Aventuras na História - Dezembro.pdf

April 2, 2017 | Author: Junior Pacifico | Category: N/A
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A VE DADE SOBRE

ISRAEL

Novas descobertas de cientistas reescrevem a história da Terra Prometida

HISTÓRIA HOJE A escravidão ainda resiste no planeta, afirma estudo internacional AGENDA

O começo e o fim do AI-5

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AlMANAQUE COMO FAZíAMOS

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Temperos ARTE & HISTÓRIA

A Pequena Sereia LISTA

Aventureiros desastrados BRASÕES E BANDEIRAS

Asuástica LINHA DO TEMPO

Império Britânico HISTÓRIA MALUCA

Terra de dragões HISTÓRIA ILUSTRADA

Navio tartaruga coreano ARQUEOLOGIA

DO FUTURO

Neuromancer RETROTECH

O Turco jogador de xadrez

13 14 16 17 18 20 22 24 25

REPORTAGENS CAPA

As origens de Israel JEsuíTAS

A Igreja no Brasil colônia NELLlE BLY

Uma mulher dá a volta ao mundo PIADAS

O humor soviético contra o poder TERREMOTO

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Lisboa treme e afeta a Europa

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LANÇAMENTOS

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Luzes sobre a esquerda armada HISTÓRIAS

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Leituras para senhoras

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FOTO-HISTÓRIA Ulysses contra os cachorros

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................................... Novas descobertas revelam verdades origem

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dos judeus

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Abril

EDITORA ~ Fundada

em 1950

VlcroRClVITA (1907-1990)

FELIZ

2014

equiPe responsável pela AVENTURAS NA HISTÓRIA tem muito a comemorar pelos doze meses que estão chegando ao fim. A revista completou dez anos acompanhada de um grupo de leitores fiéis que não deixa nada escapar a seus olhos e nos ajuda a melhorar a cada edição. Neste ano, mudamos o projeto gráfico, criamos novas seções, migramos nossa comunidade do antigo Orkut pará o Facebook. A edição de aniversário, em agosto, teve a maior venda em bancas da revista desde 2009. Os índices de satisfação de nossos assinantes com o conteúdo da revista estão elevados. Uma pergunta que pede a opinião do leitor sobre se a revista que ele tem em mãos está melhor que a anterior, feita a cada nova edição, sempre supera o índice de 80% de sim. Acontece que, para nós, em time que está ganhando se mexe, sim. Nosso compromisso é buscar a superação a cada edição. Isso envolve escolher pautas relevantes, curiosas e apaixonantes. Zelar pela qualidade do que se publica, embalar as palavras no design mais inteligente que formos capaz de criar ... enfim, queremos melhorar, sempre. Por causa disso, teremos muito trabalho em 2014. O que nos inspira é saber que você estará ao nosso lado. Não só para falar bem. Mas para criticar, apontar caminhos, reclamar, sugerir. Uma grande revista se faz com grandes leitores. E isso, temos certeza, nós já temos.

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Um feliz

2014

e boa leitura.

ROBERTO CIVITA (1939-2013)

Victor Civita Neto (Presidente), Thomaz Souto Côrreajvíce-Presldente), Elda Müller, Fábio Colletti Barbosa, [airo Mendes Leal, José Roberto Guzzo Presidente: Fábio Colletti Barbosa Vice-presidente de Operações e Gestão: Marcelo Bonini Diretor de Assinaturas: Fernando Costa Diretora de Recursos Humanos: Cibele Castro Conselho Editorial:

Adjunto:

Helena Bagnoli Dimas Míetto

Diretora de Redação:

Patrícia Hargreaves

Diretora-Superintendente: Diretor

Colaboraram nesta edição: Luciana Porto Alegre Steckel (arte), Wagner Guücrrez Barreira (editor - C8GB Serviços de Comunicação e Editoração Uda) e Victor Bianchin Coordenação Administrativa: Crísüane Pereira e Deborah Souza Silva, Grace Kelly Alves (aprendiz) Atendimento ao leitor: Adriana Meneghel.loe Walkiria Giorgino cn-UN 11: Eduardo Blanco INTERNETNÚCLEOJOVEM & INFANTILEditor Assistente: Mariana Nada! Repórteres: Ana Prado, Ludmilla Balduino e Otavio Cchen Designers: Alexandre Nacari, Juliana Moreira e Lacra Rittmeister Animação: Feiipe Thiroux Webmaster: Cah Felix e Thiego Moura Estagiârios: Carolina Vellei, Carolina Vilaverdee lacas Massao Analista de redes sociais: Lorena Dana PUBLICIDADE SEGMENTADAS - Diretor de publicidade UN SEGMENTADAS: Rogério Gabrtel Comprido Diretores: Roberto Severo, Willian Hagcpían Gerentes: Fernanda Xavier, Fernando Sabadín, Ana Paula Moreno, Cletde Gomes Executivos de Negócios: Adeiana Marfins, Camila Roder Carolina Brust, Cétia Valese, Cida Rogiero, Cintia Oliveira, Fernanda Meio, Juliana Compagnoni, João Eduardo, Juliana Chen Sales, Kaue Lombardí.Lucta H. Messias, Luis Pemando Lopes, Maria Veloso, Mauricio Ortiz, Michele Brito, Rebeca da Cosia Rix, Renato Mescarenhas, Roberla Maneiro, Shirlene Pinheiro. Suzana Veiga Carreira, Vera Reis de Queíroz, Ana Paula Viegas, Daniela Serafim, Fâbio Sanlos, Camila Folhas, Regina Maurano, Maria Lucia Vieira Strotbek. Marcus Vinicius Souza, Pabícla Granjas, Rodrigo Rangel, Leandro Thales, Luis Auguslo Dias Cesar, Sérgio Albino MARKETING- Diretor de Marketing: Paulo Camossa Diretores: Loutse Faleiros, Wagner Gorab ESTRATÉGIADIGITAL:Diretor: Guilherme Werneck PUBLICIDADEREGIONAl- Diretor: [acqucs Ricardo Gerentes: Ivan Rtzental.Ioão Paulo Pizarro, Kiko Neto, Mauro Sannazzaro, Sonia Paula, Vania Passalongo PUBLICIDADEINTERNACIONAL:Alex StevensASSINATURAS Gerentes: Alessandra Pallís. Andréa Lopes. APOIO - PLANEJAMENTO CONTROLE E OPERAÇÕES - Gerente: Marina Bonagura PROCESSOS - Gerente: Ricerdc Carvalho DEDOC E ABRil PRESSGracede Souza PESQUISA EINTELlG~NCIADEMERCADO: Andrea Costa RECURSOS HUMANOS Gerente: Daníela Rubim TREINAMENTO EDITORIAL:Edward Pimenta REDAÇÃO E CORRESPOND~NCIA: Av. das Nações Unidas, 7221, 14 andar, Pinheiros, São Paulo, SP, CEP 05425-902, tel. (11) 3037-2000. Publicidade São Paulo e informações sobre representantes de publicidade no Brasil e no Exterior: www.publíabrtl.com.br

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PUBLICAÇÕES DA EDITORA ABRil: Almanaque Abril, Ana Maria, Arquitetura & Construção, Aventuras na História, Boa Forma, Bons Fluidos, Capricho, Casa Claudia, Claudia, Contigo!, Dicas Info, ElIe, Estilo, Exame, Exame PME, Guia do Estudante, Guias Quatro Rodas, lnfo, Manequim, Máxima, Men's HeaUh, Minha Casa, Minha Novela, Mundo Estranho, National Geographic, Nova, Placar, Playboy, Publicações Disney, Quatro Rodas, Recreio, Runner's World, Saúde, Sou Mais Eu!, Supennteressante, Tititi, Veja, Veja BH, Veja Brasilia, Veja Rio, Veja São Paulo, Vejas Regionais, Viagem e Turismo, Vida Simples, Vip, Viva!Mais, Você S.A., Você RH. Women's Health Fundação Fundação Victor Civita: Gestão Escolar, Nova Escola. na História ISSN 18062415, dezembro de 2013, é uma publicação mensal da Editora Abril Edições anteriores: venda exclusiva em bancas, pelo preço da edição atual. Solicite ao seu jornaleiro. Distribuída em todo o país pela Dínep S.A. Distribuidora Nacional de Publicações, São Paulo. Aventuras na História não admite publicidade redacional. Aventuras

Serviço ao Assinante: Grande São Paulo: (11) 5087-2112 Demais localidades: 0800-775-2112 www.abrilsac.com Para assinar: Grande São Paulo: (11) 3347-2121 Demais localidades: 0800-775-2828 www.assineabrit.com.br IMPRESSA NA GRÁFICA ABRIL Av.Otaviano Alves de Lima, 4400, Freguesia do Ó, CEP: 02909-9.00, São Paulo,SP

•• Patrícia Hargreaves DIRETORA DE REDAÇÃO

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Giancarlo Civita (Vioe-Presidente), Vidor Civita Neto, Esmaré Weideman, Hein Brand Presidente: Fábio CoUetti Barbosa

Conselho de Administração:

www.abril.com.br

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I AVENTURAS

NA HISTÓRIA

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DAS SESSOES DE INE A AO· UCESS N T LONA. Desde que Ariel era menino, seu motorista, Carlinhos,o levavaa peçasde teatro, shows e filmes, conversando muito sobre o que ele tinha aprendido. "Ele sempre foi meu companheiro", diz. Essagrande amizade ajudou Ariel a escolhersua vocação. Fez peças de teatro, documentá rio, clipe, novelas,seriadose ganhou reconhecimento no longa Colegas, enchendo de orgulho um dos seus maiores incentivadores.

Carlinhos Motorista e apoiador do sonho de Ariel

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Participe da educação de quem você ama para que ele nunca pare de crescer.

REALIZAÇÃO:

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BANDEIRANTES

Ariel Goldenberg Protagonista do filme Colegas

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DA ESCRAVIDAO

ESTUDO REVELA A PREVALÊNCIA DA INSTITUiÇÃO NO MUNDO ATUAL walk Free Foundation ("Fundação Caminhe Livre") acaba de lançar um estudo abrangente obre a situação da escravidão no mundo. O relatório classificou os países segundo o risco de escravidão, baseado em diversos fatores, como a força das leis e a capacidade do Estado em aplicá-Ias. De forma que o ranking não tem relação direta com o número de escravos. A China tem até 3,1 milhões de pessoas nessa condição, mas não é considerada um dos países de maior risco. Segundo a ONG, existem quase 30 milhões de escravos hoje. Ainda que todos os países tenham abolido a escravidão, ela persiste por ações criminosas. A forma moderna é por dívida. Golpistas levam trabalhadores a locais

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I AVENTURAS

NA HISTÓRIA

remotos onde são forçados a pagar aluguel e a comprar a crédito na loja local - assim, nunca recebem salário e a dívida sempre aumenta. Imigrantes ilegais são o alvo mais comum, inclusive mulheres, forçadas à prostituição. Na definição do relatório, casamentos forçados também são um tipo de escravidão, tal como "adoções" nas quais a criança é obrigada a fazer trabalhos domésticos. A prática data da Prê- História: dos astecas aos chineses, toda civilização tinha escravos ou servos - versão mais branda na qual o trabalhador pertence à propriedade, não ao senhor. O Brasil foi o último país ocidental a abolir a escravidão, em 1888. Na Mauritânia, pior nação do mundo pelo relatório, a abolição só ocorreu em 1981

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índice de risco: 7,16 Número de escravos: 200 mil - 220 mil

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índice de risco: 97,90 Número de escravos: 140 mil-160 mil

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Risco de escravidão: de zero a cem, Quanto maior a nota, mais presente é a escravidão no país. A cor vermelha indica os piores índices. *

MAURITÂNIA No país, onde uma minoria branca domina diversas etnias negras, a escravidão é à moda antiga, com escravos e descendentes considerados propriedade comercializável. Na maioria, são mulheres negras, forçadas a fazer trabalhos domésticos e abusadas sexualmente.

HAITI Aqui O problema é uma instituição tradicional chamada restavek, na qual crianças são dadas para adoção a famílias mais ricas e forçadas a trabalhar pelo sustento. Após o terremoto de 2010, o caos no país abriu espaço para outros tipos de escravidão, como exploradores sexuais e traficantes de seres humanos, que exportam haitianos para outros países.

íNDIA País com o maior número de escravos do mundo, é acusado de exploração sexual, exploração infantil (crianças obrigadas a pedir esmola), casamentos forçados e escravidão por dívidas, quase sempre dos dalit, os "intocáveis", membros da casta mais baixa. Essa dívida é hereditária, de forma que os filhos do devedor também "pertencem" ao credor.

MOLDÁVIA A ex-república soviética leva a pior nota da Europa não como algoz, mas como vítima. Com uma economia miserável, seus cidadãos entram em esquemas para migrar para outros países, como Ucrânia, Rússia ou Polônia, onde acabam escravizados por mafiosos.

BRASIL Possui um grande número de escravos, mas é considerado o quinto menos problemático do continente, porque as leis são tidas como satisfatórias. Esquemas de escravização por dívidas ainda acontecem em regiões rurais e entre imigrantes. Neste ano, o Ministério do Trabalho liberou 31 escravos bolivianos em São Paulo. AVENTURAS NA HISTÓRIA

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HISTÓRIA HOJE

OHDDA PRÉ-HISTÓRIA BOLINHAS CONTÊM CÓDIGO AINDA NÃO DECIFRADO assim, misteriosos. Este ano, uma equipe do Instituto Oriental da Universidade de Chicago estudou-as com tomografia eletromagnética. Descobriam que''guardam uma grande diversidade de objetos -14 formas diferentes, como pirâmides, cones, esferas ou meias-luas. Além disso, possuem um canal interno, provavelmente usado para passar um barbante e facilitar o armazenamento. O historiador Cristopher Woods, líder do estudo, acredita que os envelopes mesopotâmicos foram o "primeiro sistema de armazenamento de dados". Eram uma espécie de nota fiscal do final da prêhistória. As fichas representavam

final dos anos 60, arqueólogos escavaram um curioso conjunto de artefatos no sítio de Chaga Mish, no Irã. São esferas de argila, aproximadamente do mesmo tamanho de uma bola de tênis, decoradas por fora e com diversos pequenos objetos dentro. Datadas de 5,5 mil anos atrás, eram usadas dois séculos antes da invenção da escrita, que aconteceria na mesma região. As bolinhas ganharam o nome de "envelopes", e os objetos dentro delas, "fichas". Compreensivelmente, os pesquisadores não queriam quebrar esses objetos preciosos para investigar seu conteúdo, que permaneciam,

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números. Por exemplo, a quantidade de cabras negociadas entre duas pessoas. No exterior, os relevos indicavam o comprador e o vendedor. O código exato ainda não foi decifrado, mas Woods acredita que cada forma das fichas indicava um número diferente, por exemplo, pirâmides para dezenas e esferas para unidades. A inconveniência do "contrato" neolítico é que era preciso quebrá-Ia para ser lido.

Elementos do Interior da esfera: fichas de argila

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"Não houve má intenção. Foi um equivoco felizmente resolvido"

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8 I AVENTURAS NA HISTÓRIA

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RATO NO CARDÁPIO Análises químicas em ossos de habitantes da Ilha de Páscoa prédescobrimento revelaram que a dieta incluía poucos frutos do mar. A principal fonte de proteína era o rato polinésio, que chegou com os humanos à ilha.

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DO MAMUTE AO MICRO-ONDAS ARTISTAS FEMININAS NAS CAVERNAS Um dos "temas" frequentes em pinturas paleolíticas são mãos impressas. Um estudo revelou que 75% dessas mãos eram de mulheres. O que significa que os desenhos podem ter sido feitos por elas.

A jornalista britânica Bee Wilson é conhecida por sua coluna Kitchen Thinker ("pensadora da cozinha") no jornal Sunday Telegraph. Ela acaba de lançar seu terceiro livro, Consider The Fork: A History ot Haw We Caak and Eat ("Considere o Garfo: Uma História de Como Cozinhamos e Comemos", sem tradução), no qual discute a história da cozinha e seus instrumentos. Veja alguns de seus achados:

1,95••• .............................. CHINATOWN ESCAVADA Arqueólogos escavaram o bairro chinês de Jacksonville, nos EUA, dos anos 1850. Entre os achados estão um cachimbo de ópio e sementes de lichia, o que indica que importavam alimentos de seu país.

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Altura da estátua de Ramsés 11 escavada em Tel Basta, Egito. A medida incluiu seu chapéu - a múmia do faraó indica que ele tinha um pouco mais de 1,80 m de altura.

• O PALITO E A CRISE ECOLÓGICA: Por causa de um tabu religioso, os japoneses se recusam a usar talheres de outras pessoas, mesmo lavados. Por isso, no século 18, inventaram os waribashi, os palitos descartáveis. Todos os anos, 23 bilhões deles são gastos no Japão. Para atender a demanda, milhões de árvores são derrubadas. • MUDANÇA DE DENTiÇÃO: Até o século 19, a arcada dentária dos ocidentais tinha uma oclusão perfeita. Hoje, a mordida mais comum é a de trespasse horizontal - os dentes de cima se fecham em frente aos de baixo. A culpa é do garfo: até a adoção de talheres, no século 18, as pessoas precisavam cortar carnes e outras partes duras com os incisivos . • MULTIPROCESSADOR

E GORDURA:

O faz-tudo da cozinha contribuiu para a atual epidemia de obesidade, segundo Bee Wilson. A razão é que, quando os alimentos são divididos em pequenos pedaços, a digestão é mais eficiente. O mesmo número de calorias de um prato feito no multiprocessador engorda mais que o mesmo prato feito à mão. AVENTURAS NA HISTÓRIA

I9

1927 Aos 24 anos de idade, DOM PEDRO I é coroado imperador do Brasil, no Rio de Janeiro.

1918

O filme mudo Putting Pants on Philip marca a estreia da dupla de comediantes Stan Laurel e Oliver Hardy, ou "O GORDO EO MAGRO".

WOODROW WILSON embarca para as conferências de paz em Versalhes depois da Primeira Guerra. Foi o primeiro presidente norte-americano no cargo a ir a Europa .

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1933 A LEI SECA, que proibia a produção, comércio e bebidas alcoólicas nos Estados Unidos, chega ao fim, como um retumbante fracasso que ajudou o crime organizado.

1987

O general Cristóvão Barcelos, hoje nome de rua no Rio de Janeiro, propõe a mudança da CAPITAL BRASILEIRA, da cidade onde vivia para o Planalto Central do país.

Escavações confirmam a existência da CIDADE DE HERCULANO, soterrada, junto com a vizinha e menos próspera Pompeia, pelas cinzas do vulcão Vesúvio, em 79.

Em MAÁRRAT AL-NUMAN, cruzados massacram 20 mil civis a caminho de Jerusalém. Sem comida, alguns soldados praticam canibalismo.

1812

Com a ajuda de mercenários locais, os portugueses tomam a cidade indiana de GOA. O domínio durou 451 anos, até a região ser anexada pela índia, em 1961.

1973

: A campanha da ; INVASÃO FRANCESA à j Rússia fracassa e tem início a retirada das tropas napoleônicas, que chegaram a invadir Moscou mas saíram derrotadas.

NA HISTÓRIA

A Associação Americana de Psiquiatria, por decisão unânime, retira a HOMOSSEXUALIDADE de sua lista de desordens psiquiátricas.

Os irmãos Richard e Maurice MCDONALD abrem um restaurante especializado em hambúrgueres, depois de passar mais de dez anos vendendo cachorro-quente.

1098

1510

A PRIMEIRA INTIFADA, protesto contra a ocupação de Israel, começa na Cisjordânia e na Faixa de Gaza depois da morte de quatro palestinos.

10 I AVENTURAS

Sob o comando do Duque de Caxias, o exército brasileiro vence a BATALHA DO ITORORÓ, durante a Guerra do Paraguai, um dos combates que mudaram o rumo do conflito.

1773 TEA PARTY, ou festa do chá, evento de protesto contra o monopólio inglês do produto, ocorre em Boston e marca o início do processo de independência dos EUA.

1793 Depois da vitória sobre os britânicos em Toulon, o oficial de artilharia corso NAPOLEÃO BONAPARTE é nomeado o mais jovem general da história francesa.

O beneditino Pietro Angeleri, o papa CELESTINO V, renuncia e volta a viver como asceta e ermitão depois de cinco meses no posto. Foi canonizado em 1313.

1271 KLUBAI KHAN, neto de Gêngis Khan, rebatiza seu império de Yuan, e dessa forma dá início à dinastia dos mongóis na China que durou até o ano de 1368.

DIA

16

OTeaParty

em Boston: contra o monopólio britânico

1983

o último

ROLLS ROYCE SILVER GOLD - o melhor carro do mundo segundo a revista Autocar - é vendido em Londres.

1983 A TAÇA JULES RIMET, de posse definitiva do Brasil desde a Copa do México, em 1970, é roubada da sede da CBF.

1932

MARTHA GRAHAM atuou na abertura da casa.

suposta cidade de nascimento de Jesus, hoje com 25 mil habitantes, passa do controle israelense ao palestino.

1871

1888

Estreia da ópera AíDA, do italiano Giuseppe Verdi, no Cairo, capital do Egito - sem nenhuma relação com a abertura do Canal de Suez, como afirma o senso comum.

Sofrendo de depressão, o pintor holandês VINCENT VAN GOGH corta o lóbulo da orelha direita depois de brigar com o colega Gauguin.

O Radio City Music Hall, um ícone cultural norte-americano, é inaugurado em Nova York. A bailarina

1995 BELÉM, na Cisjordânia,

1895 O físico alemão

WILHELM RONTGEN publica estudo sobre sua descoberta de uma nova forma de radiação, que mais tarde seria conhecida como raio x.

1937 O Estado Livre Irlandês é substituído por um novo estado chamado IRLANDA após a adoção de sua nova Constituição. Em 1949, tornou-se uma república soberana.

1988 A mando do fazendeiro Darly Alves da Silva,

CHICO MENDES, líder seringueiro e ecologista do Acre, é assassinado em sua casa, em Xapuri.

53 CLÓVIS I, rei dos francos, é batizado na fé católica em Reims, na atual França, por São Remígio - e com isso o cristianismo se espalha entre os habitantes de seu reino.

1968 A primeira lista de deputados federais cassados pelo Ato Institucional 5 da ditadura, o tristemente célebre AI-5, é publicada pelo Diário Oficial da União.

A última reunião dos

INCONFIDENTES MINEIROS ocorre na casa do tenentecoronel Francisco de Paula Freire, em Vila Rica, atual Ouro Preto, Minas Gerais.

1978 Principal instrumento discricionário da ditadura, o AI-5, que cassou, proibiu e reprimiu os brasileiros, .deixa de vigorar. Foi o começo do fim do regime militar.

AVENTURAS NA HISTÓRIA

I 11

AlMANAQUE Como fazíamos sem...

TEMPEROS NA PRÉ-HISTÓRIA, A FOME ERA O ÚNICO MOLHO arne crua ou assada sem tempero, com frutas e No caso do sal, o tempero não era usado apenas pelo raízes como complemento, foi a alimentação gosto. Era elemento vital da civilização. O surgimento da básica do ser humano por milênios, desde suas agricultura está ligado ao seu uso. A dieta dos caçadoresorigens na savana africana. Povos nômades ou pastoris coletores tem sal suficiente para sustentar a nutrição huainda vivem assim: os massai da África se alimentam mana, por meio da carne e do sangue de animais. Quando de carne crua, sangue e leite. Os esquimós comem car- a agricultura foiinventada, há cerca de 10 mil anos, a base ne, gordura, sangue e entranhas de foca, baleia, morsa da dieta mudou para grãos e vegetais. Isso permitiu o e peixes, cozidos, crus ou congelados. Para esses dois surgimento das cidades, mas, sem sal adicionado aos alipovos, a fome é o único tempero. mentos, as pessoas podem sofrer de hiponatremia, que O tédio dessas dietas foi quebrado antes da invenção causa inchaço, cansaço e até morte por edema cerebral. O da agricultura. Sítios arqueológicos de 6200 anos _. mineral se tornou o tempero universal. atrás, na Alemanha e Dinamar~ .' Há 4 mil anos, os temperos básicos gaca, indicam que caçadores-coleíRICO nharam a companhia das especiarias. tores da região usavam a erva..,.~-- , , Barcos e caravanas passaram a ciralheira, um parente da mostarda, - ,:-., .50S_

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CARAPAÇA A principal tática japonesa consistia em abordar, prender o navio inimigo com ganchos, pular para o convés e derrotar a tripulação no combate no corpo a corpo. Os espetos de ferro tornavam a ~ .•.,,_: manobra impossível, e a carapaça metálica dava total proteção contra flechas e balas de arcabuz

CHOQUE E TERROR ----~ A careta de ferro na proa servia para bater nos navios inimigos, causando danos ao casco e atordoando a tripulação. O navio tartaruga era enviado para o meio da frota inimiga, divergindo fogo para si, enquanto os navios convencionais disparavam em segurança FOGO NAS VENTAS -A cabeça de dragão lançava fumaça tóxica, produztda pela queima de enxofre numa fornalha na proa do navio. Isso era usado para encobrir os movimentos ou após um ataque direto, jogando a fumaça no convés do navio inimigo. Um canhão adicional podia ser posicionado na boca do dragão

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Arqueologia do futuro

NEUROMANCER LIVRO PREMIADO DEFINIU A FiCÇÃO CIENTíFICA PELAS DÉCADAS SEGUINTES ançado em 1984, Neuromancer foi o primeiro livro a ganhar os prêmios Nebula, Hugo e Phillip K. Dick, os três grandes da ficção científica. A obra de William Gibson, que lançou o termo "ciberespaço", pode não ter sido a primeira no gênero cyberpunk - ficções sombrias sobre as interações entre ser humano e máquina -, mas definiu o estilo, com personagens marginais, falando em gírias rebuscadas, habitando ambientes decrépitos em cidades sem fim, num futuro ameaçador. Quase 30 anos depois, as aventuras do hacker Henry Case ainda parecem pertencer a um futuro distante - Gibson, sabiamente, nunca cita o ano em que se passam suas histórias. Upload da consciência humana para computadores, implantes artificiais com melhorias para corpo e mente, nanorrobôs letais e inteligências artificiais manipulando pessoas, tudo isso ainda parece estar no horizonte da tecnologia da vida real - tanto que ainda são clichês da ficção científica.

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24

I AVENTURAS

NA HISTÓRIA

Mesmo com essas qualidades, não deixa de haver indícios que entregam o ano em que o livro foi escrito. Como em muitas ficções dos anos 80, o Japão tornou-se a potência dominante do mundo. Ninguém ouviu falar de wi-fi: a tecnologia é baseada em cabos. Para acessar a "internet" da história é preciso conectar um plugue ao cérebro. Mesmo com a Matrix conectando o mundo todo, as pessoas preferem trocar arquivos por meios físicos, as ROMs - de read-only memory, memória somente de leitura. Como o nome diz, elas não permitem gravação, são baseadas em fita magnética. Uma memória RAM - de random access memory, como em qualquer computador ou celular hoje em dia - é tão preciosa que acaba vendida no mercado negro. Se você ficou intrigado com o nome da "internet", a trilogia Matrix dos irmãos Wachowski presta homenagem à obra de Gibsono Isso foi o mais perto que Hollywood chegou de adaptar sua obra.

ALMANAQUE Retrotech

OTURCO AUTÔMATO ENGANOU REIS E CIENTISTAS umanoite de 1770,no palácio de Schõnbrunn, em Viena, a corte austríaca se reuniu para assistir o engenheiro Wolfgang von Kempelen responder ao desafio que ele havia proposto a si mesmo no ano anterior. Após assistir a um grupo de ilusionistas se apresentar diante da imperatriz Maria Tereza, ele prometeu superá-los com a maior ilusão da História. E entregou: um autômato, o que em si não era novidade - máquinas assim existiam desde a Grécia antiga. Mas esse era diferente. Parecia capaz de pensar - e jogar xadrez. Kempelen abriu as portas sob a mesa na qual ficava o tabuleiro, convidando todos a olharem através da máquina, mostrando que não havia nenhum operador nela. Então chamou os convivas a jogar uma partida. O conde Ludwig von Cobenzl aceitou o desafio - e perdeu de lavada. Após deixar a corte boquiaberta, Kempelen desmontou o autômato e o guardou. Depois de 11anos, meio a contragosto, levou o Turco para uma turnê pela Europa, na qual derrotaria até Benjamin Franklin, em Paris. O inventor morreu em 1804, e a máquina passou por vários outros donos e países, enfrencn tando ninguém menos que Napoleão z: o lE em 1809. Acabaria nos EUA, destrulE 8 ída num incêndio, em 1854. :li iil A máquina mais famosa de seu lE ;;: ti tempo foi denunciada por Edgar ~ Allan Poe e muitos outros como uma

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fraude operada por um ser humano. Mas ninguém conseguia explicar como: não havia espaço entre as engrenagens' nem como enxergar o tabuleiro acima. O ilusionista francês Jean Eugêne Robert-Houdin dizia que havia um polonês sem pernas na máq~ina. Outros favoritos dos detratores eram crianças e anões.

o TRUQUE

O segredo foi revelado pelo filho do último proprietário, o médico SiIas Weir Mitchell. Um enxadrista particularmente talentoso, de tamanho regular, era escondido dentro da máquina. Um assento móvel era usado para pular de uma parte para outra da mesa quando ela era aberta no começo da apresentação.

DA MÁQUINA

AVENTURAS NA HISTORIA

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MENTES FAMINTAS

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SUPERINTERESSANTE

É FEITA PARA ENTENDER O MUNDO ALÉM DO ÓBVIO.

É A REVISTA ESSENOIAL PARA OABEÇAS QUE TÊM FOME DE OONHEOIMENTO.

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CAPA

VERDADEIRA .. ~

HISTORIADE

ISRAEL AO LONGO DE 2,4 MIL ANOS, A HUMANIDADE ACREDITOU QUE A SAGA DO POVO ESCOLHIDO ACONTECEU TAL COMO ESTÁ NA BíBLIA. AGORA, DEPOIS DE DÉCADAS INVESTIGANDO CADA LINHA DOS TEXTOS SAGRADOS, A ARQUEOLOGIA CHEGOU A NOVAS CONCLUSÕES SOBRE OS HEBREUS. MAIS REALISTAS, MAS NÃO MENOS FASCINANTES TEXTO Tiago Cordeiro ILUSTRAÇÕES Bruno Algarve

28 I AVENTURAS NA HISTÓRIA

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oje, para os arqueólogos, as figuras sagradas mais importantes da Bíblia - Abraão, Moisés, Davi, Salomão e Jesus - foram relega das ao terreno da ficção. Até bem pouco tempo, o Tanakh (o Velho Testamento), escrito no século 6 a.C., pautava as pesquisas arqueológicas no Oriente Médio. Para usar uma expressão em voga, os pesquisadores tinham uma pá em uma das mãos e a Bíblia na outra - os textos sagrados pautavam onde se deveria trabalhar. Só há algumas décadas uma nova geração de pesquisadores inverteu a equação. Agora, o fruto das descobertas é confrontado com os textos antigos em busca de confirmação das evidências descobertas. Parece pouco, mas é uma revolução. Os arqueólogos clássicos procuravam evidências concretas dos fatos narrados nos livros sagrados para que os objetos encontrados comprovassem sua veracidade. A religião, claro, limitava o alcance dos trabalhos. Por exemplo: ao ganhar acesso à antiga cidade assíria de Urartu, no século 19, especialistas ocidentais estavam muito mais interessados em encontrar a Arca de Noé do que em entender o passado. (Datam desse mesmo período expedições sérias em

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Somente a partir dos anos 80 a chamada arqueologia bíblica começou a cair em descrédito. "O objetivo não é comprovar à força que a Bíblia está certa, nem acabar com a veracidade dos relatos contidos ali. Édiferenciar o literário do factual", diz Israel Finkelstein, da Universidade de Tel-Aviv, um dos mais influentes arqueólogos da atualidade. Antes, os pesquisadores tinham um roteiro pré-definido. Javé escolheu um homem da Mesopotâmia para dar origem a seu povo eleito. Orientado por Deus, Abraão seguiu até Canaã. Seus descendentes foram para o Egito, onde viraram escravos. Até que Moisés conduziu os hebreus através do mar. Os escolhidos vagaram por 40 anos no deserto, até entrar em Canaã e protagonizar uma série de conquistas militares. Tempos depois, Davi se tornou rei e foi sucedido por seu filho, Salomão, que construiu o Templo de Jerusalém para abrigar a Arca da Aliança, que guardava as tábuas dos Dez Mandamentos entregues por Deus a Moisés. Os primeiros cinco livros da Bíblia judaica, o Pentateuco, descrevem essa trajetória. O relato não se furta a citar montes, cidades, reis, profetas, inimigos, genealogias. Agora, deste novo momento das pesquisas, está surgindo

AVENTURAS NA HlSTÓRIA

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NÃO ACONTECEU

Em 2010, o físico Carl Drews, do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas dos EUA, recriou em laboratório a passagem de Moisés pelo Mar Vermelho. Confirmou que ventos em velocidade de 100 km/h, soprando por 12 horas em um ponto a leste do delta do Rio Nilo, poderiam abrir uma brecha na água e permitir a passagem de pessoas. "A travessia foi obra de Deus. Apenas simulei o evento para demonstrar como Ele atuou", diz. "Cientistas religiosos, como eu, acreditam que, ao pesquisar o mundo natural, estudam a obra do Senhor." Sete anos antes, o físico britânico Colin Humphreys, da Universidade de Cambridge, publicou um livro, Os Milagres do Êxodo, estabelecendo uma série de relações de causa e efeito para explicar as dez pragas lançadas por [avé contra o faraó: a proliferação

de algas teria deixado o NUo vermelho com sangue dos peixes e afugentado sapos e rãs, que apareceram mortos nas cidades e atraíram mosquitos - que, por sua vez, teriam provocado a morte do gado e transmitido doenças que deixavam chagas nas pessoas. Chuvas de granizo umedeceram o solo úmido e atraíram gafanhotos. Uma tempestade de areia, comum no Egito, seria a causadora dos três dias de escuridão. E os primogênitos, que tinham a primazia de se alimentar antes dos irmãos, teriam morrido ao ingerir cereais contaminados por fezes de gafanhotos. Acontece que pesquisas desse gênero desconsideram que os arquivos egípcios são bem organizados e conhecidos. E não há registro de que os hebreus tenham vivido lá, algo que, pela cronologia baseada na Bíblia,

teria ocorrido no século 13 a.C. Esqueça a cena de Charlton Heston acorrentado e carregando pedras pesadas, em Os Dez Mandamentos. Nem mesmo é possível identificar o faraó com o qual Moisés teria negociado a libertação - o texto bíblico, tão pródigo em nomes, não menciona o governante envolvido em um episódio tão crucial. E é difícil imaginar que 600 mil refugiados, vagando por 40 anos, não deixariam vestígios arqueológicos ou registros documentais nos arquivos de civilizações vizinhas. Quanto à existência de Moisés, sabe-se apenas que era um nome comum no Egito. Como no caso dos patriarcas, é provável que os autores da Torá tenham recorrido a nomes facilmente reconhecíveis para construir uma mitologia de fundação .••

· OS HEBREUS NÃO DERRUBARAM AS MURALHAS DE JERICÓ Na Bíblia, a chegada à Terra Prometida não garante seu domínio. A região estava forrada de cidadesestado em constante guerra entre si, caso de jericó, Maceda e Hebron. Liderados pelo chefe militar josué, os hebreus conduzem uma série de batalhas muito rápidas e eficientes, com vitórias garantidas pela presença, no campo de guerra, da Arca da Aliança. A mais impressionante acontece com a muralha de jericó: ela é derrubada pelo som de trombetas, tocadas ininterruptamente por sete dias e sete noites. Não foi bem assim. Provavelmente os israelitas surgiram em Canaã, a região que hoje corresponde aos territórios de Israel e da Palestina, além de partes do Líbano, dajordânia e da Síria. Eles construíram assentamentos rurais em vales mais ,

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altos e passaram a se diferenciar culturalmente e em termos religiosos dos povos que viviam nas planícies. "Em termos étnicos, cananitas, israelitas, moabitas, amonitas e fenícios eram o mesmo povo. Com o passar do tempo, eles passaram a se diferenciar culturalmente", diz o arqueólogo britânico jonathan Golden, professor da Universidade Drewe autor de Ancient Canaan and Israel: An Introduction ("Canaã Antiga e Israel: Uma Introdução", sem tradução no Brasil). Na medida em que se diferenciaram do povo de origem, os hebreus chegaram, sim, a dominar parte dos territórios que hoje correspondem a Israel e Palestina, mas não da forma como descrita na Bíblia. "Foi uma conquista lenta, levada a cabo por tribos que provocavam guerras re-

gionais entre 1200 a.C. e 1000 a.C. Os líderes militares de gerações diferentes provavelmente foram reunidos sob um único nome,josué", afirma o arqueólogo Finkelstein. Quanto às muralhas de jericó, a datação ainda é muito discutida pelos arqueólogos, mas a maioria concorda que a cidade já estava destruída na década de 1560 a.C., talvez por causa de um terremoto, ou em razão de batalhas. Não foram trombetas, de toda forma. "Outras cidades citadas no texto bíblico também estavam desocupadas na época em que, segundo a tradição, as conquistas teriam ocorrido", diz Finkelstein. Mais uma vez, nomes muito conhecidos (desta vez, de cidades antigas) são citados para reforçar uma tradição e aumentar o tamanho do feito dos hebreus. ••

ESCAVAÇÕES RECENTES DEZ WCAIS BíBUCOS INVES'nGADOS NOS ÚLTIMOS ANOS 1. NAHAL TUT: Escavações realizadas em 2005 apontam que o local, que posteriormente foi dominado por romanos e mamelucos, pode ter abrigado uma cidade murada judaica no século 8 a.C. 2. TEL MEGIDDO: Abriga 26 camadas diferentes, com cidades que foram sendo construídas e destruidas de 7 mil a.C. a 586 a.C. Desde 1994, é escavada em regime bianual - os arqueólogos acreditam que a região é crucial para explicar as origens dos cananeus e dos hebreus. 3. TEL HAZOR: Investigada exaustivamente desde a fundação do Estado de Israel, abriga uma coleção de 19 documentos cuneiformes. O mais recente, encontrado em 2010, data do século 18 a.C. e descreve leis no estilo do código babilônico de Hamurabi. 4. TEL REHOV:O local de 120 mil metros quadrados é alvo de escavações desde 1997. Foram encontradas vãrias camadas de ocupação urbana, desde o século 12 a.C., e sinais de criação de abelhas e exploração de mel datando do século 10 a.C.

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5. GEZER: Cidade de origem cananeia, tem 3 500 anos de existência e é constantemente Investigada por arqueólogos hã um século. Desde 2010, um grupo de americanos escava a rede subterrânea de ãguas, encontrada na década de 1900 e nunca estudada desde então. 6. KHIRBET QEIYAFA: Sitio conhecido desde os anos 1860, foi alvo de uma investigação intensa entre 2007 e 2013. A região, que fica nos arredores de Jerusalém, pode ter feito parte dos limites do reino hebreu governado por Davi. 7. TEL LACHISH: Era a segunda cjdade mais importante do território de Judã. Escavações realizadas nos anos 1990 encontraram uma rampa construida pelos assírios e ossadas de 1 500 pessoas, possível resultado do cerco que derrotou os judeus na região. 8. JERUSALéM: Desde 2006, um grupo de arqueólogos israelenses dribla a restrição para escavar o Monte do Templo. Aproveitando o descarte de terra provoCÃldo pela construção de uma mesquita, os pesquisadores jã encontraram artefatos hebreus dos séculos 7 a.C. e 8 a.C.

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9. TEL ES-SAFI: Investigada entre 1996 e 2002 e de 2004 a 2008, a ãrea, ocupada desde o século 5 a.C. e desabitada em 1948, guarda sinais de ocupação filistina - pode ter sido a cidade de Gath, citada no texto biblico. Um escrito encontrado remete ao nome Golias. 10. VALE DE TIMNA: A região foi batizada de Minas do Rei Salomão na décadirde 1930. Pesquisas recentes apontam que elas podem ter sido exploradas pelos edomitas, um povo viiinho aos hebreus na época do rei Davi.

o REINO

DE DAVI ERA BEM MODESTO

Em 1993 e 1994, fragmentos de uma placa escrita em aramaico para comemorar uma vitória militar contra os hebreus foram encontrados no sítio de Tel Dan, no norte de Israel. O texto, do século 9 a.C., cita uma "Casa de Davi". Desde então, ficou estabelecida a existência real de um rei chamado Davi, que teria governado por volta do século 10 a.C. De seu filho, Salomão, não há provas. Mas pesquisadores concordam que ele existiu. "Não há dúvidas sobre Davi, o que reforça a tese de que deve ter tido um filho e sucessor", diz Gershon Galil, da Universidade de Haifa.

Desde então, uma série de descobertas, algumas mais confiáveis, outras menos, parecem a caminho de solucionar a polêmica: deve ter existido, sim, um reino unificado dos hebreus. O tamanho exato do território e o poderio militar e político hebreu na época estão no centro do debate. Se existe um período da história dos hebreus sobre o qual ainda há muito a esclarecer, é esse. O sítio de Khirbet Qeiyafa, a 30 km de Jerusalém, tem rendido muitas notícias. Entre 2008 e 2013, a região foi investigada por arqueólogos da Autoridade de Antiguidades

de Israel e da Universidade Hebraica. Um tablete, encontrado em 2008 e de tradução tão difícil que existem pelo menos três versões diferentes, seria o mais antigo texto hebreu já localizado e faria referência à vitória de Davi sobre Golias. Em julho passado, foi anunciado que uma das construções do local seria um palácio que faria parte do reino de Davi. "Os achados comprovam que existiu um reino hebreu unificado e organizado, com fortalezas e centros administrativos", afirma o arqueólogo israelense Yosef Garfinkel, um dos líderes das escavações e professor da

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OITO PERSONALIDADES BíBLlCAS QUE POSSIVELMENTE EXISTIRAM ...

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Davi, rei dos hebreus Salomão, rei dos fiebreus Ezequias, rei de Judã Josias, rei de Judã Jeremlas, profeta de Judã

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Jesus, profeta judeu

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Pedro, seguidor de Jesus paulo, seguidor de Jesus

E OITO PERSONAGENS QUE PROVAVELMENTE SÃO FICTíCIOS Noé, construtor aa arca Abraão, patriarca Isaac, patriarca Ismael, filho de Abraão Jacó, patriarca Moisés, lider dos hebreus Josué, líder militar dos hebreus Levi, fundador da tribo dos levitas

Universidade Hebraica. "Ainda não foi sequer estabelecido se Khirbet Qeiyafa é uma antiga cidade hebreia ou cananeia", contrapõe Finkelstein. Possivelmente existiu um reino, ainda que pouco expressivo. Jerusalém, que - diz a tradição - Davi transformou em capital, não tinha mais do que 2 mil habitantes. Os enfrentamentos com os vizinhos eram recorrentes - tese reforçada pela localização nos arredores de Jerusalém, há três anos, de restos de um muro de 70 m de comprimento e 6 m de altura da segunda metade do século 10 a.C. (época em que, segundo

a Bíblia, Salomão coordenou a construção de um muro ao redor da capital). "É possível que o reino tenha durado pouco, tal como aconteceu no século 8 a.C. com os arameus. É um padrão que se repete na região. Povos menores eram pressionados por invasores egípcios e assírios", diz Gershon Galil. É certo que por volta de 930 a.C. os hebreus estavam divididos em dois reinos: Israel, ao norte, e judâ, ao sul, tendo Jerusalém como capital. Quando os assírios dominaram Israel, em 720 a.C., o povo do norte se dispersou - seu destino é um misté-

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rio. Levas de migrantes em direção a Judá fizeram com que a população de Jerusalém fosse multiplicada por dez em 50 anos. A partir de então, o reino de Judá prosperou. Portões de cidades muradas encontrados em Gezer, Megiddo e Tel Hazor, indicam que havia um padrão arquitetônico na formação de posições militares. O mesmo vale para o templo encontrado nos anos 1980 em 'Ain Dara, Síria, que tem um desenho semelhante à descrição bíblica para o primeiro Templo de Jerusalém. Construído ou não por Salomão, é bem possível que esse primeiro templo tenha existido.

OS REIS DE JUDÁ ESTABELECERAM O MONOTEíSMO Se a era dos patriarcas foi deixada no terreno da mitologia e o período do rei Davi é motivo de polêmicas acirradas, na etapa seguinte, que se concentra no reino de Judá entre os séculos 8 e 6 a.C., os fatos estão mais bem estabelecidos. Sabe-se que a ocupação babilônica ocorreu, e que personagens importantes descritos na Bíblia existiram. Eles são citados em documentos oficiais de reinos vizinhos ou em registros judaicos externos ao Antigo Testamento. O rei Acabe, de Israel, por exemplo, aparece em documentos do rei da Assíria Shalmaneser IH. Os assírios também registraram a trajetória de Oseias, que chegou ao trono de Israel matando o rei Peca e, der-

rotado pelos vizinhos, foi obrigado a pagar tributos ao rei Tilgath -Pileser IH. Outro governante israelita, Omri, é citado em documentos moabitas. Já o rei de Judá Jeconias está nos arquivos da Babilônia. E o escriba Baruque ben Neriah, para quem o profeta Jeremias ditava seus textos durante o exílio, teve a existência confirmada por dois documentos judaicos diferentes, encontrados em escavações de 1975e 1996. O rei Iosias, de Judá, também existiu. Foi fundamental para a consolidação da religião monoteísta, ao promover uma reforma religiosa e expulsar imagens e templos de outros deuses derivados da fé cananeia, que ainda estava presente no imagi-

nário judaico - caso de El, Baal e Asherah. O trecho do Pentateuco que narra a desobediência diante de Moisés, quando o povo hebreu constrói um bezerro de ouro (ligado a Baal) e é punido, foi elaborado nessa época. "A própria Bíblia cita casos em que o povo retoma a prática do politeísmo", diz o filósofo e historiador de religiões francês Frédéric Lenoir, autor de Deus: Sua História na Epopeia Humana. "Os judeus não inventaram o monoteísmo. No século 14 a.C., ainda que num período curto de tempo, o faraó Aquenáton estabeleceu uma religião com deus único. E a consolidação do monoteísmo judaico é contemporânea ao surgimento do zoroastrismo na Pérsia."

OS ÚLTIMOS DIAS DE JESUS NÃO FORAM COMO NA BÍBLIA Para os cristãos, todos os relatos do Antigo Testamento funcionam como um prefácio para que o filho de Deus em pessoa venha à Terra para redimir a humanidade ao morrer em uma cruz e ressuscitar depois de três dias. A busca por evidências sobre a existência do profeta judeu que inspiraria a fundação do cristianismo levou a uma vasta coleção de dados que confirmam parte dos relatos dos Evangelhos e, de forma indireta, se acumulam em quantidade suficiente para a historicidade de Jesus ser aceita. Um barco encontrado no Mar da Galileia em 1985, por exemplo, é coerente com a descrição encontrada nos Evangelhos, assim como uma casa de Cafarnaum, do século 1a.C, que poderia ter sido habitada por profetas como ele. E várias personalidades romanas com cargos administrativos no território israelense já ganharam provas concretas que vão além dos textos da Bíblia e dos historiadores romanos: a tumba do rei da Judeia Herodes, o Grande, o ossuário do sumo-sacerdote Caifás e uma inscrição mencionando o governador Pôncio Pilatos vieram à tona respectivamente em 2007, 1990 e 1961. Em setembro, arqueólogos da Universidade Reading localizaram uma cidade que acreditam ser Dalmanuta, para onde Jesus seguiu, de acordo com o texto bíblico, depois de multiplicar peixes e pão e alimentar 4 mil seguidores. A cidade fica perto de Migdal, considerada a terra natal de Maria Madalena.

Como aponta o escritor Reza Aslan, autor do recém-lançado Zealot:

The Life and Times ofJesus of Nazareth ("Zelote: A Vida e a Época de Jesus de Nazaré, com edição brasileira prevista para o início de 2014), é bem provável que Jesus tenha sido apenas um profeta, e nem o mais famoso em sua época, ainda que relatos sobre sua vida não condigam com o que a história e a arqueologia concluíram sobre o período. O motivo para Jesus nascer em Belém, segundo os Evangelhos, foi um recenseamento realizado pelos romanos - mas não existe nenhum documento indicando que tal ordem foi dada. Assim como não se tem registro do comando de Herodes para matar todos os primogênitos da região. O costume a que Pôncio Pilatos se refere no texto bíblico, de libertar um preso por ocasião da Páscoa, não existia. "Assim como a Torá, o Novo Testamento segue a tradição de construir mitos fundadores a partir de nomes reais", afir- • ma o historiador Ron Hendel. "O texto bíblico tem centenas de autores, e ainda assim é tão coeso e fascinante que se tornou capaz de difundir uma prática religiosa tão estranha para a Antiguidade quanto o monoteísmo", afirma o historiador americano Richard Friedman, professor da Universidade da Califórnia em São Diego. "À parte qualquer discussão sobre sua historicidade, a própria existência de um livro como a Bíblia pode ser considerada um milagre". !llll

LIVROS A Blblla Não 71nha Razão, Israel Flnkelsteln, Neli Ascher SlIberman, Girafa, 2003 71!eRise of Anelent Israel, Wllliam Dever, Adam Zerlal, Norman Gottwald, Israel Flnkelstaln, P.Kyla MaCarlar Jr, Bruca Haipam, Hershel Shanks, Bibllcal Arc~aeology Soclety, 2003 Who Were the Anelent Israelites and W/1ere Dld TlWy Come From?, WlIllam G. Dever, Wm. B. Eerdmans Publlshlng, 2006 Arqueologia na TelTll da Blblla, Amlhal Mazer, Paullnas, 2003 Excavatlng ;/esus, John Domlnic Crossan e Jonathan Reed, Harper San Francisco, 2002 Abraão - Uma Jomal/;! ao Coração rIJI TrOs Religiões, aruce Feller, Sextante, 2003

TODOS CONTRA OS~

A COMPANHIA DE JESUS ARRUMOU ENCRENCA COM POLÍTICOS, MILITARES E ATÉ COM O PRIMEIRO BISPO NO BRASIL NA MISSÃO DE CATEQUIZAR OS íNDIOS TEXTO Marcus Lopes ILUSTRAÇÕESRodrigo Idalino

em bem desembarcou na Bahia, o primeiro bispo no Brasil, dom Pero Fernandes Sardínha.tratou logo de mostrar quem mandava nas almas do lugar. Seu primeiro alvo foram os jesuítas, que chegaram ao Brasil junto com o primeiro governador-geral, Tomé de Souza, em abril de 1549. Sardinha ficou estarrecido com uma prática dos religiosos da Companhia de Jesus: fIagelações públicas, parte de um processo de "exercícios espirituais" idealizado pelo fundador da ordem, Inácio de Loyola. Liderados por Manoel da Nóbrega, os jesuítas saíam à noite pelas ruas de Salvador em procissão, submetendo-se a açoites - e convidando os moradores a imitá-los. "Inferno para todos que estão em pecado mortal", bradavam.

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Sardinha, um ex-professor formado em Direito e Teologia, não gostou da maneira como os religiosos purgavam os pecados. "Tais exercícios, ainda que sejam santos e virtuosos e ordenados para mortificar a carne e quebrar a soberba, todavia são mais meritórios se feitos em segredo", escreveu ao chefe de Nóbrega, Simão Rodrigues de Azevedo, líder da Companhia de Jesus em Portugal. O curioso é que Nôbrega foi o primeiro a defender que Salvador tivesse um bispo, preocupado com o comportamento do rebanho na cidade recémfundada. O veto aos açoites públicos, porém, foi só a primeira de uma série de desavenças em que os jesuítas se envolveram no Brasil - e a lista só cresceu nos dois primeiros séculos do Brasil colônia. •• t· AVENTURAS NA HISTÓRIA

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TERRA BRASILlS

Conflitos entre religiosos e governantes eram comuns na colônia. O uso de índios como escravos dividia as opiniões

Sardinha havia sido professor do próprio lnácio de Loyola, por isso conhecia bem a ortodoxia jesuítica. E não gostava dela. No curto tempo em que passou à frente da diocese de Salvador, tratou de podar o poder da turma de Nóbrega. Proibiu, por exemplo, que pregassem aos índios em tupi - um duro golpe na ordem, que se empenhava justamente em aprender a língua dos indígenas e adaptar o culto católico a eles. O bispo implicou até com o corte de cabelo das crianças, que para ele "se pareciam com freiras". Finalmente, vetou aos jesuítas que frequen'tassem as capelas que h'aviam construído nas aldeias, proibiu que as confissões contassem com intérpretes e impediu que os índios fossem à missa nas igrejas de Salvador. Em resumo, ele acabou com o trabalho dos jesuítas. "Em tese, o confronto eclodiu porque Sardinha era contrário à catequização dos indígenas", escreveu Eduardo Bueno em seu livro A Cruz, a Coroa e a Espada. O raciocínio do bispo Sardinha seria um divisor de águas entre os colonizadores e os jesuítas - para sempre. A questão dos índios sempre teve consequências no dia a dia da colônia, onde conflitos entre religiosos e poderosos eram comuns. "As disputas entre jesuítas e governantes, e com as pessoas ligadas ao tráfico de indígenas, eram constantes", afirma o padre jesuíta Cesar Augusto dos Santos, mestre em História Social pela PUC-SP e autor do livro O Colégio de Piratininga. "Os jesuítas lutavam para que o indígena fosse respeitado como ser humano, como filho de Deus, e as disputas eram fortíssimas." A disputa, que começou como uma discussão teológica, teria efeitos terríveis. 40 I AVENTURAS

NA HISTÓRIA

O bispo Sardinha, como se sabe, entrou para a história do Brasil ao supostamente ser devorado por indígenas quando o navio que o levava de volta à Europa naufragou na costa da atual Paraíba, em 1556. O escritor Oswald de Andrade usou o caso em seu Manifesto Antropófago, de 1928. O bispo morreu, mas os inimigos dos jesuítas se multiplicaram em Pindorama.

SÃO PAULO Para se livrar da tutela de Sardinha, antes que ele virasse comida de canibais, Nóbrega seguiu Tomé de Souza em visita às capitanias do sul e acabou por se estabelecer em São Vicente. Na vila já vivia o jesuíta Leonardo Nunes, o Abarêbebê, ou padre voador, pela velocidade com que andava pela região. Quando soube que, subindo a Serra do Mar, havia um povoamento com brancos e índios liderados pelo português João Ramalho, Nóbrega viu a chance de encontrar um local para catequizar os índios longe da ingerência dos poderosos" Foi o mote para a fundação do colégio que daria origem à cidade de São Paulo, em 1554. Nóbrega sabia que precisava da ajuda de Ramalho para se estabelecer no planalto, mas em pouco tempo a relação entre os dois degringolou. O português não era casado com a índia Bartira e os brancos e mamelucos não gostavam dos valores dos religiosos. Quase todas as relações econômicas passavam pelo aprisionamento e escravização de índios de outras etnias - devido à pobreza e ao isolamento da vila, em pouco tempo as bandeiras se transformaram na única riqueza para seus habitantes. ••

PADRES E PAIXÃO NACIONAL Muito ligados à educação desde os tempos coloniais, os jesuítas podem ter dado urna contribuição fundamental para uma paixão brasileira: o futebol. Muitos antes de Charles Miller, o introdutor do futebol no Brasil na última década do século 19, há registros de que a bola já rolava em colégios jesuítas como recreação dos padres e alunos. O padre César Augusto dos Santos conta que, algum tempo após os jesuítas retomarem ao Brasil, beneficiadas pela queda da reforma pombalina, fundaram o Colégio São Luiz, em Itu, no interior de São Paulo, depois transferido para a capital paulista. "Foi nesse colégio, em Itu,

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onde se realizou pela primeira vez no Brasil uma partida de futebol, feita, evidentemente, entre alunos", afirma o padre César. A versão é confirmada pelo historiador José Moraes dos Santos no livro Visão do Jogo - Primórdios do Futebol no Brasil. Ele relata que, por volta de 1873, o padre José Mantero, professor do São Luiz, teria apresentado a bola de futebol aos estudantes na hora do recreio. Em Nova Friburgo (RJ), o esporte também deu seus primeiros passos nas mãos dos religiosos. "Os jesuítas italianos que ali se estabeleceram, em 1886, já conheciam o calcio, que é como os italianos chamam o futebol,

que vem de uma forma de jogo por eles praticado desde a Idade Média", diz o historiador Elias Feitosa. "No entanto, não é possível afirmar que foi a partir daí que o futebol se disseminou no Brasil. Assim sendo, a versão mais aceita continua sendo a de que ele chegou com Charles Miller." Aos jesuítas também é creditado a introdução do teatro no Brasil. "Para evangelizar e catequizar os indígenas, o padre José de Anchieta trouxe o teatro e escreveu as primeiras peças brasileiras", diz o jesuíta César Augusto dos Santos, postulador da causa de canonização de Anchieta, cujo processo está em análise no Vaticano.

AVENTURAS NA HISTÓRIA

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Em 1640, autoridades de São Paulo expulsaram os jesuítas, fundadores da cidade. Eles só voltaram dez anos depois

Os conflitos entre religiosos e a população local chegavam às vias de fato resultando, em diversas ocasiões, na expulsão dos jesuítas do território paulista. Em 1633, um grupo liderado pelo bandeirante Antonio Raposo Tavares tomou de assalto a aldeia de Barueri e expulsou os padres. "Lançaram fora os móveis da residência jesuítica, levaram os indígenas, depredaram e fecharam.a Igreja de Nossa Senhora da Escada, padroeira da aldeia, e expulsaram os jesuítas", escreveu Ney de Souza em Catolicismo em São Paulo. Anos depois foia vez dos jesuítas de São Paulo de Piratininga. Mesmo as camadas mais baixas dos paulistanos não viam com bons olhos aquele trabalho de evangelização que atrapalhava o "ganhapão" e movia a economia da vila. No dia 10 de julho de 1640, os padres do Colégio receberam uma notificação de que teriam dois dias para deixar a vila. No dia 13 de julho, às 2 da madrugada, a Câmara mandou tocar o sino. Da janela da Câmara (centro do poder local) foi lida para a população a sentença de expulsão dos padres. Na manhã seguinte, todos foram à porta do Colégio e invadiram o prédio. Expulsos, os jesuítas foram para Santos e só voltaram a subir ao planalto mais de dez anos depois.

FORA DE PORTUGAL A pá de cal nos jesuítas na colônia veio diretamente de Portugal. Um decreto, elaborado sob inspiração do Marquês de Pombal, expulsou a ordem da metrópole e de todas as suas colônias, em 1759. "Declaro os sobreditos regulares rebeldes, traidores, adversários e agressores que estão contra a

minha real pessoa e Estados, contra a paz pública dos meus reinos e domínios, e contra o bem comum dos meus fiéis vassalos", registrou o decreto do rei dom José I. "O mandando que efetivamente sejam expulsos de todos os meus reinos e domínios." Em 1768, o rei da Espanha, Carlos Hl, seguiu na mesma toada. Foi o final de uma das experiências utópicas mais importantes do mundo: as reduções, ou missões jesuíticas, nas quais milhares de indígenas aculturados viviam sob os preceitos dos religiosos. Muitas dessas missões marcavam justamente a fronteira entre as possessões portuguesas e espanholas na América do Sul, Acordos políticos na Europa levaram a um massacre dos habitantes das reduções, que até então funcionavam como uma salvaguarda aos indígenas - viver em uma delas era uma forma de escapar dos bandeirantes brasileiros e dos encomenderos castelhanos, ambos interessados em buscar mão de obra escrava nos sertões. Osjesuítas, os pioneiros a levar a catequizaçãoaos indígenas, os criadores das primeiras escolas na América do Sul, fundadores de cidades no Novo Mundo, a ponta de lança da Contrarreforma nas colônias ibéricas, perderam espaço políticode tal maneira que, em 1773, o papa Clemente XIV dissolveu a Companhia de Jesus. A restituição e consolidação da ordem no país só ocorreria muito tempo depois,já com o Brasil independente. A força da Companhia de Jesus, porém, continua. É jesuíta o atual papa, o argentino Jorge Bergoglio.!l!ll AVENTURAS NA HISTÓRIA

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AVENTURA

A REPÓRTER NORTE-AMERICANA NELLlE BLY QUIS REPETIR A VIAGEM INVENTADA POR JÚLIO VERNE. CONSEGUIU CHEGAR AO PONTO DE PARTIDA ANTES DO PERSONAGEM PHILEAS FOGG

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-- ------,-------TEXTO Marina Ribeiro

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I AVENTURAS

NA HISTÓRIA

estômago estava embrulhado. Olhando para baixo, na amurada do navio sobre o Atlântico, deu vazão ao desconforto. Ela enxugou os olhos marejados, mas a náusea continuava. O barco mal deixara o porto de Hoboken, nos Estados Unidos. Quando se virou, viu sorrisos no rosto de outros passageiros no convés. "E ela vai viajar ao redor do mundo!", comentou um homem com sarcasmo. Apesar de ter se juntado às gargalhadas, foi nesse momento que a repórter norte-americana Nellie B1y percebeu o tamanho de sua ousadia de tentar a dar a volta ao mundo. Ela nunca tinha viajado de navio. Foi a primeira vez que considerou a possibilidade de não ser bem-sucedida na empreitada. E ainda faltavam mais de 27 mil quilômetros para percorrer de barco, A ideia de dar a volta ao mundo surgiu em uma noite de domingo, mais de um ano antes, no outono de 1888. Enquanto buscava sugestões de reportagens para o jornal The Neui York World, de Joseph Pulitzer, Nellie percebeu que queria mesmo era estar no outro extremo do globo. E logo pensou que, após trabalhar anos sem nunca tirar férias, o ideal seria fazer com que o jornal a enviasse para lá. Após 15 anos da publicação de A 'Volta ao Mundo em 80 Dias, de Júlio Verne, viajaria ao redor do planeta para tentar bater o recorde de 1 920 horas de Phileas Fogg, o protagonista do livro. Ao apresentar a proposta, descobriu que o jornal já tinha planos de enviar um homem na jornada. Afinal, "uma mulher precisa de um protetor, e mesmo que fosse possível viajar sozinha precisaria levar tanta bagagem que perderia muito tempo nas rápidas mudanças ", disse George Turner, diretor comercial do jornal.

Um dos artigos de Nellle: pioneira e recordista. Abaixo, a fATHER TIIE· OUTDOIIE! recepção na __ I chegada a Enn ~ RecIrd hIeI Jersey Clty. . 1IIe PllfIl\1lilllCl,,"lhe w.v." No detalhe, .1iIoIIt-CidIr. • desembarque na Filadélfia

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Nellie já estava habituada a ouvir o que uma garota deveria ou não fazer. Nascida Elizabeth jane Cochran, em 5 de maio de 1864, logo aprendeu a enfrentar desafios. Era órfã de pai desde os 6 anos e viu a fortuna da família virar pó. Aos 16,mudou-se para Pittsburgh, onde ajudava a mãe com tarefas da casa, que abriram a pensionistas para complementar a renda. Aos 21 anos, Elizabeth leu um editorial no The Pittsburgb Dispatcb,

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"Para que meninas são boas". O artigo repreendia mulheres até por tentar ter educação ou carreira, sugerindo que deveriam ficar em casa. Isso a enfureceu a ponto de escrever uma carta ao jornal, assinando como "Orfãzinha". O editor George Madden ficou tão impressionado com a resposta que colocou um anúncio para que a órfã fosse visitar a redação e ofereceu-lhe a oportunidade de fazer um texto de resposta. •• AVENTURAS NA HISTÓRIA 145

AVENTURA

o CAMINHO

DE NELLlE BLY

A JORNALISTA NORTE-AMERICANA CONSEGUIU DAR A VOLTA AO MUNDO EM 72 DIAS, 6 HORAS E 11 MINUTOS

21/11/1889 Southampton, Inglaterra

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·~if --- , 21/01/1890 São Francisco, EUA

23/11/1889 Calais, França 23/11/1889 Amiens, França

23/01/1890

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22/11/1889 Londres, Inglaterra

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25/01/1890 Nova Vork, EUA

14/11/1889 Hobboken, EUA

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