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12/03/2015
As Teorias Contemporâneas da Justiça | Artigos JusBrasil
JusBrasil Artigos 12 de março de 2015
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As Teorias Contemporâneas da Justiça Publicado por Vinicius Azevedo 8 meses atrás
Vinicius Azevedo Coelho[1]
[1] Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pósgraduando em Filosofia e Teoria do Direito pela PUC Minas
Sumário:Introdução; 1. Utilitarismo; 2. A igualdade liberal; 3. Libertarismo; 4. Marxismo; 5. Comunitarismo; Conclusão; Referências Bibliográficas.
Resumo: Este artigo tem a intenção de fornecer uma introdução e uma avaliação das principais escolas de pensamento que dominam os debates contemporâneos na teoria da justiça. O material abrangido é composto das principais obras jurídicas e políticas no que diz respeito ao âmago do que é constituir uma sociedade justa, livre e boa.
Palavraschave: Utilitarismo; Igualitarismo; Libertarismo; Marxismo; Comunitarismo.
Introdução O presente estudo se pauta sobre as teorias contemporâneas da justiça dentro de cada uma das grandes escolas do pensamento político atual: o utilitarismo, o igualitarismo liberal, o libertarismo, o marxismo e o comunitarismo. São postas em discussão as obras dos mais influentes pensadores da teoria da justiça, como Bentham, Mill, Rawls, Nozick, Marx, Sandel e outros. A escolha desses autores se justifica, tendo em vista que, além de grandes filósofos, dedicaramse com profundidade tanto à ciência jurídica quanto à justiça, deixando notáveis contribuições ao desenvolvimento recente desses temas.
Assim, examinase, inicialmente, a concepção utilitarista de justiça, que tem por objetivo produzir o maior grau de felicidade possível para o maior número de pessoas alcançável. Bentham e Mill são os principais nomes do utilitarismo.
Em seguida, analisase a concepção de justiça do igualitarismo liberal, com foco na obra de John Rawls. Para os igualitários, é de suma importância que a igualdade econômica e social seja um princípio fundamental na sociedade. http://viniciusazevedocoelho.jusbrasil.com.br/artigos/125352171/asteoriascontemporaneasdajustica?print=true#
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Adiante, abordase a teoria do libertarismo, que defende a liberdade individual e de mercado sob todos os seus aspectos. O pensamento de Nozick é seu expoente.
Seguese, logo após, a análise da concepção de justiça no marxismo, base de praticamente todo o pensamento crítico do direito.
Por fim, este estudo se debruça na teoria do comunitarismo, que transcende a justiça individual para o conceito de justiça da comunidade. Sandel é um dos mais importantes comunitaristas.
Convém salientar, ainda, que não constitui propósito do presente artigo submeter a um aprofundado exame crítico das complexas teorias desses renomados pensadores. O que se objetiva aqui é uma exposição das linhas fundamentais dessas concepções sobre a justiça que contribuíram sobremodo para a doutrina jusfilosófica contemporânea.
1. Utilitarismo A teoria do utilitarismo ganhou corpo no pensamento político do britânico Jeremy Bentham (17481832) e de John Stuart Mill (18061873). O utilitarismo se contrapõe, em um primeiro momento, aos naturalistas aqueles que acreditam que as leis existem de acordo com um direito natural e contratualista.
Partindo das ideias aristotélicas a respeito da justiça e do “bem comum”, Bentham pressupõe que um ato ou procedimento moralmente correto é aquele que produz a maior felicidade para os membros da sociedade. Esta é a essência do chamado “cálculo felitício”: quanto maior o número dos beneficiados por uma decisão política ou por uma legislação, maior será a felicidade da comunidade. Filosoficamente, podese resumir a doutrina utilitarista pela frase: “agir sempre de forma a produzir a maior quantidade de bemestar” (Princípio do bemestar máximo).
O utilitarismo é um tipo de ética normativa segundo a qual uma ação é moralmente correta se tende a promover a felicidade e condenável se tende a produzir a infelicidade, considerada não apenas a felicidade do agente da ação mas também a de todos afetados por ela. A teoria utilitarista rejeita o egoísmo, opondose a que o indivíduo deva perseguir os seus próprios interesses, mesmo às custas dos outros, e se opõe também a qualquer teoria ética que considere ações ou tipos de atos como certos ou errados independentemente das consequências que eles possam ter.
O utilitarismo, assim, difere radicalmente das teorias éticas que fazem o caráter de bom ou mal de uma ação depender do motivo do agente porque, de acordo com a teoria utilitarista, é possível que um resultado positivo seja produzido a partir de uma motivação negativa do indivíduo.
Bentham expõe o conceito central da utilidade no primeiro capítulo do livro Introdução aos Princípios da Moral e Legislação, da seguinte forma:
Por princípio da utilidade, entendemos o princípio segundo o qual toda a ação, qualquer que seja, deve ser aprovada ou rejeitada em função da sua tendência de aumentar ou reduzir o bemestar das partes afetadas pela ação. (...) Designamos por utilidade a tendência de alguma coisa em alcançar o bemestar, o bem, o belo, a felicidade, as vantagens, etc. O conceito de utilidade não deve ser reduzido ao sentido corrente de modo de vida com um fim imediato.[2] http://viniciusazevedocoelho.jusbrasil.com.br/artigos/125352171/asteoriascontemporaneasdajustica?print=true#
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Will Kymlicka aponta dois pontos atrativos da teoria utilitarista: o bemestar que ele busca promover e o seu consequencialismo. Nesse sentido:
O bem que o utilitarismo busca promover – a felicidade, a prosperidade ou o bemestar – é algo que todos buscamos na nossa vida e na vida dos que amamos. Os utilitaristas simplesmente exigem que essa busca do bemestar humano ou utilidade seja feita imparcialmente, para todos na sociedade. Sejamos ou não filhos de Deus, tenhamos ou não uma alma ou um livrearbítrio, podemos sofrer ou ser felizes, podemos estar em melhor ou pior situação. Não importa quão seculares sejamos, não podemos negar que a felicidade é valiosa, já que é algo que valorizamos na nossa vida.
[...]
O consequencialismo impede proibições morais evidentemente arbitrárias (a homossexualidade, o jogo, a dança, a bebida, os palavrões etc.). Ele exige que qualquer um que condene algo como moralmente errado mostre quem é prejudicado com isso, ou seja, que demonstro como a vida de alguém tornase pior. [...] O utilitarismo fornece um teste para assegurar que as regras servem para uma função útil, diferente de outras teorias morais, mesmo as motivadas por uma preocupação com o bemestar humano, que parecem consistir em um conjunto de regras a serem seguidas, sejam quais forem as consequências.[3]
O utilitarismo se tornou a teoria da justiça mais influente do século XX. Nesse período, a tradicional economia do bemestar e das políticas públicas foi dominada por essa abordagem. Historicamente, o utilitarismo foi bastante progressista. Exigiu que costumes e autoridades que haviam oprimido as pessoas durante séculos fossem testados em confronto com o padrão do desenvolvimento humano. Em sua melhor forma, o utilitarismo é uma poderosa arma contra o preconceito e a superstição, oferecendo um padrão e um processo que desafiam os que reivindicam autoridade em nome da moralidade (KYMLICKA, 2006, p. 14).
Dentro desse contexto utilitarista, o pensamento de Bentham era identificado com reformas – a reforma penal, as provisões para o bem estarsocial, a ampliação da democracia visando garantir a soberania popular ao estender o sufrágio para todas as classes sociais e a igualdade do volto secreto, bem como submeter o governo a eleições periódicas.
Os utilitaristas contemporâneos, ao contrário dos tradicionais, são surpreendentemente conservadores. Enquanto os utilitários originais estavam dispostos a julgar os códigos sociais existentes no altar do bemestar humano, os utilitários contemporâneos argumentam que há razões para seguir a moralidade cotidiana acriticamente (KYMLICKA, 2006, p. 60).
A fundamentação conformista destes pensadores utilitaristas contemporâneos reside na dificuldade de previsão das consequências humanas, pois os julgamentos do homem sobre o que maximiza a utilidade são imperfeitos. Os ganhos de novas regras são incertos, ao passo que as convenções existentes já provaram seu valor (pelo fato de terem sobrevivido ao teste da evolução cultural) e as pessoas formaram expectativas em torno delas (KYMLICKA, 2006, p. 61). Dessa forma, os utilitários modernos restringem o grau em que o utilitarismo deve ser usado como princípio crítico ou mesmo como princípio de avaliação política.
Amartya Sem elenca as desvantagens enfocadas na teoria utilitarista de justiça:
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1) A indiferença distributiva: o cálculo utilitarista tende a não levar em consideração as desigualdades na distribuição da felicidade (importa apenas a soma total, independentemente do quanto sua distribuição seja desigual). Podemos estar interessados na felicidade geral e contudo desejar prestar atenção não apenas nas magnitudes agregadas, mas também nos graus de desigualdade na felicidade.
2) Descaso com os direitos, liberdades e outras considerações desvinculadas da utilidade: a abordagem utilitarista não atribui importância intrínseca a reivindicações de direitos e liberdades (eles são valorizados somente indiretamente e apenas no grau em que influenciam as utilidades.
3) Adaptação e condicionamento mental: nem mesmo a visão que a abordagem utilitarista tem do bemestar individual é muito sólida, pois ele pode ser facilmente influenciado por condicionamento mental e atitudes adaptativas.[4]
Além disso, Robert Nozick desenvolveu um forte argumento contra o hedonismo do bemestar utilitarista: A concepção hedonista de utilidade está errada, pois as coisas que valem a pena fazer e ter na vida não podem ser reduzidas a um estado mental como a felicidade (NOZICK, 1974, p. 42).
2. A igualdade liberal Os liberais igualitários, representados principalmente por John Rawls, enxergam a sociedade como uma combinação de identidades e da eclosão de conflitos entre diferentes concepções individuais acerca do bem e da vida com dignidade. De origem angloamericana, a teoria da igualdade liberal trata de questões a respeito da justiça, nas quais a igualdade econômica e social é concebida como um dos valores fundamentais das sociedades capitalistas liberais.
John Rawls, em Uma Teoria da Justiça (publicado em 1971), foi um dos primeiros pensadores a fornecer uma alternativa sistemática ao utilitarismo. Rawls relaciona o conceito de justiça com o conceito de equidade, remetendo a posição inicial de igualdade humana ao estado de natureza da teoria tradicional do contrato social. Como diz ele, “meu objetivo é apresentar uma concepção de justiça que generalize e eleve a um grau superior de abstração a conhecida teoria do contrato social, como encontrado, digamos, em Locke, Rousseau e Kant” (RAWLS, 2002, p.11). Para Rawls, o objetivo do contrato é determinar princípios de justiça a partir de uma posição de igualdade. Na teoria de Rawls,
A posição original de igualdade corresponde ao estado de natureza na teoria tradicional do contrato social. A posição original não é, naturalmente, considerada como um estado de coisas histórico e real, muito menos uma condição primitiva da cultura. É compreendida como uma situação puramente hipotética, descrita de modo que conduza certa concepção de justiça. [5]
Rawls determina os princípios da justiça a partir dessa situação hipotética de liberdade equitativa. São eles: Princípio da Igualdade e Princípio da Diferença.
Primeiro princípio – Cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema total mais extenso de liberdades básicas compatíveis com um sistema de liberdade similar para todos.
Segundo princípio – As desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de modo que sejam:
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(a) para o maior benefício dos que têm menos vantagens, e
(b) vinculadas a cargos e posições abertos a todos sob condições de igualdade de oportunidade equitativas.[6]
Segundo esses princípios, alguns bens sociais são mais importantes do que outros e, portanto, não podem ser sacrificados para melhorar outros bens (KYMLICKA, 2006, p. 68). As liberdades iguais têm precedência sobre a igual oportunidade, que tem precedência sobre os recursos iguais. Entretanto, dentro de cada categoria, permanece a ideia de que uma desigualdade só é permitida se beneficia os que se encontram em pior situação.
Rawls afirma que esses princípios se aplicam inicialmente à estrutura básica da sociedade, orientam a atribuição de direitos e deveres e regulam as vantagens econômicas e sociais. O primeiro princípio se aplica à liberdade política; liberdade de expressão e reunião; liberdade de consciência e pensamento; liberdades da pessoa (proteção contra a opressão e agressão física e psicológica) e o direito à propriedade privada. O segundo princípio se aplica à distribuição de renda e riqueza e ao escopo das organizações que fazem uso de diferenças de autoridade e de responsabilidade (RAWLS, 2002, p. 6465).
Rawls apresenta dois argumentos em defesa dos seus princípios da justiça. O primeiro é uma comparação de sua teoria com o que ele considera ser a ideologia prevalecente no que tange à justiça distributiva – o ideal da igualdade de oportunidade. Rawls argumenta que sua teoria se ajusta melhor às instituições atuais de justiça, e que isso oferece uma especificação melhor dos princípios ideais de equidade a que a ideologia prevalecente recorre. O segundo argumento relacionase ao que Rawls chama de contrato social hipotético. Para ele, se as pessoas, em um tipo de estado présocial, tivessem de escolher quais princípios deveriam governar sua sociedade, escolheriam seus dois princípios.
Para que as partes, na posição original, possam escolher os dois princípios da justiça, Rawls descreve o seguinte raciocínio: não é razoável que uma pessoa espere mais do que uma parte igual na divisão dos bens sociais primários, além de não ser racional que concorde em obter menos. Logo, essa pessoa deveria escolher de antemão um princípio que preveja uma distribuição igual para todos, bem como outro que assegure uma igualdade equitativa de oportunidades. Porém, é preciso lidar ainda com a suposta exigência de desigualdades econômicas e institucionais. As partes na posição original são mutuamente desinteressadas e cobertas pelo véu da ignorância. Devem, assim, lidar com o fato da desigualdade, prevendo um princípio que a permita contanto que ela venha a melhorar a situação de todos, inclusive daqueles que podem vir a ser, uma vez levantando o véu da ignorância, os menos favorecidos. As partes chegam, assim, ao princípio da diferença.
Para Alex Callinicos, os argumentos de Rawls representam, em comparação às realidades das democracias liberais contemporâneas, uma completa utopia. Sob a égide neoliberal, o processo eleitoral é cada vez mais dominado por corporações midiáticas e por partidos políticos financiados por grandes empresas; p acesso à riqueza e à educação está distribuído de forma desigual. A instabilidade econômica e a contínua restruturação das corporações imprimem insegurança permanente ao funcionamento do mercado. As condições mínimas de Rawls para uma política liberal constituem uma flagrante recriminação ao liberalismo que existe na prática, e, implicitamente, uma demanda que clama por uma transformação social radical (CALLINICOS, 2007, p. 257).
3. Libertarismo O libertarismo é uma teoria que tem como fundamento a defesa da liberdade em todos os seus aspectos, da não agressão, da propriedade privada e da supremacia do indivíduo. Os libertários, além de defenderem a liberdade de mercado, exigem limitações ao uso do Estado para a política social (KYMLICKA, 2006, p. 119). Suas raízes http://viniciusazevedocoelho.jusbrasil.com.br/artigos/125352171/asteoriascontemporaneasdajustica?print=true#
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remontam à escolástica espanhola e ao renascimento e iluminismo escocês, que foram responsáveis por moldar o liberalismo clássico.
A teoria libertarista defende seu compromisso com o mercado recorrendo a uma noção mais ampla de liberdade pessoal – o direito de cada indivíduo decidir livremente como empregar seus poderes e posses da maneira que achar melhor. Expõe Kymlicka a respeito do libertarismo:
As pessoas têm direito de dispor dos seus bens e serviços livremente e têm este direito, seja ele ou não a melhor maneira de assegurar a produtividade. Em outras palavras, o governo não tem nenhum direito de interferir no mercado, mesmo para aumentar a eficiência.[7]
Kymlicka explica a relação do mercado com a justiça na teoria libertarista:
Se supusermos que todos são titulares dos bens que possuem atualmente (suas “posses”), então, uma distribuição justa é simplesmente qualquer distribuição que resulte das trocas livres das pessoas. Qualquer distribuição que resulte de uma situação justa por meio de transferências livres é, por sua vez, justa. O governo tributar estas trocas contra a vontade de qualquer um é injusto, mesmo que os tributos sejam usados para compensar os custos extraordinários das deficiências naturais imerecidas de alguém. A única tributação legítima é a que se destina a levantar receitas para manter as instituições de fundo necessárias para proteger o sistema de livre troca – por exemplo, o sistema de política e o de justiça necessários para fazer cumprir as trocas livres das pessoas.[8]
Robert Nozick (19382002), um dos principais teóricos do libertarismo, afirma que
Os indivíduos têm direitos e há coisas que nenhuma pessoa ou grupo pode fazer a eles (sem violar seus direitos). Tão fortes e abrangentes são esses direitos que suscitam a questão do que, se é que alguma coisa, o Estado e seus funcionários podem fazer.[9]
Assim, para Nozick, o Estado deve ser mínimo, limitado às funções estritas de proteção contra força, roubo, fraude, imposição de contratos, etc. Qualquer estado mais amplo violaria os direitos das pessoas de não serem forçadas a fazer certas coisas e seria, portanto, injustificado (NOZICK, 1974, p. Ix). Portanto, não existiria educação pública, assistência médica pública, transporte, estradas, entre outros. Tudo isso envolve tributações coercivas de algumas pessoas contra a sua vontade, violando a máxima libertarista “de cada um, como escolher, para cada um, como escolhido”.
Para Nozick, é injusto compensar os desfavorecidos natural ou socialmente em prejuízo das trocas livres. É injusto porque as pessoas são titulares de suas posses (desde que adquiridas justamente), e, nesse sentido, “ser titular” significa “ter um direito absoluto de dispor livremente delas como quiser, contanto que isso não envolva força nem fraude”. O indivíduo é livre para fazer o que quiser com seus recursos, pode gastálos adquirindo bens ou serviços de outros ou pode simplesmente dálos a outros ou decidir recusálos a outros (até mesmo ao governo). Ninguém terá direito de tirálos do indivíduo, mesmo que seja para impedir que os desfavorecidos morram de fome (KYMLICKA, 2006, p. 119).
Sendo assim, o libertarismo não é uma teoria da igualdade ou da vantagem mútua. Antes, como o próprio nome sugere, é uma teoria da liberdade. Nesta visão, a igualdade e a liberdade são rivais na disputa da fidelidade moral e o que define o libertarismo é justamente o seu reconhecimento da liberdade como premissa moral fundamental e sua http://viniciusazevedocoelho.jusbrasil.com.br/artigos/125352171/asteoriascontemporaneasdajustica?print=true#
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recusa de comprometer a liberdade pela igualdade.
4. Marxismo O marxismo, enquanto filosofia política, procurou se afastar do idealismo presente na filosofia alemã à sua época, preocupandose em trilhar os caminhos de uma filosofia concreta, da práxis, orientada para a transformação do velho ponto de vista da sociedade burguesa para o novo modelo da humanidade socializada, através da práxis revolucionária. É através da prática humana, da produção, das relações de trabalho, que Marx acredita ser possível alcançar a compreensão do homem enquanto ser social e político.
Na filosofia marxista, são as relações de produção que condicionam todas as demais relações sociais humanas. O conjunto das relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política. É o modo de produção que condiciona o processo social e político em geral. Tais relações, no capitalismo, são sempre desiguais: são orientadas por capitalistas, que, por possuírem os meios de produção, numa estrutura social na qual a maioria não possui, podem comprar o trabalho livre das multidões. Essa relação entre os exploradores burgueses e os trabalhadores explorados (proletariado) é o núcleo do modo de produção do Estado capitalista (MASCARO, 2013, p. 285).
O marxismo define o Estado capitalista como forma de organização que os burgueses se dão necessariamente, para a garantia recíproca de sua propriedade e de seus interesses. O Estado constitui o trabalhador como sujeito de direito, livre, e por meio dessa condição política, o trabalhador pode “livremente” vender seu trabalho aos capitalistas, tendo por fundamento uma relação jurídica, e não a mera força (como no escravagismo) ou servidão (no caso do feudalismo). Assim, o direito serve para atender às necessidades da circulação mercantil capitalista, garantindo a liberdade negocial e a igualdade formal, constituindo a todos como sujeitos de direito. Porém, esta forma política, sendo correspondente das necessidades da exploração capitalista, não é o horizonte final da ação política humana de todos os tempos: é somente a plena forma política do capitalismo (MASCARO, 2013, p. 292).
A lógica que preside o direito é intimamente ligada à lógica da reprodução do capital. O marxismo altera a compreensão do direito, que passa a ser entendido como produto da necessidade histórica das relações produtivas capitalistas. Da mesma forma que o Estado, o direito não nasce da vontade geral – portanto não é fundado no contrato social – nem de um direito natural. O direito não está ligado às necessidades do bem comum, nem a verdades jurídicas transcendentes. Está relacionado à própria práxis, à história social e produtiva do homem. Somente as relações de produção capitalistas necessitam de um aparato jurídico que lhe sirva de suporte. É a partir da esfera da circulação – na exploração da mais valia, no lucro, no contrato – que o direito desempenha papel fundamental ao capitalismo.
Na teoria marxista, não há de se falar em reforma da sociedade por meio do direito, pois o direito é a própria manutenção do capitalismo, ainda que este seja situado em distintos patamares. Até mesmo os valores tradicionalmente vendidos por universais, como os direitos humanos, remanescem sob forma jurídica e, portanto, capitalista. Para Marx, sua superação é necessária. A superação da justiça burguesa ocorreria com o advento do socialismo. Nos dizeres de Marx e Engels:
Em uma fase superior da sociedade comunista, após a subordinação escravizadora do indivíduo à divisão do trabalho ter desaparecido, após o trabalho ter se tornado não apenas um meio de vida, mas uma necessidade primordial da vida, após as forças produtivas também terem aumentado com o desenvolvimento geral do indivíduo e todas as fontes da riqueza cooperativa fluírem com mais abundância – só então poderá ser cruzado inteiramente o horizonte estreito do direito burguês e poderá a sociedade inscrever em seus estandartes: de cada um conforme sua capacidade, a cada um conforme suas necessidades![10] http://viniciusazevedocoelho.jusbrasil.com.br/artigos/125352171/asteoriascontemporaneasdajustica?print=true#
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Sendo assim, para o marxismo, a justiça é uma necessidade lamentável no presente, mas uma bandeira para uma forma superior de comunidade sob condições de abundância. Nesse sentido expõe Kymlicka a respeito da justiça marxista:
Os marxistas acreditam que a justiça, longe de ser a primeira virtude das instituições sociais, é algo de que a comunidade verdadeiramente boa não tem necessidade. A justiça é adequada apenas se estamos nas “circunstâncias da justiça”, circunstâncias que criam os tipos de conflitos que só podem ser resolvidos pelos princípios de justiça. [...] Se pudéssemos eliminar os conflitos entre os objetivos das pessoas ou a escassez de recursos, nesse caso não teríamos nenhuma necessidade de uma teoria de igualdade jurídica e estaríamos em melhor situação sem ela.[11]
5. Comunitarismo A teoria comunitarista da justiça surgiu em meados da década de 1980, a partir do cenário pós Guerra Fria. Em oposição ao individualismo liberal, o comunitarismo tem como principal vertente a crença nas comunidades como base de sustentação para um mundo melhor, em detrimento do pensamento individualista proposto pela filosofia liberal. Sandel e Taylor são dois dos principais teóricos do comunitarismo.
Segundo Sobottka (2003, p.582), uma das principais causas de provocação dos comunitaristas para com os liberalistas seria a tese de que os seres humanos não são indivíduos isolados, sem atributos próprios, independentes de relações e influencias sociais. Pelo contrário, são membros de comunidades nas quais aprendem e com as quais compartilham valores éticos e identidade.
Ademais, o exercício dos direitos individuais, sob a óptica liberalista faria com que o ser humano perdesse o instinto de coesão solidária e, por conseguinte, ameaçasse aquilo que se entende por cidadania e democracia. O liberalismo propõe que o conceito de cidadania seja entendido “como sendo primeiramente um status jurídico de liberdades subjetivas iguais” (FORST, 2010, p.116). No entanto, a crítica comunitarista recai justamente sobre isso, pois para o modelo comunitarista a teoria política do liberalismo criaria um indivíduo egoísta e alheio às preocupações sociais, um cidadão privatista que deixaria a questão do bem comum a encargo somente do Estado. Assim, o comunitarismo propõe uma cidadania que deve ser entendida como aquela constituída pela ética das virtudes, voltada para a construção de uma comunidade política determinada pelos mesmos valores éticoculturais, onde todos terão suas identidades vinculadas.
Segundo Kymlicka,
Em uma sociedade comunitária, o bem comum é concebido como uma concepção substantiva da boa vida que define o “modo de vida” da comunidade. Este bem comum, em vez de ajustarse ao padrão das preferências das pessoas, provê um padrão pelo qual estas preferências são avaliadas. O modo de vida da comunidade forma a base para uma hierarquização pública de concepções do bem e o peso dado às preferências de um indivíduo depende do quanto ele se conforma com o bem comum ou em que medida contribuiu para este. A busca pública dos objetivos compartilhados que definem o modo de vida da comunidade não é, portanto, limitada pela exigência de neutralidade. Ela tem precedência sobre o direito dos indivíduos aos recursos e liberdades necessários para que busquem suas próprias concepções de bem. Um Estado comunitário pode e deve encorajar as pessoas a adotar concepções de bem que se ajustem ao modo de vida da comunidade, ao mesmo tempo em que desencoraja concepções do bem que entrem em conflito com aquelas. Um Estado comunitário envolve uma hierarquização pública do valor de diferentes modos de vida.[12] http://viniciusazevedocoelho.jusbrasil.com.br/artigos/125352171/asteoriascontemporaneasdajustica?print=true#
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A teoria comunitarista prevê, então, que a comunidade política deve ser aquela em que os cidadãos devem estar integrados eticamente e culturalmente e, por possuírem os mesmos valores e as mesmas virtudes, agirão orientados para o bem comum, constituindo verdadeiramente a devida democracia.
Uma vez construída a democracia efetiva, constróise, por conseguinte, a efetiva justiça. Na concepção de justiça comunitarista, o que importa é o fim (o bem), e não os meios para atingir esse fim. Em outras palavras, se existe determinada lei em uma comunidade essa lei é tida como meio para atingir um fim, mas essa lei só será realmente justa se a finalidade que ela protege for justa, ou seja, a justiça é o fim, pois ela é o próprio bem, e todos os meios destinados a atingir a justiça são válidos. O comunitarismo visa a construção do bem, utilizando os mecanismos necessários para isso. Nesse caso, vale ressaltar que a concepção comunitarista se equipara a teleologia, sendo a justiça um bem instrumental necessário para atingir um bem final: a felicidade. Quando a comunidade política é justa ela consegue alcançar também o status de ser feliz.
Para alcançar o bem comum, segundo a própria concepção do comunitarismo, é necessário um pressuposto político. Este pressuposto político nada mais é do que a ética e cultura que devem ser compartilhadas/integradas por toda comunidade. É nesse cenário que surge a importância das instituições sociais como influenciadoras da formação dos indivíduos.
Conclusão Ao realizar este estudo, a opção por analisar as teorias da justiça do utilitarismo, igualitarismo, libertarismo, marxismo e comunitarismo foi feita porque, além da sua inegável atualidade, constituem abordagens racionais de temas fundamentais da Filosofia do Direito.
O utilitarismo ainda é muito difundido no âmbito da justiça contemporânea, mesmo que tenha perdido seu caráter liberal e se transformado em um pensamento conservador.
A igualdade liberal, exposta principalmente na teoria da justiça de Rawls, busca integrar as liberdades civis e políticas com os direitos econômicos, sociais e culturais. Transformase em modelo para os governos socialdemocratas que se instalaram no mundo ocidental. Entre o liberalismo extremado e o socialismo ortodoxo, Rawls propõe uma alternativa intermediária, a que denomina "justiça como equidade".
O libertarismo compartilha com a igualdade liberal um compromisso com o princípio do respeito pelas escolhas das pessoas, mas rejeita o princípio da retificação das circunstâncias desiguais em favor das liberdades individuais e do livremercado com a mínima intervenção estatal possível.
O marxismo, por sua vez, continua como o principal baluarte do pensamento crítico do direito, servindo como base de variadas reflexões contemporâneas a respeito da justiça e do papel do direito na sociedade, explicitando o velho discurso, porém sempre atual, da desigualdade social vigente no capitalismo e da exploração das massas de trabalhadores por poucos burgueses que concentram a propriedade privada dos meios de produção em suas mãos.
Por fim, o comunitarismo surge como uma teoria da justiça capaz de abandonar as concepções individuais do liberalismo e traçar novos parâmetros sociais da vida em comunidade, visando o bemestar coletivo, porém sem a radicalidade pregada pelos marxistas.
Referências bibliográficas http://viniciusazevedocoelho.jusbrasil.com.br/artigos/125352171/asteoriascontemporaneasdajustica?print=true#
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CALLINICOS, Alex. Igualdade e Capitalismo. São Paulo: Expressão Popular, 2006.
FORST, Rainer. Contextos de Justiça: filosofia política para além de liberalismo e comunitarismo. Tradução de Denilson Luís Werle. São Paulo: Boitempo, 2010.
KYMLICKA, Will. Filosofia Política Contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2013.
MARX, K. E ENGELS, F. Marx/Engels: Selected Works in One Volume. Lawrence and Wishart: Londres, 1968.
NOZICK, Robert. Anarchy, State, and Utopia. Nova York: Basic BOOKS
, 1974.
RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
SOBOTTKA, Emil. Justiça e Comunitarismo: entre utopia e ideologia.
[2] BENTHAM, Jeremy. Introdução aos Princípios da Moral e Legislação. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
[3] KYMLICKA, Will. Filosofia Política Contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 13.
[4] SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
[5] RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 12.
[6] Ibid., p. 39.
[7] KYMLICKA, Will. Filosofia Política Contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 121.
[8]Ibid., p. 122.
[9] NOZICK, Robert. Anarchy, State, and Utopia. Nova York: Basic BOOKS
, 1974, p. Ix.
[10] MARX, K. E ENGELS, F. Marx/Engels: Selected Works in One Volume. Lawrence and Wishart: Londres, 1968, http://viniciusazevedocoelho.jusbrasil.com.br/artigos/125352171/asteoriascontemporaneasdajustica?print=true#
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As Teorias Contemporâneas da Justiça | Artigos JusBrasil
p. 320321.
[11] KYMLICKA, Will. Filosofia Política Contemporânea.São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 209.
[12] KYMLICKA, Will. Filosofia Política Contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 264265.
Vinicius Azevedo Filosofia do Direito Advogado, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pósgraduando em Filosofia e Teoria do Direito pela PUC Minas.
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