Blanchot - O Olhar de Orfeu

July 24, 2019 | Author: Caio Et Dik | Category: Orfeu, Ciência Filosófica, Ciência, Religião e Crença
Share Embed Donate


Short Description

Download Blanchot - O Olhar de Orfeu...

Description

Maurice Blanchot – Le regard d´Orphée / O olhar de Orfeu In: L´espace littéraire / O espaço literário

II – Le regard d´Orphée § 1° Eurídice: o outro da noite

Orfeu desce até o íntimo da noite acolhedora, mas eis que desatina em procurar ali algo outro que a noite, uma outra noite na intimidade da noite: essa “outra noite” é Eurídice, “o  ponto mais obscuro obscuro na direção da da qual a arte parece parece tender” (p. 225; 225; p. 171) § 2°

Dissimulação

Orfeu não quer, no entanto, preservar Eurídice em sua profundeza noturna, mas, ousadamente, ousadamente, trazê-la à luz, dando-lhe forma, figura e realidade. Somente por um desvio é que Orfeu pode atrair  Eurídice, desvio que revela a dissimulação em meio à noite. Orfeu, ao descer à noite, se esquece da obra que deve realizar, e se esquece necessariamente. (Foucault afirmara que em Blanchot a negligência é necessária à atração). Só assim poderia ele desvelar a própria essência da noite. § 3°

Desobedecendo Desobedecend o a lei, Orfeu evitou uma desobediência mais grave

Para os gregos, a experiência que origina a obra deveria ser desencadeada por si mesma. “La profondeur ne se liver pas en face, elle ne se revele qu´en se dissimulant dans l ´ouvre” (p. 226; p. 172). Desobedecendo à lei, Orfeu melhor se submete a ela. Consistiria numa transgressão ainda mais grave se ele deixasse de procurar Eurídice. § 4°

Orfeu segue sua real intenção

Orfeu engana a noite que o permitiu descer para trazer Eurídice sem porém vê-la, mas esse era justamente seu único objetivo. “C´est cela seulement qu´il est venu chercher aux Enfers. Toda a glória de sua obra, toda a potência de sua arte e o desejo mesmo de uma vida feliz sob a bela claridade do dia são sacrificados por esse único cuidado [zelo]: olhar na noite aquilo que dissimula a noite, a outra noite, a dissimulação que aparece” (p. 226; p. 172). § 5°

Orfeu desvela a presença de uma ausência infinita Há uma outra morte que não essa tranqüila à qual caminhamos e que queremos, mas uma outra morte sem fim. § 6° O dia julga Orfeu Desesperado em ter de se contentar com o mero cantar a amada , Orfeu abnega seu

canto e se lança na perdição de olhá-la. Assim, abre espaço a outra possibilidade de obra, à qual  justamente era necessário necessário ter havido havido esse désouvrement [eterno]. § 7°

Paciência X Impaciência

A impaciência de Orfeu (um risco) é, em verdade, sua verdadeira paciência. Ao romper astuciosamente a infinita espera, ele lançou-se numa outra dimensão temporal, na qual outra medida se abriu, uma outra morte, assim, se configurou.  L´inspiration § 8° A desobediência de Orfeu é condição para a obra, obediência e uma lei outra

“en désobéissant à la loi, en regardant Eurydice, Orphée n´avait fait qu´obéir à l ´exigence profonde de l´ouvre, comme si, par ce mouvement inspire, Il avait bien ravi aux Enfers, l ´ombre obscure, l´avait, à son insu, ramenée dans le grand jour de l´ouvre. (p. 228; pp. 173-174). § 9°

Inspiração

Se dá no esquecimento (da lei). Renunciar a fracassar é muito mais grave que renunciar a ser bem-sucedido. Eis o movimento irresistível ao qual Orfeu não quis escapar. escapar. “comme si ce que nous appelons l´insignifiant, l´inessentiel, l´erreur, pouvait, à celui qui en accepte le risque et s´y livre sans retenue, se réveler comme la source de toute authenticité”

(p. 229; p. 174). O olhar faz Orfeu perder a obra, porém igualmente ultrapassá-la. § 10° A obra é tudo para Orfeu, mas se perde no olhar desejado § 11° O olhar é um dom à obra § 12° Retorno nostálgico à incerteza de origem  Le don et le sacrifice § 13° A inspiração está ligada ao desejo § 14° O sacrifício é um insouciance

Inocência: natureza desse sacrifício. Orfeu sacrifica sua aliança com a noite, única chance à inspiração, à custa de um doloroso sacrifício: adormecer no inessencial. § 15° A liberdade

A noite que acolhera Orfeu é certamente mais rica que aquela que aparece após olhar   para a amada. Porém, ela também se fechava sobre Eurídice e sobre si mesma. O olhar de Orfeu “rompe com a lei que continha, retinha a essência” (p. 231; pp. 175-176). O olhar de Orfeu é, assim, o momento extremo da liberdade, momento onde ele se torna livre de si mesmo, e, acontecimento mais importante, libera a obra de seu cuidado, libera o sagrado conteúdo na obra, dá o sagrado a si próprio, à liberdade de sua essência, a sua essência que é liberdade (a inspiração é, para aquela, o dom por excelência). § 16° Inspiração e desejo

Desejo e impaciência: desmazelo. Mas não se pode prender-se à impaciência. Esta, ao contrário, deve decorrer de uma mais profunda paciência.  Le saut  § 17° O salto: para escrever, é preciso já escrever “Écrire commence avec le regard d´Orphée”

(p. 232; p. 176). Porém, é necessário que Orfeu já possuísse a arte. A inspiração àquele que já escreve é esse salto – esse olhar.

View more...

Comments

Copyright ©2017 KUPDF Inc.
SUPPORT KUPDF