Bioética como novo paradigma e saúde

May 28, 2018 | Author: marcelopelizzoli | Category: Phenomenology (Philosophy), Science, Sociology, Reality, Paradigm
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Descrição: Coletânea de textos críticos éticos, filosóficos e da área da saúde que apontam para um novo paradigma em saú...

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Bioética como novo paradigma

*

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, P, Brasil) Bioética como novo paradigma : por um novo modelo biomédico e biotecnológico / apresentação de Frei Antônio Moser ; Marcelo eli!!oli "org#$# % etrópolis& '( : )o!es& *++,# )-rios autores# .B0 ,232435*63574534 1# Bioética *# 8i9ncia % Aspectos morais e éticos 5# tica médica 7# esuisa % Aspectos morais e éticos .# Moser& Antônio# ..# eli!!oli& Marcelo# +,3+4+

8eandro 3A''.C=.& 1: 25$#na medicina oEicial 0a concepção utilitarista dominante moderna& cura é sinônimo de apropriação dos recursos da vida e da saGde com vistas a legitimar a acumulação do capitalismo médico& no sentido amplo& e a assegurar uma proEissão bem remunerada para a medicina $ibera$ privada& no sentido restrito# 0esta perspectiva& a doença é uma mercadoria a ser transEormada em dineiro e o doente um consumidor de produtos da indGstria médica# A eEic-cia da transação depende essencialmente do

*2

pragmatismo do especialista; toda aproNimação é considerada indesePada# >@& A# "*+++a$# @ntretien avec Alain 8aillé: le paradoNe Eéconde du don# .n: Prati'!es % >es caiers de la médecine utopiue& n# 2& décembre 13Panvier *+++# aris# ^^^^^^ "*+++b$# Ant&ropo$ogie d! don/ le tiers paradigme# aris: e don de la parole# .n: 5a 9ev!e d! Ma!ss& n# 1# aris: >a a donation premire de lapparence# .n: 5a 9ev!e d! Ma!ss# aris: >a & M# "*+++$# 0aissance de $a c$ini'!e# 6 ed# aris: F# C@'B@'& '# "14$# Medicina vibraciona$/ uma medicina para o Euturo# ão aulo: 8ultriN _riginal em ingl9s: ;ibrationa$ Medicines % 0e[ coices Eor ealings ourselves`# C.CA'& # "122$# 5a vie de $aboratoire# aris: >a @A'W& # "1$# F$as&bacs/ surEando no caos# ão aulo: Beca roduçOes 8ulturais _Jtulo em ingl9s: F$as&bacs- a persona$ and c!$t!ra$ &istor3 of an era$# >@ B'@0& .& M# "1,$# +! nomadisme/ vagabondagens initiatiues# aris: >ibrairie Cénérale Française# MA'.0& #=# "*++5$# Contra a des!mani"ação da medicina 8 8rJtica sociológica das pr-ticas médicas modernas# etrópolis: )o!es# ^^^^^^ "1a$# As terapias alternativas e a libertação dos corpos# .n: 8A'XX.& M#(# A nova era no Mercos!$# etropolis: )o!es# ^^^^^^ "1b$# >es nouveauN péllerins urbains et létiue de la vie: réEleNions sur le mouvement des térapies alternatives# .n: Cai&iers d! Brési$ Contemporain& n# 52/5# aris: >a Maison de ciences de l=omme# ^^^^^^ "1c$#  paraJso& o tao e o dilema espiritual cidente: passagem do antropocentrismo moderno paradoo cosmocentrismo pós3moderno# .n: 9evista 2ociedade e Estadovol# Y.)& n# 1& Pan#3Pun# BrasJlia: nB# MA'@>3A''.C=.& @# "1$# Ailleurs& autre regards: la leçon des désorceleurs du bocage# .n: Prati'!es/ les caiers de la médecine utopiue& n# ,# aris: .ndigne#

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MA& M# "1a$# @suisse dune téorie générale de la magie# .n: 2ocio$ogie et Ant&ropo$ogie) aris: F# ^^^^^^ "1b$# 'apports réels et pratiues de la psDcologie et de la sociologie# .n: 2ocio$ogie et Ant&ropo$ogie# aris: F# ^^^^^^ "1c$# @EEet pDsiue ce! lindividu de lidée de mort suggérée par la collectivité# .n: 2ocio$ogie et Ant&ropo$ogie# aris: F# ^^^^^^ "1d$# >es tecniues du corps# .n: 2ocio$ogie et Ant&ropo$ogie# aris: F# ^^^^^^ "1e$# @ssais sur le don: Eorme et raison de lecange dans les sociétés arcaiues# .n: 2ocio$ogie et Ant&ropo$ogie# aris: F# M@'>@A30W& M# "12*$# 9és!més de co!rs# aris: Callimard# ^^^^^^ "16+$# =$oge de $a p&i$osop&ie# aris: Callimard/Folio @ssais# ^^^^^^ "174$# P&énomeno$ogie de $a perception# aris: Callimard# M@W@'& F# "126$# rient3ccident: un dialogue singulier# .n: B8=AW@' "org#$# A!trement rev!e/ autres medecines& autres moeurs# aris# =@> 9epensando o processo sa(de*doença A '!e responde o mode$o biomédico <

Introdução

?osé A!g!sto C) Barros@

8om o propósito de crJtica ao modelo biomédico % mecanicista e egemônico na doutrina e pr-tica ue inEorma a medicina na atualidade % partiremos de uma sJntese istórico3 evolutiva ue contempla a apresentação das idéias e personagens3cave ue caracteri!ariam os uatro paradigmas ou modelos ue& ao longo do tempo& precederam o modelo sob investigação# @m seguida veremos o Eenômeno da medicali!ação % conse\9ncia e estJmulo concomitantes na egemonia do modelo biomédico % conteNtuali!ando3a& brevemente& na sociedade de consumo& sob o império da lógica do mercado# omamos a uestão dos medicamentos como eNemplo das distorçOes advindas do incremento da medicali!ação e dos Eatores a ela subPacentes# Ao Einal& comenta3se a respeito das limitaçOes no alcance da desePada interEer9ncia positiva da medicina& uma ve! Eeita a opção pelo modelo biomédico# rata3 se de uma uestão istórica& epistemológica e de impacto bioético crucial# :. )odelos eplicativos do processo sa3de&doença+ breve %ist#rico

0a traPetória evolutiva das concepçOes e da pr-tica sobre a saGde e a doença podemos considerar alguns paradigmas ue& começando com a visão m-gico3religiosa& na Antig\idade& termina na abordagem do modelo biomédico& predominante nos tempos de oPe# ara a elaboração do conteNto de car-ter istórico& essencial I reEleNão sobre o modelo biomédico aui pretendida& nos inspiramos& em grande medida& nos teNtos de Bennet "121$& 8apra "12*$ e >ain @ntralgo "12$# 1#1# As abordagens da medicina m-gico3religiosa e da empJrico3racional

A medicina mágico*re$igiosa& predominante na Antig\idade& se inseria em um conteNto religioso3mitológico no ual o adoecer era resultante de transgressOes de nature!a roEessor3adPunto do >@& 15$# s mGltiplos aspectos socioculturais e comportamentais envolvidos na uestão dos medicamentos t9m sido obPeto de diversos ramos das ci9ncias sociais e sua aplicação I -rea da saGde& como é o caso da antropologia médica& sendo uma reEer9ncia oportuna& com respeito& especiEicamente& aos medicamentos& a revisão Eeita por 0icter e )ucVovic "17$#

) 7randes $imitaç,es do Mode$o Biomédico aralelamente ao avanço e soEisticação da biomedicina Eoi sendo detectada sua impossibilidade de oEerecer respostas

7

conclusivas ou satisEatórias para muitos problemas ou& sobretudo& para os componentes psicológicos ou subPetivos ue acompanam& em grau maior ou menor& ualuer doença# As crJticas I pr-tica médica abitual e o incremento na busca de estratégias terap9uticas estimulada pelos anseios de encontrar outras Eormas de lidar com a saGde e a doença "no seu conPunto designadas como medicinas a$ternativas ou comp$ementares$ constituem uma evid9ncia dos reais limites da tecnologia médica# Mesmo ue muitos proEissionais ceguem a admitir a eNist9ncia de componentes de ordem subPetiva ou aEetiva ue eNercem inElu9ncia até em casos de doenças em ue as evid9ncias orgQnicas sePam mais eNplJcitas& não se sentem& com Ere\9ncia& I vontade para lidar com estes componentes& pois para isto& via de regra& os proEissionais não Eoram preparados# >@& *+++$#  interessante& ainda& ressaltar uão EleNJveis são as correntes de pensamento antigas para incorparar& uando preciso& princJpios e técnicas da medicina ocidental moderna& aPa visto o eNemplo dos médicos cineses de oPe& em cuPa Eormação se incluem& mesmo com 9nEase na escola médica especJEica& conecimentos tanto da medicina tradicional uanto da ocidental moderna# m problema adicional signiEicativo di! respeito aos custos envolvidos nas novas tecnologias médicas para cuPo enErentamento os indivJduos ou o serviço pGblico de saGde se sentem cada ve! mais impotentes# al como P- comentado antes& a lógica de mercado e os interesses envolvidos uando tudo Eoi transEormado em mercadoria desempena um papel eNtremamente importante nessa ampliação de gastos& na medida em ue tudo é Eeito sob a égide da Qnsia pela ampliação sem limites dos lucros& muitas ve!es com pouco ou nenum controle por parte do @stado ou de outros instrumentos ue atuem em deEesa dos interesses dos usu-rios dos serviços de saGde# @nEim& Ea!endo nossas as consideraçOes de Bennet& o ue as escolas médicas do passado % sePa a antiga medicina grega& sePam& as ainda em vigor& concepçOes da medicina cinesa& aDurvédica ou unani % t9m a ensinar ao médico ocidental& sempre cético em tudo ue não se Eundamente na anatomia& Eisiologia e patologia modernas& é& sobretudo& a visão integra$ do paciente# 0ão se Ea! mister uaisuer subsJdios& entre nós& para entender as partes#  ue& sim& se Ea! necess-rio é a compreensão do todo e de como as partes interagem# rge visuali!ar o indivJduo "o ue signiEica& etimologicamente& KindivisJvelL$ como (nico devendo3 se& pois& considerar menos& se determinado tratamento f!nciona& pensando na maioria dos pacientes& mas se o tratamento Euncionar-neste paratempo este paciente em particular& com estes problemas pessoais& de sua vida& neste ambiente& neste recanto do paJs e do mundo# @m outras palavras& o enEoue primordial não deve continuar se concentrando nauilo ue o paciente tem em comum com outros& mas nas suas peculiaridades# @stamos no tempo do novo paradigma& recuperando também pr-ticas antigas consagradas#  problema central do modelo biomédico não reside numa espécie de maldade intrJnseca ue o caracteri!aria& mas no Eato

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de ue ele é demasiado restrito no seu poder eNplicativo& o ue implica óbices importantes para a pr-tica de médicos e pacientes# al como ressalta Bennet "12,$& médicos sensJveis estão insatisEeitos com este modelo& não propriamente porue o mesmo não responde a muitos dos problemas clJnicos& e sim devido ao Eato de ue tomam consci9ncia das reaçOes psicológicas dos seus pacientes e dos problemas socioeconômicos envolvidos na doença& mas não v9em como incorporar essas inEormaçOes na Eormulação diagnóstica e no programa terap9utico# 0as concepçOes orientais % caso de medicina cinesa e sua teoria do 3in*3ang % o enEoue é substancialmente '!a$itativo& e as eNplicaçOes ue ão de ser dadas assumem a Eorma de va$ores# 0o ocidente - a tend9ncia de se privilegiar as eNplicaçOes de nature!a '!antitativa& redu!indo3e& com Ere\9ncia a KualidadeL I eNpressão numérica& estatJstica& da mesma& uando esta Gltima& ainda ue de grande utilidade& nos Eornece uma KprobabilidadeL ou uma resposta em termos de KmédiasL# 0o ue se reEere aos medicamentos& ao ipervalori!ar as EunçOes ue eles podem vir a desempenar& além da geração de uma depend9ncia pela ual se cr9 ue& para todo e ualuer problema& independentemente de sua gravidade ou neNos causais& aver- uma pJlula salvadora& deparamo3nos com um incremento nos custos& tanto econômicos uanto& propriamente& sanit-rios# Essa verdadeira c!$t!ra da p#$!$a identifica bons n#veis de sa(de com a$to gra! de cons!mo# rescritos ou não por médicos % P- ue& em nosso paJs& os balconistas de Earm-cia também atuam como prescritores "BA''& 1,$ % ou consumidos através da automedicação& a eNpectativa criada é sempre Eavor-vel em relação Is novidades continuamente lançadas no mercado pela indGstria ou prometidas para logo mais# =@M& 14$# As ci9ncias da saGde se dedicaram ao trabalo de aEirmar o ue é normal ou patológico& e indicar como o segundo pode ser eliminado# . norma$ não necessitaria ser traba$&ado já '!e e$e é determinado de a$g!ma forma- seja socia$mente o! matematicamente# A dimensão social é& com certe!a& uma das primeiras a sinali!ar as insuEici9ncias deste tipo de abordagem# Apesar do avanço em uantidade de conecimento tecnológico ue este movimento tra! Is ci9ncias da saGde& este é inacessJvel I maioria 

8ertamente temos os relatos de epidemias e taNas altas de

mortalidade bem como eNpectativa baiNa de vida na .dade Média na @uropa& por eNemplo& ou em outros tempos posteriores# Mas isso não se deve I Ealta de avanço da medicina& mas antes I baiNa ualidade de vida& -bitos alimentares perniciosos& condiçOes de igiene prec-rias etc# or outro lado& as tradiçOes indJgenas& orientais& mesmo gregas e de colônias sustent-veis até oPe dão o grande eNemplo de saGde& prevenção e processos de curas naturais#

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da população do planeta& tra!endo& além do mais& eEeitos colaterais incalcul-veis# @Niste um salto técnico enorme "no esuema uJmico3EJsico da calculabilidade e eNperimentação laboratorial$& eNatamente nas Eerramentas diagnósticas& auelas ue permitem delinear/desenar& ver e catalogar a doença; é raro não conseguirmos dar um nome ao ue Kalguém temL& mas na mesma proporção é raro oEerecermos uma terapia de ualidade ao ue é diagnosticado& ao lado de uma visão de conPunto# s médicos e demais técnicos em saGde t9m como auge do seu trabalo o diagnóstico EJsico; este é comemorado como um 9Nito proEissional& mas& inGmeras ve!es& pouco conEorto e poucas possibilidades de cuidado/cura estão presentes de Eato1+# A imposição do norma$*pato$Dgico sobre o processo sa(de*doença tra! outra conse\9ncia: a necessidade de KconsertarL o ue est- deEeituoso# ão necess-rios instrumentos para ue a m-uina corpo3umano volte ao Euncionamento normal# As doenças& entidades eNternas ue invadem o suPeito& precisam ser combatidas com outros agentes eNternos& capa!es de elimin-3las# A descoberta de peuenos seres vivos& micrDbiosue Eoram associados de Eorma causal Is patologias Eoi complementada pelo estudo de agentes uJmicos capa!es de destruJ3los ou anular seus eEeitos# 0um espaço de poucas décadas& desenvolve3se obsessivamente a indGstria Earmac9utica com os antibióticos e vacinas# 0ão obstante& - um limite claro e matem-tico entre o normal e o patológicoH 0uma visão mecanicista e cartesiana averia; P- numa visão integradora não - este limite obPetivo# A obPetividade é encontrada também por outros meios# 0ão demora o surgimento de crJticas a este modelo& o ual ganou o stat!s de padrão social aceito e Eoi erguido violentamente pelo mercado# or outro lado& inicia3se o levantamento da multicausalidade das doenças % o cl-ssico modelo de >eavell38larV ue identiEica o agente& o indivJduo e o meio ambiente como Eatores determinantes da geração da patologia %& de e pela necessidade de trabalar na *++5$# perspectiva preventiva evitar a doença "cE# A'8A& 8ontudo& o 1+ 8ura& etmologicamente& signiEica cuidar# 0este sentido& curar é um processo umano e de saGde amplo& ue envolve seres umanos e suas relaçOes& condiçOes sociais& ambientais e aEetivas "psJuicas$# Muitas ve!es& mais do ue o remédio uJmico ou a cirurgia& o paciente precisa da cura como cuidado umano#

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Eoco continuou sendo as entidades patológicas e as intervençOes uJmicas alop-ticas# 0a década de 1,+& especiEicamente no 8anad-& começa a ganar corpo a proposta da promoção da saGde# 0o inJcio& numa lina mais comportamental& deEendia a adoção de uma série de comportamentos tidos como saud-veis& tais como uma rotina de eNercJcios EJsicos& alimentação natural balanceada e o combate ao tabagismo# Além disso& a população passa a ser convocada de diversas Eormas& em conselos pGblicos& em iniciativas não3 governamentais a participar da gestão da saGde pGblica& a pensar em mecanismos para garantir uma noção ue ganou bastante Eorça dentro deste movimento: a Kualidade de vidaL& através de polJticas pGblicas saud-veis "cE# B& *++7$# 8om o tempo& esta primeira tend9ncia Eoi uestionada& especialmente pelo movimento latino3americano da @pidemiologia ocial& ue a analisou como uma estratégia inPusta de redução dos vultuosos e crescentes gastos da Kmedicina dos ospitaisL& através da culpabili!ação das pessoas# @sta crJtica gana ainda mais Eorça uando em 126& do!e anos após o inJcio da eNperi9ncia pGblica canadense& é reali!ada a . 8onEer9ncia .nternacional de romoção de aGde& em tta[a& com uma série de princJpios ue Eoram interpretados como uma imposição estrangeira do modelo de atenção sanit-ria % desenado para paJses capitalistas ricos aos paJses pobres# A participação popular se tornou uma nova norma adotada pelos técnicos e gestores da saGde& num patamar mundial& e não um camino de autonomia e emancipação dos suPeitos em suas comunidades "cE# X& *++7$# u sePa& ainda não se pensava a idéia do suPeito da saGde& respons-vel por si e diante de sua comunidade# @sta pol9mica no debate da promoção da saGde perdura até os dias de oPe# or enuanto& esta Gltima tem sido Kmais umL departamento da saGde coletiva& e obtido pouco sucesso na sua vocação reorientadora# A tensão polJtica ue a envolve Eoi trabalada em duas conEer9ncias tem-ticas regionais ue ocorreramaem rinidad e obago "15$ e em Bogot- "1*$& cobrando responsabilidade dos governos na construção de condiçOes mJnimas de saGde& tais como saneamento& educação b-sica& segurança alimentar e polJtica abitacional# 0este sentido& nestes primeiros anos de mil9nio& - iniciativas nos campos teórico e pr-tico de tentar aproveitar as brecas tra!idas pela promoção da saGde& para ensaiar algumas mudanças radicais na Eorma como nós umanos cuidamos do nosso corpo& da nossa alma& do nosso ser e do nosso planeta#

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7ma medicina integradora

As contribuiçOes ue a promoção da saGde pode tra!er I medicina& e assim para a população em geral& Eoram pouco eNploradas até o momento# uas inElu9ncias por enuanto t9m acontecido principalmente no campo teórico3pr-tico da saGde coletiva& com ue a medicina mantém uma conEusa interEace# @sta diEJcil comunicação tem bases em tensOes próprias das dicotomias ocidentais& como as ue eNistem desde a Crécia Antiga& entre o pGblico e o privado& o individual e o coletivo& e& mais modernamente& entre o estruturalismo e o individualismo sociológico& o beaviorismo e a psican-lise& etc# 8ontinuamos a nossa busca desértica pela miragem no o-sis# @m todo caso& este é um problema ue muitas tradiçOes orientais conseguem resolver& ao colocar em Neue o nosso conceito de se$f "ego$ e nossa visão Eragment-ria& apresentando3nos a possibilidade de olarmos nossa pele como uma rede no meio do mar& ue não le tra! nenum tipo de divisão; assim também conceber outro modo de lidar com a doença& tirando o Eoco do micróbio e da uJmica e passando Is condiçOes de saGde integral# A medicina egemônica dos nossos dias é a ue técnica de diagnóstico e tratamento de entidades patológicas acometem indivJduos umanos tornados pedaços de carne ou agregados uJmico3mecQnicos# m bom médico& aJ& é o ue sabe manipular bem aparelos e drogas& e não o ue sabe reeuilibrar a saGde de seus pacientes# Muito se tem debatido em torno de como umani!ar este processo& para ue gere menos soErimento# =- um discurso ganando cada ve! mais espaço nas escolas médicas: as doenças t9m portadores& pessoas a serem levadas em conta neste processo e em suas interEaces ambientais/sociais# urgiu a idéia de retomar os antigos médicos de EamJlia& aueles ue coneciam a todos pelo nome& iam a sua casa para les atender& e reali!avam inGmeros outros papéis& com destaue para o de conseleiro Eamiliar# .nspiradas pela eNperi9ncia da saGde em 8uba& surgiram aui as propostas de medicina de EamJlia e comunidade& em ue o médico % além destas EunçOes % tem entre suas tareEas desenvolver uma mobili!ação social& cultural e aEetivo3polJtico com a população de determinado local# 0o entanto& a promoção da saGde nos convida a um outro desaEio: é possJvel construirmos uma medicina para além das doençasH @m . nascimento da c$#nica "F8A>& *++7$& vemos como as doenças % da Eorma moderna como as

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conecemos % ganam vida no inJcio do século Y.Y& e seu conecimento é utili!ado como Eerramenta de controle das autoridades e da classe médica sobre os corpos umanos e comunidades# odemos uestionar um KdogmaL sobre o ual se alicerçam as ci9ncias da saGde na atualidade: doenças& como tais& eNistemH s organismos umanos apresentam maniEestaçOes e processos tempor-rios ue relacionamos a uma eNperi9ncia de bem3estar ou incômodo proEundo& dor& soErimento; mas Eoi a racionalidade médica tecnoc9ntrica e então acoplada ao mercado ue as transEormaram em pato$ogias especJEicas# Ruando alguém sente dor ao urinar& alguém sente dor ao urinar e ponto#  um médico uem nos aEirma ue se trata de uma inEecção do trato urin-rio pela bactéria E) co$i& e ue isso tem apenas !m modo de ser abordado#  seu organismo não tra! nenum letreiro ou código com esta inEormação# As bactérias& germes e outros microorganismos e os seres umanos convivem como una e carne desde sempre# 0ão viverJamos sem eles# >ogo& o ue a nossa medicina egemônica Ea! é interpretar uma série de sinais eNternados ou desvendados de nosso corpo& pegando um camino de causalidade linear& em geral o Gnico aceito& dentro do ue se impOe uma terap9utica Gnica& ue pode ser encontrada em manuais prontos# @ tenta encaiNar os sinais em padrOes literalmente doentios& ue ela& enuanto um campo de conecimento umano& acumulou durante dois séculos& numa velocidade de crescimento eNponencial; mas se limitando aJ a uma Eorma reducionista de enNergar os processos vitais& Eorma cartesiana& isto é& mecanicista& dicotômica& Eragmentada e coisiEicante % Ea!endo perder o elemento pessoal& sist9mico& vivo e relacional neste mesmo movimento& agora tradu!ido como doença eNterna e inimiga11# Aplicando alguns dos princJpios da promoção da saGde& apontamos algumas caracterJsticas do ue acreditamos possa ser a medicina promotora da saGde#

@udando o oco m dos grandes desaEios de sairmos do porto seguro& porém Ealido& das doenças/pato$ogias é ter de descobrir outros mares a navegar no oceano da saGde& ue é o da vida e da morte# 8omo di! andra 8aponi em seu artigo 2a(de como abert!ra ao 11

)ePa uanto a isso& nesta obra& o trabalo de # Martins e o de

M# eli!!oli& bem como sua obra Correntes da ética ambienta$ "@d# )o!es& *++5$#

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risco "8A0.& *++7$- enuanto a doença ganou o lugar do pGblico em nossa sociedade& a saGde inEeli!mente continua sendo uma uestão privada# rocar estes papéis é um dos grandes riscos ue uma interpretação normativa e apenas técnica da promoção da saGde tra! para o nosso tempo# Ruais são as conse\9ncias da deEinição de um modelo de saGde Gnico para uma sociedadeH As pr-ticas na!istas são um cruel eNemplo de como se pode levar certos dogmas ao eNtremo# odavia& esta proposta de reorientação abre possibilidades animadoras para o marasmo clJnico contemporQneo se a enNergamos numa perspectiva Eormativa# ma medicina promotora da saGde não vem para tra!er a deEinição de saGde e repetir os erros do modelo biomédico e da medicali!ação eNcessiva vigente& mas para contribuir com os seres umanos& individualmente e coletivamente& para ue descubram o ue é saGde para eles e como podem viv93la# @sta compreensão da medicina est- comprometida com uma idéia ou construção de Eelicidade& de desenvolvimento social& de reali!ação Eamiliar e coletiva# 0ão est- de acordo com a indiEerença& com a Ealta de cuidado& ou com o mercado e lucro Earmac9utico e das tecnologias da doença# elo contr-rio& acredita ue decisOes são colocadas em pr-tica a todo tempo e implicam mudanças no ue acontece conosco# Mas elas precisam ser tomadas lucidamente e não acatadas com Eatalismo# )islumbra resgatar o ser umano como suPeito de escolas& respons-vel por seus desdobramentos no m!ndo da vida das nossas relaçOes#  um modo de sentir3agir3 pensar essencialmente ético& de busca do et&os % do nosso ambiente& da nossa casa& da nossa srcem& do sentido de estarmos vivos# >esigniicando o método s antigos gregos acreditavam ue I eNperi9ncia do adoecer estava associada a não reali!ação da sua missão nesta vida# ma das principais Eormas de cuidado era deiNar as pessoas alguns dias em reEleNão espaçoo camado emiteri!m & olando a própria vida enum buscando ue deveria ser transEormado nela "cE# A>.& *++7$# As grandes tradiçOes orientais colocam o adoecimento como um deseuilJbrio das energias vitais gerado pela própria pessoa e ue Eundamentalmente e$a é capa! de modiEicar# Ke alguém é capa! de Eicar doente& também é capa! de retomar a saGdeL % eis um de seus lemas essenciais# 0este sentido& o ue um médico pode

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construir de conecimento com a pessoa ue busca sua aPuda é muito mais importante do ue auilo ue pode Ea!er por ela# Assim& é transEormado o papel tecnicista do médico moderno& para um médico aberto e interpretativo# 0a medicina egemônica atual& ele eNplica o ue acontece com a pessoa segundo uma verdade Gnica& ue ele passa pretensamente a possuir& amparado nos aparelos e calculado nos laboratórios& distante do processo da vida da pessoa e seu corpo# 0esta outra proposta& a interpretação continua sendo uma técnica Eundamental& mas deiNa de pertencer ao médico e passa a ser um papel dos seres umanos ue estePam num processo de auto3cuidado# 8abe ao médico ser um parceiro deste processo e um instigador social desta atitude& oEerecendo mecanismos ue possam aPudar neste movimento de autodescoberta e de interação com a vida& onde não são claros os limites entre o ue se cama de saGde e de doença# 2sta proposta de medicina sintoni'a epistemologicamente, por eemplo, com a fenomenologia e a %ermenêutica, correntes da Filosofia, resgatando o diálogo entre consciência e realidade, colocando a relaç!o sueito&sueito como din(mica fundamental do processo de con%ecimento, substituindo a relaç!o sueito&obeto dicotEmica e isoladora, pr#pria do cartesianismo. os aportes filos#ficos da %ermenêutica uma outra e mais concreta racionalidade %umana é investigada, voltada para a práis e o c%amado mundo da vida, que con%ecemos intimamente. X& Madel ere!ina "*++7$# 0at!ra$- raciona$- socia$ % 'a!ão médica e racionalidade cientJEica moderna# * ed# revista# ão aulo: =ucitec& *+ p# @>.XX>.& Marcelo "*++5$# Correntes da ética ambienta$# etrópolis: )o!es# A>.& )iVtor 0& 1+: 7*# .n: 8AAj@.)@.'A& 1,: 72$# 0esse caso& a proposta de =ellegers se apresenta como proposta voltada a uma -rea restrita& ou ainda especista1,- e ue& 16

8riador do .nstituto de Bioética (osep and 'ose UennedD para

o estudo da reprodução umana# 8abe aui ressaltar ue a perspectiva Vennediana deiNa a ecologia em segundo plano& priori!ando a medicina e seus demais aspectos# 1,

ermo criado por 'icard .XX>.& Marcelo "*++5$# Correntes da ética ambienta$# etrópolis: )o!es# ^^^^^^ "1$# A emerg:ncia % )o!es# 'eEleNOes ético3EilosóEicas paradoo paradigma século YY.#eco$Dgico etrópolis: MA0& 0eil "17$# GecnopD$io: a rendição da cultura I tecnologia# ão aulo: 0obel _radução de 'eDnaldo CuaranD`# @'& )an 'ensselaer "1,1$# Bioet&ics: bridge to te Euture# 0e[ (erseD: rentice3=all#

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'.FU.0& (eremD "1$# . séc!$o da biotecno$ogia 8 A valori!ação dos genes e a reconstrução do mundo# ão aulo: MaVron BooVs _radução de Arão apiro`# A08=X )RX& AdolEo "*++7$# =tica) *4# ed# 'io de (aneiro: 8ivili!ação Brasileira _radução de (oão
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