Arte Poetica de Horacio

January 21, 2017 | Author: João Pedro Souza Matos | Category: N/A
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Arte Poetica de Horacio...

Description

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'• •

^ô/SÊ/S^O

Presented to the

UBKAKY ofthe UNIVERSITY OF TORONTO by Professor

Ralph G. Stanton

Digitized by the Internet Archive in

2010 with funding from University of Toronto

http://www.archive.org/details/c2artepoeticadeq00hora

Parodt

i-tittum cocpre^yit

Carptncffi fu^iXn^^

c^cLrru:

Ò^^I^nls^^L^^i,^

ARTE POÉTICA DE

Q.

HORÁCIO FLACCO? Traduzida ,

e illujlrada

em Portuguez

POR CÂNDIDO LUSITANO.

•"-'/

LISBOA? Na

Officína Patriarcal de

FRANCISCO LUIZ AMENO.

M.

Com

DCC LVIII.

as licenças necejjarias.

Vende-fe na logea de Manoel daConceiqaõ, Livreiro ao Poço Negros y onde também fe achará a Fida do Infante D. Hen' rique pelo

mefmo

Aiithcr.

dos

Nec

verbum verdo curaUs redàerefidus

Interpres

;

Horat. inPoetic,

AO ILL."°

E EX.M° SENHOR

SEBASTIÃO JOSEPH DE CARVALHO E MELLO, Do Confelho

Mageftade , e feu Secretario de Eílado dos Negócios do Reino , &c. &c,

de

S.

CÂNDIDO LUSITANO Defeja toda a felicidade.

14 ORACIO

,

acjiielle

homem

do dos melhores falios no melhor

fecitlo

tao refpeitã-

das letras

vay hujcar em V, Excellcncta novo Mecenas, *ii

y

Se eje

ejie (jiie

grande ILyrico podeffe dever aji

ve

f

Mas

fortuna a

ejla

mm

he gue

E

çue o fora entre os Jeus Romanos. felicidade para elle

e delicado

,

Senhor

para

,

,

minha

e vejo-me perplexo

Mas

gai.

motivos

,

,

mayor

he a for do mais Jub-

em

razieSf

eleição concorrem a tropel,

mais me

ajjlnalar as (jue

he certo,

As

(jue

em

obri-

tanta concorrência de

nao me levai a prefença de V. Excellen-

cia açuelles

apreço

cjue

,

que tem a Arte Divinal

e/ia

do

huma nova Edição da Jua

de

olra

acjuella

,

(jue

,

que lufcar eu a V, Excellen-

,

cia para Froteâíor

til

a de-

elle

fazenão-o mais feliz entre os Portuguezes

Poética

,

nao cantaria a oflentar a vaidade da jua

verjos

ekíçaSl

ventura

ejla

e

de

,

o

(jue

Mundo

cojluma fazer tanto

tem a mayor força no juizo dos

(jue

(jue

efcolhem Patronos para as fuás obras,

A lo

(jue

fe os

ejlefm bufcad-fe vulgarmente reprefcntai

(jue e/lao

das honras

,

hum forçado

e

e naÕ pelo

,

no auge do poder (jue

fai

(jue

,

homens pe-

os :

ejcolhem-

das dignidades

,

de todos recebem o obfequio de

rejpeito.

Entre

ejles aquelles

,

que go-

zao de perto da benigna arajem do favor do Prínci-

pe

,

e

fao as mitos

,

com

as quaes a

dade derrama as fuás graças

,

Regia

liberali-

efes faí os que das

Dedi-

Se eu

Dedicatórias levao todo o inccufo.

no numero

contarme {ainda

cine

vro outro inútil

dcjles Aiithores

he provalla

:

ri ao

o

mais

alto

a modcjlia

cjue

nao

(juererá ouvir, porcjue o

me

todas ejias circunjlancias

,

razão

a nobreza do feu fangue , o

V- Excellencia naí

quer ojlentar

A

na o fojje V, Excellencia.

caraãer da Jua Dignidade , e de

nai poderia

,

hufcar para Patrono dejie Li-

cjuizejfe) cjue

(jiíneva

dejujiiça a bufe ar a poderofa

obriga-

fombra do feu pa^

trocinio.

Mas mas bem

eu

Senhor Excellentijfimo

,

Jigo máxi-

,

alheyas dos ambiciofos inter ejfes do feculOf

c Jevao-me todo o refpeito outras reprefentações mais -poderofas. tre

,

Bufco a V, Excellencia

mas como

mas como

zelofo Mini/Iro

fabio'j

e

de ter a grandeza

merecimentos

,

feV. ,

a

5

,

nai como

illuf-

naí como poder ofo

,

Excellencia podcje deixar

(jue

o elevarai Jeus dijlinâíos

eu certamente

com mais

prejfa corre-

ra a hufcar feu amparo no gabinete dos feus ejlndos,

que no do feu Minijierio. cio

y

fabio

homem que mais ,

IJlo

mefmo faria Horá-

ejlimou ao feu

que como valido

f

Mecenas como

mais como bom Cidadão

todo oc CUpado nos inter ejes da fia Pátria ciofo Politico

;

,

^

que ambi"

cuidando nos augmcntos dafia Família,

Se

.

Se e

acjuelle

famojo Poeta cantajfe

em V, Excellencia

vijje

cnnos fora bem

do nas Academias

;

lios

e

,

depois

5

fe

fworecer em

e depois refpeita'

,

o vijfe emicjiiecer o feu enten-

fe

dimento com vajlos ejludos

de toda a erudição

,

defde os primeiros

cjiiem

Mufas

vijlo das

nejla idade

e apoderarfe do the/oiiro

,

honrar fempre os fa*

o viffe

todo o tempo aos ejhidiofos

ajorça dos clamores de feu s merecimentos

fiifientar nas Cortes ejlrangeiras

com

,

,

e

hir

tanto decoro^

e politica o caraõíer de

hum Régio Minijiro

Senhor ,fe Horácio

em V. Excel/encla hum Pa-

vijfe

digno dafua Kepuhlica, e

tricio tao

to delia facrifica

meditações

,

de dia

tenho por certo

ria nao fò o Patrono

cia

:

e noite as

,

,

mas

,

cjue

Que

de fortes nafcem fortes

,

naõ coílumaõ gerar pombas. Deos

(]ue

ra

y

conferva os povos (jue

fuás profundas

de

elle

dom

em paz

y

V. Excellen-

e que as águias (juiz

e jujliça

hum digno

dar a Fafabedoria

j

,

de manei'

Tribunaes do Rei-

no parecia'o herança de feus ^fcendentes

ra

feus verfos.

da(juella

os lugares dos primeiros

ta reflexão aponta fe para

ao augmen"

(jue

o ohjecío de

mais verdade diria

o

Jim ,

V. Excellencia fe-

Com

mi lia de V, Excellencia

;

j

e

com

ef-

V. Excellencia ^ como pa^

fuccejfor de tao raro

Morgado.

Efte

te

ponto eftava chamando por penna difufa

com honra

e eu

,

entrara no afumpto, Je o fofrera a mo-

deração do génio de V, Excellencia

,

até nos

(jue

fahe dar exemplo de apparecer humilde

cjiiando o

,

rodèa tanta gloria.

Ao

coiíftderar

em tanta amifade tanta grandeza

,

em V. Excellencia e união

de alma

5

,

conjejfo que

(juiz

dar aos feus Deofes

que com

hum

fò pajfo

Se

com

e/la

acjuelle

(jue

de

,

huma alma

com

ella fe

,

,

(jue

dos feus

nao pode

reprefen-'

como a de V, Excellencia ,

,

fahendo tocar na extremidade da gloria

na da modejlia

,

mediai toda a extenfao dos

grande Épico fe perfuadio

(jue

cjuô

dizendo delles

imagem pintava hem a grandeza

inumes , eu creyo tar a

pafmo de

grandeza Juperior a

Homero

mares.

ejlas virtudes

,

e logo

fahe a hum mefmo tempo chegar

a duas extremidades entre Ji mais

dijlantes

,

do que

fai as do immenfo Oceano. Eifaqui

ça da razaÕ o

,

Senhor

ejiá

,

os titules

porque toda a for*

pedindo , que fe efcreva nejie Livro

nome de V, Excellencia

:

he ohra de Horácio

,

e

devia eu defcolrirlhe Fejjoa, que hem emparelhajfz no caraâíer

com Mecenas

feu antigo Patrono

gue fempre fe conjiderou

:

he ohra^

como huma fonte do perfeito

fcko hom gojlo

V,

Jagro a

Traãucçai. idades foy

mente

çujjito

hum Sa-

o^erecella a

eii

fempre e

,

,

ejupreza, que

c-o/ifiderada

perigofo

em

como trabalho jumma*

effcncias de cheiro ex^

fe as pajjao de hum vafo para oU"

perdem grande parte de fua aÕílvidade

em feus

/içados ,

pensamentos

:

todas as

nai erraria quem lhe

j

As

impoJJlvcL

e j^no

nao a minha indigna

e

,

Tomey huma

hum

,

gr anciã

gua

Excellencia

dlffici!

chamojfe

,

e devla

EJle livro pois no feu original ^ hc que eu con"

hio.

tro

,

ou fe altera

fe fe pajjai para outra

,

ou fe perde toda

,

e fra-

e exprefsies de Authores

,

efcritos

,

de--

lin-

a delicadeza

da fua Jormofura. Conhecendo eu pois tao arrifcada empreza

por

tal merecimento

,

o

mal

,

que defempenhey

como havia atrever me a fup'

em meu

trabalho

,

que o julgaf

fe digno da protecção de V. Excellencia

com

jujliça por ejle principio

a defmereço

confeguilla pelo de zelofo dos ejludos da tria

,

le

,

huma Poética

,

património da f'C'U'

enriquecermos o n

os nojfos ejludos, nau

(jue

fe

poderey

minha Pa^

oferecendo aos principiantes traduzida

lu/lrada

hum

Mas

l

fempre foy

e

,

tida

il-

por

;uidade

,

para com

idi mento

,

e regularmos

el-

mjus cwio Poetas, que Ora^ dores.

V. Excellencia

ãores»

em

cada dia tai

úteis

,

^ue de zelo nos efiá dando

exemplos

motivo de nai defprezar a

(jue

critos

põem

targo

5

digna, ejle

feya copia de

he bem fcrtil efie Clima

cellencia tanta benignidade

defenho

os olhos

,

ejle^

tao hello

ate

V

.

Ex^

em meus

ef"

defpertarâo defeu ociofo le-

S3 ajftm juc ceder ,

(jiie

vendo em

a V, Excellencia oferta mais

oferecerá'o

meu trabalho

,

,

>

a Horácio com mais correÓío

e pintando ,

digne-fe por

Dejle modo aquelles felices Engenhos

Original,

de

,

,

eu darey por venturoso

e terey o gojlo de ver engran^^

decidas as virtudes de V, Excellencia por

hum

prO"

porcíonado pregoeiro»

^^

DISCUR-

DISCURSO PRELIMINAR DO TRADUCTOR. A

muitos feculos , que os homens dedicados às boas Artes venerao com efpecial ref« peito os Poetas do fcculo de Augufto ; mas entre todos nenhum tem reputação mais

do que Horácio , e talvez ne, iguaes louvores naó menos de fabios modernos, que antigos. Petronio admirou nelle huma particular arte em dar às materins , de que tratava , humas cores vivifilmas ; e (i^intiliano confeífa , que elle he quafi o único Lyrico digno de fe ler*, porque he cheyo debellezas, de variedade de diftinéla

nhum tem ouvido

,

e de huma íeiiciífima abundância de expreU , soes nobres , eípecialmente nas Odes Ât Lyri' corufn Horatíus fere foitis legi cVtgnus. é^ in-

figuras

:

Nam

fnrgít ali quando , c^ plenus grati£ ^ i^ variís figuris ^ dax.

^

Porém Monf. de aPoefta

nho

í-w

Ia

Motte no

^^r^/ deixou-nos

em

^

efi jucuíiditatis , verbis felicijpmè au^

feu Difct/rfo fohre

em hum

mais exadío

út'ÍQ!^

cores mais vivas fiel retrato defte infigne Poeta. Teve Horácio ( diz elle) hum eípirito grande, e adornado naô menos de variedade, que ,

e

de delicadeza. Nafceo igualmente para a fatyra e para o elogio ; porque as Tuas inveclivas penetraô tanto mais quanto faô mais íinas, que as dos outros e feus louvores , livres de lifonja , deveriaó agradar àquelles mefmos, que naó lhos roereciaô. Era exaílo , e rico em fuás defcripçóes , às quaes dava huns toques taó vivos, que quafi as fazia vifiveis. No moral ordinariamente infírue de maneira taó fina, e artifíciofa, que parece, que naô he eífe o feu fim e \ quando reveílido da vehemencia , e authoridade de Cenfor, levanta às vezes a voz, ceníurando oí-' vi,

.

;

**

ii

cios

buvadoporMr. Horácio

^ ^

°"^*

cios dos

Romanos

com hum

fenipre tempera as fuás inve£livas certo agro-doce, que faz com que naô fe ,

Em fim Horácio fov hum Engenho, fempre tratar qualquer aííumpto por hum modo íio/o , ou foíí^Q pela novidade no uíb das figu-

defgoíte delias.

qu2 ras

,

íoiibe

ou pela das exprefsóes

,

igualmente felices

,

e

atrevidas.

Em menos palavras teceo igual elogio a efte Príncipe da Lyrica Latina , o exceilente Poeta Moiif. Rouíleau

,

dizendo

:

Lefeul Horace en tous genres excelle , De Cythérée exalte les faveurs , Chante les Dieux les Heros les Btiveurs ,

,

,

Des fots Authetirs berne les vers ineptes Nous inflruijfant par gracieiíx préceptes ,

;

Et par Sermons de joie antidotés. Baila de elogios , que fe nos oíFereceriao a milhares, fe quizeífemos andar mendigando pelos Criticos mais judiciofos o que deixarão efcrito fobre o merecimen-

Juízo ác Mr. Dacier fobre íjoracio,

Impugnado. res

de Hora-

*^'**'

ciaudio Verdcrio.

to de Horácio. Paliemos a dizer o que nos occorre a refpeito da fua Arte Poética , que he de fuás obras a porçaó , que tomámos , para a expor , e illuítrar à mocidade Portugueza no feu próprio idioma. Creyo , que ninguém me duvidará, de que entre todos os efcritos defte Poeta tem o primeiro lugar a fua famofa Epijiola aos Pisoes , em que dá admiráveis preceitos para a Poeíia , efpecialmente Drammatica. Monf. Dacier, hum dos feus mais dignos Illuft^adorcs , confeíTa , que defcobre nella humas bellezas taô novss , huns preceitos taò folidos , e hum juízo tao profundo, e feguro, que a Antiguidade em todos os feus efcritos naó nos deixou em hum Tratado taó breve hum igual thefouro.

tudo uaó faltarão homens ( mais cheyos de erudiçaó , quc de bom gofto) os quaes defraudarão a Horácio de tao merecida gloria. AflTim o fez Claudio Vcrderio; porém o feu juizo fobre o merecimento deíla Arte he taó indigno, e cheyo de ignorâncias , que Morofio dilFe , que fe envergonhava de o

Com

tranf-

tranfcrever.

Porem quem fobre todcs levantou mais

a

foy Júlio Cefar Eícaligero , , chamando a efta Poética j^rte fem arte. Ke verdade, que neíle Tratado naó ha aquella ordem , c nie-

voz contra Horácio

thodo, que no meímo aíTumpto obfervou Arilloteporém efta melnia falta , no juizo de Monf. le les Fevre , contém huma efpecial graça, e liberdade, própria de huma Epiftola , que he o que Horácio quiz fazer, e naó hum Tratado methodico. Por (To o fabio Dacier naó pôde foífrer a fentença daquelles, que tranfpondo-fe alguns verfos , fique afiirmaó caria efta Arte huma obra inteira , e perfeita. Mas da ordem , que Heiníio lhe pretende© dar , claramente diz o meímo llluftrador Francez, que fó ferve para melhor fe conhecer a bondade da defordem, com que o Poeta dilcorreo. ;

j^..^

^efaf

kfcaiigero.

scus

Defeo^

fores.

deMr.

juizo

i^Fevre.

i

,

Porém tornando

fendo efte Efcritor hum homem fabio, e bem verfado nos efcritos dos bons Antigos, faz admiração o chegsr a cfcrever, que efta Poética fó poderá agradar a miCninos , e que nenhum outro juizo poderá tirar delia proveito. QúQ outra obra defte género na Antiguidade nos moftraria elle mais proveitoía para a critica verdadeira fobre a PoeÍJa ? Em qual outro vio decisões mais acertadas , juizos mais folidos e verdades mais defencranhadas da natureza das ccufas, de que trata? Em Horácio ( diz Dacier com todos os bons Críticos ) tudo he grande, e tratado com exacçaó, Naó ha fegredo na Poética , que naó manifeíre , naó ha preceito nectílano , que lhe efquecelfe 5 e o que naó iiluftra à clara luz , lempre o mofira com algum ravo, que tal chamo àqueíla brevidade , e fuccinto eftylo , com que às vezes fere a Efcali^ero

,

Ju^zo de Im"

ca^igeío.

,

vivamente

em

coufas.

as

fuás regras

,

Tanto he exa£lo

,

revcftidas de ar poético

c cdpiofo ,

que

ain-

da hoje da oblervancia delias depende inteiramente a bondade e merecimento de qualquer Poema.^ Quem praticnr fabiair.eníe todos os feus precei-' toSj tenha por certo, que ha de fer Poeta, íetam» ,

bera

juizo

deMr.

^-^'^^•

O

bem

juíiodaroevr^^cttLLid.

s natureza lhe for benigna. contrario íhe fuccederd , fe eítudar fomente pela volumoía Poeri^^ de lirvjaligero. Nella em obícquio da verdade coníeííamos , que ha huma erudição infinita, hum bello methoJo , e hum eftylo nobre , conciíb , e conveniente à matéria , de que trata. Com tudo no

frihdo, e fundamenral falta; porque tudo funda femáo gofto , e lobre humas certas miudezas ,

bre

que mais pertencem ao Grammatico Poeta. Poefia

,

do que ao

nenhum preceito dá para a grande nenhum caminho abre ao ignorante, e neQuafi

,

nlíum foccorro minilira a hum engenho, que le quer inílruir. Nelle naó fe acha coufa que eleve o efpirito , e que o difponha ao enthufiafmo. Em fim neíte Author, compondo hum enorme volume, naó ,

fe

pôde dar com aquella fonte

rácio

de que

,

falia

Ho-

:

quid alai formHqtie poetam\ virttts^ quhferat error, E eíte abundante manancial he evidente, que o achamos em huma Poética de 47o verlos. Por iíTo os fabios, que tem paladar exquifito , eílimaó mais a lição de poucas regras de Horácio que toda a volumoía doutrina de Efcaligero na fua Arte , como prova com erudição taó copiofa , como juizo profuudo , O feu famofo iiupuguador Bernardino Parthe^j^ ^ ^^^ ^^^^ excelíenies Commcnt arios , que temos em grande eftimaçjó pois di^Ucs teíliíka o grande FiloMgo Morofio que huma fó vez os vira , e que tendo revolvido qunfi todos os Catálogos das livraUfu/e parentur opes

,

,

Quid deceat- qutdnon, quo

,

Bernardino

parthemo.

•,

,

Porém publicas, em nenhuma os defcobrira. naó obílante tanta raridade ( accreicenta o mefmo Erudíco ) ainda he mais rara a erudição , o juizo , e doutrina, com que Parthenio vinga a Horácio das injurias de Efcaligero. mefma nobre empreza tomaraô N)^^allio nos feus Poemas ^ Vollio tratando dos Postas Lathios ^ e Dacier no principio, e fim das fuás Notas à Poética , de que tratamos. Deixando pois efta matéria , que pedia largo rias

A

Vvaiio,voffio.cDacicr.

dilcur-

miudamente provar, afcoíim o fummo merecimento da preftnte Arte mo a igual deshonra, que faz ao juizo de E^rcolio que contra ella deixou eícrito^ paliemos gero a dizer alguma coufa íobre o motivo , que fe diz He tivera Horácio para compor o dito Tratado. e Macedónia, couía conftante, que na Grécia, na no Egypto defde tempo immemorial houve íempre diícurfo

,

fe intentaíTemos

,

,

AíTcmbleas de gente efcolhida para examinar as obras de Poefia , e de Eloquência. Imperador Auguílo , Principe tao benemeri-

O

to das boas Artes, para que no feu Império , introduzio

Motivos qus

mais ^^^^^ ^^^^^^^^^ Roma o db Poética.

eftas ílorecellem

também em

meímo coilume, fundando huma como Academia, compofía de homens inílgnes , e para fazerem as íuas conferencias, lhes deu o Templo, e Biblioihe» ca de Apollo , que tinha dentro do feu Paço. fim derte grande Principe na fundação delia AíTemblea, foy formar hum tribunal Critico , no qual efpecíalmente fe fentencialTem as obras poéticas para deite modo excitar os bons engenhos a fe fazerem dignos de huma honrola fentença e reprimir os máos com o medo da ccnfura. Theodoro jMarfiiio na lua breve Illuílraçeô à prefente Poética nos dá a ler os nomes deíles Juizcs. Naó fabemos donde podelfe haver tal noticia; fe fe fundou no que Horácio deixou efcrito no íim da Saiyr. lo. do liv. i. , parece-nos que naó acertou na conjedlura ; porque todos os bons Interpretes entendem diverfamente o dito lugar. O certo he , que Marfilio , fe fe eílribou fomente em conje(5iuras (como he provável) fem.pre efcolheo bem, contando por Académicos , ou Juizes a Virgílio , Vario , 7arpa , Mecenas , Valgio , 061 avio , os irmãos Vifcos, Polliaõ ^ os dous MeJJohs hum , e outro Bi bulo Sérvio , Furnio , líbiillo PiJaÕ ^ e Horácio. Monf. Dacier allegando eíle Catalogo de Marfilio , conta também a Plotio , e lufco , dos quaes naó faz mençaó o dito Auihor , que ainda nao

O

,

,

,

^

,

,

Theodoro ^^^^^'^'°'

nao pára aqui com as fuás conjefluras.' Pretende, que por conta do Inílituto defta Affetiibiea , tomara Horácio a occaíiaô de efcrever

Arte Poética para moQrar aos pouco inftruidos, o ein queconíiílem as riquezas da Eloquência poética , e naó menos os feus vicios. Se iíto aííim foy nobre que exemplo para eílimular aquelles Académicos (àã noíla idade, que paííaó a vida fem inftruir o publico nas couías, que pertencem ao feu Inílituto , e à fua obrigação Naó ha entre nós Academia que náó tenha hum meílre para dar eíla Tua

^

,

!

,

os preceitos da Oratória , e outro para os da Poética ; e que fins gloriofos para os Académicos , e para a Pátria vimos , que produziíTem eiles Inílitu-

De

que obras lemos , cm que , nos moílrem de huma maneira folida , e conforme às doutrinas dos bons Antigos , o em que coniiílem as riquezas da Eloquência , e da Poefia ; que he o que verdadeiramente forma , e nutre os Oradores ; tos

?

tantos meílres

que he o que faz huma critica judiciofa e em que vicios pôde declinar ? Em fim onde temos quem nos inftrua do diverfo merecimento dos Ef,

,

de que foy taó abundante Grécia , e Roma, e naó menos dos nolFos , que no feculo de quinhentos ennobreceraó a fua lingua na profa , e no verfo ? O peyor he que eíles hoje na opinião de muitos paílaó por huns engenhos incultos, e os que lhes fazem mais honra , confeííaó , que critores antigos,

,

viveífem Perdoefe-me efta digreíTaô

fcriaó excellentes

,

fe

em ,

noílbs dias.

que ma infpirou o

zelo de defejar , que as noíFas Academias floreçaó como muitas das eftranhas , dando frutos maduros, com que outros Engenhos fe alimentem, e naó parando em flores de huma , ou outra compofiçao poética , das quaes huma grande parte ainda cheira àquelle alniífcar de Hefpanha que deiía a per, der a cabeça. E tornando a Horácio, he certo, que ou foíTc como homem publico , ou como particular , o feu íim

fím na Poética foy dar ses Romanos em Tratado íuccinto o melhor, que Ibbre hum tal argumento efcrevera Ariítoteles, Criton , Zcnon , Demócrito , e

Neoptolemo de Paros

do qual efpeciaimente

,

fe

vaieo, fazendo hurna compilação dos fcus melhores In preceitos, como advertio Porphyrio , dizendo quem li br um ccnjecit pracepta Neoptohmi de Arte Poética , 7ion quidem omnia , \ed emineniíjj^ma. Paliando a dar ao leitor alguma noucia dos commenra:

que tem illufirado eíla Arte der ^ que lao muitos em numero , e , poucos em merecimiento. Com a liçaô que tiveque com muito funachámos m.os de baftantes que Horácio na íua damento dilFe Monf. Dacier Poética tem fido mal entendido , e que os L.terpretes mais lhe desfigurarão , do que illuftraraô os mas que iílo naó deve cauléus melhores lugares que a mayor parte da íar admiração , l'abendo-fe

Commentadores r nvemos conreílar

"^'

cujas fontes moífra

J(ií'on de

Nores

^

**^'^

li

Com-

JafoiídcNo-

'"

Commentador

e gaílou-a ( talvez prodigamente , ) explanar ao feii Poeta. alguns palfos delle copia , o que muitos já haviaô dito , coílums frequente , e quaíi indifpenfsvel nos que tomaó o ofHclo de Interpretes, naó correndo mais terra, que aquella, que outros trilharão.

em

Em

Jacob GfifO"

Jacob Grifolo

fez

também

lo.

he tido por

tre os Sábios

a fua

Expoílçaó. En-

hum homem muiio eruGregas porém os Com-

dito nas letras Latinas, e mentadores Luifino, e Nores algumas vezes o cenfuraó íobre a má intelligencia em diverfos lugares :

da Poética paíFa por fos

çi6

como

,

que interpretou.

,

He

hum grande numero de le

nenhum

e naquelles

certo

,

que

neíla

paíFos difficuko-

de expoíi-

deli es necefritaíle

que commenta

geralmente naó , íadsfaz ao leitor , a {fim por fer efcuro , embaraçado, e às vezes prolixo nas authoridades , como por naó ter entendido toda a força dos preceitos do texto, nem as matérias diverfas de que falia o Poeta, confundindo V. g. as regras , que elle da para a Tragedia com outras que fó applica à Comedia ; e neíle grave defeito também cahiiaó alguma vez os citados Nores e Luifino. ChriJiovaÔ Landino. Vimos a fua Expofiçaó a todas as obras de Horácio. Pelo que refpeita à Poe' tica parece-noj claro, e feguro na interpretação; mas he muy parco de authoridades claíficas , e de exemplos de Poetas, com que íe provem as regras, coufa precifa para a intelligencia que dá o texto do poético e muy louvável , quando he com judiciofa economia. Baillet no leu Jugement cies fçavans o louva como bom Commentador e com effeito he de merecimento a fua breve illuftraçaó , e digna de le aconfelhar , efpecialmente aos principiantes , que defejaó entender a Poética de Horácio quanto bafte , para depois paílarem a comprehender por outros Authores todos os fegredos da Poefia que fe occultaó no dito Tratado. Henrique Glareano elcreveo Iiumas breviílimas ;

,

,

,

Chriflovaô Laadino.

^

',

,

\

,

Henrique

Gbicaao.

Anno-

Annotíiçóes

a eíln Jlrte.

Tomon

nellns

por efpecial

empreza cenfurar fortemente o antigo Coíiimeiuo de Acrcn ( le acafo efte Grommatico he o feu verdadeiro Author ) deícobrindo-lhe muitos erros, ora na intelligencia do Poeta , ora nas iiç6es ccrriiptas do texto, por genuinas. Porém os bons Criticos fem defenderem a Acron , cenluraô em muitas coufas a cenfura de Glareano , e os melhores illuílradores de Horácio naó fe accoramodaó em muitos admitridas

lugares

com

a fua interpretação.

Theodoro

Mar filio.

Deíle

homem

erudito vi- TKcodoro

mos iguahnente humas breviílimas Annotações à mefma Poética. Naó obflante ferem fuccintas ha nellas naó pouca erudição , e luz para entender ao Poeta , ou íeja pelos bons exemplos , que aponta , ou pelas correcções ao texto. Com tudo , como afíedtou muita brevidade , e Horácio he muy concifo , e às vezes efcuro nos feus preceitos , naó he Marfilio baílante Interprete para quem he ainda hof. pede nas regras da Poefia- Qiianto mais , que es

^^*^^*^'*»-

,

paífos difficultofos apenas os toca , e já mais os explana , como pede a fua difficuldade. Achílles EJlaço , illuílre Efcritor Portuguez , he geralmente reípeitado pela fua expofiçaó a efta Poética. Horácio deve-Ihe muito, particularmente emendando-o de muitos erros, caufados pelas diverfas copias ; no que teve grande trabalho , conferindo muitos , e exaflos m. f. Naó lhe deve menos , em provar com os Poetas Gregos , efpecialmente Drammaticos, e com os antigos, que efcreveraô fobre os preceitos poéticos, todas as regras, que aponta Horácio neíle feu Opufculo. Só quem

AchiiiesEftâ; ço.

aílim faz ( diz Dacier no fim das fuás Notas ) he que fabe dignamente interpretar ao Lvrico Latino. *Ihomé Corrêa y naó menos celebre Portuguez, Thomc que o antecedente , explanou com grande louvor a rea. Horácio como teíliíicaó os melhores Criticos , e o mefmo Mureto feu emulo o chegou a ccnfeífar , como refere o Apatiíta no tomo 3. dos íeus Progy,

najmi

Cor.

nafnii Posiici

e Spachio no feu NojnencJat. VhiCoai tudo comparada eíla Illurtraçaô com a de íiílaço, dá-fe a eíle a primazia do merecimento, fe houvermos de cílar peia autlioridade do citado ,

lofof,

Apatiíla. AndrcíDacicr.

Auilré Dãckr entre todos os Commentadores , que deixamos apontados , pode-fe dizer feguramênte , que os excede nâs fuás copioílííimas Notas a Horácio» Neílas reina hum juizo profundo, huma erudição vaíliíTima na faculdade poética , e huma exquiíita lição pelos melhores Authores da Antigui',

dade Grega e Latina. Nao deixa paílar diíticuldade e beileza no Poeta , que magiílralmente nao explane, de modo, que o leitor fica latisfeito, fem ter mais que defejar. Commummente caminha por eftrada que outros naÓ trilharão explicando huns myílerios em Horácio que ou nao fc aicançavao ou ,

,

,

,

,

,

efcuramente le entendiaó. Se exceptuarmos a Voltaire todos o enchem de elogios , e por todos bailará o que lhe faz Moroíio, dizendo Vir erudhíjjimiis ,

:

Dacicriíis

Horaúum

in

vernaculum fermonem tranÇ-

fudit , á^* non folum in pVíejigenda iiberiore vi ta Horatii , fcriptorumque ferie juxta temportwi rationcs collocanda , occupatuí fiiit , fed S* amplilji' mis Commentariis ita exornatum dedit ut jkc vocum figurarumque , i;" epithetorum fedida enoda,

,

nec feufus allegorici evolutio , neqtie adeo ad verbornm , aut artis exp lie at tonem quicquam jure defiderari pofjlt. Ricãrdo BentUí publicou eruditas Notas , e emendas ao texto de Horácio. Fabrício falia dcíla

tio

RicardoBcnt^*'-^

,

com

honra e o Padre Sanadon , fabio Jefiiita tanto a eítimou , que nas fuás emendas h edição , que publicou do mefmo Poeta, em quafi tudo fegue as lições de Bentlei , que elle ( fegundo diz ) achara nos m. f. mais authenticos. Teve Bentlei muitos impugnadores à referida obra, naó fe podendo accommodar homens fabios, cx)mo Jobnífon , Cuningham , e Dacier , a muitas das fuás obra

diftin£li

,

,

emen-

e interpretações, hiursas por mal fundadas , outras por extravcgantes , outrns por conNaó obílante eíles , c trarias h mente do Poeta. merecida outros adverfcrios , a íama de Bentíei e eícolhida erudição , recebe por fua raftiíTima , grandes elogios na republica das letras.

emendss

,

,

O

Companhia de Jefus, Reliquem tanto devem as bons Artes fez tamP. Jíivency da

p.

Juvcncy.

giaó a , bém publica huma edição de Horácio para o ufo das Efcclas de França. Accrefcentou-lhe iiuma boa interpretação Latina, e algumas Notas excellentes , pofto que muy breves , accommodando-as ao juizo da mocidade para quem efcrevia. Mo/if. Du IIamei , profeíTor de Eloquência na MonC DuUniveríidade de Pariz , tomou o mefmo trabalho j''*^*^^e modernamente o imprimio. Depois do texto põem huma interpretaçsô literal , a qual julgamos íummamente accommodada h capacidade dos principiantes, para os quaes a efcreveo feu Author. As luas Notas, fe bem que fuccintas , faô para eílimar ; e aCim deíejnramos , que nas noíFas Efcolas fe eííudaííe por efte Horácio ; porque feria aos mancebos muito mais proveitofa a illuftraçaó de Du-Hamel, do que as de Boriãio , Mine lio , Farnabio ^ e outras, de que aqui naõ faremos efpecial memoria;

porque faô de muy pouco merecimento

,

e

(

como

diz Moroíio) inter dum verba Âiiciorum^ quos excerpere aggrediunttir , corrumpunt.

Luiz Defpreaux: delle he o Commento ao Koad ufum Delphini, He hum bom llluílradcr

rácio

no que pertence ao mythologico, hifrorico, e gramem quanto ao poético, que he o mais difficil e precifo contentou fe com dar poucas doutrinas , e de comprovar os preceitos do Poeta com huma , ou outra authoridade ; cofíume geralmente niatical; ,

,

praticado por todos os Commentsdores ad ufum Delphini. Saô huns regatos, íim puros, mas pobres de agua ; quando outros Interpretes faó huns rios caudaiofos , que fertilizaó tudo por onde paíTaó. Frari'

Luiz Defpre^ aux.

FnncifcoSá-

francifco Sanches Bvocenfe fov huin celebre uríímmaiico , e hum igual Commentador ; porque earendeo perfeiíamente os Auihores Latinos. Ho:

íi.

rácio dcve-ihe

hum bom Commeruario

à j^ríe

Poé-

memoria Moroh'o e Nicoláo António. A empreza de Sanches neOas Annotaçóes íby apontar o que outros naó hatica

e corno tal faz dclie diílindln

,

,

para perfeita intelligencia dos preceitos de Horácio ^ e fegundo os bons inteiligentes confeguio-o em grande parte. Eftes faô os Efcritores , que vimos , os quaes illuílraraó a Poética de Horácio. Bem fentimos ter íó noticia de outros , como Francifco Robortello ^ Pedro Vióiorio , Vicente Macho , Paulo Beni , e o iioíFo Bento Pereira^ erudito Jefuita, de quem diz o Author da Biblintheca Societatis ^ que compozera em dous tomos huns Commentarios ao noífo Poeta; mas naó accrefcenta, fe viraó a luz publica. Parece-nos , que naó fera coufa fora defte affumpto, fazermos igualmente mençaó das Traducviaõ dito

/

çôes , que vimos deita Arte em diverfas linguas , para que o leitor curiofo enfaftiado da que lhe of-

ferecemos dera com TraMores Poencr Horácio.

de

,

a

poíla nellas refarcir

o tempo

,

que per-

liçaó da noíla.

tem diverfos Tradudlores , como ScipiaÕ Potize 5 Ludovico Lepo» Luclovíco Dolcc PaU' Mãttei Sertório Ouattromani Lorcto reo TraducA dolfo Spannocbi e Benedetto Pajqualigo.

Os

Italianos

,

,

,

,

,

çaó delle ultimo he certamente a mais fiel , e como tal foy efcolhida entre as outras pelo Douto , que faz em Milaó a grande CollecçaÕ dos Poetas Latinos, acom-

panhados deTraducçóes em Italiano. A áo Dolce tem pouca reputação, por faltar frequentemente à A de Ponze por fer em oitava rima , fidelidade. naó he também muy feliz , faltando-lhe, por conta da fervil prizaó dos confoantes , aquella liberdade , e viveza, que pede Horácio, e accrefcentaíido algumas coufas , que o Poeta naó diíTe, nem diria. Com tudo fempre eíle Tradudor merece fer lido , por.

porque traz huma boa expcíiçaó dos lugares mais efcuros.

Entre os Francezes também ha bafl antes Tra- Trat^uaorci ducçôes e de muito merecimento, naõ mienos em^'^^"^^"^" prola , que em verfo. Vimos a de MarcUes , da Maroiics. qual , por fer em profa , íe queixa Horácio no critico livro le Parnaffe reforme^ dizendo: Voilá les beaux emplois de cette noircelle Seóie de TrúduóíeNe pouvant s^élever jufqu^ à notts , tis notts tirs. abaijfent jufq' à eux ^ é^ notts jom ramper comine des miferablcs. Parce qu' il leur ejl mpojpble de fííhre fjotre rapidiié qui les entraine ^ tis nous ejou de tropient d^ par un defaut de jugement lieine poetique , ils mettent tout en profe , jufqtí^ à nos chajifojis, ,

,

;

Martignac traduzio também em proPoética; o que ftz, como teftemunha Baillet , com fidelidade, exacçaó , e limpeza. Nííô entra em duvida , que efte Traduflor excede a lodos AlonÇ. de

Martígoac.

fa efta

que antes delle emprehenderaó o mefmo trabalem ainda exceptuar o mefmo Monf. de Malho rolles cuja traducçaó he eftimavel, naó obílante a ceníura que acima tranfcrevemos, Monf. Prepetit de Grammont querendo moftrar, que também em verfo Francez fe podem verter os Poetas Latinos traduzio nelle a Poética de os

,

*

,

,

Prcpctit

de

Grammont.

,

Horácio. Suppoíla a efcravidaó da rima , conferva a pofiivel fidelidade ; mas naó fe pode deixar de dizer que por conta defta prizaó faz dizer ao Poeta em muitos lugares o que elle nsó quer. Affim o julgámos por balbntes paíTos defíe Traduargamencenfurando com te omoftraraó Blondel , e Grocio o feu pefconhecer razaó aquelles , que daô bem a fimo difcernimeuto , naó comprehendendo a efpe^

,

\

,

,

cial

e beíleza Poética , que dá Horácio às fuás Satyras , e Epillolas com huma certa eftudada negligencia no metro, c com hum ar de preza no eftylo. Eíia efpccialidade do noíTo Poeta he taó dif-

ciai

graça

;

de entender , como de imitar. Qiiantos tem emprendido imitarlhe o eftylo ? E quantos o confeguiraó? Por certo, que muitos feriaó feus imitadores, fe baftaíTe íimplefmente fazer vcrlos profaicos j como diz o mefmo Poeta na Satyra 4. do liv. i. Neque enim concludere verfum Dixeris elJefatis neque jíquts frribat , uti nos^ Sermoni propiora putas hunc ejfe poetam. Ultimamente refta dizermos alguma coufa ao Leitor pelo que refpeita à noíTa IlluflraçaÔ ào Texto. Aífini como na traducçaó feguimos a Mr. Dacier , aííim nas Notas caminhámos pela eftrada , que de novo abrio efte fabio Francez , para os que querem chegará perfeita intelligencia defta Poética. Com tudo com a mefma ingenuidade , com que efcrevcmos iílo, confelTamos igualmente, que o naó fenem copiamos a fua doutrina à guimos em tudo maneira de Tradudor. A cada paíío ( como fe poficil

\

,

,

dera obfervar , fazendo-fe a confrontação ) accrcfcentamos mais luzes à intelligencia do Texto , era fazendo juizo do que dilferaó os outros Commentadores , ora corroborando as doutrinas do Poeta

com hum grande numero de Authores fcm nos efquecermos dos da

noíTa

Naçaõ

Claílicos ,

,

que po-

diaó fazer nefte theatro nobre figura , como bons imitadores de Horácio. Igualmente onde nos pareceo precifo, cenfurámos os lugares de diverfos Authores , aíTim eftranhos , como nacionaes , repro-

vando nclles aquelles vicios , que reprehende o Poeta; o que tudo faz, com que as noílas Annotaçóes fejaó em muitas partes diverfas das de Dacier; pofto que em outras naó podiamos deixar de

o

feguir tanto a elle

,

como

aos outros bons Inter-

pretes, fobpena de entendermos mal a Horácio. Se cahimos neíta culpa, temos docilidade para coíifef***** ii far

o erro , quanJo no Io prove Leitor judiciofo ^ e inftruido em matérias poéticas. E fe com efte noffo trabalho delpertarmos algum dos noíTos muitos , e grandes engenhos a tomar a mefma empreza , julgando nos de fracas forças para tamanho pezo, então daremos o noíTo tempo por mais bem emprega-

far

do , vendo que fomos caufa , de que a Mocidade Portugueza , para quem unicamente efcrevemos , vielTe a ter plena , e perfeita inftrucçaó de huma ylrte , que he a fonte do verdadeiro bom goílo da Eloquência, naó menos poética, que oratória. Ultimamente rcfta confeílarmo-nos com o Leitor de hum novo efcrupulo , que agora nos occor*

Ao

traduzirmos os verfos cautusque ferendh ^ /;/ verhis et iam tenuis Dixeris egrcgiè notum fi ca Ilida ver bum RedJiderit junâíura novumTomámos a liberdade de variar de methafora , efcolhendo antes o \eibo forjar , do que o de femear porque reparamos , em que a palâwa Jan£íura naó fe appropria bem à methafora efcolhida pelo Poeta , mas fim à que defcobrio o Tradumefmo pareceo a diverfos amigos nolTos , dlor. que nefta matéria faô bons Contraftes , efpeciJmente alguns , de que fe compõem a Arcádia Lufítana , Academia , que honrará a Naçaõ com inveja à de Roma , quando feus Paítorcs publicarem re.

,

,

\

,

O

fuás obras.

tudo nós por evitarmos a cenfura de algum Critico nimiamente efcrupulofo , relolvemonos a traduzir (ó para elle o lugar fobredito , dizendo : No femear de vozes peregrinas Je mojlrards também difcreto , e parco \ E dirds muito bem , fe judiciof Enxertando duas vozes jd fabidas ,

Com

Com dejlreza formares huma

Com

cíFeito

traducçio

,

os intelligentes

pofto

que

a

nova. tiveraó por feliz

julgarão defnecelFaria.

eíla

O cer-

certo lie, que nella ha mais fidelidade , QojmiSíti' ra do Poeta explica-fe com viveza , a qual em íemelhante palavra naô fe pode dcfcobrir no texto naó fe fabendo , que connexaó polia ter a sozjuri-

valendo fe Horácio da methafora ài^ ftmear, enxertar parece , que he fó o que a ella pôde convir, por ficar confervando a meíma translação , fendo voz , que pertence à agricultura. Igualmente receamos , que algum efcrupulofo em ponto de metrificação tenha por duro o primeiro verfo da pag. 129. Veyd Efchylo depois , e mais honejla é^'c. Por hum verfo naó eílamos para fazer em fua defenfa huma DiíTertaçaõj mais fácil nos he emendailo, dizendo: Ejcbylo depois veyo i^c. Os demais erros , que fe encontrarem , fa6 certamente daimprelfaô, onde íaó inevitáveis, por mais diligencia que fe ponha , como confeíTa todo aquelle , que cahio na tentação de imprimir algum livro, efpecialmente quando a letra he miúda; porque nás provas fogem dos olhos os erres , e muito mais em authoridades de linguas eílrangeiras. Õltira

,

O

LI.

LICENÇAS. Do VIftas

as

Santo Ofiicio. póde-fe imprimir o litrata, e depois voltnrá confe-

informações

,

vro de que fe fe dar licença que corra , íem a qui naó correrá. Lisboa , 4 de Novembro de 1757.

pam

rido

Sí/va.

Do VIfta

Ordinário,

a informaç«•••••



Nos

,

,

convivia , nos pralia Virginum SeSlis in juvenes unguibus acrium

Cantamus vacui , five quid urimur y Nonprater /clitum leves. Explica Ho=^ Ordinis hac virtus erit ^ 6? Vénus ^ aut ego fallor rácio o em que coníiíle a virtude , e graça da ordem , que hum Poeta deve feguir na difpoíicaõ do feu argumento ; e accrefcenta, aut ego fallor ^ moílrando aíTim modeftia, viílo (qt novo o preceito , que dá , pois fó o defcobrio na pratica dos melhores Épicos da antiguidade , e naõ na efpeculacaô dos que efcreveraõ da mefmo Ariftoteles ( fegundo Dacier) naõ tratou defPoética. te ponto j c fe o tratou , foy em termos taô breves , como efcu:

O

O novo preceito vem a fer Ut jam nunc dicat^jam nunc dehentia dici pleraque differat , í^c. i Eíle lugar he muito mal entendido pelo commum dos Commentadores. As palavras debentia dici fervem para os dous verbos dicat , (^ differat; de forte, que a fua genuina coníiruiçaó, fegundo Dacier , he eíla Ut jam nunc dicat debentia dici jam nunc , plc" raque differat jam nunc debentia dici. Aíllm o entende igualmente o Commentador Nores , a quem vio o Interprete Francez. Ifto fuppofto, neftes verfos dcfcobre Horácio hum dos mais importantes íegredos da Poeíia. E vem a fer j que a ordem , que o Poeta Épico deve guardar na difpoliqaó dos feus argumentos , deve fer em tudo ros.

;

:

D^ Arte Poética.

24

Fkraqu: àJFcrat ,

C/ pr^efens ia tempiis omittat

j

VIL Hoc

amet

,

hoc fpernat promlj/l carminh aiióíor.

In tudo diverfa da do hiíloriador. Efte comeqa a narrar as coufas defde o feu principio, e o Poeta pelo meyo, metendo como epifodio a origem , e coufas que precederão à Ácqaó primaria. De maneira, que deixa para tempo opportuno, pleraque clifferat ^ coufas que , fegunJo a ordem niíloricu , devia dizer logo no princi\ pio , ]am num debentia dici. Por exemplo , Homero tomou por aíTumpto as peregrinações de Ulyflcs na fua Odíffea ; porém naó comeqou a cantar os fucceflbs , que acontecerão ao feu Heróe depois da expugnaqaõ de Troya j comeqou a Fabula por deixar UlyíTes a Caliplb , e o mais introduzio-o como epifodio na falia do mefmo Heróe a ElR.ey Alcinoo. Do mefmo modo Virgilio fó por incidente he que faz narrar a Eneas no liv. i. a deftruiqaõ de Troya, e começa o Poema pela partida do feu Heróe do porto de Sicilia. Fundado neíles exemplos , e no prefente preceito de Horácio , he que Vida deixou efcrito no liv. 2. á-à. Poética:

.

-.

-•

Plerumqm à



-

'

' .

mediis

,

arrepio tempere

,

fari

jam carmine digna Inde minutatim geftarum ad limina rerum Tendentes , prima repetunt ab origine failum.

Incipiunt

-

^

ubi faSta vident

'y

Veja-fe o mais que diz fobre eíle ponto, principiando-fe do verHaiid fapiens quifquarn , annales feu congerat ^ ílii^ (^c. Praticao fo os Poetas elta bella ordem artificiofa , para aflim caufarem variedade, e mayor deleite ao leitor como bem advertio Efcaligero no liv. 3. da fua Poética Prceterea cum alius à Poeta , quam ab :

-,

:

Hi^ioriis

ordo infiituatur

Etemm Homerus quàm

pr^liis

annos

pr^lia

,

id omnino propter "oarictatem

,

illos

aliis

eju^modi gelia compleãitur. narrationem.

decem

,

ft

efjet

alia accumula/Jet.

^od

,

exeqiiutus

^uare

fiquid antea evenit

,

fahum

eft.

nihil aliud

,

omnia repetitur per

in decimo ,

Hoc amet , hoc fpernat promijjí carminis auEior As intelligencias fobre eíte verfo quall faó tantas , e taõ diverfas , como os Commcntadores. :

Arte Foetica.

Mas também em

deixar para outro

25 tempo

Outras mais, que igual preffa eflaõ pedindo.

VIL Eíle incidente efcolha

,

deixe aquelle

,

Q^uem Poemas ha muito nos promette. d'

No

mentadorcs. Entre tanta confufaõ leguimos águia de Monf. Dacier, parecendo-nos melhor, que Horácio falia aqui dos incidentes , com que o Poeta deve ornar o feu Poema. Dá-lhe por preceito, que efcolha huns, e que deixe outros, porque nem todos

que convém a Epopeia, commummenEm Poeíia Épica podem ter mayor extenfaó , na Trágica haõ de fer breves ; porque faõ acções de muy divcrfa duração. Para Horácio moilrar o quanto he precifo unir judiciofamente os incidentes com a Acçaõ, por iíTo falia delles , e da fua boa efcolha , logo que acaba de fallar da ordem , que fe deve guardar na Accaõ poética. E aíHm como neíla ordem recommenda , que humas coiifas fe digaó logo , e outras fe guardem para tempo mais opportuno , as quaes pareciaó , que fe deviaõ dizer fem demora j aíf m agora neíte preceito dos incidentes épicos manda , que fe dê a cada hum o feu mais devido lugar, pois neíla efcolha he em que confifte a fua particular belleza. Naõ bafta efcolher huns, e rejeitar outros j he precifo faber pôr a pintura na fua verdadeira luz , para que faca todo o feu

tem igual bondade

te

naõ

fe

j

e os

accommodaõ

à Tragedia.

Huma mefma

coufa pofta em differcntes maneiras , fará Efta, quanto a mim, he a verdadeira intelligencia delle verfo, certamente hum dos mais dilEcultoíos , e efcuros defta Arte. PromiJJi carmlnis. Alguns dizem, que o Poeta naõ entendeo por promiji fenaõ promettido porém ( fe naõ me engano) efta voz tem aqui mais algum enfafe, t promij/í cíirminis vai o mcfmo que Poema ha muito efperado , e que he a cxpeftacaõ da curiofidade do publico. Achey em Madio eíla interpretação, àxzcnào promijji ^ id efl: , longi , p-olixi carminis auBor ^ e traz para iílo o exemplo àc promijfa barba ^pyom{í/i capilli^ (^c. Dacier he do mefmo parecer , poílo que naõ cita a Madio , nem faz menção do termo metafórico ; e fó diz , que pôde fer , que Horácio tiveflc na idéa , ao efcrever eíle verfo , a Eneida , Poema efperado taõ longo tempo j por onde fe diíle delle muitos annos antes : Nefcio quid maius nafcitur lliade. erPeito.

eífeitos differcntes.

:

De Arte Poética.

26 In

verh/s etlam temiis

D/xeris egregie

,

,

cautufcjue Jerendls

notiunji calli da verlutn

Reddiderit jiinâíura noviim.

Si forte necejfe

Indiciis monjirare recentihus ahdita

Fingeve

cinâíiitis

Continget ,

,

rerum

ejl

,

non exaiidita Cethegis Ucentla Juwpta pudenter

díibitiircjiie

,

Et Depois de ter fallado da invenção do In verbis etiam tenuis aíTumpto, da ordem que nelle deve haver, e da efcolha dos incidentes, pafla a tratar da locuqaó, ou (dizendo melhor) a mover a queftaõ , fe he licito ao Poeta o formar vozes novas j e refolve que fim, com tanto que feja com parcimonia, e difcriqaõ. Contra o parecer de Nores, e feguindo o de Luiíino como genuino, advertimos , que o Poeta por verbis ferendis naõ entende vozes translatas , mas palavras novas j e he metáfora tirada do Lavrador , que fêmea para recolher novos frutos. Nós na traducqaõ ufámos da metáfora áo forjar ^ e à voi juntiura appropriámos o foldar , liberdade que naó haõ de reprovar os amantes de Horácio , porque fe explica o junStura com alguma viveza. Notum fi caluda verbum reddiderit jun^ura novum As palavras novas ou podem fer fimplices, ou comportas, unindo-fe, ou metaforicamente foldando-fe huma voz com outra , como v.g. Legislator, Omnipotens ^ grandiloquus , altifonus , c infinitas outras que tem a lingua Latina. Cicero no 3. livro de Orator Novari au~ :

:

:

gignuntur , ac fiunt vel conjuti' , , , Conjungendis verbis novantur ^ ut gendis verbis^ vel fine conjun^ione. hac tum pav^r fapientiam mihi omnem e>i animo expeãorat. An non quce ab eo

tem verba

lui dicit

ipfo

:

vis hujus

me

verfutilc^uas malitias

?

Falia agora da invenção das palavras fimplices , a que Cicero chama verba fitla , ifto he , que nunca ninguém ouvio. Diz pois, que fe o Poeta fe vir neceíTirado a exprimir coulas dcfconhecidas , poderá inventar huma palavra noSi furte necejfe

va

,

que dê

a

efl ,

i^c.

:

conhecer a tal coufii ; v. g. a pólvora , o eftribo , que os antigos naõ conhecerão neíle cafo , po-

e outras femelhantes

:

Arte Poética.

No Te

E

forjar

de palavras peregrinas

também difcreto e parco muito bem fe judiciofo

moftrarás dirás

27

,

:

,

Soldando duas vozes já fabidas , Subtilmente formares buma nova.

E

fe

te for precifo

Termos coufa PermiíTaõ

Taes

Mas

fe

com

eílranhos

exprimir defconbecida

te dá para

,

fingillos

que o antigo Cetbego nunca ouvifle naÕ bas de abufar defia licença» ,

D

5

Ef-

ii

poderemos óizer Jlapeda ^ puh-is nitratus ^ ^c. advertindo porém, que as ditas palavras inventadas ha5 de exprimir a natureza da coufa , ou o effeito , que ella produz j porque as vozes devem fcr huma imagem daquillo que le exprime > e efta he a forca que tem a palavra indiciis. Finalmente naÕ he fó a neceJJ:àaíle a que dá licença aos Poetas para inventarem palavras, indo-as bufcar a outras linguas j também a galantaria concede aos Cómicos a mefma :

liberdade, e efpecialmente aos fatyricos , a fim de moverem a rie exemplos temos em Ariftofanes , e Plauto , que inventaj rão termos exquiíitos para alegrarem o povo. Igualmente por galhardia poética podem com parcimonia ufar da mefma licença os Poetas , dando com a novidade das vozes novo realce , e graça a certas pinturas. Affim o praticou Camões , Gabriel Pereira de Caílro, e outros, imitando a Virgílio. fim por imitação he permittido o iimovar palavras , como quando por Onomatopea íe quer imitar a voz de algum animal , ou o fom de algumas coufas inanimadas, de cujas palavras naõ temos falta na noíHi língua. Ella doutrina patrocinaõ Cicero , e Quintiliano , efpecialmente íiccommodando-fe aos Poetas. Cin6luris non exaudita Ceíhegis Allude a Marco Cornelio Cethcgo, antigo Orador Romano , de quem Cicero in Bruto falia com louvor e pela peílba deíle Orador entende a feveridade dos antigos Romanos , tomando a parte pelo todo , como fez o fo

Em

:

:

mefmo Horácio , quando

diíle

:

^(e prifcis

memorata Catonihus , atque Cethegis^ Nunc Jitus mformis premi , (^ deferia vetujlas. Aquelles , que como Cethego , confervavaõ o mefmo

modo de vef-

De Arte

2S

Poética.

VIII.

Et nova

ficíã(jiie

nuper liahehunt vjrhajidcm

Grícco fonte cadant CíCcUio Virgílio

Varioíjiic

,

Si pqjjlim

,

invidcor

parce detorta.

dahit

P/íiiitOíjue

,

,

?

?

Ego

Komamis

,

y

Jt

Quid mitem ademptiim

ciir accjuirere

pança

Ciim Ungiia Catonis

,

CT

Enni Ser-

veílir, de que uíaraó fcus avós, na(5 veftiaô túnica, como couía, que embaraçava muito , e fó uíavaõ de toga , e de hum patino íbbre ella, que lançado pelo hombro efquerdo, e cobrindo-os

pelas coílas , os cingia de maneira , que lhes deixava nú o braqo direito j e aeíle como cingedouro chamavaõ cin^usGabinus ^ e aos

que delle ufavaÕ , cintluti. O Poeta naõ dá efte epitheto a Cethego como para mofar delle taÕ antigo trage , fegundo alguns entenderão , mas em íinal de veneração , e de refpeito ; porque o cin^o Gabino era veílido ordinário , com que appareciaó nas fuás funqões os Confules , e Pretores, como fe colhe do 7. da Eneida. Jpfe ^irinali trabeà , cinãuc[ue gabino Infignis referat flridentia

li

mina Janus. a fua origem e determina-

Gra CO fonte cadant: Ifto he, palavras , que tem no Grego , e fe adoptaõ , dandofe-lhes a inflexão , ção Latina

j

como v.g. Ephippium

,

Acratophoriim

,

Panchrejium

,

em Cicero, Peripotafmata , , Diota^ como Horácio Symfonia Amyflis mefmo ^ , Balanus , , e no ^c. Eíla derivaquõ do Grego foy caufa de que os Romanos na e aíTim fua mefma lingua derivaíTem humas palavras de outras e outras innumeraveis

que

fe

achaõ

:

Cicero de beatus formou beatitas j MeíTala de réus fez reatus ; Augufto de múnus derivou munerarius , e o noílb mefmo Poeta de Bem fe vé , que efta clarus fez clar are , e de inimicus , inimicare. liberdade tem qualquer na fua lingua , muito efpecialmente os Poetas com eíFeito tomaraõ-na entre nós, alem de outros, Barros , Vieira , Brito , Camões , e Gabriel Pereira ; porém efies dous Poetas certamente o fizera5 fem economia , aproveitando-fe do dabitiir^ue licentia , e defprezando o fumpta piidenter. Efte lugar naõ he para provar o dito cxceíTo , porque levaria longas paginas. Aos obfervadores da noíla lingua naõ parecerá novo o que :

digo.

Par-

Arte To ética.

29

VIII. Eílas novas palavras inventadas

Serão

bem

recebidas

,

fe

da pura

Fonte Grega naícerem fem violência. e Planto, Pois fe as pôde inventar Cecilio e Vario Porque naõ ha de ter Virgilio ,

,

A

mefma

Se Ennio

Romanos

liberdade entre os ,

e

?

Cataó formando novas vozes

,

EnríReflexão muy neceíTaria em todo o tempo , Parcè detorta efpecialmente na noíla idade, em que taó pouco fe obferva a doutrina de Horácio. Sim fe podem adoptar palavras novas na noíTa lingua, mas haõ de fihir da Latina como mfiy , aíTim como Horácio queria , que as Latinas novas fe derivaíTem da Grega , diftinda pela fua mageftade , e riqueza j e além diílo , deve haver cuidado , em que as ditas vozes naõ fe derivem com violência que naõ venhaõ torcidas , nem de origem muy remota , efcura^, e confufa , que naõ fe lhe perceba ; e muito menos , que fejaõ de pronunciacaõ afpera , de longas fyllabas , de terminação defagradavel , e de fentido equivoco. Tudo iíto he o que propriamente fi gniú ca parcè detorta. :

-,

Cacilio ^ Plautoque dabit: Como fe diíTeíTe Naõ fe pode aflinar diverfa razaÕ , porque naõ fe ha de conceder a Virgilio , e Vario a mefma liberdade de innovar palavras , que fe permittio a Plauto, e Cecilio , antigos Poetas Cómicos. Com igual argumento de paridade provou Cicero o mefmo , quando diíTe Si Zenoni licuit , cum rem aliquam invenijjet inauditam , inufitatam , ei rei nomen imponere , cur non liceat Catoni ? Horácio por Plauto , e Cecilio toma aqui rodos os Poetas antigos , e por Virgilio , e Vario todos os modernos , que no feu tempo logravaõ mais diftincto merecimento , como fazendo defte modo hum argumento de minori ad maius. PaíTando em íilcncio a Virgilio como Poeta taõ conhecido, fõ diremos, que Vario foy na Trágica Poeíia taõ infigne , como o Mantuano na Épica e veja-fe como delle falia :

:

^

•,

Qiiintiliano a refpeito de huma fua Tragedia intitulada Farii TChiefles cuilibet Gra cor um ccmparari potefi.

^

'Thiefies

:

Cum língua Catonis , Enrà Continua com a mefma qualidade de argumento j como dizendo Se Cataõ , fendo hum Orador inculto 5 e Ennio , fendo hum Poeta de pouca arte ( aíTim :

:

fliila

De Arte Poética.

50

Sermonem patrium ditaverh

Nom/na

protiiUrit

?

hicuit

,

,

^

nova reriim

fcmpercjiie Ucehit

Signatum pr^fente nota procitderc nomen.

Vt

de ambos Cicero ) faõ miiy louvados , porque enriquecerão inventando muitas palavras 5 porque me haõ de , cenfurar a mim , fe invento huma , ou outra , quando poíTo ufar da mefma liberdade , que elles tiveraõ ? Aqui cahe , o que diz Quintiliano natis poftea concejfiim efi , quando dcfiit licere ? Se olhaíTem para eítes exemplos os fuperfticiofos da pureza da noffa lingua , naõ feriaõ taõ efcravos delia , como reprehenfivelmente faõ , naõ fe atrevendo a innovar huma fó palavra , antes fó ufando religiofamente daquelks , que achaô nos noíTos Authores mais puros. que daqui fe tira he , naõ fe enriquecer a lingua com os vocábulos , de que necefíita , como tem enriquecido as fuás muitas Naqões cultas , efpecialmente a Ingleza. Na(5 fou de taõ bom paladar, que goíle , de que fe inventem palavras fem neceíTidade , como fez quem diíTe affares por negócios , abandofiar por defamparar , garantir por affianqar , e outras muitas , de que naõ quero fazer catalogo ; porém havendo neceíTidade , naõ fey quem poíTa deixar de approvar a hum corpo Académico de authoridade , e a hum Efcritor de credito , que inventem palavras, ou que as adoptem, indo-as bufcar a outras linguas, efpecialmente à Latina, quando puder ferj muito mais tendo para efDizerem , que ta liberdade bons exemplos em noíTos antigos. quando naÕ temos voz própria , melhor he ularmos de longa circumlocucaÕ , em lugar de introduzirmos huma voz nova, quanto a mim, he coufa, que naõ tem fundamento j he querermos fer efcravos da noífa lingua , quando cila he , que nos devia fcrvir a nós , e confervalla em pobreza , quando largamente a podiamos enriquecer com palavras , de que tem falta , aífmi como em outras he abundantiffima. Liciiit ^ femperque Itcehit Porém fe o que deixamos dito, para alguns naõ he menos, que violar o fagrado da lingua, refpondemos-lhcs com o prefente lugar, de que foy licito, e fempre o ha de fcr 5 efpecialmente ao Poeta , o ufar de vozes novas com as

falia

a lingua pátria

:

^od

O

:

--'

limi-

Arte To ética.

31

Enriquecerão muito o pátrio idioma , Eu tomara faber , com que juíliça , Se accrefcento huma , ou outra , me cenfurau? Sempre licito foy , e fera fempre

Com

o cunho vulgar bater palavras.

Affim

limitações , que já deixamos apontadas. Horácio neíla paíTagern ufa maravilhoíamente de metáfora tirada do cunhar a moeda, diSignatum prcefentc nota procudere nomen 5 porque aíTim cozendo mo o dinheiro cunhado ferve para foccorrer as neceíTidades da Republica 5 aíllm a palavra nova cunhada com o ufo ferve para va:

Efta metáfora he

ler às neceíTidades da lingua.

muy

ufada por

diverfos Authores, os quaes tranfcreve Theodoro Marfilio: bafta-nos apontar fó a authoridade de Qiiintiliano , que diz : Utendum efl plane fermone ^ ut nummo ^ cui publica forma efi ; t ix deCiceVerhis enim utenro , a qual cuido , que teve Horácio no fentido :

nummis publica monetà fignatis. Tenho para mim, que o Poeta dizendo prafente nota , naõ allude às palavras , que o ufo tem recebido i porque iílo bem efcufado era advertillo, naõ havendo quem duvide dizer aquellas vozes, que faô ufuaes. AíTim o entenderão alguns Expoíitores j porém tenho por mais provável, e conforme à matéria de que Horácio trata, que ^or prafente nota , cunho vulgar , fe devem entender vozes novas , mas com pronunciacaõ , e terminação vulgar, ifto he, terminação Latina 5 pois de outro modo naõ paíTaráõ , como naõ paíTa o dinheiro , que naõ tem o cunho corrente. AíTim he, que fazia Cefar (como bem nota Glareano) quando introduzia na fua lingua palavras novas tiradas do Grego. Joaõ Bautiíta Pigna o confirma. Derivantur ( verba ) vel litteras addendo , vel detrahendo , vel conjungendo diverfas vocês , vel unam /a tis mutilando , velfillab£ , aut ekmenti commutatione. Notat aut em Glareanus barbara nomina ad Gracam Orthogra^ phiam à Cafare deduSia^ moxque Latina reddita. Com os olhos nefta doutrina , e authoridade , he que TaíTo deixou dito no liv. 4. dos Diícurfos fobre o Poema Heróico Dee il Poeta pigliar le pa-

dum

ut

efi ^

:

role Jlraniere daquelle lingue fioftra

dia li

,

com''e la

il fine

Spagnuola

,

alie parole

quali anno qualche fimilitudine con

e la

^

de lie parole Tofcane

le

,

bar bar e diedero la

Franceze

ad imitazione

j

/

veramente

,

Ce[are , ed altri terminazione Latina , i^c, di

la>

che lor fi ,

/

qua-

Ut

De Arte

?2

Poética.

IX.

Ut

fylvíC Joliis pronos mutantur In annos

Pr/ ma cadiint

Et jiivenwn

ita vsrhoriim vetiis inter It (Ctas ,

,

ritu florcnt

Debemiir morti nos

Terra Neptiinus Reg/s opus

5

,

,

modo nata

noJira(jiie

,

,

vlgentque.

/ive receptus

claffús ^(jullonilms arcet

Jlerilijve diíi paíiis

Vicinas meleis

,

alit

,

O'

,

aptacjiie

,

remis ,

grave fentit aratriim

:

Seu

Ut fyh^ foHis Propõem, como he do caracter do feu eftylo, outra comparação, para provar mais a razaõ com que fe innovaõ Ufa de femclhanqa tirada das arvores , e diz delicaas palavras. damente , que aíHm como a eilas cahem as primeiras folhas , e em feu lugar vem outras novas , afllm igualmente acaba a antiga idade das palavras, e vem outras, que apenas nafcidas , logo florecem, e tomaõ vigor. Qiiem obfervar a infância, adolefcencia, e virilidade da lingua Latina , verá huma demonílraqaõ deíla viceíTitude das palavras j e entre nós obfervará o mefmo, confrontando os Poetas do Cancioneiro de Refende com Camões , e efte com os modernos. Pois fe os antigos poderão deixar humas palavras , e receber outras em feu lugar , que ley temos nós , que nos prohiba o mefmo? Debemur morti nos ^ noftraque Se os cdificios maisfolidos, fe de ultimamente acabar , bem fe n(')S , e tudo o que he noíTo ha vê, que injuftamente pretendemos, que naõ acabem as palavras, e que na5 percaõ a fua graça , e vigor. Os exemplos , que o Poeta propõem noá cinco verfos feguintes , como de coufas, que fentiraó em fi ta5 grave alteração , fervem com fumma energia a dar forca à conclufaõ , nedum verhorum Jiet honos. Sive receptus , ^c. AUude ao porto Jiilio feito naquelle efpaco de terra , que fepara do mar os lagos Lucrino , e Averno. Deu-fe a cíle porto o nome de JuIio , por ter íido principiado :

:

:

por

Arte Poética,

5J

IX. AíHm como a florefta perde as folhas , Quando declina o anno , affim a idade Das palavras acaba outras fuccedem , Que nafcidas apenas , já florecem :

Em

mocidade , e tomaõ força. Nós , e tudo o que he noíTo , a morte eftamos Obrigados ou entre pela terra mar ( obra real ) para dar porto bella

:

O

Aos

Ou

baixeis

,

e dos ventos abrigallos

muito tempo foy Lagoa accommodada para remos As vifinhas Cidades alimente , a que

;

efteril

E

,

E

por Júlio CeGir, pofto que concluído por Augufto, como lemos em Suetonio. Faz igualmente menqaó deíla grande, e útil obra Virgílio no 2. das Georgicas: An memorem portus , lucrinoque addita claujlra ,

At que

indignatum magnis ftridorihus aqiior , qua ponto longe jac et unda refufo ? VejapJeítor ao feu Commentador Sérvio expondo efte lugar, c neííe sachará o motivo , que teve Cefar para a dita obra , o que nu5 copiamos , por naõ Termos prolixos. Regis opus He precifo advertir , que a voz Regis , pofto que fe refere a Cefar , na5 ufou delia Horácio para lhe chamar Rey ; porque defte modo darlhehia hum titulo , que muito o aggravaria , por fer odiofiflimo entre os Romanos. E aíTim Regis opus quer dizer , Obra Regia, , pela grande defpeza , e digna de hura Rey , e naõ do Rey , fazendo-fe efta palavra íinonymo de Cefar. 'Jíãia

:

Sterilifque diíi palus ^ 13 c. Allude a outra obra de Augufto, traçada igualmente por Júlio Cefar j ifto he , o mandar fecar a lagoa Pontina, fazendo-a fértil terreno , o que executou P. Cornelio Cethcgo fendo Conful no anno de Roma fP3. Acron commentando efte lugar, cahio em hum grave erro , entendendo por fieriUs palus o porto Lucrino , e outros mandados fazer pela grandeza de Augufto , para trazer a abundância dos mantimentos às Cidades viíinhas. NaC reparou, que o grave fentit aratrum fó podia ;

De

54

Arte Poética.

Seu ciirjum mutavit inicjiiumfrugilus awnls T>oâíus iter melius

:

Nedam fermomim

Jlet fionos

Multa

renafcentur

QuíC nunc Junt

Quem

mortalia faÕía perihiuit

,

in honor e

penes arhkrium

ejl

,

,

,

C^ grafia vivax.

,

jam

íjuíC

,

ceei der e

,

cadentque

vocahula , Ji volet ufus

^jus

,

O'

norma

,

locjuendi,

X.

Kes

gejlic

Regam e a primeira hc,

alternis aptum fermonihus

Comedia,

e

:

muy próprio para a convcrfacaõ , e para hum fallar naem difcurfo corrente. Qiiem bem advertir, verá, que quafi fe naõ pode fallar em Latim fcm infenfivelmente cahir em fazer algum verfo Jambo o mcfmo he no Grego. Veja-fe a Cí-

por

fer

tural

,

j

cero no

3.

liv.

de Orator.

gregat ab Oratore Arifioteles

Jambum

^

troch e os daquella contentaõ-fe com vozes próprias , e com exprefsões familiares

j

porque a Tragedia imita huma Accaó

illuftre

,

e a

Comedia huma popular.

Efta doutrina já era de Ariíloteles, como fe pôde ver na fua Poética , e naõ menos de Cicero no feu Tratado de Optim.gen. Orat. , dizendo In Tragedia Comictim vitio:

fam

e/l

,

^ in Comoedia

turpe tragicum.

Toma aqui a Tragedia de Thyeftes porque Thyeftes, que comeo feus próprios 5 filhos, dados por feu irmaõ Atreo,he huma das hiftorias mais trágicas , que fe podem reprefentar j e por iíTo Ariftoteles entre as Narrari

cocna Thytjla

:

por qualquer outra

como Édipo ^ Orefles , Meleagro , Telipho ^ e j41c' dá efpccial lugar a Thyeftes. Com cfte nome, fegundo Atheneo, efcreveo huma Tragedia Chameron entre os Gregos, e oufamilias trágicas,

ineo

^

tra

Ennio entre

os Latinos

,

da qual temos alguns fragmentos. Siri'

De Arte Poética.

44 Singula

(ju^cjiie lociim

Interdiini

Iratufíjue

Et

tamen

teneant fortita decenter,

vocem comcedia

C/

Chremes túmido

tolVtt

dilitigat ore

y

j

trágicas plerumcjue dolct fermone pedejlrt

Tek' Singula quaque

onde diz

:

hcum

Sua cuique

,

l^c.

:

Quintiliano illuftra efte lugar

propofita lex^fuus decor

efi

:

,

nec Comcedia in co*

A mefma natu^ nec contra tragedia focco ingreditur. reza he que põem efta leyj porque, como já deixamos dito, Acqões humildes , populares, e pertencentes à vida civil que fa5 , as que da5 aíTumpto à Comedia , certo he que naó fe devem , tratar com aquelle eílylo , que pedem as miferias , e mortes de Príncipes, os cafos atrozes , as mudanqas de alta fortuna, os laftimofos naufrágios , a deftruiqaõ de Reinos , e outras femelhantes coufas , que entraõ na Tragedia. lílo fuppofto , confidere o leitor , qual fera entre os intelligentes o merecimento dos Poetas Drammaticos de Hefpanha, confundindo no feu thea^ro o trágico com o cómico , do que refulta hum monítro , que caufa tanto rifo , como caufaria o de Horácio, fe o viífemos pintado , como elle o imagina no principio deíla Arte. Interdum tamen Com tudo às vezes a Tragedia , e Comedia pervertem efta ordem. Faz Horácio efta reflexão , para que naõ entendaÕ os ignorantes , que feja erro na Comedia huma , ou outra exprefiíKl trágica , e na Tragedia alguns modos de fallar cómicos. Ambas eftas Poefias fiõ imitações das Acções humanas logo o eftylo nellas deve correfponder ao que a natureza então infpira. Exemplo difto he o que fe fegue. Iratufque Lhremes He hum velho no Heautontimorumenos de Terêncio , o qual percebendo a amorofa inclinação de Clinia , e Bacchides, gafta quafi todo o quinto A£to em enfados, e reprehensues. Ora nefte cafo pedia a natureza , que efte pay , como irritado, fallaíTe com exprefsões fortes, graves, e nobres, infpirando-lhas naturalmente a fua mefma paixaó. Por iftb diz na Scena quinta do ultimo A6to Non fi ex capite fis meo Natus , item^ ut aiunt , Minervam ejfc ex Jove , eâ caufâ magis Fatiar ^ CUti^ho , fiagitiis tuis me infamem fieri. thurnos ajfurgit

:

:

:

:

Ou-

Arte To ética.

4?

Dê-fe a cada Poema o feu decente Lugar. Com tudo às vezes a Comedia Levanta a voz, e Chremes agaftado

Toma

trágico

tom para

enfadarfe.

A

Tragedia outras vezes fe lamenta Em baixo eftylo hum pobre defterrado^" :

Como Outro exemplo nos dá o mefmo Terêncio, fazendo fallar em termos nobres a Demea na primeira Scena do ultimo Aólo dos Adelphos

:

quid agam ? quid clamem ? aut querar ? mar ia Neptuni E na Comedia do Eunucho fe acharáõ igualmente algumas expreí^ soes dignas da Tragedia, ditas por Chereaj porém em occafíaõ, em que eftava o feu coração occupado de grande alegria 5 porque eíla paixão, como tranfporta , naturalmente faz romper em

Heu O'

mibi quid fadam

coelum

ò terra

!

!

?

ò

!

aífe porque o leitor tanto fabe do meyo da Accaó , como do feu principio , e Illo fuppollo , e o mais que diz o Commentador Franpara quem nos remettemos , parece-nos , que o verdadeiro fentido deíle paílb he dizer Horácio , que Homero coftuma paffar rapidamente por aquellas couGis , que precederão à Acção que canta , reputando-as por fabidas. Por exemplo j tudo o que precede à tomada de Troya , e à vinganqa dé Achilles , julga-o Homero por coufa fabida e que faz ? PaíTa por iílo rapidamente , e apreíTii-fe por chegar ao fim da Acqaõ Semper ad eventum fejiinat , í^ in medias res j iílo he , coufas que pertemeriaò como epifodios ao meyo da Fabula 3 convém a faber , depois do principio , e antes Ainda podemos aclarar mais eíla intelligencia com Sodo fim. phocles, que no íeu Édipo paíFa rapidamente por tudo o que precedeo à Accaó , que he o argumento da fua Tragedia. Com efta noíTa interpretação naõ pretendemos dar huma fentcnça definitiva j fomente dizemos o noílb parecer 5 o leitor judiciofo , ou defcobrirá outro fentido , ou feguirá o que tiver por mais vcrofimil. Eé

fim.

cez

,

;"

:

De Arte Poética.

72

l^on feciis ac no.^as

,

aiiditorem

Dcfpcrat traããta iihefcere pqff:

Atçue ha mentitur

raph ,

,

^

(jii^e

reUníjiíit.

Jic vens /alfa remifcet

,

,

Trimo Et

Aquellus coufas, que o Poeta naõ po^ ^c. aquelle artificio, e regras, que pede a boa Poeíia, deve deixallasj porque o querer defculpar os erros, ou inepcias , dizendo que o obrigara a neceíTidade he , fegundo Ariíloteles, quce defperat

der tratar

:

com

deículpa infufficiente j porque melhor he naõ tratar de huma cou, do que tratalla mal , e pretender depois , que lhe deículpem os erros. Horácio para dar cila doutrina continua a trazer por exemplo a Homero ; e na verdade , ( diz o Filofofo na ília Poética ) que taõ admirável he eíle Épico no que diíTe , como no que deixou de dizer o que naõ deixaria outro Poeta , que naò foíle da fua esfera. Nores o deixou notado , dizendo Odyjfeam confingens , non fane cunãa , qu^e UlyJJi acciderunt , in eam conjecit ^ v.g. faucium fuijfe in Parnajfo , (^ in ducum colleSiione fimulajje infaniam^^c. Sabemos v. g. pelos Hiíloriadores , que Achilles tanto que foube , que Agamemnon lhe roubara Briíeide , correo logo com os feus a vingarfe deite aggravo > o que percebendo UlyíTes, convocou os principaes Capitães, e fez retirar a AchilOra nada diílo refere Homero, vendo que eraõ coufas, que les. narradas , naõ fariaõ aquelle nobre eííeito , que de íi pede a gravidade épica , e o decoro do feu Heróe. Se Camões fcguira efta doutrina de Horácio , naõ reprefentaria ao illultre Gama pre20, e pedindo a feu irmaõ , que lhe mandafle fazenda, com que o refgataíTe. Igualmente efte preceito Horaciano comprehendc aquellas coufas, que de íi naõ fe podem exprimir com todo o polimento , e pintar com todos aquelles vivilTimos toques , que lhe e neíle cafo nos eníina , que o melhor he deixar de fa5 devidos fazer a pintura , do que fazella ( digamos aíTmi ) de morte cor. A' maneira do celebrado Timantcs, que pintando o facrificip de Iphigenia , reprefentou trille ao Sacerdote Calcante, mais trille aUiyíTes, eafHigidiírnno a Menelao j porém naõ podendo imitar com o pincel a extrema anguília de Agamemnon , como pay da facrificada , cobrio-lhe o roílo com hum Icnqo. Também comprehendc Horácio nelta regra , o naõ fe dever tratar em Poeíia dafa

-,

;

:

Arte Foetica.

75

PaíTe por hiimas coufas já fabidas , Que à Fabula cantada precederão.

E

o que digno naõ he da mageílade Épica , naõ o diz em fim , he tanto Seu engenho em fingir, e o verdadeiro :

Co'

falío aílim miílura

,

que o principio

K

Ao

daquellas coufas , as quaes para haver de fe exprimirem , haó de defagradar aos ouvidos pela fua baixeza , e fordidez , e por confequencia manchar a precifa belleza em hum Poema. Elle foy o motivo ( fegundo Pedro Vi6torio ) porque Virgílio nas Georgicas 5 tratando de tantos animaes , naõ fallou dos porcos domelticos , e de outros , por ver que neíla matéria naõ poderia confervar o indifpenlavel decoro poético. Por ilTo também lemos em Arilloteles no 3. da Rhetorica , que Simonidcs fendo violentado a celebrar os machos vencedores na carreira , por naõ proferir

hum nome pouco

honefto entre os Gregos, diíTe: Avete celertpedum filii equorum. Ninguém foube mentir jítque ita mentitur , ^c. :

,

ifto

hc

,

fingir , melhor que Homero. Por illb delle diz Ariftoteles , que he o mejire ^ que enfina a todos o como fe deve mentir. Eíle fingimento he a alma do Poema Épico , e fem elle naõ ha aquelle maravilhofo taõ precifo na Epopeia , que por faltar efte requiíito

em

muitos Poemas , naõ faó contados feus Autores no numero dos Épicos. Porém ha de fe advertir com Santo Agoftinho no liv. 2. dos feus Solilloquios j que os Poemas com eíles feus fingimentos, c mentiras naõ nos pretendem enganar íim faÕ mentirofos , mas naõ enganadores > porque na fua Fabula naõ pretendem , fenaa compor hum fingimento para utilidade , e deleite. He falfo o que os Poetas fingem 5 mas também he verdade , que a tal coufa podia, ou devia aíTim fucceder. Eifaqui o que ellcs pretendem perfuadir, bufcando por meyo de huma mentira o modo para fazer apprehender huma verdade , a qual apprehendida que feja , naõ fó nos caufa deleite , mas também utilidade. Deleita-nos a Iliada em quanto ao maravilhofo tecido da Fabula fobre a ira de Achilles contra Agamemnon, e inílrue-nos, em quanto nos mof* tra, que a uniaõ conferva os eftados , e a difcordia os arruina. Sic veris falfa remifcet Enfina agora com o mefmo exemplo do Épico Grego , que a ficçaõ deve fcmpre acompanhar com a verdade, naõ fó moral, mas hiílorica. Sobre a verdade da Guer:

:

ra

Ue Arte Poética.

74

Primo ne médium

,

media ne difcrepet. imum.

XVL Tu

,

cjuid

ego

f

^

populus

mecum

Si plauforis eges aulíca manentis

,

defideret

^

,

audi.

ufcjue

Srju. Troyana fundou Homero

a ficqaõ da Iliada , para delle modo fizendo-a nafcer de huma coufa verdadeira. E Virgilio quando introduzio a Sinaõ no i. da Eneida , fez com que elte Grego eftabeleceíTe o feu fingimento fobre humas verdades taõ fabidas , que naõ podendo duvidar delias os Troyanos, vieíTem deíle modo a crer o mais que elle lhes fingia :

ra

a fazer mais verofímil

,

fi forte tuas pervenit ad aures nomen Palamedis , ti? ínclita fama Gloria , quem falsa fub proditione Pelafgi

Fayido aliquid Belidce

Jnfontem infando indicio , quia bella 'vetabat , Demifere neci ; nunc cafum lumine lugent. He precifo advertir aqui , que ha duas efpecies de verdadeiro ; hum que com effeito he, ou foy j e outro, que 'ueroftmilmente foy, ou podia , e devia fer , fegundo as forqas da natureza. V. g. he verdade , que os Chriílãos libertarão Jerufalem do poder dos Bárbaros, fendo Capitão Gofredo; mas que neíla conquifta feachaffe a valerofa Clorinda, e que houveíTe hum fortiíiimo Sarraceno

chamado Argante

,

iílo

he

fó verofímil.

Naõ

he verdade

certa ^

que eíles Individuos fe achaífem na dita Acqaõj mas Yíq pojjivel^ naõ havendo coufa, que nos convença do contrario. Ora huma, e outra efpecie de verdadeiro deve acompanhar fempre naõ menos à Poefía Épica , que à Drammatica j e miílurando-fe huma verdade com outra, ifto he, a verdade á^Acçab com o verofimi-l dos , e epifodios {fie veris falfa remifcens ) deíle modo fe confeguirá o imitarfe a Homero , c aos Épicos , que fe lhe feguiraõ.

accidentes

-^

Teremos hum monftro , qual o que Primo ne médium , ^c. nos pinta o Poeta no principio deita Arte, fe a ficcaõ no Poema naõ andar fempre mifturada com o verdadeiro, ou verolimil, de maneira que naõ fe veja a precifii uniaõ , e igualdade , que deve haver entre as três partes principacs , que organizaõ o corpo da Epopeia. Hb pois neceíTario , que o 7neyo , que he o nó da Fabula, correfponda ao principio j e o fim , que he a foluqaõ , correfponíia ao meyo, e ao principio. Se fe ufar da ficqau fámente em hu:

Arte Poética.

Ao meyo

correfponde

75

o fim ao meyo.

,

^

XVI. Ora attende ao que eu quero e quer comigo O povo fe defejas que te ouçamos ,

:

,

AíTentados

,

até que o

panno fubao

,

E

Kii

a

deílas partes , e naõ igualmente em todas três , ficaráõ eftas fem aquella igualdade , e uniaõ , que deve haver no todo. Eftc ponto pedia mais larga illuílracaó 5 mas como o naõ fofFre eftc género de aíTumptos , remettemonos para o que já efcrevemos na

ma

nolTa ^ríe Poética. 'Tu quid ego , í^c

com

o leitor , c naõ com algum perfuadio mais de hum Commentador, paíTa Horácio a fallar dos coftumes , que o Poeta deve bem obfervar , como coufa que he o fundamento de tudo. Já Cicero o havia recommendado no feu Orador : Semper in omni in parte Orationis , ut vita , quid deceat , eji confiderandum , quod eorum qui dicunt , t3 in perfonis , re , de qua agitur , pofitum eJi, eorum qui audiunt. Os que bem praticarem efta regra, faÕ os que unicamente haõ de levar os applaufos naõ fó dos doutos , mas ainda dos ignorantes j e efta he a força do Ego , (^ populus mecum i como fe diíTeífe Se tu me agradares a mim , eftá certo , qu€í^ também o povo ha de ir comigo j porque também elle he bom juiz naquellas coufas, em que a natureza eníina a todos a julgar, como he na viva pintura dos coftumes. Cum Trag^di^^ lel Comosdia facultas popularis fit ^ populi approbatio judicium eloquentia efi ^ dií^ dos Pisões,

Paliando

:

como enganadamente

fe

^

^

^

:

fe

naõ

me lembra que

Antigo.

Ifto he j fe queres , que te ouqamos o Dramma , que compozefte , até o ultimo A£lo , era que o Coro vem pedir o nolTo applaufo. Bem fabido he, que entre os antigos havia o coftume de vir ao theatro hum dos que formavaõ o Coro ( e naõ algum dos aétores , como erradamente efcrevem muitos ) pedir os vivas do auditório , o que fazia dizendo, />/ porque o modelo, que neíla parte fe deve imitar, he íomcnte Sophoclcs, como claramente eníina Ariíloteles , e naõ Euripides, a

quem pelos teus Coros vicioíbs , porque íem relacaõ immediacom o Argumento, motejou Ariílophanes como fe pode ver

ta

,

no

Arte

Fo ética.

95

XIX.

De hum fó E no meyo

Aòlor as partes faça o Coro , dos Adlos nada cante , Que ligado nao feja e conducente A' matéria. Proteja os bons , fomente Amifades , applaque os irritados E eftime os que a peccar concebem medo. ,

,

De no Interprete deíle Cómico,

illullrando a Comedia í^os JcharnenSophocles feguio o noíTo excellente Poeta António Ferreira na íua Cajiro , fazendo dizer ao Coro couGis conducentes à Accaõ trágica, ora moraes, e patheticas a refpeito da cruel morte de D. Ignez de Caftroj ora ternas, e amorofiis fobre os extremos do Príncipe D. Pedro com efta infeliz Senhora. Neftes féis verfos enfina Horácio os prinIlle bonis faveatque cipaes aíTumptos, em que deve fallar o Coro 5 como o favorecer os bons j e affim o vemos praticado por Sophocles na íu^EIe^ra^ onde o Coro louva a piedade deíla, e vitupera o caraóber de Cii-

fes.

A

:

temneftra.

Et concilietur amicis Nefta parte de fomentar amifades merece fer lido Séneca em alguns Coros das fuás Tragedias j mas efpecialmente Sophocles no PhiloSletes , onde o Coro faz por fomentar amifade entre efte , Neoptolemo, e UlyíTes. Eí regat iraíos Como praticou Euripides no feu Hippolyto 5 pois pedindo Thefeo a Neptuno, que fubmergiíTe a Hippolyto, entra o Coro a applacarlhe a ira , reprefentando-lhe a perda da fua familia. Igualmente no Édipo o Coro abate a cólera defte Rey contra Tirefias , e de Tirefias contra elle. No Jiax também o vemos empenhado em applacar a ira de Meneláo. Et amet peccare timenteis Temos no PhUoãetes de Sophocles hum excellente exemplo , quando o Coro louva a efte Capitão , dizendo delle Jnftus , í^ aqui obfervantiJFmus hic vir fic periit indignius. De maneira , que o Coro tanto tinha por officio declararfe contra os máos, como louvar os bons ; e daqui fe verá, que inftructiva efcola era o theatro Grego, enfinando ao povo a amar as virtudes, e a deteílar as paixões viciofas. :

:

:

:

Ilk

'

De



Arte Poética.

Ille ãapes laiidet menfcc brevis

Jiíjihiam

íegef{]iie

y

cT apertis

,

ille

:

jaliihrem

otia partis

:

lllc tegat commiffay JJt redeat nrferis

Tíbia

11011

y

ut

,

mine

dapes laudet

Ille

Deojque precetur ^ o* oret ah eat fortuna fiípcrbis.

{^c.

,

orichalco vinSta

,

he

lílo

:

,

^

tiibíeniie

moftre quanto he mais eíli, do que com opumoílra o Coro do Tbiejles de

,

mavel o viver parcamente em mediano eílado lência

em

Séneca clulcis

alta

fortuna

como bem

>

tr: yíuLe culmine lúbrico j ;=: Me Obfcnro yofjus loco íh: Leni perfruar ócio. !=: yEtas per tacitum fluat tr: Sic cum tranjie-

St et quicumque volet potens

:

faturet quies.

í=;

m

Nidlis nota ^iritibus t=: Nullo cum Jirepitu dies í=: Çlebeius ?noriar fenex. fobriedade no comer era muy recommendada dos bons Antigos 5 e .

A

rint mei

o melmo Horácio tus

^

e

em

a louva

muito na

Ode

Perjicos odi puer appara-

diverfos lugares das Satyras.

Ille falubrem jujiitiam , (^c. Eíle mefmo epitheto lhe deu Pindaro no Ode 8. dizendo , que aíTim como a faude conferva o corpo , aíTim a juíliqa as Cidades. Eíta exccUente virtude lemos fummamente louvada pelo Coro da Andromacba de Euripides ; porém muito mais no do Édipo de Sophocles , chamando às leys :

huma Divindade poder ofa cia

5

,

que triunfa da nojfa injufiiça

mã,y dos procedimentos injujios

Et

,

,64

violên-

(^c.

O

Coro no yíiax de Sophocles dará ao excellente exemplo íbbre a felicidade da paz 5 porém o de Euripides ainda he mais nobre, e fublime, onde chama a paz , a Rainba das riquezas ^ e a mais bella de todas as Deofas. dos principaes aílumptos do Ille tegat commijfa , i^c. Coro era recommendar a fidelidade, e fegredoj e diílo fe podem apontar diverfos lugares nos Trágicos antigos , como virtudes que fuftentaõ todo o verolimil da Fabula. Entre outros remettemonos para o Coro no Philo5letes , e no da .Iphigenia in 'Tauride de apertis otia partis

leitor curiofo

:

hum

:

Hum

Euripides. Poílo que nelle fiz eíle Trágico comctter àditaPrinccza huma abominável perfídia j com tudo o Coro , que fe compõem de mulheres Gregas, lhe guarda fegredo, e fidelidade , pela qual ficarão todas cxpollas ao furor de Thoas , e feriaô mortas, íe

Minerva naó

as foccorrefle.

O

fim porque o Coro fe deve empretj^c. gar nos aíTumptos, que Horácio deixa apontados , naõ he outro,

Ut

redeat mi feris

,

:

fe-

Arte Poética.

97

De

parca mefa louve as iguarias, E a faudavel juftiça cante a doce Segurança da paz, guarde os fegredos 5

E

rogue aos

fummos Deofes

Torne a feguir os bons

NaÕ

era

a frauta

Ornada de

lataõ

,

,

,

que a fortuna

dos máos fe aparte.

,

XX. como antiga ,

agora

,

nem da trombeta

N

'

Com-

fenaó para que a fortuna figa os miferaveis , e naõ acompanhe os perverlbs. Euripides neíla parte mereceo cenlura , e Sophocles louvor dos antigos Críticos. Os dezoito verfos feguintes faõ taó Tilpía non ut nimc , (^c. efcuros , que nelles naõ fe pode atinar com o que Horácio quiz :

Os Commentadores huns , como Lambino , fogem à diffioccupaõ-fe em coufas inúteis j i outros, como Nannio outros como Luifíno, e Nores , affirmaõ que Horácio depois

dizer.

culdade e

,

,

de ter tratado das qualidades da Fabula trágica , da fua dicção , e dos coftumes das idades , e eftados que nella podem ter lugar } paíTa a fallar da Mufica , que igualmente era huma parte da Poeíia Drammatica. Porém a intelligencia do douto Dacier fobre eí^ ta paíTagem , he a que me parece mais natural , ou talvez a verdadeira, como elle pretende. Sim vem a concordar em parte com o fentido de Nores , e Luifino 5 porém defcobre de mais huma efpecial intelligencia, que os outros naõ alcançarão j e he , que para Horácio moílrar claramente a mudança, que houve na mufica, e nos verfos da Tragedia, ferve-fe de hum exemplo taõ accommodado , que nenhum outro daria huma idéa taõ diílinóla , e clara defta mudança. Diz pois , que aílim como os Coros dos Drammas Romanos mudarão da antiga frauta , pequena , e fem algum ornato, ao pafíb que o povo Romano mudou de coftumes, quando fe vio poderofo , e rico , caufando o luxo , e riquezas nos verfos, e mufica do theatro as mefmas mudanças, que nos coftumes > aíTim os verfos, e mufica, que antes eraõ fimplices nos Coros da Tragedia Grega , pouco a pouco fubiraõ de harmonia, e grandeza , ao paíTo que os Gregos fe hiaõ fazendo mais pompo-

com

riquezas dos ferhorios. Oricalcho he huma efpecie de lataõ , que tinhaõ os Antigos, metal , que achavaO na terra ,60 tinhaõ em tanta

jfos

,

e altivos

as

Oricalcho vhiEla

:

De Arte Poética.

98 JEmulãf fed

teniíis

Afpirare

adcjje choris erat

,

O'

,JtmpIex(]ue

,

foramine pauco

iitilis

Nondiim fpijfã nlmis complere fedi/ia Qiio

Jane populus

Et frugi

j

iiiimerahiUs

cajliifíjue

,

,

,

atcjiie

Jlatit

,

utpote parviis

,

verecimdiif(]ue coihat.

Vojl-

fegundo Plinio , naõ duvidavaõ preferilornavaô a frauta do theatro , afllm como hoje a de que ufamos na mufíca, fe orna de prata , marfim , 6cc. Acho Commentadores , como Nores , e outros , que entendem a dizendo , que antigamente a palavra vin5ta de diverfo modo tubos emhuma fó embocadura, aos quaes dous conftava de frauta prendia o oricalcho 5 de forte que cfte naõ fervia para ornato , mas para neceíTaria prizaõ das duas peqas. Porém nós naõ approvamos efta intelligencia, feguindo os melhores Interpretes, efpecialmente a Francifco Luiíino , que a refuta , impugnando a Ja~ fon de Nores, T^uhaque amula'. Pouco a pouco os muficos theatraes chamados Tiblcineí pozeraõ a frauta antiga em tal ponto de perfeição , que difputava parelhas com a trombeta, inílrumento muy fonoro entre os Antigos. Por iflb entrou a ter lugar na mu fica dos Coros da Tragedia, efpecialmente no fom Dorio ^ c Lidio , fervindo efte para exprimir as coufas triífes, e aquelle as heróicas. Sed tenuis ^ fimpkxqne A voz tenuis oppoem Horácio ao tuba amula 5 e fimplex ao oricalcho 'vinãa. Pedro Nannio entende por fimplex tibia aquella , que naõ fe compunha de fete canudos , da tanta eílimaqaõ

lo ao ouro.

,

Com

que

,

elle

-,

:

qual

Virgílio na Écloga 1. Efl mihi difparibus feptem compara Du-Hamel quafi que fegue o mefmo

falia

Monf.

guma

coufa difcorda

íia erant

^

pojimodum

,

dizendo

tibic€

cicutis. ,

fe

bem que em

al-

olim paucis arundinihus compa-

pluribíís oricalchoqiie

junãis faSla funt.

Porem

nós temos por melhor a noflli interpretação , como provada pelo P. Momfaucon na fua Antiguidade explicada , onde nos dá eíhmpada a forma da antiga frauta theatral , e da que depois fe ulou. Foramine pauco lílo hc , naõ tinha fenaõ três furos , hum para o fom grave, outro para o agudo, outro para o circumflexo. Acroii allega com Varraõ no 5 livro da lingua Latim , que fe per:

.

Arte Poética.

ç^

mas delgada , e fimples, Sahindo o ténue fom por poucos furos. A acompanhar o Coro aílim fervia, Competidora

E

,

de ouvintes a encher os vãos affentos

Pois neíTe

Honefto

Em

,

tempo o povo como pouco moderado, evergonhofo,

}

^

grande multidão naõ concorrlac

Po.

Nii Templo de

Marfias vira hu-

deftas frautas antigas com quatro furos ; Commentador diz , que outros íeguem , que

porém o mefmo

perdeo, no qual teílifícava, que no

ma

de cuja opinião he Porphirio de Horácio. três

,

,

hum

naó paíTavaõ de dos antigos Interpretes

Choris erat utilis Coma os principaes affeótos , que coítumava mover o Coro , eraô os de piedade , e de ternura , por iflb o Poeta chama útil à antiga frauta , porque o feu brando , e doce :

fom

era

de que,

accommodado para o Coro confeguir o feu fim. Além como o povo naquelle primeiro tempo naõ concorria ao de modo que o encheíTe , vinha também a ténue voz

thcatro , delle inftrumento a fer fufficiente para chamar o pouco numero dos expeóladores. Pepulus numerabilis , utpote parvus , ^c. Neíle lugar dá Horácio as razões porque os primeiros Romanos naó frequentavaS muito as reprefentacócs theatraes. A primeira era o feu pouco numero ; a legunda a fua prudência j a terceira a fua piedade , e a quarta a fua modeília Et /rugi , cafiufque ^ 'verecundufque coibat. Eíle fó verfo he hum inteiro elogio dos bons coílumes dos primeiros Romanos. Acho alguns , que applicaõ o referido verfo ao fimples, e modeílo fom da antiga frauta, ou à cafta, e honefta muíica do primitivo Coro, dizendo que he contrapoficaõ ao outro verfo , que fe fegue Sic prifae motiimque , 6? luxuriam addidit artí ; porém naõ obílante approvar Nores efi;a intelligencia , nós com o commum dos Expofitores feguimos o fentido obvio , natural , e conforme à Hiftoria pois delia nos confia , que os primitivos Romanos naõ queriaõ levar fuás mulheres ao theatro, como coufa conforme à honefiidade , e modeftia. Veja-fe a Cícero nas ^ejiões 'Tufculanas , e ao Jurifconfulto Cayo fí^. lib. 20. :

:

:

-,

tit.

1.L.3Í.

De Arte Poética.

loo

Tojlcjuam coepit agros extendere viãor

(f iirlem

,

Latior ampleõíí munis ^ vinocjue diurno Tlacari Genius fcjlis impune diehis Accejfit numerifciue

,

j

modifcjue Ucentia maior.

Indoãus (jmd eniw Jhpsret

,

Rujlicus urbano confujus

turpis bonejlo

Sic prifcie motumque

Tihicen

traxitcjuc

,

,

,

/ibercjue

lahorum

,

?

o* luxuriam addidit arti

vagus per pulpita vejlem, Sic

'

Pojiquam

coepit

agros extendere

^

i^c.

a extender os fins do feu Império e a fàzer mais ampla a Cidade de

no

,

Entrou o povo Romavencendo muitas Nações, :

Roma , para receber nella os eniaõ naõ era , populus numerabilis , «/pote parvHS e alíim hum dos efFeitos deíía opulência , foy darfe a feíias, banquetes, e outros divertimentos nos dias folemnes , o que antes era prohibido j de maneira que já na5 era\frugi , caf" Deíla diverfidade de coftumes , e deíía litufque ^ verecundufque cença de cada hum fatisfazer ao génio , procedeo também a mudança no theatro , naõ menos em quanto à mufica , que aos 'uerfos , e baile j pois em hum , e outro fentido íe pode entender a palavra numerus. IndoElus quid enim faperet^i^c. Que muito he (diz agora Horácio, ou feja dcfculpando , ou ceníurando ) que fe introduziíTe fem prudência , nem circunfpecqaõ tanta liberdade na mufica , e verfos theatraes , fe naquelle tempo fi:m diftincçaõ concorria aos aíTentos do theatro o ignorante ruílico, ociofo, e grofleiro, com o Cidadão polido , e honeílo? Para evitar efta miftura determinou depois L. Roficío Tribuno do povo lugares diílinclos no theatro para nobres , e plebeos , fegundo as fi.ias diverfas claíTes, como lemos em Cicero na Oracjaõ pro Miinena. Com o feu coftumado juízo attribue Horácio a lafciva mudança , que teve a antiga mufica , e pocfia theatral , à ignorância j à ociofidade , à povos

fujeitos

5

porque



:

.

:

groí-

Arte

tanto que entrou por feus triunfos

Porém

A A

loi

Poética.

crefcer

em domínio

Cidade cingio

Foy com

5

amplos muros tanto que o Génio

vinho nas

,

e de

feftas

celebrado

Todo

o dia , e fem pena , que o vedaíTe Crefceo entaõ na mufica , e nos verfos Liberdade mayor. E que fe havia Efperar

,

fe

ignorantes

,

e ociofos

5

^

,

Ruftico torpe, Cidadão honeflo ^ Tudo fe confundia no theatro ? Defte modo o frautifta da arte antiga

Ao

cafto

fom requebros

Accrefcentou

,

,

e lafcivia

e veíles defufadas

ArraA , e torpeza da plebe , que os polidos Cidadãos Romanos admittiaó comíigo antes da Ley Rofcia fem diftinccaô de lugares j porque ( como já antes tinhú(5 advertido Sócrates , e Platão ) fó efpiritos ignorantes , entendimentos groíTciros , e corações corruptos , he que podem approvar a muíica aííeminada , e lafciva, porque fomenta as fuás viciofas paixões. luxuriam addidit arti Por eíla caufa, Sic prifcce motumque ^ ifto he , como a plebe deu em approvar a mudança na antiga muíica , o tangedor da frauta por agradar, a efte mayor numero de ouvintes, prevaricou a melodia do primitivo Coro , que era

groíTaria

^

dando aos verfos , ou bailes hum novo movi, e à muíica huns tons lafcivos. palavra jííotus correi^ a numeris , e luxuria refere-íe a modis do vcrfo antecedente Plinio também oppoz , como Horácio , à íimplicidade , e

cafta

5

mento ponde 3.

:

e fevera

A

5

modeília da mufica antiga , a variedade , e lafcivia da moderna, dizendo Cum adhuc ftmplici mufica uterentur .... i-arietas accejjit :

(^

cmitiis

^

quoque luxuria.

'Traxitque vagus per pulpita 'veflem

Eíla aííeminada lafcivia , e nos geílos theaaos veílidos dos mefmos muíicos, e repre:

que Horácio conderana na muíica, na poeíia, traes

,

paffou

também

fentantes , ufando delles taõ compridos , que arraílravaõ muito pelo tablado. Donato explicando a palavra 75^'^'^ 5 declara m.uito bem eíte lugar : Syrmata ãitla [unt ab eo quod trahuntur q^u£ res :

ab

De Arte Poética.

io2

SIc etiamjidihiis vocês crevere feveris

Et

tulit elocjitiwn

infolitiim

,

facúndia pr^eceps, IJtHhim'

ah fcenkâ luxuria infiituta cjí. Donde Ic colhe, o^ç. fyrma he o mermo que cauda no ve ilido , o que comprova Marcial fallando dos trajes das mulheres !^íe fua calcando -uefiigia fyrmate verrunt. epitheto vagus ^ que Horácio applica ao Tibicen^ na5 tem fácil Lambino com outros diz , que neíla palavra alluintelligeiícia. de àquelles íaltos, e movimentos, que fazia no Coro , o que tangia a fraírta , quando fe cantavaÕ as Strophas^ c Jfitijirephas Porém naõ fe faz veroíimil, que podeíTe faltar, ora para huma, ora para outra parte do theatro ( que no fentido de Lambino he o que íignifica vagus ) hum homem veílido de modo , que arraílrava cauda. Outros Commentadores querem , que Horácio pelo veítido do frautifta tomara o dos adfcores , os quaes no veftir eraô fummamente pompofos , como fe pode ver em Plutarco na Vida de Phocio. Porém nós entre eftas interpretações , e outras que por brevidade omittimos , feguimos a daquelles , que dizem alludir o Poeta na palavra vagus aos diverfos , e variados fons , de :

O

.

os frautiílas, p^.ra moílrarem a fua fciencia , e deftre2a; e efta he a intelligencia do noíTo inílgne Achilles Ellacp, c 1'ibicen de Robortello , a qual fe acha igualmente em Nores 'vagus * fom var^etate traxit vejlem per pulpita. Gefnero no feu 'Thefaurus ling. Lat, com hum exemplo de Collumela diz também ^ que vagus vai o mefmo que libidinofus ; e aílim naõ nos opporemos a quem o quizer applicar neíle fígniíicado ao Tihicen ; porque nos Antigos achará muitas authoridades , que lhe comprovem a interpretação , declamando contra os vicios da gente do thea-

que ufavaõ

:

tro.

Aqui temos a applicacaõ do exemplo ^ t3c. he , ( diz o Poeta) o que fuccedeo à frauta dos noíTos Coros, aconteceo igualmente à lyra, de que os Gregos fe Em nós houve eíla niuferviaó nos Coros das fuás Tragedias. danqa , quando a Republica entrou a engroíTar em domínios , e povo ; e a dos Gregos teve a mefma origem , degenerando o fevero , e fimples fom da fua lyra em outro mais elevado , tanto. que o povo, por fe ver opulento , criou altos efpiritos, mudando dos antigos coílumes , que o faziaõ temperado , e imodeílo. Sic etiam fidibus

antecedente;

iílo

:

Arte To ética.

loj

A

mefma forte Arraftrou pela Tcena. Tocou à grave lyra: inrroduzio-fe

No

Coro da Tragedia nunca ouvido

Precipitado eftylo

,

e

com

pretexto

De o

leitor achará

ra

com

que os Corcmentadcres naõ entendem aíllm efte lugar ; mas naõ he iílo muito , naõ o tendo elles como applicaqaó do exemplo antecedente , mas tomando cada hum por lua vereda , pela qual naó nos pareceo bem caminhar , tendo a que defcobrio Dacier , pela que fe deve trilhar. Refta explicarmos , em que coníiítio precifamente a mudança , que teve a lyra do theatro Grego > e parece-nos verofimil, que procedco do numero das fuás cordas , paíTando de quatro a fete por mvencaó de Terpandro , com cujo augmento veyo a corromperfe a íímplicidade da antiga lyra, a qual, fegundo Acron, era tiinta, que íe compunha de huma fó corda no theatro primitivo dos Gregos 5 porém Henrique Glareano duvi'da muito de tanta íimplicidade 5 e tem para fi, que Acron confundira o inílrumento chamado Ly-*

Et

,

o chamado Monochordon. tulit

eloquium infolhum

^c.

^

:

Continua Horácio

a

mefma

applicacaõ , dizendo , que os verfos da Tragedia Grega correrão o mefmo fado da lyra , porque também fe mudou a f mpies gravidade com que nafceraÕ , quando no theatro fe introduzio o Coro j mudança em tudo femelhante à que Horácio deixa acima apontado , fallando do theatro Romano , onde põem a poeíia correndo o mefmo deltino da muíica ÂcceJJít numerifquç , modifqtie licen" :

Diz pois, que

que a Tragedia Grega expe, rimentou na muíica dos feus Coros, padeceo igualmente no poético ellylo , de que eftcs vieraõ a ufar , reinando em lugar da antiga eloquência fimplcs, grave, e clara, outra precipitada, efcura, e nimiamente pompofa. Quem bem obfervar os Coros dos Trágicos Gregos , que depois dos antigos mais fe afUnalaraõ na Poefia Drammatica, verá (diz o P. de Albertis no feu áureo Tratado contra os corruptores da Eloquência) quanto he jufta , e merecida a Critica de Horácio, e o quanto fe enganou Heinfio com tia maior.

a alteração

outros na intelligencia deíle verfo. Facúndia pr£ceps Qiiem folhear os Commentadores, achará , que tomaõ ellas palavras como louvor , e naõ cenfura do Poeta ao eftylo do Coro trágico. Du-Hamel dá-lhc hum fentido bem diverfo , tomando o epitheto praceps por concitatior , e dizendo em huma nota : Inter cantandum Romani magna voeis , injirumcnto:

rumgue

De Arte

104

UtiHiimcjue jcigax reriim

Poética.

^

,

divina futiiri

Sort/kgis non difcrepuit fentcntia Delp/iis.

XXL Carmine

(jiil

trágico

vilem certavit oh hircwn

,

Mox rumque mujicorum 'ooliihilitatc mh} iekãahantur. Jacob Grifolo vay por outro atalho, querendo moftrar, que Horácio na palavra /?rífeeps alludia àquella como precipitação, com que hum ellylo moderado 5 qual o dos primeiros Trágicos , íubio breviílmiamente a fublime por beneficio de Sophocles, e Euripides. Porem Nores, e Dacier patrocinaõ a nofla div^erfa intelligencia j e aíTim inftruidos por Longino , e Qiiintiliano „ entendemos por facúndia pr}

Sempre

^eria

a poucas

'voltas

dar no faro

'

E

o

que jaz no verfo inclufa , muito raflejar cufia-me caro.

mais abaixo continua na

Eu

mefma

cenfura

>'h-1^ '• i

Da fentença

^e

^^.y':'^, <

;•'*

j

:

já ver[os , que para entendellos , Compria fer Merlim , ou Negromante , Ou andar com ApoUo aos caheUos, Carmine qui trágico^ ^c. : Como naõ ha poefía mais triíle , c grave , do que he a Tragedia , por nella fe exprimirem efpecialmente os dous affeótos do terror , e da compaixão 3 para aliviar o povo de taó feria attenqaõ , e divertirlhe a trifteza caufada pela Tragedia , introduzirão os Gregos a Satyra theatraK que era huma efpecie de Dramma Trágico , porém menos grave, e que occupava o lugar entre a Tragedia propriamente tal, e a Comedia. De todas eílas obras fatyricas, exceptuando algum fragmento , naõ paíTou a nós , fenaõ o Cyclope de Eunpides , obra que peli

la fua beíleza fuavifa a falta das outras , e baila para comprovar , o que Horácio aqui diz. Segundo fe colhe do prefente verfo , parece que faz a Thefpis inventor deíla nova efpecie de Dramma , conforme fentem alguns Commentadores ; porém do mefmo verfo tiramos nós , que Horácio naõ pretende dar a entender tal i e fundamo-nos no verbo certavit , de que ufou j pois he certo 5 que no tempo de Thefpis ainda naõ havia o coftume de dar premio àquelle , que o merecera em fazer melhor Tragedia , como em termos claros diz Plutarco na vida de Sólon. O que fe faz veroíimil he , que Horácio falia do Poeta Pratinas , o qual , fegundo Suidas, fez trinta e duas obras fatyricas para o theatro, logo depois da morte de Thefpis , e he também o primeiro, que Ic fabe difputara em publico o premio da Tragedia. Nem deftes Drammas Trágicos, nem dos Satyricos nos ficou mais, que huma efcura memoria. Filem certavit oh hircum : O Poeta , que no publico certame

iica-

De Arte

lo6

Mox

Poética.

etiam agre/leis Satyros miãavit

Incolumi gravltate jociim tentavit Jllecebris erat

?

cT grata ncvltate

Spcâíator fufiãiifíjiíe facris

,

:

^

,

eo

afper

cjiiod

morandus

a' potus

o* exlex.

,

XXII. Vcriim

Ita

rifares

p

ha commenãare

dlcaces

Conficava viítoriofo, recebia por premio

hum bode

como

efte na Tragedia. , Pollo que alguns antigos Grammaticos fejaó de diverfa opinião, íeguimos efta com Diomedes no liv. 3. áePoemat. Generibus. Chama Horácio w/ ao dito premio , ou refpeitando à qualidade do animal , ou à quantidade do intereíTe , vil certamente , olhando para a fumma difficuldade da compoíiçaó. Naõ poíTo deixar cie me admirar dejafon de Nores, e outros , efcrevendo , que Horácio ufara do referido epitbeto ^ applicando-o à efpecie de Poeíia, porque fe dava o premio. Para cahir nefte abfurdo, naõ fe lembrarão , que Ariftoteles na fua Poética claramente chama à Tragedia compoficaõ gravifíima , e fuperior à Epopeia. Ifto he, poz no theatro hum Coro jígrefteis Satyros nudavit cabeça o velho Sileno j que he o era quaes de Satyros niis , dos introduzira na fcena obras fatyricas com dizer, que que mefmo, alguma apparencia de trágicas , pois reprefentando huma acçaõ celebre de algum Heróe , mifturavaó com cila os Satyros , e Si-

lingua

Grega chama-fe

tragos

daqui tomou o

5

e

nome

a

:

leno alguns louvores a Baccho ( Deos tutelar da primitiva Tragedia ) e ditos naõ menos graciofos , que picantes ; e eira he a forqa , que tem o afper jocum tentavit. Com tudo naõ eraõ eílas do que graciofidades taes, que derdiíTeflem da gravidade trágica he clara prova o Cyclope deEuripides , onde Sileno graceja picante, mas nobremente com Ulyflcs. Veja-fe eíla obra na moderna, ^h € bella traducçaõ do P. Carmelli. •,

Arte Poética.

loj

Por premio da Tragedia tardou pouco A pôr fobre o theatro de Campefires Satyros nus hum Coro, que picantes Graças introduzio, mas fem defdouro ,

Da

Aquella idade Vio que era neceíTario por hum modo Attradivo, e com grata novidade trágica grandeza. ,

Conter

De

hum

auditório

fazer facrificios

,

que acabando

incitado

,

Se via pelo vinho a todo o infulto

XXII.

Porém

efles graciofos

Satyricos

em

,

e picantes

tanto fe celebraõ

Oii

Na

Nefte verfo , e no feguinte aponta HolUecebris erat , (^c. rácio os motivos da introducçaõ da fatyra theatral. Já nós os dei:

xamos apontados , lembrando-nos do que deixarão elcrito Dio» medes , e Mário Viéloriíio Satyros induxerunt ludendi causa , JO"^ :

eandique ^ ut fimul fpeSlator inter res trágicas ^ feriafque fatyrorum qiiO" que jocisj 13 lufihus deleãaretur. Porém Horácio individua iílo mais, apontando três principaes razões , que obrigarão os Poetas a in-

ventar alguma coufa , que divertifle o povo , obrigando-o a bufcar o theatro. .A primeira era confiderarem , que o dito povo acabava de fazer hum facrificio , em que elles muito fe intereíTavaõ i funãufque facris a fegunda , que era em occaíiaõ , em que o mefmo povo tinha comido , e bebido muito , como era antigo coftume depois dos facrificios > (^ potus a terceira era , que por conta deftes exceíTos eftava apto para cometter qualquer abfur:

:

do

^

fem refpeito

às leys publicas , e às da boa morigeraçaó 5 Platão nos feus livros das leys tinha cfcrito , que naõ Já podiaõ deixar de cometter toda a defordem aquelles ajuntamentos, em que fe bebia com exceíTo. Por iíTo era prudência no Magiftrado , e nos Poetas divertirem o povo com efpeélaculos licitos, e honeftos, e no mefmo tempo proporcionados ao feu gofto. Verum ita rifores ^ ^c. Porém, continua Horácio, naõ ha de o Poeta fazer tanto a vontade ao povo , que condefcenda com elle, pondo no theatro fatyras infames, ou nimiamente atrevidas ,

exlex.

:

mas

De Arte Poética.

ic8

Conveniet Satyros

N^

,

Deus,

(lidcumcjue

Kegali confpeãiis

Migret

ita vertere feria liido

in

5

(jiiiciimcjue

odhihehitur heros

auro niiper

,

in objciiras humili

o' ojlro

,

jermone tabernas, Aiit

mas

fó lhe

ture

com

he permittido ufar daquellas , em que o ferio fe mifo burlefco foffrivei ita vertere feria ludo ; ou dizendo melhor , daquellas , em que o graciofo occupa o lugar do grave. Eíla he a genuína intelligencia deftas palavras , e naõ a que lhe deu hum Author de grande merecimento , dizendo , que íignificao mudar em ridiculo as acções , que de fi [ao [crias. A prova do feu engano íaõ os verfos que logo fe feguem Porém faz-íe , precifo fatisfazer a hum reparo , que poderá £izer o leitor critico > e vem a fei Se os Romanos naõ ufavaG da fityra theatral, a que fim fe occupa Horácio em lhes dar preceitos fobre eíla cfpecie de Poelia Grega , fabendo , que lhes fiõ inúteis ? A eíla objecqaó he fácil a repoíla , dizendo , que dá o Poeta eíles preceitos , para que os feus os obfervem nas fuás Fabulas theatraes , a que chamavaô Atellanas ^ as quaes eraõ femelhantes ( diz Diomedes ) às Satyricas dos Gregos 1'ertia fpecies efl fabularum Latinarum , quíC à chltate Ofcorurn Atellã , in qua frlmum cceptce , jítellana -,

:

:

di6i^ funt

argiimentis

ditVifque jocularibus , fimiles fatyricis fabulis os prefentes preceitos eraÕ úteis aos Romanos, e fe lhes faziaõ precifos, porque nas fuás Atellanas (continua o mefmo Diomedes ) introduziaõ naõ fó peíToas ridicula-

Grifeis,

:

Eifaqui

,

como

fatyricas, como eraõ Autolyco ^ Burris^ 13 c.^ mas também obfcenas , como Macco ^ e outros. Verdade he, que a iílo fe oppoem o fabio Voílio , pretendendo , que as palavras perfonce ohfce^ nce^ de que ufou Diomedes, fe haõ de Icr^ perforí^ OJhe , iílo he, aflores, que fallaíTem na antiga linguagem de Ofca, ou feja Tof-

mente

cana.

Ne qukumque

As Fabulas Atellanas , à maneira Deus , ^c. Gregas , admittiaõ os grandes perfonagens da Tragedia , como os Deofes , os Reys , e os Heróes. E pollo que Mário Viftorino parece que nega iílo, temos a authoridade de Horácio, que tira toda a duvida, e hum claro exemplo em Euripides, introduzindo no feu Cyclope ao Heróe UlyíTes como perfonageni principal. Para que perfeitamente fe entenda o que Horácio quer :

das Satyricas

dizer

Aríe To ética.

Na

miílura áe ferio

com

105?

jocofo,

Em

quanto a Divindade , ou Home illuflre, Qtie vimos de ouro , e purpura veflido ,

Nao

paíTar a fallar naquelle eftylo

,

Qjje a mais baixa Comedia fó pertence

5

Nem; que os Gregos em huma das , convém faber , Baccho , em que havia os públicos cerrames/, -«de que acifez mencaõ , punhaõ no theatro quatro Tragedias, em to-

dizer nefte verfo fellas a

ma

fe

dos os dias da feita , e a ultima era fatyrica para alegria do povo. A todos elles quatro Drammas davaõ o nome de Tetralogía , coquanto à Fabula fatyrica, cofmo fe todos fizeíTem hum fó. tumava5 commummente os Poetas tomar por aílumpto para ella aquelle mefmo Protagonifta , ou pcrfonagem principal da feria Tragedia reprefentada nos dias antecedentes , como v. g. a UlyíTes, Achilles, Pandion, Oreftes, 6cc. , de que temos exemplos na Orefiiade de Efchylo , e na PanãiorÀcle de Philocles. Ora iílo prefuppolto , diz Horácio , que eíla tranfmutacaõ de Fa-!* bula féria para jocoía naõ ha de ter tanta liberdade , que aquelle mefmo Heróe , que ha pouco ( illo he , na grave Tragedia do dia antecedente) apparecera corn a decência devida ao feu caraóler, no Dramma fatyrico appareça , e falle com tanta indignidade , e baixeza , como fe foíle huma Comedia tahernaria , a Atellana , em que o dito Heroe apparece. huma palavra , recommenda o Poeta , que a Fabula Atellana ( pois correfpondia entre os Romanos à Satyrica dos Gregos ) confcrve hum meyo entre o fublime da Tragedia verdadeira , e o baixo da Comedia j e para eíle fim naõ fó tinha hum eítylo particular , mas também

Em

Em

particulares verfos.

Migrei in obfcuras humili fermone tabernas

:

Commentadores de Horácio entenderão mal

A mayor

parte dos

do mefque o antecedente j e he para admirar as eftranhas coufas 5 que dizem fobre eíle ponto. O Poeta, como já acima dif. femos, allude na palavra tabernas às Comedias chd.m2.ád.s taberna,'^ rias ^ as quaes, depois das Farcas, a que davaõ o nome de Exodia^

mo modo

efte lugar,

,

eraó as mais vis entre os Romanos Nobres , e Cidadãos ; tanto que no theatro deitas Comedias , fe admittiaõ tavernas , e delias he que lhes veyo o nome. Os feus Argumentos eraõ acções plebeas, aífim como os das Pretextatas eraG tirados da claíTe da genAut te civil, e nobre.

De Arte

lio Aut dum Efutire

viúat hiimiim leveis

,

Poética.

nules

,

O* inania captei,

indigna tragedia verfas

Ut fejlis matrona

moveri

j

jiijfa diehiis ,

Intererit Satyris pau/hm pudibunda protervis^

í^on ego inornata

,

^

doniinantia no mi na foium

,

VerbaAut dum vitat humum^ nubes ^ (^ inania captei'. Moílrado pois, que a Fabula Atelhna deve fugir da baixeza cómica , dá-lhe agora Horácio outro preceito, e he , que fe guarde muito ao evitar o eílylo raíleiro , de mio fubir tanto em linguagem fublime, que Donde fe colhe ( digamos aíllm ) venha a perderfe nas nuvens. claramente , que o lugar do feu eílylo ( como acima diíTemos ) he o meyo entre o trágico , e o cómico , por nella reprefentar poílo que em ar jocofo) aquelle Heróe , que na Tragedia ante( cedente à Atellana apparecera veíHdo de purpura , e cuberto de

como convinha ao feu próprio cara6ter pois íque os Rofe bem naõ tinhaõ nas fuás feílas aquellas quatro reprecomo já explifentaqões a que os Gregos chamavaó 'Tetralogia com tudo fempre à imitaqaó da Satyra Grega , depois cámos da Tragedia Grave , punhaõ no theatro huma AteUana , tomando nella por affumpto ridiculo o mefmo Heróe , que antes dera ouro

:

,

manos

,

^

,

',

argumento

,

à Fabula propriamente trágica.

Effutire leveis , {^c. : Horácio Interpretes feus fe perfuadiraõ ) da

naô falia aqui ( como muitos Tragedia verdadeiramente tal,

mas íim da chamada AteUana , correfpondente entre os Latinos à Satyra theatral entre os Gregos , como baítantemente deixaEílimavaõ os Romanos tanto eftas Fabulas, em que aos jocofo o que entrava , e fatyrico fem defdizer do grave , que nellas reprefentavaó , naõ os incluíaõ no numero dos Come-

mos moftrado.

como aos demais Cómicos , a tirar a , nem os obrigavaõ , mafcara , quando reprefentavaó mal. Em fim , na5 contrahiaõ deshonra, e podia5 ler aliftados para a guerra , o que aos outros Comediantes naõ era concedido. Ora eifaqui a razaõ , porque o Poeta diz, que os vcrfos raíleiros , e humildes naõ convém à Satyra Grega, e AteUana, pois de íi faõ graves, e honellos. Eíla comparaqaõ moftra viviíTimamenUtfejtis matrona ^(^c.

diantes

:

te.

Arte Poética.

iii

Nem,

por fugir também de fer raflelro, Quizer tanto fubir que chegue às nuvens. Ilida fendo fatyrica a Tragedia , ,

Na6

E Com

quer fopportar verfos fem grandeza

muito

fe

envergonha,

petulantes Satyros

fe r

^

a mifturaõ

imita

De modefta matrona o cafto Que nas feftas fó dança por

pejo

,

preceito.

Eu; te, como he coftiime em Horácio, qual feja o verdadeiro carafter, que o Poeta deva dar aos Satyros introduzidos no Dramma Satyrico. Para moílrar , que naô devem íer petulantes , e obfcenos,

(como commummente fe reprefentaÕ os Satyros em outras comnem auíleros, e prudentes , como os rigidos Eítoicos, compara huma Tragedia defta efpecie , em que elles fazem papel , a huma honeíla matrona , que naõ faz proíiíTaõ de dançar ^ pofições)

e quando dança , he quando a manda o coftume , e a obediência. Para melhor fe ver a delicada belleza deita comparação , convém, advertir, que pofto que fó as donzellas moças foflem as efcolhidas para dançarem nas feftas dos Deofes > com tudo algumas havia , em que os Pontifíces nomeavaõ cafadas, como por exemploc nas feftas de Cybelles , mandando-lhcs que dançaífem e eifaqui porque Horácio áizjuj/a. Jacob Grifolo paílbu em claro efte lu-» gar , como fe nelle naõ houveíTe preceito , que advertir , e beU leza , que apontar. Lambino quaíi que tomou o mefmo confeIho , e o mefmo fez Glareano. Nores gaftando muitas regras , quaíi nada diz para o cafo , e Pedro Chabot extendendo-fe também muito, como fempre coftuma, amontoa, à maneira dos pedantes, muitas authoridades, e erudição , pelas quaes naõ fe vem a faber o fentido de Horácio Porém o contrario devemos dizer dos dous antigos Commentadores , aos quaes feguiraò Nannio y e Dacier. Non ego inornata^ (^c. Pelo difcurfo defta Arte terá obfervado o leitor , que Horácio tem por coftume dizer as coufas em geral, e depois efpeciflcallas com miudeza , como fe vio , entre outros lugares , naquelle em que efpecialifa os coftumes próprios de cada idade , depois de ter apontado em geral a difí^ercnça , que vay de hum velho a hum moço , âcc. Agora nefte paíTo pratica o feu coftume 5 pois tendo dito acima a mediania de eftylo , que o Poe-» -,

:

De

^%i2 Verhacjm

?

Fifones

,

Arte Poética. Satyrorum fcrlptov amalo

"Nec fie enitar trágico diferre colori

Vt

nihil interfit

Pytfiias

An

f

cujlos

,

Daviijhe

emiinõío lucrata

,

famuíiijque

Io(jiiatur

,

,

^ pela difpofiqaÕ dos incidentes na Tragedia fatyrica , iílo he , dos fucceíTos , que acontece ao Heróe delia. author de taes Drammas fim he verdade , que inventa inteiramente os taes incidentes ; porém ata-os de maneira com o principal da hiftoria fabida , de que fe valeo para o aíTumpto, que affim vem a fazellos verofimeis , e frizantes e eifaqui o que propriamente fignifica nefte lugar o feries^ e ojunSiura , termos taõ mal entendidos de muitos Commentadores. Tantum de médio fumptis ^ {3c. A'quelles aíTumptos, que (digamos aíTim ) eftá na maõ de todos o tomallos , por ferem fabidos de todos , a eftes he que Horácio chama argumentos de medio fumptis; como v. g. a Pandionide ^ a Orefliade , o Cyclope , e outras antigas Tragedias fityricas , em que Philocíes , Efchylo , e Euripides tomarão por matéria delias Ací^ôes, ou Perfonagcns, de que já a Hiftoria , ou a Tragedia grave tinha dado noticia. Lambino , feguido de alguns, dá a efte lugar diverfa intelligeneia , dizendo De médio fumptis , id efl ^ non e longuinquo arcef tis fed è médio fumptis > porém efta intçrpretac^aõ naõ concorda com o que :

:

O

O

:

:

:

De Arte Poética.

ii6

XXIV. Sy/vis dediiâíi caveant

,

ISc veliit innati triviis

me jiidice

hnmunda

crepe nt

0^:nduntiir enim

j

,

Fauni

ac poene Jovenjes

,

Aiit nhnnim tencrís jiivenentitr Aiit

,

verfilnis

,

^

iinCjiiam

^

ignominiofaíjiie dióía.

(jiiihus eji eauiis

,

'^ pater

,

C^ res

:

ISec O que Horácio ate aqui tem dito, e tenho por genuina a Je Dacier, e de Du-H.imel , em que tomaó a p-ãhv rj. fumptis de médio ^ por vulgarihus ^ ilto he , mtis , como acima lhe chamou Horácio, quando diíTe £.v noto ficlum carmen fequar. :

Sylvis dedutli caveant

,

i^c.

:

Os

Poetas ignorantes ao

compor

que os Faunos, que nellas introbofques porque nos nafcidos , e nelles habitadores ; duziaõ , eraô ruftico convinha ao feu caraque naõ modo de fallar faziaõ os , £ber. Tilo he o que cenfura Horácio , efpecificando nefte lugar o verdadeiro eílylo , que compete aos reprefentantes da Tragedia fatyrica j e poilo que já delia matéria fallafle nos verfos antecedentes , Non ego inornata , ^c. , com tudo agora trata delia com mais alguma efpecialidade , fallando nuõ fó do eílylo , mas do decoro, que na (atyra fe deve guardar, naõ cuidando fomente em agradar à plebe , na qual pelo commum ha pouca honef-

as fuás fatyras efqueciaõ-fe, de

e modellia. velut innati triviis^ í^c. : Aponta dous extremos viciofos, primeiro contém o preem que pôde cahir a Poefia fatyrica. como hortiens oá^Satyros fallar fazer em fe confille e fente verfo,

tidade

,

Ne

O

de Corte, naõ lhe convindo femelhante eftylo , por fer a policia, e cultura imprópria da gente ruftica, e camponeza. A efla propriamente compete-lhe o carafter de fimplicidade , a qual occupa o meyo entre o polido, e groílciro, que fó reina nas Cidades , hum entre os nobres , outro entre a plebe. EfFeito do referindo jÍHt nimiiim teneris juvenentiir 'verftbus vozes Àclores taes huns de , e exprefsóes boca na pôr , :

vicio he

demafiadamente ternas , e floridas , quues as de que ufaõ_os mancebos em fuás poeíias, cujos aíTumptos quaíi fempre faõ amatorios

Arte To ética.

117

XXIV. Os

Satyros trazidos lá dos bofcjiies Naõ fó le haõ de guardar ( por meu confelho ) De fe exprimir em verfos nimiamente

maneira do que teve No coração de E^oma o nafcimento 5 Mis também de dizer obfcenas vozes, E groíTeiras injurias porque fazem Poiidos

,

à

;

Ao

nobre

,

ao cavalleiro

,

ao rico ofFenfa

5

Pois rios , e propendendo para hum na5 fey que de lafcivia. Horácio inventou aqui o verbo juvenefco , derivando-o de juvenis , como já em outros lugares introduzira também inimicare de inimicus ^ e clarare de clariis , além de outras vozes , que omittimos , por naõ * fer eíle o noíTo aíTumpto. Aut immunda crepent , ignominiofaque diBa outro extremo viciofo da Tragedia fatyrica , que o bom Poeta deve evitar , he o fallar obfceno , e maledico , de que ufa a gente diílbiuta das Ci;

O

dades, e os vis authores das íatyras infames. Donde vem Horácio a dar o preceito, que o eílylo de femelhantes Drammas nem ha de fer florido, terno, e amorofo como o de Anacreonte, nem mordaz, e lafcivo como o de Ariftophanes , nem polido, e culto como o da verdadeira Tragedia j mas ha de ter hum meyo entre eíles diverfos eílylos , como obfervou Euripides , poílo que mais no que refpeita a evitar obfcenidades , que no que toca ao fugir do elegante, e enfeitado, como bem prova o Coro do feu Cyclope ^ onde faz dizer a Satyros exprefsóes taõ doces, que parecem polidos mancebos. ^Ibus eft equus^ pater ^ res Dá agora a razaô, porque

^

^

:

na Tragedia fatyrica naõ ha de haver penfamento torpe , c mordaz, fó permittido na Poefia Mimica, e vem a fer j porque huns taes ditos oífendem os ouvidos dos nobres, e honeftos Cidadãos. Poeta pela frafe quil;us eft equus ^ entende a claíTe dos Cavalleiros , ifto he, dos que fuílentavaõ hum cavallo para o ferviço da Republica pela púnvrz pater allude aos da Ordem Patricia , ou Senatoria j e pelo termo res denota a gente rica , que naó entra nem na claíTe dos nobres 3 nem dos cavalleiros.

O

:

NeCy

De

Ii8 'í^ec

,

/i

(jiiid

friãi

JEíjiiis accipiíint

Arte Poética. ciceris prolat

animis

,

^

nucis emptor

f

donantve corona.

XXV. Syllãha longa hrevi fuhjeâía

Pes

cltus

ISomen 'iamheh

Fri mus

etiam trimetris occrefcere

linde

:

vocatur 'iamhis,

y

5

ciim fenos redderet iÓíus

ãd extremiim JimiUs Jihi,

Tardior ut paulo Spondeos Jtahileis

,

ISon

graviorcjue veniret in

jujjit ,

ha pridem

ad

jura paterna recepit

aureis

,

,

,

Com-

O

auditório de qualquer das Nec^ft quid friãi ciceris , í^c. fobreditas ordens, como honefto, e intelligente , naõ coftuma approvar , nem appluudir o que fó acha aceitaqaõ na infima plebe, ilto he nuquelles , que no theatro compravaõ ervilhas , e nozes fritas , como era coílume entre o vulgo Romano i e a ifto he, que allude Marcial , onde diz Vendit qui madidum cicer corona. Depois de ter difcorrido Horácio Syllaha longa brevi , (^c. fobre a locuqaó, que convém às duas efpecies^de Tragedia, paffa a dizer alguma coufa fobre o metro , que he inftrumento da dita locuca5 , ifto he, do verfo Jambo, verfo o mais próprio para o theatro, pelas raz porém como feus princípios faó muy efcuros, contenta-fe fomente com dizer, que tivera a mcfma origem da Tragedia. Com eífeito nos primitivos tempos aílim os Drammas Trágicos , como Cómicos fe comprehendiaõ debaixo do nome geral de Tragedia , como bem coníla de Ariílotcles na Poética. Thefpis he certo , que naõ foy o inventor deíles Poemas theatraes, pois já antes os havia, ou inventados por Epigenes, ou pelos Dóricos; com tudo como elle foy quem os reduzio a alguma forma diverfii , palTa por author da Tragedia, e Comedia , que ( como já diílemos ) tudo era huma mcfma coufa nos tempos da infância do theatro ; pois nelle na5 fe reprefentava outra coufa , fenaó louvores a Baccho, e outros :

argumentos burlefcos , fem ordem, nem eílylo j circunílancias, que depois fe deverão a Efchylo. Afl-liftando-nos de Et plauftris vexijfe poemata 'Thefpis , l^c, todos os Commentadores , que vimos , poremos aqui a interpretação de Dacier, como dcfcobridor de mais alguma coufa na intelligencia deíle lugar. Thefpis naõ fó inventou hum carro , em que, como theatro portátil, fe reprefentaffe nas praças publi:

cas, mafcarando-fe os reprefentantes com unturas de fezes de vinho mas int'*oduzio no Coro ( que era o de que fímplefmente conftuva a antiga Tragedia) hum novo Aftor, que narrafle algu',

ma

accaõ de pcrfonagem illullre, para defte modo, naõ parando o theatro , poder defcanqar o Coro do feu continuo trabalho. Efta he a fina intelligencia das palavras, gu£ canerent ^ agerentque: o canerent referc-fe ao Coro, iílo he , ao coftumado divertimento, que fe oíTcrecia ao publico j e o agercnt ao novo A6tor , iílo he, à in-

Arte To ética.

127

XXVI. fegundo dizem ) de Tragedia Huma efpecie inventou defconhecida , Introduzindo Adores que com fezes Thefpis

(

,

Desfigurando

E

as caras

,

recitaíTem

,

cantaíTem feus verfos íobre carros.

Veyo à inventada reprefentaçaõ de algum facto illuílre. Pojl hum prjon£ ^ (^c. Com eílu invencaõ de Thefpis , como he fácil accrefcentar alguma coufa ao já inventado , poz Efchylo o theatro em forma mais decente. Introduzio mafcara hoE aíTmi entendo nella , lançando fora a outra como immunda. Perfona por mafcara , e naô por hum Jclor , como entenderão Lambino, e Nores. Sigo a Monf. Prepetit de Gnimmont na fua traducqaó Franceza , a Dacier , Luifino , e a Minturno na fua Poética j porém confefiamos , que a vulgar interpretação dos Commentadores naó he para defprezar j pois nos confta por Arilloteles, que Efchylo introduzira fegundo Aóbor, aíTim como Thefpis o primeiro. Alem da mafcara veílio os reprefentantes de veítidos graves, e viftofos, pois os de que ufavaõ, eraõ de linho, e muito íimplices. Calçou-os de cothurnos , ariroii-lhes hum theatro mais decente , e fez com que deixado o feu eftylo burlefco , fallaíTem com feriedade , e nobreza. Porem naõ foraô fó eítas as novidades introduzidas por Efchylo j porque tam.bem diminuío o canto^do Coro , e fez com que na Tragedia houveíTe hum primeiro papel. He para notar , que Ariftoteles faca menção deites inventos , e nada diga dos que aponta Horácio > de modo , que os que lembrarão ao Filofofo , efqueccniõ ao Poeta; e os de que faz memoria o Poeta, defprezou o Filofofo. Porém Horácio , em tratar deftas introduccões menos importantes , merece defculpa , pois naõ foy feu animo efcrever huma completa Arte Poética , mas f) humas reflexões Criticas ; e Ariítoteles, em fazer mencaõ fó das mudanças confideraveis da Tragedia por beneficio de Efchylo , cumprio com a obrigação que tinha, tomando por aíTumpto, o efcrever completamente daPocíia. Palheqiie: Illo he, huma como toga , vellido m;ignifico , c pompofo. Com eíle nome havia duas veíliduras diverfas 5 huma chamada /íí//^ gallicana^ que era curta, e delia falia Marcial :

:

Dimidias nates

gallica ^aJla tegit.

A*

De Arte

128 JEjchyhis

Et

O' modicis injiravk pulpita tignls

y

magnwiKjue

dociiit

Poética.

SacceJJit vetas his

Laude: fed

In

lojui

Conwdiã

,

nidcjue cothiirno, jion

,

y

fine

vhiiim libertas excidit

multa ,

o'

vim D/-

A' outra davaõ o nome de latina^ ou fyrma , que chegava a fazer cauda, e delia faz mençaõ Ovídio no it. dos Metamorfofes :

caput flavum lauro ParnaJJide Verrit humum.

Ille

vin^um

Defte ve ilido theatral já falíamos em outra nota , illuftrando o lugar, traxitque vagus per pulpita veftem. Inflravit pulpita tignis: Vitruvio no liv. f. da fua Architeãura explica bem todas as partes , que compunhaõ o antigo theatro. E, alfim pulpita era hum lugar fuperior à orchefla^ no qual fe reprecorrefponde hoje ao que nós chamamos tablado , e os fentava Gregos davaõ o nome de logicon. Efchylo armou-o moderadamente com poucas taboas j e diz ifto Horácio , para diíferenqa do tablado , que depois introduzio Sophocles , maquina efpaço:

fa

,

e rica.

Comoeãia , ^c. Heinfio pretende fem funque eíles quatro eílaõ no feu competente verlos naõ , lugar , e que fe devem feguir aos paíTados , em que Horácio falia da latyra theatral , pondo-os logo depois do verfo jEquis acciSuccejjít vctus his

:

damento

punt

animis

,

donantve corona.

Vejamos como o Commentador

Francez impugna a fatalidade deíla fentenca. Horácio em dizer, que a antiga Comedia fucccdera às Tragedias de Thefpis, e Efchylo , naó nos quiz dar a entender , que ella nafcera dos ditos Drammas Trágicos > mas a fua idéa foy enfinarnos , que a Comedia fó começou a ter cultura , depois que a Tragedia fe vio em perfeica5. Vem por efte modo Horácio a dizer o mefmo , que pela mefma ordem deixara efcrito Ariftoteles na Poética, dizendo yís mudanças , que teve a Tragedia •, foraò muy fenffueis ; porém a Comedia , como defconbecida , naÕ experimentou o mefmo ; porque :

naõ

fe

acções

Tarde he

civãou delia defde o principio^ como da Tragedia.

o Majifircido ,

cujos

mandou cantar em theatro Coros Cómicos Actores livres

,

e

voluntários

,

,

^

que

e reprefentar

nau ohfervavaÕ ordem.

Fou^

Arte Poética.

129

Veyo

Efchylo depois , e mais boneíla Mafcara deícobrio: expoz Adores Com talares veílidos hum mediano Theatro levantou e deu ao Dramma Alto cothurno, mageftofo eílylo. 5

,

Veyo a antiga Comedia E com baílante appiaufo

depois deííes

foy ouvida

R

,

j

Mas

Pouco a pouco foy a Comedia recebendo alguma forma , e então he que houve Poetas , que trabalharão em ajfumptos Cómicos. Segundo eíta doutrina , que Horácio fielmente legue , Tragedia , e Comedia no principio eraõ huma mefma coufa. Poema Trágico íeníivelmente fe foy apurando, e chegou à perfeição > eentaõ he que o Cómico 5 que fe confervava no feu caos , ou muy pouco tinha melhorado , entrou a cultivarfe , e a merecer , que os Poetas trata íTem delle com feriedade , e e iludo , como foraõ Cratino , Epicharmo , Crates , Eupolo , e Ariflophanes , emendando todos os defeitos de Chionides , Magnes , e Phormes , Poetas , que no tempo do mefmo Efchylo trabalharão alguma coufa em Argumentos Cómicos. Donde bem fe manifefta , que os prefentes verfos naô fe devem mudar, como pretende Heinfioj pois que Horácio fallou com Arilloteles , e fegundo a ordem dos tempos j vifto que fc cuidou na cultura da Comedia , depois que a Tragedia fe vio naquella perfeição , que podia receber. É neíte fentido certamente he que diíTe o infigne Defpreaux na fua Poética , imitan-

O

do

a

Horácio Des fuccês fortunês du fpe^acle tragique Dans Athenes naquit la Comedie antique. :

Sed in vitium libertas excidit Convém advertir , que houve duas caftas de Comedias antigas. A primitiva , a que propriamente fe dá o nome de velha , naõ ufava de Argumentos fingidos. Os vicios dos Cidadãos , das pelToas confpicuas , e ainda os do mefmo Magiítrado , eraõ o afiumpto dos antigos Poetas Cómicos ; e niílo era tanta a fua liberdade que Arifiophanes , para , dar a idca^de hum homem fordidiifimo , comparcu-o a Patroclo. que naõ dilTe de Sócrates , e de outros illuílres perfonagens o mefmo Poeta ? Era imitado por outros j de forte que reinava a maledicência no antigo theatro Cómico , como diz o noíTo Poeta na Satyra 4. do liv. i :

E

.

Eupo*

De ilrte Poética.

ijo Dignam

Lex

lege regi.

Tiirpiter okicuit

,

ejl

accepta

,

c/iomfjiie

fuhlatojure nocendi.

XXVIL N/7 intentatiim

no/lrl liouere Poet^e

Nec minimum meniere 'n

"^^ifi (f^fi^^re

Vel

(jiii

,

^

deciis

,

t

vejligia

Gneca

celehrare domejiica faÕia

pretextas

,

vel

cjui

:

docuerc togatas.

Nec EupoUs , atque Cratinus , Âriflophanefque poeta uítque alii , quorum Comcedía prifca virorum efi

, ,

Siquis erat dignus defcribi ^ quòd malus

^ aut fur^ aut ficarius aut aUoquin Famofus^ multa cum Ubertate notahant.

^iod machus ^

foret

,

orem no tempo de Lifandro querendo porfe remédio a tanta liberdade, prohibio-fe o nomearfe os nomes daquellas peíToas , de quem fe reprefentavaõ as acqóes. Ainda aíllm produzio pouco rruco efta ley porque os Poetas, fe bem naõ declaravaó por feus ; nomes aquelles, que tomavaõ por acçaó da fua Comedia, vinga1

vao-fe em lhes pintar o caracter de maneira naõ podeíTem , que deixar de fer conhecidos, Efta he a Comedia chamavaô a que , media e tanto defta, como da antiga nos deixou algumas Ariílophanes. Deftruidos os Thebanos por Alexandre, e com tal con'j

quilta feguro eíle Principe

no Império da Grécia, ifto foy a caurefreando a maledicência da Comedia media , e introdiizio-fe a nova , a qual nau admittia outros argumentos , fenaS as acções da vida civil, fem declarar nomes de peíTbas, nem pintar caraóteres de determinados individuos, mas fomente os vícios em commum , e as defordens do publico confideradas em geral. Deíle modo ceifou a petulante mordacidade do theatro , e defta ultima mudança he que falia Horácio Chorujque quando diz , turpiter ohticuit: Ifto he, prohibio-fe inteiramente o Coro da Comedia media ^ o qual nas fuás Parabajes he que mais cortava pelas acções dos homens conhecidos , e pelas determinações do governo. Com effeito naõ havia elle Coro nas Comedias de Me-

la

de

fe ír

:

nandro ,

Arte Poética. Mas

defcahio

em

vicio a liberdade,

E mereceo das leys Com elle emudeceo

O

Coro

,

iji

o ,

jufto freyo.

naõ fem vergonha

,

e de infamar perdeo a pofle.

XXVIL Nada

os noíTos Dranimaticos Poetas

Deixarão de intentar j nenri leve fama Merecerão , deixando refolutos Os veftigios dos Gregos , e louvando As Romanas acções, ou inventaíTem,

R

Ou

ii

nandro, Plauto, e Terêncio, porque era5 moraes, e de aíTumptos fingidos , dirigidas a inftruir , e naõ a infamar , fegundo o fyftema da Comedia nova , fobre o qual compozeraó eíles Cómicos. Neíle verfo teftifica o Poeta, que os Ntl intcntatum ^ (^c. Romanos naõ fó imitando os Gregos, compozeraó Comedias em qualquer das referidas efpecies , mas tam^bem fe apartarão delles , tomando por argumentos acqões domeílicas do feu mefmo Paiz, no que merecerão naõ pequeno louvor. Com eíTcito entre os Romanos houve Comedias com toda a maledicência da antiga , e com todas as picantes graciofidades da media , ufando igualmente de Coro à maneira das de Ariftophanes , dando-lhe lugar nas :

chamadas

Atellanas.

Vel qui pretextas , vel qui âocuere togatas NaÕ fe pode duvidar, que de todos os lugares defta Arte, eíle he o mais difficil de entender} e toda a ditíiculdade confifte fobre fe a ^Úz.vx2l príetex^ tas allude à Tragedia, ou à Comedia. P. Sanadon com outros refolvem , que íe refere à Tragedia, por convir fó a ella pretexta , veílido preciofo , que fomente pertencia às primeiras peffoas da Republica , e como tal era impropriiflimo para a Comedia, na qual unicamente fe permittia a toga , como veílido ordinário do povo. Porém eu inclino-me muito à interpretação de Dacier , que feguio ao Commentador Luifíno , ainda que o occultou, para fazer mais plaufivel a fua fentenqa. Tenho pois por certo, que Horácio na \>d.\-àVY'3i pretextas quiz fignificar Comedias :

O

2i

pretextatas lus ,

outra

^

como

foraõ as duas

'itunicnlaria

-,

dePacuvio, huma intitulada Paude Accio , huma com o ti-

e outras duas

tulo

De Arte

132 Nec

vlrtute foret

Qíiãfn lingiià Qjieniíjiie

,

,

clarifíjue

Latiiim

poetanim

Poética.

/iuiée

,

potenúus armis

,

Ji non o^aideret uniim'

labor

^

o'

mora.

Vos

h

Fompi-

tulo de Brutus j e outra de Decius^ De todas fó nos ficou a memoria, e foy perda confideravel j porém de huma Carta de Cícero a PoUiaó colhemos , que eílas Comedias com o nome de pretextatas tinhaõ por aíTumpto accaõ grave , e féria , quafi femeIhante â du Tragedia , fe bem que lhe flUtava a mageílade , e grandeza deíla , e fó na feriedade dos caraéleres he que havia alguma femelhanqa. IMuito comprova a inteliigencia , que damos à prefente pafiagem do nofio Poeta , huma authoridade de Fefto, que devemos ao iniignc Pedro Viclorio. 'Togatarum duplex efi ge* pr£textarum hominum (afligi nus qua fie appellantur , quod togis 5 f pratextis rempublicam adminiftrareyit , * tabemariarum , quia hominibus excellentibus etiam humiles permixti. Donde le vê , que togata he género , que abraqa as differentes efpecies das Comedias Ro*manas > e que pratexta faõ huma das efpecies comprehendidas no género. Com que, havia Drammas pretextatos na ordem dos Togados j logo devemos dizer, que eraõ Comedia} pois já mais houve Tragedia chamada togada. Vel qul docuere togatas Afllm como os Romanos chamavaõ pretextatas aquellas Comedias , que pela fua feriedade , e pompa de vellidos arremedavaõ baílantemcnte a Tragedia 5 aíTim aquellas , que eraó menos graves , e reprefentavaõ faélos de menos importância, fuccedidos a Cidadãos, chamavaõ togadas. Deftas Comedias inventou MeliíTo huma terceira efpecie , a que deu o nome de Trabeata , e tenho para mim , que a chamou affim , por nella reprefentar acções de gente de guerra , e de cavalleiros, a quem pertencia o veílido chamado Trabea. Em fim houve outra efpecie de Comedia com o nome de "íabernaria , porque :

:

nella o Poeta naõ imitava, fenaõ fucceíTos familiares pertencentes à fimples gente do povo ; poílo que algumas havia com cíle nome, contendo argumentos mais folidos, como bem prova Joaa

Savio na fua Apologia ao Pafior Fido. Horácio naõ denota pela palavra linguâ a elolinguâ quência em geral , como alguns pretendem 3 mas fim a que pertcnce

^àm

:

Arte Poética. As Fabulas

Nem

togadas

,

ou

133

pretextas.

por certo mais illuOre Lacio pelejando, que efcrevencfo, Se naô cuftaíTe tanto a nos Poetas Os efcritos limar , como o j^uardallos feria

O

Por tence à Poefía Drammatica, que he a matéria fujeita. A refp eiefpecialmente da Comedia , he que diz , que fe os , e Poetas Romanos cuidaíTem em trabalhar, e polir os Teus efcritos, to delia

naõ feria por elles menos gloriofa a Pátria , do que era pelas armas. A ifto fupponho , que alludio Qiiintiliano , quando diíTe : Jn Comcedia maxime daudicamus Sem eílas duas circunílancias naõ ha Lim^e labor , i3 mora obra de merecimento. He precifo polir os efcritos , e ter paciência em os guardar por muito tempo , antes de os fazer públicos, para que a lima entre com elles por muitas vezes j pois obra, que naõ he bem emendada , nunca he perfeita. De Lucilio pouco obfervador deíla regra dizia o noíTo Poeta na Satyr.4. do 1. i> .

:

In hora fíepe ducentos

Ut magnum Garrulus

,

pede in uno >

'verfus didlabat Jians

^lum flueret

Ititulentus

;

erat quod toUere

1 elles.

atque piger fcrihendi ferre laborem

Scribendi reãè

nam

3

ut

multum

,

nil

;

moror

Qiie judiciofamente recommendava o noíTo iníigne António FerDiogo Bernardes o mefmo, que defejava Ho-

reira na Carta i^. a

rácio aos feus

Romanos

!

Vejo teu verfo brando

,

ejlylo

puro

,

Engenho , arte , e doutrina ; fé queria Tempo , e lima ^ da inveja forte efeudo. , e muda hum anno , hum dia , Como em pintura os erros vay moflrando

Enfína muito Depois

E

mais abaixo

^lem

o

tempo , o

qiie o olho

antes naõ

'via,

:

de olhos tantos lido

De

,

quem julgado

tanto imigo às vezes ha de Jer

Convém tempo

efperar

,

e ir

,

bem armado.

U^

134 Pomplliiis

Multa

fanglas

dies

c^

,

,

Arte Poética. carmen reprehendite

multa

litiira coercvit

Fr^efeÔíiim decies non cajVgavit

,

,

(jiiod

non

atcjiie

ad iinguem,

XXVIII Jngenium mlfera

^

Credit ,

Democritus

(juta fortunatíus arte

exchidit [anos Helicone poetas ,

bona pars non ungueis pojiere

curaf-,

.

Non AíTim chama aos Pisoes , por ferem Vos ò Pompilíiis fanguis defcendentes de Calpo , filho do Rey Numa Pompilio. pôr Horácio em nominativo o nome Pompilius em lugar de vocativo , he coufa vulgar nos Poetas ; e entre outros exemplos lembramos o de Virgilio Corniger Hefperidum fluvius regnator aqua' rum. Carmen reprehendite , quod non multa dies , £5? multa litura , (3c. : Correfponde o multa litura ao limce labor do verfo antecedente , e o multa dies ao mora. Temos obfervado, que coufa nenhuma recommenda tanto Horácio em muitos lugares das fuás obras , como he o rifcar huma, e muitas vezes , quando fe eftá compondo. Naó fó nefte verfo, mas no 72,. da Satyra 10. do liv. i. j e no 167. da Epiftola i. do liv. 5. deixou bem provada efta neceíTidade. Eíle grande preceito na5 he fó delle , he de todos os meftres ; e QLiintiliano tem a correcção pela parte mais útil dos Emendatio pars ftudiorum utilijjíma j neque enim fine caufa eíludos credit um e/l^ (lylum non minus agere ^ cum delet. Aqui ufa de metáfora tirada dos EfPrcefeãum decies.^ i^c. cultores em mármore, madeira, ôcc. , os quaes coftumavaõ paffar a unha pela obra, para aífim verem , fe eftava bem polida, e as junturAs bem unidas. Hoje naõ fabemos, fe ainda confervaõ eíle CO (lume he certo, que o tinhaõ os Romanos , e os Gregos, entre os quaes ( como acho em Erafmo , e Manucio ) para exprimiPajfou a rem , que huma obra eftava perfeita , havia o adagio unha por ella. Por iífo dizia Polycletes, que a coufa mais ditficil :

O

:

:

:

:

:

em

Arte Poética.

ij5

Por longo tempo. O' vós de Numa Eftirpe, Reprendey todo aquelle que naÕ (abe Muitas vezes rifcar o feu Poema ,

,

Nem fepultaiio em E dez vezes limallo

A

darlhe o

fi ,

por longos dias

,

que chegue

até

mais perFeitc polimento.

Porque crera Demócrito

,

que o génio

Valia muito mais para a Poefia , Q^ue a miferavel Arte , e do Parnafo Excluirá os Poetas de juizo

j

Por cm

hiima obra , he quando ultimamente fe ha de paíTar por elunha. Efcufado he dizer ( por fer coufa clara ) que o Poeta na palavra decles tomou hum numero determinado por hum indeterminado 5 efcolhendo o de dez , por fer entre todos o rnais la a

perfeito.

Ingenium miferâ^Hc. : Tendo até aqui moílrado Horácio, que a Poefia pede fummo efiudo, e igual cuidado no corregir de vagar , o que nella fe compõem ; poderia opporfe alguém a eíla doutrina com a authoridade de Demócrito, o qual defendia, que ao Poeta , para fer bom, baftava-lhe ter enthufiafmo , e que fen* do dotado pela natureza defte furor, naõ importava que ignoraffe a Arte. Para zombar da futilidade defta doutrina , ou da fua má intelligencia , faz huma galantiíTima pintura daquelles, que por falta de juizo entendem as coufas às aveífas , ou ao pé da le* tra. Demócrito , fegundo Cicero de Divmatione , fó affirmava ^ que fem furor naõ fe dava Poeta Negat enim fine furore Democri^ tus (juemquam poetam magnum effe poffe. mcfmo prova Sócrates :

O

no feu lon. Ora os máos Poetas do tempo de Horácio entendendo materialmente o furor, de que fallava o dito Filofofo, perfua^ diaõ-fe , que era precifo moftrar exterioridades de loucos , para merecerem no Parnafo o lugar , que naõ fe concedia aos fizudos. E aíTim naõ cuidavaõ em cortar as unhas , nem fazer a barba y nem lavar o corpo. Bufcavaõ os lugares folitarios , e deite modo entendiaõ , que alcancava5 o nome, e reputação de Poetas 2 moítrando, que o enthuíiafmo os fazia andar abllrahidos. Si

De Arte Poética.

I3Ó l^on barbam

:

fecreta petit loca

enim pretlum

'ísancifcetur

balnea vhat.

,

poeta

nomencjiie

^

,

Si tribus Anticyris caput infanahile nwKjiiam

O' ego

Tonfori Licino commiferh. Qiii purgar bilem

líeviis

,

Jub vernl temporis horam

Is 011 aliiis

facerct meUora poemata

H^il tanti

ejl.

Ergo fungar

Kedderâ (jUícferrum vakt

^

:

!

ver um

vice cotis

y

acumm

exfors ipfa fecandi

:

Mu'

Aqui dá o toque mais vivo , que tem efSi tribus Anticyris Coníifte a viveza em fingir três te retrato dos Poetas loucos. Anticyras , quando he certo , que fó eraõ duas , onde le dava o Se helleboro , famofo remédio para a loucura. Como dizendo houvera três Anticyras , todo o helleboro delias naõ bailaria para curar eílas cabeças loucas ; no que vem o Poeta a dar huma vivifllma idéa do conceito , que fazia defta cafta de gente. Muitos Commentadores naõ alcançarão eilia delicadeza. Elle Licino foy hum barbeiro em Roma , a 1'onfori Licino :

:

:

elevou à dignidade de Senador , por faber , que tinha ódio a Pompeo. Elle he o mefmo , a quem íe fez eíle fatyrico epitáfio, 'alludindo a hum magnifico tumulo , que mandara lavrar para fi.

quem Augufto

Marmóreo tumulo

Licinus jacet

,

at Cato nullo

,

Deos ? Oh ego Uvus , qui purgor bilem , í^c. Para mais efcarnecer dos loucos fcquazes de Demócrito , Horácio ironicamente fe reprehende Pvmpeius parvo,

^iis putet :

cffe

Arte Poética.

137

que nunca cortaõ Nem as barbas , nem unhas j vivem fempre Efcondidos , e fogem de ir aos banhos ^ que o conceito Eftando na certeza Confeguiráoj e o nome de Poetas, Se a Licino barbeiro nao deixaiem

Por

iffb

muitos ha

,

.

A

cabeça rapar 5 cabeças ioucaS;^ Para as quaes três Anticvras naõ baflaõ. Oh coitado de mim , porque me purgo Da bile, quando vem a primavera! Se o na5 fizera , fora certamente melhor dos Poetas 5 mas que importa ! Naõ quero comprar coufa a tanto cuílo. Por contente me dou , fazendo as vezes Da pedra de amollar, que em fi naõ tendo yirtude de cortar , dá corte ao ferro.

O

S

Sc

a íi mefriio, dizendo, que he muito imprudente em fe purgar da bile pela primavera , pois coníervando-a , com o tempo chegaria a ter tanta, que viefle a ter a loucura neceíTaria paru ler Poeta i já que para ter elte nome, baila fer louco na opinião deffes Democritos. Non alius faceret melíora poemata Ifto he, por fer muito biliofo, ninguém faria melhores Poemas, do que eu, porque ninguém feria mais louco , fe me naõ purgara. Ferum nil tanti efl: Mas (continua a efcarnecer dos fobreditos Poetas) naõ eítimo eu tanto a Poeíia, que compraíTe tal a taõ caro preço, fendo-me precifo fer louco, para fer Preta. Ergo fungar vice cútis ^(^c: Pedro Nannio copiado por Dacier illuftra bem eíle lugar com huma repolla de Ifocrates que , perguntado , como podia fer , que hum homem fem eloquência chegaíTe a fiizer eloquentes a outros j refpondeo, que podia , aJTm como a pedra de amollar , fem cortar per de fi mejma , tem a "virtude dar corte ao ferro. Creyo , que Horácio ao eicrever .eíle verfo , teve no fentido eíla repoíla. Ni\

hende

:

De

138

Múnus ,

Arte Poética.

O* qficluni nil fcrihens ipfe Joceho.

Vnde parentur Quid deceat ,

opcs cjiiid

alat

(]iiid

,

non

:

,

formetcjue poetam

cjuo virtus

,

i

cjuajerat error.

XXIX. Scrilendi reãe fapere

Rem

tihi Socraticíe

O' principium,

ejl

cT fons.

poterunt ojlendere chartíe

Verhaçne provifam rem non

j

ínvita fecjuentur*

2"i Nilfcribens ipfe Do mermo modo eu ( diz o Poeta) enfinarey a outroj os preceitos da Poefia, pofto que nada efcreva , ifto he, que na5 componha nem Poema Épico , nem Drammatico , de cujas regras he que efpecialmente trato nefta minha Arte. Talvez alludio ao que deixou efcrito Cicero no Finibus ^ a f. liv. de refpeito da rnefma matéria Jhfnrdum non ejl ^ ut qui poemata /cri" ípere non pojjít ^ ilUus tamen rei poffit tradere pracepta. :

:

Unde parentur opes Eftas riquezas da Poefia faõ efpecialmenfem a qual (diz Tullio) fera qualquer obra , ina^ ^ :

te a Invenção nis fonitus

verhorum.

^id alat des

,

^

formetque poetam

que vem da natureza

,

:

Horácio ajunta aqui as qualidaformação de hum , paru a

c da arte

O

bom ma ,

Poeta. A natureza o forma ^ eu arte o alimenta. como hue outra faz o feu officio , iffo largamente tem moftrudo a prefente Epiftola, e naõ menos o conteúdo no verfo , que fe fegue ^nid deceat , quid non quo virtus , quo ferat error. Scrihendi re5lè fapere efi ^ ^c. Ifto que Horácio agora diz, he huma repofta aos múos Poetas , que como loucos daõ nas extravagâncias , que deixa apontadas , entendendo , que as devem fazer , para ferem recebidos das Mufis. Como dizendo Vófoutros entendeis , que para fer Poeta , he precifo fer louco j pois fabey , que para o fer , he neceíTario fiber bem , e ter bom juiao 3 fcribendi reUe fapere eft principium , i^ fons. Toda a Poefia, :

:

:

:

^

que

Arte Foetica. Se Poemas naõ faço , os ftus preceitos Enfinarey , moftrando da Poefia As occultas riquezas o que forma , E alimenta os Poetas 5 o que he digno Ou indigno da Mufa e qual vareda A' virtude conduz ; e qual ao vicio.

139

5

,

;

XXIX.

He

O

de

bem

juizo

,

fe

efcrever, principio, e fonte

e lição

ampla matéria

j

Defcobrirás de Sócrates nas obras:

E huma

vez, que tiveres hum aííiimpto Bem concebido as vozes fem violência Verás , que naõ te faltaÕ no difcurfo. ^ S ii ,

Aquel-

que na5 proceder delia fonte, fera obra, que merecerá o defpreque na5 excluem fanos Helicone Poetas. 20 dos intelligentes mefma doutrina dava ao feu Bernardes o noíTo judiciofo Ferreira na Carta 13. De bem efcrever , faber primeiro he fonte , Enriquece a memoria de doutrina

A

',

Do Rem

tibi

que

hum

cante

Socrática ^ (^c.

em que

, :

outro enfim

,

outro te conte.

Aponta agora o Poeta

a fonte

,

e a

ha de formar o juizo, e adquirir a doutrina, remettendo o leitor para a Filofofía de Sócrates, ifto hc , a Filofofía Académica , como aquella que fabia melhor habilitar hum efpirito para conhecer a verdade , e adquirir os bons coílumes. Nella fe formavaõ excellentes aquelles , que afpiravaõ à perfeição em qualquer fciencia, ou arte, como lemos no liv, f. de Finibus , fazendo-lhe Pifaõ efte elogio. Ut ad minora irniam Mathematici , Poet^e , Mufici , Mediei denique ex hac , tamquam ex cmnium artium officina^ profetli funt Porém nefte lugar alludc Horácio efpecialmente à doutnna moral , taõ precifa ao Poeta para a pin« tura dos caracteres, na qual Sócrates excedeo aos demais Filoíbofficina,

fe

:

.

fos.

Ferbaque provifam rem^ l^c. Quando nós temos bem concebido huma coufa , he fácil o exprinilla, e para eíle fim promp" tamente occorrem as palavras, como dizia Cicero : Jpje res i;erba :

ra>-

De

ii4o Qui

didlcit

,

Arte Poética.

patriíC (julj deleat

,

Cf

Qjiojit amore pareiís

, cjiio

Qiiod Jit confcriptí

cjuo d judieis ojficium

,

i

ille

fcit convenientia

Refpicere exemplar

vitíC

5

frater amandus, o' hofpes

Partes in helliim mijji ducis

Reddere perfon^e

amlcís

cjiiid

;

-,

5

(jUíC

profeãò ciiiíjiie,

mor um que juheho

rapiunf

e Afinio Polliaõ citado pelos dous antigos Interpretes ; Porphirio, e Acron Alalè herde eveniat verbis ^ nift remfequantur. mefmo deixou efcrito Sócrates , dizendo De re non faíis perfpetiâ neminem reãe judieatur um , i3 oratione explicaturum. Reparem bem neftas doutnnas aquelles, que em fuás compoficões naó bufca5 vocábulos para o fentido , mas arr;iftra6 o fentido para os vocábulos. E deíles quantos ha didicit pátria , ^c. Coufa nenhunra he taÕ precifa ao Poeta, como a Ethica, a fim de iaber pintar com exaccaô, e veroíimilhança os caraéleres daquelles , que toma por argumento j porque eíla fciencia he que moftra o forte, e o fraco das paixões humanas , e qual feja a obrigação do homem fegundo o feu citado, o feu officio, e o feu carader. Reddere perfon^ fcit convenientia cuique Ifto he , fó faberá dar a cada peflba aquelles coftumes, que lhe convém, ou como ver:

O

:

!

^i

:

:

dadeiros , ou vcroíimeis, quem for bem inílruido nefta Filofofía moral: quem fouber o amor, que fe deve aos pays, a obrigação, que fe tem à Pátria , e aos amigos j quem naõ ignorar as leys invioláveis da hofpitalidade , e qual feja o caraíter de bum Capitão na guerra, de hum Senador no Senado, e de hum Juiz no feu tribunal. Como a cada hum deftes convém efpeciaes coítumes, o Poeta , que os tem bem elludados pela Ethica , naó ha de confundir huns com outros , pintando hum homem de armas , como hum de letras. Em toda eíla Arte efte pomo do fiel retrato dos caracteres tem devido a Horácio eípecial memoria em multiplicados lugares i donde fe vê, o quanto eíle eftudo hc fummamente prccifo ao Poeta, por fer como alma da Poefia. Refpicere exemplar vit^

quafi ie

unem

,

li^c.

:

Os

Illuítradores nelle lugar vitc^ , mormiK^i.e a re-

todos a entender por exemplar

ferida

Arte Poética.

141

que bem fabe, quanto deve A' Pátria , e feus amigos quanto afFedo Aqnelle

,

5

Os

E E

pays

,

irmãos

^

qual o do Juiz,

e os hofpecles

merecem

qual do Confcripto

j

,

qual do Capitão o officio feja 5 EíTe he que vivamente reprefenta carader devido a cada eftado. Ao douto imitador dou por confelho. ,

O

Que ferida Filofofia moral de Sócrates. AíTim o affirma o bom ComPoeta ^ qiii omnium oficia novit in Philofophiâ^ mentador Luifíno quce efl de moribus , tamquam in quodam exemplari , in frigulis perjonis própria ojicia explanei. Porém o tantas vezes allegado Dacier pretende , que eííe paíTo naõ tem fido bem entendido , dizendo , que Horácio por exemplar da vida , e dos cojlumes quer denotar a natureza , que he o único modelo de toda a variedade de coftumes , que ha nefte grande theatro do Mundo. Eíle he o original, que ha de copiar hum douto Imitador illo he, hum bom Poepois a Poefia , como bem demonlba Ariftoteles na fua Poéta tica, naõ he mais que huma imitação. Para reprefentar vivamente no theatro v. g. a hum avarento, a hum ambiciofo, 6cc. , naõ ha de attender para o que faz hum , ou outro homem deílcs , porque eítas copias commummente feraõ imperfeitas , e confulas , fundadas fobre o particular j ha de ter diante dos olhos o que os taes fu jeitos devem fazer , fegundo o feu caraóter de avarentos, ou ambiciofos \ iílo he , hu de bem refleélir no que a natu:

.^

j

reza geralmente infpira em huns taes coftumes. Ella interpretarão he taõ natural , como judiciofa , e fegundo ella , bem clara fica a intelligencia das outras palavras Et veras hinc ducere vocês : exprefsòes verdadeiras. Chamalhe Horácio verdadeiras ^ porque v.g. no retrato de hum colérico na5 pode hum Poeta deixar de o fazer em tudo verdadeiro, imitando a natureza no geral, e naÕ a hum colérico em particular. Nerta pintura pode haver vicio de imperfciqaó , porque fe reprefentou o que a cólera faz 3 na da natureza naõ pode haver engano , porque fe pintou o que a cóle:

ra verofimilmente , ou com verdade deve fazer. Eíl:a doutrma he inteiramente de Ariítoteles no liv. ij. da fuu Poética. Inter»-

De Arte

142

Do5íum imitatorem

,

o* veras hinc diicere vocês.

Inter dum fpeciofa locis

Fabula ,

mil/iiis

Poética.

,

rnoratafie reâíe

Veneris ,Jine pondere

Valdius obleãat populum

,

Qiiam verfus inopes reriim^

,

c/ arte,

melinjcjiie moratiir

,

canoríC,

niigíe(jiic

XXX. Graiis ingeniimiy Graiis dedit ore rotundo

Mufa

locjuí

f

pr^eter

laudem miUius avaris.

Koma^ Interdum fpeciofa locis ^ ^c. Daqui fe prova bem o quanto a Filofofia dos coílumes he preciíiíTima na Fabula Cómica, da qual Horácio continua a fallar. He taõ neceíTaria , ( diz elle ) que huma Comedia, em que houver lugares efpeciofos, iílo he, bellas fentencas , bons peníamentos , e coílumes bem exprimidos, ainda que lhe falte a galantaria , e arte , ha de agradar até ao meínio povo muito mais , do que outra , que tenha verfos muy :

harmoniofos , mas faltos de exprefsões , que pintem bem efte , ou aquelle coftume. Monf. Daciernas fuás excellentes Notas à Poética de Ariíloteles moftra illuftrando o cap. ly. , que efte juizo de Horácio fó tem lugar na Fabula Cómica , e naÕ na Trágica , onde os coftumes , c penfamentos naõ faó taó neceíTarios, como a difpoíiqaõ da Accaõ. ^uàm verfus impes rerum , nu^^^iie canora Ifto he , verfos , em que fó ha huns brinquinhos fonoros por caufa de huma bella metrificação , e huns incidentes frivolos , que naó pafiaô do ouvido ao coracar) , e deftituidos ao mefmo tempo de pinturas de noflb coftumes , e de fentimentos infpirados pela natureza. gofto a refpeito do theatro cómico he taó depravado , que fimplefmente por huns verfos harmoniofos , por humas agudezas pueris, e por humas gracioíidades aífeétadas (excellencias da Comedia Hefpanhola) trocaó aquelles vivos retratos de diverfos caraòteres , que os de bom ^ofto louvaõ nas Comedias de Molie:

O

re,

Arte

Poética.

14}

Qiie nnnca aparte a vifla do modelo Da vida , e dos coftumes , e que delle Saiba extrahir os toques verdadeiros. Huma Comedia às vezes , tendo bellas Sentenças , e coftumes bem pintados , Inda que arte naõ tenha , graça , e metro, Agrada muito mais , e encanta o povo , Do que huns verfos fem fucco e de palavras Hum jogo, que naÕ tem mais que harmonia» ,

XXX.

A

Mufa deu

aos Gregos nobre

E fubJime linguagem Ambiciofos , fena5 de

j

nem

fe

engenho

,

moftraõ

altos louvores.

Os re, de Goldoni , de Amenta , e outros imitadores dos Antigos. defejamos, que entre nós defperte hum engenho feliz, que os imite, para nos incorporarmos nefta parte com as Nações cultas, e tirarmos da Comedia aquellas utilidades, de que eíla he capaz , caftigando os máos coftumes , com os pôr em ridiculo na prefença do povo em publico theatro.

Bem

Quem ler as Graiis ingenium , Grátis dedit ore rotundo , i^c. obras de Horácio, efpecialmente efta Arte, bem ha de conhecer a merecida paixaõ, que tinha pelos Efcritores Gregos, propondo-os huma , e muitas vezes como fontes de toda a belleza , e bondade da Poeíia. E que bem fe parecem com elle certos modernos, como o Apatifta , e outros , que fe empenharão em eftjuadrinhar defeitos nos primeiros Poetas da Grécia , e defeitos na fua eloquência , à qual Horácio chama nobre , polida , agradável , e harmoniofa j que tudo illo denote o ore rotundo , com que fe exprime j frafe tirada dos mefmos Gregos , como lemos em Ariítophanes, que fallando de Euripides, diíTe Ego rotunditate ejus oris fruor , para dizer , que goltava muito da belleza , e graça das fuás exprcfsões. Prceter laudem nullius avaris Os que commentaó eíle verfo, entendendo , que Horácio chama aos Gregos avarentos em car louvores, certamente o entendem mal. Aqui avarus vai o mefmo que avídus y e ufa defta translação , como já fizera nas Epiftolas^ dizea:

:

:

D^ -A^rte Poética.:

144

Romani] piieri longis ratiombus ajjem 'Dijcntiunt In partes centiim dediicere,

Alhanl

Fiiiiis

Vncia y

Rem

,

Ji de cjuincunce remota

(juid fiiperat

l

Poteras dixijfc

At

Ciim femel

hcec ânimos (Crngo imhiierit

Vojfe iinenda cedro

,

,

efi

trletis,

Eii

,

Kedit uncia: (juidjit^

poteris Jervare tuam,

Semis,

:

Dlcat

,

o* cura peculi

Jperamus carmina fingi

^

laevi

fervanda

ciiprejfo

?

Aiit

Animum laudis avarum. De modo , que louva os Gredizendo delles , que fó os louvores bufcaõ com ambiqaõ , affirmando gos para aílim cenfurar os feus Romanos , que fó eraÔ ambiciofos de :

riquezas,

como O'

já fizera

eives

,

na Epiftola

i.

a

Mecenas:

primum efl , hac Janus fummos ab imo

eives qu

Em

:

:

O

De Arte Poética.

45o

LeSíorjin dele óí ando

Híc meret Et

paritercjuc

,

cera líber Sofiis

j

vwnendo,

maré

hic C/

tronjtt

,

longiun noto fcríptori prorogat ícvurn,

XXXII. Simt deíiâía tamen

'Nam

necj

gravem

fempcr feriei

Verum

(juihm ignovijfe veVimus

chorda fonti reddít,(]iiem vult

Po/centiíjae l>lec

,

,

maiiiis^

perf^epe remittit acutum (juodciimcjiie

minahitur

uhi piara nitcnt in carmine

,

,

5

^ mens, :

arcas,

non ego paacis

OJenzer infeparavel o inílriiòtivo do deleitofo.

Efta he toda a força em ha de inílruir hum lugar, e deleitar he naõ do , em outro j ha de o deleite acompanhar fempre a inítruccaó. Os que fabem a Hiíloria Romana , bem alcanca5 , que nefte verfo a palavra pun^tum vai o mefmo que fuffragia , fendo coftume dos Romanos dar os feus votos por pontos. Para prova diílo lembranos o que diz Cícero pro Mur;cna. Tamen admonitus re ipfa re^ cordor , quantum h^ quafliones in Senatu habita punãorum nohis fervi pariter

',

ifto

detraxerint.

Os Sofíos foraó dous irmãos, Hic meret ara lihcr Sofiis ^ 13 c. famofos livreiros de Roma, iílo he , tanto encadernadores, como efcreventes de livros j porque entre os Romanos os mefmos, que copiavaõ as obras dosAuthores, eruõ os mefmos, que as vendia5 já cozidas, e preparadas em rolos , fegundo a antiga forma , que :

fe

coltumava dar aos

livros.

Pofto que hum Poeta Cómico , fe Sunt de/i^a tamen j ^c. quer lucro , fama , e concurlo a ouvir fuás Comedias , haja de inílruir, e deleitar nellas ao mefmo tempo j com tudo devemfeIhe perdoar algumas faltas , e fo íFrcr, fe naõ fibem bem unir o inílniaivo com o dcleitaveí. A mayor parte dos Commentado:

que nelle filia Horácio de , entendendo , qualquer efpecie de Poeíia > mas naò concordaporque he certo ( como fegue o cxcellente In-

res iliuftraõ efte lugar

todo o Poeta

mos com

em

elles

j

terprete

Arte

E

Poética.

151

juntamente agrade eíTe he que leva voto univerfal 5 eíTes Poemas Enriquecem livreiros paíTao mares , E daõ ao feu author immortal nome. ,

O

,

XXXII.

Ha com

tudo defeitos , que fe devem porque a corda Defculpar facilmente tom nem fempre dá que a maõ pretende Antes pedindo hum baixo , fere hum tiple , ;

O

,

Nem

defpedida a fetta por

maô

Sempre no que ameaça, acerta o

^

déílra tiro»

Por terprete Francez , tantas vezes allegado ) que Horácio neíte gar ainda eílá tratando da Poeíia Cómica.

Nam tas fe

lu-»

Porém como nem todas as falnegue chorda fonum ^{^c. devem perdoar, aponta agora o Poeta quaes iejaó as dignas :

de perdão , ufando de hum íímile taó excellente , e engenhofo, que baíta dizer , que he de Horácio. Os defeitos , que merecem dcfculpa , haó de fer da cafia daquelles , que naõ defcompoem a harmonia do todo > aífim como huma corda defifinada em qualquer inílrumento mufico , ou por falfa , ou por laal temperada , íim faz diíTonancia, mas tal, que a disfarçaó, ou a fupprimem as outras cordas em tom perfeitamente ajuftado. Nec femper feriet ^(^c. : Reforça a comparação antecedente com outra , dizendo , que aíllm como o homem mais déftro no tiro de fetta erra algumas vezes a pontaria ; afimi o melhor Poeta nem fempre pode acertar. Verum uhi plura nitent ^ ^c. As obras do engenho faõ como os homens ; os melhores faõ os que tem menos defeitos l^am 'vitiis nemo fine nafcitur , optimus ille efi qui mininiis urgetur. E af, íím em huma Poelia , onde as coufas , que merecem louvor , fa5 cm grande numero , e fó apparece huma , ou outra falta leve , nenhum Critico, que tiver prudência, e juizo, a deve cenfuiar, confiderando, que das mãos dos homens naõ pôde fahir tudo per:

:

feito.

De Arte

152

O^emíar macu//s

,

anas

Poética:

aiit

incúria

fudk ^

^iit humana parum cavit natura,

Qiiid ergo

Vt fcrlptorji

njcjiie

Quamvis

ejl

peccat idem tibrarius

monitus

'Ridctur chordà qui

Sic mihi y

Quem

cjui

,

caret.

^

,

o' citharcedus

femper olerrat eãdem.

muhum

lis tercjue

veniâ

t

cejfat

honum cum

,

Jit Clucrilus

rifu miror

,

c/

ille ,

idem Indi'

^as

aut incúria fudit , aut humana , {^c, Os defeitos ou poproceder de alguma negligencia , naõ fe podendo cuidar em tudo , ou de natural fraqueza do entendimento humano j e aíTim por qualquer deíles principios fe devem disfarçar na Poefia as leves imperfeições. Longino no cap. 30. confeíTa, que os defeitos, que aponta em Homero , e em outros graviffimos Authores , de nenhum modo lhos attribue a ignorância , mas ílm a efquecimento, e negligencia , efcapando-lhes da penna como coufas leves, por eílurem com o entendimento todo occupado em coufas gran:

dem

des.

^uid ergo? Depois de ter dito Horácio, que na5 ccnfura nos bons Poetas aquelles defeitos, que procedem de natural inadverfaz a íi mefmo elta objecção , ^uid ergo ? Como dizentência do Pois fe aljentarmos niílo , que he o que íe ha de cenfurar? Pois de qualqutr defeito fe poderá dizer, que procedeo de negligencia, e incúria, ou de fraqueza de entendimento, que naõ pode eítar acautelado em tudo. Refponde à objecção Ut fcriptor ft peccat idem librarius ^[^c. dizendo, que os defeitos , que naõ deve perdoar hum cenfor judiciofo, faõ aquelles, em que fe cabe com frequência , fem haver emenda da parte de quem os comette do mefmo modo que a hum copilla de livros ( que ifto íignifíca fcriptor librarius ) fe naõ perdoa hum erro de efcrita, que comette muitas vezes, tendo fido emendado outras tantas j nem a hum tangedor de inílrument >s , l'e deiufina fempre na mefma corda , naõ fendo já ifto natural incúria, mas vicioia negligencia. i

:

:

:

Sic

xArte Poética.

155

quando vejo em qualquer cbra naó me oíFendem Brilhar muitas virtudes Certas faltas , que vem de alguma incúria , Ou de fraqueza humana pouco cauta. Pois que hey de reprender ? Do meíino moda

Por

iíTb

,

Que hum

Copifta cahindo muitas vezes

Naquella mefma falta, em que avifado de perdaÔ fe naõ faz digno j Já fora E o Mufico , que fempre defafina Nas mefmas cordas he de rifo objedo ; Aííim foíFrer nao poíTo o que em feus verfos Recahe nas mefmas faltas femelhante Se faz àquelle Cherilo Poeta, De quem fempre efcarneço , inda que admire Dous , ou três paíTos bons em feus efcritos ,

,

,

:

:

U

E

Sic mihi qui multum cejfat Allude o Poeta talvez ao antigo provérbio Bis perperam facere idem non viri efl fapientis. Qiiem muitas vezes cahe em humas mefmas negligencias , e efquecimentos, dá claros íinaes da fua ignorância, e naõ merece perdaõ. Cejfat vai o mefmo que dizer , qui otiofus efl ^ Í^ fuum facere oji(ium negligit. Fit Cherilus ille Houve dous Poetas deíle nome hum floreceo no tempo de Alexandre , filho de Amimas , e outro que viveo cento e quarenta annos depois. primeiro foy Poeta celebre, e compoz hum Poema excellente fobre a viftoria, que os Athenienfes alcançarão de Xerxes. Parece que deite naõ he de quem falia Horácio , mas fim do fegundo de quem diz Q. Curcio. Agis quidam Argivus pejjimorum carminum pofl Ch^rilum conditor. Elcaligero na Chronica de Eufebio impugna grandemente a Horácio ncíle lugar mas veja o leitor o como o defende Dacier nas Notas à Epiltola i. do liv. 2. do mefmo Poeta. bis ^ terque bonum , ^c. Efte verfo contém huma expreíTaõ delicada nus palavras , cum rifu miror. Luiíino a explica com toda a clareza Hum Charilum bis , terque bonum cum effe 'video , id :

:

:

:

O

•,

^em

:

;

ejij duos veltres verfus elegantes fecij/e ^ rideo

^

(^ miror.

^ia feio

id

De Arte Poética.

I5Í4

Indígnor

,

(juandocjue honiis dormitai

Homenis,

fas

fommmi,

Veriím opere in longo

ohrepere

ejl

XXXIII. TJt piâíura

Toéfis erh

,

cjii^

:

,

ft propius Jles

,

Te ^od

temer è , non de indufiria id contigijfe , riãeo. "oerò Jiultis hominihus aliquandò honi verfus in bucam fluant , mecum ipfe miror. Et idem indignar , (^c. meTnio modo que efcarneqo , e :

Do

me

admiro , quando vejo , que hum máo Poeta faz algumas vezes hum 5 ou outro verfo bom ; aíTim nau poflo foíFrer , que hum Poeta excellente , como Homero , inadvertidamente , e naõ por ignorância, caya em algum defeito. Naõ podia Horácio dar ao grande Épico Grego hum louvor mais fino , e delicado j pois delle fe colhe , que os defeitos em Homero faõ taÕ raros , como os acertos nos Poetas ordinários. He para admirar , que alguns Commentadores entendeíTem , que o Poeta cenfuraíle aqui a Homero j e taõ vulgar he efta intelligencia , que neífe fentido paffa por provérbio j quando he evidente , que o que Horácio quiz dizer he, que hum Poeta máo , como Cherilo , fe acerta em al-

guma coufa caufa rifo , e efpanto Homero , cahe em algum defeito fempre bom , e rariflima vez máo , ,

,

j

porém

fe

hum bom

,

como

porque he affim como Cherilo he femcaufi indignação

,

e rariíTima vez bom. ^uandoque Naõ fignifica aqui , algumas vezes , como erradamente o entendeo mais de hum Traductor , e Interprete j mas vai o mefmo, que (juandocumque ^ quoties^ í^c. Na meima acepqaõ o lemos na Ode a Júlio António

pre

máo,

:

•.

Concines maiorc Poeta pleãro

Cíefarem^ quandoque trahet feroces ^^c.

Defculpa os defeitos de Homero, ^ i^c. dizendo , que cm hum Poema taõ dilatado, e de taõ árduo trabalho , como o feu, permitte-fe hum, ou outro dcfcuido. Deíl:e ponto tratou Quintiliano com aquella boa doutrina , que collunia, no cap. i. do liv. lo. , para onde remettemos o leitor. Efte lugar he certamente hum Uípiãum Poefis erit , ^c, dos

Verum

opere in longo

:

:

Arte Poética.

15

E

naõ poíTo deixar de enfurecerme Toda a vez que dormita o bom Homero

5

,

Mas Naõ

disfarça-fe

em

íempre

eílar

obra dilatada

alerta

hum

j

,

grande engenho.

XXXIII. A' Pintura a Poefia fe aíTemelha Em ambas goftarás mais de humas coufas Uii ;

^

,

Se

dos mais recommendaveis defta Arte > mas no meímo tempo he hum dos mais mal entendidos. Jacob Grifolo , como fe nelle nao houvera nada que interpretar , paíTou-o em claro , e Francifco Luifino entendeo-o mal, dizendo , que Horácio compara a Poefia à Pinturas porque aíTim como nefta ha quadros bons , e máos , aíTim na Poefia ha obras de merecimento , e outras que apenas

Poeta, nem taõ pouco he o leu intento comparar geralmente huma Arte com outra, como entendeo Lambino , e Nannio. O que pretende moftrar com efta comparação fummamente engenhofa he , que na Poefia , affim como na Pintura , ha diverfos pontos de viíla , dentro dos quaes he que fe ha de julgar do merecimento do objeíco. Hum faz bom efFeito em huma diílancia , outro em outra , fegundo a luz , que lhe compete* As Notas feguintes deixarão me-

merecem

fer lidas.

Nada

difto quer dizer o

lhor illuftrado efte ponto.

^a^fi propius fies: Ha

pinturas defenhadas

,

e pintadas pa-

fegundo a diílancia, que vay dos olhos ao lugar, em que as põem , aíTim he a proporção dos feus objeótos , o empaílo, e a força da luz. Ha outros painéis , que faó para o ra o longe

j

e

perto, e eftes já pedem outra arte, outra força de claro, e efcuro, e outro acabamento. mefmo acontece na Poefia ha nella quadros , que fe querem viílos de longe , e outros obfervados de perto , para huns , e outros naõ perderem a fua graça , e regularidade , que lhes dá o diverfo ponto de villa. Ifto m.efmo dizia Cicero a Bruto , perfuadindo-lhe , que na Oracaõ deve haver o artificio, que pede a pintura, pois que nella nada faz o devido elFeito , fe naõ eílá na fua proporcionada diftancia, e lugar competente. Qiiem neíta matéria quizer larga inftrucçaõ , lêa o cap. 8. do ultimo livro do Tratado fobre o Poema Épico , que efcreveo o fabio P. le BouíTu.

O

:

Et

De Arte

156

Tj

cap'ct magis

^

y

H aíHm na Poefía naõ fe deve cenfurar aquella pintura , que agrada huma fó vez, nem pofpolla à outra, que fempre, que fe vê, fempre agrada j porque efta judiciofamente foy feita com todos os toques da arte , e efmerou-fe nella o Poeta , para que caufaíTe de~ leite , fempre que fe viíTe ; e aquella com igual artificio fez-fe para fomente fer viíla de palTagem , e agradar huma fó vez bem como os painéis de mancha , em comparação com os acabados. -,

Se

os Criticos defte feculo

de pinturas

,

que tem

refleóliíTem

a Poefía

,

e

bem

procedeflem

neftas difíerenqas ,

como Horácio

,

com

taõ judiciofo exame , naõ fe atreveriaõ a condemnar muitos lugares dos Antigos com tanta refolucaõ , por naõ dizer igno^^~-~ rância. O' maior jwuenum^^c. Falia agora o Poeta com ornais velho dos mancebos Pisões, a quem dirige efta Epiftola, ediz-lhe: Que pofto que elle por feus eíludos faiba já , que coufa feja re6to difcernimento em matérias poéticas , como bom difcipulo da efcola de feu grande pay > com tudo fempre lhe quer dizer huma coufa muito importante fobre efte ponto , e he , que naÕ fe fpfFrem Poetas medíocres, aíTim como fe foíFrem Juriftas, e Ora-* dores. ;

Difer--

De Arte

15 S

Caufariim medlocris

Mejal^ , me Sed tamen

XJt

ahejl virtiite difertl

,

fcit (juantiim Cajeliiis

in pretio eji

No/2 homines

gratas

,

Poética.

twn Di

,

inter incnfas

viediocrihus

:

Jion

Auhis

:

Poetis

ejfe

concejsère columUíC,

Jymphonia difcors

,

Et Difertl Mejfalce Falia de Valério MeíTiila Corvino , famofo Orador Romano , o qual foy Conful no anno de Roma 712 , e he o mefmo a quem tanto cantou Tibullo , e celebrou Cicero :

cm

muitos lugares das fuás obras, efpecialmente na fua Carta if. a Bruto. Delle igualmente deixou eícrito Quintiliano Mejfala quodammodo pr^efeferens in dicendo nobilitatem. nitidus , 6? candidus , Foy hum dos mais íabios , e eloquentes JuCajfelim Aulus rifconíultos do Teu tempo. Delle entre outros faz diílinóla memoria Valério Máximo, referindo o íingular conceito, que delle Delle Aulo Cafielio naÔ fazia o famofo Jurifconfulto Scevola. exille obra alguma , fenaõ hum fó Tratado com o titulo Benedi:

^

:

ilorum.

Mediocribus

eJfe

Poetis

:

Ainda que

hum Orador

naõ chegue

nem hum

Jurifconfulto ao merecimento de CaíTelio , ainda aflim merece eítimaqaó ; porque em qualquer deílas faculdades fe foffre o fer mediano > porém no Poeta na5 he aíTim 5 fe os feus verfos naõ faõ excellentes , faõ máos. IVam in Cicero no feu Orador he de opinião diverfa , dizendo Poetis non Homero foli locus eft , ut de Gr e ao que ficava atraz de todos , rogavafe-lhe a praga , que Sarnento feja o ultimo porque os Antigos ( como adverte dizia Nannio) tinhaõ porcoftume em feus jogos caltigar aos que perdiaÕ , ou com penas, ou com ignommias. Com muita propriedade uíbu Horácio defta expreííaõ pueril, para melhor denotar o atrevimento dos mancebos em emprehendcrem Poemas, e a prefumpcaõ de quererem fazer figura de Poetas , como fe a Poefia foíTe hum jogo de rapazes. Rclinqui Vai o mefmo que ficar atraz dos outros, e he termo tirado do que fe praticava nos jogos públicos de correr j porque os Antigos para dizerem , que hum vencera ao contendor , di2ia5 : Mmulwmreliquit ^ como bem prova Celio Rodigino nas Tuas :

:

:

Li ecoes

Antigas.

AfTentado pois Ut pr^ecQ ad merceis ^(^c. Poeta he neceíTario, que a natureza concorra :

,

que para

com

fer

bom

os feus dotes ^

De

ij6

Arte Poética.

Ajfentatores julet aã liicriim ire Poeta

Díves ãgrís, SI vero

ejl

,

Et /pondere

dives pojíus in fccnove mimmis,

iinclum

'Nofcere mendaceni

donaris

cjui

reôíe ponere pojjit ;

pro paiipere

levi

Lhibiis implicitiim

Tu Jeii

}

,

mlrahor

,

,

,

C/ eripere

fi Jclet inter-

verumcjue beatiis amiciim.

feu cjiãd donare voles

,

atrh

ciii y

'Nolito adversus tibi factos ducerc pleniun

LíC'

e a arte com o feu trabalho 5 moílra agora Horácio ao mancebo Pifaó , que ainda eíles requiíitos naõ baílaõ j porque cada hum fe engana muy facilmente com os partos do feu engenho , tendo-os fempre por perfeitos > e aíTim he neceíTario que tenha ami-

gos

,

naõ

lifonjeiros

mas

,

fabios

,

e íinceros

,

que lhe apontem

fieis faô muy raros, e ditHcultofos de conhecer pelos Poetas ricos , è poderofos, como os Pisões > por iíTo lhes adverte , que vejaõ bem de quem fe fiaõ ; porque Poetas ricos , e diftinótos na Republica chamaõ a íi tantos lifonjeiros , como compradores o publico pregoeiro. Tudo nelles fe louva , olhando-fe para feus efcritos , naõ com olhos da verdade, mas dalifonja, attendendo-fe à utilidade própria , e naõ ao merecimento alheyo. Si vero eji unElum (^c. Pois fe o Poeta rico , e poderofo he magnifico em dar banquetes , em valer como fiador aos pobres , e prompto em fe intereíTlxr pelo opprimido com pleitos j entaó (diz Horácio) fó por milagre fe poderá difcernir o verdadeiro amigo do falfo adulador. Os Commentadores deixaõ aqui palfar huma coufa bem engenhofi , que Horácio quer dar a entender j e he hum elogio aos Pisões pelo modo mais fino , e natural que fe pode dar j como dizendo-lhes Vófoutros , que praticais ifto, que fois liberaes nos convites , que foccorreis os neceílitados , e patro-

feus erros

,

e defeitos.

.

Mas como

:

;

eíles

amigos

Arte Poética: Aílirtfi

E

b que

faz verfos

fe

em

fazendas

,

dinheiros he rico^ tenta ao lucro

Os

vis aduladores.

Em

dar banquetes

E

,

177

Que

O

,

com

os vexados

Por milagre

Pois

terey

,

faiba diftinguir

fe

he franco

he fiador de pobres

fe

pleitos patrocina fe

he taõ

em

felice

j^

!

,

tanta gente

verdadeiro amigo do fingido

í

Se a alguém tiveres dado alguma coufa.

Ou

prometteres dalla

Tal ouvinte

,

a que te

naõ convides

,

óuca os teus Poemas

Z

;

Oue

patrocinais os affligidos , fe fouberdes fazer diílincqaõ entre o femigo, e o lifonjeiro , tellohey por grande maravilha, fereis pára mim huns homens bemaventurados. defcobrimento deite

O

deve a Monf. Dacier , para quem com eífeito eftiveraõ reíervadas muitas delicadezas do noífo Poeta 3 que infinitos naÕ viraõ. Un6lum ponere Entende-fe aqui convívimn , ou ohfonium , ifto he, banquetes de coufas pingues, fubftanciaes , e naõ groíTeiras , porque eílas naõ agradaõ à golozina. Em CatuUo também le-

engenhofo elogio creyo , que

fe

:

mos unãa patrimonia em

lugar de lauta , opípara ^i^c, Judiciofo diélame ! amigo obriga, ou com a efperança delia, no cafo que feja hum bom Critico , nunca ha de dizer com liberdade o que entende , a refpeito da obra que lhe moftrar quem antes o obri' Para com^o prefente , ou com alguma útil promeíTa. Por iíTo o oeta naó fe efqueceo de advertir a Pifaó que naõ fe fialle de , hum tal voto , como de juiz peitado j porque alegre com a dadiva , ou com a efperança delia , todos os verfos lhe ha de approvarj e fe for necelTario, ha de chorar, e faltar, pedindo-o a matéria , de que tratar a Poefía para affim dar a entender a cxctl, lencia delia, moílrando , que move nelle aftedo§ çorrefpondentes as exprefsões poéticas.

Tu feu donaris , t^c. do com alguma dadiva

:

Hum

m

De Arte Poética*

17^ Líet!t!íe

clamalk en!m, pulchrè

t

Vãllejcet fiiper his

Ex Vt

rorem

ocLiIis

(jiii

Jaliet

tundet pede terranú

,

conduâíi piorant infunere

Et faciunt propè

henè, Teãei

etiam JlMlalit amlcis

:

:

,

,

dlcunt

,

plura dohntihiis ex animo ijlc

Derifor vero plus laiidatore movetur. B^cges

Et

ãiciintiir multis

torcjiiere

mero

Anjit amichlâ

urgere ciãullls

a^iiem

^

digniis.

,

perjpextjfe lahorent

Si carmina condes

l^iiníjuam te fallant anlmi

Jub vulpc

,

,

latentes

Oainqui conduzi piorant in funere : Entre os Romanos havia entre nós em outro tempo) peíToas, que fe aliugavaõ para chorar nos funeraes. Ora deita belliffima comparaqaõ ufa Horácio , dizendo , que a mefma differenqa , que ha entre as lagrimas deitas carpideiras , e as dos verdadeiros enojados , he a meí^ ma que fe dá entre o liíbnjeiro , e o verdadeiro amigo. Eítc diz o que lente em feu interior, aíTim como o enojado chora do coração > e o adulador louva tudo com os olhos no intercfle , alllm como chora5 por conta do lucro , os que tem por otficio o carantes affim como eítes derramaõ muitas mais pir nos enterros lagrimas , que os parentes do defunto > affim os lifonjeiros mais fiicilmente íe movem para os louvores, do que o amigo íincero, 'Vero landatore que fó approva o que lhe parece bem. ^ Com efpecial enflife toma o Poeta ella voz por íiDerifor nonymo de adulador j porque elte até louva o que fe devia vituperar j e deite modo o leu louvor propriamente vem a ler efcar-

Ut

(como

:

:

neo no juizo dos

íinceros.

O

Reges dicuntur^i^c. Poeta que na5 quer confundir os ami' gos verdadeiros com os fingidos , deve examinar muy bem o ca:

radcr

Arte

Poética.

179

ou promeíTa , Dirá: Que bella coufa que artificio! De pafmo moftrará pallido o rofto ,

Que

attrahido da dadiva

,

!

Chorará de ternura

,

dará faltos

,

co Affim como

E

pé, fazendo applaufo. os chamados por dinheiro carpir nos enterros , quafi moftrao Mais dor, que os verdadeiros enojados 5 Aííim o adulador, mais que o fmcero, baterá

A

Coftuma prompto

eítar para os louvores.

que os poderofos para honrarem Com fua graça a alguém , provaô primeiro; Fazendo lhe beber copiofo vinho. Se o fiado fegredo extorquem delle. Tu fe fizeres verfos , naÔ te enganem

Dizem

,

Ouvintes disfarçados

em

rapofas.

Z

Se

ii

raóler daquelles , a quem moílra feus veríbs , para que os julguem j do mefmo modo , que os Reys , e grandes Senhor.es ano faziaõ embriates de favorecerem alguém com a fua amifide ,

,

fe lhes defcobria o fegredo, que lhe communicaraõ , quando eílavaõ em feu juizo. Defta arte dizem , que ufava Tibério , antes de admittir alguém à fua graça 5 porque (como diz Theognes nos feus verfos moraes) naô fe experimenta mais o ouro , prata, e ferro na forja, do que os homens com o vinho. Daqui vem o provérbio Libera vhia , e o ter dito nas Epillolas o noíTo Poeta ^{id non ehrietas defignat ? operta r e eludit, Animi fub vulpe latentes Allude à fabula Efopica da rapofa com o corvo i como dizendo Se algum dia fizeres verbos, examina antes o caracter daquelle, que efcolheres por juiz delles, e naô te enganem louvores de lifonjeiros , que faõ como os que a rapofa deu ao corvo , chamando-lhe m.ais branco , que o cyfne. Bem fabido he eíle apologo , e quem o quizer ver tratado com

gar, para aífim verem,

:

:

:

:

fumma bulas

graça, delicadeza, e doutrina, veja-o nas excellentes Falu Fontaine, obra, que fummamente eílimaria

deMonf. de

a

An-

De Arte Poética*

ISo

QulntUío Ji

Hoc

j

íjiild

ajchãt

y

^

recitares

corrige

,

Melius

hoc.

,

fodes

te pojje

^

negaras

Bis, terí]ue expcrtumfrujlra'^ delere jiihebat

Et malc

t ornatos

J

^

Incudi reddcre verfiis.

Si defendere delióíum

a Antiguidade Grega, ou bios tempos.

,

quam

Rcmana

verter

,

,

malles

fe fofle efcrita

j

mu

naquelles fa-

(^c. Por exemplar de hum amigo hum bom juiz das obras alheyas, propõem a Quiatilio Vario, da Ordem Équeílre parente de Virgílio, e intimo amigo de Horácio que chorou fua morte na Ode 24. com ex-

^iintilio fi quiíl recitares

^

:

ílncero, e de

,

,

preisões próprias do feu juizo

homem dotado de huma de em apontar os defeitos

,

e da fua pena.

Foy

QiiintiliQ

de igual ingenuidadaquellas poefias , que íujcitavaõ ao feu exame. Com liberdade mandava emendar humas couías, rifear outras , e dar a outras divería forma. Tal pinta o nolTo Ferreira a hum feu judiciofo amigo imitundo nobremente a Horácio , fina

critica

,

e

melle lugar:

guando

eu meus verfos lia ao meu Sampayo , ( dizia ) e tira > hia , e tornava

Muda

O

j

Inda^ dizy na fe?itença bem nau que mais docemente me foava

O

cayo.

,

me enchia o efpirto , por máo tinha que me defprazia , me louvava.

que

Eo

,

O

Et maVe t ornatos hicndi reddere : Apatiíla nos fcus Progymnafinas Poéticos ^ como Critico rigorofo , e às vezes pouco folido, ccníiira a Horácio de ufar mefmo verfo , e para huma

cm hum

Biclma coufa de duas metáforas inteiramente diííerentes huma , tirada do officio de Torneiro, c outra do de Ferreiro. Naõ he íó eíte Critico > a mefnui cenfura lemos em Averani e Lambij 110 contefla , que as metáforas fiõ diffcrentes ; porem he certo-, que naG ha fundamento paru criticar uo Poeta, porque eíle naõ ulbu 5

íSi

Arte Voetica: algum Poema , Emenda amigo Dírtehia fem rebuço Se

a Quintilio

leíTes

:

,

Efte, e aquelle defeito

j

;

fe lhe iníLiffes

e

^

Qiie tinhas feito toda a diligencia,

Mas

que

Mandava

Os

em vaõ rifcar

te cançaras nas

emendas

i

tudo, e que tornaflem

E

verfos mal torneados a bigorna, fe via , que tu mais te inclinavas

A

defender os erros

,

que emendallos

,

Na^ ufou 5 fenaõ de huma fó figura. O ferro depois que o fogo- o abrandou , e preparou, fe ha de fervir para obra torneada, paf. fa da bigorna para o torno , ao qual obedece , como os outros metaes. Onde fe vê , que a translação deíle verfo he huma íó ^ e na5 duas , como erradamente entenderão muitos , talvez períuadidos, de que o ferro fe naõ torneava. Si defendere delidlirm , (^c. Com eíta liberdade , e exaccaa lia Quintilio, e fazia juizo das obras alheyasj porém fe via, que íeus Authores na5 eraõ dóceis em receber as emendas, antes prefumidos queriaó defender feus erros ; neíle cafo nau lhes dizia mais palavra, como coufa inútil (viíta a fua prefumpcaõ) e deixava-os na amorofi cegueira aos feus verfos , com a certeza , de que naõ teriaõ competidor , que os perturbaíle , invejando-lhes fuás inclinações. Com effeito eíla indocilidade , e prefumpcaõ nos engenhos he a peíle dos eíludos ; porque daqui nafce a cega pertinácia de defenderem muitos a todo o cuílo certos lugares de iuas obras, precifamente porque foraõ ceníurados. Eíles fó bulcão louvores , e naõ foffrem emenda j e delles bem fe queixí* ^ noíTo Bernardes a Pedro de Andrade Caminha. :

E

o que fobre tudo

He

mais

me ofende me , que

tratar com Poetas fuás obras veja ,

,

pedem\y

^e lhas emende ^e mude^ ou rifque que procedem Sem arte fem medida livremente ^e poder para tudo me concedem. e

os z'erfos

^

:

^

e

^

Sendo a fua tenção -muy diferente ^ie naõ querem emenda^ mas louvor', ^.e de emenda naõ ha quem fe contente.. -,

Fer^

De

i82

tiulhim ultra verlum

Quhi Jífw

rivali

Vir lonus ;

Arte Poética. ,

tecjiie

aut operam (umchat inanem o" tua Jolits

,

amares

\

p

O* prudens verfus reprehenãet inertcls

:

Culpa'

Verfus reprehenãet inerteis Eftes cinco verfos fa5 fummamente importantes, porque nellcs fe inclue a parte mais principal, do que deixarão efcrito aquelies Mcílres, que tratara5 fundamentalmente da Critica. Diz pois Horácio, que o Juiz , que tem bondade, e fciencia (qual era Quintilio Vario ) ao julgar alguma poeíia, fe acha alguns verfos froxos , e profaicos , jultamente os reprehende, como coufa taÕ contraria à linguagem poética. Na Critica de Luiíino paíTa por froxo , e inerte efte verfo de Catullo modo me folum^ atque unicum amicum habuit j e na de QuintiliaPretextam in cifiâ mures no mereceo a mefma fcntenca eíloutro Camilli. Bem fe deftes verfos ha aquelvê em nenhum que rofere , le ar de graqa, e nobreza, que deve fer indifpenfavel na linguagem da Poefia. Pofto que o noíTo Camões neíla parte he mais digno de louvor , que de reprehenfiõ j com tudo no feu Poema lemos alguns verfos pouco numerofos , como entre outros os fe^uintes : Pêro Rodrigues be do Alandroal. :

:



:

Efcreve a feu irmaò , que lhe mandafje fazenda ^ com quefe refgataf/e.

À

manchas > porque Camões foy entre todos que fez verfos mais artificiofos, e foNa acho mais commum o referido defeito. Temos à maõ aquclla celebre Ode , em que fe louva a Luiz o Grande , por fundar a famofii Academia das Sciencias ; e confeílamos , que aos noíTos ouvidos nos parecem períodos de fim^

Mas

ifto faõ leviíllmas

os Poetas do feu tempo, o noros. Poeíiu Franceza

pies

Arte Toetica.

Naõ

gaflavâ comtigo mais palavra.

Como trabalho va5 Te dava para amares ,

Sem

18}

fuílo de rival

e liberdade a teu falvo

,

os teus efcritos.

,

XXXIX.

Quem tem Reprende

bondade, e

prudente;

critica

os verfos froxos

culpa os duros

j

;

RiA pies profa muitos ramos delia

,

como

entre outros eíle

:

Dans un

De La

augufte Academie ^ nos fçavans rheureux fejour

Phyftque

,

e

Avec

lui regnent en ce jonr.

Cefl

la

Par

que

mille

,

les

y,

V Aftronomie

grandes fáences

.

e mille experiences

Surprennent les plus curieux

,

^c»

Entrámos em duvida, fe o ar de profa, que julgamos neíles verfos, e em outros muitos , que por brevidade omictimos, feria defeito dos noiTos ouvidos , colhimados à numerofa harmonia dos noíTos verfos j mas o Abbade de Regnier favorece a noíTa opinião, fallando aílim dos feus nacionaes na Satyra a Rapin :

NiiW

eguillon divin n' eleve Jeur courage

,

rampent baffement foibks ainvention , Et n'ofent peu hardis tenter lors fiãions , Froids a Vimaginer ^ car s^ils fon quelque chofe Ceji profer de la rime , e rimer de la profe. Jls

" '

Se o lugar o foffrera, poderiamos dizer mais, e fariamos nifto ei% pecial beneficio à mocidade Portugueza j porque os defeitos dos grandes homens faõ os que merecem fer notados 5 pois como eftes laõ os que fe propõem por modelos do bom , corre grande perigo de fe tomar por virtude, o que na realidade he vicio. Culpii'-

De Arte

x84 Cuípahlt duros

i

Poética.

iíicompth allinet atriim

Tranfverjo calamojigmim

%

amhitlofa recldet

O rnch Os verfos duros na5 faõ menos reprehenílque os froxos. A dureza pôde coníiítir ou nas palavras , e contextura do verfo , ou tarnbem na fentenca. Em quanto a efta dureza, feria neceíTario grande volume para tranfcrever as infinio tas exprefsues duras , que ha no immenfo numero de Poetas leitor curiofo, que neíle ponto fe quizer iníliuir, lea ao P. Bouhours no Teu excellente Tratado de la Mamere de bien penfer dans e naõ menos o muito , que fe tem efcrito foles owvrages d^efprit bre a afpera , e dura locuqaõ da Comedia de Dante. Em quanto à dureza no verfo , peccaraÕ muito os noílos antigos Poetas , fem exceptuar António Ferreira, Diogo Bernardes, e outros bons da fua idade, entre os quaes fe inclue Camões, que poílo que a todos excedeo na harmonia métrica , com tudo naõ faõ poucos os feus verfos duros , talvez por culpa dos Copiílas , e ImpreíTores. Naõ podemos fer contra aquelles , que neíte numero apontarem Cuípaht duros

veis

:

,

:

-,

os feguintes

:

Fardfer vã a hraveza^ com que venha,

Naõ

vês

Naõ

matou a quarta parte

hum

E da outra

ajuntamento de ejlrangeirod

ala

,

o

fero

Marte

^^

que a efia correfponde*

Sahe da larga terra huma longa ponta. Cujo pomo contra o veneno urgente. dureza nos primeiros três verfos procede da demaííada liberdade em fazer fmalefa depois de confoantes , ou dos noíTos chamados dithongos. A dureza nos outros três verfos vem de naõ terem paufa, ou accento agudo no fcu devido lugar. juiz reélo naõ cenfurará menos os Incomptis allinet atrum verfos froxos , e duros , do que aquelles que naõ apparecerem com o feu competente ornato j antes tanto fe declarará contra eftes , que Os os rifcará como indignos daPoeíla. Ao Poeta naõ bafta dizer ebeni louvor; verfos merecer meus naõ eíVaõ errados, para aífim Fitavi denique clii'amente o deixou já dito Horácio neila Arte

A

:

O

:

:

CUl'

Arte To ética.

1%^

Rifca os que nao tem graça os ambiciofos De nimia pompa corta 5 os pouco claros 5

Obriga a terem luz

j

aos de fentido

Aa ^ulpam verfos

5

,

DuvL

Non

laudem merui. Para fer louvado , he preciíb , que feus além de certos , fejaó ornados pelas Mufas com huma e adorno muy diíFerente , do que pede a proGi. Por iíTo

graça , Jaíon de Nores ceníiirou em Petrarca os feus 'Triunfos do Amor ^ e da Fama , moílrando que nelles amontoava muitas hiílorias fem artificio, nem ornato poético > vicio que também Horácio notou em Cherilo, dizendo delle: Gratus Alexandra Regi magno fuif ilJe Cherilus

,

incuhis

qiii verfibu-S

Retulit acceptos regale

Amhitiofa recidet ornamenta cxceíTivo. Ha de fer (como diz :

,

numifma

^ male natis Philippos.

Porém eíte ornato naõ ha de fer também Quintiliano ) adorno de

matrona , e naÕ enfeite de mulher leviana. Cicero no feu Orador j reprehendendo eíle grave vicio, cenfura delle a Gorgias, kis fejlivitatibus , dizendo Gorgias autem avidior efl generis ejus , f:c enim ipfa cenfet , infolsntius abutitur , quas Ifocrates , cum tamen audivijfet in TheJfaUa adolefcens fenem jam Gorgiam moderatius tempeféria

^

:

Muitos faÕ os fabios Criticos , que fazem reos deíle deli6to aos Trágicos Francezes , e entre outros efcreveo largamente fobre efte ponto o Conde Pedro de Calepio na fua judiciofa Obra intitulada; Paragone delia Poefia Trágica d' Itália con quella di Franciã 5 Tratado, que mereceo diftinéto louvor doinfígne Critico , o Marquez Maffei. effeito quem tiver licaõ dos Trágicos Francezes , fe for defapaixonado , ha de confeílar huma coufa, ravit.

Com

que a mefma fabia França naó nega , e he , que propriamente naõ tem np.tural Imgua poética , nem aquellas efcolhidas formas de fallar em verfo , que o facaõ diífercnte da profa. Por iílb lemos em Corneille, e ainda em Racine, grande repetição de metáforas , e pouco ufo de termos próprios j de forte , que rara he a fccna, em que naó fe encontre v. g. tormenta por adveríidade, ahyfmo por oppreíTaô , rayo por caftigo, facrificio por fofFrimento, chamma por amor > e allim dizem , que a chamma defeja , que fe queixa , que teme , 6cc. Naó paííamos a mayor exame , porque o naõ fofi-re o eftylo , que pedem humas Notas. Concluamos pois, que os demaílados ornatos na Poeíia faó reprehenfiveis, ainda fendo engenhofos , porque affognõ o juizo ; affm como na5 fey, que Imperador quiz affogar a huns feus amigos com huma chuva de rofas. Pa*

De Arte

i8(5

Ornamenta

:

par um

claris

Argiiet ambigiie diãum

Fiet xAryiarchiís

OíFendam

In mala,

j

in nugis

Poética. Incem dare coget miitanda notabit

:

nec dicet hiC

?

derijum femcl

:

:

Cur ego amicum

:

niigíje

feria ducent

exceptum(jiie finifire.

,

Ut Par um claris lucem dare coget O difcurfo naó tem vicio mais abominável , que o da efcuridade j e por efta caufa bem mereceo Períio 5 que S. Jeronymo o laiK^alTe nas chammas. A mefma fentenqa merece Gongora , e huma grande parte dos Poetas Dramáticos 5 que no feculo paíTado foraõ a admiração de Hefpanha. Aprefentar provas para eíla fentença , feria hum proceíTo infinito , e enfadonho para o judiciofo Leitor porque facilmente achará exemplos a milhares para prova deíla verdade e fe dos Hefpanhoes paíTar a nós , defcubrirá infinitos, efpecialmente no jllphonfo áç. Botelho, que fe no empoUado he huma quinta eíTencia de Eftacio , no efcuro naõ tem exemplar em nenhum Épico antigo. As delicias deíle Poeta ( alias erudito, e engenhofo) eraõ as continuas metáforas , fem advertir, que eílas uzadas com moderaqaõ , e a feu tempo , fazem a oração clara j porém com frequência a fazem efcura , e continuadamente a transformaõ em enigma. He doutrina de Qiiintiliano no liv. 8. cap. 6. Ut modi:

-,

-,

atque oportunis translationis ufus illuflrat Orationem , ita frequens Sobre eíta ma^ continuus vero in allegoriam ^ (^ enigma exit. téria remettemo-nos para o quarto Dialogo á2.Maniere de bien pen-

cus

,

obfcurat

do P. Bouhurs , onde diffuzamente , e com fina critica fe achará explanada. Com razaõ poz Horácio a amfiboloArguet amhigiie diílum porque o ambiguo eílá muy próximo gia depois da efcuridade j Quintiliano lemos bem recommendado o prefenao efcuro. Vitanda inprimis ambiguite preceito , pondo por ley univerfal tas e em Ariftoteles no liv. 3. da fua Rhetorica temos todos os modos , em que fe pôde dar ambiguidade na Oracaõ. Efte vicio naõ he muy frequente > porque he o mais fácil de conhecer entre todos aquelles , em que pôde cahir o poeta j com tudo algum defcobrem os efcrupulofos emPerfio, fem fer daquellasamíibologias , que naõ (xò reprehenfiveis , por afllm o pedir a matéria , como algumas , de que uza Ovidio , e tranfcreve Nores, e nós por modeília omittimos.

fer

:

Em

:

',

Ma-

1S7

Arte Poética. Duvidofo

fe

Tudo o que Se moftra

,

oppoem

5

em

fim aponta

ha de mudarfe e já mais dizi

Porcjue hcy de defgojiar

em

outro Ariftarcho

:

Ao meu

amigo

leve coufa

A

graves paíTaráÕ as leves faltas

Se

huma vez o

l

,

enganares lifongeiro.

Aa

ii

A gen-

Mutanda notabit Alguns entenderão , que a palavra mutanda na5 fignifica aqui , fenaó aquellas couías , que fe devem mudar do feu lugar , como impróprio : porém o lentído de Horácio naõ he efte he íim comprehender em huma palavra , o que divididamente já tinha expoílo ; pois ou os verios fejaõ frouxos , ou duros , ou efcuros , ou ambíguos , ou taltos , ou exceíTivos no ornato , toda a emenda coníille no mudar. E aíTim o huma palavra o bom mutanda notabit vai o mefmo que dizer Critico , fazendo final com a penna , notará tudo o que neceffitar de mudança , por qualquer principio que feja. Fiet Ariflarchus Foy Ariftarcho hum homem de engenho taô perfpicaz , que os Gregos lhe chamarão divino. Floreceo no tempo de Callimaco , e he fiima , que fora hum Critico fummamente fevero , e judiciofo. Muito perdemos em naõ fe falvarem oitenta, e mais volumes , que efcrevera, illuftrando, e emendando a Homero , Ariftofanes , e todos os poetas Gregos dos muitos erros , que contrahiraõ nas copias , e de outros , que fó fe podiaõ imputar à própria negligencia , e falta de lima. Amicum offendam in nugis Eifaqui a linguagem ordinária do amigo , que quer adular, e comprazer: para que heydedefgoftar ao meu amigo , notando-lhe defeitos de pouca importância ? Naõ o defconfolemos , f. zendo-lhe , com que perca o amor aos feus verfos , que amia como filhos do feu engenho. Aífim falia o 1 fonjeiro , mas naõ hum iuiz fevero , e fincero , como o prudente Critico , de que filia Horácio. H como dizendo , famofo louco quiz fer Deos , e morreo de pavor. Qiie bello principio para Divindade, efcolher huma morte, que faz gelar o fangue com o fufto Eíla intelligencia tem mais fal , e energia , para a qual concorre também a antithefe frigidus , e ar dentem, In^ docles

.

!

!

De

192 Invhiim

cjiii

fervat

Nec jeiml

Iioc

F/et homo

,

Arte Poética. idem jacit occidenti,

,

fech

nec

:

,

ciir verfiis 'faãitet

,

Miiixerh in pátrios cineres incejliis

certe furit

,

Ohjeâíos caveíC vahiit Ji

Invitum qui fewat

an

,

,

(^c.

trjjle

:

,

jam

utviim

bi dental

ac vehit

frangere

Eíla

:

,

erit

amorem.

C/ ponet /arnojíC mortis

"Nec fatis apparet

Moverit

Ji retraÔíiis

iirjiis

,

clathroSy

máxima

(

como bem

nota o

infigne Commentador Francez ) naõ fe deve tomar em fentido nniverfal , mas fim em particular 5 de forte , que na palavra z>í*vitum ha de fe entender poetam , que he de quem eííá fallando

Como fe dilleíle ; a outro qualquer melancólico devefoccorrer,fe fe quizer matar j porque prefumimos , que para o futuro naõ cahirá em outro abfurdo mas de hum poeta louco naõ devemos efperar tal emenda > porque he incurável a fua loucura. Huma vez , que fe lhe mcteo na cabeça o matarfe, ainda que o livrem em huma occafiaõ , pura outra ha de intentar o niefmo , querendo , que a fua morte feja famofa por todo o mun-

Horácio.

mos

:

^

ponet fatnofa mortis do Nec , Ji retraãiis erit , jam fiet homo , amorem e aíllm melhor he naõ lhe acudir , e deixallo morrer j porque no feu juizo o darlhe a vida neíle cafo , he o mefmo que :

:

darlhe a morte.

Nec [atis

apparet

cante eíla reflexão.

,

13 c

Naõ

:

He fummamente pode bem

engenhofi\

,

c pi-

no crime, que compoetas na prefença dos Deozes , para elles fe

atinar

nietteriaõ huns taes os calligarem com a loucura d^ fazer vcrfos. Para efcarnecer mais deíla gente, entra a conjeélurar Horácio no deli6bo para taõ grave caítigo. Talvez fera (diz elle ) porque mijaíTem na fepultura

de feus pays

?

de impiedade

Bem

flibido

he

,

que os Romanos tinhau por granno lugar de alguma fepultura , por

fazer o fobredito

Arte Poética.

195

que naõ quer viver , he darlhe a morte. Naõ foy huma fó vez , que eíTe furiofo Tal loucura intentou e fe do rifco

Ao

5

Chegaífes a livrallo, nem por iílb verias curado , nem o afFedo

O A

tao fallada morte perderia.

Naõ

A

poíTo alcançar

pena

fe lhe

bem

porque motivo

,

poz de fazer verfos

5

Se foy por profanar as pátrias cinzas, Ou por tocar facrilego o funefto Fulminado lugar: fey que he hum louco que à maneira de Urfo folto , Furiofo ,

Com

verfos infofxriveis aíFugenta

Igno-

Bb ^—>^——

III

1

I

1

i

atque

5

ut Cister a extinguuntur

,

ftc

p. ,

Sepulchrorum neque deleripo-

fepukhra fiunt janãiora

nje-

que huns taes lugares ficafiem profanados com a urio diz também Calpurnio ( talvez imitando a Perfio na Satyru I.)

tujiate.

na

,

' ,

Cicero na Philipica quod nuíla n)i mover i ,

por fer entre elles fagrado. autem fanSlitas in ipjo folo efl tcfi

-.—

I

E

Sacer

Extra

ejl

locus

,

ite

profani

,

meiite.

An trifie hidental , i^c. PaíTa o Poeta a outra conjeftura , difcorrendo , fe viria o caftigo , por terem violado o lugar, em que cahio algum rayo. He de faber , que na parte em que cahia algum rayo , para applacar a ira do? Dcofes , que fe fuppunhaõ irritados , hiaõ logo os Sacerdotes facrificar huma ovelha , e final de chamavaõ ao dito lugar hidental , iílo he , a biderite. que ficava fagrado , cercavaõ-no de hum nniro , ou de outra alguma coufa , para que ninguém lhe pozefie os pés j e fe acafo fe profanava , ou entrando nelle , ou por outro algum modo , tinha-fe por impiedade digna da juftica dos Peoíes. A efta impiedade chama Horácio inceflus j porque os Antigos aíllm como chamavaó cajlo ao pio , aífim ao impio davaõ o nome de incejluofo , como bem fabe quem efpecialmente lè os poetas. Clathros He huma palavra Gcga, que propriamente fignifica a tranca , com que l"e fcguraó as portas , e janellns. Deufe eíle mefmo nome às grades de ferro que fcchau os lugares , , :

Em

:

em

De

194 Indoóíum

Quem Non

,

Arte Poética. *

cfoSIumoiie fiigat recitator acerhiis.

vero arripiih

niffura cutem

,

,

tenet

,

ocàditíjiie

plena cruoris

n'Ji

legendo ,

^

hiriido.

que fe prendem as feras. E alTim conclue tíoracio , dizendo: naõ fey , que delifto commetteraô contra os Deofes cftes máos poetas 3 fey que elles os caftigaraó fazendo-os taó furiofos, que doutos , e ignorantes na5 fogem menos delles , do que de hum Uríb , que pode quebrar as grades da prizaô em que o tinhaõ. ^em vero arriplunt , i§c. De hum fallador femelbante , de cujas mãos naõ pôde efcapar Horácio , temos hum belliflmio retrato na fua Satyra p. do liv. i. Conftce , namque injiat fatum mihi trifte , Sabella

cm Eu

:

^od puero

cesinit

,

divina mota anus urna

;

Hum

Jírte Poética. Ignorantes

,

e doutos

;

195

e fe acafo

Acha algum de bom geito naõ o E com verfos o mata femelhante ,

larga,

j

A' tenaz fanguefuga De fungue na5 eíla

,

,

que fe cheia naõ larga a pelle.

Hunc neque dirá venena Nec laterum dolor , aut

,

nec hofikus auf^eret enjis

tuffis ,

nec tarda pcdagra

, :

Garrullus hunc quando confumet cumque hquaces , Sifapíat 5 'vitet , fimulatque adoleuerit £tas. Eíla he a ilullracaõ , que nos pareceo fazer fobre a Poética, :

de Horácio , obra de fummo merecimento entre as melhores da Leitor jtidiciofo fentenciará , fe defempenhaAntiguidade. mos eíte aíTumpto, tratado por muitos , mas pormuy poucos de modo que faca honra a Horácio , como largamente deixamos moftrado no Prologo.

O

Bbii

SUP-

Ipó

SUPPLEMENTO NOTAS.

A' S

Ara mayor inftrucçaõ da Mocidade Portuguesa dá ao eíludo poético

e dezeju rtgular c feu

,

,

que

fe

juizo ao

compor ou em verfo , ou em profa , tomamos novo trabalho , addicionando as Notas que fizemos a efta Arte Poética. Nellas naô quizemos lançar as authoridades , que agora copiaremos , porque faríamos huma Illuftraça(5 enfadonha, ajuntando o que agora damos a ler , com o que jú efcrevemos ; quanto mais , que naÕ conteria cada pagina , fenaõ Notas , e apenas ficaria lugar para hum verfo do texto , e da traduccaõ ; fe uniíTemos eílas Annotacõcs às paíTadas ; porque as que agora íe feguem , faÕ efpecialmente paflos dilatados da Poética de Vida 5 de Defpreaux^ e do Enfayo fobre a Critica de P(?/?f, authores do juizo mais fino , e exa6lo entre todos os que deraõ preceitos para o Poefía , caminhando pelos veftigíos de Horácio. Faca o Leitor feria reflexão , e fe poder, mande à memoria cada huma das feguintes authoridades j porque fiõ humas cryllallinas veas , dimanadas da pura fonte defia Arte Poética , as quaes defcubrio a noíTa liçaõ por taõ infignes Meftres. Bifpo Jeronymo Vida imitando a Sumite materiam , ^c. Horácio , dá o mefmo preceito no liv. i. da fua eílimadiíiima .

O

:

Poeíica,

Sed neque inexpertus rerum jam tcxere longas paulatim ajfuefcat

Jludeat lUadas

:

Incipiat gracilcs

pa flor um

Jam poterit

culicis

,

^

atite

inflar e cicutas.

numeris fera diccre fata

;

ylut quanta ediderit certamine fulmineus mus amantes húmida turmas Funera in argutas , retia tenuis aranei. Ordiri "oe dolos ,

Q

^

Jacob Pontano valeo-fe defte lugar ^Poet. Inftit.

Confultum proinde argumenta , ,

niachias captare

id enim quid aliud fuerit

,

quam

efl

,

dizendo no

,

non [uhito Ilíadas

inquam

,

opero fa

,

liv. ,

longa

cereis pennis volitare

?

j

i. cap. 2. 13 Giganto,

dijicilia

:

Res ludicras

canamus ,' ipfi quoque culicem nofirum , ant arancolum , aut formicam , aut hatracomyomachiam , aut apologos JEfopicos habcamuu 'No judiciofo Defpreaux achamos a mefma imitação de Horácio dizendo no principio da fua famofa Poética principio

:

O'

Siippl emento às O' vous donc Courez du

qui brulant

d''

Notas.

197

une arãeur periUeufe ,

bel efprit la carriere èpineufe

,

N''allezpas far dcs vers fans fruit vons confumer^ Ni prendre pour genie un amour de rimer. Craignez d^un 'vain plaifir les irompoufe amorces }

Et

confultez longtems votre efprit

,

e -vos forces.

O

meímo Poeta Francez illuílrando Cui le£la potenter , Qc. efte lugar no Canto i Selm que mire idee efl plus , ou moins ohfcure , UexpreJiQu la fuit , ou moins nette , ou moins puré , Ce que Pon conçoit hien , s^ènonce claircment ^ :

,

Et les mots pour le dire arrivent aifement. Pope famofo Poeta Tnglez no In verhis etiam tenuis , i^c Canto z. do feu Enfayo fobre a Critica , deu excellentes preceitos fobre efte mefmo ponto. Sempre que allegarmos a efte Poeta , nos valeremos da tniduccaõ deMr. du Relliel, que tanto applauío tem merecido dos Criticos mais efcrupulofos em louvar tradutores. Segundo pois efta interpretação , diz Pope Áíontrez-vous circonfpetl dans le chois de vos mots 5 lis plaifent rarement trop vieux , ou trop nowveax. Imitez fur ce point la prudence methode , Dont le [age fe fert à Pegarde de la mode : Vous ne le verrez point , ardent à Viwventer , la prendre trop prompt , trop lent a la quitter. Et neva , fi^aque nuper , 13 c. Vida no liv. 3. da fua Poética : Ufque adeo pátria tibi fi penúria voeis :

.

;

A

:

Obflabit , fas Grajugenum felicibus oris Devehere informem maffam , quam incude latina Informans patrium jubeas dedifcere morem. Sic quondam Aufonia fuccrevit copia lingua :

auãum Latium

quo plurima tranflulit Argis , Ufus , 13 exhauflis Itali potiuntur Athenis. Verfibus impariter j unais ^ ^c. Defpreaux notou bem o of* Sic

:

ficio da Elegia

,

dizendo no Canto

La plainíive

2.

da Poética:

Elegie en longs habits de dueil

Saet 5 les cheveux tpars gemir fur un cercueil Elle peint des amans la joie , e la triflejfe , Flate

,

menace

,

irrite

Mufa dedit fiàibus , 13 c. também a Horácio , quando gundo Canto da fua Poética

:

avec plus d^èclat

Ehvant jufqu'* au

apaife une maitrejfe.

mefmo

Critico Francez copiou defere veo o officio da Ode no fe-

:

VOde

,

O

:

,

^ non

íiioins d''energie

Ciei fon vol ambitieuxy

,

ipS

Suppíemento às Notas. Enfretient dans fes vers commerce avec ^ux athletes dans Pife t^c.

les

Dieuíí ,

Em

Defcriptas fervare vices ^ i^c. Ovidio no fim do lív. i. de Remed. amor. temos hum belliíllmo lugar , que illuílrabcm eftc de

Horácio

:

jít tu quicumque es

quem no fira

,

licentia ladit ^

Si fapis 5 ad números exige qu^sque fuos. Fortia Mtffonio gaudent pede bella referri : Deliciis

Verfibus

quis locus effe pctefi

illic

Grande fonant e

tragici

,

r

trágicos decet ira cothurnos

j

mcdiis foccus habendus erit.

Lihcr in adverfos hoftes flringatur lainhus , Seu celer , extremum [eu trahat iíle pedem. Blanda pharetratos elegeia cantet amores ,

Rt

levis arbítrio ludat arnica -fuo.

CalUmachi numeris non Cydippe non

ejl

efl oris ,

dicendus Achilles

Homere

,

:

tui.

^is

feret Andromaches peragentem Tbaida partes ? Peccat in Andromache Tbaida Jiquis agat. Telephus , 6? Peleus , í^c. Excellencemente imitou :

Boi-

leau a Horácio , dizendo no Canto 3 ^ue dcvant Troie enfamme Plecube défolée Ne vienne pas pouffer une plainíe ampoullée , Ni fans raifon décrire en quels affreux pays

Par jept

bouches

r Euxin

reçoit le Tanays'.

Tous ces pompeux amas d''expreJ?ons frivoles Sont d^un declamateur amoureux de paroles. 11 faut dans la douleur que vous vous abaijjíez , Pour me tirer des pleurs , il faut que vous pleuriez. Ces grands mots dont alors Paãeur emplit (a bouche , Ne partent point d'un c Chaque age a fes plaifirs , fon efprit , 13 fes moeurs. Qiie he o mefmo , que muito antes havia efcrito Cornelio Gallo: Divc-rfis divcrfa juvant

Omnia

conveniunt

j

j

non omnibus anuis

res prius apta nocet.

jam fcit puer , {^c. copiador de Horácio , quando também Reddere qui vocês

Regnier foy hum mero

:

diíle

:

L^enfant qui fait déja demander , {5? rcpondre ^ui marque Jans bloncher ia tene de fes pas ,

Àvec fes pareils fe plait en fes

éhats

Ce

^

,

n

202

Supplemento às Notas. Ilfuit

ilvient

,

il

^

parle

,

Siijs raífon d'heure en heiire

dizendo

il

pleure

,

s'émeut

il

faute d'aife Ci?

,

y

s'apaife.

^c. Também naõ he menos copiador do , quando defcreveo os coílumes de hum mancebo ,

Tmher bis juvenis noíTo Poeta

il

,

:

:

Croiffant Vage en avant

, fans foins de gouverneur ^ cupide d''honneur , i^ , II fe plait aux chevaux , aux chiens ^ à la compaigm Facile au vice , il hait les vieux , (^ les iedaigne : Rude d qui le reprend , pare(fh'dx à fon Inen , Prodigue , dépenfter , // ne confere, e ' len :

Releve

courageux

,

Hautin

Et d^un

aiidicieux

,

,

confeiller de [oi~:neme

:

,

à ce qini aime. Porém o judiciofo Defpreaux com mais elegância , e em termos mais concifos nos dá em quatro verfos huma bella copia deíle retrato de Horácio Unjeune homme toujours boiiillant dans fes caprices j EJi prompt à recevoir VimpreJJion des vices Eft vain dans fes difcours , volage enfes dêjirs , Rétif à la cenfure , (^ fou dans les plaijirs. Converjis ftudiis , ^c. : Deixaremos de allegar a paíTagem do Abbade Regnier na Satyra f. em que íervilmente imita o prefeníe lugar } e fó copiaremos o de Defpreaux , como mais fuccinto j livre , e engenhofo : L^dge viril plus mur i n/pire un air plus [age , Se pouffe aupres des Grands , s"" intrigue , fe menage : Contre les coups du fort cherche à fe maintenir , Et loin dans le prefent , regar de Vavenir. referido ReMulta fenem circumveniunt incommoda , (^c. gnier no lugar já citado gaftou doze verfos para exprimir o prefente caraéter de hum velho , que nos deixou Horácio ; porém Defpreaux polidiffimo , e judiciofo Poeta , reduzio engenhofamente ella pintura a quatro verfos , mais como imitaqaõ , do que cceur ohjtiné s''aheurte

:

:

O

:

copia

:

La

vieilkffe chagrine inceffamment amajfe

Garde

,

non pas pour foi

,

les trefors

,

:

qu^elle entaffe

Marche

^

en tous fes deffeins d'un pas lent , Toujours plaint le prejent , (^ vante le paffé.

Igualmente í

"^

velho

a

Horácio imitou Maximian Eleg.

i.

gl^'iJJ'i^

j

j

dizendo que o

;

Lauãat prícteritos , prafentcs defpicit annas Hoc tantum re^um , quodfacit ipfe , putat. JE.voque morabitur aptis O niefn-!o Bi^ileau no Canto Ne faltes point parler vos Acieurs au hazardy :

:

2.



Supplemento às Notas:

205

Un meillard en jeune homme ^ unjeune hommeenvieillard. Non tamen intus digna geri , ^c. Naõ fe efqueceo o dito Ho:

rácio Francez de imitar o Latino neíte importantiflimo preceito para o Theatro. Ce q'on ne doit point 'voir , qu^un récit nous Vexpofe %

k

voyant faijiront mieux la chofe : que V art judicieux , Doit offrir à Poreilie , l^ reculer des yeux. Immunda crepent , ^c. tantas vezes citado Poeta Fran-

Les yeux en

Mais

des ohje6ls

il efi

No

i

cez temos a melma doutrina J'aime fur ie Theatre un agreable Auteur , [am fe diffamer aux yeux du fpe^ateur , Pímt par la raifon feule , íjf jamais ne la choque. Mais pour un faux plaifant à grojjíere equivoque , :

^i

.

^i

me

pour

diifefíir n''à

que la faleté i3c.

Em Pope acho excellentemenVos exemplaria Grceca ,' ^e. te imitado elte lugar , uccommodando-o efpecialmente em louvor de Homero Concevezpour Homere un veritable amour 5 Meditez-le la nuit j lifez-le tom le jour Ltii fe:d peut vous conduire à fes grottes facrêes ^ Ou font loin des mor t eis les Mufes retirees. Cármen reprehendite , t3c. Vida na Poética liv. 5. Nec femel atretlare fatis , njerum omne quotannis :

:

:

Cerque quaterqne opus evohendum , verbaque verjls uEternurn immutanda colorihus omne frequenti Síepe revijendum fludio per fjigula car?nen. ultrò non una dies , fors efferet altera , Nullo olim fiuàio , nulla olim in carmine cura , Deprenfa per fe prodentur tempere cuJp
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