira. Bairros inteiros surgiram subitamente nos principais aglomerados populacionais do país, a maior parte dos quais sem ter havido qualquer tipo de estudo prévio sobre o impacto do 460 SOUSA, António de Figueiredo Gomes e, Aspectos e,  Aspectos (...), pp. 9 e 10. 461 Neste domínio, leia-se ainda GOMES SOUSA, que, há algumas décadas, escreveu o seguinte: “Moçambique sofre já do mal da erosão. Por toda a parte, especialmente nas regiões  planálticas e montanhosas, se verificam grandes estragos produzidos por esse fenómeno geológico e  provocados especia espe cialme lmente nte pel pelaa exc excessi essiva va derruba derruba de arvoredo arvoredo.. Entre Entre outras outras regiõe regiões, s, oferecem oferecem exemplos, dos mais

típicos, típic os, de degrada degradação ção do solo, as regiões regiões de Chimoio, Gurué e Mecequece. Mecequece. Importantes Importantes trabalhos de defesa e restauração se tornam já de absoluta necessidade, pois, de contrário, teremos que lamentar a perda, dentro

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de poucos anos, de muito capital e esforço colonizador ali empregados na agricultura”. In. Aspectos In. Aspectos  Económicos e Sociais da Silvicultura (...), p. 14. assentamento humano nas áreas visadas. Não houve, portanto, qualquer tentativa de se  prosseguir um planeamento cuidadoso do território, prevendo, por exemplo, a delimitação de áreas propícias para a habitação, agricultura, serviços vários (entre os quais o comércio) e equipamentos colectivos (escolas, centros de saúde, postos da  polícia, centros de convívio, espaços desportivos, d esportivos, parques e jardins). Assim, “a população considerada urbana, isto é, vivendo nas 12 cidades era de 1,5 milhões de habitantes, ou seja, de 13.2%, contra 86.8% das zonas rurais. Em 1991, os doze centros classificados como cidades, passaram a ter uma população de 2.5 milhões de habitantes. Comparando este valor com cerca de 1.5 milhões de 1980 observa-se um crescimento absoluto de 994 894 milhões de habitantes para um período de 11 anos, o que equivale a uma taxa média de crescimento anual na ordem de 4.5%”462. A pressão humana sobre áreas sensíveis ao fenómeno da erosão traduziu-se na destruição da vegetação aí existente para a prática de agricultura de subsistência, construção de habitações precárias, ou corte de lenha, não tendo havido qualquer cuidado prévio com a questão central do saneamento. Com o final da guerra civil, a maioria da população deslocada não regressou aos respectivos locais de origem. Aliás, a cidade permaneceu, para milhares e milhares de famílias moçambicanas, como local ideal para prosseguir a melhoria, ainda que relativa, das suas vidas. Constitui um polo de atracção indiscutível. O que também se justifica pela falta de infra-estruturas económicas e sociais no mundo rural. Tudo indica que o movimento migratório campo/cidade seja um fenómeno irreversível no nosso país. Assim, “considerando as tendências actuais do crescimento da população urbana, até ao ano 2020 Moçambique poderá atingir cerca de 15 milhões de habitantes

urbanos, isto é, quase metade da população do País nesse ano 463. 462 Cfr. Ponto 2.3.5., da Política de População, aprovada pelo Conselho de Ministros, através da Resolução da Resolução n.º 5/99, de 13 de Abril .

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A inércia nos domínios fundamentais do urbanismo e do ordenamento do território por   parte das entidades competentes tem sido enorme, enor me, e o resultado ressalta à vista. O mesmo se diga em relação à demora das entidades responsáveis em intervir no terreno quando o mal está ainda no início, tardando em dar corpo ao princípio da prevenção, cuja importância no domínio ambiental é, como se sabe, enorme.  No Sul do país, salientamos os exemplos da cidade de Maputo e de Chibuto, na província de Gaza. No caso da capital, vejam-se os gigantescos desabamentos de terra no bairro da Polana Caniço, em Maputo, no decurso das enxurradas de 2000, produto, em parte, da  prática de actividades humanas não indicadas para o local, que potenciaram substancialmente a erosão. Dezenas de casas de habitação foram totalmente destruídas,  bem como o complexo desportivo do Costa do Sol464. So l464. O mesmo sucedeu, em menor  escala, na mesma altura, na zona da barreira da Malanga, também porque famílias de deslocados se fixaram na zona, destruindo o matagal protector, sem que as autoridades municipais as impedissem. São ainda apontadas outras áreas críticas, tais como o eixo Marginal/Pescadores465 e o bairro Luís Cabral466. O município de Chibuto, situado na  província de Gaza, é considerado um u m dos mais problemáticos em matéria de erosão, neste caso, fluvial. O problema acentuou-se principalmente com a chegada ao local de deslocados de guerra, que, após o final do conflito, não regressaram às suas terras de origem, praticando as mais diversas actividades em áreas sensíveis ao fenómeno da erosão, com destaque para a agricultura467. 463 Idem 463  Idem.. 464 O problema do chamado burado da Julius Nyerere teve o seu início no ano de 1998, sem que, na altura se tivessem tomado as medidas adequadas pera conter a erosão. Segundo um programa transmitido na TVM, em 2002, a soluç solução ão passa nos dias que correm por 30 milh milhões ões de dólares, dólares, quando,

em 1998, as obras necessárias foram avaliadas em apenas um milhão de dólares. Cfr. PROMARTE/TVM, Co-produção para a

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Uniã Un iãoo Mu Mund ndia iall para para a Na Natu ture reza za (U (UIC ICN) N) - Cole Colecç cção ão Re Recu curs rsos os e Vi Vida da,, Pa Pain inel el 8 (Desenvolvimento territorial), Programa 19, Tema: Impacto Tema: Impacto Ambiental . 465 Vejam-se os artigos intitulados Orla marítima volta a ser zona perigosa (“Notícias”, do dia 12 de  Novembro de 2002), 2002), Perigo  Perigo à espreita na Marginal (“Notícias”, do dia 15 de Novembro de 2003) e Erosão e Erosão na Marginal: memória descritiva (“Savana”, do dia 21 de Novembro de 2003). 466 Veja-se o artigo intitulado Erosão intitulado Erosão toma conta do “Luís Cabral”, Cabral” , publicado no jornal “Notícias”, do dia 31 de Agosto de 2002. 467 Vejam-se os artigos publicados no jornal “Notícias” intitulados: Urge tomar medidas  para salvar  Chibuto,, do dia 10 de Maio de 2001, e  Erosão: um cancro em Chibuto, Chibuto Chibuto, do dia 28 de Julho de 2003.  Na zona Centro, destacamos, para começar, a cidade da Beira, onde várias casas cas as já ruíram em virtude da acção do mar, sem que tal pudesse ser evitado. Neste caso, a acção humana traduz-se na incapacidade ou inércia das autoridades competentes em prevenirem o fenómeno, criando barreiras artificiais ou naturais susceptíveis de travar a erosão  provocada pelo efeito das ondas do mar. Estamos a falar, por exemplo, na recuperação r ecuperação dos molhes existentes, que se encontram bastante danificados, ou na construção de novos molhes, mais resistentes que os anteriores. Ou então, no despejo de grandes quantidades de areia com vista a substituir aquelas que o mar vai levando consigo. É também necessário avançar para o plantio de vegetação abundante, dado o seu efeito retardador da erosão468. Outro exemplo bastante preocupante é o caso da vila de Changara, capital do distrito com o mesmo nome localizado no Sul da província de Tete, na qual, segundo o

Governo Provincial, o problema da erosão está a atingir níveis assustadores,  principalmente junto às margens do rio Luenha, devido dev ido essencialmente a práticas erradas no uso da terra469.  Na zona Norte, o exemplo mais elucidativo é a cidade de Nacala, Na cala, na província de

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 Nampula, onde a situação também é grave470, tendo piorado, principalmente, devido ao enorme afluxo de pessoas que procuraram nela um abrigo para fugir da guerra, e ainda  por causa do desenvolvimento originado pelo p elo porto de Nacala. Tais populações ocuparam desornadamente todos os espaços que encontraram nas encostas que dão acesso ao mar, destruindo a cobertura vegetal, o que facilitou o arrastamento das areias. Nesta pequena cidade do Norte do país, o município respectivo declarou guerra à erosão. Diversas 468 Sobre a situação preocupante que se vive na Beira em virtude do problema da erosão, veja-se a revista  MoçAmbiente,, n.º 18, Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental, Setembro,  MoçAmbiente 1997, pp. 3 - 15. Veja-se também o artigo intitulado Águas intitulado Águas do Índico ameaçam engolir cidade da Beira Beira,,  publicado no jornal “Notícias”, do dia 20/04/2002. famílias, publicado no 469 Veja-se o artigo intitulado Changara – Erosão desaloja 15 mil famílias,  jornal “Notícias”, do dia 14 de Maio de 2002. Veja-se ainda o artigo com o título  Erosão galopante em Changara,, publicado Changara na revista MoçAmbiente, n.° 38, MICOA, 2000, Outubro/Novembro, 2000, pp. 9 – 13. 470 A imprensa noticiou, em 2001, que o Município de Nacala gasta anualmente entre 4 e 5 biliões de meticais no combate à erosão. Cfr. Jornal “ Notícias”, do dia 23 de Dezembro de 2001. Outros artigos se Nacala,, publicado no jornal sucedera suce deram, m, tais tais com como: o:  Erosão ameaça fazer desaparecer Nacala “Notícias”, de 15 de Nacala-Porto,, publicado no mesmo jornal, de Junhoo de 2002 Junh 2002;; e  Erosão ameaça engolir Nacala-Porto 14 de Junho de

2003. técnicas foram utilizadas, sendo de destacar o uso de gabiões471 para suster as terras, o

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 plantio de capim vetiver 472 472 para o mesmo objectivo e a construção de barreiras para travar  a força da água nas zonas em declive473. Terminando, referimos que a erosão dos solos foi considerada como problema ambiental número um em Moçambique, no Conselho Coordenador do Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental, realizado entre os dias 31 de Julho e 5 de Agosto do ano 2000474.

5.3.3. O combate à erosão na Política Nacional do Ambiente A PNA refere-se à questão da erosão, no capítulo das estratégias e prioridades de acção, em dois momentos distintos: quando se debruça na gestão costeira e marinha e no que concerne à gestão do ambiente urbano.

5.3.3.1. Gestão costeira e marinha  Neste domínio, a política parte do princípio que a zona costeira e marinha, detentora de uma enorme potencial sócio-económico, está actualmente “sobre forte pressão demográfica por várias razões, quer de carácter económico e social como históricas”475. 471 Gabiões são redes metálicas construídas em forma de cesto, as quais são enchidas de  pedras, de modo a que, em caso de chuva, a areia seja retida, deixando passar a água. São normalmente colocadas nos lugares fortemente sujeitos a erosão, sendo os resultados bastante positivos. 472 O capim vetiver foi recomendado como importante barreira vegetal contra a erosão num estudo  publicado pelo Banco Mundial em 1987. Diversos países aderiram com sucesso à utilização do mesmo. Foi introduzido pela primeira vez no nosso país em 1996. Trata-se de uma espécie de capim alta, densa e

volumosa. É uma planta excelente para a conservação da humidade e retenção do solo que é arrastado pela água das chuvas. Além do mais, saliente-se o facto de ser uma técnica bastante barata, quando comparada,

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 por exemplo, com a utilização de gabiões. Cfr.  Erosão dos solos – o mal e o remédio remédio,, Revista MoçAmbiente, n.° 32, MICOA, Agosto/Setembro, 1999, pp. 32 – 37. 473 Para mais desenvolvimentos, leia-se a entrevista concedida pelo presidente do Concelho Municipal à MoçAmbiente, n.° 34, no artigo Nacala artigo Nacala e a luta contra con tra a erosão erosão,, Dezembro 1999/Janeiro 2000, pp. 52 –  57. Veja-se também o n.° 29, da mesma revista, Nacala: revista,  Nacala: “Era uma vez um porto...” porto...”,, Fevereiro/Março, 1999, pp. 29 – 32. 474 Veja-se a revista MoçAmbiente, n.° 38, Outubro/Novembro, 2000, pp. 3 a 13. 475 Cfr. Ponto 3.6., da Política Nacional do Ambiente. Já referindo-se especificamente às estratégias de protecção costeira e marinha, afirma que “embora a questão da erosão e da poluição não pareçam ainda um problema geral e muito alarmante na costa moçambicana, torna-se urgente capacitar os sectores ligados aos  problemas ambientais da faixa costeira e marinha para par a introduzir medidas de protecção costeira e marinha”476. Como estratégias, a Política define as seguintes: - definição de uma política de desenvolvimento costeiro, considerando os aspectos específicos desta zona frágil, mas economicamente muito importante; - basear o desenvolvimento costeiro na coordenação inter-institucional; - definir as responsabilidades das diferentes instituições envolvidas na gestão costeira e marinha; - promover a elaboração de uma legislação adequada para a área de gestão

costeira e marinha; - promover a execução de estudos de avaliação de impacto, com prioridade para  projectos susceptíveis de criar danos ambientais; - fomentar a investigação na área, com vista a resolver e/ou minimizar os

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actuais problemas. Já no que toca às actividades imediatas a levar a cabo, a Política define especificamente  para o domínio do combate à erosão; - promover mecanismos de coordenação inter-sectorial na gestão corrente; - diligenciar a realização de estudos e levantamentos da situação actual da erosão costeira, com vista a identificar medidas apropriadas para o combate à erosão; 476 Cfr. Ponto 3.6.3., da PNA. - fomentar a execução de estudos para identificar zonas com elevado risco de erosão. Em relação às actividades a realizar a médio e longo prazo, destacamos as seguintes: - promover trabalhos de protecção da costa e, consequentemente, garantir a  preservação da mesma, a longo prazo; - submeter todos os projectos de desenvolvimento na costa e no mar a um estudo rigoroso de impacto ambiental, antes da sua execução.

5.3.3.2. Gestão do ambiente urbano  Neste domínio, a Política parte do pressuposto que “devido à fraca capacidade humana, material e financeira das instituições responsáveis pela gestão urbana, em especial os governos locais, a gestão do ambiente urbano torna-se ainda mais difícil devido à sua complexidade e, por conseguinte, a sua degradação nas actuais condições é praticamente inevitável. Por outro lado, e apesar de se reconhecer o papel dos cidadãos na resolução de uma parte destes problemas, o seu envolvimento tem sido praticamente reduzido”477.  No que concerne ao programa progr ama de combate à erosão e ao desflorestamento, desf lorestamento, a PNA defendeu que “estancar a erosão do solo nas cidades moçambicanas, numa primeira fase,

 para em seguida desenvolver acções de prevenção da mesma depende, d epende, entre outros, da combinação de sistemas de drenagem eficientes e de uma política de assentamento  populacionais em locais adequados”478. Como estratégias de combate à erosão e ao desflorestamento (realçando-se, assim, a forte

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ligação existente entre um e outro problema), a Política estabeleceu as seguintes: 477 Cfr. Ponto 3.7., da PNA. 478 Cfr. Ponto 3.7.3., da PNA. - capacitar os concelhos municipais das áreas de combate à erosão,  principalmente, no que concerne à aplicação de tecnologias apropriadas, à  participação comunitária e ao uso de recursos recur sos locais; - recuperar os viveiros municipais de modo a produzirem as plantas necessárias  para os programas de arborização ar borização dos conselhos municipais; - proceder ao zonamento ecológico, definindo zonas de reflorestamento e de  protecção das cidades; - definir uma política de energia urbana que promova o uso de recursos renováveis e reduza o consumo de energia fóssil e biomassa. Como actividade imediata, destacamos o desenvolvimento de programas de educação comunitária sobre a importância da árvore para o ambiente local e o seu benefício para a economia do sector familiar.

5.3.4. Protecção legal contra a erosão 5.3.4.1. As zonas de protecção Um dos instrumentos legais contra o fenómeno da erosão resulta da criação das chamadas “zonas de protecção parcial” pela Lei da Terra (LT), as quais constituem domínio  público479.  Nos termos do artigo 8.º, deste diploma, consideram-se consideram- se zonas de protecção parcial, par cial, entre outras: - a faixa da orla marítima e no contorno de ilhas, baías e estuários, medida da linha das máximas preia-mar até 100 metros para o interior do território; - a faixa de terreno até 100 metros confinante com as nascentes de água;

- a faixa de terreno no contorno de barragem e albufeiras até 250 metros. 479 Cfr. Artigos 6.º e 8.º, da LT.

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Para além destas zonas, há a acrescentar uma outra zona prevista no Regulamento da Lei de Terra, designadamente “a faixa de terreno que orla as águas fluviais e lacustres navegáveis até 50 metros medidos a partir da linha máxima de tais águas”480. Sendo assim, é criada por lei uma área de segurança junto às linhas de água, prevenindo-se  precisamente o fenómeno da erosão eros ão agravado pela acção humana, materializada na realização de actividades susceptíveis de destruir, por exemplo, a vegetação existente, que constitui barreira natural a tal dano no meio ambiente. Segundo o artigo 9.°, da Lei da Terra, nestas zonas de protecção não podem ser  adquiridos direitos de uso e aproveitamento da terra, podendo apenas ser emitidas licenças especiais para o exercício de actividades determinadas481. O Legislador não definiu ainda quais as actividades susceptíveis de emissão de licença especial, e muito menos quem terá competência para o efeito, dando azo a uma ampla margem de discricionaridade por parte dos órgãos da Administração Pública com competência no campo da atribuição do direito de uso e aproveitamento da terra482. A realidade encontra-se repleta de casos em que, por exemplo, os conselhos municipais, à custa de uma interpretação pouco cuidada deste artigo, emitem licenças especiais para a instalação de empreendimentos turísticos bem junto à praia, em plenas zonas de  protecção parcial, conseguindo, assim, contornar o propósito do Legislador aquando da criação de tal regime de protecção. Somos do entendimento que, em face do silêncio legal, caberá aos magistrados,  principalmente do MP, uma especial atenção ao tipo de autorizações e licenciamentos em curso nos órgãos da AP. Há que ter presente, em primeiro lugar, se foi ou não observada a Lei do Ambiente e o Regulamento da AIA. Posto isto, deverá proceder-se a uma análise quanto ao tipo de empreendimento ou actividade proposta, pois, um projecto turístico que 480 480 Cfr. Cfr. Ar Arti tigo goss 6. 6.ºº a) a),, do  Decreto n.º 66/98, de 8 de Dezembro (que aprova o Regulamento da Lei de Terra).

481 Cfr. Artigo 9.º, da LT. implique a utilização de materiais de construção de carácter perdurável, como o betão

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armado, em pleno litoral, é simplesmente condenável e contrário ao espírito da legislação ambiental.

5.3.4.2. Autorização das administrações regionais de águas para determinadas actividades A Lei de Águas condicionou a execução de trabalhos, instalação de equipamentos ou desenvolvimento de quaisquer actividades susceptíveis de alterar a existência, o caudal ou reservas de fontes, lagos, lagoas ou cursos de água, que venham a ter lugar em terrenos inclinados ou onde se previna o combate à erosão, à emissão de uma autorização  passada pelas administrações regionais r egionais de águas 483. Assim, a Administração Pública exerce um controle preventivo sobre determinado tipo de actividades humanas que tenham ou possam vir a ter, de algum modo, um papel no surgimento ou agravamento do fenómeno da erosão.  Note-se que, “a autorização só será s erá concedida depois de ouvidas as entidades interessadas, designadamente as que superintendem nas actividades agrícolas e florestais, no ordenamento do território e nos recursos naturais”484.

5.3.4.3. A obrigação de saneamento O saneamento, como vimos anteriormente, é um dos grandes problemas das nossas cidades e vilas. Ele não está a ser feito na maior parte das vezes, pelo menos de uma forma sistemática e organizada, não acompanhando as actividades de ocupação territorial e de construção, quer precária quer definitiva. 482 Os órgãos com compet competência ência para a atribu atribuição ição do direito de uso e aproveitamento aproveitamento da terra encontram-se enumerados nos artigos 22.° e 23.° da LT. 483 Cfr. Artigo 58.º/1, da Lei de Águas.

484 Cfr. Artigo 58.º/2, da Lei de Águas. Acontece que, à luz da legislação nacional, existe uma obrigação de saneamento, formulada nos seguintes termos: “os proprietários de edifícios existentes ou a construir 

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em talhões servidos por colector público de esgotos domésticos são obrigados a ligar as suas instalações sanitárias aos referidos colectores e a assegurar, por esse processo, o escoamento das águas pluviais que não possam ser infiltradas sem inconvenientes”485.  No caso de o talhão não ser servido s ervido por colector público e não se fizer a sua utilização, os  proprietários das edificações existentes ou a construir deverão assegur assegurar ar que os esgotos domésticos sejam conduzidos para instalações de tratamento486. Julgamos que, neste domínio, muito está por fazer, principalmente no que toca ao respeito pela lei. Cabe aos municípios o papel fundamental em matéria de saneamento que estes não estão a assumir. As consequências de tal passividade para a saúde pública, qualidade de vida e ambiente são, por demais, evidentes.

5.3.4.4. Proibição de implantar infra-estruturas em zonas ameaçadas de erosão Outra forma de protecção legal contra a erosão consiste na proibição, estabelecida na Lei do Ambiente, de “implantação de infra-estruturas habitacionais ou para outro fim que,  pela sua dimensão, natureza ou localização, provoquem um impacto negativo significativo sobre o ambiente”487. O Legislador enumerou de uma forma não exaustiva algumas zonas relativamente às quais vigora a proibição em causa, nomeadamente: a zona costeira, as zonas ameaçadas de erosão, as zonas húmidas, as áreas de protecção ambiental, e outras zonas ecologicamente sensíveis488. 485 Cfr. Artigo 60.º/1, da Lei de Águas. 486 Cfr. Artigo 60.º/2, da Lei de Águas. 487 Cfr. Artigo 14.º/1, da Lei do Ambiente. 488 Cfr. Artigo 14.º/2, da Lei do Ambiente. Por último, a Lei do Ambiente previu o estabelecimento por regulamento das normas  para a implantação de infra-estruturas nas áreas acima definidas, o que, até ao momento,

ainda não aconteceu489.

5.2.4.5. A obrigação de sujeição a E.I.A O Regulamento da Avaliação do Impacto Ambiental fixou em anexo, como já vimos,

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uma lista de actividades que carecem obrigatoriamente de estudo de impacto ambiental (EIA)490. Entre as actividades constantes no anexo, podemos encontrar precisamente os “planos, programas e projectos que possam afectar, directa ou indirectamente, áreas sens sensív ívei eis” s”,, tais tais co como mo as “z “zon onas as de er eros osão ão em emin inen ente te,, in incl clus usiv ivee du duna nass da or orla la marítima”491. Sendo assim, qualquer projecto de actividade que se pretende executar numa área sensível ao fenómeno de erosão deve ser prévia e obrigatoriamente submetido a um Estudo de Impacto Ambiental (EIA), no decurso do processo de A.I.A, com vista à emissão da necessária licença ambiental. Caso se venha a confirmar a inviabilidade ambiental da actividade proposta, cabe ao MICOA a rejeição da emissão daquela licença. Ora bem, nem sempre tal procedimento é respeitado no nosso país. Há casos em que,  principalmente no sector do turismo, é emitida a licença sectorial de uma actividade numa zona de erosão eminente, sem que tenha havido observância do Regulamento da Avaliação de Impacto Ambiental. Aliás, tecemos sérias reservas em relação a uma série de projectos de turismo licenciados, muitos dos quais já em actividade, que abundam nas dunas das praias de Norte a Sul do nosso país. Terá havido entrada do processo no MICOA para emissão de licença ambiental? Terá havido a realização de um Estudo de Impacto Ambiental? Em caso afirmativo, o processo de AIA foi transparente? Decidiu, no final, o MICOA em favor do ambiente? Estas e muitas outras questões estão por  responder. 489 Cfr. Artigo 14.º/3, da Lei do Ambiente. 490 Cfr. Artigo 2.º/2, do Regulamento da AIA. 491 Veja-se a alínea f) do n.º 21, do Anexo do Regulamento da AIA. À Procuradoria Geral da República, enquanto guardiã da legalidade, exige-se um papel muito mais activo e preponderante do que tem vindo a desempenhar, na fiscalização da

observância da legislação ambiental para pôr cobro à ocorrência de eventuais violações.

5..3.4.6. Plantações florestais para fins de conservação É facto assente que uma das formas mais eficazes de se combater a erosão consiste no

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 plantio de vegetação nas zonas afectadas afectada s ou sensíveis à ocorrência do ffenómeno. enómeno. O nosso Legislador teve tal preocupação em conta pois determinou que “o Estado  promove a recuperação de áreas degradadas através das plantações florestais,  preferencialmente, nas dunas, bacias bac ias hidrográficas e nos ecossistemas ecoss istemas frágeis”492. É importante referir que, quando existe intenção dolosa em provocar a degradação, incorre o infractor na obrigação de efectuar a recuperação da área degradada, independentemente de eventual responsabilidade civil ou criminal493.

5.3.5. O urbanismo e o ordenamento do território como políticas e instrumentos fundamentais de prevenção e combate ao fenómeno da erosão 5.3.5.1. Problemática, conceitos e finalidades A relação entre o Homem e o território nem sempre foi pacífica, constituindo fonte de conflitos da mais diversa natureza e de problemas de carácter económico, social, ambiental e cultural. O espaço territorial representa, para todos nós, uma condição essencial à própria existência e subsistência. Daí que se torne imperioso proceder à racionalização da gestão que fazemos do território, de modo a compatibilizar e harmonizar as diferentes necessidades que sobre aquele incidem, designadamente: habitação, serviços, comércio, indústria, lazer, protecção da natureza, etc. 492 Cfr. Artigo 27.°/1, da LFFB. 493 Cfr. Artigo 27.°/2, da LFBB. Veja-se que “a ocupação e a exploração desregada do solo pode conduzir, e está conduzindo, à perda do potencial produtivo, do património biológico e à criação de  processos generalizados de d e degradação ambiental muitas vezes irreversíveis”494.

O urbanismo e o ordenamento do território constituem, assim, ciências que se dedicam à investigação, gestão, desenvolvimento e ordenamento do espaço territorial. O urbanismo e o ordenamento do território prosseguem, em termos genéricos, a mesma finalidade: a organização das diferentes actividades humanas no território.

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E é precisamente no relacionamento entre Homem, espaço e recursos naturais que reside um dos maiores problemas das sociedades modernas. Por diversas razões, como temos vindo a analisar, tal relacionamento necessita de ser profundamente equacionado. O agravamento do fenómeno da erosão é produto do resultado da ocupação que os homens fazem do espaço físico sem qualquer esforço prévio de planeamento territorial. Assim, hoje, mais do que nunca, devemos enaltecer e incrementar na prática as noções de urbanismo e de ordenamento do território, de modo a reconciliar os três pilares que, neste domínio, se erguem: Homem, o espaço e os recursos naturais. A gestão do território foi intensamente abordada na Conferência de Estocolmo, tendo a Declaração aí assinada determinado que “o planeamento racional (instrumento fundamental do urbanismo e do ordenamento do território) constitui ferramenta básica  para conciliar os imperativos do desenvolvimento desenv olvimento com a necessidade de preservar e melhorar o ambiente”495. Por outro lado, “o planeamento dos aglomerados humanos e da urbanização deve ser feito de modo a evitar efeitos adversos no ambiente e conseguir os máximos benefícios sociais, económicos e ambientais para todos (...)”496. 494 FORJAZ, José, Entre José, Entre o Adobe e o Aço Inox – IIdeias deias e Pr Projectos ojectos,, Editorial Caminho, Lisboa, 1999, p. 164. 495 Cfr. Princípio XIV, da Declaração de Estocolmo. 496 Cfr. Princípio XV, da Declaração de Estocolmo. O Ministro para a Coordenação da Acção Ambiental disse um dia o seguinte: “Há muitas e diferentes causas para a erosão. Para mim a causa principal é a falta de planeamento das nossas zonas urbanas. No passado, havia restrições das autoridades que as pessoas acatavam, havia planos que eram respeitados. Tomemos como exemplo a cidade de Maputo que teve planos deixados (pelas autoridades coloniais) aqui, mas que ninguém

respeitou. Não houve o esforço de dizer às pessoas, aqui não se constrói porque é  perigoso”497. Posto isto, devemos ter presente que os conceitos de urbanismo e ordenamento do território se confundem, por vezes, na linguagem corrente, principalmente porque

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assentam numa finalidade genérica comum: a gestão do espaço territorial. Contudo, conforme veremos em seguida, constituem noções distintas. Tendo como base os ensinamentos de Diogo Freitas do Amaral, entendemos o ordenamento do território como a “acção desenvolvida pela Administração Pública no sentido de assegurar, no quadro geográfico de um certo país, a melhor estrutura das implantações humanas em função dos recursos naturais e das exigências económicas, com vista ao desenvolvimento harmónico das diferentes regiões que a compõem”498 499. Ainda segundo aquele ilustre professor, o urbanismo traduz-se na “política sectorial que define os objectivos e os meios de intervenção da Administração Pública no ordenamento racional das cidades”500. Pelo que constatamos tratar o urbanismo de questões que se levantam no ordenamento do território, com a diferença de o fazer ao nível da cidade e não do território nacional globalmente considerado. Assim sendo, o urbanismo integra-se na própria política de ordenamento do território; constitui a realização das finalidades do ordenamento no 497 Veja-se artigo MICOA artigo MICOA 2001 até 2005 – Erosão, ordenamento e nnúcleos úcleos ambientais  são prioridades, revista MoçAmbiente, n.° 38, MICOA, Outubro/Novembro, 2000, pp. 3 – 8. 498 AMARAL, Diogo Freitas do, O Ordenamento do Território, Urbanismo e Ambiente: Objecto,  Autonomia e Distinções Distinções,, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 1, Junho, 1994, p. 14. 499 António Lopes de Brito entende o ordenamento do território como “um processo dinâmico, contínuo, flexível e participado que procura encontrar o justo equilíbrio entre o homem, o solo e os recursos naturais.

É, pois, uma actividade globalizante e pluridisciplinar que procura organizar os espaços através de uma correctaa gestão das interacçõ correct interacções es homem homem-ambien -ambiente”. te”. Cfr. BRITO, António Lopes de,  A  Protecção do

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 Ambiente e os Panos Regionais de Ordenamento do Território Território,, Almedina – Coimbra, 1997, p. 137. 500 AMARAL, Diogo Freitas do, O Ordenamento do Território (...), p. 17. âmbito dos aglomerados urbanos. Sublinhamos, assim, Fernando Condesso, ao afirmar  que “Se nem todo o ordenamento do território é urbanismo em sentido estrito, porque nem todo se reporta à urbe, todo o urbanismo é ou ordenamento ou tende a pressupor  ordenamento”501. São atribuídas ao ordenamento do território diversas finalidades, sendo de destacar502: - Estabelecimento de uma repartição geográfica mais racional das actividades económicas; - Restabelecimento dos equilíbrios desfeitos entre a capital e a província, entre o litoral e o interior, entre regiões desenvolvidas e regiões subdesenvolvidas ou em vias de desenvolvimento; - Descentralização geográfica da localização dos serviços públicos e das indústrias; - Preservação das orlas marítimas, dos solos agrícolas e das zonas florestais; - Criação de novas cidades ou de pólos de crescimento industrial e urbano (metrópoles de equilíbrio); - Travagem da expansão desmesurada das grandes cidades, e resolução dos  problemas de articulação entre estas e os respectivos núcleos suburbanos por  elas satelizados. São finalidades do urbanismo: - ordenamento racional da cidade, designadamente fixando áreas destinadas a habitação, comércio, indústria, equipamentos colectivos (administrativos, culturais, desportivos, escolares, de saúde, parques e jardins, de segurança social, cemitérios, de protecção civil e segurança pública), vias de

comunicação, etc.; - promoção da qualidade de vida e ambiente urbano;

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501 CONDESSO, Fernando Fernando dos Reis, Reis, Direito  Direito do Ambiente Ambiente,, Almedina – Coimbra, 2001,  p. 143. 502 AMARAL, Diogo Freitas do, O Ordenamento do Território (...), pp. 13 e 14. - estabelecimento de normas de construção, segurança, salubridade, estética dos edifícios urbanos; - estabelecimento de normas de utilização do solo urbano, tendo presente a enorme pressão normalmente exercida sobre este.

5.3.5.2. O plano como instrumento fundamental do urbanismo e ordenamento do território e de combate à erosão Após termos falado dos conceitos de urbanismo e de ordenamento do território, não  poderíamos deixar de referir, ainda que sumariamente, à importância dos planos como instrumentos fundamentais de gestão racional do espaço territórial e, em consequência, de prevenção e combate ao fenómeno da erosão. Ora, para o efeito, começaríamos por aludir à noção de planeamento, em contraposição com a de plano. A actividade de planeamento consiste “num conjunto de acções  programadas no tempo em que, identificados os problemas regionais, se procur procuraa dar-lhes solução no quadro das políticas e dos planos a elaborar para o conjunto do país. (...) Pressupõe a existência de objectivo (s) que se pretendem atingir e a existência de um agente de poder com meios para a realização de estudos e desenvolvimento de acções. Procura necessariamente uma compatibilização dos reflexos que as diversas e por vezes  bem desencontradas actividades económico-sociais económico- sociais e políticas têm sobre as condições da vida humana, exercida em comunidade”503. Por outro lado, “os planos são como que um quadro disciplinador das iniciativas públicas e privadas. Através da consulta das suas peças cartografadas é possível extrair conclusões quanto à delimitação topográfica das suas áreas, dado serem peças feitas de forma a que

se consiga determinar o tipo de usos consentido, recomendado ou promovido para cada uma das zonas delimitadas”504.

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503 BRITO, António José dos Santos Lopes de, A de,  A Protecção do Ambiente e os Planos  Regionais de Ordenamento do Território, Território, Almedina – Coimbra, 1997, p 126. O plano na sua variante urbanística constitui a “base necessária e fundamental de toda a ordenação urbanística, antecipando, no tempo, a fisionomia do que será um dado espaço territorial. Ele é um instrumento normativo, que enquadra a localização dos centros residenciais e de produção, a divisão do solo em urbano, urbanizável e não urbanizável, o estabelecimento de zonas para utilizações distintas e a fixação das condições concretas de edificação, interdições ou limitações ao uso do solo privado, a formulação dos traçados de vias de comunicação, zonas verdes, espaços livres, a localização de serviços de interesse público, etc.”505. O plano pressupõe a definição, em termos estruturais, de objectivos, meios, condutas ou actividades e o prazo para o seu cumprimento506. Assim sendo, concluímos que os conceitos de planeamento e plano não são propriamente sinónimos. Bem pelo contrário, assumem significados diferentes: “planificação ou  planeamento é uma actividade que tem como fim a emanação de um plano, ao passo que este é o produto da referida actividade. O vocábulo planificação expressa, assim, uma ideia de acção, de processo, enquanto o plano é algo que concretiza, que espelha o resultado do processo de planificação ou de planeamento”507. Convém ter presente que o planeamento, enquanto processo contínuo e sistemático que se se traduzirá na elaboração de um plano, é constituído por um conjunto de fases fundamentais a saber508: - Formulação de objectivos; - Inventariação da realidade existente; - Análise e diagnóstico; - Geração e avaliação de alternativas;

- Decisão; 504 Idem 504  Idem,, p. 126.

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505 CONDESSO, Fernando Fernando dos Reis, Reis, Direito  Direito do Ambiente Ambiente,, Almedina – Coimbra, 2001,  p. 144. 506 RODRÍGUE RODRÍGUEZ, Z, Andrés Andrés Betancor Betancor,,  Instituciones de Derecho Ambiental , La Ley, Madrid, 2001, p. 855. 507 CO CORR RREI EIA, A, Fer Ferna nando ndo Al Alves ves,,  Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade Igualdade,, Colecção Teses, Almedina  – Coimbra, 1997, p. 168. - Monitorização; - Revisão. Sobre o tipo de planos actualmente em vigor em Moçambique, encontramos apenas a sua  previsão legal na Lei na Lei n.° 11/97, de 31 de Maio, Maio, que definiu o regime jurídico-legal das finanças e do património das Autarquias.  Nos termos do artigo 24.°/2, do diploma citado, “Compete às autarquias autarqu ias locais a elaboração e aprovação dos planos de desenvolvimento da autarquia local, planos de ordenamento do território ou dos planos de estrutura, gerais e parciais de urbanização e dos planos de pormenor”. Deduz-se da leitura do número 4 do mesmo artigo, cuja redacção encontra-se elaborada em termos pouco claros, que a aprovação de tais planos carece de ratificação do Governo, sendo aquele acto publicado no Boletim da República. Os planos possuem disposições de carácter normativo, a par de aspectos de outra natureza, destinadas a regulamentar relações jurídicas. Assim sendo, têm valor de lei. Ora  bem, a prática mostra-nos que, não raras r aras vezes, tais planos, quando devidamente de vidamente elaborados, aprovados e ratificados, são constantemente ignorados pelas autoridades a quem caberia zelar pela sua execução509. Basta pensarmos, por exemplo, numa operação de loteamento aprovada pelo executivo de um município para determinada área, sendo

508 PA PART RTID IDÁR ÁRIO, IO, Ma Mari riaa do Rosá Rosári rio, o,  Introdução ao Ordenamento do Território Território,, Universidade Aberta, Lisboa, 1999, pp. 63 - 73.

260

 

509 Veja-se o artigo “Corrupç “Corrupção ão nos munic municípios ípios comprom compromete ete urbaniz urbanização” ação”,, publicado no jornal “Notícias”, de 7 de Janeiro de 2002, segundo o qual: “As iniciativas de expansão das cidades pela via da concepção de novos e moderno modernoss bairros residenc residenciais, iais, arriscam arriscam-se -se a perder fiabilidade fiabilidade devido à falta de acompanhamento  prático dos planos de urbanização, aprovados pelos Conselhos Municipais. Na maioria dos casos, depois de reservadas áreas para infra-estruturas sociais como escolas, hospitais, lugares de lazer,  postos policiais e até vias de acesso, tais espaços são posteriormente parcelados e vendidos ilicitamente, em operações que, em regra geral, envolve envolvem m funcio funcionários nários dos Conselhos Conselhos Munic Municipais ipais encarregues de velar pela implementação dos  planos de urbanização (...)”. que, no plano de estrutura vigente, a mesma área estava destinada à protecção ambiental510.  Neste caso específico, a Procuradoria Procur adoria Geral da República pode e deve actuar para p ara repor a legalidade, tendo presente as suas funções gerais de “zelar pela observância da legalidade” e “fiscalizar o cumprimento das leis e demais normas legais”511. Uma das formas será precisamente a interposição de recurso contencioso de anulação da autorização de loteamento, enquanto acto administrativo, junto do Tribunal Administrativo512. Contudo, de modo a acautelar eventuais danos sérios e irreversíveis,  pode o Ministério Público recorrer-se de um meio processual acessório – a suspensão sus pensão de eficácia de actos administrativos513.  Note-se que os planos são elaborados elabor ados em colaboração com as autoridades competentes da Administração central514.

5.3.5.3. O urbanismo e o ordenamento do território enquanto políticas governamentais Em termos de vontade política, julgamos ter havido finalmente um despertar, ainda que

261

 

tardio, para a problemática da importância do planeamento enquanto factor preventivo da erosão. Nesse sentido, o Programa Quinquenal do Governo, definiu para a área do  planeamento e uso da terra, entre outros, outros , os seguintes objectivos515: 510 Note-se que é da competência dos órgãos executivos da autarquia a aprovação das operações de loteamento, independentemente da sua localização e dimensão, desde que se mostrem em conformidade com o plano de desenvolvimento da autarquia ou com o plano geral de estrutura vigente. Cfr. Artigo 27.°/4, da Lei da Lei n.° 11/97, de 31 de Maio. Maio. 511 Cfr . Artigo 4.°/2 a) e b), respectivamente, da Lei da  Lei n.° 6/89, de 19 de Setembro Setembro,, que cria a Procuradoria Geral da República. 512 O Ministério Público tem legitimidade activa para interpor recurso contencioso à luz do artigo 38.° a), da Lei da Lei n.° 9/2001, de 7 de Julho. Julho. 513 Este meio encontra-se regulado no artigo 108.° e seguintes da Lei da  Lei n.° 9/2001, de 7 de  Julho..  Julho 514 Cfr. Artigo 27.°/1, da Lei da  Lei n.° 11/97, de 31 de Maio. Maio. 515 Veja-se o Programa Quinquenal do Governo para 2000 – 2004, aprovado pelo Conselho de Ministros, através da Resolução da Resolução n.º 4/2000, de 22 de Março. Março . - Assegurar o ordenamento territorial das zonas priorizadas para acções de desenvolvimento, respeitando as suas capacidades de carga e as capacidades dos sistemas ecológicos produtivos;

- Adoptar legislação e regulamentação respeitantes à actividade de planeamento físico e ordenamento territoriais; - Adoptar a política nacional de planeamento físico e ordenamento territorial; - Elaborar planos de ordenamento das áreas de desenvolvimento prioritários,

262

 

nomeadamente, as de desenvolvimento industrial, agrícola, turístico, da extracção mineral, zonas francas e de corredores de desenvolvimento. Seguidamente, olhemos para a Política da População, aprovada pelo Conselho de Ministros, através da Resolução da Resolução n.º 5/99, de 13 de Abril , que define como objectivo do Governo para o sector da população: “contribuir para uma distribuição espacial equilibrada da população que permita reduzir a migração rural-urbana, fomentar uma urbanização equilibrada, assim como o uso adequado dos recursos naturais para atingir  um desenvolvimento económico e regional mais equitativo e sustentável”516. Urge, portanto, que se elabore cuidadosamente uma política de ordenamento do território moçambicano e, paralela ou posteriormente, a lei que fixe as bases do ordenamento e gestão racionais do espaço geográfico nacional, tendo presente os diversos níveis de administração: nacional, provincial e local. Quer a política, quer a lei, não poderão deixar  de atender, por um lado, à situação real e diversificada do país em termos económicos, sociais, políticos, culturais e ambientais, e, por outro, ao próprio contexto ao nível da região da SADC. Impõe-se, portanto, que o Legislador não se limite a importar modelos, singulares ou combinados, adequados a outras realidades, para posterior aplicação em Moçambique, como tem sucedido, em alguns casos, com certos diplomas legais, com todos os inconvenientes daí resultantes. Segundo José Forjaz, “planificar o uso do espaço – a qualquer das suas dimensões –  regional, local ou urbana – sem instrumentos legais claros e democraticamente 516 Cfr . Ponto 3.3., da Política de População, aprovada pela Resolução pela  Resolução n.º 5/99, de 13 de  Abril . estabelecidos é um exercício vazio de significado que apenas contribuirá para o atraso na formação de uma sociedade que se dirija por leis gerais dentro das quais devem estar  contempladas as idiossincrasias517 culturais e os interesses ancestrais de cada grupo do

mosaico étnico moçambicano”518. Partindo do princípio que “o ordenamento do território (e, consequentemente, o urbanismo) relaciona, racionalmente, o Homem com o território”519, qualquer esforço de  planificação deverá partir, envolver e dirigir-se ao próprio Homem, sob risco de não se

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 passar das meras intenções, criando-se um instrumento sem qualquer tipo de aplicação à realidade concreta e deitando fora todo o investimento canalizado para a elaboração do  plano. Não nos podemos esquecer que “são os homens, em território, ou sseja, eja, a sedentarização humana que merece soluções de ordenamento”520. No mesmo sentido, escreveu José Forjaz que “o que parece ser de recusar é qualquer proposta de construção de um modelo abstracto e teórico de organização para o qual não haverá nem os quadros nem os meios nem o reconhecimento da importância da sua actividade”521. O princípio da participação assume, assim, especial preponderância no domínio da  planificação. Os cidadãos devem ser chamados ch amados a participar efectivamente não somente no  procedimento de elaboração do plano, como, co mo, principalmente, no decurso da implementação deste. Defendemos, portanto, mais do que a simples participação-audição, (em que os cidadãos são chamados a apresentar eventuais sugestões ou observações antes da tomada de decisão da Administração Pública522), ou a participação-negociação (na qual se procuraria definir uma linha comum ou concertada entre a Administração e os cidadãos com vista à tomada de uma decisão o mais democrática possível), aquilo a que chamaríamos a participação-implementação, segundo a qual os cidadãos surgiram 517 “Modo de ver, de sentir, de ser próprio de uma pessoa; temperamento peculiar a cada indivíduo”. Cfr.  Dicionário da Portuguesa Língua Contemporânea, G-Z, Academia de Ciências de Lisboa, Verbo, Lisboa, 2001, p. 2020. 518 FORJAZ, José, Entre José, Entre o Adobe e o Aço Inox – IIdeias deias e Pr Projectos ojectos,, Editorial Caminho, Lisboa, 1999, pp. 159-160. Ambiente,, Almedina, Junho, 2001, p. 519 CONDESSO, Fernando dos Reis, Direito Reis,  Direito do Ambiente 143.

520 Idem 520  Idem,, p. 143. 521 FORJAZ, José, Entre José, Entre o Adobe (...). 162. 522 CORREIA, CORREIA, Fernan Fernando do Alves, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Igualdade , Colecção Teses,

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Almedina, Coimbra, 1997, p. 256. também com uma quota parte de responsabilização no procedimento de elaboração e execução dos planos de gestão territorial. O também imperioso que se ultrapasse o problema da ausência de definição em relação ao valor e força jurídica dos planos. A legislação actualmente vigente é demasiado vaga quanto ao assunto, o que contribui, entre outros problemas, para a existência de sérias dificuldades na implementação destes instrumentos fundamentais de ordenamento e gestão racional do território.

5.3.4.4. Órgãos competentes no domínio do planeamento 5.3.4.4.1. Notas prévias Ao analisarmos a distribuição de atribuições e competências pelos diferentes órgãos da Administração Pública em Moçambique, tendo presente a inexistência de uma política nacional de ordenamento do território, chegámos às seguintes conclusões: Em primeiro lugar, as competências no domínio do planeamento foram atribuídas, de uma forma pouco clara, a órgãos diferentes do Aparelho do Estado, quer de nível central ou nacional, quer de nível local. Em segundo lugar, conforme vimos anteriormente, não existe rigor e qualquer certeza quanto à tipologia de planos vigente no nosso país, respectivo âmbito de abrangência, conteúdos mínimos obrigatórios, hierarquia, valor jurídico, entre outras questões essenciais. Tais constatações vêm somente reforçar a necessidade de uma lei que crie as bases do ordenamento do território nacional, contemplando obviamente a questão do urbanismo, resolvendo-se, assim, os problemas atrás enumerados.

5.3.4.4.2. Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental

Posto isto, destacamos as competências do Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental (MICOA) no ordenamento do território e urbanismo, através da sua Direcção  Nacional de Planeamento e Ordenamento Territorial523.  Nos termos do artigo 3.º, do Estatuto Orgânico do MICOA, MI COA, são funções desta Direcção,

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entre outras: - Propor políticas e legislação pertinente ao Planeamento e Ordenamento Territorial; - Estabelecer normas, regulamentos e directrizes para as acções de Planeamento e Ordenamento Territorial; - Promover, elaborar Planos de Urbanização e assessorar os órgãos locais na elaboração, implementação, controlo e gestão do aproveitamento da terra; - Participar na classificação e hierarquização dos assentamentos humanos e centros urbanos.

5.3.4.4.3. Ministério das Obras Públicas e Habitação  No domínio do urbanismo, veja-se a competência do Ministério das Obras Públicas e Habitação, através da sua Direcção Nacional de Habitação e Urbanismo. Segundo o Estatuto Orgânico deste Ministério, aprovado pelo Diploma pelo  Diploma Ministerial n.º  217/98, de 23 de Dezembro, Dezembro, cabe à Direcção Nacional de Habitação e Urbanismo, entre outras, as funções de assegurar, em coordenação com as autarquias, “a reserva do solo urbano destinado a projectos de investimento público e privado” e “a elaboração dos  planos de estrutura”524. 523 Cfr. Est Estatu atuto to Orgâni Orgânico co do MICOA, MICOA, aprova aprovado do pelo pelo MICOA, MICOA, atrav através és do  Diploma  Ministerial n.º  133/2000, de 27 de Setembro. Setembro. 524 Cf Cfr. r. Art Artig igoo 7.º c) c),, do Esta Estatu tuto to Orgân Orgânic icoo do Mini Minist stéri érioo da dass Obra Obrass Pú Públ blic icas as e Habitação, aprovado através Dezembro . do Diploma do Diploma Ministerial n.º 217/98, de 23 de Dezembro. O Regulamento Interno da Direcção Nacional de Habitação e Urbanismo, aprovado pelo  Diploma Ministerial n.º 12/2001, de 24 de Janeiro, Janeiro , define como atribuição desta instituição: “assegurar em coordenação com as autarquias e autoridades locais a

elaboração e implementação de planos de urbanização”525.  Na estrutura orgânica da Direcção Nacional de Habitação e Urbanismo, encontramos o Departamento de Urbanismo, que, nos termos do artigo 16.º, do Regulamento Interno supra citado, “ocupa-se do ordenamento dos aglomerados urbanos e rurais”.

266

 

Este departamento tem como competências, entre outras: - Zelar pelo estabelecimento e divulgação de legislação relativa ao planeamento e gestão do desenvolvimento urbano; - Zelar pela elaboração e divulgação de regulamentos e normas técnicas a observar nos planos e programas de urbanização; - Promover a elaboração de estudos sobre o planeamento e desenvolvimento urbano; - Realizar estudos com vista à identificação das tendências de estruturação do território, estudar e propor a adopção de estratégias de ocupação do solo e avaliar o impacto da execução das políticas e programas urbanísticos; - Acompanhar e monitorar as autarquias e outras instituições na elaboração e implementação de planos de urbanização e emitir pareceres antes da sua ratificação e implementação; 525 Cfr. Artigo 2.º c), do Regulamento Interno da Direcção Nacional de Habitação e Urbanismo, aprovado através do Diploma do Diploma Ministerial n.º 12/2001, de 24 de Janeiro. Janeiro.

5.3.4.4.4. Autarquias Locais Cabe às autarquias locais um papel primordial no domínio do urbanismo. Primeiro  porque decorre desde logo do artigo 6.º, da Lei das Autarquias Locais, a atribuição da urbanização526. Da leitura das restantes disposições deste diploma verificamos caber à Assembleia Municipal, no caso dos municípios, sob proposta ou a pedido de autorização do Conselho Municipal “aprovar o plano de desenvolvimento municipal, o plano de estrutura e, de um modo geral, os planos de ordenamento do território (...)”527. Por outro lado, compete ainda à Assembleia Municipal, no âmbito das suas atribuições de

 protecção do meio ambiente, mediante proposta do Conselho Cons elho Municipal, aprovar o “plano ambiental e zonamento ecológico do município”528.

5.3.4.4.5. Governos Distritais

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Conforme vimos anteriormente, a Lei a Lei n.° 8/2003, de 19 de Maio (vulgo LOLE) veio estabelecer princípios e normas de organização e funcionamento dos órgãos locais do Estado nos escalões de província, distrito, posto administrativo e de localidade. Ora, naquilo que de momento nos interessa, este diploma atribuíu expressamente competências, no domínio do urbanismo e do ordenamento do território, com particular  ênfase para o planeamento, aos Governos Distritais, enquanto órgãos de administração  pública de distrito. Segundo a LOLE, compete a estes órgãos, órgão s, entre outras, as seguintes funções: aprovar as propostas do plano de estrutura, do ordenamento do território, compreendendo zonas ecológicas e outras áreas de protecção; estabelecer reservas distritais de terra; elaborar propostas sobre a definição e estabelecimento de zonas  protegidas, submetendo-as às entidades en tidades competentes; e elaborar propostas e pareceres par eceres 526 Cfr. Artigo 6.º/1 h), da Lei das Autarquias Locais. 527 Cfr . Artigo 45.º/3 d), da Lei das Autarquias Locais. sobre acções ou programas de promoção e apoio à actividade económica no distrito, submetendo-os à decisão das instituições ou entidades competentes529. 528 Cfr. Artigo 46.º a), da Lei das Autarquias Locais. 529 Cfr. Artigo 38.°/1 alíneas e), f), g) e n) da LOLE. “O DIREITO ADMINISTRATIVO DO AMBIENTE OCUPA, SEM DÚVIDA, A POSIÇÃO DE MAIOR PROTAGONISMO NA DISCIPLINA JURÍDICA DO AMBIENTE. NA VERDADE – E MESMO CONSIDERANDO QUE O DIREITO DO AMBIENTE ALCANÇOU JÁ O LEGÍTIMO ESTATUTO DE NOVA DISCIPLINA JURÍDICA – É SOBRETUDO ATRAVÉS DE MEIOS E INSTRUMENTOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO CLÁSSICO (NATURALMENTE COM AS DEVIDAS ADAPTAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES) QUE SE

REGULAM JURIDICAMENTE OS COMPORTAMENTOS RELATIVOS AO AMBIENTE”. CANOTILHO, J. J. Gomes, Introdução Gomes, Introdução ao  Direito do Ambiente, Ambiente, Universidade Aberta,

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Lisboa, 1998, p. 115.

Capítulo Sexto – O Direito Administrativo e o Direito do Ambiente 6.1. A Administração Pública e o Ambiente Chegados a esta fase, chamamos a atenção para a importância que o Direito Administrativo assume na protecção do ambiente. Ora, a tal deve-se, segundo palavras de Mário Aroso de Almeida, ao facto de “muitos litígios em matéria ambiental são litígios de natureza jurídico-administrativa, quer por serem, no essencial, de direito administrativo as normas que protegem o ambiente, quer por serem, em grande medida, imputáveis a entidades administrativas importantes agressões ao ambiente”530. Sublinhamos, assim, o estendimento segundo o qual a Administração Pública é, não só o  principal garante do meio ambiente, como, muito provavelmente, o maior responsável r esponsável  pela sua destruição ou danificação. Recorrendo Reco rrendo a um exemplo simples, veja-se que o mesmo Governo que, nos últimos dois anos, criou novos parques e reservas nacionais, tendo procedido à ampliação dos limites de alguns dos existentes, assumindo-se, ao nível internacional, como grande dinamizador de uma política de protecção e conservação da  Natureza, surge-nos como promotor pr omotor de mega-empreendimentos susceptíveis de levantar  sérias dúvdas ou reservas quanto ao possível impacto ambiental, como é o caso do  projecto do porto de Dobela, na província de Maputo, e da barragem de Mepanda Uncua, no vale do Zambeze.  Nesse sentido, Freitas do Amaral referiu, em relação ao caso português, o seguinte: seg uinte: “na verdade, se em muitos casos a Administração Pública nos aparece como garante da  protecção do ambiente – é essa a sua missão, é essa a sua responsabilidade respon sabilidade -, noutros casos e, infelizmente, não são raros, a Administração Pública aparece como cúmplice da degradação do ambiente”531. 530 ALMEIDA, Mário Aroso, Tutel Tutelaa Jurisdi Jurisdicional cional em Matér Matéria ia Ambie Ambiental ntal,, In. Estudos

530 ALMEIDA, Mário Aroso, Tutel Tutelaa Jurisdi Jurisdicional cional em Matér Matéria ia Ambie Ambiental  ntal , In. Estudos do Direito do Ambiente, Publicações Universidade Católica, Porto, 2003, p. 78. 531 AMARAL, AMARAL, Diog Diogoo Frei Freitas tas do,  Análise Preliminar da Lei de Bases do Ambiente Ambiente,, Textos – Ambiente,

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Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1994, p. 253. Esta tese parece, à partida, algo contraditória, pelo que requer algumas explicações. Passamos a analisar, em primeiro lugar, como pode a Administração Pública assumir uma conduta bastante positiva na prevenção ambiental, para, em seguida, aflorar a sua responsabilidade no cometimento de alguns dos mais graves e sérios danos no meio ambiente.

6.1.1. A actuação da Administração Pública na observância do princípio da prevenção Entendemos ser em sede administrava que melhor se prossegue a política de protecção ambiental, isto porque cabe à Administração Pública o papel fundamental de implementar o princípio da prevenção, o que o faz através de diversas formas, como por  exemplo, através da emissão de licenças ou autorizações, ou por intermédio do exercício da actividade de fiscalização. Ou seja, a AP tem o poder de rejeitar a autorização ou licenciamento de qualquer projecto/actividade que represente um carácter danoso irreversível para o meio ambiente. Por outro lado, pode fiscalizar regularmente a actividade desenvolvida pelos particulares, contribuindo deste modo, para a observância da legislação ambiental, e, consequentemente, para a protecção do ambiente.  Não nos esqueçamos que “o que mais importa (...) relativamente à regulamentação  jurídica dos comportamentos que podem ter efeitos ef eitos sobre o ambiente é evitar que tais comportamentos possam acarretar a degradação do ambiente”532. Isto porque o bem  jurídico ambiente assume uma natureza deveras singular, sendo bastante difícil, e  porventura impossível, repor o mesmo no n o seu estado inicial após a ocorrência de actividades de degradação. Contudo, não se fica por aqui, pois o princípio da prevenção pode ser levado a cabo

através de outros meios do Direito Administrativo, nomeadamente533:

- Declarações com efeitos jurídicos específicos a cargo da Administração Pública; 532 CANOTILHO, José Joaquim Gomes (coordenação científica), Introdução científica),  Introdução ao Direito do Ambiente, Ambiente,

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Universidade Aberta, 1998, p. 118. • qualificação de bens como bens públicos; públicos; • criação de zonas de zonas de protecção territorial (é o que se passa entre nós com a criação dos parques e reservas nacionais e de zonas de uso e de valor  histórico-cultural, à luz da Lei de Florestas e Fauna Bravia, e ainda com as zonas de protecção parcial, segundo a Lei de Terras); • catalogação de bens que ficam sujeitos a regimes especiais (pensemos, por  exemplo, no acto de classificação de bens culturais, de acordo com a Lei a  Lei n.° 10/88, de 22 de Dezembro). Dezembro ).

- Criação de obrigações impostas pela Administração Pública , designadamente: • proibições de caça e de pesca (de determinadas espécies protegidas, em determinadas áreas, em períodos de defeso, etc.); • proibição de emissão de determinados gases e efluentes; • suspensão de actividades lesivas do ambiente.

- Poderes regulamentares da Administração Pública (na fixação, por exemplo, de standards, para além dos quais os agentes económicos não podem poluir);

- A actuação da Administração Pública no estabelecimento de incentivos económicos, tais como benefícios e isenções fiscais;

- A intervenção da Administração Pública através dos mecanismos de planificação (o planificador prevê, normalmente, áreas de protecção do ambiente aquando da elaboração de um plano de ordenamento do território);

- O processo de Avaliação do Impacto Ambiental, que visa averiguar se determinado projecto ou actividade acarreta impactos significativos junto do meio ambiente ou não, sendo, antes de mais, um instrumento de carácter  administrativo;

Operações materiais a cargo da Administração Pública, entre as quais encontramos a realização de obras de fomento ambiental, como, por exemplo, a construção de estações de tratamento de águas residuais534; - Embargo de obras, demolição de construções de todo o género e a reposição do local na situação anterior à infracção.

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533 CANOTILHO, José Joaquim Gomes (coordenação científica), Introdução científica),  Introdução (...), pp. 118 e 119.

6.1.2. O papel da Administração Pública na danificação do meio ambiente Porém, não obstante a importância da actuação da Administração Pública na prossecução de uma política ambiental de prevenção, esta é directa ou indirectamente responsável por  muitos dos grandes atentados ao meio ambiente, alguns dos quais de carácter  irreversível535. A Administração actua negativamente junto do meio ambiente quer de uma forma directa (através da realização de obras públicas, tais como estradas, barragens, portos, etc.), quer  de uma forma indirecta (licenciando actividades danosas ou poluidoras, sem observância de alguns dos princípios básicos ambientais)536.  No primeiro caso, o local escolhido ou a forma for ma de realização do empreendimento pode não ser ideal, ou então, havendo Estudo de Impacto Ambiental, este pode não ter sido elaborado em termos verdadeiramente sérios, de modo a não bloquear a decisão política de erguer a obra pública. Relativamente a este tipo de intervenção da Administração, destacamos, a título de exemplo, o projecto de construção do porto de águas profundas de Dobela, no distrito de Matutuíne, província de Maputo, dentro dos limites territoriais da Reserva Especial de Maputo, numa faixa da orla marítima extremamente rica em matéria de biodiversidade. Tal empreendimento tem vindo a ser discutido a um nível político, não obstante a LFFB proibir a instalação de semelhante tipo de actividades dentro dos 534 FOLQUE, FOLQUE, Andr André, é,  Procedimento Administrativo e Defesa do Ambiente, Textos –  Ambiente e Consumo, Vol. II, CEJ, Lisboa, 1996, p. 260. 535 Vejam-se as palavras de Freitas do Amaral, segundo o qual: “Muitas vezes a

Administração Pública não actua como deve e, em lugar de se comportar como garante da protecção do ambiente, aparece a agir como cúmplice da degradação do ambiente: é o que sucede, em primeiro lugar, quando a Administração omite a

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 publicação da legislação e da regulamentação devidas; é o que sucede, em segundo segund o lugar, quando a Administração omite as fiscalizações, os embargos ou as sanções que no caso deveriam ter lugar; é o que sucede suc ede,, em terce terceir iroo lu lugar gar,, qu quan ando do a Admi Admini nist straç ração ão Públi Pública ca co come mete te ve verda rdade deir iras as ilegalidades na realização das suas próprias funções – ou porque faz licenciamentos contra a lei expressa, ou porque omite os necessários estudos de impacto ambiental, ou porque omite a audiência prévia dos órgãos consultivos  prevista na lei, ou porque pratica ela própria ofensas ecológicas ao realizar obras  públicas, etc., etc.”. In. etc.”. In. Ambiente,, Textos –  AMARAL, Diogo Freitas do, Análise do, Análise Preliminar da Lei de Bases do Ambiente Ambiente, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1994, p. 255. 536 DIAS, José Eduardo Figueiredo, Direito Figueiredo, Direito Administrativo do Ambiente Ambiente,, Sumários das Lições do Curso de 1998/99, CEDOUA, 1998, p. 25.  parques e reservas nacionais537. Um certo sector da opinião pública mais esclarecido tem vindo a tecer sérias reservas quanto aos possíveis impactos ambientais negativos de semelhante empreendimento para o meio ambiente da Região. É quase certo que o projecto vá em frente, como já foi reportado por diversas vezes nos órgãos de informação. Do nosso lado, entendemos que, se tal vier a suceder, poderá constituir um sério precedente em matéria de violação das leis ambientais aprovadas por 

um órgão de soberania, a Assembleia da República, dando-se azo a que, no futuro, o ambiente seja sempre sacrificado no momento da ponderação da tomada de decisões sobre determinado empreendimento económico.  No segundo caso, a intervenção negativa da Administração advém da sua intervenção indirecta através da autorização ou licenciamento de actividades susceptíveis de causar 

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efeitos danosos no ambiente. No caso da cidade de Maputo, pensemos nas autorizações  para a construção de vivendas monumentais em quase toda a zona das barreiras barreiras,, junto à faixa costeira. Em muitos casos, tal construção é feita à custa da destruição da vegetação nativa existente, que, note-se, traduz-se na diminuição drástica do espaço urbano verde. Para já não falar na questão do valor cultural paisagem, protegido pela  Lei n.° 10/88, de 22 de Dezembro. Dezembro. Referimos ainda, como exemplo de autorizações ilegais com efeitos ambientalmente nocivos, o caso da operação de loteamento que decorre em pleno mangal, entre os bairros Triunfo e dos Pescadores, contra uma série de dispositivos legais. Não houve qualquer  537 O artigo 11.°/2 da Lei de Florestas e Fauna Bravia determina que “salvo por razões científicas ou por  necessidade de maneio nos parques nacionais, são estritamente interditas as seguintes actividades: a) caça dentro dos limites do parque;  b) exploração florestal, agrícola, mineira ou o u pecuária; c) pesquisa ou prospecção, sondagem ou construção de aterros; d) todos os trabalhos tendentes a modificar o aspecto do terreno ou de características da vegetação,  bem como a provocar a poluição das d as águas e, dum modo geral, todo o acto que, pela sua natureza, possa causar perturbações à flora e fauna; e) toda toda a intr introdu oduçã çãoo de esp espéci écies es zo zool ológi ógica cass ou botân botânic icas as,, quer quer in indí díge gena nas, s, qu quer  er  importadas, selvagens ou domésticas”.  No caso em concreto, poderíamos enquadrar o projecto do por porto to de Dobela nas alíneas c) e d) do

dispositivo acima enunciado. Este preceito é aplicável às reservas nacionais por via do artigo 12.°/2, da mesma Lei. EIA, no âmbito de um processo de AIA. Além do mais, decorre, à luz do dia, a

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destruição, em termos irreversíveis, de uma zona de elevada biodiversidade, sem que as autoridades competentes ou os cidadãos a impeçam.  No resto do País abundam inúmeros casos cas os que em nada abonam para a materialização da da legislação ambiental. O silêncio das autoridades que poderiam fazer algo perante tais atentados é, diga-se, extremamente preocupante. Por outro lado, cabe a todos os cidadãos também uma quota parte de responsabilidade no desenrolar e sucesso de tais violações, invertendo a tendência dominante de conformismo e passividade. É imperioso que comecem a dar entrada nos nossos tribunais casos ambientais, para por cobro ao actual estado de impunidade d

os infractores.

6.2. O acto administrativo e o ambiente O acto administrativo constitui o principal acto jurídico da Administração Pública. É através deste que, na maior parte das vezes, os seus órgãos actuam, violando o direito fundamental ao ambiente de que gozam todos os cidadãos no nosso país.  Note-se apenas que, segundo segund o a jurisdição administrativa vigente em Moçambique, só é admissível o recurso contencioso dos actos administrativos definitivos e executórios (para o Tribunal Administrativo), encontrando-se, portanto, sem qualquer tratamento os chamados actos preparatórios. Tal entendimento encontra-se expresso no artigo 27.°/1, da  Lei n.° 9/2001, de 7 de Julho (Lei do Processo Administrativo Contencioso). Por outro lado, o Decreto o Decreto n.° 30/2001, de 15 de Outubro, Outubro , que aprovou as Normas de Funcionamento dos Serviços da Administração Pública, consagrou, no artigo 1.° a), a definição de acto administrativo e executório como “decisão com força obrigatória e dotada de exequibilidade sobre um determinado assunto, tomada por um órgão de uma

 pessoa colectiva de direito público .

É possível identificar uma série de actos praticados pela Administração Pública com efeitos, positivos ou negativos, junto do meio ambiente538:

- Actos de controlo preventivo - As licenças539 e autorizações540, que são, talvez, os

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actos mais conhecidos praticados pela Administração;

- Declarações com efeitos jurídicos específicos: as declarações de domínio público, a atribuição de regimes jurídicos especiais a determinados bens e a classificação de bens culturais; - Proibições (de caça ou de pesca, de poluir para além dos determinados níveis fixados pela Administração, etc.);

- Actos administrativos de estímulo: subvenções, créditos especiais, isenções e outros benefícios fiscais;

- Aplicação de actos sancionatórios: coimas e sanções acessórias. 6.3. O procedimento administrativo e a protecção do ambiente Chamamos a atenção para a importância do procedimento administrativo na protecção do meio ambiente, principalmente por ser o momento e lugar ideais para dar corpo a dois dos princípios ambientais consagrados na Legislação do Ambiente: o princípio da  prevenção e o princípio da participação. Repara-se que não estamos a falar ainda do contencioso administrativo, mas sim do  procedimento administrativo. São conceitos e realidades distintos. No primeiro caso, cas o, referimo-nos ao processo de acesso à justiça administrativa, que retrataremos no ponto a seguir. No segundo caso, estamos a falar do procedimento formal e necessário para a tomada de decisões por parte da Administração Pública. 538 CANOTILHO, José Joaquim Gomes (coordenação científica), Introdução científica),  Introdução ao Direito do Ambiente, Ambiente, Universidade Aberta, 1998, p. 122. 539 Licença como “obtenção de um direito que habilita o exercício ou prática de uma actividade geralmente

 proibida .  In. FOL FOLQUE QUE,, And André, ré,  Procedimento Administrativo e Defesa do Ambiente, Textos – Ambiente e Consumo, Vol. II, CEJ, Lisboa, 1996, p. 261. 540 Autorização é o acto da Administração que se traduz na “remoção pelos poderes  públicos de um

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obstáculo (previsto legalmente) que condiciona o exercício de um direito”. In. direito”.  In. FOLQUE, André,  Procedimento (.. ), p. 261 Para Gomes Canotilho, o procedimento “é a manifestação do proceder da administração (prossecução de interesses) na actuação da função administrativa”; sendo que o processo “é a exteriorização da função jurisdicional no âmbito administrativo”541. Ora, o procedimento administrativo constitui o garante valioso e eficaz do princípio da  prevenção, isto por duas razões r azões essenciais: primeiro, porque nos encontramos enco ntramos num momento em que a decisão administrativa ainda não está tomada, havendo (ou devendo haver), portanto, lugar à ponderação e compatibilização dos interesses, aparentemente antagónicos, de promoção do desenvolvimento económico e da protecção do bem  jurídico ambiente; segundo, porque o procedimento pro cedimento implica a realização de uma sucessão de actos da Administração Pública, alguns dos quais com efeitos bastante benéficos para a política de protecção ambiental (basta pensarmos, por exemplo, na fase de consulta  pública no decurso de um processo proces so de AIA, em que a sociedade civil, as comunidades locais, diversos especialistas, etc., são chamados a pronunciar-se sobre a viabilidade ambiental de determinado projecto ou actividade). Prosseguindo semelhante linha de raciocínio, “a importância do procedimento administrativo ao nível do Direito do Ambiente é bastante grande, uma vez que o cumprimento dos trâmites procedimentais (os passos e formalidades que a Administração tem de cumprir na preparação de um acto administrativo) funcionarão muitas vezes como instrumentos preventivos de protecção do ambiente”542. Por outro lado, o procedimento administrativo constitui também garante do princípio da  participação dos cidadãos no processo pro cesso de tomada de decisões. Este princípio, como sabemos, assume importância fundamental no domínio ambiental. Falamos, portanto, em

 participação em procedimentos administrativos relativos a questões ques tões directa ou indirectamente ligadas ao meio ambiente. 541 CANOTILH CANOTILHO, O, José Joaquim Joaquim Gomes,  Procedimento Administrativo e Defesa do  Ambiente, Revista de

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Legislação e Jurisprudência, n.° 3795, p. 678. 542 CANOTILHO, José Joaquim Gomes (coordenação científica), Introdução científica),  Introdução ao Direito do Ambiente, Ambiente, Universidade Aberta, 1998, p. 126. Contudo, não nos esqueçamos da ligação estreita que deve existir entre a participação e a informação, pois não pode haver plena participação sem a prestação de um serviço de informação sério, correcto e completo. Uma das peças fundamentais do procedimento administrativo no domínio da protecção do ambiente é a consulta pública, prevista no Regulamento da AIA543. Em Moçambique, os princípios e regras básicos que norteiam o procedimento administrativo encontram-se plasmados no Decreto no Decreto n.° 30/2001, de 15 de Outubro, Outubro , que aprovou as Normas de Funcionamento dos Serviços da Administração Pública, que é, na  prática, uma espécie de código do procedimento pro cedimento administrativo. Tal Decreto é um dos  principais marcos do processo process o de reforma da Administração Pública actualmente em curso. Nos termos deste diploma, o procedimento administrativo é definido como: “sucessão de actos e formalidades ordenadas com vista à formação, expressão e realização da vontade da Administração Pública”. Trata-se portanto da consagração do procedimento que traduz “a actividade administrativa que se desenvolve através de uma ordenação e concatenação544 de actos, cuja cuja cons conseq eque uenc ncia iali lida dade de é es esta tabe bele leci cida da pe pela la un unid idad adee do fi fim m a qu quee el eles es es estã tãoo  préordenados. O fim do procedimento é a tomada de decisão”545. decisão”545. Ora, uma das grandes novidades deste Decreto é a consagração do princípio da  participação dos particulares no procedimento pro cedimento administrativo, constituindo, de certa

543 Como prova da intenção do legislador em garantir a máxima participação dos cidadãos através do exercício exercíc io do dever de inform informar, ar, veja-se o artigo 7.°/1, do Regulamento Regulamento da AIA, segundo o qual “para a

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realização da consulta pública no período da avaliação do impacto ambiental o Ministério  para a Coordenação da Acção Ambiental deverá adoptar os métodos que, caso a caso, se mostrem mais adequados  para o alcance dos objectivos pretendidos, garantindo um pleno acesso a toda a informação existente e na sua posse sobre a matéria”. 544 “Encadeamento lógico de ideias, de causas e efeitos”. Cfr. Dicionário da Língua Portuguesa Conte Con temp mporâ orâne nea, a, A – F, Acade Academi miaa das Ci Ciên ênci cias as de Li Lisb sboa oa / Fu Funda ndaçã çãoo Calo Caloust ustee Gulbenkian, Verbo, Lisboa, 2001, p. 899. 545 CANOTILH CANOTILHO, O, José Joaquim Joaquim Gomes,  Procedimento Administrativo e Defesa do  Ambiente, Revista de Legislação e Jurisprudência, n.° 3798, p. 265. forma, um passo bastante significativo na “democratização” e “abertura” da Administração Pública.  Nestes termos, decreta o Legislador que “os “o s órgãos e instituições da Administração Pública promovem a participação das pessoas singulares e colectivas que tenham por  objecto a defesa dos seus interesses, na formação de decisões que lhes disserem respeito”546. Contudo, a participação dos cidadãos no procedimento administrativo pressupõe a transparência da actuação da Administração Pública e, nesse sentido, o Legislador  também andou alguns passos, ao consagrar o princípio da transparência, o qual, numa das suas vertentes, “implica a publicidade da actividade administrativa”547, e

consequentemente, o exercício do dever de informar os administrados. Parafraseando André Folque, a participação visa:

- “um reforço da legitimidade da decisão administrativa, aduzida à legitimidade derivada da Administração (retirada do poder executivo) e funcional (porque fundada na prossecução de interesses públicos de satisfação de necessidades

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colectivas);

- um contributo para a qualidade do conteúdo da decisão, isto é, uma optimização  por reporte ao fim subordinante, na n a medida em que a formação do acto, do regulamento ou do contrato administrativo admita contraditório e abra as portas ao due process”548. process”548. E, para concluir este ponto, citamos Colaço Antunes, ao referir-se à deslocação do centro da actividade administrativa do acto para o seu processo de formação, isto é, para o  procedimento administrativo. Segundo este autor, “a importância do d o procedimento 546 Cfr. Artigo 9.°, do Decreto do Decreto n. n.° 30/2001, de 15 de Outubro. Outubro . 547 Cfr . Artigo 7.°/1, do Decreto do  Decreto n. n.° 30/2001, de 15 de Outubro. Outubro . 548 FOLQUE, FOLQUE, Andr André, é,  Procedimento Administrativo e Defesa do Ambiente Ambiente,, Textos –  Ambiente e Consumo, CEJ, Lisboa, 1996, p. 264. revela-se não só no seu resultado, mas sobretudo na instrução que o consubstancia. O Centro do procedimento encontra-se na participação privada sob a forma individual ou associativa, nos nexos que se venham a estabelecer entre os vários poderes públicos e entre estes e os cidadãos, na manifestação de factos e de interesses, na instrução complexa que, verificando os factos, acertando os dados técnicos, consente a identificação, a avaliação, o equilíbrio dos interesses e a definição do interesse  público”549.

6.4. O Contencioso Administrativo e a protecção do ambiente 6.4.1. A consagração da ordem jurídica administrativa A construção do ordenamento jurídico administrativo em Moçambique processou-se,

fundamentalmente, em três marcos cruciais: - Primeiro, o Legislador Constitucional reconheceu a existência de uma ordem  jurisdicional administrativa550, de que a criação do Tribunal Administrativo Ad ministrativo é  prova, determinando ainda a prevalência das sentenças administrativas sobre os actos da administração551 e a garantia da independência, imparcialidade e

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irresponsabilidade dos juizes552; - Seguidamente, dando materialização ao preceito constitucional alusivo ao Tribunal Administrativo, o Legislador aprovou a Lei a  Lei n.° 5/92, de 6 de Maio (Lei Orgânica do Tribunal Administrativo – LOTA); - Por fim, o Legislador estabeleceu o processo administrativo contencioso, através da Lei da Lei n.° 9/2001, de 7 de Julho (vulgo LPAC), que constitui a lei  processual fundamental que regulamenta regu lamenta o acesso à justiça administrativa553. 549 ANTUNES, Luís Filipe Colaço, A Colaço, A Tutela dos Interesses Difusos no Novo Código do  Procedimento  Administrativo,, Textos – Ambiente, CEJ, Lisboa, 1994, pp. 192 – 193.  Administrativo 550 Cfr. Artigo 167.º/1 b), da CRM. 551 Cfr. Artigo 163.º, da CRM. 552 Cfr. Artigo 164.º, da CRM. 553 Cfr. Artigo 82.°, da CRM.

6.4.2. O acesso à justiça administrativa 6.4.2.1. Âmbito e funções do Tribunal Administrativo Sempre que a Administração Pública actua investida dos seus poderes e autoridade, independentemente da existência de um acto definitivo e executório, provocando a lesão do direito fundamental ao ambiente, poderá qualquer cidadão recorrer ao Tribunal Administrativo para que se faça justiça, mais concretamente à respectiva 1.ª Secção, referente ao contencioso administrativo554. Pelo que reiteramos o entendimento de João Martins, segundo o qual este Tribunal exerce uma função jurisdicional de extrema importância, não constituindo um mero órgão da Admini Adm inistr stração ação Púb Públic lica555 a555.. Aliás, Aliás, foi essa a intenç intenção ão do Legisl Legislador ador Cons Constit tituci ucional onal

quando integrou o TA no capítulo VI da Constituição da República de Moçambique, referente aos tribunais.  Nos termos do disposto no artigo 4.°, da LOTA, o TA tem competência para assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e

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dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas556.  Não obstante o TA funcionar apenas na n a capital do país, exerce a sua jurisdição em todo o território nacional557. Por outro lado, apesar deste Tribunal ter a sua sede na capital, a LPAC previu a possibilidade de os cidadãos residentes fora da província de Maputo acederem à justiça administrativa através dos tribunais provinciais. Estes tribunais encarregar-se-ão de remeter a petição ao Tribunal Administrativo558. 554 Veja-se o artigo 15.°/1 a), da LOTA. 555 MARTINS, João Manuel, O Papel dos Tribunais Administrativos num Estado de  Direito,, In. Revista  Direito Jurídica, Jurídic a, Vol Vol.. III, Faculd Faculdade ade de Dir Direit eito, o, Univer Universida sidade de Edua Eduardo rdo Mon Mondla dlane, ne, Map Maputo uto,, Dezembro, 1997, pp. 107 – 118. 556 Para além destas funções, cabe ainda ao Tribunal Administrativo o exercício da fiscalização da legalidade das despesas públicas e julgar as contas dos exactores e tesoureiros da Administração Pública. 557 Cfr. Artigos 2.° e 14.°, da LOTA. 558 Cfr. Artigos 46.°/2 e 4, da LOTA. Segundo o disposto no artigo 6.º, da Lei acima citada,o TA tem obrigação de recusar a aplicação de normas inconstitucionais ou que sejam contrárias a outras de hierarquia superior. Se nos confrontarmos com uma decisão de um órgão da Administração Pública, que se traduza num acto administrativo susceptível de pôr em causa o bem jurídico ambiente, constitucionalmente consagrado e protegido, poderão os cidadãos recorrer ao

Tribunal Administrativo para exigir a declaração de anulação, nulidade ou inexistência  jurídica daquele mesmo acto559.

6.4.2.2. Mecanismos processuais de acesso à justiça administrativa A LOTA veio consagrar um elenco de instrumentos ou mecanismos processuais de

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acesso à justiça administrativa, entre os quais destacamos o recurso contencioso de anulação com fundamento em ilegalidade, tendo como objecto a declaração de anulabilidade, nulidade ou inexistência do acto recorrido560. Entendemos o recurso ao contencioso administrativo como sendo o “controlo da legalidade dos actos de administração através de tribunais especializados nas questões de direito administrativo, mediante o emprego de meios processuais predominantemente específicos”561 562. Este diploma reconhece ainda como meios processuais do contencioso administrativo três tipos de acções563: 559 Cfr. Artigo 7.°, da LOTA. 560 Cfr. Artigo 7.°, 8.° e 23.° a) e e), da LOTA. 561 CORREIA, José Manuel Sérvulo, Contencioso Administrativo e Estado de Direito (Conferência), Maputo, 1993, pp. 20 – 21. 562 Veja-se ainda a definição de recurso contencioso constante no artigo 1.° k), do  Decreto n.° 30/2001, de 15 de Outubro, Outubro, segundo o qual este traduz-se na “impugnação jurisdicional de um acto administrativo definitivo e executório arguido de vício determinante da sua nulidade, anulabilidade ou inexistência  jurídica”. 563 Cfr. Artigo 25.° f), g) e h), respectivamente, da LOTA. - a acção para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente  protegido;

- a acção sobre contratos administrativos; - acção de responsabilidade civil extracontratual da Administração por actos de gestão pública. Por outro lado, esta Lei fixa um conjunto de meios processuais acessórios tipicamente administrativos, como competência da 1.ª Secção do Tribunal Administrativo564:

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- A suspensão jurisdicional de eficácia dos actos administrativos; - A intimação jurisdicional para a consulta de documentos ou processos e  passagem de certidões, com a finalidade de permitir aos requerentes o uso de meios administrativos ou contenciosos; - A intimação jurisdicional a particulares ou concessionários para adoptarem ou se absterem de determinadas condutas, com a finalidade de assegurar o cumprimento de normas de Direito Administrativo. Assim, ocorrendo qualquer violação da ordem jurídica existente em matéria de protecção ambiental, sendo responsável um órgão da Administração Pública, qualquer cidadão  poderá recorrer dos meios processuais estabelecidos na LOTA, par paraa exigir a cessação do acto lesivo ou ainda obrigar aquele órgão a adoptar determinado comportamento. Os meios acima referidos meios foram cuidadosamente regulamentados na LPAC.

6.4.3. Espécies de processos à luz da Lei do Processo Administrativo Contencioso Este Diploma estabelece as seguintes espécies de processos, para efeitos de distribuição no Tribunal Administrativo: a) Secção do Contencioso Administrativo565: • Recursos contenciosos; 564 Cfr. Artigo 25.° i), m) e n), respectivamente, da LOTA. 565 Cfr. Artigo 11.°/1, da LPAC. • Acções; • Processos urgentes; • Outros processos.  b) Plenário do Tribunal Administrativo566:

• Recursos directamente interpostos em primeira e em única instância; • Recursos de decisões jurisdicionais; • Recursos por oposição de acórdãos; • Conflitos; • Processos urgentes;

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• Outros processos.

6.4.3.1. Recurso Contencioso  Nos termos do artigo 26.°, da Lei em consideração, consideraç ão, os recursos contenciosos são de mera legalidade, isto é, destinam-se a verificar a legalidade do acto da Administração Pública e têm por objecto a declaração de anulabilidade, nulidade e inexistência jurídica dos actos da Administração Pública que motivam o recurso. Segundo Adolfo Justino, “o recurso visa resolver um litígio sobre o qual a Administração Pública já tomou uma posição. Esta surge através de um acto de autoridade, isto é, por  via de acto administrativo ou regulamento. Assim, e mediante tal acto de autoridade, aparece uma primeira definição de direito aplicável. É a Administração Pública que, usando do seu Poder, define unilateralmente o direito aplicável – acto definitivo. Daí que, quando o particular apresenta o seu recurso ao tribunal competente, já não vai pedir que este defina primeiramente o direito aplicável, porque isso já foi feito pela Administração Pública enquanto Poder. Resta ao particular impugnar, i.é, contestar, atacar a definição feita pela Administração Pública”567. 566 Cfr. Artigo 11.°/2, da LPAC. 567 567 JU JUST STIN INO, O, Adol Adolfo fo Jo Jorg rge, e,  As Competências da Primeira Secção do Tribunal   Administrativo,, In. Revista  Administrativo Jurídica, Jurídic a, Vol. I, Faculda Faculdade de de Direito, Direito, Universidad Universidadee Eduardo Mondlane, Mondlane, 1996, Maputo,  p. 57.  Na mesma sequência, entende João Martins que “no recurso contencioso de anulação, verifica-se uma prévia definição das situações jurídicas da Administração e dos Particulares relacionadas com esta, através de um acto definitivo e executório. Não obstante a característica da unilateralidade do acto, os respectivos efeitos jurídicos

vinculam os destinatários. O que se passa, na figura do recurso, é o particular lesado pelo acto da Administração requerer uma reapreciação da decisão da Administração junto de uma instituição jurisdicional, junto de um tribunal administrativo. Neste caso de recurso,  já existe uma prévia decisão, precisamente a proferida pr oferida pela Administração”568.

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 Neste âmbito, só é admissível recurso dos actos definitivos e executórios569, constituíndo fundamento próprio do recurso contencioso a violação pelo acto recorrido dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis, nomeadamente570: - A usurpação do poder; - A incompetência; - O vício de forma, que inclui a falta de fundamentação, de facto ou de direito, do acto administrativo e a falta de quaisquer elementos essenciais deste; - A violação da lei; - O desvio de poder. Ainda nos termos desta Lei571, têm legitimidade para interpor recurso contencioso os que se considerem titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que tivessem sido lesados pelo acto recorrido, quando tenham interesse directo, pessoal e legítimo na interposição do recurso e ainda: 568 MARTINS, João Manuel, O Papel dos Tribunais Administrativos num Estado de  Direito,, In. Revista  Direito Jurídic Jurí dica, a, Vol Vol.. III, Faculd Faculdade ade de Dir Direit eito, o, Univer Universida sidade de Edua Eduardo rdo Mon Mondla dlane, ne, Map Maputo uto,, Dezembro, 1997, p. 113. 569 Alfredo Chambule considera que a limitação do recurso contencioso aos actos definitivos e executórios constitui, consti tui, no seu entender, a maior crítica crítica que a LAPC merece, signi significando ficando a criação de uma barreira no ac aces esso so à just justiç içaa ad admi mini nist stra rati tiva va.. Cf Cfr. r. CHAM CHAMBU BULE LE,, Al Alfr fred edo, o,  As Garantias dos

 Particulares,, Imprensa  Particulares Universitária, Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, 2003, pp. 91-93; 125 –132. 570 Cfr. Artigos 27.° e 28.°, da LPAC. 571 Cfr. Artigo 38.°, da LPAC.

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- O Ministério Público; - Os titulares do direito de acção popular; - As pessoas colectivas, mesmo em relação aos actos lesivos dos direitos ou interesses que a elas cumpram defender; - Os presidentes dos órgãos colegiais actos que afectem o âmbito da sua autonomia; - As autarquias locais, mesmo em relação aos actos praticados pelo órgão respectivo. Repare-se que o nosso Legislador rompeu com o entendimento clássico em matéria de legitimidade processual para interposição de recurso contencioso de anulação, segundo o qual esta caberia apenas a quem tivesse interesse directo, pessoal e legítimo na interposição do recurso. A novidade foi a extensão da legitimidade aos titulares do direito de acção popular. A mesma lei considera “titulares do direito de acção popular, para efeitos de interposição de recurso contencioso de actos lesivos de interesses difusos ou outros interesses públicos, aqueles que como tal sejam definidos por lei especial”572. Aguarda-se, a qualquer momento, a aprovação, pela Assembleia da República, do Projecto Lei de Acção Popular. Este prescindiu do requisito do interesse pessoal, directo e legítimo para o acesso à justiça, reconhecendo a qualquer cidadão a legitimidade para aceder aos tribunais com vista à protecção jurisdicional do direito fundamental ao ambiente. Em relação aos prazos, a LPAC fixou um ano, para os actos nulos ou inexistentes, e noventa dias, para os actos anuláveis. Ressalve-se, neste último caso, quando o recorrente é o Ministério Público, pois o prazo para recorrer é também de um ano573. Quanto à legitimidade passiva, “tem-se como entidade recorrida o órgão que tenha  praticado o acto, ou que, por alteração legislativa ou regulamentar, lhe tenha sucedido na

572 Cfr. Artigo 42.°, da LPAC. 573 Cfr. Artigo 30.°, da LPAC. respectiva competência, salvo quanto pertença à mesma pessoa colectiva ou ministério”574.

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Têm ainda legitimidade passiva os chamados contra-interessados que, segundo a Lei, são todos tod os aquele aqueless a quem o prov provime imento nto do recurso recurso possa possa afectar afectar dir direct ectame amente nte575 575 ou, segundo Chambule, aqueles “titulares de um interesse na manutenção do acto recorrido, oposto,  portanto, do recorrente”576. Aliás, um dos requisitos da petição é, precisamente, a indicação da identidade, residência ou sede dos contra-interessados, sob pena de aquela ser rejeitada liminarmente577. A utilização do recurso contencioso de anulação está sujeita à observância de determinados requisitos de forma578, destacando-se, desde logo, a obrigatoriedade de a  petição ser articulada. Para fundamentar o seu pedido ao Tribunal, o interessado em demandar pode dirigir-se às autoridades da Administração Pública que se reportem competentes para a reposição do direito ameaçado, exigindo a consulta de documentos ou processos, ou ainda exigir que se lhe passem certidões a seu favor, excepto se se tratar de matérias secretas ou confidenciais, nos termos e prazos estabelecidos no artigo 93.°, da Lei em análise. A título de exemplo, simulámos o seguinte caso prático: O Ministério da Indústria e do Comércio licenciou um projecto de construção de uma fábrica de refrigerantes junto às margens de um rio, algures no país, numa área localizada a cerca de 40 metros da linha máxima das águas fluviais. A cidade mais próxima satisfaz as suas necessidades em termos de água a partir do referido rio. Não houve, previamente, qualquer diligência de obtenção, junto do MICOA, da necessária licença ambiental, que, como vimos anteriormente, é pressuposto da licença sectorial. 574 Cfr. Artigo 43.°, da LPAC. 575 Cfr. Artigo 44.°, da LPAC. Particulares,, Imprensa Universitária, 576 CH CHAM AMBU BULE LE,, Al Alfre fredo do,,  As Garantias dos Particulares

Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, 2003, p. 140. 577 Cfr. Artigos 47.°/1 b) e 51.º/2 g), da LPAC. 578 Cfr. Artigo 47.°/1, da LPAC.

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Daí que seja possível identificar uma série de ilegalidades, designadamente: - Violação do Regulamento da Lei da Terra, aprovado pelo Decreto pelo  Decreto n.º 66/98, de 8 de Dezembro, Dezembro, pois este define como zona de protecção parcial “a faixa de terreno que orla as águas fluviais e lacustres navegáveis até 50 metros medidos a partir da linha máxima de tais águas”579, sendo que em tal zona não  pode haver atribuição de direito de uso e aproveitamento da terra580; - Violação da Lei do Ambiente (artigos 15.º e 16.º), e do Regulamento da AIA. Segundo o anexo técnico deste último, este tipo de empreendimento encontrase obrigatoriamente sujeito a Estudo de Impacto Ambiental, dadas as  potenciais consequências negativas em áreas área s sensíveis aí discriminadas, designadamente: em zonas de erosão eminente, zonas de cenário único e áreas de protecção de nascentes e mananciais de abastecimento581. O instrumento processual indicado para aceder à justiça é o recurso contencioso de anulação, visto estarmos perante um acto administrativo praticado por um órgão da Administração Pública, no uso dos seus poderes e autoridade, com violação manifesta da legislação vigente582. Têm legitimidade activa as pessoas e entidades referidas no artigo 38.º da LPAC. Têm legitimidade passiva o Ministério da Indústria e Comércio, sendo a entidade responsável  pelo acto, e os promotores do empreendimento, como contra-interessados. Porém, o recurso contencioso de anulação não possui efeitos suspensivos583, tendo  presente, segundo António Pale, duas justificações: primeiro, porque se pretende “evitar, de uma forma geral, que a celeridade, que deve caracterizar a actividade administrativa, 579 Cfr. Artigo 5.° a), do Regulamento da Lei da Terra. 580 Cfr . Artigo 7.°/1, do Regulamento da Lei da Terra. 581 Cfr. Ponto 21, alíneas e), j) e m), do anexo técnico do Regulamento da AIA.

582 Cfr. Artigo 28.° d), da LPAC.

venha a ser prejudicada pelo uso das garantias contenciosas”; depois, por causa da “presunção da legalidade do acto administrativo, ao qual se associa o interesse do exercício contínuo, regular e eficaz da acção administrativa”584. Contudo, como bem

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refere o mesmo autor, “da não admissibilidade da suspensão de eficácia poderão resultar   prejuízos incalculáveis de difícil reparação, mesmo com recurso à via da indemnização  pecuniária, tornando a decisão judicial, por sentença s entença de provimento, ineficaz”585. No mesmo sentido, diz-nos Filipa Calvão que “na verdade, de pouco adiantaria a anulação do acto se, durante a pendência do recurso, a lesão ambiental se continuasse a verificar, agravando o dano de tal modo que a sua reparação se mostrasse difícil ou mesmo inviável”586. Por conseguinte, torna-se necessário intentar, previamente, de modo a garantir o efeito útil, um instrumento acessório de natureza cautelar. Assim o determina o princípio da  prevenção, sob risco de o acordão final, decretando a anulação do d o acto recorrido, se revelar praticamente desajustado à realidade e desprovido de qualquer utilidade, por não ter ocorrido a suspensão do empreendimento proposto. Esse instrumento será, no presente caso, a suspensão da eficácia do acto recorrido, regulamentada no artigo 108.º e seguintes da LPAC.

6.4.3.2. Acções Há casos merecedores de tutela jurisdicional administrativa, por ter havido violação do direito fundamental ao ambiente, mas em que não existe propriamente um acto administrativo, definitivo e executório, praticado por um órgão da Administração Pública. Pelo que se torna necessário recorrer a outros intrumentos processuais de acesso à justiça administrativa e que serão, nos termos da LOTA e da LPAC, as acções. 583 Cfr. Artigo 29.°, da LPAC. 5/92 , In. Revista 584 PALE, António Luís, O Tribunal Administrativo à Luz da Lei n.° 5/92, Jurídica, Vol. I, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane, 1996, Maputo, p. 36

585 Idem 585  Idem,, pp. 36 – 37. 586 CALVÃ CALVÃO, O, Fi Fili lipa pa,,  Direito ao Ambiente e Tutela Processual das Relações de Vizinhança, In. “Estudos de Vizinhança, Direito do Ambiente”, Publicações Universidade Católica, Porto, 2003, p. 209.

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Para Adolfo Justino, ao contrário do recurso contencioso, “a acção visa resolver um litígio sobre o qual a Administração Pública não se pronunciou mediante um acto administrativo definitivo. Isto acontece quando ela não pode legalmente fazê-lo naquele tipo de assuntos, ou porque se pronunciou através de um mero acto opinativo – que não é um acto definitivo e executório, não constituíndo, pois, acto de autoridade. Assim, quando o particular se dirige ao tribunal, nestes casos, não vai impugnar uma primeira definição do direito que tivesse sido feita em momento anterior pela Administração; ele vai, sim, pedir ao tribunal que faça, ele próprio, a primeira definição do direito aplicável àquele caso concreto. E o tribunal fá-lo através de uma sentença, emitida após um  processo declarativo, que visa precisamente p recisamente a declaração do direito aplicável ao caso concreto”587. Segundo João Martins, “no âmbito das acções administrativas, o autor provoca uma  primeira definição com carácter obrigatório dos direitos e deveres dos sujeitos da relação  jurídico-administrativa, encontrando-se, antes da introdução do feito em juízo, ou seja, anteriormente ao processo, em posição de igualdade jurídica no litígio que opõe os respetivos sujeitos”588. Ora, o Legislador previu três modalidades as acções, consoante o respectivo objecto, que  passamos a analisar em termos sumários589. sumários58 9.

6.4.3.2.1. Acções sobre contratos administrativos A primeira modalidade de acções prevista pelo Legislador versa sobre os contratos celebrados entre a Administração e os particulares, designadamente quanto à responsabilidade das partes pelo seu incumprimento. Segundo a LOTA, “considera-se como contrato administrativo o acordo de vontades pelo qual se constitui, modifica ou 587 587 JU JUST STIN INO, O, Adol Adolfo fo Jo Jorg rge, e,  As Competências da Primeira Secção do Tribunal   Administrativo,, In. Revista  Administrativo

Jurídica, Jurídic a, Vol. I, Faculda Faculdade de de Direito, Direito, Universidad Universidadee Eduardo Mondlane, Mondlane, 1996, Maputo,  pp. 57 - 58. 588 MARTINS, João Manuel, O Papel dos Tribunais Administrativos num Estado de  Direito,, In. Revista  Direito

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Jurídic Jurí dica, a, Vol Vol.. III, Faculd Faculdade ade de Dir Direit eito, o, Univer Universida sidade de Edua Eduardo rdo Mon Mondla dlane, ne, Map Maputo uto,, Dezembro, 1997, p. 113. 89 Cfr. Artigo 98.°, da LPAC. extingue uma relação jurídica de direito administrativo”590. O Legislador enumera, entre outros, como exemplos de contratos administrativos, os contratos de empreitada de obras  públicas, de concessão de serviços s erviços públicos, de concessão de uso privativo do domínio  público e os contratos de prestação de d e serviços celebrados pela Administração para par a fins de imediata utilidade pública591. Note-se que a propositura deste tipo de acções não impede o recurso contencioso de actos de aplicação e execução592.

6.4.3.2.2. Acções sobre a responsabilidade civil da Administração Pública Referimo-nos, em segundo lugar, às acções de responsabilidade civil extracontratual da Administração ou dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo acções de regresso. Estas acções “podem ser propostas por quem considere ter sofrido danos decorrentes de actos de gestão pública”593. Pensemos no caso concreto de um município autorizar a realização de um empreendimento particular que vem, mais tarde, a causar danos ambientais (na pessoa ou seu património), por um lado, e danos no ambiente enquanto bem jurídico autónomo (no valor paisagem ou num determinado arvoredo situado em domínio público, por exemplo),  por outro. Pode ser intentada uma acção de responsabilização daquele órgão pela ocorrência de tais danos, independentemente da existência de um acto administrativo definitivo e executório.

6.4.3.2.3. Acções de reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos

590 Cfr. Artigo 10.°/1, da LOTA. 591 Cfr. Artigo 10.°/2, da LOTA. 592 Cfr. Artigo 101.°, da LPAC.

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593 Cfr. Artigo 102.°, da LPAC. Segundo o disposto no artigo 103.°/1, da LPAC, estas acções podem ser propostas quando não tenha havido lugar à prática de um acto administrativo e têm por finalidade reconhecer a existência de um direito fundamental, o direito ao pagamento de uma quantia em dinheiro, o direito à entrega de uma coisa ou o direito a uma prestação de facto. Tais acções podem ainda ser propostas “quando tenha havido lugar a um acto administrativo nulo ou juridicamente inexistente, ou uma omissão ou indeferimento tácito de que não tenha sido interposto, em qualquer dos casos, recurso contencioso”594. A título de exemplo, pensemos no caso de uma acção intentada pelo Ministério Público,  por uma associação de defesa defes a do meio ambiente ou grupo de cidadãos, visando o reconhecimento do direito fundamental ao ambiente (na sua variante urbana, associado aos valores saúde pública e qualidade de vida) e, consequentemente, o direito a uma  prestação de facto, perante a passividade de determinada autarquia em proceder à recolha dos resíduos sólidos urbanos, em alguns bairros, e a falta de resposta pronta às inúmeras e constantes solicitações da colectividade organizada. A prestação de facto poderia traduzir-se na imediata limpeza e remoção dos resíduos acumulados nas vias públicas.  Note-se que, para garantir o efeito efe ito prático útil, urge intentar, prévia e condicionalmente, um meio processual acessório e que, no nosso caso concreto, poderá ser uma intimação à autarquia a adoptar determinada conduta – a limpeza e remoção do lixo, tendo presente o  princípio fundamental da prevenção. Para interpor este tipo de acções tem legitimidade qualquer pessoa que invoque a titularidade de um direito ou um interesse a reconhecer. Tais acções devem ser sempre intentadas contra o órgão competente para praticar os actos administrativos ou para determinar as operações decorrentes do reconhecimento do direito ou interesse, ou

594 Cfr. Artigo 103.°/2, da LPAC. impostas pelo reconhecimento deste direito ou interesse de cuja titularidade a pessoa que a intenta se arroga595.

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6.4.3.3. Meios Processuais Acessórios Para além dos meios processuais acima indicados, esta Lei estabelece ainda um conjunto de meios processuais acessórios a saber:

6.4.3.3.1. Suspensão de eficácia de actos administrativos Este meio cautelar encontra-se regulado no artigo 105.° e seguintes da LPAC, podendo ser concedida pelo Tribunal Administrativo, mediante o preenchimento dos seguintes requisitos de carácter cumulativo: (1) se a execução do acto em causa seja susceptível de causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que com o recurso se pretende acautelar; (2) se a suspensão não represente grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; (3) e, por último, se do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso. O mecanismo da suspensão é um auxiliar acessório do recurso contencioso de anulação,  podendo ser pedido antes, juntamente ou na pendência deste596. Constitui um meio cautelar de extrema importância tendo presente que os actos administrativos gozam do  privilégio de execução prévia, isto é, são exequíveis só por força da sua autoridade au toridade  própria. A partir do momento em que o órgão administrativo, que tenha praticado o acto que motive o pedido de suspensão, receba a citação ou notificação para a resposta, constituise na obrigação de suspender, de imediato e em termos provisórios, a execução do 595 Cfr. Artigo 105.°, da LPAC. 596 Cfr. Artigo 111.°, da LPAC. 298 mesmo, sob pena de aquele e os respectivos titulares, funcionários ou agentes, incorrerem no crime de desobediência qualificada e em responsabilidade civil ou disciplinar597.

A decisão que suspenda a eficácia do acto deve ser notificada com urgência ao órgão administrativo, para que este impeça, o mais brevemente possível, que os serviços ou os interessados prossigam a execução do acto598. 6.4.3.3.2. Intimação a órgão administrativo, a particular ou a concessionário para

adoptar ou abster-se de determinada conduta

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A intimação para um comportamento foi regulamentada no artigo 120.° e seguintes da LPAC, podendo ocorrer quando particulares, concessionários ou órgãos administrativos violem normas de Direito Administrativo ou deveres decorrentes de acto ou contrato administrativo, ou quando a actividade dos primeiros e dos últimos viole um direito fundamental, ou ainda quando, em ambas as hipóteses, hajam fundados receios de violação. Neste caso, tanto o Ministério Público, como qualquer pessoa a cujos interesses a violação cause ofensa digna de tutela jurisdicional, podem pedir ao TA que intime infractores a adoptar certo comportamento ou a abster-se dele com o fim de assegurar, respectivamente, o cumprimento das normas ou deveres em causa, ou o respeito pelo exercício do direito.

6.4.3.3.3. Intimação para informação, consulta de processo ou passagem de certidão Por último, temos o intrumento cautelar da intimação para informação, consulta de  processo ou passagem de certidão, regulada no artigo 93.° e seguintes da d a LPAC, que  pode ser requerida ao Tribunal Tr ibunal Administrativo, por qualquer interessado ou pelo Ministério Público, quando, por algum motivo, a Administração não satisfaça um pedido de informação, de consulta de processo ou de passagem de certidão, que vise permitir o uso de meios administrativos ou contenciosos. Este instrumento deve ser solicitado no 597 Cfr. Artigos 115.° e 117.°, da LPAC. 598 Cfr. Artigos 119.°/3 e 5, da LPAC. 299  prazo de vinte dias a contar do decurso decur so do prazo legal (dez dias) qu quee a Administração Pública tem para satisfazer a pretensão, da sua recusa expressa ou da sua satisfação meramente parcial. Segundo António Pale, “pretende-se, com esta medida, obstar a qualquer actuação ilegal da Administração Pública, tendente a não dar provimento a um pedido de certidão, quanto a decisão recaída sobre o expediente que tenha corrido os seus trâmites numa dada

instituição, numa atitude de violação do direito à informação (...)”599.  Na ausência de uma lei que regule o acesso acess o às fontes de informação, constitui cons titui um importante meio de materialização do direito à informação, consagrado no artigo 19.° da Lei do Ambiente, no caso de determinado organismo da Administração Pública, manifesta ou tacitamente, se oponha à prestação de informações, consulta de

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documentação ou passagem de certidão requerida. 5/92 , In. Revista 599 PALE, António Luís, O Tribunal Administrativo à Luz da Lei n.° 5/92, Jurídica, Vol. I, Faculdade de Direito, Universidade Eduardo Mondlane, 1996, Maputo, p. 35. 300 301 “O MEIO AMBIENTE É, ATUALMENTE, UM DOS POUCOS ASSUNTOS QUE DESPERTA O INTERESSE DE TODAS AS NAÇÕES, INDEPENDENTEMENTE DO REGIME POLÍTICO OU SISTEMA ECONÓMICO. É QUE AS CONSEQUÊNCIAS DOS DANOS AMBIENTAIS NÃO SE CONFINAM MAIS NOS LIMITES DE DETERMINADOS PAÍSES OU REGIÕES. ULTRAPASSAM AS FRONTEIRAS E, COSTUMEIRAMENTE, VÊM A ATINGIR REGIÕES DISTANTES. DAÍ A PREOCUPAÇÃO GERAL NO TRATO DA MATÉRIA QUE, EM ÚLTIMA ANÁLISE, SIGNIFICA ZELAR PELA PRÓPRIA SOBREVIVÊNCIA DO HOMEM”. Vladimir Passos de Freitas, Juiz do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, República Federativa do Brasil. 302 303

Capítulo Sétimo – Responsabilidade Ambiental e legitimidade processual 7.1. A responsabilidade civil e o ambiente 7.1.1. Responsabilidade civil clássica – a responsabilidade por factos ilícitos A responsabilidade civil constitui uma das principais fontes de obrigações. Visa, no Direito, uma função essencialmente reparadora, estando em causa, não a punição dos infractores, mas sim a reparação dos prejuízos eventualmente causados a outrém. A responsabilidade civil clássica baseia-se no postulado da culpa, quer na forma de dolo

(prática intencional de um acto anti-jurídico), quer na de negligência (mera violação do dever de cuidado), encontrando-se consagrada no Código Civil em vigor, o qual data de 1966, período anterior à Independência Nacional. Esta pode assumir duas modalidades essenciais: contratual e extra-contratual. A responsabilidade civil contratual é aquela que resulta do incumprimento de obrigações

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emergentes de um contrato, negócio jurídico unilateral ou da própria lei600. Contudo, não constituirá objecto da presente análise. A responsabilidade civil extracontratual, delitual ou aquiliana é aquela que resulta da violação de direitos absolutos ou da prática de determinados actos, que embora de carácter lícito, causem danos a outrem601. Traduz-se na “violação de um dever geral de conduta que a ordem jurídica impõe aos indivíduos para protecção de todas as pessoas e que, de forma típica, constitui o contrapólo de um direito subjectivo absoluto”602. Encontra consagração expressa no artigo 483.º, do CC, nos seguintes termos: 600 VERELA, João de Matos Antunes, Das Antunes,  Das Obrigações em Geral , Vol I, 8.ª Edição, Livraria - Almedina, Coimbra, 1994, p. 526.  Idem.. 601 Idem 601 602 ALARCÃO, Rui, Direito Rui, Direito das Obrigações, Obrigações, Coimbra, 1983, p. 208. 304 “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes de violação”. Desta noção resulta uma obrigação de indemnização, que o artigo 562.º, do CC, consagrada do seguinte modo: “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Este artigo estabelece, em primeiro lugar, a reparação do dano através da reconstituição natural. Acontece que esta reconstituição nem sempre é possível. Então, o modo de reparação é-nos dado pelo artigo 566.º/1, do CC, segundo a formulação a seguir:

“A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”. Conforme o exposto, as obrigações decorrentes da responsabilidade civil têm de ser  declaradas por um tribunal. Para tal, a decisão judicial deve basear-se num conjunto de

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 pressupostos a verificar cumulativamente: cu mulativamente:

- Existência de um facto - A existência de um dano está dependente de uma ocorrência, isto é, uma acção ou uma omissão, de carácter voluntário, por parte do seu autor - o sujeito lesante. Este facto pode ser positivo (acção que importa a violação de um dever geral de abstenção) ou negativo (abstenção ou omissão, quando existe o dever jurídico especial de praticar um acto, muito provavelmente, 305 teria obstado à ocorrência do dano)603. Portanto, não se trata de um fenómeno natural;

- O facto deve ser de natureza ilícita - A origem do facto deve residir na violação de um direito alheio (principalmente os direitos absolutos) ou da violação de uma lei que proteja interesses alheios (infracção de leis que, não obstante dirigirem-se à protecção de interesses particulares, não conferem ao respectivo particular um direito subjectivo à sua tutela)604;

- Culpa – Exige-se ainda que o facto ilícito seja culposo. Por culpa entende-se entende- se a “reprovabilidade ou censurabilidade de um comportamento ilícito”605. A culpa  pode asumir uma de duas modalidades: dolo (quando ( quando o agente quis o resultado ilícito) ou negligência (culpa não intencional, que se traduz na omissão de um comportamento que se pretendia diligente)606 ;

- Existência de um dano  – Por dano entende-se “o prejuízo pr ejuízo num bem ou interesse  juridicamente protegido”607. Os danos causados pela acção ou omissão do lesante  podem ser de dois tipos: danos patrimoniais (aquele que tem por objecto um bem ou interesse susceptível de avaliação monetária) ou danos morais (danos causados a bens ou interesses que são insusceptíveis de avaliação monetária);

- Nexo de causalidade entre facto e dano - A responsabilidade civil só poderá ser  determinada se entre facto e dano existir uma relação de causa e efeito. Assim,

“nem todos os danos sobrevindos ao facto ilícito são incluídos na responsabilidade do agente, mas apenas os resultantes do facto, os causados por  ele”608. Trata-se de uma causalidade probalística e não determinística (mecânica), 603 VARELA, João de Matos Antunes, Das Antunes,  Das Obrigações em Geral , Vol I, 8.ª Edição, Livraria - Almedina,

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Coimbra, 1994, pp. 534 – 535.  Idem,, pp. 541 – 546. 604 Idem 604 605 ALARCÃO, Rui, Direito Rui, Direito das Obrigações, Obrigações, Coimbra, 1983, p. 251.  Idem,, pp. 250 – 253. 606 Idem 606 607 Ibidem 607  Ibidem,, p. 270. 608 VARELA, João de Matos Antunes, Das Antunes,  Das Obrigações em Geral , Vol I, 8.ª Edição, Livraria - Almedina, Coimbra, 1994, p. 628. 306 isto é, uma causa só poderá dar origem a um dano se, conforme as regras da experiência habitual, o facto se mostrar adequado à produção daquele tipo de dano. Portanto, poder-se-á concluir que estas são as regras básicas para a determinação da responsabilidade civil tradicional. Relativamente aos mecanismos de responsabilidade ambiental subjectiva, nada há a acrescentar em relação ao que já foi dito anteriormente. Para haver accionamento dos mesmos, devem estar preenchidos todos os requisitos previstos no artigo 483.º, do Código Civil, sendo estes, portanto, de natureza cumulativa. Os maiores problemas colocam-se essencialmente na determinação da culpa do agente, por um lado, e do nexo de causalidade entre o facto poluidor ou danificador do ambiente e os danos causados,  por outro. Sobre a culpa, veja-se que, não raras vezes, as lesões ambientais são consequência de meros acidentes, não tendo havido, para o efeito, qualquer intenção do agente em causar  estragos. Como, então, buscar-se o ressarcimento das eventuais vítimas? Posto isto, surge-nos ainda o problema da pluralidade de infractores e, consequentemente, da medida das respectivas culpas. Isto porque, por vezes, podemos estar perante um caso de

 poluição de um rio em que são várias as empresas potencialmente culpadas, podendo até todas elas terem contribuído para que, ao longo do tempo, os danos se consumassem. Em relação ao nexo de causalidade, e tendo presente a natureza dos danos causados ao ambiente, torna-se, muitas vezes, extremamente difícil, senão impossível, fazer a respectiva prova. A doutrina tem apresentado diversas soluções, parecendo-nos mais

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credível aquela que defende a hipótese de o juiz elaborar, em termos menos exigentes, o  juízo sobre a existência do nexo de causalidade, cau salidade, perante determinado caso concreto,  bastando-se, para tal, com a prova pro va de mera verosimilhança. Sendo assim, “o grau gr au de 307 exigência do juízo de certeza sobre um facto deve variar na razão inversa da dificuldade da prova”609.

7.1.2 . A responsabilidade civil moderna – a responsabilidade pelo risco Ao longo do presente Manual, tivemos a oportunidade de referir os impactos negativos da acção humana junto do meio ambiente, na busca incansável do bem estar. Em muitos casos, torna-se extremamente difícil e até impossível a prova cumulativa dos  pressupostos da responsabilidade resp onsabilidade extra-contratual, designadamente em relação aos requisitos da culpa e do nexo de causalidade. Como garantir, então, que se faça Justiça? Gomes Canotilho referiu que “a verificação judicial dos pressupostos da clássica responsabilidade civil pode ser tão difícil que o resultado seria a impunidade de muitas condu con duta tass ilíc ilícit itas as e a ir irre repa parab rabil ilid idad adee de mu muit itos os e gr grave avess da danos nos.. Porém Porém,, a Ju Just stiç içaa mantémse hoje, como há dois mil anos atrás, o objectivo principal do Direito e, por isso, novas formas de responsabilidade tiveram que ser equacionadas para superar este impasse”610. A própria banalização dos acidentes , em virtude do aumento substancial da circulação de  pessoas e mercadorias, por um lado, e do crescimento industrial, contribuíu para a necessidade de se proceder à reformulação profunda dos esquemas clássicos da responsabilidade civil. “O Direito sentiu assim necessidade de cuidar da tutela de situações em que se produziam danos, sem que tivesse havido qualquer desrespeito das normas aplicáveis, mas apenas pela perigosidade das condutas em causa. A regra nesta matéria é a de o risco ser suportado pelo beneficiário destas”611. Surgiu assim a responsabilidade objectiva ou sem culpa, sob as formas de

responsabilidade pelo risco e responsabilidade por factos lícitos. Nestes tipos de 609 BARROS, José Manuel Araújo de Barros , Direito Civil e Ambiente Ambiente,, Textos –  Ambiente, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1994, p. 236.

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610 CANOTILHO, José Joaquim Gomes (coordenação científica), Introdução científica),  Introdução ao Direito do Ambiente, Ambiente, Universidade Aberta, Lisboa, 1998, p. 143. 308 responsabilidade, prescinde-se do pressuposto subjectivo – a culpa, quer na forma de dolo (prática intencional de um acto anti-jurídico), quer na de negligência (mera violação do dever de cuidado). Paulo Antunes referiu, e nós sublinhamos, que “a responsabilidade moderna (objectiva) é uma decorrência, em grande parte, de atividades lícitas. O responsável causa o dano, sem que tenha incorrido em qualquer manifestação de vontade no sentido de violar Direitos de terceiros”. Por outro lado, “o lesado, em geral, não tem condições de provar a culpa do causador do dano, até porque, na maioria das vezes, ela inexiste”612. Este autor afirma ainda “que o maior destaque que vem sendo obtido pela responsabilidade objetiva é uma decorrência da ampliação das atividades comerciais e industriais, da certeza do risco e da necessidade de que tais atividades possam continuar a ser realizadas, sem o risco de irem à garra, em função de indemnizações não  previsíveis”613. O fundamento da responsabilidade pelo risco encontra-se, precisamente, no conceito de  justiça distributiva614 615. Ou seja, é justo que toda e qualquer pessoa que desenvolva uma actividade perigosa no seio da sociedade e dela obtenha vantagens em beneficio próprio, se responsabilize pelos eventuais danos que causar, independentemente de culpa. 611 GONÇALVES, Nuno Baptista, Responsabilidade Baptista,  Responsabilidade Jurídico-Civil e Jurídico-Penal na  Poluição do  Ambiente,, Revi  Ambiente Revist staa Jur Juríd ídic icaa do Ur Urba bani nism smoo e do Ambi Ambient ente, e, n. n.°° 2, ID IDUA UAL, L, Li Livra vrari riaa Almedina, Coimbra,

Dezembro, 1994, p. 202. 612 ANTUNES, Paulo de Bessa, Dano Bessa,  Dano Ambiental – Uma Abordagem Conceitual , Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2002, p. 111. 613 Idem 613  Idem,, p. 119.

301

 

614 Ibidem. 614  Ibidem. 615 No mesmo sentido, veja-se Rui Alarcão, ao defender que “estando em causa actividades lícitas e até úteis à sociedade, embora perigosas, aplica-se o princípio de justiça distribuitiva segundo o qual quem tira  proveito de um animal, actividade ou instalação técnica que representam para terceiros  perigos especiais (riscos agravados ou elevados) deve suportar os correspondentes encargos, mesmo que o dano se produza sem culpa sua. Cfr. ALARCÃO, Rui, Direito Rui,  Direito das Obrigações, Obrigações, Coimbra, 1983, p. 292. 309 É o caso do atropelamento de um peão por um automobilista devido ao rebentamento de um pneu, dos danos provocados por certos animais utilizados por outrem ou ainda dos danos causados por instalações de energia eléctrica ou gás616.  No que diz respeito à responsabilidade civil ambiental objectiva, o Legislador nacional na cional determinou que “constituem-se na obrigação de pagar uma indemnização aos lesados todos aqueles que, independentemente de culpa e da observância dos preceitos legais, causem danos significativos ao ambiente ou provoquem a paralisação temporária ou definitiva de actividades económicas, como resultado da prática de actividades especialmente perigosas”617. Assim, exige-se, em primeiro lugar, não a ocorrência de um qualquer dano ao ambiente, mas sim, de danos de carácter significativo, isto é, danos que sejam sérios e irreversíveis, ou então, que, em consequência destes, haja paralisação temporária ou definitiva de actividades económicas. Em segundo lugar, exige-se que os danos não sejam o resultado de uma qualquer actividade, mas sim de actividades especialmente perigosas. Todavia, os danos no ambiente e os danos ambientais podem ser de tamanha envergadura

e gravidade que se torna extremamente difícil suportar a respectiva indemnização por   parte do sujeito lesante. Vigora aqui, portanto, o princípio da proporcionalidade, pr oporcionalidade, nas suas variantes de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Prevendo-se esta situação e por forma a não deixar tais danos sem correspondente indemnização, o legislador estabeleceu o seguinte: “todas as pessoas que exerçam

302

 

actividades que envolvam elevado risco de degradação do ambiente e assim classificadas  pela legislação sobre a avaliação do impacto ambiental, devem segurar s egurar a sua responsabilidade civil”618. 616 Cfr . Artigos 503.°, 502.° e 509.° , respectivamente, do Código Civil. 617 Cfr. Artigo 26.º/1, da Lei do Ambiente. 618 Cfr. Artigo 25.º, da Lei do Ambiente. 310 Estamos perante a figura crucial do seguro de responsabilidade civil, prevista no artigo 25.º, da Lei do Ambiente, cuja importância é por demais evidente. Produz-se o chamado fenómeno da “socialização da responsabilidade”, isto é, em vez de se incidir, pesada e de uma só vez, no património do autor dos danos, faz-se actuar o mecanismo do seguro da responsabilidade civil, agindo no seio de uma colectividade de riscos619. Segundo Martin, “o desenvolvimento dos seguros de poluição obriga a uma reflexão (...)  por dois motivos: por um lado, o método dos seguros segu ros conduz os poluidores a interiorizar, com relativa precisão, os custos correspondentes aos danos que causam; por outro lado, e sobretudo, ele constitui um excelente meio de prevenção, já que, nas apólices, as seguradoras se reservam sempre o direito de exercer controlos e impor cláusulas para salvaguardar a sua responsabilidade620”. Além do mais, o seguro tem uma importância social de extrema relevância, pois permite que, na sequência de um sinistro ambiental, as eventuais vítimas sejam indemnizadas  pelos valores a que teriam direito, com a rapidez e celeridade que não aconteceria no caso do recurso aos tribunais621. Resta-nos aguardar que o Legislador não perca muito mais tempo na regulamentação de matéria tão crucial, principalmente no que toca à fixação de um montante máximo para a indemnização, por um lado, e da lista de actividades obrigatoriamente sujeitas a seguro,

 por outro.

7.1.3. Formas de reparação do dano Antes de entrarmos na problemática das formas de reparação do dano no domínio ambiental, devemos ter presente que tal ponto nem sempre foi pacífico na doutrina. Uma corrente defende que os danos causados ao meio ambiente não são susceptíveis de 619 ALARCÃO, Rui, Direito Rui, Direito das Obrigações, Obrigações, Coimbra, 1983, p. 221.

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620 MA MART RTIN, IN, Gi Gill lles es,,  Direito do Ambiente e Danos Ecológicos Ecológicos,, Revista Crítica de Ciências Sociais, n.° 31, Coimbra, Março, 1991, pp. 137 - 138. 311 avaliação, pois “avaliar um dano causado ao meio ambiente e ao seu equilíbro seria, para começar, trazer para o domínio mercantil elementos que dependem da criação e não da obra humana; isto seria, na verdadeira acepção do termo, desnaturar e dessacralizar”622. Por outro lado, os autores de semelhante posição entendem que a natureza é insusceptível de avaliação ou contabilização623. Contudo, refutamos, por razões de justiça social, tal posição, não obstante aceitarmos que constitui uma tarefa extremamente difícil fazer a avaliação de tais danos para efeitos de reparação. Os poluidores ou degradadores do ambiente não podem, de modo algum, ficar  impunes; tal constituíria, não somente uma injustiça para as eventuais vítimas das lesões ambientais, mas também um incentivo a continuar a poluir ou degradar o ambiente. A questão que agora se levanta é a de saber quais as formas mais adequadas para se fazer  a reparação dos danos. Tratando-se, por um lado, de matéria crucial que deve integrar  obrigatoriamente o conhecimento dos magistrados, principalmente os judiciais, assume,  por outro lado, os contornos de um dos campos mais difíceis e problemáticos do Direito do Ambiente, principalmente devido à incerteza e indefinição reinantes. Repare-se, nesta ordem de ideias, na dificuldade em atribuir um valor exacto aos danos no ambiente. É manifestamente impossível atribuir um valor real e preciso a um rio poluído, a uma  paisagem destruída ou a uma espécie protegida pr otegida ilegalmente abatida. E quando falamos de danos, há que distinguir, claramente, duas modalidades distintas a atender, visto que os princípios e regras para o seu ressarcimento são também diferentes –  os danos ambientais e os danos no ambiente. Para esta matéria, recorremos aos preciosos

ensinamentos de José Sendim, aos quais aderimos totalmente624. 621 PER PEREIRA EIRA,, Cél Célia ia Gomes Gomes Edu Eduardo ardo,, Seguro de Responsabilidade Civil – Poluição, Textos – Ambiente, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1994, p. 430. 622 MA MART RTIN, IN, Gi Gill lles es,,  Direito do Ambiente e Danos Ecológicos Ecológicos,, Revista Crítica de Ciências Sociais, n.° 31,

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Coimbra, Março, 1991, p. 128.  Idem.. 623 Idem 623 624 SENDIM, SENDIM, José de Sou Sousa sa Cunha Cunhal, l,  Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos Ecológicos,, Cadernos CEDOUA, Centro de Estudos de Direito de Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Livraria Almedina, Coimbra, Junho, 2002, p. 37 e seguintes. 312

- Danos ambientais – danos causados às pessoas pess oas e aos bens através do aambiente, mbiente, isto é, o ambiente constitui o percurso causal de tais danos. É o caso dos danos à saúde física ou psíquica ou, ainda, à propriedade privada das pessoas; enq uanto bem jurídico - Danos no ambiente – danos causados no ambiente enquanto autónomo, independentemente das eventuais lesões na esfera jurídica dos  particulares. Dizem respeito à colectividade, não aos cidadãos cidadão s individualmente considerados, tal como sucede em relação aos primeiros. A título de exemplo, pensemos no caso da ocorrência de um acidente envolvendo um navio petroleiro, e que causa o derramamento de grandes quantidades de petróleo para a costa. Verificam-se, desde logo, dois tipos de danos:

- danos causados às comunidades de pescadores, quer porque viram os seus barcos e redes danificados (danos emergentes), quer porque deixaram de poder pescar  durante algum tempo por causa da catástrofe ecológica decorrente do acidente, e que conduziu à morte do peixe existente na área, ou, então, porque passaram a  percorrer longas distâncias para par a poder pescar e conseguir cons eguir algum sustento (lucros cessantes). Mas, para além dos danos patrimoniais verificados, podem ocorrer  ainda danos morais, devido ao sofrimento gerado no seio das famílias por causa

das dificuldades trazidas com a paralização da actividade da pesca;

- Danos causados aos ecossistemas marinhos, formados por espécies vegetais e animais e seus habitats de imensurável valor; e, eventualmente, danos causados aos ecossistemas terrestres existentes ao longo do litoral (mangais, dunas). Quanto aos danos ambientais, não se levantam dúvidas em relação ao seu modo de ressarcimento, visto que se aplicam as regras previstas no Código Civil, designadamente

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constan cons tantes tes no art artigo igo 562. 562.°° e segu seguint intes, es, conform conformee exposto exposto anteri anteriorm orment ente625 e625.. Neste Neste sentido, o artigo 21.°/2, da Lei do Ambiente, atribui à vítima ou vítimas de danos ambientais o direito de exigir, em tribunal, a sua reparação ou indemnização. 625 Veja-se a página 262 do presente Manual. 313 Em relação aos danos no ambiente, devemos ter presente, em primeiro lugar, que não está tanto em causa a eventual punição do infractor através da fixação de uma quantia monetária, mas sim, essencialmente, a recuperação do bem jurídico lesado. Neste sentido, escreveu André Betancor Rodríguez, que “sin embargo, para la naturaleza es más importante recuperar, en la medida de lo posible, la integridade perdida que el castigo que  pueda recibir merecidamente el infractor. (...) Una vez vez producido el daño, lo relevante es que se corrijan sus efectos, en la medida en que sea factible”626. Por outro lado, está em causa, não o ressarcimento de quaisquer direitos ou interesses  particulares violados, isto é, a compensação das vítimas de eventuais danos, mas sim o interesse público da protecção e conservação do bem jurídico ambiente. Daí que não se  justifique o recurso imediato a soluções de reparação r eparação meramente monetárias. Segundo José Sendim, “o recurso sistemático à indemnização pecuniária dos danos ao ambiente acarreta (...) um conjunto de dificuldades que resultam fundamentalmente da actual impossibilidade de definição de metodologias de avaliação do dano que permita uma avaliação qualitativa rigorosa dos danos possíveis, possibilitem aos sujeitos de direito prognosticar o valor do dano potencial e não tenham custos desproporcionados”627. Daí que o primeiro caminho a seguir seja a prossecução da restauração natural. É importante referir que, com a restauração, não se visa reconstituir a situação material

existente antes da ocorrência do dano, mas sim, a reposição do estado dever do bem natural determinado pelo sistema jurídico–ambiental”628. Isto é, pretende-se que a finalidade prosseguida pela norma ambiental violada volte a ser assegurada através da reposição da capacidade funcional de um determinado bem natural629. São duas as formas conhecidas de concretização da restauração natural:

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626 RODRÍGUEZ, Andrés Betancor, Instituiciones de Derecho Ambiental, La Ley, Madrid, 2001, pp. 169. 627 SENDIM, SENDIM, José de Sou Sousa sa Cunha Cunhal, l,  Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, pp. 175 - 176. 628 Idem 628  Idem,, p. 178. 314

- Restauração ecológica – traduz-se na reparação da capacidade funcional do ambiente através da recuperação dos bens naturais afectados (o ar, a água, a terra, a fauna e a flora). Por exemplo, a introdução de espécies vegetais ou animais, a interdição total ou parcial da prática de actividades humanas na área afectada, as diversas actividades de limpeza das zonas danificadas. - Compensação ecológica – substituição dos bens naturais afectados por outros funcionalmente equivalentes, de forma a que o ambiente seja compensado em termos quantitativos e qualitativos, recuperando a sua “capacidade autosustentada de prestação”630, isto é, a recuperação dos serviços ecológicos ou humanos prestados pelo componente natural afectado. Tal forma terá lugar  quando a restauração ecológica seja, em termos técnicos, global ou parcialmente impossível ou, então, se revele excessivamente onerosa para o devedor, tendo  presente o princípio da proporcionalidade. proporc ionalidade. Por exemplo, o reflorestação de uma área similar à que foi atingida ou a constituição e posterior manutenção de uma zona protegida. O nosso ordenamento jurídico consagrou expressa ou implicitamente tais formas de ressarcimento dos danos no ambiente em diversos instrumentos legais a saber:

- A Lei do Ambiente refere que o Governo deverá assegurar que seja tomadas

medidas adequadas para a manutenção e regeneração de espécies animais, recuperação de habitats danificados e criação de novos habitats (...)”631.

- A LFFB consagrou o princípio da responsabilidade objectiva, determinando que “todo aquele que causar danos em recursos florestais e faunísticos é obrigado a  proceder à respectiva recomposição r ecomposição ou compensar a degradação degradaçã o (...)”632. Na implementação de tal princípio, o Legislador determinou que as infracções à

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629 Ibidem 629  Ibidem,, p. 179. (...), p. 196. 630 SENDIM, José de Sousa Cunhal, Responsabilidade Cunhal, Responsabilidade Civil (...), 631 Cfr . Artigo 12.°/2 a), da Lei do Ambiente. 632 Cfr. Artigo 3.° d), da LFFB. 315 legislação de florestas e fauna bravia são punidas com pena de multa (salvo o crime de queimada florestal, punido com pena de prisão) e acompanhadas de medidas de restauração e compensação dos danos causados aos componentes ambientais flora e fauna633. Assim, o Legislador previu a modalidade do repovoamento coercivo de espécies florestais e de espéces faunísticas. Sobre o repovoamento florestal, diz que “quando a degradação for provocada por  desflorestamento, incêndio ou quaisquer outros actos voluntários, o infractor é obrigado a efectuar a recuperação da área degradada nos termos e nas condições a serem definidos por regulamento próprio, independentemente de outros  procedimentos civis e criminais que couberem”634. Quanto ao repovoamento animal, determina-se que “aquele que, de qualquer forma, provocar o declínio da fauna bravia fica obrigado a efectuar o repovoamento das espécies afectadas, nos termos e condições a serem definidas por diploma próprio, independentemente de outras sanções a que derem lugar”635. Resta aguardarmos pelo diploma que regulamente a forma como tal repovoamento deverá ser conduzido.

- A Lei de Águas determina que: “quem para além dos limites consentidos provocar  a contaminação ou degradação do domínio público hídrico, independentemente da sanção aplicável, constitui-se na obrigação de, à sua custa, reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”636.

- A Lei dos Petróleos estabelece que o titular dos direitos de pesquisa e produção

deverá, entre outras obrigações, limpar os locais após o termo das operações  petrolíferas e cumprir com os requisitos requ isitos para a restauração do ambiente”637.

- A Lei de Minas atribui aos titulares de concessão mineira, certificado mineiro ou senha mineira o dever de “cumprir com as exigências de protecção, gestão e restauração ambiental”638. 633 Cfr. Artigo 39.°/1, da LFFB.

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634 Cfr. Artigo 27.°/2, da LFFB. 635 Cfr. Artigo 29.°/2, da LFFB. 636 Cfr . Artigo 55.º, da Lei de Águas. 637 Cfr . Artigo 23.º, da Lei dos Petróleos. 638 Cfr . Artigos 15.°/6 h), 18.°/2 d) e 22.°/1 c), respectivamente, da Lei de Minas. 316 Refira-se que, só mesmo, em última instância, não sendo tais formas de indemnização realizáveis, quer por motivos técnicos, quer ainda por serem excessivamente onerosas  para o devedor, será fixada f ixada uma compensação monetária639. Tal montante deverá reverter globalmente para o Fundo do Ambiente, criado pelo  Decreto n.° 30/2000, de 17 de Outubro, Outubro , para futuras acções de prevenção e precaução ambientais. Por conseguinte, entendemos ser totalmente refutável qualquer fixação de  prestações monetárias em benefício de particulares, associações ou do pró próprio prio Estado, na sequência da ocorrência de danos no ambiente. São duas as razões básicas desta  percepção: primeiro, para evitar a corrida co rrida às acções ambientais, por parte dos cidadãos ou colectividades, com a finalidade de, tão somente, auferir das eventuais indemnizações avultadas; em segundo lugar, porque “o ambiente é algo de inapropriável, de natureza eminentemente social, que respeita à colectividade”640. A quantificação desta indemnização depende da avaliação da gravidade dos danos, devendo esta ser feita através de peritagem ambiental, a qual será supervisionada pelo Governo641. Concluindo, compete, ainda, ao Estado, prevenir, conter ou eliminar qualquer dano grave ao ambiente, sempre que tal se mostre necessário, cabendo-lhe o direito de regresso pelos custos suportados642.

7.1.4 . Dificuldades de accionamento do instituto da responsabilidade civil por danos

no ambiente Porém, em nosso entender, o instituto da responsabilidade civil não prossegue uma tutela verdadeiramente cabal do meio ambiente pelos motivos a seguir retractados. 639 639 Ne Ness ssee sent sentid ido, o, ve vejjaa-se se TOM OMÉ, É, Man anue uell, e FLOR FLORES ES,, Man anue uella, Sobre a  Responsabilidade Civil por   Factos de Poluição, Poluição, Textos – Ambiente, Centro de Estudos Judiciários, 1994, p. 48.

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640 Idem 640  Idem.,., p. 49. 641 Cfr. Artigo 26.º/2, da Lei do Ambiente. 317 Em primeiro lugar, referimos a questão do nexo de causalidade entre o acto que provoca o dano e os danos que acontecem num espaço e tempo longínquos. Exemplo bastante elucidativo de tal dificuldade prende-se com o fenómeno das chuvas ácidas, que são aquelas chuvas que apresentam um nível de acidez inferior ao normal, sendo provocadas  pela presença na atmosfera de, d e, essencialmente, dois poluentes: o anidrito sulfuroso (SO2) e o óxido de azoto (NOX). O primeiro destes poluentes é provocado pela actividade industrial; o segundo deriva da queima de combustíveis. Ora, tais chuvas provocam por  vezes danos sérios e irreversíveis em locais mais ou menos distantes, tais como a destruição de florestas, em consequência da acidificação dos solos, ar e água, ou surgimento de problemas de saúde nas pessoas e animais643. Como determinar, então, o nexo de causalidade entre a poluição provocada por determinada fábrica e a destruição  parcial ou total de uma floresta localizada a quilómetros de distância?644. Em segundo lugar, surge-nos o problema da pluralidade de responsáveis, isto é, quando são vários os poluidores ou danificadores do ambiente. Ora, o artigo 490.° do Código Civil determina que “se forem vários os autores, instigados ou auxiliares do acto ilícito, todos eles respondem pelos danos que hajam causado”. Por seu turno, segundo o artigo 497.°/2, o direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das  pessoas responsáveis”. Ora, calcular tal medida da culpa pode constituir, na maioria dos casos, uma tarefa extremamente difícil645. Veja-se ainda, em terceiro lugar, a dificuldade de avaliar, para efeitos de indemnização, os chamados danos no ambiente, ou sejam, que são causados no bem jurídico ambiente

 propriamente dito, e não nos direitos e interesses dos particulares. É o caso da destruição 642 Cfr. Artigo 26.º/3, da Lei do Ambiente. 643 643 Ve Veja ja-s -see o ar arttigo int ntit itul ulad adoo  A Evolução do Dossier “Chuvas Ácidas” Ácidas”,, de VAILLANCOURT, Jean-Guy, In. “O Estado do Ambiente no Mundo”, Instituto Piaget, Perspectivas Ecológicas, Lisboa, 1995, pp. 247 – 

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248.  A Tutela Civil do Ambiente Ambiente,, Revista de 644 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, Menezes, A Direito do Ambiente e Ordenamento do Território, n.° 4 e 5, Associação Portuguesa para o Direito do Ambiente, Lisboa, Dezembro, 1999, p. 31. 645 Idem 645  Idem.. 318 de uma floresta, do desaparecimento de espécies animais, poluição de um rio ou da danificação de um conjunto de corais646. Em quarto lugar, é extremamente difícil ou até impossível identificar o autor (ou autores) dos danos ambientais ou dos danos no ambiente. Não encontrando quem responsabilizar, o instituto da responsabilidade civil não se mostra adequado para a protecção do ambiente, visto que não se está perante o esquema habitual de lesante/lesado, mas sim do interesse global da defesa do ambiente647. Em quinto lugar, pode encontrar-se identificado o esquema lesante/lesado(s), havendo lugar ao accionamento do instituto da responsabilidade civil, mas estamos perante actividades poluidoras do ambiente que, grande parte das vezes, são muito lucrativas para o agente poluidor. Embora este último esteja ciente dos efeitos ambientais nefastos da sua acção, a mesma não cessará por ser fonte de lucros substanciais. Nestas circunstâncias, mesmo que o poluidor venha a ser eventualmente condenado a reparar os danos causados, tendo em conta as vantagens por ele extraídas, não se alcança o efeito preventivo decorrente da obrigação de reparação, sendo o mesmo praticamente nulo. Em sexto lugar, urge referir que a eficácia da responsabilidade civil, como instrumento de  protecção ambiental, é também posta em causa porque por que actua a posteriori, posteriori, isto é, quando

as lesões ambientais já se mostram concretizadas, ao contrário dos mecanismos de índole  preventiva referidos no capítulo IV648. Por último, salientaríamos a morosidade da justiça como factor impeditivo do próprio acesso à justiça. Uma acção de responsabilidade civil intentada num tribunal judicial de qualquer ponto do país levaria, certamente, vários anos a chegar ao fim, com todos os constrangimentos daí inerentes, quer para as partes, entre as quais as vítimas do eventual

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646 Ibidem 646  Ibidem.. Ambiente,, 647 CANOTILHO, Gomes (coordenação científica), Introdução científica),  Introdução ao Direito do Ambiente Universidade Aberta, Lisboa, 1998, p. 146. 648 Idem 648  Idem,, p. 147 319 atentado ambiental, quer para a necessidade de restauração ou compensação ecológica dos bens jurídico-ambientais lesados. Paulo Antunes referiu, sobre este aspecto, o seguinte: “o que se constata é que a reparação de danos ambientais, fundada no princípio da responsabilidade, é extremamente precária. Não raras vezes, quando se busca uma reparação equivalente em matéria de danos ambientais, chega-se a um beco sem saída”649. Por outro lado, “os instrumentos de que a responsabilidade civil dispõe para enfrentar a hipótese de que estamos falando são amplamente inadequados. A base da sua inadequação reside no facto de que ela, como um instrumento tradicional do direito, está fundada sobre alicerces meramente individualistas e que, em tais circunstâncias, não enfrenta os problemas de maneira globalizante e contextualizada, limitando-se a percebê-los pontualmente e de forma fragmentária, como se eles não fizessem parte de uma realidade mais vasta”650.

7.1.5. A protecção eficaz do ambiente Em face do exposto anteriormente, Paulo Antunes entende que, devido ao facto de o instituto da responsabilidade civil não garantir uma protecção cabal e eficaz do ambiente, não devemos partir sob a óptica da responsabilidade, mas sim da solidariedade, reforçando-se a tónica no princípio do poluidor pagador. Isto é, em vez de se enveredar   pela reacção esporádica aos diversos atentados ambentais, na busca da ffixação ixação judicial de uma indemnização ou compensação pelos danos causados ao ambiente, o qual se pode

traduzir num longo, complexo e exaustivo caminho a percorrer, há que evidenciar a ideia de uma actuação verdadeiramente solidária e preventiva no foro ambiental. O recurso aos tribunais, para fazer accionar os mecanismos da responsabilidade civil dever ser, antes de mais, a solução excepcional, ou seja, a utilizar somente em última instância. A prioridade vai para actuação segundo um modelo preventivo, em que todos os actores económicos são chamados a contribuir em prol da protecção e conservação

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649 AN TUNES, Paulo de Bessa, Dano Bessa,  Dano Ambiental – Uma Abordagem Conceitual , Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2002, p. 270. ambientais. Isto por razões de justiça. Posto isto, fazendo funcionar o PPP, “busca-se evitar que a apropriação individual de recursos ambientais onere toda a sociedade e que as externalidades causadas por esta apropriação sejam suportadas coletivamente. Assim, aquele que se apropria dos recursos passa a contribuir para amenizar os malefícios que a sua actividade possa causar”651. Contudo, não pretendendo apresentar soluções acabadas, importa reter que tal via não logrará atingir êxitos de um dia para o outro, antes depende da vontade do Governo na definição de uma política ambiental que conceda ao princípio do poluidor pagador um espaço priviligiado de actuação; da criação de estratégias eficazes de implementação da  política correspondente, entre as quais evidenciamos a questão da transparência da gestão dos fundos monetários; da própria aderência, abertura e consciencialização do sector   privado e da sociedade civil ao postulado da responsabilidade partilhada na protecção e conservação do ambiente. Coloca-se, deste modo, a questão de saber o que fazer se, tendo ocorrido danos ambientais ou danos no próprio ambiente, não seja possível accionar o instituto da responsabilidade civil, quer porque não é possível identificar o responsável (pensemos,  por exemplo, nas chamadas cargas carga s poluentes acumuladas, produto da po poluição luição continuada, em que várias empresas podem ser, em menor ou maior dimensão,

responsáveis), quer porque não é possível estabelecer o nexo de causalidade entre o facto e aqueles danos, ou ainda, sendo tal possível, porque se torna excessivamente oneroso exigir a este o ressarcimento dos danos. É indiscutível que, por razões de justiça, não se pode deixar a situação como tal, encontrando-se as vítimas por ressarcir e o próprio ambiente por restaurar ou compensar  em termos ecológicos, somente devido à inviabilidade de dar corpo ao mecanismo da

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responsabilidade civil. Há que procurar alternativas para superar semelhante obstáculo, 650 Idem 650  Idem,, p. 276.  , p. 271. 651 ANTUNES, Paulo de Bessa, Dano Bessa,  Dano Ambiental (...) , p. sendo que, uma delas é precisamente recorrer ao Fundo do Ambiente, recentemente criado.  Nesta ordem de ideias, segundo Cláudia Soares, Soare s, “os fundos de indemnização colectivos funcionam (...) como um suporte económico à solução dos problemas ambientais que não  podem ser resolvidos através da aplicação estrita do princípio da responsabilização, quer  apoiando a indemnização das vítimas, quer financiando a restauração do ambiente”652. Henrique Antunes escreveu que “o ressarcimento dos danos ecológicos supõe a criação de estruturas autónomas da responsabilidade, uma vez que a utilização deste instituto clássico encontra alguns limites no preenchimento dos seus pressupostos, designadamente a identificação do lesante e a determinação de um nexo causal entre a conduta e os danos verificados. São soluções alternativas de interesse as que encontram fundamento no princípio do poluidor-pagador, como a criação dos fundos colectivos de indemnização”653. O Estatuto Orgânico do Fundo do Ambiente (vulgo FUNAB), aprovado pelo Decreto pelo  Decreto n.° 39/2000, de 17 de Outubro não é expresso nesse sentido. No elenco de atribuições deste fundo ecológico não consta o ressarcimento das vítimas dos danos ambientais. Julgamos, em nosso entender, que a formulação encontrada pelo Legislador está longe de ser  taxativa. Aguarda-se, assim, pelo Regulamento Interno do FUNAB, o qual nos poderá elucidar quanto à questão levantada.  No que toca aos danos no ambiente, o Estatuto foi mais longe, dizendo-nos ser atribuição

do FUNAB, entre outras, “contribuir para o fomento de actividades relacionadas com a gestão de áreas de protecção ambiental ou sensíveis, reabilitação ou recuperação de áreas degradadas”654. Pode-se utilizar a parte final deste preceito para fundamentar o ressarcimento de danos que tenham sido causados ao ambiente enquanto bem jurídico autónomo, independentemente das eventuais lesões de direitos ou interesses particulares.

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652 SOARES SOARES,, Cl Cláu áudi diaa Di Dias, as, O Imposto Ambiental – Direito Fiscal do Ambiente, Ambiente , Cadernos CEDOUA, CEDOUA, Coimbra, Janeiro, 2002, p. 64. Respons abilidade Civil , Estudos de Direito 653 ANTUNES, Henrique Sousa, Ambiente Sousa, Ambiente e Responsabilidade do Ambiente, Publicações Universidade Católica, Porto, 2003, p. 174.  Nestes termos, poder-se-á concluir co ncluir que a protecção jurídica do ambiente não depende depend e exclusiva nem principalmente da aplicação da responsabilidade civil. Torna-se necessário recorrer a outros instrumentos de carácter preventivo, nomeadamente os impostos e taxas ecológicas, a avaliação do impacto ambiental, a auditoria ambiental e o plano de gestão ambiental das actividades, pelo que, há que reforçar o papel do princípio da prevenção.

7.2. A tutela penal do ambiente Antes de enveredarmos na leitura do regime penal de protecção do ambiente, é imperioso que façamos uma breve abordagem da tendência que tem vindo a acontecer em diversos ordenamentos jurídicos no sentido da neocriminalização de comportamentos que ofendam, de forma particularmente grave, o bem jurídico ambiente. Isto num contexto em que não existe ainda, no nosso país, nenhum capítulo sobre crimes ambientais no Código Penal vigente, e muito menos uma lei extravagante que fixe os tipos legais de crimes ambientais e correspondentes sanções, não obstante ter sido elaborado e entregue ao MICOA, no final da década de noventa, um anteprojecto sobre os crimes ambientais. Germano Marques da Silva escreveu recentemente sobre o regime jurídico-penal de  protecção do ambiente em Portugal, dizendo que “a consciência da relevância da qualidade do meio ambiente para a saúde e bem estar dos cidadãos erigiu o ambiente

natural em bem jurídico a exigir tutela criminal, porque é essencial para a qualidade da vida colectiva e individual. A razão da incriminação é a relevância dos bens protegidos e a gravidade das sanções aplicáveis aos infractores das normas é justificada pela gravidade do dano e pelas consequências indirectas para a vida e saúde das pessoas”655. O Código Penal vigente, por força do dispositivo constitucional instituído pelo artigo 203.°, data ao distante ano de 1852, com um sucedâneo de reformas em 1867, 1844 e

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1886, ano em que foi feita uma nova publicação. Daí em diante, registaram-se breves 654 Cfr. Artigo 2.° b), do Decreto do Decreto n.° 39/2000, de 17 de Outubro. Outubro . reformas, nomeadamente, as de 1936, 1954, 1957 e 1972. Esta última, operada pelo  Decreto-Lei n.º 184/72, 184/72 , passou a vigorar em Moçambique através da Portaria da  Portaria n.º 342/74, de 29 de Maio, Maio, portanto, dois anos depois e por força das mudanças políticas operadas  pelo 25 de Abril, em Lisboa.  Não obstante a inércia do Legislador nacional no domínio do mínio do direito penal do ambiente, é  possível identificar no Código Penal alguns tipos legais de crime nos quais estão em causa comportamentos susceptíveis de ofender, em termos graves, este bem jurídico. Importa referir o facto de, na época da sua construção (finais do séc. XVIII), vingar uma visão assumidamente antropocêntrica. A sistematização do CP obedece fundamentalmente a duas divisões: uma que comporta os crimes em geral, e outra que respeita aos crimes em especial. Na parte especial, o título V, trata dos crimes contra a propriedade, e o capítulo IV versa a matéria relativa aos incêndios e danos, enquanto a secção II trata especificamente dos danos.

7.2.1. Dos crimes contra a propriedade Os danos que constituem objecto de tutela criminal na referida secção II, reportam-se a árvores de fruto e animais. Vejamos, em primeiro lugar, os danos relativos a árvores de fruto. O artigo 476.° do CP prevê uma pena de prisão de 3 a 30 dias e multa até um mês para quem cortar ou destruir, mutilar ou danificar de modo a perecer, qualquer árvore frutífera ou não frutífera, ou enxerto. Tratando-se de árvores plantadas em lugar público, estrada,

caminho público ou conselho, as penas serão elevadas para o dobro, sem que se exceda o máximo da prisão e multa.

655 SILVA, Germano Marques Marques da, da, A  A Tutela Penal do Ambiente Ambiente,, In. “Estudos de Direito do Ambiente”, Colecção “Actas” , Publicações Universidade Católica, Porto, 2003, p. 20.

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324 Estas penalizações fazem parte do sistema geral de protecção das árvores em geral, independentemente do terreno onde se encontrem. Paralelamente, coexiste um sistema de especialidade de protecção às árvores sitas em terrenos sujeitos ao regime florestal, não sem que deixem de estar sujeitas às regras de protecção relativas às árvores em geral. É assim que em relação a árvores plantadas em lugar público ou estrada, árvores que constituem o património nacional e árvores florestais, foi criada legislação complementar. O CP prevê ainda a aplicação do mesmo tipo de penas, as do artigo 472.°, para os infractores que destruírem, no todo ou em parte, seara, vinha, horta, plantação, viveiro ou sementeira, pertencente a outrem. De salientar que este tipo de delito é classificado de crime público, tendo o Ministério Público competência para o exercício da respectiva acção penal. O emprego de substâncias venenosas ou corrosivas com vista à destruição, de entre outras coisas, de animais pertencentes a outrem ou ao Estado, é sancionável com a pena de  prisão maior de 2 a 8 anos, nos termos do artigo 478.° do CP. Há que ter em atenção qque ue os meios venenosos só podem ser usados quando a lei o permitir e desde que não ponham em risco a vida humana, segundo a doutrina jurisprudencial. Relativamente aos danos em animais, tem-se que a vida dos animais também é tutelada  pelos dispositivos do CP, nomeadamente pelo artigo 479.°, que q ue dispõe sobre: besta cavalar, gado vacum ou de rebanho, fato ou vara, animais domésticos das espécies referidas. Quaisquer animais deste tipo que forem feridos ou mortos voluntariamente por  alguém e pertencente a outrém, o autor sujeita-se a uma pena de prisão de um mês a um ano e multa correspondente, podendo ser agravada de acordo com as circunstâncias enunciadas no próprio artigo. 325

Atente-se no facto de o procedimento judicial neste caso depender de queixa do ofendido, tendo as sociedades protectoras dos animais legitimidade para interpor acção judicial em casos de violência contra animais656. Outra modalidade de danos que importa ter presente são os danos resultantes de incêndios. Este tipo de danos também é alvo de tratamento adequado. Assim, o fogo  posto em seara, floresta, mata ou arvoredo, arvo redo, é punível com prisão maior de 8 a 12 an anos, os,

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nos termos do artigo 464.º, do CP, sendo este crime classificado como crime de perigo. Os danos provocados por incêndios meramente culposos estão previstos no artigo 482.º, do CP e são passíveis de penas de multa de 1 mês ou de outras penas previstas em legislação avulsa ou regulamentos como contravenções.

7.2.2. Dos crimes contra a ordem e tranquilidade pública  No título III que trata dos crimes contra a ordem e tranquilidade pública, o capítulo VIII versa sobre armas, caças e pescarias defesas. Assim, a caça ilícita, tendo em conta as posturas municipais ou os regulamentos da Administração Pública, é punida com a pena de prisão de 3 a 30 dias e multa correspondente, segundo dispõe o artigo 254.º, do CP. Atente-se ao facto de que o conceito de caça ilícita é abrangente, porquanto, reporta-se tanto ao período em que a caça não é permitida, bem como ao modo não permitido na realização da mesma. Quanto à pesca, se esta for praticada nos meses de defeso, o sancionamento previsto será conforme as posturas municipais ou regulamentação da Administração Pública. A utilização de redes não previstas nesta mesma regulamentação, ou a utilização de outros meios que mate o peixe, também são passíveis de pena de prisão de 3 a 30 dias e multa correspondente, conforme dispõe o artigo 255.°, do CP, que é complementado por  legislação avulsa relativa a outros meios de pesca, nomeadamente, explosivos ou 656 Vejam-se o Decreto o Decreto n.º 5650, de 10 de Maio de 1919 e o Decreto o  Decreto n.º 5864, 58 64, de 1122 de  Junho de 1919. 1919. venenos. A caça submarina, a pesca desportiva e a pesca no alto mar por embarcações estrangeiras são objecto de legislação específica.

7.2.3. Da tutela indirecta à tutela directa do ambiente Para além destas disposições do Código Penal e da legislação complementar referida, existe todo um conjunto de leis ordinárias, decretos e posturas que regulamentam uma série de actividades, protegem recursos económicos e patrimoniais, e estabelecem  penalizações para o caso da sua inobservância, constituindo aquilo que habitualmente se

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designa por Direito Penal Administrativo. Assim, quer o CP vigente, com cerca de um século e meio de existência, contemplando os tipos tradicionais de crimes de perigo e de dano que defendem a vida e a saúde das  pessoas e os recursos recurs os económico-sociais, quer toda a restante legislação contravencional, tutelam bens jurídicos que acabam por proteger indirectamente o ambiente na tal  perspectiva utilitarista que o Homem faz da Natureza. Esta tutela indirecta é manifestamente insuficiente para garantir a realização da Política  Nacional do Ambiente cuja gestão, como vimos, é da responsabilidade respon sabilidade dos vários sectores governativos sob a coordenação do MICOA, realização esta que deve saber  orientar-se para a concretização do direito ao ambiente como direito fundamental do cidadão e como dever jurídico-constitucional do Estado. A Lei do Ambiente define o ambiente como “o meio em que o Homem e outros seres vivem e interagem entre si e com o próprio meio”, incluindo, conforme vimos, o ar, a luz, a terra e a água; os ecossistemas, a biodiversidade e as relações ecológicas; toda a matéria orgânica e inorgânica; e todas as condições sócio-culturais e económicas que afectam a vida das comunidades. Esta definição permite-nos identificar quais os valores ambientais que carecem de  protecção jurídico-penal. Estes valores estão es tão distribuídos por duas componentes:

- uma, a componente ambiental natural de que fazem parte o ar, a luz, a água, o solo, o subsolo, a flora e a fauna;

- outra, a componente ambiental humana constituída pelo património cultural construído e a paisagem. Em consequência, as ofensas ecológicas que podem ocorrer são as ofensas decorrentes de actividades poluidoras e actividades danificadoras. No quadro das actividades poluidoras  podem distinguir-se as poluições atmosférica, marinha, mar inha, hídrica, sonora, química e

luminosa.  No quadro das actividades danificadoras podemos identificar as danificações do solo, s olo, do subsolo, da flora, da fauna e, ainda, a ofensa da paisagem. Esta matéria já não é fácil pela sua própria natureza, mas a Lei do Ambiente também  pouco ou nada nos ajuda a torná-la torn á-la mais explícita, porquanto, aí encontramos a definição de actividade como “qualquer acção, de iniciativa pública ou privada, relacionada com a

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utilização ou a exploração de componentes ambientais, a aplicação de tecnologias ou  processos produtivos, planos, programas, actos legislativos ou regulamentares, que q ue afecta ou pode afectar o ambiente657”. O mesmo acontece com o conceito de poluição que é definido como “a deposição no ambiente de substâncias ou resíduos, independentemente da sua forma, bem como a emissão de luz, som e outras formas de energia, de tal modo e em quantidade tal que o afecta negativamente”658. Mas não existe qualquer noção de ofensa ecológica ou ilícito ambiental, pelo que nos socorremos dos ensinamentos do Professor Diogo Freitas do Amaral para quem ofensa ecológica “é todo o acto ou facto humano, culposo ou não, que tenha como resultado a  produção de um dano nos componentes compon entes ambientais protegidos”659.

657 Cfr. Artigo 1.°/1, da Lei do Ambiente. 658 Cfr. Artigo 1.°/21, da Lei do Ambiente. 659 AMARAL, AMARAL, Diog Diogoo Frei Freitas tas do,  Análise Preliminar da Lei de Bases do Ambiente Ambiente,, Direito do Ambiente, INA, Oeiras, 1994, p. 244. Ora, se a Lei do Ambiente não nos dá qualquer noção de ofensa ecológica como também não faz qualquer tipificação das actividades que possam ofender o ambiente, acabando  por remeter a questão para a legislação ordinária, então, a questão que agor agoraa se nos

coloca é a de saber qual a forma jurídico-penal que deverão assumir as ofensas ecológicas.

7.2.4 . Enquadramento dos ilícitos penais ambientais A multiplicitude e a diversidade de ofensas ecológicas que põem em causa o ambiente estão directamente conexionadas com o avanço da técnica que se processa a ritmo

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estonteante (por exemplo, a tecnologia que se emprega no abate das florestas). Assim sendo, a descrição das condutas ilícitas enfrenta um dilema: ou a descrição se torna demasiado ampla, pondo em causa a sua tipificação, ou a descrição se faz por forma restrita, e corre o risco de rapidamente se desactualizar em função do referido ritmo da evolução técnica. Nestas circunstâncias, a que enquadramento devem obedecer as infracções jurídico-penais ambientais? O Professor Figueiredo Dias660 coloca-nos três possibilidades:

- a de crimes de lesão efectiva de bens jurídicos; - a de crimes de perigo comum, abstracto ou concreto; - a de crimes de desobediência às proibições ou limitações, ordens e directivas da autoridade competente. Seguindo de perto as coordenadas de tão ilustre autor, diremos que tipificar as ofensas ecológicas como crime de dano, ao lado dos tradicionais crimes contra a vida e a saúde, a questão apresenta-se como um pau de dois gumes: implica aceitar-se o facto da sua 660 DIAS, Figueiredo, Sobre o papel do direito penal na protecção do ambiente, ambiente, RDE, ano IV, n.º 1, Janeiro/Junho, 1978, pp. 6 e seguintes. inevitabilidade como risco do próprio progresso, ou a sua frequência acabaria por  constituir uma arma de paralização das actividades económicas. Conceber os delitos ecológicos como crimes de perigo comum numa ordem jurídica dominada pelo princípio da culpa, de que Moçambique é exemplo, a sua estrutura terá de ser em tudo idêntica à dos crimes de perigo comum, ficando a sua aplicação condicionada “pela obtenção da prova de que uma concreta conduta criou um perigo real para o bem

 jurídico protegido”. Afigura-se-nos que as dificuldades de produção de pprova rova inerentes aos crimes contra a vida das pessoas tornariam bastante difícil ou impossível fazê-lo em relação aos valores ambientais. Constituindo os delitos ecológicos como crimes de perigo abstracto cuja “punibilidade resulta simplesmente da presunção legal de que certas espécies de condutas são adequadas à produção de certos perigos” considera o Professor Figueiredo Dias que tais

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delitos “perderiam então a sua dignidade penal e a sua relevância ético-social seria descaracterizada, devendo, como tal, fazer parte das leis de mera ordenação social, de carácter não penal”661.  Neste âmbito, qual será então a solução? Considerar Consider ar os “delitos ecológicos como delitos de desobediência à entidade estadual encarregada de fiscalizar os agentes poluentes e competente para lhes conceder autorizações ou lhes impor limitações ou proibições de actividade”662. E conclui o ilustre Professor que “a desobediência às prescrições da entidade competente constituirá, justamente, a ilicitude típica dos delitos ecológicos”, sendo punível qualquer pessoa singular ou colectiva cuja conduta incorra na violação das normas administrativas protectoras do ambiente663. Sem dúvida que esta solução poderá ser proveitosa para países onde a Administração Pública seja “eficaz, o que passa por um sistema integrado com clara repartição de 661 Idem 661  Idem..  Ibidem. 662 Ibidem. 662 663 DIAS, Figueiredo, Sobre o papel (..), pp. 6 e seguintes. competências, actuante, o que pressupõe acção no terreno (...) e séria, e portanto impermeável a todo o tipo de corrupção”664. Este posicionamento sobre o papel da Administração merece uma séria reflexão, em  particular, nos países em desenvolvimento, ao ponto pon to de o Professor Paulo Machado entender que a situação na América Latina é bem diferente da Europeia, onde “a menos que a lei - ela própria - não contenha preceitos reguladores e protectores do ambiente, os Poderes executivos não se têm mostrado ágeis e com vontade política determinante para  punir a agressão ambiental”665.

E que dizer de nós? Tendo em consideração que “a criminalização do perigo tem por  fundamento o objectivo de que a sociedade quer evitar o resultado da acção perigosa” e que no entender de outros notáveis jurisconsultos - Giovanni Grosso, Eduard Dreher e Herbert Trondle - dizem estes últimos relativamente aos crimes de poluição do ar e de  poluição sonora que “o crime não necessita ne cessita nem a ocorrência de dano, nem a existência de perigo concreto, bastando que as emissões sejam adequadas a causar danos”666,

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afigura-se-nos que a nossa realidade se situa mais próxima daquela que nos retrata o Professor Paulo Machado e, portanto, a opção a fazer será a de não deixar a incriminação  penal ambiental em branco confiando na regulamentação e execução da Administração.

7.2.5. O direito penal na protecção do ambiente O Direito Penal ao tutelar os valores dominantes que a consciência social determina em dado momento, em matéria ambiental, essa tutela deve igualmente atentar às exigências do progresso tecnológico, como forma de garantir o equilíbrio ecológico, a qualidade de vida e um ambiente saudável. 664 SANTOS, António L., apud Santos Moura, Protecção Moura, Protecção Penal do Ambiente, Ambiente , Alcobaça, 1996. Brasileiro,, 6.ª edição, revista, atualizada e 665 MAC MACHAD HADO, O, Paul Paulo, o,  Direito Ambiental Brasileiro ampliada, Malheiros Editores, S. Paulo, 1996, p. 525. 666 Idem 666  Idem,, p. 526. Ao Direito Penal cabe tutelar, indirecta e directamente, os crimes de perigo e de dano,  bem como os crimes de desobediência, quando o ambiente seja o bem jurídico protegido. Em nosso entender, as soluções mistas são as que se nos afiguram como as mais adequadas à nossa realidade, porquanto, garantirão a protecção do ambiente enquanto  bem jurídico autónomo e, concomitantemente, a protecção de outros o utros bens jurídicos, tal como a vida, a integridade física e a saúde. Sendo o direito ao ambiente um direito fundamental dos cidadãos moçambicanos constitucionalmente consagrado, ao Direito Penal caberá reprimir as manifestações mais agressivas das actividades e condutas que ponham em causa os valores protegidos,

cientes de que as maiores perturbações no domínio do ambiente são provocadas por   pessoas colectivas e não por pessoas p essoas individuais, embora não se possam descurar de forma alguma os danos de que estas são igualmente causadoras, v.g., queimadas a nível rural, resíduos sólidos a nível urbano, abate ilegal de árvores e de animais, etc.  Neste âmbito, há que ter em consideração que a responsabilidade criminal recai única e individualmente nos agentes de crimes ou de contravenções, de acordo com o disposto no

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artigo 28.°, do Código Penal, o que significa a consagração da norma “societas delinquire non potest”, potest”, tornando-se necessário legislar no sentido de responsabilizar   penalmente as pessoas colectivas. Todavia, não se pense que com a criminalização das condutas atentatórias ao ambiente que os problemas ficarão resolvidos. Antes de mais cabe à tutela administrativa regulamentar devidamente os padrões que assegurem a qualidade desejável do ambiente e tomar medidas de controle sobre as actividades potencialmente poluidoras, pelo que as contravenções desempenham um papel igualmente importante na protecção ambiental. Assim, a acção preponderante deve desenvolver-se no domínio da prevenção e não deixar  exclusivamente para o campo da repressão as soluções do evitável, porque um dos  princípios fundamentais do direito ambiental é exactamente o princípio da precaução. pr ecaução.  Neste contexto, cabendo ao Direito Penal a protecção eficaz dos recursos naturais, do do  património nacional e da qualidade de vida, tem de pensar-se pensar -se também nas respectivas  penalizações e que nem só a prisão constitui solução. Tem de haver soluções alternativas, como por exemplo, a prestação de serviços à comunidade e a interdição temporária de direitos, bem como a perda de equipamentos utilizados nas infracções revertendo a favor  da protecção ambiental, tudo na perspectiva de que a tendência na moderna política criminal é a de valorizar as sanções não detentivas. Além do mais, “o direito penal só deve ser utilizado como último recurso, quando todos os outros meios – a sanção administrativa, a civil – não derem certo. Onde bastem os meios do direito civil ou do direito público, o direito penal deve retirar-se”667. A futura legislação no âmbito dos crimes ambientais deverá abarcar tudo isto e muito mais, entendendo-se que a sede própria é a da legislação extravagante a qual, sem retirar  a dignidade do direito ao ambiente, e sem prejuízo da necessária sistematização, mostrase mais flexível à evolução das necessidades permanentes desta matéria, o mesmo já não

acontecendo com a codificação, além de que é necessária uma certa sedimentação na construção do direito, própria dos critérios de certeza e de segurança que caracterizam em  particular as normas penais. Por fim, diremos que o Direito Penal é apenas um dos contributos de que o homem moçambicano dispõe para proteger a qualidade de vida, vida esta que exige antes de mais uma consciência ambiental desperta e activa, sendo necessária uma vontade e um saber 

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 político que corrijam erros do passado longínquo e recente, e nos projectem para um futuro com pleno gozo do direito à vida.

7.3. Legitimidade processual e a tutela do ambiente 7.3.1. Titularidade individual e supra-individual de direito s 667 NETO, Fernando da Costa Lourinho, Dano Lourinho, Dano Ambiental , Palestra, Brasil, 1996. O artigo 72.°, da Constituição da República de Moçambique, estabelece que todo o cidadão tem direito a viver num ambiente equilibrado e o dever de o defender, pelo que, resulta claramente a atribuição simultânea de um direito ao ambiente e o correspondente dever de o defender. Para efeitos de legitimidade processual em matéria de ambiente importa demarcar o sentido deste direito e deste dever. Assim, o direito ao ambiente consiste na "faculdade de exigir de terceiros determinadas condutas, activas ou omissivas". O dever de defesa do ambiente envolve duas dimensões fundamentais a saber:

- uma preventiva, que consiste na obrigação de não contribuir para a degradação do meio ambiente;

- outra repressiva, que comporta a reacção contra qualquer ofensa ao meio ambiente, podendo desencadear-se tal reacção por meios não jurisdicionais ou através de recurso aos tribunais. A titularidade deste direito e deste dever, tanto pode constituir uma titularidade individual, como supra-individual. A titularidade será individual quando diga respeito a cada um dos indivíduos directamente interessados nesse direito e nesse dever; e será supra-individual quando tal direito e correspondente dever incumbe a todas as pessoas da

sociedade em geral e a cada um em particular. Quando nos situamos numa perspectiva de titularidade individual, o direito ao ambiente engloba o conjunto dos direitos subjectivos do cidadão, e o dever de defesa do ambiente caracteriza-se como um dever jurídico. Se, porém, a perspectiva for supra-individual, este direito e respectivo dever assumem uma “dimensão pluri-subjectiva”, integrando uma categoria de interesses aos quais modernamente se chamam interesses difusos.

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Para Miguel Teixeira de Sousa, o interesse difuso “corresponde a um interesse  juridicamente reconhecido e tutelado, cuja titularidade pertence a todos e a cada um dos membros de uma comunidade ou de um grupo mas não é susceptível de apropriação individual por qualquer um desses membros”668. Como se pode depreender da própria definição, os interesses difusos não são interesses  públicos, não são interesses colectivos e nem são interesses individuais, porquanto, a sua titularidade não pertence a qualquer entidade ou órgão público, nem a qualquer  comunidade ou grupo, e são inapropriáveis individualmente. Como tal, os interesses difusos pertencem a qualquer um e a todos os membros de uma comunidade ou de um grupo. Na medida em que os interesses difusos constituem interesses não públicos e não individuais, não podem ser integrados na dicotomia habitual de interesses públicos ou  privados.  No que concerne ao direito fundamental fund amental ao ambiente a que nos vimos reportando, podes podesee dizer que constitui tanto um direito subjectivo, como um interesse difuso. Quando se trate de direito subjectivo estamos perante uma titularidade individual. Tratando-se de um interesse difuso a titularidade é indiferenciada. Vejamos, então, a problemática dos interesses difusos e a legitimidade para a protecção  jurisdicional do ambiente. A tutela dos interesses difusos está es tá salvaguardada pela garantia constitucional do acesso ao direito e à justiça estabelecida no artigo 82.°, da Constituição da República de Moçambique, que expressamente consagra que todo o cidadão tem direito de recorrer aos tribunais contra os actos que violem os seus direitos reconhecidos  pela Constituição e pela lei. Por outro lado, a Lei do Ambiente prevê, no seu artigo 21.°, o direito de acesso à justiça. Ao interpretarmos tal artigo, constatámos que o Legislador procurou determinar quem tem legitimidade para aceder às instâncias jurisdicionais no domínio da conflitualidade

ambiental e fê-lo, no que toca aos cidadãos, através de duas vias: 668 SOUSA, Miguel Teixeira, Legitimidade Teixeira, Legitimidade Processual e Acção Popular no Direito do  Ambiente, Direito do  Ambiente, Ambiente, INA, Oeiras, p. 412.

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- “Qualquer cidadão que considere terem sido violados os direitos que lhe são confiados por esta Lei, ou que considere que existe ameaça de violação dos mesmos, pode recorrer às instâncias jurisdicionais para obter a reposição dos seus direitos ou a prevenção da sua violação”669;

- “Qualquer pessoa que, em consequência da violação das disposições da legislação ambiental, sofra ofensas pessoais ou danos patrimoniais, incluindo a perda de colheitas ou de lucros, pode processar judicialmente o autor dos danos ou da ofensa e exigir a respectiva reparação ou indemnização”670. Assim, no primeiro caso, ao contrário do segundo, não se exige a ocorrência de danos na  pessoa ou na propriedade do autor, mas tão somente a violação ou ameaça de vviolação iolação de direitos consagrados na Lei do Ambiente. Logo, trata-se, entendemos nós, do encaminhamento do Legislador para a tutela do direito difuso ao ambiente,  possibilitando-se que pessoas ou grupos gr upos de pessoas actuem em nome de um direito d ireito que é de todos, independentemente do respectivo interesse directo agir em demandar671. Aliás, tal vem já expressamente reconhecido na LPCA no que toca ao acesso à justiça administrativa672. Paralelamente, é reconhecido a todos os cidadãos o direito de apresentar petições, queixas e reclamações perante autoridade competente para exigir o restabelecimento dos seus direitos violados ou em defesa do interesse geral, conforme o disposto no artigo 80.°/1, da CRM. O artigo 81.°, da CRM, dispõe que o cidadão pode impugnar os actos que violem os seus direitos estabelecidos na Constituição e nas demais leis. 669 Cfr. Artigo 21.°/1, da Lei do Ambiente. 670 Cfr. Artigo 21.°/2, da Lei do Ambiente.

671 Conforme consta no número 26.°/1, do CPC, segundo o qual “o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar (...)”. Trata-se, portanto, um primeiro passo no sentido da superação do conceito clássico de legitimidade. 672 Cfr. Artigo 38.º, da LPAC.

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Ora, os direitos em causa tanto podem ser direitos pessoais e individuais ou direitos subjectivamente indiferenciados. Portanto, o problema que agora se nos coloca é o da legitimidade processual das partes, ou seja, trata-se de saber quem pode instaurar a acção  para defesa do direito, particularmente, para par a defesa da tutela dos interesses difusos. difuso s. E aqui pode-se fazer uma opção entre a legitimidade individual (quando o interesse seja directo, pessoal e legítimo) e a legitimidade difusa, que se distingue da legitimidade individual e da legitimidade pública do Ministério Público que, em Moçambique, não se encontra regulamentada.

7.3.2. Casos de legitimidade individual  No âmbito do direito civil, o direito ao ambiente pode traduzir-se num direito subjectivo ou interesse individual, e alguns preceitos constituem paradigma desta concepção. Vejamos:

- O artigo 493.º/2, do Código Civil, estabelece a obrigação de indemnização por  danos causados por uma actividade perigosa pela sua própria natureza ou pelos meios utilizados;

- No artigo 509.º, do Código Civil, a obrigação de indemnização respeita r espeita a danos causados por instalações de energia eléctrica ou de gás;

- O artigo 1346.º, do Código Civil, atribui ao proprietário de um imóvel a faculdade de se opor à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos e à  produção de trepidações ou de d e quaisquer factos semelhantes proven provenientes ientes de  prédio vizinho;

- O artigo 1347.º/1, do Código Civil, proíbe o proprietário de construir ou manter  no seu prédio quaisquer obras, instalações ou depósitos de substâncias corrosivas

ou perigosas, se for de recear que possam ter sobre o prédio vizinho efeitos nocivos não permitidos por lei. A legitimidade processual para as acções respeitantes a estas situações, no âmbito do  processo civil, analisa-se à luz do artigo 26.º, 26 .º, do CPC, que determina que o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar, sendo o réu parte legítima quando

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tem interesse directo em contradizer. Os autores que queiram ver ressarcidos os danos sofridos na sua pessoa ou património, ou que desejem prevenir ou repelir uma ofensa à sua qualidade de vida, têm legitimidade  para instaurar a respectiva acção, porquanto, nos termos do artigo 26.º/1, do CPC, são titulares de um interesse em demandar, resultante da titularidade de um interesse tutelável. Estes casos constituem exemplo da legitimidade individual que invoca um direito ou interesse próprio e exclusivo decorrente do direito ao ambiente, garantido constitucionalmente pelo artigo 72.°, da CRM.

7.3.3. A questão da legitimidade difusa A nível dos ordenamentos jurídicos do direito comparado encontramos várias soluções  para o problema da legitimidade processual relativa a interesses interess es difusos, consoante o modelo de tutela jurídica instituído.  No modelo de protecção governamental ou estadual, es tadual, a tutela é atribuída ao Ministério Público ou a um órgão estadual equivalente. No modelo das relator actions, actions, típico dos  países da Common Law, Law, à excepção dos EUA, a tutela é concedida a um particular ou a uma associação, a quem o Ministério Público atribui os seus próprios poderes e respectivas prerrogativas. Já no modelo das organizational actions, actions, a tutela compete às associações de defesa dos respectivos interesses. Quanto ao modelo das class actions, actions, de que os EUA são exemplo, a tutela pertence a cada membro do grupo de pessoas que pode demandar em nome de todas elas, mesmo sem prévio consentimento. Perante este quadro coloca-se-nos a questão de saber em que modelo se enquadra a tutela  jurídica do direito ao ambiente no sistema actualmente em vigor em Moçambique. Tendo como base o já citado artigo 80.°, da CRM, regulamentado pela Lei pela  Lei n.º 2/96, de 4

de Janeiro, Janeiro, há que ter em conta que, no artigo 1.°, da referida lei, estabelece-se que o direito de petição é exercido perante a autoridade competente, com excepção dos tribunais. Este direito pode ser exercido em simultâneo com outros meios legais de defesa dos direitos ou de interesses legítimos, conforme dispõe o artigo 3.°, da mencionada lei,  podendo ainda ser exercido a título individual ou colectivo673. A petição deverá ter por objectivo:

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- adopção de determinadas medidas por qualquer instituição ou autoridade pública; - a reclamação ou impugnação de uma medida, acto ou decisão, de entidade ou funcionário;

- apreciação, ponderação ou revisão de uma determinada medida; Por sua vez, estando o direito de associação consagrado no artigo 76.°, da CRM, o respectivo n.º 2 estabelece que as organizações sociais e as associações têm o direito de  prosseguir os seus fins. A Lei A  Lei n.º 8/91, de 18 de Julho, Julho , que regulamenta o direito à livre associação dispõe que a personalidade jurídica outorgada a uma associação confere-lhe a capacidade de adquirir e exercer direitos, bem como de contrair obrigações que correspondam à realização dos seus fins estatutários674. Ficou assim aberto o caminho  para as primeiras associações de defesa do meio ambiente, às quais caberá caberá,, certamente, um papel crucial na defesa do direito fundamental do ambiente, quer judicial quer  extrajudicialmente, e na promoção de acções de educação e sensibilização ambientais. Jane iro. 673 Cfr. Artigo 4.°/2, da Lei da  Lei n.° 2/96, de 4 de Janeiro. 674 Cfr. Artigo 8.°, da Lei da Lei n.° 8/91, de 18 de Julho. Julho . Além do mais, compete ao Ministério Público a defesa dos valores ambientais protegidos  pela Lei do Ambiente, “sem prejuízo da legitimidade dos lesados para propor p ropor as acções nela referidas”675. Por outro lado, a LPAC atribui legitimidade para interpor recurso contencioso aos titulares do direito de acção popular, independentemente de estes terem interesse directo,  pessoal e legítimo na interposição do recurso676. recurso67 6.  Nestes termos, pode-se concluir que relativamente à defesa do ambiente em geral, e do direito ao ambiente em particular, afigura-se-nos que o sistema moçambicano atribui

legitimidade aos cidadãos individualmente considerados, às associações de acordo com os seus fins e ainda ao Ministério Público, enquanto órgão máximo que zela pela legalidade. 675 Cfr. Artigo 21.°/4, da Lei do Ambiente. 676 Cfr. Artigo 38.°, da LPAC.

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\ “ASSISTE-SE EM TODO O MUNDO AO DESPERTAR DE UMA NOVA VONTADE POLÍTICA DE ABRANDAR O ÍMPETO QUE NOS ARRASTA PARA A CATÁSTROFE AMBIENTAL. O DESAFIO É AGORA ACELERAR O CRESCENTE RECONHECIMENTO DESTE PADRÃO E ORGANIZARMO-NOS PARA MUDAR O PRESENTE RUMO – ANTES DE SERMOS LEVADOS PARA LÁ DO PONTO EM QUE A CATÁSTROFE ECOLÓGICA É INEVITÁVEL”. Gore, Al, A Al, A Terra à procura de um  Equilíbrio – Ecologia e Espírito  Humano,, Incursões, Editorial  Humano Presença, Lisboa, 1993.

Capítulo Oitavo - Direitos e deveres dos cidadãos 8.1. O papel dos cidadãos em relação ao ambiente Vimos até agora que cabe ao Estado, representado pelos seus diversos órgãos, um papel crucial no domínio da protecção e conservação ambientais, e na prossecução do desenvolvimento do país em moldes que se pretendem sustentáveis. Ora, é também facto assente que, o sucesso da implantação de qualquer política ambiental pressupõe, necessariamente, uma postura activa, racional e responsável dos cidadãos. Isto é, sem a aderência dos cidadãos à causa ecológica, é praticamente impossível conseguir qualquer  conquista no âmbito da implementação de uma política ambiental. Trata-se, portanto, de assumirmos a consciência de que todos devemos fazer algo em prol do meio ambiente, nem que seja através do exercício de acções que, à partida, parecem insignificantes, mas que, somadas às pequenas acções dos restantes cidadãos, constituem

uma vitória importante em relação a um passado que se caracterizou pelo alheamento em matéria ambiental. Tais acções podem traduzir-se, a título de exemplo, nos seguintes comportamentos: ensinar os nossos filhos a respeitar e valorizar as plantas; não deitar o “lixo” para o chão, mas sim num local ou recepiente adequados; poupar no uso da água e da luz; racionarmos o uso de papel; não abusar no consumo de sacos pásticos, etc.. Bernardo Ferraz, quando ministro para a coordenação da acção ambiental, disse que “o

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 principal problema ambiental no nosso país é o homem”677. Ora, tais palavras fazem total sentido, principalmente quando olhamos para a realidade do nosso país, no qual muito  pode ser feito através de uma mudança mudanç a de conduta por parte de todos e cada um de nós. Se conseguirmos tal mudança, os benefícios serão imensuráveis: teremos mais qualidade de vida, mais ambiente, mais desenvolvimento económico e, em suma, um país melhor. Tal postura pressupõe que o cidadão assuma, desde logo, o conjunto de direitos e deveres que se encontram consagrados na legislação ambiental em vigor no nosso país, os quais constituem decorrência lógica do artigo 72.°, da Constituição da República de Moçambique. Passamos, de seguida, a analisar alguns desses direitos e deveres.

8.2. Direitos dos cidadãos Ao abrigo do capítulo oitavo, da Lei do Ambiente, foram conferidos aos cidadãos um conjunto de direitos e deveres, que consubstanciam a materialização de princípios fundamentais consagrados na Constituição da República de Moçambique, nomeadamente: - Direito à informação678; - Direito à educação679; - Direito de acesso à justiça680. A inovação que este capítulo pretendeu introduzir foi a necessidade de realçar o primado constitucional que estabelece os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos em matérias ambientais, com vista a permitir uma maior participação e comprometimento dos cidadãos para a sua efectivação. Contudo, urge referir um direito que, não obstante não ter sido incluído expressamente no capítulo referente aos direitos e deveres dos cidadãos, encontra-se presente em toda a

génese do sistema jurídico-ambiental. Estamos a falar do direito à participação no  processo de tomada de decisões no domínio ambiental. 677 PROMARTE / TVM, Co – produção para o Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental, A Ambiental,  A

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 Poluição,, colecção ABC do Ambiente, realizado por Chico Carneiro, com base num  Poluição texto de Felicidade Munguambe, Moçambique, 1999. 678 Cfr. Artigo 74.º/ 2, da CRM. 679 Cfr. Artigo 92.º, da CRM. 680 Cfr. Artigo 105.º, da CRM.

8.2.1. Direito à participação no processo de tomada de decisões no domínio ambiental Para que os cidadãos possam exercer os direitos ambientais, torna-se necessário que o Estado realize esforços no sentido de, mais que o mero reconhecimento de tais direitos, crie condições para que tal exercício se efectue. Tal passa por uma visão da Administração Pública como entidade aberta, transparente e verdadeiramente ao serviço dos cidadãos. Segundo Melo Rocha, “a questão da informação e participação tem a sua base de partida da formatação do direito do homem ao ambiente como direito subjectivo e, consequentemente, como “direito de defesa”. Neste quadro, um dos principais deveres de cada indivíduo é a sua participação na tutela ambiental o que pressupõe uma prévia, tempestiva e objectiva informação. Vale, assim, dizer que estamos em presença de um direito-dever, de um direito individual que se consubstancia num dever para com a colectividade (...)”681. Este direito é, desde logo, inerência lógica da importância que o princípio da participação tem vindo a alcançar no âmbito do processo de reforma da Administração Pública, actualmente em curso.  Nesse sentido, chamamos a atenção para par a oo Decreto  Decreto n.° 30/2001, de 15 de Outubro, Outubro , que

aprova as Normas de Funcionamento dos Serviços da Administração Pública, que nos traz uma nova forma de conceber o relacionamento entre a Administração e os cidadãos em Moçambique682. 681 ROCHA ROCHA,, Má Mári rioo de Melo Melo,, O Princípio da Avaliação de Impacto Ambiental , In. “Estudos de Direito do

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Ambiente”, Publicações Universidade Católica, Porto, 2003, p. 142. 682 O legislador estabeleceu, desde logo, um leque de princípios fundamentais que norteiam a actuação da Administração Pública, designadamente os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e  protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da justiça e da imparcialidade, da transparência, da colaboração da Administração com os particulares, da participação dos particulares, da decisão, da celeridade do procedimento administrativo, da fundamentação dos actos administrativos, da responsabilidade da Administração Pública e da igualdade e da proporcionalidade. O  Decreto n.° 30/2001, de 15 de Outubro, Outubro, const constit itui ui,, na pr prát átic ica, a, uma uma es espéc pécie ie de có códi digo go do proce procedi dime ment ntoo administrativo. O artigo 9.°, deste diploma, que consagra o princípio da participação dos particulares,  proclama que “os órgãos e instituições da Administração Pública promovem a  participação das pessoas singulares e colectivas que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação de decisões que lhes disserem respeito”.  Note-se que o princípio da participação assume assu me especial importância no nosso ordenamento jurídico-ambiental, tendo inclusivamente sido consagrado como um dos  princípios fundamentais na PNA683 e na Lei do Ambiente684 Ambiente 684..  Neste âmbito, destacamos a participação dos cidadãos na fase de consulta pública no decurso de um processo de avaliação de impacto ambiental.

8.2.2. Direito à informação O reconhecimento a todos os cidadãos do direito à informação685 relacionado com a gestão ambiental do país é consequência lógica da consagração internacional e nacional do princípio da participação. Isto é, para que o cidadão possa efectivamente participar no  processo de tomada de decisões em matéria ambiental, emitindo todas as sugestões ou

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opiniões relevantes para a construção da posição que o órgão decisor venha a tomar, é imperioso que aquele venha a ter acesso à informação necessária com vista à formulação de um juízo real, útil e verosímel. Como bem ilustrou Mário Raposo, “em todas as fases da sua vida, terão as pessoas de estar informadas sobre os seus deveress e os seus direitos, para que possam participar, activamente, numa política global do ambiente – que não poderá ser protagonizada apenas pelos políticos (...)”686. 683 Cfr. Ponto 2.2., da PNA. 684 Cfr. Artigo 4.° e), da Lei do Ambiente. 685 Cfr. Artigo 19.º, da Lei do Ambiente. 686 RAPOSO RAPOSO,, Má Mári rio, o, o Direito ao Ambiente como Direito Fundamental , Textos Ambiente, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1994. Convém que se tenha em conta as duas dimensões nucleares do direito à informação:  primeiro, o cidadão deve poder aceder acede r livremente às fontes de informação, qu quer er se encontrem junto dos órgãos da Administração Pública quer das entidades de cariz  privado, de modo a poder fundamentar fun damentar o seu juízo sobre determinado caso ambiental (perspectiva cidadão/Estado); segundo, o Estado deve criar condições para que toda a informação útil à formulação daquele juízo chegue aos cidadãos interessados, através dos mais diversos meios, designadamente: anúncios nos órgãos de informação, envolvimento das autoridades tradicionais na disseminação de informação, realizando audiências  públicas, etc. (perspectiva Estado/cidadão). Assim, Ass im, ao direito à informação (direito subjectivo que integra a esfera jurídica de todos cidadãos) corresponde, logicamente, um

dever de informar por parte da Administração Pública.  Neste campo, urge frisar novamente nova mente o Decreto o Decreto n.° 30/2001, de 15 de Outubro, Outubro , em relação à implementação do dever de prestar informações. Este diploma consagrou o princípio da colaboração da Administração com os particulares, segundo o qual: “no desempenho das suas funções, os órgãos e instituições da Administração Pública colaboram com os  particulares”. Sendo assim, deve, não só, “prestar as informações orais e escritas, bem

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como os esclarecimentos que os particulares lhes solicitem”, como “apoiar e estimular as iniciativas dos particulares, receber as suas informações e considerar as suas sugestões”687. Por outro lado, este Decreto estabeleceu a forma como as informações devem ser prestadas, quer na forma oral688, quer por escrito689, e ainda o prazo para a sua  prestação na forma escrita690. O direito à informação pode conduzir a que qualquer cidadão, singular ou colectivamente, venha a demandar os órgãos da Administração Pública e as entidades  privadas com vista a exigir informação detalhada d etalhada sobre assuntos que sejam do seu interesse ou de interesse geral. Tal pode vir a acontecer essencialmente através de dois caminhos: o exercício do direito de petição, queixa e reclamação, nos termos da Lei da  Lei n.° 2/96, de 4 de Janeiro, Janeiro , que constituirá objecto de análise no capítulo seguinte; ou a via Outubro . 687 Cfr. Artigo 8.°/1 a) e b), do Decreto do  Decreto n.° 30/2001, de 15 de Outubro. 688 Cfr. Artigo 37.°, do Decreto do Decreto n.° 30/2001, de 15 de Outubro. Outubro . Outubro . 689 Cfr. Artigo 38.°, do Decreto do Decreto n.° 30/2001, de 15 de Outubro. 690 Que é de quinze dias, no máximo, segundo o artigo 58.°/5, do Decreto do  Decreto n.° 30/2001 30/2001,, de 15 de Outubro. Outubro. contenciosa, através do mecanismo da intimação para informação, a intentar junto do Tribunal Administrativo, e que foi sumariamente analisada no capítulo VI.  Não obstante a existência de tais mecanismos no âmbito da legislação administrativa ad ministrativa  procedimental e contenciosa, é imperioso que se s e legisle quanto ao acesso às fontes de informação, principalmente em matéria ambiental. Este acesso é particularmente complexo no nosso país, em que as instituições do Estado apresentam uma certa resignação em facultar os dossiers referentes aos principais projectos de investimento e

que, em função da respectiva envergadura ou natureza, apresentam um impacto ambiental que deve ser cuidadosamente tomado em conta no momento da tomada de decisões. Na sequência do vazio legal, criaram-se autênticas barreiras invisíveis em relação ao exercício do direito à informação, sem o qual não haverá, obviamente, uma participação efectiva dos cidadãos. Há ainda que definir o que é sigiloso e não sigiloso no domínio da documentação relativa

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a empreendimentos económicos susceptíveis de causar impacto ambiental. A fronteira não é clara, havendo sempre formas de subverter a ratio do direito à informação legalmente consagrado691. Este reparo deve ser dirigido, para além dos órgãos ao Estado, também às pessoas colectivas, e, nestas, destacamos as empresas de consultoria que são normalmente contratadas para realizar os estudos de impacto ambiental. A prática mostra que nem sempre tais empresas estão dispostas em facultar os seus estudos a eventuais interessados, levando suspeitas desnecessárias quanto às reais intenções de semelhante posição. Se o EIA inclui, obrigatoriamente, um relatório de carácter não técnico, que será o ponto de 691 O Projecto Lei de Acção Popular inclui importantes novidades no domínio do acesso às fontes de informação, daí que se aguarde, com alguma ansiedade, a sua aprovação pela Assembleia da República. O artigo 24.°/1, por exemplo, referente à consulta de documentação no âmbito do processo de elaboração de  planos e de preparação de ob obras ras e investimentos públicos, determina que, entre a data de afixação de editais convocando a audiência pública e a realização desta, “toda a documentação relevante relacionada com o  plano, programa, obra ou investimento a realizar será facultada para consulta aos interessados”. O n.° 3 do mesm me smoo art artig igoo de decre creta ta qu que, e, en enqu quant antoo de decor corre re o pe perí ríodo odo de co consu nsult ltaa po poder derão ão os interessados pedir, oralmente

ou por escrito, esclarecimentos sobre a documentação facultada e sobre os objectivos a  prosseguir com o  plano, programa, obra pública ou investimento em preparação”. Por outro lado, o artigo 27.° consagra o dever de colaboração com as partes intervenientes em processo de acção popular por   parte dos agentes da

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 partida e o objecto da fase de consulta consu lta pública, encontrando-se disponível a quaisquer  interessados, então porque tais empresas se recusam, por vezes, a integrá-los no sector de livre consulta? Ainda sobre a informação, atenda-se aos esforços que têm vindo a ser realizados pelos órgãos de informação do nosso país, muito contribuindo para que se dissemine a ideia da urgência de uma postura nova por parte de todos nós. É certo que os jornais, a rádio e a televisão estão longe de abranger a totalidade do país. Mas não é menos certo que o seu  papel apresenta-se como valioso para par a a consciencialização da necessidade de se proteger  o ambiente.

8.2.3. Direito à educação É também conferido aos cidadãos nacionais o direito de acesso à educação, seja formal ou informal, sobre matérias ambientais692, partindo do princípio que muitos dos  problemas ambientais que enfermam o nosso noss o país resultam de actividades humanas que,  por vezes, são desenvolvidas desen volvidas sem conhecimento ou consciência do respectivo carácter  car ácter  danoso para o meio ambiente. Ao direito à educação ambiental equivale um correlativo dever, a cargo do Estado, (representado principalmente por três ministérios: o MICOA, o Ministério da Educação e o Ministério do Ensino Superior, da Ciência e da Tecnologia) de educar os cidadãos nas mais variadas matérias relacionadas com a protecção do ambiente. A consagração do direito à educação ambiental é consequência lógica do direito à educação constitucionalmente consagrado, do Programa Nacional de Gestão Ambiental e da Política Nacional do Ambiente.

Administração Pública, abragendo este dever “a passagem de certidões ou a prestação de informações que as partes considerem necessárias ao êxito ou à improcedência do pedido”. 692 Cfr. Artigo 20.º, da Lei do Ambiente. A Constituição de 1990 decreta que “na República de Moçambique a educação constitui

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direito e dever de cada cidadão”, sendo que “o Estado promove a extensão e a igualdade de acesso de todos os cidadãos ao gozo deste direito”693. Em 1996, o Programa Nacional de Gestão Ambiental referiu-se aos factores que dificultaram a criação e implementação da educação ambiental nas escolas. O primeiro traduziu-se no impacto negativo da guerra civil no sistema de educação do nosso país. O cenário foi, sem dúvida, bastante triste: “Entre 1983 e 1992, de um total de 5 886 escolas existentes em todo o País, 3 402 foram encerradas ou destruídas devido à guerra. Esta destruição de infra-estruturas e a elevada taxa de crescimento populacional, conduziram a uma procura de ensino muito acima das possibilidades de oferta”694. Para além da destruição propriamente dita da rede escolar, há a atender, segundo o documento em causa, ao facto de a educação ambiental não ter sido devidamente valorizada nos programas escolares nos anos que se seguiram à cessação do conflito. Veja-se que “as questões ambientais estão reflectidas nos programas de ensino de uma forma muito reduzida e difusa, não sistemática e fragmentada”695. Para além destes factores, acrescem os seguintes: a própria falta de sensibilização dos  professores para os o s problemas ambientais, em virtude das insuficiências inerentes ao seu  próprio processo de formação f ormação pedagógica, e a eficiência reduzida do d o ensino em geral devido aos baixos salários dos professores e à falta de capacidade económica dos pais em adquirir material escolar696. Segundo a PNA, “o esforço e sucesso nacionais de implementação de uma política de desenvolvimento sustentável passam por uma educação ambiental de boa qualidade e extensiva a todos os sectores de actividade. Para tal, é urgente a promoção de actividades de informação, formação, consciencialização e sensibilização de todos os cidadãos para o

693 Cfr. Artigo 92. / 1 e 2, da CRM. 694 MICOA, Programa MICOA, Programa Nacional de Gestão Ambiental , Maputo, Maio, 1996, pp. 36-37. 695 Idem 695  Idem,, p. 37. 696 Ibidem 696  Ibidem,, p. 37. seu maior envolvimento na identificação das causas da degradação do ambiente, bem como na busca de soluções dos problemas ambientais no interesse do desenvolvimento

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sustentável”697. Por outro lado, “a estratégia global de solução das carências de educação ambiental sistemática pressupõe a definição de uma política de educação ambiental que se fundamente na cooperação inter-sectorial e que oriente a integração dos aspectos ambientais no processo da educação formal e não formal”698. O Programa Quinquenal do Governo para 2000 – 2004 determinou, conforme vimos anteriormente, o investimento na educação ambiental como aspecto essencial da política do ambiente. Assim, constituem objectivos prioritários do Governo para a área do ambiente, entre outros, “integrar os aspectos ambientais nos programas (...) educacionais (...)” e “educar e difundir a pertinência da preservação do ambiente junto às populações em coordenação com as entidades ligadas ao ensino”699. Sendo que, para a prossecução destes objectivos, deverá o Governo700: - Incluir princípios ambientais nos currículos da educação formal a todos os níveis e realizar actividades de formação não formal orientadas para os  profissionais e extensionistas da gestão ambiental; - Formular a Estratégia Nacional de Educação Ambiental em coordenação com entidades ligadas ao ensino; - Estabelecer um sistema de informação sobre matérias ambientais, acessível a todos os organismos interessados e à sociedade em geral; - Realizar programas de capacitação das comunidades na gestão dos recursos naturais, com prioridade para as zonas rurais de maior sensibilidade e risco ambiental, incluindo a divulgação da legislação existente. 697 Cfr . Ponto 3.3., da PNA.

698 Idem 698  Idem.. 699 Cfr. Ponto 2.7., do Programa Quinquenal do Governo para 200 – 2004, aprovado  pelo Conselho de Ministros, através da Resolução da Resolução n.° 4/2000, de 22 de Março. Março . É muito difícil, realmente, exigir dos cidadãos determinado comportamento sem que,  para o efeito, tenham adquirido nas escolas esc olas ou no seio da família a sensibilidade devida

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 para a valorização e protecção do meio ambiente. Veja-se o caso da cidade de Maputo, onde, para além das dificuldades do município em cumprir as obrigações legalmente estabelecidas em matéria ambiental, assistimos a comportamentos, por parte dos cidadãos, que indiciam um forte alheamento em relação às questões ambientais. A título de exemplo, veja-se que poucos dão valor aos jardins da cidade. Aqueles que beneficiam de arranjos, como resultado da iniciativa do Conselho Municipal, do sector privado ou de cidadãos, não tardam a regressar ao seu estado original, devido principalmente à actuação dos munícipes, que, para além de furtarem as plantas recentemente colocadas, pisam constantemente o relvado, contribuindo para a rápida degradação do mesmo, e danificam rapidamente os bancos existentes701. Posto isto, o cidadão tem o direito a exigir do Estado uma actuação positiva no sentido de  promover a educação e sensibilização s ensibilização ambientais, pressuposto, aliás, da própria  participação dos cidadãos no processo pro cesso de tomada, pela Administração Pública, de decisões com repercussão no domínio do meio ambiente. Ora, “as acções de formação, desde logo no plano educativo, são, nesta área (do ambiente), especialmente prementes, numa pedagogia "promocional" do ambiente, e devem envolver não apenas os poderes públicos, mas as associações de defesa do 700 Idem. 700  Idem. 701 A imprensa nacional tem reportado, pontualmente, o estado de abandono a que chegaram os jardins da cidade de Maputo, outrora conhecidos pela sua admirável beleza. A título de curiosidade, vejam-se os extinção,, publicado no seguint segu intes es artigo artigos: s:  Jardins públicos ... uma espécie em vias de extinção

 jornal Savana , de  Reabilitação de jardins – Só para inglês ver , publicado no jornal “Notícias”, 24/04/2001; Reabilitação 24/04/2001; de 27/11/2001;  Jardins e parques em vias de extinção extinção,, publicado no jornal “Savana”, de 16/08/2002; Sobrevivência dos  jardins condenada à boa fé dos munícipes munícipes,, publi publica cado do no jo jorn rnal al “Notí “Notíci cias as”, ”, de 05/11/2002; e Jardins e Jardins de

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 Maputo,, publ  Maputo public icad adoo no jo jorna rnall “Dom “Domin ingo” go”,, de 25 de Maio Maio,, de 20 2003. 03. Entret Entretant anto, o, o Município, reconhecendo a incapacidade de gerir tais espaços em benefício da própria cidade e dos seus cidadãos, apresentou à sociedade socieda de civil, no início do mês de Maio de 2002, através de um convite para concurso  público, um  projecto de gestão dos jardins públicos municipais. A imprensa reportou o acontecimento com algum destaque, mas desconhecem-se os resultados de tal iniciativa, pois, até ao momento,  pouco ou nada se fez em term termos os de me melh lhora orame ment ntos os ou re requa quali lific ficaç açõe õess do doss espaç espaços os verde verdess muni munici cipa pais is.. Recomendamos a leitura jardins,, publicado no jornal dos artigo artigos: s: Sector privado participa na reabilitação dos jardins “Notícias”, de propostas , publicado no jornal 10/05/2002, Concluído trabalho técnico de avaliação das propostas, “Notícias”, de 26/07/2002; e Vencedores do concurso serão conhecidos dentro de 15 dias, dias , publicado no  jornal “Notícias”, de 04/07/2002. ambiente e os órgãos de comunicação social (...). Tais acções são, no fundo, uma responsabilidade do Estado e da sociedade”702.  Nesse sentido, há salientar os esforços esfo rços que têm vindo a ser desenvolvidos pela p ela sociedade civil, designadamente pelas organizações não governamentais e das associações de defesa

do meio ambiente, na promoção de acções de educação e sensibilização ambientais. Secundamos a posição de Emídio Sebastião, num programa que a Televisão de Moçambique lançou para o ar: “As organizações não governamentais podem desempenhar um papel muito importante na educação da população (...) para a mudança de comportamentos em relação ao seu relacionamento com a natureza e em particular  com o ambiente. As organizações não governamentais e todas as organizações da sociedade civil jogam, de facto, um papel muito importante, na medida em que elas estão

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directamente ligadas à comunidade (...), à população, às pessoas que vivem nos nossos  bairros, nas nossas aldeias, na nossa comunidade, e, por isso mesmo, este relacionamento que as ONG’s têm próximo com a comunidade permite que elas possam facilmente introduzir mudanças de comportamentos, mudanças de atitude, novas técnicas, no relacionamento (...) que a comunidade deve ter com os recursos naturais, com a natureza e sua preservação”703. Sem pretender minorizar o papel das restantes, destacamos as seguintes ONG’s: a UICN, o Fórum Natureza em Perigo, a Helvetas, a Kulima, o GTA, a Link, etc. Mas o destaque vai, sem margem para dúvidas, para a Livaningo, que tem sido bastante activa,  principalmente no domínio da gestão dos resíduos, tendo ainda de realçar o seu papel no apoio à criação de núcleos ambientais nas escolas do país.

8.2.4. Direito de acesso à justiça 702 RAPOSO RAPOSO,, Má Mári rio, o, o Direito ao Ambiente como Direito Fundamental , Textos Ambiente, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1994, p. 130. 703 PROMARTE / TVM – Co-produção para a União Mundial para a Natureza (UICN), Colecção Recursos e Vi Vida da,, Pa Pain inel el 6 – Progra Programa ma 15 (E (Educ ducaç ação ão Ambi Ambien enta tal) l),, Te Tema ma:: ONG’s e Ambiente, Ambiente, Intervenção de Emídio Sebastião, Moçambique, 2002. 353 É também conferido a todos os cidadãos o direito de recorrer aos órgãos de administração

da justiça704, quando considerarem que o seu direito de viver num meio ambiente saudável foi violado ou quando haja ameaça de violação do mesmo, através dos instrumentos descritos adiante. Trata-se da previsão, no domínio da protecção do meio ambiente, do princípio geral do acesso à justiça consagrado na nossa Constituição, nos artigos 80.°, 81.° e 82.°. É, para além de garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos, um autêntico direito fundamental. Aliás, cabe ao próprio Estado garantir tal acesso, nos termos da Constituição705 e da  Lei

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n.° 10/92, de 6 de Maio706 .

8.2.4.1. Barreiras no acesso à justiça no domínio da protecção do meio ambiente Falarmos do direito de acesso à justiça sem referirmos aos problemas que se levantam no que toca ao exercício do mesmo é ignorarmos, de uma forma bastante leviana, a realidade. Qualquer análise que se venha a fazer neste domínio deve ter presente a seguinte constatação: até ao momento são praticamente inexistentes acções de natureza ambiental a correr nos nossos tribunais, não obstante serem incontáveis os casos que mereceriam tratamento jurisdicional. Num inquérito realizado pelo CFJJ, a um universo de 123 magistrados judiciais e do MP, dos níveis provincial e distrital, com a finalidade de conhecer o real âmbito da intervenção destes profissionais da justiça no domínio dos direitos da terra, do ambiente e de florestas e fauna bravia, chegou-se ao seguinte quadro de resultados:

Questão: Já alguma vez teve alguma intervenção num caso de domínio de terra, ambiente ou florestas e fauna bravia? 704 Cfr. Artigo 21.º, da Lei do Ambiente. 705 Cfr. Artigo 100.°/1, da CRM. 706 Cfr. Artigo 4.°/1, da Lei da  Lei n.° 10/92, de 6 de Maio (Lei da Organização Judiciária).

Magistrados Judiciais - 74 Magistrados do MP – 49 Terra 40 Terra 32 Ambiente 4 Ambiente 8

Florestas e fauna bravia 15 Florestas e fauna bravia 7 Ao analisarmos tal quadro, podemos concluir que, do universo de magistrados inquiridos, a maioria teve já alguma intervenção em casos judiciais relacionados com conflitos de terra, independentemente da magistratura à qual pertençam ou do respectivo nível; alguns dos magistrados tiveram contacto com casos de violação à legislação de florestas e fauna  bravia; mas muitos poucos julgaram ou intervieram num caso cas o ambiental. Há, portanto, muito poucas acções judiciais a darem entrada nos tribunais judiciais na

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defesa do direito fundamental ao ambiente, não obstante a conflitualidade potencialmente existente, o que comprova a existência de sérios entraves ao acesso à justiça ambiental.  Note-se que ao falarmos do acesso aces so à justiça devemos ter em conta os três sen sentidos tidos básicos da expressão, segundo nos diz António Benjamim707, designadamente: - Acesso à tutela jurisdicional, correspondendo ao significado estrito, traduzindo-se somente na busca da resolução de litígios pela via judicial; - Acesso à tutela de direitos ou interesses violados, através de mecanismos  jurídicos variados, de natureza judicial ou não, assumindo-se as sumindo-se como uma categoria intermédia entre a anterior e a seguinte; - Acesso ao direito, que corresponde ao significado pleno ou integral, consistindo no acesso a uma “ordem jurídica justa jurídica  justa (inimiga dos desequilíbrios e destituída de presunção de igualdade), conhecida (social e individualmente reconhecida) e implementável (efectiva), contemplando e combinando, a um só tempo, um rol apropriado de direitos, acesso aos tribunais, acesso a mecanismos alternativos (principalmente os preventivos), estando os sujeitos titulares plenamente conscientes dos seus direitos e habilitados, material e  psicologicamente a exercê-los, mediante a superação sup eração das barreiras objectivas e subjectivas (...)”708. Acolhemos, desde já, o entendimento referido em último lugar, colocando de parte as duas acepções anteriores, por reduzirem um direito tão importante, como é o direito de acesso à justiça, a uma mera previsão formal, sem qualquer densificação prática digna de relevo. Posto isto, urge ter presente a existência de barreiras de carácter objectivo e subjectivo no

acesso à justiça, que tão bem foram invocadas por António Benjamim, sendo que algumas assumem especial relevância no domínio das relações jurídico-ambientais709.

8.2.4.1.1. Barreiras objectivas Como barreiras objectivas, temos as seguintes: - Os custos inerentes ao processo – Tenha-se em conta que a maior parte da  população moçambicana vive abaixo do limiar da pobreza, pobr eza, não tendo nem

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auferindo rendimentos que permitam suportar os encargos de uma acção em tribunal, englobando quer as custas judiciais quer os honorários de um advogado. Luís Mondlane sublinha tal ideia ao afirmar que “são elevados (...) os custos económicos que compreendem os preparos e custas judiciais, os honorários dos advogados e de outros profissionais, gastos de transporte, custos de oportunidade com valor económico como por exemplo a impossibilidade para trabalhar devido ao tempo que se tem de despender com a causa e os custos resultantes da morosidade processual. Na verdade a igualdade jurídica dos cidadãos não afasta a desigualdade sócio-económica. 707 BE BENJA NJAMI MIM, M, An Antó tóni nioo Herm Herman an V. V.,,  A Insurreição da Aldeia Global contra o  Processo Civil Clássico –   Apontamentos sobre a opressão opressã o e a libertação judiciais do ambiente e do consumidor , In. Textos –  Ambiente e Consumo, Vol. I, CEJ, Lisboa, 1996, pp. 280 – 281. 708 Idem 708  Idem,, p. 281. Tal situação origina, por vezes grave desigualdade de armas entre as partes (...)”710; - A distância entre o órgão de tutela (judicial ou administrativo) e o local de residência do sujeito tutelado – Moçambique, como se sabe, é um país relativamente grande, contudo, o sistema judiciário formal ou oficial, representado pelos tribunais provinciais e distritais, não chega a grande parte do território nacional, e, por conseguinte, a uma percentagem assinalável de

cidadãos. Afirmam, nesse sentido, alguns autores que “a organização  judiciária é deficiente e desajustada, distante da maioria dos potenciais utilizadores, cobrindo somente as capitais provinciais e pouco mais de metade das sedes de distrito”711. Segundo Luís Mondlane, “se atendermos a que, administrativamente, os distritos se subdividem em localidades e estas em  postos administrativos, facilmente se entenderá que só o factor distância aliado à falta de transporte contribuirão decisivamente para a denegação do

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direito de acesso à justiça em relação a uma vasta camada da população especialmente as comunidades rurais, componente essencial da população deste país”712; - A lentidão da justiça ou morosidade processual – Esta é outra das grandes causas que obsta à materialização do acesso ao direito e aos tribunais. O  problema é consensual: “os cidadãos, as organizações de classe dos magistrados, advogados e funcionários judiciais são unânimes em considerar  que os tribunais do país atingiram o ponto de ruptura”713. É, sem dúvida,  preocupante constatar que são sã o necessários largos anos para que um processo 709 Ibidem 709  Ibidem,, pp. 311 - 312. 710 MONDLANE, Luís António, o Acesso à Justiça e Meios Alternativos de Resolução de Conflitos, Conflitos, In. Revista Revi sta Jurí Jurídic dica, a, Vol Vol.. II, Faculda Faculdade de de Direit Direito, o, Univers Universida idade de Eduardo Eduardo Mondla Mondlane, ne, Maputo, Junho, 1997, pp. 104 – 105. 711 SANTOS, Boaventura Sousa / TRINDADE, João Carlos (organizadores), Conflitos e Transformação das Paisagens em Moçambique, Moçambique, Edições Afrontamento, Vol. II, Porto, Março, 2003, p. 550. 712 MONDLANE, Luís António, o Acesso à Justiça (...), p. 101. 713 SANTOS, Boaventura Sousa / TRINDADE, João Carlos (organizadores), Conflitos e Transformação das Paisagens em Moçambique, Moçambique, Edições Afrontamento, Vol. I, Porto, Março, 2003, p.

558. atinja o seu fim, com o trânsito em julgado da sentença. “Todos estamos de acordo que a duração excessiva de um processo judicial provoca, entre outras consequências, a erosão da prova, a demora na justa reparação do direito violado, o agravamento dos custos económicos do sistema, bem como o das  partes, e constitui um desincentivo ao recurso ao tribunal714. As causas são

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diversas, “a organização judiciária e a concentração de competências nos tribunais judiciais; o crescimento, embora ligeiro, da procura; as condições de trabalho (instalações e equipamento); o recrutamento, selecção, formação e gestão dos recursos humanos; a insuficiência de conhecimentos jurídicos e de gestão; os comportamentos negligentes ou causadores de morosidade de magistrados, funcionários e advogados ou defensores; a ineficácia da organização e gestão do trabalho judicial; as debilidades da ProcuradoriaGeral da República; a inexistência de meios de controlo do sistema e de recursos financeiros; e a falta de vontade política”715.

8.2.4.1.1. Barreiras subjectivas Como barreiras subjectivas, destacamos as seguintes: - A posição de inferioridade do sujeito tutelado em relação ao todo poderoso degradador (desigualdade económica, informativa ou tecnológica) – esta  barreira prende-se no facto de o sujeito poluidor ou danificador ser, ser , numa  parte substancial dos casos, uma empresa, empres a, dotada de avultados recursos financeiros para contratar os melhores e mais bem pagos advogados ou sociedades de advogados da praça, colocando os cidadãos lesados com receio de um eventual confronto judicial, dada a situação extrema de desigualdade entre as partes. 714 Idem 714  Idem,, p. 558. 715 Ibidem 715  Ibidem,, p. 550.

- O desconhecimento da lei e dos direitos dela decorrentes – Segundo Luís Mondlane, “a falta de informação e o fraco desenvolvimento da cultura  jurídica constituem sérios obstáculos à realização do direito d ireito de acesso à  justiça. Se não se tem conhecimento dos direitos e dos mecanismo que a lei estabelece para a sua realização ou mesmo reposição quando violados não é  possível a cada um fazer valer os seus direitos. Daí a necessidade de divulgação sistemática e continuada por todos os meios disponíveis”716. Em

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matéria ambiental, cuja legislação é bem recente, a questão é, de certo modo,  preocupante. Prova disso é o facto de serem extremamente raras as acções de natureza ambiental a dar entrada ou a correr nos tribunais do país; - A complexidade da linguagem processual-forense – em relação a esta barreira, tenhamos em conta que os principais códigos em vigor no nosso país remontam ao tempo colonial717, necessitando, em consequência, de uma  profunda reforma, não somente no que toca ao seu conteúdo, pois a realidade actual evoluiu imenso, a todos os níveis (político, social, económico, jurídico, cultural, etc.), em relação à da época da entrada em vigor dos diversos códigos, como também no que toca à forma (e, nesta, a linguagem revela-se um importante obstáculo, visto ser frequente a utilização de conceitos pouco usuais e complicados para a maioria dos falantes da língua portuguesa); - O formalismo do tratamento pessoal e o carácter solene da prestação  jurisdicional – o sistema colonial de justiça deixou, em Moçambique, um  pesado legado em termos de formalismo for malismo e solenidade como requisitos incontornáveis no exercício do direito de acesso aos tribunais. Tal facto representa, sem margem para dúvidas, uma barreira que se ergue entre os cidadãos e os tribunais, como que agindo, em termos negativos, sobre aqueles, levando-os a recearem procurar a solução de conflitos num sistema de justiça 716 MONDLANE, Luís António, o Acesso à Justiça (...), p. 105. 717 Vejam-se os anos da entrada em vigor dos principais códigos, segundo uma ordem temporal: Código Penal - 1886; Código Comercial – 1888; Código de Processo Penal - 1929; Código da

Estrada – 1954; Código de Processo Civil – 1961; Código do Processo de Trabalho – 1963; Código Civil  – 1967. que lhes é, por um lado, distante, e, por outro, estranho. Sobre este aspecto, escreveu-se, após observações efectuadas em tribunais provinciais, que “todo o ritual da audiência decorre num ambiente formal, distante, entre tribunal e

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 partes, com um grande peso simbólico. s imbólico. No entanto, o ritual e o formalismo estão centrados no Juiz-Presidente, em detrimento do contraditório e da  participação activa da acusação e da defesa. Os juízes-presidentes conduzem as audiências de um modo inquisitorial e relativamente descricionário. A acusação e a defesa tiveram nestes julgamentos uma participação que  poderíamos classificar de semi-ausente”718. semi-ausen te”718. Acrescentaríamos às barreiras subjectivas o próprio desconhecimento da língua  portuguesa como língua oficial por parte da maioria da população moçambicana719 e a elevada taxa de analfabetismo existente no nosso país720. Os aspectos acima retractados conduzem-nos à necessidade de analisar, com especial atenção e ponderação, a questão do acesso à justiça no nosso país. Isto porque, mais do que a mera consagração formal do acesso à justiça como princípio nuclear da ordem  jurídica moçambicana, é imperioso avançar para a materialização ou concretização deste na prática, o que pressupõe a criação de condições e mecanismos reais, efectivos e justos. Este entendimento é partilhado por Luís Mondlane, ao defender que “não basta a  proclamação de direitos jurídico-constitucionalmente positivados, é necessário nece ssário que os seus destinatários detenham a possibilidade real do seu exercício”721. O actual sistema de acesso à justiça, caracterizado por um processualismo despersonalizado e excessivamente burocrático, constitui um sério obstáculo à 718 SANTOS, Boaventura Sousa / TRINDADE, João Carlos (organizadores), Conflitos e Transformação das Paisagens em Moçambique, Moçambique, Edições Afrontamento, Vol. I, Porto, Março, 2003, p. 558.

719 A língua portuguesa é falada apenas por 8,8 % da população. Cfr . SANTOS, Boaventura Sousa / TRINDADE, João Carlos (organizadores), Conflitos (...), Vol. II, p. 601. 720 A taxa de analfabetismo era, no ano 2000, de 56,7 %, conforme dados extraídos do Relatório Nacional do Desenvolvimento Humano – 2001, elaborado pelo PNUD, Maputo, 2000, p. 19.

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721 MONDLANE, Luís António, o Acesso à Justiça e Meios Alternativos de Resolução de Conflitos, Conflitos, In. Revista Revi sta Jurí Jurídic dica, a, Vol Vol.. II, Faculda Faculdade de de Direit Direito, o, Univers Universida idade de Eduardo Eduardo Mondla Mondlane, ne, Maputo, Junho, 1997, p. 98. materialização do direito fundamental ao ambiente, mostrando-se totalmente inadequado no contexto de um Estado que se pretende de justiça social. E aqui sublinhamos novamente as palavras de António Benjamim, ao dizer-nos que: “O desenvolvimento do estado Social propiciou grandes avanços em termos de protecção legislativa do mais fraco. Muniu-se o trabalhador de novos direitos, criou-se um aparato legal de protecção ao consumidor e aos titulares de bens ambientais, amparou-se as minorias, etc. (...). Surge uma cultura própria, fundada na expectativa geral de justiça, em contraste com o modelo prevalecente no século passado (séc. XIX), de fatalismo, resignação, apatia reivindicativa generalizada. (...) Apesar dessa expectativa geral de  justiça, a evolução no plano substantivo não repercutiu reper cutiu – e ainda não repercute – com a mesma intensidade e eficácia no plano processual, vale dizer, no alargamento, facilitação e melhoria global do acesso à justiça, para os mais vulneráveis”722.

8.2.4.2. Mecanismos de concretização do direito de acesso à justiça Para a concretização do direito fundamental de acesso à justiça, os cidadãos, ou corpos associativos constituídos legalmente723, podem e devem usar quaisquer dos meios  processuais lícitos que se mostrem adequados adequad os para fazer parar imediatamente a execu execução ção da actividade causadora da violação do seu direito ou, ainda, evitar a sua lesão724.

Daremos destaque a essencialmente três vias: (1) o direito de petição, queixa e reclamação; (2) a arbitragem, a conciliação e a mediação; (3) e a acção popular, cujo exercício se encontra condicionado ao aprovamento, pela AR, do respectivo projecto-lei.

8.2.4.2.1. Direito de petição, queixa ou reclamação Constitui um meio de defesa não jurisdicional dos cidadãos. Nas palavras de Gomes Canotilho, “é um direito político que tanto se pode dirigir à defesa dos direitos pessoais

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722 BENJAMIM, António Herman V., A V., A Insurreição (...), pp. 285 - 286. 723 Nos termos da Lei da Lei n.º 8/91, de 18 de Julho. Julho . 724 Cfr. Artigos 21.º e 22.º, da Lei do Ambiente.  (queixa e reclamação) como à defesa da constituição, das leis ou do interesse geral”725. Alfredo Chambule qualificou este meio como garantia graciosa ou administrativa (de natureza petitória), isto é, que se efectiva através dos órgãos da própria AP, com recurso às suas próprias estruturas administrativas e a controlos de mérito e legalidade nelas utilizados726.  Nos termos da Lei, a apresentação de uma petição pode compreender as seguintes se guintes acções727: a) A submissão de um pedido a qualquer instituição ou autoridade pública sobre a matéria da sua competência ou âmbito de acção;  b) A apresentação de uma proposta prop osta de adopção de determinadas medidas a qualquer instituição ou autoridade pública sobre a matéria da sua competência ou âmbito de acção; c) A reclamação ou impugnação de uma medida, acto ou decisão, perante a entidade ou funcionário que o praticou ou perante o seu superior  hierárquico; d) A exposição com o fim de expressar um ponto de vista que se considere relevante para a apreciação, ponderação ou revisão de uma determinada medida, ou para a denúncia de irregularidades e anomalias no funcionamento dos serviços públicos.

O Legislador definiu algumas medidas com vista a facilitar, e até incentivar, o exercício de tal expediente por todos os cidadãos que se sintam lesados nos seus direitos ou interesses, tendo presente os eventuais obstáculos que se colocam no domínio do acesso à  justiça, designadamente728: - Garantia de não represália contra o autor ou autores da petição;

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725 CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Gomes, Direito Constitucional , 5.ª Edição, totalmente refundida e aumentada, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, p. 677. Particulares,, Imprensa Universitária, 726 CH CHAM AMBU BULE LE,, Al Alfre fredo do,,  As Garantias dos Particulares Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, 2002, pp. 24 e seguintes. 727 Cfr . Artigo 2.º, da Lei da Lei n.º 2/96, de 4 de Janeiro. Janeiro . 728 Cfr. Artigos 5.º, 7.º e 8.º , da Lei da  Lei n.º 2/96, de 4 de Janeiro. Janeiro . - Não exigência de outros requisitos de forma para além da redução da  petição a escrito e da (s) assinatura ass inatura (s) do (s) autor (es) ou seu (s) procurador  (es); - Dispensa de pagamento de quaisquer taxas que poderiam eventualmente ser  cobradas pelo exercício do direito de petição; Quanto ao procedimento propriamente dito, note-se que a petição é apresentada, em regra, nos serviços das entidades a quem são dirigidas, tendo estas um prazo de resposta até 45 dias, segundo o regime normal, ou de 60 dias, no caso de a entidade destinatária carecer de realizar diligências junto de outras entidades para preparar a resposta729. É de salientar que este meio processual só pode ser utilizado se a ameaça ou violação dos direitos conferidos pela legislação ambiental resultar da actuação ou inércia das autoridades públicas.

8.2.4.2.2. A Arbitragem, a Conciliação e a Mediação como meios alternativos de resolução de conflitos

Tendo presente as barreiras objectivas e subjectivas que se erguem no acesso aos tribunais, e que, note-se, não constituem exclusivo do nosso país, tem vindo a ganhar  importância um leque de instrumentos alternativos (à via judicial) de resolução de litígios. Neste contexto, foi aprovada a Lei a Lei n.° 11/99, de 8 de Julho, Julho , com o objectivo geral de reger “a Arbitragem, a Concilição e a Mediação como meios alternativos de resolução de conflitos, que os sujeitos jurídicos podem adoptar antes ou em alternativa a submeter  os litígios ao poder judicial”730. Este meios, segundo a Lei acima referida, estão sujeitos

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aos princípios da liberdade, da flexibilidade, da privacidade, da idoneidade, da celeridade, da igualdade, da audiência e do contraditório731. Janeiro . 729 Cfr . Artigos 9.º e 10.º, da Lei da  Lei n.º 2/96, de 4 de Janeiro. 730 Cfr . Artigo 2.º/1, da Lei da Lei n.º 11/99, de 8 de Julho. Julho. 731 Cfr . Artigo 2.º/2, da Lei da Lei n.º 11/99, de 8 de Julho. Julho.  Não é nosso propósito, neste trabalho, fazer uma análise exaustiva de tais meios, mas tão somente chamar a atenção quanto à enorme importância que estes podem vir a representar no acesso à justiça ambiental, como forma de evitar todos os constrangimentos que o recurso aos tribunais possa vir a causar para as partes. Fica aqui apenas uma chamada de atenção para a existência de tais instrumentos e, principalmente,  para a importância que os mesmos podem vir a assumir na composição célere e amigável de conflitos que, através da via judicial, se poderiam prolongar por largos anos, com todos os inconvenientes daí inerentes. Para finalizar, importa reter o que se entende por cada um dos mecanismos acima mencionados: • Arbitragem – “é um modo de resolução de conflitos entre particulares, ou entre particulares e entes públicos, quando despidos das prerrogativas de autoridade, que se caracteriza pela atribuição da solução a uma ou mais  pessoas designadas para o efeito, e cujas decisões têm a mesma eficácia que as decisões judicais”732. • Conciliação – “facilitação da comunicação entre as partes por um terceiro, neutro, por forma a que as mesmas cheguem a um acordo”733. O conciliador 

tem o papel de, tão simplesmente, propiciar que se estabeleça o diálogo entre dois pólos, não apresentando quaisquer soluções. • Mediação – “Designação de uma terceira pessoa, imparcial e independente, que tem como função encontrar uma solução satisfatória para ambas as  partes”734. Este mecanismo, ao contrário do anterior, pressupõe, da parte do mediador, um papel mais preponderante quanto à criação de verdadeiras  propostas de solução do conflito. conf lito.

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8.2.4.2.3. O projecto-lei da acção popular 732 CACM (Centro de Arbitragem, Conciliação Conciliação e Mediação), Curso de Introdução à  Arbitragem,, Maputo,  Arbitragem Março, 2002, p.5. 733 CACM (Centro de Arbitragem, Conciliação Conciliação e Mediação), Curso de Introdução à Conciliação e  Mediação,, Maputo, Abril, 2002, p. 5.  Mediação 734 Cfr . Artigo 60.º/2, da Lei da Lei n.º 11/99, de 8 de Julho. Julho. Sabe-se que, segundo o direito processual em vigor no país, só podem fazer uso dos meios processuais disponíveis os sujeitos que são partes legítimas e que estão directamente interessados na cessação do acto lesivo do direito em causa. Porém, o ambiente estrutura-se como um bem cuja titularidade pertence a todos e a cada um dos membros da colectividade, sem que, entretanto, seja susceptível de apropriação individualizada. Assim, não obstante a sua violação afectar, grande parte das vezes, em termos imediatos, a esfera jurídica de um só indivíduo, acaba por se concretizar na lesão de um bem comum a todos. Pelo que urge superar a concepção tradicional de legitimidade reconhecida na ordem  jurídica moçambicana, consagrando-se instrumentos processuais que garantam a qu qualquer  alquer  um dos titulares do direito ao ambiente a possibilidade de agir em juízo na defesa deste  bem jurídico fundamental, em benefício de toda a colectividade de d e cidadãos. É, neste âmbito, que aguarda aprovação da AR um projecto de lei que visa instituir, no

nosso ordenamento jurídico, um novo meio processual, conhecido como acção popular, que permitirá, caso venha a ser implementado na sua forma original, a participação democrática de todos os cidadãos e pessoas jurídicas (uma vez verificados determinados condicionalismos) na defesa dos interesses colectivos ou difusos legalmente protegidos (ambiente, qualidade de vida, património cultural, direitos dos consumidores, etc.),  prevenindo-se a ocorrência ocorrên cia da respectiva violação, ou, caso isto não sseja eja possível, fazendo cessar imediatamente quaisquer actos lesivos de tais interesses.

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 Nos termos do Projecto, este meio processual poderá ser utilizado, individualmente ou colectivamente, por qualquer cidadão, desde que esteja em pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, bem como pelas pessoas colectivas sem fim lucrativo interessadas na defesa de bens comuns, ainda que não sejam particularmente lesadas (associações, fundações, etc.) e, ainda, pelas autarquias locais. A sua aprovação permitirá que os titulares do direito de acção popular possam de facto, exercer o seu direito, como parte legítima nos processos de recurso contencioso, nos termos do artigo 38.° b), conjugado com o artigo 42.°, da LPAC . Importa ainda salientar que a tutela dos direitos conferidos aos cidadãos nos termos da legislação do ambiente, decorrentes do primado constitucional que eleva o direito ao ambiente à categoria de direito fundamental, colocando-o no mesmo patamar que o direito à vida e outros, obriga, desde logo, o Ministério Público a agir sempre em defesa deste direito, quando tome conhecimento da lesão ou de ameaça nesse sentido, independentemente de os cidadãos lesados terem accionado os mecanismos competentes  para a sua reposição735. Posto isto, o Projecto pretende actuar em dois níveis: um nível processual (traduzido no acesso aos tribunais propriamente dito) e um nível procedimental (que consiste na  participação dos cidadãos no procedimento pro cedimento de tomada de decisões susceptíveis de acarretar consequências ambientais). Relativamente ao domínio processual, destacamos os seguintes aspectos: - O juiz, no âmbito de um processo de acção popular (civil ou administrativa), detém poderes mais amplos em matéria de prova, não estando sujeito à iniciativa das partes ou à matéria alegada. Tal opção justifica-se plenamente tendo presente o valor supra-individual dos direitos e interesses tutelados

 pelo Projecto736; - O juiz deverá dar prevalência, no exercício das funções, aos juízos de equidade em vez dos chamados juízos de legalidade estrita, isto é, agirá em função do valor justiça, não se encontrando sujeito aos critérios normativos 735 Cfr. Artigo 21.º/4, da Lei do Ambiente. 736 Cfr. Artigo 8.°, do Projecto-Lei de Acção Popular.

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da lei, tendo sempre presente as circunstâncias concretas e particulares do caso concreto a julgar737; - O Projecto prevê a intervenção expontânea das partes, sem necessidade de constituição de advogado. Neste sentido, “os erros ou omissões processuais das partes não produzem as consequências previstas na lei, quando o juiz  possa considerar que são s ão devidas a ignorância desculpável das no normas rmas aplicáveis”. Pretende-se, assim, que a inexistência de advogados ou defensores do Instituto de Patrocínio e Assistência Judiciária (IPAJ) em determinados locais não constitua um impedimento para a efectiva  protecção dos bens jurídicos em causa738; cau sa738; - Por último, o Projecto contemplou um regime específico digno de registo em matéria de preparos e custas, isto é, os encargos monetários que as partes têm que acarretar no tribunal, tendo como objectivo estimular e facilitar o exercício do direito à acção popular em benefício dos direitos e interesses difusos ou colectivos. Estão, assim, previstas isenções (totais ou parciais)  para o autor ou autores que pretendam lançar mão de tal instrumento739. Já ao nível procedimental, isto é, no decurso do procedimento de tomada de decisões por   parte da Administração Pública, o Projecto deu especial es pecial relevância ao princípio da  participação democrática dos cidadãos na vida v ida pública. Assim sendo, “no processo de elaboração dos planos e programas de desenvolvimento do sector público, dos planos de urbanização e ordenamento do território, bem como na tomada de decisões sobre a localização e realização de obras públicas ou de outros investimentos de grande impacto, o Estado, as autarquias locais e demais pessoas colectivas de direito público ouvirão

sempre os cidadãos e as associações de defesa dos interesses difusos ou colectivos que  possam ser afectados por aqueles planos ou decisões”740. Os artigos seguintes fixam as regras e procedimentos relativos à forma como os cidadãos serão ouvidos em relação à implementação das actividades acima enumeradas. 737 Cfr. Artigo 9.°, do Projecto-Lei de Acção Popular. 738 Cfr. Artigo 10.°, do Projecto-Lei de Acção Popular.

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739 Cfr. Artigo 11.°, do Projecto-Lei de Acção Popular. 740 Cfr. Artigo 22.°/1, do Projecto-Lei de Acção Popular. Destacamos os aspectos referentes ao dever de informação, a cargo da Administração Pública, do início do processo de elaboração dos planos e tomada de decisões (o qual consiste condição prévia e imprescindível para que a participação realmente se efective) e à consulta de documentos relacionados com aqueles741.

8.3. Deveres dos cidadãos 8.3.1. Dever de participação de infracções Traduz-se no dever que todo o cidadão tem de denunciar ou comunicar às autoridades competentes (órgãos policiais ou outros agentes administrativos que estejam mais  próximos), qualquer acto que venha ven ha a presenciar ou que presuma rrazoavelmente azoavelmente estar na eminência de ocorrer, que seja atentatório da legislação ambiental, no geral, e do direito ao ambiente constitucionalmente consagrado742.

8.3.2. Dever de utilização responsável dos recursos Consiste no dever de utilizar de forma racional ou regrada os recursos naturais e encorajar outras pessoas a proceder da mesma forma743. Decorre, desde logo, de um dos princípios fundamentais da Lei do Ambiente, designadamente, o princípio da utilização e gestão racionais dos componentes ambientais, com vista à promoção da melhoria da qualidade de vida dos cidadãos e à manutenção da  biodiversidade e dos ecossistemas”744. 741 Cfr. Artigos 23.° e 24.°, do Projecto-Lei de Acção Popular.

742 Cfr. Artigos 23.º e 29.º, da Lei do Ambiente e artigos 37.º/2 e 38.º /2 da LFFB. 743 Cfr. Artigo 24.º, da Lei do Ambiente. 744 Cfr. Artigo 24.º a), da Lei do Ambiente.  “NO ESTADO DE AMBIENTE, É IMPERIOSO QUE A ADMINISTRAÇÃO ABANDONE AS SUAS INSÓNIAS ECOLÓGICAS PARA SE COLOCAR EM ESTADO DE VIGÍLIA VIGÍ LIA PERMANENTE”.

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CANOTILHO, Gomes, Actos Gomes, Actos autorizativos  jurídico-públicos e responsabilidade por  danos ambientais, ambientais, ob. cit. por GOMES,  A Prevenção à prova no Direito do Carla, A Carla,  Ambiente,, Coimbra Editora, 2000, p. 82.  Ambiente

Capítulo Nono – Fiscalização 9.1. Importância da fiscalização ambiental A protecção e conservação do meio ambiente depende, entre outros factores, da existência de uma política eficaz de fiscalização da implementação da legislação ambiental, sem a qual as leis não passariam de meras “letras mortas”. A implementação da fiscalização no domínio do ambiente desempenha um papel crucial não apenas na constatação de atentados à legislação ambiental, para posterior  sancionamento, como também na prevenção da ocorrência de futuros danos no ambiente,  por um lado, e na condução da educação e consciencialização ambiental, por outro. Com o presente raciocínio pretende-se sublinhar a necessidade de atribuir à fiscalização um carácter pedagógico e preventivo, o que contribuirá, certamente, para o enriquecimento e sucesso das políticas de tutela e conservação do meio ambiente. Assim, a fiscalização e inspecção ambientais contribuem significativamente para dar corpo ao  princípio da prevenção, enquanto princípio ambiental fundamental.  Não basta à Administração Pública autorizar ou licenciar determinada d eterminada actividade com impacto ambiental, através de um controlo meramente prévio, pois é necessário que os seus órgãos competentes jamais percam o contacto com o exercício da mesma actividade  propriamente dito, assumindo um controlo permanente, isto é, que qu e se perpetue no tempo,

 para, assim, evitar a ocorrência de d e efeitos prejudiciais ao meio ambiente, não previstos no momento da autorização ou licenciamento.

9.2. Órgãos competentes 9.2.1. O papel do Ministério da Coordenação da Acção Ambiental E no que toca à fiscalização ambiental, salientamos, desde logo, o papel primordial que cabe ao Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental.

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Este Ministério possui, na sua estrutura orgânica745, a denominada Inspecção-Geral, à qual compete, entre outras, as seguintes funções: - Realizar em coordenação com os organismos de tutela das actividades, a inspecção das actividades licenciadas e empreendimentos susceptíveis de causar danos ao meio ambiente; - Zelar pela observância das leis, normas e regulamentos relativos ao ambiente em todo o território nacional.

9.2.2. A fiscalização sectorial Posto isto, para além das funções gerais atribuídas ao Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental, há, ainda, lugar a uma fiscalização sectorial promovida pelos diversos ministérios e entidades com competências na exploração dos recursos naturais. São os casos, por exemplo, da fiscalização e inspecção da actividade florestal e faunística a cargo da Direcção Nacional de Florestas e Fauna Bravia746; da fiscalização nas chamadas zonas de protecção total (parques e reservas nacionais), a cargo da Direcção  Nacional das Áreas de Conservação747; Conservação7 47; da fiscalização do cumprimento da legislação sobre águas, nomeadamente nos seus aspectos de uso, protecção e qualidade, da competência da Direcção Nacional de Águas; da fiscalização das actividades de pesca nas

745 745 Ve Veja jamm-se se os ar arti tigo goss 2. 2.°° e 12 12.° .°,, do Esta Estatu tuto to Or Orgâ gâni nico co do Mi Mini nist stér ério io pa para ra a Coordenação da Acção Ambiental, aprovado pelo Diploma pelo Diploma Ministerial n.° 133/2000, de 27 de Setembro. Setembro. 746 746 Cfr. Cfr. Ar Arti tigo go 8. 8.°, °, do Est Estat atut utoo Orgâ Orgâni nico co do Mi Mini nist stér ériio da Agri Agricu culltu tura ra e Desenvolvimento Rural, aprovado

 pelo Diploma  pelo  Diploma Ministerial n.° 161/2000, de 15 de Novembro. Novembro . 747 Cfr. Artigo 4.° d), do Estatuto Orgânico do Ministério do Turismo, aprovado pelo  Ministerial n.° 126/2000, de 13 de Setembro. Setembro. águas jurisdicionais moçambicanas, cuja competência pertence à Direcção Nacional da Administração Pesqueira748; etc.

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9.2.3. A fiscalização e o princípio da coordenação inter-institucional Chegados a este ponto, chamamos a atenção para a necessidade de fortalecer e levar o mais longe possível a coordenação inter-institucional na prossecução das funções inspectoras e fiscalizadoras. Isto é, para o sucesso da sua implementação, pressupõe-se a existência de um estreito relacionamento entre todas as entidades e instituições que levam a cabo funções de fiscalização de carácter ambiental, com vista à concertação de entendimentos, critérios, instrumentos e meios. Dada a respectiva essência de órgão coordenador e orientador, o Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental terá aqui um papel decisivo no relacionamento com as restantes instituições. Destaca-se, ainda, a criação, em 2001, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável que funciona como elo de ligação e concertação entre todas as instituições com competências na gestão dos diversos recursos naturais749.

9.3. A formação de agentes fiscalizadores Para que haja lugar a uma fiscalização devidamente organizada, sólida, eficiente e abrangente, é necessário investir na formação dos recursos humanos necessários para o efeito. 748 Cfr. Artigo 3.°/1, do Estatuto Orgânico do Ministério das Pescas, aprovado pelo  Diploma Ministerial n.° 55/2000, de 7 de Junho. Junho.  Neste âmbito, a Lei do Ambiente determinou que “compete ao Governo criar, em termos a regulamentar, um corpo de agentes de fiscalização ambiental competentes para velar 

 pela implementação da legislação ambiental e para a tomada das providências pr ovidências necessárias  para prevenir a violação das suas s uas disposições”750. Actualmente, não se pode ainda falar de um corpo de fiscalização ambiental único e coeso, tal como aparece preceituado na Lei do Ambiente. Porém, diversas acções de formação de agentes de fiscalização têm vindo a ser   progressivamente realizadas ao nível das várias instituições com competência na gestão dos recursos naturais. Destacamos, neste domínio, o papel do Centro de Formação de

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Guardas e Fiscais de Florestas e Fauna Bravia, sediado no Parque Nacional da Gorongosa. Por outro lado, “com vista a garantir a necessária participação das comunidades locais e a utilizar adequadamente os seus conhecimentos e recursos humanos, o Governo, em coordenação com as autoridades locais, promove a criação de agentes de fiscalização comunitários”751. E aqui temos as próprias comunidades a participar activamente na fiscalização da observância das disposições legais de teor ambiental. As vantagens são imensas do ponto de vista da protecção do meio ambiente.

BIBLIOGRAFIA • Academia das Ciências de Lisboa / Fundação Calouste Gulbenkian,  Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Contemporânea , Editorial Verbo, 2001. 749 Este órgão encontrava-se previsto no artigo 6.°, da Lei do Ambiente, mas só foi materializado em 2001. 750 Cfr. Artigo 28.°, da Lei do Ambiente. 751 Cfr. Artigo 30.°, da Lei do Ambiente. • AFONSO, Armando da Silva / ARAGÃO, Maria Alexandra, Apontamentos Alexandra,  Apontamentos  sobre Direito dos Resíduos, Resíduos , Curso de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, ano lectivo 1998/1999, CEDOUA, Coimbra, 1998. • ALARCÃO, Rui, Direito Rui, Direito das Obrigações, Obrigações, Coimbra, 1983. • ALLAIS, Catherine, Os Principais Organismos Internacionais e Programas em Matéria do Meio Ambiente e de Desenvolvimento, Desenvolvimento, In. “Terra, Património Comum” (sob a direcção de Martine Barrere), Instituto Piaget, Lisboa, 1993.

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ANEXOS DECLARAÇÃO DO AMBIENTE, ESTOCOLMO, 1972 A Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente, reunida em Estocolmo de 5 a 16 de Junho de 1992, tendo examinado a necessidade de adoptar uma concepção comum e  princípios comuns que inspirem e guiem os esforços esfo rços dos povos do mundo na pr preservação eservação e melhoria do ambiente. PROCLAMA que:

1. A pessoa humana é criatura e criadora do seu ambiente, que lhe assegura a subsistência física e lhe dá a possibilidade de desenvolvimento intelectual, moral, social e espiritual.  No decurso da longa e laboriosa evolução ev olução da raça humana na Terra chegou c hegou o momento em que, graças ao progresso cada vez mais rápido da ciência e da tecnologia, a pessoa humana alcançou o poder de transformar, de inúmeras maneiras e em escala jamais igualada, o próprio ambiente. Os dois elementos do seu ambiente, o elemento natural e o que ela própria criou, são indispensáveis ao seu bem-estar e à plena fruição dos seus direitos fundamentais -

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inclusive o direito à própria vida. 2. A protecção e melhoria do ambiente são questões de grande importância que afectam o  bem-estar dos povos e o desenvolvimento de senvolvimento económico do globo; correspondem aos vvotos otos ardentes dos povos do mundo inteiro e constituem o dever de todos os governos. 3. A pessoa humana deve constantemente fazer o ponto da sua experiência e continuar a descobrir, inventar, criar e avançar. Hoje, o poder que o homem tem de modificar o meio em que vive, permite-lhe, se for  aplicado com sabedoria, levar a todos os povos os benefícios do desenvolvimento e a  possibilidade de melhorar a qualidade da vida. Se abusiva ab usiva ou imprudentemente utilizado,  pode causar um mal incalculável aos seres ser es humanos e ao próprio ambiente. Multiplicam-se à nossa volta os indícios crescentes dos malefícios causados pelo homem em muitas regiões do globo: níveis perigosos de poluição da água, do ar, da terra e dos seres vivos; perturbações profundas e indesejáveis do equilíbrio ecológico da biosfera; destruição e diminuição dos recursos insubstituíveis; graves deficiências no ambiente que o próprio homem criou, em particular naquele em que vive e trabalha, prejudiciais à sua saúde física, mental e social. 4. Nos países em desenvolvimento a maior parte dos problemas do ambiente são causados pelo subdesenvolvimento. Milhões de pessoas continuam a viver muito abaixo dos níveis mínimos compatíveis com uma vida humana decente, privados do necessário no que refere a alimentação, vestuário, habitação educação, saúde e higiene. Tais países devem portanto orientar os esforços no sentido do desenvolvimento, tomando em linha de conta as prioridades e a necessidade de salvaguardar e melhorar o ambiente.  Nos países industrializados, os problemas do ambiente estão geralmente ligados à

industrialização e ao desenvolvimento tecnológico. Com o mesmo objectivo os países industrializados devem procurar reduzir a lacuna existente entre eles próprios e os países em desenvolvimento. 5. O crescimento natural da população põe sem cessar problemas de preservação do ambiente; devem-se adoptar por conseguinte políticas e medidas apropriadas para os resolver. As pessoas são o que há de mais precioso no mundo. É a população que impulsiona o  progresso social, cria a riqueza social, desenvolve a ciência e a tecnologia e, mediante

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duro trabalho, transforma por forma contínua o ambiente. Com o progresso social e a evolução da produção, da ciência e da técnica, aumenta dia a dia a capacidade humana de melhorar o ambiente. 6. Achamo-nos num momento histórico em que devemos reorientar as nossas acções no mundo inteiro, tomando em consideração as suas repercussões no ambiente. Podemos causar, por ignorância ou indiferença, prejuízos consideráveis e irreversíveis no ambiente terrestre, do qual depende a nossa vida e o nosso bem-estar. Pelo contrário, mediante conhecimento mais profundo e acções mais ponderadas,  podemos conquistar para nós próprios e para a posteridade uma vida melhor, em ambiente mais adaptado às necessidades e aspirações humanas. Surgem perspectivas mais vastas de melhoria da qualidade do ambiente e de criação de uma vida feliz. O que se precisa é de entusiasmo e de calma, dum trabalho intenso mas ordeiro. Para usufruir livremente das mercês da natureza, a pessoa humana deve tirar partido dos seus conhecimentos com fim de criar, em colaboração com ela, um ambiente mellhor. A defesa e a melhoria do ambiente das gerações actuais e das vindouras constituem objectivo primordial da humanidade - tarefa cuja realização deverá ser coordenada e harmonizada com os objectivos fundamentais já fixados de paz, do desenvolvimento económico e social de todo o mundo. 7. A prossecução deste objectivo do ambiente implica que todos, cidadãos e colectividades, empresas e instituições, a qualquer nível, assumam as suas responsabilidades e compartilhem, equitativamente, o esforço comum. Os homens de todas as condições e as organizações mais diversas podem, pelos valores que admitam e  pelo conjunto dos seus actos, determinar o ambiente futuro do mundo.

Caberá às autoridades locais e aos governos a responsabilidade principal das políticas e da acção realizar em assuntos de ambiente, nos limites da sua jurisdição. Há necessidade também de cooperação internacional para aumentar os recursos que  permitam ajudar os países em desenvolvimento a cumprir as suas responsabilidades neste domínio. Os problemas de ambiente, em número sempre mais elevado, de âmbito regional ou mundial ou que afectam o domínio internacional comum, exigirão vasta cooperação entre as nações e que os órgãos internacionais actuem no interesse de todos.

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A Conferência solicita aos Governos e aos povos que unam os seus esforços para  preservar e melhorar o ambiente, a bem de todos os povos e das gerações geraç ões futuras. PRINCÍPIOS EXPRIME A CONVICÇÃO COMUM DE QUE:

PRINCÍPIO I A pessoa humana tem direito fundamental à liberdade, à igualdade e a condições de vida satisfatórias, num ambiente cuja qualidade lhe permita viver com dignidade e bem-estar. Cabe-lhe porém o dever solene de proteger e melhorar o ambiente para as gerações actuais e vindouras. Por consequência, são condenadas e devem ser eliminadas as  políticas que promovam ou perpetuem o apartheid, a segregação racial, a descriminação e as formas, coloniais ou outras, de opressão e de domínio estrangeiro.

PRINCÍPIO II Os recursos naturais do globo, incluindo o ar, a água, a terra, a flora e a fauna e, em especial, amostras representativas dos ecossistemas naturais, devem ser salvaguardados no interesse das gerações presentes e futuras, mediante planeamento e gestão convenientes.

PRINCÍPIO III A capacidade do globo de produzir recursos renováveis essenciais deve ser mantida e, sempre que praticável, restaurada ou melhorada. PRINCÍPIO IV Cabe à pessoa humana a responsabilidade especial de salvaguardar e de sabiamente gerir  o património constituído pela flora e fauna silvestres e pelos respectivos habitats,

actualmente posto em grave perigo por um conjunto de factores desfavoráveis. A conservação da natureza, especialmente da flora e da fauna silvestres, deve portanto assumir lugar importante no planeamento económico.

PRINCÍPIO V Os recursos não renováveis do globo devem ser explorados de modo que se evite o perigo da sua exaustão e que os benefícios resultantes da sua utilização sejam compartilhados  por toda a humanidade.

PRINCÍPIO VI

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A descarga de substâncias tóxicas ou doutras substâncias e a libertação de calor, em quan quanti tida dade de ou co conc ncen entr traç açõe õess ta tais is qu quee ex exce ceda dam m a ca capa paci cida dade de do am ambi bien ente te em neutralizarlhes os efeitos, devem ser interrompidas de modo a evitar que os ecossistemas sofram  prejuízos graves ou irreversíveis. irrevers íveis. Deve-se apoiar a luta legítima dos povos de todos os  países contra a poluição .

PRINCÍPIO VII Os Estados devem tomar as medidas possíveis para impedir a poluição dos mares com substâncias susceptíveis de porem em risco a saúde humana, prejudicarem os recursos  biológicos e a vida dos organismos marinhos, danificarem as belezas naturais ou interferirem com outros usos legítimos do mar.

PRINCÍPIO VIII O desenvolvimento económico é indispensável se se quiser assegurar um ambiente  propício à vida e ao trabalho da pessoa pess oa humana e criar no globo condições indispensáveis indispens áveis à melhoria da qualidade da vida.

PRINCÍPIO IX As deficiências do ambiente, imputáveis às condições de subdesenvolvimento e às catástrofes naturais, põem problemas graves; podem ser remediadas pela aceleração do desenvolvimento mediante a transferência de apreciável auxílio financeiro e tecnológico,  para completar o esforço nacional na cional dos países em desenvolvimento e a assistência oportuna que se requeira.

PRINCÍPIO X  No caso dos países em desenvolvimento, a estabilidade dos preços e a remuneração

adequada dos produtos básicos e das matérias primas são essenciais para a gestão do ambiente, devendo considerar-se, em pé de igualdade, os factores económicos e os  processos ecológicos.

PRINCÍPIO XI As políticas nacionais do ambiente devem reforçar o potencial do progresso presente e futuro dos países em desenvolvimento, e não enfraquecer ou dificultar a instauração de melhores condições de vida para todos. Os Estados e as organizações internacionais devem dar os passos apropriados com o fim

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de obter acordo sobre a maneira de enfrentar as possíveis consequências económicas, a nível nacional e internacional, resultantes da aplicação das medidas de protecção do ambiente. PRINCÍPIO XII Deve-se dispor de recursos para preservar e melhorar o ambiente, tomando em linha de conta a situação e as necessidades particulares dos países em desenvolvimento e quaisquer despesas que possam resultar da integração de medidas de preservação do ambiente no planeamento do seu desenvolvimento e também da necessidade de lhes facultar, com esse fim, e a seu pedido, a assistência internacional suplementar, tanto técnica como financeira.

PRINCÍPIO XIII Com o fim de racionalizar a gestão de recursos e assim melhorar o ambiente, os Estados devem adoptar uma concepção intregrada e coordenada do seu planeamento do desenvolvimento de modo que este seja compatível com a necessidade de proteger e de melhorar o ambiente no interesse da sua população.

PRINCÍPIO XIV O planeamento racional constitui ferramenta básica para conciliar os imperativos do desenvolvimento com a necessidade de preservar e melhorar o ambiente.

PRINCÍPIO XV O planeamento dos aglomerados humanos e da urbanização deve ser feito de modo a evitar efeitos adversos no ambiente e conseguir os máximos benefícios sociais, económicos e ambientais para todos. A este respeito, os projectos concebidos para manter  o colonialismo e o racismo devem ser abandonados.

PRINCÍPIO XVI  Nas regiões em que a taxa de crescimento cre scimento da população ou a sua concentração excessiva  possam exercer influência nefasta nef asta no ambiente ou no desenvolvimento, ou naquelas regiões em que a baixa densidade da população possa impedir a melhoria do ambiente e dificultar o desenvolvimento, devem-se pôr em prática políticas demográficas que respeitem os direitos fundamentais da pessoa humana e sejam julgadas convenientes  pelos governos interessados.

PRINCÍPIO XVII

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Devem-se confiar a instituições nacionais apropriadas as tarefas de planeamento e a regulamentação do uso dos recursos do ambiente possuídos pelos Estados, com o intuito de melhorar a qualidade do ambiente. PRINCÍPIO XVIII Convém recorrer à ciência e à tecnologia, no quadro da sua contribuição para o desenvolvimento económico e social, no sentido de descobrir, evitar ou limitar os perigos que ameaçam o ambiente, resolver os problemas postos por este e, dum modo geral, para o bem da humanidade.

PRINCÍPIO XIX É essencial ministrar o ensino, em matérias de ambiente, aos jovens e adultos, sem esquecer os menos favorecidos, com o fim de criar as bases que permitam esclarecer a opinião pública e dar às pessoas, às empresas e às colectividades, o sentido de responsabilidade no que respeita à protecção e melhoria do ambiente, em toda a sua dimensão humana. É também essencial que os meios de informação de massa evitem contribuir para a deterioração do ambiente, e que, pelo contrário disseminem a informação de natureza educativa sobre a necessidade de proteger e melhorar o ambiente a fim de permitir que a  pessoa humana se desenvolva desenv olva em toda a sua plenitude.

PRINCÍPIO XX Devem-se fomentar, em todos os países, especialmente nos países em desenvolvimento, a investigação e o desenvolvimento científico no contexto dos problemas de ambiente, nacionais e multinacionais. A este respeito, deve-se fomentar e facilitar a circulação livre da informação científica

actualizada e a transferência dos dados da experiência com o fim de facilitar a resolução dos problemas de ambiente. As tecnologias de ambiente devem ser postas ao dispor dos  países em desenvolvimento, em condições que facilitem f acilitem a sua larga difusão, sem constituir sobrecarga económica para os mesmos.

PRINCÍPIO XXI De acordo com as cartas das Nações Unidas e os princípios do direito internacional, os Estados têm o direito soberano de explorar os seus próprios recursos de acordo com as suas próprias políticas de ambiente, e o dever de assegurar que as actividades exercidas

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nos limites da sua jurisdição ou sob seu controle, não prejudiquem o ambiente dos outros Estados ou regiões situadas fora dos limites de jurisdição nacional.

PRINCÍPIO XXII Os Estados devem cooperar no progressivo desenvolvimento do direito internacional no que concerne à responsabilidade e à indemnização das vítimas da poluição e de outros  prejuízos ecológicos que as actividades exercidas ex ercidas nos limites da jurisdição destes Estados ou sob seu controle, causem às regiões situadas dos limites da sua jurisdição.

PRINCÍPIO XXIII Sem prejuízo das normas acordadas pela comunidade internacional, nem das normas que terão de ser definidas a nível nacional, torna-se essencial, em todos os casos, considerar  as escalas de valores predominantes em cada país, e a aplicabilidade de normas que são válidas para os países mais avançados, mas que podem não ser adaptáveis e acarretarem custo social injustificado aos países em desenvolvimento.

PRINCÍPIO XXIV Os assuntos internacionais relativos à protecção e melhoria do ambiente devem ser  tratados por todos os países, grandes ou pequenos, com espírito de cooperação, em pé de igualdade. É essencial a cooperação, mediante providências multilaterais, bilaterais ou outros meios apropriados, para eficazmente limitar, evitar, reduzir e eliminar as agressões ao ambiente resultantes de actividades exercidas em todos os domínios, tomando todavia na devida consideração a soberania e os interesses de todos os Estados.

PRINCÍPIO XXV Os Estados devem assegurar que as organizações internacionais desempenhem papel

coordenado, eficiente e dinâmico na protecção e melhoria do ambiente.

PRINCÍPIO XXVI A pessoa humana e o seu ambiente devem ser poupados aos efeitos das armas nucleares e de todos os outros meios de destruição maciça. Os Estados devem esforçar-se por  conseguir, no seio dos órgãos internacionais apropriados, acordo imediato quanto à eliminação e destruição completa de tais armas.

DECLARAÇÃO DO RIO SOBRE AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, reunida no

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Rio de Janeiro, de 3 a 14 de Junho de 1992, Reafirmando a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, adoptada em Estocolmo a 16 de Junho de 1972, e buscando dar-lhe seguimento, Tendo como objectivo estabecer uma nova e equitativa parceria mundial através da criação de novos níveis de cooperação entre os Estados, os sectores - chave da sociedade e os povos, Tendo em vista os acordos internacionais que respeitem os interesses de todos e protejam a integridade do sistema global de meio ambiente e desenvolvimento, Reconhecendo a natureza independente e integral da Terra, nossa casa, proclama:

PRINCÍPIO I Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza.

PRINCÍPIO II Os Estados, de acordo com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de Direito Internacional, têm o direito soberano de explorarem os seus próprios recursos de acordo com as suas políticas de ambiente e desenvolvimento próprias, e a responsabilidade de assegurar que actividades exercidas dentro da sua jurisdição ou controle não prejudiquem o ambiente de outros Estados ou de áreas para além dos limites da jurisdição nacional.

PRINCÍPIO III O direito ao desenvolvimento deverá ser exercido por forma a atender equitativamente as necessidades, em termos de desenvolvimento e de ambiente, das gerações actuais e futuras.

PRINCÍPIO IV

Para se alcançar um desenvolvimento sustentável, a protecção ambiental deve constituir   parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada separadamente.

PRINCÍPIO V Todos os Estados e todos os povos cooperarão na tarefa fundamental de erradicar a  pobreza como condição indispensável indispensáv el ao desenvolvimento sustentável, por forma a reduzir as disparidades nos níveis de vida e melhor satisfazer as necessidades da maioria dos povos do mundo.

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PRINCÍPIO VI Deve ser dada prioridade à situação e necessidades especiais dos países em desenvolvimento, especialmente dos menos desenvolvidos e dos mais vulneráveis em termos de ambiente. As acções internacionais no domínio do ambiente e desenvolvimento devem também dar resposta aos interesses e necessidades de todos os países.

PRINCÍPIO VII Os Estados cooperarão num espírito de parceria global para conservar, proteger e recuperar a saúde e a integridade do ecossistema da Terra. Tendo em conta os diferentes contributos para a degradação ambiental global, os Estados têm responsabilidades comuns mas diferenciadas. Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que lhes cabe na procura do desenvolvimento sustentável a nível internacional, considerando as pressões exercidas pelas suas sociedades sobre o ambiente global e as tecnologias e os recursos financeiros de que dispõem.

PRINCÍPIO VIII Para se alcançar um desenvolvimento sustentável e uma qualidade de vida mais elevada  para todos os povos, os Estados Es tados deverão reduzir e eliminar padrões insustentáveis de  produção e de consumo e promover p romover políticas demográficas adequadas.

PRINCÍPIO IX Os Estados deverão cooperar para reforçar as capacidades próprias endógenas necessárias a um desenvolvimento sustentável, melhorando os conhecimentos científicos através do intercâmbio de informações científicas e técnicas, e aumentando o desenvolvimento, a adaptação, a difusão e a transferência de tecnologias, incluindo tecnologias novas e inovadoras.

PRINCÍPIO X A melhor forma de tratar as questões ambientais é assegurar a participação de todos os cidadãos interessados, ao nível conveniente. Ao nível nacional, cada pessoa terá acesso adequado às informações relativas ao ambiente detidas pelas autoridades, incluindo informações sobre produtos e actividades perigosas nas suas comunidades, e a oportunidade de participar em processos de tomada de decisão. Os Estados deverão facilitar e incentivar a sensibilização e a participação do público, disponibilizando amplamente as informações. O acesso efectivo aos processos judiciais e administrativos,

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incluindo os de recuperação e de reparação, deve ser garantido.

PRINCÍPIO XI Os Estados devem adoptar legislação ambiental eficaz. Os padrões ecológicos, os objectivos e as prioridades de gestão do ambiente devem reflectir o contexto ambiental e de desenvolvimento a que se aplicam. Os padrões aplicados por alguns Estados podem não ser convenientes e ter um custo económico e social injustificado para outros países, especialmente para os países em desenvolvimento.

PRINCÍPIO XII Os Estados deverão cooperar na promoção de um sistema económico internacional aberto e apoiado que conduza ao crescimento económico e ao desenvolvimento sustentável em todos os países, de forma a melhor tratar os problemas da degradação ambiental. As medidas de política comercial motivadas por razões ambientais não devem constituir um instrumento de discriminação arbitrária ou injustificada ou uma restrição disfarçadas ao comércio internacional. As acções unilaterais para lidar com desafios ambientais fora da área de jurisdição do país importador devem ser evitadas. As medidas ambientais destinadas para lidar com problemas transfronteiriços ou globais devem, tanto quanto  possível, ser baseadas num nu m consenso internacional.

PRINCÍPIO XIII Os Estados deverão elaborar legislação nacional relativa à responsabilidade civil à a compensação das vítimas da poluição e de outros prejuízos ambientais. Os Estados deverão também cooperar de um modo expedito e mais determinado na elaboração de legislação internacional adicional relativa à responsabilidade civil e compensação por  efeitos adversos causados por danos ambientais em áreas fora da sua área de jurisdição, e

causados por actividades levadas a efeito dentro da área da sua jurisdição ou controlo.

PRINCÍPIO XIV Os Estados deverão cooperar de forma eficaz no sentido de desencorajar ou prevenir a deslocação ou transferência para outros Estados de quaisquer actividades e substâncias que causem uma degradação ambiental grave ou que sejam potencialmente nocivas à saúde humana.

PRINCÍPIO XV De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente

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observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis não será utilizada a falta de certeza científica total como razão para o adiamento de medidas eficazes em termos de custos para evitar a degradação ambiental.

PRINCÍPIO XVI As autoridades nacionais deverão esforçar-se por promover a internalização dos custos ambientais e utilização de instrumentos económicos, tendo em conta o princípio de que o  poluidor deverá, em princípio, suportar o custo da poluição, com o devido respeito pelo interesse público e sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais.

PRINCÍPIO XVII Deverá ser empreendida a avaliação de impacte ambiental, enquanto instrumento nacional, de certas actividades susceptíveis de terem um impacte significativo adverso no ambiente e que estejam sujeitas a uma decisão por parte de uma autoridade nacional competente.

PRINCÍPIO XVIII Os Estados devem notificar imediatamente os outros Estados de quaisquer desastres naturais ou outras emergências que possam produzir efeitos súbitos nocivos no ambiente desses Estados. Deverão ser enviados todos os esforços pela comunidade internacional  para ajudar os Estados afectados af ectados por tais efeitos.

PRINCÍPIO XIX Os Estados deverão notificar, prévia e atempadamente, os Estados potencialmente afectados e fornecer-lhes todas as informações pertinentes sobre as actividades que  possam ter um efeito transfronteiriço adverso adver so significativo sobre o ambiente, e deverão

estabelecer consultas atempadamente e de boa fé com esses Estados.

PRINCÍPIO XX As mulheres desempenham um papel vital na gestão e desenvolvimento do ambiente. A sua participação plena é portanto essencial para alcançar um desenvolvimento sustentável.

PRINCÍPIO XXI A criatividade, os ideais e a coragem da juventude de todo o mundo deverão ser  mobilizados para criar uma parceria global com o fim de se alcançar um desenvolvimento

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sustentável e assegurar um futuro melhor para todos.

PRINCÍPIO XXII As populações indígenas e suas comunidades e outras comunidades locais, desempenham um papel vital na gestão e desenvolvimento do ambiente devido aos conhecimentos e  práticas tradicionais. Os Estados deverão apoiar apo iar e reconhecer devidamente a sua su a identidade, cultura e interesses e tornar possível a sua participação efectiva na concretização de um desenvolvimento sustentável.

PRINCÍPIO XXIII O ambiente e os recursos naturais dos povos oprimidos, dominados e sujeitos a ocupação deverão ser protegidos.

PRINCÍPIO XXIV A guerra é intrinsecamente destruidora do desenvolvimento sustentável. Os Estados deverão portanto respeitar a legislação internacional que protege o ambiente em tempo de conflito armado, e cooperar no seu desenvolvimento, conforme for necessário.

PRINCÍPIO XXV A paz, o desenvolvimento e a protecção ambiental são interdependentes e inseparáveis.

PRINCÍPIO XXVI Os Estados deverão resolver todas as suas disputas ambientais pacificamente e através de meios ajustados de acordo com a Carta das Nações Unidas.

PRINCÍPIO XXVII Os Estados e os povos deverão cooperar de boa fé e com o espírito de parceria no cumprimento dos princípios consagrados nesta Declaração e para o maior  desenvolvimento do direito internacional no campo do desenvolvimento sustentável.

DECLARAÇÃO DE JOANESBURGO SOBRE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Das origens ao futuro 1. Nós, representantes dos povos do mundo, reunidos durante a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável em Joanesburgo, África do Sul, entre 2 e 4 de Setembro de 2002, reafirmamos nosso compromisso com o desenvolvimento sustentável. 2. Assumimos o compromisso de construir uma sociedade global humanitária, equitativa

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e solidária, ciente da necessidade de dignidade humana para todos. 3. No início desta Cúpula, crianças do mundo nos disseram, numa voz simples porém clara, que o futuro pertence a elas e, em consequência, conclamaram todos nós a assegurar que, através de nossas acções, elas herdarão um mundo livre da indignidade e da indecência causadas pela pobreza, pela degradação ambiental e por padrões de desenvolvimento insustentáveis. 4. Como parte de nossa resposta a essas crianças, que representam nosso futuro colectivo, todos nós, vindos de todos os cantos do mundo, formados por diferentes experiências de vida, estamos unidos e animados por um sentimento profundo de que necessitamos criar, com urgência, um novo e mais iluminado mundo de esperança. 5. Por conseguinte, assumimos a responsabilidade colectiva de fazer avançar e fortalecer  os pilares interdependentes e mutuamente apoiados do desenvolvimento sustentável desenvolvimento económico, desenvolvimento social e protecção ambiental - nos âmbitos local, nacional, regional e global. 6. Neste Continente, Berço da Humanidade, declaramos, por meio do Plano de Implementação e desta Declaração, sermos responsáveis uns pelos outros, pela ampla comunidade da vida e por nossas crianças. 7. Reconhecendo que a humanidade se encontra numa encruzilhada, estamos unidos numa determinação comum, a fim de realizar um esforço determinado para responder  afirmativamente à necessidade de apresentar um plano prático e visível, que leve à erradicação da pobreza e ao desenvolvimento humano.

De Estocolmo ao Rio de Janeiro a Joanesburgo

8. Trinta anos atrás, em Estocolmo, concordamos na necessidade urgente de reagir ao  problema da deterioração ambiental. Dez anos atrás, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, concordamos em que a protecção do meio ambiente e o desenvolvimento social e económico são fundamentais para o desenvolvimento sustentável, com base nos Princípios do Rio. Para alcançar tal desenvolvimento, adoptamos o programa global Agenda 21 e a Declaração do Rio, aos quais reafirmamos nosso compromisso. A Cúpula do Rio foi um marco significativo, que estabeleceu uma nova agenda para o

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desenvolvimento sustentável. 9. Entre o Rio e Joanesburgo as nações do mundo se reuniram em diversas conferências de larga escala sob a coordenação das Nações Unidas, incluindo a Conferência de Monterrey sobre Financiamento ao Desenvolvimento, bem como a Conferência Ministerial de Doha. Essas conferências definiram para o mundo uma visão abrangente  para o futuro da humanidade. 10. Na Cúpula de Joanesburgo muito se alcançou na convergência de um rico tecido de  povos e pontos de vista, numa busca construtiva por um caminho comum rumo a um mundo que respeite e implemente a visão do desenvolvimento sustentável. Joanesburgo também confirmou haver sido feito progresso significativo rumo à consolidação de um consenso global e de uma parceria entre todos os povos de nosso Planeta.

Os Desafios que Enfrentamos 11. Reconhecemos que a erradicação da pobreza, a mudança dos padrões de consumo e  produção e a protecção e manejo da base de recursos naturais na turais para o desenvolvimento económico e social são objectivos fundamentais e requisitos essenciais do desenvolvimento sustentável. 12. O profundo abismo que divide a sociedade humana entre ricos e pobres, junto à crescente distância entre os mundos desenvolvidos e em desenvolvimento, representam uma ameaça importante à prosperidade, à segurança e à estabilidade globais. 13. O meio ambiente global continua sofrendo. A perda de biodiversidade prossegue, estoques pesqueiros continuam a ser exauridos, a desertificação toma mais e mais terras férteis, os efeitos adversos da mudança do clima já são evidentes e desastres naturais são

mais frequentes e mais devastadores; países em desenvolvimento são mais vulneráveis e a poluição do ar, da água e do mar segue privando milhões de pessoas de uma vida digna. 14. A globalização adicionou uma nova dimensão a esses desafios. A rápida integração de mercados, a mobilidade do capital e os significativos aumentos nos fluxos de investimento mundo afora trouxeram novos desafios e oportunidades para a busca do desenvolvimento sustentável. Mas os benefícios e custos da globalização são distribuídos desigualmente, e os países em desenvolvimento enfrentam especiais dificuldades para encarar esse desafio.

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15. Corremos o risco de perpetuação dessas disparidades globais e, a menos que ajamos de modo a modificar fundamentalmente suas vidas, os pobres do mundo podem perder a confiança em seus representantes e nos sistemas democráticos com os quais  permanecemos comprometidos, enxergando enxergand o em seus representantes nada nad a além de imagens pomposas e sons retumbantes.

Nosso Compromisso com o Desenvolvimento Sustentável 16. Estamos determinados a assegurar que nossa rica diversidade, que é nossa força colectiva, será usada numa parceria construtiva para a mudança e para alcançar o objectivo comum do desenvolvimento sustentável. 17. Reconhecendo a importância de ampliar a solidariedade humana, instamos a  promoção do diálogo e da cooperação cooper ação entre os povos e civilizações do mundo, a despeito de raça, deficiências, religião, idioma, cultura e tradição. 18. Aplaudimos o foco da Cúpula de Joanesburgo na indivisibilidade da dignidade humana e estamos resolvidos, através de decisões sobre metas, prazos e parcerias, a rapidamente ampliar o acesso a requisitos básicos tais como água potável, saneamento, habitação adequada, energia, assistência médica, segurança alimentar e protecção da  biodiversidade. Ao mesmo tempo, trabalharemos juntos para p ara nos ajudar mutuamente a ter  acesso a recursos financeiros e aos benefícios da abertura de mercados, assegurar o acesso à capacitação e ao uso de tecnologia moderna que resulte em desenvolvimento, e nos assegurar de que haja transferência de tecnologia, desenvolvimento de recursos humanos, educação e treinamento para banir para sempre o subdesenvolvimento. 19. Reafirmamos nossa promessa de aplicar foco especial e dar atenção prioritária à luta

contra as condições mundiais que apresentam severas ameaças ao desenvolvimento sustentável de nosso povo. Entre essas condições estão: subalimentação crónica; desnutrição; ocupações estrangeiras; conflitos armados; problemas com drogas ilícitas; crime organizado; corrupção; desastres naturais; tráfico ilegal de armamentos; tráfico humano; terrorismo; intolerância e incitamento ao ódio racial, étnico e religioso, entre outros; xenofobia; e doenças endémicas, transmissíveis e crónicas, em particular  HIV/AIDS, malária e tuberculose. 20. Estamos comprometidos a assegurar que a valorização e emancipação da mulher e a

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igualdade de género estejam integradas em todas as actividades abrangidas pela Agenda

21, as Metas de Desenvolvimento do Milénio e o Plano de Implementação de Joanesburgo. 21. Reconhecemos o facto de que a sociedade global possui os meios e está dotada de recursos para encarar os desafios da erradicação da pobreza e do desenvolvimento sustentável que confrontam toda a humanidade. Juntos tomaremos medidas adicionais  para assegurar que os recursos disponíveis sejam usados em benefício da humanidade. 22. A esse respeito, visando contribuir para o alcance de nossos objectivos e metas de desenvolvimento, instamos os países desenvolvidos que ainda não o fizeram a realizar  esforços concretos para atingir os níveis internacionalmente acordados de Assistência Oficial ao Desenvolvimento. 23. Aplaudimos e apoiamos o surgimento de grupos e alianças regionais mais robustos, tais como a Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (NEPAD), para a promoção da cooperação regional, do aperfeiçoamento da cooperação internacional e do desenvolvimento sustentável. 24. Continuaremos a dedicar especial atenção às necessidades de desenvolvimento dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento e dos Países Menos Desenvolvidos. 25. Reafirmamos o papel vital dos povos indígenas no desenvolvimento sustentável. 26. Reconhecemos que o desenvolvimento sustentável requer uma perspectiva de longo  prazo e participação ampla na formulação de políticas, tomada de decisões e implementação em todos os níveis. Na condição de parceiros sociais, continuaremos a trabalhar por parcerias estáveis com todos os grupos principais, respeitando os papéis

independentes e relevantes de cada um deles. 27. Concordamos que, na busca de suas actividades legítimas, o sector privado, tanto grandes quanto pequenas empresas, tem o dever de contribuir para a evolução de comunidades e sociedades equitativas e sustentáveis. 28. Concordamos também em prover assistência para ampliar oportunidades de emprego geradoras de renda, levando em consideração a Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da Organização Mundial do Trabalho (OMT) .

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29. Concordamos em que existe a necessidade de que as corporações do sector privado implementem suas responsabilidades corporativas. Isto deve ocorrer num contexto regulatório transparente e estável. 30. Assumimos o compromisso de reforçar e aperfeiçoar a governança em todos os níveis, para a efectiva implementação da Agenda 21, das Metas de Desenvolvimento do Milénio e do Plano de Implementação de Joanesburgo.

O Multilateralismo é o Futuro 31. Para alcançar os objectivos do desenvolvimento sustentável, necessitamos de instituições multilaterais mais eficazes, democráticas e responsáveis. 32. Reafirmamos nosso compromisso com os princípios e propósitos da Carta das Nações Unidas e do Direito Internacional, bem como com o fortalecimento do multilateralismo. Apoiamos o papel de liderança das Nações Unidas na condição de mais universal e representativa organização do mundo, e a que melhor se presta à promoção do desenvolvimento sustentável. 33. Assumimos adicionalmente o compromisso de monitorar, em intervalos regulares, o  progresso alcançado na implementação das metas e objectivos do desenvolvimento sustentável.

Fazendo Acontecer! 34. Estamos de acordo que este deve ser um processo inclusivo, envolvendo todos os grupos principais e os governos que participaram da histórica Cúpula de Joanesburgo. 35. Assumimos o compromisso de agir juntos, unidos por uma determinação comum de

salvar o nosso Planeta, promover o desenvolvimento humano e alcançar a prosperidade e a paz universais. 36. Assumimos o compromisso com o Plano de Implementação de Joanesburgo e com acelerar o cumprimento das metas socio-económicas e ambientais com prazo determinado nele contidas. 37. Do continente Africano, Berço da Humanidade, afirmamos solenemente, aos povos do mundo e às gerações que certamente herdarão este Planeta, estarmos determinados a assegurar que nossa esperança colectiva para o desenvolvimento sustentável seja

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realizada. Expressamos a nossa mais profunda gratidão ao povo e ao Governo da África do Sul por  sua hospitalidade generosa e excelentes acomodações destinadas à Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável.

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