BRADBURY, M. O Mundo Moderno
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BRADBURY, M. O mundo moder oderno no: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. “Pound
achava que a tarefa do artista era atuar como aguilhão de sua época, gerando cultura ao se revoltar contra a cultura. No final da vida, Pound por fim confessou que sua ambição de transformar a política de cultura fora um erro perigoso, que colocava em questionamento sua realização artística e o próprio intento de ‘tornar novo’. Como
tantos outros artistas modernos, Pound perdeu-se no mundo político que o cercava. Um dos motivos pelos quais o espírito das artes modernas começou a morrer por volta da época da Segunda Guerra Mundial foi o fato de que sua relação paradoxal com o mundo da política moderna tornou-se demasiadamente óbvia. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 20) “modernismo — o
nome que veio | a designar aquela transformação radical sofrida pelas formas, pelo espírito e pela natureza das artes entre a década de 1870 1870 e o início da Segunda Guerra Mundial. Foi uma revolução artística profunda, que agitou toda a Europa e — em parte, graças ao próprio Pound — os Estados Unidos, modificando radicalmente o curso de todas as formas de expressão artística. Foi uma crise na história do humanismo ocidental e uma tentativa séria de compreender e apreender a natureza da existência moderna. Teve consequências profundas, algumas intencionais, muitas imprevistas — especialmente especialmente no campo da política. Gerou algumas das obras literárias mais geniais e mais perturbadoras que conhecemos, e algumas das mais dolorosas manifestações da autoconsciência e da ansiedade modernas. Ela fez parte da transição sofrida pelo mundo ocidental ocidental ao passar do do movimento romântico para uma nova era, era, do século XIX para o XX. O início dessa crise já está afastado de nosso tempo por um século inteiro, porém ela ainda nos abala, ainda consegue nos perturbar. Ela reconstruiu completamente nossa tradição artística, nossas concepções de forma e linguagem, nossos valores contemporâneos, contemporâneos, nossa cultura e nossos estilos — até até mesmo a aparência de nossas ruas, de nossas casas e interiores, de nós mesmos. Redirecionou a imaginação de toda uma época, e também a nossa época, que a ela se seguiu. Legou-nos algumas das maiores realizações de nossa literatura e alguns dos nossos piores pesadelos. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: moderno : dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 20-21) “a arte de ‘tornar novo’ é também uma arte de crise. As novas formas fragmentárias, as
estruturas estranhas, muitas vezes parodísticas, a atmosfera geral de ambiguidade e ironia trágica que caracteriza tantas obras — tudo isso expressa tal crise. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: moderno : dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 22) “o indivíduo que canta ou fala para si próprio e para toda a humanidade.” (WHITMAN,
W. apud BRADBURY, M. O mundo moderno: moderno : dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 23) “Pound encarava os Estados Unidos como uma província do ponto de vista cultural, um ‘país semibárbaro, desatualizado’.” (BRADBURY, M. O mundo moderno: moderno : dez grandes
escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 24)
“uma grande transformação que vinha arrebatando as ideias e as artes na Europa ao se
iniciar o novo século. A transição entre duas eras, a gigantesca vaga de novas invenções e experiências na ciência e na tecnologia, na filosofia e na psicologia, o crescimento acelerado das cidades, a difusão dos processos industriais, o advento de novos meios de comunicação, como o automóvel e o telefone, as defasagens políticas que agora iam se formando na maioria das sociedades ocidentais — todas essas coisas contribuíam para a formação de uma atmosfera de ruptura.” ( BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 24) “as
transformações na arte não soa apenas eventos estéticos, porém decorrem de mudanças sociais e ideológicas, de trocas de sistemas, convicções e formas de vida. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 24) “O
mundo do contrato social de Rousseau, do otimismo liberal e burguês, fora transformado por um séuclo de desenvolvimento. A visão romântica de uma natureza benevolente e divinizada fora subvertida pelo crescimento das grandes cidades e pela massificação das populações; e as velhas certezas cristãs foram minadas pelo espírito das novas ideias. Em todos os campos — nas expectativas sociais, na consciência científica, nos valores religiosos e morais — haviam ocorrido transformações fundamentais. No ano revolucionário de 1848, quando a maior parte da Europa vivia o tumulto dos novos movimentos de libertação e o mapa do continente modificava-se, Marx e Engels lançaram seu Manifesto comunista, que anunciava o surgimento do novo proletariado industrial, desafiava a burguesia agora estabelecida, e — mais importante ainda — afirmava uma visão revolucionária, secular e materialista da história e das expectativas humanas. Em 1859, Charles Darwin, em A origem das espécies, propôs uma teoria da evolução para o próprio mundo natural, questionando a concepção cristã da criação em seu âmago. Estas novas ideias sociológicas e científicas, essas visões racionalistas da natureza e da história, contestavam a velha visão teocêntrica e romântica. Elas inauguravam uma nova era de experimentação, em que se aceleravam as descobertas morais e filosóficas, médicas e tecnológicas, enquanto uma nova consciência revolucionária da tarefa da inteligência se desenvolvia. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 25) “os mesmos processos científicos e tecnológicos inovadores estavam gerando uma
intensa consciência de aceleração histórica, que foi se intensificando à medida que se aproximava o fim do século, indicando qual seria o destino provável do século seguinte.” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 25) “o
historiador Henry Adams, comentou que, ao ingressar no século XX, a humanidade entrava não num universo, mas num multiverso; e aprendia a rezar não mais à Virgem, e sim ao Dínamo, a nova energia mecânica. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 26)
“A
mudança do mundo exterior correspondia à consciência de que o mundo interior se modificara. À medida que a sociologia e a política alteravam a visão que se tinha do mundo social e a ciência modificava a concepção do mundo físico, surgiam novas ideias a respeito de que constituía a natureza da percepção, da intuição e da consciência. As grandes narrativas do século XIX sempre continham crises religiosas e morais; os protagonistas eram dilacerados pelo conflito entre danação e salvação. Já as artes e ideias do final do século dirigiam sua atenção para outras direções, para os novos tumultos da consciência, a natureza das impressões e percepções, o mundo que jazia oculto por trás da mente consciente e veio a ser denominado ‘inconsciente’. Os artistas e pensadores enfatizavam a complexa existência interior de um mundo imaterial dirigido por frágeis sensações e percepções. Walter Pater, porta-voz das sensações novas e modernas, falava da ‘consciência acelerada, multiplicada’, dos tempos modernos. Em 1890, William James publicava seu livro Princípios de psicologia, no qual enfatizava que a ‘realidade’ não era um dado objetivo, e sim algo percebido subjetivamente através da consciência — uma ideia que encontrou eco nos últimos romances de seu irmão, Henry James. Segundo William James, doravante, ao falar sobre a mente, ‘devemos chamá- la fluxo de pensamento, de consciência, ou da vida subjetiva’. Em 1900,
Sigmund Freud publicou A interpretação dos sonhos, uma das obras mais influentes do novo século. Na França, o filósofo Henri Bergson destacava o papel da intuição, em detrimento da razão, na vida humana, bem como a importância fundamental da atuação da memória e do tempo interior em nossa apreensão da realidade. Na Alemanha, a sensação decadente e estética de escapar da prisão do tempo histórico impregnava a nova ficção de Thomas Mann. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 26) “ Numa época em que Freud estava se tornando conhecido, Bergson ganhava influência.
Strindberg tornava-se um dramaturgo importante e os romances de Dostoiévski eram amplamente lidos em diversas línguas, a arte da psicologia e da consciência ganhava ela própria uma nova importância. Era estimulada pela sensação de independência estética e liberdade decadente que se desenvolvera na segunda metade do século XIX, à medida que a imaginação literária e artística foi se rebelando cada vez mais contra o mundo social científico, material e burguês. O artista não seria mais um moralista burguês, mas sim um instrumento independente de descoberta, um agente de evolução criadora. E o idioma de um realismo seco e direto não mais exprimia de modo satisfatório a realidade de um complexo mundo de mutação, movimento, aceleração. Como as grandes experiências realizadas no campo da pintura demonstravam, a arte não era simplesmente uma questão de representar os fatos sociais de um | mundo exterior consensual. Ela exprimia a si própria, seus próprios métodos de composição, seus próprios processos de percepção e intuição. As artes tinham uma existência independente, e uma imiscuía-se na outra, transformando-se mutuamente — pintura e arquitetura, teatro e música, dança e desenho, ficção e poesia. Uma alimentava a outra, e, do mesmo modo como a poesia aspirava à condição da música, a ficção aspirava à condição da pintura, e o teatro à do devaneio estético. A arte tornou-se símbolo de sua própria existência, e o símbolo foi se tornando cada vez mais obscuro, enigmático e labiríntico: como dissera Yeats, os sonhos do poeta ‘hão de ter a capacidade de derrotar o real em qualquer nível’.”
(BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 26-27) “O
que é realmente importante a respeito desse movimento — que na verdade foram muitos movimentos diferentes — é o fato de que não foi apenas um novo espírito e uma
nova atitude, uma maneira de reagir à época, [...] mas foi também uma realização extraordinariamente densa e criativa, que sob muitos aspectos não encontra par. Poucas épocas geraram uma arte tão extraordinária tão complexa. Foi uma grande congregação de talentos e descobertas, uma sucessão de movimentos que exibiu uma fertilidade de renovação artística jamais vista. E se, como já comentei, foi uma jogada arriscada, apostando no futuro, deve-se reconhecer que conseguiu modificar radicalmente nossa concepção de arte e de vida. E, ao reconhecer esse fato, reconhecemos também a centralidade e a urgência da visão modernista de crise, o acertado de sua ironia trágica, a necessidade de sua angústia e os fundamentos de sua rejeição de sua própria época. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 34) “O
movimento modernista foi um empreendimento prolongado, constantemente em mutação, ao longo de mais de sessenta anos. Foi a arte de uma era de internacionalismo intelectual e cultural, de grandes convulsões sociais, em que as ideias passavam de uma cultura a outra. Foi, portanto, uma arte essencialmente cosmopolita, de um cosmopolitismo às vezes intencional, com as tradicionais viagens literárias e expatriações (caso de Pound, Eliot, Joyce e o sucessor deste último, Samuel Beckett), e às vezes forçado, causado pelas convulsões históricas que levaram ao exílio muitos escritores (caso de Dostoiévski, de Ibsen até certo ponto e, posteriormente, de Mann, Brecht e Nabokov). Como já observou George Steiner, há bons motivos históricos para que uma parte tão grande da arte moderna tenha sido produzida por escritores ‘sem lar’,
afastados de sua cultura nacional, sua tradição, seu idioma nativo; e para que a palavra ‘moderno’ tenha tantas conotações de desarraigamento e desorientação. E há também motivos igualmente bons para o fato de as sensações do exilado — ironia, alienação, desarraigamento, ausência de valores domésticos e familiares — serem dominantes em
boa parte das realizações do modernismo; e pelo fato de essa arte provocar em nós uma perturbação tão profunda quanto a admiração que nos inspira. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 35) “Visto
que o movimento modernista foi de caráter internacional, florescendo mais ou menos na mesma época em um grande número de países, é necessário vê-lo dentro de uma ótica internacionalista. Ele atraiu os escritores para as cidades, os modernos centros de arte, onde fluíam as ideias, florescia o espírito, intensificavam-se as tensões do modernismo. Eram principalmente as grandes cidades cosmopolitas como Paris, Munique, Viena, Roma e, mais para o final, Nova York que se tornaram pontos de encontro de muitas tendências diferentes. Os entusiasmos mutáveis e efêmeros, os contrastes gritantes das grandes cidades foram componentes importantes do espírito moderno. Crime e castigo é uma obra capital da crise moderna, a história de um jovem para quem a existência nunca bastara, e que queria sempre mais — mas é também uma história sobre São Petersburgo, com seus cortiços tenebrosos, sua miséria, seus intelectuais desorientados e angustiados, seu s ‘homens subterrâneos’ alienados. Conrad construiu O agente secreto a partir da ‘visão de uma cidade imensa’, maior que alguns continentes, a cidade imperial de Londres. O Ulisses de Joyce foi escrito numa cidade, Zurique, e tem como cenário outra, a cidade paralisada de Dublin em 1904. Em Mrs. Dalloway, Virginia Woolf evoca a Londres de 1923, estremecida pela guerra mas ainda profundamente imperial; e A terra estéril de Eliot reúne todas as cidades irreais e decadentes do mundo numa só, uma Londres muito diferente da de Virginia Woolf, onde multidões atravessam a London Bridge incessantemente e onde impera esterilidade
moderna. Mas as cidades cosmopolitas não se limitavam a fornecer à literatura moderna um de seus temas e uma de suas sensações mais essenciais. Forneciam também os pontos | de encontro, os cafés, as revistas e editoras vanguardistas, os mecenas, as plateias especializadas, os ambientes e argumentos experimentais nos quais surgiu a nova arte. Elas chocavam, estimulavam e criavam, e a maior parte da arte modernista pode ser considerada essencialmente urbana. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Let ras, 1989, p. 35-36) “Diversos
críticos literários já tentaram formular uma teoria ou uma explicação abrangente, e com o tempo essas explicações vão se tornando cada vez mais ousadas (assim, o crítico estruturalista francês Roland Barthes afirma que ‘por volta de 1850 [...] a escritura clássica desintegrou-se, e toda a literatura, de Flaubert até o presente, passou a ser a problemática da linguagem’).” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 36) “as grandes obras do movimento modernista — algumas delas
consideradas pervertidas ou obscenas, obscuras ou excêntricas na época em que surgiram — são importantes monumentos de arte e visão. Foram tentativas de não apenas captar o espírito de uma época como também dar à arte um novo ímpeto descobridor, uma nova autoconsciência. Esse é um dos motivos pelos quais as melhores obras modernistas são muitas vezes tecnicamente complexas e narcisisticamente voltadas sobre | si próprias; é um dos motivos pelos quais um dos temas mais óbvios que nelas encontramos é a própria tarefa de criação.” ( BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 36-37) “Os
grandes escritores que abordaremos ainda são nossos contemporâneos — às vezes muito mais do que muitos dos autores de nossa época atual. Ainda nos oferecem algumas das melhores obras de arte, algumas das mais aprofundadas investigações morais e históricas que podemos encontrar em toda a literatura. realmente conseguiram ‘tornar novo’, e nós vivemos agora na nova era que eles enxergaram e entre as imagens da realidade que eles construíram. ” ( BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes
escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 37) O Renascimento, ‘considerar todas as coisas e todos os princípios como modas inconsistentes vem se tornando, cada vez mais, a tendência principal do pensamento moderno’.” ( BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 40) “Como afirmou Walter Pater em
“a ‘modernidade’ — o
espírito da época tal como é reconhecido e explorado pelos grandes escritores, os portadores da consciência literária — é ela própria dividida, angustiada, insegura e desanimadora. E é o que de fato se dá; a literatura moderna, como a vida moderna, está sempre se aproximando do abismo, no mundo da ação ou no mundo interior da consciência. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 42) “Já
se disse, e | com razão, que foi necessário o século XX com toda sua experiência histórica para que se compreendesse Dostoiévski. ” (BRADBURY, M. O mundo
moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 42-43) “Quando, em 1917, a velha Rússia feudal chegou ao momento de terror revolucionário
que boa parte da obra de Dostoiévski parece prever ou tentar impedir que surja, as opções essenciais já estavam delineadas em Os demônios. Nas personagens dessa obra extraordinária encontramos aqueles desejos revolucionários imperiosos, intelectuais, que viriam a moldar boa parte do século XX — a fome de ideologia, a necessidade de dominar pela vontade, a justificação do terror e do totalitarismo, a visão de uma ordem social em que ‘apenas o necessário é necessário’.” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 43) “um
dos melhores analistas da obra de Dostoiévski, o crítico russo Mikhail Bakhtin, observou que com base na cidade Dostoiévski criou uma forma nova, o romance ‘polifônico’, que é exatamente o contrár io da forma de Notas do subterrâneo — na medida em que a narrativa está a cargo não de uma voz que monologa, e sim de uma grande polifonia em que muitas vozes estão em constante disputa. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 50) “‘Você lê algum jornal?’, perguntou Dostoiévski a um correspondente, explicando que
o escritor, a fim de chegar à essência de sua época, deve ler os jornais e captar a unidade subjacente, ‘par a que a conexão visível que há entre todas as coisas, públicas e privadas, se torne cada vez mais forte e clara’.” ( BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 51) “‘Tudo o mais depressa possível’, anota o autor em seu caderno, a respeito do início do romance. ‘Primeiro o evento, e então começa a corrupção de sua psicologia porque só agora ele recupera a consciência’. Como diz o escritor, após o ato é que se desenrola o
processo psicológico do crime, e é este o verdadeiro cerne do romance. Esse processo assumiria várias formas. Uma delas é a passagem do ato do nível do inconsciente, no qual foi apresentado de modo tão admirável, para o nível da consciência, onde pode ser objeto da análise moral. ‘A partir do crime em si tem início seu desenvolvimento moral, a possibilidade de perguntas que antes eram impossíveis’, anota Dostoiévski no caderno; e mais: ‘Do desespero nasce uma nova perspectiva’. Essa nova consciência,
como Dostoiévski deixa claro, pode corromper ou aperfeiçoar; Dostoiévski é sempre o analista da duplicidade da natureza humana. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 56) ficção existencial, a ficção do absurdo, a obra e Jean-Paul Sartre e a de Albert Camus — todas contêm a marca de Dostoiévski. É um legado extraordinário, principalmente por se tratar de um escritor que — ao menos em teoria — colocava-se contra a autoalienação da imaginação moderna e tentava encontrar o caminho da redenção. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 60) “A
“Como ele [Ibsen] comentou certa vez: ‘Tudo que escr evi está
intimamente relacionado com o que vivi. Cada nova obra tem para mim o objetivo de servir como um processo de libertação espiritual, pois todo homem compartilha a responsabilidade e a culpa da sociedade da qual ele faz parte’.” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 69) “tragédia
é a visão de um mundo implacável e inevitável que não pode ser reformado por uma simples revolução do espírito. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 77) quem compare, com justiça, Espectros à tragédia grega, pelo que nela há de presságio e inevitabilidade; e a prisão que Ibsen tece em torno da sra. Alving é completa.” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 77) “Há
felicidade e o século XX não são muito compatíveis; ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 78) “a
“O
agente secreto é uma obra capital do ceticismo moderno, que vê não apenas os instintos anarquistas mas também o próprio objetivo de depreender o significado da vida como um processo que leva ou ao absurdo ou à loucura e ao desespero. Em suma, a obra apresenta uma visão muito moderna, filosoficamente comparável ao existencialismo.” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 93) O agente secreto e Sob os olhos do Ocidente são encarados como exemplos importantes do romance político moderno, e com razão. Ao mesmo tempo — como era de se esperar — , essas obra foram criticadas por aqueles que acham que os romancistas têm obrigações políticas e devem exercer uma influência positiva e progressista sobre o processo histórico. sem dúvida, a po|lítica é por si só considerada importante, principalmente por vivermos numa época de secularização, na qual as utopias têm de ser inseridas na história. Na verdade, no sentido ideológico puro, tais utopias se revelam menos associadas à ideia de liberdade do que do totalitarismo, ao controle da realidade pelo estado, ao fanatismo e ao egoísmo; e elas não resolveram, e sim aumentaram, a sensação de viver num mundo absurdo. Hoje, após a ascensão do stalinismo, do fascismo e dos novos integrismos fanáticos do Oriente Médio, talvez valha a pena levar mais a sério a ideia de que as paixões políticas contribuíram mais para as agonias e atrocidades do que para o aperfeiçoamento do mundo. Os visionários e líderes, como o professor, constantemente exploram a insensatez e a histeria da multidão, bem como as emoções da loucura e do desespero. Conrad está interessado não no anarquismo revolucionário em si, mas nos sonhos e contradições emocionais que estão por trás dele. Vai mais fundo ainda, investigando a ideia moderna de que, de algum modo, existe uma liberdade do eu, absoluta e imperiosa, que é visionária e pode ser alcançada. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 94-95) “Assim,
“Os acontecimentos dos anos seguintes tornariam a visão do livro
bem mais relevante, à medida que se multiplicavam os desastres e as crises políticas; o liberalismo perdia sua
segurança, surgiam as anarquias perigosas de novas formas de fascismo e socialismo revolucionário, e o espião político e o agente secreto passavam a desempenhar um papel mais importante no processo histórico. Conrad viria a ter a distinção singular de ser reconhecido como um antecessor importante por escritores como Virginia Woolf, de um lado, e Graham Greene e Jean-Paul Sartre, do outro. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 96) não era um escritor modernista, pois segundo ele o modernismo era basicamente uma evasão em relação à história, uma fuga para a consciência individual.” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 103) “Para Lukács, Mann
em A montanha mágica algumas passagens fundamentais, nas quais Mann resume com muita precisão algumas de suas preocupações essenciais. Ele observa que, quando a época em que se vive parece responder com um silêncio vazio a todas as perguntas que | se fazem, então o espírito humano e o próprio corpo humano tendem a se atrofiar. “Há
‘Numa época que não fornece nenhuma resposta satisfatória às eternas perguntas ‘por quê?’ e ‘para quê?’, o homem capaz de realizar mais do que a média insignificante que
se espera dele deve possuir ou um distanciamento e determinação moral raros e até heroicos ou, então, uma vitalidade excepcionalmente robusta. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 103-104) “Para
Goethe, a história do mundo dividia-se em quatro épocas distintas: uma era inocente de poesia; uma época em que os mistérios tornam-se tão complexos que é gerada uma era de teologia; em seguida, uma era de filosofia, em que predomina a razão; e por fim uma era de prosa — a pior de todas, em que a tentativa de aplicar a razão ao mistério faz o mundo voltar ao estado de barbárie. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 114) 1884, J.-K. Huysmans publicara seu romance decadentista Às avessas, a respeito de um protagonista aristocrático que se refugia nas sensações e na arte, na torre de marfim da existência , numa revolta contra o mundo que se modernizava. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 131) [Caso contrário ao caráter e à atitude de Roquentin ou de Mathieu?] “Em
lhe perguntaram o significado de Ulisses, Joyce explicou: ‘Coloquei no livro tantos enigmas e quebra-cabeças que os estudiosos se manterão ocupados durante séculos, discutindo a respeito do que eu quis dizer, e esta é a única maneira de garantir nossa imortalidade’.” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 140) “Quando
“Mas esse arcabouço intelectual e literário não tem necessariamente de ser apresentado para que esses personagens e ações tenham seu valor humano reconhecido. ”
(BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 151)
“‘verso livre’ — embora, segundo Pound, o verso nunca fosse realmente livre para o poeta competente. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad.
Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 164) M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 183) “toda a vida transcorre no limiar da loucura ” (BRADBURY,
“Quando o homem está vivo, afirma o autor [Pirandello], ele não vê a si próprio; mas se colocamos um espelho a sua frente e o fazemos contemplar o ato de viver, ‘ou ele fica
atônito, estarrecido, diante de sua própria aparência, ou então desvia os olhos para não ver a si mesmo [...]. Se estava chorando, não consegue mais chorar; se estava rindo, não consegue mais rir [...] ocorre uma crise, e esta crise é o meu teatro’.” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 185) “As personagens são convincentes, cada uma com sua história individual. ‘Para qualquer personagem, seu drama é sua própria razão de ser’, disse Pirandello, e em si mesma torna-se real. ‘Não estou representando meu sofrimento’ diz a mãe. ‘Estou viva
e estou aqui agora, mas jamais esquecerei aquele terrível momento de agonia que se repete sem parar, bem vívido, na minha cabeça’. Cada personagem habita um mundo
particular e tenta justificá-lo, mas não há uma compreensão comum do que seja o drama geral, pois cada personagem é tamb ém um ponto de vista. ‘Todos nós temos um mundo de coisas dentro de nós, e cada um tem seu mundo particular’, diz o pai. ‘Como
podemos compreender uns aos outros se as palavras que uso têm o sentido e o valor que atribuo a elas, mas a pessoa que me ouve fatalmente lhes dá um sentido e um valor diferentes?” ( BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 191) “Como
disse o próprio Pirandello, quando um homem vive, ele não vê a si mesmo vivendo. Se por acaso se vê, surpreende- se com sua própria imagem ou cospe nela: ‘Em suma, ocorre uma crise, e essa crise é o meu teatro’.” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 192) “ Mrs.
Dalloway se encerra com uma afirmação semelhante de presença, claramente compartilhada pela autora, a qual também acreditava na força radiante do momento. ‘Ele é ou vai tornar -se uma revelação de alguma ordem; é o sinal de alguma coisa real por trás das aparências; e eu o torno real exprimindo- o em palavras’.” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 211) “Durante
os anos 40 e 50, num segundo período de pós-|guerra que exigia uma nova crônica das transformações históricas, o romance voltou ao realismo social, e a reputação de Woolf entrou em declínio. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 212-213) “Para
os existencialistas franceses do pós-guerra, como Camus e Sartre, que fizeram reviver o interesse por sua obra, tratava-se de um escritor filosófico, dentro do espírito
da literatura do absurdo (Camus discorre com brilho sobre Kafka em O mito de Sísifo).” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 233) “O
que isso deixa claro é que Kafka de fato abordou boa parte dos terríveis eventos históricos ocorridos após sua morte. No entanto, suas narrativas não são basicamente de fundo político. São complexas as fantasias modernas, semialegóricas, que provêm do mais íntimo do espírito e de uma percepção profunda das regras misteriosas que regem a existência. Originam-se em uma região íntima do espírito que conhece bem todas essas mentiras — a batida na porta pela manhã, os espectadores curiosos, o grande labirinto da lei arbitrária, os funcionários indiferentes, os documentos que nunca são suficientes, as hierarquias acima das hierarquias, os tribunais, os infindáveis processos legais, a espera diante da porta que jamais se abre. São essas as angústias metafísicas de uma mente torturada, as visões de um temperamento que vê um mundo em que a divindade benévola foi substituída por decisões arbitrárias e autoridades inacessíveis. Somente através de uma antevisão profética Kafka poderia saber que essas visões terríveis seriam as realidades da história moderna — as humilhações, uma passividade de pesadelo diante de poderes estranhos, os vínculos estranhos que unem carrascos e vítimas — e que essa seria também a terrível psicologia do mundo político de nossa época. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 233) “logo
após o velório de Finnegan, uma segunda guerra mundial impôs às artes um novo hiato a ser transposto, uma outra grande transição a ser feita. Na atmosfera do pósguerra, o existencialismo vicejou, e um novo sentimento de crise se instaurou. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 235) “embora poucos escritores modernistas ainda vivessem e as circunstâncias que geraram
o modernismo não mais vigorassem, sob muitos aspectos a arte moderna parecia mais viva do que nunca. A visão existencial sombria de Dostoiévski, o elemento destrutivo de Conrad, a visão de esterilidade de Eliot, a consciência do aniquilamento do ser de Kafka — todas essas coisas pareciam estar em perfeita harmonia com a era do átomo e do Holocausto, a era da angústia e do existencialismo.o modernismo, especialmente aquele seu componente que tinha consciência do elemento destrutivo e do abismo, afirmava sua continuidade com as vivências profundas e perturbadoras do século XX, e foi adquirindo mais autoridade. ” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 236) “como observou Harry Levin num ensaio com o título apropriado de ‘O que foi o modernismo’ — o chocante perdera a capacidade de chocar; havíamos passado da era
em que Picasso causava escândalo para aquela em que se construíam condomínios burgueses chamados ‘Moradas Pablo Picasso’.” (BRADBURY, M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 236) “em seu ensaio ‘Dentro da baleia’, dessa época, George Orwell escreveu que os escritores agora enfre ntavam ‘a era das ditaduras totalitárias — uma era em que a
liberdade de pensamento será primeiro um pecado mortal e, em seguida, uma abstração
M. O mundo moderno: dez grandes escritores. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 238) sem sentido’.” (BRADBURY,
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