Budismo Esotérico

September 4, 2017 | Author: Vitor_RJ | Category: Theosophy, Science, Western Esotericism, Time, Knowledge
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A.P.SINNETT

O BUDISMO ESOTÉRICO PENSAMENTO ÍNDICE Prefácio à Edição Comentada.....................................................................................................2 Prefácio da Edição Original......................................................................................................10 Ao Leitor...................................................................................................................................17 1. INSTRUTORES ESOTÉRICOS.........................................................................................19 COMENTÁRIOS...................................................................................................................32 2. A CONSTITUIÇÃO DO HOMEM.......................................................................................37 COMENTÁRIOS...................................................................................................................47 3. A CADEIA PLANETÁRIA....................................................................................................51 COMENTÁRIOS...................................................................................................................64 4. OS PERÍODOS DO MUNDO.............................................................................................67 5. O DEVACHAN.....................................................................................................................85 COMENTÁRIOS.................................................................................................................105 6. KÂMA-LOKA....................................................................................................................106 COMENTÁRIOS.................................................................................................................120 7. A ONDA DA MARÉ HUMANA......................................................................................134 COMENTÁRIOS.................................................................................................................145 8. O PROGRESSO DA HUMANIDADE...............................................................................149 COMENTÁRIOS.................................................................................................................163 9. BUDA.................................................................................................................................166 10. O NIRVANA.....................................................................................................................182 11. O UNIVERSO...................................................................................................................191 12. REVISÃO DA DOUTRINA.............................................................................................203

Prefácio à Edição Comentada

Este livro foi publicado pela primeira vez no começo de 1883. Desde então, recebi numerosas informações referentes a muitos dos problemas de que trata. Mas apraz-me dizer que, se os ensinamentos posteriores mostram o caráter incompleto de minha concepção original da doutrina esotérica, de modo algum eles evidenciam qualquer erro material. Na verdade, recebi do próprio Grande Adepto, de quem obtive minha instrução, a certeza de que o livro, como se apresenta agora, é uma exposição segura e digna de confiança do esquema da Natureza tal como os iniciados da ciência oculta a entendem. Esta pode ser, em futuro próximo, ampliada consideravelmente, se o interesse que estimula for suficiente para levar a uma procura acentuada de ensinamentos desse tipo por qualquer um, mas nunca terá de ser reformada ou justificada. Em vista dessa certeza, parece melhor que eu exponha minhas conclusões últimas e as minhas informações complementares sob a forma de comentários em cada um dos ramos do assunto, sem fundi-los no texto original, onde, devido às circunstâncias, não me disponho a introduzir qualquer alteração. Este é o plano adotado para a presente edição. Querendo transmitir meu reconhecimento indireto da harmonia geral a ser estabelecida entre esses ensinamentos e os reconhecidos dogmas filosóficos de algumas outras grandes escolas de pensamento hindu, passo aqui a referir-me às críticas a este livro, publicadas na revista indiana Theosophist, em junho de 1883, por "Um hindu brâmane". Lamenta-se o autor que, ao interpretar a doutrina esotérica, eu me tenha afastado desnecessariamente da nomenclatura sânscrita aceita. Entretanto, sua objeção significa simplesmente que, em alguns casos, dei nomes pouco familiares para idéias já incorporadas aos sagrados escritos hindus, e

que honrei demasiado o sistema religioso comumente conhecido por Budismo, apresentando-o mais intimamente ligado à doutrina esotérica do que nenhum outro. Diz o meu crítico brâmane: "A sabedoria popular da maior parte dos hindus até o dia de hoje é mais ou menos influenciada pela doutrina esotérica ensinada no livro de Mr. Sinnett, impropriamente denominado O budismo esotérico, enquanto que não existe uma só aldeia ou vilarejo, em toda a índia, em que o povo não esteja mais ou menos familiarizado com os sublimes princípios da filosofia Vedanta. ... Os efeitos do karma no próximo nascimento, o gozo de seus frutos, bons ou maus, num estado subjetivo ou espiritual de existência, anterior à reencarnação da mônada espiritual neste ou nalgum outro mundo, o vagar das almas insaciadas ou dos cascões humanos na Terra (Kâma-loka), os períodos malaicos e manvantáricos... não são apenas inteligíveis, como também, para muitos hindus, são familiares sob nomes diferentes dos usados pelo autor de O budismo esotérico”. É tanto melhor que assim seja — permito-me contestar — sob o ângulo dos leitores ocidentais, para os quais deve ser indiferente se a religião esotérica, hindu ou budista, está mais ou menos próxima da ciência espiritual absolutamente verdadeira, que por certo não deveria admitir nome algum que pareça fazê-la solidária, no mundo exterior, a uma fé mais do que a outra. Na Europa, tudo o que podemos aspirar é chegar à clara compreensão dos princípios essenciais daquela ciência; e se neste livro encontramos definidos esses princípios, conforme os representantes ilustrados de mais de uma das grandes crenças orientais, como à altura de verdades subjacentes a todos os diversos sistemas, estaremos tanto mais propensos a crer que a presente exposição da doutrina merece nossa atenção. Com referência à crítica de que os ensinamentos, aqui reduzidos a uma forma inteligível, estão incorretamente descritos pelo nome que este livro leva, não posso

fazer nada melhor do que citar a nota com que o redator de Theosophist replica a seu colaborador brâmane. Essa nota diz: "Publicamos a carta anterior porque expressa, em linguagem cortês e de modo hábil, as opiniões de grande número de nossos irmãos hindus. Ao mesmo tempo, deve ser dito que o nome O budismo esotérico foi dado à última publicação de Mr. Sinnett, não porque a doutrina nela exposta pretenda estar especialmente identificada com qualquer forma particular de fé, mas porque Budismo significa a doutrina dos Budas, dos Sábios, isto é, a Religião da Sabedoria". De minha parte, necessito apenas aduzir que aceito e admito plenamente essa explicação do assunto. Seria, na verdade, uma concepção errônea do propósito a que este livro responde o fato de supor que se preocupa em recomendar, ao gosto do diletante moderno, modos de pensamento religioso próprios do Mundo Antigo. As formas externas e fantasias religiosas, em uma época, podem ser mais puras e, em outra, mais corrompidas, mas inevitavelmente se adaptam a seu tempo, e seria extravagância imaginar que se possam substituir umas pelas outras. Esta declaração não é formulada na esperança de converter em budistas os seguidores de qualquer outro sistema, porém com o fito de comunicar aos pensadores que nos lêem, tanto no Oriente como no Ocidente, uma série de idéias-guia, referentes às verdades efetivas da Natureza e aos fatos reais do progresso do homem através da evolução, e que, tendo sido comunicadas ao autor pêlos filósofos orientais, amolda-se assim com mais facilidade ao Oriente. Quanto ao valor desses ensinamentos, talvez se apreciará melhor quando se perceber claramente que seu caráter é mais científico do que controverto. Ai verdades espirituais, se são verdades, podem evidentemente ser tratado com espírito no menos científico do que as reações químicas. E nenhum sentimento religioso, de qualquer espécie que seja, precisa ser perturbado pela importação, ao repertório

geral do conhecimento, de novos descobrimentos sobre a constituição e a natureza do homem, no plano de suas mais altas atividades. Á religião verdadeira atinaria, eventualmente, com um procedimento para assimilar muitos conhecimentos recentes, do mesmo modo que sempre acaba por admitir maior expansão do Conhecimento, no plano físico. À primeira vista, isso pode confundir noções associadas a crenças religiosas — assim como, no início, a geologia complicou a cronologia bíblica. Mas com o tempo os homens foram vendo que a essência das afirmações bíblicas não reside no sentido literal das passagens cosmológicas do Antigo Testamento, e os conceitos religiosos purificaram-se muito com o subsídio que assim lhes pôde ser propiciado. Da mesma forma, quando os conhecimentos da ciência positiva começarem a abranger uma compreensão das leis relativas ao desenvolvimento espiritual do homem, alguns conceitos errôneos da Natureza, durante muito tempo misturados com religião, poderão ser suplantados, mas apesar de tudo se descobrirá que as idéias fundamentais da verdadeira religião foram mais aclaradas e robustecidas, mediante aquele processo. À medida que tais procedimentos continuam, em especial as dissensões internas do mundo religioso serão fatalmente superadas. A luta entre seitas pode ser devida apenas à deficiência da parte dos sectários rivais em compreender os fatos fundamentais. Quem sabe chegará um dia em que as idéias fundamentais, nas quais a religião se apóia, sejam compreendidas com a mesma certeza que compreendemos algumas leis físicas elementares e que as discordâncias sobre elas sejam consideradas ridículas por todas as pessoas instruídas; então, não haverá lugar para tantas acres divergências no sentimento religioso. As circunstâncias externas ao pensamento religioso serão diferentes ainda, em diferentes climas e entre raças diferentes, como diferem a

indumentária e o regime alimentar; mas tais diferenças não causarão antagonismo intelectual. A meu ver, os fatos fundamentais da natureza indicada são desenvolvidos na exposição da ciência espiritual que obtivemos agora de nossos amigos orientais. Para os pensadores religiosos, é completamente inútil afastar-se deles sob a impressão de que esses argumentos favoreçam algum credo oriental, em detrimento da crença mais generalizada do Ocidente. Se a ciência médica descobrisse um fato novo sobre o corpo humano, se desvendasse algum princípio até agora oculto, em que se baseasse o crescimento da pele, da carne e dos ossos, essa descoberta não seria encarada como uma violação do domínio da religião. O domínio da religião poderia considerar-se invadido, por exemplo, por uma descoberta que, por trás da ação dos nervos, revelasse urna série mais delicada de atividades que os manipulassem, do mesmo modo como eles manipulam os músculos? De qualquer modo, malgrado tal descoberta pudesse ser um princípio para reconciliar ciência e religião, nenhum homem que permita que suas faculdades superiores tomem parte em seus pensamentos religiosos desprezaria como hostil à religião um fato positivo plenamente demonstrado da Natureza. Sendo um fato, inevitavelmente se ajustaria a todos os outros fatos, assim como a verdade religiosa. Isso acontece com a grande massa de informações relativas à evolução espiritual do homem, compreendida na presente exposição. Nosso melhor intento é perguntar, antes de nos fixarmos no relato que dou a público. Não se enquadra, sob todos os seus aspectos, com opiniões preconcebidas. E realmente nos insere numa série de fatos naturais relacionados com o crescimento e com o desenvolvimento das mais altas faculdades do homem. Se assim é, podemos sabiamente examinar os fatos,

primeiramente com espírito científico e, depois, deixar que eles exerçam seus efeitos razoáveis e legítimos nas crenças colaterais. À medida que a explanação prossegue, ramificando-se em muitas direções, ver-se-á que a afirmação principal que agora se divulga é uma teoria antropológica que completa e espiritualiza as noções correntes da evolução física. A teoria que assinala o desenvolvimento do homem, por meio de sucessivos e graduais aperfeiçoamentos das formas animais, de geração em geração, é uma teoria muito desinteressante e pobre, se encarada como uma explicação que compreende a criação inteira. Entretanto, devidamente entendida, facilita o acesso à compreensão do processo concorrente superior que faz evoluir a alma do homem no reino espiritual da existência. Á atual visão do assunto reconcilia o método evolucionista com o anseio profundamente arraigado em cada entidade consciente, de perpetuação da vida individual. As séries desarticuladas de formas progressivas existentes na Terra não têm individualidade. À vida de cada uma é, por sua vez, uma operação separada que não encontra na próxima e similar operação qualquer compensação pêlos sofrimentos que a acompanham. Nenhuma justiça, nenhum fruto de seus esforços. Todavia, pode-se argumentar, na suposição de nova e independente criação de uma alma humana, cada vez que nova forma humana é produzida por desenvolvimento fisiológico, que nos estados espirituais posteriores desta alma a justiça será concedida. Mas, nesse caso, essa concepção está em desacordo com a idéia fundamental da evolução que faz depender ou crê fazer depender, em cada caso, a origem da alma das operações da matéria altamente desenvolvida. Isso não deixa de ser discrepante com as analogias da Natureza, mas, sem entrar neste assunto, basta por enquanto perceber que a teoria da evolução espiritual, tal como ela aparece nos ensinamentos da ciência esotérica,

harmoniza-se em todo caso com essas analogias, ao passo que, ao mesmo tempo, coincide com as exigências da justiça e satisfaz a demanda instintiva, pela continuação da vida individual. Esta teoria reconhece a evolução da alma como um processo que é inteiramente contínuo em si mesmo, embora efetivado, em parte, por intermédio de uma grande série de formas dissociadas que servem como instrumentos. Deixando de lado, por agora, a metafísica profunda da teoria que revela a origem do princípio da vida, a primeira causa original do cosmos, encontramos a alma como uma entidade emergente do reino animal e passando às formas humanas primigênias, sem estar ainda preparada naquele tempo para a mais elevada vida intelectual com que estamos familiarizados, no estado presente da humanidade. Porém, devido às sucessivas encarnações nas formas, cujo aprimoramento físico, sob a lei de Darwin, está constantemente se ajustando para ser a sua morada a cada retomo à vida objetiva, adquire gradualmente aquele raio de experiência em que a resultante é o seu mais elevado desenvolvimento. Nos intervalos entre as suas encarnações físicas, prolonga, desenvolve e por fim esgota ou transforma as experiências pessoais de cada vida em desenvolvimento proporciona abstrato. Esta é a chave da explicação verdadeira daquela dificuldade aparente que persegue a forma mais crua da teoria da reencarnação, apresentada algumas vezes pela especulação independente. Cada homem é inconsciente das vidas por que passou anteriormente, por isso sustenta que as vidas subseqüentes não podem lhe proporcionar compensação alguma para esta presente. Não se dá conta da enorme importância do estado espiritual intermediário, no qual de modo algum esquece as aventuras e emoções pessoais pelas quais passou e durante o qual refina estas em outros tantos progressos cósmicos. Nas páginas que seguem, tenta-se elucidar este

mistério, profundamente interessante. O exame dos acontecimentos, pêlos quais atualmente passamos, não é só' uma solução dos problemas da vida e da morte, mas também de muitas das desconcertantes experiências que ocorrem na região limítrofe entre estas duas condições — ou antes, entre a vida física e a espiritual — que tanto prenderam a atenção e foram objeto de especulação nos últimos anos, nos países mais civilizados.

Prefácio da Edição Original Os ensinamentos compreendidos neste volume lançam luz sobre questões relacionadas com a doutrina budista, que deixaram perplexos os escritores que se ocuparam dessa religião, e oferecem, ao mundo, pela primeira vez, uma chave prática para o significado de quase todo o antigo simbolismo religioso. Mais ainda, uma vez propriamente entendida a doutrina esotérica, ver-se-á que ela possui razões muito poderosas para que todos os pensadores sérios lhe dêem atenção. Seus princípios não nos são apresentados como a invenção de algum fundador ou profeta. Seu testemunho não se baseia em nenhuma escritura. Suas opiniões sobre a Natureza foram desenvolvidas graças às pesquisas de uma série enorme de perquiridores, qualificados para sua missão, pela posse de faculdades e percepções espirituais de uma ordem mais elevada que as pertencentes à humanidade comum. No decorrer dos tempos, o repertório de conhecimentos assim acumulados, referentes às origens do mundo e do homem e aos destinos posteriores de nossa raça — relativos também à natureza de outros mundos e a estados de existência que diferem dos de nossa vida presente — comprovados e examinados em cada um de seus aspectos, e constantemente sujeitos a completo exame, chegou a ser encarado por seus defensores como sendo a verdade absoluta, no que diz respeito às coisas espirituais, ao estado real dos fatos nas vastas regiões de atividade vital, mais além desta existência terrena. A filosofia européia, quer se refira à religião, quer à metafísica pura, acostumou-se, durante tanto tempo, a um sentimento de insegurança nas especulações além dos limites da experiência física, que os pensadores prudentes dificilmente reconhecem como objeto razoável de investigação, a verdade absoluta sobre as coisas espirituais. Na Ásia, porém, adquiriram-se outros hábitos de

pensamento. A doutrina secreta, que em extensão considerável tenho agora a oportunidade de expor, é considerada não só por seus seguidores, como por grande número dos que nunca esperaram conhecer dela outra coisa do que saber que existe, como uma mina de conhecimentos inteiramente dignos de fé, da qual todas as religiões e filosofias tiraram o que possuem de verdade e com os quais toda religião deve coincidir, se pretende ser um modo de expressão da verdade. De fato, isso é uma pretensão audaciosa, mas me aventuro a declarar que o conteúdo deste livro é de suma importância para o mundo, porque creio que essa pretensão pode ser justificada. Não digo que dentro dos limites deste volume se possa provar a autenticidade da doutrina esotérica. Essa prova não se apresenta por nenhum processo de argumentação, mas apenas pelo desenvolvimento de per si das faculdades exigidas à observação direta da Natureza, ao longo da senda indicada. Esta conclusão prima fade pode se determinar pela importância que tenham para o indivíduo as opiniões que se vão expor sobre a Natureza, e pelas razões que existem para confiar nos poderes de observação daqueles que a comunicaram. Pode-se supor, talvez, que a própria magnitude da presente pretensão em benefício da doutrina esotérica suscite esta afirmação oriunda da região a que se refere seu título — a da pesquisa relativa ao significado real e interno da religião definida e específica chamada Budismo. O fato, contudo, é que o Budismo Esotérico, embora de maneira alguma esteja divorciado das relações com o Budismo Exotérico, não deve ser concebido como constituindo mero imperium in imperio — uma escola central de cultura no vórtice do mundo budista. À medida que o Budismo se retira dos recessos de sua fé, descobre-se que estes se misturam com os recessos de outras crenças. As concepções cósmicas e o conhecimento da

Natureza nos quais repousa o Budismo, como também constituem o Budismo Esotérico, são as mesmas do Bramanismo esotérico. E a doutrina esotérica é assim considerada por todos os "iluminados" (no sentido budista) das crenças como a verdade mais absoluta referente à Natureza, ao Homem, à origem do Universo e aos destinos para os quais tendem os seus habitantes. Ao mesmo tempo, o Budismo Exotérico permaneceu em união mais estreita com a doutrina esotérica do que qualquer uma das outras religiões populares. A exposição da ciência interna estará associada, portanto, de forma irresistível por si mesma, com as descrições familiares dos ensinamentos budistas. Com certeza, conferindo a estes um significado vívido, que no geral lhes parece faltar, mas por isso mesmo contribuindo para que a doutrina esotérica seja estudada em seu aspecto budista: além disso, um aspecto que foi tão fortemente impresso sobre ela, desde os tempos de Gautama Buda. Embora a essência da doutrina seja bem mais remota, o colorido budista penetrou por completo em sua substância. O que vou expor ao leitor é o Budismo Esotérico, e para estudantes acidentais, que pela primeira vez o abordam, seria imprópria qualquer outra denominação. À exposição das doutrinas deve ser considerada pelo leitor em seu conjunto, antes que possa compreender por que os iniciados na doutrina esotérica consideram como de assombrosa grandeza a situação que envolve uma revelação atual do esboço geral desta doutrina. Uma explicação desse sentimento pode ser vista surgir, de imediato, da extrema sacralidade que está sempre incorporada aos antigos guardiães das verdades íntimas e vitais da Natureza. Até hoje, esta santidade tem prescrito sua ocultação absoluta do rebanho profano. E, no que este costume de ocultação — tradição de muitos séculos — vai sendo na atualidade substituído pelo novo costume que determina o aparecimento deste livro, o será com surpresa e

pesar por grande número de discípulos iniciados. Submeter à crítica, que pode às vezes ser desairosa e irreverente, doutrinas que até agora foram tidas por tais pessoas como de importância demasiado majestosa, para que se fale delas apenas em circunstâncias de condizente solenidade, parecer-lhes-á uma terrível profanação dos grandes mistérios. Considerando este livro do ponto de vista europeu, seria pouco razoável esperar que se possa livrá-lo da dureza costumeira dispensada às idéias novas. E as convicções especiais ou o fanatismo vulgar podem fazer com que, algumas vezes, no caso presente, tal conduta se torne particularmente hostil. Apesar de tudo isso e ainda que dar à luz tais conhecimentos seja coisa lógica de se esperar de expositores europeus como eu, será encarado com grande pesar e desgosto pelos seus mais antigos e regulares representantes. Com tristeza, apelarão à sabedoria sancionada pelo tempo em que, no antigo e simbólico estilo, se proibia aos iniciados jogar pérolas aos porcos. Felizmente, conforme eu penso, não se permitiu que a regra funcionasse por mais tempo em detrimento de todos aqueles que, apesar de estarem ainda muito longe de ser iniciados, no sentido oculto da palavra, estão aptos, pela pura força da cultura moderna, a apreciar essa concessão. Parte das informações contidas nas páginas que se seguem foi, primeiramente, divulgada de modo fragmentário no Theosophist, revista mensal publicada em Madras, índia, pêlos diretores da Sociedade Teosófica. Como quase todos os artigos foram assinados por mim, não vacilei em entremear trechos dos mesmos, quando achei conveniente no presente volume. Desse modo, consegui certa vantagem, mostrando como as separadas peças do mosaico, pela primeira vez apresentadas a público, ajustam-se naturalmente em seus respectivos lugares no pavimento já concluído.

A doutrina ou sistema agora revelado, em seus traços essenciais, foi tão zelosamente guardado até hoje que nenhum gênero de pesquisas literárias, embora houvessem esquadrinhado a índia inteira, pôde trazer à luz a menor partícula do conteúdo aqui revelado. Foi, afinal, dada ao mundo pela livre vontade daqueles sob cuja custódia haviam permanecido até hoje. Ninguém teria arrancado deles nem a sua primeira letra. Somente após ler com atenção estas explicações é que a atitude em geral, com respeito às suas atuais revelações ou à reticência anterior, pode ser criticada ou mesmo compreendida. As opiniões sobre a Natureza, agora expostas, são bastante estranhas para os pensadores europeus. O modo de agir dos graduados na ciência esotérica, resultado de uma longa intimidade com essas opiniões, deve ser considerado em relação com o alcance peculiar da própria doutrina. Quanto às circunstâncias sob as quais estas revelações foram pela primeira vez apresentadas no Theosophist, agora completadas e aqui expostas, como perceberão nossos leitores, basta dizer, no momento, que a Sociedade Teosófica, por meio da qual e graças à minha relação com ela vieram às minhas mãos as informações deste livro, deve sua existência a certas pessoas que se incluem entre os defensores da ciência esotérica. O assunto que, por fim, é exibido em proveito dos que estão aptos a recebê-lo, é apresentado ao mundo por intermédio da Sociedade Teosófica desde sua fundação, e somente circunstâncias posteriores indicaram-me como o agente através de quem esta comunicação poderia ser feita de modo conveniente. É preciso que se saiba que não me considero o único expositor da verdade esotérica para o mundo exterior, durante esta crise. Estes ensinamentos constituem a conseqüência, no tocante ao conhecimento filosófico, das relações estabelecidas

com o mundo exterior pelos guardiães da verdade esotérica por meu intermédio. E apenas em virtude dos atos e intenções destes instrutores esotéricos que decidiram atuar por meu intermédio é que possuo um determinado conhecimento. Mas, em diferentes sentidos, alguns outros escritores empreenderam, parece, a exposição em benefício do mundo — e, segundo creio, de conformidade com um vasto plano, do qual este volume é uma parte — das mesmas verdades que, sob outros aspectos, tenho a missão de revelar. É provável que a grande efervescência existente, hoje em dia, nas especulações literárias a respeito de problemas que ultrapassam os limites da ciência física, tenham provocado tal conduta por parte dos grandes guardiães da verdade esotérica, em que meu livro é, por certo, mais uma manifestação. Já o ardor agora demonstrado nas "Pesquisas Psíquicas" por homens ilustres e cultos à testa da Sociedade que se dedica, em Londres, a tal propósito, segundo minhas convicções íntimas — conhecendo, como conheço, algo relativo ao modo como as aspirações espirituais do mundo estão sendo secretamente influenciadas por aqueles cujos trabalhos ocorrem nesse departamento da Natureza — é fruto evidente de esforços paralelos àqueles com os quais estou mais diretamente preocupado. Agora me resta negar, com relação ao estudo que se segue, qualquer pretensão minha quanto à perfeição de linguagem. Uma familiaridade maior com o vasto e complicado esquema da cosmogonia revelada sugerirá, sem dúvida, aperfeiçoamentos na fraseologia empregada de minha exposição. Há dois anos, nem eu nem outro europeu conhecíamos o alfabeto da ciência aqui exposta pela primeira vez, sob uma forma científica — ou, pelo menos, tentada nesta direção —, a ciência das Causas Espirituais e de seus Efeitos, da Consciência Suprafísica, da Evolução Cósmica. Embora tais idéias comecem a se revelar ao mundo, sob um

disfarce mais ou menos embaraçoso de simbolismo místico, não se tentara até há dois anos, por nenhum instrutor esotérico, expor a doutrina em sua clara pureza abstrata. À medida em que progredia a minha própria instrução neste sentido, inventei frases e sugeri palavras como equivalentes às idéias que se apresentavam à minha mente. Não tenciono ficar convencido de que em todas as oportunidades tenha inventado as melhores frases possíveis, nem que haja encontrado as palavras mais nítidas e expressivas. Por exemplo, no início da obra, precisamos atribuir nomes aos elementos ou atributos de que se compõe o ser humano completo. "Elemento" seria um termo inadequado para se usar, devido à confusão que se originaria de sua utilização com outros sentidos. Também sujeita a objeções foi a palavra "princípio". Para um ouvido educado nas sutilezas das expressões metafísicas, esse termo soará de um modo pouco satisfatório, em algumas de suas presentes aplicações. É bem possível que, com o passar do tempo, a nomenclatura ocidental da doutrina esotérica se desenvolva muito mais a partir do que eu construí provisoriamente. A nomenclatura oriental é bem mais apurada. Mas o sânscrito metafísico parece embaraçar penosamente o tradutor — embora a culpa, segundo meus amigos indianos, não seja do sânscrito, mas da linguagem em que pretendem expressar a idéia sânscrita na atualidade. Com a ajuda do grego, que nos é familiar, às vezes recebe-se melhor a nova doutrina — ou, antes, a primitiva doutrina, tal como ela foi revelada recentemente — do que no Oriente se presumiu fosse possível.

Ao Leitor

Todos os que lerem hoje este livro devem lembrar-se de que ele foi publicado pela primeira vez em 1883, e constitui o mais primitivo esboço da doutrina esotérica já revelada ao público em geral, em linguagem simples. Desde que ele foi escrito, o estudo da teosofia e a posterior ajuda obtida dos Mestres originais ampliaram muito o nosso conhecimento, e de muitas maneiras os pontos de vista que somos capazes de expressar a respeito da evolução humana e da vida suprafísica são muito mais ricos de detalhes que naquele esboço primitivo, que é considerado agora como incompleto, até certo ponto enganoso. Por exemplo, neste livro todos os conhecimentos da vida no Plano Astral (ou Kâma-Ioka) estão inteiramente desatualizados. Meu trabalho seguinte, O crescimento da alma, elucida o assunto de alguma forma. Um livro ulterior, No próximo mundo, aborda também outros aspectos das condições variadas em que a Terra está dividida, com a prevalência dos subplanos do vasto invólucro suprafísico. Do mesmo modo, todos os relatos neste texto sobre o "Devachan" supervalorizam a importância desse estado — na verdade, apenas um dos aspectos da vida no plano do Manas — e não propriamente um objetivo a ser visado por toda a humanidade. Resumindo, a teosofia, considerada uma ciência espiritual, avançou e está progredindo tão magnificamente que os seus livros mais antigos são interessantes principalmente como registros de suas origens — um prognóstico incompleto da riqueza de conhecimentos, acumulada mais tarde em nossas mãos. A primeira coleção dos Anais da Loja de Londres, publicada durante os anos de 1884-1902, revelou grande parte do progresso obtido; a nova coleção (em circulação), de 1913-1916, já incorporou os resultados desse discreto trabalho posterior.

A Ética da Teosofia é demasiado clara e simples para necessitar de revisão constante. Em seu aspecto intelectual, a Teosofia é uma ciência viva repleta de possibilidades futuras infinitas. Assim como o químico moderno deve remontar a épocas anteriores com interesse, não desprovido de humor, para a especulação transata sobre o "flogisto" e o "ar sem flogístico", bem assim os teosofistas precisam, qualquer que seja seu estado, espero, ter uma espécie de tolerância pêlos muitos equívocos contidos em O budismo esotérico, lembrando que, apesar deles, o livro teve a honra de inaugurar o grande movimento teosófico no plano físico do mundo ocidental.

A.P.SINNETT 1918

1. INSTRUTORES ESOTÉRICOS As informações contidas nas páginas a seguir não são uma coleção de inferências deduzidas de estudos. Aos leitores, apresento conhecimentos obtidos mais por generosidade que por esforços. Disso não decorre que seu valor seja menor; ao contrário, aventuro-me a declarar que será incalculavelmente maior pela facilidade com que os obtive, do que quaisquer resultados proporcionados pêlos métodos ordinários de pesquisas, mesmo se eu tivesse possuído, em seu grau mais elevado, o que não pretendo possuir de modo algum — a Ciência Oriental. Todos os que se preocupam com a literatura indiana, e mais ainda, qualquer pessoa que na índia tenha tratado de assuntos filosóficos com nativos cultos, estarão cientes da convicção geral no Oriente de que há homens que sabem mais sobre filosofia, na acepção mais elevada da palavra — a ciência, o verdadeiro conhecimento das coisas espirituais —, do que se acha registrado em qualquer livro. Na Europa, a noção de segredo aplicada à ciência repugna tanto ao instinto dominante que a primeira tendência dos pensadores europeus é negar a existência daquilo com que antipatizam. Mas as circunstâncias me deram a certeza cabal, durante minha estada na índia, de que a convicção que acabo de mencionar está perfeitamente bem fundamentada. Afinal, tive o privilégio de receber uma massa considerável de instrução sobre a até hoje ciência secreta, a respeito da qual os filósofos orientais meditaram em silêncio até agora. Essa instrução foi unicamente comunicada a estudantes preparados para penetrar nas regiões do segredo, e permanecendo seus instrutores muito tranqüilos com relação à dúvida em que têm ficado os demais investigadores, acerca da existência ou não de algo de importância a aprender deles.

Compartilhando em princípio essa grande antipatia pela antiga regra de conduta oriental, no que diz respeito ao conhecimento, cheguei, no entanto, a perceber que a antiga ciência oriental era efetivamente uma verdade Importante. E escusável considerar as uvas como verdes quando estão totalmente fora de alcance, mas seria loucura persistir nessa opinião se um amigo de estatura elevada pudesse apanhar um cacho e as achasse doces. Por razões que aparecerão no decurso desta obra, a massa considerável de ensinamentos até hoje secretos, que ela contém, me foi comunicada não só fora das condições normais, mas com a finalidade explícita de que, de minha parte, eu as comunicasse sem reservas ao mundo. Sem a luz da ciência oriental, até agora secreta, é impossível que apenas pelo estudo de sua literatura publicada — em língua inglesa ou em sânscrito — até mesmo os estudantes da melhor qualificação científica possam compreender as doutrinas internas e o significado verdadeiro de qualquer religião oriental. Esta assertiva não envolve repreensão alguma aos escritores eruditos e laboriosos de grande gênio, que têm estudado as religiões orientais em geral, e o Budismo de modo especial, em seus aspectos exteriores. O Budismo é sobretudo uma religião que tem gozado de uma existência dual desde o início de sua introdução no mundo. O significado real interno de suas doutrinas foi mantido apartado dos estudantes não-inicia-dos, enquanto seus ensinamentos externos têm sido simplesmente apresentados à multidão, como um código de lições morais e com uma literatura simbólica e velada, que indicava a existência de conhecimentos anteriores. Esta ciência secreta, na verdade, é muito anterior à passagem de Gautama Buda pela vida terrena. A filosofia bramânica, em épocas anteriores a Buda, compreendia a mesma doutrina que na atualidade pode ser chamada de Budismo

Esotérico. Com efeito, os seus contornos haviam-se apagado e as suas formas científicas haviam sido parcialmente confundidas; mas a massa geral de conhecimentos já estava em poder de uns poucos eleitos antes que Buda viesse a participar dos mesmos. Buda, entretanto, empreendeu a tarefa de revisar e restaurar a ciência esotérica do círculo interno de iniciados, bem como a moralidade do mundo externo. As circunstâncias em que esta tarefa foi feita foram muito malentendidas; uma verdadeira explicação não seria inteligível sem as elucidações, que deveriam ser obtidas por um exame prévio da própria ciência esotérica. Desde o tempo de Buda, até hoje, a ciência esotérica de que nos ocupamos tem sido zelosamente guardada como uma preciosa herança, privativa tão-só dos membros regularmente iniciados das associações misteriosamente organizadas. Estes, no que diz respeito ao Budismo, são os Arhats a que se refere a literatura budista. São os iniciados que trilham a "quarta senda da santidade", de que se fala nos escritos budistas. Mr. Rhys Davids, referindo-se à multiplicidade de textos originais e às autoridades sânscritas, diz: "Podem-se escrever páginas e páginas com os louvores impregnados de um sentimento temeroso e de êxtase, de que são pródigos os escritos budistas a este estado da mente, o fruto da quarta senda, o estado de um Arhat, de um homem perfeito segundo a fé budista." E depois de fazer uma série de citações oriundas de autoridades sânscritas, expressa: "Para aquele que chegou ao fim da senda e passou além da tristeza; que se libertou por si mesmo de tudo; que se desprendeu de todos os grilhões, não existe mais nem a paixão, nem o desgosto... Para ele não há mais nascimentos... acha-se no gozo do Nirvana. Seu antigo karma está esgotado, não foi produzido nenhum novo karma; seu coração está livre de anseios por uma vida futura e, não gerando novos desejos, eles, os sábios, se extinguiram tal o lume de uma vela." Estes e outros

parágrafos semelhantes conduzem, de qualquer modo, os leitores europeus a uma idéia completamente falsa no que concerne ao tipo de pessoa que um Arhat é efetivamente, à vida que leva enquanto está na Terra e à que espera no futuro. Mas a elucidação destes pontos pode ser adiada no momento. Primeiramente se podem expor outros parágrafos procedentes de tratados esotéricos, que demonstram o que é que geralmente se supõe ser um Arhat. Mr. Rhys Davids, falando de Jhana e Samadhi (a crença de que era possível, por meio de intensa auto-absorção, atingir faculdades e poderes sobrenaturais) diz ainda: "Tanto quanto é do meu conhecimento, não se registra nenhum caso de alguém, seja um membro da ordem, ou um asceta brâmane, que tenha adquirido estes poderes. Um Buda sempre os possui; se os Arhats, como tais, realizam os milagres especiais em questão, e se dentre os mendicantes somente os Arhats ou unicamente os Asekhas podem realizá-los, é coisa que não está clara na atualidade." As fontes de informação que foram exploradas até agora sobre o assunto esclarecem muito pouco. Mas limito-me a mostrar que a literatura budista é abundante em alusões relativas à grandeza e aos poderes dos Arhats. Quanto a um conhecimento mais íntimo a respeito deles, circunstâncias especiais nos devem apresentar explicações cabíveis. Mr. Arthur Lillie, em Buda e o budismo primitivo, nos relata: "Seis faculdades sobrenaturais se requerem do asceta antes que ele possa pretender o grau de Arhat. A elas se alude constantemente nos Sutras como as seis faculdades sobrenaturais, em geral sem nenhuma outra especificação... O homem possui um corpo constituído dos quatro elementos... neste corpo transitório está acorrentada a sua inteligência, e, achando-se assim confuso, o asceta dirige a sua mente à criação do Manas. Ele imagina a si mesmo, em pensamento, com outro corpo criado a partir

desse corpo material — um corpo com uma forma, com membros e órgãos. Com relação ao corpo material, este corpo é o que a espada é para a bainha, ou como uma serpente saindo de um cesto em que estivesse confinada. Então o asceta, purificado e aperfeiçoado, começa a pôr em prática faculdades sobrenaturais. Encontra-se apto a passar através de obstáculos materiais, como paredes, muralhas, etc.; é capaz de lançar sua fantástica aparição em muitos lugares ao mesmo tempo... pode abandonar este mundo e até alcançar o céu do próprio Brahma... Adquire o poder de ouvir os sons do mundo invisível de forma tão nítida quanto os do mundo fenomenal — ainda mais nitidamente na realidade. Também pelo poder dos Manas, é capaz de ler os pensamentos mais secretos dos outros e de dar conta de seus caracteres." E assim sucessivamente com os demais exemplos. Mr. Lillie não adivinhou com exatidão a natureza da verdade existente atrás desta versão popular dos fatos; porém, a rigor, não é necessário citar mais, para demonstrar que os poderes dos Arhats e sua penetração nas coisas espirituais são respeitados pelo inundo budista do modo mais profundo, por mais que os próprios Arhats se tenham mostrado singularmente pouco dispostos a facilitar o mundo com autobiografias ou relatos científicos dos "seis poderes sobrenaturais". Algumas proposições da tradução recente feita por Mr. Hoey, da obra Buda: sua vida, sua doutrina, sua ordem, do Dr. Oldenberg, podem-se inserir neste local, após o que seguiremos adiante. Nela lemos: "A proverbial filosofia budista atribui, em inúmeras passagens, a posse do Nirvana ao santo que ainda pisa a Terra: 'O discípulo que se livrou da sensualidade e do desejo, rico em sabedoria, conseguiu aqui na Terra livrar-se da morte; atingiu o repouso, o Nirvana, o estado eterno. Aquele que escapou dos difíceis labirintos do Samsara, que cruzou e chegou à costa, absorvido em si mesmo, sem tropeços e sem dúvidas, que se livrou por si

mesmo das coisas terrenas e alcançou o Nirvana, a esse eu chamo de um verdadeiro brâmane.' Se o santo quer pôr fim ao seu estado de existência, pode fazê-lo, mas muito continua nele, até que a Natureza tenha atingido sua meta; a respeito disso, cabem aquelas palavras postas na boca do mais eminente dos discípulos de Buda: 'Não desejo a morte; não desejo a vida; espero que chegue minha hora, como um obreiro que aguarda o seu salário'." A multiplicação de citações semelhantes equivaleria a repetir, em formas variadas, os conceitos exotéricos sobre o Arhats. Como todos os fatos ou pensamentos do Budismo, o Arhat tem dois aspectos: um sob o qual ele se apresenta ao mundo em geral, e o outro no qual vive, move-se e existe. No que se refere à apreciação popular, ele é um santo aguardando um galardão espiritual do gênero que o vulgo pode entender — um produtor de maravilhas graças a agentes sobrenaturais. Na verdade, ele é o guardião, por longo tempo provado, da filosofia mais profunda e secreta da religião fundamental que Buda renovou e restaurou; um investigador da ciência natural, situado no próprio cume do conhecimento humano, não só no que diz respeito aos mistérios do espírito, mas também em tudo o que se relaciona com a constituição material do mundo. Arhat é uma designação budista. Na índia, onde os atributos da ordem de Arhat não estão necessariamente associados com as profissões do Budismo, a designação mais familiar é Mahâtmâ. A Índia está saturada de narrativas sobre os Mahâtmâs. Os mais antigos Mahâtmâs são, geralmente, chamados Rishis. Mas os termos são permutáveis, e ouvi aplicar o título de Rishis a homens que estão vivos hoje. Todos os atributos dos Arhats, que se descrevem nos escritos budistas, são mencionados com não menos reverência na literatura indiana que os atributos Mahâtmâs; e este volume poderia facilmente encher-se com traduções de livros do

país, referindo fatos milagrosos verificados por aqueles a quem a história e a tradição conhecem por tal nome. Com efeito, os Arhats e os Mahâtmâs são os mesmos homens. Naquela altura de exaltação espiritual, o conhecimento supremo da doutrina esotérica harmoniza todas as distinções sectárias originais. Seja qual for o nome que se dê a esses illuminati1, eles são os adeptos da ciência oculta, algumas vezes, na índia de hoje, chamados Irmãos e depositários da ciência espiritual que lhes foi legada por seus predecessores. Seria em vão pesquisar a literatura antiga e moderna, em busca de qualquer explicação sistemática de sua doutrina ou ciência. Boa parte dela está obscuramente exposta nos escritos ocultos; mas muito poucos têm utilidade para os leitores que empreendem a tarefa sem um prévio conhecimento adquirido independentemente dos livros. Pelo fato de eu ter recebido instrução direta de um entre eles, posso agora tentar um esboço dos ensinamentos dos Mahâtmâs, do mesmo modo como adquiri o que sei relativo à organização a que pertence a maior parte deles, bem como os maiores, da atualidade. Em todo o mundo há ocultistas de diversos graus de eminência e, igualmente, há fraternidades ocultas que têm muito em comum com a fraternidade dirigente estabelecida no Tibete. Mas todas as minhas investigações sobre o assunto me convenceram de que a Fraternidade Tibetana é incomparavelmente a mais elevada dessas associações, e como tal é considerada por todas as demais — dignas, por sua vez, de serem encaradas como "iluminadas", no sentido oculto da palavra. Na verdade, existem na índia muitos místicos isolados, que receberam uma autoeducação integral sem vinculação com as associações ocultas. Muitos destes dizem que atingem mais altos pináculos da iluminação espiritual do que os Irmãos do 1

No original em italiano. Vale dizer: os Iluminados. (N. T.)

Tibete, ou do que qualquer outra pessoa na Terra. Porém, o exame dessas pretensões, em todos os casos com que me deparei, creio que conduziria qualquer leigo imparcial, por pouco qualificado que estivesse em seu desenvolvimento pessoal para julgar sobre iluminação oculta, à conclusão de que são completamente infundadas. Por exemplo, conheço um natural da índia, homem de educação européia, que goza de alto prestígio no Governo, de boa posição social, de caráter elevado e que é respeitado de modo invulgar pêlos europeus que com ele se relacionam na vida oficial. Essa pessoa concede aos Irmãos do Tibete apenas um segundo lugar no mundo da iluminação espiritual. Considera o primeiro lugar ocupado por uma pessoa que já não está neste mundo — seu próprio mestre oculto na vida —, que ele convictamente afirma ter sido uma encarnação do Ser Supremo. Seus próprios (do meu amigo) sentidos internos foram despertados por esse Mestre, de forma que as visões do estado extático, em que pode imergir silenciosamente à vontade, são para ele a única região espiritual digna de interesse. Convencido de que o Ser Supremo foi seu instrutor pessoal desde o início, e que continua ainda sendo no estado subjetivo, ele é naturalmente inacessível a sugestões de que suas impressões podem ser deturpadas em vista de seu desenvolvimento psicológico mal dirigido. Por outro lado, os devotos de alta erudição, que eventualmente se podem encontrar na índia, que erigem sua concepção de Natureza, do Universo e de Deus sobre uma base completamente metafísica, e que desenvolveram seus sistemas pela força pura do pensamento transcendental, tomarão algum reconhecido sistema de filosofia como fundamento e irão amplificá-lo a um ponto que apenas um metafísico oriental poderia sonhar. Conseguem discípulos que depositam neles uma fé tácita e fundam a sua pequena escola, que floresce durante certo tempo dentro de seus próprios limites. Porém, uma filosofia especulativa dessa espécie é antes uma

ocupação para a mente do que um conhecimento. Esses "Mestres", comparados aos Adeptos organizados da mais alta fraternidade, são como botes a remo comparados com os transatlânticos — meios úteis de locomoção em seu próprio lago ou rio, mas nunca uma embarcação em que se possa confiar para uma grande viagem marítima ao redor do mundo. Descendo a um nível ainda mais baixo na escala, a índia está saturada de ioguins e faquires, em todos os graus de autodesenvolvimento, desde o dos mais sujos selvagens, muito pouco superiores aos ciganos ledores de sorte que acorrem às nossas corridas de cavalo, até o de homens em cuja reclusão um estrangeiro dificilmente penetraria, cujas anormais faculdades e poderes bastam ser vistos ou experimentados para quebrar a incredulidade dos mais ardorosos representantes do moderno ceticismo ocidental. Os pesquisadores superficiais confundem com facilidade tais pessoas com os Grandes Adeptos, dos quais ouviram falar vagamente. Entretanto, no que diz respeito aos verdadeiros Adeptos, não me aventuro a dizer nada sobre o que é a organização tibetana, quanto às suas mais altas autoridades dirigentes. Esses próprios Mahâtmâs — sobre os quais os leitores que pacientemente me seguirem até o fim poderão formar uma idéia mais ou menos adequada — estão subordinados, em seus diversos graus, ao chefe de todos. Tratemos, antes de tudo, das primeiras condições da instrução oculta, o que pode ser entendido com mais facilidade. O grau de elevação que constitui um homem — chamado no mundo exterior Mahâtmâ ou "Irmão" — só é alcançado após prolongada e penosa provação e ansiosas provas de uma severidade realmente terrível. Há pessoas que passaram vinte, trinta ou mais anos de irrepreensível e árdua devoção, dedicadas à missão

que empreenderam na vida, mas apesar disso, ainda se acham nos primeiros graus de seu chelado, contemplando as alturas do adeptado, que estão muito acima de suas possibilidades. E em qualquer idade que um garoto ou um homem se dedique à carreira do ocultismo, dedica-se, entenda-se bem, sem reservas de nenhum gênero e por toda sua vida. A missão que leva a cabo é o desenvolvimento em si mesmo de muitas faculdades e atributos, de cuja existência nem se suspeita devido ao fato de serem completamente latentes na massa da humanidade, sendo negada a possibilidade de seu desenvolvimento. Estas faculdades e atributos devem ser desenvolvidos pelo próprio cheia, com muito pouca ajuda, se houver alguma, além da orientação e direção de seu mestre. Diz um aforismo oculto: "O Adepto se torna um adepto: ele não é convertido em um." Pode-se ilustrar isto com o que acontece num exercício físico corriqueiro. Todo homem com o uso normal de seus membros é capaz de nadar. Mas mergulhem aqueles que, segundo provérbio popular, não podem nadar em águas profundas, e eles se afogarão. O simples procedimento de mover os membros não é um mistério. Porém, a menos que o nadador, ao movê-los, acredite que tais movimentos produzirão o resultado almejado, este não será obtido. Nesse caso, ocupamo-nos com forças meramente mecânicas, mas o mesmo princípio se aplica às forças mais sutis. A mera "confiança" conduz o neófito oculto muito mais longe do que o vulgo geralmente imagina. Quantos leitores europeus permaneceriam totalmente incrédulos se se relatassem a ele alguns resultados que os cheias ocultistas, dos graus mais incipientes de sua instrução, têm de obter por pura força da confiança e, apesar disso, ouvem amiúde na igreja as familiares afirmações bíblicas de que o poder reside na fé, e permitem que as palavras passem como o vento, sem deixar qualquer impressão.

O grande fim e propósito do Adeptado é realizar o desenvolvimento espiritual, cuja natureza está velada e disfarçada nas frases comuns da linguagem exotérica. Dizer que o Adepto procura unir sua alma com Deus, para poder, por esse meio, entrar no Nirvana, é uma assertiva destituída de significação para o leitor comum, e quanto mais examiná-la, baseado em livros e métodos elementares, tanto menos plausível lhe será a compreensão da natureza do processo observado, ou do estado desejado. Em primeiro lugar, é preciso conhecer o conceito esotérico de Natureza e a origem e os destinos do Homem, o que se diferencia por completo dos conceitos teológicos, antes que se torne inteligível uma explicação da meta que o Adepto persegue. Enquanto isso, entretanto, é desejável, logo de início, abrir os olhos do leitor para o falso conceito, que provavelmente possa ter formado, sobre os objetivos do Adeptado. O desenvolvimento dessas faculdades espirituais, cujo cultivo se relaciona com os mais elevados objetivos da vida oculta, proporciona, à medida que progride, um conhecimento casual, relativo às leis físicas ainda não compreendidas da Natureza em geral. Esse conhecimento, e a arte prática de manipular certas forças ocultas da Natureza, como conseqüência, confere a um Adepto, e até aos discípulos de um Adepto, num estágio incipiente de sua instrução, poderes extraordinários, cuja aplicação nos assuntos da vida diária gera, em algumas ocasiões, resultados que parecem completamente milagrosos. Do aspecto habitual, a aquisição de um poder de aparência milagrosa é uma conquista tão estupenda que as pessoas, às vezes, se sentem inclinadas a imaginar que o desígnio do Adepto, ao procurar os conhecimentos que obtém, não foi outro que ele próprio investir-se desses poderes cobiçados. Isso seria tão racional como dizer de qualquer grande patriota da história

militar que o seu propósito, ao ser soldado, foi o de portar um vistoso uniforme e aguçar a imaginação das amas-secas. O método oriental para o cultivo do saber sempre diferiu diametralmente do seguido no Ocidente, durante o desenvolvimento da ciência moderna. Enquanto a Europa pesquisou a Natureza da forma a mais pública possível, sendo discutido cada passo com a mais ampla liberdade e circulando de imediato cada recente fato adquirido para o benefício de todos, a ciência asiática foi estudada em segredo e suas conquistas zelosamente guardadas. Não é necessário que eu tente no momento a crítica ou a defesa desses métodos. Mas, de qualquer modo, esses métodos foram afrouxados até certo ponto em meu próprio caso, e como já afirmei, tenho o pleno consentimento de meus instrutores para seguir minhas inclinações como europeu, comunicando o que aprendi a todos os que desejarem recebê-lo. Posteriormente se verá como a transgressão das regras elementares do estudo ocultista, incorporada às concessões agora feitas, cai naturalmente no lugar apropriado do esquema completo da filosofia oculta. O acesso a essa filosofia esteve sempre, de certo modo, aberto a todos. Através do mundo, por vários meios, foi vagamente difundida a idéia de que certos processos de estudo, que alguns homens realmente seguiram, aqui e acolá, podiam conduzir à aquisição de um gênero de conhecimento mais elevado do que o que é geralmente ensinado à humanidade nos livros ou por meio de pregadores públicos religiosos. O Oriente, como já foi assinalado, esteve sempre mais que vagamente impressionado por essa crença, porém mesmo no Ocidente a massa inteira de literatura simbólica, referente à astrologia, alquimia e ao misticismo em geral, fermentou na sociedade européia, levando algumas poucas inteligências, singularmente receptivas e qualificadas, à convicção de que detrás de toda essa falta de sentido, superficialmente

incompreensível, grandes verdades jazem ocultas. A essas pessoas, esse excêntrico estudo revelou algumas vezes passagens ocultas que conduziam aos maiores reinos imagináveis da iluminação. Porém, até agora, em todos esses casos, de acordo com a lei dessas escolas, tão logo o neófito forçava passagem na região do mistério, era-lhe imposto o segredo mais inviolável a tudo o que se relacionasse com seu ingresso nessa região e com os seus progressos ulteriores. Na Ásia, do mesmo modo, o cheia, ou discípulo de ocultismo, tão logo se converte em um cheia, deixa de ser testemunha da realidade da ciência oculta. Fiquei espantado ao ver, assim que comecei a tratar deste assunto, quão numerosos são os cheias. Mas é impossível imaginar algum ato humano mais improvável do que a revelação não autorizada, por parte de qualquer cheia, aos profanos, de sua qualificação como tal. E assim é como a grande escola esotérica de filosofia conserva com sucesso o seu segredo. Num livro anterior, O mundo oculto, apresentei um completo e fiel relato das circunstâncias sob as quais estive em contato com homens de dons elevados e profundamente instruídos, de quem obtive as informações contidas neste volume. Não preciso repetir a história. Agora tratarei do assunto sob novo ângulo. A existência de Adeptos ocultistas e a importância de suas aquisições são estabelecidas por intermédio de duas diferentes Unhas de argumento: em primeiro lugar, considerando-se a evidência externa — o depoimento de testemunhas qualificadas, a manifestação de pessoas relacionadas com Adeptos de faculdades anormais que proporcionem algo mais que mera suposição da existência de conhecimentos de anormal amplitude; em segundo lugar, pela apresentação de uma parte considerável desses conhecimentos, suficiente para dar a segurança

intrínseca de seu próprio valor. Meu primeiro livro seguia o primeiro destes métodos. Agora, enfrento um desafio maior, utilizando o segundo.

COMENTÁRIOS Quanto mais avançamos no estudo do ocultismo, tanto mais exaltadas se tomam, sob muitos aspectos, as nossas concepções sobre os Mahâtmâs. A compreensão global da maneira como estas pessoas chegam, ao final de longo tempo, a diferenciar-se da espécie humana não é algo que se obtém apenas com a ajuda do esforço intelectual. Há aspectos na natureza do Adepto que se relacionam com o extraordinário desenvolvimento dos princípios superiores do homem, que não podem ser compreendidos pela aplicação dos inferiores. Mas enquanto os conceitos incompletos, formados a princípio, por pouco não alcançam o nível verdadeiro dos fatos, surge uma curiosa complicação do problema nesse caminho. A primeira idéia que fazemos de um Adepto que conquistou o poder de penetrar os tremendos segredos da natureza espiritual é formulada de acordo com os nossos conceitos de um homem de ciência muito talentoso, em nosso próprio plano. Estamos aptos a pensar que, uma vez Adepto, ele será sempre um Adepto — um ser humano muito digno, que necessariamente deve usar, em todas as circunstâncias de sua vida, as qualidades que lhe são pertinentes como um Mahâtmâ. Desse modo — como já indicamos — não conseguiremos, certamente, por mais que nos esforcemos, fazer justiça em nossos pensamentos aos seus atributos ás Mahâtmâ. Podemos com bastante facilidade incorrer no extremo oposto ao pensarmos nele em seu aspecto humano comum e, destarte, ficaremos perplexos, à medida que começarmos a nos familiarizar com as características do mundo da ciência oculta. Precisamente porque

os mais elevados atributos do adeptado se relacionam com os princípios da natureza humana, que transcendem inteiramente os limites da existência física, é que o Adepto ou Mahâtmâ apenas pode ser um Adepto, na mais alta acepção do termo, enquanto está, como diz a expressão, "fora do corpo" ou, de qualquer modo, num estado anormal alcançado por sua própria vontade. Quando não tem por que entrar em tal estado, nem sair completamente fora das limitações de sua prisão carnal, parece-se muito mais com um homem comum, do que a experiência dos discípulos sobre algum de seus aspectos poderia fazê-los supor. Uma apreciação correta desse estado de coisas explica a contradição aparente, com base na posição do discípulo de ocultismo diante de seus mestres comparada com algumas das declarações que o próprio mestre faz freqüentemente. Por exemplo, os Mahâtmâs asseveram que não são infalíveis, que eles são homens como os demais, talvez com uma compreensão mais ampla da Natureza que o comum da humanidade, mas, apesar de tudo, capazes de enganar-se tanto na direção dos assuntos práticos com que podem estar relacionados, como na apreciação dos atributos de outros homens, ou na apreciação da capacidade dos candidatos para o desenvolvimento oculto. Mas como conciliarmos afirmações dessa natureza com o princípio fundamental, existente no fundo de toda pesquisa do ocultismo, que induz o neófito a confiar absolutamente e sem nenhuma reserva nos ensinamentos e na orientação do mestre? A solução da dificuldade está no estado de coisas, ao qual nos referimos anteriormente. Embora o Adepto possa ser um homem capaz de enganar-se algumas vezes de modo surpreendente, quanto aos assuntos mundanos, do mesmo modo que entre nós alguns dos maiores gênios estão propensos a cometer erros em sua vida comum, que talvez não cometeria jamais o vulgo de outro lado, assim que um Mahâtmâ se ocupa com os mais

elevados mistérios da ciência espiritual, ele o faz devido ao exercício de seus atributos de Mahâtmâ, e, no que tange a estes, dificilmente é considerado capaz de enganar-se. Esta consideração permite-nos sentir que a confiança que merecem os ensinamentos derivados dessa fonte, em que se inspira o presente volume, está completamente fora do alcance dos pequenos incidentes que no progresso de nossa experiência pareçam pedir a retificação dessa confiança entusiástica na sabedoria suprema dos Adeptos, que geralmente evoca as primeiras abordagens ao estudo do ocultismo. Isso não quer dizer que esse entusiasmo ou reverência diminua por parte de algum cheia ocultista, à proporção que cresça sua compreensão do mundo em que penetra. O homem, que em um de seus aspectos é um Mahâtmâ, antes é conduzido dentro dos limites do afetuoso respeito humano, do que privado de seus direitos à reverência, pela consideração de que em sua vida comum não está acima do nível comum dos sentimentos humanos, como algumas de suas nirvânicas experiências nos levariam a crer. Se temos sempre presente na mente que um Adepto só é verdadeiramente um Adepto quando está exercendo as suas funções e que no exercício destas pode elevar-se à relação espiritual com tudo aquilo que é, ao menos dentro dos limites de nosso sistema solar, o que na prática significa para nós a onisciência, livrar-nosemos então de muitos de nossos erros gerados pelas dificuldades do assunto. Pode-se relatar aqui algo atinente à intrincada natureza do Adepto, o que seria difícil compreender sem fazer referência a alguns dos últimos capítulos deste livro. Mas, como isto tem um significado tão importante para tudo quanto se refira à compreensão do que é o Adeptado, será conveniente tratar dele de uma vez. A

natureza dúplice do Mahâtmâ é tão completa que algo de sua influência ou sabedoria, nos planos mais elevados da Natureza, pode atingir os que estão em singulares relações psíquicas com ele, sem que o Mahâtmâ-homem sequer perceba no momento em que esse apelo lhe foi dirigido. Por essa via, estamos livres para especular sobre a possibilidade de que a relação entre o Mahâtmâ espiritual e o Mahâtmâ-homem algumas vezes pertença antes à Natureza do que às vezes se menciona nos escritos esotéricos como um obscurecimento (overshadowing), em vez de uma encarnação no amplo sentido da palavra. Além disso, como outra complicação independente do assunto, devemos apreciar o fato de que cada Mahâtmâ não é meramente um ego humano num estado muito exaltado, mas pertence, por assim dizer, a algum departamento específico da grande organização da Natureza. Cada Adepto deve pertencer a um ou a outro dos sete grandes tipos do Adeptado. Mas embora possamos, quase com certeza, inferir que existam correspondências entre esses vários tipos e os sete princípios do homem, eu evitaria tentar a elucidação completa desta hipótese. Será suficiente aplicar a idéia ao que conhecemos vagamente sobre a organização ocultista em suas mais altas regiões. Há algum tempo, afirmou-se que nos escritos esotéricos existem cinco grandes Chohans ou Mahâtmâs superiores, que presidem sobre toda a fraternidade dos Adeptos. Quando foi escrito o capítulo precedente deste livro, eu tinha a impressão de que um chefe supremo, situado num nível diferente, exercia autoridade sobre esses cinco Chohans. Agora, parece-me que este personagem deve antes ser considerado como um sexto Chohan, cabeça de um sexto tipo de Mahâtmâ. Esta conjectura conduz, de uma vez, a outra inferência: deve existir um sétimo Chohan para completar as correlações que assim discernimos. Mas como o sétimo princípio na Natureza ou no homem é um conceito de ordem mais

inacessível, que escapa ao poder de qualquer inteligência e que seria descrito em nebulosas frases ininteligíveis sobre metafísica, podemos portanto estar seguros de que o sétimo Chohan está fora de toda compreensão dos intelectos não versados na matéria. Mas ele, fora de dúvida, desempenha um papel naquilo que pode ser chamado a mais elevada organização da Natureza espiritual, sendo que tal personagem é, às vezes, visível para alguns dos outros Mahâtmâs. Mas a especulação que lhe diz respeito é valiosa, principalmente para ratificar a idéia segundo a qual os Mahâtmâs podem ser compreendidos em seu verdadeiro aspecto, como fenômenos necessários da Natureza, sem os quais a evolução da humanidade dificilmente seria imaginada como avançando, e não como homens excepcionais que atingiram um estado de grande exaltação espiritual.

2. A CONSTITUIÇÃO DO HOMEM

Um exame da Cosmogonia, tal como a compreende a ciência oculta, deve preceder toda tentativa de explicação dos meios pêlos quais se chegou a obter o conhecimento dessa mesma Cosmogonia. Os métodos de pesquisa esotérica são o resultado de fatos naturais, que a ciência exotérica desconhece totalmente. Estes fatos naturais relacionam-se ao desenvolvimento precoce de faculdades nos Adeptos ocultos, que a humanidade em geral não desenvolveu ainda. Estas faculdades, por sua vez, capacitam seus possuidores à exploração dos mistérios da Natureza e à comprovação das doutrinas esotéricas, na manifestação vindoura de seu sublime desígnio. O estudante prático de ocultismo pode desenvolver primeiramente suas faculdades e aplicá-las depois à observação da Natureza. Mas, para os leitores ocidentais, que só procuram a compreensão intelectual, deve preceder a consideração dos sentidos internos utilizados pela pesquisa oculta, antes de expor a teoria da Natureza. Por outro lado, o exame da Cosmogonia, tal como é compreendida pela ciência oculta, só pode ser sistematizado cientificamente em detrimento da inteligibilidade para os leitores europeus. Antes de mais nada, devemos tentar entender o estado do Universo anterior ao início da evolução. Isso não foi negligenciado de modo algum pêlos estudantes esotéricos, e, mais adiante, no curso deste esboço, serão feitas algumas sugestões relativas à opinião que o ocultismo sustenta sobre os processos primitivos, através dos quais a matéria cósmica passa em seu percurso evolutivo. Mas uma ordenada exposição dos processos mais primitivos da Natureza incluiria indicações à constituição espiritual do homem, que não seria entendida sem alguma explicação preliminar.

A ciência esotérica reconhece sete princípios distintos na constituição do homem. A classificação difere de um modo tão absoluto de tudo aquilo com que os leitores europeus estão familiarizados que, naturalmente, me questionarão sobre as bases em que o ocultismo se apóia para chegar a essa conclusão. Porém, devido às peculiaridades inerentes ao assunto, que mais adiante serio compreendidas, devo pedir para esta ciência oriental que dou a conhecer, certa atenção, por assim dizer, de tipo oriental. Os sistemas oriental e europeu de transmitir conhecimento diferem completamente em seus métodos. O método ocidental instiga e provoca, a cada momento, o instinto da controvérsia do discípulo. Ele é animado a debater e a oporse à evidência. Proíbe-se-lhe aceitar qualquer afirmação científica tão-somente por sua autoridade. Pari passu, à medida que adquire conhecimentos, deve aprender o modo como eles são adquiridos e faz-lhe sentir que nenhum fato é digno de ser conhecido, a menos que se conheça ao mesmo tempo a maneira de se demonstrálo como tal. O método oriental dirige seus discípulos de uma forma bem diferente. Está atento à necessidade de demonstrar seus ensinamentos como o Ocidente, mas fornece provas de um gênero bem diferente. Dá poder ao estudante de pesquisar por si mesmo a Natureza e de comprovar seus ensinamentos naquelas regiões em que a filosofia ocidental só pode penetrar por intermédio da especulação e do argumento. Jamais se dá ao trabalho de questionar sobre nada. Afirma: "O fato é assim e assim; eis a chave dos conhecimentos; agora vai e observa por ti mesmo." Assim ocorre que o ensinamento per se não é nada mais que ensinamento pela autoridade. O ensinamento e a demonstração não vão de mãos dadas. Seguem-se um ao outro na devida ordem. Outra conseqüência deste método é que a filosofia oriental emprega o método que no Ocidente foi afastado, por boas razões, como incompatível com nossa própria atitude de desenvolvimento intelectual: o sistema de

raciocinar do geral ao particular. Os objetivos que a ciência européia costuma ter em mente não seriam resolvidos por esse plano, porém penso que qualquer pessoa que se adiante na presente questão sentirá que esse sistema, de partir dos detalhes para chegar às conclusões gerais, não se aplica ao assunto que ora discutimos. Não se pode compreender pormenores neste ramo de conhecimentos, até que se adquira um discernimento geral do esquema completo das coisas. Até o fato de comunicar esta compreensão apenas por meio da linguagem é uma tarefa enorme e nada fácil. Deter-se a cada momento da exposição, a fim de recolher toda evidência capaz de provar cada afirmativa de per se, seria praticamente impossível. Tal método acabaria com a paciência do leitor e o impediria de deduzir, como o faria de um estudo sinóptico, esse conceito definido sobre o que a doutrina esotérica quer ensinar e que me toca evocar. Esta reflexão pode sugerir, de passagem, uma nova luz que guarda uma íntima vinculação com o assunto presente dos sistemas de raciocínio platônico e aristotélico. O sistema de Platão, descrito grosseiramente como raciocinando do universal ao particular, é condenado pêlos hábitos modernos em prol do segundo e exatamente sistema inverso. Mas Platão se restringia à tentativa de defender o seu sistema. Todas as razões nos levam a crer que sua familiaridade com a ciência esotérica é o que movia seu método e que as habituais restrições que sobre ele pesavam, como ocultista iniciado, proibiam-no de dizer tudo o que poderia tê-lo justificado. Ninguém que estude a ciência oculta, contida neste volume, e que logo se direcione para Platão, ou para qualquer resumo inteligente de seu sistema, deixará de encontrar correlações colhidas em cada passagem. Os mais elevados princípios da série que forma o homem não estão desenvolvidos na humanidade que conhecemos, mas um homem completo ou

perfeito poderia ser determinado nos elementos seguintes. Para facilitar a aplicação destas explicações aos usuais escritos exotéricos budistas, são dados também os nomes sânscritos desses princípios, assim como os termos adequados em nossa linguagem2. 1

O Corpo: Rûpa

2

Vitalidade: Prana ou Jîva

3

Corpo Astral: Linga-sharîra

4

Alma Animal: Kâma-rüpa

5

Alma Humana: Manas

6

Alma Espiritual: Buddhi

7

Espírito: Âtma

Quando conceitos tão transcendentais, como alguns dos incluídos nesta análise, são expostos de forma tabular, incorre-se, ao que parece, em certa degradação contra a qual devemos estar sempre prevenidos, tratando de compreender com clareza o que se pretende significar. De fato, seria impossível mesmo para o mais hábil professor de ciência oculta exibir cada um desses princípios, isolada e distintamente dos outros, como se procede com os elementos físicos de um corpo composto, ao separá-los por meio da análise e conservá-los independentes uns dos outros. Os elementos de um corpo físico estão todos no mesmo plano de materialidade, mas os elementos do homem estão em planos muito diferentes. Os gases mais sutis, capazes de entrar na composição química do corpo humano, acham-se ainda, ao menos proporcionalmente, quase no nível mais 2

A nomenclatura aqui adotada difere ligeiramente da que apareceu na Theosophist, quando alguns fragmentos dos presentes ensinamentos foram expostos pela primeira vez. Depois se verá que os nomes, atualmente preferidos, incluem um conceito mais completo de todo o sistema e evitam algumas dificuldades a que nos nomes primitivos davam origem. Não se deve estranhar que as primeiras exposições da ciência esotérica fossem imperfeitas, pois eram uma conseqüência natural das dificuldades com que os expositores ingleses lidavam. Mas não há que confessar, nem deplorar erro algum substancial. As conotações dos nomes atuais são mais precisas do que as escolhidas de início; porém, as explicações dadas originariamente, quanto a seu alcance, estavam em completa harmonia com as que se desenvolvem na atualidade.

material de todos os elementos. O segundo princípio, por sua associação com a matéria grosseira, transforma-a, do que de costume chamamos matéria inorgânica (o que com mais propriedade seria chamá-la inerte), em matéria viva, sendo algo bem diverso da matéria mais inferior que conhecemos. Constitui, portanto, o segundo princípio algo que possamos chamar verdadeiramente de matéria? A questão nos conduz, assim, ao princípio desta indagação, ao centro da sutil discussão metafísica sobre se a força e a matéria são diferentes ou idênticas. Basta, no momento, assentar que a ciência oculta as considera idênticas e que não observa nenhum princípio da Natureza como totalmente imaterial. Desse modo, embora nenhum conceito do Universo, do destino do homem ou da Natureza em geral seja mais espiritual do que os da ciência oculta, esta ciência está completamente livre do erro lógico de atribuir resultados materiais às causas imateriais. A doutrina esotérica é, portanto, na realidade, o elo que falta entre o materialismo e a espiritualidade. A chave do mistério que isso envolve encontra-se no fato, diretamente reconhecível pêlos ocultistas versados, de que a matéria existe sob outros estados além dos que podem ser reconhecidos pêlos cinco sentidos. O segundo princípio do Homem, a Vitalidade, consiste, portanto, na matéria em seu aspecto como força. Sua afinidade com o estado mais grosseiro da matéria é tão grande que não pode ser separada de qualquer partícula ou massa da mesma, salvo por instantânea translação para alguma outra massa ou partícula. Quando o corpo do homem morre, por abandono de seus princípios superiores que o haviam convertido numa realidade viva, o segundo, ou seja, o princípio da vida, não constituindo mais uma unidade por si mesma, é ainda inerente, contudo, às partículas do corpo enquanto este se decompõe, unindo-se a outros organismos aos

quais dá origem o mesmo processo de decomposição. Enterre-se o corpo na terra e seu Jîva se unirá por si à vegetação que brota na superfície, ou às formas animais inferiores que se desenvolvem de sua substância. Queime-se o corpo, e o indestrutível Jîva voa não menos instantaneamente ao mesmo planeta donde foi originalmente tomado, entrando em alguma nova combinação determinada por suas afinidades. O terceiro princípio, o Corpo Astral ou Linga-sharîra, é um duplo etéreo do corpo físico, seu desenho original. Ele é quem guia o Jîva em seu trabalho sobre as partículas físicas e é a origem para que este construa a forma que aquelas assumem. Vitalizado pêlos princípios mais elevados, sua unidade é conservada apenas pela união de todo o grupo. Na ocasião da morte, desencarna-se por um breve período, e sob condições anormais é transitoriamente visível para algumas pessoas. Sob tais condições, é tomado naturalmente pelo espectro da pessoa morta. As aparições espectrais podem, às vezes, ter outras causas, mas o terceiro princípio, quando isso se apresenta como um fenômeno visível, é mera agregação de moléculas num estado particular, destituído de toda espécie de vida ou consciência. Já não é um Ser, como não o é qualquer nuvem suspensa que no espaço casualmente tome a semelhança de algum animal. Em termos gerais, o Linga-sharîra jamais abandona o corpo, exceto à morte, nem mesmo neste caso migra muito longe dele. Quando é visto, o que só pode ocorrer raramente, será unicamente percebido perto do lugar onde o corpo físico ainda permanece. Em alguns casos muito peculiares de mediunidade espírita, pode, durante um breve tempo, sair do corpo físico e ser visível perto deste, mas o médium, nesse caso, permanece

todo

o

tempo

em

perigo

iminente

de

vida.

Perturbem-se

inconscientemente as condições nas quais o Linga-sharîra se libertou e sua volta

pode ser impedida. Então, o segundo princípio logo deixaria de animar o corpo físico como uma unidade e se seguiria a morte. Durante os dois últimos anos, enquanto indícios e fragmentos de ciência oculta se difundiram pelo mundo, a expressão "Corpo Astral" vem sendo aplicada a certa semelhança da forma humana plenamente habitada por seus mais elevados princípios, podendo projetar-se a qualquer distância do corpo físico, lançada conscientemente e com intenção precisa por um Adepto vivo, ou sem intencionalidade, por meio da aplicação acidental de certas forças mentais a seus princípios desprendidos por alguma pessoa no momento da morte. Para uso comum, não há inconveniente prático no uso da expressão "Corpo Astral" para a aparência assim projetada. De fato, qualquer expressão mais estritamente rigorosa, como se vê, seria embaraçosa e devemos empregar a expressão em ambos os significados. Não é preciso criar-se nenhuma confusão. Porém, estritamente falando, o Linga-sharîra ou terceiro princípio é o corpo astral, e não pode ser lançado para fora como veículo dos princípios superiores. Os três princípios inferiores, como se vê, pertencem à Terra. Perecíveis por natureza, como entidade isolada, embora sejam indestrutíveis com relação às suas moléculas e em absoluto dissociados do homem em sua morte. O quarto princípio é o primeiro dos que pertencem à natureza superior do homem. A denominação sânscrita Kâma-rûpa é com freqüência traduzida por "Corpo de Desejo", o que parece antes uma expressão confusa e pouco exata. Talvez "Veículo da Vontade" seria uma tradução mais aproximada, se relacionando melhor ao significado do que às palavras. Porém, o nome adotado anteriormente, "Alma Animal" é o que sugere uma idéia mais exata.

Na Theosophist de outubro de 1881, quando se divulgaram as primeiras indicações sobre a constituição setenária do homem, o quinto princípio era chamado "alma animal", para distingui-lo do sexto, "alma espiritual". Embora essa nomenclatura fosse suficiente para fixar a distinção exigida, degradava-se o quinto princípio, que é essencialmente o princípio humano. Apesar de a humanidade ser animal em sua natureza, se ela for comparada com o espírito, em todos os outros aspectos acha-se acima da criação propriamente animal. Introduzindo um novo nome para o quinto princípio, fazemos retroceder a denominação "alma animal" a seu lugar devido. Esta classificação não se opõe, entretanto, à apreciação do modo como o quarto princípio constitui o centro da vontade ou do desejo a que o nome sânscrito se refere. O Kâma-rûpa é a alma animal, o princípio mais desenvolvido da criação bruta, suscetível de evoluir e converter-se em algo mais elevado, por sua união com o crescente quinto princípio no homem. Mas, de todo modo, a alma animal, da qual nenhum homem prescinde, é o centro de todos os desejos animais e uma potente força no corpo humano, atuando, por assim dizer, tanto para cima como para baixo, e capaz de influenciar o quinto princípio, para fins práticos, bem como ser influenciada por ele, para o seu domínio e aperfeiçoamento. O quinto princípio, a "alma humana" ou Manas (como é descrito em sânscrito por um de seus aspectos), é a sede da razão e da memória. Uma parte deste princípio, animada pelo quarto, é o que em realidade se projeta a lugares distantes por um Adepto, quando faz sua aparição no que se chama comumente seu corpo astral. O quinto princípio, ou "alma humana", não está ainda plenamente desenvolvido na maior parte da humanidade. Este fato, sobre o desenvolvimento imperfeito dos princípios superiores, é muito importante. Não podemos conceber com exatidão o lugar atual do homem na Natureza, se cometemos o erro de encará-

lo como um ser já completamente aperfeiçoado. E esse erro seria fatal para qualquer previsão razoável relativa ao futuro que o aguarda — fatal também para qualquer apreciação do verdadeiro caráter do futuro, que a doutrina esotérica nos explica e que efetivamente o espera. Uma vez que o quinto princípio não está plenamente desenvolvido, fica subentendido que o sexto princípio ainda está em estado embrionário. Essa idéia foi indicada de variadas maneiras em recentes previsões da grande doutrina. Algumas vezes, foi dito que não possuíamos, a rigor, nenhum sexto princípio, porém que simplesmente temos o seu germe. Também foi dito que o sexto princípio não está em nós, mas adeja sobre nós. É algo para onde se devem dirigir as mais altas aspirações de nossa natureza. Mas também foi dito: Todas as coisas, não apenas o homem, cada animal, planta e mineral, tem os seus sete princípios, e o mais elevado princípio de todos — o sétimo — vitaliza aquele fio contínuo de vida que passa através de toda a evolução, unindo em sucessão definida as quase inumeráveis encarnações daquela vida que forma uma série completa. Devemos assimilar todos esses diferentes conceitos e uni-los uns com os outros, ou extrair a sua essência, para aprender a doutrina do sexto princípio. Seguindo a ordem de idéias que agora mesmo nos sugere a aplicação do termo "alma animal" ao quarto princípio, e "alma humana" ao quinto, pode o sexto ser denominado a "alma espiritual" do homem, e o sétimo, por conseguinte, o próprio espírito. Sob outro aspecto da idéia, o sexto princípio pode ser chamado o veículo do sétimo, e o quarto, o veículo do quinto. Contudo, outra forma de focalizar o problema nos ensina a considerar cada um dos princípios superiores, a contar do quarto para cima, como um veículo do que na Filosofia Budista se chama de Vida Una ou Espírito. Segundo este modo de abordar o assunto, a Vida Una é aquilo que se

aperfeiçoa, ao habitar os diferentes veículos. No animal, a Vida Una está concentrada no Kâma-rûpa. No homem, começa do mesmo modo a penetrar o quinto princípio. No homem aperfeiçoado penetra o sexto, e quando penetra o sétimo princípio o homem deixa de ser homem, atingindo uma condição de existência completamente superior. Este último modo de situar a questão é especialmente valioso, por prevenirnos contra a noção de que os quatro princípios superiores são como um feixe de varas, atadas juntas, mas possuindo cada uma a sua individualidade, no caso de se desatarem. Nem a "alma animal" sozinha nem a "alma espiritual" sozinha têm qualquer individualidade. Por outro lado, o quinto princípio não poderia separar-se dos outros, em tal grau que conservasse sua individualidade, ao passo que os outros dois princípios ficassem inconscientes. Foi dito que mesmo os princípios mais sutis são materiais e moleculares em sua constituição, embora compostos por uma ordem de matéria muito mais elevada do que podem captar os sentidos físicos. Portanto, são dissociáveis, e o mesmo sexto princípio pode ser imaginado como divorciando-se de seu vizinho inferior. Neste estado de separação, porém, e no grau atual de desenvolvimento da humanidade, poderia em semelhante circunstância simplesmente reencarnar-se e desenvolver um novo quinto princípio, por contato com um organismo humano. Neste caso, o quinto princípio se apoiaria no quarto, sendo proporcionalmente degradado. Apesar de tudo, este quinto princípio, que não pode permanecer só, é o que constitui a personalidade do homem e a sua essência, em união com o sexto, a sua contínua individualidade através das vidas sucessivas. As circunstâncias e as atrações, sob cuja influência os princípios se dividem, e o modo como a consciência do homem atua sobre eles, serão objeto de discussão mais adiante. Entrementes, compreenderemos melhor o aspecto geral da questão

ocupando-nos de início dos processos de evolução por meio dos quais se desenvolvem os princípios do homem.

COMENTÁRIOS

Alguma objeção foi levantada ao método de como a Doutrina Esotérica é apresentada ao leitor, neste livro, com o fundamento de que é materialista. Duvido eu que, por qualquer outro procedimento, as idéias de que trato pudessem ser postas ao alcance da inteligência, sendo fácil, uma vez entendidas, traduzi-las nos termos próprios de seu idealismo. Os princípios superiores poderão ser considerados melhor como outros tantos estados diferentes do Ego, quando os atributos destes estados forem considerados separadamente como princípios submetidos à evolução. Mas vale frisar algo sobre o aspecto da constituição humana que apresenta a consciência da entidade, emigrando sucessivamente através dos distintos graus de desenvolvimento que os diferentes princípios significam. Quanto à evolução mais elevada, da qual temos de ocupar-nos agora — a do Mahâtmâ perfeito —, declarou-se algumas vezes, nos ensinamentos ocultos, que a consciência do Ego adquiria o poder de viver integralmente no sexto princípio. Seria, porém, uma maneira errônea, além de crassa, de considerar o assunto, supor que o Mahâtmâ tenha descartado por completo, como inúteis, os invólucros do quarto e do quinto princípios, nos quais sua consciência pode haver morado durante os anteriores estados de sua evolução. A entidade que era antes o quarto ou quinto princípio, chegou agora a ser diferente em seus atributos e a ficar divorciada por completo de certas tendências ou disposições, e é, portanto, um sexto princípio. A mudança pode ser descrita, em termos mais gerais, como uma emancipação da natureza do Adepto da servidão de seu eu inferior aos desejos da vida terrena

comum — e mesmo das limitações dos afetos. Porque o Ego, que está completamente consciente em seu sexto princípio, realizou sua unidade com os verdadeiros Egos de toda humanidade, no plano superior, e não pode mais ser atraído pêlos laços de simpatia mais para uns do que para outros. Atingiu aquele amor pela humanidade como um todo, que transcende o amor de Mâyâ ou ilusão, que constitui a criatura humana e é a causa do sentimento de separação do ser limitado nos planos inferiores da evolução. Não é que tenha perdido seus quarto e quinto princípios — mas estes alcançaram o Mahatmado. Do mesmo modo como a alma animal do reino inferior, ao alcançar a humanidade, floresce no quinto estado. Aquela consideração nos ajuda a entender com maior exatidão a passagem dos seres humanos comuns através de longas séries de encarnações no plano humano. Tendo penetrado diretamente naquele plano de existência, a consciência do homem primitivo vai gradualmente adquirindo os atributos do quinto princípio. Mas o Ego, a princípio, permanece , um centro de atividade mental trabalhando principalmente com impulsos e desejos pertencentes ao quarto estágio da evolução. Lampejos da razão humana superior iluminam-no com intermitência no início, mas, por graus, o homem mais intelectual atinge a plena posse daquela. Os impulsos da razão humana afirmam-se cada vez mais vigorosamente. A mente fortalecida converte-se em força predominante na vida. A consciência é transferida ao quinto princípio, oscilando, entretanto, durante muito tempo, entre as tendências da natureza inferior e as da superior, ou seja: durante vários períodos evolutivos e várias centenas de vidas — e assim purificando e exaltando o Ego. Durante esse tempo, o Ego constitui assim uma unidade, tomado deste ponto de vista, enquanto o sexto princípio é apenas uma potencialidade de desenvolvimento posterior. No tocante ao sétimo princípio, este é o verdadeiro Incognoscível, a causa suprema reguladora de todas

as coisas, o mesmo em todos os homens, o mesmo tanto para a humanidade., como para o reino animal, o mesmo para todos os planos de existência: físico, astral, devachânico ou nirvânico. Nenhum homem adquiriu um sétimo princípio, na concepção superior do assunto: todos nós somos encobertos, do mesmo incompreensível modo, pelo sétimo princípio do cosmos. Como se harmoniza esta forma de encarar o assunto com a asserção feita no capítulo anterior de que, em certo sentido, os princípios são dissociáveis e que até pode imaginar-se o sexto como se divorciando de seu próximo e inferior vizinho e desenvolvendo, por reencamação, um novo quinto princípio por meio do contato com um organismo humano? Não existe qualquer incompatibilidade no espírito de ambas as opiniões. O sétimo princípio é uno e indivisível em toda a Natureza; mas, por intermédio dele, existe uma misteriosa persistência de certos impulsos de vida, os quais constituem assim fios em que sucessivas existências podem estar engastadas. Tal impulso de vida não expira, nem mesmo no caso hipoteticamente extraordinário em que um Ego, por ele projetado e desenvolvido, até certo ponto, se desprenda dele totalmente e como um todo completo. Não irei expressar precisamente o que ocorre em caso semelhante, mas as subseqüentes encarnações do espírito ao longo daquela linha de impulso se devem, é claro, à seqüência original. E, destarte, dado o modo materialista de abordar a idéia, pode-se dizer, aproximando-nos da precisão tanto quanto nos permita a linguagem, que o sexto princípio da entidade caída separa-se do quinto original e se reencarna por sua própria conta. Mas não é necessário que nos ocupemos demasiadamente desses processos anormais. A evolução normal é o problema que temos de resolver primeiro. A consideração dos sete princípios como tais é, a meu ver, o método mais instrutivo

para abordar o problema. E convém considerar sempre que o Ego é uma unidade que progride através de várias esferas ou estados de existência, sofrendo mudanças, crescimentos e purificações durante o curso de sua evolução — ou seja, uma consciência que reside neste, naquele ou em outro dos atributos potenciais de uma entidade humana.

3. A CADEIA PLANETÁRIA

A ciência esotérica, apesar de ser o sistema mais espiritual que se possa imaginar, nos apresenta, ao atuar em toda a Natureza, o sistema de evolução mais completo que a inteligência humana possa conceber. A teoria darwiniana da evolução é simplesmente o descobrimento independente de uma parte — infelizmente só de uma pequena parte — de uma vasta verdade natural. Porém, os ocultistas sabem explicar a evolução sem degradar os mais elevados princípios do homem. A doutrina esotérica não tem nenhuma obrigação de manter a sua ciência e religião em compartimentos estanques. Sua teoria da física e sua teoria da espiritualidade não são irreconciliáveis; estão intimamente vinculadas e dependem uma da outra. E o primeiro grande fato que a ciência oculta nos exibe, com relação à origem do homem neste globo, vem em auxílio da imaginação para alguns sérios problemas da noção científica familiar de evolução. A evolução do homem não consiste num processo que apenas acontece neste planeta. É um resultado para o que contribuem muitos mundos em condições diferentes de desenvolvimento material e espiritual. Se esta asserção fosse exposta apenas como uma conjectura, é certo que forçosamente se recomendaria por si mesma às inteligências racionais. Pois existe uma irracionalidade manifesta na noção banal de que a existência do homem está dividida num começo material, que dura sessenta ou setenta anos, e num resto espiritual de eterna duração. O irracional converte-se em absurdo quando se pretende que os atos dos sessenta ou setenta anos — as confusas e frívolas ações da ignorante vida humana — sejam consentidos pela perfeita justiça de uma sapientíssima Providência, para definir as condições daquela vida póstuma de duração infinita. Não é menos disparatado imaginar que, excetuada a questão de

justiça, a vida do além deva estar isenta da lei da mudança, do progresso e do aperfeiçoamento, que todas as analogias da Natureza indicam como funcionando provavelmente em todas as variadas existências do Universo. Mas abandone-se de uma vez por todas a idéia de uma vida do além uniforme, invariável e não progressiva — admita-se por um instante o conceito de mudança e progresso naquela vida — e conceba-se a idéia de uma variedade dificilmente compatível com qualquer outra hipótese senão a do progresso através de mundos sucessivos. Como afirmamos antes, não é isto, de modo algum, uma hipótese para a ciência oculta, mas um fato determinado e comprovado (por ocultistas) fora de qualquer dúvida ou contradição. A vida e os processos evolucionários deste planeta — numa palavra, tudo o que faz dele algo mais que uma massa inerte de matéria caótica — estão encadeados com a vida e os processos evolucionários de vários outros planetas. Mas não vá supor-se a inexistência de finalidade no que se refere ao esquema desta união planetária a que pertencemos. A imaginação humana, uma vez posta em liberdade, às vezes arremessa-se bem longe. Aceite-se plenamente como provável ou verdadeira esta noção de que a Terra constitui meramente um elo na grande cadeia de mundos, e poderia originar a idéia de que a totalidade dos céus estrelados é a herança da família humana. Tal idéia implicaria um erro grave. Um só globo não oferece lugar à Natureza para os processos mediante os quais o gênero humano foi evocado do caos. Estes processos exigem apenas um número limitado e definido de globos. Separados como estão no tocante à grosseira matéria física de que são formados, os globos se acham estreita e intimamente unidos por meio de sutis correntes e forças, cuja existência não requer muito esforço racional para ser admitida, desde o momento em que a existência de alguma conexão — de força ou

meios etéreos — que une todos os corpos celestes visíveis, prova-se pelo mero fato de que são visíveis. Por intermédio dessas correntes sutis é como os elementos de vida passam de um mundo a outro. Entretanto, o fato é, ao mesmo tempo, suscetível de má interpretação decorrente de opiniões preconcebidas. Alguns leitores imaginarão que queremos afirmar que, após a morte, a alma será arrastada pelas correntes daquele mundo com o qual as suas afinidades se relacionam. O processo real é mais metódico. O sistema de mundos é um circuito em torno do qual todas as entidades espirituais individuais devem passar igualmente, e esta passagem constitui a Evolução do Homem. Deve-se entender, portanto, que essa evolução é um processo ainda em atividade e que de modo algum ele está completo. Os escritos darwinianos ensinaram o mundo moderno a encarar o macaco como um antecessor, mas a simples

vaidade

da

especulação

ocidental

raras vezes

permitiu

que

os

evolucionistas europeus dessem uma rápida olhada noutra direção, reconhecendo a probabilidade de que para os nossos remotos descendentes podemos ser o que aquele tão mal-recebido progenitor é para nós. Apesar disso, os dois fatos citados apenas apóiam-se um no outro. A evolução superior será consumada por nosso progresso através dos mundos sucessivos do sistema, e em formas mais elevadas voltaremos a esta Terra de vez em quando. Mas as linhas de pensamento, por intermédio das quais contemplamos essa perspectiva futura, são de uma extensão quase inconcebível. Poder-se-á supor, facilmente, que os mundos que compõem a cadeia à qual pertence esta Terra não estão todos preparados para uma existência material exatamente ou mesmo aproximadamente semelhante à nossa Não teria sentido numa cadeia organizada de mundos, que todos fossem parecidos e que todos

pudessem ser amalgamados num só. Na verdade, os mundos com os quais estamos relacionados diferem uns dos outros, não só em suas condições externas, mas também naquela característica suprema da proporção em que o espírito e a matéria combinam-se em sua constituição. Nosso próprio mundo geralmente apresenta-se-nos em condições de equilíbrio entre o espírito e a matéria. Não se deve presumir que ocupe um lugar alto na escala de perfeição. Ao contrário, permanece num nível muito inferior nessa escala. Os mundos mais elevados na escala são aqueles em que o espírito amplamente predomina. Existe um outro mundo, por assim dizer, atado à cadeia em vez de formar uma parte dela, em que a matéria se manifesta até mesmo mais decisivamente que na Terra; mas disso podemos falar mais adiante. Que os mundos superiores, que o homem possa habitar em sua evolução progressiva, tomem-se gradualmente mais e mais espirituais em sua formação — por estar neles a vida mais e mais nitidamente separada das grosseiras necessidades materiais — parecerá à primeira vista bastante razoável. Mas também à primeira vista se pode imaginar que todos os que inversamente forem denominados mundos inferiores, mas que a rigor denominam-se mundos precedentes, devem ser menos espirituais, mais materiais do que esta Terra. O fato é bem o oposto, e assim deve ser, visto tratar-se de uma cadeia de mundos sem fim, isto é, uma cadeia em torno da qual percorre o processo evolucionário. Se este processo somente tivesse uma jornada ao longo de um caminho que jamais retornasse sobre si mesmo, poderíamos considerá-lo, deste ponto de vista, como atuando da matéria quase absoluta até o quase absoluto espírito; mas a Natureza atua sempre em curvas completas e viaja sempre por caminhos que retornam sobre si mesmos. Os anteriores bem como os posteriores mundos desenvolvidos — pois a

própria cadeia foi crescendo por graus —, tanto os mais atrasados como os mais adiantados são os mais imateriais, os mais etéreos de toda a série; e isto, estando bem de acordo com o modo próprio de ser das coisas, pode ser comprovado, refletindo-se que aquele mundo, estando numa situação mais avançada de todos, não é nenhuma região de finalidade, mas o primeiro patamar para atingir o que está mais atrás de todos, da mesma forma como o mês de dezembro nos conduz novamente ao de janeiro. Não se trata de que a mônada individual caia, como por uma catástrofe, do ápice de desenvolvimento ao estado do qual lentamente ascendeu há milhões de anos. Desde esse mundo, por motivos que logo apresentaremos, que deve ser considerado como o mais alto no arco ascendente do círculo até aquele que deve ser considerado como o primeiro no arco descendente — ou seja, o mais baixo na ordem do desenvolvimento —, não existe descida alguma, mas sempre ascensão e progresso. Pois a mônada ou entidade espiritual, que percorreu seu caminho ao redor de todo o ciclo da evolução, tomando-a em qualquer das muitas etapas de desenvolvimento em que as existências são agrupadas, começa seu próximo ciclo no grau superior que segue, e deste modo está ainda realizando progresso à medida que passa do mundo Z outra vez ao mundo A. Muitas vezes percorre o círculo deste modo em torno do sistema, mas sua passagem ao redor dele não se deve julgar que seja tal qual uma revolução circular numa órbita. Na escala da perfeição espiritual, está constantemente ascendendo. Então, se comparamos o sistema de mundos a um sistema de torres situadas numa planície — cada uma delas de muitos andares e simbolizando a escala de perfeição —, vemos que a mônada espiritual representa um progresso em espiral em redor da série, passando por cada uma das torres, cada vez que em sua volta chega a cada uma delas e a um nível mais elevado que antes.

Por falta de compreensão desta idéia, a especulação relativa à evolução física é amiúde sustada por obstáculos intransponíveis. Estão-se buscando os elos perdidos num mundo em que jamais serão encontrados, porque, tendo apenas um objetivo temporal, eles desapareceram. O homem, diz o darwiniano, foi certa vez um macaco. Muito certo. Mas o macaco conhecido pelo darwiniano jamais se converterá num homem — isto é, z. forma não mudará de geração em geração até que a cauda desapareça e os pés se convertam em mãos, e assim por diante. A ciência comum confessa que, embora as mudanças de forma sejam percebidas no progresso dentro dos limites das espécies, as mudanças, de espécie para espécie, podem somente ser inferidas; para explicá-las, pressupõem-se grandes intervalos de tempo e a extinção das formas intermediárias. Ocorreu, sem dúvida, uma extinção das formas intermediárias ou primitivas de todas as espécies (na acepção mais ampla da palavra) — isto é, das correspondentes aos reinos mineral, vegetal, animal, humano, etc. — mas a ciência comum meramente conjectura que tal fato ocorra, sem compreender as condições que o tomaram inevitável e que proibiam a renovada geração das formas intermediárias. É o caráter espiralado do progresso realizado pelos impulsos vitais que desenvolvem os vários reinos da Natureza o responsável pelos claros que se observam agora nas formas animadas que povoam a Terra. A rosca de um parafuso, que na realidade é um plano inclinado uniforme, se parece com uma sucessão de degraus se for examinada apenas ao longo de uma linha paralela ao seu eixo. As mônadas espirituais que percorrem em volta do sistema ao nível animal passam a outros mundos, enquanto exerceram aqui sua volta de encarnação animal. Quando de novo retornam, já estio prontas para uma encarnação humana e então não é necessário o desenvolvimento ascendente das formas animais em formas humanas

— estas já estão esperando por seus moradores espirituais. Mas se voltarmos bastante para trás, chegaremos a um período em que não existiam na Terra formas humanas já desenvolvidas. Quando as mônadas espirituais, percorrendo o nível humano mais baixo ou primitivo, começavam a circular desse modo, seu impulso para a frente, num mundo que não continha senão formas animais, provocou o melhoramento das mais elevadas dessas formas na forma exigida — o elo perdido de que tanto se fala. Focalizando essa questão sob determinado aspecto, pode-se objetar que esta explicação é idêntica ao pressuposto evolucionismo darwiniano, com relação ao desenvolvimento e extinção dos elos perdidos. Afinal de contas, um materialista pode argumentar que "não nos interessa expressar uma opinião sobre a origem da tendência nas espécies a desenvolver formas mais elevadas. Dizemos que elas desenvolvem estas formas mais elevadas por meio de elos intermediários que se extinguem, e vós dizeis exatamente o mesmo". Mas existe entre ambas as idéias uma diferença para quem possa compreender distinções sutis. Ao processo natural de evolução relacionado à influência de circunstâncias locais e à seleção sexual, não se deve atribuir a produção de formas intermediárias, e este é o motivo pelo qual se toma inevitável que as formas intermediárias sejam de natureza transitória e se extingam. Do contrário, veríamos o mundo repleto de elos perdidos de todas as espécies, aproximando-se ávida animal do gênero humano, por graus claramente visíveis e misturando-se as formas humanas com as dos animais em indistinguível confusão. O impulso à nova evolução de formas superiores é dado, efetivamente, como já indicamos, por ondas de mônadas espirituais que chegam por ciclos num estado apropriado para poder habitar nas novas formas. Estes impulsos de vida superiores rompem a crisálida da forma mais antiga no planeta que invadem,

surgindo uma eflorescência de algo mais elevado. As formas que nada mais fizeram do que se repetir por milhares de anos recomeçam o seu crescimento. Com rapidez relativa, se elevam através das formas intermediárias às formas superiores, e, então, como estas, por sua vez, multiplicam-se com o vigor e a rapidez de todos os novos crescimentos, proporcionam habitações de carne para as entidades espirituais que vão atingindo aquele estado ou plano de existência, enquanto que para as formas intermediárias



não

existem

mais

moradores

que

as

exijam.

Assim,

inevitavelmente, elas se extinguem. Desse modo consuma-se a evolução, no que se refere a seu impulso essencial, por meio de um progresso em espiral através dos mundos. Na exposição desta idéia, antecipamos em parte o enunciado de outro fato relevante, como auxílio para corrigir opiniões sobre o sistema do mundo a que pertencemos. Trata-se do fato de que a maré de vida — a onda de existência, o impulso espiritual, chame-se como quiser — passa de planeta a planeta por vagas ou golfadas, e não como uma corrente contínua. No intuito de ilustrar no momento essa idéia, o processo é comparável à operação de encher uma série de orifícios ou de tubos fincados no chão, como são vistos algumas vezes na boca de nascentes pouco férteis, os quais são unidos uns aos outros por meio de pequenos canais superficiais. À medida que brota a corrente do manancial é, no início, inteiramente recolhida pelo primeiro orifício, ou tubo A, e apenas quando este está completamente cheio, a corrente contínua de água que brota da fonte, ao extravasar, passa a encher o tubo B. Este, ficando cheio, transborda pelo canal em direção ao tubo C. E assim sucessivamente. Pois bem, embora uma analogia tão tosca como esta certamente não nos leve muito longe, esclarece, no entanto, a evolução da vida numa cadeia de mundos como a que pertencemos. E esclarece até mesmo a evolução dos próprios mundos.

Porquanto, o processo que ocorre não implica a preexistência de uma cadeia de globos que a Natureza se encarrega de encher com vida, mas sim num processo em que a evolução de cada um dos globos é o resultado de evoluções prévias e a conseqüência

de

certos

impulsos

provenientes

de

seu

predecessor

na

superabundância de seu desenvolvimento. Agora vamos estudar a característica do processo a ser descrito, mas para isso devemos imaginar que recuamos no tempo, a um período anterior no desenvolvimento de nosso sistema, muito anterior ao que trata nosso assunto na atualidade, ou seja: a evolução do homem. É evidente que tão logo comecemos a falar de princípios de mundos, nos ocupemos de fenômenos que têm muito pouco a ver com a vida, tal como a entendemos, e, portanto, pode-se supor que eles nada têm a ver com os impulsos da vida. Mas voltemos por etapas. Atrás do resultado humano do impulso de vida existe o resultado das meras formas animais, como qualquer um compreende. Atrás desta, permanecem as formas meramente vegetais — pois algumas delas antecederam indubitavelmente a aparição da primitiva vida animal no planeta. Além disso, antes das organizações vegetais, existiam as minerais — visto que até um mineral é produto da Natureza, evolução de algo existente atrás dela, como deve ser toda a manifestação imaginável da Natureza — até que, na imensa série das manifestações, a inteligência chega, retrocedendo, ao Imanifesto princípio de todas as coisas. Não nos ocupamos agora da metafísica pura dessa espécie. Basta-nos demonstrar que é tão razoável para nós — se de alguma forma queremos falar desses assuntos — conceber um impulso de vida gerando formas minerais, como considerar que, mercê de impulso idêntico, uma raça de macacos eleva-se a uma raça de homens rudimentares. A ciência oculta remonta muito mais atrás, em sua inexaurível análise da evolução, do que ao período em que os minerais começaram a aparecer. No

processo de desenvolver mundos do seio ígneo das nebulosas, a Natureza começa com algo mais primitivo que os minerais — começa com as forças elementares que são subjacentes aos fenômenos da Natureza, tais como os sentidos do homem os percebe. Mas pode-se prescindir, no momento, desta parte do assunto. Tomemos o processo no período em que o primeiro mundo da série — vamos denominá-lo globo A — é somente uma massa informe de formas minerais. Pois bem, recorde-se que o globo A foi descrito como muito mais etéreo, mais dominado pelo espírito, mais livre de matéria do que o globo em que habitamos na atualidade. Assim, devemos fazer grande concessão quanto a esse estado de coisas, quando pedimos ao leitor que o imagine, no seu princípio, como mera massa informe de formas minerais. As formas minerais podem ser minerais no sentido de não pertencerem as formas superiores do organismo vegetal e podem ser, ainda, muito imateriais, quanto ao que consideramos como matérias, muito etéreas, constituídas por uma fina ou sutil qualidade da matéria em que o outro pólo ou característica da Natureza, o espírito, amplamente predomina. Os minerais, que tentamos descrever, são, por assim dizer, os espectros dos minerais. Não são os perfeitos, belos e duros cristais apresentados pêlos gabinetes mineralógicos deste mundo. Nestas espirais inferiores da evolução, de que agora nos ocupamos, do mesmo modo que nas superiores, existe o progresso de um mundo a outro, e este é o grande ponto a que visamos. Discorrendo para baixo, por assim dizer, existe o progresso em acabamento, materialidade e consistência, depois, novamente o progresso também para cima na espiritualidade, combinado com a perfeição que a matéria ou a materialidade atingiu na descida. Ver-se-á que o processo de evolução relacionado com o homem, em seus estados superiores, prossegue exatamente pelo mesmo procedimento. Na verdade, há de se verificar que, em todos esses estudos,

um processo da Natureza tipifica o outro, que o grande é a repetição do pequeno em maior escala. Torna-se evidente, pelo que antes afirmamos, e a fim de que sejam explicados os progressos dos organismos do globo A, que o reino mineral não desenvolverá o reino vegetal no globo A até que receba um impulso de fora, do mesmo modo que a Terra não pôde desenvolver o Homem do macaco até que recebeu o impulso de fora. Mas não seria agora conveniente retroceder à consideração dos impulsos que funcionam no globo A, no início da construção do sistema. Remontamo-nos bem atrás, a fim de poder avançar com mais facilidade, desde um remotíssimo período mais longínquo do que aquele do qual agora retrocedemos. Recuar mais modificaria por completo o caráter desta exposição. Devemos deter-nos em alguma parte. Por enquanto, o melhor será admitir como certos os impulsos de vida atrás do globo A. Detendo-nos neste ponto, vamos examinar, de modo bem sucinto, o enorme período existente entre a época mineral do globo A e a época do homem, voltando assim ao problema principal que temos diante de nós. O que já foi dito facilita a abordagem da evolução interposta. O pleno desenvolvimento da época mineral do globo A prepara terreno para o desenvolvimento vegetal. Tão logo este se inicia, o impulso da vida mineral inunda o globo B. Quando o desenvolvimento vegetal no globo A é completo e inicia-se o desenvolvimento animal, então o impulso de vida vegetal inunda o globo B e o impulso mineral passa ao globo C. Finalmente chega o impulso da vida humana ao globo A. Nesta altura, é preciso precaver-nos contra um erro em que podemos incorrer. Tal como foi descrito aproximadamente, o processo comunica a idéia de que,

quando o impulso humano começou no globo A, o impulso mineral está começando no globo D, e que além dele existia o caos. Isso está longe da verdade, por duas razões. Em primeiro lugar, como já se disse, existem processos de evolução que antecedem a evolução mineral, e assim ocorre que uma onda de evolução, na verdade várias ondas de evolução, precedem à onda mineral em seus progressos em volta das esferas. Além disso, existe um fato, que devemos expor, por ter essa influência no curso dos acontecimentos, e que, uma vez entendido, nos revela que o impulso de vida passou várias vezes completamente ao redor de toda a cadeia de mundos, antes de principiar o impulso humano no globo A. Este fato é o seguinte: cada um dos reinos da evolução, o vegetal, o animal e assim por diante, está dividido em várias camadas dispostas em espiral. As mônadas espirituais — ou seja, os átomos individuais daquele imenso impulso de vida, de que tanto se falou — que não completam plenamente a sua existência mineral no globo A, completam-na depois no globo B, e assim por diante. Elas passam várias vezes ao redor do círculo completo como minerais. Depois, várias vezes como vegetais e várias vezes como animais. De propósito nos abstemos, por enquanto, de entrar em números, porque convém apresentar primeiramente o esboço do esquema em termos gerais. Mas, cifras relativas a esses processos já foram divulgadas ao mundo pêlos Adeptos do ocultismo. Por enquanto, para nós, o esboço deverá ser suficiente. Temos agora o homem rudimentar, iniciando a sua existência no globo A, naquele mundo em que todas as coisas são como que espectros correspondentes às coisas deste mundo. Ele começa a sua longa descida na matéria. O impulso de vida de cada "Ronda" transborda, formando-se as raças de homens em graus diferentes de perfeição em todos os planetas, cada um por sua vez. Mas as Rondas são mais complicadas em seu modo de ser do que esta explicação poderia mostrar,

se nos detivéssemos aqui. O processo para cada mônada espiritual não é meramente uma passagem de planeta a planeta. Dentro dos limites de cada planeta, cada vez que chega a ele, ocorre um complicado processo de evolução. Encarna-se muitas vezes nas raças sucessivas de homens antes de ir para a frente e, mesmo, está sujeita a muitas encarnações em cada uma das grandes raças. Ao se avançar mais, há de se ver que este fato lança um facho de luz sobre o estado atual do gênero humano, tal como o conhecemos, explicando as imensas diferenças de inteligência, de moralidade e mesmo de bem-estar, em seu sentido mais elevado, tudo o que aparece em geral tão dolorosamente misterioso. O que tem um começo definido, em geral, também tem um fim. Assim como mostramos que o processo evolucionário, antes descrito, começa quando certos impulsos atuam pela primeira vez, da mesma forma infere-se que tendem para um fim, para um objeto final. Assim é, embora esta meta esteja ainda longínqua. O homem, tal como o conhecemos nesta Terra, está apenas a meio caminho do processo evolucionário a que deve seu desenvolvimento atual. Ele será muito maior, antes que o destino de nosso sistema se tenha cumprido, do que o é agora, assim como na atualidade ele é muito maior do que o chamado elo perdido. Esse aperfeiçoamento ocorrerá nesta Terra mesmo, enquanto nos outros mundos da série ascendente existem ainda outros ápices de perfeição para serem escalados. Imaginar a espécie de vida que terá o homem, por último, antes de atingir o zênite do grande ciclo, está completamente fora do alcance de faculdades não acostumadas ao discernimento dos mistérios ocultos. Mas já há bastante o que fazer com os pormenores do esboço que agora apresentamos ao leitor, antes de tentarmos prever as vidas para as quais a evolução se dirige nos imensos abismos do futuro.

COMENTÁRIOS Há uma expressão no capítulo anterior que não se coaduna com algumas noções mais completas que pude adquirir sobre o assunto, depois de haver escrito este livro. Afirma-se que "as mônadas espirituais — os átomos individuais daquele imenso impulso de vida, sobre o qual tanto se tem falado —, que não completam inteiramente sua existência mineral no globo A, completam-na depois no globo B, e assim por diante. Elas passam várias vezes ao redor de todo o círculo como minerais; depois, várias outras vezes em torno do mesmo, como vegetais, etc." Agora compreendo que me foi permitido empregar esta forma de expressão no primeiro caso, porque o principal propósito era elucidar o modo como a entidade humana se desenvolvia gradualmente, devido aos processos da Natureza, agindo a princípio nos reinos inferiores. Mas, na verdade, uma vez que se chega a um grau de investigação mais amplo, torna-se claro que o vasto processo (cujo coroamento é a evolução da humanidade e de tudo o que conduz a ela, isto é, a descida do espírito na matéria) não produz uma diferenciação de individualidades até um período muito posterior ao que se observa no parágrafo antes citado. Nos mundos minerais em que as formas superiores da planta e da vida animal não foram estabelecidas ainda, não existe nada que se pareça a uma mônada individual e espiritual, a menos que seja, na verdade, por meio de alguma unidade inconcebível — inconcebível, mas sujeita a ser tratada como outra teoria qualquer nos impulsos de vida destinados a originar as cadeias ulteriores de existência de uma organização elevada. Assim como, em nota anterior, pressupusemos a unidade desse impulso de vida, no caso de um Ego humano pervertido, lançado como entidade completa fora da corrente da evolução em que havia entrado, podemos igualmente supor a mesma unidade como existente nos primeiros albores da cadeia planetária. Mas isto não

passa de uma hipótese que nos dá certa garantia, reservando-nos o direito de indagar depois alguns mistérios, dos quais não necessitamos tratar no momento. Para apreciar de modo geral o assunto, é melhor considerar a primeira infusão do espírito na matéria, como provocadora de uma manifestação homogênea. As formas específicas do reino mineral, os cristais e as rochas diferenciados são bolhas daquela massa fervente, assumindo parcialmente formas individualizadas por certo tempo e confundindo-se outra vez com a substância geral do crescente cosmos, não se tratando ainda de verdadeiras individualidades. Nem sequer no reino vegetal começa a individualidade. O reino vegetal estabelece a matéria orgânica em manifestação física e prepara o caminho para a evolução superior do reino animal. Neste, pela primeira vez, mas unicamente em suas regiões superiores, é evocada a verdadeira individualidade. Portanto, até que contemplemos na imaginação a passagem do grande impulso de vida ao redor da cadeia planetária, no nível da encarnação animal, até aí não seria estritamente justificável falar das mônadas espirituais que se movem em volta do círculo, como uma pluralidade a que o pronome "elas" pudesse ser aplicado com propriedade. É evidente que os Adeptos, autores da doutrina exposta neste volume, não revelaram o tema da cadeia planetária com a intenção de encorajar nenhum estudo íntimo da evolução na mesma grande escala em que aqui aparece exposta. Em tudo o que se refere à humanidade, o período em que a Terra estará ocupada por nossa raça é mais do que suficiente para absorver nossa energia especulativa. A magnitude do processo evolucionário, que se verifica durante esse período, é mais do que suficiente para pôr à prova as faculdades da imaginação comum. No entanto, é sumamente vantajoso para os estudantes da doutrina oculta, para que compreendam de uma vez a pluralidade de mundos em nosso sistema — suas

íntimas relações entre si e a interdependência mútua — antes de concentrar a atenção na evolução deste único planeta. Pois em muitos aspectos a evolução de um único planeta segue uma rotina análoga à rotina que afeta toda a série de planetas a que pertence. Os antigos escritos sobre a ciência oculta, de linguagem obscura, referem-se algumas vezes aos estados sucessivos do mundo como se indicassem mundos sucessivos, e vice-versa, causando confusões para o leitor que, conforme a tendência a que se incline, adere a determinadas interpretações de linguagem nebulosa. A obscuridade desaparece, porém, quando compreendemos que, nos fatos atuais da Natureza, temos de reconhecer ambos os procedimentos de mudança. Enquanto habitado pela humanidade, cada planeta passa por uma metamorfose de caráter altamente importante e transcendente, cujo efeito em cada um dos casos pode ser encarado quase como equivalente à reconstituição do mundo. Mas não é menos certo que, se a série completa dessas mudanças for tratada como uma unidade, esta pertencerá, como tal, a uma série de mudanças mais elevada. Os vários mundos da cadeia são realidades objetivas e não símbolos de mudança em um mundo único e variável. Outras observações sobre este ponto principal estarão com mais propriedade no lugar que lhes corresponde no final de um dos próximos capítulos.

4. OS PERÍODOS DO MUNDO

Num primeiro relance pela doutrina oculta, observa-se uma ilustração notável das uniformidades da Natureza, quanto ao desenvolvimento do homem na Terra. O contorno do plano é tal qual o contorno do plano mais compreensível de toda a cadeia de mundos. Os pormenores internos deste mundo, por suas unidades de construção, equivalem aos pormenores internos do organismo maior, de que este mundo é apenas uma unidade. Isto significa que o desenvolvimento da humanidade nesta Terra se efetua por meio de ondas sucessivas de desenvolvimento, que correspondem aos sucessivos mundos da grande cadeia planetária. A grande maré da vida humana — segundo o que já foi descrito — percorre em volta do círculo inteiro de mundos em ondas sucessivas. Achamos conveniente denominar Rondas os primeiros crescimentos da humanidade. Não devemos esquecer que as unidades individuais constitutivas de cada Ronda por turno são sempre as mesmas, no que se refere a seus princípios superiores. Assim, as individualidades na Terra durante a Ronda número um voltam outra vez a ela, depois de completarem suas jornadas ao redor de toda a série de mundos, constituindo a Ronda número dois, e assim sucessivamente. Mas o ponto a que se deve dar atenção especial é que a unidade individual, chegando a um dado planeta da série, no decorrer de qualquer das Rondas, não entra em contacto simplesmente com o planeta, passando ao próximo. Pois, antes de passar a outro planeta, tem de viver por toda uma série de raças neste planeta. Este fato sugere o esboço da construção que logo há de se desenvolver na mente do leitor, exibindo aquela semelhança de contorno por parte de um mundo, ao ser comparado com a série inteira, para a que já se chamou a atenção. Assim como o esquema completo da Natureza a que pertencemos se

desenvolve por meio de uma série de Rondas que passam através de todos os mundos, assim também o desenvolvimento da humanidade, em cada um dos mundos, resulta de uma série de raças desenvolvidas por turno, dentro dos limites de cada mundo. Já é tempo de esclarecer de que modo funciona esta lei, ocupando-nos dos números que efetivamente representam um papel na evolução de nossa doutrina. Seria apressado iniciar por eles nossa explicação, mas uma vez bem entendida a idéia de um sistema de mundos em cadeia e a idéia da evolução da vida em cada um desses mundos, por meio de uma série de renascimentos, o exame posterior das leis em funcionamento será, em grande parte, facilitado pela referência ao número de mundos e raças necessários para realizar toda a finalidade do sistema. Mas se deve ter presente que a duração inteira do sistema é certamente limitada no tempo, como o é a vida de um homem. Provavelmente não limitada a determinado número de anos, fixado irrevogavelmente desde o início, mas tudo o que tem um princípio se encaminha para um fim. A vida do homem, prescindindo de todos os acidentes, é um período findável e a vida do sistema mundial conduz a uma consumação final. Os vastos períodos de tempo, com relação à vida de um sistema mundial, em geral ofuscam a imaginação; mas apesar de tudo são mensuráveis e divisíveis em subperíodos de vários tipos e estes têm um número definido. Por um instinto profético, Shakespeare tomou o número 7 como o que convinha à sua fantástica classificação das idades do homem, o que constitui uma questão sobre a qual não precisamos nos preocupar. O certo, porém, é que não poderia haver feito uma escolha mais feliz. A evolução das raças humanas pode ser delineada em períodos de sete em sete, e o número preciso de mundos objetivos que constituem o nosso sistema, e dos quais a Terra é um deles, é também de sete.

Tenha-se em mente que os sábios oculistas conhecem isso como um fato, assim como os físicos admitem como um fato que o espectro consta de sete cores e a escala musical de sete tons. Existem sete reinos na Natureza, e não três como a ciência moderna os classificou incorretamente. O homem pertence a um reino nitidamente separado do dos animais, incluindo seres de grau mais alto de organização que aquele com que a humanidade nos familiarizou até agora. Abaixo do reino mineral existem outros três, sobre os quais a ciência ocidental nada conhece; mas esta parte do assunto pode, no momento, ser deixada de lado, pois apenas a mencionamos para demonstrar a operação regular da lei setenária da Natureza. O homem — voltando ao reino que mais nos interessa — evolui numa série de Rondas (progressões em volta da série de mundos) e sete delas têm de se efetuar antes que os destinos de nosso sistema se cumpram. A Ronda em que nos encontramos na atualidade é a quarta. Existem considerações do mais alto interesse relacionadas com conhecimentos exatos sobre estes pontos, porque cada Ronda está especificamente destinada ao predomínio de um dos sete princípios do homem, e na ordem regular de sua gradação ascendente. Uma unidade individual, que chega a um planeta pela primeira vez no curso de uma Ronda, tem de evoluir pelas sete raças daquele planeta antes de passar ao próximo, e cada uma destas raças habita a Terra durante longo tempo. Nossas antiquadas especulações a respeito do tempo e da eternidade, sugeridas pelos vagos sistemas religiosos do Ocidente, nos levaram a adotar uma curiosa atitude de pensamento, com relação aos problemas relativos à duração desses períodos. Falamos da eternidade de modo volúvel e, dirigindo-nos ao outro extremo da escala, não nos impressionam os milhares de anos, mas assim que os anos são numerados

com exatidão em grupos correspondentes a conceitos determinados, os ilógicos teólogos ocidentais tendem a reputar como disparates essas numerações. Pois bem, nós que vivemos atualmente nesta Terra — ou seja, o grosso da humanidade, pois há casos excepcionais que abordaremos mais tarde — estamos na quinta raça de nossa presente quarta Ronda. Entretanto, a evolução dessa quinta raça começou há milhões de anos. Animar-se-ia o leitor, considerando o fato de que a cosmogonia atual não reconhece a sua atuação na eternidade, a ocupar-se com as estimativas que se referem a milhões de anos, dispondo-se até mesmo a contá-los como se fossem números dignos de consideração? Cada uma das sete raças que compõem uma Ronda — ou seja, que evoluem sucessivamente na Terra durante sua ocupação pela grande vaga da humanidade que passa em torno da cadeia planetária — está sujeita a subdivisões. Não fosse assim, as existências ativas de cada unidade humana seriam na verdade poucas e distantes entre si. Nos limites de cada raça há sete sub-raças, e nos limites de cada subdivisão há outras sete raças ramais. Por todas estas raças, em termos aproximados, cada unidade humana deve passar durante a sua permanência na Terra, cada vez que chega a ela numa Ronda de progresso através do sistema planetário. Pensando bem, essa necessidade não deveria abalar a mente tanto quanto uma hipótese que estipulasse um número menor de encarnações. Pois, por muitas que sejam as vidas pelas quais cada unidade individual deva passar na Terra em cada Ronda, sejam em maior ou menor número, não pode passar adiante enquanto não chegar o tempo em que a onda circulante avançar para outras regiões. Mesmo pelo cálculo já exposto, ver-se-á que o tempo gasto por cada unidade individual na vida física representa uma pequena fração do tempo total decorrido entre sua chegada à Terra e sua partida para o planeta próximo. A maior

parte do tempo — tal como contamos sua duração — portanto, obviamente transcorre nas condições subjetivas de existência que pertencem ao "Mundos dos Efeitos", ou à Terra espiritual ligada à Terra física, onde se passa a nossa existência objetiva. A natureza da existência na Terra espiritual deve ser considerada pari passu com a natureza da vida passada na Terra física, se relacionando com a enumeração anterior de encarnações da raça. Não devemos esquecer jamais que, entre cada existência física, a unidade individual passa por um período de existência no correspondente mundo espiritual. E como as condições dessa existência são definidas pelo uso que se fez das oportunidades de que se dispunha na existência física precedente, com freqüência se indica a Terra espiritual nos escritos ocultos como o mundo dos efeitos, e a própria Terra como o correspondente mundo de causas. O que naturalmente passa ao mundo dos efeitos, após uma encarnação no mundo das causas, é a unidade individual ou a mônada espiritual; mas a personalidade que acaba de dissolver-se a acompanha na proporção que corresponde aos méritos dessa personalidade — ou seja, de acordo com o uso que esta tenha feito de suas oportunidades na vida. O período que tem de passar no mundo dos efeitos — muito mais longo em cada caso do que a vida que lhe abriu caminho para a existência naquele — corresponde ao "além-mundo", ou seja, o céu da teologia comum. Os estreitos horizontes dos conceitos religiosos vulgares compreendem somente uma vida espiritual e suas conseqüências na vida futura. A teologia supõe que a entidade em questão tem seu princípio nesta vida física e que a vida espiritual seguinte jamais cessará. Esse par de existências, revelado pêlos elementos da ciência oculta que agora estamos expondo, constitui apenas uma

parte da experiência da entidade durante a sua conexão com uma raça ramal, uma das sete pertencentes a uma raça subdivisionária, por sua vez, uma das sete que compõem uma raça principal, esta, uma das sete ocupantes da Terra através de -uma das sete ondas circulantes de seres humanos, as quais devem, cada uma de per si, habitá-la, antes que sejam concluídas as suas missões na Natureza — essa microscópica molécula da estrutura total é o que a teologia comum trata como se fosse mais que o todo, pois supõe que isso abrange a eternidade. Neste ponto devemos prevenir o leitor contra uma conclusão a que poderiam induzi-lo as explicações anteriores — embora exatas para os períodos que abarcam, não abrangem, entretanto, a totalidade do esquema. Ele não obterá o número exato de vidas que uma entidade individual tem de passar na Terra durante sua permanência ali numa Ronda, se simplesmente eleva o número sete à sua terceira potência. Se em cada uma das raças ramais ocorresse unicamente uma existência, o número total seria, obviamente, 343; porém, cada vida desce à objetividade duas vezes, pelo menos, no mesmo ramo — em outras palavras: cada mônada encarna duas vezes em cada raça ramal. Por outro lado, existe uma curiosa lei cíclica que atua para aumentar o número total de encarnações além de 686. Cada uma das sub-raças possui em seu ápice certa vitalidade extra, que a leva a fazer com que brote uma raça ramal adicional naquele ponto de seu progresso, pelo que desenvolve um ramo novo no fim da sub-raça, por assim dizer, em seus derradeiros momentos. Através de todas essas raças passa a onda inteira da vida humana. O resultado é que o número normal de encarnações, para cada mônada, é de quase 800. Este número varia dentro de limites relativamente estreitos, mas as significações desse fato serão consideradas mais adiante.

A lei metódica que conduz a todas e a cada uma das entidades humanas, através do vasto processo evolucionário assim esboçado, não é compatível, de forma alguma, com a possibilidade de cair em destinos anômalos ou na derradeira aniquilação que ameaça as entidades pessoais de gente que cultivou afinidades muito ignóbeis. A distribuição dos sete princípios à morte demonstra isto de modo bastante claro, mas, considerada à luz destas explicações posteriores sobre a evolução, podemos, com mais facilidade, compreender a situação. A entidade permanente é a que vive através da série inteira de vidas, não só das raças, pertencentes à atual onda circulante na Terra, mas também através de todas as outras ondas circulantes e em todos os outros mundos. Expressando em termos gerais, no tempo oportuno, embora num futuro inconcebivelmente distante, se for medido em anos, ela poderá recuperar a recordação de todas essas vidas, que lhe parecerão dias do passado. Mas a escória astral, expelida a cada entrada no mundo dos efeitos, tem existência própria mais ou menos independente, separada por completo da entidade espiritual da qual recentemente se desligou. A história natural dessa escória astral é um problema de grande interesse e importância, mas o prosseguimento metódico de todo assunto exige de nós, à primeira vista, que se compreenda o destino do Ego espiritual mais durável e elevado, e antes ainda de empreendermos esta investigação, cabe analisarmos melhor o desenvolvimento das raças objetivas. Ainda que se interesse por assuntos que geralmente são considerados como pertinentes à religião, a ciência esotérica não seria um sistema tão completo e fidedigno, tal como é, se não conseguisse harmonizar com suas doutrinas todos os fatos da vida terrena. Muito pouco capaz teria sido ela de pesquisar e certificar-se do modo como a raça humana se desenvolveu através de evos de tempo e de séries de

planetas, se não estivesse estado em condições de comprovar também, sempre que a indagação menor está contida na maior, o modo como a onda de humanidade, de que tratamos agora, se desenvolveu nesta Terra. As faculdades, em suma, que permitem aos Adeptos lerem os mistérios dos outros mundos e dos outros estados de existência, não são, de forma alguma, inferiores à tarefa de sondar o passado da corrente de vida deste globo. Disto decorre que, enquanto a rápida lembrança de uns poucos milhares de anos é tudo o que abrange nossa chamada história universal, a história da Terra, que constitui uma divisão da ciência esotérica, compreende os eventos da quarta raça, que precedeu a nossa, e todos os da terceira raça, que precedeu àquela. Na verdade, pode-se remontar ainda mais, mas nem a segunda nem a primeira raça desenvolveram nada que se possa denominar civilização, e, portanto, há menos que dizer delas do que sobre as que as sucederam. A terceira e a quarta é que desenvolveram, por estranho que pareça a alguns de nossos leitores, a noção de civilização na Terra, há vários milhões de anos. Onde estão os seus vestígios? — perguntarão. Como pode uma civilização, com que a Europa dotou presentemente a humanidade, desaparecer tão completamente a ponto de chegar a ser ignorada a sua anterior existência por alguns habitantes futuros da Terra? Como podemos, pois, conceber a idéia de que alguma civilização semelhante tenha desaparecido, sem nos deixar quaisquer registros? A resposta está na rotina regular da vida planetária, que marcha pari passu com a vida de seus habitantes. Os períodos das grandes raças raízes são divididos uns de outros por grandes convulsões da Natureza e por grandes modificações geológicas. A Europa não existia como continente nos tempos de florescimento da

quarta raça. O continente em que a quarta raça viveu não existia quando floresceu a terceira, e nenhum dos continentes que foram os grandes vórtices das civilizações daquelas raças existe na atualidade. Sete grandes cataclismos continentais sobrevêm durante a ocupação da Terra pela onda da vida humana, num período de Ronda. Cada raça é eliminada, desse modo, no tempo predeterminado, ficando alguns remanescentes em outras partes do mundo, que não pertencem à região própria de sua raça; mas esses, de forma invariável nesses casos, mostram uma tendência a degenerar e a reincidir na barbárie com maior ou menor rapidez. A região própria da quarta raça, predecessora direta da nossa, era aquele continente do qual alguma reminiscência foi conservada, até mesmo na literatura exotérica — a desaparecida Atlântida. Mas a grande ilha, de cuja destruição fala Platão, foi efetivamente o último remanescente daquele continente. Foi dito que: "No período Eocênico, na sua primeira parte, o grande ciclo dos homens da quarta raça, os atlantes, já havia atingido o seu ponto mais elevado, e o grande continente, o pai de quase todos os continentes atuais, apresentava os primeiros sintomas de depressão — processo que durou até há 11.446 anos, quando a sua última ilha, que pode ser propriamente chamada Poseidonis, tradução de seu nome indígena, submergiu com um estrondo. "A Lemúria" (um continente mais antigo que se estendia para o Sul, através do que é hoje o Oceano Índico, mas ligado com a Atlântida, pois então a África não existia) "não deve ser mais confundida com a Atlântida, do que a Europa com a América. Ambos os continentes afundaram e foram cobertos pelas águas, com as suas elevadas civilizações e deuses. Porém, entre ambas as catástrofes, decorreu um período de cerca de 700.000 anos, havendo florescido a Lemúria e acabado seu curso de vida, exatamente naquele decurso de tempo anterior ao período inicial da

época Eocênica, visto que a sua raça era a terceira. Contemplai as relíquias daquela que foi antigamente uma grande nação, em alguns dos aborígines de cabeça chata de vossa Austrália." Certo escritor cometeu um equívoco ao escrever recentemente sobre a Atlântida, povoando a índia e o Egito com colônias daquele continente. Sobre isso trataremos em breve. "Por que os vossos geólogos não levarão em conta" — pergunta meu venerado Mahâtmâ instrutor — "que, sob os continentes explorados e sondados por eles, em cujas entranhas encontraram a época Eocênica, forçando-a a entregar seus segredos, permanecem profundamente submergidos nos insondáveis, ou antes, nos insondados leitos do oceano, outros e mais antigos continentes cujas camadas não foram jamais exploradas geologicamente, e que podem algum dia demolir inteiramente as suas atuais teorias? Por que não admitir que os nossos atuais continentes já permaneceram várias vezes submersos, como a Lemúria e a Atlântida, e que tiveram os seus tempos de reaparecer de novo e de sustentar novos grupos de humanidade e de civilização; e que no primeiro grande sublevantamento geológico e próximo cataclismo, na série dos cataclismos periódicos ocorrentes desde o princípio até o fim de cada Ronda, nossos já autopsiados continentes submergirão, aflorando novamente à superfície as Lemúrias e as Atlântidas?" "Certamente, a quarta raça teve os seus períodos de mais alta civilização." (A carta que estou agora citando foi escrita em resposta a uma série de perguntas que eu formulei.) "As civilizações grega, romana e mesmo a egípcia nada são em comparação com as civilizações que começaram com a terceira raça. As da segunda raça não eram selvagens, mas não podiam ser denominadas civilizadas."

"Os gregos e romanos eram pequenas sub-raças e os egípcios uma parte de nosso próprio tronco caucásio. Considerai estes últimos e a índia: tendo atingido a civilização mais elevada e, o que é mais, a ciência, decaíram. O Egito, como subraça diferenciada, desapareceu por completo (seus coptas são apenas um remanescente híbrido). A índia, como um dos primeiros e mais poderosos brotos da raça mãe e composta de certo número de sub-raças, permanece ainda hoje lutando para conquistar de novo, " algum dia, o seu lugar na história. A história só possui uns poucos desgarrados e nebulosos vislumbres do Egito de há 12.000 anos, época em que, tendo alcançado o ápice de seu ciclo milhares de anos antes, começou a sua decadência." "Os caldeus haviam chegado ao apogeu de sua fama oculta antes do que chamais a Idade do Bronze. Nós sustentamos que existiram civilizações muito maiores que as vossas, que se erigiram e decaíram — contudo, que garantia podeis mostrar ao mundo de que afirmamos a verdade? Não basta dizer, como o fazem alguns de vossos modernos escritores, que existiu uma civilização extinta antes que Roma e Atenas fossem fundadas. Asseveramos que existiu uma série de civilizações, tanto antes como depois do período glacial, que ocuparam diversos pontos do globo, alcançaram o cume da glória e morreram. Todo vestígio e lembranças das civilizações assíria e fenícia tinham sido perdidos, até que há poucos anos começaram a ser feitas descobertas. E agora elas abrem uma nova página na história, embora não uma das mais primitivas da história da humanidade. Entretanto, a que épocas tão afastadas remontam essas civilizações em comparação com as mais antigas conhecidas, ainda àquelas, a história se mostra relutante em aceitar. A arqueologia tem demonstrado suficientemente que a memória do homem remonta no passado a idades mais recuadas que as que a

história tem desejado admitir e os anais sagrados de nações, antigamente poderosas, conservados por seus herdeiros, são ainda mais dignos de crédito. Falamos de civilizações do período pré-glacial, e a pretensão parece absurda, não só à inteligência comum e profana, mas até à opinião do geólogo de alta erudição. O que dizer, então, de nossa afirmativa de que os chineses — refiro-me aos do interior, aos verdadeiros

chineses, não à mistura híbrida entre a quarta e a quinta raças,

que na atualidade ocupa o trono3 — cujos aborígines pertencem em sua não mesclada nacionalidade integralmente ao último e mais elevado ramo da quarta raça, chegaram a seu mais alto grau de civilização quando a quinta raça apenas aparecia na Ásia? Quando foi isto? Fazei a conta. O grupo de ilhas descoberto por Nordenskiold, com Vega, foi encontrado coberto de fósseis de cavalos, ovelhas, bois, etc., entre gigantescas ossadas de elefantes, mamutes, rinocerontes e de outros monstros pertencentes a períodos em que o homem, segundo vossa ciência, ainda não havia feito a sua aparição na Terra. A que se deve o achado de cavalos e carneiros na companhia dos enormes antediluvianos?" "A região agora desaparecida no inverno eterno, inabitada pelo homem — o mais débil dos animais — logo se comprovará que não só teve um clima tropical, coisa que vossa ciência sabe e não refuta, mas também que igualmente foi a sede de uma das mais antigas civilizações da quarta raça, cujos mais importantes vestígios encontramos agora no chinês degenerado, cujos restos mais ínfimos estão misturados, sem esperança de serem diferenciados (pelos cientistas profanos) dos restos da terceira raça. Disse-vos antes que o mais elevado povo (espiritualmente) existente hoje na Terra pertence à primeira sub-raça da quinta raça raiz e é constituído por arianos asiáticos; e que a raça mais elevada (no intelecto físico) é a última sub-raça da quinta — ou seja: vós mesmos, os conquistadores brancos. A 3

Refere-se à Dinastia dos Ch'ing (1644-1912), quando o trono chinês foi ocupado pelos mandchus. (N. T.)

maior parte da humanidade pertence à sétima sub-raça da quarta raça raiz — as mencionadas anteriormente: os chineses, seus ramos e brotos (malaios, mongóis, tibetanos, javaneses, etc.) — com restos de outras sub-raças da quarta e da sétima sub-raça da terceira raça. Todas essas decaídas e degradadas formas da humanidade são a descendência por Unha direta de nações altamente civilizadas, das quais nem nomes nem reminiscências sobreviveram, exceto em Evros como Populvuh, o livro sagrado dos guatemaltecos e alguns outros desconhecidos à ciência." Eu me perguntara se havia meio de explicar o que parece ser o impulso curioso do progresso humano nos últimos dois mil anos, se comparado com o estado de relativa estagnação do povo da quarta raça desde o início do progresso moderno. Essa pergunta foi a que despertou as explicações antes citadas e também as seguintes observações relativas ao recente "impulso do progresso humano". "É o final de um ciclo muito importante. Cada Ronda, cada raça, assim como cada sub-raça, tem os seus grandes e os seus pequenos ciclos em cada um dos planetas pêlos quais a humanidade passa. Nossa humanidade da quarta Ronda tem o seu grande ciclo, o mesmo acontecendo com as suas raças e sub-raças. O 'curioso ímpeto' deve-se ao duplo efeito do primeiro — o princípio de seu curso descendente — e do último (o pequeno ciclo de vossa sub-raça) arremessando-se para seu ápice. Lembrai-vos de que pertenceis à quinta raça; entretanto, sois tão-só uma sub-raça ocidental. Apesar de vossos esforços, o que chamais de civilização está restrito unicamente à última e a seus descendentes na América. Ao irradiar em torno de si, pode parecer que a sua luz enganosa lance os seus raios a maior distância do que em verdade o faz. Não existe ímpeto algum na China, e do Japão fazeis apenas uma caricatura."

"Um estudante de ocultismo não deve falar do estado estagnado do povo da quarta raça, visto que a história quase nada sabe sobre esse estado, 'até o início do progresso moderno' de outras nações, a não ser as ocidentais. O que sabeis da América, por exemplo, antes da invasão daquela região pêlos espanhóis? Menos de dois séculos antes da chegada de Cortês, ocorreu ali um grande ímpeto para o progresso entre as sub-raças do Peru e do México, como ocorre na atualidade na Europa e nos Estados Unidos. Sua sub-raça terminou com o aniquilamento quase completo, por causas produzidas por si mesma. Podemos falar tão-só do estado 'estagnado' em que, de acordo com a lei de desenvolvimento, crescimento e maturidade caem cada raça e sub-raça durante os períodos de transição. Deste último estado é o que vossa história universal tem conhecimento enquanto permanece soberbamente ignorante do estado em que até mesmo a índia se achava há uns dez séculos. Vossas sub-raças agora se, precipitam para o ápice de seus ciclos respectivos, e vossa história não remonta além dos períodos de decadência de outras poucas sub-raças, pertencentes em sua maior parte à anterior quarta raça." Eu também me perguntara a que época pertencera a Atlântida e se o cataclismo pelo qual foi destruída sobreveio num ponto determinado do progresso da evolução, correspondente ao desenvolvimento das raças e ao obscurecimento dos planetas. A resposta foi: "Na era Miocênica. Tudo ocorre em seu tempo e lugar devidos, na evolução das Rondas. De outra forma seria impossível, para o melhor dos videntes, calcular a hora exata e o ano em que tais cataclismos, grandes e pequenos, têm de ocorrer. Tudo o que um Adepto poderia fazer seria prognosticar o tempo aproximado, enquanto o que efetivamente sucede é que os acontecimentos que resultam em

grandes mudanças geológicas podem ser prognosticados com certeza tão matemática, como os eclipses e outras revoluções no espaço. A submersão da Atlântida (o grupo de continentes e ilhas) começou durante a era Miocênica — do mesmo modo como alguns de vossos continentes, observa-se agora, estão afundando gradualmente — tendo seu ponto culminante com o desaparecimento final do continente maior, evento coincidente com a elevação dos Alpes, terminando com o desaparecimento das belas ilhas mencionadas por Platão. Os sacerdotes egípcios de Saís contaram a Sólon que a Atlântida (ou seja, a única grande ilha restante) perecera há 9.000 anos. Este não era um dado imaginário, visto que eles haviam conservado os seus anais com grande zelo por milênios. Mas nesse caso, como disse, eles se referiam a Poseidonis, não querendo revelar nem mesmo ao grande legislador grego a sua cronologia mais secreta. Como não existem quaisquer razões geológicas para duvidar disso, senão antes há massa de evidências em prol da tradição, a ciência aceitou, por fim, a existência do grande continente e arquipélago, e assim deu fundamento de verdade ao que se pensava ser mais uma 'fábula'." "A proximidade de cada novo obscurecimento é sempre marcada por cataclismos de fogo ou de água. E cada raça raiz é cortada, por assim dizer, ou por fogo, ou por água. Assim, tendo chegado ao ápice de seu desenvolvimento e glória da quarta raça, os atlantes foram destruídos pela água. Encontrareis agora somente os seus degenerados restos cujas sub--raças, entretanto, tiveram cada uma seus dias gloriosos e a sua relativa grandeza. O que eles são agora, vós o sereis algum dia, pois a lei dos ciclos é una e imutável. Quando a vossa raça, a quinta, tiver chegado ao zênite de sua intelectualidade física e desenvolvido a sua mais alta civilização (lembrai da diferença que estabelecemos entre a civilização material e a

espiritual), incapaz de elevar-se mais em seu próprio ciclo, seu progresso para o mal absoluto será detido (como o de seus antecessores, os lemurianos e os atlantes, os homens das terceira e quarta raças foram-no em seu progresso) por uma dessas mudanças cataclísmicas, sua grande civilização será destruída e todas as sub-raças da raça irão declinando em seus respectivos ciclos, após um breve período de glória e conhecimento. Contemplai os restos dos atlantes, os antigos gregos e romanos (os modernos pertencem à quinta raça). Contemplai quão grandes, quão rápidos e passageiros foram os seus dias de fama e de glória. No entanto, eram apenas subraças dos sete brotos da raça raiz4. A nenhuma raça-mãe, como tampouco a suas sub-raças e brotos, lhe é permitido, por uma lei soberana, infringir as prerrogativas da raça ou sub-raça que a seguirá. E menos ainda é permitido usurpar os conhecimentos e poderes em reserva para sua sucessora." O "progresso para o mal absoluto", detido pêlos cataclismos de cada raça por seu turno, começa com a aquisição, por meio da pesquisa intelectual comum e do avanço científico, daqueles poderes sobre a Natureza, que atualmente se desenvolvem no Adeptado, pelo prematuro desenvolvimento de faculdades mais elevadas do que as que comumente empregamos. Falei rapidamente desses poderes, em capítulo anterior, quando tentava descrever os nossos instrutores esotéricos. Descrevê-los minuciosamente conduzir-me-ia a uma longa digressão sobre os fenômenos ocultos. Basta dizer que são de tal natureza que necessariamente seriam perigosos à sociedade em geral e provocariam toda espécie de crimes, que depois desafiariam completamente toda a averiguação, se fossem apropriados por pessoas capazes de considerá-los de qualquer outra forma, em vez de como uma verdade profundamente sagrada. Ora, alguns desses poderes são simplesmente a aplicação prática de forças obscuras da Natureza, suscetíveis 4

Ramos das sub-raças, segundo a nomenclatura que adotei previamente

de descoberta durante o curso do progresso científico comum. Tais progressos haviam sido realizados pelos atlantes. Os profanos de ciência daquela raça haviam aprendido os segredos da desintegração e da reintegração da matéria cuja possibilidade só hoje é admitida por alguns espíritas devido aos fenômenos que têm presenciado, e o domínio sobre os elementais, mediante o qual aquele e outros fenômenos mais portentosos podem se produzir. Esses poderes, em mãos de pessoas desejosas de usá-los apenas para fins egoístas e inescrupulosos, não só seriam causa de desgraças sociais, mas também induziriam essas pessoas a usálos visando àquela malévola exaltação espiritual, o que traria um resultado mais terrível do que os sofrimentos e as provações deste mundo. Conseqüentemente ocorre que, quando a inteligência física, não acompanhada de uma moralidade elevada, se lança à região própria do progresso espiritual, a lei natural provê a sua violenta repressão. A contingência será melhor entendida quando nos ocuparmos dos destinos gerais para os quais tende a humanidade. Desse modo, afirma-se plenamente o princípio pelo qual as várias raças de homens, à medida que se desenvolvem, são coletivamente governadas pela lei cíclica, por mais que exercitem o livre-arbítrio que irretorquivelmente possuem. Para a gente que jamais considerou os assuntos humanos a não ser sob o aspecto do brevíssimo período que a história conhece, o curso dos acontecimentos não apresentará, talvez, como regra geral, qualquer caráter cíclico, porém muito mais um progresso

ininterrupto,

acelerado

algumas

vezes

por

grandes

homens

e

circunstâncias venturosas, outras vezes retardado pela guerra, pela intolerância ou por intervalos de esterilidade intelectual, mas avançando continuamente para diante em seu longo percurso, quer com uma, quer com outra velocidade. Como a opinião esotérica sobre o assunto, fortalecida por um amplo raio de observação em que

opera a ciência oculta, possui tendência inteiramente oposta, parece-nos que vale concluir estas explicações com um trecho de um autor eminente, bem alheio ao mundo oculto, que entretanto se pronuncia decididamente a favor da teoria dos ciclos, como resultante da íntima observação dos simples registros históricos. Em sua História do desenvolvimento intelectual da Europa, o Dr. J.W. Draper escreve o que segue: "Somos, como freqüentemente dizemos, filhos das circunstâncias. Há nesta expressão uma filosofia mais elevada do que parece à primeira vista... Do ponto de vista mais exato, devemos, pois, considerar o curso desses acontecimentos reconhecendo o princípio de que os assuntos dos homens avançam de modo determinado, dilatando-se ou desenvolvendo-se. Daqui vemos que as coisas sobre as quais falamos como se fossem matéria de escolha, eram, na verdade, impostas a seus aparentes autores pela necessidade dos tempos. Porém, realmente, devem ser consideradas como apresentação de uma certa fase de vida que as nações, em seu curso, assumem logo ou mais tarde. No plano individual, sabemos que a moderação sóbria na ação, a postura grave de conduta, pertence ao período de maturidade na vida, que é uma modificação da licenciosa obstinação da juventude e que pode ser provocada ou introduzida por muitos incidentes causais; seja, talvez, por desolações domésticas, seja por perda da fortuna, ou ainda por falta de saúde. Não cometemos o erro de atribuir a mudança de caráter a essas experiências; mas nunca nos podemos enganar a ponto de supor que essa mudança teria deixado de existir se esses incidentes não ocorressem. De permeio a todas essas vicissitudes circula um irresistível destino... Existem analogias entre a vida de uma nação e a de um indivíduo, o qual, embora de certo modo seja o autor de sua própria sorte, para a felicidade ou para desgraça, onde quer que ele vá, ao sabor de suas inclinações,

quer faça ou se abstenha disto ou daquilo, segundo prefira, está contudo agrilhoado a um destino inexorável - um destino que involuntariamente o trouxe ao mundo, no que diz respeito à sua vontade, que o compele para diante através de um curso definido cujos graus são absolutamente invariáveis, a saber: infância, meninice, juventude, maturidade, velhice, com as suas ações e paixões características; e que o faz desaparecer de cena no tempo devido, na maior parte dos casos contra a sua vontade. O mesmo acontece com as nações. O voluntário é unicamente a aparência exterior, cobrindo, embora dificilmente ocultando o que está predeterminado. Sobre os acontecimentos da vida podemos ter certo controle, mas nenhum, seja qual for, sobre a lei de seus progressos. Existe uma geometria que aplica às nações uma equação de sua curva de avanço. A essa nenhum mortal pode tocar."

5. O DEVACHAN

Não seria possível considerar os estados em que os princípios humanos revertem por ocasião da morte, sem indicar primeiramente a estrutura geral do plano completo desenvolvido durante o curso da evolução do homem. Esta parte de minha tarefa, contudo, já foi concluída. Passemos então a refletir sobre os destinos naturais de cada Ego humano no intervalo decorrente entre o término de uma vida objetiva e o começo de outra. Nos princípios desta última, o karma da vida objetiva anterior determina o estado de vida em que o indivíduo nascerá. Esta doutrina do karma é um dos traços mais interessantes da filosofia budista. Com relação a ela, em tempo algum houve segredo, ainda que por falta de compreensão adequada dos elementos de caráter estritamente esotérico ela possa ter sido algumas vezes malcompreendida.

Karma é uma expressão genérica aplicada ao complexo grupo de afinidades para o bem e para o mal, geradas por um ser humano durante a sua vida e cujo caráter é inerente a seu quinto princípio, através de todo o intervalo que decorre entre a sua morte numa vida objetiva e o seu nascimento na próxima. Como já foi exposto, a doutrina parece estabelecer a noção de uma autoridade espiritual superior que resume as ações da vida do homem ao seu término, considerando suas boas e más ações e pronunciando a sua sentença, segundo o aspecto completo do caso. Mas compreensão de como os princípios humanos se dividem, na morte, fornecerá uma chave à interlecção do modo como o karma atua, e também à grande questão do imediato estado espiritual do homem apôs a morte, à qual convém dedicar-nos desde já. Na morte, os três princípios inferiores — o corpo, a sua vitalidade meramente física e a sua correspondente parte astral — são finalmente abandonados pelo que constitui efetivamente o próprio Homem. E os quatro princípios superiores evademse para o mundo imediatamente acima do nosso, ou seja, acima, no que se refere à espiritualidade — não que se situe em cima, mas nele e fora dele, no que diz respeito à localização real — que é o plano astral, ou Kâma-loka, conforme uma expressão sânscrita muito familiar. Nele ocorre uma divisão entre as duas díadas que incluem os quatro princípios superiores. As explicações já dadas anteriormente, com relação ao estado imperfeito de desenvolvimento em que se acham os princípios superiores do homem, evidenciarão que este modo de considerar o processo, como se fosse uma separação mecânica dos princípios, é um modo primário de tratar o assunto. O leitor deve modificar as idéias em sua mente, à luz do que já foi dito. Ele pode ser descrito de outra forma, tomando-o como uma prova da extensão atingida pelo quinto princípio. Encarado à luz da primeira idéia, devemos,

entretanto, conceber, por um lado, o sexto e o sétimo princípios, atraindo o quinto, a alma humana, numa direção, enquanto o quarto, por outro lado, o atrai para a Terra. Ora, o quinto princípio é uma entidade muito complexa, dissociável em elementos superiores e inferiores. Na luta que se trava entre esses princípios, recentemente seus associados, suas porções espirituais superiores, mais puras e mais elevadas, aderem ao sexto, enquanto os seus instintos, os seus impulsos e as suas reminiscências aderem ao quarto. Assim, o quinto princípio, em certa medida, dividese em dois. O resto inferior, associado ao quarto, flutua pela atmosfera da Terra, enquanto os melhores elementos, aqueles, entenda-se bem, que realmente constituem o Ego da última personalidade terrena, a sua individualidade, a sua consciência, seguem o sexto e o sétimo a um estado espiritual cuja natureza vamos examinar. Rejeitando o nome popular usado para este estado espiritual por envolver idéias sumamente errôneas, permita-se-nos conservar a designação oriental daquela região ou estado, ao qual os princípios superiores dos seres humanos passam por ocasião da morte. Sendo isso bem conveniente, pois, se o Devachan da filosofia budista corresponde em alguns dos seus aspectos à moderna idéia européia do céu, difere desta em outros aspectos que são sem dúvida mais importantes. Em primeiro lugar, o que sobrevive no Devachan não é simplesmente a mônada individual, que sobrevive através de todas as mudanças do esquema evolucionário completo e passa de um corpo a outro, de planeta a planeta e assim por diante — na verdade, aquilo que sobrevive, embora com algumas restrições que revelaremos em seguida, é ainda a mesma personalidade autoconsciente do homem na parte que corresponde aos seus sentimentos mais elevados, às suas aspirações,

a seus afetos e até mesmo às suas preferências durante a sua vida na Terra. Talvez fosse melhor dizer que o que sobrevive é a essência da última personalidade autoconsciente. Entrementes será útil ao leitor saber o que o Coronel H. S. Olcott menciona em seu Catecismo budista (14º milheiro) sobre a diferença intrínseca entre "individualidade" e "personalidade". Uma vez que escreveu, não só com a aprovação do Sumo-Sacerdote de Sripada e Galle, Sumangala, mas também sob a instrução direta do seu Guru Adepto, suas palavras são importantes para o estudante de ocultismo. Eis o que ele diz em seu apêndice: "Depois de haver refletido, substituí 'personalidade' por 'individualidade', assim como constava na primeira edição. As sucessivas aparições em uma ou muitas terras ou 'descida à geração' da parte tanhaica5 e coerente (Skandhas) de determinado ser são uma sucessão de personalidades. Em cada nascimento, a personalidade difere da do nascimento anterior e da do próximo nascimento. Karma, o deus ex machina, disfarça-se (ou, devemos dizer, reflete-se?) agora na personalidade de um sábio, outra vez na de um artesão e assim sucessivamente, ao longo da série de nascimentos. Mas embora as personalidades continuamente mudem, o único fio de vida no qual se engastam aquelas sucessivamente, como as contas de um rosário, não sofre interrupções." "Permanece sempre sendo aquela mesma linha ou fio particular, e jamais nenhuma outra. Portanto, é individual, uma ondulação vital individual que se iniciou no Nirvana, ou seja, a região subjetiva da Natureza (assim como a ondulação luminosa ou calorífica através do éter se iniciou em sua fonte dinâmica); transcorre através da região objetiva da Natureza, sob o impulso do karma e da direção criativa de Tanhâ, tendendo, através de muitas mudanças cíclicas, a voltar de novo ao 5

De Tanhâ, ou seja: Desejo insaciável. (W. T.)

Nirvana. Mr. Rhys Davids chama o que passa de personalidade à personalidade ao longo da cadeia individual, de 'caráter' ou 'modo de ser'. Desde que o 'caráter' não é uma abstração puramente metafísica, mas a soma das qualidades mentais e tendências morais de alguém, não ajudaria isso a resolver o que Mr. Rhys Davids denomina 'o desesperado expediente do mistério', se considerarmos a ondulação da vida como individualidade e a cada uma de suas séries de manifestações natais como uma personalidade separada?" "A negação da 'alma' por Buda (veja-se Sanyutto Nikaya, o Sutta-pitaka) 6 assinala a crença dominante e enganosa numa personalidade independente e transmissível; uma entidade que passasse inalterada de nascimento a nascimento, ou passasse a lugar ou estado em que, como entidade perfeita, gozasse ou sofresse eternamente. O que ele evidencia é que a consciência de 'eu sou eu' é, quanto à permanência, logicamente impossível, uma vez que seus elementos constitutivos mudam de forma constante e que o 'eu' de um nascimento diferenciase do 'eu' de cada um dos outros nascimentos. Mas tudo quanto encontrei no Budismo concorda com a teoria de uma evolução gradual do homem perfeito — isto é, um Buda através de inúmeras experiências natais. Na consciência de uma pessoa, que ao término de uma dada cadeia de existências chega ao estado de Buda, conseguindo atingir o quarto grau de Dhyana ou místico desenvolvimento, de qualquer um de seus nascimentos anteriores ao último, as cenas de todos os nascimentos da série são perceptíveis. No Yatakattahavannana, tio bem traduzido por Mr. Rhys Davids, apresenta-se continuamente uma expressão que, a meu ver, antes confirma essa mesma ideia, a saber: 'Então o bem-aventurado tomou manifesto um fato oculto pela mudança de nascimento' ou 'aquilo que tinha sido 6

Segundo o cânone páli, há o Trípitaka, que compreende três partes: o Vinaiapitaka, coleção de regras monásticas, o Suttapitaka, coleção de Sutiãs ou sermões atribuídos a Buda, e o Abidamapitaka, coleção de comentários filosóficos. (M T.)

escondido por, etc.' O primitivo Budismo, portanto, defende claramente a permanência de registros no Akâsa e a capacidade potencial do homem para os ler, quando em sua evolução atingiu o grau da verdadeira iluminação individual." Os sentimentos e gostos puramente sensuais da personalidade passada desagregam-se no Devachan, mas daí não decorre que nada se preserve naquele estado, a não ser sentimentos e pensamentos que se refiram diretamente à religião ou à filosofia espiritual. Ao contrário, todas as fases superiores, mesmo as da emoção sensual, encontram sua adequada esfera de desenvolvimento no Devachan. Para sugerir uma série completa de idéias através de um só exemplo, diremos que uma alma no Devachan, caso seja a alma de um homem apaixonado pela música, permanecerá extasiada, sem interrupção, pelas sensações que a música produz. A pessoa cuja mais elevada felicidade na Terra ficou concentrada no exercício das afeições, não escapará nem um pouco, no Devachan, àqueles a quem ele ou ela amou. Entretanto, ao mesmo tempo se pode perguntar: e se alguns desses não estão num estado apropriado para o Devachan, o que ocorre? A resposta é: pouco importa. Porque para a pessoa que os amou eles estarão ali. Não é preciso dizer muito mais para fornecer a chave da questão. O Devachan é um estado subjetivo. Parecerá tão real quanto nos parecem as mesas e cadeiras que estão em volta de nós. Tenha-se presente que, acima de tudo, para a profunda filosofia do ocultismo, as mesas, as cadeiras e todas as paisagens objetivas do mundo nada têm de reais e são meras ilusões transitórias dos sentidos. Tão reais como as realidades deste mundo para nós, e até mais, serão as realidades do Devachan para aqueles que atingem tal estado. Disto se deduz que o isolamento subjetivo do Devachan, tal como talvez se conceba à primeira vista, não é, de modo algum, um isolamento real, no sentido em

que se entende a palavra no plano físico da existência, mas é a companhia de todas aquelas coisas pelas quais uma alma verdadeira anseia, sejam pessoas, coisas ou sabedoria. Um paciente exame do lugar que o Devachan ocupa na Natureza demonstrará que este isolamento subjetivo de cada unidade humana constitui o único estado que torna possível o conceito de uma feliz existência espiritual, para a humanidade em geral, após a morte. O Devachan é um estado tão puro e tão absolutamente feliz para todos os que o alcançam quanto o Avitchi é o seu contrário. Não existe desigualdade ou injustiça no sistema. O Devachan não é o mesmo para o bom, como para o indiferente, mas não é uma vida de responsabilidade e, portanto, não existe nele logicamente lugar algum para o sofrimento; do mesmo modo que no Avitchi não há lugar para o gozo ou arrependimento. Ê uma vida de efeitos, não de causas. Uma vida em que nos é pago o que ganhamos, sem que tenhamos de trabalhar para isso. Portanto, é impossível, durante essa vida, ter conhecimento do que se passa sobre a Terra, porque tal conhecimento não possibilitaria a verdadeira felicidade no estado de pós-morte. Um céu convertido em torre de vigia, de onde os seus ocupantes observassem as misérias da Terra, seria, na verdade, um lugar de agudos sofrimentos mentais para seus habitantes, dotados dos sentimentos mais simpáticos, altruístas e caritativos. Se em nossa imaginação investimo-lhes com um grau de simpatia tão limitado que, além das pessoas de sua afeição que tivessem ficado, não lhes importasse o espetáculo do sofrimento alheio, ainda assim teriam de passar por um período de espera muito desafortunado, antes que os sobreviventes alcançassem o fim de uma existência, com freqüência longa e árdua. Esta hipótese se agravaria ainda mais, fazendo com que os céus fossem muito penosos para os ocupantes mais generosos e compassivos, que continuariam desse modo se afligindo na presença da atormentada raça humana, mesmo depois que seus

aparentados pessoais estivessem livres pelo transcurso do tempo. A única forma de fugir a este dilema está na suposição de que os céus não estão ainda abertos para o seu caso, por assim dizer, e que todos os mortais, desde Adão até hoje, jazem num sono estático semelhante à morte, esperando pela Ressurreição ao fim do mundo. Também esta hipótese tem seus empecilhos, mas na atualidade tratamos da harmonia científica do Budismo Esotérico, e não das teorias de outras doutrinas. Os leitores, contudo, admitindo que a observação da vida terrena, feita dos céus, tomaria impossível a felicidade neles, podem duvidar mesmo que a verdadeira felicidade seja possível naquele estado, ao qual objetam o monótono isolamento descrito anteriormente. Mas a objeção teria procedência meramente do ponto de vista de uma imaginação que não foge do que a circunda no presente. Comecemos com o que se relaciona à monotonia. Ninguém se lastimará de ter experimentado monotonia durante o minuto, momento, meia hora ou seja o tempo que for, em que gozou a maior felicidade que teve durante sua vida. A maior parte das pessoas teve, de algum modo, momentos felizes, capazes de servir ao objetivo desta comparação. Seja-nos permitido imaginar um minuto ou momento, assaz curto, para dar motivo à menor suspeita de monotonia, e imaginar o prolongamento imenso de suas sensações, sem quaisquer fatos externos que marcassem o decurso do tempo. Nesse estado de coisas, não há lugar para o conceito de enfastiamento. A inalterável e imutável sensação de intensa felicidade segue seu curso, não para sempre, visto que as causas que a produziram não são infinitas em si mesmas, mas, sim, durante períodos muito longos de tempo, até que o impulso ativo se tenha esgotado por si mesmo. Nem tampouco se deve supor que para as almas no Devachan não exista, por assim dizer, mudança nenhuma de ocupação, e que qualquer momento único de

sensação terrena é escolhido para uma perpetuação exclusiva. Eis aqui o que escreve um instrutor da mais elevada autoridade a respeito deste assunto: "Existem dois campos de manifestações casuais — o objetivo e o subjetivo. As energias mais grosseiras, ou seja, as que operam no estado mais denso da matéria, manifestam-se objetivamente em cada próxima vida física, constituindo o seu aparecimento, a nova personalidade de cada nascimento que se conduz dentro do grande ciclo da individualidade em evolução. Apenas as atividades morais e espirituais são as que encontram a sua esfera de efeitos no Devachan. E não existindo limites nem para o pensamento, nem para a imaginação, como se pode questionar, sequer por um momento, que no estado do Devachan exista algo semelhante à monotonia? Poucos são os homens cujas vidas tenham sido tão inteiramente destituídas de sentimentos, amor, ou de uma predileção mais ou menos intensa por determinados pensamentos que sejam inaptos para atingir um período regular de experiência devachânica, após sua vida terrena. Assim, por exemplo, enquanto os vícios, as atrações físicas e sensuais de um grande filósofo, porém mau amigo e homem egoísta, podem acabar no nascimento de uma nova inteligência ainda maior, mas, ao mesmo tempo, no de um homem dos mais miseráveis, que recolhe os efeitos kármicos de todas as causas produzidas pelo 'antigo' ser e que resulta inevitável devido às inclinações dominantes daquele ser no nascimento precedente, o período intermediário entre seus dois nascimentos físicos não pode ser, dadas as excelentemente bem-ajustadas leis da Natureza, senão um hiatus de inconsciência. Não pode existir um vazio tão sombrio como o que a teologia protestante cristã bondosamente promete, ou antes implica para as 'almas que já foram embora', as quais, entre a morte e a 'ressurreição' devem flutuar no espaço, em catalepsia mental, aguardando o 'Dia do Juízo'.

Sendo as causas produzidas por energia espiritual e mental muito maiores e mais importantes do que as criadas pêlos impulsos físicos, seus efeitos têm de ser, por graça ou por desgraça, proporcionalmente grandes. Não oferecendo as vidas, nesta ou em outras terras, campo adequado para tais efeitos, e tendo cada lavrador direito a sua própria colheita, têm de ampliar suas funções, quer no Devachan, quer no Avitchi7. Bacon, por exemplo, a quem um poeta chamou: 'O mais brilhante, o mais sábio, o mais mesquinho dos homens', pode reaparecer em sua próxima encarnação como um ávido avaro, de extraordinárias faculdades intelectuais. Mas, por mais fortes que estas últimas qualidades sejam, não encontrarão campo próprio em que aquela linha particular de pensamento (que foi o objetivo da vida prévia do fundador da filosofia moderna) possa alcançar tudo que lhe é devido. Seria apenas o astuto advogado, o corrompido Procurador-Geral, o amigo ingrato e o desonesto Ministro da Justiça, que poderia encontrar, conduzido por seu karma, um novo terreno apropriado no corpo do prestamista e reaparecer como um novo Shylock8. Mas aonde iria Bacon, o pensador incomparável, para quem a pesquisa filosófica sobre os mais profundos problemas da Natureza foi o seu 'primeiro, último e único amor', aonde iria este 'gigante intelectual de sua raça', uma vez despojado de sua natureza mais inferior? Têm de desvanecer-se e desaparecer todos os efeitos daquela magnífica inteligência? Por certo que não. Assim é que suas qualidades morais e espirituais têm de achar também um campo, em que suas energias possam expandir-se. O Devachan é este campo. Daqui se infere que todos os grandes planos de reformas morais, de pesquisas intelectuais acerca dos princípios abstratos da Natureza — todas as divinas e espirituais abstrações que encheram a parte mais brilhante de sua vida devem frutificar-se no Devachan. É a abstraía 7 8

Os estados inferiores do Devachan se interpenetram com os do Avitchi Personagem literária de Shakespeare, que representa um avarento, na comédia O Mercador de Veneza.

entidade conhecida no nascimento precedente como Francis Bacon, e que pode ser conhecida em sua reencarnação seguinte como um desprezado usurário — criação do próprio Bacon, seu Frankenstein, o filho de seu karma — ocupar-se-á, enquanto neste mundo interno, também sua obra própria, em gozar dos efeitos das grandes causas benéficas e espirituais, semeadas em vida. Viveria uma existência pura e espiritualmente consciente — um sonho de vívida realidade — até que, estando seu karma satisfeito naquela direção e atingindo a ondulação de força a borda de sua área subcíclica, o ser deve atuar em sua seguinte esfera de causa, seja neste mesmo mundo ou em outro, segundo o grau de seu progresso... Portanto, há uma 'mudança de ocupação', uma mudança contínua no Devachan. Porque aquela vidasonho é apenas o gozo, a época da colheita daquelas sementes-germes psíquicas caídas da árvore da existência física em nossos momentos de sonhos e de esperança — vislumbres imaginários de bem-aventurança e de felicidade, sufocados num terreno social ingrato, florescendo na enrubescida aurora do Devachan, e amadurecendo sob seu frutificante céu. Se o homem tivesse tido um único momento de experiência ideal, nem mesmo então poderia ocorrer, como erroneamente se supôs, o prolongamento indefinido daquele 'único momento'. Aquela nota única, arrancada da lira da vida, constituiria a tônica do estado subjetivo do ser e produziria inúmeros e harmônicos tons e semitons de fantasmagoria psíquica. Ali, todas as esperanças, aspirações e sonhos não-realizados se tomam efetivos completamente e os sonhos da existência objetiva convertem-se nas realidades da existência subjetiva. E ali, atrás da cortina de Mâyâ, suas enganadoras e vaporosas aparências são percebidas pelo Iniciado, que aprendeu o grande segredo de como penetrar tão profundamente nos Arcanos do Ser..."

Assim como a existência física possui a sua intensidade cumulativa da infância à virilidade diminuindo sua energia desta à velhice e à morte, do mesmo modo o sonho de vida no Devachan transcorre de modo análogo. Ocorre o primeiro período de vida psíquica, segue depois o aparecimento da virilidade, a perda gradual da força, passando a uma letargia consciente, à semi-inconsciência, ao esquecimento e não morte — mas ao nascimento! — nascimento em outra personalidade e a ressunção da atividade que diariamente origina novas séries de causas, que devem encontrar seus efeitos em outra vida devachânica. "Não é, pois, realidade; é meramente um sonho" — instarão os opositores; "a alma assim embebida em ilusória sensação de gozo, sem realidade nenhuma naquele tempo, é enganada pela Natureza e deve sofrer um terrível choque quando despertar de seu erro". Mas, dada a natureza das coisas, jamais desperta ou pode despertar. O despertar do Devachan é seu próximo nascimento à vida objetiva e o gole do Leteu9 já foi tomado. No que diz respeito ao isolamento de cada alma, nem tampouco existe ali consciência alguma de isolamento, seja o que for; nem é possível ali separar-se de seus associados escolhidos. Estes associados não são da natureza de companheiros que podem desejar ir-se embora, de amigos que podem separar-se, do amigo que os ama, mesmo que este não queira separar-se deles. O amor, a força criadora, colocou a sua imagem viva diante da alma pessoal que anseia por sua presença e aquela imagem jamais fugirá. Neste aspecto da questão, de novo me valho das palavras de meu instrutor: "Os que fazem objeções dessa espécie simplesmente pressupõem uma incongruência, pois outra coisa não é aplicar ao Devachan um tipo de relações que unicamente podem subsistir entre as entidades da existência física! Duas almas 9

* Leteu: relativo ao Letes, o rio do Olvido, à entrada do Hades, ou os Infernos, segundo a mitologia grega. (N. T.)

irmãs, ambas desencarnadas, expressarão cada uma suas próprias sensações devachânicas, fazendo participar a outra de sua felicidade subjetiva. Naturalmente será isso tão real para elas como se ambas estivessem ainda nesta Terra. Contudo, cada uma está dissociada da outra, no que se refere à associação pessoal ou corpórea. Enquanto esta última é a única de sua espécie que é reconhecida por nossa experiência terrena como relação efetiva, para o habitante do Devachan não só seria algo de ilusório, mas não teria para ele existência alguma em nenhum sentido, nem sequer como uma ilusão. Um corpo físico e mesmo um Mâyâvi-rûpa permaneceriam para os seus sentidos espirituais tão invisíveis como o é ele mesmo para os sentidos físicos daqueles que mais o amaram na Terra. Assim é que, embora um dos participantes' estivesse vivo e inteiramente inconsciente desse relacionamento durante seu estado de vigília, entretanto, todo trato com ele seria, para o habitante do Devachan, uma realidade absoluta. E que outra associação efetiva pode existir ali, senão a meramente idealista, como já foi descrita, entre duas entidades subjetivas, que nem sequer são tão materiais como aquele etéreo corpo-fantasma, o Mâyâvi-rûpal Fazer objeção a isso, baseando-se em que alguém é assim 'enganado pela Natureza' e chamá-lo 'uma enganosa sensação de gozo que não tem realidade alguma', é mostrar-se por completo incapaz de compreender os estados de vida e do ser fora de nossa existência material. Pois, como se pode fazer a mesma distinção no Devachan — ou seja, fora dos estados da vida terrena — entre o que chamamos uma realidade e uma contrafação fictícia ou artificial da mesma, neste nosso mundo? O mesmo princípio não pode ser aplicado a dois estados diferentes. É concebível que o que chamamos uma realidade, em nosso estado físico encarnado, possa existir, sob as mesmas condições,'como uma realidade para uma entidade desencarnada? Na Terra, o homem é dual - no sentido

de ser um ente composto de matéria e de espírito —, donde a distinção natural feita por sua mente, o analisador de suas sensações físicas e percepções espirituais, entre uma realidade e uma ficção. Ainda assim, mesmo nesta vida, os dois grupos de faculdades equilibram-se constantemente, e cada grupo, quando prevalece, considera como ficção ou ilusão o que o outro acredita ser o mais real. Mas no Devachan, o nosso Ego deixa de ser dualista, no sentido acima, e se converte em entidade mental e espiritual. Aquilo que durante a vida era uma ficção, um sonho e que só existia na região da 'fantasia', converte-se, sob as novas condições de existência, na única realidade possível. Assim, pressupormos a possibilidade de qualquer outra realidade para um habitante do Devachan é sustentar um absurdo, uma falácia monstruosa, uma idéia antifilosófica no máximo grau. O real é aquilo que é efetivado ou que é exercido de facto: 'A realidade de uma coisa é demonstrada por sua efetividade'. E como no estado devachânico não têm existência possível o imaginário e o artificial, a conseqüência lógica é que tudo o que nele existe é efetivo e real. Além disso, quer porque o sexto princípio encubra os cinco inferiores durante a vida da personalidade, quer porque se ache inteiramente separado dos princípios mais grosseiros devido à dissolução do corpo, de todo modo, o sexto princípio — ou seja, a nossa 'Alma Espiritual' — carece de substância, é sempre Arûpa, e tampouco permanece confinado em um único lugar, com um limitado horizonte de percepções em volta de si. Portanto, quer ele esteja dentro ou fora de seu corpo mortal, sempre é distinto dele e está livre de suas limitações. E se nós chamamos as suas experiências devachânicas 'um engano da Natureza', então não devemos permitir-nos jamais chamar de 'realidade' a nenhum dos sentimentos puramente abstratos que pertencem por completo à nossa alma superior e que ela reflete e assimila — como, por exemplo, um conceito ideal do

belo, a profunda filantropia, o amor, etc., bem como qualquer outra sensação puramente espiritual que, durante a vida de prazer ou dor imensos, enche o nosso ser interno." Devemos lembrar que, pela mesma natureza do sistema descrito, existem infinitas variedades de bem-estar no Devachan, correspondentes às infinitas variedades de mérito no gênero humano. Se "o outro mundo" fosse efetivamente o céu objetivo que a teologia comum predica, haveria ali injustiça e arbitrariedade sem fim além de ineficiência no seu funcionamento. Para começar, os indivíduos teriam de ser admitidos ou excluídos e as diferenças de favorecimento, manifestadas aos diferentes hóspedes na mansão da graça por excelência, não seriam suficientes para compensar as diferenças de mérito nesta vida. Mas o céu verdadeiro de nossa Terra concilia-se por si, com infalível exatidão, às necessidades e aos méritos de todos os que chegam. O céu de cada pessoa, que alcança o céu que realmente existe, ajusta-se exatamente à sua capacidade para dele gozar, não só quanto à duração do estado bem-aventurado, que é determinado pelas causas produzidas durante a vida objetiva, mas também quanto à intensidade e amplitude das emoções constitutivas desse estado de bem-aventurança. É a criação de suas próprias aspirações e faculdades. Seria impossível para os não-iniciados compreender algo além disso. Mas esta indicação de seu caráter basta para mostrar quão perfeitamente se adapta ao lugar que lhe está destinado no esquema da evolução. Retomo as minhas citações: "O Devachan é, naturalmente, um estado, não uma localização, o mesmo ocorrendo com o Avitchi, sua antítese (o qual rogo não confundir com o inferno). A Filosofia Esotérica Budista tem três lokas (denominadas assim) principais, a saber: 1º) Kâma-loka; 2º) Rãpa-loka; e 3º) Arûpa-laka; ou seja, em sua tradução e significado literais: 1º) o mundo de desejos ou paixões, de anelos

terrenos insatisfeitos - a mansão dos " ‘Cascões’ e das Vítimas, dos Elementais e dos Suicidas; 2º) o mundo das formas, ou seja, de sombras mais espirituais, possuindo forma e objetividade, mas nenhuma substância; e 3º) o mundo informe, ou antes o mundo de nenhuma forma, o incorpóreo, desde o momento em que seus habitantes não têm para nós, mortais, nem corpo, nem forma, nem cor, no sentido que atribuímos a estas palavras. Estas são as três esferas da espiritualidade ascendente, em que os vários grupos de entidades subjetivas e semi-subjetivas encontram as suas atrações. Todas, exceto os suicidas e as vítimas de mortes violentas e prematuras, vão, conforme as suas atrações e poderes, para o estado ao Devachan ou ao Avitchi, estados estes que compõem as inúmeras subdivisões dos lokas Rapa e Arûpa — vale dizer, esses estados não só variam em grau ou em aspecto para a entidade, quanto a sua forma, cor, etc., mas também existe uma escala infinita de semelhantes estados, em sua progressiva espiritualidade e intensidade de sentimento, dos mais ínfimos no Rapa, até os mais elevados e exaltados, no Arûpa-loka. O estudante deve considerar que personalidade é sinônimo de limitação e que quanto mais egoísta, quanto mais estreitas sejam as idéias da pessoa, tanto mais intimamente esta aderirá às esferas inferiores de existência, tanto mais tempo se demorará no plano das egoístas relações sociais." Sendo o Devachan um estado de gozo meramente subjetivo, cuja duração e intensidade são determinadas pelo mérito e espiritualidade da passada vida terrena, não pode apresentar-se nele ocasião alguma para a retribuição das más ações. Mas não é que a Natureza se satisfaça em perdoar os pecados, de modo livre e fácil, ou condenar de uma só vez os pecadores, tal como um senhor preguiçoso, mais indolente do que bondoso faz para governar com justiça a sua casa. O karma do mal, seja grande ou pequeno, atua com bastante certeza, no tempo devido, como o

karma do bem. Mas o lugar de sua ação não é o Devachan, e sim um novo renascimento ou Avitchi — estado que se atinge somente em casos excepcionais e por excepcionais naturezas. Noutras palavras, enquanto o pecador vulgar colherá os frutos de suas ações nocivas numa reencamação seguinte, o criminoso excepcional, o aristocrata do pecado, terá como perspectiva o Avitchi, ou seja, o estado de infortúnio espiritual subjetivo, que é o inverso do Devachan. "Avitchi é um estado da maior maldade ideal espiritual, algo semelhante ao estado de Lúcifer, tio magnificamente descrito por Milton. Portanto, não são muitos os que chegam a ele, como o perceberá o leitor sério. E se se fizer a objeção de que, desde que há o Devachan para quase todos — os bons, os maus e os indiferentes —, frustram-se os fins de harmonia e de equilíbrio, e a lei da retribuição, de justiça imparcial e implacável dificilmente se aplica e satisfaz com tal escassez relativa, para não dizer ausência de sua antítese, então a resposta demonstrará que não ocorre assim. 'O Mal é o negro filho da Terra (matéria) e o Bem — a bela filha dos Céus' (ou Espírito), diz o filósofo chinês. Donde, a Terra é o lugar de castigo para a maior parte de nossos pecados — seu lugar de nascimento e de efetivação. Na Terra existe mais mal aparente e relativo do que verdadeiro, e não é dado às hoipolloi10 alcançarem todos os dias a fatal grandeza e eminência de um 'Satã’." Em geral, o renascimento na existência objetiva é o acontecimento que pacientemente aguarda o karma do mal, quando, então, de modo irresistível se afirma. Isto não quer dizer que o karma do bem se esgota no Devachan deixando que a infeliz mônada desenvolva uma nova consciência, sem outro material que as más ações de sua última personalidade. O renascimento será qualificado tanto por mérito como por demérito da vida prévia, porém a existência devachânica é um sono

10

Termo que significa as massas, a turba. (N. T.)

róseo, uma noite pacífica, com sonhos mais vívidos que o dia, e imperecedoura por muitos séculos. Ver-se-á que o estado devachânico é apenas um dos estados de existência, que constitui todo o complemento espiritual de nossa vida terrena. Os observadores de fenômenos espíritas não teriam ficado perplexos, como lhes aconteceu, se não existisse outro estado além do Devachan. Pois uma vez estando um espírito no Devachan, há muito poucas ocasiões de comunicação entre um espírito, por completo absorto então em suas próprias sensações e praticamente esquecido da Terra que abandonou, e de seus amigos ainda vivos. Estes amigos, quer tenham partido antes, quer permaneçam na Terra, se os laços de afeto eram bastante fortes, permanecerão com o espírito feliz e, para todos os efeitos, tão felizes, bemaventura-dos e inocentes como o próprio sonhador desencarnado. É possível, entretanto, para as pessoas, ainda viventes, ter visões ao Devachan, embora tais visões sejam raras e somente percebidas por uma das partes, pois as entidades no Devachan, capazes de ser vistas por um clarividente terrestre, estão por completo inconscientes dessa observação. O espírito do clarividente sobe ao estado do Devachan durante tão raras visões e está sujeito, assim, às vívidas ilusões daquela existência. Acha-se sob a impressão de que os espíritos com os quais trava relações devachânicas de simpatia vieram visitar a Terra e a ele próprio, enquanto que o que realmente ocorreu é a operação inversa: o espírito do clarividente foi elevado até aqueles, ao Devachan. Assim, muitas das comunicações espirituais subjetivas — a maior parte delas, sempre que os sensitivos são inteligências puras — são reais, apesar de ser da maior dificuldade para o médium não-iniciado fixar em sua mente, numa imagem verdadeira e exata, o que vê e ouve. Da mesma forma, alguns dos fenômenos chamados psicográficos (embora mais raros) são também reais. O

espírito do sensitivo, sendo possuído, por assim dizer, pela aura do espírito no Devachan, converte-se durante alguns minutos naquela personalidade morta e escreve, com sua última caligrafia, em seu estilo e com seus pensamentos, tal como eram durante sua vida. Os dois espíritos fundem-se em um só, e a predominância de um sobre o outro durante tal fenômeno determina a predominância da personalidade nas características exibidas. Assim é que, acidentalmente, observa-se que o que é chamado rapport11 é, no final de tudo, uma identidade de vibração molecular entre a porção astral do médium encarnado e a porção astral da personalidade desencarnada. Como já foi assinalado, e como o senso comum deve tê-lo demonstrado, existe no Devachan grande variedade de estados e cada personalidade se encontra ali no lugar apropriado. Dali, portanto, emerge ao mundo das causas, ou seja, esta Terra ou outra, conforme seja o caso, quando chega o tempo de seu renascimento. Unido à sobrevivência das afinidades, abrangidas na definição de karma, afinidades para o bem e para o mal, geradas na vida anterior, ver-se-á que este processo acarreta uma explicação do problema que foi sempre encarado como ininteligível: as desigualdades da vida. As condições sob as quais entramos na nova vida são conseqüências do uso que tivermos feito de nossas últimas circunstâncias. Aquelas que, sejam quais forem, não impedem o desenvolvimento do novo karma, visto que este será gerado pelo uso que façamos delas, desta vez. Nem tampouco cabe supor que todos os fatos correntes da vida, alegres ou tristes, sejam o fruto do antigo karma. Muitos são conseqüências imediatas de atos da vida à qual pertencem — por assim dizer, transações à vista com a Natureza, dos quais é rigorosamente necessário fazer-se todos os registros desta nos livros. Mas as grandes desigualdades da vida, quanto ao modo de os diferentes seres humanos entrarem 11

Em francês no original. Ou seja: relação íntima, conformidade, harmonia.

nela, são uma conseqüência manifesta do antigo karma, cujas variedades infinitas conservaram sempre uma constante provisão de situações para todas as múltiplas variedades da condição humana. Não se deve supor que o verdadeiro Ego deslize instantaneamente, depois da morte, da vida da Terra e suas complicações para o estado devachânico. Quando a divisão ou purificação do quinto princípio ocorre no Kâma-loka, pelas contrapostas atrações do quarto e do quinto princípios, o verdadeiro Ego passa para um período de gestação inconsciente. Já afirmei como a vida devachânica é um processo de crescimento, maturidade e decadência. Porém, suas analogias com a Terra certamente são ainda mais estreitas. Existe um estado espiritual pré-natal, à entrada da vida espiritual, do mesmo modo que existe um estado semelhante e igualmente inconsciente, ao ingressar na vida objetiva. Este período, em diferentes casos, varia a sua duração — de poucos momentos a imensos períodos de anos. Quando um homem morre, sua alma ou quinto princípio se torna inconsciente e perde toda lembrança das coisas, quer internas, quer externas. Seja que sua permanência em Kâma-loka dure uns poucos momentos, horas, dias, semanas, meses ou anos, seja que morra de morte natural ou violenta, quer esta ocorra na juventude ou na velhice, e seja que o Ego tenha sido bom, mau ou indiferente, sua consciência o abandona rapidamente como a chama de um pavio, quando é soprada. Quando a vida se retira da última partícula da matéria do cérebro, suas faculdades perceptivas ficam extintas e seus poderes espirituais de conhecimento e de volição ficam durante algum tempo tão apagados como os outros. Seu Mâyãvi-rûpa pode ser lançado na objetividade, como no caso de aparições depois da morte. Mas, a menos que seja projetado por um desejo consciente ou intenso de ver ou de aparecer a alguém, lançando-se através do cérebro moribundo, a aparição será simplesmente

automática. A revitalização da consciência em Kâma-loka é, pelo que já se disse, um fenômeno

que

depende

da

característica

dos

princípios,

passando

inconscientemente, no momento, fora do corpo moribundo. Pode chegar a ser regularmente completa, sob circunstâncias de nenhuma forma desejáveis, ou pode ser obliterada por uma rápida passagem ao estado de gestação conducente ao Devachan. Este estado de gestação demora muito, em proporção à força espiritual do Ego, e o Devachan ocupa o restante do período entre a morte e o próximo renascimento físico. Naturalmente, o período completo é de duração muito variável, conforme difiram as pessoas. Diz-se que o período entre os renascimentos é quase impossível de ser menor que mil e quinhentos anos, enquanto que a permanência no Devachan, que é a recompensa de um karma muito rico, diz-se que algumas vezes se estende por enormes períodos.

COMENTÁRIOS Quanto às observações a fazer sobre a doutrina compreendida no capítulo anterior, será mais conveniente transferi-las para o final do próximo e apresentá-las com as pertinentes aos estados de Kâma-loka.

6. KÂMA-LOKA O que antes foi exposto do destino dos princípios humanos superiores depois da morte facilita o caminho para compreender as circunstâncias em que a escória desses princípios se encontra, depois que o verdadeiro Ego passou bem pelo estado devachânico, ou por aquele período inconsciente de sua preparação e que corresponde à gestação física. A esfera em que semelhante escória permanece durante certo tempo é conhecida, na ciência oculta, por Kâma-loka, a região do desejo, não a região em que o desejo se desenvolve num grau anormal de intensidade, comparativamente ao desejo tal como o associamos na vida terrena, mas a esfera em que essa sensação do desejo, que é uma parte da vida terrena, pode sobreviver. Pelo que foi dito sobre o Devachan, é claro que grande parte das reminiscências que se acumulam em redor do Ego humano durante a vida são incompatíveis, por sua natureza, com a pura existência subjetiva por que passa o Ego verdadeiro, perdurável e espiritual. Nem por isso se extinguem ou se aniquilam necessariamente essas reminiscências. Permanecem inerentes acertas moléculas pertencentes aos princípios sutis (embora não nos mais sutis) que abandonam o corpo por ocasião da morte. Do mesmo modo como a dissolução separa do corpo o que comumente se chama alma, assim também provoca uma separação posterior

entre os elementos constitutivos dessa alma. Aquela parte do quinto princípio, ou alma humana, que por sua natureza é assimilável ao sexto princípio — alma espiritual —, ou gravita em direção a ele, ou passa, juntamente com o germe desta alma divina, à região superior ou estado devachânico, em que se separa, quase completamente, das atrações da Terra, ou por completo, de tudo quanto se relaciona a seu próprio curso espiritual, por mais que ainda mantenha certas afinidades com as aspirações espirituais que emanam da Terra ou que possa algumas vezes atraílas para si. Já a alma animal ou o quarto princípio (o elemento da vontade e do desejo, no que se associa à existência objetiva) não exerce nenhuma atração para o superior, e não passa além da Terra mais do que o fazem as partículas do corpo entregues à sepultura. Todavia, este quarto princípio não pode ser confinado no sepulcro. Em sua natureza ou afinidades não é espiritual, mas tampouco é físico, sendo apenas físico em suas afinidades. Assim, permanece dentro da atração local e física efetivas da Terra — ou seja, na atmosfera desta - ou em Kâma-loka, uma vez que não são os gases atmosféricos os que se relacionam nesta passagem do problema que examinamos. Ainda com relação ao quarto princípio, uma grande parte dele (no que toca à maioria da humanidade, infelizmente, embora uma parte muito variável em proporção relativa) sem dúvida ali permanece. Existindo, ali, muitos atributos do comum e complexo ser humano, muitos sentimentos ardentes, desejos e atos, torrentes de reminiscências, os quais, ainda que não estejam relacionados com uma vida tão ardente, talvez como os que se relacionem com as aspirações mais elevadas, pertencem, contudo, essencialmente, à vida física e demoram a morrer. Ficam atrás, associados ao quarto princípio, que é todo de natureza perecível, e dispersam-se, desvanecem-se ou são absorvidos pêlos princípios universais

respectivos a que pertencem, da mesma forma que o corpo é absorvido pela Terra, no decorrer do tempo, rápida ou lentamente, em proporção à tenacidade de sua substância. Mas onde, entrementes, permanece a consciência do indivíduo que morreu ou se dissolveu? Com certeza no Devachan Mas à mente não treinada na ciência oculta apresenta-se para isto certa dificuldade, pois uma aparência de consciência permanece inerente à parte astral — isto é, o quarto princípio com uma parte do quinto — que fica atrás no Kâma-loka. Levanta-se a objeção de que a consciência individual não pode existir em dois lugares ao mesmo tempo. Mas, acima de tudo, isto pode acontecer até certo ponto, como logo se perceberá, sendo um erro falar de consciência, tal como a entendemos na vida, unida à crosta ou escória astral. Pode despertar nessa crosta certa manifestação espúria de consciência, desprovida de qualquer conexão com a consciência real, que entretanto cresce em força e em vitalidade na esfera espiritual. Não tem o cascão o poder de adquirir e assimilar novas idéias e de iniciar cursos de ação com base nessas novas idéias. Porém, existe no cascão uma sobrevivência dos impulsos volitivos que lhe foram comunicados durante a sua vida. O quarto princípio é o instrumento da volição, embora não da volição mesma, e os impulsos que lhe foram comunicados durante a vida pêlos princípios superiores podem seguir seu curso e produzir resultados quase indiscerníveis, para os observadores pouco atentos, daqueles que ocorreriam se os quatro princípios mais elevados estivessem de fato todos unidos, tal qual em vida. O quarto princípio é, durante a vida, o veículo daquela consciência essencialmente mortal, que não se harmoniza com um estado de existência permanente; mas a consciência, mesmo dos princípios inferiores durante a vida, é uma coisa muito diferente da consciência vaporosa, volátil e incerta, que continua

inerente neles, quando aquilo que na realidade é a vida, que os cobre, ou seja, sua vitalização pela infusão do espírito, extinguiu-se em tudo o que a eles se refere. Não pode a linguagem tornar inteligível de uma só vez todos os aspectos de uma idéia que apresente muitos aspectos, como tampouco pode um desenho revelar todos os lados de um objeto sólido. À primeira vista, os desenhos diferentes de um mesmo objeto, tomados de diversos pontos de vista, podem parecer tão dessemelhantes que não sejam reconhecidos como o mesmo. Entretanto, quando a inteligência chegar a percebê-los em conjunto, verá que as suas diversidades formam um todo harmônico. Assim acontece a estes sutis atributos dos princípios invisíveis do homem. Nenhum tratado pode fazer mais do que discutir seus diferentes aspectos de modo separado. Os diversos pontos de vista expostos devem fundir-se na mente do leitor antes que a concepção completa corresponda às realidades da Natureza. O quarto princípio é, na vida, a sede da vontade e do desejo, mas não é a própria vontade. Deve estar ativamente unido ao espírito obscurecedor, ou a "Vida Una", para ser assim o agente daquela muito elevada função da vida — a vontade em sua potência sublime. Como já foi dito, os nomes sânscritos dos princípios superiores envolvem a conotação da idéia de que são veículos da Vida Una. Não que a Vida Una seja um princípio molecular dissociável: é a união de todos, a influência do espírito; mas, na verdade, a idéia é demasiado sutil para a linguagem, e talvez para a própria inteligência. De qualquer maneira, a sua manifestação no caso atual é bastante evidente. Qualquer que tenha sido a vontade do quarto princípio quando vivente, este não é capaz, quando morto, de vontade ativa. Mas então, sob certas condições anormais, pode parcialmente recuperar a vida durante certo tempo, ate fato é o que explica muitos, embora nem todos, os fenômenos da mediunidade espírita. O "elemental" (como tem sido geralmente chamado o cascão

astral em escritos ocultos anteriores) é suscetível — deve-se lembrar — de ser galvanizado durante certo tempo pela corrente mediúnica, passando a um estado de consciência e vida. Disso se pode formar uma idéia pelo primeiro estado em que se encontra uma pessoa, que levada a um recinto estranho, em estado de inconsciência durante uma enfermidade, acorda fraca, com sua inteligência confusa, fitando ao redor de si com um sentimento de desnorteamento, recebendo impressões, ouvindo palavras que lhe são dirigidas e respondendo vagamente. Este estado de inconsciência não está associado a noções do passado ou do futuro. É uma consciência automática como a derivada do médium. Deve-se considerar que um médium é uma pessoa cujos princípios estão frouxamente unidos e são suscetíveis de ser apropriados por outros seres, ou por princípios flutuantes que sintam atração por algum deles ou por alguma parte deles. Pois bem, o que acontece no caso de um cascão ser desentranhado nas proximidades de uma pessoa assim constituída? Suponhamos que a pessoa que abandonou o cascão tenha morrido com algum poderoso desejo insatisfeito, não necessariamente de natureza pecaminosa, mas totalmente relacionado com a vida terrena, um desejo, por exemplo, de comunicar algum fato a uma pessoa ainda viva. Sem dúvida, o cascão não vaga pelo Kâma-loka com um propósito firme, inteligente e consciente de comunicar aquele fato, porém, entre outros, o impulso volitivo de fazê-lo foi infundido

no

quarto

princípio

e

enquanto

as

moléculas

desse

princípio

permanecerem associadas (o que pode acontecer por muitos anos), apenas necessitam ser parcialmente galvanizadas de novo à vida, para se converterem em ativas na direção do impulso original. Esse cascão entra em contato com um médium (na realidade não tão diferente da pessoa que morreu a fim de que se tome possível um rapport dificílimo), e algo do quinto princípio desse médium se associa

com o quarto princípio desgarrado e coloca em ação o impulso original. Do médium é então emprestada tanta consciência e tanta inteligência quanto for necessário para manter o quarto princípio usando os meios de comunicação que estiverem à mão — uma lousa e um lápis, ou uma mesa para dar batidas — e, nesse caso, a mensagem dada, por assim dizer, pode ser aquela que a pessoa morta originalmente ordenara que o seu quarto princípio revelasse, ordem que o cascão até agora não tivera oportunidade de cumprir. Pode-se objetar que a produção de escritos numa lousa fechada, ou de golpes numa mesa, sem que se usem os nós dos dedos ou um bastão, é por si mesma um fato maravilhoso da Natureza, que demonstra, por parte da inteligência comunicadora, o conhecimento de poderes da Natureza sobre os quais nada sabemos em nossa vida física. Mas o cascão está no mundo astral, no reino desses poderes, e a manifestação de tais fenômenos é seu modo natural de conduzir-se. Não tem mais consciência da produção de um resultado maravilhoso, pelo uso de novos poderes adquiridos numa esfera mais elevada de existência, do que a que possuímos das forças, por meio das quais na vida o impulso volitivo é comunicável aos nervos e aos músculos. Ainda se pode objetar que a "inteligência que comunica" numa sessão espírita executa constantemente fatos notáveis, apenas por interesse próprio, para exibir o poder que possui sobre as forças naturais. O leitor há de lembrar-se de que a ciência oculta, contudo, está muito longe de afirmar que todos os fenômenos do espiritismo são atribuíveis a uma só classe de agentes. Até aqui, neste estudo, bem pouco foi dito sobre os dementais, esses seres semi-inteligentes da luz astral, que pertencem a um reino da Natureza inteiramente diferente do nosso. Nem é possível, na atualidade, estender-nos sobre seus atributos, pela simples e óbvia razão de que o conhecimento relativo aos elementais, os conhecimentos minuciosos sobre esse assunto, com relação ao

modo como agem, são retidos de forma escrupulosa e secreta pêlos Adeptos do ocultismo. Possuir tal conhecimento equivale à posse do poder, e todo motivo do grande segredo de que a ciência oculta está encoberta volta-se para o perigo existente de conferir poderes a pessoas que não deram, antes de tudo, submetendose à instrução dos iniciados, garantias morais de serem dignas deles. Por intermédio do domínio dos elementais é que alguns dos maiores feitos físicos do adeptado são realizados, assim como os mais importantes fenômenos físicos da sessão espírita são produzidos por atos espontâneos dos elementais que assim atuam. O mesmo ocorre com quase todos os ioguins e faquires da índia das classes mais inferiores, que possuem o poder de produzir fenomenais resultados. Por alguns meios, talvez graças a fragmento herdado do ensinamento oculto, encontraram-se de posse de uma partícula de ciência oculta. Para produzir o fenômeno, não é preciso entender a ação das forças que eles utilizam, assim como um criado indiano de uma companhia telegráfica, a quem se ensinou a misturar os ingredientes do líquido empregado na bateria galvânica, não precisa entender a teoria da eletricidade. Pode executar a única operação que lhe ensinaram, o mesmo acontecendo como ioguim inferior, que aprendeu a influenciar certos elementais e pode fazer certas maravilhas. Voltemos a tratar dos cascões ex-humanos no Kâma-loka. A respeito, pode-se objetar que a sua conduta durante as sessões espíritas não fica bem explicada pela teoria de que tinham alguma mensagem do seu último dono a comunicar. E valendose da mediunidade presente para transmiti-la. À parte os fenômenos que classificamos como extravagâncias de elementais, encontramos algumas vezes uma continuidade de inteligência, por parte do dementai ou cascão, que indica muito mais que a mera sobrevivência de impulsos procedentes da vida anterior. Isto é muito exato. Mas, com porções do quinto princípio do médium, que lhe tenham sido

transmitidas, o quarto princípio volta a ser um instrumento nas mãos de um mestre. Com um médium em estado de transe, de forma que as energias de seu quinto princípio possam ser transmitidas em grande parte ao cascão errante, redunda que a consciência desperta nesse cascão, naquele dado momento. Porém, qual é, nisto tudo, a conseqüente natureza dessa consciência? Nada mais, na verdade, do que uma luz refletida. A memória é uma coisa, as faculdades perceptivas são outra inteiramente distinta. Um louco pode lembrar claramente algumas porções de sua vida passada. Apesar disso, é incapaz de perceber qualquer coisa em seu aspecto verdadeiro, pois a mais elevada parte de seu Afanas e Buddhi, o quinto e o sexto princípios, estão paralisados nele ou o abandonaram. Se um animal — um cão, por exemplo — pudesse se explicar por si mesmo, provaria que sua memória, com relação à sua personalidade canina, é tão grande quanto a de seu dono. Entretanto, a sua memória e o seu instinto não podem ser chamados de faculdades perceptivas. Uma vez que um cascão está na aura do médium, ele pode perceber, suficientemente claro, o que lhe permitem os princípios transmitidos pelo médium e pêlos órgãos em simpatia magnética com ele. Mas isto não o conduzirá além do grau das faculdades perceptivas do médium, ou de alguns outros presentes à sessão. Daí as respostas, freqüentemente racionais e algumas vezes muito inteligentes, que pode dar, e daí, também, seu invariável e completo esquecimento de todas as coisas desconhecidas àquele médium ou círculo, ou que não se encontram nas reminiscências inferiores de sua personalidade passada, galvanizada de novo pelas influências sob as quais está colocada. O cascão de um homem, em alto grau inteligente e instruído, mas destituído de espiritualidade, que tenha morrido de morte natural, durará mais tempo do que o pertencente a temperamentos mais fracos, e (com a ajuda da sombra de sua própria memória) pode pronunciar, por

intermédio de médiuns, orações não desprezíveis. Mas jamais se notará que estas se relacionem com algo que não sejam os assuntos que o tenham interessado seriamente durante sua vida, nem uma palavra virá dele que indique um avanço efetivo de conhecimentos. Vê-se com facilidade que um cascão astral, atraído para uma corrente mediúnica e entrando em relacionamento com o quinto princípio do médium, não assegura de modo algum que ele esteja animado por uma consciência (mesmo sendo pouco o que valham tais consciências) idêntica à da personalidade morta, de cujos princípios superiores foi desprendida, pois, com a mesma faculdade, pode refletir alguma personalidade inteiramente diferente, capaz de ser sugestionada pela mente do médium. Esta personalidade pode talvez permanecer e responder por algum tempo. Se alguma nova corrente de pensamento, lançada pelas mentes das pessoas presentes, encontrar eco nas efêmeras impressões do dementai, seu sentimento de identidade começará a vacilar por um curto tempo, entre duas ou três conjecturas, acabando por desaparecer por completo. O cascão volta assim a seu sono na luz astral, sendo, em poucos instantes, inconscientemente arrastado ao outro extremo da Terra. Além do elemental comum — o cascão da espécie recém-descrita — o Kâmaloka é também a morada de outra classe de entidades astrais, que devemos lembrar se desejarmos compreender as diversas condições em que as criaturas humanas passam desta vida para outras. Até agora examinamos o curso normal dos acontecimentos, quando a pessoa morre de modo natural. Mas uma morte anormal levará a conseqüências anormais. Assim, no caso de pessoas que se suicidaram, os resultados decorrentes diferirão por completo dos que provêm de morte natural. Se se meditar a respeito desses casos, constatar-se-á que, de fato, num mundo

governado por regras e tribunais, por afinidades que produzem seus efeitos regulares desse modo deliberado que a Natureza favorece, o caso de uma pessoa que morre de morte súbita, quando todos os seus princípios estão firmemente unidos e aptos a manter-se assim durante vinte, quarenta ou sessenta anos, ou, o que seja, o resto natural de sua vida, deve certamente diferir em algo do de uma pessoa que se acha pelo processo natural em decadência, quando a máquina vital pára, facilmente dissociável em seus vários princípios, cada um dos quais estando pronto para seguir seu próprio destino. Á Natureza, sempre fecunda em analogias, apresenta-nos em seguida o exemplo em dois frutos: um maduro e outro verde. Do interior do primeiro, seu caroço sairá tão limpo e facilmente quanto a mão de uma luva, ao passo que do fruto verde somente o caroço é extraído com dificuldade, ficando a polpa semi-aderida à sua superfície. Pois bem, no caso de uma morte súbita, acidental ou por suicídio, o caroço tem de ser arrancado do fruto verde. Não é a questão da culpa moral que pesa aqui sobre o ato do suicídio. É bem provável que, na maior parte dos casos, a culpa moral lhe seja inerente, mas essa é uma questão do karma que seguirá a pessoa a que se refere, até seu próximo renascimento, como qualquer outro karma, e não tem nada a ver com a dificuldade imediata, que essa pessoa possa encontrar em chegar à morte completa. Esta dificuldade é evidentemente a mesma, quer uma pessoa se suicide, quer seja morta no heróico cumprimento de seu dever, quer ainda seja vítima de um acidente, por completo independente de sua vontade. Como regra geral, quando uma pessoa morre, a longa conta do karma se fecha naturalmente — isto é, a complicada série de afinidades, que se estabeleceu durante a vida, no primeiro princípio durável, o quinto, já não é suscetível de aumentar. O saldo das contas, por assim dizer, não é exigido a não ser no próximo

nascimento objetivo, ou, em outras palavras, as afinidades que no Devachan permanecem em estado latente, devido à ausência de sua esfera de ação própria, voltam a valer tão logo entrem de novo em contato com a existência física. Mas o quinto princípio, no qual essas afinidades se desenvolvem, não se desvincula, no caso da pessoa que morre prematuramente, do princípio terreno, isto é, do quarto princípio. Portanto, o dementai que assim se encontra no Kâma-loka, em sua violenta expulsão do corpo, não é um mero cascão, mas a própria pessoa, que vivia, sem que lhe falte mais nada que o corpo. No verdadeiro sentido da palavra, não está absolutamente morto. Certos dementais dessa espécie podem comunicar-se de modo efetivo, nas sessões espíritas, às suas próprias custas. Pois, infelizmente, devido à inteireza de sua constituição astral, eles podem continuar gerando karma, ao mitigar sua sede pela vida na insalubre fonte da mediunidade. Se em vida eles pertenceram a um tipo muito material e sensual, os prazeres que buscarão serão de tal gênero, mesmo a ponto de conceber-se que seu deleite, no estado desencarnado, será mais danoso para seu karma do que o que foram os seus prazeres durante a vida. Nesses casos, facilis est descensos. Extirpados à vida terrena, em plena exacerbação de paixões que os ligam a cenas familiares, são seduzidos pela oportunidade oferecida pêlos médiuns, para satisfazê-las por procuração. Convertem-se nos íncubos e súcubos de que falam os escritos medievais, demônios sedentos e glutões, levando as suas vítimas ao crime. Um breve ensaio sobre este assunto, escrito por mim, apareceu na Theosophist seguido de uma nota, em cuja autenticidade tenho minhas razões para confiar. Dele reproduzo aqui alguns parágrafos, cujo teor é o seguinte: "A variedade de estados depois da morte é muito maior, se possível, do que a diversidade de vidas humanas nesta Terra. As vítimas de acidentes não se

convertem, no geral, em andarilhos terrestres, mas somente os que caem na corrente de atração, os que morrem cheios de alguma grosseira paixão terrena, os egoístas, que nunca pensaram no bem-estar dos outros. Surpreendidos pela morte na realização, verdadeira ou imaginária, de alguma subjugadora paixão de suas vidas que não lograram satisfazer, ou mesmo tendo-a realizado, ansiando por mais, essas personalidades não podem passar nunca mais além da atração terrena para esperar a hora da liberação em feliz ignorância e pleno esquecimento. Entre os suicidas, aplica-se o que antes expusemos sobre os que levam ao crime as suas vítimas, como também àqueles que se suicidaram em conseqüência de um crime, para escapar à penalidade da lei humana, ou devido ao seu próprio remorso. A lei natural não pode ser impunemente violada. A inexorável relação causal entre a ação e o resultado somente atua em sua plenitude, no mundo dos efeitos — o Kâma-loka — e cada caso encontra ali um castigo apropriado, de mil diferentes modos, cuja descrição superficial exigiria muitos volumes." Aqueles que "esperam pela hora da liberação em feliz ignorância e em pleno esquecimento" naturalmente são aquelas vítimas de acidentes que, na Terra, provocaram relações puras e elevadas e que, depois da morte, estão além do alcance das tentações que as correntes mediúnicas representam, da mesma forma como eram inacessíveis durante a vida, aos impulsos naturais para o crime. Encontram-se fortuitamente no Kâma-loka entidades de outra espécie, das quais haveremos ainda de tratar. Temos seguido os princípios superiores de pessoas recém-falecidas, observando a separação do resíduo as trai, da porção espiritual durável, a qual é santa ou satânica em sua natureza e, portanto, apropriada para o Devachan ou para o Avitchi. Analisamos a natureza do cascão elemental arremessado, e que conserva, durante certo tempo, uma enganosa semelhança com

uma entidade real. Temos prestado atenção, também, aos casos excepcionais de seres com seus quatro princípios, no Kâma-loka, vítimas de acidentes ou de suicídios. Mas, o que acontece a uma personalidade sem nenhum átomo de espiritualidade, nem vestígio algum de afinidade espiritual em seu quinto princípio, nem para o bem, nem para o mal? Nesse caso, é claro que nada existe que o sexto princípio possa assimilar. Ou, em outras palavras, essa personalidade perdeu seu sexto princípio, quando chegou o tempo de sua morte. O Kâma-loka não é mais uma esfera de existência para essa personalidade do que o mundo subjetivo. O Kâmaloka pode ser permanentemente habitado por seres astrais, por elementais, mas unicamente pode servir de antecâmara a outros estados relativos aos seres humanos. No caso imaginado, a personalidade sobrevivente é logo levada pela corrente de seus futuros destinos e estes nada têm a ver com a atmosfera da Terra, nem com o Devachan, mas sim com a "oitava esfera", mencionada somente de forma casual em escritos ocultos mais antigos. Até o momento deve ter sido ininteligível aos leitores comuns a denominação "oitava esfera"; mas, depois de explicada pela primeira vez a constituição setenária do nosso sistema planetário, o significado ficará bastante claro. As esferas pertencentes ao processo cíclico da evolução são em número de sete, mas existe uma oitava em conexão com a nossa Terra, nosso ser terreno. Como se há de recordar, esse é o ponto de reversão na cadeia cíclica, e esta oitava esfera está situada fora do circuito, sendo uma espécie de cul-de-sac, por ser uma região da qual pode em verdade dizer-se que nenhum viajante regressa. Pode-se conjecturar facilmente que a única esfera relacionada com a nossa cadeia planetária, que ocupa um lugar inferior ao da nossa, nessa escala, que tem o espírito no seu extremo superior e a matéria no âmago, não deve ser menos visível

à vista e aos instrumentos ópticos do que a nossa própria Terra. E, como as funções que esta esfera tem de desempenhar em nosso sistema planetário estão imediatamente associadas com esta Terra, não há, na atualidade, muito mistério quanto ao enigma da "oitava esfera", nem quanto ao ponto do céu onde se pode encontrá-la. Entretanto, as condições de existência nela são assuntos sobre os quais os Adeptos são muito reservados em suas comunicações a discípulos não iniciados, e com relação a estas informações nada tenho, por agora, a externar. Contudo, existe sobre isso uma afirmação definida, a saber, que a degradação total de uma personalidade, capaz de arrastá-la depois da morte para o raio de atração da "oitava esfera", é uma ocorrência bem rara. Na imensa maioria das vidas existe algo que os princípios superiores podem atrair para si, algo que pode redimir de uma destruição total a página de uma existência que acaba de passar. Tenha-se aqui também presente que as reminiscências da vida terrena no Devachan, vívidas como são, apenas se referem àqueles episódios que podem produzir o gênero de felicidade elevada que existe no Devachan, ao passo que a vida, cuja essência espiritual é assim extraída no presente, pode chegar a ser lembrada no futuro, em todos os seus pormenores. A recordação completa, porém, só a consegue um indivíduo no limiar de um estado espiritual bem ulterior, no progresso dos vastos ciclos da evolução. Cada uma das longas séries de vidas pelas quais se tenha passado será, então, como páginas num livro cujo dono o folheia à vontade, embora muitas dessas páginas a ele parecerão, provavelmente, uma leitura fastidiosa, à qual não recorrerá amiúde. Esse reavivamento eventual de reminiscências relativas às personalidades por longo tempo esquecidas é o que efetivamente representa a doutrina da Ressurreição. Porém, não dispomos de tempo agora para deter-nos a desenredar os enigmas desse simbolismo relacionado

com os ensinamentos que no momento são comunicados ao leitor, sendo essas, contudo, uma empresa digna de levar-se a cabo mais adiante. Por enquanto, voltando ao relato de como os fatos se apresentam, pode-se dizer que, entre todas as páginas do livro, quando afinal a "ressurreição" ocorre, não haverá páginas inteiramente perversas. Porque, na verdade, se alguma individualidade espiritual, durante a sua passagem por este mundo, esteve alguma vez unida a personalidades tão deploráveis e desesperadamente degradadas, que passaram por completo dentro da esfera de atração do vórtice inferior, essa individualidade espiritual não terá retido, nesse caso, em suas próprias afinidades, nenhum vestígio ou mancha de sua degradação. São páginas que terão sido arrancadas do livro sem deixar qualquer traço. Como ao fim da luta, depois de cruzar o Kâma-loka, a individualidade espiritual terá passado ao estado inconsciente de gestação, de onde, tocando de leve o estado devachânico, voltará direta-mente (embora não de imediato quanto ao tempo) a nascer à vida de atividade objetiva, e toda a consciência de si mesmo relacionada com aquela existência terá passado ao mundo inferior para ali eventualmente "perecer eternamente", uma expressão da qual, como tantas outras, a teologia moderna mostrou ser guardiã infiel, convertendo em puras tolices os fatos psicocientíficos.

COMENTÁRIOS Não há parte do presente volume que tenha tanta necessidade urgente de ampliação com os dois últimos capítulos. O plano de existência chamado Kâma-loka, assim como a região ou estado mais elevado, o Devachan, do qual o Kâma-loka é a antecâmara, foram deixados

inicialmente, por nossos mestres, de forma intencional, numa obscuridade parcial, a fim de que o esquema completo da evolução fosse melhor compreendido. O estado espiritual que segue imediatamente a nossa vida física atual é uma seção da Natureza, cujo estudo pode ser de uma sedução malsã para quem compreende que, mesmo durante a vida, é possível colocar-se em contato com ele e proceder algumas experiências sobre as suas condições. Podemos já, até certo ponto, reconhecer os fenômenos desse estado de existência a que passa a criatura humana por ocasião da morte do corpo. As experiências do espiritismo nos forneceram, em grande profusão, fatos relativos a isso. Esses fatos são, em verdade, extremamente sugestivos de teorias e inferências que parecem atingir os últimos limites da especulação. Só a rígida disciplina mental do estudo esotérico, em seu aspecto mais amplo, pode impedir que qualquer inteligência dedicada à consideração desses fatos chegue a conclusões que esse mesmo estudo demonstra serem necessariamente errôneas. Por esta razão, os pesquisadores teosóficos nada têm a lastimar no que se refere a seus próprios progressos na ciência espiritual, nas circunstâncias que os induziram a isso até agora, por haverem, antes, se descuidado com referência aos problemas relacionados com o estado de existência que segue ao nosso. É impossível exagerar as vantagens espirituais que se obtêm pelo estudo do vasto desígnio da Natureza, através daqueles extensos reinos do futuro, que unicamente a perfeita clarividência dos Adeptos pode penetrar, antes de ocupar-se de minúcias referentes àquele limiar espiritual, parcialmente acessível a uma visão menos poderosa que sem esforço toma essa região num primeiro estudo, como o todo da expansão do futuro. Atualmente, contudo, podemos descrever os primeiros processos pêlos quais passa a alma depois da morte, de um modo mais completo e exato do que estão

definidos no capítulo anterior. A natureza da luta que ocorre no Kâma-loka, entre as díadas superior e inferior, pode agora, segundo creio, ser melhor compreendida do que no início. Aquela luta parece ser um processo muito prolongado e heterogêneo, que constitui — não como algum de nós poderia ter conjecturado a princípio, uma automática ou inconsciente ação de afinidades ou forças dispostas a determinar o futuro da mônada espiritual após a morte — todavia uma fase da existência que pode durar, e provavelmente dura na maior parte dos casos, um número considerável de anos. Durante esta fase de existência, é bem possível às entidades humanas, que têm abandonado a Terra, manifestar-se a pessoas ainda vivas, por meio da chamada mediunidade espírita, de um modo que em parte pode explicar, senão vindicar, as impressões que os espíritas derivam dessas comunicações. Mas não devemos deduzir, com demasiada pressa, que a alma humana que passa pela luta ou pela evolução do Kâma-loka é, sob todos os aspectos, o que à primeira vista sugere a situação assim apresentada. Em primeiro lugar, devemos ter cautela ao materializar demasiado grosseiramente o nosso conceito da luta, concebendo-a como uma separação mecânica de princípios. Existe uma separação mecânica, envolvida no abandono dos princípios inferiores, quando a consciência do Ego se apóia solidamente nos superiores. Assim, à morte, o corpo é abandonado mecanicamente pela alma, que (em união, talvez, com os princípios intermediários), ao deixar a morada de que já não necessita, pode ser vista por alguns clarividentes de ordem elevada. Processo muito semelhante pode, afinal, ocorrer no próprio Kâma-loka, com respeito à matéria dos princípios astrais. Mas deixando de lado, por um instante, esta consideração, cabe evitar a suposição de que a luta no Kâma-loka é, por si mesma, esta última divisão de princípios, ou a segunda morte no plano astral.

A luta em Kâma-loka é de fato a vida da entidade naquela fase de existência. Conforme se expôs com rigor no capítulo precedente, a evolução ocorrente, naquela fase de existência, não se relaciona com a opção responsável entre o bem e o mal que acontece durante a vida física. O Kâma-loka é uma parte do grande mundo dos efeitos — não uma região em que se originem causas (exceto sob circunstâncias peculiares). A entidade em Kâma-loka, portanto, não é verdadeiramente dona de seus próprios atos. É, antes, um joguete de suas próprias afinidades já estabelecidas. Porém, estas afinidades, durante todo esse tempo, se afirmam ou se esgotam, por graus, e a entidade em Kâma-loka, por todo o tempo, possui uma existência de consciência vívida de uma espécie ou outra. Pois bem, um momento de reflexão mostrará que essas afinidades, que estão acumulando força e se afirmando, se referem às aspirações espirituais experimentadas na última vida, enquanto as que se estão esgotando se referem aos gostos, às emoções e às tendências materiais. Vale lembrar que a entidade em Kâma-loka encaminha-se para o Devachan, ou, em outras palavras, está progredindo em direção ao estado devachânico, e que o processo de desenvolvimento ocorre por ação e reação, por fluxo e refluxo, como quase todos os processos da Natureza — por uma espécie de oscilação entre a luta das atrações da matéria e as do espírito. Destarte, o Ego avança, por assim dizer, em direção ao céu, ou retrocede para a Terra, durante a sua existência em Kâma-loka, e precisamente essa tendência a oscilar entre os dois pólos de pensamento ou estado é o que o faz recuar, às vezes, para a esfera da vida que acaba de deixar. Suas ardentes simpatias por aquela vida não se dissipam de uma vez. Quanto à suas simpatias para com os aspectos superiores da vida, deve-se recordar, nem sequer entram no processo de dissipação. Por exemplo, no que nos

referimos aqui como afinidade terrena, não devemos abranger os sentimentos, que são um exercício exclusivo de natureza devachânica. Já quanto às afeições, sejam elas terrenas ou espirituais, a sua contemplação, com as circunstâncias e ambientes da vida terrena, amiúde influi no retrocesso da entidade em Kâma-loka para a vida terrena, o que mencionamos antes. À comunicação, estabelecida pela prática do espiritismo entre tais entidades em Kâma-loka e os amigos que foram deixados na Terra, deve ocorrer naqueles períodos de existência da alma em que as lembranças da Terra prendem a sua atenção. E sobre isso há duas considerações muito importantes, decorrentes da reflexão anterior. 1º) Quando se chama a atenção da alma para a Terra, ela é afastada do progresso espiritual em que está empenhada, pois faz com que oscile em direção oposta. Pode-se lembrar completamente bem as aspirações espirituais da vida na Terra e, em conversação, referir-se a elas, mas suas novas experiências parecem impossíveis de ser traduzidas em palavras próprias à inteligência física comum, além do que não estão no domínio das faculdades que operam na alma, enquanto se ocupa a alma com as antigas lembranças da Terra. Pode-se exemplificar a situação, ainda que grosseiramente, com o caso de um emigrante pobre que podemos imaginar prosperando em seu novo país, ilustrando-se ali, ocupando-se de seus negócios públicos e descobertas, realizando atos de filantropia e assim por diante. Pode manter intercâmbio com os seus familiares através de cartas, mas achará difícil mantê-los a par de tudo o que chega a povoar seus pensamentos. O exemplo só pode ser aplicado inteiramente a nosso propósito, se consideramos o emigrante como submetido à lei psicológica cujo véu encobre o seu entendimento, quando se senta para escrever a seus antigos amigos, se restabelecendo nele,

durante aquele tempo, a sua primitiva condição mental. Com o decorrer do tempo, ele vai sendo cada vez menos capaz de escrever sobre seus antigos temas, porque estes não só estariam num nível inferior àqueles a cuja consideração se elevaram suas verdadeiras faculdades mentais, como também se teriam, em grande parte, apagado de sua memória. Suas cartas seriam uma fonte de surpresa para os seus destinatários, que diriam, com certeza, que os seus escritos deixavam muito a desejar e que ele se tomara muito obtuso e estúpido, em comparação ao que era antes de ir para o exterior. 2º) Recorde-se que a bem-conhecida lei fisiológica segundo a qual as faculdades se reavivam pelo uso e se atrofiam pelo desuso, aplica-se tanto no plano astral como no físico. A alma que no Kâma-loka adquire o hábito de centrar sua atenção nas lembranças da vida que deixou, reforçará e afirmará aquelas tendências que estão em guerra com seus impulsos mais elevados. Quanto mais amiúde ela for atraída pelo afeto dos amigos ainda viventes, para aproveitar as oportunidades que lhe proporciona a mediunidade, a fim de manifestar a sua existência no plano físico, tanto mais veementes serão os impulsos que o farão recuar para a vida física e tanto mais grave a demora em seu progresso espiritual. Esta consideração parece implicar o mais forte motivo que leva os representantes dos ensinamentos teosóficos a desfavorecerem e desaprovarem todo gênero de tentativas para pôr-se em comunicação com as almas dos mortos, por via dos médiuns. Quanto mais genuínas forem essas comunicações, tanto mais danosas serão para os moradores do Kâma-loka, no que lhes diz respeito. No presente estágio de nossos conhecimentos, é difícil determinar com segurança até que ponto são assim lesadas no Kâma-loka. Podemos, também, ser tentados a crer que, em alguns casos, a grande satisfação usufruída pelas pessoas viventes, que

receberam a comunicação, compensa o dano provocado na alma do morto. Entretanto, esta satisfação será mais ou menos profunda conforme o amigo ainda vivo compreenda as circunstâncias sob as quais ocorre a comunicação. Num começo, é certo, logo após a morte, as recordações ainda vívidas e completas da vida terrena possibilitam que a entidade no Kâma-loka se manifeste de modo muito semelhante à de sua personalidade terrestre, mas desde o instante da morte começa a transformação rumo à sua evolução. Ao se manifestar no plano físico, não revelará nenhuma nova fermentação de pensamento em sua inteligência. Nessa manifestação, não se mostrará nem mais sábia, nem mais elevada, na escala da Natureza, que o que era ao morrer; ao contrário, tornar-se-á cada vez menos inteligente e, na aparência, menos instruída do que antes, à medida que passa o tempo. Nunca fará justiça, em suas comunicações com os amigos que deixou para trás. Seu malogro neste ponto há de se lhe tomar cada vez mais penoso, gradualmente. Contudo, há outra consideração que lança luz muito duvidosa sobre a sensatez ou a conveniência de satisfazer o desejo de comunicação com os amigos falecidos. Podemos dizer que não importa que o interesse do amigo que deixou a Terra desapareça gradualmente, pois, enquanto fique algo dele ou dela que se nos manifeste, mesmo este pouco nos causará grande encanto. Também se pode argumentar que, ainda quando a pessoa querida se atrase um pouco em sua passagem para o Céu, ao conversar conosco, fará este sacrifício de bom-grado pêlos seres que ama. O aspecto que aqui não se leva em conta é que no plano astral, ou no físico, é muito fácil contrair um mau costume. Quando a alma no Kâmaloka tiver saciado sua sede nos mananciais pela comunicação terrestre da mediunidade sentir-se-á fortemente impulsionada a fazê-lo novamente de vez em

quando. Por causa disso podemos produzir outros resultados além do de distrair a atenção da alma de seus próprios assuntos, sustentando relações espirituais com ela. Podemos causar-lhe um dano grave e quase permanente. Não afirmo que isso ocorra sempre, mas de um ponto de vista de severa ética sobre o tema, deve-se reconheceres perigos que envolvem semelhante conduta. Entretanto, é claro que se apresentam casos em que o desejo de comunicar-se provenha principalmente da outra parte: isto é, quando a alma que se foi embora está dominada pelo desejo não satisfeito — que pode dirigir-se ao cumprimento de um dever descuidado na Terra — cuja atenção, por parte dos amigos ainda vivos, gere um efeito bem ao contrário do que implica o mero estímulo da entidade no Kâma-loka em retomar seus antigos interesses na Terra. Nesses casos, os amigos viventes, pondo-se em comunicação com a alma, podem ser indiretamente o meio de facilitar o caminho de seu progresso espiritual. Neste ponto, contudo, devemos estar prevenidos contra o aspecto ilusório das aparências. Um desejo manifestado por um morador do Kâmaloka pode nem sempre ser a expressão da idéia que então ocupa sua mente. Pode ser o eco de um antigo, talvez muito antigo, desejo que então encontra, pela primeira vez, um canal para se exteriorizar. Desse modo, ainda que fosse plausível considerar como importante um desejo inteligível que se expressa a nós do Kâmaloka, por uma pessoa que tenha morrido há pouco, seria prudente encarar com grande desconfiança tal desejo, proveniente da sombra de uma pessoa morta há muito tempo e cuja conduta geral, enquanto sombra, não demonstra que retém nenhuma consciência vívida de sua antiga personalidade. O reconhecimento de todos esses fatos e possibilidades do Kâma-loka proporcionará, julgo eu, aos teosofístas, uma explicação mais satisfatória de muitas

experiências relacionadas com o espiritismo, que deixa na obscuridade a exposição inicial da doutrina esotérica, no que se refere a este assunto. Compreender-se-á logo que à medida que a alma se liberta, no Kâma-loka, das afinidades que retardam seu desenvolvimento devachânico, o que retoma à Terra se debilita cada vez mais, sendo inevitável que exista sempre no Kâma-loka um grande número de entidades quase em estado de passar ao Devachan, razão pela qual aparecem ao observador terrestre num estado de decrepitude avançada. Estas terão caído, quanto à atividade de seus princípios inferiores astrais, no estado das entidades vagas e ininteligíveis que, seguindo o exemplo de escritores ocultistas mais antigos, chamei cascão no texto deste capítulo. Esta denominação, contudo, não é muito feliz. Teria sido preferível ter seguido outro precedente e tê-las chamado "sombras", mas, de um ou de outro modo, seu estado é o mesmo. Toda a consciência

vívida

inerente,

quando

abandona

a

Terra,

nos

princípios

adequadamente relacionados com as atividades da vida física, é transferida aos princípios superiores que não se manifestam por meio dos médiuns. Sua memória da vida terrestre quase se extingue. Nesses casos, seus princípios inferiores podem somente ser despertados por influência de uma forte corrente mediúnica para a qual são atraídos, e então se convertem em pouco mais que meros espelhos astrais, nos quais se refletem os pensamentos do médium ou dos assistentes das sessões. Se pudermos imaginar as cores de uma tela pintada, penetrando por graus na matéria da tela, fazendo aparecer por fim o outro lado da mesma com o seu primitivo brilho, participaremos com isso de um processo em que não destruímos a pintura, mas convertemos a galeria, na qual isso ocorre, num lúgubre salão com escuras costas de quadros sem sentido algum. Isto se parece muito com o que são as entidades no

Kâma-loka, quando afinal se livram da matéria em que atuava a sua primeira consciência astral, para passar ao absolutamente puro estado devachânico. Mas o exposto não é tudo o que ensina a encarar com desconfiança as manifestações provenientes do Kâma-loka. O que hoje conhecemos do assunto permite-nos compreender que, quando chega o tempo desta segunda morte no plano astral, que liberta completamente o Ego do Kâma-loka para fazê-lo passar ao estado devachânico, permanece no Kâma-loka algo que corresponde ao cadáver deixado na Terra, quando a alma levanta seu primeiro vôo fora do mundo físico. Com efeito, no Kâma-loka permanece um cadáver astral, e por certo é correio atribuir o qualificativo cascão a essa escória. O cascão, neste estado, desintegra-se no Kâmaloka, dentro em muito breve, do mesmo modo que o cadáver que se abandona ao processo de dissolução natural decairá logo, misturando seus elementos com os depósitos gerais de matéria na ordem a que pertencem. Mas até que essa dissolução ocorra, o cascão abandonado pelo Ego verdadeiro pode, mesmo nesse estado, ser tomado algumas vezes, nas sessões espíritas, pela entidade vivente. Durante certo tempo permanece como um espelho astral, no qual os médiuns podem ver refletidos seus próprios pensamentos e recebê-los, na crença plena de que provêm de uma origem externa. Estes fenômenos, no verdadeiro sentido da palavra, são cadáveres astrais galvanizados ainda que, até o momento da desintegração, possa existir entre eles e o verdadeiro espírito devachânico certa relação sutil, do mesmo modo que subsiste tal comunicação entre a entidade no Kâma-loka e o cadáver deixado na Terra. Esta última relação citada mantém-se por meio da matéria sutilmente difundida do terceiro princípio original, ou Linga-sharîra. O estudo deste ramo do assunto nos levaria, creio eu, a uma melhor compreensão do que a que hoje possuímos a respeito das circunstâncias em que às vezes se

realizam as materializações nas sessões espíritas. Sem entrarmos agora nesta digressão, basta reconhecer que a analogia ajuda a demonstrar como, entre a entidade devachânica e o abandonado cascão, no Kâma-loka, pode subsistir durante algum tempo uma relação semelhante, que atua, enquanto dura, como um gancho do espírito ou mesmo talvez como seu refulgente crepúsculo no cascão. Por certo, é extremamente penoso para qualquer amigo vivente da pessoa morta ver ou tomar conhecimento, seja por clarividência ou por qualquer outro modo, de semelhante cascão, enquanto o imagina como sendo a verdadeira entidade. O ponto de vista comparativamente nítido, que agora temos com relação ao Kâma-loka, pode nos ajudar a utilizar as expressões aplicadas a seus fenômenos com mais rigor do que até o momento fizemos. Creio que se adorarmos a nova expressão "alma astral" para as entidades que acabaram de deixar a vida terrena, mas que por outras razões conservam ainda grande parte dos atributos intelectuais que possuíam na Terra, descobriremos, pois, que também outros termos já empregados serão adequados em sua aplicação. Contudo, devemos desfazer-nos do termo (inconveniente) "elemental", que tão facilmente pode nos trazer confusões, além de ser mesmo muito impróprio aos seres que descrevemos. Faço a indicação de que a alma astral, quando entra (encarado de nosso ponto de vista) na decrepitude intelectual, seja chamada, neste estado de debilitação gradual, sombra e que o termo cascão seja reservado para os verdadeiros cascões ou cadáveres astrais abandonados definitivamente pelo espírito devachânico. Ao estudar a lei do desenvolvimento espiritual no Kâma-loka, é natural que pesquisemos quanto tempo decorre antes que se complete a passagem da consciência dos princípios inferiores aos superiores da alma astral Como de costume, assim que se cuida de números relacionados aos processos superiores da

Natureza, a resposta é sempre bem elástica. Os mestres esotéricos do Oriente proclamam que, no que se refere à média da humanidade — o que se pode denominar, no seu sentido espiritual, a grande classe média da humanidade —, é extraordinário que uma entidade no Kâma-loka esteja em condições de manifestarse como tal por mais de vinte e cinco ou trinta anos. Mas em ambos extremos dessa média, os números podem aumentar consideravelmente. Uma criatura humana muito ignóbil e estupidificada pode permanecer no Kâma-loka por muito mais tempo, por falta de princípios superiores bastante desenvolvidos para elevar a sua consciência, como também, num outro extremo da escala, certa alma muito intelectual e mentalmente ativa pode permanecer longuíssimos períodos no Kâmaloka (na falta de afinidades espirituais de análoga força), em virtude da grande persistência das forças e causas geradas no plano superior dos efeitos, ainda que a sua atividade mental possa estar separada da espiritualidade, excetuando-se aqui os casos em que a alma esteja exclusivamente associada à ambição mundana. Além disso, se os períodos no Kâma-loka podem prolongar-se desse modo além da média por variadas causas, podem também reduzir-se a uma infinitesimal brevidade, quando uma pessoa muito avançada em espiritualidade morre após uma vida longa que preencheu legitimamente o seu desígnio. Há outra possibilidade importante relacionada com as manifestações que nos chegam pelos canais normais de comunicação com o Kâma-loka, que convém observar aqui, por mais que, devido à sua natureza, essa possibilidade não ocorra com freqüência. Nenhum estudante novato de teosofia pode esperar saber muito até agora sobre os estados de existência dos Adeptos que renunciam ao uso do corpo físico na Terra. As possibilidades superiores que se abrem perante eles parecem-me por completo fora do alcance de toda avaliação intelectual. Nenhum homem é

suficientemente hábil, apenas devido à mera capacidade de um cérebro vivente, para compreender o Nirvana. Porém, segundo parece, em alguns casos os Adeptos decidem optar por uma via que está entre a reencamação e a passagem ao Nirvana, pelas regiões superiores do Devachan; ou seja, podem esperar, nos estados Arûpa do Devachan, pelo lento avanço da humanidade para o estado superior que assim atingiram. Ora, o Adepto que deste modo se converte num espírito devachânico do tipo mais elevado não será impedido de manifestar sua influência na Terra, pela situação do seu estado devachânico — como aconteceria com um espírito devachânico comum ao passar por aquele estado em seu caminho para a reencamação. Esta não seria, por certo, uma influência que se fizesse sentir por intermédio de qualquer sinal físico para auditórios heterogêneos, não sendo, porém, impossível que um médium do mais elevado tipo — que mais propriamente deveria ser chamado vidente — possa assim ser influenciado. É possível que o espírito de um Adepto desse tipo, de tempos em tempos, inspire algum dos grandes homens da história do mundo, quer consciente, quer inconscientemente, conforme o caso. A desintegração dos cascões no Kâma-loka inevitavelmente sugere a qualquer um que procure compreender o seu processo, que devem existir na Natureza alguns depósitos gerais de matéria adequada a esta esfera de existência, correspondente à Terra física e a seus elementos circundantes, em que os nossos corpos se dissolvem após a morte. Os grandes mistérios a que esta consideração vai de encontro exigem uma pesquisa mais exaustiva do que a que até agora empreendemos, mas desde logo é conveniente expor uma idéia relacionada com eles: o estado do Kâma-loka tem suas correlatas ordens de matéria em manifestação. Não tentarei entrar aqui na metafísica do problema que mesmo poderia levar-nos a prescindir da noção de que a matéria astral necessita ser menos

real e tangível do que a que conhecem nossos sentidos físicos. Basta, por enquanto, explicar que a proximidade do Kâma-loka com a Terra, tão evidenciada pelas experiências espíritas, explica-se pelo ensinamento oriental que provém deste fato: o Kâma-loka está na Terra e pertence a ela, tanto como a nossa, alma astral está no homem vivo e pertence a ele. A região do Kâma-loka, de fato esse grande reino no estado adequado que constitui o Kâma-loka, perceptível aos sentidos das entidades astrais, bem como aos de muitos clarividentes, é o quarto princípio da Terra, da mesma maneira que o Kâma-rûpa é o quarto princípio do homem. Pois a Terra tem seus sete princípios como as criaturas humanas que nela habitam. Assim, o estado devachânico corresponde ao quinto princípio da Terra e o Nirvana, ao sexto.

7. A ONDA DA MARÉ HUMANA

Já dei uma explicação geral do modo como a grande onda humana evolucionária passa, dando voltas em torno dos sete mundos que compõem a cadeia planetária da qual a Terra é parte. Agora se podem acrescentar novos pormenores, objetivando expandir esta idéia geral para que se atinja uma completa compreensão do processo com que se relaciona. E nenhum capítulo adicional da grande história irá influenciar mais, no sentido de tornar seu caráter inteligível, do que a explicação de certos fenômenos relacionados ao progresso dos mundos, os quais podem propriamente ser denominados obscurecimentos. Os estudantes de filosofia oculta, que assumem esta tarefa com suas mentes abundantemente providas de outras idéias, tendem a interpretar erroneamente as primeiras afirmações que foram feitas. Não se pode dizer tudo de uma vez, e as primeiras explicações gerais sugerem conceitos com relação aos pormenores, muito provavelmente errôneos, mesmo em se tratando de pensadores de mente mais ativa e inteligente. Esses leitores não se satisfazem com um esboço vago, mesmo por um momento. A imaginação completa a tela, e se a obra permanece sem retoques por um tempo qualquer, seu autor logo se surpreenderá ao verificar que os últimos relatos são incompatíveis com o que ele chegou a considerar como sendo o que

nitidamente se ensinou no início. Ora, neste estudo, o esforço do escritor é no sentido de expor o assunto de tal forma que evite, na medida do possível, um prematuro crescimento de erva daninha na mente. Mas este mesmo esforço requer, às vezes, que se avance celeremente, deixando alguns detalhes, e mesmo detalhes muito importantes, para serem captados numa segunda viagem pelo antigo caminho. Assim, portanto, o leitor será bastante amável para retornar à explicação que fornecemos no Capítulo 3, relativo ao progresso evolucionário através de toda a cadeia planetária. Algo foi dito então sobre o modo como o impulso de vida passava de planeta em planeta sob a forma de "ondas ou jorros, e não por meio de um fluxo contínuo". Agora, o curso da evolução em seus primeiros estados é tão contínuo que a preparação de vários planetas para a onda final da humanidade pode estar ocorrendo simultaneamente. Com efeito, a preparação de todos os diversos planetas pode ocorrer simultaneamente, em certo momento do processo, mas o ponto importante a reter é que a onda principal da evolução — a onda crescente que se move na dianteira - não pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. O processo ocorre de maneira capaz de ser descrita, mas o leitor o compreenderia melhor se desenhasse um diagrama, quer num papel, quer em sua própria imaginação, que consistisse de sete círculos (representando os mundos) ordenados em forma de anel. Denominando-os A, B, C, etc., se observará, com base no que já se afirmou, que o círculo (ou globo) D representa a nossa Terra. Pois bem, lembrese de que os reinos da Natureza, conhecidos dos ocultistas, são em número de sete, dos quais três são relativos às forças astrais e elementais, precedendo os reinos materiais, mais grosseiros na ordem de seu desenvolvimento. O reino número 1 evoluciona no globo A e passa ao globo B, no momento em que o reino número 2

começa a evolucionar no globo A. Dando continuidade a este sistema até o fim, com certeza há de se ver que, quando o reino número 1 está evolucionando no globo G, o reino número 7, ou seja, o reino humano, está se desenvolvendo no globo A. E agora vejamos: o que acontece assim que o reino 7 passa ao globo B? Não há um oitavo reino que funcione no globo A. Os grandes processos da evolução culminam na onda final da humanidade, que, ao seguir seu curso, deixa atrás de si a Natureza numa letargia transitória. Quando a onda de vida continua no globo B, o globo A, de fato, entra durante algum tempo num estado de obscurecimento. Este estado não é de decadência, nem de dissolução, nem de nada que propriamente se chame de morte. A própria decadência, embora seu aspecto possa induzir em erro, representa um estado de atividade em determinada direção. Esta consideração fornece uma chave para o significado de uma porção de coisas que de outra maneira seriam desprovidas de sentido, nessa parte da mitologia hindu relacionada com as deidades que regem a destruição. O obscurecimento de um mundo é a cabal suspensão de sua atividade. Isto não significa que, desde o momento que a última mônada humana abandona um dado mundo, esse mundo se paralisa por alguma convulsão ou submerge no estado de transe encantado de palácio adormecido. A vida vegetal e a anima continuam como antes, durante certo tempo, porém o seu caráter retrocede em lugar de avançar. A grande onda de vida o abandonou. Os reinos vegetal e animal voltam gradualmente ao estado em que se achavam quando pela primeira vez os alcançou a grande onda de vida. São precisos enormes períodos de tempo para esse lento processo, mediante o qual o mundo obscurecido se entrega ao sono, pois, como se há de ver, o obscurecimento, em cada caso, dura seis vezes12 mais tempo que o período de ocupação de cada mundo pela onda humana. 12

Ou pode-se dizer cinco vezes, tendo-se em conta o meio período da manhã que precede e o meio período da tarde, que segue o dia da atividade integral.

Vale dizer: o processo que ocorre, segundo já foi descrito, com relação à passagem da onda de vida, do globo A ao globo B, repete-se ao longo de toda a cadeia. Quando a onda passa a C, B fica em obscurecimento, do mesmo modo que A. Então D recebe a onda de vida, e A, B, C ficam em obscurecimento. Quando a onda chega a G, todos os seis mundos precedentes encontram-se em obscurecimento. Enquanto isso, a onda de vida prossegue com certa progressão regular, cujo caráter simétrico satisfaz muito as inclinações científicas. O leitor, a partir disto, está preparado para compreender a idéia de como a humanidade se desenvolve através das sete grandes raças, durante cada período de Ronda num planeta — ou seja, durante a ocupação desse planeta pela onda de vida. A quarta raça é obviamente a raça do meio da série. Assim que se passa deste ponto médio e começa a evolução da quinta raça em qualquer planeta, começa, no seguinte, a preparação da humanidade. Por exemplo, a evolução da quinta raça em E está na mesma proporção que a evolução, ou antes que a revivescência do reino mineral em D, e assim sucessivamente. Quer dizer, a evolução da sexta raça em D coincide com a revivescência do reino vegetal em E; a sétima raça em D, com a revivescência do reino animal em E e logo, quando os últimos montículos da sétima raça em D tenham passado ao estado subjetivo ou mundo dos efeitos, o período humano em E começa, e a primeira raça inicia ali seu desenvolvimento. Entrementes, o período crepuscular no mundo, que precede a D, converteu-se na noite do obscurecimento do mesmo modo progressivo, e esse toma-se definitivo ali, quando o período humano em D passa seu ponto médio. Mas assim como o coração do homem bate e continua a respiração, não importa quão profundo seja o seu sono, assim também continua o processo de ação vital no mundo em repouso, mesmo nos momentos de sono mais profundo. Este processo conserva para a próxima volta da onda humana

os resultados da evolução, que precederam a sua primeira chegada. O despertar de um planeta, dessa forma, é um processo mais longo que o de sumir-se no repouso, pois precisa atingir um grau maior de perfeição para a volta da onda humana, que aquele em que se encontrava quando a última onda deixou as suas costas. Mas a cada novo começo, a Natureza é infundida por um vigor próprio — a frescura de uma manhã — e o último período de obscurecimento, que é um tempo de preparação e de esperança, por assim dizer, reveste a própria evolução com uma nova energia. Quando a grande onda de vida volta, tudo está pronto para a sua recepção. Na primeira exposição que fizemos deste assunto indiquei, mais ou menos, que os diversos mundos, que constituem a nossa cadeia planetária, não eram da mesma matéria. Pondo o conceito de espírito no pólo norte do círculo, e o de matéria no pólo sul, os mundos do arco descendente variam em materialidade e espiritualidade, o mesmo ocorrendo com os do arco ascendente. Esta variação deve agora ser considerada com mais atenção, se o leitor deseja compreender todo o processo da evolução de uma forma mais integral do que até aqui. Além da Terra, que se acha no ponto material mais baixo de todos, somente há dois mundos de nossa cadeia que são visíveis aos olhos físicos: um atrás e o outro diante dela. Estes dois mundos são, na verdade, Marte e Mercúrio — Marte está antes do nosso e Mercúrio depois —, Marte, num estado de obscurecimento completo na atualidade, no que diz respeito à onda de vida humana, e Mercúrio, que acaba justamente de preparar-se para seu próximo período humano13. 13

É importante observar aqui, em benefício das pessoas que pretendam objetai, do ângulo da física, que Mercúrio se encontra muito próximo do Sol, e conseqüentemente demasiado quente para poder ser uma habitação apropriada para o Homem, que, num relatório oficial do Departamento de Astronomia dos Estados Unidos sobre as recentes "Observações do Monte Whitney", pode tomar-se declarações capazes de sustar a crítica à ciência oculta neste ponto. Os resultados das observações de Monte Whitney sobre a absorção seletiva dos raios solares demonstram, segundo o relatório oficial, que é de supor as condições de uma atmosfera que tornasse Mercúrio habitável, num extremo da escala, e Saturno no outro. Não temos de tratar de Saturno agora. Nem se fosse necessário explicar, pelos princípios ocultos, a habitabilidade de Mercúrio, não teríamos de abordar

Os dois planetas que estão atrás de Marte e os dois que seguem a Mercúrio não são constituídos por uma ordem de matéria capaz de ser percebida pelo telescópio. Dos sete planetas, quatro são, pois, de natureza etérea, os quais as pessoas que só concebem a matéria em sua forma terrena tenderão a chamar de imaterial. Mas efetivamente nada têm de imateriais. Eles simplesmente pertencem a estados de matéria mais sutis que os da Terra. Essa sutileza não anula de modo algum a uniformidade do desígnio da Natureza com relação aos métodos e graus de sua evolução. Dentro da escala de sutil "invisibilidade", as Rondas e as raças sucessivas da humanidade passam por seus graus de maior e menor materialidade, do mesmo modo que nesta Terra; mas todo aquele que queira compreendê-los deve primeiro compreender esta Terra e esclarecer por analogia os seus delicados fenômenos. Voltemos, portanto, à consideração da grande onda de vida, em seus aspectos, neste planeta. Assim como a cadeia de mundos, tomada como unidade, tem seus pólos norte e sul, ou seus pólos espiritual e material, descendo da espiritualidade à materialidade e subindo outra vez à primeira, assim também as rondas da humanidade constituem uma série semelhante, como que simbolizando a cadeia planetária. Com efeito, na evolução do homem, tanto em cada plano isolado como no conjunto há um arco descendente e outro ascendente: o espírito, por assim dizer, envolvendo-se na matéria e a matéria desenvolvendo-se no espírito. O ponto inferior cálculos a respeito da absorção seletiva. O fato é que a ciência corrente considera o Sol, ao mesmo tempo demasiado e demasiado pouco, como o depósito da força do Sistema Solar — demasiado, na medida em que o calor dos planetas se relacionam com outra influência completamente distinta do Sol, influência esta que não será por completo entendida até que se saiba mais que até o presente sobre as correlações entre o calor e o magnetismo e da poeira meteórica magnética que permeia os espaços interplanetários. Entretanto, basta - para refutar qualquer teoria que pudesse opor-se às explicações que agora são dadas, do ponto de vista dos fiéis devotos da ciência do último ano — que seja assinalado que tais objeções estariam antiquadas. A ciência moderna é muito progressiva - sendo este um de seus maiores méritos — porém, não é um costume meritório nos cientistas modernos crer, em cada etapa de seu progresso, que todos os conceitos incompatíveis com esta etapa devam ser necessariamente absurdos.

ou mais material no ciclo converte-se, deste modo, no ápice invertido da inteligência física, que é a manifestação mascarada da inteligência espiritual. Cada Ronda da humanidade evoluída no arco descendente (ou mesmo cada raça de cada Ronda, se descemos a espelhos menores do cosmos) tem de ser mais fisicamente intelectual que a sua predecessora, e cada uma no arco ascendente deve ser investida de uma forma mais refinada de mentalidade misturada com uma maior intuição espiritual. Na primeira Ronda, portanto, encontramos o homem como um ser relativamente etéreo (mesmo comparado na Terra com o estado que alcançou aqui agora), não intelectual, mas sim superespiritual. Do mesmo modo, o animal e o vegetal que o circunda, habita um corpo imenso, mas de organização não consistente. Na segunda Ronda é ainda gigantesco e etéreo, porém mais consistente e mais condensado: um homem mais físico, porém menos inteligente que espiritual. Na terceira Ronda, desenvolveu um corpo perfeitamente concreto e compacto, primeiramente sua forma é mais a de um macaco gigante do que a de um homem verdadeiro, porém com inteligência mais e mais pronunciada. Na primeira metade da terceira Ronda, a sua estatura gigantesca decresce, o seu corpo melhora em contextura e ele começa a ser um homem racional. Na quarta Ronda, o intelecto, então plenamente desenvolvido, adquire um enorme progresso. As primeiras raças com que se principia a Ronda adquirem a linguagem humana, tal como a entendemos. O mundo prolifera dos resultados da atividade intelectual e da decadência espiritual. Na metade da quarta Ronda aqui, se transpõe o ponto polar de todo o período dos sete mundos. Desse ponto em diante, o Ego espiritual inicia a sua verdadeira luta com o corpo e a mente, para manifestar os seus poderes transcendentais. Na quinta Ronda, a luta prossegue, mas as faculdades transcendentais estarão completa-mente desenvolvidas, embora a luta entre estas e

as tendências físicas seja mais feroz que nunca, porque a inteligência da quinta Ronda, bem como sua espiritualidade, é mais avançada do que a da quarta. Na sexta Ronda, a humanidade atinge um grau de perfeição tanto do corpo como da alma, da inteligência como da espiritualidade, sendo difícil de imaginá-lo a partir dos mortais comuns de nossa época. As combinações excelsas de sabedoria, bondade e iluminação transcendental, que o mundo tenha visto ou pensado, representarão o tipo comum da espécie humana. Essas faculdades que agora, na rara eflorescência de uma geração, permitem a algumas pessoas extraordinariamente dotadas explorar os mistérios da Natureza e adquirir o conhecimento do qual se oferecem agora algumas migalhas (por meio destes escritos e de outros meios) ao mundo em geral, serão então apanágio comum a todos. Quanto ao que seja a sétima Ronda, os mestres ocultos mais comunicativos mantêm um silêncio solene. A humanidade da sétima Ronda será bastante semelhante a Deus para que a humanidade da quarta possa pressupor seus atributos. Durante a ocupação de qualquer planeta pela onda de vida humana, cada mônada individual se encarna muitas vezes. Se a mônada apenas passasse uma existência em cada uma das raças ramais, pelas quais deve passar pelo menos uma vez, o número total que se atingira numa Ronda seria 343, ou seja, a terceira potência de 7. Mas, na verdade, cada mônada se encarna duas vezes em cada raça ramal, assim como também faz necessariamente mais algumas encarnações extras. Por motivos que não são fáceis de adivinhar pêlos leigos, os portadores do conhecimento oculto são particularmente pouco comunicativos quanto a dados numéricos sobre a cosmogonia, por mais que para o não iniciado seja incompreensível tal reserva. Na atualidade, por exemplo, não podemos externar qual é a duração verdadeira, em anos, do período de uma Ronda. Não obstante,

obtivemos uma concessão — que só poderiam apreciar inteiramente os que foram, de há muito, estudantes de ocultismo pelo método antigo — relativa aos números que imediatamente nos dizem respeito. Essa concessão, em todo caso, é valiosa porque nos ajuda a elucidar um fato interessante relacionado com a evolução, em cujo limiar chegamos agora. Este fato é que, na Terra, por exemplo, estando habitada atualmente pela humanidade da quarta Ronda, ou seja, pela onda da vida humana em sua quarta viagem ao redor do círculo dos mundos, podem existir entre nós algumas poucas pessoas, poucas em relação ao número total, que, propriamente falando, pertencem à quinta Ronda. Pois bem, no sentido do termo ora empregado, não há que supor que, por algum procedimento milagroso, alguma unidade individual tenha viajado ao redor da cadeia dos mundos uma vez mais do que seus parceiros. Dadas as explicações que foram apresentadas de como progride a onda da humanidade, compreender-sê-á que isso seria impossível. A humanidade ainda não fez a sua quarta visita, nem mesmo ao planeta que segue ao nosso. Mas as mônadas individuais podem passar às suas companheiras o seu desenvolvimento intelectual, e assim converter-se exatamente no que o geral da espécie humana será quando a quinta Ronda se tiver desenvolvido integralmente. Isto pode ocorrer de dois modos. Um homem nascido como um indivíduo comum da quarta Ronda pode converter-se, por meio do processo da instrução oculta, num homem com todos os atributos de um homem da quinta Ronda, e assim tornar-se o que denominamos um homem da quinta Ronda artificial. Mas independentemente de todos os esforços que faça o homem em sua presente encarnação, ele pode também nascer como o da quinta Ronda, no meio da Humanidade da quarta, devido ao número total de suas encarnações prévias.

Se x representa o número normal de encarnações que uma mônada, no decurso da Natureza, tem de passar durante um período de Ronda num planeta, e y a margem de encarnações extras, que no mesmo período pode chegar a atravessar por um forte desejo de vida física, então é evidente que: 24 1/2 (x + y) pode exceder 28 x. Vale dizer: uma mônada pode em 3 1/2 Rondas realizar tantas encarnações quanto uma mônada comum em quatro Rondas completas. Em menos de 3 1/2 Rondas esse resultado não seria obtido, de modo que apenas agora, depois de haver ultrapassado o ponto médio da evolução deste planeta médio, é que os da quinta Ronda começam a aparecer. Não é possível na natureza das coisas que uma mônada possa se avantajar a suas companheiras em mais de uma Ronda Ainda assim, Buda era um homem da sexta Ronda, mas este fato relaciona-se com um grande mistério fora dos limites do presente cálculo. Basta dizer por ora que a evolução de um Buda se relaciona com algo mais do que simples encarnações dentro dos limites de uma cadeia planetária. Desde que estes cálculos compreendam grande número de vidas, nas sucessivas encarnações de uma mônada individual, é importante neste ponto, para evitar interpretações errôneas, indicar que os períodos de tempo que abrangem essas encarnações são tão grandes que, apesar do seu número, separam-nas vastos intervalos. Conforme afirmado anteriormente, não podemos agora fornecer a duração verdadeira dos períodos de Rondas. Nem mesmo se podem citar números indicadores da duração desses períodos, porque variam muito dentro de extensos limites. Mas apresentaremos um fato simples que foi claramente manifestado por uma autoridade oculta superior. A presente raça da humanidade, isto é, a presente quinta raça da quarta Ronda, começou a evoluir há um milhão de anos. E esta ainda não acabou. Mas, supondo que um milhão de anos constitua a vida completa de

uma raça14, como haveria de subdividi-lo para cada mônada individual? Em uma raça deve haver mais do que 100 encarnações, sendo difícil que atinjam 120 para uma mônada individual. Mas aceitemos que já tenha havido 120 encarnações para as mônadas na raça atual. E suponhamos que a média da vida de cada encarnação tenha sido um século, mas mesmo assim só teríamos 12.000 anos empregados na existência física, enquanto para a esfera subjetiva são 988.000 anos, resultando uma média de mais de 800 anos entre cada encarnação. Com certeza, estes períodos intermediários são de duração muito variável, mas dificilmente seriam menores que 1.500 anos — não considerando, naturalmente, o caso dos Adeptos, que se acham inteiramente fora da ação da lei comum — e 1.500 anos, se não representa um período impossível pela brevidade, seria de toda forma um intervalo muito curto entre dois nascimentos. Entretanto, esses cálculos devem ser qualificados por duas considerações. Os casos de crianças que morrem na infância são bem diferentes dos das pessoas que atingem a maturidade completa, e isto por razões evidentes, que serão compreendidas pelas explicações que já foram dadas. Uma criança que morre antes que tenha vivido o suficiente para começar a ser responsável por seus atos, não gerou karma novo algum. A mônada espiritual abandona o corpo da criança, no mesmo estado em que o ocupou após sua morte no Devachan. Não teve ocasião de tocar seu novo instrumento, o qual se quebrou antes de estar afinado. Portanto, pode ocorrer imediatamente uma reencamação da mônada, na mesma linha que a anterior. Mas a mônada que se reencarna assim não pode ser identificada espiritualmente, de modo algum, com a criança que morreu. O mesmo ocorre com 14

A vida completa de uma raça é certamente muito mais longa que isso. Mas quando manipulamos números desse tipo, penetramos num terreno bastante delicado, porque os períodos exatos são segredos profundos, por razões que os estudantes não-inicia-dos (“chelas laicos", como dizem agora os Adeptos, ao cunhar uma designação nova para um estado de coisas novo) só imperfeitamente podem presumir. Cálculos como os mostrados acima podem merecer confiança tomados literalmente no que abrangem, mas não devem ser considerados irrefletidamente como base para outros.

uma mônada que ocupe o corpo de um idiota de nascimento. O instrumento não pode ser afinado, de forma que não pode tocar com ele, nem tampouco com o corpo da criança nos primeiros anos da infância. Mas esses dois casos são exceções claras que em nada modificam a regra geral, que foi exposta antes, para todas as pessoas que chegam à maturidade e que empregam suas vidas terrenas para o bem ou para o mal.

COMENTÁRIOS

Notícias posteriores e o estudo — ou seja, a comparação dos diferentes ramos da doutrina e o acréscimo de outras declarações como aquelas do capítulo anterior — demonstram a dificuldade de se aplicar números, de modo notadamente definido, às Doutrinas Esotéricas. Pode-se confiar em cifras, quando representam médias gerais, mas induzem a grandes erros quando se trata de aplicá-las em casos especiais. Os períodos devachânicos variam, para diferentes pessoas dentro de limites tão amplos, que qualquer regra que se baseie neste ponto deve provocar muitas críticas. Primeiramente, a média antes mencionada foi, sem dúvida, calculada para adultos. Entre a criança pequena, que não tem período devachânico, e o adulto que completa um período médio, devemos ter presentes as pessoas que morrem na juventude, que acumularam karma e que, portanto, têm de passar pelas etapas habituais do desenvolvimento espiritual, mas para os quais a vida curta que tiveram não produziu causas que exijam muito tempo para esgotar seus efeitos. Essas pessoas

voltariam

a

reencarnar-se

depois

de

uma

breve estada

correspondente no mundo dos efeitos. Por outro lado, há casos de encarnações artificiais, que se realizam pela intervenção direta dos Mahâtmâs, quando um cheia,

que, ainda sem ter adquirido o domínio de fazê-lo por si mesmo, é atraído à encarnação quase imediatamente após sua morte física precedente, sem que tenha sido necessário flutuar na corrente das causas naturais. Nesses casos, pode-se dizer que os direitos adquiridos por essas pessoas, com relação aos Mahâtmâs, são causas naturais de certo gênero. E a intervenção dos Mahâtmâs, que se acham isentos de agir por capricho em tais assuntos, é fruto do esforço de suas vidas precedentes e, portanto, de seus karmas. Mas, de todas as formas, esses casos são outras tantas exceções, no andamento da regra geral. Obviamente, é impossível que, quando pela primeira vez são apresentados a inteligências profanas os fatos complicados de uma ciência completamente desconhecida, se possam expor com todas as suas devidas qualificações, compensações e desenvolvimentos anormais visíveis desde o início. Devemos contentar-nos em tratar primeiro das regras gerais, para passarmos depois às exceções, e isto ocorre muito particularmente no estudo do ocultismo, cujos métodos tradicionais de ensino, geralmente seguidos, têm por objetivo gravar na memória cada idéia nova, provocando uma perplexidade que é logo atenuada. Com respeito a outro assunto de que se tratou nas páginas anteriores, parece-nos agora que não se considerou exceção importante na Natureza. A descrição que fiz da evolução da onda humana é completamente coerente como foi apresentada, mas desde a publicação da edição original deste livro criticou-se, na índia, a comparação entre minha versão do assunto e certas passagens de outros escritos, emanados, ao que se sabe, de um Mahâtmâ. Foi notada uma discrepância entre as duas manifestações, visto que a outra versão admitia a possibilidade de que uma mônada possa efetivamente ter dado uma volta a mais ao redor dos sete planetas do que seus companheiros, entre os quais se encontra ultimamente na Terra. Minha

explicação sobre os obscurecimentos parece inviabilizar essa contingência. A chave desse mistério se encontra fora do domínio de fatos a respeito dos quais os Adeptos de bom-grado falam livremente. O leitor deve entender, assim, que a explicação que vou dar é fruto de minhas especulações e comparações das diferentes partes da doutrina — não sendo recebida nenhuma informação autêntica do autor de meu ensinamento geral. Os obscurecimentos são bastante completos ao nos demonstrarem todos os fenômenos descritos com relação a cada um dos planetas que afetam em sua totalidade. Mas os fenômenos excepcionais, para o que devemos estar sempre prevenidos, apresentam-se sempre, mesmo neste assunto. A grande massa da humanidade é conduzida de um planeta a outro por meio do grande impulso cíclico, quando chega o tempo dessa transição, mas o planeta que abandona não fica absolutamente destituído de humanidade, assim como tampouco todas as regiões de sua superfície se tomam impróprias como morada para os seres humanos, devido às mudanças físicas e climáticas que nelas ocorrem. Mesmo durante o obscurecimento, permanece no planeta uma pequena colônia humana, e as mônadas constitutivas dessas colônias, seguindo diferentes leis de evolução e fora do alcance dessas atrações que governam o vórtice principal da humanidade no planeta ocupado pela grande onda, passam adiante de mundo em mundo, no que poderia denominar-se a Ronda interna da evolução, muito mais à frente que a raça em geral. Quais podem ser as circunstâncias que arremessam, ocasionalmente, uma alma, ainda no meio do grande vórtice humano, para fora da atração do planeta ocupado pela onda, dentro da atração da Ronda Interna? Tal é a questão que no presente só podemos conjecturar de modo muito incerto.

Vale a pena chamar a atenção do leitor para a solução que acabo de apresentar acerca das Rondas Internas, sobre o modo como este fato da Natureza, cuja existência, suponho, se harmonizaria com as tão difundidas doutrinas a respeito do Dilúvio. Essas partes do planeta que permanecem habitáveis durante um obscurecimento seriam equivalentes à Arca de Noé dos relatos bíblicos, em seu sentido simbólico mais amplo. Certamente, a narrativa do Dilúvio tem também significados simbólicos menores, mas não parece improvável que os Cabalistas tenham associado a ela um significado mais lato que agora indicamos. No tempo devido, quando o planeta obscurecido volta a estar em condições de receber apenas a onda humana, os colonos da Arca estarão prontos para reiniciar o processo de povoá-lo de novo.

8. O PROGRESSO DA HUMANIDADE Como terá visto o leitor, o curso da Natureza impele todas as entidades humanas pela senda do progresso indefinido em direção a planos superiores de existência. Mas terá visto, igualmente, que a Natureza, dotando estas entidades com faculdades sempre crescentes, e ao ampliar constante-mente o escopo de sua atividade, fornece-lhes ao mesmo tempo oportunidades cada vez maiores para escolher entre o bem e o mal. Nas primeiras Rondas da humanidade, este privilégio de seleção não está inteiramente desenvolvido, em vista do que a responsabilidade dos atos é relativamente incompleta. As primeiras Rondas da humanidade, na verdade, não investem o Ego de nenhuma responsabilidade espiritual, no sentido lato da palavra, do que agora estamos nos aproximando. Os períodos devachânicos, que se seguem a cada existência objetiva, dispõem plenamente dos méritos e deméritos dessa existência, e a personalidade mais deplorável que o Ego pode desenvolver, durante a primeira metade de sua evolução, não se computa em relação à totalidade do empreendimento, ao passo que a personalidade propriamente culpável paga a sua pena relativamente curta, não voltando a perturbar a Natureza. Mas a segunda parte do grande período evolucionário ocorre sob princípios bem diversos. As fases de existência, que então se apresentam, não podem ser admitidas pelo Ego sem méritos positivos próprios, adequados aos novos

desenvolvimentos em perspectiva; não basta que a entidade, já completamente responsável e altamente dotada, em que o homem se converte no grande ponto de retomo de sua carreira, flutue preguiçosamente na corrente do progresso. Ela deve começar a nadar, se deseja prosseguir seu caminho para a frente. A complexidade do assunto, excluindo a hipótese de ocupar-nos de todas suas faces simultaneamente, fez com que nosso exame da Natureza tenha apenas considerado as sete rondas do desenvolvimento humano, que constituem todo o processo planetário que nos concerne, como uma série contínua, através da qual tem de passar a humanidade em geral. Mas deve-se lembrar que foi dito que a humanidade na sexta Ronda estará tão altamente desenvolvida que os atributos e faculdades sublimes do mais alto Adeptado serão apanágio comum de todos. Já na sétima Ronda, a raça quase terá saído do humano para converter-se no divino. Pois bem, todo ser humano, neste grau da evolução, estará identificado por uma ligação ininterrupta com todas as personalidades que foram engajadas no ciclo da vida, desde o início do grande processo evolucionário. Pode-se conceber que o caráter dessas personalidades seja irrelevante no final de contas, e que dois seres semelhantes a deuses podem encontrar-se juntos na sétima Ronda, sendo um desenvolvido através de uma longa série de irrepreensíveis e úteis existências e o outro por meio de outra não menos longa série de vidas perversas e degradadas? Isto certamente não pode acontecer, e devemos questionar agora: como se mantêm compatíveis as congruências da Natureza com a indicada evolução da humanidade para a forma mais elevada de existência que coroa o edifício? Assim como a infância é irresponsável por seus atos, as primeiras raças da humanidade

são

irresponsáveis

pêlos

seus.

Mas

chega

o

período

de

desenvolvimento completo, em que o integral desenvolvimento das faculdades que

possibilitam ao homem individual escolher entre o bem e o mal, na vida singular que ocupa no momento, permitem também ao Ego perdurável fazer a sua escolha final. Este período — esse enorme período, pois a Natureza não se apressa em colher suas criaturas numa armadilha em tal assunto — apenas principiou, sendo preciso que transcorra uma Ronda completa ao redor dos sete mundos antes que ele termine. Até que se tenha passado o ponto médio do quinto período nesta Terra, a grande questão — a de ser ou não ser no futuro — não se determina de modo irrevogável. Começamos agora a tomar posse das faculdades que tornam o homem um ser completamente responsável e ainda temos de empregar essas faculdades, durante a maturidade de nossa Egoidade, de modo que determine as imensas conseqüências do futuro. Durante a primeira metade da quinta Ronda é que acontece principalmente a luta. Até então, o curso corrente da vida pode ser uma boa ou má preparação para a luta, mas não se pode descrever honestamente que seja a própria luta. E agora temos de examinar a natureza da luta, que até agora consideramos como a escolha entre o bem e o mal. Isso não é, de forma alguma, inexato, mas sim, uma definição incompleta. O fenômeno que vamos analisar agora é o sempre freqüente e ameaçador conflito entre o intelecto e a espiritualidade. Os conceitos comuns que estas palavras denotam devem, em verdade, ser ampliados até certo ponto, para que se compreenda o conceito do ocultismo. Ora, o hábito de pensar europeu presta-se a representar na mente uma imagem ignóbil da espiritualidade, antes como um atributo do caráter que da própria mente — uma pálida benevolência nascida do apego ao cerimonial religioso e das aspirações devotas, quaisquer que sejam as noções excêntricas de Céu e de Divindade em que a pessoa de "mentalidade

espiritual" tenha sido educada. A espiritualidade, no sentido oculto, tem pouco ou nada a ver com o sentimento devoto. Relaciona-se com a capacidade da mente em assimilar o conhecimento na fonte original do próprio conhecimento — do conhecimento absoluto — em vez de fazê-lo por meio dos tortuosos e trabalhosos processos do raciocínio. O desenvolvimento do intelecto puro, a faculdade do raciocínio, foi por muito tempo uma atividade das nações européias, e nesse setor elas obtiveram do progresso humano tão magníficos triunfos, que nato haverá nada, na filosofia oculta, que seja menos aceitável para os mesmos europeus, enquanto estas idéias não forem bem apreendidas, do que o primeiro aspecto da teoria oculta sobre o intelecto e a espiritualidade. Porém, isso não provém tanto da indevida tendência da ciência oculta a desprezar o intelecto, como da indevida tendência da especulação ocidental moderna em desvalorizar a espiritualidade. Falando de modo geral, a Filosofia Ocidental não teve nenhuma ocasião de apreciar a espiritualidade. Não conhece o alcance das faculdades internas do homem. Ela somente tateou às cegas na direção da crença de que existem essas faculdades internas. O próprio Kant, o grande expositor moderno desta idéia, quando muito sustenta que existe a faculdade da intuição — se soubéssemos ao menos como operar com ela. O processo de operar com ela é a ciência oculta em seu aspecto mais elevado, é o cultivo da espiritualidade. O cultivo de um mero poder sobre as forças da Natureza, a investigação de alguns de seus segredos mais sutis no que diz respeito aos princípios internos, dominando os resultados físicos, é a ciência oculta em seu aspecto inferior e, nesta região inferior de sua atividade, a mera ciência física pode, ou mesmo deve, penetrar gradualmente. Mas a aquisição por meio do simples intelecto — a ciência física in excelsis — de privilégios que são patrimônio

da espiritualidade, é um dos perigos dessa luta que decide o destino definitivo do Ego humano. Pois há uma coisa que o processo intelectual não ajuda a humanidade a compreender: a natureza e a excelência suprema da existência espiritual. Ao contrário, o intelecto origina-se de causas físicas — a perfeição do cérebro físico — e tende unicamente aos resultados físicos, à perfeição do bem-estar material. Se bem que como concessão a "irmãos fracos" e à "religião", a qual olha com benévolo desdém, o intelecto moderno não condena a espiritualidade, considerando com certeza a vida humana física como o único assunto sério de que se ocupam os homens circunspectos, ou mesmo os filantropos austeros. Mas, evidentemente, se a existência espiritual, ou seja, a consciência vívida subjetiva, dura períodos maiores, na proporção de 80 para 1, no mínimo, conforme vimos ao tratar do estado devachânico, então a existência subjetiva do homem é mais importante do que a existência física. O intelecto, assim, incorre em erro, quando dirige todos os seus esforços à melhoria da existência física. Essas considerações demonstram que a escolha entre o bem e o mal — feita pelo Ego humano, no decurso da grande luta entre, o intelecto e a espiritualidade — não é uma mera escolha entre idéias que tão claramente se diferenciam, como a iniqüidade e a virtude. Não é uma questão tão primária como essa — que o homem seja mau ou bom — que realmente deve ser a decisiva, no ponto de retomo crítico final; se terá, por isso, de continuar vivendo e se desenvolvendo em planos superiores de existência, ou deixar de viver totalmente. A verdade do assunto é (se não for uma imprudência, em nosso estágio de progresso, descobrir a superfície de um novo mistério) que a questão de ser ou não ser não se determina por um homem completamente mau ou bom. Pode-se ver com toda clareza que deve haver uma espiritualidade má, assim como uma espiritualidade boa. De modo que a grande

questão da continuidade da existência baseia-se, total e necessariamente, na questão da espiritualidade comparada com o físico. O ponto não é tanto de "se um homem deve viver, se é bastante bom para se lhe permitir continuar vivendo", como de se pode o homem viver por mais tempo nos planos superiores da existência, para os quais a humanidade deve finalmente evoluir. Está ele apto para viver pelo desenvolvimento da parte perdurável de sua natureza? Se não está, chegou ao fim de sua tarefa. Não é preciso apressar-se em concluir que a filosofia oculta considera o vício e a virtude sem importância, no tocante aos destinos espirituais humanos, porque não se encontra na Natureza que estas características determinem o progresso final da evolução. Não há sistema que seja tão impiedosamente inflexível em sua moralidade, como o sistema que a filosofia oculta pesquisa e explica. Mas o que é o vício e a virtude determinam por si mesmos é o sofrimento ou a felicidade, não o problema final da continuidade da existência, mais além desse período imensamente afastado, quando, no progresso da evolução, o homem tiver principiado ser algo mais do que homem, e não possa prosseguir na senda do progresso com o auxílio de atributos humanos relativamente inferiores. Além disso, é verdade que não se pode imaginar que a virtude deixe, em qualquer grau determinado, de produzir, em seu devido tempo, os elevados atributos requeridos, mas não seríamos cientificamente exatos se a tomássemos como a causa do progresso nas etapas finais da elevação, embora ela possa provocar o desenvolvimento daquilo que é a causa do progresso. Esta consideração — de que as últimas etapas do progresso são determinadas pela espiritualidade, não levando em conta seu matiz moral — contém o grande significado da doutrina oculta de que, "para ser imortal no bem, é preciso

identificar-se com Deus; para ser imortal no mal, com Satã. Estes são os dois pólos do mundo das almas; entre estes dois pólos vegeta e morre, sem lembrança alguma, a parte inútil da humanidade15". O enigma, como todas as fórmulas ocultas, tem uma aplicação menor (adequada quer ao microcosmos quer ao macrocosmos), e em sua significação menor refere-se ao Devachan ou ao Avitchi, e ao destino do não-ser das personalidades descoloridas. Mas, em seu significado principal reportase à classificação final da humanidade na metade da grande quinta Ronda, a aniquilação dos Egos completamente destituídos de espiritualidade e a continuação dos outros, por serem imortais no bem ou imortais no mal. Justamente o mesmo significado aplica-se à passagem do Apocalipse (III 15,16): "Sê frio ou quente; porque, por seres morno, e nem frio, nem quente, eu te vomitarei de minha boca." Portanto, a espiritualidade não é a aspiração devota. É o gênero de intelecto mais elevado, o que conhece as funções da Natureza por meio da assimilação direta da mente a seus princípios superiores. A objeção que a inteligência física apresenta a essa opinião é a de que a mente nada pode conhecer, a não ser por meio da observação dos fenômenos e do raciocínio a respeito deles. Isto é o erro, ela pode fazê-lo e a existência da ciência oculta é a mais elevada prova disso. E há por toda parte ao redor de nós sugestões que apontam na direção dessa prova, se tivermos a paciência de analisar seus verdadeiros significados. Sendo infundado dizer, diante dos fenômenos da clarividência — por imperfeitos e grosseiros que tenham sido os que se impuseram à atenção do mundo —, que não existem outras vias de acesso à consciência, a não ser a dos cinco sentidos. Com certeza, no mundo comum, a faculdade clarividente é extremamente rara, mas indica a existência, no homem, de uma faculdade potencial, cuja natureza, conforme se infere de suas mais insignificantes manifestações, é sem dúvida capaz, em seu desenvolvimento mais 15

ÉliphasLévi.

elevado, de conduzir à assimilação direta do conhecimento, independentemente da observação. Uma das maiores dificuldades que bloqueiam a presente tentativa de traduzir a doutrina esotérica em linguagem corrente se deve, principalmente, ao fato de que a percepção espiritual, à parte de todo processo ordinário de aquisição do conhecimento, constitui uma grandiosa e importante possibilidade da natureza humana. Tal é o médoto utilizado pelos Adeptos para instruir seus discípulos no curso regular da educação oculta. Eles despertam o sentido adormecido do discípulo, e por seu intermédio imbuem em sua mente o conhecimento de que determinada doutrina é a verdade real. Todo o esquema da evolução, descrito nos capítulos anteriores, infiltra-se na mente regular do cheia, pelo fato de que se lhe faz ver o processo que acontece mediante a visão clarividente. Em sua instrução não se usam as palavras, pois os Adeptos, para os quais os fatos e procedimentos da Natureza são familiares como os dedos da mão para nós, acham muito difícil explicar num ensaio, que não podem ilustrar de modo que produza imagens mentais em nosso adormecido sexto sentido, a anatomia complexa do sistema planetário. Com certeza, não é de se esperar que a humanidade em geral se encontre já consciente da posse do sexto sentido, visto que o tempo de sua atividade ainda não chegou. Já se declarou que cada Ronda por sua vez se destina a aperfeiçoar no homem o princípio correspondente em sua ordem numérica e a sua preparação para assimilar a que se segue. As Rondas iniciais referem-se ao homem que foi descrito como se assemelhando a uma sombra destituída de coesão e de inteligência. O primeiro princípio de todos, o corpo, foi desenvolvido, mas simplesmente se adaptava à vitalidade e não se parecia a nada ao que agora nós podemos representar. A quarta Ronda, na qual hoje estamos envolvidos, é a Ronda em que se

desenvolve totalmente o quarto princípio, a Vontade, o Desejo, com o qual se empenha por integrar-se ao quinto princípio, a razão, a inteligência. Na quinta Ronda, a razão inteiramente desenvolvida, a inteligência ou a alma, em que mora então o Ego, deve integrar-se ao sexto princípio, a espiritualidade, ou renunciar totalmente à existência. Todos os leitores da literatura budista estão familiarizados com as freqüentes referências ali feitas sobre a união da alma do Arhat com Deus. Em outras palavras, isto exprime o desenvolvimento prematuro de seu sexto princípio, Ele força seu caminho através de todos os obstáculos que impedem essa operação, no caso de um homem da quarta Ronda, para atingir essa etapa da evolução que está reservada para o resto da humanidade — ou melhor, daquela parte da humanidade que chega a esse estado no curso ordinário da Natureza —, na última parte da quinta Ronda. Para isso, há de se observar que ele tem de atravessar todo o grande período do perigo, ou seja, a metade da quinta Ronda. Esta é a estupenda proeza do Adepto, com relação a seus próprios interesses pessoais: alcançou a outra margem afastada desse mar no qual grande parte da humanidade perecerá. Ali espera pela chegada de seus companheiros com uma satisfação que as pessoas nem sequer podem entender, a menos que possuam alguns vislumbres de espiritualidade, de sexto sentido. Apresso-me a dizer, para evitar uma interpretação errônea, que esta espera não é no corpo físico, pois tendo adquirido finalmente o privilégio de abandoná-lo à vontade, permanece num estado espiritual que seria insensato tentar descrevê-lo, pois até os estados devachânicos da humanidade comum se acham fora do alcance da imaginação não educada na ciência espiritual. Mas, voltando ao curso normal da humanidade e ao desenvolvimento das entidades, na sexta Ronda, de homens e mulheres, que não se tornam Adeptos

numa etapa prematura de sua carreira, há de se observar que este é o curso ordinário da Natureza, num sentido da expressão, como também é este o curso ordinário da Natureza, para cada grão de trigo desenvolvido que cai no solo apropriado e se converte numa espiga. Assim como são muitos os grãos que não chegam a esse ponto, muitos são os Egos humanos que não passam pelas provas da quinta Ronda. O esforço final da Natureza, ao desenvolver o homem, é evolucioná-lo num ser imensamente superior, para ser um agente consciente e, por fim, no que ordinariamente se entende por princípio criador da própria Natureza. O primeiro empreendimento que se leva a cabo é desenvolver a livre vontade. O segundo é perpetuar esta vontade induzindo-a a que se una com o objetivo final da Natureza, isto é, com o bem. No curso dessa operação, é inevitável que grande parte da vontade livre desenvolvida se volte para o mal, e, depois de produzir um sofrimento temporário, seja dispersa e aniquilada. Mais do que isso: o objetivo final apenas se concretiza por um gasto enorme de material. Assim como isto ocorre nos estágios inferiores da evolução, onde de cada mil sementes que um vegetal produz, unicamente uma chega a frutificar-se numa planta, do mesmo modo também os germes divinos da Vontade são semeados no peito de cada homem, com a mesma abundância que as sementes arrastadas pelo vento. Deverá ser impugnada a justiça da Natureza pelo fato de que muitos desses germes perecem? Tal idéia só pode brotar numa mente que não compreende o espaço existente na Natureza para o desenvolvimento de cada germe que escolhe estender-se como preferir, seja numa ordem grande ou pequena. Se a alguém parece horrível que uma "alma imortal" deve perecer, sob quaisquer circunstâncias, essa impressão só advém do pernicioso costume de considerar tudo o que não é vida microscópica como eternidade. Nas esferas subjetivas há espaço, assim como tempo, no manvantara da cadeia

planetária, mesmo antes que nos aproximemos do período Dhyan Chohânico ou Divino, para além do que o cérebro comum tem concebido até agora como imortalidade. Cada ação boa e cada impulso elevado que tenha realizado ou sentido qualquer ser humano deve reverberar, através de evos de existência espiritual, sendo a entidade interessada capaz ou não de florescer no sublime e estupendo desenvolvimento da sétima Ronda. A especulação exotérica acredita que apenas das causas que se geram numa de nossas breves vidas na Terra resultam efeitos eternos! Espera-se que nessa milésima parte de nossa vida objetiva na Terra, durante a permanência nela da onda de vida evolucionária, perceba a Natureza causa suficiente para decidir toda a nossa carreira futura. Na verdade, a Natureza dará um retomo muito grande para um gasto comparativamente muito pequeno da força de vontade humana na direção certa que, por mais estranha que possa parecer essa expectativa recém-afirmada, por mais estranha que ela possa ser quando aplicada às vidas comuns, uma breve existência algumas vezes pode bastar para antecipar o crescimento de milhares de anos. O Adepto pode, em apenas uma encarnação16, conseguir tanto adiantamento que o seu crescimento posterior é certo, é meramente uma questão de tempo. Porém, nesse caso, a semente-germe, que produz um Adepto em nossa vida, deve ter sido muito perfeita, e as condições de seu desenvolvimento muito favoráveis, além do esforço do próprio homem vivido constantemente e muito mais concentrado, mais intenso, mais ardoroso, do que é possível realizar um profano não-iniciado. Já nos casos comuns, a vida que está dividida entre o gozo material e a aspiração espiritual, por mais sincera e harmoniosa que seja esta última, só pode produzir o correspondente duplo resultado de uma recompensa espiritual no Devachan e um novo nascimento na Terra. 16

Na prática, minha impressão é a de que isso se consegue raramente numa vida na Terra mas, antes, em duas ou três encarnações artificiais

Observe-se que o modo como o Adepto se liberta da necessidade desse novo nascimento é perfeitamente científico e simples, por mais que pareça um mistério teológico quando se explica nos escritos exotéricos com relação a karma, Skandna, Tríshnâ e Tanhâ, e assim sucessivamente. A próxima vida terrena é conseqüência das afinidades geradas pelo quinto princípio, ou seja, a alma humana permanente (assim

como

as

experiências

devachânicas

são

o

desenvolvimento

dos

pensamentos e aspirações de um caráter elevado) desenvolvida pela pessoa durante a vida. Vale dizer: as afinidades que se engendram nos casos comuns são parte materiais e parte espirituais. Assim, fazem a alma apresentar, em sua entrada no mundo dos efeitos, uma dupla série de atrações que lhe são inerentes, sendo uma série produtora das conseqüências subjetivas de sua vida devachânica e a outra que se desperta no final dessa vida, fazendo essa alma voltar à reencarnação. Mas se a pessoa durante sua vida objetiva não desenvolve absolutamente nenhuma afinidade com a existência material, na ocasião de sua morte a alma se encontra com todas suas atrações tendendo na direção da espiritualidade, sem nada que a impulsione a voltar à vida objetiva, e então ele não retorna. Eleva-se a um estado de espiritualidade correspondente à intensidade das atrações ou afinidades nessa direção e se corta o outro fio de ligação. Ora, a presente explicação não abrange todo o assunto, porque o próprio Adepto, por mais elevado que seja, volta à encarnação eventualmente, após o resto da humanidade ter cruzado o grande período divisório na metade da quinta Ronda. Até que se atinja a exaltação da Espiritualidade Planetária, a mais elevada alma humana precisa manter ainda uma certa afinidade com a Terra, embora não com a vida terrena de prazeres físicos e de paixões que atravessamos no momento. Todavia, o ponto importante que devemos compreender sobre as conseqüências

espirituais da vida mundana é de tal ordem, em tão grande maioria de casos, que os poucos que fogem à regra não precisam ser mencionados; o senso de justiça, no que se refere ao destino dos homens bons, é amplamente satisfeito, passo a passo, pelo curso da Natureza, à medida que o tempo passa. O espírito de vida está sempre pronto a receber, a reparar as forças e a restaurar a alma depois de lutas, feitos e sofrimentos da encarnação. E mais do que isto, com ressalvas sobre a questão da eternidade, a Natureza proporciona, nos períodos intercíclicos no final de cada Ronda, a toda humanidade, exceto esses desgraçados fracassos que persistentemente permaneceram agarrados à senda do caminho do mal, grandes intervalos de felicidade espiritual, mais longos e exaltados em seu caráter do que os períodos devachânicos de cada vida em separado. Com efeito, a Natureza é inconcebívelmente liberal e paciente com todos e cada um dos candidatos ao exame final, durante sua longa preparação para o mesmo. Nem tampouco é absolutamente fatal o fracasso neste exame. Os fracassados ainda podem tentar nova prova, se não forem casos de completa ignomínia, mas têm de aguardar a próxima oportunidade. Uma explicação cabal das circunstâncias em que essa espera ocorre nïo se enquadraria no esquema deste tratado. Mas não é de se supor que os candidatos ao progresso, convictos da incapacidade para continuar no período crítico da quinta Ronda, caiam necessariamente na esfera da aniquilação. Para que esta atração se faça valer, o Ego deve ter desenvolvido uma atração positiva pela matéria e uma repulsa positiva contra a espiritualidade que seja esmagadora em sua força. Na ausência dessas afinidades, e na ausência também de outras que fossem suficientes para fazer passar o Ego por cima do grande golfo, o destino que sai ao encontro dos meros fracassos da Natureza é, no tocante ao presente manvantara

planetário, o morrer, sem lembranças, segundo o expressa Éliphas Lévi. Viveram sua vida e tiveram sua parte de Céu, mas não são capazes de subir às enormes altitudes do progresso espiritual que têm pela frente. Porém, estão habilitadas para sucessivas encarnações e para a vida nos planos de existência a que estão acostumados. Assim, esperarão, no estado negativo espiritual a que chegaram, que esses planos de atividade voltem a existir no próximo manvantara planetário. A duração de tal espera está, por certo, fora do alcance de qualquer imaginação, sendo a natureza exata de semelhante estado de existência não menos incompreensível. Mas se deve levar em conta o sentido geral da senda conducente a essa estranha região de semi-animação, a fim de que a simetria e a totalidade de todo o esquema evolucionário possa ser percebido. Uma vez entendida essa última contingência, está diante do leitor todo o esquema bastante completo em suas linhas principais. Já vimos a Vida Una, o Espírito, animando primeiramente a matéria em suas formas inferiores e evocando, lentamente, o desenvolvimento de formas mais elevadas. Individualizado finalmente no homem, ele abre caminho através de encarnações inferiores e irresponsáveis até que, penetrando nos princípios superiores e evoluindo uma verdadeira alma humana, que será, no tempo posterior, senhora de seu próprio destino, ainda que resguardada, no início, nas condições naturais, para que se preserve de um naufrágio prematuro, seja estimulada e animada em seu curso. Mas o destino final que se apresenta a esta alma é não só o desenvolvimento num ser capaz de cuidar de si, como num ser capaz de cuidar dos outros, de presidir e de dirigir, dentro do que se poderia denominar limites constitutivos, as operações da Natureza mesma. É claro que antes que a alma tenha adquirido o direito a esse grau, tem de ter sido examinada, concedendo a ela domínio completo sobre seus próprios assuntos. Esse

domínio completo implica necessariamente o poder de naufragar. As salvaguardas que defendem o Ego em sua juventude — sua incapacidade para passar a estados superiores ou inferiores, aos intermúndios do Devachan e Avitchi — abandonam-no em sua virilidade. Então, toma-se potente sobre seus próprios destinos, não só quanto ao desenvolvimento do gozo ou sofrimento transitório, mas quanto às enormes oportunidades que a existência exibe diante dele em ambas as direções. Podem-se aproveitar as oportunidades superiores de duas maneiras. Pode abandonar a luta de dois modos. Pode atingir a sublime espiritualidade para o bem ou a sublime espiritualidade para o mal. Pode aliar-se ao físico, não para o mal, mas para a total aniquilação. Ou, por outro lado, se não para o bem, mas para o resultado negativo que é ter de reiniciar o processo educativo da encarnação.

COMENTÁRIOS

Neste capítulo não se descreve completamente o estado a que passam as mônadas que não atravessam o período médio da quinta Ronda, tão logo a onda da evolução avança, deixando-as, por assim dizer, encalhadas nas costas do tempo. Tão-só se indica em poucas palavras que os fracassos de cada manvantara não são de modo algum aniquilados quando chegam "ao final de sua carreira", mas são destinados, depois de grandes períodos de espera, a retornar à corrente da evolução. Muitas são as deduções que se extraem desse estado de coisas. O período de espera que estes fracassados têm de suportar é, antes de tudo, de uma duração tão estupenda que frustra a imaginação. A última metade da quinta Ronda, toda a sexta e a sétima têm de ser levadas a cabo com os graduados bemsucedidos na espiritualidade, e as últimas Rondas são de duração imensamente

maior do que as do período médio. Em seguida há o vasto intervalo de repouso nirvânico, que fecha o manvantara, a incomensurável Noite de Brahmâ, o Pralaya de toda a cadeia planetária. Somente quando principia o manvantara seguinte é que os fracassados acordam de seu tremendo transe — tremendo para a imaginação de seres que estão em plena atividade da vida, por mais que tal transe, destituído de consciência, não seja mais enfadonho que uma noite sem sonhos, na memória de um homem profundamente adormecido. Á sina dos fracassados, depois de tudo, pode ser considerada digna de pena em primeiro lugar, antes pelo que perdem do que pelo que incorrem. Em segundo lugar, entretanto, é digna de pena em vista das conseqüências, pois, ao acordar, precisam voltar a passar pelo sofrimento que envolve a vida física e as suas inumeráveis encarnações, enquanto os seres aperfeiçoados, que os deixaram para trás, na evolução daquela quinta Ronda, aquela em que eles fracassaram, atingiram a divina perfeição do estado Dhyan Chohânico, durante o seu transe, e serão os gênios que hão de presidir o manvantara seguinte, em vez de serem seus indefesos sujeitos. Contudo, à parte o que se possa encarar como sendo o interesse pessoal dessas entidades, a existência dos fracassos na Natureza, no início de cada manvantara, é um fato que contribui, de modo muito significativo, à compreensão do sistema evolucionário. Por certo, quando a cadeia planetária se desenvolve num princípio do caos — se é que se pode empregar a expressão "num princípio" em seu sentido próprio, tendo presente a observação de que "no princípio" é uma simples façon de parler aplicado a qualquer período da eternidade — não existem os fracassos. Então a descida do espírito à matéria, através dos reinos elemental, mineral e outros, prossegue da forma que já foi descrita nos primeiros capítulos deste livro. Porém, a partir do segundo manvantara de uma cadeia planetária,

durante a atividade do sistema solar, que estabelece muitos desses manvantaras, o curso dos acontecimentos é um pouco diferente — mais fácil, se posso tornar a usar uma expressão que é muito mais adequada a uma conversa, do que ao uso do sentido rigorosamente científico. Além disso anda mais rápido o processo, pois existem já entidades humanas dispostas a entrar em encarnação, tão logo o mundo, que também já existe, esteja em estado perfeito para elas. A verdade, pois, parece ser que, após o primeiro manvantara de uma série — enormemente maior em duração que seus sucessores — nenhuma entidade recém-saída dos reinos inferiores pode passar assim do limiar da humanidade. Os últimos fracassados entram em primeiro lugar na encarnação e depois eventualmente as entidades animais sobreviventes já diferenciadas: Contudo, comparada com os trechos da doutrina esotérica que afeta a evolução corrente da nossa própria raça, estas considerações, relativas a tempos muito primitivos da evolução do mundo, têm um interesse meramente intelectual e ainda não podem ser muito ampliadas com qualquer contribuição de minha parte.

9. BUDA O Buda histórico, conhecido dos guardiães da doutrina esotérica, é uma personagem cujo nascimento não se reveste das estranhas maravilhas com que a fantasia popular a envolveu. Nem tampouco seu progresso para o Adeptado deixou as marcas dos eventos a que se reportam as lutas sobrenaturais descritas pela lenda simbólica. Por outro lado, a encarnação a que se atribui o nome de nascimento de Buda não é certamente encarada pela ciência oculta como um acontecimento igual a qualquer outro nascimento, nem tampouco se considera o desenvolvimento espiritual por que passou Buda, durante sua vida terrena, como mero processo de evolução intelectual, semelhante à história mental de qualquer outro filósofo. O erro que cometem os escritores europeus, ao se ocuparem de um problema dessa natureza, é tratar a lenda esotérica como uma tradição de milagres, a respeito da qual não é necessário acrescentar nada, ou como um puro mito, que agrega uma decoração fantástica a uma vida notável. A vida de Buda, admite-se, por mais notável que tenha sido, deve ter sido vivida segundo as teorias sobre a Natureza, atualmente aceitas desde o século XIX. O exposto nas páginas anteriores prepara o terreno para a exposição do que ensina a doutrina esotérica sobre Buda. Segundo se comprova de modo bastante exato pela pesquisa moderna, Buda nasceu 643 anos antes da era cristã, em Kapila-Vastu, perto de Benares. As concepções exotéricas, desconhecendo as leis que regem as operações da Natureza em suas esferas superiores, somente podem interpretar a dignidade

anormal de algum nascimento particular, mediante a suposição de que o corpo físico da pessoa envolvida foi gerado de um modo milagroso. Donde a noção popular sobre Buda, de que sua encarnação neste mundo foi devida a uma concepção imaculada. A ciência oculta não conhece processo algum à produção de uma criança humana física, senão o determinado pelas leis físicas; mas, sim, conhece-se muito a respeito dos limites dentro dos quais a Vida Una, ou "mônada espiritual" progressiva, ou seja, o fio contínuo de uma série de encarnações pode eleger corpos de crianças definidos como moradas humanas. No caso da humanidade comum, esta escolha é feita por ação do karma, de forma inconsciente, no que diz respeito ao Ego espiritual emergente ao Devachan. Mas, nos casos anormais em que a Vida Una penetrou o sexto sentido — ou seja, quando um homem se converteu em Adepto, tendo o poder de guiar seu próprio Ego espiritual com plena consciência do que faz, após ter abandonado o corpo no qual obteve o Adeptado, temporária ou permanentemente — está em seu poder a escolha de sua própria encarnação seguinte. Mesmo durante a vida sobrepõe-se à atração devachânica. Converte-se em um dos poderes conscientes que dirigem o sistema planetário a que pertence, e por grande que seja este mistério da reencarnação escolhida, sua aplicação não se restringe de modo algum a acontecimentos extraordinários, tais como o nascimento de Buda. E fenômeno reproduzido amiúde pêlos Adeptos superiores até hoje. Assim, muito do que conta a mitologia popular oriental é puramente fictício ou inteiramente simbólico. Mas as reencarnações dos Lamas do Dalai e Teshu, no Tibete, das quais se riem os viajantes por falta de conhecimento que lhes permitam distinguir os fatos reais dos imaginários, são um fato sério e científico. Nesses casos, o Adepto declara antecipadamente quando e onde há de nascer, e qual será a criança na qual tratará de reencarnar, e muito raramente se engana. Dizemos muito raramente, porque há

alguns acidentes de natureza física que não se podem absolutamente prevenir, nem é absolutamente certo que, com toda a previsão que mesmo um Adepto possa utilizar no assunto, a criança por ele escolhida — em seu estado reencarnado — atinja afortunadamente a maturidade física. Enquanto isso, o Adepto, no corpo, é relativamente impotente. Fora do corpo é exatamente o que foi sempre, desde que se converteu em Adepto. Mas, no que diz respeito ao novo corpo que ele escolheu para moradia, tem de deixá-lo desenvolver-se conforme o curso ordinário da Natureza, e educá-lo pêlos procedimentos comuns, iniciando-o por meio do método oculto regular no Adeptado, antes que possa dispor de um corpo totalmente pronto para o trabalho oculto no plano físico. Todos esses processos são imensamente simplificados, é verdade, pela força espiritual peculiar que atua dentro do corpo. Em princípio, porém, a alma do Adepto se sente constringida e embaraçada no corpo da criança e, como parece natural, muito incomoda e pouco à vontade. A condição seria muito mal-interpretada se o leitor imaginasse que essas reencarnações são um privilégio que os Adeptos aproveitam com prazer. O nascimento de Buda foi um mistério desse gênero e, à luz do que se disse, será fácil verificar a história popular de sua origem miraculosa e traçar as referências simbólicas aos fatos em questão, em algumas fábulas mais grotescas ainda. Nenhuma referência, por exemplo, parece menos promissora como uma alusão a qualquer coisa que se pareça com um fato científico do que a afirmação de que Buda entrou nas entranhas de sua mãe como um jovem elefante branco. Mas o elefante branco é simplesmente o símbolo do Adeptado — algo que se considera como um belo e raro exemplar de sua espécie. O mesmo acontece com outras lendas pré-natais que indicam o fato de que o futuro corpo do menino fora escolhido como morada de um grande espírito já dotado de sabedoria e bondade superlativas.

Indra e Brahmã vieram prestar homenagens ao menino na ocasião do nascimento — quer dizer: os poderes da Natureza estavam já submetidos ao Espírito que havia dentro dele. Os trinta e dois signos de Buda, que a lenda descreve por meio de um simbolismo físico ridículo, são meramente os diversos poderes do Adeptado. A escolha do corpo conhecido como Siddhartha e depois como Gautama, filho de Suddhodana, de Kapila-Vastu, como morada humana do iluminado espírito humano, que se submetera à encarnação para ensinar a humanidade, não foi um desses raros fracassos antes mencionados. Pelo contrário, foi uma escolha notavelmente bem-sucedida sob todos os aspectos, e em nada interveio na consumação do Adeptado pelo Buda em seu novo corpo. A narração popular de suas lutas ascéticas e tentações, e de sua chegada final ao estado búdico sob a Árvore-Bo, nada mais é que a versão exotérica de sua iniciação. Dessa época em diante, sua obra teve uma natureza dual, tinha de reformar e revisar a moral popular e a ciência dos Adeptos — pois o próprio Adeptado está sujeito a mudanças cíclicas, e necessita de impulsos periódicos. A explicação deste aspecto do assunto, expresso claramente, não só será importante por si mesma, como de interesse para todos os estudantes do Budismo Exotérico, visto que esclarece algumas das complicações que causam tanta confusão da "Doutrina Setentrional" mais abstrusa. Um Buda visita a Terra em cada uma das sete raças do grande período planetário. O Buda de que nos ocupamos foi o quarto da série, e esta é a razão pela qual consta como o quarto na lista, citada por Mr. Rhys Davids, de Bumouf - a título de ilustração do modo como a Doutrina Setentrional tem sido, segundo Mr. Davids supõe, inflada de sutilezas metafísicas e de absurdos acumulados ao redor da simples moralidade, que se resume no Budismo que se apresenta ao populacho. O

quinto, ou Maitreya Buddha, virá depois do desaparecimento final da quinta raça, quando a sexta raça já estiver estabelecida na Terra durante algumas centenas de milhares de anos. O sexto virá no início da sétima raça, e o sétimo, para o final da mesma raça. Esta ordem parecerá, à primeira vista, em desacordo com o grande desígnio geral da evolução humana. Aqui estamos, na metade da quinta raça, entretanto o quarto Buda é o que foi identificado com esta raça, enquanto o quinto não virá até que a quinta raça esteja praticamente extinta. Â explanação encontra-se, contudo, nas grandes linhas da Cosmogonia esotérica. No início de cada grande período planetário, quando o obscurecimento termina e a onda humana, em seu progresso ao redor da cadeia de mundos, chega às margens de um globo onde nenhuma humanidade existiu durante milhares de anos, toma-se necessário um Instrutor desde o início para a nova colheita de humanidade que vai brotar. Recorde-se que a evolução preliminar dos reinos mineral, vegetal e animal ocorreu na preparação do novo período da Ronda. Com a primeira infusão da corrente de vida nas espécies que formam os "elos perdidos", começa a evolucionar a primeira raça da nova série. Então aparece o Ser, que pode ser considerado o Buda da primeira raça. O Espírito Planetário, ou Dhyan Chohan, que é — ou, para evitar uma idéia errônea pelo uso do verbo na pessoa do singular, desafiemos a gramática e digamos que são — Buda em todos seus (dele ou deles) desenvolvimentos, encarna entre os jovens e inocentes precursores da nova humanidade, preparados para ser ensinados, e imprime os primeiros princípios gerais do bem e do mal, e as primeiras verdades da doutrina esotérica a um número suficiente de mentes receptivas, para assegurar a reverberação contínua das idéias desse modo introduzidas através de gerações sucessivas de homens nos milhões de anos vindouros, antes que a primeira raça

tenha concluído seu curso. Desta chegada, no princípio do período de Ronda, de um Ser Divino sob forma humana, é de onde nasce o conceito inextirpável do Deus antropomórfico de todas as religiões exotéricas. O primeiro Buda da série em que Gautama Buda aparece como quarto é, portanto, a segunda encarnação de Avalokitesvara — nome místico das hostes de Dhyan Chohans ou Espíritos Planetários pertencentes à nossa cadeia planetária —, e mesmo quando Gautama é, pois, a quarta encarnação de iluminação, segundo o cálculo esotérico, constitui na verdade o quinto da verdadeira série. Portanto, pertence propriamente à nossa quinta raça. Avalokitesvara, como afirmamos antes, é o nome místico das hostes de Dhyan Chohans. O significado próprio da palavra é sabedoria manifestada, como Âdi-Buddha e Amitabha, ambas variantes com o significado de sabedoria abstraía. A doutrina, conforme Mr. Davids, de que "cada Buda mortal terreno tem seu puro e glorioso correlativo no mundo místico, livre das degradantes condições desta vida material — ou antes, que o Buda, nas condições materiais, é apenas uma aparência, o reflexo, a emanação ou tipo de um Dhyani Buddha" — é perfeitamente exato. O número de Dhyani Buddhas ou Dhyan Chohans, ou espíritos planetários, espíritos humanos aperfeiçoados de outros mundos, é infinito, mas somente cinco estão praticamente identificados no ensinamento exotérico, e sete no ensinamento esotérico. Esta identificação, vale lembrar, é um modo de falar que não deve ser interpretado demasiado literalmente, pois existe, na vida espiritual sublime em questão, uma unidade que não deixa lugar ao isolamento da individualidade. Tudo isto há de se ver que se harmoniza perfeitamente com as revelações relativas à Natureza, incluídas nos capítulos anteriores, e não deve ser, de forma alguma, atribuído às imaginações místicas. Os Dhyani Buddhas ou Dhyan Chohans são a

humanidade aperfeiçoada de épocas manvantáricas precedentes, e sua inteligência coletiva se descreve com o nome de Adi-Buddha. Mr. Rhys Davids engana-se ao tratá-lo como uma invenção recente dos budistas do Norte. Adi-Buddha significa sabedoria primordial, sendo mencionado nos livros sânscritos mais antigos. Por exemplo, na dissertação filosófica sobre o "Mandukya Upanishad", por Gowdapatha, autor sânscrito contemporâneo do próprio Buda, a expressão é empregada livremente e exposta sua concordância rigorosa com a presente declaração. Um amigo meu na índia, pândita brâmane de primeira Unha, como erudito sânscrito, mostrou-me cópia desse livro, que não foi, segundo ele, traduzido para o inglês, e me indicou uma frase que se relaciona com a presente questão e que me foi traduzida do seguinte modo: "Mesmo Prakriti, na verdade, é Adi-Buddha e todos os Dharmas têm existido por toda a eternidade." Gowdapatha é escritor filósofo acatado por todas as seitas hindus e budistas, e bem-conhecido. Era o guru, ou instrutor espiritual, do primeiro Sankaracharya, de quem logo terei que tratar mais extensamente. O Adeptado, quando encarnou Buda, não era a condensada e compacta hierarquia em que desde então se converteu sob sua influência. Nunca houve época alguma no mundo sem Adeptos, mas, às vezes, eles estiveram disseminados por todo o mundo, ou isolados em reclusões separadas, gravitando ora por um país, ora por outro. Finalmente, vale recordar, seu conhecimento e poder nem sempre foram inspirados na sublime e severa moralidade que Buda infundiu em sua última e mais elevada organização. A reforma do mundo oculto por seu intermédio foi, efetivamente, o resultado de seu grande sacrifício, da abnegação que o induziu a recusar o estado afortunado do Nirvana, o que lhe cabia completo direito após sua vida terrena como Buda, e a empreender a pesada tarefa de renovadas

encarnações, a fim de executar a missão que se havia imposto, conferindo à humanidade o aumento de benefício correspondente, Buda reencarnou-se, depois de sua existência como Gautama Buda, na pessoa de um grande Instrutor do qual se fala pouco nas obras exotéricas do Budismo, mas cuja vida, sem ser conhecida, tomaria impraticável obter um conceito exato da situação no mundo oriental da ciência esotérica, a saber: Sankaracharya. A última parte deste nome — acharya — significa simplesmente mestre. A designação completa, como título, foi perpetuada até hoje sob curiosas circunstâncias, mas os portadores modernos dela não estão na Unha direta das encarnações espirituais budistas. Sankaracharya apareceu na índia — não tendo fixado atenção em seu nascimento, parece ter ocorrido na costa do Malabar — uns sessenta anos após a morte de Gautama Buda. O ensinamento esotérico determina que Sankaracharya foi simplesmente Buda em todos aspectos, num novo corpo. Esta opinião não será acolhida pelas autoridades hindus não-inicia-das, que atribuem uma data posterior ao aparecimento de Sankaracharya, considerando-o como um santo Instrutor independente, e mesmo oposto ao Budismo. Entretanto, não deixa de ser por isso o que acabamos de manifestar, na opinião real dos iniciados na ciência esotérica, quer se denominem budistas ou hindus. Recebi esta informação que agora exponho, de um brâmane advaita da Ínida do Sul — não diretamente de meu instrutor tibetano — e todos os brâmanes iniciados, conforme me afirmou, dirão o mesmo. Algumas das últimas encarnações de Buda são descritas de outro modo, como

coberturas

do

espírito de Buda, mas no que se refere à pessoa de Sankaracharya, foi reencarnação sua na Terra. O objetivo que se propunha era preencher algumas lacunas e reparar certos erros de seus ensinamentos anteriores; pois no Budismo

Esotérico não se discute que até um Buda pode ser falível em certo momento de sua carreira. A situação era a seguinte: Até o tempo de Buda, os brâmanes da índia haviam reservado zelosamente o conhecimento oculto como propriedade de sua casta. Às vezes ocorria alguma exceção em favor dos Tshatryas, mas a regra era exclusiva no mais alto grau. Esta regra, destruída por Buda, admitia igualmente todas as castas na senda do Adeptado. A mudança pode ter sido perfeitamente correta em princípio, mas abriu caminho a grande perturbação e, segundo acreditavam os brâmanes, à degradação do próprio conhecimento oculto — isto é, sua transferência para mãos indignas, não indignas devido à inferioridade de casta, mas pelo fato de que a inferioridade moral que supunham introduzia-se na fraternidade justamente com os irmãos de baixa linhagem. Não afirmavam os brâmanes, absolutamente, que, porque um homem fosse brâmane, devia ser necessariamente virtuoso e digno de confiança. A questão era: é preciso deixar fora dos segredos e poderes de iniciação todos aqueles que não são virtuosos e dignos de confiança. Com este fito, é necessário não só estabelecer todas as provações e testes imagináveis, como também não admitir candidatos exceto da classe que, no geral, por causa de suas vantagens hereditárias, é mais provável seja a melhor sementeira de candidatos apropriados. A experiência, crêem-no agora todos, que despertam os temores dos brâmanes e a encarnação seguinte de Buda, foi uma admissão prática disso. Entretanto, Buda, na pessoa de Sankaracharya, cuidou de atenuar, de antemão, a luta sectária que viu iminente. A oposição ativa dos brâmanes contra o Budismo começou no tempo de Asoka. Grandes esforços envidados por Asoka para espalhar o Budismo provocaram temores por parte dos brâmanes, por sua influência social e

política. Deve-se ter presente que os iniciados não estio completamente livres, em todos os casos, dos preconceitos de suas próprias individualidades. Possuem alguns atributos semi-divinos, de tal sorte que, quando os profanos começam a compreender algo deles, costumam despojá-los em sua imaginação de todas as fragilidades humanas. A iniciação e o conhecimento oculto, tomados em comum, são certamente um vínculo de união entre os Adeptos de todas as nacionalidades, vínculo muito mais forte que qualquer outro. Porém, mais de uma vez verificou-se que não se podia apagar todas as outras diferenças. Assim, os iniciados brâmanes e os budistas, da época a que nos referimos, não sustentavam de forma alguma a mesma opinião em todas as questões, e os brâmanes desaprovavam decididamente a reforma budista em seus aspectos exotéricos. Chandragupta, o avô de Asoka, foi um forasteiro e a família, sudras. Isto era suficiente para tomar antipática sua política budista aos representantes da fé ortodoxa brâmane. A luta tomou uma forma exacerbada, mesmo quando a história nos fornece pouco ou nenhum pormenor. O partido do Budismo primitivo foi completamente vencido e o costume brâmane, totalmente restabelecido, no tempo de Vikramaditya, por volta de 80 a.C. Contudo, Sankaracharya havia viajado por toda a índia, antecipando-se à grande luta, e estabelecido vários mathams, ou escolas de filosofia, em diversos centros importantes. Empenhou-se poucos anos nesta tarefa, mas a influência de seus ensinamentos foi tão grande que sua importância disfarça a mudança introduzida. Colocou o Hinduísmo Exotérico em harmonia com a "religião da sabedoria" esotérica. Deixou o povo entretendo-se com suas antigas mitologias, mas com o apoio de guias filosóficos que eram budistas esotéricos sob todos aspectos, se bem que reconciliados com tudo que era imperecível no Brahmanismo. A grande falta do Hinduísmo Exotérico anterior dependia de afeição às vãs cerimônias e de sua

adesão aos conceitos idólatras das divindades do panteão hindu. Sankaracharya confirmou enfaticamente com seus comentários aos Upanishads e com seus escritos originais, a necessidade de perseguir o gnyanam a fim de se obter o moksha — vale dizer: a importância do conhecimento secreto do progresso espiritual e a sua consumação. Foi o fundador do sistema Vedantino (sendo o verdadeiro significado do Vedanta o último fim ou a coroa do conhecimento), ainda que as sanções deste sistema as tenha tirado dos escritos de Vyasa, autor do "Mahabharata", dos "Puranas" e do "Brahma-sutras". O leitor deve compreender que faço estas declarações não com base em investigações próprias — pois não sou um sábio bastante orientalista para tentá-lo —, senão com a autoridade de um brâmane iniciado que é, além de ocultista, um sábio orientalista de primeira ordem. A escola Vedântica é hoje quase co-extensiva do Hinduísmo, levando em consideração, naturalmente, a existência de algumas seitas especiais como os sikhs, os vallabacharyas, ou maharajah, seita de muito má fama, que pode dividir-se em três grandes divisões: os adwaitees, os adwaitees vishishta e os dawaitees. O esboço da doutrina adwaitee é que brahmun ou purush, o espírito universal, agem somente por meio de prakríti, a matéria, em que tudo tem lugar, desta maneira, por meio da energia inerente da matéria. Brahmun ou Parabrahm é, pois, um princípio passivo, incompreensível e inconsciente, mas, em essência, vida una ou energia do universo. Deste modo, a doutrina é idêntica ao materialismo transcendental da filosofia do Adepto budista esotérico. O nome adwaitee significa não-dual e referese, em parte, à não-dualidade, ou seja, a unidade do espírito universal ou vida una budista, como distinta da noção de seu funcionamento por meio de encarnações antropomórficas, e, em parte, à unidade do espírito universal e do humano. Como conseqüência natural desta doutrina, os adwaitees deduzem a doutrina budista do

kárma, relativamente ao destino futuro do homem, como dependendo por completo das causas que ele mesmo engendra. Os adwaitees vishishta alteram essa doutrina com a interpolação de Vishnu como uma deidade consciente, a emanação primordial de Parabrahm, Vishnu sendo considerado como um deus pessoal, capaz de intervir no curso dos destinos humanos. Não encaram o yog, ou a educação espiritual, como a senda própria à realização espiritual, crendo que isto é possível principalmente por meio de Bhakti ou devoção. Expressando-o na fraseologia da teologia européia, poder-se-ia dizer que os adwaitees apenas acreditam na salvação por meio das obras e os adwaitees vishishta, na salvação pela graça. Os adwaitees distinguem-se pouco dos adwaitees vishishta, afirmando, simplesmente, com a designação que assumem, com maior ênfase, a dualidade do espírito humano e do princípio mais elevado do universo e incluindo muitas observações de cerimônias como parte essencial de Bhakti. É preciso considerar que todas essas diferenças de opinião só têm relação com as variações exotéricas da ideia fundamental, introduzidas por diferentes instrutores com impressões variadas sobre a capacidade do povo para assimilar as idéias transcendentais. Todos os dirigentes do pensamento do Vedanta adoram Sankaracharya e os mathams que ele fundou com a maior reverência possível, e a sua crença interior aproxima-se, em todos os sentidos, da doutrina esotérica una. Com efeito, os iniciados de todas as escolas da índia entrelaçam-se uns com os outros. Exceto quanto à nomenclatura, todo o sistema da Cosmogonia, segundo defendem os budistas arhats e conforme está exposto neste livro, é também defendido pêlos brâmanes iniciados, que o fazem desde antes do nascimento de Buda. Donde o conseguiram? - perguntará talvez o leitor. Do Espírito Planetário ou Dhyan Chohan, que visitou primeiramente este planeta, na aurora da raça humana,

na Ronda presente — há mais milhões de anos do que os que se possa mencionar por suposição, pois que o número exato verdadeiro se guarda secretamente. Sankaracharya fundou quatro mathams principais: uma, em Sringari, na índia do Sul, que sempre foi a mais importante; uma, em Jugger-nath, em Orissa; uma em Dwaraka, em Kathiawar, e uma, em Gungotri, nos declives do Himalaia, ao Norte. O chefe do templo de Sringari teve sempre a designação de Sankaracharya, como adição a seu nome individual. Surgiram desses quatro outros centros, e hoje existem mathams por toda a índia, exercendo a maior influência possível no Hinduísmo. Afirmei que Buda, em sua terceira encarnação, reconheceu o fato de que, na segurança excessiva de sua amorosa confiança na perfectibilidade da humanidade, abriu demasiado as portas do santuário oculto. Sua terceira aparição foi na pessoa de Tsong-kapa, o grande Adepto reformador tibetano do século XIV. Nesta personalidade tratou exclusivamente dos assuntos da fraternidade de Adeptos, que naquele tempo se reunia notada-mente no Tibete. Desde tempos imemoriais houve no Tibete certa religião secreta, hoje completamente desconhecida e não abordável por quem não seja iniciado, inacessível para o povo comum do país, assim como para outras gentes, e na qual se congregaram sempre os Adeptos. Mas, em geral, o país não era, no tempo de Buda, o que se tomou depois, a morada escolhida da grande fraternidade. Muito mais do que são na atualidade, os Mahâtmâs, nos primeiros tempos, estavam espalhados pelo mundo. O progresso da civilização, gerador do magnetismo com que penosamente deparam, havia, entretanto, na época de que tratamos — o século XIV — cedido lugar a um movimento generalizado rumo ao Tibete, por parte dos previamente disseminados ocultistas. O conhecimento e poder ocultos estavam então disseminados muito más que o que era prudente à segurança da humanidade.

Tsong-kapa assumiu a tarefa de colocá-lo sob o domínio de um sistema rígido de regras e leis. Sem restabelecer o sistema na base anterior, pouco razoável, do exclusivismo de castas, elaborou um código de regras como guia dos Adeptos, cujo resultado foi depurar a organização oculta de tudo o que não visasse ao conhecimento oculto, com o espírito da mais sublime devoção aos princípios mais elevados. Um artigo da Theosophist de março de 1882, sobre "Reencarnações no Tibete", de cuja veracidade tenho absoluta certeza, traz notícia de grande importância acerca da questão que tratamos agora, e das relações entre o Budismo Esotérico e o Tibete, que nunca serão analisados o bastante acuradamente por qualquer um que queira compreender com rigor o Budismo, em seu verdadeiro significado. Lemos no artigo: "O sistema regular das encarnações lamaicas de 'Sangyas' (ou Buda) começou com Tsong-kapa. Este reformador não é a encarnação de um dos cinco Dhyanis celestiais ou Budas celestes, como se supõe geralmente, que se diz foram criados por Sakya-Muni depois de elevar-se ao Nirvana, mas, sim, de Amita, um dos nomes chineses de Buda. Os anais guardados no Gon-pa (lamasaria) de Tda-shi Humpo demonstram que Sangyas se encarnou em Tsongkapa em conseqüência da grande degradação em que haviam caído as suas doutrinas. Até então não tinham ocorrido outras encarnações que as dos cinco Budas celestiais e de seus Bodhisattvas, cada um dos primeiros tendo criado (leiase, encoberto com sua sabedoria espiritual) cinco dos últimos... Entre outras reformas, Tsong-kapa proibiu a necromancia (que é praticada até hoje com os ritos mais repugnantes pelos Bhons, aborígines do Tibete, com quem os Gorros Vermelhos ou Shammars haviam sempre se confraternizado, sendo por isso que

estes últimos resistiram à sua autoridade). Este ato foi acompanhado de um rompimento entre as duas seitas. Separando-se completamente dos Gyalukpas, os Dugpas (Gorros Vermelhos), que desde o início estavam em grande minoria, se estabeleceram em várias regiões do Tibete, principalmente em suas fronteiras, sobretudo no Nepal e no Butão. Mas mesmo mantendo esta espécie de independência, no mosteiro de Sakia-Djong, a residência tíbetana de seu chefe espiritual(?), Gong-sso Rimbo-chay, os butaneses foram sempre tributários e vassalos dos Dalai Lamas. Os Tda-shi Lamas foram sempre mais poderosos e mais considerados do que os Dalai Lamas. Estes últimos são criação de um Tda-shi Lama, Nabang-lobsang, a sexta encarnação de Tsong-kapa, uma encarnação de Amithaba ou Buda." Vários escritores do Budismo levaram em consideração a teoria, que Mr. Clements Markham formula de forma bastante completa em seu "Relato da Missão de George Bogle no Tibete", ou seja, enquanto as escrituras originais do Budismo foram levadas ao Ceilão pelo filho de Asoka, o Budismo que abriu seu caminho no Tibete, a partir da índia e da China, foi gradualmente sobrecarregado com uma massa de dogmas e de especulações metafísicas. E o Professor Max Müller expressa: "O elemento mais importante na reforma budista foi sempre seu código social e moral, não as suas teorias metafísicas. Este código moral, tomado em si mesmo, é um dos mais perfeitos que o mundo jamais conheceu; e esta foi a bênção que a introdução do Budismo trouxe ao Tibete." "A bênção" — diz o autorizado artigo da Theosophist que venho citando — "permaneceu e estendeu-se por todo o país, não havendo uma nação mais bondosa, nem de mente mais pura, nem mais singela, nem mais temerosa do pecado do que os tíbetanos. Apesar disso, o Lamaísmo popular, se for comparado

com o Budismo verdadeiramente Esotérico ou Arhat, apresenta um contraste tão grande como a neve pisada ao longo da estrada no vale e a massa pura e imaculada que resplandece no mais alto da crista de uma altíssima montanha." O fato é que o Ceilão está saturado de Budismo Exotérico e o Tibete, do Esotérico. O Ceilão ocupa-se mera ou fundamentalmente da moral do Budismo, enquanto o Tibete, ou antes, os Adeptos do Tibete, se ocupam da ciência do Budismo. Estas explicações apenas constituem um esboço de toda a situação. Não disponho de argumentos, nem folga literária que exige seu desenvolvimento num quadro acabado, das relações que realmente subsistem entre os princípios intrínsecos do Hinduísmo e os do Budismo. E cuido da possibilidade de que muitos sábios e pacientes pesquisadores do assunto tenham tirado, decorrente de prolongados e eruditos estudos, conclusões que à primeira vista parecem chocar-se com as explicações que agora apresento. Mas nem por isso deixam as explicações de provir diretamente de autoridades para as quais o assunto é bastante familiar, tanto no aspecto erudito como no esotérico. Seu conhecimento íntimo lança luz em toda a situação, que os livra do perigo de desvirtuar textos e cometer erros com relação à simbologia obscura. Saber quando nasceu Gautama Buda, o que está registrado em seus ensinamentos e o que as lendas populares reuniram em volta de sua biografia, é saber pouco menos que nada sobre o verdadeiro Buda, muito maior que o instrutor moral histórico ou que o semideus fantástico da tradição. E somente quando se compreende o vínculo entre Budismo e Brahmanismo, é que a grandeza da doutrina esotérica se revela em suas verdadeiras proporções.

10. O NIRVANA

Uma assimilação completado ensinamento esotérico, até o ponto a que chegamos agora, já nos permite abordar o tema que os escritores esotéricos trataram sobre o Budismo, no geral, como o ponto de partida desta religião. Por falta de um método melhor para pesquisar o verdadeiro significado do Nirvana, os eruditos do Budismo esmiuçaram a palavra e examinaram sua raiz e fragmentos. Isso equivale a tentar certificar-se do tipo de cheiro de uma flor, dissecando o papel em que esta foi pintada. É difícil para as mentes instruídas, de acordo com o processo intelectual da pesquisa física — como acontece, seja direta, seja indiretamente, com todas as nossas mentes ocidentais do século XK —, entender o primeiro estado espiritual desta vida, ou seja, o Devachan. Desses estados da existência, o entendimento só é capaz de compreender uma parte, sendo necessária uma faculdade mais elevada para penetrá-los plenamente, sendo mais impossível ainda forçar seu significado em outra mente por meio de palavras. Despertando primeiramente esta faculdade superior em seu discípulo, e depois colocando-o em posição de se observar por si mesmo, tal é o modo como procede todo instrutor regular nesse assunto. Ora, no Devachan existem os usuais sete estados, apropriados aos diferentes graus de iluminação espiritual que os diversos candidatos a tal estado podem obter. No Devachan, há os lokas Rûpa e Arûpa, isto é, estados que assumem uma consciência (subjetiva) da forma e estados que transcendem a esta. Contudo, o estado devachânico mais elevado no Arûpa loka não se compara com o estado maravilhoso de espiritualidade pura, denominado Nirvana.

No curso ordinário da Natureza durante uma Ronda, quando a mônada espiritual levou a cabo a enorme viagem do primeiro planeta até o sétimo, e ali findou então sua existência — ali terminando suas multiformes existências, com seus períodos respectivos no Devachan, entre cada vida — o Ego passa a um estado espiritual diferente do devachânico, em que, por períodos de duração inconcebível, descansa antes de voltar a assumir seu circuito dos mundos. Este estado pode ser considerado como o Devachan dos estados devachânicos — uma espécie de «capitulação dos mesmos — um estado que supera os demais, tanto como o estado deva-chânico de qualquer existência da Terra supera as aspirações espirituais semidesenvolvidas, ou os afetos impulsivos da vida terrena. Desse período — o período intercíclico de exaltação extraordinária, se comparado com os mesmos estados subjetivos dos planetas no arco ascendente, que superam tanto os nossos próprios períodos — diz-se, na ciência esotérica, que é um estado de Nirvana parcial. Transportando-nos com a imaginação através das incomensuráveis perspectivas do futuro, suponhamos que nos aproximamos ao período que compreenderia o intercíclo da sétima Ronda da humanidade, quando os homens se assemelham a deuses. Tendo sido completada a última, a mais elevada e gloriosa das vidas objetivas, o ser espiritual perfeito atinge um estado em que lhe acode a reminiscência de todas as existências que viveu em todo tempo no passado. Pode deter a sua vista nas curiosas mascaradas das existências subjetivas, como então lhe parecerão, nos pormenores diminutos de qualquer uma das vidas terrenas pelas quais ele passou, e pode aprofundá-las, bem como a todas as coisas com que de alguma forma se tivesse relacionado, pois no atinente a esta cadeia planetária ele atingiu a onisciência. Este desenvolvimento supremo da individualidade é a grande recompensa que a Natureza reserva àqueles que prematuramente a alcançam, por

assim dizer, por meio da luta relativamente breve, desesperada e terrível que conduz ao Adeptado, e àqueles que, por determinada prevalência do bem sobre o mal, no caráter da série completa de suas encarnações, atravessaram o vale da sombra da morte na metade da quinta Ronda e abriram seu caminho através da sexta e sétima Rondas. Deste estado sublimemente ditoso se diz, na ciência esotérica, que é o limiar do Nirvana, Vale a pena continuar a especular sobre o que vem depois? Pode-se dizer que nenhum estado de consciência individual, embora seja uma fase do sentimento já identificado em grande parte com a consciência geral desse nível de existência, iguala-se em elevação espiritual à consciência absoluta, em que todo sentimento de individualidade se funde no Todo. Usamos tais frases como fichas intelectuais, mas à mente comum — dominada pelo cérebro físico e pela inteligência cerebral — podem ter alguma significação viva? Tudo o mais que as palavras podem sugerir é que Nirvana é um estado sublime de repouso consciente na onisciência. Seria ridículo, depois do que foi dito antes, tratar das discussões que se travaram, entre os que se dedicam ao estudo do Budismo Esotérico, em tomo do Nirvana, se ele significa ou não aniquilação. Nossas palavras falham ao expressar o sentimento com que os graduados na ciência esotérica consideram a questão. Significa o Nirvana a última pena da lei, a honra mais alta que se pode conceder ao cidadão mais meritório? Ou é uma colher de pau o emblema da mais ilustre eminência do saber? Perguntas como estas apenas simbolizam fracamente o disparate da questão que interroga se o Nirvana é, no Budismo, o equivalente à aniquilação. E de algum modo, inconcebível para nós, se diz que o estado de para-Nirvana é imensamente superior ao do Nirvana. Não

pretendo dar nenhum significado à afirmação, mas ela serve para demonstrar a que reino transcendental de pensamento pertence o tema. Grande é a confusão com relação ao Nirvana, surgindo isto das declarações feitas sobre Buda. Diz-se que ele atingiu o Nirvana estando na Terra. Também se diz que renunciou ao Nirvana, para submeter-se a novas encarnações em prol da humanidade. Ambas as afirmações são conciliáveis. Como grande Adepto, Buda atingiu aquilo que é a grande meta do Adeptado na Terra: a passagem de seu Espírito-Ego ao estado infalível do Nirvana. Não se deve supor que qualquer Adepto pode tentar facilmente essa passagem. Apenas pequenas alusões à natureza deste grande mistério chegaram até mim mas, reunindo-as, creio estar certo ao dizer que a proeza em questão é uma das que apenas alguns dos iniciados elevados estão qualificados a tentar, pois exige uma total interrupção da animação do corpo, por longos períodos de tempo, comparados com os quais os longos transes catalépticos conhecidos da ciência comum são insignificantes; além disso, a defesa da forma física contra a decadência natural, durante esse período, por meio dos recursos da ciência oculta, é difícil de obter. Além disso, é um processo que envolve um duplo risco para a continuidade da vida terrena da pessoa que a empreende. Um desses riscos é a dúvida de que, uma vez alcançado o Nirvana, o Ego queira voltar. O retorno será um esforço terrível e um sacrifício inevitável, e somente ocorrerá por um sentimento de abnegação, por parte do viajante espiritual, à ideia do dever em sua abstração mais pura. O segundo grande risco é que, supondo que o sentido do dever prevaleça sobre a tentação de ficar - tentação, tenha-se presente, que não é debilitada por noção alguma de que sobrevenha nenhum gênero de sanção — mesmo assim, sempre é duvidoso que o viajante possa voltar. Apesar disso tudo, houve muitos outros Adeptos, além de Buda, que constataram a grande passagem,

e de quem os que lhes rodearam nessas circunstâncias disseram que seu retomo à prisão da carne ignóbil — embora nobre ex hypothesi, em comparação com a maior parte dessas moradas — deixou-os paralisados em profunda depressão durante semanas. Iniciar novamente a fatigante volta à vida física, curvar-se sobre a Terra depois de ter estado no Nirvana, é um colapso demasiado medonho. A renúncia de Buda foi de certo modo inexplicável, ainda maior, porque não só voltou do Nirvana por bem do dever, a fim de terminar a vida terrena em que havia se empenhado como Gautama Buda, mas quando todas as imposições do dever tinham sido plenamente satisfeitas e seu direito de passar ao Nirvana, durante incalculáveis evos, estava adquirido do ponto de vista mais alto de sua missão terrena, renunciou a essa recompensa, ou, antes, a protelou por tempo indefinido numa série de encarnações em prol da humanidade em geral. Como se tem aproveitado a humanidade desta renúncia? — poder-se-á questionar. Mas a pergunta só pode ser realmente sugerida por esse costume profundamente arraigado, que á maior parte de nós adquiriu, de calcular o proveito por um tipo físico, e mesmo com relação a este tipo, considerando os aspectos estritos dos negócios humanos. Por tudo o que foi fundamentado no capítulo anterior sobre o Progresso da Humanidade, não se deixará de perceber o gênero de proveito que Buda queria conferir aos homens. O que necessariamente é, para ele, a grande questão com relação à humanidade é o modo de ajudar o maior número possível de pessoas a passar o grande período crítico da quinta Ronda. Para um Adepto, até que chegue esse tempo, tudo é uma preparação à luta suprema e, portanto, quanto mais deve sê-lo para um Buda. O bem-estar material da geração existente não é nem sequer como meio grão de pó na balança de semelhante cálculo. A única coisa importante, no presente, é nutrir as tendências,

que podem lançar o maior número de Egos possível numa senda kármica, onde o desenvolvimento da espiritualidade em vidas futuras receberá maior impulso. Certamente, é convicção arraigada dos instrutores esotéricos — os Adeptos cooperadores de Buda — que o processo mesmo de nutrir essa espiritualidade reduzirá enormemente a soma de sofrimento humano, mesmo o transitório. E a felicidade da humanidade, embora seja em uma geração unicamente, não é de forma alguma um assunto indiferente à ciência esotérica. Assim, a ação esotérica não deve ser considerada como algo tão nas nuvens que jamais influa no que hoje vivemos. Entretanto, há épocas para boa ou má colheita, para o trigo e para a cevada, e assim também para o desejado desenvolvimento da espiritualidade entre os homens. Na Europa, em todo caso, guiando-nos pela experiência de precedentes grandes raças, em períodos de desenvolvimento correspondentes ao nosso atual, não é provável que o presente impulso da inteligência na direção do progresso físico e material traga uma época de boa colheita para o progresso de outro gênero. No momento, a maior probabilidade de se fazer o bem nos países onde o referido impulso é mais marcado, acredita-se, consiste na possibilidade de que a importância da espiritualidade possa chegar a ser percebida pelo intelecto, mesmo antes de ser sentida, se a atenção desse penetrante, embora pouco simpático tribunal, puder ser assegurada. Qualquer êxito na direção a que conduzam estas explicações justificará a opinião daqueles — uma minoria — dentre os guardiães esotéricos da humanidade, que acreditaram que vale a pena realizá-lo. Portanto, o Nirvana é a diretriz do Budismo Esotérico, assim como até agora o foi para os mal-orientados estudos dos sábios ocidentais. O grande objetivo da estupenda e total evolução da humanidade é cultivar as almas humanas, de modo que ao final estejam aptas para aquele ainda inconcebível estado. O grande triunfo

da raça presente de espíritos planetários, que atingiu esse estado, será o de atrair para si tantos Egos quanto possível. Estamos ainda longe da época em que possa haver o perigo sério de se perder definitivamente toda qualificação para tal progresso, mas já não é bastante cedo para iniciarmos grande processo de qualificação, tanto mais que o karma que se propaga através de vidas sucessivas nessa direção levará consigo sua recompensa. De modo que a consecução esclarecida de nossos mais elevados interesses, num remoto futuro, coincidirá com o perseguir nosso bem-estar imediato, no próximo período devachânico e na seguinte reencarnação. Acaso se argüira que se o cultivo da espiritualidade é o grande propósito a que se deve perseguir, pouco importará que os homens o sigam numa ou noutra senda religiosa. Isto é um equívoco ao qual, conforme se explicitou em capítulo anterior, Buda, sob a personalidade de Sankaracharya, se dedicou especialmente a combater — isto é, a primitiva crença hindu de que moksha fosse alcançada por meio de bhatki, sem ter em conta o gnyanam. Vale dizer: a salvação pode ser obtida por práticas de devoção, sem considerar o conhecimento da verdade eterna. A espécie de salvação de que agora falamos não é livrar-se de um castigo bajulando um potentado celestial. Sendo um cometimento positivo e não negativo, a ascensão a regiões de elevação espiritual tão exaltada que o candidato a elas almeja, o que descrevemos geralmente como onisciência. Trata-se de um plano em que, dado o modo como usualmente atua na Natureza, sob qualquer circunstância, pode chegar o momento em que uma pessoa, em virtude apenas de ter sido boa, se converta de repente em sábio. A bondade e a sabedoria supremas do homem de sexta Ronda, que tendo chegado nesse ponto, assimilará gradativamente os atributos da própria divindade, só se podem desenvolver também por graus. A bondade sozinha,

associada, como muitas vezes está às crenças religiosas mais grotescas, conduz o homem apenas a períodos devachânicos de êxtases devocionais, não inteligentes, e, no final, se tais condições se reproduzem em muitas exisências, levá-lo-á a alguma extinção sem dor da individualidade na grande crise. O perseguir continuo da verdade espiritual e o desejo dela, e não a ociosa e bondosa aquiescência aos dogmas, à moda da igreja mais próxima, é o meio de os homens lançarem suas almas dentro do estado subjetivo, preparadas para assimilar o conhecimento real da onisciência latente de seu sexto princípio, e reencarnar-se em tempo oportuno com impulsos na mesma direção. Nada produz tão desastrosos efeitos no progresso humano, no que respeita ao destino do indivíduo, como a noção prevalecente de que uma religião, se for seguida com espírito piedoso, é tão boa como outra qualquer, e que se tais e tais doutrinas são talvez absurdas, quando consideradas a fundo, a maioria das pessoas boas jamais pensará no absurdo, senão que as observarão numa atitude mental sem mácula. Uma religião não é de modo algum tio boa como outra, mesmo quando todas sejam geradoras de vidas igualmente boas. Mas prefiro evitar toda crítica de crenças específicas, deixando que este livro seja uma simples e inofensiva manifestação das doutrinas internas verdadeiras da grande religião do mundo que — apresentando efetivamente, em seus aspectos externos, anais inocentes e sem sangue — produziu realmente vidas sem mácula através de toda sua existência. De mais a mais, não é por uma aceitação servil de suas doutrinas que o desenvolvimento da verdadeira espiritualidade deva ser cultivado. O grande resultado será obtido pela tendência a buscar a verdade, a comprovar e analisar tudo o que pretenda ser crença. No Oriente, tal resolução, em sua mais alta expressão, conduz ao chelado, à persecução da verdade, ao conhecimento pelo desenvolvimento das faculdades

internas, por meio das quais pode o chelado ser obtido com segurança. No Ocidente, o reino do intelecto, tal como se apresenta atualmente no mapa do mundo, a verdade infelizmente só pode ser perseguida e caçada com o auxílio de muitas palavras, muitas polêmicas e disputas. Mas, de qualquer modo, pode ser caçada e, se não é finalmente capturada, o ato de caçá-la engendra parte dos caçadores, por instintos que se propagarão e produzirão resultados mais adiante.

11. O UNIVERSO

Em toda literatura oriental a respeito da formação do Cosmo há freqüentes referências aos dias e às noites de Brahmã, às inspirações e expirações do princípio criador, aos períodos do manvantara17 e aos períodos do pralaya. Tal coisa perpassa por várias mitologias orientais, mas não trataremos aqui de seu aspecto simbólico. O processo da Natureza a que se refere constitui, por certo, a sucessão alternada de atividade e repouso, que se observa a cada passo da grande escalada, do infinitamente pequeno ao infinitamente grande. O homem tem um manvantara e um pralaya em cada 24 horas, isto é, seus períodos de vigília e de sono; a vegetação segue a mesma regra de ano em ano, adormecendo e revivendo com as estações. O mundo igualmente tem seus manvantaras e pralayas, quando a onda da humanidade se aproxima de suas margens, decorre pela evolução de suas sete raças e reflui de novo — tal manvantara foi tratado pela maior parte das religiões exotéricas como o ciclo completo da eternidade. O manvantara principal de nossa cadeia planetária é o que acaba quando o último Dhyan Chohan da sétima Ronda da humanidade aperfeiçoada passa ao Nirvana. Daí que a expressão deve ser considerada como bem elástica. Na verdade, pode-se dizer que sua elasticidade é infinita, e isto explica a confusão que tem imperado em todos os tratados acerca das religiões orientais, em seus aspectos populares. Todas as palavras-raízes, transferidas à literatura popular da doutrina secreta, têm ao menos um sêxtuplo sentido para o iniciado, enquanto o leitor nãoiniciado, supondo que uma palavra só significa uma coisa, e tratando sempre de

17

A palavra manvantara ou manwantara, transliterada do sânscrito, significa literalmente "período entre dois Afanas" (Manuantara). (N. T.)

esclarecer seu sentido, pelo confronto de suas diferentes aplicações e sua média, coloca-se numa embaraçosa perplexidade. A cadeia planetária que nos diz respeito não é a única que tem o nosso Sol como centro. Assim como há outros planetas além da Terra em nossa cadeia, do mesmo modo há outras cadeias, além desta, em nosso sistema solar. Há sete delas e há um tempo em que todas entram juntas no pralaya. A isto se denomina um pralaya solar. No intervalo entre dois desses pralayas, o vasto manvantara solar abrange sete prdayas e manvan-taras de nossa cadeia planetária e das outras. O pensamento se embaralha, dizem até mesmo os Adeptos, ao especular quantos de nossos pralayas solares devem ocorrer, antes de chegar a grande noite cósmica na qual o Universo inteiro, em sua enorme coletividade, obedeça ao que manifestamente é a lei universal de atividade e repouso, e com todas as suas miríades de sistemas passe ao pralaya. Pois, segundo a ciência esotérica, esse grandioso resultado tem de ocorrer. Depois de um pralaya de uma única cadeia planetária, não é preciso um novo começo da atividade evolucionária absolutamente de novo, havendo uma reassunção da atividade interrompida. Os reinos vegetal e animal, que ao final do último

manvantara

correspondente

haviam

alcançado

unicamente

um

desenvolvimento parcial, não são destruídos. Sua vida ou energia vital passa por uma noite ou período de repouso. Também têm, por assim dizer, um Nirvana próprio. E por que não haveriam de tê-lo essas entidades fetais e infantis? São todas, como nós, geradas pelo elemento uno. Assim como nós temos nossos Dhyan Chohans, do mesmo modo elas têm, em seus diversos reinos, guardiães elementais e são em massa atendidas como o é a humanidade na sua. O elemento uno não só preenche e é espaço, como também compenetra cada átomo da matéria cósmica. Portanto,

quando soa a hora do pralaya solar, embora o processo do avanço do homem em sua sétima e última Ronda seja o mesmo de sempre, cada planeta, em vez de passar simplesmente o visível ao invisível, cada vez que o abandona, é aniquilado. Com o princípio do manvantara da sétima Ronda da sétima cadeia planetária, cada reino, tendo chegado a seu último círculo, resta em cada planeta, depois da saída do homem, simplesmente o Mâyâ das formas que existiram. A cada passo que dá nos arcos descendente e ascendente, à medida que se desloca de um globo a outro, o planeta que fica atrás converte-se num mero cascarrão vazio. Após sua partida, vem a jornada das entidades de todos os reinos. Esperando passar a formas elevadas no tempo oportuno, são, todavia, libertadas, e mesmo à época da nova evolução permanecem no espaço em seu sono letárgico, até que são chamadas de novo à vida no novo manvantara solar. Os antigos elementais descansam até que são requeridos para ser, por sua vez, os corpos das entidades minerais, vegetais e animais noutra cadeia de globos mais elevada, em seu caminho para as entidades humanas, enquanto as entidades em germe das formas inferiores — e então só sobrarão delas muito poucas — permanecerão suspensas no espaço como gotas de água repentinamente congeladas. Eles degelarão ao primeiro sopro de calor do novo manvantara solar e formarão a alma dos novos globos. O lento desenvolvimento do reino vegetal, até o período a que nos referimos, terá sido atendido pelo repouso interplanetário mais prolongado do homem. Quando advém o pralaya solar, a totalidade da humanidade purificada se fundirá no Nirvana e, depois deste Nirvana intersolar, nascerá em sistemas mais elevados. As cadeias de mundos serão destruídas e se desvanecerão como sombras da parede quando se extingue a luz. "Temos toda espécie de indicações —dizem os Adpetos — de que

nesse mesmo momento ocorre um pralaya solar semelhante, ao passo que há dois menores que terminam em algum lugar." No início do novo manvantara solar, os elementos até agora subjetivos dos mundos materiais, espargidos então como poeira cósmica, recebendo impulso dos novos Dhyan Chohans do novo sistema solar (pois os mais elevados do antigo terão passado mais acima) formarão ondas primordiais de vida, e dividindo-se em centros diferenciados de atividade, combinar-se-ão numa escala gradual de sete estados de evolução. Como os outros mundos do espaço, nossa Terra tem que passar, antes de atingir seu estado material último, por uma gama de sete estados de densidade. Nada neste mundo nos fornece agora uma ideia de como seja o último estado de materialidade. O astrônomo francês Flammarion, no livro La résur-rection et Ia fin dês mondes, aproximou-se de um conceito dessa materialidade última. Os fatos são, contam-me, com pequenas modificações, muito parecidos aos que ele supõe. Em decorrência do que ele trata como esfriamento secular, mas que verdadeiramente é velhice e perda de vitalidade, a solidificação e dissecação da Terra atinge, por fim, um ponto em que o globo se converte num conglomerado solto. Seu período de concepção passou. Sua progénie está toda criada. Seu tempo de vida acabou. Daí que suas massas constitutivas deixam de obedecer às leis de coesão e agregação que as mantêm unidas. Com isso, convertem-se num cadáver abandonado à obra de destruição, deixando livre cada molécula que o forma, para separar-se do corpo e obedecer ao impulso de novas influências. "A atração da Lua", sugere Flammarion, "empreenderia a obra de demolição, gerando uma maré de partículas terrestres em lugar de uma maré aquosa." Esta última ideia não deve ser tomada como aprovada pela ciência oculta, exceto no que serve para exemplificar a perda da coesão molecular na matéria da Terra.

A física oculta passa completamente à região da metafísica, se tratamos de conseguir alguma indicação do modo como volta a começar a evolução depois de um pralaya universal. A coisa una eterna, imperecedoura no universo, que os pralayas universais deixam sem destruir, pode ser considerada indiferentemente como espaço, duração, matéria e movimento. Não como algo que tenha esses quatro atributos, mas como algo que é estas quatro coisas ao mesmo tempo e para sempre. E a evolução origina-se na polaridade atômica que gera o movimento. Na Cosmogonia, as forças positiva e negativa, ou ativa e passiva, correspondem aos princípios masculino e feminino. O fluxo espiritual penetra no véu da matéria cósmica. O princípio ativo é atraído pelo passivo, e se nos é permitido aqui socorrer a imaginação, recorrendo à simbologia oculta, a grande Nag, a serpente, emblema da eternidade, atrai sua cauda à boca, formando assim o círculo da eternidade, ou melhor, círculos na eternidade. O atributo uno e principal do princípio universal espiritual, como doador de vida inconsciente, mas sempre ativo, é dilatar--se e espargir-se. O do princípio material universal, é unir-se e fecundar-se. Inconscientes e inexistentes quando separados, convertem-se em consciência e vida ao se unirem. A palavra Brahmã provém da raiz sânscrita brih, dilatar, crescer ou frutificar, sendo na Cosmogonia esotérica a força expansiva vivificadora da Natureza em sua eterna evolução. Nenhuma expressão pôde contribuir mais para desencaminhar a mente humana na especulação fundamental relativa à origem das coisas, do que a palavra "criação". Fale-se da criação e estaremos continuamente nos chocando contra os fatos. Uma vez que se tenha entendido que nosso planeta e nós mesmos somos criações, como o é um iceberg, simplesmente estados de ser por um tempo dado — que sua presente aparência, geológica ou antropológica, é passageira, sendo apenas um

estado concomitante daquele grau de evolução que se alcançou —, o caminho fica preparado para melhor pensarmos. Então podemos ver o que significa o princípio ou elemento uno e único no universo e podemos considerar este elemento como andrógino. Do mesmo modo, também, a proclamação da Filosofia hindu de que todas as coisas nada mais são do que Mâyâ — estados transitórios — exceto o elemento uno que repousa durante os Maha-pralayas, as noites de Brahmã. Talvez tenhamos nos aprofundado bastante no insondável mistério da grande Causa Primeira. Não é paradoxo afirmar que, só em virtude de sua ignorância, julgam os teólogos comuns saber tanto sobre Deus. E não é exagero afirmar que os maravilhosamente dotados representantes da ciência oculta, cuja natureza mortal se elevou e purificou tanto que suas percepções, alcançam outros mundos e outros estados de existência, e que comungam diretamente com seres que se encontram tão acima da humanidade ordinária quanto o homem o está sobre os insetos do campo, não se ocupam nunca de nenhuma concepção que nem remotamente se pareça ao Deus das Igrejas e das crenças. Dentro dos limites do sistema solar, o Adepto mortal sabe, por conhecimento próprio, que todas as coisas se explicam pelo funcionamento da lei na matéria, em suas diversas formas, e mais a influência diretora e modificadora das mais altas inteligências associadas com o sistema solar, os Dhyan Chohans, a humanidade aperfeiçoada do último manvantara precedente. Os Dhyan Chohans ou Espíritos Planetários, sobre cuja natureza é inútil meditar até que pelo menos possamos penetrar na natureza de nossa própria existência não encarnada, comunicam aos mundos que se despertam no final de um pralaya de uma cadeia planetária, tais impulsos, que a evolução os sente através de todo seu progresso. Os limites da grande lei da Natureza restringem a sua ação. Eles não podem dizer que exista o paraíso em todo o espaço, que os homens nasçam

sumamente sábios e bons. Não podem agir senão unicamente por meio do princípio da evolução, e não podem negar a nenhum homem que se invista com a potencialidade de desenvolver-se, convertendo-se por si em um Dhyan Chohan, até o direito de praticar o mal, se o preferir ao bem. Nem tampouco pode impedir que, uma vez feito, o mal produza sofrimento. A vida objetiva é o solo em que se plantam os germes da vida e a existência espiritual (vale ter em conta que a expressão é usada somente como contraste com a existência material grosseira), a flor que finalmente está em viço. Mas o germe humano é algo mais do que a semente da flor. Tem liberdade de escolha quanto a desenvolver-se para cima ou para baixo. A planta não se desenvolveria se não pudesse dispor dessa liberdade. Esta é a necessidade do mal. Porém, nos limites prescritos pela necessidade lógica, o Dhyan Choan imprime as suas concepções sobre a onda evolucionária e compreende a origem de tudo que contempla. Ao refletir desse modo sobre a grandeza da evolução cíclica de que se ocupa a ciência esotérica, parece razoável adiar as considerações relativas à origem do cosmos. O homem comum nesta vida, com muitas vidas terrenas, certamente algumas centenas, por passar, e seus mais importantes períodos entre as encarnações (mais importantes no que se relaciona à duração e às perspectivas de felicidade ou de dor), também em perspectiva, pode na verdade ocupar-se sabiamente, antes, de investigações com vistas a resultados práticos, do que com as especulações nas quais praticamente não tem interesse nenhum. Do ponto de vista de a especulação religiosa não se fundar em conhecimento positivo algum fora desta vida, nada pode ser mais importante nem mais altamente prático do que as conjecturas acerca dos atributos e prováveis intenções do terrível Jeová pessoal, descrito como um tribunal onipotente, a cuja presença é levada a alma depois da morte para ser julgada. Mas o conhecimento científico das coisas espirituais faz do

dia do juízo uma longínqua e confusa perspectiva e ocupa o tempo que falta com toda espécie de atividades. Além disso, demonstra à humanidade que, seguramente, por milhões e milhões de séculos, não será chamada perante nenhum juiz, excetuado esse juiz que a tudo integra, o Sétimo Princípio ou Espírito Universal, que existe em toda parte e que atuando na matéria provoca a existência do próprio homem e do mundo em que vive, assim como as situações futuras para as quais ele se encaminha. O Sétimo Princípio, indefinível, incompreensível para nós no presente estado de esclarecimento é, com certeza, o único Deus reconhecido pelo conhecimento esotérico, e toda personificação deste é apenas simbólica. Entretanto, em verdade, o conhecimento esotérico que, de um lado, dá vida e realidade ao antigo simbolismo e, de outro, está em conflito com o dogma moderno, nos demonstra quão longe de ser absolutamente fabulosas são até as noções mais antropomórficas da Deidade, associadas pela tradição esotérica ao princípio do mundo. O Espírito Planetário, realmente encarnado entre os homens na primeira Ronda, era o protótipo da Deidade pessoal em todos os desdobramentos subseguintes da idéia. O erro cometido pelas pessoas ignaras, ao tratar do assunto, é simplesmente de grau. O Deus pessoal de um insignificante manvantara menor foi tomado como criador do cosmos, um erro muito natural em gente obrigada a supor, por não conhecer do destino humano sendo o que se inclui numa encarnação objetiva, que tudo mais além era um futuro homogêneo espiritual. O Deus desta vida é para eles o Deus de todas as vidas, mundos e épocas. Confio que o leitor não me interprete mal, supondo que desejo dizer que a ciência esotérica considera o Espírito Planetário da primeira Ronda como um deus. Conforme afirmei, ele ocupa-se da obra da Natureza num espaço incomensurável, de um passado incomensurável e através de um futuro todo incomensurável. O

enorme raio de tempo e de espaço em que opera nosso sistema solar é explorável pelos Adeptos mortais da ciência esotérica. Dentro desses limites sabem tudo o que acontece e como acontece, e sabem que tudo se explica pela vontade construtiva da hoste coletiva dos Espíritos Planetários, atuando sob a lei da evolução, que penetra toda a Natureza. Eles se comunicam com esses Espíritos Planetários e aprendem deles que a lei deste sistema solar é também a lei de outros sistemas solares, em cujas regiões se podem aprofundar as faculdades perceptivas dos Espíritos Planetários, assim como as dos próprios Adeptos podem aprofundar a vida de outros planetas desta cadeia. A lei de atividade e repouso alternados atua universalmente para o cosmos todo, embora a intervalos inimagináveis, o pralaya sucede o manvantara, e o manvantara, o pralaya, Perguntará alguém: com que fim atua esta eterna sucessão? É melhor delimitar a questão a um único sistema e perguntar com que fim a nebulosa original divide-se em vórtices planetários de evolução, e desenvolve mundos nos quais o espírito universal, reverberando através da matéria, produz a forma e a vida e esses estados superiores da matéria, pertinentes ao que chamamos existência subjetiva ou espiritual. Com certeza, constitui um objetivo suficiente para satisfazer qualquer mente razoável que seres perfeitos e sublimes, tais como os Espíritos Planetários, venham dessa forma à existência e vivam uma vida consciente de conhecimento e felicidade supremos, através de perspectivas de tempo equivalentes a tudo o que possamos imaginar da eternidade. A esta grandeza inefável tudo quanto vive tem a oportunidade de atingir. O Espírito que está em toda forma animada e que passou a estas, de formas que em geral chamamos inanimadas, progredirá lenta mas seguramente para a frente, até que o funcionamento constante de sua influência na matéria desenvolve uma alma humana. Não se conclui disto que as plantas e os

animais que nos circundam tenham já desenvolvido algum princípio capaz de tomar a forma humana no curso do manvantara presente. Mas, mesmo quando o curso de uma evolução incompleta possa ser suspenso por um período de repouso natural, nem por isso é infrutífero. Toda mônada espiritual — de per si, um princípio inconsciente e puro — atua através de formas conscientes em níveis inferiores, até que estas, reproduzindo sucessivamente formas cada vez mais elevadas, chegam a produzir aquela em que a consciência análoga à de Deus seja totalmente evocada. Com certeza, não será por causa da grandeza de qualquer concepção humana relativa ao objetivo adequado da existência no universo, que tal finalidade parecerá um objetivo deficiente. Nem mesmo se o destino último do mesmo Espírito Planetário, após períodos com relação aos quais seu desenvolvimento das formas minerais de mundos primevos (como a infância, na reminiscência do homem), for submergir sua individualidade gloriosa nessa soma total de toda consciência, que a metafísica esotérica denomina consciência absoluta, que é a não-consciência. Estas expressões paradoxais são simplesmente modos que representam idéias que a mente humana não está apta a compreender, sendo tempo desperdiçado o porfiar nelas. As considerações precedentes fornecem a chave do Budismo Esotérico, uma expressão mais direta da doutrina esotérica universal do que qualquer outra religião popular. O esforço em sua construção foi fazer com que os homens amem a virtude por si mesma e por seus bons efeitos em futuras encarnações, sem se sujeitar a nenhum sistema sacerdotal ou dogma que aterrorize a sua imaginação com a doutrina de um juiz pessoal esperando para julgar suas vidas por ocasião da morte. Mr. Lillie, por admirável que tenha sido sua intenção e por muita simpatia que devote à bela moralidade e aspiração do Budismo, engana-se ao deduzir, do ritual de seu

tem-pio, a noção de um Deus Pessoal. Semelhante concepção não entra na grande doutrina esotérica da Natureza, da qual este livro deu um esboço incompleto. Como, sequer, com referência às mais longínquas regiões da imensidade, além de nosso sistema planetário, tolera o Adepto expoente da doutrina esotérica a adoção de uma atitude agnóstica. Não lhe basta dizer: "Tão longe, como os sentidos elevados dos espíritos planetários, cujo conhecimento se estende até aos extremos limites dos céus estrelados, tão longe quanto sua visão pode estender-se, a Natureza é autosuficiente e, quanto ao que possa haver mais além, não temos hipótese alguma." O que o Adepto diz efetivamente neste ponto é: "O universo é ilimitado e é uma aberração do pensamento falar de hipótese relativa ao mais além do ilimitado, ao outro lado dos limites do sem limites." O que antecede a toda manifestação do universo, e estará mais além do limite da manifestação, se tais limites pudessem algum dia ser encontrados, é o que jaz no fundo do universo manifestado, dentro de nossa própria condição — a matéria animada de movimento, seu Parabrahm ou Espírito. Matéria, espaço, movimento e duração constituem a substância única e eterna do universo. Nenhuma outra coisa absolutamente eterna existe. Este é o primeiro estado da matéria, incognoscível pêlos sentidos físicos, os quais somente conhecem a matéria manifestada, outro estado bem diferente. Mas mesmo quando, em certo sentido da palavra, for materialista a doutrina secreta, como os leitores das explicações precedentes terão percebido, há de parecer tanto com o conceito estreito e grosseiro da Natureza, a que usualmente lhe confere o que se chama por Materialismo, como o Pólo Norte dista do Pólo Sul. A doutrina desce até o Materialismo, por assim dizer, para vincular seus métodos à lógica deste sistema, e sobe às regiões mais elevadas do Idealismo, para abraçar e explicar as aspirações mais exaltadas do Espírito. Jamais se repetirá

demasiado e com máxima perseverança que se radica, na união da Ciência com a Religião, a ponte por onde os mais perspicazes e prudentes perseguidores do conhecimento experimental podem dar as mãos ao devoto mais entusiasta, e por cujo meio também o mais entusiasta devoto pode voltar à Terra, sem deixar de estar no Céu.

12. REVISÃO DA DOUTRINA

Só uma longa familiaridade com a doutrina esotérica pode proporcionar uma visão completa do modo como ela se harmoniza com os fatos da Natureza, tais como todos podemos observá-los. Mas algo se pode fazer para indicar as correlações identificáveis entre todo o corpo de ensinamentos que se expôs e os fenômenos do mundo que nos circunda. Iniciando com as duas grandes perplexidades da filosofia comum — o conflito entre o livre-arbítrio e a predestinação e a origem do mal — há de se reconhecer certamente que o sistema da Natureza, agora apresentado, nos permite abordar seus problemas com maior confiança do que jamais o foram até agora. Até hoje, os pensadores mais prudentes foram os menos dispostos a asseverar que, com a ajuda da metafísica ou da religião, se possa esclarecer o mistério do livre-arbítrio e da predestinação. A tendência do pensamento foi a de relegar todo enigma à região do incognoscível. E, parece estranho dizê-lo, isso foi feito voluntariamente por pessoas que, nem por isso, se desagradaram em aceitar, como algo mais do que uma hipótese provisória, doutrinas religiosas que assim continuam sem poder reconciliarse com algumas de suas mais evidentes conseqüências. A onisciência de um Criador pessoal, abrangendo tanto o futuro como o passado, não deixa lugar para que o homem possa exercer uma autoridade independente sobre seu próprio destino, no que é absolutamente necessário deixá-lo exercer, para que o sistema de castigo ou recompensa por seus atos na vida possa ser legitimado por outra coisa que não uma injustiça das mais grotescas. Um grande filósofo inglês, encarando o problema, declarou, em um famoso ensaio, que, em virtude dessas considerações, era impossível que Deus fosse todo-bondade e todo-potência. As pessoas eram

livres para investi-lo logicamente com um ou outro desses atributos, mas não com os dois ao mesmo tempo. O argumento foi tratado com o respeito devido à grande reputação de seu autor e posto de lado com a discrição devida ao respeito pelas doutrinas ortodoxas. Mas a doutrina esotérica nos socorre nessa dificuldade. Em primeiro lugar, considera insignificantes as dimensões deste mundo, se comparado com o universo. Este é um fato da Natureza, que a Igreja cristã primitiva temeu com verdadeiro instinto e combateu com a crueldade do tenor. A verdade foi negada e seus autores torturados por muitos séculos. Por fim, sobreposta à própria autoridade das negações papais, a Igreja recorreu ao "desesperado expediente", para citar a frase de Mr. Rhys Davids, de pretender que isso não interessava. A pretensão teve até agora mais êxito do que podiam esperar seus autores. Temendo as descobertas da Astronomia, atribuíam ao mundo em geral uma lógica de menos arrependimentos do que a lógica que por fim se mostraram inclinados a utilizar. As pessoas prestaram-se, como regra geral, a fazer o que o Budismo Esotérico não exige de nós, ou seja, guardar sua ciência e sua religião em compartimentos estanques. Este princípio foi usado por tanto tempo e tão completamente, até que afinal cessou de ser um argumento contra a credibilidade de um dogma religioso, para destacar ser ele impossível. Mas quando fazemos uma relação entre nossos receptáculos, até agora divididos, e pedimos que fiquem no mesmo nível, não podemos deixar de ver como a insignificância da grandeza da Terra diminui, em proporção correspondente ao plausível das teorias que nos exigem pormenores de nossas próprias vidas como parte do depósito geral da onisciência de um Criador universal. Ao contrário, não parece razoável que os seres que habitam um dos menores planetas de um dos sóis de menores dimensões, no

oceano do universo, onde os sóis são como gotas de água no mar, fiquem isentos, de algum modo, do princípio geral do governo pela lei. Mas este princípio não se coaduna por capricho ao governo, que é uma condição essencial de uma predestinação, como a que associa com o uso da palavra as discussões convencionais dos problemas de que se trata. Pois cabe observar que a predestinação, que está em conflito com o livre-arbítrio, não é a predestinação das raças, mas a predestinação individual, associada às idéias de graça e cólera divinas. A predestinação das raças, sob leis análogas àquelas que regem a tendência geral de qualquer conjunto de acontecimentos independentes, é perfeitamente compatível com o livre-arbítrio individual, e, desse modo, a doutrina esotérica reconcilia a tão debatida contradição da Natureza. O homem rege seu próprio destino, nos limites constitucionais, por assim dizer. É perfeitamente livre para usar seus direitos naturais no que estes alcancem, e praticamente alcançam o infinito no tocante a ele, a unidade individual. Mas a ação humana média, sob condições dadas e tendo em conta vasta multiplicidade de unidades, resulta na infalível evolução dos ciclos que constitui seu destino coletivo. A predestinação individual pode, é verdade, ser afirmada não como um dogma religioso relacionado à graça ou à ira divinas, mas, sim, com fundamentos puramente metafísicos — vale dizer. Pode-se arguir que cada ser humano está, na infância, fundamentalmente sujeito à mesma influência, por circunstâncias análogas, que a vida de um adulto é, portanto, apenas o produto ou a impressão de todas as circunstâncias que influíram nessa vida desde o início, de modo que, se essas circunstâncias fossem conhecidas, o resultado moral e intelectual o seria também. Nessa linha de raciocínio, pode-se deduzir que as circunstâncias da vida de cada homem podem ser teoricamente conhecidas por uma inteligência suficientemente

penetrante. Que as tendências hereditárias, por exemplo, são apenas o produto de circunstâncias antecedentes que entram num cômputo dado como perturbação, porém que nem por isso deixam de ser menos calculáveis. Entretanto, essa dedução não está menos em conflito direto com a consciência da humanidade do que o dogma religioso da predestinação individual. O sentido do livre-arbítrio é um fator que não se pode ignorar no processo, e o livre-arbítrio de que temos consciência não é um mero impulso automático, como o puxão da perna da rã morta. O dogma comum religioso e o argumento metafísico comum exigem de nós que o consideremos sob esse aspecto. Mas a doutrina esotérica restitui-lhe a verdadeira dignidade e nos demonstra a esfera de sua atividade, os limites de sua soberania. É soberano sobre o curso da vida individual, mas impotente em presença da lei cíclica, descoberta na história humana por um filósofo tão positivo como Draper — por curto que seja o período em que tenha podido estender suas observações. E nem por isso deixa essa areia movediça colateral de pensamento, que J. S. Mill distinguiu paralelamente com as contradições da teologia — a grande questão de se a especulação deve referir-se à hipótese de toda bondade e toda potência — encontrar sua explicação no sistema ora exposto. Os grandes seres, a eflorescência aperfeiçoada de uma humanidade anterior, que, embora longe de constituírem um Deus supremo, reinam contudo de um modo divino sobre os destinos de nosso mundo. Não são onipotentes. E, por serem grandes, acham-se restringidos em sua ação por limites relativamente estreitos. Pareceria como se, quando a cena está, por assim dizer, pronta de novo para outro drama da vida, pudessem ser introduzidas algumas melhorias na ação, derivadas de sua própria experiência, no drama em que eles estiveram interessados, porém que são apenas capazes de, quanto à montagem principal da peça, repetir o que antes foi representado. Podem fazer em

grande escala o que faz um jardineiro com as dálias, em pequena escala: introduz consideráveis melhorias na forma e cor, mas suas flores, por tratadas que sejam, continuarão a ser dálias. Pode-se perguntar de passagem: Não será significativo, corroborando o que se aceita da doutrina esotérica, que as analogias naturais a apóiem em cada momento? Assim como é embaixo, o é acima, escreveram os filósofos ocultos antigos, sendo o microcosmos um reflexo do macrocosmos. Toda a Natureza existente sob a esfera de nossa observação física comprova a regra, no que essa área limitada apresenta como princípios. A estrutura dos animais inferiores reproduzse com alterações em animais superiores, e no Homem. As finas fibras da folha se ramificam como os ramos de uma árvore,e o microscópio segue estas ramificações, repetidas além do alcance do olho nu. As correntes turvas de águas pluviais depositam "rochas sedimentares" nas poças que formam nos caminhos, do mesmo modo que os rios o fazem nos lagos, e as imensas águas do mundo, no fundo dos mares. A obra geológica de um pequeno lago e a de um oceano diferem tãosomente em sua escala. A doutrina esotérica demonstra que também só diferem em escala as leis mais sublimes da Natureza, em sua jurisdição sobre o homem e sobre a família planetária. Assim como as crianças de cada geração são atendidas, na infância, por seus pais e crescem para, por sua vez, atender a outra geração, do mesmo modo ocorre na humanidade inteira dos grandes períodos manvantáricos: os homens de uma geração desenvolvem-se para ser os Dhyan Chohans da próxima, e nos últimos progressos do tempo cedem lugar a seus descendentes, passando eles a estados superiores de existência. A doutrina esotérica responde à questão da existência do mal de forma tão decisiva como o faz quanto ao livre-arbítrio. Este assunto foi discutido no seu lugar,

no capítulo anterior sobre o Progresso da Humanidade. Mas a doutrina esotérica, como se verá, enfrenta o grande problema, mais a fundo que por simples enunciado, de como o livre-arbítrio humano, cujo desígnio da Natureza é elevar ao estado Dhyan chohânico, deve ser, consoante esta hipótese, livre para desenvolver o próprio mal, se quiser. Isto quanto ao princípio geral em questão, mas o modo como atua pode ser percebido neste ensinamento, tão claro quanto o próprio princípio. Ele atua por meio do karma físico, e não poderia agir de outro modo, exceto por uma suspensão da lei invariável de que as causas .produzem efeitos. O homem objetivo nascido no mundo físico é tanto uma criação da entidade que ultimamente o animara quanto o homem subjetivo que, no ínterim, esteve vivendo na existência devachânica. O mal que os homens fazem sobrevive a eles, no sentido mais literal que o próprio Shakespeare atribuía a essas palavras. Há de se perguntar: como pode a culpa moral, numa vida, fazer com que se nasça em outra cego ou aleijado, em um período diferente da história do mundo, alguns milhões de anos mais tarde, de pais com os quais não teve na vida anterior nenhum tipo de relação física? Mas a dificuldade explica-se, segundo o modo de agir das afinidades, mais fácil do que se poderia imaginar à primeira vista. A criança cega ou inválida, quanto à sua forma física, pode ter sido a potencialidade, antes que produto de circunstâncias locais. Porém, não teria vindo à existência, amenos que houvesse uma mônada espiritual que insistisse pela encarnação, levando consigo o quinto princípio (o que é permanente num quinto princípio) adaptado justamente por seu karma para habitar naquele corpo potencial. Dadas essas circunstâncias, a criança imperfeitamente organizada é concebida e lançada ao mundo para ser uma causa de perturbação, para si e para os outros — um efeito convertendo-se, por sua vez, em causa — e um enigma vivente para filósofos que cuidam de explicar a origem do mal.

A mesma explicação é atribuível, com as devidas modificações, a toda uma vasta série de casos, que pode ser citada para ilustrar o problema do mal no mundo. Incidentalmente acarreta consigo uma questão relacionada com o funcionamento da lei kármica, que não pode ser chamada dificuldade, desde o momento em que a resposta é provavelmente sugerida pelo caráter da própria doutrina, mas nem por isso menos digna de ser citada. A assimilação seletiva, por parte dos espíritos carregados de karma, a uma paternidade correspondente a suas necessidades ou méritos, é a explicação óbvia que reconcilia o renascimento com o atavismo e a herança. A criança nascida parece que reproduz as peculiaridades dos pais ou antecessores, bem como sua parecença física, e o fato sugere a noção de que sua alma é um rebrotar da árvore da família, como sua forma física. É desnecessário alongar-nos aqui sobre as múltiplas dificuldades que rodeariam aquela teoria, se tivéssemos a extravagância de supor que uma alma assim, lançada como faísca de uma bigorna, sem nenhum passado espiritual atrás de si, possa ter um futuro diante dela. A alma, que desse modo seria apenas uma função do corpo, terminaria com a dissolução daquilo de que se originou. Seja como for, a doutrina esotérica, quanto aos caracteres transmitidos, oferece uma completa explicação do fenômeno, do mesmo modo que se refere a outros da vida humana. A família na qual a criança nasce representa, ao espírito reencarnado, o que um novo planeta o é para toda a onda humana numa Ronda ao longo da cadeia manvantárica. Foi construído por um processo de evolução funcionando numa Unha transversal à da aproximação da humanidade. E está apto para que a humanidade o habite, quando chegar o tempo devido. O mesmo acontece com o espírito reencarnado: arremessa-se para o mundo objetivo ao estarem esgotadas as influências que o prendiam ao estado devachânico. Toca, por assim dizer, a mola da Natureza, provocando o

desenvolvimento de uma criança, que sem tal impulso seria meramente uma potencialidade, não um desenvolvimento verdadeiro, mas em cuja paternidade encontra — inconscientemente, por meio da cega operação de suas afinidades - as condições exatas da nova vida, para a qual ela mesma se preparou na vida pretérita. Não devemos esquecer a presença de exceções em todas as grandes regras da Natureza. No presente caso, às vezes ocorre que um simples acidente cause um dano à criança ao nascer. Assim é que um espírito cujo karma não mereceu de modo nenhum aquele castigo, pode adquirir uma forma aleijada, e o mesmo aplicase em relação com uma grande variedade de acidentes. Mas sobre estes, tudo o que cabe dizer é que a Natureza não está tolhida por seus acidentes. Ela dispõe de muito tempo para repará-los. Os sofrimentos não merecidos numa vida são amplamente compensados pelo funcionamento da lei kármica na seguinte, ou pela seguinte. Há o tempo necessário para que a compensação aconteça, e os Adeptos declaram, conforme creio, que, na verdade, os sofrimentos não merecidos atuam, no final das contas, como uma sorte feliz, mais do que de outro modo, provindo isto da observação puramente científica dos fatos, de uma doutrina, que a religião usou benevolentemente algumas vezes mais para o consolo dos aflitos. Já a doutrina esotérica, quando oferece, neste sentido, uma inesperada solução dos fenômenos da vida que causam maior perplexidade, não o faz às custas de sacrifício, em qualquer sentido dos atributos que podemos sinceramente esperar de uma verdadeira ciência religiosa. O que primeiro temos em favor desse sistema é que não permite nenhuma injustiça, quer no sentido de dano feito sem merecimento, quer nos benefícios concedidos aos que não os merecem. E a justiça desse funcionamento deve ser discernida tanto nas grandes coisas como nas pequenas. A máxima jurídica de minimis non curat lex18 contém um meio de fuga à falibilidade 18

Isto é: o pretor não se ocupa de coisas mínimas. (N.T.)

humana das conseqüências de suas próprias imperfeições. Nem em Química, nem em Mecânica, existe nada semelhante à indiferença para as coisas pequenas. A Natureza, em suas operações físicas, reage às pequenas causas com tanta certeza quanto às grandes e podemos nos sentir instintivamente seguros de que também ela, em suas ações espirituais, não tem o mau hábito de tratar as ninharias como coisas sem conseqüência, de ignorar pequenas dívidas em recompensa por pagar as grandes, tal como um comerciante de duvidosa integridade que se satisfaz a honrar compromissos que não são suficientemente sérios para que seu cumprimento seja imposto pela lei. Ora, os atos de menor importância da vida, bons ou maus, são necessariamente ignorados sob qualquer sistema que formula a questão final em perspectiva, como admissão ou exclusão de uma condição uniforme, ou aproximadamente uniforme, de bem-aventurança. Nem mesmo quanto ao mérito ou demérito que unicamente se relacionam como conseqüências espirituais, nenhuma resposta exata pode dar a Natureza, exceto por meio daquele estado de existência espiritual infinitamente graduado, descrito pela doutrina esotérica como o estado devachânico. Mas a complexidade que se apresenta diante de nós é mais séria do que a que se pode encontrar nos vários estados da existência devachânica. Nenhum sistema de conseqüências que siga a humanidade, após a vida ora em observação, pode ser reconhecido como adaptado cientificamente às circunstâncias imprevistas, a menos que responda ao senso de justiça relativo aos múltiplos atos e costumes da vida em geral, inclusive àqueles que meramente se referem à existência física e não estão bastante caracterizados pelo justo ou injusto. Pois bem, apenas retomando a existência física, é como se pode conceber que as pessoas consigam, com todo rigor, os resultados das menores causas que

tenham produzido na última vida objetiva. Assim, após um cuidadoso exame do assunto — bem pouco atraente para os estudantes do Budismo até agora em seu aspecto exotérico, o que não é de estranhar — se verá que a lei kármica não só se reconcilia por si mesma com o senso de justiça, mas constitui o único método imaginável de ação natural que pode testá-lo. Tendo sido compreendida, a individualidade continua atuando, através de sucessivos renascimentos kármicos, e tendo presente a correspondente cadeia de existências espirituais intercaladas entre cada um dos nascimentos, não é de modo algum alterada a simetria requintada de todo o sistema por aquela característica que, à primeira vista, parece exposta à crítica — os banhos sucessivos nas águas do esquecimento, pelas quais deve passar o espírito reencarnado. Pelo contrário, aquele esquecimento é na verdade a única condição em que a vida objetiva pode ser iniciada completamente de novo. Poucas vidas terrenas são livres de sombras, cuja reminiscência obscureceria uma renovada fase de vida da personalidade. E se se alega que o esquecimento completo de cada uma das últimas vidas envolve desperdício de experiência, esforço e aquisições intelectuais penosa e laboriosamente obtidas, essa objeção pode unicamente provir do esquecimento da vida devachânica, na qual, longe de serem dissipados tais esforços e aquisições, eles constituem as sementes das quais brotará toda a magnífica colheita de resultados espirituais. Da mesma forma, quanto mais tempo a doutrina esotérica ocupar a inteligência, tanto mais claramente se verá que cada uma das objeções feitas contra ela depara-se com uma réplica pronta, e que somente parece objeção do ângulo do conhecimento incompleto. Ao passarmos das considerações abstratas a outras em parte entrelaçadas com assuntos práticos, comparemos a doutrina esotérica com os fatos da Natureza observáveis em vários sentidos, com o fito de comprovarmos diretamente seus

ensinamentos. Uma ciência espiritual que previu felizmente a verdade absoluta deve ajustar-se aos fatos da Terra, sempre que se depare com eles. Um dogma religioso em flagrante oposição com o que é uma verdade manifesta, para a Geologia e para a Astronomia, pode encontrar Igrejas e congregações que se satisfaçam em sustentá-lo, porém não é digno de séria consideração filosófica. Como concorda, pois, a doutrina esotérica com a Geologia e a Astronomia? Não é nenhum exagero afirmar que a doutrina esotérica consiste no único sistema religioso que se funde facilmente com as verdades físicas, descobertas pela pesquisa moderna naqueles ramos da ciência. Não só se identifica com elas, no sentido de tolerar a hipótese nebular e a estratificação das rochas, porém que, por assim dizer, se atira nos braços desses fatos e em nada pode prescindir deles. Tampouco deixa de considerar os descobrimentos da Biologia moderna, e, como é um sistema que se recomenda por si mesmo, numa época científica, sequer pode dispensar as últimas aquisições da Geografia física. A estratificação da crosta terrestre é certamente um registro claro e visível de cataclismos inter-raciais. A Física vai perdendo os hábitos de timidez que a insolente opressão do fanatismo religioso, de quinze séculos, produziu, mas ainda se mostra um pouco esquiva em suas relações com o dogma, por mera força do costume. Neste sentido a Geologia se contentou em afirmar que tais e tais continentes, como suas bacias marítimas testemunham, devem ter submergido e emergido, mais de uma vez, sob e sobre a superfície do oceano. Não se acostumou ainda à livre aplicação de seus próprios subsídios à especulação que invade o território religioso. Mas, com certeza, se fosse exigido que a Geologia interpretasse todos seus fatos na forma de uma história consistente da Terra, suscitando as hipóteses mais plausíveis que pudesse forjar para preencher lacunas em seus conhecimentos, ela construiria

uma história da humanidade que não seria diferente, nos traços gerais, do que foi esboçado no capítulo precedente sobre os Grandes Períodos do Mundo. E, quanto mais progridam as descobertas geológicas, no-lo dizem os instrutores esotéricos, tanto mais íntimas serão reconhecidas as correlações entre a doutrina e os vestígios ósseos do passado. Já vemos peritos do Challenger dando testemunho da existência da Atlântida, embora o tema pertença a um gênero de problemas geralmente pouco atraentes para o mundo científico. Assim é que as considerações em prol do continente perdido não são ainda apreciadas, de modo geral. Geólogos pensadores se mostram bastante dispostos a reconhecer que, com relação às forças formadoras da Terra, o período compreendido na série dos vestígios históricos pode ser um período de inércia relativa e de lenta mudança. E que as metamorfoses devidas a cataclismos podem ter-se agregado, nas primeiras eras, às ocasionadas por afundamentos, levantamentos e fragmentações graduais. Um passo ou dois separa isso do reconhecimento, como fato, daquilo que ninguém acharia criticável como hipótese, ou seja, as grandes submersões ou levantamentos continentais que ocorrem alternadamente. O mapa completo do mundo toma ocasionalmente formas novas, nos moldes, como os fragmentos de cores dos quadros de um caleidoscópio caem formando novas combinações, como também está sujeito a mudanças sistematicamente intermitentes, que restabelecem as primeiras disposições a enormes intervalos de tempo. Seja como for, estando ainda por vir mais descobrimentos, se irá admitir, talvez, que possuímos uma massa de conhecimentos geológicos suficiente para reforçar a Cosmogonia da doutrina esotérica. O fato de que a doutrina tenha sido mantida longe do mundo em geral, por tanto tempo, como precisou desse conhecimento para achar pavimentado o caminho a sua entrada, dificilmente será

considerado indiscreto por parte de seus guardiães. Se a geração atual concederá ou não importância suficiente às correlações da doutrina com o que foi descoberto na Natureza por outros meios, está por se ver. Essas correlações podem, naturalmente, ser encontradas de modo decisivo tanto na Biologia quanto na Geologia. A ampla teoria de Darwin a respeito da descendência do homem do reino animal não é o único fundamento proporcionado, por essa divisão da ciência, à doutrina esotérica. As observações minuciosas, na atualidade, constatadas na Embriologia, são especialmente interessantes pela luz que lançam em mais de uma seção desta doutrina. Assim é que a verdade, hoje familiar, de que as fases sucessivas do desenvolvimento humano pré-natal correspondem a progressos da evolução humana, através de diferentes formas da vida animal, representa nada menos que uma revelação em suas conseqüências analógicas. Não se cinge a fortalecer a hipótese evolucionária, mas ilustra notavelmente o modo como a Natureza atua na evolução das novas raças de homens, no princípio dos grandes períodos de Ronda. Quando uma criança tem de ser desenvolvida de um germe, de constituição tão simples, que é a menos típica do reino animal — e até menos que do vegetal — que do mineral, a escala familiar da evolução é percorrida, por assim dizer, rapidamente. Os conceitos de progresso, que necessitaram séculos incontáveis para ser externados pela primeira vez, na forma de uma cadeia sem solução de continuidade, estão para sempre firmemente alojados na memória da Natureza, e podem, portanto, ser rapidamente lembrados, em poucos meses, por sua ordem. O mesmo ocorre com a evolução da humanidade em cada um dos planetas, à medida que avança a onda da maré humana. Na primeira Ronda, o processo é bem lento, e quase não avança. As próprias idéias de Natureza estão sujeitas à evolução. Mas quando o processo ocorreu uma vez, pode

ser rapidamente repetido. Nas últimas Rondas, o impulso de vida percorre a escala da evolução com uma facilidade só concebível pela ajuda do esclarecimento proporcionado pela Embriologia. Esta é a explicação do modo como o caráter de cada uma das Rondas difere das que lhe antecederam. O trabalho evolucionário ocorrido uma vez é logo repetido. Então, a Ronda executa sua própria evolução com uma rapidez bem diferente, assim como a criança que, ao atingir a perfeição do tipo humano, verifica seu próprio crescimento individual lentamente, na proporção dos primitivos estados de seu desenvolvimento inicial. Não se exija de mim nenhuma comparação perfeita do Budismo Exotérico com os aspectos da Natureza que até agora foram expostos, de modo sucinto, como verdade, mas bastante compreensível somente para dar ao leitor uma visão geral do sistema em toda sua grandeza. Com o auxílio das informações ora comunicadas, os estudantes de Budismo estarão mais capazes de aplicar, aos enigmas que a Natureza pode conter, as chaves de sua significação. Os hiatos existentes nos anais públicos dos ensinamentos budistas agora são facilmente preenchidos, e com clareza se verá a razão de sua existência. Na obra de Mr. Rhys Davids, por exemplo, deparo o seguinte: "O Budismo não tenta resolver o problema da origem primária de todas as coisas", e, citando o Manual do Budismo, de Hardy, diz: "Quando Malunka perguntou a Buda se a existência do mundo era ou não eterna, não recebeu resposta, mas a causa do silêncio era que o Mestre considerava a pergunta sem proveito." Na verdade, o assunto foi expressamente deixado de lado porque não podia ser resolvido com um simples sim ou não, sem colocar o indagador numa pista falsa; pois, para colocá-lo na verdadeira pista, seria necessária uma exposição completa de toda a doutrina a respeito da evolução da cadeia planetária, para a qual a comunidade com que Buda se relacionava não

estava ainda intelectualmente madura. Mas, querer inferir de seu silêncio que tomava a pergunta como sem nenhum proveito, é um equívoco, em que é natural que se tenha caído, dada a inexistência de conhecimentos colaterais, pois na verdade nada pode ser mais completo. Nenhum dos sistemas que publicamente trataram do problema a respeito da origem de todas as coisas fez mais, como até agora foi visto, do que roçar a superfície daquela especulação, comparativamente às pesquisas completas da ciência esotérica da qual foi Buda um expositor eminente, como foi um proeminente instrutor moral para o povo. As conclusões positivas sobre o que o Budismo ensinou — cuidadosamente elaboradas — não foram divulgadas com menor cuidado por Mr. Rhys Davids que a conclusão negativa já citada. Era inevitável que todas essas conclusões fossem imprecisas até hoje. Cito um exemplo, não para diminuir o estudo cuidadoso de que foi fruto, mas para mostrar como a luz, agora difundida por todo o assunto, penetra cada fresta, expondo todos os fatos sob nova luz. "O Budismo considera como última verdade a existência do mundo material e seres conscientes vivendo nele. Sustenta que todas as coisas estão sujeitas à lei da causa e efeito e que todas elas estão constante embora imperceptivelmente mudando. Não há lugar em que esta lei não funcione; portanto, não existe nem céu, nem inferno, no sentido corrente da palavra. Existem mundos onde vivem anjos, cuja existência é mais ou menos material conforme a maior ou menor santidade de suas vidas anteriores; mas os anjos morrem, e os mundos nos quais moram deixam de existir. Há lugares de tormento onde as más ações, dos homens ou dos anjos, originam seres desgraçados; mas quando o ativo poder do mal que os gerou se esgota, se desvanecem. Os mundos por eles habitados não são eternos. Todo o cosmos — Terra, céus e infernos — tende sempre à renovação ou destruição, está

sempre em processo de mudança, é formado de uma série de revoluções ou ciclos, cujo princípio e fim são igualmente incognoscíveis e desconhecidos. Nesta lei universal de composição e de dissolução, os homens e os deuses não constituem exceção. A unidade de forças que forma um ser sensível, deve mais tarde ou mais cedo ser dissolvida, e somente por ignorância e ilusão esse ser sonha que é uma entidade separada e existente por si mesma." Pois bem, este parágrafo serve de exemplo para demonstrar como as noções populares da filosofia budista se distanciam de todas as luzes da verdadeira filosofia esotérica. Certamente, esta filosofia não vê no universo, assim como tampouco na crença de qualquer ilustre pensador asiático ou europeu, os imutáveis céus e infernos da lenda monacal. Mas, "os mundos onde os anjos vivem" e assim por diante — os níveis do estado devachânico vividamente reais, embora subjetivos — estão efetivamente na Natureza. O mesmo sucede com todas as outras concepções populares budistas que passamos em revista. Porém, em sua forma popular são caricaturas muito próximas às concepções correspondentes da ciência esotérica. Assim, a noção de que a individualidade é uma ilusão e que a dissolução final do ser sensível como essa ilusão é perfeitamente ininteligível, sem necessitar explicações mais completas a respeito dos múltiplos evos de vida individual em condições de exaltação espiritual, ainda para nós inconcebíveis, mas sempre progressivas, que precedem aquela inimaginável e re mota emergência no estado não-individualizado. Este estado deve estar em alguma parte do futuro, mas é de tal natureza que nenhum filósofo, o não-iniciado pelo menos, concebeu ainda a respeito dele sequer o mais fraco vislumbre de suposição. O mesmo que ocorreu quanto ao Nirvana, ocorreu com a ilusão da individualidade. Os escritores que se ocuparam da doutrina budista, derivada de fontes exotéricas, ficaram perplexos, do modo mais lamentável,

perante alguns dos remotos elementos da grande doutrina, sob a impressão de que se tratavam de opiniões budistas relativas a estados que acontecem imediatamente a esta vida. A declaração, colocada fora de seu contexto no corpo geral da doutrina, constitui quase um absurdo, não só porque não se pode considerar um insulto ao entendimento, mas porque será sentida como verdade sublime ao admitir seu devido lugar na relação com outras verdades. A emergência fina do perfeito Homem-deus ou Dhyan Chohan, na absoluta consciência do Paranirvana, não tem nada a ver, permitam-me aduzir, com a "heresia da individualidade", que se relaciona às personalidades físicas. Sobre esse assunto voltarei a tratar mais adiante. Mr. Rhys Davids afirma, com bastante razão, com referência ao resumo da doutrina budista, antes citada: "Tais ensinamentos não são, de modo algum, peculiaridades do Budismo, pois idéias semelhantes estão no fundamento das filosofias indianas primitivas." (Certamente, pelo fato de que o Budismo, quanto à doutrina, é a filosofia indiana primitiva.) "De fato, podem-se encontrar tais ensinamentos em outros sistemas bem distintos em tempo e lugar. O Budismo, ao se relacionar com a verdade neles contida, podia ter-lhes atribuído uma expressão mais definitiva, se não se tivesse apropriado também da crença referente à curiosa doutrina

da

transmigração,

doutrina

essa

que

parece

ter

originado

independentemente, se não simultaneamente, no vale do Ganges e no vale do Nilo. A palavra transmigração foi utilizada em diferentes épocas e lugares, para teorias diferentes, na verdade muito diferentes. E o Budismo, ao adotar a idéia geral do Bramanismo pós-védico, modificou-a de tal modo que chegou a formar, efetivamente, uma nova hipótese. Tanto a hipótese nova como a velha referem-se à vida, em nascimentos passados e futuros, e em nada contribuíram para a renovação aqui, nesta vida, do mal que supunham explicar."

Este livro terá desfeito as interpretações errôneas sobre as quais se apóiam essas observações. O Budismo não crê em nada que se assemelhe à passagem para trás e para a frente nas formas animais e humanas, que é o que muita gente concebe como sendo o princípio da transmigração. A transmigração do Budismo é a transmigração da teoria evolucionista de Darwin, cientificamente desenvolvida, ou antes completamente explorada em ambas as direções. Os escritos budistas contêm alusões a nascimentos anteriores, nos quais o próprio Buda era, às vezes, animal e, outras, outra espécie. Mas eles se referem ao curso remoto da evolução préhumana da qual sua visão aberta lhes proporcionava uma visão retrospectiva. Jamais se encontrará, em qualquer escrito budista, nada que defenda a noção de que qualquer criatura humana, tendo alcançado a humanidade, retroceda ao reino animal. Além disso, enquanto nada, em verdade, seria tão ineficaz como explicação da origem do mal, como a caricatura da transmigração que esse retrocesso implica. Os renascimentos dos Egos humanos na existência objetiva, unidos na operação do karma físico e as funções inevitáveis do livre-arbítrio, nos limites de suas prerrogativas, explicam a origem do mal, de um modo cabal e decisivo. Tendo por objeto o esforço da Natureza em uma nova colheita de Dhyan Chohans, cada vez que se desenvolve um sistema planetário, o desenvolvimento incidental do mal transitório é uma conseqüência inevitável sob a ação das forças ou processos mencionados, estados que por sua vez são inevitáveis no gigantesco processo empreendido. Ao mesmo tempo, se o leitor quiser tornar agora o livro de Mr. Davids e examinar o longo parágrafo desse assunto e a respeito das skandhas, há de se convencer da inútil tentativa de deduzir qualquer teoria racional, a respeito da origem do mal, dos materiais exotéricos nele empregados. Nem seria possível para esses

subsídios sugerir a verdadeira explicação do trecho do Brahmajala sutra citado logo após: "Depois de fazer ver como se originou a crença infundada na eterna existência de Deus ou de deuses, passa Gautama a discutir a questão da alma e indica 32 crenças relativas a ela, que considera errôneas. Estas são resumidamente como segue: 'Em que princípio ou sobre que terreno sustentam estes mendicantes ou brâmanes a doutrina da existência futura? Ensinam que a alma é material ou imaterial, ou que é ambas as coisas ou nenhuma delas; que terá um ou muitos modos de consciência; que suas percepções serão poucas ou ilimitadas; que permanecerá em um estado de gozo ou de miséria, ou nem em um nem em outro. Estas são as dezesseis heresias que ensinam uma existência consciente depois da morte. Existem mais oito heresias que ensinam que a alma material ou imaterial, ou ambas ou nenhuma das duas, finita ou infinita, ambas as coisas ou nenhuma delas, possui uma existência inconsciente depois da morte. E finalmente outras oito que ensinam que a alma, em seus oito sistemas correspondentes, existe após a morte em um estado nem consciente, nem inconsciente. Mendicantes — conclui o sermão —, aquilo que liga o Mestre à existência (isto é, tanha, sede) foi cortado, mas seu corpo ainda fica. Enquanto seu corpo permanece, será visto por deuses e homens, mas depois de acabada a vida, depois da dissolução do corpo, nem deuses, nem homens o verão.' Seria possível negar, de forma mais cabal e categórica, que existe a alma — algo, seja o que for, que continua existindo de alguma forma depois da morte?" Com efeito, para os estudantes exotéricos, esse trecho parecerá em flagrante contradição com os ensinamentos do Budismo, que se referem às sucessivas passagens da mesma individualidade através de várias encarnações, o que em

outra linha de pensamento talvez assuma a existência de uma alma transmissível, com tanta clareza, como a nega a passagem citada. Sem compreender os sete princípios do homem, não é possível reconciliar diferentes opiniões sobre os diversos aspectos desta questão da imortalidade. Mas a chave agora oferecida deixa a aparente contradição livre de toda dificuldade. No trecho anteriormente citado, Buda está tratando da personalidade astral, enquanto a imortalidade reconhecida pela doutrina esotérica é a da individualidade espiritual. À explicação foi cabalmente dada no capítulo que trata do Devachan e nos parágrafos citados ali do Catecismo budista, do Coronel Olcott. Desde que alguns fragmentos da grande revelação, que este volume contém, foram publicados nos dois últimos anos, na Theosophist, a importante distinção entre personalidade e individualidade, tal como se aplica à questão da imortalidade humana, foi estabelecida de forma inteligível. Mas ocorrem referências, nos anteriores escritos ocultos, que se podem agora invocar como prova do fato de que os escritores antigos estavam inteiramente cientes da própria doutrina. Reportando-nos ao mais recente dos livros ocultos, nos quais ainda subsiste o véu da obscuridade ocultando a doutrina à observação superficial, embora em alguns trechos esteja vazado de tal modo que quase fica transparente, podemos tomar qualquer um, dentre uma dúzia de parágrafos, para elucidar o ponto que visamos. Aqui está um: "Os filósofos que explicaram a queda na geração, a seu modo, consideram o espírito como algo completamente diferente da alma. Admitiam sua presença na cápsula

astral

somente

quanto

às

emanações

ou

raios

espirituais

do

'resplandecente'. O homem e a alma tinham que conquistar sua imortalidade subindo para a unidade, com a qual, no caso de sucesso, se uniam afinal e eram absorvidos, por assim dizer. A individualização do homem após a morte depende do

espírito, não de seu corpo e alma. Se bem que a palavra 'personalidade', no sentido que geralmente é entendida, é um absurdo, se for aplicada literalmente à nossa essência imortal. Entretanto, esta essência constitui uma entidade distinta, imortal e eterna de per si mesmo até no caso de criminosos sem redenção, quando o reluzente fio que une o espírito à alma, a partir do nascimento de uma criança, é violentamente rompido e fica a entidade desencarnada abandonada a compartilhar do destino dos animais inferiores, ou a dissolver-se no éter e a sofrer a aniquilação de sua individualidade — ainda assim o espírito permanece sem ser distinto19." Ninguém poderá ler isto ou qualquer outro trecho do capítulo donde foi extraído, sem perceber, à luz das explicações dadas no presente volume, que a doutrina esotérica era completamente familiar ao autor — por mais que tenha sido eu quem recebeu o privilégio de expô-la pela primeira vez, numa linguagem clara e inequívoca. É preciso algum esforço mental para diferenciar personalidade de individualidade, mas a ânsia pela continuidade da existência pessoal — pois a reminiscência completa que sempre se tem daquelas circunstâncias transitórias de nossa presente vida física constituem a personalidade — é claramente nada mais do que uma passageira fraqueza da carne. Para muita gente não será razoável dizer que qualquer pessoa vivente hoje, com suas lembranças limitadas pêlos anos de sua infância, é o mesmo indivíduo que qualquer um de diferente nacionalidade e época, que viveu há milhares de anos, ou mesmo que reaparecerá, após um lapso de tempo ou sob condições futuras inteiramente novas. Mas o sentimento do "eu sou eu" é o mesmo através das três vidas, assim como através de centenas delas; porque esse sentimento está mais profundamente arraigado do que aquele que expressa "eu sou John Smith, de tal altura, com tal peso, com tais e tais 19

Isis Unveiled, volume I, p. 315

propriedades e relações". Será inconcebível que — como noção mental — John Smith, herdeiro do dom de Tithonus, possa mudar seu nome de tempos em tempos, vindo a casar-se talvez em cada nova geração perdendo uma propriedade aqui, adquirindo outra ali, e se interessando, à medida que transcorre o tempo, por uma variedade de diferentes empresas; e será inconcebível — repito — que tal pessoa assim se esqueça, em poucos milhares de anos, de todas as circunstâncias relacionadas à vida presente de John Smith, como se os incidentes dessa vida não houvessem nunca ocorrido? Sem dúvida, o Ego será o mesmo. E, se isto é concebível para a imaginação, o que pode haver de inconcebível na continuidade individual de uma vida intermitente, interrompida e retomada a intervalos regulares e variada com permanências em estados mais puros de existência? Do mesmo modo como a doutrina esotérica mostra o conflito aparente entre a identidade das sucessivas individualidades e a "heresia" da individualidade, assim também coloca o "incompreensível mistério" do karma, que Mr. Rhys Davids trata tão sumariamente, numa base perfeitamente inteligível e científica. A respeito disso, diz-se que em vista de que o Budismo "não reconhece a existência de uma alma", recorre ao desesperado expediente de um mistério, para lançar uma ponte através do vazio que fica entre uma vida e outra, em algum outro lugar, ou seja, a doutrina do karma. E condena a ideia como uma "ficção não existente do cérebro". Irritado como se sente, com o que considera o absurdo da doutrina, entretanto devota paciência e grande ingenuidade mental ao esforço de desenvolver algo que pareça uma concepção racional metafísica das confusas expressões relativas ao karma, nos escritos budistas. Ele diz: "O karma, tomado do ponto de vista budista, evita o extremo supersticioso, por um lado, dos que crêem na existência isolada de alguma entidade denominada

alma; e, por outro, o extremo irreligioso dos que não acreditam na justiça moral e na retribuição. O Budismo pretende considerar a palavra 'alma', no tocante ao fato que se propõe abranger, sem ter achado o fato, senão só uma das vinte ilusões diferentes que cegam a vista dos homens. Contudo, o Budismo está convencido de que se um homem colhe tristeza, desengano, dor, ele próprio e não outro é quem semeou, em alguma época, os erros, o pecado, e se não nesta vida, em algum nascimento anterior. Onde, pois, há, neste caso, identidade entre o que semeia e o que colhe? Naquilo que exclusivamente permanece após a morte de um homem, e as partes constitutivas do ser sensível dissolvem-se, no resultado de suas ações, palavras e pensamentos, em seu karma bom ou mau (literalmente, seu modo de agir), que não morre. Familiarizados com a doutrina "Qualquer que seja o que um homem semeie, isso mesmo ele colherá', portanto, pode caber no sentimento budista, que seja o que for que um homem colha, ele deve tê-lo semeado. E já familiarizados com a doutrina a respeito da indestrutibilidade da força, podemos, também, compreender o dogma budista (por mais que se contraponha a nossas noções cristas) de que nenhum poder exterior é capaz de destruir o fruto das ações do homem, que devem produzir pleno efeito, seja no sentido do prazer, seja no da dor. E a grande peculiaridade do Budismo consiste nisto: o resultado do que o homem é ou faz não se dissipa, por assim dizer, em muitas correntes separadas, mas se concentra na formação de um novo ser sensível. Quer dizer novo em seus aspectos constitutivos e em suas faculdades, mas permanecendo o mesmo em sua essência, em seu ser, em sua conduta, em seu karma." Nada pode ser mais engenhoso do que essa tentativa de inventar, com relação ao Budismo, uma explicação de seu "mistério", apoiando-se na suposição de que os autores do mistério geraram-no como "expediente desesperado" para cobrir

sua retirada de uma posição insustentável. Na verdade, a doutrina do karma tem uma história bem mais simples e dispensa essa sutil interpretação. Como muitos outros fenômenos da Natureza relacionados com o futuro, foi declarada por Buda um mistério incompreensível, e as questões referentes a ela foram assim postas de lado. Mas Buda não quis dizer que, porque fosse incompreensível para o vulgo, também o seria para os iniciados na doutrina esotérica. Era impossível explicar sem fazer referência à doutrina esotérica, mas uma vez conhecidas as grandes linhas daquela ciência, o karma, como muitas outras coisas, converte-se num assunto relativamente simples, um mistério, no sentido em que o é igualmente a afinidade do ácido sulfúrico para com o cobre e a afinidade, ainda maior, que experimenta pelo ferro. Certamente, a ciência esotérica, para seus "chelas laicos", do mesmo modo que a Química para seus "chelas laicos", ou seja, os estudantes de seus fenômenos físicos, deixa na sombra alguns mistérios insondáveis. Não irei explicar por meio de quais exatas mudanças moleculares as mais elevadas afinidades, constitutivas do karma, se mantêm nos elementos permanentes do seu quinto princípio. Mas a ciência corrente não está melhor qualificada para dizer o que é que leva uma molécula de oxigênio a abandonar a molécula de hidrogênio, com a qual estava combinada no pingo de água, e porque se une a uma molécula de ferro da viga sobre a qual cai. Mas a mancha de ferrugem aparece, e afirma-se que foi encontrada a explicação científica do fato ao serem compreendidas suas afinidades e ao se recorrer a elas. O mesmo acontece com o karma: o quinto princípio recolhe as afinidades de suas boas e más ações durante sua passagem pela vida, com elas vai ao Devachan, onde as que estão harmoniosas com o ambiente, por assim dizer, daquele estado, frutificam e florescem em prodigiosa abundância, passando depois,

novamente, com aquelas que não esgotaram sua energia, ao mundo objetivo. E com a mesma certeza com que a molécula de oxigênio, posta em presença de uma centena de outras moléculas, se arremessará àquela com a qual tenha maior afinidade, a mônada espiritual carregada de karma irá àquela encarnação com a qual a unem suas misteriosas atrações. Não ocorre nesse processo nenhuma criação de um novo ser sensível, exceto no sentido de que a nova estrutura corpórea desenvolvida constitui um novo instrumento de sensação. O que nela reside, o que sente alegria ou tristeza, é o antigo Ego — separado completamente pelo esquecimento de sua última série de aventuras na Terra, é verdade, mas tendo alcançado seu fruto — é o mesmo "eu sou eu" que antes. Segundo Mr. Rhys Davids: "É estranho tudo isso" - a explicação da Filosofia Budista que os materiais esotéricos possibilitam dar — que "não pareça repulsivo por todos esses 2.300 anos e mais, a muitos corações ardentes e desesperados, que confiaram na magnífica ponte aparente que o Budismo tentou construir sobre o rio dos mistérios e pesares da vida... Não conseguiram ver que a pedra fundamental, o laço de união entre uma vida e outra, é meramente uma palavra — esta maravilhosa hipótese, este aéreo nada, esta causa imaginária fora do alcance da razão — a individualizada e a individualizante graça do karma". Com efeito, estranho seria se as bases do Budismo tivessem repousado sobre fundações tão frágeis. Sua aparente fragilidade é devida simplesmente ao fato de que sua poderosa estrutura de conhecimentos permaneceu velada até agora. Agora que foi desvelada a doutrina interna, há de se ver quão pouco depende, em qualquer aspecto, das vagas sutilezas da metafísica. O fato de que estas se enfeixaram ao redor do Budismo deve-se a que intérpretes externos de fortuitos

indícios doutrinais não podiam ser inteiramente suprimidos do simples sistema de moral prescrito para o povo. No que realmente constitui o Budismo, deparamos uma sublime simplicidade, como a da própria Natureza, uma lei que se ramifica de forma infinita. Há também, é verdade, complexidade de pormenor, infinitamente complexas também na própria Natureza em suas manifestações, por mais invariáveis e uniformes que sejam em suas finalidades. Mas sempre encontramos a imutável doutrina das causas e seus efeitos, que por sua vez se convertem em causas, numa interminável progressão cíclica.

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