BURKE, P (2003) Hibridismo Cultural PDF
March 15, 2023 | Author: Anonymous | Category: N/A
Short Description
Download BURKE, P (2003) Hibridismo Cultural PDF...
Description
//
EDITOR UN S NOS
COLEÇÃO LDUS IS BN
8
7431 197 9
9 788574 3
www edunisinos br/aldus
975
UNIVERSID DE
O
V LE
RIO
O
OS S NOS
R eitor
Pe
Marcelo
Fernandes de Aquino SJ V ice reitor
Pe
José
Ivo Follman
Hibridismo cultural
SJ
P et er
ri lJ EDITOR UNISINOS
Burke
Tradução
Leila Souza Mendes
D iretor
Pe
Pedro
Gilberto
Gomes
SJ
onselho Editorial
Alfredo Culleton Carlos lberto Gianotti Pe Luis Fernando Rodrigues. SJ Pe Pedro Gilberto Gomes SJ Vicente de Paulo B a r r e t t o
EDITORA UNISINOS
Coleção
ldus
18
© 2003 Peter Burke Título original: Cultural Hybridity Cultur al Exchang Exchange e Cultural Translation: Reflections on History a nd Theory
2003 Direitos editoriais em língua portuguesa reservados à Editora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos EDITORA UNISINOS
OLEÇÃO ALOUS
ISBN B 5 -7 4 3 1 -1 9 7 -9 3a reimpressão primavera de 201 O feita conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa em vigor desde 2 0 0 9 Coleção Aldus 8
Sob a direção de Carlos Alberto Gianotti
Editor Carlos Alberto Gianotti Revisão Renato Deitas Mateus Colombo Mendes Editoração Décio Remigius Ely Capa Isabel Carballo
A reprodução. ainda que parcial por qualquer meio das páginas que que compõem este livro para uso não individua individuall mesmo para f1ns d1dat1cos. sem autorização escrita do editor é ilícita e se constitui numa à
contrafação Foi feito o danosa depósito cultura. legal.
Editora da Universidade do Vale do Rio dos Si S inos EDITORA UNISINOS Av. Unisinos 9 5 0 93022- 000 São Leopoldo RS Brasil
Telef.: 51.3590B239 Fax: 51.3590B23B editora @unisinos. br
ao lado é a marca do impressor Aldus Pius Manutius. A partir de 1501 numa época em que os livros eram caros e difíceis de manuse ar Aldus iniciou iniciou a produção de livros com formato pequeno. Para diminuir o volume e o preço encomendou do ourives Francesco Griffo um tipo de letra que permitia um maior número de caracteres por página. Esse tipo veio a ser conhecido como itálico. Hoje o formato livro de bolso é o preferido pela maioria dos leitores do planeta. A EDITORA O símbolo
UNISINOS mediante esta coleção em formato diferenciado e impres sa em pap papel el especial especial procur a levar assuntos interessantes aos leitores por um preço acessível.
O E ITOR APRESENTA
A voz do povo diz que há males que vêm para o bem: mas há também males que vêm para o mal assim como há bens que vêm para o bem ou para o mal. Há coisas que se planejam de um modo e o resultado que se obtém é diferente do esperadopara o bem ou para o mal.
cerca de um ano l um artigo do professor Peter Burke sobre a inserção do dicionário na vida letrada Achei aque la págin pági na fantástica. Por isso entrei em contato com ele para ver se seria possível estender aquele artigo para trans formá- lo num numa a versão vers ão alongada alongada em mais um título desta Coleção Aldus O professor Peter sugeriu então um outro tema para compor um livro: hibndismo cultural Ace itei a proposta. le preparou a matéria e aqui a te mos em li vro com a tradução cuidadosa da Leila Mendes. Há bens que vêm para o bem. Faz
obre o u t o r
Peter B u rke
culltura l na cu na professor de s t ó r Universidade de Cambridge . E autor de 22 livros 12 deles traduzidos e e d i t d o ~ em português. Com sua mulher Maria Lucia Pallares Burke está escrevendo um livro sobre Gilberto Freyre.
Nov. / 2003
Para Marco e Lara crianças multicu/t multicu/turais urais..
SUMÁRIO
1
Introdução
3
Variedades de objetos
23
2 Variedades
de terminologias
3 Variedades
5
39
de situações
65
4 Variedades de reações
77
Variedades de resultados
1 O1
Todas
s cultur s são o resultado de um
mixórdia. Claude Lévi - Strauss
A históri de tod s s cultur s é a históri do empréstimo cultur l. Edward Said Hoje,, tod s Hoje
s cultur s são cultur s de fronteir . Nestor Canclini
recente da pósmodernidade, o historiador britânico Perry An derson descreve a tendência do período em que m
uma
discussão
v iv emos de celebrar o crossover, o híbrido, o pot-pourri 1 • Para ser mais exato , algumas pessoas - como o escritor anglo anglo-- indiano Salman Rushdie em seus Versos satânicos - louvam estes fenômenos enquanto outras os temem ou os condenam. A reprovação procede , deve deve-- se polííticas, já acrescentar, de diferentes posturas pol que dentre os críticos do hibridismo encontramos fundamenta listas muçulmanos, segregacionistas brancos e separatistas negros.
Perry Anderso n , Origins o Post Modernity London, 19981.
3
CoLEÇÃO
4
wus
Um dos sinais do clima inte lectua l de nossa época é o uso do termo crescente essencialismo como um modo de criticar o oponente em todo tipo de discussão . Nações , classes sociais, tribos e castas têm todos sido descontruídos no sentido de serem descritos falsas. Um exemplo como entidades inusitadamente sofisticado dessa tendência é o livro Logiques métisses (1990J, do antropólogo francês Jean-Loup Amselle. Amselle, especialista em África Ocidental, defende que não existem coisas como tribos , como os fui as ou os bambaras. Não existe uma fronteira cu ltural nítida ou firme entre grupos, e sim, pelo contrário, um continuum cultural. Os linguistas há muito vêm defendendo o mesmo ponto de vista a respeito de línguas vizinhas como o ho landês e o alemão. Na fronteira, é impossível dizer quando ou onde o termina holandês e começa o alemão. A preocupação com este assunto é natural em um período como o nosso, marcado por encontros culturais cada vez mais frequentes e intensos. A globalização cultural envolve 2 hibridização . Por mais que reajamos a ela, não conseguimos nos livrar da tendência global para a mistura e a hibridização , do curry com batatas fritas - recentemente eleito o prato favorito da Grã-Bretanha- às saunas tailandesas, ao judaísmo
J a n Ne d e r ve e n Pieter se . '' Gioba lizat ion as H yb r i d iza izatt ion . l nternationa nternationall Sociology 9 (1994), p 161-84.
2
HI BRID BRIDII SMO CULTURAL CULTURA L
15
zen, ao Kung Fu nigeriano ou aos filmes de Bollywood (feitos em Bombaim e que misturam canções e danças tradicionais indianas com convenções hollyholly - woodianasJ. Este processo é particularmente óbvio no campo musical no caso de formas e gêneros híbridos como o ja jaz zz o reggae reggae a salsa ou o rock afro-celta mais recentemente3 . Novas Nova s tecnologi as , inclusiv inclusive e a mesa de de mi mix xagem , obviamente facilitaram este tipo de hibridização hibridização.. Portanto não é de causar espanto que t e nha surgido um grupo de teóricos do hibridismo, eles mesmos muitas vezes de identidade cultural dupla ou mista . Homi Bhabha, por exemplo, é um indiano que foi professor na Inglaterra e que hoje Unidos.. Stuart Hall, nascido na está nos Estados Unidos Jamaica, de ascendência mista , viveu a maior parte de sua vida na Inglaterra e descreve a si mesmo como sendo culturalmente um vi ra-latas, o ma is perfeito híbrido cultural 4 . len Ang se descreve como uma acadêmic a etnica mente chinesa, nascida na Indonésia e educada na Europa que hoje vive e trabalha na Aust r ália 5 . Comparado com estes teóricos, Nestor Canclin i , que cresceu na Argentina mas v ive no Mé xi co, nem parece ser uma mistura . Por outro lado , Edward Said , palestino que cresceu no Egito , é
3
Georg i na Born and David Hesmon d halgh (eds l , Western Mus ic and its Dthers (8 erke l ey an d L o s Ange l es . 2 000J.
4
Cita do e m Chris Ro jek Citad ek,, Stu ar c H a 1 (Ca mb r id idge, ge, 2 00 3 ) . p 4 9 len An A n g . n No c Speak Spea king Chin Chinese ese:: Living bet be t ween s ia and the W es estt (Lo n don . 2 001 J p 3 .
5
6
CoLEÇÃ CoLEÇ ÃO
wus
professor nos Estados Unidos e se descreve como deslocado onde quer que se encontre (de forma semelhante Jawaharlal Nehru, o primeiro primeiro-ministro da Índia depois da independência, uma vez declarou que havia se tornado uma estranha mescla de Oriente e Ocidente, deslo
cado em qualquer lugar J 6 O trabalho destes e de outros teóricos tem cada vez mais atraído o interesse para várias dis ciplinas, da antropologia à literatura, da geografia à história da arte e da musicologia aos estudos de religião. religião . Os historiadores também, inclusive eu mesmo, estão dedicando cada vez mais atenção aos processos de encontro, contato, interação, troca e hibridização cultural. O que resolvi apresentar aqui, no entanto, não é um estudo de história da cultura, mas um ensaio tão híbrido quanto seu assunto, interessado no presente assim como no passado, em t o r i ~ s assim como em práticas e em processos gera1s assim como em acontecimentos específicos. Embora processos de hibridização possam ser encontrados na esfera econômica , social e política, para não mencionar men cionar a miscigenação, este ensaio se restringe a tendências culturais, definindo o termo cultur em um sentido razoavelmente amplo de forma a incluir atitudes , mentalidades e valores e
6
Edward Said, Out of Place ; Nehru citado in Robert J. Young Young.. Post;colonialism
HIBRID ISMO CULTURAL
7
suas ex expressões , concretizações ou simbolizações em artefatos, práticas e representações . Em um ensaio informal , pessoal , desse tipo , é melhor deixar logo claro nosso ponto de vista . Permitam-me portanto dizer que enquanto euro peu do norte que sempre sentiu atração pelas culturas latinas (da Itália ao Brasill, assim como ocidental fascinado com aquilo que os europeus costumavam chamar de Oriente Médio e Extremo Oriente, minha própria experiência de interação cultural (seja entre indivíduos , disciplinas ou cul turas) tem sido extremamente positiva . De qualquer forma , acho convincente o argumento de que toda inovação é uma espécie de adaptação e que encontros culturais encorajam a criatividade . No entanto , não escolhi este assunto para louvar as trocas culturais ou o hibridismo cultu ral , mas para analisar estes fenômenos. Na análise que se segue tentare i ser o mais imparcial possível. Imparcial , e não objetivo , já que é impos sível fugirmos de nossa posição social e de nosso condicionamento histórico . Todavia, acredito fir memente na importância de se manter o distan ciamento, pelo menos temporariamente, de nos sa situação, e desta forma examinar tudo de uma perspectiva mais ampla do que é possível em ou tras circunstâncias. Esta é a contribuição tipica mente acadêmica para um debate que hoje é do interesse de todos, e que é especialmente apro priado para um historiador da cultura. Neste caso em particular, não tenho a me-
an
storical lntroductio storical lntrodu ction n Q xford, 2001 l p.
nor intenção
348.
de
apresentar
a troca
cultural
como
18
C OLEÇÃO
wus
H IBR IBRIIDISMO CUL CULT TURAL
19
um simples enriquecimento, esquecendo que às vezes ela ocorre em detrimento de alguém. alguém . No campo da música, por exemplo, especialmente na música popular, os ocidentais têm emprestado de outras culturas, como da dos pigmeus da Áfri ca Central , fazendo o registro dos direitos auto rais dos resultados sem dividir os royalties com os músicos originais. Em outras palavras, eles têm tratado a música do Terceiro Mundo como se fosse mais um tipo de matéria-prima que é pro cessada na Europa e na América do Norte 7 O preço da hibridização , especialmente na
tro fez uma interpretação da h i stória espanhola que privilegiou os encontros e as interações en en tre três culturas: a cristã , a judaica e a muçulmanass. muçulmana Nos anos 1 9 5 0 , o h istoriador brit â n ico Arnold Toynbee refletiu sobre o que ele já chama va de encontros entre culturas, sobre a impor tânc ia das diásporas e a natu r e za da recepção Elee dedicou dois volume s de seu Study of cultural 9 El History [Um estudo de história. Rio de Janeiro , W . M . Jackson, 1953) ao que chamou de contatos entre civilizações no espaço e no tempo , confli
inusitadamente caracte quela que de nossa época, incluirápida a perda deétradições rísticaforma regionais e de raízes locais. locais . Certamente não é g lobal ização cu ltu por acidente que a atual era de gl ral, às vezes vista mais superficia lmente como americanização , é também a era das reações nacionalistas ou étnicas - sérv ia e croata, tútsi e hutu, árabe , basca e assim por d iante. Gilberto Freyre louvou notavelmente tanto o regionalismo quanto a mestiçagem, mas geralmente há uma tensão entre eles . Gilberto Freyre foi um dos primeiros scholars a dedicar atenção ao hibridismo cultural, em Casa Grande e Senzala de 1933. Pouco tempo depois, o sociólogo Fernando Ortiz fez o mesmo em relação a Cuba. Cuba . Nos anos 1940, Americo Cas-
tos entre culturas ou de difração de r aios culturais 1 Diferentemente da maioria dos in gleses de sua geração, Toynbee se interessava por todo tipo de s incret ismo religioso. Ele regis trou uma exper iência religiosa na National Gallery de Londres , em 1951, na qual ele invocou Buda , Maomé e Cr isto Tammuz, Cristo Adônis, Cristo Os íris 11 Algumas pessoas, que poderíamos descre ver como puristas , ficaram profundamente cho cadas com os argumentos de Freyre , de Castro e de Toynbee quando suas obras f oram publicadas pela pr p r imeira vez. vez . Hoje , pelo contrário, estamos
8
Gilberto Freyre, Casa Gra Gran nde e Sen Senza la R io d e J aneiro , 1 9 33 ) ; Fernando Ortiz, Co ntrapunteo cubano H avana avana,, 1940l; Americo Cas Castt ro, Espana en su historia 1 9 48 l .
istt ory va i. 8 ( London, 1954) , p. 27 4 ft, A rn ol d J . Toy oynn bee, A St udy of H is 4 72ft, 48 1 f 1 O Toynbee, Stu dy vai. 8, p. 49 5 . 1 1 Toynb Toyn bee ee,, Stu dy va i 1 O. p. 14 3 .
9 7
S t eve evenn Fel d,
The Po et ics and Politics of Pygm gmyy Pop . in H esmo n dhal algh gh p. 25 4- 79 .
orn and
20
CoLEÇÃ CoLEÇ ÃO
wus
H IBRI DISMO CU LT LTURAL URAL
21
preparados para encontrar a hibridização quase que em toda parte na história . Os historiadores da Antiguidade, por exemplo, estão se interes-
Em outros locais locais,, a síntese parece t e r sido invisível. Por exemplo, um estudo do cristianismo nos primórdios do Japão moderno alega que os
sando cadaestão vez mais pelo processo heleniza começando a ver de menos como ção , que uma simples imposição da cultura grega sobre o Império Romano e mais em termos da interação entre o centro e periferia 2 Por sua vez, historiadores da Renascença estão se interessando mais do que antes pelas contribuições bizantinas , judaicas e muçulmanas para aquele movimento 1 3 . Em uma era de cristianismo ecumênico, os historiadores da Reforma hoje estão mais dispostos do que antes a admitir a importância das trocas culturais entre católicos e protestantes. E historiadores das missões europeias à Ásia, África e América agora reconhecem que os convertidos não tanto abando naram suas religiões tradicionais pelo cristianismo quanto fizeram uma espécie de síntese das
chamadosao convertidos incorporaram símbolos cristãos sistema simbólico nativo , produzindo uma religião híbrida às vezes descrita como kirishitan, o jeito japonês de pronunciar a palavra cristão 15 . O assunto é vasto, mas este ensaio é curto. Ele oferece uma visão panorâmica de um territó rio que é imenso , variado e disputado e tenta ver o atual debate sobre a globalização da cultura a partir de uma perspectiva histórica . Fernando Ortiz certa feita descreveu a cul tura cubana como sendo uma espécie de ensopa ajiaco.. Um livro sobre culturas híbridas pode do, ajiaco facilmente se transformar em um prato semelhante, no qual os ingredientes , por mais variados
para era óbvia mistura duas religiões.. Àscomo religiões vezes da heresia os missionários, no acaso dos ín dios , a santidade de Jaguaripe na Baía em 1580 , estudada por Ronaldo Vainfas 14 .
analisar fazer distinções misturatentarei do que fazer uma réplicaemdela. No que sea segue, ve z de tornar tudo indistinto. Por esta razão o ensaio a seguir será dividi do em cinco partes principais , unidas por sua ên ên fase na variedade. Em primeiro lugar, a variedade variedade de objetos que são hibridizados . Em segundo lu-
12 13 14
Arnaldo Momigliano. Ali Alie en W1sdom: the th e Limit Limits s of Hellenis Hellenism C a mbridg e , in,, On Pag Pagan ans J e ws and Ch r istia ns CMiddletown, 19 8 7 ); Gl y nn 1975J; in Bo w er s o c k, Helllle eni nis s m. in Late nt iqui iquity ty CCambridg CCambridgee , 199Dl Pe ter Bu Burke rke , Th e Eu ropea ropean n Ren aissa aissan nce O xf o rd , 1998) , in t r o du duçç ão. Em Cat holics and an d Protes tant s, ve ja a o br a pioneira de J ean Del u mea u ,
que sejam, são liquidificados e homogeneizados . No entanto, é certamente mais esclarecedor
15
Er ik Zürcher,
Jesuit Accommodation and the Chinese Cultural Impera-
Naiss an ce et A ffir ma tion de la Réforme ( Paris, 1965 J Em The m issions, S e rg e Gru zi zinns ki , La co collonisation de de l imagi ima gin nai airr e P a r is , 19 8 8); Ro Ro n aldo Vai nfa nfas, s, A heres heresia d os índi índio os S ão Pa ulo , 1 9 9 5) .
tive , in David E. Mungell o (ed (ed.J .J The Chinese Rites Controversy CNettetal, in Early Modern Japan: 1994) , p. 31 - 64; l ku o H igashibaba, Ch ristianity in Ki r ishi ishitt an Bel Be lie ieff and Practice[ L e iden, 2 0 0 1 , especially p. 29, 35, 38.
C o LE LEÇÃO ÇÃO
w us
gar, a variedade de termos e teorias inventados para se discutir a interação cultural. Em tercewo lugar, a variedade de situações nas quais os encontros acontecem. Em quarto lugar, a variedade de possíveis reações a itens culturais não familiares. E em quinto e último lugar, a variedade de possíveis resultados ou consequências da hibridização em long longoo prazo .
1. VARIEDADES
DE O JETOS
Exemplos de hibridismo cultural podem ser encontrados em toda parte não apenas em todo o globo como na maioria dos domínios da c u l t u r a religiões sincréticas filosofias ecléticas línguas e culinárias mistas e estilos híbridos na arquitetura na literatura ou na música. Seria insensato assumir que o termo hibridismo tenha
exatamente mesmo significado em todos estes casos.. Para segur r o touro pelos chifres pode casos ser útil começ r distinguindo e discutindo três tipos de hibridismo ou processos de hibridização que envolvem respectivamente artefatos prátic s e finalmente povos.
ARTEFATOS HÍBRIDOS
de
A arquitetura proporciona muitos exemplos artefatos híbridos. Por exemp lo , entre os sé
XIV e XVII culos Lvóvv cidade Lvó (L viv, LehmbergJ , nonaoeste da Ucrânia era uma qual multicultural interagiam diferentes culturas. Quando os armê 3
24
C oLE ÇÃO
wus
HIBRIDIISMO CULT HIBRID CULTURAL
nios construíram sua catedral
no
século
XIV,
con
t r a t a r a m um ar quit et o italiano, e o mesmo fize ram os ortodo x os quando construíram uma nova igreja no início do século XVII. Artesãos alemães, italianos e armênios contribuíram para a criação de um estilo híbrido de arquitetura que combinava elementos de suas diferentes tradições 16 . Alguns
co
não
ainda
e x emplos de
hibridismo arquitetôni
conseguem nos surpreender ,
nos chocar, como
no
qu a ndo da
caso das igrejas
Espanha com ornamentos geométricos dos sécu
los XV ou XVI ,
lembrando aqueles das mesquitas,
feitos por artesãos que eram quase que c e rta mente aberta ou dissimuladamente muçulma nos17. Por sua vez, na Índia do século XV , algumas mesquitas foram construídas por ar t esãos hin dus que utilizaram fórmulas decorativas que ha viam aprendido em seus próprios templos 18 . Igre jas jesuítas de Goa a Cuzco empregaram a rte sãos locais e combinaram e s tru tu ra s renascen t i s t a s itali a nas ou barrocas com detalhes deco rativos derivados de tradições locais, hindus , i s lâmicas ou incas . Em Cuzco, igrejas c omo a de Santo Domingo foram construídas nos m e sm os
locais de templos incas e chegaram das construções originais 1s.
Em
menor escala ,
Lviv , Oictionary of Art. ed.J Jane Turner, vai. 19 London, 1996), p. 835-7. 17 Henri Terrasse (1958), /s/am d Espagne: Espagne: une rencontre de f Orie Orient et de
ilustra
o
mesmo
dos móveis ingleses foram suavizados quando seus designs foram copiados no início do século
XIX
no
Brasil ,
estilo inglês de móvel arredondando - se clima brasileiro , em lugar das linhas anglicanamente secas . A mobília e a cerâmica norte - americanas feitas por artesãos
O no
afro - americanos ingleses
de
consciente
transforma r am os modelos forma semelhante 2o. Um caso mais
de
é o do chippendale móvel inglês do século XVIII
auto-hibridização
chinês, um estilo de inspirado na China.
As imagens também podem ser híbridas, como o historiador Serge Gruzinski most r a em um estudo notável da a rte c ri s tã do Mé xi co nas primeiras décadas depois da chegada dos missio nários . A maioria das imagens foi feita por a rte sãos locais imitando mest r es europeus (como o irmão
leigo
flamengo fray Pedro
delos europeus, como pinturas
ou
de GanteJ ou mo e gravuras . Cons
inconscientemente , os a r t i s t a s locais
modificavam N. A. Yev s na,
a usar pedras
processo de apropriação e adaptação. De acordo com Gilberto Freyre, as linhas re ta s e os ângulos
ciente
16
a mobília
5
o que
copiavam, assimilando tudo
a
(Paris, 1958J; lgnacio Henares Cuéllar and Rafael López Guzman . Arquitectura mudéjar gra nadina adina,, (1989J ; Gonzalo M. 8orrás Gualis, E fsfam de Córdoba a Mudéjar Madrid, 1990J, p 191 -219. 18 Pa rtha Mitter. fn dia dian n Art Ox ford , 2001), p. 87. f Occident
19 Mitter, 181 -2; Gauvin A. Bai ley,
The Jesuits and the Great Moguf: Renais Renais sance A rt at the Imperial Court of fndia, 1580 1630 (Washington OC,
1998). Freyre,
20
G.
Sharon F
4
de Janeiro, 200 0J , p. 223; ( o d , 1998), p 25 , 39, 41.
Ingleses no Brasil (19 8; Rio Afro-American A r t Oxf
Patton,
26
CoLLEÇ Ão Co
wus
H IBRID IBRIDIISMO CULTUR AL
suas próprias tradições e produzindo o que às ve zes é conhecido como arte indo-cristã 21 . Por sua vez, vez, quando imagens ocidentais, es pecialmente gravuras, chegaram na China no final do século XVI junto com missionários católicos como Matteo Ricci, elas ajudaram a transformar a tradição chinesa de pintura paisagista. Os ar tistas chineses não se converteram ao estilo oci dental- eles resistiram à perspectiva, por exem plo -, mas o conhecimento de uma alternativa a suas próprias convenções para a representação de paisagens os libertou destas convenções e permitiu que fizessem suas próprias inovações 22 . Duas questões gerais surgem com particu lar clareza da discussão das imagens híbridas, embora elas tenham uma relevância muito mais ampla.. Em primeiro lugar, há a importância dos ampla ou esquemas na s t r ó t i p ~ s culturais estruturação da percepção e na interpretação do mundo. No nível microcósmico, o esquema tem uma função semelhante à visão de mundo ou ao estado de coisas característico de uma determinada cultura. Em segundo lugar, há a importância do que poderiam ser chamadas de afin idades ou convergências entre imagens oriundas de 21
22
S . Gru zi zinn s ki, La p ensé nsée e m éti ss e P ar i s , 19 99) . Mi c hael Sulliva Sull ivann , The M eetin eting g of Eas astt e rn a nd W estern rt fro m t he Sixt ee eenth nth Ce Century to t he Pr esent Oay (L (Loo nd ndoo n , 1973) , especia lm e nt e 63-4; Jame s Cahill, The Compe lin g lm lma age: Na N atu re and Style in Seve Seven nteenth tee nth Ce Centu r y Chinese Chines e Pa in t in g C a mb r id ge, M ass . , 19 8 2 ) , p . 7 0 -5, 91, 17 6.
7
diferentes tradições . Por ex emplo, a razão para que a Virgem Maria pudesse ter sido assimilada com aparente facilidade a outras deusas, como Kuan Yin na China ou Tonant z in no Mé x ico, é que ela representava um papel pape l essencialmente semelhante 23. Outro tipo importante de artefato é o te xto . As traduções são os casos mais óbvios de t e x tos híbridos, já que a procura por aquilo que é chama do de efeito equivalente necessariamente en volve a introdução de palavras e ideias que são fa miliares aos novos leitores mas que poderiam não ser inteligíveis na cultura na qual o livro foi origi nalmente escrito. Há também gêneros literários híbridos. O romance japonês, o africano e possi velmente também o latino-americano devem ser encarados - e julg julgados ados pel pelos os críticos - como hí bridos literários e não como simples imitações do romance ocidental 24. A linguagem de muitos romances africa nos, por exemplo, é característica . Um dos prin cipais romancistas africanos do século XX , o nige riano Chinua Achebe, descreveu sua linguagem como um inglês alterado para se adequar a seu novo ambiente africano , que adota palavras e ex ex pressões dos idiomas da África Ocidental ou do
23
24
isogyn gyny y (Lon Charr les Boxer , M ar y and M iso Cha Londd o n , 1975 ); Serge Gru zi n sk i. La gue r r e des im ag guer ages es (Pa (Parr is, 1989), p. 1 5 2-6; D avi avidd A. B r ad adiing , M exican Phoe nix: Our La Lad dy of Gu adal alup upe e C a m br idge , 2 00 2 . A ngel Ra ma , Trans ranscultu cultura ci ció ó n nar r at iva in mér ica Lat ina CM exico . 1 98 2 J
8
CoLEÇÃO
H IBR IBRIIDISMO CU LTU RAL
wus
pidgin ang lo-afr icano. Achebe situa a si mesmo
em um cruzamento de culturas , a dos ibos e a dos O romance situabritânicos. em um cruzamento de africano gêneros, também que incluiseo conto folclórico oral tradicional, o romance euro peu e, entre os dois, o equivalente africano dos folhetos brasileiros, os textos populares produzi dos entre a Segunda Guerra Mundial e a guerra civil nigeriana na cidade mercantil de Onitsha. Não deve ser por coincidência que tantos roman cistas africanos tenham s ido oriundos da região de Onitsha 5
PRÁTICAS HÍBRIDAS
Práticas híbridas podem ser identificadas múss ica, na linguagem, no esporte, na religião, na mú
nas festividades e alhures . Mahatma Gandhi, por exemplo, foi descrito como tendo criado sua pró pria religião , uma mistura idiossincrática de ideias hindus, islâmicas , budistas e cristãs Em um nível coletivo, algumas religiões relativa 6
9
mente novas são exemplos particularmente cla ros de hibridização. hibridização . Por tradições cultu exemplo, a variedade de rais que contribuíram para a religião vietnamita Cao Dai, que fo i extremamente bem-sucedida nos anos anteriores ao estabelecimento do regime comunista, pode surpreender até os leitores bra sileiros acostumados com o sincretismo . Funda da em 1926 , a organização da Cao Da i segue o modelo da Igreja Católica , com um papa, cardeais e bispos . Suas doutrinas, por outro lado , são uma combinação de budismo com o taoísmo e morali dade confucionista. Dentre suas práticas , há o uso extensivo de médiuns e sessões espíritas , de forma que a Cao Dai pode ser descr ita como uma forma de espiritismo no estilo de Allan Kardec. Seu panteão de heróis inclui Jesus, Maomé, Jo a na D'Arc e Victor Hugo. Talvez não devêssemos fi car surpresos com esta mistura , já que o Vietnã , como o Laos e o Camboja , se situa no cruzamento das culturas da Índia e da China e foi por um perío do colônia francesa 7 As igrejas não são a única forma de organizações híbridas. Governos também foram descritos nestes termos. Por exemplo, um especialista francês em questões da Áf r ica descreveu os Estados deste continente como híbridos no sentido de que são o resultado de
uma mescla de formas ocidentais importadas e
25
Tho ma s B r ückne r, Across t he B o rde r s : Ora Ora lity Old and N ew in t h e Af ri can Nov Novel . in Pe t e r O. Stumm er and Chri st o ph e r Ba lm lmee (eds l, Fusi Fusion on of u lturas (Am (A m sterdam-At lanta, 1 9 9 6) , p . 1 5 3-60 ; Em m an anuue l E. Obi ech china ina . An Africa can n Pop P opular ular Lite Lite ra t ur a C amb ri dg dgee , 19 7 31 ; id, Cultu ulture re Traditi itio on and Society in t he W est Afr ican Nov N ovel el (Camb r i dge dge,, 1 9 75 ). 2 6 Young, P ostco ostcollonialis ialism m 338.
27
Victor L. Oliver Oliver,, Caodai Spiritism (Leiden, 19761.
30
CoLEÇÃo
wus
HIBRID HIBRI D IS M O CULTUR CULTURA AL
3
tradições africanas 28 . Algo similar poderia obviamente ser dito a respeito de Estados de várias partes do mundo, do Japão ao Brasil, que adotaram e adaptaram instituições políticas ocidentais como o parlamento. A música fornece outra rica gama de exem plos de hibridização. A Ásia tem sido uma grande fonte de inspiração para compositores clássicos nos últimos cem anos. Dentre os compositores franceses, por exemplo, Claude Debussy se inspi rou na música de gamelão de Java, enquanto que
rock , é a combinação de elementos das tradições da Europa e da África que faz maior o sucesso 30 . O jazz é um exemplo famoso . A música do Brasil é outro, enquanto que um terceiro exemplo vem de Cuba, as músicas mulatas estudadas por Alejo Carpentier e Fernando Ortiz 31 . A salsa é uma mistura em grau ainda , maior, já que se originou em Cuba nos anos 1940 e mais tarde foi influenciada pelo jazz e pela música de Porto Rico. O que o último exemplo sugere- assim como
quantoa Maurice tanto Delage visi taram Albert a Índia Roussel e recorreram suas tradições mu mu sicais. No caso de Debussy, tem sido di d ito que a função que Java representou em seu caso foi a de intensificar técnicas que já estavam latentes em sua música 29 . Em outras palavras, como no caso das imagens das deusas discutido acima, a hibri dização mu muss ical pode ser analisada em termos de afinidades ou convergências . A atração que o exó tico exerce, pelo menos em alguns casos, parece estar em uma combinação peculiar de semelhan
ver as muitos outros exemplos - é qu quee devemos dev híbridasexempl o resultado deemos formas como os encontros múltiplos e não como o resultado de um único en contro, quer encontros sucessivos adicionem no vos elementos mistura, quer reforcem os anti gos elementos, como no caso da visita de Gilber t o Gil a Lagos para dar sua música um sabor
ça e diferença, e não apenas na diferença . No caso da música popular, a despeito do interesse de George Harrison por Ravi Shankar e de outros casos do que foi chamado de raga 28 29
Jean - Franço is 8ayart, L'Etat en Afrique:
la
mais africano. Outro exemplo de hibridização múltipla é o reggae, uma forma de música que se originou na Jamaica nos anos 1970 e que desde então conquistou a maior parte do mundo, da Alemanha ao Japão (onde aparentemente é compreendido por meio de esquemas culturais derivados da música associada a um festival local, 0 BonJ. Esta música inclui elementos britânicos, africanos e
politique du ventre (Paris,
1989 ) , On Debussy , Mervyn Cooke, The East in the West , in Jonathan 8ellman Ced l The Exotic in Western Music CBoston, 1998), p 258-80 ; on Roussel and Delage, Jann Pasler, Race, Orientalism and Distinction , in Born and Hesmondhalgh, p. 86-11 8.
30
31
Jonathan 8ellman, lndian Resonances in the 8ritish lnva s ion, 19651968 , in 8ellman, p 292-306. Alejo Carpentier , Música in Cuba; Fernando Ortiz, Música Afro-cubana (Madrid, 1975), p 25.
3
C oLEÇÃO
wus
norte-americanos. O reggae foi introduzido na Grã- Bretanha por imigrantes jamaicanos, que vez por outra moravam na mesma parte de Londres que outros indianos recém-chegados. Um inglês do Punjab, Steve Kapur, que se denomina indiano apache , cresceu neste ambiente e passou a combinar a tradição do reggae com a da música
bhangra indiana indian a32 . Este é o momento apropriado para introdu zir uma ideia que irá voltar à baila nas páginas se se guintes, a ideia de circularidade cultural. Alguns músicos do Congo se inspiraram em colegas de Cuba, e alguns músicos de Lagos em colegas do Brasil 33 . Em outras palavras, a África imita a Áfri ca por intermédio da América, perfazendo um tra jeto circular que, no entanto, não termina no mesmo local onde começou, já que cada imitação é também uma adaptação. Como a música, a linguagem oferece muitos exemplos notáveis de hibridização. As letras dos reggae são compostas em uma língua mista, o crioulo jamaicano. No caso do Brasil, uma vigorosa passagem de Casa Grande e Senzala descreve como o português, ao contato do senhor com o escravo , sofreu L J um amolecimento de resultados às vezes deliciosos para o ouvido , porque a ama negra fez muitas vezes com as palavras o mesmo que com
HIBRIDISMO CULTURAL
33
ossos, as durezas, só deixando para a boca do menino branco as sílabas moles 34 . O paralelo com o que Gilberto Freyre diz sobre os artesãos brasileiros suavizarem os ângulos dos móveis ingleses ao imitá-los é mais que óbvio. Também na Europa, exemplos de hibridiza ção linguística não são difíceis de encontrar. Nos , séculos XV I e XV II por exemplo, aumentou o grau de mistura das línguas europeias entre si porque os contatos entre elas foram ficando cada vez mais numerosos. Por um lado, aumentou a migra ção dentro da própria Europa Europa.. Por outro, o gra dual dec línio do latim e o crescente uso de línguas vernáculas em textos impressos tornou mais ne cessário do que antes que os europeus aprendes sem uns as línguas dos outros. Outra razão para a hibridização linguística na época foi que os exércitos europeus estavam ficando maiores, especialmente durante a Guerra dos Trinta Anos, de 1618 a 1648, e também se tornando mais internacionais. A comunidade de fala mi li t ar deu uma importante contribuição para a mistura das línguas porque os exércitos merce nários do período eram organizações internacio nais, po li glotas e de grande mobilidade. O espa nhol, por exemplo, forneceu termos técnicos como armada camarada emboscada escalada e
a comida: machucou-as, tirou-lhes as espinhas , os 32 33
George Li psitz. Oangerous Cross-Roads: Popular Music and the Poetics of Place (London, 1994), p. 14-15. Lipsitz. p. 4, 18.
ostmodernism
parada enquanto que o francês forneceu avant-
34
Gilberto Fr eyre, Casa Grande e Senzala 1933: Ri o de Janeiro 2000J , p. 387.
34
CoLEÇÃO
wus
HIBRIDISMO CULTURAL
garde bayonette cadet patrouille e o italiano battaglione bombarda infanteria sentinello e squadrone. Ligeiramente modificados todos estes
termos podem ser encontrados em uma ampla
gama de línguas europeias. A despeito do surgimento de regras inter nacionais para o esporte, não é difícil encontrar exemplos de práticas híbridas também neste domínio.. Um filme feito por um antropólogo nas Ilhas mínio Trob iand na Melanésia tem por título Trobriand Cricket. Os habitantes da ilha aprenderam o jogo com os ingleses mas de o adaptaram de modo dea permitir que centenas pessoas jogassem cada lado e portassem lanças O futebol brasi leiro é um exemplo mais ameno de hi h ibr idização já que segue as regras formais internacionais ao mesmo tempo em que apresenta um nítido e s t il o nacional de jogo. A hibridização é ainda mais óbvia em outra das principais inst ituições culturais brasileiras: o carnaval. Como outras instituições europeias, o car naval foi transportado para o Novo Mundo espe cialmente para aquela parte que foi colonizada pelos católicos do Mediterrâneo. O uso de fantasias e máscaras era um costume tradicional europeu, e mesmo algumas das fantasias favoritas seguiram modelos europeus, dos hussardos e arle quins do Rio aos pierrôs e polichinelos de Trinidad. 5
35
O filme está preservado no Departamento de Antropologia da Universidade de Cambridge Cambridge..
5
O desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro de hoje segue a tradição dos cortejos e carros alegóricos da Florença e da Nuremberg do século XV. Mesmo as referências políticas tão comuns no carnaval brasileiro têm paralelos na Europa por exemplo na Espanha do século XVII No entanto, como tantos itens da cultura europeia o carnaval foi transformado durante sua permanência nas Américas. Por exemplo a importânc ia da dança torna os carnavais do Novo Mundo tão característicos em Havana em Bueno Brasil. A Aires Port of Spain nos e em era uma dança quer a religiosa quer quanto a secular, forma de arte particularmente importante na África trad icional. Era um ritual para provocar a possessão dos dançarinos por espíritos ou deuse s como no caso dos iorubas de Daomé e da Nigé r ia. Nestes ritua is religiosos as mulheres tra dicionalmente representavam um papel importan te. São provave lmente estas tradições africanas que expl icam o papel ativo das mulheres no carna val das Américas que saem dançando pelas ruas em vez de ficarem observando das sacadas. No Brasil, a participação das mulheres no entrudo já era notada no início do século XIX por visitantes estrangeiros como os ingleses Henry Koster e
John Mawe 3 6 .
36
Peter Burke A tradução da cultura: o Carnaval em dois ou três mundos . n Variedade de história cultural (1997: t rad. Port. Rio de Ja neiro 2000J, p 213-30.
6
CoLEÇÃO
Awus
HIBRIDISMO CULTURAL
POVOS HÍBRI DOS
es Os povos híbridos são crucia is em todos es tes processos. Dentre eles. temos grupos híbri
dos como os anglo - irlandeses, os ang lo-indianos e os afro-americanos. O periódico D iasporas Cque começou a ser publicado em 1991) é testemunha do crescente interesse pelo estudo de grupos que por razões religiosas, po lí ticas ou econômi cas se transferiram de uma cultura para outra: os gregos de Constantinopla depois de sua cap tura pelos turcos em 1453; judeus e muçulma nos da Andaluzia depois da queda do Reino de Gra nada em 1492; os italianos depois de 1870 para a América do Norte, a América do Sul e a Austrália; os chineses para o sudeste da Ásia ou para a Califórnia nos séculos XIX e XX. Não devemos nos esquecer dos indivíduos híbridos. quer os que já nasceram nesta situação por suas mães e pais serem or i g in ár ios de cultu ras diferentes. quer os que se vi viram nela ma is tarde. de bom grado ou não. por terem sido. por exemplo. convertidos ou capturados 37 . O tema de toda uma vida entre diferentes cu lturas apare ce repet idamente em autobiografias recentes a
37
(como em Woman Warrior da sino - americana Maxx ine Hong Kingston) e em outros tipos de tex Ma to. inclusive em um livro de prosa e poesia mistas pub licado pela escritora norte-americana de ori gem mexicana Gloria Anzalduá 39 . Uma vida entre culturas com frequência resulta em uma cons ciência dúplice . para usar a famosa expressão de W. Ou Bois sobre os negros norte-americanos 40 . Os historiadores também têm explorado es tes temas. como a scholar norte-americana Na ta l ie Davis, por exemplo, em um estudo sobre três mulheres europeias do século XVII que vive ram na periferia ou no cruzamento de culturas. O fenômeno da conversão, quer voluntária. quer for çada. também tem atraído a atenção, como no caso dos chamados renegados no Império Oto mano . cristãos que viraram muçulmanos 41 . Inversamente. o geógrafo do século XVI co co nhecido no Ocidente como Leão o Africano foi convertido do islamismo ao cristianismo. Ha san-all Wazzân. seu nome islâmico. nasceu em san-a Granada. Depois da expulsão dos muçulmanos em 1492, sua famí li a se mudou para Fez. onde ele fez brilhante carreira como diplomata a serviço do governante local. Capturado por piratas sicilianos
de Edward Said, por exemplo. ou a de len AngJ3 Pode ser encontrado também em romances 8
39
40
41 37 38
Linda Colley, Colley , Captives (London. 2002). Said, Out of Placa; Ang. On Not Spaaking Chine Chinesa. sa.
Maxine Hong Kingston, Woman Warrior(1976J; Gloria Anzalduá, Bordar Bordar lands La Frontara: tha Naw Mestiza (San Francisco. 1987). Paul Gilroy, Tha Black Atlantic (London, 1993). Daviis, Women on the Margins: Thrae Savanteanth Savanteanth--Cantury livas Natalie Z. Dav CCambridge, Mass . , 1995J; 8artho lomé 8ennassar and Luci Lucill le 8ennassar . Las chrétians d AIIah (Paris, 1989); Lucetta Scaraffia, Rinnegati: per una storia del/ idant idantitá itá occidenta/e CRome 1993).
8
CoLEÇÃO
wus
em 1518, Hasan foi levado a Roma e apresentado ao papa Leão X. X. Convertido ao cristianismo e bati zado pelo papa, Hasan assumiu o nome Leão e es creveu sua famosa descrição da África. Recente mente foi transformado no protagonista de um romance, assim como no tema de uma monogra fia erudita. Os autores dos dois livros são tam bém híbridos culturais, árabes que escrevem em francês 42 , o que é muito apropriado. Hasan-al Wazzân é um bom exemplo do híbrido como mediador cultural, assim como vários tradutores, a serem discutidos mais tarde neste ensaio Cp 56, p 97). E também alguns scholars, entre eles Ananda Coomaraswamy. Nascido no Sri Lanka em 1877 de pai cingalês e mãe inglesa, levado para a Inglaterra aos dois anos, mas retor nando para o Sri Lanka aos vinte e poucos anos, Coomaraswamy transformou a mediação entre o Oriente e o Ocidente em carre ira, escrevendo livros como Medieval Sinha/ese r t (1808), The lndian Craftsman ( 1808) e Rajput Painting ( 181 6) e enfatizando paralelos entre a arte asiática e aquela da Idade Média europeia na visão dos gurus britânicos de Coomaraswa Coomaraswami, mi, John Ruskin e William Morris (dono da famosa gráfica em Kelms c o t t que ele usava para imprimir seus livros).
2. VARIEDADES DE TERMINOLOGIAS
A variedade de objetos híbridos é superada pela quantidade de termos que hoje podem ser encontrados nos textos de scholars que descre vem o processo de interação cultural e suasconsequências. De fato, temos palavras demais em circulação para descrever os mesmos fenô menos. No mundo acadêmico, a América foi re descoberta e a roda reinventada muitas vezes, essencialmente porque os especialistas de uma área não têm tomado ciência daquilo que seus vizinhos andavam pensando. Muitos dos termos são metafóricos, o que os torna ao mesmo tempo mais vívidos e mais enganosos do que a linguagem simples. Cinco metáforas em particular dominam as discussões, extraídas respectivamente da economia, zoologia, metalurgia, culinár culinária ia e linguísti linguística. ca. Estarei E starei,, portanto, discutindo as ideias de empréstimo, hibridismo, hibridismo , caldeirãoo cultur al, enso caldeirã ensopadin padinho ho cultural cultu ral e finalmente, finalmente, tradução cultu cultural ral desta e criouliz crioulização açãonão . seção O objetivo
é dizer que altermos de nossa cai x a de ferramentas intelectual estão corretos e outros não não.. E tam bém não é condenar as metáforas que se prolife-
guns dos
42
Amin Malouf. Léon / Africain (Paris,
1986) ; Oum Oumee lbanine Zhiri, L Afrique au de I Europ Europe: e: Fortunes de Jean Léon / Africain à la Renaissa enaissan nce Geneva 1991 J miroir
9
4
C o LEÇ ÃO
H IBRIDISMO CULTURAL
wu
4
ram nesta área, de hibridismo a crioulização , muito embora mais tarde eu vá argumentar que
IMITAÇÃO E APROPRIAÇÃO
as metáforas linguísticas são mais esclarecedo ras do que suas rivais. Minhas principais teses são que todos os termos, metafóricos ou não , precisam ser manuseados com cuidado e que é mais fácil fazer isso se virmos a linguagem da
do Ocidente, uma das maneiras a interação cultural te m sido discutida des de a Antiguidade Clássica é por intermédio da ideia de imitação . O lado positivo pode ser encon trado na teoria literária clássica e na da Renas cença ·, nas quais a imitação criativa foi apresen tada como a emulação de Cícero , Virgílio e de ou t r o s modelos de prestígio 44. No entanto , humanistas que se descreviam como estando engajados em imitação criativa ainda podiam descrever seus colegas como estando imitando de modo servil, macaqueando . A mesma acusação foi feita contra quem seguia modelos estrangeiros na vida diária, modelos italianos na Renascença, modelos franceses nos séculos XVII e XVIII, modelos ingleses nos séculos XVIII e XIX. No Brasil, a crítica à macaqueação , feita pelo padre Lopes Gama e outros, seguia, ironicamente, os modelos estrangeiros que os críticos estavam condenando 45 Uma alternativa à imitação era a ideia de
análise como sendo ela mesma parte da história da cultura . A teoria da cultura não foi inventada ontem . Pelo contrário, ela se desenvolveu gradualmente a partir do modo como indivíduos e grupos têm refletido sobre as mudanças culturais através dos séculos.. É certamente axiomático que os scholars séculos devem levar muito a sério as opiniões expressas pelos povos que eles estudam. Este axioma implica prestar atenção não apenas ao saber local , como o antropólogo norte-americano Clifford Geertz admiravelmente recomendou, mas também ao que ser chamado de teoria local , a poderia como imitação ou acomodação 43 4 3.
conceitos
Na história
como
ou, mais vividamente, espoliação , contexto original eram as discussões trava das pelos teólogos agora reverenciados como apropriação
cujo
44 45
ocall Knowledge (New York, 1983). Cliffoo r d G ee r t z, Loca Cliff
43
G. W . Pigman . Versio n s of l mi mitt at ion in the Renaissance . Renaissance 1 98 0l . p. 1- 32 . Quarterly Floresta oresta O Carap uceiro e Outros n Maria Lúc ia Pallares -Bu rke , Nísi a Fl saiios de Tradução u lt ur al ( São Pau sa Paulo lo,, 19 96 ).
C oLEÇÃO Awus
4
HI BRID BRIDIISMO
CULTU RAL
4
Doutores da Igreja sobre os usos da cultura pagã eram permitidos aos cristãos. Basil de Cesa re a , por ex emplo, defendeu uma apropriação sele tiva da Antiguidade pagã, seguindo o exemplo das abelhas, que nem abordam igualmente todas as flores, nem tentam carregar por in teiro aquelas que escolhem, mas pegam apenas aquilo que é adequado a seu trabalho e deix dei xam o resto intoca do . Santo Agostinho , citando o Êx Êx odo , usou a lin guagem mais dramática dos despojos dos egíp
O lado negativo da ideia de apropriação po ser encontrado em acusações de plágio , que começaram muito antes das leis de direito auto ral entrarem em vigor. No latim clássico , o termo plagiarius originalmente se referia a alguém que sequestrasse um escravo, mas foi aplicado pelo poeta Martial ao furto literário. O termo foi revivi do na Renascença. Era comum os escritores dos séculos XVII e XVIII se acusarem mutuamente de roubo Uarceny em inglês , /arcin em francês, ladro-
cios Jerônimo . São 46 melhantes
italiano termo por diante). neccioUm emterceiro e assimtradicional é o de
que
se ex pressou em termos se Essa abordagem da troca cultural foi revivi da na Renascença e vem sendo revivida novamen te em nossa época. Consciente ou inconsciente mente, teóricos contemporâneos da apropriação, notadamente os católicos franceses Michel de Certeau e Paul Ricoeur, têm se inspirado na tradi ção cristã. Poder-se-ia descrever este processo como os despojos de Santo Agostinho 47 . As fa mosas discussões sobre antropofagia do início do século XX no Brasil são uma variante desta abordagem , interessados como estavam em pe digeri - las ou domes gar as coisas estrangeiras e digeriticá-las .
Werner Jaeger, Early 1 962).
46
47
Miche l
de
Cer t ea eauu ,
Christianity and Greek Paideia (Cambridge,
MA,
de
L inve ntion du qu quotidien (Paris, 1980J; Paul Ricmur . ciences ed. John B.
Appropr iat ion . in Hermeneutics an d th e Huma uman n Tho mp so n (Ca mbr idg dge, e, 1 98 3 l , p. 1 8 2- 9 3 .
em
préstimo cultural. Foi muitas vezes um termo pejorativo, como no caso do scholar e impressor francês Henri Estienne, por ex emplo, um purista da língua que escreveu sobre chefes de família incompetentes Cmauvais ménagersl que empres tavam dos vizinhos o que já tinham em casa. E também Adamantios Korais, um dos líderes do movimento pela independência da Grécia , conde nava emprestar de estrangeiros . .. ) palavras e frases disponíveis na própria língua . E Euclides da Cunha denunci denunc iou a cultura brasileira como uma cultura de empréstimo 4 8 . É certamente significativo que o termo em prést i mo tenha adquirido um sentido mais posi tivo na segunda metade do século XX. De acor aco r do com o historiador francês Fernand Braudel , po porr est pour à l une civilisation civilisation, , vivre c fois exemplo ,
48
Euc lides d a Cun C unha, ha, Os Sertões ( 1902: 2 vo ls , São Paul Pau lo ,
1983) .
C oL EÇ ÃO
être
w us
capable de do donner, de recevoir, d'emprunter .
Mais recentemente, Edward Said declarou que A histór ia de todas as culturas é a história do em préstimo cu ltural 4 9 . De forma seme lhante, Pau l Ricceur e outros teóricos têm usado o termo apropriação em um sentido positivo. Um termo mais técnico é aculturação , cu nhado em torno de 1880 pelos antropó logos norte-amer icanos que estavam trabalhando com as culturas dos índios 50 . A ideia fundamental era a de uma cultura subordinad subordinada a adotando caracte rísticas da cultura dominante . Em outras palavras, assimilação , uma palavra frequentemente
usada em discussões do início do século XX sobre a cultura da nova onda de imigrantes nos Estados Unidos. O sociólogo cubano Fernando O rt iz se apro ximou mais da ideia contemporânea de reci procidade quando sugeriu a substituição da noção de aculturação de mão única pela de transcu lturação de mão dupla 51. Outro termo técnico é transfe r ência , cu nhada por historiadores da economia e por histo
H IBR IBRIIDISMO CULTURAL
5
pio é um projeto atual de pesquisa coletiva finan ciado pela European Science Foundation e dirigido pe lo historiador francês Robert Muchembled com o títu l o bilíngue de Cultural Exch Exchange ange// Transferts culturels.. culturels A e x pressão troca cultural passou a ser usada habitualmente apenas recentemente , em bora já tivesse sido utilizada na obra do scholar alemão Aby Warburg no início do século XX53 . Sua popu la r idade hoj ho je, substituindo termos mais anti gos como empréstimo , se deve em parte a um crescente relativismo . No entanto, o term o t r o ca não deve ser entendido como implicando que qualquer movimento cultural em uma direção está assoc iado a um movimento igual mas oposto na outra direção: a relativa importância do movimento em d iferentes direções é uma questão para a pesquisa empírica .
COMOD ÇÃO E NEGOCI ÇÃO
riadores da tecnolog ia e agora usada mais ampla mente para se referir a outros tipos de emprésti mo s 52 Um ex emplo recente deste uso mais am -
49
50
51 52
and d 8 ra u de l. La M éditerranée et Fe rn an
te monde méditerranéen à /'épo /'époq q ue Pa r is 1966J; Edward Said. Culture and imde Phi hillippe //(1949: second ed. Pa perialism. Alphonse D up ro n t . L acculturazione CTor i no. 1966 ) . Ortiz. Contrapunteo. Peter J . H u gill and O. 8ruce D ickson. he Tr ansfer and Transformaeion of Ideas and ate ri al Culture (College Statio n Texas , 1988) .
Um conceito tradicional que tem reapareci do é o de acomodação . Na Roma Antiga, Cícero usou este termo em um contexto retórico para se refer ir à necessidade de os oradores adapta-
53
Aby Warb u rg, Austa u sch kü nstlerische Ku lt u r zwischen Norden u nd S üden 9 05l, r p r his Gesammelt Gesammel t e Sc hr ifte iften n Cl eipzig, 1 93 2 . p. 1 79-84.
6
CoLEÇÃO
H IBRIDISMO CULTURAL
Awus
às suas plateias. Os europeus do início da Idade Média, notadamente o papa São Gregório, o Grande, adaptaram o conceito a um contexto religioso, observando a necessidade de tornar a mensagem cristã aceitável aos pagãos da Inglaterra e de outras partes do mundo. De acordo com São Gregório, os templos pagãos não deviam ser destruídos, mas convertidos em igre jas para facilitar a aceitação da nova religião. A construção de igrejas nos locais dos templos, rem seus estilos
caso de Santo Domingo (supra, 24-5), como seguiuno as recomendações de São Gregório. Seguindo este modelo, os missionários do século XVI como o jesuíta italiano Matteo Ricci, falavam da acomodação do cristianismo a novos ambientes como a China. Foi assim que ele justifi cou seu costume de se vestir de mandarim, para aproximar as ideias religiosas que estava pregan do dos chineses, e permitir aos convertidos con tinuarem com as práticas tradicionais de culto dos ancestrais, que Ricci interpretava como um costume social e não uma forma de religião 54 . Também no Japão alguns jesuítas seguiram o mé todo de acomodação, usando quimonos de seda, comendo da maneira japonesa e chamando Deus De maneipor um dos nomes de Buda, Oainich
54
55
Johann es Bettray, Die Akkomodationsmethode des Matteo Ricci in China Johannes (Rome, 19551; David Mungello, Curious Land: Jesuit Accommodation and the Origins of Sinology ( S tuttgar t, 19851. lmage age of Christianity in Early Modern George Elison, Deus Oestroyed: the lm Japan (Cambridge, Mass . 1973), p. 5 4 -8 4 .
7
ra semelhante, o jesuíta Roberto de Nobili, que trabalhava no sul da Índia vestido como um santo local e permitia que seus convertidos brâmanes continuassem usando seus cordões sagrados, se defendeu da acusação de tolerar o paganismo ci tando São Gregório, o Grande 56 .
Recentemente, o termo acomodação foi ressuscitado, notadamente por historiadores da religião que criticam os conceitos de acultura ção (porque implica modificação completa) e
sincretismo ele sugere uma mistura deliberada). No (porque entanto, o termo está alterando seu significado de modo a incluir os dois parceiros do encontro, o convertido assim como os mis sionários . Na medida em que os scholars tentam com mais afinco ver os dois lados dos encontros religiosos, estão ficando cada vez mais convenci dos de que o resultado não foi tanto conversão quanto uma forma de hibridização. Desta forma, um relato recente dos jesuí tas na China concorda que os mandarins pratica ram a acomodação tanto quanto os jesuítas. Eles não viam a si mesmos - como os jesuítas os viam - c o m o substituindo o confucionismo pelo cristia nismo. Pelo contrário, eles encaravam o novo sis tema de crença como complementar ao tradicio nal. A mudança cultural aconteceu, como sói acontecer, por acréscimo e
56
Pierre
Oahmen,
n
Jésuite
Brahme
não por substituição.
Robe rt
de
Nobili (Louvain, 19241.
8
CoLEÇÃO Awus
Termos alternativos
HI BR ID ISMO
a
acomodação
são uma
e negociação , ambos enfatizando visão de baixo para cima e as in ic iativas dos con vert idos assim como as dos missionários 5 _ O conceito de negociação em particu lar se tornou cada vez mais popular em estudos cu ltu rais em vários contextos. No nível microcósmi co, t e m sido usado para analisar as d iscussões entre pacientes e médicos a respe ito das doenças, conversas que levam os doi do is lados a revisar seus diagnósticos originais . No nível macrocósmi co, o termo tem sido empregado para ana li sar o diálogo entre dois si s i stemas intelectuais, o da elit e e o popular, por exemplo. É frequentemente empregado em análises de et n icidade porque expressa consciência da multiplicidade e da fluidez da identidade e o modo como e la pode ser modifi cada ou pelo menos apresentada de d if erentes modos em diferentes s ituações5 diálogo
8
CULTURAL
9
MISTURA, SINCRETI SINCRETISMO, HIBRIDIZAÇÃO
XVI e XVII, o p r ocesso de acoaco modação foi por vezes cr i t icado por levar a mistu ra ou sincretismo . Mistura, miscelânea ou mi xórdia era visto como desordem. No México do sécu lo XVI, o frade dominicano Durán usou t e rmo s como mezc ar e até salada para se referir à reli gião do povo . Como a mistura de crenças religiosas, a mistura de línguas foi muitas vezes criticada, às vezes em termos culinários como latim macarrônico.. O i nglês e o iídiche foram condenados como nico línguas corruptas ou mistas. Por outro lado , Mar tinha Lutero, antecipando os linguistas moder nos , em certa ocasião observou que Todas as línguas são mistas Wmnes linguae inter se permix tae sunt). Hoje, o conceito de língua mista s e t o r Nos séculos
respeitáve l em linguística, e a media engua nouEquador do e o mix-mix das Filipin Filipinaa s são agora ob6
jeto
de estuda Os historiadores o
brasileiros poderiam da r
fa lado em São Pau lo no iníc io do século XX, utilizando as car tas de imigrantes recentes assim como a lingua lingu a gem macarrônica estilizada de figuras literárias atenção semelhante ao ítalo-português
57
Lou i s e M. Burkhart . Th e Slippery Earth: Na Nahua-Chr Chris istian tian Moral Dialo gue in Sixteenth-Ce ntury Mexico (Tuc Sixteenth(Tucss on, 1989); Amo s M eg ged. Ex p ort in g th thee Reforma Reform ation: Local Re Re lig ion in Early Col oni nia al Mex exiico (L ei d en , 1 99 6 , p.
58
Anthony O.
5- 1 2.
Buckley and Mary C. Kenney, N eg egotiating otiating ld ent ity: Rhetori Rhetoricc and Social Drama Dram a in Northern lr e lan and d (W as h i n gton. 199 5); Jeffrey Lesser, N e gotiating Nationalldentity (S t a nf ord. 1999l. et aphor
59 60
Gru zin s ki, Pens Penséé e p. 235, 2 80. P e t er Bakk er e M a a r t e n M a u s (e d s .l Mix e d La ng uag es (Am s t er d a m, 19 9 4).
CoLEÇÃO
5
wus
cômicas como Juó Bananére 6 . Neste caso está particularmente claro que o hibr idismo é muitas vezes, senão sempre, um processo e não um es
tado, já que esta língua macarrônica marcou um estágio da assimilação dos imigrantes na cultura brasileira.
Uma metáfora que tem uma função seme lhante é a de fusão . Deste modo Karl von Marti us sugeriu em 1844 que a história do Brasil pode ria ser escrita em termos da fusão de t r ês ra
ças,
enquanto que Gilberto Freyre escreveu so a fusão harmoniosa de tradições diver sas 62. Hoje, inspirada pela física nuclear, a lin guagem da fusão é popular em contextos que vão da música à culinária. Asian fusion, por exemplo, se refere a restaurantes norte-americanos que servem uma variedade de culinárias orientais. A fusão não está longe da famosa metáfora dos Estados Unidos como caldeirão cultural, títu lo de uma peça que estreou em Nova York em 1908 que exprimia dramaticamente a aceitação dos bre
imigrantes como americanos .
Quanto a sin sincretismo cretismo , foi originalmente um negativo, utilizado para deplorar tentativas como aquela do teólogo alemão Georg Calixtus , no século XVII, de unir diferentes grupos de protestantes. Significava caos religioso . Termos positivos para
termo
61 62
Mario Carelli, Carcamanos e Comendadores: Os italianos de São Paulo da realidade à ficção (1919 -1930J (São Paulo, 1985), especialmente p. 52-3, 10 3 -22. Freyre, Casa Grande, 123.
HIBRIDISMO CULTURAL
51
processos semelhantes incluíram harmonização ou conciliatio para descrever as tentativas de alguns scholars da Renascença de reconciliar o paganismo com o cristianismos3. No século XIX, a palavra sincretismo tam bém adquiriu um significado positivo no contexto de estudos de religião na Antiguidade clássica e especialmente as identificações, tão comuns no período helenístico, entre deuses ou deusas de diferentes culturas a deusa fenícia Astarté, por exemplo, foi identificada com Afrodite, e o deus egípcio da escrita, Tot, com Hermes)6 . Dos clás sicos,
View more...
Comments