Arquitetura Geometria - Portugues
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LÉONARD RIBORDY
Tradução: Jefferson Rosado
AGRADECIMENTOS A Violette, minha esposa, por sua participação em algumas de minhas pesquisas e por suas pacientes releituras. A Pierre Louis, meu primeiro editor, por seus encorajamentos e seu apoio logístico. A Olivier Pillevuit, autor do preácio, e a Jean-Michel Maroger, por suas correções e comentários. E a todos aqueles que me trouxeram seu apoio e orneceram documentos que me permitiram preencher minhas lacunas.
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Í NDICE Prefácio ....................................................................................... Prólogo .........................................................................................
.............................................................. 1.1 − O retorno às origens ........................................................ 1.2 − A vida ............................................................................. 1.3 − O conceito do divino....................................................... 1.4 − Corpo, alma e espírito..................................................... 1.5 − Uma evolução cíclica ...................................................... 2 − Quando a Geometria Fala dos Números ............................. 2.1 − Preâmbulo ...................................................................... 2.2 − Simbologia dos números e da geometria em relação com o sagrado .......................................................................... 3 − A Medida do Espaço e do Tempo ......................................... 3.1 − Preâmbulo ....................................................................... 3.2 − A geometria mede a Terra e ala do Cosmos .................. 3.3 − O zodíaco – relógio cósmico .......................................... 4 − Tradições Religiosas e Templos ............................................ 4.1 − O enômeno religioso ..................................................... 4.2 − A Europa pré-céltica e céltica ......................................... 4.3 − O Egito ............................................................................ 4.4 − A Assíria e a Mesopotâmia ............................................. 4.5 − Os cananeus e enícios .................................................... 4.6 − A Anatólia ....................................................................... 4.7 − Os hebreus ...................................................................... 1 − O Universo e a Vida
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9 13 18 18 22 23 25 27 29 29 34 40 40 43 52 61 61 65 77 102 115 119 126
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4.8 − A Báctria e a Pérsia ........................................................ 4.9 − O mausoléu real da Mauritânia ....................................... 4.10 − A Grécia ........................................................................ 4.11 − Roma ............................................................................. 4.12 − O Cristianismo .............................................................. 4.13 − O Islamismo .................................................................. 4.14 − Hinduísmo e Budismo ................................................. O Hinduísmo ( sanâtana dharma) ....................................... O Budismo .......................................................................... 4.15 − O Taoísmo ..................................................................... 4.16 − O Japão e o Xintoísmo .................................................. 4.17 − A religiosidade das Américas........................................ 5 − Um Templo para os Tempos Novos ...................................... 5.1 − As rosetas alam dos números......................................... 5.2 − A porta do templo ........................................................... 5.3 − O interior do templo........................................................ 5.4 − O círculo dos beneitores da hu manidade...................... 5.5 − A cripta............................................................................ 6 − Epílogo ................................................................................... BIBLIOGRAFIA......................................................................... Anexo 1 − Resumo da simbologia dos números .......................
147 157 161 172 185 211 234 235 251 262 273 279 297 299 308 309 313 314 318 323 327
Anexo 2 − Repertório dos símbolos numéricos levantados na obra Arquitetura e Geometria Sagradas pelo Mundo ................
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PREFÁCIO Q
uem nunca se impressionou com a beleza de uma abóbada estrelada em um céu noturno? Elevar humildemente nossos olhares para o innito, liberar-se dos limites e abandonar nossas “medidas comuns” é ousar se aventurar além das certezas e arriscar sair respingado das ondas de nossas questões pessoais que batem nas mar gens do ineável. É a aptidão de nos interrogar sobre nossa origem, nossa liberdade, do mistério do amor; da eternidade e do innito que nos projetam na nossa humanidade. Em uma primeira observação sobre o que nos cerca, sobre a Natureza e nós mesmos, percebemos requentemente quanto nosso ambiente nos parece ragmentado, disperso, incoerente, caótico e absurdo. Mas, se perseverarmos na nossa atenção, saberemos reconhecer ali certas intenções, certas relações e encontraremos certos “pontos comuns”. Aprenderemos assim a conhecer a maneira de dispor cada coisa em nós mesmos segundo uma relação justa com o mundo e o Universo, e descobriremos assim uma realidade mais vasta no restabelecimento de uma visão ordenada do mundo e da beleza de sua criação. De um ponto de vista pessoal, o processo de criação pode então ser visto como “um movimento” do absoluto em direção ao relativo, do Ser em direção ao indivíduo, do simples ao complexo, do universal ao particular e do imensurável à medida, etc. E poderia ser essa mesma consciência do imensurável que nos ajuda a compreender que o Universo nalmente volta a ser habitado por uma experiência pessoal do íntimo. “Conhece-te a ti mesmo e tu conhecerás o Universo e os deuses”, dizia Sócrates. O ensino tradicional descreve a origem da criação como sendo, no m de tudo, uma atualização do Ser. A Tradição nos ensina igual– 9 –
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mente que essa primeira mudança de estado do Ser, verdadeira transmutação, se eetua de maneira inormal, isto é, podendo ser vista como uma verdadeira criação da orma. Com eeito, se a noção de espaço se caracteriza pela extensão (“Deus ez então o extenso e separou as águas...”), 1 a noção de uma extensão, da mesma maneira que a de uma eternidade, sem limites, só se pode experimentar, e ca então além de uma compreensão intelectual. Por consequência, compreender implica uma limitação. O princípio da extensão é uma abstração. Então, para se compreender a extensão, um princípio de limitação deve intervir, e esse princípio de limitação é o que caracteriza nossa compreensão. Nossa compreensão do mistério da origem ca então inevitavelmente submetida às possibilidades limitadas, e necessariamente relativas, de nossa refexão. Com eeito, é por um princípio limitante, intrínseco e inerente aos processos de nosso pensamento que a exten são e a eternidade metaísica poderão ser doravante compreendidas como o espaço e o tempo ísicos de uma realidade tornada implicitamente pessoal, relativa, e por consequência bem distante de um absoluto universal, do qual podemos às vezes experimentar a presença. De lá provém sem dúvida essa nostalgia e esse desejo de unidade, esse sentimento de incompletude que ca, em graus diversos, em cada um de nós. Então, tomar consciência do que nos separa da unidade nos leva inevitavelmente a uma sacralização implícita do mundo. Da mesma orma, porque ele preside a cada processo de síntese, esse elã da “parte” em direção ao todo autoriza tanto um pensamento simbólico, na origem da iniciação e do enômeno religioso, quanto uma concepção ontológica do vivente, na origem do domínio sagrado. Com eeito, a “queda” é em princípio uma queda no espaço e no tempo, como testemunham a maioria das cosmologias e mitos genésicos, mostrando para nós que toda criação é somente uma “dispersão”, uma “involução” do Ser. E porque lhe é necessário um tempo durante o qual ela possa se delinear e um espaço para desenhá-la, a orma se constitui de alguma maneira no produto de uma síntese do espaço e do tempo. Assim, “produzindo-se” do espaço e do tempo, o ato criador “geometriza”, 1. Gênesis: cap. primeiro, v. 7. Bíblia, versão de J. F. Ostervald, 1877. As traduções seguintes substituíram “extenso” por “rmamento” (Tradução ecumênica da Bíblia, éd. du Cer, 1996, e igualmente aquela da Bíblia de Jerusalém, éd. du Cer, 1974). Trata-se aquela de uma tradução aproximada que não é el à Torá: “E Elohin ez o extenso”. Consultar a esse respeito o estudo exaustivo de Annick de Souzenelle: Alliance de Feu, vol. 1, cap. 7, Albin Michel, 1995.
preFÁCio
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permitindo atualizar o abstrato qualitativo e representá-lo por meio da orma. Já que nós somos criaturas submetidas ao espaço e ao tempo, nossa condição humana é, então, necessária e ontologicamente geométrica. Da mesma orma, nenhum domínio dos três reinos tradicionais da criação2 escapa à necessidade de ter orma. Por isso vemos a geometria, a música e a aritmética corresponderem às três condições existenciais dos viventes, que são o Espaço, o Tempo e o Número. No que diz respeito aos Números, eles exprimem essencialmente uma noção subjetiva, qualitativa e abstrata, cujo uso e meditação, se parados de toda representação, podem levar a um conhecimento experimental da essência das ormas ou dos princípios de sua origem. Eles autorizam assim o acesso a uma consciência unitiva e sintética, pois ela é sustentada por um pensamento, a partir daí, sem imagem de si mesmo, nem nenhuma representação dele. “Quando nosso pensamento se eleva e vai de nós em direção aos deuses, o primeiro grau de imaterialidade que ele encontra são os números. ”3 Nesta obra, o autor nos convida a redescobrir como os homens, do Egito até nossos dias, e isso nos cinco continentes, tentaram responder às grandes questões que cada um de nós nos colocamos ao menos uma vez: Quem sou eu? Qual é minha origem, e minha nalidade? Qual é a Natureza, e a unção da criação? Desse modo, el à etimologia da palavra, oi pesquisando e estudando os monumentos4 arqueológicos das diversas civilizações que ele recolheu e pôde colocar pouco a pouco em evidência a prounda unidade do ensino tradicional, baseada principalmente na aplicação sistemática de uma geometria simbólica, única linguagem verdadeiramente universal, e cujo método, undado sobre a demonstração e não sobre a autoridade, oi e continua, de ato, garantia dos princípios da arte sagrada. Da mesma maneira, o lugar do Templo é bem mais que uma síntese simbólica da Terra e do Céu, do espaço e do tempo, trata-se mais de considerá-lo aqui como uma recriação do mundo: as leis governando sua construção, do plano, do lugar e do desenho, até a escolha da data da colocação da primeira pedra, são idênticas às que 2. Mineral, vegetal e animal. 3. MACROBE , Commentaires sur le songe de Scipion, primeiro, 4. 4. “Monumento” provém da raiz latina mon-, da qual vem o verbo monere, que signica “azer pensar, ensinar” (René Garrus, Étymologies du Français, curiosités étymologiques, Belin, 1996, p. 222).
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presidiram à maniestação do Universo. Então, o Templo, monumento que delimita um espaço sagrado, nos ensina e estabelece uma relação entre o homem e o mundo, o temporal e o eterno, o espaço e a extensão. Em todos os tempos, a arquitetura sagrada teve por vocação tanto nos revelar um “lugar de ser”, quanto nos estabelecer nesse lugar. Assim, ela sempre oi undada sobre uma losoa da Unidade, de onde emana um conhecimento sintético e cujo ensinamento é, por consequência, essencialmente simbólico. E está bem aí o mérito de um tamanho trabalho de compilação, notável ilustração da universalidade da linguagem e do poder de uma prática geométrica, verdadeira busca de conhecimento e de transormação de si mesmo. Eetivamente, só podemos esperar para o leitor um caminho operativo por cada um desses desenhos, que saberá melhor que qualquer discurso ensinar-lhe não um saber enciclopédico a mais, mas uma participação mais prounda nas relações que mantêm seus espaços do “que está dentro” e do “que está ora”, e sobre os quais se estabelece a magia do gesto criador; na origem de todas as liturgias, da mesma maneira que de todas as ormas artísticas puras. Assim, dentro da nossa humanidade, a arte do traço conduz a es ses momentos privilegiados de sublimação de nós mesmos, onde encarnamos uma capacidade individual à universalidade e entramos na própria Criação. Dr. Olivier Pillevuit Haute-Mire
PRÓLOGO E
m meu primeiro livro, Nombres & gèometria, vers un peu de lumière, reuni a inormação lentamente acumulada por uma vida de pesquisas sobre a espiritualidade secretamente escondida na geometria sagrada, associada à simbologia dos números, tal como oi ormulada por Pitágoras e seus discípulos, cinco séculos antes de nossa era. Mais tarde, a invenção das matemáticas, quando associada a essa geometria, permitiu que o Universo e suas leis ossem colocados em equações. O estudo do Universo em sua orma ísica nos az mergulhar nos arcanos da origem de um enômeno ao qual nenhuma equação tem acesso, em que o tempo e o espaço não têm mais sentido, ou a ísica e a metaísica se conundem. Esse imenso reservatório de enigmas deixa perplexos todos os ísicos que discutem erozmente para responder a questão “como”, ao mistério da origem, cando prudentemente do lado concreto e mensurável do Universo. A resposta à questão “por quê”, que precede a origem do enômeno, é deixada aos metaísicos e aos teólogos, com seu cortejo de crenças e de dogmas. No primeiro livro, comecei a azer uma síntese dos conhecimentos que nós temos hoje sobre o Universo e sua evolução, sempre em direção a mais complexidade, até maniestar a vida, de sua simples expressão à mais evoluída, pois a vida e suas maniestações devem ser a nalidade de tudo isso. A história da humanidade, como podemos ler nos vestígios ascinantes que subsistem em nosso planeta, nos ensina que a geometria precedeu as matemáticas. As esplêndidas obras antigas refetem simbo– 13 –
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licamente a imagem do Cosmos por uma geometria sagrada adaptada à imagem dos deuses que o governavam. O desenvolvimento das matemáticas, desde a invenção do zeroorigem em torno do século VI de nossa era, ez progredir nossos conhecimentos de maneira exponencial. O Universo colocado em equações permite hoje compreender melhor essa prodigiosa maquinaria. Desde então é mais ácil construir uma ponte entre as duas disciplinas aparentemente opostas, que são a ísica e a metaísica, o racional e o irracional. Aliás, muitos ísicos adotam uma atitude muito aberta diante de um conceito indenível do divino, enm colocado ora das representações antropomórcas, isto é, livre dos entraves de nossas reerências de medida pereitamente inadaptadas para alar das origens. O desenvolvimento das matemáticas, dos números irracionais, dos logaritmos, dos exponenciais, abriram a via em direção dos números imaginários, complexos e dos ractais. A partir daí o racional e o irracional oram intimamente conundidos em uma disciplina que trocou o rigor das ciras pelo raciocínio metaísico dos números. Hoje, a questão undamental que preocupa a humanidade desde que ela voltou os olhos para as estrelas ainda não tem resposta: como o nada pôde gerar o tudo? Os lósoos da Antiguidade tinham medo do zero-nada, que eles ocultavam, tentando de qualquer maneira, por outro lado, imaginar o innito. Tudo começava pela unidade, e o Universo como Deus, o conceito supremo, se estendia em direção a um innito inconcebível, mas voltado para o alto, o positivo. As matemáticas modernas, desde a invenção do zero-nada, que precedia aquela dos números negativos, não têm medo de nada, mas alam do innito com circunspecção, pois esse valor escapa do mensurável. A armadilha reside no ato de que imaginar o innito é dar-lhe um limite, e, então não é mais o innito. Como resumi, a simbologia dos números tal como oi desenvolvida pelos pesquisadores no curso dos tempos compara o pensamento antigo à nossa percepção contemporânea do Universo. Os números alam da construção do Cosmos, conrmando o que dizia Pitágoras, “Tudo é organizado pelo Número”, ou o que Platão tinha eito ser escrito na entrada do templo de Delos, “Nada entra aqui, se não or geométrico”, ou ainda o que Galileu pensava ao dizer: “O grande livro da Natureza oi escrito com o alabeto da geometria”. A análise dos números simbólicos é el às matemáticas em geral, mas particularmente aos números ditos irracionais, que abrem grandes
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portas em direção à metaísica, pois tudo o que tange a espiritualidade é irracional. Nesse contexto, a Unidade, o nada e o tudo se encontram reunidos em uma metaísica pura que, escapando ao mundo racional, não pode encontrar o acordo dos matemáticos: zero e tudo se encontram na Unidade. O extraordinário número de ouro (“Phi maiúsculo” – Φ – em memória do arquiteto grego Fídias)* vai ter um papel chave, pois ele veicula o conceito da vida dita divina que inunda todo o Universo, gerando a vida ísica (“phi minúsculo” – φ), aquela que nos az existir na Terra e provavelmente em outros lugares no Universo. Essa metaísica numérica vai exercer sua ação e servir de ponto de reerência cosmológico na ciência do Universo e de suas leis, ao longo do seu lento processo de desenvolvimento. Esta nova obra, voltada para a arquitetura e a geometria sagradas, prolonga minha refexão, conrontando-a às principais religiões que se pararam e ainda separam o mundo. Veremos como a simbologia numérica revela esse estranho enômeno da vida sacralizada e maniesta, e como, no curso do tempo, os seres humanos, a m de maniestar sua espiritualidade, desenvolveram esses símbolos, exprimindo-os em pedras que perduraram até hoje. Grande parte das religiões antigas se extinguiu, outras novas se desenvolveram, algumas se miscigenaram com as precedentes. A espiritualidade, a única dimensão essencial, sobreviveu a todos os acasos da história. Partiremos juntos em busca dessa luz particular, auscultando as estruturas dos templos antigos e modernos construídos segundo os princípios da geometria sagrada, associada à simbologia numérica. Essa análise mostrou que a mensagem simbólica da geometria e dos números perdurou no curso dos séculos, transmitidos por uma cadeia na qual os companheiros-construtores tiveram uma papel undamental. Rendamos também uma homenagem à civilização árabe que, bem antes de nós, desenvolveu essas ciências, e as transmitiu para nós. A espiritualidade, que oi em todos os tempos portadora de civilização, se perdeu nos dogmas requentemente estreitos e se encontra hoje, mais em nosso Ocidente, relegada a margem da losoa do bem-estar. Desde Descartes, supõe-se que a razão deve explicar tudo. Felizmente para nossa civilização, se o cartesianismo ez progredir de maneira incontestável as ciências, ele não explica tudo. O irracional existe, o acaso e a necessidade nem sempre são capazes de enrentar as questões essenciais. *N.T.: Em grego Φειδίας (Phidias).
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A inteligência, a beleza e o irracional que governam o Universo alam incontestavelmente de uma “outra coisa”, de um conceito indenível, de um desconhecido que só podemos perceber. A espiritualidade precedeu os sistemas religiosos. Ela é tão velha quanto o ser humano, que um dia levantou os olhos para as estrelas, contemplou o ogo que lhe azia companhia, compreendeu que uma planta ou um animal eram dierentes de uma pedra, que os sonhos abriam caminho a uma outra dimensão. A vida tinha se tornado qualquer coisa misteriosa, e um espírito devia acompanhar cada coisa. Para onde iam as almas dos que se oram? Uma esperança em um além misterioso data da noite dos tempos. As religiões nasceram dessas questões e todas têm como denominador comum a expressão da vida e de seus mistérios. O que quer que se aça, comer consiste em engolir a vida, seja ela animal ou vegetal; procriar continua a obra criadora com um gasto de energia incrível. É suciente pensar no tamanho gigantesco do Universo e na pequeníssima expressão da vida nele para medir sua importância ridícula em tamanho, mas tão grande em valor, sobretudo desde a chegada da es pécie humana que, por sua inteligência, permitiu o despertar de uma consciência voltada às outras dimensões. A vida dita “divina” está imersa em todo o Universo? Nós existimos na vida? Por que sua expressão é tão generosa? Por que um gasto tão grande de energia para maniestá-la? Já que as religiões se deram o poder de ditar uma conduta, regras, de impor um sistema de pensamento, de denir Deus, em um contexto requentemente antropomórco, partamos a seu encontro e tentemos compreender sua motivação. São elas realmente objeto de revelações? Se é verdade, por que a mensagem não é a mesma para todos? Por que lutar em nome de um Deus de amor? Por que o anatismo? Por que o poder religioso? As religiões dogmáticas são uma catástroe para o divino, que se nutre de espiritualidade e não de dogmas? Após exame das religiões essenciais que dividem entre elas a ideia que podemos azer de um conceito divino, em associação com seus templos, proponho uma síntese sob a orma de um Templo ideal , baseado em um conceito divino que me recuso a denir. Esse templo seria edicado com uma arquitetura undada sobre os números e a geometria sagrada, aberta sobre o mundo dos símbolos que implica a criação contínua do Universo. O último capítulo é consagrado ao desenvolvimento dessa ideia, cujo undamento é de voltar a um mundo onde o reequilíbrio harmo-
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nioso da humanidade é de uma urgência absoluta, diante das utopias monetárias destrutivas que a oprimem. Eu quis agregar minha pedra, se podemos utilizar essa metáora, a todas aquelas que participam do que o uturo da humanidade acha ser sua via ora da violência e da exclusão. Utopia? Por que não? Como dizia meu avô Joseph: “Quando você sonha com alguma coisa, você já tem metade dela e já é o bastante”. Então, por que não sonhar?
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– O Universo e a Vida
1.1 – O retorno às origens Segundo a teoria ísica chamada “modelo padrão”, nosso Universo teria aparecido há 14 bilhões de anos, oriundo de uma conguração de momento e de lugar não descritível pela ísica atual e que constitui uma singularidade que se chamou de big bang. Sem tamanho nem massa, composto de uma energia primordial, que escapa a toda denição, o Universo já estava completo. Desenvolvendo-se ao redor desse centro “nada-origem de tudo”, ele começou sua prodigiosa evolução em direção cada vez mais à complexidade, implantando seus raios em todas as dimensões do espaço e do tempo. Extremamente resumida, a hipótese atualmente aceita pelo mundo cientíco diz que, em uma ração innitesimal de segundo em nossa escala de tempo, a matéria e a antimatéria se opuseram em uma luta sem misericórdia, que nalizou em uma vitória da matéria sobre sua contrária. A energia primordial gerada por esse confito, como minúsculas línguas de ogo, se transormou em linhas de energia imaterial ou campos de energia, que se tornaram, após outras interações, os bósons, elétrons e quarks. Submetidas à ação das três orças undamentais, as primeiras interações nucleares começaram: a orça nuclear uniu os quarks três a três em núcleos atômicos (prótons e nêutrons), a orça eletromagnética permitiu a orbitação dos elétrons em torno do núcleo, e a orça raca, responsável pela radioatividade, constituiu os neutrinos. Esse mundo pré-atômico obedece às leis das matemáticas ractais. Mais tarde apareceram os primeiros átomos de hidrogênio e de hélio, os mais leves, os que iriam, por novas interações, servir para constituir – 18 –
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todos os outros. O tempo, associado ao espaço, tornou-se a quarta dimensão de um sistema que se ampliou em se resriando. A ação da quarta orça que governava o Universo em grande escala, a orça da gravidade, engendrou no curso do tempo moléculas cada vez mais complexas e centenas de bilhões de galáxias, contendo elas mesmas centenas de bilhões de estrelas como o Sol. Mesmo que seu tamanho seja gigantesco, nosso Universo não tem, nem por isso, mais massa que na sua origem. Ele continua sua expansão ao mesmo tempo que diminui sua densidade e temperatura. Apesar das aparências, esse gigantesco universo “vazio” é então uma ilusão, o que vai ao encontro do que já armava a tradição védica milhares de anos antes de nossa era. A história do nosso Universo é detalhada pelos astroísicos que souberam azer matematicamente um modelo dessa maquinaria gigantesca e explicaram como apareceram os átomos cada vez maiores, constituindo os planetas telúricos, sobre os quais ia se maniestar a vida, sob as múltiplas ormas de existência que conhecemos. As teorias da relatividade e da mecânica quântica respondem a essas interrogações na espera de uma teoria que una os dois aspectos do Universo, o do innitamente grande das galáxias e o do innitamente pequeno do mundo subatômico. Não está excluído que outras teorias venham um dia invalidar o que conhecemos hoje de uma ínma parte de nosso Universo. A Natureza subatômica da matéria é um mundo de vacuidade e de ilusões. Bilhões de partículas provenientes do espaço atravessam de lado a lado nosso planeta e mesmo nós, sem encontrar o menor obstáculo, de tanto que somos “vazios”! A palavra “vazio” deve ser tomada pelo senso relativo do termo, que está em contradição com a armação de que “o vazio não existe”. Se um único átomo subsiste por quilômetro cúbico de espaço, isso é suuciente para dizer que o vazio não existe. Se um átomo tivesse o tamanho de uma esera de 50 metros de diâmetro, seu núcleo não teria um tamanho maior que um grão de sal e seus elétrons turbilhonariam ao redor dele, como grãos de poeira. Esse átomo é imaterial, eito de interações energéticas e que ocupa um espaço com múltiplas “dimensões”, que não têm nada a ver com o sentido comum dado a essa palavra. Pela pequenez de seu tamanho e pela velocidade que o az circular ao redor de seu centro, o elétron está em todo lugar e em lugar nenhum. Esse espaço tão particular e que escapa à nossa inteligência organizada sobre um modo antropomórco equivocado, que reduz tudo ao ser humano e a seus sistemas de reerência, é explicado pela mecânica quântica.
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A matéria sólida que consitui o que nomeamos a química das partículas começa quando os átomos interagem, constituindo as moléculas de ormas geométricas que se combinam entre si de múltiplas maneiras, criando bilhões de átomos. Assim se constitui o mundo “inerte” dos minerais, seguido das células vivas. No início independentes, as células vão constituir estruturas cada vez mais complexas, compostas elas mesmas de bilhões de moléculas, até que surja o chamado mundo dos vivos. A análise da “coisa” estranha chamada luz, originada da noite dos tempos sob suas múltiplas requências, conta como uma máquina do tempo a história cósmica das origens até nossos dias. Pelos vestígios de ondas criadas na origem do Universo, a inteligência humana oi capaz de penetrar em uma parte dos mistérios do Cosmos e veio a compreender como tudo isso se organizou. Mas por que um universo tão gigantesco oi construído? Por que esperar dez bilhões de anos para se maniestar a vida? Por que o ser humano e sua consciência apareceram no m desse processo incrível? Um big bang saindo do nada tem uma explicação? Como o nada pôde gerar o tudo, sem desequilíbrio? Se as palavras “antimatéria”, “antipartícula”, “acaso”, “necessidade” azem parte do vocabulário cientíco, é anticientíco alar de antiuniverso, antitempo, antigravidade, antiacaso, antinecessidade? Se um universo e um antiuniverso se sobrepõem em pereito equilíbrio, há uma aniquilação de um pelo outro e tudo desaparece. Para existir, é então necessário que esses dois sistemas não possam se sobrepor ou sejam ligeiramente deasados dentro do espaço-tempo, ou ainda que haja um desequilíbrio entre os dois mundos, permitindo a uma das ases sair vencedora dessa guerra ratricida. Isso induz a uma intervenção de uma orça ou vontade exterior ao sistema? Parece que o acaso e a necessidade são incapazes, sozinhos, de trazer uma resposta satisatória a essa interrogação. A ciência busca sempre mais proundamente no innitamente pequeno para resolver esse dilema. Falamos então do big bang como uma “singularidade” que escapa a todas as leis conhecidas, tanto como os buracos negros, outra singularidade, que poderia ser o reio da expansão do Universo e um retorno em direção a um big crunch,* ponto de partida para um novo ciclo, um novo big bang . Desde Einstein, sabe-se que o espaço-tempo é curvo. A imensidão do Universo lembra um balão de ar que se infa. Nesse espaço-tempo *N.T.: Teoria segundo a qual o Universo, no uturo, começará a contrair-se até entrar em colapso
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relativo, quando o volume do Universo tende ao innito, a curvatura de sua superície e sua densidade tendem a chegar ao zero. Para justicar uma singularidade como um buraco negro, é necessário que em certos lugares desse espaço-tempo o comportamento do Universo se inverta e que buracos se ormem com uma curvatura tendendo em direção ao innito, encaminhando a matéria para uma densidade que também tende a esse limite. Esse processo inverso encontraria as condições primordiais das origens, provavelmente enraquecidas pela entropia. Se os buracos negros encontrados no espaço no seio das galáxias são detectáveis, por que não existiriam buracos negros no cerne do átomo? Para que o sistema que em equilíbrio, deve-se considerar que simultaneamente mundos se açam enquanto outros se desaçam? Essas hipóteses pseudocientícas partem de um reerencial nada, indo em direção a um tudo, e voltando para o nada. Nesse mundo não nos reerimos ao nulo que pertence a um sistema binário, que se opõe ao real, do qual az parte o nada. Nulo e real são, na denição binária, como o “há” que se opõe ao “não há”. A origem do mundo no qual vivemos não é dessa maneira oriunda do nulo, mas do nada, o que é undamentalmente dierente. Por outro lado, o ser (real) ou o não ser (o nulo) participam de dois universos opostos, que só podem maniestar alguma coisa se estiverem separados um do outro no espaço-tempo multidimensional descrito mais acima ou ser submetidos a uma realidade que escapa ao conhecimento. O tempo é em si enigmático, onipresente e relativo. Ele liga todas as coisas no Universo. As teorias da relatividade de Einstein nos ensinam que, ligado ao espaço, o tempo não é linear, ele muda de escala no espaço, adota curvas muito variáveis que a gravidade lhe impõe. Quando próximas das singularidades do Universo, as leis clássicas da ísica perdem toda a validade, a ísica e a metaísica se unem. Outro aspecto deve ser posto em evidência. Trata-se do princípio da entropia, relativo a uma lenta degradação da energia. Essa degradação transorma lentamente a nobre “energia pura” das origens em energia eletromagnética, mecânica, química, para terminar em calor. Esse último estágio da degradação induz um desgaste do Universo e a aniquilação do sistema a longo prazo. A menos que um antiuniverso, em sistema paralelo, regenere o todo por uma “sintropia”?* Quanta ambiguidade! Quantas coisas desconhecidas! *N.T.: Sintropia, entropia negativa ou negentropia é a medida da organização de um sistema, teoria simetricamente oposta à entropia.
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1.2 – A vida Se querer penetrar o mistério das origens do Universo é importante para o intelecto humano, há um outro enômeno undamental que também o é. Ele tem como nome “a vida”, que gera a multidão de criaturas vivas e de seres pensantes que lá estão como testemunhas. Sem a vida e suas maniestações, este imenso Universo seria “totalmente outro”, pois nossa consciência não participaria dele. Provavelmente presente em outros lugares na imensidão do Universo, a vida se maniestou bem tardiamente no único planeta hospitaleiro de nosso sistema solar. A origem da vida é tão misteriosa quanto a transormação da energia undamental em quarks, depois em partículas, em átomos, em moléculas, em células cada vez mais complexas constituídas de bilhões de átomos. Somos eitos da “poeira das estrelas”, reunidas de centenas de bilhões de bilhões de partículas. A árvore da vida que gerou milhões de espécies dierentes evoluiu, segundo a lógica própria do sistema, do mais simples ao mais complexo, começando pela reunião das moléculas de carbono, de azoto, de enzimas e de proteínas, segundo um plano programado por uma estrutura bem misteriosa chamada DNA, que se enrola no seio de cada uma de nossas células em uma longa cadeia com posta de bilhões de átomos. O DNA domina as proteínas, mas só unciona através das proteínas. Quem precedeu ao outro na escala da evolução? As bases que constituem os cromossomos carregam o código genético das espécies vivas. Todo o restante do DNA (bilhões de bases) parece inútil, de qualquer orma inexplicado até o momento. Como já evoquei abundantemente em meu livro anterior, parece que esse “restante” seja organizado segundo um ritmo correspondente aos números da série de Fibonacci, que conduz ao número de ouro; esse “restante”, ainda desconhecido, poderia então, já que está em relação com o número da vida, ser muito útil e explicar certos enômenos elétricos próprios ao seu desenvolvimento.5 Da mesma maneira que para o Universo, a origem da vida escapa à razão cartesiana. Um processo tão sosticado e de uma inteligência tamanha somente pode nos espantar. Embora a ciência imagine cenários que deixam à Natureza o cuidado de reunir bilhões de moléculas, até encontrar algo que uncione, nós somos obrigados a constatar que, mesmo utilizando bilhões de anos, esse processo não explica como 5. PEREZ, Jean-Claude, L’ADN décrypté. Marco Pietteur, 1997.
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