Bases Científicas Do Treinamento de Hipertrofia - Paulo Gentil

September 19, 2017 | Author: JizzPontes | Category: Ribosome, Muscle, Messenger Rna, Mitochondrion, Dna
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Bases Científicas do Treinamento de Hipertrofia

Bases Científicas do Treinamento de Hipertrofia Paulo Gentil

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Capa: Leandro Pcrcs Editoração: Julia Soares Revisão: Cristina da Costa Pereira

C IP-B rasil. C atalogação na fonte. Sindicato N acional dos Editores de Livros, RJ.

G295b Gentil, Paulo Bases científicas do treinamento de hipertrofia / Paulo Gentil. - Rio de Janeiro: Sprint, 2005 inclui bibliografia ISBN 85-7332-234-9 1. M usculação. 3. M úsculos - Hipertrofia

2. Treinamento com pesos. 4. Exercícios físicos para idosos

I. Título 04-3471.

27.12.04

CDD 613.71 CDU 613.72 / 2 9 .1 2 .0 4 /0 0 8 6 5 8 D epósito Legal na B iblioteca N acional, conform e D ecreto n° 1.825 de 20 de dezem bro de 1967.

Impresso no Brasil Printed in Brazil

0 autor

O professor Paulo Roberto Viana Gentil é graduado em Educação Física pela Universidade de Brasília (UnB), tendo complementado sua formação com os seguintes cursos: P ó s-g ra d u a ç ão lato sensu em nível de e sp ec ializa ç ã o em Musculação e Treinamento de Força pela Universidade Gama Filho (UGF). Pós-graduação lato sensu em nível de especialização em Fisiolo­ gia do Exercício pela Universidade Veiga de Almeida (UVA). Pós-graduação stricto sensu em nível de mestrado (cursando) em Educação Física, Saúde e Qualidade de Vida pela Universidade Ca­ tólica de Brasília (UCB). Atuou como professor e coordenador em diversas academias de Brasília e, atualmente, é presidente do GEASE (Grupo de Estudos Avançados em Saúde e Exercício) e coordenador do treinamento de força e potência de atletas de diversas modalidades, incluindo a triatleta Mariana Ohata.

Agradecimentos

Em primeiro lugar, agradeço à minha família, a concretização des­ te livro, assim como todas as minhas realizações são e serão sempre dedicadas a vocês. Aos meus pais, Paulo e Ilma, a quem devo minhas qualidades e realizações. Por mais que passasse o resto dos meus dias escrevendo agradecimentos, eu jamais faria justiça à importância que tiveram em minha vida. À minha irmã, Cristiane, minha amiga mais antiga e certamente quem mais conviveu, e viveu, comigo. A minha mulher Elke, que sempre me apoiou, com amor, paciên­ cia, amizade e tudo de que eu sempre precisei. Poucas pessoas têm tantas qualidades como você e menos ainda têm a sorte de encontrar tais pessoas, como eu tive. Aos meus amigos, que sempre me acompanharam, mesmo que não fisicamente. Temo citar nomes, pois poderia cometer injustiças, ao omitir o nome de alguém, mas assim que puder lhes direi isso pesso­ almente.

Sumário

P re fá c io ......................................................................................... 9 In tro d u ç ã o .................................................................................. 11 C A PÍTULO 1 -Princípios básicos........................................... 13 1.1 - Princípios do treinamento desportivo aplicadosao treino de hipertrofia........................... 13 1.2 - Conceitos básicos do treinamento de fo rça .................. 17 CA PÍTU LO 2 - Fisiologia ap licad a.......................................21 2.1 - Estrutura e organização da fibra m uscular.................... 21 2.2 - Síntese p ro téica................................................................. 25 2.3 - Estruturas e processos da contração m u scu lar 27 2.4 - Fibras e proprioceptores..................................................32 C A PÍTU LO 3 - Adaptações morfológicas ao treinamento de fo rç a .............................................................37 3.1 - H ipertrofia..........................................................................37 3.1.1 - Fatores atuantes..............................................................37 3.1.2 - Estímulos para a hipertrofia......................................... 50 3.1.3 - Hipertrofia sarcoplasmática X m iofibrilar................. 54 3.2 - H iperplasia.........................................................................58 3.3 - Tipos de fib ras................................................................... 63 CA PÍTU LO 4 - Métodos e técnicas....................................... 69 4.1 - Métodos metabólicos e tensionais...................................69 4.2 - Diferenças entre as ações m usculares............................ 74 4.3 - Métodos para intensificar o treino de hipertrofia 81

s

C A PITU LO 5 - Elaboração e prescrição de tre in o s 109 5.1 - Quantidade de treino a ser m antida............................. 127 5.2 - Como determinar a carga a ser usada nos treinos?.... 131 5.3 - Qual o número ideal de repetições para se obter h ipertrofia?.............................................................................. 135 5.4 - Qual o intervalo a ser dado entre as sessões de treinos?................................................... 136 5.5 - Qual o intervalo a ser dado entre as sé rie s? .............. 139 5.6 - Quais exercícios escolher?........................................... 141 5.7 - Em que velocidade executar os exercícios?.............. 145 5.8 - Até que amplitude o exercício deve seguir?.............. 148 5.9 - Como assegurar para que os resultados sejam mantidos a longo prazo?......................................................................... 149 R eferên cias b ib lio g r á fic a s....................................................... 159

Prefácio

A cada ano a seleção de mestrandos no Programa de Pós-Gradua­ ção Stricto Sensu em Educação Física da Universidade Católica de Brasília se depara com a entrada de novos talentos. O Paulo Gentil é um desses talentos e é por isso que me sinto honrado por ter sido convidado para prefaciar seu livro. O livro trata do treinamento de hipertrofia e nesse sentido tem sido grande a utilização desse tipo de treinamento, principalmente em decorrência de o treinamento resistido estar associado à melhora nos níveis de força muscular em idosos, bem como a fatores estéticos. Por outro lado, em academias, observa-se ainda muito desconheci­ mento sobre as fases científicas do treinamento de hipertrofia. Tal­ vez porque parte dos profissionais desconhece os avanços científi­ cos nessas áreas. O contexto em que se inserem as linhas desse livro procura de forma clara elucidar esses avanços e mostrar como tirar proveito do treinamento resistido voltado para a hipertrofia. De maneira muito clara, o autor faz uma viagem pelos princípios básicos, fisiologia muscular, adaptações morfológicas, métodos de treinamento e ela­ boração do treinamento. Tenho certeza de que será bem-aceito pela comunidade acadêmica e estará entre os livros-texto indicados pelos cursos de Educação Física. Prof. Dr. Ricardo Jacó de Oliveira Coordenador do Program a de Pós-G raduação Stricto Sensu em E ducação F ísica da U niversidade C atólica de B rasília

Introdução

O treinamento com pesos é, sem dúvida, uma das atividades físicas mais estudadas da história. No entanto, a maioria das publicações tem enfoques clínicos ou desportivos, deixando os profissionais par­ cialmente desamparados quando estão diante da prescrição para aten­ der o objetivo mais comum entre os praticantes de musculação no Ocidente: os resultados estéticos. Atualmente, o treinamento de força conta com a publicação de gran­ des pesquisadores como: William Kraemer, Steven Fleck e Keijo Hakkinen, mas dentro da sala de musculação, a atividade ainda é dominada por dogmas, práticas infundadas e conceitos sem bases científicas. O objetivo desta obra é iniciar o preenchimento de tal lacuna, apro­ ximando conceitos e descobertas científicas atuais da realidade das academias e ginásios e fornecendo ao professor de Educação Física subsídios para orientar a prescrição de treinos. Espero sinceramente que, antes de um modelo a ser seguido, este livro seja uma referência para discussões críticas e construção de novos conhecimentos pois, na minha visão, um livro não encerra o processo de aprendizagem, mas o inicia e alimenta.

CAPITULO 1 Princípios básicos

1.1 - Princípios do treinamento desportivo apli­ cados ao treino de hipertrofia Princípio da adaptação Nosso organismo vive em um estado dinâmico de equilíbrio, fruto da constante interação com o meio. Sempre que um estímulo externo o afasta deste equilíbrio, os padrões de organização do sistema são mudados para se ajustar à nova realidade, em uma tendência chama­ da auto-organização. Esta tendência em superar desafios externos por meio de mudanças estruturais é a base do princípio da adaptação, dentro do treinamento desportivo. No treinamento de força, por exemplo, a sobrecarga imposta pelos exercícios afetará o funcionamento do organismo pelo rompimento de sarcômeros, diminuição das reservas energéticas, acúmulo de metabólitos e por meio de outras alterações fisiológicas que fazem emergir a necessidade de um novo estado de organização, que nos torne aptos a sobreviver adequadamente nas novas condições, carac­ terizadas pela imposição de sobrecargas constantes, como no treina­ mento de longo prazo. Este novo estado de equilíbrio é promovido por processos específicos, que levarão a alterações estruturais como aumento da secção transversa das fibras, maior eficiência neural, hiperplasia, mudanças nos tipos de fibras, aumento das reservas de energia etc. Muito mais que um princípio, a adaptação pode ser considerada uma lei, tanto que há autores que não a colocam como um dos princí­ pios, mas sim como uma lei que rege o treinamento, do qual se deri­ vam os princípios propriam ente ditos (ZATSIORSKY, 1999; WEINECK, 1999). E importante frisar aqui que a adaptação não é imposta pelo meio, mas estabelecida pelo próprio sistema (CAPRA, 2000), portanto, os

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resultados do treinamento não são conseqüências somente dos estí­ mulos oferecidos, mas também da reação do organismo a estes estí­ mulos.

Princípio da continuidade O estado de equilíbrio de nosso sistema é dinâmico e instável, adap­ tando-se constantemente às demandas internas e externas. Conforme se detecta que um arranjo estrutural esteja inadequado à situação atual, novas mudanças são sinalizadas por mecanismos de realimentação. Desta forma, para que um determinado estado sistêmico seja mantido, é necessário que se forneçam continuamente estímulos que o justifiquem. Dentro do treinamento desportivo, tal efeito é a base para o princí­ pio da continuidade, o qual determina que o treinamento deve ser repetido e ter sua estruturação ajustada continuamente a fim de que sejam assegurados os resultados de longo prazo. No treinamento de força objetivando ganhos de massa muscular, isso é particularmente evidente, pois a massa muscular mantida por grande parte dos atletas excede em muitas vezes a quantidade neces­ sária para realizar as atividades diárias “comuns”. Além disso, o te­ cido muscular é altamente exigente em termos metabólicos, aumen­ tando a necessidade de consumo calórico, algo que seria pouco útil para sobrevivência em condições primitivas. Deste modo, tão logo os estímulos sejam interrompidos, o coipo cuidará de se livrar do que for considerado desnecessário.

Princípio da especificidade O novo estado de equilíbrio promovido pelas adaptações será ba­ seado nas demandas atuais, ou seja, as mudanças estruturais serão específicas para os estímulos oferecidos. Dentro do treinamento desportivo, esta tendência está ligada ao princípio da especificidade. No entanto, não se deve fazer uma associação linear entre o estí­ mulo oferecido e a adaptação estrutural. Em nosso sistema, as rea­ ções passam por diversos processos não-lineares, levando a respos­ tas crônicas que, muitas vezes, se distanciam do efeito agudo do es­ tímulo. Podem os citar, como exemplo, estudos em que treinos anaeróbios levaram a maiores aumentos na capacidade aeróbia que treinos aeróbios propriamente ditos (TABATA et ciL, 1996) e, dentro

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do treino de força, estudos em que a utilização de cargas mais eleva­ das e realização de maior trabalho mecânico não promoveram maio­ res ganhos de força e hipertrofia (TAKARADA, 2000b). Assim, para aplicar o princípio da especificidade, o treinador deve ter conhecimento das reações específicas inerentes à intervenção que está planejando e não simplesmente fazer uma associação linear de causa e efeito entre os fatores aparentes.

Princípio da individualidade Dentre organismos com arranjos similares, as mudanças estrutu­ rais induzidas pelos mesmos estímulos externos terão grande grau de similaridade. Podemos citar, por exemplo, a tendência do músculo esquelético, de todos os mamíferos, a hipertrofiar diante da sobre­ carga crônica. No entanto, os detalhes desta nova configuração es­ trutural e sua regulação exata terão grande variação, mesmo entre dois elementos da mesma espécie. Tal singularidade de comporta­ mento é conhecida dentro do treinamento desportivo como princípio da individualidade. Não devemos, no entanto, deturpar o princípio da individualidade sugerindo que há total imprevisibilidade de comportamento em res­ postas aos mesmos estímulos e, com isso, positivar uma postura irres­ ponsável que nega o uso do método científico. Deve-se ter em mente que a existência de individualidade não significa que dois seres huma­ nos tenham adaptações totalmente divergentes aos mesmos estímulos, mas sim que a quantificação destas respostas não pode ser extrapolada. Fora aberrações genéticas, os seres humanos, em geral, tendem a respostas semelhantes, o que não renega o princípio da individuali­ dade. Um exemplo é a tendência geral de nosso organismo em res­ ponder de forma mais expressiva a estímulos de maior intensidade e menor duração, impostos dentro de limites controlados, como nos casos de aumento de massa muscular (ver seção 5), densidade mine­ ral óssea (COUPLAND et a l, 1995; WHALEN et a l, 1988), perda de peso (TREMBLAY et a l, 1994), aumento da capacidade aeróbia (TABATA et a l, 1996) e outros. Apesar desta regra geral, a defini­ ção dos estímulos que serão eficientes, tanto em sua qualidade quan­ to em sua quantidade será, em grande parte, determinada pelas ca­ racterísticas individuais grandemente influenciadas pela estrutura genética (BRAY, 2000).

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Quando da elaboração de um treino, o treinador deve ter conheci­ mento das tendências de comportamento geral dos sistemas e obter informações específicas pelo método científico, devendo usar o prin­ cípio da individualidade para orientar a intervenção para a realidade específica, sem esperar que a resposta seja igual entre todas as pes­ soas. De acordo com ZATSIORSKY (1999), a tentativa de imitar programas de treinamento feitos por outras pessoas normalmente se mostra infrutífera, porque apenas as idéias gerais devem ser aprovei­ tadas, e não todo o protocolo de treinamento.

Princípio da sobrecarga O estabelecimento de um novo arranjo estrutural é iniciado toda vez que nosso organismo é afastado de seu equilíbrio dinâmico. A sobrecarga é justamente a magnitude deste desvio, determinada por aspectos qualitativos e quantitativos. Assim, o conceito de sobrecar­ ga não é relativo aos fatores externos que atuam no sistema, porém à forma como o organismo responde a tais fatores. Dentro do treinamento de força voltado para hipertrofia, o foco do princípio da sobrecarga tem sido desviado dos aspectos qualitativos para os aspectos quantitativos, sendo comum, por exemplo, aplicar o princípio do “quanto mais melhor”, voltando a atenção para a quan­ tidade de estímulos (séries, repetições e, principalmente, cargas uti­ lizadas), em vez das alterações promovidas pelos estímulos - o que acaba por transformar o princípio da sobrecarga, no princípio da car­ ga. Entretanto, a sobrecarga que um treino proporcionará ao sistema não poderá ser entendida unicamente contabilizando o peso utiliza­ do ou a quantidade de séries e repetições realizadas, mas, principal­ mente, por meio da qualificação das alterações fisiológicas proporci­ onadas, que pode ser feita pela análise de fatores como: amplitude de movimento, forma de execução, tipos de contração, método de trei­ namento, intervalo de descanso etc. A sobrecarga tem limites que devem ser respeitados, pois a capaci­ dade de nosso corpo retornar ao equilíbrio é limitada. Estímulos que causem desvios pouco significativos não promoverão mudanças es­ truturais, sendo inócuos; no entanto, estímulos que promovam desvi­ os acima da capacidade auto-organizadora serão lesivos. Desta for­ ma, a sobrecarga do treino deve estar dentro de uma margem contro­ lada para que se chegue a um estado desejável e saudável.

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1.2 - Conceitos básicos do treinamento de força Força Na Mecânica Física, força é a interação entre corpos, que produz variações em sua velocidade, isto é, provoca uma aceleração (movi­ mento). É calculada pela equação: Força = massa x aceleração Dentro do treinamento com pesos, a força muscular pode ser con­ ceituada como quantidade de tensão que um músculo ou grupamento muscular pode gerar em um padrão específico e determinada veloci­ dade de movimento (KRAEMER & HAKKINEN, 2004). Repetições Uma repetição é a execução completa de um ciclo de movimento, geralmente composta por duas fases: concêntrica e excêntrica. No caso do treinamento isométrico, podemos definir repetição como a ação muscular em um determinado ângulo (FLECK e KRAEMER 1999; KRAEMER & HAKKINEN, 2004). Repetição Máxima (RM) é o número máximo de repetições com­ pletas que podem ser realizadas, com uma determinada carga (FLECK e KRAEMER 1999). Muitas vezes é impossível estipular com certe­ za a carga ideal para um determinado número de repetições. Neste caso, torna-se mais adequado trabalhar com margens de repetições, por exemplo, entre 10 e 12RM. Esse sistema é muito útil e prático tanto para iniciantes quanto avançados, permitindo uma adequação diária da carga utilizada (TAN, 1999).

Série E a execução de um grupo de repetições, desenvolvidas de forma contínua, sem interrupções (FLECK e KRAEMER 1999).

Carga E a massa, normalmente expressa em quilos (Kg), utilizada para oferecer resistência à execução de um exercício. A carga pode ser definida em termos absolutos ou relativos: - Carga absoluta é a quantidade total de carga utilizada em um determinado exercício.

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- Carga relativa é o percentual que a carga utiliza, em relação à máxima suportável. Ex.: Se um indivíduo consegue realizar um exer­ cício com 100 kg e o faz com 80 kg, ele está utilizando uma carga absoluta de 80 kg e uma relativa de 80%. Intervalo Intervalo entre as séries é o período que se deve levar entre o fim de uma série e o início de outra. Este fator é extremamente importan­ te para o sucesso do exercício, pois, por meio dele, podemos regular os estímulos fisiológicos que desejamos obter. As diferentes formas de manipular os tempos de intervalo serão discutidas, especialmen­ te, na seção 5.5.

Velocidade de execução Velocidade de execução é o tempo que se leva para completar cada fase de uma repetição. Para ajudar na prescrição de treinos é propos­ ta uma simbolização da velocidade de execução baseada no conceito de tempo proposto por Charles Poliquin (1997). A proposta é designar a velocidade de execução por meio de 4 dígitos, sendo o primeiro para designar a fase excêntrica; o segundo, a transição entre a fase excêntrica e concêntrica; o terceiro, a fase concêntrica e o quarto a transição entre a fase concêntrica e excêntri­ ca. Observe o exemplo abaixo: Exercícios

Séries

Repetições

Intervalo

Velocidade

Mesa extensora

3

5-7 RM

3'

4020

Mesa flexora

3

5-7 RM

3'

4020

A velocidade 4020 pode ser traduzida da seguinte forma: 4 - quatro segundos na fase excêntrica 0 - sem pausa na transição entre a fase concêntrica e excêntrica 2 - dois segundos na fase concêntrica 0 - sem pausa na transição entre a fase excêntrica e concêntrica Além dos números, usa-se a letra “X” para expressar que determi­ nada fase deve ser feita na maior velocidade possível. Por exemplo, 40X0 significa que a fase excêntrica leva 4 segundos e a fase con­ cêntrica ocorre de fornia explosiva, sem transição entre as fases.

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A orientação correta quanto à velocidade específica em cada fase de movimento é extremamente importante, tanto que a maior parte dos estudos tem explicitado os tempos das fases concêntrica e ex­ cêntrica em sua metodologia. No entanto, o tempo de transição entre as fases também deve ser designado, pois uma simples pausa de dois segundos entre cada repetição pode ser a diferença entre um treino eficiente e um inócuo, em termos de hipertrofia (SCHOTT et aL, 1995). As bases para se prescrever a velocidade de movimentos serão explicadas na seção 5.7.

Intensidade Normalmente, a intensidade é associada à quantidade total de car­ ga levantada, podendo ser expressa em termos absolutos (quilos ou libras), relativos (% de RM) ou por meio da potência realizada (TAN, 1999, FLECK & KRAEMER, 1999; KRAEMER & HAKKINEN, 2004, FLECK, 1999). Em nossa abordagem, o termo intensidade está mais próximo ao conceito de qualidade, sendo definido como a alteração aguda que o treino promove no equilíbrio do sistema dentro de uma determinada unidade quantitativa (tempo, repetições, séries). Por exemplo, man­ tidos constantes os demais fatores, uma série de 10 repetições com carga de 100 quilos, para o supino, será mais intensa que uma reali­ zada com 70 quilos. Ressaltamos, no entanto, que o conceito de in­ tensidade não é relacionado somente à carga, mas também a todo o conjunto de variáveis, como velocidade, amplitude, tempo de des­ canso, método de treinamento, estado atual do organismo etc. Volume Volume de treinamento é uma medida da quantidade total de traba­ lho realizada, expressa em joules. Algumas maneiras simplificadas de se calcular o volume são o produto repetições x séries e o produto repetiçõesx séries x carga (TAN, 1999, FLECK & KRAEMER, 1999; KRAEMER & HAKKINEN, 2004; FLECK, 1999). No entanto, para a aplicação no treinamento de força com fins de hipertrofia, propo­ mos uma abordagem mais simples. Nesse caso, o volume é caracteri­ zado como a quantidade de séries executadas, podendo ser calculado por exercícios, por grupamento muscular, por treino, por semana.

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Interdependência voium e-intensidade A magnitude do volume e da intensidade depende da manipulação das variáveis do treinamento. Um incremento no volume, normal­ mente, provoca alterações na intensidade e vice-versa. Na maioria das vezes, o aumento dos estímulos de um, proporcionará a diminui­ ção na outra (TUBINO, 1993). O resultado do produto volume/intensidade não é um modelo ma­ temático simples em que a ordem dos fatores é desprezível. No trei­ namento desportivo, em geral, observa-se que um aumento exagera­ do de volume é mais propício a trazer resultados negativos que o aumento da intensidade (LEHMAN e ta l, 1993). Assim, o equilíbrio entre os dois deve ser planejado com observação de alguns limites.

CAPITULO 2 Fisiologia aplicada

2.1 - Estrutura e organização da fibra muscular O músculo esquelético é composto por diversas camadas, tendo como sua menor estrutura funcional a fibra muscular, uma célula multinucleada, fina e longa. O diâmetro da fibra varia entre 10 e 80 micrômetros e, na maioria das vezes, ela possui o mesmo compri­ mento do músculo, sendo composta por diversas unidades funcio­ nais, denominadas sarcômeros. Quimicamente, a célula muscular é composta por cerca de 75% de água, 20% de proteína (miofibrilas, enzimas) e 5% de sais inorgânicos e demais substâncias - ATP, creatina, cálcio (McARDLE et al., 1991). A fibra muscular possui uma membrana externa (sarcolema) en­ volvendo os núcleos e o sarcolema, um meio líquido onde se locali­ zam as enzimas, proteínas contráteis, partículas de gordura, fosfato de creatina, glicogênio, retículo sarcoplasmático, mitocôndrias e ou­ tras organelas. As principais estruturas componentes da fibra muscu­ lar são:

Sarcolema O sarcolema é a membrana externa da fibra, responsável pelo con­ trole da entrada e saída de substâncias como íons de sódio e potássio. Ao final de cada fibra, as camadas superficiais dos sarcolemas se fundem, entre si, e com fibras tendinosas, formando os tendões, que unem músculos e ossos. Sarcoplasma O espaço interno da fibra é composto por uma matriz líquida deno­ minada sarcoplasma. Neste líquido estão suspensas as miofibrilas e grandes quantidades de potássio, m agnésio, fosfatos, enzim as, retículos sarcoplasmáticos e mitocôndrias.

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Mitocôndrias As mitocôndrias são estruturas em forma de bastonetes, cuja prin­ cipal função é a síntese de ATP. A mitocôndria possui duas membra­ nas envolventes, uma externa, lisa, e outra interna, com dobras projetadas para o interior da organela. Nesta membrana intema, ocorre a cadeia de transporte de elétrons, uma importante cadeia de reações para a ressíntese de ATP. As mitocôndrias possuem DNA próprio, sendo capazes de-codificar algumas de suas proteínas, o que as torna auto-replicativas, ou seja, podem se multiplicar livremente quando há maior necessidade de energia, independente das demais organelas.

Retículo sarcoplasmático Nas células musculares, o retículo endoplasmático é adaptado para as necessidades específicas da fibra e recebe a denominação de retículo sarcoplasmático. Esta estrutura constitui-se em uma rede entrelaçada de canais tubulares e vesículas, envolvendo as miofibrilas. O retículo sarcoplasmático proporciona à fibra sua integridade estru­ tural, além de armazenar grandes quantidades de cálcio, usado no processo de contração muscular. A extremidade lateral de cada túbulo do retículo sarcoplasmático termina em uma vesícula denominada vesícula terminal, onde íons de cálcio são armazenados. Uma rede de túbulos, denominada túbulos T, atravessa a fibra, correndo perpendicularmente às miofibrilas. Ao longo do sarcomêro, há encontros regulares (duas vezes em cada sarcômero) entre os túbulos T e as vesículas terminais, os quais rece­ bem o nome de tríade, por envolverem três estruturas: dois túbulos e uma vesícula terminal. Estas estruturas são extremamente importan­ tes por conduzirem o potencial de ação que chega à membrana exter­ na para o interior da célula, liberando posteriormente os íons de cál­ cio para iniciar o processo de contração muscular. Enzimas Para que a vida seja possível é necessário que as reações ocorram em sentidos e velocidades específicos, gerando os produtos necessá­ rios. As enzimas são as responsáveis por atender esta necessidade, atuando em praticamente todas as reações celulares (MARZOCO & TORRES, 1999). 22

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Ribossomos Estruturas onde ocorre a síntese protéica.

Miofibrilas Cada fibra muscular tem cerca de 80% de sua área coberta por centenas a milhares de miofibrilas (ALWAY et a í, 1988), as quais têm a importante função de atuar no processo de contração muscular. Cada miofibrila é composta por milhares de moléculas de proteínas polimerizadas denominadas filamentos, que podem ser finos, de actina (cerca de 30.000 filamentos), ou grossos, de miosina (cerca de 15.000 filamentos) (GUYTON & HALL, 1999). É importante não confun­ dir filamentos com moléculas. Um aglomerado de moléculas forma os filamentos; os filamentos de actina, por exemplo, são compostos por diversas moléculas de actina, troponina e tropomiosina. Dentro do sarcômero, os filamentos de miosina estão dispostos no centro, e os de actina, lateralizados, unidos à linha Z. Estes filamentos são mantidos em suas posições devido a um aglomerado de molécu­ las de outra proteína, a titina. Em uma visão mais geral, observa-se que a fibra muscular possui faixas de coloração mais clara alternadas por faixas escuras. As faixas escuras são os trechos onde os filamentos de actina e miosina se sobrepõem, também denominadas bandas A,por serem anisotrópicas à luz polarizada. Dentro destas bandas há a zona H, na região central do sarcômero, onde existem somente filamentos de miosina. As faixas claras são denominadas bandas I por serem isotrópicas, e contêm somente filamentos de actina. Filamentos de actina Para visualizar os filamentos de actina, pode-se imaginá-los como dois colares de pérolas trançados. Cada pérola corresponderia a uma molécula de actina, que tem forma globular. A actina tem locais es­ pecíficos onde a cabeça da miosina se encaixa para iniciar o proces­ so de contração muscular, denominados sítios ativos. MOLÉCULAS DE ACTINA

SÍTIOS ATIVOS

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Outras proteínas importantes são a troponina e a tropomiosina; esta última pode ser visualizada como uma fita, que cobre os sítios ativos da actina quando o músculo está em seu estado relaxado. A troponina se liga à tropomiosina, e ajuda a liberar os sítios ativos na presença de cálcio, deslocando-a. TROPONINA

TROPOMIOSINA

TROPONINA

TROPOMIOSINA

Filamentos cle miosina Os filamentos de miosina são compostos por milhares de molécu­ las de miosina, ilustrados com a forma de um taco de golfe com duas “cabeças”. Cada molécula é composta por duas miosinas de cadeia pesada e quatro de cadeia leve. As duas miosinas de cadeia pesada se entrelaçam, formando a “cauda”. No final da molécula, elas se sepa­ ram e embolam-se tomando um aspecto globular, que constitui as “cabeças”. Duas moléculas de miosina de cadeia leve unem-se a cada cabeça, ajudando a controlar sua função durante a contração muscu­ lar (GUYTON & HALL, 1999).

CABEÇAS

CAUDA

(Errei

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As moléculas de miosina são unidas pelas bases e suas cabeças são os locais que se encaixarão com os sítios ativos da actina, possuindo locais específicos para ligação de moléculas de ATP e ação da enzima ATPase.

Núcleos Nossas células (eucariontes) possuem uma membrana nuclear que separa o material genético do sarcoplasma. Esta membrana possui algumas aberturas, por onde ocorre grande parte da troca entre os meios intra e extranuclear. Dentro do núcleo há um emaranhado de cromossomos denomina­ do cromatina. Os cromossomos, por sua vez, são compostos basica­ mente por histonas e ácido desoxirribonucléico (DNA). As mensa­ gens genéticas contidas no DNA determinarão, em grande parte, as características do organismo.

2.2 - Síntese proteica As proteínas são o principal componente orgânico da fibra muscu­ lar, daí a importância da síntese protéica para a organização estrutu­ ral e funcional do músculo. Este processo ocorre dentro da membra­ na celular e é dividido em duas fases:

Transcrição No início do processo de transcrição, as ligações de hidrogênio entre as cadeias de DNA são rompidas. Em seguida, há a transcrição de RNAm seguindo a mesma sequência das bases de DNA (com excessão da presença de Uracil no lugar de Timina). Após este pro­

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cesso, o RNAm é transportado do núcleo para o citoplasma, onde se encontram os ribossomos e os RNAt.

Translação (alongamento) Na translação, as informações contidas na seqüência de bases do RNAm são traduzidas como uma seqüência de aminoácidos, em um processo ocorrido nos ribossomos. Cada aminoácido é expresso por uma seqüência de três pares de bases denominada códon. As. molé­ culas de RNAt possuem um sítio específico de ligação para cada códon (anti-códon) em uma extrem idade e uma m olécula de aminoácido na outra. No ribossomo, as seqüências de códons são convertidas em cadei­ as de aminoácidos, trazidos pelo RNAt. O processo é iniciado quan­ do a primeira molécula de RNAt (a seqüência sempre é iniciada pelo aminoácido metionina) é posicionada no códon inicial do RNAm. Em seguida, os próximos aminoácidos são ligados aos anteriores quan­ do os anticódons dos RNAt estão sobre os códons do RNAm. Agora, os aminoácidos são traduzidos como cadeias polipeptídicas, ditadas pelo DNA e representadas pelo RNAm. Nesta etapa, o ribossomo desliza sobre o RNAm junto com a cadeia polipetídica recém-formada, à medida que os códons são preenchidos, passando para o códon seguinte (ver figuras abaixo). MOVIMENTO DO RIBOSSOMO

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Ao final do processo, um fator liberador se liga ao último códon, liberando a cadeia polipeptídica do ribossomo. Em um organismo maduro saudável, a síntese protéica ocorre cons­ tantemente em taxas proporcionais à degradação (turnover), porém diante de estímulos adequados, a síntese excederá a degradação, oca­ sionando balanço positivo com conseqüente aumento do volume protéico da célula. E importante lembrar que existem RNA mensageiros específicos para cada proteína a ser produzida (desde subtipos de miosina até receptores androgênicos) e o tipo e magnitude do estímulo determi­ narão a transcrição de RNA a ser realizada. Desta forma, um tipo de treino pode aumentar a síntese de proteínas participantes do metabo­ lismo oxidativo e outro, a de miosina de cadeia pesada.

2.3 - Estruturas e processos da contração muscular Célula nervosa A célula nervosa é com posta por três com ponentes básicos: dendritos, corpo celular e axônio (WEINECK, 2000), cujas funções são as seguintes:

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- D endritos: recebem a inform ação proveniente de outros neurônios e a transmitem ao corpo da célula. - Corpo da célula: processa a informação, podendo modificá-la ou mesmo inibi-la. - Axônio: leva as informações do coipo da célula para outros locais. Alguns axônios podem conter bainhas de mielina em seu corpo, uma substância lipídica que serve como isolante, evitando a trans­ missão dos impulsos aos neurônios adjacentes e auxiliando oprocesso de condução do impulso nervoso. Esta bainha é formada por es­ truturas especializadas, denominadas células de Schwan. A bainha de mielina não acompanha todo o corpo do axônio, deixando espa­ ços descobertos, os chamados nódulos de Ranvier. Desta forma, o impulso nervoso “salta” os espaços mielinizados até os nódulos, em um processo denominado condução saltatória, que faz com que os axônios com bainhas mielinizadas possuam velocidades de condu­ ção ate 50 vezes maiores que as não-mielinizadas (60 a 100 m/s para a primeira e 0,5 a 10 m/s para a segunda). Condução do Impulso nervoso O impulso nervoso é conduzido pela ação da bomba de sódio-potássio. Quando um neurônio está em “repouso”, sua parte interna tem carga negativa e a externa, carga positiva, situação chamada potencial de repouso da membrana. Este potencial deve-se à concentração iônica, com os íons de Sódio (Na+) e Potássio (K+) encontrando-se principal­ mente fora e dentro da célula, respectivamente. Note que nenhum do ambientes possui carga negativa, o meio intracelular é negativo em relação ao meio extracelular, mas ambos possuem carga positiva, de­ vido à maior quantidade de Na+ fora da célula do que de K+ dentro. A condução do impulso nervoso torna a membrana permeável aos íons de Na+e K+, possibilitando uma movimentação no sentido da área de menor concentração para área de maior concentração, ou seja, os íons de Na+entram e os de K+ saem da célula, despolarizando a mem­ brana por dar ao interior uma carga mais positiva em relação ao ambi­ ente extracelular. Esta reversão do potencial elétrico, denominada despolarização, dura alguns milissegundos até que a membrana tornese novamente impermeável. Para que os íons de Na+ e K+ retomem à sua concentração de antes do impulso, deve entrar em ação a bomba de sódio-potássio, que age ativamente, consumindo ATP. Nesse ponto,

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aparece outra vantagem dos neurônios mielinizados, pois o processo de repolarização só acontecerá nos nódulos de Ranvier, uma vez que os trechos mielinizados são isolantes. Desta forma há menor demanda de energia e menor gasto de tempo. Além da presença das bainhas de mielina, outro fator que interfere na condução do im pulso é o diâm etro do axônio. Em fibras mielinizadas a velocidade de condução aumenta na mesma propor­ ção que o aumento do diâmetro, já nas amielínicas a velocidade au­ menta na proporção do quadrado do aumento do diâmetro (FLECK & KRAEMER, 1999). Normalmente, as fibras de condução mais rápidas (mielinizadas e de maior diâmetro) possuem limiares de excitabilidade mais altos, levando-as a serem recrutadas mais tardiamente. Isto faz com que, em situ a ç õ e s n o rm ais, as u n id ad es m o to ras c o m p o stas prioritariamente por fibras tipo I sejam recrutadas primeiro em rela­ ção às com predominância de tipo II, ao que se dá o nome de princí­ pio do tamanho no recrutamento. (KRAERMER & HÄKKINEN, 2004).

Chegada do impulso nervoso à junção neuromuscular O ponto de encontro do neurônio com a fibra muscular é denomi­ nado junção neuromuscular (vide figura). A junção neuromuscular é composta por: - Axônio - Membrana pré-juncional (axônio) - Vesículas sinápticas - contêm acetilcolina - Fenda sináptica - espaço entre o axônio e a fibra muscular - Membrana pós-juncional (fibra muscular) - contém receptores de acetilcolina.

MEMBRANA

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Quando o impulso nervoso chega à junção neuromuscular, abremse os canais de Cálcio (Ca2+) ao longo da membrana do terminal nervoso, fazendo com que estes íons ingressem na célula. A concen­ tração aumentada de Ca2+ faz com que as vesículas sinápticas mi­ grem para a membrana pré-juncional e liberem acetilcolina na fenda sináptica. Em seguida, a acetilcolina se liga a receptores específicos na membrana pós-juncional, causando aumento da permeabilidade da membrana e permitindo a propagação do impulso ao-longo do sarcolema por meio da abertura dos canais de sódio e potássio, le­ vando à sua despolarização. Ou seja, a acetilcolina permite que o impulso nervoso atravesse a fenda sináptica, sendo por isso um neurotransmissor. A fibra continuará a ser ativada até que a acetilcolina seja degrada­ da pela acetilcolinesterase, presente na membrana pós-juncional, o que leva cerca de cinco milissegundos para ocorrer. Os subprodutos da degradação da acetilcolina podem ser captados pelo axônio e usa­ dos na ressíntese do neurotransmissor. Tendo em vista que o tama­ nho do axônio é, comparativamente, bem inferior ao da fibra muscu­ lar, seu impulso iônico não seria forte o suficiente para se propagar por uma fibra. Desta forma, a acetilcolina funciona como um “am­ plificador” do impulso que está sendo propagado.

Contração muscular A teoria mais aceita para a contração m uscular é a teoria do filamento deslizante, proposta por Huxley. Segundo esta proposta, o encurtamento do músculo deve-se ao deslizamento dos filamentos, com diminuição do comprimento do sarcômero. Assim, durante a contração, as linhas Z são tracionadas para o centro do sarcômero, com as faixas H e i diminuindo consideravelmente sua área. Durante este processo, a faixa A se mantém inalterada. Didaticamente, a contração muscular pode ser dividida em sete passos:

1 - influxo de cálcio Em estado de repouso, há baixa concentração de cálcio no meio intracelular. No entanto, quando o impulso nervoso é propagado pelo retículo sarcoplasmático, passando pelos túbulos T e chegando à cis­ terna terminal, os íons de cálcio são liberados no sarcoplasma.

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2 - liberação do sítio ativo da actina Estes íons de Ca2+ se ligam à troponina, levando à alteração da configuração do complexo actina-miosina, com movimentação da tropomiosina e exposição dos sítios ativos da actina. 3 - união da miosina à actina Com a exposição do sítio ativo, a ponte cruzada da miosina podese ligar a ele. 4 - o deslizamento da actina sobre a miosina Com a ligação da ponte cruzada ao sítio ativo da actina, há ativa­ ção da enzima ATPase presente na cabeça da miosina, que hidrolisa o ATP em ADP e Pi (fosfato inorgânico). A conformação da ponte cruzada se altera, fazendo com que a molécula de miosina tracione o filamento de actina para o centro do sarcômero. 5 - a ligação do ATP à ponte cruzada Quando o ATP se liga à ponte cruzada há separação da miosina e actina. Então, para que a ponte cruzada se solte dos sítios ativos, há necessidade da presença de ATP. 6 - retorno do cálcio para o retículo sarcoplasmático Em seguida, os Ca2+ retornam à cisterna term inal do retículo sarcoplasmático por transporte ativo, por meio de bombas de íons. Com a saída dos íons de cálcio, o complexo troponina-tropomiosina volta a cobrir os sítios ativos de actina. Este processo se repete várias vezes por segundo em cada sarcômero, tanto que em um determinado momento somente cerca de 50% das cabeças de m iosina estão acopladas aos sítios ativos da actina (McARDLE et al., 1991). Uma única fibra de 100 micrômetros de diâmetro e apenas 1 cm de comprimento pode conter cerca de 32 bilhões de filamentos de miosina (McARDLE et a l, 1991), contendo, cada um, milhares de pontes cruzadas. Desta forma, a capacidade de uma fibra gerar força e velo­ cidade depende diretamente do número de conexões-desconexões entre os filamentos de actina e miosina, o que é influenciado pela atividade da enzima ATPase.

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Rigor moríis Após a morte, a síntese e o fornecimento de ATP são interrompi­ dos, por isso, não é possível ocorrer o desacoplamento entre os filamentos de actina e miosina, o que faz o músculo se manter forte­ mente contraído, em um estado denominado rigor mortis. í*

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Unidade m otora A unidade motora é a unidade funcional da atividade neuromuscular, correspondendo ao conjunto formado por um neurônio e as fibras por ele inervadas. O número de fibras que compõem uma unidade motora determinará tanto sua capacidade de realizar força quanto a precisão de seus movimentos. No músculo ciliar, por exemplo, as u n id ad es m otoras contêm cerca de 10 fib ra s, en q u an to no g astro cn êm io este núm ero pode chegar a 1.000 (FLEC K & KRAEMER, 1999). As unidades motoras também podem variar de acordo com a característica das fibras que a formam, podendo ser compostas predominantemente por fibras tipo I ou tipo II. Ao contrário do que se imagina habitualmente, a unidade motora não é composta de fibras vizinhas, desta forma fibras adjacentes não pertencem necessariamente à mesma unidade motora, o que permite que o músculo se contraia como um todo (FLECK & KRAEMER, 1999). Quando um estímulo é transmitido a uma unidade motora, ou todas suas fibras se contraem ou todas se mantêm relaxadas, em um fenô­ meno denominado “lei do tudo ou nada”. A gradação de força se dá não pelo número de fibras ativadas dentro de uma unidade motora, mas sim pelo número de unidades ativadas e pela atividade dos me­ canismos de conexão-desconexão (também chamados contração-relaxamento).

2.4 - Fibras e proprioceptores As fibras musculares são divididas basicamente em tipo I e tipo II. As fibras tipo I são também chamadas fibras vermelhas (devido à alta concentração de mioglobina e elevada vascularização); lentas (por contrair-se mais lentamente que as tipo II); ou oxidativas (possuem

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maior atividade de mitocôndrias e enzimas oxidativas), com maior capacidade oxidativa e facilidade em obter ATP por meio de vias aeróbias. Estas fibras são subdivididas em I e IC, sendo esta última uma variação de menor capacidade oxidativa raramente encontrada, podendo, no entanto, ter sua quantidade aumentada devido ao treina­ mento anaeróbio de alta intensidade (FLECK & KRAEMER, 1999). As fibras tipo II são chamadas fibras brancas, glicolíticas (concen­ tração elevada de enzimas glicolíticas) ou rápidas (alta velocidade de contração). As fibras tipo II possuem alta atividade da enzima ATPase, assim, o ciclo de contração e relaxamento se repete mais vezes dentro de um dado período de tempo, o que lhe fornece maior capacidade de gerar força e velocidade, porém leva a um esgotamento mais rápido das reservas energéticas, com menor resistência à fadiga. Estas ca­ racterísticas levam tais células a armazenar maiores quantidades de ATP e fosfato de creatina e a possuírem m aior concentração de enzimas glicolíticas. Como as fibras tipo II são usadas preferencial­ mente em esforços anaeróbios, sua densidade capilar é mais baixa, possuindo concentrações reduzidas de mitocôndrias e mioglobina, além de menor densidade capilar e atividade de enzimas oxidativas mais baixas, em comparação com as fibras tipo I. Podem-se dividir as fibras tipo II em IIB, IIAB, IIA, IIAC e IIC. Apesar de existirem sete tipos de fibras há somente três tipos de miosina de cadeia pesada (MCP): MCPI, MCPIIA e MCPIIB, sendo as diferentes combinações destas variedades o fator responsável pe­ las características das fibras (TAN, 1991). Fibras IIAB parecem ser uma forma intermediária entre as IIA e IIB, aparecendo na transição do processo de conversão de um subtipo em outro, apresentando as MCPIIA e MCPIIB. As fibras IIC são mais oxidativas que as IIA, possuindo MCPIIA e MCPI, porém encontram-se em quantidades baixíssimas (0 a 5%) no corpo humano (FLECK & KRAEMER, 1999; McARDLE et a l, 1991). O tipo IIAC também seria um subtipo mais oxidativo, porém com uma maior quantidade de MCP tipo IIA em relação às fibras IIC (TAN, 1999).

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Fibra tip o I

Fibra tip o II

A tiv id a d e da A T P a s e

Baixa

A lta

C o n teú d o d e m ioglobina

A lta

Baixa

D en sid a d e c a p ila r

A lta

Baixa

Densidade de m itocôndrias*

A lta

Baixa

Diâmetro dos motoneurônios

Menor

Maior

En zim a s g lico lítica s

Baixa

A lta

En zim as o x id a tiv a s

A lta

Baixa

Força

Baixa

A lta

R e se rva s de A T P e CP

Baixa

A lta

Sem diferença

Sem diferença

R e se rv a s de g ord u ra s

A lta

Baixa

R esistên cia à fadiga

A lta

Baixa

V e lo cid a d e de co n tração re la x a m e n to

Baixa

A lta

R e se rva s de glicogênio*

^facilmente alterável com treino Diferenças entre fibras tipo I e tipo II.

Proprioceptores Proprioceptores são receptores sensitivos localizados dentro de um determinado órgão. No caso do sistema muscular, a contração e alon­ gamento de tendões e fibras são controlados por estes mecanismos, os quais alimentam constantemente o sistema nervoso com mensagens referentes à situação da estrutura. Por meio do conhecimento da situa­ ção de alongamento/contração de cada músculo envolvido em um pa­ drão motor pode-se conhecer a posição deste membro no espaço. Os proprioceptores servem também para avaliar os níveis de força e alongamento dos músculos, tomando as contrações mais seguras e controladas.

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Órgão Tendinoso de Golgi (OTG) Como o nome indica, esta estrutura se localiza nos tendões. O neurônio sensitivo deste proprioceptor se estende até a medula espi­ nhal, onde faz sinapse com os neurônios motores alfa, tanto dos mús­ culos que estão sob seu controle quanto dos seus antagonistas. A principal função do OTG é controlar os níveis de tensão muscu­ lar. Quando a tensão em um músculo toma-se excessiva, a ponto de sujeitá-lo a uma lesão, ocorre proporcional aumento da tensão no tendão, a qual é detectada pelo OTG, que envia uma mensagem à medula, iniciando inibição da contração dos agonistas. Fuso muscular Os fusos localizam-se dentro de fibras musculares modificadas, denominadas fibras intrafusais. Tais fibras compõem-se de uma área sensória central envolta por fibras normais. As duas principais fun­ ções destes proprioceptores são monitorar o grau de alongamento do músculo e iniciar uma contração para reduzir este estiramento, quan­ do necessário. Quando ocorre um estiramento súbito ou exagerado de determina­ do músculo, o nervo sensitivo do fuso leva um impulso elétrico para a medula espinhal, onde há uma sinapse com os neurônios motores alfa dos músculos em que está inserido. Com a chegada do impulso, os agonistas são ativados de forma a gerar uma contração no sentido contrário ao estiramento.

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CAPITULO 3 Adaptações m orfológicas ao treinam ento de força

3.1 - Hipertrofia Hipertrofia muscular é o aumento volumétrico de um músculo, devido ao aumento volumétrico das fibras que o constituem.

3 .1 .1 - Fatores atuantes Células satélites As células satélites são pequenas estruturas com alta densidade de material genético, localizadas no espaço externo das fibras, entre a lâmina basal e o sarcolema. Diante de estímulos adequados, elas se proliferam e se fundem entre elas mesmas ou com fibras já existen­ tes, ocasionando surgimento de novas células ou novos núcleos, res­ pectivamente. Com o aumento volumétrico da fibra, deve-se manter uma ativida­ de genética adequada ao novo tamanho celular. No entanto, um nú­ cleo tem a capacidade de responder apenas pela regulação de um espaço físico limitado, tornando essencial o aumento do número de núcleos para que esse novo volume muscular seja sustentado e a cé­ lula mantenha-se funcionando adequadamente, fato caracterizado pela relação constante entre o tamanho da fibra e sua quantidade de nú­ cleos (BRZANK et a l, 1986; ALWAYS et a l, 1988; KADI & THORNELL, 2000, KADI et a l, 1999a, KADI e ta l, 1999b; ALLEN et a l, 1995; ROY et a l, 1999; MCCALL et a l, 1998). Como os núcleos da fibra muscular adulta não têm capacidade de realizar mitose, sua multiplicação deve-se unicamente à fusão de células sa­ télites (ANTONIO & GONEYA, 1993b). A importância das células satélites pode ser verificada por meio de estudos que inibem sua ativação e funcionamento por intermédio de radiação gama. Ao utilizar tal procedimento é verificada inibição signi­

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ficativa da hipertrofia compensatória, podendo ser total (ROSENBLATT et al, 1992) ou parcial (BARTON-DAVIS et al, 1999). A importância das células satélites na hipertrofia parece estar rela­ cionada com o tipo de fibra e a fase da hipertrofia (LOWE et a l, 1999). Em relação à tipologia, as fibras tipo II parecem ter maior dependência das células satélites, e a inibição de sua atividade pode impedir totalmente a hipertrofia (ADAMS et al., 2002). Sobre a re­ ferida fase, o papel das células satélites é mais evidente em um se­ gundo momento da hipertrofia, justamente quando há necessidade de se aumentar a quantidade de material genético para manter o novo volume celular (ADAMS et al., 2002; HADDAD & ADAMS, 2002, ADAMS & HADDAD, 1996). As células satélites podem ter relação com alguns fatores devida­ mente verificados na prática: a memória muscular e reduzida capaci­ dade de hipertrofia com o avanço da idade e na infância. Memória muscular é o termo corriqueiramente utilizado para de­ signar a capacidade que um indivíduo treinado tem em recuperar seu volume muscular quando retoma o treinamento após algum tempo inativo (FLECK & KRAEMER, 1999; STARON et a l, 1991). Entre outros fatores, a explicação para este fenômeno pode estar na dife­ rença temporal entre a adaptação morfológica e a alteração na quan­ tidade de núcleos, pois, supostamente, este número só começaria a ser expressivamente reduzido após uma diminuição crônica e signi­ ficativa do volume muscular, sendo um processo ainda mais lento que o ocorrido na hipertrofia (WADA et al, 2002). Em seres humanos, a atividade e quantidade das células satélites são reduzidas tanto na infância, quanto na velhice, de modo que o período intermediário parece ter uma maior vantagem neste sentido (HAWK & GARRY, 2002; CHARGE et a l, 2002). As células satélites sofrem influências de diversos fatores dentre os quais podemos citar (HAWK & GARRY, 2002): - Interferência positiva: fatores de crescimento tipo insulina (IGF1 e IGF-2), fator de crescimento hepatócito (HGF), fator de cresci­ mento fibroblasto (FGF), células e fatores imunológicos (macrófagos, in te rle u c in a -6 , p laq u etas), óxido n ítrico (N O ), testo stero n a (JOUBERT & TOBIN, 1989; JOUBERT & TOBIN, 1995).

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- Interferência negativa: fatores de crescimento transformantes (TGF-B). Além de potencializar de forma aguda alguns fatores que estimu­ lam as células satélites, como lesões e IGF-1, que serão discutidos mais adiante, o treino de força também parece aumentar a quantida­ de total de células satélites em longo prazo (KADI et ah, 1999b).

Insulina A insulina é um hormônio composto por 51 aminoácidos organiza­ dos em duas cadeias polipeptídicas. Sua síntese ocorre nas células beta das ilhotas de Langerhsn, do pâncreas (MARZZOCO & TOR­ RE, 1999). A insulina liberada no sangue segue basicamente em sua forma livre (sem ligações com outras moléculas), tendo uma meiavida muito curta, de cerca de seis minutos, com remoção completa entre 10 e 15 minutos, tempo que o hormônio tem para se ligar aos receptores antes de ser degradado pela enzima insulinase no fígado, rins e músculos (GAYTON & F1ALL, 2000). A insulina é provavel­ mente o hormônio mais anabólico de nosso corpo, dada a sua eleva­ da capacidade em aumentar o volume da maior parte dos tecidos, acumulando proteínas, carboidratos e gorduras. Não há comprovação de que o treino exerça influência direta sobre a liberação de insulina em humanos. No entanto, é verificado que um programa de atividades físicas traz alterações em sua atividade, alte­ rando a concentração de seus principais mediadores dentre os quais podemos destacar a proteína transportadora de glicose-4 (GLUT-4), a lipoproteína lipase (LPL) e enzimas do metabolismo protéico. Em condições normais, a membrana celular é pouco permeável à glicose, tomando necessário um transportador, para facilitar a entra­ da do nutriente na célula. Nas fibras musculares e adipócitos este papel é exercido pelo GLUT-4, em resposta à insulina e à contração muscular. Diversos estudos têm verificado que atividades físicas em geral aumentam a concentração de GLUT-4 em até 100%, sendo esta elevação mantida por até 90 horas (KAWANAKA et a i, 1997; GREWIE et ah, 2000). Tais alterações podem fazer com que a efici­ ência da insulina no transporte de glicose aumente em cerca de 200% três horas após o treinamento de força (BIOLO et al., 1999). No entanto, um aparecimento expressivo de microlesões pode ter um

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efeito antagônico, diminuindo a eficiência da insulina, por reduzir o transporte de glicose (ASP & RICHTER, 1996). Além da atividade do GLUT-4 nas células de gordura, o potencial lipogênico da insulina também é exercido por outros fatores, como a lipoproteína lipase. Os triacilgliceróis são sintetizados no fígado e liberados para a corrente sangüínea na forma de lipoproteínas, a in­ sulina ativa LPL dos adipóticos, a qual “quebra” os triacilgliceróis em ácidos graxos e, com isso, permite a entrada dos subprodutos nos tecidos e sua conversão novamente em triacilgliceróis, que serão acu­ mulados como reservas de gordura (GUYTON & HALL 1999). A LPL sofre influência positiva do treinamento, com sua atividade au­ mentando em até 240%, após a realização de exercícios intensos (GREWIE et al., 2000). A insulina influencia positivamente no balanço protéico, mas sua atuação ainda não está totalmente clara, uma vez que alguns autores acreditam que os efeitos anabólicos estejam ligados ao IGF-1 e fato­ res de iniciação eucarióticos (elFs) (FARREL et al., 1999). A eleva­ ção na síntese protéica promovida pela insulina após o treinamento de força não tem diferença estatisticamente significativa em relação à elevação promovida em repouso, não fornecendo bases para suge­ rir uma m elhora do efeito anabólico. Porém, o treino de força potencializa o efeito anticatabólico da insulina, segundo mostram os resultados do estudo de BIOLO et a l (1999). Uma suposição dos autores é o fato de a insulina interferir na ação de determinadas enzimas proteolíticas (proteases lisosomais), que atuam mais evi­ dentemente em condições extremas, como traumas, infecções e ati­ vidades físicas.

Hormônio do crescimento - GH O hormônio do crescimento é formado por uma cadeia simples de 191 aminoácidos, sendo liberado pela parte anterior da glândula hipófise. Uma de suas principais características fisiológicas é a pulsatilidade, com sua concentração sérica podendo variar até 290 vezes em poucos minutos (TAKARADA et a l, 2000a). Alguns fato­ res que estimulam a liberação de GH são: - Sono. - Hipoglicemia. - Refeições ricas em proteínas.

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- Estresse (dor, calor, ansiedade). - Exercício (maior em treinos intermitentes e intensos). - Outros agentes (serotonina, estrógenos, adrenalina, dopamina, glucagon, beta-bloqueadores, L-arginina). Com o avanço da idade, há notável redução na concentração do GH, a qual pretende-se relacionar com debilidades no tecido muscu­ lar, ósseo, articular e órgãos. Já sua alta concentração pode levar à acromegalia e a distúrbios cardíacos e metabólicos. A deficiência de GH é verificada em adultos se os resultados dos testes (indução de hipoglicemia com insulina ou infusão de arginina) forem menores que 5 ng/ml para adultos e 10 ng/ml em crianças. Existem basicamente duas hipóteses para explicar a atuação do hormônio do crescimento: - Hipótese da somatomediação. O GH chegaria ao fígado e tecidos periféricos, causando a libera­ ção e produção dos fatores de crescimento tipo insulina (IGFs), po­ dendo também aum entar a quantidade de receptores para estes peptídeos, o que prolongaria a meia-vida dos IGFs. Quanto à liberação de IGF-1, o hormônio do crescimento parece ser um fator endócrino muito eficiente, visto que aplicar GH eleva a quantidade sérica de IGF-1 cerca de 50 vezes mais do que injetar o próprio IGF-1 (SKOTTNER, 1987). - Hipótese do duplo efeito. Segundo esta teoria, além de agir indiretamente, o próprio GH atu­ aria diretamente nas células, como fator de crescimento, provavel­ mente devido à diferenciação das células satélites (GREEN, 1985; ADAM & McCUE, 1998). Estudos combinando o uso de GH e treinamento com pesos mos­ traram que, apesar do aumento na massa magra, não há melhoras nos ganhos de força com a utilização do hormônio (TAAFFE et al., 1994; YARASHESKI et a l, 1995, YARASHESKI et al., 1992; DEYSSIG et al., 1998). A ocorrência freqüente de aumento de massa magra sem ganhos de força levou à hipótese de que o aumento de peso advindo do uso de GH seria proveniente de proteínas não-contráteis e retenção de fluidos. De fato, ao estudar especificamente a musculatura esquelética, ve­ rificou-se que o hormônio do crescimento não é eficiente em aumen­

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tar a massa muscular de seres humanos (WELLE, 1998, TAAFFE et a l, 1996), mesmo quando usado em doses elevadas, por períodos de tempo prolongado e em pessoas debilitadas. Este fato foi pratica­ mente concluído com o estudo de LANGERS (2002), que acompa­ nhou quatro grupos (controle, GH, GH + treino de força, placebo + treino de força) e verificou - por meio de DEXA, ressonância mag­ nética, aparelhos isocinéticos - que o uso de GH não favorece de maneira significativa o ganho de massa muscular, independente de ser utilizado isolada ou concomitantemente ao treino de força. - Efeitos do treinamento de força Apesar de o treinamento com pesos não promover aumento nos níveis de repouso do GH (STARON et a l, 1994; MCCALL et a l, 1999), existem pesquisas relacionando a magnitude da sua resposta aguda com as adaptações ao treino de força (ELIAKIM et a l, 2001, MCCALL et al., 1999). Porém, uma correlação estatística não signi­ fica necessariamente a existência de uma relação fisiológica de cau­ sa e efeito. O aumento na concentração de GH em virtude do treino de força ocorre porque algumas alterações fisiológicas que estimulam a hipertrofia também são responsáveis pelo aumento de GH, como o acúmulo de metabólitos - que provavelmente estimulariam recepto­ res químicos, iniciando a ativação do eixo hipotálamo-hipófise. Este fato é amparado ao se verificar que protocolos de treinamento que induzem maiores níveis de lactato são associados às maiores libera­ ções de GH (SCHOTT et al., 1995; KRAEM ER et a l, 1990; SMILIOS et a l, 2003; HOFFMAN et a l, 2003; TAKARADA et a l, 2000a; DURAND et a l, 2003; KANG et a l, 1996), como os com margens altas de repetições, descansos reduzidos entre as séries e séries múltiplas (GOTSHALK et a l, 1997; BOSCO et a l, 2000; KANG et a l, 1996; MULLIGAN et a l, 1996). O hormônio do crescimento poderia ser usado como indicador para se detectar uma alteração fisiológica que influencia na hipertrofia, mas sua resposta, por si só, não é necessariamente uma alteração fisiológica causadora da hipertrofia.

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IGF-1 Muitos efeitos do hormônio do crescimento são mediados pelos fatores do crescimento tipo insulina (IGFs), ou somatomedinas, den­ tre os quais o mais conhecido é o IGF-1. Dada a baixa afinidade do hormônio do crescimento com as proteínas plasmáticas, ele é rapida­ mente eliminado do sangue, com uma meia-vida de apenas 20 minu­ tos. Já o IGF-1 é liberado lentamente e se une a uma proteína especí­ fica, tendo meia-vida de cerca de 20 horas (GAYTON & HALL, 2000). Praticamente 90% do IGF-1 presente no corpo são sintetizados no fígado e liberados para a corrente sangüínea. No entanto, algumas células têm capacidade de produzir e liberar este peptídeo diante de estímulos adequados, levando-o a atuar de modo autócrino/parácrino. Apesar de ambas as formas terem uma composição físico-química extremamente similar, seus efeitos fisiológicos são bem diferentes. Há situações em que, mesmo havendo concentrações normais de GH, o crescimento é impedido devido à deficiência em fatores de crescimento. Este é o caso de pigmeus africanos, que têm deficiência congênita em sintetizar IGF-1, levando-os a apresentar baixa estatu­ ra, apesar das concentrações de hormônio do crescimento serem nor­ mais ou altas (GAYTON & HALL, 2000). Porém, a hipótese de que a baixa produção de IGF-1 hepático seja a grande responsável pelo crescimento normal tem sido contestada. YAKAR et a l (1999) apa­ garam o gene responsável pela produção de IGF-1 nas células hepá­ ticas e encontraram desenvolvimento normal (estatura e tamanho de órgãos), mostrando que a deficiência no crescimento não é causada pela falta de IGF-1 circulante, mas pela diminuição de sua produção local. Deste modo, a deficiência genética encontrada em casos como os dos pigmeus estaria relacionada a uma falha generalizada na produçãp dos fatores de crescimento e não apenas à sua concentração sangüínea. - Isoforma endócrina As observações quanto ao IGF-1 são as mesmas do GH, pois o efeito endócrino de ambos é muito parecido, causando ganhos de massa magra sem favorecer a hipertrofia muscular (WATERS et a l, 1996; TAAFFE et a l, 1994; YARASHESKI et a l, 1993). Tanto que estudos feitos em seres humanos e animais verificaram que a con­

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centração sangüínea de IGF-1 não está associada aos efeitos de trei­ namento (ELIAKIM et a l, 1998; ELIAKIM et a l, 1997). ELIAKIM et a l (2001) encontraram correlação estatisticamente significativa entre o volume muscular da coxa e concentração sérica de IGF-1. No entanto, em resposta ao treinamento houve aumento no volume muscular, sem elevação nos níveis de IGF-1 para o grupo experimental, enquanto o grupo controle elevou as taxas de IGF-1 e não aumentou o volume da coxa. Uma situação “paradoxais segun­ do os autores. - Isoforma parácrina/autócrina Há relativa independência entre as duas formas de IGF-1. Apesar de o hormônio do crescimento ser precursor da forma endócrina, sua atuação na liberação da forma autócrina/parácrina não é determinante. Estudos com animais hipofisectomizados (com a hipófise removida) mostraram que, mesmo com as concentrações sangüíneas de hormônio do crescim ento e IGF-1 praticam ente nulas, os músculos ainda hipertrofiam em resposta à sobrecarga devido à liberação local de IGF-1 (DEVOL et al., 1990; ADAMS & HADDAD, 1996), levando à conclusão de que o IGF-1 estaria envolvido nos ganhos de massa muscular por meio de um processo de realimentação local, indepen­ dente das concentrações séricas de IGF-1 e GH. A atuação autócrina/parácrina do IGF-1 foi claramente demonstra­ da em estudos envolvendo a aplicação localizada do peptídeo. ADAMS & McCUE (1998) aplicaram IGF-1 de tal forma e com do­ ses tão reduzidas que sua concentração não foi alterada no sangue nem nos músculos adjacentes. Neste experimento, houve aumento de 9% na massa do músculo analisado com a utilização de apenas 0,9 jiig/dia, enquanto estudos usando doses sistêmicas de 200 a 300 /xg/ dia não encontraram efeitos significativos. A maioria dos estudos indica que o IGF-1 atua na regeneração mus­ cular, primordialmente por meio da estimulação de células satélites (BARTON-DAVIS e ta l, 1999; COLEMAN e ta l, 1995; ADAMS & HADDAD, 1996; ADAMS & McCUE, 1998; TURECKOVA et al, 2001; FLORINI et a l, 1996; FERNANDEZ et al, 2002). Ou seja, para atuar, o IGF-1 deve estar presente em quantidades significativas nas adjacências da célula. Desta forma, algumas explicações para a baixa eficiência do IGF-1 sistêmico podem ser: alterações na configu­

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ração estrutural ocorridas durante sua passagem sangüínea; e inativação pela coligação com determinadas proteínas ou dissolução - fazendo com que apenas quantidades reduzidas cheguem aos tecidos dificul­ tando que o IGF-1 liberado no sangue exerça seu potencial anabólico diretamente sobre as células satélites. Além da hipertrofia, são atribuídos ao IGF-1 outros efeitos impor­ tantes, como regeneração de cartilagens articulares (VAN DEN HOOGEN et al., 1998) e gênese de novo neurônios (DORE et al., 1997; TREJO et a l, 2001). - Efeitos do treinamento de força Apesar de o IGF-1 ser intimamente relacionado com o GH em con­ dições normais, os efeitos agudos e crônicos do treinamento de força nos níveis de IGF-1 não estão relacionados com a produção de hormônio do crescimento. KRAERMER et al. (1995a) acompanha­ ram as respostas hormonais durante as 24 horas seguintes a uma ses­ são de treinos intensos - com altas repetições e intervalos curtos de descanso - e verificaram que, apesar de os níveis de GH serem ele­ vados em mais de 10 vezes após o treino, os níveis de IGF-1 não foram diferentes em relação ao grupo controle em nenhum dos testes realizados ao longo de 24 horas, ao contrário do que acontece com a aplicação exógena de hormônio do crescimento. Em termos agudos, o treinamento de força parece elevar os níveis locais e diminuir os níveis séricos de IGF-1 (BAMMAN et al., 2001; ELIAKIM et al., 2001; SINGH et al., 1999). Ao acompanhar os ní­ veis de IGF-1 (por meio de biópsias) durante a realização de treino de força, SINGH et al. (1999) verificaram uma correlação positiva entre os níveis de IGF-1 local e o volume muscular. Neste experi­ mento, os resultados mostraram que o treino resistido aumentava os níveis locais de IGF-1 em cerca de 500%, sendo esta elevação posi­ tivamente relacionada ao aumento do volume muscular e estreita­ m ente relacionada aos danos m usculares e desenvolvim ento de miosina. Em longo prazo, podemos supor que a hipertrofia, com con­ seqüente aumento no número de núcleos, promove elevações nas quantidades de IGF-1 autócrino/parácrino pela maior disponibilida­ de de material genético.

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Testosterona A testosterona é um hormônio esteróide responsável pelo desen­ volvimento das características masculinas. Sua produção ocorre de forma reduzida nos ovários e glândulas adrenais, dando-se principal­ mente nas células de Leydig, localizadas nos testículos. Em homens, esta produção varia entre 2,5-11 mg/dia; já nas mulheres, a produção é de cerca de 0,5 mg/dia, sendo a maior parte convertida em hormônios femininos nos tecidos adiposos pelo complexo enzimático aromatase (BASARIA et a l, 2001).

- Atuação Mecanismo direto A cadeia de reações da testosterona inicia-se quando suas moléculas penetram na célula. Dentro da célula, o hormônio se liga a um receptor androgênico, ficando ativo por algumas horas. Ativado, o receptor mi­ gra para o núcleo celular e se encontra com outro receptor. Este con­ junto (dois receptores mais uma molécula de testosterona) se une a determinadas regiões do DNA, levando à produção de RN Am. Após o fim da reação, os receptores se separam e voltam à inatividade. Mecanismo indireto A atuação pelos receptores certamente é a mais conhecida, mas também há várias suposições e comprovações acerca de mecanismos indiretos, como: Efeito anticatabólico Os receptores androgênicos (AR) e os de glucorticóides (GR) são bastante semelhantes, o que leva a testosterona a ter grande afinida­ de pelo GR (DANHAIVE et a l, 1986; DANHAIVE et al., 1988). Sendo assim, os andrógenos acabam por competir com hormônios catabólicos (como o cortisol) pelos receptores, diminuindo a atuação dos últimos e, conseqüentemente, evitando a degradação protéica. Além desta competição, supõe-se que os andrógenos interfiram na produção de glicorticóides em níveis genéticos (HICKSON et a l, 1990). Eixo 1GF1-/Testosterona Segundo esta hipótese, os andrógenos estimulam a produção local de IGF-1, independente de seus níveis sistêmicos e da liberação de

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Hormônio do Crescimento, além de diminuir a concentração de IGFBP4 (URBAN et a l, 1995), o que aumentaria a atividade do IGF-1. Células satélites e núcleos Uma hipótese bem verificada e pouco conhecida é a ativação de células satélites. JOUBERT participou de três estudos neste sentido. Em um deles, a administração de testosterona em ratos produziu hipertrofia acompanhada pela proliferação de células satélites nos três primeiros dias de tratamento, com aumento no número de núcle­ os no segundo e terceiro dias. Ao final do 30° dia, o número de mionúcleos era 80% maior que o inicial (JOUBERT & TOBIN, 1989). Em um estudo posterior, foi observado o período de “puberdade” dos ratos e verificou-se que, nos machos, ocorre aumento no número de células satélites, poucos dias após o pico de testosterona, seguido da m ultiplicação de mionúcleos, com aumento m aior que 50% (JOUBERT et al., 1994). As suposições destes dois estudos foram confirmadas em 1995, em uma pesquisa em que a aplicação de testosterona causou proliferação de células satélites em pouco mais de um dia, com subseqüente aumento da quantidade de mionúcleos (JOUBERT & TOBIN, 1995). Recentemente, esta hipótese foi verificada em humanos por meio de estudos transversais e longitudinais. KADI et al. (1999b) verifi­ caram, por meio de biópsias, que Ievantadores de peso relatando usar esteróides anabolizantes possuíam maiores quantidade de núcleos, em comparação com atletas que diziam não tomar as drogas. Posteri­ ormente, SINHA-HIKIM et al. (2003) administraram diversas doses de testosterona por cinco meses em homens saudáveis e encontraram correlação direta entre a quantidade de hormônio e o número de cé­ lulas satélites. - Efeitos do treinamento Os efeitos agudos que o treinamento de força exerce na concentra­ ção de testosterona ainda são controversos. Há alguns estudos rela­ tando queda (BAMMAN et al., 2001; BOSCO et al., 2000), aumen­ to (GOTSHALK et a l, 1997; VOLEK et a l, 1997; KRAEMER et a l, 1999; TREMBLAY et a l, 2004) e alguns não encontraram dife­ renças significativas entre os níveis de testosterona pré e pós-treino (BOSCO et a l, 2000; SMILIOS et a l, 2003). Normalmente, os mé­ todos tensionais e de potência produzem maiores alterações nos ní­

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veis de testosterona. (KRAEMER et a l, 1990; BOSCO et a l, 2000), no entanto isto pode se estender a qualquer treino intenso, incluindo os metabólicos, pois o acúmulo de lactato pode estimular a liberação de testosterona (LIN et a l, 2001). Há suposições de que o trabalho realizado influenciaria as concen­ trações hormonais, mas o efeito do volume do treinamento é contro­ verso. Apesar de haver estudos mostrando que treinos de uma série produzem menos alterações nos níveis de testosterona que treinos de três séries (GOTSHALK et a l, 1997), há experimentos que não en­ contraram diferenças entre a utilização de duas, quatro ou seis séries para cada grupo muscular (SMILIOS et al., 2003). Esta análise dos efeitos agudos deve ser vista com cautela para não se supervalorizarem as elevações hormonais pós-treino, pois normal­ mente o pico hormonal dura poucos minutos e há uma tendência de queda posteriormente (NINDL et a l, 2001). Em termos crônicos, as alterações na concentração de testosterona normalmente não se mostram significativas em função do treino de força (KRAEMER et al, 1995b; KRAEMER et al, 1999; TREMBLAY et a l, 2004; POTTEIGER et a l, 1995; MACCALL et a l, 1999; OSTEBERG et al, 1997; REABURN et a l, 1997), apesar de haver estudos com resultados contrários (STARON et al, 1994). No entan­ to, há evidências de que o treino de força influencie a eficiência do hormônio por meio de alterações nos receptores e células satélites. Há estudos mostrando que dois dias após uma sessão de musculação, a quantidade de RNAm para o receptor androgênico é duplicada (BAMMAN et al, 2001). Além disso, atletas treinados em força apre­ sentam maior quantidade de células satélites, em comparação com pessoas não-treinadas (KADI et a l, 1999a). Tendo em vista que o re­ ceptor androgênico é sintetizado a partir dos próprios núcleos das fi­ bras musculares, podemos supor que a hipertrofia em longo prazo, com conseqüente aumento no número de núcleos, promove elevações nas suas quantidades, aumentando a eficiência da testosterona.

M iostatina A miostatina (gene GDF-8) é um gene que regula negativamente o crescimento muscular, ou seja, ela limita o tamanho do músculo, tan­ to pela atenuação da hipertrofia quanto da hiperplasia. Ainda não se sabe ao certo como a miostatina atua, podendo ser pela indução da

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morte das células, inibição da proliferação de células satélites e/ou diretamente no metabolismo protéico. Por meio de manipulação genética, MCPHERRON et al. (1997) produziram ratos com deficiência na miostatina e verificaram que os animais “deficientes” eram muito maiores que os normais, com seus músculos chegando a ser 2 a 3 vezes mais volumosos, sem que hou­ vesse um aumento correspondente na gordura. Em animais de maior porte, como os bois, a inibição da miostatina não é tão significativa quanto em ratos. A raça bovina Belgian Blue, por exemplo, possui uma mutação genética que a leva a ter 20 a 25% mais músculos e uma menor quantidade de gordura intramuscular e tecidos conectivos (MCPHERRON & LEE, 1997). Pelo fato de a miostatina ter efeitos em uma grande variedade de espécies animais, tornou-se inevitável associar o ganho de massa muscular à atividade da miostatina em humanos. Esta poderia ser uma das explicações de como o fator genético determina a composi­ ção corporal dos indivíduos, teorizando que pessoas com maiores atividades de miostatina teriam dificuldade em obter hipertrofia. Estudo feito em Estocolmo, na Suécia, mediu a quantidade de miostatina em um grupo de homens saudáveis e em dois grupos de HIV positivos: um com perda de peso menor que 10% nos últimos seis meses e o outro com redução ponderai maior que 10% no mesmo perí­ odo. De acordo com os resultados, há correlação negativa entre a miostatina e quantidade de massa magra, tanto em indivíduos saudá­ veis quanto HIV positivos (GONZALEZ-CADAVID et al., 1998). Os maiores níveis de miostatina em portadores do vírus HIV (G O N ZA LEZ-C A D A V ID et al., 1998), de atrofias crônicas (ZACHWIEJA et a l, 1999; REARDON et a l, 2001) e com idades avançadas (MARCELL et a l, 2001; SCHULTE et al., 2001) provo­ cam, especulações acerca das aplicações terapêuticas que a inibição da miostatina pode ter em estados catabólicos, característicos de di­ versas patologias. A popularidade da descoberta deste gene trouxe reações em diver­ sos segmentos: os profissionais da saúde procuraram uma maneira de reverter o catabolismo gerado por estados patológicos e pelo en­ velhecimento; os pecuaristas visualizaram uma forma de aumentar seus ganhos, produzindo animais maiores, e alguns segmentos do

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esporte procuraram uma m aneira de obter m elhores resultados desportivos e estéticos. Outro ponto que gerará questionamentos é a distante, porém real, possibilidade de a miostatina passar a ser manipulada em humanos mesmo antes do nascimento, originando uma linhagem de “super-seres”. Isto traz à tona a questão ética da engenharia genética: até que ponto a ciência pode interferir no desenvolvimento de um indivíduo? - Efeitos do treinamento de força Em 2000, IVEY et a l publicaram um estudo procurando verificar os efeitos da expressão de miostatina nos resultados do treinamento de força. O estudo envolveu um treinamento de musculação de nove semanas, compondo-se de quatro grupos: homens jovens, homens idosos, mulheres jovens e mulheres idosas. De acordo com os dados obtidos, os diferentes fenótipos de miostatina não influenciaram na resposta hipertrófica quando os quatro grupos eram analisados em conjunto, porém houve uma tendência para maiores ganhos de mas­ sa muscular em mulheres com um determinado genótipo. Tais resul­ tados trouxeram dúvidas quanto à influência da miostatina na res­ posta normal ao treinamento.

3 .1 .2 - Estímulos para a hipertrofia M scrolesões As microlesões podem ser causadas por diversos fatores, como as repetições excêntricas e a hipóxia (ANTONIO & GONEYA, 1993b). Apesar de serem mais evidentes em virtude de ações excêntricas, as contrações concêntricas tam bém têm a capacidade de induzir microlesões (GIBALA et a l, 1995). Normalmente, as microlesões são notadas nas linhas Z, mas diversos outros pontos também são afetados, como sarcolema, retículo sarcoplasmático, lâmina basal, mitocôndrias, tecido concectivo. Para se compreender como as microlesões podem estimular a hipertrofia deve-se, em primeiro lugar, entender as conseqüências fisiológicas de uma lesão. Quando um tecido é lesionado, ocorre uma complexa seqüência aguda de reações, incluindo dilatação dos vasos

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locais, aumento da permeabilidade dos capilares e migração de célu­ las do sistema imunológico. Nos primeiros minutos após a inflamação, surge a primeira linha de macrófagos, que iniciam a ação fagocitária. Depois da primeira hora, neutrófilos vindos do sangue iniciam a invasão da área infla­ mada, removendo corpos estranhos. Praticamente simultânea à inva­ são de neutrófilos, ocorre uma segunda ação dos macrófagos, origi­ nada de monócitos sangüíneos. Esta segunda invasão de macrófagos ocorre de forma gradual, demorando cerca de dois dias para tomarse efetiva (GUYTON & HALL, 1999; HAWKE & GARRY, 2001). Há autores questionando a invasão de neutrófilos em células huma­ nas musculares de mamíferos submetidas à sobrecarga (LAPOINTE et al., 2002), no entanto ainda há controvérsias sobre o tema. A segunda linha de macrófagos parece ser essencial ao processo de regeneração, por secretar fatores que regulam a atividade das células satélites (BODINE-FOWLER et al., 1994; RUSSELL et al., 1992; VIERCK et al, 2000; HAWKE & GARRY, 2001). Tanto que a ausência de macrófagos impede a regeneração muscular, enquanto uma resposta aumentada eleva a proliferação e diferenciação das células satélites. A capacidade migratória das células satélites depende da integri­ dade estrutural da fibra. Em lesões de maior porte, quando a lâmina basal é rompida, as células satélites podem migrar para fibras adja­ centes. Já nas microlesões, quando os danos são limitados (sem atin­ gir a lâmina basal), a migração ocorre do local intacto para os locais de lesão. Há a suposição de que haja inibição mecânica na atividade das células satélites, devido à compressão a que elas estão sujeitas no estado de repouso. Deste modo, a lesão removeria a inibição ao provocar edema, fazendo com que as células satélites migrassem para o local do trauma e iniciassem suas atividades regenerativas (HAWKE & GARRY, 2001). No entanto, deve-se lembrar que a ocorrência de traumas não é a única situação que pode levar à ativação das células satélites (ANDERSON, 2000). Há diversos estudos a favor da teoria das microlesões, como o de SINGH et al. (1999), em que se relacionou positivamente o aumento de força com danos musculares.

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M ecanotransdução O termo trcinsdução pode ser definido como a transformação de estímulos de uma natureza em estímulos de natureza diferente. No caso do músculo, definimos mecanotransdução como a conversão de um estímulo mecânico cm sinais fisiológicos. De acordo com MAUGHAN et al. (2000), estímulos mecânicos podem gerar hipertrofia na ausência de inervação, hormônios ou nu­ trição adequada. De fato é verificado que, mesmo sem a ocorrência de microlesões, é possível um músculo hipertrofiar em função da sobrecarga (ANTONIA & GONEYA, 1993a). Supõe-se que as alterações mecânicas sejam traduzidas por meio do citoesqueleto por três possíveis mecanismos (MAUGHAN et al., 2000; CARLSON & WEI, 2000): diretamente, por meio de integrinas; ou por canais de íons ligados à membrana. Estas alterações iniciadas com o estímulo mecânico desencadeiam-se uma cascata de reações que afetam a atividades das células satélites, ribossomos, fatores de iniciação eucarióticos (elFs) e fatores de transcrição, produzindo uma expressão genética alterada que leva à m aior síntese protéica (MAUGHAN et a l, 2000; CARLSON & WEI, 2000). A mecanotransdução tem grande influência sobre o tipo de ação muscular executada, sendo mais evidente em contrações excêntri­ cas, isométricas, concêntricas e alongamento passivo, respectivamente (MARTINEAU & GARDINER 2001).

Eventos postranscricionais O treino de força produz alterações agudas (direta e/ou indireta­ mente) na atividade do RNAm de determinadas proteínas, especial­ mente as proteínas contrateis. Apesar de o fenômeno ainda não estar claramente definido, supõe-se.que haja dependência dos fatores de iniciação eucarióticos (elFs) (FARRELL et al., 1999). O exercício não parece aumentar a quantidade de RNAm (transcrição), mas a velocidade do processo de translação, ou seja, a velocidade com que o maquinário ribossômico decodifica a fita de RNAm (FARREL et a l, 1999; CHESLEY et al. 1992; MACDOUGALL et a l, 1995). De acordo com BIOLO et a l (1995), um dos motivos pode ser a maior disponibilidade de aminoácidos proporcionada por alterações no fluxo sangüíneo.

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Apesar de as alterações se iniciarem durante ou imediatamente após o treino, elas só se refletem em maior síntese protéica depois de al­ gumas horas, tornando-se mais significativas entre 2 a 4 horas. De acordo com estudos sobre o tema, três a quatro horas após uma série de musculação, a síntese protéica estará entre 50% e 100% acima dos valores normais, atingindo o pico em cerca de 24 horas (109% a mais que os valores de repouso), porém estes níveis decrescem rapi­ damente, chegando a uma elevação de apenas 14% (diferença sem significância estatística), após 36 horas (CHESLEY et al., 1992; MACDOUGALL et al., 1995; BIOLO et a l, 1995). Apesar de o catabolismo também aumentar logo após o treino de força (BIOLO et a l, 1995), é possível que o somatório dos balanços protéicos posi­ tivos seja importante na hipertrofia. Estes efeitos agudos da síntese protéica normalmente são estuda­ dos em jovens do sexo masculino, mas há evidências de que ocorram da mesma forma em mulheres e idosos (YARASHESKI et al., 1995).

Alterações de osmolaridade Osmolaridade é a medida usada para quantificar a magnitude da pressão osmótica exercida pelos líquidos corporais, determinada pela concentração de partículas neste líquido. BERNEIS et al. (1999) realizaram um estudo em humanos para verificar a influência da osmolaridade no metabolismo protéico. Foram induzidas três situações: 1-restrição de líquidos e infusão de sódio; 2-ingestão deliberadamente alta de água e infusão de solução salina hipotônica; e 3-ingestão normal de água. Segundo os resulta­ dos, a diminuição de osmolaridade encontrada na segunda situação (alta ingestão de água e infusão hipotônica) ocasionou a diminuição no catabolismo protéico, o que favorece um balanço de nitrogênio positivo. Quando o estado metabólico celular é alterado pelo exercício, o funcionamento da bomba de íons fica prejudicada, pois os íons de sódio, que normalmente são retirados do espaço intracelular, passam a acumular-se e causar movimentação osmótica de água para dentro da célula, fazendo a célula aumentar transitoriamente de volume. Resta saber se esta alteração osmótica produzida pelos exercícios tem significância para o ganho de massa muscular, como a encontrada no estudo de BERNEIS et al. (1999)

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3 .1 .3 - Hipertrofia sarcoplasmática X miofibrilar D iv e rso s a u to re s (BO M PA & C O R N A C C H IA , 1998; ZATSIORSKY, 1999) afirmam a existência de dois tipos de hipertrofia morfologicamente diferenciados: sarcoplasmática e miofibrilar. Se­ gundo a teoria comum ente aceita, a prim eira é muito vista em fisiculturistas e atletas que treinam com repetições mais elevadas (maiores que 10), sendo uma de suas características básicas o au­ mento de volume muscular com pequeno aumento de força, acarre­ tando a suposição de que a hipertrofia sarcoplasmática se manifeste como um aumento do líquido e demais organelas do sarcoplasma, que não as miofibrilas. Já a hipertrofia miofibrilar seria, segundo a teoria, mais vista em levantadores de peso, os quais treinam com repetições baixas (normalmente abaixo de 6). Este tipo de hipertrofia se manifestaria morfologicamente como um aumento de volume das miofibrilas, sem um aumento correspondente das demais organelas, o que levaria a ganhos mais significativos de força, desproporcionais ao acréscimo no volume muscular. Esta teoria vem sendo repetida e propagada há tanto tempo que a divisão de hipertrofia em sarcoplasmática e miofibrilar se tomou um dogma aceito como verdade absoluta. Porém, ao observar as desco­ bertas e conceitos científicos atuais, não encontramos fundamentos para que tal suposição se aplique às adaptações crônicas do músculo esquelético submetido ao treinamento de força. ALWAY et al. (1988) realizaram um estudo para verificar as alterações nas fibras musculares em resposta a diferentes tipos de treino. A am ostra era com posta por 4 grupos: atletas de força (levantadores de peso e fisiculturistas), atletas de endurance (maratonistas), pessoas ativas (esportes recreativos) e sedentários. A análise envolveu tanto fibras tipo I quanto tipo II do tríceps sural. De acordo com os resultados, as fibras musculares eram 2,5 1,7 e 1,6 vezes maiores em atletas de força, atletas de endurance e pessoas ativas, respectivamente, em relação ao grupo controle. Apesar desta grande diferença de tamanho, os volumes relativos do retículo sarcoplasmático, sarcoplasma e miofibrilas eram iguais em todos os grupos e entre os dois tipos de fibra. De todas as organelas estudadas, a única que mostrou ter sua quantidade relativa alterada foi a

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mitocôndria. Independente de a fibra ser de um atleta de força ou endurance, independente de as fibras serem tipo I ou tipo II, todas elas possuíam cerca de 81% de densidade miofibrilar e 11% de vol­ ume de líquido sarcoplasmático. Se a suposição é que o treino de força com cargas elevadas aumen­ te a d e n sid a d e m io fib rila r e red u z a o volum e de líq u id o sarcoplasmático, seria de se esperar que os atletas de endurance pos­ suíssem densidade miofibrilar reduzida e maior volume líquido em relação a levantadores de peso, assim como poderia se esperar que esta relação fosse diferente entre os dois tipos de fibra, porém ne­ nhuma das suposições se confirmou. Estudos longitudinais parecem corroborar os resultados do grupo de ALWAY. Em 1986, BRZANK & PIEPER submeteram um grupo de estudantes a cinco semanas de treinamento de força explosiva, obtendo hipertrofia das fibras tipo I (20%) e tipo II (24%). Os auto­ res verificaram que o aumento da secção transversa não é relaciona­ do a nenhuma mudança na proporção dos volumes dos componentes celulares (miofibrilas e sarcoplasma). Estes autores, inclusive, fa­ zem uma afirmação controversa: “ao contrário de atletas de endurance e pessoas não-treinadas, os atletas de potência mostram maiores va­ lores de densidade de volume sarcoplasmático em suas fibras mus­ culares”, ou seja, justamente o contrário do que se prega. WANG et al. (1993) realizaram um estudo mais longo que o ante­ rior. Nesta pesquisa utilizou-se um treino de força com altas repetições por 18 semanas, e obteve-se aumento tanto do volume absoluto das m iofibrilas quanto do volume interm iofibrilar sem, no entanto, ocorrerem alterações nos seus volumes relativos, levando os autores a concluir que o treino de repetições elevadas ocasiona um aumento dos componentes da fibra muscular proporcional ao aumento da própria fibra. Um estudo de 1982, publicado por MACDOUGAL et al., por ve­ zes é citado como base para a diferenciação da hipertrofia em dois tipos. Nesta pesquisa, compararam-se amostras retiradas do tríceps braquial de um grupo de atletas que possuíam elevados níveis de hipertrofia (fisiculturistas e levantadores de peso) com pessoas que praticavam musculação há 6 meses. De acordo com os resultados, o volume miofibrilar era significativamente menor (73,2% em compa­ ração com 82,5%) e o volume citoplasmático maior (24,1% contra

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14,8%) em atletas de força. Porém, dos sete atletas de força da amos­ tra, seis afirmaram estar usando ou terem usado esteróides anabólicos androgênicos regularmente, enquanto ninguém do grupo controle o fazia. Uma das hipóteses sugeridas pelos autores é que o uso de esteróides ocasionou a retenção de fluidos (fato já verificado em ani­ mais por APPELL e ta l, 1983), o que por sua vez dissolveu as prote­ ínas miofibrilares. É interessante notar que o volume miofibrilar en­ contrado nesse estudo é expressivamente baixo em relação às de­ mais pesquisas, mesmo em estudos feitos na mesma Universidade e com os mesmo autores, o que impulsiona as conclusões para uma condição patológica. De fato, grande parte, senão todos, os estudos verificando altera­ ções nas densidades dos componentes ultraestruturais, ou induziram condições patológicas, ou foram feitos em corações com degenera­ ções patológicas. Em estudo de FITZL et a l (1998), se detectou que ham sters com cardiom iopatia hereditária possuíam densidade miofibrilar cerca de 10% menor e maior volume sarcoplasmático que animais saudáveis. A ocorrência de uma “hipertrofia sarcoplasmática” como condição patológica também foi verificada em corações hu­ manos que hipertrofiaram em razão de uma patologia na válvula da aorta (SCHAPER et a l, 1981). Por outro lado, ao submeter um grupo de ratos a 18 semanas de treinamento em esteiras, MATTFELDT et al., (1986) verificaram que a secção transversa do músculo cardíaco dos animais exercitados era 17% maior que a de sedentários, sem haver, no entanto, alterações na composição das estruturas. A questão da diferenciação de hipertrofia, desta forma, estaria asso­ ciada a uma condição patológica, muito verificada no miocárdio, e não meramente a uma adaptação corriqueira de treinos diferenciados.

Como a densidade se mantém constante A densidade constante dos componentes protéicos pode estar rela­ cionada também à densidade do número de núcleos, pois, quando uma fibra hipertrofia, há um aumento compensatório no número de núcleos, tendo em vista a aparente necessidade de se manter uma determinada quantidade de material genético para atender as neces­ sidades da célula (ROLAND et a l, 1999; KADI & THORNELL; 2000). Isto nos leva a especular que o aumento proporcional de ma­

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terial genético origine uma manutenção da densidade das organelas em um segundo momento. O único componente que foge a esta den­ sidade constante é a mitocôndria tendo em vista sua relativa inde­ pendência genética e capacidade autônoma de se multiplicar. As adaptações diferenciadas, em razão dos diferentes tipos de trei­ no, provavelmente residem em pontos comprovadamente diferentes entre pessoas treinadas em força ou resistência e relacionados à performance em tarefas específicas. Dentre os quais, podemos citar: Ganhos de força (ALWAY et al., 1988; SALE et al., 1983; MAUGHAN et a l, 2000; BEHM, 1995; FLECK & KRAEMER, 1999): - Coordenação inter e intramuscular - Bomba de cálcio - Atividade da ATPase - Velocidade de condução do impulso nervoso - Sincronização de unidades motoras Ganhos na resistência (LUTHI et a l, 1986; TESCH et al., 1984; MAUGHAN e ta l, 2000; FLECK & KRAEMER, 1999; ANTONIO, 2000; CAMPOS et al., 2002; TESCH et al., 1989): - Volume de mitocôndrias - Densidade capilar - Atividade de enzimas oxidativas e glicolíticas Isto, obviamente, sem falar de condições genéticas que predispõem um indivíduo a ter maior capacidade de realizar força em determina­ dos movimentos como: sistema de alavancas favorável (inserção de tendões, comprimento de membros), estruturas osteoarticulares (ca­ pacidade de ossos e articulações em suportar carga), vantagens neurais (espessura dos axônios, características da bainha de mielina) e ou­ tras. Desta form a, podemos concluir que a diferença entre um fisiculturista e um halterofilista, ou entre quaisquer outros atletas de alto nível, é em decorrência das adaptações específicas do treina­ mento somada a sua predisposição biológica. Além do treinamento em si, não podemos negar a influência de outros fatores como mani­ pulações alimentares e farmacológicas.

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Supõe-se que esta divisão, provavelmente, era usada como artifí­ cio didático pelos soviéticos, porém, ao traduzir e transferir estes conceitos para a cultura ocidental, eles foram acomodados à nossa visão mecanicista. No entanto, até que haja provas convincentes da fragmentação morfológica da hipertrofia em dois tipos, o mais sen­ sato é procurar explicações comprovadas e convincentes para os re­ sultados dos treinos.

3,2 - Hiperplasia Hiperplasia é o aumento volumétrico do músculo devido ao au­ mento numérico das fibras que o constituem. Há duas possíveis formas de se aumentar o número de fibras em um músculo: gênese de novas fibras a partir da fusão de células saté­ lites e divisão da célula adulta em outras menores (ANTONIO & GONEYA, 1993b). A fusão das células satélites para formação de novas fibras é o cam inho sugerido pela m aioria dos estudos em que se detecta hiperplasia. Em estudos com animais, é possível verificar a presença de pequenas fibras expressando formas embrionárias e/ou neonatais de miosina pouco dias após a imposição de sobrecarga (ANTONIO & GONYEA, 1993b). Entretanto, em casos extremos, a célula muscular parece ter a ca­ pacidade de se dividir. Ao usar sobrecargas progressivas nas asas de aves, ANTONIO & GONYEA (1993a) obtiveram, em apenas quatro semanas, o maior ganho de massa muscular já verificado em estudos com modelos animais, com aumento superior a 300%. Este expressi­ vo aumento de tamanho foi acompanho por uma elevação de mais de 80% no número de fibras. O padrão temporal destas alterações mos­ tra que ocorreu aumento da secção transversa até valores extremos, seguido de notória diminuição de tamanho e multiplicação das célu­ las. Este padrão sugere que, após chegarem ao tamanho limite, as fibras se dividiriam, ou seja, há um limite de hipertrofia, a partir do qual é necessário que ocorra uma cisão celular. Em animais, os métodos mais usados para estimular hiperplasia são: ablação dos sinergistas, movimentos com sobrecargas e alonga­ mento forçado (KELLEY, 1996; ANTONIO & GONEYA, 1993b),

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este último é o modelo mais comum, usado principalmente em aves. No alongamento forçado normalmente se aplica sobrecarga constan­ te no dorsal anterior, anexando um implemento com peso equivalen­ te a 10% do peso do animal em uma das asas por várias semanas. Protocolos como este promovem aumentos na quantidade de fibras em apenas uma semana, chegando a elevar tais valores em 82% (ANTONIO & GONEYA, 1993a; ANTONIO & GONEYA, 1993b). Para contagem de fibras, os procedimentos, normalmente, são dois: contagem histológica e digestão com ácido nítrico. A contagem histológica é feita com uma amostra da região medial do músculo, no entanto este método pressupõe que a amostra contenha todas as fibras pelo fato de elas, necessariamente, irem da origem à inserção, o que não é verificado. A alternativa mais precisa é a digestão com ácido nítrico que, apesar de também possuir limitações, tem sido o método mais usado (ANTONIO & GONEYA, 1993b; KELLEY, 1996). Em animais, a hiperplasia já parece ser um fato concluso, como mostram as revisões sobre o tema de ANTONIO & GONYEA (1993b) e KELLEY (1996). No entanto, a hipertrofia se mostra como a adap­ tação mais evidente; de acordo com KELLEY (1996) a proporção dos valores encontrados entre os aumentos da área da fibra e o au­ mento do número é de 2:1, ou seja, os resultados dos estudos mos­ tram um aumento na área da fibra aproximadamente duas vezes mai­ or que os aumentos nos números das fibras.

Hiperplasia em seres humanos A primeira dificuldade em estudar hiperplasia em humanos é a impossibilidade de se reproduzirem os modelos animais como a ablação dos sinergistas e o alongamento sobrecarregado. Outro pro­ blema é o método de contagem de fibras, enquanto os animais são sacrificados e o músculo é removido, em seres humanos tais pesqui­ sas só são possíveis por meio de biópsias, estimando o total de fibras por meio da seguinte equação (ANTONIO & GONEYA, 1993b): número de fibras = secção transversa do músculo (corrigida com o tecido não-contrátil) média da área das fibras

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Ao estudar cadáveres humanos, SJOSTROM et al. (1992) verifi­ caram que a secção transversa do tibial anterior era maior no múscu­ lo esquerdo em comparação ao direito, apesar de o tamanho das fi­ bras ser igual entre os lados. No entanto, a contagem de fibras reve­ lou um número de células 10% maior no músculo esquerdo. Supos­ tamente, a causa do aumento foi o padrão diferenciado de atividade entre os membros, tendo em vista que as pessoas estudadas eram destras nos membros superiores, e isto se reflete em maior uso dos membros inferiores contralaterais. Segundo a proposta dos investi­ gadores, trinta novas fibras seriam formadas a cada semana. Desta forma, no tibial anterior estudado, apenas uma em cada 5.000 fibras teria surgido nos últimos sete dias. Levando em conta que uma biópsia ofereceria uma amostra de cerca de 500 fibras, fica clara a dificulda­ de, ou até mesmo a impossibilidade, de se encontrarem diferenças em seres humanos por meio deste procedimento em estudos longitu­ dinais de curto prazo. Há alguns estudos em humanos que sugerem a ocorrência de hiperplasia como resultado do treinamento de força em longo prazo. MACDOUGALL et al. (1982) selecionaram as pessoas ativas com maiores perímetros de braço em seus estudos anteriores para comparálos com atletas de força (fisiculturistas e levantadores peso). A expe­ riência de treino era, em média, de sete anos para os atletas e seis meses para os não-atletas. De acordo com as medidas, o perímetro do braço dos atletas era cerca de 30% maior. No entanto, a proporção entre os tipos de fibras e a secção transversa das fibras rápidas e lentas era igual nos dois grupos, fazendo os autores sugerirem a ocor­ rência de hiperplasia. Neste estudo há relatos de diversas fibras “atrofiadas” nos atletas, as quais poderiam ser, na verdade, células recém-criadas, como as encontradas em grande parte dos estudos lon­ gitudinais, conforme citado por ANTONÍO & GONEYA (1993b). Alguns estudos mostraram resultados similares (LARSSON & TESCH, 1986) aos vistos acima, e outros, inclusive do mesmo autor, m ostraram resultados diferentes (M ACDOUGALL et al. 1984; SCHANTZ et al, 1981; SALE 1987). Em 1984, MACDOUGALL et al. verificaram que fisiculturistas possuíam fibras maiores que estu­ dantes de Educação Física, no entanto o número de fibras era igual para ambos. Apesar de haver fisiculturistas com um número de células

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maior que o normal, alguns estudantes também apresentavam estas alterações, igualando a média dos grupos. Várias hipóteses podem ser sugeridas para as diferenças entre os estudos, como: local da biópsia; procedimentos para coleta das biópsias; características genéticas individuais; a escolha da amostra - os atletas do estudo, de MACDOUGALL et al. (1982) possuíam fibras menores que os atletas de outros estudos (ALWAY 1988). Vale ressaltar que, apesar das divergências, a maior parte dos estu­ dos apresenta um ponto em comum: a presença de pequenas fibras, que podem ter sido criadas recentemente. Um dado importante do estudo de MACDOUGALL et al. (1982) é o fato de que quase a totalidade dos indivíduos no grupo de atletas afirma estar fazendo ou ter feito uso de esteróides anabólicos, o que pode reforçar a hipótese de que o uso de andrógenos favoreça o processo de hiperplasia em longo prazo, mediado pela atuação da testosterona sobre as células satélites, como visto na seção 3.1.1. Nas pesquisas mais recentes, as análises de estruturas protéicas embrionárias/neonatais, para detectar novas fibras, foram feitas com mais rigor. Em um estudo transversal, KADI et al. (1999b) coleta­ ram biópsias do trapézio de levantadores de peso de alto nível para comparar as diferenças morfológicas entre usuários e não-usuários de esteróides anabólicos androgênicos. Os resultados mostram que as fibras de usuários eram maiores que as de não-usuários, encon­ trando-se também um maior número de núcleos para os primeiros. A maior incidência de fibras com características neonatais e/ou embri­ onárias em atletas que usam esteróides leva os autores a concluir que tais drogas causam tanto o aumento do tamanho da fibra, quanto a formação de novas fibras. Estes efeitos, no entanto, só são visíveis após o uso prolongado de hormônios, tendo em vista que, após se usarem doses semanais de até óOOmg de andrógenos por 20 semanas em homens, SINHA-HIKIM et al. (2002) não encontraram sinais de hiperplasia. Apesar de ser reforçada pelo uso de drogas, a hiperplasia tem se revelado como o resultado do treinamento resistido em longo prazo. Ao comparar as características musculares de levantadores de peso de nível internacional (não-usuários de andrógenos) e pessoas co­ muns, KADI et al. (1999a) verificaram que todos os levantadores de peso estudados possuíam pequenas fibras musculares expressando

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MCP embrionária/neonatal, enquanto apenas uma pequena parte dos não-atletas mostrou estas alterações. A proporção destas fibras equi­ vale a 2,9% do total de fibras em atletas e a 1% em não-atletas. A hiperplasia em humanos parece ser um fato científico, revelan­ do-se como resultado do treinamento com pesos em longo prazo (mais de sete anos). No entanto, a contribuição das novas células ao au­ mento do músculo deve ser analisada com cautela, tanto pelo seu padrão temporal, quando pelo aspecto quantitativo. Segundo as esti­ mativas de SJOSTROM et al. (1992), por exemplo, demoraria cerca de 10 anos para que o número de células aumentasse em 10%. Ao analisar os dados de KADT et al. (1999a), vemos que a diferença entre o total de novas fibras em atletas de nível mundial (que possu­ em uma genética privilegiada e expõem suas fibras à sobrecarga por até 18 horas por semana) e sedentários equivale a menos de 2% do total de fibras do músculo. Levando em conta que o perímetro do membro depende de diver­ sos outros fatores, como ossos e tecido conectivos, não há grandes possibilidades de a hiperplasia ter um papel essencial nos resultados obtidos no dia-a-dia. Para representar tal significância, grosso modo, poderíamos fazer um paralelo entre os estudos citados e veríamos que a hiperplasia corresponderia a pouco mais de 1% do volume total do músculo em um dado momento. A baixa signi ficância da hiperplasia em curto prazo, a diferença entre os protocolos usados em humanos e animais e as deficiências das técnicas de medida talvez expliquem o fato de não se encontrar aumento no número de fibras em curto prazo, como foi o caso de M ACCALL et al. (1996), que realizaram biópsias antes e após 12 semanas de treinamento de força. No entanto, há fortes evidências de que ocorra o aumento do número de fibras como resultado de muitos anos de treinamento de força. A controvérsia permanece, no entanto análises estatísticas mos­ tram que tanto o número quanto a quantidade de fibras têm relação com a secção transversa dos músculos (KELLEY, 1996), seja por fatores genéticos ou ambientais.

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3.3 - Tipos de fibras Mudanças de tipos de fibras As fibras dentro de uma unidade motora têm grande similaridade bioquímica e mecânica, as quais são, em grande parte, determinadas pelo motoneurônio que as inerva. Motoneurônios com axônios de maior diâmetro, maior velocidade de condução e menor tempo de relaxamento inervam fibras rápidas, ocorrendo o inverso com fibras lentas. Essencialmente, o que determinará se uma fibra será lenta ou rápida é a atividade neural que chega a ela. Em um estudo feito com gatos por FOEHRING et al. (1987), foi usada a inervação cruzada para testar até que ponto as fibras são determinadas pelas características do motoneurônio. Um procedimen­ to cirúrgico fez com que o gastrocnêmio lateral (predominantemente rápido) ou o sóleo (predominantemente lento) fossem inervados pelo motoneurônio do gastrocnêmio medial (músculo de características mistas). As avaliações foram feitas em duas ocasiões: entre a 9a e 10a semanas e entre o 9o e 1 I o meses. Com a inervação, o gastrocnêmio lateral adquiriu rapidamente as características do gastrocnêmico medial quanto ao tipo de fibras, tornando-se mais lento. O sóleo tam­ bém se aproxim ou do fenótipo do gastrocnêm io m edial, sendo verificada uma maior proporção de fibras rápidas - no início do estu­ do a composição de fibras rápidas era 25%, passando para 31% após a intervenção, uma quantidade nunca vista em condições normais. Apesar destas mudanças, a composição do sóleo permaneceu dife­ rente do gastrocnêmico medial. Estes dados indicam que uma ativi­ dade neural crônica pode influenciar na tipologia de fibras, no entan­ to as mudanças são limitadas pelas características iniciais dos mús­ culos, principalmente se as fibras tiverem características lentas. No caso de fibras oxidativas, foi verificado que o motoneurônio passou a ter características similares à da fibra, indicando que também pode ocorrer um caminho retroativo, com as fibras influenciando na com­ posição do motoneurônio (FOEHRING et al., 1987). Posteriorm ente, foi verificado que a própria característica do motoneurônio pode ser alterada pela atividade elétrica. MUNSON et al. (1997) implantaram elétrodos no gastrocnêmio medial de gatos e forneceram estímulos de baixa freqüência (25 Hz) aos músculos du­

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rante 8 a 12 semanas. A estimulação crônica levou as fibras a adqui­ rirem características similares às dos sólco, com mais de 99% das fibras do gaslrocnêm io mostrando características histológicas e ncurais lentas-oxidativas, enquanto cm condições normais, esta pro­ porção ó de apenas 20%. Outros dados interessantes desta experiên­ cia foram as alterações dos próprios moloncurônios c suas sinapses. A estimulação crônica diminuiu o limiar de excitabilidade e a veloci­ dade de condução das células nervosas, mostrando uma-con versão para os fcnólipos mais lentos, sem ocorrer, no entanto, uma conver­ são total, como ocorreu com as fibras. Por meio destes resultados, pode-se inferir que o próprio neurônio é influenciado pela atividade elétrica a que é submetido. Em trabalho complementar ao citado acima, GORDON etal. (1997) forneceram estímulos de baixa freqüência às fibras do gastroenêmio de galos por meio de duas formas de clclrocslimulação: na medula ou intramuscular. Os resultados foram os mesmos vistos anterior­ mente, com ambas as variações sendo eficientes em converter as fi­ bras rápidas em lentas. A conversão foi mais rápida com a estimulação central na medula, chegando a 100% no segundo mês, o que só ocor­ reu na estimulação intramuscular após o centésimo dia. Um dado comum a todos os artigos citados foi a maior facilidade de conversão de fibras rápidas em fibras lentas. De acordo com todos eles, as fibras glicolílicas oferecem menos resistência em se transfor­ mar, adquirindo características totalmente oxidativas. A maior capaci­ dade de as fibras originalmente lentas resistirem à conversão e, até mesmo, converter o moloneurônio pode estar relacionada a fatores bioquímicos, especialmente a neurolrofinas (MUNSON et ai, 1997). Tais evidências mostram que a atividade ncural pode influenciaras características e até mesmo os tipos de fibras. No entanto, não há provas de que os estímulos neurais proporcionados pelo treinamento de força possam ter um efeito similar aos encontrados em estudos feitos em animais dentro de laboratórios. Talvez a única forma de se verificar isto seja por meio do acompanhamento longitudinal de pes­ soas expostas a determinados estímulos durante muitos anos, talvez desde sua infância.

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Conversão entre subtipos Na maior parte dos estudos envolvendo treinamento com pesos, as mudanças ocorrem dentro do fenótipo rápido (fibras tipo II) com modificações na miosina de cadeia pesada (MCP). Todas as ativida­ des físicas, desde treinos de endurance até treinos de força e sprints, parecem estimular a mudança do fenótipo IIB para o IIA (KRAEMER et a i, 1995b; GREEN et a l, 1999; STARON et cil, 1994; ADAMS etal., 1993; HARRIDGE et a i, 1998; CAMPOS etal., 2002; KADI et al., 1999a). CAMPOS et al. (2002) compararam os efeitos fisiológicos de pro­ tocolos de treino de força, envolvendo as seguintes margens de repetições: 3 a 5; 9 a 11; e 20 a 28. De acordo com os resultados, todos as variações promoveram diminuição nas fibras tipo IIB, com aumento do tipo IIA, comprovando que mesmo treinos com cargas elevadas e baixas repetições promovem as mudanças no sentido IIB/ IIA. Este fato é corroborado por diversos estudos transversais, em que se verificou que o percentual de fibras IIB é extremamente reduzido em levantadores de peso (KADI et a l, 1999a). Ao compa­ rar levantadores de peso estadunidenses de nível nacional com pessoas moderadamente ativas, FRY et al. (2003) verificaram que os atletas possuíam, em média, 1,3% de fibras IIB, enquanto em pessoas ativas este percentual era de 12%. A única situação que parece aumentar a concentração de fibras IIB é a inatividade. Em estudo realizado com ratos, a imobilização do membro traseiro por uma semana elevou a expressão genética da MCP IIB em mais de duas vezes e diminuiu em mais de 50% os níveis de RNAm para a isoforma IIA (JANKALA et a l, 1997). Este fato também é devidamente verificado em seres humanos. Ao avali­ ar os efeitos da inatividade na composição muscular de mulheres treinadas, STARON et al. (1991) reportaram uma queda significati­ va na proporção de fibras IIA e aumento do subtipo IIB após 32 se­ manas de destreinamento, situação revertida com a retomada da musculação. Estas evidências nos permitem dizer que as fibras IIB sejam características do sedentarismo, consistindo uma reserva pron­ tamente convertida no tipo IIA diante de praticamente qualquer in­ tervenção motora. Desta forma, não se justifica a hipótese de treinos com altas sobre­ cargas para trabalhar seletivamente fibras IIB. Na verdade, parece

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que quanto menor a intensidade do treino maior será a proporção de fibras IIB, tanto que ao comparar pessoas submetidas a treinos de endurance com pessoas treinadas com pesos, KRAEMER et a l (1995b) verificaram que o percentual de fibras tipo IIB é maior no primeiro caso. Em idosos, no entanto, foram encontradas algumas particularidades, com conversão das formas híbridas em fibras tipo I, sem alteração na quantidade de fibras com fenótipo IIA, enquanto em jovens a conver­ são é para o tipo IIA, sem mudanças no fenótipo I (WILLIAMSON et al, 2000; WILLIAMSON et al, 2001). A explicação provavelmente reside nas alterações neurais decorrentes da idade.

Hipertrofia seletiva nas fibras Há um senso comum de que a utilização de cargas altas e repeti­ ções baixas estimule a hipertrofia seletiva das fibras tipo II, enquan­ to exercícios com cargas baixas e repetições elevadas, hipertrofiariam preferencialmente as fibras tipo I (BOMPA & CORNACCHIA, 1998). Por meio do padrão de recrutamento do menor para o maior, vigen­ te na maioria dos movimentos, inicia-se a contração com as unidades pequenas e progressivamente se ativam as grandes (KRAEMER & HAKKINEN, 2004). Desta forma, a única diferença entre iniciar um exercício máximo (de musculação) com cargas altas ou baixas seria o momento de recrutamento das fibras e não a atividade exclusiva de um tipo. Segundo dados apresentados por ANTONIO (2000), para se conseguir estressar prioritariamente as fibras tipo I, seria necessá­ rio usar cargas em tomo de 20% da CVM (uma carga que dificilmen­ te promoveria hipertrofia em condições normais), pois a partir destes valores o estresse sobre as fibras lentas seria constante, enquanto se aumentasse o trabalho das fibras tipo II. Há estudos em que se verificou que o treinamento de força intenso promove hipertrofia seletiva nas fibras rápidas (CHARETTE et al, 1991; CAMPBELL et al, 1999) e outros verificando hipertrofia seletiva nas fibras lentas (TRAPPE et al, 2001). No entanto, a maioria dos estudos mostra que, ambos os tipos de fibra aumentam seu tamanho em resposta ao treinamento de força, independente de se usarem cargas altas ou bai­ xas (GREEN et al, 1999; KRAEMER et al, 1995b; MCCALL et al, 1996; SINGH et al, 1999; TRAPPE et al, 2000; STARON et al, 1994; CAMPOS et al, 2002; KADI et al, 1999b; FRONTERA et al, 1988).

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Ao contrário do imaginado, a maior parte das evidências indica que treinos de baixa intensidade prejudicam a hipertrofia das fibras tipo I pois, por serem mais resistentes, as fibras oxidativas precisari­ am de estímulos mais intensos, como os obtidos em treinos de repe­ tições máximas e cargas elevadas. CHARETTE et a l (1991) prescreveram 6 repetições com cargas entre 65 e 75% de 1 RM, uma carga com que, segundo dados de HOEGER et al. (1989), a amostra conseguiria realizar, em média, 12 repetições em alguns dos exercícios prescritos. Talvez por este motivo, não foi verificada hipertrofia nas fibras lentas. Assim como cargas reduzidas, núm eros altos de repetições (20 a 28) tam bém não mostraram fornecer estímulos eficientes para hipertrofiar as fibras tipo I, no entanto, geram uma tendência em aumentar a secção transversa das fibras 1IB (CAMPOS et a l, 2002). De acordo com evidências científicas, os estímulos de baixa inten­ sidade, direcionados para as fibras tipo I, prejudicariam a hipertrofia em vez de estimulá-la. KRAEMER et al. (1995b) submeteram ho­ mens treinados a diversos tipos de treino e verificaram que, com o treino de força, ocorre hipertrofia nas fibras I e II, entretanto, a reali­ zação de exercícios de endurance, seja sozinho, seja em combinação com o treino de força, inibe o aumento da área nas fibras oxidativas. Dados similares também foram encontrados por McCARTHY et a l (2002). Apesar de não haver uma hipótese cientificamente compro­ vada, sugere-se que treinos de baixa intensidade promovam adapta­ ções morfológicas que antagonizam as reações de hipertrofia no ní­ vel das fibras lentas. Desta forma, direcionar treinos de hipertrofia para determinadas fibras musculares não faria sentido e poderia até ser improdutivo. Com base na literatura disponível, podemos concluir que o treino de força intenso, feito com repetições máximas, exerce efeitos iguais so­ bre o volume de todos os tipos de fibras (STARON et a l, 1994; KRAEMER e ta l, 1995b; GREEN e ta l, 1999; MCCALL et a l, 1996; CAMPOS et al., 2002; KADI et a l, 1999a). Como veremos adiante, os valores de carga, repetições e velocidade nos treinos de hipertrofia estão mais associados a alterações fisiológicas intermediárias do que ao fato de se recrutar seletivamente determinado tipo de fibra.

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CAPITULO 4 M étodos e técnicas

4.1 - Métodos metabólicos e tensionais Tendo em vista os diferentes estímulos para hipertrofia, propõe-se a divisão de treinos, ou estímulos, em dois tipos, conforme a via principal a ser atingida: tensionais e metabólicos.

Tensionais Podemos exemplificar um estresse tensional por meio de experi­ mentos feitos com alongamento. Há diversos estudos em que se pro­ move hipertrofia muscular por meio do alongamento forçado (ANTONIO & GONEYA, 1993b). Ou seja, o estímulo primário para que ocorram as reações de hipertrofia é a tensão imposta ao músculo. Em 1997, JAMES et al. usaram um expansor de tecidos feito de silicone para verificar os efeitos do alongamento na musculatura dorsal de coelhos. O procedimento consistia em inserir cirurgicamente o expansor abaixo do músculo (entre a costela e o latissimus dorsi) e encher progressivamente o expansor com infusões salinas de modo a se obter a seguinte progressão: inicialmente, o alongamento era equi­ valente a 10% do comprimento normal, aumentando para 15% na segunda semana e chegando a 20% na terceira, sendo mantido assim por mais 3 semanas, até totalizar 42 dias de experimento. Os resulta­ dos da intervenção foram comparados com três controles: muscula­ tura contralateral do mesmo animal, musculatura de animais que não foram submetidos a nenhuma intervenção e musculatura de animais que tiveram expansores inseridos sob a musculatura, porém os apa­ ratos foram mantidos vazios. No estudo, nenhum estímulo diferenci­ ado foi proporcionado aos grupos, tomando possível inferir que não ocorreram alterações metabólicas locais diferenciadas entre os gru­ pos. Ao final do experimento, a musculatura submetida ao alonga­

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mento obteve hipertrofia significativa, mostrando-se 50% mais pe­ sada que as amostras dos grupos controles. Com base em estudos como este, pode-se sugerir que a simples imposição de um estresse mecânico à musculatura é capaz de promo­ ver hipertrofia, mesmo que não haja alterações específicas no me­ tabolismo local. Apesar de alongamento e contração muscular parecerem eventos antagônicos, ele se mostram similares se analisarmos a tensão no nível estrutural da fibra muscular. Tanto nos alongamentos, quanto nas contrações há uma força externa agindo no sentido contrário ao que a fibra trabalha. Mesmo durante a contração muscular, especial­ mente a excêntrica, há sarcômeros que se alongam forçadamente (JULIAN & MORGAN, 1979), fato que pode gerar lesões e/ou ati­ var os mecanismos de mecanotransdução, iniciando com isso meca­ nismos fisiológicos que levam à hipertrofia. Assim, propõe-se a definição de métodos tensionais como os que promovem hipertrofia por meio, principalmente, de estímulos mecâ­ nicos. Estes métodos caracterizam-se basicamente pela utilização de cargas (expressas em unidade de massa) e amplitudes de movimento altas durante o treinamento. Com base em algumas características da contração excêntrica (alon­ gamento, maior capacidade de suportar carga, maiores sinais de mecanotransdução e maior ocorrência de microlesões - ver mais na seção 4.2), vemos que o melhor aproveitamento desta fase se daria em treinos com características tensionais. O inconveniente dos métodos tensionais seria uma maior exposi­ ção das articulações a cargas altas que, em alguns casos, podem pro­ mover lesões quando utilizadas continuamente por longo prazo. Ou­ tro fator que se deve levar em conta é a possibilidade de alterações patológicas devido à regeneração incompleta gerada pela elevada freqüência de microlesões.

M etabólicos Ao contrário do estudo citado anteriormente, há relatos de ocor­ rência de hipertrofia sem a exposição da fibra à tensão externa, seja por alongamento, seja por contração. TAKARADA, TAKAZAWA & ISHII (2000) realizaram um estu­ do para verificar o efeito da oclusão vascular na musculatura da coxa

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em pacientes que se submeteram à cirurgia de reconstrução do liga­ mento cruzado anterior. Este grupo de pesquisadores já havia com­ provado que a aplicação de oclusão vascular potencializava a hipertrofia em resposta ao treinamento de força com baixas cargas (TAKARADA et cã., 2000b), e pretendia agora verificar os efeitos de uma oclusão mais severa em membros imobilizados, para ameni­ zar a perda de massa muscular advinda da inatividade. O protocolo envolvia duas sessões semanais de oclusão vascular aplicadas por 5 minutos (compressão de 238 mmHg, em média) na parte proximal da coxa e intercaladas por 3 minutos de alívio, repetindo o procedimen­ to por cinco vezes em cada sessão. Frise-se que o protocolo não in­ cluía nenhuma atividade física adicional, sendo a oclusão vascular o único estímulo fisiológico diferenciado. De acordo com os resulta­ dos, a aplicação da oclusão promoveu melhoras no metabolismo protéico, atenuando a perda de massa muscular decorrente da imobi­ lização. Enquanto o músculo do grupo controle (sem oclusão) teve sua secção transversa reduzida em cerca de 20%, o grupo experi­ mental perdeu uma média de somente 9,4%. A oclusão vascular dificulta o fluxo sangüíneo e, conseqüentemente, a chegada de oxigênio às fibras musculares, levando à queda de pEl, que se reflete em acúmulo de lactato. Como não foi imposta nenhu­ ma sobrecarga adicional, pode-se inferir que as alterações na condi­ ção metabólica local tiveram papel primário na indução do processo de hipertrofia. A partir de dados como estes, chamamos de metabólicos os méto­ dos que induzem hipertrofia por meio, principalmente, de alterações nas condições metabólicas locais. A vantagem deste método é não precisar expor as articulações a grandes cargas, podendo ser utiliza­ do em alunos iniciantes, pessoas lesionadas e períodos em que se desejam descansar ossos e tendões. Neste tipo de treino, é recomendável aproveitar melhor as fases isom étrica e concêntrica, por prom overem m aior acúm ulo de metabólitos (como será visto na seção 4.2). Nesta linha de pensa­ mento, quanto menor for a carga absoluta utilizada, mais recomen­ dado será utilizar a fase concêntrica, em que encontramos maiores dificuldades para uma mesma carga, em relação às ações isométricas e excêntricas.

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Quanto mais carga melhor? A diferenciação entre os estímulos é muito útil para iniciar um processo de conscientização em relação ao treino de força voltado para hipertrofia, questionando o mito do “quanto mais carga melhor”. Em um estudo de SCHOTT et al. (1995), foram comparados dois grupos, um usando contrações isométricas intermitentes e outro, con­ trações contínuas, ambas com a intensidade de 70% da contração isométrica voluntária máxima (CVM). Paralelamente, foram medi­ das alterações no pH sangüíneo. O grupo intermitente realizava qua­ tro séries com 10 contrações de 3 segundos e 2 segundos de intervalo entre cada repetição. O grupo contínuo era mantido em contração por 30 segundos, realizando um total de 4 séries com 1 minuto de intervalo. O grupo que realizou as contrações contínuas teve aumen­ to significativo na secção transversa, fato não verificado no grupo intermitente. Tais alterações foram acompanhadas de queda no pH e alterações nos fosfatos metabólicos, fazendo os autores atribuírem os maiores aumentos na secção transversa às alterações metabólicas. Outros estudos seguiram comprovando a importância das alterações metabólicas locais na hipertrofia muscular por meio do uso de treinos com ou sem oclusão v ascu lar (TA K A RA D A et al., 2000a; TA K A R A D A et a l , 2002, SH IN O H A R A et a l , 1998; BU RG OM ASTER et a l, 2003). SHINOHARA et a l (1998) e TAKARADA et al. (2000b) verificaram que treinos realizados com oclusão vascular produzem hipertrofia, enquanto treinos com a mes­ ma carga e mesma margem de repetições, sem a oclusão, são inócuos. TAKARADA et al. (2000b) compararam os efeitos de treinos com 80% e 50% de 1 RM, sendo este último realizado com oclusão vascular. Todos os protocolos envolviam 3 séries, com 1 minuto de intervalo entre elas. Ao contrário do que se poderia supor, os aumen­ tos da secção transversa foram maiores para o grupo com carga mais baixa e oclusão vascular. No bíceps, o aumento foi de 20,8% X 18,4% e no braquial, foi de 17,8% X 11,8%, para os grupos que treinaram com 50% e 80% de 1RM, respectivamente (TAKARADA et al., 2000b). TAKARADA & ISHII (2002) investigaram os efeitos de treinos de força de baixa intensidade com descansos reduzidos, na hipertrofia e força. Duas vezes por semana, durante 12 semanas, eram realizadas três séries de extensão de joelhos com 50% de 1RM, sendo o interva­

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Bases Científicas do Treinamento de Hipertrofia

lo estabelecido em 30 segundos, para reduzir a rem oção de metabólitos. As séries eram executadas em tempo 2020 até a falha concêntrica, o que ocorria por volta de 14 repetições. Os resultados mostraram aumentos significativos na força e na secção transversa do músculo, algo que se acredita não ocorrer com cargas abaixo de 60% (FLECK & KRAEMER, 1999). Por meio destes estudos, vemos que a carga utilizada, por si só, seria de relevância limitada para predizer os resultados de um treino de hipertrofia, demandando uma abordagem mais complexa, que envolva também as alterações fisiológicas induzidas pelo exercício, dentre outros fatores. Portanto, quando utilizam os os treinos tensionais, devemos continuar observando os fatores qualitativos, como a amplitude de movimento (seção 5.8), intervalo de descanso (seção 5.5), ênfase em fases específicas (seção 5.7) e outros. Assim, quando nos referimos à utilização de maiores cargas, deve-se enten­ der como uma mudança neste aspecto, sem sacrifício da qualidade do treino.

Observação sobre as definições A divisão entre métodos metabólicos e tensionais não se trata de uma proposta analítica de explicação do processo de hipertrofia, e sim de um artifício didático criado com a finalidade de facilitar o processo de entendimento e organização de um planejamento de hipertrofia. Isto nada tem a ver com hipertrofia sarcoplasmática ou miofibrilar, fato já discutido anteriormente (seção 3.1.3). Deve-se ressaltar que, durante o treino de força, não há efeitos exclusivos em parâmetros tensionais e metabólicos, e sim uma interação entre os fatores em diferentes níveis, de modo que tanto a tensão quanto as alterações metabólicas interagem e se confundem, sem haver uma possibilidade de separação entre elas. Portanto, não propomos uma divisão rígida, mas a identificação de qual estímulo seria melhor apro­ veitado em um dado momento. Não há como determinar qual das abordagens é mais eficiente de uma forma geral, logo, a recomendação é variá-las para garantir re­ sultados seguros e contínuos. Esta recomendação parte do pressu­ posto de que a imposição constante de um determinado tipo de estresse torna o sistema menos sensível, reduzindo a necessidade de reações para o restabelecim ento do equilíbrio e, conseqüentem ente, a

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hipertrofia. Ou seja, a recorrência constante a uma mesma via fisio­ lógica (método metabólico ou tensional) pode causar acomodação, diminuindo a magnitude das futuras adaptações fisiológicas.

4.2 - Diferenças entre as ações musculares Tipos de ação m uscular As ações musculares podem ser divididas em: - Isométricci ou estática: o músculo desenvolve tensão sem haver movimento visível da articulação. Nesta ação, o torque produzido pelo músculo é oposto a outro torque igual, e nenhum movimento ocorrerá (KRAEMER & HAKKINEN, 2004). - Concêntrica ou positiva: refere-se à situação na qual o músculo desenvolve uma tensão por meio da diminuição no seu comprimen­ to. O torque produzido pelo músculo será maior que o torque da re­ sistência ao movimento e os ossos se movem enquanto o músculo se encurta (KRAEMER & HAKKINEN, 2004). - Excêntrica ou negativa: o músculo se alonga, durante a tensão muscular. O torque produzido pelo músculo será oposto a outro torque maior em oposição à ação muscular, e os ossos se movem enquanto o músculo é alongado por essa resistência (KRAEMER & HAKKINEN, 2004). É im portante tam bém relem b rar o conceito de contrações isocinéticas: - Isocinético: refere-se à ação muscular na qual a velocidade angu­ lar permanece constante durante o movimento. Esse tipo de contra­ ção é realizado em máquinas especiais, onde qualquer força realiza­ da resulta em uma força de reação idêntica, tornando, teoricamente possível, que os músculos exerçam uma tensão contínua durante toda amplitude do movimento (FLECK e KRAEMER, 1999).

Diferenças entre as ações m usculares LINDSTEDT et a l (2001) apresentam um interessante histórico de como foram comprovadas as diferenças entre as ações musculares, segundo os autores, um experimento realizado nos anos 1950 trouxe a prim eira revelação clara neste sentido. A dem onstração foi conduzida e publicada por Bud Abbott, Brenda Bigland, e Murdoch

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Ritchie. Os cientistas posicionaram duas bicicletas estacionárias, uma de costas para outra, e as conectaram com uma corrente. Assim, enquanto um dos ciclistas pedalasse para frente, o outro apenas resistiria, travando o m ovim ento para trás. Com este sim ples experimento, os autores verificaram que a tarefa realizada pelo ciclista que resistia à pedalada era relativamente fácil, tanto que uma pequena mulher resistindo ao movimento era capaz de realizar mais força que um homem forte pedalando para frente. No referido caso, os papéis foram representados por B renda B igland e M urdoch R itchie, respectivam ente. Com este sim ples experim ento, os autores evidenciaram que as ações excêntricas são mais eficientes, menos desgastantes e produzem mais força que as concêntricas.

Atividade neuromotora Para uma mesma carga, as ações isométricas ativam o maior núme­ ro de unidades motoras, seguidas pelas concêntricas, com as excên­ tricas gerando os menores valores de ativação (RYSCHON et a l, 1997; ENOKA, 1996; GIBALA et a l, 1995). Em contrações máxi­ mas, no entanto, os resultados ainda são controversos. Alguns estu­ dos revelam que, apesar da maior produção de torque, a quantidade de unidades motoras recrutadas durante as contrações excêntricas é menor que nas demais (KAY et al., 2000; KOMI et al., 2000). Em outras pesquisas, entretanto, não foram encontradas diferenças na amplitude do sinal eletromiográfico das fases excêntrica e concêntri­ ca, m ostrando apenas superioridade das contrações isom étricas (BABAULT et a l, 2001). Nas ações excêntricas, há maior dificuldade em atingir os níveis m áxim os de força do que nas dem ais ações (ENOKA, 1996; AAGAARD et a l, 2000; WEBBER & KRIELLAARS, 1997), tanto que, voluntariamente, só somos capazes de atingir menos da metade de nossa capacidade máxima de torque excêntrico (WEBBER & KRIELLAARS, 1997). Esta inibição pode ser causada por mecanis­ mos de defesa, que teriam a finalidade de manter a integridade de ossos, tendões e ligamentos. Apesar de os valores máximos de força excêntrica (induzidos por eletroestimulação) superarem em cerca de duas vezes a contração isométrica máxima, em contrações voluntárias, ambos são muito pró­

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ximos (WEBBER & KRIELLAARS, 1997), sendo, inclusive, maio­ res para a CVM em alguns estudos (KOMI et a l, 2000). Tanto as ações isométricas quanto as excêntricas são superiores às concêntricas, em termos da força voluntária. A força voluntária ex­ cêntrica pode chegar a superar a concêntrica em 50%, mesmo recru­ tando um m enor número de unidades motoras (ENOKA, 1996; HORTOBAGYI et a l, 2001; BABAULT et a l, 2001). Segundo a teoria mais conservadora, todas as ações7musculares são produzidas da mesma forma pelo sistema nervoso, havendo ape­ nas graduação no torque muscular, que poderá exceder, igualar ou ser inferior à força imposta pela carga externa, gerando, respectiva­ mente, contrações concêntricas, isométricas ou excêntricas. Porém, de acordo com as evidências mais recentes, os diferentes tipos de contração produzem diferentes padrões motores (ENOKA, 1996). Dentro desta linha, NARDONE et a l (1989) verificaram que, duran­ te as contrações excêntricas, há ativação preferencial de unidades motoras maiores (glicolíticas), o que pode colaborar para um aumen­ to do torque. Apesar de bem-aceita, esta hipótese não foi confirmada por K O M I et al. (2000), ao analisar as freqüências do sinal eletromiográfico obtidas em ações excêntricas. B ISH O P et al. (2000) v e rific a ra m que, apesar do m enor recrutamento, há maior sincronização de UMs na fase excêntrica, sugerindo um m ecanism o de facilitação neural m ediado por p ro p rio c e p to re s . De aco rd o com os a u to re s, a fa c ilita ç ã o monossináptica promovida pelo fuso muscular aumentaria de modo mais rápido que a inibição bissináptica causada pelo Órgão Tendinoso de Golgi, o que tornaria a resistência ao alongamento mais eficaz que a inibição à contração. A ação dos antagonistas também pode fornecer vantagens à fase excêntrica. BABAULT et a l (2001) e KOMI et a l (2000) verifica­ ram que a coativação dos antagonistas não é diferente entre as ações concêntrica, excêntrica ou isométrica. No entanto, ao serem ativados durante uma contração concêntrica, os antagonistas atuam contra o movimento, enquanto em uma ação isométrica eles apenas estabili­ zam a contração. Em uma ação excêntrica, entretanto, eles atuam a favor do movimento, diminuindo a resistência viscoelástica.

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Ocorrência de microlesões Como vimos, diante de uma mesma carga, menos unidades motoras são ativadas durante a ação excêntrica, em comparação com as ações concêntricas e isométricas. Desta forma, as proteínas estruturais dos sarcômeros suportam maior tensão e, conseqüentemente, ficam mais expostas às lesões. Assim, mesmo que se realizem os mesmos traba­ lhos (mesma carga e mesmo número de repetições), em todos os ti­ pos de ação muscular, a ocorrência de lesões será mais significativa durante as contrações excêntricas. Em um estudo de GIBALA et al. (1995), homens não-treinados realizavam somente ações concêntricas com os flexores de cotovelo de um braço e somente ações excêntricas no lado oposto. Em ambos os casos, realizavam-se 8 séries de 8 repetições (cadência de 2 se­ gundos por repetição) com uma carga equivalente a 80% de 1RM. Dois dias após o experimento, 82% das fibras dos músculos treina­ dos excentricamente estavam lesionadas, enquanto nos músculos trei­ nados com ações concêntricas, o índice foi de apenas 37%. Assim como no exemplo acima, NOSAKA & NEWTON (2002) realizaram um estudo de oito semanas, comparando os efeitos do treinamento excêntrico e concêntrico nos flexores do cotovelo. A amostra realizava 3 séries de 10 repetições excêntricas com um dos membros e o mesmo volume de contrações concêntricas para o outro membro, ambos com mesma carga (50% da CVM), mesmo tempo sob tensão (3 segundos por repetição) e mesmo intervalo entre as séries (3 minutos). De acordo com os resultados, mesmo com o me­ nor trabalho relativo, foram verificados maiores indícios de lesões com as contrações excêntricas, revelando quedas nos níveis de força isométrica cerca de duas vezes maiores em comparação ao treino concêntrico, assim como maior sensação dolorosa durante a palpação e extensão. Além da maior tensão por fibra, outro fator que pode contribuir para maiores índices de lesões na fase excêntrica é o alongamento irregular dos sarcômeros. Durante as ações musculares nem todos os sarcômeros são encurtados ou alongados ao mesmo tempo e muitos acabam por romper-se. Teoricamente, esta heterogeneidade é mais significativa durante as ações excêntricas, o que, aliado às grandes tensões por fibra, leva ao rompimento de um m aior número de sarcômeros.

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Alterações metabólicas e gasto energético Supõe-se que, durante as ações excêntricas, a maior parte das ca­ beças de miosina seria desligada do sítio ativo pela força mecânica (“arrasto”), e não pela hidrólise de ATP (ENOKA, 1996), gerando menores gastos energéticos e menores alterações metabólicas. Evidências para esta diferença metabólica têm sido encontradas em diversos estudos. MCARDLE et al. (1991) relatam que a corrida em terrenos planos promove alto acúmulo de lactato, enquanto a cor­ rida em declive não produz tal efeito, apesar de induzir dor residual. Dados similiares foram encontrados por PERREY et al. (2001), ao comparar testes excêntricos e concêntricos de ciclismo. RYSCHON et al. (1997) realizaram um estudo para determinar a resposta metabólica e estimar a eficiência mecanoquímica (gasto de ATP por unidade de tensão realizada) das ações musculares em seres humanos. De acordo com os resultados, a eficiência durante as ações excêntricas é 2,3 vezes maior que em contrações concêntricas, ou seja, para realizar o mesmo trabalho uma contração concêntrica uti­ lizaria 2,3 vezes mais ATP que uma excêntrica. Outro dado interes­ sante deste estudo é que, devido à economia de energia, ao realizar movimentos excêntricos leva-se praticamente o dobro de tempo para entrar em fadiga, em comparação com os concêntricos. Em um estudo de KAY et al. (2000), 12 indivíduos realizaram con­ trações máximas (isométricas, concêntricas ou excêntricas) durante 100 segundos, para comparar as mudanças no torque em função da fadiga. Apenas as contrações isométricas e concêntricas mostraram queda na performance, terminando o teste com torques correspon­ dentes a 30,5% e 57,7% dos valores iniciais, respectivamente. Para as ações excêntricas o torque final correspondia a 108,6% do inicial, mostrando uma clara resistência à fadiga. Em um estudo de 2003, DURAND et al. comparam os efeitos das ações concêntricas e excêntricas no acúmulo de lactato durante um treino envolvendo supino reto, extensão de joelhos, desenvolvimen­ to e flexão de joelhos. Foram coletadas amostras sangüíneas antes e depois do treino, que envolvia a realização de 4 séries de 12 repeti­ ções (concêntricas ou excêntricas) com carga igual a 80% do valor referente a 10RM nos exercícios citados. Todos os exercícios foram feitos em aparelhos convencionais (não-isocinéticos) na cadência de 2 segundos para cada fase, com intervalos de 90 segundos entre as

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Bases Científicas do Treinamento de Hipertrofia

séries. De acordo com os resultados, o treinamento concêntrico pro­ duziu aumentos significativamente maiores nos níveis de lactato, tanto imediatamente, quanto 15 minutos após o término do experimento. A u tiliz a ç ã o da m esm a carga a b so lu ta em e x p e rim e n to s submáximos, como os anteriormente citados, poderia levar à suposi­ ção de que o grupo concêntrico realizaria maior trabalho relativo e estaria mais próximo à fadiga, justificando as alterações metabóli­ cas. No entanto, ao estudar flexões de cotovelos realizadas até a fadi­ ga, CARRASCO et a i, (1999) verificaram que, mesmo nessa situa­ ção, o acúmulo de lactato advindo das contrações excêntricas é me­ nor que o proveniente das contrações concêntricas. Ao comparar treinos excêntricos com outros métodos, KEOGH et dl. (1999) obtiveram os mesmos resultados, atribuindo o menor acúmulo de lactato ao menor consumo de oxigênio e menor gasto energético, ocasionado pelas características mecânicas (maior uso de componentes elásticos) das contrações excêntricas. Diferenças entre as ações musculares: Concêntrica

Isométrica

Excêntrica

++

+++

+

Recrumento de UMs (para contração máxima)

++ +

++ +

+

Capacidade de gerar força

+

++

+++

Capacidade de gerar força por UM recrutada

+

+

+++

+++

+

++

++

+++

+

Ocorrência de m icrolesões (para a mesma carga)

+

*

+++

Mecanotransdução

+

++

+++

Recrumento de UMs (para uma mesma carga)

Gasto energético Fadigabiiidade (testes com ações máximas)

*dado não encontrado Comparação entre as ações musculares.

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Especificidade Os ganhos de força são específicos às ações treinadas (FLECK & KRAEMER, 1999), tendo em vista que cada uma é promovida por processos neurais específicos e diferenciados (ENOKA, 1996). De acordo com FLECK & KRAEMER (1999), quando se faz um treinamento isométrico, há especificidade de ângulo de articulação, ou seja, os ganhos de força se limitam às proximidades do ângulo treinado, podendo haver pequenos aumentos em ângulos próximos (5o a 20°), dependendo da articulação e de fatores como proximida­ de do alongamento e vantagem mecânica. Os autores recomendam que, caso se deseje aumentar a força concêntrica por meio de treinos isométricos, seria mais interessante treinar nos ângulos de maior di­ ficuldade, ou região presa. Em 1996, HORTOB AGYI et dl. compararam os efeitos de 6 sema­ nas de treinamento excêntrico ou concêntrico nos ganhos de força. De acordo com os resultados, o grupo concêntrico aumentou sua for­ ça em 36%, 18% e 13% para as ações concêntricas, isométricas e excêntricas, respectivamente. Para o grupo treinado em ações excên­ tricas os ganhos foram: 13%, 30% e 42% (Quadro abaixo.) Força C o n cên trica

Força Iso m é trica

Força E x cê n trica

T re in o C o n c ê n tric o

36%

18%

13%

T re in o E x c ê n tric o

13%

30%

42%

Ilustração dos resultados de HORTOBAYI

etal. (1996)

H IG B IE et dl. (1996) com param os efeitos de treinam entos isocinéticos concêntricos e excêntricos. Ambos os grupos realizaram três sessões semanais, com 3 séries de 10 repetições máximas em cada sessão, durante 10 semanas. Ao final do estudo, os valores médios de torque excêntrico aumentaram 36,2% e 12,8% para os grupos excêntrico e concêntrico, respectivamente. Os valores de torque concêntrico aumentaram em 6,8% e 18,7% para os grupos excêntrico e concêntrico, respectivamente (Quadro ao lado) Tais re­ sultados m ostram que há uma m elhor tran sferên cia da ação concêntrica para a excêntrica, do que no sentido inverso, fato

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Bases Científicas do Treinamento de Hipertrofia

comprovado por SEGER et al. (1998), usando um protocolo similar. A diferença entre o aumento na secção transversa foi pequena, mas estatisticamente significativa: apenas 1,6 ponto percentual em favor do grupo treinado excentricamente. A çã o m u scu la r tre in a d a

Testes

Excêntrica

Concêntrica

Controle

+36,2%*

+ 12,8%*

-1,7%

Alterações no torque concêntrico

+6,8%

+ 18,7%*

+4,7%

Alterações na secção transversa

+6,6%*

+5%*

-0,9%

Eletromiográfica integrada (excêntrica)

+ 16,7%*

+20%*

-9,1%

Eletromiográfica integrada (concêntrica)

+7,1%

+21,7%*

-8%

Alterações no torque excêntrico

*diferença significativa em relação ao grupo controle Ilustração dos resultados de HIBBIE

et al.

(1996)

4,3 - Métodos para intensificar o treino de hipertrofia Grande parte dos métodos de treinamento não foi criada por cien­ tistas, nem por teóricos do treinamento de força, mas por atletas e treinadores a partir de sua percepção e instinto. Tanto que a maior parte deles ainda não possui explicações científicas razoáveis. Este capítulo apresenta alguns métodos usados no treinamento de força voltado para hipertrofia, possíveis explicações para seus meca­ nismos de atuação e manipulações para maximizar seus resultados. Antes de aplicá-los, é importante conhecê-los e ter consciência de usá-los racionalmente, na pessoa correta e no momento adequado.

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Pirâmide A pirâmide pode ser de dois tipos: crescente e decrescente. Pirâmide crescente A pirâmide, como vista, hoje é originada de um trabalho feito na década de 1940, por DeLorme e Watkins, daí ser chamado de méto­ do DeLorme. Estes pesquisadores já haviam verificado que um mús­ culo atrofiado se recuperava mais rapidamente se repetições baixas e cargas altas fossem usadas e que, nesses casos, a hipertrofia era pro­ porcional às cargas levantadas. DeLorme sugeria que o músculo de­ veria ser aquecido com cargas leves, aumentando progressivamente a carga até se chegar às repetições máximas. No modelo original não havia variação entre o número de repetições (mantendo-as sempre em 10), e a variação era feita apenas na carga. Iniciava-se com 50% da carga de 10 RM, depois se progredia para 75% na série seguinte e, finalmente, se chegava às 10 RM propriamente ditas na terceira sé­ rie. Nesta variação, as séries iniciais não deveriam gerar fadiga, ser­ vindo apenas como aquecimento e para aprendizagem motora (FISH et a l, 2003). Atualm ente, a pirâm ide é usada com repetições máximas ou submáximas - sem a preocupação aparente de não gerar fadiga com uma progressiva diminuição das repetições e aumento das car­ gas. Desta forma, a pirâmide crescente consiste em aumentar a carga e diminuir o número de repetições ao longo da série, como no exem­ plo abaixo: Série

Repetições

Carga

Ia

12

50 kg

2a

10

55 kg

3a

08

60 kg

4a

06

65 kg

5a

04

70 kg

6a

02

75 kg

Apesar de ser um método muito utilizado, existem poucas evidên­ cias c ie n tífic a s a fav o r da p irâ m id e crescen te. BO M PA & CORNACCHIA (1988) afirmam que ela seria eficiente na produção de estímulos para todos os tipos de fibras, porém deve-se lembrar o que vimos anteriormente, na seção 3.3, pois as unidades motoras tipo

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Bases Científicas do Treinamento de Hipertrofia

I são recrutadas tanto com cargas elevadas quanto leves, não sendo obrigatório utilizar um alto número de repetições e cargas leves para ativá-las (MAUGHAN et, 2000). É comum ver-se a indicação deste método para ganhos de força ou como meio de se treinar com cargas altas. Tal prática sugere que, com a pirâmide, haja preparação para o uso de cargas elevadas, por meio do aquecimento da musculatura, tornando-a mais apta e prepa­ rada para as séries finais. Entretanto, a realização prévia de um gran­ de número de contrações prejudicará o mecanismo de contração-relaxamento por diversos fatores - como liberação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático e redução da excitabilidade da membrana celular (CHIN et al., 1997; FITTS, 1994; GREEN, 1998) - levando ao menor recrutamento de unidades motoras e diminuindo a capaci­ dade de gerar força. A realização de séries de 10 repetições máximas com intervalos relativamente longos (3 minutos), por exemplo, leva a reduções sig­ nificativas na capacidade voluntária de ativação dos músculos a cur­ to e longo prazo, podendo perdurar por até dois dias (HAKKINEN, 1995). Deste modo, realizar séries máximas com repetições eleva­ das, como é feito nas pirâmides, seria contraproducente caso se de­ sejasse trabalhar com cargas altas, tornando recomendável que não se use este método para ganhos de força. De fato, estudos recentes mostram que o uso de pirâmide crescente não produz vantagens adi­ cionais para ganhos de força, sendo superada por diversos outros métodos (KONSTANTAKOS, 1999). Com relação à hipertrofia, também se deve ter cuidado na aplica­ ção da pirâmide, mantendo as repetições dentro de níveis controla­ dos (como de 12 a 08). Caso contrário, corre-se o risco de gerar estí­ m ulos m uito divergentes e em quantidade in su ficien te para potençializar as adaptações. Realizar séries que se iniciam com 12 repetições e terminam com 02, como no exemplo anterior, não seria recomendado, pois as alterações metabólicas geradas pelas repeti­ ções altas não serão mantidas devido à diminuição do número de repetições. Por outro lado, a fadiga prévia gerada pelas repetições altas prejudicará a capacidade de gerar força e, conseqüentemente, diminuirá a magnitude dos estímulos tensionais. A aplicação mais recomendada da pirâmide seria como artifício didático, como nos casos de alunos que estejam treinando com repe­

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Paulo Gentil

tições altas há muito tempo e sintam dificuldades em utilizar repeti­ ções baixas e cargas altas. Nesses casos, as séries em pirâmides po­ deriam servir como preparação psicomotora. Pirâmide decrescente Conta-se que Zinovieff encontrava dificuldade em aplicar o méto­ do de DeLorme, pois as séries iniciais geravam fadiga e impediam que se alcançasse o número de repetições esperado, mesmo inician­ do com cargas baixas. Com base nestas observações, Zinovieff pro­ pôs, em meados dos anos 1950, um método inverso ao de DeLorme, chamado de método Oxford. Nesta versão, eram realizadas 10 repe­ tições máximas na primeira série, utilizando 75% e 50% de 10RM na segunda e terceira séries, respectivamente, sempre mantendo as 10 repetições (FISH et a l, 2003). Na pirâmide decrescente utilizada atualmente, realiza-se um pe­ queno número de repetições com cargas elevadas, com progressiva redução da carga e aumento do número de repetições, conforme ilus­ trado abaixo. Lembrando que nesta versão atual, as repetições são realizadas até a fadiga ou próximas a ela, na maior parte dos casos. Série

R ep etiçõ e s

C arga

Ia

02

100 kg

2a

04

90 kg

3a

06

80 kg

4a

08

70 kg

5a

10

60 kg

6a

12

50 kg

Apesar de ser a versão menos conhecida, esta é a que encontra maior amparo da fisiologia. A utilização de cargas mais elevadas no começo da série aproveitaria o estado neural para fornecer estímulos tensionais. As séries seguintes, que porventura tenham característi­ cas metabólicas, seriam iniciadas com estresse bioquímico mais acen­ tuado, o que poderia ser benéfico para hipertrofia. Estudo citado por FLECK & KRAEMER (1999) sugere maior eficiência para o méto­ do Oxford, em relação ao DeLorme. No entanto, estudos recentes não verificaram diferenças significativas entre os métodos nos gan­ hos de força em pessoas destreinadas (FISH et al., 2003).

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Bases Científicas do Treinamento de Hipertrofia

Mesmo com possíveis vantagens, as recomendações relativas à pi­ râmide crescente, de manter uma variação mais estreita de repeti­ ções e usar o método como artifício didático, continuam prevalecen­ do. Aqui o método seria útil para adaptar na transição de treinos tensionais para metabólicos em pessoas acostumadas a treinar com repetições baixas por muito tempo.

Drop-set O drop-set, ou série descendente, pode ser caracterizado em três passos: 1) realização do movimento com a técnica perfeita até a falha con­ cêntrica; 2) redução da carga, após a falha; e 3) prosseguimento do exercício com técnica perfeita até nova falha. Deve-se repetir o segundo e terceiro passos até se alcançar o obje­ tivo estabelecido para o treino. Em exercícios de intensidades altas, ocorre progressiva queda na ati­ vação de unidades motoras (MOR1TANI et al. 1985; BIGLANDRITCH1E et al., 1983), até chegar-se a um ponto em que a ativação das fibras disponíveis não seria suficiente para prosseguir o movimento, le­ vando à interrupção do exercício. As quedas na carga, durante o dropset, têm a finalidade justamente de contornar a fadiga, adequando o es­ forço às possibilidades momentâneas do músculo e, com isso, mantendo um trabalho relativo intenso por mais tempo. Estas suposições são cor­ roboradas pelo estudo de KEOGH et al (1999), em que se verificou que, durante o drop-set, é possível manter um grande número de unida­ des motoras trabalhando em esforços máximos por períodos longos, tor­ nando-o indicado tanto para ganhos de força quanto de hipertrofia. Na literatura científica há relatos de resultados positivos com o uso de metodologias similares ao drop-set, reforçando sua suposta eficiên­ cia. Em 2000, IVEY etal. obtiveram excelentes resultados na hipertrofia muscular de jovens e idosos usando o seguinte protocolo: Ia série: aquecimento; 2a série: 5 repetições máximas; 3a série: iniciada com a carga equivalente a 5RM, com progressiva redução da carga cada vez que se chegava à falha, até alcançar 10 repetições totais. Na 4a e 5a séries, o procedimento era o mesmo do anterior, chegando-se, no en­ tanto, a 15 e 20 repetições, respectivamente. Os intervalos eram de 30, 90, 150 e 180 segundos entre cada uma das séries.

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Paulo Gentil

Pelo fato de o número total de repetições ser alto, pode-se supor, erradamente, que este método seria direcionado para resistência e não para hipertrofia, porém um treinador deve ter em mente que, para entender o treinamento, não se deve levar em conta somente o número de repetições ou a carga, em termos absolutos, mas também o trabalho relativo do músculo e as condições em que este trabalho é realizado. Seria bem diferente, por exemplo, comparar as 20 repeti­ ções realizadas no estudo de IVEY et al. (2000) com 20 repetições contínuas, como usado por CAMPOS et a l (2002), tanto que, nos estudos em questão, somente o primeiro protocolo mostrou resulta­ dos positivos no ganho de massa muscular. Apesar de ser um método marcadamente híbrido, o drop-set pode ser didaticamente dividido em metabólico e tensional para facilitar sua aplicação prática, com as seguintes diferenças entre eles. Tensional

Metabólico Repetições são suspensas após um número mais elevado de repetições (>10, na primeira série).

Repetições interrompidas após números baixos de repetições (10).

Inicialmente as repetições interrompidas após números baixos (
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