Bruce Alberts - Biologia Molecular da Célula, 5ª Edição CD-ROM (Artmed)

March 7, 2017 | Author: ImunoHemato | Category: N/A
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Reprodução Sexuada: Meiose, Células Germinativas e Fecundação Sexo não é totalmente necessário. Os organismos unicelulares podem reproduzir-se por divisão mitótica simples, e muitas plantas se propagam de forma vegetativa, pela formação de brotos multicelulares que mais tarde se separam da planta que os originou. Da mesma forma, no reino animal, uma Hydra multicelular pode produzir descendentes sozinha, por brotamento (Figura 21-1), e as anêmonas do mar e as minhocas marinhas podem dividir-se em duas metades, cada uma capaz de regenerar a metade que falta. Há ainda espécies de lagartos que consistem apenas em fêmeas e se reproduzem sem acasalamento. Embora tal reprodução assexuada seja simples e direta, ela dá origem a descendentes que são geneticamente idênticos ao organismo que os originou. Por outro lado, na reprodução sexuada, os genomas de dois indivíduos são misturados para produzir descendentes que diferem geneticamente uns dos outros e de seus pais. Aparentemente, esta forma de reprodução tem grandes vantagens, tanto que a grande maioria das plantas e animais a escolheu. Mesmo muitos procariotos e eucariotos que normalmente se reproduzem de forma assexuada, em períodos ocasionais, utilizam a troca genética, criando, dessa forma, descendentes com novas combinações de genes. Este capítulo descreve a maquinaria celular da reprodução sexuada. Porém, antes de discutirmos em detalhe como essa maquinaria funciona, faremos uma breve consideração sobre o que ela implica e que benefícios traz.

21 Neste capítulo VISÃO GERAL 1269 DE REPRODUÇÃO SEXUADA MEIOSE

1272

CÉLULAS GERMINATIVAS PRIMORDIAIS E DETERMINAÇÃO DO SEXO EM MAMÍFEROS 1282 OÓCITOS

1287

ESPERMATOZOIDES

1292

FECUNDAÇÃO

1297

VISÃO GERAL DE REPRODUÇÃO SEXUADA Reprodução sexuada ocorre em organismos diploides, nos quais cada célula contém dois conjuntos de cromossomos, um cromossomo herdado de cada um dos pais. Entretanto, as células especializadas em levar adiante a reprodução sexuada são haploides; ou seja, cada uma delas contém apenas um conjunto de cromossomos. Na etapa final de reprodução sexuada, uma célula haploide de um indivíduo se funde com uma célula haploide de outro, misturando os dois genomas e restaurando o estado diploide. Portanto, a reprodução sexuada requer um tipo especializado de divisão celular chamado de meiose, no qual uma célula precursora diploide dá origem a uma progênie de células haploides, ao invés de células diploides, como ocorre na divisão celular mitótica normal. Em organismos multicelulares que se reproduzem sexualmente, as células haploides produzidas por meiose se desenvolvem em gametas altamente especializados – oócitos (ou ovócitos), espermatozoides, pólen ou esporos. Nos animais, caracteristicamente, fêmeas produzem oócitos grandes e não-móveis, ao passo que machos produzem espermatozoides pequenos e móveis (Figura 21-2). Na fecundação, um espermatozoide haploide funde-se com um oócito haploide para formar uma célula diploide (um ovo fecundado, ou zigoto), que contém uma combinação nova de cromossomos. Então, o zigoto se desenvolve como um novo organismo multicelular por meio de sucessões repetidas de mitoses, seguidas por especialização celular, que inclui a produção de gametas (Figura 21-3A).

Em eucariotos superiores, a fase haploide é curta Na maioria dos organismos que se reproduzem sexualmente, as células diploides proliferam por divisão celular mitótica, e as células haploides que se formam por meiose não proliferam. Alguns organismos simples, como leveduras de fissão, são exceções nas quais as células haploides proliferam por mitose, e as células diploides formadas pela fusão de células ha-

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Figura 21-1 Fotografia de uma Hydra, da qual dois novos organismos estão brotando (setas). Os descendentes, que são geneticamente idênticos ao organismo que os originou, se desprenderão e viverão de forma independente. (Cortesia de Amata Hornbruch.)

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Figura 21-2 Eletromicrografia de varredura de um oócito com muitos espermatozoides humanos ligados a sua superfície. Apesar de oócito não ser móvel, os espermatozoides têm alta motilidade. Embora muitos espermatozoides estejam ligados ao oócito, somente um irá fecundá-lo, como será discutido mais adiante. (Cortesia de D. Phillips/Science Photo Library.)

ploides dividem-se diretamente por meiose para produzir novas células haploides (Figura 21-3B). Uma exceção menos extrema ocorre em plantas, nas quais tanto as células haploides como as diploides proliferam. Entretanto, em todas as plantas, menos nas mais primitivas, como musgos e samambaias, a fase haploide é muito curta e simples, enquanto a fase diploide se estende por um longo período de desenvolvimento e de proliferação celular. Em quase todos os animais, incluindo todos os vertebrados, apenas as células diploides proliferam: os gametas haploides existem apenas brevemente, não se dividem e são altamente especializados para a fusão sexual. Nestes organismos, é vantajoso fazer a distinção

(A)

Figura 21-3 Células haploides e diploides no ciclo de vida de eucariotos superiores e alguns inferiores. As células haploides são mostradas em vermelho e as células diploides em azul. (A) As células na maioria dos animais e das plantas normalmente proliferam na fase diploide para formar um organismo multicelular; apenas os gametas (oócitos e espermatozoides em animais) são haploides, e eles se fundem no momento da fecundação para formar um zigoto diploide, que se desenvolve como um novo indivíduo. Os gametas se desenvolvem a partir de células diploides da linhagem germinativa (cinza) nas gônadas; todas as células restantes no organismo são células somáticas. (B) Em alguns eucariotos inferiores, como leveduras de fissão e a alga verde Chlamydomonas, ao contrário, as células haploides proliferam, e a única célula diploide é o zigoto, que existe temporariamente após acasalamento.

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(B)

Organismos diploides

Células da linhagem germinativa

Organismos haploides

Células somáticas ACASALAMENTO MEIOSE

Oócito haploide

Espermatozoide haploide

FECUNDAÇÃO

Zigoto diploide

MEIOSE

Células haploides Zigoto diploide

MITOSE

MITOSE

Organismos haploides Organismo diploide

EUCARIOTOS SUPERIORES

ALGUNS EUCARIOTOS INFERIORES

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entre as células da linhagem germinativa (ou células germinativas), que incluem os gametas e suas células precursoras diploides específicas, e as células somáticas, que formam o restante do organismo e no final não deixam descendentes (ver Figura 21-3A). De certa forma, as células somáticas existem apenas para auxiliar as células germinativas a sobreviver, desenvolver-se e transmitir seu DNA para a próxima geração.

Meiose cria diversidade genética Organismos que se reproduzem sexualmente herdam dois conjuntos completos de cromossomos, um de cada progenitor. Cada conjunto contém cromossomos autossômicos, comuns a todos os membros da espécie, e cromossomos sexuais, que estão distribuídos de forma diferente de acordo com o sexo do indivíduo. Portanto, cada núcleo diploide contém duas versões muito semelhantes de cada cromossomo autossômico, mais um conjunto de cromossomos sexuais adequados para o sexo do indivíduo. As duas cópias de cada cromossomo autossômico, uma herdada da mãe e uma do pai, são chamadas de cromossomos homólogos, e na maioria das células elas mantêm uma existência separada como cromossomos independentes. No entanto, durante a meiose cada cromossomo deve se comunicar fisicamente com seu par homólogo único através do pareamento, para sofrer recombinação genética. Essa comunicação é essencial para capacitar os homólogos a segregarem de forma correta em células-filhas diferentes durante a meiose. Uma característica crucial da meiose é que ela gera células haploides que são geneticamente diferentes umas das outras e das duas células haploides que formaram o organismo no primeiro momento. As diferenças genéticas surgem por dois mecanismos. Primeiro, individualmente, um gameta contém ou a versão materna ou a paterna de cada cromossomo; como a escolha de materno ou paterno ocorre de forma independente e aleatória para cada par de homólogos, os cromossomos maternos e paternos originais são rearranjados em combinações novas nas células haploides. Segundo, mesmo que as versões materna e paterna de cada cromossomo tenham sequências de DNA semelhantes, elas não são idênticas, sofrendo recombinação genética durante a meiose – um processo chamado de crossingover (discutido no Capítulo 5) para produzir versões híbridas novas de cada cromossomo; dessa forma, cada cromossomo em um gameta contém uma mistura única de informação genética de ambos os pais. Discutiremos estes dois mecanismos em maiores detalhes mais tarde (ver Figura 21-13).

A reprodução sexuada proporciona uma vantagem competitiva aos organismos A maquinaria da reprodução sexuada é elaborada, e os recursos gastos nela são grandes (Figura 21-4). Quais são seus benefícios e por que ela evolui? Reproduzindo-se sexualmente, os indivíduos produzem descendentes variados, cujos genótipos diversos provavelmente têm chances iguais de representar uma mudança para pior ou para melhor. Então, por que os indivíduos sexuados deveriam ter uma vantagem competitiva sobre os indivíduos que se reproduzem por um processo assexuado? Este problema continua deixando perplexos os biólogos evolucionistas. Uma vantagem da reprodução sexual parece ser que o rearranjo de genes ajuda uma espécie a sobreviver em um ambiente variável imprevisível. Se um casal de pais produz muitos descendentes com uma variedade grande de combinações de genes, é maior a chance de que ao menos um de seus descendentes tenha a combinação de características necessária para sobreviver em um ambiente em modificação. Na verdade, uma população de leveduras que se reproduz por brotamento, modificada geneticamente para que não possa sofrer recombinação genética por meiose e, portanto, não possa se reproduzir sexualmente, adapta-se de forma muito menos satisfatória e mais demorada às condições ambientais rigorosas do que a população do tipo selvagem, que pode se reproduzir sexualmente. Outra vantagem da reprodução sexuada parece ser sua capacidade de auxiliar na eliminação de genes prejudiciais de uma população: as fêmeas geralmente acasalam com os machos mais aptos, de modo que os machos menos aptos não deixam descendentes e servem apenas como uma espécie de lata de lixo genética. Esta seleção rigorosa entre os machos significa que genes “bons” são transmitidos e genes “ruins” são perdidos na população de forma mais eficiente que seriam de outro modo. Como resultado, espera-se que membros de uma população de reprodução sexuada tenham média de aptidão muito mais alta que membros de uma população equivalente que se reproduz assexuadamente.

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Figura 21-4 Um pavão mostrando sua complexa cauda. Esta plumagem extravagante serve para atrair as fêmeas, com o objetivo de reprodução sexuada. Ela desenvolveu-se porque apenas os machos mais aptos e elegantes deixarão descendentes. (Cortesia de Cyril Laubscher.)

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Quaisquer que sejam os benefícios que a reprodução sexuada possa ter, é surpreendente que praticamente todos os organismos complexos atuais tenham evoluído amplamente por gerações através da reprodução sexuada em vez da assexuada. Comparativamente, organismos assexuados, apesar de abundantes, na sua maioria parecem ter permanecido simples e primitivos. Agora, passaremos para os mecanismos celulares do sexo, começando com os eventos da meiose. Então, focaremos nossa discussão principalmente em mamíferos. Primeiro, levaremos em consideração as células diploides da linhagem germinativa que originam os gametas e a maneira como o sexo de um mamífero é determinado. Finalmente, examinaremos o processo de fecundação, no qual um oócito e um espermatozoide se fundem para formar um novo organismo diploide.

Resumo O ciclo reprodutivo sexuado envolve uma alternância de estados diploides e haploides: as células diploides dividem-se por meiose para formar células haploides, e as células haploides de dois indivíduos se fundem em pares para formar novos zigotos diploides. No processo, os genomas são misturados e recombinados para produzir indivíduos com novas combinações genéticas. Nos eucariotos superiores, as células diploides proliferam por mitose, e somente uma pequena proporção delas (aquelas da linhagem germinativa) sofre meiose para produzir células haploides; as células haploides se diferenciam como gametas, os quais são especializados para a reprodução sexuada, têm apenas uma existência breve e não se dividem. Acredita-se que a reprodução sexuada seja vantajosa tanto por produzir indivíduos com combinações genéticas novas, alguns dos quais podem sobreviver e procriar em um ambiente variável imprevisível, como por propiciar uma maneira eficiente de eliminar mutações prejudiciais de uma população.

MEIOSE A compreensão de que os gametas são haploides veio de uma observação que também sugeria que os cromossomos carregam informação genética. Em 1883, em um estudo com vermes nematódeos, foi descoberto que o núcleo de um oócito e o de um espermatozoide contêm dois cromossomos cada um, enquanto o zigoto (ou ovo fecundado) contém quatro cromossomos. Isto levou à teoria cromossômica da hereditariedade, a qual explicou o paradoxo de longa data de que as contribuições materna e paterna para as características da progênie parecem ser iguais, apesar da enorme diferença de tamanho entre o oócito e o espermatozoide (ver Figura 21-2). O achado também sugeriu que as células germinativas haploides resultam de um tipo especial de divisão celular no qual o número de cromossomos é dividido exatamente ao meio. Este tipo de divisão, chamado de meiose (do grego meiosis, que significa diminuição ou redução), nos animais inicia-se nas células da linhagem germinativa dos ovários ou testículos. Poderia parecer que a meiose acontece por uma modificação simples da mitose, na qual a síntese de DNA (fase S) é omitida e uma divisão celular simples produz diretamente duas células haploides. No entanto, a meiose é mais complexa que isto e envolve duas divisões celulares ao invés de uma, mas com apenas uma etapa de síntese de DNA. Os eventos essenciais da meiose foram estabelecidos somente no início da década de 1930, como resultado de cuidadosos estudos citológicos e genéticos. Estudos genéticos e moleculares mais recentes têm começado a identificar as várias proteínas específicas da meiose que fazem com que os cromossomos na meiose se comportem de uma maneira diferente dos cromossomos na mitose e ajudam a mediar os eventos decisivos de recombinação genética que ocorrem na meiose. Veremos que os eventos de recombinação são importantes não apenas para a variabilidade genética, mas também para a segregação cromossômica precisa durante a meiose.

Os gametas são produzidos por duas divisões celulares meióticas A meiose utiliza quase a mesma maquinaria molecular e os sistemas de controle que agem na mitose comum. Contudo, neste capítulo daremos enfoque às características particulares da meiose que a distinguem da mitose. No início da meiose, assim como na mitose, os cromossomos têm o seu DNA replicado (na fase S meiótica) e as duas cópias estão intimamente ligadas por complexos coesina ao longo de todo seu comprimento (ver Figura 17-24), sendo chamadas de cromátides-irmãs. Entretanto, diferentemente da mitose, a meiose ocorre

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Biologia Molecular da Célula

FASE S MEIÓTICA

(A)

MEIOSE

(B)

MITOSE

Homólogo paterno Homólogo materno REPLICAÇÃO DO DNA

REPLICAÇÃO DO DNA

PAREAMENTO DE HOMÓLOGOS DUPLICADOS

MEIOSE I

HOMÓLOGOS PAREADOS ALINHADOS NO FUSO

SEPARAÇÃO DE HOMÓLOGOS NA ANÁFASE I

Figura 21-5 Comparação entre a meiose e a divisão celular mitótica. Para maior clareza, somente um par de cromossomos (homólogos) é mostrado. (A) Na meiose, após a replicação de DNA, duas divisões nucleares (e celulares) são necessárias para produzir os gametas haploides. Os homólogos duplicados, cada um composto por duas cromátides-irmãs unidas firmemente, pareiam e são segregados em células-filhas diferentes na meiose I; as cromátides-irmãs separam-se somente na meiose II. Como é indicado pela formação de cromossomos que são parcialmente vermelhos e parcialmente cinzas, o pareamento dos homólogos na meiose leva à recombinação genética (crossing-over) durante a meiose I, como será discutido mais tarde. Portanto, cada célula diploide que entra em meiose produz quatro células haploides geneticamente diferentes. (B) Na mitose, ao contrário, os homólogos não formam pares e as cromátidesirmãs separam-se durante a divisão única. Assim, cada célula diploide que se divide por mitose produz duas célulasfilhas diploides geneticamente idênticas.

SEPARAÇÃO DE CROMÁTIDES-IRMÃS NA ANÁFASE

MEIOSE II

SEPARAÇÃO DE CROMÁTIDES-IRMÃS NA ANÁFASE II

CROMOSSOMOS DUPLICADOS ALINHADOS INDIVIDUALMENTE NO FUSO

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Células-filhas haploides

Células-filhas diploides

para produzir gametas com a metade dos muitos cromossomos de suas células precursoras diploides. Isso é obtido pela modificação do programa mitótico de maneira que uma etapa única de replicação de DNA é seguida por duas etapas sucessivas de segregação de cromossomos (Figura 21-5A). Lembre-se de que, na mitose (discutida no Capítulo 17), os cromossomos duplicados alinham-se ao acaso no equador do fuso mitótico, e as cromátides-irmãs são tracionadas até separarem-se e serem segregadas em duas células-filhas, de modo que cada filha herda um conjunto diploide completo de cromossomos e é geneticamente idêntica à célula-mãe (Figura 21-5B). Na primeira divisão da meiose (meiose I), ao contrário, os homólogos paternos e maternos duplicados (incluindo os dois cromossomos sexuais replicados) pareiam um ao lado do outro e trocam informação genética por meio de um processo

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Cromossomo 1 paterno replicado

Cromossomo 1 materno replicado

de recombinação genética. Então, eles alinham-se no equador do fuso meiótico, e depois, ao invés das cromátides-irmãs, os homólogos duplicados é que são tracionados até separarem-se, sendo segregados em duas células-filhas. Apenas na segunda divisão da meiose (meiose II), a qual ocorre sem uma replicação adicional de DNA, as cromátides-irmãs são separadas e segregadas para produzir células-filhas haploides. Dessa forma, cada célula diploide que entra em meiose produz quatro células haploides, sendo que cada uma herda ou a cópia materna ou a paterna de cada cromossomo, mas não ambas (ver Figura 21-5A).

Centrômero

Cromátides-irmãs

(A)

Bivalente

(B) Quiasma

Figura 21-6 Alinhamento dos homólogos e crossing-over. (A) A estrutura formada por dois homólogos duplicados alinhados de forma muito próxima é chamada de bivalente. Como na mitose, as cromátides-irmãs estão conectadas firmemente ao longo de todo seu comprimento, bem como pelos seus centrômeros. Nesse estágio, os homólogos normalmente estão unidos por um complexo proteico chamado de complexo sinaptotênico (não-mostrado; ver Figura 21-9). (B) Um bivalente em estágio posterior no qual um único evento de crossing-over está ocorrendo entre cromátides não-irmãs. Somente quando o complexo sinaptotênico se desfaz e os homólogos pareados separam-se um pouco no final da prófase I, como é mostrado, é possível visualizar o crossing-over microscopicamente como uma tênue conexão, chamada de quiasma, entre os homólogos.

Figura 21-7 Rearranjo de telômeros durante a prófase em oócitos bovinos em desenvolvimento. O núcleo está corado de azul, e os telômeros, de vermelho. Durante a prófase I, os telômeros estão ligados à superfície interna do envelope nuclear. A princípio, eles estão dispersos em torno do envelope nuclear (não-mostrado). Então, eles tornam-se agrupados em uma região do envelope (A); por fim, perto do final da prófase I, eles se dispersam novamente (B). (De C. Pfeifer et al., Dev. Biol. 255:206-215, 2003. Com permissão de Elsevier.)

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Os cromossomos homólogos duplicados (e os cromossomos sexuais) formam pares durante o início da prófase I Durante a mitose em muitos organismos, os cromossomos homólogos comportam-se independentemente uns dos outros. No entanto, durante a meiose I, é fundamental que homólogos se reconheçam uns aos outros e tornem-se ligados fisicamente a fim de que homólogos maternos e paternos passem por recombinação genética e segreguem para células-filhas diferentes na anáfase I. Mecanismos especiais medeiam estas interações íntimas entre homólogos. A justaposição progressiva de homólogos ocorre durante uma prófase meiótica muito prolongada (prófase I), a qual pode levar horas em leveduras, dias em camundongos e semanas em vegetais superiores. Da mesma forma que na mitose, os cromossomos duplicados na prófase da meiose aparecem como estruturas delgadas longas, nas quais as cromátides-irmãs estão coladas firmemente e tão juntas que parecem apenas uma. É durante o início da prófase I que os homólogos começam a se unir ao longo de seu comprimento em um processo chamado de pareamento, que, pelo menos em alguns organismos, inicialmente ocorre por interações entre sequências de DNA complementar (chamadas de sítios de pareamento) nos dois homólogos; na maioria dos organismos, o pareamento estável requer recombinação genética entre os homólogos. Com o avanço da prófase I, os homólogos tornam-se mais intimamente justapostos, formando uma estrutura de quatro cromátides chamada de bivalente (Figura 21-6A). Como discutiremos mais adiante, a recombinação genética inicia durante o pareamento no início da prófase I, com a produção de quebras programadas na fita dupla de DNA da cromátide; alguns destes eventos de recombinação se resolverão mais tarde nos entrecruzamentos (crossovers), quando um fragmento de uma cromátide materna é trocado por um fragmento correspondente de uma cromátide do homólogo paterno (Figura 21-6B; ver também Figura 5-64). O pareamento dos homólogos requer movimentos de cromossomos, mas não se sabe o que aciona estes movimentos. Os cromossomos replicados sofrem os principais rearranjos dentro do núcleo durante a prófase I. As extremidades dos cromossomos (os telômeros) estão firmemente ligadas à superfície do envelope nuclear. Inicialmente, eles estão distribuídos ali de forma difusa, mas então se agrupam transitoriamente em um ponto no envelope e, mais tarde ainda, dispersam-se novamente (Figura 21-7). Nem os mecanismos, nem as funções destes rearranjos são conhecidos, embora se imagine que eles tornem a prófase I mais rápida e eficiente. Uma possibilidade é que eles ajudem a impedir o embaralhamento dos cromossomos durante a prófase I. Em leveduras de fissão, o agrupamento dos telômeros é necessário para o pareamento e o crossing-over dos homólogos, porém em alguns organismos ele ocorre após o pareamento já estar bem encaminhado.

(A)

(B)

5 μm

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Descrevemos o pareamento de homólogos autossômicos durante a prófase I, mas o que acontece aos cromossomos sexuais? Isto varia entre organismos diferentes. Fêmeas mamíferas têm dois cromossomos X, que pareiam e segregam da mesma forma que os outros homólogos. Contudo, os machos têm um cromossomo X e um Y. Embora estes cromossomos não sejam homólogos, eles também devem parear e sofrer crossing-over durante a prófase para que sejam segregados normalmente na anáfase I. O pareamento, o crossing-over e a segregação são possíveis por causa de uma região pequena de homologia entre o X e o Y em uma ou ambas as extremidades destes cromossomos. Os dois cromossomos pareiam e se entrecruzam nessa região durante a prófase I, assegurando que cada espermatozoide receba ou um cromossomo X ou um Y, e não ambos ou nenhum. Assim, somente dois tipos de espermatozoides são produzidos normalmente: aqueles contendo um cromossomo Y, o qual dará origem a um embrião do sexo masculino, e aquele contendo um cromossomo X, que originará um embrião feminino.

O pareamento dos homólogos culmina na formação de um complexo sinaptotênico Os homólogos pareados são trazidos a uma íntima justaposição, com seus eixos estruturais (centro axial) distantes cerca de 400 nm, por um mecanismo que depende, na maioria das espécies, das quebras programadas na fita dupla de DNA que ocorrem nas cromátides-irmãs. Por que atrair os eixos juntos? Uma possibilidade é que a grande máquina proteica, chamada de complexo de recombinação, que se organiza sobre uma quebra da fita dupla em uma cromátide, liga-se à sequência de DNA correspondente no homólogo próximo e ajuda a enovelar em seu par. Este assim chamado alinhamento pré-sináptico dos homólogos é seguido por sinapse, na qual o centro axial de um homólogo torna-se intimamente ligado ao centro axial de seu par por um arranjo hermeticamente agrupado de filamentos transversos para criar um complexo sinaptotênico, o qual atravessa o espaço, agora de 100 nm, entre os homólogos (Figura 21-8). Embora o crossing-over inicie antes da montagem do complexo sinaptotênico, as etapas finais ocorrem enquanto o DNA é mantido no complexo (discutido no Capítulo 5). As modificações morfológicas que ocorrem durante o pareamento de cromossomos meióticos são a base para dividir a prófase I em cinco estágios sequenciais – leptóteno, zigóteno, paquíteno, diplóteno e diacinese. Como é mostrado na Figura 21-9, a prófase I começa com o leptóteno, quando os homólogos condensam e pareiam, e inicia-se a recombinação genética. No zigóteno, o complexo sinaptotênico começa a formar-se em regiões próximas ao longo dos homólogos; a formação inicia em locais onde os homólogos estão associados intimamente e os eventos de recombinação estão ocorrendo. No paquíteno, o processo de formação está completo e os homólogos estão unidos por sinapses ao longo de todo seu comprimento. O estágio de paquíteno pode persistir por dias ou mais tempo, até a desinapse iniciar no diplóteno com a desorganização dos complexos sinaptotênicos e a concomitante condensação e o encurtamento dos cromossomos. É somente neste estágio, depois dos complexos terem se desfeito, que os eventos individuais de entrecruzamento entre cromátides não-irmãs podem

Filamentos transversos

100 nm Centros axiais dos homólogos Complexo coesina

Alças de cromatina de cromátides-irmãs de um homólogo

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Figura 21-8 Desenho esquemático simplificado de um complexo sinaptotênico. Antes do complexo sinaptotênico se formar, complexos de recombinação se organizam sobre quebras da fita dupla de DNA em cromátides-irmãs e ajudam a catalisar o crossing-over entre alças de cromátides não-irmãs de lados opostos do complexo (não-mostrado). (Modificada de K. Nasmyth, Annu. Rev. Genet. 35:673-745, 2001. Com permissão de Annual Reviews.)

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LEPTÓTENO

PAQUÍTENO

Cromátide 1 Cromátides-irmãs paternas

Formação do complexo sinaptotênico

Cromátide 2

Cromátides-irmãs maternas

Desorganização do complexo sinaptotênico

Cromátide 3

Cromátide 4 INTERFASE

DIPLOTENE DIPLÓTENO SEGUIDO PELA DIACINESE

ZIGÓTENO

(A)

(B) 0,1 μm

(C)

(D) 5 μm

Figura 21-9 Sinapse e desinapse dos homólogos durante os diferentes estágios da prófase I. (A) Um único bivalente é representado esquematicamente. Em leptóteno, as duas cromátides-irmãs ligam-se, e suas alças de cromatina se estendem juntas para fora a partir de um centro axial comum. O complexo sinaptotênico começa a se formar focalmente no início do zigóteno. A formação continua durante o zigóteno e está completa no paquíteno. O complexo se desfaz no diplóteno. (B) Uma eletromicrografia de um complexo sinaptotênico de uma célula meiótica em paquíteno em uma flor de lírio. (C e D) Microfotografias de imunofluorescência de células em prófase I do fungo Sordaria. Bivalentes parcialmente em sinapse no zigóteno são mostrados em (C) e bivalentes totalmente em sinapse são mostrados em (D). Setas vermelhas em (C) apontam para as regiões onde a sinapse ainda está incompleta. (B, cortesia de Brian Wells; C e D, de A. Storlazzi et al., Genes Dev. 17:2675-2687, 2003. Com permissão de Cold Spring Harbor Laboratory Press.)

ser vistos como conexões inter-homólogos chamadas de quiasmata (o singular é quiasma), que agora desempenham um papel crucial na manutenção dos homólogos juntos de forma compacta (Figura 21-10). Os homólogos agora estão prontos para iniciar o processo de segregação. A prófase I termina com a diacinese – o estágio de transição para a metáfase I. As proteínas que formam os filamentos transversos que fazem a ponte entre os centros axiais dos homólogos têm sido identificadas em várias espécies, incluindo leveduras, vermes, moscas e mamíferos. Elas formam homodímeros que interagem uns com os outros através do espaço de 100 nm existente entre os homólogos, como ilustrado na Figura 21-11. Na maioria dos eucariotos, estas proteínas são importantes para o crossing-over, uma vez que mutantes que carecem delas não conseguem estabelecer recombinações. Os complexos coesina que se organizam sobre o DNA durante a fase S e juntam as cromátides-irmãs durante a meiose são os componentes principais do centro axial de cada homólogo (ver Figura 21-8). Algumas das subunidades coesina que operam na meiose são as mesmas que funcionam na mitose, ao passo que outras são específicas para a meiose. Não só as recombinações como também os complexos coesina desempenham um papel fundamental na segregação dos homólogos durante a divisão meiótica I, como discutiremos agora.

A segregação dos homólogos depende de proteínas específicas da meiose associadas ao cinetocoro Uma diferença fundamental entre meiose I e mitose (e meiose II) é que, na meiose I, ao invés das cromátides-irmãs, são os homólogos que se separam e são segregados em duas

(A)

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(B)

1

2

4 3

Figura 21-10 Um bivalente com três quiasmata resultantes de três eventos de crossing-over (entrecruzamento). (A) Fotomicrografia de luz de um bivalente de gafanhoto. (B) Desenho mostrando o arranjo dos entrecruzamentos em (A). Note que a cromátide 1 foi submetida a uma troca com a cromátide 3, e a cromátide 2 sofreu trocas com as cromátides 3 e 4. Observe também como a combinação de quiasmata e a adesão firme dos braços das cromátides-irmãs uma à outra (mediada por complexos coesina) mantêm os dois homólogos juntos após o complexo sinaptotênico ter se desorganizado; se os quiasmata ou a adesão entre as cromátides-irmãs deixam de se formar, os homólogos virão separados a este estágio e não serão segregados apropriadamente quando a célula se dividir no final da meiose I. (A, cortesia de Bernard John.)

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Proteína de filamento transverso

Alças de cromatina das cromátides-irmãs

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Figura 21-11 Modelo molecular de como filamentos transversos podem ser formados por um único tipo de proteína. (A) Um esquema da cadeia polipeptídica mostrando os domínios globulares N-terminal e C-terminal, conectados por uma região hélice-hélice (ou super-hélice). (B) Está proposto que a proteína forma homodímeros, os quais então interagem através do espaço de 100 nm que separa os centros axiais dos dois homólogos. (Adaptada de S. L. Page e R.S. Hawley, Science 301:785-789, 2003. Com permissão de AAAS.)

Região super-hélice do homodímero

(A)

Filamentos transversos Centro axial

100 nm

(B)

células-filhas (ver Figura 21-5). Esta diferença depende de três características da meiose I que a distinguem da mitose (Figura 21-12). Primeiro, os cinetocoros (complexos proteicos

(A) MEIOSE Microtúbulo do cinetocoro

+ Complexo coesina

Cinetocoro

Centrômero

Complexos coesina

Células-filhas haploides

Cinetocoro Cromátide +

METÁFASE I

(B) MITOSE

ANÁFASE I

METÁFASE II

ANÁFASE II

TELÓFASE II

Complexo coesina Cromátide

Células-filhas diploides

Centrômero

+ Microtúbulo do cinetocoro METÁFASE

Cinetocoro ANÁFASE

TELÓFASE

Figura 21-12 Comparação do comportamento do cromossomo em meiose I, meiose II e mitose. Cromossomos comportam-se de maneira semelhante em mitose e meiose II, mas comportam-se de forma muito diferente em meiose I. (A) Na meiose I, os dois cinetocoros-irmãos estão localizados lado-a-lado em cada homólogo nos centrômeros-irmãos e se prendem aos microtúbulos derivados do mesmo polo do fuso. A destruição proteolítica dos complexos coesina ao longo dos braços das cromátides-irmãs desfaz a aderência entre os braços e extingue gradualmente as recombinações, permitindo que os homólogos duplicados separem-se na anáfase I, enquanto os complexos coesina residuais nos centrômeros mantêm as irmãs juntas. A degradação proteolítica dos complexos coesina residuais nos centrômeros permite a separação das cromátides-irmãs na anáfase II. (B) Ao contrário, na mitose, os dois irmãos prendem-se aos microtúbulos derivados de diferentes polos do fuso, e as duas cromátides-irmãs migram separadas no início da anáfase e segregam em células-filhas separadas (discutido no Capítulo 17).

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associados aos centrômeros, discutidos nos Capítulos 4 e 17) nas duas cromátides-irmãs de um homólogo se prendem aos microtúbulos derivados do mesmo polo do fuso da meiose I e, dessa forma, segregam juntos para a mesma célula-filha na anáfase I; isso contrasta com a mitose (e a meiose II), na qual os cinetocoros de duas cromátides-irmãs de um cromossomo se prendem a polos opostos do fuso e, por conseguinte, segregam para células-filhas diferentes na anáfase. Segundo, uma ligação física forte é mantida entre os homólogos e resiste às forças de tração do fuso da meiose I até os bivalentes estarem alinhados no equador do fuso e os homólogos separarem-se na anáfase I. Os quiasmata formados entre cromátides não-irmãs e a coesão entre os braços de cromátides-irmãs cooperam para manter os homólogos juntos (ver Figura 21-10). Terceiro, os braços das cromátides-irmãs separam-se na anáfase I, acabando com os quiasmata e permitindo que os homólogos separem-se, mas as irmãs permanecem aderidas juntas na região de seus centrômeros até a anáfase II e, portanto, não se separam na anáfase I. Em experimentos de micromanipulação, cromossomos em meiose I transferidos para fusos de meiose II comportam-se como se estivessem em meiose I, indicando que o comportamento especializado de cromossomos, em meiose I é determinado pelos próprios cromossomos, ao invés do fuso ou outros fatores citoplasmáticos. Várias proteínas específicas da meiose associadas a cromossomos da meiose I explicam o comportamento especial, embora funcionem juntamente com proteínas não-específicas da meiose que ajudam a intermediar tanto a mitose como a meiose. Por exemplo, complexos de proteínas específicas da meiose associam-se com os dois cinetocoros em cada homólogo replicado e ajudam a assegurar que as duas cromátides-irmãs se prendam aos microtúbulos derivados de um único polo do fuso. Outras proteínas (chamadas de shugoshinas) associadas a cinetocoros ajudam a garantir que cinetocoros-irmãos não virão separados para a anáfase I, quando a enzima proteolítica separase (discutida no Capítulo 17) cliva os complexos coesina que unem os braços de cromátides-irmãs. Uma maneira das shugoshinas protegerem os complexos coesina em centrômeros é pelo recrutamento de uma proteína fosfatase específica para os centrômeros; a fosfatase reverte a fosforilação dos complexos coesina que é necessária para a separase clivá-los. Assim, os braços das cromátides vêm separados para a anáfase I, ao passo que os centrômeros não. As irmãs separam-se somente quando a separase cliva os complexos coesina remanescentes nos centrômeros na anáfase II (ver Figura 21-12A), quando as shugoshinas já funcionaram. Ao contrário da meiose I, a meiose II ocorre rapidamente e lembra rigorosamente uma divisão celular mitótica, embora ocorra sem replicação de DNA. A prófase II é breve: o envelope nuclear se rompe, enquanto o novo fuso se forma, e então a metáfase II, a anáfase II e a telófase II seguem normalmente em uma sucessão rápida. Depois que os envelopes nucleares se formaram em torno dos quatro núcleos haploides produzidos na telófase, ocorre a citocinese e a meiose está completa.

A meiose frequentemente funciona mal A distribuição dos cromossomos que ocorre durante a meiose é uma façanha extraordinária de contabilidade intracelular. Em humanos, cada meiose necessita que a célula inicial não perca de vista 92 cromátides (46 cromossomos, cada um duplicado), distribuindo um conjunto completo de cada tipo de cromossomo para cada uma das quatro células haploides descendentes. Não causa surpresa que podem ocorrer erros na distribuição dos cromossomos durante este processo complicado. Erros são especialmente comuns na meiose de fêmeas humanas, a qual é interrompida após o diplóteno durante anos: a meiose I só é completada no momento da ovulação, e a meiose II somente após o oócito ser fecundado. Na verdade, tais erros na segregação de cromossomos durante o desenvolvimento do oócito são as causas mais comuns tanto de aborto espontâneo quanto de retardo mental em humanos. Quando os homólogos falham em se separar adequadamente – um fenômeno chamado de não-disjunção – o resultado é que alguns dos gametas haploides produzidos carecem de um cromossomo em particular, enquanto outros têm mais de uma cópia dele. (Células com um número anormal de cromossomos são chamadas de aneuploides, enquanto aquelas com o número correto são ditas euploides.) Na fecundação, gametas aneuploides formam embriões anormais, a maioria dos quais morre. No entanto, alguns sobrevivem. Por exemplo, em

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Biologia Molecular da Célula

Três pares de cromossomos homólogos

Um par de cromossomos homólogos

Materno Materno paterno

Paterno

CROSSING-OVER DURANTE A PRÓFASE I

ARRANJO INDEPENDENTE DE HOMÓLOGOS MATERNOS E PATERNOS DURANTE A MEIOSE I

MEIOSE II

DIVISÕES MEIÓTICAS I E II

Gametas possíveis (A)

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Figura 21-13 As duas principais contribuições para o rearranjo do material genético que ocorre na produção de gametas durante a meiose. (A) O arranjo independente dos homólogos materno e paterno durante a meiose produz 2n gametas haploides diferentes para um organismo com n cromossomos. Aqui, n = 3, e há oito gametas diferentes possíveis. (B) O crossing-over durante a prófase I troca segmentos de DNA entre cromossomos homólogos e, dessa forma, rearranja genes em cromossomos particulares. Devido às muitas pequenas diferenças na sequência de DNA que sempre existem entre dois homólogos quaisquer, ambos os mecanismos aumentam a variabilidade genética dos organismos que se reproduzem sexualmente.

Gametas possíveis (B)

humanos, a síndrome de Down, que é a principal causa única de retardo mental, é causada por uma cópia extra do cromossomo 21, normalmente resultante da não-disjunção durante a meiose I no ovário da fêmea. Erros de segregação durante a meiose I aumentam muito à medida que a idade materna avança. Apesar de sua falibilidade, quase todos os eucariotos usam a meiose, ao menos de forma intermitente, para embaralhar sua informação genética antes de passá-la para a próxima geração. O crossing-over faz a principal contribuição para este processo de mistura genética, como discutiremos agora.

O crossing-over reforça o rearranjo genético A menos que sejam gêmeos idênticos, que se desenvolvem a partir de um único zigoto, dois filhos dos mesmos pais jamais são geneticamente iguais. Como discutimos anteriormente, isto ocorre porque, muito antes dos dois gametas fundirem-se durante a fecundação, dois tipos de rearranjo genético aleatório ocorreram na meiose I, durante a produção dos gametas: a distribuição ao acaso de homólogos maternos e paternos e o crossing-over. A distribuição aleatória dos homólogos maternos e paternos (Figura 21-13A), em princípio, poderia pron duzir 2 gametas geneticamente diferentes, onde n é o número haploide de cromossomos. 23 6 Por exemplo, em humanos, cada indivíduo pode produzir ao menos 2 = 8,4 × 10 gametas geneticamente diferentes. Porém, o número real de variantes é muito maior que este por causa do crossing-over cromossômico (ou simplesmente crossing-over), que é uma consequência da recombinação dos homólogos (discutida no Capítulo 5), na qual são trocados segmentos de DNA de cromossomos homólogos. Na meiose, quando a troca ocorre entre cromátides não-irmãs, ele mistura a constituição genética de cada um dos cromossomos (Figura 21-13B). Em média, entre dois e três crossing-overs (entrecruzamentos) ocorrem entre cada par de homólogos humanos (Figura 21-14).

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Figura 21-14 Entrecruzamentos entre homólogos no testículo humano. Nesta fotomicrografia de imunofluorescência, anticorpos foram usados para corar os complexos sinaptotênicos (vermelho), os centrômeros (azul) e os locais de crossing-over (verde). Observe que todos os bivalentes têm ao menos um entrecruzamento e nenhum tem mais que 3. (Modificada de A. Lynn et al., Science 296:2222-2225, 2002. Com permissão de AAAS.)

10 μm

Os detalhes moleculares do crossing-over são discutidos no Capítulo 5 (ver Figura 5-64). Brevemente, uma proteína conservada específica da meiose chamada de Spo 11 inicia o crossing-over por criar uma quebra na fita dupla do DNA tanto da cromátide materna quanto da paterna. Um complexo de recombinação multienzimático muito grande, contendo enzimas de reparo da fita dupla de DNA, reúne-se sobre a quebra e catalisa a recombinação homóloga. Na maioria dos casos, estes eventos não resultam em um entrecruzamento. Entretanto, em alguns casos, a recombinação homóloga leva a um entrecruzamento, onde segmentos de DNA são trocados entre cromátides não-irmãs de um modo recíproco. Como discutido anteriormente, após a desinapse, cada entrecruzamento pode ser visto ao microscópio como um quiasma (ver Figura 21-10A). Como ilustrado na Figura 21-10B, cada uma das duas cromátides-irmãs de um homólogo pode formar um ou mais entrecruzamentos com qualquer das duas cromátides-irmãs de seu par homólogo.

O crossing-over é altamente regulado O crossing-over tem duas funções distintas na meiose: ele ajuda a manter os homólogos juntos até que sejam segregados adequadamente para as duas células-filhas produzidas pela meiose I e contribui para a diversidade genética dos gametas que finalmente são produzidos. No entanto, como poderia ser esperado, o crossing-over é altamente regulado: o número e a localização das quebras na fita dupla ao longo de cada cromossomo são controlados, assim como a probabilidade que uma quebra seja convertida em um entrecruzamento. Embora as quebras na fita dupla que ocorrem na meiose I possam estar situadas quase em qualquer lugar ao longo do cromossomo (ver Figura 21-14), elas não estão distribuídas de forma uniforme: elas se agrupam com frequência em locais onde a cromatina é mais acessível (em hot spots), e ocorrem apenas raramente em cold spots, locais como as regiões de heterocromatina em torno dos centrômeros e telômeros. Pelo menos dois tipos de regulação influenciam a localização e o número de entrecruzamentos que se formam, nenhum deles sendo bem compreendido. Ambos funcionam antes do complexo sinaptotênico se organizar. Um assegura que pelo menos um entrecruzamento se forme entre os membros de cada par homólogo, como é necessário para a segregação normal dos homólogos em meiose I. No outro, chamado de interferência de entrecruzamento, a presença de um evento de entrecruzamento inibe a formação de outro próximo a ele, talvez pela depleção local das proteínas necessárias para converter uma quebra na fita dupla de DNA em um entrecruzamento estável.

Nos mamíferos, a meiose é regulada de forma diferente em machos e fêmeas Os mecanismos básicos da meiose têm sido conservados durante a evolução em todos os eucariotos de reprodução sexuada. Por exemplo, em todos estes organismos a maior parte da meiose é gasta na prófase I, embora os detalhes da sincronização de estágios diferentes variem entre os organismos (Figura 21-15). No entanto, há algumas diferenças extraordinárias na regulação da meiose em espécies diferentes e em sexos diferentes na mesma espécie. A diferença entre os dois sexos é muito surpreendente em mamíferos.

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Resumo Gametas haploides (oócitos, espermatozoides, pólen e esporos) são produzidos por meiose, na qual duas divisões celulares sucessivas seguem um ciclo de replicação de DNA para dar origem a quatro células haploides a partir de uma única célula diploide. A meiose é dominada por uma prófase I prolongada, que pode ocupar 90% ou mais do período meiótico total. No início da prófase I, os cromossomos estão replicados e consistem em duas cromátides-irmãs fortemente unidas. Então, os cromossomos homólogos (homólogos) pareiam lado-a-lado e tornam-se progressivamente mais intimamente justapostos à medida que a prófase I prossegue. Os homólogos fortemente alinhados (bivalentes) sofrem recombinação genética, formando entrecruzamentos que podem ser vistos, mais tarde, como quiasmata, os quais ajudam a manter cada par de homólogos unido durante a metáfase I. Tanto o crossing-over quanto a segregação independente das cópias materna e paterna de cada cromossomo durante a meiose I têm papéis importantes na formação dos gametas geneticamente diferentes uns dos outros e de ambos os pais. Proteínas associadas ao cinetocoro específicas da meiose auxiliam a garantir que ambas as cromátides-irmãs em um homólogo prendam-se ao mesmo polo do fuso; outras proteínas associadas ao cinetocoro asseguram que os homólogos permaneçam conectados em seus centrômeros durante a anáfase I, de maneira que os homólogos, ao invés das cromátides-irmãs, sejam segregados na meiose I. Depois da longa meiose I, a meiose II segue rapidamente, sem replicação de DNA, em um processo que lembra a mitose, no qual cromátides-irmãs são separadas na anáfase.

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(A)

CAMUNDONGO 0 LEPTÓTENO

ZIGÓTENO

6

PAQUÍTENO

Prófase I

Tempo (dias)

3

9

DIPLÓTENO + DIACINESE 12

(B)

Conclusão da meiose I e toda a meiose II

LÍRIO 0

1

LEPTÓTENO

2 ZIGÓTENO 3

Prófase I

Tempo (dias)

Em fêmeas mamíferas, os oócitos primários iniciam a meiose no ovário fetal, mas a interrompem após o diplóteno, depois que o complexo sinaptotênico se desfaz na meiose I. Eles completam a meiose I somente após a fêmea tornar-se sexualmente madura, e o oócito é liberado do ovário durante a ovulação; além disso, o oócito liberado completa a meiose II somente se é fecundado. Dessa forma, há mecanismos especiais de parada e início durante a meiose em fêmeas mamíferas. Em humanos, alguns oócitos permanecem detidos em meiose I por 40 anos ou mais, o que, presumivelmente, é ao menos parte da razão do aumento dramático da não-disjunção em mulheres mais velhas. Ao contrário, em machos mamíferos, a meiose inicia nas células precursoras de espermatozoides (espermatócitos primários) no testículo somente na puberdade e, então, prossegue continuamente, sem os mecanismos de parada e início que funcionam durante a meiose na fêmea. Leva cerca de 24 dias para um espermatócito humano completar a meiose. Também há uma grande diferença nas taxas de erro de meiose em fêmeas e machos mamíferos, e isto é especialmente impressionante em humanos. Em torno de 20% dos oócitos humanos são aneuploides, comparados a 3 a 4% de espermatozoides humanos, e, em grande parte como resultado disso, acima de 25% de todos os fetos humanos são aneuploides, e a maior parte deles por não-disjunção em oócitos na meiose I. A fecundação em mamíferos tipicamente envolve a ovulação de um número pequeno de oócitos em uma extremidade do trato reprodutor feminino e a entrada de milhões de espermatozoides na outra. Dada a escassez relativa de oócitos, se poderia esperar que o desenvolvimento do oócito estivesse submetido a um controle de qualidade mais rigoroso que o desenvolvimento do espermatozoide, mas o caso é o contrário. Se a meiose funciona mal em células do macho, um mecanismo de ponto de verificação do ciclo celular (discutido no Capítulo 17) é ativado, o que interrompe a meiose e leva à morte celular por apoptose. Tais mecanismos de ponto de verificação aparentemente não funcionam nas células meióticas femininas; se a segregação de homólogos deixa de ocorrer normalmente, as células continuam através da meiose e produzem oócitos aneuploides. A linhagem germinativa masculina, por outro lado, é considerada como sendo a principal fonte de outro tipo de erro genético. Como muito mais divisões celulares mitóticas ocorrem na via para a produção de um espermatozoide, e cada ciclo de replicação de DNA é propenso a erro, a contribuição dos pais para o número médio de novas mutações é maior que a contribuição das mães. A produção de gametas envolve mais do que apenas a meiose, e os outros processos também diferem para oócitos e espermatozoides. Como veremos, ao final da meiose, um oócito mamífero está completamente maduro, enquanto um espermatozoide que tenha completado a meiose terá apenas começado sua diferenciação. No entanto, antes de discutirmos estes gametas, levaremos em consideração primeiro como certas células no embrião mamífero inicialmente tornam-se definidas para se desenvolverem em células germinativas e, então, como estas células tornam-se comprometidas para transformarem-se em espermatozoides ou oócitos, dependendo do sexo do indivíduo.

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4 PAQUÍTENO 5

6

7

DIPLÓTENO + DIACINESE Conclusão da meiose I e toda a meiose II

Figura 21-15 Comparação dos tempos necessários para cada um dos estágios da meiose. (A) Tempos aproximados para um macho mamífero (camundongo). (B) Tempos aproximados para o tecido masculino de uma planta (lírio). Os tempos diferem para gametas masculinos e femininos (espermatozoides e oócitos, respectivamente) da mesma espécie, assim como para os mesmos gametas de espécies diferentes. Por exemplo, a meiose em um macho humano continua por 24 dias, comparada com 12 dias no camundongo. Na fêmea humana, ela pode durar 40 anos ou mais, porque a meiose I é interrompida após o diplóteno. No entanto, em todas as espécies, a prófase I é sempre muito mais longa que todos os outros estágios meióticos juntos.

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CÉLULAS GERMINATIVAS PRIMORDIAIS E DETERMINAÇÃO DO SEXO EM MAMÍFEROS As estratégias reprodutivas sexuais variam muito entre organismos diferentes. No restante deste capítulo, abordaremos principalmente as estratégias utilizadas pelos mamíferos. Em todos os embriões de vertebrados, certas células são escolhidas no início do desenvolvimento como progenitoras dos gametas. Estas células germinativas primordiais (PGCs, primordial germ cells) diploides migram para as gônadas em desenvolvimento, as quais formarão os ovários nas fêmeas e os testículos nos machos. Após um período de proliferação mitótica nas gônadas em desenvolvimento, as PGCs sofrem meiose e se diferenciam em gametas maduros haploides – ou oócitos ou espermatozoides. Mais tarde, depois do acasalamento, a fusão do oócito com o espermatozoide inicia a embriogênese. A subsequente produção de novas PGCs nesse novo embrião começa o ciclo novamente (ver Figura 21-3A). Nesta seção, levaremos em consideração como surgem as PGCs de mamíferos, como o sexo de um mamífero é determinado e como a determinação do sexo define se as PGCs se desenvolvem em espermatozoides ou em oócitos.

Sinais de células vizinhas especificam PGCs em embriões mamíferos

Figura 21-16 Segregação de determinantes de células germinativas no nematódeo C. elegans. As fotomicrografias na linha superior mostram o padrão de divisões celulares, com os núcleos celulares corados de azul; embaixo, as mesmas células estão coradas com um anticorpo que marca (em verde) grânulos pequenos (chamados de grânulos P) que funcionam como determinantes de células germinativas. Os grânulos P são compostos por moléculas de RNA e proteína, estando distribuídos aleatoriamente por todo o citoplasma do oócito não-fecundado (não-mostrado aqui). Como mostrado nos painéis mais à esquerda, após a fecundação, os grânulos se acumulam em um dos polos do zigoto. Então, os grânulos são segregados em uma das duas células-filhas a cada divisão celular. A única célula contendo os grânulos P no embrião mostrado nos painéis mais à direita é a precursora da linhagem germinativa. (Cortesia de Susan Strome).

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Em muitos animais, incluindo muitos vertebrados, o oócito não-fecundado contém moléculas específicas localizadas em uma região particular do citoplasma que determina quais células se tornarão células germinativas. Quando o oócito é fecundado e passa por divisões repetidas para produzir as células do embrião precoce, as células que herdam estas moléculas determinantes de células germinativas tornam-se PGCs (Figura 21-16). Embora a natureza molecular e as funções dos determinantes sejam amplamente desconhecidas, proteínas da família Vasa são um componente necessário em todos estes animais. Proteínas vasa são estruturalmente semelhantes a RNA-helicases dependentes de ATP, mas sua função precisa na determinação de células germinativas permanece um mistério. Ao contrário, em outros animais, incluindo os mamíferos, o citoplasma do oócito não contém determinantes localizados para células germinativas. Em vez disso, sinais de células vizinhas ditam quais células tornam-se PGCs. Em mamíferos, todas as células produzidas pelas primeiras divisões do zigoto são totipotentes – isto é, elas têm o potencial para dar origem a qualquer dos tipos celulares do animal, incluindo as células germinativas e a células de tecidos extraembrionários como a placenta. Somente mais tarde um grupo pequeno de células é induzido a tornar-se PGCs por sinais produzidos por células vizinhas. No camundongo, por exemplo, em torno de 6 dias após a fecundação, sinais (incluindo BMP4, proteína morfogênica dos ossos 4, de bone morphogenic protein 4) secretados por células no tecido que reveste a parte externa do próprio embrião induzem cerca de 10 células no tecido de revestimento embrionário adjacente a tornarem-se precursoras de PGC. Essas células dividem-se e maturam para tornar-se PGCs, impedindo a expressão de alguns genes de células somáticas e ativando a expressão de genes envolvidos na manutenção da característica especial de células germinativas. Embora mecanismos diferentes especifiquem PGCs em animais diferentes, alguns dos mecanismos que controlam sua proliferação e desenvolvimento têm sido conservados na

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Notocorda Tubo neural

Célula germinativa primordial

Somito

Intestino médio (A)

Futura gônada

(B) 100 μm

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Figura 21-17 Migração de PGCs de mamíferos. (A) Fotomicrografia de fluorescência mostrando PGCs migrando em um corte transversal de um embrião precoce de camundongo. As PGCs estão coradas com um anticorpo monoclonal (em verde) que marca especificamente estas células neste estágio da embriogênese. As células restantes no embrião estão coradas com uma lecitina (em vermelho) que se liga ao ácido siálico, que é encontrado na superfície de todas as células. (B) Esquema que corresponde à fotomicrografia mostrada em (A). (A, cortesia de Robert Anderson e Chris Wylie.)

evolução desde vermes até humanos. Por exemplo, o desenvolvimento de PGCs em todos animais que têm sido estudados conta com a supressão dos destinos de células somáticas por repressão de genes, bem como a inibição de tradução de mRNAs específicos por proteínas de ligação ao RNA Nanos.

As PGCs migram para a gônada em desenvolvimento Depois que as PGCs mamíferas se desenvolvem, elas proliferam e migram para seu destino final nas gônadas em desenvolvimento (Figura 21-17). Enquanto elas migram através do embrião, várias proteínas-sinal extracelulares produzidas por células somáticas adjacentes atuam na sinalização para elas sobreviverem, proliferarem e migrarem. Entre as proteínas-sinal secretadas que ajudam a atrair as PGCs para a gônada em desenvolvimento estão as quimiocinas, as quais se ligam a receptores associados à proteína G (GPCRs, G-proteincoupled receptors) e orientam a migração de vários tipos celulares, incluindo as PGCs e as células brancas do sangue, os leucócitos (discutido no Capítulo 23). Após as PGCs entrarem na gônada em desenvolvimento, que neste estágio é chamada de crista genital (ou saliência genital), elas passam por mais várias divisões celulares mitóticas, na direção de tornarem-se especializadas a seguir uma via que as levará a desenvolverem-se como oócitos ou espermatozoides. Entretanto, logo que as PGCs migram para o interior da gônada embrionária, elas não estão irreversivelmente comprometidas a tornarem-se gametas. Quando removidas do embrião e cultivadas na presença de proteínas-sinal extracelulares adequadas, elas se convertem em células que podem ser mantidas indefinidamente em cultivo como uma linhagem celular que pode produzir qualquer dos tipos celulares do organismo do animal, embora não as células extra-embrionárias que formarão estruturas como a placenta; por essa razão, elas são ditas pluripotentes, ao invés de totipotentes. A respeito disso, estas assim chamadas células germinativas embrionárias (EG, embrionyc germ cells) lembram as células-tronco embrionárias (ES, embrionyc stem cells) (discutido no Capítulo 23). Células EG e ES são fontes promissoras de vários tipos celulares humanos – tanto para testes de fármacos quanto para o tratamento de doenças, como ataques cardíacos, derrames e várias doenças neurodegenerativas, nas quais tipos celulares específicos morrem. O que determina se as PGCs que migram para dentro da gônada mamífera se desenvolverão em oócitos ou espermatozoides? Surpreendentemente, o que determina não é a constituição de seu próprio cromossomo sexual, mas sim se a crista genital começou a se desenvolver em um ovário ou em um testículo, respectivamente. Os cromossomos sexuais nas células somáticas da crista genital determinam que tipo de gônada a crista se tornará. Apesar de muitos genes influenciarem no resultado, um único gene no cromossomo Y tem um papel especialmente importante.

O gene Sry direciona a gônada mamífera em desenvolvimento a tornar-se um testículo Aristóteles acreditava que a temperatura do macho durante o ato sexual determinava o sexo dos descendentes: quanto mais alta a temperatura, maior a chance de produzir um macho. Estivesse ele referindo-se a lagartos ou crocodilos ao invés de humanos, ele estaria muito próximo da verdade, visto que em muitos répteis ovíparos a temperatura de incubação dos

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Figura 21-18 Cromossomos de um macho humano normal. Os cromossomos foram marcados com o corante de Giemsa. Ver também Figuras 4-10 e 4-11. Observe a diferença de tamanho dos dois cromossomos sexuais. Enquanto o cromossomo X tem mais de 1.000 genes, o cromossomo Y contém apenas cerca de 80. (Cortesia de Julie Robertson do Wisconsin State Laboratory of Hygiene.)

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Y

ovos determina o sexo dos descendentes; em lagartos e crocodilos, os machos desenvolvem-se em temperaturas quentes e as fêmeas em temperaturas frias. No entanto, sabemos agora que os cromossomos sexuais, ao invés da temperatura dos pais ou do embrião, determinam o sexo de um mamífero. As fêmeas dos mamíferos têm dois cromossomos X em todas as suas células somáticas, enquanto que os machos têm um X e um Y. A presença ou a ausência do cromossomo Y, que é o menor cromossomo humano (Figura 21-18), determina o sexo do indivíduo. Os indivíduos com um cromossomo Y se desenvolvem como machos, não importando quantos cromossomos X eles tenham, enquanto indivíduos sem um cromossomo Y se desenvolvem como fêmeas, mesmo que tenham apenas um cromossomo X. O espermatozoide que fecunda o oócito determina o sexo do zigoto resultante: o oócito têm um único cromossomo X, enquanto o espermatozoide pode ter um X ou um Y. O cromossomo Y influencia o sexo do indivíduo por guiar as células somáticas da crista genital a se desenvolverem como um testículo em vez de um ovário. Embriões mamíferos estão programados para desenvolverem-se como fêmeas a não ser que sejam impedidos de fazê-lo pelo testículo, que conduz o embrião a se desenvolver como um macho. Se as cristas genitais são removidas antes de terem começado a se desenvolver em um testículo ou um ovário, um mamífero desenvolve-se como uma fêmea, independentemente do cromossomo sexual que ele transporte. Isso não significa que sinais não sejam necessários para o desenvolvimento de órgãos específicos da fêmea em mamíferos: por exemplo, a secreção da proteína-sinal Wnt4 é necessária ao desenvolvimento normal do ovário mamífero. O gene decisivo no cromossomo Y que conduz a crista genital a desenvolver-se em testículo ao invés de ovário é chamado de Sry, por ser a “região do Y que determina o sexo” (sexdetermining region of Y). Surpreendentemente, quando este gene é introduzido no genoma de um zigoto de camundongo XX, o embrião transgênico produzido desenvolve-se como um macho, mesmo que lhe faltem todos os outros genes do cromossomo Y. Entretanto, tais camundongos de sexo-revertido não podem produzir espermatozoides, por lhes faltar os outros genes no cromossomo Y que são necessários para o desenvolvimento destes gametas. De forma semelhante, humanos XY com uma mutação que inativa o Sry se desenvolvem como fêmeas, mesmo que sejam geneticamente machos. O Sry é expresso em uma subpopulação de células somáticas da gônada em desenvolvimento, e isto faz com que estas células se diferenciem em células de Sertoli, o principal tipo de células de sustentação no testículo (ver Figura 21-29). As células de Sertoli dirigem o desenvolvimento sexual ao longo de uma via de diferenciação masculina por influenciar outras células na crista genital e em outras partes do embrião, pelo menos de quatro maneiras:

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1. Elas estimulam as PGCs recém-chegadas a se desenvolverem ao longo de uma via que produz espermatozoides. Elas fazem isso impedindo que as células entrem em meiose e se desenvolvam ao longo da via que produz oócitos, como discutiremos mais tarde. 2. Elas secretam o hormônio antimulleriano, que entra na circulação do sangue e suprime o desenvolvimento do trato reprodutor feminino por causar a regressão do ducto de Muller (caso contrário, estes ductos dariam origem ao oviduto, ao útero e à parte superior da vagina). 3. Elas estimulam células endoteliais e musculares lisas no tecido mesenquimal adjacente a migrar para o interior da gônada em desenvolvimento. Estas células formam elementos fundamentais dentro do testículo que são necessários para a produção normal de espermatozoides, a qual inicia quando o organismo atinge a maturidade sexual. 4. Elas ajudam a induzir outras células somáticas na gônada em desenvolvimento a se tornarem células de Leydig, que secretam o hormônio sexual masculino testosterona na corrente sanguínea. A secreção de testosterona é responsável por induzir todas as características sexuais secundárias masculinas, incluindo as estruturas do trato reprodutor masculino, como a próstata e as vesículas seminais, que se desenvolvem a partir de outro ducto, chamado de sistema de ductos de Wolff. Este sistema de ductos degenera-se na fêmea em desenvolvimento, pois necessita de testosterona para sobreviver e se desenvolver. A secreção de testosterona também ajuda a masculinizar o cérebro precoce em desenvolvimento, influenciando a identidade e a orientação sexual masculina e, por isso, o comportamento sexual: por exemplo, ratas que são tratadas com testosterona logo após o nascimento mostram mais tarde um comportamento sexual semelhante ao dos machos. O gene Sry codifica uma proteína reguladora de gene (Sry) que liga-se ao DNA e influencia a transcrição de outros genes envolvidos no desenvolvimento da célula de Sertoli. Um gene fundamental nesta cascata codifica outra proteína reguladora de gene relacionada à Sry, que é chamada de Sox9. O gene Sox9 não está no cromossomo Y, mas é expresso em machos em todos os vertebrados, ao contrário do Sry, que é encontrado apenas em mamíferos. Se o Sox9 é expresso de forma ectópica nas gônadas em desenvolvimento de um embrião de camundongo XX, o embrião desenvolve-se como um macho, mesmo que lhe falte o gene Sry, sugerindo que a proteína Sry normalmente atue pela indução da expressão do gene Sox9. A proteína Sox9 ativa diretamente a transcrição de pelo menos alguns genes específicos de células de Sertoli, incluindo o gene que codifica o hormônio antimulleriano. Na ausência ou de Sry ou de Sox9, a crista genital de um embrião XY se desenvolve como um ovário ao invés de um testículo. As células de sustentação tornam-se células foliculares em vez de células de Sertoli. Outras células somáticas tornam-se células da teca folicular (em vez de células de Leydig), o que, iniciando a puberdade, contribui para a produção do hormônio sexual feminino estrogênio. As PGCs se desenvolvem ao longo da via que produz oócitos, ao invés de espermatozoides (Figura 21-19), e o animal se desenvolve como uma fêmea. Como as células de Sertoli induzem as PGCs que migram para o interior da gônada em desenvolvimento em machos a seguirem a via que leva à produção de espermatozoide ao invés da que leva à produção de oócito? O mecanismo depende da pequena molécula– sinal ácido retinoico (ver Figura 15-13), que, em ambos os sexos, é produzida por células em uma estrutura tubular transitória chamada de mesonefros, que se encontra adjacente à gônada em desenvolvimento. No ovário embrionário, o ácido retinoico induz as células da linhagem germinativa em proliferação a entrarem em meiose e darem início à via que leva à produção de oócitos; as células ficam detidas após diplóteno da prófase I, fase em que elas permanecem até a ovulação, que inicia quando a fêmea atinge a maturidade sexual. No testículo embrionário, ao contrário, células de Sertoli produzem uma enzima que degrada o ácido retinoico, impedindo que o ácido retinoico do mesonefros induza as células da linhagem germinativa a entrar em meiose e iniciar o desenvolvimento de oócitos. Apenas muito mais tarde, quando o macho torna-se sexualmente maduro, as células da linhagem germinativa no testículo começam a produzir espermatozoides.

Muitos aspectos da reprodução sexuada variam bastante entre espécies animais Embora a meiose seja altamente conservada em todos os eucariotos que se reproduzem sexualmente, outros aspectos da reprodução sexuada são extremamente variáveis. Temos

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Figura 21-19 Influência do Sry sobre a gônada em desenvolvimento. As células da linhagem germinativa estão sombreadas em vermelho, e as células somáticas estão sombreadas em verde ou azul. A mudança da cor clara para a escura indica que a célula tornou-se diferenciada. O gene Sry atua em uma subpopulação de células somáticas na gônada em desenvolvimento para direcioná-las a se diferenciar em células de Sertoli, ao invés de células foliculares. As células de Sertoli, então, impedem que as células da linhagem germinativa se desenvolvam ao longo da via oocitária e ajudam a guiá-las para a via de desenvolvimento de espermatozoides. Elas também secretam o hormônio antimulleriano, que causa a regressão dos ductos de Muller, e ajudam a induzir outras células somáticas a se diferenciarem em células de Leydig, as quais secretam testosterona (ver Figura 2129). Na ausência de Sry, as células da linhagem germinativa se comprometem com o desenvolvimento de oócitos, e as células somáticas se desenvolvem ou como células foliculares da granulosa, as quais sustentam o desenvolvimento do oócito, ou como células da teca folicular, que produzem progesterona; a progesterona é convertida em estrogênio pelas células foliculares da granulosa. Embora o testículo inicie a secreção de testosterona no feto, o ovário não começa a secretar estrogênio até a puberdade.

Crista genital

Célula germinativa primordial (PGC) Gônada não-diferenciada em desenvolvimento MACHO

FÊMEA

Célula somática expressando o gene Sry no cromossomo Y TESTÍCULO Via espermática

OVÁRIO Espermatozoide

Oócito

Via que produz oócitos

Células germinativas Célula de Sertoli

Célula folicular

Células de sustentação Célula de Leydig

Célula da teca

Células que secretam hormônios sexuais Hormônio antimülleriano

Testosterona

Estrogênio

visto que o sexo de um animal pode depender ou de seus cromossomos ou do ambiente no qual ele se desenvolve. Contudo, mesmo os mecanismos genéticos da determinação do sexo variam muito. Por exemplo, em C. elegans e Drosophila, o sexo é determinado pela proporção de cromossomos X em relação aos autossômicos, em vez da presença ou ausência de um cromossomo Y, como nos mamíferos. Em C. elegans, a determinação do sexo depende principalmente dos controles da transcrição e da tradução sobre a expressão gênica, enquanto em Drosophila ela depende de uma cascata de eventos de regulação do processamento (splicing) de RNA, como foi discutido no Capítulo 7. Além disso, em Drosophila, o caráter de especificidade do sexo de cada célula no organismo é programado individualmente por seus próprios cromossomos, em vez de ser controlado principalmente por hormônios. Permanece um mistério o porquê de alguns aspectos da reprodução sexuada terem sido conservados durante a evolução, enquanto outros se tornaram fundamentalmente tão diferentes.

Resumo Um número pequeno de células no embrião mamífero precoce recebe sinais de suas vizinhas para tornarem-se células da linhagem germinativa. As células germinativas primordiais (PGCs) resultantes proliferam e migram para o interior das gônadas em desenvolvimento. Aqui, as células da linhagem germinativa comprometem-se a se desenvolver em oócitos, se a gônada está se tornando um ovário, ou espermatozoides, se a gônada está se tornando um testículo. Uma gônada em desenvolvimento se diferenciará em um ovário a menos que suas células somáticas contenham um cromossomo Y, caso no qual ela se diferencia em um testículo. O gene Sry no cromossomo Y mamífero é fundamental para o desenvolvimento do testículo: ele é expresso em uma subpopulação de células somáticas na gônada em desenvolvimento e as conduz para diferenciarem-se em células de Sertoli, as quais então produzem moléculas-sinal que promovem o desenvolvimento de características masculinas e reprimem o desenvolvimento de características femininas. Embriões mamíferos são programados para seguir uma via feminina de desenvolvimento a menos que sejam desviados pelas células de Sertoli para seguir a via masculina.

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OÓCITOS Pelo menos em um aspecto, os oócitos são as células animais mais extraordinárias: uma vez ativados, eles podem dar origem a um novo indivíduo completo dentro de dias ou semanas. Nenhuma outra célula em um animal superior tem esta capacidade. A ativação geralmente é a consequência da fecundação – fusão de um espermatozoide com o oócito – mas oócitos também podem ser artificialmente ativados por vários tratamentos químicos ou físicos não-específicos. Na verdade, alguns organismos, incluindo uns poucos vertebrados, como alguns lagartos, normalmente reproduzem-se por meio de oócitos que se tornam ativados na ausência de espermatozoide – isto é, por partenogênese. Os mamíferos são os únicos animais que não podem ser produzidos partenogeneticamente; por causa do imprinting genômico (discutido no Capítulo 7), eles necessitam tanto de contribuições genéticas maternas quanto paternas. Apesar de um oócito ser capaz de originar todos os tipos celulares no organismo adulto, ele próprio é uma célula altamente especializada, excepcionalmente equipada para a função única de gerar um novo indivíduo. O citoplasma de um oócito pode até mesmo reprogramar um núcleo de uma célula somática para que o núcleo possa dirigir o desenvolvimento de um novo indivíduo, ainda que os componentes responsáveis no oócito sejam na maioria desconhecidos. Dessa maneira é que a famosa ovelha Dolly foi produzida. O núcleo de um oócito de ovelha não-fecundado foi removido com uma pipeta de vidro e substituído pelo núcleo de uma célula somática adulta. Um impulso elétrico foi usado para ativar o oócito, e o embrião resultante foi implantado no útero de uma fêmea receptora. A ovelha adulta resultante tinha o genoma do núcleo da célula somática doadora e, portanto, era um clone da ovelha doadora. A mesma abordagem, chamada de clonagem reprodutiva, tem sido usada para produzir clones de vários mamíferos, incluindo camundongos, ratos, gatos, cães, cabras, porcos, vacas e cavalos (ver Figura 21-38). Em todos os casos, a eficiência é baixa: a maior parte dos clones morre antes de nascer, e menos de 5% deles se desenvolvem até a fase adulta, provavelmente porque o núcleo somático transplantado não é reprogramado completamente e, portanto, expressa muitos genes de forma inadequada. Nesta seção, consideraremos brevemente algumas das características especializadas de um oócito, antes de discutir como ele sofre seus preparativos finais para a fecundação.

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Oócito humano

Oócito de galinha

Oócito de rã

Figura 21-20 O tamanho real de três oócitos. O oócito humano possui 0,1 mm de diâmetro.

Um oócito é altamente especializado para desenvolvimento independente Os oócitos da maioria dos animais são células únicas gigantes. Eles contêm reservas de todos os materiais necessários ao desenvolvimento inicial do embrião até o estágio no qual o novo indivíduo possa começar a se alimentar. Antes desse estágio, essa célula gigante sofre clivagens em muitas células menores, mas sem ocorrer crescimento efetivo. O embrião mamífero é uma exceção. Ele pode começar a crescer precocemente pela captação de nutrientes da mãe por meio da placenta. Dessa forma, um oócito de mamífero, apesar de ainda ser uma célula grande, não é tão grande quanto um oócito de uma rã ou de uma ave, por exemplo. Caracteristicamente, os oócitos são esféricos ou ovoides, com um diâmetro de cerca de 0,1 mm em humanos e em ouriços-do-mar (cuja larvas são muito pequenas), de 1 a 2 mm em rãs e em peixes e de muitos centímetros em aves e em répteis (Figura 21-20). Em contraste, uma célula somática típica tem um diâmetro de apenas cerca de 10 a 30 μm (Figura 21-21). Normalmente, o citoplasma do oócito contém reservas de nutrientes na forma de gema, a qual é rica em lipídeos, proteínas e polissacarídeos e que geralmente está contida dentro de estruturas delicadas, chamadas de grânulos da gema. Em algumas espécies, uma membrana envolve cada grânulo da gema. Nos oócitos que se desenvolvem como grandes animais fora do corpo da mãe, a gema pode ocupar mais de 95% do volume da célula. Nos mamíferos, cujos embriões são em grande parte nutridos por suas mães através da placenta, há pouca ou nenhuma gema. O revestimento do oócito é outra peculiaridade dessas células. É uma forma especializada de matriz extracelular que consiste, em grande parte, em glicoproteínas – algumas secretadas pelo oócito e algumas pelas células que o circundam. Em muitas espécies, o revestimento principal é uma camada imediatamente em torno da membrana plasmática do oócito; em oócitos de animais não-mamíferos, como aqueles de ouriços-do-mar ou galinhas, ela é chamada de camada vitelina, enquanto que em oócitos de mamíferos é chamada de zona pelúcida (Figura 21-22). Essa camada protege o oócito de lesões mecânicas e, em muitos oócitos,

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Célula somática típica

Oócito humano ou de ouriço-do-mar

Núcleo

Citoplasma

Oócito típico de rã ou peixe 1 mm = 1.000 μm

Figura 21-21 Tamanhos relativos de vários oócitos, comparados com o tamanho de uma célula somática típica.

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Figura 21-22 A zona pelúcida. (A) Eletromicrografia de varredura de um oócito de hamster mostrando a zona pelúcida. (B) Uma eletromicrografia de varredura de um oócito semelhante, no qual a zona (à qual vários espermatozoides estão aderidos) foi parcialmente removida para revelar a membrana plasmática subjacente, que contém numerosas microvilosidades. A zona é inteiramente produzida pelo oócito em desenvolvimento. (De D. M. Phillips, J. Ultrastruct. Res. 72:1-12, 1980. Com permissão de Elsevier.) (A)

(B) 20 μm

20 μm

ela também atua como uma barreira espécie-específica para o espermatozoide, admitindo apenas a entrada daqueles da mesma espécie ou de espécies intimamente relacionadas. Muitos oócitos (incluindo os de mamíferos) contêm vesículas secretoras especializadas, logo abaixo da membrana plasmática, na região externa, ou córtex, do citoplasma oocitário. Quando um espermatozoide ativa o oócito, estes grânulos corticais liberam seu conteúdo por exocitose; o conteúdo dos grânulos altera o revestimento do oócito de forma a ajudar a evitar que mais de um espermatozoide fusione-se ao oócito. De modo geral, os grânulos corticais estão distribuídos uniformemente por todo o córtex. Entretanto, em muitos organismos, alguns componentes citoplasmáticos do oócito têm uma distribuição espantosamente assimétrica. Alguns destes componentes localizados mais tarde servem como determinantes de células germinativas (ver Figura 21-16) ou ajudam a estabelecer a polaridade do embrião, como discutido no Capítulo 22.

Os oócitos desenvolvem-se em etapas Um gameta feminino em desenvolvimento, ou oócito, diferencia-se em oócito maduro por uma série de modificações progressivas. A regulagem destas modificações é coordenada com as fases da meiose, nas quais as células germinativas passam por suas duas divisões finais altamente especializadas. Como discutido anteriormente, os oócitos permanecem detidos na meiose I por um período prolongado, enquanto crescem em tamanho e diferenciam-se progressivamente; em muitos casos, após completarem a meiose I, eles permanecem suspensos novamente em metáfase II, enquanto aguardam a fecundação (embora possam aguardar a fecundação em vários outros pontos, dependendo da espécie). Enquanto os detalhes do desenvolvimento do oócito (oogênese) variam de espécie a espécie, as etapas gerais são semelhantes, como mostrado na Figura 21-23. As células germinativas primordiais migram para a gônada em desenvolvimento para tornarem-se oogônias, as quais proliferam por mitose por um período antes de iniciarem a meiose I, ponto no qual elas são chamadas de oócitos primários; normalmente isso ocorre antes do nascimento em mamíferos. Como discutido anteriormente, antes do início da meiose I, o DNA é replicado, de modo que cada cromossomo consiste em duas cromátides-irmãs; no início da prófase I, os cromossomos homólogos duplicados pareiam ao longo de seu eixo longitudinal, e o crossing-over ocorre entre as cromátides não-irmãs desses homólogos pareados (ver Figura 21-10). Após esses eventos, a célula permanece retida depois do diplóteno da prófase I por um período que varia de poucos dias até vários anos, dependendo da espécie. Durante este longo período de suspensão (ou, em alguns casos, no início da maturidade sexual), os oócitos primários sintetizam um revestimento e grânulos corticais. Os oócitos grandes de espécies não-mamíferas, também acumulam ribossomos, gema, glicogênio, lipídeo e os RNAs mensageiros (mRNAs) que, mais tarde, irão dirigir a síntese de proteínas necessárias ao crescimento e o desenvolvimento embrionário inicial. Em muitos destes oócitos, podemos observar as atividades biossintéticas intensivas na estrutura dos cromossomos, os quais descondensam e formam alças laterais, adquirindo a aparência característica de “cromossomos plumosos”, significando que os genes nas alças estão sendo intensamente transcritos (ver Figuras 4-54 e 4-55). A próxima fase do desenvolvimento do oócito, a maturação do oócito, normalmente não ocorre até a maturidade sexual, quando hormônios estimulam o oócito. Sob essas influências hormonais, a célula retoma sua progressão ao longo da meiose I. Os cromossomos

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condensam novamente, o envelope nuclear se rompe, o fuso meiótico se organiza e os cromossomos homólogos replicados segregam em dois grupos na anáfase I, cada um contendo a metade do número original de cromossomos. Para finalizar a meiose I, o citoplasma divide-se assimetricamente, produzindo duas células que diferem muito em tamanho: uma é um pequeno corpúsculo polar, e a outra é um grande oócito secundário, o precursor do ovo, ou zigoto. Nesse estágio, cada cromossomo é ainda composto de duas cromátides-irmãs mantidas juntas em seus centrômeros. As cromátides-irmãs não se separam até a anáfase II, após a qual o citoplasma do grande oócito secundário divide-se novamente assimetricamente para produzir o ovo (ou zigoto) e um segundo corpúsculo polar pequeno, cada um contendo um grupo haploide de cromossomos individuais (ver Figura 21-23). Em função

CÉLULA GERMINATIVA PRIMORDIAL

ENTRA NA GÔNADA

MITOSE

OOGÔNIA

OOGÔNIA DIPLOIDE PROLIFERA POR DIVISÃO CELULAR MITÓTICA DENTRO DO OVÁRIO

ENTRADA EM MEIOSE

OÓCITO PRIMÁRIO

MEIOSE I

MEIOSE SOFRE INTERRUPÇÃO APÓS DIPLÓTENO DA PRÓFASE I, ENQUANTO O OÓCITO PRIMÁRIO CRESCE

CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO ADICIONAL DO OÓCITO PRIMÁRIO

Revestimento do oócito

Grânulos corticais

MATURAÇÃO DO OÓCITO PRIMÁRIO; CONCLUSÃO DA MEIOSE I Primeiro corpúsculo polar

OÓCITO SECUNDÁRIO

MEIOSE II

CONCLUSÃO DA MEIOSE II

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Segundo corpúsculo polar

OVO MADURO

Figura 21-23 As etapas da oogênese. As oogônias desenvolvem-se a partir de células germinativas primordiais (PGCs) que migram para as gônadas em desenvolvimento nos estágios iniciais da embriogênese. Para maior clareza, apenas um par de cromossomos homólogos é mostrado. Após várias divisões mitóticas, as oogônias iniciam a meiose e agora são chamadas de oócitos primários. Em mamíferos, os oócitos primários são formados muito cedo (entre 3 e 8 meses de gestação nos embriões humanos) e permanecem retidos após o diplóteno da prófase I até a fêmea tornar-se sexualmente madura. Neste ponto, um pequeno número de oócitos primários matura periodicamente sob a influência de hormônios, completando a meiose I e tornando-se oócitos secundários, os quais finalmente sofrerão meiose II, para produzir ovos maduros. O estágio no qual o ovo ou o oócito é liberado do ovário e fecundado varia de espécie para espécie. Na maior parte dos vertebrados, a maturação do oócito é retida em metáfase II, e o oócito secundário completa a meiose II apenas após a fecundação. Todos os corpúsculos polares finalmente degeneram. Na maioria dos animais, o oócito em desenvolvimento é circundado por células acessórias especializadas que ajudaram a mantê-lo isolado e nutrido (não-representado).

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Célula auxiliar Célula folicular

20 μm

Oócito

Junção citoplasmática

Figura 21-24 Células auxiliares e células foliculares associadas a um oócito de Drosophila. As células auxiliares e o oócito originam-se de uma oogônia comum, a qual dá origem a um oócito e a 15 células auxiliares (apenas sete delas são vistas neste plano de corte). Estas células permanecem unidas por junções citoplasmáticas, que resultam de divisões celulares incompletas. Por fim, as células auxiliares depositam seu conteúdo citoplasmático dentro do oócito em desenvolvimento e morrem. As células foliculares se desenvolvem de forma independente a partir de células do mesoderma.

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dessas divisões assimétricas de seu citoplasma, os oócitos mantêm seu tamanho grande, apesar de sofrerem as duas divisões meióticas. Ambos os corpúsculos polares são pequenos e, por fim, degeneram. Na maioria dos vertebrados, a maturação do oócito avança até a metáfase da meiose II, ponto no qual tornam-se retidos. No momento da ovulação, o oócito secundário retido é liberado do ovário, pronto para ser fecundado. Se a fecundação ocorrer, o bloqueio é retirado e a célula completa a meiose, tornando-se um ovo maduro. Por ele estar fecundado, também é chamado de zigoto.

Os oócitos utilizam mecanismos especiais para atingir seu tamanho grande Uma célula somática com diâmetro de 10 a 20 μm normalmente leva cerca de 24 horas para dobrar sua massa, na preparação para a divisão celular. A essa taxa de biossíntese, tal célula levaria um tempo muito longo para alcançar a massa milhares de vezes maior de um oócito de mamífero, com o diâmetro de 100 μm. Ela levaria ainda mais tempo para alcançar a massa milhões de vezes maior de um oócito de inseto com diâmetro de 1.000 μm. Ainda, alguns insetos vivem apenas poucos dias e conseguem produzir oócitos com diâmetros até maiores do que 1.000 μm. Os oócitos devem ter mecanismos especiais para alcançar seu tamanho tão grande. Uma estratégia simples para o crescimento rápido é possuir cópias extras de genes na célula. A maior parte do crescimento de um oócito ocorre após a replicação do DNA, durante a prolongada interrupção após o diplóteno na prófase I, quando o grupo de cromossomos diploides está duplicado ( ver Figura 21-23). Dessa forma, ele tem duas vezes mais DNA disponível para a síntese de RNA do que tem em média uma célula somática na fase G1 do ciclo celular. Os oócitos de algumas espécies ficam mesmo grandes períodos acumulando DNA extra: eles produzem muitas cópias extras de certos genes. Como discutimos no Capítulo 6, as células somáticas da maioria dos organismos contêm 100 a 500 cópias dos genes de RNA ribossomal para produzir ribossomos suficientes para a síntese de proteína. Os oócitos necessitam de um número de ribossomos ainda maior para sustentar a taxa elevada de síntese proteica exigida durante os estágios iniciais da embriogênese e, nos oócitos de vários animais, os genes de RNA ribossomal são amplificados especificamente; alguns oócitos de anfíbios, por exemplo, contêm 1 ou 2 milhões de cópias desses genes. Os oócitos também podem depender, em parte, das atividades sintéticas de outras células para seu crescimento. Por exemplo, a gema normalmente é sintetizada fora do ovário e importada para dentro do oócito. Em aves, anfíbios e insetos, as proteínas da gema são produzidas por células do fígado (ou suas equivalentes), as quais secretam essas proteínas no sangue. Dentro dos ovários, os oócitos utilizam a endocitose mediada por receptor para captar as proteínas da gema do fluido extracelular (ver Figura 13-46). O auxílio nutricional pode vir também de células acessórias adjacentes no ovário. Elas podem ser de dois tipos. Em alguns invertebrados, parte da progênie da oogônia torna-se células auxiliares (nurse cells), em vez de tornar-se oócitos. Junções citoplasmáticas conectam essas células ao oócito, permitindo que macromoléculas passem diretamente das células auxiliares para dentro do citoplasma do oócito (Figura 21-24). Para o oócito de inseto, as células auxiliares sintetizam muitos dos produtos – ribossomos, mRNA, proteínas e outros – que os oócitos dos vertebrados têm que produzir sozinhos. As outras células acessórias do ovário que ajudam a nutrir os oócitos em desenvolvimento são células somáticas comuns, chamadas de células foliculares, que circundam cada oócito em desenvolvimento tanto em invertebrados como em vertebrados. Elas estão dispostas como uma camada epitelial ao redor do oócito (Figura 21-25; ver também Figura 21-24) e estão conectadas umas às outras e ao oócito por meio de junções ocludentes, que permitem a troca de moléculas pequenas, mas não de macromoléculas (discutido no Capítulo 19). Embora as células foliculares sejam incapazes de fornecer macromoléculas préformadas ao oócito através destas junções, elas podem fornecer as moléculas precursoras pequenas, a partir das quais as macromoléculas são produzidas. A importância fundamental da comunicação por junções comunicantes tem sido demonstrada distintamente no ovário de camundongo, onde as proteínas de junção comunicante (conexinas) envolvidas em conectar células foliculares umas às outras são diferentes daquelas que conectam as células foliculares ao oócito. Se os genes que codificam qualquer uma destas proteínas são destruídos em camundongos, tanto células foliculares como oócitos deixam de se desenvolver normalmente, e as fêmeas são estéreis. Em muitas espécies, as células foliculares secretam macro-

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Tecido conectivo Lâmina basal

Citoplasma do oócito

Núcleo do oócito Células da granulosa Zona pelúcida

Células foliculares

(B)

(A)

50 μm

10 μm

moléculas que, ou contribuem para o revestimento do oócito, são captadas para dentro do oócito em desenvolvimento através de endocitose mediada por receptor, ou atuam sobre os receptores de superfície celular do oócito para controlar o padrão de assimetria espacial e axial do oócito (discutido no Capítulo 22). A comunicação entre o oócito e suas células foliculares ocorre em ambas as direções. A sincronização dos processos de desenvolvimento nos dois grupos de células tem que ser coordenada, e parece que isso depende de sinais do oócito para as células foliculares. Experimentos nos quais oócitos jovens são combinados com células foliculares velhas, ou vice-versa, mostram que um programa de desenvolvimento intrínseco no oócito geralmente controla a taxa de desenvolvimento da célula folicular.

A maioria dos oócitos humanos morre sem maturar A Figura 21-26 resume as etapas no desenvolvimento do oócito humano no ovário. Uma camada única de células foliculares circunda a maior parte dos oócitos primários em meninas recém-nascidas. Tal oócito, junto com suas células foliculares circundantes, é chamado de folículo primordial (ver Figura 21-25A). Periodicamente, iniciando algum tempo antes

Células da teca

Oócito primário detido em prófase I

Grânulos corticais

Corpo lúteo

Lâmina basal Antro Antro

Células foliculares Zona pelúcida

Células da granulosa Oócito primário

Onda de FSH induz o crescimento de 10 a 12 folículos antrais, um dos quais é dominante

Onda de FSH + LH dispara a maturação e a ovulação do oócito dominante Superfície do ovário

FOLÍCULO PRIMORDIAL

Figura 21-25 Eletromicrografia de oócitos primários em desenvolvimento no ovário de coelho. (A) Um estágio inicial do desenvolvimento do oócito primário. Nem a zona pelúcida nem os grânulos corticais foram desenvolvidos, e uma única camada de células foliculares achatadas circunda o oócito. (B) Um oócito primário mais desenvolvido, que é mostrado em uma magnitude seis vezes menor, porque é muito maior que o oócito em (A). Esse oócito adquiriu uma zona pelúcida espessa e está circundado por várias camadas de células foliculares (agora chamadas de células da granulosa) e uma lâmina basal que isola o oócito das outras células no ovário. As células da granulosa estão conectadas umas às outras e ao oócito por junções comunicantes. (De The Cellular Basis of Mammalian Reproduction [J. Van Blerkom e P. Motta eds.]. BaltimoreMunich: Urban & Schwarzenberg, 1979.)

FOLÍCULO EM DESENVOLVIMENTO

FOLÍCULO ANTRAL

FOLÍCULO ANTRAL DOMINANTE

Primeiro corpúsculo polar Oócito secundário

FOLÍCULO ROMPIDO

Figura 21-26 As etapas no desenvolvimento do oócito humano. Observe que, durante a maior parte de seu desenvolvimento, o oócito é circundado por células da granulosa (verde), as quais estão separadas de uma camada externa de células da teca folicular (azul) por uma lâmina basal (preto) interposta. Depois da ovulação, o folículo esvaziado se transforma em uma estrutura endócrina, o corpo lúteo, que secreta progesterona para auxiliar a preparar o útero para a gestação. Se a fecundação não ocorre, o corpo lúteo regride, e o revestimento do útero é perdido por descamação durante a menstruação.

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do nascimento, uma pequena proporção de folículos primordiais começa a crescer e eles se tornam folículos em desenvolvimento, nos quais camadas múltiplas de células foliculares (agora chamadas de células da granulosa) circundam o oócito em crescimento (ver Figura 21-25B). Não se sabe o que faz com que certos folículos primordiais iniciem o crescimento. Alguns destes folículos em desenvolvimento progridem até adquirir em uma cavidade cheia de líquido, ou antro folicular, para tornarem-se folículos antrais. Após a puberdade, aproximadamente uma vez por mês, a hipófise secreta uma onda de hormônio folículo-estimulante (FSH, follicle stimulating hormone), que acelera o crescimento de cerca de 10 a 12 folículos antrais. Um destes folículos torna-se dominante, e, perto da metade do ciclo menstrual, uma onda de FSH e de hormônio luteinizante (LH, luteinizing hormone) dispara a ovulação: o oócito primário dominante completa a meiose I e o oócito secundário resultante é retido em metáfase II; o folículo aumenta rapidamente e se rompe na superfície do ovário, liberando o oócito secundário, ainda circundado por uma capa de células da granulosa embebida em uma matriz semelhante a gelatina rica em hialuronana (ácido hialurônico). O oócito liberado é levado a completar a meiose II somente se um espermatozoide fecundá-lo dentro de um dia, ou um pouco mais ou menos. Permanece um mistério por que apenas uma proporção pequena dos muitos folículos antrais presentes nos ovários no momento da onda de FSH a cada mês é estimulada a acelerar seu crescimento, e por que apenas um destes folículos matura e libera seu oócito, enquanto o restante degenera. Uma vez que o folículo selecionado tenha maturado além de certo ponto, algum mecanismo de feedback (retroalimentação) deve funcionar para garantir que nenhum outro folículo complete a maturação e seja ovulado durante este ciclo. Qualquer que seja o mecanismo, o resultado é que, durante os 40 anos ou um pouco mais ou menos da vida reprodutiva de uma mulher, somente 400 ou 500 oócitos serão liberados. Todos os outros milhões, ou um pouco mais ou menos, de oócitos primários presentes ao nascimento morrem sem maturar. Ainda é um enigma por que tantos oócitos são formados apenas para morrer nos ovários.

Resumo Os oócitos desenvolvem-se em etapas, a partir de células germinativas primordiais (PGCs) que migram para a gônada em desenvolvimento, onde tornam-se oogônias. Após um período de proliferação mitótica, as oogônias iniciam a meiose I e são agora chamadas de oócitos primários. Os oócitos primários permanecem retidos após o diplóteno da prófase I de dias a anos, dependendo da espécie. Durante esse período de permanência na prófase I, eles crescem, sintetizam um revestimento e acumulam ribossomos, mRNA e proteínas, frequentemente requisitando a ajuda de outras células, incluindo as células foliculares circundantes. A sinalização bidirecional entre os oócitos e suas células foliculares é necessária para o crescimento e o desenvolvimento normal do oócito. No processo de indução hormonal da maturação oocitária, os oócitos primários completam a meiose I para formar um corpúsculo polar pequeno e um grande oócito secundário, que prossegue para a metáfase da meiose II. Na maioria dos vertebrados, o oócito secundário é detido em metáfase II até ser estimulado pela fecundação a completar a meiose e iniciar o desenvolvimento embrionário.

ESPERMATOZOIDES Na maioria das espécies, existem dois tipos fundamentalmente diferentes de gametas. O oócito está entre as maiores células em um organismo, enquanto o espermatozoide normalmente é a menor. O oócito e o espermatozoide são otimizados em vias opostas para a propagação dos genes que carregam. O oócito não é móvel e contribui para a sobrevivência dos genes maternos por promover grande armazenamento de matéria-prima para o crescimento e o desenvolvimento do embrião, juntamente com um eficiente envoltório protetor. O espermatozoide, ao contrário, é otimizado para difundir os genes paternos explorando este investimento materno: de modo geral, ele é altamente móvel e tem uma forma aerodinâmica que lhe proporciona rapidez e eficiência para realizar a fecundação. A competição entre os espermatozoides é feroz, e a grande maioria falha na sua missão: dos bilhões de espermatozoides liberados durante a vida reprodutiva de um homem, apenas uns poucos conseguem fecundar um oócito.

Os espermatozoides estão altamente adaptados para transferir seu DNA para um oócito Os espermatozoides típicos são células “despidas”, equipadas com um flagelo forte que os impulsiona através de um meio aquoso, mas desprovidas de organelas citoplasmáticas,

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como ribossomos, retículo endoplasmático ou aparelho de Golgi, que são desnecessárias para a tarefa de transferir seu DNA para o oócito. No entanto, os espermatozoides contêm muitas mitocôndrias localizadas estrategicamente onde elas possam dar força ao flagelo de forma mais eficiente. Os espermatozoides geralmente consistem em duas regiões morfológica e funcionalmente diferentes, contidas por uma única membrana plasmática: a cauda, que impulsiona o espermatozoide em direção ao oócito e auxilia na sua passagem através do revestimento do gameta feminino, e a cabeça, que contém um núcleo haploide altamente condensado (Figura 21-27). O DNA no núcleo está condensado de maneira extremamente compacta, para minimizar seu volume para o transporte, e a transcrição está desativada. Os cromossomos de muitos espermatozoides carecem das histonas das células somáticas e, ao invés delas, estão condensados com proteínas simples, com carga altamente positiva, chamadas de protaminas, bem como com histonas específicas de espermatozoides. Na cabeça da maioria dos espermatozoides de animais, posicionada muito próximo à extremidade anterior do envelope nuclear, está uma vesícula secretora especializada chamada de vesícula acrossômica (ou acrossomo). Essa vesícula contém enzimas hidrolíticas que acredita-se que auxiliem o espermatozoide a penetrar através do revestimento externo do oócito. Quando um espermatozoide entra em contato com o revestimento do oócito, o conteúdo do acrossomo é liberado por exocitose na chamada reação de acrossomo (ou reação acrossômica). Essa reação é necessária para o espermatozoide ligar-se ao revestimento, passar através dele e fundir-se com o oócito. A cauda móvel do espermatozoide é um flagelo longo, cujo axonema central deriva-se de um corpo basal situado exatamente atrás do núcleo. Como descrito no Capítulo 16, o axonema consiste em dois microtúbulos centrais simples circundados por nove pares de microtúbulos dispostos simetricamente. O flagelo de alguns espermatozoides (incluindo os de mamíferos) difere de outros flagelos porque o padrão de 9 + 2 microtúbulos está circundado por nove fibras densas externas (Figura 21-28). As fibras densas são rígidas e não-contráteis, e acredita-se que restrinjam a flexibilidade do flagelo e protejam-no de forças de torção; defeitos nessas fibras levam à morfologia espermática anormal e à infertilidade. O dobramento ativo do flagelo é causado pelo deslizamento dos pares de microtúbulos adjacentes entre si, controlado por proteínas motoras chamadas de dineínas, as quais usam a energia da hidrólise do ATP para o deslizamento dos microtúbulos. O ATP é produzido por um grande número de mitocôndrias altamente especializadas que estão concentradas na parte anterior da cauda do espermatozoide (chamada de peça intermediária), onde o ATP é necessário.

Cabeça

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Vesícula acrossômica (ou acrossomo) Núcleo haploide

Peça intermediária

Mitocôndrias

Membrana plasmática

Cauda

Flagelo

10 μm

Figura 21-27 Um espermatozoide humano. Ele é mostrado em corte longitudinal.

Os espermatozoides são produzidos continuamente no testículo mamífero Ao contrário dos oócitos, que iniciam a meiose antes do nascimento e permanecem retidos após o diplóteno da prófase I até que a fêmea humana atinja a puberdade, a meiose e a produção de espermatozoides (espermatogênese) não iniciam nos testículos dos machos humanos até a puberdade. Então, eles seguem continuamente no revestimento epitelial de tubos muito longos e altamente contorcidos, chamados de túbulos seminíferos. Células germinativas imaturas, chamadas de espermatogônias, estão localizadas ao redor do limite mais externo desses túbulos, próximas à lâmina basal (Figura 21-29A). A maioria dessas células divide-se um número limitado de vezes por mitose antes que a proliferação pare e inicie-se a meiose I, ponto no qual elas agora são chamadas de espermatócitos primários; os espermatócitos primários originam os espermatócitos secundários, os quais se dividem para originar espermátides, que, finalmente, diferenciam-se em espermatozoides (Figura 21-29B). Uma proporção pequena das espermatogônias serve como células-tronco, que lentamente dividem-se por mitose durante a vida, produzindo células-filhas, as quais ou permanecem como células-tronco ou comprometem-se com a maturação. As etapas da espermatogênese e suas relações com a meiose são ilustradas na Figura 21-30. Durante a prófase I, os cromossomos homólogos pareados participam do crossing-over. Então, os espermatócitos primários completam a meiose I para produzir dois esperFigura 21-28 Esquema da peça intermediária de um espermatozoide mamífero, visto em corte transversal em um microscópio eletrônico. O centro do flagelo é composto de um axonema circundado por nove fibras densas. O axonema consiste em dois microtúbulos simples, cercados por nove pares de microtúbulos. As mitocôndrias (mostradas em verde) estão bem localizadas para fornecer o ATP necessário ao movimento do flagelo; elas estão distribuídas em um arranjo espiral incomum ao redor do axonema (ver Figura 21-27).

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Microtúbulos do axonema Mitocôndria

Membrana plasmática Fibra densa externa 0,5 μm

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Célula de Sertoli Espermatogônia Lâmina basal MITOSE

Espermatogônia

Espermatócito primário

MEIOSE I 200 μm

Lúmen Espermatócito secundário

Espermátide MEIOSE II

Espermátide em diferenciação

Lâmina basal circundando o túbulo seminífero

Células de Leydig

(A)

Figura 21-29 Diagramas altamente simplificados de um corte transversal de um túbulo seminífero em um testículo mamífero. (A) Todos os estágios da espermatogênese mostrados ocorrem enquanto as células da linhagem germinativa em desenvolvimento estão em íntima associação com as células de Sertoli. Essas células dirigem a diferenciação sexual ao longo de uma via masculina. Elas são células grandes que se estendem da lâmina basal até o lúmem do túbulo seminífero; são necessárias à sobrevivência das espermatogônias e são análogas às células foliculares no ovário (ver Figura 21-19). A espermatogênese também depende da testosterona secretada pelas células de Leydig, localizadas entre os túbulos seminíferos. (B) As espermatogônias dividem-se por mitose na periferia do túbulo seminífero. Algumas dessas células entram em meiose I para tornarem-se espermatócitos primários; eles, então, completam a meiose I para tornarem-se espermatócitos secundários. Os espermatócitos secundários, por sua vez, completam a meiose II e tornam-se espermátides, as quais se diferenciam em espermatozoides e são liberadas do túbulo (ver Figura 21-30). Em homens, uma espermatogônia leva cerca de 24 dias desde o início da meiose até a emergência como uma espermátide, e outras cinco semanas para a espermátide se diferenciar em um espermatozoide.

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Célula de Sertoli

Espermatozoide no lúmen

(B)

matócitos secundários, cada um contendo 22 cromossomos autossômicos duplicados, assim como ou um cromossomo X duplicado ou um cromossomo Y duplicado. Os dois espermatócitos secundários derivados de cada espermatócito primário prosseguem na meiose II para produzir quatro espermátides, cada uma com um número haploide de cromossomos simples. As espermátides haploides sofrem, então, modificações morfológicas dramáticas até se diferenciarem em espermatozoides, os quais migram para a luz dos túbulos seminíferos. Posteriormente, os espermatozoides passam para o epidídimo, um tubo contorcido que está ligado ao testículo, onde sofrem maturação e são armazenados. Entretanto, os espermatozoides armazenados ainda não estão aptos a fecundar um oócito; como discutiremos mais tarde, eles sofrem maturação adicional no trato genital feminino – um processo chamado de capacitação.

Os espermatozoides se desenvolvem como um sincício Uma característica intrigante da espermatogênese é que, uma vez que uma espermatogônia começa a maturar, sua progênie não completa a divisão citoplasmática (citocinese) durante a mitose e a meiose subsequentes. Consequentemente, grandes clones de células-filhas em diferenciação, que descendem de uma mesma espermatogônia em maturação, permanecem unidos por junções citoplasmáticas, formando um sincício (Figura 21-31). As junções citoplasmáticas persistem até a fase final da diferenciação espermática, quando os espermatozoides são liberados individualmente no lúmem do túbulo seminífero. Como resultado, espermatozoides diferenciados são produzidos em grupos síncronos em uma determinada área do túbulo seminífero. Qual é a função do arranjo sincicial? Vimos anteriormente que os oócitos crescem e se diferenciam enquanto contêm o grupo diploide de cromossomos em duplicata. Os espermatozoides, ao contrário, não crescem e sofrem a maior parte de sua diferenciação após seus núcleos terem completado a meiose para tornarem-se haploides. No entanto, a presença das junções citoplasmáticas entre eles significa que cada espermatozoide haploide em desenvolvimento compartilha um citoplasma comum com seus vizinhos. Dessa forma, ele pode ser suprido com todos os produtos

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dos genes de um genoma diploide completo. Por exemplo, um espermatozoide em desenvolvimento que carrega um cromossomo Y pode ser suprido com proteínas essenciais codificadas pelos genes do cromossomo X. Assim, o genoma diploide controla a diferenciação espermática, da mesma forma que controla a diferenciação do oócito. Alguns dos genes que regulam a espermatogênese foram conservados durante a evolução desde moscas até humanos. Por exemplo, os genes Daz codificam proteínas de ligação ao RNA e estão localizados em um local no cromossomo Y humano. Descobriu-se que este local sofreu deleção em uma proporção considerável de homens inférteis, muitos dos quais não podem produzir espermatozoides. Um gene de Drosophila homólogo aos genes Daz hu-

CÉLULA GERMINATIVA PRIMORDIAL

ENTRA NA GÔNADA

MITOSE

ESPERMATOGÔNIA

ESPERMATOGÔNIA DIPLOIDE PROLIFERA POR DIVISÃO CELULAR MITÓTICA DENTRO DO TESTÍCULO

ENTRADA EM MEIOSE

MEIOSE I

ESPERMATÓCITO PRIMÁRIO

CONCLUSÃO DA MEIOSE I

ESPERMATÓCITOS SECUNDÁRIOS

MEIOSE II

CONCLUSÃO DA MEIOSE II

ESPERMÁTIDES

DIFERENCIAÇÃO ESPERMATOZOIDES DIFERENCIADOS

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Figura 21-30 As etapas da espermatogênese. As espermatogônias desenvolvem-se a partir de células germinativas primordiais (PGCs) que migram para o interior da gônada em desenvolvimento nos estágios iniciais da embriogênese. Quando o animal torna-se sexualmente maduro, as espermatogônias começam a proliferar com rapidez por mitose. Algumas mantêm a capacidade de se dividir indefinidamente (como células-tronco espermatogônias). Outras (espermatogônias em maturação) sofrem um número limitado de ciclos de divisão mitótica antes de iniciar a meiose para tornarem-se espermatócitos, que, finalmente, tornam-se espermátides haploides e, então, espermatozoides. A espermatogênese difere da oogênese (ver Figura 21-23) de várias maneiras. (1) Novas células entram em meiose continuamente a partir da puberdade. (2) Cada célula que inicia a meiose dá origem a quatro gametas diferenciados ao invés de um. (3) O espermatozoide maduro forma-se por um processo elaborado de diferenciação celular que inicia após a conclusão da meiose. (4) Ocorrem cerca de duas vezes mais divisões celulares na produção de um espermatozoide do que na produção de um oócito; por exemplo, em um camundongo estima-se que em média ocorram cerca de 56 divisões desde o zigoto até a formação de um espermatozoide, e em torno de 27 divisões desde o zigoto até um oócito maduro.

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Figura 21-31 Junções citoplasmáticas em células espermáticas em desenvolvimento e seus precursores. A progênie de uma única espermatogônia em maturação permanece unida através de junções citoplasmáticas durante a diferenciação em espermatozoide. Para simplificação, apenas duas espermatogônias conectadas em maturação são mostradas iniciando a meiose, para finalmente produzir oito espermátides haploides unidas. Na verdade, o número de células conectadas que entram nas duas divisões meióticas e sofrem diferenciação de forma síncrona é muito maior do que o representado aqui. Note que, no processo de diferenciação, a maior parte do citoplasma da espermátide é descartada na forma de corpos residuais, os quais são fagocitados por células de Sertoli.

Espermatogônia

MITOSE Espermatogônias

Espermatócitos primários MEIOSE I Espermatócitos secundários MEIOSE II

Junções citoplasmáticas Espermátides

Espermátides em diferenciação

Corpos residuais +

Espermatozoides diferenciados

manos é, de forma semelhante, fundamental para a espermatogênese nessa mosca: machos da mosca deficientes em Daz são inférteis porque não produzem espermatozoides, porém, extraordinariamente, podem ser curados por um transgene Daz humano. As proteínas de ligação ao RNA são importantes especialmente na espermatogênese, porque muitos dos genes expressos na linhagem espermática são regulados no nível da tradução do RNA.

Resumo Um espermatozoide geralmente é uma célula pequena, compactada, altamente especializada para a tarefa de fecundar um oócito. Enquanto em mulheres um grupo grande de oócitos é produzido antes do nascimento, nos homens a espermatogônia começa a entrar em meiose para produzir espermatócitos (e espermatozoides) apenas após a maturidade sexual, e continua a fazê-lo daí por diante. Cada espermatócito primário diploide dá origem a quatro espermatozoides haploides diferenciados. O processo de diferenciação espermática ocorre após a meiose estar completa, o que leva cinco semanas, em humanos. No entanto, como as espermatogônias e os espermatócitos em diferenciação falham em completar a citocinese, a progênie de uma única espermatogônia desenvolve-se como um grande sincício. Assim, os produtos proteicos codificados por ambos os cromossomos dos pais dirigem a diferenciação dos espermatozoides, mesmo que cada núcleo espermático seja haploide.

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FECUNDAÇÃO Uma vez liberados, o oócito e o espermatozoide estão igualmente destinados a morrer dentro de minutos ou horas, a menos que encontrem um ao outro e se fundam no processo de fecundação. Por meio da fecundação, o oócito e o espermatozoide são salvos: o oócito é ativado para iniciar seu programa de desenvolvimento, e os núcleos haploides dos dois gametas se unem para formar o genoma diploide de um novo organismo. Originalmente, a fecundação foi estudada de forma mais intensiva em invertebrados marinhos como ouriços-do-mar e estrelas-do-mar, onde a fecundação ocorre na água do mar, após a liberação de quantidades enormes tanto de oócitos quanto de espermatozoides. Esta fecundação externa é bem mais acessível de ser estudada do que a fecundação interna de mamíferos, que normalmente acontece no trato reprodutor feminino após o acasalamento. No entanto, no final dos anos de 1950, tornou-se possível fecundar oócitos de mamíferos in vitro, abrindo caminho para uma análise dos eventos celulares e moleculares da fecundação nestes animais. Nesta seção, concentraremo-nos na fecundação em mamíferos. Começaremos considerando a capacitação dos espermatozoides que ocorre durante sua passagem através do trato genital feminino. Então, discutiremos a ligação do espermatozoide ao revestimento do oócito (a zona pelúcida), que induz a reação de acrossomo, necessária para o espermatozoide passar através da zona e fundir-se com o oócito. A seguir examinaremos a ligação do espermatozoide com a membrana plasmática do oócito e sua subsequente fusão com esta membrana. Após, discutindo como a fusão de um espermatozoide ativa o oócito e como os núcleos haploides dos dois gametas reúnem-se no zigoto para completar a fecundação, consideraremos brevemente o campo em crescente expansão da tecnologia de reprodução assistida, que tem revolucionado o tratamento da infertilidade humana e aberto caminho para novas maneiras de manipulação do processo reprodutivo.

Espermatozoides ejaculados se tornam capacitados no trato genital feminino Dos 300 milhões ou mais de espermatozoides humanos ejaculados durante o ato sexual, apenas cerca de 200 alcançam o local de fecundação no oviduto. Uma vez que encontre um oócito, um espermatozoide deve primeiramente migrar através das camadas de células da granulosa que circundam o oócito e, depois, ligar-se e atravessar a zona pelúcida. Finalmente, ele deve ligar-se e fundir-se à membrana plasmática do oócito. Espermatozoides ejaculados de mamíferos, inicialmente, não são competentes para realizar nenhuma dessas tarefas. Eles devem primeiro ser modificados por condições no trato reprodutor feminino. Como é necessário para o espermatozoide adquirir a capacidade de fecundar um oócito, o processo é chamado de capacitação. A capacitação leva cerca de 5 a 6 horas em humanos, sendo completada apenas quando o espermatozoide chega no oviduto. O espermatozoide sofre grandes alterações bioquímicas e funcionais, incluindo alterações em glicoproteínas, lipídeos e canais de íons na membrana plasmática, e uma grande alteração no potencial de repouso de sua membrana (o potencial de membrana se desloca para um valor mais negativo, de modo que a membrana se torna hiperpolarizada). A capacitação também está associada a um aumento no pH citosólico, a fosforilação de tirosina de várias proteínas espermáticas e a exposição dos receptores de superfície celular que ajudam o espermatozoide a ligar-se à zona pelúcida. A capacitação altera dois aspectos decisivos do comportamento espermático: ela aumenta bastante a motilidade do flagelo e torna o espermatozoide capaz de sofrer a reação de acrossomo. A capacitação pode ocorrer in vitro no meio de cultivo apropriado e, normalmente, é uma parte necessária desse tipo de fecundação. Três componentes críticos são necessários no meio, todos normalmente estando em concentrações altas no trato genital feminino 2+ – – albumina, Ca e HOC3 . A proteína albumina ajuda a extrair o colesterol da membrana plasmática, aumentando a capacidade desta membrana de fundir-se à membrana do acrossomo durante a reação acrossômica. O Ca2+ e o HOC3– entram no espermatozoide e ativam diretamente uma enzima adenilil-ciclase solúvel no citosol para produzir AMP cíclico (discutido no Capítulo 15), que ajuda a iniciar muitas das alterações associadas à capacitação.

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Espermatozoides capacitados ligam-se à zona pelúcida e sofrem uma reação acrossômica

5 μm

Figura 21-32 Eletromicrografia de varredura de um espermatozoide humano fazendo contato com um oócito de hamster. A zona pelúcida do oócito foi removida, expondo a membrana plasmática que contém numerosas microvilosidades. A habilidade do espermatozoide de um indivíduo penetrar os oócitos de hamster é usada como um teste de fertilidade masculina; a penetração de mais de 10 a 25% dos oócitos é considerada normal. (Cortesia de David M. Phillips.)

Durante a ovulação, oócitos mamíferos são liberados do ovário para dentro da cavidade peritoneal próximo à entrada do oviduto, para dentro do qual eles são levados rapidamente. Eles estão cobertos com várias camadas de células da granulosa embebidas em uma matriz extracelular rica em ácido hialurônico (discutido no Capítulo 19). As células da granulosa podem ajudar o oócito a ser recolhido para dentro do oviduto, e elas também podem secretar sinais químicos não-identificados que atraem os espermatozoides para o oócito. Encontrando um oócito, um espermatozoide capacitado precisa penetrar as camadas de células da granulosa, utilizando uma enzima hialuronidase presente na superfície do espermatozoide. Então, ele pode se ligar à zona pelúcida (ver Figura 21-22). Normalmente, a zona pelúcida funciona como uma barreira à fecundação entre espécies, e a remoção dela frequentemente elimina essa barreira. Espermatozoides humanos, por exemplo, fecundarão oócitos de hamster que tiveram sua zona removida com enzimas específicas; obviamente, tais zigotos híbridos não se desenvolvem. Algumas vezes, oócitos de hamster sem zona são utilizados em clínicas de infertilidade para avaliar a capacidade fecundante de espermatozoides humanos in vitro (Figura 21-32). A zona pelúcida da maioria dos oócitos de mamíferos é composta principalmente por três glicoproteínas, as quais são todas produzidas exclusivamente pelo oócito em crescimento. Duas delas, ZP2 e ZP3, agrupam-se em filamentos longos, enquanto a outra, ZP1, faz ligações entrecruzadas dos filamentos em uma rede tridimensional. A proteína ZP3 é fundamental: fêmeas de camundongos com um gene Zp3 inativado produzem oócitos sem uma zona pelúcida e são inférteis. Os oligossacarídeos específicos O-ligados na ZP3 parecem ser responsáveis, ao menos em parte, pela ligação espécie-específica do espermatozoide à zona. Entretanto, a ligação do espermatozoide à zona é complexa e envolve tanto mecanismos dependentes quanto independentes de ZP3, assim como uma variedade de proteínas na superfície do espermatozoide. A zona induz o espermatozoide a sofrer a reação de acrossomo (ou reação acrossômica), na qual o conteúdo do acrossomo é liberado por exocitose (Figura 21-33). A reação de acrossomo é necessária à fecundação normal, pois expõe várias enzimas hidrolíticas que talvez ajudem o espermatozoide a abrir o túnel através da zona pelúcida, e altera a superfície do espermatozoide de maneira que ele possa se ligar e se fundir à membrana plasmática do oócito, como discutiremos a seguir. A ZP3 purificada in vitro pode disparar a reação de acrossomo, possivelmente por ativação de um receptor semelhante à lecitina na superfície do espermatozoide, que parece ser uma forma transmembrana da enzima galactosil-transferase. A ativação do receptor leva a um aumento no Ca2+ no citosol do espermatozoide, o qual inicia a exocitose.

O mecanismo de fusão espermatozoide-oócito ainda é desconhecido Depois de um espermatozoide sofrer a reação acrossômica e penetrar a zona pelúcida, ele liga-se à membrana plasmática do oócito, inclinando-se sobre as extremidades das microvilosidades na superfície do gameta feminino (ver Figura 21-32). O espermatozoide liga-se inicialmente por sua extremidade anterior e, depois, por sua porção lateral (ver Figura 2133). Rapidamente as microvilosidades vizinhas sobre a superfície do oócito se alongam e se agrupam em torno do espermatozoide para assegurar que este seja aderido de forma firme até que possa fundir-se ao oócito. Depois da fusão, todos os componentes do espermatozoide são atraídos para dentro do oócito, à medida que as microvilosidades são reabsorvidas. Os mecanismos moleculares responsáveis pela ligação e fusão espermatozoide-oócito são em grande parte desconhecidos, embora, após um número de ativações artificiais, duas proteínas de membrana têm sido apontadas como necessárias à fusão. Uma é a proteína transmembrana da superfamília das imunoglobulinas, específica do espermatozoide, chamada de Izumo (em função de um santuário japonês dedicado ao casamento). Ela torna-se exposta na superfície do espermatozoide de camundongo e humano durante a reação de acrossomo. Anticorpos anti-Izumo impedem a fusão, e espermatozoides de camundongo deficientes de Izumo não podem se fundir a oócitos normais, porém ainda é desconhecida a forma como a Izumo promove a fusão espermatozoide-oócito. A única proteína na superfície do oócito que se demonstrou necessária à fusão com o espermatozoide é a proteína CD9, que é um membro da família tetraspanina, assim chamada porque essas proteínas têm quatro segmentos que transpõem a membrana. Espermatozoides normais não se fundem a oócitos de fêmeas de camundongo deficientes de CD9, indicando que a fusão espermatozoide-oócito depende de CD9, mas não se sabe como. A CD9 não atua sozinha na superfície do oócito para promover a

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fusão: espermatozoides normais também não se fundem a oócitos tratados com uma enzima que remove proteínas fixadas à membrana plasmática por uma âncora glicosilfosfatidilinositol (GPI, glycosylphosphatidylinositol) (discutido no Capítulo 10), indicando que uma ou mais proteínas ligadas ao GPI também são necessárias à fusão, embora a proteína ou as proteínas apropriadas já tenham sido identificadas.

A fusão do espermatozoide ativa o oócito por aumentar o Ca2+ no citosol A fusão com o espermatozoide ativa o oócito, fazendo os grânulos corticais liberarem seu conteúdo por exocitose, em um processo chamado de reação cortical. A meiose, que estava retida em metáfase II, é concluída, produzindo um segundo corpúsculo polar e um zigoto, o qual começa a se desenvolver. Um aumento de Ca2+ no citosol do oócito fecundado dispara todos estes eventos. Se a 2+ concentração de Ca no citosol de um oócito não-fecundado é elevada artificialmente – diretamente por uma injeção de Ca2+ ou indiretamente pelo uso de um ionóforo contendo Ca2+ (discutido no Capítulo 11) – os oócitos de todos os animais até agora testados, incluindo os mamíferos, são ativados. Ao contrário, o impedimento do aumento no Ca2+ pela injeção de EGTA, um agente quelante de Ca2+, inibe a ativação do oócito em resposta à fecundação. Quando o espermatozoide funde-se à membrana plasmática do oócito de uma maneira normal, isso causa um aumento local no Ca2+ citosólico, que se difunde como uma onda através da célula (ver Figura 15-40). A onda se propaga por feedback positivo: a elevação no Ca2+ citosólico causa abertura dos canais de Ca2+, permitindo que ainda mais Ca2+ entre no citosol. A onda inicial de liberação de Ca2+ normalmente é seguida, dentro de poucos minutos, por oscilações de Ca2+ (discutido no Capítulo 15), que persistem por várias horas. O espermatozoide que realizou a fusão dispara a onda e as oscilações de Ca2+ por introduzir um fator dentro do citosol do oócito. A injeção de um espermatozoide intacto, de uma cabeça de espermatozoide ou de um extrato de espermatozoide dentro de um oócito faz o mesmo. Todos esses tratamentos aumentam a concentração de inositol 1,4,5-trifosfato (IP3), o qual libera Ca2+ do retículo endoplasmático e inicia a onda e as oscilações de Ca2+ (discutido no Capítulo 15). Um candidato forte para ser o fator crítico que o espermatozoide mamífero introduz no oócito é uma forma de fosfolipase C específica de espermatozoides (PLC␨), que cliva diretamente o fosfoinositol 4,5-bifosfato (PI[4,5]P2) para produzir IP3 (e diacilglicerol) (ver Figura 15-39).

1

LIGAÇÃO DO ESPERMATOZOIDE À ZONA PELÚCIDA

2

REAÇÃO DE ACROSSOMO

Vesícula acrossômica

Conteúdo acrossomal

Célula da granulosa

3

Membrana plasmática do oócito Zona pelúcida

Núcleo do oócito

4 5

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PENETRAÇÃO ATRAVÉS DA ZONA PELÚCIDA

O CONTEÚDO DO ESPERMATOZOIDE ENTRA NO CITOPLASMA DO OÓCITO

FUSÃO DAS MEMBRANAS PLASMÁTICAS

Figura 21-33 A reação de acrossomo que ocorre quando um espermatozoide de mamífero fecunda um oócito. Em camundongos, a zona pelúcida tem cerca de 6 ␮m de espessura, e o espermatozoide a atravessa a uma velocidade de cerca de 1 ␮m/min.

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Figura 21-34 Esquema de como se acredita que a reação cortical em um oócito de camundongo evita que espermatozoides adicionais entrem no oócito. O conteúdo liberado dos grânulos corticais inativa a ZP3, de modo que ela não pode mais se ligar à membrana plasmática do espermatozoide. Ele também cliva parcialmente a ZP2, endurecendo a zona pelúcida de maneira que os espermatozoides não podem penetrá-la. Juntas, estas alterações promovem um bloqueio à poliespermia.

Membrana plasmática do espermatozoide ligado Núcleo do espermatozoide

Carboidrato

ZP3 ZP2

Zona pelúcida

ZP1 Membrana plasmática do oócito Grânulos corticais contendo enzimas hidrolíticas REAÇÃO CORTICAL (EXOCITOSE)

Conteúdo dos grânulos corticais liberado

BLOQUEIO À POLISPERMIA O segundo espermatozoide não pode ligar-se ZP2 clivada ZP3 modificada Zona pelúcida alterada

A reação cortical ajuda a garantir que apenas um espermatozoide fecunde o oócito Embora muitos espermatozoides possam ligar-se a um oócito, normalmente apenas um funde-se à membrana plasmática do oócito e injeta seu citosol, núcleo e outras organelas no citoplasma do gameta feminino. Se mais de um espermatozoide fundir-se – uma situação chamada de poliespermia – são formados fusos mitóticos extra ou multipolares, resultando na segregação defeituosa dos cromossomos durante as primeiras divisões celulares mitóticas; células aneuploides são produzidas, e o desenvolvimento geralmente para. Dois mecanismos funcionam para assegurar que apenas um espermatozoide fecunde o oócito. Primeiro, uma alteração na membrana plasmática do oócito, causada pela fusão do primeiro espermatozoide, evita que outros espermatozoides se fundam. Em oócitos de ouriço-do-mar, a alteração é uma despolarização rápida da membrana do oócito; em oócitos mamíferos, o mecanismo não é conhecido. O segundo bloqueio à polispermia é proporcionado pela reação cortical do oócito, a qual libera várias enzimas que alteram a estrutura da zona pelúcida, de modo que os espermatozoides não podem ligar-se ou penetrar nela. Entre as alterações que ocorrem na zona de mamíferos está a inativação de ZP3, de maneira que ela não possa mais se ligar a espermatozoides ou induzir uma reação de acrossomo; além disso, a ZP2 é clivada, o que ajuda de certa forma a tornar a zona impenetrável (Figura 21-34).

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Biologia Molecular da Célula

Pró-núcleo haploide do oócito

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Cromossomos

CITOSOL

Centríolos do centrossomo DIVISÃO PARA PRODUZIR DUAS CÉLULAS DIPLOIDES

Matriz do centrossomo

Axonema da cauda do espermatozoide

Pró-núcleo haploide do espermatozoide

ENVELOPES NUCLEARES INTERDIGITADOS; CROMOSSOMOS JÁ DUPLICADOS

REPLICAÇÃO DE CENTROSSOMO, SEGUIDA POR RUPTURA DO ENVELOPE NUCLEAR

OS CROMOSSOMOS DO OÓCITO E DO ESPERMATOZOIDE ALINHAM-SE EM UM ÚNICO FUSO DA METÁFASE

O espermatozoide fornece centríolos assim como seu genoma para o zigoto Uma vez fecundado, o oócito é chamado de zigoto. No entanto, a fecundação não está completa até que os dois núcleos haploides (chamados de pró-núcleos) – um do oócito e o outro do espermatozoide – tenham se aproximado e combinado seus cromossomos em um único núcleo diploide. Em oócitos fecundados de mamíferos, os dois pró-núcleos não se fundem diretamente como ocorre em muitas outras espécies. Eles se aproximam um do outro, mas permanecem separados até depois que a membrana de cada pró-núcleo seja rompida em preparação à primeira divisão mitótica do zigoto (Figura 21-35). Na maioria dos animais, incluindo os humanos, o espermatozoide contribui com mais do que seu genoma para o zigoto. Ele também fornece seus centríolos – estruturas que estão ausentes em oócitos humanos não-fecundados. Os centríolos do espermatozoide entram no oócito junto com o seu núcleo e a sua cauda, e um centrossomo se forma em torno deles. Nos humanos, o centrossomo se duplica e, então, os dois centrossomos resultantes auxiliam na organização do primeiro fuso mitótico no zigoto (Figura 21-36, e ver também Figura 21-35). Isso explica por que a poliespermia, na qual vários espermatozoides fornecem seus centríolos para o oócito, causa a formação de fusos mitóticos extra ou multipolares.

Figura 21-35 A aproximação dos pró-núcleos do espermatozoide e do oócito após a fecundação em mamíferos. Os pró-núcleos migram em direção ao centro do zigoto. Quando estão muito próximos, seus envelopes nucleares formam interdigitações. O centrossomo se duplica, os envelopes nucleares se rompem e, finalmente, os cromossomos de ambos os gametas são integrados em um fuso mitótico único, que organiza a primeira divisão (clivagem) do zigoto. (Adaptada de esquemas e de eletromicrografias fornecidas por Daniel Szöllösi.)

A fecundação in vitro e a injeção intracitoplasmática do espermatozoide estão revolucionando o tratamento da infertilidade humana Cerca de 10% dos casais humanos têm a fertilidade diminuída, de forma que a mulher não se torna grávida após 12 a 18 meses mantendo relações sexuais sem utilizar métodos anticoncepcionais. Em aproximadamente metade destes casos, o homem é o problema, e na outra metade, é a mulher. Embora haja numerosas razões para a fertilidade diminuída tanto em homens quanto em mulheres, na grande maioria dos casos alguma forma de tecnologia de reprodução assistida pode resolver o problema. O primeiro grande avanço no tratamento da infertilidade ocorreu em 1978, com o nascimento de Louise Brown, a primeira criança produzida por fecundação in vitro (IVF, in vitro fertilization). Antes deste sucesso, houveram debates acalorados sobre a ética e a segurança da IVF – excepcionalmente semelhantes aos debates éticos atuais sobre a produção e o uso de células-tronco embrionárias (ES) humanas. Agora, a IVF é um procedimento de rotina e tem mais de um milhão de crianças produzidas. Para iniciar o processo, geralmente a mulher é pré-tratada com hormônios para estimular a maturação simultânea de múltiplos

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Figura 21-36 Fotomicrografias de imunofluorescência de pró-núcleos de espermatozoide e de oócito humanos aproximando-se após a fecundação in vitro. Os microtúbulos do fuso estão corados em verde com anticorpos antitubulina, e o DNA está marcado em azul com uma coloração específica. (A) Um fuso meiótico em um oócito secundário maduro não-fecundado. (B) Um oócito fecundado, que está realizando a extrusão de seu segundo corpúsculo polar, cerca de cinco horas após a fusão com um espermatozoide. A cabeça do espermatozoide (à esquerda) está cercada por uma série de microtúbulos. Os prónúcleos do oócito e do espermatozoide ainda estão muito distantes. (C) Os dois pró-núcleos estão se aproximando. (D) Cerca de 16 horas após a fusão dos gametas, o centrossomo que entrou no oócito com o espermatozoide está duplicado, e os centrossomos-filhos organizaram um fuso mitótico bipolar. Os cromossomos de ambos os pró-núcleos estão alinhados na placa metafásica do fuso. Como é indicado pelas setas em (C) e (D), a cauda do espermatozoide ainda está associada a um dos centrossomos. (De C. Simerly et al., Nat. Med.1: 47-53, 1995. Com permissão de Macmillan Publishers Ltd.)

(C)

(A)

(B)

(C)

(D) 100 ␮m

50 µm

Figura 21-37 Injeção intracitoplasmática de espermatozoide (ICSI). Fotomicrografia de luz de um oócito secundário humano sendo sustentado por uma pipeta de sucção (à esquerda) e injetado com um único espermatozoide humano por intermédio de uma agulha de vidro. A zona pelúcida reveste o oócito e o corpúsculo polar. (Cortesia de Reproductive Biology Associates, Atlanta, Geórgia.)

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oócitos. Logo antes de serem liberados pela ovulação, os oócitos são recolhidos do ovário (utilizando-se uma agulha longa introduzida através da vagina) e são fecundados em placas de cultivo com os espermatozoides do homem. Após poucos dias em cultivo, 2 ou 3 dos embriões precoces de melhor aparência morfológica são transferidos com um cateter para dentro do útero da mulher; os embriões restantes normalmente são mantidos congelados em nitrogênio líquido, para implantações posteriores, se necessário. A principal complicação da IVF é a gestação múltipla, que ocorre em mais de 30% dos casos, se comparada com cerca de 2% em gestações naturais. O procedimento de IVF descrito há pouco tem permitido a muitas mulheres, inférteis anteriormente, produzir crianças normais. Entretanto, a IVF não resolve o problema para homens inférteis que geralmente produzem espermatozoides anormais ou em quantidade muito pequena. O segundo avanço, que ocorreu em 1992, forneceu a solução para a maior parte destes homens. Nesta modificação da IVF, chamada de injeção intracitoplasmática do espermatozoide (ICSI, intracytoplasmic sperm injection), um oócito é fecundado pela injeção de um único espermatozoide dentro dele (Figura 21-37). Esta estratégia elimina a necessidade de um número grande de espermatozoides móveis e evita os muitos obstáculos que normalmente um espermatozoide tem de passar para fecundar um oócito, incluindo capacitação, migração até o oócito, reação de acrossomo, passagem através da zona pelúcida e fusão com a membrana plasmática do oócito. A ICSI tem uma taxa de sucesso de mais de 50% e tem mais de 100.000 crianças produzidas. Além de revolucionar o tratamento da infertilidade, a IVF abriu caminho para muitas possibilidades novas na manipulação do processo reprodutivo. Por exemplo, ela tem tornado possível aos pais portadores de genes defeituosos prevenir a passagem do gene para seus filhos, por meio da triagem dos embriões IVF portadores do gene antes da implantação deles no útero.

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Biologia Molecular da Célula

Células somáticas

Injeção de núcleo somático dentro do oócito enucleado

CLONAGEM REPRODUTIVA

Camundongos adultos

DIVISÃO CELULAR EM CULTIVO Remoção Oócito não-fecundado do núcleo do oócito

Ativação do oócito

Mãe receptora

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Camundongo clonado

CLONAGEM TERAPÊUTICA

Embrião

Como discutido antes, técnicas in vitro para manipulação de oócitos de mamíferos têm tornado possível produzir clones de muitos tipos de mamíferos, pela transferência do núcleo de uma célula somática do animal a ser clonado para dentro de um oócito não-fecundado que tenha tido seu próprio núcleo removido ou destruído. Este não é um procedimento fácil; a taxa de sucesso é baixa, e ainda é incerto se um humano poderia ser clonado de maneira semelhante. Além disso, há argumentos éticos sérios em relação a se alguém deveria, em algum momento, tentar clonar um humano. No entanto, há o entendimento geral de que não deveria ser tentado com a tecnologia existente, pois a probabilidade de produzir uma criança anormal é alta; na verdade, muitos países e estados americanos têm feito a tentativa ilegal. Entretanto, tal clonagem reprodutiva não deveria ser confundida com clonagem terapêutica, na qual o embrião precoce produzido in vitro a partir de tal zigoto reconstituído não é implantado em um útero para produzir um novo indivíduo, mas, em vez disso, é usado para fazer células ES que são geneticamente idênticas à doadora do núcleo somático (Figura 21-38). Vários tipos de células especializadas produzidas a partir de tais células ES “personalizadas” poderiam, então, ser usados para tratar o doador, evitando o problema da rejeição imunológica associada à utilização de células derivadas de células ES geneticamente diferentes. Evidentemente, as sociedades teriam que tomar algumas decisões difíceis sobre até onde elas estão dispostas a ir na exploração destas tecnologias novas para manipular o processo reprodutivo para o possível benefício dos indivíduos. Alternativamente, poderia ser possível, no futuro, produzir células semelhantes a ES personalizadas por caminhos que evitem estes dilemas éticos: por exemplo, em experimentos recentes, a engenharia genética foi usada para expressar em fibroblastos de camundongo em cultivo várias proteínas reguladoras de genes normalmente expressas em células ES; quando quatro destes transgenes foram expressos simultaneamente, os fibroblastos comportaram-se de forma muito semelhante a células ES. A fecundação marca o início de um dos mais admiráveis fenômenos em toda a biologia – o processo de embriogênese, no qual o zigoto se desenvolve em um novo indivíduo. Este é o assunto do próximo capítulo.

Células ES “personalizadas”

Figura 21-38 Diferença entre clonagem reprodutiva e a preparação de células tronco embrionárias “personalizadas”. Em ambos os casos, se produz um embrião reconstruído pela remoção (ou destruição) do núcleo de um oócito não-fecundado e pela substituição deste pelo núcleo de uma célula somática do animal a ser clonado. O oócito reconstruído é ativado por um choque elétrico para se desenvolver. Na clonagem reprodutiva, o embrião que se desenvolve em cultivo é transplantado para o útero de uma mãe receptora e dá origem a um animal clonado. Ao contrário, na preparação de células tronco embrionárias (ES) personalizadas – algumas vezes chamada de clonagem terapêutica – o embrião é usado para produzir células ES em cultivo e estas, então, podem ser utilizadas para produzir vários tipos celulares especializados para o tratamento do indivíduo que forneceu o núcleo somático; como as células especializadas produzidas por estas células ES são geneticamente idênticas à doadora do núcleo somático, elas não serão rejeitadas pelo sistema imunológico.

Resumo A fecundação em mamíferos inicia normalmente quando um espermatozoide, que tenha sofrido capacitação no trato reprodutor feminino, liga-se à zona pelúcida que envolve um oócito no oviduto. Esta ligação induz o espermatozoide a sofrer uma reação de acrossomo, liberando o conteúdo da vesícula acrossômica, que se imagina ser capaz de ajudar o espermatozoide a abrir (por digestão enzimática) seu caminho através da zona. A reação de acrossomo também é necessária para o espermatozoide ligar-se e fundir-se à membrana plasmática do oócito. A fusão do espermatozoide com o oócito induz uma onda e oscilações de Ca2+ no citosol do oócito, que ativam o gameta feminino. A ativação inclui a reação cortical do oócito, na qual os grânulos corticais liberam seu conteúdo, o qual altera a zona pelúcida de modo que outros espermatozoides não podem ligar-se ou penetrar nela. A sinalização de Ca2+ também dispara o desenvolvimento do zigoto, que começa depois que os dois pró-núcleos haploides se aproximam e alinham seus cromossomos em um fuso mitótico único, que intermedeia a primeira divisão mitótica do zigoto. Muitos casais previamente inférteis agora podem se reproduzir graças à IVF e à ICSI.

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Desenvolvimento de Organismos Multicelulares Um animal ou planta inicia a sua vida como uma célula única – um óvulo fertilizado. Durante o desenvolvimento, esta célula divide-se repetidamente para produzir muitas células diferentes em um padrão final de complexidade e precisão espetaculares. Em última análise, o genoma determina o padrão, e o quebra-cabeça da biologia do desenvolvimento é entender como ele o faz. O genoma normalmente é idêntico em todas as células; as células diferem não porque contenham informações genéticas diferentes, mas porque expressam conjuntos diferentes de genes. Esta expressão genética seletiva controla os quatro processos essenciais de construção do embrião: (1) proliferação celular, produção de muitas células a partir de uma, (2) especialização celular, criação de células com diferentes características em diferentes posições, (3) interações celulares, coordenação do comportamento de uma célula com o de suas vizinhas, e (4) movimentos celulares, rearranjo das células para formar tecidos e órgãos estruturados (Figura 22-1). Em um embrião em desenvolvimento, todos os processos estão acontecendo ao mesmo tempo, em uma variedade caleidoscópica de maneiras diferentes, em partes distintas do organismo. Para entender as estratégias básicas do desenvolvimento, teremos que limitar o nosso foco. Em particular, precisamos entender o curso de eventos a partir do ponto de vista de uma célula individual e como o genoma atua nessa célula. Não há um oficial em comando mantendo-se fora do combate para direcionar as tropas; cada uma das milhões de células no embrião precisa tomar as suas próprias decisões, de acordo com a sua própria cópia de instruções genéticas e suas circunstâncias particulares. A complexidade dos animais e das plantas depende de uma característica extraordinária do sistema de controle genético. As células possuem uma memória: os genes que uma célula expressa e a maneira como ela se comporta dependem do seu passado e do seu ambiente presente. As células do corpo – as células musculares, os neurônios, as células da pele, as células do intestino, e assim por diante – mantêm as suas características especializadas não porque elas recebem continuamente as mesmas instruções do seu meio, mas porque elas retêm um registro dos sinais que as suas ancestrais receberam em um desenvolvimento embrionário inicial. Os mecanismos moleculares de memória celular foram introduzidos no Capítulo 7. Neste capítulo abordaremos as suas consequências.

MECANISMOS UNIVERSAIS DE DESENVOLVIMENTO ANIMAL Existem em torno de 10 milhões de espécies de animais, e eles são fantasticamente variados. Ninguém espera que o verme, a mosca, a águia e a lula gigante tenham sido gerados pelos mesmos mecanismos de desenvolvimento, assim como não se espera que os mesmos métodos tenham sido usados para fazer um sapato e um avião. Alguns princípios similares abstratos devem estar envolvidos, talvez, mas com certeza não as mesmas moléculas específicas. Uma das revelações mais impressionantes dos últimos 10 ou 20 anos foi que as nossas suspeitas iniciais estavam erradas. De fato, muito da maquinaria básica de desenvolvimento é essencialmente a mesma, não somente em todos os vertebrados, mas também em todos os maiores filos de invertebrados. As moléculas reconhecidamente semelhantes e evolutivamente relacionadas definem nossos tipos celulares especializados, marcam as diferenças entre as regiões do corpo e auxiliam a criar o padrão corporal. As proteínas homólogas são, com frequência, funcionalmente intercambiáveis entre espécies muito diferentes. Uma proteína de camundongos produzida de maneira artificial em uma mosca pode, frequentemente, realizar a mesma função da própria versão da proteína da mosca, e vice-versa, con-

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22 Neste capítulo MECANISMOS 1305 UNIVERSAIS DE DESENVOLVIMENTO ANIMAL CAENORHABDITIS 1321 ELEGANS: O DESENVOLVIMENTO A PARTIR DA PERSPECTIVA DE UMA CÉLULA INDIVIDUAL DROSOPHILA E A 1328 GENÉTICA MOLECULAR DA FORMAÇÃO DE PADRÕES: A GÊNESE DO PLANO CORPORAL GENES SELETORES 1341 HOMEÓTICOS E A FORMAÇÃO DE PADRÕES DO EIXO ÂNTEROPOSTERIOR ORGANOGÊNESE E A FORMAÇÃO DOS PADRÕES DOS ÓRGÃOS ACESSÓRIOS

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MOVIMENTOS CELULARES E A DETERMINAÇÃO DA FORMA DO CORPO DOS VERTEBRADOS

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O CAMUNDONGO

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DESENVOLVIMENTO NEURAL

1383

DESENVOLVIMENTO VEGETAL

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PROLIFERAÇÃO CELULAR

Figura 22-1 Os quatro processos essenciais pelos quais um organismo multicelular é feito: proliferação celular, especialização celular, interação celular e movimento celular.

Figura 22-2 Proteínas homólogas funcionando de maneira intercambiável no desenvolvimento de camundongos e de moscas. (A) Uma proteína de mosca utilizada em um camundongo. A sequência de Drosophila de DNA codificante para a proteína Engrailed (uma proteína de regulação gênica) pode ser substituída pela sequência codificante correspondente da proteína Engrailed-1 de camundongo. A perda de Engrailed-1 nos camundongos causa um defeito em seus cérebros (o cerebelo não se desenvolve); a proteína de Drosophila atua como um substituto eficiente, recuperando o camundongo transgênico da sua deformidade. (B) Uma proteína de molusco utilizada em uma mosca. A proteína Eyeless controla o desenvolvimento ocular de Drosophila e, quando sua expressão é alterada, pode induzir o desenvolvimento de um olho em um local anormal, como uma perna. A proteína homóloga, Pax6, de camundongo, de lula e praticamente de qualquer animal dotado de olhos, quando apresenta uma expressão alterada de forma semelhante em uma mosca transgênica, produz o mesmo efeito. As micrografias eletrônicas de varredura mostram uma região de tecido ocular na perna de uma mosca, resultante da expressão alterada do gene Eyeless de Drosophila (acima) e do Pax6 de lula (abaixo). O painel à direita mostra, em uma amplificação menor, todo o olho de uma Drosophila normal, para comparação. (A, de M. C. Hanks et al., Development 125:4521-4530, 1998. Com permissão da The Company of Biologists; B, de S. I. Tomarev et al., Proc. Natl. Acad. Sci. U. S. A. 94:2421-2426, 1997. Com permissão da National Academy of Sciences e cortesia de Kevin Moses.)

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ESPECIALIZAÇÃO CELULAR

INTERAÇÃO CELULAR

MOVIMENTO CELULAR

trolando de forma eficaz o desenvolvimento de um olho, por exemplo, ou a arquitetura do cérebro (Figura 22-2). Graças a esta unidade fundamental do mecanismo, como veremos, os biólogos do desenvolvimento estão agora caminhando em direção a um entendimento coerente do desenvolvimento animal. As plantas pertencem a um reino separado: elas desenvolveram seus organismos multicelulares independentemente dos animais. Também pode ser dada uma explicação unificada para o seu desenvolvimento, porém diferente da dos animais. Os animais serão o nosso principal interesse neste capítulo, mas retornaremos para as plantas, de maneira breve, no final. Começaremos pela revisão de alguns princípios gerais básicos do desenvolvimento animal e pela introdução das sete espécies animais que os biólogos do desenvolvimento adotaram como os seus organismos-modelo principais.

Cerebelo

(A)

(B)

Camundongo normal

Camundongo sem Engrailed-1

Camundongo recuperado pela Engrailed de Drosophila

50 ␮m

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Os animais compartilham algumas características anatômicas básicas As semelhanças entre as espécies animais em relação aos genes que controlam o desenvolvimento refletem a evolução dos animais a partir de um ancestral comum no qual esses genes já estavam presentes. Embora não saibamos como ele se parecia, o ancestral comum dos vermes, dos moluscos, dos insetos, dos vertebrados e de outros animais complexos tinha, necessariamente, muitos tipos celulares diferenciados que seriam reconhecidos por nós: células epidérmicas, por exemplo, formando uma camada externa protetora; células do intestino para absorver nutrientes da comida ingerida; células musculares para mover-se; neurônios e células sensoriais para controlar os movimentos. O corpo deve ter sido organizado com uma camada de pele cobrindo o exterior, uma boca para a alimentação e um tubo intestinal para reter e processar a comida – com músculos, nervos e outros tecidos arranjados no espaço entre a camada externa de pele e o tubo intestinal interno. Essas características são comuns a quase todos os animais, e elas correspondem a um esquema anatômico básico de desenvolvimento. A célula-ovo – um depósito gigante de materiais – se divide, ou se cliva, para formar muitas células menores. Estas se aderem para criar uma camada epitelial voltada para o meio externo. Uma grande parte dessa camada permanece externa, constituindo a ectoderme – o precursor da epiderme e do sistema nervoso. Uma parte da camada dobra-se em direção ao interior para formar a endoderme – o precursor do intestino e de seus órgãos acessórios, como os pulmões e o fígado. Outro grupo de células move-se para o espaço entre a ectoderme e a endoderme e forma a mesoderme – o precursor dos músculos, dos tecidos conectivos e de vários outros componentes. Essa transformação de uma simples bola, ou esfera oca de células, em uma estrutura com tubo digestivo é chamada de gastrulação (da palavra grega para “barriga”) e, de uma forma ou outra, é uma característica quase universal do desenvolvimento animal. A Figura 22-3 ilustra o processo como é visto no ouriço-do-mar. A evolução tem se diversificado, com base nos fundamentos moleculares e anatômicos que descrevemos neste capítulo, para produzir a maravilhosa variedade de espécies dos dias de hoje. Contudo, a conservação geral dos genes e dos mecanismos significa que, ao estudar o desenvolvimento de um animal, muito frequentemente são encontrados indícios gerais do

Migração de células da mesoderme (B)

(C)

(D) Endoderme começando a se invaginar Futura boca

Face ventral

(A)

(E)

Futuro esqueleto

(G)

(F)

100 ␮m

Futuro ânus

Figura 22-3 Gastrulação no ouriço-do-mar. Um ovo fertilizado divide-se para produzir uma blástula – uma esfera oca de células epiteliais circundando uma cavidade. Então, no processo de gastrulação, algumas células dobram-se para o interior para formar o intestino e outros tecidos internos. (A) Micrografia eletrônica de varredura mostrando o início da migração do epitélio. (B) Representação mostrando como um grupo de células se separa do epitélio para constituir a mesoderme. (C) Estas células migram para a face interna da parede da blástula. (D) Enquanto isso, o epitélio continua a dobrar-se para a região interna para formar a endoderme. (E e F) A endoderme invaginada estende-se em um longo tubo digestivo. (G) O final do tubo digestivo faz contato com a parede da blástula no local da futura abertura da boca. Aqui a ectoderme e a endoderme irão fusionar-se, e será formada uma abertura. (H) O plano corporal básico animal, com uma camada de ectoderme na parte exterior, um tubo de endoderme na parte de dentro e a mesoderme encaixada entre eles. (A, de R. D. Burke et al., Dev. Biol. 146:542-557, 1991. Com permissão da Academic Press; B-G, conforme L. Wolpert e T. Gustafson, Endeavour 26:85-90, 1967. Com permissão de Elsevier.)

Ectoderme

Endoderme

Boca

Ânus (H)

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Tubo digestivo

Mesoderme

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desenvolvimento de vários outros tipos de animais. Como resultado, os biólogos do desenvolvimento da atualidade, assim como os biólogos celulares, podem se dar ao luxo de estudar questões fundamentais na espécie que ofereça o caminho mais fácil para uma resposta.

Os animais multicelulares são ricos em proteínas que fazem a mediação das interações celulares e da regulação gênica O sequenciamento de genomas revela a extensão das semelhanças moleculares entre as espécies. O verme nematoide Caenorhabditis elegans, a mosca Drosophila melanogaster e o vertebrado Homo sapiens são os primeiros três animais para os quais foi obtida a sequência completa do genoma. Na árvore familiar da evolução animal, eles estão muito distantes uns dos outros: a linhagem que leva aos vertebrados divergiu daquela que leva aos nematoides, aos insetos e aos moluscos mais de 600 milhões de anos atrás. Apesar disso, quando os 20 mil genes do C. elegans, os 14 mil genes da Drosophila e os 25 mil genes dos humanos são sistematicamente comparados uns com os outros, é observado que em torno de 50% dos genes de cada uma das espécies possuem homólogos claramente reconhecíveis em uma ou nas outras duas espécies. Em outras palavras, as versões reconhecíveis de pelo menos 50% de todos os genes humanos já estavam presentes no ancestral comum dos vermes, das moscas e dos humanos. Obviamente, nem tudo é conservado: existem alguns genes com funções-chave no desenvolvimento de vertebrados que não possuem homólogos no genoma de C. elegans ou de Drosophila, e vice-versa. Entretanto, o fato de existir uma grande proporção dos 50% dos genes que não possui homólogos identificáveis em outros filos não significa, simplesmente, que as suas funções são de menor importância. Embora esses genes não-conservados sejam transcritos e bem-representados em bibliotecas de DNA complementar (cDNA), os estudos de variabilidade de sequências de DNA e de aminoácidos dentro e entre as populações naturais indicam que esses genes podem, excepcionalmente, sofrer mutações sem comprometer seriamente a adaptabilidade; quando são inativados artificialmente, as consequências não são tão severas quanto seriam no caso dos genes que possuem homólogos em espécies que apresentam relações distantes. Uma vez que estes genes são livres para evoluir rapidamente, algumas dezenas de milhões de anos podem ser suficientes para destruir qualquer semelhança familiar, ou para permitir a sua perda do genoma. Os genomas de diferentes classes de animais diferem também porque, como discutido no Capítulo 1, existem variações substanciais na extensão das duplicações gênicas: a quantidade de duplicações gênicas na evolução dos vertebrados tem sido particularmente grande; como resultado, um mamífero ou um peixe frequentemente possuem vários homólogos que correspondem a um único gene em um verme ou em uma mosca. Apesar de tais diferenças, em uma primeira análise, podemos dizer que todos esses animais possuem um conjunto semelhante de proteínas a sua disposição para as suas funções-chave. Em outras palavras, eles constroem seus corpos usando, de maneira geral, o mesmo conjunto de partes moleculares. Quais genes, então, são necessários para produzir um animal multicelular, além daqueles necessários para produzir uma única célula? A comparação dos genomas de animais com o de leveduras que se reproduzem por brotamento – um eucarioto unicelular – sugere que duas classes de proteínas são especialmente importantes para a organização multicelular. A primeira classe é a das moléculas transmembrana usadas para a adesão e a sinalização celular. Em torno de 2.000 genes de C. elegans codificam receptores de superfície celular, proteínas de adesão celular e canais iônicos que estão ausentes na levedura, ou presentes em número muito menor. A segunda classe é a das proteínas de regulação gênica: estas proteínas de ligação ao DNA são muito mais numerosas no genoma de C. elegans do que no de levedura. Por exemplo, a família básica hélice-alça-hélice possui 41 membros em C. elegans, 84 na Drosophila, 131 nos humanos e somente 7 nas leveduras, e outras famílias de reguladores da expressão gênica também são dramaticamente superexpressas nos animais, quando comparadas a leveduras. Não é surpresa, portanto, que essas duas classes de proteínas sejam centrais para a biologia do desenvolvimento: como veremos, o desenvolvimento de animais multicelulares é dominado por interações célula-célula e pela expressão gênica diferencial. Como discutido no Capítulo 7, microRNAs (miRNAs) também têm um papel significativo no controle da expressão gênica durante o desenvolvimento, mas parecem ser de importância secundária quando comparados às proteínas. Dessa forma, um embrião mutante de peixe-zebra que não expresse a proteína Dicer, que é necessária à produção de miRNAs

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funcionais, ainda iniciará o seu desenvolvimento quase normalmente, originando tipos celulares especializados e uma organização do plano corporal mais ou menos correta, antes que as anomalias se tornem severas.

O DNA regulador define o programa de desenvolvimento Um verme, uma mosca, um molusco e um mamífero compartilham muitos dos mesmos tipos celulares essenciais, e todos são dotados de uma boca, um intestino, um sistema nervoso e uma pele; contudo, além de umas poucas características básicas, eles parecem radicalmente diferentes em sua estrutura corporal. Se o genoma determina a estrutura do corpo e todos esses animais possuem esta coleção similar de genes, como podem ser tão diferentes? As proteínas codificadas no genoma podem ser vistas como os componentes de um conjunto de ferramentas de construção. Muitas coisas podem ser construídas com este conjunto, assim como um conjunto de ferramentas de construção de crianças pode ser usado para fazer caminhões, casas, pontes, guindastes, e assim por diante, pela associação dos componentes em diferentes combinações. Alguns elementos, necessariamente, vão juntos – porcas com parafusos, rodas com pneus e eixos – mas a organização em grande escala do objeto final não é definida por essas estruturas. Ao contrário, ela é definida pelas instruções que acompanham os componentes e descrevem como eles devem ser montados. Em grande parte, as instruções necessárias para produzir um animal multicelular estão contidas no DNA regulador não-codificante associado a cada gene. Como discutido no Capítulo 4, cada gene em um organismo multicelular está associado a milhares ou dezenas de milhares de nucleotídeos de DNA não-codificante. Este DNA pode conter, dispersas nele, dúzias de elementos reguladores separados ou estimuladores – pequenos segmentos de DNA que servem como sítios de ligação para complexos específicos de proteínas de regulação gênica. Em termos gerais, como explicado no Capítulo 7, a presença de um dado módulo regulador desse tipo leva à expressão do gene sempre que o complexo de proteínas que reconhecem aquele segmento de DNA esteja apropriadamente montado na célula (em alguns casos, uma inibição ou um efeito mais complicado na expressão gênica é produzido em seu lugar). Se pudéssemos decifrar o conjunto completo de módulos reguladores associados a um gene, entenderíamos todas as condições moleculares diferentes sob as quais os produtos daquele gene devem ser produzidos. Este DNA regulador pode, assim, ser considerado como o definidor do programa sequencial de desenvolvimento: as regras passam de um estado para o próximo, enquanto as células proliferam e leem suas posições no embrião pela relação com as suas adjacências, ativando novos conjuntos de genes de acordo com as atividades das proteínas que elas correntemente contêm (Figura 22-4). Variações nas próprias proteínas, obviamente, também contribuem para as diferenças entre as espécies. No entanto, mesmo que o conjunto de proteínas codificado pelo genoma se mantenha completamente inalterado, a variação no DNA regulador seria suficiente para originar tecidos e estruturas corporais radicalmente distintos. Quando comparamos espécies animais com planos corporais semelhantes – diferentes vertebrados, como um peixe, um pássaro e um mamífero, por exemplo – observamos que os genes correspondentes normalmente possuem conjuntos semelhantes de módulos reguladores: as sequências de DNA de muitos módulos individuais têm sido bem conservadas e são reconhecidas como homólogas nos diferentes animais. O mesmo é verdade se comparamos diferentes espécies de vermes nematoides ou diferentes espécies de insetos. Contudo, quando comparamos regiões reguladoras de vertebrados com aquelas de vermes ou de

Estágio embrionário 1 Gene 1 Proteína reguladora do gene

Estágio embrionário 1 Gene 2

Gene 3

TEMPO

Gene 3

TEMPO Estágio embrionário 2

Gene 2

CÉLULA NO ORGANISMO A

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Gene 2

Módulos reguladores

Estágio embrionário 2 Gene 1

Gene 1

Gene 3

Gene 1

Gene 2

Gene 3

CÉLULA NO ORGANISMO B RELACIONADO

Figura 22-4 Como o DNA regulador define a sucessão de padrões de expressão gênica no desenvolvimento. Os genomas dos organismos A e B codificam o mesmo conjunto de proteínas, porém possuem DNAs reguladores diferentes. As duas células na figura começam no mesmo estado, expressando as mesmas proteínas no estágio 1, mas passam para estados bem diferentes no estágio 2, devido ao arranjo distinto de módulos reguladores.

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moscas, é difícil ver qualquer tipo de semelhança. As sequências codificantes de proteínas são indubitavelmente semelhantes, mas as sequências correspondentes de DNA regulador mostram-se muito diferentes. Este é o resultado esperado se diferentes planos de corpo são produzidos principalmente pela alteração do programa incorporado no DNA regulador, embora retendo a maior parte do mesmo conjunto de proteínas.

A manipulação do embrião revela as interações entre as suas células

Figura 22-5 Rastreamento de linhagens celulares em embrião jovem de galinha. As figuras na fileira de cima são de baixa amplificação e mostram os embriões inteiros; as figuras abaixo são mais detalhadas, mostrando a distribuição das células marcadas. O experimento de rastreamento releva os rearranjos celulares complexos e dramáticos. (A, D) Dois pequenos pontos de marcadores fluorescentes, um vermelho e outro verde, foram utilizados para marcar pequenos grupos de células em um embrião em 20 horas de incubação. Apesar de o embrião ainda parecer uma lâmina de tecido quase sem características distintas, já existe algum grau de especialização. Os pontos foram colocados em cada um dos lados de uma estrutura chamada de nó primitivo, ou linha primitiva. (B, E) Seis horas mais tarde, algumas das células marcadas permanecem no nó primitivo (que se moveu para trás), causando um ponto de fluorescência no local, enquanto outras começaram a se mover para a frente, em relação ao nó primitivo. (C, F) Após mais oito horas, o plano corporal é claramente visível, com a cabeça na extremidade anterior (no topo), um eixo central e fileiras de segmentos corporais embrionários, denominados somitos, nos dois lados do corpo. O nó primitivo regrediu ainda mais em direção à cauda; algumas das células marcadas originalmente permanecem no nó primitivo, formando um ponto brilhante de fluorescência, enquanto outras migraram para posições mais anteriores e se tornaram parte dos somitos. (Cortesia de Raquel Mendes e Leonor Saúde.)

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Confrontado com um animal adulto, em toda a sua complexidade, como alguém começa a analisar o processo que o trouxe à vida? A primeira etapa essencial é descrever as alterações anatômicas – os padrões de divisão celular, de crescimento e de movimento que convertem o ovo em um organismo maduro. Este é o trabalho da embriologia descritiva, sendo mais difícil do que se poderia pensar. Para explicar o desenvolvimento em termos de comportamento celular, precisamos ser capazes de rastrear as células individuais acompanhando suas divisões celulares, transformações e migrações no embrião. As bases da embriologia descritiva foram apresentadas no século XIX, mas a tarefa mais refinada de rastreamento das linhagens celulares continua a por à prova a ingenuidade dos biólogos do desenvolvimento (Figura 22-5). Dada uma descrição, como se pode ir além e descobrir os mecanismos causais? Tradicionalmente, os embriologistas experimentais têm tentado entender o desenvolvimento em termos das maneiras pelas quais as células e os tecidos interagem para gerar a estrutura multicelular. Os geneticistas do desenvolvimento, enquanto isso, têm tentado analisar o desenvolvimento em termos das ações dos genes. Essas duas estratégias são complementares e convergiram para produzir o nosso conhecimento atual. Na embriologia experimental, as células e os tecidos de animais em desenvolvimento são removidos, rearranjados, transplantados ou crescidos em isolamento, de modo a descobrir como eles influenciam um ao outro. Os resultados são, com frequência, surpreendentes: um embrião inicial cortado pela metade, por exemplo, pode produzir dois animais completos e perfeitamente formados, ou um pequeno pedaço de um tecido transplantado para um novo local pode reorganizar toda a estrutura do corpo em desenvolvimento (Figura 22-6). Observações desse tipo podem ser aprofundadas e aperfeiçoadas para decifrar as interações

(A)

(B)

(C)

(D)

(E)

(F)

1 mm

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(A)

(B)

Transplante de um pequeno grupo de células em um embrião hospedeiro Um embrião de 2 células dividido quase ao meio por um grampo de cabelo

básicas célula-célula e as regras do comportamento celular. Os experimentos são mais fáceis de serem realizados em grandes embriões que sejam prontamente acessíveis para microcirurgias. Assim, as espécies mais usadas têm sido as aves – especialmente a galinha – e os anfíbios – particularmente a rã africana Xenopus laevis.

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Figura 22-6 Alguns resultados surpreendentes obtidos pela embriologia experimental. Em (A), um embrião anfíbio inicial é dividido praticamente em duas partes com um grampo de cabelo. Em (B), um embrião de anfíbio em um estágio um pouco mais tardio recebe um enxerto de um pequeno conjunto de células de outro embrião naquele estágio. As duas operações, bem-diferentes, induzem um único embrião a desenvolver-se em um par de gêmeos ligados (siameses). É também possível no experimento (A) dividir o embrião inicial em duas metades completamente separadas; dois girinos bem-formados inteiramente separados são então produzidos. (A, segundo H. Spemann, Embryonic Development and Induction. New Haven: Yale University Press, 1938; B, Segundo J. Holtfreter e V. Hamburger, in Analysis of Development [B.H. Willier, P. A. Weiss e V. Hamburger, eds.], p. 230-296. Philadelphia: Saunders, 1955.)

Os estudos de animais mutantes identificam os genes que controlam os processos do desenvolvimento A genética do desenvolvimento inicia-se com o isolamento de animais mutantes cujo desenvolvimento é anormal. Isso geralmente envolve uma sondagem genética, como descrito no Capítulo 8. Os animais parentais são tratados com um mutagênico químico ou com uma radiação ionizante para induzir mutações nas suas células germinativas, e grandes números da sua progênie são examinados. Os raros mutantes que mostram alguma anormalidade interessante no desenvolvimento – desenvolvimento alterado do olho, por exemplo – são selecionados para um estudo mais aprofundado. Dessa maneira, é possível descobrir os genes que são especificamente necessários ao desenvolvimento normal de qualquer característica escolhida. Pela clonagem e pelo sequenciamento de um gene encontrado dessa maneira, é possível identificar o seu produto proteico, investigar como ele funciona e começar uma análise do DNA regulador que controla a sua expressão. A estratégia genética é mais fácil em pequenos animais com tempos de geração curtos que podem crescer em laboratório. O primeiro animal a ser estudado desse modo foi a mosca-das-frutas Drosophila melanogaster, a qual será estudada extensivamente a seguir. Contudo, a mesma estratégia tem sido bem sucedida no verme nematoide, Caenorhabditis elegans, no peixe-zebra, Danio rerio, e no camundongo, Mus musculus. Embora os humanos não sejam intencionalmente mutagenizados, eles são sondados para anormalidades em números enormes pelo sistema médico de saúde. Muitas mutações em humanos causam anormalidades compatíveis com a vida, e as análises dos indivíduos afetados e das suas células fornecem indícios importantes sobre os processos do desenvolvimento.

Uma célula toma as decisões sobre o seu desenvolvimento muito antes de mostrar uma mudança visível Por um simples olhar atento, ou com o auxílio de marcadores fluorescentes e outras técnicas de marcação celular, pode-se descobrir qual será o destino de determinada célula em um embrião, caso seja permitido a ele desenvolver-se normalmente. A célula pode ter como destino morrer, por exemplo, ou tornar-se um neurônio, ser parte de um órgão, como o pé, ou dar origem a uma progênie de células distribuídas por todo o corpo. Conhecer o destino celular, nesse sentido, entretanto, é saber quase nada a respeito da característica intrínseca da célula. Em um extremo, a célula que é destinada a tornar-se, digamos, um neurônio pode já estar especializada de uma maneira que garanta que ela se tornará um neurônio, não impor-

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Figura 22-7 O teste-padrão para a determinação celular.

Doador

Doador

Transplante

Transplante

Antes de iniciar a diferenciação Hospedeiro

Hospedeiro

NÃO-DETERMINADO

DETERMINADO

Após iniciar a diferenciação DESTINO NORMAL

tando o quanto o seu ambiente seja alterado; tal célula é considerada como determinada para o seu destino. No extremo oposto, a célula pode ser bioquimicamente idêntica a outras células fadadas a outros destinos, sendo a sua posição acidental a única diferença entre elas, o que expõe as células a influências futuras distintas. O estado de determinação de uma célula pode ser testado transplantando-a para ambientes alterados (Figura 22-7). Uma das conclusões-chave da embriologia experimental tem sido que, graças à memória celular, uma célula pode tornar-se determinada muito antes de mostrar algum sinal externo óbvio de diferenciação. Entre os extremos de total determinação e completa indeterminação celular, há um amplo espectro de possibilidades. Uma célula pode, por exemplo, já estar levemente especializada para o seu destino normal, com uma forte tendência para desenvolver-se naquela direção, mas ainda capaz de alterar-se e ter um destino diferente, se colocada em um ambiente suficientemente coercivo. (Alguns biólogos do desenvolvimento descreveriam esta célula como especificada ou comprometida, mas ainda não determinada.) Ou a célula pode estar determinada, digamos, como uma célula cerebral, mas ainda não determinada quanto a ser um componente neuronal ou glial do cérebro. E, frequentemente, parece que células adjacentes do mesmo tipo interagem e dependem de suporte mútuo para manter suas características especializadas, de maneira que elas irão comportar-se como determinadas se mantidas juntas em um agrupamento, mas não determinadas se colocadas sozinhas e isoladas de suas companhias usuais.

Broto da perna

Broto da asa

Porção de tecido da mesoderme que formaria estruturas da coxa

Tecido presumivelmente da coxa, enxertado na ponta do broto da asa

Dedos do pé com Parte superior da garras terminais asa e antebraço Asa resultante

Figura 22-8 Provável tecido de coxa enxertado na ponta de um broto de asa de galinha, formando dedos do pé. (Segundo J.W. Saunders et al., Dev. Biol. 1:281-301, 1959. Com permissão da Academic Press.)

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As células relembram valores posicionais que refletem a sua localização no corpo Em muitos sistemas, muito antes de as células comprometerem-se com a diferenciação em um tipo celular específico, tornam-se regionalmente determinadas: ou seja, ativam e mantêm a expressão de genes que podem ser considerados como marcadores de posição ou de região do corpo. Esta característica posição-específica de uma célula é chamada de valor posicional e mostra seus efeitos na maneira como a célula se comporta em etapas subsequentes da formação dos padrões. O desenvolvimento da perna e da asa de galinha fornece um exemplo impressionante. Ambas, a perna e a asa do adulto, consistem em músculos, ossos, pele e assim por diante – quase exatamente a mesma gama de tecidos diferenciados. A diferença entre os dois membros não reside nos tipos de tecidos, mas na maneira como estes tecidos estão arranjados no espaço. Como, então, essa diferença ocorre? No embrião da galinha, a perna e a asa originam-se quase ao mesmo tempo, na forma de pequenos brotos no formato de língua que se projetam do flanco. As células nos dois pares de brotos dos membros parecem semelhantes e uniformemente indiferenciadas em um primeiro momento. Contudo, um simples experimento mostra que essa aparente semelhança é enganosa. Um pequeno bloco de tecido indiferenciado na base do broto da perna, da região que normalmente daria origem à coxa, pode ser cortado e enxertado na ponta do broto da asa. Surpreendentemente, o enxerto não dá origem à parte apropriada de ponta de asa, nem a um pedaço de tecido de coxa no local errado, mas a um dedo do pé (Figura 22-8). Esse experimento mostra que as células do broto da perna já estão previamente deter-

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Tbx5

Broto da asa Broto da perna

Tbx4

Pitx1

1 mm

minadas como perna, mas ainda não irrevogavelmente comprometidas para vir a ser uma parte particular da perna: elas ainda podem responder a sinais no broto da asa, de maneira que formam estruturas apropriadas para a ponta do membro, em vez da base. O sistema de sinalização que controla as diferenças entre as partes do membro é, aparentemente, o mesmo para a perna ou para a asa. A diferença entre os dois membros resulta da diferença nos estados internos das suas células no início do desenvolvimento dos membros. A diferença do valor posicional entre as células dos membros anteriores e as células dos membros posteriores dos vertebrados parece ser um reflexo da expressão diferencial de um conjunto de genes, que codificam proteínas de regulação gênica que são responsáveis por fazer com que as células nos dois brotos de membros se comportem de maneiras distintas (Figura 22-9). Mais tarde, neste capítulo, explicaremos como o próximo nível, mais detalhado, de formação de padrões é determinado em um broto individual de um membro.

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Figura 22-9 Embriões de galinha aos seis dias de incubação, mostrando os brotos dos membros marcados por hibridização in situ com sondas para detecção da expressão dos genes Tbx4, Tbx5 e Pitx1, todos codificando proteínas de regulação gênica relacionadas. As células que expressam Tbx5 irão formar uma asa; as células que expressam Tbx4 e Pitx1 formarão uma perna. Pitx1, quando expresso de forma errônea no broto da asa, faz com que o membro desenvolva características de uma perna. (Cortesia de Malcolm Logan.)

Sinais indutivos podem criar diferenças ordenadas entre células inicialmente idênticas Em cada estágio do seu desenvolvimento, a célula de um embrião é exposta a um conjunto limitado de opções de acordo com o seu estado: a célula percorre uma via de desenvolvimento que se ramifica repetidamente. A cada ramificação nesta via, ela deve fazer uma escolha, e esta sequência de escolhas determina seu destino final. Dessa forma, um complexo grupo de tipos celulares distintos é produzido. Para compreender o desenvolvimento, precisamos saber como cada escolha entre as possíveis opções é controlada, e como estas opções dependem das escolhas feitas previamente. Para reduzir esta questão a sua forma mais simples: como duas células com o mesmo genoma, mas separadas no espaço, tornam-se diferentes? A maneira mais eficaz de tornar células diferentes é expô-las a diferentes condições ambientais, e os sinalizadores ambientais mais importantes que atuam sobre as células de um embrião são aqueles advindos das células adjacentes. Dessa forma, no modo de formação de padrões provavelmente mais comum, um grupo de células inicialmente apresenta o mesmo potencial de desenvolvimento, e um sinal originado fora deste grupo de células faz com que um ou mais membros deste grupo tome uma via de desenvolvimento distinta, causando uma alteração nas suas características. Este processo é chamado de interação indutiva. Geralmente, o sinal é limitado no tempo e no espaço, de forma que apenas um subconjunto de células competentes – aquelas mais próximas da fonte do sinal adquira o caráter induzido (Figura 22-10). Alguns sinais indutores são de curto alcance – em especial aqueles transmitidos por contatos célula-célula; outros são de longo alcance, mediados por moléculas que podem se difundir pelo meio extracelular. O grupo de células inicialmente semelhantes competentes para responder ao sinal é às vezes chamado de grupo de equivalência ou campo morfogenético. Ele pode consistir em apenas duas, ou em milhares de células, e qualquer fração deste total pode ser induzida, dependendo da intensidade e da distribuição do sinal.

Sinal indutivo

Células-irmãs podem nascer diferentes por uma divisão celular assimétrica A diversificação celular nem sempre precisa depender de sinais extracelulares: em alguns casos, células-irmãs nascem diferentes como resultado de uma divisão celular assimétrica, em que conjuntos significativos de moléculas são divididos de maneira desigual entre as

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Células direcionadas para uma nova via de desenvolvimento

Figura 22-10 Sinalização indutiva.

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Figura 22-11 Os dois modos de tornar células-irmãs diferentes.

1. Divisão assimétrica: as células-irmãs nascem diferentes

2. Divisão simétrica: as células-irmãs se tornam diferentes como resultado das influências que atuam sobre elas após o seu nascimento

duas células no momento da divisão. Esta segregação assimétrica de moléculas (ou conjuntos de moléculas) atua como determinante para um dos destinos celulares pela alteração direta ou indireta do padrão de expressão gênica na célula-filha que a contém (Figura 22-11). As divisões assimétricas são particularmente comuns no início do desenvolvimento, quando o ovo fertilizado divide-se para originar células-filhas com destinos diferentes, mas elas também ocorrem em estágios mais tardios – na gênese das células nervosas, por exemplo.

A retroalimentação positiva pode originar assimetria onde não havia antes A sinalização indutiva e a divisão celular assimétrica representam duas estratégias distintas para a criação de diferenças entre as células. Ambas, no entanto, pressupõem uma assimetria preexistente no sistema: a fonte do sinal indutivo deve estar localizada de forma que algumas células recebem o sinal forte e outras não; ou a célula-mãe já deve apresentar uma assimetria interna antes de se dividir. Muito frequentemente, o histórico do sistema assegura que alguma assimetria estará presente. Contudo, o que acontece se não estiver, ou se a assimetria inicial for apenas sutil? A resposta reside na retroalimentação positiva: pela retroalimentação positiva, um sistema que inicialmente era homogêneo e simétrico pode criar padrões espontaneamente, mesmo quando não houver um sinal externo organizado. E nos casos onde, como geralmente ocorre, o ambiente ou as condições iniciais imponham uma assimetria inicial fraca mas definitiva, a retroalimentação positiva provê os meios necessários para amplificar a assimetria e criar um padrão de desenvolvimento. Para ilustrar a ideia, considere um par de células adjacentes que iniciam em um estado similar e podem trocar sinais para influenciar o comportamento uma da outra (Figura 22-12). Quanto mais qualquer uma das células produzir o mesmo produto X, mais ela vai sinalizar para a célula vizinha que iniba sua produção de X. Este tipo de interação célula-célula é chamado de inibição lateral e origina um ciclo de retroalimentação positiva que tende a amplificar qualquer diferença inicial entre as duas células. Esta diferença pode ser originada por condições impostas por algum fator externo anterior, ou simplesmente por flutuações aleatórias espontâneas, ou “ruído” – uma característica inevitável do circuito do controle genético nas células, conforme discutido no Capítulo 7. Em qualquer um dos casos, a inibição lateral significa que, se a célula #1 sintetizar um pouco mais de X, ela fará com que a célula #2 sintetize menos; e como a célula #2 faz menos X, ela causa uma menor inibição na célula #1, o que permite que a quantidade de X na célula #1 aumente ainda mais; e assim sucessivamente, até que um estado de equilíbrio seja atingido, onde a célula #1 contém grandes quantidades de X e a célula #2 contém muito pouco.

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X X

X X

X X X X

Uma flutuação transiente cria uma pequena assimetria.

X X X X X X

X

X

X X

X

X

X X X X X X

RETROALIMENTAÇÃO POSITIVA A assimetria é autoamplificada. X X X X X X X X XX X

X

X

X X XX X X X X X X X

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Figura 22-12 Origem da assimetria pela retroalimentação positiva. Neste exemplo, duas células interagem, cada uma produzindo uma substância X que atua na outra célula, inibindo a produção de X, um efeito conhecido como inibição lateral. Um aumento na produção de X em uma das células leva a uma retroalimentação positiva que tende a aumentar a produção de X nesta mesma célula, enquanto diminui a quantidade de X na célula vizinha. Isto pode originar uma instabilidade crescente, tornando as duas células radicalmente distintas. Por fim, o sistema se estabiliza em um dos dois estados opostos. A escolha final do estado representa uma forma de memória: uma pequena influência que inicialmente direcionou uma escolha não é mais necessária para manter o estado final estável.

ESTABILIDADE DUPLA Os estados finais alternativos tudo-ou-nada representam uma memória estável.

Análises matemáticas mostram que este fenômeno depende da força do efeito da inibição lateral: se ela for muito fraca, as flutuações irão desaparecer e não haverá efeito durador; mas se ela for forte e duradoura o suficiente, o efeito será autoamplificado de forma constante, rompendo a simetria inicial entre as duas células. A inibição lateral, frequentemente mediada pela troca de sinais nos pontos de contato célula-célula através da via de sinalização de Notch (como discutido no Capítulo 15), é um mecanismo comum de diversificação celular em tecidos animais, fazendo com que células adjacentes se especializem de formas diferentes.

A retroalimentação positiva gera padrões, cria resultados tudo-ou-nada e provê memória Processos similares de retroalimentação positiva podem operar sobre conjuntos maiores de células para originar diversos tipos de padrões espaciais. Por exemplo, uma substância A (um ativador de curto alcance) pode estimular sua própria produção nas células que a contenham e nas células adjacentes, enquanto pode também estimulá-las a produzir um sinal H (um inibidor de longo alcance) que se difunde amplamente e inibe a produção de A nas células localizadas a grandes distâncias. Se todas as células partirem de um estado inicial igual, mas um grupo de células ganhar certa vantagem pela produção um tanto maior de A do que o restante das células, a assimetria pode ser autoamplificada. A ativação de curto alcance, combinada desta forma à inibição de longo alcance, pode colaborar para a formação de grupos de células que se tornem especializadas como centros sinalizadores localizados, em um tecido inicialmente homogêneo. No polo oposto do espectro de magnitude, a retroalimentação positiva também pode ser o meio pelo qual as células individuais se tornam espontaneamente polarizadas e internamente assimétricas, por meio de sistemas de sinalização intracelular que tornam um sinal assimétrico inicial capaz de autoamplificação. Por meio destas e de muitas outras variações sobre o tema da retroalimentação positiva, alguns princípios gerais se aplicam. Em cada um dos exemplos anteriores, a retroalimentação positiva leva ao rompimento da simetria e a um fenômeno tudo-ou-nada. Se a retroalimentação estiver abaixo de um certo limiar de força, as células se mantêm essencialmente no mesmo estado; se a retroalimentação estiver acima do limiar, elas se tornam muito diferentes. Acima deste limiar, o sistema tem estabilidade dupla ou é multiestável – ele se desloca na direção de um ou outro resultado final, dentre os dois ou mais resultados possíveis altamente distintos, de acordo com qual das células (ou qual dos polos de uma única célula) ganhou a vantagem inicial. A escolha entre resultados finais alternativos pode ser determinada por sinais externos que conferem a uma das células uma pequena vantagem inicial. Contudo, uma vez que a

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retroalimentação positiva tenha feito o seu trabalho, este sinal externo se torna irrelevante. O rompimento da simetria, uma vez estabelecido, é muito difícil de ser revertido: a retroalimentação positiva faz com que o estado assimétrico escolhido seja autossustentado, mesmo quando o sinal inicial tenha desaparecido. Dessa forma, a retroalimentação positiva provê ao sistema uma memória dos sinais passados. Todos estes efeitos da retroalimentação positiva – rompimento da simetria, resultados tudo-ou-nada, estabilidade dupla e memória – andam lado a lado e são encontrados repetidas vezes no desenvolvimento dos organismos. Estes efeitos são fundamentais para a origem de padrões estáveis e fortemente delineados nas células em diferentes estados.

Um pequeno conjunto de vias de sinalização, utilizado repetidamente, controla o padrão de desenvolvimento Quais, então, são as moléculas que atuam como sinais para coordenar a formação espacial de padrões em um embrião, seja para dar origem à assimetria de novo, ou para agir como indutores dos centros de sinalização estabelecidos para controlar a diversificação das células adjacentes? Em princípio, qualquer tipo de molécula extracelular poderia servir. Na prática, a maioria dos eventos indutivos conhecidos no desenvolvimento animal é governada por apenas uma família de proteínas de sinalização altamente conservadas, que são utilizadas repetidamente em contextos diferentes. A descoberta deste vocabulário limitado que as células utilizam para comunicação durante o processo de desenvolvimento ocorreu nos últimos 10 a 20 anos como uma das grandes descobertas simplificadoras da biologia do desenvolvimento. Na Tabela 22-1, revisamos brevemente as seis principais famílias de proteínas de sinalização que atuam repetidamente como indutoras do desenvolvimento animal. Detalhes dos mecanismos intracelulares através dos quais estas moléculas atuam são encontrados no Capítulo 15. O resultado final da maioria dos eventos de indução é uma alteração na transcrição do DNA na célula que responde ao sinal: alguns genes são ativados e outros são inibidos. Diferentes moléculas sinalizadoras ativam diferentes tipos de proteínas reguladoras de genes. Além disso, o efeito de ativação de uma proteína reguladora de genes irá depender de quais outras proteínas reguladoras de genes também estiverem presentes em uma célula, uma vez que elas atuam em conjunto. Como resultado, diferentes tipos celulares em geral responderão de maneiras diferentes a um mesmo sinal, e células iguais frequentemente irão responder de maneiras diferentes a um mesmo sinal que seja iniciado em tempos distintos. A resposta dependerá de quais outras proteínas reguladoras de genes estiverem presentes antes da chegada do sinal – refletindo a memória celular dos sinais recebidos previamente, e de quais outros sinais a célula está recebendo no momento corrente.

Morfógenos são indutores de longo alcance que exercem efeitos graduados Moléculas-sinal frequentemente parecem coordenar uma escolha simples tipo sim ou não: um efeito quando sua concentração é alta e outro quando sua concentração é baixa. A retro-

Tabela 22-1 Algumas proteínas-sinal são utilizadas repetidamente como indutoras do desenvolvimento animal INIBIDORES/MODULADORES EXTRACELULARES

VIA DE SINALIZAÇÃO

FAMÍLIA DE LIGANTES

FAMÍLIA DE RECEPTORES

Receptor tirosina- cinase (RTK)

EGF FGF (Branchless) Efrinas TGF␤ BMP (Dpp) Nodal Wnt (Wingless) Hedgehog Delta

Receptores EGF Receptores FGF (Breathless) Receptores Eph Receptores TGF␤ Receptores BMP

Argos

Frizzled Patched, Smoothened Notch

Dickkopf, Cerberus

Superfamília TGF␤

Wnt Hedgehog Notch

chordin (Sog), noggin

Fringe

Apenas alguns exemplos representativos de cada classe de proteínas são listados – principalmente aqueles que são mencionados neste Capítulo. Nomes particulares para Drosophila são mostrados entre parênteses. Muitos dos componentes listados apresentam diversos homólogos distinguidos por números (FGF1, FGF2, etc.) ou por nomes compostos (Sonic hedgehog, Lunatic fringe). Outras vias de sinalização, incluindo as vias JAK/STAT, receptores nucleares de hormônios e receptores associados à proteína G, também desempenham um papel importante em alguns processos de desenvolvimento.

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(A)

Figura 22-13 Sonic hedgehog como um morfógeno no desenvolvimento dos membros de galinhas. (A) A expressão do gene Sonic hedgehog em um embrião de galinha de quatro dias, mostrada por hibridização in situ (vista dorsal do tronco no nível dos brotos das asas). O gene é expresso na linha média do corpo e na borda posterior (a região polarizada) de cada um dos brotos das asas. A proteína Sonic hedgehog espalha-se a partir destas fontes. (B) Desenvolvimento normal da asa. (C) Um enxerto de tecido da região polarizada causa uma duplicação especular do padrão da asa do hospedeiro. Acredita-se que o tipo de dígito que se desenvolve seja coordenado pela concentração local da proteína Sonic hedgehog; tipos diferentes de dígitos (marcados 2, 3 e 4) formam-se de acordo com sua distância de uma fonte de Sonic hedgehog. (A, cortesia de Randall S. Johnson e Robert D. Riddle.)

500 ␮m

ANTERIOR

2

Desenvolve-se em Região polarizada do broto da asa

3

POSTERIOR (B)

4 ANTERIOR

4

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3

Desenvolve-se em 2 2 POSTERIOR Região polarizadora retirada do broto da asa doador e enxertada na região anterior do broto da asa do hospedeiro

4

3

(C)

alimentação positiva faz com que as células respondam de forma tudo-ou-nada, de maneira que um resultado é obtido quando o sinal está abaixo de um dado valor crítico, e outro resultado quando está acima deste valor. Em muitos casos, no entanto, as respostas têm um ajuste mais fino: uma alta concentração pode, por exemplo, direcionar as células-alvo para uma via de desenvolvimento, uma concentração intermediária para uma outra via, e baixas concentrações podem induzir estas células a uma outra via possível. Um caso importante é aquele em que a molécula-sinal difunde-se a partir de um centro de sinalização localizado, criando um gradiente de concentração de sinal. As células a diferentes distâncias da fonte são direcionadas a comportarem-se em uma grande variedade de maneiras diferentes, de acordo com a concentração do sinal que elas recebem. Assim, uma molécula-sinal que impõe um padrão em um amplo campo de células é chamada de morfógeno. Os membros dos vertebrados fornecem um exemplo notável: um grupo de células em um lado do broto do membro embrionário pode se tornar especializado como um centro sinalizador e secretar a proteína Sonic hedgehog – um membro da família Hedgehog de moléculas–sinal. Esta proteína espalha-se a partir de sua fonte, formando um gradiente de morfógenos que controla as características das células ao longo do eixo polegar-para-dedo mínimo do broto do membro. Se um grupo adicional de células sinalizadoras é enxertado no lado oposto do broto, uma duplicação especular do padrão de dígitos é produzida (Figura 22-13).

Os inibidores extracelulares de moléculas-sinal moldam a resposta ao indutor Especialmente para as moléculas que podem atuar à distância, é importante limitar a ação do sinal, assim como produzi-lo. A maioria das proteínas–sinal do desenvolvimento possui antagonistas extracelulares que podem inibir a sua função. Estes antagonistas geralmente são proteínas que se ligam ao sinal ou seu receptor, impedindo que ocorra uma interação produtiva.

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Figura 22-14 Duas maneiras de criar um gradiente de morfógenos. (A) Pela produção localizada de um indutor – um morfógeno – que se difunde a partir da sua origem. (B) Pela produção localizada de um inibidor que se difunde a partir da sua origem e bloqueia a ação de um indutor uniformemente distribuído.

Fonte do indutor

Indutor distribuído uniformemente

Gradiente do indutor se estendendo ao longo do conjunto de células (A) Inibidor distribuído em um gradiente

Fonte do inibidor

Gradiente resultante da atividade do indutor (B)

Um número surpreendentemente grande de decisões no desenvolvimento é, na verdade, regulado por inibidores e não pela molécula-sinal primária. O sistema nervoso em um embrião de rã origina-se de um conjunto de células que é competente para formar tanto tecido neuronal quanto epiderme. Um tecido indutor libera a proteína chordin, a qual favorece a formação do tecido neuronal. A chordin não possui receptor próprio. Em vez disso, ela é um inibidor de proteínas–sinal da família BMP/TGF␤, que induzem o desenvolvimento da epiderme e estão presentes por toda a região neuroepitelial onde os neurônios e a epiderme se formam. A indução do tecido neuronal é devida a um gradiente inibidor de um sinal antagonista (Figura 22-14).

Os sinais de desenvolvimento podem se espalhar através de um tecido de diferentes maneiras Acredita-se que muitos sinais de desenvolvimento se espalhem pelos tecidos por difusão simples através dos espaços entre as células. Se um grupo especializado de células produz uma molécula-sinal em taxas constantes, e este morfógeno é então degradado conforme se afasta desta fonte, um gradiente discreto será formado, com o ponto máximo na fonte. A velocidade de difusão e a meia-vida do morfógeno determinarão juntas a extensão do gradiente (Figura 22-15). Este mecanismo simples pode ser modificado de diversas maneiras para ajustar a forma e a extensão do gradiente. Receptores na superfície das células ao longo do caminho podem Figura 22-15 Estabelecimento de um gradiente de sinal por difusão. O gráfico mostra estágios sucessivos do estabelecimento da concentração de uma molécula-sinal produzida a taxas constantes na origem, com a produção começando no tempo 0. A molécula sofre degradação conforme se difunde da fonte, criando um gradiente de concentração com o pico na fonte. Os gráficos foram calculados com a premissa de que a difusão ocorre ao longo de um eixo no espaço, de que a molécula tem uma meia-vida (t1/2) de 20 minutos, e de que ela se difunde com a constante de difusão D = 0,4 Mm2hr-1, parâmetros típicos para uma proteína pequena (30 kDa) em água. Note que o gradiente já está próximo do estado de equilíbrio com o tempo de uma hora e que a concentração no estado de equilíbrio (nos tempos maiores) diminui exponencialmente com a distância.

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Fonte do morfógeno

t = tempo decorrido do ponto inicial 0,5 t = 160 min 0,4 0,3

t = 80 min t = 40 min t = 20 min t = 10 min t = 5 min

0,2 0,1

0

0,5

1,0 1,5 2,0 Distância da fonte (mm)

2,5

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capturar o morfógeno e promover a sua endocitose e degradação, diminuindo sua meia-vida efetiva. Ou ele pode se ligar a moléculas da matriz extracelular, reduzindo a sua taxa de difusão efetiva. Em alguns casos, é como se o morfógeno fosse captado pelas células por endocitose e depois liberado novamente, apenas para ser captado e liberado por outras células, de forma que o sinal se espalha através de uma longa via intracelular. Há ainda um outro mecanismo para a distribuição de sinal que depende de longos e finos filipódeos, ou citonemas, que se estendem por distâncias equivalentes a muitas vezes o diâmetro celular em alguns tecidos do epitélio. Uma célula pode enviar citonemas para fazer contato com outra célula distante, tanto para entregar quanto para receber um sinal desta célula. Dessa forma, por exemplo, uma célula pode realizar inibição lateral através da via Notch em um grande conjunto de células adjacentes.

Os programas que são intrínsecos a uma célula frequentemente definem o curso de tempo do seu desenvolvimento Sinais como os que acabamos de discutir desempenham um grande papel no controle do tempo dos eventos de desenvolvimento, mas seria errado imaginar que toda a mudança no desenvolvimento necessita de um sinal indutor para desencadeá-la. Muitos dos mecanismos que alteram características celulares são intrínsecos das células e não necessitam de sinais do ambiente celular: a célula progredirá no seu programa de desenvolvimento mesmo quando mantida em um ambiente constante. Existem muitos casos em que alguém poderia suspeitar de que algo deste tipo está ocorrendo no controle da duração do processo de desenvolvimento. Por exemplo, em um camundongo, as células progenitoras neuronais no córtex cerebral continuam a dividir-se e a gerar neurônios por somente 11 ciclos celulares, e no macaco, por aproximadamente 28 ciclos, após os quais elas param. Diferentes tipos de neurônios são gerados em estágios distintos desse programa, sugerindo que, à medida que a célula progenitora envelhece, ela altera as especificações que fornece para as células da progênie em diferenciação. No contexto de um embrião intacto, é difícil provar que tal curso de eventos é estritamente o resultado de um processo celular autônomo marcador de tempo, uma vez que o ambiente celular está se alterando. Os experimentos com células em cultura, entretanto, fornecem evidências claras. Por exemplo, as células progenitoras da glia isoladas do nervo óptico de um rato, sete dias após o nascimento, e cultivadas sob condições constantes em um meio apropriado irão manter a proliferação por um tempo estritamente limitado (correspondente a um máximo de aproximadamente oito divisões celulares) e então irão diferenciar-se em oligodendrócitos (as células da glia que formam as bainhas de mielina ao redor dos axônios no cérebro), obedecendo a um padrão de tempo semelhante ao que elas teriam seguido se tivessem sido deixadas no seu lugar no embrião. Os mecanismos moleculares responsáveis por estas alterações lentas nas condições internas da célula, realizadas no curso de dias, semanas, meses e mesmo anos, ainda não são conhecidos. Uma possibilidade é que eles reflitam mudanças progressivas no estado da cromatina (discutido no Capítulo 4). Os mecanismos que controlam a escala de tempo de processos mais rápidos, apesar de ainda pouco conhecidos, não são um mistério. Mais adiante, discutiremos um exemplo – o oscilador de expressão gênica, conhecido como relógio de segmentação, que coordena a formação de somitos em embriões de vertebrados – os rudimentos das séries de vértebras, costelas e músculos associados.

Enquanto o embrião cresce, os padrões iniciais são estabelecidos em pequenos grupos de células e refinados por indução sequencial Os sinais que organizam o padrão espacial de um embrião em geral atuam sobre distâncias curtas e governam escolhas relativamente simples. Um morfógeno, por exemplo, normalmente atua sobre uma distância de menos de 1 mm – uma distância efetiva para difusão (ver Figura 22-15) – e direciona escolhas entre não mais do que uma porção de opções de desenvolvimento para as células nas quais ele atua. Contudo, os órgãos que eventualmente se desenvolvem são muito maiores e mais complexos do que isso. A proliferação celular que se segue à especificação inicial é responsável pelo aumento em tamanho, enquanto que o refinamento do padrão inicial é explicado por uma série de induções locais que acrescentam níveis sucessivos de detalhes em um esboço inicialmen-

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Figura 22-16 Formação de padrões por indução sequencial. Uma série de interações indutoras pode gerar muitos tipos celulares, iniciando a partir de somente alguns.

A

A A C é induzido pelo sinal de B atuando sobre A B

C

D e E são induzidos pelo sinal de C atuando em A e B, respectivamente

D C E

B B

te simples. Assim que dois tipos de células estão presentes, uma delas pode produzir um fator que induza um subconjunto de células vizinhas a se especializarem em uma terceira via. O terceiro tipo celular pode, por sua vez, sinalizar em resposta aos outros dois tipos celulares próximos, gerando um quarto e um quinto tipo celular, e assim por diante (Figura 22-16). Esta estratégia para a geração de um padrão progressivamente mais complicado é chamada de indução sequencial. É principalmente por meio de induções sequenciais que a estrutura do corpo de um animal em desenvolvimento, após ser primeiramente esboçada em miniatura, torna-se elaborada em detalhes progressivamente mais finos, enquanto o desenvolvimento prossegue. Nas seções que se seguem, focalizaremos em uma pequena seleção de organismos-modelo para ver como os princípios que citamos nesta primeira seção operam na prática. Começaremos com o verme nematoide, Caenorhabditis elegans.

Resumo As alterações óbvias no comportamento celular que observamos enquanto um organismo multicelular desenvolve-se são os sinais exteriores de uma complexa computação molecular, dependente da memória celular que está ocorrendo dentro das células enquanto elas recebem e processam os sinais de suas vizinhas e emitem sinais em resposta. O padrão final dos tipos celulares diferenciados é, dessa forma, o resultado de um programa mais oculto de especialização celular – um programa extensivamente utilizado na alteração dos padrões de expressão por proteínas de regulação gênica, dando a uma célula potencialidades diferentes das outras muito antes de a diferenciação terminal começar. Os biólogos do desenvolvimento procuram decifrar o programa oculto e relacioná-lo, por meio de experimentos genéticos e microcirúrgicos, aos sinais que as células trocam enquanto elas proliferam, interagem e movem-se. Animais tão diferentes como vermes, moscas e humanos usam conjuntos semelhantes de proteínas para controlar o seu desenvolvimento, de maneira que o que descobrimos em um organismo frequentemente fornece informações sobre os outros. Um grupo de vias de sinalização célula-célula evolutivamente conservadas é usado repetitivamente, em diferentes organismos e em tempos distintos, para regular a criação de um padrão multicelular organizado. As diferenças no plano corporal parecem surgir em grande parte de diferenças no DNA regulador associado a cada gene. Este DNA desempenha uma função central na definição do programa sequencial de desenvolvimento, colocando genes em ação em tempos e em locais específicos, de acordo com o padrão de expressão gênica que estava presente em cada célula no estágio de desenvolvimento anterior. As diferenças entre as células de um embrião surgem de várias maneiras. A retroalimentação positiva pode levar ao rompimento da simetria, criando uma diferença marcante e constante entre células inicialmente quase idênticas. Células-irmãs podem nascer diferentes como resultado de uma divisão celular assimétrica. Ou um grupo de células inicialmente semelhantes pode ser exposto a diferentes sinais indutivos de células localizadas fora do grupo; indutores de longo alcance com efeitos gradativos, chamados de morfógenos, podem organizar padrões complexos. Por meio da memória celular, tais sinais temporários podem ter um efeito duradouro sobre o estado interno da célula, induzindo-a, por exemplo, a tornar-se determinada para um destino específico. Assim, as sequências de sinais simples atuando em tempos e em locais diferentes nas células em crescimento dão origem aos intricados e variados organismos multicelulares que povoam o mundo ao nosso redor.

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CAENORHABDITIS ELEGANS: O DESENVOLVIMENTO A PARTIR DA PERSPECTIVA DE UMA CÉLULA INDIVIDUAL O verme nematoide Caenorhabditis elegans é um organismo pequeno, relativamente simples e precisamente estruturado. A anatomia de seu desenvolvimento tem sido descrita em extraordinário detalhe, e pode-se mapear a linhagem exata de cada célula no corpo. A sequência genômica completa também é conhecida, e um grande número de fenótipos mutantes tem sido analisado para determinar funções gênicas. Se há algum animal multicelular cujo desenvolvimento deveríamos ser capazes de entender em termos de controle genético, é este. Comparações de sequências de DNA indicam que, enquanto as linhagens que levam aos nematoides, aos insetos e aos vertebrados divergiram uma da outra ao redor da mesma época, a taxa de mudanças evolutivas na linhagem dos nematoides tem sido substancialmente maior: os seus genes, a sua estrutura corporal e suas estratégias de desenvolvimento são mais divergentes dos nossos próprios do que dos da Drosophila. No entanto, no nível molecular, muitos dos seus mecanismos de desenvolvimento são similares em insetos e vertebrados, sendo coordenados por sistemas de genes homólogos. Se quisermos saber como um olho, um membro ou um coração se desenvolve, é preciso procurar estas respostas em outros locais: o C. elegans não possui estes órgãos. Contudo, em um nível mais fundamental, ele é bastante instrutivo: apresenta as questões gerais básicas do desenvolvimento animal de uma forma relativamente simples e nos possibilita respondê-las em termos de função gênica e do comportamento das células individuais identificadas.

O Caenorhabditis elegans é anatomicamente simples Como adulto, o C. elegans consiste em somente cerca de mil células somáticas e de 1.000 a 2.000 células germinativas (exatamente 959 núcleos celulares somáticos e aproximadamente 2.000 células germinativas são encontrados em um sexo; exatamente 1.031 núcleos celulares somáticos e cerca de 1.000 células germinativas no outro) (Figura 22-17). A sua anatomia foi reconstruída, célula por célula, por microscopia eletrônica de seções seriadas. A estrutura do plano corporal do verme é simples: ele tem simetria aproximadamente bilateral, um corpo alongado composto dos mesmos tecidos básicos de outros animais (nervos, músculos, intestino, pele), organizado com boca e cérebro na extremidade anterior e ânus na posterior. A parede externa do corpo é composta de duas camadas: a epiderme protetora, ou “pele”, e a camada muscular imediatamente abaixo. Um tubo de células endodermais forma o intestino. Um segundo tubo, localizado entre o intestino e a parede do corpo, constitui a gônada; a sua parede é composta de células somáticas, com as células germinativas dentro dela. O verme C. elegans tem dois sexos – um hermafrodita e um macho. O hermafrodita pode ser visto simplesmente como uma fêmea que produz um número limitado de esperma: ela pode reproduzir-se tanto por autofecundação, usando o seu próprio esperma, como por fecundação cruzada após a transferência do esperma do macho pelo acasalamento. A autofecundação permite a um verme heterozigoto único produzir uma progênie homozigota. Esta é uma característica importante que auxilia a fazer do C. elegans um organismo excepcionalmente conveniente para estudos genéticos.

1,2 mm ANTERIOR

Intestino

DORSAL

Ovos

POSTERIOR

Gônadas

Ânus Faringe

Oócitos

Músculos Útero

Vulva

VENTRAL

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Epiderme

Parede corporal

Figura 22-17 Caenorhabditis elegans. É mostrada uma visão lateral de um adulto hermafrodita. (De J. E. Sulston e H. R. Horvitz, Dev. Biol. 56:110156, 1977. Com permissão da Academic Press.)

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OVO

Tempo após a fertilização (em horas)

0

Sistema nervoso Epiderme musculatura

Musculatura Sistema nervoso Gônadas somáticas

Linhagem germinativa

Epiderme Sistema nervoso Musculatura

10 Eclosão

Intestino ANTERIOR

Figura 22-18 A árvore de linhagens para as células que formam o tubo digestivo (o intestino) de C. elegans. Note que, embora as células intestinais formem um único clone (assim como o fazem as células da linhagem germinativa), as células da maioria dos outros tecidos não o fazem. As células nervosas (não mostradas na figura do adulto na parte inferior) são agrupadas principalmente em um gânglio próximo às extremidades anterior e posterior do animal e no nervo ventral que percorre o comprimento do corpo.

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POSTERIOR

Os destinos celulares no nematoide em desenvolvimento são quase perfeitamente previsíveis O C. elegans inicia a sua vida como uma única célula, o ovo fertilizado, o qual origina, por meio de repetidas divisões celulares, as 558 células que formam um pequeno verme dentro da casca do ovo. Após a eclosão, as divisões adicionais resultam no crescimento e na maturação sexual do verme, enquanto ele passa por quatro estágios larvais sucessivos, separados por mudas. Após a muda final para o estágio adulto, o verme hermafrodita inicia a produção de seus próprios ovos. A sequência inteira de desenvolvimento, de ovo a ovo, leva somente cerca de três dias. A linhagem de todas as células a partir do ovo unicelular até o adulto multicelular foi mapeada pela observação direta do animal em desenvolvimento. No nematoide, um dado precursor celular inicia o mesmo padrão de divisões celulares em cada indivíduo e, com poucas exceções, o destino de cada célula descendente pode ser previsto a partir da sua posição na árvore de linhagens (Figura 22-18). Esse grau de precisão estereotipada não é visto no desenvolvimento de animais maiores. À primeira vista, isso poderia sugerir que cada linhagem celular no embrião nematoide é rígida e independentemente programada para seguir um conjunto de padrões de divisão celular e de especialização celular, tornando o verme um péssimo e não-representativo organismo-modelo para o desenvolvimento. Veremos que isso está longe de ser verdade: como em outros animais, o desenvolvimento depende de interações célula-célula e de processos internos das células individuais. O resultado no nematoide é quase perfeitamente previsível, porque o padrão de interações célula-célula é altamente reproduzível, estando precisamente correlacionado à sequência das divisões celulares. No verme em desenvolvimento, como em outros animais, a maioria das células não se restringe a gerar uma progênie de células de um único tipo diferenciado até um momento mais tardio do desenvolvimento, e células de um determinado tipo, como as musculares, em geral são derivadas de diversos precursores dispersos espacialmente e que também dão origem a outros tipos de células. As exceções, nos vermes, são o intestino e a gônada, cada um formado por uma única célula fundadora, originada no estágio de desenvolvimento de 8 células para a linhagem celular do intestino, e no estágio de 16 células para a

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linhagem de célula-ovo, ou linhagem germinativa. Contudo, em qualquer caso, a diversificação celular começa cedo, tão cedo quanto o ovo começa a se clivar: muito antes da diferenciação terminal, a célula começa a se encaminhar através de uma série de estágios intermediários de especialização, seguindo diferentes programas de acordo com sua localização e suas interações com as células adjacentes. Como surgem estas diferenças iniciais entre as células?

Os produtos de genes de efeito materno organizam a divisão assimétrica do ovo O verme é semelhante à maioria dos animais na especificação inicial das células que irão eventualmente dar origem às células germinativas (ovos ou esperma). A linhagem germinativa dos vermes é produzida por uma série estrita de divisões celulares assimétricas do ovo fertilizado. A assimetria origina-se com um sinal do ambiente do ovo: o ponto de entrada do esperma define o futuro polo posterior do ovo alongado. As proteínas no ovo interagem umas com as outras e organizam-se em relação a este ponto de maneira a criar uma assimetria mais elaborada no interior da célula. As proteínas envolvidas são traduzidas principalmente a partir de produtos de mRNA acumulados dos genes da mãe. Como este RNA é produzido antes de o ovo ser posto, é somente o genótipo da mãe que determina o que acontece nos primeiros passos do desenvolvimento. Os genes que atuam desta maneira são chamados de genes de efeito materno. Um subconjunto de genes de efeito materno é especificamente necessário para organizar o padrão assimétrico do ovo nematoide. Estes são chamados de genes Par (defectivos em partição), e pelo menos seis foram identificados por rastreamento genético de mutantes em que o padrão tenha sido rompido. Os genes Par possuem homólogos em insetos e em vertebrados, onde desempenham papel fundamental na organização da polaridade da célula, como discutido no Capítulo 19. De fato, uma das chaves para o entendimento atual dos mecanismos gerais envolvidos com a polaridade de células foi a descoberta destes genes por estudos em embriões de desenvolvimento inicial de C. elegans. No ovo nematoide, assim como em outras células no nematoide e em outros animais, as proteínas Par (os produtos dos genes Par) têm elas mesmas uma distribuição assimétrica, algumas estando localizadas em um dos extremos da célula e outras no extremo oposto. Elas servem para trazer um conjunto de partículas de ribonucleoproteínas chamadas de grânulos P para o polo posterior do ovo, de maneira que a célula-filha posterior herda os grânulos P, e a célula-filha anterior não. Por todas as poucas divisões celulares seguintes, as proteínas Par operam de uma maneira semelhante, orientando o fuso mitótico e segregando os grânulos P para uma célula-filha em cada mitose, até que, no estágio de 16 células, há somente uma célula que contém os grânulos P (Figura 22-19). Esta célula origina a linhagem germinativa. A especificação dos precursores das células germinativas como independentes dos precursores das células somáticas é um evento-chave no desenvolvimento de praticamente todos os tipos de animais, e o processo tem características comuns mesmo em filos com

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Figura 22-19 Divisões assimétricas segregando grânulos P na célula fundadora da linhagem germinativa de C. elegans. As micrografias na linha de cima mostram o padrão de divisões celulares, com os núcleos celulares corados em azul com um marcador fluorescente específico para DNA; abaixo estão as mesmas células coradas com um anticorpo contra os grânulos P. Estes pequenos grânulos (0,5 a 1 μm de diâmetro) estão distribuídos aleatoriamente por todo o citoplasma em um ovo não-fertilizado (não-mostrado). Após a fertilização, em cada divisão celular até o estágio de 16 células, tanto eles como a maquinaria intracelular que os localiza assimetricamente estão segregados em uma única célula-filha. (Cortesia de Susan Strome.)

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Ovo fertilizado

ANTERIOR

POSTERIOR

estruturas corporais muito diferentes. Dessa forma, na Drosophila, as partículas semelhantes aos grânulos P também são segregadas em uma extremidade do ovo e tornam-se incorporadas nas células precursoras da linhagem germinativa para a determinação do seu destino. Um fenômeno similar ocorre nos peixes e nas rãs. Nessas espécies, pode-se reconhecer pelo menos algumas das mesmas proteínas no material que determina as células germinativas, incluindo os homólogos de uma proteína de ligação ao RNA chamada de Vasa. Ainda é desconhecido o modo como a Vasa e as suas proteínas associadas e moléculas de RNA atuam na definição da linhagem germinativa.

P1

AB (pele, neurônios, faringe e outros) ABp

P2

ABa

Os padrões progressivamente mais complexos são criados por interações célula-célula

EMS C (músculos, pele e neurônios)

MS (músculos e outras partes do corpo)

E (intestino)

D (músculos) P4 (linhagem germinativa)

ABp Notch Delta Wnt Aba

P2

Frizzled

O ovo do C. elegans, assim como de outros animais, é uma célula extraordinariamente grande, com espaço para a formação de padrões internos complexos. Além dos grânulos P, outros fatores são distribuídos em uma maneira ordenada ao longo do seu eixo ântero-posterior sob o controle das proteínas Par, que, assim, são alocadas para células diferentes enquanto o ovo passa por alguns dos primeiros ciclos de divisão celular. Essas divisões ocorrem sem crescimento (uma vez que a alimentação não pode começar antes que a boca e o intestino tenham sido formados) e subdividem o ovo em células progressivamente menores. Muitos dos fatores que são localizados são proteínas de regulação gênica, as quais atuam diretamente na célula que as herda para direcionar ou bloquear a expressão de genes específicos, adicionando diferenças entre a célula e as suas vizinhas e comprometendo-a com um destino especializado. Enquanto as primeiras poucas diferenças ao longo do eixo ântero-posterior do C. elegans são o resultado de divisões assimétricas, a formação de novos padrões, incluindo o padrão dos tipos celulares ao longo de outros eixos, depende de interações entre uma célula e outra. As linhagens celulares no embrião são tão reproduzíveis que as células individuais podem ser designadas com nomes e identificadas em cada animal (Figura 22-20); as células do estágio de quatro células, por exemplo, são chamadas de ABa e ABp (as duas células-irmãs anteriores), e EMS e P2 (as duas células-irmãs posteriores). Como resultado das divisões assimétricas que acabamos de descrever, a célula P2 expressa uma proteína-sinal na sua superfície – Delta, uma proteína de nematoides homóloga ao ligante de Notch – enquanto as células ABa e ABp expressam o receptor transmembrana correspondente – um homólogo de Notch. A forma alongada da casca do ovo força essas células para um arranjo tal que a célula mais anterior, ABa, e a célula mais posterior, P2, não estão mais em contato uma com a outra. Assim, somente a célula ABp pode receber sinais da célula P2, tornando ABp diferente de ABa e definindo o futuro eixo dorso-ventral do verme (Figura 22-21). Ao mesmo tempo, a P2 também expressa outra molécula-sinal, a proteína Wnt, a qual atua no receptor Wnt (uma proteína Frizzled) na membrana da célula EMS. Este sinal polariza a célula EMS em relação ao seu local de contato com P2, controlando a orientação do fuso mitótico. A célula EMS então se divide para originar duas células-filhas que se tornam comprometidas para destinos diferentes como resultado do sinal Wnt de P2. Uma filha, a célula MS, originará músculos e várias outras partes do corpo; a outra filha, a célula E, é a célula fundadora do intestino, comprometida em originar todas as células do intestino e de nenhum outro tecido (ver Figura 22-21).

EMS

ABp

P2

Aba Futura Futura célula MS célula E

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Figura 22-20 O padrão de divisões celulares em um embrião jovem de C. elegans, indicando os nomes e os destinos das células individuais. As células que são irmãs são mostradas ligadas por uma linha preta curta. (Segundo K. Kemphues, Cell 101:345-348, 2000. Com permissão de Elsevier.)

Figura 22-21 Vias de sinalização celular controlando a designação de diferentes características para as células em um embrião nematoide de quatro células. A célula P2 utiliza a via de sinalização de Notch para enviar um sinal indutor para a célula ABp, induzindo-a a adotar uma característica especializada. A célula ABa possui todo o aparato molecular para responder da mesma maneira ao mesmo sinal, mas ela não o faz, porque não está em contato com P2. Enquanto isso, um sinal Wnt da célula P2 induz a célula EMS a orientar o seu fuso mitótico e a gerar duas filhas que se tornam comprometidas com destinos diferentes, como resultado de suas exposições distintas à proteína Wnt – a célula MS e a célula E (a célula fundadora do intestino).

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Tendo sido descrita a cadeia de causa e efeito no desenvolvimento inicial dos nematoides, examinaremos agora alguns dos métodos que têm sido usados para decifrá-la.

A microcirurgia e a genética revelam a lógica do controle do desenvolvimento; a clonagem de genes e o seu sequenciamento revelam seus mecanismos moleculares Para descobrir os mecanismos causais, precisamos conhecer o potencial de desenvolvimento das células individuais no embrião. Em que momentos de suas vidas elas sofrem alterações internas decisivas que as determinam para um destino particular, e em que momentos dependem dos sinais de outras células? No nematoide, a microcirurgia de microemissão laser pode ser usada para matar uma ou mais células vizinhas, e então observar diretamente como a célula comporta-se em circunstâncias alteradas. Alternativamente, as células de um embrião inicial podem ser empurradas e rearranjadas dentro da casca do ovo pelo uso de uma fina agulha. Por exemplo, as posições relativas de ABa e de ABp podem ser trocadas no estágio de desenvolvimento de quatro células. A célula ABa passa pelo que normalmente seria o programado para a célula ABp, e vice-versa, mostrando que as duas células inicialmente possuem o mesmo potencial de desenvolvimento e dependem dos sinais das suas vizinhas para torná-las diferentes. Uma terceira tática é remover a casca do ovo de um embrião inicial de C. elegans pela sua digestão com enzimas e, então, manipular as células em cultura. A existência de um sinal polarizante de P2 para EMS foi demonstrada dessa maneira. Foram usadas sondagens genéticas para identificar genes envolvidos na interação das células P2-EMS. Procurou-se por linhagens mutantes de vermes nos quais nenhuma célula de intestino fosse induzida (chamados de mutantes Mom, porque possuem mais mesoderma, do inglês more mesoderm – o mesoderma sendo o destino de ambas as células-filhas de EMS, quando a indução falha). A clonagem e o sequenciamento dos genes Mom revelaram que um codifica a proteína-sinal Wnt que é expressa na célula P2, e o outro codifica uma proteína Frizzled (um receptor Wnt) que é expressa na célula EMS. Uma segunda sondagem genética foi conduzida em busca de linhagens mutantes dos vermes com o fenótipo oposto, nos quais células extras de intestino são induzidas (chamados de mutantes Pop, porque apresentam uma faringe posterior, do inglês posterior pharynx). Um dos genes Pop (Pop1) codifica uma proteína de regulação gênica (um homólogo de LEF1/TCF) cuja atividade é diminuída pela sinalização de Wnt em C. elegans. Quando a atividade de Pop1 está ausente, ambas as filhas das células EMS comportam-se como se tivessem recebido o sinal Wnt de P2. Foram usados métodos genéticos semelhantes para identificar os genes cujos produtos medeiam a sinalização dependente de Notch de P2 para ABa. Continuando neste caminho, é possível construir uma representação detalhada dos eventos decisivos no desenvolvimento do nematoide e da maquinaria geneticamente específica que os controlam.

As células alteram suas capacidades de resposta aos sinais do desenvolvimento ao longo do tempo A complexidade do corpo do nematoide adulto é alcançada por meio do uso repetido de uma série de mecanismos formadores de padrões, incluindo aqueles que acabamos de ver em ação no embrião inicial. Por exemplo, as divisões celulares com assimetria molecular são dependentes das proteínas de regulação gênica Pop1, presentes durante todo o desenvolvimento de C. elegans, criando células-irmãs anteriores e posteriores com diferentes características. Como enfatizado anteriormente, enquanto os mesmos poucos tipos de sinais atuam repetidamente em tempos e locais distintos, os efeitos que eles provocam são diferentes porque as células são programadas para responder diferentemente de acordo com a sua idade e o seu histórico. Vimos, por exemplo, que no estágio do desenvolvimento de quatro células, uma célula, ABp, altera seu potencial de desenvolvimento devido a um sinal recebido através da via de sinalização de Notch. No estágio de desenvolvimento de 12 células, as netas da célula ABp e as netas da célula ABa encontram outro sinal de Notch, desta vez oriundo de uma célula-neta EMS. A neta de ABa altera o seu estado interno em resposta a este sinal e inicia a formação da faringe. A neta de ABp não o faz – a exposição inicial ao sinal de Notch tornou-a não-responsiva. Portanto, em diferentes momentos na sua história, ambas as li-

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nhagens celulares ABa e ABp respondem a Notch, porém os resultados são diferentes. De alguma maneira, um sinal de Notch no estágio de 12 células induz a faringe, mas um sinal de Notch no estágio de quatro células possui outros efeitos – os quais incluem a prevenção da indução da faringe por este mesmo sinal em um estágio mais tardio. Este fenômeno, onde um mesmo mecanismo de sinalização tem efeitos distintos em estágios diferentes e em contextos diferentes, é visto no desenvolvimento de todos os animais, e em todos eles a via de sinalização de Notch é utilizada desta forma, repetidamente.

Os genes heterocrônicos controlam o tempo no desenvolvimento

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Tipo selvagem

Mutante Lin14 com perda de função

Mutante Lin14 com ganho de função

T

T

T

Primeiro estágio de larva Tempo

Figura 22-22 Mutações heterocrônicas no gene Lin-14 de C. elegans. São mostrados os efeitos em somente uma das muitas linhagens afetadas. A mutação com perda de função (recessiva) em Lin14 causa uma ocorrência prematura do padrão de divisão celular e as características de diferenciação da larva tardia, de maneira que o animal alcança o seu estágio final de modo prematuro e com um número anormalmente pequeno de células. A mutação com ganho de função (dominante) provoca o efeito oposto, induzindo as células a reiterarem os seus padrões de divisão celular característicos do primeiro estágio larval, continuando por cinco ou seis ciclos de mudas e persistindo na produção de um tipo imaturo de cutícula. A cruz denota uma morte celular programada. As linhas verdes representam as células que contêm a proteína Lin14 (que se liga ao DNA); as linhas vermelhas representam as células que não contêm essa proteína. No desenvolvimento normal, o desaparecimento de Lin14 é desencadeado pelo início da alimentação larval. (Segundo A. Ambros e H. R. Horvitz, Science 226:409-416, 1984, com permissão de AAAS; e P. Arasu, B. Wightman e G. Ruvkun, Growth Dev. Aging 5:1825-1833, 1991, com permissão da Growth Publishing Co., Inc.)

Uma célula não precisa receber um sinal externo para alterar-se: um conjunto de moléculas reguladoras dentro da célula pode provocar a produção de outro, e a célula pode então passar por uma série de diferentes estados de maneira autônoma. Esses estados diferem não somente em sua capacidade de resposta a sinais externos, mas também em outros aspectos da sua química interna, incluindo as proteínas que interrompem ou iniciam o ciclo de divisão celular. Dessa forma, os mecanismos internos da célula, juntamente com os sinais recebidos no passado e no presente, ditam a sequência das alterações bioquímicas na célula e o momento das suas divisões celulares. Os detalhes moleculares específicos dos mecanismos que governam o programa temporal do desenvolvimento ainda são desconhecidos. Extraordinariamente, pouco se sabe, mesmo no embrião nematoide com o seu padrão rigidamente previsível de divisões celulares, a respeito de como a sequência das divisões celulares é controlada. Entretanto, nos últimos estágios, quando a larva alimenta-se, cresce e sofre a muda para tornar-se um adulto, é possível identificar alguns dos genes que controlam os momentos dos eventos celulares. As mutações nesses genes causam fenótipos heterocrônicos: as células em uma larva de um estágio comportam-se como se pertencessem a uma larva de um estágio diferente, ou as células no adulto continuam dividindo-se como se pertencessem a uma larva (Figura 22-22). Por meio de análises genéticas, pode-se determinar que os produtos dos genes heterocrônicos agem em série, formando cascatas reguladoras. Curiosamente, dois genes no início das suas respectivas cascatas, chamados de Lin4 e Let7, não codificam proteínas, mas moléculas de microRNAs – pequenas moléculas de RNA regulador não-traduzidas, com 21 ou 22 nucleotídeos. Estas atuam pela ligação a sequências complementares nas regiões não-codificantes das moléculas de mRNA transcritas de outros genes heterocrônicos, inibindo, assim, sua tradução e promovendo a sua degradação, como discutido no Capítulo 7. O aumento dos níveis do RNA de Lin4 controla a progressão do comportamento celular do estágio 1 de larva para o comportamento celular do estágio 3 de larva; o aumento dos níveis do RNA de Let7 controla a progressão da larva tardia para o adulto. Na realidade, Lin4 e Let7 foram os

Segundo estágio de larva Terceiro estágio de larva Quarto estágio de larva

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primeiros microRNAs a serem descritos nos animais: por meio de estudos da genética do desenvolvimento em C. elegans foi descoberta a importância de toda essa classe de moléculas para a regulação gênica. As moléculas de RNA que são idênticas ou quase idênticas ao RNA Let7 são encontradas em muitas outras espécies, incluindo-se a Drosophila, o peixe-zebra e os humanos. Além disso, esses RNAs parecem atuar de maneira semelhante para regular o nível das suas moléculas de mRNA-alvo, e os próprios alvos são homólogos aos alvos do RNA Let7 do nematoide. Em Drosophila, este sistema de moléculas parece estar envolvido na metamorfose da forma larval para mosca, mantendo conservado o seu papel de controlar o curso das transições envolvidas no desenvolvimento.

As células não contam as divisões celulares para cronometrar seus programas internos Uma vez que os passos da especialização celular têm de ser coordenados com as divisões celulares, frequentemente é sugerido que o ciclo de divisão celular deveria servir como um relógio no controle do ritmo dos outros eventos no desenvolvimento. Sob este ponto de vista, as alterações nos estados internos estariam condicionadas a sua passagem pelos ciclos de divisão: a célula passaria para o próximo estado se sofresse mitose, por exemplo. Apesar de haver alguns casos onde as alterações no estado celular estão condicionadas aos eventos do ciclo celular, isto está longe de ser uma regra geral. As células dos embriões em desenvolvimento, sejam eles vermes, moscas ou vertebrados, normalmente mantêm seu cronograma-padrão de determinação e de diferenciação, mesmo quando o progresso pelo ciclo de divisão celular é bloqueado de maneira artificial. Existem necessariamente algumas anormalidades, pelo menos porque uma célula única que não se dividiu não pode diferenciar-se de duas maneiras de uma só vez. Contudo, na maioria dos casos que têm sido estudados, parece claro que a célula altera o seu estado com o tempo, de forma mais ou menos independente da divisão celular, e que esta alteração de estado controla a decisão de dividir-se, assim como a decisão de quando e como se especializar.

Células selecionadas morrem por apoptose como parte do programa de desenvolvimento O controle dos números celulares no desenvolvimento depende tanto da morte celular quanto da divisão celular. Um hermafrodita de C. elegans gera 1.030 núcleos somáticos celulares no curso do seu desenvolvimento, mas 131 das células morrem. Estas mortes celulares programadas ocorrem em um padrão absolutamente previsível. Em C. elegans, elas podem ser descritas em detalhes, pois é possível rastrear o destino de cada célula individual e ver quem morre, observando como cada vítima suicida sofre apoptose e é rapidamente engolfada e digerida pelas células vizinhas (Figura 22-23). Em outros organismos, em que uma observação detalhada é mais difícil, tais mortes facilmente passam despercebidas; mas a morte celular por apoptose provavelmente seja o destino de uma fração substancial das células produzidas pela maioria dos animais, desempenhando uma parte essencial na geração de um indivíduo com os tipos celulares certos, em números e locais certos, como discutido no Capítulo 18. As sondagens genéticas em C. elegans têm sido cruciais na identificação dos genes que desencadeiam a apoptose e em salientar a sua importância no desenvolvimento. Descobriu-se que três genes, chamados de Ced3, Ced4 e Egl1 (CED, morte celular anormal, de cell death abnormal), são necessários para ocorrerem as 131 mortes celulares normais. Se esses genes são inativados por mutação, as células que normalmente são destinadas a morrer sobrevivem, diferenciando-se como tipos celulares reconhecidos, como neurônios. Por outro lado, a superexpressão ou a expressão em local errôneo dos mesmos genes causa a morte de

Figura 22-23 Morte celular apoptótica em C. elegans. A morte depende da expressão dos genes Ced3 e Ced4 na ausência da expressão de Ced9 – todos na própria célula que está morrendo. O subsequente engolfamento e a remoção dos restos dependem da expressão de outros genes nas células vizinhas.

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A célula comete suicídio

A célula morta é englobada pela célula vizinha

Os restos celulares são digeridos sem deixar resquícios

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muitas células que normalmente sobreviveriam. O mesmo efeito resulta de mutações que inativam outro gene, Ced9, o qual normalmente reprime o programa de morte celular. Todos esses genes codificam para componentes conservados da maquinaria de morte celular. Como descrito no Capítulo 18, o Ced3 codifica para um homólogo de caspases, enquanto o Ced4, o Ced9 e o Egl1 são respectivamente homólogos de Apaf1, Bcl2 e Bad. Sem a compreensão obtida pela análise detalhada do desenvolvimento desse verme nematoide transparente e geneticamente maleável, teria sido muito mais difícil descobrir esses genes e entender o processo de morte celular nos vertebrados.

Resumo O desenvolvimento do pequeno verme nematoide transparente e relativamente simples Caenorhabditis elegans é extraordinariamente reproduzível e tem sido descrito em detalhes, pois uma célula em qualquer posição no corpo tem a mesma linhagem em todos os indivíduos, e essa linhagem é totalmente conhecida. Além disso, o seu genoma foi completamente sequenciado. Assim, estratégias genéticas e técnicas microcirúrgicas podem ser combinadas para decifrar os mecanismos do desenvolvimento. Como em outros organismos, o desenvolvimento depende da ação recíproca de interações célula-célula e de processos celulares autônomos. O desenvolvimento inicia com uma divisão assimétrica do ovo fertilizado, dividindo-o em duas células menores contendo diferentes determinantes de destino celulares. As filhas dessas células interagem através das vias de sinalização celulares de Notch e Wnt para criar uma série mais diversa de estados celulares. Enquanto isso, por divisões assimétricas adicionais, uma célula herda materiais do ovo que a determinam, em um estágio precoce, como progenitora da linhagem germinativa. As sondagens genéticas identificam os conjuntos de genes responsáveis por estas e por etapas mais tardias do desenvolvimento, incluindo, por exemplo, os genes de morte celular que controlam a apoptose de um subconjunto específico de células como parte do programa normal de desenvolvimento. Os genes heterocrônicos que governam a duração dos eventos no desenvolvimento também foram identificados, embora, em geral, ainda tenhamos pouco entendimento sobre o controle temporal do desenvolvimento. Existem boas evidências, entretanto, de que o ritmo do desenvolvimento não é ajustado pela contagem das divisões celulares.

DROSOPHILA E A GENÉTICA MOLECULAR DA FORMAÇÃO DE PADRÕES: A GÊNESE DO PLANO CORPORAL Figura 22-24 Drosophila melanogaster. Vista dorsal de uma mosca normal adulta. (A) Fotografia. (B) Desenho ilustrativo. (Fotografia cortesia de E. B. Lewis.)

A mosca Drosophila melanogaster (Figura 22-24), mais do que qualquer outro organismo, transformou o nosso conhecimento de como os genes governam a formação de padrões do corpo. A anatomia da Drosophila é mais complexa do que a de C. elegans, superando em

Antena Olho

Cabeça Haltere

Tórax

Asa Pata

Abdome

(B) (A)

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cem vezes o seu número de células, e mostra paralelos mais óbvios com a nossa própria estrutura corporal. Surpreendentemente, a mosca tem menos genes que o verme – cerca de 14 mil e 20 mil, respectivamente. Por outro lado, ela tem o dobro de DNA por gene (cerca de 10 mil nucleotídeos em média, se comparado com cerca de 5 mil do verme), a maior parte sendo de DNA não-codificante. O conjunto de construção molecular tem um número menor de partes, mas as instruções de montagem – como especificado pelas sequências reguladoras no DNA não-codificante – parecem ser mais volumosas. Décadas de estudo genético, culminando nas massivas sondagens genéticas, produziram um catálogo dos genes de controle do desenvolvimento que definem o padrão espacial dos tipos celulares e das estruturas do corpo da mosca; e a biologia molecular tem nos fornecido ferramentas para observar esses genes em ação. Pela hibridização in situ, usando sondas de DNA ou de RNA em embriões inteiros, ou pela coloração com anticorpos marcados para revelar a distribuição de proteínas específicas, pode-se observar diretamente como os estados internos das células são definidos pelos conjuntos de genes reguladores que elas expressam em diferentes momentos do desenvolvimento. Além disso, pela análise de animais que são uma quimera de células mutantes e não–mutantes, pode-se descobrir como cada gene opera como parte de um sistema que especifica a organização do corpo. A maioria dos genes que controlam o padrão do corpo da Drosophila tem contrapartes próximas em animais superiores, incluindo nós mesmos. De fato, muitos dos mecanismos básicos para a definição da estrutura do corpo e a formação dos padrões de órgãos e de tecidos individuais são incrivelmente similares. Assim, surpreendentemente, a mosca forneceu a chave para o entendimento da genética molecular do nosso próprio desenvolvimento. As moscas, assim como os vermes nematoides, são ideais para estudos genéticos: de baixo custo para criar, fáceis de mutar e rápidas em seu ciclo reprodutivo. Contudo, existe uma razão mais fundamental para elas serem tão importantes para os geneticistas do desenvolvimento. Como enfatizado anteriormente, como resultado das duplicações gênicas, os genomas dos vertebrados frequentemente contêm dois ou três genes homólogos que correspondem a um único gene na mosca. Uma mutação que destrua um desses genes muitas vezes não consegue revelar a função central do gene, pois os outros homólogos compartilham a função e mantêm-se ativos. Na mosca, com o seu conjunto gênico mais econômico, este fenômeno de redundância genética é menos prevalente. Assim, o fenômeno de uma única mutação na mosca, mais comumente, revela a função do gene mutante.

O corpo do inseto é construído como uma série de unidades segmentares O cronograma de desenvolvimento da Drosophila, do ovo ao adulto, está resumido na Figura 22-25. O período de desenvolvimento embrionário começa na fertilização e leva em torno de um dia, ao final do qual o embrião eclode da casca do ovo para tornar-se uma larva. A larva passa então por três estágios, ou ínstares, separados por mudas nas quais ela perde a sua camada antiga de cutícula e produz uma maior. No final do terceiro ínstar ela forma uma pupa. No interior da pupa ocorre um remodelamento radical do corpo – um processo chamado de metamorfose. Eventualmente, cerca de nove dias após a fertilização, uma mosca adulta, ou imago, emerge. A mosca consiste em uma cabeça, com boca, olhos e antenas, seguidas por três segmentos torácicos (numerados T1 a T3) e oito ou nove segmentos abdominais (numerados A1 a A9). Cada segmento, embora diferente dos outros, é produzido de acordo com um plano semelhante. O segmento T1, por exemplo, carrega um par de patas; T2 carrega um par de patas mais um par de asas, e T3 carrega um par de patas mais um par de halteres – pequenos balanceadores em forma de saliências arredondadas importantes para o voo, evoluídos a partir do segundo par de asas que os insetos mais primitivos possuem. A segmentação, quase repetitiva, desenvolve-se no embrião inicial durante as primeiras horas após a fertilização (Figura 22-26), mas é mais óbvia na larva (Figura 22-27), na qual os segmentos parecem mais similares do que no adulto. No embrião, pode ser visto que os rudimentos da cabeça, ou pelo menos as futuras estruturas da boca do adulto, também são segmentares. Nas duas extremidades do animal, entretanto, existem estruturas terminais altamente especializadas que não são derivadas de segmentação. Os limites entre os segmentos são tradicionalmente definidos por marcadores anatômicos visíveis; contudo, na discussão dos padrões de expressão gênica, é conveniente desenhar um conjunto diferente de limites segmentares, definindo uma série de unidades

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0 dias

FERTILIZAÇÃO Ovo

DESENVOLVIMENTO EMBRIONÁRIO

1 dia

ECLOSÃO

Larva Três estágios larvais, separados por mudas

5 dias FORMAÇÃO DA PUPA

Pupa

METAMORFOSE

9 dias

Adulto

1 mm

Figura 22-25 Resumo do desenvolvimento da Drosophila, do ovo até a mosca adulta.

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Figura 22-26 A origem dos segmentos corporais de Drosophila durante o desenvolvimento embrionário. Os embriões são mostrados em vista lateral nas ilustrações (A-C) e nas micrografias eletrônicas por varredura correspondentes (D-F). (A e D) Em duas horas, o embrião está no estágio de blastoderme sincicial (ver Figura 22-28) e nenhum segmento é visível, apesar de um mapa de destinação celular poder ser desenhado, mostrando as futuras regiões segmentares (coloridas em A). (B e E) Em cinco a oito horas, o embrião está no estágio de banda germinativa estendida: a gastrulação ocorreu, a segmentação começou a tornar-se visível, e o eixo segmentado do corpo aumentou em comprimento, curvando-se para trás na extremidade caudal, de maneira a encaixar-se na casca do ovo. (C e F) Em 10 horas, o eixo do corpo contraiu-se e tornou-se linear novamente, e todos os segmentos estão claramente definidos. As estruturas da cabeça, visíveis externamente neste estágio, irão se dobrar no interior da larva, para emergir novamente somente quando a larva entrar na fase de formação da pupa e tornar-se um adulto. (D e E, cortesia de F. R. Turner e A. P. Mahowald, Dev. Biol. 50:95-108, 1976; F, de J. P. Petschek, N. Perrimon, e A. P. Mahowald, Dev. Biol. 119:175-189, 1987. Ambas com permissão da Academic Press.)

Partes da cabeça Tórax

Abdome

2 horas

(D)

(A)

5 a 8 horas

(E)

(B)

10 horas (F)

(C) 0,5 mm

segmentares chamadas de parassegmentos, metade de um segmento não relacionado aos segmentos definidos tradicionalmente (ver Figura 22-27).

A Drosophila inicia o seu desenvolvimento como um sincício O ovo de Drosophila mede em torno de 0,5 mm de comprimento e 0,15 mm de diâmetro, com uma polaridade claramente definida. Assim como os ovos de outros insetos, mas ao contrário dos vertebrados, ele começa o seu desenvolvimento de uma maneira incomum: uma série de divisões nucleares, sem divisão celular, cria um sincício. As divisões nucleares iniciais são sincrônicas e extremamente rápidas, ocorrendo a cada oito minutos. As primeiras nove divisões geram uma nuvem de núcleos, a maioria dos quais migra do meio do ovo em direção à superfície, onde eles formam uma monocamada chamada de blastoderma sincicial. Após outras quatro rodadas de divisões nucleares, as membranas plasmáticas crescem em direção ao interior a partir da superfície do ovo para incluir cada núcleo, convertendo assim o blastoderma sincicial em um blastoderma celular, consistindo em aproximadamente

Figura 22-27 Os segmentos da larva de Drosophila e suas correspondências com regiões do blastoderma. As partes do embrião que se organizam em segmentos estão mostradas em cores. As duas extremidades do embrião, sombreadas em cinza, não são segmentadas e se dobram para o interior do corpo para formar as estruturas internas da cabeça e do intestino. (As futuras estruturas externas segmentadas da cabeça do adulto também são temporariamente internalizadas na larva.) A segmentação na Drosophila pode ser descrita tanto em termos de segmentos como de parassegmentos: a relação é mostrada na parte central da figura. Os parassegmentos frequentemente correspondem de maneira mais simples aos padrões de expressão gênica. O número exato de segmentos abdominais é passível de debate: oito estão claramente definidos, e um está presente de maneira vestigial na larva, mas ausente no adulto.

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Embrião

Int Mn Mx La T1 T2 T3 A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9/10 PARTES DA CABEÇA

0

1

2

TÓRAX 3

4

5

Segmentos

ABDOME 6

7

8

9 10 11 12 13 14

Parassegmentos

Internalizados na larva Larva recém-eclodida

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Células somáticas Células polares (células germinativas primordiais) Ovo fertilizado (A)

Diversos núcleos em um sincício

Os núcleos migram para a periferia, e as membranas celulares começam a se formar

Figura 22-28 Desenvolvimento do ovo de Drosophila, da fertilização ao estágio de blastoderma celular. (A) Desenhos esquemáticos. (B) Visão de superfície – uma fotografia de secção ótica de núcleos do blastoderma sofrendo mitose na transição do estágio de blastoderma sincicial para blastoderma celular. A actina está corada em verde, os cromossomos, em laranja. (A, segundo H. A. Schneiderman, in Insect Development [P. A. Lawrence, ed.], p. 3-34. Oxford, UK: Blackwell, 1976; B, cortesia de William Sullivan.)

6 mil células separadas (Figura 22-28). Cerca de 15 dos núcleos que formam a extremidade posterior final do ovo são segregados em células alguns ciclos antes; estas células polares são os precursores da linhagem germinativa (células germinativas primordiais) que darão origem aos ovos ou ao esperma. Até o estágio de blastoderma celular, o desenvolvimento depende muito – embora não exclusivamente – dos estoques de mRNA e de proteína maternos que foram acumulados no ovo, antes da fertilização. A frenética taxa de replicação do DNA e de divisões nucleares, evidentemente, oferece poucas oportunidades para a transcrição. Após a formação das células, as divisões celulares continuam em uma maneira mais convencional, sem sincronia e em uma taxa mais lenta, e a taxa de transcrição aumenta bastante. A gastrulação começa um pouco antes de a formação das células estar completa, quando partes da camada de células que forma o exterior do embrião começam a dobrar-se para o interior a fim de formar o intestino, a musculatura e os tecidos internos associados. Um pouco mais tarde e em outra região do embrião, um conjunto separado de células move-se da superfície do epitélio para o interior a fim de formar o sistema nervoso central. Por marcação e rastreamento das células durante esses vários movimentos, pode-se desenhar um mapa de destinações para a monocamada de células da superfície do blastoderma (Figura 22-29). Assim que a gastrulação esteja quase completa, uma série de endentações e de protuberâncias aparece na superfície do embrião, marcando a subdivisão do corpo em segmentos ao longo do seu eixo ântero-posterior (ver Figura 22-26). Em seguida, emerge uma larva totalmente segmentada, pronta para começar a comer e a crescer. Dentro do corpo da larva, pequenos grupos de células permanecem aparentemente indiferenciados, formando estruturas chamadas de discos imaginais. Estes grupos irão crescer tanto quanto a larva e, no final, darão origem à maioria das estruturas do corpo adulto, como veremos mais tarde. Uma extremidade para a cabeça e uma extremidade para a cauda, um lado ventral (barriga) e um lado dorsal (costas), um intestino, um sistema nervoso, uma série de segmentos corporais – estas são as características da estrutura corporal básica que a Drosophila compartilha com

ANTERIOR

DORSAL

Sistema nervoso e cabeça

POSTERIOR

Corpo segmentado

Cauda

Membrana extra-embrionária Epiderme dorsal Sistema nervoso e epiderme ventral Porção posterior do tubo digestivo Mesoderme VENTRAL

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VISTA LATERAL

Porção anterior do tubo digestivo

CORTE TRANSVERSAL CENTRAL

(B)

Figura 22-29 Mapa de destinação de um embrião de Drosophila no estágio de blastoderma celular. O embrião é apresentado em uma visão lateral e em uma secção transversal, mostrando a relação entre a subdivisão dorso-ventral nos principais tipos de tecidos futuros e o padrão ântero-posterior dos futuros segmentos. Uma linha grossa circunda a região que formará as estruturas segmentares. Durante a gastrulação, as células ao longo da linha média ventral se invaginam para formar a mesoderme, enquanto as células destinadas a formar o intestino se invaginam próximas a cada uma das extremidades do embrião. (Conforme V. Hartenstein, G. M. Technau, e J. A. Campos-Ortega, Wilhelm Roux’ Arch. Dev. Biol. 194:213216, 1985. Com permissão de Elsevier.)

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muitos outros animais, incluindo os humanos. Começaremos nosso relato dos mecanismos de desenvolvimento da Drosophila considerando como esta estrutura corporal é produzida.

As sondagens genéticas definem os grupos de genes necessários aos aspectos específicos da formação dos padrões iniciais Pela realização de uma série de sondagens genéticas com base na mutagênese por saturação (discutido no Capítulo 8), tem sido possível acumular uma coleção de mutantes de Drosophila que parecem incluir alterações em uma grande proporção dos genes que afetam o desenvolvimento. Mutações independentes no mesmo gene podem ser distinguidas de mutações em genes separados por um teste de complementação (ver Painel 8-1, p. 555), levando a um catálogo de genes classificados de acordo com os seus fenótipos mutantes. Nesse catálogo, um grupo de genes com fenótipos mutantes muito semelhantes frequentemente codificará um conjunto de proteínas que trabalham juntas para realizar uma função. Algumas vezes as funções no desenvolvimento reveladas pelos fenótipos mutantes são aquelas que poderíamos esperar; outras vezes são uma surpresa. Uma sondagem genética em larga escala focando o desenvolvimento inicial da Drosophila revelou que os genes-chave formam um conjunto relativamente pequeno de classes funcionais definidas por seus fenótipos mutantes. Alguns – os genes de polaridade do ovo (Figura 22-30) – são necessários para

ANTERIOR

POSTERIOR

TERMINAL

Intestino e extremidade da cabeça Partes da cabeça

Figura 22-30 Domínios dos sistemas anterior, posterior e terminal dos genes de polaridade do ovo. O diagrama superior mostra os destinos das diferentes regiões do ovo/embrião inicial e indicam (em branco) as partes que falham em desenvolver-se se os sistemas anterior, posterior ou terminal estão defectivos. A fileira do meio mostra esquematicamente o aparecimento de uma larva normal e de larvas mutantes que são defectivas em um gene do sistema anterior (p. ex., Bicoid), do sistema posterior (p. ex., Nanos) ou do sistema terminal (p. ex., Torso). A fileira de baixo dos desenhos mostra a aparência das larvas nas quais nenhum ou somente um dos três sistemas gênicos está funcional. As legendas abaixo de cada larva especificam quais sistemas estão intactos (A P T para a larva normal, – P T para a larva onde o sistema anterior é defectivo, mas os sistemas posterior e terminal estão intactos, e assim por diante). A inativação de um sistema gênico particular causa a perda do conjunto correspondente de estruturas do corpo; as partes do corpo que se formam correspondem aos sistemas gênicos que permanecem funcionais. Note que as larvas com um defeito no sistema anterior ainda podem formar estruturas terminais na sua extremidade anterior, mas estas são de um tipo normalmente encontrado na extremidade posterior do corpo e não na cabeça. (Ligeiramente modificada de D. St. Johnston e C. Nusslein-Volhard, Cell 68:201-219, 1992. Com permissão de Elsevier.)

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Tórax Abdome Intestino e extremidade posterior

Bicoid

Normal

Nanos

A P

T

_

P

T

A _

_

_

A _

_

_

_

Torso

T

P

_

A P

_

_

T

_

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definir os eixos ântero-posterior e dorso-ventral do embrião e marcar as duas extremidades para destinos especiais por meio de mecanismos envolvendo interações entre o oócito e as células vizinhas no ovário. Outros, os genes gap, são necessários em regiões amplas e específicas ao longo do eixo ântero-posterior de um embrião inicial para permitir o seu desenvolvimento apropriado. Uma terceira categoria, os genes pair-rule, são necessários, mais surpreendentemente, para o desenvolvimento de segmentos alternados do corpo. Uma quarta categoria, os genes de polaridade dos segmentos, é responsável pela organização do padrão ântero-posterior de cada segmento individual. A descoberta desses quatro sistemas de genes, e a subsequente análise de suas funções (um trabalho ainda em andamento), foi uma famosa epopeia da genética do desenvolvimento. Ela teve um impacto revolucionário em toda a biologia do desenvolvimento ao apontar o caminho em direção a uma explicação sistemática e abrangente do controle genético do desenvolvimento embrionário. Nesta seção, resumiremos as conclusões relacionadas às fases iniciais do desenvolvimento da Drosophila, pois elas são específicas de insetos; abordaremos em maior extensão as partes do processo que ilustram princípios gerais.

As interações do oócito com seu ambiente definem os eixos do embrião: a função dosgenes de polaridade do ovo Surpreendentemente, as etapas mais iniciais do desenvolvimento animal estão entre as mais variáveis, mesmo dentro de um mesmo filo. Uma rã, uma galinha e um mamífero, por exemplo, mesmo que desenvolvam-se de maneiras semelhantes mais tarde, produzem óvulos que diferem radicalmente em tamanho e em estrutura e começam o seu desenvolvimento com sequências diferentes de divisões celulares e eventos de especialização celular. O estilo de desenvolvimento inicial que descrevemos para C. elegans é típico de muitas classes de animais. Por outro lado, o desenvolvimento inicial de Drosophila representa uma variação extrema. Os eixos principais do futuro corpo do inseto são definidos antes da fertilização por uma complexa troca de sinais entre o ovo não-fertilizado, ou oócito, e as células foliculares que o circundam no ovário (Figura 22-31). Então, na fase sincicial após a fertilização, uma quantidade excepcional de formação de padrões ocorre no conjunto de núcleos que se dividem rapidamente, antes da primeira divisão do ovo em células separadas. Aqui, não há necessidade das formas comuns de comunicação célula-célula envolvendo comunicação transmembrana; as regiões vizinhas do embrião inicial de Drosophila podem comunicar-se por meio de proteínas de regulação e de moléculas de mRNA que se difundem ou que são ativamente transportadas através do citoplasma da célula gigante multinucleada. Nos estágios anteriores à fertilização, o eixo ântero-posterior do futuro embrião se torna definido por três sistemas de moléculas que criam pontos de referência no oócito (Figura 22-32). Seguindo-se a fertilização, cada ponto de referência serve como um farol, fornecendo um sinal na forma de um gradiente de morfógenos, que organiza o processo de desenvolvimento na sua vizinhança. Dois desses sinais são gerados a partir de depósitos localizados de moléculas de mRNA específicas. A futura extremidade anterior do embrião contém uma grande concentração de mRNA para a proteína de regulação gênica chamada de Bicoid; este mRNA é traduzido para produzir a proteína Bicoid, a qual se difunde

Célula folicular

Oócito

Célula auxiliar

Células foliculares fornecendo sinais terminais

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Células foliculares fornecendo sinais ventrais

Figura 22-31 Um oócito de Drosophila no seu folículo. O oócito é derivado de uma célula germinativa que se divide quatro vezes para originar uma família de 16 células que permanecem em comunicação umas com as outras através de pontes citoplasmáticas (cinza). Um membro do grupo da família torna-se o oócito, enquanto as outras células se tornam células auxiliares, que produzem muitos dos componentes necessários pelo oócito e os transportam para dentro dele através das pontes citoplasmáticas. As células foliculares que circundam parcialmente o oócito possuem uma ancestralidade separada. Como indicado, elas são as fontes dos sinais terminal e ventral de polarização do ovo.

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SISTEMA POSTERIOR

mRNA localizado (Nanos )

SISTEMA ANTERIOR

SISTEMA TERMINAL

SISTEMA DORSO-VENTRAL

mRNA localizado (Bicoid )

Receptores transmembrana (Torso)

Receptores transmembrana (Toll)

Determinam • Células germinativas vs. células somáticas • Cabeça vs. cauda • Segmentos corporais

Figura 22-32 A organização dos quatro sistemas de gradiente de polaridade do ovo. Os receptores Toll e Torso são distribuídos por toda a membrana; o colorido nos diagramas à direita indica o local em que eles se tornam ativados pelos ligantes extracelulares.

Determinam • Ectoderme vs. mesoderme vs. endoderme • Estruturas terminais

a partir de sua fonte para formar um gradiente de concentração com o seu máximo na extremidade anterior do ovo. A futura extremidade posterior do embrião contém uma alta concentração de mRNA para um regulador da tradução chamado de Nanos, o qual forma um gradiente posterior da mesma maneira. O terceiro sinal é gerado simetricamente em ambas as extremidades do ovo, pela ativação local de um receptor tirosina-cinase transmembrana chamado de Torso. O receptor ativado exerce os seus efeitos em uma amplitude pequena, marcando os locais das estruturas terminais especializadas que irão formar as extremidades da cabeça e da cauda da futura larva e, também, definindo os rudimentos do futuro intestino. Os três conjuntos de genes responsáveis por esses determinantes localizados são referidos como os conjuntos anterior, posterior e terminal dos genes de polaridade do ovo. Um quarto ponto de referência define o eixo dorso-ventral (ver Figura 22-32): uma proteína que é produzida pelas células foliculares abaixo da futura região ventral do embrião leva à ativação localizada de outro receptor transmembrana, chamado de Toll, na membrana do oócito. Os genes necessários a essa função são chamados de genes dorso-ventrais de polaridade do ovo. Todos os genes de polaridade do ovo, nessas quatro classes, são genes de efeito materno: é o genoma da mãe, não o genoma do zigoto, que é crítico. Assim, uma mosca cujos cromossomos são mutantes em ambas as cópias do gene Bicoid, mas que nasceu de uma mãe que possui uma cópia normal de Bicoid, desenvolve-se de maneira perfeitamente normal, sem nenhum defeito no padrão da cabeça. Entretanto, se aquela mosca-filha é uma fêmea, nenhum mRNA funcional de Bicoid pode ser depositado na porção anterior dos seus próprios ovos, e todos irão desenvolver-se em embriões sem cabeça, independentemente do genótipo do pai. Cada um dos quatro sinais de polaridade do ovo – fornecidos por Bicoid, Nanos, Torso e Toll – exerce seus efeitos pela regulação (direta ou indireta) da expressão de genes nos núcleos do blastoderma. O uso destas moléculas particulares para organizar o ovo não é uma característica geral do desenvolvimento inicial dos animais – na verdade, somente a Drosophila e os insetos intimamente relacionados possuem um gene Bicoid. Toll foi aqui cooptado para a formação do padrão dorso-ventral; a sua função mais antiga e universal é a resposta imune inata, como discutido no Capítulo 24. Apesar disso, o sistema de polaridade do ovo apresenta algumas características altamente conservadas. Por exemplo, a localização do mRNA de Nanos em uma extremidade do ovo está ligada e é dependente da localização dos determinantes da célula germinativa naquele local, assim como em C. elegans. Mais adiante durante o desenvolvimento, enquanto o genoma do zigoto começa a atuar sob a influência do sistema de polaridade do ovo, mais semelhanças com outras espécies animais tornam-se aparentes. Utilizaremos o sistema dorso-ventral para ilustrar este ponto.

Os genes de sinalização dorso-ventrais criam um gradiente de uma proteína nuclear de regulação gênica A ativação localizada do receptor Toll no lado ventral do ovo controla a distribuição da Dorsal, uma proteína de regulação gênica que se encontra dentro do ovo. A proteína Dorsal pertence à mesma família da proteína de regulação gênica NF␬B de vertebrados (discutida no Capítulo 15). A sua atividade regulada por Toll, assim como a de NF␬B, depende

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da sua translocação a partir do citoplasma, onde ela é mantida em uma forma inativa, para o núcleo, onde regula a expressão gênica. No ovo recém-posto, ambos, o mRNA de Dorsal (detectado por hibridização in situ) e a proteína que ele codifica (detectada com anticorpos), são distribuídos uniformemente no citoplasma. Após os núcleos terem migrado para a superfície do embrião a fim de formar o blastoderma, entretanto, ocorre uma redistribuição extraordinária da proteína Dorsal: dorsalmente, a proteína permanece no citoplasma, mas ventralmente ela se concentra no núcleo, com um gradiente suave de localização nuclear entre estes dois extremos (Figura 22-33). O sinal transmitido pela proteína Toll controla a redistribuição de Dorsal por uma via de sinalização que é essencialmente a mesma via dependente de Toll envolvida na imunidade inata. Uma vez no interior do núcleo, a proteína Dorsal ativa ou inibe a expressão de diferentes conjuntos de genes, dependendo da sua concentração. A expressão de cada gene responsivo depende do seu DNA regulador – especificamente, do número e da afinidade dos sítios de ligação que este DNA contém para Dorsal e para outras proteínas reguladoras. Dessa maneira, o DNA regulador é capaz de interpretar o sinal posicional fornecido pelo gradiente da proteína Dorsal, de maneira a definir uma série de territórios dorso-ventrais – faixas distintas de células posicionadas no comprimento do embrião (Figura 22-34A). Mais ventralmente – onde está a maior concentração da proteína Dorsal – ela ativa, por exemplo, a expressão do gene chamado de Twist, que é específico para o mesoderma (Figura 22-35). Mais dorsalmente, onde a concentração da proteína Dorsal é menor, as células ativam o gene Decapentaplegic (Dpp). E, em uma região intermediária, onde a concentração da proteína Dorsal é alta o suficiente para reprimir Dpp, mas muito baixa para ativar Twist; as células ativam outro conjunto de genes, incluindo um denominado Short gastrulation (Sog).

Membrana vitelínica (envoltório do oócito)

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100 ␮m

Figura 22-33 O gradiente de concentração da proteína Dorsal nos núcleos do blastoderma, revelado por anticorpos. Dorsalmente, a proteína está presente no citoplasma e ausente nos núcleos; ventralmente, ela está ausente no citoplasma e concentrada nos núcleos. (De S. Roth, D. Stein e C. NussleinVolhard, Cell 59:1189-1202, 1989. Com permissão de Elsevier.)

Dpp transcrito

Sog transcrito Twist transcrito Gradiente da proteína Dorsal intranuclear

Transcrição dos genes zigóticos, regulada pela proteína Dorsal

(A)

Tecido extra-embrionário

Proteína Dpp

Epiderme dorsal

Ectoderme neurogênica Proteína Sog As proteínas Dpp e Sog secretadas formam um gradiente dorsal de morfógenos (B)

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Mesoderme Os territórios dorso-ventrais são especificados

Figura 22-34 Gradientes de morfógenos determinando os padrões do eixo dorso-ventral do embrião. (A) O gradiente da proteína Dorsal define três amplos territórios de expressão gênica, marcados aqui pela expressão de três genes representativos – Dpp, Sog e Twist. (B) Um pouco mais tarde, as células expressando Dpp e Sog secretam, respectivamente, as proteínas de sinalização Dpp (um membro da família TGFβ) e Sog (um antagonista de Dpp). Estas duas proteínas difundem-se e interagem uma com a outra (e com certos outros fatores) para determinar um gradiente de atividade de Dpp que guia um processo mais detalhado de formação de padrões.

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Figura 22-35 A origem da mesoderme a partir de células que expressam Twist. Os embriões foram fixados em estágios sucessivos, cortados transversalmente e corados com um anticorpo contra a proteína Twist, uma proteína de regulação gênica da família bHLH. As células que expressam Twist movem-se para o interior do embrião para formar a mesoderme. (De M. Leptin, J. Casal, B. Grunewald e R. Reuter, Development Suppl. 23-31, 1992. Com permissão de The Company of Biologists.)

Dpp e Sog produzem um gradiente de morfógenos secundário para refinar o padrão da parte dorsal do embrião Os produtos dos genes regulados diretamente pela proteína Dorsal geram sinais locais que definem subdivisões mais finas do eixo dorso-ventral. Estes sinais atuam após a celularização e assumem a forma de moléculas de sinalização extracelular convencionais. Em particular, Dpp codifica para a proteína secretada Dpp, a qual forma um gradiente de morfógenos na parte dorsal do embrião. O gene Sog, enquanto isso, codifica para outra proteína secretada que é produzida na ectoderme neurogênica e atua como um antagonista de Dpp. Os gradientes de difusão oposta dessas duas proteínas criam um gradiente acentuado de atividade de Dpp. Os níveis mais altos de atividade de Dpp, em combinação com certos outros fatores, induzem o desenvolvimento do tecido mais dorsal de todos – a membrana extra-embrionária; os níveis intermediários induzem o desenvolvimento da ectoderme dorsal, e os níveis muito baixos permitem o desenvolvimento da ectoderme neurogênica (Figura 22-34B).

O eixo dorso-ventral dos insetos corresponde ao eixo ventro-dorsal dos vertebrados

Figura 22-36 O plano corporal de vertebrados como uma inversão dorso-ventral do plano corporal de insetos. O mecanismo de determinação dos padrões dorso-ventrais em um embrião vertebrado é discutido em mais detalhes posteriormente neste capítulo. Note a correspondência com relação ao sistema circulatório, ao intestino e ao sistema nervoso. Em insetos, o sistema circulatório é representado por um coração tubular e um vaso sanguíneo dorsal principal, que bombeia sangue para os espaços dos tecidos por meio de um conjunto de aberturas e recebe o sangue de volta dos tecidos por meio de outro conjunto. Em contraste com os vertebrados, não há um sistema de vasos capilares para conter o sangue enquanto ele é percolado através dos tecidos. Entretanto, o desenvolvimento do coração depende de genes homólogos nos vertebrados e nos insetos, reforçando a relação entre os dois planos corporais. (Segundo E. L. Ferguson, Curr. Opin. Genet. Dev. 6:424-431, 1996. Com permissão de Elsevier.)

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A Dpp é um membro da superfamília TGF␤ das moléculas de sinalização que também é importante nos vertebrados; a Sog é um homólogo da proteína chordin dos vertebrados. É surpreendente que um homólogo da Dpp, BMP4, e a chordin atuem juntos nos vertebrados da mesma maneira que Dpp e Sog em Drosophila. Essas duas proteínas controlam o padrão dorso-ventral da ectoderme, com altos níveis de chordin definindo a região que é neurogênica, e altos níveis de atividade de BMP4 definindo a região que não é. Isto, combinado a outros paralelos moleculares, sugere que esta parte da estrutura corporal foi conservada entre os insetos e os vertebrados. Entretanto, o eixo está invertido, de maneira que a parte dorsal na mosca corresponde à parte ventral no vertebrado (Figura 22-36). Em algum ponto da história evolutiva, parece que o ancestral de uma dessas classes de animais optou por viver a vida de cabeça para baixo.

Três classes de genes de segmentação refinam o padrão materno ântero-posterior e subdividem o embrião Após os gradientes iniciais de Bicoid e de Nanos serem criados para definir o eixo ântero-posterior, os genes de segmentação refinam o padrão. As mutações em qualquer um dos genes de segmentação alteram o número de segmentos ou sua organização interna básica, sem afetar a polaridade global do embrião. Os genes de segmentação são expressos por subconjuntos de células no embrião, de maneira que seus produtos são os primeiros componentes do genoma próprio do embrião, que não os do genoma materno, a contribuir para o desen-

Sistema circulatório

Intestino

Sistema nervoso central

DORSAL

Intestino

Ânus Boca INSETO

Boca Sistema nervoso central

VENTRAL

Sistema circulatório

Ânus VERTEBRADO

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GENE GAP (Krüppel)

GENE PAIR-RULE (Even-skipped)

GENE DE POLARIDADE SEGMENTAR (Gooseberry)

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Figura 22-37 Exemplos de fenótipos de mutações afetando os três tipos de genes de segmentação. Em cada caso, as áreas sombreadas em verde na larva normal (esquerda) estão ausentes no mutante ou foram substituídas por duplicações especulares das regiões não afetadas. (Modificada de C. NussleinVolhard e E. Wieschaus, Nature 287:795801, 1980. Com permissão de Macmillan Publishers Ltd.)

volvimento embrionário. Eles são chamados de genes de efeito zigótico, para distingui-los dos genes iniciais de efeito materno. Os genes de segmentação distribuem-se em três grupos, de acordo com seus fenótipos mutantes (Figura 22-37). É conveniente considerar estes três grupos como se suas ações ocorressem em sequência, apesar de, na realidade, suas funções se sobreporem. Primeiro, atuam em um conjunto de pelo menos seis genes gap, cujos produtos definem subdivisões não refinadas do embrião. As mutações em um gene gap eliminam um ou mais grupos de segmentos adjacentes, e as mutações em genes gap distintos causam defeitos diferentes, porém parcialmente sobrepostos. Em um mutante Kruppel, por exemplo, a larva não apresenta oito segmentos, de T1 a A5. Os próximos genes de segmentação a atuarem são um conjunto de oito genes pair-rule. As mutações nestes genes causam uma série de deleções afetando segmentos alternados, deixando o embrião com somente a metade dos segmentos normais. Enquanto todos os mutantes pair-rule apresentam esta periodicidade de dois segmentos, eles diferem na posição precisa das deleções relativas aos limites segmentais ou parassegmentais. O mutante pair-rule Even-skipped (Eve), por exemplo, discutido no Capítulo 7, não apresenta todos os parassegmentos de números ímpares; o mutante pair-rule Fushi-tarazu (Ftz) não possui todos os parassegmentos de números pares, e o mutante pair-rule Hairy não apresenta uma série de regiões que são semelhantes em largura, mas que não têm relação com as unidades parassegmentais. Finalmente, existem pelo menos 10 genes de polaridade segmentar. As mutações nesses genes produzem larvas com um número normal de segmentos, mas com uma parte de cada segmento deletada e substituída por uma duplicação especular de todo ou de parte do segmento restante. Em mutantes Gooseberry, por exemplo, a metade posterior de cada segmento (ou seja, a metade anterior de cada parassegmento) é substituída por uma imagem aproximadamente especular de metade do segmento adjacente anterior (ver Figura 22-37). Veremos mais tarde que, em paralelo com o processo de segmentação, um conjunto adicional de genes, os genes seletores homeóticos, serve para definir e preservar as diferenças entre um segmento e o próximo. Os fenótipos dos vários mutantes de segmentação sugerem que os genes de segmentação formam um sistema coordenado que subdivide o embrião progressivamente em domínios cada vez menores ao longo do eixo ântero-posterior, distinguido por padrões diferentes de expressão gênica. A genética molecular tem ajudado a revelar como este sistema funciona.

A expressão localizada dos genes de segmentação é regulada por uma hierarquia de sinais posicionais Cerca de três quartos dos genes de segmentação, incluindo todos os genes gap e os genes pair-rule, codificam para proteínas de regulação gênica. As suas ações sobre outros genes

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Figura 22-38 A hierarquia reguladora dos genes de polaridade do ovo, gap, segmentar e seletores homeóticos. As fotografias mostram o padrão de expressão de exemplos representativos de genes em cada categoria, revelados pela coloração com anticorpos contra produtos proteicos. Os genes seletores homeóticos, discutidos abaixo, definem as últimas diferenças entre um segmento e o próximo. (Fotografias a partir do topo (i) de W. Driever e C. NussleinVolhard, Cell 54:83-104, 1988. Com permissão de Elsevier; (ii) cortesia de Jim Langeland, Steve Paddock, Sean Carroll e Howard Hughes Medical Institute; (iii) de P. A. Lawrence, The Making of a Fly. Oxford, UK: Blackwell, 1992; (iv) de C. Hama, Z. ali e T.B. Kornberg, Genes Dev. 4:1079-1093, 1990. Com permissão de Cold Spring Harbor Laboratory Press; (v) cortesia de William McGinnis, adaptada de D. Kosman et al., Science 305:846, 2004. Com permissão de AAAS.)

Genes de polaridade do ovo

Bicoid

ANTERIOR

POSTERIOR

Genes gap

Krüppel e Hunchback

Genes pair-rule Eve e Ftz

Genes de polaridade segmentar

Genes seletores homeóticos

Engrailed

podem ser observadas pela comparação da expressão gênica nos embriões normais e nos mutantes. Pelo uso de sondas apropriadas para a detecção dos transcritos gênicos ou de seus produtos proteicos, é possível, efetivamente, obter representações instantâneas de genes sendo ativados e inativados nos padrões em alteração. Repetindo o processo em mutantes que não possuam um gene de segmentação particular, pode-se começar a dissecar a lógica de todo o sistema de controle gênico. Os produtos dos genes de polaridade do ovo fornecem sinais globais de posição no embrião inicial. Eles induzem a expressão de genes gap particulares em regiões particulares. Os produtos dos genes gap fornecem um segundo conjunto de sinais posicionais que atuam mais localmente para regular detalhes mais precisos da formação de padrões, pela expressão de outros genes, incluindo os genes pair-rule (Figura 22-38). Os genes pair-rule, por sua vez, colaboram uns com os outros e com os genes gap para construir um padrão periódico de expressão dos genes de polaridade segmentar, e os genes de polaridade segmentar colaboram uns com os outros para definir o padrão interno de cada segmento individual. A estratégia, dessa forma, é uma indução sequencial (ver Figura 22-16). No final do processo, os gradientes globais produzidos pelos genes de polaridade do ovo desencadearam a criação de um padrão mais refinado por meio de uma hierarquia de controles posicionais sequenciais, progressivamente mais locais. Como os sinais posicionais globais que iniciaram o processo não necessitam especificar diretamente os detalhes finos, os núcleos celulares individuais não precisam ser controlados com precisão extrema por pequenas diferenças na concentração destes sinais. Ao contrário, em cada etapa na sequência, novos sinais começam a atuar, produzindo diferenças substanciais e localizadas de concentração para definir novos detalhes. A indução sequencial é uma estratégia sólida. Ela trabalha de maneira segura para produzir embriões de moscas que apresentem todos o mesmo padrão, apesar da imprecisão essencial dos sistemas de controle biológicos e da variação de condições, como a temperatura, em que a mosca se desenvolve.

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A natureza modular do DNA regulador permite que os genes possuam múltiplas funções controladas independentemente O elaborado processo de formação de padrões recém-descrito depende de longos trechos de sequências de DNA não-codificante que controlam a expressão de cada um dos genes envolvidos. Essas regiões reguladoras ligam múltiplas cópias das proteínas de regulação gênica produzidas pelos genes formadores de padrões expressos anteriormente. Assim como um mecanismo lógico de entrada e de saída, um gene individual é ativado e inativado de acordo com uma combinação particular de proteínas ligadas a suas regiões reguladoras em cada estágio do desenvolvimento. No Capítulo 7, descrevemos um gene de segmentação em particular – o gene pair-rule Even-skipped (Eve) – e discutimos como a decisão de transcrever o gene é feita de acordo com todas essas informações (ver Figura 7-55). Este exemplo pode ser mais elaborado para ilustrar alguns princípios importantes da formação dos padrões do desenvolvimento. As faixas individuais da expressão de Eve dependem de módulos reguladores separados no DNA regulador de Eve. Assim, um módulo regulador é responsável pela expressão de Eve nas faixas 1 + 5, outro na faixa 2, outro nas faixas 3 + 7 e ainda outro nas faixas 4 + 6 (Figura 22-39). Cada módulo regulador define um conjunto diferente de requisitos para a expressão gênica de acordo com a concentração dos produtos dos genes de polaridade do ovo e dos genes gap. Dessa forma, o DNA regulador de Eve serve para traduzir o padrão complexo e não-repetitivo das proteínas de polaridade do ovo e gap em um padrão periódico de expressão de um gene pair-rule. A organização modular do DNA regulador de Eve recém-descrito é típica da regulação gênica de animais multicelulares e de plantas, e tem profundas implicações. Por meio da junção das sequências dos módulos que respondem a diferentes combinações de proteínas reguladoras, é possível gerar quase qualquer padrão de expressão gênica com base em quase qualquer outro. A presença dos módulos, além disso, permite ao DNA regulador definir padrões de expressão gênica que não são simplesmente complexos, mas cujas partes são independentemente ajustáveis. Uma alteração em um destes módulos reguladores pode alterar uma parte do padrão de expressão, sem afetar o resto e sem necessitar de alterações nas proteínas reguladoras que levariam a repercussões na expressão de outros genes no genoma. Como descrito no Capítulo 7, é este DNA regulador que contém a chave para a organização complexa de plantas e de animais multicelulares, e suas propriedades tornam possível a adaptabilidade independente de cada parte da estrutura do corpo de um organismo no curso da evolução. A maioria dos genes de segmentação também desempenha funções importantes em outros momentos e locais no desenvolvimento da Drosophila. O gene Eve, por exemplo, é expresso em subconjuntos de neurônios, em células precursoras musculares e em vários

Subconjunto de neurônios

Faixas 4 e 6

Faixa 1

Faixa 5

Codificação

Faixas 3 e 7

Faixa 2 mRNA Eve 3.000 pares de nucleotídeos

Precursores musculares Faixas 1 e 5

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Figura 22-39 Organização modular do DNA regulador do gene Eve. No experimento mostrado, fragmentos clonados do DNA regulador foram ligados ao repórter LacZ (um gene bacteriano). Os embriões transgênicos contendo estas construções foram então coradas por hibridização in situ para revelar o padrão de expressão de LacZ (azul/preto) e contracorado com um anticorpo anti-Eve (laranja) para mostrar as posições das faixas de expressão normais de Eve. Diferentes segmentos do DNA regulador de Eve (ocre) controlam a expressão gênica em regiões que correspondem a diferentes partes do padrão de expressão normal de Eve. Dois segmentos em tandem controlam a expressão em um padrão que é a soma dos padrões gerados por cada um deles individualmente. Os módulos reguladores separados são responsáveis por diferentes momentos da expressão gênica, assim como diferentes localizações: o painel mais à esquerda mostra a ação de um módulo que começa a agir mais tarde do que os outros ilustrados e controla a expressão em um subconjunto de neurônios. (De M. Fujioka et al., Development 126:2527-538, 1999. Com permissão de The Company of Biologists.)

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Figura 22-40 A formação das faixas de Ftz e de Eve no blastoderma de Drosophila. Ftz e Eve são ambos genes pair-rule. Os seus padrões de expressão (mostrados em marrom para Ftz e em cinza para Eve) são inicialmente pouco definidos, mas rapidamente transformam-se em faixas nitidamente delineadas. (De P. A. Lawrence, The Making of a Fly. Oxford, UK: Blackwell, 1992.)

2,7 horas após a fertilização

3,5 horas após a fertilização

outros locais sob o controle de estimuladores adicionais (ver Figura 22-39). Pela adição de novos módulos a este DNA regulador, qualquer gene pode ser cooptado durante a evolução para novos propósitos em novos locais do corpo, sem detrimento de suas outras funções.

Os genes de polaridade do ovo, os genes gap e os genes pair-rule criam um padrão transiente que é relembrado por outros genes

Figura 22-41 O padrão de expressão de Engrailed, um gene de polaridade segmentar. O padrão de Engrailed é mostrado em um embrião de cinco horas (no estágio de banda germinativa estendida), em um embrião de 10 horas e no adulto (cujas asas foram removidas nesta preparação). O padrão é revelado por um anticorpo (marrom) contra a proteína Engrailed (para os embriões de 5 e 10 horas) ou (para o adulto) pela construção de uma linhagem de Drosophila contendo as sequências controladoras do gene Engrailed acopladas à sequência codificante do repórter LacZ, cujo produto é detectado histoquimicamente por meio de um produto azul da reação que ele catalisa. Note que o padrão de Engrailed, uma vez estabelecido, é preservado por toda a vida do animal. (De C. Hama, Z. Ali e T. B. Kornberg, Genes Dev. 4:1079-1093. Com permissão de Cold Spring Harbor Laboratory Press.)

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Dentro das primeiras horas após a fertilização, os genes gap e os genes pair-rule são ativados. Seus produtos de mRNA aparecem primeiramente em padrões que somente se aproximam da situação final; então, em um curto período – por meio de uma série de ajustes interativos – a indefinida distribuição inicial dos produtos gênicos transforma-se em um sistema regular e nitidamente definido de faixas (Figura 22-40). Contudo, esse sistema por si só é instável e transiente. Enquanto o embrião avança pela gastrulação e além, o padrão regular segmentar dos produtos gênicos gap e pair-rule desintegram-se. As suas ações, entretanto, produziram um conjunto permanente de marcações – valores posicionais – nas células do blastoderma. Estas marcas posicionais estão gravadas na ativação persistente de certos genes de polaridade segmentar e dos genes seletores homeóticos, os quais servem para manter a organização segmentar da larva e do adulto. O gene Engrailed de polaridade segmentar fornece um bom exemplo. Os seus transcritos de mRNA são vistos no blastoderma celular em uma série de 14 faixas, cada uma com aproximadamente uma célula de largura, correspondendo às porções mais anteriores dos futuros parassegmentos (Figura 22-41). Os genes de polaridade segmentar são expressos em padrões que se repetem de um parassegmento para o próximo, e as suas faixas de expressão aparecem em uma relação fixa com as faixas de expressão dos genes pair-rule que os auxiliam na sua ativação. Entretanto, a produção deste padrão em cada parassegmento depende de interações entre os próprios genes de polaridade segmentar. Essas interações ocorrem em etapas quando o blastoderma já se tornou totalmente dividido em células separadas, de maneira que a sinalização célula-célula normal tem que entrar em ação. Um grande subconjunto de genes de polaridade segmentar codifica para componentes de duas vias de transdução de sinais, a via Wnt e a via Hedgehog, incluindo as proteínas sinalizadoras secretadas Wingless

Embrião de 5 horas

100 ␮m

Adulto

Embrião de 10 horas

500 ␮m

100 ␮m

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(um membro da família Wnt) e Hedgehog. Estas são expressas em diferentes bandas de células que servem como centros de sinalização em cada parassegmento e atuam na manutenção e no refino da expressão de outros genes de polaridade segmentar. Além disso, embora a sua expressão inicial seja determinada pelos genes pair-rule, as duas proteínas sinalizadoras regulam uma a expressão da outra em uma via mutuamente sustentada e continuam a auxiliar o desencadeamento da expressão de genes, como o Engrailed, precisamente em seus locais corretos. O padrão de expressão de Engrailed persistirá por toda a vida, muito depois de os sinais que organizaram a sua produção terem desaparecido (ver Figura 22-41). Este exemplo ilustra não somente a subdivisão progressiva do embrião por meio de sinais cada vez mais precisamente localizados, mas também a transição entre os eventos de sinalização temporários do desenvolvimento inicial e a posterior manutenção estável das informações do desenvolvimento. Além de regular os genes de polaridade segmentar, os produtos dos genes pair-rule colaboram com os produtos dos genes gap para induzir a ativação precisamente localizada de um conjunto adicional de marcações espaciais – os genes seletores homeóticos. São os genes seletores homeóticos que distinguem permanentemente um parassegmento de outro. Na próxima seção, examinaremos esses genes seletores em detalhe e discutiremos as suas funções na memória celular.

Resumo A mosca Drosophila tem sido o principal organismo, modelo para o estudo da genética do desenvolvimento animal. Assim como outros insetos, ela começa o seu desenvolvimento com uma série de divisões nucleares, gerando um sincício, e grande parte da formação dos padrões iniciais ocorre nesta célula única gigante e multinucleada. O padrão se origina das assimetrias no ovo, organizadas tanto por depósitos localizados de mRNA dentro do ovo como por sinais das células foliculares ao redor dele. As informações posicionais no embrião multinucleado são fornecidas por quatro gradientes intracelulares produzidos pelos produtos de quatro grupos de genes de efeito materno chamados de genes de polaridade do ovo. Eles controlam quatro distinções fundamentais para a estrutura corporal dos animais: dorsal versus ventral, endoderme versus mesoderme e ectoderme, células germinativas versus células somáticas e cabeça versus parte posterior. Os genes de polaridade do ovo operam pela produção de distribuições graduadas de proteínas de regulação gênica no ovo e no embrião inicial. Os gradientes ao longo do eixo ântero-posterior iniciam a expressão ordenada dos genes gap, dos genes pair-rule, dos genes de polaridade segmentar e dos genes seletores homeóticos. Estes, por meio de uma hierarquia de interações, tornam-se expressos em algumas regiões do embrião e não em outras, subdividindo progressivamente o blastoderma em uma série regular de unidades modulares repetidas chamadas de segmentos. Os padrões complexos de expressão gênica refletem a organização modular do DNA regulador, com estimuladores separados para cada gene individual responsável por partes separadas do seu padrão de expressão. Os genes de polaridade segmentar começam a agir próximo ao final do processo de segmentação, logo após o sincício ter se dividido em células separadas, e controlam a formação de padrões internos de cada segmento por sinalizações célula-célula por meio das vias de Wnt (Wingless) e Hedgehog. Isto leva a uma ativação localizada e persistente de genes como Engrailed, dando às células um registro da sua localização ântero-posterior dentro do segmento. Enquanto isso, um novo gradiente de sinalização célula-célula também é gerado ao longo do eixo dorso-ventral, com o membro da família TGF␤ Decapentaplegic (Dpp) e seu antagonista, Short gastrulation, atuando como morfógenos. Este gradiente auxilia a refinar a escolha das várias características das células em diferentes níveis dorso-ventrais. Sabe-se também que as proteínas homólogas controlam a formação de padrões do eixo ventro-dorsal nos vertebrados.

GENES SELETORES HOMEÓTICOS E A FORMAÇÃO DE PADRÕES DO EIXO ÂNTEROPOSTERIOR À medida que o desenvolvimento progride, o corpo torna-se cada vez mais complexo. Em toda esta complexidade crescente existe, entretanto, uma característica simplificadora que coloca o entendimento de todo o processo de desenvolvimento a nosso alcance.

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Figura 22-42 Mutação homeótica. A mosca mostrada aqui é um mutante Antennapedia. As suas antenas estão convertidas em estruturas de pernas por uma mutação na região reguladora do gene Antennapedia que o induz a ser expresso na cabeça. Compare com a mosca normal mostrada na Figura 21-24. (Cortesia de Matthew Scott.)

Repetidamente, em cada espécie e em cada nível de organização, as estruturas complexas são feitas pela repetição de alguns temas básicos, com variações. Assim, um número limitado de tipos celulares básicos diferenciados, como as células musculares ou os fibroblastos, ressurge com variações individuais sutis em diferentes locais. Esses tipos celulares estão organizados em uma variedade limitada de tipos de tecidos, como os músculos ou os tendões, os quais novamente estão repetidos com variações sutis em diferentes regiões do corpo. A partir de vários tecidos, órgãos como os dentes ou os dedos são produzidos – molares e incisivos, indicadores e polegares e dedos dos pés – alguns tipos básicos de estrutura, repetidos com variações. Em qualquer lugar em que encontremos este fenômeno de repetição modulada, podemos dividir o problema dos biólogos do desenvolvimento em duas questões: qual é o mecanismo básico de construção comum a todos os objetos de uma dada classe, e como este mecanismo é modificado para originar as variações observadas? O embrião usa uma estratégia combinatória para gerar a sua complexidade, e podemos usar a estratégia combinatória para entendê-la. Os segmentos do corpo do inseto fornecem um exemplo muito claro. Já havíamos esboçado a maneira pela qual os rudimentos de um único segmento típico são construídos. Precisamos agora considerar como um segmento é induzido a ser diferente de outro.

O código Hox especifica diferenças ântero-posteriores O primeiro vestígio de uma resposta genética para a questão de como cada segmento adquire a sua identidade individual surgiu há mais de 80 anos, com a descoberta da primeira de várias mutações na Drosophila que causavam perturbações bizarras na organização da mosca adulta. No mutante Antennapedia, por exemplo, as pernas originam-se a partir da cabeça, no lugar das antenas (Figura 22-42), enquanto no mutante Bithorax, porções de um par de asas extras aparecem onde normalmente deveriam estar estruturas muito menores chamadas de halteres. Essas mutações transformam partes do corpo em estruturas apropriadas para outras posições e são chamadas de homeóticas. Um conjunto inteiro de genes seletores homeóticos determina o caráter ântero-posterior dos segmentos da mosca. Os genes deste conjunto – oito deles na mosca – são relacionados uns com os outros como membros de uma família multigênica e pertencem a um ou a outro de dois agrupamentos gênicos conhecidos como complexo Bithorax e complexo Antennapedia. Os genes no complexo Bithorax controlam as diferenças entre os segmentos abdominais e torácicos do corpo, e aqueles do complexo Antennapedia controlam as diferenças entre os segmentos torácicos e os da cabeça. As comparações com outras espécies mostram que os mesmos genes estão presentes em essencialmente todos os animais, incluindo os humanos. Estas comparações também revelam que os complexos Antennapedia e Bithorax são as duas metades de uma única entidade, chamada de complexo Hox, que se tornou dividida no curso da evolução da mosca e cujos membros operam de uma maneira coordenada para exercer o seu controle sobre o padrão cabeça-cauda do corpo.

Os genes seletores homeóticos codificam proteínas de ligação ao DNA que interagem com outras proteínas de regulação gênica À primeira vista, cada gene seletor homeótico normalmente é expresso somente naquelas regiões que se desenvolvem de modo anormal quando o gene está mutado ou ausente. Os produtos desses genes podem, então, ser vistos como marcas de endereço molecular pertencentes às células de cada parassegmento: eles são a encarnação física do valor posicional da célula. Se as marcas de endereçamento estiverem alteradas, o parassegmento comporta-se como se estivesse localizado em outro lugar, e a deleção de todo o complexo resulta em uma larva cujos segmentos do corpo são todos semelhantes (Figura 22-43). Um primeiro problema, portanto, é entender como os produtos dos genes seletores homeóticos atuam na maquinaria básica de formação de padrões segmentares para dar a cada segmento sua individualidade. Os produtos dos genes seletores homeóticos são proteínas de regulação gênica, todas relacionadas umas às outras por possuírem um homeodomínio de ligação ao DNA altamente conservado (de 60 aminoácidos), discutido no Capítulo 7. O segmento correspondente na sequência de DNA é chamado de homeobox, do qual, pela abreviatura, o complexo Hox ganhou seu nome.

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Figura 22-43 O efeito da deleção da maioria dos genes do complexo Bithorax. (A) Uma larva normal de Drosophila mostrada sob iluminação em campo escuro; (B) a larva mutante com grande parte do complexo Bithorax deletada. No mutante, todos os parassegmentos posteriores a P5 têm a aparência de P5. (De G. Struhl, Nature 293:36-41, 1981. Com permissão de Macmillan Publishers Ltd.)

Se os produtos dos genes seletores homeóticos são semelhantes nas suas regiões de ligação ao DNA, como eles exercem efeitos diferentes de modo a fazer um parassegmento distinto do seguinte? A resposta parece estar, em grande parte, nas partes das proteínas que não se ligam diretamente ao DNA, mas interagem com outras proteínas nos complexos de ligação ao DNA. Os diferentes parceiros nestes complexos atuam junto com as proteínas seletoras homeóticas para determinar quais os sítios de ligação ao DNA serão reconhecidos e se o efeito na transcrição naqueles sítios será de ativação ou repressão. Dessa maneira, os produtos dos genes seletores homeóticos combinam-se a outras proteínas de regulação gênica e modulam suas ações de maneira a dar a cada parassegmento os seus aspectos característicos.

Os genes seletores homeóticos são expressos sequencialmente de acordo com a sua ordem no complexo Hox

(A)

(B) 100 ␮m

Para entender como o complexo Hox fornece valores posicionais às células, também precisamos considerar como a expressão dos próprios genes Hox é regulada. As sequências codificantes dos oito genes seletores homeóticos nos complexos Antennapedia e Bithorax estão distribuídas em meio a uma quantidade muito maior – um total de aproximadamente 650 mil pares de nucleotídeos – de DNA regulador. Este DNA inclui sítios de ligação aos produtos dos genes de polaridade do ovo e dos genes de segmentação. O DNA regulador no complexo Hox atua como um intérprete dos múltiplos itens de informações posicionais fornecidos por todas estas proteínas de regulação gênica. Em resposta, é transcrito um conjunto particular de genes seletores homeóticos, apropriado para aquela localização. No padrão de controle existe uma notável regularidade. A sequência na qual os genes estão ordenados ao longo do cromossomo, em ambos os complexos Antennapedia e Bithorax, corresponde quase exatamente à ordem na qual eles são expressos ao longo do eixo do corpo (Figura 22-44). Isso sugere que os genes são ativados em série por algum processo graduado – em duração ou em intensidade – ao longo do eixo do corpo e cuja ação se espalha gradualmente ao longo do cromossomo. De modo geral, o mais “posterior” dos genes expressos em uma célula é o que domina, direcionando para uma diminuição da expressão dos genes “anteriores” previamente ativados e ditando a característica do segmento. Os mecanismos de regulação gênica subjacentes a esses fenômenos ainda não são compreendidos, mas as suas consequências são profundas. Veremos que a organização serial da expressão gênica no complexo Hox é uma característica fundamental que tem sido altamente conservada no curso da evolução. Cromossomo 3

Lab AbdB Labial Proboscipedia Deformed Sex combs reduced Antennapedia P2 Ultrabithorax Abdominal A Abdominal B Lab

Dfd

Scr

Antp

Ubx

AbdA

Pb Dfd Scr Antp Ubx AbdA AbdB

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Complexo Antennapedia

Complexo Bithorax

Figura 22-44 Os padrões de expressão comparados às localizações cromossômicas dos genes do complexo Hox. O diagrama mostra a sequência dos genes em cada uma das duas subdivisões dos complexos cromossômicos. Esta sequência corresponde, com poucas exceções, à sequência espacial na qual os genes são expressos, conforme mostrado na fotografia de um embrião no estágio de banda germinativa estendida, cerca de cinco horas após a fertilização. O embrião foi corado por hibridização in situ com diferentes sondas marcadas com cores distintas para detectar os produtos de mRNAs de diferentes genes Hox. (Fotografia cortesia de William McGinnis, adaptada de D. Kosman et al., Science 305:846, 2004. Com permissão de AAAS.)

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Existem centenas de outros genes contendo homeobox no genoma da mosca – e de outras espécies animais – mas a maioria está dispersa e não agrupada em complexos como o complexo Hox. Eles desempenham muitas funções diferentes na regulação gênica, mas uma proporção substancial apresenta funções afins às dos genes Hox: eles controlam as variações de um tema básico do desenvolvimento. As diferentes classes de neurônios, por exemplo, diferenciam-se frequentemente umas das outras pela expressão de genes específicos dessa grande superfamília.

O complexo Hox carrega um registro permanente das informações posicionais O padrão espacial de expressão dos genes no complexo Hox é formado por sinais que atuam no início do desenvolvimento, mas as consequências são duradouras. Embora o padrão de expressão sofra ajustes complexos enquanto o desenvolvimento progride, o complexo Hox se comporta, em cada célula, como um registro permanente da posição ântero-posterior que a célula ocupou no embrião inicial. Assim, as células de cada segmento estão equipadas com uma memória de longa duração da sua localização ao longo do eixo ântero-posterior do corpo – em outras palavras, com um valor posicional ântero-posterior. Como veremos na próxima seção, esta memória impressa no complexo Hox controla a identidade específica dos segmentos não somente nos segmentos larvais, mas também nas estruturas da mosca adulta, que são geradas em um estágio muito mais tardio em relação aos discos imaginais larvais e a outros abrigos de células imaginais precursoras na larva. O mecanismo molecular da memória celular para esta informação posicional conta com dois tipos de informações reguladoras. Uma é originada dos próprios genes seletores homeóticos: muitas das proteínas Hox autoativam a transcrição de seus próprios genes. Outra informação crucial é originada em dois grandes conjuntos complementares de proteínas que controlam a estrutura da cromatina, chamados de grupo Polycomb e grupo Trithorax. Se estes reguladores estão defeituosos, o padrão de expressão dos genes seletores homeóticos é, no primeiro momento, formado de maneira correta, mas não é corretamente mantido conforme o embrião se desenvolve. Os dois conjuntos de reguladores atuam de maneiras opostas. As proteínas do grupo Trithorax são necessárias para manter a transcrição dos genes Hox nas células em que a transcrição já foi ativada. Em contraste, as proteínas do grupo Polycomb formam complexos estáveis que se ligam à cromatina do complexo Hox e mantêm o estado reprimido nas células em que os genes Hox não foram ativados no seu momento crítico (Figura 22-45). A memória do desenvolvimento envolve modificações covalentes específicas nas histonas dos nucleossomos nas adjacências dos genes Hox, induzindo a uma mudança de estado da cromatina que pode ser perpetuada de uma geração de células para a próxima, conforme discutido nos Capítulos 4 e 7.

O eixo ântero-posterior é controlado pelos genes seletores Hox também nos vertebrados Os homólogos dos genes seletores homeóticos de Drosophila são encontrados em quase todas as espécies animais estudadas, dos cnidários (hidras) e nematoides até os moluscos e mamíferos. Notavelmente, esses genes frequentemente são agrupados em complexos semelhantes ao complexo Hox de insetos. No camundongo, existem quatro desses complexos – chamados de complexos HoxA, HoxB, HoxC e HoxD – cada um em um cromossomo diferente. Os genes individuais em cada complexo podem ser reconhecidos pelas suas sequências correspondentes de membros específicos do conjunto de genes de Drosophila. Na realidade, os genes Hox de mamíferos podem funcionar na Drosophila como substitutos parciais dos genes Hox correspondentes de Drosophila. Parece que cada um dos quatro complexos Hox de mamíferos é, grosseiramente falando, o equivalente a um complexo completo de insetos (ou seja, o complexo Antennapedia mais o complexo Bithorax) (Figura 22-46). A ordenação dos genes dentro de cada complexo Hox dos vertebrados é essencialmente a mesma do complexo Hox de insetos, sugerindo que todos os quatro complexos dos vertebrados se originaram por duplicações de um único complexo primordial e que preservaram

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BX-C

ANT-C

(A)

(B)

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Figura 22-45 A ação dos genes do grupo Polycomb. (A) Fotografia de um embrião mutante defeituoso para o gene Extra sex combs (Esc) e derivado de uma mãe que também não apresentava este gene. O gene pertence ao grupo Polycomb. Essencialmente todos os segmentos foram transformados assemelhando-se ao segmento abdominal mais posterior (compare com a Figura 22-43). No mutante, o padrão de expressão dos genes seletores homeóticos, que inicialmente é bastante normal, torna-se tão instável que logo todos os genes estão ativados ao longo do eixo do corpo. (B) O padrão normal de ligação da proteína Polycomb aos cromossomos gigantes da Drosophila, visualizado com um anticorpo contra Polycomb. A proteína está ligada ao complexo Antennapedia (ANT-C), ao complexo Bithorax (BX-C) e a cerca de 60 outros locais. (A, de G. Struhl, Nature 293:36-41, 1981. Com permissão de Macmillan Publishers Ltd.; B, cortesia de B. Zink e R. Paro, Trends Genet. 6:416-421, 1990. Com permissão de Elsevier.)

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sua organização básica. Mais surpreendentemente, quando os padrões de expressão dos genes Hox são examinados no embrião de vertebrados por hibridização in situ, percebe-se que os membros de cada complexo são expressos em uma série cabeça-cauda ao longo do eixo do corpo, assim como em Drosophila (Figura 22-47). O padrão é mais claramente observado no tubo neural, mas também é visível em outros tecidos, especialmente na mesoderme. Com exceções menores, essa ordenação anatômica corresponde à ordenação cromossômica dos genes em cada complexo, e os genes correspondentes nos quatro diferentes complexos Hox possuem domínios ântero-posteriores de expressão quase idênticos. Os domínios de expressão gênica definem um sistema detalhado de correspondências entre as regiões do corpo dos insetos e as regiões do corpo dos vertebrados (ver Figura 22-46). Os parassegmentos da mosca correspondem a uma série de segmentos semelhantemente marcados na porção anterior do embrião de vertebrado. Estes segmentos estão mais claramente demarcados no cérebro posterior (ver Figuras 22-46 e 22-47), onde são chamados de rombômeros. Nos tecidos laterais ao cérebro posterior, a segmentação é vista em uma série de arcos branquiais, proeminentes em todos os embriões de vertebrados – os precursores dos sistemas de brânquias em peixes e dos maxilares e das estruturas do pescoço em mamíferos; cada par de rombômeros no cérebro posterior corresponde a um arco branquial. No cérebro posterior, como na Drosophila, os limites dos domínios de expressão de muitos dos genes Hox estão alinhados com os limites dos segmentos anatômicos. Os produtos dos genes Hox de mamíferos parecem especificar valores posicionais que controlam o padrão ântero-posterior de partes do cérebro posterior, do pescoço e do tronco (assim como outras partes do corpo). Assim como em Drosophila, quando um gene Hox posterior é artificialmente expresso em uma região anterior, ele faz com que o tecido anterior apresente características do tecido posterior. No entanto, a perda de um gene Hox posterior permite que o tecido posterior, onde ele normalmente seria expresso, adote uma característica anterior (Figura 22-48). As transformações observadas nos mutantes Hox de camundongos frequentemente são incompletas, talvez devido à redundância entre os genes nos quatro agrupamentos de genes Hox. Contudo, parece claro que a mosca e o camundongo usam essencialmente a mesma maquinaria molecular para originar características individuais para as regiões sucessivas ao longo de pelo menos uma parte do seu eixo ântero-posterior.

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Figura 22-46 O complexo Hox de um inseto e os complexos Hox de um mamífero comparados e relacionados às regiões do corpo. Os genes dos complexos Antennapedia e Bithorax de Drosophila são mostrados em sua ordem cromossômica na linha de cima; os genes correspondentes dos quatro complexos Hox de mamíferos estão mostrados abaixo, também na sua ordem cromossômica. Os domínios de expressão gênica na mosca e no mamífero estão indicados em uma forma simplificada pelas cores nos desenhos dos animais acima e abaixo. Entretanto, os detalhes dos padrões dependem do estágio do desenvolvimento e variam um pouco de um complexo Hox de mamífero para outro. Também, em muitos casos, os genes mostrados aqui como expressos em um domínio anterior também são expressos mais posteriormente, sobrepondo-se aos domínios dos genes Hox mais posteriores (ver, por exemplo, Figura 22-47). Acredita-se que os complexos tenham evoluído como segue: primeiro, em algum ancestral comum de vermes, moscas e vertebrados, um único gene seletor homeótico primordial sofreu duplicações repetidas para formar uma série destes genes em tandem – o complexo Hox ancestral. Na sublinhagem da Drosophila, este complexo único dividiu-se nos complexos separados Antennapedia e Bithorax. Enquanto isso, na linhagem que originou os mamíferos, todo o complexo foi duplicado repetidamente para originar os quatro complexos Hox. O paralelismo não é perfeito porque, aparentemente, alguns genes individuais foram duplicados, outros perdidos, e, ainda, outros cooptados para diferentes propósitos (genes em parênteses na linha de cima) desde que os complexos divergiram. (Com base no diagrama cortesia de William McGinnis.)

Anterior

Complexo Hox de Drosophila

Complexo Hox ancestral

Complexo Hox de mamíferos HoxA

Posterior

Lab

Pb

Bcd, Zen

Dfd

Scr

Hox1

Hox2

Hox3

Hox4

Hox5

A1

A2

A3

A4

A5

A6

A7

B1

B2

B3

B4

B5

B6

B7

C4

C5

C6

(Ftz)

Antp

Ubx

AbdA

Hox6 (central)

AbdB

Hox7 (posterior)

A9

A10

A11

A13

B8

B9

B13

C8

C9

C10

C11

C12

A13

D8

D9

D10

D11

D12

D13

HoxB

HoxC D1

D3

D4

HoxD

Medula espinal Cérebro posterior

Anterior

Posterior

Mesoderme

HoxB2

HoxB4

Vista dorsal

Vista lateral

Vista dorsal

Vista lateral

Figura 22-47 Domínios de expressão dos genes Hox em um camundongo. As fotografias mostram embriões inteiros exibindo os domínios de expressão de dois genes do complexo HoxB (coloração azul). Estes domínios podem ser revelados por hibridização in situ ou, como nestes exemplos, pela construção de camundongos transgênicos contendo a sequência controladora de um gene Hox acoplado a um gene repórter LacZ, cujo produto é detectado histoquimicamente. Cada gene é expresso em uma longa extensão de tecido com um limite anterior nitidamente definido. Quanto mais inicial for a posição do gene no seu complexo cromossômico, mais anterior será o limite anatômico de sua expressão. Assim, com poucas exceções, os domínios anatômicos dos sucessivos genes formam um conjunto agrupado, ordenado de acordo com a ordem dos genes no complexo cromossômico (Cortesia de Robb Krumlauf.)

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13a costela

(A)

(B)

Lombar

Sacral

13a costela

(C)

(D)

Resumo A complexidade do corpo do adulto é formada pela repetição modulada de alguns tipos básicos de estrutura. Assim, sobreposto ao padrão de expressão gênica que se repete em cada segmento, existe um padrão serial de expressão de genes seletores homeóticos que confere a cada segmento uma identidade diferente. Os genes seletores homeóticos codificam proteínas de ligação ao DNA da família dos homeodomínios. Eles estão organizados no genoma da Drosophila em dois agrupamentos, chamados de complexos Antennapedia e Bithorax, considerados como as duas partes de um único complexo Hox primordial que se dividiu durante a evolução da mosca. Em cada complexo, os genes estão arranjados em uma sequência que corresponde a sua sequência de expressão ao longo do eixo do corpo. A expressão gênica de Hox é iniciada no embrião. Ela é mantida, subsequentemente, pela ação de proteínas de ligação ao DNA dos grupos Polycomb e Trithorax, os quais marcam a cromatina do complexo Hox com um registro hereditário do seu estado embrionário de ativação. Os complexos Hox homólogos aos da Drosophila são encontrados em praticamente todos os tipos de animais que têm sido examinados, dos cnidários aos humanos, e parecem desempenhar uma função evolutivamente conservada na formação dos padrões do eixo ântero-posterior do corpo. Os mamíferos possuem quatro complexos Hox, cada um apresentando uma relação semelhante entre o arranjo serial dos genes no cromossomo e seus padrões seriais de expressão ao longo do eixo do corpo.

ORGANOGÊNESE E A FORMAÇÃO DOS PADRÕES DOS ÓRGÃOS ACESSÓRIOS Vimos que os segmentos de uma larva de inseto são variações de um mesmo tema básico, com os genes de segmentação definindo o módulo repetitivo básico, e os genes seletores homeóticos dando a cada segmento a sua característica individual. O mesmo aplica-se aos principais órgãos acessórios do corpo do inseto adulto – pernas, asas, antenas, estruturas da boca e genitália externa: eles também são variações de um tema básico comum. Em um nível mais refinado de detalhes, encontraremos a mesma maravilhosa simplificação: os órgãos acessórios – e muitas outras partes do corpo – consistem em subestruturas que são elas próprias variações de um pequeno número de temas básicos evolutivamente conservados. Nesta seção, seguimos o curso do desenvolvimento da Drosophila até o seu final, estreitando o foco em cada etapa para examinar um exemplo das muitas estruturas relacionadas que estão se desenvolvendo paralelamente. Enquanto avançamos, indicaremos paralelos com estruturas de vertebrados que se desenvolvem de maneira semelhante, usando

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Figura 22-48 Controle da formação do padrão ântero-posterior pelos genes Hox no camundongo. (A, B) Um camundongo normal possui cerca de 65 vértebras, diferindo em suas estruturas de acordo com a sua posição ao longo do eixo do corpo: 7 cervicais (pescoço), 13 torácicas (com costelas), 6 lombares (marcadas pelos asteriscos amarelos em [B]), 4 sacrais (marcadas pelos asteriscos vermelhos em [B]), e cerca de 35 caudais (cauda). (A) mostra a visão lateral; (B) mostra a visão dorsal; para maior clareza, as costelas foram removidas em cada figura. (C) O gene HoxA10 normalmente é expresso na região lombar (junto com seus parálogos HoxC10 e HoxD10); aqui ele foi expresso artificialmente no tecido vertebral em desenvolvimento ao longo do eixo do corpo. Como resultado, as vértebras cervicais e torácicas foram todas convertidas a um caráter lombar. (D) Ao contrário, quando HoxA10 é suprimido, assim como HoxC10 e HoxD10, as vértebras que normalmente teriam caráter lombar e sacral apresentam caráter torácico. (A e C, de M. Carapuço et al., Genes Dev. 19:2116-2121, 2005. Com permissão de Cold Spring Harbor Laboratory Press; B e D, de D. M. Wellik e M. R. Capecchi, Science 301:363-367, 2003. Com permissão de AAAS.)

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não somente as mesmas estratégias gerais, mas muitos dos mesmos mecanismos moleculares específicos. Para evitar a interrupção da narrativa mais tarde, precisamos primeiro explicar brevemente alguns métodos experimentais fundamentais, necessários para enfrentar um problema especial que surge quando tentamos descobrir como os genes controlam os estágios mais tardios do desenvolvimento.

As mutações somáticas condicionais e induzidas tornam possível analisar funções gênicas tardias no desenvolvimento Como anteriormente enfatizado, o mesmo gene pode ser usado repetidamente em muitas situações distintas – em diferentes regiões do corpo e em diferentes momentos. Com frequência, as mutações de perda de função alteram o desenvolvimento tão seriamente que o embrião ou a larva morre, privando-nos da oportunidade de observar como a mutação afetaria os processos seguintes. Uma maneira de contornar esse problema é estudar as mutações condicionais. Se tivermos, por exemplo, uma mutação sensível à temperatura no gene de interesse, podemos manter o animal durante o desenvolvimento inicial em uma temperatura baixa, em que o produto gênico funciona normalmente, e, então, desabilitar o produto gênico quando desejado, pela elevação da temperatura, a fim de descobrir as funções mais tardias. Outros métodos envolvem a modificação do DNA em subconjuntos de células em estágios mais tardios de desenvolvimento – um tipo de cirurgia genética de células individuais que permite que os grupos mutantes de células de um genótipo específico sejam gerados em um determinado momento do desenvolvimento. Este notável feito pode ser obtido por recombinação somática induzida, e o organismo resultante é chamado de mosaico genético. Por meio dos mosaicos genéticos, podemos não apenas contornar o problema da letalidade quando a função de um gene é perturbada no organismo como um todo, mas também podemos explorar as funções do gene na comunicação célula-célula, pela justaposição de células mutantes e não-mutantes. Podemos testar, por exemplo, se a célula utiliza seu próprio produto gênico para a sinalização a células vizinhas, ou se ela recebe sinais destas outras células, ou nenhuma dessas alternativas. E, pela indução de alterações genéticas em momentos diferentes, podemos determinar precisamente quando um gene atua para produzir um efeito particular. Uma versão corrente desta técnica para indução de recombinação somática utiliza moscas transgênicas que tenham sido desenvolvidas para conter dois tipos de elementos genéticos derivados de leveduras: o gene FLP recombinase sítio-específico e a sequência-alvo FLP recombinase (FRT, FLP recombinase target). Tipicamente, o animal é homozigoto para uma inserção da sequência FRT próxima ao centrômero em um braço do cromossomo escolhido, enquanto uma construção consistindo no gene Flp sob o controle de um promotor de choque térmico é inserida em algum outro lugar do genoma. Se este embrião, ou larva transgênica, é submetido a um choque térmico (ou seja, exposto à alta temperatura por alguns minutos), a expressão de Flp é induzida, e esta enzima catalisa permutações e recombinações entre os cromossomos maternos e paternos no sítio FRT. Se o choque térmico é ajustado para ser suficientemente suave, este evento ocorrerá em somente uma ou poucas células, distribuídas ao acaso. Como explicado na Figura 22-49, se o animal também é heterozigoto para o gene de interesse em uma região cromossômica permutada, o processo pode resultar em um par de células-filhas que são homozigotas; uma recebendo duas cópias do alelo materno do gene, a outra recebendo duas cópias do alelo paterno. Cada uma dessas células-filhas irá normalmente crescer e dividir-se para dar origem a pequenas regiões clonais de progênie homozigota. A ocorrência de permutação pode ser detectada se o animal é escolhido para ser também heterozigoto para uma mutação em um gene marcador que esteja no mesmo braço do cromossomo do gene de interesse e, dessa forma, sofre permutação juntamente a ele. Assim, os clones de células mutantes homozigotas claramente identificados podem ser criados conforme a necessidade. Tanto FLP como FRT, ou os pares de elementos de recombinação análogos Cre e Lox, podem ser usados também em outras configurações para ativar ou inativar a expressão de um gene (ver Figura 5-79). Com estas técnicas, pode-se descobrir o que acontece, por exemplo, quando as células são induzidas a produzir uma molécula-sinal particular em um local anormal, ou quando são privadas de um receptor particular. Em vez de usar um promotor de choque térmico para direcionar a expressão da FLP recombinase, pode-se usar uma cópia da sequência reguladora de um gene no genoma

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Célula da mosca heterozigota para o gene mutante X e homozigota para Frt (alvo da FLP recombinase) Cromossomo materno UM SINAL INDUTOR ATIVA O PROMOTOR DO GENE Flp Gene Flp

Cromossomo paterno Gene mutante X

REPLICAÇÃO CROMOSSÔMICA

Frt

mRNA FLP CATALISA A PERMUTAÇÃO MITÓTICA E A RECOMBINAÇÃO FLP recombinase

A CÉLULA SE DIVIDE Célula homozigota para Célula homozigota para o gene mutante X o gene normal X

A proliferação clonal gera regiões homozigotas na asa

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Figura 22-49 Criação de células mutantes pela recombinação somática induzida. Os diagramas seguem a destinação de um único par de cromossomos homólogos, um do pai (sombreado), o outro da mãe (não-sombreado). Estes cromossomos possuem um elemento Frt (verde) inserido próximo aos seus centrômeros e contêm um lócus para o gene de interesse – gene X – mais adiante ao longo do mesmo braço do cromossomo. O cromossomo paterno (neste exemplo) carrega o alelo selvagem do gene X (retângulo delimitado em vermelho), enquanto o cromossomo materno carrega um alelo mutante recessivo (retângulo vermelho). A recombinação pela troca de DNA entre os cromossomos materno e paterno, catalisada pela FLP recombinase, pode dar origem a um par de células–filhas, uma contendo duas cópias do tipo selvagem do gene X, a outra contendo duas cópias mutantes. Para auxiliar a identificação das células onde a recombinação ocorreu, os cromossomos materno e paterno podem ser escolhidos para portar diferentes marcadores genéticos (não-mostrado), capazes de gerar um produto visível, e posicionados no cromossomo de maneira que a recombinação envolvendo o lócus marcador – resultando em uma alteração visível na aparência das células – possa ser considerada como um sinal seguro de que o gene X também sofreu recombinação.

normal da mosca que seja expresso em algum momento e local interessantes. O evento de recombinação será então desencadeado, e as células mutantes serão criadas somente nos locais onde aquele gene normalmente é expresso. Uma variante dessa técnica usa emprestada a maquinaria de regulação transcricional da levedura, em vez da maquinaria de recombinação genética, para ativar ou inativar de maneira reversível um gene determinado da mosca, de acordo com o padrão normal de expressão de algum outro gene escolhido da mosca (Figura 22-50). Assim, pela ativação ou inativação de funções gênicas em momentos e em locais específicos, os biólogos do desenvolvimento podem começar a decifrar o sistema de sinais especificados geneticamente e as respostas que controlam a formação dos padrões de qualquer órgão do corpo.

As partes do corpo da mosca adulta desenvolvem-se a partir dos discos imaginais As estruturas externas da mosca adulta são formadas em grande parte de rudimentos chamados de discos imaginais – grupos de células que são deixadas de lado, aparentemente indiferenciadas, em cada segmento da larva. Os discos são bolsas de epitélio, de forma semelhante a balões enrugados e achatados, e contíguas à epiderme (a camada superficial) da larva. Existem 19 discos, arranjados como nove pares em cada lado da larva mais um disco na linha média (Figura 22-51). Eles crescem e desenvolvem seu padrão interno enquanto a larva cresce, até que, finalmente, na metamorfose, viram pelo avesso (colocam a porção interna no lado exterior), estendem-se e diferenciam-se abertamente para formar a camada epidérmica do adulto. Os olhos e as antenas desenvolvem-se a partir de um par de discos, as asas e parte do tórax a partir de outro, o primeiro par de patas de outro, e assim por diante.

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Sinais que ativam a expressão normal do gene H

Sequência reguladora do gene H

Gal4

Uas gene X

Gal4

Uas gene Y

A

Gene Gal4 Expressão de Gal4

B

X Uas gene Z

Gal4

Proteína Gal4

C Gene G

Elemento Uas

Expressão do gene G

(A)

(B) Proteína G

Qualquer combinação escolhida das sequências reguladoras (A, B, C, etc.) com as sequências codificantes (X, Y, Z, etc.)

Figura 22-50 A técnica Gal4/Uas para o controle da expressão gênica alterada em Drosophila. O método permite que se possa direcionar a expressão de um gene G escolhido nos locais e nos momentos onde um outro gene H de Drosophila normalmente é expresso. (A) Um animal transgênico é criado com duas construções separadas inseridas no seu genoma. Um inserto consiste em uma sequência reguladora específica de leveduras, chamada de elemento Uas (de upstream activating sequence), acoplada a uma cópia da sequência codificante do gene G. O outro inserto contém a sequência codificante do gene de levedura Gal4, cujo produto é uma proteína de regulação gênica específica de levedura que se liga ao elemento Uas; este inserto Gal4 é colocado próximo à região reguladora do gene H e é controlado por ela. Onde quer que o gene H seja expresso normalmente, a proteína Gal4 também é produzida e induz a transcrição do gene G. (B) Embora se possa alcançar o mesmo resultado pela ligação de uma cópia da sequência reguladora H diretamente na sequência codificante G, a metodologia de Gal4/Uas possibilita uma estratégia que é mais eficiente em um plano maior. Duas “bibliotecas” separadas de moscas transgênicas são construídas; uma contendo insertos Gal4 controlados por uma variedade de sequências reguladoras de diferentes genes A, B, C, etc., a outra contendo insertos Uas controlando uma variedade de sequências codificantes X, Y, Z, etc. Pelo cruzamento das moscas de uma biblioteca com moscas da outra, qualquer sequência codificante desejada pode ser funcionalmente acoplada a qualquer sequência reguladora desejada. Para gerar a biblioteca de moscas com inserções Gal4 em locais úteis, as moscas são primeiramente produzidas com inserções Gal4 em localizações aleatórias do seu genoma. Estas moscas são então cruzadas com moscas contendo um elemento Uas ligado a um gene repórter com um produto facilmente detectável. A expressão do gene repórter revela se Gal4 foi inserido em um local que torna a sua expressão controlada por um estimulador interessante; as moscas mostrando padrões repórter interessantes são mantidas e estudadas. Esta técnica é chamada de técnica de armadilha de estimuladores, pois fornece uma maneira de caçar e caracterizar sequências reguladoras interessantes no genoma.

Lábio

Clypeolabrum

Pró-tórax dorsal

Olho + antena

Pata

Asa + tórax dorsal

Haltere

Genitais

Figura 22-51 Os discos imaginais na larva de Drosophila e as estruturas do adulto que eles originam. (Segundo J. W. Fristrom et al., in Problems in Biology: RNA in Development [E. W. Hanley, ed.], p. 382. Salt Lake City: University of Utah Press, 1969.)

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Os genes seletores homeóticos são essenciais para a memória da informação posicional nas células dos discos imaginais As células de um disco imaginal se parecem com qualquer outra, mas os experimentos de transplantes mostram que elas são de fato já determinadas regionalmente e não são equivalentes. Se um disco imaginal é transplantado na posição de outro na larva, e a larva desenvolve-se até a metamorfose, o disco enxertado diferencia-se autonomamente em uma estrutura apropriada para a sua posição original: um disco de asa origina estruturas da asa, um disco de halteres, estruturas de halteres, independentemente do seu novo local. Isso mostra que as células dos discos imaginais são controladas pela memória da sua posição original. Por um procedimento de transplante serial mais complexo, que deixa as células do disco imaginal proliferarem por um período mais extenso antes da diferenciação, pode-se mostrar que esta memória celular é estavelmente herdada (com raros lapsos) por um número indefinidamente grande de gerações celulares. Os genes seletores homeóticos são componentes essenciais do mecanismo de memória. Se, em qualquer estágio do longo período que leva à diferenciação na metamorfose, ambas as cópias de um gene seletor homeótico forem eliminadas pela recombinação somática induzida, a partir de um clone de células do disco imaginal que normalmente iriam expressar aquele gene, aquelas células irão diferenciar-se em estruturas incorretas, como se pertencessem a um segmento diferente do corpo. Essas e outras observações indicam que a memória de informação posicional de cada célula depende de uma atividade continuada dos genes seletores homeóticos. Essa memória, além disso, é expressa em uma forma celular autônoma – cada célula parecendo manter o seu estado individualmente, dependendo da sua própria história e de seu próprio genoma.

Genes reguladores específicos definem as células que formarão um órgão acessório Precisamos agora examinar como um órgão acessório desenvolve o seu padrão interno. Tomaremos a asa do inseto como exemplo. O processo começa com os mecanismos iniciais de formação de padrões que já discutimos. Os sistemas ântero-posterior e dorso-ventral de sinalizações no embrião inicial, em essência, delimitam uma grade ortogonal, no blastoderma, na forma de limites de expressão gênica segmentares dorso-ventrais e ântero-posteriores, periodicamente espaçados. Em certos pontos da interseção desses limites, a combinação de genes expressos é tal que induz um agrupamento de células à via de formação dos discos imaginais. Em termos moleculares, isso corresponde à ativação da expressão dos genes reguladores definidores dos discos imaginais. Na maioria dos discos, o gene Distal-less é ativado. Ele codifica para uma proteína de regulação gênica que é essencial ao crescimento sustentado necessário para criar um órgão acessório alongado, como uma pata ou uma antena, com um eixo próximo-distal. Na ausência desse gene, tais órgãos acessórios não se formam, e quando ele é expresso artificialmente em locais anormais, podem ser produzidos órgãos acessórios em locais incorretos. O Distal-less é expresso em uma forma semelhante nos membros em desenvolvimento e em outros órgãos acessórios da maioria das espécies de invertebrados e de vertebrados que já foram examinadas (Figura 22-52). Para o disco do olho, outro gene, o

(A)

(B) 0,1 mm

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Figura 22-52 Expressão de Distal-less em patas em desenvolvimento e em órgãos acessórios relacionados de várias espécies. (A) Uma larva de ouriçodo-mar. (B) Uma larva de mariposa. (A, de G. Panganiban et al., Proc. Natl. Acad. Sci. U. S. A. 94:5162– 5166, 1997. Com permissão da National Academy of Sciences; B, de G. Panganiban, L. Nagy e S.B. Carrol, Curr. Biol. 4:671-675, 1994. Com permissão de Elsevier.)

0,1 mm

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Anterior

Dorsal

Ventral

Figura 22-53 Domínios de expressão gênica no disco imaginal da asa, definindo os quadrantes da futura asa. A lâmina da asa deriva-se do domínio oval voltado para a direita e é dividida em quatro quadrantes pela expressão de Apterous e de Engrailed, como mostrado.

Posterior

Eyeless (juntamente com dois genes correlatos), desempenha uma função correspondente; ele também possui homólogos com funções homólogas – os genes Pax6 que direcionam o desenvolvimento do olho em outras espécies, como discutido no Capítulo 7.

O disco da asa de insetos é dividido em compartimentos Expressão de Engrailed

Expressão de Apterous Limite dorso-ventral

Limite ântero-posterior Quadrantes na futura lâmina da asa

Desde o princípio, o agrupamento de células formando o disco imaginal apresenta os rudimentos de um padrão interno, herdado no início do processo de formação de padrões. Por exemplo, as células na metade posterior do rudimento do disco da asa (e da maioria dos outros rudimentos dos discos imaginais) expressam o gene Engrailed de polaridade segmentar, enquanto aquelas na metade anterior não. As assimetrias iniciais são a base para uma subsequente formação de padrões mais detalhada, assim como no ovo e no embrião inicial. Os setores do disco da asa definidos pelas diferenças iniciais de expressão gênica correspondem a partes específicas da futura asa. A região posterior expressando Engrailed formará a metade posterior da asa, e a região que não expressa Engrailed formará a metade anterior. Enquanto isso, a parte dorsal do disco da asa expressa um gene chamado de Apterous, enquanto a metade ventral não. Na metamorfose, o disco dobra-se ao longo da linha que separa esses domínios para originar uma asa cuja camada dorsal de células é derivada da região que expressa Apterous e cuja camada ventral é derivada da região que não expressa Apterous. A margem da asa, onde estas duas camadas epiteliais estão unidas, corresponde aos limites do domínio de expressão de Apterous no disco (Figura 22-53). As células do disco, tendo ativado a expressão dos genes que as marcam como anteriores ou posteriores, dorsais ou ventrais, retêm esta especificação enquanto o disco cresce e se desenvolve. Como as células são sensíveis a essas diferenças e seletivas na sua escolha dos vizinhos, são formados limites nitidamente definidos entre os quatro conjuntos resultantes de células, sem mistura nas interfaces. Os quatro quadrantes correspondentes do disco são chamados de compartimentos, pois não existe troca de células entre eles (Figura 22-54).

Clone

Compartimento anterior

Limite do compartimento

Veia central da asa

Um clone de crescimento rápido respeita os limites entre os compartimentos anterior e posterior

Compartimento posterior (A)

Clone na asa

Asa mostrando os compartimentos anterior e posterior

Figura 22-54 Compartimentos na asa do adulto. (A) As formas dos clones marcados na asa de Drosophila revelam a existência de limites entre os compartimentos. A borda de cada clone marcado é reta em suas porções limítrofes. Quando um clone marcado foi geneticamente alterado de modo que crescesse mais rapidamente do que o resto da asa, sendo portanto muito grande, ele respeita o limite entre os compartimentos da mesma maneira (desenho à direita). Note que o limite do compartimento não coincide com a veia central da asa. (B) O padrão de expressão do gene Engrailed na asa, revelado pela mesma técnica usada na mosca adulta mostrada na Figura 22-41. O limite do compartimento coincide com o limite da expressão do gene Engrailed. (A, segundo F. H. C. Crick e P. A. Lawrence, Science 189:340-347, 1975. Com permissão de AAAS; B, cortesia de Chihiro Hama e Tom Kornberg.) (B) 500 m

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Quatro vias de sinalização da mesma família combinam-se para formar o padrão dos discos da asa: Wingless, Hedgehog, Dpp e Notch Ao longo dos limites dos compartimentos – o limite ântero-posterior definido por Engrailed e o limite dorso-ventral definido por Apterous – células em diferentes estados confrontam-se umas com as outras e interagem para criar bandas estreitas de células especializadas. Estas células limítrofes produzem novos sinais para organizar o subsequente crescimento e a formação de padrões mais detalhados do órgão acessório. As células no compartimento posterior da asa expressam a proteína de sinalização Hedgehog, mas não respondem a ela. As células no compartimento anterior podem responder a Hedgehog. Uma vez que Hedgehog atua somente a uma curta distância, a via de recepção de sinais é ativada somente na estreita banda de células imediatamente anterior ao limite do compartimento, onde as células anteriores e posteriores estão justapostas. Estas células limítrofes respondem com a ativação da expressão de outra molécula sinalizadora, Dpp – a mesma proteína que encontramos previamente, na formação de padrões dorso-ventrais no embrião inicial (Figura 22-55). A Dpp atua no seu novo contexto em grande parte da mesma maneira que antes: ela difunde os seus efeitos para o exterior a partir das células limítrofes (por difusão, via citonemas, ou por meio de transferência célula-célula por exocitose e endoxitose), produzindo um gradiente de morfógenos para controlar o subsequente padrão detalhado de crescimento e de expressão gênica. Ocorrem eventos análogos no limite do compartimento dorso-ventral (ver Figura 22-55). Aqui, na futura margem da asa, uma comunicação de curta distância mediada pela via de Notch cria uma banda de células limítrofes que produzem outro morfógeno, a proteína Wingless – o mesmo fator de sinalização, pertencendo à família Wnt, que atuou inicialmente na formação do padrão ântero-posterior de cada segmento embrionário. Os gradientes de Dpp e de Wingless, juntamente com os outros sinais e assimetrias de expressão gênica que discutimos, combinam-se para conduzir a expressão de outros genes em localizações precisamente definidas dentro de cada compartimento.

O tamanho de cada compartimento é regulado por interações entre as suas células Um dos mais misteriosos e pouco conhecidos aspectos do desenvolvimento animal é o controle do seu crescimento: por que cada parte do corpo cresce em um tamanho precisamen-

Compartimento anterior

Dpp Compartimento posterior A expressão de Engrailed define o compartimento posterior (A)

Dpp (B)

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A Hedgehog no compartimento posterior envia sinais de curto alcance para as células no compartimento anterior

Células anteriores no limite entre os compartimentos expressam Dpp, um sinalizador de longo alcance

Figura 22-55 Sinais morfogenéticos criados nos limites dos compartimentos no disco imaginal da asa. (A) Criação da região de sinalização Dpp no limite do compartimento ântero-posterior por meio de uma interação mediada por Hedgehog entre as células anteriores e posteriores. De maneira análoga, uma interação mediada por Notch entre as células dorsais e ventrais cria uma região de sinalização Wingless (Wnt) ao longo do limite dorso-ventral. (B) Os padrões de expressão observados de Dpp e de Wingless. Embora pareça claro que Dpp e Wingless atuem como morfógenos, ainda não está claro como eles se espalham a partir da sua fonte. Além disso, as células no disco imaginal são vistas emitindo longos citonemas, que podem lhes possibilitar a detecção de sinais a distância. Assim, a célula receptora pode enviar seus sensores para a fonte do sinal, em vez de o sinal mover-se para a célula receptora. (B, fotografias cortesia de Sean Carrol e Scott Weatherbee, de S. J. Day e P. A. Lawrence, Development 127:2977– 2987, 2000. Com permissão de The Company of Biologists.)

Wingless 100 m

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Figura 22-56 Regeneração intercalar. Quando porções não-correspondentes de uma pata em crescimento de barata são enxertadas juntas, um novo tecido (verde) é intercalado (por proliferação celular) para preencher a lacuna entre os padrões das estruturas da pata, restaurando o segmento da pata a seu tamanho e padrão normais.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

1 2 3 8 9 10

Intercalação

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

te definido? Esse problema é exemplificado de maneira marcante pelos discos imaginais de Drosophila. Por recombinação somática induzida, pode-se, por exemplo, criar um pequeno conjunto clonal de células que proliferam mais rapidamente do que as demais células no órgão em desenvolvimento. O clone pode crescer e ocupar quase a totalidade do compartimento no qual ele está e, ainda assim, não ultrapassa o limite do compartimento. Espantosamente, o seu crescimento rápido não apresenta quase nenhum efeito no tamanho final do compartimento, em sua forma ou mesmo nos detalhes do seu padrão interno (ver Figura 22-54). De alguma maneira, as células dentro do compartimento interagem umas com as outras determinando quando o seu crescimento deve parar, e cada compartimento comporta-se como uma unidade reguladora neste aspecto. Uma primeira questão é se o tamanho do compartimento é regulado de maneira a conter um número determinado de células. Mutações nos componentes da maquinaria de controle do ciclo celular podem ser usadas para acelerar ou retardar a taxa de divisão celular, sem alterar a taxa de crescimento celular ou tecidual. Isso resulta em números anormais de pequenas células, ou o contrário, mas o tamanho – ou seja, a área – do compartimento praticamente não é alterado. Assim, o mecanismo regulador parece depender de sinais que indicam a distância física entre uma parte do compartimento e a outra, e das respostas celulares que, de alguma forma, leem esses sinais de maneira a interromper o crescimento somente quando o espaçamento entre estas partes atingiu seu valor apropriado. Este tipo de regulação do crescimento é demonstrado de forma notável na regeneração intercalar que ocorre quando partes separadas de um disco imaginal de Drosophila ou de uma pata em crescimento de barata são cirurgicamente enxertadas juntas. Após o enxerto, as células na vizinhança da junção proliferam e completam as partes do padrão que deveriam normalmente ficar entre elas, continuando o seu crescimento até que seja restaurado o espaçamento normal entre os pontos de referência (Figura 22-56). Os mecanismos que realizam isso permanecem um mistério, mas parece provável que sejam semelhantes aos mecanismos que regulam o crescimento durante o desenvolvimento normal. Qual mecanismo garante que cada pequeno pedaço do padrão dentro de um compartimento cresça até o seu tamanho apropriado, apesar dos distúrbios locais na taxa de crescimento ou das condições iniciais? Os gradientes de morfógenos (de Dpp e Wingless, p. ex.) criam um padrão pela imposição de características diferentes nas células em diferentes posições. Seria possível que as células em cada região possam, de alguma maneira, perceber o quão próximo está o espaçamento do padrão – o quão acentuado é o gradiente de alterações nas características da célula – e continuem o seu crescimento até que o tecido esteja espalhado até seu grau correto? Essa ideia foi testada com a criação de clones de células do disco imaginal da asa em que os componentes subsequentes da via de sinalização Dpp estão expressos de maneira alterada, de forma a induzir um nível de ativação maior ou menor que o observado nas células adjacentes. Do ponto de vista das células, as condições nos limites do clone mutante são equivalentes àquelas produzidas por um gradiente bastante acentuado de Dpp. O resultado é que as células nestas adjacências são estimuladas a se dividir em taxas aumentadas. Ao contrário, se o nível de sinalização de Dpp for tornado uniforme em uma região mediana do disco da asa em desenvolvimento, onde ele normalmente seria bastante acentuado, as divisões celulares são inibidas. Isso parece indicar que o gradiente do morfógeno realmente controla a taxa de proliferação. Contudo, se isso for verdadeiro, como as células percebem este gradiente? A resposta não é conhecida, mas existem fortes evidências de que este mecanismo depende de sinais gerados nas junções célula-célula, onde células com diferentes graus de ativação da via do morfógeno fazem contato. Como discutido no Capítulo 19, mutações nos componentes juncionais, como as proteínas estruturais Discs-large (Dlg), ou no membro da

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superfamília das caderinas, Fat, podem levar a falhas dramáticas no controle do crescimento, permitindo que o disco da asa cresça muito além do seu tamanho normal apropriado. No caso da proteína Fat, um conjunto de outras moléculas, incluindo proteínas-cinase chamadas de Hippo e Warts, foi identificado como componente da via de sinalização que liga Fat na membrana celular, até o controle da expressão gênica, no núcleo. Os produtos dos genes-alvo incluem a ciclina E, reguladora do ciclo celular, e um inibidor da apoptose, assim como o microRNA Bantam, que parece ser parte essencial do mecanismo de controle do crescimento. Apesar destes fatos animadores, os mecanismos que controlam o tamanho de um órgão ainda são um mistério. Se pudermos descobrir como eles funcionam em Drosophila, poderemos ter alguma ideia de como ocorre o controle do tamanho dos órgãos em vertebrados, em nossa perplexidade acerca desta questão fundamental é ainda mais profunda. Para outros aspectos do desenvolvimento de órgãos, como discutiremos agora, as moscas e os vertebrados são inesperadamente similares em nível molecular, sugerindo que os seus mecanismos de controle do crescimento também possam ser similares.

Os padrões dos membros dos vertebrados são formados por mecanismos similares Os membros dos vertebrados parecem muito diferentes dos membros dos insetos. A asa do inseto, por exemplo, consiste principalmente em duas camadas de epitélio de um padrão elaborado, com pouco tecido entre elas. Em contraste, um membro de um vertebrado consiste em um sistema elaboradamente padronizado de músculos, ossos e tecidos conectivos dentro de uma cobertura de epiderme fina e estrutura de forma muito mais simples. Além disso, a evidência evolutiva sugere que o último ancestral comum entre os insetos e os vertebrados talvez não apresentasse pernas, nem braços, nem asas e nem nadadeiras, e que estes vários órgãos acessórios evoluíram independentemente no homem. E, ainda, quando examinamos os mecanismos moleculares que controlam o desenvolvimento dos membros dos vertebrados, encontramos um número surpreendente de similaridades com os membros dos insetos. Já mencionamos algumas dessas semelhanças, mas existem muitas outras: quase todas as moléculas que mencionamos na asa da mosca têm contrapartes nos membros dos vertebrados, embora estes sejam expressos em diferentes relações espaciais. Os paralelismos têm sido mais cuidadosamente estudados no embrião de galinha. Como vimos anteriormente, cada perna ou asa de uma galinha origina-se de um broto de membro em forma de língua, consistindo em uma massa de células de tecido conectivo embrionário, chamadas de células mesenquimais, encapsuladas em um envoltório de epitélio. Nessa estrutura, encontra-se a expressão de homólogos de quase todos os genes que mencionamos em nossa explicação sobre a formação dos padrões de asa da Drosophila, incluindo Distalless, Wingless, Notch, Engrailed, Dpp e Hedgehog, desempenhando principalmente funções que parecem mais ou menos com as suas funções no disco imaginal da asa da Drosophila (Figura 22-57). Os genes Hox, igualmente, fazem um aparecimento nos membros de insetos e de vertebrados. No órgão acessório dos insetos, os compartimentos anterior e posterior são distinguidos pela expressão de diferentes genes do complexo Hox – um resultado do padrão de

Figura 22-57 Moléculas que controlam a formação de padrões em um broto de membro de um vertebrado. (A) Um broto de asa de um embrião de galinha após quatro dias de incubação. A micrografia eletrônica de varredura mostra uma visão dorsal, com somitos (os segmentos do tronco do embrião) visíveis à esquerda. Na margem distal do broto do membro, uma crista engrossada pode ser vista – a crista apical ectodérmica. (B) Padrões de expressão de proteínas-chave de sinalização e fatores de regulação gênica no broto de membro de galinha. Os padrões estão representados esquematicamente em dois planos imaginários de secção do broto do membro, um (horizontal) para mostrar o sistema dorso-ventral e o outro (vertical) para mostrar os sistemas ântero-posterior e próximo-distal. Sonic hedgehog, Bmp2 e Lmx1 são expressos no núcleo mesodérmico do broto do membro; as outras moléculas no diagrama são expressas na sua cobertura epitelial. Quase todas as moléculas mostradas possuem homólogos que estão envolvidos na formação dos padrões do disco da asa de Drosophila. (A, cortesia de Paul Martin.)

ANTERIOR VENTRAL

PROXIMAL

En1 (homólogo de Engrailed) Crista apical ectodérmica, expressa Notch e secreta FGF4 e FGF8

DISTAL

DORSAL POSTERIOR

Wnt7a (homólogo de Wingless) Lmx1 (homólogo de Apterous) Bmp2 (homólogo de Dpp)

(A)

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Mesênquima posterior, secreta Sonic hedgehog 500 m

(B)

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Figura 22-58 A estrutura básica da cerda mecanossensorial. A linhagem das quatro células da cerda – todas descendentes de uma única célula-mãe sensorial – é mostrada à esquerda.

Cerda mecanossensorial

Célula soquete Célula-mãe sensorial

Célula seta Célula morta Célula bainha Neurônio

expressão serial desses genes ao longo do eixo ântero-posterior do corpo como um todo. No membro do vertebrado, genes de dois dos complexos Hox de vertebrados (HoxA e HoxD) são expressos em um padrão regular, segundo as regras comuns de expressão serial dos genes nesses complexos. Eles auxiliam, em conjunto com outros fatores, tais como as proteínas Tbx mencionadas anteriormente (ver Figura 22-9), na regulação das diferenças de comportamento celular ao longo do eixo próximo-distal do membro. De acordo com uma hipótese, essas semelhanças moleculares entre os membros em desenvolvimento em diferentes filos refletem a descendência de um ancestral comum que, apesar de não ser dotado de membros, possuía órgãos acessórios de algum tipo, produzidos a partir de princípios semelhantes – antenas, talvez, ou partes protuberantes da boca para apanhar a comida. Os órgãos acessórios semelhantes a membros modernos, das asas e das patas de uma mosca, até os braços e as pernas de um humano, teriam evoluído pela ativação de genes para a formação de órgãos acessórios em novos locais do corpo, como um resultado de mudanças na regulação gênica.

A expressão localizada de classes específicas de proteínas de regulação gênica prenuncia a diferenciação celular

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Figura 22-59 Células-mãe sensoriais no disco imaginal da asa. As células-mãe sensoriais (aqui em azul) são facilmente reveladas nesta linhagem especial de Drosophila, a qual contém um gene repórter LacZ artificial que, por acaso, foi inserido no genoma próximo a uma região controladora que o induz a ser expresso seletivamente nas células-mãe sensoriais. A coloração púrpura mostra o padrão de expressão do gene Scute; isto prenuncia a produção das células-mãe sensoriais e é enfraquecido ao longo do desenvolvimento sucessivo dessas células. (De P. Cubas et al., Genes Dev. 5:996-1008, 1991. Com permissão de Cold Spring Harbor laboratory Press.)

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Voltamos agora à linha do desenvolvimento do disco imaginal da Drosophila, e a seguiremos até a sua etapa final, na qual as células se tornam definitivamente diferenciadas. Estreitando o foco ainda mais, tomamos como exemplo a diferenciação de somente um tipo de estrutura pequena que surge no disco imaginal do epitélio: a cerda sensorial. As cerdas que cobrem a superfície do corpo de um inseto são órgãos sensoriais em miniaturas. Algumas respondem a estímulos químicos, outras a estímulos mecânicos, mas todas são construídas de maneira similar. A estrutura é vista em sua maior simplicidade nas cerdas mecanossensoriais. Cada uma dessas cerdas consiste em quatro células: uma célula seta, uma célula soquete, uma célula bainha neuronal e um neurônio (Figura 22-58). O movimento da seta da cerda excita o neurônio, o qual envia um sinal para o sistema nervoso central. As células da cerda da mosca adulta derivam do disco imaginal do epitélio, e todas as quatro células são netas ou bisnetas (ver Figura 22-58) de uma única célula-mãe sensorial que se torna distinta das células epidérmicas prospectivas vizinhas durante o último instar larval (Figura 22-59). (Um quinto descendente morre ou, em alguns tecidos, torna-se uma célula da glia.) Para explicarmos o padrão de diferenciação da cerda, devemos explicar primeiro como a gênese das células-mãe sensoriais é controlada e como os cinco descendentes de cada uma dessas células tornam-se diferentes uns dos outros. Dois genes, chamados de Achaete e Scute, são cruciais na iniciação da formação das cerdas no disco imaginal do epitélio. Esses genes desempenham funções similares e complementares e codificam para proteínas de regulação gênica intimamente relacionadas da classe básica hélice-alça-hélice (discutido no Capítulo 7). Como resultado dos mecanismos

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de formação dos padrões do disco dos tipos que já discutimos, o Achaete e o Scute são expressos no disco imaginal dentro das regiões em que as cerdas vão se formar. As mutações que eliminam a expressão desses genes em alguns dos locais comuns bloqueiam o desenvolvimento das cerdas somente naqueles locais, e as mutações que causam a expressão em locais adicionais anormais induzem as cerdas a desenvolverem-se lá. Contudo, a expressão de Achaete e de Scute é transitória, e somente algumas das células que inicialmente expressam os genes chegam a se tornar células-mãe sensoriais; as outras se tornam epiderme comum. O estado que é especificado pela expressão de Achaete e de Scute é chamado de pró-neural, e Achaete e Scute são chamados de genes pró-neurais. As células pró-neurais são induzidas a seguir a via neurossensorial da diferenciação, mas, como veremos, quais delas irão realmente fazê-lo depende de interações competitivas entre elas.

A inibição lateral produz a distinção das células-mãe sensoriais nos agrupamentos pró-neurais As células que expressam genes pró-neurais ocorrem em grupos no disco imaginal epitelial – um pequeno e isolado agrupamento de menos de 30 células para uma grande cerda isolada, e um amplo e contínuo conjunto de centenas ou de milhares de células para um campo de pequenas cerdas. No primeiro caso, somente um membro do agrupamento tornase uma célula-mãe sensorial; no segundo caso, muitas células distribuídas por toda a região pró-neural o fazem. Em ambos os casos, cada célula-mãe sensorial é circundada por células que inativam a expressão dos genes pró-neurais e são condenadas a diferenciarem-se como epiderme. Os experimentos com mosaicos genéticos mostram que isso se deve ao fato de que uma célula que se torna comprometida com a via de diferenciação da célula-mãe sensorial envia um sinal para as suas vizinhas não fazerem a mesma coisa: ela exerce uma inibição lateral. Se uma célula que normalmente se tornaria uma célula-mãe sensorial for geneticamente incapacitada de fazê-lo, uma célula pró-neural adjacente, libertada da inibição lateral, irá se tornar uma célula-mãe sensorial em seu lugar. A inibição lateral é mediada pela via de sinalização de Notch. Todas as células no agrupamento inicialmente expressam o receptor transmembrana Notch e o seu ligante transmembrana Delta. Em qualquer lugar que Delta ativar Notch, um sinal inibidor é enviado para a célula que expressa Notch; consequentemente, todas as células no agrupamento inicialmente inibem umas às outras. Entretanto, acredita-se que o recebimento do sinal em uma dada célula diminua não somente a tendência daquela célula de se especializar como uma célula-mãe sensorial, mas também a sua habilidade de resposta por meio da liberação do sinal Delta. Isso cria uma situação competitiva, da qual uma única célula em cada pequena região – a futura célula-mãe sensorial – emerge como vencedora, remetendo um forte sinal inibidor para os seus vizinhos imediatos, mas não recebendo nenhum sinal deste tipo em troca (Figura 22-60). As consequências de uma falha desse mecanismo regulador estão mostradas na Figura 22-61.

A inibição lateral direciona a progênie da célula-mãe sensorial a diferentes destinações finais O mesmo mecanismo de inibição lateral dependente de Notch opera repetidamente na formação das cerdas – não somente para forçar as vizinhas das células-mãe sensoriais a seguirem uma via diferente e se tornarem epidérmicas, mas também, mais tardiamente, para produzir filhas, netas e finalmente bisnetas da célula-mãe sensorial que expressem diferentes genes, de maneira a formar os distintos componentes da cerda. Em cada estágio, a inibição lateral medeia uma interação competitiva que força células adjacentes a se comportarem de maneiras contrastantes. Usando uma mutação Notch sensível à temperatura, é possível desativar a sinalização Notch após a célula-mãe sensorial ter se diferenciado, mas antes de ela ter se dividido. A progênie então se distingue de maneira similar, originando um agrupamento de neurônios no lugar dos quatro tipos distintos de células de uma cerda. Como muitas outras competições, aquelas mediadas pela inibição lateral frequentemente são fraudulentas: uma célula já inicia com uma vantagem que garante que ela será a vencedora. No desenvolvimento dos diferentes tipos celulares das cerdas sensoriais, uma tendência forte inicial é fornecida por uma assimetria em cada uma das divisões celulares da célula-mãe sensorial e de sua progênie. Uma proteína chamada de Numb (juntamente com

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Figura 22-60 Inibição lateral. (A) O mecanismo básico da inibição lateral competitiva mediada por Notch, ilustrada com somente duas células interagindo. Neste diagrama, a ausência de cor nas proteínas ou nas linhas efetoras indica inatividade. (B) O resultado do mesmo processo operando em um conjunto maior de células. Inicialmente, todas as células no conjunto são equivalentes, expressando tanto o receptor transmembrana Notch como o seu ligante transmembrana Delta. Cada célula tem a tendência a se especializar (como uma célula-mãe sensorial), e cada uma emite um sinal inibidor para os seus vizinhos para desencorajá-los a também se especializarem nessa via. Isso cria uma situação competitiva. Assim que uma célula individual ganha alguma vantagem na competição, esta vantagem se torna aumentada. A célula vencedora, conforme se torna mais comprometida a se diferenciar como uma célula-mãe sensorial, também inibe as suas vizinhas de maneira mais forte. Por outro lado, uma vez que essas vizinhas perdem a sua capacidade de se diferenciarem como células-mãe sensoriais, elas também perdem a capacidade de inibir outras células de fazer o mesmo. A inibição lateral, assim, induz as células adjacentes a seguirem destinos diferentes. Embora se acredite que a interação normalmente seja dependente de contatos célula-célula, a futura célula-mãe sensorial pode ser capaz de emitir um sinal inibidor para as células que estão a uma distância maior que o diâmetro de uma célula – por exemplo, por meio da emissão de longas protrusões para alcançá-las.

Especialização celular

Especialização celular

Notch

Delta

Delta

Notch

Notch ativo

Notch inativo

Competição – uma célula vence Especialização celular

(A)

Cada célula tende a inibir sua vizinha

Especialização celular A célula com Delta ativado se especializa e inibe suas vizinhas de se especializarem também

(B)

outras proteínas) torna-se localizada em uma extremidade da célula em divisão, de maneira que uma filha herda a proteína Numb e a outra não (Figura 22-62). Numb bloqueia a atividade de Notch. Assim, a célula contendo Numb é imune aos sinais inibidores das suas vizinhas, enquanto a sua irmã permanece sensível. Uma vez que ambas as células inicialmente expressam Delta, o ligante de Notch, a célula que herdou Numb progride para tornar-se neural e direciona a sua irmã a um destino não-neural.

A polaridade planar das divisões assimétricas é controlada pela sinalização via receptor Frizzled Para o mecanismo de Numb operar, deve haver uma maquinaria na célula em divisão para segregar o determinante para um lado da célula antes da divisão. Além disso, assim que a célula entra em mitose, o fuso mitótico deve estar alinhado com essa assimetria de modo que o determinante seja alocado para somente uma célula-filha, e não compartilhado com ambas as filhas no momento da divisão celular. No caso anterior, a célula-mãe sensorial, na sua primeira divisão, divide-se regularmente para originar uma célula anterior que herda Numb e uma célula posterior que não herda. Conforme discutido no Capítulo 19, este tipo

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Figura 22-61 O resultado da inativação da inibição lateral durante a diferenciação das células-mãe sensoriais. A fotografia mostra uma parte do tórax de uma mosca contendo uma região mutante na qual o gene neurogênico Delta foi parcialmente inativado. A redução da inibição lateral induziu quase a totalidade das células na porção mutante (no centro da figura) a se desenvolverem como células-mãe sensoriais, produzindo um grande excesso de cerdas sensoriais nesta região. As regiões de células mutantes portando mutações mais extremas na via Notch, causando perda total da inibição lateral, não formam cerdas visíveis, pois toda a progênie das células-mãe sensoriais se desenvolvem como neurônios ou células da glia, em vez de se diversificarem para formar tanto neurônios como as partes externas da estrutura da cerda. (Cortesia de P. Heitzler e P. Simpson, Cell 64:1083-1093, 1991. Com permissão de Elsevier.)

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Localização assimétrica da proteína Numb a cada divisão

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Bainha Seta

Soquete Esta célula morre ou se torna célula da glia

de polaridade no plano do epitélio é chamado de polaridade planar (distinta, em contraste, da polaridade ápico-basal, em que a assimetria celular é perpendicular ao plano do epitélio). Esta polaridade se manifesta na orientação das cerdas que uniformemente apontam para trás, dando à mosca a aparência de quem está sempre contra o vento (Figura 22-63). A polaridade planar na divisão inicial da célula-mãe sensorial é controlada por uma via de sinalização similar àquela que controla as divisões assimétricas no nematoide (ver Figura 22-21), dependente do receptor Frizzled. As proteínas Frizzled foram discutidas no Capítulo 15 como receptores para as proteínas Wnt, mas no controle da polaridade planar – nas moscas e provavelmente nos vertebrados também – esta via funciona de uma maneira especial: o mecanismo intracelular de substituição exerce seus efeitos principais no citoesqueleto de actina, e não na expressão gênica. A proteína intracelular Dishevelled, abaixo de Frizzled, é comum nos ramos de regulação gênica e na regulação da actina nas vias de sinalização. Os domínios separados da molécula Dishevelled são responsáveis pelas duas funções (Figura 22-64). Ambas, Frizzled e Dishevelled, obtiveram seus nomes da aparência “despenteada” das moscas em que a polaridade das cerdas é desorganizada (ver Figura 19-32).

Neurônio

Figura 22-62 Numb afeta a inibição lateral durante o desenvolvimento da cerda. Em cada divisão da progênie da célula-mãe sensorial, a proteína Numb é distribuída assimetricamente, originando células-filhas distintas. Note que algumas divisões celulares são orientadas de acordo com o fuso mitótico, no plano do epitélio, e outras são perpendiculares a ele; a localização de Numb é controlada por diferentes maneiras nestes tipos distintos de divisão, mas desempenha um papel crítico em cada um deles, decidindo o destino celular. (Com base em dados de M. Gho, Y. Bellaiche e F. Schweisguth, Development 126:3573-3584, 1999. Com permissão de The Company of Biologists.)

As divisões assimétricas de células-tronco geram neurônios adicionais no sistema nervoso central Os mecanismos que descrevemos para o controle da gênese dos neurônios das cerdas sensoriais operam também, com variações, na gênese de praticamente todos os outros neurônios – não somente em insetos, mas também em outros filos. Assim, no sistema nervoso embrionário, tanto nas moscas como nos vertebrados, os neurônios são gerados em regiões de expressão de genes pró-neurais semelhantes a Achaete e a Scute. Os neurônios nascentes expressam Delta e inibem seus vizinhos imediatos, os quais expressam Notch, de se tornarem comprometidos com a diferenciação neuronal, ao mesmo tempo. Quando a sinalização por Notch é bloqueada, a inibição falha, e nas regiões pró-neurais os neurônios são gerados em grande excesso, ao custo das células não-neuronais (Figura 22-65). No sistema nervoso central, no entanto, um mecanismo adicional auxilia na geração do grande número de neurônios e células da glia necessário: uma classe especial de células se torna comprometida como precursores neurais, mas ao invés de se diferenciarem diretamente como neurônios ou células da glia, estas células sofrem uma longa série de divisões assimétricas pela qual uma sucessão de neurônios e células da glia é adicionada à população. Este mecanismo é melhor compreendido em Drosophila, apesar de haver diversos indicativos de que algo similar ocorra na neurogênese dos vertebrados. No sistema nervoso central embrionário de Drosophila, os precursores de células nervosas, ou neuroblastos, diferenciam-se inicialmente a partir da ectoderme neurogênica por um mecanismo típico de inibição lateral que depende de Notch. Cada neuroblasto então se divide repetidamente de maneira assimétrica (Figura 22-66A). Em cada divisão, uma célula-

Figura 22-63 A polaridade celular planar manifestada na polaridade das cerdas nas costas de uma mosca: todas as cerdas apontam para trás. (Micrografia eletrônica de varredura cortesia de S. Oldham e E. Hafen, de E. Spana e N. Perrimon, Trends Genet. 15:301-302, 1999. Com permissão de Elsevier.)

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Figura 22-64 O controle da polaridade celular planar. (A) Os dois ramos da via de sinalização Wnt/Frizzled. O ramo principal, discutido no Capítulo 15, controla a expressão gênica através de ␤-catenina; o ramo de polaridade planar controla o citoesqueleto de actina através de GTPases Rho. Diferentes domínios da proteína Dishevelled são responsáveis pelos dois efeitos. Ainda não está claro qual membro da família da proteína sinalizadora Wnt é responsável pela ativação da função de polaridade planar de Frizzled na Drosophila. (B) Desenho das células mostrando a polaridade planar. Em pelo menos alguns sistemas, a polaridade celular planar está associada à localização assimétrica do próprio receptor Frizzled em um lado de cada célula. (Ver também Capítulo 19, Figura 19-32.)

Wnt ou outro ligante Polaridade celular planar Frizzled

DIX

PDZ

DEP

Polaridade ápico-basal (B)

Proteína Dishevelled ativada

GSK3␤, Axina, APC

Rho

␤-catenina

Citoesqueleto de actina

TRANSCRIÇÃO GÊNICA

POLARIDADE CELULAR PLANAR

Cascata JNK

TCF

Figura 22-65 Efeitos do bloqueio da sinalização de Notch em um embrião de Xenopus. No experimento mostrado, um mRNA codificando para uma forma truncada de Delta, o ligante de Notch, é injetado juntamente com o mRNA de LacZ, utilizado como marcador, em uma célula de um embrião no estágio de duas células. A proteína truncada Delta produzida a partir do mRNA bloqueia a sinalização por Notch nas células que descendem da célula que recebeu a injeção. Estas células situam-se no lado esquerdo do embrião e são identificáveis porque contêm a proteína LacZ (coloração azul) e a proteína truncada Delta. O lado direito do embrião não é afetado e serve como controle. O embrião é fixado e corado em um estágio em que o sistema nervoso ainda não tenha se enrolado para formar o tubo neuronal, mas ainda é mais ou menos como uma lâmina achatada de células – a placa neural – exposta na superfície do embrião. Os primeiros neurônios (corados em roxo na fotografia) já iniciaram a diferenciação em bandas alongadas (regiões pró-neurais) em cada lado da linha média. No lado controle (direito), elas são um subconjunto espalhado de população celular pró-neural. No lado com Notch bloqueado (esquerdo), praticamente todas as células nas regiões pró-neurais se diferenciaram em neurônios, criando uma banda densamente corada de neurônios sem células intermediárias. As injeções de mRNA codificando para Delta normal e funcional provocam um efeito oposto, reduzindo o número de células que se diferenciam como neurônios. (Fotografia de A. Chitnis et al., Nature 375:761-766, 1995. Com permissão de Macmillan Publishers Ltd.)

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(A)

filha se mantém como um neuroblasto, enquanto a outra, que é muito menor, torna-se especializada em uma célula-mãe de gânglio (GMC, ganglion mother cell). A célula-mãe de gânglio irá se dividir apenas uma vez, originando um par de neurônios, ou um neurônio e uma célula da glia, ou um par de células da glia. O neuroblasto se torna menor a cada divisão, conforme ele divide seu conteúdo entre as células-mãe de gânglio sucessivamente. Eventualmente, em geral após 12 ciclos celulares, o processo para, talvez porque o neuroblasto se torne muito pequeno para passar pelo ponto de controle do tamanho celular no ciclo de divisão celular. Mais tarde, na larva, as divisões dos neuroblastos recomeçam, e agora são acompanhadas pelo crescimento celular, permitindo que o processo se mantenha indefinidamente, gerando um número muito maior de neurônios e células da glia que o necessário em uma mosca adulta. Os neuroblastos da larva são, portanto, células-tronco: enquanto eles mesmos não estão terminalmente diferenciados, comportam-se como uma fonte autorrenovável e potencialmente inesgotável de células terminalmente diferenciadas. No Capítulo 23, onde discutimos as células-tronco em detalhes, veremos que as células-tronco não necessariamente precisam se dividir assimetricamente, mas que a divisão assimétrica é uma estratégia possível, e que os neuroblastos das moscas proveem um bonito exemplo.

Superprodução de neurônios no lado injetado

Injeção de mRNA truncado de Delta em uma célula no estágio de duas células

Placa neural

Fixação e coloração dos neurônios no estágio de placa neural 0,2 mm

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APICAL

BASAL (A)

Após mais 4 ciclos de divisão do neuroblasto

Ectoderme

Neuroblastos Célula-mãe de gânglio

Neurônio Célula da glia

(B)

As divisões assimétricas do neuroblasto segregam um inibidor da divisão celular em apenas uma das células-filhas As divisões dos neuroblastos são assimétricas em três aspectos: (1) fisicamente, onde uma célula-filha é menor do que a outra; (2) bioquimicamente, em fatores que controlam a diferenciação; e (3) bioquimicamente, em fatores que controlam a proliferação. Todas estas assimetrias devem ser coordenadas umas com as outras e com a orientação do fuso mitótico, para que o plano de clivagem divida a célula em partes corretas. Como isto é realizado? O neuroblasto tem uma assimetria ápico-basal que reflete a sua origem a partir da ectoderme, que, como outros epitélios, tem polaridade ápico-basal bem–definida. Conforme vimos no Capítulo 19, a polaridade ápico-basal é controlada por um complexo de três proteínas – Par3 (também chamada de Bazooca em Drosophila), Par6 e aPKC (proteína-cinase C atípica, de atypical protein kinase C) – que se tornam localizadas no córtex na região apical da célula. Acredita-se que a localização do complexo Par3/Par6/aPKC seja a primeira fonte de assimetria no neuroblasto. Pelo recrutamento de outros componentes, alguns dos quais exercem o mecanismo de retroalimentação para manter a localização do complexo, o complexo coordena todo o processo de divisão desigual. O complexo Par3/Par6/aPKC define a orientação do fuso mitótico e a partição desigual da célula na citocinese por interações com proteínas adaptadoras denominadas Inscuteable e Partner of Inscuteable (Pins). Estas proteínas, por sua vez, recrutam a subunidade ␣ de uma proteína G trimérica (discutido no Capítulo 15), que atua neste contexto como um mensageiro intracelular que guia a organização do citoesqueleto. Ao mesmo tempo, o complexo Par3/Par6/aPKC fosforila localmente um regulador da arquitetura intracelular, chamado de Lgl (de Lethal giant larvae), e dessa forma, faz com que outra proteína adaptadora, chamada de Miranda, torne-se mais concentrada no córtex no polo oposto da célula (basal) (Figura 22-66B). Miranda se liga a proteínas que controlam a diferenciação e a proliferação celular, localizando-as no mesmo polo. Quando o neuroblasto se divide, Miranda e seus ligantes são segregados na célula-mãe de gânglio. Uma das moléculas direcionadas para a célula-mãe de gânglio é a proteína de regulação gênica chamada de Prospero, que direciona a diferenciação. Outra proteína é um repressor pós-transcricional chamado de Brat (de Brain Tumor). Brat atua como um inibidor da proliferação, aparentemente pela prevenção da produção da proteína promotora do crescimento Myc, famosa pelo seu papel no câncer (discutido no Capítulo 20). Em mutantes em que Brat é defectiva, ou onde ela não está localizada corretamente, a célula-filha menor resultante de divisão assimétrica do neuroblasto frequentemente não é bem sucedida na sua diferenciação em célula-mãe de gânglio, crescendo e se dividindo como um neuroblasto. O resultado é um tumor cerebral – uma massa de neuroblastos que cresce exponencialmente e sem limites, até que a mosca morra. Se os tecidos dos vertebrados possuem células-tronco que se comportam de maneira similar aos neuroblastos das moscas é uma questão de grande interesse, especialmente em relação ao câncer.

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Figura 22-66 Neuroblastos e a divisão celular assimétrica no sistema nervoso central de um embrião de mosca. (A) Os neuroblastos se originam como células especializadas de ectoderme. Eles se diferenciam pela inibição lateral e emergem da face basal (interna) da ectoderme. Os neuroblastos sofrem então uma série de ciclos repetidos de divisões celulares, dividindo-se assimetricamente, originando séries de células-mãe de gânglios. Cada célula-mãe de gânglio se divide apenas uma vez para dar origem a um par de células-filhas diferenciadas (tipicamente um neurônio e uma célula da glia). (B) A distribuição assimétrica dos determinantes do destino celular em um neuroblasto isolado, conforme ele sofre mitose. Os cromossomos mitóticos estão corados em azul. O complexo Par3/Par6/aPKC, mostrado em azul pela marcação com anticorpos para aPKC, concentra-se no córtex apical, fazendo com que Miranda (verde), Brat (vermelho, sendo amarelo onde Miranda e Brat se sobrepõem) e Prospero (não-marcado) se localizam no córtex basal. Conforme as células se dividem, estas três últimas moléculas se tornam segregadas na célula-mãe de gânglio, forçando-a a se diferenciar e deixando o neuroblasto livre para regenerar sua assimetria e se dividir novamente da mesma maneira. (B, de C.Y. Lee et al. Dev. Cell 10:441-449, 2006. Com permissão de Elsevier.)

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A sinalização por Notch regula o padrão mais refinado dos tipos celulares diferenciados em diversos tipos de tecidos Cada célula-filha e uma célula-mãe de gânglio normal podem se tornar tanto um neurônio quanto uma célula da glia. A escolha final, assim como a escolha do destino celular para a progênie de uma célula-mãe sensorial no sistema nervoso periférico, é controlada pela via de sinalização Notch e por inibição lateral. O processo de inibição lateral mediado por Notch mostrou-se crucial para a diversificação celular e para a formação de padrões mais refinados em uma enorme variedade de tecidos diferentes. Na mosca, ele controla a produção não somente dos neurônios, mas também de muitos outros tipos celulares diferenciados – por exemplo, no músculo, no revestimento do intestino, no sistema excretor, na traqueia, no olho e em outros órgãos sensoriais. Nos vertebrados, os homólogos de Notch e seus ligantes são expressos em tecidos correspondentes e desempenham funções semelhantes: as mutações na via de Notch alteram o equilíbrio dos neurônios e das células não-neuronais no sistema nervoso central e dos diferentes tipos celulares especializados no revestimento do intestino, das células endócrinas e exócrinas no pâncreas e das células sensoriais e auxiliares em órgãos sensoriais como o ouvido, para citar apenas alguns exemplos. Em todos esses tecidos, é necessária uma mistura balanceada de diferentes tipos celulares. A sinalização por Notch fornece os meios para gerar a mistura, possibilitando que células individuais expressem um conjunto de genes, direcionando seus vizinhos imediatos a expressarem outro conjunto.

Alguns genes reguladores chave definem um tipo celular; outros podem ativar o programa para a criação de um órgão inteiro Conforme mencionamos no início deste capítulo, existem alguns genes cujos produtos agem como disparadores para o desenvolvimento de um órgão específico, iniciando e coordenando todo o complexo programa de expressão gênica necessário para isso. Assim, por exemplo, quando o gene Eyeless é expresso artificialmente em um grupo de células no disco imaginal da pata, uma porção de células bem-organizadas de tecido ocular, com todos os seus tipos celulares corretamente arranjados, se desenvolverá na pata (ver Figura 22-2). De maneira similar, mas muito mais tarde, quando a célula faz a escolha final de um modo particular de diferenciação, como consequência das interações mediadas por Notch, ela deve seguir um complexo programa envolvendo a expressão de um conjunto inteiro de genes, e este programa de diferenciação é iniciado e coordenado por um conjunto muito menor de reguladores de nível superior. Estes reguladores são algumas vezes chamados de “proteínas reguladoras mestras” (mesmo que elas somente possam exercer seus efeitos específicos em combinação com os parceiros corretos, em uma célula que está adequadamente preparada). Um exemplo é a família MyoD/miogenina de proteínas de regulação gênica. Estas proteínas direcionam as células para diferenciarem-se como músculos, expressando actinas e miosinas musculares específicas e todas as outras proteínas do citoesqueleto, metabólicas e de membrana necessárias à célula muscular (ver Figura 7-75). As proteínas de regulação gênica que definem tipos particulares de células frequentemente pertencem (assim como MyoD e seus correlatos) à família básica hélice-alça-hélice, codificada por genes homólogos e, em alguns casos, aparentemente idênticos aos genes pró-neurais que já mencionamos. A sua expressão frequentemente é controlada pela via Notch por meio de complicados circuitos de retroalimentação. A diferenciação celular terminal trouxe-nos ao final do nosso esboço de como os genes controlam a produção de uma mosca. Nossa narrativa foi necessariamente simplificada. Um número muito maior de genes do que aquele aqui mencionado está envolvido em cada um dos processos do desenvolvimento que descrevemos. Os circuitos de retroalimentação, os mecanismos alternativos operando em paralelo, as redundâncias genéticas e outros fenômenos complicam o quadro como um todo. Apesar disso, a mensagem principal da genética do desenvolvimento é de uma simplicidade inesperada. Um número limitado de genes e de mecanismos, utilizados repetidamente em diferentes circunstâncias e combinações, é responsável pelo controle das principais características do desenvolvimento de todos os animais multicelulares. A seguir, abordaremos um aspecto essencial do desenvolvimento animal que até agora temos negligenciado: os movimentos celulares.

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Resumo As partes externas de uma mosca adulta desenvolvem-se a partir de estruturas epiteliais chamadas de discos imaginais. Cada disco imaginal está dividido em um pequeno número de domínios que expressam diferentes proteínas de regulação gênica como resultado de processos de formação de padrões embrionários iniciais. Estes domínios são chamados de compartimentos, pois suas células não se misturam. Nos limites dos compartimentos, as células que expressam genes diferentes confrontamse umas com as outras e interagem, induzindo a produção localizada de morfógenos que governam o crescimento adicional e a formação dos padrões internos de cada compartimento. Assim, no disco da asa, as células dorsais e ventrais interagem pelo mecanismo de sinalização Notch para criar uma fonte da proteína Wingless (Wnt) ao longo dos limites do compartimento dorso-ventral, enquanto as células anteriores e posteriores interagem por meio da sinalização de curto alcance Hedgehog para criar uma fonte da proteína Dpp (um membro da família TGF␤) ao longo dos limites do compartimento ântero-posterior. Todas estas moléculas de sinalização possuem homólogos que desempenham papéis semelhantes na formação de padrões dos membros em vertebrados. Cada compartimento de um disco imaginal, e cada subestrutura dentro dele, cresce até um tamanho precisamente previsível, mesmo em face de distúrbios aparentemente drásticos, como as mutações que alteram a taxa de divisão celular. Embora os gradientes de morfógenos no disco claramente estejam envolvidos, os mecanismos reguladores críticos que controlam o tamanho dos órgãos não são entendidos. Dentro de cada compartimento, os gradientes de morfógenos controlam os locais de expressão de conjuntos adicionais de genes, definindo conjuntos de células que interagem umas com as outras ainda mais uma vez para criarem os detalhes mais refinados dos padrões finais de diferenciação celular. Assim, a expressão gênica pró-neural define os locais onde as cerdas sensoriais irão se formar, e as interações mediadas por Notch entre as células do agrupamento pró-neural, juntamente com as divisões celulares assimétricas, forçam as células individuais das cerdas a seguirem caminhos distintos para a diferenciação terminal. No sistema nervoso central, neuroblastos se diferenciam da ectoderme por inibição lateral de uma maneira similar, sofrendo uma longa série de divisões assimétricas como células-tronco para originar neurônios e células da glia. Falhas na distribuição assimétrica de moléculas que controlam a diferenciação e a proliferação celular podem converter células-tronco de neuroblastos em células de tumorais. Acredita-se que muitos destes mecanismos também atuem em tecidos de vertebrados.

MOVIMENTOS CELULARES E A DETERMINAÇÃO DA FORMA DO CORPO DOS VERTEBRADOS A maioria das células do corpo de um animal é móvel, e no embrião em desenvolvimento seus movimentos muitas vezes são extensos, dramáticos e surpreendentes. Mudanças controladas na expressão gênica criam arranjos ordenados de células em diferentes estados; movimentos celulares rearranjam esses blocos de construção celulares, colocando-os em seus devidos lugares. Os genes que as células expressam determinam como eles se movem; nesse sentido, o controle da expressão gênica é o fenômeno primordial. Contudo, os movimentos celulares também são cruciais, e maiores explicações não são necessárias se quisermos entender como é formada a arquitetura do corpo. Nesta seção, examinaremos esse tópico no contexto do desenvolvimento de vertebrados. Tomaremos como nosso exemplo principal a rã Xenopus laevis (Figura 22-67), na qual os movimentos celulares têm sido bem estudados; embora também serão analisadas evidências da galinha, do peixe-zebra e do camundongo. Figura 22-67 Sinopse do desenvolvimento de Xenopus laevis a partir do óvulo recém-fertilizado até o girino capaz de se alimentar. A rã adulta é mostrada na fotografia superior. Os estágios de desenvolvimento são vistos lateralmente, com exceção dos embriões de 10 horas e 19 horas, os quais são vistos de baixo e de cima, respectivamente. Todos os estágios, exceto o de adulto, são mostrados na mesma escala. (Fotografia cortesia de Jonathan Slack; desenhos segundo P. D. Nieuwkoop e J. Faber, Normal Table of Xenopus laevis [Daudin]. Amsterdam: North-Holland, 1956.)

Óvulo fertilizado

1 mm

½ hora, 1 célula

4 horas, 64 células

Blástula

6 horas, 10.000 células

Gástrula

10 horas, 30.000 células Nêurula

19 horas, 80.000 células

32 horas, 170.000 células Girino capaz de se alimentar 110 horas, 106 células

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POLO ANIMAL Ponto de entrada do espermatozoide

Citoplasma pigmentado do polo animal

VENTRAL Membrana plasmática mRNA de Veg T

Córtex

DORSAL mRNA de Wnt11

Núcleo vitelínico POLO VEGETAL

mRNA de Wnt11 mRNA de VegT

(B)

(A) 0,5 mm

Figura 22-68 O óvulo de Xenopus e suas assimetrias. (A) Visão lateral de um óvulo fotografado pouco antes da fertilização. (B) A distribuição assimétrica de moléculas dentro do óvulo, e como isso se altera após a fertilização para definir uma assimetria dorso-ventral, assim como uma assimetria animalvegetal. A fertilização, por meio de uma reorganização do citoesqueleto de microtúbulos, provoca uma rotação no córtex do ovo (uma camada com alguns μm de profundidade) de mais ou menos 30° em relação ao centro do ovo em uma direção determinada pelo sítio de entrada do espermatozoide. Alguns componentes são carregados ainda mais adiante, para o futuro sítio dorsal por transporte ativo ao longo dos microtúbulos. A resultante concentração dorsal de mRNA de Wnt11 leva à produção dorsal da proteína sinalizadora Wnt11 e define a polaridade dorsoventral do futuro embrião. (A, cortesia de Tony Mills.)

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A polaridade do embrião de anfíbios depende da polaridade do óvulo O óvulo de Xenopus é uma célula grande, um pouco maior que um milímetro de diâmetro (Figura 22-68A). A extremidade inferior de coloração clara do óvulo é chamada de polo vegetal; a extremidade superior de coloração escura é chamada de polo animal. Os hemisférios vegetal e animal contêm diferentes seleções de moléculas de mRNA e outros componentes celulares, os quais são distribuídos a células separadas quando a célula-ovo começa a se dividir após a fertilização. Próximo ao polo vegetal, por exemplo, há um acúmulo de mRNAs que codificam a proteína de regulação gênica VegT (uma proteína de ligação ao DNA da família T-box) e proteínas sinalizadoras da superfamília TGF␤, assim como alguns componentes proteicos já feitos da via de sinalização Wnt (Figura 22-68B). O resultado é que as células que herdam o citoplasma vegetal irão produzir sinais para a organização do comportamento de células adjacentes. Elas estão comprometidas a formar o intestino – o tecido mais interno do corpo; as células que herdam o citoplasma animal irão formar os tecidos externos. Assim, grosseiramente falando, o eixo animal-vegetal do óvulo corresponde à dimensão externa para a interna (ou da pele para o intestino) do futuro organismo. A fertilização inicia uma série de divisões e movimentos celulares que irão, no final, forçar as células vegetais e as células da região equatorial (mediana) do eixo animal-vegetal para o interior. No decorrer desses movimentos complexos, os três principais eixos do corpo são estabelecidos: o ântero-posterior, da cabeça à cauda; o dorso-ventral, das costas à barriga; e o médio-lateral, da linha média para fora, em direção à esquerda ou à direita. A orientação desses eixos é determinada pelas assimetrias do embrião jovem. O óvulo não-fertilizado tem somente um eixo de assimetria – o animal-vegetal – mas a fertilização desencadeia um movimento intracelular que dá ao ovo uma assimetria adicional, definindo um segundo eixo em ângulos retos a este. Após a entrada do espermatozoide, o córtex externo e rico em actina do citoplasma do ovo sofre uma rotação em relação ao núcleo central do ovo, de forma que o polo animal do córtex é ligeiramente deslocado para um lado. Tratamentos que bloqueiam a rotação permitem que a clivagem ocorra normalmente, mas produzem um embrião com um intestino central e sem estruturas dorsais ou assimetria dorso-ventral. Assim, a rotação cortical é necessária para definir o eixo dorsoventral do futuro corpo, e o eixo de assimetria criado no ovo pela rotação é chamado de eixo dorso-ventral do ovo. Note, contudo, que os movimentos celulares subsequentes implicam que a relação entre os eixos do ovo e os eixos do futuro corpo é mais complicada que o sugerido por esta terminologia. A direção da rotação cortical é influenciada pelo ponto de entrada do espermatozoide, talvez através do centrossomo que o espermatozoide carrega para dentro do ovo, e o movimento é associado a uma reorganização dos microtúbulos no citoplasma do ovo. Isso leva ao transporte com base em microtúbulos de vários componentes, incluindo o mRNA que codifica a Wnt11, um membro da família Wnt de moléculas-sinal, em direção ao futuro lado dorsal (ver Figura 22-68B). Este mRNA é logo traduzido, produzindo a proteína Wnt11 na região vegetal dorsal. A Wnt11, secretada de células que se formam naquela região, é crucial ao acionamento da cascata de eventos subsequentes que organizarão o eixo dorso-ventral do corpo.

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1 mm

1 hora, 1 célula

3 horas, 8 células

A clivagem produz muitas células a partir de uma A rotação cortical é completada cerca de uma hora após a fertilização, sendo seguida por clivagem, na qual a grande célula-ovo única rapidamente se subdivide, por mitoses repetidas, em muitas células menores, ou blastômeros, sem nenhuma alteração na massa total (Figura 22-69). Dessa maneira, os determinantes assimetricamente distribuídos no ovo ficam distribuídos em células separadas, com destinos diferentes (Figura 22-70). Essas primeiras divisões celulares em Xenopus têm um tempo de ciclo de cerca de 30 minutos, com uma alternância direta de fases M e S, como discutido no Capítulo 17. As taxas bastante altas de replicação do DNA e da mitose parecem impedir quase toda a transcrição gênica (embora ocorra a síntese de proteínas), e o embrião em processo de clivagem é quase inteiramente dependente de reservas de RNA, proteína, membrana e outros materiais que se acumularam no ovo enquanto se desenvolvia como oócito na mãe. Após cerca de 12 ciclos de clivagem (7 horas), a taxa de divisão celular diminui, os ciclos celulares começam a seguir o padrão normal com fases G1 e G2 intervenientes entre as fases S e M, e começa a transcrição extensiva do genoma do embrião. Este evento é chamado de transição da blástula média, e ocorre com velocidade aproximadamente similar na maioria das espécies animais (sendo os mamíferos uma exceção). Estudos no peixe-zebra mostram que os transcritos recém-sintetizados incluem microRNAs que reconhecem muitos dos transcritos depositados no ovo pela mãe e que controlam a degradação rápida destes. Assim, a transição da blástula média marca o ponto em que o genoma do próprio embrião assume a maior parte do controle do desenvolvimento.

4 horas, 64 células

Figura 22-69 Os estágios da clivagem em Xenopus. As divisões por clivagem rapidamente subdividem o ovo em muitas células menores. Todas as células se dividem sincronicamente até as primeiras 12 clivagens, mas as divisões são assimétricas, de forma que as células vegetais inferiores, carregadas de vitelo, são menos numerosas e maiores.

A gastrulação transforma uma bola côncava de células em uma estrutura de três camadas com um intestino primitivo Durante o período de clivagem, o embrião de rã se transforma de uma esfera sólida de células em algo semelhante a uma bola côncava, com uma cavidade interna cheia de fluido e cercada por células que se aderem, formando um folheto epitelial. O embrião agora é denominado blástula (Figura 22-71). Logo após, começam os movimentos coordenados da gastrulação. Esse processo dramático transforma a simples bola côncava de células em uma estrutura de camadas múltiplas com um tubo intestinal central e simetria bilateral: por meio de uma versão mais elaborada do processo anteriormente descrito para o ouriço-do-mar (ver Figura 22-3), muitas das células no exterior do embrião são movidas para dentro dele. O desenvolvimento subsequente depende das interações entre as camadas interna, externa e mediana de células assim formadas: a endoderme na parte interna, consistindo nas células que se moveram para o interior a fim de formar o intestino primitivo; a ectoderme na parte externa, consistindo em Blastômeros animais

Blastômeros vegetais ECTODERME

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MESODERME

ENDODERME

Figura 22-70 As origens das três camadas germinativas remontam a blastômeros distintos do embrião em seus estágios iniciais de clivagem. A endoderme deriva da maioria dos blastômeros vegetais, a ectoderme, da maioria dos animais, e a mesoderme, de um conjunto intermediário que também contribui à endoderme e à ectoderme. A coloração em cada ilustração indica que, quanto maior a intensidade, maior a proporção de progênie celular que irá contribuir a uma dada camada germinativa. (Segundo L. Dale, Curr. Biol. 9:R812-R815, 1999. Com permissão de Elsevier.)

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Figura 22-71 A blástula. Nas regiões mais externas do embrião, as junções compactas entre os blastômeros começam a criar um folheto epitelial que isola o interior do embrião do meio externo. O Na+ é bombeado através desta camada para dentro dos espaços no interior do embrião, e a água segue dentro desses espaços devido ao gradiente de pressão osmótica resultante. Como consequência, as fendas intercelulares dentro do embrião se alargam para formar uma única cavidade, a blastocele. Em Xenopus, a parede da blastocele apresenta uma espessura correspondente a várias células, e somente as células mais externas estão compactamente ligadas umas às outras, como em um epitélio.

Blastocele

Junção compacta

Junção tipo fenda

células que permaneceram externas; e a mesoderme entre elas, consistindo em células que se destacaram do epitélio para formar um tecido conectivo embrionário organizado mais frouxamente (Figura 22-72). A partir dessas três camadas germinativas, os tecidos do corpo do vertebrado adulto serão gerados, preservando o plano corporal básico estabelecido durante a gastrulação.

Os movimentos da gastrulação são precisamente previsíveis Figura 22-72 Secção transversal ao longo do tronco de um embrião de anfíbio após o final da gastrulação, mostrando o arranjo dos tecidos endodérmicos, mesodérmicos e ectodérmicos. A endoderme formará o revestimento epitelial do intestino, da boca ao ânus. Ela origina não somente a faringe, o esôfago, o estômago e o intestino, mas também muitas glândulas associadas. As glândulas salivares, o fígado, o pâncreas, a traqueia e os pulmões, por exemplo, desenvolvem-se de extensões da parede do trato digestivo originalmente simples, multiplicando-se e tornando-se sistemas de tubos ramificados que se conectam ao intestino ou à faringe. A endoderme forma somente os componentes epiteliais dessas estruturas – o revestimento do intestino e as células secretoras do pâncreas, por exemplo. A musculatura de suporte e os elementos fibrosos se originam da mesoderme. A mesoderme dá origem aos tecidos conectivos – primeiramente à frouxa malha tridimensional de células que preenche o espaço do embrião, conhecida como mesênquima e, por último, à cartilagem, aos ossos e ao tecido fibroso, incluindo a derme (a camada mais interna da pele). A mesoderme também forma os músculos, o sistema vascular inteiro – incluindo o coração, os vasos sanguíneos e as células do sangue – e os túbulos, os ductos e os tecidos de suporte dos rins e das gônadas. A ectoderme formará a epiderme (a camada epitelial mais externa da pele) e as estruturas acessórias da epiderme, como cabelos, glândulas sudoríparas e glândulas mamárias. Ela também originará todo o sistema nervoso, central e periférico, incluindo não somente os neurônios e a glia, mas também as células sensoriais do nariz, dos ouvidos, dos olhos e de outros órgãos sensoriais. (Segundo T. Mohun et al., Cell 22:9-15, 1980. Com permissão de Elsevier.)

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O padrão de movimentos da gastrulação que cria as camadas germinativas e estabelece o eixo do corpo é descrito para Xenopus na Figura 22-73. Os detalhes são complexos, mas os princípios são simples. As células da futura endoderme são dobradas para o interior, ou involuídas, em sucessão. O processo começa com um movimento descendente de células a partir do hemisfério animal para cobrir e cercar o hemisfério vegetal vitelínico, que representa a fonte de alimento do embrião. As células que estão na vanguarda deste movimento, na margem vegetal do folheto celular que avança, são as primeiras a involuir, voltando-se para dentro e, em seguida, movendo-se para cima em direção ao polo animal, a fim de formar a parte mais anterior do intestino. À medida que se aproximam do polo animal, essas primeiras células endodérmicas irão sinalizar à ectoderme sobreposta a definição da extremidade anterior da cabeça. A boca irá eventualmente se desenvolver como um orifício formado em um sítio anterior, onde a endoderme, e a ectoderme entram em contato direto. Enquanto isso, as futuras células da mesoderme, destinadas a se destacar do folheto epitelial para formar o “recheio de sanduíche” entre endoderme e mesoderme, dobram-se para o interior junto com as células da endoderme, e também se movem para cima em direção ao polo animal. As primeiras células a involuir vão formar partes da cabeça, e as últimas formam partes da cauda. Dessa maneira, o eixo ântero-posterior do embrião final é traçado em sequência. Os movimentos ântero-posteriores atuam em conjunto com os movimentos que organizam o eixo dorso-ventral do corpo. A gastrulação começa no lado da blástula que foi marcado como dorsal pela rotação cortical. Neste momento, a involução de células para o interior começa com uma curta endentação que rapidamente se estende para formar o blastóporo – uma linha de invaginação que se curva para envolver o polo vegetal. O sítio onde a invaginação começa define o lábio dorsal do blastóporo. Como veremos, este tecido desempenha um papel importante em eventos subsequentes e dá origem às estruturas dorsais centrais do eixo principal do corpo.

Crista neural (endoderme) Somito (mesoderme) Tubo neural (ectoderme) Notocorda (mesoderme) Cavidade intestinal (revestida por endoderme) Broto da cauda Mesoderme da lâmina lateral

Cabeça

Endoderme e vitelo Olho

Epiderme (ectoderme)

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POLO ANIMAL

Linha média ventral

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Ectoderme (epiderme)

Linha média dorsal

Ectoderme (placa neural)

Lábio dorsal do blastóporo POLO VEGETAL

Tampão de vitelo Notocorda Lábio do blastóporo

Vistas externas Ectoderme neural

Lâmina lateral

Ectoderme não-neural

Blastocele

Endoderme

Somitos Vitelo

(B)

Blastocele obliterada

Tampão de vitelo

Vitelo

Lábio dorsal do blastóporo 1 mm (A)

Cavidade do intestino

Endoderme do teto do intestino

Cérebro

Mesoderme

Medula espinal

Secções transversais

Blastóporo (C)

Figura 22-73 Gastrulação em Xenopus. (A) As vistas externas (acima) mostram o embrião como um objeto semitransparente visto de lado; com as direções do movimento celular indicadas pelas setas vermelhas, as secções transversais (abaixo) estão cortadas no plano mediano (o plano das linhas médias dorsal e ventral). A gastrulação começa quando uma pequena endentação, o início do blastóporo, torna-se visível no exterior da blástula. Esta endentação se estende gradativamente, curvando-se para formar um círculo completo que envolve um tampão de células muito ricas em vitelo (destinadas a serem contidas no intestino e digeridas). Enquanto isso, as camadas de células se dobram ao redor do lábio do blastóporo e se movem para o fundo, no interior do embrião. Ao mesmo tempo, o epitélio externo na região do polo animal se espalha ativamente e toma o lugar das camadas de células que se dobraram para a região interna. Por fim, o epitélio do hemisfério animal se espalha desta maneira e cobre toda a superfície externa do embrião, e, assim que a gastrulação é concluída, o círculo do blastóporo encolhe até quase corresponder a um ponto. (B) Um mapa de destinações para o embrião inicial de Xenopus (visto lateralmente) assim que ele começa a gastrulação, mostrando as origens das células que formarão as três camadas germinativas como resultado dos movimentos de gastrulação. As várias partes da mesoderme (lâmina lateral, somitos e notocorda) derivam de células de regiões profundas que se separam do epitélio na região tracejada. As outras células, incluindo as células mais superficiais na região tracejada, darão origem à ectoderme (azul, acima) ou à endoderme (amarelo, abaixo). Falando grosseiramente, as primeiras células a se voltarem para o interior, ou involuir, irão se mover para a frente na parte interna do embrião, a fim de formar as estruturas endodérmicas e mesodérmicas mais anteriores, enquanto as que involuírem por último formarão as estruturas mais posteriores. (C) Desenho (não deve ser tomado literalmente) mostrando aproximadamente como as diferentes regiões do mapa ectodérmico se situam dentro da superfície do corpo do animal adulto. (Segundo R. E. Keller, J. Exp. Zool. 216:81-101, 1981, com permissão de John Wiley & Sons, Inc., e Dev. Biol. 42:222-241, 1975, com permissão de Academic Press.)

Sinais químicos desencadeiam os processos mecânicos As moléculas de mRNA de VegT, Wnt11 e também outras localizadas no citoplasma vegetal do ovo ocasionam a distribuição localizada de seus produtos proteicos. Estes agem dentro e sobre as células da porção inferior e mediana do embrião para dar-lhes características especializadas e colocá-las em movimento, tanto por efeitos diretos como pela estimulação da produção de outras moléculas-sinal secretadas, particularmente proteínas da superfamília TGF␤. Se esses sinais são bloqueados, nenhum tipo de célula mesodérmica é gerado e a gastrulação é interrompida. A ativação local da via de sinalização Wnt no lado dorsal do embrião (resultante da rotação cortical inicial; ver Figura 22-68) modifica a ação dos outros sinais, de modo a induzir o desenvolvimento das células especiais que formam o lábio dorsal do blastóporo (Figura 22-74). O lábio dorsal do blastóporo desempenha um papel central na gastrulação não somente em um sentido geométrico, mas também como uma nova fonte de controle eficaz. Se o lábio dorsal do blastóporo é extirpado de um embrião no início da gastrulação e enxertado em outro embrião, porém em uma posição diferente, o embrião hospedeiro inicia a gastrulação tanto no sítio de seu próprio lábio dorsal como no sítio do enxerto. Os movimentos da gastrulação no segundo sítio acarretam a formação de um segundo

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VENTRAL

ANIMAL

A proteína-sinal Wnt11 ativa a via Wnt em um lado do embrião

VEGETAL

A proteína de regulação gênica VegT no hemisfério vegetal controla a síntese de proteínas-sinal Xnr (A)

O sinal de Wnt11 se combina com Xnr para induzir o Organizador

As proteínas Xnr induzem movimentos da mesoderme e da gastrulação (B)

DORSAL

Proteína BMP4 (induzida por Xnr)

O Organizador libera antagonistas difusíveis de Wnt e BMP

Um gradiente dorso-ventral de sinais é criado para controlar o padrão de tecidos e coordenar os movimentos da gastrulação (C)

Figura 22-74 Visão atual dos principais sinais indutores que organizam os eventos da gastrulação. (A) A distribuição de moléculas determinantes do eixo na blástula resulta da herança de diferentes partes do citoplasma do óvulo fertilizado de rã. A proteína de regulação gênica VegT nos blastômeros vegetais é traduzida a partir do mRNA de VegT que estava localizado no polo vegetal antes da fertilização. A proteína Wnt11 no futuro lado dorsal é traduzida a partir do mRNA localizado lá e resultante da rotação cortical que se segue à fertilização. (B) A VegT dirige a expressão de proteínas Xnr (relacionadas a nodal em Xenopus) e de outros membros da superfamília TGFβ, que induzem a formação de uma banda de mesoderme na parte mediana do embrião, enquanto a Wnt11 modifica o efeito no lado dorsal, colaborando com Xnr para induzir a formação do Organizador. (C) Um gradiente de morfógenos que organiza o eixo dorso-ventral é construído por uma combinação de sinais, incluindo a BMP4 (outro membro da superfamília TGFβ), secretada pela mesoderme, e antagonistas das vias Wnt e BMP, secretados pelas células do Organizador no lábio dorsal do blastóporo.

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conjunto completo de estruturas corporais e resultam em um embrião duplo (gêmeos siameses) (ver Figura 22-6B). Evidentemente, o lábio dorsal do blastóporo é a fonte de um sinal (ou sinais) que coordena tanto os movimentos de gastrulação como o padrão de especialização dos tecidos em sua vizinhança. Devido a esse papel crucial na organização da formação do eixo principal do corpo, o lábio dorsal do blastóporo é conhecido como Organizador (ou Organizador de Spemann, com referência a seu codescobridor). É o exemplo mais antigo e famoso de um centro de sinalização embrionária.

Mudanças ativas no empacotamento celular propiciam uma força motriz à gastrulação O Organizador controla o padrão dorso-ventral de diferenciação celular em sua vizinhança pela secreção de pelo menos seis diferentes proteínas-sinal. Estas agem como antagonistas difusíveis dos dois principais tipos de sinais que já mencionamos, provenientes das células mais vegetais – isto é, de sinais de Wnt e de sinais semelhantes a TGF␤ (especificamente as proteínas BMP). Esses inibidores liberados do Organizador podem ajudar a limitar o tamanho do Organizador ao impedir que células vizinhas também adotem uma característica de Organizador. Ao mesmo tempo, eles criam um gradiente de atividade de sinalização – um gradiente de morfógenos, cujo valor local reflete a distância do Organizador (Figura 22-74C). À medida que as células se movem durante a gastrulação, elas experimentam diferentes doses de sinais de BMP (e outros), lançadas em diferentes tempos, evocando diferentes comportamentos celulares e acarretando diferentes destinos finais. Contudo, como o padrão de movimentos celulares é organizado em termos mecânicos e quais são as forças que o desencadeiam? A gastrulação começa com mudanças na forma das células no sítio do blastóporo. Nos anfíbios, estas são chamadas de células-garrafa: elas possuem corpos largos e gargalos estreitos que as ancoram à superfície do epitélio (Figura 22-75) e podem ajudar a forçar a curvatura do epitélio, de modo que ele se dobre para dentro e produza a endentação inicial vista do lado exterior. Uma vez formada esta primeira dobra, as células podem continuar a passar para o interior, como uma camada, para formar o intestino e a mesoderme. O movimento parece ser dirigido principalmente por um reempacotamento ativo das células, especialmente aquelas nas regiões em involução ao redor do Organizador (ver Figura 22-75). Aqui ocorrem as extensões convergentes. Pequenos fragmentos quadrados de tecido dessas regiões, isolados em cultura, irão espontaneamente se estreitar e se alongar por meio de um rearranjo das células, da mesma forma que o fariam no embrião no processo de convergência em direção à linha média dorsal, dobrando-se para o interior ao redor do lábio do blastóporo e em seguida se alongando para formar o eixo principal do corpo.

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Biologia Molecular da Célula

Camada rica em fibronectina 1 O epitélio do polo animal se expande Espaço preenchido por fluido

2 As células mesodérmicas migram sobre a fibronectina 3 As células-garrafa ajudam a forçar a curvatura do epitélio invaginante

Vitelo

4 A zona marginal sofre extensão convergente Lábio dorsal do blastóporo

Para que esta transformação extraordinária seja efetuada, as células individuais têm de se arrastar umas sobre as outras de forma coordenada (Figura 22-76). O alinhamento de seus movimentos parece depender da mesma maquinaria que, no verme e na mosca, encontramos controlando a polaridade planar celular: a via de sinalização de polaridade Frizzled/Dishevelled. Quando esta via é bloqueada – por uma forma dominante negativa de Dishevelled, por exemplo – a extensão convergente não ocorre.

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Figura 22-75 Movimentos celulares na gastrulação. Secção transversal de um embrião de Xenopus em gastrulação, feita no mesmo plano da Figura 22-73, indicando os quatro principais tipos de movimentos envolvidos na gastrulação. O epitélio do polo animal se expande por rearranjo celular, tornando-se mais fino à medida que se espalha. A migração de células mesodérmicas sobre uma matriz rica em fibronectina que reveste a parte superior da blastocele pode ajudar a empurrar os tecidos invaginados para a frente. Contudo, a principal força motriz à gastrulação em Xenopus é a extensão convergente na zona marginal. (Segundo R. E. Keller, J. Exp. Zool. 216:81-101, 1981. Com permissão de Wiley-Liss.)

Padrões variáveis de moléculas de adesão celular forçam a formação de novos arranjos de células Os padrões de expressão gênica governam os movimentos celulares embrionários de muitos modos diferentes. Eles regulam a mobilidade celular, a forma celular e a produção de sinais para seu direcionamento. Também têm a importante função de determinar os conjuntos de moléculas de adesão que as células apresentam em suas superfícies. Por meio de alterações em suas moléculas de superfície, uma célula pode romper ligações antigas e produzir novas. As células em uma região podem desenvolver propriedades de superfície que fazem-nas se aderirem umas às outras e se segregarem de um grupo de células vizinhas cuja superfície química é diferente. Experimentos feitos há meio século em embriões jovens de anfíbios mostraram que os efeitos de adesão seletiva célula-célula podem ser tão eficazes a ponto de resultar em uma

EXTENSÃO

CONVERGÊNCIA

CONVERGÊNCIA

EXTENSÃO

(A)

Linha média dorsal

(B)

Os lamelipódios tentam se arrastar sobre a superfície de células vizinhas, puxando-as para dentro em direção às setas

Figura 22-76 Extensão convergente e suas bases celulares. (A) Padrão de extensão convergente na zona marginal de uma gástrula visto a partir do lado dorsal. As setas azuis representam a convergência em direção à linha média dorsal, as setas vermelhas representam a extensão do eixo ântero-posterior. O diagrama simplificado não pretende mostrar o movimento acompanhado de involução, pelo qual as células estão se dobrando para o interior do embrião. (B) Diagrama esquemático do comportamento celular que forma a base da extensão convergente. As células formam lamelipódios, com os quais tentam se arrastar umas sobre as outras. O alinhamento dos movimentos dos lamelipódios ao longo de um eixo comum leva à extensão convergente. O processo depende da via de sinalização de polaridade Frizzled/Dishevelled e é presumivelmente cooperativo, porque as células que já estão alinhadas exercem forças que tendem a alinhar suas vizinhas da mesma maneira. (B, segundo J. Shih e R. Keller, Development 116:901-914, 1992. Com permissão de The Company of Biologists.)

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Figura 22-77 Separação por tipos celulares. As células de diferentes partes de um embrião jovem de anfíbio irão se separar por tipos, de acordo com suas origens. No experimento clássico aqui mostrado, as células da mesoderme (verde), as células da placa neural (azul) e as células epidérmicas (vermelho) foram desagregadas e em seguida reagregadas em uma mistura aleatória. Elas se separam por tipos em um arranjo reminiscente ao de um embrião normal, com um “tubo neural” interno, uma epiderme externa e uma mesoderme no meio. (Modificada de P. L. Townes e J. Holtfreter, J. Exp. Zool. 128:53-120, 1955. Com permissão de Wiley-Liss.)

reconstrução aproximada da estrutura normal de um embrião jovem pós-gastrulação, mesmo após as células terem sido artificialmente dissociadas. Quando essas células são reagregadas em uma mistura aleatória, elas se separam espontaneamente, de acordo com suas características originais (Figura 22-77). Como discutido no Capítulo 19, um papel central em tais fenômenos é desempenhado pelas caderinas – uma grande e variada família de proteínas de adesão célula-célula dependentes de Ca2+ evolutivamente relacionadas. Estas e outras moléculas de adesão célula-célula são diferencialmente expressas nos vários tecidos do embrião jovem, sendo que anticorpos contra elas interferem na adesão seletiva normal entre células de um tipo similar. As mudanças nos padrões de expressão das várias caderinas se correlacionam intimamente com as alterações dos padrões de associação entre as células durante a gastrulação, a neurulação e a formação dos somitos (ver Figura 19-25). Esses rearranjos são provavelmente regulados e direcionados, em parte, pelo padrão de caderinas. Em particular, as caderinas parecem desempenhar uma função importante no controle da formação e da dissolução de folhetos epiteliais e de agrupamentos de células. Elas não somente colam uma célula à outra, mas também propiciam ancoramento para os filamentos intracelulares de actina nos sítios de adesão célula-célula. Desta maneira, o padrão de tensões e movimentos no tecido em desenvolvimento é regulado de acordo com o padrão de adesões.

A notocorda se alonga, enquanto a placa neural se enrola para formar o tubo neural A gastrulação é somente a primeira – embora talvez a mais dramática – de uma estonteante variedade de movimentos celulares que moldam as partes do corpo. Temos espaço para discutir somente alguns deles aqui. No embrião que se segue à gastrulação, a camada de mesoderme é dividida em placas separadas nos lados esquerdo e direito do corpo. Definindo o eixo central do corpo e efetuando esta separação, está a especialização mais inicial da mesoderme, conhecida como notocorda. Este delgado bastão de células, com ectoderme acima dele, endoderme abaixo e mesoderme de cada lado (ver Figura 22-72), deriva das células do próprio Organizador. As células da notocorda são caracterizadas pela expressão de uma proteína de regulação gênica denominada Brachyury (palavra grega para “cauda curta”, tomada a partir de um fenótipo mutante) que pertence à mesma família T-box da proteína VegT dos blastômeros vegetais. Assim que as células da notocorda passam ao redor do lábio dorsal do blastóporo e se movem para o interior do embrião, elas formam uma coluna de tecido que se alonga dramaticamente por meio de extensão convergente. As células da notocorda também ficam inchadas com vacúolos, de modo que o bastão se alonga ainda mais e distende o embrião. A notocorda é a peculiaridade definidora dos cordados – o filo ao qual pertencem os vertebrados. É uma das principais características dos vertebrados, não tendo nenhum equivalente aparente em Drosophila. Nos cordados mais primitivos, os quais não possuem vértebras, a notocorda persiste como um substituto primitivo para a coluna vertebral. Nos vertebrados, ela funciona como um núcleo ao redor do qual outras células mesodérmicas irão finalmente se reunir para formar as vértebras. Enquanto isso, outros movimentos estão ocorrendo na camada sobreposta de ectoderme, a fim de formar os rudimentos do sistema nervoso. Em um processo conhecido como neurulação, uma ampla região central de ectoderme, denominada placa neural, torna-se espessa, se enrola em um tubo e se desprende do resto da camada de células. O tubo assim criado a partir da ectoderme é chamado de tubo neural; ele irá formar o cérebro e a medula espinal (Figura 22-78). Os mecanismos de neurulação dependem de alterações no empacotamento das células e na forma das células que fazem com que o epitélio se enrole em um tubo (Figura

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Biologia Molecular da Célula

Ectoderme

Placa neural

Tubo neural

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Crista neural

Ectoderme

SECÇÕES TRANSVERSAIS

Tubo neural Notocorda 14 horas

Somito 18 horas

20 horas

21 horas

24 horas Cabeça

VISTAS EXTERNAS Cauda

22-79). Os sinais, inicialmente do Organizador e posteriormente da notocorda e da mesoderme subjacentes, definem a extensão da placa neural, induzem os movimentos que fazem-na se enrolar e ajudam a organizar o padrão interno do tubo neural. A notocorda secreta particularmente a proteína Sonic hedgehog – um homólogo da proteína de sinalização Hedgehog de Drosophila – que atua como um morfógeno que controla a expressão gênica nos tecidos vizinhos (Figura 22-80).

Figura 22-78 Formação do tubo neural em Xenopus. As vistas externas são a partir do lado dorsal. As secções transversais estão cortadas em um plano indicado pelas linhas tracejadas. (Segundo T. E. Schroeder, J. Embryol. Exp. Morphol. 23:427-462, 1970. Com permissão de The Company of Biologists.)

Um oscilador da expressão gênica controla a segmentação da mesoderme para somitos As mudanças geneticamente reguladas na adesão celular formam a base de um dos processos mais notáveis e característicos do desenvolvimento dos vertebrados – a formação dos segmentos do eixo do corpo. Em cada lado do tubo neural recém-formado se encontra uma placa de mesoderme (ver Figura 22-72). Para formar as séries repetitivas de vértebras, costelas e músculos segmentares, esta placa se fragmenta em blocos separados, ou somitos – grupos coesivos de células, separados por fendas. A Figura 22-81A mostra o processo como ocorre no embrião de galinha. Os somitos se formam um após o outro, iniciando na cabeça e terminando na cauda. Dependendo da espécie, o número final de somitos varia de menos de 50 (em uma rã ou um pássaro) a mais de 300 (em uma cobra). A parte posterior e mais imatura da placa mesodérmica, denominada mesoderme pré-somítica, fornece o tecido necessário: à medida que ela recua em direção à cauda, estendendo o embrião, deposita uma trilha de somitos. O caráter especial da mesoderme pré-somítica é mantido por meio de sinalização FGF: o mRNA de Fgf8 é sintetizado na extremidade da cauda do embrião e lentamente degradado à medida que as células se afastam desta região. A tradução da mensagem resulta em um gradiente de proteína FGF8 secretada, tendo seu ponto alto na extremidade da cauda. A formação da fenda entre um somito e o próximo é prenunciada por um padrão espacial de alternância da expressão gênica na mesoderme pré-somítica: as células prestes a formar a parte posterior de um novo somito ativam a expressão de um conjunto de genes, enquanto aquelas destinadas a formar a parte anterior do próximo somito ativam a expressão de outro conjunto. A coesão seletiva resultante da expressão gênica diferencial parece ser a causa subjacente da segmentação física observada. O problema, então, é entender como o padrão de alternância repetitiva da expressão gênica é montado. Estudos originalmente feitos em embriões de galinha deram o ponto de partida para uma resposta. Na parte posterior da mesoderme pré-somítica, a expressão de certos genes oscila ao longo do tempo. O primeiro gene oscilador de somito a ser descoberto foi o Hes1, um homólogo do gene pair-rule Hairy de Drosophila e dos genes E(spl) que medeiam respostas à sinalização Notch. A duração de um ciclo completo de oscila-

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Os microtúbulos se alongam, fazendo com que as células se tornem colunares

Os feixes apicais de filamentos de actina se contraem, estreitando as células em seus ápices Feixes apicais de filamentos de actina

Figura 22-79 O dobramento de um epitélio por meio de alterações na morfologia celular mediadas por microtúbulos e filamentos de actina. O diagrama tem como base observações do processo de neurulação em tritões e salamandras, nos quais o epitélio apresenta somente uma camada celular de espessura. Quando as extremidades apicais das células ficam mais estreitas, a superfície superior de suas membranas se torna pregueada.

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Figura 22-80 Secção transversal esquemática da medula espinal de um embrião de galinha, mostrando como células em diferentes níveis ao longo do eixo dorso-ventral expressam diferentes proteínas de regulação gênica. (A) Sinais que direcionam o padrão dorso-ventral: a proteína Sonic hedgehog da notocorda e da lâmina pavimentar (a linha média ventral do tubo neural) e as proteínas BMP da lâmina superior (a linha média dorsal) agem como morfógenos, controlando a expressão gênica. (B) Os padrões resultantes de expressão gênica na parte ventral da medula espinal em desenvolvimento. Diferentes grupos de células progenitoras neurais em proliferação (na zona ventricular, próxima ao lúmen do tubo neural) e de neurônios em diferenciação (na zona do manto, mais externamente) expressam diferentes combinações de proteínas de regulação gênica. Aquelas indicadas neste diagrama são, em sua maioria, membros da superfamília de homeodomínios; vários outros genes da mesma superfamília (incluindo as proteínas Islet/Lim) são expressos nos neurônios em diferenciação. Os neurônios que expressam diferentes proteínas de regulação gênica formarão conexões com diferentes parceiros e podem criar diferentes combinações de neurotransmissores e receptores.

Figura 22-81 Formação de somitos no embrião de galinha. (A) Um embrião de galinha com 40 horas de incubação. (B) Modo como a oscilação temporal da expressão gênica na mesoderme pré-somítica se converte em um padrão de alternância espacial da expressão gênica nos somitos formados. Na parte posterior da mesoderme pré-somítica, cada célula oscila com um tempo de ciclo de 90 minutos. À medida que as células amadurecem e emergem da região pré-somítica, sua oscilação é gradativamente diminuída e finalmente levada a parar, deixando-as em um estado que depende da fase do ciclo em que elas estejam no momento crítico. Desta maneira, uma oscilação temporal da expressão gênica determina um padrão de alternância espacial. (A, de Y. J. Jiang, L. Smithers e J. Lewis, Curr. Biol. 8:R868-R871, 1998. Com permissão de Elsevier.)

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A placa dorsal e as células adjacentes secretam as proteínas BMP

Placa dorsal

Tubo neural

Células progenitoras neurais em divisão

Pax3/7

Pax3/7/6, Dbx2, Irx3 Pax6, Dbx1/2, Irx3 Pax6, Dbx2, Irx3 Pax6, Nkx6.1, Irx3 Pax6, Nkx6.1 Nkx2.2/Nkx6.1 A placa ventral e a notocorda secretam a proteína Sonic hedgehog (A)

Proteínas de regulação gênica expressas

Placa ventral

Grupos de neurônios em diferenciação

(B)

ção deste relógio de segmentação (90 minutos na galinha) equivale ao tempo necessário para produzir um somito adicional. À medida que as células emergem da mesoderme pré-somítica para formar os somitos – em outras palavras, à medida que elas deixam de ser expostas ao sinal de FGF8 – sua oscilação diminui e por fim cessa. Algumas vêm a ser interrompidas em um estado, algumas em outro, de acordo com a fase de seu ciclo de oscilação no momento de saída da mesoderme pré-somítica. O Hes1 e vários outros genes de oscilação codificam proteínas de regulação gênica; assim, as células que caem abaixo do nível crítico de FGF8, quando estão no pico de seu ciclo de oscilação, ativam um conjunto de genes reguladores, enquanto aquelas que ultrapassam o limiar na depressão do ciclo ativam outro (Figura 22-81B). Dessa maneira, acredita-se que a oscilação temporal da ex-

(A)

Somito

Células interrompidas na depressão do ciclo de oscilação

1 mm Tubo neural

Células interrompidas no pico do ciclo de oscilação

Mesoderme pré-somítica

A cauda se move para trás à medida que se formam novos somitos

par de somitos formado mais recentemente

Oscilação interrompida

Oscilação diminuindo

Oscilação com 1 ciclo a cada 90 min

(B)

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Biologia Molecular da Célula

INIBIÇÃO

Gene que codifica uma ATRASO proteína inibidora mRNA

1.200

120 80

800

40

400 200

400

Concentração de proteína

(B)

Proteína inibidora

Concentração de mRNA

(A)

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600 minutos

ATRASO ATRASO

pressão gênica na mesoderme pré-somítica deixe seu rastro em um padrão espacialmente periódico de expressão gênica na mesoderme em maturação, e isso, por sua vez, dita como o tecido irá se fragmentar em blocos fisicamente separados.

A retroalimentação negativa retardada pode gerar as oscilações do relógio de segmentação Qual é, então, o mecanismo que gera a oscilação temporal? Como funciona o relógio? No camundongo, descobriu-se que pelo menos três classes de genes apresentam um padrão de expressão oscilante na mesoderme pré-somítica, codificando componentes da via Notch, da via Wnt e da via Fgf, respectivamente; porém, sabe-se que a maioria das mutações que interrompem o relógio e desorganizam a segmentação dos somitos está localizada em componentes da via Notch. Aí estão incluídos genes (como o Hes1 e, mais significativamente, seu parente Hes7) que são regulados por Notch e codificam proteínas de regulação gênica inibidoras. Algumas dessas proteínas agem diretamente no DNA regulador de seu próprio gene, de modo a inibir sua própria expressão. De acordo com uma teoria, este circuito de retroalimentação negativa simples poderia ser o gerador básico das oscilações (Figura 22-82): quando o gene é transcrito, a quantidade de seu produto proteico cessa; a proteína, então, decai, permitindo que a transcrição comece de novo, e assim por diante. Há um intervalo entre o início de um novo evento de transcrição e o primeiro aparecimento, no núcleo, das moléculas de proteínas reguladoras resultantes, porque leva um certo tempo para que a RNA-polimerase percorra o gene, para que o transcrito de RNA resultante amadureça, deixe o núcleo e direcione a síntese de uma molécula proteica, e para que a proteína entre no núcleo a fim de controlar a transcrição. Propõe-se que este atraso no circuito de retroalimentação seja o principal determinante do período de oscilação do relógio e, assim, do tamanho de cada somito. A maioria das células de cada somito recém-formado irá rapidamente se diferenciar para formar um bloco de músculo, correspondente a um segmento de músculo do eixo principal do corpo. O embrião pode agora (e o faz) começar a se torcer. Os subconjuntos separados das células dos somitos irão formar as vértebras e outros tecidos conectivos, como a derme. Um subconjunto adicional se desprende do somito e migra para a mesoderme lateral não-segmentada, arrastando-se pelos espaços entre outras células: esses emigrantes irão dar origem a praticamente todas as outras células musculares esqueléticas do corpo, incluindo as dos membros.

Figura 22-82 A retroalimentação negativa atrasada dá origem à expressão gênica oscilante. (A) Um único gene, codificando uma proteína de regulação gênica que inibe sua própria expressão, pode se comportar como um oscilador. Para que a oscilação ocorra, deve haver um atraso (ou vários atrasos) no circuito de retroalimentação, e os tempos de vida das moléculas de mRNA e proteína devem ser breves em comparação ao atraso total. O atraso determina o período de oscilação. De acordo com uma teoria, um circuito de retroalimentação como este, com base em um gene chamado de Her7 no peixe-zebra, ou Hes7 no camundongo (um parente do gene Hes1), é o marca-passo do relógio de segmentação que governa a formação dos somitos. (B) A oscilação prevista do mRNA de Her7 e da proteína correspondente, computada usando-se estimativas aproximadas dos parâmetros do circuito de retroalimentação apropriados para este gene no peixe-zebra. As concentrações são medidas em número de moléculas por célula. O período previsto é próximo ao período observado, que é de 30 minutos por somito no peixe-zebra.

Os tecidos embrionários são invadidos de modo estritamente controlado por células migratórias Os precursores das células musculares, ou mioblastos, que emigram dos somitos estão determinados, mas não completamente diferenciados. Nos tecidos que colonizam, eles irão se misturar com outras classes de células das quais parecem praticamente indistintos; contudo, irão manter a expressão de proteínas de regulação gênica específicas de mioblastos (como a Pax3 e os membros da família MyoD) e, quando chegar o momento da diferenciação, eles, e somente eles, irão se transformar em células musculares (Figura 22-83).

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Figura 22-83 A origem migratória das células musculares dos membros. As migrações podem ser localizadas pelo transplante de células de um embrião de codorna em um embrião de galinha; as duas espécies são muito semelhantes em seu desenvolvimento, mas as células de codorna são reconhecidas pela aparência distinta de seus nucléolos. Se as células dos somitos de codorna forem substituídas pelas células dos somitos de um embrião de galinha de dois dias de incubação e a asa da galinha for seccionada uma semana mais tarde, será observado que as células musculares na asa da galinha derivam dos somitos transplantados da codorna.

EMBRIÃO DE CODORNA

EMBRIÃO DE GALINHA

Remover os somitos em desenvolvimento na região onde o broto da asa irá se desenvolver e transplantar para um embrião de galinha

Descartar

A asa se desenvolve

O padrão final dos músculos – nos membros, por exemplo – é determinado pelas vias que as células migrantes seguem e pela seleção dos sítios que elas colonizam. Os tecidos conectivos embrionários formam uma estrutura que é percorrida pelos mioblastos e que propicia sinais que orientam sua distribuição. Não importa de qual somito eles provêm, os mioblastos que migram para um broto de um membro anterior formarão o padrão de músculos apropriados para um membro anterior, e aqueles que migram para um broto de um membro posterior formarão o padrão apropriado para um membro posterior. Enquanto isso, outras classes de células migratórias selecionam diferentes vias para a execução de seus percursos. Ao longo da linha onde o tubo neural se desprende da futura epiderme, diversas células ectodérmicas se separam do epitélio e também migram como indivíduos através da mesoderme (Figura 22-84). Estas são as células da crista neural; elas irão dar origem a praticamente todos os neurônios e todas as células gliais do sistema nervoso periférico, assim como às células pigmentares da pele e a muitos tecidos conectivos na cabeça, incluindo os ossos do crânio e dos maxilares. Outros migrantes importantes são os precursores das células sanguíneas, das células germinativas e de muitos grupos de neurônios dentro do sistema nervoso central, assim como as células endoteliais que formam os vasos sanguíneos. Cada uma dessas classes de viajantes colonizará um conjunto diferente de sítios. Como resultado de tais invasões, a maioria dos tecidos no corpo de um vertebrado é uma mistura de células com diferentes características derivadas de partes amplamente separadas do embrião. Quando uma célula migrante percorre os tecidos embrionários, ela repetidamente estende projeções que sondam suas adjacências imediatas, testando a presença de sinais sutis aos quais ela é particularmente sensível, em virtude de sua variedade específica de proteínas receptoras de superfície celular. Dentro da célula, essas proteínas receptoras estão conectadas ao citoesqueleto, o qual movimenta a célula. Alguns materiais da matriz extracelu-

Seccionar para mostrar a distribuição de células da codorna no antebraço

Sítio original das células da crista neural Tendão Osso

Músculo

Tubo neural

Ectoderme

Gânglio sensorial

Somito

Gânglio simpático

Notocorda

Glândula adrenal Gânglios entéricos

Aorta

Cavidade celômica Tubo intestinal

Figura 22-84 As principais vias de migração celular da crista neural. Um embrião de galinha é mostrado em uma secção transversal esquemática através da parte mediana do tronco. Derivados da crista neural que se situam no fundo estão indicados por caixas de texto amarelas. As células que tomam o caminho logo abaixo da ectoderme formarão as células pigmentares da pele; aquelas que tomam o caminho mais interno, via somitos, formarão os neurônios, as células gliais dos gânglios sensoriais e simpáticos e partes da glândula adrenal. Os neurônios e as células gliais dos gânglios entéricos, na parede do intestino, são formados a partir de células da crista neural que migram ao longo da extensão do corpo, originadas ou da região do pescoço ou da região sacral. Em Drosophila, os neurônios na parede do intestino se originam de maneira similar, pela migração a partir da extremidade da cabeça do embrião. (Ver também Figura 19-23.)

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Biologia Molecular da Célula

Órgãos da linha lateral

Primórdio em migração

(A) Primórdio da linha lateral

Expressão de Cxcr4 (B)

Caminho da linha lateral

Caminho do prônefro

Expressão de Sdf1

(C)

lar, como a proteína fibronectina, propiciam sítios adesivos que ajudam a célula a avançar; outros, como o proteoglicano de sulfato de condroitina, inibem a locomoção e repelem a imigração. As células não-migrantes ao longo da via podem, da mesma forma, possuir superfícies convidativas ou repelentes, ou podem até mesmo estender filopódios que tocam a célula migrante e afetam seu comportamento. Entre essa grande quantidade de diferentes influências controladoras, algumas se sobressaem como especialmente importantes. Em particular, muitos tipos diferentes de células são guiados por quimiotaxia, que depende de um receptor chamado de CXCR4. Esta proteína de superfície celular pertence à família de receptores acoplados à proteína G e é ativada por um ligante extracelular denominado SDF1. As células que expressam a CXCR4 podem detectar seu caminho ao longo de trilhas marcadas pela produção de SDF (Figura 22-85). A quimiotaxia em direção a fontes de SDF1 desempenha um papel importante na orientação das migrações de linfócitos e de várias outras células brancas do sangue; de neurônios no cérebro em desenvolvimento; de células progenitoras musculares que entram nos brotos dos membros; de células germinativas primordiais que se movem em direção às gônadas; e de células cancerosas que se espalham por metástase.

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Figura 22-85 Migração do primórdio da linha lateral em uma larva de peixe-zebra, guiada por SDF1 e CXCR4. A linha lateral é uma série de órgãos mecano-sensoriais, intimamente semelhantes às manchas sensoriais do ouvido interno, as quais detectam o movimento da água acima da superfície em um peixe ou anfíbio. (A) Eles se originam como agrupamentos de células depositados por um primórdio que migra ao longo do flanco da larva, a partir de um sítio na cabeça até a cauda, como mostrado nesta larva de dois dias na qual as células da linha lateral estão marcadas pela expressão da Proteína Verde Fluorescente. (B) As células no primórdio expressam o receptor de quimiotaxia CXCR4, aqui mostrado por hibridização in situ em uma larva de 1 dia. (C) A trilha que elas seguirão é marcada pela expressão do ligante SDF1, mostrado por hibridização in situ em outro espécime de 1 dia. Se o ligante estiver ausente ao longo da via normal (como resultado de uma mutação), o primórdio se desvia de sua via apropriada e segue uma trilha alternativa mais ventral, marcada por outra faixa de SDF1, que define o caminho normal de outra estrutura migratória, o prônefro. (A, cortesia de David Gilmour; B e C, de N. B. David et al., Proc. Natl. Acad. Sci. U. S. A. 99:16297-16302, 2002. Com permissão de National Academy of Sciences.)

A distribuição das células migrantes depende de fatores de sobrevivência, assim como de sinais de direcionamento A distribuição final das células migrantes depende não somente das vias que elas tomam, mas também do fato de sobreviverem ou não à jornada e de prosperarem ou não no ambiente que encontrarão no final da jornada. Sítios específicos fornecem os fatores de sobrevivência necessários a cada tipo específico de célula migrante. Por exemplo, as células da crista neural que dão origem às células de pigmentação da pele e às células nervosas do intestino dependem de um fator peptídico chamado de endotelina-3, que é secretado por tecidos nas vias de migração; camundongos mutantes e humanos com deficiência no gene para este fator ou para seu receptor apresentam regiões não-pigmentadas (albinas) e mal-formações potencialmente letais no intestino resultantes da ausência de inervação intestinal (uma condição chamada de megacolo, devido à grande distensão do colo). As células germinativas, os precursores das células sanguíneas e as células de pigmentação derivadas da crista neural parecem todos compartilhar pelo menos um requisito comum para sua sobrevivência, envolvendo um receptor transmembrana, denominado proteína Kit, na membrana das células migrantes, e um ligante, denominado fator Steel, produzido pelas células do tecido através do qual as células migram e/ou no qual vêm a se estabelecer. Indivíduos com mutações nos genes para qualquer uma dessas proteínas são deficientes quanto à pigmentação, ao suprimento de células sanguíneas e à produção de células germinativas (Figura 22-86).

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Figura 22-86 Efeito de mutações no gene Kit. Tanto o bebê como o camundongo são heterozigotos para uma mutação de perda de função que os deixa com somente a metade da quantidade normal do produto do gene Kit. Em ambos os casos, a pigmentação é defectiva, porque as células pigmentares dependem do produto de Kit como receptor para um fator de sobrevivência. (Cortesia de R. A. Fleischman, de Proc. Natl. Acad. Sci. U. S. A. 88:10885-10889, 1991. Com permissão de National Academy of Sciences.)

A assimetria esquerda-direita do corpo dos vertebrados deriva da assimetria molecular no embrião jovem

Figura 22-87 Batimento helicoidal dos cílios no nodo e as origens da assimetria esquerda-direita. (A) O batimento dos cílios direciona uma corrente de fluido em direção a um lado do nodo, e isso leva à expressão gênica assimétrica na vizinhança do nodo. Segundo uma teoria, o fluxo exerce este efeito pelo transporte de proteínas-sinal extracelulares a um lado. Outra teoria observa que os cílios também podem funcionar como mecanossensores, e propõe que um subgrupo de cílios no nodo responde à deflexão devida à corrente de fluido pela abertura de canais de Ca2+, de modo a criar um aumento da concentração de Ca2+ nas células em um lado. (B) O padrão de expressão assimétrico resultante de Nodal, que codifica uma proteína-sinal pertencente à superfamília TGFβ, na vizinhança do nodo (os dois pontos azuis inferiores) em um embrião de camundongo de 8 dias de gestação, como mostrado por hibridização in situ. Neste estágio, a assimetria já foi retransmitida em direção à parte externa até a mesoderme da lâmina lateral, onde Nodal é expresso no lado esquerdo (porção azul grande e alongada), mas não no direito. (B, cortesia de Elizabeth Robertson.)

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Vistos de fora, os vertebrados podem parecer bilateralmente simétricos, mas muitos de seus órgãos internos – o coração, o estômago, o fígado, e assim por diante – são muito assimétricos. Essa assimetria é bastante reproduzível: 99,98% das pessoas têm o coração no lado esquerdo. Vimos como o embrião de um vertebrado desenvolve suas camadas de tecido internas e externas e seus eixos ântero-posterior e dorso-ventral. Contudo, como surge a assimetria esquerda-direita? Estudos genéticos em mamíferos mostram que esse problema pode ser dividido em duas questões distintas – uma relacionada à criação da assimetria e outra relacionada a sua orientação. Em humanos e camundongos, conhecem-se várias mutações que ocasionam uma randomização do eixo esquerda-direita: 50% dos indivíduos mutantes têm seus órgãos internos arranjados da forma normal, enquanto os outros 50% apresentam uma anatomia invertida, com o coração no lado direito. Nestes indivíduos, ao que parece, o mecanismo que torna os lados esquerdo e direito diferentes funcionou corretamente, mas o mecanismo que decide entre as duas orientações possíveis do eixo esquerda-direita está defectivo. A chave para a base desses fenômenos vem da descoberta de assimetrias moleculares que precedem as primeiras assimetrias anatômicas maiores. Os sinais mais precoces são vistos em padrões de expressão gênica na vizinhança do nodo – o homólogo, no camundongo e na galinha, ao Organizador das rãs. Em particular, o gene Nodal, que codifica um membro da superfamília TGF␤, é expresso assimetricamente nesta região (não somente no camundongo, mas também na galinha, na rã e no peixe-zebra) (Figura 22-87). A assimetria da expressão de Nodal na vizinhança imediata do nodo é transmitida para fora a fim de

ESQUERDA

DIREITA

O coração se desenvolve do lado esquerdo (A)

DIREITA

Notocorda em desenvolvimento

Expressão assimétrica de Nodal

Pitx2

ESQUERDA

Nodal

Nodo

Lefty

Faixa primitiva

O batimento dos cílios direciona o fluxo assimétrico de fluido extracelular

(B)

100 ␮m

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criar uma ampla faixa de expressão de Nodal na mesoderme ao longo do lado esquerdo – e somente do lado esquerdo – do corpo do embrião. O mecanismo que transmite a assimetria a partir do nodo e localiza a expressão de Nodal não é entendido e pode variar entre as diferentes classes de vertebrados. Em todas as espécies, contudo, ele parece depender de circuitos de retroalimentação que envolvem, além de Nodal, um segundo conjunto de genes, os genes Lefty. Estes, como o próprio Nodal, são diretamente regulados pela via de sinalização Nodal, e seus produtos, as proteínas Lefty, são relacionados a Nodal. Porém, as proteínas Lefty se difundem mais amplamente e agem contrariamente, como antagonistas de Nodal. Camundongos com uma mutação nocaute no gene Lefty1 frequentemente apresentam o lado direito convertido em uma imagem especular do esquerdo, de forma que a simetria esquerda-direita se perde. Outro gene diretamente regulado pela via Nodal, Pitx2, que codifica uma proteína de regulação gênica, vincula o resultado das interações entre Nodal/Lefty ao desenvolvimento anatômico subsequente. A Nodal controla a expressão de Pitx2 no lado esquerdo do corpo e, com isso, confere assimetria ao coração e a outros órgãos internos. Isso nos deixa com o quebra-cabeça de como a assimetria inicial da expressão de Nodal se origina. Seja qual for o mecanismo, o resultado dos eventos no nodo em um animal normal deve ser influenciado de tal forma que os genes específicos do lado esquerdo sejam regularmente expressos no lado esquerdo: deve haver uma ligação entre o mecanismo que cria a assimetria e o mecanismo que a orienta. Um indício para o mecanismo de orientação foi primeiramente observado em uma clínica de infertilidade da Suécia. Descobriu-se que um pequeno subconjunto de homens inférteis possuía espermatozoides sem mobilidade devido a um defeito nas moléculas de dineína necessárias ao batimento dos cílios e flagelos. Esses homens também sofriam de bronquite crônica e sinusite, porque os cílios em seus tratos respiratórios eram defeituosos. E, surpreendentemente, 50% deles tinham os órgãos internos esquerda-direita invertidos, com o coração à direita. As descobertas originalmente pareceram completamente misteriosas; porém, efeitos similares são vistos em mamíferos com outras mutações que resultam em cílios defeituosos. Isso sugere que o batimento ciliar, de algum modo, controla como o eixo esquerda-direita é orientado. A videomicroscopia em tempo real em um embrião vivo de camundongo revela que as células do nodo, em sua face interna, são dotadas de cílios que batem de modo helicoidal: como uma rosca de parafuso, essas células têm um sentido definido e, no nodo, elas estão arranjadas em uma pequena concavidade que é moldada de forma que seus batimentos direcionam uma corrente de fluido ao lado esquerdo (ver Figura 22-87A). Segundo uma teoria, acredita-se que as proteínas-sinal carregadas nesta corrente produzam a tendência que orienta o eixo esquerda-direita do corpo do camundongo. Outra teoria propõe que os cílios, neste sistema, como em outros contextos, agem não somente como direcionadores do fluxo de fluido, mas também como sensores mecânicos, respondendo à deflexão pela geração de uma corrente assimétrica de íons Ca2+ que atravessa o nodo e influencia o tecido adjacente. O sentido do batimento ciliar reflete o sentido – a assimetria esquerda-direita – das moléculas orgânicas das quais todos os seres vivos são feitos. Parece que isso, portanto, é a diretriz final da assimetria esquerda-direita de nossa anatomia.

Resumo O desenvolvimento animal envolve movimentos celulares dramáticos. Assim, na gastrulação, as células do exterior do embrião jovem se dobram para o interior para formar a cavidade intestinal e criar as três camadas germinativas – endoderme, mesoderme e ectoderme – a partir das quais são construídos os animais superiores. Nos vertebrados, os movimentos da gastrulação são organizados por sinais do Organizador (o lábio dorsal do blastóporo de anfíbios, correspondente ao nodo em um embrião de galinha ou camundongo). Esses sinais especificam o eixo dorso-ventral do corpo e governam a extensão convergente, na qual o folheto de células que se move para o interior do corpo se estende ao longo do eixo cabeça-cauda enquanto se estreita em ângulos retos a este eixo. Os movimentos ativos de re-empacotamento de células individuais que dirigem a extensão convergente são coordenados pela via de sinalização de polaridade planar Frizzled/Dishevelled – um ramo da via de sinalização Wnt que regula o citoesqueleto de actina. O desenvolvimento subsequente envolve muitos movimentos celulares adicionais. Parte da ectoderme se torna espessa, enrolando-se e se desprendendo para formar o tubo neural e a crista neural. Na linha média, um bastão de células especializadas denominado notocorda se

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alonga para formar o eixo central do embrião. As longas placas de mesoderme em cada lado da notocorda vêm a ser segmentadas em somitos. Células migrantes, como as da crista neural, desprendem-se de seus vizinhos originais e percorrem o embrião para colonizar novos sítios. Células germinativas primordiais e muitas outras migrantes são guiadas por quimiotaxia dependente do receptor CXCR4 e de seu ligante SDF1. Moléculas específicas de adesão celular, como as caderinas e integrinas, auxiliam no direcionamento das migrações e controlam a coesão seletiva das células em novos arranjos. Finalmente, o padrão de movimentos celulares é direcionado pelo padrão de expressão gênica, o qual determina as propriedades da superfície celular e a mobilidade. Assim, a formação dos somitos depende de um padrão periódico de expressão gênica, que é estabelecido por um oscilador bioquímico – o relógio de segmentação – na mesoderme e que dita a maneira pela qual a massa de células irá se dividir em blocos separados. Similarmente, a assimetria anatômica esquerda-direita do corpo dos vertebrados é prenunciada pela assimetria esquerda-direita no padrão de expressão gênica no embrião jovem. Acredita-se que essa assimetria, pelo menos em mamíferos, seja em última análise direcionada pelo sentido do batimento ciliar na vizinhança do nodo.

O CAMUNDONGO O embrião de camundongo – minúsculo e inacessível no útero de sua mãe – representa um desafio difícil para os biólogos do desenvolvimento. Contudo, ele tem dois atrativos imediatos. Primeiro, o camundongo é um mamífero, e os mamíferos são os animais que mais interessam a nós, humanos. Segundo, entre os mamíferos, ele é um dos mais convenientes para estudos genéticos, porque é pequeno e se reproduz rapidamente. Esses dois fatores têm estimulado um enorme esforço de pesquisa, resultando no desenvolvimento de algumas ferramentas extraordinariamente potentes. Desta maneira, o camundongo tornou-se o principal organismo-modelo para a experimentação em genética de mamíferos e o mais intensivamente estudado substituto para humanos. Ele está evolutivamente separado dos humanos por apenas cerca de cem milhões de anos. Seu genoma tem o mesmo tamanho que o nosso e existe uma correspondência muito próxima de um para um entre os genes de camundongos e os de humanos. Nossas proteínas são, tipicamente, de 80 a 90% idênticas quanto à sequência de aminoácidos, e grandes blocos de estreita similaridade quanto à sequência de nucleotídeos também são evidentes, quando as sequências reguladoras de DNA são comparadas. Por meio de engenhosidade e perseverança, os biólogos do desenvolvimento encontraram meios para ter acesso ao embrião jovem de camundongo sem matá-lo e para gerar camundongos com mutações em qualquer gene selecionado. Quase todas as modificações genéticas que podem ser feitas em um verme, uma mosca ou um peixe-zebra agora também podem ser feitas no camundongo e, em alguns casos, até de forma melhor. Os custos com pesquisa em camundongos são muito maiores, mas também são maiores os incentivos. Como resultado, o camundongo se tornou uma fonte rica de informação sobre todos os aspectos da genética molecular do desenvolvimento – um sistema modelo-chave não somente para mamíferos, mas também para outros animais. Ele proporcionou, por exemplo, muito do que sabemos sobre os genes Hox, a simetria esquerda-direita, os controles da morte celular, o papel da sinalização Notch e uma série de outros tópicos. Já fizemos repetidamente uso de dados do camundongo. Iremos utilizá-los ainda mais no próximo capítulo, em que discutiremos os tecidos adultos e os processos de desenvolvimento que ocorrem neles. Nesta seção, examinaremos as características especiais do desenvolvimento do camundongo que têm sido exploradas para possibilitar a manipulação genética. Por meio de exemplos, delinearemos também como o camundongo tem sido usado para esclarecer um importante processo adicional do desenvolvimento – a criação de órgãos, como pulmões e glândulas, por interações entre tecido conectivo embrionário e epitélio.

O desenvolvimento de mamíferos começa com um preâmbulo especializado O embrião dos mamíferos começa seu desenvolvimento de uma maneira excepcional. Protegido dentro do útero, ele não tem a mesma necessidade que os embriões da maioria das outras espécies têm de completar as etapas iniciais do desenvolvimento rapidamente. Além disso, o desenvolvimento de uma placenta prontamente fornece nutrição a partir da mãe, de

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Óvulo de camundongo fertilizado

2 células 1½ dia

Mórula 8 células 2½ dias

Compactação

Secção do blastocisto 4 dias

16 células 3 dias

Corpo polar

Zona pelúcida

Pró-núcleos materno e paterno

Blastocele Massa celular interna Trofoectoderme

50 ␮m

forma que o ovo não precisa conter grandes reservas de matérias-primas, como o vitelo, por exemplo. O ovo de um camundongo tem um diâmetro de apenas cerca de 80 μm e, portanto, um volume cerca de 2.000 vezes menor que um ovo típico de anfíbio. Suas divisões por clivagem não ocorrem mais rapidamente que as divisões de muitas células somáticas comuns, e a transcrição gênica já se inicia no estágio de duas células. O mais importante é que, enquanto os estágios posteriores do desenvolvimento de mamíferos são similares àqueles de outros vertebrados, como Xenopus, os mamíferos começam tomando um grande desvio no desenvolvimento para gerar um conjunto complicado de estruturas – notavelmente o saco amniótico e a placenta – que envolvem e protegem adequadamente o embrião e propiciam a troca de metabólitos com a mãe. Essas estruturas, assim como o resto do corpo, derivam do óvulo fertilizado, mas são chamadas de extraembrionárias porque são descartadas ao nascimento e não fazem parte do adulto. Estruturas acessórias similares também se formam no desenvolvimento de aves e répteis. Os estágios iniciais do desenvolvimento do camundongo estão resumidos na Figura 22-88. O óvulo fertilizado se divide e gera 16 células até três dias após a fertilização. Inicialmente, as células ficam presas umas às outras apenas frouxamente, mas ao começar o estágio de 8 células elas se tornam mais coesivas e sofrem compactação, formando uma bola sólida de células denominada mórula (palavra em latim para “pequena amora”) (Figura 2289). Formam-se junções compactas apicais entre as células, lacrando o interior da mórula do meio externo. Logo após isso, uma cavidade interna se desenvolve, convertendo a mórula em um blastocisto – uma esfera oca. A camada externa de células, que forma a parede da esfera, é chamada de trofoectoderme. Ela dará origem aos tecidos extra-embrionários. Um

(A)

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(B)

(C)

Figura 22-88 Os estágios iniciais do desenvolvimento do camundongo. A zona pelúcida é uma cápsula gelatinosa da qual o embrião se livra após alguns dias, o que lhe permite se implantar na parede do útero. (Fotografias cortesia de Patricia Calarco.)

Figura 22-89 Micrografias eletrônicas de varredura do embrião jovem de camundongo. A zona pelúcida foi removida. (A) Estágio de duas células. (B) Estágio de quatro células (um corpo polar é visível, além dos quatro blastômeros – ver Figura 21-23). (C) Mórula com 8 a 16 células – a compactação está ocorrendo. (D) Blastocisto. (A-C, cortesia de Patricia Calarco; D, de P. Calarco e C. J. Epstein, Dev. Biol. 32:208-213, 1973. Com permissão de Academic Press.)

(D)

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agrupamento interno de células, chamado de massa celular interna, está localizado em um lado da cavidade. Ele dará origem à totalidade do embrião propriamente dito. Após o embrião ter se livrado de sua cápsula gelatinosa (em cerca de quatro dias), as células da trofoectoderme estabelecem um estreito contato com a parede do útero, iniciando o processo de implantação que levará à formação da placenta. Enquanto isso, a massa celular interna cresce e começa a se diferenciar. Parte dela dá origem a algumas estruturas extraembrionárias adicionais, como o saco vitelínico, enquanto o resto segue em frente para formar o embrião propriamente dito pelos processos de gastrulação, neurulação, e assim por diante, que são fundamentalmente similares àqueles vistos em outros vertebrados, embora distorções da geometria muitas vezes tornem a homologia difícil de ser discernida à primeira vista.

O embrião jovem de mamíferos é altamente regulador

Embrião de camundongo no estágio de 8 células cujos pais são camundongos brancos

Embrião de camundongo no estágio de 8 células cujos pais são camundongos pretos

A zona pelúcida de cada ovo é removida por tratamento com protease

Os embriões são colocados juntos e se fundem quando incubados a 37°C

O desenvolvimento dos embriões fusionados continua in vitro até o estágio de blastocisto

Os determinantes intracelulares localizados têm apenas um pequeno papel no desenvolvimento inicial dos mamíferos, e os blastômeros produzidos pelas primeiras poucas divisões celulares são extraordinariamente adaptáveis. Se o embrião jovem for dividido em dois, um par de gêmeos idênticos pode ser produzido – dois indivíduos normais completos a partir de uma única célula. Similarmente, se uma das células em um embrião de camundongo com duas células for destruída perfurando-a com uma agulha e o “meio embrião” resultante for colocado no útero de uma mãe adotiva para se desenvolver, em muitos casos um camundongo perfeitamente normal irá se formar. Inversamente, dois embriões de camundongo com 8 células podem ser combinados para formar uma única mórula gigante que, então, se desenvolve em um camundongo de estrutura e tamanho normais (Figura 22-90). Tais criaturas, formadas a partir de agregados de grupos de células geneticamente diferentes, são chamadas de quimeras. As quimeras também podem ser obtidas por meio da injeção de células de um embrião jovem de um genótipo em um blastocisto de outro genótipo. As células injetadas vêm a ser incorporadas na massa celular interna do blastocisto hospedeiro, e um animal quimérico se desenvolve. Desta maneira, uma única célula coletada de um embrião de 8 células ou da massa celular interna de outro blastocisto jovem pode dar origem a qualquer combinação de tipos celulares na quimera. Onde quer que a célula adicionada venha a ser encontrada, ela responde corretamente a estímulos de seus vizinhos e segue o caminho apropriado de desenvolvimento. Essas descobertas têm duas implicações. Primeiro, durante os estágios iniciais, o sistema de desenvolvimento está se autoajustando, de forma que uma estrutura normal se desenvolve mesmo se as condições iniciais forem perturbadas. Embriões ou partes de embriões que têm esta propriedade são denominados reguladores. Segundo, as células individuais da massa celular interna são inicialmente totipotentes, ou quase totalmente: embora elas não possam formar o trofoblasto, podem dar origem a qualquer parte do corpo adulto, incluindo as células germinativas.

As células-tronco embrionárias totipotentes podem ser obtidas a partir de um embrião de mamífero

O blastocisto é transferido para uma fêmea de camundongo pseudográvida, que atua como mãe adotiva

O filhote de camundongo tem quatro progenitores (mas a mãe adotiva não é nenhum deles)

Figura 22-90 Procedimento para criar um camundongo quimérico. Duas mórulas de diferentes genótipos são combinadas.

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Se um embrião jovem de camundongo normal é enxertado no rim ou testículo de um adulto, seu desenvolvimento é perturbado além de qualquer possibilidade de regulação adequada, mas não é interrompido. O resultado é um crescimento tumoroso bizarro conhecido como teratoma, que consiste em uma massa desorganizada de células contendo muitos tipos de tecidos diferenciados – pele, osso, epitélio glandular, e assim por diante – misturados com células-tronco não-diferenciadas que continuam a se dividir e gerar ainda mais esses tecidos diferenciados. A investigação das células-tronco em teratomas e tipos relacionados de tumores levou à descoberta de que seu comportamento reflete uma propriedade notável das células normais da massa celular interna: em um ambiente adequado, elas podem ser induzidas a se proliferar indefinidamente enquanto retiverem seu caráter totipotente. Células cultivadas que possuem esta propriedade são chamadas de células-tronco embrionárias ou células ES (de embryonic stem cells). Elas podem ser derivadas colocando-se uma massa celular interna normal em cultura e dispersando as células tão logo proliferem. Separar as células de suas vizinhas normais e colocá-las no meio de cultura apropriado evidentemente interrompe o programa normal de mudança de características celulares e, assim, permite que as células continuem a se

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dividir indefinidamente sem diferenciação. Muitos tecidos do corpo adulto também contêm células-tronco que podem se dividir indefinidamente sem diferenciação terminal, como veremos no próximo capítulo; porém, estas células-tronco adultas, quando se diferenciam, normalmente dão origem somente a uma série bastante restrita de tipos celulares diferenciados. O estado no qual as células ES são interrompidas parece ser equivalente àquele de células normais da massa celular interna. Pode-se mostrar isso coletando células ES da placa de cultura e injetando-as em um blastocisto normal (Figura 22-91). As células injetadas se incorporam à massa celular interna do blastocisto e podem contribuir para a formação de um camundongo quimérico aparentemente normal. As descendentes das células-tronco injetadas podem ser encontradas em praticamente qualquer tecido deste camundongo, onde elas se diferenciam de uma maneira bem-comportada e apropriada para o local, podendo até mesmo formar células germinativas viáveis. O comportamento extraordinariamente adaptável das células ES mostra que sinais dos vizinhos de uma célula não somente orientam escolhas entre diferentes vias de diferenciação, mas também podem parar ou iniciar o relógio do desenvolvimento – os processos que impelem uma célula a progredir do estado embrionário para o adulto. Em nível prático, as células ES têm uma dupla importância. Primeiro, do ponto de vista médico, elas oferecem a perspectiva de uma fonte versátil de células para o reparo de tecidos danificados e defectivos no corpo adulto, como discutiremos no final do próximo capítulo. Segundo, as células ES tornam possíveis as formas mais precisamente controladas de modificação genética, permitindo que animais sejam criados com praticamente qualquer alteração desejada introduzida em seu genoma. Como discutido no Capítulo 8, a técnica usa a recombinação genética para substituir uma sequência de DNA normal por um segmento de DNA construído artificialmente em um local selecionado do genoma de uma célula ES. Embora apenas uma rara célula incorpore a construção de DNA corretamente, foram elaborados procedimentos de seleção para encontrar esta célula entre as milhares de outras nas quais a construção de DNA foi transfectada. Uma vez selecionadas, as células ES geneticamente modificadas podem ser injetadas em um blastocisto para formar um camundongo quimérico. Este camundongo irá, com sorte, ter algumas células germinativas derivadas de ES, capazes de atuar como fundadoras de uma nova geração de camundongos que consistem inteiramente em células carregando a mutação cuidadosamente projetada. Desta maneira, um camundongo mutante completo pode ser ressuscitado a partir da placa de cultura (ver Figura 8-65).

Interações entre o epitélio e o mesênquima geram estruturas tubulares ramificadas

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Células ES derivadas de linhagens geneticamente distintas de camundongos

Blastocisto receptor

Pipeta de sucção dando suporte

Agrupamento de células ES na micropipeta

Células ES injetadas no blastocisto

As células injetadas se incorporam à massa celular interna do blastocisto hospedeiro O blastocisto se desenvolve na mãe adotiva em um camundongo quimérico saudável; as células ES podem contribuir para qualquer tecido

Figura 22-91 Fazendo um camundongo quimérico com células ES. As células ES em cultura podem se combinar com as células de um blastocisto normal para formar um camundongo quimérico saudável e podem contribuir para qualquer um de seus tecidos, incluindo a linhagem germinativa. Portanto, as células ES são totipotentes.

Os vertebrados são animais comparativamente grandes, devendo muito de seu tamanho aos tecidos conectivos. Contudo, para a excreção, a absorção de nutrientes e as trocas gasosas, eles também requerem grandes quantidades de vários tipos especializados de superfícies epiteliais. Muitos desses tipos tomam a forma de estruturas tubulares criadas por meio de morfogênese por ramificação, na qual um epitélio invade o tecido conectivo embrionário (mesênquima) para formar um órgão composto. O pulmão é um exemplo típico. Ele se origina da endoderme que reveste a parte basal da porção anterior do intestino. Este epitélio brota e se expande para dentro do mesênquima vizinho para formar a árvore brônquica, um sistema de tubos que se ramificam repetidamente à medida que se estendem (Figura 22-92). O mesmo mesênquima também é invadido por células endoteliais – as células que revestem os vasos sanguíneos – para criar o sistema de vias aéreas e vasos sanguíneos intimamente justapostos necessário às trocas gasosas nos pulmões (discutido no Capítulo 23). Todo o processo depende de trocas de sinais em ambas as direções entre os brotos em crescimento do epitélio e o mesênquima que estão invadindo. Esses sinais podem ser analisados por meio de manipulações genéticas no camundongo. Um papel central é desempenhado por proteínas-sinal da família do fator de crescimento de fibroblastos (FGF, fibroblast growth factor) e por receptores de tirosina-cinases sobre os quais eles atuam. Essas vias de sinalização têm vários papéis no desenvolvimento, mas parecem ser especialmente importantes nas muitas interações que ocorrem entre o epitélio e o mesênquima. Os mamíferos têm cerca de 20 diferentes genes Fgf, em comparação com três em Drosophila e dois em C. elegans. O Fgf mais importante nos pulmões é o Fgf10. Este é expresso em agrupamentos de células mesenquimais próximas às extremidades dos tubos epiteliais em crescimento, enquanto seu receptor é expresso nas próprias células epiteliais. O FGF10 ou

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FGF10 feito por agrupamento de células mesenquimais

Receptor de FGF10 nas células epiteliais do broto (A)

Produção de FGF10 inibida por Shh

Criação de dois novos centros de produção de FGF10

Sonic hedgehog (Shh) produzida por células epiteliais na extremidade do broto em crescimento

Figura 22-92 Morfogênese por ramificação nos pulmões. (A) Como se acredita que FGF10 e Sonic hedgehog induzam o crescimento e a ramificação dos brotos da árvore brônquica. Muitas outras moléculas-sinal, como BMP4, também são expressas neste sistema, e o mecanismo de ramificação sugerido é apenas uma das várias possibilidades. (B) Molde da árvore brônquica de um humano adulto, preparada pela injeção de resina nas vias aéreas; resinas de diferentes cores foram injetadas nas diferentes ramificações da árvore. (B, de R. Warwick e P. L. Williams, Gray’s Anatomy, 35th ed. Edinburgh: Longman, 1973.)

Dois novos brotos são formados e todo o processo se repete

(B)

seu receptor podem ser nocauteados (pelas técnicas-padrão com base na recombinação de células ES). No camundongo mutante nocauteado resultante, todo o processo de morfogênese por ramificação então falha – um broto primário de epitélio pulmonar é formado, mas não se expande para dentro do mesênquima para criar uma árvore brônquica. Inversamente, uma esfera microscópica embebida em FGF10 e colocada próxima a um epitélio pulmonar embrionário em cultura induzirá a formação de um broto, que se expandirá em direção a ela. Evidentemente, o epitélio invade o mesênquima apenas por convite, em resposta a FGF10. Contudo, o que faz com que os tubos epiteliais em crescimento se ramifiquem repetidamente, à medida que efetuam a invasão? Isso parece depender de um sinal Sonic hedgehog que é enviado na direção oposta, a partir das células epiteliais nas extremidades dos brotos, de volta para o mesênquima. Em camundongos sem Sonic hedgehog, o epitélio dos pulmões cresce e se diferencia, mas forma um saco em vez de uma árvore ramificada de túbulos. Enquanto isso, o FGF10, em vez de estar restrito a pequenos agrupamentos de células mesenquimais, com cada agrupamento atuando como um sinal para direcionar o crescimento de um broto epitelial separado, é expresso em amplas bandas de células imediatamente adjacentes ao epitélio. Essa descoberta sugere que o sinal Sonic hedgehog pode servir para cortar a expressão de FGF10 nas células mesenquimais mais próximas à extremidade crescente de um broto, dividindo o agrupamento secretor de FGF10 em dois agrupamentos separados, os quais, por sua vez, fazem com que o broto se ramifique em dois (ver Figura 22-92A). O crescimento por ramificação tanto do epitélio como do mesênquima tem de ser coordenado com o desenvolvimento dos vasos sanguíneos associados, e todo o processo envolve um grande número de sinais adicionais. Muitos aspectos do sistema ainda não são entendidos. Sabe-se, contudo, que Drosophila utiliza mecanismos intimamente relacionados para governar a morfogênese por ramificação de seu sistema traqueal – os túbulos que formam as vias aéreas de um inseto. Novamente, o processo depende da proteína FGF de Drosophila, codificada pelo gene Branchless, e do receptor FGF de Drosophila, codificado pelo gene Breathless, ambos operando de forma muito semelhante à observada no camundongo. Na verdade, estudos genéticos do desenvolvimento traqueal em Drosophila também identificaram outros componentes da maquinaria de controle, e os genes de Drosophila nos levaram a seus homólogos em vertebrados. As manipulações genéticas no camundongo nos deram os meios para testar se esses genes também possuem funções similares nos mamíferos; e, em um grau extraordinário, eles o fazem.

Resumo O camundongo tem um papel central como organismo-modelo para o estudo da genética molecular do desenvolvimento de mamíferos. O desenvolvimento do camundongo é essencialmente similar ao de outros vertebrados, mas começa com um preâmbulo especializado para formar estruturas extraembrionárias, como o âmnio e a placenta. Técnicas potentes foram elaboradas para a criação de nocautes gênicos e outras alterações genéticas marcadas pela exploração de propriedades altamente reguladoras das células da massa celular interna do embrião de camundongo. Essas células podem ser colocadas em cultura e mantidas como células-tronco embrionárias (células ES). Sob condições corretas de cultura, as células ES podem se proliferar indefinidamente sem diferenciação,

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Biologia Molecular da Célula

Axônio (menos de 1 mm até mais de 1 m de comprimento)

Os dendritos recebem sinais sinápticos Corpo celular

As ramificações terminais do axônio formam sinapses nas células-alvo

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Figura 22-93 Um neurônio típico de um vertebrado. As setas indicam a direção em que os sinais são transmitidos. O neurônio mostrado é da retina de um macaco. Os maiores e mais longos neurônios humanos se estendem por cerca de 1 milhão de μm e têm um axônio com 15 μm de diâmetro. (Desenho de neurônio de B. B. Boycott, em Essays on the Nervous System [R. Bellairs e E. G. Gray, eds.]. Oxford, UK: Clarendon Press, 1974.)

25 ␮m

enquanto retêm a capacidade de dar origem a qualquer parte do corpo quando injetadas de volta em um embrião jovem de camundongo. Muitos processos gerais do desenvolvimento, incluindo a maioria daqueles discutidos neste capítulo, foram esclarecidos por estudos em camundongos. Apenas como um exemplo, o camundongo tem sido utilizado para investigar o controle da morfogênese por ramificação. Este processo dá origem a estruturas como, por exemplo, pulmões e glândulas, e é governado por trocas de sinais entre as células mesenquimais e o epitélio invasor. As funções desses sinais podem ser analisadas por experimentos de nocaute gênico.

DESENVOLVIMENTO NEURAL As células nervosas, ou neurônios, estão entre os mais antigos de todos os tipos celulares especializados de animais. Sua estrutura não é comparável com a de nenhuma outra classe de células, e o desenvolvimento do sistema nervoso apresenta problemas que não têm paralelo real em outros tecidos. Um neurônio é sobretudo extraordinário por sua forma bastante estendida, com um axônio longo e dendritos ramificados que o conectam por meio de sinapses a outras células (Figura 22-93). O desafio central do desenvolvimento neural é explicar como os axônios e dendritos crescem, encontram seus parceiros corretos e estabelecem sinapses com os mesmos de forma seletiva, criando uma rede funcional (Figura 22-94). O problema é formidável: o cérebro humano contém mais de 1011 neurônios, cada um dos quais, em média, deve fazer conexões com milhares de outros, de acordo com um plano de ligação previsível e regular. A precisão necessária não é tão grande como a existente em um computador artificial, pois o cérebro realiza suas computações de maneira diferente e é mais tolerante aos caprichos dos componentes individuais; no entanto, o cérebro supera todas as outras estruturas biológicas em sua complexidade organizada. Os componentes de um sistema nervoso típico – as várias classes de neurônios, células gliais, células sensoriais e músculos – originam-se em diversos locais extensamente separados no embrião e, inicialmente, não estão conectados. Assim, na primeira fase do desenvolvimento neural (Figura 22-95), as diferentes partes se desenvolvem de acordo com seus próprios programas locais: os neurônios nascem e características específicas lhes são atribuídas de acordo com o local e o momento de seu nascimento, sob o controle de sinais indutivos e mecanismos de regulação gênica similares àqueles que já discutimos para outros tecidos do corpo. A próxima fase envolve um tipo de morfogênese única ao sistema nervoso: os axônios e dendritos crescem ao longo de vias específicas, estabelecendo uma rede provisória, mas organizada, de conexões entre as partes separadas do sistema. Na terceira fase e final, que continua pela vida adulta, as conexões são ajustadas e aperfeiçoadas por meio de interações entre os componentes amplamente distribuídos de uma maneira que depende dos sinais elétricos que passam entre eles.

São designadas diferentes características aos neurônios de acordo com o momento e o local onde nasceram Os neurônios são quase sempre produzidos em associação com as células gliais, que propiciam uma estrutura de suporte e criam um ambiente fechado e protegido no qual os neurônios podem realizar suas funções. Ambos os tipos de células, em todos os animais, desen-

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Figura 22-94 A complexa organização das conexões das células nervosas. Este desenho representa uma secção transversal de uma pequena parte do cérebro de um mamífero – o bulbo olfatório de um cão, corado pela técnica de Golgi. Os objetos pretos são neurônios; as linhas finas são axônios e dendritos, por meio dos quais os vários grupos de neurônios são interconectados de acordo com regras precisas. (De C. Golgi, Riv. sper. freniat. Reggio-Emilia 1:405-425, 1875; reproduzida em M. Jacobson, Developmental Neurobiology, 3rd ed. New York: Plenum, 1992.)

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Gênese dos neurônios

Crescimento dos axônios e dendritos

Refinamento das conexões sinápticas

Figura 22-95 As três fases do desenvolvimento neural.

Tubo neural Vesícula do placódio do ouvido

Olho Placódio nasal Coração

Crista neural

Placódios dos gânglios sensoriais craniais Somito

Vaso sanguíneo

Dobras neurais (tubo neural ainda não fechado)

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volvem-se a partir da ectoderme, normalmente como células-irmãs ou primas derivadas de um precursor comum. Assim, nos vertebrados, os neurônios e as células gliais do sistema nervoso central (incluindo a medula espinal, o cérebro e a retina do olho) derivam da parte da ectoderme que se enrola para formar o tubo neural, enquanto aqueles do sistema nervoso periférico derivam principalmente da crista neural (Figura 22-96). O tubo neural, com o qual estaremos principalmente envolvidos, consiste inicialmente em um epitélio de uma única camada (Figura 22-97). As células epiteliais são as progenitoras dos neurônios e da glia. Quando esses tipos celulares são gerados, o epitélio se torna espesso e se transforma em uma estrutura mais complexa. Como anteriormente discutido, a sinalização Delta-Notch controla a diferenciação das células progenitoras em neurônios: os neurônios nascentes expressam Delta e, com isso, inibem suas células vizinhas, que não se diferenciam em neurônios ao mesmo tempo. Isso assegura que nem todas as progenitoras se diferenciem simultaneamente, permanecendo como uma população de células em divisão a partir da qual podem ser gerados neurônios adicionais. As células progenitoras e, posteriormente, as células gliais também mantêm a coesão do epitélio e formam uma estrutura de sustentação que abarca sua espessura. Ao longo e entre essas células altas, como animais entre as árvores de uma floresta, os neurônios recém-nascidos migram, encontram seus locais de repouso, amadurecem e projetam seus axônios e dendritos (Figura 22-98). As proteínas-sinal secretadas a partir dos lados ventral e dorsal do tubo neural agem como morfógenos contrários, levando os neurônios a nascer em diferentes níveis dorso-ventrais para expressar diferentes proteínas de regulação gênica (ver Figura 22-80). Também existem diferenças ao longo do eixo cabeça-cauda, refletindo o padrão ântero-posterior de expressão dos genes Hox e as ações de outros morfógenos. Além disso, assim como em Drosophila, os neurônios continuam a ser gerados em cada região do sistema nervoso central durante muitos dias, semanas ou até meses, dando origem a uma diversidade ainda maior, pois as células adotam diferentes características de acordo com sua “data de nascimento” – o

Figura 22-96 Diagrama de um embrião de galinha de dois dias, mostrando as origens do sistema nervoso. O tubo neural (verde-claro) já está fechado, exceto na extremidade caudal, e se localiza internamente, abaixo da ectoderme, da qual fazia parte originalmente (ver Figura 22-78). A crista neural (vermelho) se localiza dorsalmente logo abaixo da ectoderme, dentro ou acima do teto do tubo neural. Além disso, espessamentos, ou placódios (verde-escuro), na ectoderme da cabeça dão origem a algumas das células transdutoras sensoriais e a neurônios daquela região, incluindo aqueles do ouvido e do nariz. As células da retina do olho, por outro lado, originam-se como parte do tubo neural.

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momento da mitose terminal que marca o início da diferenciação neuronal (Figura 22-99). Quando células progenitoras são retiradas do cérebro de um embrião de camundongo e mantidas em cultura por vários dias, individualmente isoladas de seu ambiente normal, elas passam por praticamente o mesmo programa que o tecido intacto. Ou seja, elas se dividem repetidamente, produzindo pares de filhas que frequentemente adotam destinos diferentes, de modo que uma permanece como a progenitora em divisão e as outras se comprometem com o processo de diferenciação. As sucessivas divisões dão início a uma sequência de diferentes tipos celulares neuronais e gliais, segundo um cronograma mais ou menos regular. Isso implica que as próprias progenitoras devem alterar, de forma autônoma, sua característica intrínseca de uma geração celular para a próxima. O mecanismo molecular desta alteração progressiva é desconhecido, assim como também o é em outros tipos celulares em que ocorrem lentas mudanças similares.

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Crista neural

A característica atribuída a um neurônio em seu nascimento estabelece as conexões que ele irá formar As diferenças na expressão gênica modulam as características dos neurônios e ajudam a induzi-los a fazer conexões com diferentes parceiros. Na medula espinal, por exemplo, agrupamentos de células localizados ventralmente expressam genes da família homeobox Islet/Lim (que codificam proteínas de regulação gênica) e se desenvolvem como neurônios motores, projetando axônios que se conectam com subconjuntos específicos de músculos – músculos diferentes de acordo com os membros específicos da família Islet/Lim expressos. Se o padrão de expressão gênica for artificialmente alterado, os neurônios se projetam para músculos-alvo diferentes. Os diferentes destinos refletem escolhas de diferentes caminhos que os axônios fazem quando crescem a partir do corpo celular nervoso, assim como seu reconhecimento seletivo de diferentes células-alvo no final da jornada. Na parte dorsal da medula espinal estão localizados neurônios que recebem e transmitem informações sensoriais vindas de neurônios

Tubo neural

Notocorda

50 ␮m

Figura 22-97 Formação do tubo neural. A micrografia eletrônica de varredura mostra uma secção transversal do tronco de um embrião de galinha de dois dias. O tubo neural está prestes a se fechar e se separar da ectoderme; neste estágio, ele consiste (na galinha) em um epitélio que tem a espessura de apenas uma célula. (Cortesia de J. P. Revel e S. Brown.)

Superfície externa do tubo neural em desenvolvimento Processo de célula glial radial

Neurônio em migração

Núcleo

Corpo celular de célula glial radial Superfície interna do tubo neural em desenvolvimento

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10 ␮m

Figura 22-98 A migração de neurônios imaturos. Antes de projetar seus axônios e dendritos, os neurônios recém-nascidos frequentemente migram de seu local de nascimento e se estabelecem em outro local. Os diagramas têm como base reconstruções de seções do córtex cerebral de um macaco (parte do tubo neural). Os neurônios passam por sua divisão celular final próximo à face luminal interna do tubo neural e então migram para fora, movendo-se lentamente ao longo de células gliais radiais. Cada uma dessas células se estende a partir da superfície interna do tubo para a externa, uma distância que pode ser de até 2 cm no córtex cerebral do cérebro em desenvolvimento de um primata. As células gliais radiais podem ser consideradas como células persistentes do epitélio colunar original do tubo neural que vêm a ser extraordinariamente distendidas à medida que a parede do tubo se espessa. (Segundo P. Rakic, J. Comp. Neurol. 145:61-84, 1972. Com permissão de John Wiley & Sons, Inc.)

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Figura 22-99 Produção programada de diferentes tipos de neurônios em diferentes momentos a partir de progenitoras em divisão no córtex cerebral do cérebro de um mamífero. Próximas a uma face do neuroepitélio cortical, as células progenitoras se dividem repetidamente, de modo semelhante às células-tronco, para produzir neurônios. Os neurônios migram para fora em direção à face oposta do epitélio, movendo-se lentamente ao longo das superfícies de células gliais radiais, como mostrado na Figura 22-98. Os primeiros neurônios nascidos se estabelecem mais perto de seu local de nascimento, enquanto os neurônios nascidos mais tarde se movem adiante e os ultrapassam, estabelecendo-se mais distantemente. Assim, gerações sucessivas de neurônios ocupam diferentes camadas no córtex e têm características intrínsecas diferentes, de acordo com suas datas de nascimento.

Figura 22-100 Axônios em crescimento na medula espinal em desenvolvimento de um embrião de galinha de três dias. O desenho mostra uma secção transversal corada pela técnica de Golgi. Aparentemente, a maioria dos neurônios já tem apenas um processo alongado – o futuro axônio. Uma expansão irregularmente modelada – um cone de crescimento – é vista na extremidade crescente de cada axônio. Os cones de crescimento dos neurônios motores se formam a partir da medula espinal (para progredir em direção aos músculos), aqueles dos neurônios sensoriais crescem para dentro da medula a partir do lado de fora (onde se localizam seus corpos celulares) e aqueles dos interneurônios permanecem dentro da medula espinal. Muitos dos interneurônios emitem seus axônios para baixo em direção à placa basal para atravessar para o outro lado da medula espinal; estes axônios são denominados comissurais. Neste estágio inicial, muitas das células embrionárias da medula espinal (nas regiões sombreadas em cinza) ainda estão se proliferando e não começaram a se diferenciar em neurônios ou células gliais. (De S. Ramón y Cajal, Histologie du Système Nerveux de l’Homme et des Vertébrés, 1909-1911. Paris: Maloine; reimpresso, Madrid: C.S.I.C., 1972.)

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Neurônios nascidos por último

Neurônios

Neurônios nascidos primeiro Camadas de neurônios corticais

etc Célula progenitora em divisão

Célula glial radial

sensoriais da periferia do corpo. Em posições intermediárias, existem várias outras classes de interneurônios, conectando conjuntos específicos de células nervosas uns aos outros. Alguns enviam seus axônios dorsalmente, outros ventralmente; alguns para cima em direção à cabeça, outros para baixo em direção à cauda, e ainda outros através da base do tubo neural para o outro lado do corpo (Figura 22-100). Em um filme em tempo real, no qual os neurônios em desenvolvimento são corados com um corante fluorescente, pode-se observar os movimentos das extremidades crescentes dos axônios à medida que eles se estendem: faz lembrar as luzes do tráfego na hora do rush à noite, quando os carros parecem formar linhas luminosas ao longo de uma rede de rodovias, tomando este ou aquele caminho em cruzamentos movimentados, cada um fazendo sua própria escolha de rota. Como esses movimentos complexos são guiados? Antes de arriscar uma resposta, devemos examinar mais minuciosamente a estrutura do neurônio em crescimento.

Cada axônio ou dendrito se estende por meio de um cone de crescimento em sua ponta Um neurônio típico emite um longo axônio, projetando-o em direção a um alvo distante ao qual sinais devem ser transferidos, e vários dendritos mais curtos, nos quais ele principalmente recebe sinais novos a partir de terminais de axônios de outros neurônios. Cada processo se estende por meio do crescimento de sua extremidade, onde um alargamento

Cone de crescimento de neurônio sensorial entrando na medula espinal Corpo celular de neurônio sensorial

Corpo celular de interneurônio Cone de crescimento de interneurônio situado dentro da medula espinal

Cone de crescimento de neurônio motor saindo da medula espinal Corpo celular de neurônio motor

Cone de crescimento de axônio comissural

Dendrito em desenvolvimento

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dendrito corpo celular

(A)

axônio

cone de crescimento

(B) 10 ␮m

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Figura 22-101 Formação de axônios e dendritos em cultura. Um neurônio jovem foi isolado do cérebro de um mamífero e colocado para se desenvolver em cultura, onde ele emite seus prolongamentos. Um destes prolongamentos, o futuro axônio, começou a crescer mais rápido que o resto (os futuros dendritos) e se bifurcou. (A) Uma fotografia de contraste de fase; (B) o padrão de coloração com faloidina fluorescente, que se liga a filamentos de actina. A actina está concentrada nos cones de crescimento nas extremidades dos prolongamentos que estão se estendendo ativamente e em alguns outros locais de atividade lamelipodial. (Cortesia de Kimberly Goslin.)

irregular e pontiagudo é observado. Esta estrutura, denominada cone de crescimento, movimenta-se lentamente através do tecido adjacente, arrastando um axônio ou dendrito fino atrás de si (ver Figura 22-100). O cone de crescimento compreende tanto o mecanismo que produz o movimento como o aparato de direção que conduz a extremidade de cada processo ao longo do caminho adequado (ver Figura 16-105). Muito do que sabemos a respeito das propriedades dos cones de crescimento veio de estudos em cultura de células ou tecidos. Pode-se observar quando um neurônio começa a estender seus prolongamentos, todos semelhantes no começo, até que um dos cones de crescimento realiza uma alteração súbita em sua velocidade, identificando seu prolongamento como axônio, com seu próprio conjunto axônio-específico de proteínas (Figura 22-101). O contraste entre axônio e dendrito estabelecido neste estágio envolve o transporte intracelular polarizado de diferentes materiais para dentro de dois tipos de prolongamento. O resultado é que eles irão se expandir por distâncias diferentes, seguir caminhos diferentes e desempenhar diferentes papéis na formação de sinapses. O cone de crescimento na extremidade de um típico prolongamento em crescimento de uma célula nervosa – ou axônio ou dendrito – move-se para a frente a uma velocidade de cerca de 1 mm por dia, continuamente explorando as regiões que estão adiante e de cada lado por meio da extensão de seus filopódios e lamelipódios. Quando tal protrusão faz contato com uma superfície desfavorável, ela se retrai; quando faz contato com uma superfície mais favorável, ela persiste por mais tempo, guiando o cone de crescimento como um todo a se mover naquela direção. Desta maneira, o cone de crescimento pode ser guiado por variações sutis nas propriedades de superfície dos substratos sobre os quais se move. Ao mesmo tempo, ele é sensível a fatores quimiotáticos que se difundem no meio circundante, os quais também podem estimular ou impedir seu avanço. Esses comportamentos dependem da maquinaria citoesquelética dentro do cone de crescimento, como discutido no Capítulo 16. Uma grande quantidade de receptores na membrana do cone de crescimento detectam os sinais externos e, pela ação de reguladores intracelulares, como as GTPases monoméricas Rho e Rac, controlam o agrupamento e o desagrupamento dos filamentos de actina e de outros componentes da maquinaria de movimento celular.

O cone de crescimento guia o neurito em desenvolvimento ao longo de um caminho precisamente definido in vivo Em animais vivos, os cones de crescimento geralmente se deslocam em direção a seus alvos ao longo de vias previsíveis e estereotipadas, explorando uma grande quantidade de diferentes sinais para encontrar seu caminho, mas sempre requerendo um substrato de matriz extracelular ou de superfície celular sobre o qual possa deslizar. Frequentemente, os cones de crescimento tomam vias que foram inauguradas por outros neuritos, os quais eles seguem por meio de orientação por contato. Como resultado, as fibras nervosas em um animal maduro se encontram normalmente agrupadas em feixes paralelos compactos (denominados fascículos ou sistemas de fibras). Acredita-se que esse rastejamento dos cones de crescimento ao longo dos axônios seja mediado por moléculas homofílicas de adesão célula-célula – glicoproteínas de membrana que auxiliam uma célula que as exibe a se ligar a qualquer outra célula que também as apresenta. Como discutido no Capítulo 19, duas das classes

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Neurônio comissural se aproximando da linha média

Placa dorsal

Placa ventral na linha média ventral Parede do tubo neural

Neurônio comissural

Atraente (netrina) EM DIREÇÃO AO CÉREBRO

Cone de crescimento expressando receptor (DCC) para netrina

Cone de crescimento expressando receptor (Roundabout) para Slit e receptores para semaforina

Repelente (Slit) Axônio comissural

Repelente (semaforina)

Placa ventral Linha média (A)

Figura 22-102 A orientação de axônios comissurais. (A) O caminho tomado pelos axônios comissurais na medula espinal embrionária de um vertebrado. (B) Os sinais que os orientam. Os cones de crescimento são primeiramente atraídos para a lâmina pavimentar pela netrina, que é secretada pelas células da lâmina pavimentar e age sobre o receptor DCC na membrana axônica. Quando atravessam a lâmina basal, os cones de crescimento aumentam a expressão de Roundabout, o receptor para uma proteína repelente, Slit, que também é secretada pela lâmina basal. A proteína Slit, ligando-se ao receptor Roundabout, não somente age como repelente para impedir que as células entrem novamente na lâmina basal, mas também bloqueia a receptividade ao atraente netrina. Ao mesmo tempo, os cones de crescimento ativam a expressão de receptores para outra proteína repelente, a semaforina, que é secretada pelas células nas paredes laterais do tubo neural. Capturados entre dois territórios repelentes, os cones de crescimento, tendo atravessado a linha média, deslocam-se em um fascículo compacto para cima em direção ao cérebro.

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(B)

PARA O CÉREBRO

mais importantes dessas moléculas são aquelas que pertencem à superfamília das imunoglobulinas, como as N-CAM, e aquelas da família de caderinas dependentes de Ca2+, como a N-caderina. Os membros de ambas as famílias geralmente estão presentes nas superfícies dos cones de crescimento, dos axônios e de vários outros tipos celulares sobre os quais os cones de crescimento se arrastam, incluindo as células gliais do sistema nervoso central e as células musculares da periferia do corpo. O genoma humano contém mais de 100 genes de caderinas, por exemplo, e a maior parte deles é expressa no cérebro (ver Figura 19-6). Diferentes conjuntos de moléculas de adesão célula-célula, atuando em combinações variadas, propiciam um mecanismo para a orientação e o reconhecimento neuronal seletivo. Os cones de crescimento também migram sobre componentes da matriz extracelular. Algumas dessas moléculas de matriz, como a laminina, favorecem o crescimento dos axônios, enquanto outras, como os proteoglicanos de sulfato de condroitina, o inibem. Os cones de crescimento são guiados por uma sucessão de diferentes sinais em diferentes estágios de sua jornada, e não é somente a adesividade do substrato que importa. Outro papel importante é desempenhado por fatores quimiotáticos, secretados a partir de células que agem como guias em pontos estratégicos ao longo do caminho – alguns atraindo e outros repelindo. A trajetória dos axônios comissurais – aqueles que atravessam de um lado do corpo para o outro – constitui um belo exemplo de como uma combinação de sinais de orientação pode especificar um caminho complexo. Os axônios comissurais são uma característica geral de animais bilateralmente simétricos, pois os dois lados do corpo têm de ser coordenados por meio de neurônios. Os vermes, as moscas e os vertebrados utilizam mecanismos intimamente relacionados para guiar seu crescimento. Na medula espinal em desenvolvimento de um vertebrado, por exemplo, um grande número de neurônios envia seus cones de crescimento axônicos ventralmente em direção à lâmina pavimentar – uma faixa especializada de células que forma a linha média ventral do tubo neural (ver Figura 22-100). Os cones de crescimento cruzam a lâmina pavimentar e então mudam de direção abruptamente, em ângulo reto, para seguir um caminho longitudinal para cima, em direção ao cérebro, paralelamente à lâmina pavimentar, mas nunca cruzando-a novamente (Figura 22-102A). O primeiro estágio da jornada depende de um gradiente de concentração da proteína netrina, secretada pelas células da lâmina pavimentar: os cones de crescimento comissurais farejam o caminho em direção a sua fonte. A netrina foi purificada de embriões de galinha testando-se extratos de tecido neural quanto a uma atividade que atrairia os cones de crescimento comissurais em uma placa de cultura. Sua sequência revelou que a netrina dos vertebrados era homóloga a uma proteína já identificada em C. elegans por meio de triagens genéticas de vermes mutantes com axônios com orientação alterada – denominados mutantes Unc (de uncoordinated), pois se movem de forma desordenada. Um dos genes Unc, Unc6, codifica o homólogo da netrina. Outro, Unc40, codifica seu receptor transmembrana; este também tem um homólogo vertebrado, denominado DCC, que é expresso nos neurônios comissurais e serve como mediador em sua resposta ao gradiente de netrina. A ativação localizada de DCC pela netrina leva à abertura de uma classe especializada de canais iônicos na membrana plasmática. Esses canais, denominados canais TRPC (po-

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tencial transiente de receptor C, de transient receptor potential C), pertencem a uma grande família (a família TRP), que é responsável por muitos outros processos de transdução sensorial, desde sensações mecânicas até a percepção de calor e frio. Quando abertos, os canais TRPC permitem que o Ca2+ (e outros cátions) entre na célula. O aumento localizado de Ca2+ ativa, então, a maquinaria para a extensão de filopódios e o movimento do cone de crescimento em direção à fonte de netrina. Os receptores em cada cone de crescimento determinam a via que ele irá tomar: os neurônios não-comissurais no tubo neural, sem DCC, não são atraídos para a lâmina pavimentar, e os neurônios que expressam um receptor diferente de netrina – denominado Unc5H nos vertebrados (com o equivalente Unc5 no verme) – são ativamente repelidos pela lâmina pavimentar e enviam seus axônios em direção à lâmina superior.

Os cones de crescimento podem alterar sua sensibilidade à medida que se deslocam Se os cones de crescimento comissurais são atraídos para a lâmina pavimentar, por que eles a atravessam e emergem no outro lado, em vez de permanecer no território atrativo? E, depois de a terem cruzado, por que eles nunca voltam? A provável resposta se encontra em outro conjunto de moléculas, várias das quais também são conservadas entre vertebrados e invertebrados. Estudos em mutantes de Drosophila com axônios comissurais com orientação alterada identificaram, primeiramente, três das proteínas-chave: Slit, Roundabout e Commissureless. A Slit, assim como a netrina, é produzida por células da linha média da mosca em desenvolvimento, enquanto seu receptor, Roundabout, é expresso nos neurônios comissurais. A Slit, que age sobre Roundabout, tem um efeito exatamente oposto ao da netrina: ela repele os cones de crescimento, bloqueando a entrada no território da linha média. Entretanto, a Commissureless interfere na entrega de Roundabout à superfície celular e, com isso, faz com que os cones de crescimento fiquem inicialmente cegos para este sinal de “mantenha-se afastado”. Os cones de crescimento comissurais neste estado avançam para a linha média; quando eles a atravessam, parecem perder, por um mecanismo que ainda não compreendemos, sua venda da proteína Commissureless e começam a ser repelidos. Emergindo do outro lado, eles agora têm o receptor Roundabout funcional em suas superfícies e são, desse modo, proibidos de entrar novamente. Nos vertebrados, opera um mecanismo similar, envolvendo homólogos de Slit e Roundabout. Os cones de crescimento comissurais são primeiramente atraídos para a linha média e, então, de alguma maneira alteram suas proteínas receptoras de superfície quando a atravessam; desse modo, eles mudam suas sensibilidades, ganhando sensibilidade para a repulsão por Slit – que é expressa na lâmina pavimentar – e perdendo sensibilidade para a atração por netrina. A sensibilidade a Slit na aproximação inicial à linha média não é bloqueada por nenhum homólogo de Commissureless, mas por um membro divergente da família do receptor Roundabout denominado Rig1, que se situa na membrana plasmática e interfere na recepção de sinais por seus primos. Uma vez que os cones de crescimento tenham atravessado a linha média, o bloqueio de Rig1 é interrompido por um mecanismo desconhecido. A repulsão a partir da linha média evita que eles se percam e voltem pelo mesmo caminho. Ao mesmo tempo, os cones de crescimento aparentemente se tornam sensíveis a outro grupo de sinais repulsivos, na forma de proteínas denominadas semaforinas, que os impedem de voltar para as regiões dorsais da medula espinal. Estando presos entre os dois conjuntos de sinais repulsivos, os cones de crescimento não têm outra escolha a não ser seguir em frente por um caminho estreito, correndo em paralelo à lâmina pavimentar, mas nunca entrando novamente nela (Figura 22-102B).

Os tecidos-alvo liberam fatores neurotróficos que controlam o crescimento e a sobrevivência das células nervosas Finalmente, os cones de crescimento dos axônios alcançam a região-alvo em que devem parar e fazer sinapses. Os neurônios que emitiram os axônios podem agora começar a se comunicar com suas células-alvo. Embora as sinapses geralmente transmitam sinais em uma direção, do axônio para ou o dendrito ou o músculo, as comunicações que ocorrem durante o desenvolvimento são uma via de mão dupla. Os sinais oriundos do tecido-alvo não só regulam quais cones de crescimento devem fazer sinapse (como discutiremos a seguir), mas também quantos dos neurônios em inervação devem sobreviver.

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Figura 22-103 Efeitos do NGF no desenvolvimento de neuritos. Fotomicrografias de campo escuro de um gânglio simpático cultivado por 48 horas com (acima) e sem (abaixo) o NGF. Os neuritos se desenvolvem a partir dos neurônios simpáticos apenas quando o NGF está presente no meio. Cada cultura também contém células de Schwann (gliais) que migraram para fora do gânglio; elas não são afetadas por NGF. A sobrevivência neuronal e a manutenção dos cones de crescimento para a extensão dos neuritos representam dois efeitos distintos do NGF. O efeito nos cones de crescimento é local, direto, rápido e independente de comunicações com o corpo celular; quando o NGF é removido, os cones de crescimento prejudicados interrompem seus movimentos dentro de um ou dois minutos. O efeito do NGF sobre a sobrevivência celular é menos imediato e está associado à absorção de NGF por endocitose e a seu transporte intracelular de volta para o corpo celular. (Cortesia de Naomi Kleitman.) NGF

Controle

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A maior parte dos tipos de neurônios do sistema nervoso central e periférico dos vertebrados é produzida em excesso; até 50% ou mais deles morrem logo após ter alcançado seu alvo, mesmo que pareçam perfeitamente normais e saudáveis até o momento de sua morte. Cerca de metade de todos os neurônios motores que enviam axônios para os músculos esqueléticos, por exemplo, morre dentro de alguns dias após ter feito contato com suas células musculares-alvo. Uma proporção similar dos neurônios sensoriais que fazem a inervação da pele morre depois que seus cones de crescimento chegaram lá. Acredita-se que essa morte em grande escala de neurônios reflita o resultado de uma competição. Cada tipo de célula-alvo libera uma quantidade limitada de um fator neurotrófico específico que os neurônios que inervam aquele alvo precisam para sobreviver. Aparentemente, os neurônios competem pelo fator e aqueles que não conseguem o suficiente morrem por morte celular programada. Se a quantidade de tecido-alvo é aumentada – enxertando um broto de um membro extra em um lado do embrião, por exemplo – mais neurônios inervando o membro sobrevivem; inversamente, se o broto do membro é cortado, todos os neurônios inervando o membro morrem. Desta maneira, embora os indivíduos possam variar quanto às suas proporções corporais, eles sempre manterão o número correto de neurônios motores para inervar todos os seus músculos e o número correto de neurônios sensoriais para inervar toda a sua superfície corporal. A estratégia aparentemente dispendiosa de superprodução seguida pela morte de células excedentes funciona em quase todas as regiões do sistema nervoso. Ela funciona como um meio simples e efetivo de ajustar cada população de neurônios que fazem a inervação, de acordo com a quantidade de tecido que necessita de inervação. O primeiro fator neurotrófico a ser identificado, que ainda continua sendo o melhor caracterizado, é simplesmente conhecido como fator de crescimento neuronal (NGF, nerve growth factor) – o membro fundador da família das neurotrofinas das proteínas de sinalização. Ele promove a sobrevivência de classes específicas de neurônios sensoriais derivados da crista neural e de neurônios simpáticos (uma subclasse de neurônios periféricos que controlam as contrações dos músculos lisos e a secreção das glândulas exócrinas). O NGF é produzido pelos tecidos que estes neurônios inervam. Quando o NGF extra é fornecido, os neurônios sensoriais e simpáticos adicionais sobrevivem, como se o tecido-alvo extra estivesse presente. Inversamente, em um camundongo com uma mutação que inativa o gene NGF ou o gene de seu receptor (uma tirosina-cinase transmembrana denominada TrkA), quase todos os neurônios simpáticos e os neurônios sensoriais dependentes de NGF são perdidos. Existem muitos fatores neurotróficos, mas apenas alguns pertencem à família das neurotrofinas, atuando em diferentes combinações para promover a sobrevivência de diferentes classes de neurônios. O NGF e seus assemelhados têm um papel adicional: além de agirem na célula nervosa como um todo, controlando sua sobrevivência, eles regulam o crescimento de axônios e dendritos (Figura 22-103). Podem até mesmo agir localmente em somente uma parte da árvore de prolongamentos das células nervosas, promovendo ou podando o crescimento de ramificações individuais: um cone de crescimento exposto ao NGF mostra um aumento imediato de mobilidade. Inversamente, uma ramificação de um axônio que é privado de NGF morre, enquanto o resto do neurônio continua a ser banhado pelo fator. A ação periférica do NGF continua a ser importante depois da fase de morte neuronal. Na pele, por exemplo, o NGF controla a ramificação das fibras nervosas sensoriais, assegurando não só que toda a superfície do corpo fique inervada durante o desenvolvimento, mas também que ela recupere sua inervação após alguma lesão.

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A especificidade neuronal orienta a formação de mapas neurais organizados Em muitos casos, os axônios originados de neurônios de um tipo similar, mas localizados em posições diferentes, unem-se para a jornada e chegam ao alvo em um feixe compacto. Lá eles se dispersam novamente, terminando em locais diferentes no território-alvo. A projeção a partir do olho para o cérebro constitui um exemplo importante. Os neurônios na retina que transmitem a informação visual para o cérebro são chamados de células ganglionares da retina. Existem mais de um milhão delas, cada uma informando a respeito de uma parte diferente do campo visual. Seus axônios convergem na cabeça do nervo óptico atrás do olho e se deslocam juntos ao longo do cone óptico para dentro do cérebro. O principal sítio de terminação, na maioria dos vertebrados que não são mamíferos, é o tectum óptico – uma ampla expansão de células no cérebro médio. Em conexão com os neurônios do tectum, os axônios da retina se distribuem em um padrão previsível de acordo com o arranjo de seus corpos celulares na retina: as células ganglionares que são vizinhas na retina se conectam com células-alvo que são vizinhas no tectum. A projeção organizada cria um mapa do espaço visual no tectum (Figura 22-104). Mapas organizados desse tipo são encontrados em muitas regiões do cérebro. No sistema auditivo, por exemplo, os neurônios se projetam a partir do ouvido para o cérebro em uma ordem tonotópica, criando um mapa no qual as células cerebrais que recebem informações sobre sons de diferentes alturas estão ordenadas ao longo de uma linha, como as teclas de um piano. E, no sistema somatossensorial, os neurônios que transmitem informações a respeito do tato mapeiam no córtex cerebral de modo a impressionar um “homúnculo” – uma pequena imagem bidimensional distorcida da superfície do corpo (Figura 22-105). O mapa retinotópico do espaço visual no tectum óptico é o melhor de todos os mapas caracterizados. Como ele se origina? Em princípio, os cones de crescimento poderiam ser fisicamente canalizados para diferentes destinos como consequência de suas diferentes posições de partida, como motoristas em uma rodovia com várias pistas onde é proibido trocar de faixa. Essa possibilidade foi testada no sistema visual em um experimento famoso da década de 1940. Se o nervo óptico de uma rã for cortado, ele irá se regenerar. Os axônios retinais crescem de volta ao tectum óptico, restaurando a visão normal. Se, além disso, o olho for girado em sua órbita no momento de cortar o nervo, de modo que as células retinais originalmente ventrais sejam colocadas na posição das células retinais dorsais, a visão ainda é restaurada, mas com um defeito incômodo: o animal se comporta como se estivesse vendo o mundo de cabeça para baixo e com os lados esquerdo e direito invertidos. Isso ocorre porque as células retinais mal colocadas fazem as conexões apropriadas às suas posições originais,

Olho

Olho

Tectum

(A)

Cabeça do girino

(B)

100 ␮m

Figura 22-104 O mapa neural a partir do olho para o cérebro de um peixe-zebra jovem. (A) Vista diagramática, olhando para baixo a partir do topo da cabeça. (B) Micrografia de fluorescência. Corantes fluorescentes sinalizadores foram injetados dentro de cada olho – vermelho na parte anterior, verde na parte posterior. As moléculas sinalizadoras foram absorvidas pelos neurônios na retina e transportadas ao longo de seus axônios, revelando os caminhos que eles tomam para o tectum óptico no cérebro e o mapa que eles formam lá. (Cortesia de Chi-Bin Chien, de D. H. Sanes, T. A. Reh e W. A. Harris, Development of the Nervous System. San Diego, CA: Academic Press, 2000.)

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Lábio

supe

Lábios

os

do



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Po ca Olh lega dor r Na o ri Fac z e

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In



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Ombro Braço lo e Cotov braço Ante o o Puls inh nd Mão mi do io De ular éd An o m d De

Figura 22-105 Mapa da superfície do corpo no cérebro humano. A superfície do corpo está mapeada na região somatossensorial do córtex cerebral por um sistema organizado de conexões de células nervosas, de modo que a informação sensorial vinda de sítios corporais vizinhos é entregue a sítios vizinhos no cérebro. Isso significa que o mapa no cérebro é em grande parte fiel à topologia da superfície do corpo, mesmo que diferentes regiões do corpo estejam representadas em diferentes proporções, de acordo com sua densidade de inervação. O homúnculo (o “pequeno homem” no cérebro) tem lábios grandes, por exemplo, porque os lábios são uma fonte particularmente grande e importante de informações sensoriais. O mapa foi determinado estimulandose diferentes pontos no córtex de pacientes conscientes durante cirurgias de cérebro e gravando o que eles diziam estar sentindo. (Segundo W. Penfield e T. Rasmussen, The Cerebral Cortex of Man. New York: Macmillan, 1950.)

Cabeça Pescoço Tronco Quadril Perna

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rior

Lábio inferior Dentes, gengivas e maxilar Língua Faringe

inal dom a-ab r t n I

e não às suas posições reais. Parece que as células têm valores posicionais – propriedades bioquímicas específicas para posição que representam registros de sua localização original. Como resultado, as células em lados opostos da retina são intrinsecamente diferentes, assim como os neurônios motores da medula espinal que se projetam para diferentes músculos são intrinsecamente diferentes. Tal não-equivalência entre neurônios é referida como especificidade neuronal. É esta característica intrínseca que orienta os axônios retinais a seus sítios-alvo adequados no tectum. Os próprios sítios-alvo são distinguíveis pelos axônios retinais, pois as células do tectum também carregam marcas posicionais. Assim, o mapa neuronal depende de uma correspondência entre dois sistemas de marcadores posicionais, um na retina e outro no tectum.

Os axônios de diferentes regiões da retina respondem diferentemente a um gradiente de moléculas repulsivas no tectum Os axônios da retina nasal (o lado mais próximo do nariz) se projetam para o tectum posterior, e os axônios da retina temporal (o lado mais distante do nariz) se projetam para o tectum anterior, com regiões intermediárias de retina projetando-se para regiões intermediárias do tectum. Quando se permite que axônios nasais e temporais cresçam sobre um tapete de membranas do tectum anterior e posterior em uma placa de cultura, eles também mostram seletividade (Figura 22-106). Os axônios temporais preferem substancialmente as membranas do tectum anterior, como in vivo, ao passo que os axônios nasais ou preferem as membranas do tectum posterior ou não têm preferência (dependendo da espécie animal). A diferença-chave entre o tectum anterior e o posterior parece ser um fator repulsivo no tectum posterior, ao qual os axônios retinais temporais são sensíveis, mas os axônios retinais nasais não o são: se um cone de crescimento retinal temporal tocar a membrana do tectum posterior, ele desfaz seus filopódios e se retrai. Experimentos com base nesses fenômenos in vitro identificaram algumas das moléculas responsáveis. O fator repulsivo na membrana do tectum posterior parece ser parcial ou inteiramente constituído de proteínas efrina A, um subconjunto da família de proteínas ligadas a GPI que atuam como ligantes para a família EphA de receptores de tirosina-cinases. No camundongo, duas efrinas diferentes são expressas para formar um gradiente ântero-posterior nas células do tectum. As células anteriores têm pouca ou nenhuma quantidade

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P A P A P A P A P (A)

Temporal

Neurônios da metade temporal da retina

Nasal Neurônios da metade nasal da retina

A

A

P

P

A

A

P

P

A

A

P

P (B)

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Figura 22-106 Seletividade dos axônios retinais crescendo sobre as membranas do tectum. (A) Uma fotografia da observação experimental. (B) Um diagrama do que está acontecendo. O substrato da cultura foi coberto com faixas alternadas de membrana preparadas tanto a partir do tectum posterior (P) como do tectum anterior (A). Na fotografia, as faixas do tectum anterior são visualizadas corando-as com um marcador fluorescente nas faixas verticais nos lados da figura. Os axônios de neurônios da metade temporal da retina (crescendo a partir da esquerda) seguem as faixas da membrana do tectum anterior, mas evitam a membrana do tectum posterior, enquanto os axônios de neurônios da metade nasal da retina (crescendo a partir da direita) fazem o contrário. Assim, o tectum anterior difere do tectum posterior e a retina nasal da retina temporal, e as diferenças guiam o desenvolvimento axônico seletivo. Esses experimentos foram realizados com células do embrião de galinha. (De Y. von Boxberg, S. Deiss e U. Schwarz, Neuron 10:345-357, 1993. Com permissão de Elsevier.)

de efrina, as células no centro do tectum expressam a efrina A2 e as células na margem posterior do tectum expressam a efrina A2 e a efrina A5. Assim, existe um gradiente de expressão de efrinas através do tectum. Enquanto isso, os axônios que entram expressam receptores Eph, também em um gradiente: os axônios temporais expressam altos níveis de Eph, tornando-os sensíveis à repulsão pela efrina A, ao passo que os axônios nasais expressam baixos níveis de Eph. Similarmente, distribuindo-se ao longo do outro eixo principal do tectum, da porção mediana à lateral, há a expressão graduada da proteína efrina B e também de outro tipo de molécula de sinalização, Wnt3, com a expressão equivalentemente graduada de receptores EphB e receptores Wnt3 ao longo do eixo dorso-ventral da retina. Esse sistema de sinais e receptores é suficiente para produzir um mapa bidimensional organizado, se fizermos uma suposição adicional – uma suposição corroborada por experimentos in vivo: que os axônios retinais de alguma maneira interagem uns com os outros e competem pelo território do tectum. Assim, os axônios temporais estão restritos ao tectum anterior e afastam os axônios nasais dele; os axônios nasais, consequentemente, estão restritos ao tectum posterior. Entre os extremos, estabelece-se um equilíbrio, criando-se um mapa uniforme do eixo temporonasal da retina sobre o eixo ântero-posterior do tectum.

Os padrões difusos das conexões sinápticas se tornam nítidos pelo remodelamento dependente de atividade Em um animal normal, o mapa da retina e do tectum é inicialmente confuso e impreciso: o sistema de marcadores complementares que acabamos de descrever é suficiente para definir o esboço geral do mapa, mas não a ponto de especificar seus detalhes sutis. Estudos em rãs e peixes mostram que cada axônio retinal primeiro se ramifica extensamente no tectum e estabelece uma profusão de sinapses, distribuídas sobre uma grande área do tectum que se sobrepõe aos territórios inervados por outros axônios. Esses territórios são subsequentemente modificados pela eliminação seletiva de sinapses e pela retração de ramificações dos axônios. Isso é acompanhado pela formação de novos brotos, por meio dos quais cada axônio desenvolve uma distribuição mais densa de sinapses no território que ele retém. Um papel central nesse remodelamento e refinamento do mapa é desempenhado por duas regras de competição que, conjuntamente, ajudam a criar uma ordem espacial: (1) axônios de regiões separadas da retina, que tendem a ser excitados em diferentes momentos, competem para dominar o território disponível do tectum, mas (2) axônios de sítios vizinhos na retina, que tendem a ser excitados ao mesmo tempo, inervam territórios vizinhos no

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Neurônios do tectum Neurônios retinais

Axônios retinais

MAPA INICIAL CONFUSO: CONEXÕES DIFUSAS

Figura 22-107 Refinamento do mapa tectum-retinal pela eliminação de sinapses. A princípio o mapa é confuso, porque cada axônio retinal se ramifica extensamente para inervar uma região ampla do tectum que se sobrepõe às regiões inervadas por outros axônios retinais. O mapa é então refinado pela eliminação de sinapses. Onde axônios de partes separadas da retina fazem sinapses com a mesma célula do tectum, ocorre a competição, eliminando as conexões feitas por um dos axônios. Porém, axônios de células que são vizinhas próximas na retina cooperam, mantendo suas sinapses em células compartilhadas do tectum. Assim, cada axônio retinal acaba inervando um pequeno território do tectum, adjacente e parcialmente sobreposto ao território inervado por axônios de sítios vizinhos na retina.

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MAPA FINAL NÍTIDO: CONEXÕES DIFUSAS ELIMINADAS

tectum, pois colaboram para reter e fortalecer suas sinapses em células compartilhadas do tectum (Figura 22-107). O mecanismo subjacente a ambas as regras depende da atividade elétrica e da sinalização nas sinapses que são formadas. Se todos os potenciais de ação forem + bloqueados por uma toxina que se liga a canais de Na controlados por voltagem, o remodelamento de sinapses é inibido e o mapa permanece confuso. O fenômeno de eliminação de sinapses dependente de atividade é encontrado em quase todas as partes do sistema nervoso em desenvolvimento dos vertebrados. As sinapses são primeiramente formadas em abundância e distribuídas sobre uma ampla área-alvo; em seguida, o sistema de conexões é cortado e remodelado por processos competitivos que dependem da atividade elétrica e da sinalização sináptica. Desta maneira, a eliminação de sinapses é distinta da eliminação de neurônios excedentes por morte celular, ocorrendo após o período de morte neuronal normal ter acabado. Muito do que sabemos sobre os mecanismos celulares de formação e eliminação de sinapses vem de experimentos sobre a inervação do músculo esquelético em embriões de vertebrados. A troca bidirecional de sinais entre os terminais axônicos dos nervos e as células musculares controla a formação inicial das sinapses. Em locais de contato, os receptores de acetilcolina estão agrupados na membrana da célula muscular, e o aparato para a secreção deste neurotransmissor se organiza nos terminais dos axônios (discutido no Capítulo 11). Cada célula muscular primeiramente recebe sinapses de vários neurônios; contudo, no final, por um processo que tipicamente leva duas semanas, ela fica inervada por apenas um. A retração de sinapses novamente depende da comunicação sináptica: se a transmissão sináptica for bloqueada por uma toxina que se liga aos receptores de acetilcolina na membrana da célula muscular, a célula muscular retém sua inervação múltipla além do tempo normal para a eliminação. Experimentos com o sistema musculoesquelético, assim como o sistema tectum-retinal, sugerem que não só a quantidade de atividade elétrica em uma sinapse é importante a sua manutenção, mas também sua coordenação temporal. O fortalecimento ou o enfraquecimento de uma sinapse parece depender criticamente do fato de a atividade na célula pré-sináptica ser ou não sincronizada com a atividade das outras células pré-sinápticas que estão fazendo sinapses no mesmo alvo (e assim, também, sincronizadas com a atividade das próprias células-alvo). Essas e muitas outras descobertas sugeriram uma interpretação simples das regras de competição para a eliminação de sinapses no sistema tectum-retinal (Figura 22-108). Os axônios de diferentes partes da retina disparam em momentos diferentes e, assim, competem. A cada vez que um deles dispara, a sinapse (ou as sinapses) feita pelo outro em uma célula-alvo do tectum é enfraquecida, até que um dos axônios é deixado sozinho no comando daquela célula. Os axônios de células retinais vizinhas, por outro lado, tendem a disparar

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Estimular célula A enquanto célula B está desativada: célula C fica excitada

Estimular células A e B simultaneamente: célula C fica excitada

A

A

C

C

B

B A sinapse por A em C é fortalecida

A

B

A

C

C

A sinapse feita por B em C é enfraquecida ou eliminada

As sinapses feitas tanto por A como por B em C são fortalecidas

B

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Figura 22-108 Modificação de sinapses e sua dependência da atividade elétrica. Experimentos em vários sistemas indicam que as sinapses são fortalecidas ou enfraquecidas pela atividade elétrica, de acordo com as regras mostradas no diagrama. O princípio subjacente parece ser que cada excitação de uma célula-alvo tende a enfraquecer qualquer sinapse em que o terminal do axônio pré-sináptico tenha estado desativado, mas a fortalecer qualquer sinapse em que o terminal do axônio pré-sináptico tenha sido recém-ativado. Como resultado, “neurônios que disparam juntos, se instalam juntos”. Uma sinapse repetidamente enfraquecida e raramente fortalecida pode ser completamente eliminada.

em sincronia uns com os outros: portanto, eles não competem, mantendo as sinapses em células compartilhadas do tectum e criando um mapa precisamente ordenado, no qual células vizinhas da retina se projetam para sítios vizinhos no tectum.

A experiência molda o padrão de conexões sinápticas no cérebro O fenômeno que acabamos de descrever é resumido na frase “neurônios que disparam juntos, se instalam juntos”. A mesma regra de disparo que relaciona a manutenção de sinapses à atividade neural ajuda a organizar nossos cérebros em desenvolvimento à luz da experiência. No cérebro de um mamífero, os axônios que transmitem inputs vindos dos dois olhos são unidos em uma camada celular específica na região visual do córtex cerebral. Aqui eles formam dois mapas sobrepostos do campo visual externo, um percebido através do olho direito, e o outro percebido através do olho esquerdo. Embora haja evidências de uma certa tendência para que inputs dos olhos direito e esquerdo sejam segregados mesmo antes do início da comunicação sináptica, uma grande proporção dos axônios que carregam informações a partir dos dois olhos em estágios iniciais faz sinapses conjuntamente em células-alvo corticais compartilhadas. Contudo, um período de atividade de sinalização inicial ocorrendo espontânea e independentemente em cada retina, mesmo antes de começar a visão, leva a uma clara segregação de inputs, criando faixas de células no córtex que são orientadas por inputs vindos do olho direito, alternando com faixas que são orientadas por inputs vindos do olho esquerdo (Figura 22-109). A regra de disparo sugere uma interpretação simples: um par de axônios trazendo informações de sítios vizinhos no olho esquerdo irá frequentemente disparar ao mesmo tempo e, portanto, instalar-se ao mesmo tempo; o mesmo fará um par de axônios de sítios vizinhos no olho direito. Porém, um axônio do olho direito e um axônio do olho esquerdo raramente irão disparar juntos e, em vez

(A)

(B) 2 mm

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Figura 22-109 Colunas de dominância ocular no córtex visual do cérebro de um macaco e sua sensibilidade à experiência visual. (A) Normalmente, as faixas de células corticais dirigidas pelo olho direito se alternam com as faixas, de igual largura, dirigidas pelo olho esquerdo. As faixas são reveladas, aqui, injetando-se uma molécula detectora radiativa dentro de um olho, dando tempo para que este detector seja transportado para o córtex visual e detectando a radiatividade por autorradiografia, em secções cortadas paralelamente à superfície cortical. (B) Se um olho é mantido coberto durante o período crítico de desenvolvimento e, assim, privado de experiências visuais, suas faixas se contraem, e aquelas do olho ativo se expandem. Desta maneira, o olho privado pode perder o poder de visão quase inteiramente. (De D. H. Hubel, T. N. Wiesel e S. Le Vay, Philos. Trans. R. Soc. Lond. B. Biol. Sci. 278:377409, 1977. Com permissão de The Royal Society.)

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disso, competirão. Na verdade, se a atividade dos dois olhos for silenciada utilizando-se fármacos que bloqueiam potenciais de ação ou a transmissão sináptica, os inputs não se segregam corretamente. A manutenção do padrão de conexões é extraordinariamente sensível às experiências que ocorrem cedo na vida. Se, durante um certo período crítico (que termina aproximadamente aos cinco anos de idade em humanos), um olho é mantido coberto por um tempo, de forma a ficar privado de estimulação visual, enquanto o outro olho é estimulado normalmente, o olho privado perde suas conexões sinápticas para o córtex e fica quase inteira e irreversivelmente cego. De acordo com o que preveria a regra de disparo, ocorreu uma competição na qual as sinapses no córtex visual feitas por axônios inativos foram eliminadas, enquanto as sinapses feitas por axônios ativos foram consolidadas. Desta maneira, o território cortical é alocado para axônios que carregam informações e não é desperdiçado com aqueles que são silenciosos. No estabelecimento das conexões nervosas que nos permitem ver, não só a quantidade de estimulação visual é importante, mas também sua coordenação temporal. Por exemplo, a capacidade de ver a profundidade – a visão estérea – depende de células em outras camadas do córtex visual que recebem inputs transmitidos a partir de ambos os olhos de uma só vez, transportando informações sobre a mesma parte do campo visual como visto de dois ângulos levemente diferentes. Essas células dirigidas de maneira binocular nos permitem comparar o que é visto pelo olho direito com o que é visto pelo olho esquerdo, de forma a deduzir informações sobre as distâncias relativas dos objetos em relação a nós. Contudo, se os dois olhos forem impedidos durante o período crítico de ver a mesma cena ao mesmo tempo – por exemplo, cobrindo primeiro um olho e depois o outro em dias alternados, ou simplesmente como consequência de um estrabismo infantil – quase nenhuma das células dirigidas de maneira binocular é retida no córtex, e a capacidade de percepção estérea é inevitavelmente perdida. Evidentemente, de acordo com a regra de disparo, os inputs a partir de cada olho para um neurônio dirigido de maneira binocular são mantidos somente se os dois inputs são frequentemente acionados para disparar em sincronia, como ocorre quando os dois olhos olham juntos para a mesma cena.

A memória adulta e a remodelação das sinapses durante o desenvolvimento podem depender de mecanismos similares Vimos no Capítulo 11 que as alterações sinápticas subjacentes à memória, pelo menos em algumas partes do cérebro adulto, notavelmente o hipocampo, dependem do comportamento de um tipo particular de receptor para o neurotransmissor glutamato – o re2+ ceptor NMDA. A inundação de Ca na célula pós-sináptica através de canais abertos por este receptor aciona mudanças duradouras na intensidade das sinapses naquela célula, afetando tanto as estruturas pré-sinápticas como as pós-sinápticas. As alterações que são induzidas pelo mecanismo dependente de NMDA no cérebro adulto obedecem a regras semelhantes à regra de disparo no desenvolvimento: os eventos no mundo exterior que levam dois neurônios a serem ativos ao mesmo tempo, ou em rápida sucessão, favorecem a formação ou o fortalecimento de sinapses entre eles. Tem-se sugerido que esta condição, denominada regra de Hebb, seja o princípio fundamental subjacente ao aprendizado associativo. É possível, então, que tanto o aprendizado adulto como as formas mais extremas de plasticidade sináptica vistas durante o desenvolvimento dependam da mesma maquinaria básica de ajuste sináptico? Existem muitos indícios que apontam para tal. Observou-se, por exemplo, que inibidores que bloqueiam especificamente a ativação do receptor NMDA interferem no refinamento e na remodelação de conexões sinápticas no sistema visual em desenvolvimento. Tanto no animal em desenvolvimento como no adulto, as alterações na força das conexões sinápticas correspondem a mudanças na estrutura física. A escala dessas mudanças físicas é, contudo, muito diferente. No organismo em desenvolvimento, a atividade elétrica frequentemente regula a extensão e a regressão de grandes ramificações das árvores axônicas e dendríticas. Porém, no cérebro adulto, os ajustes estruturais que ocorrem em resposta à atividade parecem ser tipicamente muito mais localizados de forma precisa, afetando os tamanhos de espinhos dendríticos individuais – as minúsculas protrusões em forma de maçaneta, com alguns poucos micrômetros de comprimento, nas quais os den2+ dritos recebem sinapses individuais (Figura 22-110). Parece que o Ca que entra em um espinho por meio dos canais de NMDA, em resposta à excitação da sinapse naquele espinho

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Antes da estimulação

Depois da estimulação

(A)

20 ␮m

(B)

2 ␮m

particular, pode fazer com que o espinho remodele seu citoesqueleto de actina. Contudo, ainda temos muito a aprender sobre o mecanismo que ocasiona tais mudanças e sua relação com o aprendizado e a memória. A base molecular dos processos de remodelação das sinapses pela qual a experiência molda nossos cérebros continua a ser um dos principais desafios que o sistema nervoso apresenta à biologia celular.

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Figura 22-110 Crescimento de espinhos dendríticos em resposta à estimulação sináptica. (A) Neurônios em uma porção de tecido vivo do hipocampo de um camundongo jovem. As células são marcadas pela expressão da proteína fluorescente verde (GFP, green fluorescent protein) e observadas com um microscópio de varredura de laser de dois fótons, que permite a visualização de dendritos individuais em alta resolução. O inserto mostra uma imagem processada de uma pequena parte de alguns dos dendritos. Estes estão cobertos por minúsculos espinhos dendríticos, que são os locais das sinapses. (B) Intensos ciclos repetidos de estimulação sináptica, acionados por um microeletrodo próximo, ocasionam a formação de novos espinhos dentro de 30 minutos. A estimulação em baixa frequência tem o efeito contrário, ocasionando a regressão de um subgrupo de espinhos. (De U. V. Nägerl, N. Eberhorn, S. B. Cambridge e T. Bonhoeffer, Neuron 44:759-767, 2004. Com permissão de Elsevier.)

Resumo O desenvolvimento do sistema nervoso acontece em três fases: primeiro, as células nervosas são geradas por meio de divisões celulares; em seguida, tendo cessado a divisão, as células emitem axônios e dendritos para formar sinapses profusas com outras células remotas, de modo que a comunicação possa iniciar; por último, o sistema de conexões sinápticas é refinado e remodelado de acordo com o padrão de atividade elétrica na rede neural. Os neurônios, e as células gliais que sempre os acompanham, são gerados a partir de precursores ectodérmicos, e aqueles nascidos em diferentes momentos e lugares expressam diferentes grupos de genes, que os ajudam a determinar as conexões que serão formadas. Os axônios e os dendritos se projetam dos neurônios por meio de cones de crescimento, que seguem rotas específicas delineadas por sinais ao longo da via. Estruturas como a lâmina pavimentar da medula espinal embrionária secretam tanto substâncias químicas atrativas como repelentes, às quais os cones de crescimento de diferentes classes de neurônios respondem de maneira distinta. Quando alcançam sua área-alvo, os axônios terminam seletivamente em um subgrupo de células acessíveis, e em muitas partes do sistema nervoso são montados mapas neurais – projeções organizadas de um arranjo de neurônios sobre outro. No sistema tectum-retinal, o mapa tem como base a combinação de sistemas complementares de marcadores de superfície celular posição-específicos – efrinas e receptores Eph – presentes nos dois grupos de células. Após os cones de crescimento terem alcançado seus alvos e as conexões iniciais terem se formado, ocorrem dois tipos principais de ajustes. Primeiro, muitos dos neurônios em inervação morrem como resultado de uma competição por fatores de sobrevivência, como o NGF (fator de crescimento neuronal) secretado pelo tecido-alvo. Essa morte celular ajusta a quantidade de inervação de acordo com o tamanho do alvo. Segundo, as sinapses individuais são suprimidas em alguns lugares e reforçadas em outros, a fim de criar um padrão de conexões ordenado de forma mais precisa. Este último processo depende da atividade elétrica: sinapses que são ativadas com frequência são reforçadas, e diferentes neurônios que contatam a mesma célula-alvo tendem a manter suas sinapses no alvo compartilhado somente se ambos forem seguidamente ativados ao mesmo tempo. Desta maneira, a estrutura do cérebro pode ser ajustada para refletir as conexões entre eventos que ocorrem no mundo exterior. O mecanismo molecular subjacente a essa plasticidade sináptica pode ser similar àquele responsável pela formação das memórias na vida adulta.

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Meristema apical

Gema axilar Nó



Folha



Entrenó (caule) Nó

Figura 22-111 Um exemplo simples da construção modular nas plantas. Cada módulo (mostrado em diferentes tons de verde) consiste em um caule, uma folha e uma gema contendo um centro de crescimento potencial ou meristema. A gema se forma nos pontos de ramificação ou nós (ou, ainda, nodos), onde a folha se separa do caule. Os módulos se originam sequencialmente a partir da atividade contínua do meristema apical.

DESENVOLVIMENTO VEGETAL As plantas e os animais estão separados por cerca de 1,5 bilhão de anos de história evolutiva. Sua organização multicelular evoluiu independentemente, mas utilizando o mesmo jogo inicial de ferramentas – o conjunto de genes herdado de seu ancestral eucariótico unicelular comum. A maioria das diferenças entre suas estratégias de desenvolvimento provém de duas peculiaridades básicas das plantas. Primeiro, elas obtêm sua energia da luz solar, e não pela ingestão de outros organismos. Isso impõe um plano corporal diferente daquele dos animais. Segundo, suas células são envolvidas por paredes celulares semirrígidas e cimentadas umas às outras, impedindo-as de se mover como as células animais. Isso impõe um conjunto diferente de mecanismos para a modelagem do corpo e diferentes processos de desenvolvimento para enfrentar um ambiente variável. O desenvolvimento animal é em grande parte protegido contra mudanças ambientais, e o embrião gera a mesma estrutura corporal, geneticamente determinada, sem ser afetado por condições externas. O desenvolvimento da maioria dos vegetais, por outro lado, é dramaticamente influenciado pelo ambiente. Como não podem se equiparar a seu ambiente, movendo-se de um lugar para o outro, os vegetais se adaptam, em vez de alterar o curso de seu desenvolvimento. Sua estratégia é oportunista. Um dado tipo de órgão – uma folha, uma flor ou uma raiz, por exemplo – pode ser produzido, a partir de um óvulo fertilizado, por meio de muitos caminhos diferentes, de acordo com sinais do ambiente. De uma folha de begônia fixada ao solo pode crescer uma raiz; a raiz pode formar um broto; o broto, sob luz solar, pode desenvolver folhas e flores. A planta madura consiste, tipicamente, em muitas cópias de um pequeno conjunto de módulos padronizados, como descrito na Figura 22-111. As posições e os momentos em que cada módulo é gerado são bastante influenciados pelo ambiente, determinando uma ampla variação na estrutura global da planta. As escolhas entre módulos alternativos e sua organização em uma planta inteira dependem de estímulos externos e sinais hormonais de longo alcance que desempenham um papel muito menor no controle do desenvolvimento animal. Contudo, embora a estrutura global de uma planta – seu padrão de raízes ou ramos, seu número de folhas ou flores – possa ser muito variável, sua organização detalhada em pequena escala não o é. Uma folha, uma flor ou até mesmo um embrião jovem de planta são especificados de forma tão precisa como qualquer órgão de um animal, possuindo uma estrutura determinada, em contraste com o padrão indeterminado de ramificação e brotamento da planta como um todo. A organização interna de um módulo vegetal gera essencialmente os mesmos problemas relacionados ao controle genético de formação de padrões observados no desenvolvimento animal, e eles são resolvidos de maneiras análogas. Nesta seção, daremos enfoque aos mecanismos celulares do desenvolvimento de angiospermas (plantas que florescem). Examinaremos tanto as diferenças como as similaridades com os animais.

A Arabidopsis serve de organismo-modelo para a genética molecular de plantas As angiospermas, apesar de sua imensa variedade, têm uma origem relativamente recente. Os mais antigos exemplares fósseis conhecidos têm 130 milhões de anos de idade, em comparação aos 350 milhões ou mais de animais vertebrados. Portanto, subjacente à diversidade de formas, existe um alto grau de similaridade quanto aos mecanismos moleculares. Como veremos, uma pequena mudança genética pode transformar a estrutura de uma planta em grande escala; e, assim como a fisiologia das plantas permite sua sobrevivência em muitos ambientes diferentes, ela também permite a sobrevivência de muitas formas diferencialmente estruturadas. Uma mutação que origina um animal com duas cabeças geralmente é letal; a mutação que dobra o número de flores ou ramos em uma planta geralmente não é. Para identificar os genes que controlam o desenvolvimento vegetal e descobrir seu funcionamento, os biólogos vegetais selecionaram uma pequena erva daninha, o agrião (ou árabis) de parede comum Arabidopsis thaliana (Figura 22-112) como seu organismo-modelo

15 mm

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Figura 22-112 Arabidopsis thaliana. Esta pequena planta é um membro da família da mostarda (ou das crucíferas, ver também Figura 1-46). É uma erva daninha sem utilidade econômica, mas de grande valor para estudos genéticos do desenvolvimento vegetal. (De M. A. Estelle e C. R. Somerville, Trends Genet. 12:89-93, 1986. Com permissão de Elsevier.)

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Biologia Molecular da Célula

Semente mutagenizada

Plântula

Setor de células mutantes no meristema

A autofertilização de flores individuais produz uma geração de sementes F1

1399

Vagens de sementes do: Setor mutante Setor não-mutante

As sementes se desenvolvem em plântulas da geração F1

25% m/m

50% m/+

25% +/+

principal. Assim como a Drosophila ou o Caenorhabditis elegans, ela é pequena, de rápida reprodução e conveniente para a genética. Pode ser crescida dentro de ambientes fechados (como placas de Petri ou minúsculos potes de planta) em grande quantidade, produzindo centenas de sementes por planta após 8 a 10 semanas. Ela tem, em comum com o C. elegans, uma vantagem significativa sobre a Drosophila ou os animais vertebrados para estudos genéticos: como muitas angiospermas, ela pode se reproduzir como hermafrodita, pois uma única flor produz tanto óvulos como gametas masculinos que podem fertilizá-la. Portanto, quando uma flor heterozigota para uma mutação letal recessiva é autofertilizada, um quarto de suas sementes irá apresentar o fenótipo embrionário homozigoto. Isso facilita a realização de triagens genéticas (Figura 22-113) e também a obtenção de um catálogo dos genes necessários a processos específicos do desenvolvimento.

O genoma de Arabidopsis é rico em genes controladores do desenvolvimento A Arabidopsis tem um dos menores genomas de plantas – 125 milhões de pares de nucleotídeos, estando no mesmo nível de C. elegans e Drosophila – e a sequência completa de DNA é agora conhecida. Ela contém aproximadamente 26.000 genes. Contudo, este total inclui muitas duplicatas recentemente geradas, de modo que o número de tipos funcionalmente distintos de proteínas representadas pode ser consideravelmente menor. Foram estabelecidos métodos de cultura de células e de transformação genética, assim como imensas bibliotecas de sementes carregando mutações produzidas por inserções aleatórias de elementos genéticos móveis, de forma que plantas com mutações em qualquer gene selecionado podem ser obtidas sob medida. Assim, existem ferramentas potentes para analisar as funções de muitos genes. Embora apenas uma pequena fração do conjunto total de genes tenha sido experimentalmente caracterizada até agora, poder-se tentar atribuir funções a vários genes – cerca de 18.000 – com base nas similaridades de sequência com genes bem caracterizados em Arabidopsis e outros organismos. O genoma da Arabidopsis é ainda mais rico em genes que codificam proteínas de regulação gênica que os genomas de muitos animais multicelulares (Tabela 22-2). Algumas importantes famílias de proteínas de regulação gênica de animais (como a família Myb de proteínas que se ligam ao DNA) são bastante difundidas, enquanto outras (como os receptores de hormônios nucleares) parecem estar completamente ausentes, e existem grandes famílias de proteínas de regulação gênica nos vegetais que não têm homólogos nos animais. Embora proteínas de regulação gênica homólogas (como as proteínas homeodomínio) possam ser reconhecidas tanto nos vegetais quanto nos animais, elas têm pouco em comum no que se refere aos genes que regulam ou aos tipos de decisões relacionadas ao desenvolvimento que controlam, e há pouca conservação das sequências de proteína fora dos domínios de ligação ao DNA.

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100% +/+

Figura 22-113 Produção de mutantes em Arabidopsis. Uma semente, contendo um embrião multicelular, é tratada com uma substância química mutagênica e cultivada até o estágio de planta adulta. Em geral, esta planta será um mosaico de clones de células carregando diferentes mutações induzidas. Uma flor individual produzida por esta planta normalmente será composta por células pertencentes ao mesmo clone, todas carregando a mesma mutação, m, na forma heterozigota (m/+). A autofertilização de flores individuais por seu próprio pólen resulta em vagens de sementes, cada qual contendo uma família de embriões em que metade dos membros será, em média, heterozigota (m/+), um quarto será mutante homozigoto (m/m) e um quarto será o tipo selvagem homozigoto (+/+). Frequentemente, a mutação terá um efeito letal recessivo, como indicado aqui pela ausência de uma raiz na plântula m/m. O estoque mutante é então mantido pelo cruzamento dos heterozigotos, que irão produzir vagens de sementes (geração F2) que contêm uma mistura de sementes +/+, m/+ e m/m.

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Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter

Tabela 22-2 Algumas das principais famílias de proteínas de regulação gênica em Arabidopsis, Drosophila, C. elegans e na levedura Saccharomyces cerevisiae NÚMERO DE MEMBROS DA FAMÍLIA PREVISTOS A PARTIR DA ANÁLISE DE GENOMAS FAMÍLIA

Arabidopsis

Myb AP2/EREBP (proteína de ligação ao elemento responsivo a etileno/Apetala2) bHLH (hélice-alça-hélice básica) NAC C2H2 (dedo de Zn) Homeobox MADS box bZIP WRKY (dedo de Zn) GARP C2C2 (dedo de Zn)/GATA Receptor de hormônio nuclear C6 (dedo de Zn) Total estimado (incluindo muitos não listados acima) % de genes no genoma

Drosophila

C. elegans

LEVEDURA

190 144

6 0

3 0

10 0

139 109 105 89 82 81 72 56 104 0 0 1533

46 0 291 103 2 21 0 0 6 21 0 635

25 0 139 84 2 25 0 0 9 25 0 669

8 0 53 9 4 21 0 0 10 0 52 209

5,9

4,5

3,5

3,5

A Tabela lista somente aquelas famílias que têm no mínimo 50 membros em pelo menos um organismo. (Dados de J. L. Riechmann et al., Science 290:2105-2110, 2000. Com permissão de AAAS.)

A Arabidopsis é semelhante aos animais multicelulares quanto ao fato de possuir muitos genes para comunicação celular e transdução de sinais (1.900 genes dos 18.000 classificados), mas os detalhes específicos desses conjuntos de genes são muito diferentes, como discutido no Capítulo 15. Os mecanismos de sinalização Wnt, Hedgehog, Notch e TGF␤ estão ausentes em Arabidopsis. Em compensação, outras vias de sinalização peculiares aos vegetais são altamente desenvolvidas. Os receptores de superfície celular da classe das tirosina-cinases parecem estar completamente ausentes, embora muitos dos componentes de sinalização que atuam a jusante desses receptores em animais estejam presentes. Inversamente, existem vários receptores da classe das serina/treonina-cinases, mas eles não atuam pelo mesmo sistema de mensageiros intracelulares que os receptores de serina/treonina-cinases em animais. Muitos conjuntos de genes são dedicados aos processos de desenvolvimento que são especialmente importantes às plantas: mais de 1.000 para a síntese e o remodelamento da parede celular vegetal, por exemplo, e mais de 100 para detectar e responder à luz. Examinaremos agora como esses genes das plantas são utilizados para controlar o desenvolvimento vegetal.

O desenvolvimento embrionário inicia com o estabelecimento de um eixo raiz-caule e é, então, interrompido dentro da semente A estratégia básica da reprodução sexual em angiospermas está brevemente resumida no Painel 22-1. O óvulo fertilizado, ou zigoto, de um vegetal superior começa a se dividir assimetricamente para estabelecer a polaridade do futuro embrião. Um dos produtos dessa divisão é uma pequena célula com citoplasma denso, que se tornará o embrião propriamente dito. O outro é uma grande célula vacuolada que continuará a se dividir e formar uma estrutura denominada suspensor, o qual é, de certa forma, comparável ao cordão umbilical dos mamíferos. O suspensor liga o embrião ao tecido nutritivo adjacente e estabelece um caminho para o transporte de nutrientes. Durante a próxima etapa do desenvolvimento, a célula embrionária diploide se prolifera e forma uma bola de células que, rapidamente, adquirem uma estrutura polarizada. Isso envolve dois grupos principais de células em proliferação – um na extremidade do suspensor embrionário, que irá colaborar com a célula suspensora mais elevada para gerar a raiz, e um na extremidade oposta, que gerará o caule (Figura 22-114). O eixo principal raiz-caule assim estabelecido é análogo ao eixo cabeça-cauda de um animal. Simultaneamente, torna-se possível distinguir as futuras células epidérmicas, formando a camada mais externa do embrião, as futuras células do tecido basal, ocupando a maior parte da porção interna, e as fu-

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Painel 22-1: Características do desenvolvimento inicial em angiospermas

1401

FLOR Pétala: estruturas diferenciadas semelhantes a folhas, As flores, que contêm as células reprodutivas das plantas superiores, normalmente intensamente coloridas, facilitam a surgem a partir dos meristemas apicais dos caules vegetativos, onde polinização pela atração de insetos, por exemplo. elas terminam o crescimento vegetativo posterior. Fatores Estame: um órgão contendo células que sofrem ambientais, frequentemente os ritmos de duração do dia e a meiose e formam os grãos de pólen haploides, temperatura, desencadeiam a mudança do desenvolvimento Estigma cada um dos quais contém duas células Estilete Grão de vegetativo para o floral. Assim, as células germinativas surgem espermáticas masculinas. O pólen pólen tarde no desenvolvimento vegetal a partir de células transferido ao estigma germina, e o somáticas, ao invés de uma linhagem de células Células estubo polínico leva os dois espermapermáticas germinativas, como nos animais. tozoides não-móveis até o ovário. 0,5 mm

Núcleo

Sépala

Óvulos no ovário

Pétala Estame Carpelo

Botão floral jovem

Flor madura

A estrutura floral é tanto variada como espécie-específica, mas geralmente compreende quatro conjuntos de estruturas arranjadas concentricamente que podem, cada uma, ser consideradas folhas modificadas.

SEMENTE

Sépalas: estruturas semelhantes a folhas que formam uma cobertura protetora durante o desenvolvimento floral inicial.

EMBRIÃO

A semente contém o embrião dormente, um estoque de alimento e uma cobertura. No final de seu desenvolvimento, o conteúdo de água de uma semente pode diminuir de 90 para 5%. A semente normalmente está protegida em um fruto, cujos tecidos são de origem materna. Embrião

Cobertura da semente

do tubo Carpelo: um órgão contendo um ou mais ovários, cada um dos quais contém óvulos. polínico Cada óvulo abriga células que sofrem meiose e formam um saco embrionário contendo a célula-ovo feminina. Na fertilização, uma célula espermática se funde com a célula-ovo e formará o futuro embrião diploide, enquanto a outra se funde com duas células no saco embrionário para formar o tecido do endosperma triploide.

Folhas da semente (estoque de alimento)

Meristema apical do caule

Oosfera fertilizada

A oosfera fertilizada dentro do óvulo irá crescer para formar um embrião usando nutrientes transportados do endosperma pelo suspensor. Uma série complexa de divisões celulares, ilustradas aqui para a erva daninha comum denominada “bolsa-de-pastor”, produz um embrião com um meristema apical de raiz, um meristema apical de caule e uma (monocotiledôneas) ou duas (dicotiledôneas) folhas embrionárias ou da semente, chamadas de cotilédones. O desenvolvimento é interrompido neste estágio, e o óvulo, contendo o embrião, agora se torna uma semente, adaptada para dispersão e sobrevivência.

Meristema apical da raiz Suspensor

Duas folhas da semente (cotilédones)

GERMINAÇÃO Para que o embrião retome seu crescimento, a semente deve germinar, um processo dependente tanto de fatores internos (dormência) como de fatores ambientais, incluindo água, temperatura e oxigênio. As reservas de alimento para a fase inicial da germinação podem ser tanto o endosperma (milho) como os cotilédones (ervilha e feijão). A raiz primária normalmente emerge primeiro da semente para assegurar um suprimento inicial de água para a plântula. Os cotilédones podem aparecer acima do solo, como mostrado aqui para o feijão de jardim, ou podem permanecer sob o solo, como nas ervilhas. Em ambos os casos, os cotilédones, no final, murcham. O meristema apical pode agora mostrar sua capacidade de crescimento contínuo, produzindo um padrão típico de nós, entrenós e gemas (ver Figura 22-106).

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Germinação do feijão de jardim Primeiras folhas da folhagem Cotilédone murcho

Cobertura da semente

Cotilédones

Raiz primária

Raízes laterais

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1402

Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter

Figura 22-114 Dois estágios da embriogênese em Arabidopsis thaliana. (De G. Jurgens et al., Development [Suppl.] 1:27-38, 1991. Com permissão de The Company of Biologists.)

Embrião globular

Cotilédone

Primórdio do caule

Suspensor

Primórdio da raiz

(A)

(B) 20 ␮m

50 ␮m

turas células do tecido vascular, formando a zona central (Painel 22-2). Esses três conjuntos de células podem ser comparados às três camadas germinativas de um embrião animal. Um pouco mais tarde durante o desenvolvimento, o rudimento do caule começa a produzir as folhas embrionárias da semente, ou cotilédones – uma, no caso de monocotiledôneas, e duas, no caso de dicotiledôneas. Logo após esse estágio, o desenvolvimento normalmente cessa e o embrião fica empacotado em uma semente (uma cápsula formada por tecidos da plantamãe), especializada para a dispersão e a sobrevivência em condições adversas. O embrião em uma semente é estabilizado pela desidratação e pode permanecer dormente por um período muito longo – até mesmo centenas de anos. Quando reidratadas, as sementes germinam e o desenvolvimento embrionário é concluído. Podem-se utilizar triagens genéticas em Arabidopsis, assim como em Drosophila ou C. elegans, para identificar os genes que governam a organização do embrião, agrupando-os em categorias, de acordo com seus fenótipos mutantes homozigotos. Alguns são necessários à formação da raiz da plântula, outros para o caule da plântula e outros para o ápice da plântula com seus cotilédones. Outra classe é necessária para a formação dos três principais tipos de tecido – epiderme, tecido basal e tecido vascular – e outra classe também é requerida para as mudanças organizadas do formato celular que conferem a forma alongada ao embrião e à plântula (Figura 22-115).

(B)

(A)

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(C)

(D)

(E)

1 mm

Figura 22-115 Plântulas mutantes de Arabidopsis. Uma plântula normal (A) comparada com quatro tipos de mutantes (B-E) defectivos em diferentes partes de seu padrão ápice-basal: (B) não possui estruturas no ápice, (C) tem ápice e raiz, mas não tem um caule entre eles, (D) não tem raiz e (E) forma tecidos do caule, mas é defectiva em ambas as extremidades. As plântulas foram “clareadas”, de forma a mostrar o tecido vascular em seu interior (filamentos claros). (De U. Mayer et al., Nature 353:402-407, 1991. Com permissão de Macmillan Publishers Ltd.)

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Biologia Molecular da Célula

As partes de uma planta são sequencialmente geradas por meristemas O embrião de um inseto ou um animal vertebrado é um modelo rudimentar, em escala miniatura, do organismo adulto, e os detalhes da estrutura corporal são progressivamente preenchidos, à medida que ele cresce. O embrião de uma planta se torna adulto de uma maneira completamente diferente: as partes da planta adulta são criadas de forma sequencial por grupos de células que se proliferam e constroem estruturas adicionais na periferia da planta. Esses importantíssimos grupos de células são denominados meristemas apicais (ver Figura 22-111). Cada meristema consiste em uma população autorrenovável de células do caule. À medida que elas se dividem, deixam para trás uma série de progênies que se deslocam da região do meristema, crescem e, finalmente, diferenciam-se. Embora os meristemas apicais do caule e da raiz gerem todas as variedades básicas de células que são necessárias para construir folhas, raízes e caules, muitas células externas aos meristemas apicais também mantêm a capacidade de proliferação futura e retêm o potencial de meristema. Desta maneira, as árvores e outras plantas perenes, por exemplo, são capazes de aumentar a circunferência dos caules e das raízes à medida que os anos passam e podem produzir novos brotos a partir de regiões dormentes, se a planta é danificada. Os rudimentos dos meristemas apicais das raízes e dos caules já estão determinados no embrião. Tão logo se rompe a cobertura da semente durante a germinação, ocorre um dramático aumento de tamanho das células não-meristemáticas, direcionando primeiro a emergência de uma raiz para estabelecer uma base de apoio imediata no solo e, então, de um caule (Figura 22-116). Isso é acompanhado por divisões celulares rápidas e contínuas nos meristemas apicais: no meristema apical de uma raiz de milho, por exemplo, as células se dividem a cada 12 horas, produzindo 5 × 105 células por dia. A raiz e o caule em rápido crescimento sondam o ambiente – a raiz aumentando a capacidade da planta de captar água e minerais do solo, e o caule aumentando a capacidade de fotossíntese (ver Painel 22-1).

O desenvolvimento da plântula depende de sinais ambientais

Meristema apical do caule (oculto)

Meristema apical da raiz

1403

Cotilédone (folha da semente)

1 mm

Figura 22-116 Uma plântula de Arabidopsis. Os dois objetos marrons à direita da plântula jovem são as duas metades da cobertura descartada da semente. (Cortesia de Catherine Duckett.)

Da germinação em diante, o curso do desenvolvimento dos vegetais é fortemente influenciado por sinais do ambiente. O caule tem de se desenvolver rapidamente no solo, e deve abrir seu cotilédone e começar a fotossíntese somente após ter atingido a luz. A duração desta transição entre o rápido desenvolvimento subterrâneo e o crescimento com o uso da luz não pode ser geneticamente programada, pois a profundidade em que a semente é enterrada é imprevisível. A ativação do desenvolvimento é controlada pela luz que, entre outros efeitos, atua na plântula inibindo a produção de uma classe de reguladores do crescimento vegetal denominados brassinosteroides, discutidos no Capítulo 15. As mutações nos genes necessários à produção ou à recepção de sinais de brassinosteroides tornam o caule da plântula verde, retardam seu alongamento e abrem os cotilédones prematuramente, enquanto as plântulas continuam no escuro.

Sinais hormonais de longo alcance coordenam eventos do desenvolvimento em partes separadas da planta As partes separadas de uma planta experimentam ambientes diferentes, reagindo individualmente a eles por meio de mudanças em seu modo de desenvolvimento. A planta, contudo, deve continuar a funcionar como um todo. Isso demanda que escolhas de desenvolvimento e os eventos daí decorrentes em uma parte da planta afetem escolhas de desenvolvimento em outros locais. Devem existir sinais de longo alcance para efetuar tal coordenação. Os jardineiros sabem, por exemplo, que quando se arranca a ponta de um ramo pode-se estimular seu crescimento lateral: a remoção do meristema apical alivia os meristemas axilares quiescentes de uma inibição e permite que eles formem novos ramos. Nesse caso, o sinal de longo alcance do meristema apical, ou pelo menos um componente-chave, foi identificado. Trata-se de uma auxina, membro de uma de várias classes de reguladores do crescimento vegetal (às vezes denominados hormônios vegetais), os quais influenciam fortemente o desenvolvimento vegetal. Outras classes conhecidas incluem as giberelinas, as citocininas, o ácido abscísico, o gás etileno e os brassinosteroides. Como mostrado na Figura 22-117, todos são moléculas pequenas que prontamente penetram as paredes celulares. Todos são sintetizados pela maioria das células vegetais e podem ou agir localmente ou ser

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Painel 22-2: Os tipos celulares e tecidos a partir dos quais as plantas superiores são construídas

OS TRÊS SISTEMAS TISSULARES

A PLANTA

Epiderme superior

Meristema apical do caule

A divisão celular, o crescimento e a diferenciação dão origem a sistemas tissulares com funções especializadas.

FOLHA

TECIDO DA DERME ( ): Esta é a cobertura externa protetora da planta que está em contato com o ambiente. Ela facilita a captação de água e íons pelas raízes e regula as trocas gasosas nas folhas e nos caules.

Gema Estômatos na epiderme inferior

TECIDO VASCULAR: Em conjunto, o floema ( )eo xilema ( ) formam um sistema vascular contínuo em toda a planta. Este tecido conduz água e solutos entre os órgãos e também proporciona suporte mecânico.



TECIDO BASAL ( ): Este tecido de empacotamento e suporte é responsável pela maior parte do volume da planta jovem. Ele também funciona na produção e no armazenamento de alimento.



A angiosperma jovem mostrada à direita é construída a partir de três tipos principais de órgãos: folhas, caules e raízes. Cada órgão vegetal, por sua vez, é constituído de três sistemas tissulares: basal ( ), dérmico ( ) e vascular ( ). Os três sistemas tissulares são basicamente derivados da atividade proliferativa das células dos meristemas apicais da raiz ou do caule, e cada um contém um número relativamente pequeno de tipos celulares especializados. Estes três sistemas tissulares comuns, e as células que os formam, são descritos neste painel.

O sistema de tecido basal contém três tipos celulares principais denominados parênquima, colênquima e esclerênquima.

As células do parênquima são encontradas em todos os sistemas tissulares. São células vivas, geralmente capazes de divisões adicionais, e têm uma fina parede celular primária. Estas células têm várias funções. As células meristemáticas apicais e laterais das gemas e raízes fornecem as novas células necessárias ao crescimento. A produção e o armazenamento de alimento ocorrem nas células fotossintéticas da folha e do caule (denominadas células mesofílicas); as células do parênquima de reserva formam a maior parte do volume da maioria das frutas e verduras. Devido a sua capacidade proliferativa, as células do parênquima também servem de células-tronco para a cicatrização e regeneração.

Nervura da folha Mesófilo (parênquima) Colênquima

Entrenó

CAULE

Feixe vascular

Angiosperma jovem

TECIDO BASAL

Nervura central

Epiderme

RAIZ

Endoderme Periciclo Meristema apical da raiz

O colênquima são células vivas similares às células do parênquima, com exceção das paredes celulares, que são muito mais espessas, normalmente alongadas e empacotadas em longas fibras em forma de corda. Elas são capazes de se estender e proporcionam suporte mecânico ao sistema tissular basal das regiões em alongamento da planta. As células do colênquima são especialmente comuns nas regiões subepidérmicas dos caules.

30 ␮m

Vacúolo

Posições típicas de grupos de suporte de células em um caule Fibras do esclerênquima Feixe vascular Colênquima

Cloroplasto

Células do meristema da raiz

Núcleo Células do mesófilo da folha

Vaso do xilema

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50 ␮m

A célula de transferência, uma forma especializada de célula do parênquima, é prontamente identificável por um crescimento elaborado da parede celular primária. O aumento da área da membrana plasmática Célula de abaixo dessas paredes facilita o transporte transferência rápido de solutos para e a partir de células do sistema vascular.

O esclerênquima, assim como o colênquima, tem funções de reforço e suporte. Contudo, trata-se normalmente de células mortas com espessas paredes celulares feixe de fibras secundárias lignificadas, que as impedem de se alongar à medida que a planta cresce. Os dois tipos comuns são fibras, que frequentemente formam longos feixes, e esclereídeos, que são células ramificadas mais curtas encontradas nas cascas de sementes e frutas. Esclereídeo

10 ␮m

100 ␮m

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Capítulo 22

TECIDO DA DERME

Estômatos

A epiderme é a cobertura protetora externa primária do corpo da planta. As células da epiderme também são modificadas para formar os estômatos e pelos de vários tipos.

Epiderme

Camada cerosa

Células-guarda

Espaço com ar

Os estômatos são aberturas na epiderme, principalmente na superfície inferior da folha, que regulam as trocas gasosas na planta. Eles são formados por duas células epidérmicas A epiderme (geralmente formada por uma especializadas denominadas células-guarda, que camada de células de espessura) cobre todo o regulam o diâmetro do poro. Os estômatos estão caule, a folha e a raiz da planta jovem. As células distribuídos em um padrão espécie-específico são vivas, têm uma parede celular primária distinto dentro de cada epiderme. espessa e são cobertas, na superfície externa, por uma cutícula especial com uma camada cerosa externa. As células são firmemente Feixes vasculares entrelaçadas em diferentes padrões.

Epiderme superior de uma folha

1405

Os pelos (ou tricomas) são apêndices derivados das células epidérmicas. Eles existem em uma grande variedade de formas e normalmente são encontrados em todas as partes da planta. Os pelos funcionam na 100 ␮m

Pelo

Epiderme

5 ␮m

Cutícula

As raízes normalmente têm um único feixe vascular, mas os caules têm vários feixes. Estes estão arranjados em simetria estritamente radial nas dicotiledôneas, mas estão dispersos mais irregularmente nas monocotiledôneas.

50 ␮m

Painéis

Epiderme de um caule

Bainha do esclerênquima

proteção, na absorção e na secreção. Por exemplo, quando os pelos unicelulares jovens na epiderme da semente de algodão crescem, as paredes serão secundariamente espessadas com celulose para formar as fibras do algodão. Epiderme 10 ␮m

Pelo da raiz

Um pelo secretor multicelular de uma Os pelos unicelulares da raiz folha de gerânio têm uma função importante na captação de água e íons

Floema

TECIDO VASCULAR

Xilema

Xilema Juntos, o floema e o xilema formam um sistema vascular contínuo por toda a planta. Nas Parênquima plantas jovens, eles normalmente estão associados a vários outros tipos celulares nos 50 ␮m feixes vasculares. Tanto o floema como o xilema são tecidos complexos. Seus elementos Um feixe vascular típico do caule jovem de um ranúnculo condutores estão associados a células do parênquima, que mantêm os elementos e trocam materiais com eles. Além disso, os grupos de células do colênquima e do esclerênquima proporcionam suporte mecânico.

Floema

Placa de perfuração

Célula companheira

Poro de perfuração Membrana plasmática 50 ␮m

Elemento de vaso pequeno na ponta de uma raiz

Área de perfuração Vista externa do elemento do tubo de perfuração

Secção longitudinal do elemento do tubo de perfuração

O floema está envolvido no transporte de solutos orgânicos nas plantas. As principais células condutoras (elementos) estão alinhadas para formar os tubos denominados tubos de filtração. Os elementos dos tubos de filtração, na maturidade, são células vivas interconectadas por perfurações formadas, em suas paredes externas, por plasmodesmata aumentados e modificados (placas de perfuração). Essas células mantêm sua membrana plasmática, mas perderam o núcleo e a maior parte do citoplasma; elas dependem, portanto, de células companheiras associadas para sua manutenção. As células companheiras têm a função adicional de transportar ativamente moléculas de alimento solúvel para dentro e para fora dos elementos do tubo de filtração através de áreas de perfuração porosas na parede.

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O xilema transporta água e íons dissolvidos nos vegetais. As principais células condutoras são os elementos de vasos aqui mostrados, os quais, na maturidade, são células mortas que não possuem membrana plasmática. A parede celular secundariamente foi espessada e lignificada em grande escala. Como mostrado abaixo, as porções da parede são removidas, permitindo a formação de tubos longos e contínuos. Elemento de vaso grande e maduro

Os elementos de vaso estão intimamente associados às células parenquimais do xilema, que transportam ativamente solutos selecionados para dentro e para fora dos elementos através da membrana plasmática das células do parênquima. Células parenquimais do xilema

Elemento de vaso

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O CH2COOH

CO

H

OH N

HO CH3

COOH

CH2

H

CH2 N

N

CH3

CH3

CH3

C H N

CH3

H3C

C CH2 OH O

CH3

CH3

H3C

OH

Ácido abscísico (ABA)

N

H Etileno

OH

CH3 H

C

H

Ácido indol-3-acético (IAA) [uma auxina]

Ácido giberélico (GA3) [uma giberelina]

H C

COOH

OH

CH3

CH3

HO

N HO H

Zeatina [uma citocinina]

H O

O Brassinolídeo [um brassinosteroide]

Figura 22-117 Reguladores do crescimento vegetal. É mostrada a fórmula de uma molécula representativa, que ocorre naturalmente, de cada um dos seis grupos conhecidos de moléculas reguladoras do crescimento vegetal.

transportados para influenciar células-alvo à distância. A auxina, por exemplo, é transportada de célula a célula a uma taxa de cerca de 1 cm por hora a partir da ponta de um caule em direção à sua base. Cada regulador do crescimento tem múltiplos efeitos, e esses são modulados por outros reguladores do crescimento, assim como por sinais ambientais e pelo estado nutricional. Assim, a auxina pode isoladamente promover a formação de raízes, mas em conjunto com uma giberelina pode promover o alongamento do caule, com uma citocinina pode suprimir o crescimento de gemas laterais e, com o etileno, pode estimular o crescimento de raízes laterais. Notavelmente, como veremos a seguir, a auxina também controla os padrões detalhados de especialização celular, em escala microscópica, no meristema apical. Os receptores que reconhecem alguns desses reguladores do crescimento são discutidos no Capítulo 15.

A forma de cada nova estrutura depende da divisão e da expansão celular orientada As células vegetais, aprisionadas dentro de suas paredes celulares, não podem se mover e se espalhar à medida que a planta cresce; porém, podem se dividir e inchar, esticar e se curvar. A morfogênese de uma planta em desenvolvimento, portanto, depende de divisões celulares organizadas seguidas de expansões celulares estritamente orientadas. A maioria das células produzidas no meristema apical da raiz, por exemplo, passa por três fases distintas de desenvolvimento – divisão, crescimento (alongamento) e diferenciação. Estas três etapas, que se sobrepõem tanto no espaço como no tempo, originam a arquitetura característica da extremidade de uma raiz. Embora o processo de diferenciação celular frequentemente comece enquanto uma célula ainda está se alongando, é fácil distinguir, por comparação, em uma extremidade de raiz, uma zona de divisão celular, uma zona de alongamento celular orientado (que responde pelo crescimento no comprimento da raiz) e uma zona de diferenciação celular (Figura 22-118). Na fase de expansão controlada, que geralmente sucede a divisão celular, as células-filha frequentemente podem aumentar 50 vezes ou mais em volume. Esta expansão é orientada por uma pressão osmótica de turgor que pressiona a parede celular da planta para fora, e sua direção é determinada pela orientação das fibrilas de celulose na parede celular, as quais forçam a expansão ao longo de um eixo (ver Figura 19-73). A orientação da celulose, por sua vez, é aparentemente controlada pela orientação dos arranjos de microtúbulos justapostos à membrana plasmática, os quais, acredita-se, guiam a deposição de celulose (discutido no Capítulo 19). Esta orientação pode ser rapidamente alterada por reguladores do crescimento vegetal, como o etileno e o ácido giberélico (Figura 22-119), mas os mecanismos moleculares subjacentes a esses rearranjos dramáticos no citoesqueleto ainda não são conhecidos.

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Biologia Molecular da Célula

Cilindro vascular contendo xilema e floema em desenvolvimento

ZONA DE DIFERENCIAÇÃO CELULAR

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Figura 22-118 A extremidade de uma raiz em crescimento. (A) A organização dos 2 mm finais da extremidade de uma raiz em crescimento. As zonas aproximadas nas quais as células se encontram em divisão, em alongamento e em diferenciação estão indicadas. (B) O meristema apical e a coifa da extremidade de uma raiz de milho, mostrando as fileiras organizadas de células produzidas. (B, de R. F. Evert, Biology of Plants, 4th ed. New York: Worth, 1986.)

Pelos da raiz Córtex Epiderme

ZONA DE ALONGAMENTO CELULAR

ZONA DE DIVISÃO CELULAR

Meristema apical Coifa da raiz

(A)

(B)

100 ␮m

Cada módulo vegetal cresce a partir de um conjunto microscópico de primórdios em um meristema Os meristemas apicais se autoperpetuam: em uma planta perene, eles continuam com suas funções indefinidamente, enquanto a planta sobreviver, e são responsáveis pelo seu crescimento e desenvolvimento contínuo. Contudo, os meristemas apicais também dão origem a um segundo tipo de crescimento, cujo desenvolvimento é estritamente limitado e culmina com a formação de uma estrutura como uma folha ou flor, com tamanho e forma determinados e um curto tempo de vida. Assim, à medida que um caule vegetativo (que não floresce) se alonga, seu meristema apical deixa para trás uma sequência organizada de nós, a partir da qual as folhas se formam, e entrenós (segmentos de caule). Desta maneira, a atividade contínua do meristema produz um número sempre crescente de módulos similares, cada um consistindo em um caule, uma folha e uma gema (ver Figura 22-111). Os módulos são conectados uns aos outros por tecidos de suporte e transporte, e os módulos sucessivos são precisamente posicionados em relação aos demais, dando origem a uma estrutura de padrões repetitivos. Este modo interativo de desenvolvimento é característico dos vegetais e é visto em muitas outras estruturas, além do sistema caule-folha (Figura 22-120). Embora o módulo final possa ser grande, sua organização é inicialmente mapeada em uma escala microscópica, como aquela de um embrião animal. No ápice do caule, dentro de um espaço de um milímetro ou menos, encontra-se uma pequena cúpula central cercada por uma série de protuberâncias distintas em vários estágios de alongamento (Figura 22-121). A protuberância central é o próprio meristema apical; cada uma das protuberâncias em volta é o primórdio de uma folha. Esta pequena região, portanto, contém os rudimentos já distin-

Figura 22-119 Os diferentes efeitos dos reguladores do crescimento vegetal etileno e ácido giberélico. Esses reguladores exercem efeitos rápidos e opostos na orientação do arranjo de microtúbulos corticais nas células dos caules jovens de ervilha. Uma célula típica de uma planta tratada com etileno (B) mostra uma orientação longitudinal dos microtúbulos, enquanto uma célula típica de uma planta tratada com ácido giberélico (C) mostra uma orientação transversal. Novas microfibrilas de celulose são depositadas em paralelo aos microtúbulos. Uma vez que isso influencia a direção da expansão celular, o ácido giberélico e o etileno promovem o crescimento em direções opostas: as plântulas tratadas com etileno irão desenvolver caules curtos e grossos (A), enquanto as plântulas tratadas com ácido giberélico desenvolverão caules longos e finos (D).

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(A)

(B)

(C)

(D)

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Figura 22-120 Padrões repetitivos nas plantas. A localização precisa dos sucessivos módulos a partir de um único meristema apical produz esses padrões elaborados, porém regulares, em folhas (A), flores (B) e frutos (C). (A, de John Sibthorp, Flora Graeca. London: R. Taylor, 1806-1840; B, de Pierre Joseph Redouté, Les Liliacées. Paris: chez l’Auteur, 1807; C, de Christopher Jacob Trew, Uitgezochte planten. Amsterdam: Jan Christiaan Sepp, 1771 – todas cortesias de John Innes Foundation.)

(A)

(B)

(C)

tos de vários módulos completos. Por meio de um programa bem-definido de proliferação e alongamento celular, cada primórdio foliar e suas células adjacentes irão crescer para formar uma folha, um nó e um entrenó. Enquanto isso, o próprio meristema apical dará origem a novos primórdios foliares, de modo a gerar mais e mais módulos, em uma sucessão potencialmente infinita. A organização serial dos módulos dos vegetais é, assim, controlada por eventos no ápice do caule.

O transporte polarizado de auxina controla o padrão de primórdios no meristema Quais são os sinais que operam na minúscula região apical e determinam o arranjo de primórdios, e como esses sinais são gerados no padrão adequado? Um indício provém de uma mutação em um gene denominado Pin1, cuja perda impede a formação de primórdios foFigura 22-121 O ápice de um broto de uma planta jovem de tabaco. (A) Uma micrografia eletrônica de varredura mostra o ápice do caule com dois primórdios foliares emergindo sequencialmente, vistos aqui como intumescimentos laterais em cada lado da cúpula do meristema apical. (B) Uma secção fina de um ápice similar mostra que o primórdio foliar mais jovem se origina de um pequeno grupo de células (cerca de 100) nas quatro ou cinco camadas externas de células. (C) Um desenho esquemático mostrando que o aparecimento sequencial de primórdios foliares ocorre em um pequeno espaço e muito cedo no desenvolvimento do caule. O crescimento do ápice formará, no devido tempo, entrenós que separarão as folhas, de maneira ordenada, ao longo do caule (ver Figura 22-111). (A e B, de R. S. Poethig e I. M. Sussex, Planta 165:158-169, 1985. Com permissão de Springer-Verlag.)

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(A)

(B)

100 ␮m

1 1

1 1

(C)

2

3

2

3

4 2

300 ␮m

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Biologia Molecular da Célula

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P1 P3

P4

I3 I2

I1 I4 P2 P5 (A)

100 ␮m

(B)

30 ␮m

(C)

liares, mas permite que o caule principal continue crescendo, produzindo uma longa e fina estrutura desfolhada, semelhante a um alfinete, com o meristema apical em sua cabeça. A proteína Pin1 é um transportador de auxina, direcionando o efluxo através da membrana plasmática para dentro do espaço extracelular. Isso sugere que o primórdio foliar esteja ausente no mutante, porque a distribuição de auxina está incorreta. Na verdade, a aplicação de uma microgotícula de auxina a uma lateral de um meristema apical mutante Pin1, ou de um tipo similar, ao lado da cabeça do “alfinete”, induzirá a formação de um primórdio foliar ou floral no local de aplicação da auxina (Figura 22-122A). Pode-se observar a distribuição da proteína transportadora Pin1 em tecido vivo pela criação de uma planta transgênica (mas sob outros aspectos normal) que expressa uma forma de Pin1 marcada com a proteína fluorescente verde (Figura 22-122B-D). Na camada mais externa de células do meristema, a quantidade de Pin1 varia de região para região em um padrão que se correlaciona com o padrão dos primórdios em desenvolvimento, porque o gene Pin1 está ativado pela auxina. Além disso, a proteína Pin1 está assimetricamente distribuída nas membranas das células individuais, de modo que elas produzem auxina em maior quantidade de um lado que do outro, criando concentrações locais máximas que especificam onde os primórdios começarão a se formar. As bombas parecem estar concentradas na lateral voltada a células vizinhas cuja própria concentração de auxina é máxima, sugerindo a existência de um mecanismo de retroalimentação positiva no acúmulo de auxina. Modelos computacionais mostram que este tipo de retroalimentação positiva pode amplificar a assimetria e gerar um padrão de altos e baixos na concentração de auxina, da mesma categoria que o observado. O transporte localizado de auxina na direção perpendicular, entre o folheto externo de células meristemáticas e os filamentos de tecido vascular se desenvolvendo abaixo, contribui para a assimetria. À medida que as células se proliferam e o tecido cresce, as distribuições da proteína Pin1 e de auxina se ajustam, produzindo novos picos e novos primórdios laterais, em sucessão regular. Variações desse tema repetitivo básico podem dar origem a arquiteturas mais complexas, incluindo estruturas como gavinhas, folhas, ramos e flores. Assim, ativando diferentes conjuntos de genes no ápice do caule, a planta pode produzir diferentes tipos de primórdios, em diferentes padrões espaciais.

A sinalização celular mantém o meristema Uma questão central a todos esses fenômenos é a de como o meristema apical se mantém. As células do meristema devem continuar a se proliferar durante semanas, anos e até mesmo séculos à medida que a planta cresce, substituindo a si próprias enquanto geram, continuamente, uma progênie de células que se diferenciam. Ao longo de todo o processo, o tamanho do grupo de células que constituem o meristema permanece praticamente constante (cerca de 100 células em Arabidopsis, p. ex.). Podem surgir novos meristemas quando a planta se ramifica, mas eles também preservam o mesmo tamanho. Triagens genéticas identificaram os genes necessários à manutenção de meristemas. Por exemplo, as mutações que interrompem o gene Wuschel, que codifica uma proteína homeodomínio, convertem o meristema apical em um tecido não-meristemático, de modo que a plântula não brota. Inversamente, mutações no grupo de genes Clavata, que codificam componentes de uma via de sinalização célula-célula (ver Figura 15-83), tornam o me-

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(D)

10 ␮m

Figura 22-122 Controle de padrões em um meristema por auxina e Pin1. (A) Uma microgotícula contendo auxina (ponto verde) foi aplicada a uma lateral de um meristema mutante, fenotipicamente similar a um mutante Pin1, porque ele não possui a proteína necessária para o controle do transporte de auxina. A auxina induziu a formação de um primórdio floral lateral. (B) Distribuição do transportador de auxina Pin1 em um meristema. (B) Um meristema apical de Arabidopsis visto de cima, por microscopia de fluorescência, revelando a distribuição da proteína Pin1 (marcada com GFP) na camada superficial celular. (C) A mesma imagem legendada, mostrando os locais dos primórdios estabelecidos (sendo P1 o mais recentemente formado e P4 o mais maduro) e os primórdios incipientes previstos (sendo I1 o próximo a se formar e I4 o que está mais distante no futuro). (D) Porção ampliada de (B), mostrando a distribuição assimétrica de Pin1 nas membranas das células individuais, conduzindo a auxina em direção ao local de um primórdio incipiente. As setas indicam a direção do transporte. À medida que os primórdios se estabelecem, a quantidade de Pin1 em sua camada superficial diminui, em parte porque mudanças adicionais na distribuição das proteínas de transporte fazem com que a auxina seja bombeada a jusante, para dentro do tecido vascular que se desenvolve abaixo. Padrões complexos de transporte de auxinas também controlam a estrutura detalhada de muitos outros tecidos vegetais em desenvolvimento. (A, de D. Reinhardt et al., Nature 426:255-260, 2003. Com permissão de Macmillan Publishers Ltd; B-D, de M. G. Heisler et al., Curr. Biol. 15:1899-1911, 2005. Com permissão de Elsevier.)

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Figura 22-123 Acredita-se que os circuitos de retroalimentação mantêm o meristema apical do caule. (A) Arranjo das camadas de células que constituem o meristema apical do caule. (B) Padrão de comunicação célula-célula que mantém o meristema. A superexpressão artificial de Wuschel na região L3 leva a um aumento do número de células nas camadas L1 e L2, que se comportam como células meristemáticas e expressam Clavata3; a superexpressão artificial de Clavata3 nas camadas L1 e L2 leva a uma redução da expressão de Wuschel na região L3 abaixo e a uma diminuição do número de células meristemáticas. Clavata3 codifica uma pequena proteína-sinal, enquanto Clavata1 codifica seu receptor, uma proteína-cinase transmembrana. Wuschel, que é expressa na parte central da região que expressa o receptor Clavata1, codifica uma proteína de regulação gênica da classe homeodomínio. Acredita-se que o tamanho do meristema seja controlado por um equilíbrio autorregulador entre um sinal estimulador de curto alcance produzido por células que expressam Wuschel (seta amarela) e um sinal inibidor de alcance mais longo liberado por Clavata3 (barras vermelhas).

Primórdio foliar Meristema apical do caule

Clavata3

Epiderme L1 L2 L3

Clavata1 (A)

Wuschel

(B)

ristema anormalmente grande. Esses genes são expressos em diferentes camadas de células na região do meristema (Figura 22-123A). As duas camadas mais superficiais de células, chamadas de camadas L1 e L2, juntamente com a parte mais superior da camada L3, contêm as células do próprio meristema, isto é, as células-tronco, capazes de se dividir indefinidamente para dar origem a futuras partes da planta. As células meristemáticas das camadas L1 e L2 expressam Clavata3, uma pequena proteína sinalizadora secretada. Logo abaixo, na camada L3, encontra-se um grupo de células que expressam Clavata1 (o receptor de Clavata3). No centro desta porção de Clavata1 estão células que expressam a proteína de regulação gênica Wuschel. O padrão de divisões celulares implica que as células que expressam Wuschel não são parte do meristema propriamente dito; novas células que expressam Wuschel são, aparentemente, continuamente recrutadas a partir da parte meristemática (relativa a células-tronco) da população L3, logo acima do domínio Wuschel. No entanto, as células que expressam Wuschel estão no centro do mecanismo que mantém o meristema. Um sinal que elas produzem mantém o comportamento meristemático nas células acima, estimula a expressão dos genes Clavata e, presumivelmente, faz com que novas células recrutadas para o domínio Wuschel ativem Wuschel. A retroalimentação negativa das células meristemáticas superiores, distribuída pela via de sinalização Clavata, influencia as regiões abaixo para limitar o tamanho do domínio Wuschel, impedindo, com isso, que o meristema se torne muito grande (Figura 22-123B). Essa descrição do meristema vegetal, embora incerta em alguns detalhes e certamente bastante simplificada, proporciona um dos exemplos mais claros de uma importante estratégia geral de desenvolvimento: ela mostra como um circuito de retroalimentação envolvendo um sinal de ativação de curto alcance (como aquele produzido pelas células que expressam Wuschel) e um sinal de inibição de longo alcance (como Clavata3) podem manter, de forma estável, um centro de sinalização de um tamanho bem-definido mesmo quando existe proliferação e circulação contínua das células que formam aquele centro. Como chamamos a atenção no início deste capítulo, acredita-se que sistemas análogos de sinais operem no desenvolvimento animal para manter centros de sinalização localizados – como o Organizador da gástrula de anfíbios ou a zona de atividade polarizadora em um broto de membro. E, assim como essa estratégia serve para manter os meristemas de uma planta madura, ela também pode servir nos tecidos de um animal adulto, como, por exemplo, o revestimento do intestino (discutido no Capítulo 23), para manter os importantíssimos grupos de células-tronco adultas.

Mutações reguladoras podem transformar a topologia vegetal pela alteração do comportamento celular no meristema Para que o caule de uma planta possa se ramificar, novos meristemas apicais do caule devem ser criados, e isso também depende de eventos próximos ao ápice do caule. A cada nó em desenvolvimento, no ângulo agudo (axila) entre o primórdio foliar e o caule, é formada uma gema (Figura 22-124). Esta gema contém um ninho de células, derivadas do meristema apical, que mantém um caráter meristemático. Elas têm a capacidade de se tornar o meristema apical de um novo ramo ou o primórdio de uma estrutura como a flor; porém, também têm a opção alternativa de permanecer quiescentes como gemas axilares. O padrão de ramificação dos vegetais é regulado por esta escolha de destinação, e mutações que o afetam podem transformar a estrutura da planta. O milho constitui um belo exemplo. O milho representa um dos feitos mais extraordinários de engenharia genética produzidos pela humanidade. Os indígenas americanos o criaram por meio de cruzamento seletivo, durante um período de vários séculos, ou talvez milênios, entre 5.000 e 10.000 anos atrás.

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Eles partiram de uma gramínea selvagem conhecida como teosinte, com caules folhosos muito ramificados e minúsculas espigas carregando sementes duras e incomestíveis. A análise genética detalhada identificou alguns loci genéticos – cerca de cinco – como os sítios das mutações responsáveis pela maior parte das diferenças entre este ancestral não-promissor e o milho moderno. Um desses loci, com um efeito particularmente dramático, corresponde a um gene denominado Teosinte branched-1 (Tb1). No milho com mutações de perda de função em Tb1, o caule simples não-ramificado comum, com algumas folhas grandes em intervalos ao longo do caule, é transformado em uma massa de folhas densa e ramificada remanescente do teosinte (Figura 22-125A). O padrão de ramificação no mutante implica que as gemas auxiliares, que se originam em posições normais, escaparam de um mecanismo de inibição que as impede, no milho normal, de se desenvolverem em ramos. No milho normal, o caule único é coroado com um pendão (ou coruto) – uma flor masculina – enquanto algumas das gemas axilares ao longo do caule se desenvolvem em flores femininas e, após a fertilização, formam as espigas de milho que comemos. No milho mutante, defectivo no gene Tb1, essas gemas axilares frutíferas são transformadas em ramificações carregando pendões. A planta de teosinte selvagem é como o milho defectivo em Tb1 quanto a sua aparência folhosa e altamente ramificada, mas diferentemente desse mutante ela produz espigas em muitos de seus ramos laterais, como se o gene Tb1 estivesse ativo. A análise de DNA revela a explicação. Tanto o teosinte como o milho normal possuem o gene Tb1 funcional, com uma sequência codificante quase idêntica, mas no milho a região reguladora sofreu uma mutação que elevou o nível da expressão gênica. Assim, no milho normal o gene é expresso em um nível alto em cada gema axilar, inibindo a formação de ramificações, enquanto no teosinte a expressão em muitas gemas axilares é baixa, de modo que ocorre a formação de ramos (Figura 22-125B).

(A) Pendões

Espigas

Teosinte (B)

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Milho normal

Milho mutante defectivo em Tb1

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Meristema apical do caule

Axila

Primórdios da gema

Base da folha

Figura 22-124 Gemas axilares na vizinhança do ápice de um caule. A fotografia mostra uma secção longitudinal de Coleus blumei, uma folhagem comum. (De P. H. Raven, R. F. Evert e S. E. Eichhorn, Biology of Plants, 6th ed. New York: Freeman/Worth, 1999, utilizada com permissão.)

Figura 22-125 Transformação da arquitetura vegetal por mutação: uma comparação entre o teosinte, o milho normal e o milho defectivo em Tb1. (A) Fotografias de três tipos de plantas. (B) Comparação esquemática entre a arquitetura do teosinte, do milho normal e do milho defectivo em Tb1. O produto do gene Tb1 é necessário ao desenvolvimento de espigas. Ele está ausente no mutante Tb1 e está presente tanto no teosinte como no milho normal, mas essas duas plantas diferem, porque o gene é diferentemente regulado. (A, imagem da esquerda, de J. Doebley e R. L. Wang, Cold Spring Harbor Symp. Quant Biol. 62:361-367, 1997. Com permissão de Cold Spring Harbor Laboratory Press, A, imagem do meio e da direita, de J. Doebley, A. Stec e L. Hubbard, Nature 386:485-488, 1997. Com permissão de Macmillan Publishers Ltd.)

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Esse exemplo mostra como mutações simples, ativando o comportamento de células meristemáticas, podem transformar a estrutura vegetal – um princípio de enorme importância no cruzamento de plantas para a alimentação. De forma mais ampla, o caso de Tb1 ilustra como novos planos corporais, sejam vegetais ou animais, podem evoluir por meio de mudanças no DNA regulador sem alterações nas características das proteínas sintetizadas.

A ativação para a floração depende de sinais ambientais passados e presentes Os meristemas enfrentam outras escolhas de desenvolvimento além daquela existente entre quiescência e crescimento, como já vimos em nossa discussão sobre o milho, e essas também frequentemente são reguladas pelo ambiente. A mais importante é a decisão de formar uma flor (Figura 22-126). A mudança do crescimento meristemático para a formação de flores é desencadeada por uma combinação de sinais. A planta não leva apenas em conta a temperatura, a intensidade luminosa e as condições nutricionais atuais; ela também baseia sua decisão de florescer em condições passadas. Um sinal importante, para muitas plantas, é a duração do dia. Para detectá-lo, a planta utiliza seu relógio circadiano – um ritmo endógeno de 24 horas da expressão gênica – para gerar um sinal positivo para o florescimento somente quando há luz na parte apropriada do dia. O próprio relógio é influenciado pela luz e, na realidade, a planta utiliza o relógio para comparar as condições luminosas passadas e presentes. Partes importantes da maquinaria genética subjacente a esses fenômenos foram identificadas, dos fitocromos e criptocromos que agem como receptores luminosos (discutido no Capítulo 15) ao gene Constans, cuja expressão nas folhas da planta representa um sinal para a floração. Acredita-se que o sinal seja retransmitido das folhas ao meristema, via vasculatura, pelo produto de outro gene, Flowering locus T (Ft), que é regulado por Constans. Contudo, este mesmo sinal alcançará o meristema e desencadear a floração somente se a planta estiver em uma condição receptiva, que tipicamente depende de sua história ao longo de um período mais longo. Muitas plantas florescerão somente se tiverem previamente passado por um longo período no frio: elas devem atravessar o inverno antes de se comportarem como se fosse primavera – um processo denominado vernalização. O frio prolongado ocasiona mudanças na estrutura da cromatina, dependentes de outro grande conjunto de genes, incluindo homólogos de membros do grupo Polycomb que mencionamos anteriormente devido a seu papel na perpetuação de padrões de expressão gênica em Drosophila. Essas mudanças epigenéticas (discutido nos Capítulos 4 e 7) resultam no silenciamento gradual do gene Flowering locus C (Flc). O efeito é duradouro, persistindo por muitos ciclos de divisão celular, mesmo quando o clima fica mais quente. O gene Flc codifica um inibidor da floração, antagonizando a expressão e a ação do gene Ft. Assim, a vernalização, ao bloquear a produção do inibidor, permite que o meristema receba o sinal Ft e responda a ele por mudanças na expressão de um conjunto de genes de identidade de meristema floral no meristema apical. Mutações que afetam a regulação da expressão de Flc alteram o momento de floração e, assim, a capacidade de uma planta de florescer em um dado clima. Assim, o sistema de con-

Pétala

Figura 22-126 A estrutura de uma flor de Arabidopsis. (A) Fotografia. (B) Vista esquemática de uma secção longitudinal. O plano básico, como mostrado em (B), é comum à maioria das angiospermas dicotiledôneas. (A, cortesia de Leslie Sieburth.)

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Estame

Carpelo

Sépala (A)

(B)

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Figura 22-127 Flores de Arabidopsis mostrando uma seleção de mutações homeóticas. (A) Em Apetala2, as sépalas estão convertidas em carpelos e as pétalas em estames. (B) Em Apetala3, as pétalas estão convertidas em sépalas e os estames em carpelos. (C) Em Agamous, os estames estão convertidos em pétalas e os carpelos em meristema floral. (D) Em um mutante triplo, onde estas três funções são defectivas, todos os órgãos da flor estão convertidos em folhas. (A-C, cortesia de Leslie Sieburth; D, cortesia de Mark Running.)

(A)

(C)

(B)

(D)

trole global que governa a ativação para a floração é de vital importância para a agricultura, especialmente em uma época de rápidas mudanças climáticas.

Os genes seletores homeóticos especificam as partes de uma flor Ao ativar os genes de identidade de meristema floral, o meristema apical abandona suas chances de continuar o crescimento vegetativo e arrisca seu futuro na produção de gametas. Suas células se envolvem em um programa rigorosamente finito de crescimento e diferenciação: por uma modificação dos mecanismos comuns para a geração de folhas, uma série de verticilos de órgãos acessórios especializados é formada de maneira precisa – tipicamente as sépalas primeiro, em seguida as pétalas, depois os estames carregando as anteras que contêm o pólen e, por último, os carpelos que contêm os óvulos (ver Painel 22-1). No final desse processo, o meristema desapareceu, mas junto com sua progênie ele criou as células germinativas. A série de folhas modificadas que formam uma flor pode ser comparada à série de segmentos do corpo que formam uma mosca. Nos vegetais, assim como nas moscas, podem-se encontrar mutações homeóticas que convertem uma parte do padrão em características do outro. Os fenótipos mutantes podem ser agrupados em no mínimo quatro classes, nas quais grupos diferentes, mas sobrepostos, de órgãos estão alterados (Figura 22-127). A primeira, ou classe “A”, exemplificada pelo mutante Apetala2 de Arabidopsis, tem seus dois verticilos mais externos transformados: as sépalas estão convertidas em carpelos e as pétalas em estames. A segunda, ou classe “B”, exemplificada por Apetala3, tem seus dois verticilos do meio transformados: as pétalas estão convertidas em sépalas e os estames em carpelos. A terceira, ou classe “C”, exemplificada por Agamous, tem seus dois verticilos mais internos transformados, com uma consequência mais drástica: os estames estão convertidos em pétalas, os carpelos estão ausentes e, em seu lugar, as células centrais da flor se comportam como um meristema floral, que começa todo o processo de desenvolvimento novamente, gerando outro conjunto anormal de sépalas e pétalas aninhado dentro do primeiro e, potencialmente,

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Carpelo

Estame

Pétala (A) FLOR NORMAL Verticilo 1 (sépala) Verticilo 2 (pétala) Verticilo 3 (estame) Verticilo 4 (carpelo)

Sépala

Expressão do gene A (Apetala2)

Expressão do gene B (Apetala3)

Expressão do gene C (Agamous)

Meristema floral

Flor normal

Carpelo Carpelo Sépala

(B) FLOR MUTANTE SEM EXPRESSÃO DO GENE B (Apetala3)

Sépala

Verticilos 1 e 2 Verticilos 3 e 4

Expressão do gene A (Apetala2)

SEM EXPRESSÃO DO GENE B

Expressão do gene C (Agamous)

Meristema floral

Flor mutante

Figura 22-128 Expressão de genes seletores homeóticos em uma flor de Arabidopsis. (A) Diagrama dos padrões normais de expressão dos três genes cujos fenótipos mutantes estão ilustrados na Figura 22-127A-C. Os três genes codificam proteínas de regulação gênica. Os sombreamentos coloridos na flor indicam que órgão se desenvolve a partir de cada verticilo do meristema, não implicando, porém, que os genes seletores homeóticos ainda estejam sendo expressos neste estágio. (B) Os padrões em um mutante onde o gene Apetala3 é defectivo. Como a natureza dos órgãos em cada verticilo é definida pelo conjunto de genes seletores homeóticos que eles expressam, os estames e as pétalas estão convertidos em sépalas e carpelos. A consequência de uma deficiência de um gene da classe A, como Apetala2, é um pouco mais complexa: a ausência deste produto do gene da classe A permite que o gene da classe C seja expresso nos dois verticilos externos, assim como nos dois internos, fazendo com que estes verticilos externos se desenvolvam como carpelos e estames, respectivamente. A deficiência de um gene da classe C impede que a região central sofra diferenciação terminal como carpelo e determina que esta porção continue o crescimento como meristema, gerando mais e mais sépalas e pétalas.

outro aninhado dentro deste, e assim por diante, indefinidamente. Uma quarta classe, os mutantes Sepallata, têm seus três verticilos internos transformados em sépalas. Esses fenótipos identificam quatro classes de genes seletores homeóticos, que, como os genes seletores homeóticos de Drosophila, codificam, todos, proteínas de regulação gênica. Eles são expressos em diferentes domínios e definem as diferenças do estado celular que atribuem às diferentes partes de uma flor normal suas diferentes características, como mostrado na Figura 22-128. Os produtos dos genes colaboram para formar complexos proteicos que direcionam a expressão dos genes apropriados a jusante. Em um mutante triplo, onde as funções genéticas A, B e C estão ausentes, obtém-se no lugar da flor uma sucessão indefinida de folhas intimamente aninhadas (ver Figura 22-127D). Inversamente, em uma planta transgênica, em que os genes das classes A, B e Sepallata são expressos em conjunto, fora de seus domínios normais, as folhas são transformadas em pétalas. Portanto, as folhas representam um “estado basal” no qual nenhum desses genes seletores homeóticos é expresso, enquanto os outros tipos de órgãos resultam da expressão de genes em diferentes combinações. Estudos similares têm sido realizados em outras espécies de plantas, e grupos similares de fenótipos e genes foram identificados: as plantas, assim como os animais, conservaram seus sistemas de genes seletores homeóticos. A duplicação gênica desempenhou um grande papel na evolução desses genes: vários deles, necessários em diferentes órgãos da flor, têm sequências claramente homólogas. Eles não são da classe homeobox, mas são membros de uma outra família de proteínas de regulação gênica (a assim chamada família MADS), também encontrada nas leveduras e nos vertebrados. Claramente, as plantas e os animais encontraram, independentemente, soluções bastante similares para muitos dos problemas fundamentais do desenvolvimento multicelular.

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Biologia Molecular da Célula

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Resumo O desenvolvimento de uma angiosperma, como o de um animal, começa com a divisão de um óvulo fertilizado para formar um embrião com uma organização polarizada: a parte apical do embrião formará a gema, a parte basal, a raiz, e a parte intermediária, o caule. Inicialmente, a divisão celular ocorre ao longo de todo o corpo do embrião. Entretanto, à medida que o embrião cresce, a adição de novas células se torna restrita a pequenas regiões conhecidas como meristemas. Os meristemas apicais, nas pontas das gemas e nas pontas das raízes, persistirão por toda a vida da planta, permitindo que ela cresça pela adição sequencial de novas partes corporais em sua periferia. Tipicamente, a gema gera uma série repetitiva de módulos, cada qual consistindo em um segmento de caule, uma folha e uma gema axilar. O transporte polarizado de auxina controla o posicionamento dos primórdios dessas estruturas, à medida que elas surgem nas cercanias do meristema. Uma gema axilar é potencialmente um novo meristema, capaz de dar origem a um ramo lateral; o ambiente e os sinais hormonais de longo alcance dentro da planta podem controlar seu desenvolvimento pela regulação da ativação de gemas. Mutações que alteram as regras para a ativação de gemas axilares podem ter um efeito drástico sobre a forma e a estrutura da planta; uma única dessas mutações – uma de cerca de cinco alterações genéticas-chave – é responsável por uma grande parte da diferença dramática entre o milho moderno e seu ancestral selvagem, o teosinte. A pequena erva daninha Arabidopsis thaliana é amplamente utilizada como organismo-modelo para estudos genéticos, sendo a primeira planta a ter tido seu genoma completamente sequenciado. Como nos animais, os genes que governam o desenvolvimento vegetal podem ser identificados por meio de triagens genéticas, e suas funções podem ser testadas por manipulações genéticas. Tais estudos começaram a revelar os mecanismos moleculares pelos quais a organização interna de cada módulo da planta é projetada em uma escala microscópica por interações célula-célula nas proximidades do meristema apical. O próprio meristema parece ser mantido por um circuito de retroalimentação local, no qual células que expressam a proteína de regulação gênica Wuschel produzem um estímulo positivo, e por uma retroalimentação negativa, dependente da via de sinalização célula-célula Clavata, que impede que o meristema se torne muito grande. Sinais ambientais – especialmente a luz apropriadamente ajustada – podem induzir a expressão de genes que alteram o meristema apical que formaria uma folha para um que formará uma flor. As partes de uma flor – suas sépalas, pétalas, estames e carpelos – são formadas por uma modificação do mecanismo de desenvolvimento das folhas, e as diferenças entre essas partes são controladas por genes seletores homeóticos que são intimamente análogos (mas não homólogos) àqueles dos animais.

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Tecidos Especializados, Células-tronco e Renovação de Tecidos As células originalmente evoluíram como indivíduos de vida livre, mas as células que têm importância principal para nós, como seres humanos, são membros especializados de uma comunidade multicelular. Elas perderam características necessárias à sobrevivência independente e adquiriram peculiaridades que servem às necessidades do organismo como um todo. Embora partilhem o mesmo genoma, elas são formidavelmente diferentes: há mais de 200 tipos celulares diferentes reconhecidos no corpo humano. Elas colaboram umas com as outras para formar muitos tecidos diferentes, arranjados em órgãos executando funções extremamente variadas. Para entendê-las, não basta analisá-las em uma placa de cultivo: também precisamos conhecer como elas vivem, funcionam e morrem em seu habitat natural, o corpo intacto. Nos Capítulos 7 e 21, vimos como os vários tipos de células tornam-se diferentes no embrião e como a memória celular e os sinais celulares de suas vizinhas lhes permitem permanecer diferenciadas daí em diante. No Capítulo 19, discutimos a tecnologia de construção de tecidos multicelulares – os dispositivos que mantêm as células unidas e os materiais extracelulares que dão suporte a elas. Neste capítulo, consideramos as funções e o ciclo de vida de células especializadas no organismo adulto de um vertebrado. Descrevemos como as células trabalham juntas para realizar suas funções, como novas células especializadas são originadas, como vivem e morrem e como a arquitetura dos tecidos é preservada, apesar da constante substituição de células velhas por novas. Examinamos em particular o papel desempenhado em muitos tecidos pelas células-tronco – células que são especializadas para fornecer um suprimento indefinido de células diferenciadas frescas quando estas são perdidas, descartadas ou necessárias em grande número. Discutiremos esses tópicos por meio de uma série de exemplos – alguns escolhidos porque ilustram princípios gerais importantes, outros porque salientam objetos de estudo preferidos e outros ainda porque colocam problemas intrigantes que a biologia celular ainda tem que solucionar. Por fim, confrontaremos a questão prática que sustenta a turbulência atual de interesses em células-tronco: como podemos utilizar nosso conhecimento dos processos de diferenciação celular e renovação de tecidos para que funcionem acima do normal e melhorar aquelas lesões e falhas do organismo humano que até agora parecem sem recuperação?

23 Neste capítulo A EPIDERME E SUA RENOVAÇÃO POR MEIO DE CÉLULASTRONCO

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EPITÉLIO SENSORIAL

1429

AS VIAS AÉREAS E O INTESTINO

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VASOS SANGUÍNEOS, LINFÁTICOS E CÉLULAS ENDOTELIAIS

1450

RENOVAÇÃO POR 1450 CÉLULASTRONCO MULTIPOTENTES: FORMAÇÃO DE CÉLULAS DO SANGUE ORIGEM, MODULAÇÃO 1463 E REGENERAÇÃO DO MÚSCULO ESQUELÉTICO FIBROBLASTOS E SUAS TRANSFORMAÇÕES: A FAMÍLIA DE CÉLULAS DO TECIDO CONECTIVO

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MODIFICAÇÃO DAS CÉLULASTRONCO

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A EPIDERME E SUA RENOVAÇÃO POR MEIO DE CÉLULASTRONCO Começaremos com um tecido muito familiar: a pele. Como quase todos os tecidos, a pele é um complexo de vários tipos celulares diferentes. Para desempenhar sua função básica como uma barreira, a camada que cobre a parte mais externa da pele depende de uma variedade de células e estruturas de sustentação, muitas das quais também são necessárias na maior parte dos outros tecidos. Ela necessita de suporte mecânico, em grande parte proporcionado pela estrutura de matriz extracelular, secretada principalmente por fibroblastos. Necessita de um suprimento de sangue para trazer nutrientes e oxigênio e remover produtos de excreção e dióxido de carbono, e isso requer uma rede de vasos sanguíneos revestidos com células endoteliais. Estes vasos também fornecem vias de acesso para as células do sistema imune se defenderem contra infecções: os macrófagos e as células dendríticas fagocitam os patógenos invasores e ajudam a ativar os linfócitos, e os próprios linfócitos servem como intermediários para respostas mais sofisticadas do sistema imune adaptativo (discutido no Capítulo 24). As fibras nervosas também são necessárias para transmitir a informação sen-

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(A)

(B) EPIDERME Tecido conectivo frouxo da DERME Nervos sensoriais Tecido conectivo denso da DERME

Vaso sanguíneo

Epiderme

Tecido conectivo adiposo da HIPODERME Tecido conectivo frouxo da derme

Epiderme

Tecido conectivo denso da derme Derme

100 ␮m

Queratinócitos Célula pigmentar (melanócito) Célula dendrítica (célula de Langerhans)

Macrófago

Pelo

Epiderme Camada basal

Haste do pelo

Glândula sebácea Células-tronco na região bulbar tecido conectivo

Papila dérmica (tecido conectivo)

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Fibra de Mastócolágeno cito Fibroblasto

Fibroblasto Linfócito

Célula endotelial formando capilar

Fibra de colágeno

Fibra elástica

Figura 23-1 Pele de mamífero. (A) Estes esquemas mostram a arquitetura celular da pele grossa. (B) Fotomicrografia de um corte transversal da sola de um pé humano, corado com hematoxilina e eosina. A pele pode ser vista como um grande órgão composto de dois tecidos principais: a epiderme e o tecido conectivo subjacente, que consiste na derme e na hipoderme. Cada tecido é composto de vários tipos celulares diferentes. A derme e a hipoderme são ricamente supridas com vasos sanguíneos e nervos. Algumas fibras nervosas se estendem para a epiderme.

sorial desde o tecido até o sistema nervoso central e para liberar sinais na direção oposta para a secreção glandular e a contração do músculo liso. A Figura 23-1 ilustra a arquitetura da pele e mostra como ela satisfaz todas estas necessidades. Um epitélio, a epiderme, forma a cobertura mais externa, criando uma barreira impermeável que é autorreparada e renovada continuamente. Abaixo desta, encontra-se uma camada relativamente grossa de tecido conectivo, a qual inclui a derme resistente e rica em colágeno (da qual é feito o couro) e a camada adiposa subjacente do tecido conectivo subcutâneo, ou hipoderme. Na pele, como em qualquer outro órgão, o tecido conectivo, com os vasos e os nervos que passam através dele, supre a maioria das funções gerais de sustentação listadas anteriormente. Entretanto, a epiderme é o componente fundamental, essencial da pele – o tecido que é característico para este órgão, mesmo ainda que não seja a maior parte de seu volume. Anexos como pelos, unhas, glândulas sebáceas e sudoríparas desenvolvem-se como especializações da epiderme (Figura 23-2). Mecanismos complexos regulam a distribuição destas estruturas e seus padrões distintos de crescimento e renovação. As regiões de epitélio menos especializado, mais ou menos liso, que cobre a superfície do corpo entre os folículos pilosos e outros anexos, são chamadas de epiderme interfolicular. Esta tem uma organização simples e proporciona uma boa introdução para a maneira pela qual os tecidos de um organismo adulto são renovados continuamente. Figura 23-2 Um folículo piloso e sua glândula sebácea associada. Estas estruturas formam-se como especializações da epiderme. O pelo cresce para cima a partir da papila na sua base. A glândula sebácea contém células carregadas de lipídeo, que é secretado para manter o pelo adequadamente lubrificado. A estrutura inteira sofre ciclos de crescimento, regressão (quando o pelo cai) e restabelecimento. Como o restante da epiderme, ele depende de células-tronco para seu crescimento e restabelecimento em cada ciclo. Um grupo importante de células-tronco (vermelho), capaz de dar origem tanto ao folículo piloso quanto à epiderme interfolicular, ocorre em uma região chamada de dilatação bulbosa (ou bulbar), logo abaixo da glândula sebácea.

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Biologia Molecular da Célula

Célula escamosa prestes a descamar da superfície Célula pavimentosa queratinizada EPIDERME

Camada de células granulosas Camada de células espinhosas Camada de células basais

DERME

Lâmina basal Tecido conectivo da derme 30 ␮m

Célula basal passando para Célula basal em divisão a camada de células espinhosas

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Figura 23-3 A estrutura estratificada da epiderme vista em um camundongo. Os contornos das células escamosas queratinizadas são revelados embebendo-as em uma solução contendo hidróxido de sódio. O arranjo hexagonal altamente ordenado de colunas de células se entrelaçando mostrado aqui ocorre somente em alguns locais nos quais a epiderme é fina. Na pele humana, as fileiras de células escamosas normalmente são muitas vezes mais altas e menos regulares, e onde a pele é muito grossa as células em mitose são vistas não somente na camada basal, mas também nas primeiras poucas camadas de células acima dele. Além das células destinadas à queratinização, as camadas profundas da epiderme incluem um pequeno número de tipos de células diferentes, como indicado na Figura 23-1, incluindo células dendríticas chamadas de células de Langerhans, derivadas da medula óssea; melanócitos (células pigmentares) derivados da crista neural; e células de Merkel, que estão associadas a terminações nervosas na epiderme.

As células da epiderme formam uma barreira impermeável estratificada A epiderme interfolicular é um epitélio de múltiplas camadas (estratificado) composto em grande parte de queratinócitos (assim chamados porque sua atividade diferenciada característica é a síntese de proteínas de filamentos intermediários chamadas de queratinas, que dão à epiderme a sua resistência) (Figura 23-3). Estas células modificam seu aspecto de uma camada para a outra. Aquelas na camada mais interna, presas à uma lâmina basal subjacente, são denominadas células basais e, normalmente, são somente elas que se dividem. Acima das células da camada basal, estão várias camadas de células espinhosas grandes (Figura 23-4), cujos numerosos desmossomos – cada um deles sendo um local de ancoragem para grossos feixes de filamentos de queratina – são visíveis ao microscópio de luz exatamente como minúsculos espinhos ao redor da superfície da célula (por isso o nome célula espinhosa). Acima das células espinhosas encontra-se o estrato granuloso, fino e com células de coloração escura intensa (ver Figura 23-3). É neste nível que as células estão unidas firmemente para formar uma barreira impermeável. Os camundongos que deixam de formar esta barreira em virtude de um defeito genético morrem por perda rápida de fluido logo após o nascimento, mesmo apesar de sua pele parecer normal em outros aspectos. O estrato granuloso, com sua barreira ao movimento de água e de solutos, marca o limite entre a camada mais interna, metabolicamente ativa, e a camada mais externa da epiderme, que consiste em células mortas cujas organelas intracelulares desapareceram. Essas células mais externas estão reduzidas a escamas achatadas, ou células escamosas, densamente envoltas por queratina. As membranas plasmáticas tanto das células escamosas como das células mais externas do estrato granuloso estão reforçadas na sua superfície citoplasmática por uma camada fina (12 nm) e resistente de proteínas ligadas por intercruzamento, que incluem uma proteína citoplasmática chamada de involucrina. As próprias células escamosas normalmente estão tão comprimidas e finas que é difícil distinguir seus limites ao microscópio de luz, mas, se mergulhadas em solução de hidróxido de sódio (ou um banho morno de imersão), aumentam um pouco de volume e, assim, seus contornos podem ser vistos (ver Figura 23-3). Figura 23-4 Uma célula espinhosa. Este desenho, feito a partir de uma eletromicrografia de um corte da epiderme, mostra os feixes de filamentos de queratina que atravessam o citoplasma e estão inseridos nas junções do tipo desmossomo que unem a célula espinhosa (vermelho) às suas vizinhas. Os nutrientes e a água difundem-se livremente através dos espaços intercelulares nas camadas metabolicamente ativas da epiderme ocupadas pelas células espinhosas. Mais para fora, ao nível das células do estrato granuloso, há uma barreira impermeável que se considera ser criada por um material selante secretado pelas células do estrato granuloso. (De R. V. Krstić, Ultrastructure of the Mammalian Cell: an Atlas. Berlin: Springer-Verlag, 1979.)

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Filamentos de queratina

Desmossomos conectando duas células

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As células epidérmicas em diferenciação expressam uma sequência de genes diferentes à medida que amadurecem Tendo descrito a imagem estática, vamos agora colocá-la em movimento e ver como a epiderme é continuamente renovada. Enquanto algumas células basais estão se dividindo, somando-se à população na camada basal, outras (suas irmãs ou primas) estão movendo-se para fora do estrato basal em direção ao estrato espinhoso, realizando a primeira etapa de sua jornada para o exterior. Quando atingem o estrato granuloso, as células começam a perder seu núcleo e suas organelas citoplasmáticas, por meio de um mecanismo de degradação que envolve ativação parcial da maquinaria de apoptose; desse modo, as células são transformadas em células escamosas queratinizadas no estrato córneo. Por fim, elas descamam da superfície da pele (e tornam-se um dos principais constituintes da poeira doméstica). O tempo decorrido desde a produção de uma célula no estrato basal da pele humana até o momento de sua perda por descamação na superfície é de cerca de um mês, dependendo da região do corpo. Como o novo queratinócito no estrato basal é transformado na célula escamosa nas camadas mais externas (ver Figura 23-4), ele passa através de uma sucessão de estados diferentes de expressão gênica, sintetizando uma sucessão de membros diferentes das proteínas da família queratina. Entretanto, outras proteínas características, como a involucrina, também começam a ser sintetizadas como parte de um programa coordenado de diferenciação celular definitiva – o processo no qual uma célula precursora adquire suas características especializadas finais e, em geral, para permanentemente de se dividir. O programa inteiro é iniciado na camada basal. É aqui que os destinos das células são decididos.

Células-tronco na camada basal asseguram a renovação da epiderme Os humanos renovam as camadas mais externas da sua epiderme milhares de vezes durante toda a vida. Na camada basal deve haver células que podem permanecer indiferenciadas e continuar dividindo-se durante toda vida, lançando continuamente descendentes que se comprometem com a diferenciação, deixam a camada basal e, por fim, são descamadas. O processo só pode ser mantido se a população de células basais está se autorrenovando. Portanto, ele deve conter algumas células que produzam uma progênie mista, incluindo células-filhas que permanecem indiferenciadas como suas mães, e células-filhas que se diferenciam. As células com esta propriedade são chamadas de células-tronco. Elas têm um papel tão importante em uma grande variedade de tecidos que é útil fazer uma definição formal. As propriedades que definem uma célula-tronco são as seguintes: 1. Ela própria não está diferenciada definitivamente (isto é, ela não está no final de uma via de diferenciação). 2. Ela pode se dividir sem limite (ou ao menos durante o tempo de vida de um animal). 3. Quando se divide, cada célula-filha tem uma alternativa: pode permanecer como uma célula-tronco, ou pode começar um caminho que a compromete com a diferenciação definitiva (Figura 23-5).

AUTORRENOVAÇÃO

Célula-tronco

Célula diferenciada definitivamente

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Células-tronco são necessárias onde quer que haja uma necessidade frequente de repor células diferenciadas que não possam se dividir por si próprias. Parte da definição diz que a própria célula-tronco deve ser capaz de se dividir. Porém deve-se observar que não necessariamente ela deva ser capaz de se dividir rapidamente; de fato, as células-tronco se dividem normalmente em uma taxa relativamente lenta. A necessidade por células-tronco surge em muitos tecidos diferentes. Dessa maneira, as células-tronco são de muitos tipos, especializadas para gerar diferentes classes de células diferenciadas definitivamente – células-tronco epidérmicas para a epiderme, células-tronco intestinais para o epitélio do intestino, células-tronco hemopoiéticas para o sangue, e assim por diante. Contudo, cada sistema de célula-tronco levanta questões fundamentais semelhantes. Quais são as características que distinguem a célula-tronco em níveis moleculares? Figura 23-5 A definição de uma célula-tronco. Cada célula-filha produzida quando uma célula-tronco se divide pode permanecer como uma célulatronco, ou pode vir a tornar-se diferenciada definitivamente. Em muitos casos, a célula-filha que opta pela diferenciação definitiva é submetida a divisões celulares adicionais antes de a diferenciação definitiva estar completada.

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Biologia Molecular da Célula

Assimetria do ambiente

Célula diferenciada definitivamente

Assimetria da divisão

Célula diferenciada definitivamente

Que fatores determinam se ela se divide ou permanece latente? O que define se uma determinada célula-filha se compromete com a diferenciação ou permanece como uma célula-tronco? E quando a célula-tronco pode dar origem a mais de um tipo de célula diferenciada – como muitas vezes é o caso – o que determina qual a via de diferenciação que é seguida?

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Figura 23-6 Duas maneiras para uma célula-tronco produzir células-filhas com destinos diferentes. Na estratégia com base em assimetria do ambiente, as células-filhas da célula-tronco são inicialmente semelhantes e são direcionadas em vias diferentes, de acordo com as influências do ambiente que atuam sobre elas, após terem sido geradas. O ambiente é mostrado como sombreamento colorido em torno da célula. Com esta estratégia, o número de células-tronco pode ser aumentado ou reduzido para ajustar-se ao nicho disponível para elas. Na estratégia com base na assimetria da divisão, a célula-tronco tem uma assimetria interna e se divide de tal maneira que suas duas filhas já estão dotadas de determinantes diferentes no momento em que são produzidas. Em alguns casos, a escolha entre destinos alternativos pode ser feita ao acaso para cada célula-filha, mas com uma probabilidade definida, como um “cara ou coroa”, refletindo a aleatoriedade intrínseca ou “ruído” em todos os sistemas de controle genético (discutido no Capítulo 7).

As duas células-filhas de uma célula-tronco não têm sempre que se tornar diferentes Em uma condição estável, para manter uma população estável de células-tronco, precisamente 50% das células-filhas de células-tronco em cada geração celular devem permanecer como células-tronco. Em princípio, isto pode ser realizado de duas maneiras – por meio de assimetria do ambiente ou por meio de assimetria da divisão (Figura 23-6). Na primeira estratégia, a divisão de uma célula-tronco poderia produzir duas células-filhas inicialmente semelhantes, cujos destinos seriam dirigidos, subsequentemente, por seu ambiente ou por algum processo aleatório com uma probabilidade adequadamente controlada pelo ambiente; 50% da população de células-filhas permaneceria como células-tronco, mas as duas filhas de uma determinada célula-tronco na população poderiam frequentemente ter o mesmo destino. No extremo oposto, a divisão da célula-tronco poderia ser sempre rigorosamente assimétrica, produzindo uma célula-filha que herda a qualidade de célula-tronco e outra que herda os fatores que a forçam a entrar em diferenciação. Os neuroblastos do sistema nervoso central da Drosophila, discutidos no Capítulo 22, são um exemplo de células que apresentam este tipo de assimetria da divisão. No entanto, esta estratégia na sua forma estrita tem uma desvantagem: significa que as células-tronco existentes podem jamais aumentar seu número, e qualquer perda de células-tronco é irreparável, a menos por recrutamento de algum outro tipo de célula para tornar-se uma célula-tronco. A estratégia de controle por assimetria do ambiente é mais flexível. Na verdade, se um pedaço de epiderme é destruído, a lesão é reparada pelas células epidérmicas vizinhas que migram e proliferam para cobrir a área descoberta. Neste processo, um novo pedaço de epiderme que se autorrenova é formado, implicando que células-tronco adicionais têm que ser produzidas para suprir as que foram perdidas. Estas devem ter sido produzidas por divisões simétricas nas quais uma célula-tronco dá origem a duas. Dessa maneira, a população de células-tronco regula seu número para ajustar-se ao nicho disponível. Observações como essas sugerem que a manutenção do caráter de célula-tronco na epiderme pode ser controlado por contato com a lâmina basal, com uma perda de contato desencadeando o início da diferenciação definitiva, e a manutenção do contato servindo para preservar o potencial de célula-tronco. Esta ideia contém uma certa verdade, mas não é inteiramente verdadeira. Como explicaremos a seguir, nem todas as células na camada basal têm a capacidade para servir como células-tronco.

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A camada basal contém tanto células-tronco como células amplificadoras transitórias

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Diferenciação definitiva

Célulastronco

Diferenciação definitiva

DERME

Figura 23-7 A distribuição de células-tronco na epiderme humana e o padrão de produção de células epidérmicas. O esquema tem como base amostras nas quais a localização das células-tronco foi identificada por coloração para 1 integrina, e a das células diferenciadas, por coloração para queratina-10, um marcador de diferenciação de queratinócitos; as células em divisão foram identificadas por marcação com BrdU, um análogo da timidina que é incorporado em células na fase S do ciclo de divisão celular. As células-tronco parecem estar agrupadas perto das pontas das papilas dérmicas. Elas raramente dividem-se, dando origem (por um movimento lateral) a células amplificadoras transitórias, que ocupam as regiões entre elas. As células amplificadoras transitórias dividem-se frequentemente, mas por um número limitado de ciclos de divisão, ao fim do qual elas começam a se diferenciar e deixam a camada basal. A distribuição precisa das células-tronco e das células amplificadoras transitórias varia de uma região da epiderme para outra. (Adaptada de S. Lowell et al., Curr. Biol. 10:491-500, 2000. Com permissão de Elsevier.)

EPIDERME

Os queratinócitos basais podem ser dissociados da epiderme intacta e proliferar em placas de cultivo, dando origem a novas células basais e a células diferenciadas definitivas. Mesmo dentro de uma população de queratinócitos basais em cultivo na qual todos parecem indiferenciados, há grande variação na habilidade de proliferar. Quando queratinócitos humanos são tomados um a um e testados quanto a sua habilidade em formar novas colônias, alguns parecem ser totalmente incapazes de se dividir, outros passam somente por alguns poucos ciclos de divisão celular e depois param, e outros ainda se dividem por um número de vezes suficiente para formar grandes colônias. Este potencial proliferativo correlacionase diretamente com a expressão da subunidade 1 da integrina, a qual ajuda a mediar a adesão à lâmina basal. Grupos de células com altos níveis dessa molécula são encontrados também na camada basal da epiderme humana intacta e considera-se que sejam formados por células-tronco (Figura 23-7). Ainda não temos marcadores definitivos para as próprias células-tronco, e falaremos mais sobre eles nas próximas seções do capítulo. Paradoxalmente, muitas senão todas as células da epiderme que dão origem a grandes colônias em cultivo parecem ser células que, elas próprias, em geral raramente dividem-se. Uma linha de evidências surgiu de experimentos em que um pulso de bromodesoxiuridina (BrdU), um análogo da timidina, é dado a animais jovens, nos quais a epiderme está crescendo rapidamente, ou a animais maduros após uma lesão que provoca reparo rápido. Então, espera-se por muitos dias ou semanas antes da fixação do tecido e a coloração com um anticorpo que reconheça o DNA no qual a BrdU tenha sido incorporada. A BrdU é captada por qualquer célula que esteja em fase S do ciclo de divisão no momento inicial do pulso. Como é esperado que a BrdU seja diluída à metade a cada divisão celular subsequente, quaisquer células que permaneçam marcadas fortemente no momento da fixação são consideradas como tendo sofrido poucas ou nenhuma divisões desde a replicação de seu DNA no momento do pulso. Tais células que conservam marcação podem ser vistas entre células não-marcadas ou levemente marcadas na cama da basal da epiderme mesmo após um período de vários meses, e são vistas em grande número em folículos pilosos, em uma região chamada de dilatação bulbosa ou bulbar (ver Figura 23-2). Procedimentos de marcação engenhosos indicam que as células que conservam marcação, ao menos no folículo piloso, são na verdade células-tronco: quando um novo ciclo de crescimento do pelo inicia após um pelo velho ter sido perdido, as células que conservam marcação na dilatação bulbar finalmente se dividem e contribuem com as células que vão formar o folículo piloso regenerado.

Células amplificadoras transitórias Célula em diferenciação Tecido conectivo da derme

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Biologia Molecular da Célula

Célula-tronco

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Figura 23-8 Células amplificadoras transitórias. As células-tronco em muitos tecidos se dividem apenas raramente, mas dão origem a células amplificadoras transitórias – células-filhas comprometidas com a diferenciação, que passam por uma série limitada de divisões mais rápidas antes que completem o processo. No exemplo mostrado aqui, cada divisão de célula-tronco dá origem à progênie de oito células diferenciadas definitivamente. Célula amplificadora transitória comprometida

Células diferenciadas definitivamente

Embora não esteja certo que todas as células do folículo piloso tenham este caráter de conservar marcação, algumas claramente o têm, e o mesmo parece ser verdade para as células-tronco na epiderme interfolicular. Além disso, as células basais que expressam integrina 1 em níveis altos – as células que podem dar origem a grandes colônias em cultivo – raramente são vistas se dividindo. Misturadas a estas células há outras que se dividem mais frequentemente – mas apenas por um número limitado de ciclos de divisão, depois dos quais elas deixam a camada basal e se diferenciam. Estas últimas células são chamadas de células amplificadoras transitórias – “transitórias” porque estão em trânsito entre o caráter célula-tronco e o caráter diferenciado; “amplificadoras” porque os ciclos de divisão pelos quais elas passam têm o efeito de amplificar o número da progênie diferenciada que resulta de uma única divisão de célula-tronco (Figura 23-8). Desta forma, uma população pequena de células-tronco que se divide apenas raramente pode produzir um suprimento abundante de células diferenciadas novas.

Divisões amplificadoras transitórias são parte da estratégia de controle do crescimento Células amplificadoras transitórias são uma característica comum nos sistemas de células-tronco. Isso significa que na maioria destes sistemas há poucas células-tronco verdadeiras e elas estão misturadas com um número muito maior de células da progênie que têm apenas uma capacidade limitada para se dividir. Como discutido no Capítulo 20, o mesmo parece ser verdadeiro não apenas para a autorrenovação normal de tecidos, mas também para muitos cânceres, onde apenas poucas células na população celular do tumor são capazes de servir como células-tronco tumorais. Por que aconteceria isto? Há várias respostas possíveis, mas uma parte da explicação provavelmente encontra-se na estratégia pela qual animais multicelulares grandes (como os mamíferos) controlam os tamanhos de suas populações celulares. As proporções das partes do corpo geralmente são determinadas precocemente, durante o desenvolvimento, por meio de sinais que agem sobre distâncias do diâmetro de no máximo poucas centenas de células: para cada órgão ou tecido, um rudimento pequeno ou uma população de células colonizadoras é delimitado desta maneira. As populações de células colonizadoras então devem crescer, mas – ao menos em mamíferos – apenas até certo limite definido, no ponto em que elas devem parar. Uma maneira de deter o crescimento em um certo tamanho é por sinais de feedback (retroalimentação) que agem sobre distâncias muito longas no organismo maduro; veremos que tais sinais, na verdade, desempenham um papel importante no controle do crescimento de pelo menos alguns tecidos. Outra estratégia, no entanto, é dotar cada célula colonizadora

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Figura 23-9 Uma maneira para definir o tamanho de um órgão grande. No embrião, sinais de alcance curto determinam grupos pequenos de células como colonizadoras de populações celulares diferentes. Cada colonizadora pode, então, ser programada para dividir-se um certo número de vezes, dando origem a um grande conjunto de células no adulto. Se o órgão adulto está sendo renovado enquanto mantém seu tamanho adequado, as colonizadoras podem ser programadas para dividirem-se como células-tronco, dando origem em cada divisão, em média, a uma célula-filha que permanece como uma célula-tronco e outra que é programada para passar por um número fixo de divisões amplificadoras transitórias.

Sinais de alcance curto determinam populações de células-tronco colonizadoras durante o desenvolvimento Populações de células-tronco colonizadoras permanecem pequenas; divisões amplificadoras transitórias as levam a gerar e renovar uma estrutura adulta grande

com um programa interno que ordena que ela deva dividir-se um número limitado de vezes e, então, parar. Desta maneira, sinais de alcance curto durante o desenvolvimento podem definir o tamanho de estruturas que ao final são grandes (Figura 23-9). Contudo, se esta é a estratégia, como o tecido adulto pode ser renovado continuamente? Uma solução é especificar as células colonizadoras como células-tronco, capazes de continuar dividindo-se indefinidamente, mas produzindo a cada divisão uma célula-filha que permanece como uma célula-tronco e uma que é programada para passar por um número limitado de divisões amplificadoras transitórias e, então, parar. Este certamente é um relato muito simples e incompleto do controle do crescimento e da renovação de tecido, mas ajuda a explicar por que células que estão programadas para sofrer sequências longas de divisões celulares e, então, parar são uma característica tão comum de desenvolvimento animal e por que a renovação de tecido por meio de células-tronco envolve tão frequentemente divisões amplificadoras transitórias.

As células-tronco de alguns tecidos conservam seletivamente as fitas originais do DNA As células-tronco em muitos tecidos parecem ser células que conservam marcação. Como explicado anteriormente, isto em geral tem sido pressuposto porque, tendo incorporado um marcador como a BrdU em seu DNA durante um período de exposição a ela, as células-tronco raramente se dividem, de maneira que a marcação é diluída lentamente apenas por nova síntese de DNA. Entretanto, há outra interpretação possível: independentemente de elas dividirem-se rápida ou lentamente, as células-tronco podem segregar suas fitas de DNA assimetricamente, de tal maneira que em cada divisão, e para cada cromossomo, a fita de DNA específica que foi marcada originalmente é conservada na célula-filha que permanece como uma célula-tronco. Essa fita original provavelmente deveria ter adquirido algum tipo de marca especial, designando-a como uma fita célula-tronco e assegurando que ela segregasse assimetricamente, na célula-filha que permanece uma célula-tronco (ver Figura 23-6), juntamente com todas as fitas de DNA marcadas de forma semelhante dos outros cromossomos; dessa forma, as fitas mais velhas marcadas seriam conservadas nas células-tronco de geração celular para geração celular. A marca poderia, por exemplo, ganhar a forma de alguma proteína especial do cinetocoro que permanece associada à fita de DNA mais velha no centrômero de cada cromossomo durante a replicação do DNA e, então, compromete-se com alguma assimetria no fuso mitótico a fim de que a célula-tronco filha receba todos os cromossomos-filhos que carregam a marca. Em cada geração de células-tronco, as mesmas fitas de DNA marcadas originais serviriam, então, como modelos para a produção dos conjuntos novos de fitas de DNA a serem despachados para as células amplificadoras transitórias na geração seguinte (Figura 23-10). Esta hipótese da “fita imortal” pode parecer difícil de se acreditar, dado que nenhum mecanismo foi identificado ainda para tal marcação e segregação de fitas de DNA individuais. Contudo, há evidências crescentes sugerindo que a hipótese da fita imortal está correta. O músculo (descrito mais adiante neste capítulo) proporciona um exemplo. Quando a BrdU é

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Fitas de DNA “imortais” marcadas

Fitas de DNA “imortais” marcadas

Célula-tronco

REPLICAÇÃO DO DNA Todas as cromátides que herdam fitas marcadas se juntam através de seus cinetocoros ao mesmo polo do fuso.

Célulatronco

Coloração para DNA DIVISÃO ASSIMÉTRICA

Célula-tronco (A)

Marcação BrdU

10 ␮m

(B)

(C)

fornecida durante um período de produção de células-tronco musculares e o destino subsequente das células é seguido à medida que elas dividem-se e proliferam, é possível detectar pequenos clones de células, ou pares de células-filhas, dentro dos quais toda a marcação com BrdU está concentrada em uma única célula, embora todas as células compartilhem a mesma origem comum de uma célula ancestral única que absorveu inicialmente a marcação. Observações semelhantes têm sido apresentadas em estudos de outros tipos de células-tronco e, significativamente, este comportamento não tem sido observado em populações celulares que não contêm células-tronco. A hipótese da fita imortal não explicaria apenas por que as células-tronco conservam indefinidamente o DNA marcado, mas implicaria também que a divisão assimétrica é uma propriedade fundamental de célula-tronco, com a consequência de que qualquer aumento no número de células-tronco deve necessitar de condições especiais para conferir a marca de imortalidade às fitas de DNA adicionais sintetizadas novamente. A hipótese da fita imortal foi proposta originalmente nos anos de 1970 como um mecanismo para as células-tronco evitarem o acúmulo de mutações promotoras de câncer durante a replicação do DNA. A redução do risco de câncer poderia ser um de seus benefícios.

A taxa de divisão de células-tronco pode aumentar dramaticamente quando células novas são necessárias com urgência Qualquer que possa ser o mecanismo de manutenção das células-tronco, a utilização de divisões amplificadoras transitórias traz vários benefícios. Primeiro, significa que o número de células-tronco pode ser pequeno e sua taxa de divisão pode ser baixa, mesmo quando células diferenciadas definitivas têm de ser produzidas rapidamente em grande número. Isso reduz a carga cumulativa de dano genético, uma vez que a maioria das mutações ocorre no decorrer da replicação de DNA e da mitose, e mutações que ocorrem em células que não são células-tronco são eliminadas no processo de renovação do tecido. Assim, a probabilidade de câncer é reduzida. Se a hipótese da fita imortal estiver correta, de maneira que células-tronco sempre conservam as fitas de DNA modelo “imortais” originais, o risco é ainda mais reduzido, uma vez que a maioria dos erros de sequências introduzidos durante a replicação do DNA ocorrerá nas fitas novas sintetizadas, as quais as células-tronco finalmente descartam. Segundo, e talvez mais importante, uma taxa de divisão baixa de células-tronco em circunstâncias normais permite um aumento dramático quando há uma necessidade urgente – por exemplo, a reparação de uma ferida. Então, as células-tronco podem ser

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Células (comprometidas) amplificadoras transitórias

Figura 23-10 A hipótese da fita imortal. (A) Evidência experimental. Aqui, células-tronco de músculo esquelético (membros da população de célula satélite de músculo, discutido mais adiante neste capítulo) foram colocadas em cultivo e mantidas durante quatro dias para que se dividissem, em presença de BrdU para marcar as novas fitas de DNA sintetizadas. Então, as células foram mantidas em cultivo por um dia para se dividirem na ausência de BrdU. As fotografias mostram um par de células-filhas no final deste processo: uma herdou BrdU, a outra não. Isto implica em que os cromossomos-filhos carregando fitas de DNA sintetizadas durante as divisões celulares que ocorreram na presença de BrdU foram todos herdados por uma célula, enquanto aqueles carregando apenas fitas de DNA preexistentes ou sintetizadas subsequentemente foram herdados pela outra. Este fenômeno, no qual fitas de DNA velhas e novas são distribuídas assimetricamente para células-filhas diferentes, é visto apenas em populações celulares que incluem células-tronco. (B) O padrão de herança de fitas de DNA em células-tronco de acordo com a hipótese da fita imortal. Uma fita em cada cromossomo na célula-tronco é marcada de alguma forma como a fita imortal, sendo conservada pela célulatronco filha. (C) Esta fita de DNA original permanece disponível durante todas as gerações de células-tronco subsequentes como um modelo para a produção de cromossomos de células amplificadoras transitórias. (A, de V. Shinin, B. Gayraud-Morel, D. Gomès e S. Tajbakhsh, Nat. Cell Biol. 8:677-687, 2006. Com permissão de Macmillan Publishers Ltd.)

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estimuladas a dividir rapidamente, e os ciclos de divisão adicionais podem tanto ampliar o estoque de células-tronco quanto aumentar abruptamente a produção de células comprometidas com a diferenciação definitiva. Dessa forma, por exemplo, quando um pedaço de pele com pelos é cortado, as células-tronco que se dividem lentamente na região bulbosa dos folículos pilosos que sobreviveram próximo à ferida são submetidas a uma proliferação rápida, e algumas células de sua progênie saem como células-tronco novas para formar uma epiderme inter-folicular sadia para cobrir o pedaço ferido da superfície do corpo.

A interação de muitos sinais dirige a renovação da epiderme A renovação celular na epiderme parece um caso simples à primeira vista, mas a simplicidade é ilusória. Há muitos pontos no processo que têm que ser controlados de acordo com as circunstâncias: a taxa de divisão das células-tronco; a probabilidade de que uma célula-tronco filha permanecerá como célula-tronco; o número de divisões celulares das células amplificadoras transitórias; o momento de saída da camada basal e o tempo que a célula leva para completar seu programa de diferenciação e ser descamada da superfície. A regulação dessas etapas deve possibilitar que a epiderme responda à abrasão, tornando-se grossa e calosa, e que repare a si própria, quando ferida. Em regiões especializadas da epiderme, como aquelas que formam os folículos pilosos, com seus próprios subtipos especializados de células-tronco, mais controles ainda são necessários para organizar o padrão local. Cada um dos pontos de controle tem sua própria importância, e uma grande quantidade de sinais moleculares é necessária para regular a todos, de modo a manter a superfície do corpo sempre adequadamente coberta. Como sugerimos anteriormente, uma influência importante é o contato com a lâmina basal, sinalizado através de integrinas na membrana plasmática das células. Se os queratinócitos basais cultivados são mantidos em suspensão, em vez de permitir-se que se apoiem e se prendam ao fundo da placa de cultivo, todos param de se dividir e se diferenciam. Para permanecer como uma célula-tronco epidérmica, aparentemente é necessário (embora não seja o suficiente) que ela esteja ligada à lâmina basal ou à outra matriz extracelular. Esta necessidade ajuda a assegurar que o tamanho da população de células-tronco não aumente sem limites. Caso se aglomerem fora de seu nicho normal sobre a lâmina basal, as células perdem sua qualidade de célula-tronco. Quando esta regra é quebrada, como em alguns cânceres, o resultado pode ser um tumor de crescimento constante. A maioria dos outros mecanismos de comunicação celular descritos no Capítulo 15 também está envolvida no controle da renovação da epiderme, na sinalização entre as células dentro da epiderme ou na sinalização entre a epiderme e a derme. As vias de sinalização EGF, FGF, Wnt, Hedgehog, Notch, BMP/TGF e integrina estão envolvidas (e veremos que o mesmo é verdade em muitos outros tecidos). A superativação da via Hedgehog, por exemplo, pode fazer com que as células da epiderme entrem em divisão após terem deixado a camada basal, e mutações em componentes desta via são responsáveis por muitos cânceres de epiderme. Ao mesmo tempo, a sinalização Hedgehog ajuda a orientar a escolha do caminho de diferenciação: uma falta de sinalização Hedgehog leva à perda de glândulas sebáceas, enquanto um excesso pode fazer com que glândulas sebáceas se desenvolvam em regiões onde elas nunca se formariam normalmente. De maneira semelhante, a perda da sinalização Wnt leva à falha no desenvolvimento do folículo piloso, enquanto a ativação excessiva desta via faz com que folículos pilosos extras se formem e cresçam excessivamente até que deem origem a tumores. A sinalização Notch, ao contrário, parece limitar o tamanho da população de células-tronco, inibindo células-tronco próximas a permanecerem como células-tronco e fazendo com que elas se tornem células amplificadoras transitórias. A TGF tem uma função-chave em sinalização para a derme durante o reparo de ferimentos na pele, promovendo a formação de tecido cicatricial rico em colágeno. As funções individuais precisas de todos os vários mecanismos de sinalização na epiderme estão apenas começando a ser desvendadas.

A glândula mamária sofre ciclos de desenvolvimento e de regressão Em regiões especializadas da superfície do corpo, vários outros tipos de células desenvolvem-se a partir da epiderme embrionária. Particularmente, secreções como suor, lágrimas,

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Biologia Molecular da Célula

Glândula virgem ou em repouso

Grânulo secretor de proteína do leite

Leite liberado dentro do ducto

Gotícula de gordura do leite

Gestação

Aparelho de Golgi Célula mioepitelial Lactação

Ducto Alvéolos dilatados com leite (A)

Célula alveolar

Lâmina basal

(B)

Processos das células mioepiteliais

10 ␮m

(C)

saliva e leite são produzidas por células segregadas em glândulas situadas mais profundamente que se originam como invaginações da epiderme. Essas estruturas epiteliais têm funções e padrões de regeneração bastante diferentes daqueles das regiões queratinizadas. As glândulas mamárias são os maiores e mais notáveis desses órgãos secretores. Elas são a característica que define os mamíferos e são um assunto importante por muitos motivos: não servem apenas para o sustento de bebês e atração do sexo oposto, mas também como a base para uma grande indústria – a indústria leiteira – e como o local de algumas das formas mais comuns de câncer. O tecido mamário ilustra de forma dramática que os processos de desenvolvimento continuam no organismo adulto, mostrando também como a morte celular por apoptose permite ciclos de crescimento e regressão. A produção de leite deve ser ativada quando um bebê nasce e desligada quando o bebê é desmamado. Durante a gestação, as células produtoras da fábrica de leite são produzidas; no desmame, elas são destruídas. Uma glândula mamária adulta “em repouso” consiste em sistemas de ductos ramificados imersos em tecido conectivo adiposo; esta é a futura rede de tubos que conduzirá o leite até o mamilo. Os ductos são revestidos com um epitélio que inclui células-tronco mamárias. Estas células-tronco podem ser identificadas por um teste funcional, no qual as células do tecido mamário são dissociadas, selecionadas de acordo com os marcadores de superfície celular que elas expressam e transplantadas de volta para um tecido hospedeiro adequado (um bloco de gordura mamária). Este ensaio revela que um subgrupo pequeno do total de células epiteliais tem o potencial de célula-tronco. Uma única destas células, estimada em cerca de uma em 5.000 da população epitelial mamária total, mas mais concentrada dentro de uma população que expressa certos marcadores, pode proliferar indefinidamente e dar origem a uma glândula mamária completa com todos os seus tipos celulares epiteliais. Esta glândula reconstituída é capaz de prosseguir pelo programa de diferenciação completo necessário à produção de leite. Na primeira etapa que leva à produção do leite, os hormônios esteroides que circulam durante a gestação (estrógeno e progesterona) promovem a proliferação das células do ducto, aumentando seu número em várias centenas de vezes. Em um processo que depende da ativação local da via Wnt, as regiões terminais dos ductos crescem e se ramificam, formando pequenas bolsas dilatadas, ou

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Figura 23-11 A glândula mamária. (A) O crescimento dos alvéolos a partir dos ductos da glândula mamária durante a gestação e a lactação. Somente uma parte pequena da glândula é mostrada. A glândula “em repouso” contém uma quantidade pequena de tecido glandular inativo imerso em uma grande quantidade de tecido conectivo adiposo. Durante a gestação ocorre uma enorme proliferação do tecido glandular às custas do tecido conectivo adiposo, com as porções secretoras da glândula se desenvolvendo preferencialmente para criar alvéolos. (B) Um dos alvéolos secretores de leite com a rede de células mioepiteliais contráteis (verde) envolvendo-o (ver também Figura 23-47E). (C) Um único tipo de célula alveolar secretora produz tanto as proteínas como a gordura do leite. As proteínas são secretadas da maneira normal por exocitose, enquanto a gordura é liberada como gotículas envolvidas por membrana plasmática que se destacam da célula. (B, após R. Krstić, Die Gewebe des Menschen und der Säugetiere. Berlin: Springer-Verlag, 1978; C, de D.W. Fawcett, A Textbook of Histology, 12th ed. New York: Chapman and Hall, 1994.)

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alvéolos, contendo células secretoras (Figura 23-11). A secreção do leite começa somente quando estas células são estimuladas pela combinação de diferentes hormônios circulantes no sangue da mãe após o nascimento do bebê, especialmente a prolactina da glândula hipófise (ou pituitária). A prolactina liga-se a receptores sobre a superfície das células epiteliais mamárias e, por isso, ativa uma via que ativa a expressão de genes de proteínas do leite. Como na epiderme, sinais da matriz extracelular, mediados por integrinas, também são essenciais: as células produtoras de leite só podem responder à prolactina se elas também estiverem em contato com a lâmina basal. Um outro nível de controle hormonal comanda a real ejeção do leite da mama: o estímulo de sucção faz com que as células do hipotálamo (no cérebro) liberem o hormônio ocitocina, que percorre a corrente sanguínea para agir sobre células mioepiteliais. Estas células musculares se originam da mesma população precursora epitelial das células secretoras da mama e têm uma teia de processos longos que envolvem os alvéolos. Em resposta à ocitocina, elas contraem, esguichando o leite dos alvéolos para dentro dos ductos. Por fim, quando o bebê é desmamado e a amamentação cessa, as células secretoras morrem por apoptose, e a maior parte dos alvéolos desaparece. Rapidamente, os macrófagos fagocitam as células mortas, metaloproteinases da matriz degradam a matriz extracelular excedente e a glândula reverte ao seu estado de repouso. Esta finalização da lactação parece ser induzida pelo acúmulo de leite, ao invés de por um mecanismo hormonal. Se um grupo de ductos mamários é obstruído de modo que nenhum leite possa ser expelido, as células secretoras que o abastecem cometem suicídio em massa por apoptose, enquanto outras regiões da glândula sobrevivem e continuam a funcionar. A apoptose é desencadeada por uma combinação complexa de fatores que se acumulam onde a secreção de leite está bloqueada. A divisão celular na glândula mamária em crescimento é regulada não somente por hormônios, mas também por sinais locais que passam entre as células dentro do epitélio e entre as células epiteliais e o tecido conectivo, ou estroma, no qual as células epiteliais estão infiltradas. Todos os sinais listados anteriormente como importantes no controle da renovação celular na epiderme também estão implicados em eventos que os controlam na glândula mamária. Novamente, os sinais liberados via integrinas desempenham um papel crucial: privadas das adesões de lâmina basal que ativam a sinalização por integrinas, as células epiteliais deixam de responder normalmente aos sinais hormonais. As falhas nesses sistemas de controle interativos são a base de algumas das formas mais comuns de câncer, e precisamos entendê-las melhor.

Resumo A pele consiste em um tecido conectivo resistente, a derme, revestido por um epitélio estratificado impermeável, a epiderme. A epiderme é continuamente renovada a partir de células-tronco, com um tempo de renovação, em humanos, de cerca de um mês. Por definição, as células-tronco não estão diferenciadas definitivamente e têm a capacidade de se dividir ao longo do tempo de vida do organismo, produzindo algumas células-filhas que se diferenciam e outras que permanecem como células-tronco. As células-tronco da epiderme encontram-se na camada basal, presas à lâmina basal; sob condições normais, sua taxa de divisão é baixa. A progênie que se torna comprometida com a diferenciação passa por várias divisões amplificadoras transitórias rápidas na camada basal e, então, para de se dividir e desloca-se em direção à superfície da pele. Essas células diferenciam-se progressivamente, trocando da expressão de um grupo de queratinas para a expressão de outras até que, finalmente, seus núcleos degeneram, produzindo uma camada externa de células queratinizadas mortas que são continuamente descamadas da superfície. O destino das filhas de uma célula-tronco é controlado por interações com a lâmina basal, mediadas por integrinas e por sinais das células vizinhas. Alguns tipos de células-tronco também podem ser programados internamente para se dividir assimetricamente de maneira a criar uma filha com característica de célula-tronco e uma filha comprometida com a diferenciação final; isso pode envolver segregação seletiva de fitas de DNA modelo “imortais” originais dentro da célula-tronco filha. Entretanto, os controles ambientais permitem que duas células-tronco sejam produzidas a partir de uma durante processos de reparo de ferimentos e podem desencadear etapas de aumentos na taxa de divisão de células-tronco. Fatores como as proteínas-sinal Wnt e Hedgehog regulam não somente a taxa de proliferação celular de acordo com o necessário, mas também podem dirigir a especializa-

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ção de células epidérmicas para formar estruturas como folículos pilosos e glândulas sebáceas. Estes e outros órgãos ligados à epiderme, como as glândulas mamárias, têm suas próprias células-tronco e seu próprio padrão distinto de renovação celular. Nas mamas, por exemplo, os hormônios circulantes estimulam as células a proliferar, diferenciar-se e produzir leite; o término da amamentação desencadeia a morte por apoptose das células secretoras de leite, em resposta a uma combinação de fatores que se formam quando o leite deixa de ser drenado.

EPITÉLIO SENSORIAL Nós sentimos os odores, os sons e as imagens do mundo externo por meio de uma outra classe de especializações do epitélio que cobre a superfície de nosso corpo. Os tecidos sensoriais do nariz, dos ouvidos e dos olhos – e, na realidade, se observarmos a origem dos tecidos no embrião, os do sistema nervoso central inteiro – todos surgem do mesmo folheto de células, o ectoderma, que dá origem à epiderme. Essas estruturas têm várias características em comum, e seu desenvolvimento é comandado por sistemas de genes afins (discutido no Capítulo 22). Todas conservam uma organização epitelial, mas que é muito diferente daquela da epiderme ou das glândulas derivadas dela. O nariz, o ouvido e o olho são órgãos complexos, com dispositivos elaborados para coletar sinais do meio externo e distribuí-los, filtrados e concentrados, para o epitélio sensorial, onde podem atuar sobre o sistema nervoso. O epitélio sensorial em cada órgão é o componente-chave, embora seja pequeno em relação a todo o aparelho auxiliar. Ele é a parte que tem sido mais altamente conservada durante a evolução, não apenas de um vertebrado para outro, mas também entre vertebrados e invertebrados. Dentro de cada epitélio sensorial encontram-se células sensoriais que atuam como transdutores, convertendo sinais do meio externo em um potencial elétrico que o sistema nervoso pode interpretar. No nariz, os transdutores sensoriais são neurônios sensoriais olfatórios; no ouvido, células pilosas auditivas; e no olho, fotorreceptores. Todos esses tipos celulares são neurônios ou células semelhantes a neurônios (células neuroepiteliais). Cada um possui em sua extremidade apical uma estrutura especializada que detecta o estímulo externo e o converte em uma modificação no potencial de membrana. Em sua extremidade basal, cada um faz sinapses com neurônios que retransmitem a informação sensorial para locais específicos no cérebro.

Os neurônios sensoriais olfatórios são continuamente substituídos No epitélio olfatório do nariz (Figura 23-12A), um subgrupo de células epiteliais se diferencia como neurônios sensoriais olfatórios. Essas células têm cílios imóveis, modificados na sua superfície livre (ver Figura 15-46), contendo proteínas receptoras de odor, e um único axônio que se estende de sua extremidade basal em direção ao cérebro (Figura 23-12B). Células de sustentação que se estendem pelo epitélio engrossado e têm propriedades semelhantes àquelas das células da glia no sistema nervoso central mantêm os neurônios no lugar

Figura 23-12 Epitélio olfatório e neurônios olfatórios. (A) O epitélio olfatório consiste em células de sustentação, em células basais e em neurônios sensoriais olfatórios. As células basais são as células-tronco para a produção de neurônios olfatórios. Seis a oito cílios modificados se projetam do ápice do neurônio olfatório e contêm os receptores de odor. (B) Esta fotomicrografia mostra neurônios olfatórios no nariz de um camundongo geneticamente modificado no qual o gene LacZ foi inserido no lócus de um receptor de odor; assim, todas as células que normalmente expressariam este receptor específico agora também produzem a enzima -galactosidase. A -galactosidase é detectada pelo produto azul da reação enzimática que ela catalisa. Os corpos celulares (azul-escuro) dos neurônios olfatórios marcados, que se encontram dispersos no epitélio olfatório, enviam seus axônios (azul-claro) em direção ao cérebro (fora do desenho à direita). (C) Um corte transversal dos bulbos olfatórios esquerdo e direito, corados para -galactosidase. Os axônios de todos os neurônios olfatórios que expressam o mesmo receptor de odor convergem para os mesmos glomérulos (setas vermelhas) localizados simetricamente dentro dos bulbos nos lados direito e esquerdo do cérebro. Outros glomérulos (não-corados) recebem seus impulsos de neurônios olfatórios que expressam outros receptores de odor. (B e C, de P. Mombaerts et al., Cell 87:675-686, 1996. Com permissão de Elsevier.)

Cílios modificados

Neurônio olfatório Célula de sustentação Célula basal (célula-tronco) Axônio (para o cérebro)

(B)

200 ␮m

(C)

500 ␮m

(A)

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Figura 23-13 Células pilosas auditivas. (A) Um corte transversal esquemático do aparelho auditivo (o órgão de Corti) no ouvido interno de um mamífero mostra as células pilosas auditivas sustentadas em uma elaborada estrutura epitelial de células de sustentação e cobertas por uma massa de matriz extracelular (a membrana tectória). O epitélio que contém as células pilosas assenta-se sobre a membrana basilar – um folheto de tecido fino e elástico que forma um tabique longo e estreito de separação entre dois canais preenchidos de fluido. O som provoca ondas de pressão nestes canais e faz a membrana basilar vibrar para cima e para baixo. (B) Esta eletromicrografia de varredura mostra a superfície apical de uma célula pilosa auditiva externa, com o arranjo característico em forma de órgão de tubos de microvilosidades gigantes (estereocílios). As células pilosas internas, das quais há somente 3.500 em cada ouvido humano, são os principais receptores auditivos. Acredita-se que as células pilosas externas, aproximadamente quatro vezes mais numerosas, formem parte de um mecanismo de retroalimentação que regula o estímulo mecânico liberado para as células pilosas internas. (B, de J. D. Pickles, Prog. Neurobiol. 24:1-42, 1985. Com permissão de Elsevier.)

Células de sustentação

e separados uns dos outros. As superfícies sensoriais são mantidas úmidas e protegidas por uma camada de fluido secretado por células sequestradas em glândulas que se comunicam com a superfície exposta. Entretanto, mesmo com esta proteção, cada neurônio olfatório sobrevive apenas por um mês ou dois e, assim, uma terceira classe de células – as células basais – está presente no epitélio para produzir substitutos para os neurônios olfatórios que são perdidos. A população de células basais, situadas em contato com a lâmina basal, inclui células-tronco para a produção dos neurônios. Como foi discutido no Capítulo 15, o genoma contém um número extraordinariamente grande de genes de receptores de odor – cerca de 1.000 em um camundongo ou um cão, e cerca de 350 (mais muitos outros que estão degenerados e não-funcionais) em um humano. Cada neurônio olfatório expressa, muito provavelmente, apenas um desses genes, habilitando a célula a responder a uma classe específica de odores (geralmente moléculas orgânicas pequenas) que compartilham alguma característica estrutural que a proteína receptora de odor reconheça. Contudo, não importa qual seja o odor, cada neurônio olfatório responde da mesma forma – ele envia uma série de potenciais de ação ao longo do seu axônio para o cérebro. Essa sensibilidade discriminadora de um neurônio olfatório individual, portanto, só é útil se o seu axônio envia sua mensagem ao centro específico de retransmissão no cérebro que é dedicado à gama específica de odores que o neurônio sente. Esses centros de retransmissão são chamados de glomérulos. Estão localizados em estruturas chamadas de bulbos olfatórios (um de cada lado do cérebro), com cerca de 1.800 glomérulos em cada bulbo (no camundongo). Os neurônios olfatórios que expressam o mesmo receptor de odor estão dispersos por todo o epitélio olfatório, mas todos os seus axônios convergem para o mesmo glomérulo (Figura 23-12C). À medida que novos neurônios olfatórios são produzidos, substituindo aqueles que morrem, eles devem por sua vez enviar seus axônios para o glomérulo certo. Assim, as proteínas receptoras de odor têm uma segunda função: direcionam as extremidades em crescimento dos novos axônios ao longo do caminho específico para os glomérulos-alvo apropriados nos bulbos olfatórios. Se não fosse pelo funcionamento contínuo deste sistema de orientação, em um mês uma rosa poderia cheirar como um limão e, no próximo, como um peixe podre.

As células pilosas auditivas têm de durar a vida toda O epitélio sensorial responsável pela audição está organizado da forma mais precisa e minuciosa entre todos os tecidos no corpo (Figura 23-13). Suas células sensoriais, as células pilosas auditivas, estão retidas em uma estrutura rígida de células de sustentação e cobertas por uma massa de matriz extracelular (a membrana tectória), em uma estrutura chamada de órgão de Corti. As células pilosas convertem estímulos mecânicos em sinais elétricos. Cada uma tem um arranjo característico em forma de órgão de tubos de microvilosidades gigantes (chamadas de estereocílios) que se sobressaem de sua superfície como bastões rígidos, preenchidos com uma trama de filamentos de actina, e dispostos em fileiras por ordem de altura. As dimensões de cada uma destas fileiras são especificadas com uma exatidão extraordinária, de acordo com a localização da célula pilosa no ouvido e a frequência de som à qual ela tem que responder. As vibrações sonoras balançam o órgão de Corti, fazendo o feixe de estereocílios inclinar (Figura 23-14) e, mecanicamente, abrir ou fechar canais de íons na

Células pilosas externas

Membrana tectória

Estereocílios Célula pilosa interna

Membrana basilar (A)

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Fibras do nervo (B)

5 ␮m

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Figura 23-14 Como um movimento relativo da matriz extracelular que recobre os estereocílios (a membrana tectória) inclina os estereocílios das células pilosas auditivas no órgão de Corti, no ouvido interno de um mamífero. Os estereocílios comportam-se como bastões rígidos, dobráveis na base e formando um feixe nas pontas.

Estereocílios

SOM CAUSA VIBRAÇÃO DA MEMBRANA BASILAR Membrana tectória

Membrana basilar

membrana dos estereocílios (Figura 23-15). O fluxo de cargas elétricas transportado para dentro da célula pelos íons altera o potencial de membrana e, desse modo, controla a liberação de neurotransmissores na porção basal da célula, onde a célula faz sinapse com uma terminação nervosa.

Canal fechado

FEIXE NÃO-INCLINADO

Canal aberto

FEIXE INCLINADO

(B)

(A)

100 nm

Figura 23-15 Como funciona uma célula pilosa sensorial. (A) A célula funciona como um transdutor, gerando um sinal elétrico em resposta às vibrações sonoras que balançam o órgão de Corti e, assim, fazem os estereocílios inclinarem-se. Um filamento fino passa mais ou menos verticalmente por cima da ponta de cada estereocílio menor para ligá-lo a um ponto mais elevado em seu vizinho adjacente mais alto. A inclinação do feixe faz tensão sobre os filamentos, que distendem mecanicamente o “portão” dos canais de íons na membrana dos estereocílios. A abertura desses canais permite um influxo de carga positiva, despolarizando a célula pilosa. (B) Uma eletromicrografia dos filamentos que se estendem do alto de dois estereocílios. Cada filamento consiste, ao menos em parte, em membros de moléculas de adesão célula-célula da superfamília das caderinas. Indivíduos mutantes que carecem destas caderinas específicas não têm os filamentos e são surdos. Por medidas automáticas extraordinariamente delicadas, correlacionadas a registros elétricos de uma única célula pilosa quando o feixe de estereocílios é desviado pelo toque com uma sonda de vidro flexível, é possível detectar um “ceder” extra do feixe, produzido mecanicamente pela força aplicada, e os canais puxados são abertos. Dessa maneira, pode ser mostrado que a força necessária para abrir um único desses canais hipotéticos é de cerca de 2 × 10–13 newtons e que seu “portão” se move a uma distância de cerca de 4 nm quando ele se abre. O mecanismo é espantosamente sensível: calcula-se que os sons mais fracos que podemos ouvir estendem os filamentos por uma média de 0,04 nm, o que está quase abaixo da metade do diâmetro de um átomo de hidrogênio. (B, de B. Kachar et al., Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 97:13336-13341, 2000. Com permissão da National Academy of Sciences.)

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Nos humanos e em outros mamíferos, as células pilosas auditivas, ao contrário dos neurônios olfatórios, têm que durar a vida toda. Caso sejam destruídas por doenças, toxinas ou ruído excessivamente alto, elas não são regeneradas, e a perda de audição resultante é permanente. Porém, em outros vertebrados, quando células pilosas auditivas são destruídas, as células de sustentação são acionadas para que se dividam e comportem-se como células-tronco, gerando uma progênie de células que podem se diferenciar como substitutas das células pilosas que foram perdidas. Com melhor compreensão de como este processo de regeneração é regulado, um dia poderemos ser capazes de induzir o epitélio auditivo a se recuperar por si próprio também em humanos. Até aqui, é conhecido um tratamento que pode produzir a regeneração parcial das células pilosas auditivas em um mamífero adulto. A técnica utiliza um vírus (um adenovírus) construído para conter uma cópia do gene Atoh1, que codifica para uma proteína reguladora de gene conhecida por guiar a diferenciação de células pilosas durante o desenvolvimento. Porquinhos da Índia que foram ensurdecidos por exposição a uma toxina que destrói células pilosas podem ser tratados por injeções com esta construção viral dentro do ouvido lesionado. Então, muitas das células de sustentação sobreviventes tornam-se infectadas com a construção viral e expressam Atoh1. Isto as converte em células pilosas funcionais, e o animal recupera parcialmente sua audição no ouvido tratado.

A maioria das células permanentes renova suas partes: as células fotorreceptoras da retina A retina neural é o mais complexo dos epitélios sensoriais. Ela consiste em várias camadas de células organizadas de uma maneira que parece insensata. Os neurônios que transmitem sinais do olho para o cérebro (chamados de células ganglionares da retina) encontram-se mais próximos do mundo externo, de modo que a luz, focada pela lente, deve passar através deles para atingir as células fotorreceptoras. Os fotorreceptores, que são classificados como cones ou bastonetes, de acordo com sua forma, ficam com suas extremidades fotorreceptoras, ou segmentos externos, parcialmente embutidas no epitélio pigmentar (Figura 23-16). Os bastonetes e os cones contêm diferentes pigmentos visuais – complexos fotossensíveis da proteína opsina com molécula retinal, uma molécula pequena que absorve luz. Os bastonetes, nos

Células do epitélio pigmentar Cone fotorreceptor

Figura 23-16 A estrutura da retina. Quando a luz estimula os fotorreceptores, o sinal elétrico resultante é retransmitido via interneurônios para as células ganglionares, que, então, transportam o sinal para o cérebro. Uma população de células de sustentação especializadas (não-mostradas aqui) ocupa os espaços entre os neurônios e os fotorreceptores na retina nervosa. (Modificada de J. E. Dowling e B. B. Boycott, Proc. R. Soc. Lond. B Biol. Sci. 166:80-111, 1966. Com permissão da Royal Society.)

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Camada nervosa da retina

Bastonete fotorreceptor

Interneurônios

Célula ganglionar (neurônio)

Axônios projetando-se para o cérebro

Luz incidente

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quais o pigmento visual é chamado de rodopsina, são especialmente sensíveis a níveis baixos de luz, enquanto os cones (dos quais há três tipos em humanos, cada um com uma opsina diferente, originando uma resposta de espectro diferente) detectam cores e detalhes precisos. O segmento externo de um fotorreceptor parece ser um cílio modificado com um arranjo de microtúbulos característico de cílio na região conectando o segmento externo ao resto da célula (Figura 23-17). O restante do segmento externo está quase inteiramente preenchido com uma pilha densa de membranas (discos membranosos) na qual os complexos fotossensíveis estão embebidos; a luz absorvida aqui produz uma resposta elétrica, como discutido no Capítulo 15. Em suas extremidades opostas, os fotorreceptores formam sinapses em interneurônios, os quais retransmitem o sinal para as células ganglionares da retina (ver Figura 23-16). Nos humanos, os fotorreceptores, como as células pilosas auditivas humanas, são células permanentes que não se dividem e não são substituídas se destruídas por doenças ou por raio laser mal-direcionado. Entretanto, as moléculas fotossensíveis de pigmento visual não são permanentes, mas são continuamente degradadas e substituídas. Nos bastonetes (embora, curiosamente, não nos cones), esta renovação está organizada em uma linha de produção ordenada, que pode ser analisada seguindo a passagem de moléculas de proteína marcadas radiativamente através da célula, após um pulso breve de aminoácido radiativo (Figura 23-18). As proteínas marcadas radiativamente podem ser seguidas desde o aparelho de Golgi, no segmento interno da célula, até a base da pilha de discos membranosos no segmento externo. Daí elas são gradualmente deslocadas em direção à extremidade apical, na forma de material novo que é incorporado na base da pilha de discos. Por fim (após cerca de dez dias, no rato), quando alcançam a extremidade apical do segmento externo, as proteínas marcadas e as camadas de membrana nas quais elas estão embebidas são fagocitadas (captadas e digeridas) pelas células do epitélio pigmentar. Este exemplo ilustra um ponto geral: mesmo que células individuais de certos tipos celulares persistam, pouco do organismo adulto consiste nas mesmas moléculas que foram estabelecidas no embrião.

Segmento externo

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Discos de membrana fotorreceptora Membrana plasmática

Cílio de conexão Segmento interno

Núcleo

Região sináptica

Figura 23-17 Um bastonete fotorreceptor.

Resumo A maioria das células receptoras sensoriais, como as células da epiderme e as células nervosas, deriva do epitélio que forma a superfície externa do embrião. Elas convertem estímulos externos em sinais elétricos, que elas retransmitem para neurônios por meio de sinapses químicas. As células receptoras olfatórias no nariz são neurônios treinados, que enviam seus axônios para o cérebro. Elas têm um tempo de vida de apenas um ou dois meses, e são continuamente substituídas por

Célula do epitélio pigmentar

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Figura 23-18 Renovação de proteína de membrana em um bastonete. Após um pulso de H3-leucina, a passagem de proteínas marcadas radiativamente através da célula é acompanhada por autorradiografia. Os pontos vermelhos indicam locais de radiatividade. O método revela somente a H3-leucina que tenha sido incorporada em proteínas; o restante é retirado por lavagem durante a preparação do tecido. (1) A leucina incorporada é vista primeiro, concentrada nas vizinhanças do aparelho de Golgi. (2) Daí ela passa para a base do segmento externo em um disco de membrana fotorreceptora recém-sintetizado. (3-5) Novos discos são formados em uma taxa de três ou quatro por hora (em um mamífero), deslocando os discos mais velhos em direção ao epitélio pigmentar.

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novas células derivadas de células-tronco no epitélio olfatório. Cada neurônio olfatório expressa apenas uma das centenas de diferentes proteínas olfatórias receptoras para as quais existem genes no genoma, e os axônios de todos os neurônios olfatórios que expressam a mesma proteína receptora navegam para os mesmos glomérulos nos bulbos olfatórios do cérebro. As células pilosas auditivas – as células receptoras do som – ao contrário das células receptoras olfatórias, têm que durar por toda a vida, pelo menos em mamíferos, embora a expressão artificial de um gene de diferenciação de células pilosas, Atoh1, possa converter células de sustentação funcionais em células pilosas no local onde estas células tenham sido destruídas. As células pilosas não têm axônios, mas fazem contato sináptico com terminações de nervos no epitélio auditivo. Elas têm esse nome em função do feixe de estereocílios (microvilosidades gigantes) semelhantes a pelos sobre a sua superfície externa. As vibrações sonoras inclinam o feixe, distendendo mecanicamente os “portões” de canais de íon sobre os estereocílios em uma configuração aberta para excitar eletricamente a célula. As células fotorreceptoras na retina do olho absorvem fótons em moléculas de pigmento visual (proteína opsina mais retinal) mantidas em pilhas de discos membranosos nos segmentos externos dos fotorreceptores, disparando uma excitação elétrica pela via mais indireta de sinalização intracelular. Embora as células fotorreceptoras sejam elas próprias permanentes e insubstituíveis, os discos membranosos ricos em opsina que elas contêm sofrem renovação contínua.

AS VIAS AÉREAS E O INTESTINO Os exemplos que discutimos até agora representam uma pequena seleção de tipos de tecidos e de células que derivam do folheto externo do embrião – o ectoderma. Entretanto, eles são suficientes para ilustrar o quão diferentes estas células podem ser com relação à forma, à função, ao modo de vida e ao padrão de substituição. O folheto mais interno do embrião – o endoderma, que forma o tubo digestivo primitivo – dá origem a outra população inteira de tipos celulares que revestem o sistema digestivo e seus órgãos acessórios. Começamos com os pulmões.

Os tipos celulares adjacentes colaboram nos alvéolos dos pulmões As vias aéreas dos pulmões são formadas por ramificações repetidas de um sistema de tubos que se originam no embrião de uma evaginação em forma de bolsa (divertículo) do revestimento do intestino, como discutido no Capítulo 22 (ver Figura 22-92). As repetidas fileiras de ramificações terminam em várias centenas de milhares de sacos cheios de ar – os alvéolos. Os alvéolos têm paredes finas, intimamente justapostas às paredes dos capilares sanguíneos, de modo a permitir a troca de O2 e de CO2 com a corrente sanguínea (Figura 23-19). Para sobreviver, as células que revestem os alvéolos devem permanecer úmidas. Ao mesmo tempo, elas devem servir como um balão de gás que pode expandir e contrair a cada inspirar e expirar. Isso cria um problema. Quando duas superfícies molhadas se tocam, elas tornam-se aderidas uma à outra pela tensão na superfície da camada de água entre elas – um efeito que exerce influência mais forte quanto menor a proporção da estrutura. Portanto, há um risco de que os alvéolos possam colapsar e ser impossível reexpandirem. Para solucionar o problema, dois tipos de células estão presentes no revestimento dos alvéolos. As células alveolares tipo I (ou pneumócitos tipo I) recobrem a maior parte da parede: elas são delgadas e planas (pavimentosas) para permitir a troca gasosa. As células alveolares tipo II (ou pneumócitos tipo II) estão distribuídas entre elas; estas são cúbicas e secretam surfactante, um material rico em fosfolipídeo, que forma um filme de interface sobre as superfícies de água livre e reduz a tensão superficial, tornando fácil a reexpansão dos alvéolos, mesmo que eles colapsem. A produção de quantidades adequadas de surfactante no feto, que inicia em torno dos cinco meses de gestação nos humanos, marca o início da possibilidade de vida independente. Os bebês prematuros que nascem antes desse estágio são incapazes de encher seus pulmões de ar e respirar; aqueles que nascem depois disso podem fazê-lo e, com cuidados intensivos, podem sobreviver.

Células caliciformes, células ciliadas e macrófagos colaboram para manter as vias aéreas limpas Nas vias aéreas superiores encontramos diferentes combinações de tipos celulares, que servem a diferentes propósitos. O ar que respiramos está cheio de poeira, sujeira e micro-orga-

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Biologia Molecular da Célula

Alvéolos

AR Células vermelhas do sangue

(B)

(A)

1 mm

ALVÉOLO

100 ␮m

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Figura 22-19 Alvéolos no pulmão. (A) Eletromicrografia de varredura em baixa magnitude, mostrando a textura esponjosa criada pelos inúmeros alvéolos cheios de ar. Um bronquíolo (via aérea tubular pequena) é visto na parte superior, comunicando-se com os alvéolos. (B) Eletromicrografia de transmissão de um corte transversal da região que corresponde ao quadro amarelo em (A), mostrando as paredes alveolares, onde ocorre a troca gasosa. (C) Esquema da arquitetura celular de uma parte da parede alveolar, que corresponde ao quadro amarelo em (B). (A, de P. Gehr et al., Respir. Physiol. 44:61-86, 1981. Com permissão de Elsevier; B, cortesia de Peter Gehr, de D. W. Fawcett, A Textbook of Histology, 12th ed. New York: Chapman and Hall, 1994.)

Célula alveolar tipo II que secreta surfactante

Surfactante AR

Célula alveolar tipo I ALVÉOLO (C)

AR Célula vermelha do sangue

Célula endotelial revestindo o capilar sanguíneo

Lâmina basal

nismos em suspensão. Para manter os pulmões limpos e saudáveis, esses materiais devem ser removidos constantemente. Para desempenhar essa tarefa, um epitélio respiratório relativamente espesso reveste as vias aéreas mais amplas (Figura 23-20). Este epitélio consiste em três tipos celulares diferenciados: células caliciformes (assim chamadas por causa de sua forma), que secretam muco; células ciliadas, com cílios móveis; e um pequeno número de células endócrinas, que secretam serotonina e peptídeos que atuam como mediadores locais. Estas moléculas-sinal afetam terminações nervosas e outras células vizinhas no trato respiratório, de modo a ajudar na regulação da taxa de secreção de muco e batimento ciliar, na contração das células musculares circundantes que podem fazer a constrição das vias aéreas, e em outras funções. As células basais também estão presentes e servem como células-tronco para a renovação do epitélio. O muco secretado pelas células caliciformes forma uma cobertura visco-elástica de cerca de 5 m de espessura sobre a porção superior dos cílios. Os cílios, todos batendo na mesma direção, a uma taxa de cerca de 12 batimentos por segundo, removem o muco dos pulmões, levando consigo os detritos que tenham ficado aderidos a ele. Esta esteira rolante para a remoção de lixo dos pulmões é chamada de escada rolante mucociliar. Com certeza, algumas partículas inaladas podem atingir os alvéolos, onde não há esta escada rolante. Aqui, o material indesejado é removido por uma outra classe de células especializadas, os macrófagos, que percorrem os pulmões, fagocitando materiais estranhos e matando e digerindo bactérias. Muitos milhões de macrófagos, carregados com detritos, são removidos dos pulmões a cada hora na escada rolante mucociliar. Na extremidade superior do sistema respiratório, o epitélio respiratório úmido coberto de muco passa abruptamente a epitélio pavimentoso estratificado. Este folheto celular está estruturado para resistência mecânica e proteção e, como a epiderme, ele consiste em muitas camadas de células achatadas, densamente envoltas por queratina. Difere da epiderme porque é mantido úmido, e suas células retêm os núcleos, mesmo nas camadas mais externas. Limites abruptos de especializações celulares epiteliais, como aqueles entre a mucosa e o epitélio pavimentoso estratificado do trato respiratório, também são encontrados em outras partes do corpo, mas pouco se sabe sobre como eles são criados e mantidos.

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Camada de muco que carrega detritos

Batimento coordenado de cílios impulsionando muco para fora dos pulmões

Cílios

Célula ciliada

Lâmina basal

Célula basal (célula-tronco)

Célula caliciforme (secreta muco)

Figura 23-20 Epitélio respiratório. As células caliciformes secretam o muco, que forma uma cobertura sobre as extremidades das células ciliadas. O batimento regular e coordenado dos cílios impulsiona o muco para cima e para fora das vias aéreas, levando qualquer detrito que esteja aderido a ele. O mecanismo que coordena o batimento ciliar é um mistério, mas ele parece refletir uma polaridade intrínseca no epitélio. Se um segmento da traqueia de coelho é invertido cirurgicamente, ele continua removendo muco, mas na direção errada, recuando em direção ao pulmão, em oposição às porções adjacentes não-invertidas da traqueia.

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O revestimento do intestino delgado renova a si mesmo mais rápido que qualquer outro tecido

Figura 23-21 Renovação do revestimento do intestino. (A) O padrão de renovação celular e de proliferação de células-tronco no epitélio que forma o revestimento do intestino delgado. A seta colorida mostra a direção ascendente geral do movimento celular na vilosidade, mas algumas células, incluindo uma proporção de células caliciformes e enteroendócrinas, ficam para trás e diferenciam-se ainda enquanto estão nas criptas. As células diferenciadas que não se dividem (células de Paneth) nas profundezas das criptas também têm um tempo de vida finito e são substituídas continuamente pela progênie das células-tronco. (B) Fotografia de um corte de parte do revestimento do intestino delgado, mostrando as vilosidades e as criptas. Notar como as células caliciformes secretoras de muco (coradas de vermelho) estão intercaladas entre outros tipos celulares. As células enteroendócrinas são menos numerosas e menos fáceis de identificar sem colorações especiais. Ver Figura 23-22 para a estrutura destas células.

Somente os vertebrados que respiram o ar têm pulmões, mas todos os vertebrados, e quase todos os animais invertebrados, têm um intestino – isto é, um tubo digestivo revestido com células especializadas para a digestão do alimento e a absorção das moléculas nutrientes liberadas pela digestão. Essas duas atividades são difíceis de gerenciar ao mesmo tempo, pois os processos que digerem alimento no lúmen do intestino são suscetíveis de digerir também o revestimento do próprio intestino, incluindo as células que absorvem os nutrientes. O intestino utiliza várias estratégias para resolver o problema. Os processos digestivos mais intensos, que envolvem hidrólise ácida, assim como ação enzimática, são realizados em um compartimento de reação separado, o estômago. Os produtos então são passados para o intestino delgado, onde os nutrientes são absorvidos e a digestão enzimática continua, mas em um pH neutro. As regiões diferentes do revestimento do intestino consistem em diferentes misturas de tipos celulares. O epitélio do estômago inclui células que secretam ácido e outras células que secretam enzimas digestivas que funcionam em pH ácido. Inversamente, as glândulas (em particular o pâncreas) que desembocam dentro do segmento inicial do intestino delgado contêm células que secretam bicarbonato, para neutralizar a acidez, e outras células que secretam enzimas digestivas que atuam em pH neutro. O revestimento do intestino, abaixo do estômago, contém tanto células absortivas como células especializadas na secreção de muco, que recobre o epitélio com uma camada protetora. Também no estômago, as superfícies mais expostas são revestidas com células mucosas. E, no caso dessas medidas não serem suficientes, o revestimento inteiro do estômago e do intestino é renovado e substituído continuamente por células recentemente produzidas, com uma taxa de renovação de uma semana ou menos. O processo de renovação tem sido melhor estudado no intestino delgado (Figura 23-21). O revestimento do intestino delgado (e da maioria das outras regiões do intestino) é um epitélio de uma única camada. Este epitélio recobre as superfícies das vilosidades que se projetam em direção ao lúmen e reveste as criptas que descem em direção ao tecido conectivo subjacente. As células-tronco em divisão localizam-se em uma posição protegida

LÚMEN DO INTESTINO Migração celular epitelial desde o “nascimento” no fundo da cripta até a perda na extremidade da vilosidade (o tempo de trânsito é de 3 a 5 dias)

Vilosidade (nenhuma divisão celular) Corte transversal da vilosidade

Células epiteliais

Vilosidade

Cripta

Células absortivas Corte com borda transversal em escova da cripta

Tecido conectivo frouxo

Células diferenciadas que não se dividem

Células caliciformes que secretam muco

Direção do movimento Células que se dividem rapidamente (o tempo do ciclo é de 12 horas)

Células-tronco que se dividem lentamente (o tempo do ciclo é de > 24 horas) (A)

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Células de Paneth diferenciadas que não se dividem

Cripta

(B)

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5 ␮m

Célula absortiva

Célula caliciforme

Célula enteroendócrina

Célula de Paneth

Figura 23-22 Os quatro principais tipos de células diferenciadas encontrados no revestimento epitelial do intestino delgado. Todos são gerados a partir de células-tronco indiferenciadas pluripotentes que vivem próximas ao fundo das criptas (ver Figura 23-21). As microvilosidades sobre a superfície apical (borda em escova) das células absortivas proporcionam um aumento de área de superfície de 30 vezes, não somente para a absorção de nutrientes, mas também para a fixação das enzimas que realizam os estágios finais da digestão extracelular, degradando peptídeos pequenos e dissacarídeos em monômeros que podem ser transportados através da membrana celular. As setas amarelas grossas indicam a direção da secreção ou da captação de materiais por cada tipo de célula. (Com base em T. L. Lentz, Cell Fine Structure. Philadelphia: Saunders, 1971; R. Krstić, Illustrated Encyclopedia of Human Histology. Berlin: Springer-Verlag, 1984.)

nas profundezas das criptas. Estas produzem quatro tipos de células-filhas diferenciadas (Figura 23-22): 1. Células absortivas (também chamadas de células com borda em escova ou enterócitos) têm microvilosidades densamente colocadas sobre sua superfície exposta para aumentar sua área de superfície ativa para a captação de nutrientes. Elas tanto absorvem nutrientes quanto secretam (ou carregam em suas superfícies externas) enzimas hidrolíticas que realizam algumas das etapas finais da digestão extracelular, quebrando moléculas de alimento na preparação para o transporte através da membrana plasmática. 2. Células caliciformes (como no epitélio respiratório) secretam muco. 3. Células de Paneth fazem parte do sistema imune de defesa inato (discutido no Capítulo 24) e secretam (juntamente com alguns fatores de crescimento) criptidinas – proteínas da família das defensinas que matam bactérias (ver Figura 24-46). 4. Células enteroendócrinas, de mais de 15 subtipos diferentes, secretam serotonina e hormônios peptídeos, como colecistoquinina (CCK), que atuam sobre neurônios e outros tipos de células na parede do intestino e regulam o crescimento, a proliferação e as atividades digestivas de células do intestino e de outros tecidos. Por exemplo, a colecistoquinina é liberada pelas células enteroendócrinas em resposta à presença de nutrientes no intestino e liga-se a receptores nas terminações de nervos sensoriais próximos, que transmitem um sinal ao cérebro para parar a sua sensação de fome após você ter comido o suficiente. As células absortivas, caliciformes e enteroendócrinas migram principalmente para cima, a partir da região de células-tronco, através de um movimento de deslizamento no plano da camada epitelial, para cobrir as superfícies das vilosidades. Em analogia com a epiderme, acredita-se que as células precursoras que proliferam mais rapidamente na cripta estão em um estágio de amplificação transitório, já comprometidas com a diferenciação, mas passam por várias divisões durante seu percurso para fora da cripta, antes de pararem de se dividir e diferenciarem-se de forma definitiva. Dentro de dois a cinco dias (no camundongo) após emergirem das criptas, as células atingem as extremidades das vilosidades, onde elas

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Figura 23-23 Um adenoma no colo humano, comparado com o tecido normal de uma região adjacente do colo da mesma pessoa. A amostra é de um paciente com uma mutação hereditária em uma de suas duas cópias do gene Apc. Uma mutação na outra cópia do gene Apc, que ocorreu em uma célula epitelial do colo durante a vida adulta, deu origem a um clone de células que comportam-se como se a via de sinalização Wnt estivesse ativada permanentemente. Como resultado, as células deste clone formam um adenoma – uma massa de estruturas gigantes semelhantes a criptas, enorme, firme e que se expande.

COLO NORMAL

ADENOMA

200 ␮m

sofrem os estágios iniciais de apoptose e, finalmente, são descartadas no lúmen intestinal. As células de Paneth são produzidas em número muito menor e têm um padrão de migração diferente. Elas permanecem no fundo das criptas, onde também são continuamente substituídas, embora não tão rapidamente, persistindo por cerca de 20 dias (no camundongo) antes de sofrerem apoptose e serem fagocitadas por suas vizinhas. As células-tronco também permanecem no fundo ou próximo ao fundo das criptas. O que as mantém neste local e o que restringe a divisão celular às criptas? Como as migrações são controladas para que algumas células movam-se para cima enquanto outras permanecem embaixo? Quais são os sinais moleculares que organizam o sistema inteiro de células-tronco e como eles funcionam?

A sinalização Wnt mantém o compartimento de células-tronco do intestino O início de uma resposta para estas questões surgiu de estudos de câncer de colo e reto (a porção final do intestino). Como discutido no Capítulo 20, algumas pessoas têm uma predisposição hereditária para esta doença e, com o avançar do câncer, desenvolvem um número grande de tumores pré-cancerosos pequenos (adenomas) no revestimento de seu intestino grosso (Figura 23-23). A aparência destes tumores sugere que eles tenham surgido de células da cripta intestinal que tenham falhado em parar sua proliferação pela maneira normal e, dessa forma, tenham dado lugar a estruturas semelhantes a criptas excessivamente grandes. A causa pode estar relacionada a mutações do gene Apc (polipose adenomatosa do colo, de adenomatous polyposis coli): os tumores surgem de células que tenham perdido ambas as cópias do gene. O Apc codifica para uma proteína que previne a ativação inapropriada da via de sinalização Wnt, de modo que se suspeita que a perda da APC imita o efeito da exposição continua a um sinal Wnt. Portanto, a sugestão é que a sinalização Wnt normalmente mantém as células da cripta em um

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estado proliferativo, e a interrupção da exposição à sinalização Wnt normalmente as faz parar de se dividir enquanto elas deixam a cripta. Na verdade, camundongos que são homozigotos para uma mutação knockout no gene Tcf4, que codifica para uma proteína reguladora de gene que é necessária como realizadora da sinalização Wnt no intestino, não produzem criptas, apresentam falhas na renovação de seu epitélio intestinal e morrem logo após o nascimento. Experimentos com camundongos transgênicos confirmam a importância da sinalização Wnt e revelam outros reguladores que atuam junto com Wnt para organizar a linha de produção de células intestinais e mantê-la seguindo corretamente. Por exemplo, utilizando a técnica Cre/lox com um promotor induzido por Cre (como descrito no Capítulo 8, p. 567), é possível por fora de ação (nocautear) bruscamente o gene Apc nas células epiteliais do intestino, em qualquer momento escolhido na vida do camundongo. Dentro de poucos dias, a estrutura do intestino está transformada: as regiões de células proliferativas semelhantes a criptas estão bastante aumentadas, as vilosidades são reduzidas e o número de células diferenciadas definitivas está drasticamente reduzido. Ao contrário, pode-se produzir um camundongo transgênico no qual todas as células epiteliais do intestino secretem um inibidor da sinalização Wnt capaz de difundir-se. Estes animais, nos quais a sinalização Wnt está bloqueada, formam apenas algumas criptas e têm apenas algumas células em proliferação em seu epitélio intestinal. Por outro lado, quase todas as células do revestimento do intestino estão completamente diferenciadas como células absortivas que não se dividem; porém, células caliciformes, células enteroendócrinas e células de Paneth estão ausentes. Dessa forma, a sinalização Wnt não apenas mantém as células em um estado proliferativo, mas também é necessária para torná-las competentes para dar origem à série completa de tipos celulares diferenciados definitivamente.

A sinalização Notch controla a diversificação celular do intestino Então, o que faz as células diversificarem à medida que elas diferenciam? A sinalização Notch tem esta função em muitos outros sistemas, onde ela medeia a inibição lateral – uma competição interativa que guia células vizinhas em direção a destinos diferentes (ver Capítulos 15 e 22, Figuras 15-75 e 22-60). Todos os componentes essenciais da via Notch são expressos nas criptas; parece que a sinalização Wnt ativa sua expressão. Quando a sinalização Notch é bloqueada bruscamente por knockout de um destes componentes essenciais, dentro de poucos dias todas as células nas criptas se diferenciam como células caliciformes e cessam a divisão; ao contrário, quando a sinalização Notch é ativada artificialmente em todas as células, não são produzidas células caliciformes e as regiões de proliferação celular semelhantes a criptas são ampliadas. Dos efeitos de todas estas manipulações da sinalização Wnt e Notch, chegamos a um quadro simples de como as duas vias se combinam para dirigir a produção de células diferenciadas a partir de células-tronco (Figura 23-24). Contudo, a sinalização Wnt promove Células absortivas

Células secretoras

Célula absortiva

Célula secretora Via Wnt inativa: nenhuma proliferação celular

Notch ativada Inibição lateral

Movimento celular

Cripta (A)

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Via Wnt ativa: proliferação celular

Notch inativa Progenitora de célula secretora

Divisões de célula-tronco (B)

Célula-tronco

Figura 23-24 Como as vias de sinalização Wnt e Notch combinam-se para controlar a produção de células diferenciadas a partir de células-tronco no intestino. (A) A sinalização Wnt mantém a proliferação na cripta, onde as células-tronco se localizam e sua progênie torna-se comprometida com destinos diferentes. (B) A sinalização Wnt na cripta guia a expressão de componentes da via de sinalização Notch nesta região; assim, a sinalização Notch é ativa na cripta e, por inibição lateral, força as células deste local a se diversificarem. Ambas as vias devem estar ativadas na mesma célula para mantê-la como célula-tronco. As células da progênie da célula-tronco continuam dividindo-se sob influência de Wnt mesmo após elas tornarem-se comprometidas com um destino diferenciado específico, mas a escolha do momento destas divisões de amplificação transitória em relação ao comprometimento não é compreendida em detalhes.

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proliferação celular e confere competência para a série completa de formas de diferenciação, embora evite que a diferenciação ocorra imediatamente; dessa maneira, ela define a cripta e mantém as células-tronco. Contudo, a sinalização Wnt ao mesmo tempo também ativa a expressão dos componentes da via Notch, e a sinalização Notch dentro da população da cripta medeia a inibição lateral, que força as células a diversificar, de tal maneira que algumas tornam-se escolhidas para distribuir a inibição lateral, enquanto outras a recebem. Células do grupo precedente expressam ligantes Notch e ativam Notch em suas vizinhas, mas escapam da ativação de Notch nelas próprias; como resultado, elas tornam-se comprometidas a diferenciar em células secretoras. Células do segundo grupo – a maioria – são mantidas em um estado oposto, com Notch ativado e a expressão de ligante inibida; como resultado, elas conservam a competência para se diferenciar em qualquer uma, por uma variedade de maneiras, e entram em competição de inibição lateral com suas vizinhas. Ambos os grupos de células (com exceção de alguns subtipos secretores) continuam dividindo-se enquanto elas estão na cripta, sob a influência de Wnt. Contudo, quando as células deixam a cripta e perdem a exposição à sinalização Wnt, a competição para, as divisões cessam e as células se diferenciam de acordo com seu estado individual de ativação Notch neste momento – como células absortivas se Notch ainda está ativado, como células secretoras se Notch não está. Certamente, esta não é toda a história de eventos na cripta. Ela não explica, por exemplo, como os vários subgrupos de células secretoras (caliciformes, enteroendócrinas e de Paneth) tornam-se diferentes uns dos outros. Nem ela diz coisa alguma sobre a distinção que muitos especialistas acreditam existir entre as células-tronco verdadeiras e as células amplificadoras transitórias que se dividem mais rapidamente dentro da cripta. Diversos membros diferentes de cada uma das famílias de componentes das vias Wnt e Notch são expressos no epitélio da cripta e no tecido conectivo em torno da base da cripta e, provavelmente, têm efeitos diferentes. Além disso, outras vias de sinalização também têm funções cruciais na organização do sistema.

Figura 23-25 Migração de células da cripta em direção à vilosidade. Neste intestino de camundongo, um subgrupo de células epiteliais ao acaso foi induzido a sofrer uma mutação durante a vida fetal tardia, fazendo as células mutantes expressarem um transgene LacZ, que codifica uma enzima que pode ser detectada pelo produto azul da reação que ela catalisa. Durante seis semanas após o nascimento, cada cripta tornouse povoada pela progênie de uma única célula-tronco e, dessa forma, aparece ou totalmente azul ou totalmente branca, conforme a célula-tronco tenha sido ou não marcada geneticamente desta forma. Várias criptas contribuem para uma única vilosidade, cada uma enviando um fluxo de células diferenciadas para fora em sua direção. (A) Vista, em pequeno aumento, da superfície de parte do revestimento do intestino, mostrando muitas vilosidades, cada uma recebendo fluxos de células de diversas criptas. (B) Detalhe de uma única vilosidade e criptas adjacentes em corte transversal. No exemplo mostrado, o fluxo de células de diferentes criptas permaneceu separado sem se misturar, de forma que a vilosidade aparece azul de um lado e branca do outro; o mais comum é haver alguma mistura, sendo observado um resultado menos ordenado. (De M. H. Wong, J. R. Saam, T. S. Stappenbeck, C. H. Rexer e J. L. Gordon, Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 97:1260112606, 2000. Com permissão da National Academy of Sciences.)

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A sinalização efrina-Eph controla a migração de células epiteliais do intestino Uma das características mais notáveis do sistema de células-tronco do intestino é a migração estável, ordenada e seletiva de células da cripta para a vilosidade. Células absortivas, caliciformes e enteroendócrinas em diferenciação deixam as criptas e sobem a vilosidade (Figura 23-25); células-tronco permanecem nas profundezas das criptas; e células de Paneth migram bem para baixo em direção ao fundo da cripta. Este padrão de movimentos, que segrega os diferentes grupos de células, depende ainda de outra via de sinalização célula-célula. A sinalização Wnt estimula a expressão de receptores de superfície celular da família EphB (discutido no Capítulo 15) nas células da cripta; entretanto, conforme as células se diferenciam, elas interrompem a expressão destes receptores e, ao invés disso, ativam a expressão dos ligantes, proteínas de superfície celular da família efrinaB (Figura 23-26A). Há uma exceção: as células de Paneth conservam a expressão das proteínas EphB (receptores).

(A)

(B)

Vilosidade

1 mm

Criptas

50 ␮m

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Figura 23-26 A sinalização efrina-Eph controla a segregação celular entre criptas e vilosidades. (A) As células proliferativas (incluindo as células-tronco) e as células de Paneth expressam proteínas EphB, enquanto as células diferenciadas, células que já não se dividem e que revestem a vilosidade, expressam proteínas efrinaB. A interação repulsiva célula-célula mediada pelo encontro entre estes dois tipos de moléculas de superfície celular mantém as duas classes de células segregadas. (B) Em um intestino normal, o resultado é que as células de Paneth (coloração castanha) e as células em divisão permanecem confinadas à base das criptas. (C) Em um mutante onde proteínas EphB são defeituosas, células que deveriam permanecer nas criptas desviam para fora em direção à vilosidade. (Adaptada de E. Batlle et al., Cell 111:251-263, 2002. Com permissão de Elsevier.)

Células diferenciadas na vilosidade expressam proteínas efrina (azul) mantendo-se fora da cripta

(B)

Células em diferenciação não se dividindo migram para cima e para fora da cripta

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Tipo selvagem

Células proliferativas e células de Paneth expressam proteínas EphB (vermelho), mantendo-se na cripta

(A)

Células de Paneth

(C)

Mutante EphB

200 ␮m

Portanto, a expressão de EphB é característica de células que permanecem nas criptas, enquanto a expressão de efrinaB é característica de células que se movem para fora em direção à vilosidade. Em vários outros tecidos, células que expressam proteínas EphB são repelidas por contato com células que expressam efrinas (ver Capítulo 22, Figura 22-106). Parece que o mesmo é verdade no revestimento do intestino, e que este mecanismo serve para manter as células nos seus locais adequados. Em mutantes por knockout de EphB, a população celular torna-se misturada de tal maneira que, por exemplo, células de Paneth desviam para fora em direção à vilosidade (Figura 23-26C). A perda de genes EphB em cânceres intestinais está correlacionada ao início do comportamento invasivo pelas células tumorais.

As vias de sinalização Wnt, Hedgehog, PDGF e BMP combinam-se para delimitar o nicho de células-tronco Claramente, as células-tronco do intestino não podem existir sem o ambiente especial que a cripta proporciona a elas. Este nicho de células-tronco é tão essencial quanto as próprias células-tronco. Como ele é criado e mantido? O mecanismo parece depender de uma interação complexa de sinais entre o epitélio e o tecido conectivo subjacente. A troca de sinais Wnt, Hedgehog e PDGF entre os dois tecidos, e entre regiões diferentes do eixo cripta-vilosidade, levam a uma restrição da sinalização Wnt às vizinhanças das criptas. As células epiteliais nas criptas produzem tanto proteínas Wnt quanto os receptores que respondem a elas, criando uma alça de retroalimentação positiva que, provavelmente, ajuda a fazer a ativação da via Wnt nesta região de autossustentação. Ao mesmo tempo, a troca de sinais com o tecido conectivo leva à expressão de proteínas BMP nas células do tecido conectivo que forma o centro das vilosidades (Figura 23-27). Estas células sinalizam para o epitélio da vilosidade adjacente para inibir o desenvolvimento de criptas em local errado: o bloqueio da sinalização BMP interrompe toda a organização e produz criptas no lugar errado, formando invaginações de proliferação do epitélio ao longo da parte lateral das vilosidades.

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Normal

Sinal BMP bloqueado

Epitélio da vilosidade

Centro da vilosidade

As células da vilosidade não proliferam As proteínas BMP do centro da vilosidade inibem a expressão de Hedgehog e Wnt no epitélio da vilosidade

As células da cripta proliferam

Proteínas BMP 4

(B)

Os sinais Hedgehog e Wnt da cripta causam a expressão de BMP4 no centro da vilosidade

Células em proliferação nas criptas

100 ␮m

(C)

Criptas ectópicas

Figura 23-27 Sinais definem o nicho intestinal de células-tronco. (A) Esquema do sistema de sinalização. Proteínas-sinal das famílias Hedgehog e Wnt são expressas pelas células epiteliais na base de cada cripta, as quais também expressam receptores Wnt e se deparam com níveis altos de ativação da via Wnt. As células do tecido conectivo subjacente ao epitélio expressam tanto receptores Hedgehog quanto receptores Wnt. O efeito combinado dos sinais da base da cripta, talvez em conjunto com outros sinais, vai induzir as células do tecido conectivo situado no centro de cada vilosidade a expressar proteínas BMP. As proteínas BMP atuam sobre o epitélio da vilosidade, impedindo suas células de formar criptas. (B) Corte transversal de uma região de epitélio intestinal normal. A coloração castanha marca células proliferativas, as quais estão confinadas à cripta. (C) Corte de intestino de um camundongo transgênico que expressa um inibidor de sinalização BMP, corado de maneira semelhante. As criptas contendo células em divisão se desenvolveram de forma ectópica, ao longo das partes laterais da vilosidade mal-formada. (B e C, cortesia de A. Haramis et al., Science 303:1684-1686, 2004. Com permissão de AAAS.)

(A)

As funções do fígado como uma interface entre o tubo digestivo e o sangue Como acabamos de ver, as funções do intestino estão divididas entre uma variedade de tipos celulares. Algumas células são especializadas para a secreção de ácido hidroclorídrico, outras para a secreção de enzimas, outras para a absorção de nutrientes, e assim por diante. Alguns desses tipos celulares estão intimamente associados na parede do intestino, enquanto outros são segregados em grandes glândulas que se comunicam com o intestino e se originam no embrião como proliferações externas do epitélio intestinal. O fígado é a maior dessas glândulas. Ele se desenvolve em um local onde corre a principal veia, próximo à parede do tubo digestivo primitivo, e o órgão adulto conserva uma relação especial com o sangue. As células no fígado que derivam do epitélio do intestino primitivo – os hepatócitos – estão organizadas em placas e em cordões celulares interligados, com espaços preenchidos de sangue chamados de sinusoides correndo entre eles (Figura 23-28). O sangue está separado da superfície dos hepatócitos por uma camada única de células endoteliais achatadas que recobrem as faces expostas das células hepáticas. Essa estrutura facilita as principais funções do fígado, que dependem da troca de metabólitos entre os hepatócitos e o sangue. O fígado é o principal local no qual os nutrientes que estão sendo absorvidos no intestino e transferidos para o sangue são processados para a utilização por outras células do corpo. Ele recebe a maior parte de seu suprimento sanguíneo diretamente a partir do tubo intestinal (por meio da veia porta). Os hepatócitos sintetizam, degradam e armazenam um imenso número de substâncias. Eles desempenham um papel central no metabolismo de carboidratos e de lipídeos do corpo como um todo e secretam a maioria das proteínas encontradas no plasma sanguíneo. Ao mesmo tempo, os hepatócitos permanecem relacionados ao lúmen do intestino através de um sistema de canais diminutos (ou canalículos) e de grandes ductos (ver Figura 23-28B,C) e secretam no intestino, por essa via, tanto os resíduos dos produtos de seu metabolismo como um agente emulsificante, a bile, que auxilia

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Biologia Molecular da Célula

Sinusoide desembocando na veia central

Célula vermelha do sangue no sinusoide

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Célula endotelial fenestrada

Hepatócito

Canalículo biliar conduzindo ao ducto biliar Célula de Kupffer

(A)

(B) 100 ␮m Placas de hepatócitos

Sinusoide sanguíneo

Canalículo biliar

10 ␮m Célula endotelial fenestrada (C)

na absorção de gorduras. Os hepatócitos são células grandes e cerca de 50% deles (em um humano adulto) são poliploides, com duas, quatro, oito ou mesmo mais vezes a quantidade diploide normal de DNA por célula. Em contraste com o resto do sistema digestivo, parece haver uma divisão de trabalho notavelmente pequena dentro da população de hepatócitos. Cada hepatócito parece ser capaz de realizar a mesma gama ampla de tarefas metabólicas e secretoras. Essas células completamente diferenciadas também podem se dividir repetidamente, quando há necessidade, como explicaremos a seguir.

A perda celular do fígado estimula a sua proliferação celular O fígado ilustra de maneira impressionante um dos grandes problemas não-solucionados da biologia do desenvolvimento e tecidual: o que determina o tamanho de um órgão do corpo ou a quantidade de um tipo de tecido em relação a outro? Para órgãos diferentes, quase com certeza as respostas são diferentes, mas há apenas alguns casos nos quais o mecanismo é bem-conhecido. Os hepatócitos vivem, normalmente, por um ano ou mais e são renovados em uma taxa lenta. Entretanto, mesmo em um tecido que se renova lentamente, um pequeno, porém persistente, desequilíbrio entre a taxa de produção celular e a taxa de morte celular poderia levar ao desastre. Se 2% dos hepatócitos em um humano se dividissem a cada semana, mas somente 1% morresse, o fígado cresceria a ponto de exceder o peso do resto do corpo dentro de oito anos. Os mecanismos homeostáticos devem funcionar para ajustar a taxa de proliferação celular ou a taxa de morte celular, ou ambas, de modo a manter o órgão em seu tamanho normal. Além disso, este tamanho precisa ser condizente com o tamanho do resto do corpo. De fato, quando o fígado de um cão pequeno é transplantado em um cão grande, ele cresce rapidamente para o tamanho quase apropriado para o hospedeiro; inversamente, quando o fígado é transplantado de um cão grande para um pequeno, ele encolhe. Uma evidência direta do controle homeostático da proliferação celular do fígado veio de experimentos nos quais hepatócitos em grande número foram removidos cirurgicamente, ou foram intencionalmente mortos por envenenamento com tetracloreto de carbono. Dentro de um dia, ou logo após uma das formas de lesão, uma onda de divisão celular ocorre entre os hepatócitos que sobreviveram, e o tecido perdido é substituído rapidamente. (Se os próprios hepatócitos são totalmente eliminados, uma outra classe de células, localizadas nos ductos biliares, pode servir como células-tronco para a origem de novos hepatócitos, mas em geral não há necessidade disso.) Por exemplo, se dois terços do fígado de um rato são removidos, um fígado de tamanho aproximadamente normal pode ser regenerado a partir do que restou por meio de proliferação de hepatócitos, em cerca de duas semanas. Embora muitas moléculas tenham sido relacionadas ao desencadeamento dessa reação, uma das mais importantes é uma proteína chamada de fator de crescimento de hepatócito. Ela estimula os hepatócitos a se dividirem em cultivo, e sua produção aumenta abruptamente (por um mecanismo pouco conhecido) em resposta à lesão do fígado.

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Célula vermelha do sangue no sinusoide

Hepatócito

Figura 23-28 A estrutura do fígado. (A) Uma eletromicrografia de varredura de uma porção do fígado, mostrando as placas e os cordões irregulares de hepatócitos e de muitos canais pequenos, ou sinusoides, para o fluxo de sangue. Os canais grandes são vasos que distribuem e coletam o sangue que corre pelos sinusoides. (B) Detalhe de um sinusoide (ampliação de uma região semelhante àquela marcada pelo retângulo amarelo embaixo, à direita, em [A]). (C) Desenho esquemático da fina estrutura do fígado. Uma única e delgada camada de células endoteliais intercaladas com macrófagos chamados de células de Kupffer separa os hepatócitos da corrente sanguínea. Pequenos buracos na camada endotelial, chamados de fenestras (“janelas”, em latim), permitem a troca de moléculas e de partículas pequenas entre os hepatócitos e a corrente sanguínea. Além da troca de materiais com o sangue, os hepatócitos formam um sistema de minúsculos canalículos biliares dentro dos quais eles secretam bile, que é descarregada finalmente no intestino por meio de ductos biliares. A estrutura real é menos uniforme do que este esquema sugere. (A e B, cortesia de Pietro M. Motta, University of Rome “La Sapienza”.)

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O equilíbrio entre a geração e a morte das células no fígado adulto (e em outros órgãos também) não depende exclusivamente da regulação da proliferação celular: os controles de sobrevivência celular também desempenham uma função. Por exemplo, se um rato adulto é tratado com fenobarbital, os hepatócitos são estimulados a se dividir, fazendo o fígado aumentar. Quando o tratamento com fenobarbital é interrompido, a morte celular de hepatócitos aumenta muito, até o fígado retornar ao seu tamanho original, normalmente dentro de mais ou menos uma semana. O mecanismo desse tipo de controle de sobrevivência celular é desconhecido, mas tem sido sugerido que os hepatócitos, como a maioria das células de vertebrados, dependem de sinais de outras células para sua sobrevivência e que o nível normal desses sinais pode sustentar apenas um certo número-padrão de hepatócitos. Se o número de hepatócitos eleva-se acima disso (p. ex., como resultado de tratamento com fenobarbital), a morte de hepatócitos aumentará automaticamente, para baixar o seu número. Não se sabe como os níveis apropriados de fatores de sobrevivência são mantidos.

A renovação de tecido não depende obrigatoriamente de células-tronco: as células secretoras de insulina no pâncreas A maior parte dos órgãos do sistema respiratório e digestivo, incluindo os pulmões, o estômago e o pâncreas, contém uma subpopulação de células endócrinas semelhantes às células enteroendócrinas no intestino e, como elas, produzidas no epitélio sob o controle da via de sinalização Notch. As células secretoras de insulina (células ) do pâncreas pertencem a esta categoria. Seu modo de renovação tem uma importância especial, porque a perda destas células (através de lesão autoimune) é responsável pelo diabete tipo I (forma juvenil da doença) e também um fator significativo no diabete tipo II (forma adulta da doença). Em um pâncreas normal, elas estão sequestradas em grupos celulares, chamados de ilhotas de Langerhans (Figura 23-29), onde estão reunidas com células enteroendócrinas afins, que secretam outros hormônios. As ilhotas não contêm subgrupos evidentes de células especializadas para atuar como células-tronco, ainda que células  novas sejam continuamente produzidas dentro delas. De onde vêm estas novas células? A questão tem sido respondida pelo estudo de camundongos transgênicos no qual uma variante engenhosa da técnica de Cre-Lox (descrita no Capítulo 8) foi usada para produzir um marcador de mutação justamente naquelas células que estivessem expressando o gene insulina no momento em que uma substância foi administrada para ativar Cre. Dessa forma, as únicas células que tornaram-se marcadas e transmitiram a marca para sua progênie foram aquelas que já haviam se diferenciado em células  no momento do tratamento. Quando os camundongos foram analisados cerca de um ano mais tarde, todas as células  novas carregavam a marca, implicando em que elas eram descendentes de células  já diferenciadas, e não de alguma célula-tronco indiferenciada. Como no fígado, parece que a população de células diferenciadas aqui é renovada e ampliada por duplicação simples de células diferenciadas existentes, e não por meio de células-tronco.

Figura 23-29 Uma ilhota de Langerhans no pâncreas. As células secretoras de insulina (células ) são coradas de verde por imunofluorescência. Os núcleos celulares são corados de púrpura com um corante de DNA. As células pancreáticas exócrinas circundantes (que secretam enzimas digestivas e bicarbonato no intestino através de ductos) não são coradas, exceto seus núcleos. Dentro da ilhota, próximo a sua superfície, também há um pequeno número de células (não-coradas) que secretam hormônios como o glucagon. As células secretoras de insulina substituem a elas mesmas através de duplicação simples, sem a necessidade de células-tronco especializadas. (Adaptada de uma fotografia, cortesia de Yuval Dor. © 2004 Yuval Dor, The Hebrew University, Jerusalém.)

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50 ␮m

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Resumo O pulmão desempenha uma função simples – troca gasosa –, mas seus sistemas de controle são complexos. As células secretoras de surfactante ajudam a impedir o colapso dos alvéolos. Os macrófagos limpam constantemente os alvéolos de resíduos e de micro-organismos. Uma escada rolante mucociliar formada por células caliciformes secretoras de muco e de células com cílios móveis varre os resíduos para fora das vias aéreas. No intestino, onde ocorrem os processos químicos potencialmente mais prejudiciais, a renovação celular constante e rápida mantém o epitélio absortivo em bom estado. No intestino delgado, as células-tronco nas criptas originam novas células absortivas, caliciformes, enteroendócrinas e de Paneth, substituindo a maior parte do revestimento epitelial do intestino a cada semana. A sinalização Wnt nas criptas mantém a população de células-tronco, enquanto a sinalização Notch induz a diversificação da progênie de células-tronco e limita o número que vai destinar à função secretora. Interações célula-célula dentro do epitélio, mediadas por sinalização Efrina-Eph, controlam a migração seletiva de células das criptas para cima, em direção às vilosidades. Interações entre o epitélio e o estroma, envolvendo as vias Wnt, Hedgehog, PDGF e BMP, organizam o padrão de criptas e vilosidades, criando, desta forma, os nichos onde habitam as células-tronco. O fígado é um órgão mais protegido, mas também pode ajustar rapidamente seu tamanho para mais ou para menos pela proliferação celular ou pela morte celular, quando surge a necessidade. Os hepatócitos diferenciados permanecem capazes de se dividir por toda vida, mostrando que uma classe especializada de células-tronco não é sempre necessária para a renovação do tecido. De forma semelhante, a população de células produtoras de insulina no pâncreas é ampliada e renovada por duplicação simples de células produtoras de insulina já existentes.

VASOS SANGUÍNEOS, LINFÁTICOS E CÉLULAS ENDOTELIAIS Dos tecidos que derivam do ectoderma e do endoderma embrionário, agora começaremos a trabalhar aqueles derivados do mesoderma. Este folheto intermediário de células, encaixado entre o ectoderma e o endoderma, cresce e se diversifica para proporcionar uma extensa variedade de funções de suporte. Ele dá origem aos tecidos conectivos do corpo, às células do sangue e aos vasos sanguíneos e linfáticos, assim como músculo, rim e muitas outras estruturas e tipos celulares. Começaremos com os vasos sanguíneos. Quase todos os tecidos dependem de um suprimento de sangue, e o suprimento de sangue depende de células endoteliais, que formam o revestimento dos vasos sanguíneos. As células endoteliais têm uma capacidade notável para adaptar seu número e seu arranjo para servir às necessidades locais. Elas criam um sistema adaptável de suporte da vida, estendendo-se por migração celular para quase toda região do corpo. Se não fossem as células endoteliais que estendem e remodelam a rede de vasos sanguíneos, o crescimento e o reparo dos tecidos seriam impossíveis. O tecido canceroso é tão dependente de um suprimento de sangue quanto o tecido normal, e isto tem levado a uma onda de interesse na biologia celular endotelial. Pelo bloqueio da formação de novos vasos sanguíneos com o uso de fármacos que atuam sobre células endoteliais, pode ser possível bloquear o crescimento de tumores (discutido no Capítulo 20).

As células endoteliais revestem todos os vasos sanguíneos e linfáticos Os vasos sanguíneos maiores são artérias e veias, que têm uma parede espessa resistente de tecido conectivo e muitas camadas de células musculares lisas (Figura 23-30). A parede é revestida por uma única camada extremamente fina de células endoteliais, o endotélio, separada das camadas externas vizinhas por uma lâmina basal. As quantidades de tecido conectivo e músculo liso na parede do vaso variam de acordo com o diâmetro e a função do vaso, porém o revestimento endotelial está sempre presente. Nos ramos mais finos da árvore vascular – os capilares e os sinusoides – as paredes consistem apenas em células endoteliais e em uma lâmina basal (Figura 23-31), juntamente com uns poucos e dispersos – porém funcionalmente importantes – pericitos. Estes são células da família do tecido conectivo, relacionadas às células vasculares musculares lisas, que se envolvem ao redor dos pequenos vasos (Figura 23-32).

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Lâmina elástica Tecido conectivo (fibras de elastina) frouxo Músculo liso Revestimento endotelial

Lúmen da artéria

Lâmina basal

100 ␮m

Figura 23-30 Esquema de uma artéria pequena em corte transversal. As células endoteliais, embora imperceptíveis, são o componente fundamental. Comparar com o capilar na Figura 23-31.

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Lâmina basal

Núcleo da célula endotelial

(A)

Lúmen do capilar

(B) 2 ␮m

1 ␮m

Figura 23-31 Capilares. (A) Eletromicrografia de um corte transversal de um capilar pequeno no pâncreas. A parede é formada por uma única célula endotelial circundada por uma lâmina basal. (B) Eletromicrografia de varredura do interior de um capilar em um glomérulo do rim, onde ocorre filtração do sangue para produzir urina. Aqui, como no fígado (ver Figura 23-28), as células endoteliais são especializadas para formar uma estrutura em forma de peneira, com fenestras, organizadas de forma bastante parecida com os poros no envelope nuclear das células eucarióticas, permitindo que a água e a maioria das moléculas passem livremente para fora da corrente sanguínea. (A, de R. P. Bolender, J. Cell Biol. 61:269-287, 1974. Com permissão de The Rockefeller University Press; B, cortesia de Steve Gschmeissner e David Shima.)

Menos evidentes que os vasos sanguíneos são os vasos linfáticos. Estes não transportam sangue e têm paredes muito mais delgadas e mais permeáveis que os vasos sanguíneos. Eles proporcionam um sistema de drenagem para o fluido (linfa) que filtra para fora dos vasos sanguíneos, bem como uma via de saída para células brancas do sangue que tenham migrado dos vasos sanguíneos para dentro dos tecidos. Infelizmente, muitas vezes eles também fornecem a via pela qual células de câncer escapam de um tumor primário para invadir outros tecidos. Os linfáticos formam um sistema ramificado de afluentes, todos drenando, finalmente, para dentro de um único grande vaso linfático, o ducto torácico, que se abre em uma grande veia, próxima ao coração. Da mesma forma que os vasos sanguíneos, os linfáticos são revestidos com células endoteliais. Dessa forma, as células endoteliais revestem o sistema vascular sanguíneo e linfático inteiro, desde o coração até os menores capilares, e controlam a passagem de materiais – e o trânsito de células brancas do sangue – para dentro e para fora da corrente sanguínea. Artérias, veias e linfáticos desenvolvem-se todos a partir de vasos pequenos constituídos unicamente de células endoteliais e de lâmina basal: o tecido conectivo e o músculo liso são adicionados mais tarde, quando necessário, sob influência de sinais provenientes das células endoteliais.

Extremidades de células endoteliais abrem caminho para a angiogênese

10 ␮m

Figura 23-32 Pericitos. A eletromicrografia de varredura mostra pericitos envolvendo seus processos em torno de um vaso sanguíneo pequeno (uma vênula pós-capilar) na glândula mamária de uma gata. Pericitos estão presentes também em torno de capilares, porém distribuídos de forma muito mais esparsa. (De T. Fujiwara e Y. Uehara, Am. J. Anat. 170:39-54, 1984. Com permissão de Wiley-Liss.)

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Para compreender como o sistema vascular se forma dentro do indivíduo e como ele se adapta às alterações de necessidades de tecidos, temos que entender as células endoteliais. Como elas tornam-se tão amplamente distribuídas, e como elas formam canais que se associam exatamente na forma adequada para o sangue circular através dos tecidos e para a linfa drenar de volta para a corrente sanguínea? Células endoteliais são originadas em locais específicos no embrião precoce a partir de precursoras que também dão origem a células do sangue. A partir destes locais, as células endoteliais embrionárias precoces migram, proliferam e se diferenciam para formar os primeiros rudimentos de vasos sanguíneos – um processo chamado de vasculogênese. O crescimento e a ramificação subsequentes dos vasos por todo o corpo ocorrem, principalmente, por proliferação e movimento das células endoteliais destes primeiros vasos, em um processo chamado de angiogênese. A angiogênese ocorre de uma maneira muito semelhante no organismo jovem enquanto ele cresce e no adulto durante o reparo e a remodelação de tecido. Podemos observar o comportamento das células em estruturas naturalmente transparentes, como a córnea do

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Células vermelhas do sangue

Célula endotelial

Esta célula endotelial dará origem a uma nova ramificação capilar

(A)

(B)

Lúmen do capilar

Broto capilar em forma de fundo de saco para formar tubo

Processos dos pseudópodes guiam o desenvolvimento de um broto capilar enquanto ele cresce no tecido conectivo circundante

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Figura 23-33 Angiogênese. (A) Um novo capilar sanguíneo se forma pelo brotamento de uma célula endotelial a partir da parede de um pequeno vaso existente. Uma célula endotelial da extremidade, com muitos filopódios, guia o avanço de cada broto capilar. As células endoteliais da haste seguem atrás da célula da extremidade e tornam-se ocas para formar um tubo com lúmen interno. (B) Capilares sanguíneos brotando na retina de um camundongo embrionário. (C) Uma amostra semelhante, mas com um corante vermelho injetado na corrente sanguínea para revelar o lúmen do capilar se abrindo atrás da célula da extremidade. (B e C, de H. Gerhardt et al., J. Cell Biol. 161:1163-1177, 2003. Com permissão de The Rockefeller University Press.)

(C)

olho ou a barbatana de um girino, ou em tecido em cultivo, ou no embrião. A retina embrionária, a qual os vasos sanguíneos invadem de acordo com um horário previsto, é um exemplo conveniente para estudo experimental. Cada vaso novo origina-se como um broto capilar do lado de um capilar existente ou pequena vênula (Figura 23-33A). Na extremidade do broto, abrindo caminho, está uma célula endotelial com um caráter distinto. Esta célula da extremidade tem um padrão de expressão gênica um tanto diferente daquele das células endoteliais da haste que seguem atrás dela, e enquanto elas se dividem, ela não o faz; mas a característica mais surpreendente da célula da extremidade é que ela estende muitos processos longos chamados de filopódios, que parecem com aqueles de um cone de crescimento neuronal (Figura 23-33B). As células da haste, entretanto, tornam-se encavadas e ocas para formar um lúmen (ver Figura 23-33A). Pode-se observar este processo no embrião transparente de peixe-zebra: as células individuais desenvolvem vacúolos internos que associam-se àqueles de suas vizinhas para criar um tubo multicelular contínuo. As células endoteliais da extremidade que abrem caminho para o crescimento de capilares normais não apenas parecem com cones de crescimento neuronal, mas também respondem de forma semelhante aos sinais no ambiente. De fato, muitas das mesmas moléculas de controle estão envolvidas, incluindo semaforinas, netrinas, slits e efrinas, juntamente com os receptores correspondentes, que são expressos nas células da extremidade e guiam o broto vascular ao longo de vias específicas no embrião, frequentemente em paralelo com nervos. Porém, talvez a molécula de controle mais importante para as células endoteliais seja uma que está dedicada especificamente ao controle do desenvolvimento vascular: o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF, vascular endothelial growth factor). Teremos mais a falar sobre isso a seguir.

Tipos diferentes de células endoteliais formam tipos diferentes de vasos Para criar um circuito novo para fluxo de sangue, um broto vascular deve continuar a crescer até encontrar outro broto ou vaso com o qual ele possa conectar-se. Provavelmente, as regras de conexão têm de ser seletivas, para evitar a formação de circuitos curtos indesejáveis e para manter os sistemas sanguíneo e linfático adequadamente separados. Na verdade, células endoteliais de vasos arteriais, venosos e linfáticos em desenvolvimento expressam genes diferentes e têm propriedades de superfície diferentes. Evidentemente, essas diferenças ajudam a orientar os vários tipos de vasos ao longo de diferentes vias, controlam a

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formação seletiva de conexões e dirigem o desenvolvimento de diferentes tipos de paredes à medida que o vaso aumenta. Por exemplo, as células endoteliais arteriais, ao menos no embrião, expressam a proteína transmembrana efrinaB2, enquanto as células endoteliais venosas expressam a proteína receptora correspondente, EphB4 (discutido no Capítulo 15). Estas moléculas medeiam a sinalização em locais de contato célula-célula e são essenciais ao desenvolvimento de uma rede de vasos corretamente organizada. A expressão da proteína reguladora de gene Prox1 distingue as células endoteliais de vasos linfáticos das células endoteliais arteriais e venosas. Este gene ativa um subgrupo de células endoteliais na parede de uma grande veia no embrião (a veia cardinal), convertendo-as em progenitoras linfáticas. A partir destas, toda a vascularização linfática deriva-se por brotamento, como descrito anteriormente. A Prox1 faz as células endoteliais linfáticas expressarem receptores para um membro diferente da família VEGF de moléculas de controle, bem como proteínas que evitam que as células linfáticas formem conexões com vasos sanguíneos.

Tecidos que necessitam de um suprimento de sangue liberam VEGF; a sinalização Notch entre células endoteliais regula a resposta Quase todas as células, em quase todos os tecidos de um vertebrado, estão localizadas a 50 a 100 m de um capilar sanguíneo. Que mecanismo assegura que o sistema de vasos sanguíneos ramifique para todas as direções? Como está ajustado de forma tão perfeita às necessidades locais dos tecidos, não apenas durante o desenvolvimento normal, mas também em todos os tipos de circunstâncias patológicas? Um ferimento, por exemplo, induz um grande e repentino crescimento de capilares nas vizinhanças da lesão para satisfazer as altas exigências metabólicas do processo de reparo (Figura 23-34). Os irritantes e as infecções locais também causam uma proliferação de novos capilares, a maioria dos quais regride e desaparece quando a inflamação diminui. De forma menos benigna, uma amostra pequena do tecido de um tumor implantado na córnea, que normalmente não apresenta vasos sanguíneos, faz com que os vasos sanguíneos cresçam rapidamente na direção do implante a partir da margem vascular da córnea; a taxa de crescimento do tumor aumenta bruscamente, assim que os vasos chegam a ele. Em todos esses casos, as células endoteliais invasoras respondem a sinais produzidos pelo tecido que elas invadem. Os sinais são complexos, mas um papel-chave é desempenhado pelo fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), um parente distante do fator de crescimento derivado de plaqueta (PDGF, platelet-derived growth factor). A regulação de crescimento do vaso sanguíneo, para corresponder às necessidades do tecido, depende do controle de produção de VEGF, por meio de mudanças na estabilidade de seu mRNA e em sua taxa de transcrição. O último controle é relativamente bem-compreendido. Uma falta de oxigênio, em praticamente qualquer tipo de célula, causa um aumento na concentração intracelular de uma proteína reguladora de gene chamada de fator 1␣ induzido por hipoxia (HIF1␣, hypoxia-inducible factor 1). O HIF1 estimula a transcrição do gene Vegf (e de outros genes cujos produtos são necessários quando o suprimento de oxigênio está baixo). A proteína VEGF é secretada, difunde-se através do tecido (com isoformas diferentes de VEGF difundindo-se a extensões diferentes) e atua sobre as células endoteliais próximas, estimulando-as a proliferar, a produzirem proteases para ajudá-las a digerir seu caminho através da lâmina basal do capilar, ou da vênula de origem, e a formar brotos. As células da extremidade dos brotos detectam Figura 23-34 Formação de novo capilar em resposta a ferimento. A eletromicrografia de varredura dos moldes do sistema de vasos sanguíneos que circundam a margem da córnea mostra a reação ao ferimento. Os moldes são feitos injetando uma resina dentro dos vasos e deixando-a solidificar; isto revela a forma do lúmen como oposta à forma das células. Sessenta horas após o ferimento, muitos capilares novos tinham começado a brotar em direção ao lado da lesão, que está exatamente acima da parte superior da imagem. Seu supercrescimento orientado reflete uma resposta quimiotática das células endoteliais a um fator angiogênico liberado na ferida. (Cortesia de Peter C. Burger.)

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Controle

60 horas após o ferimento 100 ␮m

100 ␮m

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o gradiente de VEGF e movem-se na direção da fonte deste. (Outros fatores de crescimento, incluindo alguns membros da família do fator de crescimento de fibroblasto, também podem estimular a angiogênese, mediando reações para outras condições, como a inflamação.) Quando os novos vasos se formam, trazendo sangue para o tecido, a concentração de oxigênio se eleva, a atividade de HIF1 diminui, a produção de VEGF é encerrada, e a angiogênese chega ao fim (Figura 23-35). Como em todos os sistemas de sinalização, é tão importante ligar o sinal corretamente, como desligá-lo. No tecido normal bem-oxigenado, a degradação contínua da proteína HIF1 mantém a concentração de HIF1 baixa: na presença de oxigênio, uma enzima que necessita de oxigênio modifica HIF1 de modo que ela seja alvo para degradação. A degradação, por sua vez, requer o produto de outro gene, que codifica para uma subunidade ligase ubiquitina E3, que está defeituoso em uma disfunção rara, chamada de síndrome de von Hippel-Lindau (VHL). As pessoas com esta doença nascem com apenas uma cópia funcional do gene Vhl; as mutações que ocorrem ao acaso depois no organismo dão origem a células com as duas cópias defeituosas do gene. Estas células contêm grandes quantidades de HIF1, apesar da disponibilidade de oxigênio, desencadeando a superprodução contínua de VEGF. O resultado é o desenvolvimento de hemangioblastomas, tumores que contêm massas densas de vasos sanguíneos. As próprias células mutantes que produzem o VEGF são, aparentemente, encorajadas a proliferar pela nutrição demasiadamente rica proporcionada pelo excesso de vasos sanguíneos, criando um ciclo vicioso que promove o crescimento do tumor. A perda do produto do gene Vhl (a proteína VHL) também dá origem a outros tumores, assim como hemangioblastomas, por mecanismos que podem ser independentes dos efeitos sobre a angiogênese. Contudo, esta não é toda a história de como a angiogênese é controlada. O VEGF e outros fatores relacionados do tecido-alvo são essenciais para estimular e dirigir a angiogênese, mas interações entre uma célula endotelial e outra, mediadas pela via de sinalização Notch, também têm uma função crítica. Estas interações controlam quais células serão escolhidas para comportarem-se como células da extremidade, estendendo filopódios e arrastando-se à frente para criar novos brotos vasculares, e elas são necessárias para conduzir este comportamento móvel a uma parada no momento em que ele deve cessar. Dessa forma, quando brotos endoteliais se encontram e se juntam para formar um circuito vascular, eles normalmente se inibem para reduzir suas atividades de brotamento. O efeito depende de um ligante de Notch específico, chamado de Delta4, que é expresso na célula da extremidade e ativa Notch em suas vizinhas; a ativação de Notch leva à expressão reduzida de receptores VEGF, fazendo com que as células vizinhas da célula da extremidade não respondam ao VEGF. Em mutantes nos quais a sinalização Notch é defeituosa, o comportamento de brotamento continua de forma inapropriada e deixa de ser restrito às células da extremidade. O resultado é uma rede excessivamente densa de vasos malorganizados, não-funcionais, que transportam pouco ou nenhum sangue. O2 BAIXO

HIF ALTO O2 ALTO

HIF BAIXO

Broto capilar

Células do tecido

Vaso sanguíneo pequeno

(A)

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(B)

VEGF secretado

Figura 23-35 O mecanismo regulador que controla o crescimento do vaso sanguíneo conforme a necessidade do tecido por oxigênio. A falta de oxigênio desencadeia a secreção de VEGF, que estimula a angiogênese.

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Sinais das células endoteliais controlam o recrutamento de pericitos e células musculares lisas para formar a parede do vaso A rede vascular é remodelada continuamente enquanto ela cresce e se adapta. Um vaso recém-formado pode engrossar; ou pode brotar ramos laterais; ou pode regredir. As próprias células musculares lisas ou de outros tecidos conectivos que formam uma camada em torno do endotélio (ver Figura 23-32) ajudam a estabilizar os vasos enquanto eles aumentam. Este processo de formação da parede do vaso inicia com o recrutamento de pericitos. Um número pequeno destas células migra em companhia das células da haste, pela parte externa de cada broto endotelial. O recrutamento e a proliferação de pericitos e células musculares lisas para formar uma parede de vaso depende da PDGF-B secretada pelas células endoteliais e dos receptores de PDGF nos pericitos e nas células musculares lisas. Em mutantes nos quais falta essa proteína-sinal ou seu receptor, estas células da parede do vaso estão ausentes em muitas regiões. Como resultado, os vasos sanguíneos embrionários desenvolvem microaneurismas – dilatações patológicas microscópicas – que eventualmente se rompem, assim como outras anormalidades, que refletem a importância da troca de sinais em ambas as direções entre as células externas da parede do vaso e as células endoteliais. Uma vez que um vaso tenha amadurecido, os sinais das células endoteliais para o tecido conectivo e o músculo liso circundante continuam a regular a função e a estrutura do vaso. Por exemplo, as células endoteliais têm mecanorreceptores que lhes permitem perceber a tensão próxima devido ao fluxo de sangue sobre sua superfície. As células reagem pela produção e liberação do gás óxido nítrico (NO, nitric oxide), sinalizando, dessa forma, para as células vizinhas e induzindo alterações no diâmetro do vaso e na espessura da parede para acomodar o fluxo de sangue. As células endoteliais também medeiam respostas rápidas aos sinais nervosos para a dilatação dos vasos sanguíneos, por liberação de NO para fazer o músculo liso relaxar na parede do vaso, como discutido no Capítulo 15.

Resumo As células endoteliais são os elementos fundamentais do sistema vascular. Elas formam uma camada celular única que reveste todos os vasos sanguíneos e linfáticos e regula as trocas entre a corrente sanguínea e os tecidos vizinhos. Os vasos novos se originam como brotos endoteliais a partir das paredes de pequenos vasos existentes. Uma célula endotelial móvel e especializada da extremidade direciona a margem de cada broto, estendendo filopódios que respondem a gradientes de moléculas de controle no ambiente, levando ao crescimento do broto de forma semelhante ao crescimento do cone de um neurônio. As células endoteliais da haste, seguindo atrás, tornam-se encavadas e ocas para formar um tubo capilar. As células endoteliais de artérias, veias e linfáticos em desenvolvimento expressam proteínas de superfície celular diferentes, que podem controlar a maneira pela qual elas se juntam para criar uma rede vascular. Os sinais das células endoteliais organizam o crescimento e o desenvolvimento das células do tecido conectivo que formam as camadas circundantes da parede do vaso. Um mecanismo homeostático assegura que os vasos sanguíneos penetrem cada região do corpo. As células que são pobres em oxigênio aumentam sua concentração do fator 1 induzido por hipoxia (HIF1), que estimula a produção do fator de crescimento endotelial vascular (VEGF). O VEGF atua sobre as células endoteliais, fazendo-as proliferar e invadir o tecido pouco oxigenado para supri-lo com vasos sanguíneos novos. As células endoteliais também interagem umas com as outras pela via Notch. Esta troca de sinais Notch é necessária para limitar o número de células que se comporta como célula da extremidade e parar o comportamento angiogênico quando células da extremidade se encontram.

RENOVAÇÃO POR CÉLULASTRONCO MULTIPOTENTES: FORMAÇÃO DE CÉLULAS DO SANGUE O sangue contém muitos tipos de células com funções que variam desde o transporte de oxigênio à produção de anticorpos. Algumas dessas células permanecem dentro do sistema vascular, enquanto outras usam o sistema vascular apenas como um meio de transporte e desempenham sua função em outro local. Entretanto, todas as células sanguíneas têm certas semelhanças em sua história de vida. Todas elas têm um tempo de vida limitado e são produzidas por toda a vida do animal. Notavelmente, todas são produzidas, em última análise, a

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Figura 23-36 Eletromicrografia de varredura de células do sangue de mamífero presas em um coágulo sanguíneo. As células maiores, mais esféricas, com uma superfície áspera, são células sanguíneas brancas; as células mais lisas e achatadas são células vermelhas do sangue. (Cortesia de Ray Moss.)

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partir de uma célula-tronco comum, na medula óssea. Assim, esta célula-tronco hemopoiética (que forma sangue, também chamada de hematopoiética) é multipotente, dando origem a todos os tipos de células sanguíneas diferenciadas definitivas, assim como a alguns outros tipos de células, como os osteoclastos no osso, que discutiremos mais tarde. As células sanguíneas podem ser classificadas como vermelhas ou brancas (Figura 23-36). As células vermelhas do sangue, ou eritrócitos (hemácias), permanecem dentro dos vasos sanguíneos e transportam O2 e CO2 ligados à hemoglobina. As células brancas do sangue, ou leucócitos, combatem infecções e, em alguns casos, realizam a fagocitose e a digestão de detritos. Os leucócitos, ao contrário dos eritrócitos, devem abrir seu caminho atravessando as paredes de pequenos vasos sanguíneos e migrar para os tecidos para desempenhar suas tarefas. Além disso, o sangue contém grande número de plaquetas, que não são células inteiras, mas pequenos fragmentos celulares soltos, ou “minicélulas”, derivados do citoplasma de células grandes chamadas de megacariócitos. As plaquetas se aderem especificamente ao revestimento celular endotelial de vasos sanguíneos lesados, onde ajudam no reparo de rupturas e auxiliam no processo de coagulação sanguínea.

As três principais categorias de células brancas do sangue são granulócitos, monócitos e linfócitos Todas as células vermelhas do sangue permanecem em uma única classe, seguindo a mesma trajetória de desenvolvimento enquanto amadurecem, e o mesmo é verdade para as plaquetas; contudo há muitos tipos distintos de células brancas do sangue. As células brancas do sangue tradicionalmente estão agrupadas em três categorias principais – granulócitos, monócitos e linfócitos – com base na sua aparência à microscopia óptica. Os granulócitos contêm numerosos lisossomos e vesículas secretoras (ou grânulos) e estão subdivididos em três classes, de acordo com a morfologia e as propriedades de coloração dessas organelas (Figura 23-37). As diferenças na coloração refletem as principais diferenças químicas e de função. Os neutrófilos (também chamados de leucócitos polimorfonucleares por causa de seus núcleos multilobulados) são o tipo mais comum de granulócitos; eles fagocitam e destroem os micro-organismos, especialmente as bactérias, e dessa forma têm um papel-chave na imunidade inata à infecção bacteriana, como discutido no Capítulo 25. Os basófilos secretam histamina (e, em algumas espécies, serotonina), que auxilia a mediar a reação inflamatória; eles estão intimamente relacionados aos mastócitos, que se localizam no tecido conectivo, mas também são gerados pelas células-tronco hemopoiéticas. Os eosinófilos auxiliam a destruir os parasitas e modulam as respostas inflamatórias alérgicas. Uma vez que eles tenham deixado a corrente sanguínea, os monócitos (ver Figura 23-37D) amadurecem, tornando-se macrófagos, que, juntamente com os neutrófilos, são as principais “células fagocitárias profissionais” no organismo. Como discutido no Capítulo 13,

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Neutrófilo Plaqueta Linfócito Eosinófilo

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Monócito Eritrócito (célula vermelha do sangue) (E) (A)

(B)

(C)

(D)

Figura 23-37 Leucócitos (A-D) Estas eletromicrografias mostram (A) um neutrófilo, (B) um basófilo, (C) um eosinófilo e (D) um monócito. As eletromicrografias de linfócitos são mostradas na Figura 25-7. Cada um dos tipos celulares mostrados aqui tem uma função diferente, que é refletida pelos tipos distintos de grânulos secretores e de lisossomos que esses tipos contêm. Há apenas um núcleo por célula, porém ele tem uma forma lobulada irregular e, em (A), (B) e (C), as conexões entre os lóbulos estão fora do plano de corte. (E) Uma fotomicrografia de luz de um esfregaço de sangue corado com o corante de Romanowsky, que cora intensamente as células brancas do sangue. (A-D, de B. A. Nichols et al., J. Cell Biol. 50:498-515, 1971. Com permissão de The Rockefeller University Press; E, cortesia de David Mason.)

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ambos os tipos de células fagocitárias contêm lisossomos especializados que se fundem a vesículas fagocitárias recém-formadas (fagossomos), expondo os micro-organismos fagocitados a uma enxurrada, produzida enzimaticamente, de moléculas altamente reativas de superóxido (O2–) e de hipoclorito (HOCl, o ingrediente ativo da água sanitária), assim como ao ataque de uma mistura concentrada de hidrolases lisossomais que se tornam ativas no fagossomo. Entretanto, os macrófagos são muito grandes e vivem mais tempo que os neutrófilos. Eles reconhecem e removem células velhas, mortas e lesadas em muitos tecidos, sendo os únicos aptos a ingerir micro-organismos grandes, tais como protozoários. Os monócitos também dão origem a células dendríticas, como as células de Langerhans espalhadas na epiderme. Como os macrófagos, as células dendríticas são células migratórias que podem ingerir substâncias e organismos estranhos; porém, quando ativas elas não têm um apetite por fagocitose e, em vez disso, são especializadas como apresentadoras de antígenos estranhos aos linfócitos, para desencadear uma resposta imune. As células de Langerhans, por exemplo, ingerem antígenos estranhos na epiderme e os transportam de volta para apresentá-los aos linfócitos, nos linfonodos. Há duas classes principais de linfócitos, ambas envolvidas em respostas imunes: os linfócitos B produzem anticorpos, enquanto os linfócitos T matam as células infectadas por

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vírus e regulam as atividades de outras células brancas do sangue. Além disso, há células semelhantes a linfócitos, chamadas de células matadoras naturais (NK, natural killer), que matam alguns tipos de células tumorais e células infectadas por vírus. A produção de linfócitos é um tópico especializado discutido em detalhes no Capítulo 25. Aqui nos concentraremos principalmente no desenvolvimento de outras células sanguíneas, com frequência classificadas coletivamente como células mieloides. Os vários tipos de células do sangue e suas funções estão resumidos na Tabela 23-1.

A produção de cada tipo de célula do sangue na medula óssea é controlada individualmente A maioria das células sanguíneas brancas funciona em tecidos que não o sangue; o sangue simplesmente as transporta para onde elas são necessárias. Uma infecção ou uma lesão local em qualquer tecido atrai rapidamente as células brancas do sangue para a região afetada como parte da resposta inflamatória, que ajuda a combater a infecção ou a cicatrizar a ferida. A resposta inflamatória é complexa e é controlada por muitas moléculas-sinal diferentes produzidas no local por mastócitos, terminações nervosas, plaquetas e células brancas do sangue, assim como pela ativação do complemento (discutido nos Capítulos 24 e 25). Algumas dessas moléculas-sinal atuam sobre os capilares vizinhos, fazendo com que as células endoteliais fiquem aderidas de forma menos firme umas às outras, preparando suas superfícies adesivas para a passagem das células brancas do sangue. Assim, as células brancas do sangue prendem-se como insetos sobre um papel mata-moscas podendo então escapar do vaso comprimindo-se entre as células endoteliais e utilizando enzimas de digestão para deslizar através da membrana basal. Como discutido no Capítulo 19, receptores locais chamados de selectinas medeiam a ligação inicial às células endoteliais, enquanto a ligação mais forte necessária para que as células brancas do sangue deslizem para fora do vaso sanguíneo Tabela 23-1 Células do sangue CONCENTRAÇÃO TÍPICA NO SANGUE HUMANO (CÉLULAS/LITRO)

TIPO DE CÉLULA

FUNÇÕES PRINCIPAIS

Células vermelhas do sangue (eritrócitos)

Transportam O2 e CO2

5 x 1012

Fagocitam e destroem bactérias invasoras

5 x 109

Destroem parasitas grandes e modulam respostas inflamatórias alérgicas Liberam histamina (e, em algumas espécies, serotonina) em certas reações imunes Nos tecidos, tornam-se macrófagos, que fagocitam e digerem micro-organismos e corpos estranhos invasores, assim como células velhas danificadas

2 x 108

Produzem anticorpos Matam células infectadas por vírus e regulam atividades de outros leucócitos Matam células infectadas por vírus e algumas células tumorais

2 x 109 1 x 109

Células brancas do sangue (leucócitos) Granulócitos Neutrófilos (leucócitos polimorfonucleares) Eosinófilos Basófilos Monócitos

Linfócitos Células B Células T Células matadoras naturais (células NK) Plaquetas (fragmentos celulares que resultam de megacariócitos na medula óssea)

4 x 107 8

4 x 10

1 x 108 11

3 x 10 Iniciam a coagulação sanguínea

Seres humanos contêm cerca de 5 litros de sangue, que são responsáveis por 7% do peso corporal. Células vermelhas do sangue (eritrócitos) constituem cerca de 45% deste volume e células brancas cerca de 1%, sendo o restante o plasma sanguíneo líquido.

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Célula endotelial

Leucócito no capilar

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EXPOSIÇÃO A MEDIADORES DE INFLAMAÇÃO LIBERADOS A PARTIR DO TECIDO LESADO

QUIMIOTAXIA NA DIREÇÃO DOS QUIMIOTÁTICOS LIBERADOS A PARTIR DO TECIDO LESADO

Lâmina basal

Leucócito no tecido conectivo

Figura 23-38 A migração de leucócitos para fora da corrente sanguínea, durante uma resposta inflamatória. A resposta é iniciada por moléculassinal produzidas por células do local (principalmente no tecido conectivo) ou por ativação do complemento. Alguns destes mediadores atuam sobre as células endoteliais do capilar, fazendo-as afrouxar suas ligações com as células vizinhas, até que os capilares tornem-se mais permeáveis. As células endoteliais também são estimuladas a expressar selectinas, moléculas de superfície celular que reconhecem carboidratos específicos que estão presentes na superfície de leucócitos no sangue e os fazem aderir ao endotélio. Os tecidos inflamados e as células endoteliais locais secretam outros mediadores, chamados de quimiocinas, que atuam como agentes quimiotáticos, fazendo os leucócitos ligados deslizarem entre as células endoteliais para dentro do tecido.

é mediada por integrinas (ver Figura 19-19). Tecidos inflamados ou lesados e células endoteliais locais secretam outras moléculas chamadas de quimiocinas, que atuam como agentes quimiotáticos para tipos específicos de células brancas do sangue, fazendo-as tornarem-se polarizadas e deslizarem em direção à fonte do agente quimiotático. Como resultado, grande número de células brancas do sangue penetra o tecido afetado (Figura 23-38). Outras moléculas-sinal produzidas durante uma resposta inflamatória migram pelo sangue e estimulam a medula óssea a produzir mais leucócitos e a liberá-los na corrente sanguínea. A medula óssea é o alvo-chave para tal regulação porque, com exceção dos linfócitos e de alguns macrófagos, a maioria dos tipos de células sanguíneas dos mamíferos adultos é produzida apenas na medula óssea. A regulação tende a ser específica para cada tipo celular: por exemplo, algumas infecções bacterianas causam um aumento seletivo dos neutrófilos, enquanto as infecções com alguns protozoários e com outros parasitas causam um aumento seletivo dos eosinófilos. (Por este motivo, os médicos rotineiramente utilizam a contagem diferencial de células brancas do sangue para auxiliar no diagnóstico de infecções e de outras doenças inflamatórias.) Em outras circunstâncias, a produção de eritrócitos é aumentada seletivamente – por exemplo, nos processos de aclimatação, quando alguém vai viver em altas altitudes, onde o oxigênio é escasso. Dessa forma, a formação de células sanguíneas, ou hemopoiese (também chamada de hematopoiese), envolve necessariamente controles complexos, os quais regulam a produção de cada tipo de célula sanguínea individualmente para satisfazer as mudanças necessárias. Entender como funcionam esses controles é um problema de grande importância médica. No organismo animal, é mais difícil de analisar a hemopoiese do que a renovação celular em um tecido, como a epiderme ou o revestimento do intestino, onde uma organização espacial simples e regular torna fácil seguir o processo de renovação e localizar as células-tronco. Os tecidos hemopoiéticos não aparecem de forma tão ordenada. Contudo, as células hemopoiéticas têm uma característica de vida nômade que as torna mais acessíveis ao estudo experimental de outras maneiras. É fácil obter células hemopoiéticas dispersas e transferi-las, sem danos, de um animal para outro. Além disso, a proliferação e a diferenciação de células individuais e sua progênie podem ser observadas e analisadas em cultivo, e numerosos marcadores moleculares distinguem os vários estágios de diferenciação. Por isso, sabe-se mais sobre as moléculas que controlam a produção de células sanguíneas do que sobre aquelas que controlam a produção celular em outros tecidos de mamíferos. Estudos de hemopoiese têm influenciado fortemente os conceitos atuais sobre sistemas de células-tronco em geral.

A medula óssea contém células-tronco hemopoiéticas Métodos rotineiros de coloração nos permitem reconhecer os diferentes tipos de células sanguíneas e suas precursoras imediatas na medula óssea (Figura 23-39). Aqui, estas células estão misturadas umas com as outras, assim como com células adiposas e outras células do estroma (células do tecido conectivo), que produzem uma malha de sustentação delicada de fibras de colágeno e outros componentes da matriz extracelular. Além disso, o tecido inteiro é ricamente abastecido com vasos sanguíneos de paredes finas, chamados de seios sanguíneos, dentro dos quais as novas células sanguíneas são descarregadas. Os megacariócitos também estão presentes; estes, ao contrário das outras células sanguíneas, permanecem na medula óssea quando maduros e são uma de suas características mais impressionantes, sendo extraordinariamente grandes (diâmetro acima de 60 m), com um núcleo altamente po-

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Neutrófilos imaturos

Precursores de eritrócitos

Megacariócito imaturo

(A)

50 m

(B)

Eosinófilo imaturo

Monócito imaturo

Eritrócito

Linfócito imaturo

10 m

Figura 23-39 Medula óssea. (A) Fotomicrografia óptica de um corte corado. Os grandes espaços vazios correspondem a células adiposas, das quais o conteúdo adiposo dissolveu-se durante a preparação da amostra. A célula gigante com um núcleo lobulado é um megacariócito. (B) Eletromicrografia de baixa magnitude. A medula óssea é a principal fonte de novas células sanguíneas (exceto dos linfócitos T, que são produzidos no timo). Notar que as células sanguíneas imaturas de um tipo particular tendem a agrupar-se em “grupos familiares”. (A, cortesia de David Mason; B, de J. A. G. Rhodin, Histology: A Text and Atlas. New York: Oxford University Press, 1974.)

liploide. Normalmente, eles se encontram junto aos seios sanguíneos e estendem processos celulares através de aberturas no revestimento endotelial desses vasos; as plaquetas brotam desses processos e são levadas pelo sangue (Figura 23-40). Em função do arranjo complexo das células na medula óssea, em cortes de tecido normal é difícil identificar quase todas as células, exceto as precursoras imediatas das células sanguíneas maduras. As células que correspondem aos estágios de desenvolvimento ainda precoces, antes que qualquer diferenciação clara tenha iniciado, são muito semelhantes em sua aparência e, embora a distribuição espacial de tipos celulares tenha alguma característica ordenada, não há características óbvias visíveis pelas quais se possa reconhecer as células-tronco principais. Para identificar e caracterizar as células-tronco, é necessário um ensaio funcional, que envolve o rastreamento da progênie de células individuais. Como veremos, isso pode ser feito in vitro simplesmente examinando-se as colônias produzidas por células isoladas em cultivo. Contudo, o sistema hemopoiético também pode ser manipulado de forma que tais clones de células possam ser reconhecidos in vivo no organismo animal. Quando um animal é exposto a uma dose grande de raios X, a maior parte das células hemopoiéticas é destruída, e o animal morre dentro de poucos dias como resultado de sua incapacidade de produzir novas células sanguíneas. Entretanto, o animal pode ser salvo por uma transfusão de células coletadas da medula óssea de um doador saudável, imunologiProcesso do megacariócito brotando plaquetas

Célula endotelial da parede do seio

Lúmen do seio sanguíneo

Células sanguíneas Megacariócito em desenvolvimento

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Eritrócito

20 m

Figura 23-40 Um megacariócito entre outras células na medula óssea. Seu tamanho enorme resulta do fato de ele possuir um núcleo altamente poliploide. Um megacariócito produz cerca de 10 mil plaquetas, que partem dos longos processos celulares que se estendem pelas aberturas nas paredes de um seio sanguíneo adjacente.

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Irradiação com raios X faz parar a produção de células sanguíneas; o camundongo morreria se nenhum tratamento adicional fosse dado

INJEÇÃO DE CÉLULAS DE MEDULA ÓSSEA DE UM DOADOR SAUDÁVEL

O camundongo sobrevive; as células-tronco injetadas colonizam seus tecidos hemopoiéticos e originam um suprimento estável de células sanguíneas novas

camente compatível. Dentre estas células há algumas que podem colonizar o hospedeiro submetido à irradiação e reabastecê-lo permanentemente com tecido hemopoiético (Figura 23-41). Experimentos deste tipo demonstram que a medula óssea contém células-tronco hemopoiéticas. Eles também mostram como podemos analisar a presença de células-tronco hemopoiéticas e, a partir daí, descobrir as características moleculares que as distinguem de outras células. Para esse propósito, as células coletadas da medula óssea são separadas em grupos (utilizando-se um equipamento que separa células ativadas por fluorescência) de acordo com os antígenos de superfície que elas apresentam, e as frações diferentes são transfundidas para os camundongos submetidos à irradiação. Se uma fração salva um camundongo hospedeiro submetido à irradiação, ela deve conter células-tronco hemopoiéticas. Dessa maneira, tem sido possível mostrar que as células-tronco hemopoiéticas são caracterizadas por uma combinação específica de proteínas de superfície celular e, com a separação apropriada, podemos obter preparações praticamente puras de células-tronco. As células-tronco retiradas são uma minúscula fração da população da medula óssea – cerca de 1 célula em 10.000; mas isto é o suficiente. Uma quantidade tão pequena quanto cinco destas células injetadas em um camundongo hospedeiro com hemopoiese defeituosa é suficiente para reconstituir seu sistema hemopoiético inteiro, originando um conjunto completo de tipos de células sanguíneas, assim como novas células-tronco.

Uma célula-tronco multipotente origina todas as categorias de células sanguíneas Figura 23-41 Salvamento de um camundongo submetido à irradiação por transfusão de células da medula óssea. Um procedimento essencialmente semelhante é utilizado no tratamento de leucemia em pacientes humanos por transplante de medula óssea.

Para acompanhar que variedade de tipos celulares uma única célula-tronco hemopoiética pode originar, é necessária uma forma de marcar o destino de sua progênie. Isto pode ser feito por meio da marcação genética individual das células-tronco, de modo que sua progênie pode ser identificada mesmo após as células terem sido liberadas na corrente sanguínea. Embora vários métodos tenham sido utilizados para isso, um retrovírus especialmente modificado (um vetor retrovírus carregando um gene marcado) serve particularmente bem a esse propósito. O vírus marcador, como outros retrovírus, pode inserir seu próprio genoma nos cromossomos das células que ele infecta, mas os genes que permitiriam a ele originar novas partículas de vírus infecciosas foram removidos. Portanto, o marcador está confinado à progênie das células que foram infectadas originalmente, e a progênie de cada uma dessas células pode ser distinguida da progênie de outra, porque os locais de inserção do vírus nos cromossomos são diferentes. Para analisar linhagens de células hemopoiéticas, as células da medula óssea são primeiramente infectadas com o vetor retrovírus in vitro e, então, são transferidas para um receptor mortalmente submetido à irradiação; as sondas de DNA podem então ser usadas para encontrar e marcar a progênie de células individuais infectadas nos vários tecidos hemopoiéticos e linfoides do hospedeiro. Estes experimentos mostram que a célula-tronco hemopoiética individual é multipotente e pode originar a variedade completa de tipos celulares sanguíneos, tanto mieloides como linfoides, assim como as próprias células-tronco novas (Figura 23-42). Mais adiante neste capítulo, explicaremos como os mesmos métodos que foram desenvolvidos para experimentação em camundongos podem ser agora utilizados para o tratamento de doenças em humanos.

O comprometimento é um processo de etapas sucessivas As células-tronco hemopoiéticas não saltam diretamente de um estado multipotente para um comprometimento com só uma via de diferenciação; em vez disso, elas passam por uma série de restrições progressivas. A primeira etapa, normalmente, é o comprometimento com um destino mieloide ou um linfoide. Acredita-se que isto dá origem a dois grupos de células progenitoras, uma capaz de gerar um grande número de todos os tipos diferentes de células mieloides, ou talvez de células mieloides mais linfocitos B, e outro capaz de gerar um grande número de todos os tipos diferentes de células linfoides, ou pelo menos os linfocitos T. As etapas seguintes dão origem a progenitoras comprometidas com a produção de apenas um tipo celular. As etapas de comprometimento estão correlacionadas com mudanças na expressão de genes de proteínas reguladoras específicas, necessárias à produção de subgrupos diferentes de células sanguíneas. Estas proteínas parecem atuar de uma maneira combinada complicada: por exemplo, a proteína GATA1 é necessária para a maturação de células vermelhas do sangue, mas também está ativa em etapas muito precoces da via hemopoiética.

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Célula NK TIMO

Célula T Progenitora linfoide comum

Célula B

Célula dendrítica

Célula dendrítica Célula-tronco hemopoiética multipotente

Progenitora hemopoiética multipotente

Macrófago Monócito

Osteoclasto

Neutrófilo

Eosinófilo

Progenitora mieloide comum

Basófilo

Mastócito

Plaquetas

Megacariócito

Eritrócito

CÉLULA-TRONCO

PROGENITORAS COMPROMETIDAS

CÉLULAS DIFERENCIADAS

Figura 23-42 Tentativa de um esquema de hemopoiese. A célula-tronco multipotente normalmente se divide com pouca frequência para gerar mais células-tronco multipotentes, que estão se autorrenovando, ou células progenitoras comprometidas, que são limitadas no número de vezes que podem se dividir, antes da diferenciação, para formar células sanguíneas maduras. Enquanto passam por suas divisões, as progenitoras tornam-se progressivamente mais especializadas na variedade de tipos celulares a que podem dar origem, como indicado pela ramificação do diagrama de linhagem celular na região restrita ao quadro cinza. No entanto, muitos dos detalhes desta parte do diagrama de linhagem ainda são controversos. Nos mamíferos adultos, todas as células mostradas desenvolvem-se principalmente na medula óssea – exceto os linfócitos T, que se desenvolvem no timo, e os macrófagos e os osteoclastos, que se desenvolvem a partir de monócitos do sangue. Algumas células dendríticas também podem derivar-se de monócitos.

A divisão de células progenitoras comprometidas amplifica o número de células sanguíneas especializadas As células progenitoras hemopoiéticas geralmente tornam-se comprometidas com uma via especial de diferenciação longa antes de cessarem a proliferação e tornarem-se definitivamente diferenciadas. As progenitoras comprometidas passam por muitas rodadas de divisão celular para amplificar o número definitivo de células de determinado tipo especializado. Dessa maneira, uma única divisão de célula-tronco pode levar à produção de milhares de células-filhas diferenciadas, o que explica por que o número de células-tronco é apenas uma

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Célula-tronco

Kit

Célula do estroma

Ligante de Kit

CÉLULA-TRONCO DIVIDE-SE

Célula amplificadora transitória

Célula-tronco Célula do estroma

COMPROMETE-SE COM DIFERENCIAÇÃO OU MORRE

CÉLULA-TRONCO MANTIDA

Figura 23-43 Dependência de células-tronco hemopoiéticas em contato com células do estroma. A interação dependente de contato entre Kit e seu ligante é um dos vários mecanismos de sinalização que acredita-se estarem envolvidos na manutenção de célulastronco hemopoiéticas. O sistema real certamente é mais complexo; a dependência das células hemopoiéticas em contato com as células do estroma pode não ser absoluta, visto que um pequeno número de células-tronco funcionais pode ser encontrado livre na circulação.

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pequena fração da população total de células hemopoiéticas. Pela mesma razão, uma taxa alta de produção de células sanguíneas pode ser mantida, mesmo que a taxa de divisão de células-tronco seja baixa. Como observado anteriormente, a divisão pouco frequente ou inativa é uma característica comum de células-tronco em vários tecidos. Pela redução do número de ciclos de divisão que as próprias células-tronco têm que sofrer ao longo de sua vida, diminui-se o risco de ocorrência de mutações em células-tronco, que originariam clones de células mutantes persistentes no corpo. Isto também tem outro efeito: reduz a taxa de senescência replicativa (discutido no Capítulo 17). Na verdade, células-tronco hemopoiéticas que são forçadas a manter-se dividindo rapidamente (por knockout de um gene chamado de Gfi1 que restringe sua taxa de proliferação, ou por outra maneira) não conseguem manter a hemopoiese por todo o ciclo normal de vida. A natureza da etapa de comprometimento indica que o sistema hemopoiético pode ser considerado como uma árvore genealógica hierárquica de células. As células-tronco multipotentes dão origem a células progenitoras comprometidas, que são especificadas para dar origem a apenas um ou a alguns poucos tipos de células sanguíneas. As progenitoras comprometidas dividem-se com rapidez, mas apenas um número limitado de vezes antes de diferenciarem-se definitivamente em células que não se dividem mais e morrem após vários dias ou semanas. De modo geral, muitas células morrem também nas etapas iniciais da via. Os estudos em cultivo proporcionam uma maneira de descobrir como são reguladas a proliferação, a diferenciação e a morte das células hemopoiéticas.

As células-tronco dependem dos sinais de contato de células do estroma As células hemopoiéticas podem sobreviver, proliferar e diferenciar em cultivo se, e somente se, elas estiverem providas com proteínas-sinal específicas ou acompanhadas por células que produzem estas proteínas. Se privadas de tais proteínas, as células morrem. Para a manutenção a longo prazo, também parece ser necessário o contato com as células de suporte apropriadas: a hemopoiese pode continuar funcionando in vitro por meses ou mesmo por anos por cultivo de células hemopoiéticas de medula óssea distribuídas sobre a superfície de uma camada de células do estroma da medula óssea, que imitam o ambiente da medula óssea intacta. Tais cultivos podem originar todos os tipos de células mieloides, e sua continuação por longo prazo implica que as células-tronco, assim como sua progênie diferenciada, estejam sendo produzidas continuamente. Na medula óssea, onde elas normalmente vivem, as células-tronco hemopoiéticas estão localizadas principalmente em contato íntimo com os osteoblastos que revestem as superfícies ósseas da cavidade medular – as células que produzem a matriz óssea. Tratamentos e mutações que aumentam ou diminuem o número de osteoblastos causam alterações correspondentes no número de células-tronco hemopoiéticas. Isto sugere que os osteoblastos fornecem os sinais que as células-tronco hemopoiéticas necessitam para mantê-las em seu estado de célula-tronco não-comprometida com a diferenciação, exatamente como a cripta intestinal fornece os sinais necessários para manter as células-tronco do epitélio do intestino. Em ambos os sistemas, normalmente as células-tronco estão confinadas a um nicho especial, e quando deixam este nicho, elas tendem a perder seu potencial de célula-tronco (Figura 23-43). As células-tronco hemopoiéticas na medula óssea e em qualquer outro local também estão frequentemente associadas a uma classe especial de células endoteliais, que podem fornecer-lhes um nicho alternativo. Uma característica-chave do nicho de célula-tronco na medula óssea, como no intestino, é que ele fornece estímulo da via de sinalização Wnt. A ativação artificial desta via em células-tronco hemopoiéticas cultivadas as ajuda a sobreviver, proliferar e manter sua característica de célula-tronco, enquanto o bloqueio da sinalização Wnt faz o oposto. Outra interação importante para a manutenção da hemopoiese surgiu da análise de camundongos mutantes com uma combinação curiosa de defeitos: uma escassez de células vermelhas do sangue (anemia), de células germinativas (esterilidade) e de células pigmentares (manchas brancas da pele; ver Figura 22-86). Como discutido no Capítulo 22, esta síndrome resulta de mutações em um dos dois seguintes genes: um, chamado de Kit, codifica um receptor tirosina-cinase; o outro codifica o seu ligante. Os tipos celulares afetados pelas mutações derivam todos de precursores migratórios, e parece que, em cada caso, esses precursores devem expressar o receptor e serem supridos com o ligante pelo seu ambiente, para que sobrevivam e produzam progênie em número normal. Os estudos em camundongos mu-

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Eritroblasto

Figura 23-44 Célula vermelha do sangue em desenvolvimento (eritroblasto). A célula é mostrada expelindo seu núcleo para tornar-se um eritrócito imaturo (um reticulócito), que, então, deixa a medula óssea e passa para a corrente sanguínea. O reticulócito perderá suas mitocôndrias e ribossomos dentro de um ou dois dias, tornando-se um eritrócito maduro. Os clones de eritrócitos se desenvolvem na medula óssea sobre a superfície de um macrófago, que fagocita e digere os núcleos descartados pelos eritroblastos.

tantes sugerem que o ligante de Kit deve estar ligado à membrana para ser completamente eficiente, indicando que a hemopoiese normal requer contato direto célula-célula entre as células hemopoiéticas que expressam a proteína receptora Kit e as células do estroma (entre elas osteoblastos) que expressam o ligante de Kit.

Os fatores que regulam a hemopoiese podem ser analisados em cultivo Enquanto as células-tronco dependem do contato com as células do estroma para manutenção a longo prazo, sua progênie comprometida não apresenta essa dependência, ou ao menos não no mesmo grau. Assim, as células hemopoiéticas destacadas da medula óssea podem ser cultivadas em uma matriz semissólida de ágar ou metilcelulose diluída, e fatores retirados de outras células podem ser adicionados artificialmente ao meio. Como as células não podem migrar na matriz semissólida, a progênie de cada célula precursora isolada permanece junta, como uma colônia facilmente distinguível. Um único progenitor de neutrófilo comprometido, por exemplo, pode dar origem a um clone de milhares de neutrófilos. Tais sistemas de cultivo têm permitido a análise dos fatores que sustentam a hemopoiese e, por conseguinte, sua purificação e a exploração de suas ações. Estas substâncias são glicoproteínas e normalmente são chamadas de fatores estimuladores de colônia (CSFs, colony-stimulating factors). Do número crescente de CSFs que têm sido descritos e purificados, alguns circulam no sangue e atuam como hormônios, enquanto outros atuam na medula óssea como mediadores locais secretados ou, da mesma forma que o ligante de Kit, como sinais ligados à membrana que funcionam por contato célula-célula. O mais bem-compreendido dos CSFs que atuam como hormônios é a glicoproteína eritropoietina, que é produzida nos rins e regula a eritropoiese, a formação das células vermelhas do sangue.

Reticulócito

5 m

A eritropoiese depende do hormônio eritropoietina O eritrócito é de longe o tipo mais comum de célula no sangue (ver Tabela 23-1). Quando maduro, ele está repleto de hemoglobina e não contém praticamente nenhuma das organelas celulares habituais. Em um eritrócito de um mamífero adulto, mesmo o núcleo, o retículo endoplasmático, as mitocôndrias e os ribossomos estão ausentes, tendo sido expelidos da célula durante seu desenvolvimento (Figura 23-44). Portanto, o eritrócito não pode crescer ou dividir-se; a única maneira possível de produzir mais eritrócitos é por meio de células-tronco. Além disso, os eritrócitos têm um período de vida limitado – cerca de 120 dias em humanos ou 55 dias em camundongos. Os eritrócitos esgotados são fagocitados e digeridos por macrófagos no fígado e no baço, que removem mais de 1011 eritrócitos senis em cada um de nós, a cada dia. Os eritrócitos jovens protegem a si próprios deste destino ativamente: eles têm uma proteína em sua superfície que se liga a um receptor inibidor em macrófagos e, assim, evita sua fagocitose. Uma falta de oxigênio ou escassez de eritrócitos estimula células especializadas no rim a sintetizarem e a secretarem quantidades aumentadas de eritropoietina na corrente sanguínea. A eritropoietina, por sua vez, estimula a produção de mais eritrócitos. Visto que é observada uma mudança na taxa de liberação de novos eritrócitos na corrente sanguínea em 1 a 2 dias após o aumento dos níveis de eritropoietina no sangue, o hormônio deve atuar em células que estão muito próximas dos precursores de eritrócitos maduros. As células que respondem à eritropoietina podem ser identificadas pelo cultivo de células de medula óssea em matriz semissólida na presença de eritropoietina. Em poucos dias, aparecem colônias de cerca de 60 eritrócitos, cada uma estabelecida por a uma única célula progenitora eritroide comprometida. Esta progenitora depende de eritropoietina para sua sobrevivência, assim como para sua proliferação. Ela ainda não contém hemoglobina, e é derivada de um tipo precoce de progenitora eritroide comprometida que não depende de eritropoietina.

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Tabela 23-2 Alguns fatores estimuladores de colônia (CSFs) que influenciam a formação de célula sanguínea FATOR

CÉLULAS-ALVO

CÉLULAS QUE OS PRODUZEM

RECEPTORES

Eritropoietina Interleucina 3 (IL3)

CFC-E Célula-tronco multipotente, a maioria das células progenitoras, muitas células diferenciadas definitivamente Células progenitoras GM

Células do rim Linfócitos T, células da epiderme

Família citocina Família citocina

Linfócitos T, células endoteliais, fibroblastos Macrófagos, fibroblastos

Família citocina Família citocina

CSF de granulócito/ macrófago (GMCSF) CSF de granulócito (GCSF)

Células progenitoras GM e neutrófilos

CSF de macrófago (MCSF)

Células progenitoras GM e macrófagos

Fibroblastos, macrófagos, células endoteliais

Família receptor tirosina-cinase

Ligante Kit

Células-tronco hemopoiéticas

Células do estroma na medula óssea e muitas outras células

Família receptor tirosina-cinase

Um segundo CSF, chamado de interleucina-3 (IL3), promove a sobrevivência e a proliferação das células progenitoras eritroides precoces. Em sua presença, desenvolvem-se colônias eritroides muito grandes, contendo acima de 5 mil eritrócitos cada uma, desenvolvidas a partir de células de medula óssea cultivadas em um processo que requer uma semana ou 10 dias. Evidentemente, as descendentes das células-tronco hemopoiéticas, após tornarem-se comprometidas com o destino eritroide, têm que seguir seu caminho através de mais um programa longo de divisões celulares, alterando sua característica e sua dependência de sinais do ambiente enquanto avançam na direção do estado final de diferenciação.

Múltiplos CSFs influenciam a produção de neutrófilos e macrófagos As duas classes de células especializadas em fagocitose, os neutrófilos e os macrófagos, desenvolvem-se a partir de uma célula progenitora comum chamada de célula progenitora de granulócito/macrófago (célula progenitora GM). Como os outros granulócitos (eosinófilos e basófilos), os neutrófilos circulam no sangue apenas por poucas horas antes de migrarem para fora dos capilares dentro dos tecidos conectivos ou de outros locais específicos, onde sobrevivem somente por alguns dias. Então, eles morrem por apoptose e são fagocitados por macrófagos. Em contraste, os macrófagos podem permanecer durante meses ou talvez mesmo anos fora da corrente sanguínea, onde podem ser ativados por sinais locais para recomeçar a proliferação. Pelo menos sete CSFs diferentes que estimulam a formação de colônias de neutrófilo e macrófago em cultivo foram definidos, e acredita-se que alguns ou todos esses atuem em combinações diferentes para regular a produção seletiva destas células in vivo. Esses CSFs são sintetizados por vários tipos celulares – incluindo as células endoteliais, os fibroblastos, os macrófagos e os linfócitos – e, de forma típica, sua concentração no sangue aumenta rapidamente em resposta à infecção bacteriana em um tecido, aumentando, assim, o número de células fagocitárias liberadas da medula óssea para a corrente sanguínea. A IL3 é um dos fatores menos específicos, atuando sobre células-tronco multipotentes bem como sobre a maioria dos tipos de células progenitoras comprometidas, incluindo as células progenitoras GM. Vários outros fatores agem de forma mais seletiva sobre as células progenitoras GM comprometidas e a sua progênie diferenciada (Tabela 23-2), embora em muitos casos eles também atuem sobre certos outros ramos da árvore genealógica hemopoiética. Todos esses CSFs, como a eritropoietina, são glicoproteínas que atuam em baixas con–12 centrações (cerca de 10 M) por ligação a receptores de superfície celular específicos, como discutido no Capítulo 15. Poucos desses receptores são tirosina-cinases transmembrana, mas a maioria pertence à grande família de receptores citocina, cujos membros normalmente são compostos de duas ou mais subunidades, uma das quais frequentemente é compartilhada entre vários tipos de receptores (Figura 23-45). Os CSFs não funcionam apenas sobre as células precursoras para promover a produção de progênie diferenciada, eles também ativam as funções especializadas (como a fagocitose e as células-alvo de morte) das células definitivamente diferenciadas. As proteínas produzidas artificialmente a partir de genes clonados para estes fatores são potentes estimuladores de hemopoiese em animais de laboratório. Atualmente são utilizadas amplamente em pacientes humanos para estimular a regeneração do tecido hemopoiético e desenvolver resistência a infecções – uma demonstra-

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IL3

Subunidade  do receptor de IL3

+ Sinal

Subunidade  comum

GMCSF

Subunidade  do receptor de GMCSF

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Figura 23-45 Compartilhamento de subunidades entre receptores de CSF. Os receptores de IL3 e os receptores de GMCSF humano têm subunidades a diferentes e uma subunidade b comum. Acredita-se que seus ligantes se unam com baixa afinidade à subunidade a livre, desencadeando a junção do heterodímero que se une com alta afinidade ao ligante.

+ Sinal

Receptor de baixa afinidade

Receptor de alta afinidade

ção impressionante de como a pesquisa básica em biologia celular e os experimentos com animais podem levar a um melhor tratamento médico.

O comportamento de uma célula hemopoiética depende em parte do acaso Os CSFs são definidos como fatores que promovem a produção de colônias de células sanguíneas diferenciadas. Contudo, que efeito, precisamente, um CSF tem sobre uma célula hemopoiética individual? O fator pode controlar a taxa de divisão celular ou o número de ciclos de divisão que a célula progenitora sofre antes de se diferenciar; pode atuar mais tarde na linhagem hemopoiética para facilitar a diferenciação; pode agir de forma precoce para influenciar o comprometimento; ou pode simplesmente aumentar a probabilidade de sobrevivência celular (Figura 23-46). Pelo monitoramento do destino de células hemopoiéticas individuais isoladas em cultivo, é possível demonstrar que um único CSF, como o GMCSF, pode exercer todos esses efeitos, embora ainda não esteja claro qual é o mais importante in vivo.

PARÂMETRO CONTROLÁVEL Célula-tronco

1. Frequência de divisão da célula-tronco 2. Probabilidade de morte da célula-tronco 3. Probabilidade de que a célula-tronco filha se torne uma célula progenitora comprometida de um certo tipo

Célula progenitora comprometida 4. Tempo do ciclo de divisão da célula progenitora comprometida

5. Probabilidade de morte da célula progenitora

6. Número de divisões da célula progenitora comprometida antes da diferenciação definitiva

7. Tempo de vida das células diferenciadas Célula sanguínea diferenciada definitivamente

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Figura 23-46 Alguns dos parâmetros por meio dos quais a produção de células sanguíneas de um tipo específico poderia ser regulada. Estudos em cultivo sugerem que os fatores estimuladores de colônia (CSFs) podem afetar todos estes aspectos da hemopoiese.

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Além disso, os estudos in vitro indicam que a maneira como uma célula hemopoiética se comporta se deve, em grande parte, ao acaso – provavelmente, uma reflexão do “barulho” no sistema de controle genético, discutido no Capítulo 7. Ao menos alguns dos CSFs parecem atuar regulando probabilidades, e não ditando diretamente o que a célula fará. Em cultivos de células hemopoiéticas, mesmo que as células sejam selecionadas para ser uma população o mais homogênea possível, há uma variação considerável nos tamanhos e, frequentemente, nas características das colônias que se desenvolvem. E, se duas células-irmãs são retiradas imediatamente após a divisão celular e cultivadas separadamente sob condições idênticas, elas com frequência dão origem a colônias que contêm tipos diferentes de células sanguíneas, ou aos mesmos tipos de células sanguíneas em número diferente. Assim, tanto a programação da divisão celular quanto o processo de comprometimento a uma via particular de diferenciação parecem envolver acontecimentos ao acaso no nível de uma célula individual, mesmo que o comportamento de um sistema multicelular como um todo seja regulado de uma maneira segura. A sequência de restrições ao destino celular apresentada na Figura 23-42 exprime a impressão de um programa executado com a mesma lógica e precisão do computador. Células individuais podem ser mais peculiares e inconstantes, e algumas vezes podem avançar por outra via de decisão a partir da célula-tronco em direção à diferenciação definitiva.

A regulação da sobrevivência celular é tão importante quanto a regulação da proliferação celular O comportamento-padrão das células hemopoiéticas na ausência de CSFs é a morte por apoptose (discutido no Capítulo 18). Assim, em princípio, os CSFs poderiam regular o número de vários tipos de células sanguíneas inteiramente pelo controle seletivo da sobrevivência celular dessa via. Há evidências de que o controle da sobrevivência celular, na verdade, representa uma parte central na regulação do número de células sanguíneas, assim como ocorre para hepatócitos e muitos outros tipos de células, como vimos anteriormente. A intensidade de apoptose no sistema hemopoiético dos vertebrados é enorme: por exemplo, bilhões de neutrófilos morrem dessa maneira a cada dia em um humano adulto. Na verdade, a maioria de neutrófilos produzidos na medula óssea morre ali, sem jamais exercer sua função. Este ciclo inútil de produção e de destruição serve, provavelmente, para manter um suprimento-reserva de células que pode ser imediatamente mobilizado para combater uma infecção sempre que ela surgir, ou para ser fagocitado e digerido para reciclagem, quando tudo está em ordem. Comparada à vida do organismo, a vida das células tem pouca importância. Pouca morte celular pode ser tão perigosa para a saúde de um organismo multicelular quanto a proliferação demasiada. No sistema hemopoiético, as mutações que inibem a morte celular por causarem a produção excessiva do inibidor intracelular de apoptose Bcl2 promovem o desenvolvimento de câncer em linfócitos B. Na verdade, a capacidade para autorrenovação ilimitada é uma característica perigosa para qualquer célula, e muitos casos de leucemia surgem por mutações que conferem esta capacidade a células precursoras hemopoiéticas comprometidas que normalmente estariam destinadas a se diferenciar e morrer, após um número limitado de ciclos de divisão.

Resumo Os muitos tipos de células sanguíneas, incluindo os eritrócitos, os linfócitos, os granulócitos e os macrófagos, derivam todos de uma célula-tronco multipotente comum. No adulto, as células-tronco hemopoiéticas são encontradas principalmente na medula óssea e dependem de sinais de células do estroma da medula (tecido conectivo), especialmente osteoblastos, para manter sua característica de célula-tronco. Como em alguns outros sistemas de célula-tronco, a via de sinalização Wnt parece ser crítica para a manutenção de célula-tronco, embora não seja a única envolvida. Normalmente, as células-tronco se dividem de forma pouco frequente para produzir mais células-tronco (autorrenovação) e várias células progenitoras comprometidas (células amplificadoras transitórias), cada uma capaz de dar origem a apenas um ou uns poucos tipos de células sanguíneas. As células progenitoras comprometidas se dividem sob a influência de várias moléculas de proteínas sinalizadoras (fatores estimuladores de colônia, ou CSFs) e, então, se diferenciam definitivamente em células sanguíneas maduras, que geralmente morrem após vários dias ou semanas. Os estudos de hemopoiese têm sido bastante auxiliados por análises in vitro nas quais as células-tronco ou as células progenitoras comprometidas formam colônias clonais, quando cultivadas em uma matriz semissólida. A progênie de células-tronco parece fazer suas escolhas entre vias alter-

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nativas de desenvolvimento de uma maneira parcialmente ao acaso. A morte celular por apoptose, controlada pela disponibilidade de CSFs, também desempenha um papel central na regulação do número de células sanguíneas diferenciadas maduras.

ORIGEM, MODULAÇÃO E REGENERAÇÃO DO MÚSCULO ESQUELÉTICO O termo “músculo” inclui muitos tipos celulares, todos especializados em contração, mas diferentes em outros aspectos. Como observado no Capítulo 16, todas as células de eucariotos possuem um sistema contrátil envolvendo actina e miosina, mas as células musculares desenvolveram este mecanismo em um nível elevado. Os mamíferos possuem quatro tipos principais de células especializadas para contração: as células do músculo esquelético, as células do músculo cardíaco (coração), as células do músculo liso e as células mioepiteliais (Figura 23-47). Elas diferem em função, em estrutura e desenvolvimento. Embora todas produzam forças contráteis pelo uso de sistemas de filamentos organizados com base em actina e em miosina, as moléculas de actina e de miosina utilizadas são um pouco diferentes na sequência de aminoácidos, estão arranjadas de forma diferente nas células e estão associadas a grupos diferentes de proteínas para controlar a contração. As células do músculo esquelético são responsáveis por praticamente todos os movimentos que estão sob controle voluntário. Essas células podem ser muito grandes (2 a 3 (A)

Célula muscular cardíaca

Célula muscular lisa

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Figura 23-47 Os quatro tipos de células musculares de um mamífero. (A) Desenhos esquemáticos (em escala). (B-E) Eletromicrografias de varredura mostrando (B) músculo esquelético do pescoço de um hamster, (C) músculo cardíaco de um rato, (D) músculo liso da bexiga de uma cobaia e (E) células mioepiteliais em um alvéolo secretor de uma glândula mamária de rata em lactação. As setas em (C) apontam para os discos intercalares – junções entre as extremidades de duas células musculares cardíacas; as células musculares esqueléticas dos músculos longos são unidas nas extremidades de forma semelhante. Observar que o músculo liso é mostrado em aumento menor que os outros. (B, cortesia de Junzo Desaki; C, de T. Fujiwara, in Cardiac Muscle in Handbook of Microscopic Anatomy [E. D. Canal, ed.]. Berlin: Springer-Verlag, 1986; D, cortesia de Satoshi Nakasiro; E, de T. Nagato et al., Cell Tiss. Res. 209:1-10, 1980. Com permissão de Springer-Verlag.) Célula mioepitelial

Fibra muscular esquelética

50 m Células musculares cardíacas

Fibras musculares esqueléticas

(B)

10 m

(C)

10 m

Fibras nervosas Célula mioepitelial Feixes de células musculares lisas

Célula secretora de leite

(D)

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50 m

(E) 10 m

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Figura 23-48 Fusão de mioblastos em cultivo. O cultivo está corado com anticorpo fluorescente (verde) contra a miosina do músculo esquelético, que marca as células musculares diferenciadas, e com um corante DNA-específico (azul) para mostrar os núcleos celulares. (A) Pouco tempo após a troca para um meio de cultivo que favorece a diferenciação, apenas dois dos muitos mioblastos no campo visual interromperam a produção de miosina e se fundiram para formar uma célula muscular com dois núcleos (em cima à direita). (B) Um pouco mais tarde, quase todas as células tinham se diferenciado e fundido. (C) Observação em maior magnitude, mostrando as estriações características (listras transversais finas) em duas das células musculares multinucleadas. (Cortesia de Jacqueline Gross e Terence Partridge.)

(A)

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100 m

cm de comprimento e 100 m de diâmetro em um humano adulto) e muitas vezes são chamadas de fibras musculares, por causa de sua forma altamente alongada. Cada uma é um sincício, contendo muitos núcleos dentro de um citoplasma comum. Os outros tipos de células musculares são mais convencionais, geralmente tendo apenas um núcleo. As células do músculo cardíaco se parecem com fibras musculares esqueléticas, porque seus filamentos de actina e de miosina estão alinhados em arranjos muito ordenados para formar uma série de unidades contráteis chamadas de sarcômeros, de maneira que as células têm uma aparência estriada (listrada). As células do músculo liso são assim chamadas porque não parecem estriadas. As funções do músculo liso variam muito, desde impulsionar o alimento ao longo do trato digestivo até eriçar os pelos em resposta ao frio ou ao medo. As células mioepiteliais também não têm estriações, mas, ao contrário de todas as outras células musculares, elas estão situadas em epitélios e derivam do ectoderma. Elas formam o músculo dilatador da íris do olho e servem para expelir a saliva, o suor e o leite das glândulas correspondentes, como discutido anteriormente (ver Figura 23-11). As quatro categorias principais de células musculares podem ser divididas ainda em subtipos distintos, cada um com seus próprios aspectos característicos. Os mecanismos de contração muscular são discutidos no Capítulo 16. Aqui será levado em consideração como o tecido muscular é originado e mantido. O enfoque será a fibra muscular esquelética, a qual tem uma forma curiosa de desenvolvimento, uma capacidade impressionante para modular seu caráter diferenciado e uma estratégia incomum para reparo.

Os mioblastos fundem-se para formar novas fibras musculares esqueléticas O Capítulo 22 descreveu como certas células, originadas dos somitos de um embrião de vertebrado em um estágio muito precoce, são destinadas a diferenciar-se como mioblastos, os precursores das fibras musculares esqueléticas. O comprometimento para ser um mioblasto depende de proteínas reguladoras de genes de pelo menos duas famílias – um par de proteínas homeodomínio chamadas de Pax3 e Pax7 e a família MyoD de proteínas hélice-volta-hélice (discutido no Capítulo 7). Estas atuam de forma combinada para dar ao mioblasto uma memória de seu estado comprometido e, eventualmente, para regular a expressão de outros genes que dão à célula muscular madura sua característica especializada (ver Figura 7-75). Após um período de proliferação, o mioblasto sofre uma mudança dramática de estado: ele para de se dividir, ativa a expressão de uma bateria inteira de genes músculoespecíficos necessária à diferenciação definitiva e fundem-se uns com os outros para formar fibras musculares esqueléticas multinucleadas (Figura 23-48). A fusão envolve moléculas de adesão célula-célula específicas que medeiam o reconhecimento entre os mioblastos

(B)

100 m

(C)

25 m

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Figura 23-49 Fibras musculares rápidas e lentas. Duas secções transversais consecutivas do mesmo pedaço de músculo da perna de camundongo adulto foram coradas com anticorpos distintos, cada um específico para uma isoforma diferente da cadeia pesada da proteína miosina, e as imagens das duas secções foram sobrepostas para mostrar o padrão dos tipos de fibra muscular. As fibras coradas com anticorpo contra miosina “rápida” (cinza) são especializadas em produzir contrações rápidas; as fibras coradas com anticorpo contra miosina “lenta” (rosa) são especializadas em produzir contrações lentas e contínuas. As fibras de contração rápida são conhecidas como fibras musculares brancas, porque contêm relativamente pouca coloração pela proteína ligadora de oxigênio mioglobina. As fibras musculares lentas são chamadas de fibras musculares vermelhas, porque contêm muito mais mioglobina. (Cortesia de Simon Hughes.)

recém-diferenciados e as fibras. Uma vez que tenha ocorrido a diferenciação, as células não se dividem, e os núcleos jamais replicam seu DNA novamente. Os mioblastos que são mantidos proliferando em cultivo por períodos longos de até dois anos ainda mantêm a capacidade de se diferenciar e podem se fundir para formar células musculares em resposta a uma mudança adequada nas condições de cultivo. Os sinais proteicos apropriados no meio de cultivo, como o fator de crescimento de fibroblasto ou de hepatócito (FGF ou HGF), podem manter os mioblastos no estado proliferativo indiferenciado: se esses fatores solúveis são removidos, as células param rapidamente de se dividir, diferenciar e fundir. No entanto, o sistema de controles é complexo, e a ligação à matriz extracelular também é importante para a diferenciação do mioblasto. Além disso, o processo de diferenciação é cooperativo: os mioblastos em diferenciação secretam fatores que aparentemente estimulam outros mioblastos a se diferenciar.

20 m

As células musculares podem variar suas propriedades mudando as isoformas das proteínas que contêm Uma vez formada, a fibra muscular esquelética cresce, amadurece e modula suas características. O genoma contém múltiplas cópias diferentes dos genes que codificam muitas das proteínas características da célula muscular esquelética, e os transcritos de RNA de muitos desses genes podem ser submetidos ao splicing de diversas maneiras. Como resultado, as fibras musculares produzem muitas formas variantes (isoformas) das proteínas do sistema contrátil. À medida que a fibra muscular amadurece, ela sintetiza isoformas diferentes, para satisfazer as demandas de mudanças na rapidez, na força e na resistência pelo feto, recém-nascido e adulto. Em um único músculo adulto, diversos tipos diferentes de fibras musculares esqueléticas, cada uma com tipos diferentes de isoformas proteicas e propriedades funcionais distintas, podem ser encontrados lado a lado (Figura 23-49). As características dos diferentes tipos de fibra são determinadas em parte antes do nascimento pelo programa genético de desenvolvimento em parte na vida pós-parto por meio de atividade e treinamento. Diferentes tipos de neurônios motores inervam fibras musculares lentas (para contração contínua) e fibras musculares rápidas (para contração rápida), e a inervação pode regular a expressão dos genes e o tamanho da fibra muscular, por meio dos padrões diferentes de estímulo elétrico liberados por esses neurônios.

As fibras musculares esqueléticas secretam miostatina para limitar o seu próprio crescimento Um músculo pode crescer de três maneiras: suas fibras podem aumentar em número, em comprimento ou em diâmetro. Como as fibras musculares esqueléticas não são capazes de se dividir, novas fibras só podem ser produzidas pela fusão de mioblastos e, na verdade, o número de fibras musculares esqueléticas multinucleadas do adulto é adquirido cedo – antes do nascimento, nos humanos. Uma vez formada, geralmente, uma fibra muscular esquelética sobrevive durante toda a vida do animal. No entanto, os núcleos musculares individuais podem ser adicionados ou perdidos. O grande aumento no volume muscular após o nascimento ocorre por aumento celular. O crescimento em comprimento depende do recrutamento de mais mioblastos para dentro das fibras multinucleadas existentes, o que aumenta o número de núcleos em cada célula. O crescimento em diâmetro, como ocorre nos músculos dos halterofilistas, envolve tanto o recrutamento de mioblastos quanto um aumento no tamanho e no número de miofibrilas contráteis que cada núcleo de fibra muscular sustenta.

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Camundongo normal

Mutante para miostatina

(A)

Portanto, quais são os mecanismos que controlam o número de células musculares e o tamanho da célula muscular? Uma parte da resposta encontra-se em uma proteína-sinal extracelular chamada de miostatina. Os camundongos com uma mutação de perda de função no gene da miostatina têm músculos enormes – duas ou três vezes maiores que o normal (Figura 23-50). Tanto o número como o tamanho das células musculares parecem estar aumentados. Mutações no mesmo gene estão presentes nas raças de bovinos ditos de “musculatura dupla” (ver Figura 17-69): ao selecionarem para músculos maiores, os criadores de bovinos selecionam, sem querer, para deficiência de miostatina. A miostatina pertence à superfamília de proteínas-sinal TGF. Normalmente, ela é produzida e secretada por células musculares esqueléticas, e atua de maneira eficaz sobre mioblastos, inibindo tanto a proliferação quanto a diferenciação. Evidentemente, sua função é providenciar a regulação inibidora (feedback negativo) para limitar o crescimento muscular, na vida adulta e durante o desenvolvimento. O crescimento de alguns outros órgãos é controlado de forma semelhante pela ação de feedback negativo de um fator que eles próprios produzem. Encontraremos outro exemplo em uma seção posterior.

Alguns mioblastos continuam como células-tronco quiescentes (inativas) no adulto (B)

(C)

Figura 23-50 Regulação do tamanho do músculo pela miostatina. (A) Um camundongo normal comparado com um camundongo mutante deficiente em miostatina. (B) Perna de um camundongo normal e (C) de um deficiente em miostatina, com a pele removida para mostrar o grande aumento da musculatura no mutante. (De S. J. Lee e A. C. McPherron, Curr. Opin. Genet. Devel. 9:604-607, 1999. Com permissão de Elsevier.)

Mesmo que, normalmente, os humanos não produzam novas fibras musculares esqueléticas na vida adulta, eles ainda têm a capacidade para produzi-las, e as fibras musculares existentes podem retomar o crescimento quando surge a necessidade. Células com capacidade de atuar como mioblastos são conservadas na forma de células pequenas, achatadas e inativas, situadas em contato íntimo com as células musculares maduras e estando contidas dentro da sua bainha de lâmina basal (Figura 23-51). Se o músculo é lesado ou estimulado a crescer, estas células satélite são ativadas a proliferar, e sua progênie pode se fundir para reparar o músculo lesado ou para permitir o crescimento muscular. Como os mioblastos, elas são reguladas pela miostatina. Portanto, as células satélite, ou algum subgrupo de células satélite, são as células-tronco do músculo esquelético adulto, normalmente mantidas como reserva em um estado quiescente, mas disponíveis quando necessárias como fonte autorrenovável de células diferenciadas definitivas. Estudos destas células têm fornecido a mais clara evidência para a hipótese da “fita imortal” de divisão assimétrica de célula-tronco, como ilustrado anteriormente na Figura 23-10. No entanto, o processo de reparo muscular por meio de células satélite é limitado no que ele pode obter. Em uma forma de distrofia muscular, por exemplo, um defeito genético na proteína de citoesqueleto distrofina causa lesão nas células musculares esqueléticas diferenciadas. Como resultado, as células satélite proliferam para reparar as fibras musculares lesadas. Contudo, esta resposta regenerativa é incapaz de acompanhar a lesão e, por fim, o tecido conectivo substitui as células musculares, impedindo qualquer possibilidade remota de regeneração. Uma perda semelhante de capacidade para regeneração parece contribuir para o enfraquecimento do músculo nos idosos. Na distrofia muscular, em que as células satélite são constantemente recrutadas para proliferar, sua capacidade de divisão pode sofrer esgotamento em consequência do encurtamento progressivo de seus telômeros durante cada ciclo celular (discutido no Capítulo 17). As células-tronco de outros tecidos parecem ser limitadas da mesma maneira, como observamos anteriormente no caso de células-tronco hemopoiéticas: normalmente elas dividem-se

Célula satélite

Figura 23-51 Uma célula satélite sobre uma fibra muscular esquelética. A amostra está corada com um anticorpo (vermelho) contra uma caderina muscular, M-caderina, que está presente tanto na célula satélite como na fibra muscular e está concentrada no local em que suas membranas estão em contato. Os núcleos da fibra muscular estão corados de verde, e o núcleo da célula satélite está corado em azul. (Cortesia de Terence Partridge.)

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apenas a uma taxa lenta, e mutações ou circunstâncias excepcionais que causem uma divisão mais rápida podem levar à exaustão prematura do suprimento de células-tronco.

Resumo As fibras musculares esqueléticas são uma das quatro categorias principais de células de vertebrados especializadas em contração e são responsáveis por todos os movimentos voluntários. Cada fibra muscular esquelética é um sincício e se desenvolve pela fusão de muitos mioblastos. Os mioblastos proliferam muito, mas uma vez que tenham se fundido, não podem mais se dividir. A fusão geralmente resulta do começo da diferenciação do mioblasto, na qual muitos genes que codificam proteínas musculares específicas estão ligados coordenadamente. Alguns mioblastos persistem em um estado quiescente na forma de células satélite no músculo adulto; quando um músculo é lesado, essas células são reativadas a proliferar e se fundem para substituir as células musculares que foram perdidas. O volume muscular é regulado homeostaticamente por um mecanismo de feedback negativo (regulação inibidora), no qual o músculo existente secreta miostatina, que inibe o crescimento muscular adicional.

FIBROBLASTOS E SUAS TRANSFORMAÇÕES: A FAMÍLIA DE CÉLULAS DO TECIDO CONECTIVO Muitas das células diferenciadas no corpo adulto podem ser agrupadas em famílias cujos membros estão intimamente relacionados quanto as suas origens e características. Um exemplo importante é a família de células do tecido conectivo, cujos membros não estão apenas relacionados, mas também, geralmente, são conversíveis entre si. A família inclui os fibroblastos, as células cartilaginosas e as células ósseas, os quais são todos especializados na secreção de matriz extracelular rica em colágeno e são, em conjunto, responsáveis pela arquitetura estrutural do corpo. A família do tecido conectivo inclui também as células adiposas e as células musculares lisas. Esses tipos celulares e as interconversões que se acredita que ocorram entre eles são ilustradas na Figura 23-52. As células do tecido conectivo contribuem para o suporte e o reparo de quase todo tecido e órgão, e a capacidade de adaptação de seu estado diferenciado é uma característica importante das respostas a muitos tipos de lesão.

Os fibroblastos mudam suas características em resposta aos sinais químicos Os fibroblastos parecem ser as células menos especializadas na família do tecido conectivo. Eles estão dispersos no tecido conectivo de todo o corpo e secretam uma matriz extracelular não-rígida que é rica em colágeno do tipo I ou tipo III, ou ambos, como foi discutido no Capítulo 19. Quando um tecido é lesado, os fibroblastos próximos proliferam, migram para a ferida e produzem grandes quantidades de matriz rica em colágeno, que ajuda a isolar e a reparar o tecido lesado. Sua capacidade de proliferação em caso de lesão, juntamente com seu estilo de vida solitário, pode explicar por que os fibroblastos são as células mais fáceis de crescer em cultivo – uma característica que tem feito delas o assunto preferido para estudos de biologia celular (Figura 23-53).

Célula óssea (osteoblasto/osteócito)

Célula da cartilagem (condroblasto/condrócito) Fibroblasto

Célula muscular lisa Célula adiposa (adipócito)

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Figura 23-52 A família das células do tecido conectivo. As setas mostram as interconversões que se acredita que ocorram dentro da família. Para simplificar, o fibroblasto é mostrado como um tipo celular único, mas de fato é incerto quantos tipos de fibroblasto existem e se a diferenciação potencial de tipos diferentes é limitada de formas diferentes.

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Figura 23-53 O fibroblasto. (A) Uma fotomicrografia em contraste de fase de fibroblastos em cultivo. (B) Estes desenhos de uma célula viva semelhante a fibroblasto, na cauda transparente de um girino, mostram as mudanças em sua forma e em sua posição em dias sucessivos. Note que apesar de os fibroblastos se tornarem achatados em cultivo, eles podem ter uma morfologia mais complexa, com muitos processos celulares, nos tecidos. Ver também Figura 19-54. (A, de E. Pokorna et al., Cell Motil. Cytoskeleton. 28:25-33, 1994; B, redesenhado de E. Clark, Am. J. Anat. 13:351-379, 1912. Ambos com permissão de Willey-Liss.)

(A)

10 m

Dia 1

Dia 2

Dia 3

(B)

Dia 4

Como indicado na Figura 23-52, os fibroblastos também parecem ser as células mais versáteis do tecido conectivo, mostrando uma capacidade notável de diferenciar-se em outros membros da família. No entanto, há incertezas a respeito de suas interconversões. Os fibroblastos em diferentes partes do corpo são intrinsecamente diferentes, e pode haver diferenças entre eles mesmo em uma mesma região. Os fibroblastos “maduros” com uma menor capacidade de transformação podem, por exemplo, coexistir lado a lado com os fibroblastos “imaturos” (frequentemente chamados de células mesenquimais), que podem se desenvolver em uma grande variedade de tipos celulares maduros. As células do estroma da medula óssea, mencionadas anteriormente, proporcionam um bom exemplo de versatilidade do tecido conectivo. Estas células, que podem ser consideradas um tipo de fibroblasto, podem ser isoladas da medula óssea e propagadas em cultivo. Grandes clones de progênie podem ser produzidos dessa maneira, a partir de um único ancestral de células do estroma. De acordo com as proteínas-sinal que são adicionadas ao meio de cultivo, os membros de um determinado clone podem continuar proliferando para produzir mais células do mesmo tipo, ou podem se diferenciar como células adiposas, células de cartilagem ou células ósseas. Por causa de sua característica multipotente de autorrenovação, são referidas como células-tronco mesenquimais. Os fibroblastos da camada dérmica da pele são diferentes. Quando colocados nas mesmas condições de cultivo, eles não apresentam a mesma plasticidade. Além disso, eles também podem ser induzidos a modificar suas características. Por exemplo, na cicatrização da ferida, eles alteram sua expressão do gene de actina e adquirem algumas das propriedades contráteis das células musculares lisas, auxiliando, desse modo, a aproximar as margens do ferimento; tais células são chamadas de miofibroblastos. De forma mais drástica, se uma preparação de matriz óssea, obtida após moer o osso em um pó fino e dissolver o componente mineral rígido, é implantada na camada dérmica da pele, algumas das células (provavelmente fibroblastos) se transformarão em células cartilaginosas e, um pouco mais tarde, serão modificadas em células ósseas, criando, assim, uma pequena protuberância de osso. Esses experimentos sugerem que os componentes da matriz extracelular podem influenciar drasticamente a diferenciação de células do tecido conectivo. Veremos que transformações celulares semelhantes ocorrem no reparo natural de fraturas ósseas. Na verdade, a matriz óssea contém altas concentrações de várias proteínas-sinal que podem afetar o comportamento de células do tecido conectivo. Estas incluem membros da superfamília TGF, inclusive BMPs e o próprio TGF. Estes fatores regulam o crescimento, a diferenciação e a síntese de matriz pelas células do tecido conectivo, exercendo uma variedade de ações, dependendo do tipo de célula-alvo e da combinação de outros fatores e componentes da matriz que estejam presentes. Quando injetados em um animal vivo, eles podem induzir a formação de matriz cartilaginosa, óssea ou fibrosa, de acordo com o local e as circunstâncias da injeção. O TGF é especialmente importante na cicatrização da ferida, onde estimula a conversão de fibroblastos em miofibroblastos e promove a formação de um tecido cicatricial rico em colágeno que dá resistência à ferida cicatrizada.

A matriz extracelular pode influenciar a diferenciação das células do tecido conectivo por influenciar na forma e na ligação celular A matriz extracelular pode influenciar o estado diferenciado das células do tecido conectivo por meio de efeitos físicos e químicos. Isto tem sido demonstrado em estudos com cultivo de células de cartilagem, ou condrócitos. Sob condições de cultivo adequadas, essas células proliferam e mantêm sua característica diferenciada, continuando a sintetizar, durante muitas gerações celulares, grandes quantidades de uma matriz cartilaginosa muito característica, com a qual elas mesmas se cercam. No entanto, se as células são mantidas em uma densidade relativamente baixa e permanecem como uma monocamada sobre a placa

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de cultivo, ocorre uma transformação. Elas perdem sua forma arredondada característica, tornam-se achatadas sobre o substrato e param de produzir matriz cartilaginosa: cessam a produção de colágeno tipo II, característico da cartilagem, e começam a produzir o colágeno tipo I, característico dos fibroblastos. Ao final de um mês em cultivo, quase todas as células cartilaginosas interrompem sua expressão gênica de colágeno e adquirem a aparência de fibroblastos. A modificação bioquímica deve ocorrer bruscamente, uma vez que poucas células são observadas produzindo ambos os tipos de colágeno simultaneamente. A alteração bioquímica parece ser induzida, ao menos em parte, pela modificação na forma e na ligação celular. Por exemplo, as células cartilaginosas que fizeram a transição para uma característica semelhante a do fibroblasto podem ser suavemente separadas da placa de cultivo e transferidas para uma placa de agarose. Por formar um gel em torno delas, a agarose mantém as células suspensas sem nenhuma fixação a um substrato, forçando-as a adotar uma forma arredondada. Nestas circunstâncias, as células prontamente revertem à característica de condrócitos e começam a produzir novamente colágeno tipo II. A forma e a fixação celular podem controlar a expressão de genes através de sinais intracelulares produzidos em contatos focais por integrinas que atuam como receptores da matriz, como discutido no Capítulo 19. Para muitos tipos de células, e especialmente para uma célula do tecido conectivo, as possibilidades para ligação e fixação dependem da matriz circundante, que normalmente é produzida pela própria célula. Assim, uma célula pode criar um ambiente que atua de volta sobre ela própria, reforçando seu estado diferenciado. Além disso, a matriz extracelular que uma célula secreta faz parte do ambiente para as suas vizinhas, assim como do ambiente da própria célula, e tende, dessa forma, a fazer as células da vizinhança se diferenciarem da mesma maneira. Um grupo de condrócitos que formam um nódulo de cartilagem, por exemplo, tanto no corpo em desenvolvimento quanto em uma placa de cultivo, pode ser visto aumentando de tamanho pela conversão de fibroblastos vizinhos em condrócitos.

Os osteoblastos produzem matriz óssea A cartilagem e o osso são tecidos de características muito diferentes; contudo, eles estão estreitamente relacionados na origem, e a formação do esqueleto depende de uma íntima associação entre eles. A cartilagem é um tecido estruturalmente simples, composto de células de um tipo – os condrócitos – embebidas em uma matriz mais ou menos uniforme altamente hidratada, que consiste em proteoglicanos e colágeno tipo II, cujas propriedades notáveis já discutimos anteriormente no Capítulo 19. A matriz cartilaginosa pode alterar sua forma, e o tecido cresce por expansão à medida que os condrócitos se dividem e produzem mais matriz (Figura 23-54). O osso, ao contrário, é denso e rígido; ele cresce por aposição – isto é, por deposição de matriz adicional sobre as superfícies livres. Como o concreto armado, a matriz óssea é predominantemente uma mistura de fibras rígidas (fibrilas de colágeno tipo I), que resistem às forças de distensão, e de partículas sólidas (fosfato de cálcio na forma de cristais de hidroxiapatita), que resistem à compressão. As fibrilas de colágeno no osso adulto estão arranjadas em camadas regulares semelhantes à madeira compensada, com as fibrilas de cada camada dispostas paralelamente umas em relação às outras, mas em ângulos retos em relação às fibrilas nas camadas de ambos os lados adjacentes. O volume ocupado pelas fibrilas de colágeno é aproximadamente igual àquele ocupado pelo fosfato de cálcio. A matriz óssea é secretada por osteoblastos que se localizam na superfície da matriz existente e depositam camadas frescas de osso sobre ela. Alguns dos osteoblastos permanecem livres na superfície, enquanto outros tornam-se gradativamente embebidos em sua própria secreção. Este material recém-produzido (constituído basicamente de colágeno tipo I) é chamado de osteoide. Ele é rapidamente convertido em matriz óssea dura pela deposição de cristais de fosfato de Figura 23-54 O crescimento da cartilagem. O tecido expande enquanto os condrócitos se dividem e produzem mais matriz. A matriz recém-sintetizada com a qual cada célula cerca a si própria é sombreada em verde-escuro. A cartilagem também pode crescer pelo recrutamento de fibroblastos do tecido que a envolve e pela conversão destes em condrócitos.

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Célula osteogênica (precursor de osteoblasto)

Figura 23-55 Deposição de matriz óssea por osteoblastos. Os osteoblastos que revestem a superfície do osso secretam a matriz orgânica do osso (osteoide) e são convertidos em osteócitos quando eles se tornam embebidos nesta matriz. A matriz calcifica logo após ter sido depositada. Acredita-se que os próprios osteoblastos sejam derivados de células-tronco osteogênicas que estão intimamente relacionadas aos fibroblastos.

Osteoblasto Osteoide (matriz óssea não-calcificada) Matriz óssea calcificada Processo celular dentro do canalículo Osteócito

10 m

cálcio dentro dele. Uma vez aprisionada na matriz dura, a célula formadora de osso original, agora chamada de osteócito, não tem oportunidade de se dividir, embora continue a secretar mais matriz, em pequenas quantidades, em torno de si mesma. O osteócito, da mesma forma que o condrócito, ocupa uma pequena cavidade, ou lacuna, na matriz, mas, ao contrário do condrócito, ele não está isolado de seus companheiros. Canais muito pequenos, ou canalículos, irradiam de cada lacuna e contêm processos celulares do osteócito que está nesta lacuna, permitindo-lhe formar junções comunicantes com osteócitos vizinhos (Figura 23-55). Embora as próprias redes de osteócitos não realizem a secreção ou a erosão de quantidades substanciais de matriz, eles provavelmente são responsáveis por parte do controle das atividades das células que as fazem. Vasos sanguíneos e nervos passam através do tecido, mantendo as células ósseas vivas e reagindo quando o osso é lesionado. Um osso maduro tem uma arquitetura complexa e bela, na qual placas densas de tecido de osso compacto circundam espaços atravessados por estruturas leves de osso trabecular – uma filigrana de hastes entrelaçadas de tecido ósseo, com medula mole nos interstícios (Figura 23-56). A produção, a manutenção e o reparo desta estrutura não dependem apenas das células da família do tecido conectivo que sintetizam matriz, mas também de uma classe separada de células chamadas de osteoclastos, que a degradam, como discutiremos a seguir.

A maioria dos ossos é construída em torno de modelos cartilaginosos A maioria dos ossos, e particularmente os ossos longos dos membros e do tronco, origina-se a partir de pequenos “modelos em escala” formados primeiramente de cartilagem no embrião. Cada modelo cresce e, enquanto nova cartilagem é formada, a cartilagem antiga é substituída por osso. O processo é conhecido como formação óssea endocondral (ou ossificação endocondral). O crescimento e a erosão da cartilagem e a deposição de osso são tão engenhosamente coordenados que o osso adulto, embora possa ter meio metro de comprimento, tem quase a mesma forma que o modelo cartilaginoso inicial, que não tinha mais que uns poucos milímetros. Figura 23-56 Osso trabecular e compacto. (A) Eletromicrografia de varredura em baixa magnitude de osso trabecular na vértebra de um homem adulto. O tecido mole da medula foi dissolvido e retirado. (B) Um corte sagital através da cabeça do fêmur, com a medula óssea e outros tecidos moles igualmente dissolvidos e retirados, revela o osso compacto do tubo ósseo e o osso trabecular no interior. Em função da maneira pela qual o tecido ósseo remodela a si próprio em resposta à carga mecânica, as trabéculas tornam-se orientadas ao longo do eixo principal de tensão dentro do osso. (A, cortesia de Alan Boyde; B, de J. B. Kerr, Atlas of Functional Histology. Mosby, 1999.)

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(A)

(B)

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O processo começa no embrião com o aparecimento de “condensações” indistintamente definidas – grupos de células de tecido conectivo embrionário que se tornam mais intimamente unidas que suas vizinhas e começam a expressar um grupo característico de genes – incluindo, em especial, Sox9 e, após um ligeiro intervalo, Runx2. Estes dois genes codificam proteínas reguladoras de genes que são críticas para o desenvolvimento de cartilagem e osso, respectivamente. Células mutantes que não têm Sox9 são incapazes de se diferenciar como cartilagem, mas podem formar osso (e em algumas partes do corpo formarão osso onde deveria haver cartilagem). Ao contrário, animais sem Runx2 funcional não produzem osso e nascem com um esqueleto composto unicamente de cartilagem. Logo após a expressão de Sox9 ter iniciado, as células no centro da condensação começam a secretar matriz cartilaginosa, dividindo-se e se expandindo individualmente à medida que fazem isso. Desse modo, elas formam uma haste de cartilagem cercada por células não-cartilaginosas mais densamente unidas. As células cartilaginosas no segmento central da haste tornam-se hipertrofiadas (bastante expandidas) e cessam a divisão; e, ao mesmo tempo, elas começam a secretar Indian Hedgehog – uma molécula-sinal da família Hedgehog. Isto, por sua vez, provoca aumento da produção de certas proteínas Wnt, que ativam a via Wnt em células que circundam a haste de cartilagem. Como resultado, elas desligam a expressão de Sox9, mantêm a expressão de Runx2 e começam a se diferenciar em osteoblastos, criando um colar de osso em torno da haste do modelo de cartilagem. A superativação artificial da via Wnt induz uma proporção maior de células a produzir osso ao invés de cartilagem; um bloqueio artificial da via de sinalização Wnt faz o oposto. Portanto, neste sistema a sinalização Wnt controla a opção entre caminhos alternativos de diferenciação, com a expressão de Sox9 levando a via em direção à cartilagem, e a expressão de Runx2 levando a via em direção ao osso. As células cartilaginosas hipertrofiadas na haste do modelo de cartilagem logo morrem, deixando cavidades grandes na matriz, e a própria matriz torna-se mineralizada, como osso, pela deposição de cristais de fosfato de cálcio. Osteoclastos e vasos sanguíneos invadem as cavidades e coroem a matriz cartilaginosa residual, criando um espaço para a medula óssea, e osteoblastos, seguindo no seu rastro, começam a depositar osso trabecular em partes da cavidade onde fragmentos de matriz cartilaginosa permanecem como um molde. O tecido cartilaginoso nas extremidades do osso é substituído por tecido ósseo em um estágio muito posterior, por um processo um pouco semelhante, como mostrado na Figura 23-57. O alongamento contínuo do osso, até o momento da puberdade, depende de uma cartilagem da placa de crescimento (disco ou placa epifisária) entre a haste (diáfise) e a cabeça (epífise) do osso. O crescimento defeituoso de cartilagem desta placa, como resultado de uma mutação dominante no gene que codifica para um receptor FGF (FGFR3), é responsável pela forma mais comum de nanismo, conhecida como acondroplasia (Figura 23-58). A cartilagem da placa de crescimento finalmente é substituída por osso e desaparece. O único remanescente vivo de cartilagem no osso longo adulto é uma camada fina, porém

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Figura 23-57 O desenvolvimento de um osso longo. Os ossos longos, como o fêmur ou o úmero, desenvolvem-se a partir de um modelo de cartilagem em miniatura. A cartilagem não-calcificada é mostrada em verde-claro; a cartilagem calcificada, em verde-escuro; o osso, em preto, e os vasos sanguíneos, em vermelho. A cartilagem não é transformada em osso, mas é gradativamente substituída por ele pela ação de osteoclastos e de osteoblastos, que invadem a cartilagem em associação com vasos sanguíneos. Os osteoclastos promovem a erosão da matriz da cartilagem e do osso, enquanto os osteoblastos secretam matriz óssea. O processo de ossificação inicia no embrião e não é completado até o fim da puberdade. O osso resultante consiste em um cilindro de osso compacto oco com parede espessa, que cerca uma cavidade central grande ocupada pela medula óssea. Notar que nem todos os ossos se desenvolvem desta maneira. Os ossos membranosos do crânio, por exemplo, são formados diretamente como placas ósseas, não a partir de um modelo prévio de cartilagem. (Adaptada de D. W. Fawcett, A Textbook of Histology, 12th ed. New York: Chapman and Hall, 1994.)

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Figura 23-58 Acondroplasia. Este tipo de nanismo ocorre em um a cada 10.000-100.000 nascimentos; em mais de 99% dos casos, resulta de uma mutação em um local idêntico do genoma, que corresponde ao aminoácido 380 (uma glicina no domínio transmembrana) do FGFR3, um receptor de FGF. A mutação é dominante, e quase todos os casos se devem a novas mutações que ocorrem de forma independente, sugerindo uma taxa extraordinariamente alta de mutação neste local particular do genoma. O defeito na sinalização FGF causa nanismo por interferir com o crescimento da cartilagem em ossos longos em desenvolvimento. (Da pintura de Velasquez, de Sebastian de Morra. © Museo del Prado, Madrid.)

importante, que forma uma cobertura lisa e escorregadia nas superfícies ósseas de junções, onde um osso se articula com outro (ver Figura 23-57). A erosão desta camada de cartilagem, durante o envelhecimento, lesão mecânica ou doença autoimune, leva à artrite, um dos mais comuns e mais dolorosos sofrimentos da velhice.

O osso é remodelado constantemente pelas células em seu interior Apesar de toda sua rigidez, o osso não é de modo algum um tecido permanente e imutável. Passando através da matriz extracelular rígida há canais e cavidades ocupados por células vivas, que correspondem a cerca de 15% do peso do osso compacto. Essas células estão envolvidas em um processo incessante de remodelação: enquanto os osteoblastos depositam matriz óssea nova, os osteoclastos destroem a matriz óssea velha. Esse mecanismo proporciona a contínua renovação e substituição de matriz no interior do osso. Os osteoclastos (Figura 23-59) são células multinucleadas grandes que se originam, como os macrófagos, de células-tronco hemopoiéticas na medula óssea. As células precursoras são liberadas como monócitos na corrente sanguínea e juntam-se em locais de reabsorção óssea, onde se fundem para formar os osteoclastos multinucleados, que se aderem às superfícies da matriz óssea e a corroem. Os osteoclastos são capazes de abrir um túnel profundo na substância-matriz do osso compacto, formando cavidades que são invadidas por outras células. Um capilar sanguíneo cresce em direção ao centro de um desses túneis, e

Lisossomos Núcleos múltiplos

Justaposição íntima Matriz óssea com a matriz

Borda estriada do osteoclasto

10 m

Osteoclasto

Matriz óssea

(B)

(A)

Figura 23-59 Osteoclastos. (A) Esquema de um osteoclasto em corte transversal. Esta célula gigante, multinucleada, promove erosão da matriz óssea. A “borda estriada” é um local de secreção de ácidos (para dissolver os minerais do osso) e de hidrolases (para digerir os componentes orgânicos da matriz). Os osteoclastos variam em forma, são móveis e frequentemente emitem processos para reabsorver osso em vários locais. Eles se desenvolvem a partir de monócitos e podem ser vistos como macrófagos especializados. (B) Um osteoclasto na matriz óssea, visto por microscopia eletrônica de varredura. O osteoclasto se arrasta lentamente sobre a matriz, promovendo sua erosão e deixando uma trilha de crateras onde ele causou erosão. (A, de R. V. Krstić, Ultrastructure of the Mammalian Cell: An Atlas. Berlin: Springer-Verlag, 1979; B, cortesia de Alan Boyde.)

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Biologia Molecular da Célula

Osteoblasto (célula que reveste o osso) quiescente Pequeno vaso sanguíneo Célula endotelial

Osso novo Matriz óssea nova ainda não calcificada

Fibroblasto

Osso antigo

Osteócito Tecido conectivo frouxo Broto capilar crescendo para o interior

Osteoblastos prestes a depositar osso novo para preencher o túnel escavado

Osteoclasto escavando túnel através do osso antigo 100 m

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Figura 23-60 O remodelamento do osso compacto. Os osteoclastos atuando juntos em um pequeno grupo escavam um túnel no osso antigo, avançando em uma taxa de cerca de 50 mm por dia. Os osteoblastos entram no túnel atrás deles, revestem suas paredes e começam a formar osso novo, depositando camadas de matriz a uma taxa de 1 a 2 mm por dia. Ao mesmo tempo, um capilar brota em direção ao centro do túnel. O túnel finalmente torna-se preenchido com camadas concêntricas de osso novo, apenas com um canal central estreito remanescente. Cada um desses canais, além de proporcionar um caminho de acesso para os osteoclastos e osteoblastos, contém um ou mais vasos sanguíneos que transportam os nutrientes que as células ósseas necessitam para sobreviver. Caracteristicamente, cerca de 5 a 10% do osso em um mamífero adulto saudável são substituídos desta maneira a cada ano. (Com base em Z. F. G. Jaworski, B. Duck e G. Sekaly, J. Anat. 133:397-405, 1981. Com permissão de Blackwell Publishing.)

as paredes do túnel tornam-se revestidas com uma camada de osteoblastos (Figura 23-60). Para produzir a estrutura semelhante à madeira compensada do osso compacto, estes osteoblastos depõem camadas concêntricas de matriz nova, que gradualmente preenchem a cavidade, deixando somente um canal estreito em torno do novo vaso sanguíneo. Muitos dos osteoblastos são capturados pela matriz óssea e sobrevivem como anéis concêntricos de osteócitos. Ao mesmo tempo que alguns túneis são preenchidos totalmente com osso, outros estão sendo perfurados por osteoclastos, que cortam através de sistemas concêntricos mais velhos. As consequências deste remodelamento perpétuo são mostradas no padrão de camadas sobrepostas de matriz observado no osso compacto (Figura 23-61).

Os osteoclastos são controlados por sinais de osteoblastos Os osteoblastos que produzem a matriz também produzem os sinais que recrutam e ativam os osteoclastos para degradá-la. Duas proteínas parecem ter este papel: uma é o CSF

Canal antigo Canal novo

Lacunas

100 m

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Figura 23-61 Um corte transversal de uma porção externa compacta de um osso longo. A micrografia mostra os contornos de túneis formados por osteoclastos e depois preenchidos por osteoblastos durante sucessivas rodadas de remodelamento ósseo. O corte foi preparado por desgaste. A matriz dura foi preservada, mas não as células. No entanto, as lacunas e os canalículos que foram ocupados por osteócitos são claramente visíveis. Os anéis concêntricos claros e escuros que se sucedem correspondem a uma orientação alternada das fibras de colágeno em camadas sucessivas de matriz óssea depositada pelos osteoblastos que revestiam a parede do canal em vida. (Este padrão é revelado aqui pela visualização da amostra entre filtros que polarizam o corte parcialmente.) Notar como os sistemas mais antigos de camadas concêntricas de osso foram parcialmente cortados e substituídos por sistemas mais novos.

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de macrófago (MCSF), que encontramos anteriormente em nosso relato de hemopoiese (ver Tabela 23-2); a outra é TNF11, um membro da família TNF (também chamado de RANKL). O comportamento dos osteoblastos na atração de seus oponentes pode parecer contraproducente, mas tem uma função útil na localização de osteoclastos no tecido onde são necessários. Para evitar a degradação excessiva de matriz, os osteoblastos secretam, juntamente com MCSF e TNF11, outra proteína, a osteoprotegerina, que tende a bloquear a ação de TNF11. Quanto mais alto o nível de ativação Wnt nos osteoblastos, mais osteoprotegerina eles secretam e, consequentemente, menor o nível de ativação de osteoclastos e menor a taxa de degradação de matriz óssea. Assim, a via de sinalização Wnt parece ter duas funções distintas na formação óssea: nos estágios precoces, ela controla o comprometimento inicial de células com um destino para osteoblasto; mais tarde, ela atua nos osteoblastos diferenciados para ajudar a dirigir o balanço entre a deposição e a erosão da matriz. Distúrbios deste balanço podem levar à osteoporose, na qual há excessiva erosão da matriz óssea e enfraquecimento do osso, ou à condição oposta, osteopetrose, na qual o osso se torna excessivamente espesso e denso. Sinais hormonais, incluindo estrógenos, andrógenos e o hormônio peptídico leptina, famoso por seu papel no controle do apetite (discutido a seguir), têm efeitos potentes neste balanço. Pelo menos alguns destes efeitos são mediados por influências sobre a produção de TNF11 e osteoprotegerina dos osteoblastos. Os hormônios circulantes afetam os ossos por todo o corpo. Não menos importantes são os controles locais que permitem ao osso ser depositado em um local enquanto é reabsorvido em outro. Por estes controles sobre o processo de remodelamento, os ossos são dotados de uma habilidade notável para adaptar sua estrutura em resposta a variações de longa duração na carga imposta a eles. É isso que torna possível, por exemplo, a ortodontia: uma força constante aplicada a um dente com um grampo fará com que ele se mova gradativamente, durante muitos meses, pelo osso da mandíbula, através do remodelamento do tecido ósseo na frente e atrás dele. O comportamento adaptativo do osso sugere que a deposição e a erosão da matriz são controladas de alguma maneira pelo estresse mecânico local (ver Figura 23-56). Algumas evidências sugerem que isso ocorre porque o estresse mecânico sobre o tecido ósseo ativa a via Wnt nos osteoblastos ou nos osteócitos, regulando, dessa maneira, sua produção de sinais que regulam a atividade dos osteoclastos. O osso também pode sofrer uma reconstrução muito mais rápida e dramática quando surge a necessidade. Algumas células capazes de formar cartilagem nova persistem no tecido conectivo que cerca um osso. Se o osso é quebrado, as células na vizinhança da fratura o reparam por meio de uma espécie de retomada do processo embrionário original: primeiro é depositada cartilagem para preencher a fenda e depois é substituída por osso. A capacidade para autorreparo, tão impressionantemente ilustrada pelos tecidos do esqueleto, é uma propriedade das estruturas vivas que não tem paralelo entre os objetos feitos atualmente pelo homem.

As células adiposas podem desenvolver-se a partir de fibroblastos As células adiposas, ou adipócitos, também derivam de células semelhantes a fibroblasto, tanto durante o desenvolvimento normal dos mamíferos como em várias circunstâncias patológicas. Na distrofia muscular, por exemplo, na qual as células musculares morrem, elas são gradativamente substituídas por tecido conectivo adiposo, provavelmente pela conversão de fibroblastos locais. A diferenciação (normal ou patológica) de células adiposas começa com a expressão de duas famílias de proteínas reguladoras de genes: a família CEBP (de CCAAT/enhancer binding protein) e a família PPAR (de peroxisome proliferator-activated receptor), especialmente PPAR. Como as famílias MyoD e MEF2 no desenvolvimento do músculo esquelético, as proteínas CEBP e PPAR regulam e mantêm a expressão uma da outra, por meio de várias vias de controle de regulação cruzada e de autorregulação. Elas funcionam juntas para controlar a expressão dos outros genes característicos de adipócitos. A produção de enzimas para importação de ácidos graxos e glicose e para síntese de gordura leva ao acúmulo de gotículas de gordura, que consistem principalmente em triacilglicerol (ver Figura 2-81). Estas, então, se fundem e aumentam de volume até que a célula seja bastante distendida (acima de 120 m de diâmetro), com apenas uma borda estreita de citoplasma em torno da massa de lipídeo (Figura 23-62 e Figura 23-63). As lipases também são produzidas em células adiposas, dando-lhes a capacidade de reverter o processo de acúmulo de lipídeo, pela degradação de triacilglicerol em ácidos graxos que podem ser

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Núcleo

Gotículas de lipídeo Célula precursora semelhante a fibroblasto

Célula adiposa

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Figura 23-62 Desenvolvimento de uma célula adiposa. Uma célula precursora semelhante a fibroblasto é convertida em uma célula adiposa madura pelo acúmulo e pela fusão de gotículas de lipídeo. O processo é pelo menos em parte reversível, como indicado pelas setas; a seta tracejada indica a incerteza quanto à possibilidade de uma célula adiposa diferenciada poder sempre reverter a um estado de fibroblasto pluripotente. As células nos estágios iniciais e intermediários podem se dividir, mas a célula adiposa madura não pode.

secretados para consumo por outras células. A célula adiposa altera seu volume cerca de mil vezes quando acumula e libera lipídeo.

A leptina secretada por células adiposas promove o feedback para regular o consumo de alimento Quase todos os animais sob circunstâncias naturais têm que competir pelos suprimentos de alimentos que são variáveis e imprevisíveis. As células adiposas têm o papel vital de armazenamento de reservas de alimento em momentos de fartura e de sua liberação em momentos de escassez. Por isso, é essencial para a função do tecido adiposo que sua quantidade seja ajustada durante toda a vida, de acordo com a oferta de nutrientes. Para nossos antepassados, isso foi uma benção; na metade bem-alimentada do mundo moderno, tornou-se uma maldição. Nos Estados Unidos, por exemplo, aproximadamente 30% da população sofre de obesidade, definida como um índice de massa corporal (peso/altura2) maior que 30 kg/m2, o que equivale a cerca de 30% acima do peso ideal. Não é fácil determinar até que ponto as alterações na quantidade de tecido adiposo dependem de alterações no número de células adiposas, ou de alterações no tamanho das células de gordura. As mudanças no tamanho celular provavelmente são o principal fator em adultos normais não-obesos, mas, pelo menos na obesidade grave, o número de células adiposas também aumenta. Os fatores que controlam o recrutamento de novas células adiposas não são bem-compreendidos, embora se acredite que entre eles se incluam o hormônio do crescimento e o IGF1 (fator de crescimento 1 semelhante à insulina, de insulinlike growth factor-1). No entanto, é evidente que o aumento ou a diminuição do tamanho da célula adiposa é regulado diretamente pelos níveis de nutrientes circulantes e por hormônios, como a insulina, que refletem os níveis de nutrientes. Dessa forma, o excesso de alimento ingerido acima das necessidades energéticas controla diretamente o acúmulo de tecido adiposo. Contudo, como são reguladas a ingestão de alimento e a energia gasta? Fatores tais como a colecistoquinina, secretada pelas células intestinais em resposta à presença de alimento no lúmen intestinal, como discutido anteriormente, são responsáveis pelo controle a curto prazo, pelo período de uma refeição ou de um dia. Mas também necessitamos de controles a longo prazo, para não nos tornamos irremediavelmente gordos ou magros ao longo de toda a vida. O mais importante, de um ponto de vista evolutivo e por nossos antepassados terem competido por fontes de alimento que muitas vezes eram escassas e incertas, a fome deve provocar o apetite e obrigar a procura de alimento. Aqueles que têm real conhecimento de fome prolongada testemunharam a irresistível força desta compulsão. O sinal-chave parece ser um hormônio proteico chamado de leptina, que circula na corrente sanguínea quando as reservas de gordura são adequadas, e desaparece, produzindo fome crônica, quando não são. Camundongos mutantes que carecem de leptina ou do receptor apropriado para leptina são extremamente gordos (Figura 23-64). As mutações nos mesmos genes algumas vezes ocorrem em humanos, embora de forma muito rara. As consequências são semelhantes: fome constante, ingestão em excesso e obesidade mórbida. A leptina normalmente é produzida por células adiposas; quanto maiores elas são, mais elas produzem. A leptina atua em muitos tecidos e, em especial, no cérebro, em células das regiões do hipotálamo que regulam o comportamento de ingestão. A ausência de leptina é um sinal de fome, conduzindo ao comportamento que irá restaurar as reservas de gordura ao seu nível apropriado. Assim, a leptina, como a miostatina liberada pelas células musculares, proporciona um mecanismo de feedback negativo (regulação inibidora) para regular o crescimento do tecido que a secreta.

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Célula adiposa

Célula adiposa

Parte de uma Borda de Colágeno 10 m gotícula citoplasma gigante de Neutrófilo gordura

Figura 23-63 Células adiposas. Esta eletromicrografia de baixa magnitude mostra partes de duas células adiposas. Um neutrófilo que casualmente está presente no tecido conectivo adjacente dá uma noção de escala; cada uma das células adiposas é mais de 10 vezes maior que o neutrófilo em diâmetro e está quase inteiramente cheia com uma única gotícula grande de gordura. As pequenas gotículas de gordura (formas ovais claras) na borda de citoplasma remanescente estão destinadas a fundir-se com a gotícula central. O núcleo não é visível em nenhuma das células adiposas na imagem. (Cortesia de Don Fawcett, de D. W. Fawcett, A Textbook of Histology, 12th ed. New York: Chapman and Hall, 1994.)

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Figura 23-64 Efeitos da deficiência de leptina. Um camundongo normal (à direita) comparado com um camundongo que tem uma mutação no gene da obesidade, que codifica para leptina (à esquerda). O mutante deficiente em leptina deixa de limitar sua ingestão e torna-se grotescamente gordo (três vezes o peso de um camundongo normal). (Cortesia de Jeffrey M. Friedman.)

Na maioria das pessoas obesas, os níveis de leptina na corrente sanguínea são constantemente altos, e mesmo assim o apetite não é suprimido, embora os receptores de leptina também estejam presentes e funcionais. O controle envolvido no feedback da leptina parece nos salvar da morte pela fome ao invés da obesidade pelo excesso de ingestão de alimentos. Nas regiões bem-alimentadas do mundo, dependemos de um complexo de outros mecanismos, muitos deles ainda pouco compreendidos, para manter-nos produzindo mais gordura.

Resumo A família de células do tecido conectivo inclui fibroblastos, células cartilaginosas, células ósseas, células adiposas e células musculares lisas. Alguns tipos de fibroblastos, como as células-tronco mesenquimais da medula óssea, parecem ser capazes de se transformar em qualquer dos outros membros desta família. Essas transformações de tipos celulares de tecido conectivo são reguladas pela composição da matriz extracelular circundante, pela forma celular e por hormônios e fatores de crescimento. Tanto a cartilagem como o osso consistem em células e matriz sólida que as células secretam em torno delas mesmas – condrócitos na cartilagem, osteoblastos no osso (osteócitos são osteoblastos que tornaram-se aprisionados dentro da matriz óssea). A matriz da cartilagem é capaz de alterar sua forma de modo que o tecido possa crescer por expansão, enquanto o osso é rígido e pode crescer apenas por aposição. Os dois tecidos têm origens relacionadas e colaboram intimamente. Dessa forma, a maioria dos ossos longos se desenvolve a partir de “modelos” de cartilagem em miniatura, os quais, à medida que crescem, servem como molde para a deposição de osso. A sinalização Wnt regula a escolha entre os dois caminhos de diferenciação – como condrócito (necessitando da expressão de Sox9) ou como osteoblasto (necessitando da expressão de Runx2). Enquanto os osteoblastos secretam matriz óssea, eles também produzem sinais que recrutam monócitos da circulação para tornarem-se osteoclastos, os quais degradam a matriz óssea. Os osteoblastos e os osteócitos controlam o balanço de deposição e degradação de matriz ajustando os sinais que eles enviam para os osteoclastos. Pela atividade destas classes de células antagonistas, o osso é submetido à remodelação perpétua pela qual ele pode se adaptar à carga que pode suportar e alterar sua densidade em resposta aos sinais hormonais. Além disso, o osso adulto conserva uma capacidade de reparar a si próprio se sofre uma fratura, por reativação dos mecanismos que controlam seu desenvolvimento embrionário; as células na vizinhança da fratura convertem o tecido em cartilagem, que, depois, é substituída por osso. Enquanto a principal função da maioria dos membros da família do tecido conectivo é secretar a matriz extracelular, as células adiposas servem como locais de armazenamento de gordura. O controle por feedback mantém a quantidade de tecido adiposo baixa: as células adiposas liberam um hormônio, a leptina, que atua no cérebro, e o desaparecimento de leptina atua como um sinal de perigo de fome, conduzindo ao comportamento que irá restaurar as reservas de gordura ao seu nível apropriado.

MODIFICAÇÃO DAS CÉLULASTRONCO Como temos observado, muitos dos tecidos do corpo não estão apenas se autorrenovando, mas também se autorreparando, e isso graças às células-tronco e aos controles de feedback

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que regulam seu comportamento. Contudo, onde os mecanismos da própria Natureza falham podemos intervir e fazer melhor? Podemos encontrar maneiras de obter células para reconstruir tecidos vivos que tenham sido perdidos ou feridos por doenças ou lesões e que são incapazes de reparo espontâneo? Uma estratégia óbvia é explorar as capacidades de desenvolvimento especial das células-tronco ou progenitoras das quais derivam normalmente os componentes do tecido perdido. Contudo, como tais células são obtidas, e como podemos colocá-las em uso? Este é o tópico desta seção final.

Células-tronco hemopoiéticas podem ser usadas para substituir células sanguíneas doentes por outras saudáveis Anteriormente neste capítulo, vimos como camundongos podem ser submetidos a radiação para matar suas células hemopoiéticas e, então, ser salvos por uma transfusão de células-tronco novas, as quais repovoam a medula óssea e restabelecem a produção de células sanguíneas. Da mesma maneira, pacientes com leucemia, por exemplo, podem ser submetidos a radiação ou tratados quimicamente para destruir suas células cancerosas juntamente com o restante de seu tecido hemopoiético e, então, podem ser salvos por uma transfusão de células-tronco hemopoiéticas saudáveis, não-cancerosas, que podem ser colhidas da medula óssea de um doador adequado. Isto cria problemas de rejeição imunológica se a medula óssea do doador e do receptor diferirem geneticamente, mas a comparação cuidadosa do tecido e o uso de fármacos imunossupressores podem reduzir estas dificuldades para um nível tolerável. Em alguns casos, onde a leucemia surge de uma mutação em um tipo especializado de célula sanguínea progenitora ao invés de nas próprias células-tronco hemopoiéticas, é possível tratar o paciente com suas próprias células. Uma amostra de medula óssea é colhida antes da realização da radiação e selecionada para obter uma preparação de células-tronco hemopoiéticas livre de células leucêmicas. Esta preparação purificada então é transfundida de volta para o paciente após ele sofrer a radiação. A princípio, a mesma tecnologia também abre outro caminho para uma forma de terapia gênica: células-tronco hemopoiéticas podem ser isoladas em cultivo, modificadas geneticamente por transfecção de DNA ou alguma outra técnica para introduzir um gene desejado e, então, transfundidas de volta em um paciente no qual o gene está ausente, para suprir uma fonte autorrenovável do componente genético perdido. Uma versão desta abordagem está sendo testada para o tratamento da AIDS. Células-tronco hemopoiéticas podem ser coletadas do paciente infectado com HIV, modificadas geneticamente por transfecção com material genético que torne as células-tronco e sua progênie resistentes à infecção pelo HIV e transfundidas de volta no mesmo paciente.

Populações de células-tronco epidérmicas podem ser expandidas em cultivo para o reparo de tecido Outro exemplo simples de uso de células-tronco é no reparo da pele após queimaduras extensas. Por meio do cultivo de células de regiões não-lesionadas da pele de um paciente queimado, é possível obter células-tronco epidérmicas rapidamente e em grande número. Estas podem ser utilizadas, então, para repovoar a superfície lesionada do corpo. No entanto, para bons resultados após uma queimadura de terceiro grau é fundamental providenciar primeiramente uma substituição imediata da derme perdida. Para isso, pode ser utilizada a derme retirada de um cadáver humano, ou uma derme artificial substituta. Essa ainda é uma área de ativa experimentação. Em uma técnica, uma matriz artificial de colágeno misturada a um glicosaminoglicano é produzida em uma placa, com uma membrana fina de borracha de silicone cobrindo sua superfície externa como uma barreira à perda de água, e esta pele substituta (chamada de Integra) é colocada sobre a superfície queimada do corpo após o tecido lesionado ter sido retirado. Os fibroblastos e os capilares sanguíneos dos tecidos vivos mais profundos do paciente migram para a matriz artificial e a substituem gradativamente com novo tecido conectivo. Ao mesmo tempo, as células epidérmicas são cultivadas até haver o suficiente para formar uma camada fina de extensão adequada. Duas ou mais semanas após a operação inicial, a membrana de borracha de silicone é removida cuidadosamente e substituída por esta epiderme cultivada, de modo a reconstruir uma pele completa.

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As células-tronco neurais podem ser manipuladas em cultivo Enquanto a epiderme é um dos tecidos mais simples e mais facilmente regenerados, o sistema nervoso central (o SNC) é o mais complexo e parece ser o mais difícil de ser reconstruído na vida adulta. O cérebro e a medula espinal do mamífero adulto têm capacidade muito pequena para autorreparo. As células-tronco capazes de originar neurônios novos são difíceis de encontrar nos mamíferos adultos – realmente tão difíceis de encontrar que até recentemente pensava-se que elas estavam ausentes. No entanto, agora sabemos que as células-tronco neurais do SNC capazes de dar origem tanto a neurônios como a células da glia persistem no cérebro mamífero adulto. Além disso, em certas partes do cérebro elas produzem continuamente neurônios novos para substituir aqueles que morrem (Figura 23-65). A renovação neuronal ocorre em uma escala mais dramática em certos pássaros, nos quais muitos neurônios morrem a cada ano e são substituídos por neurônios recém-nascidos como parte do processo pelo qual o pássaro aprende uma nova canção em cada estação reprodutiva. A prova de que o cérebro mamífero adulto contém células-tronco neurais resultou de experimentos nos quais pedaços do tecido cerebral foram dissociados e usados para estabelecer cultivos celulares. Em condições de cultivo adequadas, células derivadas de uma região apropriada do cérebro formarão “neurosferas” flutuantes – grupos que consistem em uma mistura de células-tronco neurais, com neurônios e células da glia, derivadas das células-tronco. Estas neurosferas podem ser propagadas por muitas gerações celulares, ou suas células podem ser coletadas a qualquer tempo e implantadas de volta no cérebro de um animal normal. Aí elas produzirão uma progênie diferenciada, na forma de neurônios e células da glia. Utilizando condições de cultivo levemente diferentes, com as combinações adequadas de fatores de crescimento no meio, as células-tronco neurais podem ser cultivadas como uma monocamada e induzidas a proliferar como uma população quase pura de células-tronco sem uma progênie diferenciada concomitante. Por meio de uma modificação adicional nas condições de cultivo, estas células podem ser induzidas a qualquer momento a diferenciar para originar uma mistura de neurônios e células da glia (Figura 23-66), ou apenas um destes dois tipos celulares, de acordo com a composição do meio de cultivo. Os cultivos puros de células-tronco neurais, que se dividem para formar mais células-tronco neurais, são mais valiosos do que apenas uma fonte de células para transplante. Eles devem ajudar na análise dos fatores que definem o estado de célula-tronco e controlam a ativação para diferenciação. Uma vez que as células podem ser manipuladas geneticamente por transfecção de DNA e outras formas, eles abrem caminhos para novas maneiras de investigar o papel de genes específicos nestes processos e nas doenças genéticas do sistema nervoso, como as doenças neurodegenerativas. Eles também criam oportunidades, ao menos a princípio, para a manipulação genética de células neurais para tratar doenças.

As células-tronco neurais podem repovoar o sistema nervoso central As células-tronco neurais enxertadas em um cérebro adulto apresentam uma extraordinária capacidade de ajustar seu comportamento a sua nova localização. Por exemplo, as células-tronco do hipocampo do camundongo implantadas no caminho precursor do bulbo olfatório (ver Figura 23-65) originam neurônios que se tornam incorporados corretamente ao bulbo olfatório. Esta capacidade das células-tronco neurais e sua progênie de se adaptar a Neurônios imaturos migrando Células-tronco neurais

Bulbo olfatório

Ventrículo

Hemisférios cerebrais

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Figura 23-65 A produção continuada de neurônios em um cérebro de camundongo adulto. O cérebro é visto de cima, em um corte transversal, para mostrar a região que reveste os ventrículos do prosencéfalo, onde são encontradas as células-tronco neurais. Estas células continuamente produzem progênie que migra para o bulbo olfatório, onde elas se diferenciam como neurônios. A constante renovação de neurônios no bulbo olfatório provavelmente está ligada, de alguma maneira, à renovação dos receptores olfatórios dos neurônios que se projetam para ele a partir do epitélio olfatório, como foi discutido anteriormente. Há também uma contínua renovação de neurônios no hipocampo adulto, uma região relacionada especialmente com o aprendizado e a memória, na qual a plasticidade de função adulta parece estar associada à renovação de um subgrupo específico de neurônios. (Adaptada de B. Barres, Cell 97:667-670, 1999. Com permissão de Elsevier.)

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um ambiente novo promete ter aplicações clínicas importantes no tratamento de doenças nas quais os neurônios degeneram ou perdem sua bainha de mielina, assim como em lesões do sistema nervoso central. Deste modo, células-tronco neurais (derivadas de tecido fetal humano) têm sido enxertadas em medula espinal de camundongos que foram paralisados por lesões da medula espinal ou por mutação que leve à mielinização defeituosa; os camundongos escolhidos eram de uma cepa imunodeficiente e assim não rejeitaram as células enxertadas. Então, as células enxertadas deram origem tanto a neurônios que se conectaram com os neurônios do hospedeiro, quanto a oligodendrócitos que formaram novas bainhas de mielina em torno dos axônios desmielinizados do hospedeiro. Como resultado, os camundongos hospedeiros recuperaram parte de seu controle sobre seus membros. Tais achados trazem a esperança de que, apesar da extraordinária complexidade dos tipos de células nervosas e de conexões neuronais, possa ser possível utilizar células-tronco neurais para reparar ao menos alguns tipos de lesões e de doenças no sistema nervoso central.

No organismo adulto, as células-tronco são específicas para o tecido Quando as células são removidas do corpo e mantidas em cultivo ou são transplantadas de um local do corpo para outro, como nos procedimentos que acabamos de descrever, elas geralmente se conservam plenamente fiéis a suas origens. Os queratinócitos continuam a comportar-se como queratinócitos, as células hemopoiéticas como células hemopoiéticas, as células neurais como células neurais, e assim por diante. É verdade que, se colocadas em um ambiente anormal, as células diferenciadas podem parar de apresentar a série normal inteira de características diferenciadas, e as células-tronco podem perder sua característica de célula-tronco e se diferenciar; porém, elas não mudam tanto a ponto de expressar as características de outro tipo celular radicalmente diferente. Assim, cada tipo de célula especializada tem uma memória de sua história de desenvolvimento e parece fixada em seu destino especializado. Certamente, algumas transformações limitadas podem ocorrer, como vimos em nossa descrição da família de células do tecido conectivo, e algumas células-tronco podem produzir uma variedade de tipos celulares diferenciados, mas as possibilidades são restritas. Cada tipo de célula-tronco serve para a renovação de um tipo particular de tecido. Obviamente, as oportunidades práticas seriam muito maiores se as células-tronco fossem mais versáteis e não tão especializadas – se pudéssemos tirá-las de um tipo de tecido onde elas estão facilmente disponíveis e usá-las para reparar um tecido diferente, onde elas são necessárias. Deste modo, houve grande alvoroço na década passada em função dos relaCérebro fetal ou células ES

Neurosferas (A)

Dissociação das células e cultivo em suspensão no meio A

(A)

Cultivo puro de células-tronco neurais (B)

Dissociação e cultivo como monocamada no meio B

(B)

Transferência para o meio C

Mistura (C) de neurônios diferenciados (vermelho) e células da glia (verde); os núcleos celulares estão em azul

(C)

Figura 23-66 Células-tronco neurais. As fotografias mostram as etapas que levam do tecido cerebral fetal, por neurosferas (A), até um cultivo puro de células-tronco neurais (B). Estas células-tronco podem ser mantidas em proliferação desta forma, indefinidamente, ou, através de uma alteração do meio, podem ser levadas a diferenciarem-se (C) em neurônios (vermelho) e células da glia (verde). As células-tronco neurais com as mesmas propriedades também podem ser derivadas, através de uma série de etapas semelhantes, de células ES. (Fotomicrografias de L. Conti et al., PLoS 3:1594-1606, 2005. Com permissão de Public Library of Science.)

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Figura 23-67 Regeneração do membro da lagartixa. Uma sequência do intervalo de tempo mostrando o progresso da regeneração do membro em uma salamandra a partir da amputação ao nível do úmero. A sequência mostra os estágios de cicatrização da ferida, volta a um estado não-diferenciado, fase de blastema (dispersão na forma de células mononucleadas) e volta ao estado de diferenciação, envolvidos no processo de regeneração. O tempo total mostrado é de aproximadamente 20 a 30 dias. (Cortesia de Susan Bryant e David Gardiner.)

AMPUTAÇÃO

REGENERAÇÃO 0 dia

25 dias

tos de que as células-tronco de vários tecidos especializados podem, em certas circunstâncias, mostrar espantosa plasticidade de desenvolvimento, dando origem a células de tipos radicalmente diferentes – células-tronco hemopoiéticas a neurônios, por exemplo, ou células-tronco neurais a músculo. Contudo, a validade destes achados é debatida calorosamente, e têm sido encontradas falhas em algumas das evidências-chave. Por exemplo, agora se acredita que muitos casos aparentes de trocas de destino celular sejam, realmente, o resultado de eventos de fusão celular, através dos quais os núcleos de um tipo de célula especializada são expostos ao citoplasma de um outro tipo celular e, consequentemente, ativam um grupo de genes modificado. Em todo caso, a maioria dos relatos de interconversão entre linhagens celulares adultas radicalmente diferentes concorda que estes são eventos raros. Enquanto a pesquisa sobre estas formas extremas de plasticidade de células-tronco continua, não sabemos ainda como fazer tais interconversões diretas acontecerem em escala suficientemente, ou totalmente, larga ou segura para aplicação na prática médica. Isto não quer dizer que a transformação radical de células de uma característica diferenciada para outra é um sonho impossível ou que nunca serão descobertas maneiras eficientes de fazê-lo. De fato, algumas espécies não-mamíferas podem regenerar tecidos e órgãos perdidos justamente por meio destas interconversões. Por exemplo, uma lagartixa pode regenerar um membro amputado por um processo no qual células diferenciadas parecem reverter a uma característica embrionária e retomar o desenvolvimento embrionário. Células musculares multinucleadas diferenciadas na ponta remanescente do membro voltam a entrar no ciclo celular, voltando a um estado não-diferenciado e se dispersando como células mononucleadas; estas, então, proliferam para formar um broto semelhante ao broto do membro de um embrião e, finalmente, voltam a se diferenciar nos vários tipos celulares necessários para reconstruir a parte perdida do membro (Figura 23-67). Por que uma lagartixa pode manipular isso – assim como muitas outras façanhas extraordinárias de regeneração – mas um mamífero não pode, ainda é um profundo mistério.

As células-tronco embrionárias podem produzir qualquer parte do corpo Enquanto as células-tronco dos tecidos mamíferos adultos parecem estar inteiramente restritas àquilo que podem fazer, um outro tipo de células-tronco de mamíferos é extraordinariamente versátil. Como descrito nos Capítulos 8 e 22, é possível coletar um embrião precoce de camundongo no estágio de blastocisto e, através de cultivo celular, originar a partir dele uma classe de células-tronco chamadas de células-tronco embrionárias, ou células ES (de embryonic stem cells). As células ES podem ser mantidas proliferando em cultivo indefinidamente e ainda conservar um potencial de desenvolvimento ilimitado. Se as células ES são recolocadas em um blastocisto, elas tornam-se incorporadas ao embrião e podem originar todos os tecidos e tipos celulares do corpo, incluindo as células germinativas, integrando-se perfeitamente em qualquer lugar que possam vir a ocupar e adotando a característica e o comportamento que a células normais apresentariam neste local. Pode-se pensar no desenvolvimento em termos de uma série de escolhas apresentadas às células enquanto elas seguem um caminho que leva desde o ovo fecundado até a diferenciação definitiva. Após sua longa temporada em cultivo, as células ES e sua progênie evidentemente ainda podem interpretar os sinais em cada bifurcação no caminho e responder como as células embrionárias normais o fariam. Porém, se células ES são implantadas diretamente em um embrião em um estágio mais tardio ou em um tecido adulto, elas deixam de receber uma sequência adequada de sinais; logo, sua diferenciação não é controlada de forma apropriada e elas muitas vezes darão origem a um tumor.

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Ácido retinoico

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Insulina, hormônio tireoidiano

Adipócito Ácido retinoico Células da massa celular interna Neurônio

Fator estimulante de colônia de macrofago

Células-tronco embrionárias cultivadas Embrião precoce (blastocisto)

Interleucina-3, interleucina-1

Macrófago cAMP dibutiril, ácido retinoico

Fator de crescimento de fibroblasto

Fator 2 de crescimento de fibroblasto, fator de crescimento epidérmico

Fator 2 de crescimento de fibroblasto, fator de crescimento derivado de plaquetas

Célula muscular lisa

Astrócitos e oligodendrócitos

Figura 23-68 Produção de células diferenciadas em cultivo a partir de células ES de camundongo. As células ES derivadas de um embrião precoce de camundongo podem ser cultivadas indefinidamente como uma monocamada ou deixadas para formar agregados chamados de corpos embrioides, nos quais as células começam a se especializar. As células dos corpos embrioides, cultivadas em meios adicionados com diferentes fatores, podem depois ser direcionadas para se diferenciar em várias vias. (Com base em E. Fuchs e J. A. Segre, Cell 100:143-155, 2000. Com permissão de Elsevier.)

Células com propriedades semelhantes àquelas de células ES de camundongo agora podem ser produzidas a partir de embriões humanos precoces e de células germinativas fetais humanas, criando um suprimento potencialmente inesgotável de células que podem ser usadas para a substituição e o reparo de tecidos humanos maduros que estão lesados. Embora possa haver objeções éticas para tal uso de embriões humanos, vale a pena levar em consideração as possibilidades que estão surgindo. Colocando de lado o sonho de produzir órgãos inteiros a partir de células ES pela retomada do desenvolvimento embrionário, os experimentos em camundongos sugerem que seria possível, no futuro, usar células ES para repor as fibras musculares esqueléticas que degeneram em vítimas de distrofia muscular, as células nervosas que morrem em pacientes com doença de Parkinson, as células secretoras de insulina que estão faltando em diabéticos do tipo I, as células musculares cardíacas que morrem em um ataque cardíaco, e assim por diante. Se as células ES vão ser utilizadas para este tipo de reparo de tecido, primeiro elas têm de ser induzidas ao longo da via de desenvolvimento desejada. Na verdade, as células ES podem ser induzidas a se diferenciar em uma grande variedade de tipos celulares em cultivo (Figura 23-68), pelo tratamento com combinações apropriadas de proteínas-sinal e fatores de crescimento. Por exemplo, elas podem ser usadas para produzir neurosferas e células-tronco neurais. Células-tronco neurais derivadas de células ES de camundongo, como aquelas derivadas de tecido cerebral, podem ser enxertadas no cérebro de um camundongo hospedeiro adulto, onde elas se diferenciarão para produzir neurônios e células da glia. Se o hospedeiro é deficiente em oligodendrócitos que formam a mielina, um enxerto de precursores de oligodendrócitos derivados de células ES pode corrigir a deficiência e produzir bainhas de mielina para os axônios que carecem delas.

Células-tronco embrionárias específicas para o paciente poderiam resolver o problema da rejeição imunológica Há muitos problemas para serem resolvidos antes que as células ES possam ser utilizadas de forma eficaz para o reparo de tecido em pacientes humanos. Um dos mais graves, que tam-

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bém limita o uso de células-tronco adultas, é a rejeição imunológica. Se as células derivadas de células ES de um determinado genótipo são enxertadas em um indivíduo geneticamente diferente, as células enxertadas provavelmente são rejeitadas pelo sistema imune como estranhas. Formas de resolver este problema usando fármacos imunossupressores têm sido desenvolvidas para o transplante de órgãos, como rins e coração, mas estão longe da perfeição. Para evitar completamente os problemas imunológicos, é necessário enxertar células que são geneticamente idênticas àquelas do hospedeiro. Então, como podem ser produzidas células ES por encomenda, com o mesmo genótipo de determinado paciente humano adulto que necessita de um transplante? Como discutido no Capítulo 8, um caminho possível é via transferência nuclear de células somáticas. Neste método – ainda não realizado com células humanas, apesar de algumas falsas esperanças – o núcleo seria retirado de uma célula somática do paciente e injetado em um oócito fornecido por uma doadora (em geral, uma mulher que não seja paciente), substituindo o núcleo original do oócito. A partir deste oócito híbrido, um blastocisto poderia ser obtido, e a partir do blastocisto, células ES. Estas células e sua progênie conteriam o genoma nuclear do paciente e, a princípio, deveriam ser transplantadas sem risco de rejeição imunológica. Contudo, o procedimento completo envolve muitas dificuldades e está muito longe do estágio em que poderia ser utilizado para tratamento. Seria preferível se pudéssemos coletar células de um paciente adulto e convertê-las a uma característica semelhante à de células ES, de forma mais direta, por manipulação da expressão gênica. Uma primeira etapa ao longo deste caminho é identificar os determinantes-chave da característica de células ES – as principais proteínas reguladoras que especificam esta característica, se existirem. Comparações bioquímicas de células ES com outros tipos celulares sugerem um grupo de candidatos para este papel. Estes candidatos podem ser testados pela introdução de construções apropriadas de expressão de DNA em células diferenciadas que podem se desenvolver em cultivo, como fibroblastos. Uma combinação destes transgenes, que codificam para um grupo de quatro proteínas reguladoras de genes (Oct3/4, Sox2, Myc e Klf4), na verdade parece ser capaz de converter fibroblastos em células com características semelhantes às de células ES, incluindo a capacidade de se diferenciar de diversas maneiras. A taxa de conversão é baixa – apenas uma proporção pequena de fibroblastos contendo os transgenes sofre a modificação – e as células convertidas são diferentes das células ES verdadeiras em aspectos importantes. Contudo, estes experimentos mostram um caminho possível para a produção de células com versatilidade semelhante às células ES a partir de células somáticas adultas.

Células-tronco embrionárias são úteis para a descoberta de fármacos e a análise de doenças Embora o transplante de células derivadas de células ES para o tratamento de doenças humanas ainda pareça estar em um futuro distante, há outras vias em que as células ES prometem ter valor de forma mais imediata. Elas podem ser usadas para gerar grandes populações homogêneas de células diferenciadas de um tipo específico em cultivo; e estas podem servir para testar os efeitos de um grande número de compostos químicos na busca de novos fármacos com ações úteis sobre um determinado tipo celular humano. Além disso, por meio de técnicas como aquelas recém-descritas, pode ser possível produzir células semelhantes a células ES que contêm os genomas dos pacientes que sofrem de uma determinada doença genética, e usar estas células-tronco específicas do paciente para a descoberta de fármacos úteis no tratamento dessa doença. Tais células seriam valiosas também para a análise dos mecanismos de doenças. E, em um nível mais básico, a manipulação de células ES em cultivo nos ajudaria a compreender alguns dos muitos mistérios inexplicáveis da biologia das células-tronco. Questões éticas sérias precisam ser resolvidas, e problemas técnicos enormes devem ser superados antes que a tecnologia de células-tronco possa produzir todos os benefícios com os quais sonhamos. Contudo, por uma via ou outra, parece que a biologia celular está começando a fornecer novas oportunidades para aperfeiçoar os mecanismos naturais de reparo de tecidos, tão notáveis quanto estes próprios mecanismos.

Resumo As células-tronco podem ser manipuladas artificialmente e utilizadas tanto para o tratamento de doenças quanto para outros propósitos, como a descoberta de fármacos. Por exemplo, as células-tronco hemopoiéticas podem ser transfundidas em pacientes com leucemia para restabelecer um

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sistema hemopoiético doente, e as células-tronco epidérmicas coletadas da pele não-lesada de um paciente severamente queimado podem ser rapidamente produzidas em grande número em cultivo e enxertadas de volta com o objetivo de reconstruir uma epiderme para cobrir as queimaduras. Células-tronco neurais podem ser derivadas de algumas regiões do cérebro fetal ou adulto e, quando enxertadas em um cérebro que está lesado, podem se diferenciar em neurônios e células da glia que tornam-se integrados ao tecido hospedeiro e podem ajudar a ocasionar um reparo parcial, ao menos em estudos experimentais com animais. No corpo adulto normal, cada tipo de célula-tronco dá origem a um grupo restrito de tipos celulares diferenciados. Embora haja muitos relatos sobre a plasticidade da célula-tronco que quebra estas restrições, a evidência ainda é controversa. Porém, as células-tronco embrionárias (células ES) são capazes de se diferenciar em qualquer tipo celular no organismo e podem ser induzidas a se diferenciar em muitos tipos celulares diferentes em cultivo. A partir de células ES é possível, por exemplo, gerar linhas de células-tronco neurais que proliferarão indefinidamente como culturas puras de células-tronco, mas que podem responder a uma mudança apropriada das condições de cultivo a qualquer momento para que se diferenciem em neurônios e glia. Métodos para produzir células semelhantes às células ES a partir de células de tecidos adultos estão em desenvolvimento. Em princípio, tais células semelhantes às células ES, carregando o genoma de um paciente específico, poderiam ser utilizadas para o reparo de tecido, evitando os problemas de rejeição imunológica. De forma mais imediata, elas fornecem um terreno para testes in vitro na investigação da fisiologia e farmacologia de células de qualquer genótipo normal ou patológico, assim como para a descoberta de fármacos com efeitos úteis sobre estas células.

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Patógenos, Infecção e Imunidade Inata As doenças infecciosas e parasitárias são responsáveis, atualmente, por cerca de um terço de todos os óbitos humanos no mundo, um número maior do que o das mortes provocadas por todos os diferentes tipos de câncer combinados. Em adição ao contínuo ônus de velhas doenças, como a tuberculose e a malária, novas doenças infecciosas emergem continuamente, entre elas a atual pandemia (epidemia mundial) de AIDS (síndrome da imunodeficiência adquirida), que já provocou mais de 25 milhões de mortes no mundo inteiro. Além disso, descobrimos que outras doenças, que imaginávamos serem devidas a outros fatores, estão, na verdade, associadas a infecções. A maioria das úlceras gástricas, por exemplo, não é causada pelo estresse ou por uma alimentação rica em temperos fortes, como se pensava anteriormente, mas por uma infecção bacteriana do estômago causada pela Helicobacter pylori. O ônus das doenças infecciosas e parasitárias não se encontra distribuído igualmente sobre o planeta. Os países e as comunidades pobres sofrem desproporcionalmente. Com frequencia, existe uma correlação entre a prevalência de uma determinada doença infecciosa e as baixas condições sanitárias e de higiene e os sistemas públicos de saúde deficientes, os quais se encontram mais comprometidos com desastres naturais ou inquietações políticas. Algumas doenças infecciosas, entretanto, ocorrem principalmente, ou exclusivamente, em comunidades industrializadas: a doença dos legionários, comumente disseminada através dos ductos de sistemas de ar condicionado, é um exemplo recente. O homem tem sofrido há muito tempo o fascínio e os infortúnios das doenças infecciosas. Os primeiros registros escritos de como retardar a disseminação da raiva podem ser datados de três mil anos. Desde a metade do século XIX, os médicos e os cientistas têm lutado para identificar os agentes causadores das doenças infecciosas, coletivamente denominados patógenos. Mais recentemente, o advento da genética microbiana e da biologia molecular da célula tem aumentado nosso conhecimento sobre as causas e os mecanismos das doenças infecciosas. Atualmente, sabemos que os patógenos, com frequência, exploram os atributos biológicos das células hospedeiras para poder infectá-las. Este conhecimento tanto pode nos fornecer novas informações sobre a biologia normal da célula quanto pode ser útil ao desenvolvimento de estratégias de prevenção das doenças infecciosas. Em um mundo repleto de patógenos hostis, inteligentes e que evoluem rapidamente, como uma criatura frágil e de evolução lenta como o ser humano pode sobreviver? Como acontece com todos os outros organismos pluricelulares, desenvolvemos mecanismos para resistir à infecção por patógenos. Primeiro, barreiras físicas, como as nossas resistentes camadas mais externas da pele, e defesas químicas associadas, como o ácido do estômago, previnem que a maioria dos micro-organismos (micróbios) tenha contato com os tecidos estéreis do nosso corpo. Segundo, as células humanas individuais possuem capacidade de defesa intrínseca; por exemplo, as células degradam agressivamente moléculas de RNA de dupla-fita, uma caracteristica de certos tipos de infecção viral. Para combater especialmente patógenos poderosos que ultrapassam estas barricadas, os vertebrados usam dois tipos de defesa imune, que são realizados por células e proteínas especializadas: as respostas imunes inatas entra em ação imediatamente após a implantação de uma infecção e não dependem da exposição anterior do hospedeiro, enquanto as respostas imunes adaptativas mais poderosas operam por último em uma infecção e são altamente específicas para o patógeno que as induz. Neste capítulo, inicialmente abordaremos os diferentes organismos que provocam as doenças. A seguir, discutiremos a biologia celular da infecção e, finalmente, consideraremos a imunidade inata. A imunidade adaptativa é tratada no Capítulo 25.

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24 Neste capítulo INTRODUÇÃO AOS PATÓGENOS

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BIOLOGIA CELULAR DA INFECÇÃO

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BARREIRAS CONTRA INFECÇÃO E O SISTEMA IMUNE INATO

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Figura 24-1 Parasitismo em todos os níveis. (A) Microscopia eletrônica de varredura de uma pulga. A pulga é um parasita comum de mamíferos – como cães, gatos, ratos e seres humanos. Ela alimenta-se do sangue de seu hospedeiro. A picada da pulga transmite a peste bubônica pela passagem da bactéria patogênica Yersinia pestis da corrente sanguínea de um hospedeiro infectado para outro. (B) Visão aumentada da pata de uma pulga revela que ela também possui um parasita, um tipo de ácaro. O ácaro, por sua vez, está coberto por bactérias. É bem possível que estas bactérias estejam parasitadas por bacteriófagos, que são vírus bacterianos. Uma observação semelhante foi feita por Jonathan Swift em 1733: assim, observa o naturalista, uma pulga é presa de pulgas menores; e estas têm menores ainda para picá-las; e assim prossegue, ad infinitum. (A, cortesia de Tina Carvalho/MicroAngela; B, cortesia de Stanley Falkow.)

Perna da pulga

Ácaro

Bactérias no ácaro

(B)

(A) 0,2 mm

INTRODUÇÃO AOS PATÓGENOS Normalmente, pensamos nos patógenos como invasores hostis que atacam nossos corpos. Porém, um patógeno, como qualquer outro organismo, está simplesmente cumprindo o seu imperativo biológico para viver e procriar. Viver às custas de um organismo hospedeiro é uma estratégia bastante atrativa, e é possível que todo organismo vivo na terra seja vítima de algum tipo de infecção (Figura 24-1). Um hospedeiro humano é um ambiente rico em nutrientes, aquecido e agradável, que se mantém a uma temperatura uniforme e que se renova constantemente. Dessa forma, não é surpresa o fato de que muitos micro-organismos tenham desenvolvido a capacidade de sobreviver e de se reproduzir em um nicho tão desejável. Nesta seção, discutiremos algumas das características comuns que os micro-organismos devem apresentar para serem infecciosos. A seguir, exploraremos a grande diversidade de organismos conhecidos por causarem doenças em humanos.

Os patógenos desenvolvem mecanismos específicos de interação com seus hospedeiros O corpo humano é um ecossistema próspero e complexo. Nele estão contidas aproximadamente 1013 células humanas, além de aproximadamente 1014 células de bactérias, fungos e protozoários, que representam milhares de espécies microbianas. Estes micróbios comensais, denominados flora normal, encontram-se geralmente limitados a certas áreas do corpo, incluindo a pele, a boca, o intestino grosso e a vagina. A flora normal não são somente os comensais habitantes do ecossistema que é o corpo humano; ela também pode afetar nossa saúde. As bactérias anaeróbias que habitam intestinos contribuem para a digestão do alimento e são também essenciais para o desenvolvimento apropriado do trato gastrintestinal das crianças. A flora normal da pele e de outras localidades também nos ajuda pela competição com micro-organismos causadores de doenças. Além disso, os seres humanos são constantemente infectados por vírus; a grande maioria desses vírus raramente é sintomática. Se é tão natural vivermos nesta íntima relação com uma grande variedade de microorganismos, como é possível que alguns deles sejam capazes de causar doenças ou mesmo provocar nossa morte? Como veremos, a questão tem diversas respostas e a habilidade de um micro-organismo particular de causar lesões e doenças em um hospedeiro dependerá bastante de influências externas. Patógenos primários, que podem causar doenças na maioria das pessoas sadias, em geral são distintos daqueles da flora normal. Eles diferem dos organismos comensais em suas habilidades de romper barreiras e sobreviver em ambientes inóspitos onde outros micro-organismos não poderiam. Nossos habitantes microbianos normais apenas causam algum dano ou problema se nossos sistemas de defesa encontram-se enfraquecidos, ou se ganham acesso a regiões de nosso corpo que normalmente são estéreis (p.ex. quando uma perfuração no intestino permite o acesso da flora intestinal a cavidade peritoneal de nosso abdome, ocasionando uma peritonite; ocasionalmente, eles causam doenças se nossa resposta imune a eles for inapropriadamente fraca. Em contraste,

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os patógenos primários não necessitam de um hospedeiro imune comprometido ou com alguma lesão. Os patógenos primários desenvolveram mecanismos altamente especializados para romper as barreiras celulares e bioquímicas e induzir respostas específicas no organismo hospedeiro que contribuirão para a sobrevivência e a multiplicação do patógeno. Para alguns patógenos, esses mecanismos são adaptados para uma única espécie de hospedeiro, enquanto para outros eles em geral são suficientes para que o patógeno possa invadir, sobreviver e vicejar em uma ampla variedade de hospedeiros. Alguns patógenos causam infecções epidêmicas agudas e são forçados a se espalharem rapidamente de um hospedeiro doente ou moribundo para outro; historicamente, exemplos importantes incluem a peste bubônica e a varíola. Outros causam infecções persistentes que podem durar anos em um único hospedeiro, sem necessariamente causar a doença; os exemplos incluem o vírus de Epstein-Barr (que pode causar uma doença severa – a mononucleose – com sintomas semelhantes à gripe em algumas pessoas), a bactéria Mycobacterium tuberculosis (que causa a tuberculose, infecção pulmonar com risco de vida) e o verme intestinal Ascaris. Apesar de cada patógeno poder fazer com que algumas pessoas fiquem criticamente doentes, bilhões de pessoas podem estar infectadas, transportando-os, sem saber, de maneira assintomática, o que torna difícil traçar uma linha entre infecção persistente e comensalismo. Neste capítulo, continuaremos a reconhecer a diversidade de patógenos e infecções enquanto focamos nos princípios da biologia celular comuns à maioria deles. Com o objetivo de sobreviver e se multiplicar no hospedeiro, um patógeno de sucesso deve ser capaz de: (1) colonizar o hospedeiro; (2) localizar um nicho nutricional compatível no corpo do hospedeiro; (3) evitar, subverter ou escapar das respostas imunes adaptativas e inatas do hospedeiro; (4) replicar, usando os recursos do hospedeiro, e (5) sair e disseminar-se para um novo hospedeiro. Sob alta pressão seletiva e visando induzir apenas as respostas corretas das células hospedeiras que lhe permitam desempenhar esse complexo conjunto de tarefas, os patógenos desenvolveram mecanismos que maximizam a biologia de seus organismos hospedeiros. Muitos dos patógenos que serão discutidos neste capítulo são hábeis e práticos biólogos celulares. Poderemos aprender muito sobre biologia celular por meio da observação desses organismos. Ao mesmo tempo em que a nossa constante exposição aos patógenos influenciou fortemente a evolução humana, o desenvolvimento do sistema imune adaptativo extraordinariamente preciso em vertebrados, descrito no Capítulo 25, foi uma importante escalada na “corrida armamentista” que sempre existiu entre o patógeno e seus hospedeiros. Nos tempos modernos, os humanos aumentaram as apostas pela alteração deliberada do comportamento para limitar a habilidade do patógeno de infectar. Melhorias do sistema público de saúde, incluindo a construção de redes de esgoto e o suprimento de água potável, contribuíram para o declínio gradativo na frequência do total de mortes devido às doenças infectocontagiosas nos últimos séculos. As sociedades que empregaram recursos para melhorar a nutrição infantil foram beneficiadas pela melhoria geral do estado de saúde, incluindo uma grande redução da taxa de morte por infecções precoces da infância. Intervenções médicas, como vacinações, fármacos antimicrobianos, testes rotineiros no sangue antes de usá-lo em transfusões, também reduziram substancialmente a carga de doenças infecciosas na humanidade. À medida que aprendemos mais sobre os mecanismos pelos quais os patógenos causam doenças (patogênese), nossos cérebros continuarão a servir como uma extensão do nosso sistema imune no combate às doenças infecciosas.

Os sinais e os sintomas de uma infecção podem ser causados pelo patógeno ou pela resposta do hospedeiro Apesar de podermos facilmente compreender por que os micro-organismos infecciosos desenvolveram mecanismos de reprodução em um hospedeiro, não está tão claro por que desenvolvem doenças neles. Uma explicação para isso pode ser que, em alguns casos, as respostas patológicas geradas pelo micro-organismo aumentam a eficiência de sua disseminação e de sua propagação e, desse modo, conferem claramente uma vantagem seletiva ao patógeno. Na genitália, as lesões que contêm vírus causadas por infecção pelo herpes simples, por exemplo, facilitam a disseminação direta do vírus de um hospedeiro infectado para um parceiro não-infectado, durante contato sexual. De forma semelhante, as infecções diarreicas são eficientemente transmitidas do paciente aos servidores do hospital. Em muitos casos, no entanto, a indução de uma doença não mostra vantagem aparente para o patógeno. Algumas respostas do hospedeiro à infecção, como letargia e

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(A)

(B)

(C)

Fraca

Respostas imunes

Forte

Figura 24-2 Interação entre micróbios e a resposta imune na patogênese microbiana. O poder da resposta imune aumenta na direção das setas, enquanto a quantidade de danos ao hospedeiro é indicada pelo aumento de sombreamento vermelho nas setas. (A) Flora normal como a bactéria Staphylococcus epidermidis e o fungo Pneumocystis carinii somente causa doença quando o sistema imune é anormalmente fraco. (B) Para alguns patógenos, como o paramyxovírus que causa caxumba e a bactéria Chlamydia trachomatis que causa uma doença sexualmente transmitida comum, é a resposta imune, mais do que o patógeno, que é primariamente responsável pelo dano tecidual. (C) Para muitos patógenos, hospedeiros com resposta imune normal podem ser colonizados assintomaticamente, porém hospedeiros com resposta imune muito fraca ou muito forte podem sofrer danos severos e mesmo a morte. Muitos micro-organismos se comportam assim, incluindo o Mycobacterium tuberculosis, o fungo Aspergillus e o vírus da herpes simples.

retirada dos ambientes de interações sociais, parecem inibir a propagação do patógeno. Humanos infectados podem, de maneira altruística, tentar evitar a infecção de amigos ou de membros da família, e humanos saudáveis podem de maneira consciente evitar os doentes; comportamento semelhante foi observado em lagostas tropicais. Estas são respostas adaptativas que foram selecionadas na população hospedeira com tendências de vida em grupo. Muitos dos sintomas e sinais que geralmente associamos às doenças infecciosas são manifestações diretas do sistema imune do hospedeiro em ação. Alguns sinais característicos no sítio da infecção bacteriana, incluindo o inchaço, o rubor e a produção de pus (principalmente composto por células sanguíneas brancas mortas), são o resultado direto das tentativas das células do sistema imune de destruir os micro-organismos invasores. Também a febre é uma resposta defensiva, pois o aumento na temperatura corporal pode inibir o crescimento de alguns micro-organismos. Em casos extremos, a mais severa e danosa consequência de uma doença infecciosa é diretamente causada por uma resposta imune superzelosa: a destruição massiva de tecidos vista em casos de leishmaniose (uma infecção causada por patógenos eucarióticos membros do gênero Leishmania) é um bom exemplo. Assim, a compreensão da biologia de uma doença infecciosa requer a apreciação da contribuição dada tanto pelo patógeno quanto pelo hospedeiro. Para se entender as contribuições relativas do micro-organismo infectante e do hospedeiro em causar os sinais e sintomas da doença, é apropriado considerar a causa e a extensão do dano no tecido do hospedeiro durante a infecção. Cada interação entre um microorganismo particular e um determinado hospedeiro é um fenômeno único, e o resultado depende de uma constante mudança do panorama da atividade microbiana e da função do sistema imune do hospedeiro. A extensão dos danos causados no hospedeiro dependerá da interação destes fatores. Em alguns casos, um micro-organismo em particular poderá agir como inofensivo ou mesmo como um comensal benéfico em muitas pessoas, muitas vezes, porém, poderá também causar doença invasiva em pessoas com o sistema imune enfraquecido; isto é verdadeiro para o habitante comum da pele Staphylococcus epidermidis, por exemplo (Figura 24-2A). Outro micro-organismo, como o vírus que causa a caxumba, causará danos severos apenas na presença de uma forte resposta imune (Figura 24-2B). Uma categoria interessante ilustrando perfeitamente a importância da interação entre o hospedeiro e os fatores microbianos que causam as lesões, é a dos patógenos que causam uma doença severa em pessoas com uma resposta imune muito forte ou muito fraca, mas não causam danos em pessoas com uma resposta imune intermediária (Figura 24-2C). Um excelente exemplo é a tuberculose que correntemente infecta entre 1 e 2 bilhões de pessoas no planeta (geralmente nos pulmões), apesar de a maioria dos infectados não perceber por que o sistema imune efetivamente bloqueou a infecção. Quando, no entanto, uma pessoa com tal forma latente de infecção pelo M. tuberculosis se torna imuno deprimida, por terapia com fármacos imunossupressores ou infecção com o vírus da imunodeficiência (HIV), por exemplo, o equilíbrio delicado entre a bactéria e o sistema imune é modificado em favor da bactéria, que agora se replica de maneira incontrolada, levando a uma doença séria, frequentemente com uma tosse dolorida que produz um escarro sanguinolento. Inversamente, quando a resposta imune contra o bacilo é exacerbada, poderá destruir uma quantidade extensiva de tecido pulmonar.

Os patógenos são filogeneticamente diversos Muitos tipos de patógenos podem provocar doenças em seres humanos. Destes, os mais comuns são os vírus e as bactérias. Os vírus provocam doenças que vão da AIDS e da varíola ao resfriado comum. Eles são, essencialmente, fragmentos de ácidos nucleicos (DNA ou RNA) que codificam um número relativamente pequeno de produtos gênicos, envelopados em uma concha protetora de proteínas e (em alguns casos) em uma membrana (Figura 24-3A). Os vírus não possuem capacidade metabólica para uma atividade independente e assim dependem de maneira absoluta da energia metabólica suprida pelo hospedeiro. Todos eles usam a maquinaria básica de síntese proteica da célula hospedeira para a sua replicação, e muitos deles dependem também da maquinaria de transcrição. De todas as bactérias que encontramos ao longo de nossa vida, apenas uma pequena parcela são patógenos primários. Muito maiores e mais complexas do que os vírus, as bactérias são células que geralmente apresentam vida livre e que podem realizar a maior parte das funções metabólicas básicas por si mesmas, dependendo dos hospedeiros primariamente para a nutrição (Figura 24-3B).

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Outros agentes infecciosos são organismos eucariotos. Estes variam desde fungos e protozoários unicelulares (Figura 24-3C), até grandes e complexos metazoários, como os vermes. Uma das doenças infecciosas mais comuns no mundo, que hoje afeta aproximadamente um bilhão de pessoas, é a infestação intestinal pelo nematódeo Ascaris lumbricoides. O Ascaris é bastante semelhante ao seu primo Caenorhabditis elegans, utilizado mundialmente como organismo-modelo em pesquisas de genética e de biologia do desenvolvimento (discutido no Capítulo 22). O C. elegans, no entanto, tem cerca de 1 mm de comprimento, ao passo que os Ascaris podem alcançar 30 cm (Figura 24-3D). Algumas doenças neurodegenerativas raras, incluindo a “doença da vaca louca”, são causadas por uma partícula infecciosa atípica denominada príon, a qual é constituída unicamente por proteína. Apesar de o príon não conter um genoma, ele pode replicar e provocar a morte do hospedeiro. Mesmo dentro de cada classe de patógeno, existe uma diversidade impressionante. Os vírus apresentam uma enorme variedade em relação ao tamanho, à forma e ao conteúdo (DNA versus RNA, envelopados ou não, e assim por diante). Esta mesma situação de diversidade é real para outros tipos de patógenos. A capacidade de causar doença é um nicho evolutivo não uma herança comum entre seres intimamente relacionados. Cada patógeno individual provoca doença de uma forma diferente, e o mesmo patógeno pode causar diferentes doenças em diferentes hospedeiros, o que constitui um desafio para o entendimento da biologia básica da infecção. Contudo, quando consideramos as interações dos agentes infecciosos com seus hospedeiros, emergem alguns temas comuns da patogênese. Estes temas comuns são o foco deste capítulo. Inicialmente, introduziremos os mecanismos básicos de cada um dos principais tipos de patógenos antes de examinar os mecanismos que os patógenos usam para controlar seus hospedeiros e a resposta imune inata que os hospedeiros usam para controlar os patógenos.

As bactérias patogênicas possuem genes especializados em virulência As bactérias são pequenas e estruturalmente simples. A maioria delas pode ser classificada, de forma geral, por suas formas como bastonetes, esferas ou espirais (Figura 24-4A) e por suas propriedades frente à coloração de Gram (Figura 24-4B e C). Seus tamanhos relativamente pequenos com poucas formas guardam seus extraordinários metabolismos moleculares e sua diversidade ecológica. Ao nível molecular, as bactérias são mais diversas que os eucariotos, e podem com sucesso ocupar nichos ecológicos em condições extremas de

(C) 1 ␮m

(A) 10 nm

(B)

(D) 1 ␮m

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Figura 24-3 Patógenos em diferentes formas. (A) A estrutura da capa proteica, ou capsídeo, do poliovírus. Este vírus é o agente da paralisia (poliomielite). Comum por muito tempo, esta doença está hoje praticamente erradicada devido à vacinação generalizada. (B) A bactéria Vibrio cholerae, agente causador da doença diarreica epidêmica cólera. (C) O protozoário parasita Toxoplasma gondii. Este organismo normalmente é um parasita de felinos, de gatos domésticos a tigres, porém causa sérias infecções no cérebro e nos músculos de pessoas imunocomprometidas com AIDS. (D) Esta massa de nematódeo, Ascaris, foi removida do intestino obstruído de um menino de dois anos de idade. (A, cortesia de Robert Grant, Stephan Crainic e James M. Hogle; B, não conseguimos contato com o detentor dos direitos e, ficaremos gratos se pudermos contatálo; C, cortesia de John Boothroyd e David Ferguson; D, de J. K. Baird et al., Amer. J. Trop. Med. Hyg. 35:314-318,1986. Fotografia de Daniel H. Connor.)

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Cocos

Cocobacilo

Vibrião

Espirilo

Bacilo

Espiroqueta

(A)

Ácidos teicoicos Lipopolissacarídeo (LPS) da folha externa da membrana externa Proteína de poro

Camada de peptideoglicano (parede celular)

Pilus reto

Membrana externa

Espaço periplasmático

Flagelo longo helicoidal

Peptideoglicano

Membrana externa

Membrana interna Proteínas de membrana CITOSOL

CITOSOL

GRAM-POSITIVO (B)

Membrana interna

GRAM-NEGATIVO (C)

(D)

Figura 24-4 Morfologia da célula bacteriana e estruturas de superfície. (A) As bactérias são classificadas pela forma (B e C). Elas também são classificadas em gram-positivas e gram-negativas. (B) As bactérias como o Streptococcus e o Staphylococcus possuem uma única membrana e uma parede celular espessa constituída de peptideoglicano com ligações cruzadas. Elas retêm o corante violeta utilizado nos processos de coloração de Gram e são, portanto, denominadas gram-positivas. As bactérias gram-negativas, como a E. coli e a Salmonella, têm duas membranas, separadas por um espaço periplasmático (ver Figura 11-18). A camada de peptideoglicano na parede celular desses organismos está localizada no espaço periplasmático e é mais delgada do que a das gram-positivas: elas, portanto, não retêm o corante utilizado no processo de coloração de Gram. A membrana interna da bactéria gram-negativa é uma bicamada fosfolipídica, e o folheto interno da membrana externa também é primordialmente constituído por fosfolipídeos; o folheto externo da membrana exterior, no entanto, é composto por um lipídeo glicosilado característico, denominado lipopolissacarídeo (LPS) (ver Figura 24-47). (D) Os apêndices da superfície celular são importantes para o comportamento bacteriano. Muitas bactérias nadam pela rotação de um flagelo helicoidal (ver Figura 15-71). A bactéria ilustrada tem um único e simples flagelo em um dos polos; outras, como a E. coli, possuem múltiplos flagelos. Os pili retos (também chamados de fímbrias) são usados para aderir em superfícies do hospedeiro e para facilitar a troca de material genético entre bactérias. Tanto o flagelo quanto os pili estão ancorados na superfície celular por grandes complexos multiproteicos.

temperatura, sal e limitação de nutrientes que intimidariam o mais intrépido dos eucariotos. Apesar de não possuírem a variedade de morfologias das células eucarióticas, as bactérias apresentam um surpreendente arranjo de apêndices que permitem que elas nadem ou tenham aderência a superfícies desejadas (Figura 24-4D). Seus genomas são pequenos, tipicamente entre 1.000.000 e 5.000.000 de pares de nucleotídeos (comparado aos 12.000.000 da levedura e mais de 3.000.000.000 do homem). Como já enfatizado, apenas uma minoria de espécies bacterianas possui a habilidade de causar doenças em humanos. Alguns dos causadores de doenças que somente podem se replicar no interior do corpo dos seus hospedeiros são chamados de patógenos obrigatórios. Outros se replicam no meio ambiente, na água ou no solo e somente causam doença se encontrarem um hospedeiro suscetível sendo, então chamados de patógenos facultativos. Muitas bactérias normalmente são inofensivas, porém possuem uma habilidade latente de causar doenças em um hospedeiro ferido ou imunocomprometido, sendo denominados patógenos oportunistas. Como discutido previamente, se uma bactéria causa doença em um hospedeiro particular ou não dependerá de uma ampla variedade de fatores, incluindo o estado geral de saúde do hospedeiro; muitos membros da flora normal, por exemplo, podem causar severas infecções em indivíduos com AIDS.

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Alguns patógenos bacterianos são exigentes em sua escolha de hospedeiros e somente infectarão uma espécie única ou um grupo de espécies relacionadas, enquanto outros são generalistas. Shigella flexneri, por exemplo, que causa a disenteria epidêmica (diarreia sanguinolenta) em áreas do planeta que não possuem suprimento de água tratada, infectará somente o homem ou outros primatas. Ao contrário, a bactéria estreitamente relacionada Salmonella enterica, uma causa comum de infecção alimentar em humanos, pode também infectar muitos outros vertebrados, incluindo aves e tartarugas. O generalista campeão é o patógeno oportunista Pseudomonas aeruginosa, que é capaz de causar doenças em plantas assim como em animais. Um número relativamente pequeno de genes causa a diferença significativa entre um patógeno virulento e o seu parente não-patogênico e estreitamente relacionado. Genes que contribuem para a habilidade de um organismo de causar doença são chamados de genes de virulência, e as proteínas que eles codificam são chamadas de fatores de virulência. Os genes de virulência frequentemente são aglomerados em grupos chamados de ilhas de patogenicidade no cromossomo bacteriano ou em plasmídeos extracromossômicos chamados de plasmídeos de virulência (Figura 24-5). Estes genes também poderão ser transportados em bacteriófagos móveis (vírus bacterianos). Dessa forma, ao que parece, um novo patógeno surge quando grupos de genes de virulência são transferidos em uma bactéria previamente avirulenta. À medida que novos genomas de bactérias patogênicas e não-patogênicas são completamente sequenciados, torna-se claro que a aquisição de grandes nacos de DNA e outras alterações grosseiras contribuíram para a evolução bacteriana, permitindo às espécies bacterianas habitar novos nichos ecológicos e nutricionais, assim como causar doenças. Mesmo dentro de uma única espécie bacteriana, a quantidade de variações cromossômicas é atordoante; cepas diferentes de E. coli podem ter 25% ou mais de diferenças em seus genomas. A aquisição de genes ou aglomerados de genes poderá conduzir a rápida evolução dos patógenos e tornar não-patógenos em patógenos. Consideremos, por exemplo, Vibrio cholerae – a bactéria gram-negativa que causa a diarreia epidêmica chamada de cólera. Os genes que codificam as duas subunidades da toxina que causa a diarreia são transportados por bacteriófagos móveis (Figura 24-6A e B). Das centenas de cepas de Vibrio cholerae encontradas em lagos, na natureza, as únicas que causam a pandemia da doença humana são as infectadas com o vírus bacteriano. Como resumido na Figura 24-6C, houve oito pandemias de V. cholerae desde 1817. As primeiras seis foram causadas pela reemergência periódica de cepas semelhantes, chamadas de cepas Clássicas. Ao lado da toxina codificada pelo bacteriófago e das ilhas de patogenicidade, as cepas Clássicas possuem em comum um antígeno de superfície que é um carboidrato primário, chamado de O1, que é parte do lipopolissacarídeo constituinte da folha mais externa da membrana externa (ver Figura 25-4C). Em 1961, começou a sétima pandemia, causada por uma nova cepa (denominada “El Tor”), que era marcadamente diferente das cepas Clássicas e ao que parece surgiu quando uma cepa expressando o antígeno O1 adquiriu na natureza dois bacteriófagos, assim como pelo menos duas ilhas de patogenicidade, não encontrados nas amostras Clássicas. A cepa El Tor eventualmente deslocou as cepas clássicas em todo mundo. Em 1991, começou a oitava epidemia, dessa vez com o alarmante fato de que mesmo pessoas que tiveram cólera previamente não eram imunes devido ao antígeno O diferente, tornando os anticorpos antiO1 presentes no sangue dos sobreviventes da epidemia anterior ineficientes contra a nova cepa. A nova cepa era semelhante à cepa El Tor em outras características; aparentemente, ela simplesmente adquiriu um aglomerado de genes para a síntese de um tipo diferente de antígeno O. Quais são os genes que capacitam uma bactéria a causar uma doença em um hospedeiro saudável? Muitos genes de virulência codificam para proteínas que interagem diretamente com células hospedeiras. Dois transportados pelo fago do Vibrio cholerae, por exemplo,

E. coli

Cromossomo

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Shigella flexneri

Salmonella enterica

Plasmídeo de virulência contendo genes de virulência

Ilhas de patogenicidade contendo genes de virulência

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Figura 24-5 Diferenças genéticas entre bactérias patogênicas e não-patogênicas. A E. coli não-patogênica possui um único cromossomo circular. A E. coli é bastante próxima de dois tipos de patógenos encontrados em alimentos – Shigella flexneri, que causa disenteria, e Salmonella enterica, causa comum de infecção alimentar. Se estes três organismos fossem descritos hoje, com base em técnicas moleculares, seriam classificados em um mesmo gênero e, talvez, em uma mesma espécie. O cromossomo de S. flexneri difere do cromossomo de E. coli em uns poucos loci; a maioria dos genes necessários à patogênese (genes de virulência) encontra-se em um plasmídeo extracromossômico virulento. O cromossomo de S. enterica possui dois grandes insertos (ilhas de patogenicidade) que não são encontrados no cromossomo de E. coli; cada um desses insertos contêm vários genes de virulência.

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oriCI V. cholerae progenitor

Cromossomo 1

VPI1 VPI2

Cromossomo 2 VPI

via 01

oriC2 V. cholerae sorogrupo 01 Ilha integron

CTXf␾Clássica

CTXf

CTXf␾El Tor CTXf␾

VSP1 VSP2

(A) V. cholerae sorogrupo 01 Clássico 01

Ace CtxA Zot CtxB

V. cholerae sorogrupo 01 El Tor

1ª a 6ª pandemia RS2

âmago

7ª pandemia

RS1

(B) Antígeno 0139 SXT

Região de 37 quilobases

V. cholerae sorogrupo 0139 (C)

8ª pandemia

Figura 24-6 Organização genética do Vibrio cholerae. Uma micrografia eletrônica do Vibrio cholerae (V. cholerae) é mostrada na Figura 24-3B. (A) Vibrio cholerae é incomum por ter dois cromossomos circulares em vez de apenas um. Os dois cromossomos têm origens de replicação distintas (OriC1 e OriC2). Três loci das linhagens patogênicas de V. cholerae estão ausentes nas linhagens não-patogênicas e parecem ser uma aquisição recente. O CTX␾ no cromossomo 1 é um genoma bacteriófago integrado e carrega os genes para a toxina da cólera. A ilha de patogenicidade VPI do cromossomo 1 inclui genes de fatores necessários para a colonização intestinal. A ilha integron no cromossomo 2 facilita a inserção de fragmentos de DNA recentemente adquiridos downstream de um forte promotor transcricional, promovendo assim a aquisição sequencial de novos genes. Apesar de ainda não ter sido demonstrado que esta ilha integron é necessária à virulência em V. cholerae, ilhas integron semelhantes em muitos outros patógenos contêm genes de virulência e genes envolvidos em resistência a antibióticos. (B) Mapa do lócus CTX␾. Os genes codificantes das duas subunidades da toxina da cólera são CtxA e CtxB. Outros genes da região central (Ace e Zot) também encontram-se envolvidos em virulência. As duas sequências flanqueadoras repetidas RS2 e RS1 estão envolvidas na inserção do genoma do bacteriófago no cromossomo 1. (C) Modelo com base em genômica comparativa para a evolução das cepas patogênicas de V. cholerae. As cepas progenitoras na natureza primeiro adquiriram a via de biossíntese necessária para fazer o antígeno Tipo O1 da cadeia de carboidrato do lipopolissacarídeo da membrana externa (ver Figuras 24-4C e 24-47) e talvez também tenham adquirido uma ou duas ilhas de patogenicidade do Vibrio (VPI1 e VPI2). Incorporação do bacteriófago CTX␾ criou a cepa patogênica Clássica responsável pelas seis primeiras epidemias globais de cólera entre 1817 e 1923. Em alguma época do século XX, uma cepa O1 foi invadida pelo CTX␾ novamente, e também pelo bacteriófago associado RS1␾ e duas novas ilhas de patogenicidade (VSP1 e VSP2), criando a amostra El Tor que emergiu como a sétima pandemia global em 1961. Antes de 1991, a cepa El Tor adquiriu um novo aglomerado de genes, capacitando-a a produzir o antígeno Tipo O139 da tipo cadeia de carboidrato em vez do O1. Esse fato alterou sua interação com o sistema imune humano, sem diminuir sua virulência engatilhando o começo da oitava pandemia; esta bactéria adquiriu uma nova ilha de patogenicidade (SXT) e perdeu a maior parte da ilha VPI2.

codificam para duas subunidades da toxina da cólera (ver Figura 24-6B). A subunidade B dessa proteína tóxica secretada liga-se a um componente glicolipídico da membrana plasmática das células epiteliais do intestino de uma pessoa que consumiu água contaminada com a Vibrio cholerae. A subunidade B transfere a subunidade A através da membrana plasmática. A subunidade A é uma enzima que catalisa a transferência da ADP-ribose do NAD+ para a proteína trimérica Gs, que normalmente ativa a enzima adenilil-ciclase para que converta 5’ AMP em cAMP (AMP cíclico) (discutido no Capítulo 15). A ADP-ribosilação da proteína G resulta em um acúmulo exagerado de cAMP e em um desbalanço de íons, levando a uma diarreia aquosa massiva, associada à cólera. A infecção então se espalha para novos hospedeiros pela rota fecal-oral via água e alimentos contaminados. Alguns patógenos usam diversos mecanismos independentes para causar toxicidade nas células do hospedeiro. Antraz, por exemplo, é uma doença infecciosa aguda de ovinos, bovinos e outros herbívoros e ocasionalmente humanos. Em geral é causada pelo contato com esporos da bactéria gram-positiva Bacillus anthracis. Ao contrário da cólera,

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antraz não é transmitida de pessoa para pessoa. Esporos dormentes podem sobreviver por um longo período de tempo no solo e são altamente resistentes às condições adversas do meio, incluindo calor, radiação ionizante e ultravioleta, pressão e reagentes químicos. Após os esporos serem inalados, ingeridos ou esfregados na pele não íntegra, os esporos germinam e a bactéria começa a replicar-se. Ela secreta duas toxinas, denominadas toxina letal e toxina causadora de edema, e qualquer uma sinaliza a infecção. Como a toxina colérica, ambas as toxinas do antraz são feitas de duas subunidades. A subunidade B é idêntica nas duas toxinas e liga-se a uma proteína receptora na superfície celular para transferir as duas subunidades A para a célula hospedeira (Figura 24-7). A subunidade do edema é uma adenilil-ciclase que diretamente converte o ATP da célula hospedeira em cAMP, levando ao desequilíbrio iônico que causa um acúmulo de fluidos extracelulares (edema) na pele infectada ou no pulmão. A subunidade A da toxina letal é uma protease que hidrolisa diversos membros de proteínas da família MAP-cinase-cinase (ver Figura 15-60). Injeção da toxina letal na corrente sanguínea de um animal causa choque (queda da pressão sanguínea) e morte. Os mecanismos moleculares que levam à morte no antraz são incertos. Estes exemplos ilustram um tema comum entre os fatores de virulência. Os fatores frequentemente são proteínas tóxicas (toxinas) que interagem diretamente com proteínas estruturais ou sinalizadoras para induzir uma resposta da célula do hospedeiro que é benéfica à colonização do patógeno ou à replicação, ou elas são proteínas necessárias para conduzir tais toxinas aos alvos na célula hospedeira. Um mecanismo de entrega comum e particularmente eficiente encontrado em muitos patógenos gram-negativos, chamado de sistema de secreção tipo III, atua como uma minúscula seringa que injeta proteínas tóxicas do citoplasma de uma bactéria extracelular diretamente no citoplasma de uma célula hospedeira adjacente (Figura 24-8). As proteínas efetoras que tais dispositivos injetam no citoplasma das células do hospedeiro podem induzir uma variedade de respostas celulares que capacitam a bactéria a invadir ou sobreviver. Existe um alto grau de similaridade entre a seringa do sistema tipo III e a base de um flagelo bacteriano (ver Figura 15-71), e muitas das proteínas nas duas estruturas são homólogas. Dado que o flagelo é encontrado em uma grande variedade de bactérias em número maior do que o sistema de secreção tipo III, parece que o sistema de secreção é uma adaptação específica para a patogênese, sendo bem provável que o sistema de secreção tipo III tenha evoluido do flagelo e não o contrário. Outros tipos de sistemas especializados de direcionamento de toxinas encontrados em patógenos, ao que parece, evoluíram independentemente. Por exemplo, o sistema de secreção tipo IV, usado por diversos patógenos para direcionar toxinas para o citoplasma da célula hospedeira, é muito próximo do aparelho de conjugação que muitas bactérias usam para a troca de material genético.

Fragmento menor da subunidade B Subunidade B

Fragmento maior da subunidade B

1493

Figura 24-7 Entrada da toxina do antraz nas células hospedeiras. (A) As subunidades B da toxina formam um poro para transportar a subunidade A enzimaticamente ativa no citoplasma da célula hospedeira. A subunidade B liga-se a uma proteína receptora na superfície da célula do hospedeiro, onde é clivada autocataliticamente, liberando um pequeno fragmento e um fragmento maior que permanece ligado ao receptor. Sete cópias do fragmento maior e seus receptores associados se agregam na superfície celular para formar um anel heptamérico. A subunidade A da toxina se liga então ao anel heptamérico e é endocitada juntamente com o anel. Como o pH diminui no endossomo, o anel passa por uma dramática mudança conformacional que gera um poro na membrana endossomal, e a subunidade A é entregue no citosol da célula hospedeira, através do poro. (B) Estrutura cristalina, obtida por difração por raios X, vista de cima e de lado. (B, de C. Petosa et al., Nature 385:833-838, 1997, com permissão de Macmillan Publishers Ltd.)

Anel hexamérico do fragmento maior e receptores Subunidade A

H+ Receptor da toxina CITOPLASMA DA CÉLULA HOSPEDEIRA

Endossomo

Subunidade A

(A)

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(B)

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Figura 24-8 Sistemas de secreção tipo III que podem depositar fatores de virulência no interior do citoplasma das células hospedeiras. (A) Micrografias eletrônicas de sistemas de secreção e tipo III purificados. Aproximadamente duas dúzias de proteínas são necessárias para formar as estruturas completas, as quais podem ser vistas nas três micrografias eletrônicas aumentadas. (B) O anel maior inferior está inserido na membrana interna, e o anel menor superior á inserido na membrana externa. Durante a infecção, o contato entre a extremidade do tubo e a membrana citoplasmática da célula hospedeira desencadeia a secreção. Aqui, o bacilo da peste, Yersinia pestis, injeta toxinas em um macrófago. (A, de K. Tamano et al., EMBO J. 19:3876-3887, 2000. Com permissão de Macmillan Publishers Ltd.)

toxina secretada para dentro do macrófago do hospedeiro

membrana plasmática do macrófago

aparato de secreção tipo III

toxina produzida no bacterium bacilo da peste (B)

(A) 50 nm

Os fungos e os protozoários parasitas têm um ciclo de vida complexo com formas diversas

(A)

FUNGO

(B) LEVEDURA

Figura 24-9 Dimorfismo no fungo patogênico Histoplasma capsulatum. (A) A baixas temperaturas no solo, o Histoplasma cresce como um fungo filamentoso. (B) Após ser inalado para o interior do pulmão de um mamífero, ele sofre uma modificação morfológica induzida pela mudança de temperatura. Nesta forma semelhante a uma levedura, assemelha-se muito ao Saccharomyces cerevisiae.

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Os fungos patogênicos e os protozoários parasitas são eucariotos. Desse modo, é mais difícil o desenvolvimento de fármacos que atuarão sobre eles sem afetar o hospedeiro. Consequentemente, os fármacos antifúngicos e antiparasitários em geral são menos eficientes e mais tóxicas do que os antibióticos. Uma segunda característica das infecções fúngicas e parasitárias que as torna mais difíceis de tratar é a tendência apresentada pelos organismos infectivos de assumir diferentes formas durante seu ciclo celular. Muitas vezes um fármaco eficiente na indução da morte de um estágio do parasita é ineficiente para outro que, portanto, sobreviverá ao tratamento. O ramo dos fungos no reino eucariótico inclui tanto as leveduras unicelulares (como o Saccharomyces cerevisiae e o Schizosaccharomyces pombe) quanto os fungos filamentosos pluricelulares ou mofo (como o que aparece nas frutas ou no pão). A maioria dos principais fungos patogênicos apresenta dimorfismo – habilidade de crescer tanto na forma unicelular quanto na forma filamentosa. A transição unicelular-filamentosa e filamentosa-unicelular frequentemente está associada com a infecção. O Histoplasma capsulatum, por exemplo, cresce sob a forma filamentosa no solo, a baixas temperaturas, mas assume a forma unicelular quando inalado, alojando-se nos pulmões, onde causa a doença chamada de histoplasmose (Figura 24-9). Os protozoários parasitas são eucariotos unicelulares com um ciclo de vida mais elaborado do que o dos fungos. Estes ciclos frequentemente necessitam da participação de mais de um hospedeiro. A malária é a mais comum das doenças provocadas por protozoários, infectando de 200 a 300 milhões de pessoas a cada ano e provocando a morte de 1 a 3 milhões delas. A doença é causada por quatro espécies de Plasmodium, as quais são transmitidas para o homem pela picada da fêmea de qualquer uma das 60 espécies de mosquitos Anopheles. O Plasmodium falciparum – o mais estudado dos parasitas causadores da malária – apresenta não menos do que oito formas e necessita tanto de hospedeiros humanos quanto de mosquitos para completar seu ciclo sexual (Figura 24-10A). Os gametócitos são formados na corrente sanguínea de seres humanos infectados, mas só poderão se diferenciar em gametas e fusionar para a formação do zigoto no intestino de um mosquito. Três das formas de Plasmodium são altamente especializadas na invasão e na replicação em tecidos específicos – as células de revestimento do intestino do inseto, o fígado humano e as células vermelhas do sangue humano. Mesmo no interior de um dos tipos de células, o eritrócito, o parasita Plasmodium passa por uma sequência complexa de eventos ligados à diferenciação, refletidos nas mudanças morfológicas notáveis (Figura 24-10B, C, D) assim como na regulação estágio-específica da maioria dos seus transcritos (Figura 24-11).

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Biologia Molecular da Célula

O mosquito suga o sangue e injeta esporozoítos

Liberação dos esporozoítos e migração para a glândula salivar

Invasão do intestino e crescimento

Replicação no fígado

Infecção de eritrócitos MOSQUITO HOSPEDEIRO

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Figura 24-10 O complexo ciclo de vida do parasita da malária. (A) O ciclo sexual do Plasmodium falciparum requer a passagem por um hospedeiro humano e por um inseto hospedeiro. (B)-(D) Esfregaços de sangue de pessoas infectadas com malária mostrando três diferentes formas do parasita que aparecem nas células vermelhas do sangue: (B) estágio de anel; (C) esquizonte; (D) gametócito. (Micrografias cortesia do Centro para o Controle de Doença, Divisão de Doenças Parasitárias, DPDx.)

HUMANO HOSPEDEIRO

Zigoto

Replicação

Fertilização Gametócitos se diferenciam em gametas (A)

Produção de gametócitos

O mosquito suga o sangue e coleta gametócitos

Estágio de anel

Esquizonte Trofozoíto

(D)

(C)

(B) 5 ␮m

Merozoíto

10 ␮m

10 ␮m

Como a malária é extremamente devastadora e amplamente distribuída, tem atuado como fator de forte pressão seletiva sobre as populações humanas nas áreas com presença do mosquito Anopheles. A anemia falciforme, por exemplo, é uma doença genética recessiva causada por uma mutação pontual no gene que codifica a cadeia ␤ da hemoglobina, sendo comum em áreas da África com alta incidência da forma mais grave de malária (causada pelo Plasmodium falciparum). Os parasitas da malária apresentam crescimento deficiente nas células vermelhas do sangue de pacientes homozigotos para a anemia falciforme e de portadores heterozigotos saudáveis. Como resultado, a malária raramente é encontrada em portadores desta mutação. Por essa razão, a malária tem mantido uma alta frequência da mutação da anemia falciforme nestas regiões da África.

Figura 24-11 Programa transcricional tempo-dependente em parasitas da malária se desenvolvendo em eritrócitos. O RNA foi isolado de eritrócitos infectados com Plasmodium falciparum a intervalos de 1 hora em 48 horas. Na imagem, cada linha horizontal representa um dos ~2.700 genes nos quais o nível de transcrição muda significativamente durante o curso da infecção. Vermelho indica um aumento na abundância de mRNA com relação à média verde indica um decréscimo. Os genes foram arranjados em ordem da parte superior para a inferior, de acordo com as fases relativas de sua ativação transcricional. Esta progressão ordenada regular da expressão gênica tem um paralelismo com a diferenciação morfológica do Plasmodium através dos estágios de anel, trofozoíto, esquizonte e merozoito, todos observados no interior do eritrócito em humanos infectados (ver Figura 24-10B, C, D) (Adaptada de Z. Bosdech et al., PLoS Biol. 1:E5, 2003. Com permissão da Public Library of Science.)

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1

6

12

18 24 30 36 Horas após a infecção

42

48

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Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter

Os vírus utilizam a maquinaria da célula hospedeira em todos os aspectos de sua multiplicação

DNA Vírus

Proteína do capsídeo

ENTRADA NA CÉLULA HOSPEDEIRA E DESNUDAMENTO DO DNA Célula hospedeira

DNA TRANSCRIÇÃO

REPLICAÇÃO

RNA

DNA

TRADUÇÃO

Proteína do capsídeo MONTAGEM DAS PARTÍCULAS DA PROGÊNIE VIRAL E SAÍDA DA CÉLULA

Figura 24-12 Ciclo simples de vida viral. O vírus hipotético mostrado consiste em uma molécula de DNA de fita dupla que codifica uma única proteína do capsídeo viral. Nenhum vírus conhecido é tão simples.

As bactérias, os fungos e os parasitas eucariotos são células. Mesmo quando são patógenos intracelulares, eles usam sua própria maquinaria de replicação, de transcrição e de tradução de DNA, provendo eles próprios seus recursos de energia metabólica. Os vírus, em contraste, são os supremos “caroneiros”, carregando pouca informação sob a forma de ácido nucleico. A informação é totalmente replicada, empacotada e preservada pelas células hospedeiras (Figura 24-12). O vírus tem um genoma pequeno, constituído de um único tipo de ácido nucleico – ou DNA ou RNA – o qual, em ambos os casos, poderá ser de fita simples ou fita dupla. O genoma é empacotado em um envelope proteico, que em alguns vírus é por sua vez empacotado em um envelope lipídico. Os vírus se replicam por meio de vários mecanismos. Em geral, a replicação envolve (1) desmonte da partícula infecciosa viral, (2) replicação do genoma viral, (3) síntese das proteínas virais pela maquinaria de tradução da célula hospedeira e (4) reorganização e montagem desses componentes, formando as novas partículas virais. Uma única partícula viral (vírion) que infecta uma única célula hospedeira pode produzir milhares de partículas novas nesta célula infectada. Essa prodigiosa multiplicação viral frequentemente é suficiente para provocar a morte da célula hospedeira: esta célula sofre rompimento (lise) e, assim, proporciona à progênie viral acesso às células adjacentes. Muitas das manifestações clínicas das infecções virais são os reflexos deste efeito citolítico dos vírus. Tanto as feridas formadas pelo vírus do herpes simplex quanto as lesões causadas pelo vírus da varíola, por exemplo, refletem a morte de células epidérmicas em uma região infectada da pele. Como discutido anteriormente, a morte de algumas células do hospedeiro é causada pela resposta imune do hospedeiro contra o vírus. Os vírions existem sob uma extensa variedade de formas e de tamanhos e, diferente das formas de vida celulares, não é possível classificá-los sistematicamente por meio de suas relações em uma única árvore filogenética. Em razão de seu tamanho diminuto, já foi possível estabelecer as sequências genômicas completas de praticamente todos os vírus de importância clínica. Os vírions dos poxvírus estão entre os maiores, alcançando até 450 nm de comprimento, que é o tamanho de algumas bactérias pequenas. Seu genoma de DNA de fita dupla consiste em aproximadamente 270 mil pares de nucleotídeos. Na outra extremidade da escala, encontram-se os parvovírus, com menos de 20 nm de comprimento e um genoma de DNA de fita simples com menos de 5 mil nucleotídeos (Figura 24-13). A informação genética nos vírus pode ser transportada sob uma série de formas de ácidos nucleicos pouco comuns (Figura 24-14).

Papilomavírus

Adenovírus

Parvovírus

Herpesvírus Poxvírus

100 nm VÍRUS DE DNA

HIV (vírus da AIDS) Vírus da influenza Vírus LCM

Vírus da raiva

Figura 24-13 Exemplos de morfologia viral. Como pode ser observado, ambos os vírus de DNA e RNA apresentam grande diversidade de forma e de tamanho.

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Vírus da caxumba

Rotavírus

Vírus da encefalite equina do leste

Coronavírus (resfriado comum)

Poliovírus

VÍRUS DE RNA

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Biologia Molecular da Célula

DNA de dupla-fita circular

RNA de fita simples Vírus do mosaico do tabaco bacteriófago R17 poliovírus

RNA de dupla-fita Reovírus

DNA de fita simples

SV40 papilomavírus

Parvovírus

DNA de fita simples circular

DNA dupla-fita Bacteriófago T4 herpesvírus

M13 Bacteriófagos ␾174 circovírus

DNA de dupla-fita com extremidades seladas covalentemente

DNA de dupla-fita com proteínas terminais ligadas covalentemente

Poxvírus

Adenovírus

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Figura 24-14 Esquemas de vários tipos de genomas virais. Os menores vírus contêm poucos genes e podem ter tanto genoma de RNA quanto de DNA. Os vírus maiores contêm centenas de genes e apresentam genoma de DNA dupla-fita. Extremidades peculiares (assim como formas circulares) são utilizadas para suplantar a dificuldade relativa à replicação dos nucleotídeos terminais da fita de DNA (apresentado no Capítulo 5).

O capsídeo que envolve o genoma viral é constituído por uma ou por várias proteínas, organizadas em camadas e padrões regularmente repetidos; o genoma viral junto com o capsídeo é chamado de nucleocapsídeo. Em vírus envelopados, o capsídeo será por sua vez envolvido em uma membrana constituída por uma bicamada lipídica que é adquirida durante o processo de brotamento a partir da membrana plasmática da célula hospedeira (Figura 24-15). Os vírus não-envelopados geralmente saem de uma célula infectada por meio de lise da mesma, ao passo que os vírus envelopados deixam a célula por brotamento, sem o rompimento da membrana plasmática e, consequentemente, sem provocar a morte da célula. Os vírus envelopados podem causar infecções crônicas que podem durar anos, frequentemente sem causar nenhum efeito deletério no hospedeiro. Apesar dessa diversidade, todos os genomas virais contêm três tipos de proteínas: proteínas para a replicação do genoma, proteínas para o empacotamento do genoma e o direcionamento da infecção de novas células e proteínas que modificam a estrutura ou a função da célula hospedeira visando adequá-la à replicação dos vírions (Figura 24-16). Na segunda seção deste capítulo, abordaremos principalmente esta terceira classe de proteínas. Muitos

Capsídeo contendo cromossomo viral (nucleocapsídeo)

Proteínas transmembrana do envelope viral

O nucleocapsídeo induz a montagem das proteínas do envelope Proteína do capsídeo

Cromossomo viral (DNA ou RNA)

BROTAMENTO

Bicamada lipídica Progênie viral

(A)

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100 nm

(B)

Figura 24-15 A aquisição de um envelope viral. (A) Micrografia eletrônica de uma célula animal a partir da qual estão brotando seis cópias de um vírus envelopado (vírus da floresta Semlik). (B) Esquema de montagem de envelope e processo de brotamento. A bicamada lipídica que envolve o capsídeo viral é derivada diretamente da membrana citoplasmática da célula hospedeira. Em contraste, as proteínas nesta bicamada lipídica (em verde) são codificadas pelo genoma viral. (A, cortesia de M. Olsen e G. Griffith.)

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Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter

Figura 24-16 Um mapa do genoma do HIV. Este genoma retroviral consiste em aproximadamente 9 mil nucleotídeos e contém nove genes, cujas localizações estão mostradas em verde e em vermelho. Três destes genes (verde) são comuns para todos os retrovírus: Gag codifica proteínas do capsídeo, Env codifica proteínas do envelope e Pol codifica a transcriptase reversa (que copia o RNA em DNA) e as proteínas integrase (que inserem a cópia do DNA no genoma da célula hospedeira) (discutido no Capítulo 5). O genoma do HIV é incomumente complexo, porque, além dos três grandes genes (verde) normalmente necessários ao ciclo de vida viral, contém 6 genes pequenos (vermelho). Pelo menos alguns desses pequenos genes codificam proteínas que regulam a expressão gênica viral (Tat e Rev – ver Figura 7-103); outros codificam proteínas que alteram processos celulares do hospedeiro, como o tráfego de proteínas (Vpu e Nef) e a progressão do ciclo celular (Vpr). Como indicado pela linha vermelha, o splicing de RNA (utilizando o spliceossomo do hospedeiro) é necessário para a produção das proteínas Rev e Tat.

Figura 24-17 Erradicação de uma doença viral pela vacinação. O gráfico mostra o número de casos de poliomielite registrado por ano nos Estados Unidos. As setas indicam a introdução da vacina Salk (vírus inativado, administrado por injeção) e a vacina Sabin (vírus vivo atenuado, administrado oralmente).

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Rev Vif

Nef

Tat Vpr

Vpu

Quepe

3⬘

5⬘

Terminações repetidas

Gag

Env Pol

genomas virais codificam uma quarta classe de proteínas, que modulam ou subvertem os mecanismos de defesa imune normal do hospedeiro. Muitas delas são descritas na seção final deste capítulo. Dado que os passos críticos da replicação viral são realizados pela maquinaria da célula hospedeira, a identificação de fármacos antivirais eficientes é bastante problemática. O antibiótico tetraciclina, por exemplo, bloqueia especificamente os ribossomos bacterianos, mas não é possível identificar um fármaco que bloqueie especificamente os ribossomos virais, pois os vírus utilizam os ribossomos da célula hospedeira para fazer suas proteínas. A melhor estratégia para a contenção de doenças virais é a prevenção por vacinação dos possíveis hospedeiros. Os programas de vacinação alcançaram enorme sucesso eliminando eficientemente a varíola de nosso planeta, e a erradicação da poliomielite é iminente (Figura 24-17).

Os príons são proteínas infecciosas Toda a informação em sistemas biológicos é estruturalmente codificada. Estamos acostumados a pensar em informação biológica sob a forma de sequências de ácidos nucleicos (como na descrição dos genomas virais), mas a sequência por si só é um código, uma forma simplificada de descrever a estrutura do ácido nucleico. A replicação e a expressão da informação codificada sob a forma de DNA e RNA são estritamente dependentes da estrutura desses ácidos nucleicos e das interações com outras macromoléculas. A propagação da informação genética necessita primeiramente que esta esteja estocada em uma estrutura que possa ser duplicada a partir de precursores não-estruturados. As sequências de ácidos nucleicos são a solução mais simples e consistente que os organismos encontraram para o problema de fidelidade de replicação de uma estrutura. Entretanto, os ácidos nucleicos não são a única solução para o problema. Os príons são agentes infecciosos que são replicados em um hospedeiro por meio da cópia de uma estrutura proteica aberrante. Os príons foram encontrados a partir de leveduras a moluscos marinhos até o homem e causam várias doenças neurodegenerativas em mamíferos. A mais estudada dessas infecções por príons é a encefalopatia espongiforme bovina (BSE ou doença-da-vaca louca), que, eventualmente, pode infectar humanos que se alimentaram de partes infectadas de bovinos (Figura 24-18); também pode ser transmitida do homem para o homem via transfusão sanguínea. O isolamento do príon infeccioso que causa a doença scrapie em ovinos, seguido de anos de árduo trabalho laboratorial na caracterização de camundongos infectados pelo scrapie, finalmente demonstrou que a proteína é infecciosa por si mesma. O mais intrigante é que não somente a proteína é produzida pelo hospedeiro, mas a sequência de aminoácidos é idêntica à da proteína normal. Além disso, é impossível diferenciar o príon da forma proteica normal com base nas modificações pós-tradução. A única

Casos reportados de pólio por população de 100.000

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40 Vacina inativada

30 20

Vacina oral

10 0 1940

1950

1960

1970

1980

1990

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Biologia Molecular da Célula

diferença entre as duas formas parece ser a conformação tridimensional da estrutura. A proteína príon dobrada de maneira irregular tende a formar agregados, formando fibras helicoidais regulares denominadas fibras amiloides. As fibras amiloides crescem nas extremidades, como os filamentos de proteínas de citoesqueleto, discutido no Capítulo 16, exceto que as subunidades da proteína sofrem uma conversão estrutural do dobramento normal da proteína para o dobramento anormal à medida que se tornam parte do polímero amiloide (ver Figura 6-95). Em outras palavras, o príon dobrado de forma incorreta tem a notável capacidade de induzir a proteína normal a adotar sua conformação anômala e, assim, tornar-se infecciosa, que é o equivalente a uma replicação do príon no hospedeiro. Quando uma das fibrilas amiloides é fragmentada em pedaços menores, cada um deles torna-se uma semente para o processo de conversão em uma nova célula; então, o príon poderá se propagar assim como se replicar. Se ingerido por um hospedeiro suscetível, o príon inadequadamente dobrado poderá transmitir a infecção de organismo para organismo. Não está estabelecido como a maioria das proteínas normais é capaz de encontrar um único e correto dobramento entre os bilhões de possibilidades conformacionais, sem que fiquem presas em intermediários semelhantes a “becos sem saída” (discutido nos Capítulos 3 e 6). Os príons são um bom exemplo de como a dobradura de proteínas pode tomar um caminho perigosamente errado. Contudo, por que as doenças priônicas são incomuns? Quais são os controles que determinam se uma proteína com dobradura incorreta vai se comportar como um príon, ou simplesmente ser redobrada ou degradada pela célula que a sintetizou? Não sabemos ainda as respostas para estas questões, e o estudo dos príons permanece uma área de intensa investigação.

Agentes causais das moléstias infecciosas estão ligados ao câncer, a doenças cardíacas e a outras doenças crônicas

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Orifícios cheios de fluido no tecido do cérebro

10 ␮m

Figura 24-18 Degeneração neural em uma infecção priônica. Esta micrografia mostra uma fatia do cérebro de uma pessoa que morreu de kuru. Kuru é uma doença humana causada por príon muito semelhante à encefalopatia espongiforme bovina (BSE), que era transmitida de pessoa à pessoa por rituais mortuários na Nova Guiné (Papua). Os grandes orifícios cheios de fluido são os locais de morte neuronal. Os orifícios característicos servem para designar a doença como encefalopatia espongiforme. (Cortesia de Gary Baumbach.)

Até aqui, consideramos os micro-organismos primariamente nos seus papéis de agentes causais de doenças infecto-contagiosas. Entretanto, está claro que em muitos casos as infecções bacterianas e virais podem contribuir para a patogênese de doenças importantes, com risco de vida e que não são classificadas normalmente como doenças infecciosas. Um exemplo óbvio é o câncer. O conceito de oncogene que define que certos genes alterados podem engatilhar a transformação celular e o desenvolvimento de tumores surgiu inicialmente dos estudos com o vírus do sarcoma de Rous, que causa uma forma de câncer (sarcomas) em galináceos. Um dos genes encontrados no vírus foi descoberto como codificador de uma tirosina-cinase hiper-ativa homóloga à tirosina-cinase Src do hospedeiro, que desde então tem sido implicada em muitos tipos de câncer. Apesar de o vírus do sarcoma de Rous não causar cânceres em humanos, sabe-se agora que muitos cânceres humanos têm uma origem viral. O papilomavírus humano, por exemplo, que causa as verrugas genitais, também é responsável por mais de 90% dos cânceres da cérvice uterina. Em termos globais, o câncer de cérvice é o segundo mais comum em mulheres, com uma taxa de mortalidade de 40%. Nos países ricos, medidas preventivas intensas, como a realizacão do exame de Papanicolau, reduzaram a incidência e a severidade do câncer cervical, contudo ainda é muito comum nos países em desenvolvimento. O desenvolvimento recente de uma vacina contra as amostras do papilomavírus associadas ao câncer mais comum, traz esperança de que esta forma de câncer poderá ser amplamente prevenida em escala global por uma medida simples e econômica. O vírus de Epstein-Barr (EBV, Esptein-barr vírus) fornece um exemplo mais complexo de um câncer humano ligado a uma infecção viral. A infecção por este vírus de DNA é tão comum que cerca de 90% dos adultos nos Estados Unidos acima dos quarenta anos possuem níveis detectáveis de anticorpos anti-EBV no sangue. O EBV prefere invadir as células B do sistema imune adaptativo, especialmente as células B de memória de vida longa (discutido no Capítulo 25). Em sua maioria, as pessoas infectadas quando crianças apresentam poucos sintomas e não percebem que foram infectadas, porém adolescentes e adultos jovens infectados pela primeira vez frequentemente desenvolvem mononucleose infecciosa (também chamada de febre glandular), uma doença severa semelhante à gripe que leva a febres altíssimas, inchaço doloroso dos linfonodos e fadiga que pode perdurar por vários meses. Após o desaparecimento dos sintomas, o EBV pode permanecer dormente na célula B pelo resto da vida, com o seu genoma sendo mantido como um plasmídeo extracromossômico no núcleo da célula B. Alguns dos produtos gênicos codificados pelo genoma do EBV inibem a apoptose e, dessa forma, presumivelmente ajudam a prevenir a eliminação do vírus do corpo humano. Assim, quando uma célula B adquire as chamadas mutações promotoras de

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câncer, o mecanismo usual de eliminação das células pré-cancerosas por apoptose é inibido, e uma forma de câncer de células B chamada de linfoma de Burkitt se estabelece. Em alguns casos, danos teciduais crônicos causados por infecções podem aumentar a probabilidade de desenvolvimento do câncer no tecido infectado. A bactéria habitante do estômago Helicobacter pylori tem sido implicada como uma grande causa de cânceres ou úlceras estomacais, e os vírus da hepatite que causam infecções crônicas no fígado (hepatite crônica) estão associados a mais de 60% dos cânceres do fígado. Ao lado do câncer, a outra maior causa de óbitos nos países industrializados é a doença cardiovascular, frequentemente associada à aterosclerose, o acúmulo de depósitos de gorduras nos vasos sanguíneos que podem bloquear o fluxo normal do sangue. A isquemia resultante tem consequências terríveis para o coração e para o cérebro. Uma característica marcante da aterosclerose precoce é o aparecimento, na parede dos vasos sanguíneos, de aglomerados de macrófagos de aparência anormal, chamados de células espumosas por estarem cheios de glóbulos de gordura engolfados. As células espumosas secretam citocinas que recrutam outras células brancas para a placa aterosclerótica em formação, que, por sua vez, acumula matriz extracelular. O contínuo acúmulo de células e matriz extracelular poderá gradualmente bloquear o fluxo sanguíneo, ou, alternativamente, a placa poderá ser liberada, causando um trombo, que agudamente bloqueia a circulação sanguínea; por outro lado, pedaços do trombo poderão se fragmentar e formar êmbolos que bloqueiam a passagem do sangue pelos vasos menores abaixo do trombo. Um fato interessante é que as células espumosas nas placas ateroscleróticas frequentemente contêm a bactéria patogênica Chlamydia pneumoniae, que comumente causa pneumonia em humanos (Figura 24-19). Numerosas linhas de evidência sugerem que a infecção pela C. pneumoniae é um fator de risco significativo para a aterosclerose em homens e modelos animais. O DNA de outras espécies bacterianas tem sido encontrado nas placas ateroscleróticas, incluindo bactérias comumente associadas a dentes e gengivas, como a Porphyromonas gingivalis. A conexão entre agentes infecciosos e aterosclerose é motivo de intensa pesquisa. Em adição à contribuição para doenças de risco como o câncer e doenças cardiovasculares, agentes infecciosos também podem ter um papel importante nas doenças crônicas, apesar de ser difícil dizer se uma infecção é a causa das doenças crônicas ou é a consequência das doenças. Um exemplo claro de uma causa infecciosa para uma doença crônica é a doença de Lyme, uma infecção bacteriana causada pela espiroqueta Borrelia burgdorferi. A infecção é adquirida pela picada de carrapato e pode causar uma artrite crônica e dolorosa se não for detectada e tratada imediatamente com antibióticos. Muitas outras infecções bacterianas, particularmente infecções por cocos gram-positivos e por pequenas bactérias desprovidas de parede celular, chamadas de Mycoplasma, poderão engatilhar uma resposta imune levando à artrite. Em algumas pessoas, Mycoplasma, Chlamydia pneumoniae, ou ambos, estão associados à asma crônica. À medida que aprendemos mais sobre a interação entre patógenos e o corpo humano, é bem provável que mais e mais doenças crônicas sejam encontradas em associação a um agente infeccioso. Como o caso da úlcera péptica, a cura da infecção cura a doença, ou pelo menos alivia os sintomas dolorosos.

EB

N

Figura 24-19 Chlamydia pneumoniae dentro de um macrófago espumoso em uma placa aterosclerótica. Os marcadores nesta micrografia eletrônica indicam: EB, corpo elementar (bactéria); FG (glóbulo de gordura); N, núcleo do macrófago. (De L. A. Campbell e C. C. Kuo, Nat. Rev. Microbiol. 2:23-32, 2004. Com permissão de Macmillan Publishers Ltd.)

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FG FG

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Resumo As doenças infecciosas são causadas por patógenos, que incluem bactérias, fungos, protozoários, vermes, vírus e mesmo proteínas infecciosas denominadas príons. Todos os patógenos devem ter mecanismos para penetrar seus hospedeiros e evitar sua destruição imediata pelo sistema imune do hospedeiro. A maioria das bactérias não é patogênica. Aquelas que o são possuem genes específicos de virulência que medeiam interações com o hospedeiro e provocam respostas particulares das células hospedeiras, promovendo sua replicação e disseminação. Os fungos patogênicos, os protozoários e os outros parasitas eucarióticos, tipicamente, passam por uma série de diferentes estágios ao longo do curso da infecção; a capacidade de passar de um estágio para outro geralmente é necessária para que o parasita seja capaz de sobreviver em um hospedeiro e provocar a doença. Em alguns casos, como na malária, os parasitas devem passar sequencialmente por diversas espécies para completar seu ciclo de vida. Diferentemente das bactérias e dos parasitas eucarióticos, os vírus não possuem nem metabolismo próprio, nem capacidade intrínseca de produzir as proteínas codificadas pelos seus genomas de DNA ou de RNA. Eles se apoiam totalmente na subversão da maquinaria das células hospedeiras para produzir suas proteínas e replicar seus próprios genomas. Os príons, os menores e mais simples dos agentes infecciosos, não contêm ácidos nucleicos; em vez disso, eles são proteínas pouco comuns que sofreram uma estruturação conformacional anormal e que se replicam catalisando o dobramento aberrante de proteínas normais do hospedeiro que possuem a mesma sequência primária de aminoácidos.

BIOLOGIA CELULAR DA INFECÇÃO Os mecanismos que os patógenos usam para causar doenças são tão diversos quanto os próprios patógenos. Não obstante, todos os patógenos realizam tarefas comuns: eles devem colonizar o hospedeiro, alcançar um nicho apropriado, evitar as defesas do hospedeiro, replicar, e sair de um hospedeiro infectado para infectar um hospedeiro sadio. Nesta seção, examinaremos as estratégias comuns que muitos patógenos usam para realizar tais tarefas.

Os patógenos atravessam barreiras protetoras para colonizar o hospedeiro O primeiro passo de uma infecção é a colonização do hospedeiro pelo patógeno. A maior parte das regiões do corpo humano está bem-protegida do ambiente por uma cobertura espessa e bastante resistente de pele. As barreiras protetoras em alguns outros tecidos humanos (olhos, narinas e trato respiratório, boca e trato digestivo, trato urinário e trato genital feminino) são menos resistentes. Por exemplo, nos pulmões e no intestino delgado, onde o oxigênio e os nutrientes são absorvidos do ambiente, respectivamente, a barreira é uma simples monocamada de células epiteliais. A pele e as outras barreiras epiteliais de superfície em geral encontram-se densamente colonizadas pela flora normal. Algumas bactérias e fungos patogênicos também colonizam essas superfícies na tentativa de substituir a flora normal, mas a maioria dos patógenos (assim como todos os vírus) evita essa competição atravessando as barreiras para ganhar acesso a nichos desocupados no interior do hospedeiro. As lesões na barreira epitelial, inclusive na pele, permitem o acesso dos patógenos diretamente aos nichos. Esta via de entrada não requer muita especialização por parte do patógeno para ser utilizada. Mais do que isso, muitos membros da flora normal podem causar sérias doenças se penetrarem os ferimentos. As bactérias anaeróbias do gênero Bacteroides, por exemplo, estão presentes como flora inócua em alta densidade no intestino grosso, mas podem causar peritonites graves se penetrarem a cavidade peritoneal pela perfuração do intestino causada por traumatismo, por cirurgia ou por infecções da parede intestinal. Os Staphylococcus presentes na pele e no nariz, ou o Streptococcus da garganta ou da boca, também são responsáveis por muitas infecções sérias resultantes de quebras das barreiras epiteliais. Os patógenos declarados, no entanto, não necessitam esperar que ocorra uma lesão no momento adequado para que acessem o hospedeiro. Um mecanismo particularmente eficiente para que o patógeno atravesse a pele é “pegar uma carona” na saliva da picada de um artrópode. Muitos insetos e carrapatos alimentam-se pela sucção de sangue, e um grupo diversificado de bactérias, vírus e protozoários desenvolveu a capacidade de sobrevivência nos artrópodes de modo a utilizá-los como vetores de disseminação de um mamífero hospedeiro para outro. Como discutido anteriormente, o protozoário Plasmodium, que causa a malária,

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Esôfago

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Intestino

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Figura 24-20 A bactéria da peste no interior de uma pulga. Esta micrografia mostra o trato digestivo dissecado de uma pulga que se alimentou há aproximadamente duas semanas do sangue de um animal infectado pela bactéria da peste, Yersinia pestis. A bactéria se multiplicou no intestino da pulga para produzir grandes agregados coesivos, indicados pelas setas vermelhas; a massa bacteriana, à esquerda, está impedindo a passagem entre o esôfago e o intestino. Este tipo de bloqueio evita que a pulga realize a digestão do sangue ingerido, fazendo com que ela pique mais frequentemente, transmitindo a infecção. (De B. J. Hinnebusch, E. R. Fischer e T. G. Schawann, J. Infect. Dis 178:1406-1415, 1998. Com permissão de The University of Chicago Press.)

tem seu ciclo de vida e desenvolvimento em vários estágios, incluindo alguns que são especializados para sobreviver em humanos e outros especializados para sobreviver no mosquito (ver a Figura 24-10). Entre os vírus disseminados pelas picadas de insetos estão os agentes causais de diferentes tipos de febre hemorrágica, incluídas aqui a febre amarela e a dengue, bem como os agentes de muitos tipos de encefalites virais (inflamações do cérebro). Todos esses vírus desenvolveram a habilidade de replicar tanto em células de insetos quanto em células de mamíferos, pois isso era necessário para que utilizassem um inseto como vetor. Os vírus que se desenvolvem exclusivamente no sangue e não são capazes de replicação nos insetos, como é o caso HIV, raramente, ou nunca, são transmitidos do inseto para o ser humano. A transmissão eficiente do patógeno via um inseto vetor necessita que um único inseto, individualmente, alimente-se do sangue de numerosos mamíferos hospedeiros. Em poucos e surpreendentes casos, o patógeno parece ser capaz de alterar o comportamento do inseto de forma a tornar a transmissão mais provável. Como a maioria dos animais, a mosca tsé-tsé (cujas picadas disseminam o protozoário parasita Trypanosoma brucei, causador da doença do sono na África) para de se alimentar quando está saciada. Contudo as moscas tsé-tsé, que carregam tripanossomos picam com mais frequência e ingerem muito mais sangue do que aquelas que não estão infectadas. A presença do tripanossomo desregula o funcionamento de mecanorreceptores do inseto que medem a pressão do fluxo de sangue pela garganta para acessar a quantidade de conteúdo do estômago, enganando efetivamente a mosca, que acredita ainda estar com fome. A bactéria Yersinia pestis, que causa a peste bubônica, usa um mecanismo diferente para assegurar que a pulga que a transporta picará repetidas vezes: ela multiplica-se no intestino da pulga formando agregados que ocasionalmente aumentam de tamanho e bloqueiam fisicamente o trato digestivo. Desse modo, o inseto não será capaz de alimentar-se normalmente e começará a definhar. Ao longo das repetidas tentativas de satisfazer seu apetite, algumas bactérias do intestino serão descarregadas na região da picada, transmitindo a peste para novos hospedeiros (Figura 24-20).

Os patógenos que colonizam o epitélio evitam ser eliminados pelo hospedeiro “Pegar uma carona” em um proboscídeo de inseto para atravessar a pele é apenas uma das estratégias que os patógenos utilizam para atravessar a barreira inicial das defesas do hospedeiro. Apesar de algumas zonas de barreiras como a pele e o revestimento da boca e do intestino grosso serem densamente habitadas pela flora normal, outras, incluindo o revestimento dos pulmões, do intestino delgado e da bexiga, normalmente são mantidas praticamente estéreis, apesar de possuírem um acesso relativamente direto ao ambiente. Como o epitélio nessas regiões resiste ativamente à colonização bacteriana? Como discutido no Capítulo 22, o epitélio respiratório está coberto por uma camada de muco protetor, e o batimento coordenado dos cílios prende as bactérias e os resíduos e varre o muco, levando-o para fora do pulmão. O epitélio de revestimento da bexiga e do trato gastrintestinal superior também apresenta uma espessa camada de muco, sendo esses órgãos constantemente lavados pela micção e pelo peristaltismo, respectivamente, o que elimina os micróbios indesejáveis. As bactérias patogênicas e parasitas que infectam essas superfícies epiteliais possuem mecanismos específicos para escapar dos mecanismos de limpeza do hospedeiro. Os organismos que infectam o trato urinário, por exemplo, resistem à ação de lavagem pela urina por meio de forte adesão ao epitélio da bexiga via adesinas específicas, que são proteínas ou complexos proteicos que reconhecem e se ligam a moléculas da superfície das células do hospedeiro. Um importante grupo de adesinas em linhagens de E. coli uropatogênicas é composto pelos membros dos pili P que ajudam a bactéria a se aderir nas células epiteliais dos rins. Estas projeções da superfície da bactéria podem medir vários micrômetros de comprimento, sendo, assim, capazes de atravessar a espessa camada de muco protetor (ver Figura 24-4D). Na extremidade de cada pilo existe uma proteína que se liga firmemente a um determinado glicolipídeo associado a um dissacarídeo encontrado na superfície das células renais. Cepas de E. coli que infectam a bexiga expressam um segundo tipo de pilo que permite uma adesão às células epiteliais da bexiga. A especificidade de adesão das adesinas da extremidade dos dois tipos de pilo é responsável pela colonização bacteriana em diferentes partes do trato urinário (Figura 24-21). A especificidade das adesinas também restringe o leque de hospedeiros a estas e a outras bactérias patogênicas. Um dos mais difíceis órgãos a ser colonizado por um micro-organismo é o estômago. Além da lavagem por peristaltismo e da proteção de uma espessa camada de muco, o estômago está repleto de ácido (pH médio em torno de dois). Esse ambiente extremo é letal

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Figura 24-21 E. coli uropatogênica na bexiga infectada de um camundongo. (A) Micrografia eletrônica de varredura de E. coli uropatogênica, um agente comum de infecções renais e da bexiga, ligada à superfície de células epiteliais que revestem a bexiga de um camundongo infectado. (B) Um aumento mostrando o pilo na superfície. (A, de G. E. Soto e S. J. Hultgren, J. Bact. 181:1059-1071, 1999; B, cortesia de D. G. Thanassi e S. J. Hultgren, Meth. Comp. Meth. Enzym. 20:111.126, 2000. Com permissão de Academic Press.)

(A)

5 ␮m

(B)

1 ␮m

para a maioria das bactérias ingeridas junto com a alimentação. No entanto, ele é passível de colonização pela resistente e audaz bactéria Helicobacter pylori, a qual foi recentemente reconhecida como a principal causadora de úlceras estomacais e, possivelmente, de câncer do estômago. Notável é sua habilidade de persistir por toda a vida como um comensal inofensivo na maioria dos hospedeiros. Apesar dos antigos tratamentos para úlcera (fármacos redutores de acidez e dieta leve) ainda serem usados para reduzir a inflamação, um tratamento curto e relativamente barato com antibióticos pode efetivamente curar um paciente acometido por úlceras recorrentes de estômago. A hipótese de que as úlceras de estômago podiam ser causadas por infecções bacterianas persistentes foi encarada inicialmente com bastante ceticismo. A prova foi finalmente dada por um jovem médico australiano que fez a descoberta inicial: ele bebeu um frasco de cultura pura de H. pylori e desenvolveu uma úlcera típica. Um mecanismo utilizado por H. pylori para sobreviver no estômago é a produção da enzima urease, que converte ureia em amônia e em dióxido de carbono; desse modo, a bactéria envolve-se em uma camada de amônia, a qual neutraliza a acidez do estômago em torno dela. A bactéria também expressa pelo menos cinco diferentes tipos de adesinas, as quais possibilitam sua adesão ao epitélio do estômago e também produzem várias citotoxinas que destroem as células epiteliais do estômago, gerando dolorosas úlceras. A inflamação crônica resultante provoca proliferação celular e, desse modo, predispõe o indivíduo infectado ao desenvolvimento de câncer de estômago. Um exemplo mais extremo de colonização ativa é dado pela Bordetella pertussis, a bactéria que causa a coqueluche. O primeiro passo na infecção por B. pertussis é a colonização do epitélio respiratório. A bactéria escapa do mecanismo normal de limpeza (o elevador mucociliar descrito no Capítulo 23) por meio de forte ligação à superfície das células ciliadas que recobrem o trato respiratório seguido de multiplicação nestas células. A B. pertussis expressa pelo menos quatro tipos de adesinas que se ligam fortemente a glicolipídeos característicos das células ciliadas. A bactéria aderente produz uma série de toxinas que eventualmente provocarão a morte da célula ciliada, comprometendo a habilidade do hospedeiro de eliminar a infecção. A mais conhecida delas é a toxina pertussis, a qual – assim como a toxina da cólera – é uma enzima de ADP-ribosilação. Ela ADP-ribosila a subunidade da proteína G tipo Gi, inibindo a proteína G de suprimir a atividade da adenilil-ciclase da célula hospedeira e a superprodução do AMP cíclico (discutido no Capítulo 15). A toxina também interfere com a via quimiotática que os neutrófilos usam para caçar e eliminar as bactérias invasoras. (ver Figura 16-101). Não satisfeita com isso, a B. pertussis também produz uma adenilil-ciclase própria, a qual é inativa a menos que se ligue à proteína eucariótica calmodulina, uma proteína ligadora de Ca2+ no citoplasma da célula hospedeira. Apesar de tanto a B. pertussis quanto a V. cholerae apresentarem efeito similar de aumentar os níveis de cAMP drasticamente nas células hospedeiras às quais elas se aderem, os sintomas das doenças são bastante diferentes devido às diferentes regiões de colonização no hospedeiro: B. pertussis coloniza o trato respiratório e causa a tosse convulsa, enquanto V. cholerae coloniza o intestino e causa a diarreia aquosa. Nem todos os exemplos de colonização específica necessitam que a bactéria expresse adesinas que se ligam a proteínas ou a glicolipídeos da célula hospedeira. A E. coli enteropatogênica que causa diarreia em crianças utiliza, em vez de adesinas, o sistema de secreção tipo III (ver a Figura 24-8) para introduzir na célula hospedeira o receptor proteico por ela

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E. coli enteropatogênica Membrana externa E. coli enteropatogênica

Tir fosforilada

Membrana interna

Tir

P

Intimina

Membrana plasmática do hospedeiro

Sistema de secreção tipo III

Pedestal

Filamentos de actina

Célula hospedeira

Tir (A)

Proteínas do hospedeiro que promovem a polimerização da actina

(B)

(C) 20 ␮m

Figura 24-22 Interação da E. coli enteropatogênica (EPEC enteropathogenic E. coli ) com células hospedeiras do intestino. (A) Quando a EPEC entra em contato com as células do revestimento epitelial do intestino humano, ela injeta a proteína bacteriana Tir no interior das células hospedeiras, utilizando o sistema de secreção tipo III. A Tir será então inserida na membrana citoplasmática da célula hospedeira, onde funcionará como um receptor para a adesina bacteriana intimina. (B) O domínio intracelular de Tir é fosforilado em um resíduo tirosina pela enzima tirosina-cinase da célula hospedeira. A Tir fosforilada recruta várias proteínas da célula hospedeira, que engatilha a polimerização de actina. Consequentemente, um feixe de filamentos de actina é montado abaixo da bactéria, formando-se um pedestal de actina. (C) EPEC em um pedestal. Nesta micrografia de fluorescência, o DNA de EPEC e o da célula hospedeira estão corados em azul; a proteína Tir está corada em verde, e os filamentos de actina da célula hospedeira estão corados em vermelho. O quadro em destaque mostra um aumento de duas bactérias em pedestais. (C, de D. Goosney et al., Annu. Rev. Cell Dev. Biol. 16:173-189, 2000. Com permissão de Annual Reviews.)

produzido (denominado Tir) (Figura 24-22A). Após a inserção de Tir na membrana da célula hospedeira, uma proteína de superfície da bactéria liga-se ao domínio extracelular de Tir, engatilhando uma espetacular série de eventos no interior da célula hospedeira. Inicialmente, os resíduos de tirosina da proteína receptora Tir são fosforilados por uma proteína tirosina-cinase hospedeira, o que não é comum, porque as bactérias geralmente não fosforilam seus resíduos de tirosina. A seguir, é provável que a proteína Tir fosforilada recrute um membro da família Rho de pequenas GTPases, o qual promove a polimerização de actina por meio de uma série de passos intermediários (discutidos no Capítulo 16). A actina polimerizada forma uma protuberância característica na superfície celular, denominada pedestal, que empurra a bactéria fortemente aderida a aproximadamente 10 ␮m da superfície da célula hospedeira (Figura 24-22B, C). Esses exemplos de colonização bacteriana ilustram a importância da comunicação entre o patógeno e o hospedeiro durante o processo de infecção e sua evolução. Os organismos patogênicos adquiriram genes que codificam proteínas que interagem especificamente com moléculas particulares das células hospedeiras. Em alguns casos, como o da adenilil-ciclase de B. pertussis, um ancestral do patógeno deve ter adquirido o gene da ciclase de seu hospedeiro, ao passo que em outros, como em Tir, mutações ao acaso podem ter dado origem às sequências em proteínas que são reconhecidas pela proteína eucariótica tirosina-cinase.

Os patógenos intracelulares possuem mecanismos tanto para a penetração quanto para a saída das células hospedeiras Muitos patógenos, incluindo V. cholerae e B. pertussis, infectam seus hospedeiros sem penetrar as células hospedeiras e são conhecidos como patógenos extracelulares. Outros, entretanto, incluindo todos os vírus e muitas bactérias e protozoários, são patógenos intracelulares. Seu nicho preferido para replicação e sobrevivência é o interior do citosol ou os compartimentos intracelulares de determinadas células hospedeiras. Esta estratégia apresenta uma série de vantagens. Os patógenos não estão acessíveis aos anticorpos (discutidos no Capítulo 25) e não são alvos fáceis para as células fagocíticas (discutido adiante); assim, eles são banhados em uma fonte rica em muitos açúcares, aminoácidos e outros nutrientes presentes no citoplasma da célula hospedeira. Esse estilo de vida, no entanto, necessita que o patógeno desenvolva mecanismos para a penetração na célula hospedeira, para a localização do nicho subcelular adequado, onde ele poderá replicar, bem como de mecanismos de

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saída da célula infectada para disseminação da infecção. No restante desta seção, consideraremos algumas das diversas maneiras utilizadas por patógenos intracelulares específicos para modificar a biologia da célula hospedeira e satisfazer suas necessidades.

Partículas virais ligam-se a moléculas apresentadas na superfície da célula hospedeira O primeiro passo para qualquer patógeno intracelular é a adesão à superfície da célula hospedeira-alvo. O vírus realiza essa ligação por meio da associação de uma proteína da superfície viral com um receptor específico da superfície da célula hospedeira. Obviamente, nenhuma célula hospedeira desenvolveu um receptor com o objetivo único de servir de base de ancoramento para um patógeno; todos os receptores realizam outras funções. O primeiro desses “receptores virais” a ser identificado foi uma proteína de superfície de E. coli que permite a ligação do bacteriófago lambda à bactéria. Sua função normal é a de proteína de transporte responsável pela internalização da maltose. Os receptores não precisam ser proteínas, no entanto; o vírus do herpes simples, por exemplo, liga-se ao proteoglicano sulfato de heparana através de proteínas específicas da membrana viral. Os vírus que infectam células animais geralmente utilizam moléculas receptoras da superfície celular que são extremamente abundantes (como os oligossacarídeos que contêm ácido siálico, os quais são utilizados pelo vírus influenza) ou são encontradas exclusivamente naquelas células em que o vírus pode se replicar (como é o caso do uso do receptor de fator de crescimento neuronal, o receptor nicotínico de acetilcolina ou a proteína de adesão célula/célula N-CAM, todos usados pelo vírus da raiva, que infecta especificamente os neurônios). Frequentemente, um único tipo de receptor é utilizado por uma gama de vírus, e alguns vírus diferentes podem utilizar receptores diferentes. Dessa maneira, vírus diferentes que infectam o mesmo tipo de célula devem usar receptores diferentes. Por exemplo, membros de pelo menos seis famílias de vírus que preferencialmente replicam em células hepáticas (hepatócitos) causam hepatite. Já foram identificados receptores para quatro vírus da hepatite, e todos eles diferem uns dos outros. Muitos vírions se ligam a receptores expressos nas células do sistema imune. Embora pareça paradoxal, como se espera, que a ativação de uma resposta imune não aumente a chance de sobrevivência viral, a invasão de uma célula do sistema imune poderá ser uma maneira de viajar pelo corpo para alcançar um órgão linfoide, que é repleto de outras células do sistema imune. Frequentemente, os vírus necessitam tanto de um receptor principal quanto de um correceptor secundário para que ocorra uma ligação eficiente e uma penetração na célula hospedeira. Um exemplo importante é o vírus da AIDS, o HIV. O seu receptor principal é a molécula CD4, uma proteína da superfície celular de células T auxiliares e macrófagos que está envolvida no reconhecimento imune (discutido no Capítulo 25). A penetração do vírus requer a presença de um correceptor, o CCR5 (um receptor de ␤-quimiocinas) ou o CXCR4 (um receptor de ␣-quimiocinas), dependendo da variante específica do vírus (Figura 24-23). Os macrófagos são suscetíveis apenas às variantes de HIV que utilizam o CCR5 para entrada, ao passo que as células T são mais eficientemente infectadas por variantes que utilizam o CXCR4. Os vírus encontrados nos primeiros meses após uma infecção com HIV quase que invariavelmente necessitam do CCR5, o que potencialmente explica por que os indivíduos que carregam um

HIV

HIV

␤-quimiocina receptor (CCR5)

CD4

CD4

␣-quimiocina (Sdf1)

␤-quimiocina (Rantes, Mip 1␣ ou Mip 1␤) Macrófago

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␣-quimiocina receptor (CXCR4)

Célula T auxiliar

Figura 24-23 Receptor e correceptores para o HIV. Todas as linhagens de HIV necessitam do CD4 como receptor principal. Em uma infecção inicial, a maioria dos vírus utiliza CCR5 como correceptor, o que lhes permite infectar os macrófagos e seus precursores, os monócitos. Conforme a infecção progride, surgem variantes mutantes que utilizam CXCR4 como correceptor, fazendo com que essas variantes sejam eficientes na infecção de células T. Os ligantes naturais para os receptores de quimiocinas (Sdf-l para CXCR4; Rantes, Mip-1␣ ou Mip-1␤ para CCR5) bloqueiam a função do correceptor e previnem a infecção viral.

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HIV (vírus da AIDS)

Vírus influenza Adenovírus Poliovírus

CITOSOL

CITOSOL

CITOSOL

CITOSOL

Fusão

Endocitose

Desnudamento Desnudamento

Endocitose

Lise Endossomo (A)

Desnudamento Fusão e desnudamento

(C)

Figura 24-24 Quatro estratégias de desempacotamento viral. (A) Alguns vírus envelopados, como o HIV, fusionam-se diretamente à membrana citoplasmática da (B) célula hospedeira para liberar seu genoma (azul) e proteínas do capsídeo (laranja) no interior do citosol. (B) Outros vírus envelopados, como o vírus da influenza, primeiro ligam-se a receptores de superfície celular e então engatilham a endocitose mediada por receptores. Quando o endossomo acidifica, o vírus envelopado fusiona com a membrana endossomal, liberando seu genoma (azul) e proteínas do capsídeo (laranja) no interior do citosol. (C) O poliovírus, um vírus não-envelopado, liga-se a um receptor (verde) na superfície e, então, forma poros na membrana da célula hospedeira para a extrusão de seu genoma de RNA (azul). (D) O adenovírus, outro vírus não-envelopado, usa uma estratégia mais complicada. Ele induz endocitose mediada por receptores e então provoca a disrupção da membrana endossomal, liberando parte do capsídeo no citosol. O capsídeo, finalmente, irá ancorar sobre um poro nuclear e liberar seu genoma de DNA (vermelho) diretamente no interior do núcleo.

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Envelope nuclear

NÚCLEO (D)

gene Ccr5 defectivo não são suscetíveis à infecção pelo HIV. Nos estágios tardios da infecção, os vírus podem passar a utilizar o correceptor CXCR4, ou adaptarem-se para o uso de ambos os correceptores; com este processo, o vírus pode modificar o tipo de célula que ele infecta durante a progressão da doença.

Os vírions penetram as células hospedeiras por fusão de membrana, por formação de poros ou por rompimento da membrana Após o reconhecimento e a ligação à superfície da célula hospedeira, o vírus deve penetrar essa célula e liberar seu genoma de ácido nucleico que se encontra no interior do capsídeo proteico ou do envelope lipídico. Na maior parte das vezes, o ácido nucleico liberado permanece complexado a algumas proteínas virais. Os vírus envelopados penetram a célula hospedeira por meio da fusão com a membrana plasmática ou com a membrana endossomal, seguida de endocitose (Figura 24-24A, B). A fusão provavelmente ocorre via um mecanismo similar à fusão de vesículas mediada por SNARE, durante o tráfego intracelular vesicular normal (discutido no Capítulo 13). A fusão é regulada tanto para garantir que as partículas virais apenas se fusionem com a membrana da célula hospedeira apropriada quanto para prevenir que elas fusionem umas às outras. No caso de vírus como o HIV, que se fusiona à membrana plasmática sob pH neutro, a ligação a receptores ou a correceptores geralmente engatilha modificações conforma-

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cionais na proteína do envelope viral, fazendo com que seja exposto um peptídeo de fusão que normalmente se encontra inacessível (ver a Figura 13-16). Outro vírus envelopado, como o vírus da influenza, somente se fusiona com a membrana da célula hospedeira após a endocitose; nesse caso, geralmente é o ambiente ácido do endossomo precoce que engatilha a mudança conformacional das proteínas virais que irá expor o peptídeo de fusão (ver Figura 24-24B). O H+ bombeado no endossomo precoce penetra a partícula do vírus da influenza através de um canal iônico e provoca um desempacotamento do ácido nucleico do vírus, o qual é diretamente liberado no interior do citosol assim que o vírus se fusiona à membrana endossômica. Em alguns vírus, o desempacotamento ocorre após a liberação no citosol. No caso do vírus Semliki forest, por exemplo, a ligação dos ribossomos do hospedeiro ao capsídeo causa a separação das proteínas do capsídeo do genoma viral. É mais difícil visualizar o mecanismo de penetração das células hospedeiras por vírus não-envelopados, pois não está claro o processo pelo qual grandes conjuntos de proteínas e de ácidos nucleicos conseguem atravessar as membranas plasmática ou endossômica. Segundo o que conhecemos dos mecanismos de penetração, os vírus não-envelopados, geralmente, formam poros na membrana celular para transportar seu genoma para o interior do citoplasma, ou então provocam a rompimento da membrana do endossomo após endocitose. O poliovírus usa a primeira estratégia. Sua ligação ao receptor engatilha tanto uma endocitose mediada pelo receptor quanto uma modificação conformacional na partícula viral. A modificação conformacional expõe uma projeção hidrofóbica em uma das proteínas do capsídeo, a qual, aparentemente, insere-se na membrana do endossomo para formar um poro. O genoma viral, então, penetra o citoplasma através desse poro, deixando o capsídeo no endossomo ou na superfície da célula, ou mesmo em ambas as localizações (ver a Figura 24-24C). O adenovírus utiliza a segunda estratégia. Inicialmente é internalizado por endocitose mediada pelo receptor. Conforme o endossomo amadurece e torna-se mais ácido, o vírus passa por múltiplas etapas de desempacotamento nas quais as proteínas estruturais são removidas sequencialmente do capsídeo. Alguns desses passos precisam da ação da protease viral, que é inativa nas partículas virais extracelulares (provavelmente devido às ligações dissulfeto entre as cadeias, mas é ativada no ambiente redutor do endossomo). Uma das proteínas liberadas do capsídeo provoca a lise da membrana do endossomo, liberando os remanescentes do vírus no citosol. Este vírus modificado ancora-se no complexo do poro nuclear, e o DNA genômico viral é transportado através do poro no interior do núcleo, onde é transcrito (ver Figura 24-24D). Nessas diferentes estratégias de penetração, o vírus explora uma grande diversidade de processos e de moléculas da célula hospedeira, incluindo componentes da superfície celular, da endocitose mediada por receptor e das etapas da maturação endossomal e do transporte nuclear. Essas estratégias, mais uma vez, ilustram os mecanismos sofisticados que os patógenos desenvolveram para utilizar a biologia celular básica de seus hospedeiros.

As bactérias penetram as células hospedeiras por fagocitose As bactérias são muito maiores do que os vírus e são também muito grandes para serem captadas por endocitose mediada por receptores. Em vez disso, elas penetram as células do hospedeiro por meio de fagocitose. A fagocitose de bactérias é uma função normal dos macrófagos. Eles patrulham os tecidos do corpo e ingerem e destroem micróbios indesejáveis. Alguns patógenos, entretanto, adquiriram a capacidade de sobreviver e de replicar no interior dos macrófagos após terem sido fagocitados. O Mycobacterium tuberculosis é um desses tipos de patógenos. Como discutido anteriormente, ele causa a tuberculose, uma infecção grave dos pulmões, bastante comum entre algumas populações urbanas. A tuberculose geralmente é adquirida por inalação da bactéria nos pulmões, onde é fagocitada pelos macrófagos alveolares. Apesar de este micróbio poder sobreviver e se replicar no interior dos macrófagos, os macrófagos da maioria dos indivíduos saudáveis, com a ajuda do sistema imune adaptativo, conseguem conter a infecção dentro de uma lesão denominada tubérculo. Na maior parte dos casos, a lesão fica isolada dentro de uma cápsula fibrosa que sofre calcificação, podendo facilmente ser observada em raios X dos pulmões. Uma característica incomum do M. tuberculosis é a sua capacidade de sobreviver por décadas dentro dos macrófagos presos nessas lesões. Mais tarde, no decorrer da vida, especialmente quando o sistema imune encontra-se enfraquecido por doenças ou fármacos, a infecção pode ser reativada, disseminando-se nos pulmões e, mesmo, em outros órgãos.

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Fagócito humano

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Bactéria Legionella

0,5 ␮m

Figura 24-25 Captura de Legionella pneumophila por um fagócito humano. Esta micrografia eletrônica mostra uma estrutura pouco comum em espiral induzida pela bactéria na superfície de um fagócito. Alguns outros patógenos, incluindo a bactéria Borrelia burgdorferi, agente causal da doença de Lyme, o patógeno eucariótico Leishmania e a levedura Candida albicans, podem algumas vezes invadir as células usando este tipo de fagocitose espiral. (De M. A. Horwitz, Cell 36:27-33, 1984. Com permissão de Elsevier.)

A tuberculose tem sido uma presença constante junto a populações humanas há milhares de anos, mas outra bactéria que vive dentro dos macrófagos alveolares só foi identificada como patógeno humano em 1976. A Legionella pneumophila normalmente é um parasita da ameba de água doce, que a ingere por fagocitose. Quando pequenas gotas de água contendo L. pneumophila ou amebas infectadas são inaladas e penetram os pulmões, a bactéria pode invadir e viver no interior dos macrófagos alveolares (Figura 24-25), os quais se assemelham, para a bactéria, a grandes amebas. Essa infecção leva a um tipo de pneumonia conhecido como doença dos legionários. O patógeno pode ser eficientemente disseminado pelos sistemas de ar condicionado centrais, tendo em vista que as amebas, que são o hospedeiro natural dessas bactérias, são particularmente peritos na colonização e no crescimento em torres de refrigeração de condicionadores de ar; além disso, os sistemas de refrigeração produzem microgotas de água que são facilmente inaladas. A incidência da doença dos legionários tem aumentado drasticamente nas últimas décadas, e os surtos frequentemente ocorrem devido a sistemas de ar condicionado de prédios comerciais, hospitais e hotéis. Outra forma moderna de produção de aerossóis, incluindo chafarizes decorativos e fontes produtoras de aerossol em supermercados, também tem sido implicada em surtos desta doença. Algumas bactérias invadem células que normalmente não apresentam capacidade fagocítica. Uma das formas pelas quais as bactérias podem forçar uma célula a fagocitá-las é pela expressão de uma adesina que se liga com alta afinidade a uma proteína de adesão celular normalmente usada pela célula-alvo para aderir à outra célula ou à matriz extracelular (discutido no Capítulo 19). Por exemplo, a bactéria causadora de diarreia, Yersinia pseudotuberculosis (parente próxima da bactéria que provoca a peste Yersinia pestis), expressa uma proteína chamada de invasina, que se liga às integrinas ␤1, e a Listeria monocytogenes, que causa uma forma rara, mas grave de intoxicação alimentar, expressa uma proteína que se liga à caderina-E. A ligação dessas proteínas de adesão transmembrana funciona como um falso sinal de formação de junção celular para a célula hospedeira e provoca a iniciação de um movimento de actina e de outros componentes do citoesqueleto para a região de ligação da bactéria. Tendo em vista que a bactéria é pequena em relação ao tamanho da célula, a tentativa desta última em ligar-se à superfície adesiva da bactéria resulta no englobamento e na fagocitose dessa bactéria – um processo conhecido como mecanismo de ziper de invasão (Figura 24-26A). A similaridade entre essa forma de invasão e o processo natural de adesão celular foi colocada em evidência com a determinação da estrutura tridimensional da invasina. Esta proteína bacteriana possui uma sequência RGD cuja estrutura é praticamente idêntica à sequência encontrada na região do sítio ligador de integrina da proteína de matriz extracelular laminina (discutido no Capítulo 19). Uma segunda via por meio da qual as bactérias podem invadir células não-fagocíticas é conhecida como mecanismo de gatilho (Figura 24-26B). Este mecanismo é utilizado por vários patógenos, incluindo a Salmonella enterica, um agente de intoxicação alimentar. Esta dramática forma de invasão é iniciada quando uma bactéria injeta um conjunto de moléculas efetoras no interior da célula do hospedeiro pelo sistema de secreção tipo III. Algumas moléculas efetoras ativam GTPases da família Rho, as quais estimulam a polimerização de actina (discutido no Capítulo 16). Outras interagem mais diretamente com elementos do citoesqueleto, interferindo nos filamentos de actina e provocando o rearranjo das proteínas de ligação cruzada. O objetivo propriamente dito é causar um ondulamento acentuado na superfície da célula hospedeira (Figura 24-26C), a qual produzirá grandes protrusões ricas em actina, que se elevarão, prendendo a bactéria no interior de grandes vesículas endocíticas denominadas macropinossomos (Figura 24-26D). A aparência geral de uma célula sendo invadida por meio do mecanismo de gatilho assemelha-se ao ondulamento acentuado observado em reposta a certos fatores de crescimento, sugerindo que as cascatas de sinalização intracelulares semelhantes devem ser ativadas nas duas situações.

Os parasitas eucarióticos intracelulares invadem de forma ativa a célula hospedeira A célula hospedeira supre a energia necessária para a internalização dos vírus pela endocitose mediada pelo receptor e das bactérias pela fagocitose ou macropinocitose. O patógeno é um participante relativamente passivo, em geral, puxando o gatilho para o início do processo de invasão. Ao contrário, a invasão de parasitas eucarióticos intracelulares, que são tipicamente maiores do que as bactérias, pode ocorrer por vários caminhos complexos que geralmente necessitam de um gasto de energia significativo por parte do parasita.

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Biologia Molecular da Célula

Receptores de adesina (integrinas e caderinas)

Adesina

Aparelho de secreção tipo III

BACTÉRIA

BACTÉRIA

Polimerização da actina GTPase da família Rho

CÉLULA HOSPEDEIRA (A)

MECANISMO DE ZÍPER

Filamento de actina

(C)

(B)

MECANISMO DE GATILHO

Outros efetores do citoesqueleto

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Figura 24-26 Mecanismos usados pela bactéria para induzir fagocitose por células não-fagocíticas. (A) O mecanismo de zíper e (B) o mecanismo de gatilho para a fagocitose induzida pelo patógeno requerem a polimerização da actina no ponto de entrada da bactéria. (C) Micrografia eletrônica de varredura mostrando um estágio precoce da invasão de Salmonella enterica pelo mecanismo de gatilho. Cada uma das três bactérias (pseudocoloridas em amarelo) é circundada por uma pequena protrusão de membrana. (D) Micrografia fluorescente mostrando que a protrusão maior que engolfa a Salmonella é rica em actina. A bactéria é marcada em verde e os filamentos de actina, em vermelho; por causa da sobreposição das cores, a bactéria aparece em amarelo. (De J. E. Galan, Annu. Rev. Cell. Dev. Biol. 17:53-86, 2001. Com permissão de Annual Reviews.)

(D) 5 ␮m

20 ␮m

O Toxoplasma gondii, um parasita de gatos que pode causar sérios problemas ao infectar humanos, é um exemplo bastante instrutivo. Quando este protozoário entra em contato com a célula hospedeira, ele faz a protrusão de uma estrutura com base em microtúbulos chamada de conoide. O parasita então vagarosamente força sua entrada na célula hospedeira. A energia necessária para a invasão parece vir unicamente do parasita, e o processo requer pelo menos uma miosina incomum (Classe XIV; ver a Figura 16-57); a despolimerização do citoesqueleto de actina no parasita, mas não a despolimerização do hospedeiro interrompe este processo. Conforme o parasita movimenta-se dentro da célula hospedeira, uma membrana derivada da invaginação da membrana plasmática da célula hospedeira o circunda. Notavelmente, o parasita de alguma maneira remove proteínas da transmembrana circundante à medida que ela se forma para protegê-lo em um compartimento membranoso fechado que não é fusionado ao lisossomo e não participa no processo de tráfego da membrana plasmática (Figura 24-27). A membrana especializada permite ao parasita internalizar metabólitos intermediários e nutrientes do citosol da célula hospedeira excluindo as moléculas maiores. O parasita da malária invade eritrócitos usando um mecanismo similar. O protozoário Trypanosoma cruzi, que causa a doença de Chagas, bastante prevalente no México, na América Central e na América do Sul, usa uma estratégia de invasão peculiar e inteiramente diferente. Após a ligação aos receptores da superfície celular, o parasita induz uma elevação do Ca2+ no citosol da célula hospedeira. A sinalização de Ca2+ recruta lisossomos para o sítio de ligação do parasita, os quais se fusionam com a membrana plasmática, durante o processo de internalização, permitindo o rápido acesso do parasita ao compartimento lisossomal (Figura 24-28). Como discutiremos a seguir, a maioria dos patógenos intracelulares faz o possível para evitar a sua exposição ao meio hostil e proteolítico do lisossomo, no entanto Trypanosoma cruzi usa o lisossomo como porta de entrada na célula. No compartimento lisossômico, o parasita secreta uma enzima que remove o ácido siálico das glicoproteínas lisossômicas e o transfere para suas moléculas de superfície, recobrindo-se dessa maneira com açúcares da célula hospedeira. A seguir, o parasita secreta uma toxina formadora de poros que lisa a membrana lisossômica e libera o parasita no citosol celular, onde ele se prolifera. Os microsporídios talvez usem o mais bizarro dos mecanismos ativos de invasão. Este diminuto parasita eucariótico, intracelular obrigatório, tem um tamanho de 5 ␮m e um genoma de 2.900.000 pares de nucleotídeos, estando entre os menores genomas para uma célula eucariótica. Normalmente, os microsporídios causam doenças primariamente em insetos,

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Célula hospedeira

Toxoplasma gondii

Parasita no vacúolo

Núcleo da célula hospedeira

REORIENTAÇÃO INVASÃO

Conoide LIGAÇÃO

Núcleo REPLICAÇÃO EM COMPARTIMENTO ENVOLVIDO POR MEMBRANA

LISE CELULAR E LIBERAÇÃO DOS PARASITAS (B)

(A)

14 ␮m

Figura 24-27 O ciclo de vida do parasita intracelular Toxoplasma gondii. (A) Após a ligação à célula hospedeira, T. gondii usa seu corpo conoide para forçar sua entrada na célula hospedeira. À medida que a membrana da célula hospedeira se invagina para circundar o invasor, o parasita de alguma maneira remove as proteínas das células hospedeiras associadas aos fagossomos ou endossomos normais para que não haja fusão do compartimento (mostrado em vermelho) com o lisossomo. Depois de várias rodadas de replicação, o parasita rompe o compartimento e ocorre lise celular, liberando a progênie no espaço extracelular, a partir do qual eles infectam outras células hospedeiras. (B) Micrografia óptica do T. gondii se replicando dentro de um compartimento embutido na membrana de uma célula em cultivo. (B, cortesia de Manuel Campos e John Boothroyd.)

Figura 24-28 A invasão da célula hospedeira pelo Trypanosoma cruzi. O parasita recruta lisossomos da célula hospedeira para o seu sítio de ligação. Os lisossomos fusionam-se com a membrana citoplasmática invaginada para criar um compartimento intracelular construído quase que exclusivamente de membranas lisossomais. Após um pequeno período no vacúolo, o parasita secreta uma proteína formadora de poros que rompe a membrana circundante, permitindo que o parasita escape para o interior do citosol da célula hospedeira e prolifere. 1. LIGAÇÃO NOS RECEPTORES DA SUPERFÍCIE CELULAR

porém podem causar doenças oportunistas em pacientes com AIDS. Tendo sido adaptados por um longo período a um estilo de vida parasitário, eles dependem da célula hospedeira para algumas funções metabólicas e perderam muito dos genes e estruturas celulares requeridos para uma existência independente; por exemplo, eles não possuem mitocôndrias ou peroxissomos, no entanto possuem um estranho aparato de extrusão, o tubo polar, que os habilita a invadir as células hospedeiras. No estágio de esporo do seu ciclo de vida, resistente às intempéries do meio, o tubo polar encontra-se espiralado em volta do núcleo (Figura 24-29A). No contato com uma célula hospedeira apropriada, o tubo polar projeta-se de uma maneira explosiva, desenrolando-se em menos de dois segundos para formar uma estrutura madura que poderá ter dez vezes o tamanho do esporo. A ponta do tubo polar em projeção movendo-se a uma velocidade de 100 ␮m/seg penetra a célula hospedeira e transfere (aparentemente por pressão osmótica) o conteúdo interno do esporo, incluindo o núcleo do microsporídio, no citoplasma da célula hospedeira, onde o parasita se replica para formar uma progênie de centenas (Figura 24-29B e C). Finalmente, a progênie torna-se esporos e a célula hospedeira lisa para liberá-los. Os esporos dos microsporídios são suficientemente pequenos para serem fagocitados por macrófagos, porém quando são fagocitados eles movimentam o seu tubo polar dos confins do fagossomo, liberando o seu conteúdo no citosol da célula hospedeira.

2. SINAL Ca2+ RECRUTA LISOSSOMOS

Ca2+ Trypanosoma cruzi

3. FUSÃO DOS LISOSSOMOS COM A MEMBRANA PLASMÁTICA

6. LISE DA MEMBRANA CIRCUNDANTE, LIBERAÇÃO DO PATÓGENO

Ca2+ Compartimento derivado da membrana lisossômica

REPLICAÇÃO

CITOSOL DO HOSPEDEIRO 4. INVASÃO

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5. SECREÇÂO DA PROTEÍNA FORMADORA DE POROS

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Vacúolo posterior Esporo Núcleo Membrana plasmática

Tubo polar

Cobertura do esporo Tubo polar

Polaroplasto Citoplasma da célula hospedeira (A)

ESPORO

(B)

(C)

10 ␮m

Figura 24-29 Invasão da célula hospedeira por microsporídios. (A) A forma esporulada do parasita é recoberta por uma cobertura rígida e envolve um tubo polar espiralado que se enrola várias vezes no núcleo. (B) O tubo polar se estende de maneira explosiva quando o esporo entra em contato com uma célula hospedeira apropriada, que é penetrada com a liberação do núcleo e de outros componentes do esporo no citoplasma da célula hospedeira. Os microsporídios então proliferam na célula. (C) Micrografia imunofluorescente de um esporo do microsporídio Encephalitozoon cuniculi. As partes do esporo que estão fora do hospedeiro estão coradas em amarelo e as partes no interior da célula estão coradas em verde. A projeção do tubo polar muda de amarelo para verde no ponto de entrada na célula, que não é visível. Escala 10 ␮m. (C, de C. Franzen, Trends Parasitol. 20:275-279, 2004. Com permissão de Elsevier.)

Muitos patógenos alteram o tráfego da membrana de células hospedeiras Os três exemplos de parasitas intracelulares discutidos há pouco levantam um problema de ordem geral que abrange todos os patógenos intracelulares, incluindo vírus, bactérias e parasitas eucarióticos. De alguma maneira, eles têm que negociar com o tráfego da membrana da célula hospedeira. Após endocitose por uma célula hospedeira, eles se encontram em um compartimento endossômico que normalmente se fusionaria com o lisossomo para formar o fagolisossomo. Então, eles têm que modificar o compartimento para prevenir a fusão com o lisossomo, escapar do compartimento antes da fusão, escapar após a fusão mas antes de serem digeridos, ou encontrar uma maneira de sobreviver no ambiente inóspito do fagolisossomo (Figura 24-30). A maioria dos patógenos usa a primeira ou a segunda estratégia. Como vimos, Trypanosoma cruzi usa a via de escape, como essencialmente fazem todos os vírus (ver Figura 24-24). A bactéria Listeria monocytogenes também usa tal estratégia. Ela entra na célula via mecanismo de zíper discutido anteriormente e secreta uma proteína chamada de listeriolisina O que forma grandes poros na membrana fagossômica, liberando as bactérias no citosol antes de serem digeridas. Uma vez no citosol, a bactéria continua secretando a listeriolisina O, porém não destrói outras membranas plasmáticas celulares, por duas razões: primeiro, ela é 10 vezes mais ativa no pH ácido encontrado no fagossomo do que no pH neutro do ci-

Patógeno intracelular Célula hospedeira Endossomo ou fagossomo 3

1 2

Fusão com o lisossomo para formar o fagolisossomo

ESCAPAM SOBREVIVÊNCIA NO FAGOLISOSSOMO PREVENÇÃO DA FUSÃO COM LISOSSOMOS

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Figura 24-30 As escolhas enfrentadas por um patógeno intracelular. Após a entrada na célula, geralmente por endocitose mediada por receptores ou por fagocitose no interior de um compartimento delimitado por uma membrana, os patógenos intracelulares podem usar uma de três estratégias para sobreviver e replicar. Incluídos no grupo de patógenos que seguem a estratégia (1) estão todos os vírus, Trypanosoma cruzi, Listeria monocytogenes e Shigella flexneri. Dentre aqueles que seguem a estratégia (2) podemos citar Mycobacterium tuberculosis, Salmonella enterica, Legionella pneumophila e Chlamydia trachomatis. Dentre aqueles que seguem a estratégia (3) estão Coxiella burnetii e Leishmania.

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Caderina-E Célula epitelial do hospedeiro

1 Listeria liga-se à caderina-E

2

Entrada pelo mecanismo de zíper

Fagossomo

3 Secreção de listeriolisina

Figura 24-31 Destruição seletiva da membrana do fagossomo pela Listeria monocytogenes. A L. monocytogenes liga-se caderina-E na superfície de células epiteliais e induz sua internalização pelo mecanismo de zíper (ver Figura 25-26A). Dentro do fagossomo, a bactéria secreta a proteína hidrofóbica listeriolisina O, que forma oligômeros na membrana da célula hospedeira, criando poros e, em consequência, provocando rompimento da membrana. Uma vez no citosol da célula hospedeira, a bactéria inicia sua replicação e continua a secretar a listeriolisina O. Como a listeriolisina O é rapidamente degradada pelos proteossomos, a membrana da célula hospedeira permanece intacta.

Figura 24-32 Modificação do tráfego de membrana da célula hospedeira por patógenos bacterianos. Quatro patógenos bacterianos intracelulares, Mycobacterium tuberculosis, Salmonella enterica, Legionella pneumophila e Chlamydia trachomatis replicam-se em compartimentos delimitados por membrana que diferem entre si. M. tuberculosis permanece em um compartimento que tem marcas precoces do endossomo e continua a se comunicar com a membrana plasmática via vesículas de transporte. S. enterica se replica em um compartimento que possui marcas tardias do endossomo e não se comunica com a membrana plasmática. L. pneumophila se replica em um compartimento incomum que é embrulhado em várias camadas de membrana do retículo endoplasmático (RE) rugoso; apenas uma camada é mostrada para simplificação. C. trachomatis se replica em um compartimento exótico que se fusiona a vesículas provenientes da rede de trans Golgi (TGN, trans Golgi network ).

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6 A listeriolisina secretada é destruída pelo proteossomo do hospedeiro

4 A listeriolisina medeia o rompimento da membrana 5 Liberação e replicação bacteriana

Proteossomo

tosol; segundo, ela é rapidamente degradada no citosol pelo proteossomo celular (ver Figura 6-80), que não tem acesso à listeriolisina O no fagossomo (Figura 24-31). Se um patógeno sobreviver e replicar na célula hospedeira, em um compartimento circundado por membrana, terá de modificar o tráfego da membrana da célula hospedeira, o que é feito de várias maneiras. O compartimento deverá ser modificado em pelo menos duas maneiras: primeiro, deverá prevenir a fusão lisossomal e prover uma via para importação de nutrientes do citosol da célula hospedeira. Em adição, muitos patógenos (particularmente os vírus) alteram o tráfego na membrana para prevenir que sejam apresentados como antígenos estranhos na superfície da célula; do contrário, células T poderão detectar a sua presença e matar a célula hospedeira (discutido no Capítulo 25). Diferentes patógenos possuem diferentes estratégias para alterar o tráfego de membrana na célula hospedeira (Figura 24-32). Como vimos, Toxoplasma gondii cria um compartimento protegido por membrana que não participa do tráfego normal das membranas das células hospedeiras e ainda assim especificamente permite a importação de nutrientes. Mycobacterium tuberculosis de alguma maneira previne o endossomo precoce que o contém de maturar, de maneira que o endossomo nunca acidifica ou adquire as características de endossomo tardio ou lisossomo. Endossomos de Salmonella enterica, ao contrário, não só acidificam como adquirem características de endossomos tardios, porém param a maturação em um estágio antes da fusão com o lisossomo. Outras bactérias parecem encontrar refúgio em compartimentos intracelulares que são completamente distintos da via endocítica normal. Legionella pneumophila, por exemplo, replica-se em compartimentos que são recobertos por camadas do retículo endoplasmático (RE) rugoso (Figura 24-33). Chlamydia trachomatis, patógeno bacteriano sexualmente transmitido que pode causar cegueira ou esterilidade, é um compartimento que parece similar a uma parte da via exocítica. Alguns patógenos bacterianos intracelulares parecem ser capazes de manipular a

Mycobacterium tuberculosis

Salmonella enterica

Legionella pneumophila

Chlamydia trachomatis

Reciclagem ?

Endossomo inicial

Endossomo tardio

TGN

Golgi Via endocítica normal

Via exocítica normal RE

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Biologia Molecular da Célula

(A)

Figura 24-33 Associação da membrana do retículo endoplasmático (RE) com patógenos bacterianos intracelulares. (A) Pouco tempo após a infecção com Legionella pneumophila, o RE (verde) do hospedeiro é recrutado para envolver a bactéria intracelular. O DNA da bactéria e o da célula hospedeira estão marcados em vermelho. Em destaque, a associação do RE e da bactéria. (B) Brucella abortus, uma bactéria gram-negativa causadora de abortos em bovinos, também se multiplica dentro de um compartimento associado ao RE. Na micrografia eletrônica, as marcas escuras dentro do RE indicam a presença da enzima específica de RE, glicose-6-fosfatase. A seta preta mostra a concentração da enzima na membrana que recobre a bactéria, indicando que ela fusionou-se diretamente ao RE. (A, de J. C. Kagan e C. R. Roy, Nat. Cell Biol. 4:945-954, 2002. Com permissão de Macmillan Publishers Ltd; B, de J. Celli e J. P. Gorvel, Curr. Opin. Microbiol. 7:93-97, 2004. Com permissão de Elsevier.)

(B) 5 ␮m

0,5 ␮m

localização de outras organelas delimitadas por membrana, não em contato físico direto com o seu compartimento. Por exemplo, endossomos tardios contendo Salmonella normalmente são encontrados em posição próxima e contrária ao aparelho de Golgi (Figura 24-34). Os mecanismos usados por estes organismos para alterar seus compartimentos de membrana e outros aspectos do tráfego de membrana na célula hospedeira são ainda pouco entendidos. Os vírus também alteram o tráfego de membrana da célula hospedeira. Os vírus envelopados adquirem sua membrana de fosfolipídeos da célula hospedeira. No mais simples dos casos, proteínas codificadas pelo vírus são inseridas na membrana do RE e seguem o caminho normal através do aparelho de Golgi para a membrana plasmática, passando por várias modificações pós-tradução na rota. O capsídeo viral e o genoma são montados na membrana plasmática e brotam na superfície celular. Este é um mecanismo usado pelo HIV. Outros vírus envelopados interagem de maneira mais complexa com a via do tráfego de membrana da célula hospedeira (Figura 24-35). Mesmo vírus não-envelopados alteram o tráfego de membrana na célula hospedeira para o seu próprio proveito. Por exemplo, uma RNA-polimerase codificada pelo vírus e associada à membrana é responsável pela replicação do poliovírus. A replicação procede mais rapidamente se a superfície da área da membrana do hospedeiro aumenta. Para realizar a tarefa, o vírus induz a síntese aumentada de lipídeos na célula hospedeira e bloqueia o transporte de membrana do RE. A membrana do RE desta forma acumula expandindo a área de superfície onde a replicação viral ocorre (Figura 24-36). Muitos patógenos virais e bacterianos frequentemente são encontrados em associação com autofagossomos, que se formam por autofagia (discutido no Capítulo 13). Na maioria dos casos, não está claro se a célula hospedeira inicia a indução da autofagia como uma resposta protetora ou o patógeno invasor engatilha a autofagia para auxiliá-lo em sua replicação.

Salmonella

(A)

Cisterna de Golgi

10 ␮m

Figura 24-34 Proximidade do aparelho de Golgi se empilha com o endossomo contendo Salmonella enterica. (A) Na célula infectada, as bactérias são coloridas de verde e o aparelho de Golgi foi marcado (vermelho) com anticorpos contra uma proteína estrutural do aparelho de Golgi. (B) Micrografia eletrônica mostrando a aposição muito próxima de um aparelho de Golgi empilhado a um endossomo tardio contendo bactérias. (De S. P. Salcedo e D. W. Holden, EMBO J. 22:5003-5014, 2003. Com permissão de Macmillan Publishers Ltd.)

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(B) 500 nm

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Figura 24-35 Estratégias complicadas para a aquisição do envelope viral. (A) O nucleocapsídeo do vírus herpético é montado no núcleo e então brota através da membrana nuclear interna no espaço entre as membranas interna e externa, adquirindo assim uma capa membranosa. As partículas virais então aparentemente perdem a capa quando se fusionam com a membrana nuclear externa para escapar para o citosol. Subsequentemente, os nucleocapsídeos brotam para dentro do aparelho de Golgi e de novo brotam para o exterior do outro lado, adquirindo assim duas novas capas de membranas. O vírus então finalmente brota da célula com uma única membrana, dado que sua membrana externa se fusiona com a membrana celular. (B) O vírus da vacínia (que é relacionado intimamente com o vírus que causa a varíola, sendo usado como vacina contra esta doença) é montado em “fábricas de replicação” dentro do citosol, longe da membrana plasmática. A primeira estrutura montada contém duas membranas, ambas adquiridas do aparelho de Golgi por um mecanismo de empacotamento ainda não bem definido. Algumas das partículas virais são então engolfadas pelas membranas de uma segunda estrutura delimitada por membrana; estas partículas virais possuem um total de quatro camadas de membrana. Após a fusão com a membrana plamática o vírus escapa das células com apenas três camadas de membrana.

Membrana plasmática

Membrana externa do envelope nuclear

Nucleocapsídeo

Cisterna de Golgi Núcleo DNA viral

CITOSOL

Retículo endoplasmático

ESPAÇO EXTRACELULAR

(A)

Retículo endoplasmático

Aparelho de Golgi

Vírion extracelular envelopado (3 membranas)

Vírion intracelular envelopado (4 membranas)

Vírion intracelular maturo (2 membranas)

núcleo

DNA viral (B)

Vírion imaturo (2 membranas)

MATURAÇÃO

CITOSOL

ESPAÇO EXTRACELULAR

Os vírus e as bactérias utilizam o citoesqueleto da célula hospedeira para seus movimentos intracelulares O citoplasma das células dos mamíferos é extremamente viscoso. Ele está repleto de organelas e tem como suporte uma malha de filamentos do citoesqueleto, que inibe a difusão de partículas do tamanho de uma bactéria ou de um capsídeo viral. Se um patógeno pretende chegar a um local determinado da célula para realizar parte de seu ciclo de replicação, ele deve movimentar-se ativamente. Assim como o transporte intracelular de organelas, os patógenos geralmente utilizam o citoesqueleto celular para o movimento ativo. Várias bactérias que replicam no citosol da célula hospedeira (em vez de utilizarem compartimentos delimitados por membranas) adotaram impressionantes mecanismos para movimentação que dependem de polimerização de actina. Estas bactérias, entre elas Listeria monocytogenes, Shigella flexneri, Rickettsia rickettsii (que causa a febre maculosa das montanhas rochosas), Burkholderia pseudomallei (que causa melioidose) e Mycobacterium marinum (parente próximo da bactéria da tuberculose), induzem o agrupamento e a nucleação dos filamentos de actina da célula hospedeira em um dos polos da bactéria. O crescimento dos filamentos gera uma força substancial capaz de fazer a bactéria avançar

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Figura 24-36 Alterações de membranas intracelulares induzidas por uma proteína do poliovírus. Os poliovírus, assim como outros vírus de RNA de fita simples positiva, replicam seu genoma de RNA usando uma polimerase que associa-se às membranas intracelulares. Várias das proteínas codificadas por seu genoma alteram a dinâmica de comportamento das organelas delimitadas por membrana da célula hospedeira. Estas micrografias eletrônicas mostram uma célula de rim de macaco não-transfectada (esquerda) e o mesmo tipo de célula (direita) expressando um transgene que codifica a proteína 3A de poliovírus. Na célula transfectada, o RE apresenta um inchaço, porque a proteína codificada pelo transgene inibe o tráfego do RE para o aparelho de Golgi. (De J. J. R. Doedens, T. H. Giddings Jr. e K. Kirkegaard, J. Virol. 71:9054-9064, 1997.)

pelo citoplasma a taxas de até 1 ␮m/seg. Novos filamentos formam-se atrás de cada bactéria e, conforme ela avança, vão sendo deixados para trás como o rastro de um foguete, sendo despolimerizados novamente dentro de aproximadamente um minuto, assim que entram em contato com fatores de despolimerização presentes no citosol. Quando uma bactéria em movimento alcança a membrana citoplasmática, ela continua sua trajetória rumo ao exterior, induzindo a formação de uma longa e fina protuberância que contém a bactéria em sua extremidade. Esta projeção muitas vezes será englobada por uma célula adjacente, permitindo que a bactéria penetre o citoplasma da célula vizinha sem a necessidade de exposição ao ambiente extracelular e, consequentemente, evitando o reconhecimento por anticorpos produzidos pelo sistema imune adaptativo do hospedeiro (Figura 24-37).

Bactéria livre

Célula hospedeira Fagocitose pelo mecanismo de zíper Escape bacteriano do fagossomo Nucleação da actina Montagem da cauda de actina Bactéria móvel

Formação da protrusão

Engolfamento por células hospedeiras vizinhas (A)

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(B)

10 ␮m

Figura 24-37 O movimento com base em actina de Listeria monocytogenes no interior e entre as células hospedeiras. Estas bactérias induzem a montagem de caudas ricas em actina no citoplasma das células hospedeiras que lhes permitem uma rápida locomoção. As bactérias móveis passam de uma célula a outra por meio da formação de protuberâncias envoltas por membrana que são englobadas pelas células adjacentes. (B) A micrografia fluorescente de bactérias em movimento no interior de uma célula que foi corada para revelar tanto as bactérias (vermelho) quanto os filamentos de actina (verde). Notar a cauda semelhante a um cometa formada pelos filamentos de actina atrás de cada bactéria em movimento. As regiões sobrepostas de fluorescências verdes e vermelhas aparecem em amarelo. (B, cortesia de Julie Theriot e Tim Mitchison.)

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Figura 24-38 Mecanismos moleculares para a nucleação da actina por vários patógenos. As bactérias Listeria monocytogenes e Shigella flexneri e o vírus da vacínia movem-se intracelularmente utilizando a polimerização da actina. Para induzir a nucleação da actina, estes patógenos recrutam e ativam o complexo ARP (ver Figura 16-34), embora cada patógeno use uma estratégia diferente de recrutamento. L. monocytogenes expressa uma proteína de superfície, ActA, que se liga diretamente e ativa o complexo ARP. S. flexneri expressa uma proteína de superfície, IcsA (não-relacionada à ActA), que recruta a proteína sinalizadora do hospedeiro N-WASp, que por sua vez recruta o complexo ARP e outras proteínas do hospedeiro, incluindo WIP (proteína de interação com WASp, de WASp-interacting protein). O vírus da vacínia expressa uma proteína de envelope que é fosforilada em um resíduo de tirosina por uma proteína tirosina-cinase da célula hospedeira. A proteína fosforilada recruta então Nck, que liga WIP. WIP, por sua vez, liga-se a N-WASp que então recruta e ativa ARP. O mecanismo mais complicado usado pelo vírus da vacínia é semelhante ao modo como fatores quimiotáticos ativam o complexo ARP em células eucarióticas móveis. Apesar das diferentes estratégias moleculares usadas na montagem, as caudas de actina com a aparência de cometa formadas pelos três patógenos são bem semelhantes. Os patógenos se movem com velocidade semelhante no interior da célula infectada.

Listeria monocytogenes

Vírus da vacínia

Shigella flexneri Duas membranas

Parede celular

Parede celular Nck

ActA

Complexo ARP

P

N-WASp

WIP Actina

N-WASp

IcsA

Actina

WIP

Actina

Complexo ARP

Complexo ARP

O mecanismo molecular da polimerização de actina induzida pelo patógeno já foi determinado para muitas dessas bactérias. Os mecanismos são diferentes para diferentes patógenos, sugerindo que eles evoluíram de forma independente. Apesar de ambos utilizarem a mesma via metabólica da célula hospedeira que controla a nucleação de filamentos de actina, eles exploram pontos diferentes dessa via. Como discutido no Capítulo 16, a ativação da pequena GTPase Cdc42 por certos sinais extracelulares que leva à ativação de uma proteína denominada N-WA-Sp, que, por sua vez, ativa o complexo ARP, que pode induzir a nucleação e o crescimento de um novo filamento de actina. Em L. monocytogenes, uma proteína de superfície liga-se diretamente ao complexo ARP, ativando-o para iniciar a formação da cauda de actina. B. pseudomaltei e R. Rickettsii usam uma estratégia similar, no caso de S. flexneri, uma proteína de superfície não-relacionada liga-se a N-WASp, ativando-a, e esta, por sua vez, ativará o complexo ARP. Surpreendentemente, o vírus da vacínia usa outro mecanismo para movimentação intracelular pela indução de polimerização de actina nessa mesma via metabólica (Figura 24-38). Outros patógenos apoiam-se principalmente no transporte com base em microtúbulos para movimentar-se dentro das células hospedeiras. Esse sistema de movimento é particularmente bem-ilustrado por vírus que infectam os neurônios. Um exemplo importante é dado pelo herpesvírus alfa neurotrópico, um grupo no qual se insere o vírus da varíola de galinhas. Os vírus entram nos neurônios sensoriais na extremidade dos seus axônios e são transportados para o núcleo por um sistema de transporte com base em microtúbulos, do nucleocapsídeo do axônio para o núcleo neuronal, provavelmente mediado pela ligação de proteínas do capsídeo à proteína motora dineína. Após a replicação e a montagem no núcleo, o vírus envelopado é transportado por microtúbulos para longe do corpo da célula neuronal ao longo do axônio, provavelmente pela ligação a uma proteína motora quinesina (Figura 24-39). Um grande número de vírions, incluindo os da AIDS (HIV), raiva, influenza,

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3 4

7 8 5

6

1

Figura 24-39 Micrografia fluorescente de um herpesvírus movendo-se em um axônio. Esta célula neuronal foi infectada com o vírus da herpes alfa, o qual foi geneticamente projetado para expressar a proteína fluorescente verde (GFP, green fluorescent protein) fusionada a uma de suas proteínas do capsídeo. Neste segmento do axônio, várias partículas virais podem ser observadas, e duas delas (indicadas pelos números um e três) estão movendo-se para longe do corpo da célula, que é para a direita e fora da fotografia. (De G. A. Smith, S. P. Gross e L. W. Enquist, Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 98:3466-3470, 2001. Com permissão de National Academy of Sciences.)

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Figura 24-40 A associação da Wolbachia com microtúbulos. Esta micrografia fluorescente mostra a Wolbachia (vermelho) associada a microtúbulos (verde) de quatro fusos mitóticos no sincício de um embrião de Drosophila. Os grumos de bactérias nos polos do fuso segregarão com os cromossomos (não-visível no equador do fuso) quando estes segregarem. (De H. Kose e T. L. F. Karr, Mech. Cell Dev. 51:275-288, 1995. Com permissão de Elsevier.)

adenovírus, parvovírus canino e vírus da vacínia (o parente do vírus da varíola usado para vacinação), conforme demonstrado, associam-se às proteínas motoras dineína ou quinesina e são diretamente movimentados ao longo dos microtúbulos em algum ponto da replicação. Uma função primária dos microtúbulos, vistos como uma autopista nas células eucarióticas, é servir como uma estrada sinalizada para o tráfego de membrana; não é surpresa que muitos vírus independentemente desenvolveram a habilidade de engajar-se nestes sistemas de transporte para realçar sua própria replicação. Sabe-se que uma bactéria que se associa a microtúbulos é a Wolbachia. Este fascinante gênero inclui muitas espécies que são parasitas ou simbiontes de insetos ou de outros invertebrados e que vivem no citosol de cada célula do animal. A infecção é transmitida verticalmente de mãe para filho, visto que a Wolbachia também está presente nos ovos. A bactéria garante sua transmissão em todas as células pela ligação com microtúbulos e consequente segregação junto ao fuso mitótico, simultaneamente com a segregação cromossômica, quando da divisão de uma célula infectada (Figura 24-40). Como discutiremos a seguir, a infecção por Wolbachia pode alterar significativamente o comportamento reprodutivo dos insetos hospedeiros.

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As infecções virais apropriam-se do metabolismo das células hospedeiras Muitas bactérias e parasitas intracelulares carregam consigo a informação genética básica necessária a seu próprio metabolismo e replicação e dependem das células hospedeiras apenas para os nutrientes. Os vírus, ao contrário, usam a maquinaria básica da célula hospedeira para a maior parte dos aspectos referentes a sua replicação: eles dependem dos ribossomos da célula hospedeira para a produção de suas proteínas, e alguns utilizam as enzimas DNA e RNA-polimerase da célula hospedeira para a sua replicação e transcrição, respectivamente. Muitos vírus codificam proteínas que modificam o aparato de transcrição ou de tradução do hospedeiro com o objetivo de favorecer a síntese de proteínas virais em detrimento da síntese das proteínas da célula hospedeira. Como resultado, a capacidade de síntese da célula hospedeira é direcionada principalmente para a produção de novas partículas virais. O poliovírus, por exemplo, codifica uma protease que cliva especificamente o fator ligador de TATA, componente do TFIID (ver Figura 6-18), desligando efetivamente toda a transcrição da célula hospedeira via RNA-polimerase II. O vírus influenza produz uma proteína que bloqueia tanto o splicing quanto a poliadenilação dos RNAs mensageiros (mRNAS) transcritos, que, consequentemente, não serão exportados do núcleo (ver Figura 6-40). A iniciação da tradução da maioria dos mRNAs da célula hospedeira depende do reconhecimento de seu quepe 5’ por um grupo de fatores iniciadores da transcrição (ver Figura 6-72). A iniciação da tradução dos mRNAs da célula hospedeira frequentemente está inibida durante uma infecção viral, de tal forma que os ribossomos da célula hospedeira podem ser usados de forma eficiente para a síntese de proteínas virais. Alguns genomas virais como o da influenza, codificam endonucleases que clivam o quepe 5’ dos mRNAs da célula hospedeira. Alguns inclusive usam o quepe 5’ liberado dessa maneira como iniciador para a síntese de mRNAs virais, um processo chamado de tomada rápida do quepe. Vários outros genomas virais de RNA codificam proteases que clivam fatores de iniciação da tradução determinados. Estes vírus apoiam-se na tradução do RNA viral independente do quepe 5,’ usando sítios de entrada interna de ribossomos (IRESs, internal Ribosome entry sites) (ver Figura 7-108). Alguns poucos vírus usam a DNA-polimerase da célula hospedeira para replicar seu genoma. Infelizmente para o vírus, a DNA-polimerase é expressa em altos níveis apenas durante a fase S do ciclo celular, e a maioria das células que os vírus infectam passa grande parte de seu tempo em fase G1. Os adenovírus desenvolveram um mecanismo de indução que faz com que a célula hospedeira entre na fase S, produzindo grandes quantidades de DNA-

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-polimerase que então replicam o genoma viral. Seu genoma codifica proteínas que inativam tanto Rb quanto p53, dois genes supressores-chave da progressão do ciclo celular (discutido no Capítulo 17). Como era de se esperar em qualquer mecanismo que induz desregulação da replicação de DNA, esses vírus frequentemente são oncogênicos.

Os patógenos podem alterar o comportamento do organismo hospedeiro para facilitar a sua disseminação Como vimos anteriormente, os patógenos normalmente alteram o comportamento da célula hospedeira de modo a beneficiar a sua própria sobrevivência e replicação. De maneira semelhante, os patógenos com frequência alteram o comportamento do organismo hospedeiro como um todo para facilitar a sua disseminação, como vimos no caso do Trypanosoma brucei e de Yersinia pestis. Em alguns casos, é difícil dizer se uma resposta particular do hospedeiro é mais favorável ao hospedeiro ou ao patógeno. Os patógenos que causam diarreia, como a Salmonella enterica, por exemplo, em geral provocam infecções autolimitantes, pois a diarreia pode eficientemente eliminar o patógeno. As bactérias eliminadas no fluxo, no entanto, podem disseminar a infecção, atingindo novos hospedeiros. De forma análoga, a tosse e o espirro ajudam a eliminar o patógeno do trato respiratório, mas também podem espalhar a infecção para novos hospedeiros. Uma pessoa com um resfriado comum pode produzir 20 mil microgotas em um único espirro, todas transportando rinovírus ou coronavírus. Um exemplo assustador de modificação do comportamento do hospedeiro pelo patógeno é visto na raiva, já descrita por escribas egípcios há mais de três mil anos. Esse vírus replica nos neurônios e provoca nas pessoas e nos animais infectados um comportamento “rábico”: eles se tornam incomumente agressivos e desenvolvem um forte desejo de morder. O vírus aloja-se na saliva e é passado através da lesão causada pela mordida para a corrente sanguínea da vítima, transmitindo a infecção para o novo hospedeiro. Contudo, a Wolbachia exibe o mais dramático exemplo de modificação comportamental de um hospedeiro pela ação de um patógeno. Esta bactéria manipula o comportamento sexual de seu hospedeiro para maximizar sua própria disseminação. Como descrito anteriormente, a Wolbachia é transmitida verticalmente para a prole por meio dos ovos. Se a bactéria vive em um macho, entretanto, ela encontra-se em um “beco sem saída”, pois os parasitas são excluídos dos espermatozoides. Em algumas espécies de Drosophila, a Wolbachia modifica o espermatozoide de seu hospedeiro de tal forma que ele poderá fertilizar apenas os ovos das fêmeas infectadas. Esta modificação cria uma vantagem reprodutiva para as fêmeas infectadas sobre as fêmeas não-infectadas, de tal modo que a proporção média de carreadores de Wolbachia aumenta. Em outras espécies hospedeiras, uma infecção por Wolbachia mata o macho e poupa a fêmea, aumentando o número de fêmeas na população e, assim, aumentando o número de indivíduos que podem produzir ovos para passar a infecção. Em alguns poucos tipos de vespas, a infecção por Wolbachia permite que as fêmeas produzam ovos que se desenvolvem por partenogênese, sem a necessidade de fertilização por espermatozoides; nessas espécies, os machos foram completamente eliminados. Para alguns de seus hospedeiros, a Wolbachia tornou-se um simbionte indispensável, e a cura da infecção causa a morte do hospedeiro. Em pelo menos uma situação os seres humanos estão usando esta dependência: o nematódeo que causa a cegueira dos rios na África (uma filária) é difícil de eliminar com medicamentos antiparasitários, mas quando as pessoas acometidas pela cegueira dos rios são tratadas com antibióticos que curam a infecção por Wolbachia do parasita, a infecção de nematódeos também é eliminada.

Os patógenos evoluem rapidamente A complexidade e a especificidade das interações moleculares entre os patógenos e os seus hospedeiros sugerem que a virulência deve ser uma característica difícil de ser adquirida por mutações ao acaso. Mesmo assim, novos patógenos estão surgindo constantemente, e patógenos antigos estão sob constante modificação, de tal modo que as infecções comuns tornam-se difíceis de ser tratadas. Os patógenos apresentam duas grandes vantagens que permitem sua rápida evolução. Primeiro, eles replicam rapidamente, fornecendo uma grande quantidade de matéria-prima para a atuação da seleção natural. Se os humanos e os chimpanzés apresentam uma diferença de 2% entre suas sequências genômicas após aproximadamente 8 milhões de anos de divergência evolutiva, o poliovírus atinge a marca de 2% de mudanças no seu genoma em cinco dias, o tempo aproximado necessário para que

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o vírus passe da abertura bucal humana e chegue ao intestino. Segundo, pressões seletivas encorajam a rápida variação genética. O sistema imune adaptativo do hospereiro e os modernos fármacos antimicrobianos, os quais são destruidores de patógenos que falham em mudar, são as principais fontes dessas pressões seletivas. Em muitos casos, mudanças no comportamento humano exacerbam a emergência e a evolução de novas moléstias infecciosas. Nas cidades medievais, as condições de vidas sujeitas à sujeira e ao superpovoamento, por exemplo, contribuíram para a disseminação da bactéria Yersinia pestis nos humanos a partir das pulgas habitantes de seus hospedeiros roedores que transmitiam a peste. A tendência do homem moderno de viver em grandes cidades com grande densidade populacional criou a oportunidade para os organismos infecciosos iniciarem epidemias, como a influenza, a tuberculose e a AIDS, que não se disseminariam tão rapidamente se a população humana fosse esparsa. Viagens aéreas podem em princípio permitir que um hospedeiro, recentemente infectado, mas assintomático, transporte uma epidemia para uma população não exposta dentro de poucas horas ou dias.

A variação antigênica nos patógenos ocorre por mecanismos múltiplos Um exemplo em miniatura da constante batalha entre a infecção e a imunidade é o fenômeno da variabilidade antigênica. Uma importante resposta imune adaptativa contra muitos patógenos é a produção de anticorpos que reconhecem especificamente os antígenos de superfície dos patógenos (discutido no Capítulo 25). Muitos patógenos escapam da eliminação completa pelos anticorpos por meio da modificação desses antígenos no curso da infecção. Alguns parasitas eucarióticos, por exemplo, passam por uma sequência programada de rearranjo de genes que codificam os antígenos de sua superfície. O exemplo mais impressionante ocorre em tripanossomos africanos, como o Trypanosoma brucei, o parasita agente da doença do sono, disseminado por um inseto vetor (T. brucei é um parasita próximo do T. cruzi – ver a Figura 24-28 – mas ele sofre replicação extracelular em vez de replicar no interior das células). O T. brucei encontra-se envolto por um único tipo de glicoproteína chamada de glicoproteína variante-específica (VSG, variant-specífic glycoprotein), que induz uma resposta de anticorpos protetores que rapidamente elimina os parasitas. O genoma do tripanossomo, no entanto, contém aproximadamente mil genes de VSG, cada um codificando uma VSG com propriedades antigênicas distintas. Apenas um desses genes é expresso por vez, por meio de cópia para uma região de expressão ativa do genoma. O rearranjo gênico que copia novos alelos no sítio de expressão repetidamente muda o gene Vsg expresso. Dessa forma, alguns poucos tripanossomos que expressam uma VSG alterada escapam da eliminação mediada pelos anticorpos específicos, replicam e são a causa da recorrência da doença, levando ao estabelecimento de uma infecção crônica cíclica (Figura 24-41). Muitos outros parasitas eucarióticos, incluindo o protozoário Plasmodium

Genes Vsg inativos f

b

Sítio de expressão

c

x1.000

VSGa

Gene b copiado para o sítio de expressão

x1.000

Número de parasitas

Anti-VSGa

Anti-VSGb

VSGa

Anti-VSGc

VSGc b

VSG

Nível de anticorpos

a

Figura 24-41 Variação antigênica em tripanossomos. (A) Existem cerca de 1.000 genes Vsg distintos em Trypanosoma brucei, por apenas um sítio para a expressão do gene Vsg. Um gene inativo é copiado no sítio de expressão por conversão gênica, onde é agora expresso. Cada gene Vsg codifica uma proteína (antígeno) de superfície diferente. Raros eventos de comutação permitem repetidamente ao tripanossomo mudar o antígeno de superfície expresso. (B) Uma pessoa infectada com tripanossomos expressando uma VSGa produz uma resposta protetora de anticorpos, que liquida a maioria dos parasitas expressando o antígeno. No entanto, uma pequena proporção dos parasitas pode ter comutado para expressar VSGb, podendo agora proliferar até que anticorpos anti-VSGb liquide-os. Nesse tempo, no entanto, alguns parasitas terão comutado para VSGc, e assim o ciclo se repetirá indefinidamente.

VSGb

Gene c copiado para o sítio de expressão

Tempo (semanas) Infecção (B)

x1.000

VSGc

(A)

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falciparum, que causa a malária, e o fungo Pneumocystis carinii, que causa pneumonia em pacientes com AIDS, usam estratégias muito semelhantes para escapar da resposta imune adaptativa. Patógenos bacterianos também podem mudar rapidamente seus antígenos de superfície. As espécies do gênero Neisseria são as campeãs. Estes cocos gram-negativos podem causar meningites e doenças sexualmente transmitidas, que empregam um surpreendente número de mecanismos para promover a variação antigênica. Primeiro, eles passam por recombinação genética, muito semelhante à descrita para patógenos eucarióticos, que os capacita a variar (com o tempo) a proteína pilina usada para fazer as fímbrias da superfície celular: por recombinação de múltiplas cópias silenciosas de genes variantes de pilina, em um único lócus de expressão eles podem expressar dezenas de versões de proteínas levemente diferentes. Segundo, muitas proteínas da superfície celular, assim como muitas das enzimas biossintéticas envolvidas na síntese de carboidratos da superfície celular, possuem seus níveis de expressão continuamente alterados por erros inesperados ao acaso e reparo dos nucleotídeos repetidos na região promotora ou nas sequências codificadoras dos seus genes, que modulam a transcrição ou a tradução. Neisseria, por exemplo, possui cerca de dez tipos diferentes de genes que codificam variantes da família Opa de proteínas de membranas externas, sendo que cada uma realiza variações ao acaso dos níveis de expressão de proteínas e, dessa maneira, cria um excesso de composições diferentes de proteínas de superfície para confundir o sistema imune adaptativo do hospedeiro. Análise, de sequências do genoma de diversas espécies de Neisseria sugerem que mais de 100 genes podem variar os seus níveis de expressão usando algum tipo de variação deste mecanismo. Terceiro, Neisseria é capaz de captar DNA do meio ambiente e incorporá-lo nos seus genomas, contribuindo assim para sua extraordinária variabilidade. Finalmente, Neisseria não possui vários sistemas de reparo de DNA presentes em outras bactérias como a E. coli, e a possibilidade de adquirir novas mutações é mais alta do que a média. Com todos estes mecanismos trabalhando em conjunto, não é surpresa que até o momento não se desenvolveu uma vacina efetiva contra infecções por Neisseria. Apesar de a Neisseria ser um exemplo extremo, muitos outros patógenos bacterianos empregam um ou mais destes mecanismos para aumentar sua variação antigênica. Além disso, vários estudos mostraram que patógenos bacterianos isolados de pacientes com sintomas da doença são muito mais passíveis de ter defeitos nas suas vias de reparo de DNA do que isolados do mesmo patógeno provenientes de reservatórios do meio ambiente. A evolução rápida em bactérias frequentemente acontece por transferência horizontal de genes, e não por mutação pontual. A transferência horizontal em bactérias em geral é mediada por bacteriófagos ou pela aquisição de plasmídeos. A bactéria adquire com facilidade ilhas de patogenicidade e plasmídeos virulentos de outras bactérias (ver Figura 24-5). Uma vez adquirido um novo grupo de genes relacionados à virulência, ela pode rapidamente estabelecer-se como agente de uma nova doença epidêmica humana. A Yersinia pestis, por exemplo, é uma bactéria endêmica de ratos e de outros roedores e apareceu pela primeira vez na história humana em 542 D.C., quando a cidade de Constantinopla foi devastada pela peste. A comparação de sequência da Y. pestis com sua aparentada mais próxima, a Y. pseudotuberculosis, agente de uma doença diarreica grave, sugere que a Y. pestis pode ter emergido como uma linhagem distinta não mais do que poucos milhares de anos atrás, não muito antes de sua devastadora emergência como agente causador da peste negra.

Replicação propensa a erros dominou a evolução viral A replicação propensa a erros, mais do que rearranjos genômicos, é a principal responsável pela variação antigênica dos vírus. Os genomas retrovirais, por exemplo, adquirem na média uma mutação pontual a cada ciclo de replicação, porque a transcriptase reversa que produz DNA a partir do RNA viral não pode corrigir os erros de incorporação incorreta de nucleotídeos. Uma infecção típica por HIV não-tratada produzirá genomas de HIV com todas as possíveis mutações pontuais. De algum modo, a alta taxa de mutações é benéfica para o patógeno. Pelo processo microevolutivo da mutação e seleção dentro de cada hospedeiro, a maioria dos vírions muda com o tempo de uma forma eficiente para infectar macrófagos para uma forma mais eficiente para infectar células T, como descrito anteriormente (ver Figura 24-23). De maneira semelhante, uma vez que o paciente é tratado com um antirretroviral, o genoma viral pode rapidamente mutar e ser selecionado para resistência ao fármaco utilizado no tratamento. Se, no entanto, a taxa de erro da transcriptase reversa for muito alta, mutações deletérias poderão acumular-se rapidamente para a sobrevivência viral. Deste

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modo, uma variante que obtém sucesso em um hospedeiro não necessariamente poderá se espalhar para outros, dado que um vírus mutado talvez não seja capaz de infectar um novo hospedeiro. Para o HIV-1, podemos estimar a extensão do impedimento pelo exame da diversidade de sequências entre diferentes indivíduos infectados. Notável é que um terço das posições dos nucleotídeos na sequência codificante do genoma viral não varia, e sequências nucleotídicas em algumas áreas do genoma, como o gene env, podem variar em torno de 30%. Esta extraordinária plasticidade genômica complica bastante as tentativas de obtenção de uma vacina contra o HIV, e poderá também levar à rápida emergência de cepas resistentes a fármacos (discutido adiante), assim como a rápida emergência de novas cepas de HIV. Comparações das sequências entre várias amostras de HIV e o vírus muito semelhante da imunodeficiência símia (SIV) de uma variedade de espécies de macacos diferentes sugerem que o tipo mais virulento de HIV, HIV-1, talvez tenha passado dos chimpanzés para os humanos por volta de 1930 (Figura 24-42). Os vírus da influenza são uma importante exceção à regra de que as mutações propensas a erros dominaram a evolução viral. Eles são incomuns, pois seus genomas consistem em muitas (em geral oito) fitas de RNA. Quando duas amostras do vírus da influenza infectam o mesmo hospedeiro, as fitas das duas cepas podem se recombinar para formar um novo tipo de vírus da influenza. Antes de 1900, a cepa do vírus da influenza que infectava os humanos causava uma doença branda; uma cepa diferente do vírus da influenza infectava aves como galinhas e patos, porém raramente o homem. Em 1918, uma variante virulenta do vírus da influenza de aves (pássaros) cruzou a barreira natural entre as espécies para infectar o homem, engatilhando a epidemia catastrófica de 1918, chamada de gripe espanhola, que matou entre 20 e 50 milhões de pessoas no planeta, mais do que a I Guerra Mundial. Subsequentemente, a pandemia de influenza foi engatilhada por recombinação, na qual um novo segmento de DNA de uma forma aviária do vírus substituiu um ou mais segmentos do DNA viral que governa a resposta imune humana contra o vírus (Figura 24-43). Tais eventos de recombinação permitiram que o novo vírus se replicasse rapidamente e se espalhasse na população humana imunologicamente desprotegida. Geralmente, dentro de dois a três anos, a população humana desenvolve imunidade para o novo tipo recombinante do vírus, e como resultado a taxa de infecção diminui para um estágio estacionário. Em anos ditos normais, a influenza é uma doença branda em adultos saudáveis, porém pode colocar em risco de morte as crianças e os idosos. Nos anos de pandemia, no entanto, especialmente na pandemia de 1918, adultos saudáveis pareciam incomumente suscetíveis à infecção letal por influenza, talvez devido ao dano tecidual causado por uma resposta imune exacerbada. Dado que os eventos recombinatórios não são previsíveis, não é possível saber quando a próxima pandemia de influenza ocorrerá e quão severa ela será.

Os patógenos resistentes a fármacos são um problema crescente Se algumas atividades humanas, como viagens aéreas, têm favorecido a disseminação de certas doenças infecciosas, os avanços na saúde pública e na medicina têm evitado ou aliviado o sofrimento causado por muitas outras. As vacinas efetivas e os programas mundiais de vacinação eliminaram a varíola e reduziram enormemente a poliomielite, além de fazer com que muitas doenças infecciosas típicas da infância, como a caxumba e o sarampo, sejam hoje raridade nos países ricos e desenvolvidos. No entanto, ainda existem no mundo inteiro muitas doenças infecciosas graves, como a malária, para as quais não existe vacina disponível. O desenvolvimento de fármacos curativos, em vez de fármacos que previnam as infecções, teve também um grande impacto na saúde humana. A classe de medicamentos de maior sucesso é a dos antibióticos, que matam as bactérias. A penicilina foi um dos primeiros antibióticos usados para o tratamento de infecções em humanos. Esse antibiótico foi introduzido na clínica no momento exato, evitando milhares de mortes de indivíduos infectados nos campos de batalha da II Guerra Mundial. Dado que as bactérias formam um reino distinto dos eucarióticos que elas infectam, muito da sua maquinaria básica para replicação, transcrição, tradução de DNA e metabolismo fundamental difere de seus hospedeiros. Tais diferenças nos permitiram achar fármacos antibacterianos que especificamente inibem tais processos em bactérias sem afetá-los no hospedeiro. A maioria dos antibióticos usados para tratar infecções bacterianas são pequenas moléculas que inibem a síntese macromolecular em bactérias por visar enzimas bacterianas que são distintas das enzimas dos eucariotos ou estão envolvidas em vias metabólicas, como biossíntese da parede, que estão ausentes no homem (Figura 24-44 e Tabela 6-3).

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Grupo HIV-1 M Grupo HIV-1 O SIV de chimpanzé SIV de mandril SIV de macaco Sykes SIV do macaco verde africano SIV de mangabei (Cercocebus atys) HIV-2

Figura 24-42 Diversificação do HIV-1, do HIV-2 e de cepas relacionadas de SIV. A distância genética entre qualquer duas amostras isoladas é encontrada seguindo o caminho mais curto que os relacionados na árvore. HIV-1 é dividido em dois grupos, maior (M) e forasteiro (O). O grupo HIV-1 é o responsável pela epidemia global da AIDS. HIV-1 ainda é subdividido em vários subtipos (de A a G, não nomeados na figura). O subtipo B é dominante na América e na Europa; B, C e E são dominantes na Ásia; e todos os subtipos são encontrados na África. Pelo menos dois vírus de macaco, chimpanzé e mandril são mais relacionados ao HIV-1 do que ao HIV-2, sugerindo que HIV-1 e HIV-2 surgiram de maneira independente. É estimado que a divergência de HIV-1 e SIV de chimpanzé tenha ocorrido pelos anos de 1930. A árvore foi construída a partir da sequência nucleotídica do gene Gag, usando um banco de dados contendo cerca de 16.000 sequências do vírus, isoladas ao redor do planeta.

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Figura 24-43 Modelo para a evolução da cepa pandêmica do vírus da influenza por recombinação. O vírus da influenza A é um patógeno natural de pássaros, particularmente aves aquáticas, e está sempre presente na população de aves selvagens. Antes de 1900, o vírus da influenza causava infecções brandas no homem. Em 1918, uma forma particularmente virulenta do vírus cruzou a barreira de espécies dos pássaros para os humanos e causou uma epidemia global devastadora. Esta amostra foi denominada H1N1, com referência à forma específica dos seus antígenos principais, hemaglutinina (HA ou H) e neuraminidase (NA ou N). Alterações no vírus geraram uma amostra menos virulenta, e a ascensão da imunidade adaptativa na população humana preveniu a pandemia de continuar em estações subsequentes, apesar de a cepa H1N1 continuar causando casos sérios da doença anualmente, sobretudo em crianças e idosos. Em 1957, uma nova pandemia emergiu quando os genes codificantes de HA e NA foram substituídos por genes equivalentes de um vírus de aves (barras verdes); a nova cepa (designada H2N2) não era sensível aos anticorpos gerados pelas pessoas previamente infectadas pela cepa H1N1 da influenza. Em 1968, outra pandemia foi engatilhada quando o gene HA de H2N2 foi substituído por outro gene de um vírus de aves; o novo vírus foi designado H3N2. Em 1977, houve uma re-emergência do vírus H1N1, que tinha sido previamente substituído quase que completamente pela cepa N2. Informação das sequências moleculares sugere que esta pandemia menor foi causada por uma liberação acidental de uma amostra de influenza conservada em laboratório desde 1950. Como indicado, a maioria das infecções humanas por influenza, hoje, é causada por cepas H1N1 e H3N2. Os aviários trazem o homem para um contato próximo com um grande número de pássaros que podem transportar diferentes versões do vírus influenza. Os vírus de aves ocasionalmente podem causar uma doença fatal em humanos com contato direto com pássaros infectados (chamada de gripe das aves), porém até o momento estes vírus não adquiriram a capacidade de espalhar-se efetivamente de homem para homem. Monitorar o cruzamento de espécies e tentar predizer a origem da próxima epidemia séria de influenza permanece um desafio significante para a saúde pública.

H2N2

H3N?

3 genes transferidos

2 genes transferidos

H1N1 1918 (gripe espanhola)

1957 (gripe asiática)

1968 (gripe de Hong Kong)

todos os 8 genes transferidos H3N2 Humano H1N1

H1N1

Vírus da gripe das aves

Humano

H2N2

H3N2

Humano

Humano

INFECÇÕES DE GRIPE HUMANA HOJE H1N1

1950 (cepa de laboratório)

H1N1 1977 (gripe russa)

A rápida evolução dos patógenos, no entanto, permitiu que as bactérias-alvo desenvolvessem resistência aos antibióticos muito rapidamente, sendo o espaço de tempo entre a introdução de um novo antibiótico na prática médica e o aparecimento de linhagens resistentes de não mais do que poucos anos. Do mesmo modo, a resistência a fármacos é um fenômeno comum entre vírus, quando as infecções são tratadas com agentes antivirais. A população viral em uma pessoa infectada com HIV tratada com o inibidor da transcriptase reversa AZT, por exemplo, irá desenvolver resistência ao fármaco em um espaço de poucos meses. O protocolo atual de tratamento de infecções por HIV envolve o uso simultâneo de três fármacos, o que minimiza a possibilidade de desenvolvimento de resistência. Existem três estratégias gerais pelas quais os patógenos desenvolvem resistência aos fármacos. Os patógenos podem (1) alterar o alvo molecular do fármaco, de tal forma que este não seja mais sensível ao fármaco, (2) produzir uma enzima que destrói o fármaco, ou (3) evitar a chegada do fármaco ao alvo, por exemplo, por um bombeamento ativo do fármaco para o exterior do patógeno (Figura 24-45). Geralmente, tendo o patógeno encontrado uma estratégia efetiva de resistência a fármaco, os novos genes adquiridos ou mutados que conferem resistência são disseminados na população de patógenos e podem até mesmo ser transferidos para patógenos de outras espécies que sejam tratados com o mesmo fármaco. O antibiótico vancomicina, bastante efetivo e caro, por exemplo, tem sido usado como uma última opção de tratamento em muitas infecções hospitalares graves de origem bacteriana que já tenham se mostrado resisten-

Membrana celular Polimixinas Síntese da parede celular Vancomicina Penicilinas Cefalosporinas Biossíntese de ácido fólico Trimetoprim Sulfonamidas

DNA-girase Quinolonas RNA-polimerase Rifampicina DNA mRNA

Síntese proteica, inibidores do ribossomo 30S Tetraciclina Estreptomicina Síntese proteica, inibidores do ribossomo 50S Eritromicina cloranfenicol

Figura 24-44 Alvos dos antibióticos. Apesar do número de antibióticos em uso clínico, eles possuem alvos limitados, realçados em amarelo. Alguns antibióticos representativos de cada classe estão listados. Quase todos os antibióticos usados para tratar infecções se encontram em uma ou outra categoria. A maioria inibe a síntese proteica bacteriana ou a síntese da parede bacteriana.

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Antibiótico

Enzima crítica

(A) Antibiótico mata a bactéria tipo selvagem Enzima crítica alterada

(B) Resistência ao antibiótico

Produto do gene R

(C) Resistência ao antibiótico

Bomba de efluxo

(D) Resistência ao antibiótico

tes à maioria dos outros antibióticos conhecidos. A vancomicina interfere em um passo da via de biossíntese da parede celular bacteriana, por meio da ligação a uma região da cadeia de peptideoglicano em crescimento, evitando que ela sofra ligações cruzadas com outras cadeias (ver Figura 24-4). Pode ocorrer resistência se a bactéria sintetizar outro tipo de parede celular, usando subunidades diferentes que não liguem a vancomicina. O tipo mais eficiente de resistência à vancomicina depende de um transposon contendo sete genes; os produtos destes genes trabalham em conjunto, identificando a presença da vancomicina, desligando a via normal de síntese da parede bacteriana e, finalmente, produzindo uma parede celular diferente. Apesar de a união destes sete genes em um único transposon ter sido uma árdua tarefa evolutiva (o aparecimento de resistência à vancomicina levou 15 anos, bem mais do que o espaço típico de um ou dois anos), o transposon pode agora ser facilmente transmitido para muitas outras espécies de bactérias patogênicas. De onde são originários os genes de resistência? Algumas vezes quando as bactérias estão sob pressão seletiva devido à exposição a fármacos, genes de resistência surgem por mutações espontâneas e se expandem dentro de uma população. Em muitos casos, no entanto, eles aparecem no genoma de um patógeno como um novo segmento de DNA adquirido por transferência horizontal, frequentemente transportados por transposons ou plasmídeos replicativos. Ao contrário das células eucarióticas, as bactérias comumente trocam materiais genéticos que cruzam a fronteira de espécies. Genes de resistência a fármacos adquiridos por transferência horizontal parecem se originar de reservatórios ambientais, onde possuem um papel importante na competição entre os micro-organismos. Quase todos os antibióticos usados hoje para tratar infecções bacterianas não são criações sintéticas de químicos; ao contrário, a maioria deles são produtos naturais produzidos por fungos ou bactérias: a penicilina, por exemplo, é um produto do fungo Penicillium, e mais de 50% dos antibióticos correntemente usados na clínica são produzidos pelo gênero gram-positivo Streptomyces. Acredita-se que estes micro-organismos produzam compostos antimicrobianos como armas na sua competição com outros microorganismos no meio ambiente. Muitos destes compostos provavelmente existem na Terra por pelo menos centenas de milhões de anos, o que é um amplo período de tempo para outros micro-organismos, assim como para os produtores, terem desenvolvido mecanismos de resistência. Testes às escuras de bactérias isoladas de amostras do solo que nunca foram deliberadamente expostas aos antibióticos revelam que tais bactérias são tipicamente resistentes a sete ou oito antibióticos amplamente usados na prática clínica. Quando microorganismos patogênicos enfretam a pressão seletiva estabelecida pelo tratamento com antibióticos, eles podem aparentemente apelar para esta ampla e essencialmente inesgotável fonte de material genético para adquirirem resistência. Assim como muitos outros aspectos das doenças infecciosas, o problema de resistência a fármacos tem sido exacerbado pelo comportamento humano. Muitos pacientes ingerem antibióticos no tratamento de doenças virais que não são afetadas por estes medicamentos, incluindo influenza, resfriados, dor de garganta e otites. O uso persistente e inadequado de antibióticos nesses casos pode, finalmente, levar ao desenvolvimento de resistência ao

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Figura 24-45 Três mecanismos gerais da resistência aos antibióticos. (A) Bactérias sensíveis imersas em um fármaco (triângulos vermelhos) que se liga a uma enzima crítica e a inibe (verde-claro) serão mortas devido à inibição da enzima. (B) Bactérias com enzima-alvo alterada não mais ligam ao fármaco, e assim sobrevivem e proliferam. Em muitos casos, ocorre resistência devida a mutações pontuais no gene que codifica a proteína-alvo. (B) Bactérias que expressam um gene de resistência (Fator R) que codifica uma enzima (verde-escuro) que degrada ou se liga covalentemente ao fármaco sobrevivem e proliferam. Algumas bactérias resistentes, por exemplo, sintetizam as enzimas ␤-lactamases, que clivam a penicilina e compostos semelhantes. (D) Outras bactérias resistentes expressam ou super-regulam uma bomba de efluxo que ejeta o fármaco do citoplasma bacteriano usando energia derivada da hidrólise do ATP ou do gradiente eletroquímico que cruza a membrana-plasmática bacteriana. Algumas bombas de efluxo como a bomba de efluxo TetR que confere resistência à tetraciclina, são específicas para um único fármaco; outras, chamadas de bombas de efluxos para resistência a múltiplos fármacos (MDR, multi-drug resistance), são capazes de exportar uma ampla variedade de fármacos que são diferentes estruturalmente e podem tornar uma bactéria resistente a um grande número de antibióticos diferentes em um único passo.

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antibiótico na flora normal; essa resistência pode subsequentemente ser transmitida aos patógenos. Por exemplo, vários surtos de diarreia causada por Shigella flexneri resistente a antibióticos originam-se dessa forma. O problema é especialmente grave em países onde os antibióticos são adquiridos sem a necessidade de uma receita médica, como é o caso do Brasil, onde mais de 80% das linhagens de S. flexneri encontradas em pacientes infectados são resistentes a quatro ou mais antibióticos. Os antibióticos também são usados de forma inadequada na agricultura e na pecuária, onde são comumente empregados como aditivos na alimentação dos animais para promover seu crescimento e saúde. Um antibiótico bastante semelhante à vancomicina comumente era utilizado na alimentação de bovinos na Europa. O aparecimento de resistência na flora normal desses animais é a explicação mais aceita para a origem da resistência à vancomicina, o que atualmente ameaça a vida de pacientes hospitalizados. Dado que a aquisição de resistência a fármacos é quase inevitável, é crucial que continuemos a desenvolver tratamentos inovadores para doenças infecciosas. Devemos também tentar retardar o aparecimento da resistência a fármacos.

Resumo Todos os patógenos compartilham a habilidade de interagir com as células hospedeiras por meio de mecanismos que promovam a replicação e a disseminação do patógeno; no entanto, existe uma grande diversidade de interações hospedeiro-patógeno. Os patógenos frequentemente colonizam o hospedeiro pela adesão ou pela invasão através das superfícies epiteliais que recobrem os pulmões, o intestino, a bexiga e outras superfícies de contato direto com o ambiente. Os patógenos intracelulares, incluindo todos os vírus, muitas bactérias e protozoários, replicam no interior da célula hospedeira, a qual foi invadida por uma série de mecanismos diferentes. Os vírus dependem muito da endocitose mediada por receptores para a invasão da célula hospedeira, ao passo que as bactérias exploram a fagocitose e as vias de adesão celular; em ambos os casos, a célula hospedeira providencia a maquinaria e a energia. Os protozoários, ao contrário, empregam estratégias características de invasão que, normalmente, necessitam de um gasto metabólico significativo por parte do invasor. Uma vez dentro da célula hospedeira, os patógenos devem procurar um nicho favorável para sua replicação, o que fazem frequentemente alterando o tráfego de membrana da célula hospedeira e explorando o citoesqueleto para a movimentação intracelular. Além de alterar o comportamento de células hospedeiras individuais, os patógenos em geral alteram o comportamento do organismo como um todo, com o objetivo de favorecer sua disseminação para outros hospedeiros. Os patógenos evoluem com rapidez, normalmente ocorrendo o aparecimento de novas doenças infecciosas e a aquisição, por parte de agentes de doenças infecciosas antigas, de novos mecanismos de escape das tentativas humanas de tratamento, de prevenção e de erradicação.

BARREIRAS CONTRA INFECÇÃO E O SISTEMA IMUNE INATO Os seres humanos estão expostos a milhões de patógenos potenciais diariamente por meio de contato, de ingestão e de inalação. Nossa capacidade de evitar uma infecção depende, em parte, de nosso sistema imune adaptativo (discutido no Capítulo 25), que é capaz de lembrar contatos prévios com patógenos específicos e destruí-los quando acontece um novo ataque. As respostas imunes adaptativas, no entanto, são de desenvolvimento lento em uma primeira exposição a um novo patógeno, visto que os clones específicos de células B e T devem ser ativados e expandidos; assim, pode ser necessária uma semana ou mais para que esse processo seja efetivo. Em contraste, uma única bactéria, com tempo médio de duplicação de uma hora, poderá produzir aproximadamente 20 milhões de células-filhas e desencadear uma infecção plena, em um único dia. Assim, durante as primeiras horas críticas e os primeiros dias de exposição a um novo patógeno, dependemos de nosso sistema imune inato para nossa proteção. Como discutido no Capítulo 25, dependemos também do sistema imune inato para ativar a resposta imune adaptativa. As respostas do sistema imune inato não são específicas para patógenos em particular, como o são as respostas imunes adaptativas. Geralmente, existem três linhas da defesa imune inata que podem prevenir uma infecção ou pará-la no começo, antes do sistema imune adaptativo ser ativado. A primeira delas são as barreiras físicas e químicas que previnem o

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fácil acesso de micro-organismos ao interior do corpo humano. As barreiras incluem a grossa camada de células queratinizadas mortas que forma a superfície de nossa pele, as junções compactas entre as células epiteliais, o pH ácido do estômago e os componentes da camada de muco que inibem a colonização e mesmo matam bactérias patogênicas. A flora normal também tem um papel protetor nas superfícies corporais contra invasores por competir pelo mesmo nicho ecológico, e assim limitar a colonização. A segunda linha de defesa inata compreende as respostas intrínsecas da célula pelas quais uma célula individual reconhece que está sendo infectada e toma medidas para danificar ou matar o invasor. A maioria das células que ingerem uma bactéria por fagocitose mediada pelo patógeno (ver Figura 24-26), por exemplo, imediatamente posiciona o fagossomo para ser fusionado ao lisossomo, expondo o organismo invasor a uma barragem de enzimas digestivas. Outro mecanismo de defesa intrínseco é a habilidade da célula hospedeira em degradar RNA de dupla-fita que é um intermediário comum da replicação viral; as células infectadas podem mesmo degradar um RNA de fita simples que possua identidade de sequência com a fita dupla gatilho. Esse mecanismo não apenas serve como uma defesa intrínseca efetiva contra muitas infecções virais, mas também permite que biólogos celulares manipulem a expressão gênica usando a técnica de RNA de interferência (RNAi). A terceira linha da defesa imune inata depende de um conjunto de proteínas e células fagocíticas que reconhecem características conservadas do patógeno e se ativam rapidamente para ajudar a destruir o invasor. Entre elas estão as células fagocíticas profissionais, como os neutrófilos e macrófagos, as células matadoras naturais e o sistema do complemento. Enquanto o sistema adaptativo em termos evolutivos tem menos de 500 milhões de anos e está confinado a vertebrados, a resposta imune inata opera nos vertebrados e invertebrados, assim como em plantas, e os mecanismos básicos que a regulam são semelhantes nesses organismos. Como discutido no Capítulo 25, a resposta imune inata em vertebrados também é requerida para ativar a resposta imune adaptativa pela produção de sinais moleculares que ajudam a chamar o sistema imune adaptativo para a ação.

A superfície epitelial e as defensinas ajudam a prevenir a infecção Em vertebrados, a pele e outras superfícies epiteliais, incluindo as que recobrem os tratos respiratório, intestinal e urinário (Figura 24-46), fornecem uma barreira física entre a parte interna do corpo e o mundo exterior. Uma camada de muco fornece uma proteção adicional contra danos de origem microbiana, química e mecânica do interior das superfícies epiteliais; muitos anfíbios e peixes possuem uma camada mucosa cobrindo suas peles. A cobertura de muco viscoso é feita primariamente de mucina secretada e outras glicoproteínas, e fisicamente ajuda a prevenir a adesão de patógenos ao epitélio, assim como facilita também a limpeza de patógenos pelo batimento dos cílios nas células epiteliais (discutido no Capítulo 23). A camada de muco também contém substâncias que matam patógenos ou inibem sua proliferação. Entre os mais abundantes estão os peptídeos antimicrobianos chamados de defensinas, que são encontrados em todos os animais e plantas. Eles geralmente são curtos (12 a 50 aminoácidos), positivamente carregados e possuem domínios hidrofóbicos ou anfipáticos. Eles compreendem uma família diversa com um amplo espectro de atividades antimicrobianas, incluindo a habilidade de matar ou inativar bactérias gram-positivas e gram-negativas, fungos (incluindo leveduras), parasitas (incluindo protozoários e nematoides) e até vírus envelopados como o HIV. As defensinas são as mais abundantes proteínas em neutrófilos (ver adiante), que as usa para matar patógenos fagocitados. É ainda incerta a maneira como as defensinas matam patógenos. Uma possibilidade é usarem seus domínios anfipáticos ou hidrofóbicos para se inserirem nas membranas de seus alvos e dessa forma romper a integridade da membrana. Um pouco de sua seletividade para patógenos e não para as células do hospedeiro pode vir da preferência por membranas que não possuem colesterol. Após o rompimento da membrana do patógeno, os peptídeos positivamente carregados também podem interagir com componentes internos da célula bacteriana, incluindo DNA. Por causa da natureza relativamente inespecifíca, da interação entre peptídeos antimicrobianos e os micróbios que eles matam é difícil para os patógenos adquirirem resistência a eles. Assim, em princípio, as defensinas e outros peptídeos antimicrobianos podem ser úteis como agentes terapêuticos para combater infecções, sozinhos ou em combinação com outros fármacos tradicionais.

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Figura 24-46 Defesas epiteliais contra a invasão microbiana. (A) Micrografia óptica de uma secção longitudinal através da parede do intestino delgado mostrando três vilosidades. As células caliciformes secretoras de muco estão coradas em magenta. A camada protetora de muco recobre a superfície exposta das vilosidades. Na base das vilosidades localizam-se as Criptas, onde as células epiteliais proliferam. (B) Aumento da cripta, corada por um método para mostrar os grânulos das células de Paneth (escarlate). Estas células secretam grandes quantidades de peptídeos antimicrobianos e defensinas no lúmen intestinal. (B, cortesia de H. G. Burkitt, de P. R. Wheater, Functional Histology, 2nd ed.London: Churchill-Livingstone, 1987.)

Vilosidades Células absortivas da borda

Células caliciformes secretoras de muco

Cripta

(A)

(B) 100 ␮m

50 ␮m

Células humanas reconhecem características conservadas dos patógenos Micro-organismos algumas vezes ultrapassam as barreiras epiteliais. Depende então dos sistemas imune inato e adaptativo entrarem em ação para reconhecê-los e destruí-los sem afetar o hospedeiro. Consequentemente, o sistema imune deve ser capaz de distinguir o próprio do não-próprio. Discutiremos no Capítulo 25 como o sistema imune adaptativo faz isso. O sistema imune inato repousa sobre o reconhecimento de tipos particulares de moléculas que são comuns a muitos patógenos, mas ausentes no hospedeiro. As moléculas associadas a patógenos (chamadas de patógeno-associadas ou imunoestimulantes associados a micróbio) engatilham dois tipos de resposta imune inata – resposta inflamatória (discutida a seguir) e fagocitose por fagócitos profissionais (neutrófilos e macrófagos) e por células dendríticas, que ativam células T do sistema imune adaptativo (discutido no Capítulo 25). Ambas as respostas inflamatória e fagocítica podem ocorrer rapidamente, mesmo que o hospedeiro nunca tenha sido previamente exposto a um patógeno em particular. Os imunoestimulantes associados a micróbio são de vários tipos, vendo que a maioria não é exclusiva para patógenos, mas são encontrados em muitas bactérias benignas, assim como as prejudiciais. O início da tradução em bactérias difere do início da tradução em eucariotos pelo fato de uma metionina formilada em vez de uma metionina regular normalmente ser usada como primeiro aminoácido. Sendo assim, qualquer peptídeo contendo formilmetionina na porção N-terminal deve ser de origem bacteriana. Peptídeos contendo formilmetionina atuam como potentes quimioatraentes para neutrófilos, que migram rapidamente para a fonte de tais peptídeos e engolfam a bactéria que os está produzindo (ver Figura 16-101). Em adição, moléculas que não ocorrem em hospedeiros multicelulares compõem a superfície externa de muitos micro-organismos, e estas moléculas também agem como imunoestimulantes. Elas incluem o peptideoglicano da parede celular e o flagelo da bactéria, assim como lipopolissacarídeos (LPSs) em bactérias gram-negativas (Figura 24-47) e ácidos

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Sítio de ligação para oligossacarídeo cerne e polissacarídeo antígeno O

HO HO

OH HO

O

O

OH

HO OH

HO

O

O

O

OH O O HO

O

HO

O

O

O

P

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NH

O

O

O

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OH

Folha externa da membrana externa

Figura 24-47 Estrutura do lipopolissacarídeo (LPS). À esquerda está representada a estrutura tridimensional da molécula de LPS, com os ácidos graxos mostrados em amarelo e os açúcares em azul. A estrutura molecular da base de LPS é mostrada à direita. A âncora de membrana hidrofóbica é feita de dois açúcares glicosamina ligados e atracados a três fosfatos e seis caudas de ácidos graxos. Ligada a esta estrutura básica está uma longa cadeia de açúcares, em geral bastante ramificada. Este esquema mostra o tipo mais simples de LPS que permite a sobrevivência de E. coli; ele possui apenas duas moléculas de açúcar na cadeia, e ambas são iguais (3-desoxi-D-mano-ácido octulossônico). Na posição indicada por uma seta, as bactérias gram-negativas tipo selvagem também ligam um oligossacarídeo cerne feito de 8 a 12 açúcares e um antígeno O longo, que é composto de uma unidade de oligossacarídeos repetida até 40 vezes. Os açúcares que compõem o oligossacarídeo cerne e o antígeno O são diferentes de uma espécie de bactéria para outra e mesmo entre diferentes linhagens da mesma espécie. Todas as formas de LPS são altamente estimulantes de uma forte resposta imune inata.

teicoicos em bactérias gram-positivas (ver Figura 24-4B). Eles também incluem moléculas da parede celular de fungos, incluindo manana, glucana e quitina. Muitos parasitas eucarióticos também contêm componentes únicos de membranas que atuam como imunoestimulantes, incluindo glicosifosfatidilinositol em Plasmodium. Para evitar uma resposta imune desnecessária, o hospedeiro tem de ser capaz de distinguir entre um imunoestimulante produzido por patógenos e as moléculas muito semelhantes ou idênticas liberadas pela flora normal. Em muitos casos, diferenças na concentração do imunoestimulante podem ser o suficiente; uma concentração crônica baixa da molécula pode ser monitorada pelo sistema imune sem provocar uma reação, enquanto o repentino aumento na concentração ou no aparecimento do imunoestimulante em áreas normalmente estéreis do corpo engatilhará uma resposta imune inata. Sequências curtas no DNA bacteriano ou viral também podem agir como imunoestimulantes. O culpado é o “motivo CpG”, que consiste no dinucleotídeo não-metilado CpG flanqueado por dois resíduos de purinas e dois 3’ pirimidinas. Esta sequência curta é pelo menos 20 vezes menos comum no DNA de vertebrados do que em DNA bacteriano ou viral, o que pode ativar uma resposta imune inata. As várias classes de imunoestimulantes associados a micróbio frequentemente ocorrem em padrões repetidos, os quais são deste modo chamados de padrões moleculares associados a patógenos (PAMPs, pathogen-associated molecular paterns). Muitos tipos de receptores dedicados no hospedeiro, coletivamente chamados de receptores de reconhecimento de padrões, reconhecem tais padrões. Estes receptores incluem receptores solúveis no sangue (componentes do sistema do complemento, que será discutido adiante) e receptores embutidos na membrana, externos ou internos à célula do hospedeiro (incluindo membros da família dos receptores semelhantes a Toll, considerados mais tarde). Os receptores associados à célula têm duas funções: eles iniciam a fagocitose do patógeno e ativam um programa de

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expressão gênica na célula do hospedeiro responsável pela resposta imune inata. Alguns dos componentes do sistema do complemento também ajudam na fagocitose e, em alguns casos, na morte direta do invasor, como discutido a seguir.

A ativação do complemento marca os patógenos para fagocitose ou para lise O sistema do complemento consiste em aproximadamente 20 proteínas solúveis interativas, produzidas principalmente pelo fígado, que circulam no sangue e nos fluidos extracelulares. A maior parte destas proteínas é inativa até o momento inicial de uma infecção. Elas foram inicialmente identificadas pela capacidade de amplificar e “complementar” a ação dos anticorpos, mas alguns dos componentes do complemento são receptores de reconhecimento de padrões que podem ser ativados diretamente por imunoestimulantes associados a patógeno. Os componentes precoces do complemento são ativados primeiro. Existem três grupos de componentes do complemento, pertencentes a três vias distintas de ativação do complemento – a via clássica, a via de lectina e a via alternativa. Os componentes iniciais do complemento das três vias atuam localmente para ativar C3, que é o componente-chave do sistema do complemento (Figura 24-48). Indivíduos com deficiência de C3 são suscetíveis a infecções bacterianas repetidas. Os componentes precoces e o C3 são proenzimas, as quais são ativadas em sequência por clivagem proteolítica. A clivagem de cada proenzima ativa, em série, o próximo componente que gerará uma serino-protease, a qual cliva a próxima proenzima da série e assim por diante. Como cada enzima ativada cliva várias moléculas da próxima proenzima da cadeia, a ativação dos componentes iniciais gera uma cascata proteolítica amplificadora. Várias dessas clivagens liberam um pequeno fragmento de peptídeo ativo biologicamente que atrai células fagocíticas como neutrófilos e um fragmento maior que se liga à membrana. A ligação do fragmento maior a uma membrana celular, geralmente a membrana do patógeno, auxilia na passagem para a reação subsequente. Desse modo, a ativação do complemento fica bastante restrita à superfície particular da célula na qual o processo teve início. O fragmento grande de C3, chamado de C3b, liga-se covalentemente à superfície do patógeno, e então recruta fragmentos de C2 e C3 clivados para formar um complexo proteolítico (C4b, C2b, C3b) que catalisa os passos subsequentes na cascata do complemento. Receptores específicos nas células fagocíticas que aumentam a capacidade dessas células de fagocitarem o patógeno também reconhecem C3b. Adicionalmente, nas células B reconhecem C3b, que é a razão de patógenos recobertos por C3b serem especialmente eficientes na estimulação das células B para fazer anticorpos (discutido no Capítulo 25). O fragmento menor de C3 (chamado de C3a), assim como os fragmentos de C4 e C5

Figura 24-48 Os principais estágios na ativação do complemento pelas vias clássica, de lectina e alternativa. Nas três vias as reações de ativação do complemento em geral acontecem na superfície de um micróbio invasor, como as bactérias, e leva à clivagem de C3. C1C9, lectina ligadora de manose (MBL), e serina-protease associada a MBL (MASP) e os fatores B e D são os componentes centrais do sistema do complemento; vários outros componentes regulam o sistema. Os componentes precoces são mostrados dentro de setas em cinza, enquanto os componentes tardios são vistos dentro de setas em marrom.

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VIA CLÁSSICA

VIA DE LECTINA

Ligação de anticorpos

Ligação de manana

C1 C2 C4

MBL MASP C2 C4

VIA ALTERNATIVA Superfícies do patógeno

B D

CLIVAGEM DE C3 COBERTURA DO MICRÓBIO E INDUÇÃO DE FAGOCITOSE

C5 C6 C7 C8 C9

RECRUTAMENTO DE CÉLULAS INFLAMATÓRIAS ESTÍMULO DAS RESPOSTAS IMUNES ADAPTATIVAS

FORMAÇÃO DE POROS E LISE

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Biologia Molecular da Célula

C9 C6

C5b

C8

C7

n

C5b

Membrana plasmática

C6 C7 Canal transmembrana aquoso C5b

C6 C7 C8

C9

CITOSOL

(ver Figura 24-48), atuam independentemente como sinais de difusão para promover respostas inflamatórias por meio do recrutamento de linfócitos e de fagócitos para a região da infecção. Moléculas de anticorpos tipo IgG ou IgM (discutidas no Capítulo 25) ligadas à superfície do micróbio ativam a via clássica. A lectina ligadora de manana, a proteína que inicia a segunda via de ativação do complemento, é uma proteína sérica que forma arranjos de seis unidades de cabeças ligadoras de carboidratos, reunidas em torno de uma haste central semelhante à estrutura em pedúnculo do colágeno. Este arranjo liga-se especificamente a resíduos de manose e de fucose da parede celular da bactéria, os quais apresentam espaçamento e orientação que permitem um encaixe perfeito dos seis sítios ligadores de carboidratos, fornecendo um excelente exemplo de receptor de reconhecimento de padrões. Esses eventos iniciais de ligação nas vias clássica e de lectina provocam o recrutamento e a ativação dos componentes precoces do complemento. Moléculas na superfície dos patógenos frequentemente ativam a via alternativa; ativação da via clássica ou da via de lectina também ativa a via alternativa, formando uma alça de retroalimentação que amplifica os efeitos das vias clássica e de lectina. As células hospedeiras produzem várias proteínas e modificações de superfície que previnem a reação do complemento que se realize na superfície. A molécula mais importante é a porção carboidrato ácido siálico, um constituinte comum de glicoproteínas e glicolipídeos da superfície celular. Dado que os patógenos geralmente não possuem tais componentes de superfície, eles são marcados para a destruição, enquanto as células hospedeiras são preservadas. Pelo menos um patógeno, Neisseria gonorrhoeae, a bactéria que causa a doença sexualmente transmissível gonorreia, desenvolveu a habilidade de explorar tais características de autoproteção do hospedeiro, recobrindo-se com uma camada de ácido siálico e efetivamente se escondendo do sistema de ativação do complemento. C3b imobilizado à membrana, produzido por qualquer das três vias, engatilha uma cascata de reações ulteriores que leva à montagem dos componentes tardios do complemento para formar os complexos de ataque à membrana (Figura 24-49). Estes complexos são montados na membrana do patógeno, perto do sítio de ativação de C3, e possuem uma aparência característica em micrografias eletrônicas coradas negativamente, onde podem ser vistos formando poros aquosos através da membrana (Figura 24-50). Por esta razão, e também porque eles perturbam a estrutura da bicamada na sua vizinhança, eles fazem a membrana vazar e podem, em alguns casos, causar a lise da célula microbiana, semelhante às defensinas mencionadas anteriormente. As propriedades autoamplificável, inflamatória e destrutiva da cascata do complemento tornam essencial que os componentes-chave sejam rapidamente inativados após serem gerados para garantir que o ataque não se espalhe pelas células hospedeiras vizinhas. A inativação é alcançada de pelo menos duas maneiras. Primeiro, proteínas específicas inibidoras no sangue ou na superfície das células hospedeiras encerram a cascata por clivagem ou ligação a certos componentes uma vez ativados por clivagem proteolítica. Segundo, muitos dos componentes ativados na cascata são instáveis; a menos que se liguem imediatamente a outro componente da cascata ou a uma membrana próxima, eles são rapidamente inativados.

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Figura 24-49 Montagem dos componentes tardios do complemento para formar o complexo de ataque à membrana. Quando C3b é produzido por uma das três vias de ativação do complemento, ele se torna imobilizado na membrana, onde recruta C4b e C2b para formar um complexo proteolítico. Este complexo então cliva o primeiro dos componentes tardios, C5, para produzir C5a (não-mostrado) e C5b, que permanece frouxamente ligado a C3b (não-mostrado) e rapidamente se associa com C6, C7 para formar C567, que então se liga via C7, firmemente à membrana, como ilustrado. Ao complexo é adicionado uma molécula de C8 para formar C5678. A ligação de uma molécula de C9 a C5678 induz uma mudança conformacional em C9 que expõe uma região hidrofóbica e faz com que C9 se insira na bicamada lipídica da célula-alvo, o que começa uma cadeia de reações na qual C9 alterado liga uma segunda molécula de C9, que se liga a outra molécula de C9, e assim por diante. Deste modo, uma cadeia de moléculas C9 forma um grande canal transmembrana na membrana do patógeno.

(A)

(B)

10 nm

Figura 24-50 Micrografia eletrônica de lesões na membrana plasmática de um eritrócito negativamente corado. A lesão em (A) é vista na face, enquanto que em (B) é vista de lado como um canal transmembrana aparente. O corante negativo preenche o canal, que então parece negro. O eritrócito foi deliberadamente sensibilizado para ser suscetível à lise pelo complemento. (De R. Dourmashkin, Immunology 32:205212, 1978. Com permissão de Blackwell Publishing).

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As proteínas semelhantes a Toll e NOD pertencem a uma antiga família de receptores de reconhecimento de padrões característicos Vários receptores de reconhecimento de padrões da superfície de células de mamíferos, responsáveis pelo engatilhamento da resposta imune inata, são membros da família do receptor semelhantes a Toll (TLR, Toll-like receptor). Toll em Drosophila é uma proteína transmembrana com um domínio extracelular consistindo em uma série de repetições ricas em leucina (ver Figura 15-82). Foi originalmente identificado como uma proteína envolvida no estabelecimento da polaridade dorso-ventral durante o desenvolvimento de embriões de mosca (discutido no Capítulo 22). No entanto, Toll também está envolvido na resistência da mosca adulta a infecções por fungos. A via intracelular de transdução de sinal ativada downstream de Toll, quando a mosca é exposta a um fungo patogênico, leva à translocação da proteína NF-␬B (discutida no Capítulo 15) para o interior do núcleo, onde esta ativa uma série de genes, incluindo aqueles que codificam defensinas antifúngicas. As repetições ricas em leucina encontradas em Toll e TLR são motivos estruturais que são úteis para ligar uma ampla variedade de ligantes. Ao lado do seu papel no reconhecimento de patógenos em animais e plantas, proteínas com repetições ricas em leucina têm um papel importante em transdução de sinal, reparo de DNA e adesão célula-célula e célula-matriz. Nos humanos existem pelo menos dez TLRs, tendo sido demonstrado que vários deles participam ativamente no reconhecimento de imunoestimulantes de bactéria, vírus, fungos e parasitas. Diferentes ligantes ativam TLRs diferentes: TLR4, por exemplo, reconhece lipopolissacarídeo (LPS) da membrana externa de bactérias gram-negativas, TLR reconhece DNA CpG, e TLR reconhece a proteína do flagelo. A maioria dos TLRs está na superfície celular; eles são abundantes, por exemplo, na superfície de macrófagos, células dendríticas e neutrófilos, assim como na superfície de células epiteliais que revestem os tratos respiratório e intestinal. Outros, no entanto, estão associados a membranas intracelulares, onde podem detectar patógenos intracelulares. Os TLRs atuam como um sistema de alarme para alertar aos sistemas de resposta imune inato e adaptativo que uma infecção irá ocorrer. Em mamíferos, eles ativam uma variedade de vias de sinalização intracelulares que por seu turno estimulam a transcrição de centenas de genes, especificamente aqueles que promovem a resposta inflamatória (discutido adiante) e ajudam a induzir uma resposta imune adaptativa (Figura 25-51). Uma segunda família de receptores de reconhecimento de padrões é exclusivamente intracelular. Eles são chamados de proteínas NOD e também possuem motivos repetidos

LPS Proteína ligadora de LPS (LBP)

Figura 24-51 A ativação de macrófagos por lipopolissacarídeo (LPS). O LPS é ligado à proteína ligadora de LPS (LBP, LPS-Binding protein) no sangue, e este complexo liga-se ao receptor CD14 que se encontra ancorado por GPI à superfície do macrófago. A seguir, este complexo ternário ativa o receptor 4 semelhante a Toll (TLR4), que por sua vez ativa múltiplas vias de sinalização downstream. Como resultado, quatro proteínas reguladoras de genes são ativadas, incluindo NF␬B, um complexo AP1 de Jun e Fos, e dois fatores reguladores de interferons, IRF3 e IRF5. Essa resposta transcricional, forte e multifacetada resulta na produção de interferons e citocinas pró-inflamatórias, incluindo quimiocinas que recrutam várias células brancas do sangue para o local da ativação de macrófagos, refletindo o perigo significante que o macrófago percebe quando encontra uma alta concentração de LPS.

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Receptor 4 semelhante a Toll (TLR4) CD14 Membrana plasmática do macrófago

SANGUE

CITOSOL

Âncora GPI

Jun/Fos IRF5

IRF3 NF␬B ativada

TRANSCRIÇÃO DE GENES PRÓ-INFLAMATÓRIOS

TRANSCRIÇÃO DE GENES INDUZÍVEIS POR INTERFERON

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Figura 24-52 Doença microbiana em uma planta. As folhas de tomate aqui mostradas estão infectadas com o fungo de folhas Cladosporium fulvum. Resistência a esse tipo de infecção depende do reconhecimento de uma proteína fúngica por receptores da célula hospedeira que são estruturalmente relacionados a TLRs. (Cortesia de Jonathan Jones.)

ricos em leucina. Funcionalmente, são semelhantes aos TLRs, porém reconhecem um conjunto distinto de ligantes, incluindo componentes da parede bacteriana. As formas alélicas diferentes de NODs e TLRs que um indivíduo expressa desempenham uma parte importante em influenciar a suscetibilidade a certas doenças infecciosas; polimorfismos particulares em TLR4 e TLR5, por exemplo, correlacionam-se com susceptibilidade a Legionella pneumophila, e membros de famílias que expressam um alelo particular de NOD2 têm uma grande e crescente chance de sofrer da doença de Crohn, uma doença inflamatória do intestino delgado que, ao que parece, é engatilhada por uma infecção bacteriana. Proteínas relacionadas a Toll, TLRs e NODs estão aparentemente envolvidos com a imunidade inata em todos os organismos multicelulares. Em plantas, proteínas com repetições ricas em leucina e com domínios homólogos à porção citosólica dos TLRs são requeridas para resistência aos patógenos virais, bacterianos e fúngicos (Figura 24-52). Assim, pelo menos duas famílias de proteínas que funcionam na imunidade inata – as defensinas e as famílias TLR/NOD – parecem ser evolutivamente muito antigas, talvez de muito antes da divisão entre animais e plantas, há mais de um bilhão de anos. Sua conservação durante a evolução ressalta a importância da resposta imune inata na defesa contra patógenos microbianos.

As células fagocíticas caçam, englobam e destroem os patógenos Em todos os animais, tanto nos vertebrados quanto nos invertebrados, o reconhecimento de invasores microbianos normalmente é seguido por seu rápido englobamento pelas células fagocíticas. As plantas, no entanto, não possuem este tipo de resposta imune inata. Nos vertebrados, os macrófagos são fagócitos profissionais que residem em todos os tecidos do corpo e são especialmente abundantes em áreas que apresentam alto potencial de sofrer infecção, como os tratos respiratório e intestinal, por exemplo. Também estão presentes em grande número nos tecidos conectivos, no fígado e no baço. Estas células de longa duração patrulham os tecidos do organismo e estão entre as primeiras células a estabelecer contato com os micróbios invasores. Pertencentes à segunda maior família de células fagocíticas nos vertebrados, os neutrófilos são células de curta duração, abundantes no sangue, mas normalmente ausentes em tecidos saudáveis normais. Eles são rapidamente recrutados para a região de infecção tanto por macrófagos ativados quanto por moléculas como os peptídeos contendo formilmetionina liberados pelos próprios patógenos e pelos fragmentos de peptídeos de componentes do complemento. Neutrófilos podem detectar quimioatraentes derivados do complemento em concentrações tão baixas quanto 10-11 M. Os macrófagos e os neutrófilos apresentam uma grande diversidade de receptores de superfície celular que permitem a estas células reconhecer e englobar os patógenos. Entre esses receptores encontram-se os receptores de reconhecimento de padrões, como os TLRs, receptores para anticorpos produzidos pelo sistema imune adaptativo e receptores para o componente C3b do complemento. A ligação do ligante em qualquer um desses receptores induz a polimerização de actina na região de contato com o patógeno, fazendo com que a membrana citoplasmática do fagócito envolva o patógeno e englobe-o em um grande fagossomo delimitado por membranas (Figura 24-53). Apesar de algumas bac-

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10 ␮m

Figura 24-53 Fagocitose. Esta micrografia eletrônica de varredura mostra um macrófago em vias de destruir cinco células vermelhas sanguíneas que foram recobertas com um anticorpo contra glicoproteínas de superfície. (De E. S. Gold et al., J. Exp. Med. 190:1849-1856, 1999. Com permissão de Rockefeller University Press.)

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Larva de esquistossomo

Eosinófilos

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térias poderem ativamente induzir uma célula hospedeira, como uma célula epitelial, a fagocitá-las como um mecanismo para invasão da célula (ver Figura 24-25) a fagocitose por macrófagos ou neutrófilos em geral leva à morte do patógeno ingerido. Não é surpreendente que alguns patógenos usem mecanismos específicos para evitar a fagocitose por macrófagos ou neutrófilos. Uma estratégia é secretar uma grossa camada de polissacarídeos, chamada de cápsula, que bloqueia o acesso de componentes do complemento à superfície bacteriana e ainda torna fisicamente difícil para a célula fagocítica se ligar e englobar a bactéria. Outra estratégia usada por Yersinia pestis (o agente causal da peste bubônica), por exemplo, é secretar uma toxina dentro do macrófago via sistema de secreção tipo III (ver a Figura 24-8) que rompe a montagem do citoesqueleto de actina e assim previne a fagocitose. Uma vez que o patógeno tenha sido fagocitado, os macrófagos ou os neutrófilos utilizam uma incrível diversidade de armas para matá-lo. Exposição aos imunoestimulantes derivados de micróbios ou a sinais químicos produzidos pela resposta imune contra o patógeno aumenta o poder de fagocitar e de matar do fagócito. Esta exposição é considerada “ativada” porque o fagócito fica em um estado de alerta alto, no qual não apenas é mais efetivo na fagocitose e na liquidação de patógenos, como também libera citocinas para atrair mais células brancas para o sítio da infecção. A localização do armamento do fagócito é prontamente visível no microscópio óptico ou eletrônico como organelas densas delimitadas por membranas chamadas de grânulos. Estes derivativos especializados do lisossomo se fusionam com o fagossomo liberando enzimas como a lisozima e hidrolases ácidas que degradam a parede celular e proteínas do patógeno. Os grânulos contêm também defensinas, os peptídeos antimicrobianos que representam 15% do total de proteínas nos neutrófilos. Em adição, os fagócitos montam complexos NADPH-oxidase na membrana do fagolisossomo, que catalisa a produção de compostos altamente tóxicos, incluindo superóxido (O2-) hipoclorito (HOCl, o ingrediente ativo da clorofina), água oxigenada e radicais hidroxila. Um aumento transiente no consumo de oxigênio pelas células fagocíticas, chamado de explosão respiratória, acompanha a produção dos compostos tóxicos. Não são somente os compostos derivados do oxigênio altamente reativos que lesionam o patógeno na armadilha do fagolisossomo. A ação da NADPH-oxidase transporta elétrons para o fagolisossomo e induz um movimento compensatório de K+ em conjunto com o elétron cujo efeito imediato é a diminuição do pH. O pH alto no fagolisossomo ativa um grupo potente de proteases neutras, as quais o pH baixo nos grânulos lisossomais conservou inativas antes da fusão com o fagossomo. As proteases neutras rapidamente destroem o patógeno encarcerado no fagolisossomo. Enquanto os macrófagos geralmente sobrevivem à matança e vivem para matar de novo, os neutrófilos em geral não sobrevivem. Neutrófilos mortos e morrendo são o maior componente do pus que se forma em feridas agudamente infectadas. A coloração esverdeada do pus ocorre devido à presença em abundância no neutrófilo da enzima contendo cobre mieloperoxidase, que é um dos componentes ativos na explosão respiratória. Se um patógeno é grande demais para ser fagocitado (p. ex., um grande parasita como um nematódeo), um grupo de macrófagos, de neutrófilos ou de eosinófilos (discutidos no Capítulo 23) vai juntar-se em torno do invasor. Eles vão secretar suas defensinas e outros produtos lisossomais por exocitose e liberar os produtos tóxicos do espasmo respiratório (Figura 24-54). Esta barreira geralmente é suficiente para a destruição do patógeno. Em alguns casos foi observado que neutrófilos ejetam grandes quantidades de sua cromatina com o conteúdo dos seus grânulos. O DNA ejetado com suas histonas ligadas forma uma rede pegajosa que prende as bactérias próximas, prevenindo o escape (Figura 24-55). Dado que sua função precípua é se sacrificar para matar os patógenos invasores, os neutrófilos não hesitam em usar todas as armas disponíveis incluindo o seu próprio DNA, para cumprir a tarefa.

Figura 24-54 Eosinófilos atacando uma larva de esquistossomo. Os parasitas grandes, como os vermes, não podem ser ingeridos por fagócitos. Quando a larva é recoberta por anticorpos ou por complemento, no entanto, os eosinófilos e as outras células brancas do sangue podem reconhecê-lo e atacá-lo coletivamente. (Cortesia de Anthony Butterworth.)

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(A)

(C)

10 ␮m

1 ␮m

(B)

10 ␮m

1 ␮m

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Figura 24-55 Neutrófilos ejetam a sua cromatina para prender as bactérias em uma rede pegajosa. (A) Microscopia eletrônica de varredura mostrando neutrófilos em repouso. (B) Neutrófilos ativados com muitas protrusões e associados a fitas fibrosas (seta). As fitas contêm DNA e histonas, e parece ser cromatina do núcleo do neutrófilo que foi ejetado durante o processo de ativação. (C) A cromatina pegajosa pode encarcerar muitos tipos diferentes de bactérias, incluindo (da esquerda para a direita) Staphylococcus aureus, Salmonella enterica e Shigella flexneri. (De V. Brinkmann et al., Science 303:1532-1535, 2004. Com permissão de AAAS.)

1 ␮m

Os macrófagos ativados contribuem para a resposta inflamatória nos sítios da infecção Quando um patógeno invade um tecido, ele quase sempre provoca uma resposta inflamatória. Esta resposta é caracterizada por dor, vermelhidão, calor e inchaço no local da infecção (os médicos reconheceram estes quatro sinais da inflamação, em latim dolor, rubor, calor e turgor, há milhares de anos). Os vasos sanguíneos se dilatam e se tornam permeáveis aos fluidos e às proteínas, levando a um inchaço localizado e ao acúmulo de proteínas sanguíneas que auxiliam na defesa, como os componentes da cascata do complemento. Ao mesmo tempo, as células epiteliais que revestem os vasos sanguíneos locais são estimuladas e expressam moléculas de adesão celular (discutido no Capítulo 19) que facilitam a ligação e o extravasamento de células brancas do sangue, como neutrófilos, linfócitos e monócitos (os precursores sanguíneos dos macrófagos). Enquanto os macrófagos em geral morrem no sítio da inflamação, os macrófagos frequentemente sobrevivem ao encontro inicial com o invasor e podem migrar para outras partes do corpo. Patógenos que sobrevivem dentro do macrófago como a bactéria Salmonella enterica serovar Typhi, por exemplo, podem usar o macrófago para disseminar a infecção localizada para sítios distantes no corpo, convertendo uma invasão local menor do intestino em uma doença severa sistêmica, a febre tifoide. Várias moléculas de sinalização medeiam a resposta inflamatória no local da infecção. A ativação de TLRs resulta na produção tanto de moléculas sinalizadoras lipídicas, como as prostaglandinas, quanto proteicas (ou peptídeos), como as citocinas (discutidas no Capítulo 15), todas contribindo para a resposta inflamatória, assim como fazem fragmentos do complemento liberados durante a ativação do complemento. Algumas das citocinas produzidas pelos macrófagos ativados são quimioatratores (conhecidas como quimiocinas). Algumas quimiocinas atraem neutrófilos, os quais serão as primeiras células recrutadas em grandes quantidades para o local da nova infecção. Outras citocinas engatilham a febre, um aumento da temperatura corporal. No balanço geral, a febre ajuda a combater a infecção, porque a maioria dos patógenos bacterianos e virais prolifera melhor a temperaturas mais baixas,

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Brônquio

Figura 24-56 Inflamação das vias respiratórias na asma severa. Micrografia óptica de uma secção através de um brônquio de um paciente que morreu durante um ataque severo e prolongado de asma. Existe uma quase total oclusão da via respiratória por um tampão de muco. O tampão de muco é um denso infiltrado que inclui eosinófilos, neutrófilos e linfócitos. (Cortesia de Thomas Krausz.)

Tampão de muco

Via respiratória restante

0,1 mm

enquanto a resposta imune adaptativa é mais potente a temperaturas mais altas. Algumas moléculas pró-inflamatórias de sinalização estimulam as células endoteliais a expressarem proteínas que engatilham a formação de coágulos em pequenos vasos locais. Por meio da oclusão de vasos, evitando o fluxo de sangue, esta resposta pode auxiliar na prevenção da entrada do patógeno na corrente sanguínea e sua consequente disseminação para outras partes do organismo. As mesmas respostas inflamatórias, tão eficientes no controle local de infecções, podem, no entanto, ter consequências desastrosas se ocorrerem em uma infecção disseminada na corrente sanguínea, condição esta denominada sepsis. A liberação sistêmica de moléculas de sinalização pró-inflamatórias no sangue causa dilatação dos vasos sanguíneos, perda do volume de plasma e coagulação sanguínea generalizada, que causa uma queda acentuada da pressão sanguínea, ou choque; adicionalmente, existe formação disseminada de coágulos. O resultado final é conhecido por choque séptico, geralmente fatal. As respostas inflamatórias inapropriadas ou extremamente fortes estão também associadas com algumas doenças crônicas, como a asma (Figura 24-56) e a artrite. Alguns patógenos desenvolveram mecanismos para evitar a consequência final da fagocitose, alguns desenvolveram mecanismos para evitar as respostas inflamatórias ou, em alguns casos, aproveitam-se dessas respostas para disseminar a infecção. Muitos vírus, por exemplo, codificam potentes antagonistas de citocinas que bloqueiam diversos pontos da resposta inflamatória. Alguns desses antagonistas são simplesmente formas modificadas de receptores de citocinas, codificadas por genes adquiridos do hospedeiro pelo genoma viral. Eles se ligam às citocinas com alta afinidade e bloqueiam seu funcionamento. Algumas bactérias, como a Salmonella, induzem uma resposta inflamatória no intestino nos estágios iniciais da infecção, recrutando macrófagos e neutrófilos e, a seguir, invadem-nas e literalmente pegam carona para outros tecidos do organismo.

As células infectadas por vírus desenvolvem medidas drásticas para evitar a replicação viral Os imunoestimulantes associados aos micróbios presentes na superfície das bactérias e dos parasitas, e que são importantes na indução de respostas imunes inatas, geralmente não se encontram presentes na superfície dos vírus. As proteínas virais são construídas pelos ribossomos da célula hospedeira, e as membranas de vírus envelopados são compostas pelos lipídeos das próprias células hospedeiras. A única maneira pela qual uma célula hospedeira pode reconhecer a presença de um vírus é a detecção de um elemento incomum do genoma viral, como o RNA de fita dupla (dsRNA, double-stranded RNA), uma forma intermediária no ciclo de vida de vários vírus. Genomas de vírus de DNA frequentemente contêm uma quantidade significante do dinucleotídeo CpG, que pode ser reconhecido pelo receptor semelhante a Toll TLR9, como discutido anteriormente. Células de mamíferos são particularmente pródigas em reconhecer a presença de dsRNA e mobilizar um programa de resposta intracelular para eliminá-lo. O programa ocorre em duas etapas. Primeiro, a célula degrada o dsRNA em fragmentos pequenos (de cerca de 21 a 25 pares de nucleotídeos em tamanho) usando a enzima Dicer. Os fragmentos de fita dupla se ligam a qualquer RNA fita simples (ssRNA, Single-Stranded RNA) na célula hospedeira que tenha a mesma sequência de qualquer das fitas do fragmento do dsRNA, levando à destruição do ssRNA. O dsRNA que dirige a destruição do ssRNA é a base da técnica do RNA de interferência (RNAi) que os pesquisadores usam para destruir RNAs mensageiros (mRNAs) especificos e desta forma bloquear a expressão gênica específica (discutido no Capítulo 8). Segundo, o dsRNA induz a célula hospedeira a produzir e secretar, duas citocinas – interferon ␣ (IFN␣) e interferon ␤ (IFN␤), que atuam tanto de modo autócrino, sobre a célula infectada, quanto parácrino, sobre as células vizinhas não-infectadas. A ligação das

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moléculas de interferon em seus receptores de superfície celular estimula a transcrição gênica específica através da via de sinalização intracelular Jak/STAT (ver Figura 15-68), levando à produção de mais de 300 produtos gênicos, incluindo um amplo número de citocinas, refletindo assim a complexidade de resposta celular aguda a uma infecção viral. A resposta ao interferon parece ser uma reação geral de uma célula de mamífero a uma infecção viral, e componentes virais além do dsRNA podem engatilhá-la. Adicionalmente aos seus efeitos na transcrição gênica da célula hospedeira, os interferons ativam uma ribonuclease latente, que de maneira inespecífica degrada ssRNA. Eles também indiretamente ativam uma proteína-cinase que fosforila e inativa o fator de iniciação de síntese proteica eIF-2, e dessa maneira inibe a maior parte da síntese proteica da célula que luta contra o vírus. Aparentemente, pela destruição de grande parte de seu RNA e transitoriamente parando a sua síntese proteica, a célula do hospedeiro inibe a replicação viral sem morrer. Porém, se estas medidas falham, as células tomam então medidas in extremis, suicidando-se por apoptose para evitar a replicação viral, frequentemente com ajuda do linfócito killer, como discutiremos a seguir e no Capítulo 25. As células de mamíferos possuem um mecanismo especial de defesa para ajudá-las contra os retrovírus. Estes vírus ativam uma família de proteínas chamadas de APOBEC (denominadas assim por também serem membros do complexo de edição que modifica o mRNA da proteína ApoB, o maior componente proteico da lipoproteína de baixa densidade, LDL). Esta enzima desamina citosinas em DNA complementar (cDNA) viral nascente, convertendo-as a uridina e, dessa forma, gerando um grande número de mutações, o que leva eventualmente ao término da replicação viral. Não é surpresa que muitos vírus adquiriram mecanismos para derrotar ou evitar estes processos intracelulares de defesa. O vírus da influenza codifica uma proteína que bloqueia o reconhecimento do dsRNA pela proteína Dicer. O HIV codifica uma proteína que medeia a ubiquitinilação e a degradação mediada pelo proteossomo do complexo proteico APOBEC. Muitos vírus, incluindo muitos que são capazes de causar doenças em pacientes saudáveis, usam vários mecanismos para bloquear a ativação das vias do interferon. Alguns vírus também inibem a apoptose da célula hospedeira, cujo efeito colateral é o desenvolvimento de câncer; esta é uma maneira que o vírus de Epstein-Barr usa para ocasionalmente causar o linfoma de Burkitt.

As células matadoras naturais induzem as células infectadas por vírus a cometer suicídio Os interferons têm outras maneiras menos diretas de bloquear a replicação viral. Uma delas é aumentar a atividade de células matadoras naturais (células NK, de natural killer) que são parte do sistema imune inato. Como as células T citotóxicas do sistema imune adaptativo (discutido no Capítulo 25), as células NK destroem as células infectadas pelos vírus por indução ao suicídio apoptótico. A maneira pela qual as células T citotóxicas e as células NK distinguem as células infectadas pelos vírus das não-infectadas, no entanto, é diferente. Ambas, as células T citotóxicas e as células NK, reconhecem a mesma classe especial de proteínas de superfície para detectar células do hospedeiro infectadas. As proteínas são chamadas de proteínas MHC de classe I, porque são codificadas por genes no complexo de histocompatibilidade maior; quase todas as células de vertebrados expressam tais genes, e serão discutidos em detalhes no Capítulo 25. As células T citotóxicas reconhecem fragmentos de peptídeos de proteínas virais ligados a estas proteínas do complexo de histocompatibilidade maior na superfície das células infectadas. Ao contrário, as células NK monitoram o nível de proteínas do complexo MHC de classe I na superfície das células hospedeiras. Altos níveis inibem a atividade assassina das células NK e, assim, as células NK seletivamente matam células hospedeiras expressando baixos níveis, que são em sua maioria células infectadas por vírus ou células cancerosas (Figura 24-57). A razão de os níveis das proteínas do MHC I estarem sempre baixos em células infectadas é porque muitos vírus desenvolveram mecanismos para inibir a expressão de tais proteínas na superfície das células que eles infectam, para evitar a detecção por linfócitos T citotóxicos. Adenovírus e HIV, por exemplo, codificam proteínas que bloqueiam a transcrição dos genes MHC de classe I. Os vírus herpes simples e citomegalovírus bloqueiam os

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Célula matadora natural

Célula cancerosa

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Figura 24-57 Uma célula matadora natural (NK) atacando uma célula cancerosa. A célula NK é a célula menor à esquerda. Esta micrografia eletrônica de varredura foi tomada um pouco depois da interação da célula NK, mas antes de ela induzir a célula cancerosa a suicidarse. (Cortesia de J. C. Hiserodt, em Mechanisms of Cytotoxicity by Natural Killer Cells [R. B. Herberman and D. Callewaert, eds.]. New York: Academic Press, 1995.)

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translocadores de peptídeos na membrana do RE que transportam fragmentos de peptídeos derivados do proteossomo de proteínas virais e proteínas da célula hospedeira do citosol para o lúmen do RE; tais peptídeos são requeridos para a montagem das proteínas do MHC de classe I na membrana do RE, para serem transportadas via aparelho de Golgi para a superfície celular como peptídeos do complexo MHC (ver Figura 25-59). Citomegalovírus causa a retrotranslocação das proteínas do complexo MHC I da membrana do RE para o citosol, onde são rapidamente degradadas no proteossomo. Proteínas codificadas por outros vírus da classe infectante previnem a entrega de proteínas do MHC de classe I do RE para o aparelho de Golgi ou do aparelho de Golgi para a membrana plasmática. Pela evasão do reconhecimento por células T citotóxicas desta maneira, no entanto, o vírus se vê frente a frente com o poder raivoso das células NK. A produção local de INF␤ ativa a propriedade assassina das células NK e também aumenta a expressão de proteínas do MHC de classe I em células não-infectadas. As células infectadas com um vírus que bloqueia a expressão das proteínas do MHC de classe I são, dessa forma, expostas como sendo diferentes e se tornam vítimas das células NK ativadas. Assim, é muito difícil para um vírus se esconder simultaneamente das células T citotóxicas e das células NK. Notavelmente, entretanto, alguns vírus grandes de DNA incluindo o citomegalovírus, codificam proteínas semelhantes às do MHC de classe I que são expressas nas superfícies das células hospedeiras que eles infectam. Como as bona fide (pretensas) proteínas do MHC de classe I, estas proteínas fajutas ativam receptores inibidores nas células NK e bloqueiam a atividade letal das células NK. Ambos, células NK e linfócitos T citotóxicos, matam as células-alvo por induzi-las à apoptose antes de os vírus terem a chance de se replicar. Não é surpreendente, então, que muitos vírus tenham desenvolvido mecanismos para inibir a apoptose, particularmente nos estágios iniciais da infecção. Como discutido no Capítulo 18, a apoptose depende de uma cascata proteolítica intracelular que as células citotóxicas podem engatilhar ou pela ativação dos receptores de superfície de morte celular ou pela injeção de uma proteína na célula-alvo (ver Figura 24-47). As proteínas virais podem interferir em quase todos os passos dessas vias.

As células dendríticas suprem a ligação entre as respostas inata e adaptativa do sistema imune As células dendríticas são cruciais no sistema imune inato que é distribuído amplamente nos tecidos e órgãos dos vertebrados. Elas mostram uma enorme quantidade de receptores de padrões de reconhecimento, incluindo as proteínas TLRs e NOD, que capacitam as células a reconhecer e fagocitar patógenos invasores e se tornar ativadas no processo. As células dendríticas clivam as proteínas dos patógenos em fragmentos peptídicos que se ligam então a proteínas do MHC que transportam o fragmento para a superfície celular. As células dendríticas ativadas carregam, agora, os peptídeos derivados do patógeno complexados com proteínas do complexo MHC para um órgão linfoide próximo, como um linfonodo, onde elas ativam células T do sistema imune adaptativo chamando-as para entrarem na batalha contra o invasor específico. Adicionalmente ao complexo das proteínas MHC e dos peptídeos microbianos expostos na sua superfície, as células dendríticas ativadas também expõem uma proteína de superfície coestimuladora que ajuda a ativar as células T. As células dendríticas ativadas também secretam uma variedade de citocinas que influenciam o tipo de resposta que as células T farão, garantindo que ela seja apropriada para combater um patógeno particular. Dessa maneira, as células dendríticas servem como uma ligação crucial entre o sistema imune inato, que propicia uma linha de defesa primária contra os patógenos invasores, e o sistema imune adaptativo, que apesar da lentidão providencia uma maneira mais poderosa e altamente específica de atacar o invasor. A batalha entre os patógenos e as defesas do hospedeiro é notavelmente balanceada. No presente, os humanos parecem estar com uma pequena vantagem pelo uso de medidas de saneamento, vacinas e fármacos para ajudar os esforços dos nossos sistemas imunes inato e adaptativo. No entanto, doenças infecciosas são globalmente a principal causa de morte, e novas epidemias como a AIDS continuarão a emergir. A evolução rápida dos patógenos e a quase infinita variedade de maneiras pelas quais eles invadem o corpo humano e enganam a resposta imune indicam que jamais seremos os vencedores desta batalha.

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No próximo capítulo, consideraremos as estratégias únicas e notáveis que o nosso sistema imune adaptativo desenvolveu para nos defender contra nossos poderosos oponentes. Surpreendentemente, este sistema imune pode montar uma resposta imune patógeno-específica contra patógenos que nunca existiram.

Resumo As barreiras físicas prevenindo infecções, as respostas intrínsecas da célula às infecções e a reposta imune inata providenciam as primeiras linhas de defesa contra patógenos invasores. Todos os organismos multicelulares possuem tais defesas. Nos vertebrados, respostas imunes inatas podem recrutar a específica e mais poderosa resposta imune adaptativa. A resposta imune inata depende da habilidade do corpo de reconhecer características conservadas das moléculas na superfície dos micróbios e das moléculas de RNA de fita dupla de alguns vírus. Muitas destas moléculas microbianas são reconhecidas por receptores de reconhecimento de padrões, incluindo os receptores semelhantes a Toll (TLRs) encontrados em plantas e animais. Nos vertebrados, moléculas de superfície dos micróbios também ativam o complemento, um grupo de proteínas do sangue ativadas em sequência para marcar o micróbio para fagocitose pelos macrófagos ou neutrófilos, que rompem a membrana do micróbio e produzem uma resposta inflamatória. Os fagócitos usam uma combinação de enzimas degradativas, peptídeos antimicrobianos e moléculas de oxigênio reativas para matar os micro-organismos invasores; adicionalmente, eles secretam moléculas sinalizadoras que engatilham uma resposta inflamatória. Células infectadas por vírus produzem interferons, que induzem uma série de respostas celulares, inibem a replicação viral e ativam a atividade assassina das células NK. As células dendríticas do sistema imune inato ingerem micróbios no sítio da infecção e os carregam assim como seus produtos para os linfonodos locais, onde eles ativam células T do sistema imune adaptativo para fazer uma resposta específica contra o micróbio.

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O Sistema Imune Adaptativo O sistema imune adaptativo protege-nos contra a morte causada por infecções. Um recém-nascido com um sistema imune adaptativo com defeito severo morrerá em seguida, a não ser que sejam tomadas medidas drásticas para isolá-lo e evitar o contato com agentes infecciosos, como bactérias, vírus, fungos e parasitas. Todos os organismos multicelulares precisam se defender contra infecções por esses invasores potencialmente perigosos, coletivamente denominados patógenos. Os invertebrados utilizam estratégias de defesa relativamente simples, que consistem principalmente em barreiras de proteção, moléculas tóxicas e células fagocíticas que ingerem e destroem desde micro-organismos invasores (micróbios) a grandes parasitas (como os vermes). Os vertebrados também dependem da resposta imune inata como sua primeira linha de defesa (discutida no Capítulo 24), mas, além disso, podem montar defesas muito mais sofisticadas, denominadas respostas imunes adaptativas. Nos vertebrados, a resposta inata recruta a resposta adaptativa, e ambas atuam em conjunto para eliminar os patógenos (Figura 25-1). Ao contrário das respostas imunes inatas, que são reações de defesa gerais, as respostas adaptativas são altamente específicas a um determinado patógeno particular que as induziu, gerando proteção por longos períodos. Uma pessoa que se recupera do sarampo, por exemplo, fica protegida por toda a vida contra o sarampo por meio do sistema imune adaptativo; contudo, não fica protegida contra outras viroses comuns, como a caxumba e a catapora. Neste capítulo, vamos nos concentrar nas respostas imunes adaptativas e, a não ser que esteja indicado, o termo “respostas imunes” refere-se às respostas adaptativas. A resposta imune adaptativa elimina ou destrói os patógenos invasores e quaisquer moléculas tóxicas que eles produzem. Considerando que essas respostas são destrutivas, é importante que sejam direcionadas somente contra moléculas estranhas ao hospedeiro e não atuem contra as moléculas do próprio organismo. O sistema imune usa múltiplos mecanismos para evitar o dano contra as próprias moléculas. Entretanto, ocasionalmente este mecanismo falha e o sistema se volta contra o hospedeiro, causando as doenças autoimunes, as quais podem ser fatais. Muitas moléculas estranhas que entram no organismo são inofensivas, e não faria sentido montar-se uma resposta imune adaptativa contra elas. As doenças alérgicas, como a febre do feno e a asma alérgica, são exemplos de resposta imune adaptativa deletéria contra moléculas estranhas aparentemente inofensivas. Um indivíduo normalmente evita essas respostas imunes inadequadas porque o sistema imune inato ativa as respostas imunes adaptativas somente quando reconhece padrões conservados de moléculas especificamente expressas por patógenos invasores. O sistema imune inato pode distinguir entre diferentes classes de patógenos e recrutar a forma mais eficaz de resposta imune adaptativa para eliminá-los. Qualquer substância capaz de estimular a resposta imune adaptativa é denominada antígeno (gerador de anticorpo). A maior parte do que sabemos sobre essa resposta é proveniente de estudos em que um pesquisador desafia o sistema imune adaptativo de um animal de laboratório (geralmente um camundongo) a responder contra uma molécula estranha inofensiva, como uma proteína estranha. Isso é feito injetando-se a molécula inofensiva junto com um imunoestimulador (geralmente de origem microbiana), denominado adjuvante, que ativa o sistema imune inato. Este processo é denominado imunização. Se administrada desta maneira, praticamente qualquer macromolécula, desde que seja estranha ao receptor, pode induzir uma resposta imune adaptativa que é específica à macromolécula administrada. Notavelmente, o sistema imune adaptativo pode distinguir entre antígenos que são muito semelhantes – como entre duas proteínas que diferem em um único aminoácido ou

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25 Neste capítulo LINFÓCITOS E AS BASES CELULARES DA IMUNIDADE ADAPTATIVA

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CÉLULAS B E ANTICORPOS

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A GERAÇÃO DA DIVERSIDADE DOS ANTICORPOS

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CÉLULAS T E PROTEÍNAS DO MHC

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CÉLULAS T AUXILIARES E ATIVAÇÃO DE LINFÓCITOS

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Figura 25-1 Respostas imunes inatas e adaptativas. As respostas imunes inatas são ativadas diretamente pelos patógenos e defendem todos os organismos multicelulares contra as infecções. Nos vertebrados, os patógenos, junto com as respostas imunes inatas que eles ativam, estimulam as respostas imunes adaptativas, as quais atuam juntamente com as respostas imunes inatas, auxiliando na defesa contra infecções.

PATÓGENOS

RESPOSTAS IMUNES INATAS

RESPOSTAS IMUNES ADAPTATIVAS

Vírus

Célula hospedeira infectada com vírus Respostas imunes inatas

Resposta do anticorpo Célula B

+

Vírus

Resposta mediada por célula T

entre dois isômeros ópticos da mesma molécula. O sistema imune adaptativo reconhece finos detalhes moleculares das macromoléculas. As respostas imunes adaptativas são realizadas por leucócitos denominados linfócitos. Existem duas grandes classes dessas respostas – respostas mediadas por anticorpos e respostas imunes mediadas por células T, que são mediadas por diferentes classes de linfócitos, denominados de células B e células T, respectivamente. Nas respostas mediadas por anticorpos, as células B são estimuladas a secretar anticorpos, que são proteínas denominadas imunoglobulinas. Os anticorpos circulam na corrente sanguínea e permeiam os outros fluidos corporais, onde se ligam especificamente ao antígeno estranho que estimulou sua produção (Figura 25-2). A ligação do anticorpo inativa vírus e toxinas microbianas (como as toxinas tetânica ou diftérica) bloqueando sua capacidade de se ligar a receptores nas células do hospedeiro. A ligação do anticorpo também marca os patógenos invasores para serem destruídos, principalmente facilitando o processo de fagocitose pelas células do sistema imune inato que irão digeri-los. A resposta imune mediada por células T, a segunda classe das respostas imunes adaptativas, ativa células T a reagirem diretamente contra antígenos estranhos que são apresentados a elas na superfície de uma célula hospedeira, a qual é referida como célula apresentadora de antígeno. A célula T, por exemplo, pode matar uma célula hospedeira infectada por vírus que apresente antígenos virais em sua superfície, eliminando a célula infectada antes que o vírus tenha a chance de se replicar (ver Figura 25-2). Em outros casos, a célula T produz moléculas sinalizadoras que tanto ativam macrófagos a destruir os micróbios invasores que fagocitaram quanto auxiliam na ativação das células B para produzirem anticorpos contra os micróbios. Iniciaremos este capítulo com a discussão das propriedades gerais dos linfócitos. Consideraremos as características funcionais e estruturais que permitem aos anticorpos reconhecer e neutralizar os micróbios extracelulares e as toxinas por eles produzidas. A seguir, discutiremos como as células B podem produzir um número praticamente ilimitado de moléculas de anticorpos diferentes. Finalmente, abordaremos as características especiais das células T e as respostas imunes por elas mediadas.

Célula T

LINFÓCITOS E AS BASES CELULARES DA IMUNIDADE ADAPTATIVA Anticorpo Célula morta infectada por vírus

Figura 25-2 Os dois principais tipos de respostas imunes adaptativas. Os linfócitos participam dos dois tipos de resposta. Aqui, eles encontram-se respondendo a uma infecção viral. Em um dos tipos de resposta adaptativa, as células B secretam anticorpos que neutralizam os vírus. No outro tipo, uma resposta mediada por células T, as células T matam as células infectadas por vírus. Nos dois casos, a resposta imune inata auxilia na ativação das respostas imunes adaptativas por vias aqui não apresentadas.

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Os linfócitos são responsáveis pela extraordinária especificidade das respostas imunes adaptativas. Eles estão presentes em grande número na corrente sanguínea e na linfa (o fluido incolor presente nos vasos linfáticos que conectam os linfonodos do organismo uns com os outros e com a corrente sanguínea). Eles também estão concentrados nos órgãos linfoides, como o timo, os linfonodos (também conhecidos como glândulas linfoides), o baço e o apêndice (Figura 25-3). Nesta seção, discutiremos as propriedades gerais dos linfócitos, que podem ser aplicadas tanto às células B, quanto às T.

Os linfócitos são necessários à imunidade adaptativa Existem cerca de 2 ⫻ 1012 linfócitos no corpo humano, o que torna sua massa celular comparável à do fígado ou à do cérebro. Apesar de sua abundância, sua principal função na imunidade adaptativa não havia sido demonstrada até o final da década de 1950. Experimentos cruciais foram realizados em camundongos e em ratos que foram submetidos a altas doses de radiação para matar a maioria de seus leucócitos, incluindo os linfócitos. Este tratamento incapacita os animais de promover respostas imunes adaptativas. Assim, pela transferência de vários tipos de células para os animais, foi possível definir quais células tinham a capaci-

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Adenoides Tonsilas palatinas

Vasos linfáticos

Timo

Linfonodos

Placas de Peyer no intestino delgado

Baço

Apêndice

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Figura 25-3 Órgãos linfoides humanos. Os linfócitos se desenvolvem no timo e na medula óssea (amarelo) e por isso são chamados de órgãos linfoides centrais (ou primários). Os linfócitos recém-formados migram dos órgãos linfoides primários para os órgãos linfoides periféricos (ou secundários), onde podem reagir com os antígenos estranhos. Somente alguns dos órgãos linfoides periféricos (azul) e vasos linfáticos (verde) estão representados; vários linfócitos, por exemplo, são encontrados na pele e no trato respiratório. Conforme será discutido posteriormente, os vasos linfáticos desembocam na corrente sanguínea (não-representado).

Medula óssea

dade de reverter aquela deficiência. Somente os linfócitos restauraram as respostas imunes adaptativas nos animais irradiados, indicando que são necessários para essas respostas (Figura 25-4).

Os sistemas imunes inato e adaptativo atuam conjuntamente Conforme mencionado anteriormente, os linfócitos respondem a antígenos estranhos somente quando o sistema imune inato é ativado anteriormente. Conforme discutido no Capítulo 24, a rapidez das respostas imunes inatas a uma infecção depende dos receptores de reconhecimento de padrões feitos pelas células do sistema imune inato. Estes recepto-

Antígeno

Antígeno RESPOSTAS IMUNES ADAPTATIVAS NORMAIS

Animal normal Irradiação

Antígeno

Antígeno AUSÊNCIA DE RESPOSTA IMUNE ADAPTATIVA Animal irradiado

CONTROLE

Animal irradiado transferência de linfócitos de um animal normal

RESPOSTAS IMUNES ADAPTATIVAS RESTAURADAS

Animal irradiado transferência de outras células de um animal normal

AUSÊNCIA DE RESPOSTAS ADAPTATIVAS IMUNES

EXPERIMENTO

Figura 24-4 Um experimento clássico demonstrou que os linfócitos são necessários para as respostas imunes adaptativas contra antígenos estranhos. Um requisito fundamental para todos os experimentos de transferência de células é que elas sejam transferidas entre animais de uma mesma linhagem homozigota. Os membros de uma mesma linhagem homozigota são geneticamente idênticos. Se os linfócitos são transferidos para animais geneticamente diferentes que tenham sido irradiados, estes reagem contra os antígenos “estranhos” do hospedeiro e podem matar o animal. No experimento demonstrado, a injeção de linfócitos restaura tanto as respostas imunes adaptativas mediadas por anticorpos quanto as mediadas por células T, indicando que os linfócitos são necessários para ambos os tipos de respostas.

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Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter

AS CÉLULAS T ATIVADAS MIGRAM PARA O LOCAL DE INFECÇÃO PARA AUXILIAR NA ELIMINAÇÃO DOS MICRÓBIOS RESIDUAIS

Pele

Célula dentrítica ativada

Remanescentes dos micróbios no fagolisossomo

Célula T ativada

Micróbios

Proteína coestimuladora

Célula dendrítica

Antígeno microbiano

OS MICRÓBIOS PENETRAM ATRAVÉS DA PELE LESIONADA E SÃO FAGOCITADOS POR CÉLULAS DENDRÍTICAS

A CÉLULA DENTRÍTICA ATIVADA TRANSPORTA OS ANTÍGENOS MICROBIANOS PARA UM LINFONODO LOCAL

RESPOSTA IMUNE INATA

Figura 25-5 Uma maneira pela qual o sistema imune inato auxilia a ativação do sistema imune adaptativo. As células dendríticas internalizam microorganismos invasores ou seus produtos no local de infecção. Os PAMPs microbianos ativam as células a expressar proteínas coestimuladoras em sua superfície e migrar para os linfonodos vizinhos através dos vasos linfáticos. Nos linfonodos, as células dendríticas ativadas ativam uma pequena fração de células T que expressam o receptor para o antígeno microbiano apresentado na superfície da célula dendrítica. Essas células T proliferam e algumas migram para o sítio de infecção, onde auxiliam a eliminar os micróbios, seja pela ativação de macrófagos ou matando as células infectadas (não-apresentado).

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Linfonodo CÉLULAS DENDRÍTICAS ATIVADAS ATIVAM CÉLULAS T PARA RESPONDER AOS ANTÍGENOS MICROBIANOS NA SUPERFÍCIE DA CÉLULA DENDRÍTICA

RESPOSTA IMUNE ADAPTATIVA

res reconhecem moléculas associadas a micróbios que não estão presentes no organismo hospedeiro, denominadas imunoestimuladores associados aos patógenos. Devido ao fato de ocorrerem em padrões repetidos, são também conhecidas como padrões moleculares associados aos patógenos (PAMPs, pathogen-associated molecular patterns). Os PAMPs incluem padrões repetidos de estruturas moleculares dos ácidos nucleicos, dos lipídeos, dos polissacarídeos e das proteínas microbianas. Alguns dos receptores de reconhecimento de padrões estão presentes na superfície das células fagocíticas profissionais (fagócitos), como os macrófagos e os neutrófilos, onde medeiam a captura dos patógenos, que são então levados aos lisossomos para serem destruídos. Outros são secretados e ligam-se à superfície dos patógenos, marcando-os para a destruição mediada por fagócitos ou um sistema de proteínas sanguíneas coletivamente denominadas sistema do complemento (discutido no Capítulo 24). Outros, ainda, incluindo os receptores semelhantes a Toll (TLRs, Toll-like receptors), discutido no Capítulo 24, ativam as vias de sinalização intracelular que levam à secreção de moléculas sinalizadoras extracelulares que promovem a inflamação e auxiliam na ativação das respostas imunes adaptativas. Algumas células do sistema imune inato que respondem aos PAMPs e ativam a resposta imune adaptativa mais eficientemente são as células dendríticas. Presentes na maioria dos tecidos, as células dendríticas expressam altos níveis de TLRs e outros receptores de reconhecimento de padrões e atuam apresentando antígenos microbianos às células T nos órgãos linfoides periféricos. Na maioria dos casos, elas reconhecem e fagocitam micro-organismos invasores ou seus produtos ou fragmentos de células infectadas no local de infecção e migram com sua presa para o órgão linfoide periférico mais próximo. Em outros casos, elas capturam diretamente os micróbios ou seus produtos nos órgãos linfoides periféricos como o baço. Nas duas situações, os PAMPs microbianos ativam as células dendríticas que, por sua vez, podem ativar diretamente as células T dos órgãos linfoides periféricos a responder contra os antígenos microbianos apresentados na superfície das células dendríticas. Uma vez ativadas, algumas células T migram para o local de infecção, onde irão auxiliar as células fagocíticas a destruir os micro-organismos (Figura 25-5). Outras células T ativadas permanecem no órgão linfoide, onde auxiliam a manter as células dendríticas ativas, auxiliam na ativação de outras células T e na ativação de células B para a produção de anticorpos contra os antígenos microbianos. Assim, as respostas imunes inatas são ativadas principalmente nos locais de infecção, enquanto as respostas imunes adaptativas são ativadas, principalmente, nos órgãos linfoides periféricos como os linfonodos e o baço. Os dois tipos de resposta atuam conjuntamente para eliminar patógenos invasores e macromoléculas estranhas.

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Biologia Molecular da Célula

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Os linfócitos B desenvolvem-se na medula óssea; os linfócitos T desenvolvem-se no timo Os nomes das células T e das células B derivam dos órgãos nos quais se desenvolvem. As células T desenvolvem-se no timo, e as células B, nos mamíferos, desenvolvem-se na medula óssea (bone marrow), nos adultos, ou no fígado, nos estágios fetais. Acredita-se que tanto as células T quanto as células B desenvolvam-se de uma mesma célula progenitora linfoide comum. A própria célula progenitora linfoide comum deriva de células-tronco hemopoiéticas multipotentes, que dão origem a todas as células sanguíneas, incluindo eritrócitos, leucócitos e plaquetas. Essas células-tronco (discutidas no Capítulo 23) estão localizadas inicialmente nos tecidos hemopoiéticos – principalmente no fígado fetal e na medula óssea, nos adultos. As células T desenvolvem-se no timo, a partir de células progenitoras linfoides comuns, que migram para o timo a partir dos tecidos hemopoiéticos através da corrente sanguínea. Na maioria dos mamíferos, incluindo humanos e camundongos, as células B desenvolvem-se de células progenitoras linfoides nos próprios tecidos hemopoiéticos (Figura 25-6). Considerando que essas são áreas onde os linfócitos se desenvolvem a partir de células precursoras, o timo e os tecidos hemopoiéticos são denominados órgãos linfoides centrais (primários) (ver Figura 25-3). Conforme discutiremos mais adiante, em sua maioria os linfócitos morrem nos órgãos linfoides centrais logo após o seu desenvolvimento, sem nunca terem atuado. Outros, no entanto, maturam e migram através do sangue para os órgãos linfoides periféricos (secundários), principalmente para os linfonodos, o baço e o tecido linfoide associado ao epitélio do trato gastrintestinal, trato respiratório e pele (ver Figura 25-3). É nos órgãos linfoides periféricos que os antígenos estranhos ativam as células T e B (ver Figura 25-6). As células B e T podem ser distinguidas morfologicamente uma da outra somente após terem sido ativadas pelo antígeno. As células T e B não-ativadas são muito similares, mesmo quando analisadas por microscopia eletrônica. Ambas são pequenas, um pouco maiores do que os eritrócitos, e contêm pouco citoplasma (Figura 25-7A). Após ativação pelo antígeno, proliferam e maturam em células efetoras. As células B efetoras secretam anticorpos. Na sua forma mais diferenciada, quando são denominadas células plasmáticas, ou plasmócitos, elas são preenchidas com um extenso retículo endoplasmático que está ativamente produzindo anticorpos (Figura 25-7B). Contrariamente, as células T efetoras (Figura 25-7C) contêm um retículo endoplasmático pouco desenvolvido e não secretam anticorpos; ao invés disso, elas secretam uma variedade de proteínas sinalizadoras denominadas citocinas, as quais atuam como mediadoras. Existem três classes principais de células T – as células T citotóxicas, as células T auxiliares e as células T reguladoras (supressoras). As células T citotóxicas matam as células infectadas. As células T auxiliares ativam os macrófagos, as células dendríticas, as células B e as células T citotóxicas através da secreção de uma variedade de citocinas e por meio da

Tecido hematopoiético

Órgãos linfoides periféricos

Timo

Célula linfoide progenitora comum

Célula T Timócitos

Células-tronco hemopoiéticas

RESPOSTA IMUNE MEDIADA POR CÉLULA T

Antígeno RESPOSTA DE ANTICORPOS

Célula linfoide progenitora comum Célula B em desenvolvimento

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Célula B

Figura 25-6 O desenvolvimento e a ativação de células T e B. Os órgãos linfoides centrais, onde os linfócitos desenvolvem-se a partir das células progenitoras linfoides, estão destacados em amarelo. As células progenitoras linfoides comuns se desenvolvem a partir das células-tronco hemopoiéticas multipotentes na medula óssea. Algumas células progenitoras linfoides comuns desenvolvem-se localmente na medula óssea em células B imaturas, enquanto outras migram, através da circulação sanguínea, para o timo, onde se desenvolvem em timócitos (células T em desenvolvimento). As células T e B são ativadas por antígenos estranhos principalmente nos órgãos linfoides periféricos, como os linfonodos e o baço.

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(A) Célula T ou B em repouso

1 ␮m

(C) Célula T efetora

(B) Célula B efetora (plasmócito)

Figura 25-7 Micrografia eletrônica de linfócitos efetores e em repouso. (A) Um linfócito em repouso, que pode ser tanto uma célula T como uma célula B, uma vez que a distinção morfológica dessas células é muito difícil de ser realizada até que sejam ativadas e tornem-se células efetoras. (B) Uma célula B efetora (um plasmócito). Esta célula apresenta extenso retículo endoplasmático (RE) rugoso, que se encontra preenchido por moléculas de anticorpo. (C) Uma célula T efetora, que possui relativamente pouco RE rugoso, mas apresenta vários ribossomos livres. Repare que as três células são mostradas com o mesmo aumento. (A, cortesia de Dorothy Zucker-Franklin; B, cortesia de Carlo Grossi; A e B, de D. Zucker-Franklin et al., Atlas of Blood Cells: Function and Pathology, 2nd ed. Milan, Italy: Ed. Ermes, 1988; C, cortesia de Stefanello de Petris.)

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1 ␮m

1 ␮m

apresentação de uma variedade de proteínas coestimuladoras em sua superfície. Acredita-se que as células T reguladoras usem estratégias similares para inibir a função das células T auxiliares, das células T citotóxicas e das células dendríticas. Assim, enquanto as células B podem atuar a distância por meio da secreção de anticorpos que são amplamente distribuídos pela corrente sanguínea, as células T podem migrar para sítios distantes, mas, quando ali chegam, podem agir apenas localmente sobre as células vizinhas.

O sistema imune adaptativo atua por meio da seleção clonal A característica mais marcante do sistema imune adaptativo é a capacidade de responder a milhões de antígenos estranhos diferentes de uma maneira altamente específica. As células B humanas, por exemplo, podem produzir mais de 1012 anticorpos diferentes que reagem especificamente com o antígeno que induziu a sua produção. Como as células B produzem tal diversidade de anticorpos específicos? A resposta para essa questão começou a surgir na década de 1950, com a formulação da teoria da seleção clonal. De acordo com essa teoria, inicialmente um animal gera, de forma aleatória, uma vasta diversidade de linfócitos e seleciona para ativação somente aqueles que podem reagir contra os antígenos estranhos encontrados pelo animal. Como cada linfócito desenvolve-se em um órgão linfoide central, este se torna comprometido a reagir com um determinado antígeno antes mesmo de ser exposto a ele. A expressão desse comprometimento ocorre na forma de proteínas receptoras de superfície celular que se ligam especificamente ao antígeno. Quando um linfócito encontra seu antígeno específico em um órgão linfoide periférico, a ligação do antígeno ao receptor ativa o linfócito, induzindo-o a proliferar, produzindo mais células com o mesmo receptor, processo denominado expansão clonal (as células derivadas de um ancestral comum são denominadas clone). O encontro com o antígeno também faz com que as células se diferenciem em células efetoras. Portanto, um antígeno estimula seletivamente aquelas células que expressam receptores complementares específicos para o antígeno e que estão previamente comprometidas a responder a ele (Figura 25-8). Essa combinação é que torna as respostas imunes adaptativas específicas ao antígeno. Fortes evidências sustentam a principal teoria da seleção clonal. Contudo, como o sistema imune adaptativo produz linfócitos que coletivamente apresentam tamanha diversidade de receptores, incluindo aqueles que reconhecem moléculas sintéticas que nunca haviam sido encontradas na natureza? Veremos mais adiante que, no homem, os receptores antígeno-específicos tanto das células B quanto das células T são codificados por genes que são reunidos a partir de uma série de segmentos gênicos por uma forma especial de recombinação genética que ocorre inicialmente no desenvolvimento dos linfócitos, antes que tenham tido contato com o antígeno. Este processo de rearranjo gera uma enorme diversidade de receptores e de linfócitos, possibilitando que o sistema imune responda a praticamente uma infinidade de antígenos.

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Biologia Molecular da Célula

Célula precursora PROLIFERAÇÃO E DIVERSIFICAÇÃO NA MEDULA ÓSSEA Diferentes células B não-ativadas

B␤

B␣

B␥

LIGAÇÃO DO ANTÍGENO A UMA CÉLULA B ESPECÍFICA (B␤) NO ÓRGÃO LINFOIDE PERIFÉRICO

Antígeno B␤

PROLIFERAÇÃO (EXPANSÃO CLONAL) E DIFERENCIAÇÃO DAS CÉLULAS B␤

Células B␤ efetoras secretoras de anticorpos

B␤

B␤

B␤

B␤

Anticorpos secretados

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Figura 25-8 A teoria da seleção clonal. Um antígeno ativa somente aqueles linfócitos que já se encontram comprometidos a responder a eles. Uma célula comprometida a responder a um determinado antígeno apresenta receptores de superfície celular que reconhecem especificamente o antígeno. Acredita-se que o sistema imune humano tenha milhões de clones de linfócitos diferentes, com as células de um mesmo clone expressando o mesmo receptor. Antes de encontrar-se com um antígeno pela primeira vez, um clone contém, normalmente, somente um ou um pequeno número de células. Um mesmo antígeno em particular pode ativar centenas de clones diferentes. Embora somente as células B estejam representadas aqui, as células T atuam de forma similar. Note que os receptores nas células B são moléculas de anticorpos, e aqueles representados por “B␤" neste diagrama se ligam ao mesmo antígeno que os anticorpos secretados pelas células efetoras "B␤".

A maioria dos antígenos ativa vários clones de linfócitos diferentes A maioria das moléculas grandes, incluindo praticamente todas as proteínas e muitos polissacarídeos, podem atuar como antígenos. As regiões do antígeno que se ligam com o sítio de ligação do antígeno em uma molécula de anticorpo ou em um receptor de linfócito são denominadas determinantes antigênicos (ou epítopos). A maioria dos antígenos tem uma grande variedade de determinantes antigênicos que podem estimular a produção de anticorpos, de respostas T específicas, ou de ambos. Alguns determinantes de um antígeno produzem respostas mais intensas que outros, assim a reação contra eles pode ser predominante quando analisamos a resposta como um todo. Estes determinantes são ditos imunodominantes. Qualquer determinante antigênico é passível de ativar muitos clones de linfócitos, cada um dos quais produz uma molécula com um sítio de ligação ao antígeno com características próprias de afinidade para o determinante. Até mesmo uma estrutura relativamente simples, como o grupo de dinitrofenil (DNP) na Figura 25-9, pode ser “vista” de várias maneiras. Quando está acoplado a uma proteína, conforme representado na figura, ele geralmente estimula a produção de centenas de espécies de anticorpos anti-DNP, cada um produzido por um clone de célula B diferente. Este tipo de resposta é dita policlonal. Quando somente alguns clones são ativados, a resposta é dita oligoclonal, e quando a resposta envolve somente um único clone de células B ou T, é dita monoclonal. Os anticorpos monoclonais são amplamente utilizados como ferramentas em biologia e em medicina, mas precisam ser produzidos de uma maneira especial (ver Figura 8-8), uma vez que as respostas à maioria dos antígenos é do tipo policlonal.

A memória imunológica é decorrente tanto da expansão clonal quanto da diferenciação de linfócitos O sistema imune adaptativo, assim como o sistema nervoso, pode lembrar-se de experiências anteriores. Este é o motivo pelo qual desenvolvemos imunidade por toda a vida contra várias doenças infecciosas comuns após o nosso primeiro contato com o patógeno e é a razão da eficiência dos programas de vacinação. O mesmo fenômeno pode ser demonstrado

O C

H C CH2 CH2 CH2 CH2 NH N H

Figura 25-9 O grupo dinitrofenil (DNP). Apesar de este grupo ser extremamente pequeno para poder induzir uma resposta imune por si só, quando se encontra acoplado covalentemente a uma cadeia lateral de lisina em uma proteína, conforme ilustrado, o DNP estimula a produção de centenas de diferentes tipos de anticorpos, que se ligam especificamente a ele.

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Aminoácido lisina

NO2 NO2 Grupo dinitrofenol (DNP)

Esqueleto polipeptídico de uma proteína

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Figura 25-10 Respostas primária e secundária de anticorpos. A resposta secundária, induzida pelo segundo contato com o antígeno A, é mais rápida e mais intensa do que a resposta primária, sendo específica para o antígeno A, o que indica que o sistema imune adaptativo tem uma memória especial desencadeada pelo contato anterior com o antígeno A. O mesmo tipo de memória imune pode ser observada nas respostas mediadas por células T. Como discutiremos mais tarde, os tipos de anticorpos produzidos na resposta secundária são diferentes daqueles produzidos na resposta primária, e esses anticorpos se ligam ao antígeno mais fortemente.

Célula virgem Primeira exposição ao antígeno

Células de memória

Células efetoras

Segunda exposição ao antígeno

100 Anticorpos séricos anti-A (unidades arbitrárias, escala logarítimica)

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10 Resposta primária para o antígeno A

Resposta secundária para o antígeno A

Resposta primária para o antígeno B

1

0

10

Primeira injeção do antígeno A

20

30

40

50

60 Tempo (dias)

Segunda injeção do antígeno A primeira injeção do antígeno B

em animais experimentais. Se um animal for imunizado uma única vez com um antígeno A, após alguns dias pode-se detectar uma resposta imune (mediada por anticorpos, mediada por células T, ou ambas); ela aumenta rápida e exponencialmente e, após, decresce gradualmente. Este é o perfil característico da resposta imune primária, que ocorre caracteristicamente em um animal que tenha tido o primeiro contato com o antígeno. Se, algumas semanas ou meses após este evento, ou mesmo com um intervalo de anos, o mesmo animal for reinjetado com o antígeno A, ele geralmente produzirá uma resposta imune secundária, que difere da resposta imune primária, onde o intervalo é menor, e a resposta é mais intensa e eficiente. Essas diferenças indicam que o animal “lembra-se” do primeiro contato com o antígeno A. Se um animal entra em contato com outro antígeno (p. ex., um antígeno B), mesmo depois da segunda injeção do antígeno A, o perfil da resposta imune decorrente é tipicamente de resposta primária e não secundária. A resposta secundária deve, portanto, refletir a memória imunológica antígeno-específica para o antígeno A (Figura 25-10). A teoria da seleção clonal estabelece um conceito de interação em rede que auxilia no entendimento das bases celulares da memória imunológica. Em um animal adulto, os órgãos linfoides periféricos contém uma mistura de linfócitos que se encontram em pelo menos três estágios de maturação: células virgens, células efetoras e células de memória. Quando as células virgens encontram o antígeno pela primeira vez, algumas delas são estimuladas a proliferar e diferenciar-se em células efetoras, que são então as células que produzem uma resposta imune (as células B efetoras secretam anticorpos, enquanto as células T efetoras matam as células infectadas ou influenciam a resposta de outras células). Algumas células virgens estimuladas pelo antígeno proliferam e se diferenciam em células de memória, as quais não estão envolvidas diretamente com a resposta imune, mas que são mais fácil e rapidamente induzidas a se tornarem células efetoras pelo contato posterior com o mesmo antígeno. Quando elas encontram o antígeno, as células de memória (como as células virgens) podem originar tanto células efetoras como outras células de memória (Figura 25-11). Assim, a resposta imune primária gera memória imunológica devido à expansão clonal, onde a proliferação das células virgens estimuladas pelos antígenos gera várias células de memória, em parte porque as células de memória são capazes de responder de forma mais sensível ao mesmo antígeno do que as células virgens. Além disso, ao contrário da maioria das células efetoras, que morrem dentro de dias ou de semanas, as células de memória podem viver por toda a vida do animal, mesmo na ausência de seus antígenos específicos, fornecendo uma memória imunológica para toda a vida. Como discutiremos mais adiante, as células B de memória produzem anticorpos de diferentes classes e de maior afinidade para o antígeno do que aquelas produzidas pelas célu-

Células de memória

células efetoras

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Figura 25-11 Um modelo para as bases celulares da memória imunológica. Quando os linfócitos virgens são estimulados pelos seus antígenos específicos, eles proliferam e diferenciam-se. A maioria transforma-se em células efetoras, que atuam e morrem, enquanto outros se tornam células de memória. Durante as exposições subsequentes ao mesmo antígeno, as células de memória respondem mais pronta e rapidamente do que as células virgens: elas proliferam e geram células efetoras e mais células de memória. No caso das células T, as células de memória também podem desenvolver-se a partir de células efetoras (não-apresentado).

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las B virgens. Esta é a principal razão pela qual as respostas secundárias de anticorpos são mais eficazes na eliminação dos patógenos do que as respostas primárias. Embora a maioria das células T e B efetoras morra após o final da resposta imune, algumas células efetoras sobrevivem e auxiliam na proteção duradoura contra o patógeno. Uma pequena proporção de células plasmáticas produzidas na resposta de células B primária, por exemplo, pode sobreviver por muitos meses na medula óssea, onde continuam a secretar anticorpos específicos para a corrente sanguínea.

A tolerância imunológica garante que os antígenos próprios não sejam atacados Conforme discutido no Capítulo 24, as células do sistema imune inato usam os receptores de reconhecimento de padrões para distinguir os patógenos das moléculas normais do hospedeiro. O sistema imune adaptativo requer um sistema de reconhecimento muito mais sofisticado: ele precisa ser capaz de responder de forma específica a praticamente um número ilimitado de macromoléculas estranhas, e evitar a resposta a um grande número de moléculas produzidas pelo próprio organismo. Como isto é possível? Pode-se dizer que as moléculas próprias não induzem as reações imunes inatas necessárias para ativar as respostas imunes adaptativas. No entanto, mesmo quando uma infecção ou um dano ao tecido estimula uma reação inata, um grande número de moléculas próprias presentes normalmente não induzem uma resposta imune adaptativa. Por que não? Uma resposta a esta questão é que o sistema imune adaptativo “aprende” a não reagir contra os antígenos próprios. Experimentos com transplantes proporcionaram inúmeras evidências para este processo de aprendizagem. Quando os tecidos são transplantados de um indivíduo para outro (e estes indivíduos não são gêmeos idênticos), o sistema imune do receptor geralmente reconhece as células do doador como estranhas e as destrói. (Por motivos que serão discutidos posteriormente, os antígenos estranhos das células do doador são tão poderosos que podem estimular uma resposta imune adaptativa extremamente intensa mesmo na ausência de agente infeccioso, dano ou adjuvante.) Se, no entanto, as células de uma linhagem de camundongos são introduzidas em um camundongo neonato de outra linhagem, algumas delas sobreviverão por toda a vida do animal receptor, e este animal receptor agora irá aceitar um enxerto do doador original, mesmo que rejeite um enxerto de um terceiro doador. Aparentemente, os antígenos não-próprios podem, em algumas circunstâncias, fazer com que o sistema imune torne-se especificamente não-responsivo a eles. Esta não-responsividade específica para alguns antígenos estranhos é conhecida como tolerância imunológica adquirida (Figura 25-12). A não-responsividade do sistema imune adaptativo de um animal a suas próprias macromoléculas (tolerância imunológica natural, ou autotolerância) é adquirida da mesma forma. Um camundongo normal, por exemplo, não produz resposta imune contra um de seus próprios componentes proteicos do sistema do complemento denominado C5 (discutido no Capítulo 24). No entanto, um camundongo mutante que perdeu a sequência gênica que codifica para o C5 (mas que ainda assim é geneticamente idêntico ao camundongo normal) pode produzir uma forte resposta imune a esta proteína sérica, quando imunizado com ela. Igualmente, seres humanos que não possuem o gene normal que codifica para uma

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Figura 25-12 Tolerância imunológica adquirida. O enxerto de pele aqui apresentado foi transplantado de um camundongo adulto marrom para um camundongo adulto branco. Este enxerto sobreviveu por várias semanas somente porque o camundongo branco, no período de seu nascimento, recebeu uma injeção de células da medula óssea do camundongo marrom, e assim tornou-se imunologicamente tolerante. Algumas das células da medula óssea do camundongo marrom (e de sua progênie) persistiram no camundongo adulto branco e continuaram a induzir tolerância nos linfócitos recém-formados que, de outro modo, reagiriam contra a pele marrom. (Cortesia de Leslie Brent, de I. Roitt, Essential Immunology, 6th ed. Oxford, UK: Blackwell Scientific, 1988.)

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Linfócitos com especificidade alterada 1

EDITORAÇÃO DE RECEPTORES Antígenos próprios 2 Linfócitos imaturos

DELEÇÃO CLONAL

1

1

1

1 Antígeno estranho Sinal coestimulatório Antígeno estranho

Linfócitos virgens maduros Linfócito morto 3

3

3

Linfócitos efetores ou de memória

3 DELEÇÃO CLONAL

4

Linfócitos efetores ou de memória

Linfócito morto

4 Antígeno próprio

INATIVAÇÃO CLONAL SUPRESSÃO CLONAL

Órgãos linfoides centrais

4

Linfócito inativado

5

Linfócito suprimido Célula T reguladora

Órgãos linfoides periféricos

Figura 25-13 Mecanismo de indução de tolerância imunológica aos antígenos próprios. Quando linfócitos imaturos autorreativos ligam-se a seus próprios antígenos nos órgãos linfoides centrais, onde a célula é produzida, isso pode induzir uma alteração no seu receptor de antígeno de modo que ele não seja mais autorreativo (célula 1). Esse processo é denominado editoração do receptor e parece ocorrer principalmente nas células B em desenvolvimento. Alternativamente, a célula pode morrer por apoptose, processo este denominado deleção clonal (célula 2). Como essas duas formas de tolerância (apresentadas à esquerda) ocorrem nos órgãos linfoides centrais, são denominadas tolerância central. Quando um linfócito virgem autorreativo escapa da indução de tolerância nos órgãos linfóides centrais e liga-se aos seus antígenos próprios nos órgãos linfoides periféricos (célula 4), ele normalmente não será ativado, porque a sinalização geralmente ocorre sem o sinal coestimulador adequado, e a célula morre por apoptose (frequentemente após um período de proliferação), ou será inativada, ou subsequentemente suprimida por células T reguladoras (se o linfócito autorreativo for uma célula T efetora). Estas formas de tolerância, apresentadas à direita, são denominadas tolerância periférica.

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proteína de coagulação, Fator VIII (e que, portanto, sangram excessivamente) produzem anticorpos contra a proteína quando administrada para o controle do sangramento. A tolerância imunológica natural para uma determinada molécula própria mantém-se apenas enquanto a molécula continuar presente no corpo. Se uma proteína própria, como o C5, é removida experimentalmente de um animal adulto, o camundongo adquire a capacidade de responder a ela depois de algumas semanas ou meses. Assim, o sistema imune é geneticamente capaz de responder a moléculas próprias, mas aprende a não fazê-lo. A autotolerância depende de vários mecanismos distintos: 1. No editoramento do receptor, os linfócitos em desenvolvimento que reconhecem as moléculas próprias (linfócitos autorreativos) mudam seus receptores de antígeno de modo que não reconheçam mais os autoantígenos. 2. Na deleção clonal, os linfócitos autorreativos morrem por apoptose quando se ligam aos autoantígenos. 3. Na inativação clonal (também denominada anergia clonal), os linfócitos autorreativos tornam-se funcionalmente inativados quando encontram os autoantígenos. 4. Na supressão clonal, as células T reguladoras eliminam a atividade dos linfócitos autorreativos. Alguns desses mecanismos, especialmente os dois primeiros, editoramento do receptor e deleção clonal, atuam nos órgãos linfoides centrais quando os linfócitos autorreativos recém-formados encontram pela primeira vez seus autoantígenos, sendo responsáveis pelo processo de tolerância central. A inativação clonal e a supressão clonal, ao contrário, atuam principalmente quando os linfócitos encontram seus autoantígenos nos órgãos linfoides periféricos, sendo, então, responsáveis pelo processo de tolerância periférica. A deleção clonal e a inativação clonal, entretanto, atuam tanto na periferia quanto nos órgãos centrais (Figura 25-13). Por que a ligação a um antígeno próprio leva à tolerância em vez de ativação? A resposta ainda não é completamente conhecida. Conforme será discutido posteriormente, para um linfócito ser ativado nos órgãos linfoides periféricos, ele precisa não só ligar-se ao seu antígeno, mas também receber sinais coestimuladores ligados à membrana e secretados (os sinais secretados são várias citocinas). Estes dois sinais são produzidos pelas células T auxiliares, no caso de um linfócito B, e por uma célula dendrítica ativada, no caso de um linfócito T. Como a produção desses sinais depende da exposição a um patógeno, um linfócito autorreativo normalmente encontra seu antígeno na ausência de tais sinais. Sob essas condições, uma célula B interagindo com o seu antígeno ou uma célula T interagindo com seu antígeno na superfície de uma célula dendrítica não-ativada não falhará na sua ativação e, frequentemente, irá tornar-se tolerante, sendo morta, inativada ou ativamente suprimida por uma célula T reguladora (ver Figura 25-13). Como discutiremos posteriormente, nos ór-

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gãos linfoides periféricos, a ativação ou a tolerância de uma célula T ocorre, normalmente, na superfície de uma célula dendrítica. Algumas vezes os mecanismos de tolerância falham, fazendo com que as células T ou B (ou ambas) reajam contra os antígenos tissulares do próprio organismo. A miastenia grave é um exemplo de tal doença autoimune. Os indivíduos afetados produzem anticorpos contra os receptores de acetilcolina de suas células musculoesqueléticas. Esses anticorpos interferem com o funcionamento normal desses receptores e, assim, o paciente torna-se fraco e pode morrer por não poder respirar. Igualmente, no diabete juvenil (tipo I), reações autoimunes contra as células secretoras de insulina do pâncreas matam essas células, levando a uma deficiência severa de insulina. Os mecanismos responsáveis pela quebra de tolerância aos antígenos próprios nas doenças autoimunes são desconhecidos. Existem evidências, no entanto, de que a ativação do sistema imune inato por infecções ou danos ao tecido pode auxiliar na estimulação de determinadas respostas contra o próprio em indivíduos com defeitos em seus mecanismos de autotolerância, levando à autoimunidade.

Os linfócitos circulam continuamente através dos órgãos linfoides periféricos Os patógenos geralmente entram no organismo através das superfícies epiteliais, na maioria das vezes através da pele, do intestino ou do trato respiratório. Para induzir uma resposta imune adaptativa, os antígenos microbianos devem migrar dessas regiões até os órgãos linfoides periféricos como os linfonodos ou o baço, onde os linfócitos são ativados (ver Figura 25-5). A via a ser percorrida e o destino dependem do local onde ocorreu a entrada do patógeno. Os vasos linfáticos (ver Figura 25-3) levam os antígenos que entram através da pele ou do trato respiratório para os linfonodos locais. Os antígenos que entram através do intestino são destinados aos órgãos linfoides periféricos associados aos intestinos, como as placas de Peyer, e aqueles que penetram a corrente sanguínea são filtrados pelo baço. Como discutido anteriormente, na maioria dos casos, as células dendríticas transportam os antígenos do sítio de infecção para os órgãos linfoides periféricos, onde atuam na ativação das células T (ver Figura 25-5). Somente uma pequena parcela da população total de linfócitos pode reconhecer um determinado antígeno microbiano no órgão linfoide periférico (estimado entre 1/10.000 e 1/100.000 de cada classe de linfócitos). Como essas células raras encontram a célula apresentadora de antígeno portando o seu antígeno complementar? A resposta é que os linfócitos circulam constantemente, alguns entre os órgãos linfoides periféricos e outros através da linfa e do sangue. No linfonodo, por exemplo, eles deixam continuamente a corrente sanguínea, passando entre as células endoteliais especializadas que revestem as pequenas veias denominadas vênulas pós-capilares. Após permearem pelo linfonodo, acumulam-se em pequenos vasos linfáticos que deixam o linfonodo e conectam-se com outros vasos linfáticos, que passam através de outros linfonodos posteriores (ver Figura 25-3). Passando por vasos cada vez maiores, os linfócitos eventualmente penetram o vaso linfático principal (o ducto torácico), que os transporta de volta ao sangue (Figura 25-14). Esse fluxo contínuo entre o sangue e a linfa termina somente se um linfócito for ativado por seu antígeno específico em um órgão linfoide periférico. A partir desse momento, o linfócito fica retido no órgão linfoide periférico, onde prolifera e diferencia-se em células efetoras ou células de memória. Algumas dessas células T efetoras deixam o órgão linfoide e migram através da linfa até a corrente sanguínea, pela qual serão levadas até o local de infecção (ver Figura 25-5) por dias até morrerem; outras migram para a medula óssea, onde

Tecido infectado

Vaso linfático aferente

Figura 25-14 A via de circulação dos linfócitos entre a linfa e o sangue. A circulação através de um linfonodo (amarelo) é demonstrada aqui. Os antígenos microbianos são transportados para dentro do linfonodo por uma célula dendrítica (não-apresentado), que entra nos linfonodos via vasos linfáticos aferentes, drenando um tecido infectado (verde). As células T e B, ao contrário, entram no linfonodo através de uma artéria e migram para fora da corrente sanguínea através das vênulas pós-capilares. A não ser que encontrem seus antígenos, as células T e B deixam o linfonodo através dos vasos linfáticos eferentes, que, eventualmente, conectam-se com o ducto torácico. O ducto torácico se liga a uma veia de grande calibre, que transporta sangue para o coração, completando ao processo de circulação das células T e B. Um ciclo de circulação típico ocorre em cerca de 12 a 24 horas.

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Vaso linfático eferente

Vênula pós-capilar

Linfonodo

Ducto torácico

Veia

Artéria Coração

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Figura 25-15 A migração dos linfócitos da corrente sanguínea para o linfonodo. Um linfócito circulante adere fracamente à superfície de uma célula endotelial especializada que reveste a vênula pós-capilar em um linfonodo. Esta adesão inicial é mediada por selectina-L na superfície do linfócito. A adesão é suficientemente fraca para permitir que os linfócitos rolem sobre a superfície das células endoteliais, empurrados pelo fluxo sanguíneo. Estimulados por citocinas que são secretadas pelas células endoteliais (seta curva em vermelho), os linfócitos rapidamente ativam um forte sistema de adesão mediado por integrinas. Esta adesão forte possibilita que a célula pare de rolar. Os linfócitos então usam uma proteína de adesão (CD31) para se ligar às junções entre as células endoteliais adjacentes e migrar para fora da vênula. A CD31 está localizada na superfície do linfócito e nas junções entre as células endoteliais. A migração subsequente dos linfócitos para dentro dos linfonodos dependente das quimiocinas produzidas dentro do linfonodo (setas retas em vermelho). A migração de outras células brancas do sangue da corrente sanguínea para os locais de infecção ocorre de maneira similar.

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secretam anticorpos para a corrente sanguínea por meses ou até anos. As células T e B de memória juntam-se aos linfócitos recirculantes. A recirculação dos linfócitos depende de interações específicas entre a superfície celular do linfócito e a superfície das células endoteliais que revestem os vasos sanguíneos dos órgãos linfoides periféricos. Vários tipos celulares encontrados no sangue entram em contato com essas células endoteliais especializadas que revestem as vênulas pós-capilares dos linfonodos, mas somente os linfócitos aderem-se a elas e migram para fora da corrente sanguínea para os nodos. Os linfócitos, inicialmente, aderem-se às células do endotélio via receptores de alojamento (homing) que se ligam a ligantes específicos (geralmente denominados contrarreceptores) da superfície das células endoteliais. A migração dos linfócitos para os linfonodos, por exemplo, depende da expressão de um receptor de alojamento denominado L-selectina, um membro da família das selectinas, uma das lecitinas de superfície celular. Essa proteína liga-se a grupos de açúcares específicos em um contrarreceptor que é expresso exclusivamente na superfície de células endoteliais especializadas que revestem as vênulas pós-capilares dos linfonodos, fazendo com que os linfócitos fiquem fracamente aderidos às células endoteliais, rolando lentamente na sua superfície. Este rolamento continua até que ocorra outro tipo de adesão mais forte mediada por proteínas quimiotáxicas (denominadas quimiocinas; ver a seguir) secretadas pelas células endoteliais. Essa forte adesão é mediada por membros da família das integrinas das moléculas de adesão celular, as quais se tornam ativadas na superfície dos linfócitos. Neste momento, os linfócitos cessam o rolamento e atravessam os vasos sanguíneos para o interior do linfonodo (Figura 25-15). Tanto as selectinas quanto as integrinas foram discutidas no Capítulo 19. As quimiocinas são um tipo de citocinas. Elas são proteínas pequenas, secretadas, carregadas positivamente e que têm papel fundamental no direcionamento da migração de vários tipos de células, incluindo os leucócitos. Elas são estruturalmente semelhantes entre si e ligam-se à superfície das células endoteliais, bem como aos proteoglicanos carregados negativamente presentes na matriz extracelular dos órgãos. Por meio da ligação aos receptores associados à proteína G (discutido no Capítulo 15) na superfície de células sanguíneas específicas, as quimiocinas atraem as células da corrente sanguínea para um órgão, guiando-as para um local específico dentro do órgão e auxiliando-as a cessar o processo de migração. (Infelizmente, o vírus da AIDS, o HIV, também se liga a determinados receptores de quimiocinas, bem como ao correceptor CD4 discutido mais adiante, permitindo que o vírus infecte o leucócito.) As células T e B inicialmente entram na mesma região de um linfonodo, mas a seguir diferentes quimiocinas as guiam para regiões distintas do linfonodo – as células T dirigem-se para a região paracortical, e as células B, para os folículos linfoides (Figura 25-16). Se as células T ou B não encontrarem seus antígenos, deixarão o linfonodo através dos vasos linfáticos eferentes. Porém, se as células encontrarem seu antígeno, serão estimuladas a apresentarem seus receptores de adesão que aprisionam as células nos linfonodos. As células acumulam-se nas junções entre as áreas de células B e células T, onde as poucas células T e B podem interagir para proliferar e diferenciar-se em células efetoras e em células de memória. Muitas células efetoras deixam o linfonodo, expressando diferentes receptores para quimiocinas que irão auxiliar no direcionamento para os seus novos destinos – as células T para o local de infecção, e as células B para a medula óssea.

Lâmina basal

ADESÃO FRACA E ROLAMENTO (selectina-dependente)

ADESÃO FORTE (dependente de integrina) E EMIGRAÇÃO (dependente de CD31)

Vênula pós-capilar

Quimiocina

Linfócito

Célula endotelial especializada da vênula pós-capilar

Quimiocina

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Biologia Molecular da Célula

Vasos linfáticos aferentes

Folículo linfóide (células B) Paracórtex (principalmente células T)

Vênula pós-capilar

Medula

Sinus marginal

Sinus medular

Vaso linfático eferente Artéria Veia 3 mm

Resumo As respostas imunes inatas são ativadas no local de infecção por padrões moleculares associados aos patógenos (PAMPs), os quais são reconhecidos por meio dos receptores de reconhecimento de padrões produzidos pelas células do sistema imune inato. Além de combaterem diretamente a infecção, essas respostas imunes inatas auxiliam na ativação das respostas imunes adaptativas nos órgãos linfoides periféricos. Diferentemente das respostas imunes inatas, as respostas adaptativas apresentam memória imunológica e, portanto, proporcionam uma proteção duradoura contra os patógenos que as induziram. O sistema imune adaptativo é composto por milhões de clones de linfócitos, sendo que as células de cada clone compartilham um receptor de superfície celular exclusivo que permite que elas se associem a um antígeno em particular. A ligação de um antígeno a estes receptores, no entanto, normalmente não é suficiente para estimular a proliferação e a diferenciação dos linfócitos em células efetoras com a capacidade de eliminar o patógeno. Sinais coestimuladores ligados à membrana e uma variedade de sinais secretados (citocinas) por outras células especializadas dos órgãos linfoides também são necessários. As células T auxiliares fornecem tais sinais para as células B, enquanto as células dendríticas emitem tais sinais para as células T. As células B efetoras secretam anticorpos que podem atuar em locais distantes para auxiliar na eliminação de patógenos extracelulares e suas toxinas. As células T efetoras, ao contrário, agem localmente no sítio da infecção, matando as células hospedeiras infectadas ou auxiliando outras células a eliminar os patógenos. Como parte da resposta imune adaptativa, alguns linfócitos proliferam e diferenciam-se em células de memória, as quais são capazes de responder de forma mais rápida e eficiente no contato subsequente com o mesmo patógeno invasor. Tanto as células T quanto as células B circulam continuamente entre os órgãos linfoides periféricos e entre o sangue e os linfonodos. Somente quando encontram o antígeno estranho específico no órgão linfoide periférico é que irão parar de migrar, proliferarão e se diferenciarão em células efetoras ou células de memória. Os linfócitos que reagem contra as moléculas próprias podem ser tanto induzidos a alterar seus receptores quanto ser eliminados, inativados ou suprimidos por células T reguladoras, de modo que o sistema imune adaptativo normalmente evita o ataque contra as moléculas e células do próprio hospedeiro.

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Figura 25-16 Um esquema simplificado do linfonodo humano. As células B são inicialmente agrupadas em estruturas denominadas folículos linfoides, enquanto que as células T ficam concentradas principalmente no paracórtex. Ambos os tipos de linfócitos são atraídos por quimiocinas a entrar no linfonodo, deixando o sangue via vênulas pós-capilares (ver Figura 25-15). As células T e B então migram para suas respectivas áreas, atraídas por diferentes quimiocinas. Se elas não encontrarem seus antígenos específicos, tanto as células T como as células B entram no sinusoide medular e deixam o linfonodo via vaso linfático eferente. Este vaso desemboca na corrente sanguínea, possibilitando que os linfócitos iniciem outro ciclo de circulação através dos órgãos linfoides periféricos (ver Figura 25-14). Se elas encontram seus antígenos específicos, as células B e T são retidas no linfonodo e são ativadas a tornarem-se células efetoras ou de memória. As células T e B que responderem ao mesmo patógeno poderão interagir dentro e próximo dos folículos linfoides.

CÉLULAS B E ANTICORPOS Os vertebrados, inevitavelmente, morrem de infecção se não forem capazes de produzir anticorpos. Os anticorpos defendem-nos contra infecções ligando-se aos vírus e às toxinas microbianas, inativando-os (ver Figura 25-2). Quando os anticorpos se ligam aos patógenos invasores, eles também recrutam alguns componentes do sistema imune inato, incluindo vários tipos de leucócitos, e componentes do sistema do complemento (discutido no Capítulo 24). Os leucócitos e os componentes do complemento ativados agem em conjunto para atacar os invasores. Sintetizados exclusivamente pelas células B, os anticorpos são produzidos em bilhões de formas, cada uma com uma sequência de aminoácidos diferente. Coletivamente denomi-

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Antígeno Receptor de antígeno

B

Célula B em repouso

PROLIFERAÇÃO E DIFERENCIAÇÃO

As células B produzem anticorpos que atuam tanto como receptores de superfície celular quanto como proteínas secretadas

Células B efetoras B

B

B

nadas imunoglobulinas (cuja forma abreviada é Ig), estão entre os componentes proteicos mais abundantes no sangue, constituindo em torno de 20% do peso total das proteínas presentes no plasma. Os mamíferos produzem cinco classes de anticorpos; cada uma medeia uma resposta biológica característica após a ligação com o antígeno. Nesta seção, iremos tratar da estrutura e da função dos anticorpos e de como eles interagem com os antígenos.

B

Anticorpos secretados

Figura 25-17 Anticorpos de membrana e anticorpos secretados produzidos por um clone de células B. Quando as células B virgens ou de memória são ativadas pelo antígeno (e por células T auxiliares, não-representadas), elas proliferam e se diferenciam em células efetoras. As células efetoras produzem e secretam anticorpos com um mesmo tipo de sítio de ligação ao antígeno, que é o mesmo que originalmente interagiu com os anticorpos associados à membrana que serviram como receptores de antígenos.

Todas as moléculas de anticorpos produzidas por uma mesma célula B possuem o mesmo sítio de ligação para o antígeno. Os primeiros anticorpos produzidos por um linfócito B recém-formado não são secretados, mas são inseridos na membrana plasmática, onde atuam como receptores de antígenos. Cada célula B tem aproximadamente 105 desses receptores na membrana plasmática. Conforme será discutido posteriormente, cada um desses receptores está associado de forma estável a um complexo de proteínas transmembrana que ativam as vias de sinalização intracelular quando um antígeno do lado de fora da célula se liga ao receptor. Cada clone de célula B produz um único tipo de anticorpo, cada um com um único sítio de ligação ao antígeno. Quando um antígeno (com o auxílio de uma célula T) ativa uma célula B virgem ou de memória, esta célula B prolifera e se diferencia em uma célula efetora secretora de anticorpos. Estas células efetoras produzem e secretam grandes quantidades de anticorpos solúveis (em vez dos associados à membrana), os quais possuem os mesmos sítios de ligação do antígeno que o anticorpo de superfície celular que serviu anteriormente como receptor de antígeno (Figura 25-17). As células B efetoras podem começar a secretar anticorpos enquanto ainda são pequenos linfócitos, mas, no estágio final de sua maturação, tornam-se grande células plasmáticas (ver Figura 25-7B), que secretam anticorpos continuamente em um nível surpreendente, em torno de 5 mil moléculas por segundo. Apesar de muitas delas morrerem após alguns dias, algumas sobrevivem na medula óssea por meses ou anos e continuam a secretar anticorpos na corrente sanguínea, proporcionando proteção duradoura contra o patógeno que estimulou sua produção.

Um anticorpo típico possui dois sítios idênticos de ligação a antígenos

Sítios de ligação para o antígeno

A forma simplificada de uma molécula de anticorpo é um Y com dois sítios idênticos de ligação a antígenos, um em cada extremidade dos braços do Y (Figura 25-18). Por causa de seus dois sítios de ligação ao antígeno, eles são descritos como bivalentes. Considerando que um antígeno tem três ou mais determinantes antigênicos, as moléculas de anticorpos bivalentes podem se intercruzar, formando uma grande rede (Figura 25-19) que os macrófagos podem fagocitar e degradar facilmente. A eficiência da ligação com o antígeno e da ligação cruzada pode ser incrementada pela flexibilidade da região da dobradiça na maioria dos anticorpos, a qual permite que a distância entre os dois sítios de ligação do antígeno varie (Figura 25-20). O efeito protetor dos anticorpos não é simplesmente determinado pela sua habilidade de se ligar ao antígeno e fazer intercruzamento. A cauda da molécula em forma de Y medeia outras atividades dos anticorpos. Conforme discutiremos a seguir, os anticorpos com seus dois sítios idênticos de ligação ao antígeno podem possuir qualquer uma das várias regiões caudais distintas. Cada tipo de região caudal confere ao anticorpo propriedades funcionais diferentes, como a habilidade de ativar o sistema do complemento, promover a ligação com células fagocíticas ou atravessar a placenta da mãe para o feto.

Uma molécula de anticorpo é composta por cadeias pesadas e cadeias leves Região caudal 5 nm

Figura 25-18 Representação simples de uma molécula de anticorpo. Note que existem dois sítios idênticos de ligação ao antígeno.

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A unidade estrutural básica de uma molécula de anticorpo consiste em quatro cadeias polipeptídicas, sendo duas cadeias leves (L) idênticas entre si (cada uma contendo em torno de 220 aminoácidos) e duas cadeias pesadas (H) também idênticas entre si (cada uma contendo em torno de 440 aminoácidos). As quatro cadeias são mantidas unidas por meio da combinação de ligações não-covalentes e covalentes (dissulfeto). A molécula é composta por duas metades idênticas, cada uma com o mesmo sítio de ligação ao antígeno. Em geral,

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(A)

(C) Um determinante antigênico

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(D) Três ou mais determinates antigênicos

Três ou mais determinantes antigênicos diferentes

(B) Dois determinantes antigênicos

Figura 25-19 Interações antígeno-anticorpo. Uma vez que os anticorpos possuem dois sítios de ligação aos antígenos, eles podem interligar antígenos. Os tipos formados de complexos antígeno-anticorpo dependem do número de determinantes antigênicos existentes no antígeno. (A-C) Uma única espécie de anticorpo (um anticorpo monoclonal) é capaz de associar-se a antígenos contendo uma, duas ou três cópias de um mesmo tipo de determinante antigênico. Antígenos com dois determinantes antigênicos podem formar pequenos complexos cíclicos ou cadeias lineares com anticorpos, enquanto antígenos com três ou mais determinantes antigênicos podem formar grandes redes, que prontamente precipitam. (D) A maioria dos antígenos possui vários determinantes antigênicos diferentes (ver Figura 25-29A), e diferentes anticorpos que reconhecem diferentes determinantes antigênicos podem cooperar para interligar os antígenos em grandes redes tridimensionais.

tanto as cadeias leves como as pesadas colaboram para compor a superfície do sítio de ligação ao antígeno (Figura 25-21).

Existem cinco classes de cadeias pesadas de anticorpos, cada uma com atividades biológicas diferentes Nos mamíferos, existem cinco classes de anticorpos, IgA, IgD, IgE, IgG e IgM, cada uma com sua própria classe de cadeia pesada – ␣, ␦, ⑀, ␥ e μ, respectivamente. As moléculas de IgA possuem cadeias ␣, as moléculas de IgG possuem cadeias ␥, e assim por diante. Além disso, existem algumas subclasses de moléculas de imunoglobulinas IgG e IgA; por exemplo, existem, nos humanos, quatro subclasses de IgG (IgG1, IgG2, IgG3 e IgG4), com suas respectivas cadeias ␥1, ␥2, ␥3 e ␥4. As várias cadeias pesadas têm uma conformação característica desde a região da dobradiça até a cauda dos anticorpos, e é por isso que cada classe (e subclasse) tem características próprias. A IgM possui uma cadeia pesada μ e é sempre a primeira classe de anticorpo produzida pelas células B em desenvolvimento, embora muitas células B eventualmente mudem a classe de anticorpos produzida conforme o antígeno que as estimulou. As primeiras células da linhagem de células B que produzem Ig são as células pró-B, as quais produzem somente cadeias μ. Elas dão origem às células pré-B, nas quais as cadeias μ se associam às cadeias leves substitutas (que serão substituídas pelas autênticas cadeias leves) que são inseridas na membrana plasmática. A sinalização deste receptor de células pré-B é necessária para que a célula progrida para o próximo estágio de desenvolvimento, quando então produzirá a verdadeira cadeia leve. As cadeias leves combinam-se com as cadeias μ, tomando o lugar das cadeias leves substitutas, para formar as quatro moléculas de IgM (cada uma com duas cadeias M e das cadeias leves). Essas moléculas então se inserem na membrana plasmática, onde atuam como receptores de antígenos. Nesta fase, a célula é denominada célula B virgem imatura. Após deixar a medula óssea, a célula começa a produzir também moléculas de IgD de superfície celular, com o mesmo sítio de ligação ao antígeno presente nas moléculas de IgM. A partir dessa etapa, a célula é denominada célula B virgem madura. Esta é a célula que pode responder a antígenos estranhos nos órgãos linfoides periféricos (Figura 25-22). A IgM não é só a primeira classe de anticorpos a aparecer na superfície da célula B em desenvolvimento. Ela é também a principal classe secretada na corrente sanguínea nos estágios iniciais da resposta primária de anticorpos, na primeira exposição a um antígeno. (Ao contrário das moléculas de IgM, as moléculas de IgD são secretadas somente em pequenas quantidades e parecem atuar principalmente como receptores de superfície celular para an-

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Determinante antigênico Antígeno

Região de dobradiça da molécula de anticorpo

Figura 25-20 A região de dobradiça de uma molécula de anticorpo. Considerando a sua flexibilidade, a região de dobradiça confere maior eficiência na ligação ao antígeno e em sua interligação.

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Figura 25-21 Desenho esquemático de uma molécula de anticorpo bivalente. Ela é composta por quatro cadeias polipeptídicas – duas cadeias pesadas idênticas e duas cadeias leves idênticas. Os dois sítios de ligação ao antígeno são idênticos, cada um formado por regiões N-terminais das cadeias leves e por regiões N-terminais das cadeias pesadas. As duas cadeias pesadas formam a região da cauda e a região da dobradiça da molécula de anticorpo.

Sítio de ligação para o antígeno

Sítio de ligação para o antígeno

NH2

H2N H2N

NH2 Região de dobradiça

S

S S

S

S S S S

HOOC

COOH

Cadeia leve

Cadeia leve

Cadeia pesada

Cadeia pesada

HOOC

COOH

tígenos.) Na sua forma secretada, a IgM é um pentâmero composto por cinco unidades de quatro cadeias, formando assim um total de 10 sítios de ligação ao antígeno. Cada pentâmero contém uma cópia de outra cadeia polipeptídica, denominada cadeia J (junção). A cadeia J é produzida pelas células secretoras de IgM e é covalentemente inserida entre duas regiões terminais adjacentes (Figura 25-23). Quando um antígeno com múltiplos determinantes antigênicos idênticos (ver Figura 25-19) se liga a uma única molécula pentamérica de IgM secretada, ela altera a estrutura do pentâmero, permitindo a ativação do sistema do complemento. Conforme discutido no Capítulo 24, quando o antígeno está na superfície de um patógeno invasor, a ativação do complemento pode tanto marcar o patógeno para fagocitose quanto destruí-lo diretamente. Como discutiremos mais adiante, a ativação do complemento também pode intensificar a resposta imune contra um antígeno: a ligação de um componente ativado do complemento ao complexo antígeno-anticorpo, por exemplo, pode aumentar a capacidade do antígeno de estimular uma resposta de célula B em mais de mil vezes (ver Figura 25-71A). A principal classe de imunoglobulinas presentes no sangue é a IgG, a qual é um monômero com quatro cadeias (ver Figura 25-21) produzido em grandes quantidades durante a resposta imune secundária. Além de ativar o complemento, a porção terminal de uma molécula de IgG liga-se a receptores específicos em macrófagos e em neutrófilos. É principalmente por meio destes receptores Fc (assim chamados porque as porções terminais dos

Cadeia ␮ intracelular

Célula progenitora linfoide comum

Célula pró-B

Cadeia ␮

Célula pré-B

Desenvolvimento na medula óssea

Cadeia ␮

Cadeia L substituta

IgM

IgM

Cadeia L IgD

B

B

Célula B virgem imatura

Célula B virgem madura

Cadeia ␦

Circula nos órgãos linfoides periféricos

Figura 25-22 Os principais estágios do desenvolvimento da célula B. Todos os estágios representados ocorrem independentemente do antígeno. As células pró-B produzem cadeias μ, mas elas permanecem no retículo endoplasmático até que a cadeia leve substituta seja produzida. Embora não esteja representado na figura, todas as moléculas de Ig de superfície celular estão associadas a proteínas transmembrana que auxiliam na transmissão de sinais para o interior da célula (ver Figura 25-70). Quando são ativadas pelo antígeno estranho específico e pelas células T auxiliares nos órgãos linfoides periféricos, as células B virgens maduras proliferam e diferenciam-se em células secretoras de anticorpos e células de memória (não-representado).

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Figura 25-23 Uma molécula de IgM pentamérica. As cinco subunidades de quatro cadeias são mantidas unidas por ligações dissulfeto (vermelho). Uma única cadeia J, com uma estrutura similar a um único domínio de Ig (será discutido adiante), encontra-se covalentemente ligada a duas caudas μ de cadeias pesadas por ligações dissulfeto. A cadeia J é necessária à formação do pentâmero. A adição sucessiva de cada subunidade de IgM composta por quatro cadeias requer uma cadeia J, que é posteriormente descartada, com exceção da última, que é mantida. Repare que as moléculas de IgM não possuem regiões de dobradiça.

Sítios de ligação para o antígeno Cadeia pesada ␮

Cadeia leve

Cadeia J

= Ligação de dissulfeto

anticorpos são denominadas regiões Fc) que estas células fagocíticas ligam-se, ingerem e destroem micro-organismos infecciosos que estão recobertos por anticorpos IgG produzidos em resposta à infecção (Figura 25-24). Algumas subclasses de IgG são os únicos anticorpos que podem passar da mãe para o feto através da placenta. As células da placenta que estão em contato com o sangue materno possuem receptores Fc que se ligam às moléculas de IgG recém-chegadas e transportam-nas para o sangue fetal. As moléculas de anticorpos ligadas aos receptores são levadas inicialmente para dentro das células placentárias por endocitose mediada por receptores. Elas são então transportadas em vesículas, atravessando as células e sendo liberadas, por exocitose, no sangue fetal (processo denominado transcitose, ver Figura 25-26). Pelo fato de outras classes de imunoglobulinas não se ligarem a este receptor Fc específico, elas não podem

(A) Bactéria coberta por anticorpos IgG

Bactéria

(B) Região Fc de um anticorpo IgG

Receptor Fc

Pseudópodo

Membrana plasmática Macrófago ou neutrófilo FAGOCITOSE

Leucócito fagocítico

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1 ␮m

Figura 25-24 Fagocitose ativada por anticorpo. (A) Uma bactéria recoberta por anticorpos IgG é eficientemente fagocitada por um macrófago ou um neutrófilo que possui receptores de superfície celular que se ligam à região caudal (Fc) das moléculas de Ig. A ligação da bactéria recoberta por anticorpo aos receptores de Fc ativa o processo de fagocitose. A região caudal de uma molécula de anticorpo é denominada região Fc, porque, quando os anticorpos são clivados pela enzima proteolítica papaína, os fragmentos que contêm as regiões caudais cristalizam facilmente. (B) Micrografia eletrônica de um neutrófilo fagocitando uma bactéria recoberta por IgG, que se encontra no processo de divisão. O processo no qual o anticorpo (ou o complemento) recobre o patógeno e aumenta a eficiência na qual é fagocitado é denominado opsonização. (B, cortesia de Dorothy F. Bainton, de R. C. Williams, Jr. e H. H. Fudenberg, Phagocytic Mechanisms in Health and Disease. New York: Intercontinental Book Corporation, 1971.)

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Figura 25-25 Um diagrama altamente esquematizado de uma molécula de IgA dimérica encontrada nas secreções. Além dos dois monômeros de IgA, existe uma única cadeia J e uma cadeia polipeptídica adicional denominada componente secretor, derivado do receptor Fc (ver Figura 25-26) e que parece proteger as moléculas de IgA contra a digestão proteolítica das enzimas das secreções.

Cadeias pesadas ␣

Cadeia leve

Componente secretor Cadeia J

Ligação dissulfeto

Sítios de ligação para o antígeno

Figura 25-26 O mecanismo de transporte da molécula de IgA dimérica através de uma célula epitelial. A molécula de IgA, na forma de um dímero que contém a cadeia J, liga-se a uma proteína receptora transmembrana na superfície da célula epitelial na face oposta ao lúmen do vaso. (A cadeia J não está representada nesta figura por questões de clareza.) Os complexos receptor-IgA são internalizados pelo processo de endocitose mediada pelo receptor; o complexo é transferido, atravessando o citoplasma da célula epitelial dentro de vesículas, e é secretado no lado oposto da célula, no lúmen, por exocitose. Quando exposta ao lúmen, uma parte da proteína receptora Fc, que está associada ao dímero de IgA (o componente secretor), é clivada da sua cauda transmembrana, liberando o anticorpo na forma apresentada na Figura 25-25.

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atravessar a placenta. Mais tarde, a IgG é secretada para o leite materno e é absorvida pelo intestino do neonato para sua corrente sanguínea por transcitose, fornecendo proteção para o bebê contra infecções. A IgA é a principal classe de anticorpos nas secreções, incluindo a saliva, as lágrimas, o leite e as secreções respiratórias e intestinais. Apesar de a IgA ser um monômero com quatro cadeias quando encontrada no sangue, nas secreções a IgA é um dímero com oito cadeias (Figura 25-25). Ela é transportada através de células epiteliais secretoras do fluido extracelular para o fluido secretado por outro tipo de receptor Fc, que é exclusivo do epitélio secretor (Figura 25-26). Esse receptor Fc pode, também, transportar IgM para as secreções (mas com menor eficiência), e este pode ser o motivo pelo qual os indivíduos com uma deficiência seletiva de IgA, a forma mais comum de deficiência de anticorpos, são apenas parcialmente afetados pela deficiência. A região caudal das moléculas de IgE, que é um monômero com quatro cadeias, liga-se com uma afinidade altíssima (Ka ~ 1010 litros/mol), pouco comum, a uma outra classe de receptores Fc. Esses receptores estão localizados na superfície de mastócitos nos tecidos e em basófilos no sangue. As moléculas de IgE ligadas a eles funcionam como receptores naturais para antígenos. A ligação com o antígeno leva os mastócitos ou os basófilos a secretarem uma série de citocinas e de aminas biologicamente ativas, principalmente a histamina (Figura 25-27). A histamina causa a dilatação dos vasos, tornando-os permeáveis, o que auxilia os leucócitos, os anticorpos e os componentes do complemento a migrarem para o local onde os mastócitos foram ativados. A liberação de aminas pelos mastócitos e basófilos causa os sintomas das reações alérgicas, como febre do feno, asma e urticária. Além disso, os mastócitos secretam fatores que atraem e ativam leucócitos denominados eosinófilos. Os eosinófilos possuem receptores Fc que se ligam a moléculas de IgE e podem matar vários tipos de parasitas extracelulares, especialmente se estiverem recobertos por anticorpos IgE. Além das cinco classes de cadeias pesadas encontradas nas moléculas de anticorpos, os vertebrados superiores apresentam dois tipos de cadeias leves, ␬ e ␭, que parecem ser funcionalmente indistinguíveis. Ambos os tipos de cadeia leve podem ser associados a qualquer uma das cadeias pesadas. Uma molécula individual de anticorpo, no entanto, sempre contém cadeias leves idênticas e cadeias pesadas idênticas: uma molécula de IgG, por exemplo, pode possuir cadeias leves ␬ ou ␭, mas não uma de cada. Como resultado, os sítios de ligação a antígeno de um anticorpo são sempre idênticos. Esta simetria é crucial para a função de ligação cruzada dos anticorpos secretados (ver Figura 25-19).

FLUIDO EXTRACELULAR CÉLULA EPITELIAL

LÚMEN Vesícula de transporte Dímero de IgA

Componente secretor

TRANSCITOSE Receptor Fc associado à membrana

29.07.09 10:26:14

Biologia Molecular da Célula

Mastócito

Receptor Fc específico para IgE

IgE

Vesículas secretoras contendo histaminas

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Antígeno

RECEPTORES Fc LIGADOS À IgE

HISTAMINA LIBERADA POR EXOCITOSE

ANTÍGENO MULTIVALENTE INTERLIGANDO MOLÉCULAS ADJACENTES DE IgE

Figura 25-27 O papel da IgE na secreção de histamina pelos mastócitos. Um mastócito (ou basófilo) liga-se a moléculas de IgE após elas terem sido secretadas por células B efetoras. Os anticorpos IgE na forma solúvel ligam-se à proteína receptora Fc, na superfície do mastócito, que reconhece especificamente a região Fc destes anticorpos. As moléculas de IgE ligadas servem como receptores de superfície celular para antígenos. Assim, diferentemente dos linfócitos B, cada mastócito (e basófilo) possui um conjunto de anticorpos de superfície celular com uma alta variedade de sítios de ligação ao antígeno. Quando uma molécula de antígeno se liga a estes anticorpos IgE associados à membrana, promovendo a interligação entre os receptores vizinhos, ocorre uma emissão de sinal para o mastócito liberar histamina e outros mediadores locais por exocitose.

Todas as classes de anticorpos podem ser expressas na membrana ou na forma solúvel secretada. As duas formas diferem somente na porção C-terminal de sua cadeia pesada. As cadeias pesadas das moléculas de anticorpos ligados à membrana possuem uma região transmembrana C-terminal hidrofóbica, que ancora a cadeia pesada na bicamada lipídica da membrana plasmática das células B. Por outro lado, as cadeias pesadas das moléculas de anticorpos secretados possuem uma porção C-terminal hidrofílica, que permite que elas saiam de dentro da célula. Esta mudança no caráter da molécula de anticorpo ocorre porque a ativação da célula B pelo antígeno (e pelas células T auxiliares) induz uma mudança no modo pelo qual os transcritos de RNA de cadeia H são produzidos e processados no núcleo (ver Figura 7-99). As propriedades das várias classes dos anticorpos em humanos estão resumidas na Tabela 25-1.

A intensidade de interação antígeno-anticorpo depende do número e da afinidade dos sítios de ligação ao antígeno A ligação de um antígeno a um anticorpo, como a ligação de um substrato a uma enzima, é reversível. Ela é mediada pela soma de várias forças não-covalentes relativamente fracas, incluindo ligações de hidrogênio, forças hidrofóbicas de van der Waals e interações iônicas. Essas forças fracas são efetivas somente quando a molécula de antígeno está próxima o suficiente para permitir que seus átomos encaixem-se em bolsas complementares na superfície do anticorpo. As regiões complementares de uma unidade de anticorpo de quatro cadeias são seus dois sítios de ligação ao antígeno idênticos; a região correspondente a esta no antígeno é denominada determinante antigênico (Figura 25-28). Em sua maioria, as ma-

Tabela 25-1 Propriedades das principais classes de anticorpos humanos PROPRIEDADES

Cadeias pesadas Cadeias leves Número de unidades com quatro cadeias Porcentagem total de Ig no sangue Capacidade de ativar o complemento Capacidade de atravessar a placenta Capacidade de ligar-se a macrófagos e neutrófilos Capacidade de ligar-se a mastócitos e basófilos

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CLASSE DO ANTICORPO IgM

IgD

IgG

IgA

IgE

μ ␬ ou ␭ 5

␦ ␬ ou ␭ 1

␥ ␬ ou ␭ 1

␣ ␬ ou ␭ 1 ou 2

⑀ ␬ ou ␭ 1

10 ++++ — —

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